O convite que me foi feito por João Lopes Filho para apresentar o livro “Cabo Verde – abolição da... more O convite que me foi feito por João Lopes Filho para apresentar o livro “Cabo Verde – abolição da escravatura – subsídios para o seu estudo” era irrecusável não só pela amizade e admiração que tenho pelo professor, mas também porque penso que livros como estes, que põem a disposição dos jovens estudiosos cabo-verdianos conhecimentos e informações sobre a nossa História são fundamentais e devem ser incentivados. Isto porque, todos nos que como investigadores e professores temos a grata tarefa de transmitir conhecimentos sabemos que para o sucesso desse empreendimento temos que ultrapassar vários obstáculos: A falta de prática de leitura dos jovens, A escassez de bibliografia disponível nas escolas, nos liceus e nas instituições de ensino superior, Mas também a falta de livros que podemos chamar de “iniciadores” em certos temas, que proporcionem aos jovens as primeiras informações, que expliquem certos conceitos de forma a incentiva-los e prepara-los para livros de mais difícil leitura
Na tese, que agora se apresenta, ocupamo-nos da formação e desenvolvimento da elite, que, desde o... more Na tese, que agora se apresenta, ocupamo-nos da formação e desenvolvimento da elite, que, desde o século XV até ao século XVII, evoluiu num processo em que se evidencia uma vincada mudança social. Durante o primeiro século da História do arquipélago, os “homens brancos honrados” de Santiago ocuparam a cimeira da sociedade da ilha. Estes homens, - brancos/reinóis, muitas vezes nobres, armadores, comerciantes e funcionários da administração central - formaram a primeira elite do arquipélago que estruturou a sociedade cabo-verdiana conforme os seus interesses económicos, as suas práticas culturais, políticas e ideológicas. Acontece que esta elite se organiza, se fortalece, e desaparece, não propriamente porque é desalojada numa ruptura abrupta, mas porque é substituída num processo pacífico. É este processo que consideramos específico da sociedade cabo-verdiana e procurámos esclarecer na tese apresentada. Os filhos ilegítimos mulatos dos “homens brancos honrados” serão devedores de seu...
O convite que me foi feito por João Lopes Filho para apresentar o livro “Cabo Verde – abolição da... more O convite que me foi feito por João Lopes Filho para apresentar o livro “Cabo Verde – abolição da escravatura – subsídios para o seu estudo” era irrecusável não só pela amizade e admiração que tenho pelo professor, mas também porque penso que livros como estes, que põem a disposição dos jovens estudiosos cabo-verdianos conhecimentos e informações sobre a nossa História são fundamentais e devem ser incentivados. Isto porque, todos nos que como investigadores e professores temos a grata tarefa de transmitir conhecimentos sabemos que para o sucesso desse empreendimento temos que ultrapassar vários obstáculos: A falta de prática de leitura dos jovens, A escassez de bibliografia disponível nas escolas, nos liceus e nas instituições de ensino superior, Mas também a falta de livros que podemos chamar de “iniciadores” em certos temas, que proporcionem aos jovens as primeiras informações, que expliquem certos conceitos de forma a incentiva-los e prepara-los para livros de mais difícil leitura
O povoamento do arquipélago começou por se estabelecer na sua maior ilha, Santiago (1462) e uns a... more O povoamento do arquipélago começou por se estabelecer na sua maior ilha, Santiago (1462) e uns anos mais tarde na ilha vizinha do Fogo. A sociedade que aí se organizou e desenvolveu seria composta por dois grandes estratos: o dos europeus e o dos africanos. O primeiro grupo, numericamente minoritário, era constituído por reinóis portugueses, castelhanos e genoveses provenientes de origens sociais diversas. Além dos aventureiros, incógnitos mercadores, marinheiros rudes, degredados chegaram aquelas ilhas escudeiros, cavaleiros, criados do rei, fidalgos que optaram por se estabelecer temporária ou definitivamente naquele arquipélago distante
Sujeito da história, as elites são uma fracção da população onde se concentram poder, autoridade ... more Sujeito da história, as elites são uma fracção da população onde se concentram poder, autoridade e influência. Elas evoluem, tal como a classe camponesa ou a classe operária, segundo os ritmos da sociedade onde se inserem, mas deixam infalivelmente nela a sua marca e a sua ideologia. Independentemente da sua natureza (baseada no sangue, no dinheiro ou no saber) as elites, colhem a sua inspiração e a sua substância do povo. E por isso todos os conflitos que atravessam a sociedade se repercutem nelas e as afectam.1 Utilizando este conceito de elite proponho-me neste artigo reflectir e descrever sucintamente as elites que dirigiram os destinos da Cidade Velha/Ribeira Grande durante os séculos XVI, XVII e XVIII e que, consequentemente foram também as que detiveram o poder local preponderante em Santiago e em todo o arquipélago
Toda a história colonial de Cabo Verde está marcada pela acção e protagonismo do poder local. Est... more Toda a história colonial de Cabo Verde está marcada pela acção e protagonismo do poder local. Este protagonismo é acentuado ou atenuado dependendo do poder económico, social e militar da elite que representa esse poder. O poder local em Cabo Verde foi ocupado durante os séculos XVI, XVII e XVIII por três elites diferentes na sua composição social, económica e rácica. A primeira elite (século XVI) — reinol, nobre, urbana, cosmopolita, armadora, proprietária rural — era uma ramificação da elite portuguesa, que se aventurara e se instalara no arquipélago, recém-descoberto, para comerciar em segurança, com o continente fronteiro. Foi ela que construiu a Ribeira Grande, primeira cidade lusa dos trópicos, e que a tornou em uma das escalas mais procuradas no Atlântico nesse período
Não vamos aqui trazer matéria nova relativamente ao que está escrito nos dois volumes já publicad... more Não vamos aqui trazer matéria nova relativamente ao que está escrito nos dois volumes já publicados da História Geral de Cabo Verde e nos vários artigos preparatórios e/ou resultantes desse labor, quase contínuo, de historiadores caboverdianos e portugueses. Propomo-nos antes observar o resultado do nosso trabalho, procurando uma perspectiva distanciada que permita encontrar algumas linhas de força na média duração de cerca de dois séculos. Poderíamos começar pela verificação de que, aqui se aprontou o primeiro cadinho de interacção de povos e culturas luso euro/africanos, na África ao Sul do Saara. Mas sabemos como os avanços e retrocessos, as continuidades e rupturas eliminam, e invertem até, prioridades de zonas geográficas. A História está cheia desses exemplos. Por isso, o primeiro indicador que se impõe, na perspectiva da média duração, não está tanto na antecipação e precocidade dos fenómenos sociais e culturais, resultantes da colonização europeia na África, mas no ritmo com...
A descoberta de Cabo Verde não foi resultado de planos de pesquisa, como o caminho marítimo para ... more A descoberta de Cabo Verde não foi resultado de planos de pesquisa, como o caminho marítimo para a Índia, nem de missões exploratórias, como as que reconheceram e levantaram os litorais do continente africano. Foi um achado (1460)1 não previsto nas viagens marítimas portuguesas que rapidamente se utilizou em função dos objectivos principais da navegação atlântica vertical: o comércio com a Costa de África e o avanço para o Atlântico Sul. Seguir-se-ia, um pouco mais tarde, c. 1520, o fornecimento de escravos às Índias de Castela navegando o Atlântico na horizontal. A posição relativa de Cabo Verde, suficientemente afastado da costa para ficar fora do alcance de ataques das populações africanas e convenientemente próximo para facultar uma fácil e cómoda comunicação, viria a conferir ao arquipélago o carácter de área estratégica, consignado juridicamente, com variantes, ao longo dos tempos
A cidade da Ribeira Grande não resulta de uma selecção natural das populações ao longo dos tempos... more A cidade da Ribeira Grande não resulta de uma selecção natural das populações ao longo dos tempos, atraídas por um local que apresente as várias condições favoráveis à evolução da vida comunitária. Ela é fundada por decisão administrativa num vazio populacional, de clima adverso, por razões exógenas ao território. Quando esses condicionalismos externos se alteram e a retaguarda se povoa, a cidade decai e a população ruraliza-se. A ilha de Santiago e designadamente o porto da Ribeira Grande tornaram-se, no 3º quartel do séc. XV, objecto de atenções por parte da política ultramarina da Coroa portuguesa devido à sua possível função de “fortaleza feitoria insular” da Costa da Guiné.1 Efectivamente, por razões estratégicas os portugueses inventaram um pólo de atracção tão intenso, quanto nele confluíam todas as linhas que estabeleciam a ligação entre a ilha e o extenso litoral fronteiro. O porto insular foi um litoral fabricado, para ocupação sem resistências, dispondo de uma retaguarda ...
A 4 de Maio de 1512, D. Manuel I, rei de Portugal, fez mercê do ofício de almoxarife da vila da R... more A 4 de Maio de 1512, D. Manuel I, rei de Portugal, fez mercê do ofício de almoxarife da vila da Ribeira Grande a Álvaro Dias, escudeiro de Sua Casa e morador da ilha de Santiago. A 20 de Fevereiro de 1534, D. João III confirmou a dita carta. 2 Durante o período que medeia entre estas duas datas decorre a vivência administrativa de uma das personagens mais interessantes e representativas da ilha de Santiago na primeira metade do século XVI. Esta figura, que foi ao mesmo tempo oficial régio, armador e mercador, representou como almoxarife os interesses da Fazenda Real na vila da Ribeira Grande. Como morador de Santiago, que armava navios e comerciava com a costa da Guiné, pertencia à camada social dominante da ilha. Pelo facto de colocar os seus negócios acima dos deveres que tinha perante a Coroa, Álvaro Dias foi por várias vezes destituído do ofício. No entanto, aproveitando-se das fraquezas existentes nas estruturas da administração, conseguiu reter, até à sua morte, a carta de alm...
No seu admirável romance, “Ilhéu da Contenda”, Teixeira de Sousa, relata o pensamento de Chiquinh... more No seu admirável romance, “Ilhéu da Contenda”, Teixeira de Sousa, relata o pensamento de Chiquinho, um jovem mestiço foguense que enquanto matuta sobre a sua posição social, como filho ilegítimo de um branco da terra, expõe-nos sucintamente os seus pensamentos sobre a história da sua família e da sua ilha: “...De que lhe valia ser filho de branco se não usava o nome do pai? /.../ Preferia não receber coisa alguma do pai se em troca apenas lhe desse o seu apelido. Não queria nada mais de Nhô Eusébio. Francisco Medina da Veiga seria nome mais bonito do que só Francisco de Pina. Francisco de Pina. Nome de negro. Ao passo que os Medinas e os Veigas foram sempre gentes graúdas desde o povoamento da ilha. O primeiro Veiga foi capitão-mor do Fogo, e tão rico que os descendentes se mantiveram abastados até os que ainda viviam. Ouvia contar a Nha Caela que esse Afonso Sanches Veiga capitão-mor da ilha, foi o tronco da família do marido. Pois Nho Pedro Simplício da Veiga descendia de uma linh...
No início do século XVIII, a ilha de Santiago, devido a uma nova conjuntura internacional, já não... more No início do século XVIII, a ilha de Santiago, devido a uma nova conjuntura internacional, já não é a placa giratória onde eram armazenadas as mercadorias africanas para serem exportadas para vários pontos do Atlântico. A economia da ilha, deixando de se basear no comércio e na produção de mercadorias para o trato com a costa da Guiné virou-se, inteiramente, para a agricultura de subsistência e para o abastecimento de géneros aos vários navios que atracavam nos seus portos para fazer aguada. A sociedade santiaguense transfigura-se, a estrutura social escravocrata desmorona-se pouco a pouco
Em 14661, o rei de Portugal, após quatro anos de tentativas falhadas para povoar Santiago através... more Em 14661, o rei de Portugal, após quatro anos de tentativas falhadas para povoar Santiago através de distribuição de terras em sesmaria a casais portugueses, doa ao donatário (Infante D. Fernando) e aqueles que se aventurassem a residir na ilha, tornando-se seus vizinhos, facilidades fiscais e outros privilégios, incentivando, assim, a vinda de reinois capacitados a investir na armação de navios para o comércio com a Costa da Guiné. Este grupo de reinois - composto por homens com capital para financiar e organizar na ilha um entreposto de mercadorias africanas, principalmente, de escravos e por aqueles que para cá vieram para controlar esse lucrativo negócio, defendendo os interesses da Coroa (oficiais régios) ou dos rendeiros - forma a primeira elite santiaguense, que podemos denominar (e que muitas vezes a documentação assim o faz) de ―Homens brancos, honrados e poderosos‖
Os relatos Históricos são, geralmente, povoados por figuras masculinas, isto porque foram os home... more Os relatos Históricos são, geralmente, povoados por figuras masculinas, isto porque foram os homens que dirigiram os destinos da humanidade, pelo menos desde que existe a escritura e, principalmente, porque foram eles que escreveram ou impuseram as fontes escritas que hoje utilizamos para narrarmos o passado. Por isso, o historiador encontra, raramente na documentação, dados ou relatos sobre o papel das mulheres no avançar da História. Apenas são conhecidos os destinos e as acções das grandes Rainhas ou das mulheres cujas vidas estiveram, intimamente, ligadas às de homens de poder. Geralmente a história da mulher tem sido baseada na história da família, a que pertenceu, devido a discriminação de género de que sempre foi objecto. O historiador cabo-verdiano encontra-se perante o mesmo dilema, mas com a agravante da nossa História estar despovoada, igualmente, de figuras masculinas. É necessário prover a nossa História de personagens representativas de cada época, para que possamos ap...
Mais uma vez tive a honra de ser convidada pelo meu amigo Professor Joao Lopes Filho para dizer a... more Mais uma vez tive a honra de ser convidada pelo meu amigo Professor Joao Lopes Filho para dizer algumas palavras sobre o seu recente, mas nao derradeiro, livro que porta um titulo sugestivo “Cronicas do tempo que passou”. Este titulo introduz o leitor naquilo que descobrira quando tiver a curiosidade intelectual de ler o livro, ja que o professor ajuntou nele, nao so, varios textos sobre a sua visao da Historia da nacao cabo-verdiana, da forma como ela e e deve continuar a ser “construida”, da conservacao e da importância dos vestigios materias que o passado nos deixou, mas tambem nos proporciona a possibilidade de conhecer importantes testemunhos escritos desse passado. Alguns dos textos (11) reunidos neste livro ja foram publicados (em actas de coloquios, revistas, etc.) num espaco de tempo que vai desde o ano de 1983 a 2001, o que nos permite apreender quais foram, nesse periodo, os temas que mais interessaram ao autor e a abrangencia de suas inquietacoes intelectuais.
O convite que me foi feito por João Lopes Filho para apresentar o livro “Cabo Verde – abolição da... more O convite que me foi feito por João Lopes Filho para apresentar o livro “Cabo Verde – abolição da escravatura – subsídios para o seu estudo” era irrecusável não só pela amizade e admiração que tenho pelo professor, mas também porque penso que livros como estes, que põem a disposição dos jovens estudiosos cabo-verdianos conhecimentos e informações sobre a nossa História são fundamentais e devem ser incentivados. Isto porque, todos nos que como investigadores e professores temos a grata tarefa de transmitir conhecimentos sabemos que para o sucesso desse empreendimento temos que ultrapassar vários obstáculos: A falta de prática de leitura dos jovens, A escassez de bibliografia disponível nas escolas, nos liceus e nas instituições de ensino superior, Mas também a falta de livros que podemos chamar de “iniciadores” em certos temas, que proporcionem aos jovens as primeiras informações, que expliquem certos conceitos de forma a incentiva-los e prepara-los para livros de mais difícil leitura
Na tese, que agora se apresenta, ocupamo-nos da formação e desenvolvimento da elite, que, desde o... more Na tese, que agora se apresenta, ocupamo-nos da formação e desenvolvimento da elite, que, desde o século XV até ao século XVII, evoluiu num processo em que se evidencia uma vincada mudança social. Durante o primeiro século da História do arquipélago, os “homens brancos honrados” de Santiago ocuparam a cimeira da sociedade da ilha. Estes homens, - brancos/reinóis, muitas vezes nobres, armadores, comerciantes e funcionários da administração central - formaram a primeira elite do arquipélago que estruturou a sociedade cabo-verdiana conforme os seus interesses económicos, as suas práticas culturais, políticas e ideológicas. Acontece que esta elite se organiza, se fortalece, e desaparece, não propriamente porque é desalojada numa ruptura abrupta, mas porque é substituída num processo pacífico. É este processo que consideramos específico da sociedade cabo-verdiana e procurámos esclarecer na tese apresentada. Os filhos ilegítimos mulatos dos “homens brancos honrados” serão devedores de seu...
O convite que me foi feito por João Lopes Filho para apresentar o livro “Cabo Verde – abolição da... more O convite que me foi feito por João Lopes Filho para apresentar o livro “Cabo Verde – abolição da escravatura – subsídios para o seu estudo” era irrecusável não só pela amizade e admiração que tenho pelo professor, mas também porque penso que livros como estes, que põem a disposição dos jovens estudiosos cabo-verdianos conhecimentos e informações sobre a nossa História são fundamentais e devem ser incentivados. Isto porque, todos nos que como investigadores e professores temos a grata tarefa de transmitir conhecimentos sabemos que para o sucesso desse empreendimento temos que ultrapassar vários obstáculos: A falta de prática de leitura dos jovens, A escassez de bibliografia disponível nas escolas, nos liceus e nas instituições de ensino superior, Mas também a falta de livros que podemos chamar de “iniciadores” em certos temas, que proporcionem aos jovens as primeiras informações, que expliquem certos conceitos de forma a incentiva-los e prepara-los para livros de mais difícil leitura
O povoamento do arquipélago começou por se estabelecer na sua maior ilha, Santiago (1462) e uns a... more O povoamento do arquipélago começou por se estabelecer na sua maior ilha, Santiago (1462) e uns anos mais tarde na ilha vizinha do Fogo. A sociedade que aí se organizou e desenvolveu seria composta por dois grandes estratos: o dos europeus e o dos africanos. O primeiro grupo, numericamente minoritário, era constituído por reinóis portugueses, castelhanos e genoveses provenientes de origens sociais diversas. Além dos aventureiros, incógnitos mercadores, marinheiros rudes, degredados chegaram aquelas ilhas escudeiros, cavaleiros, criados do rei, fidalgos que optaram por se estabelecer temporária ou definitivamente naquele arquipélago distante
Sujeito da história, as elites são uma fracção da população onde se concentram poder, autoridade ... more Sujeito da história, as elites são uma fracção da população onde se concentram poder, autoridade e influência. Elas evoluem, tal como a classe camponesa ou a classe operária, segundo os ritmos da sociedade onde se inserem, mas deixam infalivelmente nela a sua marca e a sua ideologia. Independentemente da sua natureza (baseada no sangue, no dinheiro ou no saber) as elites, colhem a sua inspiração e a sua substância do povo. E por isso todos os conflitos que atravessam a sociedade se repercutem nelas e as afectam.1 Utilizando este conceito de elite proponho-me neste artigo reflectir e descrever sucintamente as elites que dirigiram os destinos da Cidade Velha/Ribeira Grande durante os séculos XVI, XVII e XVIII e que, consequentemente foram também as que detiveram o poder local preponderante em Santiago e em todo o arquipélago
Toda a história colonial de Cabo Verde está marcada pela acção e protagonismo do poder local. Est... more Toda a história colonial de Cabo Verde está marcada pela acção e protagonismo do poder local. Este protagonismo é acentuado ou atenuado dependendo do poder económico, social e militar da elite que representa esse poder. O poder local em Cabo Verde foi ocupado durante os séculos XVI, XVII e XVIII por três elites diferentes na sua composição social, económica e rácica. A primeira elite (século XVI) — reinol, nobre, urbana, cosmopolita, armadora, proprietária rural — era uma ramificação da elite portuguesa, que se aventurara e se instalara no arquipélago, recém-descoberto, para comerciar em segurança, com o continente fronteiro. Foi ela que construiu a Ribeira Grande, primeira cidade lusa dos trópicos, e que a tornou em uma das escalas mais procuradas no Atlântico nesse período
Não vamos aqui trazer matéria nova relativamente ao que está escrito nos dois volumes já publicad... more Não vamos aqui trazer matéria nova relativamente ao que está escrito nos dois volumes já publicados da História Geral de Cabo Verde e nos vários artigos preparatórios e/ou resultantes desse labor, quase contínuo, de historiadores caboverdianos e portugueses. Propomo-nos antes observar o resultado do nosso trabalho, procurando uma perspectiva distanciada que permita encontrar algumas linhas de força na média duração de cerca de dois séculos. Poderíamos começar pela verificação de que, aqui se aprontou o primeiro cadinho de interacção de povos e culturas luso euro/africanos, na África ao Sul do Saara. Mas sabemos como os avanços e retrocessos, as continuidades e rupturas eliminam, e invertem até, prioridades de zonas geográficas. A História está cheia desses exemplos. Por isso, o primeiro indicador que se impõe, na perspectiva da média duração, não está tanto na antecipação e precocidade dos fenómenos sociais e culturais, resultantes da colonização europeia na África, mas no ritmo com...
A descoberta de Cabo Verde não foi resultado de planos de pesquisa, como o caminho marítimo para ... more A descoberta de Cabo Verde não foi resultado de planos de pesquisa, como o caminho marítimo para a Índia, nem de missões exploratórias, como as que reconheceram e levantaram os litorais do continente africano. Foi um achado (1460)1 não previsto nas viagens marítimas portuguesas que rapidamente se utilizou em função dos objectivos principais da navegação atlântica vertical: o comércio com a Costa de África e o avanço para o Atlântico Sul. Seguir-se-ia, um pouco mais tarde, c. 1520, o fornecimento de escravos às Índias de Castela navegando o Atlântico na horizontal. A posição relativa de Cabo Verde, suficientemente afastado da costa para ficar fora do alcance de ataques das populações africanas e convenientemente próximo para facultar uma fácil e cómoda comunicação, viria a conferir ao arquipélago o carácter de área estratégica, consignado juridicamente, com variantes, ao longo dos tempos
A cidade da Ribeira Grande não resulta de uma selecção natural das populações ao longo dos tempos... more A cidade da Ribeira Grande não resulta de uma selecção natural das populações ao longo dos tempos, atraídas por um local que apresente as várias condições favoráveis à evolução da vida comunitária. Ela é fundada por decisão administrativa num vazio populacional, de clima adverso, por razões exógenas ao território. Quando esses condicionalismos externos se alteram e a retaguarda se povoa, a cidade decai e a população ruraliza-se. A ilha de Santiago e designadamente o porto da Ribeira Grande tornaram-se, no 3º quartel do séc. XV, objecto de atenções por parte da política ultramarina da Coroa portuguesa devido à sua possível função de “fortaleza feitoria insular” da Costa da Guiné.1 Efectivamente, por razões estratégicas os portugueses inventaram um pólo de atracção tão intenso, quanto nele confluíam todas as linhas que estabeleciam a ligação entre a ilha e o extenso litoral fronteiro. O porto insular foi um litoral fabricado, para ocupação sem resistências, dispondo de uma retaguarda ...
A 4 de Maio de 1512, D. Manuel I, rei de Portugal, fez mercê do ofício de almoxarife da vila da R... more A 4 de Maio de 1512, D. Manuel I, rei de Portugal, fez mercê do ofício de almoxarife da vila da Ribeira Grande a Álvaro Dias, escudeiro de Sua Casa e morador da ilha de Santiago. A 20 de Fevereiro de 1534, D. João III confirmou a dita carta. 2 Durante o período que medeia entre estas duas datas decorre a vivência administrativa de uma das personagens mais interessantes e representativas da ilha de Santiago na primeira metade do século XVI. Esta figura, que foi ao mesmo tempo oficial régio, armador e mercador, representou como almoxarife os interesses da Fazenda Real na vila da Ribeira Grande. Como morador de Santiago, que armava navios e comerciava com a costa da Guiné, pertencia à camada social dominante da ilha. Pelo facto de colocar os seus negócios acima dos deveres que tinha perante a Coroa, Álvaro Dias foi por várias vezes destituído do ofício. No entanto, aproveitando-se das fraquezas existentes nas estruturas da administração, conseguiu reter, até à sua morte, a carta de alm...
No seu admirável romance, “Ilhéu da Contenda”, Teixeira de Sousa, relata o pensamento de Chiquinh... more No seu admirável romance, “Ilhéu da Contenda”, Teixeira de Sousa, relata o pensamento de Chiquinho, um jovem mestiço foguense que enquanto matuta sobre a sua posição social, como filho ilegítimo de um branco da terra, expõe-nos sucintamente os seus pensamentos sobre a história da sua família e da sua ilha: “...De que lhe valia ser filho de branco se não usava o nome do pai? /.../ Preferia não receber coisa alguma do pai se em troca apenas lhe desse o seu apelido. Não queria nada mais de Nhô Eusébio. Francisco Medina da Veiga seria nome mais bonito do que só Francisco de Pina. Francisco de Pina. Nome de negro. Ao passo que os Medinas e os Veigas foram sempre gentes graúdas desde o povoamento da ilha. O primeiro Veiga foi capitão-mor do Fogo, e tão rico que os descendentes se mantiveram abastados até os que ainda viviam. Ouvia contar a Nha Caela que esse Afonso Sanches Veiga capitão-mor da ilha, foi o tronco da família do marido. Pois Nho Pedro Simplício da Veiga descendia de uma linh...
No início do século XVIII, a ilha de Santiago, devido a uma nova conjuntura internacional, já não... more No início do século XVIII, a ilha de Santiago, devido a uma nova conjuntura internacional, já não é a placa giratória onde eram armazenadas as mercadorias africanas para serem exportadas para vários pontos do Atlântico. A economia da ilha, deixando de se basear no comércio e na produção de mercadorias para o trato com a costa da Guiné virou-se, inteiramente, para a agricultura de subsistência e para o abastecimento de géneros aos vários navios que atracavam nos seus portos para fazer aguada. A sociedade santiaguense transfigura-se, a estrutura social escravocrata desmorona-se pouco a pouco
Em 14661, o rei de Portugal, após quatro anos de tentativas falhadas para povoar Santiago através... more Em 14661, o rei de Portugal, após quatro anos de tentativas falhadas para povoar Santiago através de distribuição de terras em sesmaria a casais portugueses, doa ao donatário (Infante D. Fernando) e aqueles que se aventurassem a residir na ilha, tornando-se seus vizinhos, facilidades fiscais e outros privilégios, incentivando, assim, a vinda de reinois capacitados a investir na armação de navios para o comércio com a Costa da Guiné. Este grupo de reinois - composto por homens com capital para financiar e organizar na ilha um entreposto de mercadorias africanas, principalmente, de escravos e por aqueles que para cá vieram para controlar esse lucrativo negócio, defendendo os interesses da Coroa (oficiais régios) ou dos rendeiros - forma a primeira elite santiaguense, que podemos denominar (e que muitas vezes a documentação assim o faz) de ―Homens brancos, honrados e poderosos‖
Os relatos Históricos são, geralmente, povoados por figuras masculinas, isto porque foram os home... more Os relatos Históricos são, geralmente, povoados por figuras masculinas, isto porque foram os homens que dirigiram os destinos da humanidade, pelo menos desde que existe a escritura e, principalmente, porque foram eles que escreveram ou impuseram as fontes escritas que hoje utilizamos para narrarmos o passado. Por isso, o historiador encontra, raramente na documentação, dados ou relatos sobre o papel das mulheres no avançar da História. Apenas são conhecidos os destinos e as acções das grandes Rainhas ou das mulheres cujas vidas estiveram, intimamente, ligadas às de homens de poder. Geralmente a história da mulher tem sido baseada na história da família, a que pertenceu, devido a discriminação de género de que sempre foi objecto. O historiador cabo-verdiano encontra-se perante o mesmo dilema, mas com a agravante da nossa História estar despovoada, igualmente, de figuras masculinas. É necessário prover a nossa História de personagens representativas de cada época, para que possamos ap...
Mais uma vez tive a honra de ser convidada pelo meu amigo Professor Joao Lopes Filho para dizer a... more Mais uma vez tive a honra de ser convidada pelo meu amigo Professor Joao Lopes Filho para dizer algumas palavras sobre o seu recente, mas nao derradeiro, livro que porta um titulo sugestivo “Cronicas do tempo que passou”. Este titulo introduz o leitor naquilo que descobrira quando tiver a curiosidade intelectual de ler o livro, ja que o professor ajuntou nele, nao so, varios textos sobre a sua visao da Historia da nacao cabo-verdiana, da forma como ela e e deve continuar a ser “construida”, da conservacao e da importância dos vestigios materias que o passado nos deixou, mas tambem nos proporciona a possibilidade de conhecer importantes testemunhos escritos desse passado. Alguns dos textos (11) reunidos neste livro ja foram publicados (em actas de coloquios, revistas, etc.) num espaco de tempo que vai desde o ano de 1983 a 2001, o que nos permite apreender quais foram, nesse periodo, os temas que mais interessaram ao autor e a abrangencia de suas inquietacoes intelectuais.
Uploads
Papers by Iva Cabral