Comunicação e Sociedade 2, Cadernos do Noroeste, Série Comunicação, Vol. 14 (1-2), 2000, 319-337
A QUESTÃO DAS FONTES NOS CÓDIGOS
DEONTOLÓGICOS DOS JORNALISTAS
JOAQUIM FIDALGO *
RESUMO
As múltiplas questões suscitadas pela relação entre jornalistas e fontes de informação fazem parte das mais recorrentes preocupações desta classe profissional. Não admira,
portanto, que sejam referidas com frequência nos Códigos Deontológicos dos jornalistas.
Constatamos entretanto, quando lemos códigos de diversas latitudes, que essas referências são muito desiguais – tanto no pormenor com que aprofundam (ou não) o assunto,
como no maior ou menor enfoque dado a determinados aspectos particulares –, revelando sensibilidades diversas, tradições particulares e até enquadramentos legais específicos. O objectivo desta comunicação é tentar mostrar, de modo necessariamente breve e
não exaustivo, as principais semelhanças e diferenças existentes nos Códigos Deontológicos (ou Códigos de Conduta Profissional) de jornalistas, no espaço europeu, quanto à
abordagem da problemática das fontes. Analisa-se complementarmente, de modo mais
detalhado, a questão específica da protecção das fontes confidenciais de informação
(sigilo profissional).
Enquadramento
A relação entre os jornalistas e as fontes de informação é, consabidamente, uma das facetas do trabalho jornalístico mais sensíveis a questões do
domínio ético, tanto mais que ela consiste, grande parte das vezes, numa
relação entre duas pessoas concretas, mas com papéis e objectivos diversos
* Jornalista, Provedor do Leitor do jornal PÚBLICO, professor convidado do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, Braga.
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(para não dizer opostos), além de que se desenvolve frequentemente quase
em segredo – ou, pelo menos, longe das ribaltas públicas que permitiriam
alguma vigilância e fiscalização. Em muitas destas situações, o jornalista
está sozinho perante si e a sua consciência, exigindo-se-lhe, por maioria de
razão, um sólido entendimento de – e uma genuína adesão a – valores éticos
que, destinados essencialmente a garantir e defender «a dignidade
de cada pessoa» (Perales, 1995: 28), balizam uma conduta profissional
exigente, e que não pode esquecer nunca a sua particular responsabilidade social.
Muitas destas preocupações de ordem ética – que são, em bastantes
situações, verificáveis apenas no âmbito restrito da consciência individual
dos jornalistas – têm sido, ao longo dos últimos anos, discutidas, aprofundadas, clarificadas e coligidas em «códigos» ou «declarações de princípios»,
assumidos colectivamente pelo grupo profissional dos jornalistas e divulgados ao público como uma espécie de compromisso formal com a sociedade que é razão do seu trabalho. São iniciativas recentes – os primeiros
códigos deontológicos surgem nos Estados Unidos já no primeiro quartel
deste século, e o primeiro código português só nasce em 1976 (Pina, 1995:
28/41) – mas que se desenvolveram com enorme rapidez. Este esforço de
auto-regulação (pois, na generalidade dos casos, tais códigos são aprovados
pelos próprios jornalistas e não têm necessariamente força de lei no enquadramento jurídico do país) permite que, para além da inalienável esfera
pessoal, também o grupo dos profissionais partilhe um conjunto de regras
básicas de conduta e, nessa ancoragem colectiva, encontre redobrada força
para as cumprir e fazer cumprir. Simultaneamente, ganha outro impacto
para o público consumidor esse conjunto de princípios que os jornalistas,
no seu todo, voluntariamente se comprometem a respeitar e por cujo
incumprimento, naturalmente, aceitam ser responsabilizados.
A organização e sistematização de um conjunto de princípios que
orientem, no plano ético, a conduta profissional dos jornalistas têm, naturalmente, também algum propósito defensivo. A rápida proliferação destes
códigos num tempo em que a Comunicação Social passou a ter uma grande
importância e influência nas sociedades é frequentemente associada a uma
espécie de «antecipação» dos jornalistas, receosos de que o poder político
concretizasse eventuais tentações de «fazer aprovar legislação especial para a
Imprensa e para o jornalismo» (Pina, 1995: 28). Como sustenta Mário
Mesquita , «a deontologia responde à necessidade de uma espécie de autoprotecção perante a própria empresa jornalística, as instituições e os públicos»
(Mesquita, 1999: 55). Constrangido pelas regras «de mercado» ou, mais
genericamente, pelas condições concretas em que produz o seu trabalho – e
que não são as do profissional liberal, mas as de um assalariado ao serviço
de uma empresa com as suas lógicas próprias –, desafiado por concor320
rências cada vez mais duras e menos escrupulosas, pressionado por «colocadores oficiais de notícias» com argumentos cada vez mais sedutores para
condicionar a informação publicada, o jornalista pode encontrar na vinculação formal (e colectivamente partilhada) a um código deontológico
algum apoio e protecção.
Será, todavia, algo redutor olhar para a deontologia apenas com esta
lógica, digamos, defensiva: o comprometimento do jornalista com um conjunto de deveres éticos é também, ou sobretudo, a garantia dada ao público
de que quer servi-lo com verdade, com rigor, com transparência, com
isenção, com justiça, com respeito pelos seus direitos fundamentais. Neste
sentido, os princípios deontológicos não só dão protecção ao jornalista,
quando dela necessite, como protegem o público para quem o jornalista
trabalha e que é a sua razão de ser.
E se é verdade que «a dignidade do homem» é «o maior bem incondicional, aquele que deve constituir o núcleo principal de toda a ética filosófica
e de toda a deontologia profissional que se preze» (Perales, 1995: 28), então
o objectivo básico dos códigos deontológicos dos jornalistas passaria por
«garantir a dignidade de toda a pessoa implicada no âmbito da informação,
seja a pessoa que recebe as mensagens (o cidadão), a que os difunde (o jornalista), ou, sobretudo, a pessoa que pode ser protagonista principal da informação (acusados, crianças, jovens, familiares, políticos, com uma vida íntima
que, por respeito à sua dignidade, deve salvaguardar-se frente ao direito à
informação…)» (Perales, 1995: 29).
Permitia-me acrescentar, a este rol de pessoas cuja dignidade é necessário garantir – e, portanto, com as quais é necessário estabelecer modos de
relação eticamente exemplares –, um outro tipo de pessoas que também
estão muitíssimo implicadas no processo da informação, que tantas vezes
explicam ou condicionam a própria informação e que são essenciais ao
trabalho de qualquer jornalista: as fontes. O objectivo deste trabalho é,
precisamente, perceber um pouco melhor de que modo as fontes e o relacionamento com elas estão, ou não, «presentes» nos códigos deontológicos
dos jornalistas da generalidade dos países europeus.
Códigos de deveres – e de direitos?
Estes códigos deontológicos, tendo naturalmente algum substracto
comum, são muito diversos no fundo e na forma. A diversidade começa,
aliás, nos próprios nomes que adoptam: «Código Deontológico» é mesmo
uma designação minoritária no contexto europeu, preferindo a maioria
designações como «Código de Ética» ou «Princípios de Ética», «Código de
Conduta», ou «Código de Princípios Jornalísticos». Há também quem opte
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simplesmente por «Código dos Jornalistas», por «Carta de Deveres Profissionais» ou – caso da Suiça – por «Declaração de Deveres e Direitos».
Esta última designação levanta uma questão particular, e curiosa:
deve um código deontológico, normalmente definido pelo próprio grupo
profissional a que respeita (ou seja, um instrumento de auto-regulação),
consignar também direitos ou, pelo contrário, restringir-se à enumeração de
deveres? Alguns dos códigos europeus (poucos, diga-se) entendem consagrar um ou outro direito dos jornalistas, mas, mesmo assim, normalmente
em estrita articulação com os deveres éticos. É o caso do sigilo profissional
(que abordarei mais à frente) e que, surgindo formulado como o dever dos
jornalistas a protegerem a confidencialidade das suas fontes, pode também
ser invocado (ou recordado, pois estará eventualmente consignado nas leis
gerais do país – e só assim consegue eficácia no plano jurídico) como o
direito a não revelarem as suas fontes de informação.
Veja-se o exemplo do código espanhol: «O direito de observar o segredo
profissional é um direito do jornalista, mas é também uma obrigação que
garante a confidencialidade das fontes de informação. Portanto, um jornalista
deve garantir o direito das fontes de informação a permanecerem anónimas, se
tal for solicitado».
Um outro caso é o do acesso às fontes oficiais de informação, que
diversos códigos consagram como um direito dos jornalistas e pressuposto fundamental para garantir aos cidadãos o seu direito à informação.
Mas mesmo este direito pode ser apresentado em evidente correlação com
um dever, quando os códigos éticos e deontológicos se confinam às obrigações profissionais dos jornalistas, como é patentemente o caso do código
português. Veja-se, então, o seu ponto 3: «O jornalista deve lutar contra as
restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar». Mais uma vez, o pressuposto é
de que estas garantias de acesso às fontes de informação, bem como de
liberdade de expressão, estarão adequadamente previstas nas leis gerais
do país, pois procuram servir a generalidade dos cidadãos – e não propriamente conceder privilégios à actividade profissional dos jornalistas.
Apesar da relativa diversidade dos códigos europeus nesta matéria,
pode dizer-se que a generalidade prefere enumerar, essencial ou exclusivamente, os deveres dos jornalistas, deixando para outras instâncias do
edifício jurídico-legal do país a definição dos seus direitos específicos.
Parece ser esta a opção mais adequada, quer porque estamos no domínio da
conduta ética (a cada um compete cumprir os seus próprios deveres, esperando que os outros façam o mesmo), quer porque se perceberia mal que
um instrumento de auto-regulação em matéria deontológica fosse uma
espécie de caderno reivindicativo de direitos próprios – logo, correlativamente, de deveres alheios que acautelassem esses direitos… Se um código
deontológico é também uma espécie de compromisso público com a socie322
dade que se pretende servir, o adequado é que, nesse texto, o jornalista se
comprometa a actuar de determinados modos – e não que o jornalista
reclame de outros que actuem com ele de determinados modos.
A ética e as leis
Assinale-se, entretanto, que alguns dos deveres éticos dos jornalistas
podem aparecer consignados também nas leis gerais do país e não apenas
nos códigos aprovados pelos seus organismos de representação profissional. De facto, «a norma deontológica surge frequentemente a meio caminho entre a Moral e o Direito» (Pina, 1995: 23), sobretudo porque ela muitas
vezes não se restringe à enunciação genérica de grandes princípios mas,
pelo contrário, desce ao particular e ambiciona, portanto, ter eficácia
prática – algo que é mais típico da norma jurídica.
Esta «duplicação» dos deveres em códigos éticos e no sistema de leis do
país parece justificar-se pelo facto de o incumprimento de certos deveres
éticos por parte do jornalista significar também, de facto, uma ofensa a
direitos fundamentais do cidadão; sendo assim, a protecção destes implica
que se obrigue legalmente (e não apenas moralmente) o jornalista a respeitar determinados procedimentos. Veja-se o caso português, em que o
Estatuto do Jornalista – uma lei aprovada pela Assembleia da República –
aponta, no seu artigo 14.º, e «independentemente do disposto no respectivo
código deontológico», um conjunto de «deveres fundamentais dos jornalistas» com óbvios pontos de contacto com o referido código: informar «com
rigor e isenção», «abster-se de formular acusações sem provas», «não tratar
discriminatoriamente as pessoas», «respeitar a privacidade», «não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados», etc. No fundo,
um conjunto de prescrições que visam, mais do que assegurar a correcção
do trabalho jornalístico, garantir o respeito por direitos básicos dos
cidadãos (o direito ao bom nome, o direito à presunção da inocência, o
direito à inviolabilidade da vida privada, o direito à igualdade). Neste
contexto, alguns dos deveres morais do jornalista são, necessariamente,
também deveres legais.
Fontes com presença desigual
Embora possamos admitir, como alguns, que a deontologia jornalística
é, em grande parte, «uma deontologia das fontes», ou até mesmo que «a informação é fundamentalmente uma questão de fontes» (Pigeat, 1997: 112/113) –
isto no pressuposto de que nelas começa quase sempre o processo informativo e delas depende grandemente a credibilidade da informação –, a
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verdade é que esta questão não merece um tratamento privilegiado em
muitos dos códigos deontológicos de jornalistas nos países europeus. Alguns
nem se referem mesmo a este aspecto específico – embora, de modo implícito, ele possa de algum modo estar presente. É o caso dos códigos mais
concisos e concentrados, espécie de «decálogos» com os grandes mandamentos éticos e linhas muito gerais de conduta profissional. Outros nada
mais consignam do que o dever do jornalista de assegurar a confidencialidade das suas fontes – esta, sim, uma referência mais repetida do que quaisquer outras na generalidade das cartilhas.
Entretanto, há também, no prato oposto da balança, alguns códigos que
entenderam dedicar todo um capítulo à questão das fontes, e com
razoável pormenorização. São os casos da Eslováquia, da Letónia, da Itália
e da Noruega (fazendo jus à boa tradição escandinava em matéria de
direitos e deveres de cidadania – e muito disso passa, como é fácil imaginar,
pelo relacionamento entre os jornalistas e as suas múltiplas fontes de informação –, diga-se que também os códigos da Suécia e da Finlândia dão
razoável atenção a este assunto).
O «Código de Ética do Sindicato dos Jornalistas da Eslováquia» tem um
dos seus seis capítulos dedicado a esta questão, começando por consignar o
«irrecusável direito de acesso» do jornalista «a todas as fontes de informação»
e não esquecendo, naturalmente, a sua obrigação de garantir confidencialidade (a não ser que desse dever seja isentado pelo próprio informador «ou pelo tribunal»). Mas a maior preocupação está no modo como o
jornalista se relaciona com as pessoas junto de quem vai recolher elementos
para o seu trabalho: ele não deve usar pressão quando o faz, deve deixar
claras junto da fonte as suas intenções face à informação que está a recolher,
e não deve dar usos indevidos a essa informação.
É, aliás, uma preocupação semelhante à que consta do «Código de
Ética» da Letónia, nomeadamente quando diz que o jornalista nunca deve
«abusar das emoções e sentimentos» de outras pessoas nem da sua
«ignorância», ou quando sugere que ele tenha uma particular consideração
por pessoas que «poderão não ter suficiente noção» do alcance das informações que fornecem ou das afirmações que fazem. Curiosamente, também
por esta latitude se dá aos tribunais a prerrogativa de obrigar o jornalista a
revelar as suas fontes.
O mesmo não se pode dizer da «Carta de Deveres dos Jornalistas» de
Itália, onde o «respeito pelo segredo profissional» é taxativamente considerado uma obrigação do jornalista, sempre que a tal seja solicitado pelas
fontes – e com a obrigação complementar de disso informar os seus leitores.
Aliás, o código italiano revela, neste capítulo, uma especial preocupação por
tudo o que tem a ver com «o princípio da maior transparência das fontes de
informação», não esquecendo até a obrigação (tão ‘esquecida’ no panorama
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mediático português…) de o jornalista citar adequadamente a origem
quando usa material proveniente de agências noticiosas. Este res-peito
escrupuloso do jornalista por um conjunto de regras de conduta alarga-se
também à necessidade de verificar sempre a informação obtida
de fontes e à obrigação de controlar a exacta origem do material informativo que utiliza.
Sobremaneira preocupado com estas matérias revela-se o «Código de
Ética da Imprensa Norueguesa», que dedica, inteiro, um dos seus quatro
capítulos às relações dos jornalistas com as fontes, e apresentando formulações que vão um pouco mais além do mero recordar de deveres básicos.
Este código concede que pode ser necessário proteger as fontes debaixo do
segredo profissional, mas não deixa de acentuar, pela positiva, que «a credibilidade da imprensa é reforçada pelo uso de fontes identificáveis». Insiste no
imperativo de protecção das fontes de informação, considerando-a «um
princípio básico numa sociedade livre», mas não esquece que o jornalista
deve «ser crítico na escolha das fontes» e «assegurar-se de que a informação é
correcta». Insiste ainda na «especial consideração» que é preciso ter para
com pessoas que podem não avaliar o pleno alcance das afirmações que
fazem aos jornalistas, devendo estes ter o cuidado de «nunca abusar» de
emoções, ou sentimentos, ou ignorância, de outras pessoas.
Semelhanças e diferenças
Das mais de três dezenas de códigos objecto desta breve análise, sobressaem facilmente algumas semelhanças e também algumas diferenças no
que respeita ao tratamento da questão das fontes de informação. Se há
matéria consensualmente apontada neste domínio, é sem dúvida a do
segredo profissional, ou do dever de garantir a confidencialidade das fontes:
embora com «nuances» por vezes importantes (como se verá mais à frente),
29 dos 32 códigos deontológicos observados fazem-lhe algum tipo de
referência. Aliás, em algumas destas «cartas de deveres», sobretudo as mais
genéricas e sintéticas, a referência ao sigilo profissional é a única que se
pode considerar directamente ligada ao problema das fontes.
O segundo lugar no que toca às menções vai para a necessidade de
correcção de procedimentos, por parte do jornalista, na recolha e tratamento da informação: são 27 referências nos 32 códigos observados.
Também aqui, sob a capa desta referência geral, se alude a diversos aspectos
conforme as sensibilidades de cada país. Correcção de procedimentos tanto
pode ser não abusar da boa fé das pessoas junto de quem se recolhe informação, como não dissimular a própria identidade, como não dar usos indevidos à informação recolhida, como dar conta às fontes, de modo
transparente, do fim a que se destinam as informações fornecidas.
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Em terceiro lugar neste «ranking» de referências – e fazendo um adequado contraponto à garantia de confidencialidade – surge o dever do
jornalista de, salvo circunstâncias especiais, identificar clara e sistematicamente as suas fontes de informação: 19 dos 32 códigos apontam expressamente esta obrigação. E citar as fontes é igualmente citar as agências
noticiosas tantas vezes deixadas no anonimato, ou as informações
«picadas» de outros órgãos de informação: desrespeitar direitos de autor,
plagiar trabalho alheio, atribuir vagamente a origem da informação só para
não ter de citar o nome de um jornal concorrente, são algumas das
infracções mais frequentes a este dever ético.
Também com direito a uma quantidade razoável de citações (17 no
conjunto dos 32 códigos) está o dever do jornalista de ser independente
e autónomo face às suas fontes de informação, de modo a não se deixar
pressionar por elas e a não permitir que o produto final do seu trabalho seja
afectado por razões alheias aos critérios jornalísticos.
Vários códigos fazem muitas outras referências mais ou menos
pontuais a esta matéria, mas nenhuma tão generalizada como as quatro
aqui referidas. A distanciação crítica face às fontes (com relevo para as policiais) é referida em sete dos códigos observados; a não dependência de uma
única fonte, e muito menos de fontes desconhecidas, merece catorze
referências; doze são os códigos que insistem na responsabilidade do jornalista, independentemente de ele atribuir informações a fontes; a correcta
«negociação» com as fontes, incluindo o respeito por embargos ou «off the
record», tem nove menções; o direito de acesso dos jornalistas às fontes de
informação é citado em sete casos; uma tónica especial na necessidade de o
jornalista transcrever com o maior rigor a informação que recolhe é dada
em três códigos.
Os grandes consensos
Independentemente da maior ou menor quantidade de menções, podíamos definir cinco grandes questões no modo como os códigos europeus
estudados abordam a temática das fontes de informação:
326
•
a questão da responsabilidade do jornalista;
•
a questão da autonomia do jornalista;
•
a questão da transparência do jornalista;
•
a questão do respeito do jornalista para com as fontes e da correcção
no tratamento com elas;
•
a questão da protecção das fontes (sigilo).
Valerá a pena olhar um pouco mais detalhadamente para cada uma delas.
Responsabilidade
É uma das questões fundamentais deste tema, até porque muito fre-quentemente pervertida por uma autêntica transferência de responsabilidades do
jornalista para as fontes que lhe forneceram a informação (e aper- versão
aumenta se recorre a uma fonte não identificada e, acrescendo a esta ‘transferência’, se invoca depois a prerrogativa legal do sigilo profissional).
A questão da responsabilidade do jornalista é apresentada, neste
domínio dos códigos deontológicos, numa dupla faceta:
– por um lado, o jornalista não pode nem deve sentir-se «desresponsabilizado» pelo facto de atribuir certas afirmações a fontes, mesmo quando
claramente identificadas (a responsabilidade para com os leitores é sempre
do jornalista, que difunde a informação, e este não pode enjeitá-la nem,
enquanto verdadeiro mediador do processo informativo, «sacralizar» as
fontes e «lavar as suas mãos» de tudo o resto);
– por outro lado, o jornalista não pode também contribuir para «desresponsabilizar» as fontes a que recorre (de onde a importância da sua identificação sistemática, que credibiliza a informação, como também o enorme
risco do recurso a fontes desconhecidas ou anónimas, «desresponsabilizadas» por natureza).
•
«Um jornalista digno desse nome assume a responsabilidade por tudo
o que escreve» (França).
•
«O jornalista deve reportar só em concordância com factos cuja
origem conhece» (Holanda).
•
«A responsabilidade dos jornalistas para com o público tem prioridade
sobre qualquer outra responsabilidade, particularmente a responsabilidade para com a entidade empregadora ou os órgãos de Estado»
(Suiça).
•
«Um jornalista deve ter consciência da sua responsabilidade pessoal
por tudo aquilo que escreve» (Islândia).
•
«O jornalista assume total responsabilidade pelo seu trabalho, assinado ou não» (Bugária).
•
O jornalista «tem o direito de não revelar a sua fonte de informação
mas assume a responsabilidade moral, material e penal pelo facto
publicado» (Croácia).
327
Autonomia
É um dos pressupostos básicos para que o jornalista possa fazer o seu
trabalho com independência e para que, no contacto com as fontes, nem
objectiva nem subjectivamente seja de algum modo vítima de pressões.
Autonomia significa, por exemplo,
– independência económica (não «precisar» das fontes para qualquer
benefício pessoal, não aceitar prendas ou benesses que possam fragilizar a
sua posição face a elas);
– distanciamento crítico (não se envolver emocionalmente com as
fontes que contacta, não confundir os respectivos papéis, não esquecer os
interesses próprios que uma fonte frequentemente tem na divulgação ou
não de certa matéria, não deixar de «cruzar» a informação de uma fonte
com outras fontes);
– integridade e solidez pessoal (conhecer e estudar os assuntos que
aborda de modo a não ser manipulado, perceber as pressões internas ou
externas para saber resistir-lhes, guiar-se pelo princípio do interesse público
acima de quaisquer outros interesses em jogo).
•
«O objecto de qualquer transacção só pode ser a informação – nunca
a posição do jornalista» (Arménia).
•
«Os interesses pessoais não podem ter influência no trabalho» (Áustria).
•
«O jornalista não abusa das oportunidades que lhe são oferecidas pela
profissão para qualquer benefício próprio» (Bulgária).
•
«As fontes de informação devem ser tratadas criticamente, em particular quando as suas informações podem ser tocadas por interesse
pessoal ou intenções tortuosas» (Dinamarca).
•
«O jornalista não aceita qualquer vantagem, benefício ou promessa de
benefício oferecidos em troca da limitação da independência da sua
opinião» (Grécia).
•
«Se um jornalista aceita subornos ou usa ameaças relativamente à
publicação de determinado material, comete uma séria violação [das
regras éticas]» (Islândia).
Transparência
Também a questão da transparência na relação entre jornalistas e
fontes se coloca em vários planos, a saber:
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– princípio de identificação de todas as fontes como uma regra geral (e
importante para a credibilidade e fiabilidade da informação difundida), que
só em circunstâncias especiais deve admitir excepções – e, mesmo nestes
casos, com as identificações parciais o mais aproximadas que seja possível;
– recusa do plágio ou do aproveitamento abusivo de informações fornecidas por fontes a alguém que não o próprio jornalista (citações de outros
meios de comunicação sem a correspondente atribuição, apropriação não
identificada de materiais em circulação na Internet, desrespeito pelos
direitos de autor…);
– princípio de não dissimulação da identidade do próprio jornalista no
contacto com as fontes, salvo casos de força maior claramente justificados
pelo interesse público;
– recusa de quaisquer outros métodos ilegais, desonestos ou incorrectos
para obter informação;
– princípio de «negociação» com as fontes, quando tal se revele imprescindível, em moldes transparentes, adequados e dignos para ambas as
partes («fair trade»).
•
«Não havendo uma clara e urgente necessidade de observar a confidencialidade, toda a fonte de informação deve ser identificada»
(Malta).
•
«A investigação jornalística com identidade dissimulada só pode ser
justificada em casos particulares, se contribuir para fazer luz sobre
informações de especial interesse público que não possam ser obtidas
por outros meios» (Alemanha).
•
«O jornalista deve respeitar sempre o princípio da maior transparência
possível das suas fontes de informação» (Itália).
•
«A credibilidade da imprensa é reforçada pelo uso de fontes identificadas, desde que essa identificação não entre em conflito com a necessidade de protecção das fontes» (Noruega).
•
«O jornalista não tem o direito de usar pressão ou de oferecer qualquer
compensação em troca por informações de uma fonte» (Lituânia).
•
«O jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das
fontes. (…) As opiniões devem ser sempre atribuídas» (Portugal).
Respeito e correcção
É este um domínio especialmente sensível e que, além de chamar a
atenção para elementares princípios de bom relacionamento humano e
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de boa educação no processo de recolha de informações, «recorda» ao
jornalista que as fontes também têm os seus direitos, muito em particular o
inalienável direito à sua própria dignidade. Neste capítulo, os códigos deontológicos chamam a atenção para certos deveres dos jornalistas, como por
exemplo:
– não aproveitamento de situações de fragilidade emocional para obter
informações ou opiniões de certas pessoas;
– não abuso da boa-fé das pessoas contactadas nem do seu desconhecimento (ou insuficiente avaliação) sobre o destino das informações que lhes
são pedidas, bem como sobre os efeitos que tais informações podem vir a
ter quando tornadas públicas;
– respeito pelo direito das pessoas a não darem informações ou a não
prestarem declarações;
– rigor na transcrição das declarações recolhidas, sem esquecer a devida
atenção aos contextos em que foram proferidas;
– respeito pelos compromissos assumidos com as fontes – o «off the
record», os embargos 1;
– não divulgação, a terceiros, das informações recolhidas junto das
fontes, nem sua utilização para fins diversos dos do trabalho jornalístico.
•
«Não deve abusar-se da confiança de outras pessoas. Deve ter-se um
especial cuidado com pessoas que presumivelmente não conseguem
avaliar os efeitos das suas declarações» (Dinamarca).
•
«Uma pessoa que seja entrevistada tem o direito de saber em que meio
e em que contexto as suas declarações vão ser usadas» (Finlândia).
•
«Um jornalista respeita o direito de todas as pessoas à intimidade e
não pode publicar notícias sobre a sua vida privada, a não ser que
sejam transparentes e de relevante interesse público» (Itália).
•
«O jornalista não deve usar meios de gravação áudio e vídeo para citações directas se o indivíduo que fornece a informação a tal se opuser
1 Registe-se que alguns códigos admitem situações de excepção a esta regra, desde que
estejam em causa valores fundamentais para o interesse público ou desde que se suspeite
de aproveitamentos indevidos. Veja-se o caso do código alemão: diz que os embargos só são
justificáveis se contribuírem para uma informação objectiva e mais precisa, e mesmo assim
a sua observância «é basicamente uma questão de acordo voluntário entre os informadores
e os media». Acrescenta ainda que os embargos impostos com meros intuitos publicitários não
devem ser aceites.
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ou se estiver em estado de «stress», de choque, ou se tiver algum
defeito físico evidente» (Lituânia).
•
«Certifique-se de que os títulos, introduções e «leads» não vão para
além daquilo que é dito no texto» (Noruega).
•
«A protecção dos direitos de autor – ‘copyright’ – é uma norma ética
essencial» (Polónia).
•
«Se o nome de uma pessoa não é para ser citado, abstenha-se de
publicar uma fotografia ou elementos relativos à ocupação, título,
idade, nacionalidade, sexo, etc., que possam conduzir à identificação
da pessoa em causa» (Suécia).
•
«Um jornalista reconhece e respeita o direito de pessoas físicas e legais
a não darem informações e a não responderem a perguntas que lhes
são feitas, sem violação do direito dos cidadãos a serem informados»
(Espanha).
Protecção
E, «last but not least», voltamos ao assunto mais frequentemente
referido pela generalidade dos códigos de ética – o do dever de assegurar a
confidencialidade das fontes de informação, que pode ser lido também (pelo
menos até certo ponto) como o direito do jornalista ao segredo profissional.
Se é certo, como atrás dissemos, que quase todos os códigos deontológicos dos jornalistas referem explicitamente este ponto como uma espécie
de regra de ouro da sua actividade profissional – e garantia fundamental
para a adequada prossecução do direito à informação –, também é verdade
que essas referências nem sempre são totalmente coincidentes. Há uma
diferença de base, que pode ser considerada menor mas que, bem vistas as
coisas, talvez toque a essência da questão, como em 1999 se viu num
polémico debate em Portugal sobre a matéria (a propósito, recorde-se, da
divulgação às autoridades policiais, por jornalistas do «Diário de Notícias»,
da fonte que forneceu um conjunto de informações entretanto publicadas
no jornal). A diferença consiste no seguinte: alguns códigos (a maioria, pelo
menos entre os europeus) estabelecem que o jornalista deve assegurar
a confidencialidade das suas fontes sempre que estas lho reclamem, e
ponto final; outros códigos dizem também que o jornalista deve assegurar a
confidencialidade das fontes mas – e aqui bate o ponto crítico – admitem
excepções a esse princípio.
As referidas excepções não são todas da mesma natureza nem do
mesmo âmbito, permitindo uma maior ou menor latitude de interpretação.
Atente-se nalguns exemplos:
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– o código português estabelece que «o jornalista não deve revelar,
mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação, nem desrespeitar
os compromissos assumidos, excepto se o tentarem usar para canalizar informações falsas»;
– o código espanhol diz que esta «obrigação profissional» de assegurar a
confidencialidade das fontes «não deve excepcionalmente ser aplicada se for
provado que a fonte falsificou conscientemente informação ou se a revelação
da fonte for a única maneira de impedir sério dano a pessoas»;
– o código alemão estipula que o «laço de confidencialidade» pode ser
quebrado «quando a informação em questão se refira ao planeamento de um
acto criminoso – caso em que o jornalista tem o dever de reportar o assunto às
autoridades». Admite ainda excepção a este princípio quando haja «importantes razões de Estado» a considerar;
– o código grego apresenta uma «nuance» curiosa, não porque abra
excepções específicas a esta regra da confidencialidade, mas porque prefere
colocá-la como uma escolha do jornalista: este apenas «não é obrigado a
revelar as suas fontes de informação»;
– o código letão prescreve que «o jornalista não tem o direito de revelar a
fonte sem sua autorização, excepto se a tal for instado pelo tribunal»;
– o código russo afirma, de modo muito peremptório, que o jornalista
deve «manter o segredo profissional» e que «ninguém pode forçá-lo a revelar
a sua fonte», mas logo acrescenta que «o direito ao anonimato pode ser
quebrado em casos excepcionais, quando haja a suspeita de que a fonte
distorceu conscientemente a verdade e também quando a referência ao nome
da fonte seja a única maneira de impedir um sério e inevitável dano ao povo»;
– o código turco abre excepções ao princípio da confidencialidade
«quando a fonte tente deliberadamente enganar o público por razões pessoais,
políticas, económicas, etc.».
Num primeiro nível de análise, duas questões importantes são suscitadas por esta diversidade de excepções à tal «regra de ouro» da actividade
jornalística numa sociedade livre e democrática.
Por um lado, algumas formulações são de tal modo vagas e dependentes
da interpretação subjectiva do jornalista ( haverá sempre consenso sobre o
que são «importantes razões de Estado»?…, será sempre possível definir até
que ponto alguém «falseou» uma informação, e o fez «conscientemente»?…)
que, no limite, nenhuma fonte confidencial se pode considerar completamente protegida. Sem esquecer que, nesta causa própria, o jornalista é o
único juiz.
332
Por outro lado, aquilo que o código deontológico «dá» ao jornalista,
por vezes o edifício jurídico do país «tira». Se o jornalista tem o dever, e
também o direito, de observar o sigilo, mas a lei penal do país o obriga a
revelar as suas fontes em juízo, há uma ameaça efectiva a este princípio
básico. A questão é particularmente sensível no caso português. A actual Lei
de Imprensa garante aos jornalistas, de modo claro, (art. 22.º, c)) «o direito
ao sigilo profissional»; o Estatuto do Jornalista considera também, entre os
«direitos fundamentais dos jornalistas» (art. 6.º), «a garantia de sigilo profissional» mas, no artigo 11.º, já admite alguma excepção ao dizer: «Sem
prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados
a revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio passível de
qualquer sanção, directa ou indirecta»; e, de facto, o actual Código de
Processo Penal concede à autoridade judiciária (art. 135.º) a prerrogativa de
julgar se há ou não há fundamento legítimo para o jornalista, ao abrigo do
segredo profissional, se escusar a depor sobre factos abrangidos por aquele
segredo – e, julgando que não há, obriga mesmo à prestação do depoimento.
Que faz o jornalista, então? Respeita a lei – e viola um importante preceito
deontológico? Ou mantém o dever ético de proteger a sua fonte – e sofre na
carne as consequências da violação da lei penal?
Sem menosprezar a importância destes dois aspectos, considero, entretanto, que a verdadeira questão de fundo suscitada pelas excepções à regra
da confidencialidade é outra: o jornalista não pode nem deve, em nenhuma
circunstância, transferir para terceiros a sua indeclinável responsabilidade
pela informação que publica.
O jornalista não é um mero «correio» entre uma fonte que lhe fornece
determinados dados e um público a quem ele, diligentemente, a transmite.
Se é verdadeiramente o responsável pela informação que difunde, é também responsável pela escolha das fontes a que recorre, pela confirmação
dos dados junto de fontes diversas, pela análise da veracidade e fiabilidade
da informação, pela ponderação de eventuais interesses em jogo, pela
prudência face a hipotéticas manipulações. E é, naturalmente, responsável
pelos riscos que decide correr ao «ficar nas mãos» de uma só fonte, para
mais confidencial, ao dar crédito a alguém que eventualmente pouco
conhece, ao tomar como boa uma informação que não é possível confirmar
factual ou documentalmente. Se decide, apesar de tudo, confiar e publicar,
então deve estar preparado para assumir todas as consequências – e nunca
transferi-las para os ombros de terceiros (as fontes). Muito menos penalizar
uma fonte – e a penalização pode ser muito grave, pois uma fonte confidencial exposta na praça pública ou denunciada ao tribunal arrisca-se a
sofrer danos importantes – pelo facto de ela, alegadamente, o ter enganado.
Ser enganado é um risco que o jornalista corre, mas com o qual tem
de saber conviver – e, sobretudo, contra o qual tem de saber prevenir-se.
333
A acontecer, não pode sucumbir à (humanamente compreensível…)
tentação de «castigar» alguém ou de se «vingar»; deve, sim, assumir humildemente o erro, corrigi-lo perante o público leitor a quem deu informação
errada (é sempre o jornalista quem dá a informação, não é a fonte) e cuidar
de que tal não volte a suceder no futuro. Ou seja, redobrar cuidados e
atenções. Mas nunca desresponsabilizar-se ou transferir para outrém as
responsabilidades que lhe cabem.
Não é por acaso, de resto, que o aludido episódio de denúncia de uma
fonte confidencial por parte de jornalistas do «Diário de Notícias», em
Junho de 1999 – denúncia essa que foi reprovada formalmente pelo Sindicato dos Jornalistas –, relançou na classe o debate sobre o Código Deontológico português e sobre a vantagem ou desvantagem de ele manter em
aberto uma excepção ao princípio do segredo (precisamente a excepção
invocada, na sua denúncia, pelos referidos jornalistas, que acusaram a fonte
de os ter usado «para veicular informações falsas»). Na altura, o Conselho
Técnico e Deontológico dos jornalistas portugueses divulgou um comunicado onde, entre outros pontos, sugeria que, «se forem cumpridas com rigor
as regras de aceitação de uma fonte confidencial, não pode, em princípio,
colocar-se o problema da necessidade da sua denúncia». E explicava: «Ao
aceitar uma fonte confidencial, o jornalista tem de saber que se inverte o ónus
da prova, quer perante o público, quer perante os tribunais: num caso normal
de informação com fontes identificadas, o jornalista interpõe a fonte entre si e
a responsabilidade; havendo fonte confidencial, é o jornalista que se interpõe
entre a fonte e a responsabilidade» 2.
Significa isto uma total desresponsabilização das fontes e um caminho
aberto à sua completa impunidade? É um risco possível (sem esquecer,
entretanto, que, na perspectiva da credibilização da informação, o recurso
a fontes confidenciais deve sempre ser mais excepção, e devidamente
ponderada, do que regra). Mas, desde logo, o jornalista tem um meio importante de «punir» a fonte que o enganou, sem com isso infringir princípios
éticos básicos: deixar de a utilizar como fonte… Quem procura ser «fonte»
para daí obter dividendos pessoais fica, assim, suficientemente penalizado.
Por outro lado, pessoalmente prefiro aceitar o mal menor de alguma potencial desresponsabilização de fontes menos escrupulosas, a sacrificar o bem
maior que é garantir, em todas as circunstâncias, que uma fonte confidencial não será traída na sua confiança pelo jornalista. E esta é uma questão
que vai bem mais longe do que a mera relação entre duas pessoas: o princípio da protecção das fontes, e portanto da garantia de confidencialidade,
é, como lembra o Código de Ética dos jornalistas noruegueses, «um prin-
2
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In «Diário de Notícias», 09/06/99, p. 11.
cípio básico numa sociedade livre e um pré-requisito para a capacidade de
a imprensa assumir os seus deveres face à sociedade e assegurar o acesso à
informação».
Nota final
Um estudo deste tipo, mesmo bastante genérico e sem pretensões de ser
exaustivo, levanta uma natural dúvida: até que ponto os princípios éticos e
deontológicos definidos pelos jornalistas nos seus códigos correspondem a
efectivos «guias de conduta» profissional, presentes e observáveis na sua
prática quotidiana, ou, pelo contrário, não passam de belas decla-rações de
intenções que o exercício efectivo do jornalismo sistematicamente
desmente?
Claro que há sempre uma distância entre estes dois pólos, entre os
«journalists as they want to be» e os «journalists as they really are» (Esaiasson
e Moring, 1994: 273). É claro, também, que a análise ou a reflexão sobre os
instrumentos normativos que devem reger a actividade jornalística não
substitui o estudo aprofundado e sistemático do modo como esses instrumentos são, ou não, utilizados na prática; pelo contrário, reforça até a curiosidade e a vontade de o fazer.
Não obstante, pareceu ser de alguma utilidade conhecer mais em
pormenor como é que os próprios jornalistas se auto-regulam no que toca
aos deveres éticos – e, aqui, especificamente no que respeita à questão
das fontes de informação –, e perceber também como, para além dos
contextos sócio-político-culturais de diferentes países que levam a diferentes ênfases no modo como a deontologia é entendida e regulamentada,
parece emergir um conjunto de princípios básicos que tendem a ser mais ou
menos universalmente aceites.
Sendo certo que, no respeitante à deontologia jornalística, «os jornalistas não são os únicos implicados [concernés]» (Bourdieu, 1996), importa
também promover um maior conhecimento público dos compromissos
éticos a que estes se vinculam, pois assim se promoverá uma maior fiscalização pedagógica, pela sociedade como um todo, da observância de tais
deveres. E a denúncia pública, por parte dos consumidores de informação,
do atropelo de deveres éticos essenciais (que os laivos corporativos da classe
dos jornalistas nem sempre facilitam no seu seio…) é, porventura, a maior
sanção que neste plano moral se pode aplicar. Como diz a Federação Profissional dos Jornalistas do Québec (Canadá) – para darmos uma olhada
rápida fora do espaço europeu –, o «guia de deontologia» é útil também
para «o público» e para «as fontes de informação», pois com ele «conhecerão mais precisamente as normas deontológicas cujo respeito podem
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exigir aos jornalistas», além de que lhes permitem «julgar melhor o seu
comportamento».
Nem tudo depende, neste domínio, da consciência individual do jornalista. Há mesmo quem prefira, como Pierre Bourdieu, não pôr a questão
tanto em termos de «consciência» ou de «vontade», quando o que está em
causa são, diz, «problemas que na realidade dependem muito pouco das consciências e das vontades mas cuja solução repousa na eficácia de mecanismos
sociais». Vai mesmo mais longe, invocando a sua perspectiva de sociólogo:
«Uma ética no ar, não enraizada num conhecimento das práticas reais, tem
boas hipóteses de fornecer apenas instrumentos de auto-justificação, para não
dizer de auto-mistificação. E é verdade que frequentemente o discurso ético
tem sobretudo o efeito de permitir a um grupo dar-se uma boa consciência,
dando dele próprio uma boa imagem» (Bourdieu, 1996).
Sem ignorar que é também obrigação dos jornalistas, enquanto grupo,
esforçarem-se por «criar as condições nas quais os seus membros tenham
mais hipóteses de se conduzir moralmente», como propõe o sociólogo
francês, insistiria que há, simultaneamente, um desafio constante à consciência individual destes profissionais e às suas responsabilidades perante
as pessoas e a sociedade.
Mesmo quando o ambiente mediático geral sugere que «a ética não
compensa» e que, pelo contrário, a ausência de escrúpulo é fonte de sucesso
individual ou de audiências, o jornalista não deve encontrar aí alibi ou
desculpa, pois continua a ter a indeclinável obrigação de respeitar a dignidade
de todas as pessoas, fundamento primeiro de um comportamento
ético, como dizia no princípio. Até porque, como atrás referi, há opções
neste campo que, apesar de todas as regras, ou sanções, ou vigilâncias, ou o
que quer que seja, só a consciência individual do jornalista saberá
julgar: só ele, confrontado consigo próprio e com o processo informativo
que conduziu, saberá dizer se, em tal situação concreta, procedeu de um
modo eticamente aceitável. Sejam quais forem as aparências, sejam quais
forem os resultados.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Centre de Recherche de l’École Supérieure de Journalisme. Lille [www.hommemoderne.org/societe/socio/bourdieu/Bjournal.html].
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• «EthicNet – Databank for European Codes of Journalism Ethics» , Department of Journalism
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(http://www.uta.fi/ethicnet/).
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