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TEXTOS DE ARQUEOLOGIA UFOLÓGICA: PRETEXTOS PARA JUSTIFICAR INVESTIMENTOS NUMA NOVA CORRIDA ESPACIAL? Prof. Dr. Arq. Ernesto de Souza Pachito UFES – Universidade Federal do Espírito Santo – Brasil. 1. A RELAÇÃO COM A NOVA CORRIDA ESPACIAL Analisando os textos de Zecharia Sitchin sobre a Suméria, vemos que estes possuem, como metodologia, a comparação de textos dos épicos sumérios a Epopeia de Gilgamesh, o Enuma Elish e o Atra Hasis com textos bíblicos e com pesquisas arqueológicas. Os textos de arqueologia ufológica semelham ser textos de ficção científica, onde as ciências que norteiam a ficção, ou supostamente dão ensejo às ilações ousadas ou extremas, é a arqueologia e a hermenêutica de textos bíblicos, de textos das culturas originárias mesopotâmicas, etc. A série de livros de ficção científica Operação cavalo de Troia, de J. J. Benitez, ainda a ser lida por este autor, parece ser um texto que recorre à estratégia de união de ciência histórica com ficção futurista. Essa estratégia está presente em Umberto Eco, em seus livros O Nome da rosa e O Pêndulo de Foucault, a primeira obra, como é sabido, une romance, ou novela, de detetives e libelo de divulgação científica, a saber, divulgação da Semiótica. A segunda obra é uma grande sátira a ordens místicas e sociedades secretas, com sua mística. Em se tratando do livro Havia gigantes na Terra, de Zecharia Sitchin, tal texto cria a ilusão de certeza científica, mesmo com lacunas no processo de prova das teses ali apresentadas. Possivelmente, essas lacunas atingem um tipo de leitor que tem o desejo de que a influência dos alienígenas na criação do mundo seja algo real. Como é fácil ver até mesmo antes de se ler o livro, este não é um texto engajado, que busca analisar lutas de classes do presente e propor a vitória de uma classe sobre outra, em sentido marxista, como é óbvio. No entanto, pode ser um texto iluminista e parece propor não uma fraternidade entre os homens, mas, uma fraternidade universal, coisa que parece estar implícita na maioria dos textos que analisamos até aqui. Muito embora seja um texto de cientificidade duvidosa, o livro H.G.T. é iluminista na quantidade de informações que traz, contrariando a noção de Benjamin de “Narrativa”. É um texto de “Informação”, segundo o livro deste último autor “O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”. Indo a possíveis motivações externas para a escrita e difusão deste tipo de texto, podemos perceber que uma nova corrida espacial está em curso. Desta vez, entre Estados Unidos e China. O pouso de um robô americano em Marte, seguido pelo pouso de um outro robô chinês no mesmo planeta, é um forte indício dessa corrida. Talvez os livros de Sitchin tenham a função de angariar apoiadores, entre os leitores de tais livros, para essa corrida que conta, inclusive, com empresas privadas norte-americanas, que buscam, inclusive, a criação de um turismo espacial. É preciso verificar se os textos de Sitchin não configuram uma forma de ideologia burguesa, na medida em que colocam algumas relações de dominação como algo que é um poder extraterrestre, portanto, invencível. No entanto, na afirmação de Sitchin, suas teses evidenciam uma possibilidade de conciliação entre ciência e religião, o que poderia ser certo, não fossem as explanações pretensamente lógicas que Sitchin faz e que, como dito, não constituem um texto pleno de simbolismo e, antes, possuem um caráter informativo e apofântico. Por apofântico entendemos o caráter claro de sua linguagem, de caráter informativo, contendo induções e deduções praticamente matemáticas. Um texto sem alegorias ou simbolismos, onde se pretende uma univocidade de linguagem. As análises de Sitchin e a Bíblia são inconciliáveis. Como se pode acreditar num único Deus criador se, nos textos de Sitchin, é exposta a criação do homem como obra de engenharia genética operada por mais de uma criatura, no caso, criaturas alienígenas? Com respeito à recepção dessas obras de arqueologia ufológica, imaginemos um leitor trabalhador, após dias tensos de um emprego insípido e enclausurado num escritório, ávido por lazer, conhecimento e aventuras, tal leitor é um possível leitor dessas mesmas obras, que aliás, são best sellers, em alguns casos. Nos dias atuais, quando uma crescente rivalidade entre Estados Unidos e China acontece, vemos anunciada hoje (27 de maio de 2021) uma investigação levada a cabo pelo recém eleito presidente norte-americano Joe Biden sobre a origem do vírus Sars-Cov-2, o Coronavirus. Biden e a CIA estão, neste momento, a empreender tal investigação que não descarta a origem chinesa de tal vírus. Recentemente, logo após o pouso em Marte do citado robô americano, a China também pousa em Marte com seu robô, ambos pesquisando possíveis indícios de vida em Marte. Ora, este cenário parece ser ideal para que escritores de ficção científica alcancem o tal “leitor de após o expediente” e preparem o terreno para a justificativa de uma nova corrida espacial e os enormes investimentos demandados por ela, mesmo que parte dessa corrida venha a ser empreendida pela iniciativa privada americana. Mas outro objetivo pode estar também aliado à suposta popularização de dispendiosas viagens espaciais: o de preparar as pessoas para revelações sobre Objetos Voadores NãoIdentificados (OVNI’s ou UFOs, em inglês), revelações estas que justificariam a corrida espacial. No último domingo (23/05/2021) a revista eletrônica de variedades Fantástico, da Rede Globo de televisão, anunciou que o governo norte-americano está assumindo a realidade de certos fenômenos que podem ter origem alienígena: os agora chamados Fenômenos Aéreos Não-Identificados. Tudo parece acontecer como se uma grande notícia fosse dada de forma bem gradual. Uma possibilidade para tanto esforço “teórico”, e tanta verba utilizada na série de TV por assinatura Ancient Aliens (Alienígenas do Passado), pode ser a possibilidade de algumas “raças” alienígenas serem hostis à espécie humana, sendo assim tais eventos midiáticos uma preparação para o fato de que estaríamos em perigo potencial. Mas, por outro lado, como há, nos canais de TV por assinatura, outros programas de orçamento vultoso, podemos dizer que a mera existência de audiência pode justificar tais investimentos. Se há tal audiência, então a coisa se confirma como cultura de massa. Ou seja, trata-se de uma questão de mentalidade, o que também justifica este trabalho. De qualquer forma, sendo uma manifestação do capitalismo no mínimo americano e/ou inglês, existe uma carga ideológica liberalista em tais manifestações videográficas. Dentro do círculo de práticas liberalistas há uma convergência dessas manifestações com o espírito do capitalismo em geral e, sendo as viagens espaciais no mundo capitalista também manifestações capitalistas, o conteúdo de tais vídeos vai laborar em prol das ondas de avanço tecnológico no rumo das conquistas espaciais. Uma outra possível motivação para investimentos (governamentais?) na difusão de literatura sobre extraterrestres é a suposta intenção de certos governos em comunicar à população mundial o fato de que alienígenas poderiam estar entre nós, sendo que, segundo algumas teorias expressas no programa Alienígenas do passado (Ancient Aliens), tais seres poderiam estar atuando de comum acordo com governos de certas potências. Teoria da conspiração? Pesquisa e investimentos militares, por parte das superpotências podem ser, também, a motivação para a divulgação da temática alienígena pelo mundo. Voltando à relação entre a ciência de Sitchin e a religião, citaremos, parafraseando, a passagem do livro H.G.T. onde a serpente do Paraíso é vista como o deus sumério Enki, ele mesmo um alienígena, segundo Sitchin e, desta forma, como Enki foi o deus que alertou Noé do dilúvio e deu a este último as instruções para a construção de sua arca, podemos concluir que na visão de Sitchin, a serpente no Gênesis é uma entidade boa, o que destoa totalmente das tradições cristãs. Também contraria a Bíblia a afirmação segundo a qual Deus, Yahweh, segundo descrito no Gêneses, é uma mistura de Enki e Elil, conforme aventado em H.G.T. 1.1. ROMANTISMO E ARQUEOLOGIA UFOLÓGICA Na História da Arte, é na pintura romântica que percebemos incursões temáticas dos pintores rumo a outras terras e outras épocas. Delacroix pinta odaliscas, mulheres de harém, consumindo ópio, cenas de batalhas entre a Turquia e a Grécia, enquanto Ingres também pinta uma famosa odalisca, um banho turco, etc. Turner representa o ímpeto da tempestade envolvendo um barco a vapor, o amanhecer de Cartago, um navio negreiro atirando sua “carga” ao mar em meio a uma tempestade, etc. Em suma é a aventura, o ímpeto, a estética do sublime, a guerra nacionalista e o “exótico” que movem os artistas. Podemos aventar a hipótese segundo a qual, na contemporaneidade, os livros de arqueologia ufológica têm um tipo de público semelhante: válvulas de escape, estes últimos garantem os elementos de alívio das tensões atuais para o citadino que, inclusive, procura uma saída para os problemas contemporâneos, mas sem se valer do marxismo, a filosofia da práxis revolucionária. 2. CONCLUSÃO Podemos dizer que a obra de Zecharia Sitchin tenta destruir o mistério, o aspecto místico, da religião cristã, através da introdução da lógica causal e um enredo factual envolvendo os personagens das religiões judaica e cristã. Por outro lado, a ciência e a tecnologia podem constituir mitos contemporâneos, um deles é a própria existência de seres alienígenas e toda a simbologia presente nas viagens espaciais, a velha intenção de Ícaro. Veja-se sobre isto o livro Dialética do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer, e os textos de Carl Gustav Jung sobre arquétipos e mitos contemporâneos, principalmente em seu livro, que é um dos resumos possíveis da obra do psiquiatra suíço, O Homem e seus símbolos. Talvez se possa dizer que é impossível não se constituírem mitos a partir de quaisquer entes, físicos ou mentais e ficcionais, com que lidamos. O kardecismo, datado de um século e meio, postula que os espíritos que habitam os corpos das pessoas viventes, e que ocupam estes mesmos corpos por meio da reencarnação, têm muitas vezes origem extraterrestre, o que pode constituir exemplo de mito constituído a partir de crenças em seres alienígenas, muito embora o próprio kardecismo alegue ser uma forma de ciência que descreve as relações entre espíritos e viventes a partir da “coleta” de comunicações com os mortos de forma objetiva. Por outro lado, há, dentro do esoterismo, a ideia de que uma fraternidade universal com origens no universo, acompanha e aconselha o ser humano. Essa fraternidade está citada, pelo menos, na obra da mística, de fins do século XIX, da russa Helena Petrovna Blavatsky, fundadora da Teosofia, movimento que até os dias de hoje possui lojas místicas em diversos pontos do mundo. Os hindus também trabalharam com a ideia de seres interplanetários, como se pode ler, por exemplo, no Bhagavad Gita. No entanto, neste caso, tratam-se de deuses e outros seres que são mito.