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O silêncio de Antonioni

O silêncio de Antonioni Luciene Guimarães Visione del silenzio Angolo vuoto Pagina senza parole Una lettera scritta sopra um viso Di pietra e vapore Amore Inutile finestra (michelangelo antonioni. Caetano Veloso) *** A letra acima , escrita por Caetano Veloso, além de uma homenagem a um dos maiores expoentes do cinema italiano, também integra a trilha sonora do mais novo filme de Michelangelo Antonioni, Eros (2004) que estréia agora no Brasil. Depois de se recuperar de um derrame cerebral que o privou da fala e de fazer filmes, o cineasta italiano, que deixou para a história do cinema clássicos como a trilogia da década de 60 A Aventura (`L'Avventura), O Eclipse (L'Eclisse) e A noite (La Notte), além de Blow Up - Depois daquele beijo, O deserto vermelho (Il deserto rosso) e Profissão Repórter, divide seu mais novo trabalho com outros dois diretores - Steven Soldbergh e Won Kar Wai - cada um assinando um dos três curta-metragens reunidos em Eros. Uma das trilogias mais clássicas da história do cinema sobre a incomunicabilidade amorosa, fez de Antonioni um autor de luz própria. Nos três filmes da década de 60, têm-se um mesmo tema: o desencontro, a incomunibilidade afetiva, amorosa, a solidão a dois, e que tratam do amor - um cliché tão desgastado - , com complexidade, mas que desmistifica e o coloca às claras, sem sentimentalismo e lugares-comuns. Em O Eclipse, Monica Vitti termina um casamento desgastado e já no início do filme, como numa cena de teatro ou num espetáculo de dança - onde a palavra se faz no movimento dos corpos - Antonioni dispõe os atores em ângulos que os contracenam quase de costas, eles não se encaram mais, não se confrontam, prevalece a falta da palavra, uma mudez , um silêncio em que a imagem 'fala': não lhes resta mais que um separação. Valendo-se de uma fotografia essencialmente poética, as imagens de Antonioni parecem falar por si mesmas pois, no silêncio da incomunicabilidade, ele faz da fotografia cinematográfica uma aliada: a sua linguagem. Assim, as cenas de uma cidade vazia, em O Eclipse, expressam um desolamento, um vazio nas relações afetivas. Num determinado momento desse filme, uma espessa pilastra divide, em um mesmo plano, Alain Delon de um lado e Mônica Vitti de outro, para expressar um desencontro, uma alienação de sentimentos , uma incapacidade afetiva. Entre um ângulo e outro, tomadas, planos, montagem, entrevê-se nesse silêncio, a poesia. O próprio título já conota uma metáfora - um eclipse - fenômeno onde dois corpos celestes - a lua e o sol- se interceptam, para depois se separarem e voltarem ao curso normal da vida. Monica Vitti tenta novamente um relacionamento, mas Delon, que faz um jovem corretor, é materialista por demais, e o silêncio da solidão a dois se instala, e o único ruído é o da bolsa de valores. Em outro momento, Antonioni coloca Mônica Vitti circulando solitariamente pelas ruas de Roma, e a cidade está vazia. Ela poderia estar sozinha em meio a uma multidão de uma cidade superpovoada, mas Antonioni a coloca num vazio, numa solidão explícita. Entrevê-se nessa contradição a linguagem de uma solidão humana, o que fez, na época, Glauber Rocha escrever um ensaio sobre o filme: "A civilização está morta e o cinema não pode salvá-la!" Eis a conclusão de Glauber depois da sequência final de mais cenas da cidade vazia e de objetos de construção: "quando retira os personagens de cena e vaga com a câmera pelas ruas vazias, pelos esqueletos dos edifícios em construção, pelos objetos, pelos esgotos _ quando termina sobre um sol ou lâmpada que brilha para se apagar". É assim que Antonioni constrói sua linguagem, plena de signos, metonímias que levam à aniquilação da relação humana, perdida no vazio da incomunicabilidade. Caetano, na letra citada pode então perceber o cinema de antonioni, numa tentativa quase de definição - uma página sem palavra em que uma profusão de signos convida a ler nas suas imagens, a poesia. Eis a linguagem de Antonioni : visão do silêncio/ ângulo vazio/ página sem palavra/ uma carta escrita sobre um rosto/ de pedra e vapor/ amor/ janela inútil. *** Fonte: http://www.revista.criterio.nom.br/artigo-silencio-michelangelo-antonioni-luciene-guimaraes.htm