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1 FLÁVIA BEZERRA DE MENEZES HIRATA A HIPOTAXE ADVERBIAL CONDICIONAL NO PORTUGUÊS ESCRITO CONTEMPORÂNEO DO BRASIL 2 FLÁVIA BEZERRA DE MENEZES HIRATA A HIPOTAXE ADVERBIAL CONDICIONAL NO PORTUGUÊS ESCRITO CONTEMPORÂNEO DO BRASIL Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, Câmpus de Araraquara, para a obtenção do título de Mestre em Letras (Área de Concentração: Lingüística e Língua Portuguesa) Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena de Moura Neves Araraquara 1999 3 Às famílias Bezerra de Menezes e Hirata, dedico este trabalho. 4 AGRADECIMENTOS À Profa. Dra. Maria Helena de Moura Neves, orientadora exemplar. À Profa. Dra. Marize Mattos Dall’Aglio Hattnher, antes de professora doutora, uma amiga. Aos professores do curso de Pós-Graduação da UNESP – Araraquara. Aos professores do curso de Letras da UNESP – São José do Rio Preto, em especial a Roberto, a Erotilde e a Maria Dalva. À Seção de Pós-Graduação da UNESP – Araraquara, e em especial a Roseli Scodeler. A todos os colegas do curso de Pós-Graduação da UNESP – Araraquara. Aos colegas da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás. Aos amigos, de todos os lugares e de todas as horas: Simone, Patrícia, Silvana, Juliano, Ucy, Gladis, Juliana, Rosário, Kátia, Mônica e Mário. Ao Oto, que esteve aqui para tudo. Ao CNPq e à CAPES, pelas bolsas concedidas durante o período de setembro de 1996 a julho de 1998. 5 RESUMO Esta pesquisa tem como tema as construções condicionais do português escrito contemporâneo do Brasil. A análise baseia-se na teoria da Gramática Funcional, nos termos de Dik (1989, 1997), Halliday (1985), Hengeveld (1989), Mathiessen & Thompson (1988), entre outros. Propõe-se, neste trabalho, um estudo das construções condicionais que, fundamentado no modelo funcionalista, considera o nível discursivo em que as frases são efetivamente realizadas, e leva em conta os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos envolvidos. O trabalho tem como objetivos gerais descrever e analisar as ocorrências de construções condicionais em três diferentes tipos de textos (dramático, técnico e de oratória), sob o ponto de vista do uso efetivo. Espera-se, assim, obter uma caracterização dos tipos de textos contemplados. Essa análise pretende possibilitar, ainda, uma descrição mais integrada das construções condicionais, que pode evidenciar, também, a relação entre a linguagem e suas funções. 6 ABSTRACT This research focus on the conditional constructions of written contemporary Brazilian Portuguese. The analysis is based on the Functional Theory, in the terms of Dik (1989, 1997), Halliday (1985), Hengeveld (1989), Mathiessen & Thompson (1988), among others. The functional study of the conditional constructions considers the discourse level in which the clauses are effectively used taking into account the involved syntatics, semantics and pragmatics aspects. As general aim, this work intends to describe and analyse the occurrences of conditional constructions in three different kinds of texts (dramatic, technical and formal oral exposition) in order to achieve a characterization of those texts, in their effective use. It is also intended to provide a more integrated description of the conditional constructions, so that the relation between language and its functions could be more clearly established. 7 SUMÁRIO Lista de Quadros..................................................................................................................8 Lista de Gráficos..................................................................................................................9 0. Introdução.....................................................................................................................11 1. Fundamentação teórica.................................................................................................14 1.1. Caracterização do Funcionalismo...............................................................................14 1.2. A articulação de orações na Gramática Tradicional e na Gramática Funcional .........20 1.3. Caracterização da construção condicional: forma, estrutura e uso .............................26 2. Questões teóricas...........................................................................................................32 2.1. Funções da oração condicional..................................................................................32 2.1.1. A polêmica ...............................................................................................................39 2.1.1.1 Os estudos de Akatsuka (1986): análise da semântica das condicionais..................39 2.1.1.2. A análise de Ford e Thompson (1986): as condicionais em um estudo baseado em textos. ................................................................................................................................41 2.1.1.3. A análise de Schiffrin (1992a): a ênfase na noção de dadidade .............................46 2.1.1.4. A visão de Sweetser (1990): o grau e a natureza da identificação entre prótases e tópicos ...............................................................................................................................50 2.1.2. Condicionais: outras funções discursivas .................................................................52 2.2. Graus de hipoteticidade ..............................................................................................55 2.3. Relação entre tempos e modos verbais .......................................................................65 2.4. A ordem nas construções condicionais.......................................................................75 2.5. Satélites condicionais .................................................................................................80 2.6. Fronteiras entre os tipos de oração ............................................................................89 2.6.1. Condicionais e concessivas ......................................................................................90 2.6.2. Condicionais e causais.............................................................................................94 2.6.3. Condicionais e temporais .........................................................................................96 2.7. Tipos de Literatura.....................................................................................................99 3. Metodologia de trabalho.............................................................................................. 107 4. Apresentação e análise dos dados................................................................................ 113 4. 1. Construções condicionais nos tipos de literatura...................................................... 113 4.2. A ordem .................................................................................................................... 116 4.3. Graus de hipoteticidade ............................................................................................ 137 4.4. Correlações modo-temporais nos três tipos de literatura........................................... 154 4.5. A modalização nas construções condicionais ............................................................ 179 4.6. Tipos de estados de coisas nas construções condicionais........................................... 183 4.7. A estrutura em camadas: tipos de satélites ................................................................ 192 4.8. Fronteiras entre os tipos de orações.......................................................................... 197 5. Conclusões .................................................................................................................. 203 6. Bibliografia ................................................................................................................. 221 8 Lista de Quadros Quadro 1 Correlação entre tempos e modos verbais nas condicionais deônticas (López García, 1994, p.133)__________________________________________________________________ 68 Quadro 2 Correlação entre tempos e modos verbais nas condicionais dinâmicas (López García, 1994, p.135)__________________________________________________________________ 70 Quadro 3 Correlação entre tempos e modos verbais nas condicionais aléticas (López García, 1994, p.136). _________________________________________________________________ 71 Quadro 4 Camadas, satélites e operadores. _________________________________________ 80 Quadro 5 Distribuição das orações condicionais pelos tipos de literatura________________ 114 Quadro 6 Correlação entre os tipos de literatura e a posição da condicionais.____________ 116 Quadro 7 Correlação entre a posição e os tipos de condicional. _______________________ 122 Quadro 8 Correlações modo-temporais nas condicionais antepostas ____________________ 128 Quadro 9 Correlações modo-temporais nas condicionais pospostas_____________________ 128 Quadro 10 Correlações modo temporais nas condicionais intercaladas _________________ 129 Quadro 11 Tempo e modos verbais nas prótases das construções sem oração núcleo _______ 130 Quadro 12 Correlação entre a posição da condicional e a função da condicional _________ 132 Quadro 13 Correlação entre o tipo de literatura e o tipo de condicional_________________ 138 Quadro 14 Correlações modo-temporais nas eventuais_______________________________ 145 Quadro 15 Correlações modo temporais nas factuais ________________________________ 145 Quadro 16 Correlações modo temporais nas contrafactuais___________________________ 146 Quadros 17 e 18 _____________________________________________________________ 155 Quadros 19 e 20 _____________________________________________________________ 156 Quadros 21 a 23 _____________________________________________________________ 157 Quadro 24 __________________________________________________________________ 158 Quadro 25 __________________________________________________________________ 159 Quadros 26 e 27 _____________________________________________________________ 160 Quadros 28 a 30 _____________________________________________________________ 161 Quadros 31 e 32 _____________________________________________________________ 162 Quadros 33 a 36 _____________________________________________________________ 163 Quadros 37 a 39 _____________________________________________________________ 164 Quadros 40 a 42 _____________________________________________________________ 165 Quadros 43 a 45 _____________________________________________________________ 166 Quadro 46 Correlações modo-temporais mais freqüentes nos três tipos de literatura _______ 167 Quadro 47 Modal na Literatura Dramática ________________________________________ 180 Quadro 48 Modal na Literatura Técnica __________________________________________ 180 Quadro 49 Modal na Literatura Oratória _________________________________________ 181 9 Lista de Gráficos Gráfico 1 Construções condicionais por tipo de literatura ____________________________ 114 Gráfico 2 Tipos de condicionais nos três tipos de literatura ___________________________ 137 Gráfico 3 Tipos de literatura em relação aos tipos de condicional______________________ 138 Gráfico 4 Tipos de condicional na Literatura Técnica _______________________________ 139 Gráfico 5 Tipos de condicionais na Literatura Dramática ____________________________ 141 Gráfico 6 Tipos de condicional na Literatura Oratória_______________________________ 143 Gráfico 7 Tipos de satélites nos tipos de literatura __________________________________ 192 10 “Avec des si on mettrait Paris dans une bouteille” (Ditado francês) 11 0. Introdução A presente dissertação tem como tema as construções condicionais do português escrito contemporâneo do Brasil. A análise baseia-se na teoria da Gramática Funcional, nos termos de Dik (1989, 1997), Halliday (1985), Hengeveld (1989), Mathiessen & Thompson (1988), entre outros. Os estudos de caráter tradicional realizados sobre a articulação de orações restringem-se a uma apresentação de classificações sintáticas ou semânticas, sem atenção para a inter-relação entre os diferentes tipos de orações. Além disso, tratam a articulação das orações nos limites da frase, isolada de seu contexto situacional, desprezando, assim, o seu papel na coesão e na organização discursiva. Neste trabalho, propõe-se um estudo das construções condicionais que, fundamentado no modelo funcionalista, considera o nível discursivo em que as frases são efetivamente realizadas, e leva em conta os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos envolvidos. Essa análise pretende possibilitar uma descrição mais integrada das construções condicionais, que pode evidenciar, também, a relação entre a linguagem e suas funções, mediante a descrição da língua em uso. Esta dissertação tem como objetivos gerais descrever e analisar as ocorrências de construções condicionais em três diferentes tipos de textos (dramático, técnico e de oratória) da modalidade escrita do português contemporâneo do Brasil, sob o ponto de vista do uso efetivo. Espera-se, assim, 12 obter uma caracterização dos tipos de textos contemplados, tendo em vista os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos envolvidos. Como objetivos específicos, procura-se analisar as ocorrências das construções condicionais em relação: . à ordem frasal preferida, isto é, se a ordem mais freqüente é se p, q ou q se p; . aos diferentes graus de hipoteticidade das orações condicionais, ou seja, à condição de serem factuais, eventuais ou irreais; . às correlações modo-temporais; . à presença de modalizadores; . às funções discursivas exercidas; . ao estatuto informacional da prótase e da apódose; . aos tipos de estados de coisas envolvidos; . às camadas de estruturação do enunciado (Dik, 1989, 1990, Wakker, 1992) a que as construções condicionais estão ligadas; . aos domínios em que a conjunção se pode ser usada (nos termos de Sweetser, 1990); . às possíveis conexões com outros tipos de construção, como as temporais, causais e concessivas. No primeiro capítulo faz-se a fundamentação teórica do trabalho. Caracteriza-se o Funcionalismo, em algumas de suas diversas correntes; comparam-se os estudos acerca da articulação de orações, do ponto de vista 13 tradicional e do ponto de vista do Funcionalismo e, por fim, estabelece-se uma caracterização das construções condicionais aqui contempladas. No capítulo dois são discutidas algumas questões teóricas relacionadas ao estudo das construções condicionais. São elas: as funções discursivas exercidas pelas orações condicionais na construção condicional; os graus de hipoteticidade da construção condicional; as correlações modo-temporais atualizadas nas construções condicionais; a ordem das condicionais; a estrutura em camadas da Gramática Funcional e a função de satélite das condicionais; as fronteiras entre as condicionais e outros tipos de orações adverbiais; o estabelecimento de uma tipologia textual. No capítulo três apresenta-se a metodologia que norteia o trabalho. Discutem-se o estabelecimento dos grupos de fatores e o uso de alguns programas do Pacote Varbrul na codificação e tabulação dos dados. No quarto capítulo apresentam-se e analisam-se os dados coletados, segundo os grupos de fatores arrolados. Pretende-se, assim, discutir os pontos de vista tradicional e funcional na caracterização das construções condicionais, e tentar, a partir da proposta funcionalista, chegar a uma descrição mais integrada das construções condicionais do português contemporâneo escrito do Brasil. 14 1. Fundamentação teórica 1.1. Caracterização do Funcionalismo A base teórica deste trabalho relaciona-se com alguns pontos do Funcionalismo de Halliday (1985), Mathiessen& Thompson (1988), Dik (1989, 1997), Hengeveld (1989), Sweetser (1990), entre outros. Caracterizar o Funcionalismo é uma tarefa difícil, já que há várias correntes, com suas respectivas peculiaridades, e que geralmente levam o nome daqueles que as representam. Assim, tem-se o Funcionalismo de Martinet, o de Dik, o de Halliday, o de Givón, etc. Subjacente às diferenças, é possível encontrar uma linha comum, que permeia o pensamento funcionalista e que pode defini-lo. Como preconizava Martinet, (1978), o funcionalista parte da observação dos dados, considerando que, de algum modo, a estrutura é imanente aos fatos. Hoyos Andrade (1992) destaca o princípio martinetiano da “pertinência comunicativa”: o objeto de análise é “a língua real de falantes reais em situações reais” (Hoyos Andrade, 1992, p. 34). Essa é, afinal, a característica básica do tratamento funcionalista: tentar verificar como se obtém a comunicação com a língua, ou seja, como os falantes usam a língua para se comunicar de modo eficiente. A própria estrutura interna da linguagem é tratada funcionalmente, isto é, analisa-se a estrutura gramatical, incluída em uma situação comunicativa, que envolve o objetivo do evento da fala, seus participantes e o contexto discursivo. Além disso, todas as correntes 15 funcionalistas consideram que os componentes da gramática devem ser estudados integradamente. Segundo Neves (1997c), A gramática funcional constitui uma teoria de componentes integrados, uma teoria funcional da sintaxe e da semântica, a qual, entretanto, só pode ter um desenvolvimento satisfatório dentro de uma teoria pragmática, isto é, dentro de uma teoria da interação verbal. (Neves, 1997c, p.25) Dentre os diferentes “funcionalismos”, destacam-se, neste trabalho, dois: o de Halliday (1985) e o de Dik (1989, 1997). Para Mathiessen (1989), a gramática funcional de Halliday tem como base o funcionalismo etnográfico e o contextualismo desenvolvido por Malinowsky nos anos 20, além da lingüística firthiana de tradição etnográfica de Boas-SapirWhorf e do funcionalismo da Escola de Praga. (Mathiessen, apud Neves, 1997c, p.58-59) A gramática funcional de Halliday (1985) associa uma interpretação funcional da lingüística a uma descrição sistêmica, ou seja, é uma gramática sistemática que pode ser interpretada funcionalmente. Em uma de suas mais importantes obras obras, An Introduction to Functional Grammar, de 1985, Halliday deixa de lado o aspecto sistêmico da gramática e focaliza apenas o funcional. A gramática é vista como uma gramática natural, uma vez que tudo nela pode ser explicado com referência a como a língua é usada, ou seja, cada elemento 16 da língua é explicado por sua função no sistema lingüístico. Para Halliday (1985), a unidade maior de funcionamento deve ser o texto, em que se pode observar a multifuncionalidade dos itens que o compõem. Nesses moldes, para Neves (1997c) uma gramática funcional destina-se a revelar, pelo estudo das seqüências lingüísticas, os significados que estão codificados por essas seqüências. O fato de ser ‘funcional’ significa que ela está baseada no significado, mas o fato de ser ‘gramática’ significa que ela é uma interpretação das formas lingüísticas. (Neves, 1997c, p.74) Halliday (1985) considera como componentes fundamentais do significado nas línguas os componentes funcionais. Segundo ele, as línguas se organizam em torno de dois significados básicos: o significado ideacional ou reflexivo, e o significado interpessoal ou ativo. Chamados de metafunções, esses componentes funcionais são tratados como manifestações de dois princípios gerais que regem o uso da língua: entender o ambiente (ideacional) e interagir com os outros nesse ambiente (interpessoal). Há, ainda, um outro componente metafuncional, o textual, associado a esses dois, e que a eles confere relevância. Assim, atribuem-se à língua três funções: a ideacional, a interpessoal e a textual. A função ideacional liga-se ao sistema da transitividade e especifica os papéis dos elementos da oração, como ator, meta, etc. Relaciona-se à expressão de conteúdo, referente às experiências do falante. A função interpessoal serve para estabelecer ou manter as relações sociais e liga-se ao sistema de modo, especificando funções como ‘sujeito’, ‘predicador’, ‘complemento’, ‘finitude’, e diz respeito aos papéis 17 da fala. A função textual estabelece a relação entre a língua e os aspectos da situação em que é usada, e se liga aos sistemas de tema e informação. Especifica as relações dentro do próprio enunciado, ou entre o enunciado e a situação da fala. Na concepção de Dik (1989, 1997), que, segundo Bolkenstein et al (1985), foi o primeiro a colocar a gramática funcional na teoria geral da sistematicidade da linguagem, a lingüística diz respeito, por um lado, ao sistema de regras que governam a constituição das expressões lingüísticas, ou seja, as regras semânticas, sintáticas, morfológicas e fonológicas, e, por outro, ao sistema de regras que governam os padrões de interação verbal, nos quais as expressões lingüísticas são usadas, ou seja, as regras pragmáticas. Para Dik (1989), a gramática deve integrar-se na teoria pragmática mais ampla de interação verbal, na qual o emissor tem expectativas em relação ao seu interlocutor. Ao lado da capacidade lingüística, que permite ao emissor produzir e interpretar corretamente as expressões lingüísticas, atuam também as capacidades epistêmica, lógica, perceptual e social. A análise dos fatos da língua deve levar em consideração a situação comunicativa, ou seja, a relação falante/ouvinte e a contextualização temporal e local da enunciação. O sistema da língua e o uso da língua são passíveis de distinção, mas não se deve estudar o sistema independentemente do uso, ou vice-versa. Assim, as formas dos enunciados são vistas como dependentes de suas funções. A descrição completa da língua deve incluir, para Dik, a referência ao falante, ao ouvinte e aos papéis que estes assumem na interação 18 verbal, determinada socioculturalmente. Desse modo, qualquer expressão lingüística reflete, por um lado, a intenção de um falante, sua informação pragmática e a antecipação que ele faz da interpretação do ouvinte. Por outro lado, a interpretação do ouvinte é função da expressão lingüística, da sua informação pragmática e da sua opinião ou de seu julgamento sobre qual tenha sido a intenção do falante. Deve-se ressaltar que essa relação entre a intenção do falante e a interpretação do ouvinte é mediada, e não estabelecida, pela expressão lingüística. Isso significa dizer que a interpretação do ouvinte apenas em parte se baseia na informação contida na própria expressão lingüística, uma vez que o ouvinte já possui algum tipo de informação passível de interpretação. Em relação ao falante, pode-se dizer que a expressão lingüística não precisa ser uma verbalização completa da sua intenção, já que a informação de que o falante dispõe a respeito da informação do ouvinte no momento da fala muitas vezes é suficiente para a interação que está sendo levada a cabo. Dik (1989) propõe um modelo de descrição da expressão lingüística que objetiva dar conta da estrutura da sentença, desde a representação semântica subjacente até a forma fonética de superfície. Para Dik (1989), a estrutura subjacente de uma frase (clause) é organizada em camadas. Assim, parte-se da construção de uma predicação, o núcleo de uma estrutura subjacente, formada basicamente pela inserção de termos (expressões que podem ser usadas para referir-se a unidades em um dado mundo) em estruturas de predicado (esquemas que especificam um predicado juntamente com um esqueleto das estruturas em que ele pode aparecer). Essa predicação designa um estado de 19 coisas, ou seja, o modo como os falantes codificam lingüisticamente uma situação real ou imaginária. A predicação pode ser construída dentro de uma estrutura mais alta, a proposição, que designa um conteúdo proposicional, ou seja, um fato possível, que pode ser verdadeiro ou falso, conhecido, pensado, mencionado, lembrado, negado, rejeitado. A proposição, revestida de força ilocucionária, constitui a frase, que corresponde a um ato de fala, o mais alto grau da organização frasal. Percebe-se, portanto, uma organização hierárquica das camadas, ou seja, parte-se dos predicados e termos, para a predicação, seguida pela proposição, até se chegar à camada mais alta, a frase. É com base nesses pressupostos teóricos que se pretende descrever o comportamento da hipotaxe adverbial condicional no português escrito contemporâneo do Brasil. Adota-se, pois, a proposta da teoria funcionalista de integração dos diversos componentes ou níveis de análise no estudo dos fatos da língua. Toma-se o texto como um produto resultante do processo de interação verbal, em que o falante tem expectativas e intenções em relação ao ouvinte. Assim, é a partir da análise de ocorrências da língua em uso que se pretende registrar as relações sintático-semântico-pragmáticas contraídas pelas orações envolvidas na construção condicional. As construções condicionais têm sido objeto de estudo de diversas linhas de pesquisa e pensamento, que tentam responder à seguinte questão: o que é uma construção condicional? Essa questão pode ser respondida de maneiras diferentes e de diferentes pontos de vista. Tanto é assim que as 20 condicionais há muito têm sido discutidas pela lógica e pela filosofia, sendo seu estudo tão antigo quanto tais disciplinas e, de certa forma, de importância central no seu desenvolvimento. As construções condicionais são descritas em muitos trabalhos de pesquisa, sob pontos de vista sincrônicos e diacrônicos, em busca de universais ou de propriedades específicas de uma determinada língua, mas, ainda assim, há muitos pontos “nebulosos” em sua caracterização. Não se chegou a uma resposta teórica adequada em relação à sua constituição e nem a um consenso a respeito de sua classificação, quanto ao tipo de construção representado por elas. A busca por respostas a muitas dessas indagações pode ser observada em alguns estudos sobre a articulação das orações, no português do Brasil, principalmente no que se refere à sua estruturação. É o que se discute a seguir. 1.2. A articulação de orações na Gramática Tradicional e na Gramática Funcional Nas gramáticas tradicionais, a articulação das orações é sempre vista de maneira dicotômica: há, por um lado, os casos de coordenação (ou parataxe), e, por outro, os casos de subordinação (ou hipotaxe). A tradição gramatical define a coordenação como (a) um tipo de construção em que uma oração não exerce função sintática em outra, ou seja, ambas apresentam o mesmo estatuto sintático (Bechara, 1977; Cegalla, 1976); ou 21 como (b) um tipo de construção composta por orações que têm sentido completo, por si mesmas (Oliveira, 7ª edição; Ribeiro, 1919), ou seja são independentes. Define-se a subordinação: como (a) um tipo de construção em que a oração subordinada é considerada um termo sintático de outra, ou seja, exerce na oração principal a função sintática de um substantivo, adjetivo ou advérbio. É, por isso, classificada como substantiva, adjetiva ou adverbial (Bechara, 1977; Luft, 1981; Rocha Lima, 1972); ou como (b) um tipo de construção em que a oração subordinada depende da principal para completar seu sentido, isto é, isolada da principal não tem sentido completo (Oliveira, 7ª edição). Outros estudos, de cunho não-tradicional, também se fixaram na bipartição subordinação/coordenação. Carone (1988, 1991), seguindo Hjelmslev e Tesnière, considera a subordinação e a coordenação como recursos sintáticos de que o emissor lança mão para tornar os períodos “mais complexos” (Carone, 1988, p.87). Sobre essa base, a autora entende por subordinação a relação de dependência entre uma oração subordinada e um termo de outra oração, por meio do uso de instrumentos de inserção, as conjunções subordinativas. As duas unidades, termo e oração subordinada, adquirem uma função quando articuladas, sendo nomeadas functivos. A coordenação é vista como a relação entre duas orações, tomadas em sua totalidade, por meio do uso de uma conjunção coordenativa, que pertence à segunda oração e que tem uma função relacionadora. A seqüência entre as orações é rígida, tornando a inversão da ordem impossível. 22 Como a segunda oração pressupõe a primeira, não são, portanto, independentes, no sentido dado pelas gramáticas tradicionais, como em Cunha e Cintra (1985). Para Perini (1996) uma oração é subordinada quando está dentro de outra, a principal, porque faz parte de um de seus termos e não porque funciona como termo da outra. Perini (1996) considera a coordenação a relação entre duas orações separadas, sintaticamente equivalentes, que, portanto, não compartilham nenhum elemento. Sob o ponto de vista funcionalista, que norteia esse trabalho, as relações entre as frases com base na dicotomia coordenação e subordinação é revista (Halliday, 1985; Mathiessen& Thompson, 1988). Segundo Halliday (1985), a articulação de orações deve ser vista a partir de duas dimensões de interpretação: o sistema de interdependência e o sistema lógico-semântico. Por um lado, as relações são vistas como um sistema de interdependência, ou sistema tático, em que estão a parataxe, isto é, a ligação de elementos de categorias iguais, no sentido de que cada um pode constituir um todo funcional, e a hipotaxe, ou seja, a relação modificadora da união de elementos de distintas categorias, em que um elemento dominante é livre e, um outro, nãodominante, não. Por outro lado, as relações são vistas de acordo com o sistema lógico-semântico de expansão e projeção. A expansão ocorre quando a segunda 23 oração expande a primeira, elaborando-a, estendendo-a ou encarecendo-a. Na elaboração, uma oração elabora o significado de outra, especificando-a ou descrevendo-a. Na extensão, uma oração amplia o significado de outra, acrescentando algo novo a ela; o que é adicionado pode ser um acréscimo, uma substituição ou uma alternativa. No realce (encarecimento), uma oração realça o significado de outra, qualificando-a com as circunstâncias de tempo, lugar, modo, causa ou condição. Já a projeção ocorre quando a segunda oração é projetada pela primeira, apresentado-a como uma locução ou uma idéia. Halliday (1985) também propõe o termo encaixamento, em que uma oração funciona como um constituinte dentro da estrutura de um grupo, que, por sua vez, é um constituinte de uma oração. Uma oração encaixada não compõe diretamente a frase. Sua relação com a oração mais alta é uma relação indireta, intermediada pelo grupo ao qual a oração encaixada está ligada. A oração encaixada funciona na estrutura desse grupo, e o grupo funciona na estrutura da oração. Dessa forma, percebe-se que não há, como na parataxe e na hipotaxe, relações entre orações. Halliday (1985) associa as relações lógico-semânticas de expansão e projeção ao sistema de interdependência, em que estão a parataxe e hipotaxe, e também ao encaixamento. Dessa forma, da associação elaboração + parataxe resultam as orações coordenadas assindéticas, ou mesmo as orações justapostas. Da associação elaboração + hipotaxe resultam as orações relativas não-restritivas (explicativas). Da associação elaboração + encaixamento resultam as orações relativas restritivas. É a combinação hipotaxe + realce, da qual 24 resultam as tradicionalmente chamadas orações adverbiais (orações de tempo, lugar, modo, causa, condição, concessão, etc), o cerne deste trabalho. São, portanto, duas dimensões de interpretação que, juntas, dão uma base funcional para a descrição de orações complexas, reconhecidas por Halliday (1985) como as unidades gramaticais acima do nível da oração. Mathiessen & Thompson (1988) também tratam da distinção entre encaixamento e combinação de orações, mas vão além do que é exposto por Halliday (1985), uma vez que trabalham no nível do discurso e não no nível das orações complexas. No encaixamento, uma oração funciona como um constituinte, um complemento, dentro de outra. O encaixamento inclui as orações tradicionalmente chamadas substantivas (subjetivas, objetivas diretas e indiretas, completivas nominais, etc) e as relativas restritivas. Mathiessen & Thompson (1988) assumem que há dois níveis de combinação de orações: a parataxe (tradicionalmente, a coordenação, a aposição, a citação) e a hipotaxe (caso, por exemplo, da hipotaxe de realce, ou seja, das orações adverbiais). Assim, eles distinguem, em termos de níveis de interdependência, combinação paratática de combinação hipotática. Consideram que a combinação de orações reflete a estrutura retórica do discurso, e distinguem, na organização textual, as relações retóricas de listas e as relações retóricas núcleo-satélite. Em outras palavras, as combinações de orações codificam as combinações das unidades retóricas do discurso. 25 Segundo os autores, a combinação de orações hipotáticas é uma gramaticalização das relações retóricas núcleo-satélite. Essas relações são consideradas uma característica geral dos textos, em que certas partes realizam os objetivos centrais do falante, ou seja, os núcleos, enquanto outras suplementam ou auxiliam os objetivos centrais, ou seja, os satélites. Na combinação de orações hipotáticas, o núcleo e o satélite são diferenciados: a oração que realiza o satélite é marcada gramaticalmente por um conectivo que a introduz e pelo verbo na forma finita; satélites com verbos não-finitos podem não ser marcados pelo conectivo. Alguns dos estudos de caráter tradicional acima mencionados estabelecem uma separação rígida entre subordinação e coordenação. Além disso, tratam as orações subordinadas e as coordenadas apenas como elementos isolados e extraídos de um contexto. As orações subordinadas adverbiais são classificadas de acordo com a circunstância que exprimem. Assim, por expressarem uma condição, as orações condicionais estão aí incluídas. Como neste trabalho as construções condicionais são tratadas sob o ponto de vista do funcionalismo, considera-se, nos termos de Halliday (1985), que as orações condicionais são um tipo de expansão hipotática de realce. Seguindo Mathiessen & Thompson (1988), as construções condicionais são vistas como uma combinação de orações hipotáticas de realce que codificam as relações retóricas de núcleo-satélite. Apresenta-se, em seguida, uma breve caracterização da construção condicional tratada neste trabalho. 26 1.3. Caracterização da construção condicional: forma, estrutura e uso São objeto de estudo neste trabalho, quanto ao componente formal, as construções condicionais caracterizadas pela expressão se p, (então) q em que p é chamado de prótase e q, de apódose. A prótase pode ser introduzida por uma das muitas conjunções condicionais, além do se, tais como: caso, contanto que, salvo se, sem que, desde que, a menos que, a não ser que, uma vez que, exceto se, etc. No entanto, neste trabalho são contempladas apenas as orações marcadas pela conjunção condicional por excelência. Quanto à estruturação da frase complexa condicional, considerase a existência de uma estrutura subjacente à frase, que se organiza em quatro camadas: predicado e termos (entidades), predicação (estados de coisas), proposição (fato possível) e frase (ato de fala). Nas camadas operam quatro níveis correspondentes de operadores e de satélites, meios gramaticais e lexicais, respectivamente, que as modificam e as qualificam, até que se chegue a um enunciado efetivo, ou seja, ao evento de fala. Um estado de coisas (EC) é concebido como algo que existe no mundo real. Para o estabelecimento de uma tipologia semântica dos estados de coisas devem ser considerados os seguintes parâmetros: dinâmico [±din]], controle [±con]], télico [±tel]], momentâneo [±mom]], experiência [± ±exp]]. Esses parâmetros, ao serem combinados, resultam em seis tipos de estados de coisas: atividade, mudança, dinamismo, posição, 27 realização e estado. Assim, da combinação entre os dois parâmetros mais gerais, [+din] e [-din], que configuram, respectivamente, eventos e situações, com os parâmetros [+con] e [-con] resultam os tipos: • [+din] [+con]: ação (evento) • [+din] [-con]: processo (evento) • [-din] [+con]: posição (situação) • [-din] [-con]: estado (situação) Adicionando os traços [+tel] e [-tel] a essa tipologia, chega-se a uma subtipologização: • [+din] [+con] [+tel]: realização (evento, ação) • [+din] [+con] [- tel]: atividade (evento, ação) • [+din] [-con] [+tel]: mudança (evento, processo) • [+din] [-con] [- tel]: dinamismo (evento, processo) Os eventos [+tel] podem ainda ser subcategorizados segundo o traço [±mom], mas os subtipos daí resultantes não recebem denominações especiais. Os eventos télicos momentâneos são aqueles que não têm duração, ou seja, o começo coincide com o término. Eles ocupam apenas um ponto no tempo. Já os eventos télicos não-momentâneos ocupam um certo espaço de tempo e têm pontos iniciais e finais distintos, mas não chegam a ser [-tel]. O parâmetro [±exp] é 28 pertinente a todos os tipos de EC distinguidos e marca apenas que pode haver, ou não, no EC, um ser animado qualquer que percebe, sente, quer ou experimenta algo. Em relação ao uso, como Sweetser (1990), considera-se que as conjunções que introduzem uma oração podem ser interpretadas em três domínios: como um veículo portador de conteúdos (domínio de conteúdo); como uma entidade lógica (domínio epistêmico); ou como um instrumento de um ato de fala (domínio conversacional ou dos atos de fala). No domínio de conteúdo a conjunção condicional indica que a realização do evento ou do estado de coisas descrito na prótase é uma condição suficiente para a realização do evento ou estado de coisas da apódose. Assim, no exemplo seguinte, em inglês, (1) If Mary goes, John will go. a ida ou não de Mary implica também a ida ou não de John a algum lugar. Nesse caso, a conexão entre a prótase e a apódose pode ser uma conexão causal. Há uma simples transmissão de um conteúdo, ou seja, informar que um fato acarreta um outro fato qualquer. No domínio epistêmico, a conjunção condicional indica a idéia de que o conhecimento da verdade da premissa hipotética expressa na prótase seria 29 uma condição suficiente para se concluir a verdade da proposição expressa na apódose. É o que se pode verificar na construção seguinte: (2) If she is divorced, she’s been married. A condicional tautológica deve ser lida da seguinte maneira: o conhecimento de que a proposição “She is divorced” é verdadeira, é uma condição suficiente para assegurar a conclusão de que “she has been married” também é verdadeira. Entretanto, não apenas as condicionais tautológicas são passíveis de leitura no domínio epistêmico. Assim, construções como (3) If John went to the party, he was trying to infuriate Mary. têm também uma leitura epistêmica. Nesse caso, percebe-se não haver qualquer vínculo lógico inerente entre a prótase e a apódose. O elo causal entre as proposições não está, portanto, no domínio de conteúdo, e sim no domínio epistêmico, uma vez que é o conhecimento de uma dada situação que leva a uma determinada conclusão. Aqui, o emissor deve ter um “estoque de informações” prévio, geral e comum, que, adicionado ao fato de que a proposição “John went to the party” é verdadeira, lhe permite concluir que a proposição “he was trying to infuriate Mary” também é verdadeira. Uma paráfrase proposta por Sweetser (1990) para as condicionais epistêmicas é: “Se eu sei [prótase], então eu concluo [apódose]”. 30 Já no domínio dos atos de fala, o desempenho (performance) do ato de fala que está sendo representado na apódose é condicionado ao preenchimento de algum fato ou estado expresso na prótase. Nesse caso, o estado ou fato da prótase possibilita ou causa o ato de fala seguinte. Para Sweetser (1990), tais casos estão inerentemente relacionados às máximas de Grice e de Searle, de tal modo que as prótases condicionais em questão referem-se, invariavelmente, a alguma condição de relevância ou de adequação. Assim, nos exemplos seguintes (4) If I may say so, that’s a crazy idea. (5) If it’s not rude to ask, what made you decide to leave IBM? (6) There are biscuits in the side board if you want them. pode-se perceber: 1. No primeiro caso, é apenas a permissão do ouvinte que leva à expressão da opinião do falante. 2. No segundo exemplo, pede-se que uma pergunta seja levada a cabo, se o ouvinte não a considerar rude. 3. No último caso, informa-se a um ouvinte de que há biscoitos no armário, mas essa informação só é relevante se o ouvinte tem fome ou quer comer algo. Assim, conclui-se que a realização da apódose está condicionalmente ligada à relevância e/ou à adequação dos fatos apresentados na 31 prótase. Uma possível paráfrase para as condicionais de atos de fala, segundo Sweetser (1990), seria “Se [prótase], então vamos considerar que eu realizo este ato de fala (isto é, aquele representado como apódose)”. Deve-se ressaltar que neste trabalho se assume, ao contrário de Sweetser, que apenas as leituras das condicionais nos domínios epistêmico e de atos de fala são possíveis, uma vez que se considera que, ao se expressar uma construção condicional, vai-se além da simples transmissão de conteúdos, e que por meio dela expressa-se tudo aquilo que o emissor considera possível, verdadeiro, falso, conhecido, pensado, lembrado ou rejeitado. O que se pretende fazer, neste trabalho, é uma abordagem geral das condicionais que englobe alguns dos diferentes aspectos a elas relacionados. Tenta-se dar uma visão ampla das condicionais em funcionamento em textos reais. É, portanto, a partir de tais pressupostos teóricos, que se procura descrever e analisar as construções condicionais do português escrito do Brasil. Apresentam-se, a seguir, algumas questões teóricas concernentes às construções condicionais, como base para a análise e discussão dos dados do córpus. 32 2. Questões teóricas 2.1. Funções da oração condicional As noções de condicionalidade e topicidade foram pela primeira vez relacionadas em um estudo de Haiman (1978). Nesse trabalho, Haiman afirma que as condicionais, em inglês, são tópicos das sentenças em que ocorrem. As definições de condicionais e de tópicos apresentadas, são, respectivamente, de lógicos (Ramsey, 1931, Stalnaker, 1975 e Ducrot, 1972) e de lingüistas (particularmente Chafe, 1976). Haiman postula que essas definições são convergentes, e, sendo assim, assume que as condicionais, como os tópicos, são dados, que constituem uma moldura de referência, sendo em relação a essa moldura que a oração principal pode ser considerada verdadeira, se for uma proposição, ou adequada, se não o for (Haiman 1978, p.564). Haiman defende sua hipótese com base em princípios morfológicos, sintáticos e lógico-semânticos, apresentando dados em diversas línguas, do hua (Papua-Nova Guiné), passando pelo tagalogue, até o inglês, o alemão e o japonês. Em relação às evidências morfológicas, Haiman analisa as condicionais hipotéticas em que se pode perceber uma marca verbal na oração final. Em hua dois morfemas ma e mo, juntos, definem a categoria sintática 33 superficial das condicionais. A desinência ma é a marca morfológica, nos verbos, da natureza pressuposicional da proposição. Se as condicionais são tópicos (dados, pressuposições) de suas sentenças, então essa desinência desempenha o mesmo papel nas prótases condicionais. Sendo assim, é a presença de tal desinência, nas condicionais, a primeira evidência, puramente morfológica, de que as condicionais são tópicos. Como segunda evidência morfológica, Haiman mostra o morfema mo, uma partícula conectiva, que marca o tópico potencial, e que ocorre invariavelmente em orações condicionais, que são consideradas, portanto, como tópicos das sentenças em que ocorrem. Outro ponto tratado por Haiman é a correlação, se não mesmo a identidade, entre as condicionais e as interrogações. Seguindo Jespersen (apud Comrie, 1986), Haiman sugere que as condicionais são perguntas com respostas afirmativas implícitas. Assim, a marca formal de tópico em um grande número de línguas seria, freqüentemente, um morfema ou uma construção interrogativos. E a explicação dada para essa similaridade é que the similarity between conditionals and questions is that conditional (like other topics) are established in a discourse as given facts or entities with a formal device whereby the speaker seeks the agreement of his interlocutor as to their validity. (Haiman, 1978, p.572)1 1 “a similaridade entre condicionais e as interrogativas é que as condicionais (como outros tópicos) são estabelecidas, em um discurso, como fatos dados ou entidades com um mecanismo formal por meio do qual o emissor procura a concordância de seu interlocutor em relação à sua validade.” Aqui, e doravante, tradução minha. 34 Há, segundo Haiman (1978), conexões evidentes entre tópicos e condicionais, manifestadas em línguas em que a marca regular de condicional é também a de tópico, como em turco e em tagalogue. Haiman (1978) trata também da questão do deslocamento à esquerda, ou seja, do fato de que as condicionais, como os tópicos, tendem a aparecer em posição inicial na frase, deslocadas à esquerda, por serem informação dada. Assim, em hua, algumas condicionais são sintática e semanticamente tópicos das sentenças em que ocorrem. Esta é, segundo Haiman (1978), uma tendência icônica, uma vez que o que é expresso primeiro em uma sentença é mais velho do que aquilo que é expresso posteriormente, mesmo que seja por um instante. Deixando de lado as marcas morfológicas e sintáticas e passando para um campo estritamente semântico, Haiman discute as caracterizações dadas pelos lógicos, baseadas na implicação lógica, para o significado das condicionais comuns. É o caso de Copi (1972) que, segundo Haiman (1978), defende a aceitabilidade de frases como (7) Se Hitler foi um gênio militar, eu sou o tio do macaco. que é válida, mesmo com antecedente e conseqüente falsos, sem nenhuma relação lógica, causal ou real entre eles. Há ainda os que defendem que a implicação lógica faz que sentenças como 35 (8) Se Hitler foi um gênio militar, Londres fica na Inglaterra. em que o antecedente é falso, mas o conseqüente é verdadeiro, ainda que estranhas, sejam passíveis de ocorrer. Haiman (1978), no entanto, considera que essas explicações não bastam, uma vez que não podem ser aplicadas a todas as condicionais comuns das línguas. O autor diz que é a relevância, exercendo um papel de distinção no uso das condicionais, e também em seus significados, que possibilitará perceber por que frases como (7) são permitidas, e frases como (8), não. A distinção é um assunto de credo pessoal. Assim, para Stalnaker a conditional clause is in effect an instruction to add the antecedent to your stock of knowledge and their beliefs and then to consider whether or not the consequent is true. Your belief about the conditional should be the same as your hypothetical belief, under this condition, about the consequent. (Stalnaker, apud Haiman, 1978, p.580)2 2 “uma oração condicional é uma instrução para você adicionar o antecedente ao seu estoque de conhecimentos e crenças e então considerar se o conseqüente é verdadeiro ou não. Sua crença sobre a condicional deve ser a mesma, sob esta condição, acerca do conseqüente.” 36 A mesma definição é proposta por Ducrot, The speaker, in uttering such a clause, is asking his listener to accept for a time a proposition p which provisionally becomes the framework of reference or his discourse – in particular, for the consequent proposition q. (Ducrot, apud Haiman, 1978, p.580)3 A questão da relevância, para Ducrot, caracterizada pela invocação de uma lei conversacional, a lei da exaustividade, diz que ... parlant d’un sujet, on donne à son interlocuteur les informations les plus fortes dont on dispose... cette même loi peut faire comprendre pourqoi on distingue mal le ‘suffisant’ du ‘nécéssaire et suffisant’. (Ducrot apud Haiman, (1978, p.580)4 Sendo assim, poder-se-ia considerar que uma oração condicional representa um mundo possível, em que a proposição é verdadeira. No entanto, Haiman (1978) propõe uma revisão dessa definição sobre condicionais, já que, por um lado, ela não prevê a existência de sentenças em que o conseqüente é julgado não com base na verdade, mas com base na sua apropriação no mundo definido pela oração condicional, e, por outro, há condicionais que são claramente nãohipotéticas, como no exemplo seguinte: 3 “O falante, enunciando tal frase, está pedindo ao seu ouvinte que aceite por algum tempo a proposição p, que provisoriamente se torna a moldura de referência do discurso, em particular, para a proposição q.” 4 “...ao falar sobre um assunto, dá-se ao interlocutor as informações mais importantes de que se dispõe... essa mesma lei pode fazer compreender por que se distingue mal o “suficiente” do “necessário e suficiente”. 37 (9) Se eu era um carpinteiro ruim, eu era um alfaiate ainda pior. Sejam pressupostas ou não pressupostas, Haiman (1978) caracteriza as condicionais como uma parte do conhecimento compartilhado pelo emissor e pelo seu interlocutor. E acrescenta: como tal, constitui a moldura que foi selecionada para o discurso seguinte. Em relação aos tópicos, Haiman (1978) aponta a diversidade de rótulos encontrados tanto na psicologia como na lingüística, que correspondem a outras dicotomias, tais como tema/rema, sujeito psicológico/predicado psicológico, pressuposição/foco. Para o autor, entretanto, duas definições, distintas e claras, podem ser feitas: • o tópico é aquilo sobre o que o emissor está falando – o comentário é o que é dito sobre o tópico; • o tópico é o dado, ou a informação velha na sentença – o comentário é a informação nova. Os tópicos podem ser de dois tipos, de retomada ou de contraste, sendo que o primeiro fornece informação velha e o segundo, informação nova, segundo Kuno (1972) e Chafe (1976). Haiman (1978), no entanto, discorda dessa posição e, ao contrário, assume que ambos são dados. A única diferença entre eles é o modo como são estabelecidos como tal no discurso. Os tópicos de retomada são estabelecidos em um contexto prévio, enquanto os de contraste são selecionados pelo falante a propósito de pensamentos que ele ainda não comunicou 38 a seu ouvinte. São, portanto, estabelecidos por concordância, que o falante, por sua vez, deve solicitar ao ouvinte. É esta a razão de os tópicos de contraste serem marcados como perguntas, já que são um pedido de afirmação ou reconhecimento da existência do tópico. Assim, para Haiman (1978) The topic represents an entity whose existence is agreed upon by the speaker and his audience. As such, it constitutes the framework which has been selected for the following discourse. (Haiman, 1978, p.585)5 Portanto, como se pode perceber, as definições dadas por Haiman (1978) para condicionais e tópicos são idênticas. Definindo pressuposições como conhecimento compartilhado entre falante e ouvinte, mesmo que apenas provisoriamente (já que a suposição é uma pressuposição provisória), o autor considera que os tópicos, como as orações condicionais, são pressuposições de suas sentenças. 5 “O tópico representa uma entidade com cuja existência o emissor e seus ouvintes concordam. Como tal, constitui a moldura que foi selecionada para o discurso seguinte.” 39 2.1.1. A polêmica Ponto de partida para outros estudos, muitos dos argumentos e definições de Haiman foram refutados ou rediscutidos. Assim, é com o intuito de rever pontos apresentados por Haiman, que Akatsuka (1986), Ford e Thompson (1986), Sweetser (1990) e Schiffrin (1992a) constróem seus trabalhos, como se´ra visto nas seções que se seguem. 2.1.1.1 Os estudos de Akatsuka (1986): análise da semântica das condicionais Akatsuka (1986) pretende demonstrar que a análise de Haiman (1978) da semântica das condicionais é inadequada, principalmente por não ter considerado suficientemente dois fatores, o contexto precedente e a atitude do falante. A autora ressalta a relação entre as condicionais e as interrogativas e a questão da classificação dos tópicos em tópicos de contraste e de retomada. Quanto às interrogações, Akatsuka (1986) afirma que, entre elas e as condicionais, há uma relação muito estreita. Haiman (1978), baseando-se em Jespersen (1940), considera as condicionais como interrogativas com respostas positivas implícitas e assume que esse fenômeno não pode ser explicado por nenhuma equivalência semântica entre as duas categorias, mas ocorre em razão da identidade das condicionais com os tópicos. Para Akatsuka (1986), no entanto, tais interrogativas são marcadas. Em interrogativas não-marcadas, o emissor não sabe 40 a resposta com antecedência, apenas em uma prótase dada contextualmente é que a resposta pode ser dada, pelo emissor, ao seu interlocutor. Assim, já que tanto Haiman (1978) como Jespersen (1940) falharam, do ponto de vista de Akatsuka (1986), por não considerarem a existência de uma prótase, contextualmente dada, sua hipótese não pode explicar por que condicionais podem ser substituíveis, em ocorrências do tipo (10) B: Ele virá? A: Ele virá? Então eu ficarei. A: Se ele virá, então eu ficarei. Akatsuka (1986) defende que é precisamente o significado abstrato compartilhado, isto é, a incerteza, o fato de a situação ser não-controlável pelo falante, o fator responsável pela relação próxima entre condicionais e interrogações. Akasutka (1986) faz, então, uma distinção entre tópicos de contraste e de retomada. Para Haiman (1978), não há necessidade de distinguir as duas categorias, já que ele assume que os tópicos, todos, são informação velha. Akatsuka (1986), por outro lado, sugere que o que une esses dois tipos de tópico é que ambos são sobre X, ou seja, tanto o de contraste quanto o de retomada são tópicos porque ambos são sobre X. Mas Haiman (1978) os vê como tópicos porque, além de serem sobre X, ambos apresentam informação dada. E para Akatsuka (1986), as condicionais são tópicos apenas no sentido de serem sobre 41 algo, ou seja, no sentido de aboutness. Sendo assim, Akatsuka (1986) conclui que nem todos os tópicos são dados, como o quer Haiman (1978). Segundo Akatsuka (1986), embora a maior preocupação de Haiman (1978) tenha sido a noção discursiva de tópico, a análise semântica que ele faz é essencialmente estática e não orientada discursivamente. E, para Akatsuka (1986), isso ocorre porque Haiman (1978) tentou unificar a análise dos lógicos sobre a semântica das condicionais ao estudo dos lingüistas sobre os tópicos, ou seja, sob análise de Haiman (1978) estava o credo de que as condicionais podem ser tratadas pelo domínio da lógica matemática. 2.1.1.2. A análise de Ford e Thompson (1986): as condicionais em um estudo baseado em textos. Ford e Thompson (1986) afirmam que o que falta em Haiman (1978) é uma perspectiva do funcionamento das condicionais em textos autênticos e naturais, embora considerem que a proposta representa uma evidência da função discursiva das condicionais. Em seu trabalho, testam a proposta de Haiman (1978) em textos escritos e falados do inglês, analisando quais tipos de condicionais ocorrem e como se relacionam com o contexto discursivo. Em termos discursivos, as autoras definem tópicos como constitutivos de uma concordância sobre a “imutabilidade” da informação que estão codificando, sendo esta a propriedade que lhes permite servirem de moldura para o discurso subseqüente, função que Haiman (1978) corretamente lhes atribui. 42 Nesse sentido, Chafe (1984) sugere que as condicionais podem funcionar como orientadoras do discurso (guideposts), isto é, resumem o que foi dito anteriormente e, ainda, relacionam-se com o discurso subseqüente. É o que Decat (1993) chama de guias. As condicionais exercem, portanto, uma função discursiva anafórica e servem como uma ponte de transição. Além disso, essas “condicionaisguias” podem funcionar como reparadoras do discurso anterior, uma vez que, nesses casos, são repetidas não em sua forma mas, sim, em seu conteúdo. Para Ford & Thompson (1986), este modo de ver os tópicos, como uma estratégia de comunicação, elimina um dos maiores problemas no uso da noção de tópico para se entender a função discursiva das condicionais: o fato de que essa noção não é teoricamente estável, isto é, cada autor adere a uma definição ou outra. O ponto principal na análise de Ford e Thompson (1986) é a posição das orações condicionais. Procuram observar que tipos de relações as condicionais contraem com o discurso precedente, no caso das antepostas, e com o discurso subseqüente, nas pospostas. Para tanto, as autoras usam a noção de tópico, que consideram como o conhecimento partilhado que serve de moldura para o material subseqüente. Assim, tentam mostrar que as condicionais antepostas em textos escritos do inglês, fornecem uma informação considerada como partilhada, de quatro maneiras6: 6 As autoras apresentam, em seu texto, exemplos para o inglês. Entretanto, preferiu-se utilizar, nesse ponto, ocorrências do córpus para ilustrar os tipos de tópicos . 43 1. repetindo-se uma afirmação presente antes no texto: tópico de retomada (282) Essa doutrina nega que o desenvolvimento mental consista meramente em um processo de desdobramento, ou que a mentalidade se desenvolva no vazio. (...) Ao contrário afirma que as condições de seu cultivo são por si mesmas parte integrante do processo. Se essa teoria não fosse verdadeira, seria necessário abandonar a idéia de que a educação é algo mais que aquisição de informação. (AE/LT) 2. oferecendo-se algo que contraste com uma afirmação anterior: tópico de contraste (299) Essa “tendência para antropomorfizar”, utilizando as palavras de P. Veyne, o produto do trabalho humano decorre, como vimos no primeiro capítulo, da própria ambigüidade essencial do artefato: a um só tempo faz parte do universo físico, enquanto matéria, e humano, enquanto produto do trabalho e mediador das relações sociais. No entanto, se considerarmos que o motor da modificação tipológica se encontra na dinâmica das relações sociais e econômicas – como na década de 70 propuseram Klein, Binford e Schiffer – então a concepção de desenvolvimento endógeno do artefato representa fetichização. (ARQ/LT) 44 3. dando-se uma exemplificação de uma generalização anterior: tópico de exemplificação (329) Não de pode negar que tem a organização do espaço de fazer com que se reproduzam suas principais linhas de força. Se examinarmos, por exemplo, os mapas de distribuição do povoamento durante quatro séculos e meio de história moderna da Venezuela, vemos que as manchas representativas da presença humana no território são repetidas. (PGN/LT) 4. explorando-se opções, que foram disponibilizadas anteriormente: tópico de alternativa ou de opção (53) Mané Gorila: Ontem mesmo dei dez contos do meu bolso pra comprar bancos pra escolinha lá do morro. Se vocês ficassem aqui, eu era até capaz de fazer uma escola aqui também. É preciso ensinar essas crianças a ler. Sem saber ler elas não vão poder votar amanhã. (IN/LD) As condicionais aparecem pospostas quando a questão do conhecimento partilhado não é tão marcante, isto é, parece ser menos importante que outras considerações, como: 45 1. o encaixamento da oração condicional em orações nominais, reduzidas de infinitivo ou adjetivas; 2. a extensão da oração condicional (quando for mais longa, a condicional aparece em posição final); 3. a presença de sintagmas nominais “pesados”, e, assim, mais informativos, na oração núcleo, que fazem que assuma a posição inicial. Assim, Ford & Thompson (1986) consideram que a afirmação de Haiman (1978) de que as condicionais são tópicos constitui um ponto de partida produtivo para a investigação das funções discursivas das condicionais em textos escritos e falados do inglês. Percebe-se que as autoras definem a função de tópico das orações condicionais do ponto de vista do conhecimento partilhado entre o emissor e seu interlocutor e não tratam do estatuto informacional da condicional, mas sim da posição em que as condicionais aparecem nos textos escritos do inglês e de sua relação com os discursos antecedente e subseqüente. Dessa forma, as autoras assumem que as orações condicionais antepostas funcionam como tópicos das construções em que são atualizadas, enquanto as condicionais pospostas, por não apresentarem uma conexão clara com os discursos antecedente e subseqüente, não. Na verdade, segundo Ford & Thompson (1986), as condicionais pospostas podem até apresentar algo que é partilhado, mas que não é tão importante ou crucial para o entendimento da oração núcleo. Nas palavras de Ford & Thompson (1986) 46 one thread which runs throughout the cases of non-initial conditionals in the data is the question of the degree to which information in an if-clause may be said to be shared or background information in the discourse. Non-initial conditionals may tend to occur in places where such background is either less crucial to the understanding of the main clause, or where the material is more felicitously placed at the beginning of an utterance. (Ford & Thompson, 1986, p.370)7 2.1.1.3. A análise de Schiffrin (1992a): a ênfase na noção de dadidade Schiffrin (1992a), examinando a proposta de Haiman (1978), afirma que a ênfase em dadidade como um critério de definição de tópico levanta mais problemas do que os soluciona, uma vez que a determinação do estatuto informacional (dado ou novo) é difícil. Para tanto, é preciso um sistema regulado, regrado e, acima de tudo, utilizável. A dificuldade principal decorre do fato de que a decisão do emissor de como tratar uma porção de informação não é objetiva. Além disso, a relação do emissor com a língua tem um caráter reflexivo, ou seja, o que foi dito em um ponto do tempo não apenas reflete o que era conhecido naquele tempo, mas também cria o que será conhecido em um próximo ponto do tempo. Essa reflexividade significa que o que foi assumido como compartilhado está continuamente mudando por meio do discurso, e, desse modo, os 7 “Um ponto que perpassa os casos de condicionais não-iniciais nos dados é a questão do grau em que a informação contida em uma oração condicional pode ser tomada como informação partilhada ou de fundo no discurso. Condicionais não-iniciais tendem a ocorrer em lugares em que tal fundo é menos crucial para o entendimento da oração principal, ou onde o material é mais adequadamente colocado em posição inicial na sentença.” 47 participantes devem sempre alterar suas assunções a respeito do conhecimento do outro. Apesar das dificuldades em definir e operar o estatuto informacional, muitos estudos propõem que a organização de uma sentença segue a ordem velho → novo, em que os falantes começam com informação dada e seguem com informação nova, o que favorece a relação entre tópico e estatuto informacional. Essa ordem frasal dado/novo não foi, segundo Schiffrin (1992a), devidamente caracterizada por Haiman (1978), que ignora a possibilidade de as condicionais serem tópicos apenas quando a prótase é anteposta à apódose, ou seja, apenas em seqüências do tipo “se p, q”. Comrie (1986) afirma que as formas não-marcadas das construções condicionais têm a prótase antes da apódose. Para Schiffrin (1992a), a ordem frasal dado/novo sugere que essa ordem não-marcada se deve à dadidade de p. No entanto, o mesmo significado, a mesma nãofactualidade e a mesma dependência entre os eventos podem ser observados quando a apódose antecede a prótase. E a ordem dado/novo mostra que os emissores usam “q, se p” por razões também ligadas ao estatuto informacional, isto é, a dadidade de q e a novidade de p. Sendo assim, segundo Schiffrin (1992a), comparar a ordem frasal nas condicionais é um ponto fundamental para se chegar ao seu estatuto de tópico: se uma oração condicional exerce a função de tópico, em qualquer posição, então tem-se a evidência de que as condicionais são mesmo tópicos das construções em que ocorrem; se, por outro lado, uma oração 48 condicional exerce a função de tópico apenas quando está anteposta, tem-se a evidência da ordem dado/novo. Para Schiffrin (1992a) há cinco tipos de tópicos, relacionados ao aspecto da comunicação focalizado e ao nível do código em que o tópico foi percebido. São eles: • Tópicos de entidade: relacionam-se a uma pessoa, a um objeto ou a uma idéia, isto é, relacionam-se ao assunto da mensagem, no nível da proposição, codificada em uma sentença. Sintaticamente são gramaticalizados como sujeitos, marcados morfologicamente, ou encontrados em posição inicial na frase. Semanticamente são agentes, mais que pacientes ou instrumentos. • Tópicos proposicionais: precedem comentários, são proposições codificadas no nível oracional ou frasal. São subordinados sintaticamente e, portanto, trata-se do nível de tópico mais diretamente relacionado às condicionais. • Tópicos textuais: são as molduras gerais, que subjazem a um texto inteiro, comparáveis, em alguns casos, aos títulos de histórias. Embora devam estar refletidos em palavras e frases no discurso, nem sempre são codificados. Ao contrário, os tópicos textuais devem, de alguma forma, ser semanticamente e/ou estruturalmente deriváveis, de tal modo que tudo no discurso possa ser visto como relacionado a eles. • Tópicos do falante: relacionam-se ao assunto sobre o qual o emissor está falando ou sobre o qual os interlocutores estão falando. • Tópicos interativos: são os tópicos intersubjetivos, ou seja, construídos por meio da interação do emissor com um outro. 49 Os tópicos são criados pelo discurso. É a interação entre os falantes e os ouvintes que cria as estruturas e os significados da fala, e, desse modo, cria a moldura em que a mensagem, sobre algo pode ser entendida. E os tópicos, da mesma forma, são mantidos interativamente. Com essa perspectiva das condicionais, criadas e mantidas no discurso e pelo discurso, Schiffrin (1992a) faz uma reanálise dos tópicos de contraste e de retomada, de modo a diferenciar os tipos de dadidade, de acordo com suas relações com tipos mais altos de tópicos (textual, proposicional, interativo). Ao aplicar sua classificação de tópicos, Schiffrin (1992a) considera que uma informação não pode ser tratada como dada simplesmente porque é apresentada no momento da expressão, como o faz Haiman (1978), mas sim porque é parte de um conjunto, isto é, parte de um nível de tópico mais elevado. Analisar as condicionais em diferentes estruturas do discurso também se mostra relevante porque, se a subordinação realmente gramaticaliza a estrutura hierárquica do discurso, como consideram Mathiessen & Thompson (1988), é preciso saber em que tipos de discurso tal processo ocorre, uma vez que nem todos os tipos de discurso são estruturados da mesma forma. 50 2.1.1.4. A visão de Sweetser (1990): o grau e a natureza da identificação entre prótases e tópicos A identificação das condicionais com os tópicos, feita por Haiman (1978), foi, segundo Sweetser (1990), revolucionária, porque formulou explicitamente um protótipo para as condicionais que não tem relação alguma com a condicionalidade lógico-formal. No entanto, Sweetser (1990) afirma que as condicionais parecem ser mais complexas do que Haiman (1978) sugere, e sendo assim, trata-as de acordo com o grau e a natureza da identificação entre prótases e tópicos. Sweetser (1990) propõe que a condicionalidade significa coisas diferentes em diferentes domínios – o de conteúdo, o epistêmico e o de atos de fala– e que o grau de convergência entre a condicionalidade e a topicidade precisa ser entendido contra um fundo da ambigüidade entre esses três domínios. Sweetser (1990) define tópico como qualquer unidade lingüística que expressa um pano de fundo (background) em relação ao qual algo mais é apresentado. Tal fundo não precisa ser dado, no sentido de ter sido aceito como certo na mente do falante e do ouvinte, tal como afirma Haiman (1978). Uma prótase é dada no sentido de que sua aceitação, mesmo que hipotética, deve preceder qualquer consideração a respeito do conteúdo da apódose, ou seja, é dada apenas em relação à apódose, é uma condição suficiente para o preenchimento da apódose. Para Sweetser (1990), apenas as prótases epistêmicas e de atos de fala são dadas, enquanto as de conteúdo sempre se mantêm ao menos 51 um pouco hipotéticas. Isto ocorre porque há razões sociais para se apresentarem atos de fala e conclusões como condições, mesmo quando se sabe ou se acredita que a pré-condição é verdadeira, enquanto há também razões sociais fortes para não se apresentarem eventos do mundo real como condicionais, a menos que a précondição seja realmente hipotética. Pode ser adequado para os falantes, então, apresentarem as condicionais dadas nos domínios epistêmico e de atos de fala, porque condicionais nesses domínios servem a determinados propósitos, como expressar as razões do falante, seu conhecimento, assim como evitar que o falante seja rude ou mal educado com o seu ouvinte. O que Sweetser (1990) sugere, pois, é que muitos dos paralelos feitos por Haiman (1978) entre topicidade e condicionalidade podem ser explicados pelo exame das extensões funcionais da semântica de orações condicionais, nos domínios de atos de fala e epistêmico. 52 2.1.2. Condicionais: outras funções discursivas Segundo Ford & Thompson (1986), as condicionais nãoantepostas – pospostas ou intercaladas – possuem função semântica mais restrita que as condicionais antepostas, pois realçam, enfatizam e até mesmo restringem a oração núcleo ou algum componente dela. Em análise das orações concessivas no português escrito do Brasil, Zamproneo (1998) assume que estas podem funcionar, quando pospostas e intercaladas, como afterthoughts, ou adendos (Chafe, 1984). Nesses casos, o emissor faz uma declaração na qual se propõe realizar um ato performativo no futuro, ou seja, o emissor faz uma promessa, assume um compromisso e, a seguir, pesando as possíveis objeções ao cumprimento da promessa, volta à sua declaração e introduz um novo ponto de vista. Segundo Neves (1997c), um afterthought tem a função de aportar conteúdos ou argumentos novos após aparentemente concluída uma primeira porção do enunciado, e após uma quebra marcada no andamento da fala. Acredita-se que, como as concessivas, também as condicionais pospostas e intercaladas podem desempenhar essa função “reparadora”. Nesse sentido, as orações condicionais poderiam, então, funcionar como adendos restritivos, que restringem o significado da oração núcleo, e como adendos ampliadores, que generalizam e ampliam o significado da oração núcleo. Diante de diferentes posições, neste trabalho assume-se, com Ford & Thompson (1986) que, embora Haiman (1978) não tenha considerado 53 suficientemente dois fatores, o contexto precedente e a atitude do falante, sua análise das construções condicionais constituiu o ponto de partida para que se passasse a tratá-las levando-se em conta o discurso. A partir dessa consideração, é possível afirmar, com Schiffrin (1992a), que as condicionais, assim como os tópicos, são criadas e mantidas no discurso e pelo discurso, uma vez que é a interação entre os falantes e os ouvintes que cria a moldura em que a mensagem pode ser entendida. Assume-se, então, que as orações condicionais podem funcionar como tópicos no sentido de aboutness (Akatsuka, 1986) e não no sentido de giveness (Haiman, 1978), uma vez que não se referem apenas ao que foi dado no discurso imediatamente precedente ou ao conhecimento que é compartilhado entre falante e ouvinte mesmo provisoriamente, mas se referem a uma porção de informação sobre a qual já se disse algo anteriormente. Por outro lado, assume-se que as orações condicionais também podem funcionar como adendos, já que aportam, de certa forma, informações ainda não veiculadas e que servem como uma ressalva ou uma ampliação do significado da oração núcleo. Assim, considera-se, neste trabalho, que as orações condicionais podem desempenhar as funções de tópicos de contraste, tópicos de retomada, tópicos de exemplificação, tópicos de alternativa ou opção, e também podem funcionar como adendos restritivos ou ampliadores. Pode-se estabelecer, então, a hipótese de que a função discursiva desempenhada pela oração condicional está intimamente ligada à ordem frasal utilizada, que reflete uma escolha do falante/escritor na organização de seu discurso. Assim como a função da oração condicional, também 54 seu grau de hipoteticidade tem uma forte ligação com a ordem das orações dentro da construção condicional. É o que se discute a seguir. 55 2.2. Graus de hipoteticidade Segundo Comrie (1986), muitos estudos sobre as condicionais fazem uso de oposições dos tipos: real x irreal ou real x hipotética x contrafactual. Essas oposições se referem aos diferentes graus de hipoteticidade da verdade das proposições inter-relacionadas. Todos esses estudos consideram que o grau de hipoteticidade pode ser dividido em dois ou três tipos. Comrie (1986) afirma que a hipoteticidade é um contínuo, em que não há divisões claras ou discretas entre os tipos, e que as diferentes línguas simplesmente distinguem diferentes graus de hipoteticidade ao longo desse contínuo, de modo que a escolha por uma forma é determinada mais por uma avaliação subjetiva do que pela própria semântica da condicionais. Hipoteticidade, nos termos de Comrie (1986), é o grau de probabilidade de realização das situações referidas na condicional, e, especialmente, na prótase. Usa-se a convenção de que maior hipoteticidade significa menor probabilidade, e menor hipoteticidade significa maior probabilidade. Desse modo, uma sentença factual representaria o menor grau de hipoteticidade, enquanto uma contrafactual representaria o mais alto grau. Comrie (1986) afirma, no entanto, que as condicionais nunca expressam factualidade em nenhuma de suas proposições constituintes. O fato de que uma ou outra das proposições possa ser verdadeira pode ser percebido independentemente da condicional, por exemplo, por meio do contexto verbal 56 restante ou por outras fontes. Indo mais longe, Comrie (1986) afirma que as condicionais são também incapazes de expressar contrafactualidade. A partir de exemplos de contrafactuais do inglês, tenta demonstrar em que baseia essa afirmação. É o que se expõe a seguir. O autor afirma que são ausentes do inglês as condicionais realmente contrafactuais, isto é, construções condicionais nas quais a falsidade, tanto da prótase quanto da apódose, pode ser deduzida apenas logicamente. Segundo Comrie (1986), há, em inglês, duas possíveis “candidatas” a contrafactuais: • as condicionais com tempo passado (indicativo ou subjuntivo) na prótase e modo condicional na apódose; • as condicionais com mais-que-perfeito na prótase e modo condicional perfeito na apódose. No primeiro caso, Comrie (1986) considera fácil mostrar como a contrafactualidade pode ser cancelada. Observe-se o seguinte exemplo, em inglês: (11) A: Will you buy me a beer? B: If you gave me a kiss, I’d buy you a beer. Nesse exemplo, é improvável que a expressão de B seja interpretada como contrafactual, isto é, como se indicasse a falsidade da proposição na qual B afirma que vai comprar uma cerveja para A. Na verdade, essa expressão, em particular, pode ter sido usada por B, provavelmente, como um modo de induzir A a beijar B 57 e, assim, B estaria comprometido a comprar uma cerveja para A. B poderia ter dito também: (12) B: If you give me a kiss, I’ll buy you a beer. O que é crucial, segundo Comrie (1986), é a possibilidade da versão usada pelo falante B no diálogo (11), já que ela é mais hipotética que a sua alternativa, o exemplo (12), isto é, sugere uma probabilidade mais baixa de A beijar B, o que, nas circunstâncias dadas, pode ser usado por B para evitar uma ofensa à moral de A. Para a segunda “candidata” a condicional contrafactual, é também fácil mostrar, segundo Comrie (1986), que a contrafactualidade não é parte do significado da apódose, como pode ser visto no exemplo, a seguir, em inglês, (13) (Even) if I had had a million dollars, I (still) wouldn’t have given you the money you asked for. A interpretação mais plausível para essa sentença (especialmente se o even ou o still, ou ambos, estiverem incluídos) é que o emissor não deu o dinheiro pedido, isto é, que a apódose é verdadeira. Para Comrie (1986), é mais difícil achar exemplos convincentes nos quais a prótase não é necessariamente falsa, e os julgamentos do emissor pareçam variar de alguma forma. Para muitos, no entanto, o exemplo seguinte, do inglês, poderia ter essa interpretação: 58 (14) If the butler had done it, we would found just the clues that we did in fact find. A oração núcleo torna claro que as pistas em questão foram, de fato, encontradas, isto é, que a apódose é verdadeira; a oração também deixa aberta a interpretação de que o mordomo possa ter feito algo. Desse modo, para Comrie (1986), essa construção não tem a contrafactualidade como parte do significado da prótase ou da apódose. Comrie (1986) considera interessante especular por que a contrafactualidade é uma implicatura mais forte em condicionais que têm referência temporal passada do que naquelas que têm referência temporal futura, ou naquelas que têm referência temporal presente, e que ocupam uma posição intermediária. Segundo o autor esse fato , possivelmente, está ligado à expectativa de que alguém possa ter uma certeza maior a respeito de eventos passados que de eventos futuros, de modo que uma situação passada que é não-factual será provavelmente contrafactual, enquanto uma situação futura que é não-factual provavelmente será deixada em aberto. Percebe-se que, segundo Comrie (1986), o fato de uma construção condicional ter o grau mais alto de hipoteticidade não implica que sua interpretação seja contrafactual. Assim, Comrie (1986) questiona se há a possibilidade de se fazer uma correlação inversa, ou seja, se se pode dizer que uma 59 situação que é interpretada como contrafactual se realiza por meio de uma construção com o grau mais alto de hipoteticidade. Para o autor, a resposta a essa questão é negativa, como se pode observar pelo diálogo, em (24), em inglês: (15) A: Are we in Bolivia now? B: If Brasilia is the capital of Bolivia, then we’re in Bolivia. Pode-se considerar que a construção usada por B seja sarcástica, isto é, B sabe que estão em Brasília, capital do Brasil, e, portanto, usa de ironia ao responder a pergunta de A. As proposições são, então, contrafactuais, B sabe que são contrafactuais, e mais, B acredita que A saiba ao menos que a proposição ‘Brasília é a capital da Bolívia’ é contrafactual, ou o sarcasmo estaria perdido. O que é importante a respeito desse exemplo é que a expressão de B deixa completamente em aberto se Brasília é a capital da Bolívia ou não, e, desse modo, não expressa contrafactualidade. De fato, o sarcasmo está precisamente no conflito entre o caráter aberto da prótase e o conhecimento factual de que Brasília não é a capital da Bolívia. Esse exemplo serve para enfatizar que o emissor expressa um certo grau de hipoteticidade, ao escolher um dado grau de hipoteticidade dentro de construções condicionais; esse grau de hipoteticidade expresso não precisa corresponder ao credo real do falante, e muito menos ao mundo real. Segundo Comrie (1986), há línguas, como o mandarim, que não fazem distinção entre os graus de hipoteticidade. Essas línguas fazem uso de uma forma única para se referirem ao que é factual, eventual ou contrafactual. No 60 entanto, o mais comum nas línguas é a distinção do grau de hipoteticidade em duas direções, ao menos, ou em três direções. Para Comrie (1986), há, por um lado, as condicionais, em inglês, que são completamente abertas, isto é, em que a prótase é simplesmente estabelecida como uma hipótese, sem nenhuma afirmação da verdade, falsidade ou probabilidade da prótase. Em discurso real, tais condicionais parecem ser raras, mas em inglês, ao menos, elas têm algumas propriedades distintivas. Em particular, em inglês tais prótases contêm um tempo futuro (com will), embora normalmente tempos futuros não ocorram em prótases, sendo substituídos pelo presente, exceto em circunstâncias altamente restritivas. Usualmente, a proposição contida na prótase foi anteriormente introduzida no discurso, como em: (16) A: The Universe won’t come to an end for several million years yet. B: If it won’t come to an end for several million years, we’ll still be able to go to Florida this winter. É importante notar que B está simplesmente aceitando, com o propósito de argumento, a hipótese de que a proposição de A é verdadeira. O diálogo sobre ‘Brasília – Bolívia’ é um outro exemplo desse tipo completamente aberto de condicional, em que B, no entanto, não aceita a verdade da proposição ‘Brasília é a capital da Bolívia’. Em condicionais completamente abertas desse tipo, 61 o inglês simplesmente usa a forma verbal que seria usada em uma oração independente, que expressasse a mesma proposição. Por outro lado, há as condicionais que se relacionam com a avaliação que o emissor faz sobre a probabilidade da situação referida pela prótase. Nessas condicionais, em inglês, faz-se a distinção entre hipoteticidade mais alta e mais baixa. Hipoteticidade mais baixa relaciona-se a maior probabilidade de ocorrência e envolve o indicativo, sem nenhum recuo (backshifting) no tempo, como mostra o seguinte exemplo: (17) If you come tomorrow, you’ll be able to join us on a picnic. O tempo passado, nas condicionais com baixa hipoteticidade, é usado apenas se existe mesmo referência temporal passada, como se pode perceber no exemplo seguinte: (18) If the students came on Fridays, they had oral practice in Quechua. As condicionais com grau de hipoteticidade mais alto envolvem recuo no tempo, de tal modo que, com referência temporal futura, encontra-se o tempo passado na prótase (que corresponde ao tempo presente das condicionais com hipoteticidade mais baixa) e o modo condicional na apódose (que corresponde, por sua vez, ao futuro das condicionais que têm hipoteticidade mais 62 baixa). Com referência temporal presente são encontradas as mesmas formas. Com referência temporal passada, pode-se encontrar o mais-que-perfeito na prótase e o modo condicional perfeito na apódose. Observem-se os exemplos em inglês: (19) If you came tomorrow, you’d be able to join us on a picnic. (20) If the students came on Fridays, they would have oral practice in Quechua. (21) If the students had come on Friday they would have had oral practice in Quechua. Pelo que foi exposto, percebe-se que, para Comrie (1986), as condicionais não expressam factualidade ou contrafactualidade por si mesmas. O fato de uma condicional ser verdadeira ou falsa pode ser percebido pelo contexto verbal ou por meio de outras fontes. Em outras palavras, Comrie (1986) afirma que tanto a factualidade como a contrafactualidade não podem ser deduzidas apenas logicamente. Dessa forma, ele mostra que a contrafactualidade pode ser facilmente cancelada, dependendo da leitura que se faz de uma determinada oração. O que parece ser crucial, nesse ponto de vista, é a avaliação subjetiva que o emissor faz da situação comunicativa, que o leva a escolher a melhor forma de expressar a verdade ou a falsidade de uma proposição. Comrie (1986) estabelece, então, um contínuo hipotético, dentro do qual não há categorias discretas e estanques, e considera, para o inglês, que esse contínuo segue duas direções: de 63 um lado, as condicionais abertas e, de outro, as condicionais com o grau mais alto e o grau mais baixo de hipoteticidade. Neste trabalho, assume-se, com Comrie (1986), que a hipoteticidade constitui um contínuo, que vai do grau mais baixo, ou seja, as factuais, até o grau mais elevado de hipoteticidade, ou seja, as contrafactuais. No entanto, por uma questão de sistematicidade na análise, na classificação das orações condicionais do córpus, assume-se que, entre os conteúdos da prótase e da apódose há uma relação do tipo “condição para realização → conseqüência/resultado da resolução da condição enunciada” (Neves,1999b), e que há três tipos de construções ligadas às condicionais: a) as factuais: dada a realização/a verdade de p, segue-se necessariamente, a realização/a verdade de q; b) as contrafactuais: dada a não realização/a falsidade de p, segue-se, necessariamente, a não realização/a falsidade de q; c) as eventuais: dada a potencialidade de p, segue-se a eventualidade de q. (Neves,1999b, p.1) Assim, deve-se verificar quais os tipos condicionais são mais freqüentes no córpus deste trabalho, acreditando-se que esses diferentes tipos de condicionais podem mostrar diferenças entre os tipos de literatura aqui analisados. Supõe-se, por exemplo, que um texto técnico apresente um menor número de condicionais contrafactuais que um texto dramático. Deve-se, também, determinar 64 a relação entre os tipos de condicional e a ordem em que a construção condicional é codificada. A hipótese é que o uso dos diferentes tipos de condicional possa favorecer a realização de uma ou outra ordem (ordem marcada ou não-marcada). Vai-se tentar mostrar a existência do contínuo proposto por Comrie (1986), que faz que a classificação se torne, de certa forma, mais “clara”, uma vez que considera as categorias como não-discretas. Na análise dos dados, faz-se, ainda, o contraste entre os tipos de condicionais e os tempos e modos verbais utilizados nas orações núcleo e condicional. Acredita-se que os falantes usam tempos e modos verbais específicos para expressarem um determinado credo pessoal. Segundo Brandão (1963), no modo real ou factual a condição é tida como certa e, portanto, usam-se os tempos do indicativo. No modo potencial ou eventual, a condição é possível, sendo realizada pelo futuro do subjuntivo. Já no modo irreal ou contrafactual, a situação seria mais bem expressa no imperfeito do subjuntivo, porque se refere a uma condição inexistente. Pretende-se, então, verificar quais são as correlações modotemporais mais utilizadas nos diferentes tipos de condicional, de modo a determinar as possíveis conseqüências desses fatos no estabelecimento de uma tipologia textual. A questão das correlações modo-temporais características das construções condicionais é discutida na seção seguinte. 65 2.3. Relação entre tempos e modos verbais Alguns gramáticos tratam as condicionais sob o ponto de vista dos tempos e modos verbais utilizados. São autores como Said Ali (1964), Garcia (1974) e Neves (1999d), que descrevem a variedade de tempos e modos verbais que realizam as condicionais. De certa forma, as análises desses autores diferem daquelas encontradas nas gramáticas chamadas normativas, por não apresentarem apenas uma listagem de conjunções passíveis de serem usadas na classificação das orações condicionais, causais, temporais, etc. Para Said Ali (1964), o presente ou o pretérito do indicativo são usados quando as condicionais expressam fatos que existem em um momento presente ou que existiram em um momento anterior. A correlação entre futuro do subjuntivo, na oração condicional, e futuro do indicativo, na núcleo, marca as ocorrências em que se expressa algo que é esperado ou possível de acontecer. Já a correlação de imperfeito do subjuntivo, na condicional, com futuro do pretérito, na núcleo, está presente nas ocorrências que se relacionam a fatos inexistentes ou improváveis. Garcia (1974), por sua vez, relaciona os tempos e modos verbais ao tipo de conjunção utilizada. Assim, nas condicionais introduzidas por se o verbo deve estar no imperfeito ou no futuro do subjuntivo. De acordo com o autor, as 66 orações com se são as únicas que podem aparecer com qualquer tempo do modo indicativo. Segundo Comrie (1986), dois conjuntos de condicionais, em inglês, são os mais básicos e, dessa forma, os mais usados em discursos reais. São esses conjuntos os citados pela maioria das gramáticas, que, por muitas vezes, restringem a eles seus exemplos. De um lado, há o conjunto composto pelas condicionais com alto grau de hipoteticidade, e referência temporal não-futura; de outro, há o conjunto das condicionais com baixo grau de hipoteticidade, e referência temporal futura. Para Comrie (1986), o interessante é que, nas condicionais com alto grau de hipoteticidade, há uma perda de distinções temporais. É o que acontece, por exemplo, em russo, cujas condicionais, com exceção daquelas altamente hipotéticas, apresentam uma clara distinção entre os tempos presente, passado e futuro. Comrie (1986) postula, então, que há uma neutralização, ou seja, que ocorre uma redução temporal. Nas condicionais com alto grau de hipoteticidade ocorre, segundo Comrie (1986), um recuo temporal (backshifting), isto é, usam-se verbos marcados morfologicamente como tempo passado, com referência temporal presente (ou futura) e verbos no mais-que-perfeito, com referência temporal passada. Observemse os exemplos, do inglês: (22) If he came, I would run away. (23) If he had come, I would have run away. 67 Para Comrie (1986), nas condicionais com baixo grau de hipoteticidade, a referência temporal futura pode ser expressa de quatro maneiras, e a apódose continua no futuro do indicativo: a. pelo próprio tempo futuro: (24) Se você falará, eu te escutarei. b. pelo tempo presente, com referência ao futuro: (25) Se você fala, eu te escutarei. c. pelo tempo presente, em modo não-indicativo (para o armênio): (26) (Que) você fale, eu te escutarei. d. pelo futuro do subjuntivo: (27) Se você falar, eu te escutarei. López García (1994) faz uma classificação das orações espanhol, entre elas as condicionais. Tenta identificar quais correlações modo-temporais podem ser realizadas pelas construções condicionais, estabelecendo que tais correlações podem indicar um tipo determinado de condicional. Em outras palavras, para ele as condicionais podem ser classificadas de acordo com a modalidade que expressam, e, assim, o tempo e o modo verbal utilizados, tanto na prótase quanto na apódose, definiriam o tipo de condicional. As condicionais podem ser, segundo López García (1994), condicionais deônticas, aléticas, epistêmicas e dinâmicas. 68 Para o autor, nas condicionais deônticas a prótase é a expressão de uma promessa ou de uma recomendação do falante, de uma ordem dirigida ao ouvinte. A realização do ato ilocucional supõe que o enunciado seja modalizado deonticamente, já que expressa uma obrigação futura em que se encontram envolvidos o falante ou o ouvinte. Assim, a apódose deve conter imperativo, presente ou futuro do indicativo em primeira ou segunda pessoa, de forma que remeta a uma ação futura de algum dos interlocutores. Pode também conter presente do subjuntivo em terceira pessoa, expressando uma obrigação dessa pessoa, que será transmitida pelo ouvinte. Em qualquer caso, presente e futuro substituem sempre o imperativo, porque apenas terão valor deôntico com verbos não-estativos. Já a prótase, por sua vez, é livre e pode realizar-se tanto no indicativo como no subjuntivo, seja passado ou futuro. Nota-se, portanto, que as condicionais deônticas carecem de relações temporais, uma vez que podem apenas mostrar os matizes próprios da apódose. As correlações, indicadas por López García (1994) para o espanhol, foram: Quadro 1 Correlação entre tempos e modos verbais nas condicionais deônticas (López García, 1994, p.133) Prótase Apódose qualquer tempo do indicativo, com imperativo ou seus substitutos como exceção dos futuros e do pretérito presente ou futuro do indicativo, com perfeito composto; verbos não-estativos, na primeira ou qualquer tempo do subjuntivo, com segunda pessoas. exceção do presente. 69 São exemplos das condicionais deônticas, em espanhol: (28) Si me escribes, te contestaré. (29) Si llama, abridle. (30) Si viene, que le traten bien. Todos os casos expressam um compromisso ou obrigação do falante: responder uma carta, abrir uma porta, tratar alguém bem. As condicionais dinâmicas expressam uma capacidade qualquer do sujeito do condicionante, presente, passada ou futura. Segundo López García (1994), não é fácil distinguir as dinâmicas das deônticas, assim como as epistêmicas das aléticas. No entanto, pode-se diferenciá-las do ponto de vista das correlações temporais, já que, nas dinâmicas, o tempo verbal da prótase pode variar, de acordo com o tempo verbal da apódose. Essa variação não pode, porém, ultrapassar os limites da coincidência temporal entre prótase e apódose, visto que a capacidade representada pela prótase tem que se aplicar à apódose, no momento em que acontece. Há, dessa forma, isocronia entre prótase e apódose. As correlações modo-temporais encontradas por López García (1994), para o espanhol, foram: 70 Quadro 2 Correlação entre tempos e modos verbais nas condicionais dinâmicas (López García, 1994, p.135) Expressão Prótase Apódose capacidade presente presente do indicativo presente do indicativo capacidade passada imperfeito do indicativo imperfeito do indicativo pretérito perfeito do pretérito perfeito do indicativo indicativo mais que perfeito do futuro do pretérito subjuntivo composto do indicativo presente do indicativo futuro do presente imperfeito do subjuntivo presente do indicativo capacidade futura Observem-se os exemplos das condicionais dinâmicas, em espanhol: (31) Si hace frío, tengo un abrigo estupendo. (32) Si Maria está indecisa sobre sus vacaciones, la agencia de viajes de la esquina hace unas ofertas muy baratas. Segundo López García (1994), as condicionais aléticas caracterizam-se por serem a expressão de uma verdade, mais que de uma suposição. São, portanto, amplamente utilizadas na linguagem científica, já que são expressões formuladas com intenção dogmática e indiscutível. A prótase expressa uma afirmação e não uma hipótese e, desse modo, só se realiza no presente do indicativo. Já a apódose, apesar de também selecionar este tempo, admite outros tempos do indicativo. Assim como nas deônticas, nas aléticas as 71 correlações modo-temporais são poucas, uma vez que o primeiro membro é invariável. As aléticas não se limitam, porém, à linguagem científica, e, segundo López García (1994), têm sido muito usadas, também, na linguagem publicitária. As correlações modo-temporais encontradas são: Quadro 3 Correlação entre tempos e modos verbais nas condicionais aléticas (López García, 1994, p.136). Prótase Apódose presente do indicativo Qualquer tempo do indicativo, com exceção do pretérito perfeito composto. Os exemplos de López García (1994) para o espanhol são: (33) Si se dissuelven limaduras de hierro en ácido clorhídrico, se desprende hidrógeno gaseoso. (34) Si se ingresan quinientas mil pesetas, hay un interés del once y medío por ciento. (35) Si eres joven, lo tuyo son unos Levi’s. (36) Si se considera el factor edad, sus posibilidades disminuyen. Esse tipo de construção é alético no sentido factual do termo e não no sentido lógico. O que a caracteriza é que a prótase é uma afirmação e não uma hipótese, e, nesse sentido, a prótase só pode aceitar o presente do indicativo. 72 Para López García (1994), as condicionais epistêmicas são o grupo não-marcado das condicionais, por serem as mais freqüentes. Qualquer alteração no tempo da prótase das aléticas, da apódose das deônticas e da prótase ou da apódose das dinâmicas resulta em uma condicional epistêmica. Nela, o emissor expressa, na prótase, uma suposição que, se ocorrer, resulta possível na apódose. Um tipo muito presente nas epistêmicas é aquele em que a apódose expressa uma crença, como uma avaliação explícita do que foi assinalado na prótase, como mostram os exemplos para o espanhol: (37) Si viene Maria, Pedro estará contento. (38) Si decía, se equivocaba. (39) Si lo hizo, me alegro (40) Si tuvieras consideración, no me habías dicho eso. (41) Si lo sabe Elena, también lo sabe su hermana. Segundo o autor, as epistêmicas apresentam uma gama muito mais rica de correlações modo-temporais, de tal forma que todas as combinações temporais são possíveis. Assim, o autor assume ser infundada a afirmação de que, nas condicionais, o tempo da prótase deve ser anterior, ou ao menos simultâneo, ao tempo da apódose. Essa afirmação se baseia na concepção de que, nas condicionais, o cumprimento do que está dito na apódose está condicionado ao cumprimento da prótase. Nas condicionais epistêmicas, segundo López García (1994), isso não ocorre, porque nesse caso a prótase expressa uma suposição e a 73 apódose uma crença que nela se apóia. Assim, as epistêmicas podem referir-se a qualquer parcela do tempo e, portanto, todas as combinações temporais são possíveis. Percebe-se que, para López García (1994), as distinções modotemporais são pertinentes apenas para as condicionais deônticas, aléticas e dinâmicas. Assim, o uso de uma ou outra correlação modo-temporal depende do que se quer expressar. Nas deônticas a apódose expressa uma obrigação contraída pelo falante, pelo ouvinte ou por uma terceira pessoa e é, então, temporalmente posterior à prótase; as aléticas o caráter dogmático da prótase exige que ela se apresente pancrônica e independente dos valores temporais da apódose; nas dinâmicas, a afirmação de uma capacidade na apódose exige que a prótase seja isocrônica. Nas epistêmicas, todas as correlações modo-temporais são passíveis de ocorrência, mesmo que não se mantenha a ordem que vai do tempo da prótase anterior ao tempo da apódose posterior, uma vez que a prótase é a expressão de uma suposição, e a apódose, de uma crença que nela se apóia. Como se pode perceber, há um largo espectro de correlações modo-temporais no espanhol. Acredita-se, em princípio, que isso também ocorra no português e é o que se tenta verificar no córpus deste trabalho. Adiante, na seção relativa à análise dos dados, vão-se discutir os usos das diversas correlações temporais nos diferentes tipos de textos. Além disso, tenta-se verificar a relação existente entre os tempos e os modos verbais, de um lado, e o grau de hipoteticidade, de outro. Pretende-se, também, determinar a influência dos verbos 74 modais, epistêmicos, aléticos e deônticos, na caracterização dos tipos de textos. Por fim, deve-se determinar de que modo as correlações modo-temporais influenciam a ordem de codificação das orações da construção condicional. Discute-se, em seguida, a questão da ordem das condicionais, já mencionada anteriormente. 75 2.4. A ordem nas construções condicionais Uma das questões mais recorrentes no estudo das construções condicionais é a questão da posição em que as orações condicionais aparecem. A oração condicional (prótase) precede a conclusão (apódose), como a ordem nãomarcada, em todas as línguas. A esse princípio universal, estabelecido por Greenberg (1963, apud Comrie, 1986), não se pode apresentar contra-exemplos. Embora muitas línguas admitam ambas as ordens, prótase → apódose e apódose→ →prótase, as gramáticas assinalam explicitamente que a ordem usual é a prótase preceder a apódose. Segundo Comrie (1986), há algumas línguas, como o turco, em que a prótase deve preceder a apódose porque, nessas línguas, a oração subordinada deve preceder a principal. Dessa forma, não há nada de específico no caso das condicionais. No entanto, como essa mesma ordem, prótase → apódose, se mantém em línguas que não requerem a ordem subordinada → principal, pode-se afirmar que há algo de especial nas condicionais. Em outras palavras, a preponderância da ordem prótase→apódose em línguas com ordem frasal livre não é apenas estatística, mas reflete algo significativo sobre a língua. Comrie (1986) sugere, então, algumas possíveis explicações para este fato. Segundo o autor, é a interação das sugestões que leva à explicação da estrutura frasal preferida em questão. 76 A primeira sugestão de Comrie (1986) tem relação com o grau de hipoteticidade da prótase, que é mais freqüentemente atualizada como nãofactual – eventual ou contrafactual – e é, por esse motivo, considerada como uma construção marcada. Assim, quando se coloca uma prótase marcada à frente da apódose, evita-se que a apódose seja interpretada como factual. Portanto, seria possível concluir que a apódose, quando marcada como não-factual, se antepusesse à prótase. Entretanto, não há, segundo Comrie (1986), evidências dessa hipótese. Ao contrário, parece que a precedência da prótase sobre a apódose se mantém, mesmo quando a apódose é marcada pela factualidade. Uma segunda possibilidade, segundo Comrie (1986), refere-se à correlação modo-temporal codificada pela construção condicional, ou seja, a ordem linear das orações reflete a referência temporal das duas orações. Pode-se perceber, facilmente, que a referência temporal da prótase é anterior, ou ao menos não posterior, à da apódose. Essa explicação sugere que, se a relação temporal fosse invertida, a ordem frasal também deveria mudar, ao menos estatisticamente. Esse caso, para o autor, seria de difícil comprovação, uma vez que a freqüência de condicionais em que a referência temporal da apódose precede a da prótase é muito baixa. A terceira sugestão de Comrie (1986) também diz respeito à ordem linear das orações. O autor sugere que a ordem linear das orações é icônica à seqüência de etapas da argumentação e apresenta, então, a proposta de Haiman (1978), que considera as condicionais como tópicos das construções em que ocorrem, por serem codificadas em posição inicial, assim como os tópicos. Deve- 77 se recuperar, aqui, a discussão, da seção 2.1.1., sobre a função exercida pelas prótases na construção condicional. Para Mateus et al (1983), a posição da condicional em relação à núcleo deve-se à estrutura oracional exibida pelo contexto em que ela ocorre. Assim, se a condicional codifica informação dada/velha/conhecida, a ordem de ocorrência será a anteposição. Nesse sentido, segundo Ferreira (1997), também a posição não-marcada, ou seja, a anteposição das condicionais pode mostrar que elas desempenham funções de ordem discursiva. As condicionais antepostas, por codificarem informação dada, servem como tópicos do discurso, agindo como guias (Decat, 1993), uma vez que remetem ao discurso anterior e ao, mesmo tempo, se relacionam com o discurso subseqüente. Além disso, ao exercerem uma função anafórica, assumem, também, a função de organizadoras do discurso. Como já se ressaltou anteriormente, considera-se, neste trabalho, que as condicionais podem funcionar como tópicos, mas isto ocorre não pelo fato de introduzirem uma informação que foi dada no enunciado imediatamente precedente, mas sim por codificarem uma informação sobre a qual já se disse algo anteriormente. Acredita-se, portanto, como já se indicou em 2.1.1., que as condicionais podem ter a função de tópicos no sentido de aboutness (Akatsuka, 1986) e não no sentido de giveness (Haiman, 1978). Por outro lado, as posições marcadas das condicionais, a posposição e a intercalação, são utilizadas, segundo Ferreira (1997), quando a oração codifica uma informação nova. No entanto, no caso das intercaladas a condicional também codifica informação dada. Assim, Ferreira (1997) formula a 78 hipótese de que a codificação de informação nova como um fator que conduz ao uso da condicional na posição marcada revela-se plenamente no registro escrito e, portanto, no discurso formal, previamente planejado. No entanto, quando se trata da fala, o mesmo não ocorre, uma vez que a posição marcada pode ter sido utilizada não por codificar informação nova, mas para dar mais ênfase ao que se quer transmitir. Segundo Ford & Thompson (1986), as condicionais nãoantepostas possuem função semântica mais restrita, já que podem realçar, enfatizar ou restringir a oração núcleo ou algum componente dela. Acredita-se, então, que as condicionais, quando pospostas ou intercaladas, podem funcionar, conforme se afirmou anteriormente, como afterthoughts (Chafe, 1984). Há, ainda, um tipo de construção condicional em que não se pode precisar a posição exata da oração condicional. São as construções destituídas de oração núcleo. O emissor enuncia a oração condicional, deixa-a “em suspenso” e não realiza a núcleo. Gryner (1995) afirma que os casos de ausência da oração núcleo podem ser classificados como anteposição ou posposição, de acordo com os contextos e a entoação. Neste trabalho, as construções condicionais sem oração núcleo realizada são tratadas como um subgrupo. Ainda que se possa determinar sua posição por meio do contexto, prefere-se não fazê-lo, uma vez que se acredita que essas construções podem ser fundamentais na caracterização dos tipos de literatura aqui considerados. Nesses casos, admite-se que a oração condicional também pode assumir a função anteriormente descrita, de afterthought. Embora aqui não se possa falar em ordem, essas condicionais, de 79 grande produtividade no uso da língua, são passíveis de descrição tal como as construções condicionais plenas. Percebe-se, portanto, que há uma estreita relação entre a posição da oração condicional e a função por ela exercida. Pode-se perceber, também, que a determinação da ordem preferida das condicionais está intimamente ligada às correlações modo-temporais atualizadas nas construções condicionais e ao grau de hipoteticidade da oração condicional. Assim, a partir desses fatos, deve-se verificar o que motiva a ocorrência de tal ordem, a partir da relação entre fatores estruturais e fatores discursivos. Acredita-se, assim, que esses fatores refletem uma escolha, por parte do falante ou escritor, que se baseia em suas necessidades comunicativas e nas condições da situação em que o discurso está inserido. A questão do posicionamento das condicionais também pode ser analisada por um outro ponto de vista, ou seja, em relação à estrutura em camadas da Gramática Funcional. Assim como Halliday (1985) postula que algumas orações adverbiais funcionam como partículas que realçam a oração núcleo, Dik (1989, 1990) e Wakker (1992) as tratam como satélites, meios lexicais que expandem as camadas a que se agregam, dando-lhes uma característica especial, neste caso, a condição. É o que se apresenta em seguida. 80 2.5. Satélites condicionais Na Gramática Funcional, conforme se mostrou no primeiro capítulo desta dissertação, a estrutura subjacente de uma frase (clause) é organizada em camadas. A camada mais alta é a da frase; as camadas inferiores são as da proposição, a da predicação e, a camada inferior, a dos predicados e termos. Nessas quatro camadas operam quatro níveis correspondentes de operadores e de satélites, meios gramaticais e lexicais, respectivamente, que as modificam e as qualificam, até que se chegue a um enunciado efetivo, ou seja, ao evento de fala. É o que se observa no quadro abaixo: Quadro 4 Camadas, satélites e operadores. Camadas Predicado Variável fia Predicação ei Proposição Xi Frase Ei Categoria semântica Operadores e satélites Propriedade/relação operadores e satélites de predicado (π1 e σ1) estado de coisas operadores e satélites de predicação (π2 e σ2) fato possível operadores e satélites proposicionais (π3 e σ3) ato de fala operadores e satélites ilocucionários (π4 e σ4) A Gramática Funcional (Hengeveld 1989, p.150, Dik 1989, p.56-60 e Dik et al 1990, p.28-30) classifica os satélites como: i satélites de predicado (σ1): expressam os meios lexicais que especificam propriedades adicionais do conjunto de estados de coisas, designado por uma predicação nuclear; 81 ii satélites de predicação (σ2): expressam os meios lexicais que especificam o cenário (espacial, temporal e cognitivo) dentro do qual um estado de coisas ocorre (ocorreu, ocorrerá) em um mundo real ou imaginário; iii satélites de proposição (σ3): expressam os meios lexicais pelos quais um emissor especifica sua atitude em relação à proposição posta sob consideração ou pelos quais o emissor especifica a validade daquela proposição; iv satélites ilocucionários (σ4): expressam os meios lexicais pelos quais o emissor especifica ou modifica o valor ilocucionário da oração. As orações condicionais são consideradas, na Gramática Funcional, satélites, por serem constituintes adverbiais que dão informação adicional a respeito das camadas a que estão ligadas. Dessa forma, assim como Halliday (1985), considera-se que as condicionais de certa forma expandem o significado da oração núcleo, porque a ela acrescentam algo adicional, que neste caso, é expressão de uma condição. Segundo Dik et al (1990) as orações condicionais podem ser consideradas como satélites de predicação, proposicionais e ilocucionários. Os satélites condicionais de predicação especificam um estado de coisas (EC) de cuja ocorrência depende a ocorrência de um outro EC. Observe-se o exemplo: (42) Ele pegará o guarda-chuva em caso de chuva. 82 Os satélites condicionais proposicionais relacionam a condição ao conteúdo proposicional da oração principal. Em outras palavras, propositional conditionals present the truth of one proposition, α, as a sufficient condition for the truth of a second proposition, β.” (Dik, 1990, p.242-3)8 É o que se pode perceber no exemplo abaixo: (43) Se João ficar, Pedro sairá. Os satélites condicionais ilocucionários especificam uma condição para a adequação do ato de fala que está sendo desempenhado na oração principal, conforme se vê no seguinte exemplo: (44) João saiu, caso você não tenha ouvido. 8 "as condicionais proposicionais apresentam a verdade de uma proposição condição suficiente para a verdade da segunda proposição β." α como uma 83 Em trabalho que trata da semântica das condicionais, Dik (1990) não as considera como satélites de predicação, mas apenas como satélites de proposição e ilocucionários. O autor afirma que as construções condicionais α)cond β", em que (α α)cond é, podem ser representadas pela expressão "(α gramaticalmente, um satélite condicional para β. Para Dik (1990), quando uma condição α se relaciona com o valor verdadeiro de β, o satélite condicional pode ser analisado como um satélite proposicional. Quando se relaciona com a relevância comunicativa de β, pode ser analisado como um satélite ilocucionário. Há diferentes tipos de condicionais, que podem ser classificados em termos de configurações de imagens (picture constellations) diferentes. Dependendo dessas configurações, as condicionais podem ter efeitos comunicativos distintos. Dessa forma, segundo Dik (1990), também se pode levar em conta, de uma maneira sistemática, a relação entre forma, significado e uso comunicativo das condicionais. Assim, considera-se que as condicionais podem ser ilocucionárias ou proposicionais, estas últimas ainda subdivididas em potenciais e irreais. Nas condicionais proposicionais, a prótase formula uma condição para a verdade da apódose. Em outras palavras, elas apresentam a verdade de uma proposição, α, como uma condição suficiente para a verdade de uma proposição, β. As condicionais proposicionais potenciais são usadas em uma configuração de imagem na qual o falante, incerto sobre a verdade de α no momento da fala, cria uma imagem hipotética em que a verdade de α leva à verdade de β: 84 (45) João pode ou não ficar. Mas se João ficar, Pedro sairá. Na configuração de imagem das proposicionais irreais, o emissor considera α como falsa, mas cria uma imagem em que a verdade de β decorre da verdade de α: (46) Se João tivesse ficado, Pedro teria saído. Essas condicionais, segundo Dik (1990), têm em comum o fato de relacionarem duas proposições. As condicionais ilocucionárias não estabelecem uma relação entre ECs ou proposições, mas apresentam uma condição para a relevância, para o ouvinte, do que o emissor tem a dizer na apódose. Pode-se dizer, portanto, que prótase e apódose são conectadas apenas pela noção de relevância ou por qualquer outra dimensão pragmática relacionada ao ato ilocucionário: (47) Se você está interessado, João é católico. Outro trabalho a respeito das condicionais como satélites é aquele desenvolvido por Wakker (1992). Embora reconheça a existência de condicionais de predicação, Wakker (1992) trata apenas das condicionais como satélites proposicionais e ilocucionários. O autor segue um ponto de vista semântico, e afirma que as condicionais podem ser classificadas em proposicionais, as que fornecem uma condição para a realização do estado de coisas designado 85 pela oração principal (exemplo (48)) e ilocucionárias, que fornecem a condição para a validade ou apropriação do ato de fala que está sendo realizado na oração principal, conforme o exemplo (49): (48) Se chover, você deve levar o guarda-chuva. (49) Se você está com sede, há cerveja na geladeira. Nesse último caso, a oração condicional especifica as circunstâncias sob as quais a informação dada na oração principal pode ser relevante para o destinatário. Wakker (1992) analisa se a divisão semântica das condicionais corresponde às divisões na tipologia de satélites da Gramática Funcional, como proposto por Dik et al (1990). A base da tipologia dos satélites é o nível da oração a que o satélite está ligado: satélites de predicado dão informação opcional sobre o predicado, satélites de predicação, sobre a predicação, satélites de proposição, sobre a proposição e satélites ilocucionários, sobre a frase. Wakker (1992) acrescenta que o próprio satélite tem diferentes graus de complexidade interna, podendo ser um predicado (belamente), um termo (na cidade), uma predicação (depois de sair de casa) ou uma proposição (se chover). Para Wakker (1992), a tipologia dos satélites proposta por Dik et al (1990) é clara até que se considere a posição dos satélites condicionais dentro dela. Para Wakker (1992), a descrição dada por Dik et al (1990) é, na verdade, confusa, porque parece que a complexidade interna dos satélites é um fator 86 decisivo, ao menos na definição de satélites condicionais de predicação e de proposição. Uma condicional de predicação é definida como um EC, enquanto a condicional de proposição, como um fato possível. Isto parece, para Wakker (1992), inconsistente com as definições gerais, em que é o nível ao qual o satélite está ligado que determina o seu tipo e não a sua própria complexidade interna. Tendo em vista essas dificuldades, Wakker (1992) concentra seu trabalho nos dois tipos de condicionais semanticamente aceitos, ou seja, proposicionais e ilocucionárias. Em resumo, para Wakker (1992), as condicionais proposicionais se relacionam com a proposição expressa pela oração principal, e, dessa forma, seriam satélites proposicionais. Já as condicionais ilocucionárias relacionam-se com a ilocução expressa na oração principal e, sendo assim, seriam satélites ilocucionários. Assim como Wakker (1992) e Dik (1990), considera-se, neste trabalho, que as orações condicionais podem ser satélites proposicionais e ilocucionários. Dessa forma, exclui-se da análise a possibilidade de uma condicional como satélite de predicação. Assume-se que as condicionais já trazem em si, inerentemente, a atitude do falante em relação ao que está sendo considerado, assim como a validade, para o falante, do que está em questão. Em outras palavras, pode-se considerar que as condicionais ultrapassam o nível da predicação, ou seja, da mera codificação lingüística que o emissor faz da situação, e se situam no campo do que é possível, do que pode ser verdadeiro ou falso, conhecido, pensado, lembrado, rejeitado por um falante. 87 Um outro ponto a ser analisado é a relação existente entre os satélites condicionais e a leitura das conjunções nos domínios epistêmico e de atos de fala, proposta por Sweetser (1990). Os satélites ilocucionários apresentam uma condição para a validade ou apropriação do ato de fala que está sendo realizado na oração principal e, portanto, dever ser lidos no domínio dos atos de fala, em que o desempenho do que está sendo representado na oração principal é condicionado ao preenchimento de algum fato ou estado expresso na oração condicional. Por outro lado, os satélites condicionais proposicionais especificam a atitude do emissor em relação à proposição posta sob consideração e, dessa forma, devem ser lidos no domínio epistêmico, em que construção condicional indica a idéia de que o emissor conhece a verdade da premissa hipotética expressa na prótase, o que seria uma condição suficiente para se concluir a verdade da proposição expressa na apódose. Percebe-se, desse modo, que as orações condicionais apresentam diferentes leituras, de acordo com o domínio em que se situam. Da mesma forma, pode-se dizer que as orações condicionais podem não ter uma interpretação unicamente condicional. Isso ocorre, muitas vezes, em razão da intenção do emissor ao expressar uma condicional, que pode servir a fins paralelos, como a expressão temporal ou causal. Assim, ao contrário do que se tem dito em muitas Gramáticas Tradicionais do português, a distinção entre as chamadas orações adverbiais não é clara e definitiva. Tais gramáticas apresentam, muitas vezes, apenas as listas de conjunções passíveis de uso em cada um dos tipos de oração adverbial, deixando de contemplar as nuanças semânticas e 88 pragmáticas que envolvem, e que, de certa forma, as aproximam ou as distanciam. É isso que se discute na seção seguinte. 89 2.6. Fronteiras entre os tipos de oração Segundo König (1986), os termos condicional, temporal, causal e concessivo são parte de um inventário terminológico, dado pela gramática tradicional para a caracterização das orações adverbiais. Para o autor, embora à primeira vista as diferenças entre esses termos pareçam claras, percebe-se que, quando se tenta explicá-los nas línguas ou caracterizá-los exaustivamente em uma mesma língua, não se encontra tanta facilidade assim. O que acontece é que não há construções específicas em que muitos desses termos possam ser realmente aplicáveis. Dependendo do contexto, uma frase pode ter uma interpretação condicional ou causal, mesmo quando a relação adverbial vem marcada por uma determinada conjunção, considerada comprometida com uma ou outra interpretação. Isso ocorre porque há sobreposição e/ou neutralização, tornando-se difícil assinalar de qual categoria se trata e, portanto, fazendo que um sistema de classificação e uma análise apropriados pareçam não ser possíveis. Essa relação já se manifesta no desenvolvimento histórico dos conectivos condicionais em muitas línguas: as noções temporais são uma das maiores fontes lexicais para a formação dos conectivos condicionais. Assim, para Traugott (1985), palavras que expressam a noção temporal duração (‘por um tempo’) ou, ao menos, aquelas que são, como a palavra quando, ambíguas entre os significados durativo e não-durativo, são uma das fontes lexicais para a formação de marcadores condicionais. Se, por um lado, a distinção entre as condicionais, as 90 temporais e as causais não é facilmente estabelecida, por outro, as condicionais com se também tendem a ser interpretadas como condicionais-concessivas, em sentenças interrogativas, por exemplo. Por fim, no inglês, tanto o conectivo se como o mesmo se podem ser usados em um sentido puramente concessivo, isto é, podem ser intercambiáveis com apesar de que ou embora. Expõem-se, a seguir, as diferentes relações entre as condicionais, de um lado, e as concessivas, causais e temporais, de outro. 2.6.1. Condicionais e concessivas König (1986) propõe um estudo das condicionais e das orações adverbiais a elas relacionadas, especialmente da relação existente entre as concessivas e as condicionais-concessivas. Dessa forma, tenta estabelecer as propriedades prototípicas de cada uma das construções e, ainda, tenta especificar as condições que levam às sobreposições e neutralizações. Para o autor, as diferenças entre as construções mencionadas são primariamente semânticas e baseadas nas relações existentes entre as proposições expressas por uma estrutura complexa. Condicionais e concessivas são semanticamente fáceis de distinguir: nas primeiras, não há envolvimento entre a prótase e a apódose, ou seja, a prótase não implica a apódose e vice-versa; nas concessivas, entretanto, há o envolvimento de ambos os componentes das orações. São exemplos de condicionais-concessivas, em inglês: 91 (50) Whether he is right or not, we must support him. (51) However much advice you give him, he does exactly what he wants to do. (52) Even if you drink (only) a little, your boss will fire you. Pode-se perceber que as condicionais-concessivas têm propriedades em comum com as condicionais e com as concessivas, e, desse modo, são, às vezes, agrupadas com umas, às vezes, com as outras. Em contraste com as condicionais simples, as condicionais-concessivas relacionam um conjunto de condições antecedentes a um conseqüente. Esse conjunto é tipicamente especificado por uma disjunção (exemplo (50)), por um universal ou um quantificador de “livre escolha” (exemplo (51)) ou por uma partícula focalizadora (exemplo (52)). Em todas as condicionais-concessivas o conseqüente é afirmado como verdadeiro sob quaisquer das condições especificadas no antecedente. Assim, tendo como base fatores semânticos, König (1986) propõe que as condicionais-concessivas são um tipo específico de condicional. Para Auwera (1986), a conjunção se geralmente não significa mesmo se. No entanto, em orações interrogativas parece ser mais fácil interpretar o se como mesmo se, um fato que foi descoberto por Ducrot (1972). Ducrot (1972) demonstra claramente que a escolha entre uma leitura concessiva e uma leitura não-concessiva pode ser determinada pelo contexto. Porém, segundo Auwera (1986), Ducrot (1972) falha ao não explicar em que sentido o se interrogativo é 92 diferente do se afirmativo e imperativo, de tal modo que permite uma leitura como mesmo se. Haiman (1986) sugere que a interpretação como mesmo se em orações interrogativas que contêm se se deve ao fato de que elas seguem a apódose, o que tipicamente ocorre com as concessivas, em inglês. Para Auwera (1986) essa não parece ser a questão, uma vez que há orações com se que estão pospostas às suas apódoses, e que não adquirem valor concessivo. Além disso, é possível que um se interrogativo preceda a apódose e ainda assim se mantenha a leitura concessiva. Segundo Auwera (1986), a discrepância entre o se interrogativo, de um lado, e afirmativo e imperativo, de outro, ocorre por duas razões: (i) o significado de mesmo se e (ii) os significados das orações interrogativas. São exemplos desse se interrogativo, em inglês: (53) Will you take the car if the roads are icy? (54) Will John go if Peter comes? Zamproneo (1998), em estudo sobre as construções concessivas, verifica a aproximação semântica entre condicionais e concessivas, de um lado, e entre condicionais e condicionais-concessivas, por outro. Baseada em López García (1994), a autora estabelece uma gradação, que vai das concessivas canônicas (aquelas iniciadas pelas conjunções embora e ainda que), passando pelas pro-condicionais (com a conjunção mesmo que/se) até as condicionais propriamente ditas. Na leitura condicional das concessivas, diz a autora, é 93 necessário que a construção usada seja lida como ainda ou mesmo + gerúndio. São exemplos de Zamproneo (1998, p.16): (a) Ainda que vença nas urnas, a sua eleição continua incerta. (OP/LJ) (a1) Se vencer nas urnas, a eleição estará garantida, mas, ainda vencendo, sua eleição continua incerta. (b) Mesmo que houvesse lugar no banco, mamãe me punha sentada em seu colo ou mantinha-me de pé. (ANA/LR) (b1) Se houvesse lugar, eu poderia sentar-me no banco, mas, mesmo havendo lugar no banco, mamãe me punha sentada em seu colo ou mantinha-me de pé. (c) Padre Olavo: Nem que tenha alma de anjo, nesta igreja não entrará com essa cruz! (PP/LD) (c1) Se for para pagar uma promessa, será permitido entrar com uma cruz na igreja, mas, nem (mesmo) tendo alma de anjo, nesta igreja não entrará com essa cruz! 94 2.6.2. Condicionais e causais Segundo Comrie (1986), há um forte vínculo entre as prótases e as apódoses. Esse vínculo é causal, isto é, o conteúdo da prótase deve ser interpretado como uma causa do conteúdo da apódose. No entanto, as condicionais são, certamente, diferentes das construções causais, uma vez que as causais envolvem comprometimento com a verdade das duas proposições. A relação causal vai da prótase, como uma causa, à apódose, como um efeito. Envolve não apenas o conteúdo literal das proposições, mas também a motivação do emissor ao expressar a afirmação que inclui a proposição. Harris (1986), como Comrie (1986), também vê a existência de um forte vínculo causal entre as orações que compõem as construções condicionais. Ao considerar a oração (55) Se João veio, Pedro foi embora. Harris (1986) afirma que essa construção pode ser claramente interpretada no sentido de que foi a chegada de João a causa da partida de Pedro. Naturalmente, toda a construção pode continuar sendo considerada como hipotética – pode-se não saber ao certo, ou pode-se escolher não admitir o fato de que João tenha vindo – mas Harris (1986) prefere tomá-la como verdadeira. O que se percebe é que, 95 enquanto uma condição referente ao futuro é, em geral, vista apenas como mais, ou menos, passível de ser preenchida, quando se refere ao presente ou ao passado ela pode ser realmente percebida, e, desse modo, não se trata mais de uma hipótese. Como afirma Lehmann it is a well-known fact that the proposition in the antecedent of a conditional sentence is not asserted but ‘left open’. This constitutes the main difference between conditional and causal sentences. (Lehmann, apud Haiman, 1986, p.277)9 Assim, como a verdade do antecedente é pressuposta, passa-se imediatamente para uma outra interpretação, ou seja, uma interpretação causal, em que a partícula se é entendida como tomando-se como certo, ou mesmo, desde que. Harris (1986) toma as construções causais como o pólo oposto das concessivas, já que nestas não é estabelecido, mas, ao contrário, é negado um vínculo causal entre antecedente e conseqüente. O antecedente das construções causais pede, ao ouvinte, que adicione, ao seu estoque de conhecimento, os fatos nele contidos, para que, então, se possa avaliar o está expresso no conseqüente. No caso das concessivas, não há necessidade de se avaliar o conseqüente, já que ele é bastante independente do conteúdo do antecedente. Para Harris (1986), as condicionais verdadeiras situam-se entre esses pólos, porque requerem do ouvinte 9 “É um fato conhecido que a proposição antecedente de uma oração condicional não é afirmada, mas “deixada em aberto”. Essa constitui a principal diferença entre as orações condicionais e as causais.” 96 que atue com base em uma tentativa de adição de informação ao seu estoque de conhecimento. 2.6.3. Condicionais e temporais No que diz respeito à relação entre condicionais e temporais, Harris (1986) afirma que uma frase temporal, relacionada a um tempo passado ou presente ou futuro, com uma leitura não duvidosa ou contrafactual, pode equivaler a uma condição real. Já as orações temporais que não têm como certa uma verdadeira realização, equivalem a uma condição eventual. Disso se segue que as conjunções condicionais são freqüentemente usadas com valor temporal e que as conjunções temporais são, não raro, mais bem interpretadas condicionalmente. São exemplos de Harris (1986): (56) Se ele de fato veio, ainda assim não solucionou o problema. (57) Dado que de fato ele veio, ainda assim não solucionou o problema. (58) Embora ele de fato tenha vindo, ainda assim não solucionou o problema. (59) Quando de fato ele veio, ainda assim não solucionou o problema. Em cada caso, ‘a vinda dele’ é admitida e tomada como factual: idealmente, assim, todas essas frases deveriam ter suas formas verbais no tempo indicativo. 97 Para Reilly (1986), as orações temporais com quando e as condicionais compartilham várias características: em seus papéis de subordinadas, ambas vinculam eventos simultâneos ou seqüenciais, freqüentemente implicando uma relação causal, e ambas podem ocorrer antepostas ou pospostas à oração principal. No entanto, uma diferença significativa entre esses dois tipos de frase é refletida pelas partículas quando e se. Quando implica certeza, ou ao menos a expectativa do falante sobre a ocorrência do evento expresso pela oração antecedente, enquanto se assinala a suposição do emissor a respeito do evento antecedente. A ocorrência do evento expresso no antecedente é, desse modo, uma possibilidade a ser considerada. Em suma, a atitude do emissor em relação ao evento ou estado antecedente, tomando-o como um fato ou meramente supondo a possibilidade de sua existência, é o critério de distinção entre estruturas com quando ou com se. Souza (1996), em trabalho sobre as orações temporais do português escrito do Brasil, também verifica que essas orações podem receber uma leitura condicional. Como Traugott (1985), a autora considera que, nesses casos a oração temporal indica duração no tempo, mas associada à idéia de condição. Assim, “a duração da ON fica em aberto na dependência da duração do estado de coisas da OT” (Souza, 1996, p.160). A partir das considerações feitas, pode-se notar que os casos de hipotaxe de realce formam um contínuo, dentro do qual não há divisões claras e 98 definidas. A conjunção condicional pode receber leituras diferentes, que dependem tanto do ambiente sintático, ou seja, do fato de as orações que introduzem virem ou não pospostas à oração núcleo, como de fatores discursivos, isto é, da atitude do emissor em relação ao seu interlocutor, das condições de produção e das necessidades do falante. Sendo assim, considera-se, como Harris (1986), que exista um espectro semântico, entre as relações causais, condicionais, condicionaisconcessivas e concessivas. Neste trabalho, vai-se tentar verificar como se dá essa gradação semântica, que envolve as frases condicionais, de modo a tentar estabelecer um contínuo de valores semânticos na classificação das chamadas adverbiais. 99 2.7. Tipos de Literatura Neste trabalho, as construções condicionais são analisadas em três diferentes tipos de literatura: dramática, técnica e de oratória. A análise dos dados deve fazer-se, portanto, dentro de uma tipologia textual. Assim, assume-se com Biber (1989) que a typology of texts is a research prerequisite to any comparative register analysis, whether of speech and writing, formal or informal texts, restricted or elaborated codes, literary and colloquial styles, ‘good’ and ‘bad’ student compositions, early and late historical periods, or whatever, to situate particular texts to the range of texts in English (Biber, 1989, p.4)10 Para que se classifiquem os discursos em diferentes gêneros, deve-se obedecer a critérios formais/estruturais e funcionais. De acordo com Paredes Silva (1995), o primeiro critério está ligado à visão teórica formalista/estruturalista, que segmenta o discurso em suas unidades constituintes com o objetivo de analisar as relações contraídas por essas unidades, independentemente das relações funcionais com o contexto. 10 “Uma tipologia de textos é um pré-requisito para qualquer pesquisa de análise comparativa de registros, seja da fala e da escrita, de textos formais e informais, de códigos restritos ou elaborados, de estilo coloquial ou literário, de composições de alunos ‘boas’ e ‘ruins’, de períodos históricos antigos ou recentes, ou o que quer que seja, para situar textos particulares em relação ao espectro de textos em inglês” 100 O segundo critério se liga ao ponto de vista funcionalista, que trata o discurso como uma unidade da língua em uso e que vê o sistema gramatical de alguma forma relacionado com as funções comunicativas que desempenha. Paredes Silva (1995) propõe três níveis de análise para o estabelecimento de uma tipologia textual, de acordo com os aspectos internos à língua ou gramaticais e com os aspectos externos ou funcionais. • Primeiro nível: fundamenta-se nas propriedades gramaticais dos discursos. É o nível das estruturas discursivas: estruturas narrativas, descritivas, expositivas, expressivas, procedurais e dialógicas. • Segundo nível: fundamenta-se nos critérios funcionais, ou seja, no uso efetivo das estruturas de primeiro nível em diversas situações comunicativas. É o nível das unidades comunicativas, que ocorrem em contextos específicos, como conferências, estórias, piadas, reportagens, editoriais, cartas, etc. • Terceiro nível: é o nível da função ou propósito comunicativo em que cada diferente gênero discursivo é utilizado. Trata-se do terreno das sobreposições, em que mais de um propósito coexiste, sendo que um deles é predominante. Biber & Finegan (1989) também utilizam critérios gramaticais e funcionais de análise para tentar estabelecer uma tipologia textual e ressaltam que cada tipo de texto possui determinados conjuntos de características gramaticais que servem a grupos relacionados de funções comunicativas. Pode-se dizer, portanto, que esses conjuntos estão relacionados às diferentes funções situacionais, sociais e cognitivas desempenhadas nos textos. Os autores estabelecem um 101 contínuo, em que distribuem diversos textos do inglês contemporâneo, de acordo com suas características gramaticais e suas funções comunicativas. No pólo mais à esquerda do contínuo estão os textos que apresentam três conjuntos de características gramaticais. O primeiro conjunto constitui-se de textos que apresentam um alto número de nomes, de palavras longas e de sintagmas preposicionados, e se liga às situações comunicativas com alto propósito informacional que, portanto, necessitam de um léxico preciso e específico. O segundo conjunto é composto por textos caracterizados pela alta freqüência de orações relativas, de coordenação entre sintagmas e de nominalizações, e liga-se às situações comunicativas que estabelecem a identificação explícita e a alta elaboração do(s) referente(s) do texto. O terceiro conjunto constitui-se de textos marcados pela ausência de agente da passiva e pela presença de orações adverbiais participiais e de subordinadores adverbiais; enfatiza-se o paciente, um referente inanimado ou uma entidade abstrata, em detrimento do agente. Esse tipo de discurso, que apresenta muitas construções passivas é, tipicamente, abstrato e técnico em seu conteúdo. No pólo à direita do contínuo estão os textos caracterizados por dois conjuntos de características gramaticais. Um dos conjuntos é composto por textos que se caracterizam pela presença de verbos como pensar, achar, acreditar, de pronomes de segunda pessoa e de pronomes demonstrativos. Liga-se a situações com baixo teor informacional, com um propósito primeiramente interativo e afetivo. Já o outro conjunto compõe-se de textos que se caracterizam pela alta freqüência de advérbios de tempo e de lugar, e de outros advérbios. 102 Ainda segundo Biber & Finegan (1989), os artigos acadêmicos e as cartas profissionais aparecem no pólo à esquerda do contínuo. As ficções ocupam um ponto intermediário no contínuo. Mais à direita estão as cartas pessoais. No pólo direito, estão as conversações face-a-face. Biber (1989) desenvolve uma tipologia de textos para o inglês baseada em um modelo com cinco dimensões de variação. Cada dimensão forma um conjunto de padrões lexicais e sintáticos que coocorrem freqüentemente em textos. Essas dimensões refletem, ainda, as funções comunicativas subjacentes compartilhadas. Dois conjuntos têm em comum o fato de tratarem da interação. No conjunto 1 Biber (1989) inclui as interações pessoais íntimas, as conversas interpessoais, a maior parte das conversações face-a-face e as conversas por telefone entre amigos. No conjunto 2 estão as interações informacionais, as interações pessoa-a-pessoa que têm objetivo informacional, como entrevistas, conversas de negócios por telefone e conversações face-a-face em contextos profissionais. Os conjuntos 3 e 4, exposição científica e exposição erudita11, formam outro par de tipos de textos relacionados. Ambos são não-narrativos e não-persuasivos e também são extremamente informativos e explícitos quanto à referência. O conjunto 3 é formado de textos acadêmicos em prosa, de ciências 11 Do original, em inglês, “educated exposition”. 103 naturais, engenharia, tecnologia e medicina, e alguns documentos oficiais. O conjunto 4 compõe-se de textos acadêmicos em prosa, de ciências humanas e sociais, educação e direito, reportagens jornalísticas, documentos oficiais, credos populares, biografias, etc. No conjunto 5 estão as narrativas imaginadas, textos nãoabstratos, em que a ênfase na narrativa é extrema. Os textos agrupados nesse conjunto são, em sua maior parte, ficções. O conjunto 6 é formado pelas exposições narrativas gerais. Estão incluídos aqui os textos informacionais e expositivos, que freqüentemente usam da narrativa para transmitir informação. Essas narrativas não são imaginárias ou para o entretenimento, mas são parte integral da informação expositiva que vai ser transmitida. Como exemplos desse conjunto, Biber (1989) apresenta as reportagens e os editoriais jornalísticos, textos humorísticos, etc. Desse modo, este é um tipo bem geral de exposição. Não é marcada pela erudição ou pela tecnicidade, pela referência elaborada ou pelo estilo abstrato, e, muitas vezes, usa a narração como parte da exposição. Por um lado, é similar, em alguns aspectos, aos conjuntos 3 e 4, em relação à informatividade e ao não-envolvimento, e ao conjunto 5, por outro, por terem, ambos, referência com narrativas. São os tipos de textos mais gerais de todos os contemplados por Biber (1989). No conjunto 7, o menor e mais distinto entre os tipos de texto identificados, estão as reportagens situadas, textos não-narrativos, nãopersuasivos e não-abstratos. O que carateriza esse grupo é que a referência é 104 extremamente situada. São as transmissões esportivas, as reportagens on-line de eventos que estão em curso e que ocorrem em uma rápida sucessão. Por fim, o grupo 8 compõe-se de textos de persuasão envolvida. Seu propósito primeiro é a argumentação ou persuasão. A maior parte desses textos é oral, como as falas espontâneas e preparadas. Há também textos escritos informacionais, como crenças populares, cartas profissionais e editoriais. A partir dessas propostas vai-se tentar estabelecer uma caracterização dos três tipos de texto utilizados e que compõem o córpus de análise das construções condicionais. Os tipos de texto estudados nesta dissertação se relacionam, especificamente, com as seguintes estruturas: • estrutura descritiva: caracteriza-se pela presença de verbos não-perfectivos, predicados estativos, entidades abstratas e estruturas nominais; • estrutura de tipo expositivo/argumentativo: caracteriza-se pela presença de construções sintáticas mais complexas (subordinação), verbos não-perfectivos e construções hipotéticas; a unidade semântica é a proposição; • estrutura dialógica: caracteriza-se pela alternância das pessoas do discurso envolvidas. Os textos da chamada Literatura Técnica são textos dissertativos, relacionados a áreas científicas distintas, como engenharia, antropologia, química, biologia. A partir da proposta de Paredes Silva (1995), é possível caracterizá-los como unidades discursivas que ocorrem em contextos 105 específicos, que apresentam uma estrutura discursiva do tipo expositivo/argumentativo, embora ocorra, algumas vezes, a estrutura descritiva, e que têm como propósito comunicativo predominante a informação. Por outro lado, são textos que apresentam um léxico bastante específico e que são produzidos em circunstâncias controladas. Seus referentes, geralmente entidades abstratas, são apresentados de forma definida e elaborada. Genericamente, fazem parte dos conjuntos 3 e 4, exposição científica e exposição erudita, propostos por Biber (1989). Os textos que compõem a Literatura Oratória são argumentativos, ou seja, discursos políticos e discursos acadêmicos proferidos na Academia Brasileira de Letras, além de sermões. A estrutura que caracteriza esses textos é, sem dúvida alguma, argumentativa, e eles têm como objetivo a persuasão, isto é, convencer, persuadir o leitor/ouvinte. São textos escritos, que, mesmo veiculados oralmente, são construídos em situações planejadas e elaboradas. São, especialmente, os textos do conjunto 8 de Biber (1989), caracterizados pela persuasão envolvida. Os textos que compõem a Literatura Dramática são peças teatrais, em que predominam os diálogos entre os personagens. Dessa forma, são semelhantes às conversações do tipo face-a-face, típicas da modalidade oral. Apresentam uma estrutura dialógica, em que se alternam os turnos de fala dos interlocutores. Assim como os discursos da literatura oratória, são textos escritos para ser veiculados oralmente. No entanto, nesse caso, quer-se reproduzir situações de fala espontânea e, sendo assim, os textos não são altamente 106 informativos e elaborados. Na verdade, são “elaborados”, mas de tal forma que não pareçam elaborados. Pode-se considerar que os textos da literatura dramática formam, em geral, o conjunto 1 proposto por Biber (1989), de interações pessoais íntimas. 107 3. Metodologia de trabalho Constituem o foco deste trabalho as construções condicionais marcadas pelo conjunção se, que é a conjunção condicional por excelência. O córpus foi coletado no Centro de Estudos Lexicográficos, UNESP/Araraquara, em um banco de dados composto de textos escritos do português contemporâneo do Brasil, divididos em cinco tipos de literatura: Dramática, Romanesca, Oratória, Técnica e Jornalística. Entretanto, é necessário esclarecer que os textos romanescos e jornalísticos não foram considerados nesta análise por serem tipos textuais híbridos e de difícil caracterização. Sendo assim, o córpus constitui-se de 36 arquivos, 12 arquivos de cada um dos tipos de literatura, Dramática, Técnica12 e Oratória (cada um deles com um total aproximado de 35 kbytes), selecionados no Córpus Principal (CP) do Centro de Estudos Lexicográficos. A extensão analisada perfaz um total aproximado de 400 kbytes, por tipo de literatura. 12 Deve-se ressaltar que, em análise posterior dos textos inseridos na Literatura Técnica, verificou-se que, ao lado de textos puramente técnicos, há também textos de cunho técnicodidático, o que pode, de certa forma, marcar a análise dos dados desta dissertação. Apesar disso, acredita-se que se possa chegar a uma caracterização desse tipo de Literatura, uma vez que se considerara, na análise, esse “composto” textual, que caracteriza os textos da amostra examinada. 108 Para a classificação e análise das construções condicionais usamse alguns programas do Pacote de Varbrul. Este pacote é um conjunto de dez programas computacionais elaborado com o intuito de estudar os fenômenos lingüísticos em variação. Esses programas fornecem ao pesquisador dados percentuais e pesos relativos, que são de grande auxílio para a análise qualitativa. Segundo Ferreira (1997), entre os fenômenos lingüísticos que se encontram em variação, a ordem das orações condicionais pode ser considerada como um fenômeno lingüístico parcialmente variável, já que é possível dizer “Sairei, se fizer sol” ou “Se fizer sol, sairei”, e manter o mesmo significado básico. Neste trabalho, a questão do posicionamento da oração condicional em relação à oração núcleo é apenas um dos aspectos envolvidos nas construções condicionais a serem contemplados. Dessa forma, as construções condicionais não serão analisadas, neste trabalho, como um fenômeno lingüístico em variação, uma vez que não se considera que existam duas ou mais formas alternantes de orações condicionais que ocorram em um mesmo contexto, com mesmo significado. É por esse motivo que nem todos os programas do pacote Varbrul são utilizados, sendo que algumas etapas são, portanto, desconsideradas. Aplicam-se, então, aos dados coletados, apenas alguns programas do pacote (CHECKTOK, READTOK, MAKECELL e CROSSTAB), versões 1988/1992. Pode-se dizer, assim, que o Pacote Varbrul foi empregado apenas como um instrumento de trabalho sem que se seguisse sua orientação metodológica ortodoxa. Em um primeiro momento, selecionam-se os grupos de fatores que serão usados na análise das condicionais. No caso deste trabalho, os grupos 109 foram selecionados de acordo com as questões teóricas anteriormente discutidas, e, que são, neste ponto, objeto de análise quantitativa e qualitativa. Os grupos selecionados são: Variável dependente: tipo de literatura T: técnica O: oratória D: dramática Outros grupos de fatores: 1. Posição da condicional a: anteposta b: posposta i: intercalada s: sem núcleo 2. Tempos e modos verbais da oração condicional 1 presente do indicativo 2 futuro do subjuntivo 3 imperfeito do indicativo 4 imperfeito do subjuntivo 5 pretérito perfeito do indicativo 6 infinitivo 7 presente do subjuntivo 8 mais-que-perfeito do subjuntivo 9 verbo elíptico + mais-que-perfeito do subjuntivo composto - verbo impessoal 3. Tempos e modos verbais na oração núcleo A presente do indicativo B sem núcleo C imperfeito do indicativo D verbo no gerúndio E pretérito perfeito do indicativo F verbo elíptico 110 G futuro do pretérito composto H imperativo I verbo no infinitivo J pretérito perfeito do subjuntivo composto K futuro do presente do indicativo L presente do subjuntivo M pretérito perfeito do indicativo composto N futuro do pretérito O mais-que-perfeito do indicativo composto P futuro do presente do indicativo composto Q verbo impessoal 4. Tipo de estado de coisas da condicional R realização A atividade M mudança D dinamismo P posição E estado Z verbo elíptico 5. Tipo de estado de coisas da núcleo r realização a atividade m mudança d dinamismo p posição e estado z verbo elíptico s sem núcleo 6. Tipo de oração condicional F factual E eventual C contrafactual 7. Domínios segundo de Sweetser (1990) 2 epistêmico 3 atos de fala 111 8. Camadas segundo Dik (1989) e Hengeveld (1989) p proposição f atos de fala/frase 9. Presença de verbo modal na Oração Condicional e epistêmico d deôntico n nenhum z elíptico 10. Presença de verbo modal na Oração Núcleo E epistêmico D deôntico N nenhum S sem núcleo 11. Função da condicional r tópico de retomada c tópico de contraste a tópico de opção e tópico de exemplificação p adendo restritivo m adendo ampliador Em seguida, são elaboradas, a partir da combinação desses grupos de fatores, cadeias de codificação, que contêm todos os dados de cada uma das construções condicionais encontradas. Do cruzamento, feito pelo Makecell, entre a variável dependente e os demais grupos de fatores, chega-se à caracterização de cada um dos tipos de literatura. Pode-se efetuar, então, um segundo cruzamento de dados, entre um grupo de fatores e outro, por meio do programa Crosstab ou Cross3000, o que resulta nas possíveis inter-relações e interdependências entre esses grupo de fatores. 112 Neste trabalho são cruzados, entre outros, os seguintes grupos: . tempo e modo verbais da oração condicional x tempo e modo verbais da oração núcleo; . tempo e modo verbais da oração condicional x tipo de condicional; . tempo e modo verbais da oração núcleo x tipo de condicional; . tempo e modo verbais da oração condicional x tipo de estado de coisas da condicional; . tempo e modo verbais da oração núcleo x tipo de estado de coisas da núcleo; . tipo de estado de coisa da condicional x tipo de estado de coisas da núcleo; . camadas segundo Dik (1989) e Hengeveld (1989) x domínios segundo Sweetser (1990); . posição da condicional x função da condicional; . posição da condicional x correlações modo-temporais; . posição da condicional x tipo de condicional; . presença de verbo modal na condicional x presença de verbo modal na núcleo; Pretende-se, portanto, a partir das correlações efetuadas entre os diversos grupos de fatores levantados, chegar-se a uma caracterização geral das construções condicionais em uso efetivo, uma vez que essa correlações oferecem resultados percentuais (análise quantitativa), que são utilizados na análise qualitativa dos dados. 113 4. Apresentação e análise dos dados São apresentados, a seguir, os resultados das análises feitas no córpus deste trabalho. Tomando-se como base as questões teóricas levantadas, é possível estabelecer uma descrição do funcionamento das construções condicionais do português escrito contemporâneo do Brasil. Acredita-se que estas questões concernentes ao estudo das condicionais são de extrema importância, já que focalizam diferentes aspectos e níveis de descrição. Esta análise não se pretende exaustiva, uma vez que há muitos outros fatores ainda passíveis de descrição. 4. 1. Construções condicionais nos tipos de literatura Foram encontradas, no córpus usado neste trabalho, 346 ocorrências de orações condicionais introduzidas pela conjunção se13. Dentre os três tipos de literatura analisados, verifica-se que aquela que apresenta o maior número de ocorrências de construções condicionais é a Literatura Dramática, perfazendo um total de 61% das ocorrências do córpus. O uso de construções condicionais nos outros dois tipos de textos é praticamente idêntico: 20% do total de condicionais ocorrem na Literatura Técnica e 19%, na Literatura Oratória. Esses resultados podem ser visualizados no quadro e no gráfico seguintes: 13 As ocorrências são numeradas da seguinte forma: da ocorrência 1 à ocorrência 210: Literatura Dramática; da ocorrência 211 à ocorrência 277: Literatura Oratória; da ocorrência 278 à ocorrência 346: Literatura Técnica. 114 Quadro 5 Distribuição das orações condicionais pelos tipos de literatura Literatura Dramática 210 61% Literatura Técnica 69 20% Literatura Oratória 67 19% Total 346 Gráfico 1 Construções condicionais por tipo de literatura Lit. Oratória 19% Lit. Dramática Lit. Técnica Lit. Oratória Lit. Técnica 20% Lit. Dramática 61% Em alguns aspectos, esse resultado mostrou-se diferente do esperado. Embora a supremacia do uso de construções condicionais nos textos dramáticos fosse esperada, por se tratar de textos que representam a fala cotidiana, imaginava-se que a diferença entre o número de ocorrências de condicionais nos textos de oratória e técnicos fosse maior, e que os textos da Literatura Oratória tivessem mais ocorrências de condicionais que os textos da Literatura Técnica. Entretanto, pode-se dizer que esses resultados, de certa forma, mostram algumas características desses textos. 115 Na Literatura Técnica, como ressaltado na nota 12, alguns dos textos analisados apresentam um caráter puramente científico, outros um caráter técnico-didático, representados por manuais, em que não há muita especialização, ou mesmo um léxico muito específico e elaborado. Essa mescla pode justificar o número de ocorrências encontradas. Por um lado, há nesses textos um comprometimento com a veiculação de valores de verdade, que não são codificados preferencialmente por meio de construções condicionais, o que acarretaria um número baixo de ocorrências de construções condicionais. Por outro lado, os textos de caráter mais didático visam à explicação, ao esclarecimento, até mesmo ao convencimento, objetivos aos quais o uso de construções condicionais serve, e que faria com que a tendência de uso de condicionais aumentasse. Assim, o número de ocorrências de construções condicionais encontrado parece ser uma conseqüência do caráter híbrido dos textos técnicos analisados. Poder-se-ia dizer também que essa mescla nos textos técnicos justifica a proximidade do número de ocorrências de construções condicionais nesses textos e naqueles da Literatura Oratória. Em outras palavras, supõe-se que, caso os textos técnicos fossem de grande especialização científica, o número de ocorrências de construções condicionais na Literatura Oratória seria maior que na Literatura Técnica. Nos textos da Literatura Oratória objetiva-se o convencimento do outro, há a tentativa de persuasão. Há uma tendência, assim, para o uso das construções condicionais, uma das estratégias mais ricas de que o emissor lança mão no jogo argumentativo. 116 São discutidos, a seguir, cada um dos aspectos relacionados às construções condicionais. 4.2. A ordem A análise do córpus revela a precedência da oração condicional em relação à oração núcleo nos textos do português escrito do Brasil. Assim, nos três diferentes tipos de literatura contemplados, Literatura Dramática (LD), Literatura Técnica (LT) e Literatura Oratória (LO), a ordem mais freqüente é a anteposição da condicional à núcleo14. É o que pode ser observado no quadro 6: Quadro 6 Correlação entre os tipos de literatura e a posição da condicionais. Tipo de Literatura LD LT LO Total 14 Posição da Condicional Anteposta 118 70,2% 48 69,5% 45 67,1% 211 69,4% Posposta 41 24,4% 19 27,5% 20 29,8% 80 26,3% Intercalada 9 5,3% 2 2,8% 2 2,9% 13 4,2% Total 168 69 67 304 Foram excluídas da análise as construções condicionais sem oração núcleo realizada. 117 As posições mais recorrentes em português são a anteposição (69,4%) e a posposição (26,3%). Há apenas 4,2% de condicionais intercaladas. Assim, pode-se perceber que as orações condicionais funcionam como “preenchedores sintáticos”, nos termos de Kato & Tarallo et al (1993), uma vez que ocorrem mais freqüentemente às margens da oração núcleo – à esquerda, no caso das antepostas, à direita, nas pospostas. Vale ressaltar que a anteposição da condicional à oração núcleo também é mais recorrente nas construções condicionais no português falado, como se vê em Neves (1999b). Entretanto, no que se refere à língua falada, o percentual de orações condicionais pospostas à núcleo (18,1%) é bem menor que aquele encontrado para as condicionais da língua escrita (26,3%). A essa mesma diferença de percentuais chega Ferreira (1997), o que leva Braga (1999) à conclusão de que na modalidade escrita do português as condicionais pospostas são mais prováveis que na modalidade falada. A anteposição também é mais recorrente em todos os diferentes tipos de textos analisados. É interessante comparar a proporção do uso das três posições em cada uma da literaturas. Verifica-se que nos três tipos de textos, a proporção do uso de condicionais antepostas e pospostas é, em média, a mesma: há 69,7% condicionais antepostas e 26% pospostas. O comportamento destoante, no que se refere à posição da oração condicional nos três tipos de textos, fica por conta das condicionais intercaladas, que são mais freqüentes na LD. Do total de intercaladas, 13 ocorrências, 9 estão nos textos dramáticos. Justifica-se esse fato 118 pela função exercida pela oração condicional intercalada, ou seja, a função de ressalva. As ocorrências abaixo mostram esse tipo de uso: (106-107) Cabo Rosinha: Você ouviu? O que acha desse negócio de carneiro? Joaquim: Eu, se fosse o senhor, deixava isso de lado! Padre Antônio está é caduco! Cabo Rosinha: É exatamente o que eu estava pensando: isso é caduquice, não tem pra onde! Eu é que não vou me meter onde não fui chamado. A queixa que recebi foi de novilho, de carneiro, não! E, se não houve queixa de carneiro, é porque não há furto de carneiro. Diga a seu irmão que pode ficar descansado! (PL/LD) Como se pode perceber por essas ocorrências, a oração condicional codifica uma ressalva ou um reparo ao que foi enunciado previamente. No primeiro caso, a condicional intercalada é usada para ressaltar a opinião do falante em relação ao assunto tratado. Ao ser indagado sobre a atitude a ser tomada, o falante assume a posição de seu interlocutor e o adverte, fazendo uma ressalva. Já na segunda ocorrência, a oração condicional intercalada é usada como um reparo ao que havia sido enunciado. O falante diz que a queixa recebida era de novilho e não de carneiro. De certa forma, o falante ao mesmo tempo utiliza 119 argumentativamente o que havia sido dito, incluindo um reparo: se não houve queixa de carneiro (e sim do novilho), não houve roubo de carneiro. Pode-se afirmar que as condicionais intercaladas são mais freqüentes em textos da LD porque esses textos são organizados dialogicamente, ou seja, há a presença de dois ou mais interlocutores, que estão frente a frente. Nesses casos não há a necessidade da total explicitude nas informações, que podem ser reparadas, completadas ou até mesmo contestadas pelos participantes da interlocução, o que favorece o uso das intercaladas. Por outro lado, há, a todo momento, as mudanças de turno, que também favorecem o uso das condicionais intercaladas. Outro fato relevante na análise da posição das orações condicionais diz respeito ao uso das condicionais que são realizadas sem a oração núcleo. Segundo Neves (1999c), o falante escolhe certos recursos ao compor seu texto para criar determinados efeitos e, na configuração dos satélites de natureza adverbial, como é o caso das condicionais, o falante prepara molduras, criando espaços mentais para o conteúdo das orações núcleo. Entretanto, ressalta a autora, a liberdade de escolha do falante chega ao ponto de se prepararem molduras que ficam vazias, como é o caso das construções condicionais sem oração núcleo realizada. Criam-se, então, espaços mentais que obtêm efeitos particulares muito significativos, tais como deixar uma asserção em suspenso, fazer um “convite” para que ouvinte a complete ou tome parte da interlocução, etc. Foram encontradas no córpus 42 (12,1%) ocorrências desse tipo de condicional. O que é interessante é que todas as ocorrências de tais condicionais estão em textos da LD. Como no 120 caso das orações intercaladas, pode-se concluir que essa é uma característica dos textos dramáticos. Pode-se dizer que, em primeiro lugar, por seu caráter interativo e pelo fato de os interlocutores estarem frente a frente, não há necessidade, nos textos dramáticos, de se explicitarem as informações, uma vez que elas podem ser recuperadas facilmente no contexto ou podem ser inferidas ou preenchidas por um dos interlocutores participantes do “jogo” dialógico. Entretanto, esse tipo de uso também mostra a natureza colaborativa da conversação. É um uso que está a serviço da interlocução e que mostra a natureza de coautoria dos textos dramáticos. Nos textos técnicos, por exemplo, não há sentido em contar com a participação do destinatário, porque esses textos são científicos. A ocorrência seguinte mostra o uso de uma condicional sem a oração núcleo realizada. (47-48) Flávio: Faz tanto tempo... éramos ainda moços, não era Ângela? Tu me apareceste pela primeira vez... Lembras-te? Ângela: Ora, se me lembro!... Flávio: Foi no Salão da Exposição Nacional. Havia muita gente, muito alvoroço, muito entusiasmo entre os concorrentes... Para mim, porém, só havia Ângela. Ângela a seguir-me por toda a parte com aqueles olhos indagadores, como se me quisessem perguntar alguma coisa, que eu tinha vontade de responder. Se os olhos falassem... (HP/LD) 121 No primeiro caso, a interlocutora Ângela começa a responder à indagação de Flávio. Para tanto, usa uma condicional sem a oração núcleo realizada. Isso parece ser uma “instrução” para que Flávio tome a palavra, sendo ele quem, de fato, responde à questão. Assim, Flávio, depois de relembrar seu primeiro encontro com Ângela, usa outra condicional sem oração núcleo, e a deixa em aberto, mostrando que o desfecho da história pode ser facilmente recuperado por Ângela, e, portanto, não precisa ser explicitado. Deve-se, agora, verificar quais são os fatores motivadores da anteposição da oração condicional à núcleo. Em relação ao grau de hipoteticidade das orações condicionais, pode-se perceber que a freqüência de condicionais não-factuais – eventuais e contrafactuais – é maior que a de condicionais factuais. O quadro seguinte mostra a distribuição dos tipos de condicionais de acordo com a posição da condicional: 122 Quadro 7 Correlação entre a posição e os tipos de condicional. Posição Anteposta Posposta Intercalada Total Tipo de Condicional Eventual Factual Contrafactual Total 121 68 22 211 57,3% 32,2% 10,4% 57 19 4 71,2% 23,5% 5% 8 4 1 61,5% 30,7% 7,6% 186 91 27 61,1% 29,9% 8,8% 80 13 304 A sugestão de Comrie (1986) de que a não-factualidade (a eventualidade e a contrafactualidade) da prótase motivaria a anteposição não se confirma no exame das ocorrências do córpus. Verifica-se que a freqüência de prótases pospostas não-factuais, 76,6%, somadas 57 eventuais a 4 contrafactuais, é maior que a de antepostas não-factuais, 67,7% (as 121 eventuais somadas a 22 contrafactuais). O que se nota, portanto, é que a prótase tende a ocorrer como não-factual esteja ela posposta, anteposta ou intercalada. É o que se pode também observar no exame das condicionais na modalidade falada do português brasileiro, feito por Neves (1999b). As ocorrências seguintes mostram o uso de condicionais eventuais nas três posições: 123 (242) Se a Bahia conseguir irrigar os cem mil hectares de Irecê, terá dado um grande passo no caminho da irrigação.(JL–LO) – eventual-anteposta (302) (...)A par disto, abrem caminho para a atuação da toxalbumina, esta muito ativa, gerando constrição da glote e asfixia mortal, se não houver socorro. (BEB–LT) – eventualposposta (143) Padre Olavo: (...) e além disso, Santa Bárbara, se tivesse de lhe conceder uma graça, não iria fazê-lo num terreiro de candomblé! (PP–LD) – eventual-intercalada Por outro lado, pode-se dizer que, proporcionalmente, as prótases antepostas são as mais freqüentes para cada um dos tipos de condicional. À mesma conclusão chega Ferreira (1997), ao verificar que todos os tipos de condicionais, factuais, contrafactuais e eventuais, atualizam-se mais freqüentemente na ordem protase-apódose. A segunda sugestão de Comrie (1986), a respeito da referência temporal das orações que compõem a construção condicional, também não se confirma, uma vez que as correlações modo-temporais (condicional–núcleo) encontradas em cada uma das posições são, com poucas diferenças, as mesmas15. 15 Há uma pequena variação na freqüência das correlações modo-temporais em cada posição, mas acredita-se que este fato não interfira na análise, uma vez que as correlações encontradas são as mesmas. 124 As ocorrências seguintes mostram o uso das correlações modo-temporais mais freqüentes em cada uma das posições: presente do indicativo–presente do indicativo (232) Se o Poder Executivo e o partido que o apóia são responsáveis pela feição do nosso processo administrativo, a Oposição é o móvel fundamental das transformações em busca do equilíbrio do processo. (JL-O/LO) (76) O Marcelo está muito enganado, se pensa que vai voltar comigo para a fazenda.(MO/LD) (287) Durante a pré-adolescência a ação familiar é definitiva. Pela necessidade de proteção e pela maneira de ser de seu psiquismo, vive como num mimetismo, se assim nos podemos exprimir, dependendo, portanto, da cor do lar a coloração do seu eu. (AE/LT) futuro do subjuntivo–presente do indicativo (com valor futuro) (294) Se acrescentarmos, por exemplo, ácido fenilacético ao meio de cultura comum, aumentamos em muito a produção de penicilina G. (AN/LT) 125 (334) O problema de pessoal especializado assume características de maior importância se considerarmos o avanço tecnológico e a necessidade – já acentuada por diversas vezes – de procurarmos enfrentar em definitivo a questão da pesquisa tecnológica. (PT/LT) (121) Mãe Preta: Você tem merecimento. Pois eu vou lhe dar um bem que ninguém pode tirar: há de levá-lo à cabeça, que é marca e sinal de homem e será sua proteção. Onde você colocar, ninguém mais arrancará, a não ser com a sua ordem, O que você decidir, se não for coisa impossível, ninguém vai poder mudar. (PEM/LD) futuro do subjuntivo–futuro do indicativo (45) Flávio: Tens razão. Nós nunca nos lembramos de nós mesmos. Armando: Se quiseres, poderá ficar totalmente curado. Flávio: Como ? Armando: Tendo ao seu lado uma mulherzinha, cuidando de ti. (HP/LD) (188) Tessala: E como poderei impedir que alguma coisa aconteça, se tiver de acontecer? Anfitrião: Protege-a de qualquer modo, por todos os modos, com teu próprio corpo. (TEG/LD) 126 imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito do indicativo (325) Minha repugnância à classificação de arte informal é porque acho que a mesma não tem sentido. Se se dissesse antiformal, teria mais sentido, pois estaria explícita a vontade de fugir à forma, de ser contra, de querer destruí-la(...) (MH/LT) (255) Seríamos surpreendidos se pudéssemos penetrar no íntimo do coração de muitas pessoas cujo proceder é censurável, pois em muitos deles encontraríamos uma grande ansiedade. (LE-O/LO) (206) Melchior: Pedi para mim o título de Marques da Minas. Disse-lhe que Bilbao não daria tanto ferro na Biscaia como a prata que eu pretendia extrair do Brasil. Encontrara Sabarabuçu. Com a exploração das minas, a que dei o nome de São Pedro, a Espanha, se quisesse, poria um freio nos turcos e poderia entregar-se a outras grandes empresas. (VP/LD) 127 imperfeito do subjuntivo–imperfeito do indicativo (01) Romana: O dinheiro que tu me deu não dá pra muita coisa... Chiquinho: Me dá mãe ! Romana: Se tu soubesse como me irrita esse teu “me dá”, tu saía correndo e num voltava nunca mais. (EN/LD) (107) Rosinha: Você ouviu? O que é que você acha desse negócio do carneiro? Joaquim: Eu, se fosse o senhor, deixava isso de lado! Padre Antônio está é caduco! (PL/LD) A correlação entre o imperfeito do subjuntivo e imperfeito do indicativo, como mostram as ocorrências (01) e (107), é usada somente nas condicionais antepostas e intercaladas, e não nas pospostas. De um modo geral, essa correlação não é muito freqüente no córpus como um todo. São apenas 14 ocorrências, ou seja, 4,6%, todas elas em textos da LD. Percebe-se que, por se tratar de um córpus de língua escrita, há, de certa forma, um maior comprometimento com a norma padrão culta, e assim, o uso “recomendado” seria, nesses casos, o futuro do pretérito do indicativo. Dessa forma, a ocorrência dessa correlação parece estar limitada aos textos comprometidos com a língua oral, como os textos dramáticos. Retoma-se essa questão quando da análise das correlações modo-temporais por tipo de literatura. O que as ocorrências mostram, portanto, é que, embora a ordem tempo anterior na prótase–tempo posterior na apódose se mantenha, verifica-se 128 que ela independe da posição em que a prótase é atualizada. Nos quadros seguintes pode-se visualizar a freqüência das correlações modo-temporais mais realizadas nas três posições: Quadro 8 Correlações modo-temporais nas condicionais antepostas Oração condicional Oração núcleo Total presente do indicativo presente do indicativo 60/28,4% futuro do subjuntivo presente do indicativo 39/18,4% futuro do subjuntivo futuro do indicativo 18/8,5% imperfeito do subjuntivo imperfeito do indicativo 11/5,2% imperfeito do subjuntivo futuro do pretérito do indicativo 10/4,7% Quadro 9 Correlações modo-temporais nas condicionais pospostas Oração condicional Oração núcleo Total futuro do subjuntivo presente do indicativo 16/20% presente do indicativo presente do indicativo 15/18,75% imperfeito do subjuntivo futuro do pretérito do indicativo 08/10% futuro do subjuntivo futuro do indicativo 08/10% 129 Quadro 10 Correlações modo-temporais nas condicionais intercaladas Oração condicional Oração núcleo Total imperfeito do subjuntivo imperfeito do indicativo 3/23% futuro do pretérito do indicativo 2/15,3% pretérito perfeito do indicativo 1/7,2% presente do indicativo 1/7,2% futuro do indicativo 1/7,2% presente do indicativo 3/23,3% futuro do indicativo 1/7,2% presente do indicativo futuro do subjuntivo Nas construções condicionais sem oração núcleo realizada, as prótases são mais freqüentemente realizadas pelo imperfeito do subjuntivo, presente do indicativo, futuro do subjuntivo, pretérito imperfeito do indicativo, pretérito perfeito do indicativo e por meio da elipse verbal. O quadro 11 mostra os tempos verbais mais usados nas prótases das construções condicionais sem oração núcleo realizada: 130 Quadro 11 Tempo e modos verbais nas prótases das construções sem oração núcleo Oração condicional Oração núcleo Total imperfeito do subjuntivo ∅ 16/38% presente do indicativo ∅ 13/30,9% futuro do subjuntivo ∅ 9/21,4% pretérito imperfeito do indicativo ∅ 2/4,7% pretérito perfeito do indicativo ∅ 1/2,3% verbo elíptico ∅ 1/2,3% O uso de três dos tempos verbais mais freqüentes nas prótases é encontrado nessas ocorrências: (24) Olga: Só fui perceber quando tive vontade de fazer pipi. Ele disse para mim “Colombina querida não abandone seu pierrô apaixonado”. Uma voz grossona, tão diferente da sua ! Rubem: Sei, Olga! Olga: levei um baita susto! Se eu soubesse que não era você... (F/LD) (61) Mané Gorila: O deputado não está dizendo que se responsabiliza? Comissário: Está bem... se é assim... se o senhor assume a responsabilidade... (IN/LD) 131 (80) Helena: A Lucília também precisa se divertir um pouco. Joaquim: Já deve ter se divertido bastante. Chega. Quero que venha embora. Marcelo: Se o Olímpio deixar... Joaquim: Olímpio? Quem é Olímpio? (MO/LD) Resta, então, comprovar se a questão da função que a prótase desempenha na construção condicional motivaria a sua posição. As prótases, quando antepostas, realmente funcionam como tópicos das construções em que ocorrem. Os tipos de tópicos mais freqüentes são os tópicos de opção, aqueles que mostram uma opção ao que foi anteriormente enunciado pelo falante (45% das ocorrências) e os tópicos de retomada, aqueles que repetem algo já dito no discurso precedente (19,4% dos casos). As condicionais pospostas, por outro lado, são codificadas como adendos. O tipo de adendo mais freqüente é o adendo restritivo, aqueles que apresentam alguma ressalva, avaliação, promessa ou ordem em relação à oração núcleo que as precede, em um total de 25,3% dos casos. É o que se verifica no quadro abaixo 132 Quadro 12 Correlação entre a posição da condicional e a função da condicional Função da condicional Tópico de Opção Adendo Restritivo Tópico de retomada Tópico de contraste Adendo ampliador Tópico de exemplificação Total Posição da condicional Anteposta Posposta Intercalada Total 133 63% - - 4 30,7% 7 53,8% 1 7,6% 1 7,6% - 137 45% 77 25,3% 59 19,4% 20 6,5% 10 3,4% 1 0,3% 304 58 27,4% 19 9% 1 0,4% 211 70 87,5% 10 12,5% 80 13 Quando antepostas, as prótases são mais freqüentemente realizadas como tópicos de opção (63%) e como tópicos de retomada (27,4%). As ocorrências seguintes caracterizam o uso desses tipos de tópicos: (177) Anfitrião: Creonte mandou-me que eu vencesse a batalha. Sou um militar, cumpro ordens. Se quiserdes, ide dizer a Creonte que arranje outro general. (TEG– LD) Nessa ocorrência, Anfitrião mostra que cumpre ordens dadas por Creonte. Em seguida, apresenta, por meio de uma condicional, uma alternativa ao que acaba de enunciar: pode-se buscar um outro general, caso seja necessário. 133 Já na ocorrência seguinte, afirma-se a existência de uma doutrina, e, em seguida, volta-se, necessariamente, à idéia dessa mesma doutrina. Para tanto, o falante usa uma condicional anteposta, que funciona, então, como um tópico de retomada: (282) Essa doutrina nega que o desenvolvimento mental consista meramente em um processo de desdobramento (...) Se essa teoria não fosse verdadeira, seria necessário abandonar a idéia de que a educação é algo mais que a aquisição de informações. (AE–LT) As condicionais pospostas e intercaladas atualizam-se com maior freqüência como adendos restritivos, em um total de 87,5% e 53,8% dos casos, respectivamente. Nesses casos, na maioria das ocorrências do córpus, as construções com condicionais pospostas apresentam características peculiares. Em algumas ocorrências, a condicional é usada com elementos como o não ou o só, explícitos ou recuperáveis no contexto. Na ocorrência seguinte pode-se verificar uso de um desses elementos: (221) Não teremos compreendido o fenômeno que se evidenciou em termos políticos se não tivermos a coragem de enfrentar os problemas fundamentais para o país. (G–LO) 134 Nessa ocorrência, a condicional é usada como um modo de avaliar o que foi enunciado anteriormente pelo falante. O falante apresenta uma ressalva: é preciso ter coragem para enfrentar os problemas do país, caso contrário, não se terá compreendido um certo fenômeno, que se evidencia em termos políticos. A condicional, então, aparece após a oração núcleo, e ainda se realiza na forma negativa. O outro elemento que restringe, de algum modo, a significação da oração condicional é o só. A ocorrência abaixo evidencia o uso desse elemento: (341) Só acredite nele se responder sem hesitações: onde você nasceu? Foi numa cidade grande? (ROT–LT) Nessa ocorrência, o elemento restritivo aparece na oração núcleo, que apresenta, então, uma delimitação ao conteúdo expresso na prótase. Esse caso poderia ser parafraseado da seguinte forma: (341a) Acredite nele, se e somente se responder sem hesitações: onde você nasceu, foi numa cidade grande? Poder-se-ia interpretar essa ocorrência como: a) acredite nele se ele responder suas questões sem hesitações; b) não acredite nele se ele responder suas questões com hesitações. Nesses casos, a condicional aparece como uma condição necessária e suficiente para a oração núcleo, e, portanto, é preferencialmente realizada após ela. 135 Outra estrutura bastante freqüente nas condicionais pospostas e intercaladas é a da interrogação. Na ocorrência seguinte, pode-se observar o uso dessa estrutura: (97) Como você viu Mateus de longe, se a rua é estreita, João? (PL–LD) Percebe-se que o falante, após enunciar a oração núcleo, utilizase da condicional, que funciona para questionar o que foi enunciado. As condicionais sem oração núcleo realizada funcionam como adendos ampliadores. Como são deixadas em aberto, pode-se dizer que tenham a função de generalizar ou ampliar o significado do enunciado que as precede. O uso desse tipo de condicional pode ser observado na seguinte ocorrência: (53/54) Mané Gorila: Anjinho vai pro céu garantido, seu Justino. E o que vai pro céu deve levar boa informação da gente. Justino: Tava pensando... se o senhor não se ofende, aquele dinheiro que eu lhe dei... Mané Gorila: O que é que tem? Justino: Se o senhor pudesse devolver... (IN/LD) 136 A partir do exposto, percebe-se uma estreita relação entre a posição da oração condicional e a função por ela exercida. Pode-se afirmar, portanto, que o posicionamento da oração condicional em relação à núcleo deve-se muito mais a fatores discursivos que estruturais. Acredita-se, assim, que esses fatores refletem uma escolha, por parte do falante ou escritor, que se baseia em suas necessidades de composição textual e nas condições da situação comunicativa em que o discurso está inserido, para decidir-se pela ordem não-marcada ou marcada. 137 4.3. Graus de hipoteticidade Os graus de hipoteticidade das construções condicionais também são analisados em relação aos tipos de literatura. Ainda é pertinente verificar quais são os tempos e modos verbais mais atualizados nos diferentes tipos condicionais, para que se possa determinar características dos textos aqui contemplados. Tomados os três tipos de literatura em conjunto, as condicionais eventuais são as mais freqüentes no córpus, seguidas pelas factuais e pelas contrafactuais, conforme se vê no gráfico abaixo: Gráfico 2 Tipos de condicionais nos três tipos de literatura 8% 27% Eventual Factual Contrafactual 65% Em cada um dos tipos de literatura também são mais freqüentes as condicionais eventuais, embora isso se dê em proporções diferentes. No quadro e no gráfico seguintes podem ser visualizados os resultados da distribuição do uso dos tipos de condicional nos três tipos de literatura analisados. 138 Quadro 13 Correlação entre o tipo de literatura e o tipo de condicional Tipo de Literatura Tipo de Condicional Eventual 134 63,8% 51 73,9% 39 58,2% 224 64,7% Literatura Dramática Literatura Técnica Literatura Oratória Total Factual 53 25,2% 15 21,7% 25 37,3% 93 26,8% Contrafactual 23 10,9% 3 4,3% 3 4,4% 29 8,3% Total 210 69 67 346 Gráfico 3 Tipos de literatura em relação aos tipos de condicional Literatura Oratória Contrafactual Literatura Técnica Factual Eventual Literatura Dramática 0 20 40 60 80 100 120 140 Na LT o percentual de condicionais eventuais é maior que na LD e na LO. Os textos da LD apresentam um maior percentual de ocorrências de condicionais contrafactuais que os textos da LT e da LO. Já nos textos da LO a diferença no uso de condicionais eventuais (59%) e factuais (37%) é menor que nos outros dois tipos de literatura. A partir desses resultados, podem-se perceber 139 algumas características dos três tipos de textos analisados. Apresentam-se em seguida os gráficos e quadros relativos aos tipos de condicionais em cada um dos tipos de literatura. Gráfico 4 Tipos de condicional na Literatura Técnica 4% 22% Eventual Factual Contrafactual 74% Na LT, a diferença no uso de condicionais eventuais e factuais é marcante. O fato de ocorrerem mais condicionais eventuais nos textos da LT revela uma característica diferente desse tipo de literatura. Esperava-se encontrar um maior número de condicionais factuais, em que a realização ou a verdade de p, acarreta a realização ou a verdade de q, visto que esses textos, mesmo com finalidade didática, tendem a ser menos hipotéticos e mais comprometidos com a verdade, tal como na ocorrência seguinte: 140 (343) Isso é comum acontecer, e quando o é em escala excessiva pende logo para o ridículo, pois força o personagem a sair do tipo para dar vez ao autor, que num lance de ventriloquia passa a falar por ele. Se o personagem não é você, pode estar por perto, um parente, um amigo. (ROT/LT) Entretanto, esse caráter menos hipotético acaba por se confirmar, uma vez que na LT o uso de condicionais contrafactuais não é muito freqüente. Apenas 4% do total de condicionais dos textos técnicos têm a negação de factualidade, como o que se vê na ocorrência: (283) Se um poder superior pudesse tratar o homem como este trata os animais, não há dúvidas de que se obteria melhorias da raça humana. (AE/LT) Pode-se dizer, então, que os textos técnicos, apesar de codificarem, com freqüência, condicionais abertas, como mostra a ocorrência abaixo, (327) Se o Brasil tiver de se representar naquela mostra, seja entregue a Antônio Bento a tarefa de organizar a representação dos informais brasileiros. (MH/LT) não chegam a ser tão hipotéticos como os dramáticos. 141 Gráfico 5 Tipos de condicionais na Literatura Dramática 11% 25% Eventual Factual Contrafactual 64% Nos textos da LD também se pode notar uma grande diferença no uso de condicionais eventuais e factuais. Entretanto, como se ressaltou acima, destacam-se nos textos dramáticos as ocorrências de condicionais contrafactuais. Embora sejam pouco freqüentes quando se observa a soma de condicionais encontradas no córpus (apenas 8,3% ocorrências), as contrafactuais perfazem um total de 11% das condicionais da LD, ao passo que nos dois outros tipos de literatura esse percentual é de 4,5%. Esse tipo de uso pode ser observado na seguinte ocorrência: (194) Se todos nós fôssemos iogues, estaríamos dominados pelo primeiro bando. (TEG/LD) É interessante notar o caso das condicionais sem oração núcleo, que ocorrem todas na LD. Do total de 42 ocorrências, 36 são atualizadas como eventuais. São usos como o que se segue: 142 (35) Olga: Eu vou ser convidada e por um moço, convidada para ir ao apartamento dele. E vou gostar. E vou até me apaixonar... Rubem: Que falta de imaginação! Não é assim que você me ofende! Se entregando a um tipo qualquer. Se ainda você me dissesse que se apaixonou por um Jorge Amado... (F/LD) Pode-se dizer que nessas condicionais o traço potencial da prótase manifesta-se plenamente, uma vez que não há a possibilidade de conclusão fornecida por uma apódose, e, assim, a prótase é deixada completamente em aberto. No caso da LO, parece haver um maior equilíbrio entre o uso de condicionais eventuais e condicionais factuais. É o que se pode ver no gráfico seguinte: 143 Gráfico 6 Tipos de condicional na Literatura Oratória 4% 37% Eventual Factual 59% Contrafactual Nos textos da LO a menor diferença entre o uso de condicionais eventuais e de condicionais factuais parece manifestar algo característico desses textos: como convém à retórica, são apresentados argumentos passíveis de comprovação, verdadeiros, ou seja, factuais, tais como os que são usados na ocorrência seguinte, (212) Se não se converteu, conforme o sonho de Nabuco, no órgão de expressão, não só literária, mas também do próprio instinto da Nação à procura do seu gênio e de sua originalidade, certo é que a Academia existe, e existe imensamente, para o povo brasileiro. (AM-O/LO) e, ao mesmo tempo, outros, mais potenciais, como se vê em seguida: 144 (243) Se a Bahia conseguir irrigar os cem mil hectares de Irecê e aproveitar bem o Profir, terá dado um grande passo no caminho da irrigação. (JL-O/LO) Acredita-se que, por meio desse equilíbrio, o emissor cria um jogo argumentativo, inerente aos textos de oratória, do qual lança mão para chegar ao seu objetivo primordial, o convencimento. Deve-se, ainda, estabelecer a correlação entre os tipos de condicional e os tempos e modos verbais usados na oração condicional e na oração núcleo. Acredita-se que o emissor escolha determinados tempos e modos verbais para expressar seu credo pessoal. O que se pretende conferir são as correlações modo-temporais que favorecem um tipo ou outro de oração condicional, como dizem Comrie (1986) e López García (1994). Os resultados das correlações modo-temporais mais freqüentes para cada um dos tipos de condicional podem ser observados nos quadros abaixo: 145 Quadro 14 Correlações modo-temporais nas eventuais Condicional Núcleo Total futuro subjuntivo presente indicativo 54/29% futuro presente 26/13,9% ∅ 14/7,5% futuro pretérito 12/6,4% imperfeito indicativo 12/6,4% presente indicativo 32//17,2% ∅ 9/4,8% imperfeito subjuntivo presente indicativo Quadro 15 Correlações modo-temporais nas factuais Condicional Núcleo Total presente indicativo presente indicativo 44/48,3% ∅ 4/4,3% futuro presente 3/3,2% presente indicativo 6/6,5% perf. ind. composto 1/1% perfeito indicativo 146 Quadro 16 Correlações modo-temporais nas contrafactuais Condicional Núcleo Total imperfeito subjuntivo futuro pretérito 5/18,5% futuro pretérito composto 5/18,5% +perf. ind. comp. 2/7,4% imperfeito indicativo 2/7,4% imperfeito indicativo 3/11,1% futuro pretérito 2/7,4% fut. pret. composto 2/7,4% +perf. ind. comp. 1/3,7% + perf. subj. composto Segundo Comrie (1986), as condicionais do inglês com alto grau de hipoteticidade, ou seja, aquelas que têm menor probabilidade de ocorrência, são codificadas por correlações modo-temporais com referência nãofutura. Seriam os casos das condicionais contrafactuais. Já as condicionais com baixo grau de hipoteticidade, e maior probabilidade de ocorrência, são atualizadas por meio de correlações modo-temporais que remetem a futuro. Esse seria o caso das condicionais factuais. As condicionais eventuais estariam, então, entre esses dois pólos, e poderiam ser codificadas tanto por meio de correlações com referência futura, como por meio de correlações com referência não-futura. No exame das condicionais do córpus confirma-se a proposta de Comrie (1986) nas condicionais contrafactuais e nas eventuais. Nas eventuais, as correlações com referência futura são tão freqüentes quanto as de referência não- 147 futura. As ocorrências abaixo mostram as correlações modo-temporais mais usadas nas condicionais eventuais: futuro do subjuntivo+presente do indicativo (74) Lucília: Se não andar depressa, você perde a jardineira Joaquim: Só sabe beber e apodrecer nesta cama. Helena: Não diga isto, Quim. Ele é moço, é assim mesmo. (MO/LD) futuro do subjuntivo+futuro do presente (320) Se assim fizermos, como critério para pesar-lhe o valor, o resultado será negativo. (MH/LT) imperfeito do subjuntivo+sem núcleo (69) Lula: Acho que você tem razão. Mas isso é depois. Agora a gente tem que lutar por isso aqui. Pelo menos aqui a gente está junto... e se você gostasse um pouco de mim... (IN/LD) imperfeito do subjuntivo+futuro do pretérito (286) Se fizéssemos uma seleção da porção mais inteligente, mais enérgica e mais emocionalmente equilibrada da humanidade, verificaríamos que representadas. (AE/LT) todas as raças estariam nelas 148 imperfeito do subjuntivo+imperfeito do indicativo (133) Bonitão: Eu vou com ela até lá, apresento ao porteiro, que é meu conhecido – sim, porque uma mulher sozinha, o senhor sabe, eles não deixam entrar – depois volto pra lhe dizer o número do quarto. Daqui a pouco, depois de cumprir sua promessa, o senhor vai pra lá. Zé do Burro: Se o senhor fizesse isso por mim, era muito bom. (PP/LD) presente do indicativo+presente do indicativo (243) Só se informa ao público o volume e não as perdas. ou o quociente de rendimento, de modo que diria V. Ex. o seguinte: se o objetivo do programa é o aumento da produção, eu divirjo dos seus objetivos finais. (JL/LO) presente do indicativo+ sem núcleo (91) Benedito: Tratem de calar a boquinha, viu? Se essa história se espalha... Os dois valentões aqui pedindo misericórdia! (PL/LD) Nas contrafactuais, as condicionais têm, obrigatoriamente, referência temporal não-futura, conforme as ocorrências seguintes podem mostrar: 149 imperfeito subjuntivo+futuro pretérito (84) Marcelo: Preciso pegar a jardineira para chegar no frigorífico. Lucília: Se você deitasse mais cedo e não gostasse tanto do ar fresco da noite, sobraria mais dinheiro. (MO/LD) imperfeito subjuntivo+futuro pretérito composto (36) Rubem: Eu não posso. Tentei, Olga, tentei... Se eu juntasse todas as folhas que eu já amassei, eu teria escrito uma obra de 30 volumes... (F/LD) imperfeito subjuntivo+mais-que-perfeito indicativo composto (165) Malu: Quer repetir, por favor? Goreti: Ih! Se eu soubesse não tinha dito nada... (RE/LD) imperfeito subjuntivo+imperfeito indicativo (107) Joaquim: Eu, se fosse o senhor, deixava isso de lado! Padre Antônio está é caduco! mais-que-perfeito subjuntivo composto+imperfeito indicativo (41) Flávio: Noto que és ainda o mesmo artista do colorido. E se não houvesses estudado pintura, não havia nada de surpreendente em tua apreciação. (HP/LD) 150 mais-que-perfeito subjuntivo composto + futuro pretérito (285) Não há dúvida de que se tivéssemos nascido em outros países ou noutros tempos seríamos muito diferentes. As diferenças assinaladas em gêmeos idênticos, criados em circunstâncias diversas, provam essa afirmação. (AE/LT) mais-que-perfeito subjuntivo composto +futuro pretérito composto (332) Se a pesquisa fosse considerada uma indústria, ficaria situada entre as doze mais importantes indústrias manufatureiras dos Estados Unidos de hoje. (PT/LT) mais-que-perfeito subjuntivo composto + mais-que-perfeito indicativo composto (147) Zé do Burro: É bem verdade que se meu burro não tivesse ficado doente, eu não tinha feito nada. (PP/LD) Quando se trata das factuais, percebe-se que a hipótese de Comrie (1986) não se confirma. Há, nesses casos, muitas condicionais que não remetem ao futuro e que são codificadas por meio da correlação de presente do indicativo com presente do indicativo. É possível dizer que, entre tais condicionais, há aquelas que realmente fazem referência ao futuro, apesar do uso do tempo presente. Para esses casos, Comrie (1986) afirma que é necessário que a 151 referência temporal da prótase preceda a da apódose; do contrário, segundo Comrie (1986), usa-se, em português o futuro do indicativo composto ou o futuro do subjuntivo, e em inglês, o futuro do indicativo. O uso das correlações modotemporais mais freqüentes nas condicionais factuais pode ser observado nas ocorrências seguintes: presente indicativo+presente indicativo (31) Olga: É menos folheado. Gosto de coisas novas. Rubem: Eu sei. Música nova. Blusa nova. Olga: Se a gente não se renova, Clodoal, a gente está morta. (F/LD) (sem referência temporal futura) (16) Mãe: Se eles vão ver minha filha, eu vou vê-los ver a minha filha. (CCI/LD) (com referência temporal futura) presente indicativo+∅ ∅ (60-61) Comissário: Mas excelência, compreenda... Mané Gorila: O deputado não tá dizendo que se responsabiliza? Comissário: Se é assim... (sem referência temporal futura) se o senhor assume a responsabilidade... o senhor que sabe! (com referência temporal futura) (IN/LD) 152 presente indicativo+futuro presente (63) Se na vida física dos jovens um germe de infecção pode impedir o desenvolvimento normal do corpo, quanto mais um elemento negativo, permanente, na educação, poderá comprometer o equilíbrio espiritual e o desenvolvimento moral! (MA/LO) perfeito do indicativo+presente do indicativo (279/280) Na infância o cérebro, por assim dizer, está livre, sua receptividade absoluta. Tudo quanto nele fotografa permanece. Se houve um bom trabalho, se se gravaram imagens belas, nobre, tudo a seguir é fácil. (AE/LT) perfeito indicativo+perfeito indicativo composto (40) Flávio: Se foi ingrata contigo no início de tua carreira, tem, entretanto, ultimamente, batido palmas aos teus triunfos. E isso te deve bastar ao contentamento interior. (HP/LD) Apesar dessa pequena discrepância entre o proposto por Comrie (1986), para o inglês, e o que foi encontrado no córpus, acredita-se que as condicionais factuais contempladas seguem a sugestão de Comrie (1986), de que as condicionais com baixo grau de hipoteticidade são atualizadas por meio de 153 correlações modo-temporais com referência futura, uma vez que muitas delas realmente apresentam a referência temporal futura. De certa forma, essa discrepância faz que a idéia do contínuo hipotético, sugerida por Comrie (1986), possa ser comprovada. Assim, pode-se considerar, neste trabalho, as condicionais factuais de Comrie (1986), com a prótase no futuro do subjuntivo, no português, e no futuro do indicativo, no inglês, como condicionais eventuais, conforme se pode observar na ocorrência (74). Por outro lado, verifica-se que as ocorrências encontradas são compatíveis com as indicações de Brandão (1963), discutidas na seção 2.2., e de Said Ali (1964), tratadas na seção 2.3.. Dessa forma, pode-se afirmar que as condicionais, quando expressam fatos que existem em um momento presente ou que existiram em um momento anterior, são atualizadas no presente ou no pretérito do indicativo, como mostram as ocorrências (31) e (40). Nas ocorrências em que se expressa algo que é esperado ou possível de acontecer, usa-se a correlação de futuro do subjuntivo, na prótase, com futuro do indicativo, na apódose, conforme a ocorrência (320). Já a correlação de imperfeito do subjuntivo, na condicional, com futuro do pretérito, na núcleo, está presente nos casos em que se relacionam fatos inexistentes ou improváveis, tais como as ocorrências (36) e (84). Acredita-se que o fato mais importante nessa análise dos tempos e modos verbais codificados nos diferentes tipos de condicional seja a comprovação de que as correlações modo-temporais passíveis de uso são muito mais ricas que aquelas apresentadas pelos estudos de cunho tradicional. Como sugere López García (1994), não se trata de uma classificação estanque. Embora 154 se possa estabelecer especificidades no uso de uma ou outra correlação, como o caso das correlações com o mais-que-perfeito do indicativo composto na apódose, usado apenas nas condicionais contrafactuais, de um modo geral, podese dizer que os diferentes tipos de condicional atualizam todas as correlações modo-temporais. Dessa forma, chega-se muito mais próximo da proposta de Comrie (1986), a respeito do contínuo de hipoteticidade, que da tripartição postulada pelas análises clássicas. 4.4. Correlações modo-temporais nos três tipos de literatura. No exame das condicionais encontradas no córpus são analisadas as correlações entre tempos e modos verbais mais utilizadas, e as suas possíveis conseqüências na interpretação das construções condicionais. Foram encontrados 43 (quarenta e três) tipos de correlação modo-temporal. São elas: 155 Quadro 17 Oração condicional Oração Núcleo Total presente do indicativo presente do indicativo 76/21,9% ∅ 13/3,7% futuro do presente 8/2,3% verbo elíptico 7/2% imperativo 5/1,4% perfeito do indicativo 3/0,8% imperfeito do indicativo 3/0,8% presente do subjuntivo 2/0,5% infinitivo 1/0,2% Total 118/34,1% Quadro 18 Oração condicional Oração Núcleo Total futuro do subjuntivo presente do indicativo 58/16,7% futuro do presente 27/7,8% ∅ 9/2,6% imperativo 6/1,7% verbo elíptico 2/0,5% impessoal 2/0,5% perfeito do indicativo 2/0,5% presente do subjuntivo 2/0,5% fut. pres. comp. indicativo 1/0,2% Total 109/31,5% 156 Quadro 19 Oração condicional Oração Núcleo Total imperfeito do subjuntivo futuro do pretérito 20/5,7% ∅ 15/4,3% imperfeito do indicativo 14/4% fut. pret. comp. indicativo 6/1,7% presente do indicativo 2/0,5% mais-que-perfeito ind. comp. 2/0,5% verbo elíptico 1/0,2% impessoal 1/0,2% imperativo 1/0,2% perfeito do indicativo 1/0,2% Total 63/18,% Quadro 20 Oração condicional Oração Núcleo Total perfeito do indicativo presente do indicativo 8/2,3% perfeito do indicativo 3/0,8% verbo elíptico 2/0,5% perfeito ind. comp. 1/0,2% presente do subjuntivo 1/0,2% imperativo 1/0,2% ∅ 1/0,2% futuro do pretérito 1/0,2% Total 18/5,25 157 Quadro 21 Oração condicional Oração Núcleo Total mais-que-perfeito subj. futuro pretérito composto 3/0,8% futuro do pretérito 3/0,8% imperfeito do indicativo 3/0,8% mais-que-perfeito ind. comp. 1/0,2% comp. Total 10/2,8% Quadro 22 Oração condicional Oração Núcleo Total impessoal presente do indicativo 5/1,4% futuro do pretérito 2/0,5% verbo elíptico 1/0,2% infinitivo 1/0,2% Total 9/2,6% Quadro 23 Oração condicional Oração Núcleo Total verbo elíptico presente do indicativo 9/2,6% ∅ 1/0,2% Total 10/2,8% 158 Quadro 24 Oração condicional Oração Núcleo Total imperfeito do indicativo imperfeito do indicativo 5/1,4% ∅ 3/0,8% perfeito do indicativo 1/0,2% Total 9/2,6% A correlação modo-temporal mais recorrente no córpus é atualizada pelo presente do indicativo, tanto na prótase como na apódose (21,9% dos casos). Em seguida, aparecem as correlações futuro do subjuntivo–presente do indicativo (16,7% das ocorrências), futuro do subjuntivo–futuro do presente do indicativo (7,8% dos casos) e imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito do indicativo (5,7% dos casos). Ferreira (1997), em trabalho sobre a variação da ordem nas construções condicionais, na língua falada e na língua escrita, encontrou 31 tipos de correlações modo-temporais. Como López García (1994), Ferreira (1997) verifica que o condicionante de uma construção condicional expressa uma suposição, e o condicionado, uma crença que se apóia naquela suposição, tornando possível, portanto, as diferentes correlações modo-temporais. Dentre as correlações mais freqüentes em seu córpus, Ferreira (1997) destaca: futuro do subjuntivo–futuro do presente do indicativo; futuro do subjuntivo–presente do indicativo; presente do subjuntivo–futuro do presente do indicativo; presente do indicativo–presente do indicativo; imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito do indicativo; mais-que-perfeito do subjuntivo–futuro do pretérito do indicativo; 159 imperfeito do subjuntivo–imperfeito do indicativo; imperfeito do subjuntivo–maisque-perfeito do indicativo composto. Como se pode perceber, foram encontrados os usos das mesmas correlações. É interessante notar que das correlações encontradas por Ferreira (1997), apenas a correlação com a prótase atualizada pelo presente do subjuntivo não está aqui representada. Isto se deve ao fato de que apenas a conjunção caso, não contemplada nesta dissertação, é passível de ocorrência com esse tempo verbal. Como já se disse, são inúmeras as correlações modo-temporais realizadas por meio das construções condicionais. Pode-se também considerar que o uso de tais correlações determinam características dos tipos de textos. Assim, apresentam-se, a seguir, os quadros relativos às correlações modo-temporais mais usadas em cada um dos três tipos de literatura. Correlações modo-temporais na Literatura Dramática Quadro 25 Oração condicional Oração Núcleo Total futuro do subjuntivo presente do indicativo 41/19,2% ∅ 9/4,2% futuro do presente 6/2,8% imperativo 4/1,9% impessoal 1/0,4% perfeito do indicativo 1/0,4% presente do subjuntivo 1/0,4% Total 63 160 Quadro 26 Oração condicional Oração Núcleo Total presente do indicativo presente do indicativo 32/15,2% ∅ 13/6,1% verbo elíptico 6/2,8% imperativo 5/2,3% imperfeito do indicativo 3/1,4% perfeito do indicativo 2/0,9% presente do subjuntivo 1/0,4% futuro do presente 1/0,4% Total 63 Quadro 27 Oração condicional Oração Núcleo Total imperfeito do subjuntivo ∅ 15/7,1% imperfeito do indicativo 14/6,6% futuro do pretérito 10/4,7% fut. pret. comp. indicativo 6/2,8% mais-que-perfeito ind. comp. 2/0,9% presente do indicativo 1/0,4% imperativo 1/0,4% perfeito do indicativo 1/0,4% Total 50 161 Quadro 28 Oração condicional Oração Núcleo Total perfeito do indicativo presente do indicativo 4/1,9% perfeito do indicativo 2/0,9% verbo elíptico 2/0,9% perfeito ind. comp. 1/0,4% presente do subjuntivo 1/0,4% imperativo 1/0,4% ∅ 1/0,4% Total 12 Quadro 29 Oração condicional Oração Núcleo Total verbo elíptico presente do indicativo 9/4,2% ∅ 1/0,4% Total 10 Quadro 30 Oração condicional Oração Núcleo Total mais-que-perfeito subj. imperfeito do indicativo 3/1,4% futuro do pretérito 1/0,4% futuro pretérito composto 1/0,4% mais-que-perfeito ind. comp. 1/0,4% comp. Total 6 162 Quadro 31 Oração condicional Oração Núcleo Total imperfeito do indicativo imperfeito do indicativo 3/1,4% ∅ 3/1,4% Total 6 Na LD as correlações mais freqüentes são futuro do subjuntivo– presente do indicativo (19,2%); presente do indicativo–presente do indicativo (15,2%); imperfeito do subjuntivo–sem núcleo (7,1%); imperfeito do subjuntivo– imperfeito do indicativo (6,6%); presente do indicativo–sem núcleo (6,1%) e imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito do indicativo (4,7%). Correlações modo-temporais na Literatura Técnica Quadro 32 Oração condicional Oração Núcleo Total presente do indicativo presente do indicativo 26/37,6% futuro do presente 2/2,8% Total 28 163 Quadro 33 Oração condicional Oração Núcleo Total futuro do subjuntivo presente do indicativo 12/17,3% futuro do presente 10/14,4% imperativo 1/1,4% impessoal 1/1,4% presente do subjuntivo 1/1,4% Total 25 Quadro 34 Oração condicional Oração Núcleo Total imperfeito do subjuntivo futuro do pretérito 5/7,2% presente do indicativo 1/1,4% impessoal 1/1,4% Total 7 Quadro 35 Oração condicional Oração Núcleo Total impessoal presente do indicativo 5/7,2% futuro do pretérito 1/1,4% Total 6 Quadro 36 Oração condicional Oração Núcleo Total perfeito do indicativo presente do indicativo 1/1,4% Total 1 164 Quadro 37 Oração condicional Oração Núcleo Total mais-que-perfeito subj. futuro do pretérito 1/1,4% comp. Total 1 Quadro 38 Oração condicional Oração Núcleo Total imperfeito do indicativo imperfeito do indicativo 1/1,4% Total 1 Na LT as correlações mais recorrentes são: presente do indicativo–presente do indicativo (37,6%); futuro do subjuntivo–presente do indicativo (17,3%); futuro do subjuntivo–futuro do presente do indicativo (14,4%) verbo impessoal–presente do indicativo e imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito (7,2% cada) Correlações modo-temporais na Literatura Oratória Quadro 39 Oração condicional Oração Núcleo Total presente do indicativo presente do indicativo 18/26,8% futuro do presente 5/7,4% verbo elíptico 1/1,4% infinitivo 1/1,4% perfeito do indicativo 1/1,4% presente do subjuntivo 1/1,4% Total 27 165 Quadro 40 Oração condicional Oração Núcleo Total futuro do subjuntivo futuro do presente 11/16,4% presente do indicativo 5/7,4% elíptico 2/2,9% futuro do presente comp. ind. 1/1,4% perfeito do indicativo 1/1,4% imperativo 1/1,4% Total 21 Quadro 41 Oração condicional Oração Núcleo Total imperfeito do subjuntivo futuro do pretérito 5/7,4% elíptico 1/1,4% Total 6 Quadro 42 Oração condicional Oração Núcleo Total perfeito do indicativo presente do indicativo 3/4,4% perfeito do indicativo 1/1,4% futuro do pretérito 1/1,4% Total 5 166 Quadro 43 Oração condicional Oração Núcleo Total mais-que-perfeito subj. futuro pretérito composto 2/2,9% futuro do pretérito 1/1,4% comp. Total 3 Quadro 44 Oração condicional Oração Núcleo Total impessoal elíptico 1/1,4% futuro do pretérito 1/1,4% infinitivo 1/1,4% Total 3 Quadro 45 Oração condicional Oração Núcleo Total imperfeito do indicativo imperfeito do indicativo 1/1,4% prefeito do indicativo 1/1,4% Total 2 Por fim, na LO as correlações mais comuns são: presente do indicativo–presente do indicativo (26,8%); futuro do subjuntivo–futuro do presente (16,4%); e futuro do subjuntivo–presente do indicativo, presente do indicativo–futuro do presente e imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito (7,4% cada). 167 Comparando-se os três tipos de literatura, pode-se estabelecer o seguinte quadro: Quadro 46 Correlações modo-temporais mais freqüentes nos três tipos de literatura Correlações modo-temporais LD LT LO presente do indicativo-presente do indicativo 15,2% 37,6% 26,8% futuro do subjuntivo-presente do indicativo 19,2% 17,3% futuro do subjuntivo-futuro do presente do 2,8% 14,4% 16,4% presente do indicativo-futuro do presente 0,4% 2,8% 7,4% imperfeito do subjuntivo-futuro do pretérito 4,7% 7,2% 7,4% imperfeito do subjuntivo-sem núcleo 7,1% - - imperfeito do subjuntivo-imperfeito do indicativo 6,6% - - 7,4% indicativo Pelo exame do quadro poderia ser possível afirmar que as diferenças entre as correlações usadas em cada um do tipos de literatura são poucas. No entanto, quando se analisa a freqüência de cada um dos tipos de correlação, percebe-se que há alguns traços característicos de cada tipo de texto. A correlação imperfeito do subjuntivo–imperfeito do indicativo ocorre apenas nos textos dramáticos (6,6% das ocorrências), como está nas ocorrências (107), (133) e na ocorrência abaixo: (70) Se eu tivesse você, Malu, ninguém mais botava a gente daqui pra fora. Nem morto! (IN/LD) 168 Já a correlação imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito soma 10 ocorrências, ou seja, 4,7% dos casos, nesse tipo de literatura. A ocorrência seguinte mostra o uso dessa correlação: (193) Alcmena: Que orgulho difícil, este de saber que um homem luta por nós... e, no entanto, seria tão mais tocante para o nosso amor se ele fosse covarde e por uma mulher decidisse fugir ao combate... (TEG/LD) Nos outros tipos de literatura, em que a ocorrência do imperfeito do indicativo na apódose inexiste, os percentuais de uso da correlação com apódose no futuro do pretérito, embora baixos, são ligeiramente maiores: 7,2% dos casos da LT e 7,4% dos casos da LO. Pode-se dizer, então, que na LD existe preferência pelo uso da correlação que tem a apódose no imperfeito do indicativo. Acredita-se que isso se deve ao fato de que os textos da LD, apesar de escritos, são uma tentativa de representação da fala cotidiana. De certa forma, parece ser muito mais comum, em situações de conversação espontânea, planejadas no momento da emissão, o uso da correlação com o imperfeito do indicativo na apódose. Já nos textos elaborados, como aqueles das literaturas técnica e oratória, usa-se mais o futuro do pretérito do que o imperfeito do indicativo na apódose. Confiram-se as ocorrências: 169 (229) Ficaria incompleta a referência à nossa política externa, se não ressaltasse o novo e promissor espírito que anima as relações dos países desta parte do continente. (JK-LO) (325) Minha repugnância à classificação de arte antiformal é porque acho que a mesma não tem sentido. Se se dissesse antiformal, teria mais sentido, pois estaria explícita a vontade de fugir à forma, de ser contra, de querer destruí-la... (MH/LT) Em estudo comparativo sobre construções condicionais com imperfeito do subjuntivo nas prótases do português falado culto do Brasil e de Portugal, Tapazdi & Salvi (1998) afirmam que a maior diferença entre os usos europeu e brasileiro se observa em relação ao uso do imperfeito do indicativo e do condicional simples (futuro do pretérito) nas apódoses. Segundo os autores, o português europeu dá preferência às formas do imperfeito do indicativo. Já no português brasileiro, as formas com o futuro do pretérito são mais comuns que as do imperfeito do indicativo. A preferência pelo uso do futuro do pretérito, em Portugal, caracteriza textos mais sofisticados. Os autores destacam o uso do imperfeito do indicativo com o verbo ir, no português do Brasil e assumem que nas construções em que é usado, esse verbo tende a ocorrer no imperfeito do indicativo. Assim, os autores acreditam que apenas alguns verbos da variedade brasileira tendem a utilizar esse tempo verbal. Neste trabalho, apenas duas, das catorze ocorrências com o imperfeito do subjuntivo na prótase, apresentam o verbo ir no imperfeito do indicativo da apódose. Percebe-se, assim, que as 170 ocorrências aqui encontradas não correspondem ao que foi proposto por Tapazdi & Salvi (1998) para o português em sua variedade européia. No entanto, assim como tais autores, acredita-se que o uso do futuro do pretérito nas apódoses está extremamente ligado a um determinado tipo de discurso: aquele que é mais elaborado na forma. Um outro fato interessante diz respeito ao uso das correlações em que a prótase tem o futuro do subjuntivo e a apódose tem ou o presente do indicativo (58 ocorrências), ou futuro do presente (27 casos). Na LD a correlação futuro do subjuntivo–presente do indicativo ocorre em 19,2% dos casos, em 12 ocorrências (17,3%) na LT e em 5, na LO (7,4%). Já a correlação futuro do subjuntivo–futuro do presente ocorre apenas em 6 casos da LD (2,8%), em contraste com 10 casos (16,4%) da LT e de 11 ocorrências (14,4%) da LO. Percebe-se que, no caso da LD, são muito mais freqüentes as correlações com o presente do indicativo na apódose que aquelas com o futuro do indicativo. Na LT há um equilíbrio no uso das correlações com apódose no presente do indicativo e no futuro do indicativo. Já na LO prevalecem as apódoses com o futuro do subjuntivo. Assim como no caso precedente, pode-se dizer que a maior freqüência de apódose atualizada por meio do presente do indicativo na LD é resultado da informalidade desse tipo de discurso. Desse modo, é fácil perceber o motivo desse uso nas construções condicionais da LD do córpus: ele reflete o planejamento local do discurso. É o que se pode perceber nas ocorrências seguintes: 171 (89) Vicentão: Ai seu delegado, pelo amor de Deus, não me mate não! Benedito: É o que eu vou resolver! Você vai me esperar ali, junto do açougue. Estou de olho aberto. Se tentar fugir, leva um tiro na barriga! Quando eu der um assobio, venha se entregar. Jogue o revólver no chão e ajoelhe. E tem uma coisa: Marieta agora é minha. (PL/LD) (78) Joaquim: Então é preciso trabalhar. De hoje em diante não terá um tostão meu se não trabalhar. (MO/LD) O fato de haver na LT uma mescla de tipos de textos poderia explicar o equilíbrio entre o uso dos dois tipos de correlações modo-temporais. Os textos de caráter técnico-didático são, de uma maneira geral, menos formais que os de caráter puramente científico, ou técnico-científico. Assim, são usadas quase na mesma proporção as correlações mais pertinentes aos textos elaborados, como aquelas que atualizam a apódose no futuro do subjuntivo, e outras comuns aos textos menos elaborados, como aquelas em que a apódose é realizada por meio do presente do indicativo. Podem-se verificar esses usos nas seguintes ocorrências: 172 (345) A Tabela 84 (hidrófitos) documenta ser a planta crescida n’água 3 a 10 vezes mais pobre em açúcares totais e mais rica em sais e nitrogênio do que a planta crescida ao ar. Agora, se a planta crescer em solução contendo açúcar elevado, assumirá características de planta aérea. (TF/LT) (329) Se examinarmos, por exemplo, os mapas da distribuição do povoamento durante os quatro séculos e meio de história moderna da Venezuela, vemos que as manchas representativas da presença humana no território são repetidas, embora com nuanças. (PGN/LT) Por fim, nos textos da LO pode-se perceber que o uso das correlações com o futuro do subjuntivo na prótase é exatamente o oposto daquele da LD. Na LO são muito mais freqüentes as correlações que têm na apódose o futuro do indicativo. É possível afirmar, então, que a correlação de futuro de subjuntivo na prótase e futuro do presente do indicativo na apódose é compatível com os textos mais elaborados, solenes e formais. A ocorrência abaixo mostra esse caso: 173 (275) Se vos lembrardes de que o critério supremo da verdade e da moral é o interesse do Partido Comunista, isto é, da revolução, compreendereis como o comunista pode afirmar hoje uma coisa e negá-la amanhã. (SO/LO) Na LD, a gama de correlações com tempos compostos é mais ampla. São 11 casos de verbo composto na apódose e 6 casos de composto na prótase. Um desses casos, em que apódose é realizada no maisque-perfeito do indicativo composto, ocorre apenas na LD. Esse uso pode ser observado nas ocorrências que se seguem: mais-que-perfeito subjuntivo composto + mais-que-perfeito indicativo composto (147) Zé do Burro: É bem verdade que se meu burro não tivesse ficado doente, eu não tinha feito nada. (PP/LD) imperfeito do subjuntivo+mais-que-perfeito indicativo composto (144) Zé do Burro: Castigo? Castigo por que? Por eu ter feito uma promessa tão grande? Por ter sido no terreiro de Maria de Iansan? Mas se Santa Bárbara não tivesse de acordo com tudo isso, não tinha feito o milagre. (PP/LD) 174 Mais uma vez pode-se dizer que o caráter menos informal dos textos dramáticos motiva o uso das correlações com tempos compostos, o que acontece com menos freqüência nos textos da LT e da LO. Deve-se ressaltar, ainda, que os tempos compostos usados na LT e na LO são próprios de textos mais elaborados, como se discute em seguida. Na LT não há casos de correlações com tempos compostos na apódose e apenas um caso de tempo composto na prótase. A única ocorrência de tempo composto na LT é o (285), em que o mais-que-perfeito do subjuntivo composto combina-se com o futuro do pretérito: (285) Não há dúvida de que se tivéssemos nascido em outros países ou noutros tempos seríamos muito diferentes. As diferenças assinaladas em gêmeos idênticos, criados em circunstâncias diversas, provam essa afirmação. (AE/LT) Na LO há três casos de correlações com tempos compostos na apódose. Um deles, a correlação de futuro do subjuntivo com futuro do presente do indicativo composto, só ocorre nos textos de oratória. É a ocorrência (211), transcrita abaixo: 175 (221) Não teremos compreendido o fenômeno que se evidenciou em termos políticos se não tivermos a coragem de enfrentar os problemas fundamentais para o país. (G–LO) Todos os outros casos de correlações com verbos compostos na LO têm o maisque-perfeito do subjuntivo composto na apódose, conforme as seguintes ocorrências: mais-que-perfeito do subjuntivo composto+futuro do pretérito composto (213) Não endosso in totum o conceito, mas o menciono com prazer. Ribeiro Couto não teria sido do meu tempo, se não tivesse adotado também o verso livre e corrido o risco de tentar fazer poesia sem base rítmica. (AM/LO) mais-que-perfeito do subjuntivo+futuro do pretérito (277) É honra, para mim, ainda maior pela incontestável expressão da obra literária do meu ilustre competidor, a quem eu não deixaria, por isso mesmo, de felicitar, se lhe tivesse cabido a vossa preferência. (TAI/LO) Outro fato relevante no exame das correlações modo-temporais é a ausência de construções condicionais sem oração núcleo na LT e na LO. Acredita-se que isso aconteça em razão da maior necessidade, nos textos técnicos e de oratória, de construções com maior densidade informativa. Não se pode dizer, 176 entretanto, que os textos da LD não sejam informativos. A questão é que em tais textos é possível recuperar as informações por meio de outras marcas, que muitas vezes não são explícitas. Por outro lado, também interessa à interlocução “viva”, como se vê nos textos dramáticos, esse tipo de abertura, causada pela ausência da oração núcleo. Em outras palavras, pode-se dizer que os textos da LT e da LO, por serem informativos e argumentativos, respectivamente, devem ser claros e, portanto, não apresentam estruturas deixadas em aberto. Das 42 ocorrências de construções sem oração núcleo, 15 têm a prótase realizada pelo imperfeito do subjuntivo e 13, pelo presente do indicativo. A ocorrência seguinte mostra um desses usos de condicionais sem oração núcleo: (4) Otávio: Olha só Romana, até que se eu fosse mais moço... (EN/LD) O mesmo pode ser dito das construções em que acontece a elipse do verbo. Esses casos são encontrados apenas nas prótases da LD. O que se entende é que o emissor não espera que o seu interlocutor encontre as informações contextualmente, mas prefere fornecê-las, de um modo tal que tenha controle de seu discurso. É o que se pode perceber na ocorrência: (184-185) Anfitrião: Eu prometi que libertaria Sósia se vencesse a batalha. Eu prometo que te liberto também se... (TEG/LD) 177 São mais freqüentes na LD orações núcleo atualizadas por meio do imperativo. São 11 ocorrências na LD (5,2%), e uma só ocorrência (1,4%) nos outros tipos de literatura. Esses casos parecem ilustrar a questão dos satélites de atos de fala, analisados por Dik (1989), Hengeveld (1989) e Wakker (1992), que são mais usados, como se verá à frente, nos textos que possuem uma estrutura dialógica, como os textos dramáticos, do que naqueles que não a possuem. A ocorrência seguinte, da LD, mostra o uso do imperativo na apódose: (176) Anfitrião: Meus caros compatriotas! Honroso dever é o que me impõe Creonte, meu rei e meu amigo. Sou um guerreiro, um atleta, mas não fui dotado de dom da oratória, tão caro aos helenos. Perdoai-me se não sei falar... estou profundamente comovido com esta manifestação. Mas o momento é de ação, não de palavras. (TEG/LD) É interessante notar que as ocorrências de imperativo na apódose, nos textos técnicos e de oratória, acontecem justamente quando se pode perceber uma “intromissão” no texto do emissor de uma outra voz, o que caracterizaria, de certa forma, um diálogo, como se pode perceber nas ocorrências abaixo: 178 (341) Faça de conta que já criou seu personagem principal. Ótimo. Agora, faça-o sentar-se e projete nele uma luz bem forte para o interrogatório. Só acredite nele se responder sem hesitações: onde você nasceu? foi numa cidade pequena, grande ou no campo? (ROT/LT) (254) O conceito de publicano nos Evangelhos não é nada lisonjeiro. Aparecem sempre ligados aos pecadores e às meretrizes, em vários textos, pelo próprio Senhor Jesus. Disse o Mestre que se alguém ‘recusar ouvir a Igreja, considera-o como gentio e publicano’. Considerar alguém como gentio era marginalizá-lo, colocá-lo fora da sociedade. (LE/LO) A partir do exposto, pode-se chegar a algumas características dos diferentes tipos de textos analisados. No que diz respeito às correlações modotemporais mais atualizadas, embora elas sejam, nas três literaturas, basicamente as mesmas, pode-se dizer que a variedade de correlações é maior nos textos dramáticos e de oratória que nos textos técnicos. Nota-se que, enquanto os dois primeiros tipos de literatura apresentam, respectivamente, 38 e 24 tipos diferentes de correlações modo-temporais, na LT essas correlações são apenas de 15 diferentes tipos. Há, portanto, uma maior “padronização” nos textos técnicos, justificada por seu caráter técnico-didático. Por outro lado, pode-se afirmar que os textos dramáticos diferem dos textos técnicos e de oratória por apresentarem tempos e modos verbais mais usuais a sua estrutura dialógica, o que os aproxima 179 dos textos orais. Os textos da LO podem ser considerados “híbridos”, uma vez que se prestam à argumentação, e, assim, ora podem ser usadas estruturas informativas, ora estruturas narrativas. 4.5. A modalização nas construções condicionais Uma questão pertinente na análise dos tempos e modos verbais diz respeito à modalização. Neste trabalho, considera-se a possibilidade de modalização epistêmica e deôntica, ou não-modalização explícita. A modalização deôntica é expressa por meio de um verbo que transmite uma promessa, uma recomendação ou uma ordem do falante, dirigida ao ouvinte. Já a modalização epistêmica é feita por meio de elementos que expressam uma crença, uma avaliação explícita do falante. A ocorrência dos diferentes tipos de verbos modalizadores pode ser verificada nos quadros abaixo: 180 Quadro 47 Modal na Literatura Dramática Modal na núcleo nenhum sem núcleo deôntico epistêmico verbo elíptico total Modal na condicional nenhum 120 57,1% 36 17,1% 7 3,3% 16 7,6% 1 0,4% 180 epistêmico 20 9,5% 6 2,8% 1 1 0,4% 28 deôntico 1 0,4% - total 141 1 0,4% - 9 17 - 1 2 210 42 Quadro 48 Modal na Literatura Técnica Modal na núcleo nenhum deôntico total Modal na condicional nenhum deôntico total 61 2 63 88,4% 1,4% 5 1 6 7,2% 1,4% 66 2 69 181 Quadro 49 Modal na Literatura Oratória Modal na núcleo nenhum deôntico epistêmico total nenhum 36 53,7% 3 4,4% 17 26,8% 56 Modal na condicional epistêmico deôntico 5 7,4% 2 2,9% 3 4,4% 8 2 total 44 5 21 67 Pelo exame dos quadros, percebe-se que o tipo de literatura menos modalizado é a LT. Em 88,4% das ocorrências desse tipo de texto não há o uso de elementos modalizadores. É interessante notar que não há não nenhum caso de modalização epistêmica nas prótases ou nas apódoses da LT. Esse fato relaciona-se muito com o tipo de texto em questão: um texto científico não se presta à veiculação de crenças ou das opiniões e/ou avaliações de seu emissor. Ao contrário, espera-se que os textos técnicos emitam verdades ou recomendações. Assim, das poucas modalizações encontradas 8 aparecem com verbos deônticos, na apódose ou na prótase. As ocorrências mostram o uso desses tipos de modalização: 182 (290-92) Se há necessidades que são dessa época e só dela, se há interesses que são dessa idade e de nenhuma outra, se há adaptações a fazer inerentes a essa fase da vida, certamente a educação se tem de caracterizar por processos específicos. (AE/LT) (297) Se a Arqueologia faz um trabalho científico apenas ‘pela pertinência das suas conclusões, pela sua capacidade de inscrever suas descobertas em uma problemática histórica’, devemos reconhecer a importância da explicação. (ARQ/LT) A LO e a LD apresentam freqüência de verbos modalizadores quase idêntica. Na LD são 42,3% das ocorrências e na LO, 46,2%. Destacam-se nesses dois tipos de textos os usos dos verbos epistêmicos na prótase ou na apódose. Pode-se entender que esses tipos de literatura sejam os mais propícios à transmissão das avaliações do emissor, como se pode verificar nas ocorrências seguintes: (210) Robério: Defendo a violência. Depende das mulheres. Para que tu fosses minha, vendo-te livre de todas estas roupas que escondem o teu alvo corpo, eu cometeria qualquer violência Clara: Enganas-te comigo. Se sabes atacar, eu sei defenderme. Minha têmpera é tão rija como a tua. (VP/LD) 183 (223-224)(...) não há outro meio senão o de usar para efeitos de segurança e desenvolvimento os instrumentos que as técnicas de hoje oferecem continuamente. Se isto não se verificar, a nação não cumprirá o seu primeiro dever no plano material, o dever imperativo de sua própria dignidade, manter-se atual, ou se me é permitido dizer, contemporânea de seu próprio tempo. (JK/LO) Pode-se dizer, portanto, que dos três tipos de textos analisados, a modalização se faz mais presente nas literaturas dramática e oratória, por meio de verbos epistêmicos. Já os textos técnicos são menos modalizados e, nesses casos, a modalização acontece por meio de verbos deônticos. 4.6. Tipos de estados de coisas nas construções condicionais. Um fato relacionado aos tempos e modos verbais diz respeito aos parâmetros semânticos usados na caracterização dos tipos de predicação (ou estados de coisas). Deve-se verificar, a partir do cruzamento entre os estados de coisas da oração condicional e os estados de coisas da oração núcleo, como a expressão da condicionalidade é codificada por meio desses estados de coisas. Segundo Neves (1999a), a escolha de predicações e relações que deverão ser postas em seqüência entra na determinação do grau em que se pode obter a atenção do ouvinte. Em outras palavras, a verificação das expressões 184 lingüísticas codificadoras dos estados de coisas revela uma seleção, feita pelo falante, que tem conseqüências na organização do texto. O quadro a seguir mostra o cruzamento entre os estados de coisas da oração núcleo e os estados de coisas da oração condicional: Quadro 50 Estados de coisas da oração condicional x estados de coisas da oração núcleo ECs Núcleo Estados de Coisas da Oração Condicional ativid estado 73 36 21% 10,4% 43 36 estado 12,4% 10,4% 22 15 s/núcleo 6,3% 4,3% 14 3 dinam 4% 0,8% 7 3 elíptico 2% 0,8% 2 5 realiz 0,5% 1,4% 3 3 posição 0,8% 0,8% 1 1 mud 0,2% 0,2% 2 impess 0,5% 167 102 total ativid din 10 2,8% 7 2% 3 0,8% 5 1,4% 1 0,2% - realiz impess elíp posiç mud T 4 7 5 8 143 2% 1,4 1,4% 1,1% 8 2 4 2 102 2,3% 0,5% 1,1% 0,5% 1 1 42 0,2% 0,2% 3 1 26 0,8% 0,2% 1 1 1 13 0,2% 0,2% 0,2% 1 9 0,2% 6 - - - - 3 - 1 0,2% - - - - - 2 26 19 10 10 9 3 346 Pelo exame do quadro, verifica-se que as construções condicionais nos textos escritos do português do Brasil são mais freqüentemente codificadas pela combinação de estados de coisas do tipo atividade. O percentual de uso das combinações estado+estado e atividade+estado é o mesmo. É interessante comparar esses resultados com aqueles obtidos por Neves (1999a), 185 relativos às condicionais no português falado. Ao examinar o córpus mínimo do Projeto NURC, constituído basicamente de textos de interação, a autora verificou que as construções condicionais são majoritariamente realizadas por meio da combinação de estados de coisas do tipo estado. Nesse caso de córpus de língua falada, as combinações atividade+estado e atividade+atividade é que são usadas com a mesma freqüência. Percebe-se, assim, uma diferença entre essa modalidade de língua e a que está sob exame neste trabalho – língua escrita dos tipos técnicodidático, oratório e dramático – no que diz respeito aos tipos de estados de coisas escolhidos pelos falantes para a codificação das construções condicionais. Acredita-se, ainda, que esses diferentes tipos de predicação podem mostrar características de cada um dos textos analisados. A análise do córpus mostra que os tipos de estados de coisas mais freqüentes, tanto na oração núcleo como na oração condicional, são os mesmos: atividade e estado. No entanto, isso acontece em proporções diferentes para cada um dos tipos de literatura. É o que se pode visualizar nos quadros seguinte: 186 Quadro 51 Tipos de estados de coisas na oração condicional Tipos de estado de coisas Atividade Estado Dinamismo Realização V. impessoal V. elíptico Posição Mudança Total LD LT LO Total 90 42,8% 78 37,1% 14 6,6% 12 5,7% - 39 56,2% 16 23,1% 3 4,3% 2 2,8% 6 8,6% - 38 56,7% 8 11,9% 9 13,4% 5 7,4% 4 5,9% - 167 2 2,8% 1 1,4% 69 2 2,9% 1 1,4% 67 9 10 4,7% 5 2,3% 1 0,4% 210 102 26 19 10 10 3 346 Pelo exame do quadro, pode-se perceber que, enquanto na LD a diferença na freqüência dos tipos de estados de coisas atividade e estado é pequena (42,8% e 37,1%), na LT e na LO essa diferença é maior. Na LT, as ocorrências do tipo atividade correspondem a mais do dobro das do tipo estado. Na LO, por outro lado, o número de casos do tipo atividade é mais de quatro vezes superior ao número de ocorrências do tipo estado. Pode-se, então, afirmar que, de um modo geral, as ocorrências de verbos com o traço [+din] (realização, atividade, mudança e dinamismo) são bem mais freqüentes nos textos de oratória e técnicos, respectivamente 79,1% e 65,2% dos casos, do que nos textos dramáticos, em que perfazem um total de 55,7% das 187 ocorrências. Esse fato talvez se deva ao caráter explicativo, até mesmo didático de alguns dos textos da literatura técnica, e ao caráter argumentativo dos textos de oratória, que favoreceriam, assim, a ocorrência de verbos dinâmicos. É o que se pode perceber nas ocorrências seguintes: (320) Eis porque nos parece perigoso, ou pelo menos unilateral e no fundo infrutífero, estarmos a medir o grau de ‘sensibilidade’ que aparece numa obra, ou quanto da vida ou do drama do autor está contida nela; se assim o fizermos, como critério para pesar-lhe o valor e a qualidade, o resultado será negativo. (MH/LT) (228) As contingências do Brasil não permitem, e de longa data, que o aparelhamento de nossa defesa armada corresponda, em valor e qualidade a razões de existência do poder militar. E, mesmo assim, vale consignar que, se não gastamos tudo o que seria necessário para que nossa defesa fosse plenamente atendida, gastamos com ela tudo o que podemos em relação aos nossos bem limitados recursos. (JK/LO) Por outro lado, os verbos com o traço [- din] (posição e estado) são mais recorrentes na LD (39,5% dos casos), em contraste com a LT (26% das ocorrências) e a LO (14,9% dos casos). A diferença no uso de estados de coisas [+din] e [-din] na LO é a que se mostra mais significativa. 188 Pode-se dizer que há um equilíbrio nos usos de verbos [+ din] e [-din] na LD, o que não ocorre na LT e na LO Na LD, ao lado das construções que expressam as ações dos personagens, há muitas descrições das situações em que esses personagens se encontram, sendo assim, pertinente o equilíbrio entre verbos estativos e não-estativos. (44) Flávio: Mas que poderei eu mais dizer-te? Nada existe entre o modelo que passou e o artista que continua... Se já te afirmei que esta mulher passou na minha vida, como uma mariposa em volta de um quebra luz em noite de invernia, é porque isso é a expressão da verdade. De fato, ela veio, borboleteou em volta de minha arte, fezse dona da minha dmiração e voou... (HP/LD) (33) Olga: Não, meu querido. Recebo elogios que muita mocinha que anda por aí nunca ouviu! Rubem: Patifarias de um cafajeste qualquer, você quer dizer. Olga: Pode ser. Mas é de um homem, entendeu? De um homem viril! Rubem: Ficou idiota! Olga: Não fiquei. Deixei de ser. Se você se apagou, eu ainda não! Não esqueça disso. (F/LD) 189 (37) Olga: A vida da gente não é um ‘dá cá, toma lá’. Talvez esta blusa seja mesmo um pouco juvenil para mim, mas eu me sinto bem com ela, ela me ajuda. Você devia procurar alguma coisa que te servisse. Se você não é capaz para a literatura, ela que vá às favas. Rubem: Mas ela está em meu sangue... (F/LD) Também na oração núcleo o tipo de estado de coisas mais freqüente é o tipo atividade, seguido pelo tipo estado, conforme está no quadro 51: Quadro 52 Tipos de estados de coisas na oração núcleo Tipos de estados de coisas Atividade Estado Dinamismo V. elíptico Realização Posição V. impessoal Mudança Total LD LT LO Total 80 47,6% 55 32,7% 14 8,3% 8 4,7% 7 4,1% 2 1,1% - 34 49,2% 26 37,6% 4 5,7% - 29 43,2% 21 31,3% 8 11,9% 5 7,4% 2 2,9% 1 1,4% - 143 2 1,1% 168 3 4,3% 2 2,8% 69 1 1,4% 67 102 26 13 9 6 2 3 304 190 No caso das orações núcleo, o equilíbrio entre predicações dinâmicas e não-dinâmicas ocorre apenas na LT, que correspondem, respectivamente, a 49,2% e 42% dos casos. É interessante observar que não ocorrem na LT orações núcleo em que os estados de coisas são marcados pelo traço [+tel]. Este fato também pode ser verificado na análise das correlações modo-temporais mais freqüentes em cada um dos tipos de textos. Não há, na LT, nenhuma ocorrência de orações núcleo no pretérito perfeito, simples ou composto. Parece, então, que a informação e/ou sugestão da oração condicional, expressa freqüentemente por meio de um verbo dinâmico, acarreta, na oração núcleo, uma verificação, que se manifesta ora por meio de um estado de coisas estativo, ora por meio de uma predicação dinâmica não-acabada. É o que se pode observar nas ocorrências seguintes: (278) Na infância o cérebro, por assim dizer, está livre, sua receptividade absoluta. Tudo quanto fotografa permanece. Se houve um bom trabalho, se se gravaram belas imagens, tudo a seguir é fácil. (AE/LT) (299) Se considerarmos que o motor se encontra na dinâmica das relações sociais e econômicas então a concepção de desenvolvimento representa uma fechitização. (ARQ/LT) Nos outros dois tipos de textos prevalecem as predicações dinâmicas. Na LD, há 61,3% de estados de coisas dinâmicos e 33,9% estativos. Na LO, essa proporção é 191 semelhante: são 59,7% ECs dinâmicos e 32,8% estativos. As ocorrências seguintes mostram o uso desses tipo de estados de coisas dinâmicos: (119) Pedro: Fiquei sozinho e perdido, sem ninguém pra me ajudar. Figura 1: Se sabe quem é seu pai, pede pra lhe tirar dessa. (PEM/LD) (39) Flávio: Ora, Armando. A sociedade não sabe o que quer nem pode exigir nada de nós. É uma mulher ricamente vestida, adornada de ricos adereços que lhe encobrem o corpanzil minado de chagas purulentas e de cicatrizes ainda arroxeadas. Se chegamos a despi-la, se escandalizará apavorada com a sua fealdade. (HP/LD) (231) Identificando hoje, aqui, o que de justiça toca à administração pública neste surpreendente conjunto de realizações positivas, emociona-me dizer que, se não podia fazer tudo, o Governo fez tudo que esteve a seu alcance. (JK-O/LO) (81) Helena: Não diga nada a Lucília. eu mesmo falo. Joaquim: Já sabia que devia haver alguma coisa errada. Éo que dão essas lições de costura. Se eu tivesse sido consultado, nada disso teria acontecido. (MO/LD) 192 4.7. A estrutura em camadas: tipos de satélites As condicionais, segundo Dik (1990) e Wakker (1992), podem funcionar como satélites ilocucionários e proposicionais, por estarem ligadas às camadas dos atos de fala da proposição, respectivamente. A distribuição dos satélites condicionais pelos diferentes tipos de literatura pode ser visualizada no gráfico e no quadro seguintes: Gráfico 7 Tipos de satélites nos tipos de literatura 140 132 120 100 78 80 Ilocucionário 60 47 40 39 28 22 20 0 LD LT LO Proposicional 193 Quadro 53 Tipos de satélites nos tipos de literatura Tipo de Literatura LD LT LO Total Tipos de satélite Ilocucionário 132 62,8% 22 31,8% 28 41,7% 182 52,6% Proposicional 78 37,1% 47 68,1% 39 58,2% 164 47,3% Total 210 69 67 346 Pelo exame do quadro, pode-se perceber que, do total de condicionais, 52,6% são realizadas como satélites ilocucionários e 47,3% como satélites proposicionais. Verifica-se, portanto, um certo equilíbrio no uso das condicionais, que pode ser explicado pelos tipos de textos usados. Há, ao mesmo tempo, textos dialógicos, como os da Literatura Dramática, textos não-dialógicos, como os da Literatura Técnica, e textos “semidialógicos”, como os da Literatura Oratória. Assim, estão igualmente representadas no córpus tanto as construções em que existe o comprometimento com a verdade de uma premissa hipotética, o caso dos satélites proposicionais, como aquelas em que se estabelecem a validade e a adequação de uma premissa a partir de um ato de fala. A predominância dos satélites ilocucionários se dá, apenas, na LD: são 132 casos, ou seja, 62,8% de todas as ocorrências desse tipo de texto. Este fato pode ser explicado pelo caráter dialógico das peças teatrais. Os textos são a representação das conversações face-a-face, e favorecem, pois, a ocorrência de satélites de atos de fala, como mostra a ocorrência seguinte: 194 (14) Senhora: Quer ir com eles? Quer apodrecer no reformatório? Não precisamos de água. Não temos nada limpo nem sujo. Depressa, se não ficamos presos debaixo dos carros. Vamos! Militar: Não. Fiquem em seus lugares. Senhora: Não podem sair ainda. Vamos detê-los. Civil: A senhora ouviu? Se quiser, podemos detê-los. (CCI/LD) Já nas literaturas técnica e oratória ocorre o inverso. Há predomínio de satélites de proposição, que especificam uma condição que se relaciona não com a relevância comunicativa, mas com o valor verdadeiro de uma outra proposição. Dessa forma, parece ser claro o motivo da preponderância dos satélites proposicionais nas literaturas técnica e oratória: tais literaturas não têm a mesma estrutura dialógica, que é apresentada pelos textos dramáticos Na LT os satélites proposicionais correspondem a 68,1% do total e os satélites ilocucionários a 31,8% da soma total. Pode-se considerar que isso se deva ao maior comprometimento com a verdade das proposições dos textos técnicos, uma vez que apresentam caráter técnico-científico. Sendo assim, nesses casos, as construções condicionais são mais freqüentemente codificadas como satélites proposicionais. É o que se pode verificar na ocorrência seguinte: 195 (335) Não significa esse fato, entretanto, e repetimo-lo mais uma vez, que a pesquisa científica deva ser negligenciada, pois é inegável que todo o desenvolvimento técnico e industrial somente pode ser bem sucedido se for baseado em sólidos conhecimentos científicos. (PT/LT) Na LO, embora os satélites de proposição predominem, pode-se dizer que há um maior equilíbrio entre as ocorrências. Do total de 67 casos, 58,2% são satélites de proposição, e 41,7% são satélites de atos de fala. O equilíbrio verificado na LO poderia ser explicado pelo caráter argumentativo dos textos oratórios. A argumentação envolve não só o comprometimento com a verdade, como também a interação. Em outras palavras, o emissor, para chegar ao convencimento de seu interlocutor, pode usar tanto proposições nas quais expressa uma condição que se relaciona com o valor verdadeiro de outras proposições, como se pode perceber na ocorrência (224), quanto aquelas em que validade de uma premissa hipotética é estabelecida por meio de um ato de fala, como mostra a ocorrência (236): (214) Se tais são as intenções do mandatário, a história de seu governo poderá ser resumida no futuro como a da luta para alcançar aquele supremo objetivo. (AR/LO) 196 (236) Há poucos dias, se não me engano no domingo, no programa dos Trapalhões, um deles pediu o favorecimento de uma autoridade e descobriu que aquele amigo dele de muita influência tinha conseguido casa no BNH. (JL/LO) Uma outra análise pertinente diz respeito à correlação entre os tipos de satélites e as leituras em domínios proposta por Sweetser (1990). Conforme se ressaltou na seção 2.5, relativa à tipologia dos satélites proposta por Dik (1989) e Hengeveld (1989), os satélites proposicionais têm leitura no domínio epistêmico, assim como todos os satélites ilocucionários apresentam leitura no domínio de atos de fala. No caso dos textos analisados neste trabalho, percebe-se que, no total, a leitura das condicionais no domínio dos atos de fala é mais freqüente (cerca de 53%). Entretanto, só ocorre esse predomínio (quase 63%) na LD. Na LT e na LO as condicionais são mais freqüentemente lidas no domínio epistêmico. Acredita-se, mais uma vez, que o caráter dialógico dos textos dramáticos, em contraste com a ausência desse traço nos outros dois tipos de texto, seja o fator motivador da preponderância da leitura no domínio dos atos de fala. As ocorrências (14) e (236), já transcritas, mostram a leitura no domínio dos atos de fala nos satélites ilocucionários e as ocorrências (214) e (335), a leitura epistêmica dos satélites proposicionais. 197 4.8. Fronteiras entre os tipos de orações O estabelecimento de uma classificação e de uma caracterização dos diferentes tipos de construções adverbiais não é uma tarefa fácil. Segundo vários autores, entre eles Harris (1986), Traugott (1985), Haiman (1986), dependendo do contexto, uma construção condicional pode ser interpretada como causal, mesmo que a conjunção condicional se se faça presente. A mesma situação pode ser verificada em relação às concessivas, às condicionais-concessivas e às temporais, como se mostrou na seção 2.6. No exame do córpus verifica-se que uma leitura concessiva ou condicional-concessiva das construções condicionais é favorecida quando as prótases aparecem pospostas às orações núcleo, em situações em que se apresenta uma disjunção, ou no caso das construções interrogativas. Nas ocorrências (97) e (321) percebe-se o matiz concessivo dos enunciados, por meio do uso, em outras construções que compõem o período, de orações de concessão: “mesmo abstrato, mesmo concreto” e “mesmo que ele tivesse passado na outra calçada”. Na ocorrência (321) encontra-se, ainda, uma disjunção. A concessão também pode ser caracterizada por apresentar idéias contrastivas, um contraste qualquer. Assim, nas condicionais com leitura concessiva, essa característica é atualizada por meio de uma partícula disjuntiva. A 198 leitura concessiva dos enunciados condicionais pode ser observada nas seguintes ocorrências: (97) Como é que você viu Mateus de longe, se a rua é estreita, João? Mesmo que ele tivesse passado na outra calçada, era coisa de uns quinze metros. Ora, ninguém tange gado pela calçada, ele deve ter vindo pelo meio da rua. (PL/LD) (97a) Como é que você viu Mateus de longe, mesmo que/embora a rua seja estreita, João? (321) E por isso ainda há quem julgue o valor de um quadro, mesmo abstrato, mesmo concreto, examinando-lhe a fatura; se esta não se faz visível ou se é dada quer pela violência, quer pela regularidade das pinceladas, o quadro é morto, frio ou ruim.(MH/LT) (321a) E por isso ainda há quem julgue do valor de um quadro, mesmo abstrato, mesmo concreto, examinando-lhe a fatura; mesmo se esta não se faz visível ou mesmo se é dada, quer pela violência, quer pela regularidade das pinceladas, o quadro é morto, frio ou ruim. 199 (321b) E por isso ainda há quem julgue do valor de uma quadro, mesmo abstrato, mesmo concreto, examinando-lhe a fatura; apesar desta não se fazer visível ou apesar de ser dada, quer pela violência, quer pela regularidade das pinceladas, o quadro é morto, frio ou ruim. Nessas ocorrências, pode-se perceber que algumas construções condicionais apresentam uma estrutura de negação de uma expectativa, tal como as concessivas. Assim, para que possam ser lidas como concessivas ou condicionalconcessivas, as condicionais devem apresentar algo em sua estrutura que mostre essa negação. Na ocorrência (321) está explícita a partícula negativa. Na ocorrência (97), a interrogação assume o papel de tornar a informação menos provável e, assim, mais contrária a uma expectativa qualquer. A relação entre as condicionais e as temporais pode ser percebida quando o verbo utilizado na construção condicional é durativo, ou seja, quando apresenta a noção temporal de duração, como afirma Souza (1996). Pode-se dizer, assim, que a leitura temporal das condicionais acontece quando há um traço “freqüentativo” na interpretação de tais orações. Da mesma forma, se a oração condicional se apresenta mais factual que hipotética, a leitura favorecida é a temporal. As ocorrências (101-104) e (219) mostram o uso desse “se temporal”: 200 (101-104) Rosinha: Eu pegando um valente, ele faz tudo. Se eu mandar que se espante, ele se espanta; se eu mandar que ele cante, ele dança e canta; se eu mandar que não ouça, fica surdo; se eu mandar que não fale, fica mudo. Sou distinto, decente, autoridade. (PL/LD) (101-104a) Rosinha: Eu pegando um valente, ele faz tudo. Quando eu mando se espantar, ele se espanta; quando eu mando cantar, ele dança e canta; quando eu mando não ouvir, fica surdo, quando eu mando não falar, fica mudo. Sou distinto, decente, autoridade. (219) Era sentimental como um adeus. Mas gostava se parecer de ferro, de aço. Se caía em relembranças de amores antigos, logo pedia desculpas, nesse seu jeito de marca registrada. (CAR/LO) (219a) Era sentimental como um adeus. Mas gostava se parecer de ferro, de aço. Quando caía em relembranças de amores antigos, logo pedia desculpas, nesse seu jeito de marca registrada. 201 Nas ocorrências (101-104) percebe-se o traço freqüentativo: sempre que ocorre X, ocorre Y. Na ocorrência (219), a condicional factual “se caía em relembranças” favorece a leitura temporal. Caso essa condicional fosse realizada contrafactualmente “Se tivesse caído em relembranças”, a leitura temporal não se realizaria: “*quando tivesse caído em relembranças”. Por outro lado, uma oração temporal cuja verdadeira realização é incerta, como no exemplos (101-104), equivale a uma condição eventual. No caso da relação entre condicionais e causais, verifica-se que a interpretação causal é favorecida quando a conjunção condicional é usada como já que ou desde que. O vínculo causal é facilmente percebido nas construções condicionais, uma vez que a verdade da prótase leva à verdade da apódose, ou seja, pode-se dizer que a prótase causa a apódose, ou que a realização da apódose está condicionada à realização da prótase. Entretanto, há certos casos em que a prótase apresenta apenas uma condição para a relevância ou para a adequação da apódose. São os casos de condicionais que funcionam como satélites de atos de fala, propostos por Dik (1990) e Wakker (1992), entre outros. Parece ser difícil, aqui, falar em relação causal, como mostra a ocorrência seguinte: (236) Há poucos dias, se não me engano no domingo, no programa dos Trapalhões, um deles pediu o favorecimento de uma autoridade e descobriu que aquele amigo dele de muita influência tinha conseguido casa no BNH. (JL/LO) 202 Dessa forma, acredita-se que a leitura causal seja mais freqüente quando as condicionais são atualizadas como satélites proposicionais, tal como ocorre a seguir: (294) Se o precursor específico for a hidroxietifenoxicetamida, teremos a penicilina V. (AN/LT) (294a) Teremos a penicilina V, desde que o precusor específico seja a hidroxietifenoxicetamida. (294b) Já que o precursor específico é a hidroxietifenoxicetamida, teremos a penicilina V. A partir do exposto pode-se estabelecer um contínuo semântico na classificação das orações tradicionalmente chamadas adverbiais, aqui tratadas como casos de hipotaxe de realce, contínuo que vai das concessivas, passando pela condicionais-concessivas, condicionais, temporais até chegar às causais. De um lado desse contínuo, encontram-se as orações relacionadas à negação da expectativa, ou seja, à negação do vínculo causal. No pólo oposto, encontra-se a confirmação do vínculo causal. 203 5. Conclusões O objetivo deste trabalho foi estabelecer uma descrição do funcionamento das construções condicionais do português escrito contemporâneo do Brasil. Para tanto, usou-se a teoria da Gramática Funcional, nos termos de Dik (1989, 1997), Hengeveld (1989), Mathiessen & Thompson (1988) e Halliday (1985) Considerou-se, nesta análise, o nível discursivo em que as frases são efetivamente realizadas. Também foram considerados os aspectos semânticos e pragmáticos envolvidos. Ao lado dos aspectos discursivo-pragmáticos, foram analisados os fatores estruturais, morfossintáticos, responsáveis pela configuração da construção condicional. As condicionais foram analisadas em relação: à ordem frasal preferida; aos diferentes graus de hipoteticidade; aos tempos e modos verbais usados nas construções condicionais; à presença de verbos modalizadores; às funções discursivas exercidas; ao estatuto informacional da prótase e da apódose; aos tipos de estados de coisas envolvidos; às camadas de estruturação dos enunciados a que as construções condicionais estão ligadas (Dik, 1989, 1990, Wakker, 1992); aos domínios em que a conjunção se pode ser usada (nos termos de Sweetser, 1990); às possíveis conexões com outros tipos de construção, como as temporais, causais e concessivas. 204 A ordem frasal preferida nas construções condicionais do córpus é a anteposição da oração condicional à oração núcleo. Segundo Comrie (1986), a posição anteposta das condicionais é mais freqüente em todas as línguas, mesmo naquelas que não requerem a ordem subordinada–núcleo. Comrie (1986) apresenta, então, algumas sugestões, de ordem estrutural e discursiva, que justificariam a maior recorrência da anteposição. São elas: a não-factualidade da prótase; a correlação modo-temporal expressa pela construção condicional (tempo anterior na prótase–tempo posterior na apódose) e a função discursiva da oração condicional. No que se refere ao grau de hipoteticidade, verificou-se que as prótases tendem a ser não-factuais, sejam antepostas, pospostas ou intercaladas em relação à núcleo. Assim, independentemente da posição em que aparecem, as orações condicionais são mais freqüentemente atualizadas como condicionais eventuais, como também concluiram Ferreira (1997) e Neves (1999b). Quanto às correlações modo-temporais atualizadas pelas construções condicionais, as correlações mais freqüentes nas três posições contempladas são basicamente as mesmas, e, ainda que se mantenha a ordem tempo anterior na prótase–tempo posterior na apódose, não se pode afirmar que esse fato motiva a anteposição da condicional à núcleo. É a terceira sugestão de Comrie (1986) que parece explicar a posição em que as prótases aparecem na construção condicional. Considerou-se neste trabalho que as orações condicionais podem funcionar como tópicos (de contraste, de exemplificação, de opção e de retomada) e como adendos (restritivos 205 e ampliadores). No exame do córpus verificou-se que as prótases funcionam como tópicos quando estão antepostas à oração núcleo e como adendos, quando aparecem pospostas e intercaladas. Assim, pode-se dizer que sempre que a informação contida na prótase tem como função oferecer um contraste, uma retomada, um exemplo ou algo opcional em relação a uma porção precedente do discurso, essa prótase é realizada pelo emissor na posição anteposta. Deve-se ressaltar, entretanto, que se considerou a prótase como veiculadora de uma informação dada, no sentido de ser “sobre algo”, ou seja, no sentido de aboutness, termo empregado por Akatsuka (1986). Por outro lado, as prótases podem funcionar como adendos, e, nesse caso, aparecem pospostas à oração núcleo, uma vez que veiculam uma informação nova, mais densa, e, de certa forma, oferecem uma ressalva ao que foi antes enunciado, ora ampliando, ora restringindo a informação anterior. Pode-se concluir, portanto, pela análise dos dados, que apenas a última sugestão, que diz respeito à função exercida pela condicional, parece ser um fator motivador da anteposição. Os tipos de condicionais mais freqüentes no português escrito do Brasil são as condicionais eventuais, seguidas pelas factuais e pelas contrafactuais. De certa forma, pode-se afirmar, com Comrie (1986), que a interpretação das condicionais depende muito mais da avaliação que o emissor faz do contexto em que a informação é veiculada do que de características internas a cada um dos tipos de condicionais, como, por exemplo, a correlação modotemporal empregada que é o que afirmam as gramáticas de cunho tradicional. 206 Entretanto, verificou-se, no exame dos tipos de condicional, que as correlações usadas no português escrito do Brasil para cada um desses tipos são muito mais ricas e amplas que aquelas apresentadas tradicionalmente. Não se pode dizer, portanto, que uma correlação modo-temporal seja típica de um determinado tipo de condicional, uma vez que as correlações mais freqüentes nos diferentes tipos de condicionais são as mesmas. É certo que há algumas especificidades, como o caso das correlações com o mais-que-perfeito do indicativo composto na apódose, usado apenas nas condicionais contrafactuais, mas são mínimas quando se observa o córpus como um todo. Portanto, o que se pode concluir é que os três tipos de condicionais atualizam basicamente todos os tipos de correlações modo-temporais. Além disso, é possível dizer que no uso das condicionais no português escrito do Brasil, houve uma preferência pela codificação da potencialidade, mais que da factualidade ou da contrafactualidade. No que se refere às construções condicionais do córpus, verificou-se que a gama de correlações modo-temporais por elas atualizadas é muito mais ampla que aquela proposta pela Gramática Tradicional. Imaginava-se, pelo viés tradicional, que apenas algumas correlações poderiam ser usadas, quando da veiculação do valor condicional. Entretanto, foram encontradas no córpus quarenta e três diferentes correlações modo-temporais, o que mostra a multiplicidade de contextos em que as construções condicionais podem ser usadas, e comprova a necessidade dos estudos da língua em uso, efetivo e real. Dentre essas correlações, as mais freqüentes são: o presente do indicativo tanto na prótase 207 quanto na apódose, a correlação futuro do subjuntivo–presente do indicativo, e a correlação imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito. Um outro aspecto ligado às correlações modo-temporais diz respeito à presença, nas construções condicionais, de verbos modalizadores. Considerou-se, neste trabalho, que as orações podem ser modalizadas epistemicamente, aleticamente e deonticamente. Na análise do córpus, percebeu-se que são muito mais freqüentes as ocorrências sem nenhum tipo de modalização explícita. Entre aquelas que são modalizadas, a mais freqüente é a modalização epistêmica. Em relação aos tipos de estados de coisas envolvidos nas construções condicionais, nos termos de Dik (1989), verificou-se que os mais freqüentes, tanto na oração condicional como na oração núcleo, são os tipos atividade e estado. A associação entre estados de coisas do tipo atividade na oração núcleo e na oração condicional mostrou-se a mais freqüente, na codificação de construções condicionais.Há um equilíbrio entre o uso de verbos dinâmicos e não-dinâmicos, que foi justificado pelos tipos de textos contemplados. Observou-se, no exame do córpus que há um equilíbrio no uso de condicionais como satélites proposicionais e como satélites ilocucionários, propostos por Dik (1990) e Wakker (1992) Esse equilíbrio foi explicado pelos tipos de textos usados: há, ao mesmo tempo, textos dialógicos, como os da Literatura Dramática, textos não-dialógicos, como os da Literatura Técnica, e 208 textos “semidialógicos”, como os da Literatura Oratória. No que diz respeito aos domínios em que a conjunção se pode ser interpretada, nos termos de Sweetser (1990), assim como na questão dos satélites, houve, nesse particular, um equilíbrio entre as leituras epistêmica e a leitura no domínio dos atos de fala. Assim, pode-se afirmar que todos os satélites condicionais proposicionais têm leitura no domínio epistêmico e todos os satélites condicionais ilocucionários apresentam leitura no domínio dos atos de fala. Por fim, verificou-se que são possíveis as relações semânticas entre as condicionais e outros tipos de construção, como as temporais, causais e concessivas. No caso da relação entre condicionais e causais, verificou-se que a interpretação causal é favorecida quando a conjunção condicional é usada como já que ou desde que. A relação entre as condicionais e as temporais pôde ser percebida quando o verbo utilizado na construção condicional apresenta a noção temporal de duração. A leitura temporal das condicionais ocorre quando há um traço freqüentativo na interpretação de tais orações. Da mesma forma, se a oração condicional se apresenta mais factual que hipotética, a leitura favorecida é a temporal. A leitura concessiva das construções condicionais, por outro lado, é passível de ocorrência quando as prótases aparecem pospostas às orações núcleo, em situações em que se apresenta uma disjunção, ou no caso das construções interrogativas. 209 As ocorrências de construções condicionais, analisadas em três diferentes tipos de literatura (Literatura Dramática, Literatura Técnica e Literatura Oratória) da modalidade escrita do português contemporâneo do Brasil, tiveram cada um dos aspectos envolvidos na análise das construções condicionais contemplados, segundo o tipo de texto em questão. Procurou-se evidenciar, com tal exame, diferenças e/ou semelhanças entre os tipos de textos. Nos três tipos de literatura há uma maior freqüência da anteposição das orações condicionais à oração núcleo. Esperava-se encontrar nos textos técnicos um maior percentual de orações pospostas, uma vez que esses textos, por serem densamente informativos, comportariam construções “mais pesadas”, que têm a tendência, segundo Ford & Thompson (1986), de aparecer à direita da oração núcleo. Entretanto, essa hipótese não se confirmou. Assim, acredita-se que independentemente do tipo de texto, a anteposição da oração condicional à núcleo é uma tendência geral, que também pôde ser observada nos estudos de Ferreira (1997) e de Neves (1999b). Uma característica exclusiva dos textos da Literatura Dramática, e que os diferencia dos outros tipos de textos, é a ocorrência de construções condicionais sem oração núcleo realizada. Nesses casos, verificou-se que as construções são deixadas em suspenso, para complementação, seja do emissor, seja de seu interlocutor. Assim, confirma-se o caráter dialógico dos textos dramáticos, em que se considera a presença do interlocutor, uma vez que só se chega ao sentido do texto como um todo a partir da atuação dos participantes do discurso. Embora os textos da Literatura Oratória, de certa forma, 210 pressuponham um “outro”, uma vez que têm uma natureza persuasiva, esse “outro” é construído de uma maneira indireta. Não se trata, portanto, do mesmo dialogismo da Literatura Dramática, em que os interlocutores estão face-a-face e, assim, as construções em suspenso são inexistentes na Literatura Oratória. O tipo de condicional mais freqüente nos três tipos de textos é a condicional eventual. No entanto, isso se dá em proporções diferentes nos diferentes tipos de textos. Na Literatura Técnica o percentual de condicionais eventuais é maior que nas literaturas Dramática e Oratória. Tal fato foi, de certa forma, inesperado, já que se esperava encontrar, nos textos técnicos, em razão de seu caráter técnico-didático, um maior número de condicionais factuais. Pode-se, com isso, entretanto, comprovar a afirmação de Comrie (1986) de que as condicionais, mais que a contrafactualidade ou a factualidade, expressam a eventualidade. Não se pode dizer, por outro lado, que os textos técnicos, apesar da maior codificação de condicionais eventuais, sejam tão hipotéticos quanto os textos da Literatura Dramática. Tanto é assim que o maior percentual de ocorrências de condicionais contrafactuais acontece na Literatura Dramática. Tais condicionais são, portanto, muito menos freqüentes na Literatura Técnica, o que acaba por confirmar seu aspecto menos hipotético. Na Literatura Dramática, as condicionais são mais freqüentemente realizadas como eventuais. Por outro lado, a supremacia de uso das condicionais contrafactuais acontece nos textos da Literatura Dramática. Embora menos freqüente quando se observa o total de condicionais, o uso das 211 contrafactuais pode ser considerado característico desses textos. É interessante notar, ainda, o caso das condicionais sem oração núcleo, que, como se verificou, ocorrem todas na Literatura Dramática. Observou-se, ainda, que o traço potencial da prótase se manifesta plenamente nessas condicionais, uma vez a possibilidade de conclusão, fornecida pela apódose, se dá apenas por meio do contexto. Os textos da Literatura Oratória apresentam um maior equilíbrio entre as condicionais eventuais e as factuais. A preocupação com a persuasão, com o envolvimento do interlocutor expressa-se por meio desse equilíbrio, uma vez que o emissor apresenta argumentos passíveis de comprovação, como os factuais, e, ao mesmo tempo, apresenta outros mais potenciais. Cria-se, assim, um jogo argumentativo, por meio do qual o emissor tenta alcançar seu objetivo principal, o convencimento do interlocutor. As condicionais contrafactuais são, assim como nos textos técnicos, menos freqüentes na Literatura Oratória, o que mostra que os textos desse tipo de literatura realmente se encontram em um ponto intermediário do contínuo proposto por Biber & Finegam (1989), ora mais próximos dos textos dramáticos, ora dos textos técnicos. No que diz respeito às correlações modo-temporais, verificou-se que, nos três tipos de literatura, as correlações mais atualizadas nas construções condicionais são quase idênticas. Poder-se-ia pensar, em princípio, que esse aspecto não mostraria diferenças significativas entre os três tipos de textos. Entretanto, em uma análise mais apurada das correlações 212 encontradas, verificou-se que há algumas que podem ser consideradas como típicas de um tipo de literatura. A correlação imperfeito do subjuntivo–imperfeito do indicativo ocorre apenas nos textos dramáticos. Nos outros dois tipos de textos, esse mesmo valor temporal é atualizado por meio da correlação imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito do indicativo. Como são uma tentativa de representação da fala cotidiana dos emissores os textos dramáticos usam mais a correlação com o imperfeito do indicativo na apódose. Já nos textos elaborados, como aqueles das Literaturas Técnica e Oratória, há preferência pelo uso do futuro do pretérito nas apódoses. Na Literatura Dramática a correlação futuro do subjuntivo– presente do indicativo ocorre mais freqüentemente que na Literatura Oratória e na Literatura Técnica. Inversamente, o uso da correlação futuro do subjuntivo–futuro do presente é mais freqüente nos textos de oratória que nos textos dramáticos. Na Literatura Técnica há um equilíbrio no uso da correlação futuro do subjuntivo-futuro do presente e futuro do subjuntivopresente do indicativo. Assim como no caso anterior, notou-se que a maior freqüência de apódose atualizada por meio do presente do indicativo na Literatura Dramática foi tomada como uma conseqüência da informalidade desse tipo de texto, ao passo que o uso do futuro do presente mostra a maior elaboração dos outros tipos de textos, como ocorre nos textos de oratória. O uso do tempo presente para indicar ações futuras, em lugar da forma morfologicamente marcada, refletiria, então, o planejamento local do discurso. O equilíbrio entre o uso dos dois 213 tipos de correlações modo-temporais na LT foi justificado pelo fato de haver uma mescla de tipos de textos em tal literatura. Na Literatura Técnica não há casos de correlações com tempos compostos na apódose, e apenas um caso de tempo composto na prótase. Na Literatura Oratória, os casos de correlações com tempos compostos na apódose também são pouco freqüentes. A grande maioria de correlações com tempos compostos foi encontrada na Literatura Dramática. Assim, verificou-se que, mais uma vez, a maior informalidade dos textos dramáticos. Como já se ressaltou, inexistem na Literatura Técnica e na Literatura Oratória as construções condicionais sem oração núcleo. Essas ocorrências, exclusivas da Literatura Dramática, têm a prótase realizada, na maioria dos casos, pelo imperfeito do subjuntivo e pelo presente do indicativo. Os textos da Literatura Técnica e da Literatura Oratória, por serem, respectivamente, informativos e argumentativos, devem ser claros e, portanto, não apresentam estruturas “incompletas”. O mesmo pode ser dito a respeito das ocorrências em que o verbo está elíptico, que são encontrados apenas nas prótases da Literatura Dramática. As orações núcleo atualizadas por meio do imperativo são mais freqüentes na Literatura Dramática. O uso do imperativo mostra que um 214 ato de fala está sendo representado, o que é mais comum em textos que possuem uma estrutura dialógica. As ocorrências de imperativo na apódose nos textos técnicos e de oratória ocorreram quando se pôde perceber no texto do emissor a voz de um possível interlocutor, o que poderia caracterizar um diálogo. De um modo geral, embora as correlações modo-temporais mais freqüentemente atualizadas nas três literaturas sejam basicamente as mesmas, pôde-se perceber que a variedade de correlações modo-temporais é maior nos textos dramáticos e de oratória que nos textos técnicos. Observou-se que, enquanto os dois primeiros tipos de literatura apresentam, respectivamente, 38 e 24 tipos diferentes correlações modo-temporais, na Literatura Técnica essas correlações são apenas de 15 diferentes tipos. Assumiu-se a existência de uma maior padronização das correlações usadas nos textos técnicos, que poderia ser justificada por seu caráter científico, que acarreta um formato mais regrado e mais esquematizado. Os textos dramáticos, por sua vez, diferem dos textos técnicos e de oratória por apresentarem correlações verbais mais próximas de sua essência dialógica, que faz com que estejam mais relacionados aos textos orais. Os textos da Literatura Oratória foram considerados como textos híbridos, e que ocupam, realmente, um ponto intermediário no contínuo proposto por Biber & Finegan (1989) e por Biber (1989), já que, ao serem usados para a argumentação, ora se faz uso de estruturas mais próximas do pólo da direita, ou seja, dos textos orais, ora faz uso de estruturas próximas do pólo da esquerda, ou seja, dos textos formais escritos. 215 A ocorrência de verbos modalizadores no córpus como um todo é pequena. Dentre os três tipos de literatura, como era de se esperar, aquele que é menos modalizado é a Literatura Técnica. Não há nenhum caso de verbo epistêmico nas prótases ou nas apódoses desse tipo de literatura. Verificou-se, assim, que os textos científicos, de fato, não mostram as crenças ou as opiniões e/ou avaliações de seu emissor. As Literaturas Oratória e Dramática apresentam, ainda, freqüência de verbos modalizadores quase idêntica. Como nos textos dramáticos e nos textos de oratória se observou um maior número de ocorrências de verbos epistêmicos, assumiu-se que esses textos são os mais sensíveis à transmissão das avaliações do emissor. Em relação aos tipos de estados de coisas usados na oração condicional e na oração núcleo, os mais freqüentes nos diferentes tipos de literatura são os tipos atividade e estado. Nas prótases da Literatura Dramática a diferença na freqüência desses tipos de estados de coisas é pequena, mas na Literatura Técnica e na Literatura Oratória, essa diferença é mais expressiva. De um modo geral, verificou-se que as ocorrências de verbos com o traço [+din] nas prótase são mais freqüentes nos textos técnicos e de oratória que nos textos dramáticos. Já os verbos com o traço [- din] nas prótases são mais recorrentes na Literatura Dramática. Além disso, observou-se um equilíbrio no uso de verbos [+din] e [- din] na Literatura Dramática, inexistente nos outros tipos de literatura. Essas verificações, de certa forma, são um pouco diferentes dos resultados esperados. Esperava-se que a maior freqüência de verbos estativos seria 216 encontrada na Literatura Técnica, ao passo que os verbos com o traço [+din] seriam mais recorrentes na Literatura Dramática. No entanto, pode-se justificar tais fatos por um lado, pelo caráter explicativo e/ou didático dos textos da literatura técnica, bem como pelo traço argumentativo dos textos de oratória, que poderiam favorecer a ocorrência de verbos dinâmicos, e, por outro lado, pela existência, nos textos dramáticos, de ações dos personagens e de descrições das situações em que esses personagens se encontram, o que favoreceria o equilíbrio. No que se refere às apódoses, esse mesmo equilíbrio só é encontrado na Literatura Técnica. Nos outros dois tipos de textos, as apódoses são mais freqüentemente codificadas por meio de predicações dinâmicas. Verificou-se, então, que a informação e/ou sugestão da prótase da Literatura Técnica, fica expressa freqüentemente por meio de um verbo dinâmico, acarreta, na apódose, uma verificação, que se expressa por meio de um estado de coisas estativo, ou uma ação, expressa por meio de uma predicação dinâmica não-acabada. A proporção do uso dos diferentes tipos de satélites condicionais é diferente em cada um dos tipos de literatura. Os satélites ilocucionários são mais freqüentes na Literatura Dramática. Nas Literaturas Técnica e Oratória ocorre o inverso, há predomínio de satélites de proposição. Na Literatura Oratória, apesar do predomínio dos satélites de proposição, verificou-se um maior equilíbrio entre as ocorrências de um e outro tipo de satélite. Como os satélites de proposição especificam uma condição que se relaciona com o valor de verdade de uma outra proposição, os motivos da preponderância dos satélites 217 proposicionais nas Literaturas Técnica e Oratória é passível de explicação. Não há, nesses textos, a estrutura dialógica dos textos dramáticos e, portanto, os satélites de atos de fala são menos usados. Os textos técnicos estão mais comprometidos com a verdade das proposições que contêm, já que são, em essência, científicos e, dessa forma, as construções condicionais são mais freqüentemente codificadas como satélites proposicionais. O equilíbrio verificado na Literatura Oratória, por outro lado, foi explicado por seu caráter argumentativo, o que, de certa forma, faz que se pressuponha um interlocutor, mesmo que não no sentido estrito da palavra. Relacionada aos tipos de satélite está a análise de Sweetser (1990) das leituras em diferentes domínios. Os satélites proposicionais, nos três tipos de literatura, são lidos no domínio epistêmico, o que também ocorre com os satélites ilocucionários, que recebem, todos, a leitura no domínio dos atos de fala. Há, portanto, uma relação biunívoca: todos os satélites proposicionais são lidos no domínio epistêmico e todos os satélites ilocucionários, no domínio dos atos de fala 218 A partir do exposto, podem-se resumir as conclusões: • Nos textos dramáticos, que são menos elaborados na forma e têm estrutura dialógica, as condicionais se atualizam mais freqüentemente antepostas à oração núcleo; há um grande número de construções condicionais sem oração núcleo realizada; as correlações modo-temporais usadas nas construções condicionais são típicas dos textos planejados localmente; as correlações modo temporais codificadas pelas condicionais formam uma ampla e rica gama; são codificadas em maior número condicionais eventuais, embora exista uma forte tendência para o uso de contrafactuais; apresentam condicionais modalizadas, com destaque para o uso de verbos epistêmicos; tanto a oração núcleo como a oração condicional usadas atualizam, em equilíbrio, predicações estativas e dinâmicas; têm orações condicionais que funcionam majoritariamente como satélites ilocucionários, lidos no domínio dos atos de fala. Estão, portanto, mais próximos da margem direita do contínuo proposto por Biber & Finegan (1989) e por Biber (1989). • Nos textos de oratória, que são mais elaborados na forma, as condicionais se antepõem mais freqüentemente à oração núcleo; todas as construções condicionais têm oração núcleo realizada; as correlações modo-temporais atualizadas pelas construções condicionais fazem com que esses textos ora se aproximem dos textos formais e previamente planejados, ora do textos mais informais; são codificadas, em equilíbrio, condicionais eventuais e factuais; as condicionais apresentam estruturas modalizadas, sendo mais freqüentes as modalizações epistêmicas; as construções condicionais realizam 219 equilibradamente estados de coisas estativos e dinâmicos; as condicionais funcionam majoritariamente como satélites proposicionais, lidos nos domínio epistêmico. Estão, dessa forma, em um ponto intermediário do contínuo proposto por Biber & Finegan (1989) e por Biber (1989), uma vez que as construções condicionais usadas apresentam características que ora os aproximam dos textos técnicos, ora dos textos dramáticos. • Nos textos técnicos, que são elaborados na forma e, em geral, apresentam uma estrutura expositivo/argumentativa, as condicionais realizam-se mais freqüentemente antepostas à oração núcleo; as construções condicionais usadas nesses textos têm todas oração núcleo realizada; não há um grande número de tipos diferentes de correlações modo-temporais atualizadas por meio das condicionais, mas essas correlações modo-temporais são características dos textos formais e previamente planejados; os verbos usados nas condicionais são todos não-perfectivos; as condicionais usadas são, majoritariamente, eventuais; as condicionais desses textos são pouco modalizadas, sendo mais feqüentes os modalizadores deônticos; as construções condicionais atualizam mais freqüentemente predicações dinâmicas; as condicionais que funcionam em maior número como satélites proposicionais, lidos no domínio epistêmico. O uso das construções condicionais nesses textos faz, então, que se aproximem dos textos do pólo mais à esquerda do contínuo proposto por Biber & Finegan (1989) e por Biber (1989). 220 Espera-se, com este estudo, ter-se chegado a uma caracterização mais integrada das construções condicionais no seu uso efetivo. Uma análise pertinente, e que fica sugerida para outra investigação, seria o estudo da relação entre as condicionais e sua contraparte nas orações tradicionalmente chamadas coordenadas, as alternativas ou disjuntivas. Segundo López García (1994), as disjuntivas se aproximam das condicionais porque ambas se baseiam na “lei do subentendido”. Assim, seria interessante verificar como se dá a expressão da condicionalidade em outras estruturas que não a estrutura canônica encontrada nas orações adverbiais. 221 6. Bibliografia AKATSUKA, N. Conditionals and the epistemic scale. Language. V. 61, n.3, p.625-39, 1985. AKATSUKA, N. Conditionals are discourse-bound. In: TRAUGOTT, E. 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