1
FLÁVIA BEZERRA DE MENEZES HIRATA
A HIPOTAXE ADVERBIAL CONDICIONAL NO
PORTUGUÊS ESCRITO CONTEMPORÂNEO DO
BRASIL
2
FLÁVIA BEZERRA DE MENEZES HIRATA
A HIPOTAXE ADVERBIAL CONDICIONAL NO
PORTUGUÊS ESCRITO CONTEMPORÂNEO
DO BRASIL
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e
Letras da Universidade Estadual Paulista, Câmpus de
Araraquara, para a obtenção do título de Mestre em
Letras (Área de Concentração: Lingüística e Língua
Portuguesa)
Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena de Moura Neves
Araraquara
1999
3
Às famílias Bezerra de Menezes e Hirata,
dedico este trabalho.
4
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Maria Helena de Moura Neves, orientadora exemplar.
À Profa. Dra. Marize Mattos Dall’Aglio Hattnher, antes de professora
doutora, uma amiga.
Aos professores do curso de Pós-Graduação da UNESP – Araraquara.
Aos professores do curso de Letras da UNESP – São José do Rio
Preto, em especial a Roberto, a Erotilde e a Maria Dalva.
À Seção de Pós-Graduação da UNESP – Araraquara, e em especial a
Roseli Scodeler.
A todos os colegas do curso de Pós-Graduação da UNESP –
Araraquara.
Aos colegas da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás.
Aos amigos, de todos os lugares e de todas as horas: Simone, Patrícia,
Silvana, Juliano, Ucy, Gladis, Juliana, Rosário, Kátia, Mônica e Mário.
Ao Oto, que esteve aqui para tudo.
Ao CNPq e à CAPES, pelas bolsas concedidas durante o período de
setembro de 1996 a julho de 1998.
5
RESUMO
Esta pesquisa tem como tema as construções condicionais do
português escrito contemporâneo do Brasil. A análise baseia-se na teoria da
Gramática Funcional, nos termos de Dik (1989, 1997), Halliday (1985), Hengeveld
(1989), Mathiessen & Thompson (1988), entre outros.
Propõe-se,
neste
trabalho,
um
estudo
das
construções
condicionais que, fundamentado no modelo funcionalista, considera o nível
discursivo em que as frases são efetivamente realizadas, e leva em conta os
aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos envolvidos.
O trabalho tem como objetivos gerais descrever e analisar as
ocorrências de construções condicionais em três diferentes tipos de textos
(dramático, técnico e de oratória), sob o ponto de vista do uso efetivo.
Espera-se, assim, obter uma caracterização dos tipos de textos
contemplados. Essa análise pretende possibilitar, ainda, uma descrição mais
integrada das construções condicionais, que pode evidenciar, também, a relação
entre a linguagem e suas funções.
6
ABSTRACT
This research focus on the conditional constructions of written
contemporary Brazilian Portuguese. The analysis is based on the Functional
Theory, in the terms of Dik (1989, 1997), Halliday (1985), Hengeveld (1989),
Mathiessen & Thompson (1988), among others.
The functional study of the conditional constructions considers
the discourse level in which the clauses are effectively used taking into account the
involved syntatics, semantics and pragmatics aspects.
As general aim, this work intends to describe and analyse the
occurrences of conditional constructions in three different kinds of texts (dramatic,
technical and formal oral exposition) in order to achieve a characterization of those
texts, in their effective use. It is also intended to provide a more integrated
description of the conditional constructions, so that the relation between language
and its functions could be more clearly established.
7
SUMÁRIO
Lista de Quadros..................................................................................................................8
Lista de Gráficos..................................................................................................................9
0. Introdução.....................................................................................................................11
1. Fundamentação teórica.................................................................................................14
1.1. Caracterização do Funcionalismo...............................................................................14
1.2. A articulação de orações na Gramática Tradicional e na Gramática Funcional .........20
1.3. Caracterização da construção condicional: forma, estrutura e uso .............................26
2. Questões teóricas...........................................................................................................32
2.1. Funções da oração condicional..................................................................................32
2.1.1. A polêmica ...............................................................................................................39
2.1.1.1 Os estudos de Akatsuka (1986): análise da semântica das condicionais..................39
2.1.1.2. A análise de Ford e Thompson (1986): as condicionais em um estudo baseado em
textos. ................................................................................................................................41
2.1.1.3. A análise de Schiffrin (1992a): a ênfase na noção de dadidade .............................46
2.1.1.4. A visão de Sweetser (1990): o grau e a natureza da identificação entre prótases e
tópicos ...............................................................................................................................50
2.1.2. Condicionais: outras funções discursivas .................................................................52
2.2. Graus de hipoteticidade ..............................................................................................55
2.3. Relação entre tempos e modos verbais .......................................................................65
2.4. A ordem nas construções condicionais.......................................................................75
2.5. Satélites condicionais .................................................................................................80
2.6. Fronteiras entre os tipos de oração ............................................................................89
2.6.1. Condicionais e concessivas ......................................................................................90
2.6.2. Condicionais e causais.............................................................................................94
2.6.3. Condicionais e temporais .........................................................................................96
2.7. Tipos de Literatura.....................................................................................................99
3. Metodologia de trabalho.............................................................................................. 107
4. Apresentação e análise dos dados................................................................................ 113
4. 1. Construções condicionais nos tipos de literatura...................................................... 113
4.2. A ordem .................................................................................................................... 116
4.3. Graus de hipoteticidade ............................................................................................ 137
4.4. Correlações modo-temporais nos três tipos de literatura........................................... 154
4.5. A modalização nas construções condicionais ............................................................ 179
4.6. Tipos de estados de coisas nas construções condicionais........................................... 183
4.7. A estrutura em camadas: tipos de satélites ................................................................ 192
4.8. Fronteiras entre os tipos de orações.......................................................................... 197
5. Conclusões .................................................................................................................. 203
6. Bibliografia ................................................................................................................. 221
8
Lista de Quadros
Quadro 1 Correlação entre tempos e modos verbais nas condicionais deônticas (López García,
1994, p.133)__________________________________________________________________ 68
Quadro 2 Correlação entre tempos e modos verbais nas condicionais dinâmicas (López García,
1994, p.135)__________________________________________________________________ 70
Quadro 3 Correlação entre tempos e modos verbais nas condicionais aléticas (López García,
1994, p.136). _________________________________________________________________ 71
Quadro 4 Camadas, satélites e operadores. _________________________________________ 80
Quadro 5 Distribuição das orações condicionais pelos tipos de literatura________________ 114
Quadro 6 Correlação entre os tipos de literatura e a posição da condicionais.____________ 116
Quadro 7 Correlação entre a posição e os tipos de condicional. _______________________ 122
Quadro 8 Correlações modo-temporais nas condicionais antepostas ____________________ 128
Quadro 9 Correlações modo-temporais nas condicionais pospostas_____________________ 128
Quadro 10 Correlações modo temporais nas condicionais intercaladas _________________ 129
Quadro 11 Tempo e modos verbais nas prótases das construções sem oração núcleo _______ 130
Quadro 12 Correlação entre a posição da condicional e a função da condicional _________ 132
Quadro 13 Correlação entre o tipo de literatura e o tipo de condicional_________________ 138
Quadro 14 Correlações modo-temporais nas eventuais_______________________________ 145
Quadro 15 Correlações modo temporais nas factuais ________________________________ 145
Quadro 16 Correlações modo temporais nas contrafactuais___________________________ 146
Quadros 17 e 18 _____________________________________________________________ 155
Quadros 19 e 20 _____________________________________________________________ 156
Quadros 21 a 23 _____________________________________________________________ 157
Quadro 24 __________________________________________________________________ 158
Quadro 25 __________________________________________________________________ 159
Quadros 26 e 27 _____________________________________________________________ 160
Quadros 28 a 30 _____________________________________________________________ 161
Quadros 31 e 32 _____________________________________________________________ 162
Quadros 33 a 36 _____________________________________________________________ 163
Quadros 37 a 39 _____________________________________________________________ 164
Quadros 40 a 42 _____________________________________________________________ 165
Quadros 43 a 45 _____________________________________________________________ 166
Quadro 46 Correlações modo-temporais mais freqüentes nos três tipos de literatura _______ 167
Quadro 47 Modal na Literatura Dramática ________________________________________ 180
Quadro 48 Modal na Literatura Técnica __________________________________________ 180
Quadro 49 Modal na Literatura Oratória _________________________________________ 181
9
Lista de Gráficos
Gráfico 1 Construções condicionais por tipo de literatura ____________________________ 114
Gráfico 2 Tipos de condicionais nos três tipos de literatura ___________________________ 137
Gráfico 3 Tipos de literatura em relação aos tipos de condicional______________________ 138
Gráfico 4 Tipos de condicional na Literatura Técnica _______________________________ 139
Gráfico 5 Tipos de condicionais na Literatura Dramática ____________________________ 141
Gráfico 6 Tipos de condicional na Literatura Oratória_______________________________ 143
Gráfico 7 Tipos de satélites nos tipos de literatura __________________________________ 192
10
“Avec des si on mettrait Paris
dans une bouteille” (Ditado
francês)
11
0. Introdução
A presente dissertação tem como tema as construções
condicionais do português escrito contemporâneo do Brasil. A análise baseia-se na
teoria da Gramática Funcional, nos termos de Dik (1989, 1997), Halliday (1985),
Hengeveld (1989), Mathiessen & Thompson (1988), entre outros.
Os estudos de caráter tradicional realizados sobre a articulação
de orações restringem-se a uma apresentação de classificações sintáticas ou
semânticas, sem atenção para a inter-relação entre os diferentes tipos de orações.
Além disso, tratam a articulação das orações nos limites da frase, isolada de seu
contexto situacional, desprezando, assim, o seu papel na coesão e na organização
discursiva.
Neste
trabalho,
propõe-se
um
estudo
das
construções
condicionais que, fundamentado no modelo funcionalista, considera o nível
discursivo em que as frases são efetivamente realizadas, e leva em conta os
aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos envolvidos. Essa análise pretende
possibilitar uma descrição mais integrada das construções condicionais, que pode
evidenciar, também, a relação entre a linguagem e suas funções, mediante a
descrição da língua em uso.
Esta dissertação tem como objetivos gerais descrever e analisar
as ocorrências de construções condicionais em três diferentes tipos de textos
(dramático, técnico e de oratória) da modalidade escrita do português
contemporâneo do Brasil, sob o ponto de vista do uso efetivo. Espera-se, assim,
12
obter uma caracterização dos tipos de textos contemplados, tendo em vista os
aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos envolvidos. Como objetivos
específicos, procura-se analisar as ocorrências das construções condicionais em
relação:
.
à ordem frasal preferida, isto é, se a ordem mais freqüente é se p, q ou q se p;
.
aos diferentes graus de hipoteticidade das orações condicionais, ou seja, à
condição de serem factuais, eventuais ou irreais;
.
às correlações modo-temporais;
.
à presença de modalizadores;
.
às funções discursivas exercidas;
.
ao estatuto informacional da prótase e da apódose;
.
aos tipos de estados de coisas envolvidos;
.
às camadas de estruturação do enunciado (Dik, 1989, 1990, Wakker, 1992) a
que as construções condicionais estão ligadas;
.
aos domínios em que a conjunção se pode ser usada (nos termos de Sweetser,
1990);
.
às possíveis conexões com outros tipos de construção, como as temporais,
causais e concessivas.
No primeiro capítulo faz-se a fundamentação teórica do trabalho.
Caracteriza-se o Funcionalismo, em algumas de suas diversas correntes;
comparam-se os estudos acerca da articulação de orações, do ponto de vista
13
tradicional e do ponto de vista do Funcionalismo e, por fim, estabelece-se uma
caracterização das construções condicionais aqui contempladas.
No capítulo dois são discutidas algumas questões teóricas
relacionadas ao estudo das construções condicionais. São elas: as funções
discursivas exercidas pelas orações condicionais na construção condicional; os
graus de hipoteticidade da construção condicional; as correlações modo-temporais
atualizadas nas construções condicionais; a ordem das condicionais; a estrutura em
camadas da Gramática Funcional e a função de satélite das condicionais; as
fronteiras entre as condicionais e outros tipos de orações adverbiais; o
estabelecimento de uma tipologia textual.
No capítulo três apresenta-se a metodologia que norteia o
trabalho. Discutem-se o estabelecimento dos grupos de fatores e o uso de alguns
programas do Pacote Varbrul na codificação e tabulação dos dados.
No quarto capítulo apresentam-se e analisam-se os dados
coletados, segundo os grupos de fatores arrolados.
Pretende-se, assim, discutir os pontos de vista tradicional e
funcional na caracterização das construções condicionais, e tentar, a partir da
proposta funcionalista, chegar a uma descrição mais integrada das construções
condicionais do português contemporâneo escrito do Brasil.
14
1. Fundamentação teórica
1.1. Caracterização do Funcionalismo
A base teórica deste trabalho relaciona-se com alguns pontos do
Funcionalismo de Halliday (1985), Mathiessen& Thompson (1988), Dik (1989,
1997), Hengeveld (1989), Sweetser (1990), entre outros.
Caracterizar o Funcionalismo é uma tarefa difícil, já que há várias
correntes, com suas respectivas peculiaridades, e que geralmente levam o nome
daqueles que as representam. Assim, tem-se o Funcionalismo de Martinet, o de
Dik, o de Halliday, o de Givón, etc.
Subjacente às diferenças, é possível encontrar uma linha comum,
que permeia o pensamento funcionalista e que pode defini-lo. Como preconizava
Martinet, (1978), o funcionalista parte da observação dos dados, considerando
que, de algum modo, a estrutura é imanente aos fatos. Hoyos Andrade (1992)
destaca o princípio martinetiano da “pertinência comunicativa”: o objeto de análise
é “a língua real de falantes reais em situações reais” (Hoyos Andrade, 1992, p. 34).
Essa é, afinal, a característica básica do tratamento funcionalista: tentar verificar
como se obtém a comunicação com a língua, ou seja, como os falantes usam a
língua para se comunicar de modo eficiente. A própria estrutura interna da
linguagem é tratada funcionalmente, isto é, analisa-se a estrutura gramatical,
incluída em uma situação comunicativa, que envolve o objetivo do evento da fala,
seus participantes e o contexto discursivo. Além disso, todas as correntes
15
funcionalistas consideram que os componentes da gramática devem ser estudados
integradamente. Segundo Neves (1997c),
A gramática funcional constitui uma teoria de componentes
integrados, uma teoria funcional da sintaxe e da semântica, a qual, entretanto,
só pode ter um desenvolvimento satisfatório dentro de uma teoria pragmática,
isto é, dentro de uma teoria da interação verbal. (Neves, 1997c, p.25)
Dentre os diferentes “funcionalismos”, destacam-se, neste
trabalho, dois: o de Halliday (1985) e o de Dik (1989, 1997).
Para Mathiessen (1989), a gramática funcional de Halliday tem
como base
o funcionalismo etnográfico e o contextualismo desenvolvido por Malinowsky
nos anos 20, além da lingüística firthiana de tradição etnográfica de Boas-SapirWhorf e do funcionalismo da Escola de Praga. (Mathiessen, apud Neves, 1997c,
p.58-59)
A gramática funcional de Halliday (1985) associa uma
interpretação funcional da lingüística a uma descrição sistêmica, ou seja, é uma
gramática sistemática que pode ser interpretada funcionalmente. Em uma de suas
mais importantes obras obras, An Introduction to Functional Grammar, de 1985,
Halliday deixa de lado o aspecto sistêmico da gramática e focaliza apenas o
funcional. A gramática é vista como uma gramática natural, uma vez que tudo nela
pode ser explicado com referência a como a língua é usada, ou seja, cada elemento
16
da língua é explicado por sua função no sistema lingüístico. Para Halliday (1985), a
unidade maior de funcionamento deve ser o texto, em que se pode observar a
multifuncionalidade dos itens que o compõem. Nesses moldes, para Neves (1997c)
uma gramática funcional destina-se a revelar, pelo estudo das seqüências
lingüísticas, os significados que estão codificados por essas seqüências. O fato
de ser ‘funcional’ significa que ela está baseada no significado, mas o fato de ser
‘gramática’ significa que ela é uma interpretação das formas lingüísticas.
(Neves, 1997c, p.74)
Halliday (1985) considera como componentes fundamentais do
significado nas línguas os componentes funcionais. Segundo ele, as línguas se
organizam em torno de dois significados básicos: o significado ideacional ou
reflexivo, e o significado interpessoal ou ativo. Chamados de metafunções, esses
componentes funcionais são tratados como manifestações de dois princípios gerais
que regem o uso da língua: entender o ambiente (ideacional) e interagir com os
outros nesse ambiente (interpessoal). Há, ainda, um outro componente
metafuncional, o textual, associado a esses dois, e que a eles confere relevância.
Assim, atribuem-se à língua três funções: a ideacional, a interpessoal e a textual.
A função ideacional liga-se ao sistema da transitividade e especifica os papéis dos
elementos da oração, como ator, meta, etc. Relaciona-se à expressão de conteúdo,
referente às experiências do falante. A função interpessoal serve para estabelecer
ou manter as relações sociais e liga-se ao sistema de modo, especificando funções
como ‘sujeito’, ‘predicador’, ‘complemento’, ‘finitude’, e diz respeito aos papéis
17
da fala. A função textual estabelece a relação entre a língua e os aspectos da
situação em que é usada, e se liga aos sistemas de tema e informação. Especifica as
relações dentro do próprio enunciado, ou entre o enunciado e a situação da fala.
Na concepção de Dik (1989, 1997), que, segundo Bolkenstein et
al (1985), foi o primeiro a colocar a gramática funcional na teoria geral da
sistematicidade da linguagem, a lingüística diz respeito, por um lado, ao sistema de
regras que governam a constituição das expressões lingüísticas, ou seja, as regras
semânticas, sintáticas, morfológicas e fonológicas, e, por outro, ao sistema de
regras que governam os padrões de interação verbal, nos quais as expressões
lingüísticas são usadas, ou seja, as regras pragmáticas.
Para Dik (1989), a gramática deve integrar-se na teoria
pragmática mais ampla de interação verbal, na qual o emissor tem expectativas em
relação ao seu interlocutor. Ao lado da capacidade lingüística, que permite ao
emissor produzir e interpretar corretamente as expressões lingüísticas, atuam
também as capacidades epistêmica, lógica, perceptual e social. A análise dos fatos
da língua deve levar em consideração a situação comunicativa, ou seja, a relação
falante/ouvinte e a contextualização temporal e local da enunciação. O sistema da
língua e o uso da língua são passíveis de distinção, mas não se deve estudar o
sistema independentemente do uso, ou vice-versa. Assim, as formas dos
enunciados são vistas como dependentes de suas funções.
A descrição completa da língua deve incluir, para Dik, a
referência ao falante, ao ouvinte e aos papéis que estes assumem na interação
18
verbal, determinada socioculturalmente. Desse modo, qualquer expressão
lingüística reflete, por um lado, a intenção de um falante, sua informação
pragmática e a antecipação que ele faz da interpretação do ouvinte. Por outro lado,
a interpretação do ouvinte é função da expressão lingüística, da sua informação
pragmática e da sua opinião ou de seu julgamento sobre qual tenha sido a intenção
do falante. Deve-se ressaltar que essa relação entre a intenção do falante e a
interpretação do ouvinte é mediada, e não estabelecida, pela expressão lingüística.
Isso significa dizer que a interpretação do ouvinte apenas em parte se baseia na
informação contida na própria expressão lingüística, uma vez que o ouvinte já
possui algum tipo de informação passível de interpretação. Em relação ao falante,
pode-se dizer que a expressão lingüística não precisa ser uma verbalização
completa da sua intenção, já que a informação de que o falante dispõe a respeito da
informação do ouvinte no momento da fala muitas vezes é suficiente para a
interação que está sendo levada a cabo.
Dik (1989) propõe um modelo de descrição da expressão
lingüística que objetiva dar conta da estrutura da sentença, desde a representação
semântica subjacente até a forma fonética de superfície. Para Dik (1989), a
estrutura subjacente de uma frase (clause) é organizada em camadas. Assim,
parte-se da construção de uma predicação, o núcleo de uma estrutura subjacente,
formada basicamente pela inserção de termos (expressões que podem ser usadas
para referir-se a unidades em um dado mundo) em estruturas de predicado
(esquemas que especificam um predicado juntamente com um esqueleto das
estruturas em que ele pode aparecer). Essa predicação designa um estado de
19
coisas, ou seja, o modo como os falantes codificam lingüisticamente uma situação
real ou imaginária. A predicação pode ser construída dentro de uma estrutura
mais alta, a proposição, que designa um conteúdo proposicional, ou seja, um fato
possível, que pode ser verdadeiro ou falso, conhecido, pensado, mencionado,
lembrado, negado, rejeitado. A proposição, revestida de força ilocucionária,
constitui a frase, que corresponde a um ato de fala, o mais alto grau da
organização frasal. Percebe-se, portanto, uma organização hierárquica das
camadas, ou seja, parte-se dos predicados e termos, para a predicação, seguida
pela proposição, até se chegar à camada mais alta, a frase.
É com base nesses pressupostos teóricos que se pretende
descrever o comportamento da hipotaxe adverbial condicional no português escrito
contemporâneo do Brasil. Adota-se, pois, a proposta da teoria funcionalista de
integração dos diversos componentes ou níveis de análise no estudo dos fatos da
língua. Toma-se o texto como um produto resultante do processo de interação
verbal, em que o falante tem expectativas e intenções em relação ao ouvinte.
Assim, é a partir da análise de ocorrências da língua em uso que se pretende
registrar as relações sintático-semântico-pragmáticas contraídas pelas orações
envolvidas na construção condicional.
As construções condicionais têm sido objeto de estudo de
diversas linhas de pesquisa e pensamento, que tentam responder à seguinte
questão: o que é uma construção condicional? Essa questão pode ser respondida
de maneiras diferentes e de diferentes pontos de vista. Tanto é assim que as
20
condicionais há muito têm sido discutidas pela lógica e pela filosofia, sendo seu
estudo tão antigo quanto tais disciplinas e, de certa forma, de importância central
no seu desenvolvimento.
As construções condicionais são descritas em muitos trabalhos
de pesquisa, sob pontos de vista sincrônicos e diacrônicos, em busca de universais
ou de propriedades específicas de uma determinada língua, mas, ainda assim, há
muitos pontos “nebulosos” em sua caracterização. Não se chegou a uma resposta
teórica adequada em relação à sua constituição e nem a um consenso a respeito de
sua classificação, quanto ao tipo de construção representado por elas.
A busca por respostas a muitas dessas indagações pode ser
observada em alguns estudos sobre a articulação das orações, no português do
Brasil, principalmente no que se refere à sua estruturação. É o que se discute a
seguir.
1.2. A articulação de orações na Gramática Tradicional e na Gramática Funcional
Nas gramáticas tradicionais, a articulação das orações é sempre
vista de maneira dicotômica: há, por um lado, os casos de coordenação (ou
parataxe), e, por outro, os casos de subordinação (ou hipotaxe).
A tradição gramatical define a coordenação como (a) um tipo de
construção em que uma oração não exerce função sintática em outra, ou seja,
ambas apresentam o mesmo estatuto sintático (Bechara, 1977; Cegalla, 1976); ou
21
como (b) um tipo de construção composta por orações que têm sentido completo,
por si mesmas (Oliveira, 7ª edição; Ribeiro, 1919), ou seja são independentes.
Define-se a subordinação: como (a) um tipo de construção em
que a oração subordinada é considerada um termo sintático de outra, ou seja,
exerce na oração principal a função sintática de um substantivo, adjetivo ou
advérbio. É, por isso, classificada como substantiva, adjetiva ou adverbial
(Bechara, 1977; Luft, 1981; Rocha Lima, 1972); ou como (b) um tipo de
construção em que a oração subordinada depende da principal para completar seu
sentido, isto é, isolada da principal não tem sentido completo (Oliveira, 7ª edição).
Outros estudos, de cunho não-tradicional, também se fixaram na
bipartição subordinação/coordenação. Carone (1988, 1991), seguindo Hjelmslev e
Tesnière, considera a subordinação e a coordenação como recursos sintáticos de
que o emissor lança mão para tornar os períodos “mais complexos” (Carone, 1988,
p.87). Sobre essa base, a autora entende por subordinação a relação de
dependência entre uma oração subordinada e um termo de outra oração, por meio
do uso de instrumentos de inserção, as conjunções subordinativas. As duas
unidades, termo e oração subordinada, adquirem uma função quando articuladas,
sendo nomeadas functivos. A coordenação é vista como a relação entre duas
orações, tomadas em sua totalidade, por meio do uso de uma conjunção
coordenativa, que pertence à segunda oração e que tem uma função relacionadora.
A seqüência entre as orações é rígida, tornando a inversão da ordem impossível.
22
Como a segunda oração pressupõe a primeira, não são, portanto, independentes,
no sentido dado pelas gramáticas tradicionais, como em Cunha e Cintra (1985).
Para Perini (1996) uma oração é subordinada quando está dentro
de outra, a principal, porque faz parte de um de seus termos e não porque funciona
como termo da outra. Perini (1996) considera a coordenação a relação entre duas
orações separadas, sintaticamente equivalentes, que, portanto, não compartilham
nenhum elemento.
Sob o ponto de vista funcionalista, que norteia esse trabalho, as
relações entre as frases com base na dicotomia coordenação e subordinação é
revista (Halliday, 1985; Mathiessen& Thompson, 1988).
Segundo Halliday (1985), a articulação de orações deve ser vista
a partir de duas dimensões de interpretação: o sistema de interdependência e o
sistema lógico-semântico.
Por um lado, as relações são vistas como um sistema de
interdependência, ou sistema tático, em que estão a parataxe, isto é, a ligação de
elementos de categorias iguais, no sentido de que cada um pode constituir um todo
funcional, e a hipotaxe, ou seja, a relação modificadora da união de elementos de
distintas categorias, em que um elemento dominante é livre e, um outro, nãodominante, não.
Por outro lado, as relações são vistas de acordo com o sistema
lógico-semântico de expansão e projeção. A expansão ocorre quando a segunda
23
oração expande a primeira, elaborando-a, estendendo-a ou encarecendo-a. Na
elaboração, uma oração elabora o significado de outra, especificando-a ou
descrevendo-a. Na extensão, uma oração amplia o significado de outra,
acrescentando algo novo a ela; o que é adicionado pode ser um acréscimo, uma
substituição ou uma alternativa. No realce (encarecimento), uma oração realça o
significado de outra, qualificando-a com as circunstâncias de tempo, lugar, modo,
causa ou condição. Já a projeção ocorre quando a segunda oração é projetada pela
primeira, apresentado-a como uma locução ou uma idéia.
Halliday (1985) também propõe o termo encaixamento, em que
uma oração funciona como um constituinte dentro da estrutura de um grupo, que,
por sua vez, é um constituinte de uma oração. Uma oração encaixada não compõe
diretamente a frase. Sua relação com a oração mais alta é uma relação indireta,
intermediada pelo grupo ao qual a oração encaixada está ligada. A oração
encaixada funciona na estrutura desse grupo, e o grupo funciona na estrutura da
oração. Dessa forma, percebe-se que não há, como na parataxe e na hipotaxe,
relações entre orações.
Halliday (1985) associa as relações lógico-semânticas de
expansão e projeção ao sistema de interdependência, em que estão a parataxe e
hipotaxe, e também ao encaixamento. Dessa forma, da associação elaboração +
parataxe resultam as orações coordenadas assindéticas, ou mesmo as orações
justapostas. Da associação elaboração + hipotaxe resultam as orações relativas
não-restritivas (explicativas). Da associação elaboração + encaixamento resultam
as orações relativas restritivas. É a combinação hipotaxe + realce, da qual
24
resultam as tradicionalmente chamadas orações adverbiais (orações de tempo,
lugar, modo, causa, condição, concessão, etc), o cerne deste trabalho. São,
portanto, duas dimensões de interpretação que, juntas, dão uma base funcional
para a descrição de orações complexas, reconhecidas por Halliday (1985) como as
unidades gramaticais acima do nível da oração.
Mathiessen & Thompson (1988) também tratam da distinção
entre encaixamento e combinação de orações, mas vão além do que é exposto
por Halliday (1985), uma vez que trabalham no nível do discurso e não no nível
das orações complexas.
No encaixamento, uma oração funciona como um constituinte,
um complemento, dentro de outra. O encaixamento inclui as orações
tradicionalmente chamadas substantivas (subjetivas, objetivas diretas e indiretas,
completivas nominais, etc) e as relativas restritivas.
Mathiessen & Thompson (1988) assumem que há dois níveis de
combinação de orações: a parataxe (tradicionalmente, a coordenação, a aposição, a
citação) e a hipotaxe (caso, por exemplo, da hipotaxe de realce, ou seja, das
orações adverbiais). Assim, eles distinguem, em termos de níveis de
interdependência,
combinação
paratática
de
combinação
hipotática.
Consideram que a combinação de orações reflete a estrutura retórica do discurso, e
distinguem, na organização textual, as relações retóricas de listas e as relações
retóricas núcleo-satélite. Em outras palavras, as combinações de orações
codificam as combinações das unidades retóricas do discurso.
25
Segundo os autores, a combinação de orações hipotáticas é uma
gramaticalização das relações retóricas núcleo-satélite. Essas relações são
consideradas uma característica geral dos textos, em que certas partes realizam os
objetivos centrais do falante, ou seja, os núcleos, enquanto outras suplementam ou
auxiliam os objetivos centrais, ou seja, os satélites. Na combinação de orações
hipotáticas, o núcleo e o satélite são diferenciados: a oração que realiza o satélite é
marcada gramaticalmente por um conectivo que a introduz e pelo verbo na forma
finita; satélites com verbos não-finitos podem não ser marcados pelo conectivo.
Alguns dos estudos de caráter tradicional acima mencionados
estabelecem uma separação rígida entre subordinação e coordenação. Além disso,
tratam as orações subordinadas e as coordenadas apenas como elementos isolados
e extraídos de um contexto. As orações subordinadas adverbiais são classificadas
de acordo com a circunstância que exprimem. Assim, por expressarem uma
condição, as orações condicionais estão aí incluídas. Como neste trabalho as
construções condicionais são tratadas sob o ponto de vista do funcionalismo,
considera-se, nos termos de Halliday (1985), que as orações condicionais são um
tipo de expansão hipotática de realce. Seguindo Mathiessen & Thompson
(1988), as construções condicionais são vistas como uma combinação de orações
hipotáticas de realce que codificam as relações retóricas de núcleo-satélite.
Apresenta-se, em seguida, uma breve caracterização da
construção condicional tratada neste trabalho.
26
1.3. Caracterização da construção condicional: forma, estrutura e uso
São objeto de estudo neste trabalho, quanto ao componente
formal, as construções condicionais caracterizadas pela expressão
se p, (então) q
em que p é chamado de prótase e q, de apódose. A prótase pode ser introduzida
por uma das muitas conjunções condicionais, além do se, tais como: caso,
contanto que, salvo se, sem que, desde que, a menos que, a não ser que, uma
vez que, exceto se, etc. No entanto, neste trabalho são contempladas apenas as
orações marcadas pela conjunção condicional por excelência.
Quanto à estruturação da frase complexa condicional, considerase a existência de uma estrutura subjacente à frase, que se organiza em quatro
camadas: predicado e termos (entidades), predicação (estados de coisas),
proposição (fato possível) e frase (ato de fala). Nas camadas operam quatro níveis
correspondentes de operadores e de satélites, meios gramaticais e lexicais,
respectivamente, que as modificam e as qualificam, até que se chegue a um
enunciado efetivo, ou seja, ao evento de fala. Um estado de coisas (EC) é
concebido como algo que existe no mundo real. Para o estabelecimento de uma
tipologia semântica dos estados de coisas devem ser considerados os seguintes
parâmetros: dinâmico [±din]], controle [±con]], télico [±tel]], momentâneo
[±mom]], experiência [±
±exp]]. Esses parâmetros, ao serem combinados, resultam
em seis tipos de estados de coisas: atividade, mudança, dinamismo, posição,
27
realização e estado. Assim, da combinação entre os dois parâmetros mais gerais,
[+din] e [-din], que configuram, respectivamente, eventos e situações, com os
parâmetros [+con] e [-con] resultam os tipos:
• [+din] [+con]: ação (evento)
• [+din] [-con]: processo (evento)
• [-din] [+con]: posição (situação)
• [-din] [-con]: estado (situação)
Adicionando os traços [+tel] e [-tel] a essa tipologia, chega-se a uma
subtipologização:
• [+din] [+con] [+tel]: realização (evento, ação)
• [+din] [+con] [- tel]: atividade (evento, ação)
• [+din] [-con] [+tel]: mudança (evento, processo)
• [+din] [-con] [- tel]: dinamismo (evento, processo)
Os eventos [+tel] podem ainda ser subcategorizados segundo o
traço [±mom], mas os subtipos daí resultantes não recebem denominações
especiais. Os eventos télicos momentâneos são aqueles que não têm duração, ou
seja, o começo coincide com o término. Eles ocupam apenas um ponto no tempo.
Já os eventos télicos não-momentâneos ocupam um certo espaço de tempo e têm
pontos iniciais e finais distintos, mas não chegam a ser [-tel]. O parâmetro [±exp] é
28
pertinente a todos os tipos de EC distinguidos e marca apenas que pode haver, ou
não, no EC, um ser animado qualquer que percebe, sente, quer ou experimenta
algo.
Em relação ao uso, como Sweetser (1990), considera-se que as
conjunções que introduzem uma oração podem ser interpretadas em três domínios:
como um veículo portador de conteúdos (domínio de conteúdo); como uma
entidade lógica (domínio epistêmico); ou como um instrumento de um ato de fala
(domínio conversacional ou dos atos de fala).
No domínio de conteúdo a conjunção condicional indica que a
realização do evento ou do estado de coisas descrito na prótase é uma condição
suficiente para a realização do evento ou estado de coisas da apódose. Assim, no
exemplo seguinte, em inglês,
(1) If Mary goes, John will go.
a ida ou não de Mary implica também a ida ou não de John a algum lugar. Nesse
caso, a conexão entre a prótase e a apódose pode ser uma conexão causal. Há uma
simples transmissão de um conteúdo, ou seja, informar que um fato acarreta um
outro fato qualquer.
No domínio epistêmico, a conjunção condicional indica a idéia de
que o conhecimento da verdade da premissa hipotética expressa na prótase seria
29
uma condição suficiente para se concluir a verdade da proposição expressa na
apódose. É o que se pode verificar na construção seguinte:
(2) If she is divorced, she’s been married.
A condicional tautológica deve ser lida da seguinte maneira: o conhecimento de
que a proposição “She is divorced” é verdadeira, é uma condição suficiente para
assegurar a conclusão de que “she has been married” também é verdadeira.
Entretanto, não apenas as condicionais tautológicas são passíveis de leitura no
domínio epistêmico. Assim, construções como
(3) If John went to the party, he was trying to infuriate Mary.
têm também uma leitura epistêmica. Nesse caso, percebe-se não haver qualquer
vínculo lógico inerente entre a prótase e a apódose. O elo causal entre as
proposições não está, portanto, no domínio de conteúdo, e sim no domínio
epistêmico, uma vez que é o conhecimento de uma dada situação que leva a uma
determinada conclusão. Aqui, o emissor deve ter um “estoque de informações”
prévio, geral e comum, que, adicionado ao fato de que a proposição “John went to
the party” é verdadeira, lhe permite concluir que a proposição “he was trying to
infuriate Mary” também é verdadeira. Uma paráfrase proposta por Sweetser
(1990) para as condicionais epistêmicas é: “Se eu sei [prótase], então eu concluo
[apódose]”.
30
Já no domínio dos atos de fala, o desempenho (performance) do
ato de fala que está sendo representado na apódose é condicionado ao
preenchimento de algum fato ou estado expresso na prótase. Nesse caso, o estado
ou fato da prótase possibilita ou causa o ato de fala seguinte. Para Sweetser
(1990), tais casos estão inerentemente relacionados às máximas de Grice e de
Searle, de tal modo que as prótases condicionais em questão referem-se,
invariavelmente, a alguma condição de relevância ou de adequação. Assim, nos
exemplos seguintes
(4) If I may say so, that’s a crazy idea.
(5) If it’s not rude to ask, what made you decide to leave IBM?
(6) There are biscuits in the side board if you want them.
pode-se perceber:
1. No primeiro caso, é apenas a permissão do ouvinte que leva à expressão da
opinião do falante.
2. No segundo exemplo, pede-se que uma pergunta seja levada a cabo, se o
ouvinte não a considerar rude.
3. No último caso, informa-se a um ouvinte de que há biscoitos no armário, mas
essa informação só é relevante se o ouvinte tem fome ou quer comer algo.
Assim,
conclui-se
que
a
realização
da
apódose
está
condicionalmente ligada à relevância e/ou à adequação dos fatos apresentados na
31
prótase. Uma possível paráfrase para as condicionais de atos de fala, segundo
Sweetser (1990), seria “Se [prótase], então vamos considerar que eu realizo este
ato de fala (isto é, aquele representado como apódose)”.
Deve-se ressaltar que neste trabalho se assume, ao contrário de
Sweetser, que apenas as leituras das condicionais nos domínios epistêmico e de
atos de fala são possíveis, uma vez que se considera que, ao se expressar uma
construção condicional, vai-se além da simples transmissão de conteúdos, e que
por meio dela expressa-se tudo aquilo que o emissor considera possível,
verdadeiro, falso, conhecido, pensado, lembrado ou rejeitado.
O que se pretende fazer, neste trabalho, é uma abordagem geral
das condicionais que englobe alguns dos diferentes aspectos a elas relacionados.
Tenta-se dar uma visão ampla das condicionais em funcionamento em textos reais.
É, portanto, a partir de tais pressupostos teóricos, que se procura descrever e
analisar as construções condicionais do português escrito do Brasil.
Apresentam-se, a seguir, algumas questões teóricas concernentes
às construções condicionais, como base para a análise e discussão dos dados do
córpus.
32
2. Questões teóricas
2.1. Funções da oração condicional
As noções de condicionalidade e topicidade foram pela primeira
vez relacionadas em um estudo de Haiman (1978). Nesse trabalho, Haiman afirma
que as condicionais, em inglês, são tópicos das sentenças em que ocorrem. As
definições de condicionais e de tópicos apresentadas, são, respectivamente, de
lógicos (Ramsey, 1931, Stalnaker, 1975 e Ducrot, 1972) e de lingüistas
(particularmente Chafe, 1976). Haiman postula que essas definições são
convergentes, e, sendo assim, assume que as condicionais, como os tópicos, são
dados, que constituem uma moldura de referência, sendo em relação a essa
moldura que a oração principal pode ser considerada verdadeira, se for uma
proposição, ou adequada, se não o for (Haiman 1978, p.564).
Haiman defende sua hipótese com base em princípios
morfológicos, sintáticos e lógico-semânticos, apresentando dados em diversas
línguas, do hua (Papua-Nova Guiné), passando pelo tagalogue, até o inglês, o
alemão e o japonês.
Em relação às evidências morfológicas, Haiman analisa as
condicionais hipotéticas em que se pode perceber uma marca verbal na oração
final. Em hua dois morfemas ma e mo, juntos, definem a categoria sintática
33
superficial das condicionais. A desinência ma é a marca morfológica, nos verbos,
da natureza pressuposicional da proposição. Se as condicionais são tópicos (dados,
pressuposições) de suas sentenças, então essa desinência desempenha o mesmo
papel nas prótases condicionais. Sendo assim, é a presença de tal desinência, nas
condicionais, a primeira evidência, puramente morfológica, de que as condicionais
são tópicos. Como segunda evidência morfológica, Haiman mostra o morfema mo,
uma partícula conectiva, que marca o tópico potencial, e que ocorre
invariavelmente em orações condicionais, que são consideradas, portanto, como
tópicos das sentenças em que ocorrem.
Outro ponto tratado por Haiman é a correlação, se não mesmo a
identidade, entre as condicionais e as interrogações. Seguindo Jespersen (apud
Comrie, 1986), Haiman sugere que as condicionais são perguntas com respostas
afirmativas implícitas. Assim, a marca formal de tópico em um grande número de
línguas seria, freqüentemente, um morfema ou uma construção interrogativos. E a
explicação dada para essa similaridade é que
the similarity between conditionals and questions is that conditional (like other
topics) are established in a discourse as given facts or entities with a formal
device whereby the speaker seeks the agreement of his interlocutor as to their
validity. (Haiman, 1978, p.572)1
1
“a similaridade entre condicionais e as interrogativas é que as condicionais (como outros
tópicos) são estabelecidas, em um discurso, como fatos dados ou entidades com um mecanismo
formal por meio do qual o emissor procura a concordância de seu interlocutor em relação à sua
validade.” Aqui, e doravante, tradução minha.
34
Há, segundo Haiman (1978), conexões evidentes entre tópicos e
condicionais, manifestadas em línguas em que a marca regular de condicional é
também a de tópico, como em turco e em tagalogue.
Haiman (1978) trata também da questão do deslocamento à
esquerda, ou seja, do fato de que as condicionais, como os tópicos, tendem a
aparecer em posição inicial na frase, deslocadas à esquerda, por serem informação
dada. Assim, em hua, algumas condicionais são sintática e semanticamente tópicos
das sentenças em que ocorrem. Esta é, segundo Haiman (1978), uma tendência
icônica, uma vez que o que é expresso primeiro em uma sentença é mais velho do
que aquilo que é expresso posteriormente, mesmo que seja por um instante.
Deixando de lado as marcas morfológicas e sintáticas e passando
para um campo estritamente semântico, Haiman discute as caracterizações dadas
pelos lógicos, baseadas na implicação lógica, para o significado das condicionais
comuns. É o caso de Copi (1972) que, segundo Haiman (1978), defende a
aceitabilidade de frases como
(7) Se Hitler foi um gênio militar, eu sou o tio do macaco.
que é válida, mesmo com antecedente e conseqüente falsos, sem nenhuma relação
lógica, causal ou real entre eles. Há ainda os que defendem que a implicação lógica
faz que sentenças como
35
(8) Se Hitler foi um gênio militar, Londres fica na Inglaterra.
em que o antecedente é falso, mas o conseqüente é verdadeiro, ainda que
estranhas, sejam passíveis de ocorrer.
Haiman (1978), no entanto, considera que essas explicações não
bastam, uma vez que não podem ser aplicadas a todas as condicionais comuns das
línguas. O autor diz que é a relevância, exercendo um papel de distinção no uso
das condicionais, e também em seus significados, que possibilitará perceber por
que frases como (7) são permitidas, e frases como (8), não. A distinção é um
assunto de credo pessoal. Assim, para Stalnaker
a conditional clause is in effect an instruction to add the antecedent to your
stock of knowledge and their beliefs and then to consider whether or not the
consequent is true. Your belief about the conditional should be the same as
your hypothetical belief, under this condition, about the consequent. (Stalnaker,
apud Haiman, 1978, p.580)2
2
“uma oração condicional é uma instrução para você adicionar o antecedente ao seu estoque de
conhecimentos e crenças e então considerar se o conseqüente é verdadeiro ou não. Sua crença
sobre a condicional deve ser a mesma, sob esta condição, acerca do conseqüente.”
36
A mesma definição é proposta por Ducrot,
The speaker, in uttering such a clause, is asking his listener to accept for
a time a proposition p which provisionally becomes the framework of reference
or his discourse – in particular, for the consequent proposition q. (Ducrot, apud
Haiman, 1978, p.580)3
A questão da relevância, para Ducrot, caracterizada pela invocação
de uma lei conversacional, a lei da exaustividade, diz que
... parlant d’un sujet, on donne à son interlocuteur les informations les plus
fortes dont on dispose... cette même loi peut faire comprendre pourqoi on
distingue mal le ‘suffisant’ du ‘nécéssaire et suffisant’. (Ducrot apud Haiman,
(1978, p.580)4
Sendo assim, poder-se-ia considerar que uma oração condicional
representa um mundo possível, em que a proposição é verdadeira. No entanto,
Haiman (1978) propõe uma revisão dessa definição sobre condicionais, já que, por
um lado, ela não prevê a existência de sentenças em que o conseqüente é julgado
não com base na verdade, mas com base na sua apropriação no mundo definido
pela oração condicional, e, por outro, há condicionais que são claramente nãohipotéticas, como no exemplo seguinte:
3
“O falante, enunciando tal frase, está pedindo ao seu ouvinte que aceite por algum tempo a
proposição p, que provisoriamente se torna a moldura de referência do discurso, em particular,
para a proposição q.”
4
“...ao falar sobre um assunto, dá-se ao interlocutor as informações mais importantes de que se
dispõe... essa mesma lei pode fazer compreender por que se distingue mal o “suficiente” do
“necessário e suficiente”.
37
(9) Se eu era um carpinteiro ruim, eu era um alfaiate ainda pior.
Sejam pressupostas ou não pressupostas, Haiman (1978)
caracteriza as condicionais como uma parte do conhecimento compartilhado pelo
emissor e pelo seu interlocutor. E acrescenta: como tal, constitui a moldura que foi
selecionada para o discurso seguinte.
Em relação aos tópicos, Haiman (1978) aponta a diversidade de
rótulos encontrados tanto na psicologia como na lingüística, que correspondem a
outras dicotomias, tais como tema/rema, sujeito psicológico/predicado psicológico,
pressuposição/foco. Para o autor, entretanto, duas definições, distintas e claras,
podem ser feitas:
• o tópico é aquilo sobre o que o emissor está falando – o comentário é o que é
dito sobre o tópico;
• o tópico é o dado, ou a informação velha na sentença – o comentário é a
informação nova.
Os tópicos podem ser de dois tipos, de retomada ou de
contraste, sendo que o primeiro fornece informação velha e o segundo, informação
nova, segundo Kuno (1972) e Chafe (1976). Haiman (1978), no entanto, discorda
dessa posição e, ao contrário, assume que ambos são dados. A única diferença
entre eles é o modo como são estabelecidos como tal no discurso. Os tópicos de
retomada são estabelecidos em um contexto prévio, enquanto os de contraste são
selecionados pelo falante a propósito de pensamentos que ele ainda não comunicou
38
a seu ouvinte. São, portanto, estabelecidos por concordância, que o falante, por
sua vez, deve solicitar ao ouvinte. É esta a razão de os tópicos de contraste serem
marcados como perguntas, já que são um pedido de afirmação ou reconhecimento
da existência do tópico. Assim, para Haiman (1978)
The topic represents an entity whose existence is agreed upon by the
speaker and his audience. As such, it constitutes the framework which has been
selected for the following discourse. (Haiman, 1978, p.585)5
Portanto, como se pode perceber, as definições dadas por
Haiman (1978) para condicionais e tópicos são idênticas. Definindo pressuposições
como conhecimento compartilhado entre falante e ouvinte, mesmo que apenas
provisoriamente (já que a suposição é uma pressuposição provisória), o autor
considera que os tópicos, como as orações condicionais, são pressuposições de
suas sentenças.
5
“O tópico representa uma entidade com cuja existência o emissor e seus ouvintes concordam.
Como tal, constitui a moldura que foi selecionada para o discurso seguinte.”
39
2.1.1. A polêmica
Ponto de partida para outros estudos, muitos dos argumentos e
definições de Haiman foram refutados ou rediscutidos. Assim, é com o intuito de
rever pontos apresentados por Haiman, que Akatsuka (1986), Ford e Thompson
(1986), Sweetser (1990) e Schiffrin (1992a) constróem seus trabalhos, como se´ra
visto nas seções que se seguem.
2.1.1.1 Os estudos de Akatsuka (1986): análise da semântica das condicionais
Akatsuka (1986) pretende demonstrar que a análise de Haiman
(1978) da semântica das condicionais é inadequada, principalmente por não ter
considerado suficientemente dois fatores, o contexto precedente e a atitude do
falante. A autora ressalta a relação entre as condicionais e as interrogativas e a
questão da classificação dos tópicos em tópicos de contraste e de retomada.
Quanto às interrogações, Akatsuka (1986) afirma que, entre elas
e as condicionais, há uma relação muito estreita. Haiman (1978), baseando-se em
Jespersen (1940), considera as condicionais como interrogativas com respostas
positivas implícitas e assume que esse fenômeno não pode ser explicado por
nenhuma equivalência semântica entre as duas categorias, mas ocorre em razão da
identidade das condicionais com os tópicos. Para Akatsuka (1986), no entanto, tais
interrogativas são marcadas. Em interrogativas não-marcadas, o emissor não sabe
40
a resposta com antecedência, apenas em uma prótase dada contextualmente é que
a resposta pode ser dada, pelo emissor, ao seu interlocutor. Assim, já que tanto
Haiman (1978) como Jespersen (1940) falharam, do ponto de vista de Akatsuka
(1986), por não considerarem a existência de uma prótase, contextualmente dada,
sua hipótese não pode explicar por que condicionais podem ser substituíveis, em
ocorrências do tipo
(10) B: Ele virá?
A: Ele virá? Então eu ficarei.
A: Se ele virá, então eu ficarei.
Akatsuka (1986) defende que é precisamente o significado abstrato compartilhado,
isto é, a incerteza, o fato de a situação ser não-controlável pelo falante, o fator
responsável pela relação próxima entre condicionais e interrogações.
Akasutka (1986) faz, então, uma distinção entre tópicos de
contraste e de retomada. Para Haiman (1978), não há necessidade de distinguir as
duas categorias, já que ele assume que os tópicos, todos, são informação velha.
Akatsuka (1986), por outro lado, sugere que o que une esses dois tipos de tópico é
que ambos são sobre X, ou seja, tanto o de contraste quanto o de retomada são
tópicos porque ambos são sobre X. Mas Haiman (1978) os vê como tópicos
porque, além de serem sobre X, ambos apresentam informação dada. E para
Akatsuka (1986), as condicionais são tópicos apenas no sentido de serem sobre
41
algo, ou seja, no sentido de aboutness. Sendo assim, Akatsuka (1986) conclui que
nem todos os tópicos são dados, como o quer Haiman (1978).
Segundo Akatsuka (1986), embora a maior preocupação de
Haiman (1978) tenha sido a noção discursiva de tópico, a análise semântica que ele
faz é essencialmente estática e não orientada discursivamente. E, para Akatsuka
(1986), isso ocorre porque Haiman (1978) tentou unificar a análise dos lógicos
sobre a semântica das condicionais ao estudo dos lingüistas sobre os tópicos, ou
seja, sob análise de Haiman (1978) estava o credo de que as condicionais podem
ser tratadas pelo domínio da lógica matemática.
2.1.1.2. A análise de Ford e Thompson (1986): as condicionais em um estudo
baseado em textos.
Ford e Thompson (1986) afirmam que o que falta em Haiman
(1978) é uma perspectiva do funcionamento das condicionais em textos autênticos
e naturais, embora considerem que a proposta representa uma evidência da função
discursiva das condicionais. Em seu trabalho, testam a proposta de Haiman (1978)
em textos escritos e falados do inglês, analisando quais tipos de condicionais
ocorrem e como se relacionam com o contexto discursivo.
Em termos discursivos, as autoras definem tópicos como
constitutivos de uma concordância sobre a “imutabilidade” da informação que
estão codificando, sendo esta a propriedade que lhes permite servirem de moldura
para o discurso subseqüente, função que Haiman (1978) corretamente lhes atribui.
42
Nesse sentido, Chafe (1984) sugere que as condicionais podem funcionar como
orientadoras do discurso (guideposts), isto é, resumem o que foi dito
anteriormente e, ainda, relacionam-se com o discurso subseqüente. É o que Decat
(1993) chama de guias. As condicionais exercem, portanto, uma função discursiva
anafórica e servem como uma ponte de transição. Além disso, essas “condicionaisguias” podem funcionar como reparadoras do discurso anterior, uma vez que,
nesses casos, são repetidas não em sua forma mas, sim, em seu conteúdo.
Para Ford & Thompson (1986), este modo de ver os tópicos,
como uma estratégia de comunicação, elimina um dos maiores problemas no uso
da noção de tópico para se entender a função discursiva das condicionais: o fato de
que essa noção não é teoricamente estável, isto é, cada autor adere a uma definição
ou outra.
O ponto principal na análise de Ford e Thompson (1986) é a
posição das orações condicionais. Procuram observar que tipos de relações as
condicionais contraem com o discurso precedente, no caso das antepostas, e com o
discurso subseqüente, nas pospostas. Para tanto, as autoras usam a noção de
tópico, que consideram como o conhecimento partilhado que serve de moldura
para o material subseqüente. Assim, tentam mostrar que as condicionais antepostas
em textos escritos do inglês, fornecem uma informação considerada como
partilhada, de quatro maneiras6:
6
As autoras apresentam, em seu texto, exemplos para o inglês. Entretanto, preferiu-se utilizar,
nesse ponto, ocorrências do córpus para ilustrar os tipos de tópicos .
43
1. repetindo-se uma afirmação presente antes no texto: tópico de retomada
(282) Essa doutrina nega que o desenvolvimento mental consista
meramente em um processo de desdobramento, ou que a
mentalidade se desenvolva no vazio. (...) Ao contrário afirma que as
condições de seu cultivo são por si mesmas parte integrante do
processo. Se essa teoria não fosse verdadeira, seria necessário
abandonar a idéia de que a educação é algo mais que aquisição de
informação. (AE/LT)
2. oferecendo-se algo que contraste com uma afirmação anterior: tópico de
contraste
(299) Essa “tendência para antropomorfizar”, utilizando as palavras
de P. Veyne, o produto do trabalho humano decorre, como vimos
no primeiro capítulo, da própria ambigüidade essencial do artefato:
a um só tempo faz parte do universo físico, enquanto matéria, e
humano, enquanto produto do trabalho e mediador das relações
sociais. No entanto, se considerarmos que o motor da
modificação tipológica se encontra na dinâmica das relações
sociais e econômicas – como na década de 70 propuseram
Klein, Binford e Schiffer – então a concepção de desenvolvimento
endógeno do artefato representa fetichização. (ARQ/LT)
44
3. dando-se uma exemplificação de uma generalização anterior: tópico de
exemplificação
(329) Não de pode negar que tem a organização do espaço de fazer
com que se reproduzam suas principais linhas de força. Se
examinarmos, por exemplo, os mapas de distribuição do
povoamento durante quatro séculos e meio de história
moderna da Venezuela, vemos que as manchas representativas da
presença humana no território são repetidas. (PGN/LT)
4. explorando-se opções, que foram disponibilizadas anteriormente: tópico de
alternativa ou de opção
(53) Mané Gorila: Ontem mesmo dei dez contos do meu bolso pra
comprar bancos pra escolinha lá do morro. Se
vocês ficassem aqui, eu era até capaz de fazer
uma escola aqui também. É preciso ensinar essas
crianças a ler. Sem saber ler elas não vão poder
votar amanhã. (IN/LD)
As condicionais aparecem pospostas quando a questão do
conhecimento partilhado não é tão marcante, isto é, parece ser menos importante
que outras considerações, como:
45
1. o encaixamento da oração condicional em orações nominais, reduzidas de
infinitivo ou adjetivas;
2. a extensão da oração condicional (quando for mais longa, a condicional aparece
em posição final);
3. a presença de sintagmas nominais “pesados”, e, assim, mais informativos, na
oração núcleo, que fazem que assuma a posição inicial.
Assim, Ford & Thompson (1986) consideram que a afirmação de
Haiman (1978) de que as condicionais são tópicos constitui um ponto de partida
produtivo para a investigação das funções discursivas das condicionais em textos
escritos e falados do inglês. Percebe-se que as autoras definem a função de tópico
das orações condicionais do ponto de vista do conhecimento partilhado entre o
emissor e seu interlocutor e não tratam do estatuto informacional da condicional,
mas sim da posição em que as condicionais aparecem nos textos escritos do inglês
e de sua relação com os discursos antecedente e subseqüente.
Dessa forma, as autoras assumem que as orações condicionais
antepostas funcionam como tópicos das construções em que são atualizadas,
enquanto as condicionais pospostas, por não apresentarem uma conexão clara com
os discursos antecedente e subseqüente, não. Na verdade, segundo Ford &
Thompson (1986), as condicionais pospostas podem até apresentar algo que é
partilhado, mas que não é tão importante ou crucial para o entendimento da oração
núcleo. Nas palavras de Ford & Thompson (1986)
46
one thread which runs throughout the cases of non-initial conditionals in
the data is the question of the degree to which information in an if-clause may be said to be
shared or background information in the discourse. Non-initial conditionals may tend to occur in
places where such background is either less crucial to the understanding of the main clause, or
where the material is more felicitously placed at the beginning of an utterance. (Ford &
Thompson, 1986, p.370)7
2.1.1.3. A análise de Schiffrin (1992a): a ênfase na noção de dadidade
Schiffrin (1992a), examinando a proposta de Haiman (1978),
afirma que a ênfase em dadidade como um critério de definição de tópico levanta
mais problemas do que os soluciona, uma vez que a determinação do estatuto
informacional (dado ou novo) é difícil. Para tanto, é preciso um sistema regulado,
regrado e, acima de tudo, utilizável. A dificuldade principal decorre do fato de que
a decisão do emissor de como tratar uma porção de informação não é objetiva.
Além disso, a relação do emissor com a língua tem um caráter reflexivo, ou seja, o
que foi dito em um ponto do tempo não apenas reflete o que era conhecido
naquele tempo, mas também cria o que será conhecido em um próximo ponto do
tempo. Essa reflexividade significa que o que foi assumido como compartilhado
está continuamente mudando por meio do discurso, e, desse modo, os
7
“Um ponto que perpassa os casos de condicionais não-iniciais nos dados é a questão do grau em
que a informação contida em uma oração condicional pode ser tomada como informação
partilhada ou de fundo no discurso. Condicionais não-iniciais tendem a ocorrer em lugares em
que tal fundo é menos crucial para o entendimento da oração principal, ou onde o material é mais
adequadamente colocado em posição inicial na sentença.”
47
participantes devem sempre alterar suas assunções a respeito do conhecimento do
outro.
Apesar das dificuldades em definir e operar o estatuto
informacional, muitos estudos propõem que a organização de uma sentença segue
a ordem velho → novo, em que os falantes começam com informação dada e
seguem com informação nova, o que favorece a relação entre tópico e estatuto
informacional.
Essa ordem frasal dado/novo não foi, segundo Schiffrin (1992a),
devidamente caracterizada por Haiman (1978), que ignora a possibilidade de as
condicionais serem tópicos apenas quando a prótase é anteposta à apódose, ou
seja, apenas em seqüências do tipo “se p, q”. Comrie (1986) afirma que as formas
não-marcadas das construções condicionais têm a prótase antes da apódose. Para
Schiffrin (1992a), a ordem frasal dado/novo sugere que essa ordem não-marcada
se deve à dadidade de p. No entanto, o mesmo significado, a mesma nãofactualidade e a mesma dependência entre os eventos podem ser observados
quando a apódose antecede a prótase. E a ordem dado/novo mostra que os
emissores usam “q, se p” por razões também ligadas ao estatuto informacional, isto
é, a dadidade de q e a novidade de p. Sendo assim, segundo Schiffrin (1992a),
comparar a ordem frasal nas condicionais é um ponto fundamental para se chegar
ao seu estatuto de tópico: se uma oração condicional exerce a função de tópico,
em qualquer posição, então tem-se a evidência de que as condicionais são mesmo
tópicos das construções em que ocorrem; se, por outro lado, uma oração
48
condicional exerce a função de tópico apenas quando está anteposta, tem-se a
evidência da ordem dado/novo.
Para Schiffrin (1992a) há cinco tipos de tópicos, relacionados ao
aspecto da comunicação focalizado e ao nível do código em que o tópico foi
percebido. São eles:
• Tópicos de entidade: relacionam-se a uma pessoa, a um objeto ou a uma idéia,
isto é, relacionam-se ao assunto da mensagem, no nível da proposição,
codificada em uma sentença. Sintaticamente são gramaticalizados como
sujeitos, marcados morfologicamente, ou encontrados em posição inicial na
frase. Semanticamente são agentes, mais que pacientes ou instrumentos.
• Tópicos proposicionais: precedem comentários, são proposições codificadas no
nível oracional ou frasal. São subordinados sintaticamente e, portanto, trata-se
do nível de tópico mais diretamente relacionado às condicionais.
• Tópicos textuais: são as molduras gerais, que subjazem a um texto inteiro,
comparáveis, em alguns casos, aos títulos de histórias. Embora devam estar
refletidos em palavras e frases no discurso, nem sempre são codificados. Ao
contrário, os tópicos textuais devem, de alguma forma, ser semanticamente e/ou
estruturalmente deriváveis, de tal modo que tudo no discurso possa ser visto
como relacionado a eles.
• Tópicos do falante: relacionam-se ao assunto sobre o qual o emissor está
falando ou sobre o qual os interlocutores estão falando.
•
Tópicos interativos: são os tópicos intersubjetivos, ou seja, construídos por
meio da interação do emissor com um outro.
49
Os tópicos são criados pelo discurso. É a interação entre os
falantes e os ouvintes que cria as estruturas e os significados da fala, e, desse
modo, cria a moldura em que a mensagem, sobre algo pode ser entendida. E os
tópicos, da mesma forma, são mantidos interativamente.
Com essa perspectiva das condicionais, criadas e mantidas no
discurso e pelo discurso, Schiffrin (1992a) faz uma reanálise dos tópicos de
contraste e de retomada, de modo a diferenciar os tipos de dadidade, de acordo
com suas relações com tipos mais altos de tópicos (textual, proposicional,
interativo). Ao aplicar sua classificação de tópicos, Schiffrin (1992a) considera que
uma informação não pode ser tratada como dada simplesmente porque é
apresentada no momento da expressão, como o faz Haiman (1978), mas sim
porque é parte de um conjunto, isto é, parte de um nível de tópico mais elevado.
Analisar as condicionais em diferentes estruturas do discurso também se mostra
relevante porque, se a subordinação realmente gramaticaliza a estrutura hierárquica
do discurso, como consideram Mathiessen & Thompson (1988), é preciso saber
em que tipos de discurso tal processo ocorre, uma vez que nem todos os tipos de
discurso são estruturados da mesma forma.
50
2.1.1.4. A visão de Sweetser (1990): o grau e a natureza da identificação entre
prótases e tópicos
A identificação das condicionais com os tópicos, feita por
Haiman (1978), foi, segundo Sweetser (1990), revolucionária, porque formulou
explicitamente um protótipo para as condicionais que não tem relação alguma com
a condicionalidade lógico-formal. No entanto, Sweetser (1990) afirma que as
condicionais parecem ser mais complexas do que Haiman (1978) sugere, e sendo
assim, trata-as de acordo com o grau e a natureza da identificação entre prótases e
tópicos. Sweetser (1990) propõe que a condicionalidade significa coisas diferentes
em diferentes domínios – o de conteúdo, o epistêmico e o de atos de fala– e que o
grau de convergência entre a condicionalidade e a topicidade precisa ser entendido
contra um fundo da ambigüidade entre esses três domínios.
Sweetser (1990) define tópico como qualquer unidade lingüística
que expressa um pano de fundo (background) em relação ao qual algo mais é
apresentado. Tal fundo não precisa ser dado, no sentido de ter sido aceito como
certo na mente do falante e do ouvinte, tal como afirma Haiman (1978). Uma
prótase é dada no sentido de que sua aceitação, mesmo que hipotética, deve
preceder qualquer consideração a respeito do conteúdo da apódose, ou seja, é
dada apenas em relação à apódose, é uma condição suficiente para o
preenchimento da apódose. Para Sweetser (1990), apenas as prótases epistêmicas e
de atos de fala são dadas, enquanto as de conteúdo sempre se mantêm ao menos
51
um pouco hipotéticas. Isto ocorre porque há razões sociais para se apresentarem
atos de fala e conclusões como condições, mesmo quando se sabe ou se acredita
que a pré-condição é verdadeira, enquanto há também razões sociais fortes para
não se apresentarem eventos do mundo real como condicionais, a menos que a précondição seja realmente hipotética. Pode ser adequado para os falantes, então,
apresentarem as condicionais dadas nos domínios epistêmico e de atos de fala,
porque condicionais nesses domínios servem a determinados propósitos, como
expressar as razões do falante, seu conhecimento, assim como evitar que o falante
seja rude ou mal educado com o seu ouvinte.
O que Sweetser (1990) sugere, pois, é que muitos dos paralelos
feitos por Haiman (1978) entre topicidade e condicionalidade podem ser
explicados pelo exame das extensões funcionais da semântica de orações
condicionais, nos domínios de atos de fala e epistêmico.
52
2.1.2. Condicionais: outras funções discursivas
Segundo Ford & Thompson (1986), as condicionais nãoantepostas – pospostas ou intercaladas – possuem função semântica mais restrita
que as condicionais antepostas, pois realçam, enfatizam e até mesmo restringem a
oração núcleo ou algum componente dela. Em análise das orações concessivas no
português escrito do Brasil, Zamproneo (1998) assume que estas podem funcionar,
quando pospostas e intercaladas, como afterthoughts, ou adendos (Chafe, 1984).
Nesses casos, o emissor faz uma declaração na qual se propõe realizar um ato
performativo no futuro, ou seja, o emissor faz uma promessa, assume um
compromisso e, a seguir, pesando as possíveis objeções ao cumprimento da
promessa, volta à sua declaração e introduz um novo ponto de vista. Segundo
Neves (1997c), um afterthought tem a função de aportar conteúdos ou argumentos
novos após aparentemente concluída uma primeira porção do enunciado, e após
uma quebra marcada no andamento da fala. Acredita-se que, como as concessivas,
também as condicionais pospostas e intercaladas podem desempenhar essa função
“reparadora”. Nesse sentido, as orações condicionais poderiam, então, funcionar
como adendos restritivos, que restringem o significado da oração núcleo, e como
adendos ampliadores, que generalizam e ampliam o significado da oração núcleo.
Diante de diferentes posições, neste trabalho assume-se, com
Ford & Thompson (1986) que, embora Haiman (1978) não tenha considerado
53
suficientemente dois fatores, o contexto precedente e a atitude do falante, sua
análise das construções condicionais constituiu o ponto de partida para que se
passasse a tratá-las levando-se em conta o discurso. A partir dessa consideração, é
possível afirmar, com Schiffrin (1992a), que as condicionais, assim como os
tópicos, são criadas e mantidas no discurso e pelo discurso, uma vez que é a
interação entre os falantes e os ouvintes que cria a moldura em que a mensagem
pode ser entendida. Assume-se, então, que as orações condicionais podem
funcionar como tópicos no sentido de aboutness (Akatsuka, 1986) e não no
sentido de giveness (Haiman, 1978), uma vez que não se referem apenas ao que foi
dado no discurso imediatamente precedente ou ao conhecimento que é
compartilhado entre falante e ouvinte mesmo provisoriamente, mas se referem a
uma porção de informação sobre a qual já se disse algo anteriormente. Por outro
lado, assume-se que as orações condicionais também podem funcionar como
adendos, já que aportam, de certa forma, informações ainda não veiculadas e que
servem como uma ressalva ou uma ampliação do significado da oração núcleo.
Assim, considera-se, neste trabalho, que as orações condicionais podem
desempenhar as funções de tópicos de contraste, tópicos de retomada, tópicos
de exemplificação, tópicos de alternativa ou opção, e também podem funcionar
como adendos restritivos ou ampliadores. Pode-se estabelecer, então, a hipótese
de que a função discursiva desempenhada pela oração condicional está intimamente
ligada à ordem frasal utilizada, que reflete uma escolha do falante/escritor na
organização de seu discurso. Assim como a função da oração condicional, também
54
seu grau de hipoteticidade tem uma forte ligação com a ordem das orações dentro
da construção condicional. É o que se discute a seguir.
55
2.2. Graus de hipoteticidade
Segundo Comrie (1986), muitos estudos sobre as condicionais
fazem uso de oposições dos tipos: real x irreal ou real x hipotética x
contrafactual. Essas oposições se referem aos diferentes graus de hipoteticidade
da verdade das proposições inter-relacionadas. Todos esses estudos consideram
que o grau de hipoteticidade pode ser dividido em dois ou três tipos. Comrie
(1986) afirma que a hipoteticidade é um contínuo, em que não há divisões claras
ou discretas entre os tipos, e que as diferentes línguas simplesmente distinguem
diferentes graus de hipoteticidade ao longo desse contínuo, de modo que a escolha
por uma forma é determinada mais por uma avaliação subjetiva do que pela própria
semântica da condicionais.
Hipoteticidade, nos termos de Comrie (1986), é o grau de
probabilidade de realização
das situações referidas na condicional,
e,
especialmente, na prótase. Usa-se a convenção de que maior hipoteticidade
significa
menor
probabilidade,
e
menor
hipoteticidade
significa
maior
probabilidade. Desse modo, uma sentença factual representaria o menor grau de
hipoteticidade, enquanto uma contrafactual representaria o mais alto grau.
Comrie (1986) afirma, no entanto, que as condicionais nunca
expressam factualidade em nenhuma de suas proposições constituintes. O fato de
que uma ou outra das proposições possa ser verdadeira pode ser percebido
independentemente da condicional, por exemplo, por meio do contexto verbal
56
restante ou por outras fontes. Indo mais longe, Comrie (1986) afirma que as
condicionais são também incapazes de expressar contrafactualidade. A partir de
exemplos de contrafactuais do inglês, tenta demonstrar em que baseia essa
afirmação. É o que se expõe a seguir.
O autor afirma que são ausentes do inglês as condicionais
realmente contrafactuais, isto é, construções condicionais nas quais a falsidade,
tanto da prótase quanto da apódose, pode ser deduzida apenas logicamente.
Segundo Comrie (1986), há, em inglês, duas possíveis “candidatas” a
contrafactuais:
• as condicionais com tempo passado (indicativo ou subjuntivo) na prótase e
modo condicional na apódose;
• as condicionais com mais-que-perfeito na prótase e modo condicional perfeito
na apódose.
No
primeiro
caso,
Comrie
(1986)
considera
fácil
mostrar
como
a
contrafactualidade pode ser cancelada. Observe-se o seguinte exemplo, em inglês:
(11) A: Will you buy me a beer?
B: If you gave me a kiss, I’d buy you a beer.
Nesse exemplo, é improvável que a expressão de B seja interpretada como
contrafactual, isto é, como se indicasse a falsidade da proposição na qual B afirma
que vai comprar uma cerveja para A. Na verdade, essa expressão, em particular,
pode ter sido usada por B, provavelmente, como um modo de induzir A a beijar B
57
e, assim, B estaria comprometido a comprar uma cerveja para A. B poderia ter dito
também:
(12) B: If you give me a kiss, I’ll buy you a beer.
O que é crucial, segundo Comrie (1986), é a possibilidade da versão usada pelo
falante B no diálogo (11), já que ela é mais hipotética que a sua alternativa, o
exemplo (12), isto é, sugere uma probabilidade mais baixa de A beijar B, o que,
nas circunstâncias dadas, pode ser usado por B para evitar uma ofensa à moral de
A.
Para a segunda “candidata” a condicional contrafactual, é
também fácil mostrar, segundo Comrie (1986), que a contrafactualidade não é
parte do significado da apódose, como pode ser visto no exemplo, a seguir, em
inglês,
(13) (Even) if I had had a million dollars, I (still) wouldn’t
have given you the money you asked for.
A interpretação mais plausível para essa sentença (especialmente se o even ou o
still, ou ambos, estiverem incluídos) é que o emissor não deu o dinheiro pedido,
isto é, que a apódose é verdadeira. Para Comrie (1986), é mais difícil achar
exemplos convincentes nos quais a prótase não é necessariamente falsa, e os
julgamentos do emissor pareçam variar de alguma forma. Para muitos, no entanto,
o exemplo seguinte, do inglês, poderia ter essa interpretação:
58
(14) If the butler had done it, we would found just the clues
that we did in fact find.
A oração núcleo torna claro que as pistas em questão foram, de fato, encontradas,
isto é, que a apódose é verdadeira; a oração também deixa aberta a interpretação
de que o mordomo possa ter feito algo. Desse modo, para Comrie (1986), essa
construção não tem a contrafactualidade como parte do significado da prótase ou
da apódose.
Comrie (1986) considera interessante especular por que a
contrafactualidade é uma implicatura mais forte em condicionais que têm referência
temporal passada do que naquelas que têm referência temporal futura, ou naquelas
que têm referência temporal presente, e que ocupam uma posição intermediária.
Segundo o autor esse fato , possivelmente, está ligado à expectativa de que alguém
possa ter uma certeza maior a respeito de eventos passados que de eventos
futuros, de modo que uma situação passada que é não-factual será provavelmente
contrafactual, enquanto uma situação futura que é não-factual provavelmente será
deixada em aberto.
Percebe-se que, segundo Comrie (1986), o fato de uma
construção condicional ter o grau mais alto de hipoteticidade não implica que sua
interpretação seja contrafactual. Assim, Comrie (1986) questiona se há a
possibilidade de se fazer uma correlação inversa, ou seja, se se pode dizer que uma
59
situação que é interpretada como contrafactual se realiza por meio de uma
construção com o grau mais alto de hipoteticidade. Para o autor, a resposta a essa
questão é negativa, como se pode observar pelo diálogo, em (24), em inglês:
(15) A: Are we in Bolivia now?
B: If Brasilia is the capital of Bolivia, then we’re in Bolivia.
Pode-se considerar que a construção usada por B seja sarcástica, isto é, B sabe que
estão em Brasília, capital do Brasil, e, portanto, usa de ironia ao responder a
pergunta de A. As proposições são, então, contrafactuais, B sabe que são
contrafactuais, e mais, B acredita que A saiba ao menos que a proposição ‘Brasília
é a capital da Bolívia’ é contrafactual, ou o sarcasmo estaria perdido. O que é
importante a respeito desse exemplo é que a expressão de B deixa completamente
em aberto se Brasília é a capital da Bolívia ou não, e, desse modo, não expressa
contrafactualidade. De fato, o sarcasmo está precisamente no conflito entre o
caráter aberto da prótase e o conhecimento factual de que Brasília não é a capital
da Bolívia. Esse exemplo serve para enfatizar que o emissor expressa um certo
grau de hipoteticidade, ao escolher um dado grau de hipoteticidade dentro de
construções condicionais; esse grau de hipoteticidade expresso não precisa
corresponder ao credo real do falante, e muito menos ao mundo real.
Segundo Comrie (1986), há línguas, como o mandarim, que não
fazem distinção entre os graus de hipoteticidade. Essas línguas fazem uso de uma
forma única para se referirem ao que é factual, eventual ou contrafactual. No
60
entanto, o mais comum nas línguas é a distinção do grau de hipoteticidade em duas
direções, ao menos, ou em três direções.
Para Comrie (1986), há, por um lado, as condicionais, em inglês,
que são completamente abertas, isto é, em que a prótase é simplesmente
estabelecida como uma hipótese, sem nenhuma afirmação da verdade, falsidade ou
probabilidade da prótase. Em discurso real, tais condicionais parecem ser raras,
mas em inglês, ao menos, elas têm algumas propriedades distintivas. Em particular,
em inglês tais prótases contêm um tempo futuro (com will), embora normalmente
tempos futuros não ocorram em prótases, sendo substituídos pelo presente, exceto
em circunstâncias altamente restritivas. Usualmente, a proposição contida na
prótase foi anteriormente introduzida no discurso, como em:
(16) A: The Universe won’t come to an end for several million years
yet.
B: If it won’t come to an end for several million years, we’ll
still be able to go to Florida this winter.
É importante notar que B está simplesmente aceitando, com o
propósito de argumento, a hipótese de que a proposição de A é verdadeira. O
diálogo sobre ‘Brasília – Bolívia’ é um outro exemplo desse tipo completamente
aberto de condicional, em que B, no entanto, não aceita a verdade da proposição
‘Brasília é a capital da Bolívia’. Em condicionais completamente abertas desse tipo,
61
o inglês simplesmente usa a forma verbal que seria usada em uma oração
independente, que expressasse a mesma proposição.
Por outro lado, há as condicionais que se relacionam com a
avaliação que o emissor faz sobre a probabilidade da situação referida pela prótase.
Nessas condicionais, em inglês, faz-se a distinção entre hipoteticidade mais alta e
mais baixa.
Hipoteticidade mais baixa relaciona-se a maior probabilidade de
ocorrência e envolve o indicativo, sem nenhum recuo (backshifting) no tempo,
como mostra o seguinte exemplo:
(17) If you come tomorrow, you’ll be able to join us on a picnic.
O tempo passado, nas condicionais com baixa hipoteticidade, é usado apenas se
existe mesmo referência temporal passada, como se pode perceber no exemplo
seguinte:
(18) If the students came on Fridays, they had oral practice
in Quechua.
As condicionais com grau de hipoteticidade mais alto envolvem
recuo no tempo, de tal modo que, com referência temporal futura, encontra-se o
tempo passado na prótase (que corresponde ao tempo presente das condicionais
com hipoteticidade mais baixa) e o modo condicional na apódose (que
corresponde, por sua vez, ao futuro das condicionais que têm hipoteticidade mais
62
baixa). Com referência temporal presente são encontradas as mesmas formas. Com
referência temporal passada, pode-se encontrar o mais-que-perfeito na prótase e o
modo condicional perfeito na apódose. Observem-se os exemplos em inglês:
(19) If you came tomorrow, you’d be able to join us on a picnic.
(20) If the students came on Fridays, they would have oral practice
in Quechua.
(21) If the students had come on Friday they would have had oral
practice in Quechua.
Pelo que foi exposto, percebe-se que, para Comrie (1986), as
condicionais não expressam factualidade ou contrafactualidade por si mesmas. O
fato de uma condicional ser verdadeira ou falsa pode ser percebido pelo contexto
verbal ou por meio de outras fontes. Em outras palavras, Comrie (1986) afirma
que tanto a factualidade como a contrafactualidade não podem ser deduzidas
apenas logicamente. Dessa forma, ele mostra que a contrafactualidade pode ser
facilmente cancelada, dependendo da leitura que se faz de uma determinada
oração. O que parece ser crucial, nesse ponto de vista, é a avaliação subjetiva que
o emissor faz da situação comunicativa, que o leva a escolher a melhor forma de
expressar a verdade ou a falsidade de uma proposição. Comrie (1986) estabelece,
então, um contínuo hipotético, dentro do qual não há categorias discretas e
estanques, e considera, para o inglês, que esse contínuo segue duas direções: de
63
um lado, as condicionais abertas e, de outro, as condicionais com o grau mais alto
e o grau mais baixo de hipoteticidade.
Neste trabalho, assume-se, com Comrie (1986), que a
hipoteticidade constitui um contínuo, que vai do grau mais baixo, ou seja, as
factuais, até o grau mais elevado de hipoteticidade, ou seja, as contrafactuais. No
entanto, por uma questão de sistematicidade na análise, na classificação das
orações condicionais do córpus, assume-se que, entre os conteúdos da prótase e da
apódose
há
uma
relação
do
tipo
“condição
para
realização
→
conseqüência/resultado da resolução da condição enunciada” (Neves,1999b), e
que há três tipos de construções ligadas às condicionais:
a) as factuais: dada a
realização/a
verdade de p,
segue-se
necessariamente, a realização/a verdade de q;
b) as contrafactuais: dada a não realização/a falsidade de p, segue-se,
necessariamente, a não realização/a falsidade de q;
c) as eventuais: dada a potencialidade de p, segue-se a eventualidade de
q. (Neves,1999b, p.1)
Assim, deve-se verificar quais os tipos condicionais são mais
freqüentes no córpus deste trabalho, acreditando-se que esses diferentes tipos de
condicionais podem mostrar diferenças entre os tipos de literatura aqui analisados.
Supõe-se, por exemplo, que um texto técnico apresente um menor número de
condicionais contrafactuais que um texto dramático. Deve-se, também, determinar
64
a relação entre os tipos de condicional e a ordem em que a construção condicional
é codificada. A hipótese é que o uso dos diferentes tipos de condicional possa
favorecer a realização de uma ou outra ordem (ordem marcada ou não-marcada).
Vai-se tentar mostrar a existência do contínuo proposto por Comrie (1986), que
faz que a classificação se torne, de certa forma, mais “clara”, uma vez que
considera as categorias como não-discretas.
Na análise dos dados, faz-se, ainda, o contraste entre os tipos de
condicionais e os tempos e modos verbais utilizados nas orações núcleo e
condicional. Acredita-se que os falantes usam tempos e modos verbais específicos
para expressarem um determinado credo pessoal. Segundo Brandão (1963), no
modo real ou factual a condição é tida como certa e, portanto, usam-se os tempos
do indicativo. No modo potencial ou eventual, a condição é possível, sendo
realizada pelo futuro do subjuntivo. Já no modo irreal ou contrafactual, a situação
seria mais bem expressa no imperfeito do subjuntivo, porque se refere a uma
condição inexistente. Pretende-se, então, verificar quais são as correlações modotemporais mais utilizadas nos diferentes tipos de condicional, de modo a
determinar as possíveis conseqüências desses fatos no estabelecimento de uma
tipologia textual. A questão das correlações modo-temporais características das
construções condicionais é discutida na seção seguinte.
65
2.3. Relação entre tempos e modos verbais
Alguns gramáticos tratam as condicionais sob o ponto de vista
dos tempos e modos verbais utilizados. São autores como Said Ali (1964), Garcia
(1974) e Neves (1999d), que descrevem a variedade de tempos e modos verbais
que realizam as condicionais. De certa forma, as análises desses autores diferem
daquelas encontradas nas gramáticas chamadas normativas, por não apresentarem
apenas uma listagem de conjunções passíveis de serem usadas na classificação das
orações condicionais, causais, temporais, etc.
Para Said Ali (1964), o presente ou o pretérito do indicativo são
usados quando as condicionais expressam fatos que existem em um momento
presente ou que existiram em um momento anterior. A correlação entre futuro do
subjuntivo, na oração condicional, e futuro do indicativo, na núcleo, marca as
ocorrências em que se expressa algo que é esperado ou possível de acontecer. Já a
correlação de imperfeito do subjuntivo, na condicional, com futuro do pretérito, na
núcleo, está presente nas ocorrências que se relacionam a fatos inexistentes ou
improváveis.
Garcia (1974), por sua vez, relaciona os tempos e modos verbais
ao tipo de conjunção utilizada. Assim, nas condicionais introduzidas por se o verbo
deve estar no imperfeito ou no futuro do subjuntivo. De acordo com o autor, as
66
orações com se são as únicas que podem aparecer com qualquer tempo do modo
indicativo.
Segundo Comrie (1986), dois conjuntos de condicionais, em
inglês, são os mais básicos e, dessa forma, os mais usados em discursos reais. São
esses conjuntos os citados pela maioria das gramáticas, que, por muitas vezes,
restringem a eles seus exemplos. De um lado, há o conjunto composto pelas
condicionais com alto grau de hipoteticidade, e referência temporal não-futura; de
outro, há o conjunto das condicionais com baixo grau de hipoteticidade, e
referência temporal futura. Para Comrie (1986), o interessante é que, nas
condicionais com alto grau de hipoteticidade, há uma perda de distinções
temporais. É o que acontece, por exemplo, em russo, cujas condicionais, com
exceção daquelas altamente hipotéticas, apresentam uma clara distinção entre os
tempos presente, passado e futuro. Comrie (1986) postula, então, que há uma
neutralização, ou seja, que ocorre uma redução temporal.
Nas condicionais com alto grau de hipoteticidade ocorre, segundo
Comrie (1986), um recuo temporal (backshifting), isto é, usam-se verbos marcados
morfologicamente como tempo passado, com referência temporal presente (ou
futura) e verbos no mais-que-perfeito, com referência temporal passada. Observemse os exemplos, do inglês:
(22) If he came, I would run away.
(23) If he had come, I would have run away.
67
Para Comrie (1986), nas condicionais com baixo grau de
hipoteticidade, a referência temporal futura pode ser expressa de quatro maneiras, e
a apódose continua no futuro do indicativo:
a. pelo próprio tempo futuro:
(24) Se você falará, eu te escutarei.
b. pelo tempo presente, com referência ao futuro:
(25) Se você fala, eu te escutarei.
c. pelo tempo presente, em modo não-indicativo (para o armênio):
(26) (Que) você fale, eu te escutarei.
d. pelo futuro do subjuntivo:
(27) Se você falar, eu te escutarei.
López García (1994) faz uma classificação das orações espanhol,
entre elas as condicionais. Tenta identificar quais correlações modo-temporais
podem ser realizadas pelas construções condicionais, estabelecendo que tais
correlações podem indicar um tipo determinado de condicional. Em outras
palavras, para ele as condicionais podem ser classificadas de acordo com a
modalidade que expressam, e, assim, o tempo e o modo verbal utilizados, tanto na
prótase quanto na apódose, definiriam o tipo de condicional. As condicionais
podem ser, segundo López García (1994), condicionais deônticas, aléticas,
epistêmicas e dinâmicas.
68
Para o autor, nas condicionais deônticas a prótase é a expressão
de uma promessa ou de uma recomendação do falante, de uma ordem dirigida ao
ouvinte. A realização do ato ilocucional supõe que o enunciado seja modalizado
deonticamente, já que expressa uma obrigação futura em que se encontram
envolvidos o falante ou o ouvinte. Assim, a apódose deve conter imperativo,
presente ou futuro do indicativo em primeira ou segunda pessoa, de forma que
remeta a uma ação futura de algum dos interlocutores. Pode também conter
presente do subjuntivo em terceira pessoa, expressando uma obrigação dessa
pessoa, que será transmitida pelo ouvinte. Em qualquer caso, presente e futuro
substituem sempre o imperativo, porque apenas terão valor deôntico com verbos
não-estativos. Já a prótase, por sua vez, é livre e pode realizar-se tanto no
indicativo como no subjuntivo, seja passado ou futuro. Nota-se, portanto, que as
condicionais deônticas carecem de relações temporais, uma vez que podem apenas
mostrar os matizes próprios da apódose. As correlações, indicadas por López
García (1994) para o espanhol, foram:
Quadro 1
Correlação entre tempos e modos verbais nas condicionais deônticas
(López García, 1994, p.133)
Prótase
Apódose
qualquer tempo do indicativo, com imperativo ou seus substitutos como
exceção dos futuros e do pretérito presente ou futuro do indicativo, com
perfeito composto;
verbos não-estativos, na primeira ou
qualquer tempo do subjuntivo, com segunda pessoas.
exceção do presente.
69
São exemplos das condicionais deônticas, em espanhol:
(28) Si me escribes, te contestaré.
(29) Si llama, abridle.
(30) Si viene, que le traten bien.
Todos os casos expressam um compromisso ou obrigação do falante: responder
uma carta, abrir uma porta, tratar alguém bem.
As condicionais dinâmicas expressam uma capacidade qualquer
do sujeito do condicionante, presente, passada ou futura. Segundo López García
(1994), não é fácil distinguir as dinâmicas das deônticas, assim como as
epistêmicas das aléticas. No entanto, pode-se diferenciá-las do ponto de vista das
correlações temporais, já que, nas dinâmicas, o tempo verbal da prótase pode
variar, de acordo com o tempo verbal da apódose. Essa variação não pode,
porém, ultrapassar os limites da coincidência temporal entre prótase e apódose,
visto que a capacidade representada pela prótase tem que se aplicar à apódose, no
momento em que acontece. Há, dessa forma, isocronia entre prótase e apódose.
As correlações modo-temporais encontradas por López García (1994), para o
espanhol, foram:
70
Quadro 2
Correlação entre tempos e modos verbais nas condicionais dinâmicas
(López García, 1994, p.135)
Expressão
Prótase
Apódose
capacidade presente
presente do indicativo
presente do indicativo
capacidade passada
imperfeito do indicativo
imperfeito do indicativo
pretérito perfeito do
pretérito perfeito do
indicativo
indicativo
mais que perfeito do
futuro do pretérito
subjuntivo
composto do indicativo
presente do indicativo
futuro do presente
imperfeito do subjuntivo
presente do indicativo
capacidade futura
Observem-se os exemplos das condicionais dinâmicas, em espanhol:
(31) Si hace frío, tengo un abrigo estupendo.
(32) Si Maria está indecisa sobre sus vacaciones, la agencia de
viajes de la esquina hace unas ofertas muy baratas.
Segundo López García (1994), as condicionais aléticas
caracterizam-se por serem a expressão de uma verdade, mais que de uma
suposição. São, portanto, amplamente utilizadas na linguagem científica, já que
são expressões formuladas com intenção dogmática e indiscutível. A prótase
expressa uma afirmação e não uma hipótese e, desse modo, só se realiza no
presente do indicativo. Já a apódose, apesar de também selecionar este tempo,
admite outros tempos do indicativo. Assim como nas deônticas, nas aléticas as
71
correlações modo-temporais são poucas, uma vez que o primeiro membro é
invariável. As aléticas não se limitam, porém, à linguagem científica, e, segundo
López García (1994), têm sido muito usadas, também, na linguagem publicitária.
As correlações modo-temporais encontradas são:
Quadro 3
Correlação entre tempos e modos verbais nas condicionais aléticas
(López García, 1994, p.136).
Prótase
Apódose
presente do indicativo
Qualquer tempo do indicativo, com
exceção do pretérito perfeito composto.
Os exemplos de López García (1994) para o espanhol são:
(33) Si se dissuelven limaduras de hierro en ácido clorhídrico, se
desprende hidrógeno gaseoso.
(34) Si se ingresan quinientas mil pesetas, hay un interés del once y
medío por ciento.
(35) Si eres joven, lo tuyo son unos Levi’s.
(36) Si se considera el factor edad, sus posibilidades disminuyen.
Esse tipo de construção é alético no sentido factual do termo e não no sentido
lógico. O que a caracteriza é que a prótase é uma afirmação e não uma hipótese,
e, nesse sentido, a prótase só pode aceitar o presente do indicativo.
72
Para López García (1994), as condicionais epistêmicas são o
grupo não-marcado das condicionais, por serem as mais freqüentes. Qualquer
alteração no tempo da prótase das aléticas, da apódose das deônticas e da prótase
ou da apódose das dinâmicas resulta em uma condicional epistêmica. Nela, o
emissor expressa, na prótase, uma suposição que, se ocorrer, resulta possível na
apódose. Um tipo muito presente nas epistêmicas é aquele em que a apódose
expressa uma crença, como uma avaliação explícita do que foi assinalado na
prótase, como mostram os exemplos para o espanhol:
(37) Si viene Maria, Pedro estará contento.
(38) Si decía, se equivocaba.
(39) Si lo hizo, me alegro
(40) Si tuvieras consideración, no me habías dicho eso.
(41) Si lo sabe Elena, también lo sabe su hermana.
Segundo o autor, as epistêmicas apresentam uma gama muito
mais rica de correlações modo-temporais, de tal forma que todas as combinações
temporais são possíveis. Assim, o autor assume ser infundada a afirmação de
que, nas condicionais, o tempo da prótase deve ser anterior, ou ao menos
simultâneo, ao tempo da apódose. Essa afirmação se baseia na concepção de que,
nas condicionais, o cumprimento do que está dito na apódose está condicionado
ao cumprimento da prótase. Nas condicionais epistêmicas, segundo López García
(1994), isso não ocorre, porque nesse caso a prótase expressa uma suposição e a
73
apódose uma crença que nela se apóia. Assim, as epistêmicas podem referir-se a
qualquer parcela do tempo e, portanto, todas as combinações temporais são
possíveis.
Percebe-se que, para López García (1994), as distinções modotemporais são pertinentes apenas para as condicionais deônticas, aléticas e
dinâmicas. Assim, o uso de uma ou outra correlação modo-temporal depende do
que se quer expressar. Nas deônticas a apódose expressa uma obrigação contraída
pelo falante, pelo ouvinte ou por uma terceira pessoa e é, então, temporalmente
posterior à prótase; as aléticas o caráter dogmático da prótase exige que ela se
apresente pancrônica e independente dos valores temporais da apódose; nas
dinâmicas, a afirmação de uma capacidade na apódose exige que a prótase seja
isocrônica. Nas epistêmicas, todas as correlações modo-temporais são passíveis
de ocorrência, mesmo que não se mantenha a ordem que vai do tempo da prótase
anterior ao tempo da apódose posterior, uma vez que a prótase é a expressão de
uma suposição, e a apódose, de uma crença que nela se apóia.
Como se pode perceber, há um largo espectro de correlações
modo-temporais no espanhol. Acredita-se, em princípio, que isso também ocorra
no português e é o que se tenta verificar no córpus deste trabalho. Adiante, na
seção relativa à análise dos dados, vão-se discutir os usos das diversas correlações
temporais nos diferentes tipos de textos. Além disso, tenta-se verificar a relação
existente entre os tempos e os modos verbais, de um lado, e o grau de
hipoteticidade, de outro. Pretende-se, também, determinar a influência dos verbos
74
modais, epistêmicos, aléticos e deônticos, na caracterização dos tipos de textos.
Por fim, deve-se determinar de que modo as correlações modo-temporais
influenciam a ordem de codificação das orações da construção condicional.
Discute-se, em seguida, a questão da ordem das condicionais, já mencionada
anteriormente.
75
2.4. A ordem nas construções condicionais
Uma das questões mais recorrentes no estudo das construções
condicionais é a questão da posição em que as orações condicionais aparecem. A
oração condicional (prótase) precede a conclusão (apódose), como a ordem nãomarcada, em todas as línguas. A esse princípio universal, estabelecido por
Greenberg (1963, apud Comrie, 1986), não se pode apresentar contra-exemplos.
Embora muitas línguas admitam ambas as ordens, prótase → apódose e
apódose→
→prótase, as gramáticas assinalam explicitamente que a ordem usual é a
prótase preceder a apódose.
Segundo Comrie (1986), há algumas línguas, como o turco, em
que a prótase deve preceder a apódose porque, nessas línguas, a oração
subordinada deve preceder a principal. Dessa forma, não há nada de específico no
caso das condicionais. No entanto, como essa mesma ordem, prótase → apódose,
se mantém em línguas que não requerem a ordem subordinada → principal,
pode-se afirmar que há algo de especial nas condicionais. Em outras palavras, a
preponderância da ordem prótase→apódose em línguas com ordem frasal livre não
é apenas estatística, mas reflete algo significativo sobre a língua. Comrie (1986)
sugere, então, algumas possíveis explicações para este fato. Segundo o autor, é a
interação das sugestões que leva à explicação da estrutura frasal preferida em
questão.
76
A primeira sugestão de Comrie (1986) tem relação com o grau
de hipoteticidade da prótase, que é mais freqüentemente atualizada como nãofactual – eventual ou contrafactual – e é, por esse motivo, considerada como uma
construção marcada. Assim, quando se coloca uma prótase marcada à frente da
apódose, evita-se que a apódose seja interpretada como factual. Portanto, seria
possível concluir que a apódose, quando marcada como não-factual, se
antepusesse à prótase. Entretanto, não há, segundo Comrie (1986), evidências
dessa hipótese. Ao contrário, parece que a precedência da prótase sobre a apódose
se mantém, mesmo quando a apódose é marcada pela factualidade.
Uma segunda possibilidade, segundo Comrie (1986), refere-se à
correlação modo-temporal codificada pela construção condicional, ou seja, a
ordem linear das orações reflete a referência temporal das duas orações. Pode-se
perceber, facilmente, que a referência temporal da prótase é anterior, ou ao menos
não posterior, à da apódose. Essa explicação sugere que, se a relação temporal
fosse invertida, a ordem frasal também deveria mudar, ao menos estatisticamente.
Esse caso, para o autor, seria de difícil comprovação, uma vez que a freqüência de
condicionais em que a referência temporal da apódose precede a da prótase é
muito baixa.
A terceira sugestão de Comrie (1986) também diz respeito à
ordem linear das orações. O autor sugere que a ordem linear das orações é icônica
à seqüência de etapas da argumentação e apresenta, então, a proposta de Haiman
(1978), que considera as condicionais como tópicos das construções em que
ocorrem, por serem codificadas em posição inicial, assim como os tópicos. Deve-
77
se recuperar, aqui, a discussão, da seção 2.1.1., sobre a função exercida pelas
prótases na construção condicional.
Para Mateus et al (1983), a posição da condicional em relação à
núcleo deve-se à estrutura oracional exibida pelo contexto em que ela ocorre.
Assim, se a condicional codifica informação dada/velha/conhecida, a ordem de
ocorrência será a anteposição. Nesse sentido, segundo Ferreira (1997), também a
posição não-marcada, ou seja, a anteposição das condicionais pode mostrar que
elas desempenham funções de ordem discursiva. As condicionais antepostas, por
codificarem informação dada, servem como tópicos do discurso, agindo como
guias (Decat, 1993), uma vez que remetem ao discurso anterior e ao, mesmo
tempo, se relacionam com o discurso subseqüente. Além disso, ao exercerem uma
função anafórica, assumem, também, a função de organizadoras do discurso.
Como já se ressaltou anteriormente, considera-se, neste trabalho, que as
condicionais podem funcionar como tópicos, mas isto ocorre não pelo fato de
introduzirem uma informação que foi dada no enunciado imediatamente
precedente, mas sim por codificarem uma informação sobre a qual já se disse algo
anteriormente. Acredita-se, portanto, como já se indicou em 2.1.1., que as
condicionais podem ter a função de tópicos no sentido de aboutness (Akatsuka,
1986) e não no sentido de giveness (Haiman, 1978).
Por outro lado, as posições marcadas das condicionais, a
posposição e a intercalação, são utilizadas, segundo Ferreira (1997), quando a
oração codifica uma informação nova. No entanto, no caso das intercaladas a
condicional também codifica informação dada. Assim, Ferreira (1997) formula a
78
hipótese de que a codificação de informação nova como um fator que conduz ao
uso da condicional na posição marcada revela-se plenamente no registro escrito e,
portanto, no discurso formal, previamente planejado. No entanto, quando se trata
da fala, o mesmo não ocorre, uma vez que a posição marcada pode ter sido
utilizada não por codificar informação nova, mas para dar mais ênfase ao que se
quer transmitir. Segundo Ford & Thompson (1986), as condicionais nãoantepostas possuem função semântica mais restrita, já que podem realçar, enfatizar
ou restringir a oração núcleo ou algum componente dela. Acredita-se, então, que
as condicionais, quando pospostas ou intercaladas, podem funcionar, conforme se
afirmou anteriormente, como afterthoughts (Chafe, 1984).
Há, ainda, um tipo de construção condicional em que não se
pode precisar a posição exata da oração condicional. São as construções
destituídas de oração núcleo. O emissor enuncia a oração condicional, deixa-a “em
suspenso” e não realiza a núcleo. Gryner (1995) afirma que os casos de ausência
da oração núcleo podem ser classificados como anteposição ou posposição, de
acordo com os contextos e a entoação. Neste trabalho, as construções condicionais
sem oração núcleo realizada são tratadas como um subgrupo. Ainda que se possa
determinar sua posição por meio do contexto, prefere-se não fazê-lo, uma vez que
se acredita que essas construções podem ser fundamentais na caracterização dos
tipos de literatura aqui considerados. Nesses casos, admite-se que a oração
condicional também pode assumir a função anteriormente descrita, de
afterthought. Embora aqui não se possa falar em ordem, essas condicionais, de
79
grande produtividade no uso da língua, são passíveis de descrição tal como as
construções condicionais plenas.
Percebe-se, portanto, que há uma estreita relação entre a posição
da oração condicional e a função por ela exercida. Pode-se perceber, também, que
a determinação da ordem preferida das condicionais está intimamente ligada às
correlações modo-temporais atualizadas nas construções condicionais e ao grau de
hipoteticidade da oração condicional. Assim, a partir desses fatos, deve-se verificar
o que motiva a ocorrência de tal ordem, a partir da relação entre fatores estruturais
e fatores discursivos. Acredita-se, assim, que esses fatores refletem uma escolha,
por parte do falante ou escritor, que se baseia em suas necessidades comunicativas
e nas condições da situação em que o discurso está inserido.
A questão do posicionamento das condicionais também pode ser
analisada por um outro ponto de vista, ou seja, em relação à estrutura em camadas
da Gramática Funcional. Assim como Halliday (1985) postula que algumas orações
adverbiais funcionam como partículas que realçam a oração núcleo, Dik (1989,
1990) e Wakker (1992) as tratam como satélites, meios lexicais que expandem as
camadas a que se agregam, dando-lhes uma característica especial, neste caso, a
condição. É o que se apresenta em seguida.
80
2.5. Satélites condicionais
Na Gramática Funcional, conforme se mostrou no primeiro
capítulo desta dissertação, a estrutura subjacente de uma frase (clause) é
organizada em camadas. A camada mais alta é a da frase; as camadas inferiores
são as da proposição, a da predicação e, a camada inferior, a dos predicados e
termos.
Nessas quatro camadas operam quatro níveis correspondentes
de operadores e de satélites, meios gramaticais e lexicais, respectivamente, que as
modificam e as qualificam, até que se chegue a um enunciado efetivo, ou seja, ao
evento de fala. É o que se observa no quadro abaixo:
Quadro 4
Camadas, satélites e operadores.
Camadas
Predicado
Variável
fia
Predicação
ei
Proposição
Xi
Frase
Ei
Categoria semântica Operadores e satélites
Propriedade/relação
operadores e satélites de
predicado (π1 e σ1)
estado de coisas
operadores e satélites de
predicação (π2 e σ2)
fato possível
operadores e satélites
proposicionais (π3 e σ3)
ato de fala
operadores e satélites
ilocucionários (π4 e σ4)
A Gramática Funcional (Hengeveld 1989, p.150, Dik 1989,
p.56-60 e Dik et al 1990, p.28-30) classifica os satélites como:
i
satélites de predicado (σ1): expressam os meios lexicais que especificam
propriedades adicionais do conjunto de estados de coisas, designado por
uma predicação nuclear;
81
ii
satélites de predicação (σ2): expressam os meios lexicais que especificam
o cenário (espacial, temporal e cognitivo) dentro do qual um estado de
coisas ocorre (ocorreu, ocorrerá) em um mundo real ou imaginário;
iii
satélites de proposição (σ3): expressam os meios lexicais pelos quais um
emissor especifica sua atitude em relação à proposição posta sob
consideração ou pelos quais o emissor especifica a validade daquela
proposição;
iv
satélites ilocucionários (σ4): expressam os meios lexicais pelos quais o
emissor especifica ou modifica o valor ilocucionário da oração.
As orações condicionais são consideradas, na Gramática
Funcional, satélites, por serem constituintes adverbiais que dão informação
adicional a respeito das camadas a que estão ligadas. Dessa forma, assim como
Halliday (1985), considera-se que as condicionais de certa forma expandem o
significado da oração núcleo, porque a ela acrescentam algo adicional, que neste
caso, é expressão de uma condição.
Segundo Dik et al (1990) as orações condicionais podem ser
consideradas como satélites de predicação, proposicionais e ilocucionários. Os
satélites condicionais de predicação especificam um estado de coisas (EC) de
cuja ocorrência depende a ocorrência de um outro EC. Observe-se o exemplo:
(42) Ele pegará o guarda-chuva em caso de chuva.
82
Os satélites condicionais proposicionais relacionam a condição
ao conteúdo proposicional da oração principal. Em outras palavras,
propositional conditionals present the truth of one proposition, α, as a
sufficient condition for the truth of a second proposition, β.” (Dik,
1990, p.242-3)8
É o que se pode perceber no exemplo abaixo:
(43) Se João ficar, Pedro sairá.
Os satélites condicionais ilocucionários especificam uma
condição para a adequação do ato de fala que está sendo desempenhado na oração
principal, conforme se vê no seguinte exemplo:
(44) João saiu, caso você não tenha ouvido.
8
"as condicionais proposicionais apresentam a verdade de uma proposição
condição suficiente para a verdade da segunda proposição β."
α como uma
83
Em trabalho que trata da semântica das condicionais, Dik (1990)
não as considera como satélites de predicação, mas apenas como satélites de
proposição e ilocucionários. O autor afirma que as construções condicionais
α)cond β", em que (α
α)cond é,
podem ser representadas pela expressão "(α
gramaticalmente, um satélite condicional para β. Para Dik (1990), quando uma
condição α se relaciona com o valor verdadeiro de β, o satélite condicional pode
ser analisado como um satélite proposicional. Quando se relaciona com a
relevância comunicativa de β, pode ser analisado como um satélite ilocucionário.
Há diferentes tipos de condicionais, que podem ser classificados em termos de
configurações de imagens (picture constellations) diferentes. Dependendo dessas
configurações, as condicionais podem ter efeitos comunicativos distintos. Dessa
forma, segundo Dik (1990), também se pode levar em conta, de uma maneira
sistemática, a relação entre forma, significado e uso comunicativo das
condicionais. Assim, considera-se que as condicionais podem ser ilocucionárias ou
proposicionais, estas últimas ainda subdivididas em potenciais e irreais.
Nas condicionais proposicionais, a prótase formula uma
condição para a verdade da apódose. Em outras palavras, elas apresentam a
verdade de uma proposição, α, como uma condição suficiente para a verdade de
uma proposição, β. As condicionais proposicionais potenciais são usadas em uma
configuração de imagem na qual o falante, incerto sobre a verdade de α no
momento da fala, cria uma imagem hipotética em que a verdade de α leva à
verdade de β:
84
(45) João pode ou não ficar. Mas se João ficar, Pedro sairá.
Na configuração de imagem das proposicionais irreais, o emissor considera α
como falsa, mas cria uma imagem em que a verdade de β decorre da verdade de α:
(46) Se João tivesse ficado, Pedro teria saído.
Essas condicionais, segundo Dik (1990), têm em comum o fato de relacionarem
duas proposições.
As condicionais ilocucionárias não estabelecem uma relação
entre ECs ou proposições, mas apresentam uma condição para a relevância, para o
ouvinte, do que o emissor tem a dizer na apódose. Pode-se dizer, portanto, que
prótase e apódose são conectadas apenas pela noção de relevância ou por
qualquer outra dimensão pragmática relacionada ao ato ilocucionário:
(47) Se você está interessado, João é católico.
Outro trabalho a respeito das condicionais como satélites é
aquele desenvolvido por Wakker (1992). Embora reconheça a existência de
condicionais de predicação, Wakker (1992) trata apenas das condicionais como
satélites proposicionais e ilocucionários. O autor segue um ponto de vista
semântico, e afirma que as condicionais podem ser classificadas em proposicionais,
as que fornecem uma condição para a realização do estado de coisas designado
85
pela oração principal (exemplo (48)) e ilocucionárias, que fornecem a condição
para a validade ou apropriação do ato de fala que está sendo realizado na oração
principal, conforme o exemplo (49):
(48) Se chover, você deve levar o guarda-chuva.
(49) Se você está com sede, há cerveja na geladeira.
Nesse último caso, a oração condicional especifica as circunstâncias sob as quais a
informação dada na oração principal pode ser relevante para o destinatário.
Wakker (1992) analisa se a divisão semântica das condicionais
corresponde às divisões na tipologia de satélites da Gramática Funcional, como
proposto por Dik et al (1990).
A base da tipologia dos satélites é o nível da oração a que o
satélite está ligado: satélites de predicado dão informação opcional sobre o
predicado, satélites de predicação, sobre a predicação, satélites de proposição,
sobre a proposição e satélites ilocucionários, sobre a frase. Wakker (1992)
acrescenta que o próprio satélite tem diferentes graus de complexidade interna,
podendo ser um predicado (belamente), um termo (na cidade), uma predicação
(depois de sair de casa) ou uma proposição (se chover).
Para Wakker (1992), a tipologia dos satélites proposta por Dik
et al (1990) é clara até que se considere a posição dos satélites condicionais dentro
dela. Para Wakker (1992), a descrição dada por Dik et al (1990) é, na verdade,
confusa, porque parece que a complexidade interna dos satélites é um fator
86
decisivo, ao menos na definição de satélites condicionais de predicação e de
proposição. Uma condicional de predicação é definida como um EC, enquanto a
condicional de proposição, como um fato possível. Isto parece, para Wakker
(1992), inconsistente com as definições gerais, em que é o nível ao qual o satélite
está ligado que determina o seu tipo e não a sua própria complexidade interna.
Tendo em vista essas dificuldades, Wakker (1992) concentra seu trabalho nos dois
tipos de condicionais semanticamente aceitos, ou seja, proposicionais e
ilocucionárias. Em resumo, para Wakker (1992), as condicionais proposicionais se
relacionam com a proposição expressa pela oração principal, e, dessa forma,
seriam satélites proposicionais. Já as condicionais ilocucionárias relacionam-se
com a ilocução expressa na oração principal e, sendo assim, seriam satélites
ilocucionários.
Assim como Wakker (1992) e Dik (1990), considera-se, neste
trabalho, que as orações condicionais podem ser satélites proposicionais e
ilocucionários. Dessa forma, exclui-se da análise a possibilidade de uma
condicional como satélite de predicação. Assume-se que as condicionais já trazem
em si, inerentemente, a atitude do falante em relação ao que está sendo
considerado, assim como a validade, para o falante, do que está em questão. Em
outras palavras, pode-se considerar que as condicionais ultrapassam o nível da
predicação, ou seja, da mera codificação lingüística que o emissor faz da situação,
e se situam no campo do que é possível, do que pode ser verdadeiro ou falso,
conhecido, pensado, lembrado, rejeitado por um falante.
87
Um outro ponto a ser analisado é a relação existente entre os
satélites condicionais e a leitura das conjunções nos domínios epistêmico e de atos
de fala, proposta por Sweetser (1990). Os satélites ilocucionários apresentam uma
condição para a validade ou apropriação do ato de fala que está sendo realizado na
oração principal e, portanto, dever ser lidos no domínio dos atos de fala, em que o
desempenho do que está sendo representado na oração principal é condicionado
ao preenchimento de algum fato ou estado expresso na oração condicional. Por
outro lado, os satélites condicionais proposicionais especificam a atitude do
emissor em relação à proposição posta sob consideração e, dessa forma, devem
ser lidos no domínio epistêmico, em que construção condicional indica a idéia de
que o emissor conhece a verdade da premissa hipotética expressa na prótase, o
que seria uma condição suficiente para se concluir a verdade da proposição
expressa na apódose.
Percebe-se,
desse
modo,
que
as
orações
condicionais
apresentam diferentes leituras, de acordo com o domínio em que se situam. Da
mesma forma, pode-se dizer que as orações condicionais podem não ter uma
interpretação unicamente condicional. Isso ocorre, muitas vezes, em razão da
intenção do emissor ao expressar uma condicional, que pode servir a fins
paralelos, como a expressão temporal ou causal. Assim, ao contrário do que se
tem dito em muitas Gramáticas Tradicionais do português, a distinção entre as
chamadas orações adverbiais não é clara e definitiva. Tais gramáticas apresentam,
muitas vezes, apenas as listas de conjunções passíveis de uso em cada um dos
tipos de oração adverbial, deixando de contemplar as nuanças semânticas e
88
pragmáticas que envolvem, e que, de certa forma, as aproximam ou as distanciam.
É isso que se discute na seção seguinte.
89
2.6. Fronteiras entre os tipos de oração
Segundo König (1986), os termos condicional, temporal, causal
e concessivo são parte de um inventário terminológico, dado pela gramática
tradicional para a caracterização das orações adverbiais. Para o autor, embora à
primeira vista as diferenças entre esses termos pareçam claras, percebe-se que,
quando se tenta explicá-los nas línguas ou caracterizá-los exaustivamente em uma
mesma língua, não se encontra tanta facilidade assim. O que acontece é que não há
construções específicas em que muitos desses termos possam ser realmente
aplicáveis. Dependendo do contexto, uma frase pode ter uma interpretação
condicional ou causal, mesmo quando a relação adverbial vem marcada por uma
determinada conjunção, considerada comprometida com uma ou
outra
interpretação. Isso ocorre porque há sobreposição e/ou neutralização, tornando-se
difícil assinalar de qual categoria se trata e, portanto, fazendo que um sistema de
classificação e uma análise apropriados pareçam não ser possíveis.
Essa relação já se manifesta no desenvolvimento histórico dos
conectivos condicionais em muitas línguas: as noções temporais são uma das
maiores fontes lexicais para a formação dos conectivos condicionais. Assim, para
Traugott (1985), palavras que expressam a noção temporal duração (‘por um
tempo’) ou, ao menos, aquelas que são, como a palavra quando, ambíguas entre os
significados durativo e não-durativo, são uma das fontes lexicais para a formação
de marcadores condicionais. Se, por um lado, a distinção entre as condicionais, as
90
temporais e as causais não é facilmente estabelecida, por outro, as condicionais
com se também tendem a ser interpretadas como condicionais-concessivas, em
sentenças interrogativas, por exemplo. Por fim, no inglês, tanto o conectivo se
como o mesmo se podem ser usados em um sentido puramente concessivo, isto é,
podem ser intercambiáveis com apesar de que ou embora.
Expõem-se, a seguir, as diferentes relações entre as condicionais,
de um lado, e as concessivas, causais e temporais, de outro.
2.6.1. Condicionais e concessivas
König (1986) propõe um estudo das condicionais e das orações
adverbiais a elas relacionadas, especialmente da relação existente entre as
concessivas e as condicionais-concessivas. Dessa forma, tenta estabelecer as
propriedades prototípicas de cada uma das construções e, ainda, tenta especificar
as condições que levam às sobreposições e neutralizações.
Para o autor, as diferenças entre as construções mencionadas são
primariamente semânticas e baseadas nas relações existentes entre as proposições
expressas por uma estrutura complexa. Condicionais e concessivas são
semanticamente fáceis de distinguir: nas primeiras, não há envolvimento entre a
prótase e a apódose, ou seja, a prótase não implica a apódose e vice-versa; nas
concessivas, entretanto, há o envolvimento de ambos os componentes das orações.
São exemplos de condicionais-concessivas, em inglês:
91
(50) Whether he is right or not, we must support him.
(51) However much advice you give him, he does exactly what he
wants to do.
(52) Even if you drink (only) a little, your boss will fire you.
Pode-se
perceber
que
as
condicionais-concessivas
têm
propriedades em comum com as condicionais e com as concessivas, e, desse modo,
são, às vezes, agrupadas com umas, às vezes, com as outras. Em contraste com as
condicionais simples, as condicionais-concessivas relacionam um conjunto de
condições antecedentes a um conseqüente. Esse conjunto é tipicamente
especificado por uma disjunção (exemplo (50)), por um universal ou um
quantificador de “livre escolha” (exemplo (51)) ou por uma partícula focalizadora
(exemplo (52)). Em todas as condicionais-concessivas o conseqüente é afirmado
como verdadeiro sob quaisquer das condições especificadas no antecedente.
Assim, tendo como base fatores semânticos, König (1986) propõe que as
condicionais-concessivas são um tipo específico de condicional.
Para Auwera (1986), a conjunção se geralmente não significa
mesmo se. No entanto, em orações interrogativas parece ser mais fácil interpretar o
se como mesmo se, um fato que foi descoberto por Ducrot (1972). Ducrot (1972)
demonstra claramente que a escolha entre uma leitura concessiva e uma leitura
não-concessiva pode ser determinada pelo contexto. Porém, segundo Auwera
(1986), Ducrot (1972) falha ao não explicar em que sentido o se interrogativo é
92
diferente do se afirmativo e imperativo, de tal modo que permite uma leitura como
mesmo se. Haiman (1986) sugere que a interpretação como mesmo se em orações
interrogativas que contêm se se deve ao fato de que elas seguem a apódose, o que
tipicamente ocorre com as concessivas, em inglês. Para Auwera (1986) essa não
parece ser a questão, uma vez que há orações com se que estão pospostas às suas
apódoses, e que não adquirem valor concessivo. Além disso, é possível que um se
interrogativo preceda a apódose e ainda assim se mantenha a leitura concessiva.
Segundo Auwera (1986), a discrepância entre o se interrogativo, de um lado, e
afirmativo e imperativo, de outro, ocorre por duas razões: (i) o significado de
mesmo se e (ii) os significados das orações interrogativas. São exemplos desse se
interrogativo, em inglês:
(53) Will you take the car if the roads are icy?
(54) Will John go if Peter comes?
Zamproneo (1998), em estudo sobre as construções concessivas,
verifica a aproximação semântica entre condicionais e concessivas, de um lado, e
entre condicionais e condicionais-concessivas, por outro. Baseada em López
García (1994), a autora estabelece uma gradação, que vai das concessivas
canônicas (aquelas iniciadas pelas conjunções embora e ainda que), passando pelas
pro-condicionais (com a conjunção mesmo que/se) até as condicionais
propriamente ditas. Na leitura condicional das concessivas, diz a autora, é
93
necessário que a construção usada seja lida como ainda ou mesmo + gerúndio. São
exemplos de Zamproneo (1998, p.16):
(a) Ainda que vença nas urnas, a sua eleição continua incerta.
(OP/LJ)
(a1) Se vencer nas urnas, a eleição estará garantida, mas, ainda
vencendo, sua eleição continua incerta.
(b) Mesmo que houvesse lugar no banco, mamãe me punha sentada
em seu colo ou mantinha-me de pé. (ANA/LR)
(b1) Se houvesse lugar, eu poderia sentar-me no banco, mas,
mesmo havendo lugar no banco, mamãe me punha sentada em
seu colo ou mantinha-me de pé.
(c) Padre Olavo: Nem que tenha alma de anjo, nesta igreja não
entrará com essa cruz! (PP/LD)
(c1) Se for para pagar uma promessa, será permitido entrar com
uma cruz na igreja, mas, nem (mesmo) tendo alma de anjo,
nesta igreja não entrará com essa cruz!
94
2.6.2. Condicionais e causais
Segundo Comrie (1986), há um forte vínculo entre as prótases e
as apódoses. Esse vínculo é causal, isto é, o conteúdo da prótase deve ser
interpretado como uma causa do conteúdo da apódose. No entanto, as
condicionais são, certamente, diferentes das construções causais, uma vez que as
causais envolvem comprometimento com a verdade das duas proposições. A
relação causal vai da prótase, como uma causa, à apódose, como um efeito.
Envolve não apenas o conteúdo literal das proposições, mas também a motivação
do emissor ao expressar a afirmação que inclui a proposição.
Harris (1986), como Comrie (1986), também vê a existência de
um forte vínculo causal entre as orações que compõem as construções
condicionais. Ao considerar a oração
(55) Se João veio, Pedro foi embora.
Harris (1986) afirma que essa construção pode ser claramente interpretada no
sentido de que foi a chegada de João a causa da partida de Pedro. Naturalmente,
toda a construção pode continuar sendo considerada como hipotética – pode-se
não saber ao certo, ou pode-se escolher não admitir o fato de que João tenha vindo
– mas Harris (1986) prefere tomá-la como verdadeira. O que se percebe é que,
95
enquanto uma condição referente ao futuro é, em geral, vista apenas como mais,
ou menos, passível de ser preenchida, quando se refere ao presente ou ao passado
ela pode ser realmente percebida, e, desse modo, não se trata mais de uma
hipótese. Como afirma Lehmann
it is a well-known fact that the proposition in the antecedent of a
conditional sentence is not asserted but ‘left open’. This constitutes
the main difference between conditional and causal sentences.
(Lehmann, apud Haiman, 1986, p.277)9
Assim, como a verdade do antecedente é pressuposta, passa-se imediatamente para
uma outra interpretação, ou seja, uma interpretação causal, em que a partícula se é
entendida como tomando-se como certo, ou mesmo, desde que.
Harris (1986) toma as construções causais como o pólo oposto
das concessivas, já que nestas não é estabelecido, mas, ao contrário, é negado um
vínculo causal entre antecedente e conseqüente. O antecedente das construções
causais pede, ao ouvinte, que adicione, ao seu estoque de conhecimento, os fatos
nele contidos, para que, então, se possa avaliar o está expresso no conseqüente.
No caso das concessivas, não há necessidade de se avaliar o conseqüente, já que
ele é bastante independente do conteúdo do antecedente. Para Harris (1986), as
condicionais verdadeiras situam-se entre esses pólos, porque requerem do ouvinte
9
“É um fato conhecido que a proposição antecedente de uma oração condicional não é afirmada,
mas “deixada em aberto”. Essa constitui a principal diferença entre as orações condicionais e as
causais.”
96
que atue com base em uma tentativa de adição de informação ao seu estoque de
conhecimento.
2.6.3. Condicionais e temporais
No que diz respeito à relação entre condicionais e temporais,
Harris (1986) afirma que uma frase temporal, relacionada a um tempo passado ou
presente ou futuro, com uma leitura não duvidosa ou contrafactual, pode equivaler
a uma condição real. Já as orações temporais que não têm como certa uma
verdadeira realização, equivalem a uma condição eventual. Disso se segue que as
conjunções condicionais são freqüentemente usadas com valor temporal e que as
conjunções temporais são, não raro, mais bem interpretadas condicionalmente. São
exemplos de Harris (1986):
(56) Se ele de fato veio, ainda assim não solucionou o problema.
(57) Dado que de fato ele veio, ainda assim não solucionou o
problema.
(58) Embora ele de fato tenha vindo, ainda assim não solucionou o
problema.
(59) Quando de fato ele veio, ainda assim não solucionou o
problema.
Em cada caso, ‘a vinda dele’ é admitida e tomada como factual: idealmente, assim,
todas essas frases deveriam ter suas formas verbais no tempo indicativo.
97
Para Reilly (1986), as orações temporais com quando e as
condicionais compartilham várias características: em seus papéis de subordinadas,
ambas vinculam eventos simultâneos ou seqüenciais, freqüentemente implicando
uma relação causal, e ambas podem ocorrer antepostas ou pospostas à oração
principal. No entanto, uma diferença significativa entre esses dois tipos de frase é
refletida pelas partículas quando e se. Quando implica certeza, ou ao menos a
expectativa do falante sobre a ocorrência do evento expresso pela oração
antecedente, enquanto se assinala a suposição do emissor a respeito do evento
antecedente. A ocorrência do evento expresso no antecedente é, desse modo, uma
possibilidade a ser considerada. Em suma, a atitude do emissor em relação ao
evento ou estado antecedente, tomando-o como um fato ou meramente supondo a
possibilidade de sua existência, é o critério de distinção entre estruturas com
quando ou com se.
Souza (1996), em trabalho sobre as orações temporais do
português escrito do Brasil, também verifica que essas orações podem receber uma
leitura condicional. Como Traugott (1985), a autora considera que, nesses casos a
oração temporal indica duração no tempo, mas associada à idéia de condição.
Assim, “a duração da ON fica em aberto na dependência da duração do estado de
coisas da OT” (Souza, 1996, p.160).
A partir das considerações feitas, pode-se notar que os casos de
hipotaxe de realce formam um contínuo, dentro do qual não há divisões claras e
98
definidas. A conjunção condicional pode receber leituras diferentes, que dependem
tanto do ambiente sintático, ou seja, do fato de as orações que introduzem virem
ou não pospostas à oração núcleo, como de fatores discursivos, isto é, da atitude
do emissor em relação ao seu interlocutor, das condições de produção e das
necessidades do falante. Sendo assim, considera-se, como Harris (1986), que exista
um espectro semântico, entre as relações causais, condicionais, condicionaisconcessivas e concessivas. Neste trabalho, vai-se tentar verificar como se dá essa
gradação semântica, que envolve as frases condicionais, de modo a tentar
estabelecer um contínuo de valores semânticos na classificação das chamadas
adverbiais.
99
2.7. Tipos de Literatura
Neste trabalho, as construções condicionais são analisadas em três
diferentes tipos de literatura: dramática, técnica e de oratória. A análise dos dados
deve fazer-se, portanto, dentro de uma tipologia textual. Assim, assume-se com
Biber (1989) que
a typology of texts is a research prerequisite to any comparative register
analysis, whether of speech and writing, formal or informal texts, restricted
or elaborated codes, literary and colloquial styles, ‘good’ and ‘bad’ student
compositions, early and late historical periods, or whatever, to situate
particular texts to the range of texts in English (Biber, 1989, p.4)10
Para que se classifiquem os discursos em diferentes gêneros, deve-se
obedecer a critérios formais/estruturais e funcionais. De acordo com Paredes Silva
(1995), o primeiro critério está ligado à visão teórica formalista/estruturalista, que
segmenta o discurso em suas unidades constituintes com o objetivo de analisar as
relações contraídas por essas unidades, independentemente das relações funcionais
com o contexto.
10
“Uma tipologia de textos é um pré-requisito para qualquer pesquisa de análise comparativa de
registros, seja da fala e da escrita, de textos formais e informais, de códigos restritos ou
elaborados, de estilo coloquial ou literário, de composições de alunos ‘boas’ e ‘ruins’, de períodos
históricos antigos ou recentes, ou o que quer que seja, para situar textos particulares em relação
ao espectro de textos em inglês”
100
O segundo critério se liga ao ponto de vista funcionalista, que
trata o discurso como uma unidade da língua em uso e que vê o sistema gramatical
de alguma forma relacionado com as funções comunicativas que desempenha.
Paredes Silva (1995) propõe três níveis de análise para o
estabelecimento de uma tipologia textual, de acordo com os aspectos internos à
língua ou gramaticais e com os aspectos externos ou funcionais.
• Primeiro nível: fundamenta-se nas propriedades gramaticais dos discursos. É o
nível das estruturas discursivas: estruturas narrativas, descritivas, expositivas,
expressivas, procedurais e dialógicas.
• Segundo nível: fundamenta-se nos critérios funcionais, ou seja, no uso efetivo
das estruturas de primeiro nível em diversas situações comunicativas. É o nível
das unidades comunicativas, que ocorrem em contextos específicos, como
conferências, estórias, piadas, reportagens, editoriais, cartas, etc.
• Terceiro nível: é o nível da função ou propósito comunicativo em que cada
diferente gênero discursivo é utilizado. Trata-se do terreno das sobreposições,
em que mais de um propósito coexiste, sendo que um deles é predominante.
Biber & Finegan (1989) também utilizam critérios gramaticais e
funcionais de análise para tentar estabelecer uma tipologia textual e ressaltam que
cada tipo de texto possui determinados conjuntos de características gramaticais
que servem a grupos relacionados de funções comunicativas. Pode-se dizer,
portanto, que esses conjuntos estão relacionados às diferentes funções situacionais,
sociais e cognitivas desempenhadas nos textos. Os autores estabelecem um
101
contínuo, em que distribuem diversos textos do inglês contemporâneo, de acordo
com suas características gramaticais e suas funções comunicativas.
No pólo mais à esquerda do contínuo estão os textos que
apresentam três conjuntos de características gramaticais. O primeiro conjunto
constitui-se de textos que apresentam um alto número de nomes, de palavras
longas e de sintagmas preposicionados, e se liga às situações comunicativas com
alto propósito informacional que, portanto, necessitam de um léxico preciso e
específico. O segundo conjunto é composto por textos caracterizados pela alta
freqüência de orações relativas, de coordenação entre sintagmas e de
nominalizações, e liga-se às situações comunicativas que estabelecem a
identificação explícita e a alta elaboração do(s) referente(s) do texto. O terceiro
conjunto constitui-se de textos marcados pela ausência de agente da passiva e pela
presença de orações adverbiais participiais e de subordinadores adverbiais;
enfatiza-se o paciente, um referente inanimado ou uma entidade abstrata, em
detrimento do agente. Esse tipo de discurso, que apresenta muitas construções
passivas é, tipicamente, abstrato e técnico em seu conteúdo.
No pólo à direita do contínuo estão os textos caracterizados por
dois conjuntos de características gramaticais. Um dos conjuntos é composto por
textos que se caracterizam pela presença de verbos como pensar, achar,
acreditar, de pronomes de segunda pessoa e de pronomes demonstrativos. Liga-se
a situações com baixo teor informacional, com um propósito primeiramente
interativo e afetivo. Já o outro conjunto compõe-se de textos que se caracterizam
pela alta freqüência de advérbios de tempo e de lugar, e de outros advérbios.
102
Ainda segundo Biber & Finegan (1989), os artigos acadêmicos
e as cartas profissionais aparecem no pólo à esquerda do contínuo. As ficções
ocupam um ponto intermediário no contínuo. Mais à direita estão as cartas
pessoais. No pólo direito, estão as conversações face-a-face.
Biber (1989) desenvolve uma tipologia de textos para o inglês
baseada em um modelo com cinco dimensões de variação. Cada dimensão forma
um conjunto de padrões lexicais e sintáticos que coocorrem freqüentemente em
textos. Essas dimensões refletem, ainda, as funções comunicativas subjacentes
compartilhadas.
Dois conjuntos têm em comum o fato de tratarem da interação.
No conjunto 1 Biber (1989) inclui as interações pessoais íntimas, as conversas
interpessoais, a maior parte das conversações face-a-face e as conversas por
telefone entre amigos. No conjunto 2 estão as interações informacionais, as
interações pessoa-a-pessoa que têm objetivo informacional, como entrevistas,
conversas de negócios por telefone e conversações face-a-face em contextos
profissionais.
Os conjuntos 3 e 4, exposição científica e exposição erudita11,
formam outro par de tipos de textos relacionados. Ambos são não-narrativos e
não-persuasivos e também são extremamente informativos e explícitos quanto à
referência. O conjunto 3 é formado de textos acadêmicos em prosa, de ciências
11
Do original, em inglês, “educated exposition”.
103
naturais, engenharia, tecnologia e medicina, e alguns documentos oficiais. O
conjunto 4 compõe-se de textos acadêmicos em prosa, de ciências humanas e
sociais, educação e direito, reportagens jornalísticas, documentos oficiais, credos
populares, biografias, etc.
No conjunto 5 estão as narrativas imaginadas, textos nãoabstratos, em que a ênfase na narrativa é extrema. Os textos agrupados nesse
conjunto são, em sua maior parte, ficções.
O conjunto 6 é formado pelas exposições narrativas gerais.
Estão incluídos aqui os textos informacionais e expositivos, que freqüentemente
usam da narrativa para transmitir informação. Essas narrativas não são imaginárias
ou para o entretenimento, mas são parte integral da informação expositiva que vai
ser transmitida. Como exemplos desse conjunto, Biber (1989) apresenta as
reportagens e os editoriais jornalísticos, textos humorísticos, etc. Desse modo, este
é um tipo bem geral de exposição. Não é marcada pela erudição ou pela
tecnicidade, pela referência elaborada ou pelo estilo abstrato, e, muitas vezes, usa a
narração como parte da exposição. Por um lado, é similar, em alguns aspectos, aos
conjuntos 3 e 4, em relação à informatividade e ao não-envolvimento, e ao
conjunto 5, por outro, por terem, ambos, referência com narrativas. São os tipos
de textos mais gerais de todos os contemplados por Biber (1989).
No conjunto 7, o menor e mais distinto entre os tipos de texto
identificados, estão as reportagens situadas, textos não-narrativos, nãopersuasivos e não-abstratos. O que carateriza esse grupo é que a referência é
104
extremamente situada. São as transmissões esportivas, as reportagens on-line de
eventos que estão em curso e que ocorrem em uma rápida sucessão.
Por fim, o grupo 8 compõe-se de textos de persuasão
envolvida. Seu propósito primeiro é a argumentação ou persuasão. A maior parte
desses textos é oral, como as falas espontâneas e preparadas. Há também textos
escritos informacionais, como crenças populares, cartas profissionais e editoriais.
A partir dessas propostas vai-se tentar estabelecer uma
caracterização dos três tipos de texto utilizados e que compõem o córpus de
análise das construções condicionais.
Os tipos de texto estudados nesta dissertação se relacionam,
especificamente, com as seguintes estruturas:
• estrutura descritiva: caracteriza-se pela presença de verbos não-perfectivos,
predicados estativos, entidades abstratas e estruturas nominais;
• estrutura de tipo expositivo/argumentativo: caracteriza-se pela presença de
construções sintáticas mais complexas (subordinação), verbos não-perfectivos e
construções hipotéticas; a unidade semântica é a proposição;
• estrutura dialógica: caracteriza-se pela alternância das pessoas do discurso
envolvidas.
Os textos da chamada Literatura Técnica são textos
dissertativos, relacionados a áreas científicas distintas, como engenharia,
antropologia, química, biologia. A partir da proposta de Paredes Silva (1995), é
possível caracterizá-los como unidades discursivas que ocorrem em contextos
105
específicos,
que
apresentam
uma
estrutura
discursiva
do
tipo
expositivo/argumentativo, embora ocorra, algumas vezes, a estrutura descritiva, e
que têm como propósito comunicativo predominante a informação. Por outro lado,
são textos que apresentam um léxico bastante específico e que são produzidos em
circunstâncias controladas. Seus referentes, geralmente entidades abstratas, são
apresentados de forma definida e elaborada. Genericamente, fazem parte dos
conjuntos 3 e 4, exposição científica e exposição erudita, propostos por Biber
(1989).
Os
textos
que
compõem a
Literatura
Oratória
são
argumentativos, ou seja, discursos políticos e discursos acadêmicos proferidos na
Academia Brasileira de Letras, além de sermões. A estrutura que caracteriza esses
textos é, sem dúvida alguma, argumentativa, e eles têm como objetivo a persuasão,
isto é, convencer, persuadir o leitor/ouvinte. São textos escritos, que, mesmo
veiculados oralmente, são construídos em situações planejadas e elaboradas. São,
especialmente, os textos do conjunto 8 de Biber (1989), caracterizados pela
persuasão envolvida.
Os textos que compõem a Literatura Dramática são peças
teatrais, em que predominam os diálogos entre os personagens. Dessa forma, são
semelhantes às conversações do tipo face-a-face, típicas da modalidade oral.
Apresentam uma estrutura dialógica, em que se alternam os turnos de fala dos
interlocutores. Assim como os discursos da literatura oratória, são textos escritos
para ser veiculados oralmente. No entanto, nesse caso, quer-se reproduzir
situações de fala espontânea e, sendo assim, os textos não são altamente
106
informativos e elaborados. Na verdade, são “elaborados”, mas de tal forma que
não pareçam elaborados. Pode-se considerar que os textos da literatura dramática
formam, em geral, o conjunto 1 proposto por Biber (1989), de interações pessoais
íntimas.
107
3. Metodologia de trabalho
Constituem o foco deste trabalho as construções condicionais
marcadas pelo conjunção se, que é a conjunção condicional por excelência.
O córpus foi coletado no Centro de Estudos Lexicográficos,
UNESP/Araraquara, em um banco de dados composto de textos escritos do
português contemporâneo do Brasil, divididos em cinco tipos de literatura:
Dramática, Romanesca, Oratória, Técnica e Jornalística. Entretanto, é necessário
esclarecer que os textos romanescos e jornalísticos não foram considerados nesta
análise por serem tipos textuais híbridos e de difícil caracterização. Sendo assim, o
córpus constitui-se de 36 arquivos, 12 arquivos de cada um dos tipos de literatura,
Dramática, Técnica12 e Oratória (cada um deles com um total aproximado de 35
kbytes), selecionados no Córpus Principal (CP) do Centro de Estudos
Lexicográficos. A extensão analisada perfaz um total aproximado de 400 kbytes,
por tipo de literatura.
12
Deve-se ressaltar que, em análise posterior dos textos inseridos na Literatura Técnica,
verificou-se que, ao lado de textos puramente técnicos, há também textos de cunho técnicodidático, o que pode, de certa forma, marcar a análise dos dados desta dissertação. Apesar disso,
acredita-se que se possa chegar a uma caracterização desse tipo de Literatura, uma vez que se
considerara, na análise, esse “composto” textual, que caracteriza os textos da amostra examinada.
108
Para a classificação e análise das construções condicionais usamse alguns programas do Pacote de Varbrul. Este pacote é um conjunto de dez
programas computacionais elaborado com o intuito de estudar os fenômenos
lingüísticos em variação. Esses programas fornecem ao pesquisador dados
percentuais e pesos relativos, que são de grande auxílio para a análise qualitativa.
Segundo Ferreira (1997), entre os fenômenos lingüísticos que se encontram em
variação, a ordem das orações condicionais pode ser considerada como um
fenômeno lingüístico parcialmente variável, já que é possível dizer “Sairei, se fizer
sol” ou “Se fizer sol, sairei”, e manter o mesmo significado básico. Neste trabalho,
a questão do posicionamento da oração condicional em relação à oração núcleo é
apenas um dos aspectos envolvidos nas construções condicionais a serem
contemplados. Dessa forma, as construções condicionais não serão analisadas,
neste trabalho, como um fenômeno lingüístico em variação, uma vez que não se
considera que existam duas ou mais formas alternantes de orações condicionais
que ocorram em um mesmo contexto, com mesmo significado. É por esse motivo
que nem todos os programas do pacote Varbrul são utilizados, sendo que algumas
etapas são, portanto, desconsideradas. Aplicam-se, então, aos dados coletados,
apenas alguns programas do pacote (CHECKTOK, READTOK, MAKECELL e
CROSSTAB), versões 1988/1992. Pode-se dizer, assim, que o Pacote Varbrul foi
empregado apenas como um instrumento de trabalho sem que se seguisse sua
orientação metodológica ortodoxa.
Em um primeiro momento, selecionam-se os grupos de fatores
que serão usados na análise das condicionais. No caso deste trabalho, os grupos
109
foram selecionados de acordo com as questões teóricas anteriormente discutidas,
e, que são, neste ponto, objeto de análise quantitativa e qualitativa. Os grupos
selecionados são:
Variável dependente: tipo de literatura
T: técnica
O: oratória
D: dramática
Outros grupos de fatores:
1. Posição da condicional
a: anteposta
b: posposta
i: intercalada
s: sem núcleo
2. Tempos e modos verbais da oração condicional
1 presente do indicativo
2 futuro do subjuntivo
3 imperfeito do indicativo
4 imperfeito do subjuntivo
5 pretérito perfeito do indicativo
6 infinitivo
7 presente do subjuntivo
8 mais-que-perfeito do subjuntivo
9 verbo elíptico
+ mais-que-perfeito do subjuntivo composto
- verbo impessoal
3. Tempos e modos verbais na oração núcleo
A presente do indicativo
B sem núcleo
C imperfeito do indicativo
D verbo no gerúndio
E pretérito perfeito do indicativo
F verbo elíptico
110
G futuro do pretérito composto
H imperativo
I verbo no infinitivo
J pretérito perfeito do subjuntivo composto
K futuro do presente do indicativo
L presente do subjuntivo
M pretérito perfeito do indicativo composto
N futuro do pretérito
O mais-que-perfeito do indicativo composto
P futuro do presente do indicativo composto
Q verbo impessoal
4. Tipo de estado de coisas da condicional
R realização
A atividade
M mudança
D dinamismo
P posição
E estado
Z verbo elíptico
5. Tipo de estado de coisas da núcleo
r realização
a atividade
m mudança
d dinamismo
p posição
e estado
z verbo elíptico
s sem núcleo
6. Tipo de oração condicional
F factual
E eventual
C contrafactual
7. Domínios segundo de Sweetser (1990)
2 epistêmico
3 atos de fala
111
8. Camadas segundo Dik (1989) e Hengeveld (1989)
p proposição
f atos de fala/frase
9. Presença de verbo modal na Oração Condicional
e epistêmico
d deôntico
n nenhum
z elíptico
10. Presença de verbo modal na Oração Núcleo
E epistêmico
D deôntico
N nenhum
S sem núcleo
11. Função da condicional
r tópico de retomada
c tópico de contraste
a tópico de opção
e tópico de exemplificação
p adendo restritivo
m adendo ampliador
Em seguida, são elaboradas, a partir da combinação desses
grupos de fatores, cadeias de codificação, que contêm todos os dados de cada uma
das construções condicionais encontradas. Do cruzamento, feito pelo Makecell,
entre a variável dependente e os demais grupos de fatores, chega-se à
caracterização de cada um dos tipos de literatura. Pode-se efetuar, então, um
segundo cruzamento de dados, entre um grupo de fatores e outro, por meio do
programa Crosstab ou Cross3000, o que resulta nas possíveis inter-relações e
interdependências entre esses grupo de fatores.
112
Neste trabalho são cruzados, entre outros, os seguintes grupos:
.
tempo e modo verbais da oração condicional x tempo e modo verbais da
oração núcleo;
.
tempo e modo verbais da oração condicional x tipo de condicional;
.
tempo e modo verbais da oração núcleo x tipo de condicional;
.
tempo e modo verbais da oração condicional x tipo de estado de coisas da
condicional;
.
tempo e modo verbais da oração núcleo x tipo de estado de coisas da núcleo;
.
tipo de estado de coisa da condicional x tipo de estado de coisas da núcleo;
.
camadas segundo Dik (1989) e Hengeveld (1989) x domínios segundo
Sweetser (1990);
.
posição da condicional x função da condicional;
.
posição da condicional x correlações modo-temporais;
.
posição da condicional x tipo de condicional;
.
presença de verbo modal na condicional x presença de verbo modal na núcleo;
Pretende-se, portanto, a partir das correlações efetuadas entre os
diversos grupos de fatores levantados, chegar-se a uma caracterização geral das
construções condicionais em uso efetivo, uma vez que essa correlações oferecem
resultados percentuais (análise quantitativa), que são utilizados na análise
qualitativa dos dados.
113
4. Apresentação e análise dos dados
São apresentados, a seguir, os resultados das análises feitas no
córpus deste trabalho. Tomando-se como base as questões teóricas levantadas, é
possível estabelecer uma descrição do funcionamento das construções condicionais
do português escrito contemporâneo do Brasil. Acredita-se que estas questões
concernentes ao estudo das condicionais são de extrema importância, já que
focalizam diferentes aspectos e níveis de descrição. Esta análise não se pretende
exaustiva, uma vez que há muitos outros fatores ainda passíveis de descrição.
4. 1. Construções condicionais nos tipos de literatura
Foram encontradas, no córpus usado neste trabalho, 346
ocorrências de orações condicionais introduzidas pela conjunção se13. Dentre os
três tipos de literatura analisados, verifica-se que aquela que apresenta o maior
número de ocorrências de construções condicionais é a Literatura Dramática,
perfazendo um total de 61% das ocorrências do córpus. O uso de construções
condicionais nos outros dois tipos de textos é praticamente idêntico: 20% do total
de condicionais ocorrem na Literatura Técnica e 19%, na Literatura Oratória.
Esses resultados podem ser visualizados no quadro e no gráfico seguintes:
13
As ocorrências são numeradas da seguinte forma: da ocorrência 1 à ocorrência 210: Literatura
Dramática; da ocorrência 211 à ocorrência 277: Literatura Oratória; da ocorrência 278 à
ocorrência 346: Literatura Técnica.
114
Quadro 5
Distribuição das orações condicionais pelos tipos de literatura
Literatura
Dramática
210
61%
Literatura
Técnica
69
20%
Literatura
Oratória
67
19%
Total
346
Gráfico 1
Construções condicionais por tipo de literatura
Lit. Oratória
19%
Lit. Dramática
Lit. Técnica
Lit. Oratória
Lit. Técnica
20%
Lit. Dramática
61%
Em alguns aspectos, esse resultado mostrou-se diferente do
esperado. Embora a supremacia do uso de construções condicionais nos textos
dramáticos fosse esperada, por se tratar de textos que representam a fala cotidiana,
imaginava-se que a diferença entre o número de ocorrências de condicionais nos
textos de oratória e técnicos fosse maior, e que os textos da Literatura Oratória
tivessem mais ocorrências de condicionais que os textos da Literatura Técnica.
Entretanto, pode-se dizer que esses resultados, de certa forma, mostram algumas
características desses textos.
115
Na Literatura Técnica, como ressaltado na nota 12, alguns dos
textos analisados apresentam um caráter puramente científico, outros um caráter
técnico-didático, representados por manuais, em que não há muita especialização,
ou mesmo um léxico muito específico e elaborado. Essa mescla pode justificar o
número de ocorrências encontradas. Por um lado, há nesses textos um
comprometimento com a veiculação de valores de verdade, que não são
codificados preferencialmente por meio de construções condicionais, o que
acarretaria um número baixo de ocorrências de construções condicionais. Por
outro lado, os textos de caráter mais didático visam à explicação, ao
esclarecimento, até mesmo ao convencimento, objetivos aos quais o uso de
construções condicionais serve, e que faria com que a tendência de uso de
condicionais aumentasse. Assim, o número de ocorrências de construções
condicionais encontrado parece ser uma conseqüência do caráter híbrido dos
textos técnicos analisados.
Poder-se-ia dizer também que essa mescla nos textos técnicos
justifica a proximidade do número de ocorrências de construções condicionais
nesses textos e naqueles da Literatura Oratória. Em outras palavras, supõe-se que,
caso os textos técnicos fossem de grande especialização científica, o número de
ocorrências de construções condicionais na Literatura Oratória seria maior que na
Literatura Técnica. Nos textos da Literatura Oratória objetiva-se o convencimento
do outro, há a tentativa de persuasão. Há uma tendência, assim, para o uso das
construções condicionais, uma das estratégias mais ricas de que o emissor lança
mão no jogo argumentativo.
116
São discutidos, a seguir, cada um dos aspectos relacionados às
construções condicionais.
4.2. A ordem
A análise do córpus revela a precedência da oração condicional
em relação à oração núcleo nos textos do português escrito do Brasil. Assim, nos
três diferentes tipos de literatura contemplados, Literatura Dramática (LD),
Literatura Técnica (LT) e Literatura Oratória (LO), a ordem mais freqüente é a
anteposição da condicional à núcleo14. É o que pode ser observado no quadro 6:
Quadro 6
Correlação entre os tipos de literatura e a posição da condicionais.
Tipo de
Literatura
LD
LT
LO
Total
14
Posição da Condicional
Anteposta
118
70,2%
48
69,5%
45
67,1%
211
69,4%
Posposta
41
24,4%
19
27,5%
20
29,8%
80
26,3%
Intercalada
9
5,3%
2
2,8%
2
2,9%
13
4,2%
Total
168
69
67
304
Foram excluídas da análise as construções condicionais sem oração núcleo realizada.
117
As posições mais recorrentes em português são a anteposição
(69,4%) e a posposição (26,3%). Há apenas 4,2% de condicionais intercaladas.
Assim, pode-se perceber que as orações condicionais funcionam como
“preenchedores sintáticos”, nos termos de Kato & Tarallo et al (1993), uma vez
que ocorrem mais freqüentemente às margens da oração núcleo – à esquerda, no
caso das antepostas, à direita, nas pospostas. Vale ressaltar que a anteposição da
condicional à oração núcleo também é mais recorrente nas construções
condicionais no português falado, como se vê em Neves (1999b). Entretanto, no
que se refere à língua falada, o percentual de orações condicionais pospostas à
núcleo (18,1%) é bem menor que aquele encontrado para as condicionais da língua
escrita (26,3%). A essa mesma diferença de percentuais chega Ferreira (1997), o
que leva Braga (1999) à conclusão de que na modalidade escrita do português as
condicionais pospostas são mais prováveis que na modalidade falada.
A anteposição também é mais recorrente em todos os diferentes
tipos de textos analisados. É interessante comparar a proporção do uso das três
posições em cada uma da literaturas. Verifica-se que nos três tipos de textos, a
proporção do uso de condicionais antepostas e pospostas é, em média, a mesma:
há 69,7% condicionais antepostas e 26% pospostas. O comportamento destoante,
no que se refere à posição da oração condicional nos três tipos de textos, fica por
conta das condicionais intercaladas, que são mais freqüentes na LD. Do total de
intercaladas, 13 ocorrências, 9 estão nos textos dramáticos. Justifica-se esse fato
118
pela função exercida pela oração condicional intercalada, ou seja, a função de
ressalva. As ocorrências abaixo mostram esse tipo de uso:
(106-107) Cabo Rosinha: Você ouviu? O que acha desse negócio de
carneiro?
Joaquim: Eu, se fosse o senhor, deixava isso de lado!
Padre Antônio está é caduco!
Cabo Rosinha: É exatamente o que eu estava pensando:
isso é caduquice, não tem pra onde! Eu é que
não vou me meter onde não fui chamado. A
queixa que recebi foi de novilho, de carneiro,
não! E, se não houve queixa de carneiro, é
porque não há furto de carneiro. Diga a seu
irmão que pode ficar descansado! (PL/LD)
Como se pode perceber por essas ocorrências, a oração
condicional codifica uma ressalva ou um reparo ao que foi enunciado previamente.
No primeiro caso, a condicional intercalada é usada para ressaltar a opinião do
falante em relação ao assunto tratado. Ao ser indagado sobre a atitude a ser
tomada, o falante assume a posição de seu interlocutor e o adverte, fazendo uma
ressalva. Já na segunda ocorrência, a oração condicional intercalada é usada como
um reparo ao que havia sido enunciado. O falante diz que a queixa recebida era de
novilho e não de carneiro. De certa forma, o falante ao mesmo tempo utiliza
119
argumentativamente o que havia sido dito, incluindo um reparo: se não houve
queixa de carneiro (e sim do novilho), não houve roubo de carneiro. Pode-se
afirmar que as condicionais intercaladas são mais freqüentes em textos da LD
porque esses textos são organizados dialogicamente, ou seja, há a presença de dois
ou mais interlocutores, que estão frente a frente. Nesses casos não há a
necessidade da total explicitude nas informações, que podem ser reparadas,
completadas ou até mesmo contestadas pelos participantes da interlocução, o que
favorece o uso das intercaladas. Por outro lado, há, a todo momento, as mudanças
de turno, que também favorecem o uso das condicionais intercaladas.
Outro fato relevante na análise da posição das orações
condicionais diz respeito ao uso das condicionais que são realizadas sem a oração
núcleo. Segundo Neves (1999c), o falante escolhe certos recursos ao compor seu
texto para criar determinados efeitos e, na configuração dos satélites de natureza
adverbial, como é o caso das condicionais, o falante prepara molduras, criando
espaços mentais para o conteúdo das orações núcleo. Entretanto, ressalta a autora,
a liberdade de escolha do falante chega ao ponto de se prepararem molduras que
ficam vazias, como é o caso das construções condicionais sem oração núcleo
realizada. Criam-se, então, espaços mentais que obtêm efeitos particulares muito
significativos, tais como deixar uma asserção em suspenso, fazer um “convite” para
que ouvinte a complete ou tome parte da interlocução, etc. Foram encontradas no
córpus 42 (12,1%) ocorrências desse tipo de condicional. O que é interessante é
que todas as ocorrências de tais condicionais estão em textos da LD. Como no
120
caso das orações intercaladas, pode-se concluir que essa é uma característica dos
textos dramáticos. Pode-se dizer que, em primeiro lugar, por seu caráter interativo
e pelo fato de os interlocutores estarem frente a frente, não há necessidade, nos
textos dramáticos, de se explicitarem as informações, uma vez que elas podem ser
recuperadas facilmente no contexto ou podem ser inferidas ou preenchidas por um
dos interlocutores participantes do “jogo” dialógico. Entretanto, esse tipo de uso
também mostra a natureza colaborativa da conversação. É um uso que está a
serviço da interlocução e que mostra a natureza de coautoria dos textos
dramáticos. Nos textos técnicos, por exemplo, não há sentido em contar com a
participação do destinatário, porque esses textos são científicos. A ocorrência
seguinte mostra o uso de uma condicional sem a oração núcleo realizada.
(47-48) Flávio: Faz tanto tempo... éramos ainda moços, não era
Ângela? Tu me apareceste pela primeira vez...
Lembras-te?
Ângela: Ora, se me lembro!...
Flávio: Foi no Salão da Exposição Nacional. Havia muita
gente, muito alvoroço, muito entusiasmo entre os
concorrentes... Para mim, porém, só havia Ângela.
Ângela a seguir-me por toda a parte com aqueles
olhos
indagadores,
como
se
me
quisessem
perguntar alguma coisa, que eu tinha vontade de
responder. Se os olhos falassem... (HP/LD)
121
No primeiro caso, a interlocutora Ângela começa a responder à
indagação de Flávio. Para tanto, usa uma condicional sem a oração núcleo
realizada. Isso parece ser uma “instrução” para que Flávio tome a palavra, sendo
ele quem, de fato, responde à questão. Assim, Flávio, depois de relembrar seu
primeiro encontro com Ângela, usa outra condicional sem oração núcleo, e a deixa
em aberto, mostrando que o desfecho da história pode ser facilmente recuperado
por Ângela, e, portanto, não precisa ser explicitado.
Deve-se, agora, verificar quais são os fatores motivadores da
anteposição da oração condicional à núcleo.
Em relação ao grau de hipoteticidade das orações condicionais,
pode-se perceber que a freqüência de condicionais não-factuais – eventuais e
contrafactuais – é maior que a de condicionais factuais. O quadro seguinte mostra
a distribuição dos tipos de condicionais de acordo com a posição da condicional:
122
Quadro 7
Correlação entre a posição e os tipos de condicional.
Posição
Anteposta
Posposta
Intercalada
Total
Tipo de Condicional
Eventual
Factual
Contrafactual
Total
121
68
22
211
57,3%
32,2%
10,4%
57
19
4
71,2%
23,5%
5%
8
4
1
61,5%
30,7%
7,6%
186
91
27
61,1%
29,9%
8,8%
80
13
304
A sugestão de Comrie (1986) de que a não-factualidade (a
eventualidade e a contrafactualidade) da prótase motivaria a anteposição não se
confirma no exame das ocorrências do córpus. Verifica-se que a freqüência de
prótases pospostas não-factuais, 76,6%, somadas 57 eventuais a 4 contrafactuais, é
maior que a de antepostas não-factuais, 67,7% (as 121 eventuais somadas a 22
contrafactuais). O que se nota, portanto, é que a prótase tende a ocorrer como
não-factual esteja ela posposta, anteposta ou intercalada. É o que se pode também
observar no exame das condicionais na modalidade falada do português brasileiro,
feito por Neves (1999b). As ocorrências seguintes mostram o uso de condicionais
eventuais nas três posições:
123
(242) Se a Bahia conseguir irrigar os cem mil hectares de Irecê,
terá dado um grande passo no caminho da irrigação.(JL–LO)
– eventual-anteposta
(302) (...)A par disto, abrem caminho para a atuação da
toxalbumina, esta muito ativa, gerando constrição da glote e
asfixia mortal, se não houver socorro. (BEB–LT) – eventualposposta
(143) Padre Olavo: (...) e além disso, Santa Bárbara, se tivesse de
lhe conceder uma graça, não iria fazê-lo num terreiro de
candomblé! (PP–LD) – eventual-intercalada
Por outro lado, pode-se dizer que, proporcionalmente, as
prótases antepostas são as mais freqüentes para cada um dos tipos de condicional.
À mesma conclusão chega Ferreira (1997), ao verificar que todos os tipos de
condicionais,
factuais,
contrafactuais
e
eventuais,
atualizam-se
mais
freqüentemente na ordem protase-apódose.
A segunda sugestão de Comrie (1986), a respeito da referência
temporal das orações que compõem a construção condicional, também não se
confirma, uma vez que as correlações modo-temporais (condicional–núcleo)
encontradas em cada uma das posições são, com poucas diferenças, as mesmas15.
15
Há uma pequena variação na freqüência das correlações modo-temporais em cada posição, mas
acredita-se que este fato não interfira na análise, uma vez que as correlações encontradas são as
mesmas.
124
As ocorrências seguintes mostram o uso das correlações modo-temporais mais
freqüentes em cada uma das posições:
presente do indicativo–presente do indicativo
(232) Se o Poder Executivo e o partido que o apóia são
responsáveis pela feição do nosso processo administrativo, a
Oposição é o móvel fundamental das transformações em busca
do equilíbrio do processo. (JL-O/LO)
(76) O Marcelo está muito enganado, se pensa que vai voltar
comigo para a fazenda.(MO/LD)
(287) Durante a pré-adolescência a ação familiar é definitiva. Pela
necessidade de proteção e pela maneira de ser de seu
psiquismo, vive como num mimetismo, se assim nos
podemos exprimir, dependendo, portanto, da cor do lar a
coloração do seu eu. (AE/LT)
futuro do subjuntivo–presente do indicativo (com valor futuro)
(294) Se acrescentarmos, por exemplo, ácido fenilacético ao
meio de cultura comum, aumentamos em muito a produção
de penicilina G. (AN/LT)
125
(334) O problema de pessoal especializado assume características
de
maior
importância
se
considerarmos
o
avanço
tecnológico e a necessidade – já acentuada por diversas
vezes – de procurarmos enfrentar em definitivo a questão
da pesquisa tecnológica. (PT/LT)
(121) Mãe Preta: Você tem merecimento. Pois eu vou lhe dar um
bem que ninguém pode tirar: há de levá-lo à
cabeça, que é marca e sinal de homem e será sua
proteção. Onde você colocar, ninguém mais
arrancará, a não ser com a sua ordem, O que você
decidir, se não for coisa impossível, ninguém vai
poder mudar. (PEM/LD)
futuro do subjuntivo–futuro do indicativo
(45) Flávio: Tens razão. Nós nunca nos lembramos de nós mesmos.
Armando: Se quiseres, poderá ficar totalmente curado.
Flávio: Como ?
Armando: Tendo ao seu lado uma mulherzinha, cuidando de
ti. (HP/LD)
(188) Tessala: E como poderei impedir que alguma coisa aconteça,
se tiver de acontecer?
Anfitrião: Protege-a de qualquer modo, por todos os modos,
com teu próprio corpo. (TEG/LD)
126
imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito do indicativo
(325) Minha repugnância à classificação de arte informal é porque
acho que a mesma não tem sentido. Se se dissesse
antiformal, teria mais sentido, pois estaria explícita a vontade
de fugir à forma, de ser contra, de querer destruí-la(...)
(MH/LT)
(255) Seríamos surpreendidos se pudéssemos penetrar no íntimo
do coração de muitas pessoas cujo proceder é censurável,
pois em muitos deles encontraríamos uma grande ansiedade.
(LE-O/LO)
(206) Melchior: Pedi para mim o título de Marques da Minas.
Disse-lhe que Bilbao não daria tanto ferro na
Biscaia como a prata que eu pretendia extrair do
Brasil. Encontrara Sabarabuçu. Com a exploração
das minas, a que dei o nome de São Pedro, a
Espanha, se quisesse, poria um freio nos turcos e
poderia entregar-se a outras grandes empresas.
(VP/LD)
127
imperfeito do subjuntivo–imperfeito do indicativo
(01) Romana: O dinheiro que tu me deu não dá pra muita coisa...
Chiquinho: Me dá mãe !
Romana: Se tu soubesse como me irrita esse teu “me dá”, tu
saía correndo e num voltava nunca mais. (EN/LD)
(107) Rosinha: Você ouviu? O que é que você acha desse negócio
do carneiro?
Joaquim: Eu, se fosse o senhor, deixava isso de lado! Padre
Antônio está é caduco! (PL/LD)
A correlação entre o imperfeito do subjuntivo e imperfeito do
indicativo, como mostram as ocorrências (01) e (107), é usada somente nas
condicionais antepostas e intercaladas, e não nas pospostas. De um modo geral,
essa correlação não é muito freqüente no córpus como um todo. São apenas 14
ocorrências, ou seja, 4,6%, todas elas em textos da LD. Percebe-se que, por se
tratar de um córpus de língua escrita, há, de certa forma, um maior
comprometimento com a norma padrão culta, e assim, o uso “recomendado” seria,
nesses casos, o futuro do pretérito do indicativo. Dessa forma, a ocorrência dessa
correlação parece estar limitada aos textos comprometidos com a língua oral,
como os textos dramáticos. Retoma-se essa questão quando da análise das
correlações modo-temporais por tipo de literatura.
O que as ocorrências mostram, portanto, é que, embora a ordem
tempo anterior na prótase–tempo posterior na apódose se mantenha, verifica-se
128
que ela independe da posição em que a prótase é atualizada. Nos quadros seguintes
pode-se visualizar a freqüência das correlações modo-temporais mais realizadas
nas três posições:
Quadro 8
Correlações modo-temporais nas condicionais antepostas
Oração condicional
Oração núcleo
Total
presente do indicativo
presente do indicativo
60/28,4%
futuro do subjuntivo
presente do indicativo
39/18,4%
futuro do subjuntivo
futuro do indicativo
18/8,5%
imperfeito do subjuntivo
imperfeito do indicativo
11/5,2%
imperfeito do subjuntivo futuro do pretérito do indicativo
10/4,7%
Quadro 9
Correlações modo-temporais nas condicionais pospostas
Oração condicional
Oração núcleo
Total
futuro do subjuntivo
presente do indicativo
16/20%
presente do indicativo
presente do indicativo
15/18,75%
imperfeito do subjuntivo
futuro do pretérito do indicativo
08/10%
futuro do subjuntivo
futuro do indicativo
08/10%
129
Quadro 10
Correlações modo-temporais nas condicionais intercaladas
Oração condicional
Oração núcleo
Total
imperfeito do subjuntivo
imperfeito do indicativo
3/23%
futuro do pretérito do indicativo
2/15,3%
pretérito perfeito do indicativo
1/7,2%
presente do indicativo
1/7,2%
futuro do indicativo
1/7,2%
presente do indicativo
3/23,3%
futuro do indicativo
1/7,2%
presente do indicativo
futuro do subjuntivo
Nas construções condicionais sem oração núcleo realizada, as
prótases são mais freqüentemente realizadas pelo imperfeito do subjuntivo,
presente do indicativo, futuro do subjuntivo, pretérito imperfeito do indicativo,
pretérito perfeito do indicativo e por meio da elipse verbal. O quadro 11 mostra os
tempos verbais mais usados nas prótases das construções condicionais sem oração
núcleo realizada:
130
Quadro 11
Tempo e modos verbais nas prótases das construções sem oração núcleo
Oração condicional
Oração núcleo
Total
imperfeito do subjuntivo
∅
16/38%
presente do indicativo
∅
13/30,9%
futuro do subjuntivo
∅
9/21,4%
pretérito imperfeito do indicativo
∅
2/4,7%
pretérito perfeito do indicativo
∅
1/2,3%
verbo elíptico
∅
1/2,3%
O uso de três dos tempos verbais mais freqüentes nas prótases é encontrado nessas
ocorrências:
(24) Olga: Só fui perceber quando tive vontade de fazer pipi. Ele
disse para mim “Colombina querida não abandone seu
pierrô apaixonado”. Uma voz grossona, tão diferente da
sua !
Rubem: Sei, Olga!
Olga: levei um baita susto! Se eu soubesse que não era você...
(F/LD)
(61) Mané Gorila: O deputado não está dizendo que se
responsabiliza?
Comissário: Está bem... se é assim... se o senhor assume a
responsabilidade... (IN/LD)
131
(80) Helena: A Lucília também precisa se divertir um pouco.
Joaquim: Já deve ter se divertido bastante. Chega. Quero que
venha embora.
Marcelo: Se o Olímpio deixar...
Joaquim: Olímpio? Quem é Olímpio? (MO/LD)
Resta, então, comprovar se a questão da função que a prótase
desempenha na construção condicional motivaria a sua posição. As prótases,
quando antepostas, realmente funcionam como tópicos das construções em que
ocorrem. Os tipos de tópicos mais freqüentes são os tópicos de opção, aqueles que
mostram uma opção ao que foi anteriormente enunciado pelo falante (45% das
ocorrências) e os tópicos de retomada, aqueles que repetem algo já dito no
discurso precedente (19,4% dos casos). As condicionais pospostas, por outro lado,
são codificadas como adendos. O tipo de adendo mais freqüente é o adendo
restritivo, aqueles que apresentam alguma ressalva, avaliação, promessa ou ordem
em relação à oração núcleo que as precede, em um total de 25,3% dos casos. É o
que se verifica no quadro abaixo
132
Quadro 12
Correlação entre a posição da condicional e a função da condicional
Função da
condicional
Tópico de
Opção
Adendo
Restritivo
Tópico de
retomada
Tópico de
contraste
Adendo
ampliador
Tópico de
exemplificação
Total
Posição da condicional
Anteposta
Posposta
Intercalada
Total
133
63%
-
-
4
30,7%
7
53,8%
1
7,6%
1
7,6%
-
137
45%
77
25,3%
59
19,4%
20
6,5%
10
3,4%
1
0,3%
304
58
27,4%
19
9%
1
0,4%
211
70
87,5%
10
12,5%
80
13
Quando antepostas, as prótases são mais freqüentemente
realizadas como tópicos de opção (63%) e como tópicos de retomada (27,4%). As
ocorrências seguintes caracterizam o uso desses tipos de tópicos:
(177) Anfitrião: Creonte mandou-me que eu vencesse a batalha.
Sou um militar, cumpro ordens. Se quiserdes, ide
dizer a Creonte que arranje outro general. (TEG–
LD)
Nessa ocorrência, Anfitrião mostra que cumpre ordens dadas por Creonte. Em
seguida, apresenta, por meio de uma condicional, uma alternativa ao que acaba de
enunciar: pode-se buscar um outro general, caso seja necessário.
133
Já na ocorrência seguinte, afirma-se a existência de uma doutrina,
e, em seguida, volta-se, necessariamente, à idéia dessa mesma doutrina. Para tanto,
o falante usa uma condicional anteposta, que funciona, então, como um tópico de
retomada:
(282) Essa doutrina nega que o desenvolvimento mental consista
meramente em um processo de desdobramento (...) Se essa
teoria não fosse verdadeira, seria necessário abandonar a idéia
de que a educação é algo mais que a aquisição de informações.
(AE–LT)
As condicionais pospostas e intercaladas atualizam-se com maior
freqüência como adendos restritivos, em um total de 87,5% e 53,8% dos casos,
respectivamente.
Nesses casos, na maioria das ocorrências do córpus, as construções
com condicionais pospostas apresentam características peculiares. Em algumas
ocorrências, a condicional é usada com elementos como o não ou o só, explícitos
ou recuperáveis no contexto. Na ocorrência seguinte pode-se verificar uso de um
desses elementos:
(221) Não teremos compreendido o fenômeno que se evidenciou em
termos políticos se não tivermos a coragem de enfrentar os
problemas fundamentais para o país. (G–LO)
134
Nessa ocorrência, a condicional é usada como um modo de avaliar o que foi
enunciado anteriormente pelo falante. O falante apresenta uma ressalva: é preciso
ter coragem para enfrentar os problemas do país, caso contrário, não se terá
compreendido um certo fenômeno, que se evidencia em termos políticos. A
condicional, então, aparece após a oração núcleo, e ainda se realiza na forma
negativa.
O outro elemento que restringe, de algum modo, a significação
da oração condicional é o só. A ocorrência abaixo evidencia o uso desse elemento:
(341) Só acredite nele se responder sem hesitações: onde você
nasceu? Foi numa cidade grande? (ROT–LT)
Nessa ocorrência, o elemento restritivo aparece na oração núcleo, que apresenta,
então, uma delimitação ao conteúdo expresso na prótase. Esse caso poderia ser
parafraseado da seguinte forma:
(341a) Acredite nele, se e somente se responder sem hesitações:
onde você nasceu, foi numa cidade grande?
Poder-se-ia interpretar essa ocorrência como: a) acredite nele se ele responder suas
questões sem hesitações; b) não acredite nele se ele responder suas questões com
hesitações. Nesses casos, a condicional aparece como uma condição necessária e
suficiente para a oração núcleo, e, portanto, é preferencialmente realizada após ela.
135
Outra estrutura bastante freqüente nas condicionais pospostas e
intercaladas é a da interrogação. Na ocorrência seguinte, pode-se observar o uso
dessa estrutura:
(97) Como você viu Mateus de longe, se a rua é estreita, João?
(PL–LD)
Percebe-se que o falante, após enunciar a oração núcleo, utilizase da condicional, que funciona para questionar o que foi enunciado.
As condicionais sem oração núcleo realizada funcionam como
adendos ampliadores. Como são deixadas em aberto, pode-se dizer que tenham a
função de generalizar ou ampliar o significado do enunciado que as precede. O uso
desse tipo de condicional pode ser observado na seguinte ocorrência:
(53/54) Mané Gorila: Anjinho vai pro céu garantido, seu Justino. E
o que vai pro céu deve levar boa informação da
gente.
Justino: Tava pensando... se o senhor não se ofende,
aquele dinheiro que eu lhe dei...
Mané Gorila: O que é que tem?
Justino: Se o senhor pudesse devolver... (IN/LD)
136
A partir do exposto, percebe-se uma estreita relação entre a
posição da oração condicional e a função por ela exercida. Pode-se afirmar,
portanto, que o posicionamento da oração condicional em relação à núcleo deve-se
muito mais a fatores discursivos que estruturais. Acredita-se, assim, que esses
fatores refletem uma escolha, por parte do falante ou escritor, que se baseia em
suas necessidades de composição textual e nas condições da situação comunicativa
em que o discurso está inserido, para decidir-se pela ordem não-marcada ou
marcada.
137
4.3. Graus de hipoteticidade
Os graus de hipoteticidade das construções condicionais também
são analisados em relação aos tipos de literatura. Ainda é pertinente verificar quais
são os tempos e modos verbais mais atualizados nos diferentes tipos condicionais,
para que se possa determinar características dos textos aqui contemplados.
Tomados os três tipos de literatura em conjunto, as condicionais
eventuais são as mais freqüentes no córpus, seguidas pelas factuais e pelas
contrafactuais, conforme se vê no gráfico abaixo:
Gráfico 2
Tipos de condicionais nos três tipos de literatura
8%
27%
Eventual
Factual
Contrafactual
65%
Em cada um dos tipos de literatura também são mais freqüentes
as condicionais eventuais, embora isso se dê em proporções diferentes. No quadro
e no gráfico seguintes podem ser visualizados os resultados da distribuição do uso
dos tipos de condicional nos três tipos de literatura analisados.
138
Quadro 13
Correlação entre o tipo de literatura e o tipo de condicional
Tipo de
Literatura
Tipo de Condicional
Eventual
134
63,8%
51
73,9%
39
58,2%
224
64,7%
Literatura
Dramática
Literatura
Técnica
Literatura
Oratória
Total
Factual
53
25,2%
15
21,7%
25
37,3%
93
26,8%
Contrafactual
23
10,9%
3
4,3%
3
4,4%
29
8,3%
Total
210
69
67
346
Gráfico 3
Tipos de literatura em relação aos tipos de condicional
Literatura
Oratória
Contrafactual
Literatura
Técnica
Factual
Eventual
Literatura
Dramática
0
20
40
60
80
100
120
140
Na LT o percentual de condicionais eventuais é maior que na LD
e na LO. Os textos da LD apresentam um maior percentual de ocorrências de
condicionais contrafactuais que os textos da LT e da LO. Já nos textos da LO a
diferença no uso de condicionais eventuais (59%) e factuais (37%) é menor que
nos outros dois tipos de literatura. A partir desses resultados, podem-se perceber
139
algumas características dos três tipos de textos analisados. Apresentam-se em
seguida os gráficos e quadros relativos aos tipos de condicionais em cada um dos
tipos de literatura.
Gráfico 4
Tipos de condicional na Literatura Técnica
4%
22%
Eventual
Factual
Contrafactual
74%
Na LT, a diferença no uso de condicionais eventuais e factuais é
marcante. O fato de ocorrerem mais condicionais eventuais nos textos da LT
revela uma característica diferente desse tipo de literatura. Esperava-se encontrar
um maior número de condicionais factuais, em que a realização ou a verdade de p,
acarreta a realização ou a verdade de q, visto que esses textos, mesmo com
finalidade didática, tendem a ser menos hipotéticos e mais comprometidos com a
verdade, tal como na ocorrência seguinte:
140
(343) Isso é comum acontecer, e quando o é em escala excessiva
pende logo para o ridículo, pois força o personagem a sair do
tipo para dar vez ao autor, que num lance de ventriloquia
passa a falar por ele. Se o personagem não é você, pode
estar por perto, um parente, um amigo. (ROT/LT)
Entretanto, esse caráter menos hipotético acaba por se confirmar, uma vez que na
LT o uso de condicionais contrafactuais não é muito freqüente. Apenas 4% do
total de condicionais dos textos técnicos têm a negação de factualidade, como o
que se vê na ocorrência:
(283) Se um poder superior pudesse tratar o homem como este
trata os animais, não há dúvidas de que se obteria melhorias
da raça humana. (AE/LT)
Pode-se dizer, então, que os textos técnicos, apesar de codificarem, com
freqüência, condicionais abertas, como mostra a ocorrência abaixo,
(327) Se o Brasil tiver de se representar naquela mostra, seja
entregue a Antônio Bento a tarefa de organizar a
representação dos informais brasileiros. (MH/LT)
não chegam a ser tão hipotéticos como os dramáticos.
141
Gráfico 5
Tipos de condicionais na Literatura Dramática
11%
25%
Eventual
Factual
Contrafactual
64%
Nos textos da LD também se pode notar uma grande diferença
no uso de condicionais eventuais e factuais. Entretanto, como se ressaltou acima,
destacam-se nos textos dramáticos as ocorrências de condicionais contrafactuais.
Embora sejam pouco freqüentes quando se observa a soma de condicionais
encontradas no córpus (apenas 8,3% ocorrências), as contrafactuais perfazem um
total de 11% das condicionais da LD, ao passo que nos dois outros tipos de
literatura esse percentual é de 4,5%. Esse tipo de uso pode ser observado na
seguinte ocorrência:
(194) Se todos nós fôssemos iogues, estaríamos dominados pelo
primeiro bando. (TEG/LD)
É interessante notar o caso das condicionais sem oração núcleo, que
ocorrem todas na LD. Do total de 42 ocorrências, 36 são atualizadas como
eventuais. São usos como o que se segue:
142
(35) Olga: Eu vou ser convidada e por um moço, convidada para ir
ao apartamento dele. E vou gostar. E vou até me
apaixonar...
Rubem: Que falta de imaginação! Não é assim que você me
ofende! Se entregando a um tipo qualquer. Se ainda você
me dissesse que se apaixonou por um Jorge Amado...
(F/LD)
Pode-se dizer que nessas condicionais o traço potencial da
prótase manifesta-se plenamente, uma vez que não há a possibilidade de conclusão
fornecida por uma apódose, e, assim, a prótase é deixada completamente em
aberto.
No caso da LO, parece haver um maior equilíbrio entre o uso de
condicionais eventuais e condicionais factuais. É o que se pode ver no gráfico
seguinte:
143
Gráfico 6
Tipos de condicional na Literatura Oratória
4%
37%
Eventual
Factual
59%
Contrafactual
Nos textos da LO a menor diferença entre o uso de condicionais
eventuais e de condicionais factuais parece manifestar algo característico desses
textos: como convém à retórica, são apresentados argumentos passíveis de
comprovação, verdadeiros, ou seja, factuais, tais como os que são usados na
ocorrência seguinte,
(212) Se não se converteu, conforme o sonho de Nabuco, no
órgão de expressão, não só literária, mas também do
próprio instinto da Nação à procura do seu gênio e de sua
originalidade, certo é que a Academia existe, e existe
imensamente, para o povo brasileiro. (AM-O/LO)
e, ao mesmo tempo, outros, mais potenciais, como se vê em seguida:
144
(243) Se a Bahia conseguir irrigar os cem mil hectares de Irecê
e aproveitar bem o Profir, terá dado um grande passo no
caminho da irrigação. (JL-O/LO)
Acredita-se que, por meio desse equilíbrio, o emissor cria um jogo argumentativo,
inerente aos textos de oratória, do qual lança mão para chegar ao seu objetivo
primordial, o convencimento.
Deve-se, ainda, estabelecer a correlação entre os tipos de
condicional e os tempos e modos verbais usados na oração condicional e na oração
núcleo. Acredita-se que o emissor escolha determinados tempos e modos verbais
para expressar seu credo pessoal. O que se pretende conferir são as correlações
modo-temporais que favorecem um tipo ou outro de oração condicional, como
dizem Comrie (1986) e López García (1994).
Os resultados das correlações modo-temporais mais freqüentes
para cada um dos tipos de condicional podem ser observados nos quadros abaixo:
145
Quadro 14
Correlações modo-temporais nas eventuais
Condicional
Núcleo
Total
futuro subjuntivo
presente indicativo
54/29%
futuro presente
26/13,9%
∅
14/7,5%
futuro pretérito
12/6,4%
imperfeito indicativo
12/6,4%
presente indicativo
32//17,2%
∅
9/4,8%
imperfeito subjuntivo
presente indicativo
Quadro 15
Correlações modo-temporais nas factuais
Condicional
Núcleo
Total
presente indicativo
presente indicativo
44/48,3%
∅
4/4,3%
futuro presente
3/3,2%
presente indicativo
6/6,5%
perf. ind. composto
1/1%
perfeito indicativo
146
Quadro 16
Correlações modo-temporais nas contrafactuais
Condicional
Núcleo
Total
imperfeito subjuntivo
futuro pretérito
5/18,5%
futuro pretérito composto
5/18,5%
+perf. ind. comp.
2/7,4%
imperfeito indicativo
2/7,4%
imperfeito indicativo
3/11,1%
futuro pretérito
2/7,4%
fut. pret. composto
2/7,4%
+perf. ind. comp.
1/3,7%
+ perf. subj. composto
Segundo Comrie (1986), as condicionais do inglês com alto
grau de hipoteticidade, ou seja, aquelas que têm menor probabilidade de
ocorrência, são codificadas por correlações modo-temporais com referência nãofutura. Seriam os casos das condicionais contrafactuais. Já as condicionais com
baixo grau de hipoteticidade, e maior probabilidade de ocorrência, são atualizadas
por meio de correlações modo-temporais que remetem a futuro. Esse seria o caso
das condicionais factuais. As condicionais eventuais estariam, então, entre esses
dois pólos, e poderiam ser codificadas tanto por meio de correlações com
referência futura, como por meio de correlações com referência não-futura.
No exame das condicionais do córpus confirma-se a proposta de
Comrie (1986) nas condicionais contrafactuais e nas eventuais. Nas eventuais, as
correlações com referência futura são tão freqüentes quanto as de referência não-
147
futura. As ocorrências abaixo mostram as correlações modo-temporais mais
usadas nas condicionais eventuais:
futuro do subjuntivo+presente do indicativo
(74) Lucília: Se não andar depressa, você perde a jardineira
Joaquim: Só sabe beber e apodrecer nesta cama.
Helena: Não diga isto, Quim. Ele é moço, é assim mesmo.
(MO/LD)
futuro do subjuntivo+futuro do presente
(320) Se assim fizermos, como critério para pesar-lhe o valor, o
resultado será negativo. (MH/LT)
imperfeito do subjuntivo+sem núcleo
(69) Lula: Acho que você tem razão. Mas isso é depois. Agora a
gente tem que lutar por isso aqui. Pelo menos aqui a
gente está junto... e se você gostasse um pouco de
mim... (IN/LD)
imperfeito do subjuntivo+futuro do pretérito
(286) Se fizéssemos uma seleção da porção mais inteligente, mais
enérgica e mais emocionalmente equilibrada da humanidade,
verificaríamos
que
representadas. (AE/LT)
todas
as
raças
estariam
nelas
148
imperfeito do subjuntivo+imperfeito do indicativo
(133) Bonitão: Eu vou com ela até lá, apresento ao porteiro, que é
meu conhecido – sim, porque uma mulher sozinha,
o senhor sabe, eles não deixam entrar – depois volto
pra lhe dizer o número do quarto. Daqui a pouco,
depois de cumprir sua promessa, o senhor vai pra lá.
Zé do Burro: Se o senhor fizesse isso por mim, era muito
bom. (PP/LD)
presente do indicativo+presente do indicativo
(243) Só se informa ao público o volume e não as perdas. ou o
quociente de rendimento, de modo que diria V. Ex. o
seguinte: se o objetivo do programa é o aumento da
produção, eu divirjo dos seus objetivos finais. (JL/LO)
presente do indicativo+ sem núcleo
(91) Benedito: Tratem de calar a boquinha, viu? Se essa história se
espalha... Os dois valentões aqui pedindo misericórdia! (PL/LD)
Nas contrafactuais, as condicionais têm, obrigatoriamente,
referência temporal não-futura, conforme as ocorrências seguintes podem
mostrar:
149
imperfeito subjuntivo+futuro pretérito
(84) Marcelo: Preciso pegar a jardineira para chegar no frigorífico.
Lucília: Se você deitasse mais cedo e não gostasse tanto do ar
fresco da noite, sobraria mais dinheiro. (MO/LD)
imperfeito subjuntivo+futuro pretérito composto
(36) Rubem: Eu não posso. Tentei, Olga, tentei... Se eu juntasse
todas as folhas que eu já amassei, eu teria escrito uma
obra de 30 volumes... (F/LD)
imperfeito subjuntivo+mais-que-perfeito indicativo composto
(165) Malu: Quer repetir, por favor?
Goreti: Ih! Se eu soubesse não tinha dito nada... (RE/LD)
imperfeito subjuntivo+imperfeito indicativo
(107) Joaquim: Eu, se fosse o senhor, deixava isso de lado! Padre
Antônio está é caduco!
mais-que-perfeito subjuntivo composto+imperfeito indicativo
(41) Flávio: Noto que és ainda o mesmo artista do colorido. E se
não houvesses estudado pintura, não havia nada de
surpreendente em tua apreciação. (HP/LD)
150
mais-que-perfeito subjuntivo composto + futuro pretérito
(285) Não há dúvida de que se tivéssemos nascido em outros
países ou noutros tempos seríamos muito diferentes. As
diferenças assinaladas em gêmeos idênticos, criados em
circunstâncias diversas, provam essa afirmação. (AE/LT)
mais-que-perfeito subjuntivo composto +futuro pretérito composto
(332) Se a pesquisa fosse considerada uma indústria, ficaria
situada
entre
as
doze
mais
importantes
indústrias
manufatureiras dos Estados Unidos de hoje. (PT/LT)
mais-que-perfeito subjuntivo composto + mais-que-perfeito indicativo
composto
(147) Zé do Burro: É bem verdade que se meu burro não tivesse
ficado doente, eu não tinha feito nada.
(PP/LD)
Quando se trata das factuais, percebe-se que a hipótese de
Comrie (1986) não se confirma. Há, nesses casos, muitas condicionais que não
remetem ao futuro e que são codificadas por meio da correlação de presente do
indicativo com presente do indicativo. É possível dizer que, entre tais
condicionais, há aquelas que realmente fazem referência ao futuro, apesar do uso
do tempo presente. Para esses casos, Comrie (1986) afirma que é necessário que a
151
referência temporal da prótase preceda a da apódose; do contrário, segundo
Comrie (1986), usa-se, em português o futuro do indicativo composto ou o futuro
do subjuntivo, e em inglês, o futuro do indicativo. O uso das correlações modotemporais mais freqüentes nas condicionais factuais pode ser observado nas
ocorrências seguintes:
presente indicativo+presente indicativo
(31) Olga: É menos folheado. Gosto de coisas novas.
Rubem: Eu sei. Música nova. Blusa nova.
Olga: Se a gente não se renova, Clodoal, a gente está morta.
(F/LD) (sem referência temporal futura)
(16) Mãe: Se eles vão ver minha filha, eu vou vê-los ver a minha
filha. (CCI/LD) (com referência temporal futura)
presente indicativo+∅
∅
(60-61) Comissário: Mas excelência, compreenda...
Mané Gorila: O deputado não tá dizendo que se
responsabiliza?
Comissário: Se é assim... (sem referência temporal futura) se
o senhor assume a responsabilidade... o senhor
que sabe! (com referência temporal futura)
(IN/LD)
152
presente indicativo+futuro presente
(63) Se na vida física dos jovens um germe de infecção pode
impedir o desenvolvimento normal do corpo, quanto mais um
elemento negativo, permanente, na educação, poderá
comprometer o equilíbrio espiritual e o desenvolvimento
moral! (MA/LO)
perfeito do indicativo+presente do indicativo
(279/280) Na infância o cérebro, por assim dizer, está livre, sua
receptividade absoluta. Tudo quanto nele fotografa
permanece. Se houve um bom trabalho, se se gravaram
imagens belas, nobre, tudo a seguir é fácil. (AE/LT)
perfeito indicativo+perfeito indicativo composto
(40) Flávio: Se foi ingrata contigo no início de tua carreira, tem,
entretanto, ultimamente, batido palmas aos teus
triunfos. E isso te deve bastar ao contentamento
interior. (HP/LD)
Apesar dessa pequena discrepância entre o proposto por Comrie
(1986), para o inglês, e o que foi encontrado no córpus, acredita-se que as
condicionais factuais contempladas seguem a sugestão de Comrie (1986), de que as
condicionais com baixo grau de hipoteticidade são atualizadas por meio de
153
correlações modo-temporais com referência futura, uma vez que muitas delas
realmente apresentam a referência temporal futura. De certa forma, essa
discrepância faz que a idéia do contínuo hipotético, sugerida por Comrie (1986),
possa ser comprovada. Assim, pode-se considerar, neste trabalho, as condicionais
factuais de Comrie (1986), com a prótase no futuro do subjuntivo, no português, e
no futuro do indicativo, no inglês, como condicionais eventuais, conforme se pode
observar na ocorrência (74).
Por outro lado, verifica-se que as ocorrências encontradas são
compatíveis com as indicações de Brandão (1963), discutidas na seção 2.2., e de
Said Ali (1964), tratadas na seção 2.3.. Dessa forma, pode-se afirmar que as
condicionais, quando expressam fatos que existem em um momento presente ou
que existiram em um momento anterior, são atualizadas no presente ou no pretérito
do indicativo, como mostram as ocorrências (31) e (40). Nas ocorrências em que se
expressa algo que é esperado ou possível de acontecer, usa-se a correlação de
futuro do subjuntivo, na prótase, com futuro do indicativo, na apódose, conforme a
ocorrência (320). Já a correlação de imperfeito do subjuntivo, na condicional, com
futuro do pretérito, na núcleo, está presente nos casos em que se relacionam fatos
inexistentes ou improváveis, tais como as ocorrências (36) e (84).
Acredita-se que o fato mais importante nessa análise dos tempos
e modos verbais codificados nos diferentes tipos de condicional seja a
comprovação de que as correlações modo-temporais passíveis de uso são muito
mais ricas que aquelas apresentadas pelos estudos de cunho tradicional. Como
sugere López García (1994), não se trata de uma classificação estanque. Embora
154
se possa estabelecer especificidades no uso de uma ou outra correlação, como o
caso das correlações com o mais-que-perfeito do indicativo composto na
apódose, usado apenas nas condicionais contrafactuais, de um modo geral, podese dizer que os diferentes tipos de condicional atualizam todas as correlações
modo-temporais. Dessa forma, chega-se muito mais próximo da proposta de
Comrie (1986), a respeito do contínuo de hipoteticidade, que da tripartição
postulada pelas análises clássicas.
4.4. Correlações modo-temporais nos três tipos de literatura.
No exame das condicionais encontradas no córpus são analisadas
as correlações entre tempos e modos verbais mais utilizadas, e as suas possíveis
conseqüências na interpretação das construções condicionais. Foram encontrados
43 (quarenta e três) tipos de correlação modo-temporal. São elas:
155
Quadro 17
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
presente do indicativo
presente do indicativo
76/21,9%
∅
13/3,7%
futuro do presente
8/2,3%
verbo elíptico
7/2%
imperativo
5/1,4%
perfeito do indicativo
3/0,8%
imperfeito do indicativo
3/0,8%
presente do subjuntivo
2/0,5%
infinitivo
1/0,2%
Total
118/34,1%
Quadro 18
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
futuro do subjuntivo
presente do indicativo
58/16,7%
futuro do presente
27/7,8%
∅
9/2,6%
imperativo
6/1,7%
verbo elíptico
2/0,5%
impessoal
2/0,5%
perfeito do indicativo
2/0,5%
presente do subjuntivo
2/0,5%
fut. pres. comp. indicativo
1/0,2%
Total
109/31,5%
156
Quadro 19
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
imperfeito do subjuntivo
futuro do pretérito
20/5,7%
∅
15/4,3%
imperfeito do indicativo
14/4%
fut. pret. comp. indicativo
6/1,7%
presente do indicativo
2/0,5%
mais-que-perfeito ind. comp.
2/0,5%
verbo elíptico
1/0,2%
impessoal
1/0,2%
imperativo
1/0,2%
perfeito do indicativo
1/0,2%
Total
63/18,%
Quadro 20
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
perfeito do indicativo
presente do indicativo
8/2,3%
perfeito do indicativo
3/0,8%
verbo elíptico
2/0,5%
perfeito ind. comp.
1/0,2%
presente do subjuntivo
1/0,2%
imperativo
1/0,2%
∅
1/0,2%
futuro do pretérito
1/0,2%
Total
18/5,25
157
Quadro 21
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
mais-que-perfeito subj.
futuro pretérito composto
3/0,8%
futuro do pretérito
3/0,8%
imperfeito do indicativo
3/0,8%
mais-que-perfeito ind. comp.
1/0,2%
comp.
Total
10/2,8%
Quadro 22
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
impessoal
presente do indicativo
5/1,4%
futuro do pretérito
2/0,5%
verbo elíptico
1/0,2%
infinitivo
1/0,2%
Total
9/2,6%
Quadro 23
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
verbo elíptico
presente do indicativo
9/2,6%
∅
1/0,2%
Total
10/2,8%
158
Quadro 24
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
imperfeito do indicativo
imperfeito do indicativo
5/1,4%
∅
3/0,8%
perfeito do indicativo
1/0,2%
Total
9/2,6%
A correlação modo-temporal mais recorrente no córpus é
atualizada pelo presente do indicativo, tanto na prótase como na apódose (21,9%
dos casos). Em seguida, aparecem as correlações futuro do subjuntivo–presente do
indicativo (16,7% das ocorrências), futuro do subjuntivo–futuro do presente do
indicativo (7,8% dos casos) e imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito do
indicativo (5,7% dos casos).
Ferreira (1997), em trabalho sobre a variação da ordem nas
construções condicionais, na língua falada e na língua escrita, encontrou 31 tipos
de correlações modo-temporais. Como López García (1994), Ferreira (1997)
verifica que o condicionante de uma construção condicional expressa uma
suposição, e o condicionado, uma crença que se apóia naquela suposição, tornando
possível, portanto, as diferentes correlações modo-temporais. Dentre as
correlações mais freqüentes em seu córpus, Ferreira (1997) destaca: futuro do
subjuntivo–futuro do presente do indicativo; futuro do subjuntivo–presente do
indicativo; presente do subjuntivo–futuro do presente do indicativo; presente do
indicativo–presente do indicativo; imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito do
indicativo; mais-que-perfeito do subjuntivo–futuro do pretérito do indicativo;
159
imperfeito do subjuntivo–imperfeito do indicativo; imperfeito do subjuntivo–maisque-perfeito do indicativo composto. Como se pode perceber, foram encontrados
os usos das mesmas correlações. É interessante notar que das correlações
encontradas por Ferreira (1997), apenas a correlação com a prótase atualizada pelo
presente do subjuntivo não está aqui representada. Isto se deve ao fato de que
apenas a conjunção caso, não contemplada nesta dissertação, é passível de
ocorrência com esse tempo verbal.
Como já se disse, são inúmeras as correlações modo-temporais
realizadas por meio das construções condicionais. Pode-se também considerar que
o uso de tais correlações determinam características dos tipos de textos. Assim,
apresentam-se, a seguir, os quadros relativos às correlações modo-temporais mais
usadas em cada um dos três tipos de literatura.
Correlações modo-temporais na Literatura Dramática
Quadro 25
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
futuro do subjuntivo
presente do indicativo
41/19,2%
∅
9/4,2%
futuro do presente
6/2,8%
imperativo
4/1,9%
impessoal
1/0,4%
perfeito do indicativo
1/0,4%
presente do subjuntivo
1/0,4%
Total
63
160
Quadro 26
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
presente do indicativo
presente do indicativo
32/15,2%
∅
13/6,1%
verbo elíptico
6/2,8%
imperativo
5/2,3%
imperfeito do indicativo
3/1,4%
perfeito do indicativo
2/0,9%
presente do subjuntivo
1/0,4%
futuro do presente
1/0,4%
Total
63
Quadro 27
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
imperfeito do subjuntivo
∅
15/7,1%
imperfeito do indicativo
14/6,6%
futuro do pretérito
10/4,7%
fut. pret. comp. indicativo
6/2,8%
mais-que-perfeito ind. comp.
2/0,9%
presente do indicativo
1/0,4%
imperativo
1/0,4%
perfeito do indicativo
1/0,4%
Total
50
161
Quadro 28
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
perfeito do indicativo
presente do indicativo
4/1,9%
perfeito do indicativo
2/0,9%
verbo elíptico
2/0,9%
perfeito ind. comp.
1/0,4%
presente do subjuntivo
1/0,4%
imperativo
1/0,4%
∅
1/0,4%
Total
12
Quadro 29
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
verbo elíptico
presente do indicativo
9/4,2%
∅
1/0,4%
Total
10
Quadro 30
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
mais-que-perfeito subj.
imperfeito do indicativo
3/1,4%
futuro do pretérito
1/0,4%
futuro pretérito composto
1/0,4%
mais-que-perfeito ind. comp.
1/0,4%
comp.
Total
6
162
Quadro 31
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
imperfeito do indicativo
imperfeito do indicativo
3/1,4%
∅
3/1,4%
Total
6
Na LD as correlações mais freqüentes são futuro do subjuntivo–
presente do indicativo (19,2%); presente do indicativo–presente do indicativo
(15,2%); imperfeito do subjuntivo–sem núcleo (7,1%); imperfeito do subjuntivo–
imperfeito do indicativo (6,6%); presente do indicativo–sem núcleo (6,1%) e
imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito do indicativo (4,7%).
Correlações modo-temporais na Literatura Técnica
Quadro 32
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
presente do indicativo
presente do indicativo
26/37,6%
futuro do presente
2/2,8%
Total
28
163
Quadro 33
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
futuro do subjuntivo
presente do indicativo
12/17,3%
futuro do presente
10/14,4%
imperativo
1/1,4%
impessoal
1/1,4%
presente do subjuntivo
1/1,4%
Total
25
Quadro 34
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
imperfeito do subjuntivo
futuro do pretérito
5/7,2%
presente do indicativo
1/1,4%
impessoal
1/1,4%
Total
7
Quadro 35
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
impessoal
presente do indicativo
5/7,2%
futuro do pretérito
1/1,4%
Total
6
Quadro 36
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
perfeito do indicativo
presente do indicativo
1/1,4%
Total
1
164
Quadro 37
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
mais-que-perfeito subj.
futuro do pretérito
1/1,4%
comp.
Total
1
Quadro 38
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
imperfeito do indicativo
imperfeito do indicativo
1/1,4%
Total
1
Na LT as correlações mais recorrentes são: presente do
indicativo–presente do indicativo (37,6%); futuro do subjuntivo–presente do
indicativo (17,3%); futuro do subjuntivo–futuro do presente do indicativo (14,4%)
verbo impessoal–presente do indicativo e imperfeito do subjuntivo–futuro do
pretérito (7,2% cada)
Correlações modo-temporais na Literatura Oratória
Quadro 39
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
presente do indicativo
presente do indicativo
18/26,8%
futuro do presente
5/7,4%
verbo elíptico
1/1,4%
infinitivo
1/1,4%
perfeito do indicativo
1/1,4%
presente do subjuntivo
1/1,4%
Total
27
165
Quadro 40
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
futuro do subjuntivo
futuro do presente
11/16,4%
presente do indicativo
5/7,4%
elíptico
2/2,9%
futuro do presente comp. ind.
1/1,4%
perfeito do indicativo
1/1,4%
imperativo
1/1,4%
Total
21
Quadro 41
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
imperfeito do subjuntivo
futuro do pretérito
5/7,4%
elíptico
1/1,4%
Total
6
Quadro 42
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
perfeito do indicativo
presente do indicativo
3/4,4%
perfeito do indicativo
1/1,4%
futuro do pretérito
1/1,4%
Total
5
166
Quadro 43
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
mais-que-perfeito subj.
futuro pretérito composto
2/2,9%
futuro do pretérito
1/1,4%
comp.
Total
3
Quadro 44
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
impessoal
elíptico
1/1,4%
futuro do pretérito
1/1,4%
infinitivo
1/1,4%
Total
3
Quadro 45
Oração condicional
Oração Núcleo
Total
imperfeito do indicativo
imperfeito do indicativo
1/1,4%
prefeito do indicativo
1/1,4%
Total
2
Por fim, na LO as correlações mais comuns são: presente do
indicativo–presente do indicativo (26,8%); futuro do subjuntivo–futuro do
presente (16,4%); e futuro do subjuntivo–presente do indicativo, presente do
indicativo–futuro do presente e imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito (7,4%
cada).
167
Comparando-se os três tipos de literatura, pode-se estabelecer o
seguinte quadro:
Quadro 46
Correlações modo-temporais mais freqüentes nos três tipos de literatura
Correlações modo-temporais
LD
LT
LO
presente do indicativo-presente do indicativo
15,2% 37,6% 26,8%
futuro do subjuntivo-presente do indicativo
19,2% 17,3%
futuro do subjuntivo-futuro do presente do
2,8%
14,4% 16,4%
presente do indicativo-futuro do presente
0,4%
2,8%
7,4%
imperfeito do subjuntivo-futuro do pretérito
4,7%
7,2%
7,4%
imperfeito do subjuntivo-sem núcleo
7,1%
-
-
imperfeito do subjuntivo-imperfeito do indicativo
6,6%
-
-
7,4%
indicativo
Pelo exame do quadro poderia ser possível afirmar que as
diferenças entre as correlações usadas em cada um do tipos de literatura são
poucas. No entanto, quando se analisa a freqüência de cada um dos tipos de
correlação, percebe-se que há alguns traços característicos de cada tipo de texto.
A correlação imperfeito do subjuntivo–imperfeito do indicativo
ocorre apenas nos textos dramáticos (6,6% das ocorrências), como está nas
ocorrências (107), (133) e na ocorrência abaixo:
(70) Se eu tivesse você, Malu, ninguém mais botava a gente daqui
pra fora. Nem morto! (IN/LD)
168
Já a correlação imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito soma 10 ocorrências,
ou seja, 4,7% dos casos, nesse tipo de literatura. A ocorrência seguinte mostra o
uso dessa correlação:
(193) Alcmena: Que orgulho difícil, este de saber que um homem
luta por nós... e, no entanto, seria tão mais tocante
para o nosso amor se ele fosse covarde e por uma
mulher decidisse fugir ao combate... (TEG/LD)
Nos outros tipos de literatura, em que a ocorrência do imperfeito do indicativo na
apódose inexiste, os percentuais de uso da correlação com apódose no futuro do
pretérito, embora baixos, são ligeiramente maiores: 7,2% dos casos da LT e 7,4%
dos casos da LO. Pode-se dizer, então, que na LD existe preferência pelo uso da
correlação que tem a apódose no imperfeito do indicativo. Acredita-se que isso se
deve ao fato de que os textos da LD, apesar de escritos, são uma tentativa de
representação da fala cotidiana. De certa forma, parece ser muito mais comum, em
situações de conversação espontânea, planejadas no momento da emissão, o uso da
correlação com o imperfeito do indicativo na apódose. Já nos textos elaborados,
como aqueles das literaturas técnica e oratória, usa-se mais o futuro do pretérito
do que o imperfeito do indicativo na apódose. Confiram-se as ocorrências:
169
(229) Ficaria incompleta a referência à nossa política externa, se
não ressaltasse o novo e promissor espírito que anima as
relações dos países desta parte do continente. (JK-LO)
(325) Minha repugnância à classificação de arte antiformal é porque
acho que a mesma não tem sentido. Se se dissesse antiformal,
teria mais sentido, pois estaria explícita a vontade de fugir à
forma, de ser contra, de querer destruí-la... (MH/LT)
Em estudo comparativo sobre construções condicionais com
imperfeito do subjuntivo nas prótases do português falado culto do Brasil e de
Portugal, Tapazdi & Salvi (1998) afirmam que a maior diferença entre os usos
europeu e brasileiro se observa em relação ao uso do imperfeito do indicativo e do
condicional simples (futuro do pretérito) nas apódoses. Segundo os autores, o
português europeu dá preferência às formas do imperfeito do indicativo. Já no
português brasileiro, as formas com o futuro do pretérito são mais comuns que as
do imperfeito do indicativo. A preferência pelo uso do futuro do pretérito, em
Portugal, caracteriza textos mais sofisticados. Os autores destacam o uso do
imperfeito do indicativo com o verbo ir, no português do Brasil e assumem que
nas construções em que é usado, esse verbo tende a ocorrer no imperfeito do
indicativo. Assim, os autores acreditam que apenas alguns verbos da variedade
brasileira tendem a utilizar esse tempo verbal. Neste trabalho, apenas duas, das
catorze ocorrências com o imperfeito do subjuntivo na prótase, apresentam o
verbo ir no imperfeito do indicativo da apódose. Percebe-se, assim, que as
170
ocorrências aqui encontradas não correspondem ao que foi proposto por Tapazdi
& Salvi (1998) para o português em sua variedade européia. No entanto, assim
como tais autores, acredita-se que o uso do futuro do pretérito nas apódoses está
extremamente ligado a um determinado tipo de discurso: aquele que é mais
elaborado na forma.
Um outro fato interessante diz respeito ao uso das correlações
em que a prótase tem o futuro do subjuntivo e a apódose tem ou o presente do
indicativo (58 ocorrências), ou futuro do presente (27 casos). Na LD a correlação
futuro do subjuntivo–presente do indicativo ocorre em 19,2% dos casos, em 12
ocorrências (17,3%) na LT e em 5, na LO (7,4%). Já a correlação futuro do
subjuntivo–futuro do presente ocorre apenas em 6 casos da LD (2,8%), em
contraste com 10 casos (16,4%) da LT e de 11 ocorrências (14,4%) da LO.
Percebe-se que, no caso da LD, são muito mais freqüentes as correlações com o
presente do indicativo na apódose que aquelas com o futuro do indicativo. Na LT
há um equilíbrio no uso das correlações com apódose no presente do indicativo e
no futuro do indicativo. Já na LO prevalecem as apódoses com o futuro do
subjuntivo. Assim como no caso precedente, pode-se dizer que a maior freqüência
de apódose atualizada por meio do presente do indicativo na LD é resultado da
informalidade desse tipo de discurso. Desse modo, é fácil perceber o motivo desse
uso nas construções condicionais da LD do córpus: ele reflete o planejamento local
do discurso. É o que se pode perceber nas ocorrências seguintes:
171
(89) Vicentão: Ai seu delegado, pelo amor de Deus, não me mate
não!
Benedito: É o que eu vou resolver! Você vai me esperar ali,
junto do açougue. Estou de olho aberto. Se tentar
fugir, leva um tiro na barriga! Quando eu der um
assobio, venha se entregar. Jogue o revólver no chão
e ajoelhe. E tem uma coisa: Marieta agora é minha.
(PL/LD)
(78) Joaquim: Então é preciso trabalhar. De hoje em diante não terá
um tostão meu se não trabalhar. (MO/LD)
O fato de haver na LT uma mescla de tipos de textos poderia explicar o equilíbrio
entre o uso dos dois tipos de correlações modo-temporais. Os textos de caráter
técnico-didático são, de uma maneira geral, menos formais que os de caráter
puramente científico, ou técnico-científico. Assim, são usadas quase na mesma
proporção as correlações mais pertinentes aos textos elaborados, como aquelas
que atualizam a apódose no futuro do subjuntivo, e outras comuns aos textos
menos elaborados, como aquelas em que a apódose é realizada por meio do
presente do indicativo. Podem-se verificar esses usos nas seguintes ocorrências:
172
(345) A Tabela 84 (hidrófitos) documenta ser a planta crescida
n’água 3 a 10 vezes mais pobre em açúcares totais e mais rica
em sais e nitrogênio do que a planta crescida ao ar. Agora, se a
planta crescer em solução contendo açúcar elevado, assumirá
características de planta aérea. (TF/LT)
(329) Se examinarmos, por exemplo, os mapas da distribuição do
povoamento durante os quatro séculos e meio de história
moderna
da
Venezuela,
vemos
que
as
manchas
representativas da presença humana no território são
repetidas, embora com nuanças. (PGN/LT)
Por fim, nos textos da LO pode-se perceber que o uso das
correlações com o futuro do subjuntivo na prótase é exatamente o oposto daquele
da LD. Na LO são muito mais freqüentes as correlações que têm na apódose o
futuro do indicativo. É possível afirmar, então, que a correlação de futuro de
subjuntivo na prótase e futuro do presente do indicativo na apódose é compatível
com os textos mais elaborados, solenes e formais. A ocorrência abaixo mostra esse
caso:
173
(275) Se vos lembrardes de que o critério supremo da verdade e da
moral é o interesse do Partido Comunista, isto é, da revolução,
compreendereis como o comunista pode afirmar hoje uma
coisa e negá-la amanhã. (SO/LO)
Na LD, a gama de correlações com tempos
compostos é mais ampla. São 11 casos de verbo composto na apódose e 6 casos
de composto na prótase. Um desses casos, em que apódose é realizada no maisque-perfeito do indicativo composto, ocorre apenas na LD. Esse uso pode ser
observado nas ocorrências que se seguem:
mais-que-perfeito subjuntivo composto + mais-que-perfeito indicativo
composto
(147) Zé do Burro: É bem verdade que se meu burro não tivesse
ficado doente, eu não tinha feito nada.
(PP/LD)
imperfeito do subjuntivo+mais-que-perfeito indicativo composto
(144) Zé do Burro: Castigo? Castigo por que? Por eu ter feito uma
promessa tão grande? Por ter sido no terreiro
de Maria de Iansan? Mas se Santa Bárbara não
tivesse de acordo com tudo isso, não tinha
feito o milagre. (PP/LD)
174
Mais uma vez pode-se dizer que o caráter menos informal dos
textos dramáticos motiva o uso das correlações com tempos compostos, o que
acontece com menos freqüência nos textos da LT e da LO. Deve-se ressaltar,
ainda, que os tempos compostos usados na LT e na LO são próprios de textos
mais elaborados, como se discute em seguida.
Na LT não há casos de correlações com tempos compostos na
apódose e apenas um caso de tempo composto na prótase. A única ocorrência de
tempo composto na LT é o (285), em que o mais-que-perfeito do subjuntivo
composto combina-se com o futuro do pretérito:
(285) Não há dúvida de que se tivéssemos nascido em outros
países ou noutros tempos seríamos muito diferentes. As
diferenças assinaladas em gêmeos idênticos, criados em
circunstâncias diversas, provam essa afirmação. (AE/LT)
Na LO há três casos de correlações com tempos compostos na
apódose. Um deles, a correlação de futuro do subjuntivo com futuro do presente
do indicativo composto, só ocorre nos textos de oratória. É a ocorrência (211),
transcrita abaixo:
175
(221) Não teremos compreendido o fenômeno que se evidenciou
em termos políticos se não tivermos a coragem de enfrentar
os problemas fundamentais para o país. (G–LO)
Todos os outros casos de correlações com verbos compostos na LO têm o maisque-perfeito do subjuntivo composto na apódose, conforme as seguintes
ocorrências:
mais-que-perfeito do subjuntivo composto+futuro do pretérito composto
(213) Não endosso in totum o conceito, mas o menciono com
prazer. Ribeiro Couto não teria sido do meu tempo, se não
tivesse adotado também o verso livre e corrido o risco de
tentar fazer poesia sem base rítmica. (AM/LO)
mais-que-perfeito do subjuntivo+futuro do pretérito
(277) É honra, para mim, ainda maior pela incontestável expressão
da obra literária do meu ilustre competidor, a quem eu não
deixaria, por isso mesmo, de felicitar, se lhe tivesse cabido a
vossa preferência. (TAI/LO)
Outro fato relevante no exame das correlações modo-temporais é
a ausência de construções condicionais sem oração núcleo na LT e na LO.
Acredita-se que isso aconteça em razão da maior necessidade, nos textos técnicos
e de oratória, de construções com maior densidade informativa. Não se pode dizer,
176
entretanto, que os textos da LD não sejam informativos. A questão é que em tais
textos é possível recuperar as informações por meio de outras marcas, que muitas
vezes não são explícitas. Por outro lado, também interessa à interlocução “viva”,
como se vê nos textos dramáticos, esse tipo de abertura, causada pela ausência da
oração núcleo. Em outras palavras, pode-se dizer que os textos da LT e da LO,
por serem informativos e argumentativos, respectivamente, devem ser claros e,
portanto, não apresentam estruturas deixadas em aberto. Das 42 ocorrências de
construções sem oração núcleo, 15 têm a prótase realizada pelo imperfeito do
subjuntivo e 13, pelo presente do indicativo. A ocorrência seguinte mostra um
desses usos de condicionais sem oração núcleo:
(4) Otávio: Olha só Romana, até que se eu fosse mais moço...
(EN/LD)
O mesmo pode ser dito das construções em que acontece a elipse
do verbo. Esses casos são encontrados apenas nas prótases da LD. O que se
entende é que o emissor não espera que o seu interlocutor encontre as informações
contextualmente, mas prefere fornecê-las, de um modo tal que tenha controle de
seu discurso. É o que se pode perceber na ocorrência:
(184-185) Anfitrião: Eu prometi que libertaria Sósia se vencesse a
batalha. Eu prometo que te liberto também se...
(TEG/LD)
177
São mais freqüentes na LD orações núcleo atualizadas por meio
do imperativo. São 11 ocorrências na LD (5,2%), e uma só ocorrência (1,4%) nos
outros tipos de literatura. Esses casos parecem ilustrar a questão dos satélites de
atos de fala, analisados por Dik (1989), Hengeveld (1989) e Wakker (1992), que
são mais usados, como se verá à frente, nos textos que possuem uma estrutura
dialógica, como os textos dramáticos, do que naqueles que não a possuem. A
ocorrência seguinte, da LD, mostra o uso do imperativo na apódose:
(176) Anfitrião: Meus caros compatriotas! Honroso dever é o que
me impõe Creonte, meu rei e meu amigo. Sou um
guerreiro, um atleta, mas não fui dotado de dom da
oratória, tão caro aos helenos. Perdoai-me se não
sei falar... estou profundamente comovido com esta
manifestação. Mas o momento é de ação, não de
palavras. (TEG/LD)
É interessante notar que as ocorrências de imperativo na
apódose, nos textos técnicos e de oratória, acontecem justamente quando se pode
perceber uma “intromissão” no texto do emissor de uma outra voz, o que
caracterizaria, de certa forma, um diálogo, como se pode perceber nas ocorrências
abaixo:
178
(341) Faça de conta que já criou seu personagem principal.
Ótimo. Agora, faça-o sentar-se e projete nele uma luz bem
forte para o interrogatório. Só acredite nele se responder
sem hesitações: onde você nasceu? foi numa cidade
pequena, grande ou no campo? (ROT/LT)
(254) O conceito de publicano nos Evangelhos não é nada
lisonjeiro. Aparecem sempre ligados aos pecadores e às
meretrizes, em vários textos, pelo próprio Senhor Jesus. Disse
o Mestre que se alguém ‘recusar ouvir a Igreja, considera-o
como gentio e publicano’. Considerar alguém como gentio era
marginalizá-lo, colocá-lo fora da sociedade. (LE/LO)
A partir do exposto, pode-se chegar a algumas características
dos diferentes tipos de textos analisados. No que diz respeito às correlações modotemporais mais atualizadas, embora elas sejam, nas três literaturas, basicamente as
mesmas, pode-se dizer que a variedade de correlações é maior nos textos
dramáticos e de oratória que nos textos técnicos. Nota-se que, enquanto os dois
primeiros tipos de literatura apresentam, respectivamente, 38 e 24 tipos diferentes
de correlações modo-temporais, na LT essas correlações são apenas de 15
diferentes tipos. Há, portanto, uma maior “padronização” nos textos técnicos,
justificada por seu caráter técnico-didático. Por outro lado, pode-se afirmar que os
textos dramáticos diferem dos textos técnicos e de oratória por apresentarem
tempos e modos verbais mais usuais a sua estrutura dialógica, o que os aproxima
179
dos textos orais. Os textos da LO podem ser considerados “híbridos”, uma vez que
se prestam à argumentação, e, assim, ora podem ser usadas estruturas
informativas, ora estruturas narrativas.
4.5. A modalização nas construções condicionais
Uma questão pertinente na análise dos tempos e modos verbais
diz respeito à modalização. Neste trabalho, considera-se a possibilidade de
modalização epistêmica e deôntica, ou não-modalização explícita. A modalização
deôntica é expressa por meio de um verbo que transmite uma promessa, uma
recomendação ou uma ordem do falante, dirigida ao ouvinte. Já a modalização
epistêmica é feita por meio de elementos que expressam uma crença, uma
avaliação explícita do falante.
A ocorrência dos diferentes tipos de verbos modalizadores pode
ser verificada nos quadros abaixo:
180
Quadro 47
Modal na Literatura Dramática
Modal na
núcleo
nenhum
sem núcleo
deôntico
epistêmico
verbo
elíptico
total
Modal na condicional
nenhum
120
57,1%
36
17,1%
7
3,3%
16
7,6%
1
0,4%
180
epistêmico
20
9,5%
6
2,8%
1
1
0,4%
28
deôntico
1
0,4%
-
total
141
1
0,4%
-
9
17
-
1
2
210
42
Quadro 48
Modal na Literatura Técnica
Modal na núcleo
nenhum
deôntico
total
Modal na condicional
nenhum
deôntico
total
61
2
63
88,4%
1,4%
5
1
6
7,2%
1,4%
66
2
69
181
Quadro 49
Modal na Literatura Oratória
Modal na núcleo
nenhum
deôntico
epistêmico
total
nenhum
36
53,7%
3
4,4%
17
26,8%
56
Modal na condicional
epistêmico
deôntico
5
7,4%
2
2,9%
3
4,4%
8
2
total
44
5
21
67
Pelo exame dos quadros, percebe-se que o tipo de literatura
menos modalizado é a LT. Em 88,4% das ocorrências desse tipo de texto não há o
uso de elementos modalizadores. É interessante notar que não há não nenhum caso
de modalização epistêmica nas prótases ou nas apódoses da LT. Esse fato
relaciona-se muito com o tipo de texto em questão: um texto científico não se
presta à veiculação de crenças ou das opiniões e/ou avaliações de seu emissor. Ao
contrário, espera-se que os textos técnicos emitam verdades ou recomendações.
Assim, das poucas modalizações encontradas 8 aparecem com verbos deônticos,
na apódose ou na prótase. As ocorrências mostram o uso desses tipos de
modalização:
182
(290-92) Se há necessidades que são dessa época e só dela, se há
interesses que são dessa idade e de nenhuma outra, se há
adaptações a fazer inerentes a essa fase da vida, certamente a
educação se tem de caracterizar por processos específicos.
(AE/LT)
(297) Se a Arqueologia faz um trabalho científico apenas ‘pela
pertinência das suas conclusões, pela sua capacidade de
inscrever suas descobertas em uma problemática histórica’,
devemos reconhecer a importância da explicação. (ARQ/LT)
A LO e a LD apresentam freqüência de verbos modalizadores
quase idêntica. Na LD são 42,3% das ocorrências e na LO, 46,2%. Destacam-se
nesses dois tipos de textos os usos dos verbos epistêmicos na prótase ou na
apódose. Pode-se entender que esses tipos de literatura sejam os mais propícios à
transmissão das avaliações do emissor, como se pode verificar nas ocorrências
seguintes:
(210) Robério: Defendo a violência. Depende das mulheres. Para
que tu fosses minha, vendo-te livre de todas estas
roupas que escondem o teu alvo corpo, eu
cometeria qualquer violência
Clara: Enganas-te comigo. Se sabes atacar, eu sei defenderme. Minha têmpera é tão rija como a tua. (VP/LD)
183
(223-224)(...) não há outro meio senão o de usar para efeitos de
segurança e desenvolvimento os instrumentos que as
técnicas de hoje oferecem continuamente. Se isto não se
verificar, a nação não cumprirá o seu primeiro dever no
plano material, o dever imperativo de sua própria
dignidade, manter-se atual, ou se me é permitido dizer,
contemporânea de seu próprio tempo. (JK/LO)
Pode-se dizer, portanto, que dos três tipos de textos analisados,
a modalização se faz mais presente nas literaturas dramática e oratória, por meio
de verbos epistêmicos. Já os textos técnicos são menos modalizados e, nesses
casos, a modalização acontece por meio de verbos deônticos.
4.6. Tipos de estados de coisas nas construções condicionais.
Um fato relacionado aos tempos e modos verbais diz respeito
aos parâmetros semânticos usados na caracterização dos tipos de predicação (ou
estados de coisas). Deve-se verificar, a partir do cruzamento entre os estados de
coisas da oração condicional e os estados de coisas da oração núcleo, como a
expressão da condicionalidade é codificada por meio desses estados de coisas.
Segundo Neves (1999a), a escolha de predicações e relações que
deverão ser postas em seqüência entra na determinação do grau em que se pode
obter a atenção do ouvinte. Em outras palavras, a verificação das expressões
184
lingüísticas codificadoras dos estados de coisas revela uma seleção, feita pelo
falante, que tem conseqüências na organização do texto. O quadro a seguir mostra
o cruzamento entre os estados de coisas da oração núcleo e os estados de coisas
da oração condicional:
Quadro 50
Estados de coisas da oração condicional x estados de coisas da oração núcleo
ECs
Núcleo
Estados de Coisas da Oração Condicional
ativid estado
73
36
21% 10,4%
43
36
estado
12,4% 10,4%
22
15
s/núcleo
6,3% 4,3%
14
3
dinam
4%
0,8%
7
3
elíptico
2%
0,8%
2
5
realiz
0,5% 1,4%
3
3
posição
0,8% 0,8%
1
1
mud
0,2% 0,2%
2
impess
0,5%
167
102
total
ativid
din
10
2,8%
7
2%
3
0,8%
5
1,4%
1
0,2%
-
realiz impess elíp posiç mud T
4
7
5
8
143
2%
1,4 1,4%
1,1%
8
2
4
2
102
2,3% 0,5% 1,1%
0,5%
1
1
42
0,2%
0,2%
3
1
26
0,8%
0,2%
1
1
1
13
0,2% 0,2%
0,2%
1
9
0,2%
6
-
-
-
-
3
-
1
0,2%
-
-
-
-
-
2
26
19
10
10
9
3
346
Pelo exame do quadro, verifica-se que as construções
condicionais nos textos escritos do português do Brasil são mais freqüentemente
codificadas pela combinação de estados de coisas do tipo atividade. O percentual
de uso das combinações estado+estado e atividade+estado é o mesmo. É
interessante comparar esses resultados com aqueles obtidos por Neves (1999a),
185
relativos às condicionais no português falado. Ao examinar o córpus mínimo do
Projeto NURC, constituído basicamente de textos de interação, a autora verificou
que as construções condicionais são majoritariamente realizadas por meio da
combinação de estados de coisas do tipo estado. Nesse caso de córpus de língua
falada, as combinações atividade+estado e atividade+atividade é que são usadas
com a mesma freqüência. Percebe-se, assim, uma diferença entre essa modalidade
de língua e a que está sob exame neste trabalho – língua escrita dos tipos técnicodidático, oratório e dramático – no que diz respeito aos tipos de estados de coisas
escolhidos pelos falantes para a codificação das construções condicionais.
Acredita-se, ainda, que esses diferentes tipos de predicação
podem mostrar características de cada um dos textos analisados. A análise do
córpus mostra que os tipos de estados de coisas mais freqüentes, tanto na oração
núcleo como na oração condicional, são os mesmos: atividade e estado. No
entanto, isso acontece em proporções diferentes para cada um dos tipos de
literatura. É o que se pode visualizar nos quadros seguinte:
186
Quadro 51
Tipos de estados de coisas na oração condicional
Tipos de
estado de
coisas
Atividade
Estado
Dinamismo
Realização
V. impessoal
V. elíptico
Posição
Mudança
Total
LD
LT
LO
Total
90
42,8%
78
37,1%
14
6,6%
12
5,7%
-
39
56,2%
16
23,1%
3
4,3%
2
2,8%
6
8,6%
-
38
56,7%
8
11,9%
9
13,4%
5
7,4%
4
5,9%
-
167
2
2,8%
1
1,4%
69
2
2,9%
1
1,4%
67
9
10
4,7%
5
2,3%
1
0,4%
210
102
26
19
10
10
3
346
Pelo exame do quadro, pode-se perceber que, enquanto na LD a
diferença na freqüência dos tipos de estados de coisas atividade e estado é pequena
(42,8% e 37,1%), na LT e na LO essa diferença é maior. Na LT, as ocorrências do
tipo atividade correspondem a mais do dobro das do tipo estado. Na LO, por outro
lado, o número de casos do tipo atividade é mais de quatro vezes superior ao
número de ocorrências do tipo estado.
Pode-se, então, afirmar que, de um modo geral, as ocorrências de
verbos com o traço [+din] (realização, atividade, mudança e dinamismo) são bem
mais freqüentes nos textos de oratória e técnicos, respectivamente 79,1% e 65,2%
dos casos, do que nos textos dramáticos, em que perfazem um total de 55,7% das
187
ocorrências. Esse fato talvez se deva ao caráter explicativo, até mesmo didático de
alguns dos textos da literatura técnica, e ao caráter argumentativo dos textos de
oratória, que favoreceriam, assim, a ocorrência de verbos dinâmicos. É o que se
pode perceber nas ocorrências seguintes:
(320) Eis porque nos parece perigoso, ou pelo menos unilateral e no
fundo infrutífero, estarmos a medir o grau de ‘sensibilidade’
que aparece numa obra, ou quanto da vida ou do drama do
autor está contida nela; se assim o fizermos, como critério
para pesar-lhe o valor e a qualidade, o resultado será
negativo. (MH/LT)
(228) As contingências do Brasil não permitem, e de longa data,
que o aparelhamento de nossa defesa armada corresponda, em
valor e qualidade a razões de existência do poder militar. E,
mesmo assim, vale consignar que, se não gastamos tudo o
que seria necessário para que nossa defesa fosse plenamente
atendida, gastamos com ela tudo o que podemos em relação
aos nossos bem limitados recursos. (JK/LO)
Por outro lado, os verbos com o traço [- din] (posição e estado)
são mais recorrentes na LD (39,5% dos casos), em contraste com a LT (26% das
ocorrências) e a LO (14,9% dos casos). A diferença no uso de estados de coisas
[+din] e [-din] na LO é a que se mostra mais significativa.
188
Pode-se dizer que há um equilíbrio nos usos de verbos [+ din] e
[-din] na LD, o que não ocorre na LT e na LO Na LD, ao lado das construções
que expressam as ações dos personagens, há muitas descrições das situações em
que esses personagens se encontram, sendo assim, pertinente o equilíbrio entre
verbos estativos e não-estativos.
(44) Flávio: Mas que poderei eu mais dizer-te? Nada existe entre o
modelo que passou e o artista que continua... Se já te
afirmei que esta mulher passou na minha vida, como
uma mariposa em volta de um quebra luz em noite de
invernia, é porque isso é a expressão da verdade. De
fato, ela veio, borboleteou em volta de minha arte, fezse dona da minha dmiração e voou... (HP/LD)
(33) Olga: Não, meu querido. Recebo elogios que muita mocinha
que anda por aí nunca ouviu!
Rubem: Patifarias de um cafajeste qualquer, você quer dizer.
Olga: Pode ser. Mas é de um homem, entendeu? De um homem
viril!
Rubem: Ficou idiota!
Olga: Não fiquei. Deixei de ser. Se você se apagou, eu ainda
não! Não esqueça disso. (F/LD)
189
(37) Olga: A vida da gente não é um ‘dá cá, toma lá’. Talvez esta
blusa seja mesmo um pouco juvenil para mim, mas eu
me sinto bem com ela, ela me ajuda. Você devia
procurar alguma coisa que te servisse. Se você não é
capaz para a literatura, ela que vá às favas.
Rubem: Mas ela está em meu sangue... (F/LD)
Também na oração núcleo o tipo de estado de coisas mais
freqüente é o tipo atividade, seguido pelo tipo estado, conforme está no quadro
51:
Quadro 52
Tipos de estados de coisas na oração núcleo
Tipos de
estados de
coisas
Atividade
Estado
Dinamismo
V. elíptico
Realização
Posição
V. impessoal
Mudança
Total
LD
LT
LO
Total
80
47,6%
55
32,7%
14
8,3%
8
4,7%
7
4,1%
2
1,1%
-
34
49,2%
26
37,6%
4
5,7%
-
29
43,2%
21
31,3%
8
11,9%
5
7,4%
2
2,9%
1
1,4%
-
143
2
1,1%
168
3
4,3%
2
2,8%
69
1
1,4%
67
102
26
13
9
6
2
3
304
190
No caso das orações núcleo, o equilíbrio entre predicações
dinâmicas e não-dinâmicas ocorre apenas na LT,
que
correspondem,
respectivamente, a 49,2% e 42% dos casos. É interessante observar que não
ocorrem na LT orações núcleo em que os estados de coisas são marcados pelo
traço [+tel]. Este fato também pode ser verificado na análise das correlações
modo-temporais mais freqüentes em cada um dos tipos de textos. Não há, na LT,
nenhuma ocorrência de orações núcleo no pretérito perfeito, simples ou composto.
Parece, então, que a informação e/ou sugestão da oração condicional, expressa
freqüentemente por meio de um verbo dinâmico, acarreta, na oração núcleo, uma
verificação, que se manifesta ora por meio de um estado de coisas estativo, ora por
meio de uma predicação dinâmica não-acabada. É o que se pode observar nas
ocorrências seguintes:
(278) Na infância o cérebro, por assim dizer, está livre, sua
receptividade absoluta. Tudo quanto fotografa permanece.
Se houve um bom trabalho, se se gravaram belas imagens,
tudo a seguir é fácil. (AE/LT)
(299) Se considerarmos que o motor se encontra na dinâmica das
relações sociais e econômicas então a concepção de
desenvolvimento representa uma fechitização. (ARQ/LT)
Nos outros dois tipos de textos prevalecem as predicações dinâmicas. Na LD, há
61,3% de estados de coisas dinâmicos e 33,9% estativos. Na LO, essa proporção é
191
semelhante: são 59,7% ECs dinâmicos e 32,8% estativos. As ocorrências seguintes
mostram o uso desses tipo de estados de coisas dinâmicos:
(119) Pedro: Fiquei sozinho e perdido, sem ninguém pra me ajudar.
Figura 1: Se sabe quem é seu pai, pede pra lhe tirar dessa.
(PEM/LD)
(39) Flávio: Ora, Armando. A sociedade não sabe o que quer nem
pode exigir nada de nós. É uma mulher ricamente vestida, adornada
de ricos adereços que lhe encobrem o corpanzil minado de chagas
purulentas e de cicatrizes ainda arroxeadas. Se chegamos a despi-la,
se escandalizará apavorada com a sua fealdade. (HP/LD)
(231) Identificando hoje, aqui, o que de justiça toca à administração
pública neste surpreendente conjunto de realizações positivas,
emociona-me dizer que, se não podia fazer tudo, o Governo
fez tudo que esteve a seu alcance. (JK-O/LO)
(81) Helena: Não diga nada a Lucília. eu mesmo falo.
Joaquim: Já sabia que devia haver alguma coisa errada. Éo que
dão essas lições de costura. Se eu tivesse sido
consultado, nada disso teria acontecido. (MO/LD)
192
4.7. A estrutura em camadas: tipos de satélites
As condicionais, segundo Dik (1990) e Wakker (1992), podem
funcionar como satélites ilocucionários e proposicionais, por estarem ligadas às
camadas dos atos de fala da proposição, respectivamente. A distribuição dos
satélites condicionais pelos diferentes tipos de literatura pode ser visualizada no
gráfico e no quadro seguintes:
Gráfico 7
Tipos de satélites nos tipos de literatura
140
132
120
100
78
80
Ilocucionário
60
47
40
39
28
22
20
0
LD
LT
LO
Proposicional
193
Quadro 53
Tipos de satélites nos tipos de literatura
Tipo de
Literatura
LD
LT
LO
Total
Tipos de satélite
Ilocucionário
132
62,8%
22
31,8%
28
41,7%
182
52,6%
Proposicional
78
37,1%
47
68,1%
39
58,2%
164
47,3%
Total
210
69
67
346
Pelo exame do quadro, pode-se perceber que, do total de
condicionais, 52,6% são realizadas como satélites ilocucionários e 47,3% como
satélites proposicionais. Verifica-se, portanto, um certo equilíbrio no uso das
condicionais, que pode ser explicado pelos tipos de textos usados. Há, ao mesmo
tempo, textos dialógicos, como os da Literatura Dramática, textos não-dialógicos,
como os da Literatura Técnica, e textos “semidialógicos”, como os da Literatura
Oratória. Assim, estão igualmente representadas no córpus tanto as construções
em que existe o comprometimento com a verdade de uma premissa hipotética, o
caso dos satélites proposicionais, como aquelas em que se estabelecem a validade e
a adequação de uma premissa a partir de um ato de fala.
A predominância dos satélites ilocucionários se dá, apenas, na LD:
são 132 casos, ou seja, 62,8% de todas as ocorrências desse tipo de texto. Este
fato pode ser explicado pelo caráter dialógico das peças teatrais. Os textos são a
representação das conversações face-a-face, e favorecem, pois, a ocorrência de
satélites de atos de fala, como mostra a ocorrência seguinte:
194
(14) Senhora: Quer ir com eles? Quer apodrecer no reformatório?
Não precisamos de água. Não temos nada limpo nem
sujo. Depressa, se não ficamos presos debaixo dos
carros. Vamos!
Militar: Não. Fiquem em seus lugares.
Senhora: Não podem sair ainda. Vamos detê-los.
Civil: A senhora ouviu? Se quiser, podemos detê-los.
(CCI/LD)
Já nas literaturas técnica e oratória ocorre o inverso. Há
predomínio de satélites de proposição, que especificam uma condição que se
relaciona não com a relevância comunicativa, mas com o valor verdadeiro de uma
outra proposição. Dessa forma, parece ser claro o motivo da preponderância dos
satélites proposicionais nas literaturas técnica e oratória: tais literaturas não têm a
mesma estrutura dialógica, que é apresentada pelos textos dramáticos
Na LT os satélites proposicionais correspondem a 68,1% do
total e os satélites ilocucionários a 31,8% da soma total. Pode-se considerar que
isso se deva ao maior comprometimento com a verdade das proposições dos textos
técnicos, uma vez que apresentam caráter técnico-científico. Sendo assim, nesses
casos, as construções condicionais são mais freqüentemente codificadas como
satélites proposicionais. É o que se pode verificar na ocorrência seguinte:
195
(335) Não significa esse fato, entretanto, e repetimo-lo mais uma
vez, que a pesquisa científica deva ser negligenciada, pois é
inegável que todo o desenvolvimento técnico e industrial
somente pode ser bem sucedido se for baseado em sólidos
conhecimentos científicos. (PT/LT)
Na LO, embora os satélites de proposição predominem, pode-se
dizer que há um maior equilíbrio entre as ocorrências. Do total de 67 casos, 58,2%
são satélites de proposição, e 41,7% são satélites de atos de fala. O equilíbrio
verificado na LO poderia ser explicado pelo caráter argumentativo dos textos
oratórios. A argumentação envolve não só o comprometimento com a verdade,
como também a interação. Em outras palavras, o emissor, para chegar ao
convencimento de seu interlocutor, pode usar tanto proposições nas quais expressa
uma condição que se relaciona com o valor verdadeiro de outras proposições,
como se pode perceber na ocorrência (224), quanto aquelas em que validade de
uma premissa hipotética é estabelecida por meio de um ato de fala, como mostra a
ocorrência (236):
(214) Se tais são as intenções do mandatário, a história de seu
governo poderá ser resumida no futuro como a da luta para
alcançar aquele supremo objetivo. (AR/LO)
196
(236) Há poucos dias, se não me engano no domingo, no
programa dos Trapalhões, um deles pediu o favorecimento de
uma autoridade e descobriu que aquele amigo dele de muita
influência tinha conseguido casa no BNH. (JL/LO)
Uma outra análise pertinente diz respeito à correlação entre os
tipos de satélites e as leituras em domínios proposta por Sweetser (1990).
Conforme se ressaltou na seção 2.5, relativa à tipologia dos satélites proposta por
Dik (1989) e Hengeveld (1989), os satélites proposicionais têm leitura no domínio
epistêmico, assim como todos os satélites ilocucionários apresentam leitura no
domínio de atos de fala.
No caso dos textos analisados neste trabalho, percebe-se que, no
total, a leitura das condicionais no domínio dos atos de fala é mais freqüente (cerca
de 53%). Entretanto, só ocorre esse predomínio (quase 63%) na LD. Na LT e na
LO as condicionais são mais freqüentemente lidas no domínio epistêmico.
Acredita-se, mais uma vez, que o caráter dialógico dos textos dramáticos, em
contraste com a ausência desse traço nos outros dois tipos de texto, seja o fator
motivador da preponderância da leitura no domínio dos atos de fala. As
ocorrências (14) e (236), já transcritas, mostram a leitura no domínio dos atos de
fala nos satélites ilocucionários e as ocorrências (214) e (335), a leitura epistêmica
dos satélites proposicionais.
197
4.8. Fronteiras entre os tipos de orações
O estabelecimento de uma classificação e de uma caracterização
dos diferentes tipos de construções adverbiais não é uma tarefa fácil. Segundo
vários autores, entre eles Harris (1986), Traugott (1985), Haiman (1986),
dependendo do contexto, uma construção condicional pode ser interpretada como
causal, mesmo que a conjunção condicional se se faça presente. A mesma situação
pode ser verificada em relação às concessivas, às condicionais-concessivas e às
temporais, como se mostrou na seção 2.6.
No exame do córpus verifica-se que uma leitura concessiva ou
condicional-concessiva das construções condicionais é favorecida quando as
prótases aparecem pospostas às orações núcleo, em situações em que se apresenta
uma disjunção, ou no caso das construções interrogativas.
Nas ocorrências (97) e (321) percebe-se o matiz concessivo dos
enunciados, por meio do uso, em outras construções que compõem o período, de
orações de concessão: “mesmo abstrato, mesmo concreto” e “mesmo que ele
tivesse passado na outra calçada”. Na ocorrência (321) encontra-se, ainda, uma
disjunção. A concessão também pode ser caracterizada por apresentar idéias
contrastivas, um contraste qualquer. Assim, nas condicionais com leitura
concessiva, essa característica é atualizada por meio de uma partícula disjuntiva. A
198
leitura concessiva dos enunciados condicionais pode ser observada nas seguintes
ocorrências:
(97) Como é que você viu Mateus de longe, se a rua é estreita,
João? Mesmo que ele tivesse passado na outra calçada, era
coisa de uns quinze metros. Ora, ninguém tange gado pela
calçada, ele deve ter vindo pelo meio da rua. (PL/LD)
(97a) Como é que você viu Mateus de longe, mesmo que/embora
a rua seja estreita, João?
(321) E por isso ainda há quem julgue o valor de um quadro,
mesmo abstrato, mesmo concreto, examinando-lhe a fatura; se
esta não se faz visível ou se é dada quer pela violência, quer
pela regularidade das pinceladas, o quadro é morto, frio ou
ruim.(MH/LT)
(321a) E por isso ainda há quem julgue do valor de um quadro,
mesmo abstrato, mesmo concreto, examinando-lhe a fatura;
mesmo se esta não se faz visível ou mesmo se é dada, quer
pela violência, quer pela regularidade das pinceladas, o quadro
é morto, frio ou ruim.
199
(321b) E por isso ainda há quem julgue do valor de uma quadro,
mesmo abstrato, mesmo concreto, examinando-lhe a fatura;
apesar desta não se fazer visível ou apesar de ser dada, quer
pela violência, quer pela regularidade das pinceladas, o quadro
é morto, frio ou ruim.
Nessas ocorrências, pode-se perceber que algumas construções
condicionais apresentam uma estrutura de negação de uma expectativa, tal como
as concessivas. Assim, para que possam ser lidas como concessivas ou condicionalconcessivas, as condicionais devem apresentar algo em sua estrutura que mostre
essa negação. Na ocorrência (321) está explícita a partícula negativa. Na
ocorrência (97), a interrogação assume o papel de tornar a informação menos
provável e, assim, mais contrária a uma expectativa qualquer.
A relação entre as condicionais e as temporais pode ser percebida
quando o verbo utilizado na construção condicional é durativo, ou seja, quando
apresenta a noção temporal de duração, como afirma Souza (1996). Pode-se dizer,
assim, que a leitura temporal das condicionais acontece quando há um traço
“freqüentativo” na interpretação de tais orações. Da mesma forma, se a oração
condicional se apresenta mais factual que hipotética, a leitura favorecida é a
temporal. As ocorrências (101-104) e (219) mostram o uso desse “se temporal”:
200
(101-104) Rosinha: Eu pegando um valente, ele faz tudo. Se eu
mandar que se espante, ele se espanta; se eu
mandar que ele cante, ele dança e canta; se eu
mandar que não ouça, fica surdo; se eu
mandar que não fale, fica mudo. Sou distinto,
decente, autoridade. (PL/LD)
(101-104a) Rosinha: Eu pegando um valente, ele faz tudo. Quando
eu mando se espantar, ele se espanta; quando eu
mando cantar, ele dança e canta; quando eu
mando não ouvir, fica surdo, quando eu mando
não falar, fica mudo. Sou distinto, decente,
autoridade.
(219) Era sentimental como um adeus. Mas gostava se parecer de
ferro, de aço. Se caía em relembranças de amores antigos,
logo pedia desculpas, nesse seu jeito de marca registrada.
(CAR/LO)
(219a) Era sentimental como um adeus. Mas gostava se parecer de
ferro, de aço. Quando caía em relembranças de amores
antigos, logo pedia desculpas, nesse seu jeito de marca
registrada.
201
Nas ocorrências (101-104) percebe-se o traço freqüentativo:
sempre que ocorre X, ocorre Y. Na ocorrência (219), a condicional factual “se caía
em relembranças” favorece a leitura temporal. Caso essa condicional fosse
realizada contrafactualmente “Se tivesse caído em relembranças”, a leitura
temporal não se realizaria: “*quando tivesse caído em relembranças”. Por outro
lado, uma oração temporal cuja verdadeira realização é incerta, como no exemplos
(101-104), equivale a uma condição eventual.
No caso da relação entre condicionais e causais, verifica-se que a
interpretação causal é favorecida quando a conjunção condicional é usada como já
que ou desde que. O vínculo causal é facilmente percebido nas construções
condicionais, uma vez que a verdade da prótase leva à verdade da apódose, ou
seja, pode-se dizer que a prótase causa a apódose, ou que a realização da apódose
está condicionada à realização da prótase. Entretanto, há certos casos em que a
prótase apresenta apenas uma condição para a relevância ou para a adequação da
apódose. São os casos de condicionais que funcionam como satélites de atos de
fala, propostos por Dik (1990) e Wakker (1992), entre outros. Parece ser difícil,
aqui, falar em relação causal, como mostra a ocorrência seguinte:
(236) Há poucos dias, se não me engano no domingo, no
programa dos Trapalhões, um deles pediu o favorecimento de
uma autoridade e descobriu que aquele amigo dele de muita
influência tinha conseguido casa no BNH. (JL/LO)
202
Dessa forma, acredita-se que a leitura causal seja mais freqüente
quando as condicionais são atualizadas como satélites proposicionais, tal como
ocorre a seguir:
(294) Se o precursor específico for a hidroxietifenoxicetamida,
teremos a penicilina V. (AN/LT)
(294a) Teremos a penicilina V, desde que o precusor específico
seja a hidroxietifenoxicetamida.
(294b) Já que o precursor específico é a hidroxietifenoxicetamida,
teremos a penicilina V.
A partir do exposto pode-se estabelecer um contínuo semântico
na classificação das orações tradicionalmente chamadas adverbiais, aqui tratadas
como casos de hipotaxe de realce, contínuo que vai das concessivas, passando pela
condicionais-concessivas, condicionais, temporais até chegar às causais. De um
lado desse contínuo, encontram-se as orações relacionadas à negação da
expectativa, ou seja, à negação do vínculo causal. No pólo oposto, encontra-se a
confirmação do vínculo causal.
203
5. Conclusões
O objetivo deste trabalho foi estabelecer uma descrição do
funcionamento das construções condicionais do português escrito contemporâneo
do Brasil. Para tanto, usou-se a teoria da Gramática Funcional, nos termos de Dik
(1989, 1997), Hengeveld (1989), Mathiessen & Thompson (1988) e Halliday
(1985)
Considerou-se, nesta análise, o nível discursivo em que as frases
são efetivamente realizadas. Também foram considerados os aspectos semânticos e
pragmáticos envolvidos. Ao lado dos aspectos discursivo-pragmáticos, foram
analisados os fatores estruturais, morfossintáticos, responsáveis pela configuração
da construção condicional.
As condicionais foram analisadas em relação: à ordem frasal
preferida; aos diferentes graus de hipoteticidade; aos tempos e modos verbais
usados nas construções condicionais; à presença de verbos modalizadores; às
funções discursivas exercidas; ao estatuto informacional da prótase e da apódose;
aos tipos de estados de coisas envolvidos; às camadas de estruturação dos
enunciados a que as construções condicionais estão ligadas (Dik, 1989, 1990,
Wakker, 1992); aos domínios em que a conjunção se pode ser usada (nos termos
de Sweetser, 1990); às possíveis conexões com outros tipos de construção, como
as temporais, causais e concessivas.
204
A ordem frasal preferida nas construções condicionais do córpus
é a anteposição da oração condicional à oração núcleo. Segundo Comrie
(1986), a posição anteposta das condicionais é mais freqüente em todas as línguas,
mesmo naquelas que não requerem a ordem subordinada–núcleo. Comrie (1986)
apresenta, então, algumas sugestões, de ordem estrutural e discursiva, que
justificariam a maior recorrência da anteposição. São elas: a não-factualidade da
prótase; a correlação modo-temporal expressa pela construção condicional (tempo
anterior na prótase–tempo posterior na apódose) e a função discursiva da oração
condicional.
No que se refere ao grau de hipoteticidade, verificou-se que as
prótases tendem a ser não-factuais, sejam antepostas, pospostas ou
intercaladas em relação à núcleo. Assim, independentemente da posição em que
aparecem, as orações condicionais são mais freqüentemente atualizadas como
condicionais eventuais, como também concluiram Ferreira (1997) e Neves (1999b).
Quanto às correlações modo-temporais atualizadas pelas
construções condicionais, as correlações mais freqüentes nas três posições
contempladas são basicamente as mesmas, e, ainda que se mantenha a ordem
tempo anterior na prótase–tempo posterior na apódose, não se pode afirmar que
esse fato motiva a anteposição da condicional à núcleo.
É a terceira sugestão de Comrie (1986) que parece explicar a
posição em que as prótases aparecem na construção condicional. Considerou-se
neste trabalho que as orações condicionais podem funcionar como tópicos (de
contraste, de exemplificação, de opção e de retomada) e como adendos (restritivos
205
e ampliadores). No exame do córpus verificou-se que as prótases funcionam
como tópicos quando estão antepostas à oração núcleo e como adendos,
quando aparecem pospostas e intercaladas. Assim, pode-se dizer que sempre
que a informação contida na prótase tem como função oferecer um contraste, uma
retomada, um exemplo ou algo opcional em relação a uma porção precedente do
discurso, essa prótase é realizada pelo emissor na posição anteposta. Deve-se
ressaltar, entretanto, que se considerou a prótase como veiculadora de uma
informação dada, no sentido de ser “sobre algo”, ou seja, no sentido de aboutness,
termo empregado por Akatsuka (1986). Por outro lado, as prótases podem
funcionar como adendos, e, nesse caso, aparecem pospostas à oração núcleo, uma
vez que veiculam uma informação nova, mais densa, e, de certa forma, oferecem
uma ressalva ao que foi antes enunciado, ora ampliando, ora restringindo a
informação anterior. Pode-se concluir, portanto, pela análise dos dados, que
apenas a última sugestão, que diz respeito à função exercida pela condicional,
parece ser um fator motivador da anteposição.
Os tipos de condicionais mais freqüentes no português
escrito do Brasil são as condicionais eventuais, seguidas pelas factuais e pelas
contrafactuais. De certa forma, pode-se afirmar, com Comrie (1986), que a
interpretação das condicionais depende muito mais da avaliação que o emissor faz
do contexto em que a informação é veiculada do que de características internas a
cada um dos tipos de condicionais, como, por exemplo, a correlação modotemporal empregada que é o que afirmam as gramáticas de cunho tradicional.
206
Entretanto, verificou-se, no exame dos tipos de condicional, que as correlações
usadas no português escrito do Brasil para cada um desses tipos são muito mais
ricas e amplas que aquelas apresentadas tradicionalmente. Não se pode dizer,
portanto, que uma correlação modo-temporal seja típica de um determinado tipo
de condicional, uma vez que as correlações mais freqüentes nos diferentes tipos de
condicionais são as mesmas. É certo que há algumas especificidades, como o caso
das correlações com o mais-que-perfeito do indicativo composto na apódose,
usado apenas nas condicionais contrafactuais, mas são mínimas quando se observa
o córpus como um todo. Portanto, o que se pode concluir é que os três tipos de
condicionais atualizam basicamente todos os tipos de correlações modo-temporais.
Além disso, é possível dizer que no uso das condicionais no português escrito do
Brasil, houve uma preferência pela codificação da potencialidade, mais que da
factualidade ou da contrafactualidade.
No que se refere às construções condicionais do córpus,
verificou-se que a gama de correlações modo-temporais por elas atualizadas é
muito mais ampla que aquela proposta pela Gramática Tradicional.
Imaginava-se, pelo viés tradicional, que apenas algumas correlações poderiam ser
usadas, quando da veiculação do valor condicional. Entretanto, foram encontradas
no córpus quarenta e três diferentes correlações modo-temporais, o que mostra a
multiplicidade de contextos em que as construções condicionais podem ser usadas,
e comprova a necessidade dos estudos da língua em uso, efetivo e real. Dentre
essas correlações, as mais freqüentes são: o presente do indicativo tanto na prótase
207
quanto na apódose, a correlação futuro do subjuntivo–presente do indicativo, e a
correlação imperfeito do subjuntivo–futuro do pretérito.
Um outro aspecto ligado às correlações modo-temporais diz
respeito à presença, nas construções condicionais, de verbos modalizadores.
Considerou-se, neste trabalho, que as orações podem ser modalizadas
epistemicamente, aleticamente e deonticamente. Na análise do córpus, percebeu-se
que são muito mais freqüentes as ocorrências sem nenhum tipo de modalização
explícita. Entre aquelas que são modalizadas, a mais freqüente é a modalização
epistêmica.
Em relação aos tipos de estados de coisas envolvidos nas
construções condicionais, nos termos de Dik (1989), verificou-se que os mais
freqüentes, tanto na oração condicional como na oração núcleo, são os tipos
atividade e estado. A associação entre estados de coisas do tipo atividade na
oração núcleo e na oração condicional mostrou-se a mais freqüente, na
codificação de construções condicionais.Há um equilíbrio entre o uso de verbos
dinâmicos e não-dinâmicos, que foi justificado pelos tipos de textos contemplados.
Observou-se, no exame do córpus que há um equilíbrio no uso
de condicionais como satélites proposicionais e como satélites ilocucionários,
propostos por Dik (1990) e Wakker (1992) Esse equilíbrio foi explicado pelos
tipos de textos usados: há, ao mesmo tempo, textos dialógicos, como os da
Literatura Dramática, textos não-dialógicos, como os da Literatura Técnica, e
208
textos “semidialógicos”, como os da Literatura Oratória. No que diz respeito aos
domínios em que a conjunção se pode ser interpretada, nos termos de Sweetser
(1990), assim como na questão dos satélites, houve, nesse particular, um
equilíbrio entre as leituras epistêmica e a leitura no domínio dos atos de fala.
Assim, pode-se afirmar que todos os satélites condicionais proposicionais têm
leitura no domínio epistêmico e todos os satélites condicionais ilocucionários
apresentam leitura no domínio dos atos de fala.
Por fim, verificou-se que são possíveis as relações semânticas
entre as condicionais e outros tipos de construção, como as temporais, causais e
concessivas. No caso da relação entre condicionais e causais, verificou-se que a
interpretação causal é favorecida quando a conjunção condicional é usada como já
que ou desde que. A relação entre as condicionais e as temporais pôde ser
percebida quando o verbo utilizado na construção condicional apresenta a noção
temporal de duração. A leitura temporal das condicionais ocorre quando há um
traço freqüentativo na interpretação de tais orações. Da mesma forma, se a oração
condicional se apresenta mais factual que hipotética, a leitura favorecida é a
temporal. A leitura concessiva das construções condicionais, por outro lado, é
passível de ocorrência quando as prótases aparecem pospostas às orações núcleo,
em situações em que se apresenta uma disjunção, ou no caso das construções
interrogativas.
209
As ocorrências de construções condicionais, analisadas em três
diferentes tipos de literatura (Literatura Dramática, Literatura Técnica e Literatura
Oratória) da modalidade escrita do português contemporâneo do Brasil, tiveram
cada um dos aspectos envolvidos na análise das construções condicionais
contemplados, segundo o tipo de texto em questão. Procurou-se evidenciar, com
tal exame, diferenças e/ou semelhanças entre os tipos de textos.
Nos três tipos de literatura há uma maior freqüência da
anteposição das orações condicionais à oração núcleo. Esperava-se encontrar
nos textos técnicos um maior percentual de orações pospostas, uma vez que esses
textos, por serem densamente informativos, comportariam construções “mais
pesadas”, que têm a tendência, segundo Ford & Thompson (1986), de aparecer à
direita da oração núcleo. Entretanto, essa hipótese não se confirmou. Assim,
acredita-se que independentemente do tipo de texto, a anteposição da oração
condicional à núcleo é uma tendência geral, que também pôde ser observada nos
estudos de Ferreira (1997) e de Neves (1999b). Uma característica exclusiva dos
textos da Literatura Dramática, e que os diferencia dos outros tipos de textos, é a
ocorrência de construções condicionais sem oração núcleo realizada. Nesses casos,
verificou-se que as construções são deixadas em suspenso, para complementação,
seja do emissor, seja de seu interlocutor. Assim, confirma-se o caráter dialógico
dos textos dramáticos, em que se considera a presença do interlocutor, uma vez
que só se chega ao sentido do texto como um todo a partir da atuação dos
participantes do discurso. Embora os textos da Literatura Oratória, de certa forma,
210
pressuponham um “outro”, uma vez que têm uma natureza persuasiva, esse
“outro” é construído de uma maneira indireta. Não se trata, portanto, do mesmo
dialogismo da Literatura Dramática, em que os interlocutores estão face-a-face e,
assim, as construções em suspenso são inexistentes na Literatura Oratória.
O tipo de condicional mais freqüente nos três tipos de textos
é a condicional eventual. No entanto, isso se dá em proporções diferentes nos
diferentes tipos de textos. Na Literatura Técnica o percentual de condicionais
eventuais é maior que nas literaturas Dramática e Oratória. Tal fato foi, de
certa forma, inesperado, já que se esperava encontrar, nos textos técnicos, em
razão de seu caráter técnico-didático, um maior número de condicionais factuais.
Pode-se, com isso, entretanto, comprovar a afirmação de Comrie (1986) de que as
condicionais, mais que a contrafactualidade ou a factualidade, expressam a
eventualidade. Não se pode dizer, por outro lado, que os textos técnicos, apesar da
maior codificação de condicionais eventuais, sejam tão hipotéticos quanto os
textos da Literatura Dramática. Tanto é assim que o maior percentual de
ocorrências de condicionais contrafactuais acontece na Literatura Dramática. Tais
condicionais são, portanto, muito menos freqüentes na Literatura Técnica, o que
acaba por confirmar seu aspecto menos hipotético.
Na
Literatura
Dramática,
as condicionais são
mais
freqüentemente realizadas como eventuais. Por outro lado, a supremacia de uso
das condicionais contrafactuais acontece nos textos da Literatura Dramática.
Embora menos freqüente quando se observa o total de condicionais, o uso das
211
contrafactuais pode ser considerado característico desses textos. É interessante
notar, ainda, o caso das condicionais sem oração núcleo, que, como se verificou,
ocorrem todas na Literatura Dramática. Observou-se, ainda, que o traço potencial
da prótase se manifesta plenamente nessas condicionais, uma vez a possibilidade de
conclusão, fornecida pela apódose, se dá apenas por meio do contexto.
Os textos da Literatura Oratória apresentam um maior
equilíbrio entre as condicionais eventuais e as factuais. A preocupação com a
persuasão, com o envolvimento do interlocutor expressa-se por meio desse
equilíbrio, uma vez que o emissor apresenta argumentos passíveis de
comprovação, como os factuais, e, ao mesmo tempo, apresenta outros mais
potenciais. Cria-se, assim, um jogo argumentativo, por meio do qual o emissor
tenta alcançar seu objetivo principal, o convencimento do interlocutor. As
condicionais contrafactuais são, assim como nos textos técnicos, menos freqüentes
na Literatura Oratória, o que mostra que os textos desse tipo de literatura
realmente se encontram em um ponto intermediário do contínuo proposto por
Biber & Finegam (1989), ora mais próximos dos textos dramáticos, ora dos textos
técnicos.
No que diz respeito às correlações modo-temporais,
verificou-se que, nos três tipos de literatura, as correlações mais atualizadas
nas construções condicionais são quase idênticas. Poder-se-ia pensar, em
princípio, que esse aspecto não mostraria diferenças significativas entre os três
tipos de textos. Entretanto, em uma análise mais apurada das correlações
212
encontradas, verificou-se que há algumas que podem ser consideradas como típicas
de um tipo de literatura.
A correlação imperfeito do subjuntivo–imperfeito do
indicativo ocorre apenas nos textos dramáticos. Nos outros dois tipos de textos,
esse mesmo valor temporal é atualizado por meio da correlação imperfeito do
subjuntivo–futuro do pretérito do indicativo. Como são uma tentativa de
representação da fala cotidiana dos emissores os textos dramáticos usam mais a
correlação com o imperfeito do indicativo na apódose. Já nos textos elaborados,
como aqueles das Literaturas Técnica e Oratória, há preferência pelo uso do futuro
do pretérito nas apódoses.
Na Literatura Dramática a correlação futuro do subjuntivo–
presente do indicativo ocorre mais freqüentemente que na Literatura
Oratória e na Literatura Técnica. Inversamente, o uso da correlação futuro
do subjuntivo–futuro do presente é mais freqüente nos textos de oratória que
nos textos dramáticos. Na Literatura Técnica há um equilíbrio no uso da
correlação futuro do subjuntivo-futuro do presente e futuro do subjuntivopresente do indicativo. Assim como no caso anterior, notou-se que a maior
freqüência de apódose atualizada por meio do presente do indicativo na Literatura
Dramática foi tomada como uma conseqüência da informalidade desse tipo de
texto, ao passo que o uso do futuro do presente mostra a maior elaboração dos
outros tipos de textos, como ocorre nos textos de oratória. O uso do tempo
presente para indicar ações futuras, em lugar da forma morfologicamente marcada,
refletiria, então, o planejamento local do discurso. O equilíbrio entre o uso dos dois
213
tipos de correlações modo-temporais na LT foi justificado pelo fato de haver uma
mescla de tipos de textos em tal literatura.
Na Literatura Técnica não há casos de correlações com
tempos compostos na apódose, e apenas um caso de tempo composto na
prótase. Na Literatura Oratória, os casos de correlações com tempos
compostos na apódose também são pouco freqüentes. A grande maioria de
correlações com tempos compostos foi encontrada na Literatura Dramática.
Assim, verificou-se que, mais uma vez, a maior informalidade dos textos
dramáticos.
Como já se ressaltou, inexistem na Literatura Técnica e na
Literatura Oratória as construções condicionais sem oração núcleo. Essas
ocorrências, exclusivas da Literatura Dramática, têm a prótase realizada, na
maioria dos casos, pelo imperfeito do subjuntivo e pelo presente do indicativo. Os
textos da Literatura Técnica e da Literatura Oratória, por serem, respectivamente,
informativos e argumentativos, devem ser claros e, portanto, não apresentam
estruturas “incompletas”. O mesmo pode ser dito a respeito das ocorrências em
que o verbo está elíptico, que são encontrados apenas nas prótases da
Literatura Dramática.
As orações núcleo atualizadas por meio do imperativo são
mais freqüentes na Literatura Dramática. O uso do imperativo mostra que um
214
ato de fala está sendo representado, o que é mais comum em textos que possuem
uma estrutura dialógica. As ocorrências de imperativo na apódose nos textos
técnicos e de oratória ocorreram quando se pôde perceber no texto do emissor a
voz de um possível interlocutor, o que poderia caracterizar um diálogo.
De um modo geral, embora as correlações modo-temporais mais
freqüentemente atualizadas nas três literaturas sejam basicamente as mesmas,
pôde-se perceber que a variedade de correlações modo-temporais é maior nos
textos dramáticos e de oratória que nos textos técnicos. Observou-se que,
enquanto os dois primeiros tipos de literatura apresentam, respectivamente, 38 e
24 tipos diferentes correlações modo-temporais, na Literatura Técnica essas
correlações são apenas de 15 diferentes tipos. Assumiu-se a existência de uma
maior padronização das correlações usadas nos textos técnicos, que poderia ser
justificada por seu caráter científico, que acarreta um formato mais regrado e mais
esquematizado. Os textos dramáticos, por sua vez, diferem dos textos técnicos e
de oratória por apresentarem correlações verbais mais próximas de sua essência
dialógica, que faz com que estejam mais relacionados aos textos orais. Os textos
da Literatura Oratória foram considerados como textos híbridos, e que ocupam,
realmente, um ponto intermediário no contínuo proposto por Biber & Finegan
(1989) e por Biber (1989), já que, ao serem usados para a argumentação, ora se
faz uso de estruturas mais próximas do pólo da direita, ou seja, dos textos orais,
ora faz uso de estruturas próximas do pólo da esquerda, ou seja, dos textos
formais escritos.
215
A ocorrência de verbos modalizadores no córpus como um todo
é pequena. Dentre os três tipos de literatura, como era de se esperar, aquele
que é menos modalizado é a Literatura Técnica. Não há nenhum caso de verbo
epistêmico nas prótases ou nas apódoses desse tipo de literatura. Verificou-se,
assim, que os textos científicos, de fato, não mostram as crenças ou as opiniões
e/ou avaliações de seu emissor. As Literaturas Oratória e Dramática
apresentam, ainda, freqüência de verbos modalizadores quase idêntica. Como
nos textos dramáticos e nos textos de oratória se observou um maior número de
ocorrências de verbos epistêmicos, assumiu-se que esses textos são os mais
sensíveis à transmissão das avaliações do emissor.
Em relação aos tipos de estados de coisas usados na oração
condicional e na oração núcleo, os mais freqüentes nos diferentes tipos de
literatura são os tipos atividade e estado. Nas prótases da Literatura Dramática
a diferença na freqüência desses tipos de estados de coisas é pequena, mas na
Literatura Técnica e na Literatura Oratória, essa diferença é mais expressiva. De
um modo geral, verificou-se que as ocorrências de verbos com o traço [+din] nas
prótase são mais freqüentes nos textos técnicos e de oratória que nos textos
dramáticos. Já os verbos com o traço [- din] nas prótases são mais recorrentes na
Literatura Dramática. Além disso, observou-se um equilíbrio no uso de verbos
[+din] e [- din] na Literatura Dramática, inexistente nos outros tipos de literatura.
Essas verificações, de certa forma, são um pouco diferentes dos resultados
esperados. Esperava-se que a maior freqüência de verbos estativos seria
216
encontrada na Literatura Técnica, ao passo que os verbos com o traço [+din]
seriam mais recorrentes na Literatura Dramática. No entanto, pode-se justificar tais
fatos por um lado, pelo caráter explicativo e/ou didático dos textos da literatura
técnica, bem como pelo traço argumentativo dos textos de oratória, que poderiam
favorecer a ocorrência de verbos dinâmicos, e, por outro lado, pela existência, nos
textos dramáticos, de ações dos personagens e de descrições das situações em que
esses personagens se encontram, o que favoreceria o equilíbrio. No que se refere às
apódoses, esse mesmo equilíbrio só é encontrado na Literatura Técnica. Nos
outros dois tipos de textos, as apódoses são mais freqüentemente codificadas por
meio de predicações dinâmicas. Verificou-se, então, que a informação e/ou
sugestão da prótase da Literatura Técnica, fica expressa freqüentemente por meio
de um verbo dinâmico, acarreta, na apódose, uma verificação, que se expressa por
meio de um estado de coisas estativo, ou uma ação, expressa por meio de uma
predicação dinâmica não-acabada.
A proporção do uso dos diferentes tipos de satélites condicionais
é diferente em cada um dos tipos de literatura. Os satélites ilocucionários são
mais freqüentes na Literatura Dramática. Nas Literaturas Técnica e Oratória
ocorre o inverso, há predomínio de satélites de proposição. Na Literatura
Oratória, apesar do predomínio dos satélites de proposição, verificou-se um
maior equilíbrio entre as ocorrências de um e outro tipo de satélite. Como os
satélites de proposição especificam uma condição que se relaciona com o valor de
verdade de uma outra proposição, os motivos da preponderância dos satélites
217
proposicionais nas Literaturas Técnica e Oratória é passível de explicação. Não há,
nesses textos, a estrutura dialógica dos textos dramáticos e, portanto, os satélites
de atos de fala são menos usados. Os textos técnicos estão mais comprometidos
com a verdade das proposições que contêm, já que são, em essência, científicos e,
dessa forma, as construções condicionais são mais freqüentemente codificadas
como satélites proposicionais. O equilíbrio verificado na Literatura Oratória, por
outro lado, foi explicado por seu caráter argumentativo, o que, de certa forma, faz
que se pressuponha um interlocutor, mesmo que não no sentido estrito da palavra.
Relacionada aos tipos de satélite está a análise de Sweetser (1990) das leituras em
diferentes domínios. Os satélites proposicionais, nos três tipos de literatura, são
lidos no domínio epistêmico, o que também ocorre com os satélites
ilocucionários, que recebem, todos, a leitura no domínio dos atos de fala. Há,
portanto, uma relação biunívoca: todos os satélites proposicionais são lidos
no domínio epistêmico e todos os satélites ilocucionários, no domínio dos atos
de fala
218
A partir do exposto, podem-se resumir as conclusões:
• Nos textos dramáticos, que são menos elaborados na forma e têm estrutura
dialógica, as condicionais se atualizam mais freqüentemente antepostas à oração
núcleo; há um grande número de construções condicionais sem oração núcleo
realizada; as correlações modo-temporais usadas nas construções condicionais
são típicas dos textos planejados localmente; as correlações modo temporais
codificadas pelas condicionais formam uma ampla e rica gama; são codificadas
em maior número condicionais eventuais, embora exista uma forte tendência
para o uso de contrafactuais; apresentam condicionais modalizadas, com
destaque para o uso de verbos epistêmicos; tanto a oração núcleo como a
oração condicional usadas atualizam, em equilíbrio, predicações estativas e
dinâmicas; têm orações condicionais que funcionam majoritariamente como
satélites ilocucionários, lidos no domínio dos atos de fala. Estão, portanto, mais
próximos da margem direita do contínuo proposto por Biber & Finegan (1989)
e por Biber (1989).
• Nos textos de oratória, que são mais elaborados na forma, as condicionais se
antepõem mais freqüentemente à oração núcleo; todas as construções
condicionais têm oração núcleo realizada; as correlações modo-temporais
atualizadas pelas construções condicionais fazem com que esses textos ora se
aproximem dos textos formais e previamente planejados, ora do textos mais
informais; são codificadas, em equilíbrio, condicionais eventuais e factuais; as
condicionais apresentam estruturas modalizadas, sendo mais freqüentes as
modalizações
epistêmicas;
as
construções
condicionais
realizam
219
equilibradamente estados de coisas estativos e dinâmicos; as condicionais
funcionam majoritariamente como satélites proposicionais, lidos nos domínio
epistêmico. Estão, dessa forma, em um ponto intermediário do contínuo
proposto por Biber & Finegan (1989) e por Biber (1989), uma vez que as
construções condicionais usadas apresentam características que ora os
aproximam dos textos técnicos, ora dos textos dramáticos.
• Nos textos técnicos, que são elaborados na forma e, em geral, apresentam uma
estrutura
expositivo/argumentativa,
as
condicionais
realizam-se
mais
freqüentemente antepostas à oração núcleo; as construções condicionais usadas
nesses textos têm todas oração núcleo realizada; não há um grande número de
tipos diferentes de correlações modo-temporais atualizadas por meio das
condicionais, mas essas correlações modo-temporais são características dos
textos formais e previamente planejados; os verbos usados nas condicionais são
todos não-perfectivos; as condicionais usadas são, majoritariamente, eventuais;
as condicionais desses textos são pouco modalizadas, sendo mais feqüentes os
modalizadores deônticos; as construções condicionais atualizam mais
freqüentemente predicações dinâmicas; as condicionais que funcionam em maior
número como satélites proposicionais, lidos no domínio epistêmico. O uso das
construções condicionais nesses textos faz, então, que se aproximem dos textos
do pólo mais à esquerda do contínuo proposto por Biber & Finegan (1989) e
por Biber (1989).
220
Espera-se, com este estudo, ter-se chegado a uma caracterização
mais integrada das construções condicionais no seu uso efetivo. Uma análise
pertinente, e que fica sugerida para outra investigação, seria o estudo da relação
entre as condicionais e sua contraparte nas orações tradicionalmente chamadas
coordenadas, as alternativas ou disjuntivas. Segundo López García (1994), as
disjuntivas se aproximam das condicionais porque ambas se baseiam na “lei do
subentendido”. Assim, seria interessante verificar como se dá a expressão da
condicionalidade em outras estruturas que não a estrutura canônica encontrada nas
orações adverbiais.
221
6. Bibliografia
AKATSUKA, N. Conditionals and the epistemic scale. Language. V. 61, n.3,
p.625-39, 1985.
AKATSUKA, N. Conditionals are discourse-bound. In: TRAUGOTT, E. C. et al.
(Eds.) On conditionals. Cambridge: Cambridge University Press, p. 333-351,
1986.
AUWERA, J. V. der. Pragmatics in the last quarter century: the case of conditional
perfection. Journal of Pragmatics. v. 27, p. 261-274, 1997.
AUWERA, J. V. der. Conditionals and speech acts. In: TRAUGOTT, E. C. et al.
(Eds.) On conditionals. Cambridge: Cambridge University Press, p.197-213,
1986.
BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. Cursos de 1º e 2º graus. 22 ed.
São Paulo: Nacional, 1977.
BIBER, D. A typology of English texts. Linguistics. v. 27, p. 3-43, 1989.
BIBER, D., FINEGAN, E. Drift and the evolution of English style: a history of
three genres. Language, v. 65, n. 3, p. 487-517,1989.
BOLKESTEIN, A. M., GROOT, C. DE, MACKENZIE, J.L. (eds.). Predicates
and
terms
in
functional
grammar.
Dordrecht-Holland/Cinnaminson-
EUA:Foris Publication, 1985.
BOLKESTEIN, A. M., HENGEVELD, K. Formalizing in functional grammar.
Workshop on Functional Grammar. Conference on functional approaches to
grammar. Albuquerque, New Mexico, July 24, p. 1-6, 1995.
222
BRAGA, M. L. As orações de tempo sob um aperspectiva funcionalista. In: . In:
ALVES, I. M, GOLDSTEIN, N. S., RODRIGUES, A. C. S. (orgs.) I
Seminário de Filologia e Língua Portuguesa. São Paulo: Humanitas, p. 97108, 1999.
BRANDÃO, C. Sintaxe clássica portuguesa. Belo Horizonte: Imprensa da
Universidade de Minas Gerais, 1963.
CARONE, F. B. Subordinação e coordenação. São Paulo: Ática, 1988.
CARONE, F. B. Morfossintaxe. São Paulo: Ática, 1991.
CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. 14ª ed. São Paulo:
Nacional, 1976.
CHAFE, W. Giveness, contrastiveness, definiteness, subjects, topics and point of
view. In: LY, C. N. (ed.) Subject and topic. New York:Academic Press, p.2555, 1976.
CHAFE, W. How people use adverbial clause. Proceedings of the tenth meeting of
the Berkeley Linguistics Society, Berkeley: Berkeley Linguistics Society, p.
437-450, 1984.
COMRIE, B. Conditionals: a typology. In: TRAUGOTT, E. C. et al. (Eds.) On
conditionals. Cambridge: Cambridge University Press, p. 77-99, 1986.
COPI, I. Na introduction to logic. New York: Macmillan, 1972.
CUNHA, C. F. & CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1985
DANCYGIER, B. Conditionals and concessives. Papers and studies in contrastive
linguistics, n. 24, p. 111-121, 1988.
DANCYGIER, B. Interpreting conditionals: time, knowledge, and causation.
Journal of Pragmatics, v. 19, p.403-434, 1993.
223
DAVIES, E. E. Some restrinctions on conditionals imperatives. Linguistics, v. 17,
p. 1039-1054, 1979.
DECAT, M. B. N. “Leite com manga, morre!” Da hipotaxe adverbial no
português em uso. São Paulo, 1993. 287p. Tese (Doutorado) - Faculdade de
Letras, Pontifícia Universidade Católica.
DECLERK, R. Pure future will in if-clauses. Lingua,n. 63, p. 279-312, 1984.
DIK, S. C. Theory of functional grammar. Dordrecht: Foris Publications, 1989.
DIK, S. C. On the semantics of conditionals. In: NUYTS, J., BOLKESTEIN,
A.M., VET, C. (Eds.) Layers and levels of representation in language theory:
a functional view. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, p. 233-261,
1990.
DIK, S. C. The theory of functional grammar. Part 2. Berlin: Walter de Gruyter,
1997.
DIK, S. C. et al. The hierarchical structure of the clause and the typology of
abverbial satellites. In: NUYTS, J., BOLKESTEIN, A. M., VET, C. (Eds.)
Layers and levels of representation in language theory: a functional view.
Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, p. 25-70, 1990.
DUCROT, O. Dire et ne pas dire. Paris: Hermann, 1972.
FERREIRA, A. B. F. A variação posicional das orações condicionais: uma
análise funcional-discursiva. Rio de Janeiro, 1997. 138p. Dissertação
(Mestrado em Letras: Língua Portuguesa) – Departamento de Letras,
Pontifícia Universidade Católica.
FILLENBAUN, S. The use of conditionals in inducements and deterrents. In:
TRAUGOTT, E. C. et al. (Eds.) On conditionals. Cambridge: Cambridge
University Press, p. 179-195, 1986.
224
FORD, C. E., THOMPSON, S. A. Conditionals in discourse: a text based study.
In: TRAUGOTT, E. C. et al. (Eds.) On conditionals. Cambridge: Cambridge
University Press, p. 353-372, 1986.
GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1974.
GIVÓN, T. Syntax: a functional-typological introduction. v. II. Amsterdam/
Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 1990.
GOMES, N. D. Parataxe e hipotaxe: um estudo de ordem sintática e semântica.
Uniletras, n. 5, p.62-75, 1983.
GRYNER, H. Graus de vinculação nas cláusulas condicionais. Cadernos de
estudos lingüísticos, v. 28, p. 69-83, 1995.
HAIMAN, J. Concessives, conditionals, and verbs of volition. Foundations of
Language, n. 11, p. 341-359, 1974.
HAIMAN, J. Conditionals are topics. Language, n. 54, p. 564-589, 1978.
HAIMAN, J. Constraints in the form and meaning of the protasis. In:
TRAUGOTT, E. C. et al. (Eds.) On conditionals. Cambridge: Cambridge
University Press, p.215-227, 1986.
HAIMAN, J., THOMPSON, S.A. (Eds.) Clause combining in grammar and
discourse. Amsterdam: John Benjamins, 1988.
HALLIDAY, M. A. K. An introduction to Functional Grammar. London: Edward
Arnold Publishers, 1985.
HARRIS, M. B. The historical development of si-clauses in Romance. In:
TRAUGOTT, E. C. et al. (Eds.) On conditionals. Cambridge: Cambridge
University Press, p. 265-284, 1986.
HARRIS, M. B. Concessive clauses in English and Romance. In: HAIMAN, J.,
THOMPSON, S.A. (Eds.) Clause combining in grammar and discourse.
Amsterdam: John Benjamins, 1988.
225
HENGEVELD, K. Layers and operators in functional grammar. Journal of
Linguistics, v. 25, p.127-157, 1989.
HOYOS ANDRADE, R. E. Introducción a la lingüística funcional. Santafé de
Bogota: Imprensa patriótica del Instituto Caro y Cuervo, 1992.
JAMES, F. Semantics and pragmatics of the word if. Journal of Pragmatics, v. 10,
p. 453-480, 1986.
JESPERSEN, O. A modern English grammar on historical principles: Syntax.
London: George Allen & Unwin, 1940.
KATO, M. A. & TARALLO, F. et al. Preenchimentos em fronteiras de
constituintes. In: ILARI, R. (org.) Gramática do português falado: níveis de
análise lingüística. Campinas: Ed. Unicamp, v. III, p. 315-356, 1993.
KOCH, I. G. V. A articulação entre orações no texto. Cadernos de estudos
lingüísticos, v.28, p. 9-18, 1995.
KÖNIG, E. Conditionals, concessive conditionals and concessives: areas of
contrast, overlap and neutalization. In: TRAUGOTT, E. C. et al. (Eds.) On
conditionals. Cambridge: Cambridge University Press, p. 229-246, 1986.
KÖPCKE, K. M., PANTHER, K. U. On correlations between word order and
pragmatic function on conditional sentences in German. Journal of
Pragmatics, v. 13, p. 685-711, 1989.
KRATSCHMER, A. La différence sémantico-logique entre le relation causales
d’un
côté,
et
les
relations
concessives,
consécutives,
correlatives,
hypothétiques et finales de l’autre côté, demontrée à l’aide d’une analyse pluripropositionelle. CIL 16, Paris, 1997, (mimeo).
KUNO, S. Functional sentence perspective. Linguistic Inquiry, v.3, p. 269-320,
1972.
226
LEHMANN, C. Towards a typology of clause linkage. In: HAIMAN, J.,
THOMPSON, S. A. (Eds.) Clause combining in grammar and discourse.
Amsterdam: John Benjamins, p. 181-225, 1988.
LÓPEZ GARCÍA, A. Gramática del español I: la oración compuesta. Madrid:
Arco/Libros, 1994.
LUFT, C. P.
Manual de português. v. I “Gramática”. Porto Alegre/Rio de
Janeiro: Globo, 1981.
MARTINET, A. Estudios en sintaxis funcional. Madrid: Gredos, 1978.
MATEUS, M. H. M. et al. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Almedina,
1983.
MATHIESSEN, C. Introduction to Functional Grammar. By M. A. K., Halliday.
Review article. Language., v. 65, n. 4, p. 862-871, 1989.
MATHIESSEN, C., THOMPSON, S. A. The structure of discourse and
subordination. In: HAIMAN, J., THOMPSON, S. A. (Eds.) Clause combining
in grammar and discourse. Amsterdam: John Benjamins, p. 275-329, 1988.
MELO, G. C. Gramática fundamental da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Acadêmica, 1968.
MOLLICA, M. C. (Org.) Introdução à sociolingüística variacionista: cadernos
didáticos UFRJ. Rio de Janeiro: Divisão Gráfica SG-6/UFRJ, 1994.
NEVES, M. H. M. Uma visão geral da gramática funcional. Alfa, São Paulo, n. 38,
p. 109-127, 1994.
NEVES, M. H. M. A modalidade. In: KOCH, I. G. V. (Org.) Gramática do
português
falado.
Desenvolvimentos.
v.VI.
Campinas:
Editora
da
UNICAMP/FAPESP, 1997a.
NEVES, M. H. M. A articulação de orações: reflexões de base funcionalista. Anais
do Congresso Nacional da Associação Brasileira de Lingüística. Maceió,
1997b.
227
NEVES, M. H. M. A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997c.
NEVES, M. H. M. Articulação de orações: a questão dos estados de coisas. In:
ALVES, I. M., GOLDSTEIN, N. S., RODRIGUES, A. C. S. (orgs.) I
Seminário de Filologia e Língua Portuguesa. São Paulo: Humanitas, p. 8296, 1999a.
NEVES, M. H. M. As construções condicionais. In: NEVES, M. H. M. (Org.)
Gramática do português falado. Novos estudos. v.VII. Campinas: Editora da
UNICAMP/FAPESP, 1999b (no prelo).
NEVES, M. H. M. Articulação de orações. In: Anais do XXII Colóquio
Internacional de Lingüística Funcional. Évora, 1999c (no prelo).
NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: Ed. Unesp,
1999d. (no prelo).
NIEUWINT, P. Present and future in conditional protases. Linguistics, v. 24, p.
371-392, 1986.
OLIVEIRA, C. de Análise sintática. 7 ed. São Paulo: Biblos, s/d.
PARAZUELOS, M. H. C. “Bipolares” al servicio de la “concesividad”: causales,
condicionales y adversativas. Verba, n. 20, p. 221-254, 1993.
PAREDES SILVA, V. L. Forma e função nos gêneros de discurso. Artigo
baseado em relatório apresentado ao CNPq. Pesquisa de Pós-Doutorado
desenvolvida na Universidade de Georgetown (processo n.º 211042794),
1995.
PERINI, M. A. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 1996.
PINTZUK, S. Programas Varbrul. (Tradução de Ivone I. Pinto). Rio de Janeiro:
UFRJ 1988. (mimeo)
RAMSEY, F. General propositions and causality. Foundations of mathematics.
London: Kegan Paul, p. 237-255, 1931.
228
REILLY, J.S. The acquisition of temporals and conditionals. In: TRAUGOTT, E.
C. et al. (Eds.) On conditionals. Cambridge: Cambridge University Press, p.
309-331, 1986.
RIBEIRO, J. Gramática portuguesa. 13 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Francisco
Alves, 1919.
RIVAS, E. Observaciones sobre las concesivas. Su comparación con las
condicionales y las adversativas. Verba, n. 16, p. 237-255, 1989.
ROCHA LIMA, C. H. Gramática normativa da língua portuguesa. 15ª ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1972.
SAID ALI, M. Gramática histórica da língua portuguesa. 3a ed. São Paulo:
Melhoramentos, 1964.
SCHIFFRIN, D. Conditionals as topics in discourse. Linguistics, v.30, p. 165-197,
1992a.
SCHIFFRIN, D. Anaforic then: aspectual, textual, and epistemic meaning.
Linguisitcs, v.30, p. 753-792, 1992b.
SIEWIERSKA, A. Functional Grammar. London/New York: Routledge, 1991.
SOUZA, M. S. C. A hipotaxe adverbial temporal: uma abordagem funcionalista.
Araraquara, 1996, 208p. Tese (Doutorado em Letras – Àrea de Concentração:
Lingüística e Língua Portuguesa) – Faculdade de Ciências e Letras,
Universidade Estadual Paulista.
STALNAKER, R. A theory of conditionals. In: SOSA, p. 165-179, 1975.
SWEETSER. E. E. From etymology to pragmatics: metaphorical and cultural
aspects of semantic structure. (Cambridge Studies in Linguistics, 54).
Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
TAPAZDI, J., SALVI, G. A oração condicional no português falado em Portugal e
no Brasil. Delta, v.14, p.255-267, 1998.
229
THOMPSON, S. A., LONGACRE, R. E. Adverbial clauses In: SHOPEN, T. (Ed.)
Language typology and syntactic description. Complex constructions. v. II.
Cambridge: Cambridge University Press, p. 171-234, 1985.
TRAUGOTT, E. C. Conditional markers. In: HAIMAN, J. (ed.) Iconicity in
syntax. Amsterdam: John Benjamins, p. 289-307, 1985.
TRAUGOTT, E. C. et al. (Eds.) On conditionals. Cambridge: Cambridge
University Press, 1986.
TUTESCU, M. L’enoncé conditionnel roman: continuité et innovation. R. R. L., v.
35, p. 383-388, 1990.
WAKKER, G. Conditionals in the layered structure of functional grammar. In:
FORTESCUE, M., HARDER, P., KRISTOFFERSEN, L. Layered structure
and reference in a functional grammar perspective. Amsterdam: John
Benjamins, p. 369-386, 1992.
ZAMPRONEO, S. A hipotaxe adverbial concessiva no português escrito
contemporâneo. Araraquara, 1998. 250p. Dissertação (Mestrado em Letras –
Área de Concentração: Lingüística e Língua Portuguesa) – Faculdade de
Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista.
230
Obras utilizadas na análise
Obras dramáticas
(CCI) ESCOBAR, CH. (1977) Caixa de cimento. Rio de Janeiro: Civilização.
(EN) GUARNIÉRI, G. (1966) Eles não usam black-tie. São Paulo: Brasiliense.
(F) PEDROSO, B. (1967) O fardão. Rio de Janeiro: Saga.
(HP) WANDERLEY, J.C. (1960) O homem que perdeu a alma. Rio de Janeiro: MEC.
(IN) GOMES, A.D. (1962) A invasão. Rio de Janeiro: Civilização.
(MO) ANDRADE, J. (1980) A moratória. São Paulo: Agir.
(PEL) SUASSUNA, A. (1975) A pena da lei. 2ª ed. Rio de Janeiro: Agir.
(PEM) KÜHNER, M.H. (1989) Pedro Malazarte. Revista de teatro, n.º 469. Rio de Janeiro,
Março.
(PP) GOMES, A.D. (1967) O pagador de promessas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização.
(RE) AMARAL, M.A.S. (1978) A resistência. Rio de Janeiro: MEC/DAC/FUNART.
(TEG) FIGUEIREDO, G. (1964) Teatro de G. Figueiredo (4 peças). Rio de Janeiro:
Civilização.
(VP) MONIZ, E. (s/d) Vila de prata. Rio de Janeiro: São José.
Obras oratórias
(AM) AMADO, G. (1965) Discurso de Gilberto Amado. Discursos na Academia. Rio de
Janeiro: José Olympio.
(AR) ARRAES, M. (1963-4) Palavra de Arraes. Rio de Janeiro: Civilização.
(CAR) CARVALHO, J.C. & SALES, H. (1974) Discursos na Academia. Rio de Janeiro: José
Olympio.
(G) GOULART, J. (1962) Desenvolvimento e Independência. Rio de Janeiro: Discursos.
(JK) OLIVEIRA, J.K. (1958) Discursos. Rio de Janeiro.
(JL) LINS, J. (1984) Discursos no Senado Federal/82. Brasília.
231
(LE) LESSA (REV.R.V.C.T.). (1976) Eu era cego e agora vejo. São Paulo: Pendão Real.
(MA) MAYER, A.C. (1963) Carta Pastoral. São Paulo: Vera Cruz.
(ME) MÉDICI, E.G. (1973) O jogo da verdade. Brasília, Assessoria Especial de Relações
Públicas da Presidência da República.
(NE) NERY, J.C. (1975) A rua da amargura. São Paulo, Escolas Profissionais Salesianas.
(SI) SIGAUD, G.P. (1963) Carta Pastoral. São Paulo: Vera Cruz.
(TAI) TAVARES, A.L. (1970) Discurso do Sr. Aurélio de Lyra Tavares e respostas do Sr. Ivan
Lins. Posse na cadeira n.º 20 da Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro: Bibl. G.
Readers.
Obras técnicas
(AE) LEÃO, A.C. (1950) Adolescência e sua educação. São Paulo, C.E.N. V. 52.
(AN) FONSECA, A.L. (1984) Antibiótica da clínica diária. 2 ed. Rio de Janeiro: EPUME.
(ARQ) FUNARI, P.P.A. (1988) Arqueologia. São Paulo: Ática (Série Princípios, n.º 145).
(BEB) MOR, W.B. (1976) Botânica econômica brasileira. São Paulo: EPU/EDUSP.
(DIP) BATH, S. (1989) O que é diplomacia. São Paulo: Brasiliense (Col. Primeiros Passos, n.º
62).
(FOT) KUBRUSLY, C. (1988) O que é fotografia. São Paulo: Brasiliense (Col. Primeiros
Passos, n.º 82).
(MH) PEDROSA, A.M. (1975) Mundo, homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva.
(PGN) SANTOS, M. (1980) Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec.
(PT) Pesquisa tecnológica na universidade. Instituto Roberto Simonsen (resp.). São Paulo:
Pioneira, 1968.
(ROT) REY, M. (1989) O roteirista profissional: TV e cinema. São Paulo: Ática (Série
Princípios, n.º 50).
(TF) PIQUEIRA, J. R. C. (1985) et al. Termo-física. São Paulo: Anglo (Livro Texto, n.º 22).