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Processos estruturais e o trunfo do ativismo judicial no Brasil

2021, ConJur (Consultor Jurídico)

Texto publicado no ConJur com o intuito de discutir a falta de cientificidade e a abstração das críticas relativas ao "ativismo judicial" no processo estrutural.

04/06/2021 ConJur - Opinião: Processos estruturais e o trunfo do ativismo judicial Boletim de notícias ConJur: cadastre-se e receba gratuitamente. Login Apoio Capa Seções TV ConJur Colunistas Livraria Blogs Mais vendidos Anuários Anuncie Boletim jurídico Apoio cultural Busca de livros OPINIÃO Processos estruturais e o trunfo do ativismo judicial no Brasil 4 de junho de 2021, 6h38 Imprimir LEIA TAMBÉM Enviar Por Eduarda Peixoto da Cunha França e Matheus Casimiro Gomes Serafim  Ouvir: Processos estruturais e o trunfo do ativismo judicial 0:00 Em discussões sobre a validade ou a legitimidade de uma decisão judicial, tão logo um dos debatedores consiga enquadrá-la como ativista, muitos dão a questão por encerrada como se, na essência da palavra ativismo, estivesse presente a própria inconstitucionalidade [1]. Nesses casos, o adjetivo "ativista" funciona como um trunfo argumentativo, superando os demais argumentos que possam ser utilizados para defendê-la. Em outra oportunidade, discutimos o mito do "juiz Hércules" no processo estrutural [2]. Em que pese o enfoque do texto ter sido o de desmistificar o papel quase que impossível de ser desempenhado por um magistrado nesse tipo de processo e de ressaltar a importância dos diálogos institucionais, pouco debatemos acerca do "ativismo judicial" em si. Destacamos, entretanto, que usualmente as críticas nesse sentido são pouco científicas e acabam adentrando no campo da abstração, por denunciarem, simplesmente, a opinião do observador em relação a um juiz, a um tribunal ou a uma decisão do qual ele discorda. CONDUTA REPROVÁVEL Homem é condenado por comentários racistas em portal de notícias OPINIÃO Opinião: A regulamentação da biodiversidade à luz dos critérios ESG SEM INVESTIGAÇÃO Inquéritos de 24 h levam à prisão de inocentes em SP OPINIÃO França e Serafim: O mito do 'juiz Hércules' no processo estrutural Facebook Twitter Linkedin RSS Os professores Diego Werneck, Fabiana Luci e Leandro Ribeiro, em 2012, já apontavam a multiplicidade de definições que o termo assume, mapeando três sentidos em que, frequentemente, é utilizado na mídia brasileira, quais sejam: https://www.conjur.com.br/2021-jun-04/opiniao-processos-estruturais-trunfo-ativismo-judicial 1/6 04/06/2021 ConJur - Opinião: Processos estruturais e o trunfo do ativismo judicial a) ativismo como engajamento político e social; b) ativismo como usurpação de poder; c) ativismo judicial como "ocupação de vácuo de poder" [3]. O primeiro diz respeito a um maior engajamento político e social dos juízes, em oposição a uma postura mais conservadora e tradicionalista, que seria típica da função judicante do Estado, de modo que ao juiz caberia tão somente a aplicação da lei de forma imparcial e neutra, sem levar em consideração fatores além dos estritamente legais. O segundo sentido, por sua vez, assume uma conotação negativa e define o ativismo como uma espécie de falta de legitimidade e respaldo constitucional do Poder Judiciário para decidir questões que, originariamente, são da competência de outros poderes, e de invalidar decisões tomadas pelos poderes eleitos. Por fim, a terceira hipótese compreende o ativismo judicial como um modo de preencher um vácuo de poder deixado pelas instâncias majoritárias (sobretudo pelo Poder Legislativo). O que esse trabalho demonstra é que não existe um parâmetro ou um "denominador comum" para categorizar um juiz, um tribunal ou uma decisão enquanto "ativista"; afinal, de uma perspectiva objetiva, o seu conceito ainda continua em aberto e em constante (des)construção. O que é certo é que a expressão, para que seja estudada com seriedade e cientificidade pelo Direito, precisa ser compreendida em toda a sua complexidade e multidimensionalidade [4]. É preciso entender que o ativismo é um fenômeno — acarretado, sobretudo, por fatores políticos, econômicos e sociais, e não por um novo papel que o Poder Judiciário decidiu assumir "da noite para o dia" —, e não um argumento de ilegitimidade à disposição do crítico. Um juiz, por exemplo, não pode ser "ativista" simplesmente por decidir contra a opinião de um determinado observador. Dessa forma, parece mais adequado adotar um conceito mais amplo de ativismo judicial, o qual é defendido por Campos [5]: podem ser assim adjetivadas as decisões que manifestam uma autoexpansão do papel políticoinstitucional do Judiciário em face dos outros Poderes. Se essa é uma expansão constitucional ou não, dependererá do contexto no qual a decisão foi proferida. O autor também afirma que "(...) o ativismo judicial não pode ser considerado aprioristicamente ilegítimo, pois isso depende dos diferentes fatores envolvidos e da dimensão decisória manifestada" [6], de maneira que apenas a dimensão antidialógica, constituída por uma supremacia judicial e uma recusa a dialogar com os outros Poderes, deve ser tida como manifestação judicial ilegítima. E aqui chegamos aos processos estruturais. Para a surpresa de alguns, que acusam os processos estruturais de instrumento de solipsismo judicial [7], essas demandas têm sido caracterizadas exatamente pela atuação dialógica do Judiciário. Dois exemplos recentes ilustram bem o ponto. No julgamento de medida cautelar na ADPF 709, que trata das omissões da União na proteção das comunidades indígenas durante a pandemia de Covidhttps://www.conjur.com.br/2021-jun-04/opiniao-processos-estruturais-trunfo-ativismo-judicial 2/6 04/06/2021 ConJur - Opinião: Processos estruturais e o trunfo do ativismo judicial 19, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, fixou algumas medidas para a proteção dos grupos indígenas: criação de sala de situação para gestão de ações de combate à pandemia quanto aos povos em isolamento; necessidade de elaboração e monitoramento de um Plano de Enfrentamento da Covid-19 para os povos indígenas, com a participação do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e de representantes das comunidades indígenas. Além disso, a Fundação Osvaldo Cruz e o Grupo de Trabalho de Saúde Indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) deveriam fornecer o apoio técnico necessário à elaboração do Plano [8]. Tanto o plano de ação como o seu monitoramento deveriam ser construídos pela União, em parceria com as entidades competentes e com o grupo afetado. Não seria, portanto, fruto de um solipsismo do juiz. Outro exemplo de ação estrutural de caráter dialógico é a ADPF 635 [9], conhecida como "ADPF das favelas", que questiona o quadro de constante violência policial nas favelas do Rio de Janeiro. A ação possibilitou uma audiência pública histórica, nos dias 16 e 19 de abril deste ano, com participações de representantes de movimentos sociais, organizações e entidades relacionadas aos direitos humanos e às vítimas de violência do Estado. Logo, devem-se afastar eventuais preconceitos e antipatias em relação ao ativismo judicial dialógico [10], visto que essa postura intenta justamente mitigar as principais críticas feitas às condutas excessivamente proativas do Judiciário. As decisões dialógicas definem, assim, as metas e os caminhos para a implementação de políticas públicas, acompanhando o progresso do cumprimento das decisões e deixando as escolhas mais importantes para as agências governamentais [11]. O foco seria construir um diálogo institucional para que os entes estatais responsáveis atuem conforme as suas atribuições típicas, construindo soluções adequadas dentro de suas esferas de competência [12]. Antes de utilizar o adjetivo "ativismo judicial" como trunfo para encerrar um debate, os críticos dos processos estruturais deveriam se preocupar em responder algumas questões: Ele foi ativista por quê? Sobre qual dimensão do ativismo judicial está a se falar? Essa dimensão é, a priori, ilegítima? Como e por qual via o grupo vulnerável pode, efetivamente, obter a proteção aos direitos fundamentais violados pelo Executivo e pelo Legislativo? Sem responder a essas perguntas, a repetição da palavra ativismo será insuficiente para afastar a necessidade de um processo estrutural. [1] KLARE, Karl. Criticial perspectives on social and economic rights, democracy and separation of powers. In: GARCÍA, Helena Alviar; KLARE, Karl; WILLIAMS, Lucy A. (Ed.). Social and Economic Rights in Theory and Practice: Critical Inquiries. Nova York: Routledge Research In Human Rights Law, 2014. p. 3-22, p. 5. [2] FRANÇA, Eduarda Peixoto da Cunha; SERAFIM, Matheus Casimiro Gomes. O mito do "juiz Hércules" no processo estrutural. 2021. Disponível https://www.conjur.com.br/2021-jun-04/opiniao-processos-estruturais-trunfo-ativismo-judicial 3/6 04/06/2021 ConJur - Opinião: Processos estruturais e o trunfo do ativismo judicial em: https://www.conjur.com.br/2021-mai-25/franca-serafim-mito-juizhercules-processo-estrutural. Acesso em: 25 maio 2021. [3] Diego Werneck; OLIVEIRA, Fabiana Luci; RIBEIRO, Leandro Molhano. Ativismo judicial e seus usos na mídia brasileira. Revista Direito, Estado e Sociedade, nº 40, 2014, p.50. [4] Alguns juristas brasileiros destacaram, em suas obras, as dimensões do ativismo judicial. Nesse sentido, ver: CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do Ativismo Judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014; LIMA, Flávia Danielle Santiago Lima. Jurisdição constitucional e política: ativismo e autocontenção no STF. Curitiba: Juruá, 2014. [5] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do Ativismo Judicial do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 347. [6] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Estado de Coisas Inconstitucional. Salvador: Juspodium, 2016, p. 15. [7] STRECK, Lenio Luiz. Estado de Coisas Inconstitucional é uma nova forma de ativismo. Revista Consultor Jurídico, v. 24, 2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-out-24/observatorio-constitucional-estadocoisas-inconstitucional-forma-ativismo. Acesso em: 2/6/2020. [8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 709. Decisão monocrática sobre os pedidos cautelares. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Diário Oficial da União. Brasília, 2020. p. 33-35. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp? id=15343710124&ext=.pdf. Acesso em: 31/10/2020. [9] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 635. Relator: Ministro Edson Fachinº. Diário Oficial da União. Brasília, 2019. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5816502. Acesso em: 27/5/2021. [10] LIMA, Flavia Danielle Santiago; FRANÇA, Eduarda Peixoto da Cunha. Ativismo dialógico x bloqueios institucionais: limites e possibilidades do controle jurisdicional de políticas públicas a partir da Sentencia T-025/04 da Corte Colombiana. Argumenta Journal Law, nº 31, p. 209-243, jul./dez., 2019, p.212. [11] CHAGAS, Tayná Tavares das et al. Estado de coisas inconstitucional: um estudo sobre os casos colombiano e brasileiro. Revista Quaestio Iuris, [s.l.], v. 8, nº 4, p.2.596-2.612, p. 2.206, 26 dez. 2015. [12] SERAFIM, Matheus Casimiro Gomes; ALBUQUERQUE, Felipe Braga. A desencriptação do poder pelos processos estruturais: uma análise da experiência sul-africana. Revista da Faculdade Mineira de Direito, v. 23, nº 46, p. 299-323, p. 314-315, p. 311-313, p. 317-318, 2020. https://www.conjur.com.br/2021-jun-04/opiniao-processos-estruturais-trunfo-ativismo-judicial 4/6 04/06/2021 ConJur - Opinião: Processos estruturais e o trunfo do ativismo judicial Leia mais Topo da página Imprimir Enviar Eduarda Peixoto da Cunha França é doutoranda e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Matheus Casimiro Gomes Serafim é doutorando em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) Revista Consultor Jurídico, 4 de junho de 2021, 6h38 COMENTÁRIOS DE LEITORES 2 comentários ANDANDO EM CIRCULOS Ulysses (Professor Universitário) 4 de junho de 2021, 9h56 Os articulistas andam em circulos, perdidos. Deveriam ler obras do prof. Lenio Streck, Clarissa Tassinari, Georges Abboud, entre outros. Mas, não. Preferem o simples. Se fizessem a distinção entre ativismo e judicialização, resolveriam o problema. Por isso o texto nada acrescenta. Profundidade 1 na escala de 1 a 10. Responder DRA. EDUARDA E DR. MATHEUS Rejane G. Amarante (Advogado Autônomo - Criminal) 4 de junho de 2021, 9h34 Que pena que os brilhantes articulistas giraram em torno de decisões do STF, para mim, um tribunal inválido. Se a pesquisa houvesse analisado decisões de outros tribunais e mesmo juízos singulares, muito poderia ser trazido à reflexão, pois há decisões excelentes e profícuas. Por outro lado, nesse mesmo tema, gostaria de ver uma análise dos articulistas sobre os seguintes julgados : 1 ) "constitucionalidade" do inquérito 4781 2 ) "constitucionalidade" da vacina obrigatória 3 ) "prorrogação" da vigência da Lei n. 13.979/20 4 ) decretação da anulação da delação de Sérgio Cabral com voto do "delatado", Min. Toffoli que não se declarou suspeito nem foi "impedido" por seus pares.****A meu ver, esse julgamento é nulo de pleno direito. https://www.conjur.com.br/2021-jun-04/opiniao-processos-estruturais-trunfo-ativismo-judicial 5/6 04/06/2021 ConJur - Opinião: Processos estruturais e o trunfo do ativismo judicial Responder Ver todos comentários Comentar ÁREAS DO DIREITO Administrativo Leis Ambiental Previdência Comercial Consumidor Propriedade Intelectual Criminal Responsabilidade Civil Eleitoral Empresarial Tecnologia Família Trabalhista Financeiro Imprensa Internacional Tributário COMUNIDADES Advocacia Escritórios Judiciário Ministério Público Polícia Política CONJUR SEÇÕES ESPECIAIS REDES SOCIAIS Quem somos Equipe Fale conosco Notícias Artigos Colunas Entrevistas Blogs Estúdio ConJur Eleições 2020 Especial 20 anos Facebook Twitter Linkedin RSS PUBLICIDADE Anuncie no site Anuncie nos Anuários PRODUTOS Livraria Anuários Boletim Jurídico Consultor Jurídico ISSN 1809-2829 www.conjur.com.br Política de uso Reprodução de notícias https://www.conjur.com.br/2021-jun-04/opiniao-processos-estruturais-trunfo-ativismo-judicial 6/6