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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS JULIO CESAR MOREIRA LEMOS O ESTILO COMPOSICIONAL DE MARCO PEREIRA PRESENTE NA OBRA SAMBA URBANO. Uma abordagem a partir de suas principais influências: a música popular brasileira, o jazz e a música erudita. Goiânia 2012 2 JULIO CESAR MOREIRA LEMOS O ESTILO COMPOSICIONAL DE MARCO PEREIRA PRESENTE NA OBRA SAMBA URBANO. Uma abordagem a partir de suas principais influências: a música popular brasileira, o jazz e a música erudita. Artigo de pesquisa apresentado ao Curso PósGraduação em Música stricto senso, Música na Contemporaneidade da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás. Orientador: Prof. Dr. Werner Aguiar Goiânia 2012 3 Ficha Catalográfica: Lemos, Julio Cesar Moreira O estilo composicional de Marco Pereira presente na obra “Samba Urbano”. Uma abordagem a partir de suas principais influências: a música popular brasileira, o jazz e a música erudita / Julio Cesar Moreira Lemos. – Goiânia: UFG/EMAC, 2012. 61f. Orientador: Werner Aguiar Artigo (Mestrado em Música) – Universidade Federal de Goiás, Escola de Música e Artes Cênicas, 2012. 1. Violão Popular Brasileiro. 2. Jazz. 3. Samba. 4. Marco Pereira. I. Título. 4 JULIO CESAR MOREIRA LEMOS O ESTILO COMPOSICIONAL DE MARCO PEREIRA PRESENTE NA OBRA SAMBA URBANO. Uma abordagem a partir de suas principais influências: a música popular brasileira, o jazz e a música erudita. Trabalho defendido e aprovado, como requisito final para obtenção do título de Mestre em Música em Goiânia, 30 de março de 2012, pela Banca Examinadora constituída pelos Professores: BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Werner Aguiar (Presidente da banca) Prof. Dr. Marcia Taborda Prof. Dr. Eduardo Meirinhos 5 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à todos professores que de alguma forma contribuíram para o desenvolvimento do meu conhecimento musical. 6 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus por ter me dado as condições vitais que me permitiram adentrar no universo da música, um universo surpreendente, intenso, admirável, contagiante, poderoso e infinito. Agradeço meus pais, Robson Teixeira e Iza Margareth, pelo constante incentivo e apoio no estudo da música. Agradeço ao meu orientador Dr. Werner Aguiar pelas orientações, leituras e correções criteriosas feitas neste trabalho durante seu desenvolvimento ao longo destes dois anos de curso de mestrado, que proporcionaram o desenvolvimento deste trabalho. Agradeço, às contribuições do Prof. Dr. Eduardo Meirinhos e do Prof. Dr. Fabio Oliveira, pelas sugestões e correções, que proporcionaram a qualificação deste trabalho. Agradeço também o professor e colega Dr. Antônio Cardoso, pelas ajudas com as imagens apresentadas neste trabalho a partir da edição de partituras no finale. Agradeço ao colega e Prof. Ms. Fabiano Chagas pelo incentivo na escolha deste tema de pesquisa deste trabalho. Gostaria também de agradecer ao compositor Marco Pereira pelas entrevistas e pela a ajuda às minhas solicitações que possibilitaram o desenvolvimento desta pesquisa. Agradeço também pelas suas orientações sobre aspectos técnicos-interpretativos da performance da música popular brasileira bem como na concepção criativa para elaboração de arranjos para violão que obtive a partir de máster-class com ele durante os festivais de música que participei em 2011. 7 RESUMO Tendo em vista um panorama da música popular brasileira contemporânea este trabalho tem o objetivo de apresentar o estilo composicional de Marco Pereira a partir de um estudo de caso da obra “Samba Urbano”, composta para violão solo em 1980. Marco Pereira apresenta como suas principais referências elementos da música erudita, do jazz, e da música popular brasileira. bem como o uso de recursos idiomáticos do violão, encontra-se em “Samba Urbano” o uso do “paralelismo”, sob a influência de Villa-Lobos e Leo Brouwer. Quanto aos aspectos rítmicos e harmônicos é possível assinalar a influência de Garoto, Radamés Gnattali e Baden Powell. Pode-se constatar em “Samba Urbano” aspectos do jazz, tais como o caráter de improvisação, o uso de harmonias modais e de escalas alteradas. Por fim, a influência da música francesa impressionista, de Debussy e Ravel tais como o uso de harmonias sobre escalas de tons inteiros e acordes por quartas. Palavras chave: violão popular brasileiro, jazz, samba, Marco Pereira. 8 ABSTRACT This paper regards Contemporary Brazilian Popular Music and it aims to present the compositional style of Marco Pereira based on a case study of its work “Samba Urbano”, composed for solo guitar, in 1980. Marco Pereira presents elements of jazz, classical music, and Brazilian popular music, as well as idiomatic features of guitar, as his main references. The use of “Parallelism”, influenced by Villa-Lobos and Leo Brouwer, is found in “Samba Urbano”. As far as the rhythmic and harmonic aspects, it is possible to find the influence of Garoto, Radamés, Gnattali and Baden Powell. It can be seen in “Samba Urbano” aspects of jazz, such as the improvisation character, the use of modal harmonies and the changing of scales. Lastly, the influence of French impressionist music, by Debussy and Ravel, such as the use of harmonies over whole tones scales and chords of fourth. Keywords: violão popular brasileiro, jazz, samba, Marco Pereira. 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 10 2 OBJETIVOS 13 3 METODOLOGIA 14 4 INFLUÊNCIAS PRESENTES NA MÚSICA DE MARCO PEREIRA. 16 5 O CHORO E A COMUNIDADE DO CHORO. 17 5.1 O TRADICIONAL E NÃO-TRADICIONAL, ABORDAGENS ADVINDAS DA COMUNIDADE DO CHORO. 20 6. ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS DO CHORO TRADICIONAL 20 6.1 Aspecto rítmico 20 6.2 Aspecto melódico 23 6.3 Aspectos harmônicos 23 7. CHORO NÃO TRADICIONAL, CARACTERÍSTICAS ADVINDAS DO JAZZ E DA MÚSICA ERUDITA. 28 7.1 Aspectos rítmicos. 28 7.2 Aspectos Melódicos. 28 7.2.1 Escala de acorde. 29 7.3 Aspectos harmônicos 31 7.4 O caráter de improvisação 31 7.5 Elementos advindos da influência da música erudita 33 8. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ASPECTOS TRADICIONAIS E NÃO TRADICIONAIS DO CHORO. 33 9. ANÁLISE DE SAMBA URBANO 35 9.1 INFLUÊNCIAS DA MÚSICA BRASILEIRA E ASPECTOS DO CHORO TRADICIONAL 35 9.2 ASPECTOS JAZZÍSTICOS E DO CNT 38 9.3 INFLUÊNCIA DA MÚSICA ERUDITA E DO JAZZ. 44 9.4 INFLUÊNCIA DE BADEN POWELL. 50 10. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 53 REFERÊNCIAS 56 10 1 INTRODUÇÃO O desenvolvimento do violão popular no Brasil foi marcado por transformações estilísticas e composicionais que se fundem com a própria história da música popular brasileira. Estas transformações ocorreram de forma significativa a partir de diferentes fontes e matrizes culturais: a música erudita, a música popular brasileira, o jazz etc. A utilização do violão na música popular brasileira foi consolidada com o aproveitamento de aspectos peculiares do instrumento tais como a capacidade polifônica, o acompanhamento rítmicoharmônico, a paleta de variações timbrísticas e os efeitos percussivos. Estes fatores proporcionaram a difusão do violão como instrumento solo ou de acompanhamento inserido em diversos contextos no panorama histórico da música brasileira, tanto o erudito como o popular. No início do século XX o violão esteve presente em conjuntos musicais empregados nas interpretações de choro. Além do violão, a formação instrumental destes grupos compreendiam ainda a flauta transversal e o cavaquinho. Nesta organização o violão frequentemente tinha a função de acompanhamento rítmico-harmônico e a flauta, de instrumento solista. Entretanto, a prática do solo também era habitualmente realizada por alguns violonistas da época: Quincas Laranjeiras (1873-1935), João Pernambuco (1883-1947) e Américo Jacomino (1889-1928), Dilermando Reis (1916-1977), cujo repertório era formado por choros, valsas, polcas e maxixes. A obra de João Pernambuco dá o passo inicial para a formação do repertório de choros escritos para o violão no Brasil, compreendendo-se aqui na acepção mais abrangente do termo (valsas, maxixes, tangos e porque não, choros), uma produção até então inexistente e que se destaca no campo instrumental pelo pioneirismo no casamento de soluções extremamente violonísticas a serviço de uma elaboração surpreendentemente musical. Sua obra é lírica sem ser derramada, é vibrante, virtuosística e explora com muita felicidade as peculiaridades do instrumento. Não teria sido por acaso, que tanto se tem divulgado a frase proferida por Heitor VillaLobos: "Bach não se envergonharia de assinar seus estudos” (TABORDA, 2004, p. 142). Além destes, surgiram outros violonistas como Laurindo de Almeida (1917-1995), Aníbal Sardinha (1915-1955), conhecido por Garoto, e Luiz Bonfá (1922-2001), os quais, durante a década de 1940, já incorporavam em suas composições e arranjos elementos harmônicos oriundos do jazz, da música impressionista e francesa, sendo que Garoto foi um 11 dos que mais se destacou neste processo. Suas composições apresentavam grande densidade1 quanto ao uso destes elementos se comparadas às obras de seus contemporâneos. Numa época em que a música popular urbana, a prática dos regionais de choro e a música do rádio em geral priorizavam a melodia, notamos que Garoto deixa-se “influenciar” pelo jazz, cujo contato mais próximo aconteceu durante suas viagens aos Estados Unidos da América. Através de sua música, percebemos uma utilização de acordes dissonantes, harmonia expandida, cadências com dominantes estendidas e substitutas. O improviso e a experimentação devem ter imprimido, no músico atento e inquieto, um conceito sonoro que irá se estampar em sua música, nas composições, onde a liberdade e a tradição podem se encontrar. O conceito de “choro moderno” fica, então, adotado para definir um estilo onde o campo harmônico é alargado e imprevisível (DELNERI, 2009, p. 17). A partir de 1958, com a gravação de “Chega de Saudade”2, a bossa nova é difundida como um novo gênero musical que ficou conhecido mundialmente como a moderna música popular brasileira3. Neste contexto surgiu uma nova geração de violonistas dentre os quais podemos citar: Baden Powell (1937-200), João Gilberto (1931), Paulinho Nogueira (1929-2003), Oscar Castro Neves (1940) e Toquinho (1946). Entre o final da década de 60 e início da década de 70, após o apogeu da bossa nova, desponta uma geração de músicos que irá delinear um novo gênero da música popular brasileira denominado MPB4, marcado por artistas, compositores e letristas como: Edu Lobo (1943), Chico Buarque (1944-), Dorival Caymmi (1914-2008), Gilberto Gil (1942), João Bosco (1946), Ivan Lins (1945), Djavan (1949), Milton Nascimento (1942), Toninho Horta (1948), dentre outros 5 . Em meio as principais características da MPB encontramos o ecletismo quanto à variedade de influências de diferentes gêneros musicais. O samba, o frevo, o baião, o maracatu, a bossa nova e até mesmo o rock nacional compõem este arcabouço. Concomitante ao movimento da MPB na década de 1970, surgiram no Brasil pequenos grupos de música instrumental – trios e quartetos –, sendo alguns deles: Tamba Trio (1960-1992), Zimbo Trio (1964), Milton Banana Trio (1960) e Quarteto Novo (1967), tocando composições próprias e releituras de temas da bossa nova com arranjos “inovadores”6. Também podemos incluir os seguintes nomes: Hermeto Pascoal (1936), Flora Purim (1942), Airto Moreira (1941) e Egberto Gismonti (1947). 1 Referimo-nos a “densidade” considerando o termo quanto ao grau de domínio e de recorrência do uso de elementos do jazz em aspectos melódicos, harmônicos e fraseológicos. 2 Música de Tom Jobim (1927-1994), gravada por João Gilberto ao violão e Elizeth Cardoso (1920-1990) na voz. 3 (SEVERIANO, 2008, p. 329-330). 4 MPB (Música Popular Brasileira) foi uma sigla utilizada para denominar um gênero musical desenvolvido a partir da década de 1970 no Brasil. 5 (MACGOWAN, PESSANHA, 1998, p.75). 6 Entenda-se por inovador os arranjos que utilizam elementos de ruptura com os arranjos conhecidos através das gravações originais, podendo incluir qualquer tipo de alteração, rítmica, harmônica ou melódica, valendo-se, geralmente, de elementos do jazz. 12 “[...] através de músicos brasileiros que moravam nos Estados Unidos, como Airto Moreira, Eumir Deodato, Flora Purim, Oscar Castro Neves, entre outros. Através da atuação destes músicos e dos expoentes da bossa nova, elementos da música brasileira foram incorporados à música norte-americana, daí se difundindo para o mundo. E, especialmente no caso do jazz, estas leituras e apropriações acabaram voltando para fertilizar a música instrumental brasileira, no movimento reflexivo entre duas musicalidades globais” (BASTO; PIEDADE, 2006, p. 935). Ocorreu, neste período, uma revalorização da música brasileira instrumental e uma intensa prática do choro que ficou marcada pela atuação de vários músicos, dentre os quais podemos destacar Paulo Moura (1932-2010), Raphael Rabelo (1962-1995), Jacó do Bandolim (1918-1969), Altamiro Carrilho (1924), Horondino Silva, conhecido por Dino 7 Cordas (1918-2006), e, mais recentemente, Hamilton de Holanda (1976), Yamandú Costa (1974), Zé Paulo Becker (1968), Rogério Caetano (1977) e Marcelo Gonsalves (1972). No começo dos anos 70, o sucesso do grupo Novos Baianos trouxe de volta o interesse por instrumentos como o cavaquinho, o violão de sete cordas e o violão tenor. A associação de um grupo de imagem tão contra-cultural com valores tradicionais da música brasileira era algo impensável e teve o efeito muito positivo de atrair para aquele instrumental. Aquele tipo de música, jovens como o autor que vos escreve (CAZES, 1998, p. 141). Atualmente, os principais violonistas em atividade que compõem para violão solo e possuem suas obras editadas e publicadas; se destacam neste panorama: Paulo Belinati (1950), Guinga (1950) e Marco Pereira (1950), sendo este o foco da nossa pesquisa. Marco Pereira possui formação erudita como violonista, tendo sido aluno do uruguaio Isaias Sávio (1900-1977). Ganhou dois concursos internacionais de violão, concluiu o mestrado sobre a obra de Villa Lobos na Universidade de Sorbonne de Paris. Já gravou 14 discos, sendo solo ou com formação em duos, trios, e também orquestrais, contendo músicas de sua própria autoria e releituras de compositores renomados da música brasileira, tendo também participado de gravações de vários discos de artistas reconhecidos no cenário da MPB. Atualmente é professor da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro. No trabalho como performer, Marco Pereira se dedica à prática da música popular brasileira, e apresenta em suas interpretações elementos técnicos interpretativos provenientes de sua formação consolidada a partir do estudo do violão erudito. Junto destes constituintes, Marco Pereira explicita, também, em suas performances, componentes técnico-interpretativos próprios da tradição do violão popular brasileiro, tendo como exemplos os sons obtidos pelo apoio da mão esquerda sobre as cordas, ao tocar acordes sem pressioná-las o suficiente, promovendo uma sonoridade “abafada” característica de um som “percussivo”. Tal prática é comumente utilizada no acompanhamento rítmico-harmônico no violão presente no samba e no choro. Apresenta também em suas composições e arranjos o uso de “slaps” que promovem 13 uma sonoridade percussiva a partir de um som “estalado” advindo do impacto da corda contra o braço do violão, bem como o uso de rasgueados advindo principalmente de sua influência de Baden Powell. O violonista apropriou-se, também, do aspecto improvisativo do jazz, devido ao intenso contato que manteve com a linguagem jazzística. A somatória dos aspectos presentes nestas vertentes musicais – música erudita, música popular brasileira e jazz – confluem não apenas como características de suas performances, mas também de seu estilo composicional. A presente pesquisa se justifica mediante a importância de Marco Pereira para o violão no horizonte da música popular brasileira instrumental. Devido à incorporação na produção violonística de Marco Pereira das principais vertentes da tradição da música popular brasileira instrumental bem como devido à sua qualidade na performance violonística. Sem menos importância vale ressaltar a minha identificação como pesquisador com o estilo composicional e performático do compositor. Ademais, foi pertinente executar uma breve apuração historiográfica. E, ao realizar um estudo sobre a historiografia do violão popular brasileiro, notamos que o nome de Marco Pereira é pouco citado. Observa-se uma lacuna quanto ao reconhecimento da importância de sua obra e de seu estilo composicional no Brasil, entretanto encontramos uma dissertação escrita por Brent Lee Swanson nos Estados Unidos no ano de 2004 com o seguinte título: “Marco Pereira: Brazilian Guitar Virtuoso”. 2 OBJETIVOS De posse destas informações, este trabalho tem como objetivo identificar as influências presentes no estilo composicional de Marco Pereira presentes na obra “Samba Urbano”. Pretende-se delinear as particularidades do estilo composicional de Marco Pereira, bem como aspectos relacionados à performance. “Samba Urbano” foi escolhida para a realização desta pesquisa pelas seguintes razões: 1) a obra encontra-se no primeiro disco autoral do compositor “Violão Popular Brasileiro Contemporâneo”, de 1985; 2) a partir da década de 60 com o surgimento da bossa nova e de compositores e músicos que passam a compor e interpretar músicas aos moldes de um novo estilo musical, conhecido internacionalmente por Brazilian Jazz 7 , o que nos 7 O Brazilian Jazz ficou conhecido como um estilo musical que realizou a fusão dos seguintes ritmos tradicionais da cultura popular brasileira: o baião, o maracatu, o frevo, o samba, a bossa nova, o choro com as harmonias características do jazz. Entre os principais expoentes deste novo estilo musical podemos elencar: O grupo Quarteto Novo e seus integrantes, Hermeto Pascoal, Arito Moreira, Flora Purim, Sergio Mendes, o grupo 14 impulsiona a averiguar se “Samba Urbano”, sendo coetânea a esta manifestação, revela aspectos oriundos de mesma natureza; 3) o eixo desta pesquisa é o estilo composicional para violão de Marco Pereira, norteando-nos a investigar características de elementos musicais presentes em suas primeiras composições, e a obra supracitada é um dos principais objetos de análise, justamente pelo seu caráter de pioneirismo; e 4) a partir da audição da peça, percebemos que a obra do violonista dispõe de grande bagagem de influências distintas e que apresenta, consequentemente, um estilo único e particular. As informações sobre as principais influências musicais do compositor foram obtidas através de uma entrevista realizada em sua residência8, no Rio de Janeiro, e através de dois festivais de música, tendo Marco Pereira ministrado aulas de violão: o CIVEBRA (Curso Internacional de Verão de Brasília), em janeiro de 2011, e o MIMU (Movimento Internacional de Música em Uberlândia), em julho de 2011. Em suma, este estudo considera a proposta de pesquisar o trabalho composicional e interpretativo do violonista, que fora desenvolvido a partir do espectro histórico do violão popular brasileiro; evidenciar a obra de Marco Pereira inserida no atual contexto históricomusical marcado pela fusão de diversos estilos e gêneros musicais, e identificar os elementos composicionais herdados do processo histórico da tradição do violão popular brasileiro e os constituintes que formam a mescla de estilos musicais presentes na obra do compositor. 3 METODOLOGIA A presente pesquisa se pautou nas seguintes etapas metodológicas: 1) entrevista com Marco Pereira no sentido de consubstanciar a pesquisa com depoimentos sobre suas concepções estéticas, violonísticas e composicionais; 2) apresentação dos elementos composicionais oriundos das influências de Marco Pereira 3) análise da obra "Samba Urbano" com o intuito de comparar as características da MPB instrumental obtidas na revisão bibliográfica e na entrevista com os elementos identificados na obra em questão; 4) A partir desse estudo analítico comparativo, espera-se apontar as principais influências estilísticas presentes na obra “Samba Urbano”. Foram utilizados dois parâmetros para a verificação e descrição dos elementos composicionais presentes na obra “Samba Urbano”. O primeiro é a classificação dos Tamba Trio, e, mais recentemente, o grupo Quinteto Brasilianos, liderado pelo músico e compositor Hamilton de Holanda (PIEDADE, 2003, p. 47). 8 Entrevista realizada em 14/12/1010. 15 elementos musicais presentes no choro tradicional (CT) e no choro não-tradicional (CNT9), no qual utilizamos como referência a dissertação de mestrado de Borges (2008). O segundo parâmetro são os elementos pertencentes às vertentes musicais que influenciaram o compositor: a música erudita para violão e o jazz. Quanto aos elementos musicais presentes em “Samba Urbano”, observamos aspectos harmônicos e melódicos do CT e do CNT, a presença de estruturas rítmicas recorrentes do choro e do samba junto aos elementos do jazz. Usamos como referência para a abordagem destes aspectos rítmicos Almada (2006). Sobre o processo de interação melódicoharmônico em “Samba Urbano”, fizemos a análise a partir dos conceitos apresentados por Ian Guest (2006), em “Harmonia: método prático”, volumes 1 e 2, e por Pereira (2011), em “Cadernos de Harmonia”, volumes 1, 2 e 3. A escolha destes referenciais se deram principalmente devido ao lócus de atuação musical sobre o qual são comumente aplicados, ou seja, sobre a perspectiva composicional e de improvisação dos músicos e compositores vinculados à música popular brasileira, na qual Marco Pereira também encontra-se inserido. Para viabilizar o estudo, dividimos o processo nas seguintes etapas: 1 – Fundamentação teórica contendo os seguintes tópicos de apresentação: breve biografia de Marco Pereira; influências na música de Marco Pereira; comunidade do choro; delimitação e caracterização do CT e do CNT; influências do jazz; influências da música erudita e outras influências. 2 – Análise estruturada com base na apresentação dos elementos musicais de “Samba Urbano” que serão selecionados e separados a partir das seguintes características classificatórias: influências da música brasileira; aspectos do CT; aspectos jazzísticos e do CNT; influência da música erudita e outras influências. Após o processo de análise apresentamos a conclusão deste trabalho. A análise foi utilizada como ferramenta de apoio para levar-nos a conclusões contundentes sobre o estilo composicional de Marco Pereira. Estas conclusões ocorreram a partir das evidências encontradas na relação entre o compositor e o contexto da música popular brasileira para violão. 9 Preferiu-se utilizar o termo “Choro Não Tradicional” (CNT), em vez de “choro moderno”, para não ocorrer confusão com o significado do termo moderno que aparece em vários textos significando um período da história que compreende a produção musical realizada na primeira metade do século XX. 16 4 INFLUÊNCIAS PRESENTES NA MÚSICA DE MARCO PEREIRA. Acreditamos que Marco Pereira está incluso numa vertente composicional para violão solo que une três elementos: 1) elementos de manifestações tradicionais da cultura popular brasileira, como o baião, a chula, o maracatu, o samba, o frevo, o choro, ritmos do folclore e outros ritmos brasileiros; 2) a excelência da sonoridade e de requintes da interpretação e da execução do violão erudito; 3) a influência da linguagem musical jazzística e erudita. Suas influências como compositor para violão solo surgiram a partir do seu contato com obras dos violonistas Dilermando Reis, Garoto, Paulinho Nogueira e João Pernambuco, ou seja, compositores que pertencem a tradição histórica do violão popular brasileiro. Outra forte influência, principalmente quanto ao aspecto de condução rítmico-harmônica, foi Baden Powell. Marco Pereira afirma que Powell desenvolveu um estilo peculiar no violão quanto ao aspecto rítmico nas interpretações da música popular brasileira. A partir de seu contato com músicas de rituais religiosos praticados especialmente na Bahia como o Candomblé, Powell desenvolveu um estilo musical por ele denominado Afrosamba10. Marco Pereira também relata que seu contato com o violonista Isaías Sávio foi determinante para a sua formação musical, sua definição como músico e como artista, e destaca a influência do uruguaio em relação à sua atividade criativa composicional, pois presenciou algumas de suas composições para o violão solo. Ele ainda ressalta que Sávio incentivou com entusiasmo o movimento violonístico e de concertos de violão na cidade de São Paulo. A partir da influência de jazz recebida no período que morava em Paris, Pereira passou a tocar e escutar o gênero com maior frequência. Nesse período, estudou a linguagem do estilo de forma intuitiva, aprendendo fraseados jazzísticos “de ouvido”, somando-se ao contato que mantinha com outros músicos. Sua maior influência no universo do jazz foi o estilo bep-bop. Segundo o compositor, o estilo o atraia principalmente devido aos fraseados e as acentuações rítmicas nos tempos fracos geralmente ligadas ao tempo forte, e a recorrência do uso da síncope. Ele ouvia, neste período, gravações de músicos tais como Charlie Parker, 10 “Muito da sua produção criativa se manifestou nesse gênero. Inclusive um grupo fundamental de músicas que compôs com Vinícius de Moraes, conhecidos como Afrosambas (que podem ser ouvidos nos CDs Os afrosambas de Baden e Vinícius; Os afro-sambas - Baden Powell; e uma versão de Paulo Bellinati e Mônica Salmaso Afrosambas - Baden Powell e Vinícius de Moraes). Conjunto de canções que atualizou o gênero quando fundiu, num mesmo cadinho, o samba tradicional com elementos característicos da música dos candomblés” (SCHROEDER, 2010). 17 John Coltrane e outros grandes músicos de jazz especialistas no estilo supracitado. Marco Pereira ainda relata que seu grande desafio era conseguir realizar os fraseados de bep-bop com uma sonoridade semelhante à que produzia através da técnica utilizada no repertório do violão erudito. A partir do momento em que decidiu se dedicar a música popular, além de estudar jazz, passou a tocar e pesquisar a música popular brasileira e diversas manifestações que compõem o folclore nacional. Foi quando retornou ao Brasil, morando na cidade de Brasília, que passou a ter proximidade intensa com o choro e com os músicos pertencentes à comunidade do choro. Marco Pereira sustenta ter iniciado seu processo composicional para o violão desde seus primeiros contatos com o instrumento, sempre de uma forma intuitiva, através do que ele conhecia sobre música, do seu desenvolvimento técnico, de acordo com seu conhecimento do instrumento e suas possibilidades idiomáticas. Ele afirma ter composto sempre com base nas suas necessidades e gostos musicais, ou seja, compunha músicas que possuíam as estruturas e ideias que ele gostaria de tocar. 5 O CHORO E A COMUNIDADE DO CHORO. O choro é um gênero musical de fundamental importância para o desenvolvimento da música popular brasileira do século XX, bem como vários de seus elementos foram empregados na música erudita brasileira. Desta, temos entre os principais representantes, Villa Lobos, Francisco Mignone (1897 – 1986) e Radamés Gnattali. O choro, no final do século XIX, era considerado apenas um modo brasileiro de se tocar músicas europeias, mas no início do século XX, tornou-se um gênero musical sendo os compositores de maior destaque: Chiquinha Gonzaga (1847-1935), Ernesto Nazaré (1863-1934), João Pernambuco e Joaquim Antônio Silva Calado (1848-1880). O choro foi primeiro uma maneira de tocar. Na década de 10, passou a ser uma forma musical definida. O choro como gênero tem normalmente três partes (mais modernamente duas) e se caracteriza por ser necessariamente modulante. Mais recentemente, Choro voltou a significar uma maneira de frasear, aplicável a vários estilos de música brasileira em obediência à forma rondó (em que sempre se retorna à primeira parte) aos poucos tem sido flexibilizada (CAZES, 1998, p. 21). O choro passou por diferentes momentos e transformações provenientes de influências de outros gêneros e estilos musicais, como o jazz, por exemplo – fazendo-se notável nas obras de Garoto – ou da música erudita, como é o caso do repertório do grupo 18 Camerata Carioca11. O choro apresentou certa decadência de popularidade a partir da década de 1930, quando iniciou-se a difusão do samba, nas rádios e nos desfiles de carnaval, entretanto os músicos intérpretes de choro continuaram atuando ao acompanhar cantores e interpretes de samba. “Na verdade, os conjuntos regionais nascidos para executar músicas de choro, a partir da década de 30 passaram a acompanhadores de cantores e só tocavam choro esporadicamente, em função da preferência pelos tipos de música vocal” (TABORDA, 1995, p. 40). No final da década de 1950, em decorrência do surgimento de grupos de rock, iê-iêiê e a partir do sucesso internacional da bossa nova, os músicos, cantores e interpretes de choro e samba diminuíram significante suas atuações no mercado musical, entretanto a partir da década de 1980, houve uma revalorização do choro e do samba. O despontar de novas gerações de músicos e compositores favoreceram o choro e o samba a permanecer até os dias atuais como um dos principais representantes da música popular brasileira. Nos dias atuais, o choro ainda ocorre nas “rodas de choro”. Estas rodas são formadas por músicos profissionais e amadores e por ouvintes que juntos constituem a “comunidade do choro”. Esta comunidade é formada por músicos de várias idades que apresentam conhecimentos em comum oriundos da transmissão oral. Atualmente, existem escolas de choro que formalizaram o conhecimento e o estudo do gênero, dentre as quais podemos citar a “Escola Portátil de Choro”, no Rio de Janeiro e a “Escola Rafael Rabelo”, presente na sede do Clube do Choro em Brasília. A comunidade do choro presenciou as transformações estilísticas sofridas pelo choro no decorrer do século XX, portanto, a partir de tais transformações acreditamos que os elementos que constituem o choro podem ser classificados como tradicionais e não- tradicionais. Borges apresenta esta perspectiva classificatória a partir dos membros da comunidade do choro. Utilizaremos as abordagens apresentadas por ele como um dos parâmetros para o desenvolvimento desta pesquisa. Sobre a forma como foram obtidas as informações deste parâmetro, Borges diz: 11 Grupo instrumental criado em 1979 por ocasião do espetáculo "Tributo a Jacob do Bandolim", em homenagem aos dez anos da morte do bandolinista. Com arranjos e direção musical de Radamés Gnattali e formação que foi aumentando e se solidificando com o passar do tempo, composta exclusivamente de músicos de choro. Acesso em 13/02/2012, em http://www.samba-choro.com.br/artistas/cameratacarioca. 19 Recorreu-se às entrevistas e às ferramentas analíticas aplicáveis à própria 12 comunidade do choro (teoria êmica ) com vistas a verificar aspectos estilísticos e a compreender como os músicos cultores desse gênero interpretam o seu repertório. Nesse sentido, propusemos uma possível sistematização do estudo do choro mediante consentâneas ferramentas analíticas ao gênero musical observado, quais sejam: “volteios harmônicos”, estudo da forma musical (a exemplo da “modulação típica”), articulação da curva tonal associada à construção frasística, descrições da progressão harmônica aliada à harmonia funcional, comparação das escalas modais, nomenclatura dos “chorões” antigos e a “Árvore Harmônica” (Alencar Sete Cordas) (BORGES, 2008, p. 147). Um fator decisivo para a escolha da comunidade do choro como referencial para este parâmetro relaciona-se com o fato do violão estar sempre associado a ela na medida em que integra os grupos musicais conhecidos por regionais, grupos que interpretam choro. Os regionais tiveram grande importância em meio ao desenvolvimento do choro no século XX. Acreditamos que os regionais influenciaram sobre medida nas transformações estilísticas e composicionais do choro tradicional bem como no choro não tradicional e no samba ao acompanharem os cantores. Estas transformações ocorreram mediante as diversas influencias advinda dos músicos que integravam os regionais. Os regionais acompanharam modinhas – que ganharam o nome de seresta e acabaram por incluir os sambas-canção lentos – lundus, maxixes, marchas, sambas e quando foi preciso, boleros, foxes, tangos argentinos, rumbas e até árias de ópera. Os músicos de ouvido em menos de cinco minutos faziam “à minuta” um arranjo para qualquer tipo de música, sem partitura e quase sem ensaio. Ninguém era responsável pelo arranjo, ninguém fazia o arranjo. Era alinhavado por todos, cada qual dando um palpite, que nem sempre era explicitado em palavras; o músico apenas tocava o trecho de um jeito e o grupo gostava aceitava, seguia e estava feito o acompanhamento, pronto para ser executado ao microfone. Era essa dinâmica que possibilitava o funcionamento das emissoras de rádio, onde chegavam e saiam cantores diferente com frequência, havia programas de calouros que apresentavam todo tipo de musica e não havia possiblidade econômica de fazer pagar ensaios e partituras, nem tempo para tal (TABORDA, 1995, p. 39). Outro fator decisivo para esta escolha deve-se a esta comunidade estar presente, durante todo o século XX, nas transformações ocorridas na música popular brasileira, já que o choro é um de seus primeiros gêneros. Os regionais também foram os principais acompanhadores de cantores de samba e samba-canção até a década de 1950. Observamos que os músicos e compositores pertencentes à comunidade do choro tiveram grande influência sobre o desenvolvimento da música popular brasileira instrumental e cantada. 12 Engendrada a partir do pensamento teórico que se apreende da comunidade dos chorões e demais músicos populares brasileiros. É possível encontrar em trabalhos etnomusicológicos de língua inglesa as seguintes terminologias emic, etno-theory, native-informed theory, insider-informed theory. (BORGES, 2008, p. 6) 20 5.1 O tradicional e não-tradicional, abordagens advindas da comunidade do choro. Um dos parâmetros desta pesquisa é a abordagem dos elementos musicais considerados tradicionais bem como elementos não tradicionais do choro. Borges faz uma abordagem analítica a partir dos conceitos provenientes da comunidade do choro, dos músicos integrantes desta comunidade: É essencial delimitar questões acerca do que a comunidade do choro entende por estilo tradicional e não-tradicional, bem como observar tendências estilísticas musicais que influenciam o choro. Tais estilos são separados por uma linha tênue e se correlacionam através de elementos musicais e sociais, o que aventa a idéia de que o uso de determinada dissonância não é um critério suficiente para definir se um estilo é tradicional no choro. Isso ocorre porque é possível observar recursos harmônicos do CNT que também são utilizados no CT (BORGES, 2008, p. 27). Com a leitura deste fragmento, podemos observar que Borges teve enfoque sobre os aspectos melódicos e harmônicos presentes no choro para realizar a classificação entre os estilos de choro tradicional e não-tradicional. Portanto, nesta pesquisa, apresentaremos de forma resumida os principais elementos musicais elencados pelo autor em sua dissertação, tendo em vista a associação de tais elementos à obra “Samba Urbano” de Marco Pereira. Sobre o aspecto rítmico do choro tradicional utilizaremos os modelos apresentados por Carlos Almada. Primeiramente apresentaremos as características do choro tradicional e, logo em seguida, as características do choro não tradicional. 6. ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS DO CHORO TRADICIONAL 6.1 Aspecto rítmico Almada (2006) apresenta as células rítmicas a seguir como sendo de importância fundamental na linguagem do choro. Sendo as menores unidades construtivas possíveis, e uma vez combinadas a outras, resultam no tecido de uma ideia melódica autônoma. Segundo Almada, ex. 1, as células serão subdivididas em principais (mais características) e secundárias (de apoio): 21 • Principais: • Secundárias Exemplo 1: (ALMADA, 2006, p. 10): Tais células, ao serem dispostas duas a duas, ex. 2, formam aglomerados de dois tempos (ou um compasso) os quais chamaremos padrões rítmicos. As possibilidades são inúmeras: Exemplo 2: (Ibidem, 2006, p. 10). Observamos no ex. 3 que podemos ainda obter outras variantes utilizando ligaduras de extensão: Exemplo 3: (Ibidem, 2006, p. 10). Consideremos as combinações de diferentes células (a, b, c, d) por Almada como sendo uma forma genérica de caracterização dos possíveis elementos rítmicos presentes no choro tradicional e que estas estruturas não pertencem somente ao choro sendo possível encontra-las em diversos outros estilos. Observamos que a junção das células [a + a], por ele apresentada também poderia ser representada ritmicamente por [a + b], considerando-se somente os ataques das notas sem a sustentação sonora advinda da ligadura apresentada na escrita da partitura. Seguindo este raciocínio: a estrutura [d + a] pode ser representada também por [d + b], bem como a estrutura [c + c] pode também ser representada por [c + d]. Observamos que Almada realiza uma apresentação de forma genérica das principais estruturas rítmicas encontradas em melodias de choro. A partir desta apresentação podemos constatar estruturas rítmicas com notas de pouca duração, observa-se uma recorrência de uso das síncope, estrutura que fazem alusão à síncope a partir da ênfase de notas em partes de fracas de tempo, bem como o uso de quiálteras de três, encontradas dentro de um tempo ou em uma metade de tempo. Não propomos neste trabalho utilizar as apresentações de Almada como sendo um delimitador do aspecto rítmico do choro tradicional, e sim como uma apresentação simplificada sobre as principais estruturas rítmicas presentes no choro 22 tradicional. Devemos considerar também que existem diferenças significativas entre a escrita e o resultado sonoro, principalmente no caso do violão, isso se torna perceptível a partir da audição de uma performance, como por exemplo notas que na prática podem durar mais tempo ou menos tempo do que a representação da escrita na partitura, sobre este tipo de caso comentaremos na análise da obra. Sobre o aspecto rítmico de melodias encontradas em sambas, Faria (1995) apresenta no ex. 4, trechos de músicas que utilizam um determinado padrão rítmico em suas melodias de samba e bossa nova, e o seguinte esquema de desenvolvimento de construção de tal padrão rítmico: Em melodias do samba você irá achar a síncope em quase todos os tempos. Esta figura... Se transforma nesta a partir da antecipação da última nota. Depois nesta a partir da antecipação da antepenúltima nota. Depois nesta a partir da antecipação da nota que se encontra na cabeça do segundo tempo. Finalmente a partir da antecipação da segunda nota, conclui-se a estrutura rítmica com todas as notas apresentadas de forma antecipada. Exemplo 4: (FARIA, 1995, p. 23 ) Faria, ex. 5, apresenta trechos de melodias com este tipo de padrão rítmico: “Desafinado” (Tom Jobim / Newton Mendonça). “Tempo Feliz” (Baden Powell) Exemplo 5: (Idem, 1995, p. 24 ) Esta representação de Faria exemplifica um dos padrões rítmicos que são constantemente encontrados em melodias de samba e bossa nova. 23 6.2 Aspecto melódico No choro tradicional é comum observarmos melodias desenvolvidas sobre as escalas tonais: diatônica maior e menor harmônica, e sobre as escalas modais tais como: jônio, e eólio (escala menor natural). Além das notas destas escalas, observa-se também, em melodias de choro tradicional, a presença de notas de passagem, bordaduras, apogiaturas, escapadas, e notas suspensivas. Vemos abaixo, tab. 1, uma tabela de Borges apresentando os modos e seus respectivos intervalos característicos. Utilizaremos os números arábicos como representação dos intervalos das escalas. Este tipo de representação é comumente utilizada por jazzistas.13 Tabela 1: Escalas modais comumente aplicados à música popular (BORGES, 2008, p. 52). 6.3 Aspectos harmônicos Sobre os aspectos harmônicos do choro, Borges (2008) utiliza os conceitos de harmonia apresentados pelo violonista Alencar Soares 14 (1951-2011). Em relação às progressões harmônicas vastamente utilizadas no repertório do choro tradicional, Carneiro relata a nomenclatura dos acordes e encadeamentos utilizados pelos chorões antigos que tocavam de “ouvido”: Com efeito, a 1ª, 2ª e 3ª do tom referem-se aos graus da escala que mais aparecem em choros e sambas tradicionais: tônica (T), dominante (D) e subdominante (S). A utilização dessa nomenclatura denota um pragmatismo por parte dos “chorões” antigos, os quais, geralmente, não possuíam um ensino formalizado de música e, no entanto, tocavam um vasto repertório por meio da memória auditiva (CARNEIRO, 2008, p. 38-39). Carneiro apresenta como exemplo um encadeamento típico utilizado normalmente no samba e no CT, à luz da nomenclatura antiga dos “chorões”: 1ª / Preparação / 3ªm / 2ª. 13 Vide em anexo, tabela com os graus representativos do intervalos. Alencar foi um importante representante da comunidade do choro. Além de sua atuação como violonista, teve intensa atuação didática na cidade de Brasília e influenciou na formação de vários violonistas e intérpretes de choro e samba como Rogério Caetano, Hamilton de Holanda, Fernando César entre outros. 14 24 Esta sequência representa o seguinte encadeamento harmônico: I – V7/II – IIm – V7 – I . Borges demonstra encadeamentos harmônicos recorrentes em grande parte do repertório do choro tradicional. Dentre estes encadeamentos ele se vale do conceito de “Árvore Harmônica” por Alencar Soares. A “Árvore Harmônica” não apresenta nenhum tipo de proposta inovadora ou mesmo possibilidades de progressões harmônicas inéditas que se diferenciam ao que comumente se encontra no repertório do samba e do choro tradicional, pelo contrário, representa uma montagem gráfica estrutural de caminhos harmônicos recorrentes nas músicas de samba e choro tradicional, mas que também vale para representar progressões harmônicas presentes em outros estilos musicais que pertencem ao sistema tonal. A partir da estrutura da “Árvore Harmônica” podemos visualizar com maior clareza as possibilidades de progressões harmônicas que são comuns principalmente no samba e no choro. Soares apresenta a “Árvore Harmônica” simplificada no tom maior com os seguintes encadeamentos: passagem pelo IIm (Subdominante relativo) do campo harmônico da escala maior: I – V7/II – IIm – V7 – I e passagem pelo IV grau (Subdominante): I – V7/ IV – IV – V7 – I do campo harmônico da escala maior. E a “Árvore Harmônica Simplificada” no tom menor com o seguinte encadeamento: passagem pelo quarto IVm (subdominante menor). “Com essa fórmula harmônica, com efeito, é possível tocar inúmeros choros tradicionais e compreender quais os caminhos possíveis de harmonias simples por meio da transposição da harmonia para várias tonalidades” (BORGES 2008, p. 42). As ramificações da “Árvore Harmônica”, desenvolvida por Alencar Soares contribuem para a compreensão de caminhos harmônicos encontrados de um modo geral em grande parte do repertório do choro tradicional. Na fig. 1, nos quadros “a” e “c” observamos caminhos harmônicos mais “simples” e as recorrentes modulações, os quadros “b” e “d” apresentam caminhos harmônicos mais “complexos”. Os caminhos harmônicos que estão apresentados por setas tracejadas são, no entanto, pouco recorrentes (apresentada em destaque cinza na figura 3, nos quadros “b” e “d”). Como exemplo de algumas músicas que compõem o repertório do choro tradicional e que apresentam caminhos harmônicos presentes na “Árvore Harmônica” apresentamos em seguida: “Lamento” de Pixinguinha e Vinicius de Moraes, “Noites Cariocas” de Jacó do Bandolim e Hermínio Belo de Carvalho e “Naquele Tempo” de Pixinguinha e Benedito Lacerda. Nas músicas a seguir, demonstramos os acordes com suas respectivas análises harmônicas: 25 Figura 1: “Árvore Harmônica” maior, em sua forma geral simplificada (a) e estendida (b), e menor, também em sua forma geral simplificada (c) e estendida (d) (FERNEDA, 2005). Observamos a seguir no trecho de “Lamento” caminhos harmônicos presentes em ambas as árvores harmônicas, a simplificada e a expandida. Entre os compassos 18 e 20, acontece uma modulação para o terceiro grau maior, Si Maior, uma modulação típica do choro, tal como podemos observar no quadro das modulações junto a “Árvore Harmônica”. Notamos a presença do acorde subV7, F, compasso 12, um acorde de função de substituto da dominante, sem a sétima, do dominante secundário do segundo grau, V7/II. A partir da análise dos encadeamentos de “Lamento”, percebemos que com exceção do acorde subV7, todos acordes apresentam encadeamentos harmônicos que estão presentes na árvore harmônica, atribuindo a este choro um caráter tradicional. Sol Maior I IV I V7/V V7 I 26 I Iº I SubV7 V7/IIm IIm V7/III Si Maior VIm VIm I IIm V7 I Exemplo 6: Exemplo dos caminhos da Árvore Harmônica “Lamento” na tonalidade de Sol maior. V7/II IIm V7 I estendida e simplificada presentes choro Observa-se em “Noites Cariocas” encadeamentos da “Árvore Harmônica” simplificada e estendida, e modulações para Sol Maior, na parte B, compasso 33, com modulação para Si Maior, estas modulações são típicas do choro e estão presentes no quadro da árvore harmônica. Comumente a modulação para a terça maior ocorre em pequena duração de tempo e em poucos compassos inseridos em alguma das seções da música, como ocorre em “Noites Cariocas” e também no choro “Lamento”. Ré Maior I Sol Maior IIm7(b5) V7(b9) V7/V IIm7 V7 IIm7 V7 I7M V7 IIm7_V7/II I6 IIm7 V7 IIm7 V7 IIm7 V7 IIm7 Si Maior IIm7 V7 /IV IV #IV I subV7/III IIIm7 VIm7 I VIm7 27 Sol Maior IIm7 V7 I V7/VI VIm7 V7 IIm7 V7 IIm7 V7 I7M Exemplo 7: “Noites Cariocas”, caminhos da árvore harmônica expandida e simplificada na tonalidade de Ré maior, modulação para Sol maior na parte B com modulação passageira para Si maior. Nota-se que o choro “Naquele Tempo” está na tonalidade de Ré Menor e no compasso 18 inicia-se a seção “B” com modulação para a tonalidade de Fá Maior, relativa de Ré Menor, um tipo de modulação típica do choro, presente no quadro das modulações na “Árvore Harmônica”. Os encadeamentos presentes neste choro pertencem à “Árvore Harmônica”, tanto na seção “A”, na tonalidade menor quanto aos encadeamentos presentes na seção “B”, na tonalidade maior. O uso de escalas maiores, menores naturais e harmônica, o ritmo do choro contendo as estruturas apresentadas por Almada (2006) junto aos encadeamentos harmônicos que se encontram presentes na “Árvore Harmônica”, são características que configuram o choro “Naquele Tempo” com aspecto tradicional. Ré menor Im V7 Im V7/IV IVm IIm7(b5)_V7 Fá Maior Im V7 V7/V V7 I Im I V7/V VIm V7/VI VIm V7/II IIm V7/V V7 Exemplo 8: “Naquele Tempo”, encadeamentos da árvore harmônica, expandida e simplificada, na tonalidade de Ré menor com modulação para Fá maior (relativo). Através da “Árvore Harmônica”, Alencar formalizou a compreensão dos “chorões” antigos acerca da harmonia, que se fundamenta na experiência auditiva” (BORGES, 2008, p. 43). Tomaremos por classificação do choro como sendo tradicional aqueles que apresentam 28 predominantemente características comumente encontradas no repertório do choro tradicional e serão classificados como não-tradicional, os choros que apresentam as particularidades decorrentes da influência da harmonia do jazz e da música erudita. 7. CHORO NÃO TRADICIONAL, CARACTERÍSTICAS ADVINDAS DO JAZZ E DA MÚSICA ERUDITA. Acredita-se que durante o século XX as influências ocorreram de forma mútua, ou seja, a música erudita e o jazz influenciaram em transformações estilísticas no repertório popular brasileiro, bem como elementos da música popular interferiram em modificações sofridas pela música erudita e pelo jazz, tratando-se de um processo reflexivo. Apresentaremos, a seguir, características oriunda do jazz e da música erudita que influenciaram nas composições da música popular brasileira do século XX. Em nossa pesquisa teremos o enfoque sobre o choro, com o intuito de elucidarmos estes elementos como transformadores da linguagem tradicional para um estilo não tradicional. 7.1 Aspectos rítmicos. Quanto aos aspectos rítmicos, acreditamos que as estruturas rítmicas presentes no choro apresentadas por Almada (2006) são características rítmicas basilares do choro tradicional. Como exemplos de estruturas rítmicas não-tradicionais no choro temos a utilização de fusas, quiálteras15 de três ou mais notas sobre dois tempos ou sobre fração de tempo, etc. 7.2 Aspectos Melódicos. Dentre os aspectos melódicos considerados não tradicionais do choro podemos citar o uso dos seguintes elementos: 1) escala simétrica hexatônica, conhecida por escala de “tons inteiros”; 2) escalas modais provindas da escala menor melódica16 , tais como: a escala “Alterada” (sétimo modo da menor melódica), também conhecida como “Superlócrio” , “Lídio b7” (quarto modo da menor melódica), também chamada “Lídio Dominante e “Lócrio 9” (sexto modo da menor melódica), também como escala “Meio Diminuta”; 3) escala “simétrica octatônica dominante diminuta”, conhecida por jazzistas como “Dom-Dim” 4) 15 Vide p. 71, exemplo 54 e 55, o uso de quiáltera de três notas dentro de dois tempos, na música “Samba Urbano”, bem como também um exemplo da música “Candomblé” de Baden Powell. 16 (PEREIRA, 2011, v. 3, p. 40). 29 escala simétrica “Diminuta”, formada a partir do acréscimo de notas localizadas um semitom abaixo das notas do arpejo diminuto. Estas escalas são utilizadas por músicos de jazz nas práticas de improvisação (característica marcante do estilo). Sobre a utilização destas escalas aplicadas na prática composicional, junto à influência advinda da música erudita, Delneri apresenta as seguintes características presentes no violonista e compositor Garoto: A prática do improviso e o conhecimento teórico e técnico da música clássica puderam determinar os recursos composicionais utilizados por Garoto, tais como, a construção de melodias e temas, exploração do território harmônico, formação dos acordes, a busca por timbres e tessituras e a forma e estrutura no discurso musical de cada composição. Ao longo das peças do repertório da obra de Garoto, podem-se perceber procedimentos recorrentes e característicos, que define um estilo e uma linguagem original e particular (DELNERI, 2009, p.18). Apresentaremos, a seguir, estas escalas e os exemplos de suas aplicações em obras do repertório erudito, do jazz e do choro não tradicional. Quanto à forma de aplicação dos modos oriundos da escala diatônica maior: jônio, dórico, lídio e eólio e sua classificação como tradicional e não-tradicional quanto à sua aplicação no choro, Borges faz as seguintes considerações: As escalas modais são bastante utilizadas na música popular brasileira que possui características improvisatórias predominantes. Para a comunidade do choro, os modos dórico e lídio denotam estilização harmônica e melódica quando utilizados em vez dos modos eólio e jônio, respectivamente. Consideramos que a concepção improvisatória que utiliza predominantemente os modos dórico e lídio possui características não-tradicionais (BORGES, 2008, p. 51, e p. 52). Sendo assim, esta alternância da localização natural dos modos pode representar uma característica não tradicional do choro. Como exemplo, apresentamos o seguinte encadeamento harmônico: IIm7 – V7 – I, comumente no choro tradicional encontramos o modo dórico sobre o acorde IIm7, o modo mixolídio sobre o acorde V7 e o modo jônio sobre o acorde I, entretanto, ao substituirmos estes modos respectivamente pelos modos: eólio, mixolídio e lídio, demonstraríamos este trecho com característica do choro não tradicional, desta forma a progressão apresenta uma característica modal muito utilizada na improvisação do jazz. 7.2.1 Escala de acorde. A “escala de acorde” é aplicada por grande parte dos músicos de jazz e da música popular em geral no desenvolvimento composicional e em suas improvisações, podendo servir como ferramenta analítica do processo composicional de “Samba Urbano”, quanto à 30 interação melódico-harmônica. Esta abordagem relaciona a utilização das escalas e a aplicação de suas notas em dois planos: o vertical (usado na elaboração harmônica) e o horizontal (usado na composição melódica). As escalas são constituídas a partir da somatória das notas de acorde (tônica, terça, quinta e sétima) à suas notas complementares 17 (apresentadas no sistema de cifragem alfanumérico18 como: 9ª, 11ª e 13ª). Um dos processos referentes a construção de uma escala de acorde ocorre a partir das notas de um determinado modo de alguma escala tonal específica que acaba por gerar determinadas notas complementares. Vejamos, abaixo, um exemplo deste processo, a partir do acorde de G7, considerando-se ser originado do quarto grau da escala Ré Menor Melódica, ao sobrepor as terças, este acorde terá os seguintes complementos: 13, #11, 9. Exemplo 9: Formação da tétrade junto a seus complementos (PEREIRA, 2011, v.1, p. 33). Outro processo de estruturação de uma “escala de acorde” é realizado a partir das notas do acorde somado às possíveis combinações de notas complementares para o mesmo, tomando-se como exemplo uma estrutura básica de um acorde dominante (1, 3, 5 e b7) acrescentada a possíveis notas complementares (b9, 9, #9, 11, #11, b13, 13). São vários os critérios de escolha destas notas complementares (tonalidade da harmonia em que se encontra este acorde, função harmônica do acorde, notas da melodia no momento do acorde em questão, etc), que poderão resultar diferentes tipos de caráter sonoro (sofisticado, tradicional, etc). O caráter da escala de acorde pode variar de acordo com a intensão do intérprete ou arranjador, ou mesmo de acordo com as características estéticas da música em que será aplicada. A nomenclatura conferida à uma escala de acorde comumente ocorre a partir dos nomes das escalas modais acrescentados das notas alteradas, por exemplo, a escala de acorde “Lídio b7”, advém do modo lídio com a sétima menor (nota alterada do modo lídio). 17 Os complementos harmônicos são extensões das tétrades criadas pela superposição de terças que ultrapassam o limite da oitava. Os complementos harmônicos são representados pelos intervalos de nona, décima primeira e décima terceira. Os complementos harmônicos como o nome já diz, são enfeites aplicados sobre as tétrades conferindo-lhes complexidade e sofisticação (PEREIRA, 2011, p. 33). 18 Sistema de cifragem utilizado na música popular para designar acordes e suas notas complementares a partir de números e letras do alfabeto. Ex. C7M(9), tétrade de Do maior com a sétima maior acrescido da nona como nota complementar. 31 7.3 Aspectos harmônicos Dentre estas influências harmônicas provindas do jazz e da música erudita podemos citar as seguintes ocorrências musicais: a) constante uso de caminhos harmônicos não possíveis de se encontrar na “Árvore Harmônica”, uso de dominantes estendidos, uso consecutivo de acordes “sub V7”, b) uso de acordes formados sobre as escalas de acordes originadas a partir da escala menor melódica c) uso de acordes formados a partir da escala de tons inteiros, d) modulações de forma abrupta19 para tons afastados que não se encontram presentes no quadro de modulações da “Árvore Harmônica”, e) constante uso de acordes com notas complementares como intervalos de décima primeira aumentada, décima terceira menor, nona menor, nona aumentada entre outros elementos. A partir de um trecho da “Brasiliana Nº13”, Borges faz a apresentação de dois arpejos, A7(#11) e F7M(#11), considerados pela comunidade do choro como elemento harmônico de caráter não tradicional devido o intervalo de quarta aumentada, apresentando o modo lídio que não foi encontrado no repertório do CT. Exemplo 10: “Brasiliana Nº 13” de Radamés Gnattali. 3º movimento – “Choro”. Trecho Inicial (ESCHIG) (BORGES, 2008, p 143). 7.4 O caráter de improvisação Utilizaremos as abordagens apresentadas por Corrêa sobre o caráter de improvisação advindo do jazz presente no Concerto Carioca Nº 1 de Radamés Gnattali. Sobre a utilização da prática da improvisação Corrêa faz a seguinte ressalva: “É importante não perder de vista o fato de que sempre houve improvisação em música em todos os períodos de nossa história, seja na música oriental ou ocidental. Nas formas de se compor do ocidente há registros de que a improvisação está presente desde a Grécia antiga. É possível que na idade média, na música eclesiástica, o organum livre tenha se dado através de experimentos musicais baseados em improvisações sobre uma vox principalis, sobre um cantochão e o mesmo pode ter acontecido na música renascentista, nos tecidos polifônicos que eram criados sobre um cantus firmus. No período barroco, o baixo contínuo em 19 Entendemos por modulação de forma abrupta, a passagem de uma tonalidade para outra sem a preparação dominante para então resolver no acorde da tonalidade subsequente. 32 geral era improvisado pelo cravista ou organista. Era notória a habilidade de Bach e Haendel em improvisar fugas assim como no período seguinte, Mozart e Beethoven improvisavam variações sobre temas” (CORRÊA, 2007, p. 147). Atualmente a prática improvisatória encontra-se consolidada no lócus de atuação da música popular, especialmente no choro (a partir das baixarias do violão de sete cordas, realizando contracantos e contrapontos na região grave, junto à melodia principal, e partir das variações melódicas do solista sobre o tema da música, sem descaracterizá-lo) e no jazz ( a partir de determinada harmonia o solista tem liberdade para criar improvisos que não devem apresentar necessariamente semelhanças com o tema da música). Como exemplo do caráter de improvisação, Corrêa apresenta um trecho de “Dona Lee”, tema de jazz de Charlie Parker e faz os seguintes comentários: 20 Exemplo 11: Fonte: The Real Book (Ibidem, 2007, p. 148). “Alguns standarts de jazz já apresentam em seu tema caráter de improvisação, como é o caso de “Dona Lee” de Charlie Parker. A melodia desta música possui grande quantidade de notas, com passagens cromáticas e arpejos rápidos, além de uma tessitura larga, o que dificulta a fácil assimilação que normalmente se espera de um tema musical. Este é um tema, que devido aos recursos utilizados – possibilitados pelo instrumento musical (saxofone neste caso) – não favorece características cantáveis, ou seja, o cantabile é menos valorizado para favorecer peculiaridades instrumentais e improvisadoras” (idem, 2007, p. 148). 20 Esta publicação em cinco volumes foi vendida nos Estados Unidos da América de maneira ilegal, sem editora e portanto sem autorização dos autores das obras que compõem o livro. Uma nova edição em três volumes intitulada The New Real Book foi editada e distribuída pela Sher Music CO, mas a composição aqui ilustrada não consta nesta publicação 33 7.5 Elementos advindos da influência da música erudita Além dos aspectos técnico-interpretativos advindos da ligação de Marco Pereira com a música erudita para violão, principalmente a partir das aulas que teve com Isaías Sávio e com Abel Carlevaro, notamos a sua ligação com compositores como Villa Lobos, sobre o qual Marco Pereira fez a sua pesquisa de mestrado em Paris. Dentre suas obras para violão solo, Villa Lobos utilizou o recurso técnico idiomático do violão conhecido por paralelismo, um procedimento que se desenvolve a partir da repetição de uma mesma fôrma de mão esquerda ao longo do braço do instrumento apresentado sobre uma mesma disposição dos dedos. Esta fôrma pode se movimentar tanto no sentido vertical, horizontal e transversal no braço do violão. Outro importante compositor do universo do violão erudito que fez o uso deste recurso técnico-idiomático foi o cubano Leo Brouwer (1939). Villa Lobos e Leo Brouwer são dois importantes compositores que utilizaram o “paralelismo” em suas composições para violão solo. Villa-Lobos usa as fôrmas com um propósito bastante radical, típico da vanguarda modernista com a qual apresenta afinidade, buscando um efeito característico do instrumento, num universo mais francamente atonal, ou poli-tonal – apesar da melodia sugerir arquétipos tonais, e nunca se desligar completamente da tonalidade, muitos dos acordes não podem ser pensados em termos de funções harmônicas. Já Guinga trabalha com esses elementos dentro de um limite tonal mais claro, onde podemos facilmente enxergar as relações harmônicas (CARDOSO, 2006, p. 109). 8. Considerações sobre os aspectos tradicionais e não tradicionais do choro. Ao realizarmos uma abordagem sobre a classificação de um choro como tradicional ou não-tradicional observamos que não é possível realizar tal classificação apenas a partir de elementos isolados. Ela deve ser feita partindo da observação dos elementos que constituem a obra como um todo. Um dos fatores que permitem a classificação de um estilo de choro com caráter não tradicional está ligado principalmente à recorrência 21 do uso dos elementos considerados não-tradicionais pela comunidade do choro presentes na mesma música. Sobre este raciocínio Borges diz: 21 O segundo registro fonográfico do grupo de choro “Dois de Ouro”, conjunto que o bandolinista Hamilton de Holanda começou antes de seguir sua carreira como solista, intitula-se “A Nova Cara do Velho Choro” (Laser Records, 1998). Tal intitulação demonstra a relação pacífica do CT com o CNT através do repertório comum e dos arranjos que não descaracterizam o CT. A relação do estilo tradicional e não-tradicional (muitas vezes chamado de moderno) é constante entre os músicos da comunidade (BORGES, 2008, p. 24). 34 22 Ressalta-se que a simples utilização de um “volteio harmônico” ou de uma determinada harmonia localizada não determina, de forma precisa, um CT ou CNT. Por isso, é necessário analisar todo o conteúdo da peça a fim de definir qual estilo determinado choro se enquadra. Há, porém, outro entrave quanto à classificação de estilo: existem compositores situados cronologicamente na tradição ou na consolidação do estilo, que podem ser considerados modernos em virtude de alguns critérios de classificação. Segundo essa perspectiva, destacamos que algumas músicas de Garoto - dentre as quais se destaca “Quanto dói uma saudade” são dotadas de recursos harmônicos complexos e não-usuais para a música popular de 23 sua época, tais como a utilização de sub V7, acordes estendidos , utilização de fusa 24 em escalas, cadências deceptivas (BORGES, 2008, p. 52). Com o intuito de melhor apresentação dos elementos presentes nesta fundamentação teórica apresentamos a seguir uma tabela comparativa expondo os elementos que podem ser considerados tradicionais e não tradicionais no choro. Elementos tradicionais do choro Volteio harmônico simplificada. sobre a árvore Elementos não tradicionais do choro harmônica Volteio harmônico estilizado através do uso do subV7, substituindo os acordes dominantes. Uso de escalas modais oriundos da escala diatônica maior: jônio, dórico, frígio, mixolídio, eólio e lócrio. Uso de escalas de acorde apresentando modos com notas alteradas, a exemplo dos modos oriundos da escala menor melódica: “lídio b7”: 4º modo; “lócrio9”, 2º modo: “alterada”: 7º modo. Uso de escalas simétricas, tons inteiros, diminuta, etc. Uso dos modos eólio, alterado e lídio respectivamente sobre os acordes IIm,V7, I7M. Uso dos modos dórico, mixolídio, e jônio respectivamente sobre os acordes IIm,V7, I7M. Uso de caminhos harmônicos pertencentes a “Árvore Harmônica” simplificada e estendida. Caminhos harmônicos com cadências perfeitas, imperfeita e plagais. Uso de caminhos harmônicos não pertencentes a “Árvore Harmônica” estendida e simplificada. Caminhos harmônicos apresentados pelo recurso do paralelismo. Cadencias harmônicas com resoluções interrompidas, uso de dominantes sem função dominante. Escalas diatônicas maiores e menores, uso da escala menor harmônica (quinto modo) sobre acordes dominantes com resoluções em acordes menores. Escalas simétricas hexatônica de tons inteiros, escalas dominantes diminutas sobre acordes dominantes com #4. Uso de acordes triádicos, com exceção dos acordes dominantes, podendo ser acrescentados de notas complementares tais como a (9ª,11ª e 13ª). Acordes formados por tétrades com constante uso de notas complementares com alterações como (b9, #9, #11 e b13). Ritmo condizente ao samba e ao choro tradicional Células rítmicas compostas por oito fusas conforme as possíveis combinações estruturais consecutivas, quiálteras: quintina, sextina, em um apresentadas por Almada (2006). único tempo, tercina sobre dois tempos. Tabela 2: Apresentação dos elementos tradicionais, e não tradicionais do choro a partir das apresentações de Borges (2008). Estruturação organizacional da tabela por Julio Lemos. 22 “Volteio harmônico” apresentado por Borges (2008), é nome dado para o caminho harmônico que passa pelos acordes da “Árvore Harmônica" simplificada. 23 Acordes com notas complementares. 24 Cadências deceptivas também são chamadas por alguns teóricos por cadência interrompida. 35 9. ANÁLISE DE SAMBA URBANO 9.1 Influências da música brasileira e aspectos do choro tradicional. Dentre as principais influências da música brasileira presente na obra “Samba Urbano” podemos apresentar os seguintes elementos: 1) o ritmo do choro tradicional e do samba, 2) o uso de elementos que fazem alusão ao aspecto melódico presente no acompanhamento do violão de sete cordas no choro e no samba. Observa-se na obra Samba Urbano, a presença de estruturas rítmicas características do choro tradicional tais como as apresentadas por Almada (2006). A estrutura rítmica apresentada no ex. 12 é semelhante à estrutura [b / a ]25 , somada a uma extensão de prolongamento da última nota até o tempo subsequente, configura-se uma síncope através da antecipação desta última nota. Padrão Rítmico Padrão Rítmico Baixo antecipado Padrão Rítmico Baixo antecipado Exemplo 12: “Samba Urbano” (compassos 5 ao 10) Podemos constatar neste exemplo acima um tipo de antecipação do baixo que é característico do samba sobre o qual encontramos um exemplo semelhante na obra de Radamés Gnattali. O acorde de G/D presente na Tocata em Ritmo de Samba Nº1, ex. 13 tem o baixo antecipado ao ser tocado no último quarto do tempo do último tempo do compasso anterior a ele. Esta antecipação do baixo (último quarto de tempo), junto ao ataque do acorde na parte fraca do tempo (segundo quarto de tempo do primeiro tempo de cada compasso) evidencia uma das principais características rítmicas do samba presente na condução rítmicoharmônica do violão de acompanhamento. 25 Vide p. 16. 36 Baixo antecipado Baixo antecipado G/D G/D Exemplo 13: Radamés Gnattali, “Tocata em Ritmo de Samba Nº1”. Quanto à influência de Garoto sobre Radamés Gnattali na obra “Toccata em Ritmo de Samba Nº 1”, Delneri faz o seguinte relato: “Radamés Gnattali compõe, em 1950, um samba estilizado dedicado a Garoto, que utiliza os desenhos rítmicos e acordes “paralelos”, como textura em bloco, inspirados no samba de Garoto. [...] extraímos 3 fragmentos da Tocata em Ritmo de Samba Nº. 1, nos quais percebemos a influência do violonismo de Lamentos do Morro […] O motivo desenhado pelo baixo, com sonoridade do surdo da percussão 26 antecipa o ritmo dos acordes montados em posições “geométricas” do violão, criam um glissando na montagem de um acorde diminuto. A tonalidade de Sol maior é anunciada, sem resolução” (DELNERI, 2009, p. 94). No arpejo de Bb7(9), compasso 14, ex. 14, ocorre uma estrutura rítmica muito recorrente em melodias de samba e bossa nova semelhantes à apresentação de Faria27. Na última semicolcheia do compasso 14 surge o acorde de Am9 que de forma antecipada se estende até o tempo forte do compasso subsequente, esta figura rítmica apresenta utilização da síncope e evidencia o ataque das notas nas partes fracas do tempo em questão. Bb7(9) Am9 Exemplo 14: “Samba Urbano” (compasso 10 ao 14). Neste trecho, ex. 15, entre os compassos 45 e 49, observa-se que a nota mais aguda encontra-se antecipada do restante das notas que formam o acorde em quartas justas sobrepostas, esta antecipação, característica em melodias do choro, acaba por conjugar uma estrutura rítmica com maior complexidade e contribui para destacar a nota mais aguda de cada acorde, que se apresenta como fragmento melódico 26 Geométricas, se refere ao uso do paralelismo, um recurso idiomático composicional do violão no qual estruturas de acordes ou de frases melódicas são repetidas em diferentes regiões do braço do violão. 27 Vide p. 17 (fundamentação teórica). 37 Exemplo 15: “Samba Urbano” (compassos 45 ao 49). Movimento paralelo descendente de quartas sobrepostas. Observa-se no exemplo 34 que o mesmo padrão rítmico se repete nos compassos 39, 41 e 43, estas células rítmicas são características do choro, semelhante à estrutura [b / a] somadas à uma semimínima do tempo subsequente. Padrão Rítmico Padrão Rítmico Exemplo 16: “Samba Urbano” (compassos 35 ao 44). Padrão Rítmico Rítmico Quanto ao aspecto harmônico, no ex. 17, a partir do compasso 68 até o compasso 73 surge um encadeamento harmônico pertencente ao centro tonal Lá Menor, Im – Vsus4/3ª/bIII – V7(sus4,9)/bIII – V7(9,b13)/7ª/bIII – bIII9 – IIm7(b5) – V7(#11,#9). Este encadeamento está presente na “Árvore Harmônica” menor, que analisados de modo simplificado sem as notas complementares apresentam a seguinte análise: Im – V7/bIII – bIII – IIm7(b5) – V7 – Im, observamos neste encadeamento a passagem pelo acorde relativo maior [bIII] que esta presente no quadro de modulações recorrentes do choro, quadro da “Árvore Harmônica”. Observamos que este encadeamento configura um elemento harmônico característico do choro tradicional. Porém os acordes apresentam notas complementares alteradas, como a 11ª aumentada, a 9ª aumentada e a 13ª menor, estas notas alteradas são consideradas como elementos não-tradicionais do choro. 38 Im Am V7(sus4,9)/bIII – V7(9,b13)/7ª/bIII – bIII9 – G7(sus4, 9) G7(9, b13)/7ª C9 Vsus4/5ª/bIII Gsus4/5ª ª IIm7(b5) – V7(#11,#9) Bm7(b5) E7(#11,#9) Exemplo 17: “Samba Urbano” (compasso 65 ao 73). 9.2 Aspectos jazzísticos e do CNT. Sobre o aspecto harmônico, no ex. 18, observamos o um arpejo realizado sobre quartas sobrepostas entre as notas Si e Dó e entre os compassos 39 ao 45, observamos o arpejo do acorde F7M junto a presença da nota Si natural que configura um intervalo de #4 (quarta aumentada) a partir da presença deste intervalo podemos constatar uma característica modal, sendo este modo, “Fá Lídio” formando o arpejo de F7M(#4). O modo Fá Lídio é composto das seguintes notas: Fá, Sol, La, Si, Do, Ré, Mi. As notas do acorde são: Fá, La, Dó e Mi (T, 3, 5, 7) e as notas complementares são: Sol, Si e Ré (9, #11, 13). Quanto ao aspecto melódico-rítmico, no ex. 18, observa-se que o mesmo motivo rítmico contendo a 4ª aumentada se repete nos compassos 39, 41 e 43, a única diferença entre eles está na última nota de cada motivo sendo elas: Mi, Sol e Mi, podemos atribuir a estas notas o sentido melódico deste trecho, sendo as demais notas pertencentes ao arpejo de Fá Lídio. A partir da audição da gravação da obra interpretada pelo próprio compositor, fica evidente o sentido destas notas como sendo notas melódicas, percebe-se que elas apresentam duração de tempo maior do que a representação da escrita na partitura. 39 Arpejo em quartas Dó Mixolídio [C7] Fá Lídio [F7M(#11)] Padrão Rítmico Fá Lídio Padrão Rítmico Padrão Rítmico Exemplo 18: “Samba Urbano”(compassos 39 ao 45). No ex. 19 entre os compassos 86 o 88 o compositor apresenta um encadeamento harmônico feito por acordes diatônicos ao centro tonal de Lá Menor, entretanto este encadeamento harmônico se conclui com um acorde menor sobre o quinto grau Vm7, o acorde Em7. Este trecho se apresenta predominantemente modal, Lá eólio, pois para que este tivesse característica tonal28 deveria apresentar um acorde dominante sobre o quinto grau, ou seja, E7. Observamos que o acorde de Dm7 também pode ser analisado como um acorde de segunda inversão do G7(sus4,9), e como este acorde não possui a nota Si, não ocorre a resolução do trítono Si-Fá, nas notas Dó-Mi no encadeamento G7(sus4,9) – Dm7 – C7M, caso ocorresse tal resolução, poderia ser considerado como encadeamento de característica tonal. bV7(sus,4 9) IVm G7(sus4, 9) Dm7 bIII7M C7M bVI7M F7M IIm7(b5) Bm7(b5) Vm7 Em7 Exemplo 19: “Samba Urbano” (compassos 85 ao 89 ). No ex. 20 no compasso 5, surge um acorde de forma antecipada, este acorde é formado pelas notas: Lá bemol (enarmônica de Sol#), Ré bemol (enarmônica de Do#) e Fá 28 Consideramos como passagem tonal trechos em que possamos encontrar um acorde dominante sobre o quinto grau da escala que dá origem ao campo harmônico do trecho musical em questão, juntamente deve ocorrer a resolução do trítono e a presença da sensível. 40 natural, posteriormente na cabeça do primeiro tempo do compasso 5 surge a nota Ré (quarta corda solta) gerando o acorde dominante alterado E7(b9,13)/D, analisado como dominante do primeiro grau, V7(b9,13)/7º – Im. Apesar da omissão da fundamental no baixo (nota Mi) a análise harmônica pode ser confirmada a partir da presença do trítono e do contexto harmônico. Nestes compassos do ex. 20 ocorre o seguinte encadeamento harmônico: V7(b9,#11,13) – Im7(9,11) – V7(b9,#11,13). Apesar dos acordes dominantes estarem apresentados apenas através de pontuações rítmicas, ocorre um efeito de prolongamento de sua sonoridade harmônica para percepção do ouvinte. Este efeito de prolongamento sonoro se estende até o momento da entrada do próximo acorde, devido principalmente à utilização das notas advindas da “escala de acorde” aplicável ao acorde E7(b9,#11,13), neste caso a escala de “Mi Octatônica Simétrica Dominante”29, formada pelas seguintes notas, partindo-se da nota Mi: Mi, Fá, Sol, Láb, Sib, Si, Dó#, Ré. E7 (b9,#11,13) Padrão Rítmico E7(b9,#11,13) Padrão Rítmico Padrão Rítmico Exemplo 20: “Samba Urbano” (compassos 5 ao 10). Quanto ao aspecto harmônico, observamos no ex. 21, logo abaixo, o seguinte encadeamento harmônico: bIII(#11) – V7(13)/bVI – V7(9)/bII – SubV7(9)/Im – Im9. Este encadeamento apresenta uma sequência de três acordes dominantes estendidos, sendo o último acorde de função de substituto da dominante, subV7(9)/Im, que resolve no primeiro grau por movimento do baixo cromático descendente. Este tipo de encadeamento harmônico pode ser considerado como um elemento não tradicional no choro por não estar presente na 29 (PEREIRA, 2011, v. 3, p. 85) 41 “Árvore Harmônica”, outro elemento de caráter não tradicional é o uso de 11ª aumentada sobre a tríade de Dó Maior no compasso 11. bIII(#11) C(#11) V7(13)/bVI V7(9)/bII C7(13) F7(9) subV7(9)/ I Bb7(9) Im(9) Am(9) Exemplo 21: “Samba Urbano” (compasso 10 ao 14). Quanto ao aspecto harmônico, ex. 22, acontece o seguinte encadeamento harmônico no tom de Lá menor: Dm7(b6) - Gsus4 - C69. Este encadeamento configura a seguinte análise harmônica: IIm7(b6) – Vsus4/bIII – bIII69. Este tipo de encadeamento é bastante recorrente em harmonias de música popular, em especial no jazz e na bossa nova, é conhecido por “segundo cadencial” ou “II, V secundário”.30 A presença da sexta menor, a nota Si bemol, nos compassos 17 e 21, configuram caráter modal a este trecho do exemplo acima. Neste trecho o compositor utiliza o modo Ré eólio sobre o acorde do II grau menor (compassos 17 e 21), o acorde suspenso sobre o V grau (compassos 18 e 22) e o modo Dó Jônico sobre o I grau (compassos 19 e 23). Neste caso observamos dois elementos considerados não tradicionais pela comunidade do choro: a utilização do modo eólio onde comumente em músicas tonais utilizase o modo dórico e a utilização de um acorde suspenso onde geralmente utiliza-se o acorde de sétima dominante. Neste caso o Ré eólio esta presente onde comumente se encontraria em uma música tonal o modo Ré dórico, e o acorde Gsus4 encontra-se onde estaria o acorde G7, consequentemente acaba por apresentar caráter modal ao trecho. Im(9) Am(9) 30 (GUEST, 2006, v. 1, p. 62) IIm7(b6) Dm7(b6) Vsus4/bIII bIII69 Gsus4/bIII C69 42 IIm7(b6) Dm7(b6) Vsus4/bIII Gsus4/bIII bIII69 C69 Exemplo 22: “Samba Urbano” (compassos 15 ao 24). No ex. 23, entre os compassos 50 e 63, inicia-se a seção “B” de “Samba Urbano”. Quanto ao aspecto harmônico, observamos uma alternância de arpejos ascendentes e descendentes, o centro tonal deste trecho encontra-se em Lá Menor. Neste trecho existem alguns acordes de empréstimo modal31 (AEM), que acabam por configurar uma fusão de classificações harmônicas entre o modal e o tonal. O arpejo de Gm, ex. 23, compasso 51, que pode ser considerado como AEM do modo Lá frígio, sétimo grau deste modo, analisado como: bVIIm [AEM]. O acorde Bbm7 não apresenta uma função tonal definida e não pode ser classificado como um AEM, portanto, este acorde é considerado como “acorde de aproximação cromática” [a.c.]32, analisado como bIIm7 [a.c.]. O acorde Bb7M, compasso 55, é um acorde de empréstimo modal também do modo Lá frígio, segundo grau deste modo sendo analisado como: bII7M [AEM]. O trecho entre o compassos 50 ao 54 se repete entre os compassos 58 ao 63. Apesar da presença dos acordes de empréstimo modal e de aproximação cromática, o centro tonal do trecho ainda permanece estabelecido em Lá Menor devido a presença do acorde F7M (bVI7M), sexto grau de Lá Menor natural, e dos acordes Bm7(b5, b13) e E7(b13, b9), que juntos formam o segundo cadencial do acorde do primeiro grau, Am9/E, com a seguinte análise harmônica [IIm7(b5,b13) – V7(b13,b9) – Im9/2ª], o acorde IIm7(b5,b13) é originado a partir do segundo grau da escala menor natural e o acorde V7(b13,b9) é originado do quinto grau de Lá Menor harmônica. 31 32 (GUEST, 2006, v. 2, p. 11) Um tipo especial de encadeamento paralelo merece atenção e destaque, pois influenciou outras formas de escrita harmônica. É o caso dos acordes que se aproximam cromaticamente do acorde de resolução pelo movimento paralelo ascendente ou descendente de suas vozes. Essa aproximação, feita pelo acorde que se situa exatamente meio tom acima ou meio tom abaixo do acorde de resolução é introduzida no discurso harmônico para reforçar os movimentos cadenciais. (PEREIRA, p. 51, 2011). 43 [AEM] [a.c.] VIIm bIIm7 Im9/5ª Gm Bbm7 Am9/E Im9/5ª Am9/E Im7 Am7 [AEM] bII7M Bb7M IIm7(b5, b13) Bm7(b5, b13) Im9/5ª Am9/E Im7(9, 11) Am7(9,11) Im7(9, 11) Am7(9, 11) V7(b13, b9) E7(b13, b9) VII(sus4) bVI7M G(sus4) F7M Im9/5ª Am9/E [AEM] [a.c.] bVIIm bIIm7 Gm Bbm7 Gsus4/7ª bVI7M Gsus4/7ª F7M Exemplo 23: “Samba Urbano” (compassos 50 ao 64). Entre os compassos 67 e 69, ex. 24, ocorre uma sequência de dominantes estendidos que se inicia no compasso 67 no acorde de C7(13) e que finaliza no acorde Eb7(9), classificado como bV7. Logo após ocorrem duas cadências interrompidas consecutivas no seguinte encadeamento: Eb7(9) – Bb7(#11) – E7(b13) analisado como [bV7(9) – bII7(#11) – V7(b13)]. Podemos analisar os arpejos de Eb7(9) e Bb7(#11) como dominantes sem função dominante.33 Somente após este encadeamento de dominantes estendidos seguido de acordes dominantes sem função dominante é que ocorre uma cadência perfeita: E7(b13) – Am, com a análise: [V7(b13) – Im], retorna-se novamente ao centro tonal da peça. V7(13) C7(13) V7(9) F7(9) V7(#11) V7(9) bV7(9) bII7(#11) V7(b13) Im F7(#11) Bb7(9) Eb7(9) Bb7(#11) E7(b13) Am Exemplo 24: “Samba Urbano” (compassos 67 ao 69). 33 (GUEST, 2006, v. 2, p. 20) 44 9.3 Influência da música erudita e do jazz. Quanto ao aspecto harmônico, entre os compassos 28 e 30, ex. 25, observa-se o movimento paralelo das vozes internas que compõem os acordes C7/G, G#7(#11)34 e C7(#11), sendo sobrepostas no acorde C7/G três vozes com as seguintes notas: Mi, Sib e Dó. O movimento paralelo se apresenta como um recurso idiomático do violão, conforme mostra a figura abaixo: Exemplo 25: “Samba Urbano” (compassos 25 ao 32). Nota-se no ex. 25 que as vozes internas do acorde de C7/G, Mi, Sib e Dó, ao se deslocarem em movimento paralelo um tom acima passam a apresentar as notas Fa#, Si# (Dó) e Ré, que formam o acorde G#7(#11), e logo em seguida, dois tons acima, também por movimento paralelo, as notas Sib, Mi e Fa#, que formam o acorde C7(#11). Estas notas acabam por se apresentarem como pertencentes a escala hexatônica 35 de tons inteiros, formada pelas seguintes notas: Mi, Fá#, Sol#, Lá#, Dó e Ré. 34 Estes acordes dominantes que apresentam a nota #11, podem ser analisados também como 7(b5). Segundo Pereira, a maneira de cifrar este tipo de dominante alterada é uma convenção prática adotada pelos músicos para cifrar acordes mais complexos de uma maneira simplificada. Essa é uma prática frequente e mostra como a cifra alfanumérica pode ser imprecisa quanto à funcionalidade dos acordes e à distribuição das vozes nas estruturas mais complexas. Por esse motivo, a cifra de acordes deve ser adotada e compreendida como um meio eficaz de comunicação harmônica, mas também como um recurso extremamente limitado (PEREIRA, 2011, v.1, p. 102). 35 Vide (PEREIRA, 2011, v. 3, p. 80). 45 C7/G G#7(#11) C7(#11) III VII Figura 2: Apresentação do paralelismo ocorrente nos três acordes entre os compassos 28, 29 e 30 de “Samba Urbano”. No ex. 26, nos compassos, 33 e 34, observamos através dos desenhos gráficos dos acordes no braço do violão, que novamente o compositor utiliza-se do artificio do paralelismo como recurso composicional. Temos neste trecho uma sequência de acordes formados por tríades maiores cuja as fundamentais movimentam pelo ciclo das quintas, consubstanciandose uma suspenção do movimento harmônico. Podemos dizer que estes acordes com seus fragmentos melódicos presente na voz superior se encontram em função do paralelismo. Observamos que ocorre o movimento paralelo da forma dos acordes em dois sentidos, no diagonal e no vertical. IX VIII VII VI VI IV IV Exemplo 26: “Samba Urbano” (compassos 33 e 34). No ex. 27, sobre o aspecto harmônico, observamos dois tipos de relação entre as quartas sobrepostas, o primeiro tipo ocorre entre os três primeiros acordes, G7(13, 9)/F, Em7(11) e Dm7(11), dentre os quais o compositor sobrepõe as quartas respeitando-se as notas da escala Lá Menor natural, ou seja, a partir das notas diatônicas da escala. O segundo tipo de sobreposição de quartas ocorre entre os acordes, Em7(11), Dm7(11), C#m7(11), Bm7(11) e Bm7(4,b13) entre os quais o compositor sobrepõe as quartas repetindo-se a mesma disposição 46 dos dedos no braço do violão, configura-se o recurso técnico do paralelismo no sentido horizontal. V IV III Exemplo 27: “Samba Urbano” (compassos 45 ao 49). No ex. 28, observamos entre os compassos 64 e 66 a recorrência do paralelismo que ocorre sobre a movimentação das vozes no sentido ascendente, as vozes estão dispostas em três notas que formam tríades perfeitas maiores formados por: tônica, terça e quinta justa. Bb, Db, V7/bIII bIII G C Exemplo 28: “Samba Urbano” (compassos 60 ao 66). Gb, Ab 47 Observa-se no ex. 29 que ocorre movimento da mesma forma do acorde no sentido horizontal e vertical. No compasso 64 encontramos a seguinte sequência de acordes: Bb, Db, Gb e Ab: IV Bb Db Gb Ab IV VI Exemplo 29: “Samba Urbano” (compassos 63 e 64). No compasso 65, ex. 30, observa-se os acordes G e C que também se apresentam em tríades perfeitas maiores em movimento paralelo ascendente. V G X C Exemplo 30: “Samba Urbano” (compasso 65). Observamos no ex. 31 uma seção que apresenta um contraste estilístico comparando-se ao restante da peça. Este contraste se da através da mudança de caráter da peça, que até então se apresentava com estruturas rítmicas de influência do choro tradicional e do samba com uso de síncopes e notas de curta duração, recorrência de notas em parte fracas de tempo e no contratempo. Nesta seção, ex. 31, encontramos um caráter lento e expressivo, 48 notas melódicas de maior duração que se encontram em cabeça de tempo, acontece também uma mudança de andamento descrito na partitura, bem como de intensidade sonora, de forte para pp. Encontramos nesta seção, ex. 31, dois trechos composto por fórmulas de compasso que se alternam, o primeiro delineado por estruturação de semifrases escrito em compasso composto 15/8, usado como um artificio para possibilitar a expansão da frase, uma vez que esta expansão ocorre pelo aumento do compasso, entre os compassos 89 – 92, e novamente entre os compassos 97 – 100. Este trecho apresenta uma estrutura composicional de melodia acompanhada, o acompanhamento ocorre em forma de arpejo nas cordas mais agudas e junto ao acompanhamento ocorre a melodia no baixo (neste caso, na região de registro médio, quarta e terceira cordas do violão). Há também na partitura a descrição cantabile, indicando a realização da melodia com o baixo em destaque. Observamos que predomina nesta melodia acompanhada, uma harmonia de caráter tonal, com arpejos pertencentes ao campo harmônico de Lá menor, com o encadeamento Am – Dm7 – G7 – C7M, [Im – IVm7 – V7/bIII – bIII7M], encontrado na “Árvore Harmônica”36, com a presença da modulação típica para o relativo maior. O segundo trecho ocorre entre os compassos 93 - 96 e novamente entre os compassos 101 – 106. Desenvolve-se sobre a fórmula de compasso 12/8, e nele encontramos maior movimentação das notas do baixo, que se movimentam por semínimas consecutivas, sem uma estruturação formal por semifrases. Encontramos neste trecho momentos em que a harmonia apresenta caráter modal devido a presença de arpejos de empréstimo modal, tais como: o arpejo de Gm7, no compasso 95, advindo do sétimo grau de Lá frígio, bem como o arpejo de F#m7(b5), compasso 103, advindo do sexto grau de Lá menor melódico. Encontramos também o arpejo de Db, no compasso 96, sem função tonal definida, não sendo possível classifica-lo como AEM, e Db7, também no compasso 96, um arpejo dominante sem função dominante. Portanto observamos nesta seção uma alternância entre a harmonia tonal e modal. 36 Vide pag. 22 (fundamentação teoria). 49 Im Am IIm9 Dm9 Semifrase Semifrase V7/bIII G7 Semifrase bVI7M F7M III Db Vm7 Em7 Semifrase III7 Db7 bVI7M F7M Semifrase Vm7 Em7 VIm7 Em7 bVIIm7 [AEM] Gm7 Vm Em bVI7M F7M Semifrase Semifrase bIII7M C7M Semifrase bVI7M F7M VIm7(b5) F#m7(b5) Vm7(11) Em7(11) Exemplo 31: Seção “C”, compassos 89 ao 106 IVm7 Dm7 Vm7 Em7 50 Em entrevista37 Marco Pereira diz ter ouvido muita música de tango desde sua infância e que é um grande admirador do gênero musical argentino. Dentre os violonistas argentinos intérpretes de tango que o influenciaram, ele citou Cacho Tirao, que conheceu no período que morou em Paris. Cacho Tirao gravou e interpretou ao violão um extenso repertório composto por Astor Piazzolla (1921-1992). O contraste desta seção, ex. 31, de caráter lento e expressivo, diferentemente do restante da obra, de caráter ritmado com andamento rápido, se apresenta de modo semelhante à estrutura formal de grande parte do repertório de tango escrito pelo compositor argentino Astor Piazzolla, no qual é recorrente este tipo de alternância entre o caráter ritmado e rápido, com trechos com caráter lento e cantabile. Podemos citar como exemplo desta indicação de mudança de caráter na obra “Estações Porteñas” de Astor Piazzolla, apresentamos um trecho de um de seus movimentos, “Primavera Porteña”, ex. 32, extraído da transcrição para violão solo feita pelo violonista Sérgio Assad (1952). Exemplo 32: Astor Piazzolla - “Primavera Porteña”, transcrição Sergio Assad, compassos 46 – 54, no compasso 50 se percebe a mudança de caráter da obra. 9.4 Influência de Baden Powell. Apresentamos abaixo a Coda final, ex. 33, de “Samba Urbano”, neste trecho observamos acordes em quartas, recurso idiomático do violão, sequência de acordes por paralelismo, bem como a influência do aspecto rítmico de Baden Powell, a partir de acordes de quatro notas nas cordas primas em semicolcheias tocados através da técnica de “rasgueado”. 37 Entrevista em 14/12/2010, em sua residência no Rio de Janeiro. 51 Marco Pereira diz ter tido esta influência rítmica vinda de Baden Powell a qual foi identificada em “Samba Urbano” na Coda final: “Com relação à influência do Baden Powell no meu jeito de tocar e compor (especialmente os “sambas”) posso lhe dizer que é total. O Baden foi a maior influência do violão brasileiro na minha geração e, com relação aos “rasgueados”, também foi o nosso mestre. Como acho que nunca consegui fazer exatamente do jeito que ele fazia, acabei por desenvolver uma maneira pessoal de fazê-lo. É bom lembrar que a tradução do ritmo de samba para o violão se dá com base nos três principais elementos desse ritmo: pandeiro, surdo e tamborim. Existe um quarto elemento, quando o samba é mais rápido, que se baseia nos desenhos rítmicos da caixa e dos repiques. É exatamente nesse caso que os 'rasgueados' entram na “levada” 38 (PEREIRA, correspondência eletrônica, 04/03/2012). Exemplo 33: “Samba urbano”, Coda final. 38 (Resposta de Marco Pereira via correspondência eletrônica, no dia 04/03/2012, sobre a seguinte pergunta: “Com relação a Coda final de “Samba Urbano”, você considera a influência de Baden Powell quanto ao aspecto rítmico e quanto aos rasgueados”. 52 Como exemplo deste tipo influência técnica interpretativa de Baden Powell quanto ao uso de “ragueios”39, apresentamos no ex. 34 um trecho de uma transcrição da música “Candomblé” de Baden Powell. Exemplo 34: Apresentação do uso do “ragueio” no Afrosamba, “Candomblé”, de Baden Powell, compasso 9 40 ao 20 , Baden Powell no CD “A vontade” de 1963 lançado pela gravadora Elenco. Transcrição Julio Lemos. Quanto ao uso dos acordes por quartas Marco Pereira faz o seguinte comentário: “Sobre os acordes por quartas, devo dizer que foi uma certa “onda modal” que invadiu a música brasileira “instrumental” durante os anos 60. A influência veio diretamente da música europeia (Debussy, Ravel, Schoenberg, etc.) e indiretamente das correntes do “cool jazz” americano. Eu assimilei esse tipo de sonoridade e acabei inserindo em algumas de minhas composições. Devo lembrá-lo que isso foi um processo natural. Eu não “pensei” pra colocar esse tipo de acorde nas minhas músicas. Eles foram utilizados a partir de ideias musicais que ecoavam dentro da minha cabeça” (PEREIRA, correspondência eletrônica, 04/03/2012) Observamos em “Samba Urbano”, ex. 35, a presença de um ritmo “três contra dois”, uma quiáltera de três notas em dois tempos. Exemplo 35: “Samba Urbano”, compassos 33 e 34. 39 Utilizamos a representação por setas para indicar o sentido de ataque do dedo, a indicação do dedo usado para reprodução deste ataque se encontra acima da seta sobre o acorde, os dedos (a, m, i). Quanto ao acorde tocado de forma “pinçada” apresentamos as letras sobrepostas umas às outras. 53 Encontramos esta estrutura rítmica apresentada de forma recorrente no Afrosamba de Baden Powell, “Candomblé”, ex. 36. Portanto apresentamos mais uma possível influência do aspecto rítmico de Baden Powell presente no estilo composicional de Marco Pereira. Exemplo 36: Baden Powell – “Candomblé”. Compasso 1 se inicia no tempo 1’16” da gravação de interpretação do próprio Baden Powell no disco “À Vontade” – gravadora Elenco 1963. Transcrição Julio Lemos. 10. CONSIDERAÇÕES FINAIS. A partir dos exemplos apresentados podemos constatar que a obra de Marco Pereira apresenta aspectos melódicos, harmônicos e rítmicos considerados pela comunidade do choro como tradicionais e não-tradicionais. Quanto a estrutura rítmica, observa-se a utilização dos padrões rítmicos tradicionais da música brasileira, com células rítmicas do samba e do choro tradicional, como a constante presença da síncope. Quanto ao aspecto melódico, observa-se que o compositor utiliza escalas consideradas modernas pela comunidade do choro. Marco Pereira utiliza escalas modais e simétricas com notas de tensões como a quarta aumentada, a décima terceira maior, décima terceira menor e a segunda menor. As escalas modais por ele utilizadas são advindas da sua ligação com o jazz, estilo musical em que o compositor teve intenso contato quando residiu na França entre os anos 1974 e 1979, prosseguindo o seu estudo ao voltar para o Brasil. 54 Quanto ao aspecto harmônico, a presença de dissonâncias é algo recorrente em quase todos os acordes analisados em “Samba Urbano”. Podemos constatar que o compositor emprega encadeamentos recorrentes em harmonias tonais consideradas simples. Tais encadeamentos podem ser representados através da “Árvore Harmônica” desenvolvida por Soares (2007). Foi possível observar também em Samba Urbano encadeamentos considerados modernos pela comunidade do choro como a utilização de dominante sem função dominante e utilização de dominantes estendidos, harmonias advindas do paralelismo e uso de harmonias modais. Observamos que o estilo composicional de Marco Pereira presente na obra “Samba Urbano” possui uma ligação intrínseca com sua atuação violonística, ou seja, verificamos diferentes influências advindas de diferentes fontes e estilos musicais sobre os quais o compositor teve contato durante a sua trajetória musical como performer. Observamos a influência da música erudita para violão através da presença de elementos advindos da influência de Villa Lobos e Leo Brouwer, tal como o a suspensão do campo harmônico a partir do uso do recurso idiomático do paralelismo. A partir da audição da obra, percebe-se um alto grau de excelência interpretativa caracterizada pela clareza dos sons apresentados, equilíbrio das vozes em momentos polifônicos, advindos com por sua formação como violonista erudito tendo aulas com Isaías Sávio em São Paulo, outro elemento característico da sua influência erudita são as indicações de elementos interpretativos tais como andamento, intensidade, caráter de expressão, que são características indicativas geralmente encontradas em partituras de música erudita para violão, merece ainda destaque termos italianos como, “cantábile” e “lo stesso tempo”. A influência do jazz se encontra presente a partir do “Cool Jazz” e do “Beb-bop” segundo o próprio compositor, foi influenciado principalmente pelos Jazzistas Charlie Parker (1920-1955) e John Coltrane (1926-1967), a partir do uso de elementos característicos do gênero tais como: acordes por quartas, escalas alteradas, de tons inteiros e uso intensivo de acordes alterados. Observamos também em “Samba Urbano” a evidencia de elementos da música popular brasileira, aspectos rítmicos e harmônicos recorrentes no choro tradicional e no samba, bem como uma influência do violonista Baden Powell especialmente quanto aspecto rítmico e quanto ao uso da técnica de mão direita do rasgueado. A partir da audição da interpretação do próprio compositor Marco Pereira da obra “Samba Urbano” observamos alguns aspectos que corroboraram para a definição de elementos presentes na obra. A partitura por si só não define exatamente as características sonoras apresentadas na interpretação da obra, observamos por exemplo que em alguns 55 compassos notas escritas em semicolcheia na realidade tinham duração maior do que a escrita perdurando até o final do compasso em que se encontravam, este prolongamento do som acabava por evidenciar notas consideradas “notas características” de algum modo em questão, como foi o caso do modo lídio41. Outro elemento perceptível a partir da audição da obra, comparando-se com a escrita da partitura, foi a duração dos sons de algumas notas, principalmente as semicolcheias, que na gravação apresentam uma duração menor do que a semicolcheia propriamente escrita na partitura. Este tipo de sonoridade, abafada, chamada também por “nota fantasma” 42 , ou mesmo “nota percussiva”, é característica do acompanhamento rítmico-harmônico presente no violão de samba, choro, bossa-nova e de outros estilos da música popular brasileira. Observamos que Marco Pereira a partir deste conjunto de influências diversas apresenta em “Samba Urbano” elementos composicionais que se enquadram no processo histórico do violão solo popular brasileiro, que se iniciou no final do século XX a partir de violonistas representativos tais como, João Pernambuco, Américo Jacomino, Dilermando Reis, Garoto, Laurindo de Almeida, Baden Powell, Rafael Rabelo 43 , Paulinho Nogueira, e atualmente: Guinga, Paulo Belinati, Yamandú Costa, Rogério Caetano, Zé Paulo Becker, Marcelo Gonsalves e Marcus Tardelli, estes dois últimos pela sua evidência na atuação como performer 44 do violão solo popular brasileiro. Bem como pelos compositores Radamés Gnattali e Villa Lobos que apesar de não terem exercido um trabalho de performance ao violão solo, compuseram obras representativas para o mesmo. A partir da década de 1940, ocorreram as primeiras transformações sobre o estilo composicional apresentado ao violão solo na música popular brasileira, a partir principalmente do jazz, tendo como maior representante destas transformações no repertório para violão solo, Garoto e junto a ele, quanto à composições para diversas formações instrumentais bem como para violão solo, o compositor e arranjador Radamés Ganattali. Observamos que “Samba Urbano” apresenta elementos significativos semelhantes aos presentes nas obras de Garoto e Radamés Gnattali, considerados modernos pela comunidade do choro, portanto consideramos que Marco Pereira pode ser enquadrado como um compositor representativo da música popular brasileira contemporânea dando seguimento à 41 Vide p. 42 (Análise). Podemos encontrar uma apresentação e definição das “notas fantasmas” em (FABRIS, Bernardo; BORÉM Fausto, 2006). 43 Rafael Rabelo se consagrou como um dos representantes do violão solo mais pela sua evidência como performer do que compositor, apesar de também ter composto algumas músicas para violão solo. 44 Marcus Tardelli gravou o disco “Unha e Carne” com interpretações de música para violão solo do compositor Guinga, que lhe rendeu o “PRÊMIO TIM 2007”, revelação da música brasileira. 42 56 este processo histórico de produção composicional e de atuação performática típico do violão solo popular brasileiro. REFERÊNCIAS: ANDRADE, Mário de. Pequena história da música. São Paulo: Martins Editora, 1958. ______. Dicionário musical brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia, 1989. ANTONIO, Irati; PEREIRA, Regina. Garoto, sinal dos tempos. Rio de Janeiro: Funarte, 1982. ALMADA, Carlos. A estrutura do choro. Rio de Janeiro: Editora Da Fonseca, 2006. BASTOS, Marina; PIEDADE, Acácio. 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ANEXO Tabela de abreviações Ex. Exemplo Tab. Tabela Fig. Figura CT Choro Tradicional CNT Choro não tradicional nc. Nota característica ac. Aproximação cromática AEM Acorde de empréstimo modal 59 Para Neyde Samba Urbano 1980 Presto q = 138 2 V4 guitar Ó ƒ œ > 5 œœ V œœ ! œ œ bœ > œ > bœ > Œ œ œ bœ œœ œœ œ œ œ œ œ œ ‰ œ œ œ œœ œœ œœ œœ œ œ œœ b b œœ œ œ œœ œ œ ˙ ˙ œ > > >> 10 > 0 0 15 20 25 30 Œ · ˙ ˙ V ˙˙˙ V > > Harm. Nat. V b œ # # œœ œ .. > œ œœœ œœœ œœœ œ. œ œ > œœ n œœ œœ ˙˙ œ œ œ ˙ œ ˙ R > œ V œœ b œœ ˙ œœ ˙˙˙ œ œ œ œ œœ œœ œœ œ. œ œ # œœ œ œ œ œ œ œ œ œ 3 VII 3 œ œ œ cresc. > ƒ b œ .. œ œœœ œ .. 0 Œ > œœœ œœœ œœ ˙˙ œ ˙ œ ˙ R œœ œœ œœ œœ œ œ · > œ œœ meno > Harm. Artif. 0 · > ˙ ˙ œœ œœ œ œ · œ n œœœ œ œ R Harm. Artif. œœ œœ œœ ˙˙ œ œ œ ˙ œ ˙ R > bœ Œ III b ˙˙ # œœœ b œ œ. œ. 3 35 œ b œœ ˙ œ œ œ œœœ œœœ œ bœ œ .. œ œ .. R ˙ ˙ cresc. # œœ œœ œœ œœ œ. III ˙ V ˙ > > œœ œ V V dim. > · · P · · ¿¿ ! b œœœ ¿¿ œ ¿¿ 1) œœ # œœ V œ œ bœ bœ œ œ ! 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