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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ ESCOLA DE DIREITO CURSO DE DIREITO O SUPERENDIVIDAMENTO BANCÁRIO NA ERA DAS FINTECHS1 Cecília Franco Vieira de Oliveira. CURITIBA 2020 1 Artigo Científico apresentado no Grupo de Pesquisa Consumo e Sociedade Tecnológica, vinculado ao Projeto de Pesquisa Análise Crítica do Direito das Relações de Consumo, Tecnologia e o Desenvolvimento Socioambiental, e à linha de pesquisa Novos Desafios da Sociedade de Consumo e Tecnológica, da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito para aprovação na disciplina de TCC II, sob a orientação da Professora Maristela Denise Marques de Souza. TERMO DE APROVAÇÃO CECÍLIA FRANCO VIEIRA DE OLIVEIRA O SUPERENDIVIDAMENTO BANCÁRIO NA ERA DAS FINTECHS Artigo científico aprovado como requisito parcial para obtenção de aprovação na disciplina de TCC2, pela seguinte banca examinadora: Orientador: Maristela Denise Marques de Souza. Membros: _________________________________________ Professor _________________________________________ Professor Curitiba, 11 de novembro de 2020. 2 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Radar FintechLab – Agosto de 2020...................................................................... 16 3 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Tipos de Fintechs ................................................................................................ 23 Gráfico 2: A fintech oferece crédito a consumidores pessoa física? ...................................... 23 Gráfico 3: Modalidades de crédito oferecidas ....................................................................... 24 Gráfico 4: Existe informação clara quanto a existência de taxas e/ou tarifas? ....................... 24 Gráfico 5: Existe informação clara sobre termos de uso? ...................................................... 25 Gráfico 6: Existe informação clara sobre os contratos ofertados? ......................................... 25 Gráfico 7: Existe informação clara sobre renegociação das dívidas com a fintech? ............... 26 4 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art Artigo BCB Banco Central do Brasil CC Código Civil Brasileiro (Lei de n.º 10.406/2002) CDC Código de Defesa do Consumidor (Lei de n.º 8.078/1990) CMN Conselho Monetário Nacional Inc Inciso n.º Número PL Projeto de Lei PLS Projeto de Lei no Senado SCD Sociedade de Crédito Direto SEP Sociedade de Empréstimos entre Pessoas 5 SUMÁRIO RESUMO ............................................................................................................................. 7 ABSTRACT ......................................................................................................................... 8 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 9 2. ASPECTOS PRINCIPAIS DO SUPERENDIVIDAMENTO ...................................... 11 2.1. CONCEITO E AS SUAS DELIMITAÇÕES ............................................................. 11 2.2. EFEITOS DO SUPERENDIVIDAMENTO COMO FENÔMENO DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ...................................................................................................... 13 2.3. MECANISMOS EXTRAJUDICIAIS PARA RESOLUÇÃO DO CONFLITO .......... 14 3. FINTECHS E SUPERENDIVIDAMENTO BANCÁRIO ............................................ 17 3.1. FINTECHS COMO NOVOS PLAYERS DO MERCADO FINANCEIRO ................. 17 3.2. A FACILITAÇÃO DE CRÉDITOS E O PROBLEMA DO SUPERENDIVIDAMENTO ............................................................................................ 19 4. PROJEÇÕES SOBRE A RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDAS PELAS FINTECHS ..... 21 4.1. PARÂMETROS UTILIZADOS ................................................................................ 21 4.2. RESULTADOS OBTIDOS ....................................................................................... 22 4.3. RESSOCIALIZAÇÃO DO SUPERENDIVIDADO NO MERCADO DE CONSUMO ........................................................................................................................................ 26 5. NOTAS CONCLUSIVAS .............................................................................................. 28 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 29 6 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo estabelecer um panorama entre o superendividamento do consumidor e o desenvolvimento das fintechs como novos players do mercado financeiro, o que favoreceu a oferta de créditos mais baratos e menos burocráticos a pessoas física. Isso porque, como fenômeno da sociedade contemporânea, o superendividamento afeta a dignidade e o suprimento do mínimo vital do indivíduo, de forma que a formulação de políticas públicas para a prevenção e tratamento de casos de superendividados deve ser cada vez mais incentivada. Ao mesmo tempo, deve-se verificar como a falta de regulamentações acerca das fintechs pelos órgãos públicos, impactam na falta de informações claras ao consumidor, parte manifestamente vulnerável na relação de crédito. Em pesquisa empírica realizada com fintechs de concessão de crédito, verificou-se um número baixo de instituições que apresentavam informações básicas, como os termos de uso, cláusulas contratuais ou taxas e tarifas praticadas. No tocante a mecanismos de fomento à repactuação, ainda, observou-se que apenas 4 (quatro) instituições verificadas disponibilizam plataformas de renegociação de dívidas. Dessa forma, concluiu-se as fintechs constituem ferramenta essencial para a democratização do crédito bancário, no entanto, carecem de regulamentações e políticas públicas claras preventivas ao superendividamento, evitando a judicialização de feitos desta natureza e a exclusão do devedor no mercado de consumo. Palavras-chave: Superendividamento. Direito do Consumidor. Fintechs. Renegociação de dívidas. 7 ABSTRACT This research aims to establish an overlook between consumer over-indebtedness and the development of fintechs as new players in the financial market, which favored the offer of cheaper and less bureaucratic credits to individuals. This is because, as a phenomenon in contemporary society, over-indebtedness affects the dignity and supply of the consumer's vital minimum, so that the formulation of public policies for the prevention and treatment of cases of over-indebtedness must be increasingly encouraged. At the same time, it should be noted how the lack of regulations about fintechs by public agencies impact on the lack of clear information to the consumer, a clearly vulnerable part of the credit relationship. In an empirical research carried out with credit granting fintechs, there was a low number of institutions that presented basic information, such as terms of use, contractual clauses or practiced rates and fees. With regard to mechanisms to encourage renegotiation, it was also observed that only 4 (four) verified institutions provide debt renegotiation platforms. Thus, it was concluded that the fintechs are an essential tool for the democratization of bank credit, however, they require clear regulations and public policies to prevent over-indebtedness, avoiding the judicialization of deeds of this nature and the exclusion of the debtor in the consumer market. Keywords: Over-indebtedness. Consumer Law. Fintechs. Renegotiation. 8 1. INTRODUÇÃO Com o advento da evolução tecnológica na sociedade de consumo, o Direito do Consumidor sofreu inúmeras alterações a partir da última década, com vistas a regulamentar as práticas comerciais relativas ao fornecimento de produtos e serviços no meio eletrônico, especialmente no tocante à vulnerabilidade do consumidor brasileiro diante de um mercado cada vez mais globalizado e personalizado aos interesses de cada consumidor. Em meio a tal panorama, o Direito do Consumidor perante o mercado de créditos assume uma importância ainda maior. Se de um lado as relações entre banco e cliente se tornaram cada vez mais simplificadas, por outro, as movimentações financeiras tornam-se cada vez mais complexas, e tal mercado se estrutura ainda mais na confiança mútua entre o fornecedor e o consumidor2. Neste contexto, o surgimento das fintechs, instituições financeiras voltadas ao uso intensivo de tecnologia e exploração de novos modelos de negócios3, como novos players do setor financeiro, torna-se objeto de análise, impulsionados pelo intenso aprimoramento tecnológico, e pela possibilidade de desburocratização do sistema bancário até então existente no mercado de consumo brasileiro. Ora, as fintechs assumem um papel de grande relevância aos consumidores, cuja autonomia no exercício bancário pode se tornar uma aliada contra práticas e tarifas abusivas já conhecidas do setor. Na contramão, ganha destaque a categoria de consumidores superendividados, assim compreendidos como o consumidor pessoa física, leigo e de boa-fé e que, por motivos diversos, detém tamanha inadimplência sobre tais créditos que resulta na impossibilidade global de pagar todas as suas dívidas, atuais e futuras de consumo4. Neste meio, a rápida disseminação dos serviços prestados pelas fintechs carece de análise a partir da vulnerabilidade do consumidor leigo nesse meio, cujos fatores externos, 2 MARQUES, Claudia Lima. Algumas perguntas e respostas sobre prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores pessoas físicas. Revista dos Tribunais: Doutrinas Essenciais de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 2, p. 1-22, abr. 2011. Disponível em: https://www.revistadostribunais.com.br. Acesso em: 21 abr. 2020. p. 10. 3 MELLO, Marcus Vinícius Ramon Soares de. Fintechs: conceito, espécies e discussões relevantes. Revista dos Tribunais: Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 85, n. 1, p. 1-21, set. 2019. Disponível em: https://www.revistadostribunais.com.br/. Acesso em: 29 set. 2020. p. 04. 4 BRASIL. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Fintechs. 2019. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/fintechs. Acesso em: 23 mar. 2020. 9 aliados ao desconhecimento ou mal-uso das ferramentas ofertadas pelas fintechs, podem resultar em um superendividamento deste, ou ainda agravá-lo, se preexistente. Uma possível solução diante de tal cenário está na oportunização de ferramentas de renegociação da dívida contraída, por vezes disponibilizados pela própria fintech de crédito, ou nos projetos de Tratamento ao Superendividamento do Consumidor, implementados pelos Tribunais de Justiça dos Estados do Rio Grande do Sul e do Paraná, dentre outros, os quais colocam o consumidor como sujeito central da negociação, assim como atuam na prevenção e ressocialização deste no mercado de consumo, com o devido respeito às normas de Defesa do Consumidor. Diante disso, a presente pesquisa é destinada a avaliar o impacto causado pelas Fintechs como novos agentes do mercado financeiro perante o consumidor superendividado, assim como, a possibilidade de ressocialização deste no mercado de consumo. Tal iniciativa se justifica a partir das recentes medidas em análise pelos órgãos financeiros nacionais, com ênfase no Banco Central do Brasil, acerca do aprimoramento da legislação vigente, com vistas no desenvolvimento das fintechs no mercado de consumo brasileiro. Diante do exposto, retira-se a hipótese de que a facilitação da concessão de créditos por meio do desenvolvimento das fintechs pode evitar o superendividamento dos consumidores, desde que a proteção à sua vulnerabilidade seja combatida com a implantação de medidas legais adequadas ao meio digital. Assim, o objetivo desta análise prática é verificar a regulamentação da concessão de créditos pelas fintechs e a capacidade de renegociação dos referidos créditos quando evidenciada a condição de superendividamento do consumidor. 10 2. ASPECTOS PRINCIPAIS DO SUPERENDIVIDAMENTO Em primeira ordem, importa estabelecer o conceito e aspectos primários do superendividamento, como forma de problematização do tema em estudo. 2.1. CONCEITO E AS SUAS DELIMITAÇÕES O superendividamento como conhecido no Brasil tem como base o “Code de la Consommation”5, oriundo da legislação francesa, que o define como a “impossibilidade manifesta para o devedor de boa-fé de honrar o conjunto de suas dívidas não profissionais, exigíveis e vincendas”6. No entanto a adaptação mais correta do termo para o sistema jurídico brasileiro pode ser trazida por Marques como “[...] a incapacidade global de o devedor pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo.”7 Do presente conceito retiram-se os critérios fundamentais para a definição de um caso de superendividamento no Brasil, quais sejam: (a) o devedor deve ser pessoa física, excluindo-se portanto todo tipo de pessoa jurídica, pública ou privada; (b) a dívida deve ter natureza consumerista, ou seja, deve enquadrar-se nas relações previstas pelos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), não sendo assim respaldadas as dívidas fiscais, trabalhistas, provenientes de delitos, ou mesmo, de relações civis não ligadas ao consumo (tampouco serão admitidas dívidas provenientes do exercício da sua profissão); (c) o consumidor deve ser leigo e de boa-fé, vale dizer, não será protegido pelas medidas legais, o consumidor que contraiu a dívida sem a intenção de pagá-la (neste caso, será este enquadrado como superendividado ativo consciente, como se verá a seguir); e finalmente 5 SCHMIDT NETO, André Perin. Superendividamento do consumidor: conceito, pressupostos e classificação: conceito, pressupostos e classificação. Revista dos Tribunais: Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 71, p. 01-18, set. 2009. Disponível em: https://www.revistadostribunais.com.br. Acesso em: 10 abr. 2020. p. 02. 6 Cf. SCHMIDT NETO, 2009, p. 02, onde a adaptação feita pelo autor, se refere ao Article L711-1 “La situation de surendettement est caractérisée par l'impossibilité manifeste de faire face à l'ensemble de ses dettes non professionnelles exigibles et à échoir.” 7 Ibid. p. 03. 11 (d) a incapacidade de quitação do débito deve ser global, afetando as dívidas atuais e futuras do consumidor, ou seja, deve ocorrer a afetação de tamanha parcela do patrimônio do devedor, que não seja possível garantir o seu mínimo vital. Não se trata de determinado valor propriamente dito, mas que o passivo do consumidor lhe seja superior ao ativo, comprometendo-lhe a dignidade8. Além dos critérios já apresentados, a doutrina ainda diferencia o superendividamento em suas modalidades ativa e passiva, de acordo com a participação do consumidor para o inadimplemento da dívida. Será ativo o devedor que contraiu a dívida sem a possibilidade de adimpli-la, o que o faz seja por ato consciente e doloso (de forma que o mesmo sabe que não poderá nem quitar, tampouco ser executado da dívida contraída), ou mesmo por impulso inconsciente, decorrente de uma “má gestão familiar” em que o indivíduo, ludibriado pela compra, não possui a capacidade de quitá-la posteriormente9. Por outro lado, há casos em que o devedor não pode honrar a dívida por fatos imprevisíveis e/ou alheios à sua vontade, assim considerados “acidentes da vida”, tais como divórcios, desempregos, crises econômicas, doenças ou quaisquer outros fatores que prejudiquem a sua condição financeira e social10. Tal condição, chamada de superendividamento passivo, acaba sendo muito mais frequente do que a modalidade ativa, como se observa do estudo elaborado por Marques no Estado do Rio Grande do Sul: os dados que levantamos nesta pesquisa piloto de 100 casos comprovam que os consumidores no Rio Grande do Sul não são 'endividados ativos', ou seja 'consumistas' que gastam compulsivamente mais do que ganham ou que não sabem administrar bem as possibilidades do cartão de crédito e as facilidades de auto-financiamento de hoje. Ao contrário, mais de 70% deles são superendividados passivos, que se endividaram em face de um 'acidente da vida', desemprego, morte de algum parente, divórcio, doença na família, nascimento de filhos, etc. (desemprego 36,2%, doença e acidentes 19,5%, divórcio 7,9%, morte 5,1% e outros, como nascimento de filhos, 9,4%)11. Neste sentido, observa-se a tendência do consumidor ao superendividamento quando a sua afetação de renda provém das áleas a que foi submetido, independentemente do exercício de sua vontade ou grau de instrução. No mercado de créditos bancários, a incidência da modalidade passiva de inadimplentes fica ainda mais evidente, em grande parte resultado de 8 Ibid., p. 04. Ibid., p. 06. 10 Ibid., p. 09. 11 MARQUES. 2007, p. 302. 9 12 práticas bancárias abusivas, como juros exorbitantes e campanhas publicitárias “pouco esclarecedoras”12 ao consumidor leigo. 2.2. EFEITOS DO SUPERENDIVIDAMENTO COMO FENÔMENO DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Uma vez superado o conceito e suas modalidades, cumpre ainda analisar as consequências do superendividamento tanto para o consumidor, quanto para a sociedade de consumo. Isto porque, ao contrário do consumidor endividado, que mantém um controle saudável com as suas dívidas de consumo, o superendividado tem afetada a sua subsistência atual e futura, sem capacidade para suprir o seu mínimo vital13. Dessa forma, a dignidade do consumidor passa a ser gravemente ameaçada, pois o mesmo perde toda a sua capacidade de consumo e gestão de seu patrimônio, além de ser inscrito em órgãos de restrição de futuros créditos14. Diante de tamanhos efeitos, é pouco provável que este consumidor venha a recuperar-se financeiramente sem o devido tratamento de seu caso. As consequências vão além, quando se observa a sociedade em geral. Segundo Amaral Júnior, o crédito possui função fundamental na atividade econômica, por se tratar de meio de acesso à aquisição de novos bens15. Ao mesmo tempo, não é do feitio do consumidor brasileiro guardar economias para eventuais emergências, de modo que a probabilidade de que o consumidor venha a necessitar de créditos instituídos a altas taxas e que se encontre impossibilitado de quitá-las só se agrava, tornando a inadimplência bancária um fenômeno social cada vez mais constante. 12 AMARAL JÚNIOR, Alberto do. As condições abusivas na concessão de crédito bancário. Revista dos Tribunais: Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, São Paulo, v. 7, p. 01-09, dez. 2010. Anual. DTR\2001\715. Disponível em: https://www.revistadostribunais.com.br. Acesso em: 16 abr. 2020. p. 05. 13 OLIVEIRA, Andressa Jarletti Gonçalves de. Crédito, inadimplência e a importância do PLS 283/2012 para prevenção e tratamento do superendividamento: crise econômica e soluções jurídicas: Crise Econômica e Soluções Jurídicas. Revista dos Tribunais: Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 57, p. 1-3, dez. 2015. Disponível em: https://www.revistadostribunais.com.br/. Acesso em: 09 abr. 2020. p. 01. 14 Ibid., p. 01. 15 AMARAL JÚNIOR. 2010. p. 05. 13 2.3. MECANISMOS EXTRAJUDICIAIS PARA RESOLUÇÃO DO CONFLITO Dentre os mecanismos extrajudiciaisi para resolução de conflitos que têm como enfoque o superendividamento do consumidor, deve-se destacar o Projeto de Lei de nº 3515/2015 (PLS 283/2012), que “Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção do superendividamento.”16 Sobre as medidas propostas pelo Projeto de Lei, algumas se destacam frente às instituições financeiras que propõem novos modelos de crédito ao consumidor. A Política Nacional das Relações de Consumo, prevista no artigo 4º do CDC, conterá ainda como prerrogativas o “fomento de ações visando à educação financeira e ambiental dos consumidores”, referente ao inc. IX, e a “prevenção e tratamento de superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor”, nos termos do inc. X17. Já, o artigo 6º do CDC trará como direitos básicos do consumidor, dentre outros, o inc. XI, que estabelece “a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e repactuação da dívida, entre outras medidas”. Sob tal garantia extrai-se a obrigação global de todas as partes da relação de consumo oferecer soluções para a prevenção e tratamento do superendividamento. Ainda, embora não se limitando a tal medida, cumpre destacar a redação do artigo 54B do CDC, a ser incluída pelo projeto: art. 54-B. No fornecimento de crédito e na venda a prazo, além das informações obrigatórias previstas no art. 52 e na legislação aplicável à matéria, o fornecedor ou o intermediário deverá informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre: I - o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem; II - a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento; III - o montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser no mínimo de 2 (dois) dias; IV - o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor; V - o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito. 16 BRASIL. Projeto de Lei nº 283, de 2012. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção do superendividamento. Brasília, DF, Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias//materia/106773. Acesso em: 08 set. 2020. 17 Ibid. 14 § 1º As informações referidas no art. 52 e no caput deste artigo devem constar de forma clara e resumida no próprio contrato, na fatura ou em instrumento apartado, de fácil acesso ao consumidor. [...] A importância da implementação de tal artigo sob o viés das novas instituições financeiras está em assegurar ao consumidor a verificação de todas as condições e termos pelos quais o crédito será adquirido, indiferentemente de se tratar de um banco tradicionalmente estruturado, ou um serviço de intermediação de empréstimos entre pessoas. Tais informações ainda deverão constar antes da contratação, de forma clara e de fácil acesso, garantindo a devida transparência em uma relação cada vez mesmo burocratizada. Outra medida adotada a partir da pesquisa empírica foi a criação do Projeto-Piloto “Tratamento ao Superendividamento do Consumidor” implementado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 2007, e posteriormente adotado por diversos outros Tribunais de Justiça do Brasil18. Trata-se de um mecanismo multidisciplinar e especializado na prevenção e tratamento de casos em que o consumidor superendividado analisa as suas dívidas e busca a renegociação com os fornecedores por meio de audiências de conciliação. Dos acordos resultantes destas audiências são emitidos títulos executivos judiciais, dos quais admite-se o cumprimento de sentença em caso de descumprimento. No Estado do Paraná, o projeto foi implementado em 2010 junto ao 1º Juizado Especial Cível de Curitiba e desde então tem contribuído significativamente para a realocação do devedor na sociedade de consumo, alcançando em apenas um ano um percentual de 74%, entre os 857 cadastros confirmados de consumidores19. Tal índice reflete no trabalho não somente de conciliadores para fins de renegociação das dívidas afetadas, como também a reeducação do consumidor por meio de equipe multidisciplinar20. 18 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Superendividamento do Consumidor: prática do tratamento das situações de superendividamento dos consumidores. Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/site/processos/conciliacao/superendividamento.html. Acesso em: 08 set. 2020. 19 BAUERMANN, Sandra. Tratamento do Superendividamento do Consumidor: projeto no Poder Judiciário do Paraná e conclusões de sua experiência. Bd Jur: Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, Curitiba, v. IV, n. 13, p. 49-57, mar. 2014. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/19883889.pdf. Acesso em: 24 set. 2020. p. 53. 20 PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Superendividamento. Disponível em: https://www.tjpr.jus.br/superendividamento. Acesso em: 09 set. 2020. 15 Figura 1: Radar FintechLab – Agosto de 2020. Fonte: FINTECHLAB (Brasil). Radar Fintechlab: Agosto-2020. 2020. Disponível em: https://fintechlab.com.br/. Acesso em: 12 set. 2020. 16 3. FINTECHS E SUPERENDIVIDAMENTO BANCÁRIO Diante do contexto exposto, as fintechs (Financial Technologies) assumem papel de suma importância no mercado de créditos ao consumidor, propondo créditos mais baratos e menos burocráticos em comparação ao mercado até então existente. Entretanto, tais opções podem agravar a vulnerabilidade do consumidor em situação de risco, como se explicará no presente capítulo. 3.1. FINTECHS COMO NOVOS PLAYERS DO MERCADO FINANCEIRO O termo fintech é definido pelo Banco Central do Brasil nos seguintes termos: [...] empresas que introduzem inovações nos mercados financeiros por meio do uso intenso de tecnologias, com potencial de criar novos modelos de negócios. Atuam por meio de plataformas online e oferecem serviços digitais inovadores relacionados ao setor21. No entanto, o termo vem sendo empregado de diversas formas desde o seu princípio em 1972. Segundo Fernanda Yumi Katori, as fintechs compunham inicialmente as tecnologias de “modernização dos sistemas da àrea financeira” 22 . Somente a partir de 2008, as fintechs passaram a ser compreendidas como novas instituições focadas no desenvolvimento de soluções disruptivas às oferecidas pelo sistema financeiro até então existente23. As fintechs se caracterizaram por preencher um nicho no mercado financeiro até então pouco explorado, de personalização e redução dos custos despendidos pelo consumidor em sua experiência bancária, favorecendo o acesso dos consumidores mais leigos a este meio24. No Brasil, o Conselho Monetário Nacional - CMN passou a regulamentar efetivamente estas instituições somente a partir de 2018, a partir da edição da Resolução 4.656 25, sem desconsiderar, no entanto, aquelas previamente habilitadas como correspondentes bancários26. 21 BRASIL. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Fintechs. 2019. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/fintechs. Acesso em: 23 mar. 2020. 22 KATORI, Fernanda Yumi. Impactos das Fintechs e do Blockchain no sistema financeiro: uma análise crítico-reflexiva. 2017. 33 f. TCC (Graduação) - Curso de Ciências Contábeis, Universidade de Brasília, Brasília, 2017. Disponível em: https://bdm.unb.br/handle/10483/19517. Acesso em: 23 mar. 2020. p. 13. 23 Ibid., p. 14. 24 Ibid., p. 14. 25 BRASIL. 2019. 26 KATORI. 2017. p. 23. 17 Igualmente interessado na abertura de mercado proporcionada por tais instituições, o Banco Central do Brasil tem realizado diversas consultas públicas voltadas na regulamentação de fintechs e ampliação da concorrência entre os players do mercado financeiro27, com destaque para os Editais 55/2017, 57/2017 e 73/2019, admitindo duas formas de concessão de crédito ao consumidor, a Sociedades de Créditos Direto - SCD e Sociedades de Empréstimos entre Pessoas – SEP. Trata-se assim de instituições financeiras que cumprem as mais diversas funções no mercado financeiro. Conforme defendido por Najjarian, apud, Mello28, não se pode confundir as fintechs como sinônimos de bancos, ainda que algumas venham a ser classificadas como bancos digitais. Cumpre portanto especificá-las conforme sua natureza e serviço prestado. A primeira espécie apresentada por Mello é a fintech de empréstimos29, às quais comumente são constituídas de correspondentes bancários vinculados a instituições financeiras autorizadas à concessão de empréstimos bancários. Portanto, trata-se de contratos de mútuo nos termos do artigo 586 e seguintes do Código Civil. Há igualmente a espécie de fintechs de financiamento30, ou seja, cuja finalidade do crédito é destinada ao propósito específico financiado, e portanto, assemelhadas a fintechs de crédito propriamente dito, voltadas ao consumo. Em se tratado de fintechs voltadas para pagamentos31, estas visam tão somente a facilitação das transações financeiras, não sendo necessária, assim, o fornecimento de créditos de qualquer espécie ao consumidor. Assim como, as fintechs de seguro e gestão financeira possuem finalidades próprias que não necessariamente o fornecimento de créditos, muito embora eventualmente, venham a ofertar este tipo de serviço. Por fim, dentre as instituições voltadas à pessoa física, cabe destacar as fintechs de negociação de dívidas, que atuam tão somente como “intermediárias” de outras empresas e setores privados junto a cidadãos endividados. Ressalta-se que, apesar de seu papel fundamental como ferramentas de prevenção e tratamento a casos de superendividamento, as mesmas não serão objeto do presente estudo pois não representam necessariamente instituições financeiras, tampouco são autorizadas a conceder créditos em nome destas. 27 Ibid., p. 24. MELLO. 2019. p. 05. 29 Ibid., p. 06. 30 Ibid., p. 08. 31 Ibid., p. 08. 28 18 Aliado a tais espécies, o hub FintechLab de conexão e fomento de fintechs apresenta relatórios em que identifica e classifica as instituições desta natureza habilitadas no Brasil, sendo a sua mais recente atualização publicada em agosto de 202032. Seguindo as projeções sobre a natureza e a competitividade destes serviços33, a FintechLab identificou 689 fintechs até agosto de 2020, e é facilmente observável que as instituições voltadas aos pagamentos (28%), gestão financeira (18%) e empréstimos (17%), somadas com os não tão disseminados, embora notórios, bancos digitais (3%)34 sejam justamente aqueles mais voltados a favorecer o consumidor pessoa física. Isso porque, o que mais se busca com a adesão a tais plataformas são a autonomia e auto-gerenciamento financeiro, assim como a facilitação de acesso ao crédito, em comparação ao desgastado sistema financeiro tradicional, por favorecerem justamente o barateamento, a desburocratização e, de forma geral, a facilitação aos sistemas bancários a pessoas jurídicas e micro e pequenos empreendedores. 3.2. A FACILITAÇÃO DE CRÉDITOS E O PROBLEMA DO SUPERENDIVIDAMENTO No que concerne à facilitação de créditos proporcionada pelas fintechs, faz-se necessário analisar uma possível contrapartida relativa à vulnerabilidade do consumidor no mercado financeiro com o uso deste novo player do sistema bancário. Isto porque, se de um lado o crescimento acelerado das fintechs se deve ao barateamento de créditos e a maior autonomia do consumidor, por outro, a falta de regulamentação e a infraestrutura enxuta destas instituições podem resultar em maiores entraves, quando se trata da impossibilidade de adimplir com o crédito contratado, agravando a sua condição de vulnerabilidade. Ao destacar que o acesso desenfreado ao crédito pode constituir uma via de mão dupla entre a inclusão social e a exclusão permanente do consumidor do mercado de consumo35, Andressa Jarletti Gonçalves de Oliveira, apresenta números alarmantes que evidenciam, em 32 FINTECHLAB (Brasil). Radar Fintechlab: Agosto-2020. 2020. Disponível em: https://fintechlab.com.br/. Acesso em: 12 set. 2020. 33 Conforme a figura 1. 34 Ibid. 35 OLIVEIRA, Andressa Jarletti Gonçalves de. Crédito, inadimplência e a importância do PLS 283/2012 para prevenção e tratamento do superendividamento: crise econômica e soluções jurídicas: Crise Econômica e Soluções Jurídicas. Revista dos Tribunais: Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 57, p. 1-3, dez. 2015. Disponível em: https://www.revistadostribunais.com.br/. Acesso em: 09 abr. 2020, p. 01. 19 certa medida, a influência da facilitação desmedida do crédito para o aumento dos índices de inadimplência no país: [...] na última década emergiu no Brasil o fenômeno da explosão do consumo de crédito, especialmente pelas pessoas físicas, ante o ingresso de mais de 30 (trinta) milhões de novos consumidores ao mercado financeiro. O acesso ao crédito pode aumentar a capacidade de consumo e aquecer o mercado, propiciando mais trocas econômicas, mas os riscos da concessão voraz do crédito, entre os quais a inadimplência e o superendividamento do consumidor, reclamam atenção. [...] No cenário atual de crise, com aumento do desemprego e das taxas de juros, diminuição de renda e inflação alta, os índices de inadimplência atingiram patamares recordes, afetando mais de 56,4 milhões de brasileiros36. Observa-se assim que a abordagem quanto a concessão do crédito e o tratamento de casos de inadimplência pelas fintechs passa a ser fundamental para a preservação de seus mecanismos e a manutenção de um sistema econômico equilibrado. O consumidor, por sua vez, ludibriado pelas condições facilitadas de crédito e na conveniência de contratação pela via digital, tende a fornecer seus dados pessoais e utilizar destes serviços sem o devido conhecimento dos termos e condições contratados, menos ainda ciente de seus direitos diante de uma eventual necessidade de repactuação com a fintech. Portanto, o que se espera das futuras políticas públicas, ora destacado o PL 35/15/2015 com relação ao papel das fintechs no combate ao superendividamento, é a regulamentação do tema com vistas a evidenciar nas próprias plataformas que, a contratação destas instituições financeiras, ainda que mais vantajosa em função do barateamento e desburocratização do crédito à pessoa física, também resulta em responsabilidades e obrigações ao consumidor, garantindo-lhe assim o melhor planejamento e poder de negociação no adimplemento de suas dívidas. 36 Ibid., p. 02. 20 4. PROJEÇÕES SOBRE A RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDAS PELAS FINTECHS A partir da base teórica analisada, foi realizada uma pesquisa empírica quanto a oferta de créditos ao consumidor pessoa física e a disponibilização de ferramentas de renegociação de dívidas por parte das fintechs pesquisadas37. Destaca-se que a importância da presente pesquisa está no fato de que o acesso a informações claras sobre os termos de contratação, e a possibilidade de se renegociar a dívida contraída são fundamentais para evitar o agravamento da vulnerabilidade do consumidor, em um ambiente que, por sua natureza, priva-o do contato direto com os fornecedores do serviço ofertado38. 4.1. PARÂMETROS UTILIZADOS A pesquisa teve como ponto de partida, a escolha de fintechs a partir do relatório emitido pelo portal FintechLab, hub que identifica e classifica as fintechs habilitadas no Brasil, e cuja edição mais atual foi publicada em agosto de 2020, computando ao todo, 689 instituições.39 Destaca-se que a pesquisa foi isenta de questionamentos diretos a pessoas, ou seja, partiu de levantamentos de informações disponibilizadas ao público em geral, de modo que não resulta em pedido de informação,tampouco transgressão a qualquer sigilo bancário. Para tanto, foram analisadas as fintechs que compõem a classificação de bancos digitais, por oferecerem uma estrutura assemelhada aos bancos tradicionais e, em sua maioria, linhas de crédito para atender a consumidores pessoas físicas, ao mesmo tempo em que já alcançam uma grande quantidade de consumidores pessoas físicas e jurídicas, sendo portanto, as mais adequadas para os propósitos da presente pesquisa, considerando o tempo e a quantidade de dados disponíveis. Nota-se ainda que foram incluídas outras duas instituições classificadas como fintechs de pagamentos (PagSeguro e MercadoPago). Isto porque, ambas oferecem linhas de créditos a 37 Todos os gráficos apresentados neste capítulo foram elaborados pela autora, com base nas fintechs identificadas pelo Radar Fintechlab – Agosto 2020. 38 Cumpre destacar que, para fins de padronização dos resultados obtidos, não foi realizada a inscrição ou abertura de conta nas plataformas verificadas, esperando-se assim o acesso do consumidor aos termos e serviços oferecidos antes da contratação ou inclusão de seus dados nas bases de dados da plataforma. 39 FINTECHLAB (Brasil). 2020. 21 consumidores pessoas físicas, e ao mesmo tempo, atingem uma grande quantidade de clientes, sendo facilmente assemelháveis às demais instituições verificadas. Tampouco se verificou na presente pesquisa o funcionamento de fintechs próprias para negociação de dívidas, em que pese as mesmas somente renegociarem créditos oriundos de terceiros, o que não se pretende na presente análise. Feita a seleção, foram levantados os seguintes parâmetros para fins de preenchimento do formulário: a. Nome da plataforma; b. Endereço do site; c. Data de acesso; d. Tipo de fintech - Conforme a classificação oferecida pela plataforma Fintechlab; e. A fintech oferece crédito a consumidores pessoas físicas?; f. Modalidade de crédito oferecida; g. Existe informação clara quanto à existência de taxas e/ou tarifas?; h. Existe informação clara sobre termos de uso?; i. Existe informação clara sobre os contratos ofertados?; j. Existe informação clara sobre renegociação das dívidas com a fintech?; k. A plataforma oferece meios próprios de renegociação de dívidas?; l. Informações complementares; Uma vez computados os dados em formulário próprio, foram obtidas as estimativas a seguir apresentadas. 4.2. RESULTADOS OBTIDOS As fintechs analisadas, segundo os parâmetros acima, foram as seguintes: Nubank, Banco Original, Banco Afro, PagSeguro (PagBank), C6 Bank, Modalmais, Banco Maré, BanQi, Banco BS2, Lift Bank, Next, Banco Digimais, Mercado Pago, Banco Inter, Banco Pan, Neon, Banco Sofisa Direto, BTGPactual Digital e Agibank40. Sendo assim, foram totalizadas 19 fintechs, duas das quais, que operam sobre a classificação de plataforma de pagamentos, conforme se observa no gráfico 1 abaixo: 40 Todas as instituições encontram-se devidamente citadas nas referências bibliográficas. 22 Gráfico 1: Tipos de Fintechs Fonte: A Autora (2020). Da universalidade de instituições pesquisadas, extraiu-se no gráfico 2 que 5 fintechs (26,3% das fintechs pesquisadas) não oferecem crédito a consumidores pessoas físicas, ou seja, ainda que classificadas como bancos digitais, tais instituições atuam exclusivamente com empresas e demais pessoas jurídicas, ou ainda, não oferecem em suas cartelas de serviços, créditos de qualquer natureza. Gráfico 2: A fintech oferece crédito a consumidores pessoa física? Fonte: A Autora (2020). Ao mesmo tempo, dentre as modalidades de crédito mais oferecidos pelas fintechs analisadas, destacaram-se os cartões de créditos (14 fintechs) e os empréstimos pessoais à pessoa física (10 fintechs). Outros créditos verificados foram relativos a financiamentos veiculares (1 fintech), imobiliários (1 fintech) ou de ambos (1 fintech), além da modalidade de consórcio veicular ou imobiliário (1 fintech). Como já observado no gráfico anterior, 5 instituições não ofereciam qualquer modalidade de créditos, ora, identificadas por “Não há” no gráfico 3 abaixo: 23 Gráfico 3: Modalidades de crédito oferecidas Fonte: A Autora (2020). Quanto à verificação clara de taxas e/ou tarifas no website das fintechs pesquisadas, o que se observou foi que em 15 instituições (78,9%) constava alguma listagem de taxas e/ou tarifas praticadas, ainda que, em muitos casos, o consumidor fosse isento de tais valores. Do contrário, 4 (21,1%) instituições não apresentaram descritivo algum de suas taxas e tarifas, como se observa no gráfico 4 a seguir: Gráfico 4: Existe informação clara quanto a existência de taxas e/ou tarifas? Fonte: A Autora (2020). No que concerne à disponibilização de termos de uso da plataforma, observou-se conforme o gráfico 5 que, ainda em sua maioria as instituições apresentam de forma clara os termos de uso da plataforma, sendo 11 instituições (57,9%). Entretanto, destaca-se a grande quantidade de fintechs em que não foi possível verificar os termos de uso no website ou aplicativo da instituição sem a realização de cadastro prévio, o que denota a vulnerabilidade a que o consumidor está submetido sem o conhecimento prévio dos termos da contratação. 24 Gráfico 5: Existe informação clara sobre termos de uso? Fonte: A Autora (2020). Já com relação aos contratos de serviço prestados, observou-se uma mudança na quantidade de instituições que disponibilizam tal informação antecipadamente ao consumidor. Ora, entre as instituições analisadas, 13 fintechs (68,4%) não apresentam os termos de seus contratos previamente ao consumidor, vide gráfico 6. Vale dizer, dentre as fintechs que apresentam informações sobre os contratos ofertados, muitos deles se confundem com os termos de uso praticados. Gráfico 6: Existe informação clara sobre os contratos ofertados? Fonte: A Autora (2020). Por fim, quando avaliada a disponibilidade de informações sobre renegociação de dívidas, os resultados demonstraram que apenas 4 fintechs (21,1%) oferecem alguma forma de renegociação da dívida assumidas junto à instituição, conforme se observa pelo gráfico 7 abaixo: 25 Gráfico 7: Existe informação clara sobre renegociação das dívidas com a fintech? Fonte: A Autora (2020). Nestes casos, em regra, o consumidor pode proceder à renegociação acessando a plataforma do cliente a apresentar sua proposta de parcelamento à instituição. Uma vez confirmada a proposta, o consumidor recebe os boletos de pagamento do valor da dívida parcelada. Vale ressaltar ainda que, por meio de tais sistemas, a dívida pode ser renegociada estando vencida ou vincenda, o que possibilita ao consumidor maior controle e autonomia sobres suas dívidas, podendo evitar inclusive o inadimplemento e o protesto das mesmas. Ao mesmo tempo, algumas instituições podem determinar como pré-requisitos a inserção de um valor de entrada ou limitar a quantidade de parcelas admitidas. Por outro lado, mostra-se alarmante a inexistência destes mecanismos nas demais fintechs pesquisadas, as quais compõem 78,9% das instituições verificadas. Sem um mecanismo próprio de renegociação, os consumidores em inadimplência podem ter suas dívidas imediatamente protestadas e ainda, em diversos casos, judicializadas, resultando em intenso agravamento dos casos de superendividamento. 4.3. RESSOCIALIZAÇÃO DO SUPERENDIVIDADO NO MERCADO DE CONSUMO Como observado, a renegociação ofertada pelas próprias instituições possibilita o maior exercício da autonomia do consumidor diante de uma impossibilidade de quitação da dívida contratada, de forma que o mesmo adquire liberdade para negociar a dívida sem burocracia e em conformidade com suas próprias necessidades. Evita-se ainda a inscrição do devedor nos órgãos de proteção de crédito, e até mesmo a adoção de medidas judiciais para resolução da controvérsia, além de se tratar de um procedimento mais rápido e mais eficiente para ambas as partes. 26 Neste sentido, a disponibilização de mecanismos de renegociação pelas próprias fintechs vai de encontro aos preceitos de desburocratização e barateamento do crédito do crédito ofertado, assim como, a diminuição dos custos com a judicialização de controvérsias pelas instituições. Consequentemente, a expectativa de resolução do conflito e ressocialização do consumidor no mercado de consumo também aumentam. Como ferramenta de enfrentamento ao superendividamento, a conciliação extrajudicial mostra-se assim extremamente eficaz, ao direcionar ao próprio consumidor o poder de negociação, devendo ser estimulada a sua implementação não apenas na estrutura judiciária dos Estados, como nas próprias instituições financeiras de oferta de crédito. Com efeito, a aprovação do Projeto de Lei de n.º 3515/2015 mostra-se um grande aliado na implementação destes sistemas, inclusive internamente junto às instituições, ao destacar a responsabilidade de todas as partes no enfrentamento do superendividamento, em especial do fornecedor de serviços como o crédito bancário. Não somente, é necessário o acompanhamento constante das novas formas de mercado para fins de regulamentações positivas (e não restritivas) a um mercado que vem se tornando cada vez mais democrático ao consumidor leigo, assegurando o benefício mútuo à relação de crédito. 27 5. NOTAS CONCLUSIVAS A partir da análise doutrinária e prática sobre o tema, conclui-se que o aprimoramento das fintechs como novos players do mercado financeiro trouxe aos sistemas bancários, em especial ao consumidor pessoa física, o barateamento do crédito e a desburocratização das relações com a instituição fornecedora desde a última década. Ao mesmo tempo, é comum que o mal gerenciamento de suas contas ou ainda os chamados “fatos da vida”, venham a tornar o consumidor superendividado. Nestes casos, a preocupação é ainda maior no desenvolvimento de mecanismos de renegociação de dívidas, para que se evite a judicialização da causa e mantenha o poder de negociação justamente na parte mais vulnerável do contrato. Conforme se observou da pesquisa empírica realizada que grande parte dos bancos digitais atuantes no Brasil ainda não disponibilizam previamente seus termos de uso e contratos dos produtos ofertados, informações básicas e necessárias no estudo do Direito do Consumidor, o que pode resultar no desconhecimento deste ao contratar o serviço de crédito. A implementação de projetos de renegociação pelos Tribunais de Justiça estaduais é tido assim pela doutrina como uma forma eficiente de tratar os casos de superendividamento, e vem acumulando resultados satisfatórios, como se observou das experiências dos Estados do Rio Grande do Sul e do Paraná. Ainda assim, medidas complementares como mecanismos de renegociação oferecidos pelas próprias fintechs também devem ser incentivados, especialmente por vincularem a instituição como parte interessada na negociação. Os resultados ainda demonstraram que poucos bancos digitais aderiram a esta prática até o presente estudo, o que tende a mudar já nos próximos anos com a promulgação do Projeto de Lei de n.º 3515/2015, que regulamenta a responsabilidade das empresas e do Estado no combate e tratamento a casos de superendividamento. É portanto, necessário um olhar atento dos mecanismos de proteção ao consumidor para fins de regulamentação destes novos sistemas financeiros, em prol da maior transparência nas condições contratadas e nas possibilidades de renegociação de dívidas por parte do consumidor quando necessário. 28 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AFRO (Brasília). Banco Afro. Disponível em: https://www.bancoafro.com.br/. Acesso em: 27 set. 2020. AGIBANK (Rio Grande do Sul). Banco Agibank S.A. Disponível em: https://agibank.com.br/home. Acesso em: 27 set. 2020. AMARAL JÚNIOR, Alberto do. As condições abusivas na concessão de crédito bancário. Revista dos Tribunais: Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, São Paulo, v. 7, p. 293-305, dez. 2010. Anual. DTR\2001\715. Disponível em: https://www.revistadostribunais.com.br/ Acesso em: 16 abr. 2020. BANQI (São Paulo). Banqi Casas Bahia. Disponível em: https://banqi.com.br/. Acesso em: 27 set. 2020. BAUERMANN, Sandra. 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