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Dois ensaios: Cordel e Folhas Volantes As Folhas Volantes e o Cordel Cordel: A literatura do povo para o povo. Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto 1 2 As Folhas Volantes e o Cordel Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto "A Literatura de Cordel em versos faz parte da cultura popular do Nordeste e teve sua origem nas Folhas Volantes portuguesas." O homem cria a cultura no seu ambiente e também a recebe como herança do passado. Entre todas manifestações aparece a cultura popular que se manifesta oralmente e através da escrita. As folhas volantes que surgiram na Europa no século XIV foram amplamente difundidas na península ibérica e desempenharam uma importante função social, quando os livros eram raríssimos, escritos em latim e a grande maioria da população era analfabeta. No século XVI os relatos sobre o Novo Mundo começaram a ser divulgados por toda a Europa por meio de documentos oficiais e folhas volantes. As informações oficiais eram restritas e pouco divulgadas e as folhas volantes e os textos de cordel ibéricos, passariam a descrever as maravilhas e as coisas inusitadas do Novo Mundo, ajudando a povoar um imaginário coletivo já carregado de expectativas sobre as novas terras avistadas, como fez inicialmente Américo Vespúcio em Mundus Novus e na Lettera al Soderini, folhetos de poucas páginas, em forma de cartas, escritos em latim, sem indicações tipográficas e com os caracteres da impressão popular, publicado supostamente entre 1503 e 1506. Nessa época, muitos manuscritos que já circulavam, eram simples e ao mesmo tempo, sofisticados, descreviam um Novo Mundo, necessitado de colonizar, “civilizar” e povoar, como um verdadeiro éden, muito fértil e ameno, com muitas colinas, montes, infinitos vales, abundante em grandiosíssimos rios, banhado de saudáveis fontes, com selvas amplíssimas. Não demoraria e logo sairiam do meio desse público com suas crenças, mitos e imaginário, aqueles colonos e missionários para 3 o novo mundo. Quando aqui desembarcavam portavam consigo não apenas cordéis, caçarolas e algumas ferramentas, mas vinham com uma visão particular de mundo, uma visão que vinha sendo plasmada por meio da literatura de folhetos que costumava desenhar o Novo Mundo como uma terra paradisíaca e com criaturas estranhas e de pessoas vivendo ainda à margem do mundo civilizado. Depois de chegarem ao Brasil e já como cordéis, migraram para o norte e o nordeste do país, sofrendo modificações e adaptações em função das características locais. Entretanto, nesse meio de uma natureza hostil, a voz, o canto, os folhetos, estendiam o espaço dos corpos até o fundo das sombras, era aonde o eco chegava. Tanto a voz, quanto o folheto, como tal, fazem sentido, e um sentido próprio. Os colonos, ou talvez tenham sido seus escravos, trouxeram nos seus navios velhos, uma imagem arquetípica, presente na Eurásia inteira, bem como na África negra; aquela do cantador cego, errante de vilarejo em vilarejo sempre trazendo consigo poemas e relatos inspirados. Logo essa literatura popular se aclimataria à realidade de nossa gente e entre essas manifestações se destaca principalmente poesia popular, recebendo também o nome de cordel, que até hoje ainda são vendidos em feiras livres e pequenas lojas, pendurados em barbantes. Apresentados como alternativa da informação, narram acontecimentos históricos, políticos e sociais dentro da perspectiva das minorias, das classes subalternas e pouco escolarizadas, já que na historiografia oficial, que geralmente é narrada sob o ponto de vista e interesses dos vencedores e da classe dominante. Através de seus poetas, o cordel enfrenta a mídia eletrônica tentando resgatar aos leitores, antigos costumes e tradições. 4 Cordel: A literatura do povo para o povo. Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto “A literatura nasceu em versos, eram canções, poemas.” No fim do século XII os trovadores portugueses traçaram um caminho que perdura até nossos dias. Este Movimento com características próprias e permanentes é enriquecido por exclusivas e marcantes influências étnicas e culturais europeias e árabes, resultado das frequentes incursões ocorridas no país, seu ponto mais alto ocorreu na segunda metade do século XIII. Essas poesias nada mais eram do que canções, versos cantados. Assim, não podemos pensar num leitor solitário, pois a plateia era formada de vários ouvintes, Enquanto não se difundiu a tipografia, foi essa a forma que a poesia popular encontrou para se divulgar. Se na Idade Média, os jograis populares ou palacianos, cantando nas festas e animando o povo, constituíam a comunicação entre as pessoas, com o passar do tempo, tais formas foram se transformando. Apesar de séculos terem se passado, o trovadorismo sobreviveu, mesmo sendo modificado em sua forma, mas na sua essência, continuou o mesmo, com os mesmos temas, mesma finalidade. 5 Os trovadores e menestréis iam de castelos em castelos, de cidades em cidades difundindo suas obras em versos, suas cantigas, suas histórias, aproximando pessoas, repetindo refrões, improvisando, desafiando, pelejando, competindo entre si, numa verdadeira interação com a população. No Brasil, a poesia medieval chegou junto à bagagem dos nossos colonizadores, uma vez que, para cá vieram militares, estudantes, intelectuais, literatos, poetas, enfim, um vasto grupo de apreciadores de poesia, e aqui se fixou como Literatura de Cordel. O nome Literatura de Cordel é derivado do fato de serem folhetos presos por um pequeno cordel ou barbante, em exposição nos lugares onde eram vendidos. Cabe ressaltar que, esse tipo de literatura também marcou a cultura francesa, onde era chamada de “littèrature de colportage”. Na Espanha, eram os “pliegos sueltos” e em Portugal, “folhas volantes”. Esse tipo de literatura é responsável pela perpetuação de lendas, contos e folclore, bem como das narrativas típicas da imaginação popular e fatos históricos nacionais. Apesar dos altos índices de analfabetismo no passado. A popularização dessa literatura foi possível porque os poetas cordelistas atuavam, como os trovadores medievais, nas feiras e praças, muitas vezes ao lado de músicos. Folhetos de literatura de cordel já serviram para alfabetizar muita gente. Além desses temas, há também cordéis que falam de amor, relacionamentos pessoais, profissionais, personalidades públicas, acontecimentos e fatos do cotidiano etc. São espontâneas composições de poetas populares, que relatam fatos, causos, estórias e histórias, às vezes humorísticas e de ficção. No Brasil, entre as décadas de 30 e 50, a literatura de 6 cordel atingiu seu melhor momento, tornando-se realmente popular. Como as cantigas medievais, o cordel é mais fácil e mais agradável, quando o comparamos a outras produções, possibilitam também o resgate de informações e temas recorrentes, numa linguagem simples e compreensível. Todos os textos são ecos de outros textos: eles são reescritos, reinventados, reaproveitados e a literatura está constantemente, em diferentes lugares e épocas, apropriando-se desses ecos e sendo reescrita. Muitas vezes, cordelistas jamais tiveram acesso às obras de outros, seja por distância geográfica ou temporal e, mesmo assim, suas produções são consideradas cópias de outros trabalhos. 7