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Docomomo Sul

porto alegre, 25 a 27 de agosto de 2008 Apresentação Comissão Científica Comissão Organizadora Apoio Programação Artigos Autores Ficha catalográfica Créditos Sair DOCOMOMO Núcleo RS e o PROPAR-UFRGS (Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) realizam o II Seminário DOCOMOMO Sul entre os dias 25 a 27 de agosto de 2008 na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Porto Alegre, com o apoio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UniRitter através do seu Laboratório de História e Teoria da Arquitetura e do seu Núcleo de Projetos. O seminário quer recordar a importância técnica, formal e simbólica do concreto armado na arquitetura moderna em terras sulamericanas abaixo do paralelo 22, em três fases sucessivas: a década e meia heróica na qual emerge uma produção de impacto internacional, a década e meia triunfante que inicia ao findar a II Grande Guerra e a década e meia revisionista que questiona uma unidade ortodoxa a partir de meados dos 1950. Visa examinar, revisar e discutir a maneira como arquitetos e engenheiros da região reagem à ambivalência do material, tanto sua capacidade de moldar-se a não importa que forma, constituindo veículo de expressão escultórica, quanto sua capacidade de instrumentar sistemas rigorosamente reticulados, padronizados, supostamente passíveis de produção em série e em massa. Nessa perspectiva, serão apresentados trabalhos inéditos de estudiosos brasileiros e estrangeiros tratando da documentação, conservação e análise de edifícios, componentes de edifícios e/ou espaços abertos conformes aos parâmetros geográficos, cronológicos, estilísticos e materiais que o tema propõe. Como o I Seminário DOCOMOMO SUL, o programa começa com o exame do estado da arte no começo do período de estudo e termina com uma discussão sobre as perspectivas contemporâneas do material. porto alegre, 25 a 27 de agosto de 2008 Comissão Científica do II Seminário DOCOMOMO Sul Apresentação Comissão Científica Comissão Organizadora Apoio Programação Edson Mahfuz UFRGS, Presidente Andrey Schlee, UnB Carlos Martins, USP - EESC Cláudia Cabral, UFRGS Claudio Calovi Pereira, UFRGS Gustavo Rocha-Peixoto, UFRJ Irã Dudeque, PUCPR Artigos José Lira, USP Autores Margareth da Silva Pereira, UFRJ Ficha catalográfica Créditos Sair Renato Anelli, USP - EESC Rogério Oliveira, UFRGS Ruth Verde Zein, UPM porto alegre, 25 a 27 de agosto de 2008 Comissão Organizadora do II Seminário DOCOMOMO Sul Apresentação Comissão Científica Comissão Organizadora Apoio Programação Artigos Autores Ficha catalográfica Créditos Sair Carlos Eduardo Comas, UFRGS - Presidente Heitor da Costa Silva, UFRGS Marta Peixoto UFRGS, UniRitter Sergio Marques, UFRGS - UniRitter Rogério de Castro Oliveira, UFRGS Cláudia Cabral, UFRGS porto alegre, 25 a 27 de agosto de 2008 Apresentação Comissão Científica Comissão Organizadora RS Apoio Programação Artigos Autores Ficha catalográfica Créditos C Sair A P E S porto alegre, 25 a 27 de agosto de 2008 Apresentação Comissão Científica Comissão Organizadora REGISTRO DA PROGRAMAÇÃO O II Seminário DOCOMOMO Sul foi realizado de 25 a 27 de agosto de 2008 na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UNIRITTER e Fundação Iberê Camargo. Apoio Programação Artigos Autores Ficha catalográfica Créditos Sair Clique aqui para ter acesso à programação completa. porto alegre, 25 a 27 de agosto de 2008 Apresentação Comissão Científica Comissão Organizadora A caixa de concreto para a casa do aço: Escritório-Parque Usiminas Estrutura e construção do Ministério da Educação e Saúde Pública A casa unifamiliar em Florianópolis: um modo de ser moderno Experiências em concreto armado na África Portuguesa: influências do Brasil A construção da forma livre: visões opostas sobre o uso do concreto armado na Arquitetura Contemporânea no Brasil A miragem da industrialização: Abrindo a mata virgem a facão: alguns casos do brutalismo paulista A obra do escritório de Jacques Pilon no centro de São Paulo A ponte Apoio Alcides Rocha Miranda - Igreja em Nova Friburgo Programação Arquitetura Moderna em Porto Alegre: Considerações sobre a Flexibilidade em Planta e o uso de Grelha de Concreto em Fachadas de Edifícios residenciais da Década de 50 Artigos Autores Ficha catalográfica Arquitetura Moderna, Patrimônio Histórico e Concreto Armado Banco de Londres e América do Sul: detalhes construtivos e solução estrutural Sair Máquinas de Vender Máquinas: formas aerodinâmicas em revendas de automóveis e oficinas mecânicas em Caxias do Sul Matéria bruta. Clorindo Testa e o Centro Cívico de Santa Rosa, La Pampa, 1955-1963 Niemeyer e Artigas: aproximações e divergências na busca da expressão formal da estrutura O Centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul: curva de concreto marcando a paisagem O concreto na linguagem de Oscar Niemeyer O concreto na pré-fabricação: a construção da Universidade de Brasília O Edifício Teruszkin Belo e suave, brutal e sublime- notas sobre a plasticidade do concreto armado brasileiro O suporte na arquitetura de Rino Levi: da grelha tridimensional ao dom-ino Brutalismo no paralelo 33: Unidad Diego Portales, Santiago – Chile Opus caementicius: da insuspeita sutileza das pedras brutas o Créditos Hormigón, Industrialización, Vivienda. Sert y la Ciudad de los Motores Composição de planos no edifício Annes Dias n 154 Paisagens Desoladas: Quatro Máscaras de Concreto em Deriva Da Refinaria à Secretaria: Racionalismo estrutural, socialismo nacional e modernismo regional em obras públicas de Fayet, Araújo & Moojen – 1962 a 1970 Pilotis, pilar, pilastra: variações brasileiras Da utopia ao concreto: os prédios habitacionais lineares e curvilíneos de Affonso Reidy como experiência tipológica e construtiva Tecnologia das construções em cascas Ecletismo, ferro e concreto: um arquivo-belvedere em Porto Alegre Viver nas alturas Emílio Henrique Baumgart: o pai do concreto armado no Brasil Reidy: dois projetos, dois países e um princípio Vanguarda com gelo: concreto aparente e gosto eclético porto alegre, 25 a 27 de agosto de 2008 Apresentação Comissão Científica Comissão Organizadora Apoio Programação Artigos Autores Ficha catalográfica Créditos Sair Alex Carvalho Brino Felipe de Souza L. Pacheco Álvaro Pompeiano de Magalhães Drummond Gilberto Flores Cabral Ana Cristina Fernandes Vaz Milheiro Henrique Dinis Ana Elisa Moraes Souto José Artur D’Aló Frota Ana Elísia da Costa Josicler Orbem Alberton Andréa Soler Machado Juliano Caldas de Vasconcellos Andrey Rosenthal Schlee Juliano Caldas de Vasconcellos Benamy Turkienicz Klaus Chaves Alberto Carlos Alberto Ferreira Martins Liege Alvares Sieben Carlos Eduardo Comas Marcos José Carrilho Carlos Fernando Silva Bahima Maribel Aliaga Fuentes Cassandra Salton Coradin Marta Peixoto Cecilia Rodrigues dos Santos Renato Holmer Fiore Celia Castro Gonsales Renato Luiz Sobral Anelli Célia Regina Moretti Meirelles Ricardo Hernán Medrano Christine Ramos Mahler Rogério de Castro Oliveira Clarissa Martins de Lucena Santafé Aguiar Rosirene Mayer Cláudia Piantá Costa Cabral Ruth Verde Zein Cláudio Calovi Pereira Samantha Sonza Diefenbach Cristiane Wainberg Finkelstein Sergio Moacir Marques Eline Maria Moura Pereira Caixeta Tiago Seneme Franco porto alegre, 25 a 27 de agosto de 2008 Apresentação Comissão Científica Comissão Organizadora Apoio Programação Artigos Autores Ficha catalográfica Créditos Sair Seminário do.co.mo.mo_sul (2. : 2008 ago. 25-27 : Porto Alegre, RS) Anais do II Seminário do.co,mo.mo_sul, plasticidade e industrialização na arquitetura do cone sul americano 1930/70 / Organização: Carlos Eduardo Comas, Edson Mahfuz, Airton Cattani. - Porto Alegre : PROPAR/UFRGS, 2008. CD-ROM : il. ISBN 978-85-60188-09-3 1. Arquitetura moderna : eventos. 2. Concreto. I. Comas, Carlos Eduardo Dias. II. Mahfuz, Edson da Cunha. III. Cattani, Airton. IV. Título. CDU: 72.036:061.3 693.5 Bibliotecária Responsável Elenice Avila da Silva CRB-10/880 porto alegre, 25 a 27 de agosto de 2008 Apresentação Organização do CD Comissão Científica Comissão Organizadora Apoio Programação Artigos Autores Ficha catalográfica Créditos Sair marcavisual@portoweb.com.br Imprimir Fechar Programa SEGUNDA-FEIRA, DIA 25 DE AGOSTO 08:3012:00 Inscrições e entrega de credenciais Auditório – UNIRITTER 09:0009:30 Sessão de abertura Auditório – UNIRITTER Conferências Arquitetos e engenheiros, Rio – São Paulo – Porto Alegre, entre guerras Margareth da Silva Pereira – Rio 09:30-10:30 Hugo Segawa – São Paulo 10:30-11:30 Depoimentos 11:30-12:30 Cáudio Araújo, Moacyr Moojen Marques, Emil Bered – Porto Alegre Auditório – UNIRITTER 14:0017:30 Sala 203 – FA-UFRGS 09:3012:30 Sessão de comunicação (1) 14:00-14:30 Juliano Caldas de Vasconcellos Emílio Henrique Baumgart: O pai do concreto armado no Brasil 14:30-15:00 Juliano Caldas de Vasconcellos Estrutura e construção do Ministério da Educação e Saúde Pública 15:00-15:30 Tiago Seneme Franco A obra do escritório de Jacques Pilon no Centro de São Paulo 15:30-16:00 Gilberto Flores Cabral Da utopia ao concreto: os prédios habitacionais lineares e curvelíneos de Affonso Reidy como experiência e construtiva 16:00:16:30 Ana Elisa Moraes Souto e Alex Carvalho Brino Reidy: dois projetos, dois países e um princípio 16:30-17:00 Maribel Aliaga Fuentes Brutalismo no paralelo 33: Unidad Diego Portales, Santiago – Chile 17:00-17:30 Liege Alvarez Sieben Alcides Rocha Miranda: Igreja em Nova Friburgo láudio ca 14:0017:30 Sessão de comunicação (2) 14:00-14:30 láudio Calovi Pereira e Samantha Sonza Diefenbach Ecletismo, Ferro e Concreto: Um arquivo-Belvedere em Porto Alegre Andrey Schlee A ponte Célia Castro Gonsales O suporte na arquitetura de Rino Levi: Da grelha tridimensional ao dom-ino Ana Elísia da Costa Máquina de vender máquinas: Formas aerodinâmicas em revendas de automóveis e oficinas mecânicas em Caxias do Sul Carolina Palermo e Josicler Orbem Alberton A casa unifamiliar em Florianópolis: Um modo de ser moderno Clarissa Martins de Lucena Santafé Aguiar Viver nas Alturas Cristiane Wainberg Finkelstein Arquitetura moderna em Porto Alegre: Considerações sobre a flexibilidade em planta e o uso de grelha de concreto em fachadas e edifícios residenciais 14:30-15:00 15:00-15:30 15:30-16:00 16:00:16:30 16:30-17:00 17:00-17:30 Sala 411 – FA-UFRGS 17:3018:00 Lançamento de livros Vestíbulo – FA-UFRGS 18:0019:30 Sessão de Avaliação Auditório – FA-UFRGS TERÇA-FEIRA, DIA 26 DE AGOSTO 09:0012:00 Conferências Plasticidade e industrialização - Argentina, Chile, Brasil, 1945-75 Jorge Liernur - Buenos Aires Fernando Perez - Santiago do Chile Ruth Verde Zein - São Paulo Paulo Bruna- São Paulo Auditório FA-UFRGS 14:0017:30 Sessão de comunicação (1) Sala 203 FA-UFRGS 14:00-14:30 Cassandra Coradin Banco de Londres e América do Sul: Detalhes construtivos e solução estrutural 14:30-15:00 Cláudia Piantá Costa Cabral Matéria Bruta 15:00-15:30 Alex Carvalho Brino e Carlos Fernando Silva Bahima Niemeyer e Artigas: Aproximações e divergências na busca da expressão formal da estrutura Benamy Turkienicz e Rosirene Mayer 15:30-16:00 O concreto na linguagem de Oscar Niemeyer Klaus Chaves Alberto 16:00:16:30 O concreto na pré-fabricação: a construção da Universidade de Brasília José Arthur D´Aló Frota e Eline Maria Moura Pereira Caixeta 16:30-17:00 Paisagens desoladas. 3+1=1 4 Máscaras de concreto em deriva C. Meirelles, R. H. Medrano, H. Dinis 17:00-17:30 Tecnologia das construções em cascas 14:0017:30 Sessão de comunicação (2) Sala 411 FA-UFRGS 14:00-14:30 Felipe de Souza Lima Pacheco Composição de planos no edifício Annes Dias nº 154 14:30-15:00 Andrea Machado O Edifício Teruszkin 15:00-15:30 Sérgio Moacir Marques Da refinaria á secretaria: racionalismo estrutural, socialismo nacional e modernismo regional em obras públicas gaúchas de Fayet, Araújo & Moojen 15:30-16:00 Renato holmer Fiore O Centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul: curva de concreto marcando a paisagem Luis Salvador Gnoato 16:00:16:30 O uso do concreto armado na arquitetura do escritório de Luiz Forte Netto Álvaro Pompeiano de Magalhães Drummond 16:30-17:00 A caixa de concreto para a casa do aço: Escritório-Parque Usiminas Ana Cristina Vaz Milheiro 17:00-17:30 Experiências em concreto armado na África Portuguesa: Influências do Brasil 17:30-18:00 Lançamento de livros Vestíbulo FAUFRGS 14:30-17:30 Sessão de avaliação Depoimento - Cláudio Araújo & Moacyr Moojen Marques- Porto Alegre Auditório FAUFRGS QUARTA-FEIRA, DIA 27 DE AGOSTO 09:00-12:00 Conferências Concreto hoje: quatro prêmios Pritzker, Brasil, 2000-2007 José Luis Canal - Museu Iberê Camargo, Álvaro Siza, Porto Alegre/ Milton Braga - Museu Escola Paulo Mendes da Rocha, Santo André/ Marcelo Suzuki - Memorial da América Latina, Oscar Niemeyer, Niterói/ Otavio Leonídio - Cidade da Música, Christian de Portzampac, Rio de Janeiro Auditório Fundação Iberê Camargo 14:30-18:00 Auditório FAUFRGS Mesa redonda: Concreto hoje: o olhar jovem Angelo Bucci - São Paulo Encerramento Imprimir A ponte Andrey Rosenthal Schlee Professor do Departamento de Teoria e História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília Endereço: FAU UnB – Campus Universitário, Asa Norte, Brasília, DF – 70910-900 andreysc@terra.com.br Fechar A ponte Resumo O II Seminário Docomomo Sul quer recordar a importância técnica, formal e simbólica do concreto armado na arquitetura moderna e, para tanto, busca examinar, revisar e discutir a maneira como arquitetos e engenheiros da região reagiram à ambivalência do material. Trata-se de tema pouco explorado e uma oportunidade impar para o resgate de experiências pioneiras e que, certamente, tornaram-se referência para o desenvolvimento de uma arquitetura moderna no Rio Grande do Sul. Nesse sentido, o artigo mergulha no universo relacionado com o projeto e a execução da Ponte Internacional Mauá, erguida sobre o rio Jaguarão, na linha de fronteira entre o Brasil e o Uruguai. Inaugurada em 1930, a Ponte permite toda uma discussão a respeito das condições técnicas de execução, naquele momento, de uma grande obra em concreto armado no sul do Brasil. Em 1913, o eng. Rudolf Ahrons, como base em sondagens geológicas e em plantas hidrográficas, desenhou o Projeto da ponte de cimento armado para o rio Jaguarão. Ahrons era professor de Construções Civis, Hidráulica e Resistência de Materiais na Escola de Engenharia de Porto Alegre e, em 1912, havia assumido a cadeira de Construções de Ferro e Cimento Armado. Seu projeto corresponde ao da Ponte erguida anos mais tarde, com exceção das duas alfândegas. Em 1918, uma Comissão Mista apresentou relatório justificativo para o uso de concreto armado na obra. Em 1927, o uruguaio Quinto Bonomi Filho foi nomeado Engenheiro Chefe e o engenheiro carioca Arnaldo Pimenta da Cunha foi indicado como Delegado Brasileiro. No mesmo ano foi contratada a firma E. KEMNITZ & CIA (do eng. alemão Erhard Kemnitz) para a execução da Ponte. Inúmeras foram as dificuldades enfrentadas durante os dois anos de obras, do transporte dos materiais à ausência de mão de obra qualificada. Mesmo assim, os seus 2.113m de comprimento foram executados (sendo 276m sobre o rio Jaguarão) no mais puro e bem elaborado concreto armado. Abstract The II Docomomo Sul Seminary wants to recall the technical, formal and symbolic importance of reinforced concrete in the modern architecture, and to do so, it seeks to examine, review and discuss the way architects and engineers in the region reacted to the ambivalence of the material. It deals about a little explored theme and a unique opportunity for the ransom of pioneer experiences that certainly became reference for the development of the modern architecture in Rio Grande do Sul. Accordingly, the article deepens into the universe related to the design and building of the Maua International Bridge, built over the Jaguarão river, the frontier line between Brazil and Uruguay. Inaugurated in 1930, the bridge enables a whole discussion about the technical conditions of implementation, at that moment, a great work in reinforced concrete in southern Brazil. In 1913, Engineer Rudolf Ahrons, based on geological drillings and hydrographic plants, designed the Project of the bridge built on reinforced concrete over the Jaguarão river. Ahrons was a professor of Civil Constructions, Hydraulic and Resistance of Materials in the Porto Alegre Engineering School and in 1912, had assumed the chair of Iron and Reinforced Concrete Constructions. His project was the bridge built years later, with the exception of two customhouses. In 1918, a Commission submitted a report justifying the use of reinforced concrete on the work. In 1927, the Uruguayan Quinto Bonomi Filho was appointed Chief Engineer and the Brazilian Engineer Arnaldo Pimenta da Cunha was appointed as Brazilian delegate. In the same year, the company E. KEMNITZ & CIA (from Eng. Kemnitz German Erhard) was contracted for the construction of the Bridge. Many difficulties were faced during the two years of works, from the transport of material to the lack of qualified workforce. Still, its 2,113 m of length were constructed (276 m on the Jaguarão river) in the most pure and well-executed reinforced concrete. Palavras-chave / key words Ponte Internacional Mauá, Rudolf Ahrons, Concreto Armado / Maua International Bridge, Rudolf Ahrons, Reinforced Concrete A ponte JAGUARÃO fica do lado de cá de uma ponte... ...E O RESTO DO MUNDO em que vivemos é todo o sul sem norte (Aldyr Garcia Schlee1) A Ponte de lata - introdução Muito provavelmente, o primeiro contato que tive com a Ponte foi na casa de minha bisavó, com quem vivia minha tia-avó, a madrinha de meu pai. Foi ele quem escreveu os contos que, em parte, agora eu cito. Na longa e antiga casa de Jaguarão vivia também toda a família de um tio-avô. No seu escritório, bem acima dos livros sobre história e Maçonaria, estava depositada a grande réplica da Ponte. Toda feita de folha-de-flandres, de dimensões incomuns para uma maquete ou brinquedo. Mede exatos um metro e sessenta centímetros e reproduz os arcos centrais da construção, além das duas alfândegas: a nossa e a castelhana. Habilmente executado por José Gentil, um artesão jaguarense, o modelo dispunha de trilho central, com uma pequena composição móvel, e possuía postes com sistema de iluminação apropriado. Uma vez confeccionada, foi doada ao Cruzeiro (time de futebol local) e rifada. O padrinho de meu pai ganhou o prêmio. O resultado não causou surpresa na comunidade local e familiar, pois ele havia comprado todos os números do sorteio, garantindo o incrível presente para o afilhado. Assim, antes de conhecer a Ponte concreta, foi a de meu pai que invadiu meu imaginário. Uma ponte única, de fina chapa de ferro laminado, com trem e luz... Uma ponte de lata que, ainda hoje, liga meu presente ao meu passado. A verdadeira Ponte foi construída entre 1927 e 1930. Sua execução, além de ter causado um significativo impacto nas economias locais, brasileira e uruguaia, representou uma mudança nas relações sociais de uma vasta região de influência. Transformação alavancada pelo número de trabalhadores envolvidos na obra e, logo, pela modificação do sistema de transporte naval para ferroviário. Sim, porque a Ponte Internacional não apenas uniu duas margens do rio Jaguarão – o lado de cá com o lado de lá – ela costurou duas partes de uma mesma cultura platina, completamente uruguaia e em parte riograndense e argentina. O trem, que passou a transitar pela Ponte, substituiu com rapidez e economia dos barcos de navegação fluvial e lacustre, ligando concretamente o Brasil ao Uruguai. Aproximou Jaguarão de Rio Branco, e ambas do resto do mundo! Foi o verão mais quente que já se teve; e foi o dia mais quente de todos os verões, aquele primeiro de janeiro de mil novecentos e trinta e um2. O sol, quando se viu, já estava a pino; e se ficou lá em cima noite adentro, com o calor de sua fogueira apagada. Era de não se poder 1 2 SCHLEE, 1988, p.5. A Ponte Internacional foi oficialmente inaugurada em 30 de dezembro de 1930. respirar, quase; de as pessoas se olharem umas para as outras sem sorriso; de se abanar a cabeça e enxugar longamente o rosto pingando de suor. Entretanto, era também dia de festa aquele primeiro de janeiro. Com autoridades, banda de música, roupa nova e girândola de foguetes: inaugurava-se a ponte, a enorme ponte de como um quarto de légua, ligando finalmente o Brasil e o Uruguai3. A Ponte de sonhos Segundo Pedro Corrêa do Lago4, Gilberto Ferrez inventariou cerca de oito mil imagens (gravuras, aquarelas, óleos e desenhos) da cidade do Rio de Janeiro, elaboradas durante o século XIX. Já de Pelotas, por exemplo, identificamos apenas vinte e quatro documentos5. Logicamente, a iconografia produzida no século XIX sobre o Rio Grande do Sul é, quantitativamente, bastante pobre quando comparada à da antiga Capital, podendo ser dividida em cinco grupos temáticos principais, classificados a partir das áreas de interesse dos seus autores: sobre as missões jesuíticas (com obras importantes como as de José Maria Cabrer e Alfredo Demersay); sobre as colônias alemãs (Rudolf Canstatt, Emil Wiedemann e Juan Gutierrez); sobre as cidades de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande (Jean Baptiste Debret, Peter Ludwig, Herman Wendroth, Josef Brueggemann, Thomas Dawson, Carl Emil, Willian Lloyd e Francis Richard); e sobre o gaúcho e seus costumes (Jean Baptiste Champagnac, James Fletcher, Francois-René Moreaux e Louis-Auguste Moreaux). Nesse contexto, a iconografia histórica sobre Jaguarão não foge à regra, restringindo-se a apenas dois6 trabalhos até o momento identificados. O primeiro documento, denominado Vila do Espírito Santo do Cerrito, é de autoria do francês Jean Baptiste Debret (*1768-+1848). Conforme o Dicionário Razoné7 a aquarela corresponde ao ano de 1818, mas foi elaborada em 1827, quando, comprovadamente8, Debret esteve no sul do Brasil. Tratase de uma vista do rio Jaguarão e da então denominada Vila do Espírito Santo do Cerrito. Na cena, Debret registrou, também, uma tropa de animais atravessando o rio, da margem uruguaia para a brasileira. O segundo documento tem autoria não identificada, embora esteja assinado. Uma aquarela denominada Jaguarão, elaborado em 16 de janeiro de 1880. Agora a cidade apresenta-se em vista. O 3 SCHLEE, 1984, p.61. LAGO, 1998. 5 Seis aquarelas de Jean Baptiste Debret, duas litografias assinadas por Peter Ludwig, oito aquarelas e desenhos de Herman Wendroth e mais oito aquarelas de Dominique Pineau. Ver SCHLEE, 1998. 6 + Há um terceiro documento, produzido pelo alemão Hermann Rudolf Wendroth (*?- 1860). Ele foi um dos 1850 mercenários contratados na Europa com a finalidade de reforçar a esquadra imperial e enfrentar as tropas de Juan Manoel Rosas da Argentina e as de Manuel Oribe do Uruguai. No final de agosto de 1851, Wendroth chegou a Jaguarão. Ele reuniu seus trabalhos em um livro encadernado, que deveria conter cerca de cem páginas, das quais somente quarenta e seis foram conservadas. Tal livro, chamado Álbum de aquarelas e desenhos, de cenas de viagem, vistas, tipos e costumes do Brasil, especialmente do Rio Grande do Sul, foi localizado em Buenos Aires, no ano de 1863, por F. A. Buhlmann e vendido para D. Pedro II. Os desenhos – tudo indica – não seguem uma ordem rígida (cronológica ou de viagem) e refletem a conturbada vida do artista. 7 LAGO e BANDEIRA, 2007. 8 Segundo alguns estudos, o artista teria visitado o Rio Grande do Sul por duas vezes: em 1816, acompanhando a divisão de voluntários del-rei; e em 1827, ao lado do Imperador. 4 autor estava na margem uruguaia, de maneira que pôde contemplar e registrar, detalhadamente cada uma das edificações da localidade. Como no trabalho de Debret, o rio era apenas cortado por pequenas embarcações, e certamente a ponte nem chegava a ser sonhada. A Guarda da Lagoa e do Cerrito foi instituída em 1802, à margem esquerda do rio Jaguarão; era um acampamento militar português, erguido em terras consagradas espanholas pelo Tratado de Santo Idelfonso (1777). O posto avançado de fronteira deu origem a uma freguesia em 1812, a do Espírito Santo do Cerrito; eram militares, familiares e agregados, gente católica, todos fregueses da distante matriz de Rio Grande. Foi só em 1832 que o lugar do Espírito Santo do Cerrito no Jaguarão conquistou sua autonomia administrativa, com a criação da Vila. Finalmente, em 1855, a localidade foi elevada à condição de cidade de Jaguarão9. Por outro lado, desde 1793 os espanhóis da Banda Oriental patrulhavam e controlavam os campos da Lagoa Mirim e a área banhada pelo rio Jaguarão. Perto do deságüe do rio na lagoa, estabeleceram em 1801 a Guarda de San Servando. Mas, com a movimentação portuguesa, em 1808 o posto militar foi transferido para a margem fronteira à Guarda do Cerrito no Jaguarão; e acabou dando origem a um povoado. Em 1831 o lugar de San Servando passou a chamar-se pueblo de Arredondo; em 1853 foi elevado à categoria de vila, com o nome de Artigas. Finalmente, em 1909, a localidade foi rebatizada com o nome de Rio Branco10. Estabelecidas as fronteiras políticas e as povoações de Jaguarão e de Rio Branco, o rio – como linha de fronteira e como marco natural transponível – passou, simultaneamente, a separar e a unir o lado de cá e o lado de lá. Agora, a água dividia dois países independentes e duas metades de uma mesma cultura regional. Mas para, de fato, unir todo aquele povo, e para o estabelecimento de um forte fluxo comercial internacional, tornou-se necessário construir a ponte. A ponte dos sonhos dos jaguarenses e dos castelhanos, e de muitos outros que pretendiam “lucrar” com ela... Em 1857, um consocio de quatro capitalistas apresentou-se para edificar e explorar por sessenta anos o empreendimento. Em 1887, duas novas propostas sugeriam a execução da obra: uma ponte fixa ou uma ponte flutuante, ambas de madeira11. Nenhuma iniciativa prosperou. Em 1909, os ministros das Relações Exteriores do Brasil e do Uruguai, respectivamente o Barão de Rio Branco e Rufino Dominguez, assinaram o Tratado que modificou as fronteiras entre os vizinhos. Definitivamente, o thalweg do rio Jaguarão passou a separar os dois países12. 9 SCHLEE, 1983. Em homenagem ao barão e chanceler brasileiro que propusera um novo tratado de limites entre o Brasil e o Uruguai, aprovado naquele ano, corrigindo injustiças históricas que mantinham o rio Jaguarão e a Lagoa Mirim fora da jurisdição e da soberania uruguaias. LUCAS e VINÕLES, 1970. 11 Segundo levantado por SOARES, 2005, 16-20. 12 Disponível em <http://info.lncc.br/wrmkkk/uhist.html> Acesso em: 25 jun. 2008. 10 Foi durante a primeira década do século XX que Carlos Barbosa Gonçalves13, Presidente do Rio Grande do Sul de 1908 a 1913, autorizou as obras que permitiram a franca navegação de vapores entre a Lagoa dos Patos e a Mirim, ligando Jaguarão a Rio Grande (o único porto marítimo do Estado). Carlos Barbosa vivia em Jaguarão e compartilhava dos sonhos da elite local. Não tardou, solicitou também os estudos preliminares para a futura construção da ponte. O projeto foi elaborado pela firma do eng. Rudolf Ahrons, como base em sondagens geológicas e em plantas hidrográficas realizadas por Nicolau Pujol em 1912. Mesmo não lhe cabendo competência decisória em assunto que envolvia relações internacionais entre dois países soberanos, Carlos Barbosa, ao seu tempo Presidente do Estado, também demonstrou interesse na ponte internacional sobre o rio Jaguarão. É mais que compreensível que assim tenha sido. Mesmo aqui não havendo nascido, foi neste torrão que sempre viveu, onde criou seus filhos, onde ergueu seu palacete, onde estava seu patrimônio, onde exerceu sua influencia política por décadas14. A escolha por Ahrons parece correta – profissional com formação e pedigree. Rudolf (*1869-+1947) era filho de Guilherme (*1936-+1915), agrimensor e engenheiro civil alemão, que prestou serviços à administração pública do Rio Grande do Sul por muitos anos15, inclusive atuando na construção de pontes. Rudolf nasceu em Porto Alegre e formou-se Agrimensor no Colégio Militar local e Engenheiro Civil na Universidade Técnica de Berlim (1887)16. Retornando a Porto Alegre, assumiu a direção da empresa construtora do pai, firma na qual viriam a trabalhar os importantes arquitetos Otto Menchen (de 1903 a 1907) e Theo Wiederspahn (de 1908 a 1915). Ahrons também atuou como professor na Escola de Engenharia, a partir de 1898, tendo sido responsável pelas cadeiras de Construções Civis, Hidráulica e Resistência de Materiais. Segundo levantado por Günter Weimer17, lecionou em 1907 projeto de pontes no curso de Estradas. Em 1912, ano em que provavelmente recebeu a encomenda de Carlos Barbosa e em que abandonou a docência, assumiu a cadeira de Construções de Ferro e Cimento Armado. Com formação apropriada e certamente contando com a indispensável ajuda de Theo Wiederspahn, chefe do Departamento de Arquitetura da construtora18, Ahrons apresentou para o cliente ilustre o “Projeto da ponte de cimento armado para o rio Jaguarão, em frente à cidade de mesmo nome 1913”19. A ponte então desenhada corresponde à executada anos mais tarde – com exceção das duas alfândegas – e deve fazer parte do conjunto de obras emblemáticas projetadas no Rio Grande 13 + Carlos Barbosa Gonçalves (*1851- 1933). Médico e fazendeiro, foi fundador do Partido Republicano Rio-Grandense em Jaguarão. De vereador local (eleito em 1884), chegou a Deputado Provincial (eleito em 1891 e em 1907), Vice-Presidente do Estado (nomeado por Julio de Castilhos em 1893), Governador do Estado (1908-13), Senador (eleito em 1920 e em 1927). 14 SOARES, 2005. p.25. 15 Trabalhou para as prefeituras de Rio Grande, Pelotas, Porto Alegre, Jaguarão e São Jerônimo. Ver BARRETO, 1973, pp.20-23. 16 WEIMER, 2004, pp.18-20. 17 WEIMER, 2004, p.19. 18 Agora já denominado “Escritório de Engenharia Rudolf Ahrons”. 19 O desenho original da ponte encontra-se preservado na Fundação Carlos Barbosa, em Jaguarão. do Sul durante a administração de Carlos Barbosa, particularmente elaboradas pelo Escritório Ahrons, a exemplo da Sede dos Correios e Telégrafos (de 1909), da Delegacia Fiscal (de 1912) e da Faculdade de Medicina (de 1913) – todos de Theo Wiederspahn20. Figura 1 - Projeto da ponte de cimento armado para o rio Jaguarão, em frente à cidade de mesmo nome – 1913. R. Ahrons. Fonte: SOARES, 2005. p.26. Ainda segundo Günter Weimer, Ahrons “indiscutivelmente foi o construtor mais importante da época e gozava de largo prestígio nas rodas oficiais – Todo o positivista constrói com R. Ahrons, dizia a propaganda em A Federação...” 21 A Ponte de concreto Eu ainda não era nascido, mas me lembro bem, porque está num conto meu... Foi o verão mais quente que já se teve; e foi o dia mais quente de todos os verões, aquele 1º de janeiro de l93l22 da inauguração da ponte: as pessoas debruçadas na amurada, olhando o rio bem de cima; a água limpa da estiagem passando em desordenados redemoinhos; embaixo, barcos enfeitados, as chatas, os iates que haviam carregado ferro e cimento, cimento e ferro, cimento e ferro, meses a fio, para a construção; e, bem embaixo, na sombra sob as alfândegas, o mormaço, a umidade, o entulho, o cheiro de bosta fresca...23 O desenho da ponte estava pronto, agora era necessário executá-lo. Fora elaborado por encomenda do próprio Presidente do Rio Grande Sul. Carlos Barbosa foi precedido e sucedido na administração estadual por Borges de Medeiros24. Correligionários do Partido Republicano Rio-Grandense, ambos manteriam contato duradouro, preservando a influência política regional e nacional que haviam conquistado. A oportunidade de ouro para o financiamento das obras da ponte surgiu quando das negociações de pagamento da dívida monetária do Uruguai com o Brasil. Firmado novo Tratado, em 1918, foi estabelecido que a quitação ocorreria por meio da construção de uma ponte internacional sobre o rio 20 ARPINI, 1997. WEIMER, 2004, p.20. A Ponte Internacional foi oficialmente inaugurada em 30 de dezembro de 1930. 23 SCHLEE, 1996, p.74. 24 Borges de Medeiros administrou o Rio Grande do Sul de 1898 a 1908 e de 1913 a 1928. 21 22 Jaguarão e de uma escola para trabalhadores da fronteira, em sítios a serem definidos por uma Comissão-Mista. Esta foi composta por inúmeros técnicos civis e militares representantes dos dois países e presidida por Gabriel de Souza Pereira Botafogo (pelo Brasil) e Virgílio Sampognaro (pelo Uruguai). Ambos foram recebidos por Borges de Medeiros em 1919. Ao longo de cinco anos, os técnicos estudaram os temas pertinentes à construção da ponte, dos pontos de sua implantação ao sistema construtivo a ser adotado. O projeto executivo foi elaborado pessoalmente pelo engenheiro Quinto Bonomi Filho, contratado como assessor da delegação uruguaia. O concreto armado foi o sistema escolhido pelos altos comissariados em função de dezoito argumentos então apresentados pelos engenheiros envolvidos, e que assim podem ser resumidos25: 1. A grande difusão da técnica na Alemanha, Estados Unidos, França e Itália; 2. A possibilidade de controle sobre a execução de cada peça in loco (em contraposição às peças metálicas fabricadas em outros sítios); 3. O grande desenvolvimento da técnica de uso do concreto e o exemplo da casa Hennebique, que construiu 485 pontes de concreto armado; 4. Que a segurança das obras de concreto armado cresce com a vigilância e fiscalização no canteiro; 5. Que as obras de concreto formam monolitos isentos dos efeitos do fogo, das variações de temperatura e das oscilações, vibrações e trepidações resultantes dos choques dos ventos, da passagem de tropas em geral e dos veículos de rodagem; 6. Que tais vantagens crescem com o tempo; 7. Que o cimento e o ferro são de fácil aquisição; 8. Que o emprego do concreto armado diminui a seção dos pilares das pontes; 9. Que a instalação de obras de concreto é mais sumária do que a das metálicas; 10. Que o surgimento de peso morto nas construções de concreto é vantajosamente compensado pela rigidez do sistema; 11. Que os insucessos nas obras de concreto armado são atribuídos a erros de execução e não mais a suposta e discutida desagregação dos ferros em armaduras; 12. Que estamos no ponto culminante em que as dúvidas cederão o passo à confiança; 13. Que no campo das construções metálicas existem muitas duvidas a respeito da origem dos insucessos obtidos; 14. Que além das vantagens estéticas resultantes do requinte das formas, permitido pela plasticidade do material, as despesas de manutenção das pontes de concreto são praticamente nulas; 25 Extraídos do Relatório da Comissão Mista Executora do Tratado de 22 de julho d 1918. Justificação da preferência do sistema – concreto armado. Material reproduzido por SOARES, 2005, pp.172-174. 15. No caso específico, não há como transportar peças metálicas de Melo para Jaguarão; 16. Que os iates e vapores que circulam pelo rio Jaguarão são de fraco calado e convés sem resistência para transportar peças grandes metálicas; 17. Que todo o material necessário para a fabricação de concreto armado, assim como a mão de obra, podem ser encontrados nos dois países; 18. Que a obra em questão carece de cunho de originalidade e de uma certa majestade em seu conjunto. A obra foi licitada, com editais publicados no Rio de Janeiro e em Montevidéu, em 1924, mas todas as propostas apresentadas foram rejeitadas. Um ano depois, ocorreu a segunda licitação e, em 1926, foi estabelecido o acordo que, ao extinguir a Comissão, definiu que a ponte seria executada pela firma carioca E. Kemnitz & Cia., em nome do Ministério de Obras Públicas do Uruguai, conforme os projetos e planos já aprovados pela Comissão26. Cabendo ao Brasil, apenas indicar o nome de um engenheiro para acompanhar os trabalhos em Jaguarão. Para dirigir a obra, o Ministério uruguaio contratou novamente o eng. Quinto Bonomi Filho, que passou a contar com a importante colaboração do eng. Roque A. Aita. O Brasil indicou o eng. Arnaldo Pimenta da Cunha27 que, por sua vez, contou com a colaboração do eng. M. J. Moreira Fisher. Eduardo Souza Soares28 informa que a construtora carioca E. Kemnitz & Cia. era administrada pelo eng. alemão Erhard Kemnitz e mantinha contatos comerciais com o Rio Grande do Sul por meio da firma Bastos e Carvalho Ltda (que construiu o Edifício Bier Ullmann em Porto Alegre). Figura 2 – Ponte Internacional Mauá, Jaguarão-Rio Branco. Fonte: Arquivo do autor. 26 Segundo levantado por SOARES, 2005, p.45. Engenheiro formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro e que participou da Comissão de Reconhecimento do Alto Purus, no Acre, ao lado de seu primo, o escritor Euclides da Cunha. Ver FREYRE, 1941, p.59. 28 SOARES, 2005, p.53. 27 As obras tiveram início no dia 21 de fevereiro de 1927 e a ponte foi solenemente inaugurada em 30 de dezembro de 1930. O projeto elaborado por Ahrons em 1913 foi redesenhado por Quinto Bonomi Filho que, além de definir as rampas de acesso, acrescentou as duas alfândegas (Postos Fiscais) de gosto colonial – “son de construccíon sencilla, dado su destino, y de línea sobrias y fuertes para armonizar com el resto de la obra”29. A construção, toda de concreto, pode ser dividida em três partes: a correspondente à rampa do lado brasileiro (com 212m), que se desenvolve junto à rua Uruguai, perpendicularmente ao cais do porto da cidade de Jaguarão; a ponte propriamente dita, sobre o rio Jaguarão (com 330m, contando com as duas alfândegas, e 9 arcos); e a rampa do lado uruguaio (1.571,86m e 64 arcos), que se desenvolve sobre campo plano e alagadiço até a localidade da Cuchilla, mas que, após o Posto Fiscal, apresenta uma bifurcação para a área comercial de Rio Branco (154m e cinco arcos). Ao todo, são 2.113,86m de extensão30 e 13 ou 10,25m de largura. Com exceção do trecho da bifurcação, toda a ponte apresenta canteiro central com trilhos de duas bitolas para o transporte ferroviário. Segundo dados levantados por Eduardo Souza Soares31, em 1928, trabalharam na execução da ponte cerca de 6215 operários: 2813 brasileiros, 2001, uruguaios, 607 portugueses, 430 alemães e 364 de outras nacionalidades. Gente que transformou radicalmente, por alguns anos, a economia local. Além da ponte, a firma Kemnitz & Cia., aproveitando a mão de obra disponível executou outras obras na região, entre as quais, destaca-se o grande edifício das Lojas Azpiroz de Rio Branco (inaugurado em 1930). Magazine capaz de vender de tudo... O cheiro de bosta fresca, a umidade, o mormaço na sombra da enorme ponte; ainda uns fiozinhos de água já limosa escorrendo nas juntas cheias de piche; cavalos quietos, de rabos atentos às moscas impertinentes. Sobras de argamassa, uns ferros, barricas, sujeiras sobradas no escondido da ponte. Que fariam agora? Para onde iriam todos? Os botes, os caícos, canoas, barcos de todo o gênero, ainda por aí, apodrecendo devagar, vagos de vez. Os mandaletes sem mandalete, sem pára-vento, sem nada. Os ajudantes os carroceiros, os estivadores. Até aqueles apontadores, dos dois lados. E os fiscais. Vagos de vez, afundando, podres, sem remos...32 A Ponte de memórias – conclusão Quando confrontamos a Ponte Internacional Mauá com as demais realizações de sua época, ou mesmo quando a analisamos dentro do quatro da evolução do uso do concreto armado no Brasil, é possível perceber fatos significativos. Inicialmente é interessante destacar que o projeto original de 29 Puente Internacional Mauá sobre o Rio Yaguarón (1930). Documento reproduzido por SOARES, 2005, pp.117-125. Não considerados os 154 m da rampa de Rio Branco. 31 SOARES, 2005, p.116. 32 SCHLEE, 1984, p.67. 30 Ahrons, de 1913, corresponde a uma versão ampliada, em nove arcos, da ponte da Cia. Mogiana sobre o ribeirão dos Machados, em Socorro, de autoria dos engenheiros Guilherme Winter e Ernesto Chagas. Obra considerada por Augusto Carlos de Vasconcelos33 como a primeira ponte executada em concreto armado em São Paulo devidamente documentada (publicada na Revista Polytechnica nº31/32 de 1910). Portanto, divulgada por revista especializada dois anos antes de Ahrons assumir a cadeira de Construções de Ferro e Cimento Armado do curso de Engenharia Civil de Porto Alegre. Por outro lado, é importante lembrar que a Escola de Engenharia de Porto Alegre foi fundada em 1896. No seu Instituto de Engenharia eram oferecidos os cursos independentes de Agrimensura, Estradas, Hidráulica (vias navegáveis34), Arquitetura e Eletrotécnica. Por sua vez, o curso de Engenharia Civil local foi criado apenas em 1911. Acredita-se que os primeiros exemplos de aplicação do concreto armado no Brasil sejam de 1904 (as famosas casas de Copacabana, erguidas pela Empresa de Construções Civis35); e que, portanto, a organização do ensino superior no Rio Grande do Sul corresponde ao período de implantação das técnicas de concreto armado no Brasil. Estudando o tema, Sylvia Ficher36 e Augusto Carlos de Vasconcelos37 listaram algumas obras pioneiras no uso do concreto armado no Brasil: 1. 1907 – Viaduto Marechal Deodoro, em Itaipu, São Paulo; 2. 1908 – Ponte sobre o rio Maracanã, Rio de Janeiro; 3. 1910 – Ponte sobre o ribeirão dos Machados, Socorro, São Paulo; 4. 1911 – Ponte sobre o rio Camanducaia, em Amparo, São Paulo; 5. 1912 – Ponte sobre o rio Tamanduateí, na Mooca, São Paulo; 6. 1912 – Dois reservatórios de água de Belo Horizonte, Minas Gerais; 7. 1914 – Pontes, viadutos e arrimos da linha férrea da Estrada do Mar, São Paulo; 8. 1914 – Arrimos de retificação e canalização do rio Tamanduateí, São Paulo. Considerando tal listagem, vale destacar que a ponte desenhada pelo Escritório Ahrons (1913), por algum tempo (embora desconhecida e não estudada), foi a maior obra de concreto armado até então projetada no Brasil. Augusto Carlos de Vasconcelos38 supõe que os cálculos estruturais dessa época eram desenvolvidos no exterior. De fato, não encontramos informações sobre quem realizou o cálculo definitivo da Ponte Internacional Mauá, já redesenhada por Bonomi. Mas um dado parece curioso: no Relatório de descrição geral da obra, a Comissão Mista informa que 33 VASCONCELOS, 1985, p.14. WEIMER, 2003, p.160. 35 VASCONCELOS,1985, p.13. 36 FICHER, 1991, p.33. 37 VASCONCELOS, 1985. p.16. 38 VASCONCELOS, 1985, p.16. 34 O sistema de nove arcos foi preferido depois de demorados ensaios de cálculo em três, cinco e em sete arcos, projetando-se em nove pela superioridade das condições técnicas, das quais resultaram menores espessuras das peças de construção, menor altura da obra, e outras vantagens determinantes de menores custos39. Ou seja: em 1924 (ano da primeira licitação da obra) o projeto executivo da Ponte já estava elaborado e a estrutura toda calculada. No entanto, “depois de demorados ensaios de cálculo” foram mantidos o desenho, as proporções e mesmo o número de arcos do projeto de Ahrons. Ele mesmo, formado em Engenharia Civil na Universidade Técnica de Berlim (1887) e professor, a partir de 1898, de resistência dos materiais, projetos de pontes e construções de ferro e cimento armado na Escola de Engenharia. Durante as primeiras duas décadas do século XX, o desenvolvimento de sistemas estruturais em concreto armado no Brasil esteve diretamente relacionado com a participação de firmas e/ou técnicos estrangeiros. Inicialmente com a francesa Hennebique, logo pela Brazilian Ferro-Concrete Companny (do vienense William Fillinger), pela alemã Wayss & Freytag (que no Brasil, em 1924, recebeu o nome de Companhia Construtora Nacional S.A, ao encampar a Construtora em Cimento Armado de Lambert Riedlinger), e pela também francesa Bureau d’Études de L. Pelnard, Considere & Caquot. Situação que ficou registrada no Relatório da Comissão-Mista que indica o uso do concreto aramado para a Ponte Internacional Mauá e reflete todo o tipo de preocupação existente naquele momento a respeito do emprego de sistema construtivo (inclusive contrapondo-o de maneira cruel ao emprego de estruturas metálicas). Por fim, o concreto armado difundia-se por todo o Brasil, afirmando suas características técnicas e sua viabilidade econômica. Em um sistema construtivo “em que se fundem tarefas artesanais com o emprego de maquinaria, sua aceitação era favorecida por uma organização social em que a mão de obra é um fator de produção barato e pela existência de uma fabricação local de cimento Portland”40 (caso do Brasil e do Uruguai). Inúmeras foram as dificuldades enfrentadas durante os anos de obras, do transporte dos materiais à ausência de mão de obra qualificada. Mesmo assim, os seus 2.113,86m de comprimento foram executados (sendo 276m sobre o rio Jaguarão) no mais puro e bem elaborado concreto armado. Uma ponte que, desde então, cumpre o seu papel fundamental, de tentar unir o que politicamente fora separado. Uma ponte de integração cultural toda feita de concreto, mas que ainda hoje esconde sonhos e ajuda a revelar histórias. 39 40 Descrição geral da obra. Documento reproduzido por SOARES, 2005, pp.175-176. FICHER, 1991, p.32. Quando voltou a Jaguarão, andou parando pelas esquinas, passando a mão pela cara, olhando longamente as casas desaparecidas, interrogando sem respostas as velhas calçadas e os novos calçamentos. Não encontrou os amigos previstos, não identificou os lugares conhecidos, não achou nenhuma das coisas nem nada que esperava... A ponte já não tinha seus postes de concreto, derrubados e agora atulhando o rio; nem os bojos de luz, substituídos por lâmpadas de mercúrio. Rio Banco arrancara com as enormes raízes as árvores de sua rua; e asfaltara tudo. O imponente sobrado onde funcionara, sobre vitrinas de luxo e vidro, a tentadora Casa Azpiroz, era em parte ocupada por uma loja de máquinas agrícolas41. Referências bibliográficas ARPINI, José Luis. A evolução da linguagem da arquitetura de Theo Wiederspahn no Rio Grande do Sul entre 1908 e 1952. São Leopoldo: Unisinos, 1997 (Relatório de pesquisa). BARRETO, Abeillard. 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Imprimir A obra do escritório de Jacques Pilon no centro de São Paulo Tiago Seneme Franco Arquiteto Urbanista pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Mestrando da Universidade Presbiteriana Mackenzie Orientador Abílio Guerra Endereço: Rua Carneiro Leão, 290 ap. 174, bloco 03, Brás – São Paulo, SP. 03040-000 Tel. 11 32728042/ Cel. 11 76909818/ tiagofranco82@gmail.com 1 Fechar A Obra do Escritório de Jacques Pilon no Centro de São Paulo Resumo Segundo um levantamento preliminar, entre os anos de 1935 e 1960, inserido no amplo processo de verticalização do centro da cidade de São Paulo, o escritório do arquiteto francês Jacques Pilon produziu na região central da cidade em torno de 60 edifícios. Inicialmente associados a um período de transição entre a arquitetura clássica e a moderna, os edifícios já introduziam conceitos como racionalização da estrutura, amplas aberturas para iluminação e ventilação e respeito às normativas norte-americanas de instalações prediais. Considerando os cerca de vinte e cinco anos de produção de seu escritório, a produção pessoal mais representativa de Jacques Pilon como arquiteto se concentra na primeira década, entre 1934 e 1945. Após este período passou a contar com a colaboração de arquitetos experientes e qualificados, que modificaram a linguagem da arquitetura produzida em seu escritório. Assim, gradativamente, os projetos passaram a contar cada vez menos com sua participação efetiva como arquiteto, que passou a se dedicar às atividades gerenciais de seu escritório. Através da leitura da expressiva produção do escritório de Jacques Pilon no centro de São Paulo, tem-se uma amostragem significativa do processo de verticalização da cidade, bem como da gradual inserção da arquitetura moderna e sua evolução na cidade, sobretudo nos edifícios comerciais e de apartamentos. Palavras-chave Jacques Pilon – Verticalização – Centro de São Paulo Abstract According to a preliminary view, the office of the French architect Jacques Pilon has projected around 60 buildings – trough the large process of verticalization in the Sao Paulo downtown – between 1935 and 1945. Initially associated to a transition period between classic and modern architecture, the buildings has already introduced concepts as the racionalization of structures, large openings for light and ventilation; and, respect to the North-American rules of buildings installations. During the 25 years of productions in his office, the most personal and representative works of Jacques Pilon as architect between 1934 and 1945. After this period there were the collaboration of qualified and experienced architects whom modified the architecture language of his office. Therefore, the projects gradually had a lack of the effective Pilon’s participation as architect and he dedicated himself to activities of management in his office. Through the reading of the expressive production of the Jacques Pilon’s office in Sao Paulo downtown, it is possible to realize a massive sampling of the verticalization process of the city, as the gradual insertion of modern architecture and its evolution in the city, mainly in the commercials and apartment buildings. Key-words Jacques Pilon – Verticalization –São Paulo Downtown A obra do escritório de Jacques Pilon no centro de São Paulo Situado inicialmente no período de transição do Ecletismo para o Modernismo, a obra de Jacques Pilon, como a de diversos arquitetos deste período, permanece ainda hoje sem um levantamento mais sistemático da documentação e de estudos mais rigorosos da produção construída. Ela está quase sempre ausente nos livros, até mesmo nos principais manuais de arquitetura brasileira como, os fundamentais Arquitetura Contemporânea no Brasil, de Yves Bruand, e Arquiteturas no Brasil. 1900-1990, de Hugo Segawa. Pedro Moreira, em artigo de 2005, comenta esta situação de nossa historiografia: “Durante décadas, as investigações acadêmicas e a literatura disponível sobre o período formativo da Arquitetura Moderna no Brasil permaneceram esparsas, frequentemente limitando-se a explanações sucintas acerca de personalidades e eventos, à repetição de informações, e acompanhadas pela apresentação de material iconográfico fragmentário. Nos compêndios de Phillip Goodwin (1943) e Henrique Mindlin (1956), hoje tidos como ‘clássicos’ da historiografia do Modernismo Brasileiro, verifica-se, por um lado, um admirável esforço de catalogação, e por outro, um entendimento pragmatista e linear, claramente dominado pelo discurso dos protagonistas daquela que ficou conhecida como ‘Escola Carioca’. [...] somente a partir do início da década de 90 verificou-se um adensamento de estudos, que vêm possibilitando a necessária releitura da história do período inicial de nossa Modernidade Arquitetônica. A esta releitura pertencem não somente a revisão de certos conceitos e interpretações, mas também a avaliação de nomes e obras menos reconhecidas ou até esquecidas.” 1 Tal omissão é, em grande parte, fruto de uma interdição ideológica, uma vez que a visão hegemônica de nossa história arquitetônica é amplamente baseada na visão de mundo do arquiteto Lucio Costa, que julga as manifestações de teor neoclássico como desvios artificiais da evolução da arquitetura brasileira. A partir desse ajuizamento, temos estabelecida uma relação direta entre as arquiteturas moderna e colonial, com a interdição de uma melhor compreensão de manifestações neoclássicas e ecléticas, que correspondem justamente aos primórdios da verticalização e da construção dos primeiros arranha-céus de São Paulo e Rio de Janeiro. As primeiras manifestações de modernização na arquitetura deste período não são exatamente modernas. Entre os anos de 1930 e 1940 o Art-Decó – juntamente com edifícios com referências à Escola de Chicago – será predominante na arquitetura de edifícios altos no Brasil, em especial na verticalização paulistana. “O Art-Decó – afirma Hugo Segawa – foi o suporte formal para 1 MOREIRA, Pedro. “Alexandre Altberg e a Arquitetura Nova no Rio de Janeiro”. Arquitextos, n. 058. São Paulo, Portal Vitruvius, mar. 2005. Disponível em <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq058/arq058_00.asp>. Acesso em 20 de março 2008. 3 inúmeras tipologias arquitetônicas que se afirmavam a partir dos anos de 1930”.2 Dentre elas, além de teatros e cinemas, o edifício de escritórios são bastante significativos. Contudo, tratando-se da presença do Art-Decó e Escola de Chicago, nota-se uma postura semelhante à adotada para com a arquitetura eclética e neoclássica pela historiografia. Estudos acerca do art-decó se detêm, de modo geral, a breves notas em trabalhos focados na arquitetura moderna corbusiana, dificilmente tendo estudos baseados especificamente neste período e seus protagonistas. Marcelo Puppi lança luz sobre esta questão, em seu livro Por uma história não moderna da arquitetura brasileira: “Concentrando-se nos momentos de exceção da arte do país, ela [a historiografia] dedicouse na maior parte das vezes a construir uma interpretação nacionalista do conjunto da arquitetura brasileira, cujo objetivo quase exclusivo é a valorização histórica das criações modernas locais.” 3 O presente texto tem como objetivo apresentar brevemente a vasta obra do escritório de Jacques Pilon no centro de São Paulo e assim colaborar no preenchimento desta lacuna, buscando entender a obra do escritório como uma manifestação estilística específica, que tem como tela de fundo os processos de modernização sócio-econômica e verticalização da cidade de São Paulo, sobretudo da região central. Por outro lado, como se trata de um arquiteto estrangeiro, esta obra é também expressão de uma individualidade que se insere na história da ampla imigração de arquitetos europeus para São Paulo em diversos momentos do século XX. A análise de sua extensa obra permite um olhar para estas questões e seu rebatimento nos projetos produzidos pelo escritório na região central entre 1934 e 1957. A cidade de São Paulo e a verticalização da área central “O crescimento da cidade, por volta de 1935, fazia São Paulo lembrar uma ‘Chicago sulamericana’, com seu milhão e meio de habitantes, compostos de representantes de todos os povos da Europa e de alguns da Ásia, seus arranha-céus inacabados, cujas rendas futuras estavam em discussão, ao lado de avenidas com grandes palacetes, em bairro comercial apertado, quase asfixiado pelo trânsito”.4 É neste cenário que Jacques Pilon chega a São Paulo, em 1934, encarregado de acompanhar um projeto do escritório do escocês Robert Prentice, sediado no Rio de Janeiro, onde trabalhava 2 3 4 SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil. 1900-1990. Edusp, São Paulo, 1998, p. 61. PUPPI, Marcelo. Por uma história não moderna da arquitetura brasileira. Pontes Editores / CPHA-ICCH, Campinas, 1998, p. 09. PETRONE, Pasquale. A cidade de São Paulo no século XX. São Paulo, Revista de História, 1955. Apud SOMEKH, Nadia. A Cidade Vertical e o Urbanismo Modernizador. São Paulo 1920-1939. São Paulo, Studio Nobel, 1997, p. 147. 4 desde sua fixação de residência no Brasil em 1933.5 Naquela ocasião, o centro da cidade se expandia além dos limites do triângulo histórico, em direção da Praça da República, processo impulsionado pelo aporte de recursos no mercado da construção civil por parte de uma elite agroindustrial, que se interessou, sobretudo por edifícios para renda no perímetro central da cidade.6 O poder público, por sua vez, até 1930 promove somente planos urbanísticos com características pontuais, focados principalmente na adequação de áreas residenciais a anseios da burguesia do café, pouco relacionados à força industrial e à população operária que emergia. Conforme explicam Nadia Somekh e Cândido Malta, “os planos de remodelação urbanística de São Paulo até 1930 destacam a afirmação de valores representativos, por meio de controles volumétricos e de preocupações estéticas localizadas, aprimoram a funcionalidade urbana central por meio de intervenções pontuais, e configuram espaços residenciais de qualidade para a elite. Não são adotadas políticas abrangentes de regulação, integração viária e provisão de equipamentos urbanos.” 7 Com a industrialização e o rápido crescimento urbano resultante, os antigos padrões são abandonados e um novo modelo de intervenção é implementado através do Plano de Avenidas. Encomendado durante a gestão do prefeito Pires do Rio (1927) e publicado em maio de 1930, o Plano de Avenidas de Prestes Maia expressa uma significativa mudança de paradigma, marcada pelo expansionismo, a verticalização e o rodoviarismo. O Plano constitui uma série de proposições viárias para ordenar os fluxos da metrópole, acompanhada por medidas como regulação de gabaritos e criação de espaços públicos. Durante o inicio da década de 1930, as mudanças administrativas na cidade devido à revolução não permitiram a imediata implementação do Plano de Avenidas, que viria a ser retomado, ainda que com medidas isoladas, na administração de Fabio Prado (1934-1938). As obras mais significativas somente se iniciaram durante a gestão do próprio Prestes Maia (1938-1945), dentre elas o Perímetro de Irradiação, composto pelas avenidas Senador Queiroz, Ipiranga, São Luiz, os viadutos Nove de Julho, Jacareí, Dona Paulina, a Praça Clóvis Bevilacqua, o alargamento do início da Avenida Rangel Pestana e a Avenida Mercúrio.8 Nadia Somekh descreve as especificidades deste processo, destacando que 5 Esta e demais informações biográficas sobre Jacques Pilon foram extraídas de: CASTELO BRANCO, Ilda Helena Diniz. Arquitetura no centro da cidade; edifícios de uso coletivo em São Paulo –1930-50. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 1989. 6 Cf. BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. Arquitetura moderna, lei de inquilinato e difusão da casa própria. Estação Liberdade/Fapesp, 2004. ATIQUE, Fernando. Edifício Esther. São Carlos, Rima, 2003. 7 SOMEKH, Nadia; MALTA, Cândido. A Cidade não pode parar: Planos urbanísticos de São Paulo no século XX. São Paulo, Editora Mackpesquisa, 2002, p. 52. 8 5 Ibid. “em São Paulo o urbanismo desenvolvido no período estudado não pode ser caracterizado de moderno ou modernista, mas sim de modernizador. [...] O urbanismo paulistano, apesar de pautado numa racionalidade influenciada pelo ideário internacional, não pode ser considerado moderno, pois a questão social não ocupa o centro de seu discurso, mas sim a eficiência e o desenvolvimento da cidade e do capital.” 9 Os edifícios produzidos neste período passavam lentamente de uma tradição clássica, eclética para uma linguagem mais limpa, quase moderna (“proto-moderna” ou “proto-modernista”, como querem alguns historiadores10), tendo o Art-Decó como transição, principalmente entre os anos 1930 e 1940. Segundo Paulo Fujioka, o Art-Decó e a Escola de Chicago (referências muito presentes na obra de Pilon) “abriram caminho para os pioneiros do Movimento Moderno.”11 Esse momento de transição é marcado, muito do que pela ruptura, por pequenas e acumulativas transformações estilísticas, como bem descreve Jorge Czajkowski: “O Art-Decó pode ser classificado como uma das derradeiras manifestações do Ecletismo, ao mesmo tempo em que se constitui como uma das primeiras expressões do modernismo, daí seu caráter ambíguo [...]. Ao contrário que se afirma nossa historiografia, essa transição, definitivamente, não se deu de estalo. Em vez de ruptura, houve mutação lenta e imperceptível, produzida por protagonistas até hoje quase anônimos.” 12 O Art-Decó, como estilo de transição, permitia a conciliação de normas urbanísticas que buscavam o desenho da cidade enquanto a massa edificada, alinhada à rua com a depuração gradual da ornamentação, buscando viabilizar edifícios destinados à renda e de acordo com preceitos modernizadores. Diversos edifícios construídos entre os anos de 1930 e 1940 possuem inegável valor estilístico, mesmo que ainda não possuíssem características da arquitetura moderna corbusiana. A formação de uma tradição moderna racionalista de extrato corbusiano, inicialmente representada pela “escola carioca”, só viria a se tornar uma realidade urbana marcante nas grandes cidades brasileiras a partir da década de 1940. 9 SOMEKH, Nadia. A Cidade Vertical e o Urbanismo Modernizador. São Paulo 1920-1939. São Paulo, Studio Nobel, 1997, p. 33. 10 Nestor Goulart Reis Filho usa o termo “proto-modernismo” para designar parte da obra que o arquiteto francês Victor Dubugras realiza neste mesmo momento na cidade de São Paulo. REIS FILHO, Nestor Goulart. Racionalismo e proto-modernismo na obra de Victor Dubugras. São Paulo: Fundação Bienal/ABCP, 1997. 11 FUJIOKA, Paulo Yassuhide. O edifício Itália e a arquitetura dos edifícios de escritórios em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996. 12 CZAJKOWSKI, Jorge. Guia de Arquitetura Art-Decó no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Casa da Palavra: Prefeitura da Cidade do Rio de 6 Janeiro, 1997, p.14. Os arquitetos estrangeiros no Brasil Dentro do complexo de fatores que conformam este momento de transformação da sociedade brasileira, um fato que merece destaque é a grande imigração de arquitetos europeus para o Brasil, em especial para São Paulo, no entre-guerras e, sobretudo, no período do segundo pósguerra. Segundo Carlos Lemos, a contribuição de arquitetos estrangeiros aqui foi bastante expressiva porque trouxe “à cidade cafezista cosmopolita o tempero europeu à arquitetura moderna.”13 Arquitetos como Gregori Warchavchik, Giancarlo Palanti, Victor Reif, Lina Bo Bardi, Bernard Rudofsky, Hans Broos, Daniele Calabi, Lucjan Korngold, Charles Bosworth, Lina Bo Bardi, Franz Heep, dentre outros, fazem parte deste cenário. A contribuição desse contingente de profissionais, quase sempre muito bem formados, é o foco de diversas pesquisas recentes desenvolvidas em universidades brasileiras. Dentre estes trabalhos, que abordam as trajetórias destes arquitetos e sua contribuição para a formação do quadro da arquitetura moderna brasileira, podem ser citados estes: A obra de Adolf Franz Heep no Brasil, de Marcelo Barbosa14; Hans Broos. A expressividade da forma, de Karine Daufenbach15; Lucjan Korngold – a trajetória de um arquiteto imigrante, de Anat Falbel16; Uma produção do espaço em São Paulo: Giancarlo Palanti, de Ângela Maria Rocha17; e A obra e a trajetória do arquiteto Giancarlo Palanti Itália e Brasil, de Aline Coelho Sanches18. No seu conjunto, estas dissertações de mestrado e teses de doutorado delineiam um quadro bastante elucidativo da relação destes arquitetos imigrantes com a produção arquitetônica nacional. Dentro do próprio escritório de Jacques Pilon – um dos mais representativos escritórios de arquitetura da cidade de São Paulo entre os anos de 1930 e 1960 – encontramos uma amostra concentrada deste fenômeno. Fundado pelo próprio Jacques Pilon, francês, o escritório contou as colaborações, ao longo dos anos, de arquitetos como os alemães Herbert Duschenes e Adolf Franz Heep, e o italiano Giancarlo Gasperini, profissionais estrangeiros que trouxeram marcante colaboração à cena arquitetônica brasileira. 13 LEMOS, Carlos. O modernismo arquitetônico em São Paulo. Texto originalmente apresentado na abertura do III Seminário Docomomo Estado de São Paulo, ocorrido em São Paulo em agosto de 2005. Portal Vitruvius, jan. 2007 <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq065/arq065_01.asp>.>. Acesso em 20 de março 2008. 14 BARBOSA, Marcelo Consiglio. A obra de Adolf Franz Heep no Brasil. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. 15 DAUFENBACH, Karine. Hans Broos. A expressividade da forma. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006. 16 FALBEL, Anat. Lucjan Korngold – A trajetória de um arquiteto imigrante. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. 17 ROCHA, Ângela Maria. Uma produção do espaço em São Paulo: Giancarlo Palanti. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 1991. 18 SANCHES, Aline Coelho. A obra e a trajetória do arquiteto Giancarlo Palanti Itália e Brasil. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). São Carlos, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, 2004. 7 A trajetória de Jacques Pilon Jacques Pilon nasceu em 1905 na cidade francesa Le Havre. Veio para o Brasil acompanhando a família em 1910, pois seu pai seu pai havia sido encarregado de reorganizar e dirigir o porto do Rio de Janeiro. Voltou para a França onde se formou inicialmente em Direito e Letras, cursando posteriormente Arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes de Paris, onde concluiu os estudos em 1932, aos 27 anos. Retornou ao Rio de Janeiro no ano seguinte, iniciando sua carreira no escritório do escocês Robert R. Prentice, que, associado ao austríaco Anton Floderer, formava um dos maiores escritórios de arquitetura do país19, com grandes projetos em várias cidades do território nacional, como por exemplo o Elevador Lacerda em Salvador, edifício imponente de inspiração Déco, linguagem totalmente assimilada por Pilon e que se materializa em seus primeiros trabalhos, como é o caso da Biblioteca Mário de Andrade, projeto de 1935, já em São Paulo. Através do escritório de Prentice, em 1934 Jacques Pilon veio a São Paulo fiscalizar as obras do Edifício SULACAP (Sul América Capitalização). Localizado na esquina das Ruas XV de Novembro e Anchieta, o edifício foi considerado um modelo a ser seguido por outras construtoras no que diz respeito a edifícios de escritório de alto padrão 20 . Em concreto armado, conta com amplas aberturas, elevadores modernos, espaços generosos e atendia às normas de instalações norteamericanas. Referências à arquitetura norte-americana não ficaram restritas somente à observância das normas de instalações. Também é visível na arquitetura produzida por Pilon no centro de São Paulo um traço muito semelhante aos arranha céus de Chicago, ainda que a estrutura metálica amplamente difundida nos edifícios norte-americanos fosse substituída no Brasil pela utilização do concreto armado. As soluções de fachada em grelha homogênea de amplas janelas horizontais, emolduradas pela estrutura, são marcantes tanto nos edifícios de Chicago quanto nos edifícios de escritórios produzidos à partir de 1935 por Jacques Pilon, sobretudo nos edifícios implantados no de meio de quadra. 19 AZEVEDO, Paulo Ormindo de. “Alexander S. Buddeüs: a passagem do cometa pela Bahia”. Arquitextos, n. 081.01. São Paulo, Portal Vitruvius, jan. 2007 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq081/arq081_01.asp>. Acesso em 20 de março 2008. 20 8 CASTELO BRANCO, Ilda Helena Diniz. Op. cit.. 1. Da esquerda para direita: Edifício Jaraguá (1940), Edifício Anhumas (1940), Edifício Barão de Itapetininga (1945), projeto de Jacques Pilon. Fotos: Tiago Franco. No final de 1934 em uma iniciativa pioneira, associou-se ao engenheiro civil Francisco Matarazzo Netto, formado em 1933 pela Escola Politécnica da USP, constituindo a firma Pilon & Matarazzo Ltda. – PILMAT. Nesta sociedade, as atribuições entre engenheiro e arquiteto, que na época eram praticamente iguais, ficariam bem definidas. Pilon trabalhava nos projetos e o engenheiro Francisco Matarazzo Netto tratava da execução da obra e todos seus desdobramentos. A associação com Francisco Matarazzo Netto abriu caminho para o recém formado arquiteto dentro da emergente sociedade industrial paulistana. Em 1925 a família Matarazzo era detentora de mais de 70.000 ações dentre as 150.000 que representavam as Indústrias Reunidas Matarazzo por todo o mundo. Os grandes empreendedores industriais paulistanos da primeira metade do século eram em sua maioria italianos e sírio-libaneses como Crespi, Siciliano, Scarpa, Jafet e Maluf,21 as duas últimas, clientes do escritório de Jacques Pilon ao longo dos anos22. Foi justamente encomenda de André Matarazzo o primeiro edifício projetado por Pilon na capital, o segundo a ser construído no bairro de Higienópolis, o edifício Santo André. O edifício de 1935, que destinava-se a abrigar a família de André Matarazzo, possuía térreo comercial e sete pavimentos, todos prontamente alugados na ocasião de seu lançamento. 23 Era um edifico luxuoso, com características Déco. Se observados os itens elencados pela equipe de Conde em seu Guia da Arquitetura Art Déco no Rio de Janeiro 24 , dentre as seis características constantes na arquitetura Art Déco da capital carioca: 21 MORSE, Richard M. Formação Histórica de São Paulo. São Paulo, DIFEL, 1970. 22 Projetos de Jacques Pilon para a família Jafet e Maluf: Edifício Alzira Jafet e Benjamin Jafet (1946); Edifício Guarujá (1946); Edifício Basílio Jafet (1946); Residência Elias Jafet (1951); Edifício Salim Farah Maluf (1945); Edifício Santa Mônica (1957). 23 GAGGETTI, Luiz Flavio. Características das Tipologias Arquitetônicas dos Edifícios Residenciais no Bairro de Higienópolis 1938/ 1965. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Presbiteriana Mackenzie, 2000. 24 9 CZAJKOWSKI, Jorge Org. Guia de Arquitetura Art Déco no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2000. “composição de matriz clássica; tratamento volumétrico das partes à maneira moderna; articulação entre arquitetura, interiores e design; estruturas em concreto armado, revestimento do embasamento em pedra e restante em pó-de-pedra, janelas tipo “Copacabana”; acesso por hall; iluminação feérica e cenográfica”.25 Todas estas características estão presentes no edifício Santo André e permanecerão em certa medida em suas obras até a chegada de Franz Heep ao escritório. 2. Edifício Santo André (1935). Fotos: Tiago Franco. Após fazer alguns edifícios na área central, sua primeira mansão – o Castelo Luis XIII, do diplomata e industrial Horácio Lafer – e ter recebido o 3ª lugar no concurso para o Viaduto do Chá em 1935 26 , Pilon é encarregado do importante projeto da Biblioteca Municipal Mario de Andrade, em 1936. O projeto desenvolvido durante a gestão de Fábio Prado (1934-1938) era parte de um amplo complexo de transformações urbanísticas, ao lado de intervenções como o Novo Viaduto do Chá, a abertura das avenidas Nove de Julho e Rebouças, que ainda que de forma isolada eram obras constantes do Plano de Avenidas. Além de ligada ao Departamento de Obras da cidade, o projeto fazia parte do programa do recém criado Departamento de Cultura, que sob a égide de Mário de Andrade, auxiliado por Sérgio Milliet e Rubem Borba de Moraes traziam um projeto de ampla democratização cultural. 27 Sinal da projeção de Pilon, recém chegado a São Paulo, é o depoimento de Rubens Borba de Moraes quanto à escolha do arquiteto para o projeto da Biblioteca: 25 26 27 Ibid. O concurso foi ganho pelo arquiteto Elisiário Bahiana, ficando o arquiteto Rino Levi em segundo lugar. CARVALHO, Orlando França. Forma e contexto: no projeto da Biblioteca Mário de Andrade (1934-2004). Dissertação de Mestrado. São 10 Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2004. “Eu procurei um arquiteto, era o único que havia em São Paulo naquele tempo. Os outros eram engenheiros arquitetos.”28 A linguagem adotada para o projeto da Biblioteca Mário de Andrade se alinha com a de outros projetos de grande porte desenvolvidos pela prefeitura no mesmo período como o Estádio do Pacaembu, Viaduto do Chá e Túnel da Avenida Nove de Julho de estilo Déco ou clássico modernizado. 3. Biblioteca Mário de Andrade (1936). Foto: Tiago Franco. Este projeto é uma exceção dentro da obra de Jacques Pilon no centro de São Paulo, que envolve em sua grande maioria edifícios de escritório e residenciais. Exemplo bastante representativo da PILMAT no centro de São Paulo é o caso da Rua Marconi. A Rua Marconi, localizada na região do centro novo de São Paulo, entre as ruas Barão de Itapetininga e 7 de Abril juntamente com os lotes da direita e esquerda eram um único terreno onde Dr. Walter Seng, conceituado médico da capital possuía sua residência e consultório. Ao falecer, em 1936, seus herdeiros propuseram a abertura da rua no centro do lote, medida que permitia melhor aproveitamento imobiliário dos terrenos, que passava a contar com maior metragem de frente para vias publicas. 29 O primeiro edifício a ser edificado na Rua Marconi, projeto de Jacques Pilon e de propriedade Sr. Manuel Martins Costa, o Edifício São Manuel encontra-se na esquina com a Rua Barão de Itapetinga. Apesar da economia dos materiais, possui semelhanças com o tratamento de fachada buscado no Edifício Sulacap, com faixas horizontais ininterruptas, segundo Ilda Castelo Branco, referência da arquitetura americana, como armazém de concreto armado para a Montgomery, Ward and Company (Chicago, 1908) de R. E. Schimdt, Garden e Martin. 28 29 Ibid LEFÈVRE, José Eduardo de Assis. De beco a avenida. A história da rua São Luiz. São Paulo, Edusp, 2006. 11 Entre 1937 e 1940 a PILMAT projetou e construiu na Rua Marconi quatro edifícios dos doze hoje existentes ao longo de sua pequena extensão: o Edifício São Manoel (1937); Edifício Francisco Coutinho (1938); Edifício Anhumas (1940); Edifício Ernesto Ramos (1940-43). Todos respeitam as diretrizes previstas no Plano de Avenidas, onde os edifícios teriam 11 andares no alinhamento da calçada com escalonamentos nos andares subseqüentes. Estas características de implantação acompanharam os demais edifícios da PILMAT na região central, que ainda que introduzindo valores da arquitetura moderna em seus projetos, como a racionalização da estrutura, grandes áreas encaixilhadas e depuração gradativa dos adornos, respeitavam um desenho de cidade conservador, onde a massa edificada desenhava blocos contínuos alinhados com o desenho da rua. 4. Da esquerda para direita: Edifício Anhumas (1940), Edifício Jaraguá (1940), Edifício São Manoel (1937). Fotos: Tiago Franco. A sociedade que durou até 1939 foi responsável, sobretudo, pela construção de diversos edifícios de escritórios na região central e residências de alto padrão em bairros novos da cidade. Algumas características eram marcantes nos edifícios produzidos pela sociedade: grande atenção à maneira prática de construir; qualidade dos projetos aliada à simplicidade e economia da construção; desprendimento de questões estilísticas, atendendo a diversidade das solicitações dos clientes; etc. Segundo Ilda Castelo Branco, a linha de modernização e simplicidade utilizada nos edifícios não foi a mesma adotada nas residências, onde predominava o sentimento das famílias.30 Com a dissolução da sociedade com Francisco Matarazzo Netto, Pilon manteve escritório próprio até o início da década de 1960 quando veio a falecer com 57 anos. Durante este período associou-se a grandes profissionais como Herbert Duschenes, Franz Heep, Giancarlo Gasperini e 30 12CASTELO BRANCO, Ilda Helena Diniz. Op. cit. Jerônimo Bonilha Esteves. Invertendo o acordo com seu primeiro sócio, gradativamente foi se afastando da prancheta, contado cada vez mais com a participação dos seus colaboradores para a concepção dos projetos, para se dedicar cada vez mais ao gerenciamento dos empreendimentos. Esta nova situação teve grande impacto na arquitetura produzida por seu escritório, resultando em edifícios cada vez mais sintonizados com os princípios modernos. Entre 1940 e 1945, tendo como figura de destaque em seu escritório o arquiteto Herbert Duschenes, temos um período onde é gradativamente abandonada a linguagem adotada nos edifícios de escritório durante a PILMAT, em especial a presença da grelha de fachada com proporções horizontais. Nesta fase há uma produção mais focada em edifícios comerciais, com o abandono do programa de residências de alto padrão. A heterogeneidade marca as soluções adotadas para os edifícios, tendo como exemplos o Edifício Edlu, esquina da Rua 24 de Maio com a Rua Dom José de Barros, com sua fachada com amplos caixilhos envidraçados em contraponto à edifícios como o Irradiação, na Rua Senador Queiroz e Edifício São Luiz, na Rua Ipiranga com aberturas mais modestas e elementos clássicos na fachada. Marcante é a abundância de edifícios de esquina, todos edificados no alinhamento do terreno, compondo com o “continium edificado” da quadra, mas com soluções sempre originais para cada esquina. 5. Da esquerda para direita: Edifício Edlu (1947), Edifício Irradiação (1941), Edifício São Luiz – geral e detalhe (1940). Fotos: Tiago Franco. Em 1945 há uma mudança mais radical na produção do escritório com a chegada de Franz Heep ao Brasil, que logo entraria para a equipe do escritório de Jacques Pilon. Para a compreensão deste período, é de muito valor o trabalho de Marcelo Barbosa, A obra de Adolf Franz Heep no Brasil” 31 31 . A dissertação traz informações importantes acerca do papel desempenhado pelo 13BARBOSA, Marcelo Consiglio. Op. cit. arquiteto alemão nos projetos de Jacques Pilon. É neste período que Jacques Pilon começa a se afastar do processo projetual, sendo seus projetos quase que totalmente reformulados por Heep, que imprime uma linguagem mais moderna aos edifícios, condicionada pelas influências de sua formação profissional na Alemanha e trabalhos profissionais com Le Corbusier na França. Os elementos clássicos na fachada dos edifícios são finalmente aposentados e o brise soleil é incorporado em diversos projetos. Também muda o perfil dos programas, aumentando significativamente tanto o número de edifícios de apartamentos, como sua participação estatística quando comparada à produção total do escritório. Mesmo diante de tais transformações estilísticas e programáticas, persistem aspectos urbanísticos – os edifícios ainda respeitam o alinhamento do lote, compondo com a massa edificada da quadra – e locacionais – a produção mais significativa ainda se situa na região central de São Paulo. Com a saída de Franz Heep em 1951, o arquiteto Gian Carlo Gasperini – que já trabalhava com Pilon desde o edifício “O Estado de São Paulo” – assume posição de destaque. Segundo Ilda Castelo Branco, Pilon participava da elaboração do partido com croquis rápidos e muito objetivos, mas todo o desenvolvimento dos projetos era realizado posteriormente por Gasperini.32 6. Da esquerda para direita: Edifício OESP – detalhe e geral(1947-53), Edifício Nicolau Filizzola (1950), Edifício Barão de Iguape (1956). Fotos: Tiago Franco. No final dos anos 1950, o perfil da região central de São Paulo já é bem diferente da condição encontrada no inicio da década anterior. O número de projetos cai drasticamente, o vetor de desenvolvimento se transfere gradativamente para a Avenida Paulista, onde o escritório projeta os edifícios de apartamentos Paulicéia e São Carlos do Pinhal (1956), com caráter bem diferente da ocupação proposta nos projetos anteriores, pois claramente são adotados critérios do urbanismo moderno, com dois blocos soltos dentro do lote grande que se estende da Avenida Paulista até a 32 14CASTELO BRANCO, Ilda Helena Diniz. Op. cit.. Rua São Carlos do Pinhal. Com seus amplos recuos e ocupação de apenas 20% do terreno, deflagra uma mudança dos paradigmas de verticalização na cidade. A partir deste período, Pilon, agora contando com a parceria de Jerônimo Bonilha Esteves, dedica-se a projetos de residências unifamiliares e projeto institucionais, abandonando definitivamente a região central e edifícios verticais. A parceria iniciada em 1958 se encerra em 1962 com a morte de Jacques Pilon aos 57 anos de idade. 15 Referências bibliográficas ANELLI, Renato; GERRA, Abílio; KON, Nelson. Rino Levi – arquitetura e cidade. São Paulo, Romano Guerra, 2001. AZEVEDO, Paulo Ormindo de. “Alexander S. Buddeüs: a passagem do cometa pela Bahia”. Arquitextos, n. 081.01. São Paulo, Portal Vitruvius, jan. 2007 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq081/arq081_01.asp>. Acesso em 20 de março 2008. BARATA, Mário. A arquitetura brasileira dos séculos XIX e XX. Separata do Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 1952. BARBOSA, Marcelo Consiglio. A obra de Adolf Franz Heep no Brasil. Dissertação de mestrado. São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2002. BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo, Perspectiva, 1976. BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. Arquitetura moderna, lei de inquilinato e difusão da casa própria. Estação Liberdade/Fapesp, 2004. 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A sua primeira obra dentro desse campo foi o Altar-Monumento para o Congresso Eucarístico Internacional, em 1955, no Rio de Janeiro, com risco inicial de Lucio Costa. No mesmo ano ele projetou a Igreja e Centro Social Nossa Senhora das Graças em Nova Friburgo, Rio de Janeiro. A Igreja apresenta um volume com cobertura curva apoiada em planos laterais inclinados; plasticidade explorada através do concreto armado, nesse caso, aparente. A primeira aproximação de Rocha Miranda com a técnica estrutural do concreto armado se deu nas aulas com Emilio Baumgart na Escola Nacional de Belas Artes. A volumetria resultante da Igreja evoca a forma de uma tenda presente também em outras edificações da mesma década, e apresenta características de ambas “escolas” modernas brasileiras, carioca e paulista. Palavras-chave: Alcides Rocha Miranda, concreto aparente Alcides Rocha Miranda – A church on Nova Friburgo The work of the architect and plastic artist Alcides Rocha Miranda accounts with several examples of religious edifications. His first work within this area was the Altar-Monumento for the Congresso Eucarístico Internacional, in 1955, in Rio de Janeiro, with initial drawing of Lucio Costa. In the same year he projected the Church and Social Center Nossa Senhora das Graças in Nova Friburgo, Rio de Janeiro. The church presents a volume with a curve ceiling supported by inclined lateral walls; plasticity explored through structured concrete, in this case, apparent. The first approximation of Rocha Miranda with the structured concrete technique happened during Emilio Baumgart´s classes in the Escola Nacional de Belas Artes. The volumetric result of the church evokes a form of a tent among other edifications of the same decade, and presents characteristics of Brazilian modern “schools”, carioca and paulista. Key-words: Alcides Rocha Miranda, apparent concrete 2 Alcides Rocha Miranda - Igreja em Nova Friburgo Biografia A diversificada produção arquitetônica de Rocha Miranda se estende desde 1932 à década de 80, aproximadamente. Ele projetou edifícios para residências, instituições, escolas, museus, monumentos e edifícios de escritórios. Trabalhou na preservação de patrimônio cultural arquitetônico, no SPHAN, como responsável pelo departamento de arte. Também é autor de projetos de intervenções em edificações antigas de relevância cultural. Muitas vezes utilizou em sua obra arquitetônica moderna um repertório inspirado na arquitetura brasileira do período colonial, além da integração e das variações a partir da ossatura independente de Corbusier, um de seus mestres. Alcides era estudante da Escola Nacional de Belas Artes, quando Lucio Costa assumiu a sua diretoria e contratou professores de fora como Emilio Baumgart, pioneiro no uso do concreto armado no Brasil. Com Baumgart, Alcides percebe que “no novo sistema de construir o esqueleto - como na natureza - define-se o aspecto visual das formas” 1. Depois de estagiar na sociedade Lucio - Warchavchik, foi trabalhar no escritório de Baumgart, ficando mais perto das questões estruturais. Encontram-se diversas edificações e projetos de Rocha Miranda que utilizam concreto armado, aparente ou não. Sua obra conta com diversos exemplos de edificações religiosas. A sua primeira obra dentro desse programa foi o Altar-Monumento para o Congresso Eucarístico Internacional, em 1955, no Rio de Janeiro, com risco inicial de Lucio Costa. Lélia Coelho Frota aponta esse ano como uma data onde se iniciava um clima mais liberal no campo religioso; “a retomada do território do sagrado fica mais viável para planejadores dos espaços coletivos, como os arquitetos e urbanistas” 2. Na obra de Rocha Miranda não foi diferente, suas igrejas e capelas são dotadas de conceitos e soluções espaciais específicas em cada caso e livres de paradigmas precedentes. Igreja Nossa Senhora das Graças Também do ano de 1955, o projeto para a Igreja Nossa Senhora das Graças, de Rocha Miranda em colaboração com Elvin Dubugras e Fernando Cabral Pinto, apresenta uma volumetria excepcional, escultórica, através do uso do concreto armado. O projeto foi aprovado para construção em 1956 e abrange também o edifício para o Centro Social da Igreja. Localizado na Praça 1º de Maio em Nova Friburgo, a 136 km à Nordeste da capital do Rio de Janeiro, o edifício consiste em um volume longo e horizontal, com cobertura curva em concreto 1 2 Alcides Rocha Miranda em FROTA, 1993, p.110. FROTA, 1993, p.52. 3 aparente e planos cegos inclinados nas laterais. A volumetria resultante remete à forma de uma tenda, como uma lona presa longitudinalmente em seus extremos. Figura 1 – Vista aérea parcial do estado do Rio de Janeiro. Figura 2 – Igreja Nossa Senhora das Graças - croqui. Figuras 3 e 4 – Vistas externas. O fechamento do volume se dá por planos divididos em duas faixas horizontais: a superior é de vidro e a inferior é de pedra sobressaindo à primeira. A edificação é estruturada a partir de uma malha regular de pilares internos aparentes em concreto. A torre sineira corta o volume da Igreja 4 verticalmente, dividindo-o numa relação aproximada de 1/3 e 2/3. Sua altura ultrapassa a parte mais alta da cobertura. O interior é despojado e sofreu algumas modificações em relação ao projeto original, como a imagem de Nossa Senhora das Graças, esculpida por Alfredo Ceschiatti, que originalmente ficaria suspensa no altar. A idéia era de chamar a atenção para tal imagem, plasticamente movimentada, fazendo contraste com o despojamento interno. O Centro Social também foi construído com alterações em relação ao projeto original. Figura 5 – Maquete do interior da Igreja. Figura 6 – Interior da Igreja. 5 Traçando paralelos – décadas de 50 - 60 Exemplos internacionais Na Igreja Notre-Dame du Haut (1950-1955), em Romchamp, Corbusier evoca a forma de tenda em uma volumetria composta por um telhado de concreto, estruturado com treliças, com paredes curvas e inclinadas. A Igreja foi construída com cacos e tijolos da antiga igreja que ali existia e com reforço estrutural de concreto armado. Os volumes das capelas independentes têm forma de periscópio inspirados no Serapeum da Villa Adriana, em Tivoli, Itália3. As referências quanto à forma da cobertura são muitas. O telhado tinha que atuar como um coletor e um reservatório de água, pois no topo da montanha não tinha água, daí a forma de receptáculo. Segundo o autor4, a forma da cobertura foi uma “reação poética” inspirada numa concha de um siri que ele pegou em Long Island em 1946. Os elementos sólidos, estáticos e ortogonais internos como o púlpito, a mesa do altar, a sacadas da galeria do coro, o volume do confessionário, etc., contrastam com as linhas movimentadas da cobertura e das paredes. Na época essa obra causou grande estranheza tanto nos arquitetos e nos críticos, como no público em geral, pois não era o tradicional para arquitetura religiosa, embora apresentasse corretamente os aspectos litúrgicos e funcionais. Figuras 7 e 8 – Romchamp – vistas externas. Na obra de Alvar Aalto encontram-se edificações com volumetrias irregulares e escultóricas, fazendo referência às formas da natureza. Coberturas com diversas inclinações, rasgos e estruturas com suportes leves. Nos edifícios religiosos expressava "a idéia da igreja feito corpo, organismo vivo de feições irregulares..." 5. De sua autoria, a Igreja de Vuoksenniska (1956-1959), na Finlândia, exemplifica essa idéia. Sua cobertura é arqueada e dividida em 3 volumes. A forma curva, arqueada e assimétrica das paredes internas de concreto serve para se ter um bom desempenho acústico. Outro exemplo é a Igreja e Centro Paroquial na cidade de Wolfsburg 3 4 5 Le Corbusier, architect of the Century, 1987, p.249. Le Corbusier, architect of the Century, 1987, p.248. MULLER, 2006, p.262. 6 (1959-1962), Alemanha, onde a estrutura define a forma. A cobertura é arqueada e nasce do chão. Internamente há uma série de pórticos arqueados que estruturam o volume. A configuração das paredes não paralelas contribui para desempenho acústico. Figuras 9 e 10 – Igreja de Vuoksenniska – vista externa e corte longitudinal Figura 11 – Igreja em Wolfsburg Exemplos nacionais A Casa Edmundo Cavanelas (1953), de Niemeyer, no Distrito de Pedro do Rio, Petrópolis, Rio de Janeiro, possui uma cobertura metálica treliçada curva, uma “catenária distendida” 6 aparentando uma tenda. A cobertura se apóia em quatro pilares pedra, cujas faces laterais externas são inclinadas como se acompanhassem de alguma forma o movimento da cobertura. Essa casa se enquadra numa fase do arquiteto, em que ele passou a buscar soluções mais compactas, simples e geométricas. 6 ALMEIDA, 2005, p.248. 7 Figuras 12 e 13 – Casa Cavanelas – vista externa e croquis. O tema da cobertura-tenda aparece na Capela de Nossa Senhora de Fátima (1959), em Brasília, e na Catedral de Brasília (1959-1970), ambas de Niemeyer. Na primeira a inspiração do arquiteto foi na Casa Cavanelas e deu à cobertura de concreto “o espírito das tendas de pano” 7; a segunda é estruturada por pilares curvos, que por sua vez sustentam uma malha metálica com vidros refratários. Segundo o próprio autor 8 a Catedral é “uma escultura monumental traduzindo uma idéia religiosa”. Figura 14 – Capela de Nossa Senhora de Fátima Figura 15 – Catedral de Brasília. O Mosteiro de Guaratinguetá (1959), de Rubens Carneiro Vianna e Ricardo Sievers 9, segue também na linha das coberturas-tenda para programa excepcional, como é a situação da Igreja em Nova Friburgo. Há semelhança entre as edificações também no trato com a materialidade, deixando-a aparente. Os apoios também acompanham a curvatura das coberturas. 7 8 9 BOTEY, 2005, p.161. Oscar Niemeyer em BOTEY, 2005, p.164. ZEIN, 2005. 8 Figura 16 – Mosteiro de Guaratinguetá. Outro exemplo relevante é a Iglesia de Cristo Obrero, de Eladio Dieste, no Uruguai (1952-59), com o uso subversivo e inovador de material tradicional. Dieste explora a plasticidade formal através da técnica do tijolo armado. A cobertura e uma abóbada contínua de dupla curvatura apoiada em paredes onduladas. A volumetria resultante torna a situação singular, "o todo exala sacralidade” 10. Figuras 17 e 18 - Iglesia de Cristo Obrero – vistas externas. Com exceção da Casa Cavanelas, todos os exemplos mostrados apresentam programas religiosos, são situações onde se usam formas especiais para programas especiais. Outra situação, por exemplo, ocorre na St. Saviour Chapel (1952), de Mies Van Der Rohe, no campus do IIT, aonde a forma é recorrente e o programa é excepcional. Essa capela consiste em um prisma retangular fechado, um volume puro. Se percebe que é uma Igreja quando se vê a cruz. A Capela segue a linguagem usada por Mies em suas obras: despojamento, pureza formal, formas regulares, etc. O ponto em comum entre o exemplo de Mies e a Igreja em Nova Friburgo é o uso dos materiais na forma bruta. Ao contrário, a volumetria da Casa Cavanelas sugere um programa especial e é uma residência, programa comum. Todos os exemplos possuem volumetrias especiais munidas de conceitos figurados e simbólicos. 10 MULLER, 2006, p.219. 9 Distando 2 anos no tempo, a Casa Cavanelas e a Igreja Nossa Senhora das Graças se assemelham na volumetria, mas diferem na materialidade das coberturas. Em ambas as coberturas-tenda têm apoios com inclinações semelhantes, reforçando a idéia da tenda de pano. Na primeira são pilares e na segunda são planos. A torre sineira da Igreja corta o volume como o plano o plano cego de pedra aparente corta Casa. No Mosteiro de Guaratinguetá, na Igreja de Dieste, nos exemplos de Aalto e em Romchamp as torres sineiras formam volumes independentes ao volume principal. A Igreja Nossa Senhora das Graças é um exemplo interessante pela exploração plástica do concreto, resultando em uma volumetria especial, que evoca a forma da uma tenda de pano. Como foi visto, volumetria essa usada em diversos casos de programas especiais, como é o caso das edificações religiosas. Além disso, se podem perceber pontos em comum com ambas “escolas” modernas brasileiras a carioca e a paulista. Sua plasticidade remete à escola carioca, o concreto aparente remete ao brutalismo, à escola paulista. 10 Referências Bibliográficas ALMEIDA, Marcos Leite – As casas de Oscar Niemeyer 1935-1955. Dissertação de mestrado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005. BLASER, Werner – Mies Van Der Rohe The Art of Structure, Basel : Birkhauser, 1993. BOTEY, Josep Ma. – Oscar Niemeyer. 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Trabalhador Sãocarlense, 400, 13566-590, São Carlos, SP (16) 33739311 reanelli@sc.usp.br Resumo: Este trabalho tem como objetivo identificar duas concepções de uso do concreto armado para a construção da forma arquitetônica no Brasil. Um pretende explorar o fato do concreto ser armado com aço e poder resistir a esforços de tração, enquanto a outra defende uma postura mais austera, recomendando formas estruturais que aproveitem a capacidade do concreto à compressão, reduzindo os esforços de tração e o uso de armaduras. Identificamos a crítica de Pier Luigi Nervi à concepção estrutural na obra de Niemeyer como um dos momentos onde se constituem os principais argumentos que seriam utilizados nas críticas posteriores. Acompanhamos o seu desdobramento na crítica e na produção projetual de Paulo Mendes da Rocha, Joaquim Guedes, Sergio Ferro, Jorge Wilheim, Miguel Juliano, Carlos Fayet, Cláudio Araújo, Carlos Eduardo Comas e Luis Américo Gaudenzi, Eduardo Longo, Joan Villà entre as décadas de 1950 e 1990. 1 "A construção da forma livre: visões opostas sobre o uso do concreto armado na Arquitetura Contemporânea no Brasil" Liberdade formal e racionalidade construtiva O reconhecimento e sucesso da obra de Oscar Niemeyer na década de 1950 foram acompanhados pelo surgimento de uma nova fonte de crítica, originada não mais no campo acadêmico-historicista, mas em outras posições engajadas na arquitetura moderna1. Entre várias críticas voltadas aos excessos de liberdade formal nos projetos de Niemeyer, a elaborada por Pier Luigi Nervi em 1959 se constitui a partir do raciocínio estrutural, ponto central da própria justificativa do arquiteto para a sua obra. Nervi identifica uma dicotomia entre a forma aparente da estrutura e os seus componentes não aparentes, fundamentais para a sua estabilidade. Analisando as calotas do Congresso Nacional, as colunas do Palácio da Alvorada e a Capela Nossa Senhora de Fátima, Nervi adverte para a existência de poderosas armaduras de aço ocultas, que compensam o fato de que suas formas não exploram a capacidade do concreto para resistir aos esforços de compressão2. O uso intenso do aço seria uma correção disfarçada para que as explorações formais de Niemeyer se sustentassem como construções estáveis. Nervi já apresentava, nesse momento, uma vasta obra construída que explorava as potencialidades plásticas das estruturas de concreto armado, o que amplificou o peso das suas críticas. Possivelmente essa linha de argumentação tenha sido fundamental para as críticas que associaram a obra de Niemeyer a uma irracionalidade construtiva. Na edição de 1962 de Pioneiros do Desenho Moderno, Pevsner acrescenta um último parágrafo ao sétimo capítulo apenas para reafirmar os postulados da produção de caráter geométrico-abstrata, originada em Walter Gropius e Mies Van Der Rohe, frente à produção de Le Corbusier na década de 1950 e as “acrobacias estruturais dos brasileiros (...) tentativas para satisfazer a ânsia dos arquitetos por expressão individual, a ânsia do público pelo extraordinário e pelo fantástico e por uma fuga da realidade para um mundo fictício”3. Um julgamento que foi compartilhado, anos mais tarde, por Manfredo Tafuri, parte de uma geração de historiadores que revisou a historiografia da arquitetura moderna: o Congresso Nacional foi considerado como “o gratuito (que) se tinge de sofisticação, dando sim um espetáculo, mas de veleidades supérfluas” 4. 2 Forma livre e figura. O desenvolvimento da forma livre de Niemeyer forçou os limites das técnicas de projeto e construção em concreto armado no Brasil. A apropriação de Niemeyer dessa técnica transformou a arquitetura em linhas e superfícies livres, distante tanto das classificações dos elementos de composição acadêmicos – o chão se eleva, tornandose vedação e cobertura, rasgando-se para as aberturas sem constituir janelas ou portas, paredes ou teto – quanto das proporções dos elementos construtivos tradicionais – arcos, abóbadas, cúpulas5. Nesse processo, Niemeyer afastou-se das regras compositivas acadêmicas que associavam os estilos ao comportamento estrutural de alvenarias de tijolo e pedra. Telles (1994) identifica como Niemeyer trabalha a criação da forma livre em analogia às colagens de Matisse ou aos quadros e relevos de Arp. Argumenta que existe um raciocínio formal inerente a esses procedimentos, afastando a obra de Niemeyer tanto da acusação de irracionalidade, quanto dos valores da genialidade inerentes às manifestações de Lúcio Costa sobre esse arquiteto. 2 1 A arquitetura se torna um desenho no espaço, uma figura que interpreta e inventa formas6. Assim, o perfil da Capela de Pampulha (Ilustração 1) se aproxima das montanhas e vegetação nativa dos quadros de Tarsila do Amaral (Ilustração 2), criando um modo de ver o território natural. A Marquise do Ibirapuera reproduz em planta uma figura humana semelhante às de Matisse, tornando aquilo que seria uma mera conexão entre volumes na imagem principal da obra. Nem irracional, nem barroco, apenas figurativo e moderno. Niemeyer pretende que essa forma coincida com a forma estrutural. Em seu “Depoimento” de 1958, ele argumenta que as qualidades formais da arquitetura devem se exprimir não mais “por elementos secundários, mas pela própria estrutura 3 devidamente integrada à concepção plástica original”7. Assim, a técnica construtiva em concreto armado foi essencial para permitir essa liberdade da forma. A montagem manufaturada, quase artesanal, das fôrmas complexas e o uso intensivo de armaduras viabilizaram as explorações formais já em Pampulha, sem que existissem meios de produção industriais na construção civil equivalentes aos existentes nos países mais desenvolvidos. Alimentava-se assim a tensão entre a tecnologia avançada e os meios de produção precários da construção civil, que caracterizaria a arquitetura moderna brasileira por muitas décadas. O domínio da tecnologia de concreto armado fora um esforço da engenharia brasileira desde o final do Séc. XIX, que percebeu nela a possibilidade de superar a dependência das construções de ferro e aço importadas da Europa. Em poucos anos as pesquisas nos laboratórios de resistência dos materiais das escolas de engenharia conquistaram o controle desse sistema construtivo e estrutural permitindo uma autonomia na produção da construção civil e de obras de infra-estrutura que auxiliou o desenvolvimento nacional subseqüente. Já nos anos 1920 os engenheiros paulistas e cariocas conseguiam projetar edifícios altos com concreto armado, estando o controle dessa tecnologia suficientemente maduro para ser adotado em 1936 no prédio do Ministério da Educação e Saúde por Le Corbusier e Lúcio Costa. Em Pampulha, a curvatura da superfície de cobertura obedece mais a uma intenção de ritmo e sinuosidade do que às proporções das abóbadas de alvenaria. Na seqüência de abóbadas em concreto armado Niemeyer pretendeu se livrar dos ditames de formas estruturais adequadas a materiais que trabalham bem somente à compressão, como é o caso das alvenarias de pedra e tijolo. Sendo armado com aço, o material pode trabalhar tanto à compressão quanto à tração. A capacidade estrutural passa a depender de fatores invisíveis ao olho – resistência do concreto, desenho da armadura, composição da liga do aço. Portanto, aquilo que seria repreensível pela visão de Nervi, torna-se a sua essência, o seu valor. Como contraponto à crítica de Nervi, Joaquim Cardozo, o calculista dos projetos de Niemeyer defende que em Pampulha ocorre o surgimento de uma nova posição. A “idéia de forma” passa a se apoiar no “desafio e oposição às teorias estabelecidas, onde se investigam as possibilidades de novas funções matemáticas que não se subordinam a essas teorias, introduzindo no pensamento dedutivo um sentido de aventura e talvez mesmo sugerindo uma ordem para a fantasia”8. 4 Inserida no engajamento do modernismo brasileiro pela construção da identidade nacional, a liberdade obtida por essa nova técnica construtiva e por esses novos procedimentos de projeto teve como objetivo a construção de uma representação de país. Daí a ênfase no tema modernista da paisagem natural – interpretado de modo duplo: como comentário figurativo da paisagem (os perfis de montanhas e as linhas da palmeiras) e pela ocupação do território pela arquitetura que mal toca o horizonte9. A arquitetura de Niemeyer fica entre as figuras de Tarsila do Amaral e as igrejas mineiras de Guignard10 (Ilustrações 3 e 4). 4 3 5 Desdobramentos opostos: as interpretações de Paulo Mendes da Rocha e Joaquim Guedes. Recentemente, por ocasião da comemoração do centenário de Oscar Niemeyer, Paulo Mendes da Rocha, entre interpretações de várias obras, deteve-se na Catedral de Brasília (Ilustração 5), comparando-a ao Domo de Florença de Brunelleschi (Ilustração 6). 6 5 Para Mendes da Rocha, a geometria da seção da cúpula florentina foi necessária para criar uma forma favorável para a construção em pedra, que trabalha somente à compressão. Em Brasília, sendo a estrutura em concreto armado, que trabalha tanto à compressão quanto à tração, não foi preciso ter uma forma em cúpula para eliminar os esforços de tração, permitindo assim que a liberdade formal de Niemeyer invertesse o corte e apontasse a curva para fora, em uma forma inversa à de Brunelleschi. Entretanto, ressalta que as duas plantas circulares são responsáveis por conter os esforços horizontais, evitando o colapso de ambas as coberturas. Para Mendes da Rocha, apesar do intervalo de séculos, “Brunelleschi e Niemeyer fazem uma catedral só”11. Podemos contrapor a interpretação de Mendes da Rocha à crítica de Joaquim Guedes aos edifícios do Memorial da América Latina (Ilustração 7), que explicita uma visão sintonizada com a crítica de Nervi, Tafuri e Pevsner. “A casca é uma forma inteligentíssima porque trabalha somente à compressão, sob medida para o concreto, que não tem resistência à tração. Ora, romper o 6 trânsito dos esforços que se dirigiam tranqüilamente ao solo, para remetê-los a uma viga reta gigantesca, ‘a maior do mundo’, é no mínimo um tremendo non sense, 95 metros.”12 7 Joaquim Guedes entende o mesmo assunto de forma oposta a Mendes da Rocha, expressando uma posição que polarizou com a de Niemeyer desde a década de 1960, e que orientou a produção de várias gerações de arquitetos. Procurar formas adequadas ao desempenho do concreto à compressão significa reduzir a utilização de aço, de alto custo no Brasil naqueles anos, e alinhar-se a outras pesquisas latino-americanas por estruturas econômicas13. Carrega, portanto, a 7 consciência de que os limites econômicos e sociais do país não permitiam obras que arrojadas na exploração de ponta das novas tecnologias construtivas. A arquitetura brasileira deveria entender as condições reais do país para transformá-las. Apesar de terem sido expressas nos últimos 20 anos, essas posições podem ser identificadas nas obras de início da carreira desses dois arquitetos. Nos anos próximos ao projeto e construção de Brasília, Paulo Mendes da Rocha projetou o Paulistano – com fortes analogias sua interpretação da Catedral, enquanto Guedes inicia com a casa de alvenaria para seu pai, uma série de experiências com técnicas simples, que procurava formas adequadas a sua idéia de uma economia construtiva. 8 O ginásio do Clube Paulistano (Mendes da Rocha e De Gennaro, 1957/58, Ilustração 8) foi concebido como um terraço elevado do solo em meio ao arborizado Jardim América. A cobertura da quadra de esportes situada no nível inferior se apóia nesse plano elevado. Constituída por um sistema misto, de aço e concreto armado, a cobertura se equilibra sobre apoios pontuais: seis gigantescos pilares triangulares descarregam os esforços verticais nessa plataforma apenas por um dos vértices. Para a estabilização desse conjunto, um anel horizontal de concreto armado une os pilares, contendo os esforços horizontais que poderiam tombá-los. O centro da cobertura metálica é sustentado por um sistema de cabos de aço, fixados no prolongamento vertical dos pilares. Um tenso jogo de equilíbrio que acentua o contraste entre a massa de concreto e os apoios reduzidos a pontos. Predomina a horizontalidade dos planos: o quadrado da 8 plataforma, e o circular do anel estrutural, como na sua interpretação da Catedral de Brasília. A presença urbana dessa estrutura sofisticada de Mendes da Rocha contrasta com a aparente simplicidade construtiva das obras de Joaquim Guedes no mesmo período Desde o início de sua carreira junto ao urbanista francês Louis Joseph Lebret, Guedes desenvolveu uma postura pragmática, orientando sua atuação frente à cidade e à construção. Em arquitetura, essa postura conduziu seu projeto da casa para seu pai, em 1957, usando sistemas construtivos simples de alvenaria e telhas. A partir de 1959 explorou as coberturas em abóbadas de alvenaria, procurando um sentido estrutural distinto daquele que vinha sendo aplicado por Oscar Niemeyer: as abóbadas ofereceriam possibilidades de construção econômica adequada à realidade do país. 9 A casa Dalton Toledo (Ilustração 9), construída em Piracicaba (1960/62), interpreta ao seu modo a Maison Jaoul de Le Corbusier (1956). Utiliza as mesmas abóbadas catalãs de tijolos, cuja geometria permite que esse material trabalhe apenas à compressão, dispensando o uso intenso de ferragens. Uma camada de terra e grama sobre a abóbada contribui para o isolamento térmico da cobertura. Junto à rusticidade dos tijolos, usados nas paredes e no piso, e das faces aparentes do concreto, a grama confere à casa uma aparência de objeto que emerge do chão, como uma construção de caráter primordial. A seqüência de abóbadas condiciona a modulação da planta. Para criar alguma fluidez entre os espaços as abóbadas se apóiam em grandes vigas 9 sobre as paredes, tornando possível a criação de vãos livres e balanços no sentido longitudinal dos módulos. A radicalização da crítica e a arquitetura experimental de Ferro e seu grupo. A presença de Flávio Império como estagiário no escritório de Joaquim Guedes e a amizades deste com Sergio Ferro e Rodrigo Lefévre nesses anos sugere a importância dessa experiência para a nova arquitetura que se produziu no Brasil a partir do começo da década de 1960. Um dos principais discípulos de Artigas, Ferro radicalizou a abordagem social e política do mestre através de uma crítica marxista à arquitetura moderna14. Demonstrou que entre a inovação tecnológica que sustentava a liberdade formal moderna e a organização da produção da construção civil havia uma enorme defasagem. A exploração da mão de obra, com baixa remuneração e péssimas condições de trabalho, era inerente a uma indústria de construção de baixa racionalidade técnica. A partir de 1961, Ferro desenvolveu os projetos das casas de Boris Fausto (Ilustração 10) e Bernardo Issler (Ilustração 11), duas casas que experimentaram diferentes caminhos de projeto referentes a dois tipos de organização da construção. 10 11 10 A casa Fausto baseava-se no conceito de manufatura heterogênea, conforme definido pelo próprio autor, na qual a obra é uma montagem de componentes já prontos, produzidos em diferentes indústrias. Apenas a estrutura e a cobertura de concreto armado foram produzidas na obra. Sob ela foram montados a seco os painéis de divisórias configurando os usos residenciais. Os limites de qualidade dos produtos fornecidos pela indústria comprometeram as intenções do processo de construção, muito mais do que a falta de formação dos trabalhadores, que rapidamente se adaptaram ao conceito de montagem. Limites que o levaram a abandonar essa opção de manufatura heterogênea. A casa Bernardo Issler representa o outro caminho experimentado por Sérgio Ferro em 1961. Conforme os depoimentos do autor, esta casa foi planejada e construída de acordo com o conceito de manufatura serial, segundo o qual a obra resulta de uma soma dos trabalhos realizados dentro do próprio canteiro. Constrói uma casa em abóbada de concreto, com a maior parte dos componentes construídos no canteiro por um único pedreiro. A abóboda procurava realizar as grandes coberturas propostas por Artigas na sua arquitetura, fazendo-o com a economia de meios propiciada pela forma estrutural em catenária, que reduziu o uso de armaduras de aço ao mínimo possível. No entanto, ao contrário das lajes planas das outras casas, essa forma da cobertura fechava as duas laterais, colocando novos problemas para a disposição dos usos da residência, em especial para as aberturas de iluminação e ventilação. O sistema adotado, com vigotas leves pré-fabricadas de concreto armado, permitiu a concentração dos esforços em alguns pontos, para assim interromper a chegada da abóbada ao chão e situar ai as aberturas. Os dormitórios foram reduzidos ao mínimo e os módulos sanitários foram situados nas duas extremidades dos tímpanos da abóbada, ajudando a controlar as áreas dessas aberturas principais. A construção foi organizada para atender as preocupações do autor em melhorar as condições de trabalho. Primeiro foi construída a abóbada, permitindo que o restante da obra pudesse ocorrer protegido das intempéries. Uma postura em relação ao trabalho e ao trabalhador que fundamentaria, vinte anos depois, os projetos para mutirões de auto-construção junto aos movimentos por habitação social. 11 Racionalização e pré-fabricação O incômodo com o descompasso entre os meios de produção da construção civil e o arrojo tecnológico pretendido pela arquitetura moderna em Brasília conduziria várias iniciativas da arquitetura nos anos seguintes à conclusão da obra da nova capital. A construção de Brasília mobilizou o máximo da capacidade construtiva do país, explicitando seus limites e a necessidade do seu aprimoramento. Entre as várias iniciativas para implantar novos parâmetros de organização da construção, a criação do CEPLAN – Centro de Planejamento da Universidade de Brasília em 1961 teve como objetivo estabelecer uma referência de abrangência sul-americana. Inicialmente proposto para construir os edifícios da universidade e da cidade, o CEPLAN pretendia montar uma fábrica que viesse a fornecer construções para outros países. Para conhecer exemplos, o arquiteto João Filgueiras Lima Lelé visitou a União Soviética e alguns países do Leste Europeu em 1962. Na raiz dessa linha de industrialização está a concepção estatal para o fornecimento de equipamentos públicos a baixo custo e grande escala, que perduraria na obra de Lelé até os dias de hoje. 12 12 O Instituto Central de Ciências (Ilustração 12) foi um dos primeiros projetos de Niemeyer a ser desenvolvido por Lelé para uma produção pré-fabricada, dando origem a uma colaboração que seria retomada em várias ocasiões. Trata-se de um edifício central, que deveria reunir ao longo de uma rua interna as aulas e laboratórios dos cursos básicos da universidade. A demissão de Niemeyer e Lelé após o golpe militar não permitiu que os autores conduzissem a obra até o final. Também a reorientação didática da universidade nos anos de autoritarismo impediu a efetivação integral do projeto arquitetônico e pedagógico que animou a sua concepção. Entretanto, essa procura por uma racionalização da construção manifestou-se em várias iniciativas ao longo das décadas de 1960 e 1970, gerando uma arquitetura que tem como foco principal a organização racional da sua produção15. Formas inovadoras: leveza e economia. Algumas experiências associaram a criação de novas formas com a exploração de novas técnicas de concepção estrutural e construção, seguindo da orientação de Cardozo investigar “as possibilidades das novas funções matemáticas” com um sentido de aventura. A procura pelo desenvolvimento de coberturas leves com economia de materiais conduziu inúmeros projetos entre o final da década de 1960 e o início da década de 1970. Um amplo leque que ia das coberturas em finas cascas de concreto às abóbadas de tijolo cerâmico com geometrias sofisticadas. Os projetos para o complexo do Anhembi em São Paulo e para o CEASA em Porto Alegre sinalizam dois extremos desse processo experimental. Se no Anhembi os tubos de alumínio e a casca de concreto apontam para a tecnologia mais avançada da época, no CEASA o uso das abóbadas com tijolos cerâmicos de Eládio Diestes sugerem um caminho que combina uma elevada inteligência projetual com o uso de materiais simples. 13 13 O complexo de exposições e feiras do Anhembi (Ilustração 13) foi constituído por três grandes volumes: o Palácio de Exposições, o Palácio de Convenções e o Hotel. As concepções estruturais dos palácios propiciaram fortes desafios à engenharia brasileira no cálculo e execução da obra. Destacamos para o tema deste evento a cobertura do auditório de 3.400 lugares do Palácio de Convenções. Para cobrir a planta circular, os arquitetos Wilhein e Juliano, com o engenheiro Mario Franco desenvolveram uma maquete com a superfície plissada como um origami. Posteriormente a forma tornou-se uma casca de concreto em folha poliédrica, que vence os 65 metros de vão com 10 cm de espessura. Dois anéis horizontais estabilizam a cobertura. O anel central recebe os esforços de compressão e permite a entrada de luz natural no auditório, enquanto o anel periférico recebe em 28 pontos os empuxos horizontais radiais16. Esse processo de concepção e desenvolvimento da cobertura denota o elevado grau de experimentação e ousadia de arquitetos e engenheiros. 14 14 Elaborado na mesma época do projeto do Anhembi, o CEASA de Porto Alegre (Ilustração 14) expressa a continuidade das pesquisas com abóbadas de tijolo iniciadas no começo da década de 1960. Neste caso o sistema estrutural adotado havia sido desenvolvido pelos engenheiros uruguaios Eladio Dieste e Eugenio Montañez, sendo aplicado com sucesso no país vizinho em construções de grande porte. Após calcular abóbadas catalãs para Antoni Bonet e várias cascas de concreto armado entre 1945 e 48, Dieste desenvolve o seu sistema, que se baseia na coesão entre argamassa e tijolos. A geometria em catenária foi definida em experiências que aliavam o cálculo ao empirismo. Com isso as cascas delgadas eram construídas com materiais de baixo custo. Para o projeto em Porto Alegre os arquitetos17 decidiram utilizar dois tipos de coberturas de Dieste: as abóbadas de canhão, cuja repetição constante definiu a forma dos Pavilhões dos Comerciantes, e as abóbadas de dupla curvatura, que permitiram a formação de sheds de iluminação e toda a complexa superfície do Pavilhão do Produtor. Os arquitetos brasileiros empregam as coberturas de Diestes de modo a explorar as suas potencialidades plásticas. As abóbadas de dupla curvatura são contidas, em 15 cada lateral por um plano inclinado, mas horizontalmente contínuo em toda sua extensão. Esses planos, que junto com a seção dos pilares e aos cabos de atirantamento ajudam a conter os empuxos horizontais da casca, arrematam visualmente a curva da cobertura e acentuam seu caráter de superfície. Distantes por princípio da forma livre de Oscar Niemeyer, as cascas de Diestes constituíram uma posição intermediária entre as explorações de alta tecnologia do Anhembi e as casas Ferro. A sofisticação do raciocínio estrutural conferia ao material banal, o tijolo simples, a capacidade de produzir formas complexas. Uma postura compatível com as restrições econômicas latino-americanas, mas que permitiria pela sua inteligência, um diálogo em pé de igualdade com a produção internacional. O experimentalismo e a diluição do arquiteto como autor Outra linha se manifestou em obras menores, afastadas dos encargos oficiais do estado, nas quais a experimentação voltou-se ao processo criativo, reunindo a atividade projetual com a própria execução da obra. Destacamos dois exemplos fundamentais dessa linha: a Casa Bola (Ilustração 15), projetada e construída por Eduardo Longo em São Paulo (1972 -1979) e o sistema de painéis para auto-construção desenvolvido por Joan Villà (1982-1991). 15 16 A Casa Bola foi concebida inicialmente como uma maquete em escala real, sendo construída sobre sua própria casa na região sul de São Paulo. Sem um projeto acabado, Longo montou uma estrutura tubular esférica que foi sendo preenchida com ambientes internos e mobílias, em um processo de tentativa e erro. A técnica simples da argamassa armada permitiu que o arquiteto, junto com o pedreiro, montasse e desmontasse várias alternativas na obra, em um interessante processo empírico de experimentação. A intenção de Longo de que essa casa fosse um modelo de um módulo para mega-estruturas do tipo plug-in vincula-o tanto às propostas do Archigram (1964/67) e dos metabolistas japoneses (1961/70), quanto às fantasias de Sergio Bernardes para o Rio do Futuro (1965). O caráter empírico da concepção e construção denota outro aspecto: sua pertinência ao ambiente de contracultura, pelo qual circulavam manuais norte-americanos de projetos alternativos. Shelter, o principal deles, ensinava a construção de geodésicas e outras estruturas leves para criar um novo repertório hippie de arquitetura. Ao final da construção, Longo se transferiu para morar na Casa Bola com sua família. Demoliu as vedações da sua casa original e as estruturas de concreto armado remanescente tornaram-se apenas o apoio da Casa Bola. Em seguida abriu o terreno para as ruas lindeiras, transformando-o em uma praça. Simulava assim o princípio básico do urbanismo mega-estruturalista: a sobreposição entre o espaço privado da habitação e o espaço público urbano. Uma das primeiras análises dessa obra foi a de Ermínia Maricato, uma seguidora das idéias de Sergio Ferro que mais tarde implementaria novas políticas habitacionais em gestões municipais e federal da nova esquerda brasileira 18 . Maricato evitou comentar o conceito urbanístico da mega-estrutura e concentrou sua análise na relação experimental entre arquiteto e pedreiros, sem um projeto completo previamente detalhado. Projeto e construção foram feitos em um processo colaborativo, podendo ser um bom exemplo para uma forma de concepção mais aberta à participação do usuário e do construtor. Uma nova abordagem que parecia responder a algumas das questões colocadas por Ferro. Pela análise de Maricato, professores e alunos reunidos em Laboratórios de Habitação criados em algumas universidades brasileiras nesse período prestaram grande atenção a essa experiência de Longo. Em 1982, teve início em São Paulo uma experimentação bem sucedida que seria transferida para a Universidade de Campinas em 1986: um sistema de construção com painéis leves de tijolos, montado no próprio 17 canteiro de obras, cujo objetivo era racionalizar os sistemas de auto-construção criando para apoiar os movimentos por moradia que reuniam favelados e sem-tetos. No Labhab foi desenvolvido um painel com tijolos cerâmicos furados, montado no próprio canteiro sem nenhum equipamento especial. Em comparação com os sistemas pré-fabricados desenvolvidos por Lelé, esses painéis tinham a vantagem de poderem ser produzidos diretamente pelos moradores organizados. 16 Após a interrupção da experiência em São Paulo, Villá a retomou na Unicamp em 1985, construindo protótipos com ensaios técnicos. As duas fileiras de tijolo furado recebiam uma leve armadura e argamassa para tornar-se um painel de 0.43 x 3,00 m, capaz de ser carregado e montado em modulação de 0,45 m. Variações com telhas cerâmicas permitiam a cobertura e mesmo as escadas foram produzidas com essa técnica (Ilustração16). 18 A primeira casa experimental foi construída com dois pavimentos, e pouco depois o Restaurante do Lago, também no Campus, apresentava um painel curvo capaz de vencer vãos de 15 a 25 m. A construção das residências estudantis da própria Universidade em 1988 demonstrou a viabilidade do sistema para produção em escalas maiores. Ao lado das casas de Rodrigo Lefevre, também pensadas como arquitetura experimental, estes projetos pretenderam diluir o sujeito autor em uma coletivização da criação, procurando incorporar a participação dos usuários e dos construtores no processo de concepção da forma. Os usuários participavam das decisões de projeto, em geral fomentados por instrumentos para facilitar o entendimento dos desenhos, tais como as maquetes. Aos construtores estaria reservado um lugar mais sofisticado, no qual haveria a possibilidade de ter sua presença na produção da obra explicitada na forma final. “Nada é escondido a não ser que seja absolutamente essencial. Nenhuma etapa produtiva, desde o piso, etc., se sobrepõe a outra de maneira a destruí-la. Todas as etapas são evidenciadas, bem mostradas. Há quase um certo lirismo: cada corpo produtivo pode se expressar com uma grande autonomia no melhor de seus possíveis. Eu comparava muito essa poética ao jazz, onde você tem cinco, seis, dez músicos que tocam uma só música, mas cada um deles pode fazer um solo com todo o virtuosismo de que é capaz, sem que isso destrua o conjunto. Ou seja, não fazer com que cada um deles desapareça na massa”19. No entanto, a segunda metade da década de 1980 apontou para outra direção, diminuindo progressivamente a presença dessas proposições no debate da arquitetura brasileira. MUBE e MAC – inflexões e renovação da Arquitetura Moderna Brasileira no final da década de 1980. Três projetos de Oscar Niemeyer e um de Paulo Mendes da Rocha realizados entre 1986 e 1993 nos permitem acompanhar o debate sobre a arquitetura moderna nesse período e identificar suas transformações que a levaram a superar as dissidências e revisões. 19 17 O primeiro foi o plano de reurbanização das margens do Rio Tietê em São Paulo (Ilustração17). Desenvolvido junto com Ruy Ohtake e equipe, a proposta de Niemeyer afastava as avenidas marginais e criava um gigantesco parque longilíneo com edifícios isolados ainda fieis à concepção urbanística de Brasília. Ao lado das críticas de Wilheim, que acusava a proposta de ignorar os avanços brasileiros nesse tema ocorridos nas últimas décadas, surgiu outra linha crítica. Carlos Comas acusava o projeto de ser uma espécie de “modernidade de ontem”, na qual não restava mais nada do sentido inovador que ela já tivera20. Ao invés de ficarem presos nessa “modernidade ultrapassada”, os arquitetos deveriam estudá-la como fenômeno histórico. Comas representava a emergência da nova história da arquitetura no Brasil. Até então, a história produzida por Goodwin, Mindlin e Bruand era guiada pelo objetivo de legitimação do moderno brasileiro. Naquele momento essa história operativa sufocava o debate crítico e impedia a renovação da própria arquitetura que defendia. Além de Comas, pesquisadores como Sophia Telles, Otília Arantes, Carlos Martins, desenvolviam estudos análogos em diversas universidades. Ao final da década de 1980 essas interpretações mudaram a recepção da arquitetura moderna pelas novas gerações. O Memorial da América Latina inaugurado em 1988 foi recebido por outras abordagens. Ao lado da crítica de Guedes à irracionalidade estrutural dos edifícios, o jovem Edson Mahfuz elaborava análises formais dentro desses novos enfoques. O projeto do Museu Brasileiro de Escultura – MUBE em São Paulo, projetado por Mendes da Rocha (1986-92, Ilustração 18), foi recebido pelas novas gerações já 20 apresentado por uma nova crítica, formada nesse processo de revisão do moderno no Brasil. O museu subterrâneo, com sua marquise horizontal atravessando o terreno, redefiniu toda a superfície do lote dentro de uma mesma ação. Os movimentos de planos horizontais e verticais dissolvem o volume do museu na nova superfície do solo, criando uma instabilidade que apenas a enorme marquise horizontal poderia se contrapor. Uma marquise que não protege nada, apenas serve de referência horizontal para os movimentos do solo construído. Solo que redefine a superfície urbana, a praça pública que se dobra até tornar-se um museu. Todo construído com um único material, o concreto armado, como se fosse uma única pedra artificial. Sendo o terreno parte da cidade, o projeto estabelece uma nova relação entre arquitetura e o espaço urbano, tensa, que dissolve os limites do edificado no refazer do chão. O enorme vão se realiza com um conjunto de enormes vigas protendidas, simplesmente apoiadas nas empenas das duas extremidades. Condição explicitada pelos apoios de aço e a junta de dilatação exposta como em outras obras anteriores do arquiteto. 18 Uma interpretação da obra por Sophia Telles21, contribuiu para sua recepção altamente favorável. Culminando uma série de projetos do autor, o MUBE invertia a ação de Niemeyer na capela de Pampulha: a marquise interioriza no terreno a linha do horizonte que servia de fundo natural para as formas livres em Minas. O Museu de Arte Contemporânea de Niterói (1992-1993, Ilustração 19) completou esse ciclo. Niemeyer realiza seu diálogo entre a arquitetura e a paisagem natural, 21 retomando a pirâmide invertida do museu que projetou no topo de uma montanha na cidade de Caracas em 1955. Em Niterói a forma perde o volume do museu venezuelano. Um pilar central se abre para um volume cilíndrico que se eleva na diagonal, como um leve cálice. No entanto, esse esquema não auxilia no entendimento da real estrutura do edifício. O disco de 50 m de diâmetro é apoiado sobre um pilar cilíndrico central de 9 m de diâmetro, fixado no solo por uma fundação de 16 m de diâmetro e 5 m de altura. Para criar um salão principal com pé-direito duplo no centro, sem a presença do gigantesco pilar, a estrutura vertical é interrompida logo na face inferior do volume, criando um sistema radial de vigas de transição. Sobre elas se apóiam seis pequenos pilares que se elevam do disco e suportam outra estrutura radial de vigas protendidas no teto, liberando o centro para a galeria principal. 19 A comparação é clara: Mendes da Rocha consegue realizar no MUBE o objetivo de Niemeyer em seu Depoimento de 1958 – a forma é estrutura em si. O MAC Niterói, apesar do esplendor da sua relação com a paisagem, não o faz. Conclusões As qualidades inerentes a estes projetos de Mendes da Rocha e Niemeyer nesse período, assim como as novas visadas surgidas com a revisão crítica da historiografia de Arquitetura Moderna Brasileira são importantes, mas não suficientes para explicar a crescente repercussão nacional e internacional de suas obras a partir do final da década de 1980 22. Em texto recente, Joan Busquets23 associa as “Figuras Sintéticas”, projetos como o Guggenheim de Bilbao e o Beauborg de Paris, à mesma idéia expressa por Giedion, Sert e Leger no manifesto “Nove Pontos sobre a Monumentalidade” de 1943. Um 22 manifesto que, como observa Colquhon, resgata para o campo do CIAM a idéia que se difundia entre arquitetos em várias partes do mundo de que “por ‘monumento’ eles não queriam dizer ‘memorial’ no sentido estritamente etimológico, mas uma idéia mais ampla (...) do representativo como oposto ao edifício utilitário”24. Em oposição à monumentalidade neo-clássica dos regimes totalitários, defendiam que a democracia deveria ter seus edifícios representativos, que elevassem os cidadãos da vida cotidiana. Busquets vê nesses novos edifícios a combinação de processos de renovação urbana com a construção de edifícios monumentais, realizados por um seleto conjunto de arquitetos ao redor do mundo, que representam a capacidade das cidades que os promovem de participar de um processo social e econômico internacionalizado. Nesse sentido, deve ser observado que alguns desses arquitetos, tais como Zaha Hadid, Christian de Portzampac, Jean Nouvel e Rem Koolhaas, recorrentemente façam referências diretas às obras dos arquitetos modernos brasileiros, com destaque para Niemeyer e Mendes da Rocha. As trajetórias desses arquitetos avançaram ininterruptamente na elaboração da nova monumentalidade entre as décadas de 1950 e 1990. E o fizeram na procura de uma nova relação entre espaço/forma e estrutura/técnica o que atraiu o interesse dessa nova geração de arquitetos que pretendeu restabelecer as ligações com as pesquisas modernas após duas ou três décadas de pós-modernismo. A racionalidade e economia inerente às críticas de Nervi, Guedes e Ferro orientaram uma arquitetura preocupada com a organização da produção na construção civil, mas as invenções da arquitetura de Niemeyer e Mendes da Rocha encontram espaço nas novas estratégias urbanísticas nas quais o edifício excepcional sustenta um conjunto de intervenções urbanas. Um momento paradoxal, no qual a competição entre as cidades por destaque no mercado de investimentos internacionais se encontra com a “Nova Monumentalidade” moderna. 1 AQUINO, Flávio de. Max Bill critica a nossa moderna arquitetura. Manchete, Rio de Janeiro, nº 60, 13/06/1953, p. 3839. Disponível em http://www.vitruvius.com.br/documento/hojeontem/hojeontem_03.asp, acesso em 30/04/2008. 2 NERVI, Pier Luigi. Critica delle strutture. In Casabella Continuità, Milão, 223, jan/1953, p. 55. 3 PEVSNER, Nicolaus. Pioneiros do Desenho Moderno. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 218. 4 TAFURI, Manfredo, DAL CO, Francesco. Architettura Contemporanea. Milão, Electa, 1976, pg. 337. 5 TELLES, Sophia Silva. Forma e Imagem. AU, São Paulo, 55, p. 91-95, 1994 e TELLES, Sophia Silva. Oscar Niemeyer: técnica e forma. Óculum, Campinas, 2, 1992. Para a identificação de procedimentos de composição acadêmica na sua obra ver COMAS, Carlos Eduardo Dias. Arquitetura moderna estilo corbu, pavilhão brasileiro. AU, São Paulo, 26, 1989. 6 VALLE, Marco Antonio Alves do. Desenvolvimento da Forma e procedimentos de projeto na arquitetura de Oscar Niemeyer (1935-1998). São Paulo, Tese de Doutorado FAU USP, 2000. 7 NIEMEYER, Oscar. Depoimento, Módulo, Rio de Janeiro, 9, 1958. 23 8 CARDOZO, Joaquim. Dois episódios na história da arquitetura moderna brasileira. Módulo, Rio de Janeiro, 4, 1965, republicado como O Episódio da Pampulha, em XAVIER, Alberto (org.). Arquitetura Moderna Brasileira – Depoimento de uma Geração. São Paulo, ABEA/FVA/PINI, Projeto Hunter Douglas, 1987, p 133-136. Disponível em http://www.vitruvius.com.br/documento/arquitetos/cardozo01.asp, acesso em 30/04/2008 9 TELLES, Sophia Silva. Lúcio Costa: monumentalidade e intimismo. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo,25, 1989. 10 NAVES, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira. São Paulo, Ática, 1997. 11 WISNIK, Guilherme. O construtor de enigmas, entrevista com Paulo Mendes da Rocha. In Folha de São Paulo, 9/12/2007, p.5. 12 GUEDES SOBRINHO, Joaquim. Oscar Niemeyer na Barra Funda. Revista da USP, São Paulo,05, 1990. 13 Como a de Felix Candela no México na década de 1950 e a de Eladio Dieste no Uruguai na década seguinte. Cf FABER, Colin. Las Estructuras de Candela. México: CECSA, 1970 e DIRECION GENERAL DE ARQUITETURA E VIVIENDA (Org). Eladio Dieste 1943-1996. Sevilla. Consejeria de Obras Públicas e Transportes, 1997. 14 FERRO, Sergio. Proposta inicial para um debate: possibilidades de atuação, GFAU, Cadernos Encontros, São Paulo, 1963 e FERRO, Sergio. Arquitetura Nova, Teoria e Prática, 1, 1967. 15 KOURY, Ana Paula. Arquitetura Construtiva: Proposições para a produção material da arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo,Tese de Doutorado. FAU-USP, 2005. 16 SABBAG, Haifa Yázigi. Livro Escritório Técnico Júlio Kassoy e Mário Franco. São Paulo, C4, 2007. 17 Carlos Fayet, Cláudio Araújo, Carlos Eduardo Comas e Luis Américo Gaudenzi. 18 MARICATO, Erminia. Quando a arquitetura é reflexo de uma transformação pessoal profunda, Projeto, São Paulo, 47,1983. 19 Entrevista de Sergio Ferro com Ana Paula Koury (05/11/1998) KOURY, Ana Paula. Grupo Arquitetura Nova, São Carlos, Dissertação de Mestrado, EESC USP, 1999. 20 COMAS, Carlos Eduardo. Nemours-Sur-Tietê Ou A Modernidade de Ontem. Projeto, São Paulo, 89, 1986. 21 TELLES, Sophia Silva. Museu da Escultura. AU, São Paulo 32, 1990. 22 Além de episódios discutíveis, como a tentativa de enquadrar a obra de Mendes da Rocha no rótulo de minimalismo, ou da arquitetura desses arquitetos ser referida por uma nova geração de arquitetos estrangeiros, ocorrem duas importantes premiações intenacionais: Niemeyer recebe o Pritzker em 1988 e Mendes da Rocha em 2006. 23 BUSQUETS, Joan. Cities X Lines. Cambridge, Nicolodi Editore, Catálogo de exposição Harvard Gradueted School of Design, 2006. 24 COLQUHOM, Alan. Modern Architecture. Oxford University Press, 2002, p. 212 24 Imprimir Fechar REIDY:DOIS PROJETOS,DOIS PAÍSES E UM PRINCÍPIO Ana Elisa Moraes Souto Arquiteta, formada UFRGS,Mestre em Tecnologia da Construção e Urbanização-UFRGS/PROPAR e doutoranda em Teoria História e Crítica da Arquitetura-UFRGS/PROPAR-Orientação: Phd. Arq.Edson Mahfuz.Professora Área Projetos de Arquitetura nas Universidades de Santa Cruz do sul e do Centro Universitário Univates em Lajeado. Rua Guenoas nº558,Guarujá.Porto Alegre Cep:91770060.Fone: (51)32099934 anesouto@ig.com.br Alex Carvalho Brino Arquiteto, formado na UFRGS, Mestre em Teoria, História e Crítica UFRGS/PROPAR. Professor da Área de projetos na Universidade de Santa Cruz e do Centro Universitário UNIVATES em Lajeado. Rua Eduardo Prado, 2110, Ipanema – Porto Alegre – 91751.220 Fone (051): 3028-936 alexbrino@yahoo.com.br REIDY:DOIS PROJETOS,DOIS PAÍSES E UM PRINCÍPIO RESUMO Este artigo apresenta reflexões acerca da sistematicidade nas obras de Affonso Reidy. Entende-se por sistematicidade, neste caso, o desenvolvimento de um modo de projetar que possa resolver o maior número possível de questões relativas à plástica e ao sistema estrutural, independente do tema arquitetônico envolvido. No trabalho será analisada a utilização do concreto em duas obras específicas – a Escola BrasilParaguai (1952) e MAM (1953) - cujas possibilidades plásticas e estruturais são potencializadas por meio de desenho diferenciado que resolve tanto estrutura, como espaço e elementos de proteção, podendo ser aplicado de modo sistemático dentro da obra. Na Escola, o arquiteto organiza seu projeto na barra que contém os espaços seriais (o programa apresenta uma organização que se revela na própria estrutura, através da repetição das salas de aula, por exemplo) e reserva para as atividades especiais (ginásio e auditório) uma solução volumétrica diferenciada, utilizando em ambos um desenho especial. Já no museu, mesmo sem a serialidade estar vinculada ao programa, a barra organiza o espaço e, através de uma estrutura reticulada e serial, fornece um caráter diferenciado, oferecendo destaque à barra, colocando-a em evidência, através de sua estrutura. Tanto na escola, quanto na primeira ou na versão construída do museu tem, no desenho do pórtico, um espaço para a produção de um elemento com aspectos escultóricos, o que dá ao material e a estrutura uma relevância no conjunto, principalmente quando, se percebe a flexibilidade do concreto como elemento capaz de vencer vãos de diferente ordens e assumir um variado leque de configurações formais. Embora seja possível observar a aproximação à influência corbusiana, através da utilização do concreto aparente, não é esta referência que define a importância de Reidy, mas o modo em que seus projetos são desenvolvidos, transcendendo esta filiação. Nos seus projetos aparecem uma quantidade restrita de elementos que vão sendo recombinados e desenvolvidos, de modo diferente em cada situação particular. O elemento universal desse repertório é o edifício linear, usualmente um bloco retangular que aparece em vários tamanhos, alturas e secções, utilizado de modo isolado, combinado com outros, dobrado ou curvado para adaptar-se ao programa ou ao sítio. O repertório proposto por Le Corbusier gradualmente se refina e amplia nos trabalhos dos arquitetos brasileiros e na obra de Reidy isso não é diferente, na medida em que enfrenta de forma diferenciada cada programa arquitetônico específico. Em cada projeto, não apenas a sistematicidade e estrutura adotadas oferecem pleno significado à obra, mas também das relações estabelecidas entre programa e lugar, bem como estrutura e partido. O passo crucial em cada projeto de Reidy parece ser o estabelecimento de relações formais e funcionais entre as partes, assim como entre o todo e os elementos do entorno. Desta forma o estudo destes aspectos são relevantes para a discussão sobre a arquitetura. Palavras-chaves: projeto arquitetônico, sistematicidade, concreto, Affonso Reidy. ABSTRACT This article presents reflections concerning the systematicity in Affonso Reidy's works. It’s understands each other for sistematicidade, in this case, the development in a way of projecting that it can solve the largest possible number of relative subjects to the plastic surgery and the structural system, independent of the involved architectural theme. In the work the use of the concrete will be analyzed in two specific works - the Escola Brasil-Paraguai (1952) and MAM (1953) - whose plastic possibilities and you structure they are made possible through drawing differentiated that solves so much structure, as space and protection elements, could be applied inside in a systematic way of the work. In the School, the architect organizes your project in the bar that contains the spaces seriais (the program presents an organization that is revealed in the own structure, through the repetition of the class rooms, for instance) and he reserves for the special activities (gym and auditorium) a solution differentiated volumétrica, using in both a special drawing. Already in the museum, even without the serialidade to be linked to the program, the bar organizes the space and, through a structure that have lines and interrupted hibs and serial, it supplies a differentiated character, offering prominence to the bar, placing it in evidence, through your structure. So much in the school, as in the first or in the built version of the museum has, in the drawing of the porch, a space for the production of an element with sculptural aspects, what gives to the material and the structure a relevance in the group, mainly when, it is noticed the flexibility of the concrete as element capable to win empty spaces of different orders and to assume a varied fan of formal configurations. Although it is possible to observe the approach to the influence, through the use of apparent concrete, it is not this reference that defines the importance of Reidy, but the way in that your projects are 2 developed, transcending this filiation. It’s projects appear in a restricted amount of elements that are being recombinant and developed, in different way in each private situation. The universal element of that repertoire is the lineal building, usually a rectangular block that he/she appears in several sizes, heights and sections, used in an isolated way, combined with other, bent or curved to adapt it to the program or the ranch. The repertoire proposed for Le Corbusier gradually it is refined and it enlarges in the Brazilian architects' works and in the work of Reidy that is not different, in the measure in that faces in a differentiated way each specific architectural program. In each project, not just the sistematicidade and it structures adopted they offer full meaning to the work, but also of the established relationships between program and place, as well as it structures and party. The crucial step in each project of Reidy seems to be the establishment of formal relationships and you work among the parts, as well as between the whole and the elements of the I spill. This way the study of these aspects is important for the discussion on the architecture. Key Words: Project, way of projecting,concrete, Affonso Reidy. 3 1. Introdução O reconhecimento internacional e o caráter original da arquitetura brasileira deveram-se em grande parte, à capacidade dos seus arquitetos de adaptarem os ideais formulados na Europa e nos Estados Unidos à realidade do país e o próprio desenvolvimento destes ideais. Esta adaptação também foi necessária em função do descompasso entre os princípios defendidos pelas vanguardas modernas e as condições locais e possibilidades construtivas. O Brasil atravessou seu processo de industrialização tardiamente, iniciado em meados da década de trinta e consolidado apenas após a Segunda Guerra Mundial. Já nos anos 20, os primeiros arquitetos modernos buscavam expressar plasticamente em suas obras o paradigma universal da produção industrializada. Nesse contexto mundial e local alguns arquitetos caminharam em direção a um denominador comum na relação entre construção e expressão plástica dos edifícios. É possível identificar nas obras desses arquitetos alguns procedimentos operativos recorrentes e ricos em significado: a ênfase na expressão tectônica, a utilização da estrutura como elemento gerador do espaço arquitetônico e definidor da expressão plástica e a simplificação dos procedimentos e detalhes construtivos. Podemos diferenciar duas posturas dentro dos projetos de arquitetura, os arquitetos que optaram por uma postura mais tectônica e os que fizeram a opção contrária, ou seja, atectônica. Em arquitetura o termo tectônico passou a designar não apenas a manifestação física do componente estrutural, mas a amplificação formal de sua presença em relação ao conjunto das demais partes. Portanto, o caráter tectônico de um edifício seria expresso pela relação de interdependência entre estrutura e construção, a condicionar sua manifestação visível, ou seja, sua aparência. Em contraposição atectônico passou a designar a operação pela qual a interação expressiva entre carga e suporte é negligenciada ou obscurecida visualmente. Como estratégia de composição arquitetônica o potencial tectônico de um edifício pode ser atingido através da interdependência mutua e harmônica entre estrutura, forma e construção (FRAMPTON, 1999). Neste sentido temos a ênfase da lógica construtiva, buscando a amplificação de sua presença em relação às demais partes. Valendo-se deste procedimento alguns arquitetos brasileiros produziram obras de grande expressão tectônica. No Brasil este modo de atuação foi muito favorecido pelo desenvolvimento e disseminação da tecnologia do concreto armado. Utilizado tanto nos elementos portantes, quanto material de vedação e acabamento. Para exemplificar esses modos de atuação podemos observar as indistinções feitas entre estrutura e vedação na Residência do arquiteto Paulo Mendes da Rocha em São Paulo (1964-66) e a repetição e a proeminência da estrutura portante que rege a composição externa do Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, (1953) projetado por Affonso Reidy, que é o foco de análise deste trabalho junto 4 como Colégio Brasil-Paraguai (1952) do mesmo arquiteto. Outra característica do concreto armado que os arquitetos brasileiros souberam explorar foi sua plasticidade. Sendo moldado no canteiro de obras, o concreto armado permite a construção de qualquer forma em potencial. Esta propriedade favoreceu o trabalho plástico livre sobre os elementos estruturais. Soma-se a este aspecto o caráter monolítico do concreto armado que ao fundir viga-pilarlaje-vedação abriu uma fonte inesgotável de possibilidades espaciais. Oscar Niemeyer soube explorar essa propriedade do material em composições predominantemente atectônicas, nas quais a expressão formal do edifício se sobrepõe à manifestação plena de sua lógica estrutural e construtiva que nos projetos da Oca no Parque Ibirapuera em São Paulo (1954) e na Igreja São Francisco de Assis (1942) fica oculta no volume construído. A tectônica moderna brasileira demonstra que a liberdade formal que caracteriza nossa arquitetura é indissociável dos conhecimentos que envolvem a construção, a exemplo do que ocorre no próprio MAM, o qual possui seu desenho intimamente relacionado com as reais necessidades estruturais. 2.1 Le Corbusier: um precedente, um caminho de possibilidades Le Corbusier em sua primeira obra do pós-II Guerra, a Unité d´Habitation de Marselha (1947), utiliza concreto aparente de textura deliberadamente marcada pelas fôrmas deixando exposto e sem acabamento. O uso do concreto aparente material que marcou a sua última fase arquitetônica (194565) se tornou uma referência para os arquitetos nas décadas de 1950-70. Um material com possibilidades plásticas e que são potencializadas por meio de um cuidadoso desenho. O texto com este comentário não pretende abordar as questões levantadas por Banham (1966) em seu livro, The New Brutalism:Ethic ou Aesthetic? nem discutir as questões relativas a predominância e anterioridade dos arquitetos britânicos na constituição do Novo Brutalismo. Mas pretende apenas citar que vários arquitetos compartilharam os ensinamentos presentes na obra de Le Corbusier. Esta proposição corbusiana é o elemento fundamental e motivador para outros arquitetos, que utilizando a mesma materialidade, tirando partido da questão plástica do concreto refinando o desenho e indo além do mesmo, produzindo uma arquitetura que embora tenha essa aparência bruta, apresenta na sua essência a leveza e a lógica diferenciada caracterizando a arquitetura moderna brasileira de forma geral. Reidy utiliza esta referência corbusiana, trascendendo o referencial e adaptando a realidade local através da exposição da estrutura como elemento de definição volumétrica nos projetos analisados no texto. A utilização de um desenho especial e serial ocorre na obra de Reidy diferente do que ocorre em Le Corbusier onde as partes especiais estão ora na cobertura ou no pano inteiro da 5 fachada como no caso na Unité. Uma outra diferença que ocorre é em relação aos acabamentos das superfícies. Segundo ZEIN (2005) apesar do inegável impacto das novas propostas de Le Corbusier realizadas no pós-II Guerra, seu exemplo só irá frutificar enquanto modelo formal, estético e construtivo, a partir de meados dos anos 1950. Esta significativa demora é provavelmente conseqüência da natural inércia do campo arquitetônico, do retardo entre o projeto, a construção e a publicação e da existência concomitante de variadas outras tendências do cenário mundial.1 Talvez um dos catalizadores da expansão dessa segunda onda de influência corbusiana e de sua cristalização em um estilo brutalista deva-se também à divulgação das “Maisons Jaoul em Neuilly, de Le Corbusier, 1951-4 publicadas em 1956. Realizadas em tijolo aparente, elas confirmam o brutalismo não apenas como uma linguagem afeta ao concreto, mas como uma forma de tratamento das superfícies materiais que podia ser admitida não apenas em obras de certa desenvoltura técnica, como as Unités, como também em edificações de qualquer porte e finalidade. Figura 1- Unité d’Habitation, Marselha, 1946-52.Fonte: JEANNERET, vol 5, p. 197 e Maisons Jaoul 1951-54 Fonte: JEANNERET, vol 6, p. 217 A partir de cerca de 1955, várias obras de diferentes arquitetos, situados em várias partes do mundo, explorando e experimentando as possibilidades formais presentes na última fase de Le Corbusier. O desenvolvimento do concreto armado dá sustentação à pluralização de seu uso em especial nos países que ainda não dispunham então de capacitação técnica e ou recursos para implementar um uso mais freqüente e especializado do aço na construção civil. 2.2 Relações iniciais no trabalho de Affonso Eduardo Reidy A obra de Reidy se desenvolve a partir de duas origens importantes: a influência de Lúcio Costa e Le 6 Corbusier, combinando os cinco pontos para uma nova arquitetura com alguns tipos ou estruturas formais extraídas da sua obra. Para MAHFUZ 2 não é a influência corbuseana que define a importância de Reidy, mas o modo como esta é desenvolvida e transcendida. Muitos arquitetos usaram como ponto de partida o sistema formal criado por Le Corbusier, mas poucos foram capazes de ir além do seu uso e adaptá-lo tão bem as realidades locais quanto Reidy. No final dos anos 50 a obra de Mies van de Rohe passa também a ser uma referência concreta para Reidy e vários outros arquitetos brasileiros. No MAM existem dois sistemas formais que demonstram a dupla visão tecnológica do arquiteto: a caixa de vidro (Mies) e o pórtico (Le Corbusier). Em seus últimos projetos Banco de Londres e a Organização Mundial de Saúde (1959), Museu Nacional de Kuwait (1960) e o Fórum de Piracicaba (1962) Reidy realiza uma leitura cada vez mais miesiana. Pois o projeto dos componentes construtivos e seu refinamento fazem parte junto com os atributos formais e expressivos de sua obra. Propõe construções compactas que busca obter em seu entorno espaços livres sem fragmentá-los. São espaços caracterizados pela linearidade e enfatizados pela repetição dos elementos construtivos e sua modulação. Todo o rigor e controle dos elementos construídos aproximam o arquiteto do referencial fornecido por Mies, à questão da construção como arte onde todos os elementos são refinados e articulados. 2.3 Sistematicidade e continuidade na obra de Reidy Outra lição importante que podemos extrair dessa obra precocemente interrompida é sua sistematicidade, ou seja, o desenvolvimento de um modo de projetar que possa resolver o maior número possível de temas arquitetônicos. O procedimento sistemático de Reidy é o oposto do modo sintomático de operar de muitos dos arquitetos de hoje, pois tratam os problemas como se fossem únicos e requeressem soluções especiais do ponto de vista formal. Mesmo quando a obra de Reidy evolui e muda em termos das soluções que passa a empregar, a tendência é fazer com que uma solução para um problema especial gere uma nova série, como é o caso da íntima relação existente entre o Colégio Brasil-Paraguai e o MAM, cuja solução estrutural e volumétrica é análoga. Tivesse ele continuado sua carreira, esta série não teria sido interrompida no segundo caso. (MAHFUZ, 2003) Em sua curta carreira (1931-1964) Reidy participou decisivamente do processo de transformação do Rio de Janeiro a partir dos anos 40. Sua obra basicamente se produz no ambiente da cidade sendo uma das principais temáticas de sua obra é a construção da cidade moderna. Entre os elementos que a compõem estavam o centro cívico, as residências, museus, escolas, teatros e parques. Os principais edifícios do arquiteto demonstram uma intenção e um exemplo no sentido de produzir protótipos construtivos e funcionais com uma cuidadosa relação entre os elementos que o compõem 7 através da articulação entre os corpos edificados. O arquiteto trata a arquitetura como um organismo integrado ao espaço urbano e atua em todas as escalas de intervenção arquitetônica. Sua obra se apresenta como uma nova escala na cidade, sugerindo a construção de uma nova paisagem que explora o entorno natural, propondo também o estabelecimento de novas relações entre cidade moderna e a cidade tradicional. No caso do MAM no Rio de Janeiro o contexto onde o projeto se insere é decisivos para a determinação das soluções arquitetônicas adotadas pelo arquiteto e são evidenciadas pela maioria das imagens que divulgam o projeto. Nos seus projetos aparece um número restrito de elementos que vão sendo recombinados de modo diferentes a cada nova situação. O elemento universal deste repertório é o edifício linear, um bloco retangular que aparece de modo variado em relação à dimensão e a altura, utilizado de modo isolado ou combinando com outros sempre relacionado ao sítio e programa. A repetição e o aperfeiçoamento de um método sistemático e o edifício como um protótipo são conceitos desenvolvidos ao longo de suas obras. Pode-se identificar uma visível continuidade entre determinados projetos e a utilização de alguns elementos como rampas, passarelas, marquises, brise-soleil, estruturas porticadas que resolvem os espaços de transição tais como corredores externos, pátios e terraços. O estudo das articulações define arquétipos construtivos que se transformam em soluções prototípicas aplicadas ao longo de suas obras, como é o caso do sistema de cobertura em casca de concreto armado utilizado: Conjunto Fabril Sidney Ross (1943), a Administração Central da Viação Férrea do Rio Grande do Sul (1944) e no restaurante do Centro Técnico da Aeronáutica (1947), na escola do Conjunto Pedregulho (1946-47). A questão da sistematicidade na obra de Reidy é importante salientar, ou seja, o desenvolvimento de um modo de projetar que possa resolver o maior número possível de temas arquitetônicos.3 Na obra do arquiteto uma solução para um problema gere uma nova série como é o caso da relação resistente entre Colégio Brasil-Paraguai e o MAM, cuja solução estrutural e volumétrica é análoga. 3.1 Colégio Brasil-Paraguai O encargo recebido por Reidy em 1952 para projetar a escola oferecida pelo ministério das relações exteriores do Brasil ao Paraguai foi resolvido em três corpos ligados entre si: o bloco das salas de aula, o auditório e o ginásio. O bloco das aulas foi disposto no sentido da maior dimensão do terreno, com orientação norte, permitindo manter orientação uniforme e conveniente para todas as salas de aula, além de proporcionar a melhor vista para o exterior e ventilação cruzada, obtida pelo rebaixo da laje que cobre a faixa do corredor e possibilita a iluminação norte aos ambientes de apoio voltados 8 para a fachada sul. No bloco principal foi prevista a utilização de um brise constituído por placas longitudinais paralelas, formando uma espécie de marquise. Figura 2- Vista superior conjunto Colégio Brasil-Paraguai.Fonte:BONDUKI,1999,P.159 O auditório, o ginásio, a piscina e um grande jardim foram dispostos nas proximidades da rua de acesso de modo a não perturbar o funcionamento do colégio e estabelecer uma seqüência de espaços que vai do público ao privado. O pavimento térreo é quase totalmente livre permitindo vista para o rio através dos pilotis e proporcionando ampla área coberta que constituí um podium em virtude do desnível do terreno, o qual foi aproveitado para localizar, os vestiários e depósito casa de máquina. Por um acesso subterrâneo o ginásio, que fica semi-enterrado para minimizar o impacto visual deste grande elemento dentro da composição, se conecta aos vestiários. Esse podium que regulariza o terreno pode ser percebido pela fachada norte, o qual é construído de pedra. A posição do auditório e ginásio na frente do terreno também contribui para definir um pátio mais privado com mais de controle próximo aos pilotis. Figura 3- Vista fachada norte,podium e brises horizontais. Fonte:BONDUKI,1999,P.159 A organização do conjunto proposto está ordenada de modo que o grau de controle é crescente. Junto à rua o desembarque é totalmente público, ao ingressar no conjunto a faixa onde predomina o Auditório e o Ginásio, mas que também possui o jardim e a piscina, tem uma característica semipública. Nos pilotis, no grande podium, os freqüentadores se encontram num espaço ainda mais privado, por fim quando adentram o prédio definitivamente chegam a um local privado. 9 Figura 4- Rampa de acesso ao bloco de aula. Fonte:BONDUKI,1999,P.159 O acesso dos alunos a barra das salas de aula ocorre por uma rampa e a circulação no piso superior tem um dos lados aberto em grande parte de sua extensão. A administração foi localizada em uma das extremidades do bloco das aulas dispondo acesso independente. Esta barra está organizada em três faixas. A maior corresponde às salas de aulas, a menor e central é a da circulação horizontal e por fim a média e voltada para o sul é a dos espaços de apoio, como sanitários,serviços médico e secretaria, além de um ambiente de estar na chegada da rampa. É importante observar que as duas extremidades possuem equipamentos especiais, a oeste a já comentada diretoria e a leste dois pequenos auditórios de uso cotidiano. Figura 5- Planta Térreo e Primeiro Pavimento. Fonte:BONDUKI,1999,P.158 10 Ainda em uma escala mais ampla do projeto, é importante registrar a importância compositiva da torre destinada ao reservatório, pois esta contrasta com a horizontalidade da composição, não apenas pela verticalidade, mas também pelo fato de ser cilíndrica aspecto que é facilmente permitido pela utilização do concreto como material estrutura e de acabamento. Figura 6- Fachada Norte. Fonte:BONDUKI,1999,P.159 A estrutura do bloco das salas de aula é definida por uma seqüência de vinte pórticos, dos quais os dois extremos são totalmente preenchidos, a fim de finalizar a grande barra. A estrutura que é exposta com um desenho especial, aproveita a necessidade de ampliação da secção, na parte superior, para inclinar a face externa do pórtico e desta maneira gerar uma área de sombreamento junto a fachada norte. Essa estratégia de afastar a estrutura da vedação deixa a fachada livre e o avanço inclinado do pórtico forma um sistema com o quebra-sol horizontal que protege a fachada norte mantendo uma vista livre e panorâmica para a principal visual, do mesmo modo que ocorre no pilotis. A mesma solução não ocorre na fachada sul, pelo fato da latitude de Assunção ser a de 25º30´ Sul, o que significa que a necessidade de proteção solar na fachada sul é muito reduzida, logo o avanço horizontal se torna desnecessário e a estrutura não necessita ir além das necessidades específicas do calculo estrutural. A modulação adotada, 2 metros de espaçamento entre os painéis principais das esquadrias, permite flexibilidade na disposição das paredes internas. Figura 7- Face sul. Fonte:BONDUKI,1999,P.157 11 O auditório também tem o volume trapezoidal, o qual se justifica, neste caso, pela necessidade interna típica da função abrigada, aliada ao fato de Reidy ter proposto o acesso tanto pelo pavimento superior (acesso direto das salas de aula e setor administrativo), quanto pelo térreo por baixo do grande acesso coberto. Porém, a exemplo do volume longitudinal, a cobertura também avança para proteger nesse caso a entrada do auditório. A estrutura do ginásio também é de especial importância, pois o arco que suporta a cobertura é bastante abatido pelo fato da quadra estar rebaixada o que minimiza a altura total necessária para sua utilização. Porém, a esbeltez obtida apenas é possível pelo fato dos arcos partirem e chegarem direto do solo, aspecto que possibilita a absorção do empuxo lateral decorrente desse tipo de solução estrutural. Ou seja, isto faz com que o arco e o concreto unam forças, pois a lógica desses elementos é a compressão. A acoplagem entre o auditório e o ginásio é outro aspecto que demonstra o controle total da obra e envolve a relação precisa entre o fundo do auditório e o módulo central do ginásio. A esse conjunto soma-se o conjunto das duas piscinas que se alinham ao ginásio e reforçam a grande faixa semipública. 3.2 O Museu de Arte Moderna O encargo recebido por Reidy em 1953 foi uma oportunidade de desenvolver uma lógica projetual recém testada na Escola Brasil-Paraguai. O “rigor” está presente em todas as etapas do projeto, desde o seu conceito até a sua execução. A obra é pioneira por explorar e evidenciar a técnica do concreto, material que define a forma do bloco principal do Museu, estruturando-o e revestindo-o ao mesmo tempo. O arquiteto contribui através desta obra também para a conceituação do espaço moderno. No projeto ocorre a conciliação entre utilidade e beleza. Reidy defende a espacialidade não só como um dos atributos da arquitetura, mas como sua melhor definição e característica. O museu foi construído em meio à área de um parque público, sobre o mar frente à entrada da barra e rodeada pela paisagem da cidade. Uma das preocupações constantes do arquiteto foi evitar que o edifício fosse um elemento perturbador na paisagem entrando em conflito com a natureza. Nesse sentido, daí ocorre a correspondência entre arquitetura e ambiente físico no projeto. Portanto o partido adotado com o predomínio da linha horizontal com contraposição ao movimento do perfil das montanhas e o emprego de uma estrutura vazada e transparente, que permitirá manter a continuidade dos jardins até o mar, através do próprio edifício, o qual deixará livre uma parte do pavimento térreo. O programa amplo foi setorizado em três partes: galeria de exposições, escola de criação e teatro. A partir do posicionamento do bloco de exposições o arquiteto distribui ao longo do terreno as demais edificações, teatro e escola, visando a conformação dos espaços a partir das relações criadas entre 12 os distintos elementos. A forma adotada no conjunto se baseia no deslizamento de volumes e planos a fim de organizar o recém construído aterro do flamengo e estabelecer a possibilidade de um embrião para a construção e desenvolvimento desta orla. Nesta condição, o teatro e a escola constituem os elementos densos da composição e se encontram ao rés do chão, o museu se contrapõe, aos demais, em função da leveza obtida pelo desenho especial da estrutura e elevação sob pilotis permitindo uma permeabilidade visual ao pedestre. Destes volumes cabe destacar o volume do teatro e do museu, embora tenham um desenho diferenciado sua superfície é contínua, aspecto próprio do concreto in loco. Este par constitui a praça principal, a praça da chegada, do desembarque, que com o auxílio do volume da escola emolduram a paisagem do mar. No entanto, a seqüência de planos definidos pelos renques de vegetação também definem os espaços e praças do conjunto e se articulam com a própria estrutura esbelta dos pórticos de concreto que definem o volume principal como o articulador de todo o conjunto. Com relação à distribuição do programa, ocupando uma parte do pavimento térreo e o subsolo do corpo mais baixo do edifício, ficarão os serviços e instalações auxiliares do Museu, compreendendo a entrada de serviço os locais para desembalar, identificar, registrar as obras, expedição, depósitos, oficinas e laboratórios, sala de gravura e um grande salão onde serão preparadas as exposições. Ainda no térreo do mesmo corpo funcionará a Escola Técnica de Criação. No segundo pavimento desse corpo ficarão o restaurante e o terraço jardim que se comunicam com a galeria de exposições. No andar superior do corpo central o edifício se destina as exposições assim como em parte do terceiro pavimento e se situa um auditório de 200 lugares equipado com projetores para filmes, filmoteca, biblioteca e serviços administrativos e a direção do museu e depósito para guardar as telas. Figura 8- Fotomontagem com a maquete e esquema dos blocos. Fonte:BONDUKI,1999,P.168 Na extremidade leste do conjunto ficará situado o teatro com mil lugares. A escola de Criação junto com o restaurante e o terraço formam o conjunto mais estável da composição e constituem a terceira 13 faixa de acomodação no terreno. No projeto observamos a evidência do sistema portante propondo-o como um acontecimento plástico, Reidy opera com os princípios da planta e fachada livres que permitem uma composição dinâmica dos espaços e dos volumes. A estrutura utilizada no museu permite flexibilidade na utilização dos espaços possibilitando seu uso de grandes áreas, seja na formação de pequenas salas onde determinadas obras possam ser contempladas em ambiente íntimo, seja em grandes áreas onde as obras estão em conjunto. A galeria de exposição foi projetada com este objetivo liberar ao máximo o espaço interno e para isso ocupa uma área de 130 metros de extensão por 26 metros de largura, livres de colunas de modo a oferecer liberdade nas exposições. A área com pé direito que varia entre 8m, 6,40m e 3,60m, oferece flexibilidade vertical para a montagem das exposições. No Museu a estrutura utilizada no bloco de exposições não é apenas a sustentação do edifício como define seu próprio volume. A solução estrutural adotada no bloco linear afirma a racionalidade do projeto integrada às decisões de resolver questões de composição, funcionais e técnicas. A estrutura do bloco de exposições se origina mediante uma superposição de 14 pórticos transversais de concreto armado, espaçados 10 metros entre si que suportam até três níveis. Os montantes destes pórticos se bifurcam a partir do nível do solo, de forma que a parte menor receba o piso do segundo pavimento e a outra receba a viga de 4 metros do grande vão onde serão sustentadas por meio de tirantes as lajes do terceiro pavimento e da cobertura. Assim ficarão as galerias de exposições sem colunas. Os pórticos nas suas extremidades são ligados por duas abas curvas de concreto armado com 8 metros de largura em toda a extensão do edifício. Estas abas ao mesmo tempo em que exercem a função de contraventamento funcionam como brise protegendo as fachadas opostas norte e sul. O desenho da estrutura é um desenvolvimento do pórtico utilizado na escola Brasil-Paraguai, que nesta versão se utiliza dois apoios em V a fim de suspender a laje superior e apoiar a inferior e desse modo dá mais uma função ao pórtico. A solução estrutural empregada por Reidy no MAM demonstra a distinção entre as soluções estruturais empregadas na Unité por Le Corbusier. A coluna em V apóia no braço interno da laje do primeiro piso e no externo a cobertura que por sua vez sustenta o segundo piso de tirantes. Cabe ressaltar o amadurecimento de Reidy sobre os estudos do arquiteto franco-suíço ao observar também os detalhes de acabamento. Se comparados aos sulcos na superfície do concreto dos pilotis da Unité d’Habitation de Marseille, evidencia-se a clara distinção na decisão da técnica construtiva utilizada no MAM.4 14 Figura 9-(esq)Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, 1953. Affonso Eduardo Reidy. Fonte:BONDUKI,1999,P.168 (dir) Unité d’Habitation, Marselha, 1946-52. Le Corbusier No MAM a sistematicidade e especialidade se unem as facilidades do concreto como material capaz de moldar-se as mais variadas situações. A clara intenção de deixar a paisagem fluir pela construção, desde os primeiros esboços de Reidy no MAM está evidente. E para isso ele gera no projeto poucos pontos de apoio e conserva livre grande parte do pavimento térreo. Figura 10- Fotomontagem com a maquete e esquema dos blocos. Fonte:BONDUKI,1999,P.174 Outro aspecto importante na relação entre o material utilizado e o próprio projeto se percebe na forma de solucionar o sistema estrutural em relação à função e o tipo de necessidade espacial e dimensional de cada ambiente. Pois, no teatro as laminas curvadas das empenas laterais que recebem a cobertura também curva se utilizam das possibilidades de curvar-se e moldar-se ao local de tal forma que a inércia obtida favoreça o próprio elemento. Na barra destinada ao museu isto não é diferente, pois os pórticos que constituem a estrutura também se beneficiam da inércia formal e da maleabilidade do material para favorecer e otimizar a estrutura. A opção pelo desenho trapezoidal e pela redução da secção junto a base de cada pórtico contempla vários aspectos, o que revela a grande capacidade do autor de transcender a referencia e estabelecer uma economia de meios própria da arquitetura moderna. Do ponto de vista estrutural, Reidy demonstra a total compreensão da técnica do concreto armado in loco ao utilizar nos pontos que tem uma maior exigência mais material resistente e nos demais a redução necessária para suavizar o elemento estrutural. 15 Figura 11- lugar implantação e maquete ao fundo área central Rio Janeiro. Fonte:BONDUKI,1999,P.168 ...” a correspondência entre obra arquitectural e o ambiente físico que o envolve é sempre uma questão de maior importância “... (REIDY,2000,pg164) No Pedregulho e na Gávea é o gesto do arquiteto que transforma montanhas em parceiras de um jogo plástico intenso. No Parque do Flamengo o conjunto construído qualifica um sítio de conformação amorfa seguindo as indicações exuberantes de seu entorno natural o panorama da baia de Guanabara, a vista do pão de açúcar, como também ocorre no MAM. Figura 12-Vista bloco-exposições e Terraço restaurante,cobertura bloco escola.Fonte:BONDUKI,1999,P.175175 A questão do conceito do museu também é interessante de ser analisado, pois ao invés de um organismo fechado, interiorizado, confinando as obras, iluminado artificialmente os espaços passa a assumir neste projeto uma solução aberta fazendo com que a natureza circundante e a iluminação lateral e zenital participasse ativamente. 5 O controle da luz e a espacialidade interna são resolvidos através da estrutura além do edifício ser proteção e abrigo ele se integra a paisagem adjacente sem ser um obstáculo Relação que ocorre através de independência formal e visual. A iluminação natural é incorporada ao projeto e confere um sentido de vida e movimento aos espaços beneficiando às obras expostas a variedade de sensações que a luz natural proporciona. Quando zenital a luz é difusa e uniforme, não há sombras,não há relevo o ambiente torna-se neutro, 16 inexpressivo. Quando lateral dá direção ao espaço e relevo aos objetos proporcionando ainda ao visitante a possibilidade de contato visual com o exterior. A galeria de exposições do MAM, nos trechos de menor pé-direito tem iluminação lateral e nos trechos de pé direito duplo terá iluminação zenital através de sheds e lanternins. 4. Considerações Finais As diferenças e semelhanças entre a Escola e o MAM estão em muito relacionadas com o lugar e com o fato de uma se localizar na esfera pública e a outra na esfera privada. Ou seja, o fato da escola estar em um terreno fechado, mesmo ela tendo um uso público, isso implica em um modo diferente de apropriação do solo. A organização dos espaços em gradiente, em faixas de uso, vai do totalmente público ao totalmente privado, aqui representado pela rua e desembarque como espaço público, o auditório e ginásio como espaço semipúblico e o bloco da escola como espaço privado se difere em muito da organização do MAM. O conjunto do museu está instalado em um parque totalmente público. A característica do pilotis do MAM, em contraposição à escola, é muito diferente, pois no museu o pilotis serve tanto para a liberação da visual, quanto para a marcação da entrada, estabelecendo assim uma condição de igualdade entre todas as fachadas. Neste sentido, o prédio não tem um acesso principal, a noção de prédio implantado sobre o parque, proposta por Le Corbusier aqui assume sua integridade. Na escola os pilotis não possuem esse caráter, restringindo-se a liberação da visual, pois o terreno onde está implantada tem um acesso específico, o que justifica o posicionamento dos equipamentos especiais, como auditório e ginásio. No MAM o mesmo não ocorre, pois a escola e o teatro se alternam de um lado e outro da barra serial, pelo fato do solo ser totalmente público. Esta diferença também justifica a diferença entre os pórticos. No entanto, os dois projetos claramente seguem um mesmo princípio compositivo. A barra horizontal serial serve como pano de fundo, com elemento articulador do conjunto, a distinção volumétrica baseada nas necessidades funcionais também está presente em ambas propostas, assim como a tensão entre a leveza do desenho da barra principal e sua materialidade. No MAM o conjunto edificado aparece como um sistema de ordem. Uma ordem que quer mostrar seu processo de formação e sustentação. Unindo rigor conceitual e economia de meios, o edifício aparece integro, formal, espacial e construtivamente. A arquitetura de Reidy é uma fonte sobre a dialética entre os sistemas de sustentação e vedação na configuração plástica do volume, solução possibilitada em função do material adotado. Partindo de volumes puros nos quais o sistema portante é levado do interior para a periferia dos volumes no caso 17 dos projetos analisados. O museu é permeável e transparente, mas conciso e econômico. O MAM realiza o ideal da forma transparente, uma transparência perceptível no bloco de exposições o mais enfático da composição. Nele percebemos uma sintonia entre volumetria, estrutura, sustentação e espaço. O impecável trapézio isóscele das faces laterais, que substitui o polígono irregular de essência aproximada que definia o corte transversal do Colégio Paragái-Brasil, levou a um volume global, onde desapareceu todo o traço de dinamismo, a obra solidamente assentada no solo, apesar da leveza de seus pontos de apoio e do vigoroso vôo de suas linhas oblíquas, agora está regida por um desejo de ritmo equilibrado (Bruand,1981, p.239) Reidy adota o esquema da multiplicação dos volumes para compor o museu, mas no MAM, as formas surgem robustas separando-se um pouco de perfil rasante e horizontal do Colégio BrasilParaguai (1952) seu antecedente. O volume principal, constituído pelo pavilhão de exposições, tem no elemento estrutural um desenvolvimento do semipórtico da barra escolar do Colégio com um menor número de partes repetidas, tornando-o mais compacto. Já o Teatro é a forma contrastante do conjunto por sua destacada geometria e as proporções do seu volume. A planta, como nos outros auditórios projetados por Reidy, tem forma de trapézio com paredes laterais curvas. O Teatro e a escola contrastam com a transparência e a regularidade rítmica do bloco de exposições. No projeto ganham importância às articulações que unem os elementos colocando em primeiro plano o esqueleto portante como elemento plástico dominante. Nas palavras do próprio arquiteto para deter-se nos pontos de união e movimentação. O edifício passa por um processo de depuração tanto formal como construtiva chegando ao limite em que a forma se converte em estrutura. Estrutura mais que um esqueleto que suporta o peso do volume, mas o que se constata é um autêntico conceito que orienta e define a obra. A ambigüidade que ocorria no pavilhão das aulas do Colégio Brasil-Paraguay entre apoios que avançam e retrocedem se resolvem neste projeto uma vez que o esqueleto de sustentação se encontra totalmente a vista. Os planos de fechamento estão agora recuados e são e sua maioria painéis de vidro que deixam ver o espaço interior. Para KAMITA a decisão de definir o bloco de exposições através da opção estrutural obrigou o arquiteto a formular um esqueleto de sustentação com o máximo de articulação condensando em sua forma diversos atributos funcionais. A armação resultante supera o sistema convencional de apoios (viga-pilar-laje) e sim que também significa um progresso em relação às soluções adotadas em edifícios anteriores como a combinação de estruturas independentes,uma para compor o espaço 18 interior e outra para a cobertura.6 A arquitetura de Reidy não opera com um elemento expressivo único uma vez que sua poética trata do esclarecimento geral da forma arquitetônica. Ocorre um agrupamento de funções em áreas diferenciadas, a individualidade das formas diferenciadas, a estrutura portante a vista, o volume aberto, a evidência da técnica que faz possível a materialização do edifício são em resumo as estratégias empregadas para conferir clareza estrutural do edifício. Conferir-lhe transparência.7 Notas: 1-ZEIN,Ruth. A arquitetura da escola paulista brutalista 1953-1973. 2005. 2 v. (1 folha dobrada) : il. ; 28x41cm dobrada em 28x21cm Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Arquitetura. Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura, Porto Alegre, BR-RS, 2005. Ori.: Comas, Carlos Eduardo Dias.pg17 2- MAHFUZ, Edson da Cunha. The importance of being reidy. In: Arquitexto, São Paulo n.40 (set. 2003), p.1 Texto completo: http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq040/arq040_03.asp 3- BONDUKI,Nabil Georges (org). REIDY,Affonso Eduardo. Arquitetos Brasileiros.São Paulo:Instituto Lina Bo e P.M.Bardi;Lisboa.Editorial Blau 1999.pg1 4- CONDURU,Roberto. Razão em forma:Affonso Reidy e o espaço arquitetônico moderno. In:risco. Revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo. eesc-usp.São Paulo, 2005,pg24-37,pg25 5-KAMITA ,João Massao. Museu de Arte Moderno:arte,arquitetura y vida.In:DPA,Documents de Projectes dÁrquitectura.Ediciones UPC,Barcelona,2003,pg50-57,PG52 6-KAMITA, João Massao.op.,cit,pg53 7- De acordo com Colin Rowe, transparência neste caso é uma qualidade inerente da organização, do ato de percepção capaz de dividir simultaneamente diferentes localizações espaciais. Neste caso transparentes são as relações que estruturam a obra, sua ordem aparente. Reidy busca uma ordem transparente através da legibilidade de suas articulações. Bibliografia: -BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981. 397 p.: il. -COMAS, Carlos Eduardo Dias. Precisões brasileiras: sobre um estado passado da arquitetura e urbanismo modernos: a partir dos projetos e obras de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, MMM Roberto, Affonso Reidy, Jorge Moreira & Cia., 1936-45. 2002. 3 v.: il. Tese (doutorado) - Universidade de Paris VIII, Paris, FR, 2002. Ori: Panerai, Philippe. - CONDURU, Roberto. Razão em forma: Affonso Reidy e o espaço arquitetônico moderno. In: risco. Revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo. EESC-USP. São Paulo, 2005, pg24-37 - ROWE,Colin y Robert Slutzky, "Transparencia:literal y fenomenal". En: Colin Rowe,Manierismo y arquitectura moderna y otros ensayos. Barcelona, Gustavo Gili, 1978 -FRAMPTON,Keneth. Modern Architecture,a critical history. Ed. Thames and Hudson,NY,1992 -…Rappel à lórdre, the case fot the tectonic. In:NESBIT,Kate.Theorizing a new agenda for architecture.Nova York:Princeton Press,1999 - JEANNERET, Pierre - Le Corbusier: oeuvre complète de 1946-1952 - Zurich. Les Éditions D'architecture Erlenbach, 1953. - JEANNERET, Pierre - Le Corbusier: oeuvre complète de 1952-1957 - Zurich. Les Éditions D'architecture Erlenbach, 1957. -MAHFUZ, Edson da Cunha. The importance of being reidy. In: Arquitexto, São Paulo n.40 (set. 2003), p.1-3 - BONDUKI,Nabil Georges (org). REIDY,Affonso Eduardo. Arquitetos Brasileiros.São Paulo:Instituto Lina Bo e P.M.Bardi;Lisboa.Editorial Blau 1999.216pg -ZEIN,Ruth. A arquitetura da escola paulista brutalista 1953-1973. 2005. 2 v. (1 folha dobrada) : il. ; 28x41cm dobrada em 28x21cm Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Arquitetura. Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura, Porto Alegre, BR-RS, 2005. Ori.: Comas, Carlos Eduardo Dias -KAMITA,João Massao. Museu de Arte Moderno:arte,arquitetura y vida.In:DPA,Documents de Projectes dÁrquitectura.Ediciones UPC,Barcelona,2003,pg50-57 19 Imprimir Fechar O suporte na arquitetura de Rino Levi: da grelha tridimensional ao dom-ino Celia Castro Gonsales Arquiteta (UFPel) Doutora em arquitetura (Universidad Politécnica de Cataluña) Professora, UFPel General Teles 493/301, Pelotas-RS, (53) 30252146 Email: celia.gonsales@gmail.com O suporte na arquitetura de Rino Levi: da grelha tridimensional ao dom-ino Resumo Os temas fundamentais da arquitetura moderna, principalmente as potencialidades das novas técnicas construtivas e de seu elemento mais emblemático, a estrutura em esqueleto são constantemente abordados nos projetos e escritos de Rino Levi. Esse assunto adquire, como em geral na arquitetura moderna, além dos arquitetônicos, nuances ideológicos e simbólicos que representam, como diz o arquiteto, os ideais de absoluta revelação da cultura e da arte do século XX e o desejo de liberdade inerente ao espírito do homem moderno. Na arquitetura de Rino Levi, a adoção da estrutura em esqueleto passa por um processo que vai de um esquema mais clássico herdado dos italianos, antigos colegas de Scuola,, a uma mais corbusiana estratégia de construção espacial a partir da arquitetura carioca em meados dos anos 40. A forte influência classicista refletida na arquitetura de Levi em uma primeira fase é indicativa dos motivos para a quase indiferença pela planta livre e sua adesão ao uso retórico da coluna - onde a tradicional manifestação explícita da estrutura e suas juntas leva a arquitetura de novo a uma categoria tectônica primária. Ao longo dos anos quarenta e cinqüenta, o conteúdo essencial a ser representado e assim um dos principais fundamentos da projetação arquitetônica de Rino Levi, já não são “os novos tempos” percebidos com a unidade das décadas anteriores, mas uma modernidade dotada de crescente complexidade. A utilização do esquema dom-ino com sua potencialidade espacial que permite uma contraposição entre ordenação geométrica da estrutura e composição topológica de paredes, respondendo às necessidades modernas de comodidade indica essa mudança. Palavras-chave: Rino Levi, estrutura Abstract The fundamental themes of modern architecture, especially the potentialities of the new building techniques and of their most emblematic element, the freestanding structural frame, are constantly approached in Rino Levi’s projects and writings. This subject acquires, as it usually does in modern architecture, in addition to the architectural aspects, ideological and symbolical nuances which represent, according to the architect, the ideals of absolute revelation of culture and art of the 20th century, as well as the yearning for freedom inherent to the modern man’s spirit. In Rino Levi’s architecture, the adoption of the structural frame undergoes a process which moves from a more classical scheme inherited from the Italians, Scuola’s old colleagues, to a more corbusian strategy of spatial construction, beginning with the carioca architecture from the mid-forties on. The strong classicist influence reflected in Levi’s architecture in a initial stage indicates the motives for the almost indifference for the open floor plan as well as his attachment to the rhetorical use of the column – where the traditional explicit manifestation of the structure and its joints drives architecture again to a primary tectonic category. Along the forties and fifties, the essential content to be represented – and thus one of the main foundations of Rino Levi’s architectural projecting – is not “the new times” anymore, but a modernity endowed with growing complexity. The use of the dom-ino scheme, with its spatial potentiality that allows a contraposition between geometric arrangement of the structure and topological composition of the walls – answering to the modern needs of convenience – indicates this change. Key Words: Rino Levi, structure 2 O suporte na arquitetura de Rino Levi: da grelha tridimensional ao domino Os temas fundamentais da arquitetura moderna, principalmente as potencialidades das novas técnicas construtivas e de seu elemento mais emblemático, a estrutura em esqueleto, são constantemente abordados na arquitetura e escritos de Rino Levi. Esse assunto adquire, como em geral na arquitetura moderna, além dos arquitetônicos, nuances ideológicos e simbólicos e nos textos do arquiteto sempre estará presente a convicção de que reside na clareza da exposição da técnica e dos materiais, o meio mais eficiente para alcançar, além dos ideais de absoluta revelação da cultura e da arte do século XX, o desejo de liberdade inerente ao espírito do homem moderno. Como aponta Colin Rowe, o desenho de Le Corbusier para a Maison Dom-ino (...), talvez constitua a ilustração perfeita do sentido que teve a estrutura para o Estilo Internacional. Nela o que encontramos não é tanto uma estrutura quanto um ícone, um objeto de fé que deve atuar como garantia da autenticidade, o signo exterior de uma nova ordem, uma garantia contra o deslize em direção da licença privada, uma disciplina por meio da qual um expressionismo invertebrado pode ser reduzido a aparência de razão 1. O Dom-ino é um protagonista importante da arquitetura de Rino Levi e é evidente a adoção de uma estratégia mais corbusiana de construção espacial a partir de sua aproximação à arquitetura carioca em meados dos anos 40. No entanto, a adoção da estrutura em esqueleto por esse arquiteto passa também por um esquema mais clássico herdado da cultura italiana e reafirmado pelos antigos colegas de Scuola com os quais manteve um contato estreito e continuado durante os anos 30. Paulista, formado em arquitetura na Itália em 1926, Rino Levi demonstra desde cedo seu interesse pela nova arquitetura que se estava consolidando na Europa. Em São Paulo, na primeira década e meia de projetação incorpora, junto a um grupo de arquitetos paulistas, grande parte dos fundamentos do International Style mas com uma pitada do razionalismo italiano. Mais tarde, Levi aproximar-se-á notoriamente da arquitetura desenvolvida no Rio de Janeiro. Mas mesmo nesses anos de maturidade profissional, Levi desenvolverá uma arquitetura com uma tectônica particularmente forte percebida através dos volumes plenamente assentados no chão, do predomínio do muro sobre os vazios e da superposição de capas, mas também, a partir de uma estrutura que seguidamente volta a reivindicar um sistema tectônico primário que põem em evidência os elementos estruturais e suas juntas. 1 Rowe. La estructura de Chicago, in Rowe, 1978, p. 107. 3 O suporte na arquitetura moderna Alan Colquhoun no texto Rationalism: A Philosophical Concept In Architecture2 destaca que, a partir do século XVII podem ser distinguidos dois tipos de racionalismo no campo filosófico: um, com o ‘conhecimento’ ocupando um a priori, onde o conhecimento empírico aparece como fortuito, infundado e sujeito à contingência; o outro, com o ‘conhecimento’ ocupando um a posteriori onde “os termos se revertem e é um conhecimento a priori que se transforma e depende da autoridade, de idéias recebidas ou hábito”. Assim estão, “de um lado idéias científicas e empíricas do positivismo (...) expressado pelo funcional, o acidental e o contingente; e de outro as ‘idéias claras e distintivas’ que transferidas desde uma metafísica cartesiana para objetos de arte sensíveis, tinham sido promovidas pelos teóricos clássicos franceses de Boileau a Durand”3. Colquhoun acrescenta ainda que, “a história da teoria arquitetônica durante os últimos duzentos anos tem sido a história do conflito entre esses dois conceitos do conhecimento arquitetônico” concluindo que, o arquiteto que traz expressão artística para a contradição entre essas duas tradições do racionalismo é Le Corbusier. Este é, portanto, um dos grandes temas da Arquitetura Moderna. A exploração estética, compositiva e espacial, tornou-se em grande parte possível devido às potencialidades construtivas da técnica moderna - concretizada na estrutura em esqueleto - e na conseqüente ‘planta livre’. Em 1914 Le Corbusier desenhava a Maison Dom-Ino, estrutura que se constituirá como suporte do partido básico de suas villas e como o esquema que permitirá em maior grau a expressão artística e dialética indicada por Colquhoun. Com esse esquema Le Corbusier havia dado uma configuração específica ao esqueleto portante de concreto armado. Como descreve Carlos Eduardo Comas, “não se trata de uma estrutura qualquer, mas de um sistema de lajes lisas paralelas repousando sobre fileiras paralelas de suportes e prolongando-se em balanço, de tal maneira que não existe congruência entre perímetro das lajes e perímetro da malha de suportes”4. Se analisarmos o espaço moderno por excelência, possibilitado pelo esquema estrutural Dom-Ino, observaremos que para sua concepção, como sintetiza Rowe, era fundamental que os tetos e o chão apresentassem planos ininterruptos. Esta restrição parece deduzir-se do conceito de liberdade da coluna, já que a coluna livre dificilmente podia assumir uma relação explícita com as vigas que pudessem descansar nela sem levar a uma compartimentação do espaço e por tanto uma certa violação da liberdade do plano. Também a aparição das vigas prescreveria a posição das divisões5. 2 Colquhoun. Rationalism: a philosophical concept in architecture, in, Colquhoun 1989, p. 58. Op. cit., p. 77. 4 Comas, 1989, p. 94. 5 Rowe, Neo-«clasicismo» y arquitectura moderna II, in Rowe, op. cit, p. 140. 3 4 A estrutura em esqueleto possibilitava a concretização arquitetônica das características da época como simplicidade, abstração, leveza, abertura, liberdade, mas também expunha as possibilidades de grande complexidade compositiva. Tal complexidade espacial resultava de uma composição de paredes que obedecia a princípios diferentes dos utilizados na ordenação da estrutura: princípios mais topológicos nas primeiras e mais geométricos na segunda6. Por outro lado Le Corbusier demonstrava que a estrutura em esqueleto apesar de ter todo o seu potencial racional exposto na concretização do edifício em altura, era extensivo a toda a arquitetura. Ainda que com uma conotação mais simbólica do que realmente racional, o uso de estrutura independente em edifícios de menor porte e, em residências em particular, permitia através da planta livre um desenvolvimento espacial rico que respondia às necessidades modernas de comodidade. Em 1929, Le Corbusier sintetiza sua experiência de projeto na área residencial nessa década que se acaba nos ‘quatro tipos de composição’. Nesse estudo realiza uma demonstração das possibilidades das relações compositivas baseadas nos princípios modernos. Também em 1929, a versão do Dom-ino em estrutura metálica é utilizado por Mies Van der Rohe no Pavilhão Barcelona. Um ano depois, na Casa Tugenthat, o arquiteto procurou adaptar a planta livre a um programa doméstico. Mas nesse tipo de programa, logo ficava comprovada a inadaptação de independência entre pilar e parede à composição celular de algumas zonas, como a de dormitórios. Assim, embora toda a casa seja estruturada, a planta livre fica restrita ao andar nobre7. Com a construção dessa residência em terreno de grande declive, ficava também demonstrada a possibilidade de adaptação da estrutura em esqueleto à topografia. Mas as potencialidades do esqueleto de concreto e sua capacidade como configuração de um protótipo havia sido estudada por Mies Van der Rohe no projeto do Edifício de Concreto de 1922 (figura 1). Baseada em um rígido sistema estrutural onde os elementos portantes e suportados são claramente identificados, a edificação era um modelo de edifício de escritórios que aparentemente poderia ser construído em qualquer lugar. A falta de definição da dimensão longitudinal e a imprecisão da localização do acesso é um reforço da idéia de que a estrutura poderia ser repetida indefinidamente. 6 V. Comas, 1994, pp. 182-183. Na Casa da Exposição da Construção realizada em Berlim em 1931, Mies estuda a possibilidade de ampliar a planta livre à zona noturna e continua verificando essa possibilidade, nos próximos anos, na sua série de casas com pátio. 7 5 Figura 1- Mies van der Rohe, Edificio de Concreto, 1922. No artigo A estrutura de Chicago8, Colin Rowe realiza uma importante análise dos diferentes tipos de exploração da estrutura em esqueleto que puderam ser levados a cabo. Segundo esse autor, embora os arquitetos de Chicago tenham se antecipado ao papel formal que a estrutura do edifício estava destinada a jogar, para estes, a estrutura resolvia um problema essencialmente prático e comercial e não havia a exploração das potencialidades espaciais desse sistema e a expressividade da estrutura transportada para a fachada não era acompanhada de uma expressividade espacial. Rowe usa como referência a arquitetura de Le Corbusier e Frank Lloyd Wright apontando que o protagonismo da expressividade espacial é decorrente de um interesse fundamental por parte desses arquitetos nas possibilidades formais da planta. Em contrapartida, diz o autor, “os edifícios de Sullivan podem ser, com freqüência, impressionantes afirmações da primazia da estrutura, mas é difícil acreditar que, para ele, o significado se suas plantas pudesse ter algum aspecto positivo”9. Em concreto armado, Augusto Perret foi o primeiro a empregar a estrutura como meio de expressão arquitetônica. No edifício de apartamentos da Rua Franklin, de 1903, a estrutura em esqueleto está exposta e a fachada é construída com planos salientes e recuados. Seis pavimentos estão em balanço, expondo o último a ossatura tridimensional de concreto (figura 2 ). Essa experiência acumulada do tema estrutura em esqueleto, mais especificamente de concreto armado, é inegável referência para os experimentos do arquiteto italiano Giuseppe Terragni nesse campo. Em 1932 quando projeta a Casa del Fascio, Terragni traz a estrutura para fachada, mas diferentemente dos arquitetos de Chicago e igualmente a Perret, demonstra um interesse essencial pelas expressividade das questões espaciais. Com um admirável processo de estratificação espacial realiza um contraponto entre a exposição da estrutura de Chicago ou de Perret e a expressividade espacial de Wright e Le Corbusier (figura 3 e 4). 8 Rowe, La estructura de Chicago, in Rowe, op. cit. 1978, Op. cit. 9 6 Figura 3 - Giuseppe Terragni, Casa Del Fascio, Como, 1932. Estudo inicial. Figura 2 – Augusto Perret, Edifício de Apartamentos da Rua Franklin, Paris, 1903. Figura 4 - Giuseppe Terragni, Casa Del Fascio, Como, 1932. O edifício se transforma em uma límpida declaração sobre o sistema construtivo moderno revelando a lógica de sua estrutura de arquitravado e, através da fenestração e da manipulação dos extratos externos do edifício revelando a presença dos espaços internos especiais. Como aponta Keneth Frampton10, o edifício é tratado como se fosse uma matriz espacial continua, sem nenhuma orientação particular tal como encima e embaixo, esquerda e direita. A ‘modernização’ na arquitetura italiana, dá seus passos decisivos no final da década de vinte com a formação, em 1926, do Gruppo 7 em Milão. Esse grupo - que apresenta seu mais importante expoente na figura de Giuseppe Terragni – constitui o germe do chamado Razionalismo Italiano. Mas, ainda que esse movimento renovador mais radical tenha dado seus passos iniciais através de uma arquitetura com forte componente abstrato numa tendência International Style, no seu desenvolvimento posterior recupera parte do substrato clássico 10 Frampton, 1987, p. 207. 7 tradicional mantendo uma preocupação permanente em preservar a identidade italiana e as lições do passado derivadas da formação de larga cultura de seus membros respaldada na tradição. Dessa maneira, esses arquitetos desenvolveram uma arquitetura moderna que não assumia os valores de uma radical ruptura com a tradição clássica-acadêmica de seu país. A ausência de grandes janelas horizontais, a presença de aberturas em geral bastante tradicionais que destacam o predomínio do muro, e uma especial utilização da estrutura revelam uma forte tectônica clássica. O Dom-ino está ausente da arquitetura dos italianos que estavam presos a um esquema estrutural em forma de grelha tridimensional onde a tradicional primazia da estrutura e suas conexões era determinante e que tinha como precedente os pórticos clássicos utilizados de ‘maneira abstrata’ (figura 5 e 6). A crença na herança clássica desse esquema estrutural é explicitada em uma publicação na revista Domus em 1932 entitulada ‘Contatos entre arquitetura antiga e moderna’ e expondo lado a lado imagens da arquitetura clássica romana e do arquiteto Mario Ridolfi (figura 7). Figura 5 – Marcelo Piacentini e equipe, Universidade de Roma, 1932. Figura 6 – Adalberto Libera, Praça da Catedral. Figura 7 – Michelucci, “’Contatos’ entre arquitetura antiga e moderna”. Domus, março de 1932. 8 Na Casa Del Fascio, Terragni faz uma demonstração das potencialidades e limites desse tipo estrutural e declara sua dívida com o esquema das quatro composições de Le Corbusier. Estamos tratando aqui da construção definida por Le Corbusier como três genereux evidenciando de maneira clara o esqueleto muito regular da estrutura e deixando ampla liberdade para os espaços e os vazios (nunca para saliências) nos muros de fechamento do edifício, declara o arquiteto11. No entanto como aponta Richard Etlin12, Terragni desenvolveu uma alternativa estética para as implicações para a trama da estrutura livre. A arquitetura de Le Corbusier foi desenvolvida em uma oposição dialética entre a grade colunar e o muro, freqüentemente formatado com curvas orgânicas e freqüentemente separado da trama estrutural com a qual fazia um contraste plástico. Já para Terragni a trama estrutural se transforma em meio para criar uma rigorosa e severa rede de espaços em grelha com uma complexa interação das superfícies com o esqueleto estrutural, como na fachada leste da Casa Del Fascio e na casa Giuliani-Frigerio de1939. Ainda segundo esse autor, em sua quinta leitura em Buenos Aires em 1929 publicado em Précisions em 1930, Le Corbusier deu a entender que haveria tipos adicionais em composição arquitetônica ainda para serem explorados. Com a Casa Del Fascio, Terragni efetivamente criou o quinto tipo estético e a potência dessa imagem é tal na Itália que é utilizada inclusive em campos externos à arquitetura com o projeto da sala Medaglia d’Oro para a Exposição Aeronáutica Italiana em Milão na sala, projetada em 1934 por Persico e Marcelo Nizzoli (figura 8). Toda essa “discussão” internacional sobre as questões estruturais na arquitetura moderna, aparecerá refletida de algum modo na arquitetura de Rino Levi. Figura 8 – Persico e Marcelo Nizzoli, Sala Medaglia d’Oro para a Exposição aeronáutica Italiana, Milão, 1934. 11 12 Schumacher, 1991, p. 149. Frampton, op. cit. p. 449-451. 9 A estrutura na arquitetura de Rino Levi Na São Paulo dos anos 30, o ambiente social e culturalmente conservador limita a ‘modernização’ da arquitetura, mas o crescente desenvolvimento industrial que leva ao aparecimento dos novos materiais construtivos e ao desenvolvimento das técnicas modernas de construção, principalmente da estrutura de concreto armado, possibilita uma série de renovações não somente na área construtiva como também no campo compositivo. Apesar das dificuldades encontradas em termos de aceitação das formas austeras da arquitetura moderna, Rino Levi sente que o país é propício para a renovação arquitetônica: “no Brasil, o modernismo se acha em condições de ter franca aceitação, já que não estamos presos a tradições arquitetônicas fortemente enraizadas”13, diz o arquiteto em texto dos anos trinta. Já no começo da década de 30 – depois de alguns projetos inspirados no neovernacular Romano - Levi alinha-se de maneira clara às vanguardas, lançando-se entusiasticamente em uma arquitetura de elementos abstratos com aspectos formais da arquitetura expressionista temperada com um evidente sabor italiano. O contato estreito que o arquiteto mantém nessa época com seus colegas italianos – que marcará sua obra até o final desta década – reflete-se na presença dos ‘cinco absolutos da nova estética’ preconizados pelo Gruppo 7: ausência de decoração, formas abstratas, sacadas em balanço, janelas de esquina e expressão do esqueleto estrutural14. O sabor italiano fica por conta tanto das características razionalistas como por algum uso de pórticos “clássicos” e loggias pergoladas (figura 9). Figura 9 – Rino Levi, Edifício Guarani, São Paulo,1936. 13 LEVI, texto sem título e sem data - provavelmente escrito depois de 1936. O estreito e continuado contato mantido durante a década de trinta com seus colegas italianos pode ser verificado na correspondência e publicações italianas encontradas no Arquivo Escritório Rino Levi. 14 10 A influência direta do contato com a Itália ainda perdurará no final dos anos trinta e começo dos anos quarenta. Agora se notará a tendência – como também ocorreu em obras de outros arquitetos paulistanos – no uso mais rígido da simetria e na presença de pórticos, a um classicismo figurativo de caráter bastante monumental. A referência à arquitetura ‘neoclássica’ surgida na Itália em meados da década de vinte e que se concretizará em vários projetos dos anos trinta e quarenta, sendo os mais importantes o da Universidade de Roma, de 1932 e o da EUR42 – Exposição Universal de Roma, em 1942 - ambos projetos coordenados por Piacentini15, é clara. Tal atitude por parte de Rino Levi encontrava apoio e referência no trabalho de vários arquitetos do razionalismo, entre eles antigos colegas como Libera e Pagano, que nessa época desenvolviam uma arquitetura nesses moldes. Depois de uma década de International Style, então, a reconsideração explícita dos valores da tradição arquitetônica conjugados aos aspectos modernos, se faz presente (figura 10). Figura 10 – Rino Levi, projeto para o Aeroporto Santos Dumont, Rio de Janeiro, 1937. Em 1941, Levi realiza os projetos do Cine Ipiranga e Hotel Excelsior e do Instituto de Filosfia Sedes Sapientiae, projetos de uma modernidade hibrida onde começa a ficar evidente a passagem do pórtico monumental a uma estrutura inspirada na grelha razionalista. A forte influência italiana refletida em sua arquitetura nos primeiros anos de atuação é indicativa dos motivos para a, ainda agora, quase indiferença pela planta livre e sua continua adesão ao uso 15 Em 1938 Piacentini projeta o Edifício Matarazzo em São Paulo. 11 retórico da coluna/pilar - onde a união estrutural entre vigas e suportes explicitamente manifesta leva a arquitetura de novo a uma categoria tectônica primária. No Cinema-Hotel a estrutura manifesta-se externamente no pórtico e na apresentação modulada da fachada em parte reticulada com planos retraídos e em parte com grelha de concreto e blocos de vidro (figura 11). No Instituto, tem a oportunidade de trabalhar com certa liberdade compositiva em terreno perto da zona central da cidade e nesse caso a estrutura independente é explicitada de maneira mais integral - embora sua presença não seja utilizada como oportunidade para uma exposição explícita da independência entre estrutura, vedação e teto. Neste caso, a não ‘extroversão’ da independência entre os elementos estruturais deve-se, em parte, à difícil adequação desse esquema a um programa tão compartimentado - dormitórios, escritórios e salas de aula - mas também, provavelmente, à ausência de uma total maturidade conceitual, em relação ao espaço universal moderno, por parte do arquiteto: em termos de elementos verticais, sempre que possível, paredes e pilares coincidem; no plano horizontal, a trama aparente das vigas não permite que os pilares flutuem livremente no espaço (figura 12 e 13). A única antecipação de um tratamento espacial ‘totalmente’ moderno aparece na marquise ondulada, sob a qual se dá uma suave flutuação do espaço e que em contraste com os volumes prismáticos realiza também a única exposição clara da contraposição compositiva normativoespecial (figura 14). Figura 12 - Rino Levi, Instituto de Filosofia Sedes Sapientiae, São Paulo, 1941. Figura 11 – Rino Levi, Cine Ipiranga e Hotel Excelsior, São Paulo, 1941. 12 Figura 13 - - Rino Levi, Instituto de Filosofia Sedes Sapientiae, São Paulo, 1941. Figura 14 - Rino Levi, Instituto de Filosofia Sedes Sapientiae, São Paulo, 1941. Nesse projeto, encerrando uma década de uma arquitetura com forte tendência à abstração - com o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários de 1939 – Rino Levi começa a trabalhar com uma maior riqueza em termos de tratamento de superfície ao utilizar a grelha de argamassa armada. A partir daí, durante os primeiros anos da década de 40, em edifícios de diversos programas, emprega a grelha, que algumas vezes funciona como elemento de proteção solar, mas em geral, como elemento expressivo que permite a passagem da luz mas preserva certa intimidade no espaço interior16. O Edifício Trussardi, de 1943, também apresentará uma composição com planos de grelhas fachada que em um processo de avançar e retroceder produzem um certo espaço extratificado. Com relação à concepção espacial, a verificação desse tema nos projetos elaborados ao longo da década de quarenta nos mostra de maneira clara um processo de desenvolvimento em direção ao espaço essencialmente moderno e universal. Entretanto a riqueza e complexidade compositivas lograda por meio da exposição da total independência entre coluna, teto e parede é algo que vai sendo conquistada aos poucos. Na Maternidade Universitária de São Paulo, de 1944, o sistema geral de estrutura em esqueleto aplicado em todo o conjunto atende às necessidades de flexibilidade do plano. Mas a estrutura de concreto está configurada, quase totalmente, com a linha de pilares externos coincidentes com os limites da laje - somente não coincide no térreo do auditório, com pilotis que funcionam como pórtico de acesso e no corredor curvo que interliga a entrada principal do edifício ao auditório, criando um «incidente» de certa maneira surpreendente (figura 15). 16 É importante destacar a ambigüidade em relação à transparência e opacidade desse elemento: responde aos ideais modernos de abertura total, mas conserva a tectônica própria de uma arquitetura mais tradicional. 13 Figura 15 – Rino Levi, Maternidade Universitária de São Paulo, de 1944. Se os edifícios comerciais, como veremos adiante, são casos extremos onde a manifestação da planta livre se dá no todo, resultando em um espaço essencialmente homogêneo, nem sempre as circunstâncias permitem atuação tão radical e freqüentemente, alguns programas não recomendam tal atitude. O mais comum é que a explicitação da independência entre vedação e estrutura se dê apenas em algumas zonas, geralmente aquelas hierarquicamente mais importantes ou que comportam espaços mais amplos e flexíveis. Neste projeto, a representação do espaço moderno mostra-se na independência entre estrutura e parede em várias ocasiões: no restaurante, na policlínica e no pilar isento diante dos elevadores que é enfatizado interna e externamente, em todos os andares, através da transparência do vidro. As duas linhas de pilares no vestíbulo, assim como o pé direito duplo com mezanino destaca a tradicional importância do espaço de acesso de qualquer edifício. No projeto do Hospital Central do Câncer, de 1948, a representação do discurso moderno de independência entre os elementos de arquitetura dá-se principalmente no corpo mais próximo da calçada onde está localizado o acesso principal: na entrada, a vedação se retrai e, junto ao corpo cilíndrico da escada realiza um debate planar de maneira excepcionalmente virtuosa em sua obra. Os pilares, conformando pórtico nesse nível, continuam visíveis por detrás do vidro, no piso superior. A hibridez nesse projeto é surprendente. No edifício posterior, residência de médicos, enfermeiras e estagiários, a rigidez da modulação reflete-se indistintamente nas duas fachadas através da externalização da retícula estrutural - em tratamento uniforme em ambas as fachadas (figura 16). 14 Figura 16 – Rino Levi, Hospital Central do Câncer, São Paulo, 1948. O uso do Dom-Ino com seus pilares reentrantes e laje em balanço tem predomínio absoluto na arquitetura moderna brasileira. Lúcio Costa especifica o alcance desse elemento técnicoconstrutivo na nova arquitetura, ao declarar que essa independência que permite parede e suporte representando “duas funções nítidas, inconfundíveis” é “o segredo de toda a nova arquitetura”. A liberdade também se apresentava na composição da fachada: as lajes em balanço davam lugar a que as colunatas “que sempre se perfilaram, muito solenes, do lado de fora” fossem transferidas para o interior17. Costa finalmente resume sua compreensão das potencialidades da arquitetura moderna ao entender que o fundamento técnico moderno - a estrutura - permitia o diálogo equilibrado das duas concepções arquitetônicas aparentemente contraditórias ao longo de toda a história da arquitetura: a «plástico-ideal» e a «orgânico-funcional»18. Essas questões serão incorporadas de alguma maneira ao repertório arquitetônico de Rino Levi. Sua aproximação da arquitetura carioca possibilita uma leitura mais clara, por parte do arquiteto, das possíveis complexidades inerentes ao método Corbusiano. Em 1942, no projeto para o Teatro Cultura Artística, localizado no centro de São Paulo, Rino Levi realiza uma de suas primeiras tentativas de uso do Dom-ino (figura 17). Nesse projeto, a explicitação da estrutura manifesta-se nas três linhas arqueadas desenhadas por pilares isentos que articulam o deslocamento frontal de acesso ao edifício. Na entrada, as paredes retraem-se e os pilares configuram um pórtico. No segundo nível os pilares aparecem intactos por detrás da ampla superfície envidraçada. 17 V. Lúcio Costa. Razões da nova arquitetura, 1934, in Costa, 1962, p. 28. Apresentação clara da opção pelo esquema Dom-Ino e não pela exposição da estrutura na fachada como, por exemplo, era preferência dos arquitetos Italianos. 18 Lúcio Costa, Considerações sobre arte contemporânea, 1952, in Costa op. cit., pp. 204-205. 15 Figura 17 – Rino Levi, Teatro Cultura Artística, São Paulo, 1942. A idéia de edifício de escritórios ou administrativo exposta por Rino Levi um ano antes fazendo referência ao Paço Municipal a ser construído em São Paulo – com “estrutura livre, paredes móveis, construídas de materiais leves, janelas de piso a teto e de lado a lado”19 - é posta em prática no projeto do Banco Paulista do Comércio, projetado em 1947. Neste edifício Rino Levi realiza seu mais explícito discurso sobre a independência entre pilar e vedação (figura 18). Figura 18 – Rino Levi, Banco Paulista do Comércio, São Paulo, 1947. O projeto coloca em evidência a direção que o conceito espacial vai tomando na obra de Rino Levi, que nesses anos começa a adotar integralmente a idéia de ‘espaço moderno’: um espaço que pressupõe além da independência entre todos os elementos, principalmente entre vedação e estrutura, também a presença do teto plano. Contudo esse projeto evidencia certa ‘contenção’ se 19 LEVI, Rino . Sobre o projeto para o Paço Municipal de São Paulo, in Diário da Noite, 21-8-46. 16 comparada à arquitetura carioca e mesmo a corbusiana: se colocamos lado a lado as obras de Levi e dos arquitetos cariocas e mesmo de Le Corbusier, veremos que o discurso da independência entre vedação e estrutura na obra do arquiteto paulista não apresenta o virtuosismo presente na arquitetura carioca ou em algumas obras do mestre, como o edifício Centrosoyus, de programa administrativo, ou ainda o edifício Porte Molitor, residencial. Se fizermos uma comparação entre o Banco Paulista e outros edifícios de mesmo programa e localizados também em tecido urbano tradicional, repararemos que os partidos são mais ou menos os mesmos: o esqueleto estrutural como ordenador e os usos secundários ocupando os ‘espaços residuais’. Mas ali onde o arquiteto poderia fazer concessões ao ‘especial’, por exemplo, no jogo dos planos de vedações - principalmente nos acessos e térreo, mas também nas divisórias internas dos ambientes –mostram-se as diferenças. Levi atua com muito mais rigidez em relação aos demais e raramente deixa o ‘especial’ se manifestar por meio de uma geometria mais complexa. Na obra de Rino Levi dos anos cinqüenta podem ser encontrados alguns projetos residenciais onde não está presente qualquer relação com elementos urbanos. A Fazenda Olivo Gomes, de 1951, em São José dos Campos é exemplo deste caso. Se nos projetos de casa urbana de Levi, a técnica tradicional de paredes portantes é a alternativa, na casa rural, o enfoque é totalmente diverso. Localizando-se no espaço ‘infinito’, ‘ideal’, sem a necessidade de acomodação ao lote e sem ter a introspecção como prioridade, o objeto arquitetônico pode, então, mostrar-se isento, ‘puro»’. A composição parte do esquema Dom-Ino assumindo, assim, um evidente caráter de objeto moderno: o object-type elevado sobre a paisagem através do uso de pilotis e das grandes aberturas (figura 19). Figura 19 – Rino Levi, Fazenda Olivo Gomes, São José dos Campos, 1951. 17 Considerações finais Seja com uma grelha tridimensional multidirecional e planos que recuam e avançam, seja com um sistema de teto plano e pilares pontuando o espaço uniforme e universal, o certo é que a estrutura em esqueleto e a conseqüente possibilidade de sua separação das paredes que agora têm apenas função de vedação, trouxe potencialidades de composição espacial inéditas que foram exploradas de um modo ou de outro pelos arquitetos modernos. A estrutura foi adotada como um ‘sistema’ que representava os anseios mais essenciais da arquitetura moderna: a reestruturação arquitetônica global do espaço habitado. Nas palavras de Otília Arantes, ... cada edifício construído deve tomar para si a representação de uma ordem subjacente. Portanto a totalidade já está inscrita nas suas menores células temáticas, o edifício já traz cifrado nele mesmo este todo: uma nova ordem – um novo mundo para um novo homem20. A esse respeito Rowe observa, sem levar a analogia longe demais, podíamos dizer que, na arquitetura contemporânea, a estrutura passou a deter o papel que na antigüidade clássica e no Renascimento teve a coluna. Como esta, a estrutura estabelece por todo o edifício uma razão comum com a qual se relacionam todas as partes e, como o arco de ogiva na catedral gótica, gera um sistema ao que se subordinam todas as partes21. Referências bibliográficas ANELLI Renato e GUERRA, Abílio. Rino Levi: Arquitetura e cidade. São Paulo: Romano guerra, 2001. BANHAM, Reyner. Teoria e projeto na primeira era da máquina. São Paulo: Perspectiva, 1979. COLQUHOUN, Alan. La arquitectura moderna. Uma historia desapasionada. Barcelona: Gustavo Gili, 2005. ________________. Modernity and the classical tradition. Cambridge, Mass: MIT/Press, 1989. COMAS, Carlos Eduardo - Arquitetura moderna, estilo corbu, pavilhão brasileiro. In: AU 26, São Paulo, out/nov 1989, pp. 92-101. ________________. 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LEVI, Rino. A arquitetura é arte e ciência. In: Óculum 3, Campinas, mar 1993, pp. 39-42, publicado originalmente em dez 1949 na revista L’Architecture d’Aujourd’hui nº 27. _________. Credo profesional. In: Informes de la Construcción 76, Madrid, dez 1955. _________. Evolução da arquitetura, aula inaugural na FAU-URGS,1958. Arquivo Escritório Rino Levi. _________. Mudam os tempos. In: Arquitetura 42, dez. 1965, p. 9, publicado originalmente em set/out 1948 na revista Artes Plásticas de São Paulo. _________. O que há na arquitetura. In: Arquitetura 42, Rio de Janeiro, dez. 1965, p. 8 publicado originalmente em 1939 na Revista Anual do Salão de Maio-Rasm de São Paulo. ROWE, Colin. Manierismo y arquitectura moderna y otros ensayos. Barcelona: Gustavo Gili, 1978. SCHUMACHER, Thomas L. Surface and Simbol: Giuseppe Terragni and the architecture of italian rationalism. New York: Princeton Architectural Press, 1991. 19 Imprimir Fechar DA UTOPIA AO CONCRETO: OS PRÉDIOS HABITACIONAIS LINEARES E CURVILÍNEOS DE AFFONSO REIDY COMO EXPERIÊNCIA TIPOLÓGICA E CONSTRUTIVA Gilberto Flores Cabral Arquiteto (UFRGS) Mestre em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR- UFRGS) Doutor em História ( PPGHistória-UFRGS) Professor Titular da Faculdade de Arquitetura ( UFRGS) Av Soledade 235, Porto Alegre, RS Fones : 33389560/99632272 Fax: 37377181 E-mail: cabweb@terra.com.br DA UTOPIA AO CONCRETO: OS PRÉDIOS HABITACIONAIS LINEARES E CURVILÍNEOS DE AFFONSO REIDY COMO EXPERIÊNCIA TIPOLÓGICA E CONSTRUTIVA. RESUMO A obra exemplar de Affonso Reidy, Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, ou simplesmente “Pedregulho”, no Rio de Janeiro, com aproximadamente sessenta anos de existência, constitui-se em um dos mais significativos experimentos arquitetônicos realizados no quadro da arquitetura modernista brasileira. O conjunto caracterizou-se como uma rica experimentação e exploração tipológica e construtiva dentro do idioma modernista, referenciando-se, especialmente, a proposições corbusianas, justificando-se abordá-lo através de novos pontos de vista. Interessa especificamente a este trabalho enfocar o bloco A do conjunto, como exemplar de um tipo arquitetônico proposto por Reidy, o prédio habitacional sinuoso e de crescimento linear potencialmente ilimitado, enquanto um interessante caso de aplicação do concreto armado. O exemplo revela uma síntese entre os extremos da plástica livre e da repetição modular sistemática e geometricamente ordenada, que o material e suas tecnologias e processos típicos permitem. O sistema estrutural adotado permitiu rigorosa sistematização de células e componentes, simultaneamente possibilitando sutis inflexões e curvaturas contínuas. Ensejou a criação de construção similar a uma macro–estrutura sobre pilotis, potencialmente expansível conforme direções variáveis e adaptável a diferenciações do terreno natural e do sítio urbanizado. O tipo proposto, depois replicado no conjunto Gávea e outros projetos, situa-se em uma escala entre o urbano e o campo do objeto autônomo arquitetônico, rompendo limites convencionais das práticas e das concepções arquitetônicas e urbanísticas em termos funcionais, estéticos e construtivos. Estes prédios, provavelmente inspirados nos projetos oníricos de viadutos habitáveis sinuosos corbusianos originados no Rio de Janeiro e Argel, invocam uma rica poética de interação entre paisagem e construção, fundamental no imaginário e no ideário de Le Corbusier. Entretanto, as propostas de Reidy deles se afastam enquanto conjunto de proposições lúcidas e realistas, aplicadas rigorosamente à solução de programas definidos e pragmáticos, utilizando o concreto armado como meio de realização de uma invenção improvável. ABSTRACT The exemplary work of Reidy, the Pedregulho housing complex, now approximately sixty years old, is one of the most important architectural experiments produced in the scope of the Brazilian architectural modern movement. The complex constitutes a rich exploration of architectural morphology and building technical solutions, cleverly encompassing references to the work of other architects of the movement, especially Le Corbusier. This text discusses specifically the “A” building” of Pedregulho, a “serpentine” housing development of potentially indefinite linear growth, as an outstanding example of the use of reinforced concrete, both in aesthetical and building terms, exploring the extremes of plastic freedom and modular systematic repetition that this material and its respective technologies and building processes allow. The expansion is facilitated by the structural modules geometric repetition, but, at the same time, subtle inflexions and curves can be obtained, enhancing the adaptation to site and urban surroundings. The material and its structural system also allow the creation of a building similar to “macrostructures”, integrating various types of housing, pedestrian paths, common spaces and facilities, blurring the conventional limits between the architectural object and the urban system both in terms of design and use.The building was probably meant by Reidy as a type of housing solution to be applied at least in the typical situation encountered in Rio, as the Gávea building and the project for Catacumba which he also designed, seem to prove. The Reidy proposal was inspired by the curvilinear housing viaducts conceived in Rio (1929 and 1936) and Algiers, the most radical and oneiric Corbusian urban proposals. Reidy accomplished the superior task of adapting Le Corbusier’ architectural poetics into lucid and pragmatic propositions, retainining one of the deepest meanings of modern movement’s ideology, the paradoxical relationship between nature and construction. A obra exemplar de Reidy, o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, mais conhecido por Pedregulho, no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, hoje com aproximadamente sessenta anos de existência, constitui-se em um dos mais significativos experimentos arquitetônicos realizados no quadro da arquitetura modernista brasileira. O conjunto caracterizou-se, como foi freqüente na obra de Reidy, como uma rica experimentação e exploração tipológica e construtiva dentro do idioma modernista, referenciando-se, especialmente, a proposições corbusianas. Interessa a este trabalho enfocar um tipo arquitetônico proposto por Reidy, o prédio habitacional sinuoso e de crescimento linear potencialmente ilimitado, como o Bloco A de Pedregulho, que apareceria depois no único volume construído do Conjunto Gávea e no projeto não realizado de Catacumbas. Este tipo será visto enquanto caso significativo de aplicação do concreto armado, situando-se entre os extremos da plástica livre e da repetição modular geometricamente ordenada, que o material e as tecnologias e processos a ele próprios permitem. A expansão é dada basicamente através de módulos estruturais que se repetem, mas que são, ao mesmo tempo, passíveis de sutis inflexões e curvaturas. Do mesmo modo, o sistema estrutural adotado possibilita a criação de construção similar a uma megaestrutura, embora em dimensões e com amplitude funcional reduzida. Elevada por pilotis, potencialmente expansível em direções variáveis e adaptável à morfologia do terreno natural e do entorno urbanizado, esta estrutura se adequaria à diversidade do sítio de implantação. Do mesmo modo, poderia absorver parte dos equipamentos urbanos complementares à habitação social, idealizados por Reidy. O conjunto Pedregulho também representa, estética, construtiva e funcionalmente, a aplicação do concreto em uma escala situada entre o urbano e o campo do objeto discreto arquitetônico, expandindo os limites convencionais das práticas e das concepções arquitetônicas e urbanísticas. O conjunto Pedregulho possibilita entender a importância da obra de Reidy no quadro da arquitetura modernista brasileira, como exemplar significativo de uma concepção peculiar do autor sobre o ideário modernista em termos não só das questões relativas a correlações entre lugar, forma e função, mas, especialmente, das atitudes sistemáticas do arquiteto na aplicação das técnicas e materiais dentro do processo de construção. Embora Reidy seja unanimemente considerado como membro do trio de pioneiros do modernismo arquitetural brasileiro, juntamente com Lucio Costa e Oscar Niemeyer, sua obra é relativamente menos estudada, talvez devido em parte a sua menor longevidade. Apesar da excelência de análises já clássicas como as de Bruand e Mindlin,1 além de abordagens mais recentes como as de Caixeta e Bondouki2, a obra de Reidy ainda representa rico material para reflexão. Reidy se distingue da tendência à experimentação formal libertária e busca de originalidade que caracterizou a obra de Niemeyer, freqüentemente confundida, pelo menos para um público leigo, como característica central da produção modernista brasileira. Destaca-se também da tendência de Lucio Costa em estabelecer correlações recursivas entre produção modernista e raízes históricas, favorecendo fundamentos “clássicos” da composição arquitetônica, ou explorando assimilações e referências comuns “inatas” entre o modernismo e a arquitetura vernácula brasileira. A obra de Reidy parece seguir rigorosamente uma “recherche patiente“ corbusiana, no sentido do estabelecimento de uma disciplina lógica formal em todas as dimensões do projeto, desde a formulação do programa até a concretização da obra. Em termos estritamente da construção e utilização de materiais e técnicas, a postura sistemática e metódica de Reidy é peculiar. Distingue-se, por exemplo da “démarche” de Niemeyer com respeito às técnicas, desafiando limites práticos do concreto armado, problemas que entretanto legava a um grupo de excelentes calculistas que sempre o secundaram. A atitude de Reidy, seja por suas responsabilidades formais junto à prefeitura do Rio, seja pelas relações sistemáticas que mantinha com a engenheira Carmem Portinho e com as equipes técnicas que com ele trabalhavam, era a de co-participação intensa e íntima nas soluções e operações construtivas, aproximando e integrando efetivamente projeto, solução técnica e efetiva realização. Reidy manteve em sua prática um processo de constante aprendizado que envolvia todos os aspectos e dimensões técnicas, sócio-econômicas e artísticas da arquitetura, aproximando o atelier do canteiro. Nas palavras de Burle Marx: “[No trabalho de Reidy] a inventividade, a procura de novas proposições se respaldavam no conhecimento que ele procurava acumular, como ferramenta para respostas completas e objetivas aos problemas que surgem na resolução dos espaços. Assim, Reidy foi somando experiência em tudo aquilo que se 1 BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1991. MINDLIN, Henrique. Arquitetura moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999. 2 CAIXETA, Eline Maria M.P.Uma arquitetura para a cidade: a obra de Affonso Eduardo Reidy. In Arqtexto. Porto Alegre. UFRGS. Faculdade de Arquitetura/PROPAR, n.2, 2002. BONDUKI, Nabil. A habitação social alavanca a carreira de Reidy. In: BONDUKI, Nabil (org.). Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Editorial Blau, 20 relacionava com arquitetura, desde as técnicas construtivas, passando pelo cálculo estrutural, até o menor detalhe de construção de um jardim. [...] Assim foi no parque do Flamengo, em que sua atuação como urbanista definiu o traçado viário atual, que permitiu utilizar como parque uma área fadada a ser um emaranhado de avenidas, com pequenas ilhas verdes entre elas”3 Reidy parece se distinguir também em termos do processo criativo no âmbito do projeto arquitetônico. Seus projetos por vezes integram livremente referências e soluções de outros arquitetos, sem com isso deixarem de constituir-se produtos altamente inovadores e de excelência. Como observa Bruand, em Pedregulho Reidy incorporou aberturas quadradas centralizadas nos painéis de vedação em elementos vazados que referem–se a soluções do Parque Guinle de Lucio Costa, enquanto as coberturas dos prédios comunitários evocam o Oscar Niemeyer da Pampulha. No mesmo sentido, em sua proposta para o Centro do Rio, Reidy criou uma composição de “redents” e incorporou o museu de “Croissance Ilimitée” corbusianos. Reidy exerceu uma lógica de invenção que não excluía um processo de composição e recomposição de referências que opera e integra tanto soluções plásticas e estruturais de outros arquitetos, quanto formas próprias e novas a seus projetos, sempre com resultados inovadores. As relações de Reidy com Le Corbusier também parecem peculiares dentro do quadro dos arquitetos vanguardistas brasileiros. Tendo sido o único a trabalhar em ambos os projetos paradigmáticos de 36, o Ministério da Educação e Saúde e Cidade Universitária, Reidy parece seguir mais diretamente os preceitos e proposições urbanísticas corbusianas do que seus colegas modernistas. A obra de Reidy junto à prefeitura carioca segue um grande esquema urbanístico, que lhe confere uma coerência fundamental, podendo ser dividido em três componentes essenciais: as operações centrais de renovação urbana, os grandes aterros e, em uma re-interpretação das lógicas do viaduto habitável em outra escala, os grandes conjuntos habitacionais, como o Conjunto Pedregulho. Em sentido geral podem-se estabelecer referências entre tal esquema e as visões e concepções de Le Corbusier sobre o Rio, elaboradas em sua visita de 1936. Reidy descreveu seu esquema para o Rio em carta a Le Corbusier, enumerando claramente seus componentes: 3 BURLE MARX, Roberto. in BONDUKI, op.cit., p.129. “1- As novas avenida à beira mar : Praia de Botafogo, Flamengo , Glória até o aeroporto Santos Dumont 2- Planejamento do Santo Antonio 3 - Continuação da grande Avenida Norte-sul, sob pilotis, passando no centro da cidade...” 4 Prosseguia explicando a abertura da Avenida Getúlio Vargas e o Túnel do Morro da Conceição, ligação viária com a Avenida Brasil, os grandes acessos de longo curso da cidade, tão significativos nas concepções urbanísticas corbusianas. Finalmente Reidy completava a exposição de seu “plano” com fotos do Pedregulho em obras, qualificando o conjunto como “unidade vicinal” e integrando-o ao grande esquema urbano. Le Corbusier no Rio em 36 Em 1936 no Rio de Janeiro, Le Corbusier buscou ordenar todas as suas atividades e projetos em um grande esquema urbano para a cidade, tomado, como colocou Comas, como verdadeira “cidade exemplar”5, que ele expressou em desenhos concisos e palestras. O esquema, embora pouco formalizado enquanto um plano urbanístico, detinha grande coerência e propunha uma completa re-estruturação da cidade. Baseava-se em grandes elementos existentes ou propostos pelo próprio Le Corbusier, como aqueles próprios do sítio, grandes linhas de viadutos habitáveis e um novo centro urbano situado junto ao centro tradicional. Este centro renovado concentrava ou se coligava a grandes equipamentos, áreas e pólos funcionais e institucionais, incluindo a Cidade Universitária e o Ministério da Educação e Saúde, que figuravam como focos de uma nova urbanidade, além da área industrial junto ao porto e o aeroporto. Como colocou Tsiomis,6 o Aeroporto do Rio passa a ser para Le Corbusier o verdadeiro elemento central da cidade, mais que praças cívicas ou prédios institucionais como propusera Agache, considerado como equipamento funcional e simbólico da nova era. Le Corbusier propôs um grande cruzamento central das vias estruturadoras e viadutos habitáveis junto à avenida Rio Branco, em um gesto simbólico clássico, como no centro da “Ville Contemporaine”7. Deste modo, o Rio 4 Carta de Reidy a Le Corbusier desde o Rio em 6 de Abril de 49 --- SANTOS, Cecília Rodrigues dos et al. Le Corbusier e o Brasil. São Paulo: Tessela/Projeto, 1987.p. 194-195. 5 COMAS, Carlos Eduardo Dias. Le Corbusier: os riscos brasileiros de 1936. In: TSIOMIS, Yannis (coord.). Le Corbusier: Rio de Janeiro, 1929, 1936. Rio de Janeiro: Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1998, p.30-31. 6 TSIOMIS, Yannis. Da utopia e da realidade da paisagem. In: TSIOMIS, Yannis (coord.). Le Corbusier: Rio de Janeiro, 1929, 1936. Rio de Janeiro: Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1998, p.17-18. 7 O croquis mostra o mapa esquemático do Rio, enfatizando o centro urbano, lendo-se as seguintes anotações: CC centro cívico; AE - aeroporto; A5 - auto-estrada a 5 metros, A100 - auto-estrada a 100 metros; viaduto habitável; Cub cidade universitária; Rb - avenida Rio Branco; M - ministérios; estação ferroviária; CA - cidade dos negócios; BM - passava a satisfazer o ideal corbusiano de ter seu centro acessível por “terra, mar e ar”. Le Corbusier apresentou sucintamente seu esquema na quarta conferência de 36 no no Rio: Vejam um esquema que lhes indicará o que entendo. Coloca uma cidade universitária na Quinta... o porto , perto do aeroporto e nos relembra as obras de Passos, a baía do rio; esta auto estrada terá por finalidade alimentar uma paisagem pela avenida Rio Branco, um centro de negócios importante a instituir, cercado de áreas livres necessárias, com circulações, cruzamentos .... Em seguida aqui há uma possível ligação com, de um lado, o aeroporto, e de outro lado, o edifício do ministério, enfim, possibilidades para o futuro... 8. Os viadutos serpenteantes constituem, entretanto, os elementos essenciais da proposta. Esboçados pela primeira vez no Rio em 1929, desenvolvidos no “Plan Obus” de Argel (1931), e retomados ainda no Rio em 36, essas mega-estruturas em concreto avançaram, como nenhuma outra proposição, o ambicioso programa do urbanismo e da arquitetura modernistas, constituindo-se nas propostas mais espetaculares, radicais e assustadoras do movimento, tendo sido qualificados por Manfredo Tafuri, como “a hipótese teórica mais elevada da urbanística moderna, ainda insuperada tanto em nível ideológico como formal 9”. O Rio forneceu elementos de inspiração local como a vegetação luxuriante, as montanhas, as praias, os embarcadouros “mais belos do mundo”, os barracos favelados “sobre pilotis” contra a encosta denominados “ninhos de pássaro planador’ de onde de divisava a paisagem além do próprio aqueduto de Santa Tereza, transformado em viaduto com a implantação da famosa linha de bondes10. A plenitude dos corpos femininos, desenhados por Le Corbusier no Rio, cujas curvas pareciam homólogas à caprichosa topografia, associadas aos meandros dos rios do Prata, induziam uma intensa ênfase biomórfica em nova fase da obra corbusiana. 11 avenidas à beira mar. O esquema é reproduzido em In: SANTOS, Cecília Rodrigues dos et al. Le Corbusier e o Brasil. São Paulo: Tessela:/Projeto, 1987. p.156. SANTOS et al., op.cit., p.156. 8 LE CORBUSIER. Conferência “A moradia como prolongamento dos serviços públicos”, realizada em 10/08/1936, no Rio de Janeiro. In: BARDI, Pietro Maria. Lembrança de Le Corbusier: Atenas, Itália, Brasil. São Paulo: Nobel, 1984, p.164 9 TAFURI, Manfredo. Projecto e utopia. arquitetura e desenvolvimento do capitalismo. Lisboa: Editorial Presença, 1985 Projecto, cit., p.87. 10 CABRAL, Gilberto Flores. O utopista e a autopista: Os viadutos sinuosos habitáveis de Le Corbusier e suas origens brasileiras. (1929-1936) In Arqtexto. Porto Alegre. UFRGS. Faculdade de Arquitetura/PROPAR, n.9, 2006, p.62-63. 11 FRAMPTON, Kenneth. Le Corbusier. Paris: Éd. Hazan, 1997, p.87-88. Mas, como coloca Bendicht, os viadutos também representavam a síntese de uma longa pesquisa tipológica, arquitetônica e urbanística corbusiana anterior. Neles vê-se o imóvel habitacional em altura, mas de crescimento horizontal contínuo “potencialmente infinito”, como os “redents” das “villes” utópicas dos anos vinte, que absorviam parte das funções urbanas e guardavam certa liberdade em relação ao sistema viário e as quadras.Também refletem a busca incessante em criar “terrenos no ar”, como os terraços ajardinados e ensolarados elevados dos prédios “alveolares”, dentro do conceito de cidade jardim vertical. Os cinco pontos estão presentes nos viadutos, grandes estruturas independentes, sobre pilotis, embora em escala sem precedentes e com o terraço jardim superior substituído por uma via expressa. Le Corbusier, como nunca, estabeleceu uma síntese máxima em vários níveis, tentando superar os paradoxos entre natureza e construção, racionalismo e pitoresco, entre os sistemas estáticos e o movimento urbano. Como colocou Giorgio Ciucci, os viadutos representavam “encontro entre a abstração da teoria e o concreto da realidade: [neles] o pensamento moderno se acha confrontado à tradição e à história, a civilização maquinista ao eterno da natureza, da racionalidade, da sensualidade”12. Os viadutos franqueavam o hiato projetual entre o imóvel isolado e as malhas urbanas, entre arquitetura e urbanismo, permitindo a flexibilidade e a variedade em cada célula, mas mantendo a unicidade do conjunto maior da mega-estrutura. Le Corbusier, como coloca Bendicht,13 propôs a síntese completa entre as instâncias de cidade e construção e, por conseqüência, a fusão entre sistemas técnicos infraestruturais urbanos e a habitação, domínios que antes ele buscava separar analiticamente. Le Corbusier explicou: “...são os arquitetos que vêm em socorro do urbanistas para criar grandes circulações de automóveis, auto estradas em grande altura em cima do solo”14 isto é, fundem-se os âmbito do urbanismo “bidimensional” e da “arquitetura” ao transformar-se a cidade em um objeto tri-dimensional passível de tratamento arquitetônico. Para ele, conforme afirmou na conferência “Prolongamento dos Serviços Públicos” o conceito de infra-estrutura e serviços urbanos, normalmente 12 CIUCCI, Giorgio. CIAM: la poésie en casier. In: LUCAN, Jacques (org.). Le Corbusier, une encyclopédie. Paris: Éd. du Centre Pompidou, 1987, p.90. 13 WEBER, Bendicht A arquitetura de um viaduto. In: TSIOMIS, Yannis (coord.). Le Corbusier: Rio de Janeiro, 1929, 1936. Rio de Janeiro: Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1998, p.64-68. LE CORBUSIER. Conferência “A moradia como prolongamento dos serviços públicos”, realizada em 10/08/1936, no Rio de Janeiro. In: BARDI, Pietro Maria. Lembrança de Le Corbusier: Atenas, Itália, Brasil. São Paulo: Nobel, 1984. 14 adstrito à expansão planar da cidade, deveria se expandir verticalmente com a construção da mega-estrutura. Le Corbusier no Rio descreveu o que denominou sua “reforma celular” do Rio iniciando pela habitação ideal confrontando a paisagem, em uma prosa carregada de lirismo descritivo, onde destacou “ a linda vegetação, ...espetáculo incomparável ... beleza radiosa...” considerando-as “...patrimônio público.” A solução preconizada é o “urbanismo vertical”, que cria “jardins suspensos” e liberando o solo através de pilotis gigantescos, e realizando “...a organização dos serviços comuns e a tomada de posse do espaço pela altura”,15suportando as habitações ordenadas em células “empilhadas” na macro-estrutura. Ele explicava: “Sobreponho a esta habitação uma auto estrada que conduzo até as praias de Copacabana...’’, completando “...Esta habitação insere-se num ambiente magnífico para dar suporte a esta auto estrada que no Rio poderá seguir de morro a morro ...”. O sistema de auto estradas ligaria “lugares úteis” permitindo “...tomar, pelas técnicas modernas, posse desta imensa paisagem e, de baia em baia, criando grandes viadutos que servirão de vias de comunicação unindo um ponto ao outro...” 16 Os viadutos tiveram muitas variantes, mas pode-se definir basicamente a sua materialidade como uma macroestrutura de concreto armado de crescimento modular contínuo de 100 metros de altura, encimada por uma estrada de veículos leves acessada por rampas ou elevadores veiculares, podendo atingir extensão de dezenas de quilômetros. A transição ao solo se daria através de pilotis, deixando um pavimento livre de aproximadamente 40 metros de altura, minimizando a interferência na cidade existente e permitindo a circulação de veículos pesados ou áreas verdes e livres no térreo. Na estrutura eram criados "terrenos no ar", com aproximadamente 6 metros de altura ou dois pés direitos, a serem preenchidos com habitações e circulações de pedestres além de áreas de lazer, comércio e serviços. Estas circulações se abririam como terraços ajardinados, privilegiando a vista, insolação e aeração natural. A estrutura gigantesca em concreto comportaria grandes vãos entre pilares, baseandose em técnicas desenvolvidas para pontes e obras viárias em concreto armado, como arcos abatidos e possivelmente protensão, evocando Maillart ou Freyssinet. As lajes 15 LE CORBUSIER. Conferência “A moradia como prolongamento dos serviços públicos”, realizada em 10/08/1936, no Rio de Janeiro. In: BARDI, Pietro Maria. Lembrança de Le Corbusier: Atenas, Itália, Brasil. São Paulo: Nobel, 1984, p.162. 16 LE CORBUSIER.ibid.p.162. planas poderiam assumir formas típicas de tabuleiros de pontes, criando canais horizontais e verticais para dutos e redes infra-estruturais além de gigantescos elevadores veiculares. Os viadutos constituem-se em verdadeira celebração do concreto armado explorando os extremos de suas potencialidades técnicas e plásticas. Permitem os grandes vãos necessários a intervir o mínimo na cidade existente e a repetição modular potencialmente ilimitada. Por outro lado apresentam a aparência de continuidade inconsútil e a liberdade formal de sua implantação em curvas suaves com grande liberdade direcional, adaptando-se sutilmente ao sítio. Do ponto de vista construtivo e estrutural, o outro importante material moderno, o aço, em seus diversos sistemas disponíveis poderia permitir um desempenho similar ao do concreto armado em uma aplicação em prédios como os viadutos corbusianos ou os prédios curvos de Reidy. Estruturas em aço são especialmente adequadas à construção em série de peças e módulos repetitivos. Por outro lado, a técnica de chapas dobradas e soldadas, como na construção naval, pode produzir curvas complexas ensejando liberdade formal. Mas a construção civil convencional em aço sempre será limitada à agregação de um número de peças geralmente padronizadas e com dimensões limitadas a serem compostas através da união e solidarização por solda, parafusos, rebites e conectores diversos, não oferecendo a continuidade aparente do concreto, nem superfícies curvas sutis. A forma obtida pelo concreto é, em última análise, somente limitada pela fôrma, sendo interrompida por descontinuidades pouco visíveis (juntas de dilatação, hiatos construtivos). Assim, os viadutos foram ideados especificamente em concreto armado, material essencial para a realização de sua promessa plástica e funcional. O esquema e as visões cariocas de LC em 36 iriam de forma genérica influenciar um plano geral de Reidy para o Rio. Como já vimos, Reidy articulava vários de seus projetos em um todo coerente, um grande esquema urbanístico para a cidade cujos componentes principais eram os aterros, a renovação do centro urbano e os conjuntos habitacionais, cabendo entender cada um desses elementos em sua significação. O novo centro O estudo de urbanização da área resultante do desmonte do morro de Santo Antônio, de 194817, definia o anteprojeto não construído de um novo centro para o Rio. Incluía, basicamente, usos institucionais, administrativos, comerciais e habitacionais e 17 REIDY, Affonso Eduardo. Estudo de urbanização da área resultante do desmonte do morro de Santo Antônio. In: BONDUKI, Nabil (org.). Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Editorial Blau, 2000, p.118 et seq. situava-se em um novo grande cruzamento viário em via elevada, paralelo à Avenida Rio Branco, que conectaria as vias dos novos aterros com o eixo a elas ortogonal da Avenida Presidente Vargas. Assim, constituía-se a lógica corbusiana de um grande cruzamento no centro carioca, expresso nos esquemas cariocas de 1936. A morfologia urbana proposta buscava definir espaços públicos significativos e utilizava os tipos corbusianos das “villes” utópicas, como grandes placas verticais de 30 pisos, destinadas a escritórios, um grande “redent” habitacional e construções mais baixas e horizontais variadas, formando circulações cobertas junto a grandes esplanadas e abrigando comércio. O centro municipal, um complexo dentro do conjunto, abrigaria a prefeitura e diversas outras funções públicas e culturais, como biblioteca, auditórios e teatro municipal, aproximando-se de grandes equipamentos corbusianos, como o “mundaneum”. Une volumes diferenciados adequados a suas funções precípuas, articulados por estruturas contínuas horizontais, formando reentrâncias em forma de praças. Incluía um museu da cidade na forma do “Musée de Croissance Ilimitée”, ou “Musée de la Conaissance” de Le Corbusier, cujo nome é citado em planta, de forma explícita18. Reidy, em sua modéstia característica, reconheceu em carta a Le Corbusier a influência deste último em seu projeto do novo centro carioca: “o novo plano (da área do desmonte do morro Santo Antonio), que é uma aplicação no caso concreto do Rio, das idéias que lhe são próprias ( próprias a Le Corbusier), teve que se conformar a limitações econômicas e administrativas, sem falar nas minhas próprias limitações pessoais “19 Le Corbusier respondia: “No que diz respeito ao morro de Santo Antonio, você me deixa com água na boca. Esforça-se para que se construa o meu museu. Agradeço-lhe, e estou plenamente de acordo em fazê-lo se julgar útil...”.20 A partir daí Le Corbusier, em suas típicas imodéstia e sofreguidão por trabalho, dizia desejar poder “... ajudar (...) a dar ao conjunto uma harmonia perfeita”, e arrematava: “ficarei feliz em poder fazer com que vocês se beneficiem um pouco de minha experiência”“. 21 18 Ibid., p.122. Carta de Reidy a Le Corbusier. Rio, 6 de abril de 1949. In: SANTOS et al., op.cit., p. 194-195. 19 20 21 Carta de Le Corbusier a Reidy. Paris, 14 de abril de 1949. In:ibid., p.195-196. ibid. Referindo-se explicitamente a temáticas e formas corbusianas, o projeto criava uma trama urbana “ex-novo”, promovendo a preservação museológica dos arcos da Lapa, neste sentido aproximando-se do “Plan Voisin”, quando este preservava poucos monumentos na área central de Paris. Mas Reidy, ao contrário de Le Corbusier, naquele projeto não propunha a destruição de um patrimônio construído, pois contava com a área liberada pelo desmonte. Diferentemente da visão corbusiana para o Rio em 36, agora eram grandes vias, e não viadutos habitáveis, que convergiam ao centro. Os aterros Os aterros da orla da baía da Guanabara, junto aos bairros Glória e Flamengo, no Rio de Janeiro, realizados sob a liderança de Reidy, objetivavam criar um grande parque recreativo e melhorar a circulação entre a zona sul e o centro da cidade, criando faixas viárias expressas, dentro da doutrina da “cidade jardim vertical”. Respeitadas as diferenças em função e forma, nos aterros repetiam-se as lógicas das “corniches” litorâneas pré-existentes de Pereira Passos, admiradas por Le Corbusier, pois replicavam, em suas vias, novas praias, e nas linhas paisagísticas de Burle Marx, as curvas originais da costa da baía, embora em arcos mais amplos e suaves.22 Os parques seguiam algumas diretrizes gerais dos viadutos corbusianos, conectando a cidade “às praias oceânicas”, formando canais de tráfego rápido e estabelecendo uma forte relação entre o natural e o construído. Mas o faziam através de uma inversão importante, pois enquanto o viaduto habitável era construção, o aterro era “vazio”, tratado como fundo universal da cidade modernista, junto à massa edificada da cidade existente. A idéia corbusiana de cidade-jardim vertical, na situação concreta do Rio, seria parcialmente resgatada pelos parques contíguos à massa edificada ao longo da baía. A separação tráfego/pedestres, princípio essencial da cidade modernista, se realizava no parque através de seis passarelas e seis passagens subterrâneas. Além das atividades da cultura física tão próximas ao ideal corbusiano de vida social, o parque incorporava ou conectava equipamentos ícones da modernidade, o crucial aeroporto e a simbólica presença do monumento à própria arte moderna, o Museu de Arte Moderna, projeto de Reidy, aproximadamente na área originalmente escolhida por Le Corbusier para o grande gesto do MES, a praia de Santa Luzia23. 22 Le Corbusier foi convidado a participar dos trabalhos, mas as tratativas se interromperam bruscamente, devido a legislação profissional brasileira ou indisponibilidade de verbas. 23 O projeto de Reidy para o parque, com paisagismo de Burle Marx, previa: o Museu de Arte Moderna, o playground da Viúva (Museu Carmem Miranda), playground do Flamengo, coreto, pista de dança ( todos projetos de Reidy), Reidy realizava nas passarelas de pedestres do parque, campo então pouco contumaz da atuação arquitetônica, um experimento exemplar de síntese estético – técnica em concreto armado. A passarela em frente ao Museu de Arte Moderna, constituía-se em arco de curva abatido, assentada sobre taludes suaves, configurando, com sua qualidade plástica, um marco da paisagem e demonstrando compreensão profunda da ergonomia da circulação de pedestres. Rubem Braga celebrou a obra em crônica: Aquela ponte lançada sobre a pista em frente ao Museu de Arte Moderna é uma das coisas mais belas do Rio. A gente vê que é possível fazer poesia com cimento; e entende que a linha reta é irmã gêmea da linha curva; e que o cálculo mais sábio pode resultar na maior emoção de simplicidade24. Os conjuntos habitacionais Se o centro urbano foi a aplicação corbusiana mais direta, no outro extremo, o sonho do viaduto, ou seus traços gerais, devidamente conduzidos à lucidez e ao possível, podem ser vistos em três projetos de conjuntos habitacionais exemplares, situados na interseção entre arquitetura e urbanismo. Os conjuntos Pedregulho, Gávea e o nãoconstruído Catacumbas, guardam fortes referências à forma geral do viaduto corbusiano, destituído de suas conotações utopizantes e levados à escala do factível em uma experimentação em soluções de habitação de baixa renda para o Rio. As curvas sinuosas dos prédios lineares preponderantes, acompanhando as topografias caprichosas dos terrenos, guardam dos viadutos habitáveis a relação com a natureza, a metáfora da “continuidade infinita” e, de certo modo, a fusão de circular e habitar. Mas, evidentemente, são releituras profundas, afastam-se radicalmente do modelo em dimensão e contenção. Os viadutos, neste caso, atuam como “referência imaginária” e não projetual ou morfológica. O conjunto habitacional do Pedregulho, destinado aos funcionários municipais de baixa renda, teve seu programa estabelecido após longos estudos sociológicos sobre os futuros usuários, definindo-se os edifícios necessários, o número e característica dos apartamentos. Como afirmou Bruand, Reidy aplicava o rigor metodológico corbusiano, mas se destacava pelo “..caráter essencialmente prático (...), que preferia, restaurante do morro da Viúva (projeto de Jorge Moreira, não executado), teatro de marionetes (projeto de Carlos Carvalho), monumento ao soldado desconhecido (projeto de Marcos Konder), além de quadras esportivas, áreas para piqueniques, pista de aeromodelismo, áreas para exposição, praia, vestiários e sanitários. 24 BRAGA, Rubem. Crônica. In: BONDUKI, Nabil (org.). Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Editorial Blau, 2000, p.138. em vez de especulações grandiosas um tanto utópicas, um resultado relativamente limitado imediato” 25. O conjunto ocupa um terreno de aproximadamente 5 hectares, apresentando topografia acidentada e diferenças de nível de até 50 metros, com uma vista espetacular em sua parte alta. O projeto compunha-se de quatro blocos de apartamentos, destinados a abrigar 478 famílias em unidades que variavam entre conjugado e quatro quartos, tipo dúplex, um deles nunca tendo sido construído. Incluía uma escola, ginásio, piscina, lavanderia, mercado e centro de saúde, aproximando-se do conceito de unidade de vizinhança, e das tradicionais noções modernistas de habitat, que inclui uma gama de serviços e equipamentos coletivos. Dentro do espírito corbusiano da “architecture synthèse des arts”, são incorporadas painéis de Burle Marx e Portinari. Os equipamentos coletivos ocupam uma posição central, no conjunto, como elementos emblemáticos no âmbito de uma reforma social desejada, adotando uma arquitetura expressiva e diferenciada baseada em formas mais livres e distintivas em concreto armado. Aqui percebe-se nitidamente a lógica de Reidy no estabelecimento de uma correlação clara e legível entre forma e função e enfatizando seu caráter excepcional, centralidade e importância social. Como afirma Bruand, neles Reidy, utilizando formas mais livres e protagonistas, com soluções variadas, particularmente de cobertura constituída por abóbadas em arco em concreto armado. Os prédios especificamente habitacionais são o bloco sinuoso (bloco A), o mais conhecido e importante do conjunto, e os blocos residenciais menores B1 e B2. Estes últimos, ambos prismas retangulares de cerca de 80 metros de extensão, têm quatro andares e 28 unidades dúplex de três quartos, destinados a atender famílias maiores, Implantados no sopé da elevação, onde se ergue o grande bloco A. Aqui se repetem nas fachadas elementos compositivos comuns como os elementos vazados, se alternando com as faixas contínuas de peitoris e janelas, numa seqüência de cheios e vazios. As escadas em espiral, separadas do corpo principal, configuram uma solução plástica e funcional, pois permitem, graças à distribuição em dúplex, estabelecer apenas duas galerias de circulação para quatro pavimentos. A topografia local e a importância dada à visão da Baia desde as habitações definem o partido do imenso bloco principal de apartamentos (bloco A) com sete pavimentos sobre pilotis, 272 unidades e 260 metros de comprimento, numa forma sinuosa que acompanha o relevo acentuado do sítio. 25 BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1991, p.225. A implantação no flanco do declive, seguindo, em planta, aproximadamente suas linhas de nível, imita a lógica dos viadutos corbusianos na sua relação com o relevo carioca, mas em escala muito menor. O partido permitiu a entrada pela encosta, a partir do terceiro pavimento, eliminando-se assim a necessidade de elevadores, evocando a solução que Le Corbusier relacionava ao precedente dos barracos favelados. Em 29, ele conheceu as favelas cariocas e lá descobriu as ‘casas dos homens.” 26 , o barraco primordial dos “negros“, afirmando, dentro de sua peculiar “psicofisiologia” que o ato de ver a bela paisagem os tornava selvagens ”puros” rousseaunianos: “(...)O negro faz sua casa sempre a pique, empoleirada sobre pilotis na parte da frente, a porta do lado de trás, do lado da colina; do alto das ‘Favelas’ vê-se sempre o mar, a baía, os portos, as ilhas, o oceano, as montanhas, o estuário”27. Reidy afirmou, menos liricamente: “Há problemas que são mais fáceis de resolver num morro que numa superfície plana. O da vista, a ausência de elevador, etc.”28 Alguns dos princípios corbusianos “clássicos” são citados por Reidy para a concepção de Catacumbas, aplicáveis à tipologia inaugurada em Pedregulho: [...] no plano geral, foi observado o princípio de absoluta separação de pedestres e veículos; as construções sobre pilotis, além de proporcionarem áreas abrigadas para crianças brincarem fora dos corredores de circulação, asseguram uma perfeita ventilação de todo o conjunto; foram adotados diversos dispositivos corretores do excesso de insolação e procurou-se, sempre que possível, assegurar a ventilação transversal29. O pavimento de acesso do bloco A forma um grande rasgo em altura intermediária que constitui uma galeria de circulação coletiva aberta e play-ground coberto, sendo compartimentado apenas parcialmente por uma escola maternal, jardim de infância, serviço social e administração. O pavimento aberto lembra tanto o caráter circulatório dos viadutos, permitindo o acesso livre de pedestres, quanto a sua abertura a paisagem, tendo Reidy destacado que dali se teria “belíssima vista panorâmica”30 Ao 26 LE CORBUSIER. Prólogo americano. In: SANTOS, Cecília Rodrigues dos et al. Le Corbusier e o Brasil. São Paulo: Tessela:/Projeto, 1987. p.79. 27 LE CORBUSIER. Corolário Brasileiro. In:ibid, p.88. 28 JEAN, Yvonne. Conjunto residencial das Catacumbas (Correio da Manhã, 1951; reportagem). In: BONDUKI, Nabil (org.). Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Editorial Blau, 2000, p.104. 29 REIDY e PORTINHO, op.cit., p.87. 30 Ibid.p.84 absorver funções quase urbanas, o bloco evoca, ainda que limitadamente o imóvel gigante e autônomo corbusiano. As unidades residenciais de um compartimento , abaixo do pavimento intermediário e, acima deste, duas linhas de dúplex superpostos. Esta distribuição é legível, especialmente, na fachada posterior, que alterna faixas em concreto, fitas de aberturas, o grande rasgo aberto e vedações em elementos vazados cerâmicos aplicados às circulações, todos reforçando a horizontalidade do conjunto. Como observa Bruand, aqui aparece a influência de Lucio Costa: “o papel decisivo dos panos de elementos vazados, a retomada das aberturas quadradas dispostas no centro da maioria deles, o caráter de distinção dessa frente posterior” 31 . Mas, nesse caso, a alternância entre cheios e vazios, luz e sombra da fachada posterior, reforçando a linearidade do bloco, demonstram a aguda correlação entre estética e funcionalidade em Reidy. A estrutura do bloco é elegante em sua simplicidade conceitual, sendo constituída pela repetição de um módulo transversal de vão único, com balanços co-laterais simétricos, dimensionados em suas relações recíprocas de forma a máxima otimização estrutural. Os vãos constantes determinam duas linhas longitudinais e paralelas de colunas recuadas de seção elíptica que se desenvolvem ao longo de todo o prédio, curvando-se de forma a acompanhar aproximadamente o relevo do sítio, sendo a curva convexa na fachada anterior. A curvatura é obtida pela inflexão gradual das linhas transversais, o que determina paredes duplas que assumem a forma de “cunhas” em planta, sendo a porção externa mais espessa utilizada em alguns casos como armários embutidos ou como passagem de pilares. As unidades residenciais, se inserem duas a duas nos vãos da estrutura principal, estabelecendose uma diferenciação conceitual entre estrutura suporte e células, evocando conceitos dos viadutos corbusianos. A fórmula geral dos prédios sinuosos experimentada no Pedregulho foi adotada por Reidy em outros conjuntos do Departamento de Habitação Popular da Prefeitura carioca, evidenciando a intenção de desenvolvimento de uma solução “tipo” para a sub-habitação no Rio, em terrenos acidentados. Em 1951, Reidy projetou um conjunto habitacional, nunca construído, localizado junto à lagoa Rodrigo de Freitas, visando alojar a população da favela da Catacumba, proporcionando novas moradias “in loco” e de qualidade. Dentro da mesma idéia, Reidy projetou, em 1952, o conjunto da 31 BRUAND, op.cit., p.231 Gávea (Conjunto Residencial Marquês de São Vicente)32. De todo o projeto, somente o bloco sinuoso foi construído, representando um experimento em concreto armado, comportando soluções como um grande arco parabólico sobre uma depressão do sítio e pilares em “v” em um pavimento de transição, reafirmando tanto a idéia de desenvolvimento de um tipo, quanto o desenvolvimento de grandes estruturas em concreto assimilando soluções de obras de arte viárias. As dificuldades importantes de implantação, incluindo a passagem não prevista de uma via abaixo do bloco, dão a este conjunto um resultado arquitetônico menos significativo que Pedregulho. Os conjuntos de Reidy eram iniciativas visando passar da utopia à realidade, reinterpretação do imaginário de Le Corbusier em termos de programas e projeto reais, adequação magistral a condicionantes econômicos, sociais e técnicos precisos. Mas conservaram uma relação com a proposição original, quase única em toda a arquitetura e urbanismo modernistas. Isso não equivale dizer que Reidy foi mero tradutor, pois sua arquitetura demonstrou não só excelência na aplicação de um modelo, mas uma criativa e radical re-semantização plástica e programática das propostas corbusianas. Reidy enfrentou com rigor as visões e raciocínios corbusianos sobre a relação entre construção e “sítio” natural, entre natureza exuberante e modelo geométrico maquinista, que tinham vindo à mente do mestre frente à epifania carioca. Ele soube extrair das reflexões corbusianas o teor concreto e definido que elas carreavam, conservando traços essenciais da poética também nelas implícita. Aqui se encontravam todas as temáticas enunciadas em 1936, em linguagem técnica objetiva e contida, destituída do flamejante apelo utópico ou dos excessos retóricos e conotações metafísicas do discurso corbusiano: a importância do sítio caprichoso e da natureza exuberante, a visão da natureza como positividade fundamental, a relação destes com o sistema viário, que garantiria a acessibilidade plena da era maquinista, os condensadores sociais corbusianos, o ciclo diário das atividades humanas como ponto de referência programático, a necessidade do lazer como prática social essencial33. Como assinala Bruand: 32 Destinando-se pessoas deslocadas de favelas em áreas centrais, o projeto previa um bloco sinuoso, à maneira do Pedregulho e sete blocos retangulares, num total de 748 apartamentos, além de escola primária, capela, centro de saúde, lavanderia, comércio, creche, teatro de arena. 33 Em sua visita ao Brasil, em 1954, Max Bill, crítico contumaz da arquitetura brasileira modernista, traduziu o que era a opinião da crítica arquitetônica internacional: “Considero esse belo conjunto como um notável êxito, não somente de arquitetura, mas ao mesmo tempo de urbanismo, e de todos os problemas sociais. Para mim, Pedregulho é o mais importante exemplo neste domínio e eu estaria contente se na Suíça existissem muitas realizações como esta. (...)amanhã mesmo, se alguém me convidasse, eu me mudaria com grande prazer para tão confortáveis apartamentos” (BONDUKI, Nabil. A habitação social alavanca a carreira de Reidy. In: BONDUKI, Nabil (org.). Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Editorial Blau, 2000,p.18). Fruto de uma concepção realista a curto prazo, da aplicação comedida e plena de bom senso de princípios teóricos anteriormente enunciados, a unidade residencial de Pedregulho talvez não fosse revolucionária no plano das idéias, mas sem dúvida alguma tratava-se de uma tentativa que assumia proporções de um verdadeiro manifesto e situava-se na mesma linha de pensamento do mestre franco-suíço. Também a concepção arquitetônica está orientada pelo espírito de classificação sistemática deste. Cada obra é definida por um volume simples, determinado, num conjunto nitidamente dividido em grandes categorias, onde o aspecto formal acusa a diferença de funções: o paralelepípedo é reservado aos prédios residenciais, o prisma trapezoidal, simples ou composto, aos edifícios públicos essenciais, enquanto a utilização da abóbada é limitada às construções esportivas. Contudo, embora a inspiração teórica e o método sejam indubitavelmente fruto do racionalismo de Le Corbusier, o vocabulário plástico, embora não renegue uma ascendência idêntica, decorre mais diretamente daquele que Niemeyer elaborou na Pampulha34. Lucio Costa afirmaria sobre o Pedregulho, referindo-se a este como solução exemplar da habitação popular modernista enfrentando a natureza, inspirada pelos viadutos: Dominados pela linha sinuosa do corpo principal que se estende à feição da encosta, vazado à meia altura (tal como sugeriu Le Corbusier, em 1931, para Argel), os demais elementos do conjunto foram sabiamente dispostos no espaço arborizado, entabulando-se assim entre as várias formas desiguais que o constituem o diálogo plástico necessário ao convívio harmônico, que a isto se reduz a arquitetura, por cuja graça um programa estritamente utilitário e funcional, como o da habitação popular, se transmuta em beleza, adquirindo sentido urbanístico e monumental. Monumentalidade prenunciadora de uma nova era, de maior equilíbrio, mais senso comum e lucidez35. Desse modo, os blocos serpenteantes de Reidy fizeram valer o caráter modelar de uma solução proposta por Le Corbusier, em outra escala e sem o radicalismo original, abstraindo seus princípios e adaptando-os a uma realidade urbana mais fragmentária e concreta. O limite paradoxal entre natureza e construção, ao mesmo tempo celebrando e confrontando a natureza e a paisagem, a valorização da linearidade e da circulação contínua, ali permanecem enquanto princípio conceitual e imagem. Como 34 BRUAND, op.cit., p.225. 35 COSTA, Lucio. Relato pessoal. In: COSTA, Lucio. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1997, p.204. assinalou Tafuri36, Le Corbusier abriu mão de parte desses princípios em sua própria “Unité”, que desiste da sua promessa de crescimento ilimitado e linear, aceitando o fim do sonho de uma nova era antes considerada iminente e a fragmentação inexorável da cidade e da vida modernas. Nesse sentido, o rigoroso Reidy conservou ainda algo, mesmo que em dimensões reduzidas e em terrenos dispersos, do sonho do mestre franco-suíço, além do que ele mesmo iria realizar. Mais que isso, demonstrou a viabilidade e adequação dos grandes imóveis lineares sinuosos a um programa de habitação social, comprovando suas potencialidades em termos de uma adaptação a sítios de topografia complexa e conservando algo de sua plástica instigante. Reidy celebrou, a seu modo contido, a promessa de explosão plástica dos viadutos sinuosos e seus conjuntos poderiam ser lidos como sinédoque ou expressão antonomástica, no sentido de que uma construção particular e localizada representa o todo da proposta corbusiana dos viadutos cariocas de 1929 e 1936. Reidy acompanhou o mestre e pareceu mimetizar a poética das grandes proposições corbusianas, mas sua experimentação técnica e, em particular, a virtuosa aplicação do concreto armado, aliadas à sua forte compreensão do urbano, o fizeram extrair da utopia a realidade, levando ao domínio do possível projetos de outro modo fadados ao domínio do improvável. 36 TAFURI, Manfredo. Machine et mémoire: la ville dans l’oeuvre de Le Corbusier. In: LUCAN, Jacques (org.). Le Corbusier, une encyclopédie. Paris: Éd. du Centre Pompidou, 1987, p.466. Referências BARDI, Pietro Maria. Lembrança de Le Corbusier: Atenas, Itália, Brasil. São Paulo: Nobel, 1984. WEBER, Bendicht A arquitetura de um viaduto. 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Cristiane Wainberg Finkelstein Arquiteta e Urbanista, Formada em 1997 pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS). Mestranda desde 2006/2 do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura (PROPAR) da UFRGS Rua Dr.Alcides Cruz 81/502 CEP 90630-160 Porto Alegre- RS Telefones: (51) 3209 2994 (51) 9679 3836 Fax (51) 3381 5010 E-mail: cris.finkelstein@terra.com.br Fechar Arquitetura Moderna em Porto Alegre: Considerações sobre a Flexibilidade em Planta e o uso de Grelha de Concreto em Fachadas de Edifícios Residenciais da Década de 50. Resumo O artigo proposto visa analisar alguns exemplares de arquitetura moderna em Porto Alegre construídos entre 1930 a 1970 e que fizeram uso da técnica do concreto armado. O uso do concreto possibilitou o balanço de elementos que compõem as fachadas, dando uma nova volumetria aos prédios. Pode-se observar que o limite vertical dos edifícios, constituído por várias camadas, passou a contar muitas vezes com elementos fixos de concreto – grelhas ritmadas, utilizadas muitas vezes como proteção solar, os brise-soleil, ou apenas como elemento de emolduração das aberturas. As obras eleitas para análise são aquelas de cunho prioritariamente residencial que possuem em suas fachadas ou parte delas grelhas de concreto. Componentes esses presentes nas teorias de Le Corbusier como no edifício de apartamentos para Argel (1933), e que aparecem em obras locais como no Edifício Santa Terezinha (1950), projeto do arquiteto Holanda Mendonça; Edifício Esplanada (1952) de Fresnedo Siri e Ed. Paglioli (1957) de Remo Irace e Miguel Irace. Nesse artigo, pretende-se identificar a relação entre as grelhas e os interiores dos projetos, se há correspondência direta entre a camada da grelha e o ambiente interno que a faceia. Ainda tratar-se-á de averiguar se a capacidade de flexibilidade em planta dos projetos sofre influência pelo uso de grelhas nas fachadas, ou seja, se um projeto torna-se mais facilmente adaptável ou mutável quando faz uso de tais elementos. Palavras chaves: brise-soleils ou grelhas de concreto, arquitetura moderna, flexibilidade. Abstract This article aims to analyze some examples of Porto Alegre’s modern architecture buildings built between 1930 and 1970 that made use of reinforced concrete technique. The use of concrete made possible the balancing of the elements that compose the façades, giving a new volumetric shape to the building. It can be observed that the external layer of a building, that has many layers in its vertical limit, started to have often fixed parts in concrete- rhythmed grates, used as sun protection, the brise-soleils, or just as a frame all over the windows. The examples chosen to be analyzed are those mainly residential buildings that have concrete grates in their façades or in a part of it. These components can be seen in Corbusier’ s theories such as at the Apartments’ Building of Argel (1933), and at local examples like at Santa Terezinha (1950) ,design of the architect Holanda Mendonça; Esplanada Building( 1952) designed by Fresnedo Siri and Paglioli( 1957) designed by Remo Irace and Miguel Irace. In the text, it is intended to identify the relationship between the grate on façade and the interiors of the projects, if there is a straight connection between them. Furthermore, it will be verified if the capacity of flexibility in the project’s plan suffers influence by the use of those elements. That is, if a building that owns grids on its façade becomes more easily adaptable or changeable when it makes use of such elements. Key words: brise-soleils, modern architecture, flexibility. Introdução No presente artigo aceita-se a afirmação de pressuposto de que em arquitetura, a criação do arquiteto se dá através da análise e interpretação de obras existentes. Para MAHFUZ, ainda, “o uso de precedentes cumpre um papel importantíssimo na área da composição arquitetônica”. 1Assim, esse artigo procura analisar obras da arquitetura moderna em Porto Alegre, claramente identificadas e influenciadas por outros exemplares existentes anteriores às mesmas, tanto no Brasil como em outros países. Acredita-se que as constatações obtidas através desse estudo, das obras em questão, possam ser aplicadas a outros exemplos análogos. Arquitetura Moderna no Brasil: A Escola Carioca e os Sistemas de Proteção das Fachadas A Arquitetura moderna encontra no país condições de clima e paisagem bem diferentes da européia. A criação de elementos compositivos devido à preocupação com a proteção climática, o favorecimento de boas condições de ventilação e insolação são fatores indispensáveis na nova arquitetura. A consciência dessa realidade acaba por produzir obras de caráter nitidamente brasileiro. Talvez a mais marcante contradição da arquitetura moderna no país tenha sido a criada com o uso das grandes superfícies transparentes e dos grandes planos de vidro, o que ocasionou a necessidade do desenvolvimento de protetores solares, tais como brise-soleil, grelhas, beirais, lâminas, venezianas, muxarabis e persianas. Foram utilizados, também, como elementos de arquitetura, balcões, varandas, etc.”2 Isso reflete evidentemente na estética dos edifícios. É visível a preocupação dos arquitetos pioneiros da arquitetura moderna brasileira em compatibilizar a nova arquitetura com condições favoráveis de conforto ambiental e iluminação. É sabido que o melhor desempenho de um sistema de proteção se obtém através da combinação de diversos dispositivos. A complexidade da questão se aporta em atender a pontos tais como: a situação e o uso do edifício, questões construtivas, econômicas e formais. 1 Vide Mahfuz, 2005, P69. O autor através da citação “a premissa básica é de que a atividade de criação exercida por arquitetos e designers não parte de uma tabula rasa”... Analisa e identifica quatro métodos de geração formal tendo todos em comum o emprego de analogias como instrumento principal de criação. 2 MARQUES, José Carlos. História de uma via: o advento da arquitetura moderna e a configuração da Av. Senador Salgado Filho, Porto Alegre 1940- 1970 P173 Dissertação de Mestrado- Faculdade de Arquitetura da UFRGSPROPAR, Porto Alegre. 2003 Através do uso no projeto de elementos como galerias protegidas, circulações externas, ventilação cruzada, são criados edifícios que resultam em uma arquitetura moderna original e com caráter regional. O reconhecimento da arquitetura da chamada Escola Carioca tem inicio com o projeto do Ministério de Educação e Saúde, na zona central do Rio de Janeiro no período que vai de 1935 a 1945. A equipe liderada por Lúcio Costa produz uma arquitetura que se firma e atinge o reconhecimento nacional e internacional já na época. Nessa arquitetura, o meio cultural e a paisagem, esquecidos durante a década de vinte na arquitetura moderna de caráter universal praticada por Le Corbusier, são retomados como fatores importantes para o projeto. A adoção do brise- soleil, criado por Corbusier em 1930 demonstra a preocupação com o clima e a existência de uma barreira física de controle em cada projeto revela a indiferença ao discurso moderno em defesa da transparência, do terreno ideal abstrato e da pureza volumétrica. (PEIXOTO, 1994). O concreto entra como material de grandes possibilidades para a confecção de protetores solares, principalmente de brises fixos. Em alguns casos apareceu conjugado a lâminas móveis de outros materiais- vide a fachada norte do prédio do MES. Em outros, como no caso do Projeto de Le Corbusier para a Associação dos Moageiros de Ahmedabad (1951), na Índia, a grelha aparece como um muro de proteção vazado, gerando uma fachada sombreada, com volume e profundidade. Figura 1. Ministério da Educação e Saúde, MES. (BRUAND, 1999, P 88) A Perda da Materialidade da Fachada Para Peixoto (1994) 3 na concepção moderna a estrutura independente, faz com que a parede perca a função de suporte e possa assumir a responsabilidade de configurar espaços e controlar a sua permeabilidade reforçando o conceito de continuidade. O vidro é o material que possibilita a concretização desse ideal, pois além de promover essa continuidade ainda deixa aparente a “estrela” dos novos tempos, a própria estrutura. Essa troca da parede maciça e opaca pela transparência, evolui para uma adoção indiscriminada da fachada de vidro sem proteção solar, confiando assim o controle térmico dos edifícios às novas tecnologias do condicionamento mecânico, o que só começa a ocorrer na metade do século em paises mais avançados no assunto como os Estados Unidos. Assim a fachada perde muito em relevância expressiva e seu caráter, deixando cada vez mais a de lado o projeto de um edifício gerado a partir de seu clima, cultura e paisagem. Le Corbusier experimentou os efeitos negativos causados pelo projeto do Exercito da Salvação, de 1929. Inicialmente o prédio era um bloco envidraçado e fechado. As esquadrias seriam fixas e a ventilação mecânica. Mas com a inauguração do prédio em 1933 queixas dos usuários quanto ao calor excessivo fazem com que a caixilharia sofra modificações e passa a ser móvel. Le Corbusier é obrigado a rever seus conceitos em relação às teorias sobre a “máquina de morar”, controlada apenas pela tecnologia. A partir da viagem que faz ao Brasil em 1929, Le Corbusier entra em contato com a paisagem e clima tropical do país e suas soluções de projeto para as fachadas começam a mudar. Podemos constatar essa renovação em seu modo de ver a arquitetura no projeto para Argel de 1930 a 1934, quando protege as fachadas envidraçadas com brises, evidenciando a importância do sol como um dado fundamental de projeto. Essa atitude ainda demonstra a capacidade do sistema de projeto moderno de se adaptar as novas soluções estruturais. 3 PEIXOTO, Marta.Sistemas de Proteção de Fachadas na Escola Carioca de 1935 a 1955. Dissertação de MestradoFaculdade de Arquitetura da UFRGS- PROPAR, Porto Alegre ..P 26 Figura 2: Unité d’Habitación, Le Corbusier, Marselha, 1947-1952. Grelhas de Concreto nas fachadas. ( BOESIGER,1980,P 196) Arquitetura Moderna em Porto Alegre Os primeiros projetos de arquitetura moderna em Porto Alegre foram aqueles desenvolvidos por arquitetos vinculados a Escola Carioca, no inicio dos anos 40. Todos os edifícios a serem analisados foram projetados através dos conceitos da arquitetura moderna e foram implantados em lotes característicos da cidade tradicional, adaptando-se a essa. Os exemplares analisados foram eleitos, pois possuem reconhecida qualidade arquitetônica e pela aplicação de princípios compositivos da arquitetura moderna em seus projetos. Ainda, todos possuem em suas fachadas alguma variação de grelha de concreto, seja com função plástica ou de proteção solar, ou ambas. Em nenhuma das grelhas o concreto se mostra de maneira aparente, explorando toda a sua potencialidade plástica, ao contrário, é revestido ora com granilhas, ora com pastilhas cerâmicas. O motivo se explica por certa tradição existente na cidade na época do uso de tais materiais. Os projetos reforçam as referências corbusianas na arquitetura moderna da época, uma tendência latino-americana. Adotam na conformação dos espaços conceitos racionalistas e na formação das fachadas incorporam princípios que propiciam a valorização do plano como nos neoplasticistas e das possibilidades de liberação da função estrutural surgidas com o sistema Dom-inó (ainda que a laje plana de Corbusier tenha sido substituída por um sistema de vigas e lajes na sua maioria). Para Canez, se é certo que a arquitetura moderna determinou uma unidade na forma usada, é própria também dessa arquitetura a adaptação de uma linguagem aplicada a diferentes edifícios de uma mesma função, de que são exemplos em Porto Alegre os edifícios Esplanada, Paglioli e o Santa Terezinha, todos residenciais. Edifício Santa Terezinha (1950) Avenida Senador Salgado Filho, 219. Centro Arquiteto Carlos Alberto de Holanda Mendonça Figura 3: Edifício Santa Terezinha, 1950. (XAVIER, 1987, P 66) “O edifício Santa Terezinha, projeto do arq. Carlos Alberto Holanda de Mendonça em 1950 é um dos primeiros exemplos da disseminação do estilo moderno na habitação coletiva. Este edifício pode ser considerado influência direta da Escola Carioca, uma vez que Mendonça, alagoano de nascimento, havia concluído sua formação no Rio de Janeiro. Chegado a Porto Alegre em 1948 para trabalhar na Secretaria de Obras Públicas, realizou, posteriormente, considerável número de projetos para a construtora Azevedo Bastian e Castilhos4 Está localizado na Av. Salgado Filho, uma das principais vias do centro da cidade, que congrega vários exemplares de qualidade do período. 4 XAVIER, 1987, P.67( MARIA LIZA ADAMS SANVITTO P 28) Possui 11 pavimentos, é de uso misto, sendo o térreo e sobreloja projetados para uso comercial e, nos demais pavimentos o uso é residencial com duas unidades de apartamento por andar- tipo. O plano da fachada- Norte possui elementos de proteção solar – brises que remetem ao prédio do MES. No edifício Santa Terezinha o volume esta predeterminado pelas dimensões do lote. A estrutura de concreto armado é convencional com alguma presença de modulação em vigas e pilares que se localizam entre as paredes. No pavimento térreo e nas sobrelojas três fileiras de colunas são mostradas devido ao afastamento das paredes de seu alinhamento sugerindo assim um pavimento de pilotis alto. Na fachada norte brises horizontais são usados aliados a uma grelha modulada que é aplicada tanto nas salas como nos dormitórios, da mesma maneira. O módulo da grelha é regulado pelo modulo estrutural, obedecendo a um ritmo a b a. O pavimento tipo dois apartamentos com três dormitórios de aproximadamente 106m², com planta de distribuição recorrente e tradicional. Ainda assim há a possibilidade de reverter um dos dormitórios contíguos a área social em mais área de estar e inclusive o mais afastado, pois o projeto possibilita essas modificações. Basta analisarmos o fato de que as áreas molhadas, as de serviço localizam-se no fundo, junto à fachada sul. O revestimento das grelhas, diferentemente das usadas na maioria das grelhas da arquitetura moderna brasileira é de granilhas, material muito usado em edifícios mais antigos. Figura 4: Edifício Santa Terezinha, 1950. (DREBES, 2004, P 141) Edifício Esplanada (1952) Rua Ramiro Barcelos esquina Avenida Independência. Independência Arquiteto Román Fresnedo Siri Figura 5: Edifício Esplanada, 1952 (XAVIER, 1987,P 92) Figura 6: Edifício Esplanada, 1952 (XAVIER, 1987,P 92) O Edifício Esplanada, do arquiteto uruguaio Román Fresnedo Siri de 1952, demonstra uma grande maturidade na assimilação da linguagem moderna.5 Aliada a essa linguagem e ao programa, a implantação de um partido com modelo espelhado na Unite d’habitacion ocorre em um lote de esquina de tecido tradicional da cidade. Utiliza a solução de fachada emoldurada destacada por plano cego de maior dimensão de um dos lados da esquina. Estratégia de projeto que se nota também em outros exemplares da arquitetura do período como o Formac, na Avenida Mauá. Constitui-se de quatro blocos com 15 pavimentos tipos mais térreo e sobreloja com pilotis. A cobertura no ultimo andar abriga apartamento do zelador e salão de festas. O térreo é 5 SANVITTO, Maria Luiza Adams. Habitação coletiva para a classe média na arquitetura moderna de Porto Alegre entre 1935 e 1960: relatório de pesquisa. 2001, P.28 para uso comercial. O edifício é conformado por quatro blocos: A, B, C e D, com diferentes conformações entre si. No Edifício Esplanada a grelha construída em concreto é constituída por sacadas, tendo ao fundo os planos de fechamentos dos ambientes de estar, jantar ou dormitórios com recuo de 1,80m. Ou seja, a grelha é parte da estrutura em balanço, já que a linha de pilares de apoio esta recuada da fachada, localizada no plano ao fundo. Esse plano ao fundo possui aberturas com esquadrias, que dependendo do ângulo de observação não são vistas, apenas a grelha se apresenta com efeitos de luz e sombra. O revestimento da face externa é em pastilha verde; já na face interna a pastilha verde vai só até a uma profundidade igual à espessura da parede, criando um efeito onde a malha se projeta sobre as superfícies brancas do fundo, deixando se perceber a profundidade da grelha através da sombra projetada. Os guarda-corpos de proteção das sacadas são metálicos e telados; não influenciam na visão do conjunto. O pavimento tipo é variável em cada bloco, tendo a estratégia de projeto semelhante em todos os quatro. São três as linhas de pilares do corte transversal, conformando duas faixas; uma externa voltada a rua e uma interna voltada ao pátio interno do prédio, comum a todos os blocos. A planta segue a modulação dos pilares do térreo. Na faixa externa são distribuídas as áreas de estar, jantar e dormitórios, sendo a interna reservada aos serviços e circulações. No bloco A são dois apartamentos por pavimento, um de três dormitórios - com possibilidade de ampliar para quatro e um de dois dormitórios com dependência de serviço. Os blocos B, C e D possuem dois ou três apartamentos por pavimento, com dois ou três dormitórios cada, tendo um ou dois módulos para estar ou jantar. Assim, a estrutura eleita demonstra ser uma facilitadora da flexibilidade da planta do tipo. A planta livre- um dos cinco pontos de uma nova arquitetura de Le Corbusier é exercitada no projeto, na medida em que a estrutura que é independente, possibilita a variação de tipos de apartamentos. A janela em fita aparece contida no módulo, ou seja, o plano vertical da grelha coincide com o plano das paredes internas. “O volume se apóia na colunata. Os planos conformadores do volume são recortados. Os topos das lajes e alvenarias dos ambientes internos, que ficariam expostos, estão relacionados planares da formalização didaticamente, com os fachada. do elementos Assim Esplanada seus expõe, esquemas compositivos e de caracterização. “ (BERNARDES, 2003, P 143) Figura 7. Decomposição dos planos das Fachadas do Edifício Esplanada (BERNARDES, 2003, P 143) a Figura 9. Planta Tipo 1 e 2 (DREBES, 2004, P 173) Figura 10.Legenda Edifício Paglioli (1957) Avenida Independência esquina Rua Garibaldi. Independência Arquitetos Remo José Irace e Miguel Irace Figura 11: Edifício Paglioli 1957 (XAVIER, 1987, P 142) Projeto localizado em lote de esquina na mesma avenida, mas mais próximo do centro do que o antecessor Esplanada, ao qual faz referencia direta. Possui apartamentos de três dormitórios, quatro por andar, com unidades servidas duas a duas por um elevador. As unidades voltadas para a Rua Garibaldi- para a fachada Oeste possuem plantas simétricas, enquanto que as duas da Avenida Independência procuram orientações melhores do que a sul para os dormitórios. Destaca-se o painel decorativo em pastilha cerâmica na fachada sul, assim como a tratamento diferenciado da cobertura. O emolduramento das aberturas através de elementos de concreto horizontais e verticais modulados remete a uma grelha que dificilmente cumpre a função de proteção solar, devido a sua pouca profundidade. Elementos esses que atuam muito mais como ordenadores e balizadores das aberturas das unidades. Por serem modulados poderiam possibilitar uma variação tanto de tamanho das unidades, como de sua própria divisão interna com o aumento de tamanho da zona de estar ou do numero de dormitórios. Feito esse não realizado pelo projeto original, mas que bem pode ser experimentado pelo usuário sem alteração na aparência das fachadas. Figura 12: Edifício Paglioli 1957 (XAVIER, 1987, P 143) Figura 13: Edifício Paglioli 1957 (XAVIER, 1987, P 143) Conclusões Dentre os exemplares escolhidos, o que possui mais elementos para análise, assim como maior quantidade de material para pesquisa é o Edifício Esplanada. Ainda, é nessa obra que os princípios compositivos da arquitetura moderna encontram-se mais difundidos, tanto pelo porte da obra e programa do edifício que possibilitaram maiores experimentações do arquiteto, como pelas próprias soluções dadas ao projeto, que atestam sua qualidade superior e consequentemente despertam maior interesse. A região onde se localiza- bairro Independência é ainda hoje área da cidade de grande interesse para se viver, principalmente pelo fato de se localizar em frente a uma praça: a Praça Júlio de Castilhos. O que se percebe em todos os exemplos, é que o uso da grelha tanto como proteção solar- o objetivo aqui não era testar a sua eficiência nessa questão, como apenas como elemento ordenador da fachada, de composição, está relacionado nos projetos com a distribuição interna dos apartamentos. A grelha modular como a apresentada nos projetos, coordenada com as aberturas existentes nas fachadas dos edifícios- que possuem plantas moduladas também de acordo com a mesma malha- facilita e propicia uma maior possibilidade de modificação de plantas dos apartamentos. As unidades internamente podem ter seus dormitórios aumentados e estares diminuídos, ou vice e versa, sem que a mudança da posição da parede interna prejudique a estética das fachadas. Os apartamentos podem “ceder” aos vizinhos área de algum dormitório ou estar, principalmente no Esplanada devido a estratégia de seu projeto em faixas,que posiciona entre os apartamentos áreas que possam ser intercambiáveis, com zonas de dormitórios e não zonas molhadas, onde isso seria muito difícil de ocorrer. As grelhas de concreto são utilizadas de maneira diferente nos projetos, ora como sacadas- caso do Esplanada, ora como emolduramento das aberturas- nos casos do Santa Terezinha e Paglioli. Possibilidade essa promovida pelo pela material, concreto armado, que estrutura os prédios, sendo que em nenhum dos casos a grelha faz às vezes de estrutura portante dos mesmos. Isso prova que o racionalismo de projeto presente nessas concepções que possuem módulos, malhas compatibilizadas entre si nos diferentes sistemas são sim propicias a uma flexibilidade das unidades de moradia. Parafraseando Mahfuz: “Portanto, urge que voltemos a olhar intensamente para a produção da arquitetura brasileira realizada entre 1930 e 1960. Ali está algo que é muito mais do que um estilo a ser revivido. Trata-se, isso sim, de um modo de concepção formal atemporal, cuja retomada talvez pudesse nos ajudar a sair do beco em que nos metemos, e retomar um caminho que nos leve outra vez a possuir uma arquitetura autentica própria, forte o suficiente para absorver as influências externas sem se deixar dominar por elas.” Referências Bibliográficas BERNARDES, Dalton. Jaguaribe e Esplanada: O Edifício de Apartamentos Modernista e um novo paradigma habitacional em Porto Alegre. Dissertação de MestradoFaculdade de Arquitetura da UFRGS- PROPAR, Porto Alegre, 2003. BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999. CANEZ, Anna Paula e outros. Acervos Azevedo Moura & Gertum e João Alberto: Imagem e Construção da Modernidade em Porto Alegre. 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PEIXOTO, Marta. Sistemas de Proteção de Fachadas na Escola Carioca de 1935 a 1955. Dissertação de Mestrado- Faculdade de Arquitetura da UFRGS- PROPAR, Porto Alegre. , 1994. SANVITTO, Maria Luiza Adams. Habitação coletiva para a classe média na arquitetura moderna de Porto Alegre entre 1935 e 1960: relatório de pesquisa. 2001, P.28 XAVIER, Alberto. MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura Moderna em Porto Alegre. São Paulo: Editora Pini, 1987. . Imprimir Fechar Viver nas alturas Clarissa Martins de Lucena Santafé Aguiar Mestre em Arquitetura pelo PROPAR-UFRGS Arquiteta pesquisadora e aluna especial de doutorado do PROPAR-UFRGS Rua Comendador Castro 164, Ipanema. 91760200 Porto Alegre / RS Fones: 3308.3941 e 8111.8693 E-mail:claguiar@gmail.com 1 Viver nas alturas A utilização da cobertura como um espaço para ser vivido remonta aos antigos construtores vernaculares e estabelece uma relação direta com a forma da edificação. A diversidade de formas e tipologias arquitetônicas se definem de acordo com o uso e, em outras situações, o uso define a forma. O conceito terraço-jardim de Le Corbusier, expõe motivos técnicos, econômicos, de conforto, e, inclusive, emocional. Trás a proposta de recuperar a vegetação subtraída do solo para a cobertura do edifício, medida compensatória da transformação do ambiente natural em ambiente construído. Com a difusão da arquitetura moderna o conceito de terraço-jardim foi adotado por outros arquitetos. No Brasil, foi utilizado por Lúcio Costa e a equipe responsável pelo projeto da sede do Ministério da Educação e da Saúde. Em Porto Alegre, Emil Bered, no edifício de apartamentos Rio Grande do Sul, trata a cobertura sobre a garagem, como um terraço para uso infantil. Na época, o uso do concreto como laje de cobertura era evitado em Porto Alegre devido as dificuldades técnicas na execução da impermeabilização. Este trabalho tem por objetivo investigar quando a cobertura, na arquitetura moderna da capital gaúcha, passa a ser utilizada como um lugar de viver, quais as diretrizes urbanísticas que levam a isto e como os arquitetos as representam? Palavras-chave: cobertura, arquitetura moderna, diretrizes urbanísticas Living up The use of roof as a space to be experienced dates back to ancient vernaculars builders and establishes a direct relationship with the shape of the building. The diversity of architectural forms and types are defined in accordance with the use and in other situations, the use defines the form. The terrace-garden concept of Le Corbusier, which sets out technical reasons, economic, comfort and even sentimental, behind the idea to recover the vegetation removed soil to cover the building, compensatory measure in the transformation of the natural environment in environment built. With the spread of modern architecture, the concept of terrace-garden was adopted by other architects. In Brazil, was used by Lucio Costa and the team responsible for the design of the headquarters of the Ministry of Education and Health. In Porto Alegre, Emil Bered in the “Rio Grande do Sul” building, uses flat roof on the garage as a terrace to child use. This work aims to investigate when the coverage in the modern architecture of Porto Alegre will be used as a place to live, what the urban guidelines leading to this building and how the architects represent? Keywords: rooftop, modern architecture, urban guidelines 2 Cobertura como lugar de viver Dentro da história da arquitetura, a utilização da cobertura como um espaço para ser vivido remonta aos antigos construtores vernaculares que utilizavam o clima como regra básica, estabelecendo uma relação direta com a forma da edificação. A diversidade de estilos, formas e tipologias arquitetônicas se definem de acordo com o uso e, em outras situações, o uso define a forma. Em Habitar la Cubierta, Andrés Martínez1 apresenta as razões de há muito tempo, o homem desejar ocupar a cobertura. Ordenando seus períodos históricos, analisando suas diversas manifestações formais, as soluções construtivas adequadas a cada época e as necessidades sanitaristas, por meio do prolongamento das edificações em terraços abertos, ou em jardins elevados à cobertura, desenvolve o tema. O conceito de lugar2, dentro dos princípios modernistas, remete àqueles espaços localizados e destinados basicamente às funções de cunho social. Áreas funcionais destinadas ao exercício da socialização, espaços de convívio e dos núcleos de uma área de vizinhança. Nara Machado conclui sua tese citando Luiz Sergio Metz, quando diz que um lugar habitado é habitável quando dele se pode ter saudades, sempre e somente saudades. A área central da cidade concentra uma riqueza de referências culturais que estrutura a memória de toda a cidade, sobre o passado e presente. Esses elementos ajudam a definir os lugares urbanos. O movimento modernista, em boa parte, negou as questões de contexto e de lugar, entretanto, alguns autores enfatizam, ao contrário, que houve a dequação ao contexto geográfico, social e cultural. Le Corbusier, em Por uma arquitetura, lança as bases do movimento moderno com características funcionalistas, onde apresenta uma nova forma de fazer arquitetura, baseada nas necessidades humanas. Com a planta livre da estrutura, os espaços internos não estavam mais atrelados à concepção estrutural. Mudou a definição espacial interna e promoveu-se a fachada livre criando recuos nas lajes de forma a tornar mais flexível o projeto das aberturas. Conforme a orientação solar, o sombreamento dos espaços internos foi valorizado. Com 1 2 Martinez, 2005 Castello, 2007.p.152 e 118. 3 as construções suspensas, sobre piloti, criou-se no ambiente urbano uma relação entre interior e exterior deixando o terreno fluir abaixo da construção, garantindo a idéia de continuidade entre os espaços - a paisagem natural pôde adentrar pelo edifício. Utilizouse de janelas em fita, localizadas a uma altura determinada, de um ponto ao outro da fachada, de acordo com a melhor orientação solar, com a apropriação da iluminação natural. O conceito terraço-jardim trouxe a idéia de recuperar a vegetação subtraída do solo para a cobertura do edifício, medida compensatória na transformação do ambiente natural em ambiente construído. Na Villa Savoy, por subtração, produz amplas plataformas que se utilizam como terraços, assim como rampas e escadas que as comunicam de forma ascendente, culminando com o solário, conhecido como promenade architecturale. Razões de ordem técnica, econômica, de conforto e inclusive, sentimental levam Corbusier 3 a desenvolver a teoria do terraço-jardim. Expõe que ao subir na construção, pronta a receber o madeiramento do telhado, fica surpreso com a beleza que o cume da edificação oferecia. O céu podia ser vislumbrado. Uma sensação agradável de segurança e bem-estar era percebida. Na manhã seguinte, quando da colocação do telhado, tudo havia desaparecido, tudo estava destruído. Observando as coberturas da vizinhança, verifica que a neve se funde ao contato com a telha sob o efeito da calefação central. Entretanto, a água continua fundindo-se sob a capa de neve e sem ter para onde ir, uma vez que as calhas e condutores estão bloqueados, mas termina encontrando seu caminho nas primeiras fiadas causando inundações na casa. Desta forma, conclui que a cobertura inclinada já não convém. O teto não deve ser convexo e sim côncavo. Como verdade irrefutável, afirma que os climas frios impõem a supressão da cobertura inclinada e necessitam da construção de coberturas planas cubóides com condutores interiores para desague. Uma vez encontrada a solução do caso extremo, se pode admitir que seja aplicável a locais de clima temperado, inclusive clima quente. O concreto armado é o novo meio que permite a realização de uma cobertura homogênia. 3 Martinez,2007.p.103 4 O teto plano é adotado pelos arquitetos mais influentes e extraordinários do movimento moderno. Mies Van der Rohe, inova no projeto da laje plana, sem se preocupar com o recolhimento d’água, deixa esta escorrer pela cobertura direto para baixo quando projeta o Pavilhão da Alemanha, para Exposição Internacional de Barcelona. Frank Lloyd Whright influenciado pela Escola de Chicago, projeta grandes superfícies de cobertura plana, na Casa da Cascata, a cobertura passa a ser um elemento de expressão formal. A cobertura deixa de ser propriedade exclusiva da edificação e passa a ser um elemento de escala urbana com a chegada dos arranha-céus e a possibilidade de visualizar a paisagem circundante desde o alto, no meio das cidades como Nova Iorque e Chicago. No solo, próximo às ruas estreitas e entre as grandes edificações fica impossível (re) conhecer a cidade. Raymond Hood, com a intenção de transformar num oásis urbano, projetou para as coberturas dos volumes mais baixos do complexo Rockefeller Center um conjunto de jardins, utilizando árvores, água e passarelas como elementos paisagísticos, propiciando qualidade estética ao uso do local. A grande quantidade de obras Corbusianas com o uso da cobertura plana demonstra sua preocupação em defender as vantagens desta nova conquista que com uma estrutura leve de concreto, sobre piloti e paredes delgadas, se estabelecem. Em 1922, projeta uma edificação com 120 residências sobrepostas, Immueble-villa, onde culmina a interpretação urbana da cobertura, nomeada cidade–jardim vertical. Com a Unidade de Habitação de Marselha, um conjunto de mais de trezentas unidades residenciais, o arquiteto trata a cobertura como elemento arquitetônico autônomo, um lugar de encontro para a coletividade – que já não está na área central da cidade, e sim no alto da edificação, como um Ágora, com áreas de jardim, de lazer ao ar livre, e teatro. É a materialização da cidade-jardim vertical. 5 No Brasil, terraço jardim foi utilizado por Lucio Costa e a equipe responsável pelo projeto da sede do Ministério da Educação e da Saúde (atual Palácio Gustavo Capanema) na década de 1930, com jardins projetados por Burle Marx. Ed. Ministério da Educação e Saúde. Vista geral do prédio. Vista do jardim e vista do terraço de cobertura Paisagem e a legislação urbana em Porto Alegre A paisagem visual de Porto Alegre, predominantemente horizontal, sofre modificações ao longo dos anos 1930 e 1940, devido à elevação das edificações e densificação da área central da cidade. Neste período de desenvolvimento da construção civil, novos eixos viários são definidos, outros finalizados, como a conclusão da Av. Borges e o viaduto Otávio Rocha e o alargamento da av. Salgado Filho, que impulsionam a verticalização. A exposição Farroupilha, em 1935 foi marco referencial da arquitetura moderna em Porto Alegre, revelando uma amostra das diversas correntes naquele momento, enfatizando a volumetria de edifícios. Le Corbusier vem ao Brasil. Chega ao Rio de Janeiro em 1936, a convite de Lucio Costa, para ser o consultor da equipe de arquitetos na ocasião do projeto do Ministério da Educação. A admiração dos arquitetos brasileiros pelo trabalho de Le Corbusier era grande. Ele havia publicado vários livros, viajava pelo mundo todo propagando as novas idéias da arquitetura moderna com o uso da tecnologia do aço e do concreto. Como resultado desta experiência, a produção individual destes arquitetos passa a ter 6 reconhecimento nacional e internacional. Nesta mesma época, a legislação torna obrigatória a inscrição dos profissionais junto aos conselhos para desenvolverem suas atividades. Os arquitetos estrangeiros são afastados do ofício. Em Porto Alegre nota-se a expansão das construtoras com o domínio das obras, em detrimento da autonomia dos arquitetos que passam a ficar a disposição destas4. Alguns edifícios transformam-se em símbolos. Rio de Janeiro e São Paulo já possuiam os maiores edifícios da América do Sul em estrutura de concreto armado. Os edifícios do jornal Diário de Notícias, com 24 pavimentos, no Rio e, o Edifício Martinelli, finalizado em 1929, com 30 andares, que passa a ser o símbolo do progresso e modernidade na capital paulista. Em Porto Alegre, ocorre o mesmo, os “arranha-céus” são apresentados como distintivos do séc. XX. Alguns aspectos são característicos desta tipologia, entre eles, (1) a busca de altura, evidenciando maior prestígio e superioridade. Com a instalação dos elevadores, muda a ordem de preferência entre os andares; (2) o valor de mercadoria, quando multiplicam-se as áreas quantas vezes possível para vender e revender a área do terreno original; e (3) o terceiro aspecto, diz respeito as inovações tecnológicas e os novos materiais, a partir do uso de estruturas metálicas, custo baixo, padronização, menos tempo para execução, superação dos grandes vãos e a nova estética com a luminosidade e transparência dos vidros5. A área central passa a ser o local mais valorizado, decorrente da situação privilegiada dos terrenos, próximos aos serviços urbanos, que resulta na ocupação elitista do centro de Porto Alegre. Fato este, ratificado pelos altos aluguéis cobrados nestas áreas e o aumento dos impostos, além dos estímulos dados as construções em altura, concedidos pela legislação local. Em 1940, o Decreto -Lei nº245, determina que os prédios na área central da cidade tenham, no mínimo, 6 pavimentos. Mais incentivos são conferidos, especificamente, aos prédios construídos nas Av. Borges de Medeiros, Dez de Novembro (Salgado Filho), Farrapos e João Pessoa com progressiva redução de impostos. O decreto-Lei nº115 de 1942, determina a altura mínima de treze (13) pavimentos para a Borges6. O projeto de Código de Construções de 1941 elaborado pela Diretoria Geral de Obras e 4 Naquela época quem queria um projeto procurava o construtor, ou a empresa, que escolhia os projetistas (entrevista com Moacyr Moojen, em 2001). 5 Machado, 1998. p. 183 6 Machado, 1998. p.190 7 Viação, legisla sobre a estética do edifício, determinando que em algumas áreas da cidade não são permitidos recuos do alinhamento, confirmando a idéia de edifício amarrado as divisas. E define que a relação entre a área edificada e a área do lote não exceda a 1/3. Só em 1944, o decreto 313, da Prefeitura de Porto Alegre estabelece o recuo em algumas ruas da capital. E que dará os novos alinhamentos quando solicitado pelos proprietários. Constata-se que os instrumentos legais, como os planos diretores e códigos de obras, são os determinantes da configuração da cidade e paisagem urbana. Seguia-se, não necessariamente, a concepção defendida pelos responsáveis pela produção da arquitetura e da paisagem e, sim, reflete a concepção da cidade, determinada pelos responsáveis pelo controle da cidade7. A legislação urbanística, de competência municipal, e se ocupa das limitações impostas ao direito de construir. O que pode ser considerado prejudicial para determinado local e cultura pode ser motivo de crescimento e desenvolvimento urbano em outros lugares. Conforme a vantagem tributária, a legislação estimula ou não a verticalização da cidade8. É uma questão de mercado. Outros decretos e leis vão definindo a morfologia da cidade e a sua volumetria. No início da década de 1950 os projetos dos edifícios Santa Terezinha (1950), Jaguaribe (1951), Excelsior (1952), Vista Alegre (1952) e o Esplanada (1952), são precursores na utilização da cobertura como lugar de viver. Arquitetos de vanguarda já propunham no projeto de cobertura, a casa do zelador junto a casa de máquinas. Como menciona o arquiteto Rosa9, o uso faz a lei. Em 1953, a Lei nº1180, do Município de Porto Alegre, estabelece a obrigatoriedade de recantos infantis em edifícios de apartamentos residenciais. Os playgrounds podem estar localizados no térreo ou no último andar dos edifícios de habitação coletiva. Essa lei é atendida no edifício Rio Grande do Sul (1958) 10 e Edifício Sinuelo (1968), ambos de autoria de Emil Bered11. Em 1961, a partir da Lei 2330/61, que substitui a lei nº 2046/59 e institui o Plano Diretor do Município de Porto Alegre, 1954-196412, artigo 72, determina que “no caso de edifícios dotados de elevadores, não será computado no cálculo de altura do prédio, o 7 Silva,1993 p.213 Silva,1993, comenta como curiosidade, que certa vez foi chamado para desenvolver um projeto institucional para uma cidade do Vale dos Sinos, que deveria ter pelo menos um pavimento a mais que o edifício mais alto. O motivo estava na vantagem tributária ao edifício mais alto do município. A legislação estimulava a verticalidade da cidade. 9 Entrevista com o arquiteto José Carlos Pereira Rosa, em julho de 2008. 10 STRÖHER, Eneida Ripoll. Habitação coletiva na obra do arquiteto Emil Bered, na década de 50, em Porto Alegre. Dissertação de mestrado. PROPAR/UFRGS.1997. p.71 11 Entrevista com o arquiteto Emil Bered em julho de 2008. 12 Plano Diretor de Pôrto Alegre. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. 1964. Lei nº2330, de 21/12/1961, art. 72, p.93 8 8 apartamento construído acima do último pavimento, para uso exclusivo do zelador, nas seguintes condições: o apartamento referido não poderá exceder ao apartamento mínimo definido no código de Obras; deverá ser observado um afastamento mínimo de 2,00 m do contorno geométrico da cobertura do último pavimento nas faces que fizerem frente com a via pública; e formar conjunto com a casa de máquinas e reservatório elevado, em um bloco único. Entretanto, só por volta do início dos anos 1970, através da Ata 602, de 1973, o Conselho Municipal do Plano Diretor regulamenta o uso das coberturas para uso privado e ou comum desde que mantendo afastamento de 2,00 m ao redor da cobertura e formando conjunto com a casa de máquinas. Deve ocupar no máximo 25% da área do pavimento inferior. O acesso a cobertura privada se dá através de escada interna do apartamento e o acesso a cobertura condominial, é por meio da escada de circulação geral do edifício. Não era permitido a chegada de elevador. Observa-se que áreas da churrasqueira e do tanque, no pavimento de cobertura não eram computadas, conforme menciona Rosa13 sobre processos aprovados em 1973. Confirmando a regra, a Lei Complementar 43 de 1979, que institui o Primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Porto Alegre. Na subseção IV – Da Altura Das Edificações, art. 156, os incisos IV, V e VI, determinam que no cálculo das alturas das edificações, não serão computáveis construções em terraços destinados a salões de recreação, com dependência de uso comum dos prédios ou de utilização exclusiva de cada unidade autônoma, desde que sua área não ultrapasse 25% do pavimento inferior e mantenha um afastamento de 2,00 m do limite deste mesmo pavimento; pavimento destinado a casa de máquinas de elevadores, reservatórios e outros serviços gerais do prédio; e por último, apartamento de Zelador, nas condições prescritas no Código de Obras. No art. 140, na subseção II – Do Índice de Aproveitamento, inciso I, determina que não serão computados no cálculo do índice de aproveitamento, nos prédios de habitação coletiva, alínea b)as áreas que constituam dependência de uso comum dos prédios, tais como os vestíbulos,corredores, escadas e demais áreas destinadas à circulação horizontal e vertical, e as áreas de recreação, abertas ou não, em qualquer pavimento, inclusive nas áreas construídas sob pilotis ou em terraço de cobertura; alínea e) as áreas de recreação, abertas ou não que constituam dependência de utilização exclusiva de 13 Entrevista com Arq. José Carlos Pereira Rosa, em julho de 2008. 9 unidade autônoma, situadas no terraço de cobertura. A cobertura na arquitetura moderna de Porto Alegre A partir da pesquisa bibliográfica, por meio de textos e artigos desenvolvidos e publicados por Arquitetos e pesquisadores da área; complementado por atividades de campo, por meio de levantamento fotográfico e registro de projetos cadastrados na Secretaria Municipal de Obras e Viação e Secretaria Municipal de Planejamento; e entrevistas com legisladores e profissionais da época e estudiosos da arquitetura moderna em Porto Alegre. Este trabalho se delimita no exame das edificações em altura, de uso misto, projetadas e construídas entre as décadas de 1940 e 1960, na área central de Porto Alegre. Os primeiros registros do uso da cobertura como um local de contemplação, na arquitetura moderna de Porto Alegre estão nos projetos desenvolvidos pelos arquitetos da escola carioca na década de 1940-1950 para o poder público. Embora não tenham sido edificados, são importantes na representação da arquitetura da época. Para o edifício do Hospital de Clínicas, 1942, Jorge Moreira subdivide o complexo programa hospitalar em 2 volumes. Um volume verticalizado, e outro, baixo e extenso. Sobre o bloco vertical, a superfície de cobertura apresenta “uma seqüência de cascas hiperbólicas de concreto armado envidraçadas nas laterais e uma caixa d’água de contorno amebóide.” Depois de muitas dificuldades, a Universidade inicia a construção com modificações no programa e alterações de projeto, sem a consulta a Moreira. Contrata, em 1958, uma empresa para a conclusão da obra. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, maquete do 2º projeto e perspectiva do projeto original. 10 O projeto encomendado para a sede do IPE – Instituto de Previdência do Estado é solicitado à Oscar Niemeyer em 1943. Niemeyer vem a Porto Alegre para ser paraninfo da 1ª turma do instituto de Belas Artes e apresenta o estudo. O programa se distribui em 16 andares, apoiados numa base de pilotis, com entrada principal assinalada por uma laje em balanço. No 11º pavimento, tem uma linha de diferenciação no tratamento das elevações para enfatizar a marcação de um coroamento. Os volumes do terraço estão recuados das bordas da edificação. O topo é coroado por um conjunto de laje-nuvem, caixas d’água amebóide e cascas hiperbólicas, conforme descreve Pereira. Edifício Sede do IPE, maquete de estudo de Niemeyer O terceiro projeto, o projeto do edifício sede da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, 1944, resultou de concurso, vencido pelos arquitetos Affonso Reidy e Jorge Moreira. Este primeiro projeto não foi construído, no entanto, foram convidados a desenvolver um novo projeto para ser implantado em outro terreno, edifício-monumento, isolado no tecido urbano, numa esplanada no grande eixo da Avenida Borges de Medeiros, próximo ao Guaíba (onde hoje é estação subterrânea do metrô e o Mercado Público). A diferença entre os dois projetos está no programa. No primeiro projeto, o coroamento está recuado, em relação ao corpo principal, contendo terraço-jardim, caixas d’águas em volumes de perfil oval e auditório com cobertura em abóboda. Na segunda versão, com 20 pavimentos, no coroamento estão localizados o bar e restaurante panorâmico. Estes ligados ao terraço-jardim, que inclui o volume do auditório e área de contemplação. No térreo junto à praça de entrada há uma escadaria que dá acesso direto aos terraços adjacentes às áreas de exposição na sobreloja. 11 Maquetes dos projetos da VFRGS Com levantamento inicial junto ao Arquivo Municipal de Porto Alegre, através de microfilmes de projetos da década de 1950, é possível fazer uma relação de alguns edifícios cujos arquitetos já projetavam a cobertura como lugar de viver. Entre eles, estão: O Edifício Jaguaribe14, 1951, localizado na Av. Salgado Filho, 135, em terreno de esquina com vista para o Guaíba. Projeto de Fernando Corona, com a participação de Luis Fernando Corona. Empreendimento de Romeu Pianca e sua filha, Malvina Picanca , construída por Azevedo e Moura & Gertum . O empresário Pianca buscava um local para instalar e administrar um cinema quando soube que estava à venda este terreno. Chamou Corona para desenvolver o projeto em 1951. Foi aprovado em 54, mas por dificuldades financeiras foi finalizado só em 1964. Documentos mostram as diferenças entre o projeto e o anteprojeto aprovado na Prefeitura e o edifício construído. Com 26 pavimentos, apresenta um programa misto, com atividades comerciais e residenciais. Edifício em “L”, dividido em dois blocos com circulação vertical independente, tem na sua base o cinema São João e outras atividades comerciais. A partir do 7º pavimento, apenas o uso residencial. No anteprojeto, o coroamento do prédio é definido com áreas de uso comum, como playground voltado para as ruas, lavanderia coletiva, casa de zelador para cada bloco e terraço. No projeto aprovado, predomina área de recreação e um apartamento de zelador. Entretanto, o que foi executado e existe hoje, são áreas privativas de uso exclusivo das habitações do Vigésimo quinto andar. Sobre a laje de cobertura do terraço, 14 BERNARDO, 2003. 12 os volumes dos reservatórios e a casa de máquinas estão recuados em relação a fachada frontal. Ed. Jaguaribe. Vista atual, cartão postal da época. Planta baixa do playground, anteprojeto Edifício Esplanada15, com 3 frentes, em um volume único. Está situado na Ramiro Barcelos, esquina av. Independência e André Puente, com vista panorâmica em todas as direções. Projeto de Fresnedo Siri, de 1952, contratado pela empresa Azevedo Moura&Gertum, apresenta 4 blocos de acessos independentes, interligados pelo estacionamento, pátio interno e coberturas comuns. O programa, no pavimento de cobertura, assinala a presença de 4 amplos salões de festas independentes; pequenos apartamentos de zelador e depósitos; terraço voltado para a via pública, parcialmente coberto por laje cortada por uma faixa de pérgulas, apoiada sobre colunas emoldurando a paisagem. Sobre a laje de coroamento, 3 volumes de secção amebóide, associados às casas de máquinas e aos reservatórios superiores. 15 BERNARDO, 2003. 13 Para o pátio interno, sobre a laje do estacionamento, o anteprojeto propõe um lugar de lazer de uso comum, com recantos de estar, recreação infantil e jardins. Embora hoje este pátio esteja em desuso, é lembrado por proprietária antiga, conforme entrevista16, o tempo em que seus filhos brincavam num espaço aprazível com qualidades paisagísticas. Nestes anos o edifício sofreu muitas modificações, tanto nas áreas privadas como condominial. A cobertura com a organização em blocos inibe o potencial de um espaço contínuo de contemplação sobre a paisagem urbana. 16 Entrevista com a Srª Gelsa Marques Peixoto, proprietária de apartamento no bloco B, desde a época da construção. 14 Edifício Esplanada. Página anterior: vista da fachada da Ramiro Barcelos, vista do terraço superior. Nesta página: planta de cobertura e vista dos volumes amebóides na cobertura. vista pátio interior e projeto com proposta do pátio interior. Edifício Rio Grande do Sul e outros Conforme Bered, era comum o uso de lajes planas no Rio de Janeiro, resultado da influência de Le Corbusier. Inclusive, era status morar em apartamentos de cobertura, duplex e em triplex. Em Porto Alegre, isto ocorre mais tarde. A grande diferença térmica e a, conseqüente dificuldade na qualidade da impermeabilização do concreto, retardou este uso. Na época, era utilizado o betume para impermeabilizar. A pouca elasticidade do material, agredido pela intempérie, enrijecia o material e vinham as fissuras. Com o avanço da tecnologia nos produtos para impermeabilização e um bom isolamento térmico foi possível resolver o problema dos terraços. No edifício Rio Grande do Sul, projeto de Emil Bered, de 1958 apresenta-se um terraço sobre a laje da garagem, onde é projetada uma área para convívio social e lazer infantil. O tratamento paisagístico é cuidadoso. Na sua composição, jardins e um espelho d’água no eixo de simetria, junto a uma pérgula de concreto na lateral. Este detalhe no projeto do prédio residencial valoriza o imóvel oferecendo conforto visual e ambiental de qualidade aos usuários voltados para o interior do lote. Em visita recente, para registro fotográfico do prédio, verifica-se que o projeto original permanece inalterado, entretanto o espelho d’água foi substituído por uma piscina nas mesmas dimensões. A pérgula está coberta por vegetação, além de existirem elementos vegetais de pequeno e médio porte na área. 15 Vista do terraço-jardim sobre a laje de cobertura da garagem. Alguns anos depois, no final da década de 1960, Bered projeta o Edifício Sinuelo a convite do amigo, Engenheiro Nicolau Waquil. Com projeto similar, propõe que área sobre a garagem seja um terraço de uso condominial. Na ocasião da visita ao local e entrevista com o engenheiro Waquil, morador do edifício, este relata o quanto a área de estar e recreação é agradável e freqüentada pelos condôminos. Edifício Sinuelo.Vista da área de estar e recreação sobre a laje da garagem. O edifício da rua Comendador Caminha, de 1968, Emil Bered projeta para residência própria e de seus irmãos. No programa, um apartamento por andar e no coroamento do edifício um terraço para uso comum. No momento em que foi vendido o apartamento do último andar, o terraço passou a ser de uso privado desta unidade. A impermeabilização foi refeita com tecnologia atual. Bered comenta que, na década de 1960 era comum o uso dos telhados em borboleta, com calha central escondidos por platibandas. No projeto para a casa do Iberê Camargo 16 propõe este telhado e nas áreas planas utiliza domus para iluminação natural interior. Implantada num lote em aclive, a casa parece ter dois pisos. Mas o do nível da rua é ocupado somente pela garagem. O acesso principal é através de uma escada, que dinamiza a fachada. As cores são sóbrias, branco e cinza. O destaque cromático é a porta de entrada, vermelha. Na área interna, o que chama a atenção é a iluminação por clarabóias, no hall e na circulação dos quartos. Iberê e a mulher se mudaram para lá em 1988. O pintor fez questão de que, tal como uma tela, o projetista assinasse a obra, na lateral, junto ao escritório17. Edifício Santa Terezinha, localizado na Av. Salgado Filho, 215, projeto de Holanda Mendonça, de 1950. De uso misto, contém lojas no térreo e apartamentos no andar tipo. Sobre o último pavimento, está a planta de cobertura. Neste plano, por meio de escada principal do edifício, chega-se até a área de terraço onde está localizada a casa do zelador, recuada em relação à face da via pública. Junto a esta, há uma escada, tipo marinheiro, que leva até a casa de máquinas. Vista frontal do edifício Santa Terezinha e vista da cobertura e fachada posterior Edifício Vista Alegre, projeto de Holanda Macedo, de 1952, situado na Duque de Caxias, esquina Espírito Santo. Conforme foto do local e pesquisa no Arquivo Municipal, no 12º pavimento estão localizados o salão de festas, casa de máquinas e terraço periférico. 17 SERAPIÃO, Fernando. A fortaleza da solidão. Revista Piauí. In: www.revistapiaui.com.br/artigo.aspx?id=74&pag=3&anteriores=1&anterior=62007 17 Edifício Vista Alegre. Vista geral e detalhe da cobertura. Edifício Excelsior. Projeto de Holanda Mendonça de 1952, localizado na Riachuelo 1200, conforme registro em projeto microfilmado do Arquivo Municipal, no apartamento do 12º pavimento há um terraço e na planta de cobertura, o volume da casa de máquinas. Edifício Regente. Situado na av. Salgado Filho, 212, aprovado em 1954, conforme nálise de microfilme, o projeto do pavimento de cobertura apresenta os volumes referentes à casa de zelador e casa dos transformadores, além terraço voltado para a via urbana e para fachada interna. Caminhando pelas ruas de Porto Alegre, ou mirando a partir das coberturas do centro da cidade é possível avistar outros edifícios com este modo de viver nas coberturas: Edifício Rincão, do arquiteto Pereira Valandro, 1956; Edifício Everest, 1953; Edifício Armênia, do arquiteto Ari Mazzini Canarin,1955; Edifício Pagliolli, de Remo José Irace e Miguel Irace, 1957; Edifício Vésper, 1957; Edifício Ouro Verde, de Mauro Guedes de Oliveira, 1957; Edifício Santa cruz, de Holanda de Mendonça, 1955e o Edifício Santa Tecla, de Edgar Guimarães do Valle, 1953. Considerações finais Muito se fala sobre a obra e os ensinamentos de Le Corbusier, a sua influência sobre os arquitetos cariocas e os reflexos na arquitetura moderna de Porto Alegre nas obras de Holanda Mendonça, Fernando Corona, Emil Bered e Fresnedo Siri, entre outros. Entretanto, o tema cobertura como lugar de viver é ainda pouco estudado. Este trabalho 18 faz parte de uma pesquisa maior que será desenvolvida como tema de doutorado, desta forma, muito será acrescentado sobre o assunto. Referências Bibliográficas BERNARDO, Dalton. Jaguaribe e Esplanada: o edifício de apartamentos modernista e um novo paradigma habitacional em Porto Alegre. Dissertação de mestrado. PROPARUFRGS.2003. CASTELLO. Lineu. A percepção de lugar: repensando o conceitode lugar em arquiteturaurbanismo.PROPAR-UFRGS.2007. MACHADO, Nara. Modernidade, arquitetura e urbanismo:o centro de Porto Alegre.Tese apresentada no Curso de Pós Graduação em História do Brasil da PUC_RS.1998 MARTÍNEZ, Andrés. Habitar la cubierta/ Dwelling on the roof. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. 2005 OLIVEIRA, Ana Rosa . Tantas vezes paisagem- entrevistas. FAPERJ. 2007 PEREIRA, Cláudio Calovi. Primórdios da arquitetura moderna em Porto Alegre: a presença dos arquitetos do Rio de Janeiro. in: Cadernos de Arquitetura Ritter dos Reis. 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PROPAR/UFRGS.1997 19 Imprimir Banco de Londres e América do Sul: detalhes construtivos e solução estrutural Cassandra Salton Coradin Arquiteta Mestranda, UFRGS Rua Cel. Lucas de Oliveira, 2920, 506 Porto Alegre, RS – CEP 90460-000 Fone-fax: (51) 33 32 55 82 cassandracoradin@terra.com.br Fechar Banco de Londres e América do Sul: detalhes construtivos e solução estrutural Resumo Em 1960 foi proposto um concurso para o projeto da nova sede central do Banco de Londres e América do Sul, em Buenos Aires. Constava nas bases do concurso, a necessidade de um edifício que transmitisse a integridade, eficiência e confiança - presentes nas operações do banco - por meio de uma expressão arquitetônica clara e concisa, que não recorresse a imagens do passado. Exigiam flexibilidade, além da preocupação com os materiais utilizados, que não exigissem grandes manutenções. A direção do banco considerou que o projeto de Clorindo Testa, Santiago Sánchez Elía, Federico Peralta Ramos e Alfredo Agostini, não era somente o que melhor resolvia os aspectos funcionais e tectônicos, mas também, se adequava aos princípios simbólicos propostos. Sendo assim, em agosto de 1966, foi inaugurado um dos maiores exemplos de arquitetura moderna em terras sul-americanas. O uso escultórico e funcional do concreto armado é uma característica da concepção estrutural desta obra que se define como um exemplo de uma planta livre, com as inumeráveis possibilidades de organização. Em linhas gerais, o projeto é concebido como um grande espaço unificado, organizado mediante seis bandejas. As duas primeiras destinadas ao uso público, e os quatro níveis seguintes destinados ao uso interno do Banco. Todas elas estão dispostas em dois grupos paralelos. Os esforços demandados para a execução da sede central do Banco de Londres e América do Sul, além da extraordinária qualidade de sua confecção, tornam de grande interesse a análise da sua estrutura. Diante do exposto, este trabalho tem como objetivo um minucioso exame da solução estrutural da sede central do Banco de Londres da América do Sul. Pretende-se oferecer maiores explicações técnicas sobre a estrutura de concreto armado e demonstrar alguns dos detalhes construtivos empregados nessa obra singular da arquitetura moderna argentina. Abstract In 1960 a competition was proposed to design the new headquarters of the Bank of London and South America in Buenos Aires. The terms of the competition included the need for a building that would impart integrity, efficiency and trust – present in the bank operations – by means of a clear and concise architectural expression that did not use images from the past. It required flexibility, besides concern about the materials used, which were to require little maintenance. The Bank board of directors considered that the project by Clorindo Testa, Santiago Sánchez Elía, Federico Peralta Ramos and Alfredo Agostini, was not only the one which best solved the functional and tectonic aspects, it also responded best to the symbolic principles proposed. Thus, in August 1966 one of the greatest examples of modern architecture in South America was inaugurated. The sculptoric and functional use of reinforced concrete is a characteristic of the structural concept of this work which is defined as an example of a free plan with many different possibilities of organization. On general lines the project is conceived as a large unified space, organized with six trays. The two first are for public use and the four next levels are for internal use by the Bank. All of them are disposed in two parallel groups. Because of the efforts required to build the headquarters of the Bank of London and South America and the extraordinary quality of the work done, it is very interesting to analyze the structure. Therefore, the purpose of the present paper is to examine in detail the structural solution of the central headquarters of the Bank of London in South America. It is intended to provide further technical explanations about the reinforced concreted structure and demonstrate a few of the constructive details used in this unique building of modern Argentine architecture. Banco de Londres e América do Sul: detalhes construtivos e solução estrutural Fig. 01. Banco de Londres e América do Sul, vista da esquina das Ruas Bartolomé Mitre e Reconquista. (Fonte: Acervo da autora. Junho,2007) “...Apostavam em uma imagem de futuro, e se tratava da sede central do Banco de Londres e América do Sul, uma instituição caracterizada justamente pela força e tradição na Argentina. A adoção de uma imagem de futuro constituía uma troca radical no caráter até então conservador das sedes financeiras e foi motor principal da empresa, mas não deixava de ser resolvida como um monumento. Seria em última instância, um monumento à modernidade.”1 A sede central do Banco de Londres e América do Sul, uma das criações mais notáveis internacionalmente, e talvez a mais relevante da Argentina quanto à criatividade e tecnologia, foi projetada, em 1960, pelo arquiteto Clorindo Testa junto dos arquitetos Santiago Sánchez Elía, Federico Peralta Ramos e Alfredo Agostini - escritório SEPRA. Constitui uma megaestrutura de concreto armado, cujos parâmetros de alta qualidade de execução e de detalhamento são nitidamente percebidos. 1 LIERNUR, Jorge Francisco. Arquitectura em la Argentina del siglo XX – La construción de la modernidad. Buenos Aires: Fondo Nacional de las artes, 2001 O uso escultórico e funcional do concreto armado é uma característica da concepção estrutural desta obra que desenvolve um espaço interior unificado e estabelece uma relação direta com o exterior. Neste sentido, ao desenvolver uma malha ciclópica de concreto que auxilia na sustentação de uma caixa oca, onde bandejas suspensas e robustas escadas definem o espaço interior, conforma uma colunata perimetral que expressa o caráter do conjunto. Os esforços demandados para a execução da sede central do Banco de Londres e América do Sul, além da extraordinária qualidade de sua confecção, tornam de grande interesse a análise da sua estrutura. Diante do exposto, este trabalho tem como objetivo um minucioso exame da solução estrutural da sede central do Banco de Londres da América do Sul. Pretende-se oferecer maiores explicações técnicas sobre a estrutura de concreto armado e demonstrar alguns dos detalhes construtivos empregados nessa obra singular da arquitetura moderna argentina. Inicialmente, será feita uma apreciação dos aspectos funcionais e simbólicos da edificação, tanto em seu contexto circundante, quanto no seu interior. A seguir, far-se-á uma descrição da solução estrutural proposta, onde serão desvelados aspectos construtivos que demonstram a ambivalência do uso do concreto armado, sendo possível utiliza-lo como veículo de expressão escultórica, dada a sua maleabilidade, além de instrumentar sistemas reticulados. Antecedentes Em janeiro de 1960, foi proposto um concurso, de caráter privado, para o projeto da nova sede central do Banco de Londres e América do Sul, em Buenos Aires. Quatro importantes escritórios de arquitetura argentinos foram convidados para concorrer ao concurso, e receberam do Banco um programa de necessidades completo que incluía a quantidade e qualidade dos espaços requeridos, as funções a serem cumpridas e os serviços com os quais o edifício devia contar. Cabe destacar que neste programa se fazia menção também a outros temas, geralmente não mencionados em concursos semelhantes, como a questão da concepção arquitetônica. Constava nas bases do concurso, a necessidade de um edifício que transmitisse a integridade, eficiência e confiança - presentes nas operações do banco - por meio de uma expressão arquitetônica clara e concisa, que não recorresse a imagens do passado, nem a clichês atuais que logo se tornariam antiquados. Exigiam flexibilidade nas distribuições das funções com o mínimo possível de pilares no interior dos recintos. Além disso, estabeleceram como condicionante o cuidado com futuras manutenções dos revestimentos escolhidos. 2 A direção do banco considerou que o projeto de Clorindo Testa, Santiago Sánchez Elía, Federico Peralta Ramos e Alfredo Agostini, não era somente o que melhor resolvia os aspectos funcionais e tectônicos, mas também, se adequava aos princípios simbólicos propostos. Sendo assim, seis 2 Trecho das bases do concurso para a nova sede central do Banco de Londres e América do Sul, em Buenos Aires, Argentina. (retirado da revista SUMMA. n°6/7, p.28, dez.1966.) anos depois, em agosto de 1966, foi inaugurado um dos maiores exemplos de arquitetura moderna em terras sul-americanas. Aspectos funcionais e simbólicos A sede central do Banco de Londres e América do Sul localiza-se sobre uma esquina do microcentro portenho e se apresenta como uma grande estrutura de concreto armado que contrasta com as tradicionais construções bancárias que a rodeiam -“um edifício inserido na cidade de modo quase brutal, com vontade de transformação, contudo, entendendo a estrutura urbana e dialogando com ela” 3. Fig. 02 e 03. Banco de Londres (Fonte: GLUSBERG, J. Clorindo Testa – pintor y arquitecto. Buenos Aires: Summa+ books, 1999. p.132.) Segundo Bullrich4, houve a preocupação de estabelecer uma perspectiva constante nas ruas adjacentes à edificação, bastante estreitas – respeitando e aceitando a rua-corredor. Outro ponto considerado no exercício projetual foi a necessidade de um espaço interior integrado, tanto na área do banco propriamente dito, quanto com o contexto circundante. Neste sentido, exploraram a idéia de que as ruas penetrassem a edificação, estabelecendo uma continuidade visual, principalmente, desde o interior para o exterior. Ambas as considerações resultaram no esquema estrutural proposto. 3 4 BOHIGAS, O. “Un profesional sin angustia: Entrevista a Clorindo Testa”. Buenos Aires: SUMMA, n°183/184 – jan/fev 1983. pág.: 37. BULLRICH, F. “Nuevos Caminos de la Arquitectura Latinoamericana”. Barcelona: Editorial Blume, 1969. pág.: 49. Este “continuum” espacial, largamente enfocado através da conexão dos níveis e da retórica formal – mesmo que exigindo demasiadamente da estrutura de concreto armado - resulta em uma obra plena, tanto por seu conteúdo plástico quanto pelo evidente valor funcional.5 Comportando um volume interno de 80.000m³, o banco e se detém a uma concepção funcional básica: em um espaço único, se diferencia a área pública da privada e, atua em relação com o espaço exterior como um prolongamento das ruas adjacentes. É dividido em três subsolos e seis níveis superiores, além do pavimento de acesso que está conformado por um vazio na esquina, o qual dilata a dimensão apertada das ruas Bartolomé Mitre e Reconquista, absorve a circulação dos pedestres e facilita o acesso à edificação. Segundo Comas6: “O acesso ao interior do Banco implica a passagem pelo vestíbulo e um giro que permite tanto descobrir a extensão horizontal da grande sala como aperceber-se de sua expansão vertical através dos interstícios entre as lajes e entre as lajes e as paredes de vidro. O contraste entre a estreites das ruas adjacentes é enorme, e se acompanha de uma forte sensação de descompressão e alivio, análoga à que se experimenta ao chegar à uma clareira após uma caminhada na selva fechada.” Internamente, dos seis níveis que fragmentam o espaço interno único, os dois primeiros se destinam ao atendimento do público, juntamente com o andar térreo e o primeiro subsolo; os demais pavimentos são de uso interno. Fig. 04. “O edifício funciona dentro de um espaço único e este espaço está dividido em uma zona privada e uma zona pública...” (Fonte: “Banco de Londres y America del Sur”. SUMMA. n°6/7, p.28, dez.1966.) 5 “Banco de Londres y America del Sur”. SUMMA. n°6/7, p.30, dez.1966 Carlos Eduardo Dias Comas, Memorandum latinoamericano: la ejemplaridad arquitetctónica de lo marginal. 2G, Barcelona, n. 8, p. 140, 1998. 6 Fig. 05. “Como se a zona pública fosse como um prolongamento das estreitas ruas adjacentes...” (Fonte: “Banco de Londres y America del Sur”. SUMMA. n°6/7, p.28, dez.1966.) Fig.06. “...o grande espaço interno, disposto em uma série de planos sobrepostos, atua como uma grande praça coberta, que ultrapassa seus limites e se encontra com as fachadas das edificações vizinhas, como se a paisagem interior fosse como uma penetração da paisagem urbana externa...” (Fonte: “Banco de Londres y America del Sur”. SUMMA. n°6/7, p.29, dez.1966.) Fig.07 e 08. Através da ampla esquadria, a rua se prolonga no espaço interno. (Fonte: GLUSBERG, J. Clorindo Testa – pintor y arquitecto. Buenos Aires: Summa+ books, 1999. p.135.) A concepção estrutural Os debates iniciados por volta da década de cinqüenta, do século passado, sobre a utilização do concreto armado, constituíram nos anos sessenta uma característica pela vasta experimentação estrutural com o mesmo.7 Naqueles anos, foram construídos na cidade de Buenos Aires uma série de edifícios de grande importância, desde diversos pontos de vista. Ainda que propostos para diferentes fins e respondendo a distintos critérios de funcionamento, pode-se dizer que representam a arquitetura daquela época. Naturalmente, isso não é garantia de uma boa arquitetura, mas sim, de uma racional utilização dos meios técnicos e econômicos. Nestas edificações a solução estrutural adotada responde a um esquema de funcionamento simples que possibilita uma construção econômica e prazo de execução conveniente. Têm as virtudes e as limitações de obras marcadas por uma época de transição, são obras que em meio a passos incertos se estabelecem em um caminho ainda pouco trilhado no país.8 A sede central do Banco de Londres e América do Sul é, seguramente, uma das obras mais importantes concluídas naqueles anos em Buenos Aires. Particular interesse reside na estrutura de concreto armado executada que foi calculada pelo escritório “Ingenieros Consultores Fernández Long y Reggini”. Destaca-se, neste momento, a magnitude desta obra onde foi estimada a utilização de 15.000m³ de cimento e 2.000 toneladas de aço para o concreto armado.9 A extraordinária qualidade de sua confecção, e os esforços demandados para sua execução, torna de grande interesse a análise da sua estrutura. 7 LIERNUR, Jorge Francisco. Arquitectura em la Argentina del siglo XX – La construción de la modernidad. Buenos Aires: Fondo Nacional de las artes, 2001 8 PEDREGAL, J.M. “Sobre la concepción estructural del Banco de Londres”. SUMMA, Buenos Aires, n°6/7, pág. 47, dez., 1966. 9 “Exponentes del potencial de nuestra industria de construcción. La nueva sede del Banco de Londres y América del Sur”. Construcciones, Buenos Aires, n°191, pág. 564,1964. Com uma superfície coberta total de 28.727m², 45 metros de extensão sobre a Rua Bartolomé Mitre, e quase 75 metros sobre a Rua Reconquista, a edificação possui uma solução estrutural que reafirma os ideais arquitetônicos propostos, e resulta em uma equilibrada utilização do material, dentro de suas próprias leis, permitindo a criação da forma determinada.10 A concepção estrutural do Banco define um claro exemplo de uma planta livre, com as inumeráveis possibilidades de organização que tal solução permite. Em linhas gerais, o projeto é concebido como um grande espaço unificado, organizado mediante seis bandejas. As duas primeiras destinadas ao uso público, e os quatro níveis seguintes destinados ao uso interno do Banco. Todas elas estão dispostas em dois grupos paralelos. Contudo, as últimas se encontram suspensas mediante cabos tensores fixados na cobertura. Ainda que com as dificuldades de tal envergadura, o térreo – cota +2,18 metros – e os três subsolos obedecem a um esquema estrutural relativamente simples. Estas lajes, unidas à cortina perimetral, em concreto armado, que envolve todo o volume subterrâneo, constituem um volume rígido que, com critérios, é utilizado como receptor de cargas da estrutura superior, formada por dois sistemas estaticamente independentes. Um dos sistemas se materializa nas lajes dos pavimentos +5,92 metros e +9,66 metros; constituindo um conjunto de bandejas que se apóiam em vigas tubulares de 18 metros de comprimento que alojam os dutos de ar condicionado. Estas bandejas ficam em balanço de 7,00 metros para cada lado da viga, sendo a área de influência por apoio na ordem de 250m². A presença de condutos verticais encostados na alma das colunas, em forma de duplo T, que atravessam as lajes na proximidade de seus pontos de apoio, cria fortes concentrações de tensões em zonas nas quais foi difícil materializar a correta colocação da armadura e a concretagem. Problema este que obrigou os engenheiros a realizar um estudo analítico da questão.11 O outro sistema estrutural ao qual foi feito referência é constituído por um conjunto de vigas, lado a lado, na cota +27,00 metros – cobertura -, que se apóiam sobre as colunas presentes na fachada, sobre um pórtico - localizado no extremo sul da fachada interior - responsável pela estabilidade transversal e, nos dois grupos de circulação vertical. As lajes +12,72 metros; +15,61 metros; +18,84 metros e +22,00 metros; são os pavimentos destinados ao uso interno do Banco, estão dispostos em dois grupos paralelos, e se encontram suspensos mediante cabos tensores fixados no reticulado de vigas citadas anteriormente. A suspensão das lajes foi executada por meio de tensores e vigas metálicas, seguindo um módulo de 3,00 x 6,00 metros. Como trata-se de lajes pré-fabricadas de concreto, cada módulo 10 11 Idem PEDREGAL, J.M. “Sobre la concepción estructural del Banco de Londres”. SUMMA, Buenos Aires, n°6/7, pág. 47, dez., 1966. corresponde a dois elementos de 1,50 x 6,00 metros. Dessa forma, cada laje produz um peso aproximado 1.800kg e completam um total de 4.000m² de superfície.12 O módulo de 3 metros foi aplicado tanto no desenho das colunas exteriores, quanto nas vigas da cobertura. Sobre esta, duas grandes vigas maciças conectam a estrutura dos núcleos verticais e auxiliam na sustentação de parte da carga da cobertura. Fig.09. Corte transversal demonstrando os sistemas e elementos estruturais. (Fonte: Desenho da autora sobre as referências publicadas na revista GA Books, n°65, abr., 1984.p.46). 12 Idem Fig.10. Planta Baixa Térreo. (Fonte: Desenho da autora sobre as referências publicadas na revista GA Books, n°65, abr., 1984.p.44). Fig.11. Planta Baixa bandejas +5,92m; +9,66m. (Fonte: Desenho da autora sobre as referências publicadas na revista GA Books, n°65, abr., 1984.p.44). Fig.12. Planta Baixa bandejas suspensas +12,72m; +15,61m; +18,84m; +22,07m. (Fonte: Desenho da autora sobre as referências publicadas na revista GA Books, n°65, abr., 1984.p.45). Fig.13. Planta Baixa cobertura +27,00. (Fonte: Desenho da autora sobre as referências publicadas na revista GA Books, n°65, abr., 1984.p.45). Fig.14. Corte Transversal. (Fonte: Desenho da autora sobre as referências publicadas na revista GA Books, n°65, abr., 1984.p.46). As colunas presentes nas fachadas sofrem grandes esforços de compressão, por isso foi utilizado um concreto de tipo B350, e para o restante da obra o B225.13 Assim mesmo, essas colunas foram interligadas umas nas outras, em diversos níveis, por meio de diafragmas verticais para assim confirmar a rigidez do sistema. A colunata perimetral cumpre, segundo os arquitetos, três funções fundamentais: como elemento estrutural de sustentação da cobertura; como máscara protetora dos reflexos do sol no interior da edificação; como expressão escultural da força e simbolismo previsto para o caráter do edifício. Por trás das colunas, apoiadas independentemente em uma estrutura de alumínio, estão os fechamentos transparentes, desenvolvidos com vidros térmicos para amenizar a carga térmica incidente na edificação.14 Fig. 15. Detalhe das esquadrias entre os pilares que conformam a colunata perimetral. (Fonte: GLUSBERG, J. Clorindo Testa – pintor y arquitecto. Buenos Aires: Summa+ books, 1999. p.129.) Fig. 16 e 17. Detalhe da colunata perimetral. (Fonte: GLUSBERG, J. Clorindo Testa – pintor y arquitecto. Buenos Aires: Summa+ books, 1999. p.131.) 13 14 Idem “Banco de Londres y America del Sur”. SUMMA. n°6/7, p.35, dez.1966 Fig.18. Detalhe do módulo da colunata perimetral. (Fonte: GA Books, n°65, abr., 1984.p.47). A excelente imagem das superfícies de concreto aparente foi conquistada especialmente pelo cuidado sobre a execução das formas - onde 60% das mesmas foram confeccionadas no local- e utilizando misturas com uma relação entre a água e o cimento relativamente altas. Por isso, o uso do vibrador de concreto foi dispensado, uma vez que a utilização do mesmo em concretos pouco pastosos pode produzir a desagregação dos componentes do mesmo. A alta resistência buscada não poderia ser conseguida por meio de um aumento exagerado na dosagem do cimento, pois seriam aumentados também os inconvenientes derivados das retrações do mesmo. 15 Dadas as condições especiais de apoio do reticulado de vigas superior (cota +27,00) não foram feitas juntas de dilatação nas mesmas, apesar de suas grandes dimensões – um dos lados do reticulado mede 75 metros. Os engenheiros optaram por estudar as cargas normais de seus planos, além das produzidas pela ação das variações de temperatura16 As formas metálicas foram bastante utilizados na obra, graças a versatilidade, resistência e duração ilimitada. Possuem um sistema autolimpante e por sua facilidade de transporte podem ser utilizadas progressivamente em diferentes partes da obra, eliminando quase totalmente as formas de madeira. Além do exposto, permitem uma montagem rápida, que não necessita de mão de 15 16 PEDREGAL, J.M. “Sobre la concepción estructural del Banco de Londres”. SUMMA, Buenos Aires, n°6/7, pág. 47, dez., 1966. Idem obra altamente especializada. Foram empregados elementos da marca Acrow, produzidos pela Acrow Argentina S.A., com licença da Acrow Engineers de Londres.17 Fig.19. Detalhe da escada de uso público. (Fonte: GA Books, n°65, abr., 1984.p.47). Fig. 20 e 21. Vista da escada de uso público. (Fonte: GLUSBERG, J. Clorindo Testa – pintor y arquitecto. Buenos Aires: Summa+ books, 1999. p.134 e 136 respectivamente.) 17 Idem O alto custo das estruturas de concreto armado projetadas para garantir os vãos livres e a flexibilidade exigida pelo programa de necessidades do Banco de Londres, além dos anseios sobre a imagem arquitetônica desejada, foi compensada – segundo os próprios arquitetos – pela simplificação da decoração e acabamentos. A maior parte do concreto armado ficou aparente, sem qualquer acabamento além de um verniz transparente utilizado no exterior, ou das zonas onde o mesmo foi colorido.18 Praticamente todos os materiais empregados na construção são de origem local, tendo sido importado somente o imprescindível, como os vidros, aços especiais, maquinas para o sistema de ar condicionado, além dos revestimentos de madeira e o mobiliário para o setor da presidência, que resguardam, com suas linhas clássicas e severas, a antiga tradição do Banco.19 Desde um ponto de vista formal e construtivo torna-se destacável a imaginação empregada para resolver cada um dos múltiplos detalhes construtivos dos elementos interiores e exteriores desta obra. Nesta ampla busca de soluções construtivas e formais se agrega a preocupação pelo encontro dos materiais corretos, e pelo tratamento das cores e iluminação. A apreciação da obra acabada é uma prova de que todos os problemas foram devidamente estudados, além dos ajustes desenvolvidos entre as necessidades da obra e os técnicos. As emendas das formas confeccionadas com peças elásticas nas suas extremidades, são a prova de que foi compreendido que por mais pequenos que sejam os detalhes de uma obra, não devem ser deixados de lado. Sendo assim, o resultado final deve muito ao modo como foram resolvidos esses pequenos elementos. Na realidade, nesta obra, não se pode falar de um projeto estrutural, mas de um difícil estudo realizado por engenheiros para dar solução estável a um projeto fortemente marcado pela intenção formal. Neste caso, ao invés de buscar soluções que ocultassem os elementos portantes, como foi utilizado em algumas épocas, se faz o mesmo, mas com a intenção de mostrar-los. Em ambos os casos se confundem o papel da estrutura e se sacrifica sua economia. 20 Uma aproximação sobre a concepção estrutural, dos detalhes executados, de suas instalações e dos inumeráveis planos que compõem o desenho de cada uma das partes do Banco de Londres e América do Sul, permite extrair proveitosos aspectos técnicos e estéticos. Esta situação constitui um dos numerosos valores desta obra, produto singular, fruto de condições excepcionais que são produzidos raramente, contém elementos possíveis de ser incorporados a um acervo comum, enriquecendo nossa experiência conjunta como criadores. 18 19 20 “Banco de Londres y America del Sur”. SUMMA. n°6/7, p.40, dez.1966 “Banco de Londres y America del Sur”. SUMMA. n°6/7, p.42, dez.1966 Idem BIBLIOGRAFIA “Banco de Londres y América del Sur, casa central Buenos Aires, Argentina, 1959-66”. GA Books, n°65, abr., 1984. “Banco de Londres y América del Sud”. Summa, Buenos Aires, n°6/7, págs. 27-52, dez., 1966. BAYON, Damián. 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Fone/fax (51) 30294114 jcvasc@feevale.br EMÍLIO HENRIQUE BAUMGART: O PAI DO CONCRETO ARMADO NO BRASIL O artigo pretende fazer um relato da vida profissional e das estruturas calculadas/ projetadas pelo engenheiro brasileiro Emílio Henrique Baumgart. Seu trabalho no campo do concreto armado abriu novas perspectivas para a utilização da técnica construtiva, sendo autor do projeto de estruturas de obras pioneiras da engenharia brasileira. Dois de seus projetos tiveram significado mundial sob o aspecto do avanço da técnica: o edifício A Noite, na praça Mauá no Rio de Janeiro, que com seus 24 andares se tornou na época o mais alto do mundo em estruturas de concreto armado; e a ponte sobre o Rio do Peixe, entre Herval d´Oeste e Joaçaba. A ponte possuia o maior vão livre conhecido na época (68,5m) e foi construída por um método revolucionário devido a sua altura em relação ao rio e às suas repetidas cheias. Outro projeto representativo da personalidade inovadora de Baumgart é a concepção da estrutura do Ministério da Educação e Saúde Pública, arquitetura de Lucio Costa e equipe, onde uma das características inéditas foi a adoção de reforços invertidos na periferia dos pilares possibilitou a execução de uma laje plana na base. Também é importante listar e detalhar com mais atenção outros trabalhos do engenheiro no campo das obras arquitetônicas no Brasil. Baumgart foi autor de mais de 500 projetos estruturais (reservatórios, hangares para aviões, oficinas, armazéns, flutuantes, piscinas e mais de uma centena de viadutos e pontes). Palavras-chave: concreto, engenharia, Baumgart ABSTRACT The article is a report of life and structures calculated / designed by brazilian engineer Emilio Henrique Baumgart. His work, in the field of reinforced concrete, opened up new prospects for the constructive use of the technique, and author of the design of structures for the pioneering works of Brazilian engineering. Two projects had global significance under the aspect of the art: the building called “A Noite”, the square Maua in Rio de Janeiro, which with its 24 floors at the time became the highest in the world of reinforced concrete structures, and bridge on the Rio do Peixe, between Herval d’Oeste and Joaçaba. The bridge will have the largest free span in the world (68.5 m) and was built by a revolutionary method because of its height from the river and its repeated floods. Another project representative of the personality of Baumgart is the innovative design of the structure of the Ministry of Education and Public Health, architecture of Lucio Costa and team, where one of the novel feature was the adoption of reinforcements reversed on the periphery of the pillars enabled the implementation of a flat slab the base. It is also important to list more attention to detail and other work of the engineer, who was the author of more than 500 structural projects (tanks, hangars, garages, warehouses, floating, swimming pools, etc. and more than a hundred bridges and viaducts). Keywords: concrete, engineering, Baumgart EMÍLIO HENRIQUE BAUMGART: O PAI DO CONCRETO ARMADO NO BRASIL “Baumgart não somente foi o primeiro brasileiro a participar da transferência da tecnologia do concreto armado da Alemanha para o Brasil, mas também, por sua genialidade, desenvolveu e suplantou o que na época se fazia no estrangeiro.” (VASCONCELOS, 1985) Emilio Henrique Baumgart (fig. 1), notável engenheiro brasileiro, conhecido como “o pai do concreto armado no Brasil”, nasceu em Blumenau, Santa Catarina em 25 de Junho de 1889 e faleceu no Rio de Janeiro em 9 de Outubro de 1943, vítima de ataque cardíaco ao sair de casa para o trabalho. Na época em que nasceu em Santa Catarina se falava mais o alemão do que o português. Por este motivo, Baumgart se expressava melhor no alemão e, em suas notas particulares, escrevia sempre em alemão. As operações aritméticas que fazia eram sempre em alemão, como havia aprendido na infância. Isto contribuiu de modo favorável ao solicitar estágios, alguns anos mais tarde, em firmas de origem alemã que construíam no Rio de Janeiro. Fig. 1 - Emilio Henrique Baumgart: À esquerda, aos 18 anos de idade em sua cidade natal, Blumenau/SC. Acima à direita, em 1918 na ocasião de sua formatura pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Abaixo, já como um dos maiores engenheiros da história do concreto armado no Brasil. [CONCRETO, nº75 jun de 1945] Era filho de Gustavo Baumgart e de Matilde Odebrecht Baumgart. Esta era filha do conhecido engenheiro do Estado, Emilio Odebrecht. A grande firma construtora brasileira, sediada em Salvador, Construtora Norberto Odebrecht, foi fundada por um primo de Emilio Baumgart, alcançando grande fama com seu enorme acervo de realizações em todo o Brasil. O pai de Norberto, Emilio Odebrecht Jr, era apontador de obra e também tio de Baumgart. Fig. 2 - Emílio Baumgart: Ponte Maurício de Nassau, no Recife/PE, 1913. Primeira ponte feita em viga contínua e sem juntas de dilatação. [CONCRETO nº75 jun de 1945]:195 Baumgart fez seus primeiros estudos no Ginásio São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, indo para o Rio de Janeiro em 1911 para ingressar na então Escola Politécnica (atual Faculdade de 3 Engenharia da UFRJ). Custeou seus estudos lecionando ao mesmo tempo no Ginásio São Bento e trabalhando desde o segundo ano, na construtora L. Riedlinger (precursora da Companhia Construtora Nacional), onde em 1913 elaborou alguns dos primeiros projetos em concreto armado do Brasil, como a ponte Maurício de Nassau no Recife (fig. 2). Fig. 3 - Emílio Baumgart: Hotel Gloria, Rio de Janeiro, 1922. Cálculo estrutural. [Disponível em <http://www. Formou-se Engenheiro Civil em 1919 e lecionou no curso de Arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes, ministrando a disciplina de “Sistemas e detalhes de construção, desenho técnico, orçamentos e especificações” no ano de 1931. Baumgart foi o segundo professor titular desta cadeira, onde se estudava a “estereotomia do ferro, da madeira, os seus diferentes sistemas de construção, aplicações e detalhes de esquadrias, tesouras, estruturas metálicas, concreto armado e suas aplicações, desenho técnico orçamento e especificações”, conforme esclarecia o respectivo programa.1 brazils-hotels.com/images/glorioex1.jpg> Acesso em 17 ago. 2003] Fig. 4 - Emílio Baumgart: Copacabana Palace, Rio de Janeiro, 1923. Cálculo Estrutural. [BOECHAT, 2000. 182p] Seus projetos estruturais abriram novas perspectivas para a utilização do concreto armado, tendo sido autor do cálculo estrutural de obras pioneiras da engenharia brasileira. Dois de seus projetos tiveram significado mundial: o edifício A Noite, na Praça Mauá no Rio de Janeiro, que com seus 24 andares se tornou na época o mais alto do mundo em estruturas de concreto armado; e a ponte sobre o Rio do Peixe, entre Herval e Cruzeiro, hoje denominada Emilio Baumgart, com o maior vão livre conhecido na época (68,5m) foi executada por um método revolucionário devido a sua altura excessiva e às repetidas cheias. A concretagem foi feita da margem para o centro em balanços progressivos, sem auxílio de andaimes e escoramentos, fato inédito na história do concreto armado. Fig. 5 - Arq. Roberto Capello e Eng. Emílio Baumgart: De cerca de 300 projetos de estruturas para grandes edifícios2, podem ser citados o Hotel Edifício Salic em Porto Alegre. Cálculo e detalhes da estrutura. Execução: Companhia Construtora Nacional 1. CONCRETO nº75, jun 1945 p.177. S.A. [CONCRETO, nº 75 jun 1945 ]:187 2. Além dos projetos citados, Emílio Baumgart projetou as mais variadas estruturas para cerca de 500 diversas obras: reservató- 4 Glória (fig. 3), o Copacabana Palace (fig. 4), O Cinema Capitólio (primeiro arranha-céu do Rio de Janeiro em 1924) o Teatro João Caetano, o primeiro hangar construído no Rio de Janeiro, no Campo dos Afonsos, Papelaria União, Edifício Guinle, Albergue Noturno, Edifício Roxy (com a cúpula de 36,2m de diâmetro e apenas 7cm de espessura) o Ministério da Educação e Saúde Pública (pioneiro sistema de lajes com cogumelo invertido - fig. 6a), todos no Rio de Janeiro. Destacam-se ainda o Edifício Salic em Porto Alegre (fig. 5), o Cine Teatro Brasil em Belo Horizonte e a sede do Banco do Brasil em São Paulo. Fig. 6 - Emílio Baumgart: Ponte sobre o Rio do Peixe, em Erval /SC, 1930. Com vão de 68,5m foi construída totalmente livre de escoramento. [Engineering NewsRecord, ago de 1931]:209 Não obstante o grande conhecimento de Emilio, poucos queriam aceitar o concreto em grandes construções. Emilio encontrou sempre enorme oposição por parte dos clientes e dos próprios engenheiros, que iriam construir seus projetos. Por isso julgou que precisaria ele próprio executar as estruturas se quisesse continuar com as obras. “Visitando a Alemanha, em 1928, para verificar e desenvolver algumas de suas idéias sobre o concreto armado, Baumgart voltou desiludido porque chegou a convicção de que o Brasil, pelo seu adiantamento na técnica do concreto armado, começava a emancipar-se da tutela européia, Fig. 6a -Lucio Costa, A. E. Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcellos, Jorge Machado Moreira e Oscar Niemeyer (arquitetura). Emílio Baumgart (cálculo estrutural): Ministério da Educação e Saúde Pública, 193645. Fachada norte. [VASCONCELLOS, 2004] rios, hangares para aviões, oficinas, armazéns, flutuantes, piscinas, etc e mais de uma centena de viadutos e pontes. [CONCRETO nº55, out 1943]:107 5 que nem sempre compreendia a nova mentalidade brasileira.” (em CONCRETO nº75 jun 1945 p.175) A fama de Baumgart se ampliava e ele recebia consultas freqüentes da Argentina para projetos, estudos, pareceres. Nos Estados Unidos despertou a atenção dos meios técnicos o método por ele empregado principalmente na já citada ponte do Rio do Peixe, merecendo publicação em reportagem especial na revista Engineering News-Record de 6 de agosto de 1931. O projeto e execução da estrutura do Cinema Roxy em Copacabana (fig. 7 e 8) também teve grande repercussão no exterior. Em artigos publicados em duas revistas alemãs3 a construção em concreto armado consistia em uma platéia, balcões em balanço palco e a majestosa cúpula com vão de 36,20m e espessura uniforme de 7cm até a proximidade da cinta de contorno. Os citados artigos apontam também o “extraordinário desenvolvimento que se operou no sul do Brasil a partir do Rio de Janeiro, além de uma viva atividade na construção motivada por uma importante industrialização”. Fig. 7 - Emílio Baumgart: Cinema Roxy, Rio de Janeiro. No alto, corte. Ao centro, engaste da cúpula na cinta de contorno. Acima, detalhe da armadura. [CONCRETO nº75 jun de 1945]:198 A firma construtora que fundou em 1923, responsável pela construção do Cine Capitólio, não teve sucesso: dois anos após a fundação foi levada à falência. Emilio retirou-se do ramo da construção, permanecendo até o final de sua vida apenas como projetista de estruturas. Montou no ano de 1925 no Rio, o primeiro escritório de cálculo de estruturas de concreto armado do Brasil, que conforme CAIXETA (1999, p.75) “passou a funcionar como uma verdadeira faculdade de pós-graduação, freqüentada por Fig. 8 - Emílio Baumgart: Cinema Roxy, Rio de Janeiro. Cúpula em fase de concretagem. [CONCRETO nº75 jun de 1945]:197 3. Artigos publicados nos periódicos alemães “Beton u Eisen” e “Der Bauingenieur” em 1938. [CONCRETO nº75, jun 1945]:197 6 todos os engenheiros e arquitetos da época”. O caso do edifício “A Noite” A atual sede do Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI no Rio de Janeiro (antigo edifício do jornal A Noite - fig. 9) é projeto arquitetônico de Joseph Gire, arquiteto francês que alguns anos antes projetara o Copacabana Palace. Tanto o hotel como o A Noite materializaram novas referências para o desenvolvimento arquitetônico da cidade do Rio de Janeiro. Fig. 9 - Arq.Joseph Gire e Eng.Emílio Baumgart: Edifício Este edifício, calculado por Emílio Baumgart em 1928, foi construído por Gusmão, Dourado & Baldassini. Previsto com 22 pavimentos, teve posteriormente um acréscimo de mais dois pavimentos, não servidos pelos elevadores. A Noite, 1928. Destoante do conjunto urbano que lhe circunda, o edifício é visto, na perspectiva aérea acima, em fase de conclusão (1930). [http://www.inpi.gov.br/ inpi/conteudo/edifici2.htm acessado em 06.04.03.] Este edifício foi, na sua época, a maior construção estruturada em concreto armado no mundo. São art-deco as referências de sua área externa, bem como as das áreas internas de uso comum, essas últimas já bastante desfiguradas por sucessivas reformas mal-conduzidas. A evolução do A Noite foi paradoxal. Da mesma forma que o Copacabana Palace, o edifício em si foi um sucesso. Associando o poder econômico das grandes empresas nele instaladas ao glamour de sediar o meio de comunicação mais poderoso da época – a Rádio Nacional, o prédio se viu revestido por um prestígio sem concorrentes. Os badalados restaurantes no térreo e no terraço superior, além da vista para a Baía da Guanabara, completavam o cenário. No seu apogeu, durante as décadas de 30 e 40, o edifício tinha, na área comercial, renome equivalente ao do Copacabana no setor de hotelaria. Esse brilho, porém, e a diferença do ocorrido com a área de entorno do hotel, não foi suficiente para gerar um núcleo de negócios sofisticado nas vizinhanças da Praça Mauá. Talvez faltasse à cidade maior força econômica ou, por outra, a conseqüência de sua localização se fizesse sentir. O fato é que a construção de prédios Fig. 10- Joseph Gire e Emílio Baumgart: Em 1928, com o prédio em fase intermediária de construção, a Praça Mauá encontra-se decorada para uma recepção a navios americanos.[http://www.inpi.gov.br/inpi/conteudo/edifici2.htm acessado em 06.04.03.] 7 Fig. 11 - Emílio Baumgart: Edifício “A Noite”. Formas do comerciais mais requintados no centro do Rio deu-se em outras paragens. A Praça Mauá foi sendo vista, progressivamente, como um logradouro de segunda classe e a decadência física do A Noite acompanhou esse ritmo. teto do 1ºandar. Desenho original de Baumgart contendo os reforços projetados em 16 de abril de 1931 para o contraventamento dos pilares.[VASCONCELOS, 1985]:190 O edifício possui planta retangular com 18,20 x 65m, com um eixo de simetria e apenas 3 filas de pilares. Existem diversas peculiaridades interessantes, a respeito do projeto da estrutura, que convém lembrar: o primeiro detalhe curioso se refere às lajes. Estas são todas muito grandes, com 5 x 6,7 e 5 x 9,5m com apenas 7cm de espessura, contínuas no sentido da menor dimensão. Pela NB-1178 a espessura mínima deveria ser 12cm para dispensa de verificação de flecha. Está, portanto, em flagrante desacordo com nossa norma atual e com maior razão ainda, com as normas da época. Baumgart, entretanto usou de um estratagema para redução da espessura: mísulas de 10,4 x 42cm junto às vigas de apoio. As mísulas, porém, não são retas: apresentam dois degraus. 8 As lajes são armadas com barras finas de aço CA25 de diâmetro Ø1/4” com pequeno espaçamento (5 cm). Uma curiosidade que atesta a intuição de Baumgart: as suas infrações às normas em vigor eram sempre cercadas de cuidados especiais mostrando completo domínio do que fazia. No caso, além das mísulas que usou também com efeito decorativo, adotou armaduras peculiares como se mostra na fig. 11. Um simples cálculo mostra que as poucas barras finas acrescentadas, com reduzido comprimento (1,60m) são suficientes para aumentar de 10% a capacidade resistente da laje. Fig. 12 - Emílio Baumgart: ampliação do edifício “A Noite”. Vista da pérgola após a conclusão dos trabalhos de reforço estrutural. As cortinas das janelas ocultam o auditório da Rádio Nacional. [CONCRETO nº75 jun de 1945]:183 Em razão do contraventamento Baumgart concentrou os reforços em apenas dois pórticos transversais. O edifício possui 65m de largura. Baumgart escolheu dois pórticos distantes 25m de cada extremidade. A distância entre eles ficou portanto igual a 15m. Esses dois pórticos ficaram próximos aos poços de elevadores e caixas de escada. Eram os únicos lugares onde era possível ligar transversalmente todos os pilares, deixando livres apenas duas passagens, respectivamente com 1,60 e 2,00m. Cada laje funciona no plano horizontal como uma imensa viga de 18,20m de altura e 7cm de largura, com o comprimento total de 65m. Essa viga se apóia nos dois pórticos, com 25m de balanço de cada lado. Os pórticos enrijecidos são na verdade imensas vigas em balanço, engastadas nas fundações, possuindo em todos os pavimentos aberturas de 1,6 x 2,7 e 2 x 2,7m. A figura 2.33 mostra como foi feito o encamisamento dos pilares para a realização desses pórticos, com projeto de 16 de abril de 1931, portanto com o edifício já terminado. Fig. 13 - Emílio Baumgart: ampliação do edifício “A Noite”. Diagrama de momentos das lajes. A linha mais delgada corresponde ao diagrama para a carga morta; a linha mais forte determina o diagrama final. [CONCRETO nº75 jun de 1945]:186 O reforço da estrutura no 22º pavimento Em 1935 a administração do edifício desejou aproveitar a laje de cobertura do prédio, sobre o 22º pavimento, como terraço acessível com 9 Fig. 14 - Emílio Baumgart: ampliação do edifício “A restaurante e pista de dança (fig. 12). Mais tarde a Rádio Nacional se instalou nesse pavimento. O terraço criado na cobertura do novo andar recebeu um alpendre e uma melhoria das instalações da casa de máquinas4. Acima desta, na cota 104,75m acima da calçada foi construído um posto de observação do tráfego do porto do Rio de Janeiro. O acréscimo de carga na laje de cobertura, com essa reforma, foi de 300% na carga viva prevista na confecção da estrutura e quase 100% de acréscimo na carga total. Os esforços atingiam, dessa forma, valores que a estrutura não poderia suportar sem um reforço, uma vez que as lajes eram de espessuras diminutas e as vigas venciam grandes vãos. Noite”. Corte da estrutura reforçada. As partes tracejados definem os elementos a serem feitos.[CONCRETO nº75 jun de 1945]:185 A solução adotada foi de suspender a laje de cobertura situada no 23º andar (cota 99,24m) nas vigas do alpendre mediante execução de 3 pilares que trabalham como tirantes. A fig. 14 esclarece a solução adotada fornecendo a disposição do vigamento. A fig. 13 mostra a solução e o respectivo diagrama de momentos fletores, podendo-se notar que não chega a existir momento negativo no novo apoio assim criado. A laje tinha uma espessura de 6cm para um pano de 2,28m x 5m. Foi colocada uma 4. As opções para resolver a questão dos dois pavimentos adicionais eram duas: a primeira seria a execução de uma nova estrutura, que apesar de aproveitar alguns elementos existentes, fosse capaz de absorver todas as cargas. A segunda seria um reforço da estrutura existente, capacitando-a para receber a sobrecarga. Através dos elementos que faziam parte do plano arquitetônico da ampliação, resolveu-se pendurar a laje do 23º pavimento nas vigas do pergolado. [CONCRETO nº75]:184 10 Fig. 15 - Emílio Baumgart: Edifício “A Noite”. Desenho viga dividindo este painel, apoiando-se nas vigas principais, calculadas como contínuas para receberem a carga viva das lajes. A maior dificuldade era o reforço do vão principal. Nas vigas existentes foram concretadas duas vigotas, uma de cada lado, o que permitiu trazer uma armação permitindo a viga resistir bem a tração proveniente do quadro superior. Além disto, nelas deviam ficar embutidos os ferros dos tirantes de suspensão. parcial reproduzido do desenho original de Baumgart com o título: “A NOITE - Lajes: armação” onde o autor superpôs as charneiras plásticas.[VASCONCELOS, 1985]:191 Hoje em dia sabe-se qual a conseqüência da realização de um reforço nas condições mencionadas, com a redistribuição de cargas como conseqüência das deformações diferidas do concreto, mesmo para as cargas que já estavam aplicadas na ocasião. A estrutura, entretanto aceitou sem apresentar qualquer defeito o reforço imaginado e executado sob a fiscalização direta de Emílio Baumgart. 11 BIBLIOGRAFIA BOECHAT, Ricardo. Copacabana Palace: um Hotel e Sua História. Rio de Janeiro: DBA, 2000. 182p CAIXETA, Eline Maria Moura Pereira. Affonso Eduardo Reidy: “o poeta construtor”. Barcelona: Tese de Doutorado, 1999. CONCRETO, “EmilioHenrique Baumgart”. Concreto. Rio de Janeiro. nº75 jun 1945. COSTA, Lucio. “Ministério, da participação de Baumgart à revelação de Niemeyer.” Projeto. ago. 1987, n. 102: p. 158-160. VASCONCELLOS, Juliano Caldas de. Concreto Armado, Arquitetura Moderna, Escola Carioca: levantamentos e notas. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PROPAR), 2004 313p. VASCONCELOS, Augusto Carlos. O Concreto no Brasil: recordes, realizações, história. São Paulo: Copiare, 1985. 12 Imprimir Fechar Brutalismo no paralelo 33: Unidad Diego Portales, Santiago – Chile Maribel Aliaga Fuentes Arquiteta e Urbanista, Mestre em Arquitetura e Doutoranda em Arquitetura pelo PROPAR – UFRGS Rua Sarmento Leite, 320 / 201 – Fone: 11 8210-5832 – Email: marialiaga@gmail.com 1. Ilustração: ligações entre os blocos Projeto: Unidad Vecinal Portales (1954-1959) Arquitetos:Carlos Bresciani B., Héctor Valdés Ph., Fernando Castillo V., Carlos Garcia Huidobro G. Tipo: Conjunto Habitacional Fonte: Centro de Información y Documentación Sérgio Larrain. 1. Fim de mundo – uma questão de centro e periferia A condição de “fim de mundo”, em que nos encontramos, criou uma permeabilidade bastante singular, uma vez que esta “ilha em terra firme” nos faz muito conscientes do quanto estamos distantes dos centros geradores de idéias da cultura ocidental, a qual acreditamos estar conectados em linha direta, questão que não ocorre da mesma forma em outros países da América1. 1. Desenho: Mão aberta - escultura de Le Corbusier para Chandigard Paralelo 33, Santiago – Chile, década de 1950. Apesar da sensação de fim de mundo a que os autores se referem, a arquitetura local começa a surgir no cenário internacional, com obras de grande vulto, geralmente financiadas pelo poder público. Nesse contexto, os desenvolvimentos urbanos, os grandes projetos de edifícios públicos ou de conjuntos habitacionais, têm a Unidad Vecinal Portales e o escritório de Bresciani, Valdés, Castillo e Huidobro2, como peça fundamental dessa transformação. Por aqui, distantes do front, as guerras não tinham o mesmo sentido e Arquitetura Moderna do International Style trazia a limpidez de suas arquiteturas brancas. Mesmo que a arquitetura chilena tenha recebido a influência do Movimento Moderno com atraso, é no pós-guerra e graças à nova era de telecomunicações que a difusão do pensamento moderno acontece efetivamente. Ainda que os pioneiros tenham sido os arquitetos dos anos 30, são B.V.C.H aqueles que consolidaram as propostas dos CIAM, seja pelo ímpeto formal de suas obras, seja também pela compatibilização entre teoria e prática, no exercício da profissão e da docência. A questão de fim de mundo, a que os autores se referem, não é apenas geográfica, mas também um estado de transição típico do pós-guerra. Le Corbusier, que serve de inspiração aos colegas chilenos, já nos anos 30 observava as grandes mudanças da nova sociedade americana. Em seu livro - Quando as catedrais eram brancas, publicado em 1938 – Corbusier vai, lentamente, traçando comparativos entre as cidades e as sociedades norte-americanas e européias. A arquitetura do velho continente, que outrora fora branca e reluzente, era então acinzentada e 1 MORENO, Manuel. ELIASH, Humberto. ARQUITECTURA MODERNA EN CHILE (1930-1950). Santiago, 1992. p. 4. Disponível em < http://www.eliash.cl/blog/wp-content/uploads/2007/04/02_arq_moderna.pdf> Acessado em julho/2008. 2 Carlos Bresciani, Héctor Valdés, Fernando Castillo e Carlos García Huidobro; as próximas referências ao escritório, será feitas pela sigla B.V.C.H, exceto quando citado no período que antecede a Diego Portales, quando Bresciani ainda não havia se incorporado à equipe. poeirenta. As reflexões do livro de Corbusier marcam não apenas a arquitetura do pós-guerra, mas também a cultura e a arte. É evidente que o período não se faz apenas de introspecções, mas também de muita euforia e esperança, e é o próprio Le Corbusier em correspondência intitulada “O fim do mundo”3 que descreve esta nova sociedade. Ao falar sobre o seu símbolo da mão aberta, ele o descreve como uma nova forma de criar a aparência do homem, interligado às novas comunicações, a televisão. Um homem aberto novamente para receber e criar riquezas; símbolo que iria assegurar que a segunda era da máquina iniciasse em harmonia. Cultura, política, dimensão social, fazem parte de uma transição que procura uma nova arquitetura, uma nova tradição. A política chilena é sempre um capítulo à parte, mas, considerando o argumento de Heynen, podemos dizer que a “dimensão social estava considerada como uma nova linguagem arquitetônica, muito simbólica e embebida da essência da era, o Zeitgeist, que tinha como dominantes a tecnologia industrial a máquina, e racionalização.”4 A proposta deste trabalho é estudar um tema regional e específico, a Unidad Vecinal Portales - e abordá-lo de forma universal, ou como propõe Sílvia Arango, analisar a arquitetura como a “concreção de uma vontade ideológica dentro de um amplo jogo comparativo de influências contraditórias” buscando “discernir os matizes de internacionalidade e de localismo, de peculiaridades e identidades5”. A autora defende que a América Latina é um projeto e que sua arquitetura explica-se melhor “a partir dos desejos e ilusões do que de realidades”, assim a arquitetura poderia ser interpretada como a “concreção de uma vontade”. 3 ZAKNIC, Ivan. The Final Testament of Père Corbu. Yale Press, New Haven, London. 1997. (Carta a Eugene Claudius-Petit - Setembro 1964. 4 HEYNEN, Hilde. Engaging Modernism. Between Modernity and the Everyday. Faculty of Architecture, Chair of Architecture and Dwelling. Delft, 2006. p. 2. Disponível em <www. Team10online.org/research_and_paper.htl>. Acessado em julho de 2008. 5 ARANGO, Sílvia. Crítica da crítica: o provincianismo de sentir-se centro. Revista Projeto Nº 118 (jan-fev) pp. 121-126. São Paulo. 1989. 2. Ilustração: Unidad Vecinal Portales - Panorâmica 2. Diego Portales Diego Portales é uma referência à família Portales, dona de terras a oeste de Santiago; terras que posteriormente pertenceram a Universidad de Chile. A Quinta Normal de Agricultura, como ficou conhecida a área, foi criada em 1841, como um campo de experimentação e difusão de técnicas agrícolas, onde funcionou uma escola técnica de agricultura. Em 1954, a Universidad decide vender os terrenos vizinhos à Quinta Normal para a Caja de Previsión de Empleados Particulares, com o objetivo de prover melhorias nas condições habitacionais aos trabalhadores do campo ali estabelecidos, em decorrência do êxodo rural. O empreendimento foi dividido em três. Essa divisão consistia em um plano imobiliário que pudesse ser construído em etapas diferentes, por três diferentes empresas construtoras. A divisão, por conseqüência, produziria a primeira modificação legal nos terrenos, mudando o uso do solo de “área verde” para “residencial”6. Quinta Normales fez parte de uma série de projetos de melhorias da habitação social na cidade de Santiago e foi construído em uma grande área nas imediações da cidade tradicional, provocando uma ruptura com o contexto urbano que a circunda. Em 1954, Carlos Bresciani incorpora-se ao escritório de Valdés, Castillo e Huidobro, trazendo para o mesmo seu conhecimento em empreendimentos públicos, mudando a característica anterior do escritório que concentrava suas atividades na arquitetura residencial e comercial. Com a entrada de Bresciani forma-se o B.V.C.H., e o escritório começa a atuar, principalmente, no desenvolvimento de grandes obras. No mesmo ano, B.V.C.H. é contratado por uma das partes do empreendimento de Quinta Normales, os arquitetos propõem realizar um projeto único para toda a gleba – a Unidad Vecinal Portales - entrando em acordo com as outras duas empresas contratantes e assumindo a responsabilidade total pela construção. Conhecida por Villa Portales a unidade foi projetada a partir de postulados básicos, como discorre Fernando Castillo7: “o primeiro consiste em uma mudança da escala nas estruturas do espaço cotidiano”, outro dos princípios levantados por ele é “a ocupação do espaço verde como capital social, em oposição ao loteamento que privatiza o verde”. Havia uma busca por uma diversificação de escalas espaciais, atendendo às diversas escalas urbanas; “a macro medida da metrópole, a medida média do conjunto habitacional e seu contexto próximo e a pequena medida das relações de proximidade a vida urbana”. O diálogo com o entorno de Quinta Normales se estabelece pela orientação da implantação dos blocos de maior altura onde a paisagem (a Cordilheira do Andes e o Vale de Santiago) poderia ser apreciada pelas circulações elevadas. Já a relação com o entorno próximo, a da vida cotidiana, se daria pela moldura das residências 6 Cf. Revista ARQ N°46, oct-2000, pp. 52-52, que é uma mostra da tese: “EL ESPESOR DEL SUELO URBANO. UNIDAD VECINAL PORTALES” Tesis presentada en noviembre del 2002 Autor: Francisco Chateau Gannon. UNIDAD VECINAL PORTALES 1954 – 2002, ENTRE EL TEAM X Y EL LUGAR. 7 Unidad Vecinal Portales – La experiencia cotidiana: back from de utopia. Proyecto Fondecyt . Comunidad e Identidades urbanas: Historia de Barrios del Gran Santiago 1950 – 2000. Disponível em <www.antropologiaurbana.cl/pdfs/estudios/uv_portales_presentacion.pdf> Acessado em julho de 2008. unifamiliares de dois pisos. 3. Conexão Brutalista Parece extremamente difícil que existisse qualquer conexão direta entre os dois esquemas ou, que os arquitetos (Bresciani, Valdés, Castillo e Huidobro) tivessem qualquer relação direta com os arquitetos do LCC. O Brutalismo estava se tornando um estilo com ampla difusão a partir de suas fontes originais, mas essas fontes ainda tinham autoridade suficiente para marcar uma imagem consistente em todos seus derivados, ainda que o elo exato nessa corrente de relações não possa ser estabelecido.8 A menção de Banham ao projeto de Portales se restringe a poucas palavras, entretanto o fato de ter sido escolhido como representante único da América Latina, torna a obra chilena um caso paradigmático da arquitetura do pós-guerra. O conjunto habitacional aparece em uma conexão, que parece se estabelecer,ainda que não claramente, com outros dois conjuntos desenvolvidos na Inglaterra pelo LCC (London County Council): Roehampton e Bentham Road. Roehampton data de 1954, portanto em paralelo ao projeto chileno, e Bentham Road de 1956, ou seja, posterior ao desenvolvimento de Portales. A suposição da impossibilidade de haver alguma uma relação direta é algo que precisa ser melhor estudado. Sabe-se que os arquitetos latinoamericanos, eventualmente, faziam intercâmbios e eventualmente trabalhavam nos escritórios dos grandes mestres, tanto na Europa e nos Estados Unidos, como por exemplo Emilio Duhart, que 3. Ilustração: LCC Architects Department - Roehampton - 1954-1958 (esquerda) Bentham Road - – 19561959 (direita) iniciou seu trabalho no escritório de Le Corbusier, em 1952. Além disso, a posição de Banham pode ser contrastada com o debate existente nas revistas de 8 “Para ser justo algumas outras variações do LCC [London County Coucil 1889-1965] sobre o tema (como os blocos em Bentham Road) tem uma subestrutura menos delgadas e tem mais do excesso de confiança do original, e alguns dos blocos menores de Roehampton que exibem um genuino “béton brut” das caixas de escada nas extremidades (especialmente nos terraços das lojas) também parecem ser pioneiros nos uso de um conceito corbusiano que até então permanecera no papel – o caminho estreito com degraus ou rampas, passando através de um terraço de unidades planas (lojas com apartamentos acima e jardins atrás) que primeiro apareceram nos projetos de Saint Baume e “ROQ et ROB”. As paredes externas e caixas de escadas desses blocos também suportam uma relação familiar distinta com as paredes externas e escadas dos blocos residencias da vizinhança da unidade de vizinhança de Portales em Quinta Normal, Santiago – Chile. Parece extremamente difícil que exista qualquer conexão direta entre os dois esquemas ou que os arquitectos (Bresciani, Valdés, Castillo e Huidobro) tenham qualquer relação direta co os arquitetos do LCC. O Brutalismo estava se tornando um estilo com ampla difusão a partir de suas fontes originais, mas essas fontes ainda tinham autoridade suficiente para marcar uma imagem consistente em todos seus derivados, ainda que o elo exato nessa corrente de relações não possa ser estabelecido” BANHAM, Reyner. The New Brutalism: Ethic or Aesthetic. The Arquitectural Press London, 1966. p. 90. arquitetura inglesas no período do pós-guerra. Em 1953 a Architectural Design, sob a direção editorial de Theo Crosby e Monica Pidgeon (chilena de nascimento e amiga de Huidobro), surge como o veículo de comunicação da nova geração, para extravasar suas opiniões e dar continuidade, mais de perto, às tendências do seu tempo. A cultura popular, a vida cotidiana, a anti-arquitetura, a liberdade democrática, o homo ludens, o primitivismo, a autenticidade, a história arquitetônica, o regionalismo/lugar, aparecem em Sarah Golhagen9 e seu livro Anxius Modernisms, no qual ela procura estudar o período sob a ótica desse conjunto de temas ideologicamente conectados, com o objetivo de preparar a re-conceitualização do Movimento Moderno. Tomando como exemplo as duas revistas inglesas que alternavam a publicação das vanguardas, foi possível encontrar a publicação de artigos sobre a Unité d'Habitation10 de Marselha na Architectural Design de janeiro 1951 e na Architectural Review de maio de 1951. Os Smithson começam a publicar seus textos na Architectural Design por volta de 1954; e o escritório Valdés, Castillo e Huidobro, aparece na Architectural Design de 1959 com o projeto de uma loja de sapatos em Santiago. É em dezembro de 1961, com o artigo “Chile: Portales Neighbourhood Unit” (Quinta Normal), que a Unidad Vecinal Portales aparece em texto da Architectural Design. Outros exemplos, que datam da mesma época, aparecem em revistas espanholas e argentinas. Assim como Londres tinha sua equipe de planejamento, o Chile e, principalmente, Santiago também contava com uma política de Estado preocupada com o bem-estar social de uma nova sociedade, um welfare state andino. Para Horácio Torrent, essa foi uma época em que a “arquitetura culta” e a sociedade caminharam juntas, fazendo parte, ativamente, de um projeto social como um todo: “suas aproximações e suas técnicas, mantinham-se de acordo com a pretensão social ‘do homem da rua”.11 9 GOLDHAGEN, Sarah Williams. LEGAULT, Réjean (ed). Anxius Modernisms. Experimentation in Postwar Architectural Culture. Canadian Centre for Architecture, Montreal/ MIT Press, Cabridge, Massachusetts, and London, England. 2000. 10 A Unité aparece antes em outras publicações: Techniques & Architecture em 1946 na Homme & l'Architecture e em 1949 na Architecture d'Aujourd'hui e na Architectural Forum de 1950. 11 TORRENT, Horacio. Arquitectura Culta: Anotaciones en los Márgenes. ARQ (Santiago). [online]. mar. 2002, no.50 [citado 23 Julio 2008], p.4-11. Disponível em: <http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S071769962002005000002&lng=es&nrm=iso>. ISSN 0717-6996. > Acessado em julho de 2008. 4. Ilustração: Unidad Vecinal Portales - Conexões 4. Fontes Originais As casas ROQ et ROB (1949), projeto de Le Corbusier, são consideradas por Banham como fontes originais do brutalismo. Os projetos, denominados Unité d'Habitation, pela Fundação Le Corbusier, fazem parte de uma série de estudos desenvolvidos pelo arquiteto sobre o assunto da habitação em série e coletiva. Esses estudos resultaram no projeto ícone do brutalismo, a Unité d'Habitation de Marselha, projeto de um grande conjunto habitacional que foi encomendada a Le Corbusier em 1945. Uma oportunidade, para o arquiteto de colocar em prática as idéias sobre habitação que vinha desenvolvendo nas últimas décadas. Corbusier viu no projeto da Unité d'Habitation uma oportunidade de experimentação: na concepção das habitações, nas técnicas construtivas, na aplicação das pesquisas sociais e na integração do bloco com o planejamento urbano. A obra se tornou referência para as gerações seguintes, a Unité com seus pilotis, terraço e ruas internas, tornou esses elementos imprescindíveis a qualquer conjunto habitacional. 5. Ilustração: Unité de Marselha: Construção detalhes dos pilotis. Corredor interno, vista aérea, A Unité, em que pesem todas as críticas favoráveis ou contrárias ou, exatamente, por suscitá-las, coloca em evidência o uso do concreto aparente na fachada, como material predominante, cunhando o próprio Le Corbusier uma expressão para este tipo de acabamento nas superfícies: béton brut. Banham, atribui a expressão “corbuseana” a tradução de uma fórmula, um conceito “quase universal” de Brutalismo, para o crítico, neste caso “palavra e edificação estão juntos na história psicológica da arquitetura do pós-guerra, com uma autoridade concedida a poucos conceitos.” A Unité com sua audácia, era a primeira grande construção genuinamente do pósguerra, mas a sua verdadeira importância para Banham, está no novo olhar que Cobusier lança sobre os materiais: A inovação crucial da Unité não era sua escala heróica, nem sua originalidade na organização seccional, nem suas pretensões sociológicas – ela foi, mais do que qualquer coisa, o fato de que Le Corbusier abandonou a ficção anterior à guerra, de que o concreto armado era um material preciso na era da máquina.12 12 BANHAM, op. cit. p. 16. 5. Desejo de ser O projeto desenvolvido pelos Smithson para o concurso Golden Lane, de 1952, não foi o vencedor; contudo faz parte da história da arquitetura pela difusão dos conceitos de uma “outra arquitetura”. A rua interior da Unité se transfere para a lateral do edifício e é denominada street deck; os telhados têm influência explicita da Unité, em um processo de revisão e “retificação” do mestre. 6. Ilustração: Golden Lane - Smithson – ruas elevadas (esquerda) – Collage - crescimento (direita) A importância do projeto se deve ao seu desdobramento teórico – o Novo Brutalismo, que para os Smithson é um desenvolvimento do Movimento Moderno – atribuindo a Le Corbusier o título de maior praticante, com o béton brut utilizado por ele na Unité de Marselha. Banham deposita no conceito do béton a chave do Brutalismo. Já, Cristine Boyer, em seu artigo sobre o debate do pós-guerra nas revistas inglesas, observa que para os Smithson a releitura de Le Corbusier também contempla a estética purista e o poder do branco e dos tons terra; “posteriormente eles notam a sua [de Lê Corbusier] reverência aos materiais, e a realização de afinidades que podem estabelecer-se entre a construção e o homem - entre as quais o telhado.”13 Os Smithson continuam, entre teoria e prática, a clarificar e difundir as suas idéias, problematizando o habitat e as relações entre moradia e entorno. A comunidade local comunica um padrão de vida, e a cidade padrões de associação únicos para cada pessoa, lugar e tempo – a célula, que é a comunidade, se faz da associação de pessoas – os clusters. 13 BOYER. Cristine M. An Encounter with History: the postwar debate between the English Journals of Architectural Review and Architectural Design (1945-1960), p. 145. Art, the Everyday and Media. Faculty of Architecture, Chair of Architecture and Dwelling. Delft, 2006. p. 2. Disponível em <www. Team10online.org/research_and_paper.htl>. Acessado em julho de 2008. 6. Ser e estar He podido terminar la Unidad de Habitación de Marselha gracias a vuestros jóvenes camaradas franceses, aqui em Paris. No les deseo que sufran todos las dificultades que los cinco años de Marselha acumularon bajo nuestros pasos; pero cuando ustedes se encuentren con dificultades, no les den las espalda: agárrenlas por el cogote. Y buena suerte!14 Le Corbusier marca profundamente a arquitetura chilena dos anos 50-60, mesmo sem nunca ter estado no país, seja por influência direta ou mesmo indiretamente, através da arquitetura brasileira, representada pelos arquitetos cariocas. Fernando Castillo15 em observações posteriores sobre a a influência de Lê Corbusier na obra de B.V.C.H, argumenta que as mensagens e intenções do mestre não eram bem compreendidas e, que, portanto não usavam as lições criativamente. Embora considerasse este um ponto de apoio para fazer e desenvolver uma visão própria da arquitetura. Assim, diz Castillo, os arquitetos dos anos 50 estavam impregnados com o espírito de Le Corbusier, “isso não impediu que esses avançassem por caminhos próprios, no uso do concreto armado, na concepção dos espaços construídos e nas novas formas de organização social, ou seja na cidade como um organismo vivo e mutável que cumpre funções precisas e definíveis”. Ilustração 10: Unidad Vecinal Portales pilotis e ruas internas 14 ELIASH, Humberto/ MORENO, Manuel. Arquitectura y Modernidad en Chile: 1925- 1965 una realidad multiple. Ediciones Universidad Católica de Chile. Santiago, diciembre de 1989. p. 64 -” Mensage de Le Curbusier a los arquitectos chilenos, 1952." 15 CASTILLO. Fernando. Le Corbusier, su influencia em nuestra generación. ARS – Revista de Arquitectura Nº8/9 – Septiembre de 1987. Santiago de Chile. p. 71-72. “Nosotros, tal vez, no entendimos muy a fondo sus mensajes e intenciones y portanto no usamos creadoramente lo que él nos entregaba, que debió constituir un importante punto de apollo para hacer y desarrollar nuestra própria visión de la arquitectura. Por lo demás esta situación fue general en el mundo entero y tanto en Europa como América y Japón, los grandes arquitectos de esa época fueron pasivos seguidores de las proposiciones funcionales, constructivas y estéticas que Le Corbusier y su equipo creaba y desarrollaba con tanta audacia y fecundidad. Sin embargo, pienso que, al final de cuentas, nuestras obras, las de los arquitectos que surgieron a partir de los años 50 hacia adelante, fueron concebidas casi liberadas de ta directa influencia del maestro y fueron útiles em el proceso siempre vivo y cambiante de hacer la arquitectura propia de cada pueblo y de cada estación cultural. El espíritu de Le Corbusier aunque quedó impregnado en nosotros, no nos impidió posteriormente avanzar por caminos más propios, en el uso y presencia del hormigón armado; en el concebir mejor las relaciones entre los espacios construidos; en el pensar nuevas formas de organización social y hablar de la ciudad como un órgano vivo y mutable que cumple funciones bien precisas y definibles.” A Unidad Vecinal Portales (1954-1959) foi implantada em um terreno de 31 hectares, com um projeto total de 1860 habitações e uma proposta de concentração urbana de 350 habitantes por hectare, distribuídos em um total de 18 blocos. O conjunto é um misto de habitações coletivas e unifamiliares. A inserção com o lugar parte do princípio de adequação com o terreno, o conjunto contrasta com a paisagem pela moldura dos blocos e pousa no terreno pelos pilotis e residências de baixa altura. O projeto tem na implantação a aplicação dos postulados básicos, como defende Castillo: há uma inversão de escalas do espaço coletivo; há um aproveitamento do espaço verde pré-existente como capital social; há o diálogo com o entorno nas diversas escalas de proximidade. O artigo Adaptação, inversão e superposição16, de Domeyko, faz um estudo sobre a organização espacial aplicada por B.V.C.H. em Portales, onde os conceitos de adaptação são aplicados em relação à topografia e ao terreno existente; a inversão, sugere ele, se dá pela ocupação dos blocos entre as quadras tradicionais e virtuais – configuradas pelas passarelas; e superposição pela combinação de projetos em diferentes escalas. Seguindo os preceitos modernos de integração entre edifício e terreno, o projeto trabalha com a dissolução da quadra como padrão tradicional de cidade e 7. Ilustração: Unidad Vecinal Portales - cheios e vazios propõe uma ocupação que alterna cheios e vazios. 16 DOMEYKO L. Pablo José. Unidad Vecinal Portales: adaptación, inversión y superposición de distintos proyectos. Seminário de Investigación – Arquitectura de los años sesenta em Chile – cambio, utopia y disolución. 1960-1973. Ensayos Monográficos. Pontifícia Universidad Católica de Chile – Escuela de Arquitectura. Santiago, 1997. Os projetos de Corbusier, os Smithson e B.V.C.H, têm em comum na suas propostas um projeto novo de ocupação da cidade, que é a dissolução da quadra tradicional. Entretanto, cada projeto é uma revisão do conceito de adequação ao terreno, que são perceptíveis tanto na implantação como nos cortes, conforme quadro comparativo. Quadro comparativo Implantação Cortes Unité d'Habitation de Marselha Golden Lane Unidad Vecinal Portales Na Unité, o bloco único e em lâmina concentra todas as atividades do habitar, já, o projeto dos Smithson para Golden Lane, propõe uma implantação não linear – um modelo de projeto em transformação e crescimento. A ocupação de Villa Portales modifica as propostas anteriores, com os blocos laminares de habitação coletiva que conformam quadras internas. Os núcleos habitacionais individuais e serviços estão no núcleo interno da quadra. Os edifícios, no entanto, assumem o papel de protagonistas, seja pela sua monumentalidade e volumetria, seja pelo seu caráter experimental: ruas de pedestres elevadas que passam pelo teto das casas, estes elemento presentes na arquitetura brutalista se refletem no uso extensivo do concreto armado e na variação e acabamento da estrutura. A edição de dezembro de 1961 da revista Architectural Design, chama a atenção para o resultado estrutural alcançado pelos arquitetos: “as estruturas são todas em concreto reforçado, com alto grau de repetição. Os acabamentos são mínimos, sendo o concreto, geralmente, deixado aparente. O padrão de acabamento do trabalho em concreto é excelente.”17 17 Portales neighbourhood unit, Quinta Nornal, Santiago, Chile. Architectural Design. December 1961. p. 555-559. Ilustração: Modulação 8. 7. O elo perdido O paradoxo de ser vanguarda, é que no preciso momento do seu ápice, da sua popularização, ele se abre a todas as formas de críticas. Ou então, para torná-lo sempre diferente, como você pode retardar a constante volta ao passado, da nostalgia, como refutar o mito da progressão linear, e como você pode tentar montar uma prática moderna que seja o link para a longa duração da vida social? Esta é a questão que muitos avant-gardes encaram, não esquecendo naturalmente o surrealismo - aqui podemos também colocar Ilustração: crianças na rua 9. numerosas formações do pós-guerra.18 A emblemática foto das crianças brincando na rua é um dos problemas de projeto para as vanguardas no pós-guerra, a vida cotidiana. Crianças brincando, pessoas conversando, carros estacionados, enfim, “a rua como uma arena da vida”. As vanguardas não inventam a rua, entretanto, a invenção de outras formas de casas é também a invenção de outras formas de rua ou a sua re-invenção. As vanguardas procuram esta ligação entre vida cotidiana e arte, contudo isso não quer dizer que o dia-a-dia em si seja um direcionamento criativo do trabalho.19 Ao abordar o projeto da Unidad Vecinal Portales, como citado anteriormente, Banham lembra que “o Brutalismo estava se tornando um estilo com ampla difusão a partir de suas fontes originais, fontes que ainda tinham autoridade suficiente para marcar uma imagem consistente em todos os seus derivados”. Possivelmente isso explique porque os jovens arquitetos ingleses, os chilenos e tantos outros tivessem como fonte de inspiração, neste caso, Le Corbusier e sua Unité de Marselha. O estranhamento Banham talvez se deva ao fato da obra encontrar-se fora dos assim chamados 18 HIGHMORE, Ben. Between Modernity and the Everyday: Team 10. Team 10 and its context. Faculty of Architecture, Chair of Architecture and Dwelling. Delft, 2003. p.37-38. Disponível em <www. Team10online.org/research_and_paper.htl>. Acessado em julho de 2008. 19 Para saber mais sobre o assunto, ver o texto acima citado. centros de difusão de cultura, e, sobretudo, por pertencer a um grupo relativamente jovem e desconhecido de arquitetos. A inclusão de Portales na lista de Banham, parece ser misteriosa até mesmo para os arquitetos chilenos, mas o fato é que a obra de B.V.C.H. incorpora todos os elementos do chamado Estilo Internacional, como a arquitetura da época é denominada pela crítica chilena. Esta definição abrangente da arquitetura precisa ser melhor definida e delimitada, trabalho que excede o propósito do artigo. A mesma crítica que descreve a arquitetura do pós-guerra como Estilo Internacional, ressalta que foi apenas nos anos 60 que a arquitetura chilena começa a relacionar-se com os movimentos europeus e americanos. Essa afirmação desconsidera uma geração de arquitetos, dentre os quais Sérgio Larrain, arquiteto e decano da Universidad Católica de Chile nos anos 50 e 60, que desenvolveram a partir dos anos 30, uma arquitetura art decó. O próprio exercício da docência por alguns desses arquitetos, colocavam-nos em contato com as publicações americanas e européias. As análises mais recentes sobre Banham como a de Irénée Scalbert, destacam algumas características desta nova arquitetura: a memorabilidade da imagem, a exibição limpa das estruturas e a avaliação dos materiais como fundo. O texto coloca como mérito do brutalismo, o seu desdobramento cultural, diminuindo a importância clássica na arquitetura. Porém, com um quê de ironia, Scalbert observa que: “é claro que o brutalismo representa a sua personalidade [do Banham], durante os anos críticos de 1953 a 1955, era a possibilidade de um ‘funcionalismo plenamente desinibido’ do tipo que ele iria defender ao longo da sua vida”20. Seja como for, ética ou estética, o fato é que, o Brutalismo e a materialidade do seu concreto aparente portam-se muito bem para atender as necessidades de modernização de uma cultura, e as necessidades tecnológicas da arquitetura chilena. 20 SCALBERT, Irénée. Architecture as a Way of Life: The New Brutalism 1953-1956. p. 59 Ilustração: Unidad Vecinal Portales - tecnologia 10. 8. Referências Bibliográficas: ARANGO, Sílvia. Crítica da crítica: o provincianismo de sentir-se centro. Revista Projeto Nº 118 (jan-fev). São Paulo. 1989. BANHAM, Reyner. The New Brutalism: Ethic or Aesthetic. The Arquitectural Press London, 1966. BOYER. Cristine M. An Encounter with History: the postwar debate between the English Journals of Architectural Review and Architectural Design (1945-1960), p. 145. Art, the Everyday and Media. Faculty of Architecture, Chair of Architecture and Dwelling. Delft, 2006. Disponível em <www. Team10online.org/research_and_paper.htl>. Acessado em julho de 2008. CASTILLO. Fernando. Le Corbusier, su influencia em nuestra generación. ARS – Revista de Arquitectura Nº8/9 – Septiembre de 1987. Santiago de Chile. Cf. Revista ARQ N°46, oct-2000, “EL ESPESOR DEL SUELO URBANO. UNIDAD VECINAL PORTALES” Tesis presentada en noviembre del 2002 Autor: Francisco Chateau Gannon. UNIDAD VECINAL PORTALES 1954 – 2002, ENTRE EL TEAM X Y EL LUGAR. DOMEYKO L. Pablo José. Unidad Vecinal Portales: adaptación, inversión y superposición de distintos proyectos. Seminário de Investigación – Arquitectura de los años sesenta em Chile – cambio, utopia y disolución. 1960-1973. Ensayos Monográficos. Pontifícia Universidad Católica de Chile – Escuela de Arquitectura. Santiago, 1997. ELIASH, Humberto/ MORENO, Manuel. Arquitectura y Modernidad en Chile: 1925- 1965 una realidad multiple. Ediciones Universidad Católica de Chile. Santiago, diciembre de 1989. GOLDHAGEN, Sarah Williams. LEGAULT, Réjean (ed). Anxius Modernisms. Experimentation in Postwar Architectural Culture. Canadian Centre for Architecture, Montreal/ MIT Press, Cabridge, Massachusetts, and London, England. 2000. HEYNEN, Hilde. Engaging Modernism. Between Modernity and the Everyday. Faculty of Architecture, Chair of Architecture and Dwelling. Delft, 2006. Disponível em <www. Team10online.org/research_and_paper.htl>. Acessado em julho de 2008. HIGHMORE, Ben. Between Modernity and the Everyday: Team 10. Team 10 and its context. Faculty of Architecture, Chair of Architecture and Dwelling. Delft, 2003. Disponível em <www. Team10online.org/research_and_paper.htl>. Acessado em julho de 2008. MORENO, Manuel. ELIASH, Humberto. ARQUITECTURA MODERNA EN CHILE (1930-1950). Santiago, 1992. Disponível em < http://www.eliash.cl/blog/wp-content/uploads/2007/04/02_arq_moderna.pdf> Acessado em julho/2008. Portales neighbourhood unit, Quinta Nornal, Santiago, Chile. Architectural Design. December 1961. SCALBERT, Irénée. Architecture as a Way of Life: The New Brutalism 1953-1956. TORRENT, Horacio. Arquitectura Culta: Anotaciones en los Márgenes. ARQ (Santiago). [online]. mar. 2002, no.50 [citado 23 Julio 2008], Disponível em: <http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S071769962002005000002&lng=es&nrm=iso>. ISSN 0717-6996. > Acessado em julho de 2008. Unidad Vecinal Portales – La experiencia cotidiana: back from de utopia. Proyecto Fondecyt . Comunidad e Identidades urbanas: Historia de Barrios del Gran Santiago 1950 – 2000. Disponível em <www.antropologiaurbana.cl/pdfs/estudios/uv_portales_presentacion.pdf> Acessado em julho de 2008. ZAKNIC, Ivan. The Final Testament of Père Corbu. Yale Press, New Haven, London. 1997. (Carta a Eugene Claudius-Petit - Setembro 1964. Imprimir Fechar ECLETISMO, FERRO E CONCRETO: UM ARQUIVO-BELVEDERE EM PORTO ALEGRE Cláudio Calovi Pereira¹, Samantha Sonza Diefenbach² 1. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UniRitter (Porto Alegre, 1985), mestrado em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, 1993) e doutorado (Ph.D.) na School of Architecture and Planning - Massachusetts Institute of Technology (Cambridge, EUA, 1998). Professor associado do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. End. Rua Sarmento Leite, 320 sala 201 | Centro | Porto Alegre, RS | Fone: 51. 33083485 claudio.calovi@ufrgs.br 2. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pelotas (Pelotas, 2005) e é mestranda do Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PROPAR/UFRGS, Porto Alegre, 2008). Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Luterana do Brasil Campus Santa Maria. End. Rua Nunes, 340 apto 403 | Medianeira | Porto Alegre, RS | Fone: 51.81838286 samantha.diefenbach@gmail.com ECLETISMO, FERRO E CONCRETO: UM ARQUIVO-BELVEDERE EM PORTO ALEGRE Resumo O advento de novas tecnologias de construção (como o concreto armado e as estruturas de ferro) em Porto Alegre ocorre em paralelo com o apogeu da arquitetura eclética na cidade, nas duas primeiras décadas do século XX. Edifícios desta época, com exuberantes exteriores historicistas, são sustentados por estruturas de concreto armado e/ou metal. Dentre estas obras pioneiras na capital gaúcha, está o Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, que combina os aspectos de inovação tecnológica com preocupações urbanísticas relacionadas à reconfiguração do centro da cidade. Abstract The arrival of new building techniques in Porto Alegre (such as reinforced concrete and iron frames) happened at a time when eclectic architecture was in its peak in the city (1900-1920). At that time, buildings with impressive revivalist exterior decoration are supported by reinforced concrete structures and/or iron frames. The State Public Archives is among these pioneer works in Porto Alegre. This building combines the issue of technological innovation with urban concerns related to the reconfiguration of the downtown area of the city. Palavras-chave/key words: Arquitetura Eclética, Arquitetura de Porto Alegre, Affonso Hebert. ECLETISMO, FERRO E CONCRETO: UM ARQUIVO-BELVEDERE EM PORTO ALEGRE É curioso notar que a afirmação do concreto armado na construção civil em Porto Alegre coincide com o apogeu da arquitetura eclética na cidade. A empresa construtora de Rudolf Ahrons, através de seus arquitetos Hermann Otto Menchen e Theo Wiedersphan, foi responsável por grande número de edifícios monumentais em estilo eclético na capital gaúcha nas duas primeiras décadas do século XX. Dentre os muitos imigrantes alemães que trabalharam nesta empresa, encontra-se o engenheiro Alfred Haessler, responsável pelos projetos estruturais em concreto armado neste período. Desse modo, em Porto Alegre combina-se o surgimento de uma ornamentação historicista exuberante com o uso de técnicas construtivas modernas, como demonstrado no salão principal da Delegacia Fiscal (Wiedersphan, 1913), onde vigamentos, arcos e lajes em concreto armado permitem grandes vãos livres cobertos por zenitais. Dentre as duas décadas iniciais do século XX, merecem atenção os anos entre 1908 e 1913, que correspondem ao termo de governo de Carlos Barbosa Gonçalves como presidente do estado do Rio Grande do Sul. Durante sua administração, Barbosa procurou dotar a capital gaúcha de uma nova imagem de cidade, inspirada no ecletismo Belle Époque de Paris, cidade em que viveu e trabalhou por quatro anos após formar-se em medicina no Rio de Janeiro (1875). Seus cinco anos no poder são marcados por uma febril atividade construtiva em Porto Alegre, em boa parte patrocinada pelo estado. Dentre as obras públicas, destacam-se as intervenções no centro da cidade, onde as praças da Matriz (Marechal Deodoro) e da Alfândega são objeto de uma ampla reconfiguração arquitetônica. Na primeira, Barbosa constrói o Palácio Piratini, o monumento a Júlio de Castilhos, o Arquivo Público, a Biblioteca Pública e a Secretaria de Obras Públicas, consolidando o caráter de "acrópole" deste lugar como sede das principais instituições públicas da cidade. Na área da Alfândega, Barbosa dá início às obras do porto com a construção do aterro junto à praça, para nele localizar quatro novos palácios e uma gare de passageiros junto ao Guaíba, monumentalizando o "ágora" do comércio, dos carregamentos e do movimento de passageiros. Além disso, seus arquitetos projetam uma avenida (a primeira da cidade) que 1 estabeleceria um eixo de ligação entre estas duas praças. Embora a nova avenida tenha ficado no papel, ela revela que havia uma visão de conjunto com o propósito de reconfigurar o centro de Porto Alegre. Desse modo, o programa de obras de Barbosa se mostra como algo mais do que erguer edifícios públicos isolados. Dentre as obras de seu governo que mais revelam esse caráter do edifício como articulador da paisagem urbana está o Arquivo Público do Rio Grande do Sul. 1 Ver em CALOVI PEREIRA, Cláudio; DIEFENBACH, Samantha Sonza; CALOVI, Ricardo. “Acrópole e Ágora: as novas Praças de Porto Alegre na República Velha”. In: ABREU, Silvio Belmonte de (Org.); CALOVI PEREIRA, Cláudio. (Org.). Porto Alegre de papel: avenida e praça (1910-1980). Porto Alegre: PROPAR - UFRGS, 2006. Figura 1: Projeto de ampliação e embelezamento da praça Mal. Deodoro e abertura de uma avenida até o cais projetado, por Atílio Trebbi. Fonte: Relatório de Obras Públicas da Secretaria de Obras do Estado de 1909. O Arquivo Público do Estado A primeira referência que se tem de um arquivo público no Estado do Rio Grande do Sul data de 02 de janeiro de 1838, quando o Regulamento Imperial criou uma repartição incumbida de reunir, conservar e catalogar os arquivos administrativos e legislativos e os documentos oficiais, subordinada ao Rio de Janeiro. Essa repartição foi instalada na Secretaria de Estado do Império2. No entanto, o planejamento de um Arquivo Público, nos moldes dos arquivos nacionais da Europa, surgiu somente no ano de 1905, durante o governo de Borges de Medeiros. No dia 08 de março de 1906, o Arquivo Público do Estado foi criado através do Decreto nº 876, compondo a Repartição de Arquivo Público, Estatística e Biblioteca do Estado do Rio Grande do Sul, subordinada à Secretaria do Interior e Exterior subordinado. De acordo com a definição apresentada no decreto, o Arquivo deveria: “adquirir e conservar, sob classificação sistemática, todos os documentos concernentes à legislação, à administração, à história, à geografia, às artes e indústrias do Rio Grande do Sul”. No dia 15 de março do mesmo ano, o Arquivo Público começa a funcionar. Primeiramente é instalado na Escola Complementar, localizada na esquina das Ruas Duque de Caxias e Marechal Floriano, em Porto Alegre3, atual localização do Colégio Sévigné. Em função do grande afluxo de documentos, oriundos de todo o estado, o espaço físico destinado ao Arquivo tornou-se insuficiente. Então, no dia 11 de fevereiro de 1909, o Arquivo foi transferido para o prédio da Bailante (figura 2), na Praça Marechal Deodoro, que sofreu uma série de ajustes para recebê-lo4. 2 3 4 Dados retirados do Processo de Instrução e Tombamento do Arquivo Público nº 35.12.03 – Portaria 06/91 de 13.03.91. Ver Jornal A FEDERAÇÃO, de 26/27 de março e 07 de abril de 1906. Ver Relatório de Obras Públicas da Secretaria de Obras do Estado de 1909, p.16. Figura 2: Foto do Prédio da Bailante, pertencente à Companhia Hidráulica Porto Alegrense, com o muro a ser substituído citado em seguida ao fundo – por volta de 1900. Fonte: Famiglia Prati em www.fotosantigas.prati.com.br>, acessado em janeiro de 2008. Pouco mais de um ano após a mudança do Arquivo para o prédio da Bailante, o então presidente do Estado, Carlos Barbosa, autoriza a construção de depósitos para o Arquivo Público, conforme mostra o Relatório de Obras Públicas da Secretaria de Obras do Estado de 1910: Tornou-se urgente a construção de depósitos para o Arquivo Público, resolveu V. Ex. (Carlos Barbosa), de acordo com as informações do digno Secretário do Interior, e as que lhe foram ministradas por esta Secretaria, que os depósitos seriam construídos dentro dos terrenos adquiridos à Praça Marechal Deodoro, e limitados na altura do nível desta. Em prolongamento do passeio ao lado do Teatro São Pedro deve a construção penetrar nos referidos terrenos com frente olhando para o norte. O passeio reinará sobre ela em toda a largura, e a parte posterior ficará aterrada. Uma galeria longitudinal separará o muro de sustentação das terras dos depósitos propriamente ditos, de modo a estabelecer uma circulação de ar conveniente para a conservação dos papéis. Tal é o programa para a organização do projeto de construção que foi confiado à Diretoria das Obras Públicas. Sua realização deve representar sem dúvida um melhoramento local muito sensível, porquanto não se trata simplesmente de construir um edifício que, aliás, fica escondido, mas de modificar também a topografia, de modo a permitir o ajardinamento de um terreno que é vantajosamente situado na vizinhança da praça e do Palácio, e onde o ingresso deve ser franco ao público. A situação do palácio reclama também, de pronto, que esse ajardinamento se prolongue por sobre o terreno ocupado atualmente pelo Arquivo, e um acordo com a companhia Hidráulica Porto Alegrense para a substituição do muro existente por uma balaustrada de pedra, a fim de que a vista do Palácio do Governo não fique prejudicada. (Relatório de Obras Públicas, 1910, p. 06-07) O texto do relatório permite fazer algumas conclusões sobre o caráter do novo edifício e as intenções do presidente Barbosa e seu arquiteto-chefe das Obras Públicas, Affonso Hebert, para a área. Primeiramente, ele fala do caráter de passeio público do projeto como extensão da Praça, permitindo vistas da parte baixa da cidade. Em seguida, nota-se a menção ao edifício “escondido”, não volumetrizado na praça. Por fim, é referida a importância da vista livre do Palácio do Governo. Estes três pontos expressam de modo claro os fatores que coordenam o arranjo do Arquivo Público. Ele foi planejado em função do novo palácio, cujo projeto se definira no ano anterior (1909), durante a estadia do arquiteto francês Maurice Gras na capital gaúcha. Junto com o palácio surgira o projeto da nova avenida ligando as praças da Matriz e da Alfândega, que teria o novo edifício como coroamento focal. No ano seguinte, o relatório de 1910 que apresenta o projeto do Arquivo Público também fornece um mapa do centro de Porto Alegre com uma solução revisada do projeto da avenida e da praça da Matriz. Isso mostra que os dois projetos surgem muito próximos cronologicamente e que talvez havido um momento em que foram pensados como coisas coordenadas. Finalmente, a avenida é deixada de lado, o monumento a Júlio de Castilhos é iniciado, a extensão oeste da praça da Matriz é reduzida e o Arquivo Público introduz um chanfro na geometria do espaço aberto ao postar-se paralelamente à rua Riachuelo. Os fatos mencionados permitem colocar o projeto do Arquivo Público no contexto de uma grande operação de desenho urbano iniciada em 1909 no centro de Porto Alegre.5 O palácio era a peça mais importante do programa construtivo de Barbosa, justificando a criação de uma esplanada à sua frente. Contudo, havia outra razão para a extensão da praça da Matriz em seu lado oeste, que não fora referida no relatório de 1910: sua condição de belvedere elevado sobre a parte baixa da cidade e sobre o Guaíba com suas ilhas e barcos. Portanto, faziam muito sentido tanto a demolição dos edifícios e muros existentes na área, assim como a intuição acurada de construir um inédito edifício-arrimo de grandes dimensões, oculto desde a praça. A construção da ala em arrimo A implantação do projeto é confiada à Diretoria de Obras Públicas. Os trabalhos preliminares tiveram início em 1º de outubro de 1910 e a construção propriamente dita, em 18 de novembro do mesmo ano. O único desenho encontrado dessa fase do Arquivo Público se encontra no relatório de obras públicas de 1910. Trata-se de um desenho artístico e não tem a assinatura de Hebert. Todavia, o fato dele ocupar a chefia da Seção de Obras Públicas o fazia responsável direto pelo projeto. Além disso, os desenhos da segunda fase (1913), que apresenta o mesmo estilo arquitetônico da primeira, são por ele assinados. Isso permite considerar Hebert como autor desse projeto desde o início. A proposta de execução selecionada foi apresentada por João Cattani, que compreendia a mãode-obra e todos os materiais necessários à execução, com exceção do cimento que seria 5 Ver CALOVI PEREIRA et al. 2006. fornecido pelo Estado. Em setembro de 1911 já se achava concluída a abóboda que forma o teto do edifício6. Figura 3: Recorte da reprodução do Projeto dos Depósitos para o Arquivo Público – planta baixa – 1910. Fonte: Relatório de Obras Públicas da Secretaria de Obras do Estado de 1911. Figura 4: Projeto dos Depósitos para o Arquivo Público – fachada e planta baixa – 1910. Fonte: Relatório de Obras Públicas da Secretaria de Obras do Estado de 1911. De acordo com o programa antes referido, Hebert dispõe o arquivo como um edifício-arrimo, que se posiciona no desnível entre a Praça da Matriz e a Rua Riachuelo. A parte superior do edifício dá continuidade ao plano da Praça, apresentando piso de mosaico (ladrilho hidráulico) e guarnecida por uma balaustrada. Essa parte cria um belvedere com vista sobre o Guaíba e a cidade à beira do lago. O arquiteto propõe para o edifício um partido constituído de um bloco retangular com 70 metros de extensão e 6 metros de largura interna, subdividido por contrafortes de 1,35 metros de espessura a cada 4,90 metros. A cobertura desse pavilhão é feita por uma abóbada de berço, a qual conforma o teto dos compartimentos. Sobre esta abóbada foi projetado um passeio, cuja 6 Ver Relatório de Obras Públicas da Secretaria de Obras do Estado de 1911, p.07-08 e 53-55. espessura serve como proteção térmica do edifício com camada de ar que permite a inspeção quando necessária. Da mesma forma, o arrimo possui cortina dupla, com intervalo para ventilação e escoamento da umidade. Junto às extremidades do edifício são propostas duas escadarias que permitem a comunicação entre a Praça da Matriz e a Rua Riachuelo. O desnível desde a balaustrada até o piso na base rusticada é de 13,20 metros. O pavimento principal do edifício, correspondente ao nível das pilastras, é dividido em onze compartimentos de 4,90 por 6,00 metros. A comunicação entre estas salas é feita por aberturas em arco que perfuram os contrafortes do arrimo. Sob o piso principal, há um andar inferior, que ocorre apenas nos três intercolúnios centrais. Neste local existem portas que estabelecem comunicação direta com o plano mais baixo. Este andar tem uma fachada rusticada, expressando a condição de base do piso superior com pilastras. O tratamento rusticado é estendido à face da escadaria frontal do lado oeste. Os acessos considerados principais estão localizados no terceiro e no nono intercolúnios da fachada principal, no pavimento superior, no ponto de chegada das escadarias que sobem do nível mais baixo. Desse modo, os acessos ao Arquivo Público acontecem num patamar intermediário em relação às duas extremidades que o edifício une. A existência de escadarias nas duas extremidades da barra mostra o edifício como integrante de um projeto de desenho urbano. O bloco do arquivo é um belvedere ladeado por escadas que ligam a Praça da Matriz com a parte baixa do centro. Essa estratégia leva a pensar que o fracasso do projeto da avenida projetada (figura 1) por Trebbi para ligar a Praça da Matriz com a Praça da Alfândega (1909), pode ter levado a pensar o Arquivo Público como um edifício-praça de ligação entre os dois espaços7. A falta de documentação sobre o projeto limita o entendimento de seu escopo. Na pequena planta do relatório de 1911 (figura 3), as escadarias descem desde a praça da Matriz até plataformas intermediárias, onde estão os acessos principais. Estas plataformas se ligam a outras duas escadarias em lances contrapostos no centro do edifício, conduzindo até o ponto mais baixo. Nesse ponto, surgem algumas linhas que parecem indicar limites de propriedades com intervalos de passagem. Não fica claro como seria o tratamento do espaço aberto ao fim da escadaria, nem a ligação com a rua Riachuelo. Certamente havia a previsão de liberar o terreno na parte baixa para uso público, pois só isso justificaria as escadarias direcionadas para lá e a construção de uma fachada monumental voltada para este espaço. A construção posterior da segunda ala do Arquivo Público (projetada em 1913) efetiva parcialmente esse intento. A única fachada do edifício apresenta organização simétrica com pilastras assentadas em uma base rusticada. A base, que só ocorre nos três intercolúnios centrais, é caracterizada por aberturas em arco abatido despojadas de qualquer ornamentação. Já o pavimento principal apresenta aberturas em arco pleno, encimadas por um friso que acompanha o arco. Acima das aberturas e abaixo do entablamento, o arquiteto utiliza um painel emoldurado ornado por 7 Ver CALOVI PEREIRA et al. 2006. aplicações em relevo e com um óculo no centro (que corresponde ao terceiro pavimento). Estes módulos são subdivididos por uma seqüência de doze pilastras planas de capitel simplificado (dórico-toscano). O coroamento do edifício é dado por um entablamento, seguido da balaustrada que serve que guarda-corpo para o belvedere. Figura 5: Foto interna Arquivo Público do Estado / Edifício 1ª fase – Estantes, Estrutura em ferro vazada e escada deslizante – 2006. Fonte: Fotografia de Ricardo Calovi – 2006. Figura 6: Foto interna Arquivo Público do Estado / Edifício 1ª fase – Galeria de comunicação entre os compartimentos – 2006. Fonte: Fotografia de Ricardo Calovi – 2006. Embora austero, o aspecto externo do Arquivo Público está em total consonância com o ecletismo que predomina na época. Pilastras sobre base rusticada, janelas em arco com frisos e terminação com entablamento e balaustrada constituem uma fachada clássica articulada com sobriedade e elegância. O ineditismo se dá na condição de palácio-arrimo, percebida experimentalmente pela função do edifício como articulador de percursos públicos. Todavia, é no interior do Arquivo Público que se encontram as inovações. Lá, inexistem recursos decorativos ou estilísticos. A superestrutura de muros longitudinais, contrafortes e abóbada é claramente percebida. Dentro das salas, se erguem estantes de concreto armado com altura de dois ou três andares. Estas estantes foram construídas com barras metálicas conectadas e revestidas com concreto, de modo a resistir ao fogo. Em cada sala, duas estantes se posicionam contra os contrafortes transversais e uma terceira ocupa o centro, recuada em relação às outras por causa da janela/porta. Exceto pelos térreos, os pisos e escadas são metálicos e vazados, permitindo a livre circulação de ar pelo edifício. Entre as estantes e sobre o piso metálico, há um trilho sobre o qual desliza uma escada móvel, também em ferro, que serve para o acesso às prateleiras mais altas. A perspectiva interna da circulação com o ritmo das escadas ligando os pisos metálicos relembra os interiores de navios (figura 6). A impressão final do aspecto interno parece assumir uma expressão utilitária que contrasta notavelmente com o exterior. O Relatório de Obras Públicas de 1911 descreve com detalhes uma experiência de resistência com as parteleiras de concreto armado.8 Dez dias depois da cura do concreto, foram feitos testes de carga numa prateleira de 0,90 x 0,47m, com espessura de 0,027m. Primeiro foi uniformemente distribuída uma carga de 450 kg sobre a prateleira, durante 75 minutos. Ao final, mediu-se uma flecha de 1 milímetro. À seguir, foram feitos testes de ruptura, iniciados com uma carga de 168 kg colocada no terço central da prateleira. A flecha resultante foi novamente de 1 milímetro. Após aumentos progressivos de carga, foi alcançada a marca de 453 kg, com flecha de 5 milímetros. Nesse momento foi registrado o princípio do rompimento da armadura de ferro interna. Na carga de 517 kg, abriu-se a primeira fenda e a flecha alcançou 7 milímetros. Somente com 748 kg de peso é que ocorreu a ruptura da prateleira. A conclusão foi de que as prateleiras possuíam resistência de sobra para a função que iriam cumprir. A descrição dos testes parece indicar o uso de um processo intuitivo na avaliação da técnica do concreto armado. O procedimento mostra a novidade desta técnica construtiva, a curiosidade em dominá-la e o interesse em evidenciar suas potencialidades. Tendo em vista o elevado peso do papel arquivado a ser depositado, a enorme altura das estantes e a necessidade de livre circulação do ar dentro do edifício, o uso do concreto revestindo uma armação de ferro composta por lajes e pilaretes mostrou-se uma solução apropriada. Por se tratar de um edifício com finalidade específica de depósito para documentos importantes, o arquiteto utilizou recursos tecnológicos avançados para a época e inéditos na cidade, como exaustores elétricos em todos os compartimentos para a ventilação adequada; drenagem junto ao muro de arrimo direcionada para uma galeria central de escoamento, para escoamento da umidade; sistema de limpeza a vácuo através da instalação de canalizações ligadas a ventiladores capazes de produzir uma tiragem de 60 m³ de ar por minuto, para a manutenção dos documentos; torneiras ligadas à mangueiras para casos de incêndio; e mobiliário em material incombustível em todas as salas, para a segurança dos documentos.9 A primeira ala do Arquivo Público, iniciada a 18 de novembro de 1910, é concluída em 5 de julho de 1912 e entregue à Secretaria do Interior, órgão a qual pertencia por decreto. Seu elevado custo final foi atribuído às dificuldades na construção resultantes das más condições do terreno 8 9 Relatório da Secretaria de Negócios das Obras Públicas do Estado de 1911, p. 53-55. Relatório da Secretaria de Negócios das Obras Públicas do Estado de 1911, p. 56-57. escolhido10. Segundo o Relatório de Obras Públicas de 1913, todos os trabalhos foram executados sob direção e fiscalização do Chefe da Seção, Affonso Hebert11. Figura 7: Foto do Arquivo Público do Estado concluído / Edifício 1ª fase – Escadarias e parte da fachada – por volta de 1915. Fonte: Famiglia Prati em www.fotosantigas.prati.com.br, acessado em novembro de 2007. A construção da segunda ala No ano de 1913, o Governo Estadual resolveu construir um novo pavilhão de depósitos do Arquivo Público, de modo a aumentar a sua capacidade. Hebert, como Chefe da Seção de Obras Públicas, foi o responsável pelo projeto de ampliação. Em 21 de maio de 1914, já em novo governo de Borges de Medeiros, foram orçadas as despesas necessárias para construção do novo pavilhão e abriu-se a concorrência pública para a execução do edifício. Somente em 23 de janeiro de 1918 foi lavrado o contrato com o empreiteiro Roberto Roncolli para a execução do edifício e em fevereiro do mesmo ano foram iniciadas as obras da nova ala do Arquivo Público.12 A adição obedece ao mesmo sistema figurativo da edificação anterior, tendo, porém, maior capacidade em conseqüência de sua maior largura e altura. 10 11 12 Ver Relatório de Obras Públicas da Secretaria de Obras do Estado de 1913, p. 6. Ver Relatório de Obras Públicas da Secretaria de Obras do Estado de 1913, p.10-11. Ver Relatório de Obras Públicas da Secretaria de Obras Públicas do Estado, 1919, p.06-07. Figura 8: Foto da construção da ala esquerda do arquivo Arquivo Público do Estado / Edifício 2ª fase – fachadas – 1918. Fonte: Relatório de Obras Públicas da Secretaria de Obras do Estado de 1918, sem página. Affonso Hebert propõe um edifício perpendicular à extremidade oeste do prédio anterior, formando um “L”. A ligação entre a pré-existência e o novo prédio é feita através de uma ala recuada 6,60m em relação à fachada do edifício principal da nova ala. Contudo, a ala antiga, a articulação e a ala nova tem o mesmo tratamento de fachadas e o mesmo gabarito, assegurando a unidade do conjunto. O desnível que há entre a base da ala antiga e a extremidade da ala nova é absorvido pela base rusticada. O partido em "L" deixa clara a intenção de estabelecer uma praça em um plano inferior ao da Matriz, delimitada pelas fachadas homogêneas do Arquivo. Embora hajam desenhos originais do projeto da nova ala, eles nada informam a respeito da solução do espaço aberto. Tal como na primeira fase, não há dados para avaliar como seria esta praça inferior, suas demais bordas e sua ligação com a rua Riachuelo. De qualquer forma, a simples presença de uma esplanada de passagem pública ladeada pelas fachadas de pilastras ritmadas do Arquivo já configuraria um lugar de caráter singular no centro da cidade.13 13 Esse fato pode ser parcialmente percebido na visitação do pátio do Arquivo Público hoje em dia. Figura 9: Foto da ala esquerda do Arquivo Público do Estado / Edifício 2ª fase – fachada principal (compartimento de ligação recuado) – por volta de 1920. Fonte: Famiglia Prati em www.fotosantigas.prati.com.br, acessado em novembro de 2007. Figura 10: Recorte do Projeto do Arquivo Público | ala esquerda | depósitos – plantas baixas – 26 de julho de 1913. Fonte: Acervo da Secretaria de Obras Públicas do Estado. Contudo, a construção da nova ala também acarreta perdas ao conjunto. Hebert liga o pavilhão novo ao antigo por um volume articulador, que exige o sacrifício de uma das escadarias superiores. Dessa forma se desfaz a elegante simetria do bloco inicial do Arquivo, contornado por escadarias e plataformas no agenciamento dos desníveis. A ligação com a praça da Matriz fica reduzida à escadaria ao lado do teatro São Pedro. O acesso externo do novo edifício é dado por três aberturas na base rusticada, havendo também um acesso pela base do compartimento de ligação e uma abertura no segundo pavimento acessada pela plataforma da construção existente. Figura 11: Foto interna Arquivo Público do Estado / Edifício 2ª fase – Estantes e escada de ferro deslizante – 2006. Fonte: Fotografia de Ricardo Calovi – 2006. Figura 12: Foto interna Arquivo Público do Estado / Edifício 2ª fase – Estantes. Fonte: Famiglia Prati em www.fotosantigas.prati.com.br, acessado em março de 2007. Diferentemente da outra ala, que é mais estreita e dividida em células, o novo pavilhão contém um espaço único, sem divisões internas, medindo 34,70m de comprimento por 12,10m de largura. O enorme pé direito (13,00m) é ocupado por 11 estantes gigantes de concreto armado que vão do piso até o forro. Estas estantes se assemelham a edifícios em altura, dispostos em série dentro do volume da edificação principal e separados por vias estreitas. Para acessar as estantes, o pavilhão é dividido em 3 pavimentos por uma estrutura de lajes de ferro vazadas, que permitem a visualização total do espaço e das estantes. Em cada corredor entre as estantes existe uma escada que desliza sobre trilhos, também em ferro, que serve para alcançar as prateleiras mais altas, tal como na construção mais antiga. A circulação vertical é feita por meio de escadas metálicas, havendo um monta-cargas elétrico para o movimento de papéis. Desse modo, a segunda ala repete o contraste verificado na primeira, entre o exterior eclético e interiores de expressão limpa das tecnologias construtivas modernas. Sendo o segundo edifício um espaço único de maiores dimensões, fica mais clara a percepção da seqüência de estantes gigantes de concreto armado, perfurando os pisos metálicos vazados. As estratégias de segurança e manutenção utilizadas no primeiro edifício foram repetidas no novo prédio. Estas estratégias incluem exaustores elétricos em todos os compartimentos, para prover ventilação adequada; sistema de limpeza a vácuo através da instalação de canalizações ligadas a ventiladores capazes de produzir uma tiragem de 60m³ de ar por minuto, para a manutenção dos documentos; torneiras adaptáveis a mangueiras para o caso de incêndio; e mobiliário em material incombustível em todas as salas, para a segurança dos documentos. Figura 13: Foto interna Arquivo Público do Estado / Edifício 2ª fase – Estrutura em ferro vazada e escada de acesso aos pavimentos – 2006. Fonte: Fotografia de Ricardo Calovi – 2006. Figura 14: Foto interna Arquivo Público do Estado / Edifício 2ª fase – Vão do monta-cargas e compartimentação vertical do edifício – 2006. Fonte: Fotografia de Ricardo Calovi – 2006. A fachada do novo edifício utiliza a mesma linguagem do anterior. Repete-se a base rusticada, que adquire maior altura ao absorver o desnível do terreno. O plano principal tem pilastras em seqüência demarcando os módulos das aberturas. Acima do entablamento aparece a balaustrada, que neste caso serve apenas para ocultar o telhado alto. Figura 15: Recorte do Projeto do Arquivo Público | ala esquerda | depósitos – fachada – 26 de julho de 1913. Fonte: Acervo da Secretaria de Obras Públicas do Estado. Em 10 de junho de 1919, as obras foram entregues, provisoriamente, à Secretaria do Interior. Isto se realizou mediante um termo lavrado pela Diretoria de Obras Públicas, que fez o empreiteiro se responsabilizar pelas obras por mais seis meses, para que o edifício fosse finalizado. Neste período, foram instalados os aparelhos de limpeza de pó a vácuo e terminaram de ser instaladas as escadas em ferro deslizantes.14 Os Relatórios da SOP não mencionam a data exata da conclusão das obras deste edifício. Um levantamento realizado em 1934 mostra os dois edifícios já construídos. Nota-se a fachada da escadaria principal no lado sul, substituída pelo volume de articulação. Também se percebe a maior espessura das paredes do edifício antigo, que se deve à sua condição de arrimo da extensão da Praça da Matriz. A conclusão da segunda ala (1919) definiu o término do trabalho de Affonso Hebert no projeto do Arquivo Público. Apesar do evidente intento de compor um edifício-praça, a obra completada deixou muitas lacunas, tais como a solução da terminação junto à rua Riachuelo e o tratamento das faces norte e leste no pátio interno. A falta de um plano de conjunto dentre os poucos documentos conhecidos deste projeto impede que se tenha uma noção mais precisa destas lacunas. 14 Ver Relatório de Obras Públicas da Secretaria de Obras Públicas do Estado de 1920, p.06-07. Figura 16: Levantamento dos Pavilhões de Depósito do Arquivo Público – planta baixa – setembro de 1934. Fonte: Acervo da Secretaria de Obras Públicas do Estado. História posterior Entre 1926 e 1928, o terreno liberado a oeste da praça da Matriz foi ocupado pelo auditório Araújo Vianna, projetado por Max Schlupmann. O auditório se destinava principalmente a apresentações musicais da Banda Municipal, contando com uma concha acústica e lugar para 3.000 pessoas. O uso do local como auditório aberto se integrava ao espaço aberto da praça e mantinha visuais livres do Palácio Piratini e da cidade baixa à partir do terraço do Arquivo Público. Portanto, o novo auditório se integrava ao funcionamento do conjunto praça-arquivo, amplificando sua importância. Em 1948 foi iniciada a construção do terceiro bloco do Arquivo Público, paralelo à Rua Riachuelo. Esse edifício cortou completamente a ligação da praça interna com a rua, além de não observar qualquer articulação formal com os prédios de Hebert. A conexão entre a Praça da Matriz e a zona baixa da cidade através do Arquivo era assim inviabilizada. Problemas maiores viriam com a escolha do terreno do auditório Araújo Vianna para localização da nova sede da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Após a seleção do projeto por concurso em 1958, a construção do Palácio Farroupilha determinou a ocupação total da extensão oeste da praça da Matriz com área construída. Desse modo, desaparece o belvedere e fica obstaculizada a vista da cidade e do Guaíba desde a praça. O terraço do Arquivo Público perde sua balaustrada e torna-se via de acesso veicular da nova Assembléia. Em 1998, o concurso para o anexo do Teatro São Pedro sedimenta o isolamento do Arquivo no desenvolvimento de seu entorno, ao ignorar qualquer articulação formal com o mesmo em seu edital. Sendo grandes as perdas em termos do contexto urbano, permanece o testemunho do curioso paralelismo entre arquitetura eclética e novas tecnologias construtivas, verificado em Porto Alegre nas duas primeiras décadas do século XX. Os elegantes exteriores clássicos do Arquivo Público nada dizem de seu conteúdo. A linguagem industrial de seus interiores com pavimentos-lâmina em metal vazado, atravessados pela série de torres-estante em concreto armado, é um testemunho pioneiro das possibilidades expressivas dos novos materiais na arquitetura da cidade. Referencias bibliográficas CALOVI PEREIRA, Cláudio; DIEFENBACH, Samantha Sonza; CALOVI, Ricardo. “Acrópole e Ágora: as novas Praças de Porto Alegre na República Velha”. In: ABREU, Silvio Belmonte de (Org.); CALOVI PEREIRA, Cláudio. (Org.). Porto Alegre de papel: avenida e praça (1910-1980). Porto Alegre: PROPAR - UFRGS, 2006. DIEFENBACH, Samantha Sonza. Affonso Hebert: ecletismo republicano no Rio Grande do Sul. 2008. (Dissertação de mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Arquitetura, Porto Alegre, BR/RS, 2008. (Orientação: Cláudio Calovi Pereira) SCHILLING, Voltaire & CALOVI PEREIRA, Cláudio (org.). Positivismo. Arquitetura de Porto Alegre no período Positivista (catálogo de exposição). Porto Alegre: Memorial do Rio Grande do Sul, 2007. Relatório de Obras Públicas. Secretaria de Negócios das Obras Públicas do Estado do Rio Grande do Sul. 1891 a 1923. Imprimir Fechar Matéria bruta. Clorindo Testa e o Centro Cívico de Santa Rosa, La Pampa, 1955-1963 Cláudia Piantá Costa Cabral Arquiteta, Dra. em Arquitetura Professora Adjunta, UFRGS Rua Sarmento Leite, 320, sala 201 Porto Alegre, RS – CEP 90050-170 Fone-fax: (51) 33 08 34 85 cabralfendt@terra.com.br Matéria bruta. Clorindo Testa e o Centro Cívico de Santa Rosa, La Pampa, 1955-1963 Resumo Situado em meio ao pampa argentino, distante seiscentos quilômetros de Buenos Aires na direção sudoeste, o Centro Cívico certamente tem merecido menos páginas de críticos e estudiosos que as outras duas grandes obras de Testa no mesmo período, o Banco de Londres (1959) e a Biblioteca Nacional (1962), ambos na Capital Federal. O presente texto dá continuidade ao estudo realizado sobre o Centro Cívico de Santa Rosa, apresentado no Docomomo Brasil em 2007. Tendo em vista o temário e os parâmetros geográficos e cronológicos propostos pelo seminário, o trabalho concentra-se sobre os elementos resultantes da primeira etapa de consolidação deste conjunto arquitetônico moderno, construídos em concreto aparente entre 1956-1963: Casa de Governo, Estação Terminal de Ônibus e cobertura central. As primeiras fotografias tomadas do Centro Cívico, publicadas no segundo número de Summa em 1963, e mesmo aquelas publicadas por Francisco Bullrich em 1968, ou Bayon e Gasparini em 1977, mostram um conjunto variado porém harmônico, em que a nudez do concreto bruto funcionava como um tema geral de composição executado em diferentes modulações, unificando as superfícies ásperas dos parabolóides da cobertura central e as tramas múltiplas da fachada da Casa de Governo. Por outro lado, como sistema construtivo, no que se refere à concepção tipológica, o uso do concreto no Centro Cívico contrapõe duas situações características do desenvolvimento da arquitetura moderna internacional e latino-americana: a barra repetitiva e a grande cobertura espacial. Palavras-chave: Clorindo Testa, Centro Cívico, concreto armado Abstract Situated in the middle of Argentinian pampas, 600 kilometers to the south of Buenos Aires, Santa Rosa's Civic Center has been less discussed as an academical subject than other contemporary Testa's great works such as London Bank (1959) and National Library (1962), both in Capital Federal. This paper follows former studies on that subject presented at Docomomo Brasil in 2007. Concerning the Docomomo South purposes, and according to the geographic and chronological parameters proposed by this seminar, this article focuses on the results of the first competition for the Civic Center: the Government House, the Bus Station and the covered central space, all of them built in exposed reinforced concrete between 1955-1963. The first photos taken from the Civic Center, published in the second issue of Summa architectural magazine in 1963, and so the ones published by Francisco Bullrich in 1968, or Bayón and Gasparini in 1977, show a varied but harmonious ensemble. The naked reinforced concrete works as the general theme of the composition, played in different ways, but also unifying unlike architectural elements such as the concrete covering of paraboloid shells and the rich texture of the grid of the Government House. On the other side, as a constructive system, the use of reinforced concrete in the Civic Center opposes two characteristics situations in the development of modern architecture in Latin-American and international scene: the linear repetitive block and the big spatial covering. Key-words: Clorindo Testa, Civic Center, reinforced concrete Matéria bruta. Clorindo Testa e o Centro Cívico de Santa Rosa, La Pampa, 1955-1963 Figura 1. Centro Cívico de Santa Rosa, La Pampa, julho de 2008. Antecedentes Uma das particularidades dos seminários Docomomo Sul, agora na segunda edição, tem sido um certo recorte que extrapola os limites da divisão estritamente política. Adotar critérios geográficos e regionais – cone sul-americano e paralelo 22 - estabelece uma variante perante a estrutura por nações do Docomomo que é aqui pertinente, tendo em vista as dimensões continentais de alguns países americanos, entre os quais Argentina e Brasil. Tomar o assunto por regiões facilita a proximidade efetiva à obra; convida, também, à articulação latino-americana, ao mesmo tempo em que reserva, com respeito a outros foros, o direito a passar da questão da identidade à questão da modernidade como o grande tema articulador. Diante deste enquadramento, o que aqui se apresenta é um estudo realizado desde Porto Alegre sobre uma obra argentina: o Centro Cívico de Santa Rosa, na província de La Pampa, projeto de Clorindo Testa, cuja história se estende do ano de 1955 ao ano de 2006. A primeira parte deste estudo foi apresentada no VII Docomomo Brasil, em Porto Alegre, 2007.1 Seu foco principal era então a possibilidade de rever o conjunto das propostas de Clorindo Testa para o Centro Cívico à luz das questões levantadas pelo Docomomo Brasil: requalificação, rearquitetura e reciclagem. Na 1 Cláudia Piantá Costa Cabral; Cassandra Salton Coradin. Clorindo Testa: os projetos para o Centro Cívico de Santa Rosa, La Pampa (1955-2006), In: Carlos Eduardo Dias Comas; Edson da Cunha Mahfuz, Airton Cattani, orgs., Anais do 7° Seminário Docomomo Brasil, O moderno já passado, o passado no moderno. Reciclagem, requalificação, rearquitetura, Porto Alegre, PROPAR-UFRGS, 2007, pp. 124. larga história projetual do Centro Cívico dava-se a circunstância pouco usual do mesmo arquiteto interferir em sua própria obra, anos depois, e não necessariamente segundo referências homogêneas. O artigo buscava reconhecer em Testa uma tomada de posição com respeito a esses temas, cujas possibilidades, e também limites, tratou-se de examinar através das distintas capas que seus sucessivos projetos foram produzindo sobre a situação original em Santa Rosa. Para tanto, privilegiou-se o registro gráfico e a exposição das diversas etapas projetuais na história do Centro Cívico, ordenadas como segue: a) 1955-1963 - primeira etapa, resultado de um primeiro concurso, com a construção da Casa de Governo, da Estação Terminal de Ônibus e da cobertura central, por Clorindo Testa, Boris Dabinovic, Augusto Gaido e Francisco Rossi; b) 19721976 - segunda etapa de consolidação, com a construção do Palácio Legislativo, por Clorindo Testa, Augusto Gaido, Francisco Rossi e Héctor Lacarra; c) 1980 – um segundo concurso, para inclusão do Centro Cultural e do Palácio da Justiça, que vencem Clorindo Testa, Francisco Rossi e Héctor Lacarra, e que jamais é construído; d) 2005-2006 - construção da pequena Biblioteca anexa ao Palácio Legislativo por Clorindo Testa e Miguel García. O presente texto dá continuidade a este estudo. Tendo por fundo o tema do concreto, que sugere o acercamento à escala do edifício, o trabalho concentra-se sobre elementos resultantes da primeira etapa, construídos em concreto aparente entre 1956-1963, e portanto afins à temática e marco cronológico estabelecidos pelo seminário: Casa de Governo e cobertura central (fig. 1). Beneficia-se também da oportunidade de observação in loco e ampliação da documentação viabilizadas pela visita ao Centro Cívico de Santa Rosa, em julho de 2008, e por uma 2 conversação com Clorindo Testa. Um conjunto moderno no pampa Situado em meio ao pampa argentino, distante seiscentos quilômetros de Buenos Aires na direção sudoeste, o Centro Cívico certamente tem merecido menos páginas de críticos e estudiosos que as outras duas grandes obras de Testa no mesmo período, o Banco de Londres (1959) e a Biblioteca Nacional (1962), ambos na Capital Federal. Mas é essa situação periférica que de certo modo torna interessante o caso de Santa Rosa, tendo em vista o escopo da tarefa e o significado que possui no rico processo de alargamento da tradição moderna no contexto americano. Da época colonial à consolidação republicana o pampa foi reconhecido como uma espécie de território vago, de limites imprecisos, cuja mitologia incorpora o temor a uma “vastidão aparentemente sempre igual e imóvil”.3 Foi também em torno deste vocábulo quechua – pampas – que a Argentina construiu parte de sua identidade nacional. Nas belíssimas páginas de Ezequiel 2 Em La Pampa, devo agradecimentos a Miguel García, Dirección de Arquitectura de La Pampa, co-autor da Biblioteca do Palácio Legislativo, pelos preciosos esclarecimentos sobre o Centro Cívico e o contexto pampeano, bem como por haver tornado possível minha visita ao interior dos edifícios. Em Buenos Aires, agradeço a Clorindo Testa pela grata conversa sobre o Centro Cívico, e muito especialmente a Fernando Diez, por haver facilitado ambos contatos. 3 Manrique Zago, La Pampa Argentina, Buenos Aires, 1999. Martínez Estrada o pampa é metáfora da própria América, este “nuevo mundo, recién descubierto”, que “no estaba localizado aún en el planeta, ni tenía forma ninguna”; do vice-reinado do Río de la Plata, que não possuía esse metal, mas apenas terras planas como “el mar, sin caminos”; do vazio incomensurável que precede a civilização: “Es la pampa; es la tierra en que el hombre está solo como un ser abstracto que hubiera de recomenzar la historia de la especie – o de concluirla.”4 A cidade é nesse contexto exceção.5 Santa Rosa, a jovem capital de uma província agrícola e ainda escassamente povoada, não existia antes do ano de 1892 (fig. 2). O Território Nacional de La Pampa Central havia sido criado em 1884, abarcando as terras a sudoeste da província de Buenos Aires, e incluindo o que é hoje a província de Rio Negro. O desenho atual de La Pampa é de 1945, quando este território é repartido. O fato é que a construção do Centro Cívico, ao final dos anos cinqüenta, tem para a vida dessa província tardiamente incorporada ao território nacional um caráter inaugural. Não se tratava apenas de uma operação de preenchimento, equivalente à elevação de uma nova fachada sobre um dos quatro lados da praça principal, mas de fazer, quase do zero, um pedaço novo de cidade. E a proposta de Testa seria construí-lo como um pedaço de cidade moderna. A tramitação inicia em janeiro de 1954, quando uma lei provincial declara de utilidade pública e sujeitos à expropriação os terrenos de Villa Santillán e Villa Elvira, localizados no perímetro urbano da cidade de Santa Rosa, capital da então chamada Província Eva Perón, hoje La Pampa. Nove hectares de área livre ficavam destinados por lei para a construção da Casa de Governo da província e suas dependências administrativas. Em 1955, realiza-se a chamada ao concurso nacional de anteprojetos, organizado desde Buenos Aires pela Sociedade Central de Arquitetos. As bases do concurso estabeleciam como objeto imediato do certame o projeto da Casa de Governo e Ministérios, a fim de transferir para a área destinada ao futuro centro uma série de repartições públicas que encontravam-se dispersas pela cidade em outras edificações. Entretanto, embora a garantia de execução, nesse momento, se limitasse a este edifício, as bases demandavam estudo e resolução de “amplo espaço aberto e livre de trânsito para as concentrações de caráter patriótico, para 10.000 pessoas”, além de zonificação adequada do terreno, com o objetivo de localizar, em futuro próximo, outros construções, tais como o núcleo de atividades culturais e as sedes dos poderes Legislativo e Judiciário.6 Tais indicações permitem 4 5 Ezequiel Martínez Estrada, Radiografía de la pampa [1933], Buenos Aires, Scipione Cultural, 1997, p. 5; p. 7. Embora La Pampa possa ser considerada uma província urbanizada, já que como em toda parte, o êxodo rural levou a maior parte da população de quase 300.000 habitantes a viver em cidades ou pueblos, sem dúvida são escassos os grandes núcleos urbanos. Ainda hoje, há na província de La Pampa apenas três povoações que se ajustam a categoria de cidades: Santa Rosa, com 80.000 habitantes, General Pico com seus 50.000, e General Acha com 11.000 habitantes. Cf. Zago, op. cit., p. 142. 6 Concurso de Anteproyectos para la Casa de Gobierno. Ministerio de Gobierno y Obras Públicas, Gobierno de la Provincia de La Pampa, Sociedad Central de Arquitectos, 1955. p. 8. situar o problema de projeto apresentado aos concursantes como um problema de desenho urbano, a despeito de que o foco principal da convocação fosse o edifício da Casa de Governo, único elemento com programa detalhado. Clorindo Testa apresentou-se sozinho ao concurso para o Centro Cívico. Seus parceiros Boris Dabinovic, Augusto Gaido e Francisco Rossi haviam assinado, ao lado de outros arquitetos argentinos, um documento no qual se impugnava a realização do certame antes da aprovação de um plano diretor para Santa Rosa, e sentiam-se moralmente impedidos de participar. Testa, nascido em Nápoles e criado no Barrio Norte, em Buenos Aires, tinha contudo uma ligação circunstancial com a Província de La Pampa pelo lado da família materna. Seu avô materno Manuel García estava entre os que haviam comprado estâncias na região antes da virada do século, transferindo-se da província de Buenos Aires para lá com família, animais e pertences. O neto conhecera La Pampa de menino: estivera ali um par de verões, quando criança (1926) e na adolescência (1939).7 O cenário nos anos cinqüenta ainda era o da pequena cidade com ruas de chão batido, flanqueadas por casas de um pavimento construídas sobre os alinhamentos. O Centro Cívico não estaria no core urbano fundacional, como a igreja e a municipalidade, mas distante seis quadras da praça principal, apesar de conectado a esta pela rua mais importante - uma Av. San Martín, como em tantas outras cidades do interior da Argentina. Os terrenos destinados ao Centro Cívico situavam-se sobre uma espécie de limite da zona urbana, embora perfeitamente inseridos, geometricamente, com relação à quadrícula regular do traçado de Santa Rosa. Grosso modo, eles formavam um retângulo equivalente a oito quadras típicas de Santa Rosa, cujo lado maior corresponde a quatro quadras, e o menor, a duas quadras. Encontravam-se exatamente sobre o eixo da Ruta Nacional Número 5, estrada que liga a capital pampiana a Buenos Aires. Eram, portanto, uma porta de entrada desde Buenos Aires, de modo que o edital sugeria a bifurcação da Ruta 5, rodeando a área, até incorporar-se novamente à Avenida San Martín. No outro extremo, na direção oeste, a avenida finalizava na laguna.8 7 Entrevista com Clorindo Testa, 25 de julho de 2008. O número reduzido de visitas se deve ao fato de que o pai, médico, detestava o campo. É conhecida também a história de que o interventor da Província de La Pampa na ocasião da finalização do concurso, Garmendia, pergunta pelo resulltado e descobre que o arquiteto de Buenos Aires que havia saído vencedor é na verdade “el chico de Esther”, o neto de Manuel García, de quem Garmendia era amigo, e com quem havia feito a travessia desde Buenos Aires a La Pampa, quando o avô de Clorindo se instalara em Lonquimay. 8 Aspectos urbanos e relações com o traçado xadrez foram examinados no primeiro artigo. Ver: Cabral e Coradin, op. cit., pp. 5-9. Figura 2. Santa Rosa, La Pampa, com o Centro Cívico em primeiro plano. Fonte: Manrique Zago, La Pampa Argentina, Buenos Aires, 1999. Figura 3. Clorindo Testa, concurso de 1955, maquete. Fonte: Summa n. 2, 1963. Na memória descritiva do projeto, os comentários de Testa reforçam essa percepção do terreno como limite, aludindo à posição de fronteira entre cidade e campo aberto. Assim, quando descreve a zona de intervenção, tal como se apresentava nos anos cinqüenta, Testa refere-se à topografia do terreno como uma suave elevação, desde a qual domina o meio predominantemente horizontal que o rodeia. “Ao norte e oeste se pode apreciar a cidade que se estende nessa direção, que abarca quase todo seu desenvolvimento” – explicava -, enquanto ao sul e ao leste prevalece totalmente “a paisagem pampiana”.9 De todos modos, antes do final de 1955 o concurso se interrompe pela dita Revolução Libertadora, com a deposição de Perón pelas Forças Armadas, para ser retomado somente em 1956. Declarado afinal vencedor, Testa convidaria os parceiros Dabinovic, Gaido e Rossi para o desenvolvimento do projeto definitivo. São três os elementos construídos que consolidam a primeira fase do Centro Cívico, entre 1955 e 1963: Casa de Governo e Ministérios, Estação Terminal de Ônibus e pátio central semi-coberto. Todos são executados em concreto armado, por empresas construtoras de fora da província: a Estação por TODAM S.R.L; a Casa de Governo por Migone-Safar, com sede em La Plata, Província de Buenos Aires. “Cabe assinalar que pese às grandes dificuldades de dependência de que La Pampa padece, para a construção, de outras localidades, enquanto a materiais e mão-deobra especializada” - explicavam os autores em Summa - “este edifício não alcançará um custo final de nove mil pesos o metro quadrado incluindo adicionais ao contrato e habilitações (móveis) em um 50% do edifício.”10 A citação pode ser melhor compreendida à luz das aclarações de Liernur sobre o contexto argentino neste período. Segundo afirma, o concreto armado havia substituído o ferro como material estrutural entre os anos trinta e quarenta, face à consolidação da produção nacional de cimento e à hegemonia das grandes empresas alemãs na indústria da construção.11 Quando contextualiza os acontecimentos dos anos cinqüenta e sessenta, Liernur explica de que modo o brutalismo constituiu uma saída tentadora para uma situação econômica difícil; um “caminho intermediário entre a renúncia regionalista e o eficientismo internacionalista”, capaz de minimizar o interesse em vanguardismos tecnológicos e encorajar respostas mais adequadas às limitações locais.12 Por um lado, em suas conotações plásticas e materiais, o concreto aparente é uma espécie de recurso unificador, considerando as diferenças programáticas, e sobretudo dimensionais, entre as 9 Arq. Clorindo Testa, Arqs. Associados Dabinovic, Gaido e Rossi, Casa de Gobierno de La Pampa, Summa, Buenos Aires, n. 2, p. 39, outubro de 1963. 10 11 Idem, p. 44. Jorge Francisco Liernur, Arquitectura en la Argentina del siglo XX. La construcción de la modernidad, Buenos Aires, Fondo Nacional de las Artes, p. 220. 12 Idem, p. 257. construções que compõem o centro cívico. Ainda que essa situação se modifique nas etapas seguintes - no Palácio Legislativo, concluído em 1976, a cor se incorpora desde o início à concepção da grelha de concreto da fachada, pintada em amarelo ocre -, no primeiro concurso, Testa defende explicitamente o uso do material em bruto. “Todos os materiais foram tratados com o critério mais simples e honesto em seu uso próprio” - explicava; variações de textura, contrastes de luz e sombra foram explorados como recurso arquitetônico, mas “evitando-se em geral o uso da cor como solução para este logro.”13 As primeiras fotografias tomadas do Centro Cívico, publicadas no segundo número de Summa em 1963, e mesmo aquelas trazidas por Francisco Bullrich em 1968, ou Bayon e Gasparini em 1977, mostram um conjunto variado porém harmônico, em que a nudez do concreto bruto funcionava como um tema geral de composição executado em diferentes modulações, das superfícies ásperas dos parabolóides da cobertura central às tramas variadas da fachada da Casa de Governo. Por outro lado, como sistema construtivo, no que se refere à concepção tipológica, o uso do concreto contrapõe aqui ao menos duas situações características do desenvolvimento da arquitetura moderna internacional e latinoamericana: a barra repetitiva e a grande cobertura espacial. Um bloco linear de concreto para a Casa de Governo O elemento principal da composição é o edifício de 180 metros de comprimento destinado à Casa de Governo, uma espécie de zeilenbau administrativo, concebido como barra autônoma, disposta sobre o terreno não retificado. Em sua primeira formulação, a barra alongada formava um conjunto com o volume compacto e quadrangular que abrigaria a residência do governador, item inicialmente solicitado no programa do concurso e depois cancelado, quando decidido que o governador não viria a morar no recinto.14 O programa definitivo incorpora o gabinete de trabalho do governador e suas estruturas de apoio – que passam a integrar a barra -, os quatro ministérios15 (Ministério de Governo e Obras Públicas, Ministério de Economia e Assuntos Agrários, Ministério de Assuntos Sociais), biblioteca, salão de atos, agência bancária e dependências de serviço. Com orientação norte-sul, a barra de quatro pavimentos se estende paralela ao lado maior do terreno, no sentido perpendicular às curvas de nível. Apesar de afastada com relação aos alinhamentos urbanos, se vê coordenada com o traçado regular de Santa Rosa, prolongando o eixo da Av. San Martín. Não obstante afinidades confessas com o brutalismo corbusiano, não se trata da barra sob pilotis. Embora o declive seja pouco acentuado (2,5%), a grande extensão do bloco permite o aproveitamento da diferença de cota entre um extremo e outro do terreno, utilizando-se, segundo a memória descritiva do projeto, a “hoya” natural (cova, buraco) existente 13 14 15 Testa, op. cit., p. 42. Entrevista com Clorindo Testa, 25 de julho de 2008. Equivalente a secretarias de estado no sistema brasileiro. no terreno nessa posição. Essas condições de implantação permitiram a criação de um pavimento parcialmente em subsolo com relação ao nível da rua, sobre o qual se destaca uma planta intermediária, de caráter público, projetada como uma faixa permeável, acessível desde o exterior através de rampas e virtualmente estendendo o interior do edifício ao recinto do centro cívico. A estrutura resistente em concreto armado define quatro linhas de pilares no sentido do comprimento da barra, sendo as duas linhas exteriores coincidentes com a fachada. Os elementos fixos do programa – serviços, elevadores, escadas, portarias controladas – estão localizados no intervalo central, liberando para os demais usos as duas faixas periféricas, iluminadas e ventiladas diretamente. No pavimento de acesso, permeável, essa distribuição oportuniza um prolongamento discretamente elevado das áreas públicas exteriores. Neste nível estão localizados os dois amplos vestíbulos, espaços que atravessam vertical e horizontalmente o edifício e ordenam os acessos ao nível inferior e aos dois pavimentos superiores. Em planta, as partes do programa ajustam-se à geometria retangular da barra e à regularidade da trama estrutural. Não obstante, variações espaciais e ênfases específicas são obtidas através do uso de pé-direito duplo, de vazios interiores e do próprio trabalho de fachada. O concreto e suas possibilidades para modular distintas tramas e texturas é bem aplicado na resolução da grande fachada norte. A grelha de um metro de profundidade justifica-se como elemento de proteção solar, dentro da já estabelecida tradição sul-americana no assunto, mas a ela se combinam outros padrões de tratamento das superfícies, como a urdidura em madras no pavimento de acesso, ou as superfícies perfuradas da sala de audiências. A maquete do concurso já mostrava o jogo de repetição e variação a partir da grelha base de concreto (fig. 3). Um croquis de Clorindo Testa indica o papel essencial tanto das rampas de concreto, quanto da urdidura deste material na fachada como recurso de caracterização do programa, preservado o critério racional e genérico adotado em planta. O croquis projeta sobre a superfície da barra uma intenção, que logo a composição da grelha de concreto irá materializar; anuncia como a neutralidade do volume será matizada pela identificação, na fachada, da zona correspondente ao gabinete de governo. Considerando a aproximação desde o centro da cidade, a primeira rampa forma um conjunto indissociável com relação à “puerta del sol”: um ponto focal e uma mudança de direção, apontada pela linha da rampa veicular, levam ao bloco. A segunda rampa, acesso preferencial do público aos escritórios dos ministérios nos pavimentos superiores, estará associada diretamente à praça coberta, e atravessa o edifício (fig. 6). Figura 4. Le Corbusier, Secretariado, Chandigarh, 1950-1958. Fonte: Le Corbusier et son atelier rue de Sévres 35, Oeuvre Complète 1957-1965, Zurich, Les Editions d'Architecture, 1965. Figura 5. Casa de Governo, plantas baixas. Fonte: Summa, n. 2, 1963. Figura 6. Clorindo Testa, croquis, “puerta del sol” e Casa de Governo. Fonte: Berto Gonzalez Montaner, ed., Vanguardias Argentinas. Obras y movimientos en el siglo XX. Buenos Aires, Clarín, 2005. Figura 7. Casa de Governo, cortes. Fonte: Summa n. 2, 1963. Figura 8. Centro Cívico, implantação, primeiro concurso, 1955-1963. Fonte: Berto Gonzalez Montaner, ed., Vanguardias Argentinas. Obras y movimientos en el siglo XX. Buenos Aires, Clarín, 2005. A familiaridade da Casa de Governo com o edifício do Secretariado em Chandigarh já foi inúmeras vezes destacada. Testa nunca negou a influência de Le Corbusier, e a admiração pelos edifícios de Chandigarh, não defraudada pelo conhecimento real dos mesmos.16 Mas há aspectos a relativizar, e um deles é a escala: se a profundidade é semelhante – entre 22 e 24 metros –, o edifício do Secretariado é mais longo, em seus 240 metros, e mais alto, com nove pavimentos. Embora a proporção horizontal se mantenha, a relação entre profundidade e altura é distinta, e o Secretariado é mais uma placa do que uma barra (comparar figuras 4 e 5). Outra diferença interessante tem que ver com a própria relação entre sistema estrutural e distribuição do programa. Na Casa de Governo, a coordenação entre esses âmbitos de decisão tem um papel preponderante no sistema de movimentos do edifício, que é fundamental na sua composição. Do ponto de vista do sistema estrutural, Secretariado e Casa de Governo são bastante equivalentes: a disposição de pilares libera três faixas no sentido longitudinal da planta, complementadas pelas grelhas de concreto nas fachadas opostas. A distribuição dos serviços, como elementos fixos do programa, bem como o sistema de circulação gerado, são entretanto distintos. Le Corbusier dispõe a circulação na faixa central da estrutura, e os núcleos de serviço sobre as duas faixas laterais, alternadamente à direita e à esquerda. Testa, como visto, inverteu esta situação. O movimento pedestre não é favorecido no nível térreo, parcialmente em subsolo, mas conduzido pelas rampas diretamente ao pavimento de acesso, desenhado com a intenção de produzir uma galeria periférica, transitável, suavizando a presença massiva do edifício. Conexões verticais, serviços e vestíbulos fechados recuam para a faixa central, de modo que também nos pavimentos superiores, o que Le Corbusier desenhou como corredor contínuo e livre tem aqui densidade. Na faixa central da estrutura da Casa de Governo há uma sucessão de eventos construídos: formas sólidas que correspondem a núcleos de serviço sucedem a vazios que funcionam como expansões verticais da visão, finalizando com a grande escada circular de acesso às dependências administrativas do governador. Os percursos horizontais duplicam-se em alas de circulação paralelas, mas reunidas a intervalos regulares, de modo que de tanto em tanto o edifício recupera a condição de transparência no sentido transversal, à despeito da densidade de sua faixa interior e das fachadas em concreto. Infelizmente, a ocupação descoordenada dos espaços de escritório ao longo do tempo nem sempre respeitou a lógica de organização deste edifício, engendrando adaptações casuais e pouco eficientes que desfiguram aspectos importantes da proposição original. 16 Para Testa, Chandigarh é melhor na realidade que nas fotografias: “...os edifícios de Chandigarh, como estão postas essas obras no lugar, tudo isso te produz sensações e te dás conta aí de que as fotografias eram más comparadas com isso.” Cf. Ana de Brea e Tomás Dagnino, Señores Arquitectos... diálogos con Mario Roberto Alvarez y Clorindo Testa, Buenos Aires, Ediciones UBROC, 1999, p. 160. Figura 9. Casa de Governo, detalhe da fachada norte, julho de 2008. Figura 10. Casa de Governo, fachada norte, primeira rampa. Fonte: Summa n183/184, 1983. Figura 11. Centro Cívico, segunda rampa e cobertura, julho de 2008. As sombrinhas de concreto armado A respeito desta primeira etapa do Centro Cívico, o precedente internacional no urbanismo corbusiano já foi destacado,17 mas a proposta de Testa pode ser apreciada também como uma espécie de ajuste entre esta ordem moderna, racional, pautada por um critério geométrico e universal, e alguma classe de comprometimento empírico com o meio circundante. A implantação dos elementos arquitetônicos e o agenciamento dos espaços abertos reconhece as condições particulares do terreno, de uma simetria absoluta do ponto de vista geométrico segundo um eixo leste-oeste, coincidente com a direção San Martín e Ruta 5, mas que não se rebate sobre as circunstâncias imediatas de entorno; ao contrário, existe uma certa oposição entre a direção norteoeste e a direção leste-sul, no momento de fundação do Centro Cívico. Se o desenho de Testa pode ser visto como uma resposta a essa dupla condição, de homogeneidade do ponto de vista do parcelamento, com a presença dominante da quadrícula, e de heterogeneidade com respeito ao equilíbrio entre elementos urbanos e naturais, a cobertura central tem aqui um papel fundamental. Não estamos diante da monumentalidade barroca que define o edifício como o foco principal para um eixo de progressão espacial, mas de uma tradição de composição relacional, baseada no emprego de grandes elementos ordenadores do espaço. Como grande peça urbana, a Casa de Governo está colocada de modo a facear o eixo definido pela Avenida San Martín, que de certo modo sublinha e prolonga ao interior do Centro Cívico. A praça cívica é dominada pela cobertura composta por parabolóides hiperbólicos de concreto armado, cuja posição central com relação à totalidade do terreno assinala a existência de um recinto público, como limite entre duas zonas não completamente homogêneas - uma artificial, pavimentada, incluindo estacionamentos, e outra natural, em que se preserva a cobertura vegetal - que a barra de certa forma interpenetra. A cantoneira formada pela barra e por essa cobertura organiza o espaço público que irá arrematar o eixo leste-oeste definido pela Avenida San Martín, como culminação de um percurso que se originou no centro da cidade. Um elemento de arquitetura, não um edifício, exerce um papel de antecipação: a “puerta del sol”. Esse muro esburacado, através do qual se pode enxergar, é que introduz a praça coberta, tendo como pano de fundo a vegetação que cresce sobre a zona mais natural do terreno. 17 Marina Waisman. La obra de Testa: Propuesta para uma lectura. Summa, Buenos Aires, n. 183/184, p. 28, jan./fev., 1983; Roberto Segre, “O realismo mágico na arquitetura argentina”, AU n. 106, pp. 61-67, janeiro, 2003; Vivian Acuña, Centro Cívico de Santa Rosa, em Berto Gonzalez Montaner, ed., Vanguardias Argentinas. Obras y movimientos en el siglo XX. Arquitectura Contemporanea I, vol. 3, Buenos Aires, Clarín, 2005; Roxana Coll, Testa y las tres décadas del Centro Cívico Pampeano. DANA, Documentos de Arquitectura Nacional y Americana, n. 24, p. 48-53, 1987. Figura 12. Centro Cívico, cobertura em concreto armado, com a rampa de acesso ao Palácio Legislativo (1976) ao fundo, e Biblioteca (2006) à direita. Julho de 2008. Figuras 13 e 14. Félix Candela, Laboratórios Ciba (com Alejandro Prieto) e Mercado de Insurgentes, México, 1953-1954. Fonte: Henry_Russel Hitchcock, Latin American Architecture since 1945, New York, Moma, 1955. A cobertura está formada por vinte e oito “sombrinhas” de concreto armado – abóbadas quadrangulares invertidas -, com apoio central cruciforme, que resistem de forma independente. Refletem o interesse do período pelo que Giedion havia chamado “the vaulting problem” em A Decade of Contemporary Architecture, publicação do CIAM posterior à guerra, onde não por acaso se inclui entre os “casos proeminentes” o avanço da arquitetura moderna nos países em desenvolvimento.18 A idéia havia sido exposta no artigo de 1954 na Architectural Record como a “necessidade de imaginação espacial que contém em si mesma a necessidade de sair dos limites funcionais.” A demanda é moderna, mas o exemplo é a lição do Panteon de Adriano em Roma: “a área onde a imaginação espacial pode desenvolver-se mais livremente é o espaço por sobre as nossas cabeças, que não está ao alcance da mão”; a cobertura é, portanto, a zona preferencial para a exploração espacial imaginativa e de força simbólica.19 Giedion ilustra o argumento com dois exemplos latino-americanos - a imagem do projeto megaestruturalista para a Universidade de Tucumán, que atribui a Amancio Williams, mas que é na verdade de Caminos, Vivanco e outros; e o modelo de um parabolóide hiperbólico de Catalano - ao lado do hangar de Wachsmann para Chicago.20 As sombrinhas têm, nesse contexto, particularidades que se rebate sobre o desenho do conjunto. A face acidentada, escultórica, plástica dessa cobertura é visível desde baixo, de modo que o observador próximo é acolhido por superfícies que destacam a presença material, física do concreto, sublinhada pela possiblidade distinta de reflexão da luz que os planos inclinados propiciam. Mas no interesse da visão de conjunto, se preserva a regularidade nas bordas externas, e o que é principal, se preserva a linha superior da cobertura como contínua, que é o que garante à mesma, visualmente, o papel de plano unificador e elemento ordenador do recinto urbano do Centro Cívico. A mesma solução estrutural é empregada na Estação Terminal de Ônibus, localizada no canto nordeste do terreno. Hoje bastante modificada por ampliações, consistia originalmente numa estrutura permeável, formada por uma grande cobertura obtida através do mesmo sistema de abóbadas quadrangulares invertidas de concreto armado, sob a qual organizavam-se seis plataformas de embarque e pequenos núcleos edificados destinados à espera, cafeteria, bilheterias, serviços e controles. Manuel Cuadra encontra um precedente para as sombrinhas do Centro Cívico na obra do arquiteto argentino Amancio Williams, referindo-se aos projetos para o hospital de Corrientes (1948-1953). É certo que o tema da praça coberta é mais latino que corbusiano; também o 18 19 Sigfried Giedion, A Decade of Contemporary Architecture, Zurich, Editions Girsberger, 1954, p. 2. Sigfried Giedion, The State of Contemporary Architecture. The need for imagination, Architectural Record, fev., 1954; reproduzido em Sigfried Giedion, Arquitectura e Comunidade, Lisboa, Livros do Brasil, [1956], versão utilizada, pp. 126-127. 20 Sigfried Giedion, A Decade of Contemporary Architecture, op. cit., p. 262. desenho de Williams para uma estação de serviço em Avellaneda (1954-1955) sugere um recurso compositivo semelhante àquele usado por Clorindo Testa no Terminal de Santa Rosa, com a sugestão da grande cobertura flutuando sobre a pequena edificação e as áreas de embarque (fig. 15). Mas no que concerne a definições mais específicas de desenho e solução estrutural, as sombrinhas de Testa parecem mais próximas daquelas que Felix Candela vinha construindo desde 1952 no México (figs. 13 e 14), com base no trabalho de Aimond sobre os parabolóides hiperbólicos.21 Talvez posteriores às de Williams, mas executadas, e figurando inclusive entre as obras de Candela publicadas por Hitchcock em Latin American Architecture Since 1945.22 Com a construção do Palácio da Legislatura, entre 1972-1976, enfrentado à Casa de Governo e estruturando a fachada norte do recinto do Centro Cívico, a cobertura central confirma o papel de elemento articulador no sentido transversal à área, passando a funcionar como uma espécie de galeria coberta que articula os dois edifícios, onde descarregam as rampas, também cobertas, de acesso aos mesmos (fig. 12). Figura 15. Amancio Williams, projeto para uma estação, Avellaneda, 1954-1955. Fonte: Roberto Fernández, Desert and Selva: from Abstraction to Desire. Notes on the Regionalist Dilemma in Latin American Architecture, Zodiac n. 8, 1992. 21 Ver Colin Faber, Las estructuras de Candela, México, Compañia Editorial Continental, 1970, p. 51. O referido trabalho: F. Aimond, “Etude Statique des Voiles Travaillant sans Flexion”, 1936. 22 Henry-Russel Hitchcock, Latin American Architecture Since 1945. The Museum of Modern Art, 1955, p. 104-105; Laboratórios CIBA (1953) e armazéns em Insurgentes (1954). Sobre a situação atual Com relação ao temário estabelecido pelo Docomomo Sul, que busca focalizar o papel do concreto armado em certo marco geográfico e temporal, a proposta inaugural de Testa para o Centro Cívico de La Pampa, tal como consolidada entre os anos 1955-1963, integra, do ponto de vista cronológico, o que o seminário chama “década e meia revisionista que questiona uma unidade ortodoxa a partir de meados de 1950”. Embora relações entre brutalismo e preocupações identitárias tenham sido destacadas no que se refere à cena internacional durante o mesmo período,23 a contribuição de La Pampa não está no plano de um discurso sobre o regional. Pelo menos à princípio, não se trata de uma proposição formulada como resposta a elementos de uma identidade local previamente constituída. O desenho de Testa, resultado de uma atitude ativa perante o contexto que integra e afirmativa perante a tradição moderna, manifesta uma condição de abertura ao futuro, de um certo radicalismo interessado em transformar o lugar onde se inscreve segundo um projeto modernizador. Mas La Pampa não é qualquer lugar. Aqui, me parece, reside uma contribuição importante desta obra à tradição moderna, que tem mais que ver com uma modernidade que se prova universal através do particular que com a exaltação do caráter ou da identidade local. Para afirmar uma validade universal, os repertórios e estratégias modernos precisam ser ensaiados em condições reais, específicas, e mesmo limitadoras, das situações localmente definidas. No ensaio moderno de Testa, La Pampa é um campo de prova para essa modernidade que aspira uma dimensão de universalidade. É apenas nesse sentido, divisado nos cinqüenta por Giedion como “universalismo de múltiplas faces”,24 que se poderia falar de um regionalismo, um sentido certamente distante da base programática do “regionalismo crítico” dos oitenta. Mesmo anos depois, na entrevista publicada por Bayón e Gasparini em 1977, Testa contesta à pergunta sobre “internacionalização ou regionalização” na arquitetura latino-americana em favor da primeira, mas tem presente a questão dos materiais, do sistema construtivo e do lugar como parte essencial do problema de projeto: “...eu creio que [a tendência é] para a internacionalização. Claro, porque é um pouco o problema latino-americando. Na realidade, são por definição países subdesenvolvidos. Agora, eu creio que depende de onde fazes tuas obras e qual a oportunidade que se oferece. Me parece lógico fazer uma casa de barro e com telhado de palha, se tivesse que fazê-la, não sei, na meseta dos Andes ou em qualquer lado onde os únicos materiais que tivesse fossem estes. Onde as pessoas vivem de uma certa maneira que, partindo da base, digamos, que nem a técnica, nem o dinheiro, nem nada me permite usar outros elementos, 23 24 Com relação à obra dos Smithsons, por exemplo. Sigfried Giedion, A Decade of Contemporary Architecture, op. cit., p. 2. A discussão do “novo regionalismo” havia sido levantada por Giedion em The State of Contemporary Architecture: The regional approach, Architectural Record, janeiro de 1954. que não podem ser transportados ali e armados, pela mesmo motivo por que são países subdesenvolvidos. Mas se tens de construir uma casa em Buenos Aires ou no Rio de Janeiro tens tudo, e me parece que a mesma especulação seria absurda. (...) [A casa Errázuris que Le Corbusier projeta para o Chile] também se pode fazer na campina francesa.”25 O Centro Cívico que Testa desenhou para Santa Rosa nos anos cinqüenta correspondia a uma idéia moderna de cidade e arquitetura, naquele momento, nova. Depois, o tempo e o uso fizeram a sua parte. Se o verdadeiro sentido de pertencimento ao lugar lhe foi acrescentado, aquele que cada comunidade nega ou confere aos seus edifícios e monumentos, algo se perdeu da sua forma original. Como âmbito urbano, o Centro Cívico representa hoje uma importante referência simbólica na vida da comunidade. Todos os seus edifícios estão em pleno uso, e como tal, foram sofrendo inevitáveis modificações em seus espaços interiores, especialmente a grande barra da Casa de Governo. Do ponto de vista técnico, as estruturas de concreto armado encontram-se íntegras e em bom estado. Porém, parte da manutenção teve como resultado negativo a pintura recente de todas as superfícies de concreto armado, inclusive aquelas em concreto à vista (fig. 11 e fig. 16). Contrariamente à essência compositiva dessas obras, a cobertura central e as grelhas de concreto da Casa de Governo foram pintadas em branco e ocre. Sob a tinta, ocultos, estão agora os tons e as texturas do concreto original. Figura 16. Casa de Governo, julho de 2008. 25 Damian Bayón; Paolo Gasparini, Panorámica de la Arquitectura Latinoamericana, Barcelona, Editorial Blume, Unesco, 1977, p. 24. Bibliografia ACUÑA, Vivian. Centro Cívico de Santa Rosa, em Berto Gonzalez Montaner, ed., Vanguardias Argentinas. Obras y movimientos en el siglo XX. Arquitectura Contemporanea I, vol. 3, Buenos Aires, Clarín, 2005. BAYÓN, Damian; GASPARINI, Paolo. Panorámica de la Arquitectura Latino-Americana. 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Imprimir Experiências em concreto armado na África Portuguesa: influências do Brasil Ana Cristina Fernandes Vaz Milheiro Doutorado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Arquitecta e Mestre em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa Rua dos Douradores, 29 – 2 andar 1100-206 Lisboa, Portugal avmilheiro@gmail.com 00351966208523 Fechar Experiências em Concreto Armado na África Portuguesa Influências do Brasil Existe uma proximidade entre a cultura moderna brasileira e Portugal que pode ser identificada através das influências sentidas na produção arquitectónica portuguesa. É possível enumerar casos de estudo que provam as afinidades existentes durante o século XX e que se reflectiram num entendimento muito particular do Movimento Moderno e da sua progressão num contexto de afirmação pela “localidade”. Genericamente, estas relações iniciaram-se com Brazil Builds – Architecture New and Old 1652-1942, que os portugueses conhecem desde meados da década de quarenta, progredindo até à inauguração de Brasília que marca o declínio do interesse português na arquitectura do Brasil. Manifestam-se todavia, em caso muito particulares, após o fecho da cronologia moderna – como prova o Edifício Sede da Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre de Álvaro Siza, obra já do século XXI. As qualidades plásticas da arquitectura brasileira – consequência do uso e exploração das potencialidades do concreto armado – podem ser detectadas em alguns exemplos construídos em Portugal durante os anos cinquenta. A influência determinante de Oscar Niemeyer é a mais documentada. Niemeyer chegou mesmo a construir em território português – na ilha da Madeira – o Hotel-Casino do Funchal, obra dos anos sessenta inaugurada após a Revolução de 1974. Nunca visitou a ilha e o desenvolvimento do projecto deveu-se a Alfredo Viana de Lima, arquitecto portuense grande admirador de Le Corbusier, que chegaria a realizar outros projectos em co-autoria com o arquitecto carioca, mas que não se concretizariam. Um fenómeno semelhante de influências estendeu-se aos antigos territórios coloniais africanos, onde Portugal manteve soberania até 1975. Aqui, todavia, o interesse na produção brasileira persistiu mais tempo se comparado com a metrópole. Tanto em Angola como em Moçambique assistiu-se a uma forte actividade construtiva durante as décadas de cinquenta/sessenta, prolongando-se até ao inicio dos anos setenta onde o recurso ao concreto armado se intensificou como prática dominante. Em alguns casos o seu uso traduziu-se em explorações plásticas originais. O exercício da arquitectura nos antigos territórios da África portuguesa beneficiava de alguma liberdade conceptual e, na generalidade, a qualidade do operariado não se diferenciava daquele que trabalhava no Portugal Ibérico. Dentro do contexto descrito serão aqui apresentados três casos de arquitectos com obra relevante em Angola e Moçambique, que construíram em concreto e, simultaneamente, tiveram ou manifestaram afinidades com a arquitectura brasileira do mesmo período. Em Angola, recorda-se o percurso de Francisco Castro Rodrigues, no Lubito entre 1953 e 1987, e de Fernão Lopes Simões de Carvalho, autor do Plano Director de Luanda, onde permaneceu de 1960 a 67. Em Lourenço Marques (actual Maputo), encontrava-se Amâncio d'Alpoim Miranda Guedes, conhecido por Pancho Guedes, que manteve uma actividade profissional entre 1951 e a data da independência da antiga colónia portuguesa, fixando-se em seguida na África do Sul. Tratando-se de uma área de investigação ainda pouco aprofundada, esta primeira aproximação apoia-se preferencialmente nos testemunhos destes três arquitectos, os primeiros, actualmente a viverem em Portugal e o último entre Lisboa e a África do Sul. Experiences with Reinforced Concrete in Portuguese Africa The Brazilian Influence There is a proximity between modern Brazilian culture and Portugal that is identifiable in the influences of the former on Portuguese architectural output. It is possible to list study cases that document the affinities that existed during the 20th century. These are reflected in a very particular understanding of the Modern Movement and its progression in a context of affirmation of “locality”. Generally speaking, the relationship began with Brazil Builds – Architecture New and Old 1652-1942, with which the Portuguese became acquainted from the 1940s onwards. It progressed until the inauguration of the new capital Brasilia, which marked the beginning of a decline in Portuguese interest in the architecture of Brazil. However, in very specific cases the relationship continues to manifest itself after the end of the modern period – as embodied by Álvaro Siza’s building for the Iberê Camargo Foundation in Porto Alegre, which is a work of the 21st century. The sculptural qualities of Brazilian architecture – a result of the exploitation and use of the potentials of reinforced concrete – can be identified in some examples built in Portugal in the 1950s. The decisive influence of Oscar Niemeyer is the most documented. Niemeyer even built a project in Portugal – the Funchal Hotel Casino on the island of Madeira – which was designed in the 1960s and opened after the revolution of 1974. He never visited the island and the project’s development was very much due to Alfredo Viana de Lima, an architect from Porto who was a great admirer of Le Corbusier and who was to go on to co-design a number of other projects with the architect from Rio which were never built. A similar phenomenon in terms of influences extended to the former colonies in Africa, which remained under Portuguese control until 1975. Here, however, the interest in Brazilian output persisted longer than in Portugal. Both Angola and Mozambique experienced something of a construction boom during the 1950s and 60s and extending into the 70s, where the use of reinforced concrete gradually established itself as the dominant practice. In some cases, the use of this material produced some highly original sculptural creations. The practice of architecture in the former Portuguese colonies in Africa benefited form a certain degree of conceptual freedom and, in general terms, the quality of workmanship was no different to that in Portugal itself. In the aforementioned context I will present three cases of architects with a relevant body of work in Angola and Mozambique who built in concrete and, at the same time, had or showed affinities with Brazilian architecture of the same period. In Angola, I will be highlighting the career of Francisco Castro Rodrigues, in Lubito from 1953 to 1987, and Fernão Lopes Simões de Carvalho, who designed the Master Development Plan for Lourenço Marques (now Maputo), where he lived from 1960 to 1967. And in Lourenço Marques, Mozambique I will look at the work of Amâncio d'Alpoim Miranda Guedes, who was known as Pancho Guedes and who worked in the city from 1951 to the year of independence from Portugal, when he moved to South Africa. Given that this is an area in which little research has yet been done, this first approach is based primarily on accounts by the three architects, the first two are now living in Portugal and the last one between Lisbon and South Africa. Concreto Armado Arquitectura moderna na África Portuguesa Arquitectura moderna no Brasil Reinforced concrete Modern Architecture in Portuguese Africa Modern Architecture in Brazil Experiências em Concreto Armado na África Portuguesa Influências do Brasil 1. África Portuguesa Art.3º. Os domínios ultramarinos denominam-se colónias e constituem o Império Colonial Português. Acto Colonial, 1930 Com o Acto Colonial de 1930 inicia-se a época moderna nas relações entre Portugal e os seus territórios coloniais. Este é também o momento de arranque do ciclo político da ditadura de inspiração fascista associada ao governo de António Oliveira Salazar (1889-1970). Da longa relação que Portugal tem com África, a arquitectura moderna, principalmente a realizada após a II Guerra, quando se dá a implementação do Estilo Internacional na metrópole, é um elemento material fundamental na construção do período contemporâneo. A presença portuguesa no continente remonta, todavia, ao final do século XV, estendendo-se até 1975, um ano após a Revolução de Abril que termina com o regime salazarista. Os diversos territórios do Império Português foram marcados por diferentes estratégias coloniais. Em Angola e Moçambique só a partir do século XIX se assiste a um fortalecimento generalizado da “ocupação” territorial, ainda que insuficientemente concertado (Dáskalos, 2008:63). Os investimentos foram dependendo da evolução das relações comerciais e económicas traçadas entre a metrópole e outras regiões continentais não africanas do Império. Estes factos são igualmente explicados por diversos estudos no domínio da arquitectura e do urbanismo na África Portuguesa. “A importância geográfica da África Oriental”, a que pertence Moçambique, “enquanto corredor privilegiado na rota litoral industânico torna-se um factor inquestionável” (Morais, 2001:17) justificando a implantação quinhentista da Ilha de Moçambique, por exemplo. Já Angola “tinha inicialmente um papel subalterno, limitado ao fornecimento de escravos para o Brasil, o que se reflectiu no reduzido desenvolvimento … até ao início do século XX” (Salvador, Rodrigues, 2006). Alterações na relação entre a metrópole e as suas possessões não africanas acabam assim por se reflectir em África. A desagregação do comércio no Índico ou a emancipação do Brasil enquanto nação em 1822 criam novas oportunidades (Dáskalos, 2008:58). Primeiro, ainda durante Oitocentos, marcadas pela iniciativa individual, “homens que, entregues a si próprios, …foram penetrando e interagindo em território desconhecido, em função das suas capacidades genuínas” (Fonte, 2007:29); depois por uma forte presença do Estado que se consolida no século XX. A historiografia recente tem evoluído no sentido de atribuir à I República – que cria o Ministério das Colónias (1911) – a aplicação de “um modelo de colonialismo moderno em África” (Dáskalos, 2008:35). Alguns princípios de desenvolvimento republicano, como o do General Norton de Matos (1867-1955) – duas vezes governador de Angola antes do Estado Novo – serão retomados por Adriano Moreira na sua breve passagem pelo Ministério do Ultramar (MU) entre 1961-62. Tratando-se aqui de analisar arquitectura moderna, o contexto do salazarismo e o seu posicionamento face às colónias é fundamental por se encontrarem os fenómenos da presença arquitectónica moderna nas colónias africanas associados aos planos de desenvolvimento traçados pelas políticas estado-novistas. Com o golpe militar de 28 de Maio de 1926 inicia-se um processo político que conduzirá ao salazarismo, consagrado na nova Constituição de 1932, aprovada no ano seguinte. Durante a ditadura militar que antecedeu a nomeação de Salazar pelo General Carmona para Presidente do Conselho Político Nacional, este acumula o Ministério das Finanças com a pasta interina das Colónias. A crise angolana de 1930 “dá oportunidade … para assegurar a adopção… do famoso Acto Colonial” (Léonard, 1996: 47). Como explica Yves Léonard em Salazarismo e Fascismo, “o [seu] tom fortemente nacionalista … acentua, sem qualquer tipo de ambiguidade, as intenções colonialistas do regime, ao mesmo tempo que lhe assegura um aumento de popularidade junto dos organismos que apoiam a ditadura” (Idem). Como ideias-chave ocorrem “por um lado, o direito histórico de possuir e colonizar, por outro, «o de civilizar»” (Sousa, 2008:33). A II Guerra trará alterações internas motivadas, em parte, pelo aumento da importância da economia colonial gerando “ímpetos autonomistas” que tomam a emancipação do Brasil como modelo, na “esperança de construir nas próximas décadas, em terras de além-mar” novos “Brasis” (Araújo Correia, 1945, cit. Rosas, 1995:444). A referência ao Brasil não servirá somente objectivos autonomistas. Também o regime recorrerá a partir dos anos cinquenta ao luso-tropicalismo do pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987) de modo a defender a imagem de um país multirracial espalhado por diferentes territórios continentais e assim legitimar a continuidade da administração portuguesa (Castelo, 1998). Externamente, a vitória Aliada dificulta o objectivo do regime em manter inalienáveis as possessões africanas, o que reforçará um investimento infra-estrutural e económico conduzido através da metrópole. O incremento da construção repercute-se na criação do Gabinete de Urbanização Colonial (GUC, 1944) depois Gabinete de Urbanização do Ultramar (GUU), sob alçada do MU, onde se traçam “as grandes linhas orientadoras do planeamento e da obra pública” (Salvador, Rodrigues, 2006). “A cidade portuguesa deixou, desde então, de poder crescer…ao sabor dos seus impulsos naturais e dentro dos cânones unicamente da tradição”, como se reconhece em 56 (Luís Silveira cit. Fonte, 2007:120). Reforça-se o objectivo progressista na estruturação do território urbano. Terá consequências na aplicação in loco da aprendizagem racionalista, que no caso das cidades do Lubito e de Luanda, por exemplo, é apreendida entre a Carta de Atenas recepcionada em Lisboa a partir de 45 e os princípios urbanísticos leccionados no Institut d’Urbanisme da Universidade de Paris, como comprovam os seus Planos directores da autoria de Francisco Castro Rodrigues (n.1920) e de Fernão Lopes Simões de Carvalho (n.1929), respectivamente. Concluídos durante os anos sessenta, são já redesenhados localmente, provando que a tendência centralizadora do regime começa a ser contestada pela exigência de um maior realismo na execução dos projectos quer urbanos quer de edifícios públicos. Castro Rodrigues apresentando o Plano Director do Lubito Dentro da acção política e de modo a contrariar quaisquer movimentos de autonomia, “o Acto Colonial seria revisto em 1951, mas num sentido de claro reforço do integralismo ultramarino” modificando somente aspectos superficiais na relação da metrópole com as colónias (Rosas, Idem). Uma nova revisão constitucional, já de 71, desencadeada pelo governo de Marcelo Caetano (1906-1980) abre a possibilidade de uma “autonomia progressiva”, “apesar da oposição dos meios mais conservadores” (Castelo, 1998:66). Sente-se a pressão dos conflitos militares desencadeados na década anterior em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Mas só em 1972 se notarão os seus reflexos no abrandamento da construção civil, inicialmente acelerada com a guerra colonial que, como pragmaticamente explica o arquitecto Simões de Carvalho então sediado em Angola, ”foi um grande empurrão” (23/06/2008). Tomam-se medidas de incentivo como a descida das taxas de juro ao crédito imobiliário em 64 (Albuquerque, 1998:117). Em Moçambique segundo testemunha Amâncio d'Alpoim Miranda Guedes (n.1925) “em 1971 havia ainda imensa actividade” (18/06/2008). Empresas privadas, como o Gabinete de Arquitectura, Urbanismo e Decoração (GAUD) na Beira (Moçambique) dos arquitectos Bernardino Ramalhete e Naya Marques, empregam oito arquitectos, quatro engenheiros civis e cerca de 30 técnicos (Albuquerque, 1998:129). A sua dimensão revela uma demanda elevada de projectos no arranque de 1970. Não significa contudo que a sociedade colonial não sentisse os efeitos da guerra. No relatório da Câmara Municipal do Lubito, para o ano de 61 pode ler-se: “Não se realizaram as «Festas da Cidade» … devido à eclosão do terrorismo no Norte de Angola” (CML, s/d:68). A situação normaliza-se no ano seguinte. Alguns arquitectos deixam os territórios coloniais. Mas esta movimentação é compensada com a vinda de novos profissionais. Nesta dinâmica migratória, há os movidos por expectativas que a metrópole não oferece e os que são já nascidos nas colónias. O intervalo entre o pós-guerra e o arranque dos anos setenta baliza assim a produção moderna na África Portuguesa. Isto não obstante a existência de práticas progressistas e de espírito higienista desde os anos trinta (Fonte, 2007). A implantação de uma linguística moderna acarreta naturalmente a vulgarização de sistemas construtivos inovadores e tecnicamente mais exigentes – caso do concreto armado. Todas estas dinâmicas dependem igualmente da renovação estilística e arquitectónica que a metrópole inicia com a proximidade dos anos cinquenta. Discussões sobre a nova arquitectura e sistemas construtivos dela decorrente, assim como sobre a especificidade do trabalho do arquitecto colonial são desencadeadas durante as sessões do I Congresso Nacional de Arquitectura de 1948, conforme é transcrito nas actas: “Foram feitas sugestões no sentido de facilitar o tirocínio de arquitectos nas Colónias, contribuindo para fixar alguns deles no Ultramar, com manifesta vantagem para a arquitectura colonial e para o País.” (SNA, 1948: XXXIX). Significativamente o facto mais marcante do Congresso é o reconhecimento da inexistência de uma cultura moderna em Portugal situação que afecta o próprio progresso arquitectónico colonial. 2. Arquitectura Moderna Não puderam criar ainda os Arquitectos portugueses uma Arquitectura Funcional, bem resolvida, a que fosse possível chamar a nossa Arquitectura colonial, variada consoante os locais, una quanto às preocupações de melhor defesa das condições de vida humana, quer a do indígena, quer a do colono. João Simões, 1948 O regime salazarista é essencialmente “antiparlamentar, antidemocrático, antiliberal e anticomunista, nacionalista, corporativo e repressor, dotado de um partido único” (Léonard, 1996:187). Estas características remetem para uma valorização do passado e principalmente para um esforço de “portugalidade” que se comunica aos vários níveis da sociedade portuguesa e, por extensão, da colonial. Muito embora, historiadores de arquitectura como Pedro Vieira de Almeida argumentem contra a existência de uma arquitectura de regime (Almeida, 2002:29), os testemunhos dos arquitectos contemporâneos ao Estado Novo tendem a identificar essa presença como extremamente forte (Pereira, 1996). O Congresso de 48 permite expressar pública e concertadamente a frustração de muitos profissionais perante essa suposta “psicose” criada pelo governo “de retorno às formas do passado” (Ernâni Soares In: SNA, 1948:20). Como questão fulcral está a opção por uma “arquitectura tradicional ou de feição nacionalista”, cujos principais argumentos são expostos por Inácio Peres Fernandes (1911-1989), no relatório final que agrupa as teses discutidas durante o primeiro tema intitulado “A Arquitectura no Plano Nacional” (SNA, 1948:183). As opiniões distanciam-se por, ora recusarem qualquer exteriorização de portuguesismo, ora rejeitarem o facilitismo do novo funcionalismo. No centro destas posições contrárias, estão obviamente os sistemas construtivos coevos. Se os “modernos” reclamam uma arquitectura que não continue a impor-se “através da imitação dos elementos do passado, sobretudo quando os processos de construção não sejam os tradicionais”; os “conservadores” exigem uma “Arquitectura Nacional, relacionada com os materiais de que se dispõe”, reforçando que não se poderá “descriminar por elementos construtivos a época em que vivemos” (Idem). Este debate permite situar o modo como os sistemas de construção modernos são abordados num país onde a maioria pratica ainda “métodos anacrónicos de trabalho”. Nesse contexto, Paulo Cunha, vice-presidente do Sindicato, exigirá “meios para aumentar os …conhecimentos técnicos” que permitam ao arquitecto português familiarizar-se “com os progressos ùltimamente obtidos no campo da construção” (In: SNA, 1948:9). A criação de organismos para investigação de tais problemas é, desde já, da maior oportunidade, para centralização dos conhecimentos técnicos que importa aplicar em presença de uma orientação particular, resultante das exigências económicas ou dos meios social ou climático, na tradução das obras de Arquitectura. E, se o exemplo dos estudos de edifícios ou de planos de urbanização destinados às nossas Colónias, cuja orientação se impõe, tem dificuldades, os problemas que igualmente demandam investigação na nossa Metrópole são, por vezes, mais difíceis de conciliar pela influência de anacrónicos processos de construção, cuja pesada rotina, algum dia será necessário alijar. (Cunha, Idem: 12) Paulo Cunha formado na Escola de Belas Artes de Lisboa (EBAL) em 36 tinha sido próximo do engenheiro Duarte Pacheco (1899-1943) que lhe confiara projectos urbanísticos importantes para a margem sul do Tejo, caso dos planos do Montijo, Alcochete ou Amora. Esteve igualmente ligado à reforma dos quartéis – no âmbito da qual terá trabalhado para a Guiné – e foi autor de equipamentos portuários como o edifício da administração do porto de Setúbal (1940). Acredita então que a “arquitectura é o primeiro promotor da construção”, daí o teor da sua comunicação ao Congresso (Rodrigues, 10/07/2008). Conforme reconhece, as colónias constituem um território mais disponível à experimentação construtiva. Deve provavelmente ter-se dado conta que se tratam de regiões menos pressionadas com a presença de sistemas construtivos tradicionais – uma vez que os métodos indígenas não chegam a ser considerados suficientemente consistentes para se tornarem concorrentes. Observações destas contribuem para consolidar a ideia de que há uma maior liberdade na prática colonial que se reproduz conceptual e construtivamente. Este facto é continuamente recordado por arquitectos que nunca se fixaram nas colónias, ainda que tenham beneficiado de encomendas para esses locais, caso de Nuno Teotónio Pereira (n.1922). Do lado “moderno” há portanto uma adesão aos sistemas mais progressistas. Representantes da ala internacionalista interpretam a pré-fabricação como uma resposta “ao apelo da originalidade: combinação múltipla dos elementos estandardizados. Matemàticamente dir-se-ia combinação de n objectos...” (Mário Bonito In: SNA, 1948:49). Reconhece-se igualmente a exploração plástica potenciada pelos novos materiais que proporcionam “vastos e insuspeitados horizontes… ao técnico moderno, dando-lhe possibilidades de criação de formas” que representam “a expressão conveniente para os edifícios necessários às hodiernas actividades” (Miguel Jacobetty Rosa In: SNA, 1948: 71-72). A associação de formas novas ao concreto armado é uma declaração por uma linguagem moderna onde o imaginário ligado à máquina é soberano. Esta assegura a evolução e as “constantes ofertas de novos materiais devidas às pesquisas”. Em contrapartida, e apesar dos “inúmeros recursos postos hoje à disposição dos construtores…o País continua mal preparado, mal apetrechado em tudo o que diz respeito à construção” (Arménio Losa In: SNA, 1948:263). “Aberrações construtivas” é, por seu lado, o termo utilizado por João Simões para categorizar alguns exemplos de arquitectura realizada nas colónias que reflectem “simples transplantações de tradicionalismos metropolitanos” (SNA, 1948: 147). Da mesma geração de Paulo Cunha, muitas vezes praticante de uma linguagem mais “conservadora” e dentro da linha “oficial”, assina a única comunicação que se ocupa directamente do arquitecto nas colónias. Não é referência nova entre os círculos profissionais. A historiadora Ana Isabel Ribeiro, por exemplo, dá notícia de que a “protecção do trabalho dos arquitectos portugueses, em Lisboa e Angola” e a “situação dos arquitectos em exercício nos Quadros de Obras Públicas nas então colónias ultramarinas portuguesas” são assuntos que prendem o Sindicato Nacional do Arquitectos às vésperas da II Guerra, antes mesmo de ser ocupado por uma gerência mais “progressista”, apesar da direcção de Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957) (Ribeiro, 2002: 203). Em “A profissão de Arquitecto nas Colónias” Simões classifica de colonial a arquitectura que praticam “os Franceses no Norte de África, os Belgas no Congo e os Holandeses na Ásia” (Idem). Enquanto destaca que o modelo está do lado de outros povos colonizadores – suprimindo, por exemplo, o caso sul-africano, possuidor de uma cultura corbusiana enraizada desde os anos trinta – também aponta o insucesso das realizações portuguesas. Como genro do construtor civil Amadeu Gaudêncio tem acesso a importantes encomendas do Estado. É igualmente membro do Partido Comunista Português (PCP), militância que o une a Castro Rodrigues e a José Huertas Lobo (1914-1987) com quem fará sociedade entre 46 e 53. Nesse âmbito farão projectos para a África Portuguesa. Castro Rodrigues enumera alguns: roça de café em São Tomé e Príncipe (edifícios fabris, residências para trabalhadores e um pequeno hospital, para a família Sousa Lara?); bloco de habitação para a família Poças na Praia (Cabo Verde); centro de saúde ampliável a hospital de 50 camas para a Guiné (repetido e construído em Cabinda, Angola) e a “Casa Sol”, também edifício de habitação colectiva, para a família Seixas no Lubito, 1952. O último, sendo desenhado por Castro Rodrigues, é assinado por todos de acordo com a prática corrente do escritório (Rodrigues, 10/07/2008). João Simões foi ainda chamado para dirigir o GUC, antes da gestão de João Aguiar (1906-1974), para onde faz transitar os seus projectos coloniais. Na tese sobre Urbanismo e Arquitectura em Angola, Maria Manuela da Fonte levanta o Hospital de Malange de 51, cujos elementos arquitectónicos remetem, segundo a investigadora, “para um código da arquitectura popular portuguesa” talvez por se destinar essencialmente à “população europeia” (2007:442). Em 48, Simões não chega a enunciar os princípios de uma arquitectura “tropicalista” ainda que alusões ao clima ou à geografia perpassem o seu discurso. O essencial das suas propostas, que são de índole corporativa, é adoptado nas conclusões finais do Congresso. Entre estas sobressai a exigência “de que sejam criados vários gabinetes de urbanização em todas as colónias sob a superior orientação dos Arquitectos” (SNA, 1948:184). A figura do “Arquitecto nas Colónias” ganha autonomia no quadro profissional da metrópole, sendo-lhe reconhecida uma especificidade. Por isso e “para que os resultados sejam rápidos e profícuos, urge adaptar o próprio ensino da Arquitectura, facilitando a aprendizagem nesta especialidade” (Simões In: SNA, 1948:149). 3. Arquitecto nas Colónias Não fui, pois, descobrir a pólvora. Mas estava, finalmente, longe e livre dos Rauis Linos e Regaleiros, os Césares que chumbavam tudo o que fosse arquitectura moderna, porque «marxista» segundo credos e ideologias. Francisco Castro Rodrigues, Faculdade de Arquitectura da UTL, 27/03/2001 A arquitectura moderna irá funcionar como um escape à obrigatoriedade que os arquitectos portugueses sentem na metrópole em cumprir esquemas historicistas: “Le Corbusier era o nosso mentor clandestino”, afirma Francisco Castro Rodrigues (17/06/2008), o primeiro caso de estudo aqui tratado. Ex-colaborador de Paulo Cunha (com quem aprende a desenhar beirais “à portuguesa”) e ex-parceiro de atelier de João Simões. É contratado pela Delegação Comercial do MU após passagem pelo GUC onde estava encarregado com Aguiar do Plano de Urbanização do Lubito, cidade litorânea de Angola. Em Novembro de 1953, depois de onze meses de espera, e já contratado como avençado da prefeitura do Lubito é finalmente autorizado a partir. O seu contacto com a realidade colonial, como aliás acontece com a maioria da sociedade portuguesa metropolitana, mesmo nos meios intelectuais, revela-se deficiente (Sousa, 2008): “À sua chegada, confrontado com o sítio… e, acima de tudo, com o desajuste do plano ao sítio… percebeu que a nova realidade com que se deparava exigia novas reflexões” (Fonte, 2007: 203). Este sentimento era corrente entre os arquitectos que, trabalhando em projectos para as colónias na metrópole, acabavam por se fixar nos territórios ultramarinos. Toma-se aqui como exemplo o percurso de Castro Rodrigues por reunir alguns dos traços que caracterizam um profissional da sua geração: uma formação académica conservadora combatida por uma fixação nos movimentos modernos internacionais. Acresce ainda uma expressiva militância política; enquanto membro do MUD Juvenil que se dispersa em 50/51 (organismo decorrente do Movimento de Unidade Democrática criado a Outubro de 45 e proibido em Março de 48), do PCP (do qual se afasta nos anos cinquenta) ou como delegado em Angola de Humberto Delgado (1906-1965) às eleições presidenciais de 58 (incumbência que “herda” por ser o único “inscrito nos cadernos eleitorais” da entretanto extinta Comissão de apoio a Arlindo Vicente) (26/06/2008). (Confessa inclusive ser esta a única eleição em que vota). A acção política, não sendo unânime entre os arquitectos portugueses que atravessam a II Guerra, é elemento valorizado pela historiografia contemporânea por representar duas frentes caras ao período pós 1974: o anti-historicismo e o anti-salazarismo. Embora as colónias africanas tenham também sido uma oportunidade de fuga ao regime – o que irá acontecer com Castro Rodrigues, preso no Aljube em 1947 e que vê no convite para se fixar no Lubito pelo presidente da prefeitura Comandante Pina Cabral uma oportunidade para escapar à falta de trabalho na metrópole – existia equilíbrio político. Valeu-lhe todavia já não possuir ligações ao Partido Comunista. Mas nem sempre um arquitecto progressista significava um oponente ao regime. O próprio Castro Rodrigues explica que ser do “contra” não era necessariamente “do salazarismo em si, mas das dificuldades que [o regime] colocava ao [desenvolvimento] de Angola; à sua expansão, à transferência de verbas” (Idem). A impossibilidade de praticar o ideário moderno começa na EBAL. Castro Rodrigues frequenta-a durante o período da II Guerra. Insiste repetidamente na diferença com a congénere portuense, onde o “progressista” Carlos Ramos (1897-1969) é admitido professor nos anos quarenta: “Os arquitectos do Norte criaram de facto uma grande escola de arquitectura moderna, funcional, capaz e útil. [Lisboa] não.” (Idem). Defende tese em 1950 com um conjunto de edifícios da Fábrica Amoníaco Português, Estarreja, 1ª fase, 1945-7, contrariando as disposições do mestre Cristino da Silva (1896-1976) que preferia projectos não construídos. Até à saída para o Lubito revelase um activista na defesa da nova arquitectura. Ainda como tirocinante participa no Congresso com teses partilhadas com João Simões e Huertas Lobo, onde surgem duas das raras menções à arquitectura brasileira então proferidas (Milheiro, 2005:288). Pertence ao grupo que reforma a Arquitectura em 47 (“comprámos a revista … ao desenhador Francisco Pereira da Costa”), propriedade do grupo ICAT (Iniciativas Culturais Arte e Técnica) “dinamizado por Francisco Keil do Amaral (1910-1975), com sede provisória no atelier de João Simões” (Tostões, 1997:24). O papel reformista das ICAT é todavia recusado por Rodrigues que mantém tratar-se “apenas [da] cobertura da revista”, “um carimbo”, que permitia a sua edição (17 e 26/06/2008). Em 53, às vésperas da partida, realiza-se em Lisboa o congresso da União Internacional de Arquitectos. Empenhado num processo de aceitação externa do regime, “Salazar abriu as portas” (26/06/2008). Rodrigues, à época membro da Comissão de Exposições do Sindicato com Keil, à qual se junta o jovem Rafael Botelho, entretanto contratado, integra a equipa de montagem das diversas exposições internacionais. Entre estas, será apresentada uma mostra da moderna arquitectura brasileira que alarga claramente o espectro das obras expostas em 48 no Instituto Superior Técnico e que contribuíra para a sua divulgação inicial na metrópole. Na comitiva oficial chegam a Lisboa Wladimir Alves de Souza e Lúcio Costa: “Fui para Angola cheio de Brasil e de Arquitectura” (17/06/2008). Este interesse prolonga-se no Lubito, com o Núcleo de Estudos Angolano-Brasileiros, com ligações à Universidade da Bahia, partilhando a direcção com o casal de “oposicionistas” Sérgio Príncipe e Maria da Conceição Nobre. “Fizemos várias exposições no Lubito: pintura, desenho, poesia e arquitectura” (26/06/2008). Das iniciativas realizadas durante o início dos anos sessenta, e integradas na Comissão Municipal de Turismo, destaca-se a exposição de Arquitectura Moderna Brasileira constituída por material recolhido em publicações, principalmente recortes de revistas. Trata-se de um “método” que adquire com Huertas Lobo “antes de 45 e já como doutrina cultural da Juventude Comunista” (Idem). Inaugurada a 5 de Junho de 61, recebe a visita “emocionada” do Embaixador do Brasil, Negrão de Lima. Rodrigues encerra o evento com a palestra “A Arquitectura Moderna Brasileira” no salão Nobre da Associação Comercial a 13 de Junho (Nobre in: Rodrigues, 1961). A exposição segue depois em itinerância por Angola. Convidado a deslocar-se ao Brasil, é impedido pela PIDE. Nunca visitará o país, “o primeiro a tomar Le Corbusier a sério” (Idem). O embaixador Negrão Lima, na exposição “Arquitectura Moderna Brasileira”, Lubito, 02/06/1961 Na bagagem para o Lubito, Rodrigues traz um profundo conhecimento do arquitecto franco-suíço, que a tradução da Carta de Atenas – realizada com a sua mulher Maria de Lourdes para a Arquitectura, entre 48 e 49 – consolidara. Este cruza-se com a inclinação pela arquitectura brasileira e exprime-se no trabalho desenvolvido na prefeitura, assim como nos projectos particulares que concretiza paralelamente. A dada altura, apercebe-se do “grande fosso entre Angola e Portugal” (17/06/2008). Até as publicações de orientação moderna que a metrópole edita – a Arquitectura e a Binário – se tornam raras na colónia. Mas o sentido progressista da sua obra encontra o lugar ideal “numa Cidade … aberta às inovações, ao moderno que é, afinal, a sua própria definição” (1964:6). Três encomendas iniciais aí o esperam: ampliação dos Paços de Concelho (onde aplicará pela primeira vez materiais locais), a Missão Católica e retretes colectivas para as sanzalas – os bairros indígenas. Como funcionário da prefeitura dedica-se a programas públicos, como mercados; mas principalmente ocupa-o os planos urbanísticos do Lubito, Vila da Catumbela e Sumbe (ex-Novo Redondo); os planos parciais de Cabinda e Silva Porto ou as cidades para a Companhia Mineira do Lubito, Jamba e Tchamutete. Depois da independência fará ainda o plano para a Cidade do Pioneiro no sul de Angola, uma homenagem à resistência aos ataques sul-africanos no rescaldo da guerra colonial. A actividade privada assimila a maioria da produção habitacional (Edifício “Lusolanda”, Edifício Marvão & Martins, Casa Americana, Bloco na Praça Gil Vicente…). Catedral do Sumbe, Castro Rodrigues, anos 60 O Cine-Esplanada Flamingo de 64 promovido pelo empresário Ribeiro Belga (Salvador, Rodrigues, 2006), a Catedral do Sumbe de 66 e o Liceu Nacional do Lobito, inaugurado em 67, constituem as referências mais habituais no seu percurso. Esta obra fixada nos anos sessenta recorre ao concreto aparente – o “betão nú” como intitula um dos artigos que publica na revista Divulgação nesses anos (1964:3-9). Sobre a Aerogare da cidade, então em estaleiro, escreve: “A estrutura desta pequena e simples construção (cálculos do Eng. Mário de Aguilar Antunes) deixá-la-emos aí livre e aparente, pura e esbelta sem fingidos nem postiços” (Idem:9). Nesta descrição, que pode ser tomada como uma aproximação conceptual à arquitectura colonial moderna, inclui a referência ao calculista, prática que aliás é corrente noutras situações, e que abrange desde clientes, desenhadores ou operários. Tem como objectivo reforçar o sentido “heróico”, colectivo e urgente da obra que está a ser edificada nas colónias. Regressa em 87 após 34 anos em Angola somente interrompidos cinco meses, entre 75 e 76, novamente em fuga (agora da UNITA), quando ingressa nos Gabinetes Técnicos de Moura e de Beja. 4. Arquitectura Colonial Architecture in the Portuguese possessions is almost exclusively in a Portuguese colonial style… At the same time, they show affinities with Brazilian architecture, which has also been influenced by the Portuguese. Udo Kultermann, 1963 Durante os anos sessenta toma-se consciência de que existe uma arquitectura moderna em África. A sua presença decorre dos esforços europeus de modernização colonial no século XX, prolongando-se em algumas nações africanas após a independência. Udo Kultermann (n.1927) é um dos divulgadores desse surto publicando livros sobre a nova arquitectura africana, dando tanto notícia do trabalho de alguns pioneiros modernos, como Ernest May (1886-1970) em Tanganyika, antiga colónia germânica e, depois da I Guerra, possessão britânica, ou de “ex-corbusianos” como Georges Candilis (1913-1995), membro do Team 10, e das suas experiências habitacionais em Marrocos, por exemplo. Trata-se obviamente de um trabalho desenvolvido por arquitectos não autóctones, que recebem encomendas pontuais ou que se fixam temporariamente em África. May é disso exemplo com estadias na Tanganyika, no Quénia e na África do Sul, entre 1934 e 52 (Ogura, 2005:82). As suas realizações confirmam a adaptabilidade da arquitectura moderna a climas tropicais. A referência à arquitectura brasileira, uma das culturas arquitectónicas emergentes a partir dos anos quarenta, prova exactamente essa qualidade de aclimatação. Quando os livros de Kultermann são publicados, na África Portuguesa vive-se já uma situação semelhante. As menções, todavia, escasseiam. Na edição de 63 de New Architecture in Africa, o capítulo sobre os territórios do Império Português resume-se a uma breve coluna, sem incluir qualquer ilustração. Nela omite-se a existência de uma arquitectura moderna que apesar de pouco numerosa é já visível nos lugares emblemáticos das colónias. O mercado do Kinaxixe na capital angolana, inaugurado em 58, por exemplo, projecto de um ex-colaborador de Le Corbusier, Vasco Vieira da Costa (1911-1982), é hoje “frequentemente apontado como um dos exemplos mais interessantes da arquitectura modernista em África” (Salvador, Rodrigues, 2006). Por seu lado, Castro Rodrigues acumula uma produção moderna, mesmo em regiões recônditas, edifícios em concreto, com palas na cobertura, fachadas reticuladas, varandas profundas, grelhagens e quebra-sóis. Como o Bloco Marques Seixas no Sumbe de 56 publicitado na imprensa local (O Intransigente, Benguela, 04/07/1957). Encontrara já em Angola obra significativa: “Ao chegar a Luanda… impressionou-me a alta qualidade dos seus arquitectos”. O mesmo acontecera no Lubito onde deparara com projectos de arquitectos “metropolitanos” como Cassiano Branco (1897-1970), Francisco Conceição Silva (1922-1982) ou Arménio Losa (1908-1988). O último “à despedida oferece-[lhe] o «aparelho» por ele «inventado» para medir … a projecção de sombras… precisamente para aquela cidade”, acusando esforço de adaptabilidade às condições do território (2001:15-16). Os arquitectos “locais” impressionam-no ainda mais, Nuno Craveiro Lopes, em Moçambique, ou José Pinto da Cunha apontado como experimentalista no artigo de 64, pelo uso escultórico que faz do concreto. O arquitecto Pinto da Cunha (tinha que ser ele…) está estudando a utilização numa parede cega de betão nú, modelado e organizando com a impressão directa após a moldagem… o moldado da cofragem imprimirá no betão armado, superfícies, planos mais ou menos valorizados, em formas deliberadas, válidas como escultura. (1964: 9) Pancho Guedes e Dori na cobertura da Casa Leite Martins, mostrada na VI Bienal de São Paulo Esta realidade, contudo, está afastada dos círculos internacionais. A excepção portuguesa para Kultermann é Amâncio d'Alpoim Miranda Guedes (n.1925) fixado desde jovem em Lourenço Marques, actual Maputo, Moçambique, segundo caso aqui abordado. Com uma clientela recrutada entre a elite branca, muitas vezes investidores coloniais não portugueses, beneficia de uma educação anglo-saxónica na África do Sul. Não é caso único, como prova Carlos Ivo, natural da Beira, que tendo também estudado na África do Sul é autorizado a exercer na sua cidade (Albuquerque, 1998:39; Santiago, 2007:33). Pancho forma-se na University of Witwaterrand, Joanesburgo, logo imediatamente à guerra, o que lhe permite contactar com a fase purista de Le Corbusier, filtrada para os trópicos por profissionais autóctones onde se destaca o círculo de Rex Martienssen, reputado membro do Traansval Group e falecido em 1942. Com Portugal só contacta em 1953, já adulto, quando, por obrigações legais, se apresenta na Escola de Belas Artes do Porto para obter equivalência. Data desse período a sua primeira tour europeia. Kultermann conhece Pancho em Salisbury durante o Congresso Internacional de Cultura Africana de 1961: “The work of this young architect represents a considerable contribution to the task of modernizing African architecture, but at the same time it must be regarded as a ridiculously exaggerated form of the European «Judenstill»” (Idem: 20). Desconfia de uma obra que dificilmente pode ser conotada com o modernismo que caracteriza outros trabalhos de arquitectos europeus em África e que na verdade se aproxima mais dos percursos angolanos de Castro Rodrigues e de Fernão Lopes Simões de Carvalho, de que se falará mais detalhadamente a seguir. A sua relação com Pancho irá todavia evoluir positivamente como se percebe em New Directions in African Architecture de 1969. Prometheus, Pancho Guedes, Maputo, 1951 (Foto: Dori) Pancho nasceu em Lisboa, mas o seu alinhamento notoriamente sul-africano, coloca-o num quadro de interpretação distinto de outros arquitectos nacionais. Autor de uma obra idiossincrática, composta por pelo menos “25 estilos pessoais + 2” é profundamente multicultural, numa dimensão que supera a aplicação de dispositivos “tropicais” à arquitectura moderna. Pancho anuncia qualquer coisa nesse Portugal colonial que não terá eco e permanecerá único. Dragão (1951), Prometheus (1951), Padaria Saipal (1952), O Leão que Ri (1956), Yeshouse (1962), Igreja da Machava (1962)… são a ponta do iceberg de uma produção que apanha já os debates pós CIAM e se estende com a aproximação “estruturalista” da Escola Clandestina no Caniço de 69, que Peter Smithson (1923-2003) visita, por exemplo. Guedes’ buildings, for example his Swazie Zimbabwe or his Habitable Woman, link up with both the African and European traditions and attempt a synthesis which fits the physical and psychological climate of Mozambique. (Kultermann, 1969:103) A sua heterodoxia leva-o a experimentar técnicas construtivas indígenas, com a mesma naturalidade com que constrói em concreto. É uma ousadia que não tem seguidores. Também aqui há marca da sua educação “estrangeira”. Em Wits dedicavam-se ao ensino das técnicas tradicionais, mesmo que de origem europeia, muito antes dos portugueses atravessarem o país à procura da sua arquitectura popular e respectivos sistemas construtivos… Em Salisbury, ainda, Pancho trava amizade com Tristan Tzara (1896-1963), que também visitará as suas obras em Lourenço Marques. Conhece igualmente Frank McEwen, (Rhodesian National Gallery), Roland Penrose (Institute of Contemporary Art, Londres) ou Alfred Bahr (Museum of Modern Art, Nova Iorque) (Santiago, 2007:181). Os seus edifícios são publicados em revistas internacionais, como a Architectural Review, desde 1961, onde é apresentado por Julian Beinart. André Bloc inclui-o no número dedicado à Architecture Fantastique da L’Architecture d’aujourd’hui (1962). Está já no centro de uma cultura internacional principalmente anglófona que passa pelas regiões do sudoeste africano ao contrário dos seus colegas que, partilhando o mesmo território físico colonial, se isolam simultaneamente do cenário internacional e da vida profissional da metrópole. Pancho distingue-se ainda por optar pela profissão liberal em exclusivo num universo profissional onde “a maior parte… eram funcionários do Estado nomeados na metrópole” (18/06/2008). É um “artista” entre “técnicos” e por isso dele desconfiam, como testemunha o próprio Castro Rodrigues que de passagem por Moçambique a convite do director do Gabinete de Urbanização de Lourenço Marques, evita confrontar-se com os seus edifícios: “Sei da sua importância e qualidade… O seu êxito reside muito nos aspectos formais. Andou, quanto a mim, muito a tentar aproximar-se da auréola do Oscar Niemeyer que também era um formalista excelente…” (26/06/2008). Não por acaso a imprensa brasileira lhe chama, quando participa na VI Bienal de São Paulo de 61, o “Niemeyer do Índico” (Santiago, 2007:182). 5. Brasil e África Portuguesa As coisas não são o que parecem que são. Pancho Guedes, título da conferência em São Paulo, 1961 O Brasil parece-me ser de entre os países do mundo, o mais digno de ser amado. Stefan Zweing, cit. por Castro Rodrigues, Lubito, 13/06/1961 A independência de Pancho perante as instituições corporativas culmina no episódio da sua participação na bienal paulista: “Já era conhecido internacionalmente, já tinham publicado o meu trabalho, já estava no Team 10; portanto escrevi-lhes [à direcção da VI Bienal] a dizer que queria expor” (07/12/2007). A selecção oficial, a cargo do Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (1944), aposta essencialmente na pintura enviando peças de Fernando Lanhas, Nadir Afonso, Júlio Resende, Artur Bual, D’Assumpção e Nuno Siqueira (Santiago, 2007:181). Pancho recorre ao ex-Cônsul de Portugal em Pretoria, que então dirige o Centro de Informações e Turismo de Moçambique, e que lhe assinará a autorização. Três edifícios seus em Lourenço Marques, com programa residencial, integram a secção Arquitectura: Casa Leite Martins (1951-3), um conjunto de doze residências (1954-6) e um bloco de habitação colectiva. Os nomes “verdadeiros” são: Casa Avião, Comboio de Moradias ou Arranha-chãos, O Leão que Ri. Na imprensa paulista, Pancho é apelidado de “revolucionário” e a sua cidade de Lourenço Marques, de “moderna” (Idem:182). Obras de Pancho Guedes na VI Bienal de São Paulo, 1961 Descobre o Brasil através de Brazil Builds por via sul-africana. Trata-se de um livro seminal também entre os portugueses da metrópole. Chega até a corresponder-se com Niemeyer que lhe envia a revista Módulo. Há, provavelmente, uma ligação visceral entre Pancho e o Brasil que Cedrin Green procura explicar no seu ensaio biográfico por via de um “temperamento latino” sensível “às formas escultóricas expressivas” de um Reidy ou de um Niemeyer (In: Pancho, Jacinto, 2006: 82). Mas talvez seja o modo como “devolve o «primitivismo» que a vanguarda moderna devorou e expôs como sua” (Figueira, Idem:102) o melhor enquadramento desta primeira fase criativa mostrada na capital paulista – aquela que corresponde mais abundantemente, em obras, ao “stiloguedes” – e aquilo que o liga ao Brasil. A visita de 61 tem um duplo propósito. Pancho e a sua mulher Dori consideram também a possibilidade de se mudarem para o país face a iminência de guerra nas colónias. A situação política brasileira com a recente eleição de Jânio Quadros parecelhes prometedora. Durante essa estadia de cerca de um mês, Pancho visita ainda o Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife e Olinda. Aproveitará para mostrar a sua obra, em palestras organizadas pelas escolas de arquitectura de São Paulo e na Bahia. De fora fica Ouro Preto e o hotel de Niemeyer que desejava conhecer. Alguns edifícios visitados deixam-lhe uma forte memória. É o caso do Ministério da Educação e Saúde – em especial a sua situação urbana –, do Conjunto Habitacional da Gávea, das obras da Pampulha ou do teatro de Brasília. À catedral, preferiu-a sempre em estaleiro, condição por si captada em imagens sugestivas da sua relação com imaginário “oscariano”. Sensível à qualidade construtiva elogia a Associação Brasileira de Imprensa dos irmãos Roberto “apesar de um prédio a fingir que é moderno” (Idem). A catedral de Brasília fotografada por Pancho em 1961 Não recusa a influência de Niemeyer na moderna arquitectura africana, sugerida aliás por Kultermann de modo genérico nas formas escultóricas de alguns arquitectos africanos (1969:69). Mas a proposta moderna de acento “tropical”, virá mais “das grelhas, dos ripados, das cerâmicas” que o arquitecto carioca “tinha ido buscar… a Lúcio” (Idem). Um teatro não construído de Niemeyer, para um terreno adjacente ao Ministério é tratado como uma peça “expressionista": “Tinha uma série de pórticos…muito bonitos, bastante extraordinários e anti-estruturais” (18/06/2008). Idêntica solução parece-lhe testada na Fábrica Duchen-Peixe, Guarulhos, que viu no livro de Stamo Papadakis, adquirido em Jonesburgo. Reproduz a sua “estrutura um pouco aldrabófia” num projecto para o empresário António Champalimaud (1918-2004) – a Fábrica de Cimentos Portland, na Matola, 1952-3, não edificada. Interessa-o o aspecto “mais artesanal” que o desempenho estrutural “puro”. Pancho e Dori regressam desiludidos. O Brasil desse início dos anos sessenta surge-lhes como um país “deprimido”, parecendo “até Portugal” (Idem). Mas a atenção desencadeada pela arquitectura brasileira nos arquitectos portugueses, coloniais ou metropolitanos, explica-se primeiro pela sua proximidade a Le Corbusier. Para Pancho, por exemplo, a “maneira livre” de Niemeyer leva-o a propor “alternativas corbusianas”. É o que aponta ao Yatch Clube, “uma versão corbusiana que o Le Corbusier nunca se atreveu a fazer” (07/12/2007). Esta ligação é focada por outros arquitectos. Os portugueses, que também a vêem, acrescentam-lhe a herança lusitana. A visita de Pancho dá-se no mesmo ano da já citada exposição de Arquitectura Moderna Brasileira no Lubito. Na palestra então realizada diz Castro Rodrigues: “O autor do Bloco de Marselha e da capital do Pundjab veio despertar nos Arquitectos Brasileiros o legado português” (1961). O arquitecto do Lubito segue alguns dos argumentos da conferência de Alves de Souza de 53, em Lisboa, evocando a miscigenação como traço português. Ao contrário do professor carioca, Castro Rodrigues não tem pretensões académicas, antes divulgadoras. Fala à elite colonial, maioritariamente branca, numa cidade onde os arquitectos não excedem a meia dúzia de profissionais. O catálogo constituído por uma listagem das obras representadas, no total de 112 referências, mostra uma diversidade de arquitectos brasileiros, desde Warchavchik, passando por Levi, Libeskind, Bolonha ou Bernardes. A capa é ilustrada com as cores do Brasil e um edifício em construção, talvez numa alusão à recém inaugurada Brasília. Já a comunicação concentra-se nos nomes mais sonantes, destacando um certo “brasileirismo” que se manifesta como “pura criação indígena, produto restrito da personalidade brasileira”. Capa do catálogo “Arquitectura Moderna Brasileira”, Lubito, Junho 1961 A exemplo do que os portugueses aprendem com Brazil Builds (Milheiro, 2007), Castro Rodrigues inicia a conversa com um bloco de imagens de edifícios históricos, destacando-se o Aleijadinho. Há sequências dedicadas a edifícios-chave do Estilo Internacional, como a Bauhaus, a Niemeyer, Costa, Levi, irmãos Roberto, Reidy, mas também imagens do Minho, Trás-os-Montes ou Évora. Fecha com uma obra de Artigas. Termina recordando o contributo angolano na construção desse novo país. Como arquitecto nas colónias está empenhado na consolidação de uma sociedade colonial miscigenada e aberta, coincidindo talvez com o espírito reformista brevemente imprimido por Moreira ao MU. A citação final que faz do exilado judeu Stefan Zweig (1881-1942) insiste numa ideia de civilização apoiada na coabitação da diferença racial, religiosa, política e social. Entre a elite branca existiam dois modelos autonomistas: um civilizador, mas segregador (África do Sul) e outro mutirracial (Brasil) (Albuquerque, 1998:121). Se para Pancho a arquitectura brasileira é invenção plástica, para Castro Rodrigues é utopia social, fazedora de “homens felizes”. Aprendeu a gostar de Niemeyer com Huertas Lobo que argumentava perante as acusações de “formalista”: “Estudem a obra e vejam onde estão os pontos estruturais e o aspecto funcional. E eu habituei-me a ver isso” (26/06/2008). Os exemplos extremados de Pancho e de Castro Rodrigues ilustram tipos de relacionamentos que os arquitectos coloniais mantêm com o Brasil num período em que esta afinidade começa a decair na metrópole, principalmente com a nova tendência “organicista”, pós 1957, da revista Arquitectura. O não acompanhamento dos debates metropolitanos pode ser interpretado como isolamento, por um lado e, por outro, consequência de uma dinâmica inibidora de análise crítica (Albuquerque, 1998:120). Mas a verdade é que se mantém uma forte conexão entre “moderno” e “tropical” como se depreende das palavras de Castro Rodrigues: “Tanto esses pilares à vista da estrutura agora independentes … como os quebra luzes, foram bases da arquitectura tropical espalhando-se e generalizando-se como necessidade imperiosa”... 6. Concreto Armado O betão nú, em suma, veio ter audiência entre nós. Francisco Castro Rodrigues, 1964 Fernão Lopes Simões de Carvalho – o terceiro caso de estudo – mantém a mesma convicção. O autor do Plano Director de Luanda (1962) confirma que a arquitectura de raiz moderna praticada nas colónias molda os ideais corbusianos num processo de “tropicalização” do Estilo Internacional. É também dentro deste quadro que a arquitectura brasileira, que conhece das publicações estrangeiras, lhe interessa. Contratado inicialmente para fazer o Plano da Baixa de Luanda, Simões de Carvalho vê-se essencialmente como um “técnico”, posição que lhe permite guardar distância quer artística quer ideológica face ao moderno. Enquanto esteve na prefeitura de Luanda, entre 61 e 67 nunca trabalhou como liberal, defendendo um regime de exclusividade para os funcionários públicos. A sua aprendizagem no escritório de André Wogenscky, onde estagia de 56 a 59 após terminar o curso na EBAL, insere-se numa estratégia de auto-formação – o francês era responsável pelos projectos executivos de Le Corbusier. Simões de Carvalho pretende “apreender”, não uma linguagem, mas “como se constrói”. Há na sua actuação à frente do Gabinete de Urbanização de Luanda, que fundou, um forte sentido pragmático imprimindo uma nova dinâmica construtiva à cidade e desobstruindo problemas técnicos vários. Genericamente, e como testemunha, a qualidade construtiva era idêntica à da metrópole: “Os construtores eram… engenheiros [metropolitanos] que fizeram empresas de construção; o operariado era indígena mas era muito bom” (23/06/2008). Segundo diz, entre as grandes empresas que mantêm actividade em Angola contamse a Precol, dos irmãos Andrade, responsável pela construção e comercialização do Bairro Prenda, projecto seu com Pinto da Cunha e Fernando Alfredo Pereira (1963-5); a Mota & Companhia activa desde 46, cuja primeira grande obra em Luanda será o aeroporto, adjudicado em 52; ou a J. Pimenta, fundada em 56. Permanecem até 74 (Idem). Por seu turno, Pancho recorda a construção “primorosa” de um dos seus últimos edifícios concretizados na capital moçambicana – o Parque Polana de 71, “arranhacéus” destinado à habitação –, pelo engenheiro Moreno Ferreira que refaz os cálculos para que o edifício não tenha juntas de dilatação e pelo encarregado Ramos. Cita outros engenheiros: Luís Reis Costa do Edifício Jossub (1950-1), Nuno Prata Dias do Dragão e do Prometheus ou o italiano Vitale Moffa da Saipal, a “grande estrutura” de Pancho “[com] duas parábolas … elemento que distribui as cargas [de forma] completamente natural” (18/06/2008). Destaca o reputado engenheiro militar Silva Carvalho, free-lancer e calculista de vários projectos. E ainda os operários: o Gonçalves – “um bom pedreiro de rebocos” (Idem) – responsável pelos murais do Leão que Ri e do Zambi, ou o serralheiro Feliciano também do Leão…, por exemplo. Castro Rodrigues menciona essencialmente calculistas, os engenheiros Bernardino Barros Machado do Cine-Esplanada Flamingo, Fernando Falcão do Bloco Universal, Mário de Aguilar Antunes do Obelisco e da já citada Aerogare (1964). Lembra igualmente alguns operários, como Mestre Bexiga, “pioneiro de pedras de Angola” colaborador na ampliação dos Paços de Concelho do Lubito, nas obras da Missão Evagélica e num “grande templo para o Liro, onde toda a construção seria em betão nú, configurando um grande barco”, não construído (2001:47), ou o pedreiro e estucador municipal, de nome Valadares, responsável pela marmorite no Jardim Infantil João de Deus (Idem:57). Os técnicos superiores e os encarregados são genericamente originários da metrópole. Muitos operários, entre carpinteiros, electricistas ou pedreiros eram autóctones, formados nas escolas coloniais. Simões de Carvalho aponta as escolas industriais, já Pancho fala de ensino religioso: “Em Lourenço Marques os carpinteiros eram da Escola de Artes e Ofícios de Inhambane” (18/06/2008). Centro de Radiodifusão, Simões de Carvalho, Luanda, 1963-7 Em França, Simões de Carvalho é architecte de chantier numa obra corbusiana de que Lúcio Costa é co-autor – a Casa do Brasil no campus universitário de Paris. Aí acompanha o modo como Le Corbusier age em estaleiro, alterando o projecto, tomando decisões pragmáticas como a demolição de paredes. No gabinete de Wogenscky colabora na fase betón brut. Traz esta aprendizagem para Luanda, de onde é natural e onde tinha cumprido parte da sua formação liceal, partindo com 14 anos para Lisboa. Quando retorna a Angola já formado arquitecto – no que descreve como uma “operação de repatriamento” – ocupa-se principalmente de urbanismo. Também desenha edifícios públicos de grande porte urbano, como o Centro de Radiodifusão (1963-7), “obra pioneira, sustentada na grande pesquisa feita em vários países e em edifícios de programa similar, foi construído com grande rigor técnico, especialmente a nível acústico” (Fonte, 2007:506). O concreto aparente, que uniformiza o edifício, prova ser tecnologia adequada a um desenho que tenha em atenção as condições mesológicas africanas, que compreendem soluções climatéricas ajustadas aos trópicos, como ventilação, exposição solar, pluviosidade. É uma opção que vem desde a Capela (1962-4) e do Conjunto Assistencial da Cazenga (centro social, centro elementar de saúde, creche e jardim escola, 1963-5) que se prolonga por demais projectos. Independentemente do programa, Simões de Carvalho utiliza-o no Aldeamento da Quilunda – nas abóbadas das moradias rurais em banda (1960), no Mercado do Caputo (1962-5), nos blocos de habitação para os funcionários dos CTT (1968-9) ou na sua própria residência, no Bairro Prenda (1966). Casa do Arquitecto, Simões de Carvalho, Luanda, 1966 Uma obra de grande escala que fica por construir é o aeródromo de Luanda, com o engenheiro Travassos Vale Dias (1966-7). Depois de novo regresso a Lisboa, permanece no gabinete de urbanização da prefeitura entre 67 e 75, com a condição de retornar a Angola a cada seis meses. Na capital continua a trabalhar para a colónia, sozinho (plano municipal do parque, Cabinda, 1967-8 ou quatro moradias contíguas para funcionários dos CTT, Sumbe, 1970) ou com Joaquim António Lopo de Carvalho (edifícios dos CTT de Cabinda e de Silva Porto, ambos de 1969-70, ou a Faculdade de Medicina de Luanda, 1969). Proposta para o Centro de Feiras e Convenções, São Salvador, Simões de Carvalho, 1976. O escritório do Maurício Roberto venceu o concurso Embarca para o Brasil com a Revolução porque “não havia trabalho e os [seus] clientes eram de Angola”. A opção pelo Brasil é comum a outros arquitectos coloniais neste período, como Pinto da Cunha (Fernandes, 2002:41), que encontram apoio na comunidade portuguesa aí instalada. Carvalho trabalha no escritório de Horácio Camargo, Tijuca, RJ, apresentando-se no concurso para a Escola Naval dos Fuzileiros da Armada, RJ, logo em 1976. Antes de retornar em Outubro de 79, faz ainda projectos para a Bahia, Vitória, Pelotas ou Maricá. Ocupado preferencialmente com planos urbanos, também faz arquitectura, destacando-se estruturas em concreto: remodelação do Quartel-General do Corpo de Fuzileiros Navais, na Ilha das Cobras, (1976), edifício do Comando da Divisão Anfíbia e Batalhão de Comando para o Corpo de Fuzileiros Navais, Ilha do Governador (1976), pavilhão de exposições caninas para o Keenel Club (Campos) ou casa de rendimento para o Dr. António Gomes da Costa, no bairro carioca da Tijuca (1976-8). Simões de Carvalho no gabinete de Horácio Camargo, RJ, anos 70 No que diz respeito ao uso de concreto aparente, a referência a Le Corbusier é habitual. Não só está presente na formação de Simões de Carvalho, como surge no artigo já aqui citado de Castro Rodrigues “O Betão Nú e o Lobito”. La Tourette, por exemplo, tinha sido um dos projectos que ocupara Carvalho no atelier de Wogenscky. Na pequena história que faz do concreto, Rodrigues menciona obras pioneiras como Notre-Dame-du-Raincy de Perret ou Goetheanum de Steiner, edifícios de grande expressividade plástica e audacidade estrutural. É natural que lhe sirvam de enquadramento para alguns dos seus edifícios, sobressaindo as razões subjacentes ao Cine-Esplanada Flamingo,”intencionalmente e como técnica deliberada, definitiva em processo de expressão e de verdade construtiva” (1964:8). O concreto “nu” é portanto expressão de modernidade o que leva Rodrigues a evitar “revestir belos e fortes ornamentos com argamassas pobres e pinturas mais débeis ainda” (Idem:7). É mais uma opção ética, na verdade, do que estética: “Porquê abafar o canto vibrante de uma imponente estrutura?” (Idem). A estrutura “limpa” do Cine-Esplanada Flamingo, Castro Rodrigues, Lubito, 1964 (Foto: Cristina Salvador, 2005) Os dentes do Leão que Ri, Pancho Guedes, Maputo, 1956 Na posição oposta está a obra de Pancho: “Usei betão à vista lambuzado com argamassa em obras muito baratas” (18/06/2008). O seu gosto artesanal, combinado com a interpretação que faz da cultura africana leva-o a transformar uma “técnica sofisticada” numa “prática manual". Os edifícios “stiloguedes” assentam exactamente neste processo como prova a execução dos “dentes” que são a sua marca exterior mais característica: “Os dentes do «stiloguedes» foram feitos variadíssimas vezes com o Gonçalves… Cofrava-se uma parte e depois punha-se massa à volta para ver o efeito… tinha que dar um ar de coisa feita à mão ” (Idem). Atingem a performance ideal no Leão…, correspondendo a um apuramento “técnico”: “Primeiro edifício com dentes tem uns dentes horripilantes; é o Prometheus… são dentes bem cofrados mas são extremamente rígidos e desagradáveis”. Há naturalmente um “desenho prévio”, de prancheta, que é moldado na obra. Pancho manipula assiduamente a expressão do concreto. No Dragão, os pilotis duplos são “revestidos no seixo das fornalhas de fazer o cimento que não ardeu quando o resto é queimado”, um material de desperdício que aproveita plasticamente. Também recorre à pré-fabricação, técnica que aplica independentemente da escala, à escultura da portaria da Fábrica de Cimentos da Matola, como nas varandas do edifício do Fundo dos Órfãos e Viúvas do Corpo de Polícia (habitação, fábrica e lojas) dos anos sessenta: “O empreiteiro tinha os moldes que eram fundidos pelos andares acima”. Conforme explica, esta técnica era mais corrente em construções de baixo custo, como as instalações que faz para a Missão Presbiteriana Suíça a partir de 62, uma “arquitectura despojada ao mínimo” caso da escola primária de Antioka. Nela utiliza moldes de origem italiana tipo Rosa Cometa para executar os pavimentos, “blocos abobadados que se fundiam e eram mantidos por outros elementos de reforço” (Idem). Comparando com o que aprendeu na África do Sul, detecta diferenças nos sistemas construtivos que na verdade se devem ao cunho “português” da colónia moçambicana: “A construção era diferente mas não era inferior – a tradição construtiva África do Sul era inglesa; já a de Lourenço Marques era deturpada da francesa e da italiana” (Idem). Os diferentes seixos do Dragão, Pancho Guedes, Maputo, 1951 Castro Rodrigues, Pancho e Simões de Carvalho funcionam como uma pequena amostra dos processos de trabalho na África Portuguesa, onde se seguem essencialmente sistemas construtivos comuns à metrópole. Testemunham que na generalidade a qualidade dos técnicos e por consequência a qualidade das obras era idêntica à praticada em Portugal. A sua opção pela arquitectura moderna dos anos cinquenta/sessenta nas suas diferentes faces – heróica, expressionista ou brutalista – revela uma produção esteticamente apurada e construtivamente exigente. Estes três modos interpelam a arquitectura brasileira distintamente: Castro Rodrigues fixa-se no sentido utópico da cultura moderna do Brasil, o que é naturalmente facilitado por nunca ter tido um contacto directo com o país: é fruto de uma cultura “livresca”, como diz de si próprio; Pancho interessa-se pelo aspecto subversivo das estruturas, facto devidamente comprovado no local; Simões de Carvalho procura exemplos de rigor técnico e principalmente soluções tropicais de inspiração corbusiana. Bibliografia: ALBUQUERQUE, António Manuel da Silva e Souza. Arquitectura Moderna em Moçambique, inquérito à produção arquitectónica em Moçambique nos últimos vinte e cinco anos do império colonial português 1949-1974, Coimbra Prova Final, Departamento de Arquitectura FCTUC, 1998 CÂMARA MUNICIPAL DO LOBITO. Relatório da Actividade Municipal no Triénio de 1961 – 1962 – 1963, Câmara Municipal do Lobito. 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Mas sem dúvida o emprego do concreto rugoso resultante de uma fatura artesanal ou semi-artesanal marcou o brutalismo seu aparecimento e auge – e seu desaparecimento, quando mínguam as condições econômicas que viabilizavam tal opção - o relativo baixo custo da mão-de-obra e de alguns dos materiais empregados na fatura do concreto aparente, principalmente o uso de tábuas de madeira natural nas formas. Em países não desenvolvidos, onde o brutalismo parece ter ganho mais força e sobrevida, o atraso social relativo permitia ao campo da construção civil se beneficiar com tais “economias”, desconsiderando os desperdícios envolvidos nesses processos, sempre quando houvessem ganhos simbólicos que aspiravam identificar tais arquiteturas com um almejado “desenvolvimento”. Que no caso, estava focado bem mais nos avanços tecnológicos relativos à concepção, cálculo e viabilização dessas estruturas do que na sua execução propriamente industrializada. Eventualmente (mas só a partir de meados da década de 1970) o paulatino encarecimento da mão-de-obra e de alguns materiais, como as tábuas de madeira natural, somado às dificuldades de manutenção das estruturas aparentes, que cada vez mais se evidenciavam, terminaram por inviabilizar essa opção de fatura e acabamento - senão de estruturas de concreto aparente, ao menos de seu aspecto rugoso, artesanal e desprotegido. Mas no início dos anos 1950, quando estão sendo concebidas e executadas as primeiras obras brutalistas, no Brasil e no mundo, nenhuma dessas questões era ainda claramente perceptível, e tampouco se sabiam com clareza dos problemas de manutenção e uso que essas estruturas sofriam com o tempo. Considerando-as em seu momento seria anacrônico (e até injusto) considerar tais aspectos de maneira criticamente severa na avaliação dessas obras. Naquele então os tempos ainda não estavam amadurecidos para permitir a plena compreensão dos resultados concretos e conseqüências dessas experiências em termos de manutenção e uso. Ut opia , ou m ir a ge m ? Da distância confortável de meio século no tempo, parece contraditório constatar o quão freqüentemente se depositavam nessas obras de concreto aparente rústico a esperança de que, apesar de sua fatura artesanal, estas estariam também colaborando, de uma ou outra maneira, para a viabilização da industrialização da construção e préfabricação dos elementos construtivos. Se hoje essa equação parece ser ingênua e não fechar, naquele momento o emprego de importantes estruturas de concreto aparente, embora moldadas in loco e com não-acabamentos rústicos, eram consideradas por seus 2 autores e comentadores como marcos em um caminho que todos acreditavam, mesmo se para ele não estivessem concretamente contribuindo: a viabilização da pretendida industrialização do setor construtivo. A industrialização da construção, principalmente através da pré-fabricação dos elementos construtivos, com vistas à sua realização de maneira sistemática, racional e fabril era – e continua sendo - uma das idéias-chave da modernidade, um horizonte utópico perseguido desde muito antes que tais metas fossem, ou se tornassem, uma realidade factível - o que ainda não são plenamente, mesmo neste início do século 21. São incontáveis os percalços e erros, falhas e experimentos parcialmente realizados e em parte ou totalmente frustrados pelas circunstâncias que resultaram das inúmeras tentativas, sempre bem intencionadas, de se viabilizar essa “utopia” da industrialização e da pré-fabricação. Obstáculos como a dificuldade de manipulação de peças pesadas, de seu transporte em cidades, dos custos reais de materiais e mão-de-obra para executálas, transportá-las e montá-las, e inúmeras outras questões relevantes ainda não estão plenamente solucionadas, de maneira a permitir sua completa realização. Após quase um século de sua postulação pelas vanguardas modernas, a idéia da industrialização da construção através da pré-fabricação de seus componentes, como caminho “natural”, para o qual a construção civil e a arquitetura deveriam necessariamente, e quase que inevitavelmente, se encaminhar, ainda está por se efetuar de maneira plena e irrestrita. E entretanto, um século de fracassos, falhas e pequenas vitórias limitadas e parciais, não foram suficientes para questionar seu foro de verdade inconteste. E se a rigor até agora ainda nada parece comprovar com absoluta certeza ser a plena industrialização e a total pré-fabricação o caminho mais viável, ou sequer o mais correto, para a arquitetura e a construção civil, mesmo assim sua validade a priori não é quase nunca questionada: trata-se de um quase oximoro. Cuja sustentação é ainda e quase apenas o desejo soberano, compartilhado por arquitetos e engenheiros, de implementá-la a todo custo - e quase sempre, a custos altos. Seja como for, não há quem se questione se essa idéia é boa em si mesma, se é realista ou imaginária, ou se não se trata, apenas, de mais uma das miragens ideológicas postas em marcha pelas vanguardas modernas do início do século 20. Mas também seria anacrônico despejar o peso crítico dessa quase desdenhosa dúvida contemporânea sobre o panorama otimista e assertivo que se descortinava após a II Guerra, na década de 1950 em diante. Então, para todos e indubitavelmente, a industrialização e a pré-fabricação eram o caminho, senão único, ao menos ideologicamente preferencial, para a arquitetura; e todas as outras opções eram sempre consideradas como meros desvios circunstanciais. E mesmo quando a grandíssima maioria das construções seguisse sendo realizada sem esse recurso, e até em sentido 3 contrário à sua viabilização (seja pelo desenho, seja pela construção), nada abalava ou abala tal entranhada convicção. No panorama do momento posterior à II Guerra Mundial algumas condições sócioeconômicas pareciam favoráveis à possibilidade de rápida e eficiente implantação da industrialização da construção, fazendo crer, a muitos, que esta além de bem sucedida também resultaria em arquiteturas da melhor qualidade possível. Por outro lado, é também no imediato pós-II Guerra em que são dadas as condições para que ocorra o aparecimento e ascensão do brutalismo enquanto tendência arquitetônica – tomando-se aqui o termo em sentido muito restrito, enquanto preferência por estruturas aparentes, rugosas, plenas de marcas de sua manufatura. A convivência de ambas as coisas parece ser contraditória - como vários autores da época fizeram notarii. Mesmo assim, paradoxalmente, uma boa parte dos arquitetos e críticos atuantes naquele momento acreditavam que as obras brutalistas - mesmos as mais artesanais, rugosas, manufaturadas e singulares - também estariam ensaiando possibilidades que de alguma forma representavam passos em direção a um horizonte desejado de industrialização com pré-fabricação; em geral, considerando tais obras como ensaios prototípicos de possível repetitibilidade – mesmo que tão somente a nível simbólico. Contraditoriamente ou não, o panorama arquitetônico de meados do século 20 parecia enxergar as obras em concreto armado aparente moldado in loco e com textura rugosa, manufaturada e semi-artesanal, como marcos muito relevantes de um processo de transformação tecnológica com vistas à pré-fabricação, que estaria presente ao menos em potência nessas obras brutalistas - ainda que na maior parte das vezes, em estado larvar. Mas, se essa crença podia ser justificável na época, uma visão contemporânea sobre o assunto talvez devesse se questionar até que ponto essa percepção não passou de uma miragem, com algumas conseqüências interessantes - e outras, nem tanto. O con cr e t o a pa r e n t e e o a va n ço da e n ge nh a r ia na ciona l Desde o século 19 o ferro, e depois o aço, já vinha sendo usado para a préfabricação de estruturas (de pontes e estações até edifícios públicos e chalés habitacionais), que com certa facilidade eram deslocadas e montadas em outros continentes. Quase todos os historiadores identificam os primeiros passos da modernidade arquitetônica com a realização de grandes estruturas de ferro e do aço, cuja execução já solicitava uma mais ampla industrialização dos componentes complementares e implicava em uma maior precisão de execução. Quase um século depois, nos anos 1950, o uso do aço em estruturas racionalizadas e parcialmente préfabricadas já caracterizava uma parte importante do panorama da construção erudita em 4 especial nos Estados Unidos; mas mesmo ali tampouco era hegemônica, e somente era possível graças à relativa prosperidade e largueza econômica norte-americana daquele momento. Situação que em absoluto não era então compartilhada, nem por uma Europa em cinzas, nem pelos países em desenvolvimento - entre os quais já então se poderia incluir o Brasil. Em compensação, havia o concreto armado. Material que já vinha sendo empregado também desde fins do século 19, cuja aplicação vinha sendo aperfeiçoada e racionalizada por instrumentos de cálculo cada vez mais precisos, e que estava tendo a sua aplicabilidade potencializada, a partir dos anos 1930, primeiro pelo conhecimento experimental do uso da pré-tensão, e depois da pós-tensão, e a seguir pela progressiva disponibilidade tecnológica de fabricação de cabos de aço carbono de resistência cada vez mais alta. O concreto armado permita um aproveitamento econômico do aço, material então caro e relativamente escasso, facilitando a generalização do uso do concreto armado na maior parte dos países do mundo. A partir de meados dos anos 1950 as novas possibilidades tecnológicas resultantes da pré e pós-tensão do concreto armado - técnica que foi primeiramente empregada em grandes estruturas e obras-dearte, na maioria planejadas por engenheiros – passam a estar disponíveis e a serem aproveitadas no projeto de edifícios dos mais variados usos, desenhados por arquitetos em íntima colaboração com engenheiros estruturais. Um dos casos até agora mais bem documentado dessa integração entre arquitetura e engenharia, forma e estrutura no uso do concreto armado é o da associação entre o arquiteto Louis Kahn e o engenheiro August Komendant a partir do projeto e obra dos Laboratórios Richards, na Filadélfia (1957-1961). Mas certamente houve muitos outros casos, menos sabidos ou sistematicamente divulgados; e a arquitetura brasileira é pródiga deles. Sabe-se do importante papel na viabilização das idéias de Oscar Niemeyer por Joaquim Cardozo, tão engenheiro de estruturas quanto poeta - qualidade esta que certamente lhe foi de ajuda para tão bem acompanhar o passo de valsa do colega arquiteto e viabilizar a construção de suas imaginativas formas. Diferentemente, no ambiente paulista as relações entre alguns excelentes engenheiros de estruturas e outros tantos arquitetos se assemelha mais ao tipo de entendimento, em dupla mão de direção criativa, que animava o trato profissional entre Kahn e Komendant, como este bem o descreve: “tínhamos as mesmas devoções e praticamente nenhum desacerto, sonhávamos juntos, construíamos juntos; [Kahn] estava cheio de idéias e qualquer coisa de conceito avançado, novo, lhe era interessante […] porque ambos tínhamos a atitude de que a estrutura é uma parte integral da arquitetura. Todos os edifícios que desenhamos eram estrutura - o que mais?, mas estrutura conformada de tal maneira que se converteu em arquitetura”iii. 5 A “exploração das possibilidades do concreto armado” era uma vontade que se expressava claramente e com grande freqüência, seja nos memoriais e comentários que acompanhavam a publicação das obras, seja no linguajar cotidiano dos estudantes, professores e profissionais de arquitetura e engenharia, desde pelo menos meados dos anos 1950. Em São Paulo destacaram-se como engenheiros estruturais desde essa época nomes como José Carlos de Figueiredo Ferraz, Roberto Rossi Zuccolo, Siguer Mitsutani, Mario Franco e Julio Kassoy, Hugo Tedeschi, J. Kurken e J. Zaven Kurkdjian e muitos outros, vários deles ainda hoje atuantes; seu relacionamento com os arquitetos era e segue sendo sinérgico, com resultados potenciados pela mútua colaboração e benefício, jogando um papel sem dúvida imprescindível na viabilização das melhores propostas da arquitetura paulista brutalista. Em grande parte das obras do brutalismo paulista daquele momento (anos 195060) a “exploração das possibilidades do concreto armado” focava na possibilidade de reduzir apoios e obter vãos e balanços máximos, onde a forma plástica das partes portantes (colunas, vigas, lajes, paramentos, pórticos, grelhas, etc.) e de suas articulações deveria de alguma maneira fazer transparecer, ao olhar educado, algo do jogo das forças estáticas assim resultantes. Esse enfoque, e sua constante exploração e extensão, tende naturalmente à busca de adequação e singularidade do objeto arquitetônico/estrutural, e não necessariamente à sua industrialização ou pré-fabricação. Mesmo assim, tais obras eram percebidas por seus autores (e posteriormente, por outros observadores e/ou atores do campo arquitetônico), se não como repetíveis, certamente como “exemplares” – no sentido de que propunham um método que era considerado excelente, e que poderia ser emulado por outros. Em pouco tempo, essa exemplariedade passou a ser algumas vezes compreendida, por uma segunda e terceira geração de discípulos, como “modelar” – ou seja, enquanto uma coleção de soluções “boas” (quase à maneira de um tratado), que se deveria mais ou menos seguir repetindo e glosando, como temas que admitiam variações. Mas o tema da industrialização não deixava de estar também, naquele momento, muito presente, permeando inevitavelmente quaisquer debates. E mesmo que de maneira um tanto forçada, também contaminava a concepção e mesmo a apreciação dessas obras singulares, em alguns casos buscando, em outros apenas querendo nelas ver a possibilidade, mesmo que apenas inicial e prototípica, de se encaminharem para uma industrialização da construção. Com muita freqüência, tais significados mais eram apostos do que propriamente delas nasciam intrinsecamente das obras, seja em sua concepção, seja em seu detalhamento. Entretanto, é possível destacadas algumas obras do brutalismo paulista dos anos 1950-60 que buscaram, de maneira mais deliberada e consistente, ativar propostas que 6 de fato visavam trabalhar a questão da industrialização da construção em seus aspectos práticos e não apenas simbólicos. Se bem na maioria das obras (mesmo as mais isoladas e de pouca relevância), de alguma forma a industrialização era mencionada, tratava-se de um desejo que mal ultrapassava a expressão de uma boa intenção e afetava de maneira apenas secundária e/ou imagética seja o projeto, seja a obra. Em outros casos, há um mais concertado esforço dos autores no sentido de propor um projeto cuja concepção e execução nascesse do emprego de peças pré-fabricadas disponíveis no mercado – com resultados quase sempre mal sucedidos, até por relativa inexperiência ou desconhecimento da aplicabilidade dessas peças e suas reais limitações, que se pretendia, um tanto ingenuamente, superar. Em outros casos, apesar de haver uma ampla e refinada compreensão dos condicionantes e limites possíveis do estado-da-arte da construção civil de seu momento, resultando em projetos de refinado e cuidadoso detalhamento, a exeqüibilidade dependia menos dos aspectos técnicos do que da situações (ou distorções) econômicas, e circunstâncias alheias acima da vontade dos autores (em geral prosaicas, como questões de custos e prazos) terminavam inviabilizando a construção industrializada, ou pré-fabricada. Em muitos poucos e raros casos (nos anos 1950-60) a proposta de industrialização foi satisfatoriamente atendida. Os exemplos de fato são poucosiv – mas são significativos, e vale à pena estudálos melhor - nesta ocasião, menos para analisar pormenorizadamente cada proposta, e mais para extrair, de cada caso, algumas questões que parecem ser relevantes para a compreensão do tema da miragem da industrialização. A in dú st r ia qu e nã o e st a va pr ont a pa r a a in du st r ia liza çã o A casa Boris Fausto (1961)v, de Sérgio Ferro foi possivelmente a primeira tentativa 7 concretamente realizada de emprego de peças pré-fabricadas industriais de porte no projeto de uma residência paulista. Trata-se, com quase toda certeza, da primeira obra projetada e construída pelo arquiteto, demonstrando não apenas talento como inexperiência: daí ela poder ser considerada “experimental”, em amplo senso, pois seria impossível de realizar-se caso o autor já tivesse algum conhecimento prévio e se desse plena conta da realidade factual da prática construtiva, no estado em que ela se apresentava no começo dos anos 1960vi. Outra indicação de seu grau de ingenuidade é a observação, anotada por Alberto Xaviervii, de que a proposta, como foi realizada, criava uma contradição em termos, já que a ousadia estrutural pretendida e alardeada resultava anulada, do ponto de vista formal, pela solução arquitetônica adotada. Trata-se de uma casa em terreno irregular de esquina no loteamento City Butantã, ocupando uma área inferior ao permitido já que opta por simultaneamente atender aos amplos recuos obrigatórios e conformar um perímetro quadrado circunscrito, o que restringe ainda mais a área aproveitável. A proposta nasce de um esquema simples que aproveita como ponto de partida o clássico tema palladiano do quadrado subdividido em nove quadrados [ou esquema jogo-da-velha], neste caso com os pilares de sustentação posicionados nos cantos do quadrado menor interno; sobre os quais se dispõem as vigas principais de grande altura e amplos balanços [em proporção 1:1:1], somadas a vigas de bordo perimetrais, nas quais se destacam grandes gárgulas de esgotamento das águas pluviais. Para essa estrutura-mestra aproveitaram-se “produtos industrializados”, ou seja, vigas pré-fabricadas e placas compostas de fechamento empregando mercadorias disponíveis então no mercado, mas obviamente usadas de maneira distinta daquela para as quais foram previstas, e com exigências de precisão dimensional, qualidade de fatura, acabamento e performance superiores às disponíveis obrigando a realizar, in loco, adaptações não desejadas, nem previstas inicialmente. Sob a cobertura apoiada nessas vigas são arranjados os ambientes por meio de painéis auto-portantes, conformando aproximadamente dois ângulos “cheios” e dois ângulos “vazios” diagonalmente opostos, estes configurando terraços cobertos que dão continuidade e trazem para dentro da casa, por assim dizer, os amplos jardins. Não sendo estruturais, as paredes divisórias auto-portantes podem ser dispostas de maneira mais ou menos livre, mas preferem seguir um esquema de grelha modular cujo ritmo é sincrônico com o ritmo geral da estrutura, num desenho que pode ser decomposto em uma sucessão de quadrados de diversos tamanho parcialmente superpostos, talvez à maneira pictórica construtivista; eventualmente esses ambientes ultrapassam, mas não muito, a área coberta principal, mas quase sempre praticamente se alinham com seus limites. Esse minucioso domínio do desenho da planta soma-se a um certo desejo de aleatoriedade estritamente “funcional” das elevações, que por assim dizer não são 8 desenhadas, mas resultam da combinatória de diferentes tipos de elementos de fechamento que são agregados conforme necessário. O resultado plástico dessa deliberada ausência de controle formal das fachadas somada à grande altura das vigas e à altura mínima dos pés-direitos, reforça a horizontalidade marcante do conjunto, tornando a volumetria densa e um tanto pesada. O não controle formal faz par com o não controle construtivo, e em várias ocasiões o autor se queixa dos problemas que resultaram dessa construção, a seu ver “um desastre, porque a indústria não estava pronta para isso. Usei os elementos industriais para fazer a estrutura da casa, mas usei de maneira diferente da tradicional e deu o maior bode. Não funcionou, arrebentou”viii. Essa declaração, realizada 25 anos após a obra, parece indicar que mesmo a maturidade física do autor não parece ter aportado uma maior autocrítica de seus enganos juvenis, ou abalado sua crença adolescente de que o mundo devia ser como desejava que fosse e não como era. Uma vez que o avanço experimental tecnológico não resultava simplesmente da invocação e imediata utilização dos recursos materiais e industriais disponíveis, que mal suportavam seu uso corrente - que dizer de uma aplicação subversiva - ficava de certa maneira obstada a possibilidade de efetivar a produção da casa a partir da mera montagem de componentes (caminho ensejado possivelmente por sua similitude processual com a produção industrial de bens de consumo, de carros a eletrodomésticos). A outra opção possível para ativar o desejo de avanço tecnológico parecia ser aquela que Artigas definiria posteriormenteix, como sendo a “da ciência e tecnologia aplicadas à arte de construir”. No espírito dessa época, marcada por muitas buscas e pretensões, incluindo desde as possibilidades abertas pelos recentes desenvolvimentos no campo das estruturas de concreto armado e protendido, até uma busca artística de autenticidade (cuja iminente ou talvez já inevitável perda devia-se justamente à industrialização e massificação da produção), parecia ser um caminho mais viável a experimentação manifestar-se, prioritariamente, pelo emprego de estruturas “experimentais” - ou melhor dizendo, com certo grau inovador na sua concepção, mais do que na sua fatura. Saída pragmática para um impasse conceitual que tenta resolver menos efetiva do que simbolicamente o desejo de industrialização, entendendo-o, preferentemente, como vontade de inovação. Re pe t it ibilida de e va r ie da de n a con st r u çã o da cida de Um tema que percorre e caracteriza boa parte da obra residencial de Paulo Mendes da Rochax é a idéia-força da “casa-apartamento sobre pilotis”: proposta de forte caráter prototípico mas de fácil adaptação circunstancial, podendo ser mesclada em cada caso a diferentes aproximações estruturais, volumétricas e compositivas. Sua formulação 9 mais “exemplar” dá-se em um núcleo de quatro residências realizadas precisamente em 1963-65, em co-autoria com João de Gennaro, constituído pelas casas Bento Odilon Ferreira, em Goiânia (1963), o segundo e realizado projeto para a casa Francisco Malta Cardoso, em São Paulo (1964), destacando-se as casas “gêmeas” destinadas à família do arquiteto e à de sua irmã, Lina Cruz Mendes da Rocha (1964). Todas são variantes de uma mesma proposta de “casa-apartamento”: o programa é acomodado em apenas um pavimento, disposto sobre nível em pilotis mantido aberto e vago, usado como área de lazer e estacionamento, com escada de circulação vertical externa à “caixa” habitável. As duas casas situadas no bairro City Butantã que o arquiteto projeta para si mesmo e, no lote vizinho, para a família de sua irmã, este de meio de quadra e o outro de esquina, tendo defronte uma praça onde se situa uma casa bandeirista do século XVII, têm a singular característica de configurarem uma solução “gêmea”: ambas têm aparência idêntica, ao menos no dimensionamento e principais rasgos, embora ocorram pequenas distinções, seja aproveitando o formato desigual dos lotes, seja na previsão e disposição de uma ou de duas escadas de acesso, seja no arranjo dos ambientes internos, sutilmente distintos, com conseqüente variação das aberturas zenitais de iluminação pontual dos ambientes, em cada caso. A volumetria nasce basicamente das limitações urbanísticas impostas, embora este não seja o único parâmetro para a definição dos volumes edificados. Nas casas Gêmeas o desejo de empregar a pré-fabricação dos componentes na sua execução, mencionado nos memoriais, comparece efetivamente apenas no emprego de um numero relativamente discreto de elementos construtivos, tanto estruturais como de fechamentos, praticamente apenas um modelo de esquadria, e na paleta bastante restrita de materiais e acabamentos. Mas de fato cada casa é um caso, e outros indícios – como a disposição aparentemente aleatória, e distinta em cada casa, das aberturas de luz zenital - subvertem a noção de modularidade e a regularidade geral da composição. Apesar disso, há em potencia um desejo de repetitibilidade, tanto em termos de justaposição como de empilhamento – em contraponto com a demonstração didática de 10 que a repetição pode conviver com a “customização” de cada unidade habitacional resultante. Embora o desejo de pré-fabricação da unidade habitacional só se efetive, na obra de Mendes da Rocha, apenas 25 anos depois (na casa Antonio Gerassi Neto, 1989), ele está presente de maneira muito mais clara, e definitória do projeto propriamente dito na obra do Conjunto Habitacional CECAP-Cumbica, em co-autoria com Vilanova Artigas e Fabio Penteado. A planta da unidade habitacional do conjunto de Cumbica pode ser analisada como uma variante dos temas nas casas Gêmeas e na casa Mario Masetti no Pacaembu (Mendes da Rocha, 1968)xi. A perspectiva axonométrica da unidade habitacional de Cumbica demonstrando a montagem dos elementos pré-moldados (solução adotada de maneira parcial e bastante modificada no projeto final) mostra apenas um tramo de escada e uma unidade habitacional, da qual foram retirados os elementos que, cobrindo-a, configurariam o piso do primeiro pavimento: a evidente semelhança com o desenho icônico do sistema Dom-ino não pode ter passado, para seus autores, despercebida, sendo mais provável que fosse intencional. Trata-se de recurso de desenho utilizado para clarificar a solução adotada; mas é interessante notar como a unidade habitacional de Cumbica transforma-se assim, iconograficamente, numa das casas unifamiliares de uma série que inclui, entre muitos outros, os exemplos do Butantã e do Pacaembu. 11 O desenho axonométrico da unidade indica também como foi concebida a idéia da construção por pré-fabricação e montagem isostática dos elementos de concreto. Iniciase com fundações pontuais para quatro pilares situados na periferia do quadrado da planta e recuados das fachadas, num ritmo de aproximadamente 1/4/1; duas vigas π invertidas ligam os pilares formando um pórtico; vencendo o vão de aproximadamente 8 m, travando dois pórticos e formando o piso dispunham-se sete vigas duplo T complementadas por duas vigas π de desenho especial fazendo os dois balanços; o esquema repetia-se a cada pé-direito até a cobertura, complementada por impermeabilização e placas de isolamento térmico. A separação entre as unidades consecutivas dar-se-ia por painéis faceando os pilares; o fechamento correspondente às fachadas iluminantes seria por painéis-armário e vidro, sendo dez módulos nas fachadas externas e oito nas internas ao bloco, neste caso complementados por um módulo armário de piso a teto que cria um marco e um pequeno recesso para a porta de acesso. Na execução da obra foram empregadas lajes nervuradas fundidas in loco cuja aparência final se assemelha formalmente à solução pré-fabricada; os módulos painéis ficaram reduzidos em planta ao número de cinco na fachada externa e quatro na interna, os quais finalmente foram executados de maneira monolítica. 12 A repetição por mais 10 mil vezes da unidade habitacional de Cumbica parecia ser a circunstância ideal para viabilizar a realização dos ideais de pré-fabricação implícitos (inclusive nos “protótipos” conformados pelas casas unifamiliares projetadas antes e depois por seus autores), ativando inclusive sua potencialidade urbanística enquanto proposição exemplar para a conformação da cidade. Mas o fato de que mesmo assim terminou não sendo possível a pré-fabricação, que não se viabilizou no caso de Cumbica – apesar de sua hipótese ter norteado praticamente todo o projeto, da concepção da unidade ao arranjo urbano - é mais importante do que parece numa primeira avaliação; e creditá-lo apenas à incúria política e econômica é simplificar excessivamente os termos do problema. Em Le Corbusier, como em vários de seus contemporâneos da vanguarda do movimento moderno, a idéia da pré-fabricação como caminho óbvio, natural, inexorável e indiscutível para o futuro da construção civil origina-se menos de análises objetivas das possibilidades efetivas da indústria da construção e mais de uma analogia mecânica com a construção de navios, aviões e carros (mais recentemente, de eletrodomésticos). Há, entretanto, pelo menos uma diferença fundamental entre esses artefatos e as edificações, como ressalta Peter Collins no capítulo “The mechanical analogy” do livro Changing Ideals in Modern Architecture: é que eles são feitos para se moverem, ou, no caso dos eletrodomésticos, serem movidos. A questão das dimensões avantajadas e do peso das unidades habitacionais, ou de seus elementos de montagem, dificulta ou impede sua mobilidade, definindo limites bastante precisos para a estandardização na construção civil. A solução poderia ser, como sugere Le Corbusier, “abandonar a argila, a pedra, a argamassa” por outros materiais; mas em seu momento ele dispunha apenas do concreto e do aço para substituí-los, o que não chega a resolver a limitação de peso/tamanho. Diferentemente da proposta de Cumbica, há algumas tentativas dos anos 1960 de utilizar materiais mais leves, como plásticos e alumínios, de maneira a tentar superar essa contradição; ou senão, transfere-se a questão do peso para a questão da criação de máquinas de transporte e montagem das partes. Pode-se crer que se trata de uma questão que o avanço tecnológico eventualmente vem resolvendo; de qualquer maneira, seria o caso de questionar se o problema não é responder à pretendida inevitabilidade teleológica da pergunta implícita na pré-fabricação, mas verificar de novo as bases na qual essa pergunta se funda, as quais talvez determinem que sua resposta permaneça, mesmo que parcialmente, insolúvel. Um a e x pe r iê n cia ú n ica na const r u çã o de um a e scola O Edifício de Aulas (B-1) da Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo, em São Carlos, de Hélio de Queiroz Duarte e Ernest Robert de Carvalho Mange (1953), 13 foi projetado como parte da proposta geral de implantação do campus da USP (1952), universitária”, cuja nova situada “cidade na então periferia da cidade teria relativa autosuficiência, equipamentos englobando para áreas e administração, ensino (aulas e laboratórios) habitação e recreação. Entretanto, além do Edifício B-1 para salas de aulas, cuja execução arrastou-se por vários anos (ainda em 1956 estava apenas na estrutura, ficando pronto só em 1959xii), praticamente nenhuma das outras obras do plano foi realizada seguindo o desenho original; e mesmo esse prédio, que era parte de um conjunto de edifícios semelhantes, restou isolado e sem continuidade, uma “solitária testemunha das nobres intenções do plano original”xiii. Subtraído o contexto que embasava sua proposição o edifício ganhou fortuitamente um papel monumental e excepcional que em absoluto invalida sua qualidade intrínseca, embora frustre algumas de suas premissas prototípicas. Entretanto, o Edifício B-1 desde sempre assumira o papel de proposta singular, que os autores consideravam “obra rara no meio brasileiro e talvez experiência única em alguns aspectos”xiv. Sendo escola, e de engenharia, desejava-se que ela desse uma contribuição técnica ao ensino e à prática profissional, além de satisfazer plenamente suas necessidades pedagógicas. Assim, valorizou-se em primeiro plano “o critério de flexibilidade do espaço”, a ser obtido através da “modulação e tipificação”, que não se limitaria “aos elementos da estrutura resistente e de vedação interna e externa, [pois] as instalações hidráulicas e elétricas gozam também de absoluta flexibilidade […sendo] solucionadas espacialmente em verdadeiras artérias horizontais e verticais permitindo permanente elaboração e inspeção”. Os cuidados com a flexibilidade estenderam-se também a estudos sobre questões de conforto térmico, iluminação e acústica. A solução portante em apoio único central foi justificada pela adaptação potencial a diferentes terrenos (justificando sua vocação prototípica e repetível), com “estrutura em árvore” de colunas conformadas por pilar duplo central espaçado a cada 16 módulos de 70 cm cada [11.20 m]. Os planos horizontais estruturados em balanços simétricos de 4.55 m tornavam cada coluna responsável pela carga de uma área de cerca de até 125 m2. O edifício com largura de 16 módulos [11.20 m] e comprimento de 144 módulos [100.80 m] organiza-se longitudinalmente em um ritmo de quatro módulos em balanço, três intercolúnios com 16 módulos cada, um intercolúnio de 16 módulos abrigando sanitário, armários e escada, um intercolúnio especial de oito módulos abrigando dois WC 14 e elevador, mais quatro intercolúnios de 16 módulos cada e outro balanço com quatro módulos. O bloco tem três pavimentos acima do nível pilotis, deixado quase totalmente em aberto exceto pela delimitação de uma área de recepção e acesso; além de cobertura em terraço disposta sobre colchão de ar para melhor conforto térmico e facilidade de impermeabilização. A orientação norte-sul das longas fachadas, com corredores na face norte, evita a insolação direta nas áreas de aulas e espaços administrativos; a relativa pequena espessura do bloco facilita a ventilação cruzada. Um bloco de escadas e sanitários internos, centralizados, é complementado por duas escadas externas na fachada norte, na direção das penúltimas colunas de cada extremidade. O corte estrutural esquemático explica e sintetiza a solução que, por assim dizer, nasce de sua extrusão longitudinal, alterada em sua regularidade apenas na porção central ou core de utilidades. A secção trapezoidal das vigas transversais além de adotar a forma estruturalmente mais econômica tem seu desenho mantido na solução dos forros que seguem sua linha inferior criando vazios para o percurso das utilidades. A solução em coluna “dupla” amarrada, mostrando face contínua de um lado e dispondo um vazio do outro facilita a passagem vertical de utilidades e o escoamento das águas pluviais da cobertura. 15 Embora a solução estrutural e formal tenha como precedente notável o Pavilhão Suíço na Cidade Universitária de Paris, de Le Corbusier (1930), difere deste em vários pontos importantes. No Pavilhão Suíço a estrutura em concreto com apoios centralizados é responsável apenas pelos pilotis e primeiro plano de laje, seguindo dali para cima em estrutura metálica leve, com modulação mais miúda que atende e organiza a compartimentação necessária ao uso habitacional; enquanto no Edifício B-1 a solução em coluna central em concreto se prolonga verticalmente por todos os andares garantindo maior espaçamento estrutural e conseqüente flexibilidade dos usos nos pavimentos-tipo. Nestes, a regularidade na disposição dos intercolúnios definindo um grande módulo de 11.20 x 11.2 0m ao qual se acrescenta um balanço de 2.80 m nas extremidades menores do bloco revela um raciocínio construtivo racionalizado e repetitivo distinto da opção de Le Corbusier, que prefere manter a dimensão linear total da fachada equivalente a cinco dos seus intercolúnios (de cerca de 16.50 m) mas “deslocando para dentro” os últimos pilares das pontas, resultando em um vão menor seguido de balanço – solução sofisticada onde a lógica compositiva prevalece sobre a construtiva. A preferência compositiva também justifica a variação corbusiana no desenho das colunas, cuja secção se altera conforme a posição no seu conjunto e em relação aos acessos, sutilezas absolutamente distantes da maneira engenheral paulista, que não deixa de atender à simetria e decoro, porém com simplicidade espartana elevando a repetição, o mais homogênea possível, a norma. Também razões de engenharia justificam a opção paulista pelo concreto armado deixado aparente - “procurou-se imprimir ao concreto o espírito de uma escola de futuros engenheiros” - e pela vontade em realizá-lo com “pré-fabricação máxima dos 16 elementos tipificados da estrutura resistente e vedação”, o que permitiria executá-los sem andaimes externos e num prazo de seis meses. Alegava-se que assim o “processo construtivo avançado” se justificaria “tendo em vista razões econômicas”: entenda-se, não por ser mais barato, mas porque a possibilidade de repetição, rapidez de execução e uso imediato contrabalançaria e diluiria relativamente os custos pela maior eficiência dos resultados. A delonga e incompletude das obras – característica freqüente nesta e em inúmeras outras situações assemelhadas em outras construções posteriores, nascidas dos mesmos conceitos e vontades – transformaria algumas das obras da arquitetura paulista brutalista em caros e belos protótipos de uma nunca atingida e sempre almejada industrialização da construção. A grande experiência prévia dos autores no campo da construção escolar e da construção de cunho industrial embasou e qualificou de forma excepcional a proposta do Edifício B-1, dando continuidade a projetos anteriores também de flexibilização dos espaços a partir de estrutura com apoio central, como o desenvolvido para o Internato do Senai em Campinas (1952). Conve n cion a l r á pido ve r su s pr é - fa br ica do de m or a do Em São Paulo até os anos 1960 possivelmente a única experiência razoavelmente bem sucedida e efetivamente realizada de habitação coletiva empregando tecnologias de pré-fabricação ocorreu no projeto para o Setor Residencial da Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira (CUASO) da Universidade de São Paulo (também conhecido como Conjunto Residencial da USP, ou CRUSP). No início da década de 1960 foram realizados os projetos e a seguir implantados vários edifícios na CUASO, tendo o Fundo para a Construção da CUASO, coordenado pelo arquiteto Paulo Camargo de Almeida, “convocado um número grande de arquitetos para em conjunto estudarem o re-planejamento da área”. O projeto do setor residencial foi atribuído aos arquitetos Eduardo Kneese de Mello, Joel Ramalho Jr. e Sidney de Oliveiraxv. O terreno para o CRUSP situava-se entre o jamais construído centro social no seu lado noroeste e faceando um grande vazio que dava para o acesso da universidade e, mais adiante, para o setor esportivo, no lado sudeste; podendo-se considerá-lo como virtualmente isolado, relembrando as fotos de sua implantação algo das imagens da construção de Brasília, até por se tratar de área bastante plana da várzea do Rio Pinheiros, canalizado já no começo do século XX, para o qual se volta o lado menor do terreno. 17 A solução proposta define 12 blocos lineares sobre pilotis dispostos sucessivamente em duas alas de seis blocos, espaçados entre si por distância igual a seu comprimento e justapostos de maneira defasada com a outra ala, alinhando-se seus topos de tal maneira que uma passarela coberta de interligação pudesse conectar a todos passando sob seu primeiro intercolúnio. Esse passeio coberto interliga o conjunto a pontos de parada de ônibus e a um restaurante situado, no projeto inicial, entre o quinto e o sexto edifício. Os blocos estão orientados com as fachadas longitudinais no sentido nordeste (apartamentos) e sudoeste (circulação), com seis pavimentos sobre os pilotis, dez apartamentos para três estudantes cada por andar, num total de 720 apartamentos para 2.160 pessoas, com circulação vertical por torre de escada situada próxima à passarela de acesso, com dois elevadores parando no térreo e no patamar intermediário das escadas, de maneira a dar acesso aos dois níveis acima e abaixo e reduzir o número de paradas (economia que, na época, parecia ser significativa); prevendo-se também uma outra escada de emergência próxima da outra extremidade do bloco. O memorial publicado dá conta de que “os arquitetos estudaram, inicialmente, vários tipos de acomodações, para um, dois e três alunos por quarto. Depois de discutidos esses estudos pela comissão planejadora, os diretores do Fundo [de Construção da CUASO] optaram pela solução que agrupa os alunos em número de três”xvi. Não fica clara a razão dessa opção, exceto pelo fato de ela não estar em absoluto 18 condicionada pela proposta arquitetônica. Até porque esta concebeu os edifícios empregando de maneira plena os conceitos de planta livre e de estrutura independente, de maneira a ser possível praticar diversos tipos de arranjos, prevendo-se também o uso de divisórias leves e/ou armários na separação entre as unidades. Essa homogeneização mais ou menos forçada, e arquitetonicamente desnecessária, entretanto estava posta como paradigma não apenas neste caso, mas era, e continua sendo, uma persistentes das e regras menos vigentes justificáveis mais que comumente se aplicam por desejo dos clientes institucionais (não aos usuários finais) ao tema da habitação social. Para tentar imaginar um motivo de sua origem, poder-se-ia talvez imaginar uma hipótese: a de que um conjunto talvez seja concebido como uma agrupação de unidades estanques e finitas, nascendo de uma solução padrão de “casinha” que é então repetida; mesmo quando não é o caso, é concebida como um “objeto”, a ser repetido, justaposto e empilhado. Talvez por analogia com os blocos de construção dos jogos infantis (como os famosos jogos Froebel, ou a versão nacional do “pequeno engenheiro”), imagem presente nos anos 1960 e retomada pelos metabolistas japoneses e pelo grupo inglês Archigram na idéia de “plug-in”: uma unidade que se préfabrica (quase que se extruda, como se de matéria plástica fosse) e se conecta numa estrutura base de suporte. Mas esses talvez sejam motivos demasiado inteligentes e a massificação das unidades deva-se, apenas, à falta de imaginação e à cristalização mental dos empreendedores. 19 No caso do CRUSP, o projeto era de fato mais inteligente. E mais flexível do que a idéia divertida, porém pouco factível, do objeto plugável: a unidade não é a habitação, mas o bloco, e dentro dela, a subdivisão pode ser livre, resultando em distintas unidades sem perda da unidade do conjunto. Não se trata de nenhuma novidade, mas simplesmente da correta e apropriada aplicação do esquema básico Dom-ino, cujas possibilidades se realizam neste exemplo de maneira plena - exceto pelo fato de o desnecessariamente cliente tornar ter preferido rígidas as possibilidades abertas; conforme assinalam os autores, “o sistema estrutural proposto foi de estruturas de concreto armado, independentes das paredes de vedação; internamente as paredes divisórias, leves, xvii seriam de painéis e armários” . A repetição da solução de um mesmo bloco linear por doze vezes justificaria, segundo seus autores, “que essa estrutura fosse pré-fabricada, tendo em vista o número infinito [sic] de repetições de peças iguais. Executadas essas peças em oficinas com mesas metálicas vibratórias não só seria alcançado sensível barateamento da obra (somente o madeiramento de formas e andaimes representa hoje aproximadamente 30% do custo do concreto armado), como esses elementos poderiam ter melhor acabamento e sua montagem ser mais rápida”. Mas todas essas declaradas e aparentes vantagens omitem os possíveis problemas que adviriam da pré-fabricação, ainda mais naquele momento histórico como as dificuldades e os custos de transporte, o custo dos equipamentos de montagem, a ausência de tradição tecnológica obrigando previamente a difíceis e custosos testes e ensaios, o custo muito baixo da mão-de-obra não qualificada então normalmente empregada na construção civil, fazendo com que pouco conviesse substituí-la por mãode-obra especializada e equipamentos mais caros. Ademais, “tratava-se de construção que seria obrigatoriamente feita pelo sistema de concorrência pública”, de maneira que “o Fundo exigiu que os cálculos estruturais apresentados fossem do tipo convencional, [para concreto] fundido na obra, porque não se tinha notícia, então, de firmas que 20 estivessem equipadas para a execução de trabalho desse tipo, e a concorrência ficaria na dependência de importação ou fabricação desses equipamentos”. Mesmo assim, ganhou a concorrência uma empresa que já tinha alguma experiência de pré-fabricação ou, pelo menos, dispunha dos equipamentos de elevação e transporte. Mas “o governo do estado de São Paulo havia assumido o compromisso de aprontar seis prédios do setor de habitação para [ser usado como] alojamento dos atletas dos Jogos Pan-americanos. Em vista desse compromisso, e tratando-se a construção em pré-moldado de uma especialização nova com possibilidades de surgir imprevistos que dificultassem a conclusão das obras em tempo hábil, resolveu o Fundo para a CUASO dividir a concorrência em duas partes, contemplando os vencedores com seis prédios em pré-moldado e entregando ao segundo colocado a construção de seis prédios no processo tradicional”. Esse trecho do memorial é muito significativo por demonstrar até que ponto a idéia de pré-fabricação (ou pré-moldagem, como é algumas vezes nomeada) não resultava em absoluto das condições precípuas de desenvolvimento tecnológico ou de imposições sociais e econômicas da realidade vigente, mas do desejo dos autores, arquitetos, de torná-la possível de qualquer maneira, menos por capricho e muito mais por uma verdadeira e profunda crença em ser esse o caminho correto a se tomar - e uma vez que ele não se apresentava facilmente, havia que abrir a mata virgem a facão: “os arquitetos, os construtores e o ‘Fundo’, orgulhosos de abrirem esse novo campo de construção […] esse pioneirismo no campo da industrialização da construção civil lança perspectivas promissoras à solução de graves problemas nacionais, como o da habitação 21 popular, edifícios educacionais, hospitalares, públicos, etc.”xviii. momento, o exemplo do CRUSP servisse também Muito embora, naquele para revelar, mesmo que ingenuamente, um certo paradoxo: o de que a construção convencional resultava ser mais rápida e confiável. Embora os seis edifícios executados “convencionalmente” tenham sido construidos primeiro, ia rapidez nos prazos só foi possível, se não pela préfabricação da obra bruta, ao menos pela sistematização e adequada concepção dos detalhes, já que “não foram usados tijolos; feita imediatamente a estrutura a iniciou-se montagem das divisões, painéis e armários; a estrutura [era] muito leve e simples, [com] peso reduzido dos prédios [permitindo economia nas fundações e estrutura]; canalizações não embutidas, com facilidade na montagem e em futuras inspeções [com a passagem em dutos verticais e forros horizontais]; nenhum serviço de pintura, os materiais apresentavam-se em sua cor e textura naturais; pisos de massa plástica assentados diretamente no concreto [possivelmente com o piso total do pavimento sendo executado antes das divisórias]; peitoris coloridos de Formiplac assentados nos caixilhos de alumínio; paredes externas cegas, de chapa corrugada Eternit, simplesmente parafusadas”xix. Essa exposição dos materiais in natura, característica do brutalismo, é sobre-enfatizada em seu valor didático na execução da obra civil: “[os autores] desejam apresentar, no próprio ambiente de ensino [a USP], detalhes dessa experiência, conservando a estrutura aparente, com suas junções e ligações à mostra”xx. De qualquer maneira a obra do CRUSP teve de fato um alto grau de pioneirismo, já que apenas no final do século XX é que boa parte de seus pressupostos passaram a ser, ainda que parcialmente, aplicados em obras habitacionais correntes, e apenas por algumas grandes empresas, e talvez somente após a pressão causada pela grande elevação de custos relativos à mão-de-obra exigindo medidas de economia com foco na eliminação dos desperdícios, ainda hoje praticados em alto grau na construção civil, que segue sendo feita com demasiada freqüência de maneira artesanal e precária. 22 D e pois da s m ir a ge n s, u m oá sis sist ê m ico Apesar das frustrações e das tentativas falhadas, os esforços para concretizar uma mais ampla pré-fabricação dos elementos construtivos enquanto meta necessária para superar o caráter artesanal da construção civil em prol de uma maior precisão, rapidez e confiabilidade começam no final dos anos 1960 a não apenas estar presentes nos discursos e lições de arquitetura, para tornar-se cada vez mais uma realidade, em especial nas construções voltadas para uso industrial, com algumas raras mas importantes exceções de edifícios destinados a outros usos. A realização de Brasília ajudou, mas ainda pouco, na concretização desse ideal. A distância de seu sitio em relação às demais cidades, a ausência de estradas, a rapidez de sua execução não facilitava o uso de estruturas pré-fabricadas de concreto, a serem realizadas nos grandes centros e depois transportadas e tampouco parecia haver interesse em criar fábricas de pré-moldados no planalto central, face ao custo do transporte dos insumos e o risco de ver a indústria restar sem utilidade após o fim do esforço construtivo imediato. Embora uma construção pré-fabricação possa ser realizada mais rapidamente que outra convencional, a implantação inicial de sua planta produtiva não o é assim tanto: vencer essa inércia tomaria um certo tempo, que o interesse político dos construtores de Brasília não poderia avalizar, sob pena de não ver a capital pronta no prazo. Situação que se via ainda mais complicada pela relativa ausência de um pensamento e reflexão nacional mais desenvolvidos sobre o tema, que só começam a ocorrer a partir de fins dos anos 1960, e mais propriamente, na década de 1970.xxi De fato, embora nos anos 1960 ocorram algumas poucas, experiências efetivas de construção de obras empregando pré-fabricação extensiva, não só da estrutura como dos elementos de fechamento, elementos de infra-estrutura, etc., será apenas na década seguinte que esse impulso vai se incrementar. E apesar da maioria dos autores considerar que o principal interesse na aplicação da industrialização da construção seria na superação do sempre imenso déficit habitacional, de fato ela só irá se consolidar na construção de edifícios industriais: não apenas por proporcionar rapidez de execução, mas por que nesses casos a relativa crueza na resolução formal e de acabamentos podia passar por irrelevante. E paradoxalmente, sua não aplicação em conjuntos habitacionais se dava por razões de ordem econômica, pois encarecia-os – já que seu pretenso barateamento dependia de sua aplicação persistente, que não chegava nunca a acontecer. As exceções notáveis e pontuais de uso pleno da pré-fabricação na arquitetura, no ambiente paulista dos anos 1960, alem do projeto e construção do alojamento para os estudantes na CUASO-USP, 1962, foi o edifício de escritóriosxxii da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, 1968, de Paulo Bruna, Arnaldo Martino, Antonio 23 Sergio Bergamim e José Guilherme Savoy de Castro, projeto vencedor de concurso nacional. A Secretaria de Agricultura foi implantada em meio a uma ampla área verde situada no Parque do Estado. Interessante notar que a ata do júri valoriza nem tanto o emprego de um sistema pré-fabricado como a correção na implantação proposta, que cria uma interligação entre duas avenidas existentes cortando o parque, e situando as construções parcialmente sobre a mesma, transformando-a não numa avenida de passo, mas num sistema que parte dos fluxos da infra-estrutura urbana (acesso de automóveis, utilidades e dutos), de maneira a organizar o conjunto bastante extenso de edifícios em uma pequena cidade. Talvez, à maneira das “New Towns” inglesas, cuja centralidade se dá por uma praça central de pedestres, de passagem obrigatória para o acesso aos edifícios - de maneira a estimular um ponto de encontro e troca informal que serve de referência, necessária em função da complexidade do conjunto conformado por uma 24 articulação bastante variada de edifícios, cuja homogeneidade formal, entretanto, é garantida pelo emprego extenso e exclusivo de elementos pré-fabricados. A idéia da cidade como uma malha de fluxos, parte terrestre, parte aérea, presente em Le Corbusier e retomada em tom de revisão crítica na obra de autores ligados ao Team X e ao brutalismo inglês, como o casal Alison & Peter Smithson – como a proposta das “ clust er cit ies” (1957), e mais ainda o “ urban st ruct uring” presente na proposta para Berlin-Hauptstadt (1958) - parece ter sido revista na proposta para a Secretaria da Agricultura através dos seus amplos corredores de circulação entre os vários blocos, quase vias elevadas de circulação, cujo “calibre” ou amplitude é variável em função de acessibilidade e restrição dos setores que acedem. Cada bloco corresponde a um item determinado do programa e dele extrai sua necessidade de áreas úteis, de proximidade com outros blocos, etc., sendo tais questões funcionais cuidadosamente tratadas e atendidas, de maneira que o resultado parece gozar de uma saudável “funcionalidade” que parece não apenas alheia mas oposta a qualquer preocupação priorística; podendo-se formal dizer a- que o edifício “resulta” mais do que “nasce”. Entretanto, notam-se alguns cuidados no arranjo que dificilmente são de origem aleatória, simetria ou indeterminada: balanceada não rígida uma mas perceptível, tomando como eixo a via de acesso e compensando cuidadosamente eventuais diferenças no volume total das 25 áreas de cada um dos lados da ocupação, principalmente através do dispositivo de tornando vázios-pátios mais ou menos generosos, que virtualmente compensam eventuais desbalanços; além de haver uma sutil disposição “piramidal” do conjunto, com as bordas com edifícios preferentemente mais baixos e o centro, por sobre o cruzamento, ligeiramente mais elevado. Tais cuidados não são excessivamente evidentes, mas tampouco são secundários - já que o uso de elementos pré-fabricados não exclui a necessidade de tratar de questões básicas de qualquer arquitetura, quais sejam a unidade e o equilíbrio volumétrico. A pré-fabricação dos elementos em canteiro incluiu não apenas as estruturas principais, mas um variado rol de elementos secundários, mas não menos importantes, necessários à proteção solar e ao acabamento dos edifícios. Em todos os sentidos esta obra assume um caráter prototípico e exemplar: não apenas pela precocidade com que desenvolve uma arquitetura a partir de elementos pré-fabricados, como por fazê-lo de forma adequadamente equilibrada, sem descuidar dos detalhes, e usando o concreto aparente não somente por suas qualidades portantes, mas igualmente aproveitando suas possibilidades plásticas, sem desviar para o excesso formal ou estrutural que já vinha se anunciando como desenvolvimento seguinte da arquitetura brutalista, contra o qual esta obra parece fazer um mudo apelo à ordem. M a s a be le za é fu n da m e n t a l Na publicação do projeto “Plano para uma cidade satélite” de 1965, de fato uma proposta de conjunto habitacional para 50 mil pessoas em Cotia, arredores de São Pauloxxiii, o arquiteto e historiador Nestor Goulart dos Reis Filhos tece algumas considerações gerais sobre o tema da habitação e de sua pretendida conexão íntima com a industrialização da construção. Dez anos depois Reis Filho apresenta o livro de Paulo Bruna, “Arquitetura, Industrialização e Desenvolvimento”xxiv, baseado na sua tese de doutoramento de 1973, ainda hoje uma referencia no tema. Pela primeira vez no Brasil o assunto da industrialização da construção é examinado de maneira totalmente no- 26 nonsense, sem miragens e tampouco sem oásis. E apesar disso, o autor deixa claro que a viabilidade da industrialização não se centrava em temas técnicos, mas em outra ordem de questões: “foi-se tornando claro, à medida que os estudos prosseguiam e que experiências práticas eram realizadas, que os problemas da industrialização da construção não são técnicos; que as dificuldades encontradas não são de ordem tecnológica, produtiva ou organizativa; são, na realidade, problemas muito mais administrativos, de caráter econômico, político e social”. Mas há também outro problema, de difícil solução, para a viabilização da industrialização da construção que se poderia dizer, aproveitando no triangulo vitruviano, que repousam no vértice da venustas, ou beleza, entendida como proporção, equilíbrio, unidade, e caráter apropriados. A miragem da industrialização parece ter afetado a linguagem do brutalismo paulista muito mais de maneira simbólica que efetiva. No entanto, seus parcos exemplos dos anos 1950-70 que buscaram percorrer de maneira mais efetiva esse caminho nos apresentam, cada qual, algumas lições importantes com as podemos quais aprender – talvez, até, para superá-las de uma vez e seguirmos adiante esses (ou outros) caminhos. 27 Notas i Este trabalho aproveita vários trechos da tese de doutoramento da autora, “Arquitetura da Escola Paulista Brutalista 1953-1973” (PROPAR, 2005), reunidos sob uma nova redação cujo foco é a questão da industrialização. ii Especialmente quando tratam da obra icônica de Le Corbusier que soma em si mesma ambas ambições: a Unidade de habitação de Marselha, concebida como objeto industrializável e executada como objeto brutalista. O próprio autor elabora um discurso dos mais especiosos tentando conciliar ambas coisas como se fossem apenas o resultado de um contratempo – negando, de certa maneira, o fato de que Le Corbusier já vinha buscando esse caminho de rusticidade desde a década de 1930, fato que a Unité vem corroborar, e não o contrário. iii KOMENDANT, Karl/ 2000. 18 años con El arquitecto Luis.I.Kahn. A Coruña: Colégio Oficial de Arquitectos de Galícia, p.59 iv BRUNA [1976] aponta, nas décadas de 1950-60, apenas dois casos, ambos aqui estudados: CRUSP/CUASO e Secretaria da Agricultura de São Paulo. v Acrópole, nº 319, jul. 1965, p. 34-5 vi O próprio autor queixa-se, no memorial publicado, da má formação universitária que não proveria esses conhecimentos, por concentrar-se em debates mais amplos, provavelmente de cunho urbanístico e com implicações de ordem sociológica: “a formação universitária que a nova geração recebeu, orientada para as amplas tarefas […] dá origem a prematuras experiências”. Idem, ibidem. vii XAVIER, Alberto; LEMOS, Carlos; CORONA, Eduardo. 1983. Arquitetura moderna paulistana. São Paulo: Editora Pini, p. 69: “Tudo isso faz com que externamente a casa não tenha transparência que permita a percepção do sistema estrutural adotado, o que é de lamentar, porque a todos passa despercebido o esforço de obtenção dos balanços que deixam livres os bordos da laje”. viii “Reflexões sobre o brutalismo caboclo”. Entrevista concedida por Sérgio Ferro a Marlene Millan Acayaba publicada na Projeto, nº 86, abr. 1986, p. 70. ix ARTIGAS, João Baptista Vilanova. 1981. Caminhos da arquitetura. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, p.13. Possivelmente, até, por observação das obras e frustrações de seus diletos discípulos Sergio Ferro e Rodrigo Lefevre; pois ao contrario do que reza a lenda conformada a partir dos anos 1970, há mais dialogo do que contraponto entre estes e aquele. x Assim como a de outros arquitetos, dos quais se poderia também destacar a Carlos Millan. xi Para uma análise mais pormenorizada desse aspecto, ver Zein [2005, 214-6]. xii Cf. Habitat, nº 33, ago. 1956 e Acrópole, nº 249, jul. 1959. xiii SEGAWA,Hugo. “Helio Duarte, moderno, peregrino, educador”. [in] revista AU nº 80, out./nov. 1998, p.64. As informações biográficas sobre Hélio Duarte aqui indicadas foram também extraídas desse texto. xiv Trechos do memorial, publicado similarmente nas revistas Habitat e Acrópole já citadas xv Acrópole, nº 303, fev. 1964, p. 93. xvi Idem, p. 94. xvii Idem, p. 95, bem como citações seguintes. xviii Idem, p. 101. xix Idem, p. 98. xx Idem, p. 101. xxi O primeiro estudo sistemático nesse sentido foi realizado pelo Prof. Dr. Paulo Bruna na sua tese de doutoramento em 1972, publicada em 1976 [Bruna, 1976]. xxii O projeto de edifícios de escritórios deu campo para outros experimentos de pré-fabricação, em especial de elementos de fachada, seguindo algumas propostas abertas pelos desenvolvimentos da obra de Marcel Breuer dos anos 1960/70; nesses casos se poderia destacar os Edifícios Sede da Ericsson do Brasil, de Charles Bosworth (1968) e o Edifício Sede da Construtora CBPO, de R.N.Rocha Diniz e Sidonio Porto (1968). xxiii Acrópole nº 319, jul.1965, p.24-7. xxiv BRUNA, Paulo Julio Valentino. 1976. Arquitetura, industrialização e desenvolvimento, São Paulo: Perspectiva 28 Imprimir O CENTRO ADMINISTRATIVO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL: CURVA DE CONCRETO MARCANDO A PAISAGEM Renato Holmer Fiore Arquiteto (UFRGS, 1987) Mestre em História (PUC-RS, 1992) Ph.D. em Arquitetura (UCL, Universidade de Londres, 2001) Professor do Departamento de Arquitetura, UFRGS Endereço: Rua Eça de Queiroz, 892 Tel.: (51)33315085 E-mail: rhfiore@terra.com.br Fechar O CENTRO ADMINISTRATIVO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL: CURVA DE CONCRETO MARCANDO A PAISAGEM Resumo: O Centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, foi projetado em 1972, por Charles René Hugaud, Ivânio Fontoura, Leopoldo Constanzo e Luís Carlos Macchi Silva, tendo a obra atingido o estágio atual em meados dos anos 1980. O bloco mais alto foi construído parcialmente, ficando com 22 dos 32 andares previstos, além de outras partes não terem sido completadas conforme o projeto. O principal material que caracteriza sua expressão formal é o concreto. Com sua forma singular, com dois volumes semelhantes posicionados de modo antimétrico em relação à coluna de circulação vertical, cada um com faixas horizontais de vidro e concreto arrematadas por placas de concreto nos lados menores, verticais nos lados mais próximos do centro e com perfil curvo nas extremidades mais afastadas deste, o incompleto edifício com 22 andares tornou-se um elemento marcante na paisagem de Porto Alegre. Localizado em área de aterro junto ao Guaíba, logo ao sul da península que constitui o centro da cidade, está em um espaço bastante amplo, num entorno aberto, no qual aparece como elemento mais destacado, com alta visibilidade. Sua silhueta curva chama especialmente a atenção. Apesar de poder ser visto por todos os lados, o ângulo que permite ver com mais clareza a forma geral é a partir do nordeste, ângulo do qual costuma ser retratado em cartões postais e obras artísticas. Deste ângulo, de certa distância, pode ser visto junto com a histórica Ponte de Pedra e o Monumento aos Açorianos, formando um conjunto que lhe acrescenta significado como um símbolo da cidade, apesar de, tendo ficado incompleto, apresentar detalhes bastante insatisfatórios. O presente trabalho analisa a presença e significação da obra em questão na cidade, considerando formas de representação da obra na imprensa e por outros meios, como cartões postais. Abstract: The Administrative Centre of the State of Rio Grande do Sul, in Porto Alegre, was designed in 1972 by Charles René Hugaud, Ivânio Fontoura, Leopoldo Constanzo e Luís Carlos Macchi Silva, and reached its present size in the mid-1980s. Its highest structure was partially built, reaching 22 of the intended 32 storeys. Other parts of the complex were also not completed as designed. The main building material which characterizes its formal expression is concrete. With its singular form, with two identical volumes positioned in an antimetrical way in relation to the tower of the elevators, each of these two volumes being made up of horizontal stripes of glass and concrete flanked by vertical and curved concrete walls at opposite sides, the incomplete 22 storey building became a marking element in the townscape of Porto Alegre. Situated in an area reclaimed from the Guaíba River, at the south of the peninsula where the city centre is located, it stands in an ample, open space, being highly visible and appearing as the most conspicuous element. The attention is especially caught by its curved silhouette. Although it may be seen from all sides, the angle from which the general form is perceived most clearly is from the northeast, angle from which it is usually seen in postcards and works of art. From the northeast, from a distance, it may be seen together with the historical Stone Bridge and the Monument to the Azoreans, forming an ensemble which adds meaning to it as a symbol of the city, despite the fact that, having remained incomplete, it presents details which are quite unsatisfactory. The present work analyzes the presence and significance of this building in the city, considering forms of representation in the press and by other means, such as postcards. Palavras-chave: Centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul – concreto armado – significado na paisagem. Key words: Administrative Centre of the State of Rio Grande do Sul – reinforced concrete – meaning in the townscape. 2 O CENTRO ADMINISTRATIVO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL: CURVA DE CONCRETO MARCANDO A PAISAGEM O Centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul foi projetado em 1972 e construído em zona de aterro na Praia de Belas, área ao sul da península onde se localiza o centro da cidade de Porto Alegre. Essa área obtida através de aterro na orla do Guaíba fora destinada pelo Plano Diretor da cidade à construção de edifícios para a administração pública nos três níveis de governo, municipal, estadual e federal. Vários edifícios foram então levantados na área, mas o único que parece ter constituído uma imagem de algum vigor, capaz de se tornar um marco na paisagem, um elemento de referência e mesmo um símbolo da cidade, é o do Centro Administrativo estadual. O seu elemento mais destacado, o prédio destinado aos escritórios das secretarias de Estado, com duas torres assimétricas de 22 andares, tendo elas um lado vertical e outro curvo, posicionadas antimetricamente em relação à coluna de circulação vertical, que une os dois volumes, produziu uma imagem singular no contexto urbano, capaz de atrair a atenção do observador. O entorno baixo ou com edifícios mais afastados e isolados em seus terrenos favorece a percepção do bloco. Mas esta percepção também é favorecida pela sua localização junto à importante Avenida Borges de Medeiros, em zona bastante aberta logo após a saída, para quem se dirige à zona sul de Porto Alegre, da área densamente ocupada do centro da cidade. Há ainda o fato de que o edifício está próximo da Ponte de Pedra, construída entre 1843 e 1854, a mando de Caxias,1 e do Monumento aos Açorianos, escultura realizada por Carlos Gustavo Tenius entre 1973 e 1974,2 significativos marcos de importância histórica e artística da cidade. Dependendo do ponto de vista, o edifício pode ser visto junto com estes, o que lhe agrega significado visual e histórico. O significado do Centro Administrativo na imagem da cidade deriva, assim, além, obviamente, do tamanho do edifício e do fato de ser um prédio governamental importante, da sua singular silhueta, combinada à sua posição, localização e relação com o contexto urbano. A silhueta marcante é delineada por superfícies curvas de concreto armado, originalmente aparente, sem pintura, nos lados menores e mais afastados do centro do edifício nos dois volumes. Os lados opostos e mais próximos do centro, em ambos os volumes, são arrematados por placas de concreto planas, verticais. Os lados maiores dos blocos apresentam faixas horizontais de janelas em fita alternadas com faixas horizontais de concreto armado salientes em relação ao plano das janelas. Estes lados, portanto, têm seus perfis, com suas saliências e reentrâncias, arrematados pelas placas opacas de concreto, de largura constante, verticais ou curvas, dos lados menores, se bem que, na verdade, há uma reentrância nas extremidades das 1 2 Clóvis Silveira de Oliveira, Porto Alegre: a cidade e sua formação, Porto Alegre: Norma, 1985, p. 94-95. Armindo Trevisan, Escultores contemporâneos do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1983, p. 72. 3 faixas horizontais salientes de concreto que faz parecer que estas não encostam nas placas de fechamento lateral. A expressão plástica do edifício, portanto, é dada diretamente pelo uso do concreto armado, além de pelas faixas de vidro, e a concepção arquitetônica, de forma geral, faz uso tanto da possibilidade de organização estrutural e funcional reticular, ortogonal, normativa, na forma retangular de cada andar, como da possibilidade de um certo sentido escultórico, na silhueta curva do volume. Figura 1 – Centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul. Fotografia do autor. Essa silhueta curva conferiu ao edifício uma forma singular no contexto da cidade, e, pela sua presença marcante na paisagem, o Centro Administrativo estadual tornou-se um importante marco urbano, sendo freqüentemente retratado como um dos elementos símbolo da cidade, em cartões postais e mesmo em obras artísticas. É uma obra bastante conhecida e reconhecida na cidade, sendo um de seus elementos identificadores. Apesar do edifício, como está, ter adquirido essa projeção, o projeto original, no entanto, não foi completado. Apenas 22 dos 32 andares previstos do prédio de secretarias foram construídos, a grande plataforma de acesso e atendimento ao público ao sul deste não foi finalizada, e o projetado Palácio dos Despachos do governador não foi realizado. O prédio das secretarias deveria estar no meio de um lago artificial, também não realizado, e a forma curva, que poderia sugerir a idéia de um volume emergindo da água, teve seu efeito prejudicado. De fato, o edifício que, visto de longe, tem uma presença marcante e que pode ser considerada atraente por muitos, como sugerem cartões postais e outras representações, visto de perto, parece perder essa qualidade devido à não finalização do projeto, a problemas de acabamentos e à continuidade da presença no entorno de construções precárias e de má qualidade estética, que, por serem baixas, não são percebidas quando se olha de longe, mas que, de perto, constituem forte e negativa interferência visual. O projeto do Centro Administrativo do Estado é um produto dos anos de euforia econômica do auge do período da ditadura militar que se seguiu ao golpe de 1964. O governo militar investiu 4 pesadamente em novas obras de infra-estrutura pelo país e em prédios governamentais de porte monumental. Infelizmente, a obra em questão não foi executada com rapidez suficiente, ou, pelo seu porte, não poderia sê-lo, para ser completada antes do fim da euforia econômica dos inícios da década de 1970, época do chamado “milagre brasileiro”, acabando por ser descontinuada quando a capacidade governamental de investir em arquitetura praticamente se esgotou ao longo dos anos 1980. O projeto foi realizado em 1972 por uma equipe de arquitetos da Secretaria de Obras, constituída por Charles René Hugaud, Ivânio Fontoura, Leopoldo Constanzo e Luís Carlos Macchi Silva. A obra foi iniciada no final do mesmo ano. O projeto previa, então, a torre dupla de 32 andares e 65000m² de área para reunir as várias secretarias de Estado; um edifício plataforma, um retângulo de 150m por 90m com três pavimentos e 48000m² de área, que serviria de acesso ao conjunto e atendimento ao público e cuja laje de cobertura deveria tornar-se uma praça para atos cívicos; e um Palácio dos Despachos, com seis pavimentos e 7000m² de área e uma expressão formal mais monumental, destinado a servir como novo palácio de trabalho do governador do Estado, relegando o Palácio Piratini a um papel mais simbólico, cultural e turístico, e para residência do governador.3 A história e a representação da obra na imprensa: O andamento das obras, com suas interrupções e retomadas, foi acompanhado pela imprensa local. A partir de artigos de jornais, podemos, assim, reconstituir o histórico da obra. Em 12 de novembro de 1972, Alberto André publicou no jornal Correio do Povo um artigo de página inteira, anunciando o plano e o projeto do Centro Administrativo.4 O artigo é aberto com a previsão de que, se tudo corresse bem, no final de 1974 as secretarias de Estado estariam transferindo-se para o novo prédio. O conjunto arquitetônico projetado, de cuja maquete o artigo apresenta três fotografias, é qualificado pelo autor de “bonito e funcional”. Destinar-se-ia a reunir em um mesmo local os vários componentes da cúpula da administração estadual de modo a dar mais racionalidade, integração e eficiência ao trabalho dos vários setores e ao atendimento ao público, assim como economizar verbas gastas com aluguéis de prédios para as várias repartições. Seria em seguida aberta a concorrência para começar as obras de fundação e a construção do edifício do secretariado, que deveria estar ocupado até o final do mandato do governador de então. Para o governo seguinte seria deixada a segunda fase das obras, compreendendo a plataforma de serviços e o Palácio dos Despachos. O artigo explica que se tratava já do terceiro projeto realizado para o Centro Administrativo, tendo havido redução significativa de tamanho em relação ao inicialmente pretendido. Desde 1956 3 Dados conforme Alberto André, “Uma cidade dentro da outra”, Correio do Povo, Porto Alegre, 12/11/1972; e Alberto Xavier & Ivan Mizoguchi, Arquitetura moderna em Porto Alegre, São Paulo: Pini, 1987, p. 266-267. 4 Alberto André, op. cit. 5 houve três projetos e quatro concorrências. Concorrências realizadas em 1963, 1966 e 1970 foram anuladas. Quanto aos projetos, o primeiro distribuía as secretarias em prédios isolados, e o segundo previa a construção de quatro blocos, a plataforma e o palácio. O terceiro projeto diminuiu o número de unidades para três. A gleba inicialmente prevista era de 17ha, tendo esta sido diminuída para 16ha. A definição da área a ser ocupada pelo Centro Administrativo, ao lado da Av. Borges de Medeiros, perto da Ponte de Pedra, do Arroio Dilúvio e da Escola Técnica Parobé, fora feita em 1962, na gestão do Prefeito Loureiro da Silva. Foi explicado pelo coordenador da comissão responsável, Engº Abrahão Nudelman, que inicialmente fora previsto que 28000 funcionários trabalhariam no Centro Administrativo na Praia de Belas, mas que houvera “mudança de filosofia administrativa”, caindo aquele número para 5000 ou 6000 funcionários numa “estrutura de Estado-empresa, onde a eficiência esteja na razão direta da racionalidade e atualidade”.5 Essa redução de servidores tinha como causa principal o processo de informatização da administração pública. A nova obra que se iniciaria estava sendo apresentada como importante fator de modernização. A modernidade da concepção arquitetônica acompanhava, portanto, a modernidade pretendida para o funcionamento da administração pública. É interessante notar também que havia uma consciência bastante clara em relação ao impacto que a nova obra teria no contexto da cidade. O artigo cita uma observação do Engº Jorge Englert, da Secretaria do Desenvolvimento Regional: “Por sua localização, à beira do Guaíba, livre no espaço aberto da praia de Belas, o Centro Administrativo do Estado será o cartão de visita da hospitaleira Porto Alegre”.6 A afirmação é interessante principalmente porque expressa a clara percepção de que o valor estético ou simbólico de uma obra arquitetônica depende da sua localização, entorno e contexto. Figura 2 – Fotografia com maquete do projeto do Centro Administrativo, em Shopping News Porto Alegre, Porto Alegre, v. 1, n. 27, 7-13 abril 1974, capa. 5 6 Abrahão Nudelman, citado por Alberto André. Ibid. Jorge Englert, citado por Alberto André. Ibid. 6 Em abril de 1974, o pequeno jornal Shopping News Porto Alegre publicou uma fotografia da maquete do Centro Administrativo, apenas com uma breve observação abaixo da imagem. Cerca de um ano e meio após o artigo comentado acima, que previa a ocupação do bloco de secretarias para 1974, parece que a obra não estava andando como previsto. O comentário que acompanha a fotografia da maquete em Shopping News afirma que o Centro Administrativo “já está em construção” e que deveria ser concluído no período do governo seguinte. E acrescenta que seria uma obra que iria orgulhar o Rio Grande do Sul.7 No começo de 1975, o Centro Administrativo apareceu num anúncio de página inteira na revista Signo Comunicação, sob o título “Humano!”. A empresa de móveis Manlio Gobbi S.A. anunciava uma linha de móveis para escritório, a qual, no seu dizer, fora concebida para humanizar os ambientes de trabalho e tinha sido escolhida para equipar o Centro Administrativo.8 A importância dessa obra conferia prestígio aos móveis da empresa. O anúncio traz uma pequena figura do projeto, com o edifício do secretariado visto de um dos ângulos mais favoráveis, em que o volume que está à frente fica do lado direito, deixando ver toda a curva de concreto do volume que está mais atrás. A silhueta curva nos dois lados fica, assim, evidente. O anúncio ainda parabeniza os funcionários da Secretaria do Desenvolvimento Regional e Obras Públicas que já estavam começando a ocupar o Centro. Percebe-se que a obra prevista para 1974 já estava atrasada. No início de 1980, nove andares, apenas, estavam parcialmente concluídos, mas já sendo utilizados por sete secretarias e 3000 funcionários, como noticiou o Correio do Povo de 17 de fevereiro daquele ano.9 Com isto, o Estado já estaria fazendo uma economia de seis milhões de cruzeiros mensais, com aluguéis que deixaram de ser pagos. A estimativa era do então Secretário do Interior, Desenvolvimento Regional e Obras Públicas, Victor Faccioni. Este argumentava no sentido de que era urgente concluir a obra, considerando a difícil situação financeira do Estado. Assim este poderia logo livrar-se de uma série de outros gastos com aluguéis. Segundo essa reportagem, 45% do projeto do Centro Administrativo estavam concluídos. O artigo também alude ao fato de que havia críticas ao projeto, as quais foram rebatidas por Faccioni e engenheiros da Secretaria. O Secretário lembrou que já havia sido feito um investimento muito grande por três governos sucessivos. Além disto, foram destacados os méritos do projeto em termos de funcionalidade e possibilidade de integração e racionalização da administração pública. A obra, portanto, representava para seus defensores uma imagem de modernidade e eficiência. O jornal informou ainda que editais para a continuação das obras seriam lançados nos 20 dias seguintes e que, segundo Faccioni, o prédio estaria concluído “seguramente até o final do Governo Amaral de Souza”.10 Seriam feitos esforços para terminar o prédio das secretarias e a plataforma, sendo o palácio deixado para depois. O Estado já havia adquirido grande quantidade de material e equipamento para a obra, incluindo os elevadores. O 7 “Centro Administrativo”, Shopping News Porto Alegre, Porto Alegre, v. 1, n. 27, 7-13 abril 1974, capa. “Humano!”, Signo Comunicação, Porto Alegre, n. 18, fevereiro 1975, p. 5. 9 “Centro Administrativo será terminado em 30 meses”, Correio do Povo, Porto Alegre, 17/02/1980, p. 19. 10 Ibid. 8 7 artigo traz duas figuras, uma da maquete do projeto, fotografada do ângulo mais favorável para ver a forma do prédio do secretariado, e uma fotografia mostrando um aspecto da obra, a construção da ligação do prédio do secretariado com a plataforma. Dez dias mais tarde, o mesmo jornal publicou nova nota sobre a obra, prevendo que esta poderia estar concluída até o final de 1982, reunindo praticamente todas as secretarias estaduais. Na verdade, o Secretário Faccioni estaria expressando mais um desejo do que fazendo uma promessa. Ele estivera tratando do assunto em Brasília e buscando financiamento para o recomeço das obras. A notícia traz uma pequena fotografia da obra, na época com a estrutura de nove andares construída, mas com apenas seis terminados com as esquadrias. A fotografia foi tirada do ângulo nordeste, o mais favorável, novamente, para a percepção da forma do bloco.11 A assinatura do contrato para a retomada das obras ocorreu no dia 8 de agosto de 1980. O jornal Zero Hora publicou notícia sobre a ocasião no dia seguinte.12 O prazo de entrega das obras pela construtora era de 550 dias úteis. Na primeira etapa, a ser executada em 300 dias, seriam concluídos seis pavimentos. O Secretário Faccioni reafirmou a importância da obra para a diminuição de despesas com aluguéis e para a centralização e maior eficiência da administração pública. É fornecida pelo artigo uma série de dados sobre o projeto, como áreas e funções previstas, mas não há fotografias do projeto ou da obra. A mesma notícia, com o mesmo texto, apareceu novamente dois dias depois, no Jornal do Comércio.13 Outro artigo sobre o Centro Administrativo, novamente de Alberto André, foi publicado pelo Correio do Povo nos finais de 1980.14 Mas o autor não forneceu dados mais específicos de como a obra estava indo. Sumarizou dados históricos sobre centros administrativos de modo geral, sobre a decisão de construir um centro administrativo estadual em Porto Alegre e sobre o projeto deste, em grande parte repetindo o que escrevera em 1972.15 E acrescentou observações sobre certas dificuldades com legislação, relacionadas à propriedade da área e ao Plano Diretor da cidade. O artigo traz uma fotografia da construção à época, com a estrutura de nove andares, e uma legenda que afirma que as obras do Centro “serão reiniciadas”, indicando que, meses depois da assinatura do contrato, ainda não o tinham sido. A fotografia novamente apresenta a obra a partir do ângulo nordeste, o mais favorável para mostrar a concepção volumétrica do prédio, e, neste caso, mostra-o atrás do Monumento aos Açorianos, uma das principais obras de escultura pública da cidade, em homenagem aos colonizadores vindos dos Açores e que deram origem à cidade. A imagem desses dois elementos da paisagem urbana juntos vai aparecendo. A previsão de término da obra em finais de 1982 também não se cumpriu. Apenas em outubro de 1985 foi noticiado que o Centro Administrativo começaria “a funcionar com força total”, o que estava previsto para acontecer em março de 1986, quando para lá seriam transferidas todas as 11 “Centro Administrativo pode estar concluído até 1982”, Correio do Povo, Porto Alegre, 27/02/1980. “Governo retoma obras do Centro Administrativo”, Zero Hora, Porto Alegre, 09/08/1980, p. 11. 13 “Mais obras no Centro Administrativo”, Jornal do Comércio, Porto Alegre, 11/08/1980, p. 18. 14 Alberto André, “História e projeções da nossa cidade administrativa”, Correio do Povo, Porto Alegre, 02/11/1980, p. 49. 15 Idem, “Uma cidade dentro da outra”, Correio do Povo, Porto Alegre, 12/11/1972. 12 8 secretarias de Estado.16 Mesmo assim, a obra não seria completada de acordo com o projeto, pois apenas 22 andares foram construídos. O edifício, assim, ficou incompleto. Os dois volumes de escritórios não receberam uma terminação superior, ficando na espera de uma continuação da obra que não mais aconteceria. O volume vertical do meio, correspondente à circulação vertical, foi elevado, ficando saliente, mais alto do que os outros volumes e terminado pelo heliponto. Na base do prédio, não foi realizado o espelho d’água previsto. Mesmo assim, o prédio passou a ter uma importância visual na cidade, atraindo atenção e firmando-se como um marco na paisagem urbana e um dos elementos identificadores de Porto Alegre. Em 1990, por exemplo, Zero Hora publicou um anúncio em formato grande da Semana de Porto Alegre.17 Trazia uma poesia de Luiz Coronel, homenageando a cidade, e uma fotografia grande do edifício do secretariado do Centro Administrativo, visto junto ao Monumento aos Açorianos. O ângulo, de novo, é a partir do nordeste, apesar de bem mais leste do que norte. Não há dúvida de que nordeste é o melhor quadrante a partir do qual se pode ver o prédio. No caso da fotografia em questão, o Monumento aos Açorianos não aparece na frente do edifício, mas mais à direita, enquanto este fica mais à esquerda. Fica claro o status de símbolo da cidade adquirido pelo prédio nesta representação anunciando a Semana de Porto Alegre. Para encerrar esta análise de representações do edifício na imprensa, podemos mencionar um artigo e a fotografia de capa numa revista Ícaro, da VARIG, de 1992.18 O artigo sobre o Rio Grande do Sul, de Elmar Bones, é destinado a turistas, principalmente. Traz várias fotografias de aspectos representativos do Estado. A fotografia de abertura, em página dupla, é exatamente do Centro Administrativo junto com o Monumento aos Açorianos. Este está mais à frente, em primeiro plano, à direita, mas o Centro Administrativo tem presença igualmente importante, do centro para a esquerda da figura. Foram, evidentemente, fotografados do usual quadrante nordeste. A importância que é dada a estas obras, ou à imagem destas, como representativas do Estado fica ainda mais patente pelo fato de que uma fotografia muito semelhante do mesmo conjunto faz a capa da revista. Representações em cartões postais e obras de arte: Este nível de significado adquirido pelo bloco do Secretariado é confirmado por outros meios de representação, como cartões postais e obras de arte. O fato de aparecer com certa freqüência em cartões postais da cidade é muito significativo. Cartões postais costumam retratar o que se considera que visitantes, turistas, possam achar mais bonito e significativo no lugar, capaz de simbolizá-lo e servir de lembrança deste. 16 17 18 “Todo o Governo ocupa Centro Administrativo em 86”, Zero Hora, Porto Alegre, 15/10/1985, p. 11. “Semana de Porto Alegre”, Zero Hora, Porto Alegre, 28/03/1990, p. 19. Elmar Bones, “Bravo, moderno Rio Grande”, Ícaro, n. 97, p. 22-36, 1992, capa e p. 22-23. 9 Um exemplo é um cartão postal da Kingcolor Ltda., com fotografia de Arthur Schuch, que mostra um panorama da zona de aterro da Praia de Belas, imediatamente ao sul do centro da cidade.19 A fotografia parece ser tirada de algum edifício junto à Av. Borges de Medeiros, exatamente onde terminam os edifícios do centro e se abre a área ampla da Praia de Belas. O Centro Administrativo está na metade direita da imagem, visto do quadrante nordeste. A imagem é bastante clara, evidenciando bem a forma do edifício e suas curvas de concreto. Vê-se logo abaixo o Monumento aos Açorianos e, no canto inferior direito, a Ponte de Pedra, apesar de esta ter ficado meio escondida atrás de vegetação. Como a fotografia foi tirada de um ponto alto e mostra todo um panorama, estes dois elementos, o monumento e a ponte, ficaram pequenos e não muito evidenciados. Outro cartão postal da mesma série enfoca mais precisamente o bloco do secretariado, de novo a partir do quadrante nordeste.20 O edifício foi fotografado desde o outro lado do pequeno lago que restou sob a Ponte de Pedra.21 Mas a ponte não aparece na fotografia. À esquerda do Centro Administrativo, aparece o Monumento aos Açorianos, mas grande parte dele está atrás de uma pequena árvore. À direita do Centro, vemos o volume baixo do edifício circular de concreto do Centro de Processamento de Dados do Estado, projetado por Cairo Albuquerque da Silva e associado à obra do Centro Administrativo. Na fotografia predomina um azul intenso dado pelo céu e pelo lago, onde a imagem do Centro Administrativo aparece refletida. Podemos citar ainda dois outros exemplos de cartões postais, com fotografias de Edelweiss Bassis. Um deles22 traz uma fotografia aérea destacando o bloco do Secretariado do Centro Administrativo, mais à esquerda, com o Centro de Processamento de Dados mais à direita. Novamente o edifício do secretariado aparece visto do quadrante preferencial, nordeste. O Monumento aos Açorianos aparece no centro. O outro cartão mostra uma fotografia tirada do solo, de um ponto bem próximo ao Monumento aos Açorianos. Pela proximidade, este aparece grande, no lado direito da figura, enquanto o Centro Administrativo aparece à esquerda, com suas curvas bastante evidenciadas. Mais uma vez, é visto a partir do quadrante nordeste. O monumento e o edifício aparecem sem superposição, mas lado a lado, formando uma composição quase triangular no cartão. A curva da esquerda do edifício, pelo ângulo de visão, aparece acentuada, parecendo fazer contraponto à inclinação para a esquerda, também pelo ângulo da imagem, das linhas principais da escultura. Às fotografias em cartões postais, somam-se representações em obras de arte. O edifício do secretariado tem sido também retratado por alguns artistas em pinturas que parecem ter um sentido de representar a cidade de Porto Alegre, destacando elementos ou panoramas entendidos 19 Cartão postal “Vista do Viaduto dos Açoreanos, Centro Administrativo, edifício do DAER e ao fundo Morro Santa Tereza”, da Kingcolor Ltda. (Gramado-RS), série “Rio Grande do Sul – turístico”, fotografia de Arthur Schuch, sem data. 20 Cartão postal “Centro Administrativo”, da Kingcolor Ltda. (Gramado-RS), série “Rio Grande do Sul – turístico”, sem data. 21 Originalmente, a Ponte de Pedra passava sobre o Arroio Dilúvio. Quando este foi canalizado, mudou de curso, e a ponte perdeu a sua função original. Permanece hoje como um monumento sobre um pequeno lago, que serve como lembrança de sua função. 22 Cartão postal “Vista aérea da cidade com destaque para o Centro Administrativo do Estado – Fernando Ferrari”, da Brascard Edições de Postais Ltda., série “Brasil turístico – Porto Alegre – RS – ‘A capital do Mercosul’”, n. 5, fotografia de Edelweiss Bassis (Arquivo da EPATUR), sem data. 10 como significativos e simbólicos desta. O Centro Administrativo, assim, tem essa posição como marco da cidade reforçada. Podemos citar dois exemplos de pinturas que o retratam e que foram reproduzidas em capas de listas telefônicas de Porto Alegre, ajudando a imprimir este sentido ao edifício. A publicação nas listas telefônicas é também um dado importante por si só, uma vez que representa um reconhecimento duplo do significado do edifício na cidade, tendo também ajudado a difundir a imagem deste para o público em geral. Figura 3 – Pintura de Nelson Jungbluth (1998), retratando o Centro Administrativo, a Ponte de Pedra e o Monumento aos Açorianos. Reproduzida na capa da Lista telefônica 500 Porto Alegre, da CRT, São Paulo: Listel, 1998-1999. Uma pintura de Nelson Jungbluth, de 1998, em acrílico sobre duratex e denominada Largo dos Açorianos, foi capa da Lista Telefônica 500 Porto Alegre de 1998/99.23 A pintura retrata o pequeno lago com a Ponte de Pedra, o Monumento aos Açorianos, mais atrás à esquerda, e o Centro Administrativo como elemento mais distante, mas de importância fundamental na composição. As duas construções e a escultura aparecem tenuemente refletidas no lago. Estão, evidentemente, retratadas a partir do quadrante nordeste, com as vantagens já mencionadas que este oferece. O edifício do Centro Administrativo foi pintado de modo simplificado, no estilo do artista, mas com a volumetria e as curvas bem marcadas. Na Lista Telefônica 500 Porto Alegre de 2000, foi reproduzida outra pintura em que o Centro Administrativo aparece, visto praticamente do mesmo ângulo, certamente pela mesma razão.24 É uma obra de Vera Marya Prestes, denominada Homenagem a Porto Alegre, pintada a óleo sobre tela. Trata-se de um composto de seis pinturas na mesma tela, algumas um pouco sobrepostas a 23 24 CRT, Lista Telefônica 500 Porto Alegre, São Paulo: Listel, 1998-1999, capa. CRT, Lista Telefônica 500 Porto Alegre, São Paulo: Listel, 2000, capa. 11 outras, como num cartão postal com várias pequenas fotografias de uma cidade. O Centro Administrativo, com a Ponte de Pedra à frente, ocupa cerca de um quarto da tela no canto inferior esquerdo. O cinza utilizado marca bem o uso do concreto armado. As placas de fechamento lateral curvas e vertical estão bem evidentes, assim como as faixas horizontais de concreto nas fachadas maiores. Mas as janelas, apesar de as faixas horizontais estarem bem marcadas, podem parecer mais aberturas individuais, por assim dizer, dentro dessas faixas marcadas, do que janelas horizontais contínuas. A representação do edifício, de qualquer modo, é menos simplificada do que a de Jungbluth. Completam a obra representações de uma paisagem do Guaíba, na faixa superior da tela; da Usina do Gasômetro, num quadro menor que se sobrepõe a uma parte dessa paisagem, quase ao centro desta; do Mercado Público, que aparece no meio da parte direita da tela, também sobreposto a partes de outras figuras, como um quadro comprido que tivesse sido fotografado em ângulo inclinado à frente destas; da Fonte Talavera, existente em frente ao Paço Municipal, no canto inferior direito da pintura; e da estátua do Laçador, levemente à esquerda do meio da tela, pintada sem fundo próprio, só a imagem da estátua, sobreposta a outras figuras. Vê-se que o Centro Administrativo foi claramente considerado como um dos mais importantes marcos ou símbolos da cidade, em nível semelhante ao do Mercado Público e do Gasômetro, por exemplo. Cartões postais e pinturas como essas demonstram, portanto, com clareza que o Centro Administrativo passou a ser um dos elementos identificadores da cidade de Porto Alegre, entendido como algo capaz mesmo de interessar a visitantes e turistas. É também importante reiterar que, em todos os exemplos analisados, o edifício é visto a partir do quadrante nordeste. Parece claro que não se trata de uma coincidência, mas de uma percepção de que, como já observamos, este é o melhor ângulo para evidenciar a concepção volumétrica geral e as curvas das placas de concreto nos dois lados. Poder-se-ia argumentar, todavia, que este ângulo é o mais evidente pela situação urbana do prédio. De fato, as importantes avenidas Borges de Medeiros e Primeira Perimetral cruzam-se a nordeste do prédio, e é na área de parque imediatamente a leste do viaduto do cruzamento que estão a Ponte de Pedra e o Monumento aos Açorianos. Assim, a própria situação urbana faz desse ângulo o mais evidente. No entanto, deve-se também considerar que o edifício é um elemento isolado em terreno amplo, podendo ser circundado, visto e fotografado de praticamente todos os ângulos. Se fosse outro o melhor ângulo para fotografá-lo, provavelmente seria utilizado por fotógrafos. Pela volumetria antimétrica do edifício, evidentemente o ângulo sudoeste seria também um bom ângulo para se ver com bastante clareza a concepção volumétrica da obra. Neste sentido, seria equivalente ao ângulo nordeste. Neste caso, contudo, fica claro que o entorno e a posição do prédio em relação às principais avenidas favorece o ângulo nordeste ao invés do sudoeste. Há também que considerar a melhor incidência de luz solar a partir do norte. 12 Significado importante na paisagem; problemas com detalhes e entorno imediato: Uma questão que pode ser colocada é se o edifício do secretariado, tendo o bloco mais a oeste sido posicionado mais à frente para quem vem do centro da cidade do que o bloco mais a leste, foi intencionalmente disposto desta forma pensando nessas relações com o entorno, na sua melhor visualização a partir do lado mais movimentado da cidade e com elementos mais interessantes no contexto, ou se isto foi apenas uma coincidência. Parece que, dentro do tipo de visão arquitetônica e urbanística adotada para aquela área e no projeto específico, há algumas relações interessantes do prédio com seu entorno, pelo menos visto de certa distância, desde a qual os detalhes perdem significação. De fato, é talvez o seu posicionamento na paisagem e contexto urbano que permite ao edifício destacar-se e ser percebido de modo privilegiado. Além de estar junto a importantes avenidas da cidade e próximo de alguns monumentos históricoartísticos, o edifício em questão encontra-se num setor urbano pouco construído, espacialmente amplo, que o deixa, com suas curvas de concreto, em evidência, sendo visto de longe de vários pontos da cidade. Uma vista interessante também é a que se pode ter olhando-se do beco entre o Palácio Piratini e a Catedral, junto à Praça da Matriz, no centro da cidade. O eixo do Centro Administrativo, que no caso é visto quase que frontalmente, parece estar em continuação ao eixo da praça, onde está a sede do governo do Estado. Essa relação visual entre o lugar do Palácio e o dos escritórios da administração pública estadual é sugestiva da relação de funcionamento entre ambos. Figura 4 – Edifício do secretariado do Centro Administrativo, com o Monumento aos Açorianos na frente. Fotografia do autor. Visto de certa distância, portanto, o Centro Administrativo estadual apresenta certo vigor, uma imagem de certa força, capaz de atrair interesse e marcar a paisagem. No entanto, infelizmente, 13 ao nos aproximarmos da construção, começamos a notar imperfeições e problemas de acabamentos, assim como problemas decorrentes da não terminação da obra como prevista no projeto, inclusive do tratamento paisagístico que deveria acompanhá-la. O projeto previa que o bloco do secretariado estivesse em meio a um lago artificial, ou espelho d’água. Com suas laterais curvas, o prédio poderia dar a impressão de estar emergindo da água. Deixou-se de obter este efeito. Além disto, a terminação inferior das placas laterais de concreto ficou com uma aparência frágil, não resolvida, solta próxima ao solo. Uma nova entrada através do lado norte do edifício do secretariado também não contribui para o resultado formal. A entrada é pequena, acanhada, próxima ao canto leste da torre noroeste do edifício, na linha do eixo da composição de todo o conjunto do Centro Administrativo, linha na qual está posicionada a coluna de circulação vertical do secretariado. Essa porta de entrada tem de ser discreta para não prejudicar a pureza da concepção formal do volume, pensado sem a previsão de uma entrada. A entrada no bloco deveria ser através da plataforma de serviços. Por causa da nova entrada, foi necessário fazer rampas e escadas de acesso, em linhas paralelas à fachada do edifício. O resultado fica bastante frágil e mal resolvido. Surge uma entrada acanhada, perceptível quase que só pela presença da rampa de acesso, num andar sem nenhuma diferenciação dos demais. A idéia de um grande volume emergindo da água ficaria certamente melhor. Figura 5 – Detalhe de extremidade do Centro Administrativo. Fotografia do autor. Por sua vez, a extremidade superior do edifício do secretariado também ficou sem uma terminação adequada. Não foi feito um arremate ou amarração superior, como mostrado na maquete do projeto original. As placas laterais de concreto ficaram soltas em cima, mostrando-se inacabadas. A impressão é de que foram deixadas esperas para continuação futura da obra, o que possivelmente tenha sido o que aconteceu. Teria havido ainda a intenção, ou esperança, de que futuramente o prédio pudesse ser continuado ou concluído. Mas, no momento em que ficou claro que isto não aconteceria num prazo curto, ou que a continuação fora descartada, dever-se- 14 ia, do ponto de vista estético arquitetônico, fazer um arremate semelhante ao originalmente previsto. O prédio ficou, assim, com essa aparência inacabada, insatisfatória, não resolvida. Outro detalhe que não ficou bem resolvido na terminação superior do prédio é que o volume da coluna de circulação vertical ficou bastante saliente, mais alto do que as torres de escritórios, arrematado pelo heliponto, como já mencionado acima. Este é um traço comum de nossos edifícios, nos quais há casa de máquinas de elevadores, reservatórios, etc. No entanto, a forma, a composição, do edifício em questão parece pedir outro tipo de solução, uma solução que “encaixotasse”, por assim dizer, esse volume central saliente, que não o deixasse tão visível de fora. Talvez devesse haver algo semelhante ao feito em arranha-céus novaiorquinos como o Edifício Seagram, projetado por Mies van der Rohe e Philip Johnson: um pavimento de serviços que tornasse plana, nivelada, a terminação superior do prédio. É uma terminação deste tipo que sugere a própria maquete do projeto original do Centro Administrativo. É lamentável que não tenha sido feita uma terminação mais adequada, mesmo que fosse considerada “provisória”, no caso de ainda se pensar que o edifício pudesse vir a ser continuado verticalmente. O “provisório” tornou-se definitivo. Poderia ter sido uma terminação “provisória” melhor. Como ficou, prejudica muito o edifício, se bem que este não é o único aspecto, como estamos vendo, que o prejudica. Figura 6 – Lateral do Centro Administrativo. Fotografia do autor. Caberia mencionar também, a este respeito, a lamentável condição em que ficou o edifício plataforma, cuja série de placas laterais curvas de concreto, que fariam eco às curvas laterais do edifício do secretariado, não foi terminada, deixando grandes vazios na fachada. Algumas partes dão a impressão de terem sido preenchidas sem nenhuma preocupação com o projeto. A impressão que se tem, quando nos aproximamos desse edifício, é quase a de um grande pavilhão inacabado que foi invadido ou favelizado, por mais que tenham pintado o prédio e tenham tentado fazer algum ajardinamento em volta. E ainda podemos mencionar, como outro aspecto prejudicial à percepção da obra, a permanência no entorno de alguns pavilhões baixos sem qualificação arquitetônica que, como se vê no projeto original, deveriam ter sido removidos. É lamentável que o 15 Centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul não tenha podido ter um tratamento melhor. Com o tempo, houve também o próprio problema da conservação da aparência das superfícies exteriores de concreto armado. O concreto aparente, exposto à intempérie, infelizmente foi tendo com o tempo sua aparência prejudicada, principalmente nas partes inferiores das placas laterais curvas, mais inclinadas, menos verticais, que recebem mais água da chuva, como pode inclusive ser notado nos dois cartões postais com fotografias de Edelweiss Bassis, comentados acima. Entre 1997 e 1998, o edifício recebeu pintura, escondendo-se, por fim, a textura e cor do concreto aparente original. De qualquer modo, apesar da falta de recursos e dos percalços, apesar de o conjunto ficar inacabado e mal resolvido em uma série de detalhes, e apesar dos problemas com o paisagismo e o entorno imediato, o edifício do secretariado do Centro Administrativo estadual tem uma presença marcante no contexto da cidade de forma mais geral, tendo adquirido um importante significado na paisagem urbana. Com sua forma singular, com as duas torres com as placas laterais curvas de concreto e em posição antimétrica em relação a um eixo que passa pela coluna de circulação vertical que as une, eixo este transversal ao eixo principal do complexo, o edifício foi capaz de se destacar e de se tornar um marco identificador e simbólico da cidade de Porto Alegre. Referências bibliográficas: ANDRÉ, Alberto. Uma cidade dentro da outra. Correio do Povo, Porto Alegre, 12/11/1972. ANDRÉ, Alberto. História e projeções da nossa cidade administrativa. Correio do Povo, Porto Alegre, 02/11/1980, p. 49. BONES, Elmar. Bravo, moderno Rio Grande. Ícaro, n. 97, capa e p. 22-36, 1992. CENTRO Administrativo. Shopping News Porto Alegre, Porto Alegre, v. 1, n. 27, 7-13 abril 1974, capa. CENTRO Administrativo será terminado em 30 meses. Correio do Povo, Porto Alegre, 17/02/1980, p. 19. CENTRO Administrativo pode estar concluído até 1982. Correio do Povo, Porto Alegre, 27/02/1980. CENTRO Administrativo terá já em 83 bloco de 30 andares. Correio do Povo, Porto Alegre, 13/07/1981. CRT. Lista Telefônica 500 Porto Alegre. São Paulo: Listel, 1998-1999. CRT. Lista Telefônica 500 Porto Alegre. São Paulo: Listel, 2000. GOVERNO retoma obras do Centro Administrativo. Zero Hora, Porto Alegre, 09/08/1980, p. 11. HUMANO! Signo Comunicação, Porto Alegre, n. 18, fevereiro 1975, p. 5. MAIS obras no Centro Administrativo. Jornal do Comércio, Porto Alegre, 11/08/1980, p. 18. OLIVEIRA, Clóvis Silveira de. Porto Alegre: a cidade e sua formação. Porto Alegre: Norma, 1985. SEMANA de Porto Alegre. Zero Hora, Porto Alegre, 28/03/1990, p. 19. TODO o Governo ocupa Centro Administrativo em 86. Zero Hora, Porto Alegre, 15/10/1985, p. 11. TREVISAN, Armindo. Escultores contemporâneos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1983. WEIMER. A arquitetura. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1992 (Síntese RioGrandense 12-13). XAVIER, Alberto & MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura moderna em Porto Alegre. São Paulo: Pini, 1987. 16 Imprimir Fechar ”Máquinas de Vender Máquinas”: formas aerodinâmicas em revendas de automóveis e oficinas mecânicas em Caxias do Sul Ana Elísia da Costa Arquiteta e Urbanista (UCG) Mestre (UFRGS) Doutoranda (PROPAR-UFRGS) Professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS) Rua Nico Pires, 1186, apt. 31F. Bairro Marechal Floriano. Caxias do Sul - RS – CEP: 95013-310 (54) 81310050 – ana_elisia_costa@hotmail.com 1 “M ”Máquinas de Vender Máquinas”: formas aerodinâmicas em revendas de automóveis e oficinas mecânicas em Caxias do Sul Ana Elísia da Costa RESUMO: Formas sinuosas e aerodinâmicas caracterizam a maior parte das revendas de automóveis e oficinas mecânicas construídas em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, nas décadas de 1940 e 50. Buscando corresponder ao arrojo formal dos automóveis que ali eram comercializados, inicialmente, esses edifícios assumiram uma linguagem Art Déco com inflexão expressionista e, a partir do domínio do concreto armado, arriscaram inusitadas experiências estruturais com linguagem modernista. No conjunto, esses exemplares assumiram um certo papel de vanguarda na cidade, introduzindo um vocabulário arquitetônico que foi sendo gradativamente assimilado e incorporado pela população (COSTA, 2001; SEGAWA, 1999). Entre diversos exemplares com estes programas, o edifício da Brasdiesel (1958) merece especial atenção, pela complexidade do programa e tentativa de expressão escultórica do concreto. Por ter um programa similar ao industrial, o edifício ensaia a racionalização do sistema estrutural, reticulando pilares e vigas, que buscam alcançar grandes vãos livres. Diante do possível valor patrimonial destes edifícios, este trabalho objetiva identificá-los e examinar como incorporaram o uso do concreto e, mais especificamente, como a Brasdiesel explora as possibilidades escultóricas de seu uso. Uma pesquisa iconográfica inicial sobre os referidos edifícios permite analisar suas semelhanças e especificidades. A partir de uma breve revisão bibliográfica, busca-se discutir as experiências estruturais com o uso do concreto na arquitetura moderna brasileira e a ocorrência de programas arquitetônicos similares no Brasil e no Rio Grande do Sul. De modo conclusivo, é discutida a relação entre a produção caxiense, gaúcha e brasileira. Em Caxias do Sul, com o uso do concreto, a arquitetura das concessionárias ganhou expressão e, ao mesmo tempo, deu expressão ao produto comercializado. Tornou-se promotora de um tipo de publicidade, como “uma máquina de vender máquinas”. Palavras-Chave: Arquitetura Moderna, Concessionárias, Caxias do Sul ABSTRACT: Curvilinear and aerodynamical forms mark the majority of car dealerships and autoshops built in Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, in the 1940s and 1950s. Trying to reflect the design audacity of the cars sold there, at first these buildings used an Art Deco language with an expressionist flavor, and after the dominance of the concrete structures, they would carry unusual structural modernist experimentations. As a whole these buildings would assume a certain avant-gard role in the city, introducing an architectural vocabulary that would be gradually assimilated by the population (COSTA, 2001; SEGAWA, 1999). Among several examples, the Brasdiesel (1958) building deserves special attention due to the complexity of its program and to its use of concrete as a sculptural expression. As its architectural program was close to an industrial model, for instance, the building’s design experimented with the rationalization of the structural system, setting a grid for columns and beams to cover large free spans. Referring to possible patrimony value of these buildings, this work aims to identify them and examines their use of concrete, focusing on how the Brasdiesel building used its sculptural capacity. An initial iconographic study of these buildings leads to the analysis of similarities and specificities. A brief literature review sets the context of these experiments with concrete structures in modern Brazilian architecture and the existence of similar architectural programs in Brazil and in Rio Grande do Sul. The paper concludes with a discussion on the relationships between the production of such architectural vocabulary in the national, state, and local contexts. In Caxias do Sul, with the use of concrete, the architecture of the dealerships got and, at the same time, gave expression to the marketed product. It became promoter of a type of advertising, as "a machine to sell machines." Key-words: Modern Architecture; car dealerships; Caxias do Sul 2 “Máquinas de Vender Máquinas”: formas aerodinâmicas em revendas de automóveis e oficinas mecânicas em Caxias do Sul Ana Elísia da Costa Num desejo de imprimir eficiência funcional à arquitetura, Le Corbusier afirma que a casa do homem do Século XX deveria ser uma “Máquina de Morar”. Sua frase vem impregnada de um ideal funcionalista que, por analogia, faz referências ao mundo mecanizado e industrializado. Como “máquinas eficientes”, deveriam ser também todos os demais programas - indústrias, hospitais, cinemas, espaços comerciais... Simultaneamente, analogias às formas das máquinas e navios se explicitam na estética Art Déco. Edifícios assumem formas aerodinâmicas e geométricas, janelas assumem uma feição próxima a escotilhas de navios, ornamentos se geometrizam num jogo de baixos e altos relevos. (GUIA..., 1997, p. 105) É a partir deste fascínio que o mundo mecânico exerceu sobre a arquitetura no início do Século XX que este trabalho se desenvolve. Volta sua atenção para os edifícios vinculados ao universo automobilístico – concessionárias, revendas, oficinas mecânicas, salões de exposição, postos de gasolina... Como “Máquinas de Vender Máquinas”, buscavam vincular produto comercializado e arquitetura, sendo esta promotora de um tipo de publicidade. Neste contexto, merece atenção o edifício da General Motors para a Feira Mundial de Nova Iorque, em 1939. Conhecido como Futurama, objetivava mostrar aos visitantes como seria o mundo em vinte anos. No final, estes visitantes recebiam uma tarjeta com a expressão: "Eu vi o Futuro!" O programa arquitetônico passou a ser comum nas cidades brasileiras no final da Segunda Guerra Mundial (SEGRE, 2004). Em Caxias do Sul, entre as décadas de 1940 e 1950, estes edifícios foram implantados nas principais avenidas na cidade e, muitas vezes, em lotes de esquina. Inicialmente, assumiram uma linguagem Art Déco com referências expressionistas e, a partir do domínio do concreto armado, arriscaram inusitadas experiências estruturais com linguagem modernista. No conjunto, esses exemplares assumiram um certo papel de vanguarda na cidade, introduzindo um vocabulário arquitetônico que foi sendo gradativamente assimilado e incorporado pela população (COSTA, 2001 e SEGAWA, 1999). Diante do possível valor patrimonial destes edifícios, este artigo objetiva identificá-los e examinar como incorporaram o uso do concreto. Atenção especial é dada ao edifício da Brasdiesel (1958), pela complexidade do programa e tentativa de expressão escultórica do concreto (SEGAWA, 1990). Por também ter um programa similar ao industrial, o edifício ensaia a racionalização do seu sistema estrutural, reticulando pilares e vigas, que alcançam grandes vãos livres. Ao final, busca-se discutir brevemente as experiências estruturais com o uso do concreto na arquitetura moderna e a ocorrência de programas similares no Brasil e no Rio Grande do Sul, avaliando uma possível relação entre a produção caxiense, gaúcha e brasileira. 3 ¿Por dónde pasan los autos? Por la Autopista. Y cuál? La que tiene más "countries" (...) (Martinez, s. d.) Em sua maior parte, as obras analisadas estão implantadas ao longo da Avenida Júlio de Castilhos e da Avenida Os 18 do Forte, consideradas “artérias” estruturantes da cidade. Também se observa que estão implantados na região leste da cidade, voltando-se para a rodovia BR 116, inaugurada em 1941. Ao contrário da tendência de hoje de implantar concessionárias em pistas de alta velocidade, como aquelas que são vistas ao longo das Perimetrais de Caxias do Sul, tem-se edifícios ao lado das avenidas, estabelecendo uma forte interação urbana. Ali ainda o edifício é apreendido pelo automóvel que passa e o pedestre que caminha pela calçada. Exaltando esquinas, estes edifícios ajudam na construção de um espaço urbano multidimensional, diferente da linearidade das autopistas atuais (MARTINEZ, s.d.). Para o carro que passa, para o pedestre que se apressa, o edifício procura ser visto, ser protagonista na arte de vender carros. Compõe arranjos rítmicos de fachada, onde estrutura e vedação começam a ter independência, partes que, se compreendidas, permitem a apreensão do todo e do caráter da mercadoria ali disposta, definindo uma imagem indispensável ao consumo do automóvel. Frágil Modernidade: No final da década de 40, os edifícios voltados ao universo automobilístico já procuravam fazer publicidade em Caxias do Sul. Como ocorrido anteriormente no contexto europeu (BANHAM, 1979, p. 94; FERNÁNDEZ-GALIANO, 2006) , começa a se manifestar o desejo de relacionar a eficiência e/ou linguagem do edifício à qualidade da mercadoria ou serviço prestado. “No fim da década de 40, o processo industrial passa a ser avaliado desde a oficina da fábrica até o produto acabado. Começa a surgir uma visão indissociável da fábrica e do produto industrial, sendo a arquitetura a promotora de um tipo de publicidade, tal como ocorrera nos movimentos iniciais da Bauhaus. Infere-se esse fato facilmente nas duas maiores publicações comemorativas do 75° Aniversário da Colonização Italiana no Rio Grande do Sul (Álbum... e Antunes): quando o edifício não corresponde às tendências de modernização − sua arquitetura é omitida (constam apenas textos e/ou fotografias dos proprietários); quando o edifício possui certa expressão arquitetônica − fotografias e/ou perspectivas (conferindo um ar mais cinematográfico ao edifício ou omitindo sua precariedade) ilustram a edificação; e por fim, o próprio texto ressalta seus valores (...).” (COSTA, 2001, p. 153) 4 Neste contexto inicial, merece menção a Oficina Mecânica Favaro e Cia e a Auto Nordeste1 (Figuras 1 e 2), ambas construídas em lotes de esquina, junto à Avenida Sinimbu. São, entretanto, edifícios cuja “platibanda” esconde arranjo funcionais e uma tecnologia construtiva quase rudimentar, configurando autênticos exemplares de uma “modernidade de fachada”. Assim o Álbum Comemorativo do 75° Aniversário da Colonização Italiana no Rio Grande do Sul ressalta os valores “modernos” da Oficina Mecânica Favaro e Cia: “Fundada no ano de 1940, a mencionada firma instalou uma bem montada oficina mecânica no amplo prédio que se ergue majestosamente à Rua 13 de Maio.” (Álbum..., 1950, p. 228 − Grifo da autora) Figura 1 Figura 2 Oficina Mecânica Favaro, na Rua 13 de Maio, esq. com Sinimbu – 1940 Auto Nordest e, na Rua Sinimbu Fonte: ANTUNES, 1957, 150 Font e: ALBUM..., 1950, p. 228 Veloz década de 1950 Os edifícios da Auto Mecânica2 (1947) e da Auto Palácio (Toigo - 1945-1948), construídos nas avenidas Júlio de Castilhos e Os 18 do Forte, respectivamente, marcam o início da construção na cidade de grandes edifícios voltados ao automobilismo. (Figuras 3 a 6) Ambos estão implantados em lotes de esquina, organizados em dois blocos principais. Para a rua de maior movimento, volta-se um bloco de dois andares que, no pavimento térreo, agrega a parte comercial-administrativa da empresa e, na esquina, um posto de gasolina, estabelecendo uma inevitável relação entre máquina e combustível. No pavimento superior, um ou mais apartamentos para o dono ou gerente da empresa. Voltado para a rua de menor movimento, está um grande pavilhão destinado à oficina mecânica. A Auto Mecânica Ltda., instalada à Avenida Júlio de Castilhos, n. 759, em amplo e moderno edifício próprio, é uma das mais montadas e modernas casas do ramo de Caxias do Sul (Antunes, 1950, p. 204 - Grifo da autora). 1 Ambos os projetos são de autoria desconhecida. Autoria desconhecida. No Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami - AHMJSA não foram encontrados os projetos originais, sendo o projeto aqui apresentado obtido com os atuais proprietários do edifício. 2 5 Figuras 3 e 4 Na década de 50: Auto Palácio, na R. Sinimbu, esq. com Guia Lopes Auto Mecânica, na R. Julio de Castilhos esq. com Coronel Camisão, Fontes: ALBUM..., 1950, p. 206 e ANTUNES, 1957, p. 148 Figuras 5 e 6 Hoje: Auto Palácio e Auto Mecânica Fontes: da autora Como o vocabulário moderno só é introduzido na cidade a partir da década de 50 (COSTA, 2001), estes edifícios ainda preservam um tratamento de fachada Art-Déco. Volumes curvos são arrematados por platibandas. Nas fachadas, linhas verticais, contrapostas a pequenos frisos horizontais, definem uma “modulação” que tenta ordenar e marcar os acessos. São edifícios que começam a usar a estrutura em concreto3, mas ainda sem um rigor modular e mesclando o seu uso com a alvenaria auto-portante. Notório é o “escavo” da esquina para os postos de gasolina, viabilizado graças à disposição de vigas que permitem a abertura dos vãos livres. (Figura 7) O uso modular da estrutura em concreto armado já é observado na cidade no final da década de 30, com o edifício da Metalúrgica Eberle, voltado para a Ruas Borges de Medeiros e Os Dezoito do Forte. O projeto é lançado pela empresa paulista Matarazzo e Pilon Ltda, sendo posteriormente executado por Silvio Toigo. (COSTA, 2001 e VENZO, 2007) 3 6 N 5 PIÁ 14 15 WC 4 13 12 11 10 -0,34 +2,38 9 8 7 7 7 3 6 2 0.00 ACESSO A MORADIA SOBE 1 PROJEÇÃO DA COBERTURA PROJEÇÃO DA COBERTURA ACESSO A MORADIA SOBE PROJEÇÃO DA COBERTURA PROJEÇÃO DA COBERTURA PLANTA BAIXA DO MEZANINO PLANTA BAIXA DO TÉRREO 22 22 19 21 19 20 21 20 23 18 14 16 17 18 17 19 16 23 16 17 16 14 16 16 PLANTA BAIXA DO PAVIMENTO SUPERIOR LEGENDA: 1- ÁREA COBERTA PARA EXPOSIÇÃO 2- SALÃO DE EXPOSIÇÃO 3- ESCRITÓRIO (SEÇÃO DE PEÇAS) 4- DEPÓSITO ( SEÇÃO DE PEÇAS) 5- CONTINUAÇÃO DA MECÂNICA 6- SALA DE REUNIÕES 7- VENDAS 8- RECEPÇÃO 9- ESCRITÓRIO 10- DEPARTAMENTO PESSOAL 11- DIREÇÃO 12- FINANÇAS 13- CAIXA FORTE 14- BANHEIRO 15- RETIFICA 16- DORMITÓRIO 17- CORREDOR 18- SALA DE JANTAR 19- SALA DE ESTAR 20- COZINHA 21- PÁTIO 22- DEPÓSITO 23- ESCADA Figura 7 Auto Mecânica (1947): planta baixa térreo, mezanino e pavimento superior. Fonte: KUWER, 2004 7 Na Auto Palácio4, projeto de Silvio Toigo (VENZO, 2007; COSTA GUARESI, 2002), o vão da laje da esquina é generoso, estando apoiado em esbeltas colunas. Seu desenho em curva, tendo como “pano de fundo” um volume contra-curvo rasgado por grandes aberturas, evidencia o desejo do projetista de conferir ao edifício um caráter aerodinâmico, análogo às máquinas da General Motors, como Pontiac e Cadillac, que ali eram vendidas5. Neste sentido, é interessante observar como nas propagandas de lançamento dos carros há uma relação direta do design do automóvel com as características arquitetônicas do edifício. (Figura 8a e 8b). Figura 8a e 8b Propagandas de lançamento do Cadillac Series 62 (1940) e do Buick (1939) Fonte: http://www.webkits.com.br/news/templates/news.asp?articleid=393&zoneid=24 http://www.carroantigo.com/imagens/propagandas/buick%201939.JPG Neste edifício, contudo, há uma postura ambígua entre dar expressão à massa murada ou aos elementos de arquitetura que o concreto dá independência, como se observa nas figuras 9, 10 e 11. Projeto tombado pelo Conselho do Patrimônio Histórico de Caxias do Sul - COMPAHC, em 2007. A sociedade que deu origem à Auto Palácio foi constituída em 1946, pelos irmãos Ari e Antônio Burlamaque, irmãos Constanti, Hermínio e Evaristo Tagliari, Paulo Rudoeph (de origem alemã e ex- funcionário da general Motors) e José Ponzi. Em 1957, a empresa foi vendida para os Irmãos Guerino e Candido Calcagnotto, mantendo-se com concessionária GM, revertida em Chevrolet. Em 1973, a empresa Auto Palácio entre em falência, sendo adiquirida pela empresa Mario De Boni e Cia, passando a funcionar como revenda Ford. Em 1986, a empresa transfere a sua sede para instalações junto à RS 122 e o edifício passa a sofrer descaracterizações ao incorporar novos usos. (PREFEITURA MUNICIPAL DE CAXIAS DO SUL, 2007) 5 Também era revenda de caminhões da GMC e de refrigeradores e artigos auto-eletrônicos das marcas Frigidaire e Delco (CEMIN, 2007) 4 8 Figura 9: Auto Palácio: Planta baixa térreo e pavimento superior Fonte: Acervo AHMJSA e VENZO, 2006 Figuras 10 e 11 Auto Palácio: Fachada e pesrpectiva Fonte: Acervo AHMJSA;VENZO, 2006; COSTA E GUARESI, 2002 9 Experiências menores são os projetos do Posto Mercury e da Auto Caxias6. Em lotes de meio de quadra, os edifícios prezam pela horizontalidade da composição, contraposta a verticalidade de um volume disposto simetricamente. Também aqui o posto de gasolina ocupa o térreo, que condiciona a disposição de lajes na parte frontal do edifício, reforçando a sua horizontalidade. O Posto Mercury é notoriamente um “projeto de fachada”, com pavilhão encoberto ao fundo, buscando conferir certa “modernidade” ao edifício (Figura 12). Já no projeto da concessionária da Ford, observa-se maior rigor projetual e domínio do concreto, quer pela grande laje em balanço, quer pela disposição de volumes curvos no térreo e no volume vertical, com fortes referências expressionistas. (Figuras 13 e 14) Explicitamente, o edifício estabelece relações com o Pórtico da Exposição Farroupilha de 1935. Figura 12 Posto Mercury: perspectiva Fonte: ALBUM..., 1950, p. 210 Figura 13 e14 Auto Caxias: perspectiva e foto atual Fonte: ANTUNES..., 1950 e da autora Brasdiesel Já sem incorporar os postos de gasolina, em 1958, é construído a Brasdisel (KRUWER, 2004; SEGAWA, 1990)7. O arranjo do programa, contudo, obedece ainda certa lógica estabelecida nos projetos anteriores: um bloco de dois andares que, no pavimento térreo, agrega a parte comercialadministrativa da empresa e, no pavimento superior, apartamentos para os seus gerentes. Contudo, o pavilhão destinado à oficina mecânica, que nos casos anteriores estavam voltados 6 Ambos os projetos são de autoria desconhecida. "A partir de 1957, a então Brasdiesel Comercial e Importadora Ltda, transformada em Sociedade Anônima em 2 de janeiro de 1958, incopora-se à história da região.” (CENTENÁRIO..., 1975, p. 178). O projeto tem autoria desconhecida. Em entrevista no dia 30/06/2008, o engenheiro Hugo Teodorico Grazziotim afirma ter assumido a execução da obra, sendo que não se recorda de quem era a autoria do projeto, “talvez um desenhista de fora de Caxias”. Seu depoimento converge com o depoimento do arquiteto Nilton Carlos Scotti, em 26/06/2008, que detalhou a escada em madeira, hoje substituída por uma escada metálica. Segawa (1990) afirma, erroneamente, ser este último o autor do projeto. 7 10 para as ruas de menor movimento, passa a ocupar a avenida principal e impor-se compositivamente no conjunto, como parte merecedora de evidência. (Figura 15) 3 4 5 7 6 1 2 1 8 2 11 9 10 11 PLANTA BAIXA DO SUBSOLO 12 13 PLANTA BAIXA DO TÉRREO 21 24 21 25 2 11 19 15 17 29 30 2 18 22 23 23 26 21 14 LANTERNIM 16 22 27 21 24 26 28 31 21 25 21 27 30 29 31 LANTERNIM 20 PLANTA BAIXA DA SOBRE LOJA PLANTA BAIXA DO PAVIMENTO RESIDENCIAL LEGENDA: 1- WC 2- VENTILAÇÃO 3- GUARDA 4- ENTRADA E SAÍDA DE VEÍCULOS 5- ANGAR 6- OFICINA 7- SEÇÃO DE PEÇAS 8- EXPOSIÇÃO 9- SEÇÃO DE MÁQUINAS 10- ROUPARIA 11- LAVATÓRIO 12- BANHEIRO 13- SETOR DE FOGO 14- SALA DE ESPERA 15- SOBRE LOJA 16- SALA NOBRE 17- CAIXA FORTE 18- SALA DE REUNIÃO 19- NAVE DA OFICINA 20- RESERVATÓRIO DE ÁGUA 21- DORMITÓRIO 22- SACADA 23- LIVING ROOM 24- CORREDOR 25- BANHO 26- FOYER 27- COZINHA 28- VESTIÁRIO DE DISTRIBUIÇÃO 29- DORMITÓRIO DA EMPREGADA 30- COPA 31- TERRAÇO Figura 15 Brasdiesel, na R. Julio de Castilhos (1958): planta baixa subsolo, térreo, sobreloja e superior. Fonte: KUWER, 2004 11 Aqui, a linguagem modernista ganha espaço e o concreto passa a ser explorado escultoricamente. As curvas, que anteriormente ocorriam nos planos verticais, ganham expressão horizontal, associando a um jogo de linhas angulares. O antigo pórtico, que anteriormente servia ao posto de gasolina, se torna independente, quase autônomo do resto da composição que fica “ao fundo” – um volume prismático e uma grande cobertura arqueada, que se relaciona com o pórtico. (Figura 16). O jogo resultante entre curvas e ângulo pode remeter a outras experiências do modernismo brasileiro (Figura 17), como mesmo afirma Segawa (1990, p.52): “(...) o pórtico de entrada é inspirado na mesma tipologia formal da rodoviária de Londrina, PR, de Artigas e Cascaldi, e cujo protótipo distante foi a (não construída) casa de Oswald de Andrade, de Oscar Niemeyer.” Figura 16 Brasdiesel, na R. Julio de Castilhos (1958) Fonte: da autora Figura 17 Casa de Oswald de Andrade. Niemeyer (1938) Fonte: http://www.niemeyer.org.br/0scarniemeyer/arquitetura.htm Estruturalmente, cada parte da composição - pórtico, administração/residência e pavilhão - obedece a uma grelha autônoma. No pavilhão, arcos se apóiam em uma viga que transfere o peso a um malha de pilares modulares (Figura 18). Na área administrativa, uma malha rígida de colunas e vigas sustenta o mezanino, com um desenho orgânico, e o pavimento da residência (Figuras 19, 20 e 21). Figura 18 Sistema estrutural do pavilhão com cobertura em arco Figuras 19, 20 e 21 Grellha estrutural da ala administrativa e residencial, observando o mezanino curvo e escada de acesso, que originalmente era em madeira. Fonte: da autora A estrutura do pórtico merece maior atenção. Duas vigas arqueadas são unidas por vigas horizontais que apóiam a laje curva da cobertura em concreto. Apoiadas sobre as vigas em arco, 12 duas vigas mestre arrancam em ângulo, seguindo apoiadas numa sequência de pilares dispostos modularmente. A laje sobre estas duas vigas inclinadas descarregava em uma grelha secundária de vigas, que, por sua vez, apoiavam-se nas vigas mestres8. Arrematam o conjunto dois pilares, também em ângulo, unidos por uma grelha vazada de concreto. (Figuras 22 a 26) Figuras 22 a 26 Sistema estrutural do pórtico frontal Fonte: da autora Velozes carros que passam... ou a busca por similares industriais Em algum grau, o edifício da Brasdisel se aproxima de outros edifícios brasileiros construídos para o mesmo fim nas décadas de 40 e 50. Por ser um programa relativamente novo, e também por ter um programa similar ao industrial, estes edifícios racionalizam o sistema estrutural, reticulando pilares e vigas, que alcançam grandes vãos livres. Buscando possíveis referenciais arquitetônicos para estes edifícios, merece menção a arquitetura fabril modernista, que buscou incorporar no programa formas escultóricas. Na escola alemã, são notáveis os projetos de Peter Behrens, com a cobertura em arco da AEG (1908), e de Eric Mendelsohn, com a Fábrica de Chapéus Hermann (1921) (Figura 27). De maneira geral, os expressionistas alemães sentiam-se atraídos pela plasticidade do concreto armado para a 8 Hoje a laje sobre as vigas inclinadas foi substituída por telhas metálicas. 13 elaboração de formas arquitetônicas, resultando daí o uso de volumes horizontais ondulados, sustentados por pilares verticais ou inclinados, cobertos por superfícies curvas. Os arcos em concreto armado de Auguste Perret para a Fábrica Esders (1919) chamam a atenção na França, assim como as experiências futuristas de Sant’Elia na Itália (Figura 28). Figuras 27 e 28 Fábrica de Chapéus Hermann, Mendelsohn (1921) e Fábrica Esders, Auguste Perret (1919) Fonte: GOSSEL & LEUTHAUSER, 1996, p. 109 e 115 No Brasil, algumas experiências industriais tiveram ampla divulgação nacional e internacional. No Rio de Janeiro, destacam-se a Fábrica Sidney Ross Co. (1947), projetada por Afonso Reidy, e a Fábrica Sotreq (1949), dos Irmãos Roberto (Figuras 29 e 30). Em São Paulo, a Fábrica Duchen (1950), de Oscar Niemeyer, e a Fábrica Paraíba (1951-55), de Rino Levi (Figuras 31 e 32). Em todos os projetos, percebe-se a incorporação da curva em coberturas arqueadas ou em componentes estruturais que tomam uma feição escultórica9. Figuras 29 e 30 Projeto da fábrica Sidney Ross Co., Afonso Reidy (1947) e Fábrica SOTREQ, MMM Roberto (1949) Fonte: Revista La Architecture D’Àujourd`Hui, 1952, p. 32 e 33 Figuras 31 e 32 Fábrica Duchen, Oscar Niemeyer (1950); (d) Fábrica Tecelagem Paraíba. Rino Levi (1951-1955) Fonte: Revista La Architecture D’Àujourd`Hui, 1952, p.29 e Revista Óculum, 1993, p. 47 9 Como nota, observa-se inúmeros exemplos do movimento moderno brasileiro que usam coberturas arqueadas em concreto: Igreja de São Francisco, na Pampulha (1943); Clube Diamantina (1950); Palácio das Artes do Parque Ibirapuera (1954); Colégio Estadual de Belo Horizonte (1954), todos de Oscar Niemeyer. Ainda merece nota a Escola de Pedregulho (1950-52), de Affonso Reidy (BRUAND, 1991) 14 Esses exemplares são importantes por buscarem conferir um caráter expressivo ao programa industrial, não se limitando aos arranjos estritamente funcionais, como ocorreu e ocorre em grande parte dos edifícios construídos para este fim. Ainda merece atenção o projeto de Paulo Antunes Ribeiro para o edifício da Hanomag - exposição e venda de automóveis (1952), no Rio de Janeiro (SEGRE, 2004; BRUAND, 1991). Novamente, a temática da cobertura em arco se faz presente, assim como a configuração de pilares em ângulo (Figura 33). “Toda a atenção é monopolizada pelo edifício de fachada e o jogo de arcos de concreto que o define. Existe um parentesco seguro entre essa realização e o edifício construído em 1949 pelos irmãos Roberto para a Companhia Sotreq (...) a semelhança dos programas incentiva-o a fazer isso” (BRUAND, 1991, p. 261) Figura 33 Hanomag - exposição e venda de automóveis. Paulo Antunes Ribeiro (1952). Fonte: BRUAND, 1991, p. 261 No contexto gaúcho, observa-se que já no início do Século XX a arquitetura industrial estava atenta à racionalização construtiva e à busca de uma nova linguagem. Tem destaque o pavilhão de Exposição Agropecuária do Estado, anterior a 192510. Tratava-se de um pavilhão cuja estrutura metálica arqueada vencia um grande vão, sendo fechado por paredes laterais despidas de ornamentos. (Figura 34) Nos anos 30, surgem edifícios despojados, com volumes curvilíneos nas esquinas, como a fábrica A. J. Renner & Cia (Figura 35), que lembra os edifícios de Mendelsohn. (LUCCAS, 2000, p. 25) Figuras 34 e 35 Exposição Agropecuária do Estado. Porto Alegre – antes de 1925 e Fábrica A.J.Renner, Egon Weindörf. Porto Alegre – década de 30 Fonte: CINQUENTENÁRIO..., 1950, p. 454 e LUCCAS, 2000, p. 25 10 Ficava no Bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Para a “ Esposizione del Lavoro I taliano” , comemorativo do Cinqüentenário da Colonização I taliana no Rio Grande do Sul, a fachada, por não ser “ digna ao evento” , foi drasticamente remodelada para o estilo eclético, sob a orient ação do arquit et o August o Sart ori. ( COSTA, 2001) 15 Merece especial atenção o projeto da antiga Casa Dico (CATTANI, 2006; XAVIER E MIZOGUCHI,1987), construída em 1952, pelo arquiteto paulista Abram Elman (1910/1980). Como na fábrica da Sotreq, com 44 metros de vão, a cobertura da oficina é feita por um grande arco treliçado em madeira, que vence 38m, estando hoje substituído por estrutura metálica. Por outro lado, além da madeira, o projeto começa a explorar as possibilidades plásticas do concreto, lançando uma grande plataforma elevada dentro do pavilhão, apoiada em pilares em “v”, que permitem um grande balanço e leveza. (figura 36 e 37) Figuras 36 e 37 Casa Dico: Corte e fotografia Fonte: CATTANI, 2006 Desaceleração... ou considerações finais Passando devagar pelas ruas e olhando com atenção, as antigas oficinas e revendas de automóveis poderão ser percebidas. Escondidas por letreiros e reformas grosseiras, elas se erguem nas esquinas, desenhando perspectivas, hoje, quase inteligíveis. São edifícios representativos de um período em que a assimilação da “modernidade” exigia agilidade, velocidade. Em menos de quinze anos, oficinas rudimentares transformaram-se em sofisticadas concessionárias art-déco e modernistas, simulacros eficientes para a venda de um dos mais notáveis bens de consumo do século XX – o automóvel. Neste contexto, observa-se um gradativo domínio do concreto. Inicialmente, ocorrem os grandes vãos das lajes dos postos de gasolinas, normalmente, incorporando um traçado curvo. Depois, a curva ganha mais expressão, arqueando-se, configurando um jogo quase escultórico, que exigiu uma rigorosa retícula estrutural de vigas e pilares. No pórtico da Brasdiesel, a forma é a própria estrutura. Contudo, o conjunto peca pela falta de unidade compositiva entre as suas partes. O pórtico é um “fragmento”, nascido de referências figurativas e não do domínio rigoroso do fazer projetual. Nele, o projetista mostra-se sensível e atento às experiências européias da década de 20 e, principalmente, às experiências brasileiras da própria década 50. Vale lembrar que os arcos em madeira das coberturas da Fábrica Sotreq, dos Irmãos Roberto, foram projetados em 1949 e o pórticos em concreto de Niemeyer para a Duchen, 16 em 1950. Se programaticamente o edifício precisa de correlatos, também vale lembrar que o edifício da Hanomag é de 1952, mesmo ano em que é projetada a Casa Dico de Porto Alegre. Assim, isoladamente e do ponto de vista arquitetônico, as obras analisadas não são excepcionais no contexto brasileiro e gaúcho. Contudo, desempenham um importante papel de vanguarda na cidade, introduzindo um vocabulário arquitetônico que será gradativamente assimilado e incorporado pela população. (COSTA, 2001; SEGAWA, 1999) Com o uso do concreto, a arquitetura das concessionárias em Caxias do Sul se “modernizou” e se engajou rapidamente em pesquisas similares feitas em âmbito nacional e regional. O programa ganhou expressão e, ao mesmo tempo, deu expressão ao produto comercializado. Tornou-se promotor de um tipo de publicidade, como “uma máquina de vender máquinas”. Referências Bibliográficas ÁLBUM COMEMORATIVO DO 75° ANIVERSÁRIO DA IMIGRAÇÃO ITALIANA NO RIO GRANDE DO SUL. Porto Alegre: Globo, 1950. ANTUNES, D. P. Documentário histórico do município de Caxias do Sul (1875-1950). São Leopoldo: Artegráfica, 1950. _____. Caxias do Sul – metrópole do vinho. Caxias do Sul: Livraria Mendes, 1957. BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2005. BANHAN, R. Teoria e projeto na primeira era da máquina. São Paulo: Perspectiva, 1979. CATTANI, Airton. Revendas de automóveis em Porto Alegre: a antiga casa Dico. Anais do DOCOMOMO – Sul. Porto Alegre: UFGRS-PROPAR, 2006 CEMIN, Fernanda. Refuncionalização da Edificação Auto Palácio – Nova Sede da Cia Municipal de Dança de Caxias do Sul. Caxias do Sul: UCS – CAU, 2007 (Monografia de TFG1) CENTENÁRIO DA IMIGRAÇÃO ITALIANA. Porto Alegre: Ed. 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E-mail: arquiteta.josicler@yahoo.com.br A casa unifamiliar em Florianópolis: um modo de ser moderno Florianópolis, na década de 50, era uma pequena cidade que procurava reafirmar-se, no cenário local e nacional, como capital do Estado de Santa Catarina. Para tanto, foi necessário criar uma nova imagem de cidade em pleno progresso. A arquitetura mostrou-se como ferramenta eficaz neste processo e o centro da cidade foi o palco escolhido. Novos edifícios com linguagem modernista - símbolo de desenvolvimento no Brasil naqueles anos - começaram a ser construídos. O uso do concreto armado foi trazido para a Ilha aos poucos. Não por falta de vontade por parte dos profissionais que atuavam na região - atentos às novidades trazidas pelas revistas de arquitetura - mas sim, pela dificuldade de encontrar o material e pela falta de mão de obra qualificada para tratar com o mesmo. Apesar de todas as dificuldades e limitações, os novos edifícios conseguiam retratar uma vontade de ser modernos. A cidade foi crescendo e novos loteamentos surgiram em algumas regiões centrais que naquela época ainda eram ocupadas por chácaras. Novas casas foram construídas nestes loteamentos, geralmente para famílias abastadas, atentas ao ciclo desenvolvimentista que percorria todo o país. Estas famílias procuravam arquitetos que construíssem de uma maneira mais "limpa", ou seja, com linguagem modernista. O presente trabalho aborda o assunto analisando alguns exemplares residenciais, localizados em um destes loteamentos, e construídos nesta época de transição, na qual a casa tradicional , com paredes autoportantes, deu lugar à moderna, construída com estrutura de concreto armado. Serão apresentados dois projetos que trazem, em maior ou menor grau, linguagem modernista. O objetivo deste estudo, além de resgatar a qualidade destes projetos, é enfatizar sua importância histórica, tanto para Florianópolis, quanto para o Brasil, por retratarem a difusão da arquitetura moderna pelo país. Palavras chaves: Arquitetura Moderna, Inventário, Projeto Arquitetônico Residencial. The One-family House in Florianopolis: A Modern Way of Being Florianopolis was, in the decade of 1950, a small city seeking local and national reassurance as the Capital of the State of Santa Catarina. In order to achieve that, a new image of the city, an image of continuous progress, had to be created. The architecture acted as an efficient tool in this process and the center of Florianopolis was chosen as the stage. Buildings carrying the modern language - which was the sign of development in Brazil at that time - started to appear. The use of reinforced concrete was brought to the Island slowly. This was not, however, due to indolence of the local professionals - whose attention was constantly turned to the recent techniques and images brought by Architecture magazines - but to the the lack of sufficient material available and qualified workmanship to handle it. Yet, despite of every difficulty and limitation, the new buildings succeeded in showing the desire of being modern. The city kept growing and a new division of lots of the land was made in some of the central areas that were still occupied by small farms. New houses were built on those new lots, mostly for rich families, which were aware of the cycle of development happening all over the country. These owners constantly looked for the architects who designed houses in "clean" lines, which is the basis of modern language. This work approaches the subject by showing some examples of houses located in one of the lots mentioned, built during those times of changes, when the traditional houses with its self-supporting walls gave place to the modern model of house, structured with reinforced concrete. Two architecture plans will be presented, carrying the modern language in a bigger or smaller degree. The purpose of the study, more than rescuing and evidencing the quality of the projects, is to emphasize their historical relevance, not only to Florianopolis but to Brazil itself, by portraiting the spreading of the modern architecture over the country. Keywords: Modern Architecture, Inventory, Architecture house plan. 2 A casa unifamiliar em Florianópolis: um modo de ser moderno 1- Apresentação O presente artigo é parte de uma dissertação defendida em 2006 que teve como título: Influência Modernista na Arquitetura Residencial de Florianópolis. Inicialmente, o objetivo era identificar os elementos modernistas presentes na arquitetura residencial da Ilha, nas décadas de 50, 60 e 70; e avaliar em que medida eles foram aplicados, verificando sua atualidade. No decorrer do trabalho, através de uma melhor compreensão das propostas do movimento moderno e da dinâmica urbana de Florianópolis, outras questões, tão importantes quanto às pensadas inicialmente, foram percebidas. No trabalho de campo observou-se que estas casas, embora sendo consideradas recentes devido às datas de construção, estão sendo substituídas gradativamente por outras edificações que permitem um maior aproveitamento dos terrenos. Este processo, desencadeado pela especulação imobiliária, é muito acentuado no contexto do município, principalmente na região central. Figura 01, 02,03 e 04: Casa na Rua Presidente Coutinho, Centro, Florianópolis, demolida em 2004. Fonte: André Paiva, 2006. 3 O registro de algumas destas residências, enquanto ainda existiam, resgatando memórias daquela época, tornou-se também importante para o trabalho diante do quadro de destruição arquitetônica presente. Sendo assim, o trabalho desenvolvido junto à linha de pesquisa Planejamento e Projeto de Arquitetura, ganhou um enfoque histórico. Doze casas, localizadas na região central, foram inventariadas com um intuito de fornecer um quadro da arquitetura residencial modernista feita em Florianópolis. O presente artigo, além de tratar do contexto da cidade a partir da década de 50, apresenta dois dos doze exemplares que foram inventariados durante a dissertação. 2- Contexto Local, Modernização e Arquitetura A década de 50 chegou e Florianópolis ainda conservava os ares de cidade pacata. Os esforços a partir destes anos se direcionaram a reinventar a cidade como turística, progressista e desenvolvimentista. Muitas pessoas abraçaram esta causa e se mobilizaram em prol do progresso que tornaria Florianópolis realmente uma Capital, podendo assim, se incluir no ciclo de desenvolvimento nacional reforçado pelo governo de Juscelino Kubitschek (CASTRO, 2002). Embora apresentasse muitas restrições econômicas, Florianópolis se inseria culturalmente no quadro vanguardista do país. No ano de 1947 foi formado o Grupo Sul que buscava contribuir com o movimento de modernidade na Ilha. Este fundou o Círculo de Arte Moderna, CAM, ligado às idéias das vanguardas modernistas nas artes plásticas, no teatro e na poesia e que em 1948, passou a publicar a Revista Sul. A revista foi editada até 1957 e inseriu a produção local no circuito nacional e internacional de informação e divulgação. Em 1949 foi criado o Museu de Arte Moderna de Florianópolis que em 1970 passou a se chamar Museu de Arte Moderna de Santa Catarina, MASC. O primeiro Plano Diretor1 e de 1952 e trazia algumas influências da Carta de Atenas do Congresso de Arquitetura Moderna, CIAM, de 1933 (CASTRO, 2002). Na década de 50 havia uma efervescência entre os profissionais locais da construção impulsionada pela Associação Catarinense de Engenheiros - ACE, que promovia discussões técnicas, éticas e jurídicas, incentivando o desenvolvimento técnico e científico entre os profissionais. As revistas especializadas em arquitetura, nacionais e estrangeiras, eram lidas por engenheiros, arquitetos e construtores e traziam a arquitetura modernista como o que havia de mais moderno. A Revista Sul número 13, de 1951, trouxe um artigo intitulado “Função Social do Arquiteto”, escrito pelo arquiteto Carlos Henrique Bahiana, que dizia: 1 A equipe de arquitetos responsáveis pelo primeiro Plano Diretor de Florianópolis era de Porto Alegre. Faziam parte desta equipe os arquitetos Edvaldo Pereira Paiva, Edgar Graef e Demétrio Ribeiro. 4 Assim assistimos à grande transformação. Os casarões cheios de artificialismo e preconceitos, dando lugar às residências despretensiosas onde tudo é luz e natureza. Os grandes vãos envidraçados iluminando os interiores (...) A arquitetura moderna nada esconde. Não há compartimentos mais dignos e menos dignos. A continuidade espacial prepondera sobre as ante-câmaras, corredores de serviço, vestíbulos e toda sorte de esconde esconde... (BAHIANA apud CASTRO, 2002, p.61). Florianópolis passou a viver um período de efervescência e entusiasmo. Novos edifícios foram construídos sob influência da linguagem funcionalista, geralmente em áreas de expansão da cidade, tornando-se símbolos do desenvolvimento. O Clube Penhasco, por exemplo, foi projetado pelo arquiteto Walmy Bittencourt em 1954 e implantado no caminho que leva ao sul da Ilha. Tal projeto parece ter sido influenciado pela Casa do Baile de 1942, no conjunto da Pampulha em MG, projetada por Oscar Niemeyer (CASTRO, 2002). Figura 05– Clube Penhasco, 1954. Fonte: <http://www.ufsc.br/~esilva>. Acesso em: maio de 2005. Figura 06– Croqui Casa do Baile, 1942. Fonte: <http://www.niemeyer.org.br>. Acesso em: janeiro de 2006. O Instituto Estadual de Educação - IEE é outro exemplo de arquitetura modernista na Ilha e foi construído entre os anos de 1951 e 64. No projeto foram usados pilares em V, amplos pátios internos, rampas, janelas horizontais e grandes superfícies envidraçadas. Trata-se de um edifício que explora a horizontalidade e que se tornou referência para muitos profissionais do período (CASTRO, 2002, p. 54). A autoria do projeto é desconhecida, mas em alguns documentos é possível encontrar o nome de José da Costa Moelmann como profissional responsável pela obra. 5 Figura 07– Instituto Estadual da Educação. Fonte: <http://www.arq.ufsc.br >. Acesso em: janeiro de 2006. Figura 08- Primeiro edifício em concreto armado em Florianópolis, projetado por Moellmann & Ráu, em 1957. Fonte: arquivo pessoal, 2005. O sistema de estruturas independentes em concreto armado chegou à cidade por volta dos anos 40, porém, havia muita dificuldade quanto ao domínio da técnica. Wolfgang Ráu, construtor e projetista de Florianópolis desde 48, em depoimento escrito para um grupo de estudos do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, UFSC, relatou que no início dos anos 50 havia uma fábrica de cimento na região2; a cal, as telhas e as janelas vinham de regiões próximas. Devido à falta de habilidade de se trabalhar com o concreto armado, muitas vezes, exagerava-se no dimensionamento da estrutura, tornando-a pesada e cara. Tal fato ia de encontro com os objetivos modernistas, principalmente o de barateamento da construção (CASTRO, 2002). No dia a dia o que acabava acontecendo na prática era uma arquitetura que mesclava técnicas e elementos de composição. Uma arquitetura que Castro conceitua como “híbrida”, levando em consideração a impossibilidade de ser “pura”, plenamente industrializada e funcional, segundo a matriz Corbusiana, devido às limitações e condições da cidade, que diferente da maioria das outras Capitais, não era uma cidade grande. A arquitetura modernista logo foi aceita também pelo setor privado, como pode ser observado pela construção do edifício residencial citado anteriormente. Ainda na década de 50, apareceram as primeiras casas modernistas da Ilha, concebidas sob a linguagem funcionalista defendida por Le Corbusier, mas que já mesclavam em sua composição elementos próprios da arquitetura modernista brasileira. 2 Até os anos 40, todo o cimento utilizado na Ilha vinha da Alemanha (CASTRO, 2002). 6 3- Expansão do Centro Urbano: Nova Arquitetura, Nova Casa O centro de Florianópolis é limitado fisicamente pelo mar e pelo Morro da Cruz. Embora tendo sua área restrita geograficamente, até meados do século XX, a parte central era tomada por grandes vazios urbanos e dividida em pequenos bairros. O local com o maior índice de ocupação localizava-se próximo à Praça XV e ao Mercado Público. Tudo acontecia nestas redondezas, desde os passeios das moças de família aos domingos, depois da missa, até os encontros com as prostitutas, à surdina da noite, na região próxima ao mar. Para as famílias tradicionais, estes Maciço do Morro da Cruz lugares eram considerados promíscuos, principalmente pela presença do porto. Figura 09 – Malha urbana de Florianópolis, 1921. Fonte: VEIGA, 2003; adaptado para este trabalho. Nos vazios urbanos, onde o verde predominava, existiam grandes chácaras que eram os lugares mais reputados, longe do centro histórico e de seus conflitos. Nestes lugares, de vida saudável, encontravam-se as melhores residências. Dentre os principais bairros da época, estavam o bairro da Praia de Fora e do Mato Grosso (ver fig. 09). O aparecimento de novas técnicas construtivas e o crescimento da população urbana, no início do século XX, favoreceu o início da urbanização destes lugares. A abertura de novos eixos viários e também o prolongamento de alguns já existentes, como foi o caso da Avenida Rio Branco, possibilitou a expansão do centro urbano, que cresceu em direção a estas áreas pouco ocupadas (VEIGA, 1993, p. 83). 7 As chácaras foram parceladas aos poucos e no lugar surgiram loteamentos cujos terrenos eram muito valorizados. As novas casas construídas nestes loteamentos surgiam reforçando os ares de modernidade que se queria dar à cidade. Muitas delas passaram a ser construídas sob influência da arquitetura moderna, moda naqueles tempos. A repercussão internacional da moderna arquitetura brasileira representou, no plano doméstico, uma legitimação e um reconhecimento social inéditos para uma categoria e para uma prática profissional, até então visível como uma derivação da engenharia ou apenas uma atividade artística associada à construção. Elementos formais dessa arquitetura de prestígio foram apropriados como modismo, quer por construtores populares (às vezes com ingênua elegância), quer por engenheiros, tão ciosos quanto ignorantes do conteúdo arquitetônico por trás dessas formas. O extremo dessa situação foi o açambarcamento grosseiro de soluções formais “modernas” por anódinas construções patrocinadas pela especulação imobiliária oportunista. Cidades em todo Brasil que expandiam seus limites urbanos nos anos 1950-1960 formaram verdadeiros repositórios dessa arquitetura imitativa – às vezes, alcançando resultados agradáveis ou, no mínimo, toleráveis (SEGAWA, 2002, p.129). A casa com paredes pesadas, auto - portantes, cuja função estrutural definia a distribuição dos ambientes e limitava o tamanho das aberturas foi, aos poucos, sendo substituída por edificações com estrutura de concreto armado. Fato este que libertou as paredes da função estrutural, propiciando assim novos arranjos espaciais, com ambientes maiores, e o aumento do tamanho das aberturas, trazendo mais luz e higiene para a construção. As fachadas tradicionais, com muitos adornos, deram lugar às fachadas ‘mais limpas’ 3. Figura 10– Casa na Rua Victor Konder, anos 30. Fonte: <http://www.andrepaiva.com.br>. Acesso em: janeiro de 2006. 3 Figura 11– Casa na Rua Santo Inácio Loyola, 1963. Fonte: arquivo pessoal, 2005. O termo era utilizado pelos clientes para explicar aos arquitetos o tipo de arquitetura que queriam. 8 A arquitetura modernista da Ilha foi feita por jovens arquitetos que se formavam nos grandes centros, como São Paulo e Porto Alegre. Geralmente, o cliente que procurava estes profissionais sabia, claramente, o que queria. As revistas de arquitetura traziam notícias sobre a construção de prédios modernistas, principalmente estatais, construídos em quase todas capitais. Além dos profissionais locais, arquitetos como o austríaco Hans Broos também construíram na Ilha. A Residência Zipser (Casa 08 do Inventário) é um exemplar deste período, construída em 1959 na região central, que ainda apresenta uso residencial. A utilização da madeira foi uma inovação técnica para a época, assim como a cobertura ventilada, composta por várias camadas de materiais como chapa de alumínio, manta asfáltica e fibra natural. O lote foi dividido em duas parcelas iguais. A parte anterior, que está em contato com a rua, se destinou para o jardim e os acessos. A outra parte, em sua totalidade, é ocupada pelo edifício. Uma viga, de 60 cm de altura, confere identidade para a casa ao mesmo tempo em que reforça a horizontalidade do volume. O terreno, em aclive, foi nivelado pela sua cota mais alta. Da rua, a casa se destaca e da casa, a rua se separa agradavelmente (ROTOLO, 2004). Figura 12 - Grandes portas de correr, em madeira, Figura 13 - Um dos quartos é voltado para o possibilitam a integração interior- exterior. Fonte: jardim lateral, coberto com pergolado. Fonte: arquivo pessoal, 2004. arquivo pessoal, 2004. Figura 14 - Rampa que leva a garagem. Fonte: arquivo Figura 15 – As janelas na fachada posterior pessoal, 2005. abrem verticalmente. Fonte: arquivo pessoal, 2004. 9 Além de arquitetos e engenheiros, profissionais com formação técnica e algumas vezes sem formação, foram também responsáveis pelos projetos de muitas casas. Fato este que destaca a abrangência da arquitetura moderna naquelas décadas que não se limitou aos meios acadêmicos. O arquiteto Ademar José Cassol4 relatou em entrevista que as influências modernas chegavam na cidade através de revistas especializadas - ACROPOLE, MODULO, DOMUS e L'Architecture d'Aujourd'hui. Os concursos de arquitetura, que aconteciam por todo país, divulgavam também a nova arquitetura. Obras como o Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, e a Pampulha, em Minas Gerais, eram referências arquitetônicas. Como movimento de destaque citou o Brutalismo, bem representado no Brasil por Vilanova Artigas, e como arquiteto referência falou de Mies Van der Rhoe(CASSOL, 2005). Figura 16– Residência Becker, 1966 ( demolida em Figura 17–Mural artístico, entrada principal da 2006). Cassol Arquitetos. Fonte: disponível em Residência Becker ( Casa 09 do Inventário). <http://www.midiasite.com.br> em janeiro de 2006. Fonte: arquivo pessoal, 2004. Quanto aos projetos de casas modernistas, destacou a valorização da estrutura em concreto aparente, a modulação e os grandes vãos. As fachadas eram compostas com painéis inteiros, isto é, sem vergas ou mochetas, e as coberturas construídas em laje impermeabilizada. A opção pelo uso da cobertura plana impermeabilizada por vezes negligenciava as condições de conforto térmico. Um dos ambientes que passou a aparecer nos projetos foi a sala com mezanino, geralmente com paredes tomadas em toda a largura por janelas e portas de vidro temperado (CASSOL, 2005). A casa devia ter um motivo gerador no projeto, que podia ser um vazio de escadas, um pátio interno ou até mesmo a valorização da vista exterior. O usuário aceitava bem as novidades, mas, 4 O arquiteto se formou em 1964, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, na cidade de Porto Alegre. O profissional atua em Florianópolis desde a década de 60 e é autor de muitos projetos que trouxeram a linguagem moderna para a cidade. 10 algumas vezes, havia algum tipo de resistência, porém, já havia uma predisposição latente em aceitar a linguagem modernista como solução arquitetônica. Os projetos modernistas romperam com o falso neocolonial que imperava. A valorização dos jardins exteriores facilitou a aceitação popular da nova arquitetura, mas a dificuldade para construir não diminuiu totalmente durante a década de 60. Havia limitação de materiais e tecnologias, em geral importadas e onerosas, e não havia mão de obra qualificada que dominasse as novas técnicas de construção (CASSOL, 2005). 4- Duas Casas de um Inventário 4.1 – Residência Salles, 1959 Esta residência foi projetada pelo arquiteto Domingos Filomeno Neto para atender as necessidades de uma família de cinco pessoas - o casal mais três filhos. Atualmente o projeto está bastante descaracterizado devido à readaptação do imóvel para o uso comercial. Figura 23: Fachada principal – década de 70. Fonte: Figura 24: Fachada principal descaracterizada. Arquivo da proprietária, 2005. Fonte: Arquivo pessoal, 2005. Localizada na Rua Barão de Batovy, num terreno em aclive, a casa foi implantada acima do nível da rua e se destaca pela horizontalidade do volume. A fachada, voltada para rua, é marcada pelo ritmo dos painéis de venezianas de madeira (ver fig. 23). Os três painéis, localizados a direita, garantiam mais privacidade aos quartos e bloqueavam parte do sol incidente. O painel maior, à esquerda, além de dar continuidade à composição intercalada dos painéis, servia como anteparo visual, escondendo a edícula, localizada na parte posterior do lote. 11 Segundo depoimento da atual proprietária, quando o projeto ficou pronto, virou notícia na cidade, atraindo olhares dos curiosos. O balanço da varanda frontal garantia leveza ao volume e se destacava como elemento inovador, assim como a disposição funcional dos ambientes e a integração da área de lazer. O uso do concreto armado garantiu estas inovações. A edícula foi prevista no projeto original. Este espaço tradicional destoa da proposta modernista da casa por configurar a parte dos fundos do lote. Embora o projeto seja inovador, sua implantação no terreno mescla características da arquitetura tradicional com a moderna. Os acessos, tanto de pedestre e de veículos, foram propostos para o lado esquerdo do lote. A garagem localizava-se na edícula, nos fundos do terreno. Edícula Dados do terreno: Área: 711,61 m² Taxa de ocupação: 40,7% Acessos Área construída: 289,70m², sendo 66,70m² de edícula. Figura 25: Implantação - sem escala O projeto é inovador, tanto pela setorização, quanto pela estruturação entorno do pátio. No hall há um armário embutido e o lavabo. A parede, anteparo para o visitante, direciona para a grande sala de estar ou para sala de almoço, ambas abertas para o pátio interno e integradas. Da sala de almoço tem-se acesso à cozinha ou à circulação do setor íntimo. Este último está voltado para o norte e para o leste e têm dois quartos que se abrem para a varanda frontal. O setor de serviço está concentrado na edícula. Embora seja uma casa com grandes aberturas frontais, é voltada para o interior onde o pátio, com um espelho da água, articula todo setor social. As paredes externas foram feitas com 30cm de espessura e as internas com 15cm. A estrutura de concreto armado, as paredes de alvenaria, a cobertura dupla (laje de concreto e sobre esta, telha de fibrocimento), a platibanda finalizando o beiral, são soluções construtivas comuns nas casas construídas na cidade com esta linguagem. Nos quartos, originalmente, as venezianas de madeira 12 eram enroladas verticalmente. Os armários da casa foram previstos no projeto e construídos durante a obra com madeira nobre. N Planta-baixa: piso superior-edícula. Figura 26: Casa e edícula- plantas-baixas- sem escala A casa, com planta em “U”, apresenta como elemento gerador do projeto o pátio central. A área social volta-se para este espaço, onde foi previsto um espelho da água com traçado curvilíneo. Além de trazer luminosidade para os ambientes, propicia para esta residência um caráter intimista, comum nas casas do arquiteto Rino Levi onde os ambientes se integravam com a natureza, através destes pequenos jardins configurados nestes pequenos espaços (ver figura 27). Os grandes painéis de madeira eram bastante utilizados pelos modernistas para compor as fachadas. O material era uma opção interessante de fechamento para valorizar a caixa de concreto estrutural, reforçando assim o princípio da fachada livre, destacado por Le Corbusier. A subtração espacial, em um dos módulos da estrutura, destacando a entrada, é uma solução projetual que pode ser vista também no projeto abaixo, do arquiteto Vilanova Artigas. 13 Figura 27: Casa Castor D. Perez, 1958-59, São Paulo. Arquiteto Rino Levi. Fonte: disponível em <http://www. mahfuz.arq.br > em julho de 2008. Figura 28: Casa Heitor Almeida, 1949, São Paulo. Arquiteto Vilanova Artigas. Fonte: Mindlin, 2000. 4.2 – Residência Dimatos, 1963 Esta casa, projetada pelo arquiteto Boris Tertschitsch, está localizada na esquina da Rua Presidente Coutinho com a Santo Inácio Loyola, e foi construída para uma família composta por cinco pessoas - o casal mais três filhos. Atualmente, pertence ainda à mesma família e ainda apresenta uso residencial, fato este que contribuiu para a boa conservação do projeto. As fachadas sul e a leste voltam-se para as ruas. No projeto foi previsto um muro baixo e muitas floreiras. Segundo relato da proprietária, as floreiras foram pensadas pelo arquiteto para aumentar a privacidade da casa, que se encontra exposta devido ao muro baixo. A proposta deste jardim torna mais agradável a relação entre o espaço público, das ruas, e o privado, do lote. O volume horizontal da edificação é reforçado pelo grande beiral. Nas fachadas, as esquadrias de vidro, intercaladas por esbeltos pilares de concreto, propiciam leveza ao volume que é valorizado pela utilização de diferentes materiais, como, por exemplo, a madeira das esquadrias e o painel de tijolo aparente que recebe iluminação vertical através de uma pérgula localizada no beiral. Há dois acessos para a casa. O primeiro encontra-se voltado para a Rua Presidente Coutinho e caracteriza-se pelo um portão que dá acesso tanto para pedestres, como para veículos que ficarão estacionados no lado da residência. O segundo acesso localiza-se junto a Rua Santo Inácio Loyola e configura-se como de serviço estando junto a garagem que se abre para a mesma rua (ver figura 31). 14 Figura 29: Fachadas principais. Fonte: Arquivo pessoal, 2005. Figura 30: Croqui do arquiteto. Fonte: SUSP, 2005. Áreas: Área terreno: 488,13 m² Taxa de ocupação: 45% Área construída: 251m², sendo 30m² de garagem e 20m² de edícula. Acessos Figura 31: Implantação. Fonte: Arquivo pessoal, Figura 32: Corte esquemático, sentido leste-oeste. 2005. Fonte: Arquivo pessoal, 2005. A porta principal, envolta por de tijolos de vidro, se abre para um hall onde uma estante elegante, com traçado chinês, separa visualmente a entrada do setor social. A sala de estar é integrada com a de jantar e ambas se voltam para um pátio com vegetação abundante, coberto em parte por pérgulas. A sala de almoço está voltada também para o pátio e é o local onde todos os setores da casa (social, de serviço e íntimo) se encontram. Um corredor, iluminado por uma abertura zenital, leva para aos quartos. No projeto foram previstos armários embutidos para os quartos e para o corredor. Um banheiro completo, com banheira, atende o setor íntimo. A cozinha é aberta para uma circulação externa que leva para a dependência de empregada, para o quarto de brinquedo e para lavanderia localizada numa edícula. O beiral de concreto, extensão da laje de cobertura, tem 1,50m de largura. Para garantir uma melhor impermeabilização esta laje foi coberta com telha de fibrocimento, oculta devido à platibanda existente. As paredes são todas de alvenaria, exceto as da garagem que foram feitas em pedra. O piso da casa, com exceção das áreas molhadas, é taco. O banheiro que atende os 15 quartos foi revestido com pastilha. O piso da área de serviço foi cuidadosamente revestido com pedaços de cerâmica coloridos. Figura 33: Planta-baixa. Fonte: Arquivo pessoal, 2005. Figura 34: Pátio interno - espaço integrador do projeto. Fonte: Arquivo pessoal, 2005. Figura 35: Banheiro do setor íntimo. Fonte: Arquivo pessoal, 2005. A maioria dos móveis foi desenhada pelo próprio arquiteto e se encontra em excelente estado de conservação. Foram escolhidos materiais nobres para a época, como, por exemplo, a madeira de Jacarandá da Bahia que era trazida diretamente de São Paulo. Entre as características modernistas presentes neste projeto destacam-se: a busca pela integração espacial, possível pelo uso do concreto armado e dos princípios da planta-livre; a utilização do pátio como elemento organizador e integrador do projeto; os jardins que podem ser encontrados nas fachadas que garantem uma integração visual entre espaço público e privado; a 16 utilização de materiais industrializados como o vidro e a divisão dos ambientes por setores. A organização intimista desta residência remete às casas do arquiteto Rino Levi, em São Paulo. Figura 36: Casa do Arquiteto, São Paulo, 1946. Arquiteto Rino Levi. Fonte: MINDLIN, 2000. 5 – Conclusão Datam dos anos 50 as primeiras casas construídas em Florianópolis com influência modernista, projetadas geralmente por jovens arquitetos, formados em grandes centros como, por exemplo, São Paulo e Porto Alegre. Estas residências eram construídas geralmente nos novos loteamentos que surgiam nas áreas de expansão da cidade. O registro de doze casas construídas nesta época forneceu à dissertação um leque de exemplares que apresentam em menor ou maior grau elementos modernistas em seus projetos. Alguns destes projetos se destacaram por apresentarem uma linguagem modernista não limitada à fachada, reflexo de um verdadeiro modo de conceber moderno. O presente artigo apresentou dois destes exemplos. Tanto a residência Salles, de 1959, como a residência Dimatos, de 1963, podem ser consideradas exemplos de arquitetura moderna. Entre as características identificadas, destaca-se: a busca pela integração dos ambientes através da utilização da planta-livre; o uso do pátio interno como elemento gerador do projeto; a integração entre interior e exterior através da utilização de vidro e de jardim no pátio interno, para onde os ambientes de convívio se voltam; o volume horizontal e a fachada enriquecida pela utilização de materiais orgânicos como a madeira e o tijolo aparente; a utilização do concreto armado garantindo grandes aberturas e balanços; entre outras. Quanto às influências que chegaram à Florianópolis, são visíveis nos exemplos apresentados soluções projetuais e elementos formais que remetem à arquitetura da escola paulista bem representada por Vilanova Artigas e Rino Levi. Os dois exemplares de casas, apresentados neste trabalho, forneceram um quadro da arquitetura modernista produzida na Ilha. Ambos poderiam ser indicados para preservação porque retratam a 17 difusão da arquitetura moderna pelo país. Porém, a falta de conscientização da importância destas edificações pelas autoridades locais aliada aos interesses imobiliários torna difícil a conservação destas edificações que estão deixando de configurar a paisagem urbana muito rapidamente. 6 – Referências BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981. 397p. CASTRO, Eloah Rocha Monteiro. Jogo de formas híbridas: Arquitetura e modernidade em Florianópolis na década de 50. Florianópolis, 2002. 143 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina. DIAS, Adriana Fabre. A reutilização do patrimônio edificado como mecanismo de proteção: uma proposta para os conjuntos tombados de Florianópolis. Dissertação (Mestrado)- Curso de PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005. MAHFUZ, Edson da Cunha. O sentido da arquitetura moderna brasileira. [2002]. 5p. Disponível em : <www.vitruvius.com.br/ arquitextos>Acesso em: janeiro de 2006. _______. Ordem, estrutura e perfeição no trópico. Mies van der Rohe e a arquitetura paulistana na segunda metade do século XX. [2005]. 6p. Disponível em : <www.vitruvius.com.br/ arquitextos/> Acesso em: janeiro de 2006. MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. 2. ed. Rio de janeiro: Aeroplano/ IPHAN, 2000. 283p. ROTOLO, Leandro. Hans Broos, Casa Zipser 1959- 1962, Florianópolis. In: ROVIRA, Teresa (org). Documentos de Arquitectura Moderna en la América Latina 1950-1965. Espanha: Universidad Politécnica de Catalunya, 2004. p. 48- 57. SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. 2. ed. São Paulo: Editora da USP, 2002. 224p. VEIGA, Eliane Veras da. Florianópolis: Memória Urbana. Florianópolis: UFSC, 1993. 390 p. 18 Imprimir COMPOSIÇÃO DE PLANOS NO EDIFÍCIO ANNES DIAS NO 154 Felipe de Souza L. Pacheco Arquiteto, mestre, PROPAR/UFRGS Av. Alegrete, no 144 ap. 801 Porto Alegre, RS, Brasil pacheco.felipe@terra.com.br Fechar COMPOSIÇÃO DE PLANOS NO EDIFÍCIO ANNES DIAS NO 154 O trabalho compreende uma análise morfológica sistemática do edifício de escritórios Annes Dias no 154, de autoria do arquiteto argentino Armando d’Ans, construído em 1955, situado na região central de Porto Alegre, RS, Brasil. O objeto da análise insere-se entre a segunda e a última partição cronológica proposta para o II Seminário DOCOMOMO Sul, intitulado Plasticidade e Industrialização na Arquitetura do Cone Sul Americano. Estruturado em concreto armado, o edifício Annes Dias no 154 pode ser entendido como uma “composição de planos em intersecção”, que, segundo Colin Rowe em seu ensaio Chicago Frame, referindo-se às operações wrightianas para concepção de formas, afirma que “se trata de uma das questões mais importantes da arquitetura no século XX”. A análise morfológica do edifício pretende lançar uma visada objetiva sobre o mesmo, a partir de critérios previamente estabelecidos, quais sejam: tipo, implantação, altura, estrutura, circulações, geometria básica, composição tripartite – em base, corpo e coroamento –, balanços estruturais, e, por fim, fechamentos externos. Como hipótese a ser confirmada, o trabalho oferece a oposição estabelecida à vertente corbusiana de composição – vide ossatura Dom-ino e Cinco Pontos de uma Nova Arquitetura – , que pressupõe a sucessiva justaposição de lajes trespassadas por colunas, que ora se desnudam, ora se eclipsam pelos fechamentos externos. Tais operações não se verificam no edifício Annes Dias no 154, e, por isso mesmo, o tornam valioso no contexto da Arquitetura Moderna no período em questão. Palavras-chave: Arquitetura, Moderna, Planos. COMPOSIÇÃO DE PLANOS NO EDIFÍCIO ANNES DIAS NO 154 Projetado pelo arquiteto argentino Armando d’Ans, construído em 19551 em Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, o edifício Annes Dias no 154 foi originalmente concebido para abrigar consultórios médicos, o que soa plausível considerada a sua inserção no contexto urbanístico do centro da cidade, diante da Santa Casa de Misericóridia. As plantas disponíveis no Arquivo Público Municipal de Porto Alegre, atualmente microfilmadas, apontam para o “Projeto d’Um Edifício para Consultórios Médicos – Propriedade do Banco Hipotecário Lar Brasileiro S/A”. FIGURA 01: IMPLANTAÇÃO (GOOGLE MAPS, JULHO DE 2008) Em dias atuais, o edifício encontra-se em pleno funcionamento, embora não haja exclusividade quanto à ocupação por consultórios médicos, visto que abriga empresas prestadoras de serviços de toda sorte, inclusive de arquitetura. Tampouco sofreu descaracterizações relevantes no decorrer do período, sobretudo externamente, que se resumem à profusão de letreiros indicativos das lojas comerciais em sua base, ou aos aparelhos condicionadores de ar, dispostos na fachada envidraçada de modo desordenado. 1 (XAVIER / MIZOGUCHI, 1987, p.131) Quanto ao contexto urbanístico, os edifícios construídos posteriormente ao Annes Dias 154, adossados às suas empenas cegas, conformam uma fachada urbana praticamente contínua no quarteirão do qual o objeto desta análise faz parte (figura 02). Todavia, à época de sua construção, como prova a foto (figura 03), o edifício encontrava-se isolado de edificações em altura, o que expunha em ambos os lados as suas arestas afiadas. FIGURA 02: VISTA ATUAL (ACERVO DO AUTOR) FIGURA 03: VISTA APÓS CONCLUSÃO (XAVIER / MIZOGUCHI, 1987, p.130) ANÁLISE MORFOLÓGICA IMPLANTAÇÃO O edifício está implantado na ponta arredondada de um quarteirão cujo formato é irregular, delimitado pelas vias General Vitorino, Dr. Flores, Andradas, Dom Feliciano e, por fim, Prof. Annes Dias (figura 01). A irregularidade do quarteirão é consistente com a topografia em aclive/declive do lugar, e a implantação do edifício toma partido disso para conferir ao mesmo o formato de um leque –, ou, como se possa desejar, de um triângulo cujo lado maior é curvo. O lado curvo está voltado para a Prof. Annes Dias, da qual o edifício extrai o próprio nome. COMPOSIÇÃO GERAL O edifício é formalmente tripartido em base, corpo e coroamento, no qual a base é composta por térreo e sobreloja, o corpo é composto por 14 pavimentos “tipo a”, o coroamento é composto por 3 pavimentos “tipo b” – recuados em relação aos demais –, além da cobertura, que abriga apartamento do zelador e casa de máquinas. Abaixo do térreo, existe apenas o “poço de elevadores” denominado na respectiva planta executiva. O que remete a um total de 21 pavimentos (figura 04). A base ocupa praticamente a totalidade do terreno, assumindo o seu formato, exceto pela existência de dois recortes, um em cada lado do núcleo de circulação vertical. Em ambos os casos, embora com formas distintas, os recortes são espécies de talhos decomponíveis em dois triângulos menores. Estes recortes permitem a ventilação natural dos sanitários e das lojas no térreo e sobreloja, também do corredor que conduz à escada principal do edifício. A base é sutilmente recessiva em relação ao corpo do edifício em sua face principal, o que é reforçado por uma sutil marquise que se projeta sobre a calçada (figura 05). Associados, estes gestos compositivos tornam a base do edifício mais leve que o seu corpo – um leitmotif do ideário modernista. FIGURA 04: CORTE (ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL) FIGURA 05: DETALHE DA MARQUISE (ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL) No pavimento térreo está o acesso principal, denominado “entrada” na respectiva planta executiva, embora consista de fato num preâmbulo do dito “hall”. Sua posição é assimétrica em relação ao corpo do edifício, estando ladeado por 5 lojas de formatos irregulares, também decomponíveis em triângulos menores: três lojas à esquerda, duas à direita do acesso. As áreas oscilam entre X e Y. As faces externas são envidraçadas, abertas para a calçada, com dimensões variáveis: 6.90m, 4.25m, 4.20m, 4.25m, e 6.90m respectivamente. Há escadas privativas internas que conectam as lojas térreas 1, 2 e 5 às respectivas sobrelojas, no segundo pavimento. As lojas 3 e 4 não contêm escadas, portanto presume-se que não tenham sido originalmente concebidas para conectar-se ao segundo pavimento. A “entrada” tem o formato aproximado de um retângulo, com encontros diferentes de 90 graus entre suas faces, do que resultam perspectivas menos previsíveis, remetendo ao denominado “hall” – este servido por três elevadores dispostos em linha e uma escada, que se acomoda à geometria do edifício (figura 06). FIGURA 06 PLANTA BAIXA PAVIMENTO TÉRREO (ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL) O segundo pavimento contém as sobrelojas, num total de quatro unidades, acessíveis independentemente desde as unidades térreas, das quais a modulação é absorvida. A terceira loja da esquerda para a direita tem aproximadamente o triplo da área das demais, visto que ocupa o espaço correspondente às lojas 3 e 4, além do espaço sobre “acesso e hall” (figura 07). Além disso, o acesso à mesma se dá diretamente pela escada condominial, que contorna os elevadores e conduz até a mesma. Além disso, há dois sanitários que servem a referida loja. Sendo assim, presume-se que tenha sido concebida como uma espécie de âncora no segundo pavimento, embora seja questionável a validade funcional da estratégia, já que o único acesso à maior loja de todas as lojas do edifício se dá exclusivamente através da escada condominial. FIGURA 07 PLANTA SEGUNDO PAVIMENTO / SOBRELOJA (ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL) O corpo edificado, como se disse, contém duas seções distintas de pavimentos tipo, nomeadamente “a” e “b”. A primeira, da qual se dispõe de 14 unidades tipo sobrepostas, é composta por 6 salas em fita, com faces moduladas em 4.25m, dispostas lado a lado na extensão da face curva, todas voltadas para a Prof. Annes Dias. A modulação define geometricamente o fechamento externo de cada sala, composto por um plano piso-teto inteiramente envidraçado, estruturado por delicados montantes de alumínio2. Estes organizam 4 módulos no sentido vertical e 3 no horizontal. Total, 12 planos de vidro por fechamento. A grelha resultante da relação de 6 salas dispostas em fita versus 14 pavimentos sobrepostos resulta no grande plano envidraçado que caracteriza o edifício. Não há elementos de proteção solar, já que se trata da face sul do sítio. Não há vigas ou dobraduras nas faces externas das lajes, que são aparentes na fachada. Os planos envidraçados repousam sobre as mesmas. Em conjunto com as faces transversais das paredes divisórias das salas, fica estabelecida a delgada retícula opaca que contêm os planos envidraçados. As 4 salas centrais compartilham poços de ventilação que servem núcleos compostos por sanitário e copa, com uma unidade para cada. As salas nas extremidades têm os respectivos conjuntos de sanitário + copa voltados para Prof. Annes Dias. Cada conjunto encontra iluminação e ventilação naturais através de aberturas do tipo “buraco na parede”, voltadas para a via, o que explica os planos opacos perfurados por 28 retângulos – 14 de cada lado – que emolduram o grande plano acristalado da fachada principal. As salas são acessadas pela circulação horizontal condominial, de 2 Segundo Xavier e Mizoguchi, “constituindo técnica pioneira na cidade” (1987, p.131). formas sinuosas, que, por sua vez, é servida pelo núcleo de circulação vertical. Os recortes existentes na base do edifício prosseguem nos pavimentos tipo, do que resultam extensas cavas na direção base-topo, que acentuam a verticalidade do edifício, adelgaçam o mesmo, além de que clarificam formalmente a percepção das zonas servidas e zonas que servem. Ademais, as cavas permitem a entrada de luz e ventilação naturais nas circulações horizontais e, em caráter excepcional, na retaguarda da sexta e última sala, da esquerda para a direita. Na sinuosa circulação horizontal, os planos que a separam das salas propriamente ditas são compostos por vidraças estruturadas por montantes de madeira, cada qual contendo a respectiva porta de acesso privativo (figura 08). FIGURA 08: PLANTA BAIXA PAVIMENTO “TIPO A” (ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL) O grupo de três unidades sobrepostas referidas como “tipo b” conforma parte do coroamento do edifício. Nomeadamente, tratam-se do 17º, 18º e 19º pavimentos, que estão recuados em relação ao corpo, do que resulta basicamente a diferenciação entre as partições formais externas do edifício. Estes pavimentos contam com apenas três salas cada, servidas por uma circulação horizontal – já não há mais as sinuosas e elegantes linhas internas. Entre a primeira e a segunda sala, da esquerda para a direita, há um conjunto de copa + sanitário que se esforça para acomodar os dutos de ventilação forçada provenientes dos pavimentos abaixo. O mesmo ocorre na divisão entre a segunda e a terceira sala, porém com dois conjuntos de copa + sanitário, um para cada lado (figura 09). FIGURA 09: PLANTA BAIXA PAVIMENTO “TIPO B” (ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL) Nas extremidades, pequenos triângulos conformam “armários”, segundo a respectiva planta executiva. É possível que o recesso destes três últimos pavimentos resulte de imposições legais (como, por exemplo, o Plano Diretor vigente na ocasião da aprovação do projeto). A seção superior do coroamento, que corresponde ao ultimo pavimento, abriga casa de máquinas e apartamento do zelador, que conta com cozinha destacada e área aberta voltada para o norte (figura 10). FIGURA 10: PLANTA BAIXA CASA DAS MÁQUINAS + APARTAMENTO ZELADOR (ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL) Assim, os três pavimentos mais altos que contêm salas (tipo “b”), somados ao último pavimento do edifício, correspondem ao coroamento. Resultam numa curiosa e desencontrada composição (figura 11). Estabelece-se, desta forma, uma dissonância com a harmoniosa relação estabelecida entre base e corpo do edifício (figura 12). FIGURA 11: O COROAMENTO DISSONANTE (ACERVO DO AUTOR) FIGURA 12: BASE E CORPO, HARMONIA (ACERVO DO AUTOR) CONCLUSÃO Desde o ponto de vista de sua concepção, a laminaridade que caracteriza o edifício Annes Dias no 154 resulta, em suma, do modo de operar adotado por Armando d’Ans, numa composição em planos que deslizam entre si (sliding planes) e planos em intersecção (intersecting planes) – tema apontado por Colin Rowe em seu ensaio Chicago Frame (1976, p.92), como uma das questões mais importantes da arquitetura no século XX. Rowe aponta a Casa Gale de Wright (1909, figura 13) como precedente necessário para os experimentos neoplásticos de Gerrit Rietveld (figura 14) e Theo van Doesburg – além de outras figuras proeminentes da De Stijl – mais de uma década depois (1920 e adiante). FIG. 13: CASA GALE, WRIGHT,CHICAGO, 1909 (ROWE, 1976, p.109) FIG. 14: CASA SCHRÖDER, RIETVELD, UTRECHT, 1924 (ROWE, 1976, p.109) Quando o arquiteto argentino deixa de adotar o princípio, o que se vê nos 3 últimos pavimentos tipo de edifício (“tipo b”), bem como em sua cobertura, o resultado soa menor em termos de qualidade e resolução da forma. Quanto à composição geral do edifício, um prisma tripartido de base irregular, remete diretamente às pregações de Louis Sullivan em seu ensaio de 1896, intitulado “O Edifício de Escritórios em Altura Artisticamente Considerado” (The Tall Office Building Artistically Considered), segundo o qual o edifício de escritórios bem resolvido deve conter: 1o: um pavimento subsolo, contendo caldeiras e mecanismos de todos os tipos, ou seja, o maquinário referente a questões de energia, aquecimento, iluminação, etc. 2o: um pavimento térreo, assim chamado, servindo lojas, bancos e outros estabelecimento que requeiram bastante áreas, espaços amplos, bastante iluminação e bastante liberdade de acesso. 3o: um segundo pavimento facilmente acessível por escadas, este espaço usualmente em grandes subdivisões, com a correspondente liberdade provida pelo vão entre as estruturas, com bastante iluminação e ventilação, providos pela aberturas externas envidraçadas. 4o: sobre isto, um número indefinido de pavimentos de escritórios dispostos sucessivamente uns sobre os outros, um pavimento exatamente igual ao outro, um escritório exatamente igual ao outro, em formato similar àquele da célula de um favo de mel, meramente um compartimento, nada mais. 5o e último: sobre o topo desta pilha está colocado um espaço ou pavimento que, a julgar pelo funcionamento e uso da estrutura, é puramente fisiológico em sua natureza – é o ático. Neste pavimento, o sistema de circulação, completa-se e faz a sua volta, ascendendo e descendendo. O espaço é cheio de tanques, bombas, válvulas, e aparatos mecânicos que suplementam e complementam a casa de força escondida no subsolo. Finalmente, ou melhor, no início, deve haver no pavimento térreo uma entrada principal comum para todos os usuários do edifício” (SULLIVAN, 1896). FIGURA 15: O CORPO E A GRELHA (ACERVO DO AUTOR) FIG. 16: CORPO POR SULLIVAN (CARTER, 1999, p.11) Talvez não por coincidência, quando o argentino Armando d’Ans subverte as regras sullivanianas, o edifício Annes Dias no 154 apresenta os seus pontos mais frágeis. Isto ocorre, como se viu, em dois momentos: na loja âncora do segundo pavimento, que não estando associada ao pavimento térreo sofre com a distância de seu público, e também no coroamento do edifício, que é resolvido de modo ambíguo através so somatório dos três últimos pavimentos tipo e cobertura. O resultado formal e funcional não é condizente com a boa resolução estabelecida entre base e corpo (ver fachada da loja Schlesinger & Mayer, 1899, figura 16) que segue à risca o postulado em The Tall Office Building Artistically Considered. É dizer, ao menos, que a passagem de 112 anos não invalidou o texto. BIBLIOGRAFIA COMAS, Carlos Eduardo Dias. Precisões brasileiras sobre um estado passado da arquitetura e urbanismo modernos. Tese de Doutorado, Universidade de Paris IIX, 2002. CORBUSIER, Le / JEANNERET, Pierre. Oeuvre complète de 1910-1929. Zurich: Les Éditions d'Architecture, 1995. 215p. CORBUSIER, Le. Almanach d’architecture moderne. Paris: Les Éditions G. Crès et Cie, 1956. 200p. ______. Oeuvre complète de 1929-1934. Zurich: Les Éditions d'Architecture, 1995. 202p. ______. Précisions sur un état présent de l'architecture et de l'urbanisme. Paris: Éditions Vincent, Fréal & Cie. 1930. 269p. ______. Vers une architecture. Paris: Éditions Vincent, Fréal & Cie, 1958. 243p. 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Luz Interior, 345 – Bairro Estrela Sul, (32) 2102-7000 klauschavesalberto@gmail.com 2 O concreto na pré-fabricação: a construção da Universidade de Brasília Em 1970 foi lançado o documentário didático chamado Universidade de Brasília: Primeira experiência em pré-moldado (1962-70), realizado por Heinz Forthmann que teve como assessor técnico João Filgueiras Lima. Ele foi produzido dentro de um contexto em que a pré-fabricação era entendida como uma nova possibilidade para a arquitetura no país. Foi em meio a estas questões que a Universidade de Brasília foi criada em 1960 e esta tecnologia tornou-se um dos motes principais de seus edifícios. Quando esta Universidade estava iniciando suas atividades acadêmicas, em 1962, foi também criado o Centro de Planejamento (CEPLAN) com o objetivo intervir em todas as questões relacionadas à arquitetura na UnB, seja esta entendida sob seu aspecto construtivo ou acadêmico. Este centro tornou-se uma base de trabalho de Oscar Niemeyer em Brasília. Mas já havia, logo no início da concepção do CEPLAN, uma outra função: criar um grande centro de construção industrializada, um centro de tecnologia que seria usado pela universidade. Este artigo apresenta uma fase pouco analisada da obra de Oscar Niemeyer quando, ao lado de João Filgueiras Lima, desenvolveu inúmeras obras tendo como base a tecnologia da pré-fabricação. O percurso adotado para a análise parte do resgate dos principais projetos desenvolvidos para a UnB tendo como destaque o projeto do Instituto Central de Ciências do arquiteto Oscar Niemeyer. Este projeto tornou-se a matriz de diversos outros do mesmo arquiteto no Brasil e no Exterior e, além de se destacar como uma das grandes estruturas pré-fabricadas feitas no Brasil, ainda representa o acesso do país aos debates internacionais nas áreas de arquitetura e educação no campo das universidades naquela época. Para este estudo, portanto, foram analisadas as publicações nacionais e internacionais com o intuito de visualizar os limites e as possibilidades dos debates que ocorriam sobre o tema na década de 1960. Através de uma abordagem comparada, percebe-se as semelhanças e singularidades do projeto da UnB e entende-se sua contribuição efetiva no panorama nacional e internacional. The concrete in pre-production: the construction of the University of Brasilia In 1970 the educational documentary called University of Brasilia: First experience in breeze block (196270), carried out by Heinz Forthmann that had as technical adviser João Filgueiras Lima, was launched. It was produced inside a context in which the pre-manufacturing was seen as a new possibility for the architecture in the country. It was in the midst of these issues that the University of Brasilia was established in 1960 and this technology has become one of the main motes of their buildings When the University was starting his academic activities in 1962, was also set up the Center for Planning (CEPLAN) with the goal intervene in all issues related to architecture in UNB, be this understood in its constructive or academic aspect. This centre has become a basis for work of Oscar Niemeyer in Brasilia. But already, early in the design of CEPLAN, another function: to create a great center of industrialized construction, a center of technology that would be used by the university. This article presents a not much analysed phase of the work of Oscar Niemeyer when, beside John Filgueiras Lima, it developed countless works taking the technology of the pre-production as a base. The route adopted for the analysis starts on the redemption of the main projects developed for UNB with the emphasis the project of the Central Institute of Science by architect Oscar. This project became the matrix of several other of the same architect in Brazil and abroad and, besides standing out like the major prefabricated structures made in Brazil, still represents the country's access to international discussions in the areas of architecture and education in the field of universities at that time. For this study, the national and international publications were analysed in order to view the limits and possibilities of discussions that were taking place on the subject in the decade of 1960. Through a comparative approach, we understand the similarities and singularities of the project of UNB and its effective contribution in national and international scene. Palavras-chave UnB; Pré-fabricação; Oscar Niemeyer 3 O concreto na pré-fabricação: a construção da Universidade de Brasília Embora a criação da Universidade de Brasília (UnB) date de 1962, já no contexto do governo de João Goulart, sua concepção foi realizada e incentivada no governo Kubitschek. Com a criação de Brasília surge, em paralelo, o ideal de se construir uma nova universidade modelo (RIBEIRO, 1978). Junto com Anísio Teixeira (que havia sido responsável pela ousada experiência da criação da Universidade do Distrito Federal, em 1935) e com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC, que reunia parte significativa da comunidade científica do País), Darcy Ribeiro criou com a UnB a oportunidade de “revisão” dos caminhos do ensino superior no Brasil. Com a criação dessa Universidade, foi implantada uma comissão de estudos complementares que teria como objetivo desenvolver a idéia da UnB em seus vários aspectos. Esta comissão foi formada por Darcy Ribeiro, Cyro Versiani dos Anjos e Oscar Niemeyer. Niemeyer teria uma tarefa especial nesta comissão uma vez que era o arquiteto responsável por desenvolver o plano urbanístico de Lúcio Costa para a UnB. Foi neste sentido que, em abril de 1962, apresenta o projeto da Praça Maior que foi publicado no Plano Orientador (CASTOR, 2004, p.29). Nesse mesmo ano, também assume a tarefa de coordenador do Instituto de Arquitetura da UnB (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2007)1. Ao mesmo tempo, constituiu-se o Centro de Planejamento da Universidade de Brasília (CEPLAN) que teve como objetivo “(...) elaborar os projetos de todos os edifícios da Universidade, dentro das normas urbanísticas do plano de Lúcio Costa. Fixar a arquitetura da Universidade e, também, orientar e conduzir os cursos da Faculdade de Arquitetura.” (MÓDULO, 1963). O CEPLAN tornouse uma base de trabalho para Oscar Niemeyer que, nesses anos, mudou-se definitivamente para Brasília. A partir desse escritório, o arquiteto e sua equipe iriam intervir em todas as questões relacionadas à arquitetura na UnB, seja essa entendida sob seu aspecto construtivo ou acadêmico. A equipe de Niemeyer era formada por Alcides da Rocha Miranda, João Filgueiras Lima, Glauco Campelo, Ítalo Campofiorito, Carlos Machado Bittencout, Virgilio Sosa, Abel Carnaúba, Oscar Kneipp, Evandro Pinto2, entre outros (CASTOR, 2004, p.36). A relação com a parte acadêmica da UnB, explicitada como uma das funções do CEPLAN, ainda se fazia mais forte na medida em que lá eventualmente trabalhavam professores da faculdade de Arquitetura que cursavam a pós-graduação: “(...) Pecina, Fernando Burmaister, Mayumi Watanabe, Sérgio 1 As aulas da UnB começaram em 9 de Abril de 1962 e esta possuía apenas três troncos: Arquitetura e Urbanismo - nos primeiros dois anos do curso, os alunos estudavam no Instituto Central de Artes (ICA); Letras Brasileiras - que geraria o Instituto Central de Letras, hoje Instituto de Letras (IL); Direito, Administração e Economia - que geraria o Instituto Central de Ciências Humanas. A direção do Instituto Central de Artes ficou a cargo de Alcides da Rocha Miranda. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Linha do Tempo. Brasília, 2006. Disponível em: http://www.unb.br/unb/historia/linha_do_tempo/60/index.php. Acesso em 30 nov. 2007. 2 Importante destacar que essa equipe foi se formando nem sempre pelo convite direto de Oscar Niemeyer. Alguns destes arquitetos estavam atuando em outros setores de Brasília, como o caso de João Filgueiras Lima que trabalhava na cidade construindo apartamentos para o Instituto de Aposentadoria e Previdência dos Bancários (IAPB). Foi apenas em 1962, a convite de Darcy Ribeiro, que João Filgueiras iniciou seus trabalhos no CEPLAN (LIMA, 2004, p. 51). 4 Souza Lima, Márcia, Armando Holanda, Geraldo Batista, Geraldo de Pernambuco” (FILGUEIRAS LIMA apud FRANÇA, 1998, p.164). Uma outra função para a CEPLAN já havia sido planejada desde o início de sua concepção, conforme esclarece João Filgueiras LIMA quando relembra do convite que recebeu de Darcy Ribeiro para trabalhar naquele Centro: “(...) Ele me estimulou a criar lá um grande centro de construção industrializada, um centro de tecnologia que seria usado pela universidade, e Darcy logo se tornou um entusiasta da idéia” (2004, p.51). Esse objetivo era compartilhado pela direção da Universidade entendendo-o como uma solução de esquerda para os problemas de construção do país. Essa questão era tão significativa que após constatar que a construção industrializada estava mais desenvolvida no Leste Europeu, de domínio soviético, a Universidade enviou João Filgueiras Lima (Lelé) e Sabino Barroso, também da equipe de Oscar, para passarem mais de dois meses pesquisando essa nova técnica na Rússia, Alemanha, Polônia e na antiga Tchecoslováquia3. A construção pré-fabricada tornou-se um dos motes principais da Universidade de Brasília, praticamente todos os seus primeiros edifícios foram projetados e construídos segundo essa técnica. O próprio CEPLAN foi um esforço importante nesse sentido. O desejo de se criar uma nova possibilidade para o panorama da arquitetura no país era tão enfático que todo o processo de construção da UnB foi documentado. Esse material tornou-se um documentário didático chamado Universidade de Brasília: Primeira experiência em pré-moldado (1962-70), que foi realizado por Heinz Forthmann4 tendo como assessor técnico João Filgueiras Lima5. A construção da UnB é basicamente feita a partir de dois elementos estruturais, os painéis prémoldados que conformam as paredes e as vigas protendidas, também pré-moldadas, utilizadas na cobertura. 3 Lelé destaca que vários cientistas foram nesta viagem para efetuar a compra de equipamentos em suas áreas específicas (LIMA, 2004, p.524). 4 Heinz Forthmann (1915-1978) foi cineasta e fotógrafo e já havia trabalhado durante a década de 1950 com Darcy Ribeiro na Seção de Estudos do Serviço de Proteção ao Índio produzindo documentários de caráter etnográfico (MENDES, 2006) 5 Disponível em: http://www.unb.br/ceplan/memoria.htm. Acesso em 20 fev. 2008. 5 Figura 01 | Planta baixa CEPLAN, 1962 | Oscar Niemeyer (MÓDULO, mar. 1963, p.28) Figura 02 | CEPLAN – sistema construtivo, 1962 | Oscar Niemeyer (MÓDULO, mar. 1963, p.27) 6 Oscar Niemeyer e a equipe do CEPLAN desenvolveram as mais variadas experiências na área de pré-fabricação, inclusive com objetivos ousados, conforme se pode verificar no texto sobre o projeto de um módulo residencial. Em 1962 Oscar Niemeyer projetou esta unidade pré-fabricada objetivando a solução do problema de habitação com o uso da produção em grande escala. As unidades poderiam ser utilizadas como habitação individual ou coletiva, podendo ser implantadas (empilhadas) em até quatro pavimentos. Foi construído este único protótipo. As unidades seriam construídas em uma usina de pré-fabricação que não foi executada. (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2000) Figura 03 | UNB/CAIXINHA - protótipo (residências coletivas) |Oscar Niemeyer - desenho de Oscar Kneipp (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2000) 1- Ganchos para içamento 2- Janela para inspeção das tubulações 3- Paredes pré-moldadas de concreto Segundo NIEMEYER, os módulos residenciais se configurariam como um “jogo de armar” em que seriam colocadas sobre o terreno nivelado “umas sobre as outras – e alternadas – para que o teto de uma servisse de terraço- jardim para outra” (NIEMEYER, 1993, p.43). Muitos outros foram os projetos criados por Oscar Niemeyer e desenvolvidos ou mesmo criados por Lelé. Todos eles com princípios claros de pré-fabricação. Uma parte importante dessa produção foi publicada na revista Módulo de março de 1963. 7 Figura 04 | Galpão de Serviços Gerais –maquete do sistema de construção, 1962 | Oscar Niemeyer (MÓDULO, mar. 1963, p.44) Figura 05 | Apartamento para professores, 1963 – sistema construtivo | João Filgueira Lima (MÓDULO, mar. 1963, p.40) O projeto para a Escola Primária, outra criação desenvolvida nesse contexto, tinha o objetivo mais ousado de ser montado em todas as partes do país. Na produção em grande escala nacional, tornar-se-ia mais fácil alcançar uma significativa redução de custos. Uma outra característica desse espaço escolar era a flexibilidade, já que suas divisórias internas poderiam ser removíveis, permitindo os mais variados arranjos internos. 8 Figura 06 | Escola Primária – fachada, seção, planta baixa, 1963 | Oscar Niemeyer (MÓDULO, mar. 1963, p.46) A ênfase no uso de pré-fabricados teve tanto significado para aquele grupo de arquitetos que mesmo edifícios projetados fora da área da universidade, mas de autoria dos integrantes do CEPLAN, foram pensados com as possibilidades da pré-fabricação, como foi o caso do Edifício de Apartamentos para a Embaixada da França, projetado pelo arquiteto Glauco Campelo. 9 Figura 07 | Edifício de apartamentos para a embaixada da França – fachada e planta baixa, 1963 | Glauco Campelo (MÓDULO, mar. 1963, p.42) Figura 08 | Edifício de apartamentos para a embaixada da França – montagem da fachada, 1963 | Glauco Campelo (MÓDULO, mar. 1963, p.43) Outras formas de uso da pré-fabricação Nos trabalhos do CEPLAN para a UnB encontram-se edifícios que inicialmente não foram pensados por Lúcio Costa para a universidade. Isso ocorreu porque o próprio programa da UnB 10 estava ainda em construção e deveria atender não apenas às questões acadêmicas, mas também às sociais e políticas. Um dos melhores exemplos para ilustrar essa questão foi a criação de um novo Instituto para a Universidade, o inesperado Instituto de Teologia Católica, projetado por Oscar Niemeyer. Esse Instituto apresenta-se de forma curiosa pois não há registros de algo parecido nas universidades federais brasileiras. E, por outro lado, essa postura parecia vir de encontro com todo um pensamento universitário estatal que, desde a década de 1930, se via independente de uma relação religiosa. A justificativa para esse inédito Instituto vem de Darcy. Segundo ele (...) ninguém poderia negar à teologia categoria acadêmica. Acrescentava que o relevante é que ela não voltava à universidade como dona – que fora o inaceitável no passado – mesmo porque a Universidade de Brasília seria regida pelo princípio de não duplicação. Quer dizer, o Instituto de Teologia Católica não poderia criar nenhum curso que a universidade ministrasse e vice-versa, isto é, seria monopólio dele a teologia, a teodicéia apenas. (RIBEIRO, 1991, p.128) Nessa argumentação, verificamos uma possível nova mentalidade a respeito da questão religiosa em relação ao mundo acadêmico. Por outro lado, verifica-se uma “confiança vigiada” nessa intercessão, na medida em que os limites do novo Instituto ficam muito claros: apenas a Teologia6. 6 Em um relato posterior de RIBEIRO, pode-se compreender que esse Instituto foi fruto de uma batalha no campo político-ideológico. Vale acompanhar a extensa transcrição abaixo que descreve a criação do Instituto a partir do momento em que o próprio JK convoca Darcy para uma conversa em seu gabinete. (...) fui chamado ao Catete para falar com o Presidente. Ele me disse que tinha sido procurado por Dom Hélder Câmara, que lhe comunicara o propósito que tinha a Companhia de Jesus de criar em Brasília uma universidade jesuítica, sem ônus para o Governo, acrescentando que a principal universidade de Washington era uma universidade católica. O Presidente me disse que, entre meu projeto e o jesuítico, ele lavava as mãos. Suspeitei logo que ele já tivesse optado pelo projeto de uma universidade religiosa. Vivi uma semana de desespero, vendo ruir o sonho da minha universidade de utopia, que era já, então, a ambição maior da intelectualidade brasileira como caminho de renovação do nosso ensino superior e de desenvolvimento da ciência. No meio desse meu desengano, tive a idéia de apelar para os cães de Deus, os dominicanos, que tradicionalmente opunham reservas aos projetos jesuíticos. Procurei em São Paulo o Geral, no Brasil, da Ordem, que era Frei Mateus Rocha, e lhe expus o meu problema. Argumentei que o Brasil tinha oito universidades católicas, quatro delas pontifícias, que formavam milhares de farmacêuticos e dentistas, mas não formavam nenhum teólogo. Propus entregar aos dominicanos a criação de um Instituto de Teologia Católica dentro da Universidade de Brasília. Seria um ato revolucionário, porque a teologia, expulsa das universidades públicas desde a Revolução Francesa, a elas voltaria, justamente na mais moderna universidade que se estava criando naqueles anos. Houve reações adversas à minha iniciativa, inclusive a de um eminente cientista, que me acusava de trair a tradição laicista da educação. Frei Mateus foi a Roma procurar o Santo Papa João XXIII, em companhia do Geral dos Dominicanos – o chamado Papa Branco - , e lhe fez a entrega de minha proposta. Soube logo, por telegrama, que o Papa tinha aquiescido. Tempos depois fui receber Frei Mateus, pedindo o documento papal. Ele me disse que o Papa não escreve cartas nem faz promessas. Que toda a Igreja naquele momento sabia que não haveria universidade jesuítica em Brasília, estando aberto espaço para nós. Enorme foi a surpresa de Juscelino quando lhe contei as minhas demarches. O que se seguiu, porém, foi um ato dele encarregando o Ministro da Educação e um grupo de canastrões, inclusive Pedro Calmon – que era, há dezoito anos, o Reitor da Universidade do Brasil – de programar uma universidade para Brasília. Eu seria uma voz isolada naquela convenção, destinada a perder a parada. Minha reação foi escrever um documento dirigido aos principais cientistas e pensadores brasileiros, comprometendo-os com o projeto que eu havia elaborado e para o qual pediria o apoio da referida Comissão. O certo é que a Comissão acabou por mandar ao Presidente o nosso projeto. Provavelmente porque enorme seria a celeuma se quisessem fazer em Brasília mais uma universidade federal. (RIBEIRO, 1991, p.128) 11 Como visto, a inserção desse novo Instituto não foi planejada. Pode-se dizer que foi um tanto forçada, mas vale destacar que um braço religioso na Universidade não seria tão estranho ao novo modelo que a UnB pretendia formar, havia condições possíveis para mais essa inovação. RIBEIRO, posteriormente, avaliava que a UnB seria um passo para dirimir os tantos “desencontros” entre as três intelectualidades nacionais formadas em nível superior: a universitária, a sacerdotal e a militar. Esta última deveria se aproximar da UnB para programas de especialização ou para cursos de pós-graduação (RIBEIRO, 1991, p.128). O projeto para o Instituto de Teologia foi, sem dúvida, uma das principais obras da UnB. Nesse projeto, o arquiteto faz um emprego mais “flexível” dos pré-fabricados, entendendo a importância da liberdade plástica para o tema. Vemos nesse exemplo como que, para Niemeyer, embora existisse o esforço para a utilização dessa técnica, ela teria circunstâncias mais e menos felizes para sua aplicação. Não havia, para o arquiteto, a necessidade de subordinação à técnica. Figura 09 | Instituto de Teologia, 1963 | Oscar Niemeyer (MÓDULO, mar. 1963, p.52-3) Figura 10 | Instituto de Teologia – planta baixa 3º pavimento / esquema construtivo, 1963 | Oscar Niemeyer (MÓDULO, mar. 1963, p.53-4) Mas a idéia do Instituto de Teologia talvez tenha sido a mais difícil de ser assimilada. Para Darcy Ribeiro, o movimento para a formação desse Instituto incomodou muitas pessoas. Segundo ele: 12 O episódio merece ser lembrado aqui porque, anos depois, quando a Universidade de Brasília foi invadida e tomada de assalto pelas briosas tropas da polícia mineira, o único dos vários Institutos que criamos que se viu destruído foi o de Teologia Católica. O ódio que suscitava era tamanho que, além de denunciar e anular o convênio da Universidade com a Ordem Dominicana, incendiaram o próprio edifício do Instituto de Teologia que era, aliás, uma das mais belas obras de Oscar Niemeyer. (RIBEIRO, 1991, p.128) Instituto Central de Ciências O edifício que mais se destacou na UnB no que diz respeito à sua pré-fabricação foi o Instituto Central de Ciências (ICC). Ele foi a obra de maior envergadura feita em toda a universidade, por outro lado também se destaca sua por sua inovadora atividade funcional. Esse edifício foi a principal alteração que Niemeyer propôs no plano de Lúcio Costa. Até então, sob o aspecto formal, a UnB se aproximava de outros projetos de cidades universitárias desenvolvidos no país: edifícios diversos soltos sob uma lógica projetual sobre o terreno. Claro que a simples estruturação lógica espacial da organização dos diversos edifícios no terreno definida por Lúcio Costa imprimiu relevância e significado particulares ao projeto, mas, de certa forma, havia mais que isso na proposta de Oscar Niemeyer para o ICC. Nesse projeto, o arquiteto alcançou um efeito inovador que se entrelaçava intimamente com a proposta pedagógica e o aproximava das várias tentativas projetuais que estavam acontecendo em outros contextos internacionais. Por outro lado, a partir dessa interferência de Oscar no projeto de Lúcio, podemos observar uma mudança cada vez mais expressiva na configuração do campus - o arquiteto se sentia cada vez mais livre para impor mudanças na estrutura urbana do projeto original. Pode-se resumir a proposta de Oscar Niemeyer como sendo a simples integração dos institutos de ciências em um único edifício, o que fortalece e oferece um novo caráter de integração ao igualmente inovador modelo pedagógico da Universidade. Todos os campos do conhecimento estariam unidos sob o mesmo teto, sem grandes distinções. Torna-se difícil imaginar uma proposta que melhor simbolizasse o plano pedagógico de integração proposto pelos responsáveis pela UnB. RIBEIRO compreendia esse projeto como a parte física dessa renovação das Universidades brasileiras e o explica de maneira jocosa. Gosto de dizer, para divertir os amigos, que foi por preguiça que Oscar projetou o Minhocão tal qual ele é: 780 metros de comprimento por 80 de largura, em três níveis. A verdade que há nisso é só que Lúcio Costa previa no plano urbanístico no campus da UnB oito áreas para os Institutos Centrais, cada uma delas contando com edifícios especializados para anfiteatros, salas de aula, laboratórios, departamentos, bibliotecas, etc. No total, somaria 13 para mais de quarenta edificações que deveriam ser projetadas e construídas uma a uma. Oscar resumiu tudo isso num edifício só, composto por seis modalidades de construção, que permitiriam acomodar num conjunto qualquer programa de utilização. Ao fazê-lo porém, renovava a arquitetura das universidades, dando um passo decisivo, no sentido do que viriam a ser, depois, as universidades que ele desenhou pelo mundo. (RIBEIRO, 1991, p.131) Ao invés dos institutos demarcados por seus edifícios com destaque, agora eles passam a ser parte de algo maior onde não se diferencia com clareza cada um de seus elementos. Essa nova possibilidade projetual é a síntese dos objetivos traçados pelos educadores que compuseram o plano da UnB. Os alunos fazem parte da Universidade e devem reconhecê-la de forma ampla, e, por vezes, comporiam seus currículos e suas formações ao passarem por disciplinas de diversos institutos. Por outro lado, as possibilidades de comunicação entre os estudantes e professores, que antes já havia sido pensada com a formação dos Institutos, são reforçadas e ampliadas espacialmente com essa nova forma física. Há nessa proposta uma verdadeira quebra de paradigma projetual na temática universitária que só foi possível pela íntima afinidade entre o plano educacional e arquitetônico. Desde os primeiros debates universitários desenvolvidos no Brasil a partir da década de 1930, o conceito de proximidade física incentivando e fortalecendo a integração humana no espaço do ensino superior foi fundamental para constituir o conceito de cidades universitárias. De uma implantação isolada de escolas na malha urbana, como é o caso das primeiras faculdades no país, passando pela idéia de uma concentração em um espaço específico para o saber com a criação de cidades universitárias, chega-se, com o projeto de Niemeyer, à sobreposição de usos e funções cada vez mais aproximando os usuários. Essa proposta foi representada com a criação de um edifício único para, virtualmente, “tudo” e “todos”. Essa integração dos edifícios atende às necessidades do programa pedagógico, mas também se relaciona com uma possível complexidade tecnológica que desde o início foi buscada no projeto do ICC. O edifício foi composto por dois blocos paralelos que foram desenhados criando uma grande curva na área central do terreno. O primeiro bloco foi destinado aos laboratórios e salas anexas, já o segundo teve como objetivo abrigar as salas de aula. Criou-se com isso uma grande área livre interna. Os espaços deveriam ser flexíveis ao máximo e sempre com fácil acesso. Nesse sentido, foram diversas as soluções técnicas desenvolvidas para alcançar esse objetivo: o projeto foi desenvolvido em níveis, permitindo uma divisão clara entre os espaços de sala de aula e de laboratórios; a opção por estruturas pré-moldadas facilitou o trabalho de uma arquitetura modular; 14 uma rua subterrânea forneceu acesso aos diversos laboratórios sem conflitos evidentes com a área de pedestres, além de outras soluções mais sofisticadas como a criação de esteiras rolantes ou veículos elétricos ao longo da circulação dos estudantes. Essa preocupação com a tecnologia também pode ser entendida ao analisarmos a maquete do projeto. Sua cobertura é repleta de antenas e possui coberturas inusitadas para representar as possibilidades de uma estrutura única adaptável. Segundo o texto do próprio arquiteto “Essas variações de formas e coberturas – que a linha horizontal do edifício acentua – constituirão a principal característica da arquitetura: imprevista e dinâmica como a própria ciência” (MÓDULO, mar. 1963, p.36). Figura 11 | ICC – vista maquete, 1962 | Oscar Niemeyer (MÓDULO, mar. 1963, p.35) Nessa maquete também vemos que mesmo a área central entre os dois blocos poderia ser utilizada como área de laboratório, com a flexibilidade de se adotar a cobertura mais indicada para cada atividade interna. Essa postura de Oscar Niemeyer em projetar uma grande estrutura não foi única e verifica-se que, concomitantemente, em outros países, estavam sendo pensadas várias universidades que representavam idéias semelhantes. No contexto inglês de renovação das universidades, dois exemplos se destacam: a Universidade de Essex, projetada por Keneth Capon, e de East Anglia de Dennys Lasdun. As duas partem do 15 princípio de um único edifício e da concentração das funções universitárias. Importante observar que também nesse caso há uma forte relação entre o núcleo de educadores e arquitetos. Figura 12 | Universidade Essex | Keneth Capon (MUTHESIUS, p. 154) 16 Figura 13 | Universidade East Anglia | Dennys Lasdun (MUTHESIUS, p. 148) Essas duas universidades inglesas recusaram de partida o tradicionalismo das propostas que criavam grandes pátios quadrados e enfatizavam os espaços para alojamentos de alunos remetendo à história das universidades inglesas. Também seguiam caminho diverso de outras universidades contemporâneas que optavam por criar revisões desses espaços ao distribuir com ar casual esses vários pátios como é o caso da Universidade de Sussex, projetada por Basil Spencer. Mas as duas Universidades supracitadas são mais ousadas na medida em que também negam o já tradicional plano urbano modernista de planejamento com grandes conjuntos de blocos isolados como na Universidade de Warwick, projeto do escritório Yorke, Rosenberg e Marshal (MUTHESIUS p. 138). Figura 14 | Universidade de Sussex, 1960 | Sir Basil Spencer (MUTHESIUS, p.111) 17 Figura 15 | Universidade Warwick, 1960 | Yorke, Rosenberg e Marshal (MUTHESIUS, p. 118) Nessa primeira metade da década de 60 também encontramos novas universidades sendo criadas no Canadá que carregam a mesma idéia de um edifício único. Nesse país também estavam sendo avaliados os modelos universitários existentes e, principalmente, aqueles que repetiam arquiteturas com caráter historicista como era da tradição norte-americana. Destaca-se, nesse contexto, o Scarborough College da Universidade de Toronto: esse edifício abriga uma subsidiária responsável apenas pelo núcleo de pós-graduação. Formalmente verificamos algumas proximidades com a East Anglia, principalmente nos zigurates que configuram o desnível do terreno. 18 Figura 16 | Scarborough College, 1963-5 | John Andrews (MUTHESIUS, p. 190) O crítico de arquitetura Keneth Frampton no periódico Architectural Design diz que “(...) de todos os complexos universitários concluídos nos anos recentes, esse é, sem dúvida, o mais ousado, amplo e radical” (MUTHESIUS, 2000, p.192). Segundo MUTHESIUS, esse projeto fez com que o Canadá pedisse acesso nos “primeiros lugares da arquitetura moderna”. Outro projeto no Canadá que caminhou pelo mesmo sentido acima apresentado foi o da Universidade de Lethbridge, desenvolvido por Erickson / Murray, que possui 278m lineares que virtualmente absorvem todos os programas da Universidade. Figura 17 | Universidade de Lethbridge, 1967/9 | Erickson/Murray (MUTHESIUS, p. 195) É importante frisar que mesmo antes do início da década de 60 já havia indícios dessa possibilidade formal. Na edição de Outubro de 1957 da revista Architectural Review, após um artigo de Nikolaus PEVSNER sobre aspectos históricos das Universidades em que afirmava a indefinição formal das mesmas, o crítico Inglês Lionel BRETT cria uma classificação formal das cidades universitárias e nelas inclui um tipo denominado “vertebrado” que, em síntese, representava o princípio das universidades concentradas em uma “linha” (p. 247) Frequentemente essas propostas foram vistas como exemplo das possibilidades da concentração das atividades universitárias. Principalmente a Universidade de East Anglia, que foi apontada como a mais revolucionária das universidades da época, também se distinguiu como sendo uma nova solução para uma questão pedagógica que estava sendo revisada na época. Temas como a 19 concentração e a flexibilidade foram destacados nas críticas especializadas. Outro ponto ressaltado foi a valorização dos terrenos na medida em que essa implantação preserva a paisagem natural permitindo expansões (L’ARCHITECTURE D’AU JOURD’HUI, 1968) (ARCHITECTURAL RECORD, 1969, p.99-162). Vários desses argumentos também coincidem no projeto da UnB mas, no exterior, merece destaque a fartura de um debate teórico a respeito de suas propostas físicas tanto por parte dos arquitetos como dos críticos. No Brasil esse debate não ocorreu nem por uma parte, nem pela outra, o que pode ter um duplo motivo: a escassa produção crítica dos periódicos da época sobre essa temática que, por reflexo, pode indicar o status do tema no meio profissional à época, bem como a própria interferência política causada pelo golpe de 1964. Nesse sentido, vale observarmos alguns aspectos críticos que tornaram-se relevantes em algumas publicações estrangeiras com o intuito de melhor posicionar a experiência nacional: Circulação Em termos de circulação, há um forte debate a respeito da relação entre os pedestres e os automóveis. No pós-2ª guerra, questões como acesso de veículos, tráfego de automóveis e estacionamentos entraram vigorosamente na agenda dos arquitetos responsáveis pelos projetos universitários. Da mesma forma, o movimento dos pedestres passa a interessá-los cada vez. Le Corbusier, quando foi projetar o Centro de Artes e Design de Harvard em 1959, toma como partido justamente o movimentos dos estudantes e organiza o edifício como uma rampa que conectava duas ruas distintas (TURNER, 1984, p.267) 20 Figura 18 | Centro de Artes e Design de Harvard, 1959 | Le Corbusier (TURNER, p.269) Esse debate foi se aprofundando e, nas críticas especializadas e nos textos justificativos dos arquitetos da época, um dos temas freqüentemente abordados em relação aos pedestres foi a necessidade de se manter uma distância limite de 10 minutos à pé entre um local e outro da universidade. Com isso, garantir-se-ia a qualidade do entorno para o homem (MUTHESIUS, 2000, p.252). No Brasil, esse debate sobre o movimento dos pedestres não foi ventilado. Mas outros princípios verificados nas universidades estrangeiras, como a necessidade de separação dos pedestres e dos automóveis, foram absorvidos. Oscar Niemeyer desenvolve o projeto do ICC de forma que os pedestres caminhem no nível térreo sem a presença de automóveis. Os estacionamentos estão localizados antes da edificação e, para resolver outras necessidades de conexão, houve a forte preocupação de se criar novos meios de interligação: foi desenvolvida uma rua no nível inferior do edifício que possibilitaria o acesso de cargas e outras necessidades em salas de apoio dos laboratórios, além das passarelas rolantes para pedestres. Essa visão, no exterior, aos poucos vai sofrendo críticas e se desgastando. Posteriormente, em 1968, Jacques FREDET, quando faz seu já citado estudo comparativo de sete universidades (Berlim, Dublin, Zurich, Bath, Chicago, Est Anglia e Lough Borough) na edição de abril-maio da 21 revista L’architecture d’au jourd’hui, aponta como um dos fatores de análise justamente as relações entre pedestres e veículos. Mas, agora, já faz uma revisão das tentativas anteriores indicando como inadequada a separação total entre veículos e pedestres, pois para o autor são possíveis várias soluções intermediárias para evitar esse corte tão enfático entre o homem e a máquina. Concentração e Integração Embora já tenha sido abordada acima a questão da concentração e das possibilidades de integração nos projetos dessas novas universidades e do ICC, merece destaque que esse foi um dos principais temas apresentados nas publicações da década sobre as universidades estrangeiras. Quando Lionel BRETT aborda na revista Architectural Review os “Problemas do Planejamento das Novas Universidades” destaca que: (...) o que segue disto é que a universidade deve ser edificada dentro de limites claros e que promova uma hierarquia clara de grupos a partir do indivíduo para o todo. Desta forma deve oferecer coesão suficiente para que a instituição opere como uma comunidade. Não deveria haver nenhuma fronteira rígida entre os lugares onde os membros da universidade trabalham e onde eles vivem e habitam. Também deve haver o fornecimento, dentro do complexo universitário, de residência para o maior número possível de professores, estudantes e equipes diversas. Devem-se providenciar instalações que promovam natural e espontânea associação e formação de grupos dentro de uma ampla variedade de atividades de trabalho e lazer. (BRET, 1963, p. 257) A revista norte-americana Architectural Record, quando analisa as novas universidades no mundo, também destaca a integração que deveria ser necessária aos universitários de forma semelhante aos argumentos apresentados por Darcy Ribeiro para o ICC da UnB, O esquema resultante é uma interpretação arquitetônica fiel - quase literal - de uma abordagem educacional que enfatiza a unidade essencial de aprender, empenhada em desfazer as freqüentes barreiras artificiais entre disciplinas. Disciplinas afins são agrupadas em Centros de Estudo de base concebidas tanto como comunidades sociais quanto acadêmicas. (ARCHITECTURAL RECORD, 1969, p. 100) 22 Nas Universidades estrangeiras, com a cultura dos colleges, era comum o foco da integração recair sobre os espaços de moradia. Essas novas soluções agora apontavam caminhos diversos de promoção do contato entre os integrantes do espaço universitário. No espaço universitário no Brasil a integração física também era um tema comum, mas ainda não havia sido tentada de uma forma tão radical nos espaços com fins pedagógicos quanto no ICC da UnB, que permitia um contato mais próximo entre professores e estudantes. Flexibilidade e Técnica Nos periódicos estrangeiros as possibilidades técnicas da Universidade de East Anglia também foram comentadas como de grande valor. O sistema estrutural dessa Universidade era padronizado em todo o seu corpo e esse permitia um crescimento sem necessariamente fazer uma expansão de seu espaço físico, pois havia diversas possibilidades de rearranjo interno. Figura 19 | Sistema estrutural Universidade East Anglia | Dennys Lasdun (ARCHITECTURAL RECORD, jul. 1969, p. 105) Esse sistema gerou um arranjo com certa modularidade que permitia a maior flexibilidade do conjunto valorizando os mais variados arranjos internos. No relatório da CONESCAL sobre a América Latina, a flexibilidade espacial também foi abordada como uma das questões urgentes nas universidades. O relatório partiu da necessidade de revisão das carreiras universitárias que o ensino superior na América Latina estava sofrendo: com o novo afluente de alunos acessando a Universidade nos mais variados níveis universitários, a tradicional estrutura das faculdades isoladas não seria adequada para absorver essa nova situação (197-?, p.30) 23 Em todo o projeto da UnB, a questão da flexibilidade espacial esteve presente. Os arquitetos entendiam que o desafio era a própria dinâmica com que a ciência contemporânea se apresentava (MÓDULO, 1963, p.35-6). Uma boa solução técnica seria fundamental para responder a essa nova realidade. Nesse sentido, os croquis de Oscar para justificar esse projeto deixaram de ser suas tradicionais perspectivas gerais do conjunto para tornarem-se uma seqüência de pequenos desenhos explicativos de suas possibilidades técnicas. Além disso, é sintomático que boa parte do curto texto justificativo desse projeto tenha se ocupado com esse tema. Segundo Niemeyer: (...) foi ponto básico do programa o de que a solução garanta a maior flexibilidade, que os laboratórios possam crescer ou diminuir de tamanho e que sejam previstas áreas especiais onde laboratórios futuros sejam localizados sem limitações antecipadas de superfícies, forma e altura. (MÓDULO, 1963, p.35) Para isso, inicialmente, o arquiteto desenvolveu dois volumes paralelos: um destinado aos laboratórios (A) e o outro para as salas de aula e seminários (B). No meio dos dois, a uma largura constante de 20m, foi deixada uma área livre para futura ocupação de laboratórios (C) colocandose apenas a cobertura necessária para o tipo específico de utilização. Figura 20 | (MÓDULO, mar.1963, p.35) O setor dos laboratórios possuiria várias possibilidades de flexibilidade. Com a largura fixada, o comprimento poderia variar segundo a necessidade específica de cada área (desenho 2). 24 Figura 21 | (MÓDULO, mar.1963, p.37) Além disso, ele poderia ter salas anexas no mesmo piso ou no piso superior (desenho 3 e 4 respectivamente) Figura 22 | (MÓDULO, mar.1963, p.36) Ainda nesse setor, através da rua feita no subsolo, foram projetadas unidades de suprimentos para os laboratórios que seriam abastecidas por ela. Essas foram localizadas exatamente abaixo dos laboratórios, com o piso projetado de forma a ser facilmente removível para facilitar a conexão. (desenhos 5 e 6) 25 Figura 23 | (MÓDULO, mar.1963, p.37) Essa rua subterrânea sofreu uma forte alteração durante o período de construção, em que não foram desaterradas apenas as áreas demarcadas no projeto e sim todo o conjunto7. Todo esse esquema de flexibilidade se encaixa perfeitamente com as reflexões da pré-fabricação que estavam sendo praticadas na época. Todo o conjunto do ICC foi feito com vigas protendidas de 26m de comprimento e paredes de apoio em forma de “quadros de concreto” e toda a cobertura foi feita em vigas planas também protendidas. 7 Segundo o arquiteto João Filgueiras Lima em uma entrevista ao pesquisador Ricardo Silveira Castor em 2004: A área excessiva de subsolos que ao meu ver descaracterizou bastante o projeto inicial se deve a um problema de construção: A empresa encarregada da obra (Construtora Rabello) propôs uma modificação em nosso projeto de fundações, em estacas, por um em sapatas apoiadas em um “radier” de cascalho compactado com 1,40m de espessura e distribuído em toda a extensão do edifício. Embora esta solução tivesse vantagens de ordem econômica e de prazo de construção implicou na escavação total do terreno em toda a projeção do prédio na cota mais profunda, correspondente à do subsolo dos laboratórios que em nosso projeto ocupava apenas uma das alas do ICC. Estabeleceu-se então um impasse após a execução das fundações: reaterrar mantendo-se em subsolo apenas as áreas necessárias estabelecidas em nosso projeto de acordo com o programa (opção que defendemos insistentemente) ou amplia-las aproveitando todos os trechos de escavação inclusive o correspondente aos laboratórios especiais entre as alas dos auditórios e a dos laboratórios. Prevaleceu esta última sob a alegação de que seria mais econômica e que essas áreas seriam utilizadas para depósito. Em conseqüência, ficou prejudicada a instalação dos laboratórios especiais na área central e o que é pior, todas as áreas de subsolo com pouca iluminação e ventilação naturais foram posteriormente utilizadas para o ensino geral (CASTOR, 2004, p.128) 26 Figura 24 | ICC / Ala dos laboratórios | Oscar Niem eyer - desenho de Oscar Kneipp (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2000) 1- Vigas “T” da cobertura 2- Pilares pré- m oldados 3- Platibandas pré- m oldades Figura 24 | ICC / Colocação das vigas de cobertura | Oscar Niemeyer - desenho de Oscar Kneipp (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2000) 1- Vigas de cobertura 2- Pilares pré-moldados 3- Vigas para apoio das vigas de cobertura 27 Todo esse aparato tecnológico é creditado à forte presença do arquiteto João Filgueiras Lima na equipe de Oscar Niemeyer. Embora Oscar não tenha desenvolvido esse tema como Lelé, que dedicou toda a sua carreira a essas reflexões, também é notória sua preocupação com essa temática nos anos subseqüentes. Destaca-se ainda que ao observar a profícua produção de projetos para o ensino superior feita pelo arquiteto, de certa forma, a UnB notabiliza-se como um modelo de solução a ser aplicado em diversas ocasiões projetuais8. Bibliografia ARCHITECTURAL RECORD. New Hampshire, F. W. Dodge Corporation, jul. 1969. BRET. Lionel. Problems of Planning the New Universities. Architectural Review, Londres, p.25764, out. 1963. BRET. Lionel. Universities Today. Architectural Review, Londres, p.240-51, out. 1957. CASTOR, Ricardo Silveira. Considerações sobre a dimensão estética da obra de Oscar Niemeyer. Brasília: Programa de Pós Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 2004. Dissertação (mestrado) CONESCAL. Conjuntos Universitarios em América Latina. [S.l.: s.n, 197-?] L’ARCHITECTURE D’AU JOURD’HUI. Paris, s.e, no.137, abr./mai. 1968. LIMA, João Filgueiras. O que é ser arquiteto: memórias profissionais de Lelé (João Filgueiras Lima); em depoimento a Cynara Menezes. Rio de Janeiro: Record, 2004. MENDES, Marcos de Souza. Heinz Fothmann e Darcy Ribeiro: Cinema Documentario no Serviço de proteção aos Índios, SPI, 1949-1959. Campinas: 2006. Tese (Doutorado em Multimeios) UNICAMP. MÓDULO. Rio de Janeiro: Editora Módulo Limitada, ano VIII, no. 32, mar. 1963 8 Um dos temas que sempre acompanhou a produção do arquiteto foi o de universidades. Pela lista de projetos disponibilizada pela Fundação Oscar Niemeyer (atualizada em setembro de 2007), reparamos as seguintes universidades (é importante destacar que nem todos os projetos do arquiteto constam nesta listagem oficial da Fundação): 1960 Universidade de Brasília – CEPLAN (Brasília, DF, Brasil) Universidade de Brasília - Instituto de Ciências (Brasília, DF, Brasil) Universidade de Brasília - Instituto de Teologia (Brasília, DF, Brasil) Universidade de Brasília - Praça Central (Brasília, DF, Brasil) 1964 - Universidade de Haifa (Haifa, Israel) 1968 Universidade de Ciências Tecnológicas de Argel (Argel, Argélia) Universidade em Cuiabá (Cuiabá, MT, Brasil) Universidade de Ciências Humanas de Argel (Argel, Argélia) 1969 - Universidade de Constantine - 1ª etapa (Constantine, Argélia) 1972 - Universidade Moura Lacerda (Ribeirão Preto, SP, Brasil) 1973 - Alojamento de Estudantes do St. Anthony's College na Universidade de Oxford (Oxford, Grã-Bretanha) 1976 - Universidade de Constantine - 2ª etapa (Constantine, Argélia) 1992 - Universidade Estadual do Norte Fluminense (Campos, RJ, Brasil) 2004 - Universidade Salgado de Oliveira – Universo (Brasília, DF, Brasil) 2007 - Universidade de Ciências e Informática (Havana, Cuba) 28 MUTHESIUS, Stefan. The Postwar University. s.l: Yale University Press; New Haven & London, 2000. NETSCH JR., Walter N. Master Planning The College or University. Progressive Architecture, p.130, aug. 1962 NIEMEYER, Oscar. Conversa de Arquiteto. Rio de Janeiro: REVAN e Ediutora UFRJ, 1993. NIEMEYER, Oscar. Feira Internacional e Permanente do Líbano em Trípoli. Módulo, Rio de Janeiro: Editora Módulo Limitada, ano VII, nº. 30, p.2-22, out. 1962. NIEMEYER, Oscar. Minha Arquitetura 1937-2005. Rio de Janeiro: Editora REVAN, 2005. PEVSNER. Nikolaus. Universities Yesterday. Architectural Review, Londres, p.235-9, out. 1957. RIBEIRO, Darcy. Carta: falas, reflexões, memórias. Brasília, n.1, 1991. RIBEIRO, Darcy. UnB - Invenção e Descaminho. Rio de Janeiro: Editora Avenir, 1978. RIBEIRO, Darcy (1969). Universidade Necessária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. RIBEIRO, Darcy. Carta: falas, reflexões, memórias. Brasília, n.14, 1995. p.33-36. TURNER, Paul Vernable. Campus: an American Planning Tradition. New York: The Architectural History Foundation; MIT Press Series, 1987. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Centro de Documentação. Pesquisa Histórica. Brasília. Disponível em: http://www.unb.br/cedoc/pesq_historica.htm. Acesso em 30 nov. 2007. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Guia Arquitetônico da UnB. Brasília, 2000. Disponível em: http://www.unb.br/fau/guia/principall.htm. Acesso em 30 nov. 2007. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA: PRIMEIRA EXPERIÊNCIA EM PRÉ-MOLDADO. Assessor Técnico: João Filgueiras Lima. Assessoria e Texto: Luiz Fisberg. Narração José Carlos Coutinho. Assistente de Câmera: José Claro da Silva. Som: Cirilo Rodrigues. Realização: Heinz Forthmann. Brasília: Universidade de Brasília, 1962-70. (17 min) son., p&b. disponível em: http://www.unb.br/ceplan/memoria.htm. Acesso em 20 fev. 2008. Imprimir Fechar A caixa de concreto para a casa do aço: Escritório-Parque Usiminas Álvaro Pompeiano de Magalhães Drummond Arquiteto e Urbanista (Faculdades Metodistas Izabella Hendrix, 1993) Mestre em Arquitetura e Urbanismo (NPGAU / EAUFMG, 2006) Professor de projetos na Escola de Arquitetura da UFMG Rua Barão de Lucena, 36/06. Serra. Belo Horizonte, MG. CEP 30 240 250 (31)3225 4085 / 9952 3559. Fax (31)3221 2183 alvarodru@hotmail.com 1 A caixa de concreto para a casa do aço: Escritório-Parque Usiminas Bons exemplos de transcendência ao uso exclusivamente estrutural do concreto armado sempre foram comuns na Arquitetura Moderna. É possível elencar um vasto número de experiências empregando esse material dúctil e resistente, demonstrando seu vigor e plasticidade e a capacidade que demonstra ter de ser reinventado a cada obra, chegando-se à criação de arquiteturas tão simples quanto sofisticadas. Com peculiar refinamento plástico e um conhecimento programático-funcional adquirido por décadas no exercício profissional, o húngaro radicado em Belo Horizonte, Brasil, István Farkasvölgyi (1933-2005), dedicouse a desenvolver sua arquitetura buscando afirmar uma linguagem pessoal que, inscrita sob o signo das principais referências arquitetônicas de sua época, obteve resultados peculiares e de grande interesse. Neste estudo serão destacados dois momentos importantes de suas realizações empregando extensivamente o concreto armado aparente, ambos de início dos anos 1970: o edifício-sede da Usiminas e um conjunto de edifícios residenciais em Belo Horizonte. Algumas modificações físicas vêm sendo incorporadas ao edifício-sede da Usiminas e é premente a necessidade de se re-valorizar essa obra como patrimônio da arquitetura moderna brasileira para incrementar uma atitude de respeito pelas suas características peculiares. A série de edifícios de apartamentos tem resultados de alta qualidade e excelente habitabilidade, muito valorizados até os dias de hoje por seus usuários, todos compartilhando em comum os materiais utilizados e a estrutura e demais elementos em concreto deixado à vista. A tônica que permeia suas obras está na maneira especial de se conceber a estrutura, atribuindo ao concreto um papel importante como elemento de caracterização plástica e aproveitamento máximo em cuidadosos detalhes. Suas obras residenciais são queridas e bem usadas pelos seus proprietários, ao menos no que tange à sua aparência exterior e áreas comuns, embora tenham sofrido pequenas e toleráveis modificações, considerando-se seu uso estritamente privativo, ao contrário da Usiminas, de uso público e de responsabilidade social. Palavras-chave: concreto armado, expressão plástica The concrete box for the house of steel: Headquarters of Usiminas Park Good examples of surpassing the merely structural use of reinforced concrete have always been common in modern architecture. It is possible to cast a vast number of experiments making use of this resistant and ductile material, proving its stiffness and plasticity and the capacity it demonstrates to be reinvented on every new project, making possible the creation of not only simple but also sophisticated works of architecture. With a peculiar plastic refinement and a functional-programmatic knowledge acquired during decades of professional exercise, the Hungarian rooted in Belo Horizonte, Brazil, István Farkasvölgyi (1933-2005) devoted himself to develop his architecture in the search to express a personal language that, inscribed under the label of the main architectonic references in his lifetime, achieved unique results of significant interest. In this study two important moments of his extensively apparent reinforced concrete use will be highlighted, both from the beginning of the 70’s: the building of Usiminas’ headquarters and a set of residential buildings in Belo Horizonte. Some physical alterations have been being incorporated to the Usiminas’ headquarters, and it is imperative to reevaluate this building as a Brazilian modern architecture heritage to stimulate an attitude of respect for its peculiar attributes. The set of residential buildings showed results of high quality and excellent habitability, much recognized by its dwellers up to these days. All of the buildings share the same materials, the structure and the remaining apparent concrete elements. The hallmark of Farkasvölgyi´s work is the special way he conceived the structure, attributing to concrete an important role as an element of plastic characteristics and maximum exploitation in careful details. His residential works are beloved and well employed by their dwellers, at least in their exterior aspect and common areas, although they have suffered minor and tolerable alterations, considering its strictly private use, in opposition to the Usiminas’ Headquarters, considered of public use and social responsibility. Key-words: 2 reinforced concrete, plastic expression A caixa de concreto para a casa do aço: Escritório-Parque Usiminas Bons exemplos de transcendência ao uso exclusivamente estrutural do concreto armado sempre foram comuns na Arquitetura Moderna. É possível elencar um vasto número de experiências empregando esse material dúctil e resistente, demonstrando seu vigor e plasticidade e a capacidade que demonstra ter de ser reinventado a cada obra, ceombinando-se sua maleabilidade estrutural e funcional com suas possibilidades formais, através da exploração de texturas, relevos, opacidades, brilhos, rugosidades, transparências e cores - chegando-se à criação de arquiteturas tão simples quanto sofisticadas. A receita fica mais potente se combinada com cuidadosas relações métricas internas à obra visando se obter razões proporcionais corretas entre as partes envolvidas, potencializando as questões compositivas enquanto ingrediente enriquecedor dos resultados. Com peculiar refinamento plástico e um conhecimento programático-funcional adquirido por décadas no exercício profissional de projetos de arquitetura para os mais variados fins, o húngaro radicado em Belo Horizonte, Brasil, István Ferenc Farkasvölgyi (1933-2005), dedicou-se a desenvolver sua arquitetura buscando afirmar uma linguagem pessoal que, inscrita sob o signo das principais referências arquitetônicas de sua época, obteve resultados peculiares e de grande interesse, onde a busca de equilíbrio da tríade composição - proporção - construção tem sempre relevante significado. A composição espacial das obras era gerada por uma cuidadosa interpretação das relações entre o objeto pretendido, o lugar a ser implantado e entorno mais ou menos imediato e pelo atendimento às funções essenciais que geravam os arranjos internos. Em alguns casos a composição poderia ser induzida por um dado construtivo deliberado como um arranjo estrutural de mais personalidade; ou às vezes resultava da adoção de uma proposta combinando superfícies bastante contrastantes entre si, umas cegas e outras generosamente envidraçadas, por exemplo. A construção levava em consideração o emprego dos materiais eleitos, selecionados em função de sua capacidade no desempenho de funções bem claras dentro do contexto intrínseco da obra. Sempre presente estava o cuidado com a obtenção de proporções rigorosas, de ajuste impecável, onde cada mínimo detalhe fosse um sutil volume em balanço ou uma discreta ou mais pronunciada superfície saliente -, contribuía com igual importância para o vigoroso resultado final do arranjo arquitetônico. Neste estudo serão destacados dois momentos importantes de suas realizações empregando extensivamente o concreto armado aparente, ambos de início dos anos 1970: o edifício-sede da Usiminas (em co-autoria com Raphael Hardy Filho e Álvaro Hardy), um dos marcos do modernismo belorizontino, e o conjunto de edifícios residenciais realizados para a construtora Castor, todos em Belo Horizonte. 3 Breve resumo biográfico e profissional István Farkasvölgyi estudou na Escola de Arquitetura da Universidade Técnica de Budapeste e chegou ao Brasil em 1957. Recém formado arquiteto teve de deixar sua pátria de origem por questões políticas (a invasão das tropas soviéticas após o levante de 1956), tendo vivido alguns meses num campo de concentração na Iugoslávia até obter visto de imigração para dois países, optando pelo Brasil não apenas pela presença de familiares radicados na cidade de Belo Horizonte, mas pela vontade de conhecer de perto a obra de Oscar Niemeyer. Fixa residência naquela cidade e começa a atuar inicialmente como desenhista na empresa estatal de energia Cemig. Revalida seu diploma em 1960 e passa a atuar como arquiteto, ali coordenando projetos de arquitetura para as usinas hidrelétricas e subestações de energia, tais como Três Marias, Jaguara e Volta Grande. Foi chefe da Divisão de Arquitetura e Urbanismo daquela instituição por 14 anos, período em que também realiza paralelamente um bom número de projetos particulares. No começo dos anos 1970 abre escritório próprio, a Arquitetos Associados István Farkasvölgyi Ltda ou, simplesmente, IFL, dedicando-se nos primeiros anos ao projeto de edifícios residenciais e comerciais e de residências na capital mineira, nas cidades de Uberaba, Uberlândia e outras. É presidente do IAB, seção MG, no biênio 1973-1974, em fase bastante fecunda de sua criação arquitetônica em que a qualidade e consistência desperta o interesse do meio acadêmico e dos jovens arquitetos mineiros de então, contribuindo para um ambiente cultural muito rico onde fermentavam inquietações e busca de novas propostas, logo a seguir divulgadas pelas revistas Vão Livre e Pampulha. A partir da segunda metade dessa década projeta edifícios-sede de instituições como Usiminas, Ciemg, Prodabel, Cowan, entre outras, todas essas fundadas em conceitos reunindo simplicidade e sofisticação. A tônica que permeia essas obras está na maneira especial de se conceber a estrutura, atribuindo ao concreto um papel importante como elemento de caracterização plástica e aproveitamento máximo em cuidadosos detalhes. Grandes superfícies ora ligeiramente descoladas dos planos dos edifícios, ora avançando em ousados balanços emergindo do volume principal são algumas das características plásticas mais marcantes dessa fase de sua produção. Nesse período também projeta para a construtora Castor uma série de edifícios de apartamentos situados em diferentes pontos da cidade, com resultados de alta qualidade e excelente habitabilidade, muito valorizados até os dias de hoje por seus usuários, inclusive pela sua qualidade visual. São dessa fase, entre outros os edifícios Leonardo e Renaissance, todos compartilhando em comum não apenas a estrutura em concreto deixada à vista mas propondo uma utilização mais generosa desse material. 4 Nos anos que se seguem, próximos ao início da década de 1990 e por seu decurso, sua obra não mais irá empregar o concreto aparente extensivamente, mas buscará explorar outros caminhos formais e materiais, sempre com a atitude de busca de novas experimentações plásticas e tecnológicas conforme as disponibilidades abertas pela indústria da construção civil. Realiza uma grande quantidade de edifícios verticais para os quais propõe concepções formais bastante limpas e precisas. Segue utilizando elementos de composição que já estavam presentes nas primeiras obras em concreto aparente, como planos e superfícies salientes que caracterizavam quase uma assinatura pessoal, freqüentemente em contraponto com panos envidraçados, variando apenas a resolução dada à sua fixação, conforme iam avançando as possibilidades abertas pelos fornecedores de componentes e esquadrias. Essa continuidade e consistência na sua trajetória profissional não se manifesta pela manutenção das mesmas formas e acabamentos, mas por uma mesma atitude projetual que é essencialmente experimental e inquieta, mais preocupada com a variedade e atualização do que com a repetição de pautas visuais. Edifício Usiminas: do anteprojeto à obra O Edifício-Sede da Usiminas foi projetado entre 1973 e 1974 e construído no intervalo 1975- 1978. A repercussão da presença do edifício no espaço natural e construído é impactante. Implantado em um cenário de intensa área verde, afastado do centro da cidade de Belo Horizonte, no perímetro do campus da UFMG e à frente de uma encosta coberta por densa mata natural, o edifício está generosamente afastado da Avenida Presidente Antônio Carlos, eixo entre o campus e o terreno, que tem umas das alças viárias desviada em direção ao terreno da Usiminas conformando ali uma praça arrematada ao norte pelos acessos à universidade e à empresa. A introdução do cuidadoso memorial descritivo do projeto, apresentado aos dirigentes da empresa, a fim de defendê-lo como solução final e descartar a apresentação de duas ou três alternativas válidas e possíveis (eleger a melhor solução é função que cabe ao autor. Se for aberta ao cliente essa função ele fatalmente poderá escolher a pior opção), convida assim seus apreciadores: “Os senhores nos acompanharão passo a passo; estarão conosco fazendo a vivissecção do ‘ser-edifício’ à medida que ele foi surgindo dos milhares de desenhos que fizemos; das dezenas e dezenas de vezes que estivemos no terreno, das centenas de entrevistas que tivemos com dirigentes e funcionários da Usiminas e com os técnicos e especialistas de vários matizes. Os senhores concluirão conosco: esta é a solução final, este é o edifício que responde aos desejos manifestados: este é o edifício-símbolo, o escritório-parque, o EDIFÍCIO-USIMINAS” 1 1 Memorial Descritivo do projeto. Autores: Álvaro Hardy, István Farkasvölgyi e Raphael Hardy Filho. 5 Esse memorial acompanha a análise de cada problema, descarta opções e apresenta e a solução de cada peça do processo muito claramente. O terreno natural, de 80.000 metros quadrados (cerca de 170 metros de frente por 470 de comprimento), possuía uma região central com um desnível abrupto, o que o separava em três partes distintas. “Desta forma o terreno é um desafio. Ele se oferece totalmente. Indica inúmeras soluções. Não existem parâmetros rígidos. É uma dádiva e uma exigência esperando retribuição adequada”1. A localização na parte superior traria dificuldades de acesso e a porção frontal poderia ser reservada para jardins. Assim, optou-se pela ocupação da área central mais íngreme, mais desfavorável, a um olhar mais superficial e ingênuo. Dessa forma as duas áreas laterais mais altas foram interpretadas como “dois montantes, que não somente ‘sugerem’ mas ‘exigem’ uma ligação”2. As sub-colinas e a conseqüente grota, derivadas da conformação topográfica foram vistas como dois pilares naturais. Daí, a proposta vislumbra uma ligação, uma ponte, uma plataforma. E sobre essa plataforma pousaria o corpo do edifício. Figura 1- Edifício-sede da Usiminas. Aspecto externo O partido em H do edifício, gerado pela modulação de doze quadrados de vinte por vinte metros, com seu eixo longitudinal paralelo à divisa frontal do terreno, confere a ele as dimensões de 80 por 60 metros. Dois módulos opostos correspondem a vazios internos cobertos por grelhas em concreto armado aparente cobertas por domos e lateralmente protegidos por fechamento envidraçado. As fachadas opostas iguais são geradas pela simetria absoluta tanto longitudinal quanto transversalmente. O eixo transversal corresponde às circulações verticais e serviços. 1 2 Memorial Descritivo do projeto. Autores: Álvaro Hardy, István Farkasvölgyi e Raphael Hardy Filho. Idem. 6 Figura 2- Edifício-sede da Usiminas. Aspecto externo Figura 3 - Edifício-sede da Usiminas. Aspecto externo O edifício corporifica dois pavilhões gêmeos de escritórios com espaços internos liberados visualmente, o que dota a ambientação interna de desejável flexibilidade, cada um deles com cinco pavimentos que se comunicam pelos vãos centrais, unidos pelo eixo central e separados pelos vazios. As faces externas de maior dimensão, totalmente envidraçadas, são dois exuberantes visores. Um voltado para o aclive da mata e áreas de estacionamento ao fundo e outro para parque frontal, de paisagem envolvente, as árvores e o céu. Em seus jardins impecáveis e ao redor do lago de belo desenho orgânico, criados pelo paisagista Roberto Burle-Marx, estão sempre presentes algumas aves de médio porte, dada a tranqüilidade da micro-paisagem. A solução estrutural proposta inicialmente, duas imensas vigas de transição que recebiam quatro pilares cada, as vigas-ponte, com altura de dois pavimentos cada, foram abandonadas devido ao 7 altíssimo custo de sua execução. Na solução adotada o edifício se assenta sobre oito pilares, em duas séries de quatro, dispostos a cada 20 metros que descarregavam sobre a viga-ponte. À medida que o observador se aproxima do edifício sente aumentar o impacto visual ao perceber de mais perto a força plástica da gigantesca massa de concreto aparente assentada de forma a deixar imensos balanços próximos a doze metros. Figuras 4, 5 e 6 Edifício-sede da Usiminas. Aspecto externo, implantação e aspecto interno. Figuras 7 e 8. Edifício-sede da Usiminas. Plantas do nível inferior e pavimento-tipo. As elevações leste e oeste são fortemente marcadas por duas abas de grande superfície em concreto aparente formadas pelo prolongamento das extremidades das duas demais fachadas. Estas superfícies, que se afinam à medida que se afastam do corpo do edifício, se lançam no ar em extensões próximas a vinte metros e são unidas em seu topo a uma viga delgada de comprimento 8 igual à extensão total da fachada. Nela se apóiam dezenas de brises, conjunto superior que emoldura o imenso visor. As duas torres cilíndricas de circulações verticais e serviços abrigam, cada uma, caixa de escadas, dois elevadores, sanitários e depósitos. Os ambientes internos são conformados através de divisórias baixas ou à meia-altura e as circulações voltadas para os vazios recebem o mesmo fechamento envidraçado que as fachadas: esquadrias em alumínio com montantes somente verticais, dispostos a cada um metro e vidro escuro. Os pisos foram revestidos originalmente em granito já tendo sofrido alterações em alguns pontos do edifício. Os forros em haletas de alumínio são originais. Algumas adequações que não ferem o conceito inicial da obra foram incorporadas ao edifício, tais como a instalação de pisos elevados em determinados locais e alguns aspectos do tratamento de interiores do pavimento dos dirigentes. Entretanto algumas modificações recentes deveriam ter sido evitadas. A nova recepção foi concebida por arquitetos que não participaram da equipe que projetou o edifício e parecem desconhecer o conceito original da obra. A modulação e os eixos principais foram relegados. Apenas a simetria foi mantida. O piso original da recepção foi removido para a instalação de um novo com paginação em duas cores, com faixas a 45 graus, orientação que não existe em absolutamente nenhum ponto daquela obra. Também os pilares da porção frontal receberam novo revestimento que se filia à moda superficial de momento. A cobertura original em laje plana impermeabilizada recebeu também a estranha aplicação de milhares de metros quadrados de telhas metálicas, numa opção ‘definitiva’ ao problema das lajes de cobertura. Portanto, por essas e por outras modificações que possam vir a ser incorporadas ao edifício e pelo valor arquitetônico infundido pela sua imensa carga simbólica é premente a necessidade de se revalorizar essa obra como patrimônio da arquitetura moderna brasileira para incrementar uma atitude de respeito pelas suas características peculiares. As obras residenciais da Castor Uma série de edifícios que comungavam uma série de particularidades foi projetada pelo arquiteto e construída em diferentes bairros da zona sul da cidade simultaneamente ao período em que se desenvolveram todas as fases do projeto do edifício-sede da Usiminas e sua construção. São eles os edifícios Leonardo (1972), Renaissance (1973), Carolina (1975), Jardim de Luxemburgo (projeto de edifício de duas torres, não construído, de 1975), o condomínio em três torres batizadas de Maiorca, Rhodes e Sardenha (1976), Nunes Vieira (1976), e Maria Luiza (1979), todos compartilhando em 9 comum a estrutura em concreto deixado à vista; emprego de pastilhas cerâmicas brancas revestindo trechos das fachadas vedados por alvenarias; esquadrias de janelas em alumínio natural correndo externamente ao plano dos vãos sobre um pano de alvenaria rebocada e pintada em verde escuro; áreas de serviço iluminadas, protegidas e ventiladas por elementos vazados de cerâmica (cobogós) e, por fim, vigas de enquadramento inferiores e superiores e planos adicionais de fechamento ligeiramente salientes também em concreto aparente, adicionando ao desenho das vigas estruturais complementos e sobressalências que fazem as vezes de brises, jardineiras e vedos parciais das fachadas. Essas obras são curiosamente desprovidas de elementos em balanço, característica que marcou boa parte de sua produção tanto naquela década quanto posteriormente. Esses edifícios geralmente de partido retangular, eram implantados de modo confortável em terrenos também retangulares, com um maior afastamento a uma ou duas das divisas e normalmente uma das fachadas era construída no alinhamento ou próximo a ele. O Edifício Renaissance é composto por dois blocos retangulares paralelos unidos pela prumada de circulações e áreas de serviços. Juntamente com o Jardim de Luxemburgo, que é o único a apresentar uma volumetria mais recortada, são as duas obras dessa série a explorar mais extensivamente o concreto como elemento plástico e de vedação. Além de ter um partido que externaliza a caixa de circulações verticais, a implantação dessa última obra é também mais peculiar: duas torres deslocadas uma da outra dispostas com rotação de 180 graus entre elas. Figuras 9 e 10. Edifício Renaissance. Aspectos externos em 1984 e em 2007. 10 Figuras 11 e 12. Edifício Renaissance. Aspecto externo e planta do pavimento-tipo O Edifício Leonardo é um grande bloco residencial de quatro unidades por pavimento, com dois núcleos de circulação vertical, cada um servindo ao acesso social de dois apartamentos. As quatro unidades se comunicam pelo hall de acesso às áreas de serviço. Essas áreas e alguns sanitários são iluminados e ventilados por quatro vazios centrais que percorrem o edifício desde a garagem em subsolo e pilotis, aos sete pavimentos e nível privativo de cobertura. Figuras 13 e 14. Edifício Leonardo. Aspectos externos em 1980 e em 2007. 11 Figuras 15 e 16. Edifício Leonardo. Aspecto externo e planta do pavimento-tipo. As áreas ajardinadas do nível térreo e o pilotis são caracterizados pela liberação visual dos espaços onde se destacam o lançamento e formato das peças estruturais. Os apoios apresentam uma variação em uma de suas dimensões à medida que se aproximam do solo e estão dispostos em seqüência tendo seu ritmo quebrado pela torção em 90º daqueles posicionados nas extremidades longitudinais. Além dessas peças, outros elementos forjados em concreto aparente surgem na composição da obra. As vigas que se apresentam nas fachadas ora suportam painéis de concreto, ora ali se apóiam. Esses elementos salientam ainda mais as linhas horizontais do edifício. Por outro lado, a fachada frontal parece tentar esboçar uma leitura vertical, mas o autor aplica nessa face um elemento em concreto entre o segundo e o terceiro pavimento conferindo a ela peso visual e nova proporção, o que faz sugerir algo como base e corpo principal. Ações voltadas à conservação desses edifícios são desempenhadas sempre que necessário. Seja no tratamento do concreto, na pintura, revestimentos cerâmicos ou substituição de algumas peças dos elementos vazados. Por isso, o estado geral dessas obras residenciais é excelente. Além disso, os moradores invariavelmente aprovam a manutenção das características originais dessas obras. E são edifícios que, para alguns olhares mais superficiais, induzem ao erro quando da avaliação de sua idade. Por sua perenidade simbólica, envelhecem com mais dignidade. 12 Conclusões Apesar de não serem tombadas, nem ser o caso de postular seu tombamento, as obras são queridas e bem usadas pelos seus proprietários, ao menos no que tange à sua aparência exterior e áreas comuns, embora tenham sofrido em quase todos os casos modificações nas áreas internas, toleráveis considerando-se seu uso estritamente privativo (ao contrário da Usiminas, de uso público e de responsabilidade social). Os coroamentos dessas obras, porém, foram invariavelmente alterados pelos proprietários das unidades de cobertura, mas a forte atração visual que as fachadas exercem pode, na maioria das vezes, desviar nosso olhar do topo desses edifícios. A capital mineira, onde o profissional deixou a maior parte de suas obras tem o horizonte marcado pela sua arquitetura. Isto pode ser afirmado pela quantidade de edifícios de médio e grande porte de boa qualidade arquitetônica que ali deixou. Farkasvölgyi acompanhou o processo de crescimento e verticalização da capital e a mudança de escala de seus edifícios através dessas cinco décadas reflete esse processo. Em suas obras podemos ver compromisso, cuidado, coerência e consciência traduzida em responsabilidade social. 13 Lista de figuras Figura 1 – Edifício-sede da Usiminas. Aspecto externo. Foto João Diniz......................página 6 Figura 2 – Edifício-sede da Usiminas. Aspecto externo. Foto João Diniz......................página 7 Figura 3 – Edifício-sede da Usiminas. Aspecto externo. Foto João Diniz......................página 7 Figura 4 – Edifício-sede da Usiminas. Aspecto externo. Foto João Diniz......................página 8 Figura 5 – Edifício-sede da Usiminas. Implantação. Acervo da família..........................página 8 Figura 6 – Edifício-sede da Usiminas. Aspecto interno. Foto João Diniz.......................página 8 Figura 7 – Edifício-sede da Usiminas. Planta do nível inferior. Acervo da família... ....página 8 Figura 8 – Edifício-sede da Usiminas. Planta do pavimento-tipo. Acervo da família.....página 8 Figura 9 – Edifício Renaissance. Aspecto externo em 1984. Foto João Diniz..............página 10 Figura 10 – Edifício Renaissance. Aspecto externo em 2007. Foto A. Drummond.......página 10 Figura 11 – Edifício Renaissance. Aspecto externo. Foto A. Drummond......................página 11 Figura 12 – Edifício Renaissance. Planta do pavimento-tipo. Foto Acervo da família...página 11 Figura 13 – Edifício Leonardo. Aspecto externo em 1980. Foto Ístvan Farkasvölgyi....página 11 Figura 14 – Edifício Leonardo. Aspecto externo em 2007. Foto Álvaro Drummond......página 11 Figura 15 – Edifício Leonardo. Aspecto externo. Foto Álvaro Drummond.....................página 12 Figura 16 – Edifício Leonardo. Planta do pavimento-tipo. Acervo da família................página 12 Referências • • • • • • • • • • • • ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: do Iluminismo aos Movimentos Contemporâneos. Tradução de Denise Bottmann e Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. BANHAM, Reyner. El Brutalismo em Arquitectura: ética o estética? Barcelona: Gustavo Gili, 1966. BASTOS, Maria Alice Junqueira. Pós Brasília: rumos da arquitetura brasileira. Discurso: prática e pensamento. São Paulo: Perspectiva/ FAPESP, 2003 BOESIGER, W. Le Corbusier: ouvre complete de 1910 / 1965. Zurich: Editions Girsberger, 1947 / 1965. Volumes 04 (1937 / 1946), 05 (1946 / 1952 ) e 06 ( 1954 / 1957). BÄCHER, Max; HEINLE, Erwin. Construcciones en hormigón visto. Barcelona: Gustavo Gili, 1967. BREUER, Marcel. Buildings and Projects, 1921-1961/Marcel Breuer. London: Thames and Hudson, 1962. BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981. FICHER, Silvia. Os Arquitetos da Poli. Ensino e Profissão em São Paulo.São Paulo: Edusp, 2005. MAGALHÃES, Sérgio Ferraz (coord.). Arquitetura Brasileira após Brasília: depoimentos. Rio de Janeiro: IAB / RJ, 1978. VARGAS, Milton. História da técnica e da tecnologia no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1994. ZEIN, Ruth Verde. A arquitetura da Escola Paulista Brutalista 1953-1973. Porto Alegre: PROPAR/ UFRGS, 2005. ZEIN, Ruth Verde. Arquitetura Brasileira, Escola Paulista e as Casas de Paulo Mendes da Rocha. Dissertação (Mestrado). Porto Alegre: PROPAR/ UFRGS, 2000. 14 Imprimir PAISAGENS DESOLADAS Quatro Máscaras de Concreto em Deriva José Artur D’Aló Frota Eline Maria Moura Pereira Caixeta Entrevista: Christine Ramos Mahler Arquiteto. Faculdade de Arquitetura, UFRGS, Porto Alegre, 1974 Doutor Arquiteto. Escola Técnica Superior de Arquitetura de Barcelona, UPC, 1997 Professor Adjunto da Faculdade de Artes Visuais, UFG, Goiânia Arquiteta. Curso de Arquitetura e Urbanismo, UCG, Goiânia, 1986 Doutora Arquiteta. Escola Técnica Superior de Arquitetura de Barcelona, UPC, 2000 Professora Titular do Curso de Arquitetura e Urbanismo, UCG, Goiânia Arquiteta. Curso de Arquitetura e Urbanismo, UCG, Goiânia, 1989 Mestre Arquiteta. Universidade Católica de Goiás, 2004 Professora Assistente da Faculdade de Artes Visuais, UFG, Goiânia Endereço: Avenida Dr. José Hermano, 303, G5 casa 6, Goiânia, Goiás Telefone: (62) 3545 7209 CEP: 74865-090 e-mail: arturfav@yahoo.com.br Figura 1. Sede Social do Jóquei Club de Goiás, 1962 foto: José Artur D’Aló Frota, 2008 Fechar 2 Figura 2. Estádio Serra Dourada, 1985 foto: José Artur D’Aló Frota, 2008 PAISAGENS DESOLADAS Quatro Máscaras de Concreto em Deriva Pode-se entender quatro construções em concreto armado como objetos em deriva pelo Planalto Central do Brasil? Todas elas configuram situações que entendemos como de difícil ancoragem, “máscaras” do que foram ou do que deveriam ser ao criarem lugares em zonas urbanas cambiantes e limítrofes. O autor, Paulo Mendes da Rocha, premiado com o II Prêmio Mies van der Rohe de Arquitetura Latino-americana (2000) e o Prêmio Pritzker (2006). Em deriva estão: o Jóquei Clube de Goiás (1962), a residência Bento Odilon Moreira (1963), o Estádio Serra Dourada (1973) e o Terminal Rodoviário (1986). Propõe-se aqui uma reflexão sobre as contingências que pairam sobre estas quatro obras neste início do século XXI, suas promessas, mal-entendidos e dissabores. Este argumento se desenvolve com o suporte de imagens atuais, que ajudam a tecer suas histórias e ilustram suas situações, revelando que as características singulares parecem não ter sido entendidas no contexto cultural da cidade, durante todos estes anos. São projetos nos quais a escala do tecido urbano não se submete aquilo que é normativo, mas a uma releitura topológica do lugar. Neles, o avanço da cidade sobre o território existente estabelece novas regras implícitas que, ao conformarem novas “paisagens urbanas”, colocam em cheque qualquer condição de continuidade que não dialogue com a nova pré-existência. São antigos vazios, terrains vagues, que foram transpostos por edificios-episódios urbanos, criando novas e próprias tensões. Sugerem e materializam o entendimento de que toda a cidade também é feita de exceções e não somente produto da regra. Palavras-chave: cultura arquitetônica; espaço urbano; imaginário urbano Abstract DESOLATE LANDSCAPES Four Concrete Masks in The Dèrive Can we take four buildings in reinforced concrete on Brazil’s central plateau as objects in the dérive? All of them configure situations that we understand as of a difficult anchorage, “masks” of what they were or should be when create places in changing and limited urban zones. The author Paulo Mendes da Rocha was awarded a prize in the II Prize Mies van der Rohe of Architecture Latin American (2000) and in Prize Pritzker (2006). A dérive are found: Jóquei Clube de Goiás (1962), Bento Odilon Moreira’s residence (1963), Estádio Serra Dourada (1973), and Terminal Rodoviário (1986). What is proposed here is a reflection of the contingencies that, on the beginning of the 21st century, maintain the projects’ promises, misunderstandings and displeasures. The argument is developed with the actual images’ support, that help to weave its histories and that still illustrate its actual situation, revealing that its singular characteristics, in between all those years, seam not to have been understood in the cultural context of the city. They are projects which urban’ scales does not submit to what is normative, but to a new topological reading of the space. The advancement of the city over the existent territory in these projects establishes new implicit rules that, when forming new “urban landscapes”, challenge any possibility of continuity that is not a new pre-existence. They are ancient empty spaces, terrains vagues that were transported to urban episode-buildings, creating some new and proper tensions. The projects suggest and materialize the understanding that all cities are also made of exceptions and it’s not only a product of a rule. Key-words: architectural culture; urban space; urban imaginary 3 PAISAGENS DESOLADAS Quatro Máscaras de Concreto em Deriva A região Centro-Oeste do Brasil hoje, passa por um marcado processo de desenvolvimento de suas principais cidades. São cidades criadas a menos de 80 anos, que passam por uma nova etapa de desenvolvimento, necessitando estabelecer novas perspectivas para requalificar seus espaços urbanos. Goiânia, próxima de Brasília, é uma destas cidades e se apresenta como referencial para uma reflexão dos problemas de estrutura pública e imagem, típicos das cidades periféricas. Marcada por uma forte especulação visual e por uma política equivocada do uso de seus espaços públicos, Goiânia tem perdido paulatinamente a identidade espacial contida em seus planos iniciais. As intervenções realizadas em seus espaços públicos e privados, ao longo destes anos, carecem de maior reflexão conceitual para que se atualize e compreenda tal identidade não somente como referência imaginária histórica, mas também como possibilidade para reinterpretações contemporâneas. Este ensaio apresenta os primeiros caminhos de uma investigação ainda em formação e que tem por objetivo geral avaliar aspectos do relacionamento entre obra-contexto na cidade moderna. Neste caso específico busca-se questionar os desdobramentos da imagem urbana de Goiânia tendo como base quatro obras de Paulo Mendes da Rocha. Construídas entre as décadas de 1960-1980, período importante na definição de um novo estágio do desenvolvimento urbano da cidade, configuram-se como projetos referenciais tanto da imagem de modernidade, quanto da criação de uma nova espacialidade urbana. Dialogando com as propostas dos planos de Attilio Corrêa Lima e Armando de Godoy, tornam-se precursores fundamentais na reinterpretação de uma paisagem e um lugar modernos, que então estavam se materializando. Neste período, a cidade passou por uma série de transformações estruturais, inciadas com a construção de Brasília, que impulsionaram seu crescimento econômico. Segundo Maria Diva Vaz (2007), de 1964 a 1975 existe uma reescrita sobre a paisagem da área central de Goiânia. De 1950 a 1960, a cidade cresce e se expande horizontalmente. Novos loteamentos são aprovados, gerando uma ocupação muito diluída e muitas vezes descontínua. Em meados da década de 1960, predomina ainda uma paisagem eminentemente horizontalizada, com visadas muito abertas. Sob o impacto da criação do BNH, a paisagem do centro tradicional da cidade (que corresponde aos planos de Attílio e Godoy) sofre um processo de verticalização rápida, desordenada e pontual. Os bairros limítrofes,setores Sul e Oeste, se consolidam como bairros residenciais. No final deste período, o Setor Oeste inicia seu processo de verticalização e densificação. De 1975 a 1981, se estabelece um cenário de transição caracterizado pela desconcentração de atividades comerciais e de serviços do centro da cidade e pelo gradativo 4 deslocamento das camadas de maior renda para novas centralidades: os setores Sul e Oeste. De 1981 a 1992, estas mudanças ganham profundidade. Este deslocamento das atividades funcionais e da população acelera-se com a construção do primeiro shopping center que se constitui como a primeira das novas centralidades que passa a competir com o centro tradicional. A partir deste momento esta área, ainda não urbanizada e muito próxima ao Estádio Serra Dourada, sofre um processo de urbanização gradual. Processo este que se intensifica de forma significativa no final da década de 1990, com o deslocamento de instituições públicas para suas proximidades e a criação de novos equipamentos urbanos, além da instalação de outros importantes estabelecimentos comerciais que reforçaram seu papel de nova centralidade. Os quatro projetos que Paulo Mendes da Rocha desenvolve para Goiânia localizam-se em áreas estratégicas do ponto de vista do seu crescimento e da reconfiguração de sua paisagem, pois constituem-se como zonas limítrofes de urbanização. A sede do Jóquei Clube de Goiás (1962) situa-se em uma área livre de uma quadra do Setor Central, próxima ao Teatro Goiânia, e que faz limite com o Setor Oeste – área definida inicialmente para ser a sede do Automóvel Clube. Neste momento o Setor Oeste inicia seu processo de ocupação. A residência de Bento Odilon Moreira (1963), localiza-se em uma quadra, então parcialmente ocupada no Setor Sul e próxima à Praça Cívica. É importante lembrar que a ocupação efetiva do Setor Sul começou no início da década de 1960, período em que a casa foi construída. O Estádio Serra Dourada (1973), por sua vez, situase em uma área do Jardim Goiás (na época ainda não urbanizada) próxima a rodovia que liga Goiânia a Brasília e São Paulo. Já o Terminal Rodoviário (1986) localiza-se em uma área do Setor Ferroviário (ao final da Av. Goiás) caracterizada como um grande vazio urbano, até então preservado como cinturão verde da cidade. Tratam-se de projetos de ancoragem difícil, em lugares caracterizados como zonas urbanas em formação, ainda sujeitas a mudanças. O arquiteto tira partido desta situação, propondo obras que se articulam de forma singular com seu entorno e geram novas espacialidades urbanas conferindo o status de monumento aos edifícios. A deriva estão estas obras, na medida em que foram sendo modificadas naquilo que possuíam como “âncoras” e, ao mesmo tempo, como elementos transformadores do lugar. 5 Figura 3. Sede Social do Jóquei Club de Goiás, Goiânia, 1962. Esquema conceitual do partido. Colaborador: João Eduardo Gennaro fonte: Paulo Mendes da Rocha, Cosac&Naify, 2002 Figura 4. Fachada oeste da sede social do Jóquei Club de Goiás, a face que abria para o bosque. foto: José Artur D’Aló Frota, 2008 Assim, a deriva está o Jóquei Clube, com suas estruturas de concreto descaracterizadas por operações de re-arquiteturas catastróficas como as adições metálicas circunstanciais que mutilaram completamente a elegância de seu partido “transverso”. O edifício e o bosque eram volumes de materia diversa que dialogavam entre si criando tensões inesperadas, este contraponto foi quebradopela eliminação do bosque para a futura implantação de um estacionamento; assim como uma série de outras adições de construções alheias a lógica espacial do projeto. Neste projeto existe um encaminhamento claro: entra-se por um espaço coberto em declive e, transversal às vias públicas. No eixo longitudinal do terreno, uma inflexão conduz à portaria e ao interior do edifício, no qual se ingressa por um amplo corredor/túnel que se tranforma em rampa, dando acesso às diversas funções do clube. A rampa, assumindo o mais estrito sentido corbuseriano de uma promenade architectural, conecta e articula, funcional e visualmente, os espaços sociais e esportivos do clube aos espaços do bosque e das piscinas. Este último é 6 concebido conceitualmente como uma praça secai, elevada com relação ao contexto urbano em que se situa. Seu grande espaço aterraçado tem por protagonista o longo plano horizontal da fachada leste, uma sutil lâmina de concreto armado, elegante portal linear que enfatiza a presença do corpo do edifício. Neste sentido, o projeto de Paulo Mendes da Rocha aproxima-se as propriedades miesianas da baukunst. O edificio assume uma leitura dupla: se apresenta ao mesmo tempo como um sólido prisma edificado e atua como portal diáfano que conecta o coberto com o aberto. A imagem construtiva, como em Mies, é depurada e transformada em expressão poética. Figura 5. Fachada leste da sede social do Jóquei Club de Goiás, a “praça seca”. foto: José Artur D’Aló Frota, 2008 Figura 6. Interior da sede social do Jóquei Club de Goiás. fonte: Paulo Mendes da Rocha, Cosac&Naify, 2002 Figuras 7/8. Interiores da sede social do Jóquei Club de Goiás atualmente. fotos: José Artur D’Aló Frota, 2008 Hoje, suas elegantes peles de concreto estão sendo revestidas ou eliminadas e a seqüência de rampas que articulavam a configuração funcional e espacial do clube foi demolida em parte, sem que se possa entender o motivo para tal. Assim, Goiânia, preocupada com seu patrimônio Art Decó, vai perdendo um dos primeiros e importantes exemplares da obra de um arquiteto Premio Pritzker em Arquitetura e documento capital da Moderna Arquitetura Brasileira. 7 Figura 9. Vista aérea da Praça Cívica com a casa Bento Odilon Moreira, década de 1970. fonte: Biblioteca SEPLAN Figura 10. Casa Bento O. Moreira, Goiânia, 1963. foto: José Artur D’Aló Frota, 2008 A deriva encontra-se a Casa Bento Odilon Moreira, transformada em agência bancária e destituída do novo modo de interpretar as contingências do local que a casa aportava. Como agência bancária, o edifício deixa de dialogar em suas duas faces ,anterior e posterior, com a rua e a viela de serviço. Como tal, exibe uma máscara de placas de alumínio composto, que a envolve e a neutraliza formalmente, identificando-a como uma agência bancária a mais da cidade. Encontra-se também a deriva o Estádio Serra Dourada, prejudicado em relação às amarras que estabelece com o contexto, a partir da inserção de um novo edifício na área do parque que o circunda, um ginásio de esportes construído entre 1997-1998. Figura 11. Estádio Serra Dourada, Goiânia, 1973. Secção esquemática. Colaboradores: Roberto Pontual, Maria Helena Flynn, Roberto Leme ferreira, Newton Arakawa, Ercules Turbiani e Eliane Galiardi. fonte: Paulo Mendes da Rocha, Cosac&Naify, 2002 Figura 12. Estádio Serra Dourada e seu contexto atual. foto: JoséArturD’AlóFrota, 2008 8 Figura 13. Oscar Niemeyer: Projeto para o Estádio Nacional, Rio de Janeiro 1941 fonte: Oscar Niemeyer, Editions Alphabet, 1977 Produto de uma implantação sensível e cuidadosa, o projeto do Serra Dourada reinterpreta o edificio esportivo como palco de um espetáculo cenográfico de massas, o qual necessita de uma releitura de seus espaços funcionais de apoio. Paulo Mendes da Rocha reconhece sua inspiração em algumas das estratégias utilizadas por Niemeyer, em seu Estádio Nacional do Rio, projeto de 1941 que não chegou a ser executado, localizado onde hoje está o Maracanãii. Entre estas estratégias estão: a absorção de parte do enorme volume externo gerado pelas arquibancadas a partir da modificação da topografia local; a utilização da parte inferior das arquibancadas como uma espécie de arcada externa; e a ênfase ao caráter monumental e cívico do edifício, estabelecendo uma ampla pista para eventos, deslocada em relação ao eixo do estádio e que cria uma permeabilidade incomum a este tipo de edificação, ao relacionar visualmente seu interior com o exterior. Figura 14. Croquis da relação de permeabilidade interior/exterior do estádio Serra Dourada e foto aérea. fonte: Paulo Mendes da Rocha, Cosac&Naify, 2002. 9 Implantado no topo de uma colina, o Serra Dourada assume como premissa básica a acomodação de sua geometria regular ao lugar, a partir de uma marcada re-estruturação topográfica; nisto se difere do projeto de Niemeyer que o faz a partir de uma sutil modificação da topografia local menos acidentada. O tratamento planialtimétrico dado ao terreno por Paulo Mendes da Rocha é fundamental para entender a razão e a força de sua implantação. Neste sentido, o modo como o edifício e o terreno (devidamente re-articulados topograficamente) dialogam, é, em parte, legado do projeto de Niemeyer. Por outro lado, a transformação das áreas abaixo das arquibancadas em amplos foyers continuos também está sugerida no projeto do Rio, ainda que sob a forma de uma arcada. No Serra Dourada estes foyers remetem, alegoricamente, a imagens de grandes espaços arquitetônicos, à exemplo dos contidos nas gravuras de Piranesi (como as imagens dos Carceri), na profusão dos grandes pilares e passarelas que cruzam o espaço avantajado. No estádio de Goiânia comparece também a ruptura da idéia de continuidade das arquibancadas, ainda que os espaços criados tenham outro sentido e geometria distinta. Aqui, o espaço se amplia para formar “balcões” que, ao mesmo se abrem à cidade e ao campo esportivo, permitindo o aparecimento de enigmáticos jardins suspensos, que humanizam a aridez comum aos programas desta natureza. Dos quatro projetos de Paulo Mendes da Rocha em Goiânia, este é o edificio mais bem conservado em sua estrutura física original. Figura 15/16/17/18. Estádio Serra Dourada, Goiânia. fotos: José Artur D’Aló Frota, 2008 10 Figura 19. Terminal Rodoviário de Goiânia, 1985-6. Esquema conceitual. Colaboradores: Luiz Fernando Teixeira e Moacir Paulista Cordeiro fonte: Revista Projeto nº94, São Paulo, 1986. A deriva está o Terminal Rodoviário, que hoje também abriga um shopping center popular. A inclusão do shopping trouxe importantes modificações no seu espaço interior e na sua parte externa. Como nos projetos anteriores, o edifício do Terminal procura uma inserção no sítio de modo a estabelecer um jogo com o urbano e suas poucas pré-existencias. Em sua proximidade com a antiga estação ferroviária, o edifício evoca a passagem do tempo, o crescimento urbano e novas representações do lugar moderno. Espacialmente, o interior do Terminal remete a uma escala urbana distinta. É a escala dos ônibus, dos grandes veículos de transporte que circulam pelo edifício, tratado como uma grande cobertura iluminada principalmente por suas zenitais. Existe um certo paralelo formal com o foyer do estádio Serra Dourada no que diz respeito ao superdimensionamento dos elementos de arquitetura (suas passarelas, circulações e recintos) e de suas estruturas ( pilares e vigas) que criam, ao mesmo tempo, um espaço monumental e dramático. Este espaço, teatral, cheio de claros e escuros, tendendo ao monocromatismo, é freqüente na obra do arquiteto. Sua arquitetura é uma arquitetura densa. Figura 20/21. Terminal Rodoviário de Goiânia, 1985-6 /Shopping Center, final dos anos de 1990. fotos: José Artur D’Aló Frota, 1993/2008 11 Figura 22/23. Terminal Rodoviário de Goiânia, 1985-6/ Shopping Center, final dos anos de 1990. fotos: José Artur D’Aló Frota, 1993/2008 Hoje, ao entrarmos nos espaços internos do shopping, a escala é doméstica, remonta ao lugar cotidiano, e a ambiência perde sua teatralidade, transforma-se em lugar comum. Além de destruir o espaço interno do terminal, a reversão para um uso predominantemente comercial no seu interior estabeleceu uma mudança conceitual do projeto. O edifício, pensado como uma estação em forma de gare, com os veículos adentrando seu interior, passou a ser tratado como uma estação de ônibus convencional; um telhado/abrigo periférico. Figura 24/25. Terminal Rodoviário de Goiânia, 1985-6. fotos: José Artur D’Aló Frota, 1993/2008 Eline Maria Moura Pereira Caixeta, 1993 Figura 26/27. Terminal Rodoviário de Goiânia, 1985-6 /Shopping Center, final dos anos de 1990. fotos: José Artur D’Aló Frota, 2008 12 As contingências atuais que pairam sobre os edifícios de Paulo Mendes da Rocha demonstram que suas características singulares não foram entendidas no contexto cultural da cidade. São projetos nos quais a escala do tecido urbano não se submete aquilo que é o normativo, mas a uma releitura topológica do lugar. Neles, o avanço da cidade sobre o território existente estabelece novas regras implícitas que, ao conformar novas “paisagens urbanas”, coloca em cheque qualquer condição de continuidade que não busque dialogar com a nova pré-existência. São edificios-episódios urbanos que criam novas e próprias tensões nos antigos vazios, terrains vagues, que transpõem. Eles sugerem, e materializam, o entendimento de que toda a cidade também é feita de exceções e não somente é produto da regra.iii Este é um ensaio crítico sobre os edificios e seus destinos, partindo de duas visões complementares: uma do arquiteto e outra, básicamente visual, que documenta o imaginário, principalmente o atual; induzindo a reflexão do leitor para o destino… o triste destino destas paisagens. O texto seguinte é uma compilação de partes de uma entrevista dada pelo arquiteto no ano de 1988iv, na qual fala de sua relação com a cidade de Goiânia, sobre os projetos nela realizados e tece considerações sobre sua obra. Neste ano, três de suas obras permaneciam ainda ancoradas. A deriva, encontrava-se apenas a Casa. Sobre Goiânia & Paulo Mendes da Rocha… “Na época que eu estudei arquitetura (…) Goiânia tinha uma enorme importância por ser uma cidade projetada por Attílio Corrêa Lima. Logo depois, o plano passou por uma revisão liderada pelo arquiteto Luiz Saia. Para nós, Goiânia sempre nos pareceu uma cidade muito feliz por essas circunstâncias. Os arquitetos da minha geração tinham sobre Goiânia um olhar extremamente atento, esperançoso, invejoso, cúpido. Entretanto, a não ser por essas ligações de caráter estudioso do plano de Attílio e com o grupo de Luiz Saia (que era um grupo paulista), eu não tinha nada com Goiânia. Porém, surgiu pelas mãos de Raul Filó e Ariel a decisão de convencer a direção do Jóquei Clube de Goiânia a fazer uma sede nova. Havia uma casa, um simpático casarão adaptado como sede social do clube, (…) instalada naquele terreno magnífico, no centro da cidade. Esses dois jovens arquitetos de Goiânia convenceram o Jóquei Clube a fazer um concurso e, como tinham pressa, resolveram fazer um concurso fechado. Concurso esse, organizado 13 pelo Instituto de Arquitetos, mas por convite. Convidaram vários arquitetos de lá, de acolá, não me lembro mais quem eles convidaram. E vieram convidar um arquiteto de São Paulo e bateram comigo. Eu recebi um telefonema, fui fazer uma entrevista com eles e com o diretor do Jóquei Clube. Naturalmente que para o público era necessário uma explicação. Por que eu? Eu tinha feito o Ginásio Clube Atlético Paulista, tinha ganho o Prêmio Internacional na Bienal. Os jovens arquitetos estavam ligados a mim. Eu era um deles que estava aparecendo. Tudo isso foi muito interessante, muito carinhoso. Eu fui a Goiânia, fiz o Jóquei Clube, ganhei o concurso. E aí passei sete anos, como toda obra de clube, indo lá; pois inicia-se uma parte, depois pára um pouco, continua. (…) O fato é que tudo aquilo que se pensava sobre Goiânia se confirmou à terceira potência. Durante a construção do Jóquei fui procurado por um jovem casal, muito interessante, que me convidou para fazer a casa deles. No entanto, com o progresso de Goiânia (o jovem casal) foi compelido a acabar alugando a casa com fins comerciais, ou até quem sabe, ele não gostou da casa para morar?!? Bom, aí o Jóquei ficou pronto e aconteceu, no sentido da palavra (…). Como quem diz, um capricho da vida. O governo quis fazer o Estádio Serra Dourada e abriu uma concorrência, convidando umas empresas para desenvolverem um estudo preliminar que havia sido feito lá, pelos órgãos do governo. Mas era um estudo muito elementar e, com esse estudo, as empresas deveriam fazer o projeto completo para por em concorrência pública: fundações, avaliações de movimento de terra, plano dos acessos, cálculos de estruturas, detalhes completos. Convidaram uma empresa de São Paulo –a SERET– empresa que hoje não existe mais, uma empresa de planejamento e desenvolvimento de projetos. A SERET examinou o estudo preliminar (do ponto de vista de engenharia), que era o objeto sobre o qual eles iriam fazer uma proposta para desenvolver. Como empresa, tinha no seu corpo profissionais muito inteligentes, mesmo na área da arquitetura, que não o acharam conveniente. Acharam que seria dificílimo executar o que estava lá, por várias razões: no plano inclinado das arquibancadas, por exemplo, havia propostas de supermercados pelo lado de fora, difíceis de realizar e impróprios a nível de obra e mesmo de efetivação urbana. A SERET fez a proposta, acrescentando que se reservavam à seguinte oferta dentro da proposta: em 19 dias oferecer –se arriscaram por um prazo– uma variante que, se o governo aceitasse, ela, então, ainda naquele preço, a detalharia. (…) Nesse momento a empresa se mobilizou para enfrentar a situação e um dos arquitetos da empresa achou por bem contratar um profissional especial para fazer o projeto e que poderia ser eu. Mais uma vez uma questão que eu digo, serenamente, do meu prestígio entre meus próprios colegas. Aceitei e fizemos o anteprojeto de contra-proposta. (…) desenvolvemos o projeto junto à SERET, que calculou, e foi feito então o Serra Dourada. (…) 14 Passaram-se mais alguns anos e, eis que meu amigo, ilustríssimo arquiteto de Goiânia, Luiz Fernando Cruvinel Teixeira – ou Xibiu, como vocês dizem carinhosamente – se envolve com o projeto da Rodoviária e propõe que eu me incorporasse à equipe, por ser aquele arquiteto que tinha feito o Jóquei Clube e o Serra Dourada. Foi aceito, nós fizemos um acordo, eu e o escritório do Luiz Fernando, e nós fizemos a Rodoviária. Sendo assim, vocês vêem, eu sou um escravo de Goiânia, eu faço o que vocês quiserem.” Situações de ancoragem difícil… “(…) as três obras são peculiares por serem projetos importantes e as duas últimas governamentais. Pelo porte e pela implantação (…) as obras teriam, do ponto de vista da lei, que serem examinadas como caso especial de consenso dos urbanistas e arquitetos. Casos especiais de implantação como o Jóquei Clube, por exemplo, são muito interessantes e estão hoje em discussão. O terreno era extremamente valioso naquela área central e, na época, parecia interessante um clube recreativo que ficasse no coração da cidade. É uma exceção muito bonita se a cidade suportar, do ponto de vista do investimento. Porque a vida do dia a dia pode ser gozada neste recinto. O próprio adensamento dos edifícios residenciais em volta, hoje, demonstra que esta tese ainda é verdadeira, precisaria ter vontade de bancar esta situação. Eu não acho que o Jóquei Clube, hoje, seja condenável, que teria que trocar de lugar. Entretanto, pode-se pensar nisso porque a demanda daquela área para outros fins é muito grande. O próprio Jóquei pode se aprimorar e ter no seu patrimônio outros edifícios naquela área sem prejuízo, por exemplo, uma torre de hotel. A implantação, com muita consciência, foi feita como um edifício transverso à via Anhangüera e a Rua 3, de tal sorte que os jardins de um lado e de outro usassem aquele edifício com uma visão de transparência, uma vez que não é um edifício que exige muita qualidade de caráter tecnológico do ponto de vista ambiental, porque é uma varanda: aqui tem uma quadra, ali tem uma quadra coberta. Pareceu então que a implantação transversa à rua livrava a área de espaço precioso às praças arborizadas, às piscinas, etc. Acho que foi o partido arquitetônico que decidiu o concurso. Quanto à tecnologia, não houve problemas. Foi utilizada protensão no concreto. A própria volumetria deste prédio, junto a essa área densamente urbanizada exigia, na minha opinião, que ele não tivesse um ar nem campestre, nem folclórico. [o partido] Partiu de nós. Eu quis arriscar no concurso, fazendo uma coisa como eu achava que deveria ser feita. Também fizemos a sede em cima da outra, implicando na sua demolição. Eu raciocinei assim, (…) se deixasse a outra como provisória, iria ficar como definitiva (como tudo no Brasil). Então, se era para modernizar a área, o melhor era tomar uma posição radical. (…) (…) O Estádio Serra Dourada tem também, e acho isso fundamental para caracterizar uma obra, uma questão de concepção e implantação de partido muito nítida e definitiva. (…) nós 15 fizemos um estádio circular, o que até certo ponto é uma contradição em relação à qualidade das visuais, porque no diâmetro transverso ao campo, as arquibancadas aparentemente se afastando, uma forma difícil de contornar na geometria específica do projeto, mas nós fizemos o seguinte: examinamos primordialmente a questão das visuais. É fundamental isso num estádio, numa arena, como diriam os romanos, e nós fizemos uma coisa interessante: passamos as catenárias das visuais das arquibancadas pelo computador, fazendo um cálculo das mesmas e conseguimos dois planos ,um que fica no solo natural, que são “as gerais”, e depois um outro plano, com outra inclinação, que é a estrutura aérea das arquibancadas; conseguimos dois planos de visibilidade muito boa. Mas no partido, o fundamental é o seguinte: a maioria dos estádios de futebol é muito bonita por dentro. Por fora são inócuos, inóspitos no sentido da palavra, da chegada das pessoas, dos acessos de bilheteria, daquilo que seria o foyer, dos vestíbulos de um grande teatro. Nós concluímos que a dificuldade da cobertura das arquibancadas, genérica em todo o estádio, é a relação de balanço estrutural. Essa cobertura, voltada para dentro, é uma estrutura em balanço. Eu imaginei fazer um peristilo de colunata e equilibrar esta marquise que cobre as arquibancadas com o mesmo balanço para dentro e para fora. Não seria mais um balanço e sim uma estrutura equilibrada com apoio central, 20 metros de cobertura para a arquibancada e 20 metros de cobertura para criar esse grande espaço vestibular de recepção e de entrada, onde se desenvolvem as rampas, etc. Ele recebe muito bem por fora a população que se dirige a este recinto. Isto deu ao estádio, enquanto edifício visível por fora, uma forma inusual, inesperada. Por outro lado, copiando o que já se tinha experimentado num projeto que Oscar Niemeyer tinha feito para um estádio do Rio de Janeiro, que seria o Maracanã, e que tem o eixo maior ao longo do campo de futebol, aberto para promover desfiles e outras manifestações, criou-se um estádio aberto, literalmente. Como essa parte atrás das goleiras é a menos interessante como visual, nós imaginamos romper a marquise em dois semicírculos e abrir o eixo do estádio. Aí ficou fácil concluir. Porque o bom desenho, se você o esboça e ele é bom como idéia, se tem sustentação, ele passa a ter uma gênese própria, o resto é conseqüência. Com a solução de pisos intermediários (…) era fácil fazer progredir e completar o círculo com dois edifícios de cabeceira: um como sede da federação de futebol da cidade e o outro como alojamento, restaurante, hotel de visitantes, delegações. Isso acabou organizando patamares interessantes, que poderiam, inclusive, ser ajardinados. É o primeiro estádio do mundo que tem arvoredos, etc. Acabou ficando bonito, interessante, leve, etc. A Rodoviária foi muito feliz. O projeto foi feito com urgência. O governo, como vocês sabem, tinha muita pressa. Então foi desmobilizado o pátio da ferrovia, nós fomos para lá, examinamos o local. A escolha do local foi determinada pela Secretaria de Planejamento, dentro de uma visão urbanística que nós aceitamos: a área enorme que o projeto exige para grandes praças, espaços de desafogo, de manobras para o tráfego intenso que uma 16 estação fatalmente tem e a idéia de colocar essa estação, por outro lado, na área central, para que não houvesse redundância do usuário ter que utilizar dois transportes e mesmo a perspectiva de manter o leito ferroviário antigo que é um patrimônio inestimável para Goiânia. Se há um leito institucionalizado garantindo a ferrovia, este será o leito do transporte de massas, para evitar desapropriações. A associação desses transportes é excelente para a população e como idéia do transporte público. Era ótimo lugar. O perigo era desativar o leito ferroviário. Devia-se transferir os pátios de carga deixando o leito permanecer. Portanto, a escolha do local foi um consenso. Foi feita por parte do governo, mas uma ótima escolha, não houve imposição. Aí a primeira coisa que se fez foi estudar a conformação topográfica do terreno. Mais uma vez a situação é feliz, porque se ele já era um páteo ferroviário, ele era, planimetricamente falando, propício. Não é interessante que os ônibus fiquem submetidos a vencer as rampas, até por questões de ruído, de poluição, etc; mas sim que eles entrem maciamente, numa grande horizontal de aeroporto. Uma estação rodoviária deve ser sempre feita, quando possível, numa grande esplanada, e isso estava lá. Há novamente uma situação de partido interessante, porque o número de vagas para acostamento de ônibus para embarque é o que comanda as dimensões de uma rodoviária, porque esses boxes de embarque têm dimensões inexoráveis. Portanto, você multiplica pelo número de boxes e a estação tem o seu tamanho, digamos assim, como artefato arquitetônico, o que se vai construir. Porém, o número desses boxes é uma questão de planejamento, você não pode discutir muito. É calculado em função de tráfego, tempo de embarque e desembarque, e se prevê o número, isto foi feito então pelo Governo, inicialmente, e examinado por nós. O número inicial foi contestado, parecia excessivo - e de fato o governo concluiu que tínhamos razão e recalculou. Chegou-se a um número ótimo de 32 boxes ou 30 plataformas de embarque, porque o desembarque é mais rápido, ocupando menos lugar. Esse número de plataformas dimensiona a estação. Desde logo, lá se percebeu que, pela dimensão que eles têm que ter, fatalmente alinhados por uma linha só, resultaria numa estação extremamente longa, o que é desfavorável numa série de pontos, serviços indispensáveis a uma estação. A informação torna-se difícil com uma coisa longe da outra, perde-se a concentração visual necessária num edifício onde a informação é fundamental. A procura de uma escala adequada foi para nós uma exigência. Isso fez com que pudéssemos inventar aquilo que está lá: plataformas de embarque dos dois lados, o que obriga a aprisionar como uma ilha o saguão de embarque. Aí o partido está feito. Imaginamos a plataforma para a travessia, elevada, o que faz com que ela seja uma passagem pública além das utilidades da estação. (…) Do ponto de vista tecnológico tem coisas muito interessantes nessa estação. Como a área de cobertura é extremamente grande, a água pluvial é considerável. As calhas para esse fim deveriam ter dimensões de galerias pluviais de ruas. Se a cobertura pode ser leve e metálica, há problemas de esforços de arranques dos ventos. As fundações deveriam ser reforçadíssimas para escorar o efeito 17 de sucção dos ventos na cobertura. Imaginamos que o fechamento dessa estação, o recolhimento dessas águas pluviais e o contrapeso para a cobertura poderiam ser feitos com aquelas vigas que lá estão – o que deu àquelas vigas a responsabilidade de ser o peso que ancora a cobertura, ao mesmo tempo uma galeria de água pluvial. Essas duas vigas externas, de 240 metros, teriam, por norma brasileira, que receber juntas para absorver os esforços de dilatação a cada 50m, o que é uma contradição para uma galeria de água pluvial, querer fazer um aqueduto vazado. Discutiu-se com o calculista a possibilidade de não fazer as juntas. A solução era fazer a viga totalmente solta de seus apoios, para que ela pudesse dilatar à vontade. A idéia resultou no formato dos pilares, que sustentariam e escorariam a viga através das necessidades conjugadas com os cálculos; você vai esculpindo aquilo que está lá. Já os pilares das vigas norte-sul são uma “brincadeira”, porque aquelas vigas não têm nenhuma responsabilidade estrutural – a não ser o próprio peso – ela é necessária para que a chuva não lave a estação. E ela é independente, porque a clarabóia é articulada, não tendo carga alguma. Para sustentá-la, fizemos uma variante daquele pilar e criamos um pilar meio “bailarino”, digamos assim. Outra coisa bonita na rodoviária é fruto de uma circunstância goiana: a beleza da paisagem e como ela fica bonita cortada por uma grande horizontal. A residência é muito bonita, é uma casa sobre pilotis. Há nela algo interessante em relação ao plano da cidade de Goiânia, no que diz respeito às vielas de serviço. Essa casa ficava numa esquina, de tal sorte que eu poderia aproveitar a viela de serviço com uma certa independência, ou seja, eu podia inaugurar o trecho da viela de uma forma nova no seu uso. Eu recuei o muro da casa em relação à viela, de tal sorte que a escadinha de serviços fica fora, quer dizer: o padeiro, o verdureiro, o serviço pode subir pela viela diretamente para a varanda da cozinha. Por outro lado, isso faz com que a entrada da casa se faça pela viela, uma vez que a avenida da frente é muito movimentada. A casa é uma grande varanda, com uma visual a um pé direito acima do térreo, o que é muito agradável principalmente para a ventilação, no calor, etc.” Sobre o brutalismo, a verdade estrutural e a modernidade… “(…) Não tem nada de brutalismo na minha obra. (…) É preciso considerar, por exemplo, numa estrutura como a do Jóquei Clube (feita em concreto protendido, assentada aos pilares, um por um, em juntas de neoprene) ser mais cabível aos brasileiros verem isso como alta tecnologia – isso que chamam high tech – do que como brutalismo. O que eu quero dizer é que nunca pretendi ser brutalista, então eu tenho o direito de não ser enquadrado como tal. (…) Essa coisa de verdade estrutural também é um termo eterno na arquitetura. (…) Agora com a tecnologia que prevê o comportamento dos materiais – é uma coisa da modernidade – esses recursos da tecnologia da construção, diretamente aplicados sobre a forma, são tão sublimes como demonstração do conhecimento humano, que fica 18 como nada esconder, exibir ao máximo essas virtudes do conhecimento sobre a matéria. Eis as delicadíssimas pontes do Mainart. Nada melhor para exibir! (…) Arquitetura não é uma profissão liberal, é uma forma peculiar do conhecimento. É esta a visão que as escolas deviam ter. O artista tem que ser um homem da sua época. Eu queria não me colocar em nenhuma gaveta, eu só gostaria de ser reconhecido como um brasileiro contemporâneo. Oportunamente contemporâneo. “A modernidade não é um a questão de estilo: é uma performance perante a vida.” (MENDES DA ROCHA, 1988) Referências bibliográficas ARTIGAS, Rosa (org.). Paulo Mendes da Rocha. São Paulo: Cosac & Naify, 2000. FROTA, José Artur D’Aló, CAIXETA, Eline Maria Moura Pereira. Cine-Teatro Goiânia: estratégias para uma possível requalificação do lugar. Anais do III Seminário PROJETAR. Porto Alegre: PROPAR-UFRGS, outubro de 2007. MAHLER, Christine Ramos. Aspectos da Modernidade na Cidade de Goiânia. (1950 – 1960). 2004. Dissertação (Mestrado em Gestão do Patrimônio Cultural) - Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia, Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2004. VAZ, Maria Diva A. C. “Percorrendo a História do Centro”. In: PAULA, Flávia Maria de A.; CAVALCANTI, Lana de S. (org.) A cidade e seus Lugares. Goiânia: Vieira, 2007, p.53-77. –. Oscar Niemeyer. Belmont-sur-Lausanne: Editions Alphabet, 1977 –. Arquitetura dos Transportes: A obra, o espaço criado e o desenvolvimento de Goiânia. Revista Projeto, São Paulo, nº94, 1986. i A praça seca é uma composição de elementos funcionais articulados formalmente: as superfícies de água das piscinas; os vazios que iluminam o pavimento inferior; e os volúmes geométricos que irrompem na grande plataforma, abrigando sanitários, reservatórios e outros apoios. Elementos que atuavam, no projeto original, como contraponto à face oeste do edificio, que se abria ao bosque. ii Ainda que o projeto de Niemeyer fosse na realidade um grande complexo esportivo, com o estádio se destacando por meio de seu volúme construído e sua solução formal que remete ao monumentalismo do Palácio dos Sovietes de Le Corbusier, projetado dez anos antes. iii Recentemente, entre a antiga Estação Ferroviária e o Terminal Rodoviário, foi construido um grande pavilhão para abrigar bancas comerciais de ambulantes, que rompe completamente o diálogo entre estes dois edifícios. iv Entrevista concedida pelo arquiteto a Christine R. Mahler, São Paulo,1988. In: MAHLER, Christine Ramos. Aspectos da Modernidade na Cidade de Goiânia. (1950 – 1960). 2004. Dissertação (Mestrado em Gestão do Patrimônio Cultural) - Instituto Goiano de PréHistória e Antropologia, Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2004. Imprimir Fechar O CONCRETO NA LINGUAGEM DE OSCAR NIEMEYER Mayer, Rosirene (1) ; Turkienicz, Benamy (2) (2) Arquiteta,aluna Doutorado PROPAR. Simmlab, Faculdade de Arquitetura, UFRGS (1) Doutor, Professor Titular, PROPAR. Coordenador SimmLab, Faculdade de Arquitetura, UFRGS (1,2) SimmLab, Laboratório de Simulação e Modelagem em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura. UFRGS, Rua Sarmento Leite, 320 s.305 CEP 90046-170, Porto Alegre, RS, Brasil fone/fax (51) 3308 3916 e-mail: mayer@.ufrgs.br; benamy@portoweb.com.br; 1 CONCRETO NA LINGUAGEM DE OSCAR NIEMEYER. Resumo: Este trabalho descreve a relação do concreto armado com as estratégias compositivas utilizadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer. A partir modelo de Gramática de formas, aborda-se o uso do concreto como um dos componentes da semântica e sintaxe empregadas na linguagem arquitetônica de Niemeyer. A gramática que codifica a linguagem de Niemeyer tem sido explorada em pesquisas recentes [Mayer, 2003; Mayer, Turkienicz, 2005a; 2006] onde são examinados edifícios produzidos por Niemeyer a partir de 1943 identificando: 1. o concreto mediando a relação entre vocabulário (semântica) e forma arquitetônica resultante (sintaxe). 2. diferenças e semelhanças na linguagem de Niemeyer no uso do concreto durante todo o período. O estudo demonstrou que a plasticidade do concreto permitiu a Niemeyer atingir múltiplos objetivos relacionados à percepção e a relação da forma arquitetônica com o programa e o contexto: a] liberdade Plástica b] exploração do aparente paradoxo entre o concreto e a percepção de leveza; c] unidade plástica; d] percepção espacial de contraste e] a relação com o ambiente Como desenvolvimento do estudo sugere-se que a adoção de abordagens generativas sobre precedentes arquitetônicos poderiam ser úteis para a validação de hipóteses sobre a relação entre vocabulario e sintaxe na linguagem arquitetônica de Niemeyer . Palavras chave: concreto; linguagem; gramática. THE CONCRETE IN NIEMEYER’S LANGUAGE Abstract: This paper describes the relationship of reinforced concrete with the compositional strategies used by the architect Oscar Niemeyer. From model of Shape Grammar, approaches the use of concrete as a component of semantics and syntax employed in architectural language of Niemeyer. The grammar that codifies Niemeyer’s language has been exploited in recent research [Mayer, 2003; Mayer, Turkienicz, 2005a; 2005b; 2006] where buildings designed by Niemeyer from 1943 was examined in order to identify: 1. the concrete mediating the relationship between vocabulary (semantics) and resulting architectural shape (syntax). 2. The differences and similarities in the use of concrete in the language of Niemeyer during the studied period. The study has shown that the plasticity of the concrete allowed Niemeyer to achieve multiple goals related to the perception of shape and the relationship with the program and architectural context: a] plastic freedom b] in the perception of lightness c] in the relation with the landscape d] in the perception of spatial contrast e] in the plastic unity As possible development suggests that, the generative approach on architectural precedents study could be useful in the validation of various hypotheses on the relationship between vocabulary and syntax of Niemeyer architectural language. Key words: Niemeyer; grammar; language; 2 O CONCRETO NA LINGUAGEM DE OSCAR NIEMEYER. Architecture is a language having the discipline of a grammar. Language can be used for normal day-to-day purposes as prose. And if you are good, you can be a poet. Mies Van der Rohe, In Frampton 2001:169 Pela primeira vez ao calcular o projeto de Niemeyer, posso mostrar tudo o que conheço do concreto armado. Riccardo Morandi, engenheiro estrutural edifício sede do FATA em Turin, In Niemeyer, 1993:35 (...) we learn that everything is arranged according to principles consistent with the whole: that every organism is a kind of link in the chains of variants around the axis between two poles, variants which, responding to a single factor, establish a series: a coherent system varies in accordance with the countless possible sets of combination (Le Corbusier,1927) 1. Introdução Oscar Niemeyer é o arquiteto com o maior número de obras importantes construídas na história da humanidade (Ohtake,2007). Pode-se se afirmar que a maior parte destas obras foi concebida e construída em concreto armado, o que o identifica como um material protagonista no conjunto da obra de Niemeyer. O protagonismo do concreto como material pode ser relatado ao protagonismo das curvas no estilo ou linguagem da arquitetura desenvolvida por Niemeyer. A curva é a idéia fundamental que atravessa a carreira de Niemeyer e o concreto, o meio para sua materialização. Por meio do concreto, Estrutura e arquitetura se completam, nascem juntas no traço arquitetural (Niemeyer,1978), opção pela qual é inerente o rompimento com o conceito da Beaux Art “primeiro o projeto depois a estrutura” (Banham,1967). Na literatura existente sobre a obra de Niemeyer é freqüente a descrição das inovações formais e técnicas com ênfase na adjetivação e classificação da morfologia das formas admitidas pelas propriedades estruturais ou plásticas do concreto armado: as fachadas inclinadas soltas sobre pilotis (Corona, 1985); pilares em V e W; arcos ondulantes, abóbadas, o véu fino de concreto sobre pórticos de concreto armado (Katinsky, 1987; Bruand, 1999; Comas, 2001, Cavalcanti, 2001) a abóbada combinada com a água invertida; os prismas trapezoidais de base larga ou estreita; a seção facetada; a ordem colossal; o quebra sol de componentes móveis; treliças e vazados; figuras amebóides; pilotis feito hipostilo (Comas, 2001). A concepção das formas plásticas da arquitetura de Niemeyer seria relacionada às possibilidades técnicas ilimitadas do concreto armado e dos métodos contemporâneos de construção que permitiram: a supressão de paredes portantes; a concepção de um único elemento 3 estrutural contínuo para paredes; a unidade formal; clareza, expressividade e economia de meios (Costa, 1951; Papadaki 1951; Segre, 1987; Bruand, 1999). A linguagem de Niemeyer é reconhecida por diversos autores e identificada através de expressões como: idioma plástico de Niemeyer (Papadaki,1960) linguagem pessoal; (Bruand,1999) estilo brasileiro, (Macedo, 2006). Bruand, (1999) elege três componentes do estilo Niemeyer: pesquisas estruturais dinâmicas, forma livre e jogo de volumes puros equilibrando-se mutuamente. O discurso de Niemeyer sugere os limites de uma linguagem (...) estabelecendo para os novos projetos uma série de normas que buscam a simplificação da forma plástica e o seu equilíbrio com problemas funcionais e construtivos. Para Comas (1994a), a originalidade de Niemeyer implicaria total domínio da sintaxe geométrica e construtiva da arquitetura moderna. Oscar faz com que os edifícios percam o caráter indispensável que suas finalidades e conveniências programáticas deveriam exigir (....) que assim passam a apresentar aspectos idênticos, a despeito de seus programas, (Comas 1994b). Edifícios totalmente diferentes sob uma aparência comum, não seria fato isolado na obra de Niemeyer (Botey, 1994). Segundo Mahfuz (1987), a arquitetura de Niemeyer seria bastante previsível, na medida em que: poderia ser reduzida a um número limitado de estratégias compositivas e elementos de composição1. Para Pereira (1997), esta afirmação equivaleria a dizer que a arquitetura de Oscar é hoje familiar, no entanto, tal argumento não nos impediria de afirmar, como Lavoisier, (...) que nada se destrói tudo se transforma. (...) os milhares de genes que compõe o corpo humano não nos possibilitam o reconhecimento de todas as suas combinações. Comas (2000, 2001), afirma que a diferenciação compositiva, material e significativa exemplificaria, de modo contundente, a versatilidade de um número limitado de elementos e princípios formais. As análises descritivas e interpretativas da obra de Niemeyer podem ser associadas a dois paradigmas descritivos2 (Turkienicz,1994; Mayer,2003). O primeiro baseado na descrição da anatomia da forma e seus condicionantes, e o segundo, na descrição de princípios generativos. O primeiro modo descritivo descreve a obra segundo a análise da morfologia dos edifícios: a] a partir das semelhanças formais com intuitos classificatórios ou como meio de referenciar a obra ou as formas criadas por Niemeyer a alguma precedência representada por escola estilística, elementos arquitetônicos, arranjos compositivos, funcionais ou tipológicos. 1 Mahfuz (1987),sintetizaria a obra de Niemeyer em três partidos básicos: monolítico; composição elementar baseada na definição clara de um volume para cada função, conectados entre si na forma de um artefato composto; decomposição e atomização do programa, em volumes simples para funções repetitivas e volumes especiais para funções especiais. Estes partidos estariam baseados na composição ou utilização de oito elementos: barra horizontal retilínea ou curva, torre, prédio-viga, edifício circular de baixa altura, marquise orgânica; plataforma; cascas de forma livre e calotas. 2 Que podem ser complementares, não necessariamente excludentes entre si. 4 b] A partir dos meios, pessoas e condições que a engendraram3. Nesta abordagem, a alusão, direta ou indireta, à linguagem, ou estilo de Niemeyer, é referida como reflexo do método de trabalho, das estratégias compositivas e da recursividade de procedimentos e recorrência de formas. Na definição de estratégias compositivas, a descrição parte de volumes associados a elementos pré-definidos e apriorismos compositivos. A limitação do caráter explicativo desta abordagem com relação a obra de Niemeyer reside não na idéia da estratégia e da recursividade, componentes naturais de uma linguagem arquitetônica, mas na sua limitação ao conceito de composição de Guadet onde os elementos da arquitetura – paredes, aberturas, abobadas, telhados - são membros funcionais e estruturais, e os elementos da composição - quartos, vestíbulos, salas, escadas, ou edifícios - são volumes funcionais. Por outro lado, a analogia de Pereira (op.cit) com a combinação genética é coerente com as abordagens generativas, o segundo modo descritivo. A abordagem generativa trata da especulação sobre a existência de uma possível e consistente ordem subjacente, em formas aparentemente iguais ou diferentes entre si. Em outras palavras, o uso de abordagens generativas na análise de linguagens arquitetônicas objetiva menos uma genealogia de precedentes da forma ou interpretação causal, mas uma exploração e registro do padrão combinatório de elementos geométricos (mais relatado a hereditariedade da forma) que relaciona os membros de uma família de edifícios a partir da identidade entre suas estruturas generativas. A abordagem generativa pode servir a clarificar a descrição da linguagem de Niemeyer onde sua geometria é denominada formas livres (Luigi,1987; Mahfuz,1987; Bruand,1999; Underwood, 2002; Macedo,2002). Por outro lado, pode ser um instrumento auxiliar para demonstrar ou invalidar de modo objetivo as hipóteses que se constroem a partir da observação das características morfológicas da obra relativas a diversos temas, como, precedentes formais, filiação a escolas estilísticas, ou aquelas de caráter taxonômico. Uma das abordagens dos princípios generativos refere-se à descrição das regras que determinam a sintaxe e a semântica envolvida na definição de estilos individuais ou linguagens arquitetônicas. Nesta abordagem a linguagem arquitetônica de Niemeyer pode ser revelada através de princípios que relacionam seus componentes em termos do conjunto da obra, de suas fases, ou do edifício. A identificação destes princípios resulta da análise da obra e do discurso do arquiteto. A análise da obra serve a descrição da sintaxe enquanto a análise do discurso permite associar a esta sintaxe, uma semântica da linguagem arquitetônica. Para a análise da semântica partimos do pressuposto que o 3 A obra de Niemeyer é descrita freqüentemente, a partir dos pontos de aderência, independência, ou subversão dos princípios do Movimento Moderno, tendo como modelo a obra de Le Corbusier. 5 discurso de Niemeyer4 contém uma teoria e um conjunto de regras que descrevem a intenção plástica que permeia toda a sua produção arquitetônica. Este trabalho descreve o uso do concreto como um componente semântico e sintático da linguagem arquitetônica de Niemeyer. Foram examinados edifícios produzidos por Niemeyer durante mais de 60 anos a partir de 1943 identificando: 1. o concreto como um meio material na relação entre a intenção de Niemeyer (semântica) e a forma arquitetônica resultante (sintaxe). 2. diferenças e semelhanças no uso do concreto na linguagem de Niemeyer durante todo o período. A seguir, na seção 2, apresentamos o modelo de Gramática de Formas seguido na seção 3 da aplicação do modelo a linguagem de Niemeyer. Na seção 4, analisamos o concreto na linguagem de Niemeyer segundo a abordagem generativa, seguida na seção 5, pela discussão dos resultados e conclusões. 2.Gramática de formas Man walks in a straight line because he has a goal and knows where he is going, he has made up his mind to reach some particular place and he goes straight to it. (Le Corbusier, 1927) A gramática de formas como desenvolvida por Stiny(1975) constitui um modelo descritivo5 baseado na analogia com o aparato conceitual e metodológico utilizado pela lingüística. A gramática descreve o conjunto de regras para a formação de frases em uma determinada língua a partir da combinação de palavras de um vocabulário, como a gramática para arquitetura descreve o modo que um repertório de formas simples pode ser combinado para compor formas complexas em uma determinada linguagem arquitetônica. Gramática de formas tem sido usada na definição de linguagens de arquitetura ou design para criação ou análise de projetos. Na criação ou síntese, o processo parte de certo número de idéias compositivas expressas na forma de relações espaciais entre os elementos de um repertório ou vocabulário de formas para o exame das possibilidades combinatórias resultantes desta matriz generativa. A análise constitui o caminho inverso e envolve a inferência da gramática e seus 4 Segundo Pereira, (1997) a constante expectativa em relação “ao espetáculo arquitetural” proposto por Oscar sempre desviou a atenção dos críticos, dos arquitetos e dos estudantes de arquitetura em relação ao universo de princípios e informações contidas nos seus textos no seu discurso. 5 O modelo permitiu identificar os principais atributos presentes na linguagem volumétrica de arquitetos como Álvaro Siza Vieira ( Pinto 2005,2007), Frank Lloyd Wright ( Koning e Eizenberg, 1981) e Palladio (Stiny;Mitchell , 1978 ). 6 elementos generativos – vocabulário de formas e relações espaciais – a partir de um conjunto de desenhos que apresentam identidade de estilo ou linguagem arquitetônica. A identificação destes elementos generativos deu origem a primeira gramática da linguagem de Niemeyer (Mayer,2003). Baseada na análise de vinte edifícios caracterizados pelo perfil curvilíneo projetados por Niemeyer entre 1943 e 2003, a gramática elaborada descreve uma parte da linguagem do arquiteto identificando a sintaxe entre o vocabulário de curvas e um conjunto de relações espaciais que estruturam operações de translação, rotação, reflexão, adição intersecção e subtração que, por sua vez, constituem as regras de geração. (fig. 1) Figura 1. Gramática parcial da linguagem de Niemeyer: esquema de uma seqüência de regras comuns à geração de um conjunto de edifícios. 7 A gramática contém a descrição dos mecanismos de controle dimensional que orientam o processo de geração. (Mayer; Turkienicz, 2005a;2006). Estudos subseqüentes descreveram o conteúdo semântico da linguagem. (Mayer; Turkienicz, 2005b; 2007). As gramáticas servem para uma descrição objetiva do modo como os edifícios se distinguem, ou se assemelham em uma linguagem, através da identificação: 1. da geometria utilizada na composição6 destes edifícios identificada como as regras que estabelecem a relação entre formas de um repertório de formas. 2. das regras que determinam a escolha desta geometria da composição em termos programáticos, funcionais, tipológicos ou de seu significado. As regras do primeiro tipo determinam a sintaxe e do segundo tipo a semântica da linguagem arquitetônica. A semântica refere-se aos objetivos do arquiteto ao apropriar-se de determinado repertório e sintaxe. O arquiteto trabalha com uma estrutura complexa de fatos, regras e objetivos que não se mantém necessariamente constantes durante todo o processo de projeto. O projeto final resulta do processamento pelo arquiteto deste conjunto de dados com base em sua experiência, cultura e conhecimento arquitetônico, orientado segundo suas intenções formais e funcionais. Os objetivos de projeto determinam a escolha de modos (soluções formais e funcionais) e meios (soluções estruturais, materiais. tecnológicas) para a solução de um problema arquitetônico. A constituição de uma linguagem arquitetônica envolve a recursividade destes modos e meios. O alcance dos objetivos de projeto envolve etapas intermediárias ou objetivos secundários7. Os objetivos secundários constituem os modos utilizados (sintaxe) pelo arquiteto para atingir o objetivo de projeto. Por exemplo, se o objetivo de projeto é a “leveza”, o objetivo secundário, consiste nos modos e meios para “percepção” de leveza e as regras sintáticas escolhidas deverão ser compatíveis com este objetivo como, por exemplo, Niemeyer procede, à manipulação da dimensão da seção dos apoios. Os objetivos secundários são específicos, ou seja, mantém identidade com o problema arquitetônico que o engendrou. Para cada objetivo secundário existe ao menos uma regra sintática. Na análise do discurso de Niemeyer no que se refere ao seu método de trabalho (Niemeyer,1993), é 6 A utilização do termo composição não se refere aos cânones da arquitetura clássica e elementos arquitetônicos aos quais se referia Guadet[1909], mas ao modo pelo qual os elementos constituintes do todo (formas geométricas simples - linhas, planos, volumes) se dispõem e integram (relação entre as formas) ou sua ordem geométrica. 7 O adjetivo “secundário” não estabelece uma relação hierárquica ou de importância como os objetivos de projeto, mas uma relação de dependência entre os objetivos. 8 possível identificar, ao menos, cinco objetivos de projeto: liberdade plástica; unidade plástica; relação com o ambiente; leveza arquitetural; contraste espacial.8 Uma característica comum entre estes objetivos de projeto, é que todos estão relacionados de algum modo à percepção espacial. As qualidades plásticas e estruturais do material concreto armado podem ser associadas diretamente a geometria ou sintaxe empregada por Niemeyer. Estabelecer a relação entre estes dois componentes pode ser um caminho produtivo na interpretação da obra de Niemeyer e sua linguagem como estratégias úteis para o “projetar” e o “ensinar o projeto”. Neste estudo descrevemos alguns dos desdobramentos possíveis destes objetivos genéricos no que se refere ao uso do concreto armado. Estes desdobramentos são diretamente relatados às regras e componentes sintáticos da gramática da linguagem arquitetônica de Niemeyer. 3.A linguagem de Niemeyer Absence of verbosity, good arrangement, a single Idea, daring and unity in construction, the use of elementary shapes a sane morality. (…) Architecture is a plastic thing. The spirit of order, a unity of intention. The sense of relationships; architecture deals with quantities. (Le Corbusier, 1927) The human eye awoke to the spectacle of form, line and color that is, the whole grammar of composition(Gideon 1970:462) Niemeyer desenvolveu um modo de geração de formas inovadoras a partir da escolha adequada das linhas ou formas geratrizes, da combinação com diretrizes e da exploração das possibilidades de desenvolvimento tridimensional destas linhas em superfícies e volumes. Em termos sintáticos os volumes curvos de concreto, característicos da obra de Niemeyer, podem ser simples ou compostos, ambos gerados a partir de dois tipos básicos de operações: a) a translação ou rotação contínua de uma diretriz reta ou curvilínea orientados segundo uma geratriz reta ou curvilínea para a geração superfícies contínuas. Este tipo de superfície pode ser gerado através de uma ou mais diretrizes que podem ser iguais ou diferentes entre si. b) a translação ou rotação discreta de elementos de concreto orientados segundo uma diretriz reta ou curvilínea para a geração de esqueletos ou superfícies de proteção. Estes elementos de concreto constituem planos, ou linhas retas ou curvilíneas, que assumem o papel de geratrizes. Os volumes compostos são gerados a partir da combinação das superfícies horizontais, verticais ou curvilíneas que o definem. As superfícies horizontais são geradas através da definição do perímetro curvilíneo. As verticais ou curvas são geradas segundo os tipos básicos de operações definidos nos itens a e b. 8 Estes objetivos de projeto foram desenvolvidos anteriormente em Mayer; Turkienicz,2005b e, em Mayer,Turkienicz, (2007) sobre o papel de outro material - o vidro na linguagem de Niemeyer. 9 A origem do volume pode no nível do solo ou abaixo nível do solo como, por exemplo, no auditório do Edifício Sede do Partido Comunista. As operações são articuladas por um eixo que assume diferentes posições e inclinações com relação à geratriz e a um plano de referência. A geratriz e a diretriz também são alteradas pela inclinação de seus respectivos eixos. A geratriz e a diretriz são definidas por elementos do vocabulário O vocabulário de curvas é formado por curvas cônicas e linhas compostas por curvas e segmentos de retas, ou combinação de curvas. A curva que predomina é a parábola9.(fig. 2) Figura 2. Esquema comparativo da ocorrência de Parábolas em onze edifícios projetados por Niemeyer. Os eixos e um vocabulário de curvas constituem o esqueleto da composição e uma das maiores fontes da distinção e diversidade formal que caracteriza a obra de Niemeyer. Os volumes gerados são transformados através de operações de simetria como reflexão, translação rotação e escala e operações booleanas de adição, subtração e intersecção. As transformações são geradas de acordo com os objetivos de projeto e operadas, fundamentalmente, nas seções verticais e 9 Em vinte exemplares examinados em Mayer(2003) onze apresentaram a parábola como curva geratriz ou diretriz. 10 horizontais do desenho. “Defini então o perfil o museu uma linha que nasce do chão, e sem interrupção cresce e se desdobra sensual até a cobertura.” (Niemeyer, 2000a) Um exame do conhecimento existente sobre a arquitetura de Niemeyer, assim como na obra escrita de Niemeyer - na descrição de seu método de trabalho, revela que, exceto a referência a importância das proporções em arquitetura não existe referência relevante sobre o uso de um sistema de proporções específico ou presença de qualquer mecanismo de controle dimensional. No entanto, a análise da obra demonstrou que uma das principais características de identidade destes volumes é a parametrização segundo um sistema de proporções baseado na seção áurea. A escolha dos elementos sintáticos da operação é feita por Niemeyer a partir da análise de dados do problema, como programa e contexto, a qual determinará os objetivos de projeto ou na abordagem generativa, regras semânticas. Ao menos na etapa inicial, o processo de projeto não é unidirecional e entre a análise e o produto final ocorre a escolha das formas, assim como suas redefinições, combinações e transformações, orientadas pelos objetivos de projeto. O esquema a seguir resume o processo cognitivo que caracteriza o desenvolvimento da idéia em direção a solução do problema de projeto ou produto final. REGRAS SINTÁTICAS DADOS DO PROBLEMA ANÁLISE PRODUTO FINAL REGRAS SEMÂNTICAS 4. O concreto na linguagem de Niemeyer Niemeyer, no discurso sobre a sua obra e método de trabalho estabelece uma relação de interdependência entre a plasticidade do concreto as suas intenções formais, na medida em que “a liberdade plástica que preferimos” se reflete nas demandas do material, concreto armado, que “exigia um vocabulário diferente, uma liberdade de formas plásticas que o caracterizasse (...) e sugeriria ”a leveza arquitetural”. Niemeyer (1993) O papel do concreto é o de material plástico e versátil o suficiente para ser considerado como uma das regras mais reincidentes da gramática da linguagem de Niemeyer, por que adequada aos seus objetivos de projeto e intenções plásticas. 11 As intenções plásticas de Niemeyer são inter-relacionadas como um sistema harmônico, então, freqüentemente uma tem como conseqüência a outra. Em outras palavras, a percepção de contraste é muitas vezes atingida através da estratégia para atingir leveza arquitetural, como no caso da proporção entre vãos e distância ou tamanho dos apoios. Do mesmo modo, existe sobreposição entre as diversas estratégias e a liberdade e unidade plástica. A seguir descrevemos algumas estratégias ou objetivos secundários como meios para atingir os cinco objetivos de projeto: liberdade plástica; unidade plástica; relação com o ambiente; leveza arquitetural; contraste espacial. a] Liberdade plástica Uma das reconhecidas características da produção de Niemeyer é a criação de seus próprios elementos de arquitetura. Esta atitude resulta no uso do concreto não como uma simples estrutura de componentes preconcebidos da construção e da arquitetura, como pilares e vigas, mas como elementos de desenho – linhas, planos e volumes. A transformação e combinação destes elementos geram estruturas menos familiares ao universo da arquitetura e da construção do que ao universo imagético do desenho. Os apoios assumem diferentes formas, as quais estão identificadas com a função própria de cada obra, não somente como estrutura, mas por vezes como superfície tridimensional de fechamento de volumes como, por exemplo, no Edifício para a Editora Mondadori em Milão ou nos Palácios em Brasília. Os apoios, ora são como planos recortados como no Palácio do Planalto, ora são volumes lapidados com planos curvos resultando em soluções diversas como no Palácio da Alvorada em Brasília, no Hospital Sul América no Rio de Janeiro e no Conjunto Kubitscheck em Belo Horizonte (fig.3). Figura 3. Hospital Sul América, RJ, 1952 e Conjunto Juscelino Kubitscheck, BH,1951 12 A diferenciação dos elementos de arquitetura impressa pela lapidação dos apoios é voltada a atingir objetivos de projeto de Niemeyer, como a leveza arquitetural, o que conduz a principal característica destes apoios – a extremidade delgada. Os procedimentos sintáticos para geração destes volumes e planos lapidados envolvem a operação de intersecção por planos curvos, gerados a partir de elementos do vocabulário de curvas. Na medida em que o concreto é um material estrutural cuja qualidade plástica admite qualquer forma e que os elementos pré-concebidos da arquitetura não fazem parte do vocabulário de Niemeyer, o arquiteto desenha com linhas de acordo com a natureza das funções que projeta para o programa, seus objetivos de projeto. Então, no modo de projetar de Niemeyer, uma janela não é concebida como uma janela, mas como resgate e exploração de sua natureza de abertura e suas possíveis funções, portanto, pode adquirir qualquer formato que seja adaptado à forma e ao contexto onde esta inserida. A abertura pode ser um furo, como um óculo que, por exemplo, na Oca do Parque Ibirapuera, pode assumir volume admitido pela plasticidade do material. (fig.4). A natureza deste volume pode ser não somente formal como funcional, como para criar luz direcionada ao invés de luz difusa. Esta estratégia cria espaços interiores com zonas de luz e sombra, coerente com outro princípio ou objetivo de Niemeyer, o contraste espacial. Figura 4. Óculo da Oca, Parque Ibirapuera, SP,1951 13 Além do vocabulário, Niemeyer estabeleceu sua própria sintaxe, para além da sintaxe corrente da arquitetura como, por exemplo, na independência entre a estrutura e a superfície de fechamento do volume. Niemeyer superou a relação pele e esqueleto ortogonal, que replicava as estruturas rígidas de madeira ou aço e estabeleceu novas relações, as quais exploram as propriedades monolíticas e plásticas do concreto, onde se criam grandes volumes e vãos surpreendentes, a laje é livre e rampas serpenteiam o espaço tridimensional conduzindo o visitante, como nos edifícios do Ibirapuera. O concreto aparece na forma de superfícies contínuas que caracterizam, por exemplo, as cúpulas e superfícies opacas de fechamento curvilíneas ou poligonais, ou através de elementos discretos – estruturais como a Catedral de Brasília (fig.5) ou de fechamento e proteção como o Edifício Montreal, SP, e o Edifício Residencial Niemeyer (fig. 6 e 7). Figura 5. Catedral de Brasília,1959 Figura 6. Edifício Montreal,1950 Figura 7. Edifício Niemeyer ,1954 b] relação com o ambiente Niemeyer sempre demonstrou domínio do desenho, “de um risco inicial nasce a arquitetura” (Niemeyer, 2000). O concreto é um instrumento de desenho que permite o risco na vista ou no corte de linhas simples que se convertem, na linguagem de Niemeyer, em imagens representativas de uma idéia, objeto ou paisagem, ideogramas construídos em superfícies planas ou tridimensionais. Esta habilidade e a qualidade da concisão em relação ao desenho e as idéias se desdobra na efetividade de Niemeyer como criador de símbolos e ícones. Admite-se uma relação indireta do concreto com a intenção de Niemeyer de estabelecer uma relação de suas formas com o ambiente na medida em que este possibilita às estruturas o modo de 14 “tensionamento” da forma com o ambiente capaz de convertê-la em parte da paisagem. O Museu de Arte Contemporânea de Niterói constitui o melhor exemplo da materialização desta intenção (fig.8). Figura 8. Museu de Arte Contemporânea de Niterói, 1991. A relação com o ambiente também é favorecida indiretamente pelas propriedades estruturais do concreto enquanto permite por um lado, o enquadramento da paisagem em diversos formatos e, por outro lado, a unidade-continuidade entre o exterior e o interior propiciada pelos grandes vãos livres admitidos sem obstrução de pilares ou barreiras. A solução estrutura adotada para o Museu de Arte Contemporânea de Niterói é um exemplo da flexibilidade do concreto a serviço da intenção de preservar a vista da paisagem de qualquer obstrução. O controle da escala do espaço arquitetural (Niemeyer,1993) constitui um dos modos de relação com o ambiente, como no caso do rebaixamento da cúpula do Edifício Sede do Partido Comunista, que serve para equilibrar o volume do auditório com o entorno como com os espaços livres (Niemeyer,2002) ou na escala projetada para o auditório da Bolsa de Trabalho de Bobigny(1972), onde, embora o contexto e a técnica permitissem, o terreno e a natureza do programa sugeriram a escala adotada. O rebaixamento do nível da origem do volume em relação à rua serve também a criação de ambientes que configuram um acesso ou uma praça, como no caso de Bobigny e Le Havre respectivamente. No Museu Oscar Niemeyer, o desnível entre a rua e o nível de origem do volume gera a sutil percepção de diferentes escalas do mesmo edifício, a depender do ponto vista do observador. Este controle permite a adequação de edifícios excepcionais em diferentes contextos. c] unidade plástica A unidade plástica é explorada não somente na integração entre função estrutural e forma em um edifício, como na identidade de formas, materiais e soluções estruturais entre edifícios de um conjunto: “ao desenhar os diversos edifícios, seguindo a liberdade plástica que prefiro, procurei 15 manter na arquitetura a unidade desejada. Preocupação que me levou a repetir em todos eles certos materiais.” (Niemeyer, 2004 sobre o caminho Niemeyer) Um dos meios para conferir unidade é o controle da proporção entre as partes e o todo em um edifício e quando este for parte de um conjunto, a extensão destas relações para as partes do conjunto e para o conjunto como um todo. Niemeyer adverte que garantimos uma total liberdade de concepção, dentro é lógico, das regras de proporção que a arquitetura sempre exigiu10. Em Mondadori, Niemeyer (2000) afirma que queria fugir dos vãos iguais sempre fixados. Achava que a proporção, o espaço preciso entre as colunas era tão importante quanto elas próprias. O exame da proporção entre os diversos vãos dos arcos parabólicos de Mondadori revela consistência com um parâmetro dimensional baseado na proporção áurea. Na investigação de traçados reguladores no Edifício de Escritórios da Bolsa de Trabalho de Bobigny verificaram-se os mesmos parâmetros baseados na seção áurea a regular a modulação da estrutura que aparece na fachada. No que se refere a recursividade de uma mesmo sistema proporcional em 30 edifícios examinados, independente de medidas, todos os traçados são coincidentes em termos das relações entre as partes, com a seção áurea.(fig.9) Figura 9. Proporções no Edifício da Bolsa de Trabalho de Bobigny,Fr 1972. (Mayer, Martins, Turkienicz, 2007) 10 Niemeyer ao comentar sobre a fixação de normas urbanísticas para as casas individuais e prédios afastados cercados de áreas livres em Brasília no texto Rio, Brasília e a criatividade. In Corona, (2001) 16 d] leveza arquitetural: Um dos principais objetivos sempre reiterados por Niemeyer (1993) em seu discurso é a leveza arquitetural que refletiria “(...) o avanço da técnica, o apuro com que ela é conduzida.(...)” Niemeyer explora o aparente paradoxo entre o uso do concreto e a percepção de leveza através do tensionamento do material em seu limite plástico e estrutural. As estratégias recorrem à interação entre a percepção do observador e a experiência espacial11: 1. Superfícies de cobertura e a seção dos pilares delgadas nas extremidades que induzem a percepção de leveza. 2. Afastamento dos apoios contrastando com a dimensão do volume apoiado. 3. Contraste resultante da proporção entre vãos, balanços e a dimensão dos apoios. 4. Rampas, que em virtude das curvas e a proporção em relação ao espaço tridimensional em que se encontram, parecem flutuar. 5. Curvas parabólicas, a inclinação de suas linhas produz a percepção de volume mais dinâmico em relação à seção em arco, portanto mais leve. 6. Fachadas e respectivos apoios inclinados pelo avanço ou recuo da laje de cobertura em relação a base do edifício. ex. a Escola Júlia Kubitcheck. Em comum estas estratégias compartilham além do objetivo final da percepção de leveza, os objetivos secundários no que se refere à superação plástica e estrutural, do extremo em termos quantitativos, e do inusitado em termos qualitativos. e] percepção espacial de contraste A percepção espacial de contraste assume diversos modos e se manifestam principalmente na apropriação do programa, na solução estrutura-forma adotada, no tratamento de volumes e fachadas, nas proporções e na relação entre volumes e espaços livres. Na apropriação do programa, o exemplo emblemático é a Catedral de Brasília com seu esqueleto de concreto favorecendo, além da valorização da relação forma-estrutura, a unidade forma-estruturafunção – com a concepção da cúpula voltada não só para a constituição do cenário da prática religiosa, mas transparente para potencializar a experiência sensorial do visitante, que ao sair do ambiente árido e ofuscante da praça, percorre a estreita e escura galeria de acesso e chega à nave como se atingisse o céu de nosso imaginário, com suas cores, seus anjos e sua luz. Niemeyer também aponta interesse na criação de contraste espacial através da manipulação correta da proporção dos volumes internos que a técnica permitia como, por exemplo, na criação de um 11 os apoios mais finos , os vãos maiores, os balanços surpreendentes (...) um contraste entre apoios e volumes (Niemeyer,1993:33) 17 mezanino “(...) não dividir uma sala de pé direto duplo em alturas iguais (...) e quando isto não for possível jogar com os peitoris no sentido de evitar aquele inconveniente” (Niemeyer, 1993) Na análise da produção arquitetônica de Niemeyer é possível identificar algumas estratégias utilizadas com freqüência, como a composição do volume a partir do contraste entre superfícies planas e curvas, lâminas que ora servem como cobertura, ora servem como paredes. Nesta estratégia de composição por planos curvilíneos e retos, alguns desdobramentos são freqüentes: quando as paredes são planas a cobertura é curva, quando as paredes são curvas a cobertura é plana, porém freqüentemente o perímetro destas superfícies horizontais é curvo. Este recurso resulta em contrastes harmoniosos e evita eventuais complicações compositivas que poderiam resultar da união de duas curvas em planos distintos. Em Bobigny, porém, Niemeyer desafia a regra e combina uma cobertura curva com planos curvilíneos de fechamento, porém uma das diretrizes, a diretriz superior, constitui uma reta. Ao examinarmos a obra de Niemeyer sob o ponto de vista desta sintaxe compositiva, podemos localizar certa identidade, por exemplo, entre a Casa das Canoas (1953) - em sua laje “trilátera” de bordas curvas, e em seus planos verticais curvilíneos e retos de fechamento12 e o Edifício Residencial Niemeyer (1954). Na relação com o programa de habitação coletiva, a laje “trilátera” de bordas curvas é transladada verticalmente como laje e como proteção horizontal da fachada. Os fechamentos verticais com curvas e planos aparecem no pavimento térreo e no pavimento tipo. Do ponto de vista semântico, a escala do edifício é controlada através da repetição dos elementos horizontais que dividem cada pavimento em três partes iguais, ao mesmo tempo induzindo à percepção de um volume mais alto e com efeito colateral de potencialização da curvatura. Adicionalmente, a transparência proporcionada à fachada pelos brises favorece a percepção de leveza (fig.10). Figura 10. Casa das Canoas RJ,1953 e Edifício Niemeyer , BH, 1954 12 A relação entre laje curva e planos verticais curvilíneos e retos de fechamento se repetiria em outras residências projetadas pelo arquiteto como Nara Mondadori House, 1968, ou na Residência Alberto Dalva Simões (1953) onde em estratégia semelhante, a laje completamente curva é substituída por uma poligonal multifacetada de cantos arredondado, mas aos planos verticais é dada solução semelhante. Para um passeio pelas residências projetadas por Niemeyer ver Hess; Weintraub (2006) 18 Outro desdobramento na composição por planos pode ser deduzido da solução para os Palácios de Brasília – a laje plana quadrangular, cujo fechamento é feito por uma superfície vazada, tridimensional, formada por apoios laminares ou quase laminares (se considerarmos a relação profundidadexlargura) caracterizados pela curva. Uma das características da composição por planos é a projeção de sombras sob a laje horizontal que produzem a percepção de profundidade e contrastam e valorizam com os planos verticais. O Contraste no tratamento de volumes e fachadas é explorado através da relação: a] entre volumes cegos de concreto armado com a superfície de vidro de edifícios que compõe um conjunto. ex Sede do Partido Comunista, Edifício da Bolsa de Trabalho de Bobigny (1972); b] com a sombra gerada no vazio de vãos e grandes balanços situados sob volumes cegos de concreto.Ex. Museu Oscar Niemeyer. c] entre elementos vazados, ou linhas de lâminas verticais ou horizontais (brises), planos verticais retos ou curvilíneos, planos perfurados de concreto que preenchem os vãos sob edifícios, sob cascas ou em faces de polígonos de concreto. Ex. Biblioteca Pública Belo Horizonte (1955). d] entre a escala de edifícios de um conjunto, como a escala entre os edifícios e o espaço entre os edifícios. Ex. Congresso Nacional, Conjunto Kubitscheck. 5.Discussão e Conclusões A idéia de que o arquiteto trabalha de acordo com o sistema de regras de uma gramática pode parecer um tanto mecanicista e reducionista (Mitchell,1990), e esta percepção conduzir a dedução falaciosa de que este tipo de abordagem não seria útil nem para a prática nem para o ensino de arquitetura. Porém ao estendermos a analogia lingüística para o entendimento do processo cognitivo que envolve o aprendizado e o uso da gramática na comunicação escrita e falada, constatamos que uma vez aprendida a gramática de uma língua, o seu uso é automático e não precisamos a todo momento lembrarmos da regras para nos expressarmos gramaticalmente. Na medida em que o arquiteto estabelece os elementos e operações de sua linguagem, esta se torna um instrumental implícito ao ato de projetar. Assim como para a lingüística a sintaxe constitui um modelo descritivo da língua falada e escrita, o modo de descrição da gramática da linguagem arquitetônica, não visa reproduzir o raciocínio do arquiteto no emprego da gramática, mas constitui um modo de descrição que torna explicita a estrutura subjacente que caracteriza o conjunto de edifícios em uma linguagem. Os dois tipos de descrição resultam em múltiplas interpretações da linguagem. Entretanto, o caráter subjetivo das descrições do primeiro tipo resulta diferenças em termos qualitativos enquanto para as descrições do segundo tipo, a avaliação é quantitativa: a princípio todas as abordagens podem ser válidas, mas a mais adequada será aquela capaz de gerar o maior número de edifícios na linguagem a partir do menor número de regras. Por outro lado, quanto maior o número de restrições, ou regras, mais a gramática se restringe à geração apenas da amostra analisada. 19 Os modos de descrição em geral não são excludentes: poderíamos conjugar os dois modos para, por exemplo, investigar a partir do discurso de Niemeyer alguns precedentes dos seus objetivos de projeto em um edifício reiteradamente citado pelo arquiteto como exemplar – o Palácio dos Doges. Um dia sentado diante do Palácio do Doges, surpreso com sua admirável leveza, encontrei o exemplo do que minha arquitetura defendia. (...)este contraste esplêndido entre as colunas cheias de arabescos e a parede lisa que suportam (Oscar Niemeyer, 1998:272) No discurso sobre as qualidades deste edifício, Niemeyer cita dois de seus objetivos de projeto, a leveza e o contraste. As inovações formais de Niemeyer dos pilares em “W e V” podem ser comparadas com a estrutura em “tridente” do Palácio dos Doges. Na análise da fachada do Palácio podem ser encontradas proporções baseadas na seção áurea assim como na obra de Niemeyer. Neste sentido, as diferenças e semelhanças entre precedentes e a obra de Niemeyer poderiam ser examinados a luz da abordagem generativa, para determinar a presença de alguma identidade geométrica na origem dos edifícios comparados. A diferença está na abordagem do precedente não no sentido da antecedência arquitetônica, mas como citações, referências em que Niemeyer, como um escritor ou um compositor, faz alusão a imagens que interessam e se adéquam aos seus objetivos de projeto. Isto acontece quando Niemeyer conjuga, por exemplo, elementos da identidade brasileira com elementos o ideário moderno, transformados em sua linguagem: “O sentido horizontal da fachada, a larga varanda protegendo-a, a capelinha a lembrar no fim da composição nossas velhas casas de fazenda.” Niemeyer (2004) menciona e descreve a referência na caracterização do Palácio da Alvorada, projetada como residência oficial do representante da nação, daí a coerência da alusão formal a um elemento da identidade brasileira. “A curva me atraia. A curva livre e sensual que a nova técnica sugeria e as velhas igrejas barrocas lembravam” (Niemeyer In Petit,1998) Tanto a escala e quanto a excepcionalidade compositiva e das formas da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos são exemplares desta citação tanto no discurso como na arquitetura de Niemeyer. (fig.11) Figura 11. Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Ouro Preto,MG. 20 O exame da obra demonstrou que a plasticidade do concreto, como elemento semântico intrínseco, permitiu a Niemeyer atingir múltiplos objetivos relacionados à percepção e a relação formal com o programa e o contexto. A gênese da variedade volumétrica está relacionada a operações geométricas e a um vocabulário de formas simples como a curva e a reta. A análise identificou que as curvas, tal qual sugere Niemeyer, as operações de translação e rotação, e principalmente a constância dos objetivos de projeto conferem unidade ao conjunto da obra, e as variantes das regras são responsáveis pela diversidade de soluções. A estratégia de unidade plástica da linguagem, presente na sua obra em todos os períodos de sua carreira, caracteriza-se por situar o vocabulário elementar precedendo elementos arquitetônicos (pilares, marquises, aberturas; abóbadas; telhados). Nesta perspectiva, poder-se-ia dizer que os precedentes da obra são as primitivas e operações geométricas que Niemeyer elegeu desde o início de sua carreira e que evoluem, através da manipulação das regras. Referências Banham, R. Theory and design in the first machine age. New York: Praeger, 1967. Botey, J. M. Oscar Niemeyer: obras e projetos.2ª ed.Barcelona: Gustavo Gilli,1997. Bruand, Y. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1999. Corona, E. Oscar Niemeyer: uma lição de arquitetura. Apontamentos de uma aula que perdura há sessenta anos. São Paulo: FUPAM, 2001. Cavalcanti,L.. Quando o Brasil era moderno: guia de arquitetura 1928-1960. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001. Comas, C. E. D. (b) A legitimidade da diferença. Revista Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, ano 10, nº55, p.49-52, ago/set 1994. _____________.(a) Teoria Acadêmica, Arquitetura Moderna, Corolário Brasileiro. Revista Gávea, Rio de Janeiro, nº 11, p.180-193, abril 1994. ______________. 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Underwood, D. Oscar Niemeyer e o modernismo de formas livres no Brasil. São Paulo: Cosac e Naify, 2002. 22 Imprimir Fechar ESTRUTURA E CONSTRUÇÃO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA Juliano Caldas de Vasconcellos Arquiteto e Urbanista, Mestre. Feevale/ PROPAR-UFRGS Avenida Caçapava, 191/201. Porto Alegre. CEP: 904460-130. Fone/fax (51) 30294114 jcvasc@feevale.br ESTRUTURA E CONSTRUÇÃO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA O tema do presente artigo é a construção e a estrutura de concreto armado do atual Edifício Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, que foi sede do Ministério da Educação e Saúde Pública até a mudança da capital federal para Brasília. O projeto do Ministério tinha como principais desafios estruturais o contraventamento do edifício, a conexão do piso com os pilotis do bloco de exposições, a casca de cobertura do auditório e a espessura reduzida das lajes do bloco de escritórios – que deveriam proporcionar um teto livre de vigamentos ou capitéis, conforme a prática corrente na maioria dos projetos modernos. Além disso, convém tratar também das precedências construtivas de cada um dos elementos acima citados, e a aplicação deles na concepção de Emílio Baumgart, engenheiro responsável pela parte estrutural do edifício. O estudo faz também um resgate do material gráfico existente nos arquivos do IPHAN que tratam da estrutura do Ministério (onde dados dimensionais e projetuais são de autoria do próprio Baumgart), juntamente com imagens da obra na década de 1940. Com o auxílio deste material, foi gerada uma série de representações tridimensionais da estrutura, que além do esqueleto também compreende as lâminas verticais dos quebrasóis da fachada norte, as fundações rasas e as empenas cegas das fachadas leste e oeste (que funcionam como contraventamento). Palavras chave: concreto, Ministério, estrutura. ABSTRACT The theme of this article is the construction and structure of reinforced concrete in the current building Gustavo Capanema in Rio de Janeiro, which was headquarters of the Ministry of Education and Public Health to change the federal capital to Brasilia. The project of the Ministry had as the main structural challenges bracing the building, connecting the floor with pilotis the block of exhibitions, the bark of coverage of the auditorium and reduced thickness of the slab block of offices - which should provide a free roof of beams or capitals, as the current practice in most modern designs. Moreover, should also deal of constructive precedence of each of the elements above and apply them in the design of Emilio Baumgart, engineer responsible for the structural part of the building. The study is also a redemption of existing graphic material in the archives of IPHAN which deal with the structure of the Ministry (where dimensional and design data by Baumgart), along with images of the work in the 40’s. With the aid of this material was generated a series of three-dimensional representations of the structure, which besides the skeleton also includes the slides of vertical brises, foundations and blind facades of east and west (which function as bracing). Keywords: concrete, Ministry, structure ESTRUTURA E CONSTRUÇÃO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA É inegável que a construção teve destaque entre os vários componentes que levaram a Arquitetura Moderna Brasileira ao reconhecimento internacional. Dentro do período citado, o Brasil figurou como líder do universo da arquitetura moderna, onde a exploração da plasticidade potencial do concreto armado foi aplicada com grande êxito. Fig. 1 - Le Corbusier: Ministério da Educação As soluções adotadas pelos arquitetos brasileiros tiveram grande repercussão, a começar pelo edifício da Associação Brasileira de Imprensa dos Irmãos Roberto e da sede do Ministério da Educação e Saúde Pública (hoje conhecido como Palácio Gustavo Capanema). Marco da nova arquitetura no país, o projeto do MESP foi objeto de inovações expressivas e bem-sucedidas também no seu projeto estrutural. e Saúde Pública [primeiro projeto], 1936. [COSTA, 1995]: 122 Sobre a estrutura do projeto de Le Corbusier O primeiro projeto para o Ministério da Educação e Saúde Pública (figs. 1 a 3), elaborado por Le Corbusier e situado em outro terreno (à beira-mar, próximo de onde hoje é o MAM), apresenta partido em cruz assimétrica e vãos retangulares de 7,5m na maior dimensão. Na barra maior a ossatura independente em concreto armado possui 26 linhas de pilares transversais e 3 longitudinais tirando proveito de um balanço de aproximadamente 3,5m. Nas faces cegas, os pilares de seção retangular adoçada estão na face da parede, ficando embutidos nos pavimentos superiores e resultando em balanço zero. Na barra menor, transversal e marcadora da assimetria, encontram-se o auditório com vãos menores de 8m e a galeria de exposições com 7m no maior sentido. O pé-direito do pavimento-tipo no corpo mais alto é de 4,5m e no vestíbulo/exposições de 5m. A dupla altura resultante dos pilares da ordem colossal é de 10m, que se expressa na marcação do acesso e na sustentação do volume do bloco de exposições. Este, inverte a lógica do balanço nos pilares perpendiculares ao corpo mais alto, e tem as lajes recuadas em relação a prumada dos pilares, criando consolos que apóiam a grande escada que dá acesso ao pavimento superior. 3 Fig. 2 - Le Corbusier: Ministério da Educação e Saúde Pública [primeiro projeto], 1936. Seção transversal.[TSIOMIS, 1998]:30 Fig. 3 - Le Corbusier: Ministério da Educação e Saúde Pública [primeiro projeto], 1936. Perspectiva interna da galeria de exposições. [LE CORBUSIER, 1929-36]:80 Os desenhos publicados não indicam o tipo de cobertura para o auditório, apenas alguns riscos incompletos com indicação da inclinação e disposição de apoios. O risco à beira-mar de Corbusier é “fecho de ciclo” (COMAS in TSIOMIS, 1998, p.31) como um exemplo que não se repete. A ordem colossal implica em autonomia entre parede e suporte, configuração independente de lajes de cobertura e entrepiso, ampliando a sintaxe geométrico-construtiva moderna que será estudada a fundo no projeto do Castelo. Memória e pareceres do segundo projeto Fig. 4 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936 [segundo projeto]. Planta do segundo pavimento. [COMAS, 2002] Fig. 5 - Lucio Costa: Notas a respeito do A memória de maio de 1936 do primeiro projeto da equipe brasileira para o Ministério da Educação e Saúde Pública, implantado no quarteirão do Castello (fig. 4) é clara sobre a independência entre a ossatura e as paredes. O texto classifica de “farsa” a dissimulação estrutural vigente, onde as construções servem-se de subterfúgios “mais ou menos engenhosos” para fazer crer que as paredes tenham função estrutural, dificultando a compreensão e o desenvolvimento da nova arquitetura. Justifica o descolamento dos pilares da fachada com o aproveitamento racional da estrutura dos pisos, proporcionando planos que podem ser rasgados de extremo a extremo ou completamente fechados. Mesmo com o argumento da equipe de que a técnica adotada permitiria atender a principal exigência do programa – a flexibilidade de compartimentação – , a planta livre com a coluna solta era motivo de controvérsia nos pareceres do Ministério. Em junho de 1936, Saturnino de Brito Filho1 emite extenso documento onde analisa, dentre outras questões, a estrutura do projeto. Afirma que os projetistas “exageraram na independência da estrutura, levando-a a despreocupação com os resultados rígidos da norma, a ponto de deixar as colunas nos corredores”2. No contraponto, cita Le Corbusier e o projeto do Centrosoyus de Moscou onde os pilares estão embutidos nas paredes da circulação. parecer de Domingos da Silva Cunha sobre o Ministério em setembro de 1936. [LISSOVSKY, 1996]: 85 1. BRITO FILHO, Francisco Saturnino Rodrigues de (1899 - 1976) – formado em engenharia civil e de minas em 1923, era responsável pelo Escritório de Engenharia Civil e Sanitária que levava o seu nome. 2. LYSSOVSKY, 1996, p. 79. 4 Outro parecer para o projeto é elaborado na mesma época por Domingos da Silva Cunha3. Neste são abordadas questões sobre o emprego de pilotis e estrutura, com claras referências as técnicas convencionais de sistemas portantes. A resistência em se considerar a nova técnica leva Lucio Costa a escrever uma nota de próprio punho (fig. 5) rebatendo cada item do parecer, reforçando as características das “modernas concepções do urbanismo”, reproduzindo os diagramas comparativos entre os sistemas tradicionais e modernos. O projeto final da equipe brasileira “Esse belo edifício do Ministério é um marco histórico e simbólico. Histórico, porque foi nele que se aplicou, pela primeira vez, em escala monumental, a adequação da arquitetura à nova tecnologia construtiva do concreto armado.” (COSTA 1995, p.122) Fig. 5 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Fachada O projeto do da sede do Ministério da Educação e Saúde Púlbica (figs. 5 e 6) tinha como principais desafios estruturais o contraventamento do edifício, a conexão do piso com os pilotis do bloco de exposições e a espessura reduzida das lajes que deveriam proporcionar um teto livre de vigamentos ou capitéis. norte do edifício em obras. [COMAS, 2002] Segundo COMAS (1987) “o projeto definitivo da equipe brasileira tem planimetricamente feição de T, constando basicamente de dois blocos de altura desigual”. O estudo que prossegue acompanha esta classificação, que também se fundamenta na configuração da estrutura utilizada em cada um dos blocos. A ossatura é reticular, a planta e a fachada livres em ambos, exceto no volume do auditório onde as paredes coincidem com pilares e vigas. Bloco administrativo Emílio Baumgart, engenheiro responsável pelo projeto estrutural, teve a idéia de projetar no lugar dos capitéis apenas “pastilhas” de engrossamento das lajes, colocando-as na face superior. Com isso, inverteu-se 3. SILVA CUNHA, Domingos J. da – Inspetor de Engenharia Sanitária. 5 Fig. 6 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Fachada norte do edifício concluído. [COMAS, 2002] Fig. 7 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Planta baixa do térreo com a indicação do bloco administrativo e dos pilares geminados (contraventamento). [COMAS, 2002] 1 recepção 2 incinerador 3 entrada de serviço 4 recepção 5 hall público 6 entrada do ministro 7 subestação 8 tesouraria 9 ar condicionado a lógica de uma solução que havia sido lançada no início do século XX, abrindo mão das soluções correntemente adotadas como as lajes nervuradas4 ou planas com elementos cerâmicos como no sistema Dom-ino. Sendo batizada como “cobertura em forma de cogumelo invertido” – piltzdecken (em alemão) – foi utilizado pela primeira vez na sede do Ministério. Ficou assim mantida a condição de teto liso, garantindo ao mesmo tempo a resistência em relação aos esforços de punção. Os espaços vazios entre as pastilhas seriam completados com enchimento de cortiça – por onde passam as redes de infraestrutura – ou outro material leve com propriedade isolante. 4. No mesmo ano do projeto do Ministério estava sendo executada no Rio de Janeiro as lajes nervuradas para o Paço Municipal. Ver: ROCHA, Anderson Moreira da. Uma laje nervurada para o paço municipal. Revista da Diretoria de Engenharia (PDF) nº9 volume 3 de 1936, p.21215. 6 Fig. 8 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Planta baixa do térreo com a indicação do bloco de exposições. [COMAS, 2002] 10 central de telefones 11 depósitos 12 escritório da galeria 13 galeria 14 sala de conferências 15 auditório 16 cabine de projeções Baumgart resolveu, com muita habilidade, problemas de contraventamento devidos à altura nas extremidades dos prédios que têm colunas duplas, geminadas. [...] “encarou aquilo com toda a simplicidade e acabou encontrando as soluções adequadas ao problema” (COSTA, 1987, p.158)5 A experiência de Baumgart com a obra do edifício A Noite se manifestou também na concepção do contraventamento da obra do Ministério. A utilização dos pilotis e o recuo da base impediam que se aproveitassem paredes do térreo para embutir, nas mesmas, elementos estruturais resistentes ao vento. As paredes das laterais cegas recuam no térreo, quebrando a continuidade necessária ao bom funcionamento 5. Ministério, da participação de Baumgart à revelação de Niemeyer: entrevista de Lucio Costa a Hugo Segawa. Projeto 102: 158-160, ago. 1987. 7 Fig. 8 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Nível do gabinete do ministro e o terraço-jardim. [COMAS, 2002] 17 espera 18 ministro 19 secretaria 20 sala de conferências 21 secretaria executiva 22 escritórios 23 recepção 24 sala de imprensa 25 Staff como elemento enrijecedor (fig. 10). O raciocínio de Baumgart, hoje generalizadamente difundido, constituía na época uma novidade: as lajes eram consideradas como gigantescas vigas dispostas horizontalmente. Essas vigas se apóiam nas paredes cegas das extremidades do edifício e também no conjunto enrijecedor de escadas e elevadores (fig. 14). Os esforços eram todos transferidos para os elementos da base, através da laje do teto do térreo, apropriadamente engrossada para essa finalidade.6 Os originais arquivados no IPHAN (assinados por Baumgart) indicam que o maior vão do bloco de escritórios é de 8,85m e o menor 6. VASCONCELOS, 1985, p.29. Apesar do autor afirmar tal função para o aumento da seção da laje que cobre os pilotis, os documentos originais indicam que todas as lajes do bloco de escritórios possuem a mesma altura. 8 Fig. 9 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Planta baixa do terceiro pavimento. [COMAS, 2002] 26 diretor 27 escritórios 28 restaurante do ministro 29 cozinha 30 restaurante funcionários Fig. 9a - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Planta baixa da cobertura. [COMAS, 2002] 9 Fig. 10 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Corte esquemático demonstrando os contraventamentos. [VASCONCELOS, 1985]:30 Fig. 12 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Armadura dos pilares, com a indicação do reforço próximo à coluna. [HARRIS, 1987]:124 Fig. 11 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Construção dos brises verticais na fachada norte. [LISSOVSKY, 1996]: 155 Fig. 13 - Esquema estrutural em três dimensões de um dos pavimentos (bloco de escritórios). [DESENHO DO AUTOR] 10 de 6,16m. O balanço no lado norte é de 0,775m e no lado sul de 1,525m. Ao norte os reforços de 10 cm de altura das lajes de 26 cm possuem 2,2 x 2,2m, no centro 2,2 x 3m e ao sul, lado de maior balanço, 3 x 3,30m. São 11 linhas transversais de pilares e 3 longitudinais, sendo a linha central com seção quadrada e o restante de seção circular, com diâmetro de 0,65m. Nas extremidades do retângulo formado pela grande laje de 19,5 x 66,65m, existem quatro duplas de pilares que auxiliam no contraventamento geral e distribuem os carregamentos do primeiro teto. Com 1,4m de profundidade e 15 cm de espessura, as placas verticais de concreto que suportam os brises horizontais de amianto são engastadas na laje e distribuídas a cada 2m de fachada. Nas caixas dos elevadores não existem reforços de laje e os pilares quadrados dão lugar a um sistema de paredes-pilar, constituindo um conjunto que auxilia na rigidez do corpo do edifício. O diâmetro dos pilares de 10,1m de altura nos pilotis é de 90 cm. As fundações em concreto ocupam aproximadamente 2,5m de profundidade, apoiadas em terreno rochoso resultante do morro arrasado no início da década de 20. As sapatas em formato de pirâmide asteca possuem base quadrada com 3,4m de lado, recuando 30 cm até chegar com 1,60m no topo (fig. 17). As 32 barras de ferro que formam a armadura vertical dos pilares nos pilotis no montante central estão amarradas por estribos espaçados a cada 4,5 cm. A fig. 15 mostra posição e altura das porções de concreto e alvenaria nas fachadas cegas. Comparando-a com a fig. 16 pode-se concluir que as bordas menores de todas as lajes possuem maior altura para resistir ao carregamento linear da alvenaria, além de auxiliar no contraventamento da grande placa. Fig. 14 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Planta do pavimento tipo, com a indicação dos reforços em torno dos pilares. [Reprodução digital - Documento arquivado no IPHAN] 11 A sede do MESP demonstra a interpretação de um Dom-ino normativo, presente na obra brasileira em momentos que as paredes não possuem capacidade inerente de serem dissociadas da estrutura. Na fachada cega, a alvenaria que veda é elemento definitivo, sem outra posição no edifício. Já o espaço interno, compartimentado através de divisórios leves de 2m de altura, não demanda carregamento linear que solicite reforço maior do que aquele presente nas próprias lajes de cada pavimento. Tais divisórias também não “travam” o edifício em termos longitudinais, o que colabora para que ele seja isento de juntas de dilatação. A estrutura independente do Ministério lança mão de recursos que não se esgotam apenas na relação entre pilar/viga, laje/balanço: ela funciona como um sistema integrado onde elementos cooperam entre si tanto no aspecto estático quanto estético. Fig. 15 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Aspecto da obra em andamento, com uma das laterais cegas incompletas. O círculo indica o reforço da laje plana através de vigas. [LISSOVSKY, 1996]: 155 Fig. 16 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação Fig. 17 - Detalhe das fundações do bloco de expo- e Saúde Pública, 1936-45. Aplicação das esquadrias sições, e da seção do pilar no montante central. no lado sul, com as lajes expostas. [LISSOVSKY, [DESENHO DO AUTOR] 1996]: 155 12 Fig. 18 - Esquema construtivo da execução de fundações, armaduras e seção de pilares e lajes do bloco de escritórios. [Reprodução digital - Documento arquivado no IPHAN de autoria de Emílio Baumgart datado de 1936]: Arquivo Noronha Santos: Documento nº M6G6/ANS06230 13 Fig. 19 - Corte transversal parcial do bloco de escritórios. [Reprodução digital - Documento arquivado no IPHAN de autoria de Emílio Baumgart datado de 1936]: Arquivo Noronha Santos: Documento nº M6G6/ ANS06230 Fig. 21 - Detalhe parcial do bloco de escritórios, ala sul. [Reprodução digital - Documento arquivado no IPHAN de autoria de Emílio Baumgart datado de 1936]: Arquivo Noronha Santos: Documento nº M6G6/ANS06230 Fig. 20 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação Fig. 22 - Detalhe parcial do bloco de escritórios, ala e Saúde Pública, 1936-45. Edifício em construção, norte. [Reprodução digital - Documento arquivado podendo ser observada a montagem da forma de uma no IPHAN de autoria de Emílio Baumgart datado de das lajes. [HARRIS, 1987]:133 1936]: Arquivo Noronha Santos: Documento nº M6G6/ ANS06230 14 Bloco de exposições A sala de exposições no lado sul e o auditório do Ministério ao norte (partes principais do bloco mais baixo - fig. 23) são sustentados por quatro linhas de pilares longitudinais e treze transversais, sendo três pertencentes também ao bloco administrativo: duas linhas a leste compostas de um lado por duplas de pilares e a central por pilares geminados. Os pilares estão assentados em fundações semelhantes aos do bloco mais alto, porém com dimensões reduzidas. A seção das colunas centrais que sustentam o terraço do ministro não é uma circunferência completa, estando uma fatia reservada para uma provável passagem da tubulação pluvial de esgotamento da superfície do terraço-jardim (fig. 28). É este mesmo par que se mostra no espaço interno, produzindo três naves longitudinais no braço sul, onde os vãos aproximados da estrutura reticular determinam panos de laje de 7 x 10,5m ao centro e 6,5 x 7m nas laterais. Fig. 23 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Corte. [UNDERWOOD, 2002]:39 No lado sul, correspondente ao auditório, a estrutura reticular só se revela no térreo pelas duas linhas de pilares externos, que se prolongam até morder o volume do auditório. Este possui esbeltos montantes verticais que armam o seu esqueleto, ocultado pela alvenaria que vai do chão ao teto. A cobertura é feita com uma abóbada de concreto que vence vãos transversais de 16m no lado menor até 24m no lado maior. Longitudinalmente são 17,8m de comprimento, correspondendo exatamente ao espaço da platéia (fig, 24). A estratégia de fragmentar a abóbada na faixa posterior do auditório reduz as dimensões finais da casca, cria uma zona de iluminação para a área técnica e revela um vigamento radial que insinua a montagem dos apoios da própria cobertura (fig, 25). Fig. 24 - Detalhe do auditório, com as dimensões dos vãos da casca de cobertura. [DESENHO DO AUTOR] O bloco apresenta outro aspecto especial da construção em concreto armado: a conexão entre a coluna exterior e o piso do anexo no lado sul, retrasado em relação aos pilares. Esta Fig. 25 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Vista da cobertura do auditório. [LISSOVSKY, 1996]: 155 15 Fig. 26 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Vista interna do auditório. [FOTO: MARCOS ALMEIDA, MARÇO 2004] Fig. 27 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Vista da cobertura do auditório. [FOTO: MARCOS ALMEIDA, MARÇO 2004] Fig. 29 - Esquema construtivo da execução de fundações, armaduras e seção de pilares do bloco de exposições. [Reprodução digital - Documento arquivado no IPHAN de autoria de Emílio Baumgart datado de 1936]: Arquivo Noronha Santos: Documento nº M6G6/ ANS06230 Fig. 28 - Detalhe das fundações do bloco de exposições, e da seção do pilar no montante central. [DESENHO DO AUTOR] 16 conexão (fig. 30) funciona como um consolo7, onde a superfície de apoio da laje é a seção lateral e não o topo da peça. Este elemento surgiu como “vinheta” no primeiro risco de Corbusier para o projeto beira-mar e vira norma a partir do trabalho de Baumgart. Sujeito a um significativo esforço cortante8, a peça de ligação não aparece em detalhe nos documentos levantados na pesquisa, nem a forma com que ela se relaciona com a laje plana. Fig. 30 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação O topo das duas linhas de pilares exteriores é protegido pela laje que se estende além do vidro e descansa sobre o alto das colunas. Esta laje que cobre a área de exposições é o piso do terraço do ministro e se funde com o teto dos pilotis do bloco administrativo no lado norte conforme se pode observar na fig. 31. A base interna da grelha dos brises coincide com topo da gola da laje, deixando abaixo da grelha uma faixa que reforça a continuidade e fluidez do plano. e Saúde Pública, 1936-45. Armadura dos pilares, com a indicação do reforço próximo à coluna. [FOTO: MARCOS ALMEIDA, MARÇO 2004] No lado sul, o peitoril em alvenaria de tijolos do terraço do ministro tem altura suficiente para que possa acompanhar a faixa correspondente aos armários embutidos no lado interno do bloco administrativo (fig. 32). O desnível entre a parte interna e externa indica diferentes alturas para as três lajes que formam o partido em T. No lado norte a gola da cobertura auxilia a altura para que fique idêntica ao piso da área de exposições e ao teto dos pilotis, ficando claro que cada elemento do T funciona independente da noção de continuidade que se tem a partir do térreo ou de dentro do espaço de exposições. Fig. 31 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Detalhe da laje na junção dos dois blocos. [FOTO: MARCOS ALMEIDA, MARÇO 2004] A sutileza com que se dá a junção de elementos de funções tão distintas é o ponto chave da qualidade da estrutura do ministério. Pilares de seções diferenciadas para cada corpo, alturas distintas para os panos de laje e conexões visu7. HARRIS publicou em seu livro que este sistema era chamado de “cão mordendo” como revelou Artur Eugênio German (assistente de Emílio Baumgart) em entrevista: “visto do exterior, esse bloco assemelhava-se a um cachorro mordendo um pedaço de pau, devido ao modo como o aço de reforço envolvia os pilotis.” [HARRIS, 1987]:143 Fig. 32 - Vista a partir do terraço do gabinete do ministro. Junção do peitoril do terraço com o peitoril interno, correspondendo aos armários embutidos. 8. Ver BRUAND, 1981, p.88. [FOTO: MARCOS ALMEIDA, MARÇO 2004] 17 Fig. 33 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação almente discretas para uma estrutura estaticamente complexa determinam o alcance de sua excelência construtiva. e Saúde Pública, 1936-45. Detalhe do lado sul, com o balanço maior da laje. Pode-se observar, abaixo das esquadrias, a faixa que corresponde internamente aos armários e a laje propriamente dita no topo dos pilares. [FOTO: MARCOS ALMEIDA, MARÇO 2004] Fig. 35- Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. As linhas orgânicas da cobertura contrastam com o volume prismático do bloco administrativo. [ARCHITECTURAL FORUM, fev 1943]:43 Fig. 34 - Lucio Costa e equipe: Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936-45. Detalhe do pilar oblíquo que contraventa o volume superior. [FOTO: MARCOS ALMEIDA, MARÇO 2004] 18 BIBLIOGRAFIA BRUAND, Yves; Arquitetura contemporânea no Brasil; São Paulo: Editora Perspectiva, 1981, ISBN 8527301148 CAVALCANTI, Lauro. Quando o Brasil era moderno : guia de arquitetura 1928-1960. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001. COMAS, Carlos Eduardo Dias. Precisões Brasileiras. Paris: Tese de Doutorado, 2002. COMAS, Carlos Eduardo Dias. Protótipo e monumento, um Ministério, o Ministério. Projeto. ago. 1987, n. 102: p. 136-149. COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivencia. São Paulo: Editora UNB/Empresa das Artes, 1995. COSTA, Lucio. 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Arquitetura Moderna no Rio de Janeiro. São Paulo: Pini: Fundação Vilanova Artigas, 1991. 19 Imprimir Fechar Niemeyer e Artigas: aproximações e divergências na busca da expressão formal da estrutura Carlos Fernando Silva Bahima Arquiteto, formado na UNISINOS, Mestre em Teoria, História e Crítica UFRGS/PROPAR. Professor da Área de projetos da UNISINOS e da UNISC. Av Unisinos, 950 – Curso de Arquitetura e Urbanismo, São Leopoldo, RS Fone (051) 3591 1122 cfbahima@unisinos.br Alex Carvalho Brino Arquiteto, formado na UFRGS, Mestre em Teoria, História e Crítica UFRGS/PROPAR. Professor da Área de projetos no Centro Universitário UNIVATES em Lajeado e da UNISC. Rua Avelino Tallini, 171 – Prédio 11 sala 508 | Bairro Universitário | CEP 95900-000 Fone (051): 3714-7000 ramal 5596 alexbrino@yahoo.com.br Niemeyer e Artigas: aproximações e divergências na busca da expressão formal da estrutura A importância assumida pela expressão estrutural na arquitetura moderna brasileira é assunto que não apenas mobilizou os principais arquitetos dessa vertente, como serviu de trampolim para a sua afirmação internacional através de obras como o Pavilhão Brasileiro em Nova Iorque (1938-39) o Conjunto da Pampulha (1942-43) e o Museu de Arte Moderna (1953). Dentro desse caráter expressivo que a estrutura sempre assumiu em relação à própria modernidade na arquitetura, no Brasil tornou-se visível, a partir dos anos 50, uma bifurcação fundamental: de um lado a estrutura enquanto forma plástica, equilibrada com a técnica e a função, representada por Niemeyer presente em sua obra desde o pavilhão em New York. De outro, a ênfase estrutural, numa nítida predominância dessa sobre os demais aspectos, representada por Artigas. Nesse contexto, esse artigo busca traçar aproximações e divergências entre essas duas polarizações, através de um exame e análise de alguns projetos capitais que as embasam. Desde os projetos do Ministério de Educação e Saúde (1936-43) e do Pavilhão Brasileiro em New York, a arquitetura brasileira já havia dado importantes demonstrações de reinvenção sobre um esquema prévio: extroversão da estrutura, ao invés do simples recuo da linha de pilares, que ora perfuram as lajes amebóides, ora ficam livres. Ou ainda, como no Cassino da Pampulha, exteriorizando os volumes especiais, que nas composições corbusianas se inseriam no interior do prisma. Em meados dos anos 50 a arquitetura moderna brasileira é marcada por uma visível divisão que iria romper definitivamente uma certa unidade inicial em torno da Escola Carioca. Na obra de Oscar Niemeyer ocorre também uma certa cisão, pois esse se lança de um lado em direção a uma série de pesquisas estruturais, concentradas na forma dos pilotis e dos já explorados arcos e abóbodas, buscando uma exploração mais livre da estrutura sobre o esquema Dom-ino e, de outro, a partir do Museu de Caracas (1955), a busca da unidade e da forma pura, com a expressão da estrutura, ao invés de hierarquizar os seus elementos secundários em composições aditivas. Vilanova Artigas, após flertar com as influências de Wright e com a Escola Carioca, constitui-se num nome fundamental do chamado Brutalismo Paulista, que irá se diferenciar do grupo carioca não apenas pelo uso do concreto à vista, já utilizado por Reidy na Escola Brasil Paraguai(1952) e no MAM (1953), mas pelo abandono da leveza do prédio em relação ao solo, produzindo obras que emanem a sensação de massa, coincidindo com uma maneira mais brutal de expor os contrastes em vez de resolvê-los por uma fusão harmoniosa e suave. No entanto, subsiste um certo equilíbrio entre estática e dinamismo, graças aos pilares com linhas oblíquas que diminuem na medida que se aproximam do solo, arrematando os pórticos, como na Escola de Itanhaém (196061), ou suportando pesadas vigas-parede que agora conformam os volumes, como na garagem de barcos do Clube Santa Paula (1961-63) nos subúrbios de São Paulo e na Faculdade de Arquitetura da USP (1961-69). Essa tensão visual que a forma estrutural desempenha muito se difere da abordagem de Niemeyer e Reidy, em que a expressão do edifício residia no debate entre estrutura esbelta e vedação como elemento chave na composição de nítidos volumes que parecem pousar sobre o solo. Nessas período, Artigas já havia renunciado à adoção do esquema Dom-ino como foco das tensões com os fechamentos, inclinando-se em contrastar uma pesada carga das paredes estruturais sobre finos pontos de apoio. Outras constantes se somam: horizontalidade, bloco único, destacado do chão, previsão de amplos espaços cobertos, flexibilidade, através da concentração e minimização de funções de serviço e da modulação. Niemeyer and Artigas: approaches and differences in the quest for formal expression of structure The importance of expression of structure in Brazilian modern architecture is a matter that, not only mobilized the main architects of gender, served as the springboard for its international affirmation through works as the Brazilian Pavilion in New York (1938-39) the Joint the Pampulha (1942-43) and the Museum of Modern Art (1953). In this expressive character that the structure always assumed in relation to modernity itself in architecture in Brazil has become visible, from the early 50, a fork key: one part of the structure as a means plastic, balanced with the technical and function, Niemeyer represented by this in his work since the flag in Ne York, on the other, the emphasis on structure, a clear predominance of that on the other aspects, represented by Artigas. In that context, this article aims draw parallels and differences between these two polarization, through an examination and analysis of some capital projects that embasam. Since the projects of the Ministry of Education and Health (1936-43) and the Brazilian Pavilion in New York, the Brazilian architecture already had major demonstrations of reinvention on a previous scheme: extroversion of the structure, instead of simply retreat of the line of pillars , Which now drill the slabs amebóides either be free or, as in the Casino of Pampulha, extruding the special volumes, which were covered in corbusiana compositions within the prism. In the mid 50 to Brazilian modern architecture is marked by a visible division that would definitely break some initial unit around the Carioca School. In the work of Oscar Niemeyer is also a certain division, because that is launching a hand towards a series of structural research, focusing on the shape of pilotis and already operated arms and abóbodas, seeking a more free operation the structure on the Dom-ino scheme, and on the other, from the Museum of Caracas (1955), the quest for unity and pure form, with the expression of structure, rather than prioritise their secondary elements in compositions addictive. Vilanova Artigas, after flirting with the influences of Wright and the Carioca School, is in a critical behalf of the so-called Brutalismo Paulista, which will differentiate the Rio Group not only by the use of concrete in sight, already used by Reidy in School Brazil Paraguay (1952) and the MAM (1953), but the abandonment of the lightness of the building from the ground, producing works that emanate from the sense of mass, coinciding with a more brutal way of exposing the contrasts instead resolve them by a harmonious and smooth merger. However, there remains a certain balance between static and dynamic, thanks to pillars with oblique lines that decreases as they were approaching the ground, arrematando the gateways, and the School of Itanhaém (196061), or beams supporting heavy-wall that Now up the volumes, as boats in the garage of the Club Santa Paula (1961-63) in the suburbs of Sao Paulo and in the Faculty of Architecture of USP (1961-69). The visual tension that the structural plays is very different from the approach of Niemeyer and Reidy, where the expression of the building was in discussion between structure and esbelta fence as key element in the composition of volumes that seem clear land on the ground. In such period, Artigas had renounced the adoption of Dom-ino scheme as a focus of tensions with the locks, and comes out in contrast a heavy load of walls on fine points of support. Also listed were added: horizontal, single block, detached from the floor, provision for broad areas covered, flexibility, through the merger of functions and minimization of service and modulation. Niemeyer e Artigas: aproximações e divergências na busca da expressão formal da estrutura A importância assumida pela expressão estrutural na arquitetura moderna brasileira é assunto que não apenas mobilizou os principais arquitetos dessa vertente, como serviu de trampolim para a sua afirmação internacional através de obras como o Pavilhão Brasileiro em Nova Iorque (1938-39) o Conjunto da Pampulha (1942-43) e o Museu de Arte Moderna (1953). Dentro desse caráter expressivo que a ossatura sempre assumiu em relação à própria modernidade na arquitetura, no Brasil tornou-se visível, a partir dos anos 50, uma bifurcação fundamental: de um lado a estrutura enquanto forma plástica, equilibrada com a técnica e a função, representada por Niemeyer, presente em sua obra desde o Pavilhão. De outro, a ênfase estrutural, numa nítida predominância sobre os demais aspectos, representada por Artigas. Nesse contexto, esse artigo busca traçar aproximações e divergências entre essas duas polarizações, através de um exame e análise de alguns projetos capitais que as embasam. Desde os projetos do Ministério de Educação e Saúde (1936-43) e do Pavilhão Brasileiro em Nova Iorque, a arquitetura brasileira já havia dado importantes demonstrações de reinvenção sobre um esquema prévio: extroversão da estrutura, ao invés do simples recuo da linha de pilares, que ora perfuram as lajes amebóides, ora ficam livres. Ou ainda, como no Cassino da Pampulha, exteriorizando os volumes especiais, que nas composições corbusianas se inseriam no interior do prisma. Em meados dos anos 50, essa arquitetura é marcada por uma visível divisão que iria romper definitivamente uma certa unidade inicial em torno da Escola Carioca. Figura 1: Escola Pública em Diamantina e Museu de Caracas. Na obra de Oscar Niemeyer ocorre também uma certa cisão, pois esse se lança, de um lado, em direção a uma série de pesquisas estruturais, concentradas na forma dos pilotis e dos já explorados arcos e abóbodas, buscando uma exploração mais livre da estrutura sobre o esquema Dom-ino e, de outro, a partir do Museu de Caracas (1955), a busca da unidade e da forma pura, integrando a expressão da estrutura com as vedações, além de eliminar a hierarquia dos elementos secundários do programa em composições aditivas. Portanto, o projeto de Caracas representa um rompimento com a funcionalidade informal na qual suas fluídas formas planas haviam se baseado, concentrandose na criação da forma pura, aproximando-se mais da tradição neoclássica (FRAMPTON, 1989). Essa unidade em torno de um volume único e puro, que integra e contém todo o programa, já havia sido experimentada em 1951 na Escola Júlia Kubitschek e no Hotel Diamantina. Em ambos os casos, no entanto, a ênfase de suas pesquisas se concentra na busca de uma fachada em plano oblíquo que atuasse como quebra-sol. No primeiro caso, mantém a idéia de um pilotis baseado em Dom-ino no pavimento térreo e simplesmente avança a laje de cobertura que define a face oblíqua do prisma trapezoidal, ao mesmo tempo que criam-se braços que suportam esse avanço. No Hotel, a independência entre os pavimentos fica integrada em uma solução de pilotis em forma de “V” posicionados ortogonais ao plano da fachada, mas ocultos nas divisões dos apartamentos, visíveis somente no pavimento térreo. A caixa virtual ( estrutural ) que contém a caixa transparente (não-estrutural) Figura 2: As Quatro composições e a Villa à Carthage II. A expressão de um prisma estrutural que envolve os elementos não-estruturais antecede as experiências brasileiras e remonta a obra de Le Corbusier, mais especificamente a terceira das quatro composições, a Ville em Cartago (1928-1929). É provável que motivado pela necessidade de sombreamento das quatro fachadas, muito conveniente à insolação do norte da África, cria um alpendre que circunda os fechamentos externos. Posteriormente, Mies van der Rohe, na Casa fifty by fifty (1951), retoma esse conceito, enfatizando com o uso do aço a criação de espaços no interior do prisma de vidro livres de pilares. Num segundo momento, salienta a dualidade volumétrica, através do recuo das faces da caixa exterior em relação ao volume interno, também motivado pela insolação excessiva de Santiago de Cuba no projeto do Edifício Bacardi (1958). Figura 3: Fifty by Fifty e Ed. Bacardi. De volta às experiências brasileiras, mais especificamente a Affonso Eduardo Reidy, é pertinente se enfatizar um fundamental avanço na expressão desse conceito. O projeto da Escola Brasil-Paraguai (1952) não apenas marca o início das suas pesquisas estruturais em torno dos pilotis em “V” perpendiculares ao plano das fachadas, iniciadas por Niemeyer em 1951, como principalmente afirma a expressão da independência entre a ossatura exterior e o prisma transparente nela contida, com uma ênfase nunca vista antes na obra de Niemeyer. Com isso, Reidy inaugura o estabelecimento de duas lógicas, que estão ligadas a duas escalas (WEIDLE et alli, 1980): a monumental e a cotidiana. A primeira, estabelecida pela estrutura que envolve o bloco vedado que constitui a segunda, a escala cotidiana. Mas a independência entre essas duas escalas irá atingir seu ponto culminante no projeto do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM (1953), em que o bloco principal desenvolve o sistema adotado na escola, estendendo-se às duas fachadas principais, substituindo uma secção assimétrica, dinâmica por uma outra simétrica com um equilíbrio mais estático contraposto pelo dinamismo inerente dos pórticos oblíquos que se assentam no solo com a típica leveza da Escola Carioca. Esse sistema garante uma simbiose perfeita entre as necessidades funcionais, através da liberação dos espaços internos, livres de pilares como convém a um museu, com a expressão de objeto significativo que permite ao edifício interagir com o contexto monumental do entorno. Por seu turno, a experiência de Niemeyer em Brasília será decisiva no desenvolvimento desse tema a partir da série de palácios, definidos por COMAS, como caixas de vidro veladas por peristilos exóticos que se inicia em 1956-1957, com o Palácio da Alvorada. O bloco transparente ficava envolto por uma seqüência de colunas, de início junto aos panos de vidro, ao longo das duas faces longitudinais. No anteprojeto de 1956, já havia fixado o tema fundamental a ser desenvolvido: a moradia seria constituída por um prisma retangular de vidro, preso entre duas lajes salientes, sustentadas por colunatas cuja audaciosa novidade formal iria caracterizar plasticamente o edifício (BRUAND, 1981). No entanto, no projeto definitivo, descola a linha de pilares do plano transparente e, com essa fundamental operação, define duas loggias, uma frontal e outra posterior, assim como a capela, anteriormente dispersa, se conecta diretamente às varandas. A referência à moradia vernacular brasileira se faz sutil, através de uma hábil releitura dos alpendres das casas bandeirantes, Elimina elementos de composição secundários e mais pitorescos e busca enfatizar o tema fundamental que define o caráter simbólico de uma casa-palácio, fixando a escala e as proporções ideais dessas colunatas, através da aproximação da plataforma de acesso em relação ao solo e da geometria radicalmente mais alongada e retangular do paralelepípedo transparente envolvido por dois alpendres nas duas fachadas maiores, que cumprem um papel crucial para a unidade do conjunto. Figura 4: 1a, versão do Palácio da Alvorada e sua Versão definitiva (à direita e embaixo). Nos demais edifícios, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal, ambos de 1958-1960, esse peristilo permanece disposto ao longo das duas fachadas mais alongadas, mesmo que seja introduzido um importante deslocamento da laje de cobertura junto às duas empenas, formando um espaço de galeria sem pilares. No Planalto, a frontalidade da fachada com as loggias é contraposta à inversão de hierarquia da fachada do Supremo que mostra a face lateral para a Praça dos Três Poderes, exibindo o perfil da colunata e acentuando um eixo de simetria paralelo às duas galerias. A diferenciação entre os dois palácios se complementa pela escala diferente entre os dois pilotis. Ainda motivado pela pressão do sistema construtivo pré-fabricado, retoma a ênfase nas duas loggias longitudinais no projeto não-construído do Instituto de Teologia (1960), mas realiza uma outra operação fundamental: a criação de uma grande praça coberta obtida pelo descolamento total do volume interno em relação ao seu bloco envolvente, realizando a total separação visual entre as duas caixas. Mas, é no Palácio Itamaraty (1965-1967) que essa idéia atinge seu ápice. As colunatas exóticas dos outros palácios se transformam em arcadas contínuas e tridimensionais que atuam decisivamente a favor de uma unidade, em que a planta perfeitamente quadrada acentua ao máximo a expressão de caixa estrutural que circunda todas as quatro fachadas do volume envolvido, formando um conjunto que emerge de um grande espelho d’água. Dessa vez, desloca parcialmente o bloco interno da caixa envoltória criando um grande jardim elevado que na porção central se abre para o céu através de pérgulas. Estava potencializado ao máximo a dualidade volumétrica iniciada por Reidy na Escola Brasil-Paraguai. Figura 5: Praça dos Três Poderes, destaque para posição dos pilares em relação a fachada, no Instituto de Teologia destaque para loggias e descolamento das caixas. Em São Paulo, João Vilanova Artigas, após flertar com as influências de Wright e com a Escola Carioca, constitui-se num nome fundamental do chamado Brutalismo Paulista, que irá se diferenciar do grupo carioca não apenas pelo uso do concreto à vista, já utilizado por Reidy na Escola Brasil Paraguai (1952) e no MAM (1953), mas pelo abandono da leveza do prédio em relação ao solo, iniciando uma série de obras que emanam a sensação de massa, e com isso radicalizando os contrastes visuais de maneira mais brutal em vez de resolvê-los por uma fusão harmoniosa e suave. Nesse sentido, a Escola de Itanhaém (1960-61) se constitui em um marco fundamental, na medida que ao mesmo tempo que dá continuidade às pesquisas estruturais iniciadas por Niemeyer e Reidy, na outra ponta é reveladora de novas características que se contrapõem aos seus contemporâneos cariocas: ao invés de se desprender do solo, a escola se achata contra ele, numa construção extremamente baixa e horizontal com a redução sistemática dos pés-direitos, mas extremamente permeável aos espaços abertos. Mesmo que ainda subsista um certo equilíbrio entre estática e dinamismo, graças aos pilares arrematando os pórticos com linhas oblíquas que diminuem na medida que se aproximam do solo, Artigas introduz uma forte contraposição entre aspectos tão contraditórios e rompe com a principal característica da arquitetura moderna brasileira – a leveza. Essa tensão visual que a forma estrutural desempenha muito se difere da abordagem de Niemeyer e Reidy, em que a expressão do edifício residia no debate entre estrutura esbelta e vedação como elemento chave na composição de nítidos volumes que parecem simplesmente pousar sobre o solo. Figura 6: Ginásio de Itanhanhem. Vigas-parede: a caixa hiper real Se a escola de Itanhaém representou novas abordagens sobre o tema da fachada inclinada em pórticos transversais, é na esfera privada, nos projetos das casas Olga Baeta (1956) e Mário Taques Bitencourt (1959) que ocorre o vetor decisivo nessas experimentações estruturais. Na pequena casa de 56, surgem pela primeira vez as duas empenas estruturais de concreto à vista que, nesse caso, simplesmente definiam os limites do volume externo. Na outra casa, se afirma o paralelismo do conceito de caixa dentro da caixa, simultaneamente experimentado pelo grupo carioca. No entanto, a criação de pesadas vigas-parede modificam substancialmente essa idéia. Dessa vez, esse novo envelope estrutural conforma um volume unitário, uma caixa pesada e fechada nos seus extremos por paredes cegas de concreto, mas totalmente aberta nos lados maiores. Portanto, apoiada somente em quatro pontos de apoio que se constituem em prolongamentos oblíquos das próprias empenas. Já não há nenhum tipo de concessão estrutural no interior desse espaço, livre de pilares intermediários. A separação entre ossatura e vedação que, antes se estabelecia por independência entre o esqueleto e os panos de muro, agora se expressa volumetricamente, através da virtual duplicidade entre o prisma externo, ligado à estrutura maciça que envolve o outro, ligado aos fechamentos leves. Nesse período, Artigas já havia renunciado à adoção do esquema Dom-ino como foco das tensões com os fechamentos, inclinando-se em contrastar uma pesada carga das paredes estruturais sobre finos pontos de apoio: Figura 7: Casa Olga Baeta (canto superior esquerdo) e Residência Taques “O concreto utilizado não é só uma solução mais econômica, como corresponde à necessidade de se encontrar meios de expressão artística, lançando mão da estrutura do edifício, sua parte mais digna. A estrutura para o arquiteto, não deve desempenhar o papel humilde de esqueleto, mas esprimir a graça com que os novos materiais permitem dominar as formas cósmicas, com a elegância de vãos maiores, de formas leves”.1 Para Artigas, uma solução mais econômica está ligada à expressão material do edifício em um único elemento físico, o concreto armado, entendido não mais como esqueleto e sim como massa contínua, que se expressa do ponto de vista da composição, implicitamente em um volume único: “essa abordagem do problema permite reunir todo o programa em um só bloco, solução que poderia concorrer para a reorganização dos bairros residenciais, em geral de aspecto anárquico dado o vício de distribuir os programas das residências em pedaços, com edículas e blocos separados”. Adoção do bloco único destacado do chão, horizontalidade, previsão de amplos espaços cobertos, flexibilidade, através da concentração e minimização de funções de serviço e da modulação são constantes já presentes nessas verdadeiras maquetes em escala doméstica que se afirmarão em seguida em projetos decisivos no âmbito coletivo: os vestiários do São Paulo Futebol Clube (1961), o Anhembi Tennis Club (1961), a garagem de barcos do Clube Santa Paula (1961-63), e a Faculdade de Arquitetura da USP (1961-69). Nos vestiários, um imenso bloco longilíneo com mais de 130m, com largura de apenas 15m conforma uma cobertura que se apóia em duas maciças paredes cegas sobre pilotis, com formas inesperadas, 1 BARDI, Lina Bo. Vilanova Artigas. Portugal: Blau, 1997 perpendiculares ao plano das empenas. O pavimento térreo é extremamente transparente, ora livre, ora fechado por caixilhos de vidro. No pavimento superior, a iluminação se faz zenital, solução já testada na Escola de Guarulhos. No Anhembi, retoma o tema dos pórticos, iniciado nas escolas, mas torna-os tridimensionais, uma espécie de origamis em concreto armado, suspendendo o edifício do solo. Contudo, será na garagem de barcos que o tema da caixa estrutural contínua apoiada sobre poucos pontos de apoio mais se radicaliza. A ênfase se desloca da forma especial dos pórticos para uma estrutura que produz uma espacialidade contínua, em que até os apoios são simples prolongamentos oblíquos das vigas-paredes, já experimentados na casa Taques. O resultado é uma cobertura horizontal em concreto armado com grandes balanços e que apenas pousa no solo sobre juntas metálicas que atuam a favor das dilatações térmicas. Dessa vez, o programa é resolvido sem a caixa de vidro interna à caixa estrutural – simplesmente um imenso terraço de pedra abrigado da chuva. Figura 8: Em cima Garagem de barcos Santa Paula, embaixo Anhembi Tênis Clube e FAU-USP. Finalmente, no edifício da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Artigas realiza a sua obra-síntese, reunindo as novas abordagens espaciais dos edifícios escolares, ou seja, rompimento da tipologia de pavilhões em série, em favor de um partido de monobloco que proclama a continuidade dos espaços, já que introjeta o pátio coberto na composição interna dos ambientes, associado às experimentações estruturais iniciadas nas casas. O resultado é impressionante: um vasto paralelepípedo retangular, uma literal caixa estrutural em concreto armado nu, composta por quatro vigas-parede as quais definem as faces laterais cegas que repousam sobre 14 pilares em forma de trapézios duplos, opostos pela base menor. Essa imensa tensão do peso visual das paredes cegas contrasta com a caixa interna, recuada e envidraçada que conforma um grande peristilo colossal. Internamente, o edifício se revela como um imenso pátio coberto, tensionado, de um lado, pela verticalidade de um grande vazio central, de outro pelas linhas horizontais dos pavimentos que são percebidos como volumes desencontrados em vários níveis. Somam-se a tudo isso, quatro fileiras de pilares cilíndricos que apóiam esses volumes internos e a cobertura, definida por uma grelha que banha com luz difusa a grande praça coberta. O embrião conceitual contido nas casas Baeta e Taques chegava ao máximo da sua afirmação: o emprego de materiais brutos e nus associados a uma absoluta continuidade espacial, ou seja, uma arquitetura que se revele pelo seu caráter material simples e despojado e que facilite os contatos humanos, ambos ideais ligados à vida comunitária, bem ao gosto de seu ethos. De volta às quatro composições de Le Corbusier Se com Artigas as experiências domésticas se constituíram em um laboratório para os grandes trabalhos, anteriormente com Le Corbusier já havia ocorrido o mesmo. Foi somente a partir do concurso do Palácio da Liga das Nações (1927-1928), por ele denominado uma casa - um palácio, que obteve um pretexto para aplicar as constatações de suas investigações compositivas, em um projeto de grandes proporções. Até então, grande parte das suas explorações no campo da edificação se restringia às suas famosas Villas, em que reservava muita atenção ao prisma básico. No entanto, nos grandes encargos, por exigência programática, obrigou-se a uma estruturação do conjunto baseada na adição de elementos constitutivos, como na Ville La Roche - única aditiva das quatro composições, que a seguir eram manipulados de modo a gerar um determinado número de ordenações alternativas. Nesse sentido, a recusa de Artigas em adotar os arranjos de vários volumes em programas extensos significa mais uma radical ruptura com a filiação corbusiana da arquitetura brasileira de até então. Em nítida contraposição, na produção de Reidy as composições aditivas são predominantes. Para Niemeyer, mesmo após a cisão do projeto de Caracas, em que um volume único se justifica a partir das características específicas do lugar, a liberdade de escolha das composições é abertamente defendida: “Exigem que as soluções se contenham em plantas simples e compactas visando a volumes puros e geométricos, solução que às vezes adoto, mas que não aceito como dogma e para isto acomodam, dentro destas formas pré-estabelecidas, programas complexos que exigiriam, justamente para atender às razões funcionais que tanto defendem, partidos diferentes e recortados. E assim, para manter o purismo desejado, os purismos aparentes, criam o verdadeiro formalismo, formalismo mais grave e inconteste, porque não se resume na especulação plástica dos elementos estruturais da arquitetura, mas no seu próprio desvirtuamento, no que ela apresenta de básico e funcional por excelência”.2 Em Artigas, o lugar atua como parâmetro na definição do zoneamento dos volumes internos sob uma única cobertura e não como um agente de definição da composição ou da tipologia. O bloco único justifica-se assim, como um paradigma, vinculado à necessidade de enfatizar a forma volumétrica estrutural, uma vez que tal acento se enfraquece em arranjos de vários volumes. A caixa virtual versus a caixa hiper-real Portanto, a opção na composição em bloco único representa acima de tudo uma escolha pela ênfase na expressão da massa estrutural contínua em que os jogos de volumes ocorrem internos ao bloco envoltório, como no prédio da FAU-USP. A caixa transparente interna passa a desempenhar um papel secundário e opcional. Na garagem de barcos, desaparece como contraponto volumétrico, em favor da expressão absoluta da caixa exterior. O aspecto material do volume remanescente é, pela sua materialidade, extremamente denso, maciço, no entanto, a sua articulação formal é testemunha do oposto: inexistem empenas ou qualquer referência a áticos, as extremidades são definidas por vazios, um brutal anti-classicismo3, nunca antes visto em Le Corbusier, desde as suas teorias dos anos 20 até o pós-guerra. Uma caixa hiper-real que cria efeitos simultâneos de densidade e leveza. Em lado oposto, o Palácio do Itamaraty se revela como uma inversão total. O foco das tensões se dilui entre os dois volumes - o envolvente por ser extremamente permeável, permite o descortino do interno que se revela independente. Na sede da Editora Mondadori (1968), mesmo quando retoma a ligação física entre as duas caixas, suspendendo o volume interno junto ao teto do bloco estrutural, nunca realiza a fusão em um todo, mantém uma forte dualidade visual. Por opção, a rejeição de Niemeyer ao uso obrigatório do prisma puro, está ligada a uma indiferença na opção compositiva que transcende a experiência contida nas quatro composições, uma vez que Le Corbusier nesse período, a despeito de sua inexperiência com temas fora do âmbito residencial, se posicionava com um certo desdém em relação aos partidos aditivos se comparados com as três composições unitárias. 2 Niemeyer, Oscar. Minha experiência em Brasília. Rio de Janeiro: Vitória, 1961. Segundo COLQUHOUN (1986), Le Corbusier difere da maioria dos arquitetos modernos ao se opor a uma rejeição absoluta da tradição clássica e vernacular. Esses deslocamentos estão ligados principalmente à teoria dos cinco pontos de uma nova arquitetura em que cada um dos princípios possui uma correspondência antagônica com o Classicismo. 3 Figura 9: Editora Mondadori e Palácio do Itamaraty É preciso fazer cantar os pontos de apoio A dualidade implícita no esquema box in the box não corrompe a unidade plástica pretendida através do equilíbrio de vários elementos envolvidos. Niemeyer investe no debate entre a permeabilidade do volume estrutural e a transparência do volume contido, expresso pelos fechamentos. Essa dualidade se faz análoga ao diálogo implícito no esquema Dom-ino. Se arquitetura é a arte de fazer cantar o ponto de apoio, conforme proclamava Auguste Perret, esse “fazer cantar” se processa de maneiras distintas. Mesmo quando Niemeyer rompe com a bifurcação entre ossatura e muros, essa aproximação com Artigas se produz através de um bloco fechado e pesado em concreto à vista, sem a grande tensão entre massa construída e esbeltez do ponto de apoio. No projeto do Edifício de Classes da Universidade de Constantine (1968) - um gigantesco paralelepípedo de 300m de comprimento fechado por duas longas vigas-parede de mais de 4m de altura, pesados pilares em forma de tronco de pirâmide cumprem um efeito inverso aos de Artigas. Niemeyer recusa os contrastes brutais em favor de uma expressão mais serena e homogênea da estrutura. Figura 10: Apoio e pilar do Palácio da Alvorada e à esquerda, Croquis de Constantine no centro e apoio da viga-parede da Garagem de barcos à direita. Um retorno às suas pesquisas estruturais dos anos 50 confirma essa recusa. Nos experimentos relativos aos pilotis em “V”, paralelos ao plano das fachadas longitudinais, o seu perfil típico se revela apenas quando suportam as faces totalmente abertas e permeáveis da caixa-entablamento. Nas empenas cegas e, em conseqüência, pesadas, se mostram simplesmente perfilados como pilares já previstos em Dom-ino. A eliminação da tensão dos apoios oblíquos se confirma no Palácio da Agricultura (1951), único bloco vertical do conjunto edificado do Parque Ibirapuera. Essa nítida contraposição desaparece completamente, sob a extrema horizontalidade do Palácio dos Estados (1951) em que o pilar em “V”, nesse caso assimétrico, se revela na fachada cega sem peso visual. O pilar modificado no pilotis cumpre uma função de transferência de cargas dos suportes dos pavimentos-tipo para o andar térreo, em que se deseja diminuir a sua freqüência. A regra se confirma em outros edifícios altos: Hospital Sul América (1952), Fundação Getúlio Vargas (1955), ambos no Rio de Janeiro, edifício residencial para a exposição Interbau (1955) em Berlim. A experiência resultou em uma das marcas registradas das suas buscas estruturais. No entanto, sempre evitou revelar o perfil característico desses pilares em relação ao peso vertical das empenas cegas. Em Brasília, os croquis da versão definitiva do Palácio da Alvorada não deixam dúvidas do hábil manejo em ocultar a verdadeira seção dos pilares, a fim de criar a ilusão de que o edifício quase que flutua sobre a paisagem. Compartilha com Artigas a ambição de criar ilusão na percepção visual do apoio quando toca o solo, mas elimina qualquer possibilidade de tensão entre o suporte e elemento suportado – o sistema de lajes adotado permite uma absoluta esbeltez dos bordos visíveis da cobertura que se radicaliza na eliminação de dois pilares junto à entrada principal. Ruptura versus pluralidade O rompimento de Artigas com a sintaxe corbusiana é provável que tenha um forte leit motiv ideológico. Até então, a sua comunhão com a planta livre atesta uma profunda compreensão da linguagem fundada na dialética entre esqueleto versus vedações. O final dos anos 40 testemunha várias casas importantes: Czapski, Heitor de Almeida, a segunda casa do arquiteto. No edifício em altura, o Louveira se constitui em um novo paradigma de implantação urbana, uma vez que seu pátio de honra se amálgama com a Praça Vilaboin. Já em 50, na Rodoviária de Londrina, percorre o caminho em busca da forma livre que Niemeyer já iniciara na igreja da Pampulha. A Casa da Criança de Londrina demonstra uma rara habilidade no jogo sábio de volumes sob a luz4. Mas os seus caminhos da arquitetura5 seriam outros: a militância no Partido Comunista pós-45 rejeita o mito de Apolo versus Dionísio. Rechaça tanto Le Corbusier como Frank Lloyd Wright; um pensa que o retrocesso da sociedade salvará o capitalismo de sua queda irremediável – finge-se arrependido do domínio burguês que exerce e diz-se democrático em oposição ao facismo de Apolo6. 4 É uma referência parcial ao conceito de arquitetura de Le Corbusier, que se fundamenta no jogo sábio e magnífico dos volumes sob a luz. 5 ARTIGAS, João Batista Vilanova. Caminhos da arquitetura. São Paulo: Cosac e Naify, 1999. 6 ARTIGAS, 1999, p. 29. Cisão, bifurcação, sem exclusão das experiências precedentes. A trajetória de Niemeyer comporta uma pluralidade que impressiona pelo tom especulativo que se reitera ao longo de sua obra. A envergadura e o aprofundamento da experimentação não tem similaridade. É certo que a Ville Cartago está na origem da extroversão da caixa estrutural. Em solo americano, a fertilização do paradigma previsto em concreto armado se funda por Mies na caixa metálica, que em seguida se descola. A loggia de Havana é posterior às manobras Sul-americanas. O talento de Reidy produz dois projetos emblemáticos. Tanto na Escola de Assunção, como no MAM, o conceito avança. Nas mãos de Niemeyer assume um viés sem precedentes: introduz a ordem colossal, já utilizada no MES, na varanda vernacular que se incorpora ao projeto definitivo do Palácio da Alvorada e, em seguida, afirma uma dualidade absoluta entre as duas caixas no Instituto de Teologia. Sem precedência, é o jardim sob pérgulas que encima a caixa transparente do Palácio do Itamaraty. Em paralelo, também abandona o esquema Dom-ino em direção às experiências com as vigas-paredes. Seguem-se os projetos do Edifício de Classes da Universidade de Constantine e outros no exterior ou em Curitiba. Mas, se a inflexão do projeto de Caracas se revela como uma inicial aproximação à obra madura de Artigas, a aproximação é parcial e se constitui em um grande paradoxo que sintetiza as suas divergências relativas à expressão da estrutura. Para o arquiteto da FAU-USP, a condição de volume único não elimina o acento expressivo sobre a estrutura que simultaneamente desloca-se para a sua condição tátil - enquanto continuidade material que se desdobra na idéia de fluidez espacial under one roof, e nas transmutações de vigas-paredes em pilares que também assumem a condição de fechamentos. Se a rejeição total de Artigas ao esquema Dom-ino representa a origem estética de sua mutação conceitual, os diferentes olhares sobre a leveza estrutural concentram o núcleo da polarização entre Niemeyer e Artigas: “Não tem uma pirâmide? Que tem uma base sólida, uma das figuras mais sólidas que há. De repente essa pirâmide acaba num ponto e existe um outro ponto virtual aqui, no centro da pirâmide. Aqui tem essa parede, que desce, vai se afinando até encontrar-se com a coluna. Nem sei se isso é coluna, porque é como se eu dissesse que é um elemento de vedação, a parede, procura ser coluna. E a coluna também quer ser vedação. Depois percebi que você teve um cuidado na hora de fazer essas colunas para dar uma qualidade ao concreto, uma qualidade tátil”. 7 7 ARTIGAS, João Batista Vilanova. A função social do arquiteto.São Paulo: Nobel, 1989. Fragmento da argüição de Flávio Motta no concurso para professor titular em junho de 1984. FIGURAS: Figura1: Escola Pública em Diamantina, Revista Projeto abril 2008 e Museu de Caracas, PAPADAKI, 1960, fig 53. Figura 2: : As quatro composições e a Villa à Carthage II, JEANNERET, 1946, Vol 1, p.186-175. Figura 3: Fifty by Fifty, DREXLER, 1960, fig 94 e Bacardi, DREXLER, 1960, fig 111 . Figura 4: Croquis da 1a. versão do Palácio da Alvorada, Módulo 6, pag.14. Plantas da 1a, versão do mesmo palácio, DOMUS, Jun-1957, pág.2. Figura 5: Perspectiva da Praça dos Três Poderes, CORONA, 2001, pág.66. Figura 6: Ginásio de Itanhanhem, Croquis in BARDI 1997, pág. 90. Figura 7: Casa Olga Baeta e Residência Taques in BARDI 1997, pág 73, 82 e 83. Figura 8: Garagem de barcos Santa Paula inBARDI 1997, pág. 99 e Anhembi e FAU-USP in ARTIGAS, 1989, p89 e 91. Figura 9: Editora Mondadori in Módulo Especial OscarNiemeyer e Palácio do Itamaraty http://www.inforel.org/fotoNoticia/Itamaraty3.jpg . Figura 10: Apoio e pilar do Palácio da Alvorada in Modulo 7, pág. 23 e a direita, apoio da viga-parede da Garagem de barcos, in BARDI, 1997, pág. 100. Referência Bibliográfica ARTIGAS, João Batista Vilanova. Caminhos da arquitetura. 2.ed. São Paulo: Cosac e Naify, 1999. ARTIGAS, João Batista Vilanova –1915-1985. A Função Social do Arquiteto. São Paulo: Nobel, 1989. BARDI, Lina Bo. Vilanova Artigas. Portugal: Blau, 1997. BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981. COLQUHOUN, Alan. Essays in Architectural Criticism. New York: MIT Press, 1986. FRAMPTON, Kenneth.História critica de la arquitectura moderna. 4.ed. Barcelona: G.Gili, 1989. JEANNERET, Pierre - Le Corbusier: oeuvre complète de 1910-1929 - Zurich. Les Éditions D'architecture Erlenbach, 1946. MÓDULO. Rio de Janeiro: n.06. MÓDULO. Rio de Janeiro: n.07. MÓDULO. Rio de Janeiro: Especial Oscar Niemeyer. PAPADAKI, Stamo; COSTA, Lucio. The work of Oscar Niemeyer. 2.ed. Nova Iorque: Reinhold, 1951. PAPADAKI, Stamo - Oscar Niemeyer - Nova York. George Braziller, 1960. WEIDLE, E.P.S. et alli. Considerações em torno da dimensão artística e cultural na obra de arquitetura. Projeto, Arquitetura, Planejamento, Desenho Industrial, Construção. Jan. -Fev. 1980, n. 18. Imprimir O Edifício Teruszkin Andréa Soler Machado Arquiteta e Urbanista, Mestre. PROPAR-UFRGS Historiadora, Doutora. PPGHIST-UFRGS Avenida Senador Salgado Filho, 135, AP. 701, Porto Alegre. CEP: 90010-221. Fones (51) 30624673 e 81189596 asolerm@terra.com.br Fechar O Edifício Teruszkin O Edifício Teruszkin, com 19 pavimentos, localizado no centro de Porto Alegre, projetado em 1958 pela arquiteta Ivone Manske e pelo engenheiro Paulo Levacov, se insere na década e meia revisionista que questiona uma unidade ortodoxa a partir de meados dos anos 1950 mas segue, desde o ponto de vista compositivo, os preceitos corbuseanos desenvolvidos no Brasil pela Escola Carioca. Adota o tipo arquitetônico desenvolvido a partir da Lever House: uma torre de escritórios sobre uma base comercial articulada ao passeio público. Em sua configuração, transparece o paradoxo da plasticidade X industrialização surgida a partir da ambivalência própria do concreto armado: Sua capacidade em instrumentar a padronização dos elementos de arquitetura, supostamente passíveis de produção em série e em massa se revela no sistema estrutural reticulado do edifício, sobretudo na torre, expressão máxima do triunfo da técnica sobre a natureza. A fachada modular da base, com esquadrias de alumínio é análoga à dos edifícios corbuseanos da década de 1930, que representam um giro em relação às villas da década de 1920. (FRAMPTON, 1997) A plasticidade do material, ou seja, a capacidade de moldar-se a diversas formas, constituindo veículo de expressão escultórica, aparece nos extremos do edifício e na transição entre torre e base, em marquises e pilares diferenciados revestidos de granito ou pastilhas cerâmicas coloridas. Apesar da sua qualidade construtiva e compositiva, semelhante aos edifícios modernistas que, a partir dos anos 1950, verticalizam o centro da cidade sobre bases majestosas contextualizadas com a cidade tradicional, o Edifício Teruszkin é pouco conhecido e nunca foi publicado. Acredita-se que, através da sua documentação e análise crítica, este e outros exemplares similares e até então anônimos possam ser incorporados ao patrimônio moderno, contribuindo com sua valorização e preservação. Palavras-chave: Edifício, moderno, concreto armado. Abstract With 21 pavements downtown, the Teruszkin building was projected in 1958, by the architect Ivone Manske and the engineer Paulo Levacov. This building is inserted in the revisionist movement of the decade. It questions an orthodox unity from the 1950’s on, and on the other hand, follows the principles of Le Corbusier from the point of composition developed in Brazil by the Cariocan School. They adopt the architectonic type of Lever House: an office tower over a commercial basis articulated to the public side walk. Its configuration, however shows a paradox of plasticity vs industrialization resulting from the ambivalence of the steel concrete itself. Their skill to deal with the standardization of the elements of architecture to be produced in large scale, is revealed through the structural reticular system in the building, in the tower overall, as the utmost expression of triumph over nature. The modulated façade of the basis, with aluminium frames is similar to the Corbusian buildings of the 1930’s decade, representing a turn-over as to the Villas of the 1920’s decade. (FRAMPTON, 1997): The Plasticity of the materials or better, the capacity of moulding different shapes giving way to sculptural expressions which appears on the extremes of the building and the transition between tower and basis, in marquees and differentiated pillars, covered in granite or colored ceramic pastilles. The Teruszkin building is not well known in spite of its modernist constructive and compositive quality, wich from the 1950’s on, verticalized downtown on majestic basis, contextualized with the traditional city. We believe that through documentation and critical analysis this building and many others alike, anonymous, might be incorporated into modern patrimony as a contributing factor for their evaluation and preservation. Key-words: building, modern, steel concrete. 2 O Edifício Teruszkin 1. O edifício, o pilar e a cidade “Todo o espaço moderno gira em torno de um protagonista estrutural e formal simultaneamente: o pilar”.1 Foi através do pilar que descobri o Edifício Teruszkin, construído em 1964, no centro de Porto Alegre. Para um caminhante da cidade, um pilar é um elemento cotidiano. É o contato dos edifícios com o solo, onde se colam cartazes, se encosta o ambulante, brinca a criança. Vários pilares alinhados muitas vezes conformam galerias: espaços de passagem cobertos delimitados, de um lado por lojas e serviços, de outro por nichos onde se instalam bancas de revistas, mendigos e camelôs. Nos centros das cidades, os térreos dos edifícios e seus pilares maravilhosos conformam um layer público ligado ao espaço da rua, por onde transcorre a vida urbana, separada do mundo mais privado das alturas, poucas vezes percebida pelo caminhante. (FIG.1) FIG. 1. Edifício Teruszkin, Porto Alegre. Galeria sobre a Rua Vigário José Inácio. Foto: Andréa Machado A galeria de pilares robustos revestidos de mármore negro sobre a qual se ergue o Edifício Teruszkin, é uma das tantas existentes na Rua Vigário José Inácio, -- uma rua estreita que sobe a colina, desde o porto até a Rua Duque de Caxias, na cumeeira da península. Essa galeria desemboca numa avenida comercial paralela a margem do Guaíba, no lado norte que, apesar da se estender por apenas 3 quarteirões, tem perfil de boulevard parisiense, com duas pistas e canteiro arborizado no meio: a Avenida Otávio Rocha. (FIG. 2) Desde essa avenida, composta por edifícios altos construídos entre as décadas de 1930 e 1950, certo dia, avistei uns pombos alvoroçados em torno dos pilares azuis que conformam o coroamento do Edífício Teruszkin. (FIG. 3) 1 MONTANER, Josep Maria. A Modernidade Superada:arquitetura, arte e pensamento do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001, p. 29. 3 FIG. 2. Edifício Teruszkin, Porto Alegre. Vista desde a Avenida Otávio Rocha. Foto: Andréa Machado FIG. 3. Edifício Teruszkin, Porto Alegre. Coroamento. Foto: Andréa Machado A bela cena evocou outras, como se esses pombos se originassem dos vizinhos e contemporâneos, Palácio da Justiça e Edifício Jaguaribe, após haverem sobrevoado o Ministério de Educação e Saúde e o Edifício Seguradoras, no Rio de Janeiro, o Conjunto Nacional, em São Paulo ou, até mesmo, terras estrangeiras como a Lever House, em Nova Iorque; o Promontory Apartments, em Chicago; e o Edifício do Exército da Salvação, em Paris. Há um eco de cada um desses projetos modernos exemplares nesse edifício comum de escritórios, que segue vivo no dia a dia da vida da cidade, onde entram e saem centenas de pessoas que utilizam os diversos escritórios empilhados em seus 19 pavimentos mais sub-solo de estacionamentos. Apesar da sua qualidade construtiva e compositiva, semelhante aos edifícios modernistas que, a partir dos anos 1950, verticalizaram o centro da cidade sobre térreos majestosos contextualizados com a cidade tradicional, o Edifício Teruszkin é pouco conhecido e nunca foi publicado. Seus pilares não apenas são os responsáveis pelo seu grande porte, mas são seus principais signos modernos perante a cidade. É a partir deles que se arma essa narrativa. Este artigo se insere na pesquisa intitulada “Os anos dourados da arquitetura moderna em Porto Alegre: projeto e preservação dos edifícios em altura do centro, construídos nos anos 1950”, direcionada ao estudo dos principais edifícios altos construídos a partir do Palácio da Justiça: seus 4 projetos, elos tipológicos e morfológicos com a cidade na qual se inserem e com a cultura disciplinar brasileira e latino-americana. Acredita-se que, através da sua documentação e análise crítica, este e outros exemplares similares e até então anônimos possam ser incorporados ao patrimônio moderno, contribuindo com sua valorização e preservação. 2. Pilares e princípios “O engenheiro é análise e aplicação de cálculos; o construtor é síntese e criação.”2 Pilares gigantes e negros no térreo, sensuais e azuis junto ao céu. Essa poética tectônica, presente no Edifício Teruszkin é análoga à do MES e no Palácio da Justiça. Mas nas palavras do engenheiro Paulo Levacov, -- responsável por esta e outras tantas estruturas de concreto armado construídas no centro de Porto Alegre, como a do Edifício Jaguaribe3 --, “o seu projeto foi feito em parceria com a arquiteta Ivone Manske, seguindo fielmente os preceitos de Le Corbusier”. Na conversa, admitiu conhecer bastante o arquiteto Luiz Fernando Corona, mas não citou, nenhuma vez, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer ou qualquer integrante da equipe que projetou o Ministério. É impossível que Paulo desconheça a produção da Escola Carioca. Apesar de sua formação, as diversas obras de artistas brasileiros dispostas em seu apartamento, localizado no trigésimo primeiro andar do Edifício Santa Cruz4, denunciam uma sensibilidade além da técnica. Não me arrisquei a perguntar mas suponho que a referência, e a reverência, direta ao mestre suíço se deva ao velho problema histórico do gaúcho que quiz um dia emancipar-se do resto do país; ou talvez esteja relacionado à sua condição de imigrante vinculado à origem européia. É a figura emblemática de Le Corbusier que ainda ilumina os olhos azuis desse engenheiro, atualmente com 85 anos de idade que escapava de minhas perguntas mostrando-me uma garrafa de vidro dos tempos de antes dos aterros, encontrada nas escavações de um edifício construído na Praça da Alfândega; lendo um poema de Cecília Meirelles escrito a mão em uma parede, ou oferecendo-me assento em uma cadeira assinada por Lina Bo-Bardi. Le Corbusier valorizava o papel do engenheiro e havia antecipado, nos anos 1920, na revista l’Esprit Nouveau, a parceria necessária à realização do edifício moderno, no qual a expressão está diretamente vinculada à técnica e às características construtivas: “Estética do engenheiro, arquitetura, duas coisas solidárias, consecutivas, uma em pleno florescimento, a outra em penosa regressão. O engenheiro, inspirado pela lei de economia e conduzido pelo cálculo, nos põe em acordo com as leis do universo. Atinge a harmonia. O arquiteto, ordenando formas, realiza uma ordem que é pura criação de seu espírito.” (...) 2 LE CORBUSIER. Precisões sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. São Paulo: Cosac & Naify, 2004, p. 45. CANNEZ, Anna Paula. Fernando Corona e os caminhos da arquitetura moderna em Porto Alegre. Porto Alegre: UE/Porto Alegre/Faculdades Integradas do Instituto Ritter dos Reis, 1998, p. 144. 4 O Edifício Santa Cruz é o edifício mais alto da cidade, com 33 pavimentos, projeto de Carlos Alberto de Holanda Mendonça,1955. 3 5 Hoje são os engenheiros que conhecem a maneira de sustentar, de aquecer, de ventilar, de iluminar. Os engenheiros constroem os instrumentos de seu tempo.”5 Não tive ainda a oportunidade de falar com a arquiteta Ivone Manske. Mas posso garantir que Paulo Levacov não se sente apenas o calculista do edifício, e sim seu co-autor: “o edifício foi projetado a quatro mãos”, -- declarou orgulhoso. 2. Os anos dourados da arquitetura moderna em Porto Alegre “A arquitetura que supostamente expurgara a tradição funda sua própria tradição. (...) permeando pouco a pouco diferentes tradições, nacionais e regionais, transformando-as e sendo trasformada por elas”6. Apesar de ter sido construído em 1964, no começo dos anos sombrios brasileiros, o projeto do Edifício Teruszkin é de 1958, ou seja pertence aos anos 1950, década de ouro da arquitetura moderna porto-alegrense, o apogeu do processo de modernização urbana caracterizado pela drástica transformação das áreas centrais iniciada nos anos 1920, época em que os arquitetos locais beneficiaram-se com o surgimento da carreira na função pública, com a criação da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, com o recente retorno do regime democrático no país e com a próspera situação econômica do estado, mais do que favorável a investimentos no setor da construção pública e privada. Neste contexto uma série de edifícios, com roupagem vanguardista, foram inseridos sobre os traçados haussmanianos que conferiram melhorias urbanas à cidade. Por outro lado, a promoção de vários concursos nacionais de projetos para edifícios públicos revelariam uma nova realidade: a arquitetura moderna era enfim assumida como Estilo Oficial. Dois desses concursos de projeto dariam origem a dois novos palácios em Porto Alegre: o Palácio da Justiça, de Luiz Fernando Corona e Carlos Maximiliano Fayet, 1953, que evoca tanto Le Corbusier quanto a arquitetura moderna brasileira produzida entre 1936 e 1955; e o Palácio Farroupilha, de Gregório Zolko e Wolfgan Schoedon, 1958, derivado do miesianismo americano que, a partir da segunda metade do século XX, promove o vidro como alternativa à parede milenar na vedação dos edifícios. Representativos enquanto instituições e portadores de estilos vanguardistas, estes dois palácios exerceriam grande influência na arquitetura porto-alegrense produzida a partir dos mesmos: o primeiro, divulgaria as idéias da Escola Carioca, simbolizada pelo Ministério de Educação e Saúde do Rio de Janeiro, projetado por Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e equipe, com a participação do mestre Le Corbusier, em 1936. A fachada do tipo cortina utilizada por Zolko, no segundo, 5 LE CORBUSIER. Por uma Arquitetura. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1977, p. 3-7. CURTIS, William. Arquitetura Moderna desde 1900. Porto Alegre: Bookman, 2008, p. 12. 6 6 começaria a aparecer frequentemente em projetos porto-alegrenses da década de 1960, sobretudo em edifícios de escritórios e institucionais.7 Contemporâneo e seguidor do Palácio da Justiça, o Edifício Teruszkin foi implantado sobre uma das avenidas surgidas com a reforma urbanística iniciada pelo Intendente Otávio Francisco da Rocha8, em 1924, a partir do Plano de Melhoramentos João Moreira Maciel, de 1914, que tinha como uma das prioridades, a melhoria das ruas comerciais ligadas ao porto: a Avenida Otávio Rocha que, substituindo o antigo e estreito Beco do Rosário9, “verdadeiro antro de vícios” passa a unir duas praças centrais, -- a Praça 15 de Novembro -- antiga Praça do Paraíso, ponto tradicional de vadiagem -- e a Praça Otávio Rocha, -- surgida de desapropriações feitas por Otávio Rocha no trecho de inflexão entre a Avenida Otávio Rocha e a Avenida Alberto Bins, antiga Rua São Rafael -- estabelecendo uma importante conexão radial do centro com os bairros Floresta e Passo da Areia.10 A cidade ideal contida no Plano Maciel se impôs como transformação do espaço urbano real, não através da reformulação drástica do tecido colonial existente, mas por meio de reformulações sutis e pontuais, como ampliações urbanas, abertura e alargamento de vias centrais e eliminação de becos ainda existentes, frequentados por mendigos e prostitutas indesejáveis. Como resposta à idealizada renovação da estrutura da ‘velha’ cidade colonial que, supostamente, já não suportava as necessidades da moderna capital o Plano Maciel definiu, sob o desígnio de “melhoramentos” urbanos -- circulação, saneamento e embelezamento --, uma estratégia de limpeza urbana e de costura entre o velho e o novo traçado, a ser implementada ao longo do tempo, cuja repercussão é, necessariamente, a alteração, não da totalidade da forma urbana, mas de suas socialidades e de seu sistema de movimentos. Como diz Sandra Pesavento: “Pouco importa a designação – fosse ele chamado de beco ou via --, mas o que conta é que esse local estreito teria sido, sobretudo, palco de um comportamento desviante, praticado por alguém de mau viver. O beco é, pois, o reduto dos excluídos urbanos e corresponde, de forma exemplar, a uma bela demonstração do que poderíamos chamar a maneira conflitiva de construir o espaço.”11 7 MAHFUZ, Andréa Soler Machado. Dois palácios e uma praça: A inserção do palácio da justiça e do Palácio Farroupilha na Praça da Matriz em Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS, 1996. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1996. Texto digitado, p. 54. 8 Otávio Rocha iniciaria sua gestão com as obras de remodelação da capital, de acordo com o Plano Moreira Maciel, de 1914, elaborado em consonância com o paradigma urbanístico haussmaniano, segundo o qual o tecido urbano compacto do século XIX é modernizado através da sobreposição de uma trama geométrica de avenidas arborizadas – os boulevares --, conectoras de praças e monumentos. MACHADO, Andréa Soler. A borda do rio em Porto Alegre: arquiteturas imaginárias, suporte para a construção de um passado. Porto Alegre: UFRGS 2003. Tese (Doutorado em História), Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003, p. 294. 9 O Beco do Rosário, situado a uma quadra de distância da margem norte do Guaíba, antes dos aterros que dariam origem ao cais do porto, entre 1913 e 1920, era assim chamado por abrigar a antiga Igreja do Rosário, -- na época em que os nomes das ruas eram denominações populares referentes ao lugar, uso, hábito ou morador significativo ou ilustre. A partir de 1876, foi denominado oficialmente de Rua 24 de Maio. FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre, Guia Histórico. Porto Alegre:Editora da Universidade, 1988, p. 301. 10 SPALDING, Walter. Pequena História de Porto Alegre. Porto Alegre: Sulina, 1967, p. 167 e MACEDO, Francisco Riopardense de. Porto Alegre, história e vida da cidade. Porto Alegre: Universidade federal do Rio Grande do Sul, 1973, p. 84. 11 PESAVENTO, Sandra Jatahy. Uma Outra Cidade: o mundo dos excluídos no final do século XIX. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001, p. 32. 7 Dois fatores concorreram para que, entre o final dos anos 1930 e início dos anos 1940, fossem executadas as maiores obras viárias e de saneamento de Porto Alegre previstas pelo plano: por um lado, a ditadura de Loureiro da Silva, instalada em 1937, possibilitou as grandes desapropriações necessárias; por outro, graças à declaração de guerra, foram contraídos empréstimos vultuosos que as viabilizaram.12 A exemplo de Prestes Maia, em São Paulo, e de Pereira Passos, no Rio de Janeiro, Otávio Rocha realizou a união entre um novo imaginário das relações sociais e o desenvolvimento econômico da década13. O Edifício Teruszkin e os demais edifícios responsáveis pela rápida verticalização do centro da cidade foram construídos neste contexto de modernização sob a legislação sobre construções vigente desde o Plano Gladosch, segundo a qual, a altura dos prédios vinculava-se exclusivamente à largura dos logradouros. Na zona central, permitia-se a edificação de prédios cujo volume de construção equivalia a um aproveitamento de 20 a 30 vezes a área dos terrenos, o que resultaria, se aplicada em sua totalidade, numa altíssima densidade, de 10.000 habitantes por hectare. Os edifícios da década de 1950 substituíram os antigos casarões e prédios de dois a três pavimentos que até então haviam caracterizado o centro da cidade. Os de meio de quadra, com pátios internos; os de esquina, como o Edifício Teruszkin, adotando uma planta em ‘L’, que aproveita a parte da área não construída do terreno, no interior do quarteirão, para ventilar os compartimentos. Em sua época, esses edifícios provocaram a transfiguração da paisagem urbana do centro de Porto Alegre que, em um curto período, passa a ganhar contornos metropolitanos, superando seu passado colonial: “A idéia de modernidade implicava uma reformulação dos territórios em termos da abertura da cidade à franca circulação e articulação de suas partes; na verticalização da área central e na busca de uma uniformidade da paisagem, com a paulatina eliminação de espaços do ponto de vista da sua estrutura física e das sociabilidades aí desempenhadas.”14 O exemplo mais elucidativo deste processo é a Avenida Senador Salgado Filho: entre a construção do Edifício Sulacap, em 1938, e a construção do edifício-sede da Cia. Rio-grandense de Telecomunicações, em 1964, a avenida presenciou a implantação de grandes edifícios residenciais, -- como o Jaguaribe, -- comerciais ou mistos, tornando-se uma espécie de metonímia das transformações promovidas pela chegada da arquitetura moderna em Porto Alegre.15 Outro exemplo é a transformação da Rua Duque de Caxias que rapidamente passa a substituir a antigas mansões das famílias nobres, dos tempos coloniais, por edifícios altos. 12 MACEDO, Francisco Riopardense de. Porto Alegre, história e vida da cidade. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio grande do Sul, 1973, p. 130. 13 MONTEIRO, Charles. Porto Alegre: urbanização e modernidade: a construção social do espaço urbano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995, p. 52. 14 PESAVENTO, Sandra Jatahy. Memória Porto Alegre: espaços e vivências. Porto Alegre: Ed. da Universidade/ UFRGS, 1991, p. 71. 15 CANNEZ, Anna Paula. Op. Cit., p. 145. 8 Passados quase 60 anos, a maioria desses edifícios não apenas seguem vivos, como parecem ser o que melhor se produziu até então na cidade. Às suas qualidades plásticas, somam-se a boa qualidade dos materiais e da mão de obra. Hoje a imagem da cidade de Porto Alegre é indissociável dos mesmos. Se, por um lado, a verticalização da década de 1950 era sinônimo da modernização, por outro, envolvia densificação excessiva e diminuição da qualidade das possibilidades de iluminação natural dos compartimentos, das ruas e avenidas. Em 1959, o primeiro Plano Diretor de Porto Alegre, estipularia regras urbanísticas para a construção, limitando as alturas, criando índices de aproveitamento e exigindo recuos laterais até então inexistentes o que, se por um lado, melhoraria as condições de habitabilidade dos edifícios, por outro, estipularia novos rumos para a arquitetura moderna de Porto Alegre.16 4. O edifício moderno: do Protótipo ao tipo “Tectonic becomes the art of joinings”17 O Edifício Teruszkin se insere portanto, na década e meia revisionista que questiona uma unidade ortodoxa a partir de meados dos 1950 mas segue, desde o ponto de vista compositivo, os preceitos corbuseanos desenvolvidos no Brasil pela Escola Carioca. Na mesma linha do Palácio da Justiça, utiliza o pilotis, brises de proteção solar, parede de vidro, estrutura independente e planta livre. Por outro lado ele pode ser descrito como uma espécie de colagem de alguns protótipos da vanguarda, não aqueles que necessariamente estavam entre os heróis dos autores, mas os que se tornaram tipos, quando revelados por trás das cortinas e entre os pilares de seus sucessores. Na via oposta, um edifício até então anônimo como este amplia seus significados quando visto através da lente de projetos exemplares. O Edifício Teruszkin adota o tipo arquitetônico desenvolvido a partir do edifício Lever Brothers Company, em Nova Iorque, do grupo SOM, 1951-52, o primeiro exemplar do tipo torre sobre base que se tem notícia, apesar de ter sido sugerido anteriormente por Le Corbusier em seu projeto para o Palácio dos Soviets e na Sede da ONU. Como no Teruszkin, a torre do Lever repousa de maneira suave e elegante sobre o volume horizontal e baixo da sua base, pois entre esta e aquela, interpõe-se um pavimento de transição composto por pilotis. Por outro lado, o teto da base convertido em terraço, além de utilizável, constitui um plano visível desde a torre, substituindo as recorrentes soluções de cobertura. Igualmente elegante, é a terminação da fachada no topo da torre referenciando-se, visualmente, ao ático das composições tradicionais. Este arranha-céu foi uma espécie de pioneiro na época em pelo menos dois aspectos: na utilização da fachada-cortina, que passou a ser uma das principais características do Estilo Internacional, nos anos 1950; e na 16 MAHFUZ, Andréa Soler Machado. Op. Cit., p. 96. Adolf Henrich Borber, 1982, IN: FRAMPTON, Kenneth. Studies in Tectonic Culture: The poetics of Construction in Nineteenth and Twentieth Century Architecture. Chicago: Illinois: MIT, 1995, p. 3. 17 9 intenção de integrar, através dessa sobreposição, a barra vertical autônoma da Carta de Atenas -expressão máxima do triunfo da técnica sobre a natureza --, ao edifício perimetral que, via de regra, constituía o tecido da cidade tradicional18. Contudo, não é difícil imaginar que o espaço de cidade construída inteiramente por este tipo resultaria muito mais fluído e abstrato que figurativo. No Brasil, durante a década de 1950, o projeto de David Libeskind para o Conjunto Nacional, em São Paulo, 1952, se tornaria um paradigma de edifício multifuncional retomando a sobreposição da torre, -- nesse caso uma torre de apartamentos originalmente pensada para alojar quartos de hotel --, sobre uma plataforma comercial que ocupa a totalidade da quadra delimitada pela Avenida Paulista, a Rua Augusta, a Alameda Santos e a Rua Padre João Manoel. Nestes protótipos, as grandes dimensões do terreno permitem a separação drástica entre a lâmina horizontal da base e a barra vertical recuada das bordas da mesma. Entretanto, o que predomina nos anos 1950, é a disseminação de uma deformação deste tipo, quando estes são implantados sobre terrenos menores e regidos por legislações de origem pré-modernas. Este é o caso do Edifício Teruszkin, construído sobre um terreno de esquina, com 20 por 28 metros e meio de frente. Enquanto a diferenciação de texturas entre a torre e a base enfatiza a separação entre ambas, parecendo tentar compensar o recuo de apenas 4,5 metros, em relação ao lado maior, a utilização de brises unificando a torre e a base explicita a ausência de recuo na lateral menor. Em planta, a torre do Teruszkin conformando um “L”, deixa claro que um conjunto de edifícios semelhantes constituiria, não uma cidade abstrata, mas um quarteirão tradicional em uma escala maior. Paradoxalmente, aqui temos uma leveza corbuseana contrastando com um peso miesiano. A fachada modular da base, com esquadrias de alumínio e acrílico colorido, do tipo pan verre, assemelha-se às fachadas dos edifícios produzidos por Le Corbusier na década de 1930, que representam uma ruptura com a estrutura de concreto e a alvenaria de blocos rebocados utilizadas nas villas da década de 192019, como o edifício do Exército da Salvação, em Paris, 1929-1933. A fachada da torre sobre a Avenida Otávio Rocha, orientada para o norte, é composta por panos de fechamento independentes da estrutura, intercalados entre os topos expostos das lajes e subdivididos em faixas horizontais de tijolo a vista e janelas em fita, análoga à do Promontory Apartments, em Chicago, 1945. 5. Pilares e espaços “O edifício é primeiro uma construção, e só depois um discurso abstrato baseado em superfície, volume e plano, para citar Le Corbusier, “The Reminders to Architects”, em Vers une Architecture, de 1923. Podemos inclusive dizer que como uma arte, é mais experiência 18 MONTANER, Josep Maria. Después del Movimiento Moderno, arquitectura de la segunda mitad del siglo XX. Barcelona: Gustavo Gili S.A, 1995, p. 69-70. 19 FRAMPTON, Keneth. História crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 221. 10 que representação, e que a construção é uma coisa antes que um signo, apesar de que, de acordo com Umberto Eco, uma vez que se tenha um objeto de uso, tem-se necessariamente um signo indicativo do mesmo (uso).”20 Na configuração do Edifício Teruszkin transparece o paradoxo da plasticidade X industrialização surgida a partir da ambivalência própria do concreto armado, a invenção do século XIX que “reveste” as armaduras metálicas resistentes à tração, com a mistura de cimento, pedras, areia e água, resistente à compressão, conhecida desde a Antigüidade. A sua capacidade em instrumentar a padronização dos elementos de arquitetura, supostamente passíveis de produção em série e em massa se revela no seu sistema estrutural reticulado, conformado por pilares e vigas horizontais modulados em 3,20 metros, um sistema análogo ao inventado por Auguste Perret21 a partir de seu prédio de apartamentos na Rue Franklin em 1903, a antecipação da planta livre de Le Corbusier que permite um planejamento aberto dos espaços. (FIG. 4) FIG. 4 Edifício Teruszkin, Porto Alegre. Vista. Foto: Andréa Machado A plasticidade do material hegemônico das construções brasileiras, ou seja, a capacidade do concreto armado de moldar-se a diversas formas, constituindo veículo de expressão escultórica, aparece nos extremos e nas articulações do edifício: no coroamento, pilares de seção redonda revestidos de pastilhas azuis semelhantes às utilizadas no MES apóiam uma marquise perfurada por quadradinhos iguais aos da marquise do Edifício Seguradoras, no Rio de Janeiro, dos irmãos Roberto, de 1949-51. No terraço de transição entre a torre e a base, os pilares seguem azuis na fachada oeste, adquirindo seção maior e ovalada que, no térreo, aumentam ainda mais mas revestem-se de mármore preto, numa tentativa de desaparecerem para que o objeto pareça 20 FRAMPTON, Kenneth. Studies in Tectonic Culture: The poetics of Construction in Nineteenth and Twentieth Century Architecture, op. Cit., p. 2. 21 Influenciado pela Histoire de l’architecture, de Auguste Choisy (1899), -- que citava o travejamento grego como antecedente clássico de tais estruturas--, e o texto de Paul Christophe sobre o sistema Hennebique, Le Béton armé et ses applications (1902), -- que apresentava uma técnica definitiva para a fabricação e o projeto de uma estrutura de concreto armado --, Perret argumentava, com sua visão determinista da história, que os diferentes estilos haviam surgido, não por modismo, mas como a conseqüência lógica de avanços nas técnicas de construção. Depois de 1903, passa a ver a moldura estrutural como a expressão fundamental da forma construída. FRAMPTON, Keneth. História crítica da Arquitetura Moderna. Op. Cit., p. 124-125. 11 flutuar. Entretanto se, como diz Montaner22, o espaço é a essência da arquitetura moderna o que está em jogo numa análise arquitetônica deste tipo não é a estrutura em si mesmo, mas as qualidades espaciais subjacentes a essa técnica ou, dito de outra maneira, a forma pela qual a técnica torna possível a construção do espaço moderno. Apesar de sua qualidade plástica, o Edifício Teruszkin não chega a produzir totalmente um espaço moderno, aquele que extrapola e não apenas preenche um determinado volume; uma concepção surgida, implicitamente, pela primeira vez, com Eugène-Emmanuel Viollet-le-Duc, em Entretiens sur l’architecture, 1872, como o resultado do uso de elementos de vedação transparentes e da redução da quantidade de pilares no térreo do edifício. Se desde a rua ouve-se o eco dos mestres, um passeio pelo interior do edifício frustra a expectativa de experimentação de algo que se assemelhe à descrição que Auguste Schmarsow faz da cabana primitiva de Laugier, em A essência da criação arquitetônica (The Essence of Architectural Creation), 1894, através da qual a estrutura de quatro apoios e duas águas converte-se em uma matriz espacial com fim em si mesmo, -- concepção que teria certo paralelo com as teorias de Albert Einstein e se desenvolveria, no início do século XX, como forma de racionalizar o surgimento das formas espaciais dinâmicas no campo das artes de vanguarda. No Edifício Teruszkin, a galeria comercial à moda tradicional substitui o espaço dos pilotis que, nos protótipos originais, procuram eliminar virtualmente o contato do edifício com o solo. Se, por um lado, a torre é resultado do empilhamento dos espaços sanduíche23 que o diagrama Dominó24, de 1914, inaugura e simboliza, nos diversos pavimentos do Edifício teruszkin o pilar, -- o protagonista estrutural e formal em torno do qual gira o espaço cinético e fluído moderno, definido acima por Montaner, -- desaparece sob a compartimentação que a série de pequenos escritórios requer. Contudo, as colunas de apoio dispostas sobre a grelha geométrica definidas pela estrutura em esqueleto, capazes de viabilizar o espaço moderno e a unidade plástica entre o espaço interior e o exterior, se fazem presentes junto à fachada e nas situações especiais dos terraços do quarto pavimento e do restaurante. Nessas situações, os pilares que emolduram a magnífica vista do Guaíba se convertem em elementos livres no espaço, sem vínculos explícitos com os planos contínuos do teto ou do piso promovendo, não a expressão do vão estrutural, mas uma interrupção ou contraponto à horizontalidade do espaço25. Ao invés de unidades espaciais autônomas tradicionais, essa concepção estrutural/espacial proporciona a “coexistência da sensualidade romântica pitoresca e do cerebralismo de uma ordenação de espírito clássico”26: 22 MONTANER, Josep Maria. A Modernidade Superada:arquitetura, arte e pensamento do século XX. Op. Cit., p. 114. Idem ibidem, p. 117. Em 1914, quando desenvolveu um esquema estrutural muito particular na versão do material do futuro, o concreto armado, para ser utilizado, originalmente, na construção em série das Casas-Dominó, formulou, na realidade, as regras de um novo jogo: dominó. A palavra é sugestiva, pois ‘dom’ possui a mesma raíz linguística de domo e de domínio, enquanto regra também é convenção, e todas estas palavras relacionam-se, tradicionalmente, com a disciplina arquitetônica. De acordo com Colin Rowe, -- Manierismo y arquitectura moderna y otros ensayos, p. 140, -- dominó atribui novas funções a elementos construtivos tradicionais como as colunas, as paredes e o teto. IN: MAHFUZ, Andréa Soler Machado. Op. Cit., p. 57. 25 Idem, ibidem, p. 57-58. 26 COMAS, Carlos Eduardo. De arquitetura, de arquitetos e alguma coisa que sei a seu respeito. Summa, nº 1, Jun/Julho, 1993, p. 52. 23 24 12 Ela possibilita a obtenção de porções de um espaço universal, contínuo, labiríntico e horizontalmente estratificado e a substituição do conceito tradicional de centralidade pelo conceito de “expressão periférica do edifício”27: as paredes, independentes dos apoios, se dispõem topologicamente dentro da planta livre, descrevendo linhas livres retas ou curvas, em oposição ao que ocorre na planta tipo, na qual a compartimentação se dá entre os intercolúnios gerados pelos pilares, como ocorre no Lake Shore Drive de Chicago, 1945. Analogamente a esse exemplo miesiano, a liberação da fachada promove a interiorização dos compartimentos de serviço, como os banheiros privativos das unidades e a circulação vertical do edifício, composta por escada e conjunto de elevadores. A identificação de partes de projetos exemplares na composição do Edifício Teruszkin permite pensar na essência da arquitetura moderna: uma arquitetura feita, não mais de volumes, mas de espaços delimitados por planos ou que se movem em torno de pilares; não mais de princípios de composição, mas da arte e técnica de juntar ou articular a estrutura em esqueleto aos elementos construtivos das vedações. Como diz Corona Martínez, na arquitetura moderna, “as peças da nova envolvente edificada, individualmente e em suas relações, falarão da construção verdadeira e não mais da tectonicidade simbólica”28. Essa regra não se aplica apenas à envolvente do edifício, mas deixa claro o novo papel adquirido pelas fachadas nos edifícios da arquitetura moderna. Por outro lado, será que esta busca de expressão da construção verdadeira em grande parte possibilitada pela invenção e difusão do concreto armado, não estaria apontando para uma nova tectonicidade simbólica? (FIGs. 5-11) FIG. 5. Edifício Teruszkin. Implantação. Fonte: SMOV/digitalização: Carine Magnabosco FIG. 6. Edifício Teruszkin. Planta baixa Terraço acima da base (pav. 4) Fonte: SMOV/digitalização: Carine Magnabosco 27 ROWE, Colin. Op. Cit., p. 140. CORONA MARTÍNEZ, Alfonso. Ensayo sobre el Proyecto. Buenos Aires: CP67 editorial, 1990, p. 152. 28 13 FIG. 7. Edifício Teruszkin. Planta baixa tipo (pavs. 5-17) Fonte: SMOV/digitalização: Carine Magnabosco FIG. 8. Edifício Teruszkin. Planta baixa (pav. 18) terraço e restaurante Fonte: SMOV/digitalização: Carine Magnabosco FIG. 9. Edifício Teruszkin. Fachada sobre a Avenida Otávio Rocha Fonte: SMOV/digitalização: Carine Magnabosco 14 FIG. 10. Edifício Teruszkin. Fachada sobre a Rua Vigário José Inácio Fonte: SMOV/digitalização: Carine Magnabosco FIG. 11. Edifício Teruszkin. Corte transversal Fonte: SMOV/digitalização: Carine Magnabosco 15 6. Pilares retóricos O concreto armado, como ponto de partida para descrever o edifício moderno apóia-se na retórica do pilar e permite estabelecer certas analogias, classificações e considerações que finalizam esse artigo mas também abrem caminho para próximas investigações. Após praticamente um século de sua invenção, o material do futuro de Le Corbusier é utilizado na maioria das construções em todas as partes do mundo civilizado. O leque de possibilidades que permite produziu a aproximação e em muitos casos a cisão entre engenheiros e arquitetos. A plasticidade do material originou a vertente derivada dc brutalismo produzindo, em geral, obras de exceção do tipo que se convencionou chamar de “edifícios escultóricos”; enquanto a possibilidade de sua padronização resultou na proliferação das estruturas em esqueleto, moldadas em loco ou pré-fabricadas. No Brasil, a primeira foi difundida pela Escola Paulista e a segunda pela Escola Carioca, o paradigma adotado em Porto Alegre, onde a produção dos anos 1950 utiliza a estrutura de concreto armado a serviço de uma expressão moderna inaugurada com o Ministério. Entretanto, depois dessa década, a elegância inicial desaparece, quando os edifícios em geral passam a ser, não mais o empilhamento da Vila Savoye, mas a verticalização da casa pitoresca. Contemporaneamente, o que predomina é o uso recorrente e apenas utilitário da estrutura em esqueleto que, após preenchida pelas vedações, desaparece sob camadas de revestimento, ou comparece nos térreos ocupada por estacionamentos, distanciando-se cada vez mais da poética tectônica da vanguarda moderna de 1920. O Edifício Teruszkin, projetado nos anos 1950 para um programa de escritórios destinados a corretores importantes, atualmente se insere no processo de decadência do centro, que perdeu grande parte de seu glamour e importância econômica de então. Ocupado por uma série de pequenos negócios que atendem diariamente a um público numeroso e diversificado, fecha-se em si mesmo, protegido por modernos sistemas de controle que impossibilitam o acesso e uso de seus terraços modernos. Entretanto, esse edifício comum se torna especial para a história da arquitetura moderna portoalegrense a medida em que representa uma época em que a produção ordinária possuía a mesma qualidade compositviva e construtiva de seu modelo icônico, o Palácio da Justiça. Um pouco por razões econômicas, mas também porque nessa época de fidelidade à Carta de Atenas o edifício se apresentava como um protótipo que se oferecia a todo e qualquer programa, abrindo a discussão a respeito do problema da monumentalidade moderna. Programaticamente, o palácio moderno é pouco mais que um edifícios de escritórios que por sua vez é, simbólicamente, um novo ícone urbano. Ambos se resolvem, compositivamente, com uma torre sobre uma base pública e se caracterizam através de materiais nobres acessíveis no mercado, como: o mármore, as pastilhas cerâmicas, os brises e as esquadrias de alumínio. Em qualquer caso, a qualidade 16 associada à “planta-livre” se mostra paradoxal, pois dependendo das imprevisibilidades de uso, pode gerar tanto espaços fluídos, quanto compartimentações e recheios tradicionais que, entretanto, são reversíveis, graças ao papel não estrutural das paredes. Esse olhar investigativo, que admite a reversibilidade é o mesmo que visa a preservação dos bons exemplares arquitetônicos. A intervenção arquitetônica que pretenda prolongar a vida do edifício moderno deve, por um lado, restaurar as qualidades originais materiais possíveis; por outro, recuperar as qualidades fluídas do espaço, descascando as sucessivas camadas de gesso agregadas pelo tempo. Através da difusão dessas idéias, este estudo pretende contribuir para que, revestidos de mármore negro junto ao chão e de pastilhas colorindo o céu, os pilares ovalados do Edifício Teruszkin continuem simbolizando os anos dourados da capital gaúcha. BIBLIOGRAFIA: AMARAL, Henrique. Porto Alegre Vista do Céu. Porto Alegre:Tomo Editorial, 2005. CANNEZ, Anna Paula. Fernando Corona e os caminhos da arquitetura moderna em Porto Alegre. Porto Alegre: UE/Porto Alegre/Faculdades Integradas do Instituto Ritter dos Reis, 1998. COLQHOUN, Alan. El historicismo y los limites de la Semiologia, IN: Arquitectura Moderna y Cambio Histórico. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1978. ______. 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Porto Alegre: AGE, 2001. 18 19 Imprimir Fechar “Da REFINARIA à SECRETARIA” Racionalismo estrutural, socialismo nacional e modernismo regional em obras públicas de Fayet, Araújo & Moojen – 1962 a 1970 Sergio Moacir Marques Arquiteto, Mestre, Doutorando. Professor Pesquisador - Faculdade de Arquitetura UFRGS e UniRitter Núcleo de Projetos | Faculdade de Arquitetura e Urbanismo | UniRitter | Rua Orfanotrófio, 555, Alto Teresópolis, Porto Alegre - RS CEP: 90840-440 | Fone/Fax: (51) 32303333 | 30277310 | Ramal 7310 | www.uniritter.edu.br | docomomors@uniritter.edu.br “Da REFINARIA à SECRETARIA” Racionalismo estrutural, socialismo nacional e modernismo regional em obras públicas de Fayet, Araújo & Moojen - 1962 a 1970 Resumo A idéia de Arquitetura Moderna Gaúcha não se desenvolveu em termos de sistemas compositivos e elementos formais próprios, suficientes para sustentação de escola arquitetônica regional irradiadora e de um corpo disciplinar hereditário que fizesse jus à uma identidade formal. Em obras inaugurais de determinados expedientes da Arquitetura Moderna no Rio Grande do Sul, como a Refinaria Alberto Pasqualini (Canoas, 1962-68), de Carlos Fayet, Cláudio Araújo, Moacyr Moojen Marques e Miguel Pereira, epítetos de comedimento, rigor, racionalidade, economicidade, pragmatismo, frugalismo e sobriedade dão vazão à certa maneira de compreender e proceder mediante o problema arquitetônico, reveladora dos pormenores da Arquitetura Brasileira no sul. Se na Petrobrás o movimento “O petróleo é nosso” encontrou arquitetos simpáticos à corrente social da qual a Arquitetura Moderna Brasileira era uma causa, no projeto para a SMOV (Moojen, Vallandro e Ferreira, 1966), os meios arquitetônicos racionalizados, a idéia de arquitetura e urbanismo modernos como ferramentas sociais renovadoras e o exercício do oficio competente, encontraram uma das sedes. Projetada no aterro, para abrigar a nova Secretaria Municipal de Obras e Viação, graças ao crescimento do planejamento conseqüente da realização e implantação do plano de 1959, a idéia de um edifício próprio para as secretarias foi uma iniciativa dos funcionários. A necessidade funcional e o caráter simbólico implícito sustentaram os mesmos postulados de racionalidade conceptiva da Petrobrás, neste caso mais determinado pelo axioma da flexibilidade espacial e possibilidade de apropriação pelos usuários, como nas investigações modulares de Aldo van Eick, do que a horizontalidade e vazio da planta livre disposta pelo vão misieano. Composição acadêmica de base, piano nobile e ático, modulação severa, exus-esqueletus racionalizado, planta livre, integração de sistemas e instalações à arquitetura, pré-fabricação em concreto, uso de elementos industrializados, prestam tributo a Frank Lloyd Wright, Mies ou Le Corbusier, mas como conseqüência. Palavras Chave Arquitetura Moderna, Arquitetura no Sul “From REFINERY to SECRETARYSHIP” Structural rationalism, national socialism, regional modernism: Fayet, Araujo and Moojen public buildings – 1962-1968 Abstract The idea of a “Gaucha” Modern Architecture was not developed on its own formal elements and composition systems, sufficient to support a regional, spreading architectural experience and a hereditary disciplinar corpus that could be worth of a formal identity. Certain inaugural works of Rio Grande do Sul Modern Architecture, like Alberto Pasqualini Refinery (Canoas, 1962-68), designed by Carlos Fayet, Claudio Araujo, Moacyr Moojen Marques and Miguel Pereira, allow manners of understanding and proceeding through the architectural problem by epithets of rigorousness, rationality, economicity, pragmatism and sobriety, unmasking particularities of South Brazilian Architecture. If “Oil is Ours” movement at Petrobras had supporter architects of the social thought which had the Brazilian Modern Architecture as a purpose, at the same time the SMOV project (Moojen, Vallandro and Ferreira, 1966) was representative of a rational architecture, including the concept of modern architecture and urbanism as regenerating social tools and also a competent professional practice. Built over a landfill, the new Municipal Office of Works and Traffic headquarters was an initiative leaded by its own public functionaries, due to the expansion allowed by the application of 1959 Director Plan. Functional requirements and an implicit symbolic character supported the same rational concept applied at Petrobras, but in this case determined more by spatial flexibility and user’s adaptation – like Aldo van Eyck modular investigations – than Miesian free-plan voids and horizontality. Academic composition of basement, piano nobile and attic; rigorous modulation; rational exoskeleton; free-plan; integration between architecture, installations and subsystems; precast concrete; industrialized elements – all these items can be seen as tributes to Frank Lloyd Wright, Mies or Corbusier, but as a consequence. Keywords Modern Architecture; South Architecture “Da REFINARIA à SECRETARIA” Racionalismo estrutural, socialismo nacional e modernismo regional em obras públicas de Fayet, Araújo & Moojen - 1962 a 1970 INTRODUÇÃO A idéia de Arquitetura Moderna Gaúcha não encontrou eco em termos de sistemas compositivos e elementos formais próprios suficientes para sustentação de escola arquitetônica regional irradiadora e de um corpo disciplinar hereditário que fizesse jus à identidade formal distinta da Arquitetura Moderna Brasileira emblematizada. O modo de fazer arquitetura moderna no Rio Grande do Sul revestiu-se de outros atributos e processos, menos condicionados pelas particularidades de conexão estética desenvolvidas no Rio de Janeiro e São Paulo, que constituíram apropriações peculiares da Arquitetura Moderna, o bastante para formação de movimentos filiadores. Em obras inaugurais de determinados expedientes da Arquitetura Moderna no Rio Grande do Sul, como a Refinaria Alberto Pasqualini (Fig.1) (Canoas, 1962-68), de Carlos M. Fayet, Cláudio L. G. Araújo, Moacyr Moojen Marques e Miguel A. Pereira, epítetos de comedimento, rigor, racionalidade, economicidade, pragmatismo, frugalidade e sobriedade dão vazão à certa maneira de compreender e proceder mediante o problema arquitetônico, reveladora dos pormenores da arquitetura moderna brasileira no sul. O racionalismo tectônico decorrente de uma forma de armar a concepção arquitetônica onde o sistema estrutural e o processo construtivo nascem indissociados enquanto lógica de projetação e formulação espacial, conjugados à preceitos de economia, arroga um dos meios idiossincráticos do pensamento arquitetônico local, onde o concreto esteve de protagonista à coadjuvante, de elemento expressivo à peça lógica de sistema. Fig. 1 – Refinaria Alberto Pasqualini, Carlos M. Fayet, Cláudio L. G. Araújo, Moacyr Moojen Marques e Miguel A. Pereira, 1962-68. Vistas do Conjunto. Concorrente à razão construtiva como genius loci, outro pensamento, o progressista, aliado ao ativismo ideológico, se por um lado estabeleceu patrulhamentos implícitos, contribuintes da sisudez, por outro, militância à causa, que trespassava o território da arquitetura. Como na Refinaria, onde além de sistemas construtivos relacionados ao concreto que determinaram forma, função, sistemas espaciais, lógicas de projeto e vanguardismo tecnológico, com pioneirismo no uso da pré-moldagem in situ, a carreira pública e privada dos três arquitetos deu seqüência à afirmação de uma arquitetura moderna focada no ofício, solidamente ancorada em princípios éticos e ideológicos, determinantes na realização de obras de arquitetura e planejamento de caráter coletivo. O constante racionalismo de suas obras, diversas vezes revisitou o concreto como no Centro Evangélico (Fig.2) (Fayet e Suzy, 1959)1, Sede campestre do SESC (Fig.3)2 (Moojen e Vallandro, 1956 - 1972), Clube do Professor do Professor Gaucho (Fig.4) (Moojen e Vallandro, 1966)3, FAM (Fig.5) (Fayet, Araújo e Moojen, 1966-69)4, e Câmara de Vereadores (Fig.6) (Araújo, Cláudia Frota, 1975), onde os princípios conceptivos, metodológicos e compositivos, associados a outras influências estéticas, por vezes menos importantes que o principio, são os da racionalidade e do exercício idealizado do ofício, praticados nos trabalhos para a Petrobrás. Fig. 2 – Centro Evangélico, Carlos M. Fayet, Suzy Fayet, 1959. Vista da Senhor dos Passos e da praça elevada. 1 Projeto escolhido em concurso nacional. A fachada da igreja para a praça (sul) obedece ao mesmo sistema compositivo de pilares de secção em “u”, soltos por esquadrias verticais e panos de tijolos à vista, intervalados, prognóstico do utilizado por Fayet nos almoxarifados da Petrobrás. O combogó, o mesmo também utilizado na Petrobrás, foi desenhado por Fayet. Ver XAVIER, Alberto; MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura Moderna em Porto Alegre. São Paulo: Pini, 1987, p.156, 157. 2 Este projeto, diferentemente da data publicada, foi sendo projetado ao longo de mais de uma década: início com Moojen e Warchavski (1956), através da Construtora Melo Pedreira, implantação geral e canchas; pórtico com Moojen, e Vallandro (1966), posterior, portanto ao Posto de Serviços de Brasília projeto de José Bina Fonyat, (1959-60) para a Petrobrás. Ver BRUAND. Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: editora Perspectiva, 1997, e do projeto para o Pórtico da TEDUT, também com apenas um apoio; Sede do Ginásio com Moojen e Vallandro (1968); Restaurante com Moojen e Vallandro (1968); Piscinas com Moojen, Vallandro e Ferreira (1972). Datas extraídas do Acervo Moojen & Marques AA. Ver projetos em XAVIER, Alberto; MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura Moderna em Porto Alegre. São Paulo: Pini, 1987, p.136, 137. 3 Ver idem, p.216, 217. 4 Ver MARQUES, Sergio Moacir. The Fountainhead, El Manantial. Revista Summa +, n.58, Editora Summa, Buenos Aires, 2003, p. 26, 27, 28,29. Fig. 3 – Sede campestre do SESC, Moojen e Vallandro, Av. Protásio Alves. Pórtico, 1966 e Restaurante, 1968. Se na Petrobrás o movimento nacionalista “O petróleo é nosso”5 procurou e encontrou arquitetos simpáticos à corrente social da qual a Arquitetura Moderna Brasileira era uma causa, no projeto para a Secretaria Municipal de Obras e Viação (Fig.7) (Moojen, Vallandro e Ferreira, 1966), os meios arquitetônicos racionalizados, a idéia de arquitetura e urbanismo modernos como ferramentas sociais renovadoras e o exercício do oficio competente, encontraram uma das sedes. Projetado no aterro da Praia de Belas, para abrigar a SMOV, graças ao crescimento do planejamento conseqüente da realização e implantação do plano de 19596, a idéia de um edifício próprio para a secretaria foi uma iniciativa dos funcionários públicos. A necessidade funcional e o caráter simbólico implícito sustentaram os mesmos postulados de racionalidade conceptiva da Fig. 4 – Clube do Professor Gaúcho, Moojen e Vallandro, Av. Guaíba. 1966. 5 Com o final da II guerra e o fim da ditadura getulista, entre militares e intelectuais de esquerda recrudesceu o entendimento de que o petróleo era produto estratégico e não deveria ser explorado pela iniciativa privada, já que fatalmente cairia nas mãos de trustes internacionais. Essa posição ganhou a opinião pública, encampada pela UNE, sindicalistas e o PCB, legal até 1947, combatidos pela UDN, pelos partidos privatistas e a imprensa, já em clima de guerra fria. Confundido com o fervoroso debate anti-imperialismo versus o anti-comunismo, o monopólio nacional do petróleo prevaleceu com o surgimento da Petrobrás em 1953 no governo de Getúlio Vargas e o Estado Novo. Ver COHN, Gabriel – Nacionalismo e Petróleo, São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968. 6 Plano Diretor de Porto Alegre – Lei n.2046 de 1959 substituída pela Lei n.2330 de 1961. Plano geral de desenvolvimento urbano de conteúdo modernista, coordenado pelo Urb. Eng. Edvaldo Pereira Paiva, do qual fizeram parte os arquitetos Roberto Félix Veronese, Carlos Maximiliano Fayet e Moacyr Moojen Marques. PORTO ALEGRE. Plano Diretor de Porto Alegre, Lei n. 2330 de 1961. Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Porto Alegre, 1961. Fig. 5 – FAM, Fayet, Araújo e Moojen, Rua Vicente de Paula Dutra, Praia de Belas, 1966-69. Petrobrás, neste caso mais determinado pelo axioma da flexibilidade espacial e possibilidade de apropriação pelos usuários, como nas investigações modulares de Aldo van Eick, do que a horizontalidade e vazio da planta livre disposta pelo vão misieano. Composição acadêmica de base, piano nobile e ático, modulação severa, exus-esqueletus racionalizado, planta livre, integração de sistemas e instalações à arquitetura, pré-fabricação em concreto, uso de elementos industrializados, prestam tributo a Frank Lloyd Wright, Mies ou Le Corbusier, mas como conseqüência. Fig. 6 – Câmara de Vereadores, I Perimetral, Araújo, Cláudia Frota, 1975. Esquerda: Maquete. Centro e direita: pré-fabricados em concreto das fachadas. Fig. 7 – Secretaria Municipal de Obras e Viação, Av. Borges de Medeiros, Praia de Belas, Moojen, Vallandro e Ferreira, 1966 - 1970. O GOVERNO [MAU?] E OS TRÊS ARQUITETOS Fayet (1930), Araújo (1931) e Moojen (1930), cujas carreiras na arquitetura, entremeiam-se, possuem biografias matizadas pelos fatores sócios, político e econômicos da historiografia nacional e cronologia local, costurados em uma linha de tempo comum, repleta de afinidades pessoais. Nenhum dos três nasceu em Porto Alegre. No início da década de 1930, em famílias de origem modesta, cada um colecionou experiências familiares de privação e frugalidade, estendida na vinda solitária a Porto Alegre para os estudos. Com sensibilidade característica, acercaram-se dos cursos de Artes Plásticas, Engenharia e Arquitetura, intuindo vocação ainda um tanto difusa, como a própria profissão que se definia. Fayet ingressou nas Artes Plásticas (1948) e rapidamente identificou no Curso de Arquitetura do Belas Artes seu ofício. Araújo, filho de um construtor, ingressou na Engenharia (1951) e imaginando que ali faria projetos, dirigiu-se para o Curso de Arquitetura, da Faculdade de Engenharia e mais tarde para o grupo que migrou para a nova Faculdade de Arquitetura. Moojen, ainda secundarista, em dúvida entre os dois cursos, vendo uma exposição dos projetos feitos pelos estudantes de arquitetura do Belas Artes, entendeu que era o que gostaria de fazer (1950). A Faculdade de Arquitetura, em formação, a partir da fusão de ambos os cursos, forjava também as lideranças de Demétrio Ribeiro, Edgar Graeff e Edvaldo Paiva, conjugando a visão de arquitetura moderna brasileira de vertente carioca, com a formação técnica e dedicação ao planejamento urbano da escola uruguaia. Outras lideranças ancestrais, polvilhadas de estrangeiros, das primeiras gerações, como Fernando Corona, Eugene Steinhof, Joseph Lutzemberg, pelo lado da engenharia e das artes, que pavimentaram os caminhos da arquitetura regional, ainda contribuíam. Assim como nas gerações subseqüentes, as lideranças laterais de Emil Bered, Roberto Félix Veronese, Luis Fernando Corona e a seguir do próprio Fayet, que com seus escritórios, primeiras realizações, atuação docente e dedicação à organização da profissão, contribuíram para o contexto cultural onde se estruturou a arquitetura moderna gaucha. Não menos importante a conexão com ideologias de esquerda, envencilhadas com os paradigmas do Movimento Moderno, permeava o ambiente da arquitetura, em particular a FAUFRGS, estabelecendo parte dos fundamentos éticos e conceituais marcantes dessa geração. A tentativa de fixar um referencial estético e uma imagem de arquitetura moderna regionalizada, fazendo frente à “internacionalização capitalista” do Movimento Moderno, com a alcunha de realismo socialista, teorizadas por Edgar Graeff e Demétrio Ribeiro, revela o espírito engajado reinante entre o meio. No entanto, se a tentativa de formular um movimento arquitetônico regional não evoluiu o suficiente para se impor como tendência estética, a vocação de posturas, procedimentos e maneiras de exercer o ofício impregnou-se. Dentre elas, a visão pelo coletivo, o senso da arquitetura e principalmente do urbanismo como agentes de renovação social, o fazer a serviço de uma contribuição pessoal concreta na construção coletiva de valores sociais. Exercer o ofício respondendo a altura dos desafios exigidos por uma profissão em criação e por um país em desenvolvimento, com metas respeitáveis e horizontes promissores, significava propagar a causa social através da ação arquitetônica. O ideal moderno da ciência e da técnica, a serviço de todos, praticado a risca, sem demagogias7. A conexão com correntes progressistas e com o serviço público, bem como com setores do governo crentes na formulação de uma imagem moderna e justa para a nação era uma tendência lógica, assim como os temas relacionados à cidade e à organização da profissão. Fayet ingressou como docente, na Universidade Federal (1958), seguido de Moojen (1959), assim que ambos cursaram o curso de Urbanismo, logo após o de arquitetura, nas carreiras de Urbanismo e Arquitetura Paisagística e Araújo, em Composição Decorativa (1959)8. Fayet e Moojen, à convite do Urb. Eng. Edvaldo Pereira Paiva9, provavelmente a principal liderança intelectual, na formação de ambos, incorporaram-se ao Planejamento Urbano do Município (1955 e 1956 10 respectivamente), onde Moojen prosseguiu até a aposentadoria (1987) . Araújo, mais conectado com as questões de desenho do objeto e projetos de escala edilícia, se não abraçou de maneira evidente a militância política e a causa urbana incumbiu-se da qualificação do ofício com rigor e dedicação, via que o levou a presidência do IAB-RS (1966 e 1967) e ao exemplar exercício profissional criterioso. A ligação com a Petrobrás surgiu por intermédio do Eng. José Carlos Wellausen, um colega seu dos tempos da engenharia, e pelas afinidades políticas desenvolvidas com o meio da arquitetura, que rimava com o movimento nacionalista arraigado na Petrobrás. Na carona do espírito desenvolvimentista e da independência enérgica, a Petrobrás enxergava na construção de suas instalações, a oportunidade de constituir uma imagem pública de modernidade signatária da identidade nacional. Convidou os três arquitetos primeiramente, e 7 “A sociedade prenunciava, depois da II Guerra, transformações importantes, era, pois fundamental estar preparado para compor os espaços do futuro que se mostrava breve”. MARQUES, Moacyr Moojen. Entrevista, jun. 2008. Cópia manuscrita. 8 Disciplina dedicada a arquitetura de interiores e desenho industrial voltado à arquitetura. Segundo relatos de ARAÚJO e MOOJEN, ambos ingressaram na Universidade e saíram, dez anos depois, no mesmo dia, descontentes com os rumos do ensino da arquitetura nos governos militares e do ambiente interno da escola. Fayet foi cassado, conjuntamente com diversos professores da UFRGS, logo a seguir. 9 Edvaldo Ruy Pereira Paiva (1911-1981), Engenheiro Civil – UFRGS (1935), Urbanista e Arquiteto Paisagista – FAMontevidéu (1943). Urbanista da Prefeitura Municipal de POA (1935-60), Professor Catedrático de Urbanismo na UFRGS (1946-1964), criou o curso de especialização em urbanismo da UFRGS (1947), Diretor do Depto. de Investigações do Instituto de Urbanismo da FA – Montevidéu (1965-1971). 10 Fayet e Moojen participaram de importantes trabalhos no Planejamento Municipal, sendo que Moojen seguiu a carreira de funcionário público do Município, em paralelo com a atividade de escritório durante quase toda sua carreira. Fayet foi arquiteto e urbanista da Divisão de Urbanismo da Prefeitura Municipal de Porto Alegre entre 1955 e1963, ocupando a chefia da secção de Planejamento Urbano de 1956 a 1963 e integrando a equipe para os projetos de urbanização da Praia de Belas (1956) e da Av. Primeira Perimetral (1958), entre outros, e o Plano Diretor de Porto Alegre entre 1954 e 1961. Moojen foi arquiteto e urbanista da Divisão de Urbanismo da Prefeitura Municipal de Porto Alegre entre 1958 e1987, ocupando os cargos de Chefe do Setor de Planejamento Urbano - SMOV, Chefe da Secção de Planejamento Urbano - SMOV, Gerente de Projetos Urbanos - SPM, Supervisor de Planejamento Urbano - SPM, Secretário Substituto - SPM e integrando a equipe para os projetos de urbanização da Praia de Belas (1956), da Av. Primeira Perimetral (1958), Plano para Área Central de Porto Alegre, Plano Piloto para o Parque Saint’hilaire, Plano de Reurbanização da Ilhota, entre outros, e o Plano Diretor de Porto Alegre de 1954. Coordenou os trabalhos em equipe das extensões A, B, C e D do plano diretor, instituído pelos Decretos nos 2.872/64 - 3.481/72 e 4.552/72 e 5.162/75 em Miguel Pereira (1932), mais jovem a seguir, com a orientação de atenderem o complexo rol de atividades e exigências técnicas do urbanismo e arquitetura de uma refinaria, mas principalmente com o intuito de inovar formal e tecnologicamente. A rede de alianças estabelecidas, neste caso, ademais das particularidades pessoais e estilísticas de cada arquiteto, encontrava entre promotor e profissional a coincidência ideológica e visão social, elo suficiente para a associação de quatro escritórios distintos, engajados na realização de uma arquitetura referencial comum para esses objetivos. De certa maneira, processo semelhante se dava na Universidade Federal, na Prefeitura Municipal, na formação do IAB, e em diversos segmentos onde se estruturavam setores de arquitetura. A propagação de uma prática de arquitetura moderna, como objeto de contribuição social, desenvolvimento econômico coletivo e evolução cultural, arregimentavam equipes que aderiam à causa, portanto à arquitetura moderna. Mais como produção coletiva, menos como produção autoral. Assim, por outro lado, o discurso do coletivo gerou cultura de certa maneira inibidora da produção arquitetônica personalizada, perfilando visões éticas e padrões de comportamento reticentes ao descomprometimento formal dos cariocas ou a grandiloqüência dos paulistas. Uma parte do comedimento arquitetônico gaúcho é debitada nessa conta. As carreiras de arquitetura no serviço público, tanto quanto a produção de arquitetura moderna em obras públicas, no Rio Grande do Sul, desnudaram uma tradição de oficio, enraizada no pensamento coletivo e na arquitetura moderna como causa, que resistiu, mesmo quando os nichos de poder já não eram simpáticos a esse movimento. A tradição em planejamento regional e urbano de Porto Alegre, bem como a reconhecida qualidade no ensino de arquitetura advém dessa visão de serviço público tecnicamente qualificado desempenhado com devotamento. Entre episódios de cassação política e inquéritos militares, que tanto Fayet quanto Moojen enfrentaram, a partir de 1964, a arquitetura moderna, perpetuou-se no panorama nacional e regional como a imagem de uma nação desenvolvimentista e a Petrobrás seguiu com seus preceitos arquitetônicos até a conclusão em 1968 e os projetos para a TEDUT posteriormente. O exercício do ofício resistiu por uns tempos. O CONCRETO [BOM?] E OS TRÊS ARQUITETOS Dentre os rigores no exercício do ofício, auto-impostos pela necessidade de afirmação da profissão, da arquitetura moderna e do progresso urbano e social desejado, a convicção pela autoridade do conhecimento e da ciência, como ferramenta poderosa da ação arquitetônica, 1964, 1967, 1972 e 1975. Foi Gerente do "PROPLAN", programa de reavaliação do Plano Diretor do qual resultou, o 1o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (1o PDDU) - Lei Complementar no 43/19 em 1979. ocupa lugar central. As conexões entre Movimento Moderno, progressismo social e crença na técnica, conjugadas na historiografia da arquitetura moderna, permeia princípios e valores arquitetônicos de larga repercussão espacial e estética. A verdade dos materiais, a liberdade da planta livre, o espaço urbano fluido dos pilotis, a transparência das fachadas, o terraço jardim coletivo e utilizável, são conceitos carregados de conteúdos e formas modernas intimamente associadas às novas possibilidades construtivas, em particular, o concreto. O concreto armado, em especial, coleciona em seu processo de desenvolvimento histórico, a sedimentação de experiências estruturais, geológicas e químicas que desde a arquitetura romana, mas principalmente no século XIX, sustentaram a tecnologia utilizada fundamentalmente em obras de engenharia, que através de experiências de engenheiros como as de Jose Monier, Louis Lambot e Françoise Hennebique11 descortinaram novos valores arquitetônicos uníssonos ao ideário do Movimento Moderno, através da percepção inicial de arquitetos como Auguste Perret. A obra inaugural na rue Franklin, (Fig. 8) predispôs o uso do concreto como sistema espacial de malha abstrata, fechamento lateral diáfano, e estrutura como elemento compositivo autônomo, bem como os prédios industriais construídos por engenheiros na America e o impacto dessas construções sobre os europeus, em particular Gropius e Le Corbusier12. O sistema Dom-ino (Fig.8) concebido por Le Corbusier conjuntamente com os engenheiros M. Dubois e I. Scheneider, à luz dos cinco pontos, coincide com o domínio do concreto armado na construção civil. Fig. 8 – Edifício 14 Bis, Auguste Perret, Rue Franklin, Paris, 1902, 1904. Sistema Dom-ino, Le Corbusier, M. Dubois, I, Schneider, 1914. Em termos gaúchos, a decodificação dos sistemas espaciais e construtivos preconizados por Le Corbusier, Gropius, Frank Lloyd Wright e Mies, iniciava, como em outras partes do país, com o prestigiamento do trabalho dos engenheiros e a organização de equipes interdisciplinares. Engenheiros como Bruno Contarini, Julio Kassoy (1922) e Mario Franco (1929)13 estiveram 11 Ver GRINDA, Efrén G. El hormigón armado. in TECTÔNICA – hormigon (I) “in-situ” n.3, ATC, Madrid, 1996, p.5 Gropius, antes do Le Corbusier de Vers une Architecture, e da I guerra, publicou um artigo denominado Die Entwicklung moderner industriebaukunst, conclamando os arquitetos a observarem a arquitetura industrial americana como modelo a ser seguido. Idem, p.10. 13 Contarini foi responsável pelo cálculo e participou ativamente da concepção estrutural de obras significativas de Oscar Niemeyer, como a Mentouri University Constantine (1968), a Editora Mondadori em Milão (1968) e o Museu de Arte Contemporânea em Niterói (1991). Kassoy e Franco fizeram o projeto estrutural do MUBE (1987). Ver SABBAG, Haifa Yazigi. JKMF Julio Kassoy e Mario Franco. Cris Correa, São Paulo, 2007. 12 intimamente associados às obras de Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha. Fayet, Araújo e Moojen, desenvolveram laços profissionais importantes com engenheiros como Raul Rego Faillace14, Werner Laub15, Joaquim Melo Pedreira16, Antônio Carlos Xavier Pires17, Ivo Wolf18, Dicran Guregian19, Ênio Cruz da Costa20, Joaquim Blessman21, Cláudio Herman Bojunga22, Beno Sperak, Eugênio Knorr23, Fernando Campos de Souza24 e outros, parceiros de diversos trabalhos ou contratantes. Fayet sempre esteve particularmente interessado nas possibilidades construtivas e na organização do canteiro de obras. Projetava pensando tanto na maneira de construir o imaginado, quanto nas virtudes formais da concepção, atribuindo ao processo de projeto um sistemático caminho de idas e vindas às análises de modos de execução. Da mesma maneira que Le Corbusier tentava buscar nos projetos uma visão global, capaz de oferecer, além de uma solução imediata para o problema em questão, um conjunto de conceitos que pudessem estabelecer uma nova ordem para a arquitetura em geral e local. Neste processo, a técnica e a racionalidade eram elementos chave. Araújo ao longo de sua carreira teve constantemente a tendência de perseguir, a partir de formas simples e limpas, sistemas sofisticados de construção, recursos técnicos e materiais pesquisados exaustivamente e usados com desenho apurado. De certa maneira sintonizado aos modos de concepção de Mies, encara simultaneamente o projeto das partes e do todo, com partidos de matriz elementar, e qualidade conquistada por adensamento, normalmente através da sofisticação de detalhes e emprego de sistemas técnicos, materiais e tecnológicos. Moojen, mais pragmático em determinado sentido, e mais virtuoso em outro, projeta com idéias iniciais de forte conceituação arquitetônica e elementos técnicos essenciais pesquisados genericamente, ajustados posteriormente em interatividade com os 14 Teve trajetória reconhecida na formulação das Normas Técnicas Brasileiras e realizava a especificação dos projetos realizados por Fayet e Araújo e Moojen, chegando a trabalhar no mesmo escritório de Fayet e Araújo. Coordenou as especificações da Petrobrás. Moojen depõe “Faillace não me deixava errar. Fiscalizou grande parte dos meus projetos. Sabia projetar, mas deixou de fazê-lo em respeito aos arquitetos que surgiram”. MARQUES, Moacyr Moojen. Entrevista, jun. 2008. Cópia manuscrita. 15 Engenheiro da Empresa Andrade Peixoto, que prestou serviços à Petrobrás, projetista de instalações de diversas obras de Araújo e Fayet. 16 Diretor da Construtora Melo Pedreira, à qual Moojen, como estudante, fazia perspectivas de empreendimentos, a tempera. Posteriormente encaminhou projetos, desenvolvidos inicialmente com um projetista da empresa chamado Warchavski, e durante muitos anos, para seu escritório com Vallandro e Ferreira, como os projetos para o SESC e a própria residência. Essa relação manteve proximidade até a falência da empresa nos anos 1970. 17 Professor e prefeito da UFRGS, calculista, realizou diversos projetos estruturais para o escritório de Moojen. 18 Professor de Estruturas de Fayet, Araújo e Moojen na UFGRS. Calculista, fez o projeto estrutural para o Palácio da Justiça, realizou diversos projetos estruturais para o escritório de Moojen. 19 Calculista, um dos integrantes da equipe de cálculo da Petrobrás realizou diversos projetos estruturais para o escritório de Fayet e Araújo, sendo que Araújo projetou a arquitetura de interiores de seu apartamento no Edifício Armênia. 20 Professor da UFRGS. Especializado em conforto térmico e lumínico, assessorou diversos projetos para os escritórios de Fayet e Araújo, e Moojen. 21 Professor da UFRGS, apelidado de “Dr. Ventania”, especialista em ventilação, assessorou projetos de Fayet e Moojen, como o Auditório Araújo Vianna. 22 Diretor da Empresa Bojunga Dias, projetos de instalações e execução de obras, realizou o projeto de instalações para a Petrobrás, e outros para Fayet e Araújo. 23 Calculista, um dos integrantes da equipe de cálculo da Petrobrás. 24 Professor de Materiais e Técnicas de Construção da UFRGS. Trabalhou na equipe de especificações da Petrobrás e fez o cálculo estrutural do Edifício FAM. projetos complementares no decorrer do processo25. Com maior amplitude na produção projetual, no decorrer da profissão, desde a escala urbana até o desenho do objeto, Moojen como Frank Lloyd Wright arma o pensamento arquitetônico em uma espécie de desenho total, onde o todo e as partes do projeto, sua concepção e detalhes, desenhos e apresentação, obedecem a uma mesma lógica, como se tivessem sido concebidos simultaneamente. No caso de Moojen, esse sistema arquitetônico, básico, passa a receber e absorver a contribuição das diversas especialidades profissionais, sendo que o resultado final é entendido como uma resultante desse processo. Nos três casos o relacionamento com a engenharia, com o meio da construção civil e com o conhecimento técnico, com particularidades idiossincráticas e coincidências consensuais, se dá mutuamente, em franca reciprocidade e complementaridade profissional. O concreto, como no resto do país, foi quase uma constante, mas em contrapartida, a justeza da racionalidade técnica, a tradição conservadora da engenharia no Rio Grande do Sul, as limitações tecnológicas e econômicas da província, contribuíram para a tradição de comedimento e economicidade de uma arquitetura moderna moderada, de parcos gestos formais grandiosos. DESDE A REFINARIA Na década de 1950, decênio de consolidação e disseminação da arquitetura moderna no Estado, com obras iniciais paradigmáticas do corolário moderno, como o aeroporto Salgado Filho (Nelson Souza, 1950), Ed. Jaguaribe (Fernando Corona e Luiz Fernando Corona, 1951), Palácio da Justiça (Carlos M. Fayet, Luiz Fernando Corona, 1953), Ginásio de Esportes do Grêmio Náutico União (Ícaro de Castro Melo, 1954), Hospital Fêmina (Irineu Breitman, 1955), Edifício Sede do Tribunal de Contas do Estado (Jaime Brandão Lompa, 1956); as Tribunas Sociais do Jockey Club (Román Fresnedo Siri, 1952), inaugura em Porto Alegre o uso expressivo monumental do concreto armado, condicionado à alta exigência estrutural, por requerimentos programáticos (Fig.9). A Refinaria, Alberto Pasqualni (1962), dez anos depois inicia outro expediente pioneiro no uso do concreto, com uma das primeiras construções brasileiras em concreto pré-moldado no canteiro de obras, já que ainda não existiam indústrias e equipamentos de pré-fabricação nem tecnologia de pro tensão26 (Fig.9) O pioneirismo dos projetos e obras da refinaria se deve aos 25 Auto definição de Moojen: “Não persigo estilo próprio e não tenho pejo em me auto reciclar com freqüência”. MARQUES, Moacyr Moojen. Entrevista, jun. 2008. Cópia manuscrita. 26 A Refinaria foi construída na Região Metropolitana de Porto Alegre, no Município de Canoas, com acesso pela BR116. A pedra fundamental foi colocada em 21 de dezembro de 1961 e as obras, realizadas em duas etapas, iniciaram no ano seguinte, durante os governos do Presidente João Goulart e do Governador Leonel de Moura Brizola. Os projetos foram sendo realizados durante a execução da obra. A inauguração ocorreu em 16 de setembro de 1968, nos governos do Presidente Costa e Silva e do Governador Perachi Barcellos. Em 1973, a área inicial, antiga fazenda desapropriada da família Cirne e Lima, de 217 ha, foi ampliada para 500 ha. Fig. 9 – Hipódromo do Cristal, Román Fresnedo Siri, 1952. Poço Lobato, Bahia, primeiro poço de petróleo brasileiro. REFAP, Fayet, Araújo, Moojen e Pereira, 1962, montagem de pré-moldados, oficinas. anseios desenvolvimentistas de estruturação de uma imagem contemporânea associada ao nacionalismo predominante na Petrobrás. A campanha “O Petróleo é nosso” encampada por políticos e intelectuais do calibre de Monteiro Lobato27, revelam a face progressista disseminada na instituição, desde os governos Getúlio Vargas até João Goulart (Fig.9), passando pelo empenho do governador Eng. Leonel de Moura Brizola em trazer a refinaria para o Estado. O gênio nacionalista e progressista encontrava eco nas pretensões renovadoras da arquitetura moderna, em particular aquela que consubstanciava certo caráter nacional, do qual a região sul, sempre manteve certo retardo e reticência. O Eng. José Carlos Wellausen28, alto funcionário da Petrobrás, encarregado de selecionar os arquitetos para a realização do projeto que ademais da envergadura e complexidade, trazia em seu bojo a vocação de obra basilar da arquitetura contemporânea na região, escolheu aqueles que em seu discernimento tinham competência e afinidade à causa subjacente ao trabalho. Wellausen, assim com o Ministro Capanema no Rio de Janeiro, focou no contexto das novas gerações filiadas a vanguarda moderna que se insurgia no Estado, vinculadas ao meio intelectualizado e engajado politicamente na profissão, normalmente anucleados na universidade, no IAB, no serviço público e/ou em escritórios, que a grande maioria, mantinha com dedicação religiosa. Chamou Fayet, que neste momento dividia parceria com Luis Fernando Corona e Suzy Fayet, que além de professor da UFRGS integrava a equipe de planejamento do município; Moojen, sócio de Marcus David Heckman, João José Vallandro e Léo Ferreira da Silva, igualmente professor e da equipe municipal; Cláudio Araújo, contemporâneo dos tempos da Faculdade de Engenharia, que naquela oportunidade trabalhava com Carlos Antônio Mancuso e por fim Miguel Pereira que dividia sociedade com João Carlos Paiva29. 27 Monteiro Lobato, desde a década de 1930, manifestava-se publicamente pela importância estratégica da exploração do Petróleo no Brasil, convicção adquirida em sua estadia nos E.U.A de 1927 a 1931, e atacava de forma contundente políticos, militares e técnicos que em sua opinião prestavam serviços aos interesses internacionais, chegando a ser preso em 1940, por acusar injustamente o General Horta Barbosa. Criou o personagem Jeca Tatu, protótipo da lerdeza, safadeza e incompetência, como crítica à burocracia brasileira no tema da exploração de energia. Após a sua morte em 1948 o movimento “o petróleo é nosso” pegou fogo. IBID. 28 Durante a execução das obras Wellausen assumiu o posto de subchefe da Petrobrás. O Chefe de Obras era o Eng. Fernando Ribeiro e o Supervisor Técnico o Eng. Percy Lousada de Abreu. Posteriormente, com a revolução, a chefia foi assumida pelo interventor Oriovaldo de Souza (militar) e a Supervisão Técnica pelo Eng. Fernando Guidão de Souza. 29 Miguel Pereira não era conhecido de Wellausen. Foi indicado pela própria equipe, lembrado por Fayet. A Equipe de Arquitetos30, como denominado inicialmente o grupo pela Petrobrás, se organizou no escritório de Cláudio Araújo, em edifício ao lado do Paço Municipal, sem constituir figura jurídica, mantendo, portanto o conceito de arquitetos autônomos reunidos, encarregados dos projetos de arquitetura, engenharia e direção de obra31. O cálculo estrutural foi realizado pelos Arq. Beno Sperak, Eng. Dicran Gureguian e o Eng. Eugênio Knorr, instalações da Bojunga Dias e especificações dos Engs. Raul Rego Faillace e Fernando Campos de Souza. O desenvolvimento do projeto arquitetônico partiu de algumas premissas determinadas conjuntamente, tais como a manutenção máxima possível do relevo, evolvendo um conjunto considerável de vegetação nativa preservado, boa parte da topografia natural e um açude, originário da fazenda existente no local, desapropriada para a construção da refinaria, cuja sede também foi preservada por um período. Sob o ponto de vista do projeto urbano a idéia foi de estabelecer, em equipe, um partido geral para a implantação do conjunto e os projetos das edificações distribuídos, na forma de rodízio, onde os arquitetos, individualmente, ficavam responsáveis pelo projeto de cada edificação, recebendo a contribuição de todos32. A concepção geral da implantação tem um ordenamento cartesiano de quadras ortogonais regulares, para a área industrial, como convém às exigências programáticas e um traçado irregular à garden city, Fig. 10 – Esquerda: Maquete do primeiro estudo da REFAP. O lago era retificado em hexágonos. Centro: Implantação geral definitiva da Refinaria. Direita: Imagem aérea da REFAP. 30 Para efeitos do contrato foi criada a sigla “EA”, Equipe de Arquitetos, adotada mais tarde, como entidade jurídica na sociedade de Fayet e Araújo, iniciada com os projetos para a CEASA, e extinta somente com o falecimento de Fayet em 2007. 31 O encargo contratual era considerável para quatro jovens arquitetos (Fayet e Moojen com trinta e dois anos, Araújo com trinta e um e Pereira com trinta), dada a responsabilidade técnica pelos projetos de arquitetura e engenharia, e acompanhamento e fiscalização da execução. Um episódio exemplifica essa responsabilidade: durante a execução de um dos pavilhões, a flecha de uma viga em balanço, mesmo comprovadamente dentro das normas, não foi aceita pela Petrobrás. Arquitetos, calculistas e empresa executora, pagaram os custos de demolição e nova execução. Os honorários dos arquitetos para aquele edifício não foram suficientes para o custeio. MARQUES, Moacyr Moojen. ENTREVISTAPETROBRÁS. Gravação digital, Porto Alegre, jun 2008. 32 Fayet e Araújo coordenaram os primeiros projetos, dos almoxarifados, oficinas e garagens; Fayet, Serviços Médicos e Laboratórios; Araújo, Administração e Superintendência; Moojen, Casa de Etilação, Refeitório (colaboração de Araújo na arquitetura de interiores), Casa de Força, Vestiários e Reservatório; Pereira, Centro de Treinamento, Oficina de Segurança e Portaria, sendo que Fayet dirigiu o projeto do sistema de pré-moldagem (pilares e vigas) dos primeiros pavilhões e Araújo e Moojen, posteriormente desenvolveram o sistema de fechamentos laterais pré-moldados colocados como gavetas nos pilares, utilizado também na TEDUT em Tramandaí. O sistema foi estudado pormenorizadamente com elaboração de maquete do Prof. Olívio da UFRGS. conectando pavilhões horizontalizados, valorizando a paisagem natural nas áreas mais coletivas como o Refeitório, Administração, Superintendência, Serviços médicos, etc. (Fig.10)33. No conjunto de edificações, a unidade de pensamento se articulou em uma linha onde o tectônico e a materialidade, foram protagonistas. Além da adesão consensual dos arquitetos à arquitetura moderna, mas principalmente pela idéia de inovar através da técnica, criaram um sistema construtivo relativamente padronizado, que conjugado aos conceitos definidos em linha gerais no partido, (tipologia pavilhonar e horizontalidade), estabeleceu um léxico de elementos construtivos cujas regras de associação regem a arquitetura34. Se houve a ausência de debates teóricos contínuos, no sentido de garantir a unidade de uma linguagem arquitetônica comum, a dedicação ao desenho do sistema de pilares, vigas, vigas calhas, coberturas e painéis de fechamento lateral, associados à panos de alumínio, fibrocimento, fórmica, elementos vazados, tijolos à vista, caixilharia de vidro, como um “lego”, foi uma constante. O esquema geral compositivo seguiu a concepção de edifícios “sanduíche” com cobertura plana e base sobre-elevada do terreno; fachadas constituídas de planos transparentes, translúcidos, porosos e opacos, alternados conforme a circunstância. A planta predominantemente organizada com núcleos centralizados de funções de apoio e áreas livres periféricas, distribuídas em grandes vãos (até vinte metros). A estratégia arquitetônica, que pode ser perfilhada à arquitetura miseana, obedece fundamentalmente a lógica construtiva de racionalidade e modulação ordenada pela estrutura de concreto, que progressivamente passou a ser pré-moldada também nos fechamentos laterais. A unidade entre as diversas edificações se dá em um primeiro extrato de concepção pela tipologia Fig. 11 – Farnsworth House, Mies van der Rohe, 1946 – 1950. Crown Hall, Mies van der Rohe, 1950-1956. 33 A área urbana industrial foi projetada pela estatal italiana Hydrocarbure especializada, vencedora da licitação, bem como o projeto das instalações industriais que em determinados momentos interagiram com a arquitetura dos pavilhões projetados pela Equipe de Arquitetos. MARQUES, Moacyr Moojen. ENTREVISTA-PETROBRÁS. Gravação digital, Porto Alegre, jun 2008. 34 “Os pré-moldados eram um sistema construtivo a partir de um conjunto de peças que armavam um esqueleto de sustentação de vedações fixas e móveis com flexibilidade suficiente, para com um mínimo de peças, atender mais de uma situação, prevendo alternativas posteriores dentro de regras compositivas básicas estabelecidas. Um jogo de armar de poucas peças aberto a novos arranjos não previstos. Peças se encaixavam sem ligações rígidas possibilitando pavilhonar que rege a organização de todas as edificações, mesmo as excepcionais como portaria e refeitório, com inserção no sistema estético desenvolvido pela arquitetura de Mies nos E.U.A, no Crown Hall (Fig.11) ou na casa Farnsworth (Fig.11), metabolizados pela arquitetura paulista e utilizado em diversas residências de Miguel Pereira (Fig.12)35. Mas em um nível mais relacionado com a lógica de concepção disseminado por todas as unidades, o jogo criado pelo sistema construtivo e as peças ou elementos de construção, são o principal elo, essência e idéia forte do projeto. Fig. 12 – Residência Helio Dourado, Miguel Pereira e João Carlos Paiva, 1961. A decisão de adoção de sistemas pré-moldados antecedeu a concepção arquitetônica, como resposta ao anseio de pioneirismo dos arquitetos e promotor. Os primeiros pavilhões projetados foram os almoxarifados e as oficinas (coordenados por Fayet e Araújo), com vigas e pilares prémoldados no canteiro de obras, com execução da Construtora Melo Pedreira36. Os pavilhões de almoxarifado previstos inicialmente em quatro e construídos dois, e as garagens, com pilares e vigas pré-moldados, pintados de branco, organizam-se em plantas retangulares, com vãos de vinte metros no sentido transversal, vencidos por vigas calhas e módulos de cinco metros no longitudinal. Na cobertura, vigotas de concreto vencem o vão entre as vigas calhas, apoiando assoalhado de compensado naval, revestido na face superior com placas de alumínio zipadas à mão. O fechamento lateral é determinado por vigas de bordo e baldrame pré-moldadas e panos supressões ou inclusões para atender novas possibilidades supervenientes mantendo a linguagem e o repertório da proposta arquitetônica”. ARAÚJO. Cláudio. ENTREVISTA-PETROBRÁS. Cópia Manuscrita. Junho, 2008. 35 A filiação de Miguel Pereira a Mies Van der Rohe lhe valeu a alcunha de “Miesguel”. Como mais jovem da equipe, sua contemporaneidade, provavelmente teve certa influência na linguagem utilizada pelo grupo pré-disposto à inovação. 36 Empresa vencedora da licitação para a construção dos primeiros pavilhões. Produziu uma maquete das vigas para a análise de execução e adaptou caminhões para movimentar as peças. Posteriormente não voltou a vencer licitações seguintes amargando certo prejuízo pelo investimento feito. Cada pavilhão foi licitado independentemente, portanto a execução posterior envolveu outras construtoras como a Azevedo, Moura & Gertun, Cristiane Nielsen e Tedesco (refeitório). MARQUES, Moacyr Moojen. ENTREVISTA-PETROBRÄS. Gravação digital, Porto Alegre, jun 2008. de tijolos37 à vista descolados dos pilares por caixilharia de alumínio, com evidente paralelo Fig. 13 – REFAP, Almoxarifados e Garagem. compositivo à fachada lateral da igreja do Centro Evangélico de Fayet e Suzy (Fig.13). Posteriormente, com os projetos iniciados para a TEDUT38 concomitantemente com a refinaria, Araújo e Moojen desenvolveram um sistema de fechamento lateral pré-moldado em concreto, com placas horizontais moduladas de forma a permitir aberturas e portões, com a supressão de elementos. Toda a lógica do sistema considerava vínculos articulados (encaixes, parafusos, apoio simples) entre as peças pré-moldadas, considerando, além da inexistência de experiência tecnológica para vínculos monolíticos (insertes, soldas, concretagem posterior), a flexibilidade para substituições ou adaptações. A cobertura plana foi substituída por telhas de cimento-amianto, apoiadas em vigotas com calhas, que por sua vez se apoiavam nas vigas calhas de vinte metros, configurando uma construção integralmente industrializada. As peças de concreto foram pintadas com uma tinta à base de resina acrílica que surgia no mercado naquela oportunidade39. Com os painéis de fachada pré-moldados, um jogo de aberturas se estabelecia, dentro da modulação, sendo que o deslocamento do painel inferior e o superior para a face interna do pilar criavam condições de ventilação natural controlada, por convecção. Outros pavilhões como a Casa de Fig. 14 – REFAP, Sapata de fundação com chumbador e base do pilar pré-moldado, com espaço para 37 passagem dome pluvial. Vínculo aarticulado Azevedo, Mouraa&razão Gertun parapequeno as oficinas. Placa de “Uma vez perguntaram razão dodesenvolvido uso do tijolo pela à vista. Especulavam deste pré-moldado fechamento lateralconceitual!!! pré-moldado projetada paraque a TEDUT e havia oficinas REFAP. cerâmico como sendo uma proposta Quando respondi a escolha sidodafeita por ter na vizinhança da obra uma olaria de excelente qualidade (Pauluzzi), senti certo descontentamento. Propusemos à Petrobrás que seu uso seria também um incentivo a uma indústria local. Até hoje esse material se mantém em boas condições, envelheceu com dignidade sem necessidade de manutenção dispendiosa.” ARAÚJO. Cláudio. ENTREVISTA-PETROBRÁS. Cópia Manuscrita. Junho, 2008. 38 Terminal Almirante Soares Dutra em Tramandaí-RS projetado para a Petrobrás e construído simultaneamente com a Refinaria, com projetos de Fayet, Araújo e Moojen e maior envolvimento de Araújo e Moojen. 39 O azul da tinta Mulsofix, das vigas calhas, feito especialmente para obra pelo fabricante, acabou denominado como Azul Petrobrás, inclusive por outras indústrias. “Pintamos o concreto em situações que nos pareceram adequadas sem nenhuma preocupação ou pré-conceito”. ARAÚJO. Cláudio. ENTREVISTA-PETROBRÁS. Cópia Manuscrita. Junho, 2008. Fig. 15 – REFAP, Seqüência de montagem do fechamento lateral das oficinas. Pavilhão-tipo das oficinas: Fechamento lateral pré-moldado, pintado de banco, placa inferior recuada para ventilação, abertura superior com a supressão de placa, viga calha Azul Petrobrás, vigotas e telha de fibrocimento. Fig. 16 – REFAP, Esquerda e centro: Pavilhão-tipo das oficinas. TEDUT, Pavilhão-tipo das oficinas Controle, seguem como variantes do sistema geral (Figs. 14,15,16). Os edifícios construídos com estrutura convencional concretada in-loco, como a Superintendência de Produção (Fig.17), Serviços Médicos (Fig.18), Segurança Industrial (Fig. 18), Laboratórios (Fig.18) e Centro de Treinamentos (Fig.19), seguem a tipologia básica pavilhonar miesiana, modulação e sistema compositivo determinado na matriz dos pré-moldados, incrementada com sistemas de fechamento lateral mais sofisticados, de acordo com o caráter da cada edificação. Combogós desenhados por Fayet (Centro Evangélico) (Fig.20), peitoris de Fórmica (Fig.19), Fig. 17 – REFAP, Superintendência de Produção que passou a abrigar também a Administração. Fig. 18 – REFAP, Serviços Médicos, Segurança Industrial, Laboratórios. A parede azul é de concreto in loco. Fig. 19 – REFAP, Originalmente Administração, posteriormente Centro de Treinamentos. Reservatório ao fundo. A parede azul é de concreto in loco e os peitoris de Fórmica. Direita: reservatório. Fig. 20 – Esquerda: Centro Evangélico, combogó desenhado por Fayet utilizado na REFAP. Centro: Caixilharia de alumínio do Refeitório. Direita: Parede de concreto in loco, pintada com Azul Petrobrás, Pátio da Superintendência de Produção. paredes de concreto (Figs.18,19), caixilharia de alumínio detalhada (Fig.20) se alternam. Os edifícios da Portaria (Fig.21) e Refeitório (Fig.22), como peças excepcionais do tabuleiro e caráter mais público, apostam na transparência e descolamento do plano do solo, como diferencial. Ambos os edifícios sobrevoam a área adjacente, sendo que a portaria o faz com arrojo estrutural do balanço sobre apoio único e o Refeitório aproveitando a topografia natural do terreno. Este último tem na relação com o açude e a paisagem seu principal ingrediente, através da superelevação do pavilhão “sanduíche” de faces acristaladas, onde está o salão de refeições, sobre a água, usufruindo da cena natural. O pilotis criado propicia área de descanso integrada à sala de estar criteriosamente mobiliada40, e área ajardinada do entorno imediato, da mesma forma projetada (Fig.23). A compensação de nível é amparada por parede arrimo construída com pedras 40 O projeto do Refeitório coordenado por Moojen teve colaboração de Araújo na arquitetura de interiores, sendo que uma parte do mobiliário foi desenhada especificamente. Fig. 21 – REFAP, Portaria. Fig. 22 – REFAP, Refeitório. Fig. 23 – REFAP, Refeitório, Esquerda: Salão de Refeições, mobiliário em madeira desenhado por Araújo. Meio: Sala de descanso sob o pilotis, com mobiliário Bertoia. Direita: Paisagismo do entorno imediato com especificações de espécimes do Arq. Cláudio Ferraro. irregulares de basalto que articula o interior ao exterior como nos pavilhões miesianos. A cobertura do restaurante, como a dos almoxarifados, com placas planas de madeira, foi estruturada com treliças metálicas leves, produzidas em obra com tubos dobrados e cantoneiras. Por baixo a rigorosa modulação do forro, afinada com os pisos e caixilharia davam o espírito predominante desta obra, estendido no trabalho de cada um, nas obras seguintes (Fig.24). Fig. 24 – REFAP, Esquerda: Refeitório, arrimo de basalto e jardim integrado ao pilotis. Visita de Jorge Wilhelm. Da esquerda para a direita, Arq. Duaia Vargas, Newton Obino, Jorge Wilhelm e Fayet. Centro: Refeitório, estrutura da cobertura. Esquerda: Refeitório, montagem e modulação do forro. ATÉ A SECRETARIA Projetos para prédios públicos emblematizaram a arquitetura moderna brasileira como imagem denotativa da identidade desejada pelas representações do governo. Palácios, centros administrativos, prefeituras, secretarias, ministérios, compreendem boa parte da historiografia da arquitetura moderna no Brasil e em circunstâncias extraordinárias foram o ato inaugural do Movimento Moderno nacional e local, bem como a propulsão mediante a opinião pública. O Ministério de Educação e Saúde é o protótipo tanscedental dessa relação e em Porto Alegre, senão por questões cronológicas, por monumentalidade tipológica, o Palácio da Justiça de Fernando Corona e Fayet, reúne a carga simbólica e genética em questão. A Secretaria Municipal de Obras e Viação assim como a Câmara de Vereadores de Porto Alegre, seguem as vias laterais desse caminho, em uma circunstancia mais comezinha por um lado, mais próxima à freqüência emanada pelo diapasão local, por outro (Fig.25). Fig. 25 – Palácio da Justiça, Fayet e Luis Fernando Corona, 1953. SMOV, Moojen, João José Vallandro e Léo Ferreira da Silva, 1966. Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Araújo e Cláudia Frota, 1975. O Planejamento Urbano em Porto Alegre teve certa relevância na evolução urbana da capital desde as primeiras décadas do Século XX. Tanto no Plano “Moreira Maciel” de 1914, dirigido essencialmente ao sistema viário, como no Plano Gladosh de 1945, de caráter mais prospectivo em relação à morfologia da expansão urbana, com denso viés figurativo, a política pública municipal creditava ao planejamento técnico a idéia de ferramenta administrativa estrutural, como principio. O fortalecimento do planejamento nos anos 1950, como importante agente gestor da cidade, e a reunião de nomes como Edvaldo Pereira Paiva, Ubatuba de Farias, e a seguir, Roberto Félix Veronese, Fayet e Moojen alinha-se, de maneira ainda pouco reconhecida, à formação da Faculdade de Arquitetura, do IAB e das obras inaugurais, como um dos grandes expedientes de afirmação do Movimento Moderno no sul e em termos urbanos, no Brasil (Fig.26). Na Prefeitura Municipal de Porto Alegre, o planejamento urbano tradicionalmente era tratado na Secretaria Municipal de Obras e Viação. Administrativamente era uma divisão, entre outras, como a execução de obras, loteamentos, aprovação e fiscalização, todas subordinadas à SMOV. Com o Plano Diretor de 1959, e os conceitos de interdisciplinaridade do planejamento urbano moderno, a Fig. 26 – Visita do Arquiteto Maurício Roberto ao Planejamento Urbano da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Da esquerda para a direita: Moacyr Moojen Marques, Irineu Breitman (Presidente IAB-S), Maurício Roberto, Carlos M. Fayet, 1959. atividade ganhou complexidade, volume, expressão administrativa e passou, por sua vez a se subdividir em secções como, planejamento, loteamentos, etc. Por outro lado, a valorização da cidade moderna como imagem idealizada pelos prefeitos, pela própria sociedade e o incremento do planejamento urbano técnico como ação política, davam ao corpo da área do Planejamento um status que não cabia mais dentro da Secretaria de Obras de caráter executivo. O espaço destinado às secretarias no quinto andar do edifício chamado de Prefeitura Nova, junto ao Paço Municipal, não comportava a infra-estrutura necessária. Primeiramente o corpo técnico e a seguir a secretaria passou, através dos funcionários e do secretário Moses Ribeiro do Carmo, a reivindicar ao então prefeito, Célio Marques Fernandez (1965-1969) a construção de uma sede nova destinada às secretarias do planejamento e obras, recebendo estas as condições, importância e representatividade devidas. A estratégia do corpo técnico foi de tomar a iniciativa na realização de um projeto para a sede e convencer o secretário à realizar pelo menos as fundações e parte da estrutura, como forma de garantir a continuidade do projeto em administrações futuras. Moojen, João José Vallandro e Léo Ferreira da Silva, os três arquitetos envolvidos na iniciativa, e designados para a tarefa, escolheram um terreno, próprio municipal, na Av. Borges de Medeiros, próximo a Av. Ipiranga, no tecido urbano mais representativo do ideário associado à tradição moderna do planejamento urbano em Porto Alegre: o aterro da Praia de Belas. Área conquistada ao rio, após sucessivos aterros, expansão natural do centro a partir dos anos 1940, o aterro da Praia de Belas expressava, através dos projetos realizados pelo planejamento urbano, a cartilha do urbanismo moderno, interpretado e praticado, de acordo com as influencias locais. Segundo MOOJEN, naquele momento a área do Centro Administrativo Estadual, Municipal e Federal, prevista pelo plano de 1959, junto à Primeira Perimetral, onde está hoje a Câmara de Vereadores, ainda não estava aterrada, senão a nova sede, com certeza estaria ali41. O projeto realizado (1966), para um terreno de setenta metros de frente, foi desenvolvido e licitado para a primeira fase da construção, já que não havia recursos para toda a obra. Neste ínterim assumiu o Prefeito Telmo Thompson Flores (1969-1975) e para a SMOV, o Secretário Arq. Plínio Almeida, que deram continuidade às obras, cuja conclusão se deu na mesma administração. O Planejamento ocupou o edifício conjuntamente com a SMOV, SMIC e o GERM42. Gradativamente o Planejamento e a SMOV novamente cresceram e ocuparam integralmente o edifício, fazendo que SMIC e GERM, assumissem outras localizações, sendo que na década de 1970, no governo do Prefeito Guilherme Socias Vilella (1975-1983), foi criada a Secretaria do Planejamento Urbano de Porto Alegre - SPMPA. MOOJEN participou do projeto da Secretaria, concomitantemente com a finalização dos projetos da Petrobrás. Como encarregado de coordenar os projetos da SMOV, adotou os princípios conceituais com os quais estava imbuído, como a modulação, racionalidade construtiva e préfabricação. Expõe que na antiga sede da secretaria, os salões já não tinham divisórias de alvenaria e sim tabiques de madeira que vivia tendo adaptações com muitos problemas em termos de vigas, pilares, pontos de luz e infra estrutura. Como também não havia clareza na futura composição das secretarias, a concepção geral era de pavimentos, térreo, mais salões livres, dentro do gabarito da legislação, retirando a estrutura de dentro do edifício para não condicionar a planta com exceção de quatro pilares, que por razões estruturais não puderam ser evitados43 (Fig.28). Fig. 27 – Esquerda: Orfanato, Aldo van Eick, Amsterdam, 1960-1961. Vista e planta. SMOV, Moojen, Vallandro e Ferreira, 1966-1970. 41 MARQUES, Moacyr Moojen. ENTREVISTA-SMOV. Gravação digital, Porto Alegre, fev 2008. Gabinete de Estudos da Região Metropolitana, mais tarde transformado em METROPLAN. 43 Idem. 42 O projeto dá vazão e seguimento ao uso do concreto, como determinante de estratégias espaciais, utilizado ad referendum a partir da Petrobrás, mas dentro de princípios reticulares mais afetos as investigações modulares de Aldo Van Eick (Fig.27). Todo o projeto é rigorosamente modulado em 1,25m x 1,25m: forros, luminárias, fachadas, esquadrias, vidros, peitoris, obedecem ao sistema modular (o forro com 2,50m x 2,50m, possuía luminárias de acrílico com desenho idêntico aos peitoris de fachada, mais tarde substituídas). O arranjo geral em planta compreende, nos pavimentos tipo, circulação vertical e dois blocos de sanitários no centro, permitindo a ocupação, com salas, na periferia, em uma faixa de cinco metros (4m x 1,25m) junto às aberturas no perímetro de cada pavimento e espaços maiores nas cabeceiras do edifício (5m x 1,25m), o que permitiu a colocação de pequenos auditórios, mais uma faixa de circulação interna (Fig.28). Toda a rede elétrica e telefônica estava instalada na periferia, junto à fachada, em um rodapé tubular, sendo que o sistema de divisórias permitia um duto para as redes a partir do perímetro, cinco metros para dentro de cada pavimento. Desta forma, as instalações continham a flexibilidade necessária. Os interruptores por sua vez, estavam localizados todos no núcleo central, fora das salas, permitindo flexibilidade na modificação dos layouts. Fig. 28 – SMOV, Planta baixa pavimento tipo com a modulação 1,25m x 1,25m. Projeto original (1966) Durante a construção, com a definição da divisão das secretarias, foi determinada a distribuição espacial dos pavimentos, ficando ao cargo do Arq. Bruno Franke, funcionário da secretaria, o projeto das divisórias. Franke desenvolveu um sistema modular, com estrutura de madeira aparente e painéis de fórmica, dentro da regra dimensional geral (1,25m), que permitia a colocação de fechamentos, balcões de apoio, armários, balcões de atendimento, portas, aberturas e outros elementos no sistema. As divisórias completavam o ambiente modulado tridimensionalmente, bem como a boa qualidade do desenho e execução do sistema, atribuía ao espaço a noção de leveza e versatilidade pretendidas pela planta livre dos pavimentos. Os painéis leves e a composição neo-plasticista determinada pelos planos das divisórias, conjuntamente com a expressão modular da estrutura, dos elementos de forro e os painéis de fachada, dotam o projeto de um sistema integrador, de elementos industrializados articulados dimensionalmente, espacialmente, funcionalmente e plasticamente, como em obras do De stjil. Visão que casava com a imagem moderna e técnica pretendida à secretaria, bem como a flexibilidade pretendida para a evolução da secretaria de planejamento no município. Por razão de custos, em relação aos disponíveis no mercado, o sistema de divisórias foi fabricado no Paraná e resistiu bravamente durante muitos anos, apesar da falta de manutenção. A estrutura fora do corpo do edifício favorecia a integridade interna da modulação. Os pilares, de concreto armado, à vista, de dimensão considerável para a expectativa dos arquitetos, receberam sulcos para torná-los de aparência mais leve, como na Petrobrás, e para permitir formalmente a expressão externa das vigas, que os cruzam, em balanço no vazio. Com o esqueleto exteriorizado da epiderme do edifício, como prenunciava Perret, a caixa sustentada, solta no térreo e na cobertura por recessos, organiza-se formalmente em bandas horizontais, ora caixilharia, ora placas pré-fabricadas em concreto, estritamente moduladas pela malha tridimensional que rege o edifício. Essa caixa, suspensa por estruturas distantes dos ângulos da caixa, articuladas a planos superiores e inferiores, bem como a horizontalidade da caixilharia e a superfície ornamentada pela textura dos elementos de fachada, remete à expressão wrigthiana da arquitetura moderna de viés classicizante (Fig.29) 44. Fig. 29 – Esquerda: Desenhos de Bruno Zevi em A Linguagem Moderna da Arquitetura, ilustrando citação de Frank Lloyd Wright. Direita: SMOV. 44 “Agora demonstrar-vos-ei por que razão a arquitetura orgânica é a arquitetura da liberdade democrática... Eis, digamos, a vossa caixa da construção: podeis fazer uma grande abertura, ou melhor, uma série de aberturas menores, se vos aprouver; subsiste sempre a envoltura dum embrulho algo estranho a uma sociedade democrática... Estudei suficiente engenharia para saber que os ângulos da caixa não constituem os pontos mais econômicos para os pontos de apoio: tais pontos encontram-se colocados a certa distância dos extremos, porque aí se criam uns pequenos ressaltos laterais que reduzem a luz das vigas. Além disso, pode-se dar espaço à caixa substituindo o velho sistema de apoio e de viga por um novo sentido da construção, qualificado pelos ressaltos e pela continuidade. É um processo de radical libertação do espaço, cuja manifestação se vê unicamente nas janelas angulares; em contrapartida, é nele que se encontra a substância da passagem da caixa à planta livre, da matéria ao espaço...” WRIGHT, Frank Lloyd. An American Architecture, New York, Horizon Press, 1955 (Fig.29) Os painéis de concreto pré-fabricado, pintados de branco, foram ajustados em sua textura acentuando os ângulos da forma, e introduzindo uma figura quadrangular no centro da pirâmide rasa original, já que segundo Moojen, os primeiros painéis colocados, criaram uma sombra desagradável ao olhar. A organização formal do edifício, com composição tripartite, remete à tradição clássica, e assim como nos palácios em Brasília, em escala reduzida, com gestos discretos, sem grandes espaços de transição e acessos monumentais, faz juz ao teor representativo da obra pública congregando composição acadêmica, simetria e preceitos modernos. O último pavimento e o térreo foram recuados para criar a composição de base, corpo e cobertura sendo que todo conjunto está pousado sobre um entablamento mais alto que o passeio. Originalmente para a biblioteca, restaurante, auditório e salão de exposições, a cobertura, permitia o recesso com adequação, já que as condições de proteção solar e uso das varandas eram favoráveis. Planos de alvenaria, revestidos com pastilha cerâmica escura, tanto no térreo como na cobertura, otimizam a noção de profundidade do recuo em relação ao plano de fachadas, acentuado dramaticamente pela sombra (Fig.31). O plano superior, de concreto aparente, dessa maneira sobrevoa o conjunto, coroando e arrematando a composição. Fig. 30 – Esquerda: SMOV, Fachada Norte. Centro: Corte Transversal. Direita: Ampliação do detalhe de fixação do painel de fachada pré-fabricado em concreto. Projeto original (1966) A construção da secretaria transcorreu com serenidade. A racionalidade do projeto e a concatenação da concepção arquitetônica com a modulação e o sistema construtivo propiciaram um projeto arquitetônico com poucos detalhes e uma obra com baixos imprevistos. A seqüência da construção teve primeiramente o esqueleto com vigas, pilares e lajes. Em seguida perfis metálicos, como no FAM, chumbados no topo das lajes de cima a baixo, onde os peitoris de concreto pré-fabricado e esquadrias eram fixados, sistema de fixação de fachadas de concreto ainda inédito em Porto Alegre (Fig.30,31). Fig. 31 – SMOV, Vistas em 2008. MOOJEN expõe que sob o ponto de vista estético, naquela oportunidade, havia a influência de projetos publicados na revista norte-americana Progressive Architecture, com soluções de coroamento interessantes escapando do modelo adotado por edifícios modernos que terminavam abruptamente.45 Manifesta também que durante os projetos da Petrobrás, nos projetos em que se envolveu diretamente, como o refeitório, ao contrário do interpretado por outros autores, a filiação com Mies van de Rohe não era deliberada nem intencional. Provavelmente intuitiva pela arquitetura que estava no “ar”. Chama atenção que o sistema de pilares e vigas aparentes, com gárgulas também não era algo eminentemente miseano. Naquela época identificava-se mais com Richard Neutra e Frank Lloyd Wright, que acredita estar mais presente na secretaria do que Mies. Em qualquer hipótese, está o desejo veemente pelo público e coletivo, a razão como determinantes da composição e a arquitetura moderna como produto do ofício. Concepção, em essência, mais voltada à natureza e conteúdo construtivo, onde o concreto era a pedra chave, do que à imagem formal, nestes casos, conseqüente. Em administrações públicas posteriores, nos anos 1990, apesar do protesto formal dos autores, foram trocadas as esquadrias pivotantes de ferro originais, por basculantes de alumínio, fora da modulação e a base do edifício cercada por grade metálica com moirões de concreto (Fig.31). A Arquitetura resistiu por uns tempos46. Fig. 32 – Cláudio Araújo e Moacyr Moojen Marques, REFAP, 13.07.08 45 Ibidem Bibliografia ARAUJO, Cláudio. Entrevista com o autor. Gravação digital, Porto Alegre, abr 2007 ARAÚJO, Cláudio. Entrevista com o autor. Cópia Manuscrita, Porto Alegre, jun 2008 COMAS, Carlos Eduardo Dias. MARQUES, Sergio Moacir (orgs). A segunda Idade do Vidro – Transparência e Sombra na Arquitetura Moderna do Cone Sul Americano – 1930/1970. 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Pórtico, 1966 e Restaurante, 1968. Pórtico, Fonte: XAVIER, Alberto; MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura Moderna em 46 O projeto para a REFAP recebeu medalha de ouro, melhor projeto construído, no III Salão de Arquitetura do Rio Grande do Sul (1967), organizado pelo IAB-RS e o projeto para a SMOV foi selecionado como destaque, conjuntamente com outras obras modernas construídas no período, na I Premiação IAB-RS (1971). Porto Alegre. São Paulo: Pini, 1987, p. 136, 137. Restaurante. Fonte: Acervo Moojen & Marques AA. Fig. 4 – Clube do Professor Gaúcho, Moojen e Vallandro, Av. Guaíba.1966. Fonte: Figura à esquerda, Idem, p. 216. Figuras do centro e à direita, Acervo Moojen & Marques AA. Fig. 5 – FAM, Fayet, Araújo e Moojen, Rua Vicente de Paula Dutra, Praia de Belas, 1966-69. Fonte: figura da esquerda, Acervo João Alberto, UniRitter; figura do centro, Acervo Araújo, foto Guilherme Werle; figura da direita, Acervo Araújo, foto Leopoldo Plentz. Fig. 6 – Câmara de Vereadores, I Perimetral, Araújo, Cláudia Frota, 1975. Fonte: fotos Sergio MMarques, 2008. Fig. 7 – Secretaria Municipal de Obras e Viação, Av. Borges de Medeiros, Praia de Belas, Moojen, Vallandro e Ferreira, 1966. Fonte: Acervo Moojen & Marques AA. Fig. 8 – Edifício 14 Bis, Auguste Perret, Rue Franklin, Paris, 1902, 1904. Sistema Dom-ino, Le Corbusier, M. Dubois, I, Schneider, 1914. Fonte: Perret, http://www.greatbuildings.com/architects/Auguste_Perret.html; Le Corbusier, http://www.flickr.com/photos/18732494@N00/314827020/. Fig. 9 – Hipódromo do Cristal, Román Fresnedo Siri, 1952.Fonte: Acervo Nestor. Poço Lobato, Bahia, primeiro poço de petróleo brasileiro. Fonte: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/brasil/2003/10/01/000.htm REFAP, Fayet, Araújo, Moojen e Pereira, 1962, montagem de pré-moldados, oficinas. Fonte: Acervo Fayet, Araújo & Moojen - UniRitter. Fig. 10 – Esquerda: Maquete do primeiro estudo da REFAP. O lago era retificado em hexágonos. Fonte: Acervo Moojen & Marques AA. Centro: Implantação geral definitiva da Refinaria. Fonte: XAVIER, Alberto; MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura Moderna em Porto Alegre. São Paulo: Pini, 1987, p.183. Direita: Imagem aérea da REFAP. Fonte: Google Earth. Fig. 11 – Farnsworth House, Mies van der Rohe, 1946 – 1950. Fonte: http://mies.iit.edu/photo_gallery/. Crown Hall, Mies van der Rohe, 1950-1956. Fonte: http://www.greatbuildings.com/buildings/Farnsworth_House.html Fig. 12 – Residência Helio Dourado, Miguel Pereira e João Carlos Paiva, 1961 . Fonte: XAVIER, Alberto; MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura Moderna em Porto Alegre. São Paulo: Pini, p.170, 171 Fig. 13 – REFAP, Almoxarifados e Garagem. Fonte: Acervo Fayet, Araújo & Moojen - UniRitter. Fig. 14 – REFAP, Sapata de fundação com chumbador e base do pilar pré-moldado, com espaço para passagem do pluvial. Vínculo articulado desenvolvido pela Azevedo, Moura & Gertun para as oficinas. Placa de fechamento lateral pré-moldado projetada para a TEDUT e oficinas da REFAP. Fonte: Acervo Fayet, Araújo & Moojen - UniRitter. Fig. 15 – REFAP, Seqüência de montagem do fechamento lateral das oficinas. Pavilhão-tipo das oficinas: Fechamento lateral pré-moldado, pintado de banco, placa inferior recuada para ventilação, abertura superior com a supressão de placa, viga calha Azul Petrobrás, vigotas e telha de fibrocimento. Fonte: Acervo Fayet, Araújo & Moojen - UniRitter. Fig. 16 – REFAP, Esquerda e centro: Pavilhão-tipo das oficinas. TEDUT, Pavilhão-tipo das oficinas. Fonte: Acervo Fayet, Araújo & Moojen - UniRitter. Fig. 17 – REFAP, Superintendência de Produção que passou a abrigar também a Administração. Acervo Fayet, Araújo & Moojen - UniRitter. Fig. 18 – REFAP, Serviços Médicos, Segurança Industrial, Laboratórios. A parede azul é de concreto in loco. Fonte: Acervo Fayet, Araújo & Moojen - UniRitter. Fig. 19 – REFAP, Originalmente Administração, posteriormente Centro de Treinamentos. Reservatório ao fundo. A parede azul é de concreto in loco e os peitoris de Fórmica. Direita: reservatório. Fonte: Acervo Fayet, Araújo & Moojen - UniRitter. Fig. 20 – Esquerda: Centro Evangélico, combogó desenhado por Fayet utilizado na REFAP. Fonte: Foto Sergio MMarques, 2008. Centro: Caixilharia de alumínio do Refeitório. Direita: Parede de concreto in loco, pintada com Azul Petrobrás, Pátio da Superintendência de Produção. Fonte: Acervo Fayet, Araújo & Moojen - UniRitter. Fig. 21 – REFAP, Portaria. Acervo Fayet, Araújo & Moojen - UniRitter. Fig. 23 – REFAP, Refeitório, Esquerda: Salão de Refeições, mobiliário em madeira desenhado por Araújo. Meio: Sala de descanso sob o pilotis, com mobiliário Bertoia. Direita: Paisagismo do entorno imediato com especificações de espécimes do Arq. Cláudio Ferraro. Fonte: Acervo Fayet, Araújo & Moojen UniRitter. Fig. 22 – REFAP, Refeitório. Fonte: Acervo Fayet, Araújo & Moojen - UniRitter. Fig. 23 – REFAP, Refeitório, Esquerda: Salão de Refeições, mobiliário em madeira desenhado por Araújo. Meio: Sala de descanso sob o pilotis, com mobiliário Bertoia. Direita: Paisagismo do entorno imediato com especificações de espécimes do Arq. Cláudio Ferraro. Fonte: Acervo Fayet, Araújo & Moojen - UniRitter. Fig. 24 – REFAP, Esquerda: Refeitório, arrimo de basalto e jardim integrado ao pilotis. Visita de Jorge Wilhelm. Da esquerda para a direita, Arq. Duaia Vargas, Newton Obino, Jorge Wilhelm e Fayet. Centro: Refeitório, Estrutura da cobertura. Esquerda: Refeitório, montagem e modulação do forro. Fonte: Acervo Fayet, Araújo & Moojen - UniRitter. Fig. 25 – Palácio da Justiça, Fayet e Luis Fernando Corona, 1953. Fonte: Foto Sergio MMarques, 2006 SMOV, Moojen, João José Vallandro e Léo Ferreira da Silva, 1966. Fonte: Acervo Moojen & Marques AA. Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Araújo e Cláudia Frota, 1975. Fonte: Foto Sergio MMarques, 2008. Fig. 26 – Visita do Arquiteto Maurício Roberto ao Planejamento Urbano da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Da esquerda para a direita: Moacyr Moojen Marques, Irineu Breitman (Presidente IAB-S), Maurício Roberto, Carlos M. Fayet, 1959. Fonte: Acervo Irineu Breitman. Fig. 27 – Esquerda: Orfanato, Aldo van Eick, Amsterdam, 1960-1961. Vista e planta. Fonte: MONTANER, José Maria. Después del Movimiento Moderno. Barcelona: G.Gilli, 1993, p.55. SMOV, Moojen, Vallandro e Ferreira, 1966-1970. Fonte: Acervo Moojen & Marques AA. Fig. 28 – SMOV, Planta Baixa pavimento tipo com a modulação 1,25m x 1,25m. Projeto original (1966). Fonte: Acervo Moojen & Marques AA. Fig. 29 – Esquerda: Desenhos de Bruno Zevi em A Linguagem Moderna da Arquitetura, ilustrando citação de Frank Lloyd Wright. Fonte: ZEVI, Bruno. A Linguagem Moderna da Arquit ect ura, Lisboa, Dom Quixot e, 1984, p. 50. Direita: SMOV. Fonte: Acervo Moojen & Marques AA. Fig. 30 – SMOV, Fachada Norte, Corte Transversal e ampliação da fixação do painel de fachada pré-fabricado de concreto. Projeto original (1966). Fonte: Acervo Moojen & Marques AA. Fig. 31 – SMOV, Vistas em 2008. Fonte: Fotos Sergio MMarques, 2008. Fig. 32 – Cláudio Araújo e Moacyr Moojen Marques, REFAP, 13.07.08. Fonte: Foto Sergio MMarques, 2008. Imprimir Pilotis, pilar, pilastra: variações brasileiras Rogério de Castro Oliveira Arquiteto, Dr.ed. Professor Titular Departamento de Arquitetura Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura UFRGS PROPAR/UFRGS Rua Prof. Sarmento Leite, 320 Porto Alegre RS – 90050.050 Fone 31.08.34.85 Email rco@ufrgs.br Fechar RESUMO Pilotis, pilar, pilastra: variações brasileiras Este trabalho discute a proposição do pilotis por Le Corbusier no contexto dos Cinco Pontos da arquitetura, destacando a adoção original de Lucio Costa de pilares livres na base do edifício como recurso compositivo inteiramente distinto. Se para Le Corbusier os pilotis assumem caráter imaterial ao delimitar o vazio que “eleva” a edificação do solo, em aparente contradição com a materialidade do concreto armado que dá forma à estrutura independente, para Lucio Costa a seqüência de pilares constitui reinterpretação de um repertório arquitetônico que evoca a sala hipóstila, o pórtico, a colunata. Nesse sentido, em oposição à atitude vanguardista de rejeição dos modos tradicionais de composição, o arquiteto brasileiro inova sem afastar-se da noção de continuidade histórica de uma “nova arquitetura” que parte das práticas que a antecederam. Palavras-chave: Pilotis, modernismo, composição arquitetônica. RESUMEE Pilotis, pilier, pilastre : variations brésiliennes Ce travail veut discuter la proposition du pilotis par Le Corbusier dans le contexte des Cinq Points de l’architecture, relevant l’adoption originelle de Lucio Costa de piliers libres à la base d’un bâtiment comme recours compositif entièrement distinct. Autant que pour Le Corbusier les pilotis se rêvetent d’un caractère immatériel en délimitant le vide qui «soulève» l’édifice du sol, en apparente contradiction avec la matérialité du béton armé qui informe l’estructure indépendante, pour Costa la suite des piliers devient la réinterprétation d’un répertoire architectural qui évoque la salle hypostyle, le porche, la colonnade. En ce sens, opposé à la propension d’avant-garde de rejeter les modes traditionnels de composition, l’architecte brésilien innove sans s’éloigner de la notion de continuité historique de la « nouvelle architecture » à partir des pratiques qui l’ont précédé. Mots-clés: Pilotis, modernisme, composition architecturale Pilotis, pilar, pilastra: variações brasileiras Em 1927 a revista L'architecture vivante publica breve artigo de Le Corbusier, intitulado Onde está a arquitetura? (Où en est l'architecture?).1 A pergunta é colocada em tom desafiador. A partir dela, Corbu tece uma resposta ambígua, metafórica: "está além da máquina", nos diz ao final de uma trajetória reflexiva que revela matizes pouco conhecidos do seu pensamento. Nessa alusão ao poderoso chamado à produção de uma machine à habiter, geralmente aceita no contexto do modernismo como prescrição funcionalista, dissolve, porém, qualquer identificação apressada do universo da arquitetura com o da máquina. Assim, lança sobre as bases programáticas da nova arquitetura uma matriz conceitual sutil, pouco comum em seus escritos, mais ocupados com o vigor panfletário do que com a sutileza retórica da argumentação. O programa modernista é apresentado em sua essência: os arquitetos deverão assumir como tarefa o projeto da casa. É urgente abandonar os "jogos florais" dos arquitetos da geração prémaquinista. Não será o Modern Style que renovará a arquitetura. Pássaros, folhas e nuvens, exaltados por uma sensibilidade franciscana, não construirão a casa que abrigará o homem da civilização maquinista, mas a razão que analisa e ordena. A machine à habiter é novamente evocada por Le Corbusier e o otimismo renovador parece repetir-se no mesmo tom de outros tantos chamados. Desta vez, porém, Le Corbusier faz incômoda ressalva – provavelmente para ele mesmo – quando dá a entender que a ação do arquiteto não se esgota no fervor programático, nem pode ser reduzida ao exercício da razão. Assim, não basta ostentar o emblema da casa como mecanismo, porque a arquitetura não está na casa, assim como não está na máquina (finalizará o texto dizendo que ela está "além da máquina"). É preciso "levar a arquitetura até a casa". Daí depreende-se que, na visão sagaz de Le Corbusier, os atributos arquitetônicos do espaço edificado não emanam do objeto material por algum efeito transcendente cuja natureza nos escapa, mas são nele introduzidos pela ação humana guiada pela poética (a poiesis, a fabricação) do projeto. A poética guia e explicita a prática projetual; invocando mais uma vez Le Corbusier, é nela que reside a arquitetura, não na simples existência material do objeto. A poiesis reúne à fabricação a arte — techné — que atribui ao objeto as significações que o qualificarão como artefato, isto é, o estatuto de "objeto feito com arte". Assim, é possível cumprir a determinação programática de Le Corbusier, "introduzindo", ou seja, projetando na "casa", isto é, no edifício, a arquitetura. Por isso mesmo Le Corbusier, após definir os aspectos construtivos, estruturais, da casa dom-ino, assumia a tarefa de até ela levar a arquitetura. A arquitetura não está, portanto, na estrutura, nem na eficiência de suas vedações e das condições ambientais resultantes, ainda que constituam précondições indispensáveis às arquiteturas. Estas se manifestam, porém, segundo a antiga lição de Boulée, na concepção da imagem e na sua apresentação ao mundo como sistema portador de significados. O trabalho do arquiteto exerce uma ação transformadora sobre a base material de sua produção. 1 LE CORBUSIER. Où en est l'architecture? L'architecture vivante, Paris, automne-hiver, 1927, p. 7-11. Na expressão de Le Corbusier, o sistema Dom-ino é uma pré-condição de existência do objeto arquitetônico, um meio de assegurar a possibilidade de materialização do projetado. A estrutura, porém, não é arquitetura. A arquitetura manifesta-se no jogo das configurações (dos volumes sob a luz...) orientadas por uma poética que, no caso corbusiano, implica a construção de um sistema de referências que guia a ação do arquiteto: de um lado, os cinco pontos, de outro, as quatro composições. A construção de uma poética requer o exercício de uma vontade que se traduz em um trabalho de transformação, dir-se-ia de metamorfose, de uma coisa — a edificação — em outra — o objeto arquitetônico. Assim, não devemos esperar que a matéria inerte, por si só, vá atribuir ao edifício uma qualidade arquitetônica; a qualidade está no uso que o arquiteto faz do suporte material que, freqüentemente mais por força das circunstâncias do que por livre opção, se impõe à adoção de determinados procedimentos construtivos. No caso corbusiano, a escolha inicial do concreto armado se dá antes por razões de ordem prática do que por imposição da vontade do artista, embora desenvolvimentos posteriores rumo ao emprego figurativo do béton brut acabem rompendo com a figuralidade abstrata, imaterial, das superfícies brancas do período purista. Tudo isso é conhecido. Na historiografia do Movimento Moderno já se disse tudo – ou quase tudo – sobre os reais ou imaginados efeitos do uso do concreto armado sobre a arquitetura modernista, embora as opiniões a respeito dessa simbiose possam divergir intensamente. Em um extremo, as possibilidades plásticas da modelagem do concreto são exaltadas como fator liberador e catalisador de uma criatividade sem limites; essa escatologia expressionista (com todos os abusos que dela podem decorrer) se espelha na indicação da originalidade como valor determinante da arquitetura (não esqueçamos, por exemplo, a insistente afirmação de Niemeyer de que “o importante é fazer diferente”). No limite oposto, o uso do material é banalizado na identificação redutora do emprego da técnica construtiva com a adesão a uma figuratividade modernista que seria garantida pela simples exposição de superfícies em estado bruto, como se, na arquitetura moderna, o hábito fizesse o monge. Em ambos os casos há confusão entre opções de materialização do objeto e escolhas estilísticas, como se elas fossem mutuamente decorrentes. Desde o ponto de vista da prática projetual, contudo, mostram-se amplamente independentes e arbitrárias, isto é, constituem um problema de atribuição (de significados): tanto podemos atribuir qualidades figurativas ao objeto arquitetônico por meio do manejo deliberado de possibilidades estruturais garantidas pelo material, como podemos simplesmente dar de ombros e dizer, como teria dito James Stirling, que "a estrutura é apenas algo que faz com que o edifício não caia". Retornando aos Cinco Pontos, embora os elementos constitutivos da nova arquitetura tenham todos repercussões construtivas diretas, sua virtude arquitetônica reside na definição de um sistema de relações compositivas entre as partes do edifício, as quais exercem sobre o projeto um controle operativo. Neste comunicado ao II Seminário DOCOMOMO Sul interessa-me, em particular, colocar em discussão o uso do pilotis, tal como proposto originalmente por Le Corbusier, e sua difusão em terras brasileiras a partir da interpretação inovadora de Lucio Costa. Este cotejamento permite esclarecer um pouco mais as relações entre a questão projetual colocada pela introdução de um sistema simultaneamente figurativo e construtivo como fundamento de uma arquitetura moderna, e a questão técnica da adoção prioritária (embora não exclusiva) de um determinado material de construção – o concreto – como meio de materialização da obra modernista preconizada por Le Corbusier. Neste último caso, é importante ter em mente a distinção proposta pelo próprio arquiteto entre construção e arquitetura: a casa, como objeto construído, é o suporte da arquitetura. “Levar a arquitetura até a casa”, contudo, requer um trabalho árduo e específico, encargo do arquiteto que concebe, projeta. Sem dúvida reforça-se ainda mais a alusão a Boulée, que considerava um “erro grosseiro” definir a arquitetura como “arte de construir”: antes de construir a primeira morada, nossos “primeiros pais” tiveram que conceber sua imagem – aí reside a arquitetura. Alfred Roth, engenheiro alemão que colaborou entusiasticamente com Le Corbusier na construção das duas casas edificadas em 1927 para o Weissenhof, em Stuttgart, descreve minuciosamente os procedimentos construtivos adotados, mas destaca: A Le Corbusier agrada subtrair o edifício à gravidade e em oposição ao construtor. Nele, a construção nunca muitos “arquitetos modernos”, que com isso escondem Para ele, a construção sempre é um meio para arquitetônica. (Roth, 1997, p. 56). à corporeidade. Nisso ele é artista, é um fim em si mesma, como em sua falta de criatividade e fantasia. alcançar o fim da formalização No contexto operativo dessa “formalização arquitetônica”, o primeiro dos Cinco Pontos – o pilotis – é sem dúvida crucial tanto para a caracterização fisionômica da casa reinaugurada pela nova arquitetura, emblematicamente assumida pela Villa Savoie, como, e principalmente, para a definição de uma estratégia compositiva modernista (não esqueçamos que no esquema das Quatro Composições a Villa Savoie ilustra o quarto e possivelmente mais importante modo de composição (très généreux). Este gênero (genre) sintetiza de maneira exemplar os cinco pontos da arquitetura: pilotis, cobertura-jardim (toit-jardin), planta livre (plan libre), janela longitudinal (fenêtre en longueur), fachada livre (façade libre). Corbu descreve a composição como “muito generosa; afirma-se no exterior uma vontade arquitetônica, satisfaz-se no interior a todas as necessidades funcionais (insolação, contigüidades, circulação)”. É ainda Alfred Roth quem ajuda a compreender a natureza do pilotis. Em primeiro lugar, “a casa se apóia sobre pilares que formam a estrutura portante”; segundo, “todos os espaços se encontram acima do solo”; terceiro, “a planta do térreo é menor do que a ocupação em planta”; quarto, “sob a casa, resta um espaço aberto”; quinto, “o térreo revela uma forte plasticidade na sua composição exterior, para reforçar a posição do volume flutuante do resto do edifício” (ibidem, p. 65). Nesta explanação sistemática, fica claro que os pilotis não fazem parte do edifício; formam, antes, um espaço intermediário, um vazio que separa do solo o edifício que flutua acima dele. Embora os pilotis desempenhem um óbvio papel estrutural, desde o ponto de vista compositivo o que se afirma é a desmaterialização do espaço: o volume edificado começa a partir do vazio do pavimento térreo. Não é à toa que o próprio Le Corbusier chamava a laje do primeiro andar de “solo artificial”, em cujo interstício se alojariam elementos que normalmente estariam enterrados sob a construção. O princípio da separação do edifício em relação ao solo implica uma composição descontínua, abstrata, que se distancia da atribuição tradicional, de origem clássica, de uma estratificação tripartite ao corpo do edifício, concebido então como algo que nasce do solo, sobre o qual se apóia diretamente e do qual, num sentido tectônico, faz parte. Refiro-me à conhecida distinção entre base, piano nobile e coroamento da edificação. A introdução do pilotis na nova arquitetura não apenas nega a idéia de uma organização do edifício “em camadas” estaticamente superpostas, mas acrescenta ao conjunto um dinamismo próprio, de elevação do edifício sobre suportes à maneira de um volume que é deslocado verticalmente por um imaginário elevador, assim como uma carga pesada pode ser empurrada para cima por um macaco hidráulico. A prescrição corbusiana dos Cinco Pontos nunca foi adotada universalmente, nem mesmo por seu autor. Tomados isoladamente, contudo, todos eles se tornaram vocabulário arquitetônico corrente, a ponto de seu emprego, hoje, longe de sugerir a adesão a uma produção de vanguarda, passar despercebido como lugar comum na prática dos arquitetos. Embora com variações de ênfase, os elementos inventados por Le Corbusier podem ser vistos virtualmente em qualquer lugar do planeta. No caudal da vertente corbusiana do Movimento Moderno, contudo, certos ambientes profissionais mostraram-se, como bem se sabe, mais receptivos a Corbu. No contexto da afirmação do modernismo no âmbito da cultura arquitetônica brasileira, a difusão do uso do pilotis a partir dos anos trinta ganhou força pela aceitação dada às idéias de Le Corbusier por parte do grupo de jovens arquitetos liderados por Lucio Costa, por afinidade intelectual e conveniência política. O paradigmático livro de Mindlin, Modern architecture in Brazil, publicado em 1956 e já naquele momento lançando um olhar retrospectivo sobre a arquitetura brasileira, contribuiu sobremaneira a marcar com força a forte influência de Le Corbusier. Ainda que verdadeiro, o tributo é feito de modo a evocar a autoridade do arquiteto franco-suíço como suporte das opções estilísticas ali adotadas e expostas no material gráfico selecionado. Mindlin destaca a origem corbusiana do pilotis, sua pertinência e suas virtudes, de modo a apresentá-lo como um dos rasgos que, juntamente com o brise-soleil, atestam a linhagem vanguardista e internacional da arquitetura brasileira, sem deixar de frisar a variedade de sua aplicação no panorama local. Na leitura de seu texto, porém, permanece subjacente a noção de que tais variações se devem mais à riqueza cultural do meio em que surgem, do que a uma deliberada reinterpretação da referência a Le Corbusier. Aproximações mais literais aos pilotis de Le Corbusier poderão certamente ser percebidas no contexto do catálogo de Modern architecture, incorporando-se a projetos bem sucedidos, por exemplo, dos irmãos Roberto e, especialmente, de Moreira, mais disposto a aceitar sem retoques a influência de Corbu. O fascínio do mestre se exerce com maior força no grupo dos “jovens arquitetos”. Mindlin claramente remete o uso do pilotis em terras brasileiras à concepção original de Le Corbusier; atendo-se apenas aos aspectos programáticos da arquitetura moderna, negligencia os aspectos compositivos que diferenciam muitas das realizações nacionais. É curioso observar que a idéia de que o pilotis não faz parte do volume edificado é corroborada pela referência feita a lei “recentemente aprovada” no Rio de Janeiro que subtraía do cálculo da altura permitida pelo código de edificações o térreo por ele “liberado”. Diversa é a atitude de Lucio Costa, a exemplo do que já havia feito ao expor construtivamente seus desencontros com as prescrições corbusianas no episódio do projeto para a Cidade Universitária da Universidade do Rio de Janeiro para a Quinta da Boa Vista, realizado por ocasião da visita de Le Corbusier ao Brasil, em 1936, paralelamente ao primeiro estudo para o edifício do Ministério da Educação e Saúde.2 Os pilotis do edifício do Ministério têm sido extensamente descritos e estudados, cabendo a primazia à investigação inaugural de Carlos Eduardo Comas. A maestria inquestionável de Lucio Costa é comentada por Comas de modo a destacar a originalidade de soluções adotadas como prolongamento de elementos ligados por afinidade ao vocabulário corbusiano sem, porém, filiação direta, particularmente na reinterpretação do pilotis como pórtico de passagem lateralmente delimitado, ligando dois espaços abertos. Embora nada se possa acrescentar a essa acurada análise, é possível retornar à noção corbusiana de pilotis para discutir como, no caso brasileiro, a partir de Lucio Costa, quando se fala de pilotis, se está falando de outra coisa. Comas chama com propriedade a atenção para o fato de que a composição do edifício do Ministério é tripartite, guardando reminiscências de uma ordenação clássica que, para Lucio Costa, mantinha-se em vigência enquanto recurso compositivo, ainda que transformações distributivas introduzam novidades não encontradas no palácio renascentista (cf. Comas, 1991, p.126). 2 Este episódio já foi por mim descrito e discutido criticamente em dois artigos já publicados: cf. CASTRO OLIVEIRA, Rogério de. As afinidades eletivas de Le Corbusier e Lucio Costa: Rio de Janeiro, 1936. Porto Alegre, Arqtexto, n.2, p.152-167, 2002, e _____. Horizontes e cerramentos na cidade dos prismas: Universidade do Rio de Janeiro, 1936. In: COMAS, Carlos Eduardo; MARQUES, Sérgio (org.). A segunda idade do vidro: transparência e sombra na arquitetura moderna do Cone Sul Americano – 1930/1970. Porto Alegre: UniRitter, 2007. p. 33-47. No Ministério, a firme orientação de Lucio Costa conduz à realização de um projeto que maneja compositivamente os pilotis do térreo de modo a formalisar um embasamento que contorna o conjunto edificado de modo a conectá-lo ao plano do quarteirão e estabelecer a continuidade virtual das fachadas até o solo. Em oposição ao pilotis corbusiano, o térreo do Ministério não é um “vazio” sobre o qual ‘flutuaria” o edifício, livre de limitações impostas pelo traçado da cidade velha. Na perspectiva da rua, o que se vê é antes o desdobramento de larga colunata que reveste os planos de fachada do que um espaço intersticial que se dissolveria visualmente na continuidade fluida do espaço envolvente. O trecho vazado da colunata serve, ao contrário, de elemento de separação entre as duas praças situadas em setores opostos do quarteirão, que é assim subdividido de modo a responder à configuração do quarteirão tradicional. Para tanto, Lucio Costa emprega dois recursos inéditos no repertório da nova arquitetura. De um lado, aumenta o diâmetro dos pilares, não mais dimensionados, como queria inicialmente Le Corbusier, pelo puro cálculo estrutural, mas pensados deliberadamente, à maneira clássica, como componentes de uma superfície que vai sendo erodida sem romper com a continuidade compositiva do plano de fachada. De outro lado, afasta-se radicalmente da concepção do pilotis como conjunto de suportes que se situam sob o volume edificado, ocupando sua distribuição geométrica um perímetro menor do que o da planta-baixa do primeiro andar. De maneira inusitada, a seqüência de colunas se inflete perpendiculamente para fora do grande prisma dos escritórios, tendo continuidade ao longo do cerramento lateral do corpo horizontal que se alinha com as ruas adjacentes e remetendo ao padrão histórico de ocupação periférica da quadra, que é gentilmente transgredido sem romper com a fisionomia do tecido urbano existente. O espaço situado entre as colunas que delimitam o “pilotis”, por sua vez, não é neutro, mas incorpora-se à planta-baixa do térreo à maneira de uma sala hipóstila, espaço quase cerrado pelas colunatas laterais que servem de duplo pórtico de acesso ao edifício. Na fachada posterior, voltada para a rua, o fechamento do quarteirão é contínuo, assim como contínuo seria o plano de fachada dos volumes vertical e horizontal não fosse o ligeiro relevo que destaca da base o paramento lateral do prisma. Mais uma vez esta articulação da fachada se resolve magistralmente pela manipulação dimensional dos pilares que, nesse caso, literalmente revestem a fachada como colunata exenta, no nível da calçada, e quase como pilastras, no coroamento. A espessura que destaca a empena da base é obtida pelo correspondente espessamento, exatamente neste trecho, da colunata que leva até o solo o volume do prisma. O repertório arquitetônico empregado por Lucio Costa no projeto do edifício do Ministério da Educação e Saúde, sumariamente descritas neste comunicado, apenas servem de exemplo e introdução a um possível percurso de pesquisa que se abre a partir das constatações aqui apresentadas. A contraposição entre a posição de vanguarda de Le Corbusier, fundada em uma concepção abstrata dos elementos de composição, particularmente no caso do pilotis, e a abordagem de Lucio Costa, na qual o mesmo princípio de abertura do térreo para os espaços abertos adjacentes ganha outra interpretação, voltada para um manejo concreto da estrutura independente como elemento de arquitetura carregado de referências a um contexto histórico de produção arquitetônica, aponta para oportunidades de sistematização de tais recursos compositivos, particularmente no campo da didática do projeto. Trazidas ao II Seminário DOCOMOMO Sul como ponto de partida para uma discussão possível das relações entre a obra de Le Corbusier e as realizações do modernismo brasileiro, no marco comum do Movimento Moderno, estas notas preliminares advogam, portanto, a conveniência de incorporar ao ponto de vista da história da arquitetura a visão operativa, projetual, das técnicas de composição diretamente implicadas no fazer arquitetônico. Referências bibliográficas: COMAS, Carlos Eduardo Dias. Prototipo, monumento, un ministerio, el ministerio. In: PÉREZ OYARZÚN, Fernando. Le Corbusier y sudamérica. Viajes y proyectos. Santiago: Pontificia Universidad Católica de Chile, 1999. p. 114-127. ROTH, Alfred. Dos casas de Le Corbusier y Pierre Jeanneret. Murcia: Colegio Oficial de Aparejadores y Arquitectos Técnicos, 1997. MINDLIN, Henrique E. Modern architecture in Brazil. Rio de Janeiro: Colibris, 1956. WISNIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. Imprimir TECNOLOGIA DAS CONSTRUÇÕES EM CASCAS MEIRELLES, C. R. M.1 MEDRANO, R. H. 2 DINIS, H. 3 1. Prof. Drª. Engenheiro Civil; 2. Prof. Drº. Arquiteto; 3. Prof. Ms.Engenheiro Civil. Universidade Presbiteriana Mackenzie. Rua: Itambé, 45, telefone (11) 21148012, SP – Brasil. Fechar TECNOLOGIA DAS CONSTRUÇÕES EM CASCAS MEIRELLES, C. R. M.1 ; MEDRANO, R. H. 2;DINIS, H. 3 1. Prof. Drª. Engenheiro Civil; 2. Prof. Drº. Arquiteto; 3. Prof. Ms.Engenheiro Civil. Universidade Presbiteriana Mackenzie. Rua: Itambé, 45, telefone (11) 21148012, SP – Brasil. e-mail: cerellesm@gmail.com RESUMO Esta pesquisa avalia a evolução do processo de construção das cascas em concreto armado através de uma análise comparativa de projetos onde a forma da casca foi o elemento determinante na concepção arquitetônica, construídos entre 1950 e 1960, com projetos onde a modelagem em elementos finitos determinou a forma, construídos entre 1970 e 1980. A pesquisa foi realizada em conjunto com a análise de projetos de arquitetos renomados como Píer Luigi Nervi, Felix Candela em comparação com a tecnologia utilizada na arquitetura paulista por arquitetos como Miguel Juliano e Jorge Wilhem no projeto do Palácio das Convenções do Anhembi. Cada um à sua maneira procurou soluções arquitetônicas onde a estrutura tem um papel preponderante, e se valeram essencialmente das estruturas espaciais em cascas. Apesar das construções em cascas de concreto serem consideradas marcos arquitetônico deixaram de ser construídas ao longo do tempo devido a fatores que vão desde o custo de construção com formas e escoramentos até o custo de manutenção das grandes superfícies com impermeabilização e conseqüentemente com corrosão da armadura. A pesquisa conclui que as construções em cascas sofrerão um novo impulso, a partir da evolução da tecnologia do concreto com o desenvolvimento do micro-concreto estrutural menos poroso que os concretos utilizados no período de 50 a 70, e da evolução dos programas por elemento finitos que permitirá modelagens das cascas em diferentes formas. Palavras Chaves: coberturas em casca; estruturas em cascas; cascas de concreto armado. ABSTRACT This research evaluates the evolution of the process of reinforced concrete shells roofs' construction through a comparative analysis of projects where the form of the shells was the decisive element in the architectural conception, built from 1950 to1960, with projects where the numerical simulation in finite elements determined the form, built from 1970 to1980. The research was accomplished together with the analysis of renowned architects' projects like Píer Luigi Nervi, Félix Candela in comparison to the technology used in the architecture from São Paulo by architects as Miguel Juliano and Jorge Wilhem in the project of the Palace of the Conventions of Anhembi. Each one did his own way and tried architectural solutions where the structure has a preponderant paper, and they were both essential to the space structures in shells. This was done despite the fact that the constructions in concrete shells have been considered architectural marks, they were not built any longer due to some factors that vary from the construction cost with forms and supports to the cost of maintenance of the great surfaces with making them waterproof and consequently with steel's corrosion. The research concludes that the shells' constructions will give a new pulse, starting from the concrete's technology evolution with the less porous structural development of the personal computer-concrete than the concretes used in the period from 50 to 70, and the evolution of the programs for finite element that will allow a numerical simulation of the shells in different forms. Keys-words: shells roofs'; shell structure: reinforced concrete shell. INTRODUÇÃO As estruturas espaciais representam marcos arquitetônicos ao longo da história do mundo. Cada população tenta demonstrar, com as grandes coberturas o nível de desenvolvimento tecnológico atingido por um país. As estruturas espaciais são aplicadas em projetos de coberturas de grandes vãos como os estádios, ginásios, igrejas, templos, etc. O desenvolvimento das estruturas espaciais se deve ao grande número de pesquisas, abordando diversos aspectos de seu comportamento, forma, sistema estrutural, projeto e desenvolvimento de novos materiais. As cascas em concreto armado apresentaram um grande desenvolvimento no período de 1950 a 1970. Entretanto, o uso de cascas em concreto sofreram um grande declínio devido a vários fatores: alto como custo com formas, custo de manutenção das grandes superfícies, etc. A partir de 1990, surgem novas tecnologias como o desenvolvimento de um concreto mais uniforme, menos poroso, com maiores resistências conhecido como concreto de alta resistência, o que permitirá um novo impulso na aplicação das cascas na arquitetura. As cascas em concreto armado foram desenvolvidas por arquitetos como Eduardo Torroja, Felix Candela, Eero Sarinem e Pier Luigi Nervi. O Brasil é pioneiro no desenvolvimento da tecnologia do concreto, temos renomados arquitetos e engenheiros calculistas como arquitetos como Oscar Niemeyer, Jorge Wilheim, Miguel Juliano e o engenheiro Mario Franco, etc. Os primeiros estudos sistematizados do comportamento das formas de casca foram realizados por volta de 1930 por Eduardo Torrroja, o desenvolvimento das teorias das estruturais das cascas curvas foi creditado ao engenheiro aeronáutico americano Donnell, entretanto, foi Felix Candela em 1950, quem popularizou as cascas em concreto armado, devido à exuberância das formas construídas. Candela projetava diferentes coberturas a partir de uma mesma forma geométrica o parabolóide hiperbólico. (ASCE, 2002) Torroja fundou em 1959 a associação International Association for Shell and Spatial Structures (IASS), sua principal função é estimular a pesquisa, o desenvolvimento e a divulgação de pesquisas em sistemas estruturais leves aplicados às grandes coberturas tais como casca, tenso estruturas, membranas etc. AS ESTRUTURAS EM CASCAS O cálculo das estruturas em cascas sempre apresentou grandes dificuldades matemáticas que impossibilitaram sua aplicação fora da faixa de problemas relativamente simples. Mesmo estes ainda eram matematicamente trabalhosos e difíceis. “Apenas recentemente, a aplicação dos Métodos dos Elementos Finitos ao estudo das cascas permitiu que se conseguisse numericamente, resultados para cascas com, quaisquer formas, condições de apoio, e sujeitas a qualquer carregamento”. (ZAGOTTIS, 1986) O avanço na capacidade de armazenar dados dos computadores e o desenvolvimento do método dos elementos finitos nos permite hoje avaliar os esforços solicitantes de uma estrutura em casca através de programas finitos como os programas estruturais como o ANSYS, o SAP, etc. Este fato ajuda arquitetos e engenheiros a projetar diferentes formas e visualizar rapidamente as regiões de alta concentração de tensões. Segundo Medrano; Meirelles (2005) Uma estrutura em casca é uma superfície curva contínua onde a espessura é bem menor que as outras dimensões. O comportamento estrutural da casca é divido em duas parcelas: a teoria da membrana e a teoria da flexão. Na primeira é considerado o mecanismo resistente de membrana, que resulta em solicitações por força normal e cisalhamento. Na segunda são consideradas as flexões, que resulta na casca curva em solicitações por momentos, esforços normais, cortante e cisalhamento longitudinal. No projeto das cascas deve-se ter uma especial atenção nas regiões dos apoios, pois nestas regiões podem ocorrer solicitações de flexão significativas. Arquitetos e engenheiros como Felix Candela, Eduardo Torroja, Pier Luigi Nervi não possuíam ferramentas poderosas para calcular suas cascas, portanto buscavam formas geométricas reconhecidas, de modo a trabalhar com um procedimento de cálculo que permitem a vantagem de obter cascas finas e sem flexão, a teoria da membrana. As obras projetadas apresentavam resistência pela forma. Candela, Eduardo Torroja e Pier Luigi Nervi, utilizam modelos físicos para gerar a formas funiculares. As cascas finas de concreto armado submetidas à compressão pura são geradas pela curva inversa da curva catenária. A catenária é definida por uma estrutura tensionada submetida ao seu peso próprio. (ASCE, 2002) As grandes coberturas geralmente apresentam dupla curvatura, pois a dupla curvatura melhora sensivelmente o comportamento estrutural tridimensional da casca. A casca quando tratada segundo a teoria da membrana, requer espessura muito pequena e, portanto não só pesa menos, como também é mais econômica; além disso, a estrutura em si apresenta uma aparência estética mais agradável. Restaurante Lo Manantiales – México- Felix Candela -1957 Em 1957, Felix Candela completa seu mais significante trabalho é o restaurante Los Manantiales construído em Xochimilco, nos arredores da cidade do México, com projeto do arquiteto Joaquín Alvarez Ordoñez (figura 1). Los Manantiales é composto por 8 elementos gerados pela intersecção de 4 parabolóides hiperbólicos. Nesta obra Candela consegue construir um amplo ambiente aberto, de grande beleza plástica, utilizando camadas extremamente finas de concreto, em torno de 6 cm para um vão de 32 metros e altura de 5.8 metros. (BURGER, 2007) Figura 01: Restaurante Los Manantiales (México) Félix Candela. Candela foi um dos principais pesquisadores e das propriedades do concreto armado e da aplicação da Teoria da Elasticidade. Segundo Candela El hecho es que la Teoría de la Elasticidad se refiere a un material ideal, homogéneo e isótropo, que responde además a la ley de Hooke. Sin embargo, los materiales usuales distan mucho de asemejarse a tal hipotética materia y el concreto armado que, en la actualidad, es el material de construcción por excelencia, es heterogéneo por definición, es alótropo, puesto que sólo contiene hierro en ciertas zonas y en determinadas direcciones, y no responde, en absoluto, a la ley de Hooke. (CANDELA, 1961, p 18). Diante do atual estado do conhecimento na época, Candela propõe abandonar os métodos usuais, por serem extremamente inexatos, e utilizar formas geométricas onde possa ser aplicada a Teoria da Membrana: “Una mayor propiedad en los métodos de cálculo de estructuras que redunde en economía de material y que simplifique el análisis de las mismas, significa automáticamente una considerable reducción del esfuerzo humano en su conjunto.” (CANDELA, 1961. p 22). Candela aplica a teoria da membrana às geometrias de suas cascas em parabolóides hiperbólicos conseguindo, uma simplificação considerável no cálculo, além de trabalhar com modelos muito mais precisos resultando em estruturas mais esbeltas e econômicas. As inúmeras obras realizadas por candela desta forma, e a qualidade arquitetônica obtida evidenciam o acerto deste caminho. Palazzetto dello Sport - Pier Luigi Nervi – 1957 O Palazzetto dello Sport foi construído em Roma na Itália em 1957 e projetado pelo engenheiro e arquiteto Pier Luigi Nervi. A cobertura é uma cúpula de 59 metros de vão livre, construída em argamassa armada e projetada com base na teoria da membrana. A cúpula não descarregada diretamente sobre o solo, mas é apoiada em pilares tangentes a curvatura, em forma de Y. O desenho do pilar apresenta extrema beleza. Os pilares permitem que o espaço interno receba luz de seu entorno. Píer Luigi Nervi é um dos grandes representantes da estruturas em casca em argamassa armada. Ele associava a argamassa armada à eficiência da forma construída, vencendo grandes vãos com pequenas espessuras. Nervi, em suas pesquisas questiona a insuficiência do cálculo estrutural, e para provar suas hipóteses constrói uma série de modelos físicos e os submete a uma série de solicitações que reproduzem os carregamentos que a estrutura ficará submetida durante a vida da construção. (ARGAN,2001) Figura 02: Palazzetto dello Sport - Roma - vista externa Nervi utiliza na obra do Palazzetto dello Sport apoios pontuais em forma de Y, mas para reduzir o impacto causado pelos esforços concentrados, ele cria um anel de transição entre os pontos de apoios e os elementos esbeltos de argamassa armada na parte interna da cúpula. Palácio das Convenções do Anhembi – Miguel Juliano e Jorge Wilheim -1971 Figura 03: vista externa da cúpula - Palácio das Convenções do Anhembi Fonte: escritório do JULIO KASSOY; MARIO FRANCO. O Palácio das Convenções do Anhembi compreende cinco auditórios e foi inaugurado em 1974. Os arquitetos foram Miguel Juliano e Jorge Wilheim. O cálculo estrutural foi realizado pelo escritório Mário Franco e Julio Kassoy. A estrutura é uma casca abatida com 65 metros de vão livre, em concreto armado e em protendido de folhas poliédricas com espessura media de 10 cm. O projeto é um dos maiores representante da arquitetura moderna em concreto armado. “A cobertura é constituída com 28 semi-arcos com seção transversal em V os quais estão apoiados no topo da cúpula, em um anel central de compressão de 6,4m de diâmetro, e na base em um anel externo protendido. “(SABBAG, 2007). O anel protendido absorve os empuxos horizontais aplicados pela casca. A casca de folha poliédrica é apoiada na circunferência de base e os esforços transmitidos aos pilares através de uma articulação tipo freyssinet. A casca foi calculada com base na teoria da flexão e no método dos elementos finitos com grande precisão. Os apoios articulados tipo freyssinet, foram considerados para absorver os esforços inseridos pelas dilatações e contrações que ocorrem neste tipo de superfície em casca, evitando-se que deste modo tensões de flexão na borda da casca gerada por fenômenos de dilatação e contração da estrutura, assim como com tensões de borda geradas por engastamento. Portanto, a articulação da casca permite desta forma ao longo da vida útil da estrutura a mesma não irá apresentar fissuras inseridas por estes fenômeno o que promoverá uma vida útil mais longa a construção em concreto armado. Figura 04: a) anel central, b) Articulação (freyssinet); cabos de protensão. Fonte: Escritório JULIO KASSOY; MARIO FRANCO; 2006. CONCLUSÃO O concreto é um material muito utilizado no Brasil, apresenta uma grande plasticidade, podendo ser aplicado às mais variadas formas. Apesar da grande eficiência estrutural das cascas curvas em concreto, dois pontos importantes devem ser considerados: O alto custo do cimbramento e o custo de manutenção das grandes superfícies de impermeabilização que devido à exposição permanente ao sol e chuva impõe grandes dilatações e contrações nestas superfícies. Os arquitetos e engenheiros Brasileiros são pioneiros no desenvolvimento da tecnologia do concreto. Entretanto as grandes obras em cascas de concreto armado e argamassa armada têm demonstrado ao longo do tempo exigir a manutenção permanente, para diminuir os problemas com infiltração de água e conseqüentemente a corrosão das armaduras. A partir dos anos 90 começam a surgir novas tecnologias para o desenvolvimento concreto mais uniforme, como por exemplo, concreto de alto desempenho resistência, concreto associado com fibra de vidro, concreto com fibra de aço. As novas tecnologias deverão promover um novo impulso para as grandes superfícies de concreto. Apesar de termos hoje ferramentas poderosas para o cálculo de cascas em diferentes formas, a teoria da membrana continua a ser um conceito decisivo na forma final da superfície, pois se projetamos a forma da casca a partir do conceito da teoria da membrana poderemos gerar uma estrutura mais esbelta e mais leve. As três obras analisadas demonstram a evolução sofrida pelo concreto armado em 40 anos, assim como a evolução das teorias de cálculos e das ferramentas disponíveis para o cálculo das estruturas através de elementos finitos aplicados em programas como ANSYS, SAP, etc. A cúpula em concreto armado com 65 metros de vão torna-se um projeto referencial que demonstra a evolução tecnológica apresentada em 197o em São Paulo com projeto de Miguel Juliano e Jorge Jorge Wilheim com cálculo do escritório Mario Franco e Julio Kassoy. REFERÊNCIAS ARGAN, GIULIO. Projeto e Destino. São Paulo: editor Ática, 2001. BRADSHAW R.; Special Structures: Past, Present, and Future. In: Journal Struct. 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Imprimir Arquitetura Moderna, Patrimônio Histórico e Concreto Armado Marcos José Carrilho Professor da FAU-Mackenzie Arquiteto do IPHAN 9ª SR/SP Avenida Higienópolis, 318 ap. 4 01238-000 São Paulo SP Tel. 11 36665519 83463610 marcos.carrilho @gmail.com Fechar Arquitetura Moderna, Patrimônio Histórico e Concreto Armado Resumo O exame das relações entre o ideário do Movimento Moderno no Brasil e sua repercussão na formação do acervo e na prática de preservação do Patrimônio Histórico brasileiro constitui o ponto de partida para o exame de obras de restauração realizadas em São Paulo. Esta análise se concentra na utilização de estruturas de concreto armado para a consolidação de edifícios antigos, tanto em seus pressupostos e como em suas implicações. Abstract The relations between the Brazilian Modern Movement ideals and its influence on the establishment of a set of samples for being preserved and its conservation practice are the main concern of the analysis developed. The approach is concentrated on the use of reinforced concrete structures for building conservation. Palavras-chave: arquitetura moderna, patrimônio histórico e concreto armado 2 Arquitetura Moderna, Patrimônio Histórico e Concreto Armado Em contraste com as vanguardas européias, as origens da moderna arquitetura brasileira estiveram intimamente associadas às pesquisas dirigidas à compreensão da arquitetura tradicional. “Documentação Necessária”, o texto clássico de Lucio Costa, constitui a primeira síntese sobre a formação de nossa herança arquitetônica. Ali foram claramente delineadas as hipóteses de interpretação daquilo que supostamente constituía o que havia de mais característico em nossa cultura construtiva. Todavia, esta busca pelo estabelecimento das origens da arquitetura brasileira tradicional acabou de algum modo, por conduzir à arquitetura moderna. Não apenas como decorrência de um percurso pré-estabelecido, no qual a predominância inicial dos cheios sobre os vazios conduzia necessariamente ao vão livre, ou as transformações de cobertura e beirais que evoluíam para o sistema de platibandas até chegarem ao terraço-jardim, mas também pela própria maneira de projetar sobre o passado a visão contemporânea: “Aliás, o engenhoso processo de que são feitas – comenta Lucio Costa – barro armado com madeira – tem qualquer coisa do nosso concreto-armado e, com as devidas cautelas (...) deveria ser adotado para casas de verão e construções econômicas de um modo geral” (Costa, 1962: 89-90). Esta convergência entre tradição e modernidade assumiu forma exemplar no projeto da Vila de Monlevade, exemplo recorrente da afirmação deste caráter peculiar da Arquitetura Moderna Brasileira. Ali a concepção das moradias se fez por meio de um inusitado sincretismo, resultante da conjugação de uma plataforma de concreto armado, elevada sobre pilotis, sobre a qual se sobrepunha uma casa de pau-a-pique. A associação entre o ideário moderno e a tradição construtiva luso-brasileira se difundiu generalizadamente. Seja no sentido de alimentar o repertório de soluções formais da arquitetura moderna, seja no sentido inverso, tanto ao projetar os ideais de simplicidade e coerência de concepção sobre os bens a preservar, como o de adotar prioritariamente a tecnologia moderna para fins de conservação. Ali onde predominava a taipa, nada mais pertinente do que a utilização do concreto armado para a recuperação dos maciços de terra. Em lugar de barro socado em formas de madeira, a nova técnica construtiva substituía eficientemente a matéria original no preenchimento de vazios, de partes erodidas e na reconstituição da estabilidade do conjunto. Quando se tratava de recompor estruturas de pau-a-pique não foi rara a substituição de seus componentes de madeira por peças fundidas em concreto. Finalmente, em regiões onde dominava a pedra e cal, formas distintas de consolidação estrutural foram realizadas com a mesma tecnologia. Joaquim Cardoso projetou delgadas peças de concreto armado em substituição às estruturas de caibro-armado das igrejas de Minas e de Pernambuco. Embora mais pesado, tal sistema resultava mais econômico e resistente aos processos de degradação. A analogia entre os recursos do concreto armado e os sistemas de construção tradicionais se difundiu particularmente nas ações de preservação do patrimônio histórico. Todavia, a suposta legitimidade das similitudes das estruturas tradicionais e sua transposição para o concreto armado não deixou de trazer problemas desde os primeiros ensaios de sua utilização. Isto ocorreu nas mais variadas situações, em especial em São Paulo. A obra de restauração da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Embu, iniciada em 1939, foi uma das primeiras a ser realizadas pelo IPHAN. Tratando-se de ação pioneira foi objeto de grande atenção. A definição dos serviços a serem realizados motivou seguidas discussões entre Luiz Saia, responsável por sua execução e José de Souza Reis e Lucio Costa encarregados de analisar, no Rio de Janeiro, as propostas de serviços a serem realizados. A peça que dá origem à troca de opiniões não é propriamente um projeto, mas um extenso orçamento de serviços. A igreja havia sofrido alterações recentes, não havendo dúvidas da necessidade de, na expressão de Mário de Andrade, “retrazer o monumento ao seu aspecto antigo” (Andrade, 1981: 84). A recuperação do estado original seria feita a partir de registros fotográficos, realizados por ocasião de uma visita de Washington Luiz, em 1908. (figura 1). Esta intenção, por sua vez, implicava na escolha de critérios adequados à restituição e na 3 definição de correspondentes processos construtivos. Para atender a tal fim, Luiz Saia propunha inicialmente refazer o frontispício da igreja empregando o sistema da taipa de pilão. Esta hipótese, no entanto, suscitou sérias dúvidas a José de Souza Reis, para quem tal alternativa era aceitável apenas “no torreão, alterado em forma e proporções” argumentando que nesse caso havia “necessidade de demolir para restaurar” devendo a reconstrução “ser feita no sistema antigo, se possível.” (MTSP 12.3.2, documento n. 10. Parecer de José de Souza Reis s/d.). Porém, havia outros desafios a serem enfrentados. O edifício impunha a necessidade de extensos serviços de consolidação, especialmente a ala residencial, dado o mau estado em que se encontrava. Neste caso, em contraste com a sugestão inicial, Saia propunha a execução de “um esqueleto de concreto armado em toda a extensão do edifício”, solução esta que viria acompanhada de um croqui do esquema estrutural, pelo qual se pode avaliar a profundidade da intervenção (figura 2). José de Souza Reis, mais cauteloso, observou que tal proposta parecia “preocupação demasiada”, pois para ele esta alternativa “deveria ser amplamente justificada uma vez que a necessidade de um reforço total não é concluída de simples vista pelo desaprumo ou estado ruinoso de todas as paredes” (MTSP 12.3.2, documento n. 10, Parecer de José de Souza Reis s/d.). Apesar destas ponderações e da persistência de dúvidas de como proceder nas restituições da condição original do monumento as obras tiveram início. Este procedimento não era incomum no período pioneiro do IPHAN, havendo mesmo a crença de que as soluções de recomposição das lacunas ou trechos danificados seriam encontradas à medida que fossem sendo expostas as várias partes do edifício no curso das obras. A construção deveria ser desnudada de todos os elementos que encobrissem quaisquer de seus aspectos. Conforme Saia “sem dúvida nenhuma o revestimento atual deve ser demolido completamente, e isto pode revelar vestígios desaparecidos” (MTSP 12.3,2, Anexo II). As obras preliminares foram realizadas no bloco anexo à igreja, por meio da demolição dos contrafortes existentes e do encamisamento de tijolos, de modo a preparar os maciços de taipa para a introdução do esqueleto de concreto armado a fim de consolidar a estrutura, conforme assinala a seguinte passagem: “Como nesta parte do convento se encontra a maior ruína, com algumas zonas de refatura em tijolo, o trabalho de restauração exige a armadura proposta, pois sem a mesma não seria possível nem a refatura das janelas e portas e nem do telhado. Demais como este corpo está muito pouco comprometido com a estrutura do conjunto (...) o esqueleto proposto será também um elemento seguro de ligação das estruturas da ala indicada e do restante do convento” (MTSP 12.3,2, Anexo II). A solução projetada que previa a execução de pilares e vigas no eixo do maciço de taipa, logo se mostrou inviável, dado o impacto que poderia causar à estrutura pré-existente (figura 2), tendo sido abandonada já nas primeiras tentativas para a sua realização. As inserções de elementos de concreto armado acabaram por se limitar à ala conventual e, mesmo assim, não de forma contínua e generalizada como inicialmente previsto (Andrade:1992:9). Não obstante, Luiz Saia persistiu afirmando alguns resultados alcançados, como nesta passagem: “Foi feita uma tentativa com bom resultado com concreto sem caixão. A coluna apresentada na foto, de 80 cm de altura, secção 20x20, foi submetida a esforços de flexão com resultado positivo” (Caderno de Obras Igreja de Nossa Senhora do Rosário – Embu, IPAHN, São Paulo, apud Andrade, p.9). A que tipo de esforço de flexão se refere não é possível saber com precisão, tampouco que função pode haver em pilares desta dimensão. Assim, apesar da convicção por ele manifestada de que a introdução de reforço de concreto era indispensável para consolidar a estrutura, o caso do Embu é uma demonstração clara de que não havia a necessidade de sua realização, para assegurar a estabilidade da construção. A exemplo da obra do Embu realiza-se, neste mesmo período, a restauração da Igreja de São Miguel (figura 3). A iniciativa parece ter sido da administração estadual que, dado o mau estado de conservação do edifício, havia determinado ao seu Departamento de Obras Públicas a elaboração de estudo para a sua recuperação. O resultado deste trabalho foi objeto de apreciação no IPHAN pelo assistente Técnico Luiz Saia que, além de considerar o 4 orçamento excessivo, fez objeções às soluções alvitradas pelo departamento, em especial ao encamisamento das paredes de taipa com alvenaria de tijolos, por considerar que tal alternativa deformava o “caráter da construção de taipa (...) tirando dela o aspecto mais característico: a ausência de retidão, de superfície completamente plana” (Saia, MTSP 8.3.1., IPHAN/9ª SR/SP). Em contrapartida, Saia retomava também para este caso a introdução de uma estrutura reticulada de concreto armado para a consolidação da igreja. Eis sua descrição: “Reforço da estrutura do edifício. Sugiro que se encaixe na estrutura de taipa um verdadeiro esqueleto de concreto armado que constará de três vigas dispostas horizontalmente (15 x 15 cm) em três alturas; uma a 1 metro da base, outra na altura da base do pavimento superior (qual?) e uma terceira na extremidade superior do pé-direito (esta com funcionamento especial e direto de ajudar a sustentação da armadura do telhado, por meio de tacos): um sistema de colunas colocadas nos pontos de encontro das paredes de taipa (no caso de parede ter uma extensão livre de mais de 5 metros, se escolheria nela um ponto mais conveniente para aí localizar uma coluna) completaria o esqueleto, pois que estas colunas se casariam com as vigas horizontais em todos os pontos de encontro” (Saia, MTSP 8.3.1., IPHAN/9ª SR/SP). Neste caso, como em Embu, a justificativa para a adoção deste sistema de consolidação não aponta causas específicas, apoiando-se tão somente em considerações genéricas sobre o mau estado de conservação da edificação. Não há uma análise pormenorizada das condições do arcabouço do edifício capaz de identificar a presença de trincas, a falta de coesão das paredes nos cunhais e pontos de amarração, desaprumos ou deslocamentos dos muros ou erosão das bases. Não há tampouco uma explicação rigorosa da função do sistema e do comportamento esperado de cada uma das partes da estrutura suplementar, nem a quantificação e a demonstração de seu dimensionamento. Assim, a justificativa para a adoção do sistema é primordialmente de ordem estética, visando atender à manutenção da forma típica das paredes de taipa, com suas irregularidades características e contornos pouco definidos. Em contraste com esta descrição genérica, a estrutura implantada também não foi realizada de forma integral, mas acomodando-se a elementos previamente existentes – como estruturas de madeira retiradas, substituindo dispositivos pré-existentes de consolidação, complementada com a introdução de colunas nos cunhais e vigas de ligação. Realizou-se, portanto, ao sabor das circunstâncias, sem um projeto previamente elaborado nem registros posteriores(figura 4 fotos dos reforços). Por meio da documentação fotográfica e de prospecções foi possível, na obra realizada recentemente realizada, levantar a distribuição da estrutura implantada no edifício (figura 5 desenho). O esquema demonstrado pelo levantamento deixa clara a distância entre o que se propunha e aquilo que efetivamente foi implantado. Neste mesmo período, destaca-se outro caso cuja solução de reconstituição veio a se realizar com uma técnica diversa de utilização do concreto. Trata-se do Sítio Santo Antônio, formado pelo conjunto da casa bandeirista e respectiva capela. Obra emblemática da ação do IPHAN em São Paulo, o sítio foi encontrado ainda à época das campanhas iniciais de reconhecimento do patrimônio conduzidas por Mário de Andrade. Quando de sua localização o conjunto incluía, entre as edificações mencionadas, um sobrado que servia de residência do Barão de Piratininga. Encontrava-se, porém, em ruínas, sendo ademais obra de período posterior, de modo que não havia dúvidas quanto a necessidade de sua demolição, a fim de restabelecer aquilo que se supunha constituir a primitiva unidade. A residência principal também havia sofrido alterações ao longo do tempo, tendo perdido parte do corpo lateral. Além disso, não havia clareza quanto à forma do alpendre da capela (figura 6). 5 Mais uma vez, os trabalhos de restauração tiveram início sem uma definição muito precisa das soluções de reconstituição a serem realizadas. Cristiane Souza Gonçalves analisa minuciosamente a documentação existente nos arquivos do IPHAN inferindo, diante da falta de documentação que caracterize a elaboração de um projeto, que a “concepção do “plano de obras”, como é denominado por Souza Reis, ocorreu paralelamente às etapas executivas de trabalho” (Gonçalves, 2007: 118-9). A questão não é de pouca relevância na medida em que a reconstituição das partes envolveu considerável controvérsia entre Luiz Saia e Lucio Costa. Ao propor a recomposição da parte perdida da antiga residência, a partir de prospecções levadas a efeito pelo pessoal de obra, Saia concluíra por uma volumetria alongada, cujos indícios que nunca ficaram inteiramente claros.1 Lucio Costa nunca aceitou inteiramente esta conformação.2 De um modo ou de outro, tratava-se da reconstrução de trechos consideráveis de paredes não mais existentes, circunstância que recomendaria a utilização de técnica construtiva atual, cabendo, portanto empregar o que vinha sendo propugnado insistentemente, isto é, estrutura independente de concreto armado. Contudo, a reconstrução foi feita com paredes de concreto ciclópico, recuperando desta vez uma velha técnica, cuja pertinência contradiz o critério da adoção da moderna tecnologia, como meio de distinguir e diferenciar as intervenções contemporâneas imprimindo-lhes a marca do tempo (figura 7 e 8 vistas da reconstrução). Ultrapassadas as dificuldades iniciais, em meados da década de 50, os procedimentos persistiam inalterados. As obras de restauração da Igreja de Nossa Senhora da Escada constituíram exemplo destacado desta condição. Aliás, esta austera edificação, tombada em 1942, ainda se mantinha íntegra quando das primeiras iniciativas de conservação, tendo mesmo servido como referência para a reconstituição de alguns aspectos da Igreja do Embu e de São Miguel (figura 9 vista geral). Em 1945, ocorreu um desabamento do telhado do compartimento situado atrás do altar-mor da igreja. Esta situação persiste inalterada pelo período de quase dois anos quando então são liberados recursos para providências emergenciais, limitadas, no entanto à parte atingida pelo desabamento (Figura 10). Sanado o problema, novas iniciativas de restauração somente seriam realizadas em 1952. Contudo, a julgar pelos registros fotográficos, é difícil afirmar a necessidade de serviços de conservação realizados, pois se tratava de problemas localizados, que certamente poderiam ser sanados – como de fato o foram – sem a exigência de uma obra tão extensa e profunda como a que foi levada a efeito na igreja. Porém, esta intenção de obras mais abrangentes no edifício já haviam sido propostas desde as primeiras solicitações de recursos (informação nº 63, 21/03/46, MSTP 3.1, doc. 03). Nesta e noutras manifestações o arquiteto carioca reiteraria a necessidade de elaboração de plano de trabalho que melhor esclarecesse as obras pretendidas. Mesmo ao propor a autorização de “ Sr. Saia, já foi feita a pesquisa da parte em ruína, e vai o desenho do alicerce encontrado. As portas e janelas nesta parte desaparecida é colocada por mim isto é se estiver certa... (Faria, MTSP 14.3.1., IPHAN 9ª SR/SP apud. Gonçalves, 2007: 120) 2 Carta de Lucio Costa a Luiz Saia 20/12/47: As minhas dúvidas quanto às dimensões originais da casa-grande da fazenda Santo Antônio decorrem do seguinte: - as proporções por demais alongadas do edifício, tanto considerado em planta como em elevação, o que contrasta com a proporção compacta dos demais exemplares conhecidos; - o número excessivo de esteios do alpendre, o que atribue ao conjunto uma comodulação e um ritmo bastante diferentes da comodulação e do ritmo usuais; - a equidistância das janelas do alpendre em relação à porta, o que parece sugerir um eixo de simetria, porquanto, pentencendo uma das janelas a comodo distinto, só mesmo esse propósito de simetria (com relação ao alpendre) poderia justificar a sua posição um tanto contrafeita num dos cantos extremos desse comodo. Tais considerações dizem respeito à configuração original da casa e aceitas que fossem, em princípio, restaria ainda averiguar se o aumento conjeturado foi obra colonial ou apenas do século passado, senão mesmo até coisa mais recente. 1 6 obras de emergência em 3/1/47, José de Souza Reis volta a reiterar o solicitado no ofício de 438 de3/3/46, isto é, a necessidade de projeto (MSTP 3.1, doc. 06). Finalmente, no início de 1947, Saia encaminhou planta e orçamento de obras para a igreja, atendendo às reiteradas solicitações do Rio de Janeiro. Mas os elementos gráficos dos trabalhos projetados limitam-se a uma planta de levantamento. Esta, por sua vez, apenas documenta a configuração do em que se encontrava a edificação. Não são indicadas as alterações de restituição das partes alteradas do edifício, nem constam intervenções de consolidação propostas. Há em complementação, apenas o orçamento. 3 Porém, a insistência por serviços mais amplos de recuperação do edifício persiste nos anos seguintes, até que em 1952 são destinados recursos para obras mais ambiciosas. Um ou outro episódio localizado, como o desabamento de trechos internos da torre sobre o batistério, poderia sugerir a necessidade de obras. O exame de registros fotográficos de 1947 permite verificar problemas de conservação, porém nenhuma evidência de situação grave em termos de estabilidade (figura 11). Novos registros de 1952 corroboram a afirmação, revelando várias partes com descolamento de revestimento, mas, ainda assim, nenhum movimento significativo da estrutura (figura 12). Em 1954 se iniciaram obras com a demolição da torre da igreja, junto com outras partes como e reforço de tijolos ao longo de uma das paredes da nave assim como o trecho do frontispício acima do coro, constituído de parede de pau-a-pique em mau estado de conservação. A intervenção mais drástica, porém, atingiu o conjunto do edifício que teve todas as paredes externas recortadas nos cunhais, na base, no ponto médio e junto aos frechais para a introdução do reforço de concreto. Em nenhuma outra obra a realização desta proposta de consolidação estrutural havia sido levada a efeito de forma tão radical. As fotografias produzidas no curso das obras dão uma visão eloqüente do impacto da intervenção (figura 13 e 14). Levantamentos recentes por ocasião de novos serviços de consolidação documentam graficamente a estrutura de concreto armado implantada no edifício (figura 15 desenho). Em alguns setores verifica-se a descontinuidade das peças, o que de um lado revela uma desatenção ao projeto e, de outro, lança sérias dúvidas sobre o funcionamento do sistema de consolidação. É o caso da interrupção, pela presença de envasaduras, da continuidade das vigas horizontais de amarração. O sistema proposto revela, neste como nos casos anteriores, considerável incompreensão das características estruturais das construções de taipa. Não se trata de uma dificuldade decorrente da ausência de domínio técnico sobre estas estruturas. Se o sistema da taipa de pilão não havia sido sistematizado teoricamente, isto não significa que não pudesse ser conhecido e analisado. As construções de taipa não se diferenciam das edificações baseadas no sistema de muros contínuos auto-portantes. 3 O orçamento previa: 1. reforço da estrutura em sistema de concreto armado (25 colunas, vigas 2 fiadas, e placa de concreto na base das paredes); 2. revestimento externo; 3. revestimento interno; 4. telhado; 5. soalho – ladrilhos; 6. piso; 7. forro; 8. Portas e janelas; 9. caiação, pinturao de forro, portas e janeleas; escadas, concerto altar, eventuais.Nesta primeira versão, não constava o item “demolições” que posteriormente veio a ser agregado incluindo a demolição de alvenaria de tijolos (reforço da parede lateral da nave e capela mor), pau-a-pique (demolição da parede do frontispício acima do coro), forros e torre de alvenaria. Tampouco constava a instalação elétrica que veio a ser executada posteriormente. 7 Por outro lado, dadas suas proporções o sistema introduzido dificilmente altera o sistema estrutural original dos muros contínuos, na medida em que as estruturas de concreto introduzidas correspondem no máximo a 1/3 da seção das paredes. A eventual contribuição desta nova estrutura para a “amarração do conjunto” talvez não seja suficiente para compensar os efeitos que os recortes da taipa possam gerar, seja em conseqüência do desequilíbrio do maciço, recortado horizontalmente para receber as vigas, seja ao enfraquecer os cunhais, ponto de grande importância para a solidariedade do conjunto. Se o método de investigação dos edifícios objeto de restauração era retirar todo o revestimento do arcabouço de taipa, jamais ocorreu a iniciativa de proceder a um mapeamento dos maciços pelo exame de sua fatura, de modo a identificar amarrações e travamentos ou a presença do sistema de malhetes nos cunhais. Tampouco se cogitou mapear as trincas e fissuras, deslocamentos, deformações e desaprumos e processos erosivos. Este tipo de procedimento prosseguiria ainda por muito tempo incidindo sobre várias obras especialmente as chamadas casas bandeiristas. O Sítio Mandu, a Casa do Butantã e do Caxingui, sofreriam em maior ou menor os efeitos da consolidação com o uso do concreto armado. Tais métodos alcançariam até mesmo a geração seguinte de arquitetos responsáveis pela conservação de edifícios em São Paulo, como demonstram os casos do Sítio Ressaca e da Casa do Tatuapé (Mayumi, 2005). Tão longa persistência destes métodos corrobora a referência de Antonio Luiz Dias de Andrade ao comentário de Vilanova Artigas: “Convidado a proferir palestra durante o primeiro “Arquimemória”, Artigas iniciou sua exposição aludindo às suas impressões causadas pelo forte impacto provocado (...) pelas imagens do Embu, cujas superfícies brancas, límpidas e despojadas, compondo volumes vigorosos, expostos simplesmente à luz do sol, parecem-lhe a mais veemente afirmação dos cânones da Arquitetura Moderna” (Andrade, 1992: 6). É surpreendente como se impregnou no vasto espectro da cultura arquitetônica brasileira a idéia de uma dada evolução técnica e formal. De fato, a insistência quase cega em tais posturas faz refletir sobre uma geração totalmente envolvida com seu ideário e demonstra a construção de uma profunda coesão entre Arquitetura Moderna, Patrimônio Histórico e Concreto Armado. 8 Bibliografia e Fontes Andrade, A. L. D., O nariz torcido de Lucio Costa in Sinopses 18, São Paulo, FAUUSP, 1992; Andrade, A. L. D., Um estado completo que pode jamais ter existido, Tese de Doutorado, São Paulo, FAUUSP, 1993; Andrade, M., Cartas de Trabalho, correspondência com Rodrigo Mello Franco de An- drade (1936-1945), Brasília: Ministério da Educação e Cultura, Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Fundação Nacional Pró-Memória, 1981; Pessoa, J. org., Lucio Costa: documentos de trabalho, Rio de Janeiro, IPHAN, Costa, Lucio. Sobre Arquitetura, Porto Alegre, CEAU, 1962; Gonçalves, C. S. Restauração Arquitetônica: a experiência do SPHAN em São Paulo, 19371935, São Paulo, Annablume, FAPESP, 2007; Mayumi, L, Taipa, canela preta e concreto : um estudo sobre a restauração de casas bandeiristas, Tese de Doutorado, São Paulo, FAUUSP, 2005; Documentação da 9ª. SR-IPHAN (indicadas com a sigla MTSP) 9 Figura 1 acervo do IPHAN 9SR/SP Figura 2 fonte: Andrade, A. L. D., O Nariz Torcido de Lucio Costa in Sinopses 18, São Paulo, FAUUSP, 1992 10 Figura 3 acervo do IPHAN 9SR/SP Figura 4 acervo do IPHAN 9SR/SP 11 Figura 5 Figura 6 acervo do IPHAN 9SR/SP 12 Figura 7 acervo do IPHAN 9SR/SP Figura 8 acervo do IPHAN 9SR/SP 13 Figura 9 acervo do IPHAN 9SR/SP Figura 10 acervo do IPHAN 9SR/SP 14 Figura 11 acervo do IPHAN 9SR/SP Figura 12 acervo do IPHAN 9SR/SP 15 Figura 13 acervo do IPHAN 9SR/SP Figura 14 acervo do IPHAN 9SR/SP 16 Figura 15 17 Imprimir Opus caementicius: da insuspeita sutileza das pedras brutas Dra. Cecilia Rodrigues dos Santos Arquiteta, professora e pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rua Monte Alegre, 1643 - Perdizes - SP - SP - CEP 05014-002 tel: (11) 38623905 / (11) 83851724 e-mail: altoalegre@uol.com.br Fechar 2 II Seminário DOCOMOMO SUL Porto Alegre - 2008 Opus caementicius: da insuspeita sutileza das pedras brutas Resumo O grande sucesso e aceitação do concreto, desde as primeiras versões do material obtidas na Antiguidade, deveu-se a grande plasticidade da mistura e à sua capacidade de endurecimento , levando à obtenção de uma "pedra artificial" de forte resistência. A arquitetura denominada brutalista, na sua reiterada afirmação da verdade estrutural e construtiva, toma o nome da imagem do concreto aparente, a partir da sua denominação em francês, béton brut. O texto pretende levantar questões sobre a brutalidade consensual do concreto aparente, através de breves considerações sobre a origem construtiva e etimológica da palavra, demorando-se especialmente nas superfícies trabalhadas esteticamente fazendose uso de diferentes recursos de revestimento e textura. No contexto dessa discussão, analisa-se o projeto e o processo construtivo da torre da caixa d´água do SESC- fábrica da Pompéia, projeto de Lina Bo Bardi. Abstract The word Brutalism comes from the French word for rough concrete - béton brut. A sense of brutality is suggested by heavy structures, but mainly by unrefined molded surfaces, often using off-form concrete that reveals timber markings. This paper examines the provenance of the concrete construction techniques and include questions about the hardness of the concrete; the methods for texturing a concrete surface and for manipulating color and texture; rustication versus stereotomy; architectural concrete used to express sculptural forms, details and textural impressions. The question of appearance of the concrete is debated in terms of applied decoration and aesthetics research. In this context, the paper concludes with a discussion on Lina Bardi´s design for the cylindrical water tower of the Sesc-fábrica da Pompéia. Palavras-chave brutalidade e verdade do concreto; estetização do concreto bruto 3 Opus caementicius: da insuspeita sutileza das pedras brutas Construire, pour l'architecte, c'est employer les matériaux en raison de leurs qualités et de leur nature propre, avec l'idée préconçue de satisfaire à un besoin par les moyens les plus simples et les plus solides; de donner à la chose construite l'apparence de la durée, des proportions convenables soumises à certaines règles imposées par les sens, le raisonnement et l'instinct humains. Les méthodes du constructeur doivent donc varier en raison de la nature des matériaux, des moyens dont il dispose, des besoins auxquels il doit satisfaire et de la civilisation au milieu de laquelle il naît. VIOLLET-LE-DUC, E. E.. Dictionnaire raisonné de l'architecture française du XIe au XVIe siècle O anglicismo concreto, em português do Brasil e o galicismo betão, em portugês de Portugal, são palavras que nomeiam o mesmo material de construção, um composto elaborado a partir de mistura que contem um aglomerante - cimento -, agregados - cascalho, pedregulho, brita, areia -, água e, eventualmente, outros aditivos. A reação química resultante gera uma massa plástica e moldável, que endurece assumindo consistência pétrea, bastante resistente à compressão. Quando armado com ferragens passivas esse material recebe o nome de concreto armado ou betão armado (ou formigão armado, ou cimento armado), e quando armado com ferragens ativas recebe o nome de concreto protendido. A palavra concreto em português origina-se de concrete em inglês, tendo origem no latim concretus, que quer dizer espesso, condensado, compacto, que cresceu por agregação, que endureceu. Para os físicos define um corpo que resulta da composição ou da mistura de elementos que obedecem a diferentes princípios, uma massa formada pela união de partículas, de diversos corpos naturais. Em inglês, concrete é sinônimo de hardened ou hard, "endurecido" ou "endurecer", e também "unir". Portanto, o nome do material em inglês está relacionado à reação química de aglutinar e a um estado resultante que apresenta grande resistência à compressão. A palavra betão tem origem no francês béton, palavra que aparece no século XII na França como betun que por sua vez, segundo o "Dictionaire de l´Academie", deriva da palavra latina bitumen, substância viscosa, pastosa, que conhecemos como betume, também utilizada desde a 4 Antiguidade como aglomerante em argamassas. O nome do material em francês refere-se ao aglutinante e ao estado pastoso da massa no momento da mistura. A palavra hormigón, concreto em espanhol, vem do latim formico, referindo-se à capacidade do concreto de se moldar e assumir diferentes formas. A palavra aparece em 1788 no "Diccionario de las Nobles Artes para la Instrucción de Aficionados y usos de los Profesores", de Diego Antonio Rejón de Silva, sendo aí definido como "argamassa composta de pedras miúdas, cal e bétun que dura infinito. Também se faz sem bétun". Em italiano, o concreto é designado pela palavra calcestruzzo, que vem do latim calcis structio, referindo-se a uma estrutura que leva cal, por sua vez diferente do termo utilizado por Vitruvio em seu Tratado para definir o concreto utilizado pelos romanos, o opus caementicium ; a palavra em italiano refere-se portanto ao aglutinante da mistura, no caso a cal. De pedras não talhadas e pedras artificiais O grande sucesso e aceitação do concreto, desde as primeiras versões do material obtidas na Antiguidade, e em suas sucessivas e diferentes composições, deveu-se à plasticidade da argamassa e à sua capacidade de endurecimento para se tornat uma "pedra artificial" de grande resistência, excelente alternativa a técnicas romanas como o trabalhoso opus quadratum, construção com pedras cantariadas, e o execrado (pelo menos por Vitruvio) opus craticium, construção em terra à maneira da taipa de pilão. Segundo o "Dictionnaire des Antiquités romaines et grecques", de Anthony Rich, na sua edição de 1883, caementicius, ou opus caementicius quer dizer "construído com pedras que não foram talhadas" (palavra derivada do verbo em latim caedo, que quer dizer "cortar em pedaços"). A palavra indica, portanto, a técnica construtiva que trabalha com um material artificial, o qual é composto de agregados (pedregulhos, cascalho, cacos de tijolo), um elemento aglomerante (cal e derivados, areia de origem vulcânica) e água. O rude aspecto final não agradava aos romanos que revestiam os muros e paredes dos monumentos mais importantes, ou despejavam a argamassa no interior de formas de alvenaria de pedra ou tijolo, escondendo assim a técnica eficiente mas de aparência grosseira. O mesmo dicionário define a palavra do latim clássico caementum (depois cementum no latim vulgar) como "fragmentos de pedras brutas utilizadas para construir muralhas, da forma explicada em caementicius", ou seja, a palavra cementum denominava os fragmentos de pedra 5 utilizados para compor o concreto dos romanos. Durante a alta Idade Média cementum passa a designar qualquer tipo de argamassa, inclusive o calcestruzzo italiano. E só no final do século XVIII cimént, ou cemento, ou cement passa a designar o cimento como é conhecido hoje, um material composto, apresentado como um pó, que em contato com a água forma uma pasta capaz de ligar substâncias variadas pelo endurecimento da mistura. A descoberta pelos romanos das propriedades aglutinantes da areia de origem vulcânica, a pozzolana, no século I a.C., permitiu que o opus caementicium chegasse a um ótimo desempenho do ponto de vista plástico, endurecesse com maior rapidez, assumindo a forma de poderosas estruturas que funcionam como blocos consolidados. O primeiro cimento só vai ser fabricado artificialmente em 1818, obedecendo à fórmula estabelecida por Luis Vicat. Seis anos mais tarde, Joseph Aspind obtém a patente para fabricação do cimento Portland, que recebe este nome devido à sua cor acinzentada, no tom da pedra natural da ilha de Portland, na Inglaterra. O uso do concreto aparente, uma das principais características da arquitetura denominada brutalista, expande-se a partir do movimento de reconstrução desencadeado na Europa com o fim da II Guerra, por ser um material econômico, facilitar e acelerar a construção, podendo atender desde a rápida multiplicação de alojamentos para desabrigados até a reparação dos monumentos históricos; a grande obra inaugural de concreto aparente, e até hoje uma das mais representativas, é a Unité d´Habitation de Marseille de Le Corbusier. Portanto, o nome Brutalismo teria derivado diretamente da imagem, ou do aspecto do concreto aparente, e da sua denominação em francês béton brut (o mesmo que raw concrete, calcestruzzo a vista), que corresponde ao concreto no estado em que se apresenta no momento da retirada das formas: o béton brut de décoffrage traduzido para o português de Portugal como betão bruto de descofragem. Este material, quando deixado exposto sem acabamento ou revestimento, apresenta textura marcada pelas formas de madeira, coloração acinzentada do cimento, aparência rugosa, irregular e imperfeita, sendo apresentado e defendido como um "material verdadeiro" porque sem revestimento, sem disfarces à sua rudeza construtiva. O concreto aparente tem ainda um importante papel no debate entre ética e estética que está no cerne da definição da arquitetura Brutalista, lançado por Reyner Banham a partir da obra dos arquitetos ingleses Alison e Peter Smithson. Ao retomar este debate Ruth Verde Zein destaca, entre outras características dessa arquitetura, a franca exposição dos materiais - principalmente o concreto predominante em interiores e exteriores, nas vigas, painéis de fechamento e detalhes construtivos - que são mantidos crus, brutos, grosseiros, sem acabamento. No Brutalismo, o concreto bruto teve seu papel na afirmação de uma linguagem construtiva enfática, dura por se querer verdadeira, que incorporava na sua descrição a afirmação de princípios morais e 6 ideológicos; a defesa do material bruto aparente também foi traduzida como a exposição ou declaração das condições de sua produção e como a marca da mão do homem que a construiu. De estereotomia e rusticação Dessa maneira, a etimologia e a origem construtiva do concreto - que o definem como a "pedra que não foi talhada", ou pedra artificial, ou pedra bruta - vão de encontro aos princípios da estereotomia - estudo minucioso das formas das pedras, através da análise das possibilidades de corte e entalhe pela geometria da peça. Esta ciência do corte dos materiais sólidos - desenvolvida desde a Antiguidade, que se tornou prerrogativa e poder das corporações dos maçons construtores de catedrais durante a Idade Média, e que foi aperfeiçoada em diversos tratados escritos nos séculos subseqüentes - trabalha as artes da talha, do entalhe, do aparelhamento e do polimento das pedras, desde sempre o mais nobre dos materiais de construção; pode-se mesmo dizer que o aperfeiçoamento da técnica de construir com o concreto sugere que os estudos de estereotomia se desloquem do talho da pedra bruta para o desenho da fôrma da pedra não talhada. Na Encyclopedie française (tomo XVI), Auguste Perret escreve que o emprego de fôrmas de madeira dá ao concreto um aspecto característico de charpante, uma grande estrutura de madeira, assemelhando-o à arquitetura antiga. E, se a arquitetura antiga imitava a construção de madeira, o concreto, ao utilizar a madeira nas formas e aceitar sua textura, assume um ar de familiaridade; raciocínio que busca na história a necessária legitimação e o reconhecimento do concreto. Porém, se nas primeiras experiências com o béton brut o material assume naturalmente as marcas das formas, aos poucos se aceita que a "pele" das formas que entra em contato com a argamassa, responsável pela textura final do conjunto, possa ser explorada. Arquitetos e construtores passam a se aplicar não só ao desenho como à texturização de formas, escolhendo o tipo de madeira para sua confecção e o dimensionamento das pranchas, e até substituindo-a por outros materiais, mais adequados para a impressão do efeito desejado. Essa pesquisa sobre o caráter estético do concreto para além de sua verdade construtiva, justifica o cuidado em fazer imprimir marcas que se constituem intervenções intencionais, que superam o simples reforço das irregularidades das fôrmas para compor obras de arte integradas. Assim, mesmo confirmando a rudeza como um valor do material, observa-se que essa brutalidade de origem passa a ser, ora amenizada ora acentuada, enquanto é trabalhada 7 esteticamente através de texturas de citação, texturas de memória, ornamentos embebidos na massa e endurecidos com ela, ou mesmo trabalhados a posteriori, meticulosamente cinzelados ou lavados por jatos de areia ou ácido. É como se o concreto aparente recebesse na própria massa petrificada uma tentativa de revestimento ou uma idéia de ornamento. Os primeiros ensaios se estendem ainda ao controle da coloração final da argamassa através da adição de minérios e de areias especiais, assim como à aplicação de tintas sobre o concreto bruto, na cor branca ou nas cores primárias, preferindo-se os tons fortes e contrastantes. O próprio Le Corbusier vai hesitar entre o concreto pintado - quando busca um aspecto mais liso e uniforme para o material - e o béton brut de décoffrage que, com intenção estética, explora a potencialidade plástica oferecida pelo concreto e a sua verdade construtiva, fazendo uso inclusive de impressões de baixos relevos e texturas rústicas. Dilema que já acompanhava seu mestre Perret, e permanecerá na pauta dos arquitetos amigos e inimigos, discípulos e seguidores, modernos em geral . Ao buscar um efeito visual bruto, o concreto aparente associa-se à idéia de “natural” entendido como sinônimo de rústico, agreste, bruto, grosseiro, rudimentar, em estado primitivo ou que não foi trabalhado. E é através dos seus diferentes procedimentos construtivos e da sua rusticidade intencional, que este concreto bruto aproxima-se da rusticação praticada no Renascimento. Ou seja, o concreto que define a arquitetura moderna brutalista do século XX, vai ao encontro da irregularidade do caementum romano e da rusticação renascentista, explicada por John Summerson como sendo a arte de trabalhar a alvenaria de modo a dar a um edifício, ou a partes do edifício, um caráter ou ênfase especial. O termo expressa também uma idéia de rusticidade natural, indicando pedras assentadas da forma como teriam sido retiradas da pedreira ou de alguma ruína de um monumento da Antiguidade: irregulares, rústicas, sem polimento ou qualquer tratamento. Na verdade, este "estado natural" pode ser o resultado de uma série de operações para chanfrar as bordas do bloco, aprofundar as juntas do aparelhamento projetando para frente uma superfície irregular, ou até mesmo sulcar as pedras com desenhos que sugerem que ela tivesse sido metodicamente corroída por vermes, a vermiculage. Se a intenção da rusticação renascentista é apenas decorativa, ela remete ao mesmo efeito observado nas construções militares, sobretudo as medievais, que tinha como intuito proteger dos projéteis as juntas da alvenaria das muralhas. Por outro lado, este procedimento funciona no sentido contrário das moldagens de concreto que passam a fazer sucesso na França a partir de 1830, a chamada pierre factice en ciment, ou pedra artificial. Trata-se de uma imitação das nobres pierres de taille, ou pedras talhadas, moldada em concreto de forma regular e bem acabada. O uso da pedra artificial rapidamente envereda para a imitação de estilos e formas , moldando em série falsas pedras, falsos blocos, falsas esculturas, falsos detalhes construtivos, e até falsas ruínas. 8 Na França, arquitetos pioneiros no uso do concreto na construção civil, como os irmãos Auguste e Gustave Perret que utilizaram o sistema Hennebique no edifício residencial da rua Franklin, em 1903, ou Anatole de Baudot - autor do projeto do primeiro edifício não industrial que fez uso de um tipo de concreto que imita a pedra no desenho da fachada (1864) , bem como da primeira igreja em concreto armado de Paris (1894 - 1904), a Igreja de Saint-Jean-de-Montmartre - exploram as potencialidade da nova técnica do concreto armado, enquanto tiram partido das possibilidades plásticas e construtivas do material. Porém, para driblar a desconfiança de colegas e clientes, revestem estruturas, muros e panos de fechamento decorando-os com tijolos, pastilhas esmaltadas, cerâmica, mosaicos, texturas e desenhos. Segundo Peter Collins, o primeiro exemplo de utilização do béton brut num edifício monumental, que ocorreu em 1923, teria sido involuntário e devido ao mesmo A. Perret: por falta de recursos para terminar a igreja de Notre Dame de Raincy, ele foi obrigado a deixar suas paredes de concreto sem acabamento, da maneira como se apresentaram no momento da retirada das formas. Técnicas de revestimento do concreto adotadas pelos romanos que rejeitavam o aspecto bruto e inacabado do material, aceito apenas para muralhas defensivas e obras de engenharia de guerra. Vitruvio no Livro 7, capítulo 3 do seu Tratado, fala da técnica de rebocos, acabamentos, revestimento das paredes, aplicação de pó de mármores, técnica do afresco e sua consolidação, destinados principalmente às paredes irregulares executadas em opus insertum. De grandes gestos estruturais e pequenas texturas de citação Se, Lina Bo Bardi chega ao Brasil seduzida pelo o que seria a versão brasileira dos princípios de arquitetura moderna, não demora muito a radicalizar sua busca de uma verdadeira cultural nacional, recuperando o intenso debate em torno do racionalismo e da modernidade da arquitetura italiana que vivera em Milão a partir de 1940. Sem abandonar a defesa da arquitetura racionalista, "com suas posições de honestidade construtiva e igualdade social", Lina Bo tem uma clara compreensão do papel da pesquisa sobre as raízes vernáculas para a construção de uma arte nacional, resistindo à sedução formalista da arquitetura: "Procurar com atenção as bases culturais de um País (...) não significa conservar as formas e os materiais, significa avaliar as possibilidades criativas originais. Os materiais modernos e os modernos sistemas de produção tomarão depois o lugar dos meios primitivos, conservando não as formas, mas a estrutura profunda daquelas possibilidades". Ou seja, o vernáculo, ou popular, como referência 9 metodológica e não morfológica, como já assinalava o arquiteto Giuseppe Pagano desde os anos 1930 na Itália. E que terá uma expressão singular na arquitetura do SESC Fábrica Pompéia. Ao entrar pela primeira vez nos galpões vazios da fábrica de tambores no bairro da Pompéia, em São Paulo, em meados dos anos 1970, encarregada do projeto de um novo centro de esportes e lazer para o SESC, Lina Bo se encanta, segundo seu depoimento, com "a elegante e precursora estrutura de concreto. Lembrando cordialmente o pioneiro Hennebique, pensei logo no dever de conservar a obra". Portanto, a decisão de preservar os galpões, que foi iniciativa da arquiteta e não do SESC, inspirou-se, sobretudo na "elegante e solitária estrutura hennebquiana" de concreto dos galpões industriais. O citado e elogiado construtor autodidata francês François Hennebique não foi o inventor do concreto armado, mas de uma ossatura estrutural portante, monolítica, que emprega estribos, barras longitudinais e barras dobradas, num arranjo bastante similar ao utilizado hoje, e que vai se adaptar muito bem a toda uma variedade de programas de engenharia e arquitetura que se apresentam no final do século XIX. Patenteado em 1892, esse sistema estrutural é divulgado pelo mundo todo pelo seu inventor; na Itália de Lina Bo, o sistema Hennebique chega em 1894, tendo sido utilizado desde então em obras pioneiras como a ponte Rissugirmento de Roma, o edifício Fiat Lingotto, em Torino, e os Silos Granari, no porto de Gênova. Um século depois, em 1984, na cidade de São Paulo, Lina Bardi e equipe montam no SESC Fábrica da Pompéia a exposição "Caipiras Capiaus: Pau-a-Pique", quando a arquiteta se manifesta contra a recomendação da ONU que sugere a utilização de técnicas construtivas que fizessem uso da terra, como forma de baratear e resolver o problema habitacional nos países subdesenvolvidos. Considera essa recomendação como uma afronta, uma tentativa de privar o país dos avanços da tecnologia, mantendo-o preso à pior tradição: "o barro não é um material alegre", pontua a arquiteta, e arremata recorrendo novamente ao construtor francês "que viva François Hennebique!". A intervenção de Lina Bardi nos galpões da antiga fábrica tem início com procedimentos de descascar, revelar, limpar. Em um segundo momento começa a somar, agregando elementos projetados e construídos em concreto aparente, o mesmo material escolhido para os novos edifícios que complementam o conjunto: "empregar os materiais em função de suas qualidades e natureza, com a idéia preconcebida de satisfazer uma necessidade pelos meios mais simples e mais sólidos", concordaria Viollet-le-Duc. Segundo depoimento do arquiteto Marcelo Ferraz, que participou do projeto e acompanhou a obra do SESC , o desenho e projeto para confecção de todas as fôrmas para concreto foi responsabilidade do engenheiro Toshio Ueno, com quem a arquiteta mantinha uma relação de parceria e respeito, discutindo cada pormenor do projeto. O material utilizado foram pranchas de pinho, e como Lina Bardi não as queria lisas, os carpinteiros eram chamados para martelá-las, texturizá-las com serra, de forma a obter um concreto aparente 10 que trouxesse impresso não só os nós e irregularidades da madeira, como toda rudeza que fosse possível imprimir através da interferência nas formas. Lina Bardi sempre esteve debruçada sobre o que ela chamava de "civilização popular". No Brasil, paralelamente à realização de sua obra arquitetônica de princípio racional, nunca deixou de colecionar, expor e valorizar o "pré-artesanto" ou arte popular, as construções e objetos que traziam a marca "da mão do povo brasileiro". Desde que aportou do Rio de Janeiro, a arquiteta romana lançou-se na busca arqueológica dos vestígios materiais possíveis para montar o quebracabeça da história recente de um país pobre. O espírito era o mesmo com que colecionava, desde menina, pedrinhas coloridas, conchas das rochas do Abruzzi, fios de ferro, pequenos parafusos, pedras roladas pela água, coral cor de rosa, águas marinhas azul noite do Brasil, banais paralelepípedos e muitas outras pedras semipreciosas . Essa coleção de referências constrói uma poética de raiz popular, tão pessoal quanto nacional, que fica subtendida na forma e na expressão de uma arquitetura racional e bruta na sua verdade construtiva e estrutural, com o mesmo despojamento indigesto, seco, duro de engolir do artesanato popular . A mesma poética de raiz fica absolutamente escancarada, exposta e colada nas superfícies de pisos e paredes em forma de adereços ingênuos, acenos e pistas para quem se dispuser a explorá-la. Nesse complexo processo de embricamento, Lina Bardi retoma gestos culturais remotos, reinventa o revestimento e os procedimentos da rusticação e da estereotomia das fôrmas tão profundamente enraizados na sua cultura italiana, retocando aqui e ali o concreto aparente marcado pela madeira das fôrmas, e, sobretudo espalhando citações: seixos rolados soltos no riacho que atravessa um dos galpões e embebidos nos pisos e calçadas de cimento; seixos concentrados na argamassa das calhas para águas pluviais; mosaicos de fragmentos coloridos de cerâmica no piso dos sanitários; quadros com azulejos desenhados e quadros coloridos nas quadras de esporte. E, para arrematar, ao longo dos anéis da caixa d´água cilíndrica, faz escorrer o concreto na medida certa para fazer pensar que por ali enrolaram suas prendas as mulheres rendeiras de Cajazeiras. Das agruras do ofício: tu me ensinas a fazer renda que eu te ensino a concretar Por que o trabalho de cortar a pedra é digno e admirado e o trabalho de fazer escorrer a argamassa do concreto em formas para gerar belas e ousadas formas não é valorizado? Porque não se leva em conta a multiplicidade de processos criativos da construção? Quando Lina Bardi decide que a torre cilíndrica da caixa d´água deveria ser uma alusão à chaminé destruída da fábrica original - "a torre-chaminé que despeja flores será o emblema de centro" - ela assume o 11 desafio de projetar um marco para o conjunto SESC-fábrica, um monumento. E é para outro monumento que o olhar da arquiteta se volta neste momento. Ainda segundo o arquiteto Marcelo Ferraz, Lina Bardi olha para as cinco "Torres de Satélite" construídas como símbolo de um novo bairro na periferia da cidade do México, entre 1957 e 1958, projeto encomendado a Luis Barragan, que ele compartilha com o pintor Mathias Goeritz. Trata-se de um conjunto de cinco mega esculturas em forma de prisma triangular, com alturas variando de 52 metros a 30 metros, todas em concreto bruto trazendo marcas de anéis sucessivos que correspondem à memória da construção por deslizamento de formas. As superfícies das torres foram uniformizadas através de aplicação de tinta originalmente nas cores amarelo, vermelho, azul, e branco para duas delas. Lina Bardi decide que a sua única torre-monumento deveria receber um diferencial de textura e não de cor, assumindo também para a caixa d´água o concreto aparente como técnica construtiva. Recusa, portanto, a construção de uma torre padrão com forma deslizante em aço proposta pela construtora como a mais econômica e viável, pois o resultado seria apenas mais uma torre cilíndrica em concreto, banal torre d´água que dificilmente suportaria o significado que lhe estava sendo atribuído. A arquiteta desenvolve com sua equipe de técnicos e operários um protótipo de três metros de altura, construído com uma forma em anel de madeira a qual, endurecida pelo cimento após o uso, pôde ser reutilizada inúmeras vezes, revelando-se no final mais econômica do que a forma de aço. Conferido e aceito o processo construtivo, inicia-se a concretagem dos 56 anéis empilhados de um metro de altura cada. E para que, além das marcas da madeira, a torre fosse "rendada", no fundo da forma, no momento de concretagem de cada anel, são colocados embaixo das ferragens, pedaços de estopa que vão se ensopar com a argamassa que escorre, e endurecer com ela em forma de franja na base de cada anel. A mão de obra da construção em São Paulo, pobre e desqualificada, paradoxalmente a mesma "mão criativa" cujo trabalho sempre fascinou Lina Bardi, foi a responsável por tecer as tramas de referência, e definir ornamento e textura que fazem da torre-chaminé do SESC-fábrica da Pompéia um monumento de concreto, aparente mas não bruto, rendado mas ainda rústico. 12 Referências Bibliográficas BARBISAN, Umberto, GUARDINI, Matteo. Reinforced Concrete: A Short History. Edizioni Tecnólogos. Consultado em junho 2008, em: www.tecnologos.it/edizioni/pubblicazione.asp?ID=64 - 10k BARDI, Lina Bo. "Caipiras, Capiaus: pau-a-pique - 1984". In: Lina Bo Bardi. São Paulo, Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993. BARDI, Lina Bo. "Pedras contra brilhantes - 1947". In: Lina Bo Bardi. São Paulo, Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993. BARDI, Lina Bo. Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo, Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1994. BAZIN, Germain. Dictionnaire des styles. Paris, SOMOGY, 1987. 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Os outros se vinculam primariamente a Vilanova Artigas e propõem uma arquitetura bruta e sublime, nua e crua, estóica, evidenciando como norma lajes nervuradas e apoios de secção retilínea em concreto aparente, que, na linha inaugurada por Le Corbusier em sua Unité d'Habitation de Marselha (1946-53) e retomada por Reidy no seu Colégio Brasil- Paraguay e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, frequentemente exacerba uma condição rústica e exalta o elemento primitivo ou arcaico desprovido de beleza, rude, tosco, inculto, áspero, grosseiro. Em ambos os casos se explora a plasticidade do concreto armado nas suas dimensões literais e metafóricas. São duas visões seletivas, uma tendo como figura emblemática o inconfidente urbano que procura garantir a posse das riquezas que já encontrou, a outra exaltando o bandeirante que se embrenha no sertão para encontrar as riquezas que inda não tem. Ambas são igualmente criticadas mas de aceitação distinta enquanto intento de caracterização ou expressão do país e da nação por um grupo de arquitetos, a segunda encontrando muito maiores resistências que a primeira. Reitera-se sua natureza convencional, que remete à verossimilhança antes que à verdade, e a impossibilidade de considerá-las de per si como marca de qualidade arquitetônica, estendendo a mesma apreciação a outras visões de identidade nacional. 2. PARADIGMAS Utilizando a noção de paradigma de Thomas Kuhn e a de estilo de Christian Norberg-Schulz, a segunda seção discute esses projetos exemplares como parte da evolução de uma arquitetura de placas retas e curvas para uma arquitetura de grelhas horizontais e verticais em que o apoio linear se minimiza em número e maximiza em forma, processo que rearticula o esquema Dom-ino de Le Corbusier na base do jogo de planos virtuais, sem invalidar o princípio de redução dos elementos de arquitetura à sua geometria essencial. Recorda-se a dialética entre norma e exceção que o Dom-ino referenda- recordando a propósito tanto as observações de Lucio Costa a respeito da estrutura independente em "Razões da nova arquitetura" (1934-36) quanto as de Paulo F. Santos em "A Arquitetura da Sociedade Industrial" (1960) além das aulas de Lucas Mayerhofer, professor catedrático de Arquitetura Analítica na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil em "Introdução ao estudo dos tetos abobadados: sua origem e evolução na antiguidade" (1950, 2ª edição 53). Registra-se no pós-guerra a pressão das instalações e das demandas de flexibilidade real na qualificação dos ideais de transparência e imaterialidade, assim como no reaparecimento de uma espécie de pochê. Examinam-se as diferenças entre planta livre e planta flexível mas celularizada, o espaço universal onde o debate entre compartimentação aleatória e estrutura regular é substituído pela coordenação modular das vedações. Nessa arquitetura de galpão e de salão, observa-se a persistência dos três domínios estruturais detectados no sistema da arquitetura moderna ao redor dos anos 1930, o normativo associado ao Dom-ino, o complementar das estruturas especiais de porte e/ou configuração extraordinária e o complementar das estruturas de paredes portantes ou estruturas híbridas de pequenos vãos. A abertura e amplitude desse sistema tri-articulado se confirmam aberto, o jogo compositivo se enriquece. Le Corbusier e Mies são examinados em paralelo, mas também o Marcel Breuer pós-UNESCO e o Louis Kahn, autor da Galeria de Arte da Universidade de Yale (1951–1953) e dos Laboratórios Richards da Universidade da Pennsylvania (1957–1965), cujos pisos são grelhas espaciais incorporando dutos diversos, além de Skidmore, Owings Merrill, a firma responsável pelas sedes do Banco Lambert de Bruxelas (1964-65, Award 1966 Société Belge des Urbanistes et des Architectes Belges, National Honor Award 1967 AIA) e da American Republic Insurance em Des Moines (196?-65, Award of Merit 1963 do Prestressed Concrete Institute, National Honor Award 1967 AIA), mais a contribuição japonesa de Kenzo Tange e do grupo metabolista. 3. DIFERENÇAS A terceira seção trata primeiro das críticas a Niemeyer em particular e à escola carioca em geral, recordando que evidenciam concepções distintas de arquitetura. Algumas se aproximam das diversas críticas feitas a Le Corbusier: as de Karel Teige que o acusa de monumentalidade acadêmica quando a arquitetura deveria ser puro serviço ou as de Perret que o acusa de superficialidade pitoresca quando a arquitetura deveria ser expressão tectônica direta, as primeiras destacadas nas "Précisions" escritas na viagem sulamericana de Le Corbusier em 1929 e as segundas reeditadas no Rio de Janeiro em 1936 quando da visita de Perret- e posteriormente retomadas na polêmica que opõe Gerson Pompeu Pinheiro a Lucio Costa em 1938. No primeiro caso, está em jogo a questão da hierarquia de programas arquitetônicos dentro de uma sociedade e a resposta carioca, como a de Le Corbusier, será tradicional, considerando que toda arquitetura é construção mas nem toda construção arquitetura- ao mesmo tempo que defende um tom de conversa em vez de um tom de discurso- sem prejuízo de uma distinção de grau (e orçamento) entre diferentes programas. No segundo caso, trata-se da oposição entre arquitetura e engenharia e da discussão sobre a preeminência da estrutura na expressão arquitetônica. A resposta carioca louvará sempre a idéia tradicional da arquitetura como construção qualificada e a idéia acadêmica de arquitetura como composição correta dotada de caráter apropriado, explícita nos textos de Lucio e Niemeyer, a que se associam a convicção de que a arquitetura transforma o mundo enquanto o representa e vice-versa. De outro lado, a estrutura não é a única pressão incidindo sobre a forma da arquitetura, como bem o indica a tríade vitruviana e a consideração da seleção de materiais e técnica construtiva como um dos quatro instrumentos de caracterização para Quatremère de Quincy. E o concreto armado é um material híbrido, que tem capacidade de compressão e de tração conforme a proporção de aço que contém. Donde se pode defender as construções monumentais de Brasília como retórica razoável, embora às vezes a um passo da arquitetura de bravata. Evidentemente, nem todos concordarão, muitos dirão que a retórica é imoral em qualquer hipótese, mas como problema que não tem solução não é problema, cabe registrar as distintas posições e tocar adiante. Tratadas a seguir, as críticas a Artigas e ao grupo paulista acentuam o desconforto de suas realizações, apontando uma hipertrofia da representação ao mesmo tempo que, em certo plano, a ambigüidade da idealização elitista de um popular em desaparecimento, que revive a aliança do camponês com o aristocrata. Recorda-se a propósito a intencionalidade do desconforto como marca anti-burguesa, combinando brutalismo com ascetismo, messianismo e marxismo. Ao mesmo tempo, se pondera que uma obra pode não ser original e atrativa em todos os seus aspectos e se examina a persistência das estratégias de caracterização acadêmicas. Por último, fazem-se algumas considerações sobre a questão do nacional versus nacional (estamos condenados a ser nacionais enquanto as nações desenvolvidas são universais, o fetichismo do concreto armado, o fetichismo da estrutura em geral e da grelha em particular, a relativização do nosso atraso e a relativização da modernidade alheia e a afirmação internacional como apoio ao status interno. 4. PERSPECTIVAS Uma breve coda especulando sobre a persistência do Dom-ino na arquitetura brasileira contemporânea e seus vínculos com a tecnologia do concreto armado. Imprimir Fechar Vanguarda com gelo - concreto aparente e gosto eclético Marta Peixoto A casa do antiquário Fernando Milan foi projetada por Paulo Mendes da Rocha em 1970 e concluída em 1974. É um paralelepípedo de dois andares com uma cobertura plana, de laje nervurada de concreto. Nas salas do andar térreo, onde também estão as áreas de serviço, não há nenhum contato com exterior, exceto através de uma grande clarabóia na cobertura. Os planos verticais são de concreto armado, moldado por pranchas de madeira que criam uma textura impressionante. Não menos destacado é o piso de asfalto do estacionamento, que entra sala a dentro. Num primeiro momento, este envelope de concreto e asfalto pode ser definido como rústico, em contraste com a clarabóia. E a rusticidade, entendida como incultura, pode constituir valor precioso para um arquiteto de esquerda. Observando-se, porém, a ambientação da casa, com móveis assinados por Mies van der Rohe e Le Corbusier e móveis barrocos, obras de artistas consagrados que se alternam com tapetes orientais, percebe-se alguma contradição que, mais do que criticável, é legal! Em termos mais estritos, o ecletismo rides again e demanda comentário. Imprimir Fechar 1 Hormigón, Industrialización, Vivienda. Sert y la Ciudad de los Motores1 Carlos A. Ferreira Martins Director del Departamento de Arquitectura y Urbanismo de la Universidad de São Paulo, Campus de São Carlos. La presencia en el debate brasileño de la obra y la reflexión teórica de Josep Lluis Sert no ha sido todavía investigada extensivamente.2 Pero una vez más resulta que su búsqueda pasará por el trasbordo de Estados Unidos y, particularmente por la figura de Paul Lester Wiener, alemán naturalizado norteamericano que se vincula a la arquitectura brasileña de manera temprana, al participar en 1939 de la construcción del Pabellón Brasileño de la Feria Mundial de Nueva York, proyecto de Costa y Niemeyer. Es como se sabe, por intermedio de su asociación a Wiener en el marco de la Town Planning Association, que Sert participará de la elaboración del proyecto de la Ciudad de los Motores, el primero de los varios planes urbanos que elaborará para distintas ciudades latinoamericanas. Breves Antecedentes Como es sabido la política del gobierno Vargas, notadamente en el período abiertamente dictatorial del Estado Nuevo (1937-45) es marcada por una deliberada ambigüedad en la escena internacional, notadamente a partir del inicio de la Segunda Guerra Mundial. Una política pendular reflejaba divergencias internas en su gobierno, polarizadas entre el chanceler 2 Oswaldo Aranha, pró aliados y el Jefe del Estado Mayor de las Fuerzas Armadas, Góes Monteiro, simpatizante del Eje. Mas allá de convicciones ideológicas, prevalecían razones de orden pragmático en la medida en que las fuerzas armadas brasileñas dependían de asistencia técnica alemana y el apoyo norteamericano a la política de inducción estatal al proceso de industrialización era mirado con desconfianza.3 Además de la implantación de una base siderúrgica, concretizada en la creación de la Usina de Volta Redonda, integraba el plan estratégico de Vargas la creación de una fábrica de motores que permitiera a Brasil ingresar en la industria aeronáutica con finalidades civiles y militares.4 El ataque japonés a Perl Harbor, en diciembre de 1941, dio fuerza a Oswaldo Aranha, activo militante de la “unidad de las Américas”. El rompimiento formal de relaciones con Alemania en 1942 permitió la firma de importantes acuerdos de cooperación económica con EUA, como la inclusión de Volta Redonda en el Land and Lease Act, que aseguraba apoyo técnico y financiero a los países que apoyaban el esfuerzo de guerra norteamericano. La contrapartida era el compromiso brasileño de suministro de una serie de materiales estratégicos. Ese nuevo cuadro de relaciones permite la acción de dos agentes fundamentales en el proyecto de la Ciudad de los Motores: Guedes Muniz y Wiener. Antonio Guedes Muniz fué un líder del movimiento tenentista, formado como ingeniero militar en Francia , que se había notabilizado al proyectar el primer avión brasileño producido en serie, en1936, y estaba encargado de la implantación de la Fábrica de Motores. Del otro lado, estaba Paul Lester Wiener, yerno de Henry Morgenthau, secretario del Tesoro en el gobierno Roosevelt, cuya trayectoria profesional en ese período está marcada por sus conexiones políticas, actuando como director técnico de la New School of Social Research (1943-5) y como profesional vinculado al Office of Production Research and Development- 3 US War Production Board. Conectada a la acción del Board está sin duda la gira de conferencias que realiza en Rio de Janeiro y São Paulo, en marzo de 1944, en las cuales alía la predicación doctrinaria de los CIAM a la propaganda de las potencialidades de la construcción prefabricada en madera para las necesidades de guerra. Los primeros pasos En 1943, el ya entonces General Aviador Guedes Muniz encargó al urbanista Attilio Correa Lima, un informe sobre el plan de construcción de una ciudad que deberia completar el proyecto de la Fabrica Nacional de Motores. El informe de Correa Lima, es una defensa de los principios de los primeros CIAM y una afirmación de la necesidad de comprender los nexos entre la dimensión colectiva del trabajo industrial y las ventajas de la vivienda colectiva, en un todo armónico donde “nada es superfluo y todo es solidario.” 5 El carácter colectivo de la vivienda, con la racionalización de las unidades familiares y la implantación de equipamientos colectivos no era en Brasil, a mediados de los 40, solamente un planteo teórico. Algunos de los más importantes conjuntos de viviendas populares de los programas de construcción financiados por los Institutos de Pensiones ya estaban en proyecto o en construcción. Incluso algunos, como el conjunto Várzea do Carmo, en São Paulo, del mismo Correa Lima, tenían en la colectivización de los equipamientos una de sus marcas más fuertes.6 Corolario de la verticalización de la vivienda era la idea de un gran parque público, en los patrones de la ciudad jardín vertical. Lima defiende las ventajas de esa directriz con una serie de cálculos de áreas y densidades promedias para demostrar la eficiencia y economía de la opción por edificios de 4 pisos y una densidad de 500 habitantes por hectárea. Racionalización en la infraestructura, posibilidad de separación de tráfico mecánico y peatonal y sobretodo la posibilidad de recurrir a pié o en 4 bicicleta las distancias hasta los equipamientos de servicios públicos (escuelas infantiles, puestos de salud, centros comerciales locales, etc.). El corolario de esa operación es claramente planteada como la posibilidad de crear grandes manzanas “de hasta 400 metros de extensión”. Lima propone aun la construcción de viviendas organizadas en cinco tipos, según la dimensión de la familia y la jerarquía laboral, aconsejando solamente para el personal administrativo superior la opción de viviendas individuales, asimismo ubicadas en bolsones periféricos “en el centro de jardines y en lotes de no menos de 18 metros de testada”. El informe detallado de Correa Lima y su prestigio, firmado en obras como la Estación de Hidroaviones de Rio de Janeiro (1937) y en planes urbanos como el de Niteroi (1932), Goiania (1933) o Volta Redonda (1941), tornan imposible saber si él seria el encargado del plan de la Ciudad de los Motores o si acabaría preterido por las injunciones políticas que llevaran al contacto entre Guedes Muniz y el equipo del TPA. Sendas hipótesis fueran superadas por su muerte en un accidente aéreo pocos días después de concluir su informe. 7 Los investigadores que se han dedicado al tema no se animan a establecer un vínculo de autoría entre Lima y un dibujo esquemático llamado Plano A, elaborado “por brasileños” que es objeto de comentario crítico en el informe enviado a Guedes Muniz por el equipo del TPA en septiembre de 1944.8 La crítica es incisiva. El plan viario es considerado antieconómico y en desacuerdo con “all modern town planning concepts”. Se lamenta la falta de jerarquía entre vías expresas y vías locales y el equivoco de la utilización del canal del Saracuruna como soporte para la via principal, responsable por una segmentación de la ciudad en dos sectores aislados, además de la pérdida de su potencial paisajístico. También la heterogeneidad de las unidades de vecindad, de diferentes tamaños, es criticada por implicar en un desequilibrio en la implantación de los servicios públicos. Y por fin se lamenta la ausencia de un Centro Cívico claramente caracterizado. 5 Entre el informe crítico a la “propuesta brasileña” ,de septiembre de 44 y la presentación del conocido Plan de la Ciudad de los Motores en octubre de 1945, el TPA elabora una propuesta intermedia, apodada Plan B, cuyos originales pertenecen al archivo Paul Lester Wiener, en la Oregon University. Gimenez (1998), trabajando sobre el material de ese archivo ubicó artículos de periódicos referentes a una conferencia de Wiener en Lima, Perú, titulada La Nueva Ciudad , que presenta el plan (B) de las Ciudad de los Motores como un plan regulador destinado a “anticipar, asignar y coordinar de manera ordenada las múltiples exigencias de una ciudad completa”9. La idea central es presentar la perspectiva de implantación gradual de la ciudad, a ser construida en un mínimo de diez anos de acuerdo a las necesidades del desarrollo de la fábrica y de manera a evitar inversiones innecesarias en infraestructuras. Los dibujos enseñan la construcción de una segunda fábrica, destinada a la producción de tractores, a oeste, y la previsión de implantación de las unidades de vecindario en cuatro etapas. El Plan B, elaborado por Sert, Wiener y Otto Rocha Silva,10 ya contiene algunas de las características fundamentales del proyecto final. La primera es la separación clara entre la vía expresa (arterial highway) de acceso a la ciudad y las vías locales que delimitan las unidades de vecindario y preservan su interior para el peatón. La implantación de la vía principal en el extremo oeste de la ciudad libera el canal del Saracuruna para uso paisajístico al tiempo en que liga la fábrica a la estación de ferrocarril sin segmentar la ciudad. Una vía urbana principal, perpendicular a la primera, define el eje leste – oeste que articula el centro cívico linear y establece la estructuración de las unidades de vecindario. Un conjunto de vías menores define los límites de las unidades, previstas para abrigar entre 6 y 7000 habitantes. Cada una de ellas prevé bloques de viviendas familiares, edificios-vivienda para solteros, 6 escuela elemental, kindergarten, clubes sociales y deportivos, dispensarios y áreas para comercio. Las unidades de vivienda estiman las necesidades vitales de cinco personas en 72 m2, con construcción modular y la profundidad del bloque definido por la mayor dimensión de la unidad, objetivando mejor ventilación e insolación. La modulación permite a la vez la articulación formal de los bloques de vivienda familiar en variaciones del esquema redent, con la creación de áreas libres en escala definida por las relaciones entre altura de los bloques y distancia entre ellos. Los edificios destinados a los solteros, de diseño y altura diferenciados, tienen su construcción prevista en las etapas iniciales de construcción de la ciudad y se ubican cerca de los primeros edificios del Centro Cívico, a distancia conveniente de los bloques familiares. El Centro Cívico ya tiene, en el Pan B, la marca de Sert. Organizado en tres sectores, se articula linealmente de leste a oeste de la ciudad, constituyendo su eje de gravedad. A oeste, entre la vía expresa y las montañas, está el área deportivo con el estadio y el campo de fútbol, las piscinas y un sistema de parking. Al centro, en ele espacio delimitado por la vía expresa y el canal, cerca de la estación de ferrocarril, se organiza el centro comercial, de servicios y de entretenimiento con sus hoteles y restaurantes. A leste se define el área cultural, con la biblioteca, la escuela y, en el extremo, la iglesia. El Plan Final Concluidas las extensas negociaciones y firmado el contracto con el gobierno brasileño, el TPA envía en octubre de 1945, el proyecto final, que ha sido publicado en varios periódicos internacionales.11 7 Como ya fue indicado, el plan final mantiene los planteamientos estructurales del Plan B, con algunas alteraciones que interesa comentar brevemente. Una primera característica es el esfuerzo de compactación, que resultó en la reducción del área de las unidades de habitación, ocupando apenas 12 de las 61 mil hectáreas de la ciudad, con el objetivo declarado de economía en la infraestructura. El Plan Final mantiene el esquema de vías jerarquizadas con la reafirmación de la V2 norte-sur que conecta la ciudad a la carretera Rio Petrópolis y a las fábricas. También se mantienen la V3 como eje viario principal que define el centro cívico y dos de las unidades de vecindario, así como las V5 y V6 que conducen a los bolsones de aparcamiento y definen las unidades. Internamente a estas, una trama de V7 peatonales conecta los edificios de vivienda y servicios. Las alteraciones más significativas están en los bloques de vivienda y en el Centro Cívico. Los edificios para solteros asumen la forma de rascacielos cartesianos y se ubican más próximos al Centro. Los edificios familiares mantienen el formato de 3 pisos en redent, destinados a familias grandes, pero se agregan edificios altos de 8 pisos para familias pequeñas. El Centro Cívico se compacta, concentrando sus edificios entre el conjunto deportivo, a oeste, y el canal. El eje hacia leste se completa por la construcción de 9 edificios altos de vivienda, quizás como alternativa de compensación a la perdida de monumentalidad del conjunto. ¿Resonancias? ¿Interlocuciones? Aunque en la literatura internacional el proyecto de la Ciudad de los Motores aparezca como todavía muy marcado por una cierta ortodoxia de los CIAM y como una suerte de preparación para los posteriores proyectos urbanísticos desarrollados por el TPA12, él contiene elementos cuya 8 posible interlocución con la arquitectura y la urbanística brasileñas merecen algún comentario. (sobre este posible: el proyecto curiosamente no se publicó en Brasil) Las neighborhood units de los proyectos del TPA, incluso por sus dimensiones llevan a considerarlas como una de las posibles referencias para la definición de las “supercuadras” de Costa para Brasilia. Al contra argumento de la regularidad de las unidades brasilienses siempre se puede recordar que el terreno disponible para el proyecto de la Ciudad de los Motores, sea por su dimensión sea por los condicionantes topográficos, imponía un esfuerzo de adecuación al terreno que no apremiaba a Costa. Sin embargo, el énfasis del TPA en el carácter civilizatorio de la red de equipamientos sociales, el cuidado en establecer distancias limite entre las viviendas y los servicios, de manera a permitir el acceso peatonal y el mismo cuidado en el diseño de estos equipamientos nos remite a la importancia del tema para a reflexión y para la practica proyectual brasileña de los anos siguientes. En la segunda mitad de los 40 se proyecta y empieza a construirse la gran cantidad de conjuntos habitacionales populares financiados por los fondos de pensiones de trabajadores (Institutos de Jubilación y Pensiones organizados por rama de trabajo: industria, comercio, etc.).13 En sus mejores ejemplos, de que el Pedregulho, de Affonso Eduardo Reidy es el más conocido, está presente ese énfasis sobre la importancia de la red de servicios para la constitución efectiva de la unidad de habitación como forma adecuada de responder “a la necesidad social de extender a capas siempre más densas de la población el derecho al confort esencial.” 14 Una distinción significativa está en el tratamiento dominante de bloques lineales bajos en la producción extensiva de los IAPs. Absorbiendo el principio de limitación del ancho del bloque a la mayor dimensión de la unidad, por sus ventajas de salubridad, los conjuntos brasileños suelen tener tres pisos, por el costo de los ascensores. Las excepciones ocurren 9 cuando los conjuntos se construyen en áreas urbanas densificadas, por el costo de los terrenos o, como en Pedregulho, por el inteligente aprovechamiento del desnivel del área.15 El desarrollo de los bloques de vivienda que configuran el proyecto definitivo para la Ciudad de los Motores otorga gran importancia a los dispositivos de ventilación y control de insolación, un tema que la famosa exposición de Goodwin16 había afirmado como marca propia de la arquitectura brasileña pero que no podía dejar de interesar a los arquitectos empeñados en abrirse el mercado sudamericano. Interesa notar que para los arquitectos del TPA esos dispositivos (brise soleils y hasta muros pivotantes) incluyen la utilización, por la primera vez en la obra de Sert, de los combogós17 que habían sido utilizados en el Pabellón Brasileño de 1939, de Costa, Niemeyer y Wiener. La yuxtaposición de los distintos dispositivos genera un efecto plástico de movimiento en las fachadas y de variación de texturas que es una de las marcas del Conjunto Guinle, proyectado y construido por Costa, en 194752. Pese a las diferencias de fecha, escala y abordaje, es tentador establecer algún punto de contacto entre le proyecto del TPA e el proyecto de Costa para la Vila de Monlevade, de 1934. Se trata de la construcción de una pequeña población destinada a los trabajadores de la Siderúrgica Belgo Mineira, cerca de Belo Horizonte, capital de la Provincia de Minas Gerais. Aunque no contenga algo que se pueda llamar de Centro Cívico, el conjunto de equipamientos públicos (iglesia, cancha de fútbol, cine-teatro y escuela) también allí constituyen el centro de gravedad del proyecto. Es sobretodo la manera como Costa plantea la harmonización posible entre el confort moderno y los hábitos tradicionales, llevando los beneficios de la técnica moderna asociada al industrialismo a los nuevos obreros que, sin embargo, deben mantener “su alegría de vivir” y conservar “ese encanto algo torpe de las fiestas en el campo”,18 que parece resonar en la 10 preocupación de Sert con el establecimiento de un “pattern that would have his roots in the indigenous customs of the people but which would, at the same time, employ the findings of sociology and advanced methods of modern town planning.” 19 Parece ser obligada una última referencia a la propuesta de Centro Cívico elaborada por Affonso Reidy para el centro de Rio de Janeiro, en el área resultante del “desmonte” del Morro Santo Antonio, de 1948. Aunque las referencias a Le Corbusier sean evidentes, llama la atención la misma preocupación por la articulación entre el “corso” y la plaza, el refuerzo del eje monumental por los edificios altos (en este caso para oficinas) situados transversalmente y los bloques de vivienda longitudinales y en forma de redent. Sobretodo la integración entre edificios administrativos y equipamientos de cultura y recreación parece indicar que el “cívico” remite más a la idea de construcción de una civilidad moderna que a la exaltación del Estado Nación de la “civitas” opuesta a la “urbs” de la Brasilia de Costa. Epílogo La Ciudad de los Motores de Sert, Wiener y Silva, sueño de Muniz, no llegó a construirse. El final de la guerra trajo la caída de Vargas y un vuelco en la política modernizadora y nacionalista. Trajo también el final del Land and Lease Act y el replanteo de la política norteamericano respecto al desarrollo tecnológico de sus aliados al sur. La misma fábrica de motores no logró mantener-se en el campo aeronáutico. Incapacidad administrativa y conflictos entre Guedes Muniz y las nuevas autoridades de la Aeronáutica indican el agotamiento del proyecto. Transformada en Sociedad Anónima y con graves dificultades de capital, la Fábrica Nacional de Motores intentar salvarse a partir de acuerdo comercial firmado con la Isotta y posteriormente con la Alfa Romeo, destinado a reorientarla para la industria automovilística. De hecho, con el tiempo FNM (fenemê) se transformó, en el habla popular, en sinónimo de camión. 11 De la difusión del proyecto del TPA pueden haber resultado resonancias e interlocuciones con el urbanismo y la arquitectura brasileña que esta ponencia apenas sugiere. 1 Originalmente presentado al V Congreso Internacional de Historia de la Arquitectura Española. “Miradas Cruzadas. Intercambios entre Latinoamérica y España en la Arquitectura española del siglo XX”. ETSA _ Universidad de Navarra, Pamplona, España. Marzo 2008. 2 Las relaciones entre la Nueva Monumentalidad y las formulaciones de Costa han sido investigadas por Anna Beatriz Ayrosa Galvão en su tesis doctoral A Monumentalidade em Lúcio Costa. Arquitetura e Cidade no Brasil, São Paulo, FAUUSP, 2005. El proyecto de la Ciudad de los Motores ha sido estudiado en la dissertación de magister de GIMENEZ, Francisco. A Cidade dos Motores. Três projetos. São Carlos: USP, 1998. 3 Cf. SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Getulio a Castelo. São Paulo, Paz e Terra, 1975. pp. 55-72. 4 El plan estrategico incluía, además de la siderurgia nacional, la creación de la Fabrica de Aviones de Lagoa Santa, 1936 y la creación de un Centro Tecnológico de Aeronáutica, concretizado en 1948 e implantado en São José dos Campos, con un proyecto de Oscar Niemeyer. 5 LIMA, Attilio Corrêa. “Plano da Cidade Operária da F.N.M.”. Revista Arquitetura, no. 14. ago 1963. p.5). El informe es publicado en homenaje a los 20 anos de su muerte. 6 Cf. BONDUKI, Nabil. Origens da Habitação Social no Brasil. São Paulo: Estação Liberdade. 1998. 7 Attilio Correa Lima muere en un accidente aéreo el 27 de agosto de 1943. 8 TPA. Plantas da Cidade Industrial da Fabrica Nacional de Motores, Rio de Janeiro, Brasil. 10/09/1944. Original en la University of Oregon Library. Citado por GIMENEZ, op. cit., pp. 55-58. 9 Publicado en El Comercio, Lima, Peru, 11/abril/1954. Apud GIMENEZ, ibidem. 10 Era usual en el TPA la incorporación al equipo de técnicos del país al que se destinaba el proyecto. 11 Chantiers, dec 1946; Progressive Architecture, sep. 1946; Techniques et Architecture, 1946, pp. 362-368 ; Architecture D’Aujord’hui, no 13-14, 1947. 12 Nueva Ciudad de Chimbote, Perú (1948), Plan Director de Medellín, Colombia (1949), Plan Director de Bogotá (1951-3), Ciudades Nuevas en Venezuela (1950-3) y Plan Piloto de La Habana (1955-58). 13 Nabil Bonduki en su investigación sobre el tema ya ubicó documentación referente a más de 120.000 unidades construidas en todo el país. 14 COSTA, Lúcio. O Arquiteto e a sociedade contemporânea. In Sobre Arquitetura. Porto Alegre. UFRGS, 1962. p. 234. 15 Reidy saca partido de la inclinación del terreno y realiza el acceso directamente ala calle de servicios ubicada en el tercer piso. Con eso permite la ocupación de dos pisos abajo y tês arriba, sin necesidad de ascensor. Cfr. FERRAZ, Marcelo; BONDUKI, Nabil (ors). Affonso Eduardo Reidy. Lisboa. Blau, 2000. pp. 83-102. 16 GOODWIN, Philip. Brazil Builds. Architecture Old and New. New York:MoMA, 1943. Sobre las circunstancias políticas de la organización de la exposición véase LIERNUR, Jorge Francisco. The South American Way: el milagro brasileño, Los Estados Unidos y la Segunda Guerra Mundial. In 12 Block 4 (Brasil), Buenos Ayres: CEAC, 1989. Republicado en Escritos de Arquitectura del siglo XX en América Latina. Madri:Tanais, 2002. 17 Combogó o cobogó designa un elemento fijo, vaciado, de barro cocido o cemento que, en las formulaciones de Costa expresa la homologia constructiva entre los dispositivos lecorbusierianos y la tradición constructiva brasileña. 18 COSTA, Lúcio. Vila Monlevade. Op. Cit., pp. 52-55. 19 SERT, Josep Lluis. Architect’s Year Book. 1949. p. 75.