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1 2 André Bueno (org.) SINOLOGIA HOJE 2020 Projeto Orientalismo UERJ 3 Reitor Ricardo Lodi Ribeiro Vice-Reitor Mario Sérgio Alves Carneiro Chefe de Gabinete Domenico Mandarino Coordenadora Geral Maria Regina Candido Coordenador Adjunto Fabiano Vilaça dos Santos Coordenador do Doutorado Ricardo Antonio de Souza Mendes Coordenadora do Mestrado Márcia de Almeida Gonçalves Coordenadora da Linha Política e Cultura Beatriz de Moraes Vieira Coordenadora da Linha de Politica e Sociedade Marina Monteiro Machado Coordenador André Bueno Rede www.orientalismo.site 4 André Bueno (org.) SINOLOGIA HOJE Rio de Janeiro, 2020 UERJ 5 Sinologia Hoje foi produzido em associação do Projeto Orientalismo (1998-2020), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Edições Especiais Sobre Ontens. Projeto Orientalismo UERJ-Universidade do Estado do Rio de Janeiro Campus Francisco Negrão de Lima Pavilhão João Lyra Filho R. São Francisco Xavier, 524, 9º andar/9029A Maracanã – Rio de Janeiro – RJ – Cep 20550-900 Edições Especiais Sobre Ontens Comissão Editorial & Científica Dulceli Tonet Estacheski [UFMS] Everton Crema [UNESPAR] Carla Fernanda da Silva [UFPR] Carlos Eduardo Costa Campos [UFMS] Gustavo Durão [UFPI] José Maria Neto [UPE] Leandro Hecko [UFMS] .Luis Filipe Bantim [UFRJ] Maria Elizabeth Bueno de Godoy [UEAP] Maytê R. Vieira [UFPR] Nathália Junqueira [UFMS] Rodrigo Otávio dos Santos [UNINTER] Thiago Zardini [Saberes] Vanessa Cristina Chucailo [UNIRIO] Washington Santos Nascimento [UERJ] Rede: www.revistasobreontes.site Ficha Catalográfica Bueno, André (org.) Sinologia Hoje. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Projeto Orientalismo/UERJ, 2020. ISBN: 978-85-65996-77-8 164pp. Sinologia; História; História da China; Diálogos Interculturais 6 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 9 O QUE É A SINOLOGIA? UMA INTRODUÇÃO PARA O PÚBLICO LUSÓFONO Bony Schachter 13 O FIM DA SINOLOGIA OCIDENTAL Ben Hammer 35 O QUE HÁ DE ERRADO NO ESTUDO DA CHINA Hans Kuijper 45 SINOLOGISMO, VISÃO DE MUNDO OCIDENTAL E A PERSPECTIVA CHINESA Ming Dong Gu 79 SINOLOGIA: HISTÓRIA INTELECTUAL CHINESA E ESTUDOS TRANSCULTURAIS Pablo A. Blitstein 91 CHINA E PÓS-COLONIALISMO: REORIENTANDO TODOS OS CAMPOS Daniel F. Vukovich 117 ORIENTALISMO E POSITIVISMO ILUMINISTA: UMA CRÍTICA DA SINOLOGIA ANGLÓFONA, LITERATURA COMPARADA E FILOSOFIA Shuchen Xiang 129 SINOLOGIA E ORIENTALISMO NO BRASIL André Bueno 151 SOBRE OS AUTORES 161 7 8 APRESENTAÇÃO Sinologia Hoje é um esforço inédito em trazer, ao público universitário brasileiro, uma atualização necessária sobre o campo dos estudos chineses. Apesar de observarmos, no Brasil, um aumento significativo na publicação de livros sobre a China, a qualidade dos mesmos varia bastante. Grande parte está voltada para assuntos contemporâneos – política, economia, sociedade – sem, no entanto, trazer uma discussão básica sobre como se tem estudado a China. Esses materiais apresentam uma importância estratégica fundamental, e mais do que necessária; todavia, é importante lembrar que há uma discussão sobre as teorias e métodos empregados para se estudar a China. A carência de uma tradição sinológica no Brasil fez com que o estudo da China fosse realizado de maneira esporádica e individual, sem uma orientação constante e duradoura. Ao sabor das questões políticas – e principalmente, dos preconceitos culturais -, os estudiosos brasileiros nunca conseguiram firmar um espaço acadêmico para os estudos da Ásia (com exceção, e mesmo assim limitada, do Japão), abrindo uma enorme defasagem na formação intelectual e acadêmica do país. Os efeitos modernos da globalização têm colocado em questão se permanece a possibilidade da universidade brasileira manter-se presa aos seus velhos hábitos misantrópicos eurocentrados. Ao que tudo indica, isso não parece ser mais viável. Uma nova plêiade de fronteiras e campos de estudo desafia uma resposta por parte dos pensadores e estudiosos brasileiros, permeando a formação tanto de arrivismos reincidentes como de criativas soluções epistemológicas. Nesse sentido, pensamos a produção de um trabalho que discutisse algumas visões sobre os estudos da China. Até mesmo o uso dos termos ‘Sinologia’ ou ‘Estudos Chineses’ tem implicações específicas, como veremos adiante. Fato é que esse livro pretende trazer alguns subsídios para essa nova área de pesquisa a se desenvolver no país – e desejamos que, dessa vez, o empreendimento dê certo. Há pouco mais de dez anos atrás, o panorama dos estudos sobre a China era desalentador.1 Todavia, o surgimento de inúmeros grupos de estudo, nas mais diversas áreas, desenha gradualmente um espaço acadêmico de discussão plural e multiteórico, que pode propiciar uma experiência interdisciplinar enriquecedora. Para isso, no entanto, é necessário seguir enfrentando os desafios do desconhecimento. Para a realização desse livro, convidamos especialistas de diversas áreas, que trazem suas visões sobre os estudos da China, e os cuidados teóricos e metodológicos que devem ser levados em conta no desenvolvimento desse campo de pesquisa. Alguns desses ensaios foram traduzidos, outros são originais; todos, porém, são estudos atualizados e calcados em amplas experiências sobre os mais diversos aspectos culturais, históricos e literários dessa civilização multifacetada. Nosso livro abre com o ensaio original O que é a Sinologia? Uma introdução para o público lusófono, de Bony Schachter. O Prof. Schachter é um dos poucos brasileiros com uma formação sinológica profunda e qualificada, realizada em universidades chinesas. Especialista em Daoísmo (tema que leciona na Universidade de Hunan), nesse ensaio ele nos traz uma abrangente introdução à história da Sinologia, mostrando os conflitos que permeiam a formação dessa área. A necessidade desse ensaio se mostra clara: pouco conhecemos sobre as tradições, movimentos, teorias e tensões que permearam as iniciativas de estudo sobre a China. Analisando os períodos mais recentes da área (a partir do final do século 19), o Prof. 1 Bueno, André. ‘A Fracassada Sinologia Brasileira’. Sinografia, Dezembro de 2009. 9 Schachter traça um quadro indispensável sobre alguns dos principais autores, e a construção acadêmica de algumas das escolas de estudos chineses, revelando as fundações do campo. Quem quer que deseje se aprofundar na Sinologia, precisa estar ciente dessa narrativa histórica, nas qual se alicerçam as iniciativas atuais de estudo. A seguir, o Prof. Ben Hammer, professor da Universidade de Shandong, apresenta o instigante texto O fim da Sinologia Ocidental. O Prof. Hammer traça um precioso quadro sobre as distinções entre ‘Sinologia’, ‘Estudos Chineses’ e os estudos feitos na China; das origens históricas dessas divisões, que surgiram em função de perspectivas estratégicas, teóricas e metodológicas diferentes; e por fim, de como essas fronteiras tem se diluído na contemporaneidade, com o desenvolvimento interdisciplinar e intercultural da pesquisa. Já Hans Kuijper, pesquisador independente com profunda experiência nos estudos chineses, lança um desafiador e provocativo ensaio intitulado O que há de errado com o estudo da China. Realizando uma forte crítica aos estudos chineses atuais, Prof. Kuijper usa uma argumentação copiosa e incisiva para defender que o estudo sobre a China deve ser realizado com base em sistemas complexos, numa perspectiva inovadora e integradora entre pesquisadores das mais diversas áreas. Em outro sentido, o Prof. Ming Dong Gu, que atua junto a Universidade do Texas e a Universidade de Yangzhou, discute um importante conceito – o Sinologismo – praticamente desconhecido entre os pesquisadores brasileiros. Seu ensaio, Sinologismo, a visão Ocidental de mundo e a perspectiva chinesa, discute o surgimento desse neologismo, necessário para explicar uma postura epistemológica em relação à China. Prof. Ming apresenta uma narrativa sobre como o Ocidente construiu suas visões sobre a China; e como chineses – e o restante do mundo – enxergam a cultura chinesa por lentes ocidentais; ele analisa ainda alguns pensadores selecionados da história ocidental que contribuíram para a formação do Sinologismo, e de como a China gradualmente se tornou um objeto de estudo mundial. A Sinologia é uma área atravessada por importantes discussões teóricas, que envolvem as ciências sociais, a literatura e diálogos interdisciplinares. Pablo Blitstein, Professor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, nos apresenta Sinologia: história intelectual chinesa e estudos transculturais, que traz uma importante discussão sobre como os conceitos de ‘Nação’, ‘Cultura’ e estudos sobre a China estão profundamente envolvidos. Prof. Blitstein retoma importantes pensadores latino-americanos dos estudos transculturais para demonstrar como a China é um objeto de abordagem multidimensional, de inferências polissêmicas, e ao fim de seu ensaio, nos oferece dois exemplos de estudos sinológicos que incorporam suas experiências e críticas. As relações entre Orientalismo, estudos Pós-coloniais e a China são dissecadas no artigo do Prof. Daniel Vukovich, da Universidade de Hong Kong. Crítico acerbo dos estereótipos ocidentais sobre a China, e mantendo uma postura independente e crítica frente aos estudos chineses, Prof. Vukovich analisa os problemas teóricos que atravessam as relações entre literatura, ciências sociais e a história chinesa em seu texto China e pós-colonialismo: Reorientando todos os campos. Muito ao contrário do que se imagina correntemente, os estudos sobre a China reincidem, constantemente, em formações intelectuais antigas, derivadas do período colonial. Há um longo trabalho para superar essas barreiras intelectuais e culturais, que exigem uma disposição diferenciada em relação à China. No mesmo sentido, o texto da Prof. Shuchen Xiang, Orientalismo e Positivismo Iluminista: Uma crítica da Sinologia anglófona, literatura comparada e filosofia, faz uma extensa e detalhada análise de alguns dos discursos fundadores do Orientalismo e do estudo sobre a China. Esmiuçando as complexas imbricações entre ciência, positivismo, cultura, filosofia e literatura, principalmente na Sinologia de 10 língua inglesa, Prof. Xiang, da Universidade de Pequim, tece uma densa análise desses discursos, mostrando como o estudo da China revela importantes problemas e fissuras nas epistemologias ocidentais. Para encerrar essa coletânea, apresento uma breve análise sobre o problema da Sinologia e do Orientalismo no Brasil. A presença de práticas orientalistas específicas da cultura brasileira colaborou, de forma direta, para dificultar a formação de um campo sinológico. Há um debate importante sobre o envolvimento – ou não – do Orientalismo (na acepção de Said) na construção da Sinologia e/ou dos estudos Chineses. Se essa afirmação encontra visões divergentes entre os estudiosos da China, no caso do Brasil, ela parece absolutamente evidente. Esse ensaio, pois, irá discutir algumas dessas perspectivas, e pontuar a questão para o futuro de uma Sinologia brasileira. Ao concluirmos essa nossa apresentação, pedimos a compreensão dos leitores para as adaptações que tivemos que realizar em alguns textos. Optando pelo sistema de notas de rodapé, transferimos as citações paras a mesmas. Quando, contudo, o conjunto das referências apresentadas prolonga-se, mantivemos a bibliografia geral apresentada ao final. Esperamos que esse livro possa contribuir no árduo trabalho de criação de um definitivo espaço para os estudos chineses na Universidade. Mesmo aos pesquisadores, trata-se de uma importante referência para as ciências humanas; e que essas discussões possam frutificar, construindo visões inovadoras na pesquisa sinológica no Brasil. Em tempo, agradecemos ao apoio dado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e ao Programa de Pós Graduação em História Política da UERJ, que contribuíram fortemente para a consecução desse trabalho, abrindo um espaço inovador no âmbito acadêmico. André Bueno Primavera, 2020. 11 12 O QUE É A SINOLOGIA? UMA INTRODUÇÃO PARA O PÚBLICO LUSÓFONO* Bony Schachter Quando Pelliot falava, o mundo acadêmico e político francês escutava.2 Considerações iniciais Quando o Professor Bueno me convidou para escrever um artigo para mais esta importante iniciativa em sua lista de contribuições sinológicas, fiquei ao mesmo tempo entusiasmado e desconcertado. Entusiasmado, pela oportunidade de me dirigir a um amplo público lusófono no idioma descrito alhures como a “última flor do Lácio”. Desconcertado, pois são tantas as questões a serem apresentadas a este público que se torna difícil decidir por onde iniciar tal tarefa. Uma premissa fundamental orienta o meu esforço: a falta de tradição sinológica pode ser evidente, mas o potencial sinológico é real. Em primeiro lugar, falta tradição, mas não linhagem. De fato, para alguns a Sinologia europeia tem nos esforços do monge lazarista português Joaquim Gonçalves (1781–1834) um de seus marcos iniciais.3 Isto sugere o direito da lusofonia a um lugar privilegiado nos estudos sobre a China. A flor do Lácio não é tão inculta quanto se supunha. Em segundo lugar, Portugal não é um centro internacional de Sinologia, mas ainda assim a sua República, movida por uma consciência histórica da importância dos navegadores portugueses no que tange à criação de um mundo globalmente integrado, foi capaz de criar instituições que fazem justiça às possíveis origens lusófonas da Sinologia europeia.4 Em terceiro lugar, o Brasil dos filósofos, historiadores, poetas e artistas faz jus a suas dimensões continentais e, também no campo da Sinologia, precisa assumir a sua condição de gigante da América Latina. Em quarto lugar, o passado colonial dos outros países lusófonos, e o seu crescente contato com a China, tornam a Sinologia uma questão de fato estratégica em tais territórios. Não há nenhum sentido, portanto, em apresentar ao público lusófono uma mera descrição rankeana5 de nomes, datas e lugares. A limitação de tal abordagem já fora, há muito, criticada pelos intelectuais da assim chamada escola francesa dos Annales, enquanto as origens teologizantes de tal * Gostaria de agradecer aos sinólogos húngaros Judit Bagi e Gábor Kósa por me fornecerem ricas informações acerca da Sinologia na Hungria. 2 Denis Sinor, “Remembering Paul Pelliot, 1878-1945”, em Journal of the American Oriental Society, Vol. 119, No. 3 (Jul. - Se, 1999), 472. 3 Edward Schafer, “What and How is Sinology?”, em Tang Studies, 1990:8–9, 23–44. A primeira versão deste texto aparece em 1982, numa aula inaugural para o Departamento de Línguas Orientais da University do Colorado, Boulder. Para uma resposta a este artigo, ver Lionello Lanciotti, “Apropos 'What and how is Sinology?'”, em East and West, Vol. 34, No. 1/3 (Sept. 1984), 351–352. De acordo com Schafer, a primeira gramática chinesa foi impressa em 1703, tendo sido produzida pelo monge dominicano espanhol Francisco Varo. Ele também destaca a publicação do Lexicon magnum Latino-Sinicum, publicado em 1841 e atribuído a Joaquim Gonçalves (que morreu em 1834) como um dos marcos da Sinologia. Para uma visão alternativa que, ainda assim, identifica no espanhol os inícios da Sinologia ocidental, ver Lothar Knauth e Carmen González Quijano, “El inicio de la sinología Occidental: Las traducciones españolas del Ming Hsin Pao Chien”, em Estudios Orientales, Vol. 5, No. 1 (12) (1970), 1–21. 4 Refiro-me, principalmente, ao Museu do Oriente, fundado em Portugal no ano de 2008. 5 Refiro-me à historiografia classicista de Leopold von Ranke. Ver Georg G. Iggers, Historiography in the Twentieth Century: From Scientific Objectivity to the Postmodern Challenge (Connecticut: Wesleyan University Press, 2005), 23–30. 13 empreendimento já foram denunciadas pela teoria da história de hoje. 6 Assim sendo, abordo a Sinologia do século XX por meio de uma perspectiva historiográfica cujo objetivo é problematizar a relação entre produção de conhecimento e sociedade. Entendida como disciplina acadêmica europeia, a Sinologia surge a partir do esforço de missionários cristãos7 que, vindo de uma “Europa”8 pré-capitalista, monarquista e altamente hierarquizada,9 produziram as primeiras obras sobre a língua chinesa em latim e línguas vernaculares ocidentais, bem como traduções da Bíblia para o chinês clássico e dialetos locais. Tal processo se inicia durante a dinastia Ming (1368–1644)10 e se consolida no período Qing (1644–1911),11 quando a “China”12 (em chinês: Zhongguo中國) ainda não era o estado-nação moderno chamado República Popular da China, ou Zhonghua renmin gongheguo 中華人民共和國, fundado apenas em 1949.13 Especialmente durante a dinastia Ming e o início da dinastia Qing, a China ainda exercia grande atração sobre as elites monárquicas da Europa,14 desejosas de entender melhor o suposto reino filosófico de Confúcio, uma imagem distorcida aprendida a partir do processo de filtragem cultural refletido nas obras dos seus missionários. Tal processo histórico é parte da saga maior da formação do assim chamado Orientalismo, onde tanto europeus quanto nativos tiveram sua parcela de responsabilidade.15 As transformações intelectuais da Sinologia europeia 6 Georg G. Iggers, Historiography in the Twentieth Century: From Scientific Objectivity to the Postmodern Challenge (Connecticut: Wesleyan University Press, 2005), 51–64. 7 Ver a seção 5 “Christianity”, em John Lagerwey, Vincent Goossaert e John Kiely (eds.), Modern Chinese Religion II: 1850–2015 (Leiden: Brill, 2016), 841–919. Esta parte da obra inclui três importantes textos sobre cristianismo na China. Um resumo das discussões e uma introdução a toda a história da religião na China pode ser encontrado em John Lagerwey, Paradigm Shifts in Early and Modern Chinese Religion: A History (Leiden: Brill, 2019). Para discussões historiográficas, ver Paul Rule, “From missionary hagiography to the history of Chinese Christianity”, em Monumenta Serica, vol. 53 (2005), 461–475. Isaac Yue, “Missionaries (MIS)Representing China: Orientalism, Religion, and the Conceptualization of Victorian Cultural Identity”, em Victorian Literature and Culture, Vol. 37, No. 1 (2009), 1–10. 8 Obviamente, a ideia de Europa possui historicidade própria. Ver Eric Fernie, “The Origins of Europe”, em Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, Vol. 71 (2008), 39–53. 9 Para um exemplo interessante ver Thijs Weststeijn, “The Middle Kingdom in the Low Countries: Sinology in the Seventeenth-Century Netherlands”, em Rens Bod, Jaap Maat e Thijs Weststeijn, The Making of the Humanities, Volume II: From Early Modern to Modern Disciplines (Amsterdam: Amsterdam University Press, 2012), 209–241. 10 Sobre a dinastia Ming e suas fontes, ver Wolfgang Franke, Annotated Sources of Ming History: Including Southern Ming and Works on Neighboring Lands 1368-1661 (Kuala Lumpur: University of Malaya Press, 2011). Dennis Twitchett and Frederick W. Mote (eds.), The Cambridge History of China, Volume 7, The Ming Dynasty, 1368–1644, Part 1 (Cambridge: Cambridge University Press: 1998). 11 Willard Peterson (ed.), The Cambridge History of China, Volume 9, Part 1: The Ch’ing Empire to 1800 (Cambridge: Cambridge University Press, 2002). 12 Há várias teorias para a origem da palavra “China”. O termo contemporâneo mais comum, em chinês mandarim, é Zhongguo, ou “País Central”. 13 Obviamente, esta narrativa não descreve a complexidade da sinosfera, que inclui Hong Kong, Taiwan, Cingapura, Malásia. Para a situação e papel de Hong Kong depois de 1949 em termos de definção de uma sinosfera cultural, ver Au Chi Kin, “The Academic Role of Hong Kong in the Development of Chinese Culture, 1950s–70s: From the Perspectives of Qian Mu and Luo Xianglin”, em China Report 54: 1 (2018), 66–80. 14 Ver Arnold Rowbotham, “Voltaire, Sinophile”, em PMLA, Vol. 47, No. 4 (Dec., 1932), 1050– 1065, para um curioso exemplo de como intelectuais dos anos 30 pensavam a questão. 15 Arif Dirlik, “Chinese History and the Question of Orientalism”, em History and Theory, Vol. 35, No. 4, Theme Issue 35: Chinese Historiography in Comparative Perspective (1996), 96–118. Ho-Fung Hung, “Orientalist Knowledge and Social Theories: China and the European Conceptions of East-West Differences from 1600 to 1900”, em Sociological Theory, Vol. 21, No. 3 (2003), 254–280. Achim Rohde, “Der Innere Orient. Orientalismus, Antisemitismus und 14 durante o século XIX refletem as mudanças das condições de pensamento na Europa com o advento do capitalismo industrial, o aparecimento do marxismo e o consequente afrouxamento das suas rígidas hierarquias sociais. Algumas monarquias europeias não foram nem completamente extirpadas nem substituídas por repúblicas, mas a democracia se tornou uma agenda política dos países ricos da Europa ocidental, independente do seu sistema político. Este processo de modernização atinge seu ápice nos EUA, uma nação que, desgarrada das tradições e hierarquias da velha Europa, tem produzido as mais relevantes obras sinológicas. 16 Do outro lado, a ascenção econômica da China a faz substituir a Europa e o Japão em termos de relevância sinológica.17 Neste contexto, os países lusófonos, com destaque para o Brasil e Portugal, encontram-se não na periferia, mas sim na periferia da periferia da Sinologia. O termo Sinologia, convivendo com a expressão estudos chineses, aparece em publicações ocidentais durante todo o século XX. Tanto um quanto o outro são usados de modo intercambiável, significando produção academicamente relevante sobre a China, sua história, sua cultura, sua língua, seus costumes, sua religião e seu povo. A Sinologia é sempre sobre o passado, embora ela seja de caráter fundamentalmente estratégico para o presente e para o futuro. Não é por acaso que o Professor Bueno, numa reflexão acerca das duas décadas que tem dedicado à divulgação da Sinologia no Brasil, se pergunta: “Qual deve ser, então, o futuro de um projeto voltado ao passado? Como aproximar o que está distante?” Neste artigo, tendo o público lusófono como minha audiência, ofereço uma reflexão acerca do trajeto histórico da Sinologia no século XX. Meu objetivo é fornecer materiais para uma discussão das questões propostas por Bueno. A Sinologia e seu percurso histórico moderno: da Primeira Guerra Mundial ao fim da Guerra Fria A formação da Sinologia europeia moderna foi precedida por tradições nativas do Japão (kangaku 漢学),18 da Coreia (jung-gug hag 중국학),19 do Vietnã (Hán học)20 e da Mongólia,21 que historicamente mantiveram contato com a China muito antes da Europa. Na China existe aquilo que se chama, desde o fim do período imperial, de Geschlecht im Deutschland des 18.bis 20. Jahrhunderts”, em Die Welt des Islams, New Series, Vol. 45, Issue 3, Facets of Orientalism (2005), 370–411. Steffi Marung and Katja Naumann, “The Making of Oriental Studies: Its Transnational and Transatlantic Past”, em Rens Bod, Jaap Maat, Thijs Weststeijn (eds.) The Making of the Humanities (Amsterdam: Amsterdam University Press, 2014), 415–429. 16 Ver Endymion Wilkinson, Chinese History: A New Manual (Cambridge and London: Harvard University Asia Center for the Harvard-Yenching Institute, 2012), 302. Este best-seller já se encontra em sua quarta edição, produzida em 2015. 17 Prova de tudo isto é que o inglês e o chinês se tornaram condição sine qua non para os estudantes da China, enquanto o francês, o alemão e o japonês, outrora dominantes, se tornaram ferramentas secundárias, embora ainda extremamente úteis para o estudioso sério, que não se esquivará de um estudo acerca da genealogia da disciplina. 18 Sobre as origens e transformações dos estudos chineses no Japão moderno, ver Margareth Mehl “Chinese Learning (kangaku) in Meiji Japan (1868–1912)”, em History, vol. 85, no. 277, 2000, 48–66. Murayama Hiroshi 村山吉広, Kangakusha wa ikani ikita ka kindai Nihon to kangaku 漢学者はいかに生きたか 近代日本と漢学 (Tokyo: Taishukan, 1992). 19 Sobre a Sinologia coreana, ver Kim Do Hee “Chinese Studies in Korea: The Oral History of Senior Scholars”, em International Area Studies Review, Vol. 13, 1 (2010), 23–29. 20 Sobre a Sinologia vietnamita, ver Mark Sidel, “The Re-emergence of Chinese Studies in Vietnam”, The China Quarterly, no. 142, 1995, 521–540. 21 Enkhchimeg Baatarkhuyag and Chih-yu Shih, “Surging between China and Russia: Legacies, Politics, and Turns of Sinology in Contemporary Mongolia”, em China Review, Vol. 14, No. 2, Special Issue: Doing Sinology in Former Socialist States (Fall 2014), 37–57. 15 “estudos nacionais” (guoxue 國學), isto é, uma multiplicidade de discursos acerca das origens culturais da China moderna22 e da própria noção de “sinicidade”.23 A Sinologia europeia moderna é uma prática oriunda do mundo colonialista, pré-marxista e pré-feminista. A auto-representação da Sinologia como um procedimento estritamento linguístico não condiz com sua realidade social. Muito menos é a Sinologia algo que ocorre apenas na mente curiosa e criativa de sinólogos individuais. A Sinologia europeia é um produto do contexto histórico maior das transformações sociais e institucionais nas quais é praticada. Qualquer tentativa de denúncia acerca dos contornos elitistas, “machistas” ou mesmo imperialistas dos inícios de seu desenvolvimento, portanto, seria uma platitude anacrônica baseada no desconhecimento da história. A Sinologia europeia mudou junto das mudanças do mundo das quais a Europa fora protagonista, incluindo o aparecimento do marxismo – com sua consciência de classes – e do feminismo, com sua consciência de gêneros. O desenvolvimento da Sinologia moderna na Europa confunde-se com a própria história dos principais conflitos do século XX, ou seja, a primeira e segunda grandes guerras mundias, além da polarização do mundo durante a Guerra Fria. A Sinologia se desenvolveu tanto em países democráticos como nos países fascitas, nazistas e nas ditaduras comunistas, mas os seus grandes expoentes no século XX são, sem dúvida, a França (que dominava o cenário sinológico durante o período entre guerras) e os EUA (que se tornaram o maior centro mundial de Sinologia depois da Segunda Guerra Mundial). A França e a Sinologia europeia: do fim do século XIX à Primeira Guerra Mundial (1914–1918) Em 1892, o sinólogo Henri Cordier (1849–1925) publicou no hoje tradicional jornal de Sinologia T’oung-pao (na tosca porém ainda assim charmosa grafia para o vocábulo mandarim tongbao 通報, ou simplesmente, “boletim”) um artigo entitulado “Meia década de estudos chineses”, onde ele discorre acerca de desenvolvimentos recentes, indo de 1886 a 1891. Cordier foi, junto de Gustaaf Schlegel (1840–1903), um dos fundadores do mencionado jornal acadêmico. O sinólogo faz uma interessante observação acerca da Sinologia de seu próprio tempo. Uma limitação antiga da disciplina fora supostamente superada, a saber: a divisão tradicional entre sinólogos que estudavam a China a partir da Europa, sem saber falar uma palavra de chinês e sem nunca ter ido à China, e o sinólogo dito “prático” – isto é, aquele que viveu na China e que sabia falar o idioma, mas que não necessariamente tinha o aparato acadêmico de sua contraparte – fora finalmente abolida, pois com a inserção da China no âmbito da política internacional24 ninguém poderia mais tratar o chinês como uma língua morta, ou o conhecimento do chinês falado como uma mera ferramenta de intérpretes. Cordier divide os estudiosos sobre os quais discute em termos de unidades nacionais. Tirando algumas raras exceções, todos os sinólogos mencionados por Cordier são europeus. Os casos excepcionais são de chineses e, não por acaso, japoneses. Ele menciona sinólogos europeus trabalhando na China, Grã-Betanha, 22 Ver Arif Dirlik, “Guoxue/National Learning in the Age of Global Modernity”, em China Perspectives, No. 1 (85), 2011, 4–13. No mesmo volume, Liu Dong, “National Learning (Guoxue): Six Perspective and Six Definitions”, 46–54. 23 No entanto, para uma discussão acerca de Sinologias praticadas por nativos chineses e estrangeiros em território chinês até 1949, com um foco na sociologia, ver Georges-M. Schmutz, “La sociologie de la Chine avant 1949”, em Cahiers Internationaux de Sociologie, NOUVELLE SÉRIE, Vol. 78, Nouveaux bilans (Janvier-Juin 1985), 59–86 24 Quando Cordier publicou seu artigo, a dinastia Qing estava estremecida, mas ninguém poderia prever que seu fim e o estabelecimento de uma república ocorreriam uma década mais tarde. 16 França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Itália, Áustria e países eslávicos. Característico do período sobre o qual Cordier discursa é a relação entre Sinologia e as necessidades políticas, administrativas e até mesmo missionárias do seu dia, pois os sinólogos trabalhando na China e em Hong Kong (não incluída em um campo separado por se tratar, justamente, de uma colônia) são, na verdade, diplomatas, membros de missões ocidentais na China, agentes administrativos e pessoal técnico que trabalha pelos interesses europeus em território chinês. Em acordo com a sensibilidade de sua época, Cordier não se mostra nem um pouco incomodado, por exemplo, em mencionar as grandes contribuições do Dr. Friedrich Hirth (1845–1927), que incluíam relatórios médicos e artigos sobre, entre outras coisas, nada menos que o ópio, motivo central da guerra que resultou na colonização de Hong Kong. 25 A completa exclusão de Portugal e Espanha é paralela à falta de significação política destes países antes da Primeira Guerra Mundial. Também não é coincidência que a Sinologia europeia tenha se desenvolvido nos países protagonistas de tal conflito. Se por um lado a Sinologia é um empreendimento intelectual legítimo e que alcança seus mais altos voos na grande democracia francesa, por outro lado é preciso entender que, em tal período, ela também é um produto e elemento constituinte da maquinaria bélica europeia e sua necessidade de decisões bem informadas. Em uma reflexão acerca da Sinologia, Friedrich Hirth, a quem Cordier tem em alta conta, afirma que “De modo a ganhar uma clara ideia da relevância e do status dos estudos chineses na universidade abrangente,26 não há melhor caminho do que a comparação com a filologia clássica, que na Alemanha alcançou um grande desenvolvimento através de longos séculos de experiência.”27 Hirth faz um interessante apelo à profissionalização da Sinologia, pois “por outro lado, para a pesquisa no sentido de filologia moderna, profundidade é mais importante do que amplitude.”28 Isto se justifica pois a língua e cultura chinesas se desenvolveram independentemente de outros troncos linguísticos: “heterogeneidade alcançou seu cume aqui.”29 Hirth quer dizer que, ao contrário do que ocorre em outros campos da filologia, onde o domínio de idiomas correlatos é de grande ajuda no estudo de outras civilizações (isto é evidente, por exemplo, no estudo do sânscrito, do pali e do prakrit), no caso da China tal erudição linguística se mostra inútil, pois não há nenhuma língua comparável ao chinês. De fato, Hirth chega a afirmar que a língua chinesa – e a infinidade de materiais deixados para nós por tal cultura – exige tanto do pesquisador que a busca pela mestria simultânea de outras línguas clássicas pode causar dano, ao invés de ajudar o sinólogo, durante os seus anos de formação. Extremamente lúcido, Hirth exorta aqueles que desejam estudar a China a usarem de todos os meios que puderem para estudar in loco, experimentando imersão na cultura. Entre os trabalhos citados por Cordier, encontram-se inúmeros dicionários, gramáticas, alguns estudos históricos e traduções para as línguas nacionais da Europa, que apenas contribuíram ainda mais para a riqueza do número de traduções em latim feitas anteriormente por missionários. Os sinólogos mencionados por Cordier, em sua 25 Entre os sinólogos do século XIX, Legge foi um dos mais vocais no que tange à uma denúncia moral do problema do ópio. Ver Lauren F. Pfister, “Clues to the Life and Academic Achievements of One of the Most Famous Nineteenth Century European Sinologists – James Legge (AD 1815– 1897)”, em Journal of the Hong Kong Branch of the Royal Asiatic Society, vol. 30, 1990, 204. Sobre a questão de como os missionários em geral de posicionavam em relação à questão do ópio, ver Michael C. Lazich, “American Missionaries and the Opium Trade in Nineteenth-Century China”, em Journal of World History, Vol. 17, No. 2 (2006), pp. 197–223. 26 Hirth usa o termo “Universitas literarum”, onde literarum parece ser um erro de grafia para litterarum. 27 Friedrich Hirth, “Über sinologische Studien” , em T'oung Pao Vol. 6, No. 4 (1895), 364. 28 Friedrich Hirth, “Über sinologische Studien” , 365. 29 Friedrich Hirth, “Über sinologische Studien” , 365. 17 maioria homens – e não mulheres, marcando o perfil majoritariamente masculino do campo – com sólida formação em outras áreas e nos estudos clássicos (isto é, Latim e Grego), foram os primeiros professores apontados em universidades europeias e americanas para cadeiras de Sinologia e estudos chineses, abrindo caminho portanto para a profissionalização do sinólogo e sua inserção no ambiente acadêmico institucional. Isto significará, entre outras coisas, melhores condições materiais e financeiras para a realização de sua pesquisa, condições estas que muitos pioneiros da disciplina não desfrutaram. No fim de seu texto, Cordier reconhece que a Sinologia de seu tempo, ao contrário do que diziam os pessimistas, conheceu grandes avanços em termos de metodologia e teoria. Ele certamente se refere ao fim de uma Sinologia exclusivamente voltada para os interesses proselitistas do cristianismo. Esta fora substituída por uma Sinologia secular a serviço dos interesses públicos das potências nacionais.30 Talvez seja interessante trazer para a discussão grandes nomes deste período de modo a fornecer um relato mais concreto das impressões formuladas por Cordier. O primeiro destes nomes é o de Édouard Chavannes (1865–1918), considerado por alguns como o pai da Sinologia moderna.31 Chavannes é uma figura do período de transição de uma Sinologia missionária, cujo último grande expoente fora James Legge,32 para uma Sinologia completamente secular e voltada para os interesses culturais da modernidade europeia e, principalmente, de uma Europa livre e democrática onde se reúnem os grandes intelectuais e artistas do início do século XX. Chavannes foi um pioneiro em várias áreas da Sinologia, um precursor que permitiu a crescente especialização da disciplina. Além de expandir o escopo de traduções de obras chinesas para além do mundo tradicional dos clássicos confucionistas, ele também foi um grande estudioso de epigrafia e religião, estando nas origens dos estudos modernos sobre daoismo,33 budismo e maniqueísmo. Uma de suas obras mais significativas é a ainda não superada monografia sobre a história do Monte Tai 泰山, onde Chavannes estabelece definitivamente um dos mais claros paradigmas de excelência sinológica, notadamente, a combinação da mestria de fontes primárias com pesquisa de campo. Esta obra, baseada em materiais coletados pelo estudioso, também é um marco para os estudos de epigrafia chinesa.34 A morte prematura de Chavannes deixou o mundo sinológico consternado.35 Cordier lhe dedica um memorial de mais de 30 páginas. Em um texto emocionado, mas rico em informação 30 Henri Cordier, “Half a Decade of Chinese Studies (1886–1891)”, em T'oung Pao Vol. 3, No. 5 (1892), 532–563. 31 David Honey, Incense at the Altar: Pioneering Sinologists and the Development of Classical Philology (Pennsylvania: The Pennsylvania University Press, 2001). 32 Sobre Legge, ver Lauren F. Pfister, “Clues to the Life and Academic Achievements of One of the Most Famous Nineteenth Century European Sinologists – James Legge (AD 1815–1897)”, em Journal of the Hong Kong Branch of the Royal Asiatic Society, vol. 30, 1990, 180–218. 33 Para uma introdução ao daoismo, ver Kristofer Schipper, Le Corps Taoiste (Paris: Fayard, 1982). Um útil review deste livro pode ser encontrado em Norma Girardot, ““Let’s Get Physical”: The Way of Liturgical Taoism”, em History of Religions, Vol. 23, No. 2 (Nov., 1983), 169–180. O trabalho de Schipper é de grande sensibilidade sociológica e uma excelente introdução para leitores ocidentais. Para uma introdução historicamente embasada, ver Lai Chi-Tim 黎志添, Liaojie daojiao 了解道教 (Hong Kong: Sanlian shudian, 2017). 34 Édouard Chavannes, Le T’ai Chan: Essai de monographie d’un culte chinois (Paris: Ernest Leroux, 1910). 35 Henri Cordier, “Nécrologie: Édouard Chavanness”, T'oung Pao, Second Series, Vol. 18, No. 1/2 (1917), 114–147. Louis de la Vallée Poussin, “Obituary Notice: Édouard Chavanness”, em Bulletin of the School of Oriental Studies, University of London, Vol. 1, No. 2(1918), 147–151. B. Laufer, “Édouard Chavanness”, em Journal of the American Oriental Society, Vol. 38 (1918), 202–205. Henri Maspero, “Édouard Chavanness”, em T'oung Pao, Second Series, Vol. 21, No. 1 (1922), 43–56. 18 biográfica, Cordier ressalta o patriotismo de Chavannes e escreve que “sua perda é a mais cruel que poderiam sofrer os estudos chineses, nos quais ele ocupava o primeiro lugar tanto no estrangeiro quanto na França.”36 Não por acaso, Henri Maspero, um de seus mais célebres alunos, dedicou seu discurso de posse na cadeira de professor do Collége de France ao mestre Chavannes.37 Chavannes foi o professor de um dos sinólogos mais lidos de seu tempo e mesmo depois de sua morte, Marcel Granet (1884–1940), que também fora aluno de ninguém menos do que Émille Durkheim (1858–1917). Os trabalhos de Granet conseguem combinar de modo extremamente inovador os anseios tradicionais da Sinologia enquanto uma disciplina filológica com os insights sociológicos de seu mestre Durkheim. Como enfatiza Schmutz, o sinólogo Granet, junto de Weber e Freedman (e cada um a seu jeito) estava preocupado com a China em suas especificidades de pensamento, sociedade, ética e espírito institucional.38 De fato, o estilo sociologizante de Granet o distingue muito nitidamente de seus contemporêneos, incluindo nomes como Paul Pelliot (1878–1945), famoso pela compra e catalogação dos manuscritos de Dunhuang 敦煌,39 cuja descoberta e documentação estão associadas ao nome do scholar de origem húngara Aurel Stein (1862–1943).40 Pelliot não apenas presenciou como, também, participou da luta contra a Rebelião dos Boxers (1899–1901), tendo sido condecorado e voltado para a França como Professor da EFEO (Escola Francesa do Extremo Oriente), fundada em 1898 por Paul Doumer (1857–1932). Um herói de guerra durante a Primeira Guerra Mundial, o patriota Pelliot dedicou sua carreira acadêmica à história chinesa, budismo, arte chinesa, arqueologia, bibliografia e mesmo o idioma mongol.41 Denis Sinor (1916–2011), que conheceu Pelliot pessoalmente na condição de aluno, enfatiza que a posteridade também fará justiça às contribuições do francês aos estudos altaicos, ainda não publicados devido à sua morte prematura.42 Entre os nomes mencionados por Cordier, nem todos escaparam das atrocidades da guerra. Henri Maspero (1883–1945), um dos pais fundadores dos estudos sobre daoismo, morreu em um campo de concentração, apenas três semanas antes da liberação da França. Muito do que ele escreveu sobre religião chinesa e daoismo foi editado em livro, portanto, apenas após a sua morte. Em um edição francesa de 1971, Kaltenmark resume as contribuições de Maspero a várias áreas da Sinologia, enfatizando, no entanto, que: 36 Henri Cordier, “Nécrologie: Édouard Chavanness”, T'oung Pao, Second Series, Vol. 18, No. 1/2 (1917), 114. 37 Henri Maspero, “Édouard Chavanness”, em T'oung Pao, Second Series, Vol. 21, No. 1 (1922), 43–56. 38 Ver Georges-M. Schmutz, “Sociologie da la Chine: une perspective europeene”, em Revue européenne des sciences sociales, T. 25, No. 76 (1987), 215. 39 Para bibliografias atualizadas sobre estudos de Dunhuang, ver o site do International Dunhuang Project, idp.bl.uk. Para uma introdução e hipótese sobre a função original das grutas, ver Imaeda Yoshiro, “The Provenance and Character of the Dunhuang Documents”, em Memoirs of the Toyo Bunko 66: 98 (2018), 81–100. 40 L. Rásonyi, “Sir Aurel Stein”, em Acta Orientalia Academiae Scientiarum Hungaricae, Vol. 14, No. 3 (1962), 241–252. 41 Erich Haenisch, “Paul Pelliot (28. Mai 1878 bis 26. Oktober 1945)”, em Zeitschrift der Deutschen Morgenländischen Gesellschaft, Vol. 101 (n.F. 26) (1951), 9-10. Serge Elisséeff, “Paul Pelliot: 1878-1945”, em Archives of the Chinese Art Society of America, Vol. 1 (1945/1946), 1113, 4-5. J. R. W., “Paul Pelliot: 1878-1945”, em Harvard Journal of Asiatic Studies, Vol. 9, No. 2 (1946), 187-188. 42 Denis Sinor, “Remembering Paul Pelliot, 1878-1945”, em Journal of the American Oriental Society, Vol. 119, No. 3 (Jul. - Se, 1999), 467-472. 19 Mas é sobretudo por seus trabalhos sobre o daoismo que Maspero aparece como um pioneiro, pois ali se dedica ele a um campo praticamente inexplorado. Antes dele, apenas Éd. Chavannes tinha escrito o primeiro estudo sério sobre um ritual daoista. Paul Pelliot havia de sua parte entendido muito bem a importância de tal doutrina, ele havia relatado muitos manuscritos de Dunhuang que a concernem, e é possível encontrar em muitos de seus artigos importantes notas eruditas sobre o assunto onde, não obstante, muitas questões que foram colocadas aguardam uma solução. Marcel Granet se interessa igulamente por tal religião, mas se ele fala muito sobre a mesma em seus cursos na École Pratique de Hautes Études, ele não trata quase nunca da mesma em seus escritos.43 Em termos de estudos de daoismo, a obra de Maspero impressiona por seu escopo mais do que, obviamente, por sua profundidade. Não seria possível aqui nem mesmo apresentar um resumo de sua obra. Por este motivo, faço minhas (com algumas reservas) as palavras de Kaltenmark quando ele explica a relevância de suas contribuições para a Sinologia: Durante séculos, a China foi apresentada ao Ocidente como essencialmente confucionista. A importância da doutrina de Confúcio na ideologia oficial da era imperial, a necessidade de os sinólogos se iniciarem nos Clássicos (jing) e na enorme literatura erudita que os mesmos suscitam explicam esta visão parcial. Entre as “três religiões”, o confucionismo era a mais bem conhecida, ainda que se possa discutir o caráter religioso de tal sistema de pensamento. O budismo, cujas escrituras permaneceram acessíveis desde longo tempo, havia sido bem estudado, mas a maneira como ele penetrou a China continua obscura. Foi um trabalho de Maspero que mostrou o caráter lendário do sonho do imperador Ming, que entrou para a história como a origem da introdução da nova religião.44 O problema das influências recíprocas das duas religiões é bastante espinhoso e continua muito debatido. Para resolvê-lo, é evidentemente necessário conhecer melhor a história do daoismo. O grande mérito de Maspero fora o de colocar a questão e de haver aberto o caminho para uma melhor compreensão de tal corpo de doutrinas tão hermético. O fato de que muitos de seus artigos, em particular aqueles que figuram em Daoismo “óbras póstumas”, foram recentemente traduzidos para o japonês mostra a importância que se dá aos seus trabalhos mesmo em um país que possui os melhores especialistas.45 43 Maxime Kaltenmark, “Préface”, em Henri Maspero, Le Taoïsme et les religions chinoises (Paris: Gallimard, 1971), 3. 44 Nota minha: trata-se do imperador Ming do período Han (r. 58–75), não de algum imperador da dinastia Ming. 45 Maxime Kaltenmark, “Préface”, 5. 20 Ao mencionar os “melhores especialistas” como sendo os de sua época, Kaltenmark se refere à impressionante tradição japonesa de estudos sobre daoismo. Ao sublinhar a importância de Maspero no que tange ao desenvolvimento de uma historiografia voltada para o daoismo, ele está corretíssimo. Mas hoje nós sabemos que enquadrar o problema por meio da questão das “influências” mútuas com o budismo não é a melhor via para se entender o daoismo.46 Maspero foi importante para o estudo do daoismo não por causa do problema da comparação com o budismo, mas sim pelo fato de o sinólogo francês reconhecer a especificidade do daoismo como um campo de estudo próprio, e seu significado como um elemento estruturante da sociedade chinesa. Embora extremamente resumida, a discussão acima nos dá uma boa ideia do que Cordier queria dizer quando se referia às transformações metodológicas e teóricas da Sinologia do seu tempo. Removida dos interesses monarquistas e missionários iniciais, a Sinologia agora se voltava não apenas para o estudo criterioso da língua clássica como, também, para a cultura material, a epigrafia, o registro artístico e o estudo arqueológico da civilizão chinesa. Tudo isto por meio de homens que combinavam não apenas a habilidade linguística e acadêmica do scholar como, também, a disposição e a energia aventureiras de quem se dedica a pesquisas de campo. O caráter belicoso e colonialista do contexto em que nasce a Sinologia moderna também se reflete na própria maneira como os sinólogos se comportam em relação aos trabalhos de seus pares. Cordier, por exemplo, se mostra estranhamente agressivo em relação a um certo sinólogo austríaco chamado Augusto Pfizmaier (1808–1887), do qual ele diz: “A morte de Pifzmaier deixou desocupada uma vaga fácil de preencher, pois este estudioso foi mais notável pelo número do que pelo valor de suas publicações.”47 Felizmente, a memória de Pfizmaier vem sendo resgatada por meio de avaliações menos emocionais e mais criteriosas.48 Mas a julgar pelas publicações de Pifzmaier, que são extremamente amplas em termos de escopo linguístico, pode ser que Cordier o tenha atacado como reflexo de seu desejo de trazer a Sinologia para o nível de especialização alcançado pela filologia clássica europeia, como também queria Hirth ao defender profundidade e qualidade em detrimento de escopo e quantidade. Ao mesmo tempo, é preciso entender que Cordier escrevia a partir da França de Manet e de Monet, representantes do mundo da sensibilidade moderna que irá abrir caminho para a consciência dos Direitos Humanos, cuja declaração ocorre apenas em 10 de Dezembro de 1948, não por coincidência, em Paris. Ninguém sabe, mas é possível que Cordier tenha entendido, já no fim do século XIX, que o suposto multilingualismo de Pifzmaier não é mais do que uma grotesca imagem da voracidade do imperialismo europeu durante o período citado. Tal imagem tosca do europeu que dominou tantos idiomas “orientais” quanto são numerosas as suas possessões coloniais não terá como sobreviver aos padrões acadêmicos das gerações futuras, treinadas tanto no Japão quanto na China. 46 Refiro-me principalmente à questão da “influência” mútua entre budismo e daoismo, discutida de modo extremamente interessante por Bokenkamp. Ver Stephen Bokenkamp, “The Silkworm and the Bodhi Tree: The Lingbao Attempt to Replace Buddhism in China and our attempt to place Lingbao Daoism”, em John Lagerwey (ed.), Religion and Chinese Society (Hong Kong: The Chinese University Press, 2004), 317–340. 47 Henri Cordier, “Half a Decade of Chinese Studies (1886–1891)”, em T'oung Pao Vol. 3, No. 5 (1892), 561. 48 Para um estudo recente, ver Bernhard Fuehrer “August Pifzmaier (1808–1887) and His Translations from Chinese Poetry”, em Lawrence Wang-chi and Bernhard Fuehrer (eds.) Sinologists as Translators in the Seventeenth to the Nineteenth Centuries (Hong Kong: The Chinese University of Hong Kong Press, 2016), 254–270. 21 Já sobre o sinólogo holandês Jan Jakob Maria de Groot (1854–1921), Cordier produz um julgamento agradável. O scholar americano George Dorsey (1868–1931), por sua vez, não tinha de Groot em alta estima. Irado com o desprezo que o holandês demonstrava em relação à “Sinologia americana”, Dorsey destila seu veneno sem nenhuma cerimônia. Sobre a célebre e até hoje importante obra Religious System of China, Dorsey diz que “não é mais do que uma massa mal digerida de citações em chinês redigidas em um inglês ruim.”49 Sobre a obra Sectarianism and Religious Persecution in China, Dorsey impiedosamente afirma que “Esta produção presepeira foi condenada de modo justo por todos os homens de pensamento; e, espera-se, será para sempre um evento único em toda a história da ciência que um professor universitário tenha prostituído e humilhado sua pesquisa para fins políticos, ditados por uma moda efêmera dos tempos.”50 Obviamente, nada disto descreve de modo acurado as contribuições do sinólogo holandês.51 Como interpretar tal retórica belicosa senão como um reflexo das animosidades políticas vindouras? EUA: do fim da Segunda Guerra Mundial (1939–1945) à Guerra Fria (1946– 1991) Dorsey escreveu seu relato em 1912, apenas dois anos antes da primeira grande guerra do século XX. Mas o que era a Sinologia americana de seu tempo? Há dois elementos importantes a serem constatados. O esforço institucional americano depois do fim da primeira guerra mundial e a capacidade americana de auto-avaliação honesta no mesmo período. Ambos elementos eram indicadores de uma nação pronta para se transformar na maior máquina de guerra cum complexo científico e cultural do século XX, o que irá se comprovar não apenas através do episódio macabro de Hiroshima e Nagasaki, mas também por meio de um impressionante florescimento das ciências humanas e da natureza, resultado parcial da imigração em massa das maiores mentes europeias diante do horror político do nazismo e do fascismo europeus. A situação acadêmica na Alemanha depois de 1933, por exemplo, provocou um esvaziamento sinológico daquele país, pois muitos de seus sinólogos eram ou judeus ou comunistas, que não poderiam compactuar com o regime nazista.52 Na França, uma das bases espirituais e institucionais da Sinologia era – e ainda é – a EFEO, que durante o período colonial fora parcialmente sustentada pelo tráfico de ópio.53 Em 1935, o sinólogo alemão Franz Xaver Biallas (1878–1936) fundava a publicação Monumenta Serica, em Beijing. Este se tornará o mais tradicional jornal sinológico alemão. Nada semelhante existia até então nos EUA, mas um importante elemento institucional a ser notado é a criação do Instituo Harvard-Yenching, com uma doação inicial de um milhão de dólares, por parte da fundação Charles Martin Hall. No início, tal arranjo era de grande benefício, 49 George Dorsey, “Professor De Groot on American Sinology”, Science, New Series, Vol. 36, No. 936 (1912), 789. 50 George Dorsey, “Professor De Groot on American Sinology”, 789. 51 Para uma perspectiva mais objetiva acerca da Sinologia produzida nos Países Baixos, ver Harriet T. Zurndorfer, “Sociology, Social Science, and Sinology in the Netherlands before World War II: With Special Reference to the Work of Frederik van Heek”, em Revue européenne des sciences sociales, T. 27, No. 84, Sociologie de la Chine et Sociologie chinoise (1989), 19–32. 52 Um relato de 1949 mostra que a situação da disciplina no pós-guerra não era das mais otimistas. Ver Hellmut Wilhelm, “German Sinology Today”, em The Far Eastern Quarterly, Vol. 8, No. 3 (Maio, 1949), 319–322. Para uma perspectiva histórica, ver Martin Kern, “The Emigration of German Sinologists 1933–1945: Notes on the History and Historiography of Chinese Studies”, em Journal of the American Oriental Society, Vol. 118, No. 4 (1998), 507–529. 53 Harriet T. Zurndorfer, “Not Bound to China: Étienne Balazs, Fernand Braudel and the Politics of the Study ofChinese History in Post-War France”, em Past & Present, No. 185 (Nov., 2004), 204. 22 sobretudo para a Universidade Yenching, fundada na China, por meio de iniciativa e capital missionários. Mas como observado por Philip West, “Muito depois do fim [da universidade] Yenching, o instituto [Yenching] tem contribuído muito para a excelência em Harvard no ensino de línguas do leste asiático, em publicações acadêmicas, em coleções da livraria Harvard-Yenching e no prestigioso programa Harvard-Yenching Fellows.”54 Fan Shuhua explica a fundação do instituto como refletindo o “Big Scheme” de Harvard, isto é, sua intenção no período após a Primeira Guerra Mundial de exportar o sonho americano para o mundo e, ao mesmo tempo, desenvolver o instrumental necessário para lidar com a Ásia de modo estrategicamente seguro. Um dos objetivos dos fundadores do instituto era transformar o mesmo em um centro mundial de pesquisas sinológicas, aproveitando as consequências da guerra na Europa para atrair talentos para os EUA enquanto malabarismos diplomáticos eram realizados de modo a se contornar o crescente nacionalismo chinês.55 Como resultado, o instituto foi fundado em 4 de janeiro de 1928, quando o Guomindang 國民黨 (Partido Nacionalista Chinês) controlava grande parte do território chinês. Esta iniciativa privada, sem nenhuma ligação direta com o governo americano, terá importante papel no que tange ao soft power americano do período pós-guerra e durante a Guerra Fria. Quase uma década mais tarde, em 1936, o instituto se tornará a base do ainda prestigiado Harvard Journal of Asiatic Studies, fundado por Serge Ellisséef (1889–1975). A capacidade de autoavaliação franca dos intelectuais americanos deve ser um dos componentes mais importantes do sucesso dos EUA durante o século XX. A evidência demonstra um crescente interesse americano pela China e o reconhecimento da atualidade estratégica da questão. Em 1930, por exemplo, Mortimer Graves, então Secretário do Comitê de Promoção de Estudos Chineses, discute a necessidade, as dificuldades e os aspectos intelectuais e práticos relativos ao desenvolvimento da Sinologia nos EUA. Ele reconhece a grandeza civilizacional da China e o fato de que os próprios chineses, agora libertados da monarquia Manchu, começavam a produzir uma relevante literatura acadêmica sobre a própria história.56 Outra interessante evidência vem de John K. Shryock, que um ano depois escreveu uma curta, porém significativa, nota acerca de um livro chamado Progresso dos estudos chineses nos Estados Unidos da América (Progress of Chinese Studies in the United States of America). No período relatado, o sinólogo aponta um crescimento na oferta universitária sobre a China, com 51 novos cursos abertos. No entanto, como observa Shryock, apenas 25 estudantes se dedicavam integralmente ao estudo da China, enquanto que o corpo docente de tais cursos era composto por dois tipos básicos de profissionais: scholars sem treinamento nenhum em chinês e sem experiência de vida na China, e o sinólogo prático destituído de treinamento acadêmico adequado. Shryock não se mostra muito confiante em relação às vagas de emprego para sinólogos recém-formados nem com a qualidade geral dos estudos chineses nos EUA. Mas ele se mostra esperançoso em relação a desenvolvimentos futuros: 54 Ver Philip West, “Reframing the Yenching Story”, em The Journal of American-East Asian Relations, Vol. 14, Special Volume — Yenching University and Sino-American Interactions, 1919—1952 (2007), 173. 55 Fan Shuhua, “To Educate China in the Humanities and Produce China Knowledge in the United States:The Founding of the Harvard-Yenching Institute, 1924—1928”, em The Journal of American-East Asian Relations, Vol. 16, No. 4, Theme Issue: Framing China (WINTER 2009), 251–283. 56 Mortimer Graves, “The Need and the Plans for Chinese Studies in the United States”, em The Annals of the American Academy of Political and Social Science, Vol. 152, China (1930), 370– 377. 23 Apesar de tais recuos, há sinais encorajadores. Universidades americanas estão acordando para o fato de que há vastos e importantes campos que elas neglegenciaram. Estudantes estão mostrando interesse cada vez maior. Livrarias e coleções de arte estão crescendo continuamente. E há um pequeno porém crescente número de homens que são estudiosos treinados e capazes de abordar o assunto de uma maneira científica, e que possuem um conhecimento da língua e do povo que os permite fazer contribuições reais para a Sinologia. Hoje não há um único americano nativo que poderia ser considerado uma autoridade de primeira classe em Sinologia por estudiosos europeus. Não há ninguém equiparável com Pelliot, Laufer, Maspero, Cordier, Franke, Karlgren ou Duyvendak – apenas para mencionar alguns poucos nomes. Mas há grande indicação de que em dez anos a partir daqui tais homens existirão, e que haverá em breve aquilo que merece o nome de uma escola americana de Sinologia.57 Em outras palavras, os EUA dos anos 30 ainda não haviam alcançado aquela situação ideal descrita por Cordier já em 1892. A profecia de Shryock irá se concretizar, no entanto, após a Segunda Guerra Mundial.58 Durante a Guerra Fria, a Sinologia continuou seu percurso intelectual, mas agora tendo como cenário a polarização política do mundo, que também teve papel determinante na produção do conhecimento sinológico.59 É neste contexto, por exemplo, que nasce mais ou menos simultaneamente na França e nos EUA a integração da Sinologia a agendas acadêmicas mais claramente identificadas com a sociologia e a história,60 bem como a própria ideia de uma “China contemporânea” que precisa ser estudada da mesma maneira que a China do passado, ampliando-se deste modo os horizontes da Sinologia para uma maior integração com disciplinas acadêmicas voltadas para o presente e para o planejamento econômico e estratégico do futuro.61 Mas o que a França e os EUA entendiam por “China”, obviamente, eram coisas muito diferentes, já que a primeira, desde os anos 50 experimentou uma onda de sinofilia e antiamericanismo que naturalmente não informavam os modelos teóricos americanos.62 Um interessante 57 Shryock, “Progress of Chinese Studies in the United States of America, by Kenneth S. Latourette”, em Journal of the American Oriental Society, Vol. 51, No. 4 (1931), 341. 58 Durante a Segunda Guerra Mundial e, apesar das dificuldades institucionais, a Sinologia continuou sendo produzida no eixo EUA-Europa-China-Japão. Para um exemplo, ver Arthur F. Wright, “Sinology in Peiping 1941–1945”, em Harvard Journal of Asiatic Studies, Vol. 9, No. 3/4 (1947), 315–372. 59 Norma Field, “The Cold War and beyond in East Asian Studies”, em PMLA, Vol. 117, No. 5 (Oct., 2002), 1261–1266. 60 Harriet T. Zurndorfer, “Not Bound to China: Étienne Balazs, Fernand Braudel and the Politics of the Study ofChinese History in Post-War France”, em Past & Present, No. 185 (2004), 189– 221. Mas tais preocupações já começam a aparecer com o próprio Granet e em reflexões americanas dos anos 30. Ver, por exemplo, Maurice T. Price, “Sinology and Social Study: Coöperative Research Between Sinologists and Other Academic Specialists”, em Pacific Affairs, Vol. 5, No. 12 (1932), 1038–1046. 61 Yves Viltard, “Naissance de la Chine contemporaine aux Etats-Unis: L'archéologie d'un énoncé sinologiqueaméricain”, em Perspectives Chinoises, No. 54 (1999), 60–82. Pierre-Étienne Will, “Chine moderne et sinologie”, em Annales. Histoire, Sciences Sociales, 49e Année, No. 1, Histoire, Sciences Sociales (1994), 7–26. 62 Harriet T. Zurndorfer, “Not Bound to China: Étienne Balazs, Fernand Braudel and the Politics of the Study of Chinese History in Post-War France”, em Past & Present, No. 185 (2004), 206–207. 24 documento dos anos 60 mostra como autoridades acadêmicas americanas entendiam o papel dos estudos sobre a China no mundo, especialmente na América Latina. Assinado por ninguém menos que John Fairbank (1907–1991), em conjunto com John Lindbeck,63 o documento diz: O estudo da língua e cultura chinesas é uma tecnologia humanística complexa e que requer tempo, que é no entanto importante e necessária para todos os povos modernos. A China continental terá crescente contato com outros países, e já por suas dimensões irá chamar cada vez mais atenção. Entender a China será cada vez mais necessários nos anos vindouros. Contato direto fornecerá uma base valiosa para tal entendimento, mas o estudo sério será ainda mais essencial para qualquer povo que queira ter sua perspectiva própria e independente dos problemas chineses.64 Os autores enfatizam que os mundos de língua portuguesa e espanhola somam a maioria das nações do planeta, estando atrás apenas da China e de países anglófonos. A importância estratégica das esferas de língua espanhola e portuguesa, no entanto, não se refletiu na criação de instituições capazes de formar estudiosos da China gabaritados. Isto “não pode ser alcançado por meio das flutuações irregulares de intercâmbios culturais e desenvolvimentos políticos e econômicos.”65, pois: Os estudos chineses, usando a língua escrita chinesa, exigem um investimento especial de tempo de treinamento. Com os mais intensivos métodos modernos, ainda são precisos cerca de cinco anos para que estudiosos não-chineses desenvolvam um conhecimento prático efetivo da língua falada e do sistema de escrita. Se eles também buscarem um treinamento avançado em história, economia ou outras ciências sociais, o programa de treinamento combinado irá levar de oito a dez anos. Isto não se dá apenas pelo fato de a língua escrita ser difícil e ramificada, mas também pois a cultura chinesa é a mais tipicamente distinta das culturas do mundo. Os nãochineses que estudam a China possuem muito a aprender antes de serem capazes de formar julgamentos acadêmicos independentes que sejam tão bem embasados e sofisticados como são seus julgamentos sobre outras culturas.66 Em outras palavras, já em 1961 Fairbank propunha a integração sinológica dos países de língua portuguesa e espanhola da América Latina, onde os EUA buscavam aliados políticos na sua luta contra a expansão do comunismo no mundo. A iniciativa americana de “ajuda” ao desenvolvimento da Sinologia na América Latina precisa ser vista, também, como reflexo de uma estratégia americana de produção de conhecimento durante a Guerra Fria. Mas isto é apenas o óbvio. Com sua visão 63 Sobre John Lindbeck e seu papel no desenvolvimento dos Estudos Chineses, ver o obituário no New York Times: https://www.nytimes.com/1971/01/11/archives/john-lindbeck-expert-on-chinadies.html. 64 John Fairbank and John Lindbeck, “United States Aid to Latin America in Chinese Studies”, em Asian Survey, Vol. 1, No. 9 (1961), 32. 65 John Fairbank and John Lindbeck, “United States Aid to Latin America in Chinese Studies”, 33. 66 John Fairbank and John Lindbeck, “United States Aid to Latin America in Chinese Studies”, 33. 25 pragmática, os EUA liberaram a Sinologia de seu passado colonialista e, de certo modo, elitista. Para Fairbank, Sinologia não é mais um luxo de antiquário, um espaço de esnobismo cultural onde o homem europeu mostra a sua erudição acerca de outros povos, mas sim uma tecnologia estratégica e, portanto, um conhecimento fundamental para decisões bem informadas tanto em tempos de paz como em tempos de guerra. A partir de 1961, a Sinologia já não pode mais ser taxada infantilmente de colonialista, machista ou elitista. Infelizmente, a iniciativa americana não rendeu frutos na América Latina, que apesar de seus intelectuais de peso, não foi capaz, ao contrário da França de Pelliot e dos EUA de Fairbank, de criar um ambiente onde políticos e intelectuais conseguissem discutir em pé de igualdade. Nos países de coronéis agroexportadores, é difícil convencer o “homem cordial”, tal como definido por Sérgio Buarque de Holanda (1902–1982), cujas reflexões provavelmente são válidas não só para o Brasil como para a América Latina como um todo, de que a Sinologia é uma questão de grande importância estratégica. Assim como os EUA, a China dos anos 60 também poderia ter se inserido em um plano de expansão cultural, como faz hoje através do Instituto Confúcio. Mas naquele momento, saindo de uma carestia que matou milhões (o assim chamado Grande Salto de 1958–1962)67 e entrando numa Revolução Cultural (1966–1976)68 que irá perseguir intelectuais e destruir suas instituições educacionais e políticas, a China havia perdido o fio da meada tanto em termos de política interna quanto de política externa. A reflexão anglófona dos anos 60 Além da iniciativa americana de 1961, outros elementos documentais importantes a serem notados são a reflexão anglófona sobre os limites metodológicos da Sinologia, bem como o florescimento da Sinologia fora do eixo EUA-Europa ocidental, isto é, a Europa do capitalismo industrial e financeiro. Primeiro, tratarei da reflexão anglófona que ocorre em 1964. Além de oferecer uma releitura da importância de Max Weber para a Sinologia,69 a reflexão anglófona daquele ano parecia informada por uma crença de que a disciplina, se não estivesse já morta, estava no mínimo prestes a morrer. Talvez esta tenha sido a versão sinológica ainda não historizada do fim, que ocorrerá para outras disciplinas tradicionais, incluindo-se o fim da arte,70 o fim da história71 e o fim da história da arte.72 Em 1964, no melhor estilo publicitário da academia americana, William Skinner (1925–2008), antropólogo em Cornell, dizia ter resumido a sensação geral dos scholars de seu tempo por meio da seguinte exclamação: “A Sinologia está morta; vida longa aos estudos chineses!” 73 No texto de Skinner os termos Sinologia e estudos chineses indicam campos diferentes e cujas preocupações são bastante diversas: enquanto a primeira é uma disciplina de cunho elitista que tenta capturar na prática o próprio ethos da “grande tradição chinesa”, a segunda tenta abarcar a sociedade chinesa e seus produtos culturais como um todo. O 67 Alfred L. Chan, Mao’s Crusade: Politics and Policy Implementation in China’s Great Leap Forward (Oxford: Oxford University Press, 2001). 68 Roderick MacFarquhar e Michael Schoenhals, Mao’s Last Revolution (MA: Harvard University Press, 2008). 69 Otto B. Van Der Sprenkel, “Max Weber on China”, em Histoy and Theory, vol. 3, No. 3 (1964), 348–370. 70 Arthur C. Danto, After the End of Art: Contemporary Art and the Pale of History (New Jersey: Princeton University Press, 1997). 71 Georg G. Iggers, Historiography in the Twentieth Century: From Scientific Objectivity to the Postmodern Challenge (Connecticut: Wesleyan University Press, 2005), 97–147. 72 Hans Belting, The End of the History of Art? (Chicago: University of Chicago Press, 1987). 73 G. William Skinner, “What the Study of China can do for Social Sciences”, em The Journal of Asian Studies, Vol. 23, No. 4 (1964), 517. 26 artigo de Skinner aparecia no Journal of Asian Studies, baseado em Cambridge, que no mesmo ano publicou vários artigos sobre Sinologia e seus limites teóricos e metodológicos. Os autores envolvidos incluíam nomes como Maurice Freedman (1920–1975),74 Denis Twitchett (1925–2006),75 Frederick Mote (1922–2005)76 e Joseph Levenson (1920–1969).77 Tais scholars ou estudaram em universidades americanas ou se tornaram, durante suas respectivas carreiras, colaborades importantes de universidades dos EUA. Assim como Pelliot, a maioria esteve amplamente envolvida na vida militar do assim chamado mundo livre, agindo senão como oficiais de guerra, pelo menos integrando seus serviços de inteligência e expertise linguística. Freedman começa seu texto, cujo título mantém uma óbvia interação com o de Skinner, dando claras indicações de que o lugar de honra é dado aos EUA: “Eu sou o coringa no baralho – não simplesmente pela óbvia razão de eu não ser um americano, como também, e muito mais significativamente, por eu não ter nenhum direito de sentar numa plataforma com pessoas doutas em Sinologia.”78 Reconhecendo que sinólogos como Granet já haviam entendido a importância metodológica das ciências sociais, Freedman no entanto ainda assim sente que o sinólogo tradicional olha com indiferença qualquer coisa que o não-sinólogo tenha a dizer sobre a China. Ele acredita que as ciências sociais possam oferecer ao sinólogo uma perspectiva comparativa, isto é, a possibilidade de autoreflexão cultural e, consequentemente, objetividade ampliada que a obsessão documental e linguística sinológicas parecem ter esquecido. Ele reconhece que o termo “ciências sociais” é amplo demais, de modo que ele só pode se responsabilizar ou argumentar pela utilidade da antropologia, seu próprio campo de estudo. Freedman argumenta que a mesma pode oferecer boas ideias ao sinólogo, mas não necessariamente uma metodologia. O estudioso também não acredita que o antropólogo da China deveria aspirar a um grande domínio das ferramentas sinológicas pois isto o desvirtuaria de seu objetivo básico de produzir uma contribuição para a imaginação antropológica.79 Twitchett, por outro lado, é favorável à manutenção do “excelente espírito corporativo” que caracteriza os sinólogos e sua prática da profissão. De certo modo, isto é um argumento a favor do exclusivismo e do elitismo sinológicos. Mas o estudioso também exorta as gerações futuras a uma maior cooperação com outras áreas, desde que se mantenham os padrões de qualidade da Sinologia tradicional que, como ele mesmo reconhece, exige anos de treinamento intensivo. A visão tradicionalista de Twitchett é aquela do sinólogo que busca uma formação clássica semelhante ao do literato chinês, isto é, do homem ocidental cujo saber o equipararia ao mais erudito dos mandarins em termos de sua percepção da história e sociedade chinesas.80 Na minha opinião (e certamente na opinião de muitos sinólogos hoje), tal ideal é um exercício de imaginação antropológico travestido como rigor filológico! 74 Ver William Skinner, “Maurice Freedman 1920–1975”, em American Anthropologist, New Series, Vol. 78, No. 4 (1976), 871–885 75 David McMullen, “Dennis Crispin Twitchett”, em Proceedings of the British Academy, no. 166, 2010, 323–345. 76 William S. Atwell, “Frederick W. Mote (June 2, 1922–February 10, 2005)”, em The Journal of Asian Studies, Vol. 64, No. 3 (2005), 815–819. 77 John A. Harrison, “In Memoriam: Joseph Richmond Levenson 1920–1969”, em The Journal of Asian Studies, Vol. 29, No. 1 (1969), 5. 78 Maurice Freedman, “What Social Science Can Do for Chinese Studies”, em The Journal of Asian Studies, Vol. 23, No. 4 (1964), 523. 79 Maurice Freedman, “What Social Science Can Do for Chinese Studies”, 523–529. 80 Denis Twitchett, “A Lone Sheer for Sinology”, em The Journal of Asian Studies, Vol. 24, No. 1 (1964), 109–112. 27 Mote é um sinólogo tradicional, mas extremamente cônscio do passado imperialista da disciplina. Ele certamente não concorda com Skinner, para quem a expressão estudos chineses deveria substituir o termo Sinologia. Em uma das notas de seu artigo, por exemplo, Mote vai longe e chega a dizer que o termo Sinologia é compatível com o termo chinês guoxue (estudos nacionais). O texto de Mote gira em torno do conceito de integridade (integrity) por meio do qual ele explora as noções de qualificação acadêmica e erudição. Mote define a Sinologia como o estudo da civilização chinesa em sua integralidade, feito por aqueles cujo saber é idealmente tão vasto quanto aquele que caracterizara a mentalidade dos homens que se tornaram seu objeto de estudo. Nisto, ele se assemelha a Twitchett. Mote é categórico ao afirmar que o domínio do idioma chinês é condição básica para qualquer sinólogo, não o objetivo final de seus estudos. Mas como observa Kung-Chuang Hsiao em outro texto, tal domínio linguístico começava a ser substituído pela combinação de profissionalização em disciplinas acadêmicas consagradas e um certo interesse em tais metodologias como uma porta de acesso ao estudo da China.81 Mote escreve tendo em mente, também, a discussão com as ciências sociais e outras áreas do saber onde o peso da aquisição linguística que caracteriza a Sinologia clássica não se faz sentir.82 Mote é contrário à redução da Sinologia à filologia, proposta por Schafer. No mesmo espírito, ele afirma de modo bastante interessante que: “A Sinologia precisa se tornar nativa, e ao realizar isto ela irá descobrir que os nativos podem de fato ter aprendido alguns detalhes úteis de administração a partir da fase imperialista, mas que eles mesmos tem por todo o tempo fornecido a verdadeira consciência da integridade do campo e tem mantido suas fronteiras da melhor maneira.” 83 Esta leitura a um só tempo correta e radical da história da Sinologia se mostra bastante atual diante da maneira como scholars chineses conduzem hoje seus estudos sobre a China, que tendem apenas a ganhar cada vez mais importância. Levenson escreve um texto ao mesmo tempo divertido e provocante. O estilo aparentemente descompromissado e irreverente do início do ensaio transforma-se numa discussão acerca das dicotomias daoismo versus confucionismo, homem versus natureza, que Levenson percebe bem, nunca levaram à dicotomia classicismo versus romantismo na China. Neste ensaio, pode-se dizer que Levenson atirou no que viu e acertou no que não viu. O que ele entendia por daoismo naquele tempo é muito diferente daquilo que entendemos hoje, depois de gerações de pesquisadores japoneses e franceses com os quais Levenson parece não estar muito familiarizado. O daoismo de Levenson ainda é o de Arthur Walley, quando o daoismo ainda era pensado em termos de uma distinção entre daoismo filosófico e daoismo religioso. O argumento básico dele está correto, isto é, não existe conflito inerente entre daoismo e confucionismo, mas de um modo geral as premissas do estudioso ou são erradas ou são anacrônicas. Mas ao fim do seu artigo fica claro que este curioso exercício de 81 Kung-Chuang Hsiao 蕭公權 (1897–1981) é um membro importante das reflexões de 1964 pois ele é justamente um produto da educação que via a China como um museu vivo e, seguindo a mesma metáfora, um elemento do museu. Ele nasceu no fim da dinastia Qing e viveu tempo o suficient para ver todas as grandes transformações do mundo moderno, com exceção do aparecimento da AIDS. Hsiao viajou para os EUA como um beneficiário da Bolsa de Indenização dos Boxers (Gengzi peikuan jiangxuejin庚子賠款獎學金), que resultou do Protocolo dos Boxers assinado em 07 de Setembro de 1901. Sobre Hsiao, ver "Biography of Hsiao Kung-ch'üan", em David C. Buxbaum, Frederick W. Mote (eds.), Transition and Permanence: Chinese History and Culture. A Festschrift in Honor of Dr. Hsiao Kung-ch'uan (Hong Kong: Cathay Press, 1972), xiiixvi. Sobre o protocolo, ver Frank H. H. King, “The Boxer Indemnity: ‘Nothing but Bad’”, em Modern Asian Studies, Vol. 40, No. 3 (2006), 663–689. 82 Frederick W. Mote, “The Case for the Integrity of Sinology”, em The Journal of Asian Studies, Vol. 23, No. 4 (1964), 531–534. 83 Frederick W. Mote, “The Case for the Integrity of Sinology”, 532. 28 pensamento revela uma vontade de liberar a Sinologia de seus passados coloniais e imperialistas. Nas palavras de Levenson, a China precisa ser mais do que um vasto museu onde “orientalistas” se deleitam a despeito do sofrimento dos colonizados. 84 Enquanto scholars anglófonos discutiam os limites da Sinologia, os países soviéticos desenvolviam sua própria narrativa acerca da China. Paralelamente, o David cercado por vários Golias chamado Israel, a nação judaica fundada um ano antes da República Polular da China (isto é, em 1948), também lançava as bases para uma Sinologia própria. Este processo gerou sinólogos que, assim como Pelliot, eram hábeis tanto na pena quanto na espada ou, para usar uma expressão mais adequada para os tempos aqui discutidos, a metralhadora. Muito embora o estado de Israel e seus kibutzim ‫ קיבוצים‬tenham sido fundados, parcialmente, com inspiração socialista, os desenvolvimentos da Sinologia em Israel se alinham muito mais diretamente com a literatura acadêmica americana do que com a soviética. Mas a Sinologia israelense é ainda tão periférica quanto aquela que é esporidacamente praticada na América Latina, embora suas fundações institucionais sejam mais fortes. 85 O mesmo se aplica a casos como o do Canadá86 e dos países nórdicos.87 Por outro lado, a literatura sinológica dos países comunistas é um outro lado da moeda do qual qualquer discussão historicamente orientada acerca da Sinologia no século XX não poderia escapar. A Sinologia dos países comunistas Fairbank, em sua proposta de 1961, já havia notado a importãncia dada aos estudos sobre a China nos países comunistas. Alguns autores contemporâneos se dedicam a tal tema.88 A relevância documental da Sinologia soviética e comunista não pode ser subestimada, em parte pelo fato de que, em alguns casos, scholars de tais países tiveram acesso a aspectos da China simplesmente proibidos para suas contrapartes ocidentais.89 Na extinta União Soviética, o centro de produção intelectual sobre a China era, por razões óbvias, o que hoje é a Rússia. No entanto, ao contrário do que se poderia presumir a partir da questão do alinhamento ideológico, as condições de trabalho e acesso à China para sinólogos soviéticos não eram das mais ideais. 90 A Sinologia russa tem em Vasily Mikhaylovich Alekseev (1881–1951) um de seus precursores e maiores nomes. Alekseev começou seus estudos sinológicos antes da fundação da União Soviética e seu perfil intelectual o coloca como um pensador cosmopolita, ao invés de ideólogo comunista. Ele foi alçado à posição de acadêmico mais pela ajuda de amigos bem relacionados no mundo da política do que por suas 84 Joseph R. Levenson, “Will Sinology Do?”, em The Journal of Asian Studies, Vol. 23, No. 4 (1964), 507–512. 85 Irene Eber, “Sinology in Israel”, em Revue Bibliographique de Sinologie, NOUVELLE SÉRIE, Vol. 14 (1996), 29–35. 86 Graham E. Johnson, “The True North Strong: Contemporary Chinese Studies in Canada”, em The China Quarterly, No. 143 (1995), 851–866. 87 Kjeld Erik Brødsgaard, “Contemporary China Studies in Scandinavia”, em The China Quarterly, No. 147 (1996), 938–961. 88 Chih-yu Shih, “Doing Sinology in Former Socialist States, Reflections from the Czech Republic, Mongolia, Poland, and Russia: Introduction”, em China Review, Vol. 14, No. 2, Special Issue: Doing Sinology in Former Socialist States (Fall 2014), 1–9. 89 Mas a história das relações da China com a União Soviética também passou por momentos delicados. Ver David Wolff, “Soviet Sinology and the Sino-Soviet Rift”, em Russian History, Vol. 30, No. 4 (WINTER 2003), 433–456. 90 Valentin C. Golovachev, “The Lifting of the "Iron Veil" by Russian Sinologists During the Soviet Period (1917–1991)”, em China Review, Vol. 14, No. 2, Special Issue: Doing Sinology in Former Socialist States (Fall 2014), 91–111. 29 ideias acerca da China, que talvez fossem mais bem aceitas no mundo francófono. 91 Em seus diários, o sinólogo russo chega a dizer a seguinte frase: “Lamento dizer que não sou um marxista.” 92 Entre os temas abordados pela Sinologia soviética em língua russa encontramse a literatura do período Ming-Qing93 e o que se chama por China “medieval”.94 Alguns de seus scholars trabalhavam dentro da problemática oferecida pelo materialismo histórico e pelo marxismo do estado, cujo discurso oficial tentou descrever a China como uma sociedade feudal (em chinês, fengjian shehui 封建社會). Na Rússia de hoje (e no mundo acadêmico como um todo), tal noção caiu em desuso. Esta teoria era importante, pois era preciso criar para a China uma classe “camponesa” e uma explicação para a revolução socialista que fossem compatíveis com os modelos europeus e eslavos. Também era preciso explicar a questão que Max Weber também queria entender, e sobre a qual ninguém chegou a um consenso preciso até hoje, notadamente, a razão pela qual na China o capitalismo não havia se desenvolvido como na Europa.95 Ao mesmo tempo, no entanto, é importante enfatizar a existência de uma tradição russa sinológica de forte caráter filológico e voltada para o estudo preciso de textos, especialmente religiosos. A partir dos anos 80, a Sinologia russa começa a se interessar por questões culturais além das questões filológicas tradicionalmente discutidas. Um campo bastante forte dentre os estudos sinológicos russos é o de estudos budistas, incluindo o legado de Dunhuang.96 Hoje, no período pós-soviético, além de estudos sobre budismo chinês, os sinólogos russos também se debruçam sobre temas como a doutrina das políticas externas da União Soviética em relação à China, o problema da modernização chinesa, revisões historiográficas acerca da história recente da China, o papel do Partido Comunista Chinês na modernização do país e as transformações legais e jurídicas da China moderna. Tais temas indicam a integração da Sinologia tradicional no vasto escopo das ciências humanas em geral, especialmente a História, a Sociologia, e o Direito.97 Durante os seus 41 anos de existência, a República Democrática Alemã, ou Alemanha Oriental (1949–1990), produziu interessantes estudos sobre a China. Kampen resume tal discussão em quatro pontos fundamentais: (1) muitos sinólogos da Alemanha Oriental puderam estudar e observar a China in loco, durante os anos 50 e 60; (2) a Sinologia da Alemanha Oriental se moveu mais rapidamente em direção à investigação de tópicos modernos do que a Sinologia do Ocidente; (3) ao contrário da Sinologia ocidental, sua ênfase estava nos estudos sociais, não na filologia; (4) os estudos produzidos na Alemanha Oriental representam uma ponte entre o que se 91 Christoph Harbsmeier, “Vasilii Mikhailovich Alekseev and Russian Sinology”, em T'oung Pao, Second Series, Vol. 97, Fasc. 4/5 (2011), 344–370. 92 Christoph Harbsmeier, “Vasilii Mikhailovich Alekseev and Russian Sinology”, 369. 93 Helmut Martin, “Soviet Scholarship on Chinese Literature of the Ming and Qing Dynasties”, em Chinese Literature: Essays, Articles, Reviews (CLEAR), Vol. 6, No. 1/2 (1984), 151–178. 94 Ruth W. Dunnell, “SOVIET SCHOLARSHIP ON MEDIEVAL CHINA, 1982-1987”, em Bulletin of Sung and Yüan Studies, No. 20 (1988), 137–142. 95 Alexander Pisarev, “Soviet Sinology and Two Approaches to an Understanding of Chinese History”, em China Review, Vol. 14, No. 2, Special Issue: Doing Sinology in Former Socialist States (Fall 2014), 113–130. 96 E. A. Torchinov, “Philosophical Studies (Sinology and Indology) in St. Petersburg (Leningrad), 1985-1990”, em Philosophy East and West, Vol. 42, No. 2, Moscow Regional East-West Philosophers' Conference on Feminist Issues East and West (Apr., 1992), 327–333. 97 Alexei D. Voskressenski, “Uneven Development vs. Searching for Integrity: Chinese Studies in Post-Soviet Russia”, em China Review, Vol. 14, No. 2, Special Issue: Doing Sinology in Former Socialist States (Fall 2014), 131–154. 30 produzia no Ocidente e no “Oriente”, aqui entendido principalmente como a cultura russa.98 A Alemanha já contava com uma tradição sinológica antes do século XX. Outros países europeus, no entanto, só desenvolveram um interesse pela China durante o início do mesmo século. Na Polônia, o mais antigo instituto sinológico remonta a 1933. Trata-se do Instituto de Estudos Orientais, da Universidade de Varsóvia, cujas operações foram interrompidas durante a Segunda Guerra Mundial. Depois de 1945, o instituto continuou como a única referência sinológica do país, uma situação que mudou radicalmente em 1989, com o fim do comunismo. Durante os anos 50 e 60, a Sinologia era entendida na Polônia basicamente como uma forma de filologia, isto é, o estudo da língua e dos textos clássicos. Um elemento interessante deste período é que as principais autoridades sinológicas polonesas de então estudaram Sinologia na França, com Maspero, Pelliot e Granet. No período pós-comunismo, as instituições sinológicas polonesas mantiveram a sólida base filológica, mas agora integrando questões de interesse contemporâneo e o estudo prático da língua chinesa moderna.99 Na Checoslováquia, a Sinologia chegou ainda mais tarde. Isto ocorreu em 1945, tendo como cenário a Universidade Carolina de Praga. A “Escola de Praga” teve como uma de suas inovações metodológicas a maneira como as relações entre a China moderna e a tradicional foram exploradas. Ao contrário da situação da Polônia, onde a Sinologia é descrita como uma torre de marfim proibida para outsiders, a Sinologia na Checoslováquia seguiu o caminho da popularização e do amplo envolvimento com o público por meio de traduções, palestras e exibições. No período que precedeu a Segunda Guerra Mundial, Jaroslav Prusek (1906–1980) foi a maior autoridade e espírito por trás da Sinologia de seu país. Em 1947, ele se tornou o chefe do departamento de Sinologia da Universidade Carolina, após recusar ofertas semelhantes durante o período da ocupação nazista. No mesmo ano em que a Chechoslováquia se tornou um país comunista, ou seja, em 1948, a China conseguiu instalar uma Agência de Notícias Xinhua (Xinhua xinwen she 新華新聞社) em tal território. Os funcionários chineses da Agência se tornaram uma fonte de informação para os jovens sinólogos do país. No que tange à relação entre Sinologia e ideologia oficial, Olga Lomová e Anna Zádrapová deixam claro que há muitos documentos aguardando nova pesquisa. Embora a Sinologia nacional tenha se desenvolvido em um Instituto Oriental, em um jornal lançado em 15 de outubro de 1945, Prusek e seus contribuídores se mostram extremamente críticos em relação ao conceito de Oriente, entendendo tanto a sua origem colonialista quanto a sua significação puerilmente geográfica.100 Mas tudo isto precisa ser avaliado por meio de um estudo sério dos parâmetros nacionalistas por meio dos quais Prusek e outros imaginavam a China. Na Hungria, o Instituto da Ásia Oriental foi fundado em 1924, na Universidade Eötvös Loránd, sob a tutela de Pröhle Vilmos (1871–1946), cujos estudantes eram treinados nos métodos da filologia clássica. Antes de 1924, o que hoje é a Hungria moderna sabia acerca da “China” por meio de seus monges cristãos, viajantes de famílias nobres e expedições cujo objetivo era construir uma identidade nacional moderna. Tais exploradores incluíram nomes como o Conde Benyovszky 98 Thomas Kampen, “SOCIALIST SINOLOGY: EAST GERMAN CHINA STUDIES FROM 1949 TO 1990”, em Revue Bibliographique de Sinologie, Nouvelle série, Vol. 17 (1999), 75–88. 99 Anna Rudakowska, “The Study of China in Poland after World War II: Toward the "New Sinology"?”, em China Review, Vol. 14, No. 2, Special Issue: Doing Sinology in Former Socialist States (Fall 2014), 59–90. 100 Olga Lomová and Anna Zádrapová, “Beyond Academia and Politics: Understanding China and Doing Sinology in Czechoslovakia after World War II”, em China Review, Vol. 14, No. 2, Special Issue: Doing Sinology in Former Socialist States (Fall 2014), 11–35. 31 Móric (1746–1786), que escreveu sobre Taiwan. O colecionador de arte e pesquisador de ótica Hopp Ferenc (1833–1919), cuja coleção deu origem ao Museu de Artes Asiáticas Ferenc Hopp, fundado em 1919. Além dele, podemos citar o Conde Széchenyi Béla (1837–1918), filho mais velho do fundador da Acadêmia Húngara de Ciências, cujas expedições foram as primeiras a tornar o Ocidente consciente acerca da existência das grutas de Dunhuang. Um dos mais eminentes membros de tal expedição foi o geólogo Lóczy Lajos (1849–1920), que apresentou um relatório sobre a existência e importância das grutas de Mogao em Dunhuang no ano de 1902, em uma conferência realizada em Hamburgo. Cinco anos mais tarde, Sir Aurel Stein – nascido húngaro, mas feito cidadão britânico mais tarde – irá realizar a primeira grande expedição para Dunhuang, tida como uma das mais sensacionais descobertas científicas dos estudos sobre China e Ásia Central do século XX, para grande descontentamento de Pelliot, que nunca irá perdoar Stein por seu pioneirismo. Em 1950, Ligeti Lajos (1902–1987), que foi um mongólogo e sinólogo membro da Academia Húngara de Ciências e aluno de ninguém menos que Maspero e Pelliot, fundou o jornal acadêmico Acta Orientalia Academiae Scientiarum Hungaricae (1950–), ativo até hoje sob direção de Kósa Gábor, historiador das religiões e sinólogo. Sua estudante, Judit Bagi, continua a tradição húngara com estudos sobre Dunhuang nos quais a filologia tradicional é enriquecida pela perspectiva antropológica.101 Sinologia hoje: religão e pós-modernidade Escrevendo há mais de uma década atrás, o tradicionalista Paul Rule reclama dos desenvolvimentos pós-modernos da Sinologia contemporânea: “Os estudos chineses, tanto dentro quanto fora da China, têm sido influenciados pela teoria pós-modernista. Felizmente – e aqui eu traio minha parcialidade – esta não tem afetado muito o estudo do cristianismo na China.”102 O estudante sério, no entanto, precisa reconhecer que o pós-modernismo é uma realidade epistemológica de qualquer disciplina acadêmica hoje, pois se trata de um desdobramento do marxismo, do feminismo e de outras lutas políticas do início do século XX. Embora nem o marxismo, nem o feminismo, nem a sensibilidade acerca da opressão colonial e do racismo sejam nada de novos, tais lutas políticas levaram muito tempo até gerarem algum fruto dentro da Sinologia. Para falar a verdade, a Sinologia ainda não gerou um diálogo sério com Karl Marx. No máximo, a Sinologia de hoje foi capaz de mostrar as insuficiências de Max Weber, especialmente no que tange ao problema do suposto desencantamento do mundo, que nunca ocorreu de fato.103 O feminismo, no entanto, encontrou formas de expressão dentro da Sinologia tanto na forma de panfletos pseudo-acadêmicos de valor filosófico e histórico discutíveis quanto na forma de discussões inteligíveis acerca do significado da mulher na China moderna.104 Enquanto isto, a inserção dos negros no estudo sobre Sinologia diz mais sobre a capacidade dos EUA de incorporar minorias 101 Toda a informação contida neste parágrafo foi gentilmente cedida por Judit Bagi e Gábor Kósa por meio de comunicação pessoal. Para mais dados sobre a Sinologia húngara, ver Gábor Kósa, “First Conference of Young Orientalists in Hungary”, em Acta Orientalia Academiae Scientiarum Hungaricae, Vol. 54, No. 2/3 (2001), 362–366. 102 Paul Rule, “From missionary hagiography to the history of Chinese Christianity”, em Monumenta Serica, vol. 53 (2005), 473. Ver também Jonathan Arac, “Postmodernism and Postmodernity in China: An Agenda for Inquiry”, em New Literary History, Vol. 28, No. 1, Cultural Studies: China and the West (Winter, 1997), 135–145. 103 Ver Donald S. Sutton, Steps of Perfection: Exorcistic Performance and Chinese Religion in Twentieth-Century Taiwan (MA: Harvard University Asia Center, 2003). 104 Xiaofei Kang, “Women and the Religious Question in Modern China”, em John Lagerwey, Vincent Goossaert e John Kiely (eds.), Modern Chinese Religion II: 1850–2015 (Leiden: Brill, 2016), 491–559. 32 em campos de pesquisa tradicionalmente elitistas, machistas e exclusivistas do que acerca das revoluções epistemológicas realizadas por tais minorias. 105 As descobertas empíricas e os argumentos mais relevantes e, de certo modo, mais revolucionários da Sinologia de hoje ainda derivam de centros tradicionais de estudo sinológico, incluindo a academia americana e a chinesa. A Sinologia ainda é uma “ciência” que se orienta por paradigmas nacionais. O projeto missionário de descrever a China como um reino puramente filosófico de alta cultura erudita, no entanto, chegou a um fim. Missionários cristãos produziram em suas obras uma imagem da China em conformidade com os valores da cultura de elite da linhagem, identificando toda a história e a cultura da China com a imagem do filósofo Confúcio, cuja racionalidade poderia oferecer ajuda até mesmo para os monarcas e nobres da Europa, desde que nenhuma menção fosse feita aos deuses chineses. A religião do povo, com seus inúmeros deuses locais e dramáticos rituais de possessão, assim como o daoismo e o budismo, com seus ritos esotéricos e templos luxuosamente decorados e toda a religiosidade que de fato estruturava a vida social chinesa106 ficaram de fora da imagem missionária de uma China ideal, a não ser, é claro, quando os missionários gostariam de denunciar aquilo que imaginavam como “paganismo” e “idolatria”.107 Hoje se vê uma ênfase crescente nos estudos sobre como religião e sociedade se conectam. Granet venceu. Como argumentado recentemente por Lagerwey, a China imperial possuía dois componentes sociais básicos: a linhagem e o arranjo territorial baseado em templos.108 Enquanto a linhagem109 se identifica mais explicitamente com os ritos e valores confucionistas (tais como o culto aos ancestrais) de elite (tanto imperias como locais), o arranjo territorial por templos é o palco onde rituais budistas, daoistas e populares ocorrem em profusão. Como Richard von Glahn coloca de modo extremamente preciso, durante o período imperial os deuses do povo “eram simultaneamente muito mais poderosos do que o estado imperial, e também mais intimamente engajados nas vidas de seus súditos”.110 Os deuses locais, apesar de tentativas de supressão por parte do estado ateu depois de 1949, continuam a ter um papel fundamental na vida e sociedade chinesas.111 De fato, Mao Zedong (1893– 1976), que certa vez proclamou que o mesmo povo que havia criado os deuses iria destruí-los, tornou-se um dos deuses populares que se manifestam via ritos de transe mediúnico.112 Existiria algo mais revolucionário do que a ideia de que o fundador da 105 Robert Fikes Jr., “Black Scholars Who Make a Specialty of Asian Studies”, em The Journal of Blacks in Higher Education, No. 36 (Summer, 2002), 104–108. 106 Para uma discussão acerca das estruturas sociais da China imperial, ver Joseph McDermott, “The Village Quartet”, em John Lagerwey, and Pierre Marsone (eds.), Modern Chinese Religion I: Song-Liao-Jin-Yuan, 960–1368 AD (Leiden: Brill, 2015), 169–228. 107 O escopo da assim chamada “idolatria”, obviamente, é uma questão de relativismo cultural. Para os judeus ortodoxos e para os muçulmanos, por exemplo, os católicos são tão idólatras quanto os chineses eram para os missionários. 108 John Lagerwey, “The Emergence of a Temple-Centric Society”, em Minsu quyi [民俗曲藝], 205, 2019, 29–102. 109 Michael Szonyi, “Lineages and the Making of Contemporary China”, em John Lagerwey, Vincent Goossaert e John Kiely (eds.), Modern Chinese Religion II: 1850–2015 (Leiden: Brill, 2016), 433–487. 110 Richard von Glahn, “The Sociology of Local Religion in the Lake Tai Basin”, em John Lagerwey (ed.) Religion and Chinese Society (Hong Kong: The Chinese University Press, 2004), 804. 111 Fan Zhuli and Chen Na, “The Revival and Development of Popular Religion in China, 1980– Present” em John Lagerwey, Vincent Goossaert e John Kiely (eds.), Modern Chinese Religion II: 1850–2015 (Leiden: Brill, 2016), 923–948. 112 Ver o documentário de 2016 dirigido por Xu Huijing 徐慧晶, “Porta-voz dos deuses e imortais” (em chinês: Shenxian daiyanren 神仙代言人), que conta a história da camponesa Cui 33 China moderna, o grande timoneiro do Partido Comunista, não é nada mais nada menos do que um deus cuja manifestação reflete as complicadas consequências da psicologia social capitalista? Considerações finais Respondendo, mesmo que provisoriamente, as indagações do Professor Bueno, percebe-se que o futuro da Sinologia reside tanto na preservação de paradigmas tradicionais, como a exigência em relação à língua chinesa clássica e falada como, também, na ampliação da sensibilidade acadêmica proporcionada pela pesquisa de campo, cuja dimensão antropológica é um desafio significativo tanto para o scholar estrangeiro como para o scholar chinês. Disfarçada, desde seus primórdios missionários, de filologia desinteressada dos aspectos políticos, econômicos e práticos da vida mundana, a Sinologia é qualquer coisa menos uma discussão acerca do sexo dos anjos. Um dos elementos mais desconfortáveis acerca do presente artigo é que a cronologia da Sinologia moderna pode e deve ser estabelecida de acordo com os desenvolvimentos políticos do século passado, incluindo os dois grandes conflitos mundiais e a Guerra Fria. Como interpretar a necessidade de tal cronologia? Seria a Sinologia do século XX apenas um reflexo do contexto político maior, uma tecnologia acadêmica de dominação com a ajuda da qual as potências ocidentais colonizaram parcialmente a China? A consciência do perfil colonialista em que a Sinologia surge e é praticada mostra que, enquanto empreendimento intelectual, a Sinologia não é um simples reflexo de contextos bélicos e econômicos maiores. Embora tenha envolvido certamente os recursos financeiros do mundo rico, a Sinologia tem como condição de sua execução o desenvolvimento da sensibilidade moderna, para os quais o colonialismo, o machismo, a homofobia, o racismo e o nacionalismo são elementos cuja existência mesma não pode ser tolerada dentro do discurso acadêmico. Prova disto se dá não na biografia individual dos sinólogos do passado,113 mas sim na agenda intelectual da Sinologia contemporânea. Esta exige uma abertura significativa do sinólogo não apenas em relação ao idioma moderno chinês como, também, em relação a realidades sociais – incluindo o mundo da religião, da prostituição e da criminalidade – que sinólogos de períodos anteriores considerariam como indignas de estudo, posto que o objetivo pretérito da Sinologia seria alcançar por meio do estudo da língua uma visão de mundo semelhante à do homem educado chinês. Este tempo já passou. Agora, além dos homens educados que passaram nos exames para cargos públicos do período imperial, o estudo da China também se abre para a perspectiva das mulheres, dos segmentos cléricos demonizados durante o período de modernização, dos criminosos, das prostitutas, dos marginalizados em geral e dos deuses populares, dos quais Mao Zedong é hoje apenas um dentre muitos. Zhen 翠珍, de Shanxi 山西. Ela incorpora, para usar um termo comum na Umbanda e no Candomblé brasileiros, ninguém menos que Mao Zedong. 113 Pelliot, por exemplo, correspondia ao típico estereótipo do “macho” que não se esquiva a brigas. Ver Christoph Harbsmeier, “Vasilii Mikhailovich Alekseev and Russian Sinology”, 365: “Pelliot was in fact more than clever: he was fierce and in more ways than one. He once challenged a man to a duel because he had dared to criticize the scholarship of Chavannes.” 34 O FIM DA SINOLOGIA OCIDENTAL Ben Hammer I O estudo da China pelos ocidentais começou a se espalhar nos anos 1600. Isso foi, principalmente, o resultado da comunicação frequente entre os missionários estacionados na China e os sábios europeus, que buscavam diligentemente a base de uma linguagem e filosofia universais. Desde então, o interesse do ‘mundo ocidental’ no povo, linguagem e cultura da China tem, por vezes, diminuído, mas nunca cessou. Essa disciplina da Sinologia, como todas as disciplinas, acabou se tornando reflexiva. Durante o século passado, os pesquisadores começaram a prestar crescente atenção às maneiras pelas quais os ocidentais estudam a China, em contraste com as maneiras pelas quais os chineses estudam a China. O objeto de estudo, independentemente de onde o estudante é, permanece o mesmo e geralmente se limita aos aspectos antigos ou históricos da língua chinesa, filosofia etc., e é por isso que a Sinologia, às vezes, é equiparada à filologia chinesa.1 Os termos para distinguir esses dois campos são um tanto ambíguos em inglês, pois todos se enquadram na categoria ampla de "Sinologia". Eles são muito mais claros em chinês: Guo Xue 国学, ou “estudos nacionais”, é o termo usado pelos chineses para se referir ao estudo de sua própria cultura antiga; Han Xue 汉学, ou Xifang Han Xue 西方汉学, “Sinologia Ocidental”, é o termo usado para o estudo da cultura da China por estrangeiros ocidentais. Embora o objetivo dessas duas “ideologias” seja o mesmo, elas são frequentemente vistas como campos distintos e até concorrentes. Os chineses se envolvem em estudos nacionais de um ponto de vista exclusivamente chinês, usando seu modo de pensar chinês; os ocidentais a abordam do ponto de vista ocidental, usando uma maneira de pensar distintamente ocidental. O objetivo deste artigo é discutir as origens dessa dicotomia, e avaliar em que medida ela representa a realidade histórica e contemporânea. A tese deste artigo é que, embora a clara divisão entre as abordagens ocidental e chinesa para o estudo da China se baseie em fatos históricos, a linha que antes serviu para distinguir entre as duas diminuiu, e ficou turva a tal ponto, que é não é mais relevante. Continuar a insistir que as descobertas de um estudioso chinês e as conclusões de uma sinólogo ocidental representam pontos de vista necessariamente distintos, e até mesmo opostos, é uma deturpação, que injusta e imprecisamente diminui o valor de ambos. Essa ideia, de uma dicotomia entre a metodologia acadêmica chinesa e a do Ocidente, decorre da crença ainda maior de dicotomia entre as culturas. Entre os observadores orientais e ocidentais, existe uma crença generalizada e de longa data que existem diferenças fundamentais e intransponíveis em nossas visões, valores, prioridades e perspectivas de mundo. Para Edward Said, essa foi a base de sua teoria do orientalismo: “O orientalismo é um estilo de pensamento baseado em uma distinção ontológica e epistemológica feita entre 'o Oriente' e 'o Ocidente'. Assim, uma grande massa de escritores (...) aceitou a distinção básica entre Oriente e Ocidente como ponto de partida para teorias elaboradas, épicos, romances, descrições sociais e relatos políticos sobre o Oriente ”.2 1 Mote, Fredrick (1964). “The Case for the Integrity of Sinology”. Journal of Asian Studies 23: 531; Franke, Wolfgang (1967). China and the West, trans. R.A. Wilson. Oxford: Basil Blackwell: 145 2 Said, Edward (1979) Orientalism. New York, NY: Random House: 2-3. 35 Essa dicotomia cultural faz algumas suposições básicas. Primeiro, os modos de pensar chineses (como o representante usual do Extremo Oriente) e o ocidente são sempre e necessariamente distintos. Segundo, essa distinção geralmente pode se manifestar em termos de oposição estrita, ou seja, são modos de pensamento ordenadamente opostos ou polares. Terceiro, esses modos de pensar podem abranger, fielmente, todos os indivíduos em suas respectivas culturas. Isso significa que, depois de determinar o suposto "modo de pensar chinês" e o "modo de pensar ocidental", podemos aplicar com segurança essas características a todos os estudiosos (e as pesquisas) que saem da China e do Ocidente. Vejamos um exemplo desses estereótipos sendo colocada em uso por um dos mais influentes pensadores da China no século XX. Liang Shu Min (梁淑敏 1893-1988), conhecido como “o último confucionista”, estudava as tradições orientais e ocidentais. Em seu trabalho, A Cultura e a Filosofia do Oriente e do Ocidente (东西文化及其哲学), ele empresta as palavras de um contemporâneo, Li Dazhao, para expressar as diferenças fundamentais entre as duas tradições culturais, listadas após um conjunto diametralmente oposto de características, na tentativa de encapsular as naturezas da cultura oriental e ocidental, respectivamente: Um enfatiza o que é natural, outro o que é artificial; um enfatiza o descanso, o outro a guerra; um é passivo, o outro é ativo; um enfatiza a dependência; o outro, a independência; um é complacente, um é explorador; um herda e consegue, o outro cria; um é conservador, o outro é progressivo; um é intuitivo, o outro é racional; um é visionário, o outro é experiencial; um é artístico, um é científico; um é mental, o outro é material; um é da alma, o outro é do corpo; um olha para o céu, o outro se enraíza no chão; um procura seguir a vontade da natureza, o outro procura conquistar a natureza.3 Quando confinamos essas diferenças à esfera do discurso acadêmico - em particular a Sinologia -, notamos que os estudiosos modernos tendem a usar uma linguagem muito semelhante, para separar e categorizar nossos modos de pensamento "opostos". Os ocidentais desmontam as coisas: eles dissecam e analisam. Os chineses juntam as coisas: sua abordagem é holística e abrangente. Os ocidentais usam a lógica para raciocinar. Os chineses intuem e implicam. Os chineses abordam os estudos nacionais como insiders; tendo crescido na China e se beneficiado do conhecimento nativo da língua e cultura, eles têm acesso a uma visão intuitiva que raramente pode ser alcançada por estudiosos ocidentais. Os estudiosos ocidentais, por outro lado, em virtude de serem de fora, possuem um certo grau de objetividade em relação a certas questões difíceis para os estudiosos chineses; embora, ao mesmo tempo, ocidentais tragam preconceitos e valores ocidentais para suas pesquisas, que encontram caminho em suas reflexões. Não importa como olhamos para isso, um estudioso chinês e um ocidental estão destinados a usar metodologias opostas para chegar a níveis muito diferentes de entendimento. Para entender por que esses estereótipos são tão amplamente aceitos, devemos examinar brevemente a origem dessas suposições. 3 Liang, Shu Min (2012). Dong Xi Wen Hua ji qi Zhe Xue. Beijing: The Commercial Press. (梁淑敏《东西文化及其哲学》,北京:商务印书馆,2012年.): 34-5. 36 II O amplo interesse acadêmico europeu na China começou a se desenvolver no século XVII, durante a era do renascimento e do mercantilismo europeu. Missionários europeus foram enviados ao Leste da Ásia para espalhar ideias ocidentais, não apenas relacionadas à religião, mas também em muitos campos das ciências e humanidades. No processo, no entanto, muita informação foi transmitida na outra direção. Ordens cristãs diferentes, como dominicanos e franciscanos, enviaram missionários para a China, mas os mais influentes, relativamente falando, foram os jesuítas. Como tantos sábios europeus da época, os jesuítas eram bem-educados e sensíveis a questões culturais. Suas observações e comentários gerais sobre a China se tornaram populares na Europa, e uma importante fonte de informações sobre a China para o público europeu em geral. Outra fonte foi a correspondência pessoal dos jesuítas com intelectuais europeus contemporâneos. Alguns missionários também foram nomeados procuradores oficiais da missão na China (Pe. Martino Martini, Michael Boym, Prospero Intorcetta, Phillipe Couplet), o que exigiu que eles fizessem viagens de volta à Europa para obter apoio (intelectual, financeiro, papal) para suas missões no exterior. Isso proporcionou a alguns intelectuais europeus o contato direto com esses homens, que viveram e trabalharam na China por longos períodos de tempo (a duração da permanência de um missionário comum na China pode ser medida em décadas). O que temos então são dois grupos de pessoas que contribuíram para o nascimento da Sinologia. Por um lado, os missionários jesuítas, apesar de bemeducados, não eram acadêmicos e seu objetivo final não era estudar a China, mas fazer proselitismo entre os chineses. Por outro lado, havia intelectuais europeus acadêmicos, mas no contexto da Sinologia, eles estavam muito distantes do assunto. Como observadores ativos, os jesuítas tinham um conhecimento íntimo, mas muitas vezes distorcido, da cultura e do pensamento chineses. Eles observariam, interpretariam e transmitiriam informações de volta à Europa, onde os intelectuais interpretariam essas informações de maneira seletiva. Estes intelectuais europeus não eram sinólogos pelos padrões de hoje, especializados no estudo da China. Em vez disso, para emprestar um termo de David Mungello, eles eram proto-sinólogos, cujas pesquisas e interesses se estendiam a numerosos outros campos.4 As informações que eles coletaram sobre a China foram incorporadas em teorias e noções maiores e mais universais sobre história, filosofia e linguagem. Podemos dizer, com segurança, que eles não estavam estudando a China para se tornarem especialistas em assuntos chineses, mas para usar as informações e reforçar suas próprias teorias, com Leibniz sendo uma das primeiras exceções. Aqui, o potencial de distorção e deturpação é imediatamente claro. Os jesuítas, por outro lado, não devem ser menos responsabilizados pela deturpação cultural. O fundador da Política de acomodação dos Jesuítas na China, pe. Matteo Ricci, teve muita liberdade para decidir quais princípios cristãos deveriam ser firmemente respeitados, e quais poderiam ser seguidos livremente para acomodar e incorporar costumes e crenças nativas chinesas. Os missionários jesuítas também tinham um grande interesse em reler a história e a filosofia chinesas, para torná-la mais compatível com o monoteísmo e outros princípios do cristianismo. Eles queriam ser capazes de fundir as duas culturas, com o cristianismo no núcleo espiritual, mantendo um certo grau de valor estético e moral chinês. Isso permitiu uma transição suave e agradável para os convertidos chineses, em vez de exigir que eles renunciassem e abandonassem completamente sua própria cultura tradicional. 4 Mungello, David (1989) Curious Land: Jesuit Accommodation and the Origins of Sinology (2nd ed.). Honolulu: University of Hawaii Press: 13. 37 Como resultado de tantas manobras interpretativas, a informação sobre a China que chegou à Europa raramente estava completa ou objetivo, e os resultados dos protosinólogos foram, assim, raramente precisos. Não é nossa intenção aqui criticar as imprecisões ou erros em qualquer uma das pesquisas, seja chinesa ou ocidental, mas sim para analisar as supostas ‘características culturais’ de suas respectivas metodologias. Como metodologia, a abordagem dos proto-sinólogos deixou muito a desejar. Os intelectuais europeus não tinham nenhuma informação em primeira mão sobre a China, nem tinham experiência direta com a terra ou seu povo; eles certamente não podiam falar, ler ou escrever o idioma (apesar de algumas afirmações em contrário: Andreas Muller, por exemplo, alegou ter desenvolvido uma "chave" para dominar o idioma chinês). Nos dois séculos seguintes, um foco mais especializado foi colocado na China, e a Sinologia como disciplina amadureceu bastante. Os proto-sinólogos deram lugar a "sinólogos semi-profissionais"5, como os franceses Etienne Fourmont e Theophilus Bayer, que viveram do final do século XVII até meados do século XVIII. Eles eram estudiosos profissionais, com formação em clássicos e idiomas ocidentais, mas vieram mais tarde a se comprometer crescentemente com os estudos chineses. Embora seus motivos acadêmicos fossem mais direcionados do que os das gerações anteriores, seu entusiasmo excedia em muito seus conhecimentos. O século 19 viu o nascimento de sinólogos dedicados e destacados, com muitos franceses novamente na vanguarda. Os mais notáveis foram Edouard Chavannes, Paul Pelliot e Henri Maspero, e depois Henri Cordier, Marcel Granet e Bernhard Kalgren (sueco). A Sinologia britânica e americana surgiu no século 19, principalmente como resultado da presença missionária, mercantil, e diplomática na China. Enquanto muitos desses missionários protestantes (por exemplo, Alexander Wylie, Samuel Wells Williams) e oficiais que se tornaram acadêmicos (por exemplo, Herbert Giles, William Rockhill e novamente Samuel Wells Williams) produziram uma panóplia de traduções e monografias impressionantes, seus antecedentes ainda impediam um trabalho mais acadêmico e objetivo, que não infundisse ideias europeias e judaico-cristãs em suas interpretações da China. Como ocidentais, eles contavam com seus próprios conceitos de religião e filosofia para julgar os da China. Eles sempre impunham suas definições de religião teísta e pensamento analítico sobre a história espiritual e acadêmica da China, a fim de serem capazes de demonstrar como a China não conseguiu atingir os padrões ocidentais. Todo esse desenho de comparações acadêmicas e sociais aconteceu em um momento, da história mundial, em que o Ocidente era forte e avançado e a China, fraca e estagnada. Para as pessoas da época, teria sido difícil não ver esse fato como confirmando a superioridade das ciências e humanidades ocidentais. Esta introdução superficial à Sinologia ocidental mostra que muitas das suposições sobre as deficiências da Sinologia ocidental, e as diferenças fundamentais entre as percepções estrangeiras e internas da China, estão fundamentadas (embora este artigo conceda a precisão histórica desses traços culturais, há muito a ser dito sobre a perspicácia analítica dos eruditos chineses antigos, e a abrangência das filosofias europeias. Porém, isso não se enquadra no escopo deste artigo). Essas diferenças, suas causas e suas manifestações se tornaram um tópico tão importante no campo da Sinologia quanto os próprios produtos da pesquisa sinológica. A ironia é que, assim como essas “características culturais” da metodologia estão finalmente sendo reconhecidas e codificadas, elas também estão se tornando obsoletas. As condições históricas e acadêmicas que existiram por tanto tempo, e que criaram essa 5 Honey, David B. (2001). Incense at the Alter: Pioneering Sinologists and the Development of Classical Chinese Philology. New Haven: American Oriental Society: 23. 38 dicotomia de metodologias, não são as mesmas condições que cercam a pesquisa sinológica atual. III Hoje, quando dizemos que estudos nacionais, Guoxue e Sinologia ocidental, Xifang Hanxue, são duas abordagens separadas para o mesmo assunto, estamos realmente dizendo que os estudiosos envolvidos estão necessariamente usando dois pontos de referência distintos. Isto é, Guoxue não é apenas uma pesquisa sinológica conduzida por um indivíduo chinês, mas também que ele está usando uma abordagem acadêmica tradicional chinesa típica. Da mesma forma, Hanxue é conduzido por um ocidental que depende de teorias, valores e suposições ocidentais típicas para analisar a China. A divisão e, de fato, a existência dessas disciplinas como entidades separadas, depende de cada uma delas possuir essas características duplas. No entanto, a tendência da pesquisa sinológica, ao longo do último século, tem sido no sentido de embaçar ou mesmo apagar essas linhas de demarcação. A "chinesidade" de Guoxue e a "ocidentalidade" de Hanxue não são mais mutuamente exclusivas. A melhor maneira de ilustrar isso é através de exemplos. O início da dinastia Qing viu o crescimento de um robusto movimento filológico. Seus métodos foram baseados na rigorosa erudição textual da dinastia Han, mas a ascensão do próprio movimento foi uma resposta (entre muitas outras coisas) à filosofização abstrata e cada vez mais infundada dos confucionistas da dinastia Ming.6 O progresso feito em campos filológicos, como paleografia, fonologia e crítica textual foi monumental, mas, no que diz respeito à metodologia e à teoria, sua abordagem nunca se desviou dos estudos textuais tradicionais. No final da dinastia Qing e no início da era republicana, o ambiente acadêmico havia mudado completamente. Convencidos de que a insistência obstinada da China em sua superioridade cultural foi precisamente o que a levou a ficar para trás do Ocidente, milhares de acadêmicos foram ao exterior para serem educados de maneiras estrangeiras. Modern pioneiros do Guoxue, como Hu Shi 胡适, Feng You Lan 冯友兰, Fu Si Nian 傅斯年, Xu Xu Sheng 徐旭生, Chen Ying Que 陈寅恪, Li Ji 李济, Cai Yuan Pei 蔡元培, etc, eram de um tipo muito diferente de seus antecessores. Tendo viajado e estudado nos Estados Unidos e em países europeus (ou Japão, como nos casos de Wang Guo Wei 王国维, Guo Mo Ruo 郭沫若, e Zhang Tai Yan 章太炎), eles voltaram para a China para continuar seus estudos nacionais, e abriram um largo terreno para esse trabalho inovador. Um traço comum de seus estudos, deve-se notar, foi o uso consciente das teorias ocidentais, da classificação ocidental, do empirismo e ceticismo, e até mesmo estilos ocidentais de prosa e pontuação, para reler a literatura e a filosofia chinesas antigas. Eles decidiram, deliberadamente, usar os métodos ocidentais em seus “estudos nacionais". Portanto, somos confrontados com a pergunta: o trabalho desses estudiosos se enquadra na categoria de Guoxue ou Xifang Hanxue? Na mesma época em desses estudiosos chineses, estava o célebre sinólogo James Legge. Embora ele fosse um missionário na China, e seus objetivos espirituais visassem necessariamente converter os habitantes chineses ao cristianismo, suas atividades acadêmicas eram muito mais sensíveis à cultura. Em sua grande obra de tradução, The Chinese Classics (1861), vemos um transmissor cultural surpreendentemente fiel às tradições exegéticas chinesas nativas, com quase nenhum traço da ideologia judaico-cristã ou da terminologia derivada da Bíblia que se poderia esperar. Em um dos prolegômenos deste trabalho, intitulado "Listas dos principais 6 Yu, Ying Shi (2005) Lun Dai Zhen Yu Zhang Xue Cheng. Beijing: Sanlian Shu She. (余英时《论戴震与章学诚》,北京:三联书社,2005年) 39 trabalhos que foram consultados na preparação deste volume", vemos que as obras chinesas que ele referiu para sua tradução eram comentários ou edições autorizadas e amplamente reconhecidas dos clássicos, e que superavam em número as obras europeias em quase dois para um. Ele também admitiu livremente que sua interpretação das passagens foi modelada principalmente nos comentários de Zhu Xi 朱熹. À luz da tendência na China, daquela época, de empregar modelos ocidentais de análise para dissecar os clássicos chineses, surge a questão de saber se o trabalho de Legge é um verdadeiro exemplo da Sinologia ocidental, com um tradutor tendencioso e semi-informado que impõe padrões ocidentais ou cristãos a um clássico chinês indefeso; ou se seu trabalho deveria ser visto como saindo diretamente do molde da tradição chinesa de pesquisar comentários chineses ao longo das dinastias e, com base em seu próprio conhecimento íntimo de todos os clássicos e no intrincado sistema da filosofia confucionista interior, ele selecionou meticulosamente o que considerava as interpretações chinesas mais razoáveis e precisas para adaptar ao inglês. O denominador comum de todos esses estudiosos é uma perspectiva baseada em viagens, experiência e contato direto de primeira mão com “o outro lado”. Enquanto o autor americano, Mark Twain, estava vivendo na Europa, ele escreveu uma vez em uma correspondência para um jornal americano: “Viajar é fatal para preconceito, intolerância e mentes limitadas, e por essa razão, muitas pessoas precisam demais disso. Visões amplas, saudáveis e caridosas de homens e coisas não podem ser adquiridas vegetando em um cantinho da terra durante toda a vida”. A crescente facilidade de viajar foi um fator importante na evolução da Sinologia. Enquanto o estudo da China estava na sua infância na Europa, aqueles que tiveram contato direto com o povo chinês e sua literatura (os jesuítas), não foram os que fizeram o trabalho sinológico. Os que estavam envolvidos no trabalho sinológico, por outro lado, não tinham contato direto com a China. Hoje, isso não é mais verdade. O resultado mais natural das viagens mundiais se tornarem mais convenientes foi se tornarem igualmente mais frequente. Essa foi uma das condições importantes, que permitiram que os estudiosos chineses saíssem para além de suas próprias costas, e retornassem com as ideias ocidentais. Isso é ainda mais aplicável, dada a crescente eficiência das viagens mundiais nas últimas décadas. Não apenas um estudante universitário ocidental pode optar por se formar em estudos chineses, geralmente com o benefício de professores chineses, mas também pode optar por viajar para a China ou Taiwan e também morar lá, a fim de familiarizar-se com a língua, a cultura e o pensamento. Esse é o tipo de formação educacional que os sinólogos profissionais modernos estão trazendo para suas pesquisas. Compare isso com Arthur Waley, célebre filólogo, poeta e tradutor de obras orientais, que nunca pisou na Ásia e nunca aprendeu a falar chinês ou japonês moderno. De fato, dada a especialização acadêmica altamente desenvolvida que é comum hoje em dia, não é mais seguro assumir que os estudantes ocidentais de Sinologia são todos bem versados na história da filosofia ou religião ocidental, que é precisamente o conteúdo que eles supostamente impõem sobre os assuntos chineses. Essa ideia de características culturais em Sinologia ou na metodologia, de que um estudioso ocidental pode sempre e somente ver a China de um ponto de vista puramente ocidental, está se tornando cada vez menos sustentável. O que exatamente queremos dizer quando dizemos "Sinologia ocidental"? Isso implica não apenas predisposições acadêmicas ao pensamento de estilo analítico, racionalismo ou qualquer um dos inúmeros "ismos" que apareceram entre Platão e Rawls. Existem muitas características normativas e perniciosas em questão. Separar Xifang Hanxue de Guoxue é dizer que todo o curso de Hanxue é essencialmente definido por uma base cultural e histórica ocidental. Essa subjetividade inevitável, 40 que eles trazem para a China, e aos estudos relacionados à China, é uma derivação do capitalismo, o imperialismo, a democracia liberal, o racismo, os pressupostos de superioridade cultural em geral - basicamente todas as características negativas atribuídas ao arquétipo “orientalista” de Edward Said em seu Orientalismo. Na comunidade global de hoje, nenhuma das características acima define com precisão o sinólogo ocidental médio (Minha tese não se estende aos políticos ou formuladores de políticas ocidentais). Além disso, a complexidade da demarcação geográfica confunde ainda mais a linha entre o que tradicionalmente é visto como Sinologia ocidental e Sinologia chinesa. As “áreas marginais” da grande nação chinesa, como Hong Kong, Taiwan, diáspora chinesa e também as áreas não-Han da China, apareceram historicamente na discussão das tradições culturais e linguísticas - mais como objetos de estudo do que como participantes da conversa. No entanto, assim como a globalização levou a um senso muito reduzido de insiders e outsiders, como discutido acima, também trouxe essas áreas, nas margens da China, para dentro da questão. É importante notar que a maioria dessas regiões e grupos de pessoas, embora devam suas raízes culturais ao Reino Central, foram irrevogavelmente influenciadas pelos colonizadores ocidentais, mais uma vez demonstrando a quase impossibilidade de qualquer tipo de Sinologia "culturalmente pura". Em vez disso, o que vemos hoje são os sinólogos ocidentais que deliberadamente adotam uma estrutura interpretativa chinesa para suas pesquisas, e que mais frequentemente elogiam a literatura e a filosofia da China puramente com base em seu próprio mérito. Por exemplo, os trabalhos de David Hall, Michael Nylan, Edward Shaughnessy, Michael Puett, Stephen Owen, Henry Rosemont e Roger Ames, para citar apenas alguns, visam claramente a antiguidade chinesa através de uma lente chinesa. Roger Ames, em sua recente monografia, Confucian Role Ethics, não só faz um grande esforço para estabelecer um contexto interpretativo completamente chinês ao analisar conceitos de moral confuciana tradicional, mas vai ainda mais longe e oferta-os como uma alternativa viável para os hoje ocidentalmente dominados conceitos de ética e justiça, baseados no Direito. Não importa se concordamos ou não com suas conclusões; o que importa é que, nesse tipo de pesquisa na vanguarda da moderna Sinologia ocidental, as antigas divisões entre Guoxue e Hanxue dificilmente se aplicam. A adesão estrita à dicotomia que surge entre Guoxue e Hanxue nos leva a atribuir de forma injusta e imprecisa causas culturais a conclusões acadêmicas. No lado chinês, os estudantes chineses hoje se familiarizam com as ideias ocidentais, o pensamento analítico, o método científico e o idioma inglês desde tenra idade. Grandes reformas educacionais foram instituídas pelo famoso educador e expresidente da Universidade de Pequim, Cai Yuan Pei, depois de viajar para a Alemanha e a França para estudar filosofia, literatura, estética, psicologia e cultura. Inúmeros aspectos do sistema universitário moderno da China, da estrutura do currículo ao sistema de graduação (Bacharelado, Mestrado, Doutorado, pósdoutorado), à redação e defesa de uma tese, aos padrões de pesquisa, citação e plágio, são baseados no modelo ocidental. A influência ocidental é onipresente. É puro Guoxue hoje, sem qualquer indício de influência ocidental? Naturalmente, isso não significa nada do número crescente de estudantes e estudiosos chineses que são capazes de viver e estudar no exterior, como eram os estudiosos há um século, e de retornar à China com um arsenal pedagógico aprimorado, contendo ideias e métodos ocidentais. Depois, há os estudiosos, como Du Wei Ming 杜维明, Yu Ying Shi 余英时, Cheng Zhong Ying 成中英, e Zhang Guang Zhi 张光直. Mesmo depois de concluir o ensino superior no Ocidente, eles decidiram permanecer lá. A influência do 41 pensamento ocidental em suas pesquisas é inegável, mas ainda são estudiosos nascidos na China envolvidos em (entre outras coisas) estudos chineses. Se estudiosos e disciplinas forem classificados de acordo com suas características culturais, esse grupo deve ser rotulado como Guoxue jia 国学 家? Ou seus métodos são “suficientemente ocidentais” para qualificá-los como Xifang Hanxue jia西方 汉学家 ? Ou talvez esses rótulos tenham superado seu objetivo e não sejam mais úteis. Se essas características culturais não representam mais com precisão qualquer grupo real de pessoas, elas perderam sua função. Continuar usando-os serviria apenas para ofuscar questões, não para esclarecê-las, o que é obviamente a intenção de qualquer método de classificação. Nossa discussão, até agora, concentrou-se nos agentes da Sinologia, os ocidentais e os orientais que não se encaixam mais nos paradigmas de metodologia baseados na cultura. Esse argumento pode, no entanto, seguir uma direção diferente: o próprio objeto da Sinologia está constantemente mudando e sendo redefinido. Literalmente, Sinologia significa o estudo da China, mas, na prática, ela foi aplicada mais estritamente ao estudo dos aspectos antigos da cultura chinesa (Han), como história, linguagem, filosofia e religião, usando métodos tradicionais de estudos acadêmicos, como fonologia, bibliografia e crítica textual. O célebre sinólogo americano John K. Fairbank (1907-1991), conscientemente mudou a abordagem dos estudos da China introduzindo os “estudos de área” - uma abordagem interdisciplinar para entender completamente um bloco específico no mapa, por meio da análise moderna das ciências sociais. David Honey descreve Fairbank como "um historiador com um viés antifilológico decidido, ele desempenhou um papel interessante, contrastando com os sinólogos tradicionais".7 Ele continua descrevendo a visão de Fairbank da metodologia tradicional: Fairbank foi cuidadoso ao separar a ferramenta útil da linguagem da tarefa onerosa e até perturbadora do estudo da língua... Seu objetivo primordial era utilizar os fatos da história chinesa, selecionados de qualquer fonte relevante e acessível, para confirmar uma estrutura interpretativa projetada a partir dos modelos gerados pelas ciências sociais. Mas esse abismo básico, entre as metodologias da filologia e das ciências sociais, era mais que mera diferença funcional de operação e procedimento; marcou uma questão mais fundamental da superioridade e utilidade de uma abordagem sobre outra. Fairbank considerava a Sinologia tradicional como, na base, um esforço individual - e pouco esperançoso, se não mesmo vão - para dominar um corpus literário prémoderno, sem limites, de pouca relevância para entender e melhorar a condição humana na China moderna... Pelo contrário, “Estudos Regionais - China” foi um empreendimento corporativo de uma comunidade de estudiosos liderada pelos Estados Unidos, utilizando técnicas científicas de aplicabilidade universal, independentemente da área. Nessa visão, a Sinologia não representaria uma metodologia competitiva, mas apenas antiquada e atenuada.8 7 8 Honey 2001: 270. Honey 2001: 272-273. 42 Conceitualmente, os “estudos de área” era uma invenção ocidental, que levanta a questão de saber: os chineses ainda mantêm essa posição cobiçada de “membros privilegiados”, e ainda têm alguma vantagem inata, no contexto de estudos relacionados à China, simplesmente pela virtude de serem chineses? Avançando para hoje, estamos testemunhando o surgimento de mais uma nova abordagem dos estudos chineses - os estudos em Sinofonia. Essa nova área não é apenas uma redefinição dos agentes da Sinologia, mas, mais importante, uma redefinição do objeto de estudo. Analogamente aos estudos “anglófonos” e “francófonos”, os objetos dos estudos Sinófonos são as pessoas que falam o idioma chinês, e as áreas onde ele é falado. Assim como os “estudos de área” eram um produto de seu tempo, os estudos de Sinofonia examinam as culturas da língua sínica nascidas de influências coloniais e pós-coloniais . Como o foco está precisamente nos grupos de comunidades de idiomas chineses além da própria China, a disciplina de Sinologia pode agora ser descrita como um estudo de pessoas e idiomas em todo o mundo, não apenas em um país asiático.9 Minha descrição dessa mudança, dessa fusão das disciplinas anteriormente distintas e opostas, considera a questão de dois níveis: natural e crítico. O que quero dizer com isso, é que essa mudança está claramente acontecendo, e que deve acontecer. Ao ensaiar a história da Sinologia, certamente precisamos reconhecer esses fenômenos passados e estar cientes do impacto da cultura em tantos trabalhos passados. Também precisamos reconhecer que, como qualquer outra coisa, as circunstâncias mudam, e a formação cultural do pesquisador não é mais a característica definidora da pesquisa sinológica. Defendo que continuar a usar esta divisão em disciplinas - essas características “culturais” - para guiar nossa compreensão da atual pesquisa deve mudar, porque muitos, especialmente na China continental, ainda mantêm firmemente esses velhos preceitos. Quando um ocidental apresenta um novo livro ou faz uma palestra na China, é mais frequentemente introduzido como "a perspectiva ocidental sobre..." ou "a China pelos olhos de um americano", etc. Essa descrição não pode apenas ser enganosa, mas também injusta com o autor e com o público que, antes mesmo de ler ou ouvir os argumentos do sinólogo, está assumindo a existência de um viés cultural na base de todas as suas conclusões. Um exemplo perfeito é um livro do sinólogo e filósofo alemão Hans-Georg Moeller. Erudito, e bem informado sobre a filosofia chinesa, ele é especialista em pensamento taoísta. Publicou um livro em particular sobre o pensamento de Laozi, originalmente em alemão, em 2003. O livro foi tão bem recebido que foi traduzido para inglês, italiano, chinês e coreano. O título original (em inglês) do livro é The Philosophy of the Dao De Jing, que foi fielmente traduzida para o chinês como 《道德 经》 的 哲学. No entanto, na capa da versão chinesa continental, foi adicionada uma legenda: 一个 德国 人 眼中 的 老子 (“Laozi aos olhos de um alemão”). Obviamente, o lucro financeiro foi um motivo importante por trás da decisão de adicionar esta legenda. A “exótica” natureza deste livro, vindo de um europeu, é um fator de venda rentável, e os editores chineses sem dúvida destacaram este fato para aumentar sua vantagem. No entanto, isso não é de forma alguma uma adição inócua. O que esta legenda está dizendo ao leitor é: 1) é assim que todos os alemães veem Laozi e 2) todas as ideias e argumentos de Moeller vêm de sua “germanidade”. A decisão de continuar o rótulo, e dividir os trabalhos sinológicos com base nas categorias de identidades nacionais e estrangeiras, perpetua todos os estereótipos que se seguem. 9 Para mais informações sobre esse exemplo, ver Shu-mei Shih, Chien-hsin Tsai, and Brian Bernards eds. Sinophone Studies: A Critical Reader (2013). 43 Poderíamos levar a analogia para um campo não relacionado, para ilustrar melhor esse ponto. Ao revisar livros sobre a história da arquitetura ocidental, por exemplo, descobrimos que alguns dos autores desses livros são do sexo masculino e outras do sexo feminino. Enquanto a autora feminina não decidiu abordar o tema a partir de um ponto de vista abertamente feminista ou de estudos de gênero, não há necessidade para o revisor colocar um asterisco ao lado do título do livro, para lembrar os leitores que este é uma avaliação da arquitetura na perspectiva de uma mulher. Essa distinção é irrelevante. Hoje, o mesmo pode ser dito para a Sinologia. A distinção entre estudos nacionais, como representando perspectivas e metodologia tradicionais chinesas, e a Sinologia ocidental, entendida como estudiosos ocidentais que impõem valores e padrões ocidentais aos estudos chineses, é quase completamente irrelevante. Um trabalho valioso - assim como um trabalho medíocre! - está sendo feito dos dois lados. As categorias desatualizadas de "insiders" e "outsiders" devem ser abandonadas em favor da familiaridade com o assunto, clareza de discernimento, argumentação forte e exposição lúcida, todos suportados por evidências textuais e outras, como os tipos de padrões que precisam ser empregados ao julgar o valor de um trabalho acadêmico. 44 O QUE HÁ DE ERRADO NO ESTUDO DA CHINA Hans Kuijper1 Neste artigo, é apresentada a tese de que existe algo fundamentalmente errado na Sinologia Ocidental (Zhōngguóxué, distinto de Hànxué, que é um tipo de filologia antiquada engrandecida como quase -se não pseudo -filosofia): os 'especialistas da China' fingem ter conhecimento sobre tudo relacionado à China, caso em que não podem ser levados a sério ou, eventualmente, admitem que não são especialistas em assuntos científicos em relação ao país; nesse caso, não podem ser chamados de especialistas na China. O autor espera que nenhum professor titular de Estudos / História da China compartilhe essa visão. Tendo exposto a fraqueza, de fato o escândalo da Sinologia praticada até agora, ele também aponta o caminho que os Sinólogos juniores devem seguir. A bifurcação nessa estrada é dupla: traduzir ou colaborar. Introdução Todas as coisas são uma. (Heráclito) Não há nada isolado. (Zhu Xi) O todo tem tudo. (Provérbio francês) Para marcar seu 50º aniversário, em abril de 2003, o Instituto de Relações Internacionais, uma ‘think tank’ afiliada à Universidade Nacional Chengchi, em Taipei, publicou uma edição dupla de seu principal periódico, Issues & Studies, sobre ‘O estado do campo de estudos sobre a China’('The State of the China Studies Field'). As razões apresentadas para essa iniciativa louvável foram: a) 'o maior salto na produção de dados na China, e acesso a esses dados por acadêmicos de fora da RPC' e b) 'o aumento dramático no número e tipos de indivíduos analisando a China'. No entanto, o leitor que espera encontrar uma avaliação crítica de como a China foi estudada ficará desapontado. Os colaboradores (principalmente ocidentais) dessa questão especial ignoram o elefante na sala. Nenhum deles é corajoso o suficiente para fazer a pergunta principal: de todos os estudiosos ocidentais que se ocuparam da "terra curiosa" (David Mungello), quem realmente se interessa em "analisar a China", qua China? Pensamos que a resposta triste para essa pergunta perfeitamente legítima é: ninguém tem! Vamos explicar. O estudo da china avaliado Sinólgos - tomados como tais (estudantes da China) e, desejamos enfatizar, não tomados como, por exemplo, estudantes de literatura envolvidos no estudo da literatura chinesa ou economistas especializados na economia chinesa - compartilham um interesse comum na China, assim como Os japonólogos compartilham um interesse comum no Japão (e os soviéticos compartilham um interesse comum na antiga União Soviética). No entanto, Sinologia - e o mesmo vale, mutatis mutandis, 1 Este artigo é a versão abreviada e atualizada do artigo 'Uplifiting the study of China', que pode ser baixado gratuitamente no site da Academia.edu. Com o artigo "A Sinologia é uma Ciência?” (Kuijper 2000), começamos a tentar um jogo de bola. Nossa mensagem caiu em ouvidos surdos, no entanto, encontramos consolo no ditado de Sêneca: Silentium videtur confessio. 45 para qualquer outro estudo de país - não é definida pela perspectiva sobre o objeto de investigação (China), mas pelo próprio objeto. 'Estudantes da China' (não: estudantes chineses!) não têm uma descrição organizada de sua empresa; eles omitem especificar ou desenvolver sua pergunta de pesquisa distinta e não possuem um 'programa de pesquisa' (Imre Lakatos). A descrição do discurso científico é um pré-requisito para uma troca significativa de ideias, mas esse requisito parece ter escapado da memória no debate sobre a China. Como resultado, um pouco de ambiguidade se espalhou, o que por sua vez levou a resultados obscuros. Os sinólogos não estão em busca de conhecimento sistematizado/ordenado da China na China. Consequentemente, eles não veem a estrutura do país, sua tapeçaria, seu Gefüge, as conexões íntimas entre seus componentes, os recursos que determinam sua aparência e o que difere da soma de suas partes. Nem veem a mudança estrutural (Strukturwandel), o padrão de mudança (Wandlungsstruktur), as relações interligadas/interativas entre as transformações do composto (o país). Os "estudiosos da China" realmente não concebem a enorme massa de coisas chinesas como pertencendo uma à outra, como constituindo uma coisa. Tendo um objeto material, um explanandum (China), eles não têm um objeto formal, um explanans (ponto de vista sinológico), um fato que esquecem convenientemente, tentam disfarçar ou não gostam de ser lembrados. Sinólogos não desenvolveram um domínio ontológico; eles não têm domínio de um conjunto de conceitos teóricos que os colocariam no mesmo nível, mas que os diferenciariam de linguistas, estudantes de literatura, demógrafos, geógrafos, arqueólogos, estudantes de direito, psicólogos, sociólogos, antropólogos, economistas ou cientistas políticos, profissionais que colaboram cada vez mais em projetos internacionais e - mais importantes interdisciplinares. O cosmos, a terra, a biosfera, o homem, linguagem e sociedade são as explicações estudadas por cosmólogos, geólogos, biólogos, antropólogos, linguistas e sociólogos, respectivamente, cada grupo sendo dividido em subgrupos idealmente - intercomunicantes. Sinólogos, no entanto, estão mantendo seu próprio território, mas não têm sua própria teoria. Não há contrapartida sinológica de Franz Boas, Noam Chomsky, Ferdinand de Saussure, Georges Dumézil, Émile Durkheim, Ronald Dworkin, Mircea Eliade, Norbert Elias, Henri Fayol, Northrop Frye, Clifford Geertz, Erving Goffman, Torsten Hägersidand, Herbert Hart, Leonid Kantorovich, John Maynard Keynes, Philip Kotler, Claude Lévi-Strauss, Kurt Lewin, Yuri Lotman, Erwin Panofsky, Jean Piaget, Adolphe Quételet, John Rawls, Carl Ritter, Georg Simmel, Herbert Simon, Ninian Smart, Herbert Spencer, Jonathan Turner, Ludwig von Bertalanffy, Léon Walras, Max Weber ou Wilhelm Wundt. A maneira de descobrir se os sinólogos realmente são o que pretendem ser (especialistas em China) é fazendo perguntas sobre como se sentem à vontade com o raciocínio quantitativo e a tecnologia da informação, sobre sua familiaridade com a pesquisa de métodos mistos, como classificam seus sujeitos, sobre a chave termos de seu debate, sobre a propriedade das relações entre seus conceitos principais, sobre as suposições de seus argumentos, sobre o tipo e número de hipóteses que eles elaboraram, sobre Grundstein e Gipfel de seu Gebäude conceitual, sobre o assunto central (problemática) de sua disciplina, sobre suas estradas e caminhos, sobre os marcos/pontos de referência em sua história ou sobre o ponto central que garante sua unidade. Esse ponto seria um 'buraco negro', eine grundlegende Aporie, como a relação entre o contínuo e o discreto em matemática, entre espaço-tempo e matéria em física, entre corpo e mente em psicologia, entre homem e sociedade (Mitwelt) em sociologia, entre lei natural e positivismo jurídico em jurisprudência, entre eficiência e justiça em economia, ou entre organismos e seu ambiente natural (Umwelt) em ecologia. 46 Os "especialistas da China" estão atentos aos detalhes, mas não os deixam falar como partes de um todo. Eles não têm uma arquitetura para organizar os detalhes, para apresentá-los em um sistema inteligível. Seus escritos primam pela multidão em vez da plenitude, pela multa em vez da multum (Plínio). É nos fornecido um agregado, mas não um todo, um monte de pedras (no máximo alguns segmentos), mas não uma casa bem fundamentada e bem estruturada, ou seja, com um modelo que represente a China como um todo, uma complexidade dos sistemas humanos e naturais acoplados.2 O mosaico, a pontuação, a trama do país não é fornecida. 'O único não é mostrado em muitos e a raiz não está conectada aos galhos' (一不显于多, 本不贯于末). Certamente, os plurem são insignificantes desde que o unum seja ilusório. Para 'Im Aufbau des Ganzen werden die Züge erst bedeutend᾽ (‘na construção do todo, as partes são significativas’, Goethe). Para compreender algo, é crucial poder ver o comum no extraordinário (distinção entre tipos de símbolos). 3 Não tendo um modelo próprio, e confundindo a mistura de fatos com discernimento, ao selecionar os importantes, os Sinólogos não têm, portanto, o direito de usar o manto sagrado da ciência, cuja marca registrada é o conhecimento sistematizado empiricamente e teoricamente. “Estudantes / expertos / especialistas da China”, considerados literalmente, são acadêmicos indisciplinados, que se envolvem em língua, cultura e história chinesas, mas incapazes de apontar as variáveis endógenas e exógenas de suas pesquisas, e muito menos a (forma das) relações prevalecentes entre elas. Suas publicações, exibindo amplitude acadêmica em vez de profundidade de insight, contêm notas de rodapé abundantes, mas é difícil encontrar um argumento rigoroso, sustentado e substantivo. Ninguém sabe se suas investigações sugeriram ou foram guiadas por uma teoria sinológica. Trabalhando através de seus livros (às vezes comercializados de forma agressiva), parecem-se com as estrelas na companhia de um astrônomo amador, que continua apontando pontos brilhantes e faixas nebulosas no céu noturno - sem um poderoso telescópio, sem qualquer tentativa de reduzir a multiplicidade incompreensível do universo a uma simplicidade compreensível, ou seja, projetar uma teoria. Para se convencer disso, o leitor deve abrir um volume de T'oung Pao, "a principal revista sobre Sinologia, cobrindo história, literatura, arte, história da ciência, de fato, quase tudo que diz respeito à China". O estudo da China no Ocidente tem uma longa história, mas nunca foi desenvolvido um esquema coerente de conceitos básicos sobre a China como China, cujo significado só pode ser: o país, agora passando rapidamente para o centro do palco (economicamente, politicamente, e - os medos ocidentais - militarmente), nunca 2 Existem modelos icônicos, analógicos, animais, verbais, simbólicos, baseados em dados, baseados em teoria, determinísticos, estocásticos , quantitativos, qualitativos, mecanicistas e computacionais. Visite http://en.wikipedia.org/wiki/scientific_modelling, www.dur.ac.uk/ias/modelling, www.helsinki.fi/tint/models e http://www.muellerscience.com/ENGLISH/model.htm. Veja também Magnani e Nersessian (2002), Rose e Abi-Rached (2013 , 92-102 ) e Morrison (no prelo). Embora os modelos estejam sempre errados (porque o mundo real é mais complexo), a modelagem, ou seja, a aproximação, é a essência do trabalho científico. Os modos ls podem ser integrados; ver Grey (2007, Prefácio). Os metamodelos, que estão intimamente relacionados às ontologias, destacam as propriedades dos modelos; ver Caplat (2008). Teoria do modelo (http://plato.stanford.edu/entries/model-theory ) faz parte integrante da lógica matemática (http://settheory.net/world) , que é um im portante subcampo da matemática, e deve ser diferenciado da filosofia da matemática (http://plato.stanford.edu/entries/philosophy-mathematics), que , no fundo da epistemologia e de sua metafísica de irmão gêmeo, ocupa um lugar especial a filosofia da ciência. Comparado a isso, a lógica filosófica e a filosofia da lógica são diferentes jogos de bola. 3 Ver http://plato.stanford.edu/entries/types-tokens.Talvez de maneira singular, o historiador da arte e da cultura, Jacob Burckhardt ( 1818-1897), soubesse como descrever ‘das Einzelne als Andeutung für das Typische’. 47 foi verdadeiramente analisado. Foi especulado de várias formas (e descontroladamente), mas nunca realmente se teorizou sobre isso. Uma série de estudiosos ilustres acumulou fatos e números sobre a China (pré) imperial, republicana e comunista, mas nenhum deles parece ter tentado reduzir a multiplicidade incompreensível deste universo a uma simplicidade compreensível. A Monumenta Serica, outra importante revista acadêmica, fundada em 1934 e dedicada à China, possui 64 volumes, com uma média de mais de 500 páginas, mas não apresenta nenhum artigo sobre os fundamentos / alicerces da Sinologia. Principia Sinologica é o título de um livro ainda a ser escrito. O estudo da China pertence à categoria difusa de 'estudos de área', cujos numerosos profissionais parecem acreditar que podem prescindir de um livro comparável a, digamos, Samuelson e Nordhaus (2009), Heywood (2013) ou NolenHoeksema et al (2014). Basicamente desorientados, eles ainda precisam se organizar, como fizeram os membros da União Geográfica Internacional (IGU) e da União Internacional de Ciências Antropológicas e Etnográficas (IUAES). É necessário um periódico internacional dedicado à história, teoria, metodologia e filosofia dos estudos de área / país, os animais não classificáveis entre as disciplinas acadêmicas. Contraobjeções prováveis Pode-se objetar que a China é um país sui generis e que noções que têm origem no Ocidente não lhe são aplicáveis, tanto mais porque as conotações e denotações das palavras em questão mudaram ao longo do tempo. A proposição central daqueles que adotam essa atitude relativística é que a China deve ser entendida de dentro. Termos indígenas como bian (变, 辩), chang (常), cheng (诚), dao (道), de (德), di (谛), dun (顿), fa (法), gong (公) , gu (故), ele (和), hua (化), huang (皇), ji (机, 极), jing (敬), jue (觉), kong (空), li (礼, 理), ling (灵), mei (美), min (民), ming (名, 命), pin (品), pu (朴), qi (奇, 气), quan (权), quan (权), rang (让), ren (仁), shan (善), shen (神), sheng (圣), shi (势, 是, 时, 事, 实), shu (恕, 术), ti (体), tian (天), tiao (调), tong (通, 同), wei (为), wen (文), wu (无, 悟), xiao (孝), xin (心, 信), xing (性, 行, 形), xu (虚), xuan (玄), xue (学), yi (一, 义, 艺, 易), yong (用), você (有), yu (宇), yuan (元, 缘), zhen (真), zhi (致, 知, 智), zhong (中, 忠) e zhou (宙) devem ser as categorias analíticas, e a pesquisa acadêmica deve ser apresentada em sua estrutura. A China nunca pode ser entendida de fora, uma convicção defendida pelos próprios chineses, principalmente por aqueles que têm um forte senso de nacionalismo. No entanto, essa linha de raciocínio não pode ser tomada sem algumas qualificações: Primeiramente, trazendo diferentes traduções do mesmo termo indígena, os sinólogos são suspeitos de simplesmente não saber do que estão falando. Nesse relato, o leitor deve comparar Feng (1953) com Cheng (1997), Cheng e Bunnin (2002), Cua (2003), Jullien (2007), Lai (2008), Zufferey (2008), Mou (2009) e Fraser (no prelo). Por exemplo, ti (体) é confundido com 'substância', 'corpo', 'modelo', 'estilo', 'princípio', 'método', 'gênero', 'essência', 'forma', 'tendência', 'natureza', 'unidade', 'noumenon', 'vigor', 'realidade', 'fundação', 'constituição', 'constitutivité' e 'estrutura óssea'. Transformar ‘ti’ em, digamos, "substância" é ignorar uma diferença fundamental entre o modo de pensar ocidental e chinês. Enquanto a filosofia no Ocidente, desde Aristóteles, tem sido tendenciosa a favor da "substância" (o que realmente é uma coisa, sem suas propriedades acidentais), os chineses educados na sabedoria dos Yijing e do Daodejing concebem tudo como algo "o tempo todo a caminho de ser outra coisa" (Joseph Needham). Tomando uma perspectiva dinâmica / evolutiva / processual que lembra o Processo e a Realidade de Whitehead4, eles 4 Helin et al 2014, capítulos 2 e 4. 48 consideram tudo e todos como mudanças fundamentais ao longo do tempo, em vez de existirem em algum momento. Onde os ocidentais diriam 'sim' ou 'não', os chineses, relutando em adotar a 'lei do meio excluído', raciocinando 'não monotonicamente' e indo além do 'quadrado da oposição' (Béziau e Gan-Krzywoszynska, 2014, Ficara 2014), provavelmente responderão: 'Bem, não exatamente'. Eles são estranhos ao conceito filosófico de ontologia e nunca se envolvem em uma discussão sobre a distinção entre esse / existencialismo e essência / essencialismo. Eles veem as relações como essenciais (realidade). Eles enfatizam situação, posição e guanxi (Yang, 1994), porque, na visão deles, o ser pertence, esse est inter-esse (estar no meio), espacial, temporal, social ou socialmente. Para eles, indivíduos / entidades são interseções / nós de relacionamentos. Os chineses têm dificuldade em entender o diálogo de Platão, Fedro, em que Sócrates fala, sem fátua redundância, da realidade superlativa das formas como "realidade realmente real". As doutrinas teológicas de "consubstancialidade" e "transubstanciação", sobre as quais tanta tinta e sangue foram derramados no Ocidente, estão além delas, porque eles não conseguem ver a (importância da) diferença de significado entre homoousios (da mesma substância) e homoiousios (de substância semelhante). Em contraste com os ocidentais, que foram profundamente influenciados e estão apenas começando a se distanciar da preferência aristotélico-cartesiana-newtoniana pelo pensamento causativo / serial / catenário / linear (eventos / ações são concatenadas), os chineses têm enfatizado a importância do pensamento correlativo / semelhante à teia / matricial / relacionado à estrutura / não linear (eventos / ações são interligados multidirecionalmente, correspondem uma a outra). Eles são voltados para o 'quididade' em vez da 'faticidade' das coisas. Seguindo a lógica weiqi de Sunzi, eles não estão dispostos à lógica ocidental da identidade (logocentrismo). Em sua opinião, a diferença (alteridade) é anterior à condição de identidade (semelhança); não é ela própria identificável (Kaipayil 2009, Taddei-Ferretti 2012, Vandermeersch 2013). Os conceitos constituem os alicerces do pensamento do homem, e o galvanizam em ação; eles formam, sutilmente interconectados, o tecido de sua vida. Consequentemente, enquanto algumas noções importantes e seus cognatos permanecerem vagos, outros devem compartilhar esse defeito, tornando o pensamento e o comportamento humanos esquivos. O requisito de não ser vago sobre ideias que foram mais potentes e persistentes na história chinesa é, portanto, primordial. Embora o argumento sobre 'significado' continue (especialmente entre filósofos), com o Siku Quanshu (biblioteca do Imperador Qianlong, com cerca de 840.000.000 caracteres) agora acessível eletronicamente, e com vários tipos de software disponíveis, uma investigação aprofundada dos conceitos básicos interconectados para o pensamento chinês, através dos tempos, têm sido bastante facilitada, um fato claro que a maioria dos 'especialistas da China' não tem conhecimento, como uma amostra imparcial retirada dos membros do SACP, ISCP, EACS, ACPA e EACP pode revelar. Em segundo lugar, o relativismo epistêmico, a visão de que a verdade das alegações de conhecimento é relativa aos padrões que uma sociedade / cultura usa na avaliação de tais alegações, é uma doutrina incoerente, incapaz de se defender, porque, se estiver correta, a própria noção de a retidão é minada, caso em que o próprio relativismo epistêmico não pode estar certo. No entanto, se a posição relativista é insustentável, o não-relativista (universalista) também enfrenta um grande problema: como desenvolver uma visão que inclua uma explicação aceitável da racionalidade e justificativa racional que não seja dogmática, rejeitando qualquer noção de uma estrutura privilegiada, em que as reivindicações de conhecimento devem ser expressas e são auto-referencialmente coerentes (Krausz 2010). Os universalistas tendem a ser etnocêntricos, arrogantes e intolerantes. Nós discordamos 49 dos relativistas, que sustentam que as disciplinas ligadas à cultura estão bloqueando nossa capacidade de entender outros países, mas também temos uma opinião diferente da universalista, que nega isso. O 'debate emíco-ético', entre antropólogos culturais, gira em torno da questão de saber se um relato de ações deve ser apresentado em termos significativos para os atores pertencentes à cultura em estudo, ou em termos aplicáveis a ações em outras culturas também. Enquanto a perspectiva ‘êmica’ se concentra em distinções intrínsecas, apenas significativas para os membros de uma determinada sociedade, a visão ética baseia-se nos conceitos e categorias extrínsecos dos observadores científicos. Essa contradição parece estar errada, pois os pontos de vista podem ser reconciliados. Uma combinação sensível das lentes ‘êmicas’ e éticas produz uma visão binocular, possibilitando a percepção de profundidade (Kuijper 2014). O fato de a maior parte do conhecimento ordenado de cientistas sociais e humanos basearem-se apenas na investigação de dados ocidentais, isso não implica a impossibilidade de diálogo transcultural, sendo um processo no qual as partes gradualmente aprendem a se entender. O povo de Okanagan (syilx), que vive na Colúmbia Britânica e em Washington (Estado), chama isso de en’owkin, compreendendo através de um processo gentil de esclarecimento e integração. Um diálogo não é um debate. O primeiro é voltado para chegar a um acordo (consenso), o segundo para marcar uma vitória (ou seja: derrota de outra pessoa!); um visa a inclusão, o outro a exclusão. Em um 'diálogo autêntico' (Gadamer), os participantes não conversam com propósitos opostos (dialog de sourds), mas se escutam ativamente; ao invés de se empenhar em provar que estão certos, eles estão ansiosos para obter insights. Um diálogo, ou saṃvāda (Mayaram 2014), sendo uma conversa real e genuína, inevitavelmente levará à comparação (não confundir com equação), à colocação e exame de duas coisas para descobrir semelhanças e diferenças, uma atividade que desempenha um papel crucial em toda disciplina científica. E essa comparação (que nunca deve ser a comparação de uma situação ideal aqui com a realidade confusa ali!) pode resultar em uma mudança de mentalidade, um salto mental, uma reconfiguração conceitual. Também se pode objetar que, após a Segunda Guerra Mundial, a Sinologia se dividiu em ‘especialismos’, tornando os valetes-de-todos-os-ofícios-mas-mestres-denenhum em relação à China uma espécie cada vez menor. Pensamos que esta afirmação deve ser tomada cum grano salis. A mudança de "estudo da China" / "Chinakunde" para "estudos chineses" / "Chinawissenschaften" ou "Sinologie als eine willkürliche Ansammlung von Einzelfächern" (‘Sinologia como coleção arbitrária de sujeitos individuais’, Hans-Wilm Schütte) não melhorou a situação. Sob inspeção cuidadosa, muitos dos chamados especialistas, focados em um ou outro aspecto da China, acabam sendo apenas amadores - às vezes amadores talentosos, capazes de expressar bem suas ideias e opiniões, mas, mesmo assim, não profissionais. O que é necessário aqui é 'retificar nomes' (zhengming). Pois Confúcio disse: "Se os nomes estão incorretos, a linguagem não está de acordo com a verdade das coisas, e se a linguagem não está de acordo com a verdade das coisas, os assuntos não podem ser levados ao sucesso" (Lunyu, Livro XIII, Capítulo 3). 'Professor de chinês' não faz sentido (não mais do que 'professor de vida', 'professor do homem' ou 'professor de sociedade'), a menos que essa denominação de distinção seja uma abreviação de 'professor de linguística com principal interesse de pesquisa na língua chinesa ou lingüística na China'. Da mesma maneira, duvidamos que todo "professor de literatura chinesa" possa ser seguramente considerado como detentor de um diploma acadêmico em estudos literários. "Professor / leitor em economia chinesa" também não deveria existir, para a economia chinesa é um assunto inexistente. Certamente, economistas chineses dando palestras sobre a economia ou a aplicação 50 da teoria econômica na China (ou em outro país) existem. Existem chineses, japoneses, americanos, indianos, árabes, russos, europeus e australianos que são lógicos, matemáticos, cientistas e filósofos, alguns deles de alto calibre, mas não existem e não podem existir coisas como lógica, matemática, ciência ou filosofia chinesa, japonesa, americana, Indiana, árabe, russa, europeia e australiana, um ponto importante que muitos sinólogos / estudantes da área, confusos com o assunto em que estão escrevendo, parecem ignorar. Muitos "especialistas da China", reconhecendo a impossibilidade de ser um cientista versátil em relação ao país, têm o péssimo hábito de vestir o chapéu de um cientista sem encher os sapatos, ou seja, o hábito de ministrar palestras sobre o idioma, estilo de comunicação (mídia), literatura, sistema jurídico, sistema político, sistema militar, sistema educacional, sistema de saúde, sistema financeiro, economia, tributação, agricultura, setor de energia, setor de transportes, atividades de negócios, sociedade, artes, religiões, psique, cultura ou ambiente na China sem nenhum diploma em linguística, estudos de comunicação/mídia, estudos literários, direito, ciência política, ciência militar, ciência militar, ciências da educação, medicina, finanças (corporativas, públicas ou internacionais ), economia, teoria da tributação, agronomia, ciência da energia, estudos de transporte, administração de empresas, sociologia, história / crítica de arte, ciência(s) da religião, psicologia, Kulturwissenschaft(en) ou ciências da ecologia / sustentabilidade respectivamente. Apenas alguns "especialistas da China" se deram ao trabalho de se formar em qualquer uma das disciplinas mencionadas antes de subir no púlpito. No entanto, dando palestras sobre um assunto que está dentro de seu alcance, eles frequentemente se desviam para domínios proibidos - sem notificar devidamente seu público crédulo e ingênuo. Mais coisas muito interessantes poderiam ser escritas sobre, por exemplo, o conceito e a prática do direito na China se, paradoxalmente, os autores também estivessem bem com os escritos de Platão, Cícero, Tomás de Aquino, Suárez, Althusius, Grotius, Hobbes, Pufendorf, Montesquieu, Cesare Beccaria, Jeremy Bentham, John Austin, Henry Maine, Oliver Wendell Holmes, Otto von Gierke, François Gény, Roscoe Pound, Benjamin Cardozo, Giorgio Del Vecchio, Gustav Radbruch, Hans Kelsen, Carl Schmitt, Karl Llewellyn e Herman Dooyeweerd, Alf Ross, Lon Fuller, Patric Devlin, Herbert Hart, Julius Stone, Norberto Bobbio, Harold Berman, John Rawls, Joel Feinberg, Ronald Dworkin, Joseph Raz, Richard Posner, John Finnis, Duncan Kennedy, Robert Alexy, Roberto Unger, Jeremy Waldron, Ernest Weinrib, Dennis Patterson e Andrei Marmor, entre outros. Da mesma forma, livros ou artigos sobre 'arte chinesa' ganhariam tremendamente em importância se, de uma maneira que parece apenas contraditória, seus escritores estivessem familiarizados com as visões estéticas de Platão, Aristóteles, Plotino, Brunelleschi, Alberti, Hume Baumgarten, Winckelmann, Kant, Burke, Lessing, Schiller, Hegel, Coleridge, Schopenhauer, Kierkegaard, John Ruskin, Nietzsche, Heinrich Wölfflin, Benedetto Croce, Clive Bell, Collingwood, Erwin Panofsky, Walter Benjamin, Roman Ingarden, Susanne Langer, Hans - George Gadamer, Theodor Adorno, Harold Osborne, Nelson Goodman, Maurice MerleauPonty, Ernst Gombrich, Clement Greenberg, Mikel Dufrenne, Monroe Beardsley, Richard Wollheim, Frank Sibley, Arthur Danto, Joseph Margolis, George Dickey, Stanley Cavell, Jacques Derrida , Roger Scruton e Noël Carroll, entre outros. Uma ciência madura consiste em várias subdisciplinas. Os trabalhadores nessas vinhas especiais se ocupam de uma parte sem perder de vista o todo (ver nota 2). A biologia, por exemplo, lida com os seres vivos em diferentes níveis da biosfera ( distintos da esfera lito-, hidro-, atmo- e noosfera) . Seu crescimento foi desencadeado por uma divisão de laboratório. Os zoólogos estão interessados em animais, etólogos 51 em seu comportamento, botânicos em plantas, micologistas em fungos, psicólogos em algas e microbiologistas em bactérias e vírus. Aqui a ramificação não para. Mastozoólogos se preocupam com mamíferos, entomologistas com insetos (que são divididos em criaturas como formigas, abelhas, besouros, insetos, borboletas, moscas, gafanhotos, mosquitos, mariposas e vespas), carcinologistas com crustáceos, aracnologistas com aranhas e seus parentes, ornitologistas com pássaros, oologistas com seus ovos, ninhos e comportamento reprodutivo, ictiologistas com peixes, malacologistas com moluscos, nematologistas com lombrigas, helmintologistas com minhocas parasitas e herpetologistas com répteis e anfíbios. O ponto é que, apesar de suas diferenças, todas as divisões e (sub-) subdivisões estão inter-relacionadas; mãe, filhas e (bis)netas também são conhecidas . A divisão da biologia em especialidades foi guiada pelos mesmos princípios. Pode haver diferenças no dialeto, a língua falada é a linguagem dos biólogos, 'célula', referindo-se à menor estrutura 3D de um ser vivo, sendo seu conceito principal. Após a Segunda Guerra Mundial, a Sinologia também começou a diversificar. Por qualquer extensão da imaginação, porém, não podemos ver como seus (sub) subgrupos formam uma família; não há parentesco intelectual, nem linhagem científica, nem genealogia acadêmica. O estilo novo dos 'especialistas em China' não têm nada em comum - em uma forma distintamente científica, isso é. Eles ainda não têm domínio de uma rede característica de noções básicas relacionadas à China. Existe um fluxo interminável de livros e artigos "sobre a China", mas não há um debate sinológico real. Não há escolas de pensamento sinológico (comparáveis às escolas de pensamento na ciência política, direito, teoria das relações internacionais, psicologia, teoria, aprendendo a sociologia, a antropologia cultural, linguística, teoria literária, economia, ou filosofia), simplesmente porque não há Linguagem sinológica, um fato notável que parece ter passado despercebido. A alegada "divisão de Sinologia em especialidades do pós-guerra", que se diz ter ocorrido nos Estados Unidos da América, e que foi seguida servilmente em outros países, é um caso de aparências enganosas. Os livros que dão uma imagem geral da China continuam circulando na imprensa, livros não escritos por repórteres, cujo modus operandi não científico pode ser desculpável, mas por professores titulares. Quem acredita que os polivalentes em relação à China estão mortos e desaparecidos está muito enganado. O touche-à-tout sans profondeur ainda está por aí; os arstitasde-todos-os-ofícios-mas-mestres-de-nada (ou: apenas um) ainda estão vivos e chutando. Alguns desses estudiosos da China para todos os fins nem sequer se preocupam em fazer previsões (vide infra, página 23, nota 30), claramente inconscientes da revolução não-linear da ciência da década de 1970, que enfatizou a certeza da incerteza e levou a uma redefinição de causalidade (Scott 2007, 9-18). Se fingir ser, ou não fazer objeção, a ser um especialista em algum aspecto da China, sem um diploma na disciplina em questão, é repreensível; mas absolutamente imperdoável é não deixar de lado a mudança de coberturas, e se disfarçar de conhecedor de China tout court. Aqueles que são culpados de fazê-lo (só precisamos ouvir os especialistas em China afiliadas ao Instituto Brookings ou a programas de TV programa como o de 'Fareed Zakaria GPS' ) corroboram a afirmação de te Alexander Pope: "Tolos correm para onde os anjos temem pisar ' . O caminho adiante O que deve ser feito (Что делать? [o que fazer?]), aconselhar 'especialistas da China' a voltar para casa, e procurar outro emprego, certamente não é o que estamos pensando. Pois ninguém deve jogar o bebê fora com a água do banho. Os sinólogos são (ousamos ter esperança) fluentes no chinês clássico e moderno. Então, antes de 52 tudo, que eles cultivem seu talento! Há muitos livros aguardando ansiosamente a tradução. Nos últimos cento e cinquenta anos, mais ou menos, vários livros pertencentes a qualquer uma das quatro categorias nas quais os biblógrafos chineses tradicionalmente colocam suas fontes, a saber, 'clássicos' (jing), 'história' (shi), 'filosofia' (zi) e ' literatura’ (ji), foram traduzidos para uma língua europeia. No entanto, nenhum autor que tenha participado da grande conversa chinesa sobre o princípio básico da ordem (na natureza e na sociedade) encontrou um tradutor para sua obra com a assiduidade e diligência de Édouard Biot, Cyril Birch, Édouard Chavannes, Séraphin Couvreur, Robert des Rotours, Homer Dubs, Jan Duyvendak, Alfred Forke, Esson Gale, Olaf Graf, David Hawkes, James Hightower, Wilt Idema, Wallace Johnson, David Knechtges, John Knoblock, Franz Kuhn, James Legge, Victor Mair, Göran Malmqvist, Georges Margouliès, Richard Mather, William Nienhauser, Max Perleberg, Rainer Schwarz, Nancy Lee Swann, Erwin von Zach, Arthur Waley, Burton Watson, Stephen West, Richard Wilhelm e Martin Woesler, entre outros tradutores. Notavelmente, não há tradução dos Grandes Livros do Mundo Chinês, comparável aos Grandes Livros do Mundo Ocidental. Este último, publicado pela Encyclopædia Britannica, Inc., é um conjunto de 60 volumes contendo 517 obras (de 130 autores) em matemática, ciências físicas, ciências da vida, ciências sociais, história, filosofia e literatura imaginativa. Três critérios governaram a seleção (de Robert Hutchins e Mortimer Adler) desses livros, que apareceram em um período de tempo que abrange mais de 25 séculos (da Ilíada e Odisséia de Homero à Antropologia Estrutural de Claude Lévi-Strauss). Eles foram escolhidos em virtude de lidar com questões, problemas ou facetas da vida humana que são uma grande preocupação hoje, bem como o momento em que foram escritos. Vale a pena ler e estudá-los atentamente várias vezes. E eles têm um significado muito amplo e geral; seus autores têm algo de importante a dizer sobre um grande número de grandes ideias que compõem a infraestrutura abstrata e complexa do pensamento ocidental. Apenas uma fração da rica literatura chinesa encontrou o caminho para a mundialmente famosa Bibliothèque de la Pléiade, de Gallimard. A tradução integral anotada das Zhengshi [Histórias Dinásticas], cuja importância dificilmente pode ser exagerada, é o sonho de muitos historiadores. Zizhi Tongjian, de Sima Guang [Espelho Abrangente da Ajuda no Governo]; o Shitong [dez histórias enciclopédicas de instituições]; o monumental Gujin Tushu Jicheng [Coleção completa de ilustrações e escritos, desde os primórdios até os tempos atuais], que - no século 18 - tentou incorporar toda a história cultural da China; Mengxi Bitan, de Shen Kuo [conversas sobre o pincel do rio de sonho]; Yingzao Fashi, de Li Jie [Tratado sobre métodos arquitetônicos]; as coleções existentes de Zhaoling Zouyi [editais e memoriais]; os tesouros conhecidos como Daozang [Canon daoísta], Daozang Jiyao [Fundamentos do cânone taoísta] (textos extra-canônicos) e Dazangjing [cânone budista chinês]; os inestimáveis manuscritos de Dunhuang; e milhares de jornais locais (Difangzhi) estão aguardando para serem abertos (mais) por sinólogos do que para cientistas incapazes de ler chinês. O mesmo ocorre com os trabalhos mencionados em três volumes Zhongguo Fazhishi Shumu [Bibliografia anotada da história das leis e instituições da China], compilados por Zhang Weiren e publicados, em 1976, pela Academia Sinica. Além disso, uma nova tradução, filosoficamente e historicamente anotada, do Zhuzi Jicheng [Coleção Completa das Obras dos Filósofos Antigos], na qual as distinções importantes entre palavras / personagens, pensamentos e coisas (objetos, eventos ou ações) não são confundidas, seria bem-vinda.5 Além disso, uma lista incompleta de 5 Ver Reck (2013, 1-13 and 21-23). Leitores interessados em filosofia analítica, como distinta da filosofiacontinental, devem ler Vrahimis (2013), comparem Soames (2014) com Schrift (2010), e 53 livros modernos e contemporâneos que merecem (em nossa opinião) ser traduzidos segue abaixo:                           Jin Yuelin, Luoji [Lógica], 1935; Yang Honglie, Zhongguo Falü Sixiang Shi [Uma história do pensamento jurídico chinês], 1936; Fu Qinjia, Zhongguo Daojiao Shi [A História do Daoísmo na China], 1937; Cai Yuanpei, Zhongguo Lunlixue Shi [Uma História da Ética Chinesa], 1937; Tang Yongtong, Han Wei Liang jin Nanbei Chao Fo jiao Shi [A História do Budismo no Han, Wei, Jin e Dinastias do Norte e do Sul], 1938; Feng Youlan, Zhen Yuan Liu Shu [Seis livros sobre pureza e primazia], 19391946; Jin Yuelin, Lun Dao [Sobre o Dao], 1940; Sun Benwen, Shehuixue Yuanli [Princípios de Sociologia], 1944; Chen Yinke, Tangdai Zhengzhi Shi S hu lung ao [Projeto de uma história política da Dinastia Tang], 1946; Zhang Dongsun, Zhishi yu Wenhua [Conhecimento e Cultura], 1946; Liang Shuming, Zhongguo Wenhua Yaoyi [A essência da cultura chinesa], 1949; Hou Wailu, Zhongguo Sixiang Tongshi [História abrangente do pensamento chinês], 1957-1963; Xiong Shili, Tiyonglun [Sobre Ti e Yong], 1958; Xiong Shili, Mingxinpian [Iluminando a Mente], 1959; Hu Jichuang, Zhongguo Jingji Sixiang Shi [Uma História do Pensamento Econômico na China ], 1962-1981; Chen Guofu, Daozang Yuanliu Kao [Sobre a origem e o desenvolvimento do cânone daoísta], 1963; Zhou Jinsheng, Zhongguo Jingji Sixiang Shi [Uma História do Pensamento Econômico na China ], 1965; Xu Fuguan, Zhongguo Yishu Jingshen [O Espírito Estético da China ], 1966; Yin Haiguang, Zhongguo Wenhua de Zhanwang [O Futuro da Cultura na China], 1966; Tang Junyi, Zhongguo Zhexue Yuanlun Yuanxing Pian [Discussões fundamentais sobre Filosofia chinesa da natureza humana], 1968; Mou Zongsan, Xinti yu Xingti [Mente e Natureza], 1968; Tang Junyi, Zhongguo Zhexue Yuanlun Yuandao Pian [Discussões fundamentais sobre Filosofia chinesa: Dao], 1973; Qian Mu, Guoshi Dagang [Esboço da (Nossa) História Nacional], 1974; Lao Sze-kwang, Zhongguo Zhexue Shi [Uma História da Filosofia Chinesa], 1974-1981; Tang Junyi, Shengming Cunzai e Xinling Jingjie [Existência Humana e Horizonte Espiritual], 1977; Li Zehou, Zhongguo Jindai Sixiang Shilun [tratado histórico sobre o pensamento moderno chinês ], 1979; visitem www.iep.utm.edu/analytic, http://en.wikipedia.org/wiki/index_of_continental_philosophy_articles, http://www.routledge.com/books/series/SE0159, http://universitypublishingonline.org/cambridge/histories (click on ‘philosophy’), http://www.atiner.gr/philosophy.htm, http://philosophy.wisc.edu/jhp and www.esap.info. The Cambridge Companions to Philosophy series, Röd et al (1984 ff), e Santinello & Blackwell (1993 ff) são para estudantes avançados. Kenny (2012) é monumental. http://en.wikipedia.org/wiki/index_of_philosophy, http://philindex.org e http://www.philosophypages.com/dy são importantes ferramentas para fazer uma pesquisa filosófica. ‘&HPS’ mostram como a história e afilosofia (da ciência) podem ser integradas. 54                                      Zhu Guangqian, Tan Meishu Jian [Cartas sobre Beleza], 1980; Zhang Dainian, Zhongguo Zhexue Dagang [Esboço da filosofia chinesa], 1982; Jin Yuelin , Zhishilun [Teoria do Conhecimento], 1983; Huang Gongwei, Fajia Zhexue Tixi Zhigui [Guia do Sistema de Filosofia Legalista], 1983; Sun Longji, Zhongguo Wenhua de “Shenceng Jiegou” [A “Estrutura Profunda” da Cultura Chinesa], 1983; Liang Shuming, Renxin yu Rensheng [Coração humano e vida humana], 1984; Sa Mengwu, Zhongguo Zhengzhi Sixiang Shi [Uma história do pensamento político chinês], 1984; Wu Hui, Zhongguo Gudai Liu Da Jingji Gaigejia [Seis Grandes Reformadores Econômicos da China antiga], 1984; Mou Zongsan, Yuanshanlun [Um tratado sobre o bem maior], 1985; Shen Jiaben, Lidai Xingfa Kao [Sobre o Código Penal em Dinastias Sucessivas], 1985 (reimpressão); Li Zehou, Zhongguo Gudai Sixiang Shilun [Tratado Histórico sobre o Pensamento Chinês Antigo], 1985; Li Yuri, Sunzi Bingfa Yanjiu [ Estudos sobre a Arte da Guerra da Sunzi], 1986; Tao Jianguo, Liang Han Wei Jin e zhi Daojia Sixiang [Pensamento taoísta nas dinastias Han, Wei e Jin], 1986; Li Zehou, Zhongguo Xiandai Sixiang Shilun [Tratado Histórico de Chinês Pensamento contemporâneo chinês], 1987; Jin Wulun, Wuzhi Kefenxing Xinlun [Uma nova teoria sobre a divisibilidade da matéria], de 1988; He Lin, Wenhua yu Rensheng [Cultura e vida humana], 1988; Zhu Bokun, Yixue Zhexue Shi [Estudo da história da filosofia de Yi (jing)], 1988; Tang Liquan, Zhouyi yu Huaidehai zhi Jian [Entre os Yijing e Whitehead], 1989; Li Kuangwu, Zhongguo Luoji Shi [Uma História da Lógica Chinesa], 1989; Huang Renyu, Zibenzhuyi yu Nianyi Shiji [Capitalismo e o século 21], 1991; Hu Weixi, Chuantong yu Renwen [Tradição e Cultura], 1992; Gu Xin, Zhongguo Qimeng de Lishi Tujing [História e Perspectiva do Iluminismo Chinês], 1992; Zhang Dainian, Zhang Dainian Xueshu Lunzhu Zixuan Ji [Coleção dos Escritos Acadêmicos de Zhang Dainian Selecionado por Ele Mesmo], 1993; Feng Qi, Zhihui San Lun [Três ensaios sobre sabedoria], 1994; Zhang Liwen, Zhongguo Zhexue Fanchou Jingxuan Congshu [Compêndio de Categorias Selecionadas em filosofia chinesa], 1994; Chiu Hungdah, Xiandai Guoji Fa [Direito Internacional Moderno], 1995; Mou Zongsan, Renwen Jiangxilu [Palestras sobre Cultura], 1996; Chen Shaofeng, Zhongguo Lunlixue Shi [Uma História da Ética Chinesa], 1997; Li Qiang, Ziyou Zhuyi [Liberalismo], 1998; Ge Zhaoguang, Zhongguo Sixiang Shi [Uma História do Pensamento Chinês], 1998-2000; Bai Shouyi (ed.), Zhongguo Tongshi [História abrangente da China ], 1999; Chen Lai, YouWu zhi Jing [A Área de Fronteira entre Ser e Não Ser], 2000; Chen Lai, Zhuzi Zhexue Yanjiu [Um Estudo da Filosofia do Mestre Zhu], 2000; Lao Sze-kwang, Wenhua Zhexue Jiangyan Lu [Palestras sobre Filosofia Cultural], 2002; Lao Sze-kwang, Xujing yu Xiwang [Ilusão e Esperança], 2003; Yu Ying-shih, Zhu Xi de Lishi Shijie [O mundo histórico de Zhu Xi], 2003; Zhang Jialong, Zhongguo Luoji Sixiang Shi [Uma História do Pensamento Lógico na China], 2004; 55                 Li Zehou, Shiyong Lixing yu Legan Wenhua [Razão Pragmática e a Cultura de Satisfação], 2005; Sun Zhongyuan, Zhongguo Luoji Yanjiu [Estudos sobre Lógica Chinesa], 2006; Zhang Liwen, Hehexue [A filosofia da harmonia], 2006; Ji Xianlin, Sanshinian Hedong, Sanshinian Hexi [Trinta anos a leste do rio, Trinta anos a oeste do rio], 2006; Lao Sze-kwang, Weiji Shijie yu Xin Xiwang Shiji [Um mundo de crises e o novo século de Esperança], 2007; Wang Hui, Xiandai Zhongguo Sixiang de Xingqi [O surgimento do pensamento chinês moderno], 2008; Li Bozhong, Zhongguo de Zaoqi Jindai Jingji [ economia moderna da China], 2010; Yao Dali, Dushi de Zhihui [A sabedoria da leitura da história], 2010; Liu Yingsheng, Hailu yu Lulu [rotas marítimas e continentais], 2010; Tang Yijie e Li Zhonghua (orgs.), Zhongguo Ruxue Shi [Uma História do Confucionismo], 2010-2011; Wang Liqi, Yantielun Jiaozhu [ Discursos sobre sal e ferro agrupados e anotados], 2011; Jin Guantao e Liu Qingfeng, Zhongguo Xiandai Sixiang de Qiyuan [As origens do moderno Pensamento na China ], 2011; Yi Wu, Yijing de Chubian Xue [Yijing : Aprendendo a lidar com mudanças], 2012; Huang Ying-kuei, Wenming zhi Lu [O caminho para a civilização], 2012; Jin Yaoji, Zhongguo de Xiandai Zhuanxiang [A virada da China moderna], 2013; Yang Kuo-shu, Zhongguoren de Jiazhiguan [Visões chinesas sobre valores], 2013. Finalmente, nas últimas três décadas, eminentes economistas chineses escreveram diversas vezes sobre o crescimento sem precedentes da economia de seu país, e os problemas concomitantes. Seu principal trabalho teórico / empírico raramente foi traduzido para uma língua ocidental. Traduzir, essa atividade humilde, mas sempre tão importante, é a força; fazer pesquisas científicas, sem formação em nenhuma das ciências sociais ou humanas, é a fraqueza dos sinólgos. Deveriam, portanto, concentrar-se na primeira, e vincular-se aos cientistas na segunda. Se eles desejam embarcar no estudo de um assunto relacionado à China, aconselhamos que não corram o risco de naufragarem por causa da falta de marujos. Em vez disso, eles deveriam procurar cientistas voltados para a China para estabelecer um joint venture. Dessa forma, a parte que não tem fundamentação disciplinar tem à sua disposição as ferramentas analíticas corretas, enquanto a parte que não consegue ler chinês tem acesso a fontes primárias. Pois "não há mais desculpa para os sinólogos escreverem incompetentemente sobre assuntos técnicos, do que para os cientistas que trabalham incompetentemente nos textos" (Denis Twitchett). Seria errado, no entanto, concluir que as visões parciais se somam ao Totalbild, a uma imagem completa e coerente do todo articulado e multinível da China. O que temos quando as várias joint-ventures finalmente lançam seu produto é uma colcha de retalhos em vez de uma tapeçaria, uma justaposição em vez de uma composição, uma pilha de tijolos bem feitos em vez de uma casa, um "agregado" (Gesamtheit) do que um 'todo' (Ganzheit). A China é um complexo sistema de sistemas complexos Cada país é um sistema territorial, moldado na história, multifacetado, aberto uma vez, aberto outro momento, de sistemas físicos, químicos, biológicos e sociais 56 entrelaçados inextrincavelmente. Possui um 'rosto' (Gestalt), um estilo, um personagem, um 'som' ou 'batida' distinta, um 'sabor' (rasa) particular, uma herança cultural que expressa sua alma. Em constante mudança, às vezes revolucionariamente, ele possui propriedades que nenhum de seus subsistemas constituintes possui (da mesma maneira que a natureza da água é irredutível aos atributos do hidrogênio e do oxigênio; e uma imagem de computador ou televisão é mais do que a soma total de bits dos pixels nos quais ele pode ser decomposto). Não sendo um agregado de (grupos de) seres humanos que vivem em uma extensão de terra, mas um superorganismo, um hólon não-fragmentável, ordenado hierarquicamente, um sistema extremamente complexo de sistemas complexos e um composto / compósito intricadamente em evolução (cujos elementos são mantidos juntos por um tipo misterioso de química), um país não pode ser entendido estudando suas partes uma por uma, considerando cada uma ou algumas das fora do seu contexto. Isso só pode ser entendido entre as disciplinas, ou seja, inter ou transdisciplinarmente. Como a formiga que não consegue ver o padrão do tapete, um estudante de campo nunca pode entender o cenário inteiro, não apenas porque é suficientemente difícil ser especialista em um domínio científico e extremamente difícil aprender dois (e muito mais que dois), mas também porque todo o país é algo além da soma total de suas partes. A composição vai muito além da justaposição. Então, precisamos de colaboração científica genuína. O corpo humano só pode ser dissecado / analisado ao preço de cortar conexões vitais. Partir um país em pedacinhos, para cientistas de departamentos autônomos separados mastigarem quantias para destruir um 'sistema' (σύστημα, constituição) é indispensável para compreendê-lo. O cerne da questão é que as partes e o todo estão interconectados, entrelaçados e envolvidos; eles são inseparáveis, e não subordináveis entre si. Simplesmente: são necessários dois para dançar o tango.6 Países, grandes ou pequenos, precisam ser lançados em uma nova perspectiva. Os conceitos emprestados da crescente ciência de sistemas complexos devem ser aplicados a eles. Foram realizados estudos sobre a complexidade de células / neurônios, cérebros, organismos, empresas / organizações, cidades, políticas, economias, sociedades, ecossistemas e 'sistemas socioecológicos' (SES’s), mesmo sobre a complexidade de todo o mundo (complexidade sendo definida como 'elementos que reagem ao padrão que juntos criam'). É hora de explorar a possibilidade e a viabilidade de estudar a complexidade dos países, de reformular as questões relacionadas a eles em termos de sistemas complexos. Nesse momento crítico, quando a sobrevivência da humanidade está em jogo, não podemos mais pensar e comportar-nos como se os padrões econômicos, financeiros, políticos, jurídicos, econômicos, os sistemas militar, social, cultural, educacional, religioso, ecológico e de relações exteriores de um Estado-Nação não estivessem interconectados, não correspondendo, interagindo ou mapeando-se entre si. É hora de imaginar a China através da linguagem milagrosa da matemática / lógica, "o olho cósmico da humanidade" (Eberhard Zeidler)7; tempo para procurar equações e 6 O uso da linguagem é outra forma de ação conjunta. Veja Clark (1996). ‘O classicismo é a subordinação das partes ao todo; a decadência é a subordinação do todo às partes', disse Oscar Wilde. 7 Estudar a relação entre variáveis (coisas capazes de mudar) é o objetivo da matemática. "A matemática preocupa-se com a investigação de padrões de conexão, em abstração a partir de relatos particulares e dos modos particulares de conexão" (Alfred North Whitehead). Zeidler (2004) enfatiza a conexão das divisões da matemática. Ver Hersch (1997, Prefácio), Chaitin (2005), Parrochia et al (2012, Introdução ) e Tegmark (2014) . Também visitar http://dsin.ku.dk/participants/key_researchers/ditlevsen and www.maa.org. See note 2. Para a história da matemática, visit http://www.unizar.es/ichm. Para lógica, visite 57 desigualdades, interseções e interações, (inter) dependências e coerências; tempo para procurar links e loops, homologias e isomorfias, correspondências e correlações, analogias e (auto) semelhanças, tipos e graus de incorporação, interfaces dinâmicas, relações entre estruturas, invariância / constante na variedade / mudança; tempo para contextualizar categorias e elucidar os caminhos subjacentes ao funcionamento da China; hora de traçar, mapear e visualizar computacionalmente a rede de seus elementos que se sustentam mutuamente, a rede de suas instituições de várias camadas, conectadas e em constante mutação; O tempo para investigar como todo o país, sendo um enorme semiótico, um 'sistema de sistemas' (SoS) complexo, é mantido em conjunto e difere do de outro país, como a ‘Night Watch’ de Rembrandt e a ‘Guernica’ de Picasso. Felizmente, chegará o dia em que 'especialistas no país China' - e os grandes historiadores de seus irmãos gêmeos - verão a diferença entre descrição (contar uma história) e análise (fornecer uma explicação) e mostrar interesse pelas últimas informações, desenvolvimentos e estreitas relações entre matemática, filosofia e ciência de sistemas (complexos), a rede de suas instituições multicamadas de várias maneiras conectadas e em constante mudança. Basicamente, os cientistas de sistemas complexos estão interessados exclusivamente em propriedades comuns a todos os sistemas complexos, deixando para os cientistas não formais, nos campos da pesquisa natural ou cultural, estudar as diferenças entre esses sistemas. Praticamente, no entanto, eles se limitam a um sistema específico e seguem essencialmente uma das duas abordagens. O primeiro método é a construção e o estudo de um modelo matemático que contém apenas as propriedades mais importantes do sistema. As ferramentas usadas nesses estudos incluem, mas não estão limitadas a, sistemas dinâmicos - jogos - e teoria da informação. A segunda abordagem é a construção de um modelo mais abrangente e realista, geralmente na forma de uma simulação em computador, representando as partes / agentes em interação do sistema e, em seguida, observando e estudando o comportamento emergente que aparece. O poder da simulação por computador, também conhecido como modelagem computacional, excedeu em muito o que era possível usando a modelagem matemática tradicional de papel e lápis. As duas abordagens podem ser combinadas. A ciência de sistemas complexos abrange o estudo de sistemas particulares e o estudo de sistemas em geral; qualquer avanço em um deles contribui para o outro.8 Mark Newman, associado ao renomado Centro de Estudos de Sistemas Complexos da Universidade de Michigan, conclui uma pesquisa recente da seguinte forma: Sistemas complexos [ciência] é um campo amplo, abrangendo uma ampla variedade de métodos e com uma ampla variedade de aplicações. Os recursos analisados aqui http://plato.stanford.edu/entries/logic-classical (bem como outras entradas lógicas relacionadas neste banco de dados filosófica constantemente atualizado), e ver a série de livros Springer editada por Jean-Yves Béziau, Studies in Universal Logic (2008 ff). Veja também http://www.uni-log.org. Para a teoria das categorias ainda em evolução, um quadro conceptual que nos permite ver como as estruturas de diferentes tipos estão inter-relacionados, visite http://plato.stanford.edu/entries/category-theory. A conexão é o núcleo de tudo. Tout tient à tout . 8 Visite Visit www.mathmod.at, http://www.amses-journal.com, www.socio.ethz.ch/modsim/index, www.univie.ac.at/ivc/swc. Modelagem e simulação, uma paisagem que se expande num ritmo impressionante, são essencialmente uma ferramenta computacional. Visite http://en.wikipedia.org/wiki/simulation and http://www.nasa.gov/sites/default/files/501321main_TA11-ID_rev4_NRC-wTASR.pdf. Adicionalmente, veja a série de livros da Springer editados por Louis Birta: Simulation Foundations, Methods and Applications (2013 ff). Veja também as notas1 e 6. 58 abrangem apenas uma fração desse rico e ativo campo de estudo. Para o leitor interessado, há uma abundância de recursos adicionais a serem explorados quando os itens deste artigo estiverem esgotados, e para o cientista intrigado pelas perguntas levantadas, há amplas oportunidades de contribuição. A ciência apenas começou a abordar as questões levantadas pelo estudo de sistemas complexos, e as áreas de nossa ignorância superam em muito as áreas de nossa experiência. Para o cientista que procura questões profundas e importantes para trabalhar, [o estudo de] sistemas complexos oferece inúmeras possibilidades.9 A ciência de sistemas complexos é uma consequência do início dos anos 1980 de: a) ciência de sistemas (o estudo das propriedades gerais dos sistemas), b) cibernética (o estudo de controle e comunicação em sistemas), c) dinâmica de sistemas (o estudo de o comportamento de sistemas complexos ao longo do tempo), d) sinergética (o estudo dos princípios fundamentais da formação de padrões em sistemas), e) mecânica estatística sem equilíbrio (o estudo do surgimento de estruturas dissipativas), f) teoria da catástrofe (o estudo de mudanças repentinas no comportamento de um sistema, decorrentes de pequenas mudanças em seu ambiente) e g) biologia matemática ou biomatemática (o estudo matemático dos mecanismos envolvidos nos processos biológicos). No final dos anos 90, ocorreu a "virada da complexidade": cientistas sociais (sociólogos, economistas e cientistas políticos em particular) mudaram de atitude e se interessaram cada vez mais pela ciência da complexidade.10 O SAGE - Handbook of Complexity and Management, publicado há alguns anos (Allen et al 2011), é 'o primeiro trabalho acadêmico substantivo a fornecer um mapa da pesquisa de ponta no campo crescente emergente na interseção de ciências da complexidade e estudos de gestão ". Como cada empresa pertence a um setor (linha de negócios), que é um dos setores de uma economia, que por sua vez é um dos sistemas em que um país consiste, esperamos que este artigo convença o leitor da importância de redesenhar Sinologia, do significado de forjar pontes entre ciência (s) da complexidade e 'estudos da China'. Colaboração científica A China pode ser comparada com um diamante de lapidação brilhante, que brilha ao sol. Não haverá reluzir / brilho até que cientistas de várias formas lancem luz sobre o país, que é uma realidade multiplex. Tendo muitas faces / facetas, deve ser abordada de forma integrativa ou holística, em vez de reducionista. O 'ataque' científico à China 9 Visite http://arxiv.org/abs/1112.1440, http://cssociety.org, www.complexsystems.org e www.complexityexplorer.org. Ji (2012), Starr et al (2013), Batty (2013), Clemens Jr (2013), e Faggini & Parziale (2014) são excelentes estudos complexos. Ver também http://www.mdpi.com/2078-2489/5/3/404/htm, http://www.ccs.fau.edu/hbbl3/?page_id=678, http://www.philosophica.info/voces/pensamiento_complejo/Pensamiento_Complejo.html e http://main.csregistry.org/tiki-index.php?page=Complex+Systems+Institutions. Jencks (2003) merece especial atenção (figuras!). A Complexidade aumentacomo um processo evolutivo (Chaisson 2001, Lineweaver et al 2013, Stewart 2014). 10 Explore http://en.wikipedia.org/wiki/Social_complexity, www.nessnet.eu, www.isce.edu, http://comdig.unam.mx, http://cams.ehess.fr, www.imbs.uci.edu, www.santafe.edu, www.lsa.umich.edu/cscs, http://cnets.indiana.edu, www.necsi.edu, www.imtlucca.it, www.complexityandsociety.com, www.eccs14.eu and http://iccss2015.eu. Adicionalmente, veja Dimitrov (2011), Wolf-Branigin (2013), Maldonado (2013, Vol. III), Byrne e Callaghan (2014), Strathern e McGlade (2014), McCabe (2014), Jaffé (2014) e Johnson (2014). A ontologia social , a ser distinguida da filosofia das ciências sociais, é o estudo do ser social, da complexidade social em sua totalidade (Pratten 20 14, capítulo 1). 59 deve ser concertado; a operação deve ser um esforço conjunto e combinado. Como todo país, ele deve ser estudado interdisciplinarmente (e - para possibilitar avaliações sensatas - comparativamente); deve ser representado cubisticamente (com diferentes pontos de vista amalgamados em um todo multifacetado), porque o todo e as partes da China estão mutuamente implicados. A China é um universo cujo centro está em toda parte. Existem diferentes maneiras de colaboração científica, mas elas têm um denominador comum.11 Os cientistas envolvidos entendem que a realidade, sendo o nexo de fenômenos inter-relacionados irredutíveis a uma única dimensão (ordo connexio rerum), nunca pode ser compreendido por disciplinas separadas, que formaram o layout das universidades desde o século XVIII. Embora a especialização (leia-se: fragmentação) tenha produzido uma acuidade analítica mais nítida em determinados domínios do conhecimento, onde a cláusula ceteris paribus tem sido a regra de operação irrealista e auto-imposta (irrealista porque outras coisas relevantes nunca permanecem inalteradas!)12, o objetivo de alcançar a integração o entendimento recuou. A profundidade do foco foi alcançada à custa da amplitude de visão. Alguns cientistas começam a perceber o quão isso é difícil, problemas da vida real requerem a associação de conhecimentos disciplinares e habilidades analíticas. Pode ser muito difícil para uma pessoa se tornar uma especialista em duas disciplinas, mas duas pessoas podem ser bem versadas e treinadas em duas disciplinas, por exemplo: física e química, química e biologia, biologia e psicologia, psicologia e sociologia, sociologia e economia, ou - e aqui o círculo se fecha - economia e física, podendo coproduzir algo de grande valor. A pesquisa interdisciplinar não é um caso simples, de somar ou agregar várias disciplinas em um projeto de pesquisa multidisciplinar. É necessário um esforço extra para alcançar a promessa de sinergia, formando uma equipe coesa que combina a experiência de diferentes (grupos de) pessoas. A colaboração interdisciplinar é difícil, porque é hostil ao individualismo e ao egoísmo, exige uma virada conceitual, carece de prestígio na academia clássica, parece ameaçar a posição de colegas profundamente arraigados, precisa superar barreiras institucionais, e coloca alguém fora da organização do círculo de partes do trabalho. No entanto, possui um valor agregado considerável: não apenas pessoal, porque enriquece a vida dos envolvidos, e social, porque seus resultados tendem a ser mais robustos, mas também científicos, porque a colaboração minimiza a duplicação, ilumina pontos cegos, promove o raciocínio analógico, leva à fertilização cruzada, cria inteligência coletiva (Malone e Bernstein 2014) e estimula a inovação (desde que os membros da equipe ouçam ativamente e questionem-se desafiadoramente); desde que tentem argumentar no mesmo comprimento de onda, por assim dizer (Waldrop 2011). Os adversários da colaboração interdisciplinar (diferente de: internacional) não precisam se preocupar: significa integração, não fusão, de disciplinas; baseia-se no conceito de tigela de salada, na lei da mistura, no princípio 1 + 1> 2. Seus participantes são comparáveis aos membros de uma orquestra sinfônica que são afinados tocadores profissionais de diferentes instrumentos.13 11 Este assunto está relacionado à questão da unidade da ciência.Ver McGuinness (1987), Wilson (1998), Damasio et al (2001), e a série de livros Logic, Epistemology, and the Unity of Science (2004 ff). Visite também www.bpb.de/apuz/30122/die-einheit-des-wissens, http://plato.stanford.edu/entries/scientific-unity and http://inters.org/unity-of-knowledge. 12 Para mais sobre cláusulas ceteris paribus clauses, visite http://plato.stanford.edu/entries/ceterisparibus. 13 Ver Balsinger (2005), Frodeman et al (2010), Thompson Klein (2010), Bhaskar el al (2010), Wechsler and Hurst (2011), Welsch et al (2011), Lakhani et al (2012), Bammer (2013), Jacobs (2013), Martini (2013), Thorén and Persson (2013), Montuori (2013), Bourgine (2013), Jungert et al (2013), Michelucci (2013, v-x), Mathieu and Schmid (2014), De Montjoye et al (2014), Chopp 60 Trabalhadores das ciências naturais e culturais (isto é, cognitivas, comportamentais, sociais e humanas) estão cada vez mais usando métodos e técnicas matemáticas. Como a ponte entre essas ciências e a matemática (o estudo mais amplo, mais alto e mais profundo de tópicos como quantidade, estrutura, espaço e mudança)14 é bastante percorrida, o diálogo interdisciplinar é estimulado. Além disso, a colaboração científica é facilitada pela pesquisa eletrônica, que pode ser chamada de uma grande inovação em ciência e tecnologia. Ela combina a) grandes quantidades de dados digitalizados (bibliotecas digitais), b) supercomputadores executando software sofisticado e c) conectividade de alta tecnologia entre computadores (nuvem, computação em grade, rede semântica). Nos computadores modernos, quase qualquer forma de conhecimento pode ser expressa com precisão, e cálculos multidimensionais de fenômenos complexos em múltiplas escalas não estão mais além do alcance. O potencial da Internet, implicando a disponibilidade de todas as informações para todos, instantaneamente e em qualquer lugar, parece ser ilimitado.15 Largo e profundo Indiscutivelmente, há algo terrivelmente errado com a Sinologia Ocidental (Zhōngguóxué). O campo não é circunscrito. Incapaz de definir sua matriz disciplinar, sem uma agenda de pesquisa, sem ter construído uma ontologia de domínio (uma explicação precisa dos termos básicos de seu discurso), sem ter uma teoria própria e sem procurar conhecimento sistematizado em relação à China em e, por si só, os chamados especialistas da China na Europa e na América não são cientistas, mesmo que a 'ciência' seja amplamente definida. Ignorando o elefante em seu quarto e recusando um Reflexion auf eigenes Tun, esses estudiosos afirmam corajosamente sintetizar os resultados de todos os tipos de estudos profissionais sobre o país de sua escolha, mas - sem uma estrutura conceitual, isto é, sem um modelo et al (2014), Repko et al (2014), Aldrich (2014), Gethmann et al (s/d), e o número especial Cosmos and History on Transcending the Disciplinary Boundaries (5:2 [2009], 1-321). Visite também www.interdisciplines.org, http://academicexecutives.elsevier.com/issues (Volume I, Issue 1; II, 2; and III, 2), http://dx.doi.org/10.1093/acprof:oso/9780199567874.001.0001, http://dx.doi.org/10.1007/s00267-013-0180-z, http://dx.doi.org/10.1063/1.4789673, www.transdisciplinarity.ch/e, www.iwr.uni-heidelberg.de, www.helsinki.fi/tint, http://dx.doi.org/10.1093/acprof:oso/9780199693894.001.0001, www.inter-disciplinary.net, www.culturalpolitics.net, www.units.miamioh.edu/aisorg, http://dx.doi.org/10.7202/1007079ar, http://dx.doi.org/10.1038/512126a, www.ciret-transdisciplinarity.org, www.warwick.ac.uk/fac/cross_fac/cim, http://thesocialsciences.com, www.dsin.ku.dk, www.pinnet.gatech.edu, http://scientrix-epm.com. www.ceiich.unam.mx, www.inidtd.org, www.culturesofknowledge.org, www.nap.edu/catalog/11153.html, http://dx.doi.org/10.1038/514292a, http://edge.org/conversation/hugo_mercier, www.univie.ac.at/constructivism/journal/10/1/065.alroe, www.cairn.info (interdisciplinarité) and www.nsf.gov (interdisciplinarity). Atentem a diferença em http://olihb.com/2014/08/11/map-ofscientific-collaboration-redux. 14 Visite www.zbmath.org and www.ams.org/mathscinet/msc/msc2010.html. Veja a nota 6. 15 Veja Dutton e Jeffries (2010), Anandarajan (2010), Hesse-Biber (2011), Nielsen (2012), Floridi (2014) e o editorial de Pietro Michelucci para o Volume 1, Issue 1 (October 2014) da Human Computation. Visite www.digitalhumanities.org, http://digitalhumanities.org/centernet, www.humanitiesebook.org, http://cci.mit.edu, www.dlib.org, www.siggraph.org, www.asiaeurope.uni-heidelberg.de/en/hra-portal.html, http://en.wikipedia.org/wiki/internet, www.allhands.org.uk, www.w3.org, www.sci-mate.org, http://arxiv.org/abs/1407.2535, www.globalbraininstitute.org, www.supercomputing.org e http://cba.mit.edu. Enquanto isso, matemáticos e físicos estão se aproximando da computação quântica. Para a história, a filosofia, áreas e grandes insights de, ou a extensa literatura sobre, ciência da computador, visite http://en.wikipedia.org/wiki/Computer_science, www.acm.org/about/class e http://liinwww.ira.uka.de/bibliography. O periódico online de acesso aberto, revisado por pares, Computational Culture também deve ser mencionado. 61 representando a China como tal - eles não são capazes de apresentar uma imagem abrangente e coerente do país, sem mencionar uma exposição lúcida de sua dinâmica, suas transições de fase, sua lógica de transformação. Navegar e invadir, em vez de realmente "reunir", é o que esses heróis polímatas são bons. Não tendo diploma em nenhuma das disciplinas envolvidas, eles não deixam de se apressar para onde os anjos temem pisar. Afirmando implicitamente serem cientificamente versáteis em relação à China, esses técnicos-de-tudo mantêm o leitor / ouvinte / espectador no escuro sobre como as partes se encaixam no todo e, inversamente, como o todo está interconectado as partes. Sua abordagem na China é de milhas de largura, mas polegadas de profundidade. Embora sua população esteja diminuindo, eles não estão de forma alguma extintos, sua escola continua sendo a pretensão garbosa vestida do inteligível. A alegada "divisão da Sinologia em especialidades" pós-guerra piorou a situação, porque há confusão e ofuscação sobre quem tem uma base completa em uma disciplina científica, e quem não tem. Alguns, e acreditamos que muitos "especialistas da China", são na verdade amadores que têm o mau hábito de vestir o chapéu de um cientista sem encher os sapatos. Outros não têm escrúpulos em se apresentar simplesmente como 'Professor da Universidade de ... (nome da cidade)'. Um pedido cortês para apresentar credenciais acadêmicas é considerado um sinal de desrespeito, e costumes profundamente arraigados (rede de velhos amigos) impedem críticas internas fundamentais, causando consanguinidade intelectual, uma situação deplorável que os políticos optam por fechar os olhos. Ocasionalmente - nos limitamos a um exemplo - alguém, sabendo muito bem que estudar uma língua não é o mesmo que estudar a literatura escrita nessa língua, decidiu se matricular em estudos literários antes de se dedicar à literatura chinesa. Sua abordagem monodisciplinar para o país é então de uma milha de profundidade, mas uma polegada de largura (a verdade seria intoleravelmente ampliada, se essa pessoa permitisse que as pessoas a chamassem de especialista em China). No entanto, o problema com esses cientistas unidimensionais (Ciclopes), que Max Weber chamaria de forma depreciativa de Fachmenschen (ou, profissionais técnicos), é que eles são acusáveis de pensar em silos / chaminé, de não verem o cenário geral do país, de serem incapazes de pensar sistemicamente (discernir as partes e o todo). Para remover esse ódio, esses especialistas tendem a cruzar fronteiras, ignorando alegremente os perigos de patinar no gelo fino. Os leitores que se esforçarem para verificar a lista de colaboradores das revistas de 'Estudos da China / Ásia', descobrirão que os conselhos editoriais desses periódicos concorrentes (o número de títulos conta dezenas) não foram consistentes em suas políticas declaradas sobre o profissionalismo dos autores. Com muita frequência, os artigos publicados não são "do mais alto padrão acadêmico". Em nossa opinião, o trigo nem sempre foi separado do joio, e os especialistas em seu próprio campo de estudo ainda são permitidos por editores que podem não ter a certeza de se desviar do curso, isto é, de deixar seu território acadêmico e entrar ilegalmente no domínio profissional de outra pessoa. A Enciclopédia da China de Brill (2008), a tradução em inglês de Das große China-Lexikon: Geschichte, Geographie, Gesellschaft, Politik, Wirtschaft, Bildung, Wissenschaft und Kultur (Primus Verlag, 2003), é outro exemplo gráfico do que chamamos de escândalo da Sinologia. Que o potencial comprador deste tomo, com preço proibitivo, examine primeiro em que disciplina, em qual universidade, e em qual país, seus colaboradores se formaram. Esperamos que ele / ela perceba o perigo de ser informado sobre um assunto de grande importância por um grupo de pessoas que são apenas amadores, mas vergonhosamente disfarçadas (e apresentadas!) como profissionais da China. 62 A bifurcação na estrada para os Sinólogos ocidentais tem duas vertentes: traduzir (onde os Hanxuejia entram em cena) ou colaborar. Eles são reputados / supostamente fluentes em chinês clássico e moderno. Portanto, nosso conselho seria: sapateiro, atenha-se a este último. Existem inúmeros livros chineses importantes aguardando ansiosamente a tradução. Se o desejo deles for embarcar no estudo de um assunto relacionado à China, aconselhamo-los a não se aventurarem em um mar muito vasto, mas a procurar especialistas orientados para a China (ou seja, cientistas [em primeiro lugar] que tenham uma experiência especial interesse na China) para criar uma joint venture, com a ressalva de que as visões parciais não compõem uma imagem de toda a China. Para fazer bom uso de bancos de dados organizados e estruturados, eles precisam estar interconectados.16 Estudos parciais que não são bem encaixados ou firmemente interligados apresentam ao leitor um cupê de espetáculo, com um Humpty-Dumpty quebrado em pedaços. Tais estudos (pode-se pensar naqueles coletados em um único conjunto cronologicamente ordenado de volumes, intitulado Cambridge History of China, este trabalho está muito longe de um relato claro das figuras da China, uma narrativa / história profunda e multiperspectiva de seu passado) não constituem um todo coerente. Eles carecem da estrutura crítica e unificadora (não: uniforme) que poderia ser fornecida pela ciência dos sistemas e pela ciência relacionada das redes, cujas partes teóricas devem atrair os pesquisadores realmente dispostos a trabalhar juntos e plenamente conscientes do poder impressionante de fazendo as distinções e abstrações certas. A divisão negligencia as relações que importam. Compartimentalização ou departamentalização, a quebra (mentalmente) de um sistema complexo em subsistemas 'mais gerenciáveis' resulta facilmente na perda de visão do contexto, do ambiente, do espaço, das condições sob as quais esses subsistemas operam dentro de seu supra-sistema. Um bom médico e um comandante-chefe sabem disso. Precisamos de uma perspectiva cubista e multiprofissional, de uma integração multimodal, se, e somente se, forem organizadas de forma ordenada e específica (montadas) peças / módulos / entidades / agentes únicos formando um todo, como todos os arquitetos, astronautas, chefes de cozinha, coreógrafos, compositores, arranjadores de flores (ikebana), jardineiros, romancistas, até um treinador de futebol sabe. As interações e interfaces entre os componentes de um país (por exemplo, seus aspectos políticos, legais, (sistema militar, econômico, financeiro, social, educacional e cultural) precisam ser investigados, da mesma maneira que a estrutura fundamental da faculdade de linguagem humana é examinada na linguística atual, ou seja, nas interfaces entre fonética, fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática.17 16 A Encyclopedia of Life Support Systems (www.eolss.net) é um exemplo impressionante. Sendo um 'compêndio integrado de vinte e uma enciclopédias', o corpo de conhecimento do EOLSS 'tenta forjar caminhos entre as disciplinas para mostrar sua interdependência'. Ele 'lida em detalhes com assuntos interdisciplinares e transdisciplinares, mas também é disciplinar, pois cada assunto principal é abordado em profundidade por especialistas mundiais'. A declaração de missão do SciColl, 'facilitando uma nova geração de pesquisa interdisciplinar que depende de coleções científicas em diferentes campos' (www.scicoll.org), parece promissora. Veja nota 12. 17 Veja Ramchand e Reiss (2007, 1-13) e O’Grady et al (2009, capítulos 2-6 e 12-14). De acordo com French (2014): "No nível mais fundamental, a física moderna nos apresenta um mundo de estruturas e entender essa visão é o objetivo central da posição cada vez mais difundida conhecida como realismo estrutural." O realismo estrutural é considerado como a forma mais defensável de realismo científico, uma das reações ao positivismo lógico. Visite http://plato.stanford.edu/entries/structural-realism, http://dx.doi.org/10.1119/1.4789885 and http://dx.doi.org/10.1119/1.4812316. Adicionalmente, ver Piaget (1968), Jameson (1972), Rickart (1995), Surdulescu (2000), Sturrock (2003), Procházka et al (2010), Epperson e Zafiris (2013, xiiixx), Ching (2013), Hertzberger (2014), Spohn (2014) e Burgess (no prelo, Cap. 3 e 4). Compare http://philsci-archive.pitt.edu/view/subjects/realism-anti-realism.html with www.univie.ac.at/constructivism/journal/9/3 e –/10/1. Em setembro de 2013, o projeto The 63 Pois, como os antigos intuitivamente já sabiam, a interação perpétua de componentes (um processo que envolve exclusividade, dissimilaridade, singularidade, discrição e inclusividade-similaridade-comumidade-continuidade) é o princípio básico da vida e o núcleo de toda a matéria; é a própria essência da inteligência, criatividade e harmonia. Nas palavras do físico teórico chinês-americano Kerson Huang: "A interação faz o mundo funcionar". O estudo multidisciplinar da China é fatalmente falho; isso levará à hamartia, 'errar o alvo' (destacando todo o país); deve resultar em um edifício não unido pelo cimento, na justaposição estéril de contas, formando uma imagem de cores incompatíveis. Paredes divisórias devem ser abaixadas (mas certamente não removidas). O que precisamos é de destribalização, uma academia colaborativa, um esforço conjunto bem coordenado, uma abordagem disciplinadamente integrada, que facilite a consiliência, o salto alegre do conhecimento científico. O principal impulso desse argumento de desmembramento é que a China deve ser vista sob o aspecto inteiro, sub especie totius, o que não significa que a análise, como entendida na filosofia analítica (veja a nota 4), não é importante. Examinando partes / aspectos do país, é preciso vê-los 'do ângulo da totalidade' (Shen Kuo). A China, entendida como uma unidade (uma noção desconfiada pelos pensadores pósestruturalistas), ao considerar tudo, deve ser retratada não de uma forma "plana" ou "curvada", mas de uma maneira "totalmente arredondada" (os termos foram cunhados por E.M. Forster). Pois o conhecimento do todo é o conhecimento de cada parte dele e vice-versa. Não pode ser exagerado: para ser científica, a abordagem da China deve ser integrativa, orquestral. Os jogadores profissionais devem afinar seus vários instrumentos e executar uma sinfonia. Perspectivas diferentes devem ser reunidas no mesmo espaço de diálogo. Sendo uma sociedade grande, complexa e embebida cum cultura, cum economia, cum geografia, e cum história, a China precisa ser estudada de maneira verdadeiramente interdisciplinar. Apenas Conecte! Esse é todo o nosso sermão (ver nota 6). Einheit in vielfalt; Unity in Diversity; Bhinnêka Tunggal Ika; Juntos como Uno; E Pluribus Unum; 多元 一 体. Pois, assim como no cabo (vários fios / cordas unidos ou trançados para formar um único produto), L'UNITÉ FAIT LA FORCE, a unidade cujo potencial muitas universidades esqueceram de explorar, a força que precisamos desesperadamente de ser capaz de lidar com a situação da humanidade. Além da colaboração entre Sinólogos e cientistas orientados para a China, precisamos da colaboração orientada pelas TIC entre esses cientistas. Em outras palavras, precisamos de (dominando o chinês) sinólogos preparados para trabalhar em conjunto com cientistas que tenham: a) conhecimento profundo de uma determinada disciplina; b) interesse especial na China; c) proficiência ou vontade de se envolver ativamente na comunicação com outros Especialistas em ‘forma de T’ e d) habilidade em usar as ferramentas fornecidas pelo rápido desenvolvimento da pesquisa eletrônica; com os cientistas, além disso, conscientes do fato importante, mas muitas vezes esquecido, de que a geografia (o estudo de quem, o que, como, por que e onde) não passa de história no espaço, enquanto a história (o estudo de quem, o que, como, por que e quando) é apenas geografia no tempo. O método de 'design dialógico estruturado' (Flanagan e Christakis, 2010) pode ser usado para envolver as partes interessadas em uma conversa produtiva; as mais recentes técnicas de análise de big data, categorização, mapeamento de conceitos, visualização de dados / informações / conhecimento / rede e apresentação em PowerPoint podem ser aplicadas para estimular sua imaginação; e muito pode ser aprendido daqueles que têm experiência em primeira mão em operações - e / ou gerenciamento de projetos (consulte a wikipedia: 'big science' e 'list of megaprojects'; Structure of Reality e The Reality of Structure, liderado pelo professor F.A. Muller (http://www.projects.science.uu.nl/igg/muller), foi lançado na Universidade Erasmus de Roterdã. 64 visite o site do Centro Internacional de Gerenciamento de Projetos Complexos). Antes de tudo, porém, os sinólogos (presumidamente competentes para traduzir) e os cientistas orientados para a China que desejam se unir devem consultar pessoas versadas em redes - e (a complexa) ciência de sistemas. Pois esses são os campos de pesquisa em rápida evolução que podem fornecer uma estrutura conceitual, dentro da qual os padrões estreitamente entrelaçados da China podem ser descritos e analisados de maneira significativa. Além disso, essas são as disciplinas que podem desempenhar um papel crucial na compreensão de qualquer país / nação e, em última análise, são as que esperamos que os envolvidos nos estudos de relações internacionais realizem - um hipercomplexo e dinâmico sistema de sistemas complexos de sistemas complexos no cosmos (o total geral). 18 A multidisciplinaridade certamente não é a solução para o problema da Sinologia Ocidental. Mudando da abordagem do generalista da milha de largura e uma polegada de profundidade, para a abordagem de uma milha de profundidade e polegada de largura dos estudos parciais justapostos ('estudos chineses'), sai-se da frigideira no fogo. Os sinólogos devem agir de maneira decisiva, tentando engajar o interesse de cientistas de vários setores e tratar a China como um Ganzheit, como uma totalidade delimitada por território, moldada na história e direcionada a objetivos, de atores e fatores identificáveis e ainda interdependentes. O estudo da China, em particular o estudo interdisciplinar muito atrasado de sua modernização19, deve ser de uma-milha-de-largura-e-profundidade, e as palavras mais importantes devem ser 'coordenação' e 'integração' '. O dilema de se tomar o caminho de 'não saber nada sobre tudo' ou de 'saber tudo sobre nada' em relação ao país será então quebrado, e a madeira e suas árvores serão vistas. Distanciando-se firmemente da pesquisa multidisciplinar, o estudo da China que temos em mente requer uma divisão do trabalho bem pensada e perfeitamente equilibrada, isto é, a especialização de indivíduos cooperantes valorizados por Adam Smith e Émile Durkheim. Partes e todo, vale a pena repetir, são mutuamente implicados e inseparáveis um do outro. São necessárias duas pessoas diferentes para executar um pas de deux. Emaranhados, Yin e Yang formam o Taiji, o conceito fundamental que foi criado na China antiga e foi visualizado como o diagrama simétrico e indicotomizável , mas que o Ocidente costumava usar como preto e branco, o pensamento on-off e yes-no (símbolo da lua 18 Para as rede de ciências, ver Newman (2010), Contucci et al (2014), e D’Agostino & Scala (2014). Ver também www.barabasilab.com, www.cnn.group.cam.ac.uk, www.ds.mpg.de, www.dym-cs.eu, http://arxiv.org/abs/1407.0742 e www.netsci-x2015.net. Para ciência dos sistemas, De Rosnay (1975), Turchin (1977), Skyttner (2001), Meadows (2008), Ramage e Shipp (2009), Hofkirchner (2009), Mingers (2014), Capra e Luisi (2014), e a série de livros editada por Alfonso Montuori: Advances in Systems Theory, Complexity and Human Sciences. Em adição, visite www.isss.org, www.ifsr.org, www.iascys.org, www.collegepublications.co.uk/systems e www.global-systems-science.eu. Para sistemas de ENGENHARIA, visite www.sebokwiki.org. Para um atalho na vasta literatura sobre a(s) ciência(s) de sistemas complexos, visite www.springer.com/physics/complexity?SGWID=0-40619-6-127747-0. Veja também as notas 8 e 9, e os periódicos Complex Adaptive Systems Modeling (2013 ff), Journal on Policy and Complex Systems (2014 ff) and Complexity, Governance & Networks (2014 ff). Taylor (2001) capturou um novo Zeitgeist em construção. Em 23 de janeiro de 2000, Stephen Hawking disse: "Acho que o próximo século será o século da complexidade". 19 A questão-chave aqui é: a China pode se tornar uma nação moderna sem liberdade? Ou: a RPC, onde a escarradeira desapareceu dos olhos do público, pode ser um país moderno cujas pessoas estão acorrentadas? Para liberdade / liberalismo, liberté / liberalismo e Freiheit / Liberalismus, explore a Wikipedia e visite www.existentialpsychotherapy.net (tema!). Schelling (1809), Berdyaev (1927, capítulo IV), Popper (1945), Ryan (2012, capítulos 2 e 13) e Diehl (2013) são leituras obrigatórias para os intelectuais chineses, quase todos com uma atitude mental basicamente não-crítica, como evidenciado pelos desenvolvimentos na 'RPC' (um pleonasmo!) desde junho de 1989 (Deng [Xiaoping] tanques). Veja Kuijper (2013). 65 da primeiro / último fase), tendo grande dificuldade de compreensão, com exceção de Niels Bohr (veja seu brasão). Trabalhar em conjunto como uma equipe científica informada sobre os mais recentes desenvolvimentos em sistemas (complexos) e ciência de redes, é a chave para entender a China como tal, para compreender o país considerado como um todo distinto, ou seja, não como uma entidade isolada, incompatível e não comparável a outros países. A mudança para a pesquisa interdisciplinar será uma mudança de paradigma. Ao ler o aclamado livro de John King Fairbank China: Uma Nova História (Belknap, 1992), pode-se ficar impressionado com a facilidade com que o "grande estudioso americano da China" escreveu sobre todos os tipos de assuntos relacionados ao país por quem se apaixonara. No entanto, não se deve esquecer que o professor Fairbank, cujos alunos mais conhecidos eram Benjamin Schwartz, Mary C. Wright, Rhoads Murphey, David Nivison, Albert Feuerwerker, Merle Goldman, Thomas Metzger, Philip Kuhn, Paul Cohen, Orville Schell e Andrew Nathan e Ross Terrill, são os responsáveis por invadir território estrangeiro, por terem entrado sem aviso / permissão nos domínios dos profissionais. Agora, deixe a JK Fairbank & Co. ser uma pessoa jurídica com muitas cabeças de comunicação cruzada, cada uma delas formada, e familiarizada com a história da geografia, demografia, arqueologia, linguística, estudos literários, economia, teoria tributária, agronomia, finanças (corporativas, públicas e / ou internacionais), administração de empresas, ciência política, direito, estudos militares, medicina, psicologia sociologia, antropologia, mitologia, ciências da educação, semiótica, informática, estudos de mídia, estudos de transporte, estudos religiosos, história da arte (Kunstwissenschaft), estudos energéticos, ecologia (ciência da sustentabilidade) ou filosofia e - denominador comum - tendo interesse principalmente em pesquisas em particular, seu aspecto relacionado à disciplina da China. Ousamos dizer que se esta comunidade científica, que simboliza o espírito universitário, se concentrar no processo de encontrar respostas para perguntas compartilhadas cuidadosamente formuladas e, em seguida, agrupar os recursos de seus membros, seria capaz de produzir um livro sobre a história complexa e multifacetada do país, completamente diferente e mais bem pesquisado do que o escrito por JKF, desde que o projeto de mapeamento polidimensional seja bem gerenciado, desde que a orquestra científica seja bem conduzida, por alguém que sabe criar ordem na cacofonia das ciências (como Dmitri Mendeleev fez quando criou a ordem no aparente caos dos elementos químicos). Fossem publicados livros (séries) focados abrangentemente no diasincronismo, o passo gigante da pesquisa e produção multi-interdisciplinares, vom Nebeneinander zum Ineinander [‘lado a lado um do outro], da 'conjunção' (por exemplo, martelo e prego, sapatos e cadarços ou pena e tinteiro) à 'inerência' (por exemplo, corpo e órgãos, família e membros ou universidade e faculdades), teria sido tomada uma decisão decisiva para aqueles que aderem à ideia fundamental do Das Bauhaus e aplaudiriam em voz alta, mas nenhum fabricante de automóveis, aeronaves ou naves espaciais ficaria surpreso. Tendo lidado superficialmente com esse assunto de extrema importância, deixamos que seja discutido mais profundamente no escalão mais alto das principais universidades do mundo. 20 20 Em dezembro do ano passado (2018), enviamos uma versão anterior deste artigo ao atual e a um ex-diretor do renomado Centro Fairbank de Estudos Chineses da Universidade de Harvard e sugerimos discutir o assunto do artigo na próxima reunião do comitê consultivo. O primeiro nos decepcionou bastante; o último (um estudante da JKF que falhou miseravelmente em prever qualquer um dos principais eventos históricos do país em que se diz especialista) nem sequer se importou em responder aos nossos e-mails. Ninguém neste famoso centro de aconselhamento sobre políticas da China parece estar interessado em elevar o estudo da China! 66 Conclusão Com a filosofia, matemática, ciência e tecnologia mudando seu caráter, o estudo da China deve ser elevado a um plano mais elevado, maior que o dos 'especialistas em China' da School of Oriental [sic] and African Studies (SOAS), o German Institute of Global and Area Studies (GIGA), o National Institute of Oriental [sic] Languages and Civilisations (INALCO), Brookings Institution, China Research Center (Atlanta), Universities of Auckland, British Columbia, California, Cambridge, Chicago, Coimbra, Edinburgh, Erlangen-Nürnberg, Geneva, Hawai’i, Helsinki, Iowa, Leeds, Leuven, Ljubljana, Michigan, Munich, Naples (l’Orientale), Nottingham, Oslo, Oxford, Pittsburg, Rome (Sapienza), Salamanca, Tokyo, Vienna e Warsaw, o East Asian Institute (Singapore), Collège de France, Le Centre d’études sur la Chine modern et contemporaine (Paris), Academia Sinica (Taipei), o Ruhr-University Bochum, Chinese University of Hong Kong, e Fudan –, Nanjing –, Peking –, Shanghai Jiao Tong , Tsinghua –, Xi’an Jiao Tong , Zhejiang –, Columbia –, Princeton –, Stanford –, Yale –, Kyoto –, Aarhus –, Bologna , Heidelberg –, Humboldt , Leibzig –, Leiden –, Lund –, Sofia –, Stockholm –, Uppsala –, Vilnius –, Lomonosov Moscow State –, Saint Petersburg State –, Jawaharlal Nehru –, National Taiwan –, Seoul National – e Australian National University visam; superior ao objetivo declarado da liderança da CCPN Global, a 'única sociedade acadêmica global para avançar o estudo da China e dos chineses de uma perspectiva comparativa' lançada em março de 2013; superior ao que o professor Mikhail Titarenko e seus colegas do Instituto de Estudos do Extremo Oriente da Academia Russa de Ciências (atualmente em processo de reforma radical) parecem ter em mente; ainda mais alto do que o professor Amako Satoshi, presidente do Comitê Central de Planejamento do programa NIHU de ‘Área de Estudos da China Contemporânea' e editor-chefe do The Journal of Contemporary China Studies (2012 ss.), supostamente tenta alcançar.21 Se o objetivo de Chinakunde, Синология, Zhōngguó-yánjiū, Zhōguguóxué, Chūgokugaku ou Shinagaku é fazer uma trama fina, sua abordagem deve ser histórica / longitudinal / semelhante a urdidura, bem como transversal / transversal / tipo trama, ou seja, todas as linhas por inteiro devem ser contabilizadas; o 'Pivô' (枢), 'raiz' (本), estrutura básica, metamatriz da China deve ser focada22; o um / todo deve ser mostrado nas várias / partes (Varzi 2014, Burkhardt et al. no prelo). Aqueles que embarcam no estudo do país como tal devem retirar uma folha do manual de sociologia histórica (Norbert Elias, Michael Mann) ou antropologia histórica (Marshall Sahlins, Christoph Wulf), selecionar as páginas da revista internacional Social Evolution & History (2002 e seg.), e proceder como o poeta e o pintor (Lessing), como evolucionistas e ecologistas, mas nunca se esqueça, ‘jeder Mensch mehr kann sein als nur Glied einer Masse’ (Karl Jaspers) [Todo mundo pode ser mais do que apenas um membro da multidão], que a comparação desempenha um papel crucial em todas as disciplinas científicas (Mahoney e Rueschemeyer 2003, Lange 2013). Familiarizado com 'modelagem multidimensional' (Romero e Abelló 2009), 'modelagem multinível' (Wang et al 2012) e - der Dritte im Bunde - 'modelagem baseada em agentes'23, e sendo visitantes regulares da página inicial da IAOA (Associação Internacional para Ontologias e suas Aplicações), eles devem prestar atenção ao contemporâneo e ao não-contemporâneo (passado inacabado) e sempre ter 21 NIHU é um acrônimo para National Institutes for the Humanities. Explore www.chinawaseda.jp. 22 Em matemática, uma matriz é uma matriz retangular de números, símbolos ou expressões, organizados em linhas e colunas. 'Matriz' e 'determinante' (o valor associado a uma matriz quadrada) são noções básicas em álgebra linear, cujas raízes parecem ser procuradas na China (Hart 2010; Smith 2013, p. 46) e cujas aplicações são múltiplas (Lay 2011). 23 Consulte Šalamon (2011) e Sun (2012) e visite www.agent-based-models.com. 67 em mente que caminhos (processos multi-dialéticos) e padrões (arranjos / pedidos em um determinado momento) estão relacionados em contrapartida / polifonicamente nas macro, meso e micro-escalas. Em outras palavras, eles devem conectar os pontos e considerar a condição da China no contexto. Seu discurso (hipertexto), em primeiro plano coerente / destacando um grupo de (f) atores após outro (Bublitz 1999), deve ser orientado para a complexidade / não-linearidade e complementar (não: substituir) explicações reducionistas (Mitchell 2009). Sua abordagem deve ser morfogenética (Archer 2013) e refletir as opiniões compartilhadas e discutidas nas conferências anuais da System Dynamics Society. Pesquisadores no campo de sistemas - ou biologia celular e de desenvolvimento podem ser capazes de fornecer uma pista sobre exatamente como proceder (Eils e Kriete 2014). Com cada uma das ciências culturais começa a perceber que, sem a ajuda da outra, nenhuma das duas poderá avançar muito, e o auge da Sinologia ainda está por vir. No entanto, esse ponto crucial (Wende!) na história e evolução desse estranho campo de pesquisa chamado "estudo da China", ou "estudos chineses", não pode ser alcançado até que uma coisa seja não apenas um evento, mas também um evento realizado: a abertura oficial de um centro de pesquisa na China verdadeiramente científico, verdadeiramente interdisciplinar e gerenciado profissionalmente, ou seja, a inauguração de um Instituto de Estudos Avançados da China (Centro de Excelência), que se encaixe perfeitamente na universidade imaginada por Elkana e Klöpper (2012)24, afiliado a um órgão ainda a ser estabelecido, e o ICSU e o ISSC conectado a União Internacional de Estudos de Área / País e vinculado à infraestrutura eletrônica global.25 Enquanto isso, vale a pena considerar a organização de uma conferência internacional sobre a compreensão e o enfrentamento da complexidade da China, sendo o encontro um fórum mundial coorganizado por Associações / Sociedades de Sinólogos (por exemplo, EACS), cosuportado pelo Comitê Europeu do Consortium for Asian Field Study (ECAF) e realmente comprometida em melhorar o estado atual do estudo da China. 'Realmente comprometido', porque o famoso 'Fórum Mundial de Estudos da China', copatrocinado pelo Escritório de Informações do Conselho de Estado da República Popular da China e pelo Governo Municipal de Xangai, é uma desgraça nacional, uma farsa completa, uma vergonha demonstração de partidarismo.26 Frases substantivas como 'pensamento sistêmico', 'síntese de pesquisa', 'comportamento não linear', 'causalidade circular', 'loop de feedback', 'formação de 24 Veja também Chopp et al (2014); visite http://president.asu.edu, http://www.eua.be/euimacollaborative-research.aspx, http://www.knowledgeworks.org/sites/default/files/2020-Forecast.pdf e http://www.scienceintransition.nl/english 25 O estudo eResearch2020 - O papel das infraestruturas eletrônicas na criação de comunidades virtuais globais de pesquisa, foi realizado em nome da Comissão Europeia, Diretoria Geral da Sociedade da Informação e Mídia. O folheto do estudo pode ser baixado em http://www.eresearch2020.eu/eResearch%20Brochure%20EN.pdf, o relatório final do estudo em http://www.eresearch2020.eu/eResearch2020%20Final%20Report.pdf e os anexos para este relatório em http://www.eresearch2020.eu/eResearch2020%20Final%20Report%20Annex.pdf. Visite também www.proquest.com e http://thomsonreuters.com/products/ip-science/04_062/wosnext-gen-brochure.pdf 26 Deve-se notar que o Partido Comunista Chinês, ou Capitalista (?), não hesita em falsificar a história da China e adota uma política de chanxin (atar a mente) ao invés de chanzu (atar os pés), e tenta, por qualquer meio possível, impedir que cientistas sociais e humanos façam pesquisas sérias no / sobre o país - um assunto importante que os 'especialistas da China' deveriam pensar em seu próximo pedido de visto para visitar a República Popular da China, e que se recusam a discutir em reuniões públicas e / ou não se atrevem a escrever sobre. Para a declaração de missão da CASS, a patrocinada China Social Sciences Press, visite www.csspw.com.cn. Para o papel duvidoso desempenhado pelos Institutos Confúcio, operando em mais de 450 campi em todo o mundo, veja Sahlins (2014). 68 padrão', 'compactação de dados', 'mapeamento de conceitos', 'ontologia superior', 'conceitual modelagem', 'integração de conhecimento, - cartografia, - gerenciamento e - web', 'evolução da rede', 'escala sub / superlinear', 'dinâmica de sistema', 'atratores estranhos', 'transição estrutural', 'comportamento estigmérgico','redes de redes', 'colaboração científica', 'soft computing','modelagem multi-formalismo','sistemas inteligentes de informação', 'pesquisa eletrônica' e 'rede semântica' são cada vez mais usadas, não apenas no natural, mas também em as ciências culturais. O principal motivo é o fechamento da lacuna que se abriu entre os dois reinos.27 Este artigo deliberadamente provocativo nada mais é do que um alerta para 'especialistas da China', não apenas na Europa e nos EUA, mas também em outros lugares, para estarem ciente disso e agir em conformidade, isto é, para mudar a complexidade e revelar todo o elefante. Ao longo do artigo, foi nossa intenção convencer o leitor de que existe um lugar elevado (uma meta posição) em que o enorme corpo e a variedade desconcertante de dados de um país podem ser compactados em uma teoria falsificável ou refutável, em que a multiplicidade (multa) pode ser transformado em simplicidade (multum), onde - no caso em questão - é possível obter uma vista deslumbrante de toda a China. A essa altitude elevada, convicções de longa data serão desestabilizadas e o efeito Eureka, o Aha-Erlebnis será, que - vendo tanto os muitos em um e o um nos muitos; ao perceber que tipos de frutas, como maçãs e laranjas, podem ser comparados - finalmente se compreende (fasst zusammen). Bonito e profundo é, portanto, o antigo provérbio chinês: 'o padrão é um, as partes são diferentes' (理 一 分 殊).28 A China, sendo um universo cujo centro está em toda parte (como um organismo cujo material hereditário é encontrado em todas e cada uma de suas células), deve ser estudada 1) profissionalmente (isto é, por pessoas orientadas para a 27 Para um modelo de como alternar entre estruturas biológicas e socioculturais, consulte Crane (2001). Além disso, visite http://dx.doi.org/10.1002/cplx.21550, http://plato.stanford.edu/entries/sociobiology, www.ishe.org, http://plato.stanford.edu/ entries / evolution-psychologie, http://cognitivesciencesociety.org, http://www.psychologieheute.de/home/lesenswert/memorandum-reflexive-neurowissenschaft, http://thesocialsciences.com, www.tesisnetwork.wordpress. com, www.cosmosandhistory.org e www.bpb.de/apuz/30116/geisteswissenschaften. Bateson (1979), Seifert (1989), Geertz (2001, capítulo X), Putnam (2002), Gould (2003), Vicari (2008), Kagan (2009 e 2010), Searle (2010), Bunge (2010). Schmicking e Gallagher (2010), Coen (2012), Sun (2012), Wilson (2012), Beauregard (2012), Koch (2012), Nagel (2012), Slingerland e Collard (2012), Shubin (2013), Rose e Abi-Rached (2013), Medicus (2013, Teil I), Breyer et al (2013), Wang (2013, capítulo 1), Larsen et al (2013, capítulo 21), Cabell e Valsiner (2014), Vincent e Lledo (2014), Tabery (2014), Güntürkün e Hacker (2014), Fuchs (no prelo), Haken e Portugali (no prelo) e a série de livros V&R Unipress Interfacing Science, Literature and the Humanities (2010 ff) também devem ser mencionada. A antropologia (dividida em uma parte biológica / física e social / cultural) é uma disciplina interdisciplinar e interligada, inextricavelmente ligada à geografia (física e humana) e à irmã gêmea história (natural e humana); seres humanos, como jardins, são lugares onde natureza / matéria e cultura / mente se misturam (Kant), de muitas maneiras diferentes! O homem não é um tipo de robô, como Churchland (2013) e Swaab (2014), seguindo La Mettrie (1709-1751), parecem acreditar, e o Human Brain Project (www.humanbrainproject.eu) e o Brain Activity Map Project (www.braininitiative.nih.gov) esperamos estabelecer. Ler Li (1999) pode ser inspirador. Veja nota 10 e 12. 28 Em 1970, o autor escreveu uma tese de mestrado sobre o carcater 理. O artigo de 264 páginas nunca foi publicado, mas seu assunto o intrigou desde então, porque 理 (padrão, estrutura, ordem, λόγος) está intimamente ligado a 道 (caminho, curso natural, o Caminho 'virtuoso'), cuja essência é 易 (mudança) ou 化 (transformação). Daoli (道理) significa razão! Para pesquisas recentes sobre 理, ver Liu (2005), Krummel (2010), Rošker (2012) e Ziporyn (2012 e 2013). Lederman e Hill (2004), Du Sautoy (2008), Ball (2009), Bejan e Zane (2012) e Berman (2014) podem ser uma revelação para algumas pessoas, mas não para aqueles familiarizados com o modo de pensar na China antiga. . Veja nota 16. 69 China, não apenas executando a gama de ciências naturais e culturais, mas também aproveitando ao máximo as mais recentes tecnologias de informação e comunicação), 2) com base em fontes confiáveis / primárias, e 3) com a habilidade de tradução de sinólogos sendo bem utilizados. O país (de fato, cada país) deve ser abordado com respeito (considerando também sua história), encarado com uma mente aberta e imparcial e apresentado de uma maneira crítica, mas justa e honesta. A China, como um Buckminsterfullerene (buckyball), é uma Gestalt; uma pluralidade particular; é uma rede densa e intrincada de laços desenvolvida durante um longo período de tempo; é uma organização enorme de inúmeros agentes / indivíduos em processo, tendo relações diferentes, muitas vezes complicadas e, às vezes, tensas entre si; é um conjunto de instituições, sendo padrões comumente conhecidos pelos quais os jogos da sociedade são repetidamente jogados e espera-se que sejam jogados (Dai, s/d); é um sistema complexo e dinâmico de sistemas hierárquicos; é um universo não linear, a ser estudado como tal por especialistas da China, que colaboram verdadeiramente de várias disciplinas, linguística ou teoria / crítica literária, sendo apenas um deles. A China é um sistema parcialmente auto-organizado, a ser definido em termos de espaço e tempo (organização espaço-temporal), de estrutura e agência (coesão social); é uma totalidade, um "todo difícil" (Robert Venturi), um hólon (não: uma panela), a ser descrito holograficamente. A China, o outro do mundo indo europeu, de alguma forma se comporta (Schmid e Schweikard 2009); possui uma personalidade não pessoal, simbolizada por sua bandeira e hino nacional, e personificada / personificada por seu chefe de estado, porque seu povo tem um senso de pertencimento (sustentado pela escrita chinesa)29 e constitui uma comunidade de destino (que não exclui a possibilidade de conflitos internos); possui interesses que nenhuma de suas partes possui (Frieden et al 2013); possui uma cultura distinta, cuja irradiação não pode ser medida. O país tem uma personalidade (zhonghuaxing), que não é como o espectro de cores característico de um composto químico (sendo apenas a soma total dos espectros, ou códigos Einzel, dos elementos que o compõem); possui propriedades emergentes únicas, que não podem ser atribuídas a nenhum de seus subsistemas constituintes; é um individuum, algo que não pode ser dividido sem perder sua identidade relacionada à história e à geografia.30 O argumento apresentado neste artigo arrojado se resume a uma declaração simples e enganosamente simples: sem colaboração científica, não haverá conhecimento (fundamentado empiricamente e teoricamente) de um país. 31 Para 29 O leitor se lembrará do discurso de Hugo von Hofmannsthal, Das Schrifttum als geistiger Raum der Nation (1927). 30 Veja Blitstein (2008) e visite www.lefigaro.fr/debats/2008/04/07/0100520080407ARTFIG00438-domenach-jullien-l-occident-peut-il-comprendre-la-chine-.php. Vukovich (2012) examina como o conhecimento do objeto chamado 'China' foi construído no Ocidente desde os anos 80. Para 'propriedades emergentes', ver Bunge (2003), Laughlin (2006), Greve e Schnabel (2011), Chibbaro et al (2014) e Dedié (2014). Visite também http://plato.stanford.edu/entries/properties-emergent, www.emergence.org, www.dur.ac.uk/ias/themes/emergence, https://medium.com/sfi-30- fundações-fronteiras / emergência-um-tema-unificador-para-ciência-do-século-XXI-4324ac0f951e e www.metastructures.org. Para 'identidade' (um conceito contestado na filosofia indiana), ver Parfit (1984), Gallois (1998), Straub (2004), Lowe (2009), Finnis (2011), Descombes (2013) e Gasser e Stefan (2013). Visite também http://plato.stanford.edu/entries/identity, www.iablis.de/iablis_t/2002/schwemmer.htm e http://dx.doi.org/10.1007/s11016-010-9463-7. 31 Se todo e qualquer 'especialista em país' deve levar isso em consideração, o mesmo se aplica ainda mais aos que se postam como 'especialistas no Oriente Médio', sem mencionar 'especialistas na Ásia' ou 'orientalistas' ('Ásia' sendo um conceito definido; 'Orientalistas' (um ataque ao colonialismo). Eles fazem palestras sem modéstia em uma região que abrange países tão diversos quanto Egito, Irã, Israel, Arábia Saudita e Turquia. A ὓβρις de pessoas como Henry Kissinger, Kishore Mahbubani e Ian Buruma, finalmente, não têm limite algum; eles estão prontos para dar 70 conhecer um homem, foi dito, você tem que andar uma milha no lugar dele; e para conhecer uma cidade, você tem que andar mil milhas. Para conhecer um país, gostaríamos de acrescentar, você precisa de nada menos que uma equipe científica. Compreender as partes constituintes de um país e todo o país por trás de todas as suas partes deve ser o objetivo final de um - dependendo do nível da análise - um estudo mais ou menos minucioso sobre ele. A mudança no campo dos estudos na China / país pode ser difícil (a tirania do hábito!), Mas é absolutamente necessária. Nossa inspiração veio do trabalho de Ludwig von Bertalanffy, o criador de Allgemeine Systemlehre que (influenciado por Ferdinand de Saussure?) foi descrito como "o titã intelectual menos conhecido do século XX". Seu Leitmotiv era "unidade através da diversidade" (fornecendo espaço para diferentes perspectivas enquanto compartilhava um objetivo comum).32 Nossa esperança é que 'o tijolo que jogamos atraia um jade de outros' (抛 砖 引 玉) - para a melhoria da compreensão intercultural e internacional, para mais paz e harmonia neste mundo hiperconectado, mas profundamente perturbado. Não pedimos acordo; nós preferimos que haja uma discussão fundamental, uma ótima conversa. Pois 'A verdade brota da discussão entre amigos' (David Hume) e Du choc des opinion jaillit la vérité [‘Do choque de opinião brota a verdade’]. Nossa esperança é que 'o tijolo que jogamos atraia uma pedra de amolar de outros' (抛 砖 引 玉) - para a melhoria do entendimento intercultural e internacional, para mais paz e harmonia neste mundo hiperconectado, mas profundamente perturbado.33 Não pedimos acordo; nós preferimos que haja uma discussão fundamental, uma ótima conversa. sua opinião sobre a situação atual e até futura no mundo todo - desde que sejam bem pagos por isso. Visite http://www.foreignpolicy.com/2013_global_thinkers/public. No início deste ano, a prestigiada American Historical Association estabeleceu o Prêmio Jerry Bentley em História do Mundo. No entanto, se 'Mundo, Global ou Grande História' (tipo de relato de tudo que mudou; diferencia-se da Pesquisa de Sistemas Mundiais e dos Estudos Globais) é uma disciplina científica que ainda precisa ser vista; seus praticantes parecem não estar cientes do vexaminoso problema do conhecimento histórico. Ver McNeill e McNeill (2003), Spier (2010), MacGregor (2011), Christian et al (2013), Curtis e Bentley (2014), Grinin et al (2014) e o próximo volume mundial da Cambridge World History. Visite também www.history-world.org, www.unesco.org/culture/humanity, www.ibhanet.org, www.thegreatstory.org, www.cfa.harvard.edu/~ejchaisson/cosmic_evolution, www.storyoftheuniverse.org , www.thewha.org, www.metanexus.net, www.global-history.org, www.sociostudies.org, www.cosmosandhistory.org, www.jwsr.org, http://globalstudiesconsortium.org e www.criticalglobalisation.com. 32 Visite www.isss.org/lumLVB.htm e www.bcsss.org; veja Ropohl (2012) e nota 17. Para perspectivas de interação, explore www.narratology.net e veja Mitchell (2009). Visite também http://de.wikipedia.org/wiki/Perspektivismus e http://en.wikipedia.org/wiki/Anekantavada, e veja Bronkhorst (2013). 33 Levar o estudo de países (que não deve ser confundido com Kulturkunde, Kulturologie ou Kulturwissenschaft) a um nível mais alto, acreditamos, dará uma contribuição importante para a compreensão das interações dinâmicas natureza-cultura / sociedade, cujas manifestações negativas são frequentemente mencionadas como "a situação humana". Ver Lovelock (2009), Diamandis e Kotler (2012), Ibrahim (2012), Ehrlich e Ehrlich (2013), Kelly (2013), Brondízio e Moran (2013), Sing et al (2013), Parker (2014), McCabe (2014), DeFries (2014), Afeissa (2014) e a edição especial de Population & Environment (35: 3, março de 2014) sobre população e clima. Visite também www.clubofrome.org, www.uncsd2012.org, www.ecologyandsociety.org, www.energsustainsoc.com, www.resalliance.org, www.globalchange.gov, www.millenniumassessment.org, http: // www.futureearth.info, www.isecoeco.org, www.earth.columbia.edu, www.sei-international.org, www.stockholmresilience.org, www.beijer.kva.se, http://en.wikipedia.org/ wiki /sustentability, http://learningforsustainability.net, www.sciforum.net/conference/wsf-4, http://on.ted.com/s04PN, www.resilience.org e www.azimuthproject.org. Por outro lado, um entendimento detalhado dessas interações, em particular um conhecimento profundo do problema global, regional e local que as acompanha, 71 Summa summarum: Especialistas voltados para a China, uni-vos! Referências Afeissa, Hicham-Stéphane. 2014. La fin du monde et de l’humanité. Paris: PUF. Aldrich, John (ed.). 2014. Interdisciplinarity. Oxford: OUP. Allen, Peter, Maguire, Steve and McKelvey, Bill (eds.). 2011. 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Ao serviço desse empreendimento de longo prazo, uma série de ideias, marcos teóricos e modelos conceituais foram concebidos e propostos, para abordar a deslumbrante complexidade da cultura chinesa. As teorias, abordagens e modelos ocidentais são dominados por problemas epistemológicos e metodológicos, que claramente se refletem nos estudos ocidentais sobre a China. Como esses problemas estão intimamente relacionados à Sinologia, eles podem ser incluídos, coletivamente, sob uma categoria conceitual chamada "Sinologismo", um termo empregado para abranger a motivação, a lógica, racionalidade, epistemologia, metodologia, e as características do esforço de longo prazo de incorporar a China no sistema mundial global centralizado no Ocidente. 3 No estudo em questão, examino a ascensão e o desenvolvimento histórico do Sinologismo no contexto mais amplo da globalização, mas não tento oferecer um relato histórico completo, nem pretendo fornecer uma descrição de sua formação histórica. Antes, examino algumas etapas cruciais de seu desenvolvimento, e critico o pensamento de uma seleção de estudiosos ocidentais, que fizeram contribuições fundamentais ao Sinologismo. Meu estudo não é tanto uma revisão histórica do Sinologismo, mas um exame crítico da visão problemática da cultura chinesa na história ocidental. Diferentemente do Orientalismo, o Sinologismo surgiu como um subproduto intelectual dos esforços ocidentais para construir um sistema intelectual global incorporando a China, e existe um mundo de diferenças entre suas formas presentes e passadas. No começo, a Sinologia era muito parecida com o Helenismo, dedicado ao estudo da antiguidade grega, estendendo-se então a um amplo espectro da cultura grega antiga, medieval e moderna. Estou inclinado a considerar os primeiros períodos do Sinologismo como um período de ouro, quando o conhecimento sobre a China foi buscado quase por si, e a alienação do conhecimento mal a tocara. Pelo menos, ela não fora contaminada por ideologias políticas do imperialismo e colonialismo. Sinais claros de conhecimento alienado não apareceram até a virada do século XX, e coincidiram com o aumento das expansões capitalistas e colonialistas. O Sinologismo, na sua forma mais primitiva, embora distorcendo a imagem real da China, era guiado por uma epistemologia relativamente livre de motivos hegemônicos evidentes, porque a China era então percebida como igual ao Ocidente, superior em muitos aspectos da vida. O Sinologismo assumiu uma forma benigna, que tentou acomodar as vastas diferenças da vida, religião e pensamento chineses em um amplo sistema intelectual guiado por uma política acomodacionista. Isso pode ser visto nos esforços dos jesuítas, para converter os chineses ao cristianismo. Diante de uma 1 Publicado originalmente como Ming Dong Gu, "Sinologism, the Western World View, and the Chinese Perspective"in CLCWeb: Comparative Literature and Culture 15.2 (2013): http://docs.lib.purdue.edu/clcweb/vol15/iss2/2 Thematic Issue Asian Culture(s) and Globalization. Ed. I-Chun Wang and Li Guo 2 Polo, Marco. The Travels of Marco Polo. Harmondsworth: Penguin, 1958. 3 Gu, Ming Dong. Sinologism: An Alternative to Orieltalism and Postcolonialism. London: Routledge, 2013. 79 cultura chinesa profundamente arraigada, missionários antigos como Matteo Ricci adotaram uma abordagem acomodacionista. Guiado por essa abordagem, Ricci não explicou a fé católica como algo estrangeiro ou novo, mas fez uso das ideias e conceitos chineses existentes para explicar o Cristianismo. Para trazer os chineses a sua concepção de sistema cristão, ele argumentou que a cultura e o povo chinês sempre acreditaram em Deus, e que o cristianismo é simplesmente a manifestação mais perfeita de sua fé. Ele chegou ao ponto de identificar o Senhor do Céu chinês com Jesus Cristo e tolerar a prática chinesa de adoração de antepassados como uma prática religiosa não incompatível com o Cristianismo (ver, por exemplo, Cronin, 1999; Spence, 1998).4 A política acomodacionista pode ser o primeiro esforço ocidental de adaptar a cultura chinesa ao sistema intelectual ocidental de uma maneira relativamente livre do imperialismo cultural ocidental. No entanto, nem mesmo a abordagem de Ricci estava totalmente livre da epistemologia centrada no Ocidente, que dominaria todos os encontros ocidentais com a China: "Faço todos os esforços para desviar as ideias do líder da seita dos literatos, Confúcio, interpretando a nosso favor as coisas que ele deixou ambíguas em seus escritos" (Ricci, Regra 1). 5 Seu eventual desaparecimento não foi um evento acidental, mas sinaliza o surgimento da ideologia e da epistemologia dominadas pelo Ocidente, e antecipa a ascensão do "Sinologismo": o domínio ideológico dos hábitos intelectuais ocidentais em relação à China. O sistema acomodacionista foi endossado por Gottfried Wilhelm Leibniz, quando ele tentou fundir as culturas europeias e chinesas em um sistema intelectual global em termos de idioma, religião, ciência e metafísica. Nos trabalhos de Leibniz sobre a China, vemos sinais claros de hegemonia cultural e hábitos intelectuais ocidentais: embora admitindo que a China seja quase igual ao Ocidente nas artes e no domínio prático dos objetos naturais, ele considerou o Ocidente superior à China nas atividades intelectuais: "Na profundidade do conhecimento e nas disciplinas teóricas somos seus superiores, além da lógica e da metafísica, e do conhecimento das coisas incorpóreas, que apenas reivindicamos como área peculiarmente nossa, nos destacamos de longe na compreensão de conceitos abstraídos pela mente sobre a matéria, isto é, nas coisas matemáticas, como ficou verdadeiramente demonstrado quando a astronomia chinesa entrou em concorrência com a nossa. Os chineses são, assim, vistos como ignorantes dessa grande luz da mente - a arte da demonstração -, e permaneceram satisfeitos com uma espécie de geometria empírica, que nossos artesãos possuem universalmente".6 Aqui, vemos sinais de uma tendência na produção ocidental de conhecimento sobre a China: com um conhecimento limitado sobre a tradição chinesa, os estudiosos ocidentais não hesitariam em tirar conclusões sobre a China, e afirmar que a China não tinha isso ou aquilo. Em meados do século XVIII, o esforço para colocar a China, em um sistema ocidental de mundo, tornou-se uma preocupação principal nas mentes dos principais pensadores ocidentais. Por exemplo, Voltaire e Montesquieu fizeram tentativas sistemáticas de incorporar a China, de maneiras separadas. Voltaire continuou a tendência romântica iniciada por Marco Polo, e a transformou em uma antiga tradição romântica do Sinologismo, inventando uma imagem idealizada da China tanto em sua obra literária O Órfão da China, quanto em sua grande obra sobre a história mundial. 4 Cronin, Vincent. The Wise Man from the West: Matteo Ricci and His Mission to China. London: Harvill P, 1999; Spence, Jonathan D. Chan's Great China: China in Western Minds. New York: Norton, 1998. 5 Ver também: Rule, Paul K.T. K'ung-Tzu or Confucius? The Jesuit Interpretation of Confucianism. Sydney: Allen and Unwin, 1986. 6 Leibniz, G.W. Writings on China. Trans. Daniel J. Cook and Henry Rosemont. Chicago: Open Court, 1994:46. 80 Talvez na primeira história universal, Voltaire deu orgulho à China, abrindo sua grande obra com dois capítulos sobre a civilização chinesa. Ele elogiou a China, mas a apresentou como uma civilização imutável: "Este estado subsistiu em esplendor por mais de quatro mil anos, sem ter sofrido nenhuma alteração material na lei, nos costumes, linguagem, ou mesmo nos estilos de moda e vestimenta”. 7 Como um dos primeiros pensadores europeus a investigar a causa do atraso no desenvolvimento chinês, Voltaire atribuiu sua estagnação a uma reverência ao passado e à natureza da língua chinesa, mas estava livre do eurocentrismo e do etnocentrismo típicos dos pensadores posteriores. Por outro lado, Montesquieu já havia passado pela paixão pela China e ficou desiludido. A essa altura, a visão dos chineses como uma cultura antiga, estagnada e exausta, resistente a qualquer mudança, apareceu e ocupou desde então os pensadores ocidentais que tentaram trazer a China para o sistema mundial ocidental. Junto com isso, vemos os hábitos intelectuais que dominariam os estudos China-Ocidente e, eventualmente, se desenvolveriam no que chamo de Sinologismo. Sendo um dos primeiros a estender métodos comparativos de classificação às formas políticas nas sociedades humanas, Montesquieu pode ser o primeiro pensador ocidental a formular uma abordagem sinologística da civilização chinesa, e foi certamente uma figura central na transição do Sinologismo, de sua idealização romântica inicial para o aviltamento realista em estágios posteriores. Montesquieu dedicou muito tempo para aprender sobre a cultura chinesa, e até fez amizade com um chinês chamado Hoange que foi trazido para a Europa por um missionário francês.8 Característica da abordagem posterior dos pensadores ocidentais à China, Montesquieu não se interessou pela China por si só, mas por conceber e construir um sistema político e intelectual global. Em seu O Espírito das Leis, a primeira tentativa consistente de pesquisar as variedades da sociedade humana, incluindo a China, Montesquieu classifica os governos do mundo em três categorias principais: monarquias (governos livres chefiados por uma figura hereditária, por exemplo, rei, imperador), despotismos (governos escravizados liderados por ditadores) e repúblicas (governos livres liderados por líderes eleitos). Cada um desses sistemas de governo foi operado com base nos princípios de honra, medo e virtude. O princípio da honra levou os governos monárquicos a estabelecer uma hierarquia estrita de instituições. O princípio do medo levou os governos despóticos a impor uma ordem social de lealdade e submissão inquestionáveis. O princípio da virtude levou as repúblicas a promover a igualdade entre os cidadãos.9 Montesquieu rejeitou a caracterização dos missionários da China como um estado ideal, e colocou a China na categoria de despotismos na conclusão de seu estudo sobre o império chinês: "A China é um estado despótico cujo princípio é o medo".10 Qualquer um que tenha conhecimento suficiente da história chinesa concordaria que os três princípios - honra medo e virtude - estavam todos presentes nos governos dinásticos chineses, mas esse reconhecimento tornaria o grande sistema construído por Montesquieu insustentável. Antecipando desafios à sua teoria formulada, ele tomou uma atitude preventiva: "Nossos missionários falam do vasto império da China como um governo admirável, em cujo princípio misturam medo, honra e virtude. No entanto, eu faria uma distinção vazia ao estabelecer os princípios 7 Voltaire. An Essay on Universal History, The Manners and Spirit of Nations from the Reign of Charlemaign to the Age of Lewis XIV. Dublin: J. Nourse, 1759: 9. 8 Montesquieu. Oeuvres Completes de Montesquieu. Ed. André Masson. Paris: Nagel, 1955: 927. 9 Montesquieu. The Spirit of the Laws. Ed. and Trans. Anne M. Cohler, Basia Carolyn Miller, and Harold Samuel Stone. Cambridge: Cambridge UP, 1989: 21-30. 10 Idem, 128. 81 dos três governos “.11 Ele montou sua defesa e rejeitou a visão dos missionários recorrendo às realidades da sociedade chinesa, que ele percebeu carecer de uma ideia de honra central na monarquia em sua concepção: “Não sei como se pode falar de honra entre os povos que não podem ser obrigados a nada sem espancamentos”.12 Sobre a questão da virtude, que ele considerava primordial para um governo da república, ele achava que a China também era deficiente, porque "nossos homens de comércio, longe de nos dar uma ideia do mesmo tipo de virtude de que falam nossos missionários, preferem ser consultado sobre o banditismo dos mandarins. Também chamo para testemunhar o grande homem, lorde Anson".13 Era uma grande ironia, que ele desconfiasse de missionários que ficaram muito tempo na China e tiveram tempo suficiente para observar a sociedade chinesa, além de confiar em comerciantes e marinheiros que vieram à China para obter lucros ou conquista. Era uma ironia maior que ele tenha citado como autoridade na China, George Anson, um comandante naval britânico que foi maltratado pelas autoridades chinesas por sua intrusão não autorizada na China. De certa forma, chamar Anson para testemunhar não foi um ato aleatório, pois Anson "personificou o lado recém-assertivo de uma Grã-Bretanha expansionista, autoconfiante, belicoso, rápida para condenar os fracos, impacientes com os atrasos".14 Em sua comparação de governantes chineses e ocidentais, Montesquieu escreveu que o imperador chinês "não sentirá, como nossos príncipes, que se ele governar mal, será menos feliz na próxima vida, menos poderoso e menos rico nesta; ele saberá que, se esse governo não for bom, ele perderá seu império e sua vida".15 Ignorante das ideias chinesas sobre a próxima vida e vingança, ele parecia não saber nada sobre o princípio político cardinal do governo na China tradicional: o Mandato do Céu, que explica como um governante virtuoso ganha poder, e um despótico o perde. A análise de Montesquieu da China, em termos de sua teoria política, revela uma importante dimensão da ideologia epistêmica ocidental em seu processo de formação: uma abordagem teleológica derivada dos estudos das nações ocidentais. Em sua teoria formulada, a natureza de um governo é determinada pelo tamanho do Estado: um pequeno território dá origem a uma república; um território de tamanho médio é um estado monárquico; e "um grande império pressupõe uma autoridade despótica em quem governa".16 Como os estados chineses, ao longo da história, são geralmente impérios em larga escala, a China deve ter sido um estado despótico fundado no princípio do medo, e não nos de honra e virtude. Segundo sua teoria, "não deve haver censores em governos despóticos".17 Mas aqui novamente, a China não se encaixa em sua teoria, pois uma característica distintiva do governo dinástico chinês é o sistema de censores nomeados, cujo principal dever era criticar as políticas e a conduta incorreta do governante, e recomendar medidas corretivas. Como instituição política chinesa distinta, o sistema de censores desempenhou um papel significativo nos governos dinásticos chineses, e se tornou parte integrante da constituição de cinco poderes de Sun Yat-sen para a república chinesa. Esse fato contradiz, totalmente, a visão de Montesquieu do governo chinês como despótico. Portanto, ele teve que fazer uma concessão, admitindo que o caso chinês apresenta algumas exceções à regra. Sobre a questão da punição pelo governo, Montesquieu notou a preferência chinesa na educação moral pela punição, porque "quanto mais severas as punições, mais 11 Idem, 126-7. Idem, 126, 13 Idem, 127. 14 Spence, 1998: 54. 15 Montesquieu, 1989:127. 16 Idem, 124-6. 17 Idem, 71. 12 82 próxima à revolução"; e ele teve que fazer outra concessão em uma nota: "Mostrarei mais tarde que a China, a esse respeito, é um caso de república ou monarquia".18 Tendo colocado o governo chinês na categoria de despotismo, Montesquieu repetidamente discutiu a China na categoria de monarquias.19 Spence oferece um resumo adequado da relação de Montesquieu com a China: "Os numerosos comentários de Montesquieu sobre a China ... adicionaram uma acusação à China".20 De fato, em inúmeras ocasiões, Montesquieu expressou ataques flagrantes. Por exemplo, ele escreveu: "É estranho que os chineses, cuja vida é inteiramente dirigida por ritos, sejam, no entanto, as pessoas mais inescrupulosas da terra. Na Lacedemônia, roubar era permitido; na China, o engano é permitido".21 Depois de examinar todos os lugares sobre a China no livro de Montesquieu, encontrei um padrão em sua caracterização da civilização chinesa. Sua distorção das coisas chinesas não foi feita, como acreditam alguns estudiosos, de acordo com a tendência de mudança na Europa, de postura sinofílica para sinofóbica, mas ditada por seu desejo de construir um grande sistema intelectual de civilizações mundiais, que exigia uma maneira de conter a complexidade desconcertante da civilização chinesa, por meio de uma estrutura teórica construída, e de explicar a diferenças em relação às contrapartes ocidentais em termos de teorias concebidas. Colocar a China na classificação do despotismo é um bom exemplo. Apesar de seus anos de devoção ao estudo da China, seu conhecimento sobre a China não foi suficiente para explicar as vastas diferenças entre as civilizações chinesa e ocidental. Por outro exemplo, ele observou uma propriedade peculiar ao governo da China, isto é, a fusão de religião, leis, costumes e costumes.22 Embora sua afirmação não seja totalmente infundada, ela revela sua incapacidade de entender o funcionamento interno da sociedade chinesa. Ele via essa confusão como algo ruim, porque "é quase impossível que o cristianismo se estabeleça na China".23 Ele atribuiu a impossibilidade cristã de se expandir na China às diferenças fundamentais entre a religião cristã e os ritos chineses. Enquanto o primeiro exige que tudo esteja unido, o segundo ordena que tudo seja separado. Aqui, novamente, ele mostra uma contradição em sua opinião. Se a China exige que religião, leis, costumes e maneiras sejam a mesma coisa, como ele poderia tirar uma conclusão da separação nos ritos chineses? Em seguida, ele tenta conter sua contradição recorrendo ao seu referencial teórico: "E, como se viu que essa separação está geralmente ligada ao espírito do despotismo, encontraremos uma razão pela qual o governo monárquico, na verdade qualquer governo moderado, faz uma melhor aliança com a religião cristã".24 Depois que Montesquieu foi pioneiro na tradição do grande sistema intelectual que incorpora a China, estabelecendo as bases para o Sinologismo, na Alemanha do final do século XVIII, Johann Gottfried von Herder seguiu seu exemplo, produzindo uma grande filosofia da história da humanidade, que contém um capítulo sobre a China, e ampliou ainda mais o escopo do Sinologismo. Em comparação com Montesquieu, a abordagem de Herder evidencia novas direções, demonstradas no prefácio e no capítulo sobre a China propriamente dita. Primeiro, ele se afastou inteiramente de qualquer visão positiva sobre a civilização chinesa, geralmente adotada pelos pensadores antes dele. Com a imaginação de um poeta, e escrevendo em um tom próximo à caricatura, Herder encheu o capítulo com 18 Idem, 81, nota25. Idem 116 e 209. 20 Spence, 1998: 92. 21 Montesquieu, 1989: 321. 22 Idem, 318. 23 Idem, 319. 24 Idem, 319. 19 83 informações não confiáveis e errôneas sobre quase todos os aspectos da cultura chinesa, incluindo a geografia, população, governo, vida familiar, moral, costumes, idioma, artes, invenções e religiões e até caráter nacional. Em vez de apresentar as informações de maneira factual, ele não pôde deixar de julgar quase todas as informações. É desnecessário recontar suas apresentações tendenciosas de fatos sobre a civilização chinesa. Cito uma conclusão de seu estudo para mostrar seu juízo de valor: "Inchando com orgulho tártaro [tartário], ela [China] despreza o comerciante [europeu], que deixa seu próprio país, e troca o que considera a mercadoria mais sólida pelas coisas de valor insignificante: ela pega a prata dele e lhe devolve milhões de libras de chá enervante, para a corrupção de toda a Europa".25 Uma visão geral de seu capítulo diz que a China era governada por déspotas semibárbaros, sua instituição cultural era infantil, não havia ciência ou invenção nesta terra, os chineses não tinham gosto por artes e beleza, eram a vanglória, cupidez e hipocrisia personificada, seus costumes eram dominados pela submissão infantil, seu idioma era apenas uma forma primitiva de hieróglifos, e como um todo, a China "permanece como uma antiga ruína à beira do mundo, em sua forma [sic] semi-mungalian [mongol]".26 Agora, em sua forma mais madura, o Sinologismo tornou-se etnocêntrico e eurocêntrico com um toque de racismo. A abordagem de Herder evidenciou tendências etnocêntricas e até racistas flagrantes, que deveriam se desenvolver no imperialismo cultural ocidental. Em sua magna opus, na qual recolhe seus pensamentos sobre a natureza da humanidade e da história, Herder atribui a inferioridade cultural chinesa às fraquezas do caráter nacional chinês: "O caráter desse povo é um ponto notável da história, pois mostra o que é uma nação mungo [Mongol ], sem mistura com nenhuma outra, pode ou não ser levada, pelo cultivo da política, ao mais elevado nível ".27 Seu etnocentrismo preenche todo o capítulo, e é mais revelador nas imagens e metáforas que ele empregou para descrever a China. Comparando a China a "um dormitório durante o sono de inverno", ele descreveu a nação chinesa em imagens ainda mais impressionantes: a China é "uma múmia embalsamada, embrulhada em seda e pintada com hieróglifos", governada por "instituições infantis inalteráveis".28 Talvez pela primeira vez, no pensamento intelectual ocidental, tenha aparecido a inferioridade racial dos chineses: na opinião de Herder, mesmo que os chineses desejassem serem culturalmente superiores, eles "nunca poderiam se tornar gregos ou romanos. Chineses eram, e permanecerão, um povo dotados pela natureza de olhos pequenos, nariz curto, testa achatada, barba pequena, orelhas grandes e barriga protuberante"29 e a educação chinesa acentua a inferioridade do caráter nacional:" o modo de educação adotado pelos chineses conspirava com seus interesses e caráter nacionais, para torná-los exatamente o que são e nada mais".30 Herder não percebeu seus preconceitos e aversões, pois tinha plena confiança no conhecimento ocidental sobre a China: "Eu tinha lido quase tudo [sic], que foi escrito sobre o assunto, e desde a juventude todos os novos livros que apareciam, relativos à história do homem, e na qual eu esperava encontrar materiais para o meu grande trabalho, era para mim um tesouro descoberto".31 O que é irônico é que ele considerou suas observações sobre a China e o povo chinês livres de animosidade ou 25 Herder, Johann Gottfried. The Outline of a Philosophy of the History of Man. Trans. T. Churchill. London: Luke Hansard, 1803: 298. 26 Idem, 297. 27 Idem, 294. 28 Idem, 296. 29 Idem, 293. 30 Idem, 294. 31 Idem, vi. 84 desprezo: "Esta exposição das peculiaridades dos chineses [sic] não foram coloridas pela inimizade ou pelo desprezo: cada linha é tirada de seus advogados mais calorosos, e pode ser apoiada por cem provas de todos os tipos de suas instituições". 32 Sua observação revela uma crítica pontual: na época, um padrão epistemológico no estudo da China já havia sido formado, e estava a caminho de se tornar uma ideologia epistêmica na produção de conhecimento do Ocidente sobre a China. Historicamente, o Sinologismo não foi um fenômeno repentino, mas um processo gradual, que deu voltas e mais voltas em várias direções, todas servindo à agenda de absorver a China no sistema intelectual e material centrado no Ocidente. Assim, o Sinologismo precisa ser entendido no contexto mais amplo dos esforços ocidentais desde o século XVI para construir um sistema intelectual global que incorporasse a China. Desde o início, a China figurou com destaque no projeto de globalização, e sem ele o sistema global ficaria incompleto. As formas mais antigas de globalização eram essencialmente formas diferentes de colonização. Seja iniciada pelo império mongol ou por outros impérios europeus, a globalização foi impulsionada por um mecanismo de violência de formas físicas, materiais, emocionais e espirituais. Como sistema intelectual, o Sinologismo está vinculado aos esforços ocidentais para construir uma história universal para a humanidade. Os estudiosos ocidentais usaram materiais chineses para promover suas ideias de história universal, mas na formulação do Sinologismo, Montesquieu e Hegel foram os pensadores mais importantes, porque, embora o primeiro possa ser visto como seu fundador, o último talvez tenha sido o seu formulador teórico. Montesquieu certamente exerceu uma influência visível sobre Hegel que, como filósofo na história do mundo, investigou a condição humana e lançou as bases epistemológicas do Sinologismo. No século XIX, Hegel foi o pensador ocidental mais influente que tentou incorporar a China em um sistema intelectual do mundo. Em suas investigações filosóficas sobre a História Universal, ele usou a China como evidência, ou como uma anomalia, para apoiar seu sistema de ideias sobre movimentos históricos do mundo. Embora ele achasse que a China aparecera ao cenário mundial mais cedo do que muitas outras civilizações, ela conseguiu ficar de fora das principais linhas de desenvolvimento do progresso humano, e foi deixada de fora da marcha da história devido ao domínio da tirania de seus imperadores, e à sua falta de impulsos nativos para a liberdade individual. Ele previu que a China se tornaria parte do sistema mundial somente depois que as forças dinâmicas do Ocidente a introduzissem, pela força, no desenvolvimento da história moderna. Hegel examinou a história, historiografia, governo, população, família, moralidade, lei, religião, ciência, linguagem e arte chinesas em termos de sua própria concepção sobre a liberdade de espírito e as concepções ocidentais de vida. Com a confiança de um intelectual ocidental, armado com um forte senso de superioridade cultural, ele fez observações e comentários críticos sobre a civilização chinesa, repletos de ignorância, preconceitos e preconceitos. Por exemplo, Hegel via a China como uma teocracia: "O Imperador, como é o Chefe Supremo do Estado, também é o chefe de sua religião. Consequentemente, a religião é, na China, essencialmente uma religião de Estado".33 Depois de examinar a religião chinesa em termos de religião ocidental, ele chegou a uma conclusão absurda de que "a religião chinesa, portanto, não pode ser o que chamamos de religião. Pois para nós, religião significa a retirada do Espírito dentro de si mesma, ao contemplar sua natureza essencial, seu Ser mais íntimo. Nessas esferas, então, o homem é retirado de sua relação com o Estado e, investindo nesse afastamento, é capaz de se libertar do poder do governo secular. Mas na China, a religião não alcançou esse grau, pois a verdadeira fé só é possível quando 32 33 Idem, 297. Hegel, Georg W.F. The Philosophy of History. New York: Wiley Book Co., 1944: 131. 85 o indivíduo pode se isolar - pode existir por si mesmo independentemente de qualquer poder compulsório externo".34 Devido ao seu escasso conhecimento do confucionismo, ele totalmente ignorou o taoísmo e o budismo zen, que privilegiam a introspecção, a contemplação, a liberdade espiritual e a reclusão da vida secular. Sua ignorância dos fatos básicos sobre a civilização chinesa o levou a inúmeros erros de baixo nível. Por exemplo: "eles [os chineses] não sabem nada sobre tipos móveis. Também fingiram ter inventado a pólvora diante dos europeus".35 A China era uma terra imoral, sem honra e um engano sempre presente: "Como não existe honra, e ninguém tem um direito individual em relação aos outros, a consciência de degradação predomina, e isso facilmente passa para a de abandono total. Com esse abandono, está ligada a grande imoralidade dos chineses. Eles são famosos por enganar sempre que podem. O amigo engana o amigo, e ninguém se ressente da tentativa de engano por parte de outro".36 Aqui, podemos ver a influência de Montesqiueu, ao lembrar como o pensador francês via a China como uma terra sem honra.37 Hegel não sabia o idioma chinês, mas se considerava um especialista nessa língua, e passou a fazer um julgamento da língua chinesa, tanto escrita quanto falada, inteiramente em termos da teoria ocidental das línguas alfabéticas. Ele contrastou a simplicidade dos alfabetos com a complexidade do grande número de caracteres chineses, como se os caracteres chineses fossem equivalentes às letras alfabéticas. Ele considerou a língua chinesa como uma língua imatura, em contraste com a sofisticação das línguas ocidentais, porque a primeira não emprega letras e sílabas, nem usa símbolos para representar sons: "Os chineses, para quem esse desenvolvimento ortoépico é requerido, não amadureceram as modificações nos sons de sua língua para articulações distintas, capazes de serem representadas por letras e sílabas".38 No domínio da arte, ele observou que os chineses "ainda não conseguiram representar o belo, como belo; pois em sua pintura falta perspectiva e sombra”.39 Em seus comentários sobre a historiografia, jurisprudência e ética chinesas, Hegel escreveu que "Quanto à própria ciência, a História entre os chineses compreende os fatos nus e definidos, sem qualquer opinião ou raciocínio sobre eles. Da mesma forma, sua Jurisprudência apenas fornece leis, e sua ética determinam apenas deveres, sem levantar a questão de um fundamento subjetivo para eles".40 Aqui, as observações de Hegel não apenas expõem sua ignorância sobre as condições da historiografia, jurisprudência e ética chinesas, mas também revelam um problema maior na epistemologia da produção de conhecimento: seu privilégio de manipulação subjetiva sobre observação e descrição objetivas. Nas áreas de jurisprudência e ética, suas observações sugerem que os chineses antigos prescreveram códigos legais e morais arbitrariamente e sem uma justificativa para esses códigos, uma visão que ignora as condições de fato dos códigos legais e morais nas dinastias chinesas. Na escrita histórica, os historiadores chineses registraram meros fatos, e não expressaram opiniões próprias na documentação de fatos históricos. Hegel ignorou a tradição dos escritos de história, pioneiros em Confúcio, que empregavam palavras específicas para fazer seus elogios e críticas, o que foi aprimorado ainda mais por Sima Qian, que não hesitou em expressar seu elogio e condenação de figuras históricas, incluindo os governantes de seu tempo. Além disso, Hegel defendia um método de escrita histórica que pode ser caracterizado como "colocação", proposto por Hayden White, que 34 Idem, 131-2. Idem, 137. 36 Idem, 131. 37 Espírito das Leis, 126-27. 38 Hegel, 1944: 135. 39 Idem, 135. 40 Idem, 135-6. 35 86 sugere que a escrita histórica adquire seu poder explicativo ao criar histórias de sucesso a partir de meras crônicas, por meio de uma operação que ele chama de "colocação". White argumenta essencialmente que não há diferença entre história e ficção, porque a maioria das sequências históricas pode ser traçada de várias maneiras diferentes, que dão origem a diferentes interpretações dos mesmos eventos, e lhes conferem significados diferentes.41 A visão de White expõe a alegada natureza científica e objetiva dos escritos da história, e confirma o método chinês de cronologias como mais objetivo do que a teoria da história de Hegel, animada por opiniões e visões subjetivas. Precisamos observar que Sima examinou a mesma pessoa ou evento histórico de mais de uma perspectiva, com relatos diferentes, antecipando assim a abordagem do Novo Historicismo, que desafiou a visão de mundo singular e unificada do Antigo Historicismo. No final do século XIX e início do século XX, o Sinologismo se desenvolveu em sua forma completa. Os principais pensadores e estudiosos europeus como Adam Smith, George Macartney, James Mill, John Stuart Mill, Herbert Spencer, Karl Marx, Friedrich Engels, Max Weber e outros deixaram suas marcas em suas formas modernas. Uma característica distintiva das formas modernas de Sinologismo é a ambição apaixonada de construir sistemas grandiosos, predominantes nas obras de pensadores de Marx a Karl Wittfogel. De acordo com a teoria do determinismo ambiental, os motivos decisivos para a ascensão de um governo oriental foram climáticos e territoriais, que tornaram a irrigação artificial por canais e obras de água a base da agricultura oriental.42 Marx fez uma distinção entre os usos ocidentais e orientais da água, e a considerou a base econômica do governo centralizado do Oriente: "A principal necessidade de um uso econômico e comum da água que, no Ocidente, levou a iniciativa privada à associação voluntária [...] necessitou, no Oriente - onde a civilização era muito menor e a extensão territorial muito ampla para gerar vida em associação voluntária - a interferência de um poder centralizador do governo".43 Marx fez alusão ao governo centralizado como "despotismo asiático", mas também considerou o domínio britânico da Índia como despotismo.44 Entre os construtores de sistemas mundiais, Wittfogel é o único pensador que tinha um conhecimento prático da língua chinesa, estudou a civilização chinesa como disciplina acadêmica e foi à China para observar a sociedade chinesa em primeira mão. Influenciado por Montesquieu, Hegel, Marx e outros pensadores ocidentais, ele formulou seu próprio sistema de história universal e produziu Despotismo Oriental: Um estudo comparativo do poder total, um livro que extrai uma grande quantidade de materiais da cultura chinesa, e trazia a China para um sistema mundial. No entanto, seu estudo traz problemas sintomáticos de numerosos estudos ocidentais modernos sobre a China: o domínio das ideologias e perspectivas ocidentais. Para Wittfogel, o despotismo é principalmente um fenômeno não ocidental e se originou das sociedades orientais, com o modo de produção hidráulico. Essa tese é devida à teoria de Marx do "modo de produção asiático", uma teoria da "tese hidráulica" que explica a ascensão do "despotismo oriental".45 Mas, como observa Jack Goody, a tirania não é estranha à Europa e é encontrada até na Grécia antiga, onde o Ocidente encontrou a democracia 41 White, Hayden. "The Historical Text as a Literary Artifact." Narrative Dynamics: Essays on Time, Plot, Closure, and Frames. Ed. Brian Richardson. Columbus: Ohio State UP, 2002. 191210. 42 Ver Legros, Dominique. "Chance, Necessity and Mode of Production: A Marxist Critique of Cultural Evolutionism." American Anthropologist 79.1 (1977): 26-41. 43 Marx, Karl. On Colonialism & Modernization. Ed. Shlomo Avineri. New York: Doubleday, 1969: 37. 44 Idem, 36. 45 Ver Krader, Lawrence. The Asiatic Mode of Production: Sources, Development and Critique in the Writings of Karl Marx. Assen: Van Gorcum, 1975. 87 ateniense como modelo.46 Wittfogel argumentou que se existiu despotismo no Ocidente, não era originalmente ocidental, mas aprendeu com o leste. Assim, ele endossou a visão de distanciar o domínio despótico da Grécia pré-histórica da tradição ocidental: "a civilização minóica era essencialmente não européia"; os minóicos estavam conectados através de "alguns vínculos claros e até estreitos com a Ásia Menor, Síria e Egito"; e "a vida de sultão dos reis de Cnossus e Phaestus, suas cortes, seus oficiais, sua economia, exibiam características semelhantes às de seus pares opostos no Oriente Próximo; eram igualmente diferentes de qualquer coisa ocidental".47 No que diz respeito ao despotismo na Rússia, ele argumentou que foi introduzido do Oriente na Rússia.48 Ele até sugeriu que foi aprendido da China através dos conquistadores mongóis: "O controle autocrático de Ivan, sobre a terra e as pessoas, se deve a condições externas, ou seja, a uma fronteira continuamente em luta? Ou deveu-se principalmente à influência dos mongóis, que na Rússia aplicaram métodos despóticos de arte estatal, aprendidos em vários países hidráulicos da Ásia, particularmente na China?".49 Uma distorção para dizer o mínimo. Sua distorção é simplesmente surpreendente, porque ele esqueceu completamente que a forma ideal de governo chinês é a ideia confucionista de governo benevolente. Realmente, na história das dinastias chinesas, houve muitos governantes despóticos, mas a maioria deles se baseou no conceito confucionista de governo benevolente: aqueles governantes dinásticos que eram déspotas foram, sem exceção, derrubados por levantes ou golpes de Estado. As dinastias de vida curta do Qin, Sui, Yuan e outros regimes despóticos falam contra a caracterização de Wittfogel, do domínio dinástico chinês como um epítome do despotismo oriental. A visão de Wittfogel sobre a China foi criticada por importantes sinólogos, como Joseph Needham, que descartou a visão de Wittfogel sobre a China como baseada na ignorância de um conhecimento rudimentar sobre a história chinesa. Needham argumentou que a burocracia governamental tradicional chinesa não era como um todo despótica, ou dominada pelo sacerdócio, e que o estudo de Wittfogel não levou em conta a burocracia semelhante na civilização ocidental moderna.50 Em conclusão, a Sinologia colocou um obstáculo ao processo de globalização inclusiva. Sem superá-los, a globalização se tornará essencialmente "Sinologização", e continuará sendo uma forma aberta ou secreta de ocidentalização. Apesar das controvérsias, a globalização hoje em dia é geralmente vista como um desenvolvimento positivo no rápido processo de modernização das culturas mundiais. Da perspectiva do Sinologismo, no entanto, posso ver por que os oponentes da globalização são tão veementemente opostos a esse processo. A globalização traz consigo potenciais conflitos culturais, isto é, o "choque de civilizações" de Samuel Hungtington.51 Em minha opinião, os confrontos provocados pela globalização, no encontro Leste-Oeste, não têm tanto a natureza dos conflitos civilizacionais quanto os conflitos ideológicos. Nos estudos Leste-Oeste, os conflitos de idéias através das tradições culturais são amplamente da natureza dos conflitos epistemológicos. A força motriz subjacente aos conflitos culturais, no encontro Leste-Oeste, é o domínio da ideologia ocidental na abordagem epistemológica das culturas e tradições nãoocidentais. Em termos da minha concepção de Sinologismo, a globalização é 46 Goody, Jack. The Theft of History. Cambridge: Cambridge UP, 2006: 52. Wittfogel, Karl. Oriental Despotism: A Comparative Study of Total Power. New Haven: Yale UP, 1957: 195-6. 48 Idem, 219-25. 49 Idem, 120. 50 Needham, Joseph. "Review of Karl A. Witffogel, Oriental Despotism". Science and Society (1958): 61-65. 51 Huntington, Samuel P. Clash of Civilizations and the Remaking of World Order. New York: Simon and Schuster, 1996. 47 88 amplamente um processo de modernização baseado nos modelos ocidentais de desenvolvimento, com pouca atenção às vastas diferenças entre culturas, tradições e regiões, e ainda menos atenção às diferenças nas condições sociais, consciência moral, vida estilos e valores culturais em diferentes sociedades. Tu Weiming salienta que, devido à presença esmagadora do Ocidente em todos os aspectos da vida asiática, a modernidade no leste da Ásia é substancialmente "ocidental" e "modernização, em teoria e prática, é sinônimo de ocidentalização".52 Na mente de muitos intelectuais chineses, a ocidentalização tem valor universal, e seria a direção certa para todo o mundo e a humanidade. 52 Tu, Wei-Ming, ed. Confucian Traditions in East Asian Modernity: Moral Education and Economic Culture in Japan and the Four Mini-Dragons. Cambridge: Harvard UP, 1996: 9. 89 90 SINOLOGIA: HISTÓRIA INTELECTUAL CHINESA E ESTUDOS TRANSCULTURAIS Pablo A. Blitstein1 Os editores convidados desta edição da revista pediram-me gentilmente para fornecer uma breve visão geral da relação entre estudos transculturais e história intelectual chinesa na academia euro-americana. Havia um certo risco em aceitar essa solicitação, pois ela poderia ser uma tarefa muito pequena ou muito grande. Seria muito pequeno se eu o reduzisse a uma revisão de referências explícitas a estudos transculturais na história intelectual chinesa; mas seria muito grande se eu o estendesse a um estudo de todas as questões, abordagens e métodos que os dois campos desenvolveram nas últimas décadas. Para superar essas dificuldades, decidi me concentrar no legado de um ponto metodológico compartilhado: a crítica ao chamado "nacionalismo metodológico", isto é, na suposição (explícita ou não) de que a nação é o quadro final da pesquisa.2 Essa crítica se tornou um princípio constitutivo dos estudos transculturais, enquanto passou a representar apenas uma abordagem particular na história intelectual chinesa. Ainda assim, os dois campos desenvolveram uma agenda compartilhada a esse respeito. Este ensaio se limita a apontar a presença dessa crítica em ambos os campos - o que pode ser tanto um sinal de trocas acadêmicas abertas quanto à evidência da adoção paralela de referências comuns - e oferece uma ilustração das complexas relações existentes entre os rótulos institucionais, agendas metodológicas, comunicação científica e prática acadêmica real. A história intelectual chinesa e os estudos transculturais resultaram de uma divisão específica do trabalho intelectual no mundo acadêmico euro-americano. Os estudos transculturais, um campo de pesquisa relativamente novo, só assumiram forma institucional nas últimas décadas; representam uma resposta crítica aos abusos do conceito de cultura como ferramenta heurística e tentam, entre outras coisas, superar as partições institucionais e os vieses conceituais que os estudos de área promoveram nas ciências humanas e sociais (embora os estudos transculturais sejam, em grande medida, fundamentados nos resultados da pesquisa baseada na área). A história intelectual chinesa é um campo antigo. Um ramo particular da história chinesa, herdou muitas de suas abordagens e metodologias básicas de uma longa tradição de estudos de área - estudos chineses - e de seus ancestrais imediatos, "história da filosofia chinesa" e "história do pensamento chinês". O habitus científico respectivo dos estudos transculturais e da história intelectual chinesa tem sido o fundamento de relações compreensivas, mas desconfortáveis. Os estudiosos dos estudos transculturais encontram na história intelectual chinesa a experiência necessária em questões relacionadas à China e tiraram dela alguns de seus debates e abordagens (muitos estudiosos dos estudos transculturais vêm de estudos chineses); mas eles não se sentem à vontade com a definição baseada na área dos objetos de pesquisa desta última. A história intelectual chinesa vê nos estudos transculturais um 1 Publicado originalmente em The Journal of Transcultural Studies, vol 7, n.2, 2016: 136-167. Esse conceito, sem dúvida inspirado no “individualismo metodológico”, parece ter sido usado pela primeira vez na década de 1970. O termo tornou-se mais difundido nas últimas décadas, em parte devido ao seu uso crítico na história global e nos estudos transculturais. Para uma discussão sobre esse pressuposto metodológico e uma breve história da expressão, consulte Andreas Wimmer and Nina Glick Schiller, “Methodological Nationalism and Beyond: Nation-State Building, Migration and the Social Sciences,” Global Networks 4, no. 4 (2002): 301–334. 2 91 interlocutor atencioso e, em certos casos, é tentada a se fundir a ela; mas alguns de seus praticantes temem que, se adotarem completamente métodos transculturais, poderão perder as prerrogativas institucionais de que gozam nos estudos da área. Os dois campos, portanto, se veem com interesse e certa desconfiança. Para explicar essas tensões e convergências, e de acordo com as diretrizes desta seção temática, apresentarei primeiro uma visão histórica dos dois campos. Depois disso, explicarei suas respectivas atitudes em relação ao nacionalismo metodológico e evidenciarei sua história recente de alguns pontos de interseção nesse sentido.3 Esse ensaio deveria originalmente abranger a academia chinesa, mas quando comecei, logo percebi que essa tarefa exigiria um texto diferente e mais longo. Por esse motivo, a imagem que apresento abaixo anula as interconexões entre as bolsas euro-americanas e da Ásia Oriental; tampouco explora o papel fundamental que a academia chinesa (e, em muitos casos, a academia japonesa) desempenhou na definição da agenda dos estudos chineses euro-americanos; nem mostra quantas abordagens metodológicas e teóricas vindas da Europa e da América - incluindo estudos transculturais - contribuíram para moldar a agenda da historiografia chinesa. Uma imagem mais completa deve levar em consideração esse histórico compartilhado. Como uma compensação necessariamente insatisfatória, vou me referir, em alguns casos, à maneira como os debates de língua chinesa condicionaram o desenvolvimento de uma abordagem específica ou avançaram o estudo de um objeto específico na academia euroamericana. Paradoxos da abordagem transcultural e as origens latino-americanas do campo Como colaboradores desta seção temática sobre estudos transculturais, fomos solicitados a explicar, em primeiro lugar, o que os estudos transculturais significam para nós - não como praticantes (eu não me consideraria necessariamente um), mas como observadores. Essa solicitação é altamente relevante porque o termo "transcultural" tem vários significados. A sua consolidação relativamente recente como rótulo institucional, bem como os múltiplos usos que lhe foram dados na segunda metade do século XX, tornam necessário esclarecer o tipo de estudos transculturais que temos em mente.4 Começarei assim com um definição: estudos transculturais são uma abordagem metodológica. Essa abordagem tenta, por um lado, superar a ideia, comum nas ciências humanas e sociais, de que as culturas (ou “civilizações”) são homogêneas, bem delimitadas, entidades auto-engendradas; por outro, propõe métodos de pesquisa que esclarecem não apenas as conexões entre grupos humanos supostamente desconectados, mas também as desconexões em comunidades supostamente homogêneas. Em outras palavras, os estudos transculturais se propõem a estudar, como Monica Juneja sugere, "processos de 3 Para a história intelectual chinesa, abordarei apenas as pesquisas sobre a China imperial (do século III aC ao século XX), principalmente por causa de sua associação tradicional à Sinologia clássica. Embora a pesquisa sobre o império compartilhe cada vez mais seus métodos de investigação com o estudo da China contemporânea, parece-me que a tradição da Sinologia clássica legou ao estudo da história imperial características particulares que justificam esse tratamento separado. Por falta de espaço, também deixo de lado os estudos sobre a China préimperial. 4 Um exemplo antigo desses usos institucionais (pelo menos em inglês) é a seção de Estudos Psiquiátricos Transculturais da Universidade McGill, criada em 1955. “Transcultural” era na época usado para o campo da psiquiatria. Posteriormente, a expressão “estudos transculturais” apareceu nos estudos antropológicos e literários e, um pouco mais tarde, nas ciências humanas e sociais. Exemplos recentes são os diferentes Centros de Estudos Transculturais da Universidade de Chicago, da Universidade da Pensilvânia e da Universidade de Heidelberg. Para a migração da palavra “transcultural” entre disciplinas e campos, ver König e Rakow, “The Transcultural Approach Within a Disciplinary Framework: An Introduction,” Transcultural Studies 2 (2016): 89–100. 92 relacionalidade", isto é, as maneiras pelas quais as relações humanas (principalmente relações assimétricas) estão constantemente mudando abaixo, além e através de limites de grupo presumivelmente fixos. 5 Uma crítica transcultural do nacionalismo metodológico está relacionada a essa agenda científica. Para estudos transculturais, os conceitos de "nações" e "culturas" - não como objetos legítimos da investigação científica, mas como estruturas naturalizadas de pesquisa - estão entre os principais obstáculos para a compreensão dos processos reais de formação de grupos. Nesse sentido, pode valer a pena dar uma breve explicação da ontologia social (não necessariamente explícita) que caracteriza os estudos transculturais. Essa ontologia social pode ser rotulada de relacional e cinética. Relacional, porque pressupõe que as relações precedem o isolamento; toma como certo que mesmo a cultura mais aparentemente isolada é constituída por constantes mudanças nas relações que põem em perigo ou simplesmente tornam impossível qualquer pretensa insularidade. Cinética, porque assume que tudo se move e muda; postula que a estase é apenas a interrupção momentânea do movimento e que os fluxos reais de pessoas, coisas e ideias em todo o mundo impedem a consolidação definitiva de quaisquer fronteiras. Contra uma compreensão de culturas, que é construída à imagem de um mundo de comunidades justapostas, auto-sustentadas e delimitadas territorialmente, e que, consequentemente, enfatiza a relativa imobilidade das culturas no espaço e seus poderes de auto-engendramento no tempo, os estudos transculturais enfocam os fenômenos que mostram que mesmo os limites mais estritos precisam da colaboração ativa daqueles que estão dentro e fora desses limites, e que a criação de um espaço fechado pressupõe a imposição (necessariamente transitória) de limitações ao movimento humano. Em outras palavras, os estudos transculturais pressupõem que as pessoas são naturalmente inclinadas a se mudar, mesmo que seja de um cômodo para outro em sua própria casa. Sua pergunta é como esse movimento é motivado, situado, orientado e condicionado. Na ontologia relacional e cinética dos estudos transculturais, o que geralmente é chamado de limite "cultural" - baseado em relações sociais, trocas linguísticas, símbolos compartilhados etc. - é visto não como a causa última, mas como resultado da atividade humana, de uma luta constante para preservar e dissolver configurações sociais e moldar o movimento de pessoas e objetos em todo o mundo. Essa abordagem reuniu tendências que se desenvolveram em antropologia, sociologia e história6; é com base nelas que os estudos transculturais desenvolveram sua crítica ao nacionalismo metodológico e seus meios para superá-lo. O nome desse campo, "estudos transculturais", pode contradizer sua abordagem fundamental. De fato, a interpretação literal do significante "transcultural", juntamente com "transculturalidade" (como propriedade de um fenômeno) e "transculturação" (como um processo), não sugere necessariamente sua ontologia social cinética e relacional. Isso se deve à inevitável coexistência entre os usos mais antigos da palavra e o significado que foi dado pelos estudos transculturais. Na década de 1940, quando o antropólogo cultural cubano Fernando Ortiz introduziu 5 Monica Juneja e Christian Kravagna, “Understanding Transculturalism,” in Transcultural Modernisms, eds. Fahim Amir (Vienna: Sternberg Press), 32. Para algumas contribuições para este campo, consulte a visão geral de Christiane Brosius e Roland Wenzlhuemer, “Introduction— Transcultural Turbulences: Towards a Multi -sited Reading of Image Flows,” in Transcultural Turbulences: Towards a Multi-sited Reading of Image Flows, ed. Christiane Brosius e Roland Wenzlhuemer (Heidelberg: Springer, 2011), 3–25; ver também Königs e Rakow, “The Transcultural Approach Within a Disciplinary Framework.” 6 Entre os ancestrais antropológicos dessa abordagem estão Fredrik Barth, Ethnic Groups and Boundaries: The Social Organization of Culture Difference (Long Grove: Waveland Press, 1969); Ulf Hannerz, Cultural Complexity: Studies in the Social Organization of Meaning (New York: Columbia University Press, 1992); Arjun Appadurai, Modernity at Large: Cultural Dimensions of Globalization (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996). 93 o termo "transculturação" nas ciências humanas e sociais, o termo era realmente cúmplice de uma forma particular de nacionalismo metodológico. A intenção de Ortiz era substituir o termo "aculturação", que dominava a Antropologia de língua inglesa nas décadas de 1930 e 1940. Na sua opinião, “aculturação” era um termo malsucedido porque sugeria um processo de aquisição de uma nova cultura (superior) e substituição de uma cultura (superior) antiga, e, portanto, representava substituição cultural. Pelo contrário, a “transculturação” supunha perda cultural, mistura cultural e criação cultural, ou seja, a fusão de elementos de várias culturas em uma nova.7 Em um contexto de profunda reflexão sobre as “culturas nacionais” em Cuba e, mais geralmente, a América Latina - de fato, um forte nacionalismo metodológico permeia a antropologia cultural latino-americana daqueles anos - muitos estudiosos latino-americanos adotaram o conceito de "transculturação" para pensar em "culturas nacionais" em suas sociedades, que consistiam em populações aborígines, migrantes de diferentes partes da Europa, e descendentes de escravos africanos, bem como colonizadores espanhóis e portugueses. O novo conceito certamente mudou a percepção das culturas nacionais na América Latina, mas não implicou uma rejeição de definições essencializadoras de culturas. “Transculturação” teve como objetivo conceituar uma transformação de uma cultura em particular para outra através da interação de diferentes tradições; era o nome de um processo que não aconteceu a todas as culturas do mundo, e que idealmente pressupunha a existência de uma nação limitada (como Cuba), tanto no início quanto no final da transformação.8 Nesse sentido , a palavra "transcultural" em seu sentido original, contradiz a ontologia cinética e relacional da passagem de fronteira dos estudos transculturais. A morfologia dessa palavra exige nossa 7 Houve um debate transatlântico sobre o termo "aculturação". Embora Malinowski o tenha usado em seu trabalho, ele achava que tinha implicações etnocêntricas e colonialistas: a palavra sugeria a ideia de que um grupo supostamente "primitivo" deveria deixar sua própria cultura "inferior" para assimilar a "superior" do colonizador. No sentido contrário, para Melville Herskovits (um dos três autores do Memorandum for the Study of Acculturation de 1936), que realmente compartilhava as posições de Malinowski e Ortiz, o termo “aculturação” não supunha necessariamente que uma das duas culturas em contato fosse superior ao outro. Sobre esse debate, consulte “Contrapunteo etnológico: El debate aculturación o transculturación desde Fernando Ortiz hasta nuestros días,” Kálathos 4, no. 2 (2010–2011): 1–22; sobre Fernando Ortiz, o conceito de transculturação e reflexões sobre cultura e culturas nacionais na América Latina por volta da década de 1940, ver Enrique Rodríguez Larreta, “Cultura e Hibridación: Sobre algunas fuentes latinoamericanas [Culture and hybridization: On some Latin American sources],” in “La batalla conceptual en América Latina: Hacia una historia conceptual de los discursos políticos,” Anales-Instituto Ibero Americano 7–8 (2005): 107–123. 8 Fernando Ortiz, Contrapunteo cubano del tabaco y del azúcar (1940; repr., Havana: Editorial de Ciencias Sociales, 1983), 90. Este é o parágrafo em que Ortiz explica as virtudes da "transculturação" do neologismo para descrever as complexidades da s transformações culturais em Cuba: "Entendemos que a palavra transculturação expressa melhor as diferentes fases do processo de transição de uma cultura para outra, porque não consiste apenas em adquirir uma cultura diferente, que é o que indica a aculturação de voz anglo-americana, mas que a Esse processo implica necessariamente também a perda ou desenraizamento de uma cultura anterior, que poderia ser considerada uma desculturação parcial e, além disso, significa a conseqüente criação de fenômenos culturais que poderiam ser chamados de neoculturação. Enfim, como sustenta a escola de Malinowski, em todo abraço de culturas existe o que acontece na relação genética dos indivíduos: a criatura sempre tem algo de ambos os pais, mas também é sempre diferente de cada um dos dois. No total, o processo é uma transculturação, e essa palavra inclui todas as fases de sua parábola. ” Fernando Ortiz, Cuban Counterpoint: Tobacco and Sugar, 2nd ed. [New York: Alfred A. Knopf, 1947; Durham: Duke University Press, 1995].) 102-3. A republicação de 1995 da versão em inglês de 1947 da obra de Ortiz (que teve pouco impacto na época) foi o produto e alimentou um interesse ressurgente pela interação transcultural além de Cuba e da América Latina. 94 capacidade de imaginar culturas estáveis antes que possamos concebê-las em movimento através do prefixo "trans-", e é perfeitamente compatível com uma ideia que os estudos transculturais atuais contestam fortemente: que o mundo está povoado por estabelecimentos culturas homogêneos de forma contígua que, em alguns casos, e apenas alguns, desenvolvem interseções entre si ou se influenciam.9 Esse é, por assim dizer, o "antigo regime" da palavra, e coincide com o uso de termos como "cruzamentos -culturais". Três figuras importantes - Ángel Rama, na América Latina, e Wolfgang Welsch e Mary Louise Pratt, no mundo euro-americano10 - têm, de certa forma e de várias maneiras, seguido esta definição e contribuído para a consolidação desse termo nos estudos literários e na filosofia. Nas últimas décadas, no entanto, a palavra "transcultural" ganhou um novo significado e foi usada para rotular a agenda cinética e relacional dos estudos transculturais. Os praticantes de estudos transculturais afirmam que todo fenômeno humano é transcultural e que existe apenas uma realidade, não duas: não há nada cultural que não seja ao mesmo tempo transcultural. Nesse novo uso - aquele que caracteriza o "novo regime" dos estudos transculturais - uma interpretação literal de "transcultural" como "trans...cultura" seria enganosa: os estudos transculturais não se concentram em interseções culturais ou - como Mary Louise Pratt colocou - em "zonas de contato", porque todas as relações humanas são elas próprias uma zona de contato e um cruzamento cultural. Os estudos transculturais enfocam os processos de formação e dissolução das configurações humanas que criam os limites móveis do que vemos como culturas autosustentadas. Esse novo uso de "transcultural" ainda não foi aceito de maneira geral. De fato, a inevitável coexistência do novo e do antigo significado, juntamente com a ambiguidade motivada pela composição literal dessa palavra (cunhada, como vimos, em um debate antropológico na década de 1940), dificultam os estudos transculturais para evitar mal-entendidos: pois, mesmo que os praticantes dos estudos transculturais afirmem que o transcultural precede ontologicamente o cultural, outros estudiosos ainda podem usar a mesma palavra para afirmar que o cultural precede logicamente o transcultural.11 Se os estudos transculturais, apesar dessa inevitável ambiguidade semântica, ainda persistem nessa palavra, é porque eles veem nela a possibilidade de impor sua agenda através de uma estratégia retórica. Em vez de encontrar uma nova palavra, eles empregam esse antigo termo de prestígio para melhorar a eficácia retórica; eles o usam como um dispositivo para intervenção, e não necessariamente para descrição conceitual. Evocando uma tradição com o objetivo de aumentar a eficácia retórica e afirmando que o 9 É de fato com base nesse antigo uso da palavra “transcultural” que Umberto Eco e Alain Le Pichon fundaram o Instituto Internacional TRANSCULTURA em 1988. Veja a apresentação no site do instituto: http://transcultura.org/?q=node/2 [Acessado em 17 de agosto de 2016]. Em Wolfgang Welsch, “Transculturality: The Puzzling Form of Cultures Today,” in Spaces of Culture: City, Nation, World, ed. Mike Featherstone and Scott Lash (London: Sage, 1999), 194– 213, o autor afirma que transculturalidade é um conceito mais apropriado do que cultura para descrever as sociedades modernas e, nesse sentido, ele compartilha uma abordagem com os estudos transculturais. No entanto, ele está mais perto de Fernando Ortiz do que dos desenvolvimentos posteriores dos estudos transculturais, porque, em sua opinião, algumas sociedades são "transculturais" e outras não. Nesse sentido, para ele a transculturalidade é um fenômeno histórico, não é uma suposição ontológica. 10 Ángel Rama, Transculturación narrativa en América Latina [Narrative transculturation in Latin America] (Buenos Aires: Ediciones El Andariego, 2007); Welsch, “Transculturality,” 194– 213; Mary Louise Pratt, “Arts of the Contact Zone,” in Ways of Reading, ed. David Bartholomae and Anthony Petrosky, 4th ed. (Boston: St. Martin’s Press, 1996), 528–542; Pratt, Imperial Eyes: Travel Writing and Transculturation (London: Routledge, 1992). 11 Para a coexistência desta nova abordagem com as anteriores, Afef Benessaieh and Patrick Imbert, “Conclusion: La transculturalité relationnelle,” in Transcultural Americas/Amériques Transculturelles, ed. Afef Benessaieh (Ottawa: University of Ottawa Press, 2010), 231–242. 95 transcultural precede o cultural, o campo assume a contradição inerente à interpretação literal do termo, como se pretendesse produzir perplexidade através da aporia. Esse procedimento retórico, que simultaneamente coloca em crise os conceitos “cultural” e “transcultural”, deve eventualmente levar à abolição de ambos os conceitos como ferramentas heurísticas - e, portanto, questiona a ideia de que práticas e conceitos são moldados por um único pertencimento.12 Nesse sentido, embora o rótulo “estudos transculturais” possa não ser totalmente apropriado do ponto de vista conceitual, e embora as ambiguidades desse rótulo possam levar a algumas premissas que contradizem a agenda que eles abrangem, os praticantes desse campo o utilizam para tomar parte em esforços mais gerais, nas ciências humanas e sociais, para superar as limitações do conceito de cultura como uma entidade autoengendrada e fortemente limitada.13 De fato, a crítica das limitações do conceito de cultura não é uma característica exclusiva dos estudos transculturais. Na verdade, esse campo parece ter combinado abordagens e métodos existentes retirados de outros campos nas ciências humanas e sociais combinados de uma nova maneira. Muitas dessas abordagens e métodos foram produzidos com o objetivo explícito de superar entendimentos insulares da cultura; outros foram desenvolvidos para diferentes propósitos, mas, no entanto, encontraram uma nova vida nesse campo. A seguir, mencionarei apenas as ferramentas que foram mobilizadas pelos estudos transculturais com o único objetivo de criticar o nacionalismo metodológico. Nesse sentido, os estudos transculturais desenvolveram uma dupla imbricação com o restante das ciências humanas e sociais. Do ponto de vista de sua conexão com outros campos, estudos transculturais compartilham algumas preocupações com Transfergeschichte, história global, história conectada e histoire croisée, todas com abordagens para superar narrativas históricas nacionais14, do ponto de vista metodológico, elas foram fortemente influenciadas pela teoria ator-rede, sociologia da rede e micro-história - embora a influência nem sempre seja aparente. A conexão com os campos vizinhos é clara o suficiente: na maioria deles, a crítica ao nacionalismo metodológico é uma tarefa constitutiva. A relação com a teoria ator-rede, rede da sociologia ou micro-história, no entanto, merece uma explicação. Essas três abordagens poderiam ser perfeitamente compatíveis com o 12 Outro aspecto importante do rótulo é a palavra "estudos". A escolha dessa palavra provavelmente está relacionada ao fato de que nomes disciplinares fortes como "história", "sociologia" ou "antropologia" favoreceriam algumas abordagens e perguntas sobre outras. Mas também pode refletir os estudos de área: em vez dos rótulos nacionais ou regionais das “áreas” (que, como mencionei, também gozam de alguma flexibilidade disciplinar), encontramos um rótulo processual e relacional, “transculturalidade”, como objeto único de pesquisa. 13 Para alguns exemplos dessa abordagem transcultural, ver König e Rakow, “The Transcultural Approach Within a Disciplinary Framework”. 14 Para essas agendas semelhantes, ver, por exemplo, Daniel Rodgers, Bhavani Raman, and Helmut Reimitz, eds., Cultures in Motion (Princeton: Princeton University Press, 2014); Samuel Moyn and Andrew Sartori, eds., Global Intellectual History (New York: Columbia University Press, 2013); Caroline Douki and Philippe Minard, “Histoire globale, histoires connectées: Un changement d’échelle historiographique? Introduction,” in “Histoire globale, histoires connectées,” special issue, Revue d’histoire moderne et contemporaine 54–4bis (2007): 7–21; Sanjay Subrahmanyam, “Connected Histories: Notes Towards a Reconfiguration of Early Modern Eurasia,” Modern Asian Studies 31, no. 3 (1997): 735–762; Carol Gluck and Anna Lowenhaupt Tsing, Words in Motion: Towards a Global Lexicon (Durham: Duke University Press, 2009); Roger Chartier, “La conscience de la globalité,” Annales 56 (2001): 119–123; Michael Werner and Bénédicte Zimmermann, “Beyond Comparison: Histoire Croisée and the Challenge of Reflexivity,” History and Theory 45, no. 1 (2006): 30–50. A história e a antropologia globais, sem dúvida, desempenharam um papel fundamental no desenvolvimento da agenda transcultural. Para uma revisão de alguns desses debates em comum, consulte Laurent Berger, “La place de l’ethnologie en histoire globale,” Monde(s), 3 (2013): 193–212. 96 nacionalismo metodológico; no entanto, quando usados contra ele, tornam-se ferramentas poderosas para desconstruí-lo. Os estudiosos dos estudos transculturais os empregaram de fato para "desnacionalizar" seus objetos de investigação; suas análises se apegam às relações, redes ou associações reais (também “assembleias”) que constituem seus objetos, independentemente de ultrapassarem ou permanecerem dentro das fronteiras nacionais e mobilizarem diferentes escalas de observação para rastrear evidências de relações de curta e longa distância.15 Em outras palavras, embora os estudos transculturais empreguem a rede sociológica, as teorias ator-rede e as ferramentas micro-históricas de maneiras diferentes, geralmente há um objetivo claro: quando aplicadas às sociedades fortemente nacionalizadas do mundo contemporâneo, essas ferramentas divulgam as desconexões internas e as conexões externas que desnaturalizam a sociedade nacional, e mostram como as instituições nacionais são moldadas por relações não-nacionais maiores em todo o mundo. Quando aplicadas às sociedades não nacionalizadas no mundo contemporâneo e no não-contemporâneo, elas revelam padrões alternativos de formação grupal e institucional - questionando, assim, a aplicabilidade das narrativas nacionais às sociedades que não precisavam da nação para construir suas próprias instituições. 16 História intelectual chinesa, seus ancestrais e o espectro do nacionalismo metodológico Este subcapítulo oferece um breve esboço histórico do estudo da história intelectual chinesa anterior a 1911 e, de maneira mais geral, dos estudos chineses. É um passo necessário antes que possamos identificar as convergências e divergências desse campo com os estudos transculturais. Esquematicamente falando, a história intelectual chinesa teve que lidar com três tradições nos estudos chineses. Dois deles surgiram da disciplina da Sinologia clássica do século XIX: o primeiro é caracterizado por uma forte abordagem textual e filológica (no sentido restrito de que busca estabelecer o significado dos textos, principalmente com a finalidade de tradução), o segundo pela incorporação de ferramentas analíticas das ciências sociais e humanas. Apesar das tensões recorrentes, as duas tradições mantêm relações fluidas, provavelmente porque cresceram da mesma raiz. A tradição filológica é a mais antiga das duas; a filologia e a análise textual foram uma das principais características da Sinologia quando a disciplina foi fundada na primeira metade do século XIX. De fato, embora a Sinologia tenha herdado as discussões filosóficas, religiosas e literárias sobre a China entre filósofos do Iluminismo e missionários católicos (principalmente jesuítas), sua constituição 15 Na análise ator-rede, veja, por exemplo, Michel Callon and Bruno Latour, “Unscrewing the Big Leviathan: How Actors Macro-structure Reality and How Sociologists Help Them to Do So,” in Advances in Social Theory and Methodology, ed. Karin Knorr-Cetina and Aaron Cicourel (London: Routledge, 1981), 277-303. Para uma introdução às diferentes abordagens da sociologia das redes, ver Pierre Mercklé, Sociologie des réseaux sociaux (Paris: La Découverte, 2011). Sobre microhistória, ver Carlo Ginzburg, “Microhistory: Two or Three Things that I Know about It,” in Threads and Traces: True False Fictive (Berkeley: University of California Press, 2012), 193– 214; Jacques Revel, “Micro-analyse et construction du Social,” in Jeux d’échelles: La microanalyse à l’expérience, ed. Jacques Revel, (Paris: Seuil/Gallimard, 1996), 15–36. 16 Para a presença dessas ferramentas metodológicas nos estudos transculturais, consulte a entrevista citada acima entre Christian Kravagna e Monica Juneja, “Understanding Transculturalism,” 23–33; e Monica Juneja, “Global Art History and the ‘Burden of Representation’,” in Global Studies: Mapping Contemporary Art and Culture , ed. Hans Belting, Jakob Birken, and Andrea Buddensieg (Stuttgart: Hatje Cantz, 2011), 274–297; ver também König and Rakow, “The Transcultural Approach Within a Disciplinary Framework” nesta edição da revista (especialmente a definição 4 de seus diferentes significados de “transcultural”). 97 como disciplina tinha fortes raízes filológicas.17 Essa orientação quase exclusivamente filológica da Sinologia, que se estendia dos sinologues de chambre franceses e dos sinólogos inspirados no Altertumswissenschaft alemães aos muitos missionários americanos e britânicos que marcaram a agenda sinológica de língua inglesa18 foi questionada na primeira metade do século XX. Alguns sinólogos, embora não necessariamente contra a filologia, tentaram aproximar a disciplina de outras ciências sociais e, portanto, subordinaram os estudos filológicos a discussões metodológicas mais amplas e a novas questões de pesquisa. Este foi o começo de uma segunda tradição em Sinologia euro-americana. Edouard Chavannes, por exemplo, renovou a agenda sinológica com métodos da história e arqueologia europeias; Marcel Granet, com métodos da sociologia Durkheimiana; Otto Franke, com métodos retirados da historiografia alemã (ele estudou com J.G. Droysen). Essa segunda tradição, embora às vezes crítica à orientação filológica dos primeiros sinólogos profissionais, não contestava o direito da filologia à existência; pelo contrário, muitas vezes recorreu a suas ferramentas para entender melhor o corpus textual com base no qual levantava suas hipóteses. Uma característica notável é a atitude despretensiosa que muitos de seus praticantes tiveram em relação à China como objeto de investigação; embora se considerassem, como sinólogos clássicos, especialistas na China, muitas vezes se definiam em termos disciplinares, como sociólogos ou historiadores.19 A ruptura mais forte com o viés filológico, que abriu caminho para uma terceira tradição nos estudos chineses, veio dos Estados Unidos: foi a criação de "estudos de área". Após a Segunda Guerra Mundial, durante o período da Guerra Fria, figuras como John King Fairbank descartaram abertamente as preocupações filológicas da Sinologia tradicional e trabalharam para desenvolver uma abordagem baseada na experiência da área.20 Essa experiência certamente incluía treinamento em idiomas, mas também exigia uma combinação de outras ciências sociais para obter um conhecimento preciso da China moderna. A nova orientação foi marcada por um forte viés modernista; o passado imperial chinês, embora certamente não tenha sido rejeitado, foi levado em consideração apenas como germe da China moderna ou como tradição a ser superada.21 A diferença entre a experiência nessa área e a segunda 17 David Honey, Incense at the Altar: Pioneering Sinologists and the Development of Classical Chinese Philology (New Haven: American Oriental Society, 2001), xi. 18 Deve-se fazer uma exceção em relação ao que David Honey chama de "orientalismo sinológico", um exame minucioso que iria além do escopo deste ensaio. Mencionarei apenas que a Sinologia, desde a sua fundação, teve uma relação ambígua com o orientalismo sinológico. As tensões entre os dois não emergiu do ataque mais geral ao orientalismo inspirado no livro de Edward Said; elas provavelmente já existiam no século XIX. Quando o orientalismo sinológico foi representado por um campo paralelo, por exemplo, entre filósofos, as tensões com a Sinologia não surgiram de críticas ideológicas e culturais, mas principalmente da oposição entre métodos de investigação "científicos" e "não científicos". De uma perspectiva histórica, no entanto, podemos dizer que algumas percepções orientalistas eram comuns às investigações sinológicas e nãosinológicas sobre a China. Essas relações ambíguas dentro e além da disciplina fazem parte da história dos estudos chineses e do orientalismo sinológico. De fato, não devemos ignorar o fato de que mesmo as tensões, às vezes silenciosas e às vezes abertas, entre os dois determinam em certa medida as agendas um do outro, mesmo quando os dois parecem seguir caminhos separados. Sobre o orientalismo sinológico, veja Honey, Incense, 35–39. 19 Para Franke, veja Honey, Incense, 139; para Granet, veja abaixo. 20 Fairbank tinha uma abordagem explicitamente anti-filológica e escreveu uma história de estudos chineses. Veja Honey, Incense, 269–273. O ponto de virada nesse sentido foi provavelmente o lançamento do Sputnik em 1957; depois disso, os departamentos de estudos da área da Rússia e da China foram estabelecidos em muitas instituições. 21 Para a teoria da modernização na história do leste asiático (principalmente nos estudos japoneses), veja a contribuição de Krämer nesta edição [da revista original]. 98 tradição sinológica mencionada acima estava no uso que ela fazia de métodos científicos: enquanto alguém como Marcel Granet se considerava um sociólogo durkheimiano cujo objeto de pesquisa só estava na China22, o especialista da área privilegiava a figura do “especialista da China” e subordinava pragmaticamente o uso de métodos científicos ao objetivo geral de entender a “área”. 23 O sucesso dessa tradição levou à consolidação definitiva dos “estudos chineses”, como o nome geral da disciplina. E embora os rótulos “Sinologia” e “Estudos Chineses” agora possam ser usados de forma intercambiável para se referir ao estudo da China, “Sinologia” às vezes é usada como um termo pejorativo para a antiga abordagem filológica.24 Os estudos chineses – e suas três tradições confusas - oferecem limitações estritas e alguns privilégios generosos aos seus praticantes. Das suas limitações, mencionarei apenas duas. A primeira é que os estudiosos das três tradições, embora muitas vezes membros dos mesmos departamentos, às vezes viviam em mundos separados. Uma vez que muitas vezes (nem sempre) diferem em seus interesses, marcos teóricos e métodos de investigação, eles têm dificuldade em estabelecer uma comunicação científica entre si. A segunda limitação, mais relevante para a finalidade deste ensaio, está relacionada à delimitação da área, seja ou não a principal preocupação do pesquisador. A área, em princípio, é a China. Mas o que é a China? Quais idiomas, grupos ou práticas devem ser incluídos? E quanto o estudo da China, ele pode ser mantido à parte do estudo do leste da Ásia, sul da Ásia ou, nos tempos modernos, da Europa e da América, que contribuíram para moldar o “mundo chinês” como o conhecemos hoje? É verdade que poucos estudiosos da China afirmam que a “China” que estudam é um objeto isolado e autosustentado. A tradição dos estudos de área, fundamentada em grande parte na teoria da modernização, apontou tendências supostamente universais que minimizam a singularidade chinesa; também recorreu, como a tradição filológica, à história comparada, precisamente com a intenção de identificar não apenas diferenças e características compartilhadas, mas também relações entre áreas; e, mais importante, baseava-se amplamente na teoria - agora obsoleta - da "resposta ao impacto", que pressupõe que a história chinesa foi moldada por influências externas e que, nas palavras de Paul Cohen, "o confronto com o Ocidente foi a influência mais significativa sobre os eventos na China". 25 Em resumo, estudos de área, como a tradição filológica, não implicam paroquialismo; estudam a China em uma perspectiva global. Mas o nacionalismo metodológico estava precisamente enraizado nessa perspectiva, seja na prática ou na teoria. Cada área, geralmente uma nação, era considerada a unidade fundamental de pesquisa; a teoria do impacto-resposta, que apontava para interações transfronteiriças, supunha que os limites de área fossem os limites fundamentais onde o endógeno terminava e a influência externa começava. Os estudos de área, nesse sentido, inscreveram o nacionalismo metodológico na divisão institucional do trabalho acadêmico. 22 Maurice Freedman, “Marcel Granet, 1844–1940, Sociologist,” in The Religion of the Chinese People, ed. and trans. Maurice Freedman (New York: Harper Torchbooks, 1977). 23 Esses dois pólos da relação entre estudos de área e “disciplinas sistemáticas”, com exemplos retirados da Sinologia, são bem explicados e colocados em perspectiva histórica em Michael Lackner e Michael Werner, Der cultural turn in den Humanwissenschaften: Area Studies im Aufoder Abwind des Kulturalismus? (Bad Homburg: Programmbeirat der Werner Reimers Konferenzen, 1999), 51–54. 24 Nas próximas páginas, a menos que seja especificado de outra forma, usaremos “Sinologia” e “estudos chineses” para a mesma disciplina. 25 Paul Cohen, Discovering History in China: American Historical Writing on the Recent Chinese Past (New York: Columbia University Press, 1984), 9. Cohen dá como exemplo John K. Fairbank, China’s Response to the West (Cambridge: Harvard University Press, 1954) Esse foco na relação com o Ocidente pode ter sido um efeito dos escassos materiais de arquivo disponíveis na época, a maioria deles relacionada a estrangeiros e missionários. 99 Voltarei a essa cumplicidade entre pesquisa "arealizada" e nacionalismo metodológico institucionalizado. Antes, porém, gostaria de mencionar uma dimensão positiva dos estudos de área que poderiam ter aberto as portas não apenas aos estudos transculturais, mas a métodos e abordagens muito diferentes: a tendência a dissolver a compartimentalização disciplinar. Embora o foco da área às vezes tenha imposto limites artificiais aos objetos de investigação, concedeu ao estudioso, especialmente na Europa, muita liberdade para superar as fronteiras disciplinares. Os estudos baseados na área, e os estudos chineses em particular, geralmente ficam longe de disputas interdisciplinares nas ciências humanas e ciências sociais, ou apenas uma pequena parte delas. Precisamente porque os estudos chineses não têm uma identidade disciplinar clara, mas principalmente uma identidade de "área" (mesmo quando a rejeitam), os sinólogos sentem-se à vontade para recorrer a métodos e perguntas das humanidades e ciências sociais. Embora possam se apropriar deles de uma maneira um tanto indisciplinada e às vezes desconhecer os debates e tradições específicas que fundamentam cada disciplina, eles gozam de um maior grau de flexibilidade disciplinar e, portanto, podem se concentrar em quão produtiva é uma pergunta, abordagem ou método específico de prova quando aplicado a seus objetos de investigação definidos por área. Nesse sentido, se os estudos chineses às vezes desenvolvem seu próprio "etnocentrismo disciplinar" - ou seja, uma defesa paroquial de suas próprias tradições e abordagens - eles não o forçam a coincidir com o tipo de etnocentrismo disciplinar às vezes desenvolvido dentro da sociologia, antropologia, filosofia, história ou economia.26 A abordagem “centrada na China” de Paul Cohen foi uma tentativa de desenvolver essa dimensão positiva dos estudos chineses; embora mais tarde tenha sido associado ao nacionalismo metodológico (e não apenas metodológico), seu ponto de partida foi fornecer pesquisas a partir do universalismo dedutivo das teorias da modernização e da resposta ao impacto.27 A história intelectual, como os estudos transculturais, penetrou na Sinologia através desses interstícios da liberdade disciplinar. É difícil determinar quando exatamente o rótulo “história intelectual” foi usado pela primeira vez nas ciências humanas ou quando se tratou de designar um campo de pesquisa distinto. A expressão pode ser rastreada desde o século XIX. O que é importante para o objetivo deste ensaio é que, na década de 1980, quando a expressão foi cada vez mais usada no mundo de língua inglesa, e foi consolidada por periódicos acadêmicos, títulos de livros e presidentes e departamentos de universidades, o termo "história intelectual" era frequentemente usado para indicar algo que não fosse a “história das ideias” mais tradicional e a “história do pensamento”. Após uma década de relativa marginalização durante a década de 1970 (pelo menos no mundo de língua inglesa)28, a história intelectual reviveu com uma crítica metodológica desses associados tradicionais; afirmava que ideias e pensamentos não podiam ser estudados independentemente de práticas, instituições e relações sociais que os incorporavam. O rótulo “história intelectual” estava, portanto, associado, por um lado, ao esforço de superar histórias de pensamento não-históricos e, por outro, às tentativas de estudar as condições 26 Ver Bernard Lahire, “Des effets délétères de la division scientifique du travail sur l’évolution de la sociologie” in SociologieS, discussion, La situation actuelle de la sociologie: http://sociologies. revues.org/3799 [Accessado em 28. Julho, 2016]. A expressão "etnocentrismo disciplinar" é retirada de Norbert Elias. Para a relação entre rótulos disciplinares e tradições metodológicas nas ciências sociais e humanas, ver Jean-Claude Passeron, Le raisonnement sociologique (Paris: Albin Michel, 2006), 73–85. 27 Ver Cohen, Discovering History in China. 28 Para o declínio geral da história intelectual nesse período, ver Anthony Grafton, Worlds Made by Words: Scholarship and Community in the Modern West (Cambridge: Harvard University Press, 2009), 205. 100 materiais e sociais nas quais as pessoas intelectualmente ativas, em diferentes contextos sociais e históricos, desenvolveram e transmitiram suas ideias. 29 O uso do rótulo “história intelectual” nos estudos chineses parece estar relacionado aos mesmos esforços científicos. É verdade que, no campo dos estudos chineses, a expressão “história intelectual” tem sido usada desde pelo menos a década de 1940, e que algumas figuras importantes da história intelectual chinesa, como Benjamin Schwartz e Joseph Levenson, empregavam e às vezes até eram bem definidas essa expressão para caracterizar o que estavam fazendo. 30 No entanto, foi provavelmente nas décadas de 1980 e 1990, quando a história intelectual recuperou vitalidade nas ciências humanas e sociais em geral, que a história intelectual chinesa começou a marginalizar a mais tradicional “história do pensamento chinês” e "história da filosofia chinesa". Na verdade, os estudiosos que, como na história mais antiga das ideias, apenas apresentam a lógica interna de um discurso sem contexto histórico tem sido uma minoria no campo; nos Estados Unidos, eles parecem ter sido ainda mais raros do que em outros lugares. Isso facilitou a convergência entre os estudos chineses e os desenvolvimentos recentes na história intelectual - mesmo que não pareça haver um diálogo direto entre os dois. Conferências, títulos de livros e cadeiras de universidades deram à história intelectual chinesa autonomia relativa como campo de pesquisa e, embora às vezes se sobreponha à história cultural (como também aconteceu nos estudos chineses), sua linhagem metodológica, em dívida com os historiadores schwartzianos ou levensonianos, parece ter lhe dado uma identidade reconhecível.31 Nesse sentido, a história intelectual chinesa está na encruzilhada de dois campos. Como parte da história intelectual, concentra-se na história dos procedimentos intelectuais e atividades sem dissociá-los das circunstâncias sociais e históricas; isso tornou-a muito receptiva as abordagens e metodologias de diferentes campos e disciplinas - estudos transculturais entre eles. Como parte dos estudos chineses, ela se concentra nos recursos específicos da China, quaisquer que sejam os grupos, práticas e instituições que essa área possa rotular. Através dessa herança baseada na área, o nacionalismo metodológico - embora nem sempre se manifeste constantemente ameaça moldar o campo. O nacionalismo metodológico nem sempre foi uma ameaça nos estudos chineses, pelo menos não na prática acadêmica. A Sinologia surgiu e evoluiu durante o século XIX, uma época em que o conceito de nação, como os conceitos de “culturas” protonacionais e “civilizações”, moldou o discurso político e historiográfico europeu.32 No entanto, como os novos historiadores do Qing hoje, o os pais fundadores da Sinologia, incluindo Jean-Pierre Abel-Rémusat e Stanislas Julien, sabiam que, para entender a China Qing, era necessário ter um conhecimento prático 29 Para saber como os principais historiadores entenderam "história intelectual" na década de 1980, veja a discussão de Stefan Collini em History Today 35, no. 10 (1985), com opiniões de Michael Biddiss, Quentin Skinner, JGA Pocock e Bruce Kuklick. Para discussões anteriores sobre história intelectual e sobre diferentes tendências historiográficas, ver Samuel H. Beer, Lee Benson, Felix Gilbert, Stephen R. Graubard, David J. Herlihy, Stanley Hoffmann, Carl Kaysen, Leonard Krieger, Thomas S. Kuhn e David Landes. , Joseph Levenson, Frank E. Manuel, JGA Pocock, David J. Rothman, Carl E. Schorske, Lawrence Stone e Charles Tilly, “New Trends in History,” Daedalus 98, no. 4 (Fall 1969): 888–976. 30 Ver o exemplo de Benjamin Schwartz, “A Brief Defense of Political and Intellectual History… with Particular Reference to Non-Western Cultures,” Daedalus 100, no. 1 (1971): 98–112. 31 Ver Benjamin Elman, “The Failures of Contemporary Chinese Intellectual History,” EighteenthCentury Studies 43, no. 3 (2010): 371–391, esp. 380. 32 Jörg Fisch, “Zivilization, Kultur,” in Geschichtliche Grundbegriffe: Historisches Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland, ed. Otto Brunner, Werner Conze, and Reinhart Koselleck, vol. 5 (Stuttgart: Klett-Cotta, 1992), 679–774, esp. 705–774. 101 de manchu ou mongol e não apenas chinês clássico e vernacular. Seu discurso sobre a China foi fortemente marcado por uma perspectiva nacional33, mas, na prática, eles reconheceram as dimensões multiétnicas da dinastia Qing e, mais geralmente, a história imperial chinesa. A perspectiva nacional nos estudos chineses tornou-se cada vez mais importante durante a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, e culminou, sem dúvida, no desenvolvimento de estudos de área.34 Essa abordagem baseada na nação pode parecer um pouco adequada para a nação-estado chamada “China” no século XXI (embora Pamela Crossley já tenha apontado a complexidade dessa questão)35; no entanto, quando aplicado à China Qing, mostra inevitavelmente suas limitações. Como a “nação chinesa” poderia ser a estrutura para estudar o império se, pelo menos como um nome institucionalmente aceito, era usada apenas no início do século XX? Antes disso, havia apenas uma série de processos não nacionais de formação de grupos e enquadramento institucional, variando da corte imperial às populações tibetanas, concessões estrangeiras em portos do século XIX. O mesmo se aplica ao termo "cultura chinesa". Onde estava a cultura “chinesa” nesse império heterogêneo, onde estava aquela cultura proto-nacional que justificava a criação da nação moderna chamada “China”?36 As conexões entre os diferentes constituintes do império, às vezes apenas garantidas pela estrutura institucional dos Qing, só poderiam ser incluídos no rótulo “China” quando foram reinterpretados pela historiografia nacionalista chinesa no final do século XIX e início do século XX, ou pelas narrativas euroamericanas da história chinesa orientadas por nações. Desde então, a estrutura da área, com o nacionalismo metodológico, continua a moldar as restrições institucionais do campo, às vezes explicitamente justificadas por alguns profissionais, independentemente da evidência histórica da natureza não-nacional do império, o que um grande número de sinólogos apontou.37 O nacionalismo metodológico não é apenas forte na história intelectual chinesa e nos estudos chineses em geral: afetou a maior parte do campo de estudos de área, que foram institucionalmente construídos com base no pressuposto implícito de que suas respectivas áreas geográficas de especialização contêm apenas histórias limitadas por área. A estrutura da área não produz, por si só, nacionalismo metodológico, mas facilita seu desenvolvimento. Um debate bem conhecido ilustrará o alto nível de consenso de que tal abordagem ainda desfruta na história intelectual baseada em áreas. Há uma troca entre J.G.A. Pocock e Reinhart Koselleck, o ex33 Ver a primeira conferência de Abel Rémusant no Collège de France (16 de Janeiro, 1816) in Jean-Pierre Abel-Rémusat, “Sur l’état et les progrès de la littérature chinoise en Europe,” in Mélanges Asiatiques, vol. 2 (Paris: Librairie Orientale de Dondey-Dupré père et fils, 1825), 295– 307. 34 Ver Honey, Incense, 269–277. A historiografia chinesa certamente desempenhou um papel importante na consolidação dessa perspectiva nacional. Como disse acima, deixo as complexas relações entre os estudos chineses euro-americanos e a Sinologia para um artigo futuro. 35 Pamela Crossley, “Nationality and Difference in China: The Post-Imperial Dilemma,” in The Teleology of the Modern State: Japan and China, ed. Joshua Fogel (Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2005), 138–158. 36 Isso não foi apenas apontado pelos novos historiadores de Qing, que mostraram como os imperadores Qing usavam diferentes idiomas e práticas para se comunicar com diferentes assuntos "nacionalmente". Como mostramos na seção a seguir, muitos historiadores intelectuais da China sustentaram que os limites da atividade intelectual não coincidem com os limites nacionais, mesmo após a criação do Estado-nação chinês moderno. 37 É o caso de algumas (não todas) defesas do conceito de “sinicização”, que podem se referir a diferentes fenômenos de acordo com o período da história chinesa em questão. Para uma crítica à abordagem da sinicização nos estudos de Qing, ver Pamela Crossley’s A Translucent Mirror: History and Identity in Qing Imperial Ideology (Berkeley: University of California Press, 1999), 1–9; and Evelyn Rawski, The Last Emperors: A Social History of Chinese Imperial Institutions (Berkeley: University of California Press, 1998), 1–13. 102 representante proeminente da Escola de História Intelectual de Cambridge, e o último fundador do Begriffsgeschichte alemão. Em seu debate, os dois estudiosos, apesar das diferenças em suas metodologias, concordam em um ponto significativo: conceitos ou linguagens sociais e políticas são “nacionalmente específicos”.38 Essa afirmação parece ainda mais paradoxal, porque em seus trabalhos, ambos os historiadores mostram que as ideias "inglesas" e "alemãs" estão intimamente ligadas às ideias "francesas" e "italianas"; eles também mostram que as suposições dos atores são, em alguns casos, radicalmente diferentes, ou até desconectadas, das suposições de seus vizinhos espacialmente próximos e, em outros casos, são surpreendentemente semelhantes - porque geralmente estão conectadas - as de pessoas que vivem a milhares de quilômetros de distância.39 Nesse debate, Pocock e Koselleck aderem ao nacionalismo metodológico; em sua prática historiográfica, eles geralmente a contradizem. A história intelectual chinesa permaneceu amplamente inconsciente desse debate; no entanto, suas apostas são semelhantes: uma vez que uma contradição entre um nacionalismo metodológico institucionalizado e sua prática "transcultural" real é difundida entre seus praticantes, os estudos transculturais forneceram e provavelmente continuarão a fornecer importantes meios de esclarecimento metodológico. História intelectual chinesa e a agenda transcultural Se a história intelectual chinesa agora compartilha alguns elementos com os estudos transculturais, é porque os dois campos desenvolveram pontos de interseção nas últimas décadas. Há pelo menos duas razões para essas interseções. Primeiro, os estudos transculturais enfatizam fortemente o mundo não europeu e sustentam que, para estudá-lo, a pesquisa e o treinamento institucional dos estudos de área - neste caso, os estudos chineses - são indispensáveis. Em segundo lugar, e talvez o mais importante, muitas discussões em estudos transculturais parecem ter levantado argumentos já desenvolvidos por historiadores intelectuais da China. Os estudos transculturais certamente devem muitas de suas suposições às discussões metodológicas na história global, na microhistória e nos outros campos mencionados acima; mas eles também os devem às reflexões críticas produzidas pelos próprios estudiosos da área, que possuem a experiência necessária para estudar documentos de fora do mundo euro-americano. Portanto, não é surpreendente encontrar, entre os principais praticantes de estudos transculturais, muitos historiadores da China ou estudiosos que foram originalmente treinados como especialistas na China: eles trouxeram para os estudos transculturais sua experiência na "área" e as críticas endereçadas a seu campo a partir de dentro. Alimentados pelos mesmos debates nas ciências humanas e sociais que deram origem aos estudos transculturais, esses especialistas produziram argumentos historicamente fundamentados que os estudos transculturais adotaram como seus princípios constitutivos. O que fora críticas dispersa, nos estudos de área, tornou-se uma metodologia sistemática nos estudos transculturais, que possuem a experiência necessária para estudar documentos de fora do mundo euro-americano. Portanto, não é surpreendente encontrar, entre os principais praticantes de estudos transculturais, muitos historiadores da China ou 38 Ver J. G. A. Pocock, “Concepts and Discourses: A Difference in Culture?” in The Meaning of Historical Terms and Concepts: New Studies on Begriffsgeschichte, ed. Hartmut Lehmann and Melvin Richter (Washington: German Historical Institute, 1986), 58. A análise crítica desse debate e, mais amplamente, dos métodos da história conceitual em geral, foi o ponto de partida de um projeto de três anos “Rumo a uma história global de conceitos” na Universidade de Heidelberg. 39 A “república das letras” moderna é um dos primeiros exemplos de circulação intelectual em bases não nacionais. Veja David Mervart, “The Republic of Letters Comes to Nagasaki: Record of a Translator’s Struggle,” Transcultural Studies 2 (2015): 8–37. 103 estudiosos que foram originalmente treinados como especialistas na China: eles trouxeram para os estudos transculturais sua experiência na "área" e as críticas endereçadas a seu campo a partir de dentro. Alimentados pelos mesmos debates nas ciências humanas e sociais, que deram origem aos estudos transculturais, esses especialistas produziram argumentos historicamente fundamentados, que os estudos transculturais adotaram como seus princípios constitutivos. Desde pelo menos os anos 80, a história intelectual chinesa tem sido muito sensível às “reviravoltas” que ajudaram a estabelecer os estudos transculturais como um campo. Essa sensibilidade não significava recepção passiva; A história intelectual chinesa não apenas fez uma apropriação seletiva dos novos métodos e abordagens, mas, em alguns casos, realmente ajudou a produzir essas "viradas". 40 A primeira é a "virada global", que deve ser entendida como uma agenda metodológica - ou seja, incluindo até os estudiosos que criticam o uso do termo "global", ou se abstêm de usá-lo. Como sugere Frederick Cooper, a questão-chave para uma história intelectual "global" é "quem fala com quem"41 - ou, mais precisamente, o que está conectado ao que e como está conectado no mundo. A ideia subjacente é que o historiador deve seguir evidências, não importa aonde isso o leve, e assumir plenamente as implicações dessa metodologia. Tal abordagem da história global, explicitamente ou não, teve um impacto definido na história chinesa em geral, e a história intelectual chinesa não é exceção.42 A ideia de "quem fala com quem" é um ponto de convergência metodológica com os estudos transculturais: empurra o historiador da China a analisar fenômenos intelectuais além do país, às vezes em escala transcontinental e dentro do país, apontando os fenômenos internos que contradizem a suposta homogeneidade da cultura chinesa. O diálogo com a história dos impérios, um aliado próximo da história global em sua empresa para desnacionalizar a história, tornou mais fácil para os estudos chineses conceituar seus objetos de investigação de maneira não nacional. Outras voltas predispuseram o campo a focar nos processos de relacionalidade que constituem a base dos estudos transculturais. A virada material, que se concentra na cultura material e nas práticas de leitura e escrita, chamou a atenção dos acadêmicos para a mobilidade física das ideias ou, mais precisamente, para os suportes físicos das ideias, sejam livros, figuras ou cérebros.43 A história do livro, bastante bem-sucedida nos estudos chineses, faz parte de um esforço geral para reconstruir os suportes materiais das ideias; a reconstrução da circulação, tradução e recepção de livros, além das fronteiras nacionais, tem sido uma das principais ferramentas mobilizadas na história intelectual chinesa contra o nacionalismo metodológico. A virada espacial impactante trouxe à tona a incorporação espacial do conhecimento e, portanto, sensibilizou o estudioso da China para as características particulares dos lugares físicos envolvidos na produção de ideias - estejam esses 40 Grafton, Worlds Made by Words, 212 Frederick Cooper, “How Global Do We Want Our Intellectual History to Be?” in Moyn and Sartori, Global Intellectual History, 283–294, esp. 292. Nesse sentido, a micro-história não é o oposto da história global: na verdade, é uma ferramenta necessária. Veja, por exemplo, o recente ensaio de Carlo Ginzburg, "Microhistory and World History", em The Cambridge World History, vol. 4, A World with States, Empires, and Networks, 1200 BCE–900CE , 1200 aC-900 aC (Cambridge: Cambridge University Press, 2015), 446-473. 42 Para exemplos de história global na historiografia chinesa e ocidental da China, veja, por exemplo, Liu Xincheng, “The Global View of History in China,” Journal of World History 23, n. 3 (2012): 491–511 (embora nem todos os exemplos neste artigo correspondam às mesmas concepções da história global). Para mais exemplos, veja abaixo. 43 Para uma visão geral das diferentes tendências da história do livro, ver Cynthia J. Brokaw, “On the History of the Book in China,” in Printing and Book Culture in Late Imperial China, ed. Cynthia J. Brokaw and Kai-wing Chow (Berkeley: University of California Press, 2005), 3–54. 41 104 lugares dentro ou fora da China.44 O estudo dos “Espaços da vida cotidiana” e “locais de conhecimento” são exemplos dessa abordagem. As reviravoltas materiais e espaciais, portanto, trouxeram recursos para a história intelectual chinesa para escapar da retórica dedutiva do nacionalismo metodológico (dedutivo, porque parte do pressuposto de que todas as trocas intelectuais são limitadas nacionalmente)45 e incitou-a a se concentrar nos atuais circuitos espaciais e materiais de transmissão intelectual sem assumir nenhum pertencimento nacional. Finalmente, deve-se notar que a história intelectual chinesa foi alimentada pelas ondas pós-estruturalistas e pósmodernas que, desde a década de 1970, dissolveram fronteiras, abordagens e métodos inquestionáveis nas ciências humanas e sociais, com graus variados de sucesso. Se a história intelectual chinesa compartilha muitos pontos da agenda transcultural, isso está parcialmente relacionado ao fato de que ambas foram alimentadas pela mesma atmosfera intelectual desde a década de 1980.46 Existem várias obras representativas da história intelectual chinesa que abordaram questões transculturais e merecem menção. Existem, antes de tudo, alguns autores que realizam pesquisas sobre a China do final do século XIX e início do século XX. Por exemplo, Translingual Practices de Lydia Liu, que teve um impacto duradouro na história intelectual chinesa, tenta colocar as transformações da literatura chinesa do início do século XX no contexto de interações linguísticas entre China, Europa e Japão.47 Staging the World, de Rebecca Karl; Bringing the World Home, deTheodor Huters, Global Space and the Nationalist Discourse of Modernity de Tang Xiaobing, Rescuing History From the Nation de Prasenjit Duara e as obras de Douglas Howland, relacionadas à China, também oferecem muitos exemplos de uma abordagem transcultural na história intelectual chinesa.48 Esses autores trabalham 44 Para uma revisão desta bibliografia, veja Yves Chevrier, “En introduction: De la cité problématique la ville habitée; Histoire et historiographie de la société urbaine chinoise au XXe siècle,” in Citadins et citoyens dans la Chine du XXe siècle, ed. Yves Chevrier, Alain Roux, e Xiaohong Xiao-Planes (Paris: Éditions de la MSH, 2011), 59–67. A "história espacial" da história chinesa, especialmente republicana, é representada por Christian Henriot e Yeh Wen-hsin; na história intelectual, um exemplo recente da abordagem espacial pode ser encontrado nas obras de Marc André Matten. Para uma visão geral da “virada espacial” nas ciências humanas e sociais, veja Christian Jacob, Qu'est-ce qu'un lieu de savoir (Marselha: Open Edition Press, 2014), esp. 4357. Portanto, não deveria surpreender ver que o Lieux de savoir de Christian Jacob contém alguns capítulos sobre a história chinesa. Finalmente, apesar de não pertencer à história intelectual, vale a pena mencionar a abordagem regional de William Skinner, pois mostrou que a "nação" não pode ser uma unidade de pesquisa na geografia econômica e urbana imperial chinesa tardia, porque a sociedade imperial estava organizada em macrorregiões autônomas. Veja William Skinner, “Marketing and Social Structure in Rural China,” pts. 1–3, Journal of East Asian Studies 24, no. 1 (1964): 3–44; no. 2 (1965): 195–228; no. 3 (1965): 363–399; and William Skinner, ed., The City in Late Imperial China (Stanford: Stanford University Press, 1977). 45 Sobre retórica dedutiva, veja Maurizio Gribaudi, “Échelle, pertinence, configuration,” in Revel, Jeux d’échelles, 113–139. 46 Não vamos tratar do papel complexo dos estudos pós-coloniais. No caso da história chinesa, a abordagem pós-colonial, embora devida ao radicalismo pós-estruturalista, às vezes reforçou o nacionalismo metodológico: sua crítica ao eurocentrismo e suas tentativas de "provincializar" o mundo euro-americano são perfeitamente compatíveis com a ideia de que a forma final de organização humana é uma nação ou uma cultura semelhante à nação. Para estudos transculturais, no entanto, os estudos pós-coloniais representam uma tentativa inicial de revalorizar o estudo do mundo não europeu e não moderno. 47 Lydia H. Liu, Translingual Practice: Literature, National Culture, and Translated Modernity; China, 1900–1937 (Stanford: Stanford University Press, 1995). 48 Rebecca Karl, Staging the World: Chinese Nationalism at the Turn of the Twentieth Century (Durham: Duke University Press, 2002); Theodor Huters, Bringing the World Home: Appropriating the West in Late Qing and Early Republican China (Honolulu: Hawai’i University Press, 2005); Tang Xiaobing, Global Space and the Nationalist Discourse of Modernity (Stanford: Stanford University Press, 1996); Douglas Howland, Borders of Chinese Civilization: Geography 105 principalmente na academia americana. Quanto aos autores europeus, dois subscrevem explicitamente a abordagem transcultural: Joachim Kurtz, especialmente em The Discovery of Chinese Logic, e Rudolf Wagner, tanto em seus trabalhos na imprensa chinesa quanto em suas pesquisas mais recentes sobre circulação de imagens e metáforas.49 Esses dois historiadores intelectuais da China desempenharam um papel importante no estabelecimento de um centro de estudos transculturais na Universidade de Heidelberg.50 Todos esses autores representam, explicitamente ou não, um impulso institucional maior no mundo acadêmico euro-americano para desenvolver um processo transcultural de abordagem à história intelectual chinesa. Não é por acaso que muitos elementos da agenda transcultural são, particularmente, importantes na historiografia do final do século XIX e início do século XX: seria de fato impossível entender esse período da história chinesa sem levar em conta suas relações estreitas com seus colegas japoneses, europeus e americanos. A história intelectual do final do século XIX e início do século XX também convergiu para os chamados "estudos da diáspora", porque muitos intelectuais importantes da China do final do século XIX e do início do século XX moldaram suas ideias nos bairros chineses do sudeste da Ásia, Europa, Oceania e nas Américas.51 Algumas pesquisas sobre esse período são, portanto, involuntariamente transculturais. Embora, em muitos casos, a abordagem relacional dos estudos transculturais esteja ausente. Em vez disso, a história transnacional é muito mais ampla, no sentido de que muitos estudos mantêm a nação como a unidade básica de pesquisa. No entanto, os trabalhos mencionados acima, como muitos outros, lidam explicitamente com a história intelectual chinesa e, ao fazê-lo, frequentemente convergem com estudos transculturais. Nem todas as obras quase transculturais da história intelectual chinesa se concentram no final do século XIX e no início do século XX. Por exemplo, Anne Cheng, que detém o ‘Chaire d'Histoire Intellectuelle de la Chine no Collège de France’, a única cadeira na Europa Ocidental a adotar o rótulo "história intelectual chinesa", tem se movido em uma direção transcultural em seus cursos sobre o que poderia ser chamado de "linhagens globais" de Confúcio entre os séculos XVI e XXI. Um pouco antes, mas também no mundo de língua francesa (e além), Denys Lombard, especialista do leste e sudeste da Ásia, seguiu também uma direção transcultural. Embora ele tenha usado o rótulo “história global” para seu próprio trabalho no leste e sudeste da Ásia desde o século XVI, e embora seu livro principal, Le carrefour javanais, se concentre em Java, sua pesquisa abriu os estudos chineses e asiáticos, em geral, para muitas questões da agenda transcultural, incluso a história intelectual. 52 Nos Estados Unidos, a história nova de Qing, preocupada com a relação and History at Empire’s End (Durham: Duke University Press, 1996); Prasenjit Duara, Rescuing History from the Nation (Chicago: Chicago University Press, 1995). Obviamente, essa é apenas uma seleção limitada de alguns trabalhos representativos. 49 Joachim Kurtz, The Discovery of Chinese Logic (Leiden: Brill, 2011); Rudolf Wagner, “China ‘Asleep’ and ‘Awakening’: A Study in Conceptualizing Asymmetry and Coping with It,” Transcultural Studies 1 (2011): 4–139. Os trabalhos deste último sobre a imprensa chinesa também podem ser incluídos na abordagem transcultural. 50 Muitos estudiosos direta ou indiretamente relacionados a esse centro, como Barbara Mittler em seu trabalho sobre o Shenbao e Gotelind Müller-Saini sobre anarquismo chinês, abordam a história intelectual chinesa a partir da perspectiva dos estudos transculturais. Veja A Newspaper for China? Power, Identity, and Change in Shanghai’s New Media, 1872–1912, Harvard East Asian Studies Monographs 226 (Cambridge: Harvard University Press, 2004); Gotelind Müller-Saini, China, Kropotkin und der Anarchismus (Wiesbaden: Harrassowitz, 2001). 51 Ver, por exemplo, Gloria Davies, “Liang Qichao in Australia: A Sojourn of No Significance?” East Asian History 21 (June 2001): 65–111. 52 O Le Carrefour javanais certamente se concentra em Java, mas o Lombard também analisa "la question chinoise", que aborda a questão da "sinicização" de um ponto de vista diferente. O livro, 106 entre Manchus e Han, fornece muitos exemplos de uma abordagem transcultural em diferentes domínios da história chinesa desde o século XVII. Por conceber o império Qing como uma política multicultural moldada pelos imperadores Jurchen / Manchu, somos obrigados a questionar o nacionalismo metodológico - especialmente o sinocêntrico - e a adotar uma abordagem relacional que permita compreender a circulação de línguas e práticas através do diferentes constituintes do império, sejam elas populações manchu, han, mongol, uigur ou tibetana. Nessa perspectiva, a história intelectual chinesa é obrigada a levar em conta a maneira como os Qing combinavam elementos linguísticos e rituais dos diferentes grupos de sujeitos imperiais, a fim de definir suas próprias instituições.53 Recuando no tempo para a historiografia sobre o império mongol na China ou para a história das redes intelectuais (especialmente budistas) entre a Índia, a Ásia Central e a China desde o século III, também encontramos muitos exemplos de uma abordagem transcultural. The Open Empire de Valerie Hansen, que cobre diferentes aspectos da história imperial chinesa, e os trabalhos de Liu Xinru sobre trocas religiosas ao longo da Rota da Seda, contêm muitos exemplos de como uma história intelectual transcultural pode ser estendida a esses períodos anteriores. 54 A história intelectual da relação entre budismo, taoísmo e confucionismo no início da China medieval é particularmente rica para uma abordagem transcultural. O budismo e o taoísmo se definiram mutuamente na medida em que a história de um não pode ser separada da história do outro.55 Outro exemplo é a relação entre o budismo e o “confucionismo”.56 Embora a fusão entre a linguagem budista e a confucionista tenha começado no final do século VIII, o budismo conseguiu moldar a vida social do império, especialmente sua vida intelectual, desde o período medieval precoce. Às vezes, literatos confucionistas medievais educados57 se tornavam monges, adotavam rituais e idiomas de seus companheiros budistas e se envolveram em trocas críticas ou que analisa muitas questões da história intelectual, vai muito além dos limites desse campo. Denys Lombard, Le Carrefour javanais: Essays d'histoire globale, 3 vols. (Paris: Edição da École des Hautes Etudes en Sciences Sociales, 1990). 53 Veja A Translucent Mirror, de Pamela Crossley, uma obra importante da nova historiografia de Qing. 54 Valerie Hansen, An Open Empire: A History of China Through 1600 (New York: W. W. Norton, 2000); Liu Xinru, Ancient India and Ancient China: Trade and Religious Exchanges (Delhi: Oxford University Press, 1988); Liu Xinru e Lynda Norene Shaffer, Connections Across Eurasia: Transportation, Communication, and Cultural Exchange on the Silk Roads (Boston: McGraw Hill, 2007). Como esses trabalhos mostram, a história intelectual também pode levar em conta grupos que não fazem parte de um cânone intelectual predefinido. Veja também a reconstrução da vida dos sogdianos na China medieval in Étienne de la Vaissière, Sogdian Traders: A History (Leiden: Brill, 2005). 55 Ver, por exemplo, Christine Mollier, Buddhism and Taoism Face to Face: Scripture, Ritual, and Iconographic Exchange in Medieval China (Honolulu: University of Hawai’i Press, 2008). 56 Nas últimas décadas, o rótulo “Confucionismo” foi questionado. Um termo mais preciso para esse fenômeno ideológico é "classicismo", porque a referência comum não era a figura de Confúcio, mas os livros clássicos herdados dos tempos antigos. Como a palavra “classicismo” pode ser confusa para um leitor que não está familiarizado com as discussões nos estudos chineses, neste ensaio vou me ater às palavras mais tradicionais “confucionismo” e “confucionista”. 57 Esta classe tinha um nome próprio, shi 士, que foi usado ao longo da história pré-imperial e imperial até 1911. Shi certamente mudou de significado muitas vezes, mas o tipo de erudito, graduado e funcionários imperiais que o nome shi passou a designar nos últimos tempos imperiais , começou a tomar forma no final do período medieval. Por esse motivo, este ensaio usa o termo mais neutro "literatos" para o início do período medieval. A abolição dos exames imperiais terminou com um importante produto institucional autodefinido dessa classe, e a queda do império deu o golpe final em seu papel institucional (embora, é claro, não em seus códigos sociais, que persistiram até o fim do século XX). 107 amigáveis com eles.58 Algumas práticas de comentários entre os literatos medievais podem ter sido inspiradas pela exegese budista.59 Mesmo que as tradições dos literatos medievais ainda não tivessem incorporado o budismo à maneira como os neo-confucionistas (embora geralmente de uma maneira despretensiosa) o fizeram na dinastia Song, essa convergência entre as tradições do sul da Ásia e do leste asiático levou a história intelectual desses períodos anteriores a adotar alguns elementos da abordagem transcultural. A historiografia do período moderno inicial desempenhou um papel importante na introdução de elementos transculturais na história intelectual chinesa, especialmente através da história da Sociedade de Jesus na China. Entre os séculos XVI e XVIII, os jesuítas construíram uma forte rede que se estendia por diferentes continentes, leste e oeste, e constituía um importante canal de transmissão intelectual entre a China e outras partes do mundo. Muitos trabalhos se concentraram em como a Sociedade de Jesus facilitou a circulação de ideias entre a Europa e o leste da Ásia, particularmente a China; As pesquisas nesse período também tentaram incluir possíveis circulações intelectuais entre a China e a América Latina. 60 Os escritos dos jesuítas na China se tornaram essenciais para aqueles que querem entender a circulação de ideias entre o leste da Ásia, a Europa e as Américas no início do mundo moderno. É por isso que muitos historiadores intelectuais da China (especialmente aqueles que trabalham na história da ciência), mesmo que não sejam especialistas da Sociedade, geralmente atestam a importância dos escritos jesuítas. As pesquisas sobre a Companhia de Jesus fizeram contribuições importantes (embora nem sempre explícitas) para o desenvolvimento de uma abordagem transcultural na história intelectual da religião, ciência, literatura, artes, política e ética na China. Em menor grau, mas com uma abordagem semelhante, a história dos missionários protestantes e 58 Para a íntima relação entre cultura literária e budismo, ver, por exemplo, Tian Xiaofei, Beacon Fire and Shooting Star: The Literary Culture of the Liang (Cambridge: Harvard University Press, 2007); Thomas Jansen, Höfische Öffentlichkeit im frühmittelalterlichen China (Freiburg im Breisgau: Rombach, 2000); François Martin, “Les joutes poétiques dans la Chine médiévale,” Extrême Orient—Extrême Occident 20 (1998): 87–108. 59 Ver, por exemplo, John Makeham, Transmitters and Creators: Chinese Commentators and Commentaries on the Analects (Cambridge: Harvard University Press, 2003), 148–168. 60 Quanto às redes jesuítas, aqui estão alguns exemplos de uma longa lista: Catherine Jami, The Emperor’s New Mathematics: Western Learning and Imperial Authority During the Kangxi Reign (Oxford: Oxford University Press, 2012); David Mungello, The Great Encounter of China and the West, 1500–1800 (Lanham: Rowman and Littlefield, 2009); Urs App, The Cult of Emptiness: The Western Discovery of Buddhist Thought and the Invention of Oriental Philosophy (Rorschach: UniversityMedia, 2012); Jonathan Spence, The Memory Palace of Matteo Ricci (New York: Viking Penguin, 1984); Liam Brockey, Journey to the East: The Jesuit Mission to China, 1579– 1724 (Cambridge: Harvard University Press, 2008); Nicolas Standaert, Funerals in the Cultural Exchange Between China and Europe (Seattle: University of Washington Press, 2008); ver também as contribuições de Catherine Jami e Antonella Romano in Laszlo Kontler, Antonella Romano, Silvia Sebastiani, e Borbala Zsuzsana Török, eds., Negotiating Knowledge in Early Modern Empires: A Decentred View (New York: Palgrave McMillan, 2014); para as conexões entre China e América Latina, ver Ana C. Hosne, The Jesuit Missions to China and Peru: Expectations and Appraisals of Expansionism (New York: Routledge, 2013), e a contribuição de Antonella Romano in Negotiating Knowledge. Para a história intelectual chinesa, Jacques Gernet, Chine et Christianisme: Action et Réaction (Paris: Gallimard, 1982), traduzido para inglês, alemão e espanhol, foi altamente influente e, embora não possa ser incluído em uma abordagem transcultural, levantou questões de história intelectual que são discutidas em estudos transculturais. Para contextualizar este livro em uma problemática mais transcultural, consulte duas resenhas: Michael Lackner, “‘Kultur Chinas’, ‘Kultur des Christentums’: Wie vereinbar sind sie? Gedanken zu Jacques Gernets Chinas Begegnung mit dem Christentum,” China heute 32, no. 2 (2013): 104– 109; Denys Lombard, “Chine et Christianisme: Action et Réaction,” Annales 38, no. 2 (1983): 317–320. 108 católicos na China do século XIX, que às vezes faz parte de quadros históricos maiores (como na história da imprensa e da ciência moderna), tornou-se objeto de monografias61 e, assim, ajudou a empurrar a história intelectual chinesa em uma direção transcultural.62 Esses exemplos evidenciam diferenças deliberadas e convergências entre a história intelectual chinesa e os estudos transculturais. Em conclusão, vale ressaltar um fato paradoxal: embora essas tendências transculturais representem uma reação contra o nacionalismo metodológico, algumas das principais premissas deste último realmente ajudaram a história intelectual chinesa a se mover numa direção transcultural. De fato, alguns adeptos do nacionalismo metodológico compartilham uma premissa importante com a abordagem transcultural: eles se sustentam em uma fundação historicista; eles assumem que tudo o que acontece na história possui uma singularidade irredutível, que cada vez e cada lugar deve ser entendido em seus próprios termos. Para a abordagem transcultural, a escala implícita desse historicismo é a história humana como um todo; supõe que, como tudo se move, os limites nunca permanecem estáveis - nem os criados por práticas e instituições, nem os criados por representações e sentimentos de pertencimento. Os adeptos historicistas do nacionalismo metodológico têm uma abordagem semelhante, mas a escala de seu historicismo é definida por nações ou por culturas semelhantes a nações; eles se concentram em singularidades nacionais, em anomalias, em tudo que não se encaixa em esquemas pré-estabelecidos desenvolvidos para outras nações ou áreas culturais; eles entendem as histórias nacionais como os recipientes das relações em constante mudança entre indivíduos e grupos. Essa forma de nacionalismo metodológico sustentava, muito antes da abordagem transcultural, que a instabilidade intrínseca das relações no tempo e no espaço cria constantemente novas e únicas configurações históricas; nesse sentido, pelo menos dentro dos limites impostos pelas fronteiras nacionais, criou ou refinou ferramentas de pesquisa que os estudos transculturais ainda adotam. 61 Ver, por exemplo, Alvyn Austin, China’s Millions: The China Inland Mission and the Late Qing Dynasty (Grand Rapids: Eerdmans 2007). Para uma visão geral mais ampla da presença cristã na China, consulte Daniel Bays, A New History of Christianity in China (Malden: Wiley-Blackwell, 2012). Os primeiros trabalhos de Paul Cohen sobre missionários na China do século XIX (such as China and Christianity: The Missionary Movement and the Growth of Chinese Antiforeignism, 1860–1870 [Cambridge: Harvard University Press, 1978]) continuam sendo altamente influentes nesse campo. 62 O campo de “estudos transculturais” também existe na China (kua wenhua yanjiu 跨文化研究), particularmente na história intelectual da China, embora suas abordagens sejam muito diferentes da explicada neste artigo - a mesma frase pode ser traduzida como "estudos interculturais". Na China, “cultura” é geralmente entendida como uma entidade auto-sustentável e coerente internamente, tal como os prefixos “trans -” (ou “cross-”) como o entrelaçamento de duas dessas entidades predefinidas. A situação acadêmica na China é diferente da Europa Ocidental e dos Estados Unidos; o peso do nacionalismo metodológico na academia chinesa, por razões relacionadas à história chinesa do século XX, foi maior que a América e na Europa Ocidental pósSegunda Guerra Mundial. Este fato, no entanto, não impediu o desenvolvimento de pesquisas “transculturais” no campo da história intelectual na China. Para mencionar mais uma vez as obras da China do final do século XIX e início do século XX, as obras de Liu Dengge e Zhou Yunfang tentaram mostrar a “influência mútua” entre o leste da Ásia e a Europa, e grandes historiadores como Luo Zhitian e Sang Bing estão trabalhando com essa abordagem também. Veja Liu Dengge 劉登閣 and Zhou Yunfang 周雲芳 eds., Xixue dongjian yu dongxue xijian 西學東漸與東學西漸 [The Eastern dissemination of Western knowledge and the Western dissemination of Eastern knowledge] (Beijing: Zhongguo shehui kexue yuan, 2000). For a review of this bibliography, see Sun Qing 孫青, Wan Qing zhi “xizheng dongjian” ji bentu huiying 晚清之西政東漸及本土回應 [The Eastern dissemination of Western political science and the local responses] (Shanghai: Shanghai shudian chubanshe, 2009), 1–37, esp. 3–15. 109 Dito isto, o nacionalismo metodológico abandona o historicismo em um ponto específico: as próprias fronteiras nacionais. Explicitamente ou não, esses limites são mantidos intactos como limites transcendentais da pesquisa e, consequentemente, são privados de seu caráter histórico. Por esse motivo, o nacionalismo metodológico representa um historicismo parcial, porque vê as fronteiras das nações e das culturas concebidas nacionalmente subespécie aeternitatis, isto é, como se essas fronteiras não tivessem história.63 Os estudos transculturais, por outro lado, são construídos sobre historicismo puro, porque nenhuma fronteira histórica é tomada como definitiva e transcendente.64 Dois exemplos Os editores deste capítulo solicitaram exemplos da pesquisa atual dos autores para mostrar como os estudos transculturais afetam seu trabalho. A seguir, ofereço dois casos, nenhum dos quais deve ser tomado como ilustração de como aplicar estudos transculturais à história intelectual chinesa. Se é verdade que compartilho muitas preocupações com os estudos transculturais, pelo menos no que diz respeito ao sentido relacional e não orientado para a nação da minha abordagem, também é verdade que também empresto da micro-história, da história conectada e de outros campos das humanidades e ciências sociais. Nesse sentido, hesitaria em chamar minha abordagem de "transcultural". Na verdade, eu hesitaria em chamá-lo de "história intelectual"; Embora eu trabalhe com os objetos desse campo, não tenho certeza se esse rótulo realmente descreve o tipo de historiografia que pratico.6564 Dito isto, devo reconhecer que muitos métodos e abordagens da história intelectual e dos estudos transculturais estão indubitavelmente presentes em meu trabalho. Eu trabalhei em China medieval e no final do império. No meu trabalho sobre a China medieval, concentrei-me na racionalização da escrita em Jiankang (Nanjing) nos séculos V e VI, e mais especificamente nas formas pelas quais uma única geração de ministros atuou nas cortes imperiais e principescas das dinastias do sul (420-589), produzindo textos e técnicas racionalizadas de escrita em instituições imperiais. Meu objetivo é mostrar que os primeiros tribunais medievais não distinguiram entre literário e político, e que as práticas de escrita, juntamente com as justificativas para explicá-las, estavam intimamente interconectadas com percepções conflitantes sobre o que uma boa escrita significava para um bom ministro e um bom oficial. Com esse foco em visões conflitantes, que eram ao mesmo tempo literárias, éticas, políticas e religiosas, emprego certas ferramentas da agenda metodológica dos estudos transculturais para mostrar que o que tendemos a ver como uma cultura literária única na Idade Média chinesa se torna duas culturas diferentes quando focamos nas divisões 63 Um ensaio inteligente de Ge Zhaoguang tenta defender essa projeção da nação em períodos anteriores da história chinesa e faz uma avaliação crítica das bibliografias de língua inglesa e japonesa sobre essa questão. Veja Ge Zhaoguang 葛兆光 , Zhaizi Zhongguo. Chongjian youguan Zhonguo de lishi lunshu 宅茲中國 . 重建有關中國的歷史論述 [Dwelling here in the Central Kingdom: Reconstructing the historical narrative about “China”] (Beijing: Zhonghua shuju, 2011). 64 Xu Jilin escreveu um artigo para criticar as tendências “historicistas” da China nos últimos dez anos, que, em nome de “valores chineses”, vão contra o universalismo e fortalecem o nacionalismo. Ele se refere ao historicismo alemão do século XIX, que estava de fato intimamente relacionado ao nacionalismo. Mas, como dissemos aqui, esse era apenas um historicismo parcial, baseado em uma concepção relativista do desenvolvimento histórico das culturas nacionais. Veja Xu Jilin 許紀霖, “Pushi wenming, hai shi Zhongguo jiazhi—jin shi nian Zhongguo de lishi zhuyi sichao zhi pipan,” 普世文明, 還是中國價值 —近十年中國的歷史主義思潮之批判 [Universal civilization or Chinese values? A critique of Chinese historicist trends of the last decade] Kaifang shidai, 5 (2010): 66–82. 65 Isso é exatamente o que JGA Pocock, que às vezes se caracterizaria como historiador intelectual, dizia sobre esse rótulo. Veja o texto de Pocock em History Today 35, no. 10 (1985). 110 entre facções de funcionários. Cada grupo de ministros, muitas vezes com fortes antecedentes familiares, mantinham suas concepções e práticas particulares de escrita; eles usavam as mesmas linguagens e recursos conceituais, mas atribuíam ao texto papéis diferentes, formas diferentes e, consequentemente, racionalidades diferentes. Alguns deles, por exemplo, viam formas altamente ornamentadas de escrita como um sinal de virtude; outros, como sinal de fraqueza moral. As fronteiras entre essas facções estavam em constante movimento, e com elas, configurações sociais e institucionais; visto por essa escala específica de análise, o próprio conceito de “cultura”, que pode ser útil em outros contextos, perde seu valor heurístico especialmente para analisar como divergências aparentemente insignificantes podem se tornar a causa de uma grande divergência no espaço e no tempo. Nesse sentido, passei a lidar com a chamada cultura literata de uma perspectiva transcultural, embora não deliberadamente: meu objetivo era provar que, em uma escala específica de análise, o conceito de cultura esconde mais do que revela, e que o foco nas relações situadas é mais produtivo para a compreensão do processo histórico. A transformação na relação entre tradições escriturais confucionistas e budistas servirá como exemplo. Em Jiaknag no final do século V, muitos oficiais estavam interessados no budismo, mas nem todos da mesma maneira. Por algum tempo, no final do século V, o budismo teve um papel importante em algumas cortes principescas, enquanto a corte imperial, embora não necessariamente contra, estava mais preocupada com as tradições confucionistas ou classicistas. Quando uma nova dinastia foi fundada no século VI, o novo imperador, o imperador Wu de Liang, se declarou um Boddhisattva, e o budismo desempenhou um papel substancial na reorganização de algumas instituições imperiais. Isso levou simpatizantes budistas a melhores posições e obrigou funcionários a obter novos conhecimentos textuais, cobrir novos tópicos de redação e produzir novos textos polêmicos. Em outras palavras, as inclinações budistas da corte principesca no final do século V finalmente se tornaram um dos principais pilares do império no século VI. Se nos afastarmos da noção de que existiam duas culturas estáveis e fechadas - budistas e confucionistas - e se considerarmos que a primeira substituiu a segunda, somos incapazes de entender o processo histórico. Também não podemos ver que elementos budistas e confucionistas já se misturavam no século V e o imperador Wu apenas reconfigurou a hierarquia entre os dois nas novas instituições que ele criou - na medida em que até os rótulos "budismo" e "confucionismo" perdem seu valor como conceitos de duas configurações intelectuais distintas. A presença às vezes silenciosa, às vezes mais explícita, de textos budistas na corte também me impede de entender a cultura literária como um fenômeno chinês. A importância do budismo entre os literatos dos séculos V e VI foi um sinal do crescente poder e atratividade intelectual do mosteiro budista e, em um contexto mais amplo, do papel desempenhado por redes sociais e intelectuais mais amplas entre o Sul, o Centro e a Ásia oriental. Foi por isso que tentei descrever os processos de relacionalidade que moldaram as controvérsias literárias e por que evitei uma definição a priori de “cultura” literária.66 Em minha pesquisa, eu também investigo questões de história intelectual e estudos transculturais que dizem respeito às redes de acadêmicos e oficiais reformistas do final do período Qing, desde as consequências das guerras de Taiping nas décadas de 1860 as Novas Políticas (ou “Reforma da Governança”)67 e o 66 Para uma análise do imperador Wu de Liang, veja Andreas Janousch, “The Emperor as Boddhisattva,” in State and Court Ritual in China, ed. Joseph McDermott (Cambridge: Cambridge University Press, 1999), 112–149. 67 ‘Novas políticas’ é uma tradução padrão de Xinzheng, mas como xin é realmente um verbo, "Reforma da Governança" parece transmitir melhor seu significado. Veja Milena DolezelováVelingerová e Rudolf Wagner, “Chinese Encyclopaedias of New Global Knowledge (1870–1930): 111 movimento constitucionalista antes da queda do império em 1911–1912. Várias razões me levaram a me concentrar nesse período. Do ponto de vista da historiografia, muitas das categorias que os estudiosos modernos usam, para falar sobre a Idade Média chinesa, surgiram durante esse período. Quando comecei a pesquisar a Idade Média chinesa, percebi quão profundamente as categorias Qing haviam moldado os estudos da China medieval e como, por esse motivo, a historiografia no final da China imperial estava às vezes mais relacionada às preocupações imediatas do final do século XIX e do início do século XX do que uma interpretação mediada por estudiosos da Idade Média. Decidi, portanto, historicizar a historiografia chinesa moderna, ou seja, explicar os motivos históricos específicos de suas categorias e ferramentas, tanto no discurso literário imperial tardio quanto na Sinologia moderna. Esse objeto de investigação não me desviou dos meus estudos sobre os literatos imperiais. Pelo contrário, depois de analisar em meu trabalho anterior o que um grande estudioso japonês, Miyazaki Ichisada, chamou de “préhistória” (zenshi) do sistema de exame (que transformou a antiga aristocracia literária em burocracia de formandos)68, agora eu estava interessado na mesma classe de pessoas, os literatos imperiais, que eram os principais responsáveis por nossas ideias recebidas sobre o passado imperial. Eles não foram os únicos a moldar nossa recepção da Idade Média chinesa, mas desempenharam um papel importante. O final do período Qing foi realmente a última posição da burocracia celestial: em 1912, funcionários titulares de diploma desapareceram como uma classe reconhecida institucionalmente. O estudo da historiografia medieval levou-me a entender as características, práticas e discursos dessa classe na longue durée. Outra razão, mais fundamental para se concentrar no período imperial tardio, foi o fato de oferecer uma perspectiva descentralizada das instituições modernas. Essa perspectiva foi descentralizada em dois aspectos. Primeiro, descentralizou a história euro-americana - geralmente tomada como modelo implícito para qualquer "modernidade". Os últimos literatos imperiais eram um exemplo de como era a modernidade, quando incorporados em grupos e instituições de fora do mundo euroamericano. Segundo, descentralizou a própria história moderna, porque mostrou como a modernidade era incorporada em uma classe que, no final das contas, não sobreviveu no mundo moderno. Eu já pretendia produzir esse efeito descentralizador estudando um mundo, a corte medieval, que não conhecia instituições de inspiração euro-americana ("moderna"). Agora eu tinha acesso a um mundo que não estava apenas em contato com essas instituições, mas as usara como modelos quando transformaram o império. Foi nesse contexto que surgiram questões transculturais. Eu estava interessado em dois objetos de pesquisa: os recursos lexicais e discursivos que os literatos imperiais tardios inventaram para racionalizar a escrita e as instituições imperiais (uma questão que me permitiu ver diferenças, mas também continuidades, com a "pré-história" medieval dessa classe de titulares graduados e candidatos a cargos) e as instituições sócio-políticas do império entre as décadas de 1860 e 1912 (a queda do império). Em ambos os casos, descobri que os literatos e oficiais imperiais mobilizavam recursos intelectuais não apenas do passado imperial, mas também de muitos outros lugares e períodos da história do mundo. Em outras palavras, a análise de preocupações transculturais em minha pesquisa mostrou que as línguas e Changing Ways of Thought,” in Chinese Encyclopaedias of New Global Knowledge (1870–1930). Changing Ways of Thought, ed. Milena Dolezelová-Velingerová and Rudolf Wagner. (Berlin: Springer, 2014), 14. 68 Miyazaki Ichisada 宮崎市定, Kyûhin kanjinhô no kenkyû: kakyo zenshi 九品官人法の研究: 科挙前史 [Studies on the rule of appointing officials according to the nine ranks: A prehistory of the examination system] (Kyoto: Tôyôshi kenkyûkai, 1956). 112 instituições criadas pelos falecidos literatos Qing não podem ser atribuídas a uma única "cultura". Este projeto de pesquisa me deu a oportunidade de abordar problemas fundamentais em estudos transculturais. Minha principal pergunta era (e ainda é): qual era a relação entre as transformações da linguagem e a reconfiguração institucional no final da China Qing? Como hipótese geral, presumi que o primeiro fosse necessário para facilitar o segundo, e que o segundo, por sua vez, fomentou o primeiro. Para provar isso, tive que reconstruir não apenas "quem falou com quem", mas também onde, quando e como eles "falaram". Portanto, concentrei-me nas conexões e desconexões, conflitos e acordos, imposições e resistências, localizações geográficas e posições sociais de grupos de funcionários acadêmicos - isto é, nos canais sociais, institucionais e espaciais da atividade intelectual. Como no meu livro, elementos "próximos" e "distantes" interagiram entre funcionários acadêmicos; como textos e práticas de diferentes períodos e lugares da história dessa classe, bem como de diferentes geografias, grupos e instituições, foram recombinados para justificar ou transformar instituições políticas. Um desses elementos foi o próprio conceito de nação. Este conceito era uma preocupação fundamental entre os funcionários acadêmicos nacionalistas de Qing, precisamente porque a nação não era uma entidade determinada, mas um conceito que precisava ser produzido e um conjunto de instituições que precisavam ser construídas. Graças ao meu foco na nação como um conceito historicamente situado, pude evitar o viés generalizado inerente aos fundamentos modernistas do nacionalismo metodológico: a projeção anacrônica de representações nacionais nas instituições mais antigas da política imperial. Isso não significa desconsiderar as continuidades entre o conceito de nação e os conceitos sociais e institucionais anteriores durante a dinastia Qing. Em vez disso eu pretendia apontar as dimensões plurais da linguagem de coesão política que o novo conceito de nação transmitia no final da China imperial - um conceito que, por si só, resultou da cada vez mais interconectada história das línguas do leste asiático e euro-americanas desde o final do século XIX. Um debate em particular sobre a modernidade chinesa parecia exigir uma solução transcultural: os acadêmicos-oficiais chineses foram “ocidentalizados” ou as instituições ocidentais foram “sinicizadas” pelos oficiais-acadêmicos chineses? A solução transcultural foi abandonar a “sinicização” e a “ocidentalização” como ferramentas de pesquisa. Esses conceitos são inofensivos e até úteis quando é necessário resumir o processo complexo que levou à formação das instituições chinesas modernas. Enquanto esses termos forem usados apenas para descrever, por exemplo, como uma instituição ou prática europeia serviu de modelo na China, falar de "sinicização" ou "ocidentalização" é perfeitamente plausível; se recusarmos a esses termos o seu direito de existir, também devemos recusar muitos outros, incluindo pelas razões mencionadas acima - a palavra “China”. Um problema surge quando os termos “sinicização” ou “ocidentalização” (como “China” como nome de uma nação trans-histórica) se tornam o pilar conceitual das narrativas históricas mais desenvolvidas. A ideia de que as culturas "chinesa" e "ocidental" são entidades claramente definíveis e que cada uma dessas áreas contém histórias auto-engendradas contradiz as evidências históricas. Quando se estuda as redes de reformadores chineses no início do século XX, e traça trocas intelectuais e produção de conceitos, não é difícil ver que a história intelectual chinesa contemporânea não aconteceu apenas na China. Muitos burocratas importantes, motivados por reformas, elaboraram muitas de suas ideias em cidades como Tóquio, Paris, São Francisco ou até na Cidade do México. Pode-se até dizer que conceitos e instituições nacionais chinesas (com todos os diferentes significados que a palavra “nacional” transmite) não foram a causa, mas, pelo menos em parte, o resultado de ideias e práticas que alguns dos 113 principais literatos reformistas elaboraram ou desenvolveram em locais dentro do país - por exemplo, nos círculos de alfabetização em Cantão ou nos portos de tratados - ou fora do país - por exemplo, nos círculos de negócios nas Américas. Afinal, "nação" e "cultura" eram neologismos do final do século XIX em chinês (embora esses neologismos fossem construídos com noções antigas) e, pelo menos em seus significados modernos, também não eram tão velhos nas línguas europeias. Conclusão Para resumir, qualquer história intelectual de literatos “chineses” na China medieval ou imperial tardia, deve levar em conta que seus discursos e experiências sociais foram moldados por forças de dentro e fora da China. A “China”, como entidade nacional, era tanto uma ficção quanto qualquer outra cultura supostamente homogênea. Esta ficção certamente produziu instituições fortes e coesas em história contemporânea, mas na dinastia Qing a comunidade nacional estava apenas começando a ser imaginada. A abordagem transcultural mal pode esconder os efeitos poderosos dos conceitos de nação ou de uma cultura (definida nacionalmente) na vida social, especialmente quando adotados por grandes grupos ou com status legal, e não podem ignorar os dispositivos, instituições sociais coesas e limites criados em nome de nações e culturas definidas nacionalmente. No entanto, os estudos transculturais devem sustentar, como outros campos vizinhos, que esses dispositivos e instituições dependem de relações políticas e sociais entre grupos, que habitam lugares diferentes do mundo, e que as fronteiras desses grupos, especialmente os construtores de nações, não são necessariamente nacionais ou "culturais". Se essa abordagem transcultural for sistematicamente aplicada à história intelectual chinesa, podemos imaginar que dois tipos de fronteiras serão gradualmente apagados: por um lado, as fronteiras nacionais como uma estrutura natural para a pesquisa de fenômenos que ocorreram no atual território chinês. ; por outro, as fronteiras disciplinares entre a história intelectual e outros ramos das humanidades e ciências sociais. Esta é uma consequência natural da abordagem transcultural. As fronteiras nacionais, mesmo quando assumem a forma de fronteiras políticas, desaparecem necessariamente quando analisamos as relações cambiantes que produzem instituições sociais e políticas; e a história intelectual perde sua autonomia quando estudamos os múltiplos objetos, relações sociais e espaços envolvidos na atividade intelectual, porque é difícil entender processos intelectuais sem entender os processos sociais, linguísticos, iconográficos, materiais e espaciais que os tornam possíveis. Em outras palavras: "estudos chineses" e "história intelectual" se tornarão apenas "estudos"; e se outros "estudos de área" se tornarem "estudos" também, "estudos transculturais" devem, em princípio, coincidir com eles e, portanto, desaparecer como um campo autônomo. Isso não significa que os rótulos institucionais desaparecerão (embora possam, ou pelo menos sejam reconfigurados) ou que os conhecimentos específicos transmitidos nos estudos da área (como o treinamento de idiomas) sejam abolidos. Pelo contrário, os rótulos institucionais podem se tornar os nomes dos pontos de entrada para conjuntos de problemas antigos ou novos, e o antigo treinamento da área, agora fornecido a partir de limites impostos institucionalmente, multiplicará suas possibilidades de pesquisa. Esperamos que esta seja a direção da história intelectual chinesa: uma adesão estrita a uma abordagem relacional no estudo dos fenômenos intelectuais, uma busca rigorosa de evidências de um lugar para outro, de uma vez para outra, sem pressupor ou deduzir os limites da transmissão intelectual. . O risco de retroceder, voltando à ideia, de que as nações são entidades autoengendradas e autosustentadas, não desapareceu da paisagem desse campo de pesquisa. Porém, se uma abordagem estritamente relacional for bem-sucedida, e se a história intelectual chinesa adotar 114 essa abordagem como um procedimento metodológico constitutivo, podemos ter certeza de que teremos uma compreensão mais profunda dos processos históricos que ainda, em alguns casos, são preguiçosamente atribuídos a os poderes mágicos das culturas nacionais. 115 116 CHINA E PÓS-COLONIALISMO: REORIENTANDO TODOS OS CAMPOS Daniel F. Vukovich Os ensaios aqui reunidos para as InterDisciplinas1 são muito bem-vindos, até porque são interdisciplinares, e isso é absolutamente algo que os estudos pós-coloniais devem sempre aspirar a ser. A escala, a complexidade e a diversidade histórica do colonialismo e do império moderno exigem interdisciplinaridade, e não apenas seus efeitos sobre os colonizados, mas também as respostas dos colonizados ao império por exemplo, nacionalismo, ocidentalismo, nativismo, socialismo, liberalismo – provocam um número de questões teóricas ou interpretativas que são claramente imperativas e fundamentais para o estudo da história, da política, da sociedade e da academia global em geral. Ainda mais sutilmente, há nesses ensaios a preocupação central dos estudos pós-coloniais: as conexões entre o passado colonial ou imperial (ou presente), e o momento presente ou o contexto e os eventos presentes. Embora as palavras-chave do campo possam ser mais conhecidas imediatamente (hibridismo, Orientalismo, comunidades imaginadas e assim por diante) os estudos pós-coloniais são sempre, embora muitas vezes implicitamente, uma busca histórica e comparativa: como é que esse passado colonial ou, digamos, anti-imperial vive no presente e com que efeito? Como corrigir isso através da descolonização de "mentes" e sociedades e políticas, e esse é mesmo um objetivo que vale a pena hoje? E, no entanto, os estudos pós-coloniais se desenvolveram principalmente fora das ciências sociais interpretativas (e fora dos Estudos da China), o que representa uma oportunidade perdida. O campo pós-colonial precisa deles e vice-versa. Essa é uma das razões pelas quais este volume especial é significativo. O que é especialmente digno de nota é uma ênfase compartilhada nesses ensaios em certas internalizações ou assimilações do discurso e nos problemas coloniais e em estudos de caso claros, embora desafiadores, sobre o impacto e a subsequente resposta da China ao Ocidente: a relação com uma moderna temporalidade (mais rápida) e acrescentaria uma mentalidade de recuperação (Meinhof) 2; o abraçar de novas tecnologias de armas e a rearticulação (meu termo) da violência como essencial à soberania (Zhu)3; uma certa competição com cientistas políticos liberais para "reivindicar" os profissionais chineses de colarinho branco como seus (leais à RPC, e não "democráticos") (Yan)4; e os esforços difíceis, prolongados e exigentes para articular uma identidade híbrida e individualizada que subverte a ‘Chinesidade’, ela mesma »um dom» que surge do contato com a diáspora e o estrangeiro e, portanto, o império (Sandfort)5. 1 Artigo originlamente publicado na revista Interdisciplines: ‘China and postcolonialism Reorienting all the fields’, Vol 8 No 1 (2017): Postcolonialism and China. 2 Meinhof, Marius. 2017. »Colonial Temporality and Chinese National Modernization Discourses.« InterDisciplines 8 (1): 51–80. 3 Zhu, Lili. 2017. »From ›the Art of War‹ to ›the Force of War‹: Colonialism and the Chinese Perception of War in Transition« InterDisciplines 8 (1): 27–50. 4 Yan, Junchen. 2017. »Construction and Politicization of Waiqi White-Collar Identity: Traveling Knowledge about Chinese Professionals in Multinational Corporations in China.« InterDisciplines 8 (1): 81–112. 5 Sandfort, Sarah. 2017. »Hung Keung’s Dao Gives Birth to One (2009–2012) as a Postcolonial Critique of Modernist Art History.« InterDisciplines 8 (1): 113–43. 117 É importante notar desde o início que o "pós" no pós-colonial não significa uma ruptura ou fim do colonialismo, como se todos os seus efeitos e reinvenções nos mundos desaparecessem na manhã seguinte à libertação e à saída dos caucasianos ou, digamos , o japonês. Esse "pós" é semelhante a um muro, que mantém crucialmente os dois lados de um edifício ou território intacto; participa de ambos os lados. "Pós", como uma ruptura ou fim, é exatamente o que está em questão nos estudos póscoloniais, em muitos aspectos uma resposta às falhas da descolonização e da libertação nacional, em uma nova era do imperialismo ou da globalização. É admitidamente um uso contraintuitivo (e muitas pessoas pensam que o colonialismo está no passado), mas essa ênfase na continuidade e na mudança é produtiva e, devese pensar, está madura para as sociologias históricas. Afinal, o que é Edward Said (via Michel Foucault, Antonio Gramsci, Giambattista Vico e, claro, Palestina) no Orientalismo de 19786, senão a oferta um tipo de sociologia do conhecimento, em termos empíricos e concretos, embora não ‘científicos’? Abrangendo e passando do teórico ou geralmente abstrato para o concreto ou empírico, os ensaios aqui são intervenções eficazes na questão da China e do póscolonialismo. A introdução a este volume explicou útil e lucidamente os ensaios, e os situou no campo maior do pós-colonial. Os ensaios não procuram convencer-nos de que pós-colonial precisa acontecer - o debate, de qualquer modo, na China e nas ciências sociais ou na Sinologia, embora tomados em conjunto, não sugerem que esta é uma perspectiva madura e fecunda, de fato. Assim, gostaria de usar o espaço que me foi designado aqui para refletir mais sobre por que o pós-colonialismo é importante, e por que a China é importante para o pós-colonialismo, bem como refletir sobre por que as ciências sociais precisam de uma virada pós-colonial (e viceversa, com certeza).7 E, no entanto, para estudiosos que trabalham dentro das ciências humanas e, em menor grau, dentro da disciplina da história, minha apresentação dessas perguntas parecerá um pouco datada: a virada pós-colonial, imediatamente após outras viradas "teóricas" após o estruturalismo e o pós-estruturalismo na década de 1970 (notavelmente o trabalho de Jacques Derrida e Michel Foucault, e daí Edward Said e Gayatri Spivak) e a ascensão do islamismo multicultural e do feminismo, transformaram o estudo da literatura e da cultura (incluindo o cinema) e - apesar da resistência em alguns setores - na história. Correndo o risco de soar triunfal (embora certamente isso seja muito mais benéfico do que ruim), é tão evidente a transformação acadêmica, que não é preciso sequer debater a relevância do colonialismo pleno ou pós-colonial para o estudo da literatura nacional e muito menos do mundo, da cultura e história. Basta ler os conteúdos programáticos, as ofertas de cursos, as listas de publicação e as palavras-chave das universidades e faculdades mais importantes do mundo. Mesmo a disciplina da história, provavelmente a mais "resistente à teoria" e à interpretação de todos os campos das ciências humanas, há muito tempo estuda o colonialismo e o império, pela razão óbvia de que esses últimos são sem dúvida a principal história única (‘arquivo’) da modernidade, ao lado da ascensão do capitalismo. Assim, o subcampo da história do mundo, há muito tempo, tem uma ala pequena, mas brilhante e radical de estudiosos que documentam as histórias dos impérios britânico e francês, por exemplo (Sydney Mintz 8, E.R. Wolf9). 6 Said, Edward. 1978. Orientalism. New York: Vintage. Partes dessa resposta estão no meu novo livro Illiberal China (Palgrave, no prelo), bem como em Vukovich, Daniel, 2015. »China: Rebellions and Revolutions.« In Wiley-Blackwell’s Encyclopedia of Postcolonial Studies, edited by Sangeeta Ray, Henry Schwarz, Jose Luis Villacanas Berlanga, Alberto Moreiras, and April Shemak. New York: Wiley-Blackwell. 8 Mintz, Sidney. 1985. Sweetness and Power: The Place of Sugar in Modern History. New York: Viking. 7 118 Basta mencionar também nomes como Walter Rodney10 e Samir Amin11, Andre Gunder Frank12 e a escola de sistemas mundiais, e muitos outros. Basta ler os conteúdos programáticos, as ofertas de cursos, as listas de publicação e as palavraschave das universidades e faculdades mais importantes do mundo. Em suma, enquanto disciplinas acadêmicas específicas são sempre, como disciplinas, resistentes a mudanças de paradigma e novas regras de discurso, alguns poucos, mas notáveis estudiosos que trabalham em estudos históricos ou de abrangência mundial nunca precisaram de uma virada pós-colonial. De fato, os estudos pós-coloniais sempre foram notavelmente abertos sobre o que e quem pode ser incluído sob seu guarda-chuva - Rodney e Amin e todos os outros acima, certamente, e até os críticos produtivos do campo, como Timothy Brennan. 13 Até Edward Said sempre insistiu que o que ele estava dizendo, sobre o impacto do Orientalismo como um campo de poder do conhecimento, era conhecido há muito tempo, se não fosse observado e tornado invisível, e que a crítica havia sido feita por outros antes dele (por exemplo, Abdel-Malek14). (Deixo de lado aqui os historiadores que ajudaram a constituir o campo dos estudos pós-coloniais, por exemplo, os historiadores dos Estudos Subalternos do Sul da Ásia). Nada disso deve ser encarado como uma repreensão dos estudos pós-coloniais como um mero modismo (e, de qualquer forma, tem algumas décadas agora), mas como confirmação do argumento de campo, contra a forma como as universidades normalmente organizam e produzem conhecimento: o colonialismo e o império modernos são e devem ser vistos como fundamentais para quase tudo o que sabemos sobre ‘o mundo’ e ‘história do mundo’, bem como o que agora chamamos de globalização, desde o início e disseminação do capitalismo, para os fluxos de pessoas, bens, problemas, riquezas e ideias dentro e fora das sociedades. Em outras palavras, o pós-colonialismo não é apenas uma "coisa acadêmica", mas uma condição mundana, de fato um conjunto de condições e tradições legadas por uma longa história do império moderno e da “globalização”. E também deve ser dito que os estudos pós-coloniais, em oposição à, digamos, um trabalho econômico histórico ou político mais convencional (como invocado acima), representa um projeto mais teórico e generalizador. China como pós-colonial Na China, como observam os autores da Introdução, o "pós-colonialismo"- como um termo crítico ou pelo menos teórico - é generalizado, com centenas de citações em, digamos, 2016. (Na minha própria experiência, o termo em si e a crítica ao Ocidente são menos populares nos dois ex-enclaves coloniais da China, Macau e Hong Kong, ou invertidos, para significar uma crítica à soberania inegável do Estado do Partido Comunista; isso sem dúvida fala de um certo apego à visão de mundo ocidental / liberal / colonial decorrente dos antigos aparatos educacionais e da cultura política, bem como da difícil ascensão histórica da China). Também podemos descrever apropriadamente o discurso pós-colonial na China como "vasto e heterogêneo", e eu gostaria de ampliar um pouco aqui. A cultura política intelectual do continente (para usar uma frase de Said) é, em muitos aspectos, pós-colonial em dois sentidos 9 Wolf, Eric. 1982. Europe and the People without History. Berkeley: University of California Press. 10 Rodney, Walter. 1972. How Europe Underdeveloped Africa. Washington: Howard University Press. 11 Amin, Samir. (1969) 1989. Eurocentrism. New York: Monthly Review Press. 12 Frank, Gunder. 1998. ReOrient: Global Economy in the Asian Age. Berkeley: University of California Press. 13 Brennan, Timothy. 1997. At Home in the World: Cosmopolitanism Now. Cambridge: Harvard University Press. 14 Abdel-Malek, Anwar. 1963. »Orientalism in Crisis.« Diogenes 44:103–40. 119 fundamentais. Está profundamente preocupada com o "tornar-se o mesmo" que o Ocidente moderno e avançado (se não o superar e vencer); e nunca esquecer - por meio de instituições de educação e propaganda - a era da humilhação nacional, ou seja, a era do quase colonialismo, o colapso do sistema dinástico, desunião e caos da invasão japonesa. O encontro da China com a modernidade veio na forma de um imperialismo muito real, uma "superioridade" ocidental professada e depois militarmente demonstrada (como a contribuição de Lilli Zhu nos deixa claro) 15. Simplesmente não haveria a RPC e a revolução comunista chinesa sem isso; portanto, a injunção liberal típica, de parar de falar sobre imperialismo em favor da falta de democracia da República Popular da China (“eleições livres”), liberalismo, direitos humanos etc. na China sempre perde de vista a continuação do nacionalismo chinês e a resistência do continente a ‘ajuda’ da intelectualidade ocidental. Que o slogan "nunca se esqueça da era da humilhação" é de fato propaganda (uma verdade propagada e sancionada pelo estado e pela política) não a torna falsa ou menos que verdadeira. Também deve ser dito que a consciência anti-imperialista é forte na China ainda hoje, se não em termos menos políticos (internacionalista, marxista), e mais nacionalista do que alguns gostariam (incluindo o presente autor). Dada à ignorância sancionada envolvida, a disseminação da mídia global / estrangeira (tanto em inglês quanto em chinês) na China, se alguma coisa fez, foi tornar o nacionalismo mais intenso. O imperialismo e a política chinesa, para pedir emprestado um título famoso do falecido historiador oficial Hu Sheng16, ainda é um discurso real e uma narrativa histórica ativa no continente; nesse sentido, a China está indiscutivelmente mais conectada ao seu passado anti-imperialista do que, digamos, a Índia ou muitos países da África que normalmente contam como locais representativos dos estudos póscoloniais (já que foram completamente colonizados e perderam a soberania). O fato de a RPC também abraçar, adamantina e entusiasticamente, o comércio global livre há décadas, agora não contradiz isso, pelo menos nos próprios termos da RPC e presumivelmente em muitos dos termos de seus cidadãos, mesmo que isso desafie o pensamento marxista convencional. Que as contradições ou paradoxos de um lugar (ou mesmo hipocrisias) podem não ser os de outro, não podem ser entendidos ou interpretados da mesma maneira, podem soar um clichê ou, alternativamente, como um mau relativismo diante de certas verdades universais. Uma versão disso é um certo debate que será familiar a qualquer pessoa que esteja acompanhando a mídia ou mesmo relatórios de especialistas sobre a China contemporânea: “a China tem sua própria tradição / sistema / cultura «versus» O PCCh é um regime iliberal que só busca manter-se no poder a qualquer custo”. Nenhum dos lados é suficientemente específico, e ambos apresentam um número de monólitos (a tradição, apenas interesse próprio). Mas os estudos pós-coloniais devem ser definidos como trabalhando contra os universalismos; esse é, sob muitos aspectos, o ponto do campo como um todo, e onde ele se cruza com, digamos, a teoria pósestruturalista, com o historicismo radical ou o pragmatismo e, é claro, um debate bastante antigo e, portanto, fundamental e inevitável - e convincente - sobre universalismo versus particularismo. Embora os estudiosos individuais possam diferir, naturalmente, o campo como um todo milita contra universalismos (liberais, humanistas ou outros), em grande parte porque o próprio colonialismo sempre se apresentou como uma missão civilizadora benéfica ou, alternativamente, como um fardo do homem branco para ajudar ou conter as raças mais escuras e diferentes (raças sendo definidas como universalmente verdadeiras e realmente existentes). Provincializar a Europa, como Dipesh Chakrabarty17 memoravelmente colocou há 15 Idem Zhu, 2017. Hu, Sheng. 1981. Imperialism and Chinese Politics. Beijing: Foreign Languages Press. 17 Chakrabarty, Dipesh. 2007. Provincializing Europe. New Jersey: Princeton University Press. 16 120 anos atrás, é a ordem do dia, mas - como muitas vezes é ignorado - esse objetivo também deve ser visto como um desafio incrível, que não é nada fácil de pensar. Como no Orientalismo - pense nas muitas vidas e sobrevidas posteriores das noções de crueldade chinesa e despotismo asiático -, essas estruturas de produção de conhecimento não sopram apenas com o vento corrosivo da mente. O trabalho de Hu Sheng (que naturalmente se tornou menos radical ao longo de uma carreira muito longa e produtiva), pode representar uma linha acadêmica oficial de algum tipo (Hu foi um membro significativo do Partido ao longo de sua vida) e uma história nacionalista; portanto, pode assustar os ocidentais que detestam o Estado por princípio. Mas, como qualquer leitor pode ver (seu trabalho existe em inglês há décadas), também é um acadêmico sério e respeitável. Seu estudo maciço de dois volumes Da Guerra do Ópio ao movimento 04 de maio (1991)18 é um monumento à cultura político-intelectual e acadêmica da República Popular da China (ou Partido Comunista Chinês), que muitas vezes é considerado, erroneamente, semelhante ou pior do que a União Soviética (por exemplo, Lysenko). Que os leitores (de inglês) em todo o mundo conhecem, por exemplo, Eric Hobsbawm - um historiador genuinamente excelente, com certeza -, mas não Hu, ou lutaram com a estranheza e complexidade de, digamos, os subalternistas indianos, mas não Wang Hui de Tsinghua, é um índice do eurocentrismo e o domínio da academia ocidental e, além disso, é um problema para um mundo que está rapidamente se tornando multipolar novamente em algum sentido, com a China como fator global, e presença muito além das exportações baratas e da fuga de capitais. Porque é A China que está competindo com o Ocidente, mesmo abraçando o comércio e o dólar dos EUA, e por que continua resistindo ou não esquecendo as guerras, quentes e frias, do passado? É simplesmente lavagem cerebral e colonizações comunistas (dois termos realmente invocados entre a intelligentsia atual de Hong Kong)? Essa era uma pergunta retórica, se necessário, e o ponto é que não podemos entender a RPC ou sua política sem recorrer ao impacto e à reação contra o Ocidente. De fato, uma conscientização não apenas sobre essa história imperial geral - que afastou a China de estar no centro do sistema mundial, e sua "cultura política intelectual" à periferia - mas da arrogância intelectual e política ocidental (ignorância sancionada), é praticamente comum entre muitos intelectuais e cidadãos chineses críticos (é claro que não todos). Se a China tiver uma escola de discurso histórico e teórico influente globalmente, semelhante ao projeto de estudos subalternos da Índia (ela mesma foi influenciada pelo maoísmo indiano / naxalitas pontualmente) ou pós-estruturalismo ocidental / francês, então trabalhos anteriores, como Hu e maoístas mais antigos, bem como obras contemporâneas - em geral de esquerda ou heterodoxa, se não dissidentes liberais - seriam o ponto de partida. Isso daria uma comparação impressionante. A experiência chinesa envolve intelectuais marxistas e historiadores "nacionais" preocupados com as relações entre imperialismo, a última dinastia e o início da República, além de rebeliões e crescente consciência de classe e nacional, culminando na ascensão do Partido Comunista e, eventualmente, na revolução de 1949. Um então tem uma revolução real de um movimento marxista / maoista sinificado, que obtém sucesso e deve prosseguir com a construção e reconstrução do Estado, preservando as fronteiras e até de alguma forma continuando a revolução - e apoiando o antiimperialismo global - depois de 1949. Não havia exatamente nenhum roteiro para isso, os caminhos soviéticos e americanos foram declarados proibidos no final da década de 1950. Mas o projeto do sul da Ásia está, de muitas maneiras, escrevendo contra-histórias nacionais, marxismos oficiais (e eurocêntricos) e análises reducionistas de classe. Eles estão preocupados com a falta do colonialismo (e da 18 Hu, Sheng. 1991. From the Opium War to the May 4th Movement. 2 Vols. Beijing: Foreign Languages Press. 121 modernidade) de impacto entre as massas rurais ("domínio sem hegemonia" na frase de Ranajit Guha19). Os novos intelectuais chineses, após sua revolução, estavam muito interessados em modernizar e desenvolver não apenas o nacionalismo e as análises / políticas de classe, mas também, em transformar o campo longe do atraso e do feudalismo, em direção a um futuro igualitário. Ambas as "escolas" podem, em teoria, ser interpretadas como fontes da teoria pós-colonial e da historiografia pósorientalista. No entanto, embora ambos estejam profundamente informados sobre um marxismo-maoísmo (mais poderosamente no caso chinês), é apenas o último trabalho baseado no sul da Ásia que teve um impacto na academia global. E, independentemente das avaliações específicas de alguém sobre esse trabalho, se concordamos, por exemplo, com Guha ou Dipesh Chakrabarty em todos os detalhes, a introdução da história do sul da Ásia, os problemas sociais e políticos, e o desenvolvimento de debates teóricos em resposta, apenas aprofundaram e ampliaram a conversa acadêmica de formas bem-vindas. O próprio maoísmo certamente teve um grande impacto nos movimentos radicais do Terceiro Mundo e, portanto, nos movimentos anti-imperialistas de libertação nacional realmente existentes; também impactou certos marxistas franceses como Louis Althusser e Alain Badiou, como já foi amplamente discutido em outros lugares. Mas o maoísmo, como uma ideologia explícita e um conjunto de práticas político-econômicas, também foi derrubado na RPC há três décadas, e o próprio ex-presidente foi difamado na maioria das biografias e histórias acadêmicas e populares. Portanto, embora se possa pensar que, para a teoria pós-colonial, Mao Zedong possa servir como um Franz Fanon chinês ou asiático, esse não foi o caso – certamente, não fora da China. E, no entanto, esse discurso revolucionário anti-imperial vive, ainda assim, numa insistência ‘chinesa’ de que pode, ou está, adotando um caminho alternativo para a democracia liberal do tipo ocidental (um ponto também feito aqui na introdução). A Nova Esquerda e outros pensadores heterodoxos - incluindo alguma versão do pensamento neoconfucionista ou neo-tradicionalismo – hoje, na academia chinesa, por mais vivos e sérios que sejam, também não estão bem situados para ter um subalternalista ou um historiador-britânico do tipo Hobsbawm, com impacto na produção intelectual ocidental. Pelo menos, ainda não. Embora seja verdade que eles não invocam termos pós-coloniais, tanto quanto outros acadêmicos, e, por outro lado, são - em contraste com a academia ocidental - mais enraizados nas ciências sociais, eu argumentaria que eles são, no entanto, importantes pós-coloniais ou contrários a um desenvolvimento eurocêntrico. Eles são melhor entendidos como um movimento intelectual indígena chinês ou "cena", e uma resposta sutil, mas firme, a um Orientalismo político, que demoniza a revolução chinesa em geral, e o socialismo da era Mao em particular. É exatamente isso que está em jogo em suas críticas, baseadas em noções de paridade, igualitárias ou comunitárias, da era das reformas e da hipermercadização (ou privatização ou mercantilização) da economia chinesa. Tanto a mudança econômica “liberal” do estado de socialismo estatal, quanto o discurso global do liberalismo político como o que a China carece e precisa, são os objetos de sua crítica. Fora de um número pequeno, mas não insignificante, de acadêmicos baseados na academia ocidental, é apenas a nova esquerda (amplamente definida) que está fazendo uma crítica à época da reforma como tal, e à vez da China no capitalismo. É importante ressaltar que grande parte da nova esquerda chinesa também rompe com uma importante prancha política no pensamento político ocidental e global: é resolutamente pró-Estado e procura reter e aprimorar, não reduzir ou evitar a capacidade do Estado. O Neoliberalismo, esse produto americano e austríaco é, obviamente, antiestado em nome da ordem justa e espontânea do 19 Guha, Ranajit. 1998. Dominance Without Hegemony. Cambridge: Harvard University Press. 122 mercado, mas isso também ressoa muito claramente com o antiestatismo geral - devese dizer - que é exatamente o mesmo do pós-estruturalismo e o quase-anarquismo de inspiração francesa, que dão forma a cultura política intelectual da ‘esquerda’ ocidental. Do ponto de vista global, esse pro-estatismo está tão próximo de uma tradição social-democrata européia mais antiga quanto de um marxismo-leninismo-maoísmo. Mas, em qualquer caso, representa um desafio bem-vindo à doxa fóbica atual sobre o estatal em quase todos os lugares. No entanto, é preciso notar que os deles não são apenas argumentos econômicos ou mesmo sociológicos (embora sejam isso); eles também visam o universalismo e o eurocentrismo, como deixa claro o trabalho de Wang Hui. O trabalho de Wang sobre o problema do Tibete, bem como seus volumes sobre a modernidade chinesa, são particularmente importantes aqui. Wang argumenta que o fascínio ocidental com o Tibete, e com libertar o Tibete da China, está parcialmente enraizado no Orientalismo, uma reivindicação que é surpreendentemente controversa, e de forma alguma irrelevante para especialistas da China “convencionais”.20 Além disso, a resolução da crise - e é uma, tanto para os tibetanos quanto para a China - seria mais bem abordada não através da independência e das fronteiras modernas (e ocidentais) dos Estados-nação para o Tibete, mas através das formulações de Mao-Zhou Enlai (da Década de 1950) de relativa autonomia sob uma forma mais tradicional de soberania da época do império. (Não é isso o que o estado contemporâneo vem fazendo, mas o oposto: um tipo de assimilação planejada de fato, através do ‘desenvolvimento’ e da migração Han através de uma apertada fronteira). Existem motivos históricos ou contextuais para esse Mao. A estratégia de Zhou, bem como um argumento mais geral ou "teórico", são precisamente aquelas noções modernas de fronteiras discretas e autorizadas, e os ideais ilusórios de plena autonomia e soberania "real", sem mencionar a lógica da pureza e da monocultura que subtende os Estados-nação modernos, que cria tantos problemas quanto os resolve em situações de territórios complexos e sobrepostos. As opiniões de Wang sobre o Tibete e sobre o Orientalismo (ou chauvinismo ocidental) são bastante comuns nos círculos intelectuais chineses, embora certamente incomodem outras pessoas que, por sua vez, falariam pelos tibetanos no Tibete, e que também querem oferecer a eles uma nação própria e soberana – um Estado–nação moderno. Mas o foco de Wang no império e na soberania é, no entanto, um desafio ao que é inegavelmente uma visão eurocêntrica moderna da necessidade e normatividade dos modernos Estados-nação, em oposição aos estados do império ou estados civilizacionais. A China e suas periferias são sem dúvida uma mistura de ambas as entidades, antigas e novas, e, portanto, suas soluções e formas sociopolíticas devem seguir o exemplo. E se os moldes desses caminhos modernos, no caso chinês, de qualquer forma, criarem mais problemas do que resolverem? Quanto à modernidade, ou protomodernidade, Wang a localiza na dinastia Song (960–1279). Ele também postula o maoísmo como "uma modernidade antimoderna" - parte do movimento mundial ou histórico mundial, longe dos regimes antigos, mas também contra o capitalismo universalizante e contra o apagamento das próprias especificidades e diferenças da China. Afinal, essa era a ruptura maoísta com o stalinismo, mesmo que Stalin tivesse que permanecer um nome próprio do panteão. Isso quer dizer, então, que a crítica do universalismo está viva e atuante em algumas 20 Ver Veg, Sebastian.2009. »Tibet, Nationalism, and the ›West‹: Questioning Economic and Political Modernity.« China Perspectives 3:98–107; e os ensaios de Wang Hui’s sobre o Tibete. As obras de Wang podem ser vistas em: Wang, Hui. 2011. The Politics of Imagining Asia. Edited by Ted Huters. Cambridge, MA: Harvard University Press; 2014. China from Empire to Nation State. Translated by Michael Gibbs Hill. Cambridge, MA: Harvard University Press. 123 esferas da cultura política intelectual chinesa, além dos pronunciamentos oficiais sobre o sonho chinês e coisas do gênero. Tudo isso é o que faz parte do mundo póscolonial em geral, mesmo que as palavras-chave específicas nem sempre estejam em jogo. Em suma, se alguém quiser realmente se envolver com a China - a RPC, em oposição às suas periferias e aos espaços diaspóricos que, por mais importantes que sejam, dominam a conversa -, a dimensão pós-colonial, o encontro contínuo com o Ocidente, a bagagem histórica, as tentativas de descolonizar ou combater os discursos ocidentais - devem fazer parte desse compromisso. Para as ciências sociais? Mas se a virada pós-colonial ocorreu em muitas humanidades e em muitas investigações históricas, e se a China é realmente um exemplo convincente da condição histórica e "realmente existente" da pós-colonialidade, continua sendo verdade que a maioria das ciências sociais (mesmo as interpretativas), bem como os Estudos da China ou Sinologia tem evitado em grande parte esse rumo e mantidos em seus caminhos tradicionais: uma certa prática de (ou afirmam) "ciência" e objetividade, por um lado, e uma base na proficiência na língua e no empirismo por outro. Como sugeri, o fato dessa virada não sugere mera tendência ou modismo, mas a mudança de um miniparadigma útil, se devidamente contestada e discutível, sobre o impacto, o alcance e a escala dos encontros coloniais e imperiais no Ocidente, tanto quanto no ex-colonizados e no Terceiro Mundo. De fato, existem coisas como modas e modismos acadêmicos, ou certas formações de discurso ou conhecimento que não são convincentes ou duradouras. Mas a virada pós-colonial, especialmente, não apenas sua crítica ou "provincialização" dos universalismos, parece mais com algo como o feminismo e a análise de gênero: uma "descoberta" muito grande e muito conectada ao mundo, como era e permanece, assim como já amplamente adotada, útil a qualquer resistência, para qualquer disciplina, para qualquer boa razão, que seja oposta à restrição das áreas [Gate-keeping]. Mas o que pontuo aqui não é insistir nos estudos da China e nas ciências sociais. O argumento que desejo enfatizar é que o campo pós-colonial precisa muito das ciências sociais, tanto quanto precisa saber mais, e fazer mais, com a China. (Pode-se dizer também que a academia e a intelligentsia chinesas precisam de mais engajamento com o resto do mundo, incluindo a Ásia em oposição ao Ocidente; mais estudos pós-coloniais e globais ao redor disso tudo.) A divisão entre as humanidades e as ciências sociais é muito poderosa, mas também muito infeliz e debilitante, enfim, arbitrária. Falando impressionisticamente como professor de longa data em literatura, cinema e humanidades, acredito que, de certa forma, todos os textos foram mais ou menos desgastados, com retornos decrescentes em relação à produção interminável de leituras, estudos ou comentários. (Isso também pode explicar o retorno, longe da ‘teoria’, de modos mais formalistas e de apreciação das artes na análise textual, bem como a influência de estudos estritamente empíricos como os de Franco Moretti21). Nos últimos anos, o jogo básico foi retornar ao formalismo e à estética, em oposição à teoria e aos estudos e críticas culturais, além de "descobrir" escritores não-canônicos e "ocultos", cineastas e assim por diante. (Este último realmente vale a pena e é bemvindo, mas muitas vezes é bibliográfico mais do que qualquer outra coisa.) Essa redução de ambição é compreensível, pois no final do dia, as perguntas realmente convincentes, e os problemas prementes do presente e do passado recente - penso em questões políticas e sociais em torno de novas formas de poder, famosamente ilustradas por Michel Foucault ou Pierre Bourdieu, de coisas como o "Antropoceno", de todas as falhas políticas na conjuntura global atual, a degradação do liberalismo desde a década de 1970, o impacto da imigração, a ascensão do terrorismo, a 21 Moretti, Franco. 2013. Distant Reading. London: Verso Press. 124 demonização e as falhas do estado em geral, e assim por diante - simplesmente não são melhor reveladas ou iluminadas através, digamos, do estudo de filmes e literatura.22 O que é necessário, em outras palavras, é o que C.W. Mills (1959) 23 teorizou duramente como a imaginação sociológica, assim como, em outras palavras, alguns desses grandes problemas e questões políticas e interpretativas também devem ser questões empíricas. A materialidade empírica (ou concreta) é precisamente o calcanhar de Aquiles da investigação humanística, que expressa grande desinteresse no contexto empírico e amplamente contextual (em favor da estética, formalismo e verdades eternas), ou que descarta as ciências sociais como racionalistas, estreitas e ‘não-teóricos’. Vamos dar um ou dois exemplos chineses rápidos: a figura ou artista dissidente, seja o famoso artista performático (e sonegador) Ai Wei Wei, o advogado cego dos direitos humanos (e devoto cristão) Chen Guancheng, o blogueiro Han Han (nunca um dissidente, mas decididamente convencional [Middlebrow]), e assim por diante. Quando tais figuras são destacadas por humanistas - seus textos, ou suas personagens como textos - eles representam a RPC e o que há de errado com ela, como foi e é realmente. O crítico ou jornalista apenas às vezes dizem isso explicitamente. Mas, independentemente, os textos / figuras simplesmente devem parecer assim, para fazer o trabalho que eles fazem como representantes chineses ou a China. Ai é certamente um artista habilidoso e bem-sucedido, mas ele não é especialmente popular ou especialmente controverso ou convincente dentro da própria China, e ele fala tanto e de maneira tão contraditória, que seria realmente difícil fazer dele um crítico social ou pensador coerente. Não muito diferente de Andy Warhol, talvez, mas uma ‘celebridade da sociedade civil global e com características dos direitos humanos’ chinesa. Um propagandista liberal, como o romancista Yan Lianke - para dar outro exemplo - pode escrever um volume sobre a ‘grande fome’ de 1959-1961 (Os Quatro Livros)24 e ser celebrado no exterior por sua grande coragem e veracidade, sem nenhum leitor fora da China, ciente de um intenso debate no continente sobre a extensão e a escala da fome, bem como suas causas (as estimativas de morte por acadêmicos chineses variam de 4 a 35 milhões).25 Eles defendem a verdade da RPC como revelada através de "textos" de indivíduos muito particulares. Esta é de fato uma história antiga, como quando os cineastas anti-maoístas e pródengistas da década de 1980 e início da década de 1990 (por exemplo, Chen Kaige e Zhang Yimou) fizeram filmes épicos memoráveis, mas historicamente tendenciosos e fantásticos, condenando a era Mao como um feudalismo despótico e miséria sem mitigação. Estes foram então considerados pelo público no exterior como representando diretamente a história recente da China. A crítica pós-colonial ou anti-orientalista de tais gestos pode ser feita no nível da representação (que eles não representam a verdade total ou única, não são 22 Com exceções notáveis, é claro (certos cineastas e romancistas que se interessam intensamente por essas coisas), isso só me provaria a regra geral que estou invocando. 23 Mills, C. Wright. 1959. The Sociological Imagination. New York: Oxford University Press. 24 Yan, Lianke. 2016. The Four Books: A Novel. Translated by Carlos Rojas. New York: Grove. 25 Veja as discussões em Vukovich (2012) e Chun (2013), bem como em Sun (2016), além das altas estimativas mais conhecidas, por exemplo, de Yang Jisheng (2013). É claro que a mídia estrangeira e os comentaristas veem as estimativas mais baixas como mera propaganda. In: Vukovich, Daniel. 2012. China and Orientalism: Western Knowledge Production and the P.R.C. London: Routledge; Chun, Lin. 2013. China and Global Capitalism. New York: Palgrave Macmillan; Sun, Jingxian. 2016. »Population Change during China’s ›Three Years of Hardship‹ (1959–1961).« In Contemporary Chinese Political Economy and Strategic Relations: An International Journal 2 (1): 453–500; Yang, Jisheng. 2013. Tombstone: The Great Chinese Famine, 1958–1962. New York: Farrar, Straus, and Giroux. 125 especialmente populares ou subversivas, e assim por diante). Mas o que é necessário também, é a análise sociológica e contextual, e mais detalhes empíricos: quais são as opiniões de consenso dos cidadãos chineses sobre o governo chinês, por exemplo? A China não possui "Estado de direito" e "direitos humanos", ou possui algum outro sistema pelo qual opera de maneira consistente e mais ou menos coerente? O que realmente aconteceu durante a comunalização do Grande Salto para levar a China à fome, qual foi o tamanho desse desastre e, por qual razão, os acadêmicos e o público ocidentais investem tanto em tornar o número de mortes o maior possível? Em resumo, como podemos caracterizar a sociedade chinesa agora ou no passado recente, e o que, digamos, a variedade de nacionalismos e atitudes em relação à legitimidade do governo, nos diz sobre os encontros com o imperialismo? Algum tipo de sociologia histórica parece imprescindível não apenas para entender a sociedade chinesa em geral, mas também as respostas das sociedades ocidentais à ascensão da China, e as respostas da China ao domínio ocidental. Essas questões não são meramente conceituais ou especulativas - elas precisam ser pesquisadas a maneira das ciências sociais, e trazidas para o quadro de problemas da estrutura comparativa e pós-colonial. Pode-se chegar ao ponto de dizer que é necessário um trabalho empírico ou sociológico para testar ou falsificar qualquer número de pesquisas e conceitos pós-coloniais ou outros orientados teoricamente. Mas com a ressalva de que as ciências sociais - estou pensando em um campo como a política em particular - precisam abandonar suas pretensões científicas. Como se realmente houvesse verdades objetivas e universais ou "fatos" - desprovidos de interpretação e avaliação / julgamento, não menos - para questões e problemas da política e da sociedade! Se Max Weber estivesse escrevendo hoje, pode-se adivinhar que ele se envolveria na problemática pós-colonial. Quanto aos estudos sobre a China, sua institucionalização nos EUA e fora da Europa como "estudos de área" tem sido, como é sabido, esmagadoramente cientifico-sociais, com o "bônus" adicional de áreas definidas linguisticamente, e um certo fetiche ou culto à linguagem, como uma chave de esqueleto para acesso imediato através de todas as portas e portões da China (Isso também desmente um humanismo liberal universal ou estrito: conheça o idioma e conheça a outro). Isso quase o torna [os estudos de área] por definição, contrários a outras formas de crítica pós-colonial e pós-estruturalista, bem como antiuniversalistas e antiliberais. Nesse sentido, a Europa deve ser elogiada por manter viva uma Sinologia mais antiga, isto é, uma não-disciplina ou antidisciplina mais generalista; é claro que ela ainda está baseada na linguagem e em uma longa visão da história e cultura chinesas, ‘Que carece das pretensões científicas dos estudos de área’. Mas é claro que a antiga Sinologia era precisamente o tipo de escrita e produção de conhecimento que Edward Said, entre outros, postulava como Orientalismo. Também se autodefiniu como um campo por não ser colonial ou não imperialista, mas parte de alguma conexão humana universal, como se os encontros entre o Oriente e o Ocidente, e não apenas indivíduos específicos, fossem inteiramente inocentes ou por acaso. Agora seria difícil convencer muitos intelectuais do continente disso. De qualquer forma, grande parte desse terreno - os problemas com estudos de área e estudos sobre a China - já foi debatido antes, e não tenho espaço para acrescentar aqui.26 Mas acho que há um imperativo, que é um bom presságio para o 26 Há também uma crescente literatura sobre ciências sociais e pós-colonialismo amplamente definida. Veja, por exemplo, Miyoshi e Harootunian desde 2002, embora muitas das obras não sejam pós-colonialistas. Veja também Julian Go (2016) e a série política pós-colonial na Routledge Press. As críticas sistemáticas específicas aos estudos da China são relativamente raras, em oposição, digamos, aos estudos do sul da Ásia ou estudos africanos, e assim por diante. Novamente, o campo da China até agora evitou principalmente seu momento pós-colonial, além 126 futuro dos estudos pós-coloniais, bem como para as ciências sociais interpretativas. Esta não é apenas a marcha inexorável dos estudos interdisciplinares, pois as disciplinas individuais alcançam seus limites ou ficam sem coisas para dizer e publicar, nem a lenta - mas segura - disseminação da "teoria" em todos os departamentos, exceto nos mais resistentes. O verdadeiro imperativo é a ascensão da China, como expresso pela imigração continental nas universidades ocidentais / globais e um maior fluxo intelectual e de "conhecimento" entre a RPC e o resto do mundo. O que isso inevitavelmente traz consigo é a condição pós-colonial histórica o contato e o "choque" - da China e de seus próprios outros (incluindo, mas não se limitando ao Ocidente, é claro). Isso não será necessariamente um doce encontro de mentes e uma conversa calma e harmoniosa da humanidade, felizmente, mas certamente - na medida em que resista às forças da homogeneidade e conformidade continuará sendo. Isso não será necessariamente um doce encontro de mentes e uma conversa calma e harmoniosa da humanidade, felizmente, mas certamente - na medida em que resista às forças da homogeneidade e conformidade - continuará sendo interessante e produtivo do conhecimento. A menos que a China e seus intelectuais e estudantes decidam repentinamente parar de insistir em suas particularidades e diferenças (na compreensão de inúmeras coisas, de Mao Zedong à democracia, ao Tibete, à religião e…), ou a menos que a China decida apenas "tornar-se- mesmo" que o normativo EUA-Ocidente, quase deve haver um ‘momento’ pós-colonial para os estudos da China e as ciências sociais. Nesse caso, pode muito bem substituir - suplementar - o passado, principalmente da Ásia do Sul e das ‘libertações nacionais burguesas’ que compuseram amplamente os contextos históricos e as bases dos estudos pós-coloniais até hoje, ao lado dos principais impérios, como o britânico (e em menor grau, o francês). Os EUA tendem a se perder nessa formulação do campo pós-colonial, tanto quanto na RPC. A ascensão de um mundo intelectual, político e cultural mais multipolar - de uma China que é maior, mais complicada e multiforme do que o "Ocidente" - também é um bom presságio para o enfraquecimento eventual do universalismo científico e metodológico de grande parte das Ciências Sociais tradicionais. No final, isso pode ser apenas uma coisa boa e produtiva para a academia em geral, e não apenas para as ciências sociais. Alternativamente, poderia haver um retorno a uma forma mais antiga de produção de conhecimento orientalista: um domínio da hostilidade e dos escritos com sentimentos sinofóbicos, além mesmo do genérico e político anticomunismo estrangeiro no campo da China. das críticas a um suposto colonialismo chinês próprio e a despeito dos melhores esforços (e publicações) de alguns outros. Para este último, vejamos, além do presente autor, Adrian Chan e, para uma abordagem adequada do historiador a tais questões, a obra de James Hevia. Mais típica é a resposta de que o campo da China precisa ser ainda mais científico-social. Para esse argumento, veja, por exemplo, Walder (2002). Para um argumento confuso, de base étnica, de que os estudos chineses não precisam de Edward Said ou de estudos e teoria pós-coloniais, mas ainda assim precisa falar sobre Orientalismo, desconhecimento sistemático, imperialismo ocidental e outros - e, de alguma forma, não de uma maneira política, mas apenas de um ponto de vista político do ‘Caminho chinês’, que exclui o resto do mundo, ver Gu Ming Dong, 2015. In Miyoshi, Masao, and H. D. Harootunian. 2002. Learning Places: The Afterlives of Area Studies. Durham: Duke University Press; Go, Julian. 2016. Postcolonial Thought and Social Theory. London: Oxford University Press; Chan, Adrian. 2009. Orientalism in Sinology. Washington: Academica Press; Hevia, James. 2003. English Lessons: The Pedagogy of Imperialism in Nineteenth-Century China. Durham: Duke University Press and Hong Kong University Press e 2012. The Imperial Security State: British Colonial Knowledge and Empire-building in Asia. Cambridge: Cambridge University Press; Walder, Andrew. 2002. »The Transformation of Contemporary China Studies, 1977–2002. «In The Politics of Knowledge: Area Studies and the Disciplines, edited by David Szanton. Berkeley: University of California Press; Gu, Ming Dong. 2015. Sinologism: An Alternative to Orientalism and Post-colonialism. London: Routledge. 127 128 ORIENTALISMO E POSITIVISMO ILUMINISTA: UMA CRÍTICA DA SINOLOGIA ANGLÓFONA, LITERATURA COMPARADA E FILOSOFIA Shuchen Xiang1 Introdução Em 1º de janeiro de 1958, na revista Democratic Critique, Zhang Junmai, Mou Zongsan, Tang Junyi e Xu Fuguan publicaram o “Manifesto sobre a Cultura Chinesa para o Mundo: Nosso Entendimento comum sobre a pesquisa acadêmica chinesa e o futuro da cultura chinesa na Cultura Mundial”.2 Esse manifesto é comumente visto como a declaração fundadora do movimento do Novo Confucionismo. A seção 2 do manifesto, “Três motivos, abordagens e deficiências no estudo da cultura chinesa no conhecimento mundial” afirmava que a cultura chinesa não havia sido entendida por três tipos de pessoas que a abordaram, a saber; os missionários cristãos, os sinólogos e estudantes da história mundial atual. Para os novos confucionistas, os jesuítas não entendiam a cultura chinesa porque enfatizavam demais seus aspectos religiosos, com vistas à proselitização do cristianismo. Os sinólogos não entendiam a cultura chinesa porque tratavam a China como um fóssil vivo, ou uma civilização extinta na qual realizar autópsias. Finalmente, os estudantes da história mundial contemporânea abordaram a cultura chinesa não por genuíno interesse, mas por necessidade. Nenhum desses três grupos de pessoas poderia apreciar o valor da filosofia chinesa. O diagnóstico dos novos confucionistas sobre o estado do campo é tão incisivo hoje quanto era na época. A razão pela qual nem o missionário cristão, o sinólogo ou o estudante de política mundial entenderam a cultura chinesa, é porque todos viam sua própria cultura e metodologias como universais. Sob esse universalismo, a tradição do outro é apenas um mero "acidente" particular, que deve ser entendido através do universalismo (europeu). A tradição do outro não tem objetividade intrínseca ou afirmação de validade. Uma verdadeira compreensão da cultura chinesa é incomensurável com o universalismo iluminista. Neste artigo, acrescentarei mais duas disciplinas à lista dos Novo-Confucionistas sobre pessoas que não entenderam a cultura chinesa: a literatura comparada anglófona China-Ocidente e filosofia anglófona convencional. Em Orientalismo, Edward Said afirma que o desejo da academia ocidental de adquirir conhecimento sobre o Oriente se baseava em um paradigma Baconiano de conhecimento e poder.3 O conhecimento sobre o oriente era necessário para subjugálo, não porque suas tradições valiam a pena por si mesmas. Na academia anglófona do pós-guerra, esse sentimento orientalizante, fundador da disciplina de Sinologia, une forças com a "hermenêutica da suspeita" (fornecerei uma definição disso na seção a seguir), e desloca ainda mais a ideia de que há mérito intrínseco na tradições em estudo. Na medida em que a “hermenêutica da suspeita” problematiza o significado manifesto de um texto, e procura encontrar uma explicação sócio-científica para o motivo pelo qual o texto tem o seu significado percebido, é uma espécie de cientificismo. A aplicação da hermenêutica da suspeita sobre a tradição chinesa revela uma China que se encaixa nos estereótipos usuais, mas equivocados (hegelianos) 1 Publicado originalmente em The Pluralist, Volume 13, Number 2, Summer 2018, pp. 22-49 (Article). 2 《为中国文化敬告世界人士宣言–我们对中国学述研究及中国文化与世界文化前途之共同认识》 3 Said, Edward. Orientalism. Penguin, 2003: 32. 129 sobre os chineses: que eles são servos livres e passivos diante da autoridade política.4 O que a Sinologia contemporânea e a literatura comparada China-Ocidente descobrem sobre a China tradicional, argumentarei, reflete mais as suposições intelectuais e os quadros filosóficos que guiaram esse trabalho do que o assunto em estudo. Além disso, essas suposições intelectuais devem estar situadas no curso da história intelectual ocidental. As próprias metodologias devem ser historicizadas para mostrar que não são objetivas, a-históricas, a-culturais ou neutras. Por fim, argumento que, para que a academia ocidental realmente supere seu Orientalismo, ela precisa abandonar o projeto iluminista de universalismo e abraçar o pluralismo humanista que Edward Said apelou: a tradição de Goethe e Herder, e suas encarnações do século XX no trabalho de Ernst Cassirer (1874-1945) e Hans GeorgGadamer (1900-2002). Ambos os filósofos argumentaram que as humanidades não podem ser concebidas através das mesmas metodologias que as ciências exatas, e é a essa tradição humanista alemã que voltarei, sendo um ponto de contraste ao longo deste artigo. Gadamer premissa sua magnum opus Verdade e Método no fato de que a objetividade nas humanidades não depende dos mesmos métodos que nas ciências exatas. O ponto das humanidades está na ideia herderiana (amiga de Goethe) de "elevar-se à humanidade através da cultura" [Emporbildung zur Humanität].5 É através do aprendizado humanístico que superamos nosso provincialismo, e nos elevamos a um certo universalismo e nos tornamos livres, para defender nossa própria dignidade humana. Para Gadamer, nós nunca podemos esperar obter uma visão panorâmica que nos permita transcender nossas próprias perspectivas limitadas. Diferentemente das ciências, que buscam descobrir leis verificáveis, as humanidades devem nos ensinar que não há fundamento final para entender a verdade sobre os seres humanos; que a verdade existe em abraçar um pluralismo de diferentes perspectivas, com as quais nos elevamos a um universalismo relativamente mais alto.6 Esse universalismo é, portanto, uma tarefa, um terminus ad quem (em oposição a um terminus a quo ) que nunca alcançamos, para o qual nossos esforços devem ser constantemente direcionados. Embora Cassirer tenha morrido em 1945, ele estava familiarizado com a redução de formas culturais ao mero reflexo da expressão disfarçada de interesses políticos, culturais ou subconscientes. Para Cassirer, no entanto, isso é profundamente equivocado, porque esse pensamento seria incapaz de ver a "espontaneidade" do espírito (Geist) que cria significado para nós. Em 3 de abril de 1944, Cassirer proferiu uma palestra intitulada "Filosofia e Política". Ele conclui sua palestra citando Albert Schweitzer: “'A filosofia deve ser responsabilizada por nosso mundo, na medida em que não admitiu o fato”, escreve Schweitzer. – “Mas, na hora do perigo, o vigia dormiu, aquele que deveria ter vigiado por nós. Por ter acontecido isso, nós não 4 Hegel, Georg Wilhelm Friedrich. G. W. F. Hegel: Einleitung in die Geschichte der Philosophie. Edited by Johannes Hoffmeister, Felix Meiner, 1956: 279. 5 Gadamer, Hans G.. Truth and Method. Translated by Joel Weinsheimer and Donald G. Marshall, Continuum, 2004: 9 6 Sebastian Luft faz uma observação semelhante sobre o conceito de universalismo de Cassirer em "A Priori of Culture". Luft argumenta que a idéia de Cassirer de uma base universal entre todas as culturas é sempre um trabalho em progresso, dependente da empatia (Luft 398) e do entendimento mútuo (399). Esse entendimento empático só pode ser resultado de uma perspectiva de primeira pessoa, e nunca de terceira pessoa, além de ser sempre histórico, falível e não pode reivindicar sua finalidade. Ver Luft, Sebastian. “The A Priori of Culture: Philosophy of Culture between Rationalism and Relativism: The Example of Lévi-Strauss’ Structural Anthropology.” The Philosophy of Ernst Cassirer: A Novel Assessment, edited by J. Tyler Friedman and Sebastian Luft, Walter de Gruyter GmbH, 2015, pp. 381–400. 130 lutamos pela nossa cultura”.7 Aos olhos de Cassirer, os dois principais culpados filosóficos responsáveis por permitir a catástrofe alemã da Segunda Guerra Mundial foram Lebensphilosophie e o Positivismo Lógico. Lebensphilosophie , bem incorporado pela “Carta sobre 'Humanismo'” de Heidegger 8, vê os valores humanísticos como inerentemente hubrísticos e antropocêntricos. O humanismo para Heidegger é equivalente ao platonismo e à intelectualização do ser e, portanto, sinônimo da própria metafísica.9 O Positivismo Lógico do Círculo de Viena via tudo o que não era verificável, com base nas sentenças de protocolo10, como absurdo. Embora a Lebensphilosophie seja anticientífica, e o positivismo lógico é a hipertrofia de uma cultura científica, para Cassirer, eles tiveram o mesmo efeito. Em ambos, Cassirer viu um retorno a uma metafísica dogmática, que colocou um aspecto da experiência humana11 como anterior a todos os outros. O que deveria ter sido um ecossistema saudável, com as diferentes maneiras pelas quais as pessoas entendem e experimentam o mundo, está nivelado com a homogeneidade. Na visão de Cassirer, há um pluralismo de lógicas em que entendemos o mundo - um pluralismo de "formas simbólicas". Cada forma simbólica tem sua própria coerência interna, e não pode ser reduzida à lógica de outra forma simbólica; cada um traz consigo um contexto de significado que ele próprio instancia. A coerência interna e da lógica que rege a literatura, por exemplo, vai ser diferente daquele que governa a matemática. É um erro quando tentamos reduzir esse pluralismo a uma lógica última. Em Um ensaio sobre o homem, um dos últimos livros de Cassirer e, de certa forma, sua nota de despedida para as gerações futuras, depois de testemunhar a desumanidade da Segunda Guerra Mundial, ele conclui: A filosofia não pode desistir de sua busca por uma unidade fundamental neste mundo ideal. Mas isso não confunde essa unidade com simplicidade. Não negligencia as tensões e atritos, os fortes contrastes e os profundos conflitos entre os vários poderes do homem [as diferentes formas simbólicas]. Estes não podem ser reduzidos a um denominador comum. Eles tendem em direções diferentes e obedecem a princípios diferentes. Mas essa multiplicidade e disparidade não denotam discórdia ou desarmonia. Todas essas funções se completam e se complementam. Cada um abre um novo horizonte e nos mostra um novo aspecto da 7 A citação pode ser encontrada na obra de Albert Schweitzer, “The Decay and the Reconstruction of Civilization,” Part I of The Philosophy of Civilization, trad. C. T. Campion, Macmillan, 1953, p. 8.; a referência feita aqui é apud Cassirer, Ernst. “Philosophy and Politics” Symbol, Myth, and Culture: Essays and Lectures of Ernst Cassirer 1935–1945, edited by Donald Phillip Verene, Yale UP, 1979, pp. 219–32: 232. 8 “Carta sobre ‘Humanismo'” foi escrita no outono de 1946 e publicada pela primeira vez na França em 1947. Inicialmente, foi uma resposta a perguntas feitas a Heidegger em uma carta escrita por Jean Beaufret. "Como a primeira e mais convincente afirmação do pensamento pósguerra de Heidegger, ela teve muito mais influência do que qualquer outra expressão de seu pensamento, incluindo talvez até sua obra-prima, Ser e Tempo” in Rabinbach, Anson. In the Shadow of Catastrophe: German Intellectuals between Apocalypse and Enlightenment. U of California P, 1997: 97. 9 Heidegger, Martin. “Letter on ‘Humanism.’” Pathmarks, edited by William McNeill, Cambridge UP, 1998, pp. 239–76: 245. 10 Uma sentença de protocolo no Positivismo Lógico é uma afirmação que descreve a experiência ou percepção imediata (isto é, o fundamento último do conhecimento). 11 Para a Lebensphilosophie, essa era uma visão mística da unidade primordial da “vida” antes de sua fragmentação por meio da intelectualização. Para o Positivismo Lógico, essa era uma concepção estritamente proposicional e condicional da verdade. 131 humanidade. O dissonante está em harmonia consigo mesmo; os contrários não são mutuamente exclusivos, mas interdependentes: "harmonia na contrariedade, como no caso do arco e da lira”.12 Para Cassirer, as diferentes formas culturais - o que ele chama de "formas simbólicas", existem em tensão umas com as outras, mas reduzimos essa tensão a nosso perigo, postulando um princípio ou lógica abrangente - como fizeram o Positivismo Lógico e a Lebensphilosophie. O grande perigo do cientismo é que, por ser cego à coerência interna de cada uma de nossas formas culturais, arrasa essa pluralidade e impõe sua própria lógica. Em vez de uma harmonia na contrariedade, o cientificismo reduz tudo a uma lógica e, assim, destrói o ecossistema de nossa vida cultural; e para Cassirer, isso provou ser catastrófico historicamente. Para Cassirer, as consequências de não cuidar do espaço (pluralista) da cultura (intelectual) recaem diretamente sobre o mundo em que vivemos. Para Cassirer e Gadamer, não podemos desistir da ideia de que a cultura tem coerência e validade internas, porque é através de uma educação humanística incorporada na cultura que ascendemos à nossa humanidade. Devemos, como disse Cassirer no final da Segunda Guerra Mundial, lutar por nossa cultura. Edward Said, como veremos, também apela à tradição humanista alemã do século XIX para melhorar as tendências orientalizantes na academia ocidental. Eu segui Gadamer, Cassirer e Said, apelando para essa visão das humanidades como um paradigma alternativo para as humanidades, e não para o universalismo iluminista que adota tão facilmente o cientificismo. No lugar da hermenêutica da suspeita, defendo a hermenêutica da confiança, que pressupõe uma confiança humanística na coerência interna e na validade da(s) cultura(s). O Problema da Sinologia Anglófona Contemporânea Grande parte da Sinologia anglófona contemporânea, como disciplina, trabalha sob uma forma de "sociologia do conhecimento", que só pode ser descrita como a "hermenêutica da suspeita". A "hermenêutica da suspeita" é uma frase cunhada por Paul Ricoeur para capturar um espírito comum que permeia os escritos de Marx, Freud e Nietzsche. É um estilo de interpretação distintamente moderno, que contorna significados óbvios ou autoevidentes para desmascarar verdades menos visíveis e menos lisonjeiras escondidas em um texto.13 O significado de um texto é inerentemente ideológico e, portanto, devemos renegar à objetividade do significado que o próprio texto está tentando postular, pois esse significado não pode escapar da ideologia. Sob essa hermenêutica da suspeita, estudar tradição é, ipso facto, criticar, porque é preciso estar vigilante contra a ideologia que foi sedimentada ao longo da tradição. A única posição ética é o ceticismo em relação ao significado manifesto do texto. Para o estudioso de Gadamer, Jean Grondin, essa "hermenêutica da suspeita" é equivalente a um anti-humanismo e, embora devendo a Marx, Darwin, Freud, Nietzsche e Claude Lévi-Strauss, emergiu como uma força intelectual na década de 1960 no trabalho dos Estruturalistas e pós-estruturalistas franceses (Michel Foucault e 12 A harmonia no arco e na lira é uma referência a um fragmento de Heráclito: “Os homens não entendem como aquilo que é rasgado em diferentes direções se harmoniza - harmonia na contrariedade, como no caso do arco e a lira” in Heráclito. “Heraclitus.” Source Book in Ancient Philosophy. Translated by Charles M. Bakewell, Charles Scribner’s Sons, 1907, pp. 28–35: 31. Ver Cassirer, Ernst. An Essay on Man: An Introduction to a Philosophy of Human Culture. Yale UP, 1944: 228. 13 Ricoeur, Paul. Freud and Philosophy: An Essay on Interpretation. Yale UP, 1970: 356 132 Jacques Derrida são especialmente representativos). 14 Um corolário natural da hermenêutica da suspeita é uma virada para a sociologia do conhecimento. Uma vez que renegamos a ideia de que um texto foi produzido porque os autores do passado estavam inerentemente interessados nas ideias incorporadas nele, precisamos encontrar outra maneira de explicar a existência do texto. Dado que a academia ocidental do pós-guerra adotou o cientismo, presume-se que um relato sóciocientífico seja o mais objetivo e, portanto, legítimo. Grande parte da Sinologia anglófona contemporânea adotou a noção foucaultiana de que o único irredutível é uma estrutura repressiva de poder e dominação. O significado de um texto é explicado através do apelo a um determinismo / positivismo redutivo das ciências sociais.15 A hermenêutica da suspeita joga nas mãos do modelo do cientificismo; de fato, pode-se dizer que ela talvez não seja nada além de seu subproduto. To become a God, de Michael Puett, é um bom exemplo da "hermenêutica da suspeita". Neste trabalho, ele argumenta que os dois modelos metodológicos de seus predecessores, o modelo “contrastivo” e o “modelo evolutivo”, não são objetivos. Devemos, portanto, “trabalhar em direção a uma abordagem mais sutil, na qual não fazemos suposições a priori a respeito de declarações únicas, feitas em textos únicos, e o significado de reivindicações individuais”.16 Do ponto de vista hermenêutico, é impossível ao pesquisador não fazer a priori suposições. A verdade é que, como Cassirer gosta tanto de citar Goethe, "tudo no campo do fato já é teoria" 17é impossível separar questões de fato das questões de valor. Não há fatos objetivos ou neutros - isso é uma ilusão insustentável. O que geralmente acontece, quando as pessoas trabalham com a crença de que podem saltar sobre suas próprias sombras, é que um arcabouço teórico é, sem saber, contrabandeado para o trabalho. Vemos isso claramente no caso de Puett; em vez dos modelos contrastivos e evolutivos, Puett acredita que “o analista deve procurar entender como essa tradição textual está sendo postulada, e que reivindicações estão sendo feitas através dessa postura”. 18 Uma metodologia semelhante pode ser encontrada em The Ambivalence of Creation, onde Puett escreve que “[um] dos meios mais pobres”, é pegar um texto pelo valor nominal como algo que reflete as suposições do período, e vê-lo como um pedaço de “polêmica” e “reivindicação” com uma agenda oculta.19 Evidentemente, a reconstrução da tradição textual do Puett é para assumir algo sobre textos. Pressupõe uma interpretação egoísta-utilitária do comportamento humano, que os escritores de textos são agentes interessados em si mesmos, cujas ações são motivadas por impulsos egoístas. A priori pressupõe que a tradição intelectual é um espaço de discursos de poder concorrentes, e implica que todo pensamento filosófico foi 14 Grondin, Jean. Sources of Hermeneutics. State U of New York P, 1995: 133. Ver também: Grondin, Jean. “The Neo-Kantian Heritage in Gadamer”, Neo-Kantianism in Contemporary Philosophy, edited by Rudolf A. Makkreel and Sebastian Luft, Indiana UP, 2010, pp. 92–110. 15 Por “positivismo”, refiro-me à maneira como o termo foi empregado por Auguste Comte, no qual apenas são reconhecidos fatos positivos e fenômenos observáveis, as relações objetivas destes e das leis que os determinam. O positivismo Comteano influenciou formativamente a sociologia. Émile Durkheim, por exemplo, escreveu em The Rules of Sociological Method que o principal objetivo dos sociólogos é “estender o escopo do racionalismo científico para cobrir o comportamento humano, demonstrando isso... é capaz de ser reduzido a relações de causa e efeito... O que foi chamado de positivismo é apenas uma consequência desse racionalismo” in Durkheim, Émile. The Rules of Sociological Method. Translated by W. D. Halls, The Free Press, 1982: 33. 16 Puett, Michael. To Become a God: Cosmology, Sacrifice, and Self-Divinization in Early China. Harvard University Asia Center, 2002: 24-5. 17 Goethe, Johann Wolfgang von. Scientific Studies. Edited and Translated by Douglas Miller, Suhrkamp Publishers, 1988: 307. 18 Idem Puett, 2002: 25. 19 Idem, 22-25. 133 produzido com o objetivo de promover o interesse do indivíduo ou de uma instituição. A suposição metodológica de Puett é que as motivações políticas dos escritores têm mais validade e mais poder explicativo, do que as ideias contidas nos próprios textos. Essa abordagem apenas move o conjunto de suposições para além dos próprios textos e, além disso, remove muito da validade dos próprios textos. Ao tentar descobrir o significado e o sentido "verdadeiros" desses textos, era a situação política que esses textos revelam que se presume ter mais poder explicativo. A objetividade é vista não nas palavras dos textos - pois elas são meramente sofisticadas e retóricas - mas nas motivações do autor de um texto. Isso leva as próprias ideias filosóficas a perderem sua validade intrínseca: as ideias incorporadas no texto não reivindicam o estudioso. Uma metodologia semelhante está em jogo em The Ambivalence of Creation, em que Puett retrata o discurso filosófico sobre a criação da cultura humana (artifício), como enraizado em uma agenda para explicar a legitimidade ou não da realeza e do estado. O capítulo 2, em particular, “O ofício da humanidade: debates sobre a natureza e a cultura nos estados em conflito na China”, apresenta os discursos do confucionismo, taoismo, moismo, legalismo, Xici e Lüshi chunqiu sobre cultura - centrados em torno do modelo dos Zhou ocidentais de reivindicar a descendência do Céu - seria viável ou não.20 A tendência avassaladora dos estudos do pós-guerra na academia europeia e anglófona seguiu esse modelo de sociologia do conhecimento, que é simultaneamente a hermenêutica da suspeita. Como outro exemplo, vou me concentrar no Writing and Authority de Mark Edward Lewis.21 Mark Edward Lewis está evidentemente ciente de que a difusão de wen (文)22 na vida intelectual chinesa clássica é gritante para qualquer pessoa familiarizada com a cultura chinesa. "A escrita permeia nossas imagens da China”, ele nos informa: “Uma cena urbana diferenciada por colunas e colunas de gráficos, artes visuais definidas pelo pincel e pela linha gráfica do pintorcalígrafo, uma ordem política controlada por um mandarim selecionado pelo domínio do texto, uma prática religiosa baseada em documentos escritos para comunicar-se com os espíritos: em todos os níveis da vida a escrita domina”. 23 Como é que explicamos essa reverência pela alfabetização ao longo da história da China? Em seu estudo (empiricamente magisterial), Lewis é guiado pela conclusão de que wen deu suporte teórico à visão de um império em que todos os futuros membros dos escalões superiores foram educados/doutrinados. Wen, assim, tornou-se uma profecia autoperpetuada que foi confirmada por aqueles com poder. Wen como esse "softpower", ou o software do Estado, era mais resistente que seu hardware e, junto com a dependência econômica de seus adeptos, garantiu sua longevidade. O 20 Puett, Michael. The Ambivalence of Creation: Debates concerning Innovation and Artifice in Early China. Stanford UP, 2001: 39-91. 21 Lewis, Mark Edward. Writing and Authority in Early China. State U. of New York P, 1999. 22 Wen é um conceito cuja sofisticação e significado para a tradição chinesa são paralelos aos de Dao ( 道) e Qi ( 气). É um termo cujo espectro abrange tudo, desde padrões naturais, até as unidades individuais que compõem a escrita chinesa, a literatura, as vocações refinadas de ser humano que nos definem como seres humanos - ou seja, a própria cultura. Pessoalmente, acredito que wen se tornou um termo tão importante para a civilização chinesa porque incorporava o ideal do confucionismo: atingir a humanidade através da cultura e reconhecer que somos parte de um continuum natural. Ele incorpora a visão confucionista de harmonia entre humanos, cultura humana e o mundo natural. Incorporado ao conceito de wen, é a justificativa chinesa para a cultura. Enquanto a filosofia da cultura se originou no século XVIII com pensadores como Vico, Herder, Voltaire e Rousseau, a filosofia chinesa (notadamente a tradição confucionista), desde o início da escrita, se orientou em torno da questão da cultura. Wen é uma ideia definidora e ideal da cultura chinesa. 23 Lewis, 1999:4. 134 “compromisso intelectual das elites locais”24 com wen é reduzido a um cálculo puramente utilitário. A explicação para a importância da escrita em Writing and Authority de Lewis, portanto, redunda no elo entre a escrita e a propaganda estatal. A extensão do império chinês era maior do que o estado central tinha em meios físicos para o governar; assim, a centralidade da escrita residia em sua capacidade de sustentar "uma visão de império" que pudesse se espalhar pelo espaço ("entre o sistema imperial e as localidades”) e tempo (sobrevivem ao “colapso de cada uma de suas encarnações”).25 “A implantação da visão imperial na sociedade local na forma da linguagem escrita e de seus textos”26 é, portanto, a razão pela qual a escrita passou a definir a civilização chinesa. A extensão do significado da escrita no início da China é, dessa forma, exaustivamente esgotada pelos “usos da escrita para obter consentimento e obediência” e examinando “os tipos de escrita empregados no estado e na sociedade para gerar e exercer poder”.27 Enfatizar tão esmagadoramente que um dos elementos definidores da cultura chinesa foi resultado de motivos políticoutilitários é negar que exista alguma objetividade no "espírito" (Geist). Além disso, ressaltar que esses aspectos cruciais da vida cultural chinesa foram o resultado de puxões do Estado é repetir um antigo estereótipo sobre a China: que seu povo é uma marionete passiva, oprimida por uma "burocracia weberiana" administrada por uma autoridade central cruel. Por meio dessa metodologia da “hermenêutica da suspeita”, até a ideia de “China” como entidade deve ser desconstruída, como escrevem os editores de Remapping China: Fissures in Historical Terrain em sua introdução: No início da década de 1970, os estudantes de história chinesa, tanto na China quanto no exterior, tinham a confortável hipótese de que sua matéria, China, era uma entidade cujas fronteiras políticas, geográficas e culturais eram óbvias e certas. Historiadores que atingiram a maioridade nas últimas duas décadas... trabalharam para desestabilizar essa certeza. Não é apenas o fato dos estudos da China terem ampliado as investigações locais mais detalhadas, mas o fato de que as próprias categorias de nação, estado e povo foram interrogados. Uma ênfase na imaginação das comunidades e fronteiras, bem como na construção, estratificação e mudança de identidades estruturas analíticas formuladas primeiramente no contexto das tradições intelectuais e políticas nos Estados Unidos e na Europa Ocidental - começou a transformar o estudo da China como sujeito histórico.28 Os editores deste volume provavelmente revelaram mais do que desejavam. O que eles afirmam explicitamente é que devemos renunciar à autoconcepção declarada da China, e usar metodologias completamente estranhas ao contexto chinês, para que possam reconstituir, em seus termos, o que é “China”. Que não lhes ocorreu que isso é colonialista, ou que é problemático que a imagem da China que eles descobrem, por meio de suas metodologias, seja tão semelhante às sensibilidades pós-modernas (isto 24 Idem, 4. Idem, 4. 26 Idem, 4. 27 Idem, 1. 28 Hershatter, Gail, et al., editors. Remapping China: Fissures in Historical Terrain. Stanford UP, 1996: 5. 25 135 é, o que eles desejavam encontrar), é porque eles evidentemente acreditam que suas estruturas metodológicas são objetivas e com valor neutro. No pós-modernismo, há uma "aceitação total", como escreve David Harvey, "da efemeridade, fragmentação, descontinuidade e do caótico".29 E, adventíciamente, encontramos grande parte do vocabulário pós-moderno aqui de "construção, estratificação e mudança de identidades”.30 Em resumo, no caso de Puett e Lewis, eles assumem um paradigma estruturalista (Foucaultiano, em particular) sobre a inevitabilidade das relações de poder-conhecimento, juntamente com a "gaiola de ferro" weberiana das burocracias repressivas. No caso da citação acima, é uma variação deste tema, em termos de um discurso sobre o "centro" e a "margem". É difícil demonstrar quão dominante essa hermenêutica da suspeita tem sido no campo sinológico como um todo. Como último exemplo de estudos sinológicos no campo Pré-Qin e do início da China, vejamos o trabalho de David Schaberg, A Patterned Past: Form and Thought in Early Chinese Historiography.31 Schaberg concentra seu livro no Zuo Zhuan32 e no Guoyu33, mas procura mostrar que a “aparência de um todo historiológico coerente” 34 foi realmente o resultado de “uma série de acidentes históricos e mal-entendidos”35, e devido às suas origens históricas, extrínsecas aos próprios textos, bem como “aos hábitos de leitura que se impõem”.36 Os textos reais de Zuo Zhuan e Guoyu desaparecem entre a expressão disfarçada de interesses políticos, culturais ou subconscientes, bem como os acidentes arbitrários da história. Sinologia, Ceticismo e Positivismo No fundo, grande parte da Sinologia anglófona do pós-guerra é baseada em um ideal iluminista de universalidade. Ao adotar uma sociologia do conhecimento, Puett e Lewis assumiram um modelo particular (sócio-científico) de comportamento humano, e o consideraram universal no espaço e no tempo. Ao adotar o clima intelectual do pós-modernismo, os editores do Remapping China também assumiram que seus pressupostos intelectuais são válidos no espaço e no tempo. Mas suas suposições intelectuais não são universais, e essa é a fonte de seu Orientalismo. As estruturas metodológicas que os sinólogos como Puett e Lewis estão usando vêm de um malestar específico da história intelectual ocidental moderna e pós-guerra. Não acho que nenhuma das figuras (ou como veremos na literatura comparada) que eu critiquei tenha sido intencionalmente orientalizante. Eu acho que o Orientalismo deles é um resultado imprevisível, mas necessário, da “crise no conhecimento do homem sobre si mesmo”, discutida no capítulo inicial do Ensaio sobre o homem de Cassirer. Ernst Cassirer foi um dos grandes humanistas e polímatas do século XIX ao XX, e um comentarista da Cassirer chegou ao ponto de dizer que a divisão analítica / continental poderia ter sido reduzida se a presença 29 Harvey, David. The Condition of Postmodernity. Blackwell, 1990: 44. Idem Hershatter, Gail, et al, 1996: 5. 31 Schaberg, David. A Patterned Past: Form and Thought in Early Chinese Historiography. Harvard University Asia Center, 2001. 32 O Zuo Zhuan ( 左传) é a primeira grande obra da história da China e cobriu o período de 722 a 481 aC. A academia moderna data de sua composição do quarto ao terceiro século aC in Yao, Xinzhong. The Encyclopedia of Confucianism. Edited by Xinzhong Yao, Routledge, 2003:80. 33 Guo Yu ( 国语) significa "Diálogos ou Discursos dos Estados". Segundo os estudos modernos , as datas da compilação variam de meados do século V aC, mas o material em si se refere à alta antiguidade, já em 918 aC. Ver Yao, 2003: 238. 34 Schaberg, 2001: 6. 35 Idem, 6. 36 Idem, 7. 30 136 goethiana de Cassirer persistisse por mais tempo na academia americana. 37 O que Cassirer diagnostica como a crise no conhecimento do homem sobre si mesmo, não é diferente da proclamação de Nietzsche de que "Deus está morto". Um dos resultados da derrubada copernicana da ontologia aristotélica-cristã foi que não havia mais uma maneira significativa de abordar a questão da natureza do homem. Essa crise no conhecimento do homem sobre si mesmo não era apenas um problema teórico, que precisava da solução certa, mas um problema existencial que ameaçava “toda a extensão de nossa vida ética e cultural”.38 Portanto, não é por acaso que a Sinologia anglófona do pós-guerra (e, como veremos, a literatura comparada) assumiu duas posições aparentemente contraditórias: uma baseada no universalismo iluminista; a outra baseada na ideia de que não podemos mais fazer afirmações globais sobre o significado. O resultado dessa crise de conhecimento é ao mesmo tempo uma perda de confiança, e um excesso de confiança inflado, gerado pela ausência de uma visão global da humanidade que possa servir como medida da ação humana. A universalidade da iluminação se torna paradoxalmente uma injunção universalista sobre a impossibilidade de significado. Na introdução de Contingency, Irony, and Solidarity, Rorty identifica um mal-estar semelhante. Em revolta contra reivindicações metafísicas sobre significado e valores supraindividuais, a era moderna voltou-se para o ceticismo.39 Assim como Kant formulou seu idealismo crítico contra as consequências céticas que viu no empirismo de Hume, a filosofia de formas simbólicas de Cassirer se formou em parte contra uma redução positivista de espírito, que ele diagnosticou como difundida nas humanidades.40 Para Cassirer, existe uma espontaneidade não redutível ao espírito (Geist) que se manifesta na cultura; e através da qual o mundo se torna significativo para nós. A cultura é uma demonstração de nossa liberdade, tanto porque é uma prova da espontaneidade do espírito, como é através da cultura que temos significado - uma compreensão significativa do mundo e do eu, bem como interação significativa (ética). Para os racionalistas do Iluminismo, a razão tinha “primeiros princípios autoevidentes; poderia criticar todas as nossas crenças; poderia justificar a moralidade, a religião e o estado; era universal e imparcial; e poderia, pelo menos em teoria, explicar tudo na natureza”.41 A autonomia da razão - que era universal e imparcial - equivalia à possibilidade de liberdade. A possibilidade de liberdade na estrutura iluminista, no entanto, como exemplificado pelo sistema kantiano, reside em uma linha de falha entre natureza e liberdade. O mundo fenomenal da natureza é o mundo do determinismo (causal), enquanto a liberdade e a moralidade pertencem ao mundo noumenal. O sucesso das ciências físicas em explicar o mundo físico levou ao surgimento das ciências sociais, que ameaçaram essa fé iluminista na autonomia humana, porque se a razão não fosse autogovernada, poderia se tornar uma expressão 37 Luft, Sebastian. “The A Priori of Culture: Philosophy of Culture between Rationalism and Relativism: The Example of Lévi-Strauss’ Structural Anthropology.” The Philosophy of Ernst Cassirer: A Novel Assessment, edited by J. Tyler Friedman and Sebastian Luft,Walter de Gruyter GmbH, 2015, pp. 381–400: 17. 38 Cassirer, 1944: 21-2. 39 Rorty, Richard. Contingency, Irony, and Solidarity. Cambridge UP, 1989: xiii. 40 Como um comentarista da Cassirer coloca, “[a] filosofia das Formas Simbólicas é a filosofia de que precisamos quando reconhecemos que a naturalização física de Geist está fadada ao fracasso” (Kreis, 11). “A idéia básica simples [Grundgedanke] da filosofia do espírito objetivo [Forma Simbólica] é que nossa natureza é o mundo em que vivemos e não o mundo do qual as ciências naturais falam (Kreis, 14). Ver Kreis, Guido. Cassirer und die Formen des Geistes. Suhrkamp Verlag, 2010. 41 Beiser, Frederick C. The Fate of Reason: German Philosophy from Kant to Fichte. Harvard UP, 1987: 1. 137 disfarçada de interesses políticos, culturais ou subconscientes. 42 A ascensão das ciências, juntamente com a catástrofe humanitária das duas guerras mundiais, revigoraram ainda mais a crise intelectual que Cassirer diagnosticou. De que servem as ciências humanas, quando levaram às câmaras de gás? (Vou explicar essa referência abaixo). O significado encontrado nas humanidades não é objetivo como as ciências e apenas nos enganará no sentido de cometer falhas morais. Portanto, na sociologia do conhecimento de Puett e Lewis, desistimos da ideia iluminista da autonomia do sujeito humano e, em vez disso, procuramos explicar a atividade humana através da hermenêutica da suspeita: através do apelo à expressão disfarçada de interesses políticos, culturais ou subconscientes. Essa estrutura interpretativa universalmente válida é a ideologia (positivista) de que existem fatos simples. É o mito realista (Wilfrid Sellars)43 do que é "dado". O problema com a "falácia realista" para Cassirer é que ela pressupõe o que procura explicar - o fato de que há significado.44 O significado não pode ser reduzido a meros fatos, porque os fatos já são significativos: não há fatos não interpretados. Para Cassirer, uma vez que desistimos da ideia (humanística) de que existe uma espontaneidade criativa de espírito (isto é, admite uma hermenêutica da suspeita) que torna o mundo significativo para nós, os fatos da cultura "necessariamente correspondem à sua história, que, de acordo com seu objeto, se definiria como história da linguagem, história da religião e mito, história da arte etc.”. 45 Os fatos da cultura equivaleriam a uma descrição meramente empírica (de disjecta membra) que não faz nenhuma afirmação sobre o que esses fatos significam. Prescientemente, portanto, Cassirer diagnosticou a relação contemporânea entre Sinologia acadêmica, ceticismo e positivismo. Para Cassirer, um resultado lógico necessário de um realismo ingênuo (positivismo), que considera os objetos da realidade como algo dado direta e inequivocamente, é uma atitude de ceticismo. Se formas culturais (linguagem, arte, história etc.) não são entendidas como órgãos da realidade, como possuindo sua própria lei espontânea de geração, mas como meros imitadores de uma realidade já completa, o ceticismo em relação à cultura é inevitável. Se sucumbirmos à ideologia de que o significado está objetivamente presente em fatos simples, o significado que diferentes aspectos da cultura postulam é apenas um adendo secundário; e as razões pelas quais as culturas postulam esses significados serão necessariamente entendidas como dogmáticas e ideologicamente orientadas. O ensaio de Adorno, de 1949, "Cultural Criticism and Society", expressa essa desilusão com a legitimidade das humanidades. Neste ensaio, Adorno proclamou famosamente que "escrever poesia depois de Auschwitz é bárbaro".46 Fundamentado no contexto mais amplo do ensaio, o que Adorno quer dizer é que, persistir na produção de monumentos da própria cultura que deu origem a Auschwitz, é reconfirmar essa mesma cultura. Adorno não está, portanto, sugerindo que a arte é impossível depois que os seres humanos se conduziram no caminho da autodestruição; antes, que um tipo particular de arte, como uma continuação da própria cultura que nos levou à autodestruição, nunca mais deve ser a mesma. Em seu trabalho final, Negative Dialectics, Adorno oferece esta revisão condicional: “[Pode] estar errado dizer que depois de Auschwitz você não poderia mais escrever 42 Idem, 8. Sellars foi aluno de Cassirer. 44 Cassirer, Ernst. Language and Myth. Translated by Susanne K. Langer, Harper and Brothers, 1946: 12. 45 Cassirer, Ernst. Philosophy of Symbolic Forms, vol. 1: Language. Translated by Ralph Manheim, Yale UP, 1955: 84. 46 Adorno, Theodor W. “Cultural Criticism and Society.” Prisms. Translated by Samuel and Shierry Weber. 1967. MIT P, 1981, pp. 17–34: 34. 43 138 poemas. Mas não é errado levantar a questão menos cultural: se depois de Auschwitz você poderia continuar a viver... [a] sobrevivência exige frieza, o princípio básico da subjetividade burguesa, sem o qual não poderia haver Auschwitz; essa é a drástica culpa daquele que foi poupado”.47 O sentimento do pós-guerra de que a cultura é "burguesa" e, com relação ao humanismo é ideológica, também está bem incorporado na "Carta sobre 'Humanismo'" de Heidegger. O "anti-humanismo" de Heidegger passou a ter uma tremenda influência na filosofia francesa. 48 Ele passou a ter uma influência formativa em Foucault, que por sua vez influenciou a sociologia, e em Derrida, que influenciou a literatura e a literatura comparada. Para os defensores do humanismo, o estudante de Heidegger, Gadamer e Cassirer, esse anti-humanismo deixaria nossa cultura sem defesas contra o positivismo. Para Cassirer, o idealismo crítico de Kant equivale à possibilidade do humanismo, na medida em que é o sujeito que cria significado.49 Quando nos tornamos céticos em relação à possibilidade de significado, então simultaneamente soletramos a morte do sujeito. Cassirer sustenta o princípio de que há uma espontaneidade original nas expressões culturais que criam significado. Além disso, isso significa que todas as expressões culturais criam significado à sua maneira. “Para a mente, somente isso pode ser visível, de alguma forma definida; mas toda forma de existência tem sua fonte de alguma maneira peculiar de ver, alguma formulação intelectual e intuição de significado”.50 Uma vez que se aceita que o significado é criado, é um corolário natural aceitar que existe um pluralismo de significados criados. Cassirer, judeu alemão, deixou a Alemanha no exílio em 1933, e as publicações de seus últimos anos estavam cheias de reflexões sobre as condições de possibilidade da Segunda Guerra Mundial. Sob a interpretação de Cassirer, não seria por acaso que os positivistas franceses, que, acreditando que alguém possa banir tudo o que não é "objetivo" da ciência e da política, permitissem que sua física fosse incorporada ao naturalismo de Herbert e Spencer. A teoria dos elementos de Mach, ao tentar acabar com os fundamentos metafísicos, apenas a contrabandeava, mas de outra forma. Enquanto o objetivo central de Mach era a eliminação da metafísica da ciência, o próprio distanciamento da ciência de qualquer estrutura mais ampla de significado significava que Mach acabou incorporando a ciência ao quadro evolutivo de Darwin e Spencer - vendo a ciência como nada além de um instrumento de imperativos evolutivos.51 No que diz respeito a Comte, para Cassirer, “precisamente aqueles fatores e motivos, que Comte pensou que havia superado desde o início, permanecem vivos e ativos em sua doutrina. O sistema de Comte, que começou banindo toda a mitologia para o período pré-científico ou para os primórdios da ciência, culmina em uma superestrutura mítico-religiosa”.52 Para Cassirer, não há fatos. "[Estamos] condenados ao significado", como Merleau-Ponty coloca.53 Além disso, a quimera de que podemos ter fatos simples é perigosa, pois uma estrutura interpretativa será necessariamente contrabandeada; mas como ainda temos a ilusão 47 Adorno, Theodor W. Negative Dialectics. Translated by E. B. Ashton, Continuum, 1995: 362-3. Ver também: Horkheimer, Max, e Theodor W. Adorno. Dialectic of Enlightenment: Philosophical Fragments. Edited by Gunzelin Schmid Noerr. Translated by Edmund Jephcott, Stanford UP, 2002. 48 Grondin, 1995: 139. 49 Cassirer supera o dualismo kantiano entre o numenal (liberdade) e fenomenal (determinismo), afirmando que é a criação de significado através de formas simbólicas que demonstra nossa liberdade. 50 Cassirer, 1946: 8. 51 Skidelsky, Edward. Ernst Cassirer: The Last Philosopher of Culture. Princeton UP, 2008: 10. 52 Cassirer, 1955: xvii. 53 Merleau-Ponty, Maurice. Phenomenology of Perception. Translated by Colin Smith, Rout-ledge & Kegan, 1962: xviii. 139 de que “fatos” são objetivos e sem valor, consideramos certas visões sobre o mundo como “objetivas”. Quando o conhecimento científico, por exemplo, resulta de uma estrutura metafísica, ética e cultural holística, socialmente benéfica, de significado, quando reduzida ao instrumentalismo, é refém do utilitarismo. O utilitarismo passa a ser aceito como um meio de avaliação "objetivo" e sem valor. Fatos e Poder No Orientalismo, Edward Said aponta que o desejo da academia ocidental de adquirir conhecimento sobre o Oriente se baseava em um paradigma baconiano de conhecimento e poder.54 A trajetória da fundação de estudos de área nos Estados Unidos reforça o argumento de Said: Nos Estados Unidos, parecia óbvio que vencer [a Segunda Guerra Mundial] e a paz posterior seria necessário ter a cooperação dos povos orientais, e as muitas agências de guerra começaram a recrutar pessoal familiarizado com o mundo oriental... Para muitas pessoas nos Estados Unidos durante os anos de guerra e nos anos seguintes, ficou evidente que havia uma necessidade de expansão do sistema educacional nacional, a fim de incluir o estudo do Oriente moderno... A necessidade imediata... era cultivar estudos orientais nos campos das ciências sociais - economia, política e governo, relações internacionais, e ciências comportamentais.55 Essa mentalidade da guerra fria56 moldou a formação de “estudos de área” nos Estados Unidos; mas isso seria repetir a história familiar de como O Crisântemo e a Espada foi escrito57, e não vou me debruçar sobre isso aqui. o O efeito dos estudos de área, no entanto, foi trazer culturas não-ocidentais para o domínio das teorias científicas sociais universalistas, cujos métodos minaram a unidade implicitamente atribuída às formações sociais em estudo.58 Essa era a ciência como Bacon a imaginara. Livre da religião59, a ciência tornou-se nada mais que poder bruto e manipulação da natureza e, no caso do colonialismo, domínio e manipulação do outro. Como escreve Oswald Spengler, “a ciência natural ocidental se sustenta por si mesma. Nenhuma outra cultura possui algo parecido, e certamente deve ter sido desde o início, não uma 'serva da teologia', mas o servidor da Vontade de Poder técnica , orientada para esse fim, tanto matematicamente quanto experimentalmente - desde 54 Said, 2003:32. Brown, Norman. “Inaugural Session.” Proceedings of the Twenty -Seventh International Congress of Orientalists, Ann Arbor, Michigan, 13th–19th August, 1967, edited by Denis Sinor, Otto Harrassowitz, 1971, pp. 22–34: 32. 56 O trabalho de John McCumber, Time in the Ditch: American Philosophy and the McCarthy Era , sobre como a Guerra Fria afetou a forma da filosofia acadêmica, é relevante a esse respeito. McCumber observa que o surgimento da filosofia analítica nos Estados Unidos coincidiu com a Era McCarthy e, portanto, sugere o impacto que a política teve na academia. Ver McCumber, John. Time in the Ditch: American Philosophy and the McCarthy Era. North-western UP, 2001. 57 A antropóloga Ruth Benedict (1887–1948) foi contratada pelo Escritório de Informações da Guerra dos EUA para investigar a cultura japonesa, a fim de entender e prever o comportamento dos japoneses na Segunda Guerra Mundial. 58 Hung, Ho -fung. “Orientalism and Area Studies: The Case of Sinology.” Overcoming the Two Cultures: Science vs. the Humanities in the Modern World-System. Routledge, 2016, pp. 87–103: 100. 59 Grant, Edward. A History of Natural Philosophy: From the Ancient World to the Nineteenth Century. Cambridge UP, 2007: 295-6. 55 140 seus próprios fundamentos uma mecânica prática”.60 A tempestade perfeita da Sinologia anglófona do pós-guerra são, portanto, os temas relacionados a poder, utilitarismo e cientificismo. No lugar de uma redução positivista do outro a fatos que podem ser usados da maneira "conheça seu inimigo", Said postulou outra visão de estudar o outro, com base na visão de Weltliteratur de Goethe: O conhecimento positivo das línguas e da história era necessário, mas nunca fora suficiente, assim como a coleta mecânica de fatos constituiria um método adequado para compreender o que era um autor como Dante, por exemplo. O principal requisito para o tipo de entendimento filológico que Auerbach e seus antecessores estavam falando e tentaram praticar era aquele que, de maneira simpática e subjetiva, entrou na vida de um texto escrito, visto da perspectiva de sua época e de seu autor (eingefühling [sic]).61 Em vez de alienação e hostilidade a outro tempo e cultura diferentes, a filologia aplicada ao Weltliteratur envolvia um profundo espírito humanista, mobilizado com generosidade e, se posso usar a palavra, hospitalidade. Assim, a mente do intérprete se coloca no lugar de um Outro estrangeiro. E essa construção criativa de um lugar para obras que, de outra forma, são estranhas e distantes, é a faceta mais importante da missão filológica do intérprete (Said, 2003, Prefácio).62 Antes que a Sinologia anglófona se tornasse refém de um positivismo científico, no entanto, ela operava sob um paradigma mais próximo da visão goethiana da literatura mundial que Said apelou. Na passagem citada abaixo, Norman Girardot compara a Sinologia de James Legge (1815-1897) e Friedrich Max Müller (1823-1900) com a Sinologia contemporânea. Ao contrário da "hermenêutica da suspeita" encontrada na Sinologia contemporânea, Girardot identifica uma "hermenêutica da confiança", fundada no humanismo: O que realmente distingue o conhecimento de Legge dos tardiamente profissionalizados, academicamente especializados e racionalizados intelectualmente, do estilo T’oung Pao sinológico de Schlegel, Chavannes e Pelliot da tradição francesa revivida do Orientalismo, como também foi a diferença entre a ciência comparada da religião de Müller e as abordagens acadêmicas posteriores, mais específicas da área e totalmente secularizadas da antropologia e da “história das religiões”, é uma questão de duas formas antagônicas, mas nem sempre claramente separáveis, de fé crítica e prática ritual referente à origem e desenvolvimento de literaturas antigas e formas civilizacionais. Alguns dos fatores cruciais nessa distinção têm a ver com a passagem de um modo semiexegético ou comentarista de um comparativismo idealisticamente inclinado ou "hermenêutica da confiança" (exemplificado pela piedade religiosa, histórica e literária inata da Sinologia de Legge e da ciência da religião humanística de Müller) a um mais historiográfico, uma “hermenêutica da suspeita” pluralista, analítica, fragmentada, acadêmica, científica, 60 Spengler, Oswald. The Decline of the West: An Abridged Edition. Translated by Charles Francis Atkinson, Oxford UP, 1991: 340. 61 Said possivelmente quis dizer "Einfühlung". 62 Said, 2003: Prefácio, xix. 141 racionalista, naturalista, poligenética, não comparativa, relativista e secularmente irreverente em relação a civilizações antigas, aos textos e autores.63 Vamos considerar cada uma das caracterizações de Girardot individualmente. O sinólogo contemporâneo totalmente profissionalizado, que publica em periódicos intelectualmente “racionalizados” como a T'oung Pao, são "historiográficos, pluralistas, analíticos, fragmentados, acadêmicos, científicos, racionalistas, naturalistas, poligênicos, não comparativos, relativísticos e secularmente irreverentes". Em termos de "historiográfico", a natureza historiográfica de grande parte da Sinologia contemporânea - por exemplo, de Puett - pode ser entendida através da descrição de Gadamer da raison d'être do historiador. Como Gadamer escreve, para o historiador, é um princípio básico que a tradição deve ser interpretada em um sentido diferente dos textos que eles mesmos exigem. Ele sempre voltará para trás, e o significado que expressam para investigar a realidade , eles expressam involuntariamente. Os textos devem ser tratados da mesma maneira que outros materiais históricos disponíveis - isto é, como as chamadas relíquias do passado. Como tudo o mais, eles precisam de explicação - isto é, para serem entendidos em termos não apenas do que dizem, mas do que exemplificam.64 Entendo que "pluralista", "poligênico", "relativista" e "fragmentado" de Girardot significam uma fragmentação pós-modernista, que não vê valor objetivo em nenhum discurso tradicional. “Analítico” eu interpreto para significar que podemos desconstruir o texto em questão sem referência à tradição intelectual mais ampla. Como "Acadêmico", "científico", "racionalista", "naturalista", "não comparativo" e "secularmente irreverente", considero o positivismo científico que problematizo neste artigo porque permite a redução das culturas de outras pessoas em "fatos”, que o positivismo científico considera ser o denominador universal de todos os povos através do espaço e do tempo. É esse positivismo redutivo que, como Spengler diagnosticou, é o servo da vontade de poder. Portanto, não é por acaso que Said invoca o humanismo como um meio de superar o Orientalismo da academia; e que Girardot também fez uma distinção entre a Sinologia contemporânea mais positivista e o empreendimento humanístico da velha escola, conforme personificado por Legge e Müller. O humanismo ao qual Said e Girardot apelam é inerentemente contrário ao reducionismo positivista. Em "Orientalismo e estudos de área", Ho-fung Hung afirma que "[a] tensão entre os estudos da Sinologia européia e dos EUA com a China é em parte uma expressão da tensão entre as duas culturas"65 - as duas culturas sendo as duas culturas esboçadas por C.P. Snow.66 Enquanto “os estudos sobre a China no pós-guerra eram altamente nométicos”67, com base na metodologia do funcionalismo estrutural parsoniano, a 63 Girardot, Norman J. The Victorian Translation of China: James Legge’s Oriental Pilgrim-age. U of California P, 2002: 430. 64 Gadamer, 2004: 332. 65 Hung, 2016: 100. 66 “As Duas Culturas” é a primeira parte de uma influente Conferência Rede [Rede Lectures] de 1959, do cientista e romancista britânico C.P. Snow, na qual ele postula que “a vida intelectual de toda a sociedade ocidental” (p.3) foi dividida nas duas culturas titulares - ou seja, as ciências e as humanidades - e que esse foi um grande obstáculo à solução dos problemas do mundo. Ver Snow. C.P. The Two Cultures. Cambridge UP, 1998. 67 Hung, 2016:99. 142 Sinologia europeia do pós-guerra era mais humanística68. O abraço da cultura científica, em detrimento da cultura humanista europeia, é a raiz das tendências de orientalização contemporâneas na Sinologia anglófona. O que as ciências sociais estudam é apenas metade do dualismo kantiano entre o numenal (liberdade) e fenomenal (determinismo). O pessimismo Anglófono do pós-guerra sobre a possibilidade de liberdade humana exigiu o abraço das ciências sociais que investigavam apenas os aspectos determinísticos dos seres humanos. Uma vez que se renega à própria ideia de que existe um significado maior e não redutivo a ser adquirido em uma tradição cultural, essa tradição é então intrinsecamente reduzida aos denominadores comuns das ciências sociais: uma amálgama de agentes interessados, cujas ações só podem ser explicadas pelo interesse próprio. A aceitação desse cientificismo social reconfirma assim os estereótipos racistas sobre os chineses como não autônomos, pois esse estereótipo racista transformou o dualismo kantiano em um fato geográfico e racial. Divorciada de uma visão de mediação subjetiva em que o sujeito (em conjunto com os outros) cria espontaneamente seus próprios significados, a tradição chinesa é reduzida à visão do homem encontrada na sociologia de Weber e Foucault. Essa visão empobrecida dos seres humanos como robôs egoístas tornará necessariamente o sinólogo ou intérprete hostis e alienados a essa tradição; pois esta é uma visão de seres humanos que não terá possibilidade de permitir que os humanísticos Einfühlung que Said apela possam florescer. Como alguém pode simpatizar com uma tradição que é desprovida do aspecto definidor da liberdade humana - a capacidade de criar significado? Sem essa manifestação chave da liberdade humana, não podemos mais ver nenhuma mediação subjetiva; e não haveria mais nada para entendermos e, assim, simpatizar. As metodologias das ciências sociais em sua redutividade são, portanto, companheiros naturais do paradigma baconiano de conhecimento como poder. Elas pintam um retrato da tradição chinesa como não autônoma, povoada por meros animais que podem ser explicitamente explicados através das ferramentas das ciências sociais e, como tal, um jogo justo de dominação, como o resto da natureza. Mais cinicamente, pode-se dizer que a academia anglófona temia que conferir legitimidade à tradição cultural do outro seria o mesmo que admitir que há mais de um "universal". Dado que esse pluralismo seria uma concessão ipso facto dos limites do universalismo iluminista, foi possível ao projeto do universalismo iluminista negar que (outras) culturas sejam outra coisa senão meramente ideológicas. O único universal é o positivismo, que por definição nega que as culturas sejam manifestações da espontaneidade criativa dos sujeitos livres. É nesse sentido que o universalismo se torna apenas outro método de dominação. Se admitíssemos que havia uma autonomia criativa do espírito na criação de significado, teríamos que confirmar que todas as produções culturais de significado têm legitimidade. Esse pluralismo seria antitético ao projeto iluminista, que quer afirmar que apenas um determinado conjunto de valores tem validade. Como tal, foi conveniente para o projeto iluminista adotar um empirismo em que os humanos são reduzidos a um conjunto idêntico de descritores (positivistas); e outros tipos de significado são assumidos como meramente ideológicos. O Ocidente 68 A distinção entre os estudos da China nos EUA e sua contraparte europeia mais humanística é bem caracterizada pelo presidente da Associação Sinológica Europeia, que falou das “novas forças emergentes [especialistas em estudos da China nos EUA] (frequentemente treinadas em ciência política e economia, que foram criadas com os Four Books), acusando os sinólogos tradicionais de serem petrificados e antiquários, e os sinólogos classificam os especialistas contemporâneos da China como superficiais e politizados” in Idema, Wilt. Preface. When West Meets East: International Sinology and Sinologists, edited by Wang Jia Fong and Laura Li, Sinorama, 1991, pp. 8–9. 143 como sumo sacerdote da ciência empírica, poderia explicar as culturas nacionais de seu centro arquimediano (a-cultural). O Problema com a Literatura Comparada Contemporânea China-Ocidente Existe uma tendência dominante na literatura comparada anglófona China-Ocidente, que, como a Sinologia anglófona que acabei de criticar, é baseada em um ideal iluminista de universalidade. Em uma das obras mais representativas do que eu tenho em mente, de Haun Saussy69 The Problem of a Chinese Aesthetic70, Saussy aplica categorias estéticas ocidentais para ler obras do Cânone chinês. A lógica para isso é mais ou menos assim: dada a distorção criada por todas as leituras e camadas de história dos comentários, motivadas por toda um envolvimento de agendas políticas, a intenção autoral das obras chinesas não poderia ser acessada. Isto significa que o sentido original dos textos chineses não pode ser acessado, e assim a construção da tradição chinesa, via categorias europeias, é tudo o que se pode fazer. Contra Stephen Owen, Pauline Yu, Andrew Plaks e A.C. Graham - todos argumentam que o monismo do qi ( 气) teve um impacto profundo no pensamento e na literatura chineses, por exemplo - Saussy argumentará que não se pode mais fazer afirmações substantivas sobre a Tradição chinesa. Aos olhos de Saussy, A.C. Graham, que argumenta que “o ser da ontologia ocidental está ligado à cultura”71, torna-se um apologista da estabilidade ontológica das culturas e da incomensurabilidade das culturas (isto é, a necessidade de estudar outras culturas em seus próprios termos). Graham "esqueceu" que todos os textos estão apenas afirmando alegações de verdade, porque "somos todos antropólogos hoje em dia"72, ou pelo menos deveríamos ser, e "[o] pesquisador que esquece isso" - ou seja, A.C. Graham - “se transforma em apologista, fornecedor do mero inventário do sujeito, pois todas as religiões, por mais ecléticas e tolerantes, tendem a ter proposições que afirmam serem verdadeiras”.73 Aqui, vemos a agenda final de Saussy: ler culturas do centro universal e arquimediano do universalismo iluminista. O efeito líquido disso é uma espécie de nivelamento homogeneizador. Nas próprias palavras de Saussy, “[os] compiladores do Livro de Odes, os autores do Livro de Documentos e assim por diante criaram... a nação que eles celebraram, e nesse sentido eles não são nada diferentes de Hegel tentando derivar o conceito da China a partir de uma lógica histórica especulativa do mundo, ou Leibniz na esperança de estabelecer, através de uma espécie de trocadilho, a tolerância mútua da teologia católica e da física chinesa”.74 Dado que os trabalhos dos autores chineses são representações, e todas as representações têm o mesmo valor epistêmico, o conceito de Hegel de "China" é tão válido quanto o próprio conceito de "China" da tradição chinesa. Todas as interpretações são interpretações, e nenhuma interpretação tem uma reivindicação maior sobre a outra. “A conclusão deste capítulo é que as regras leibnizianas são as únicas adequadas ao jogo em que nós (juntamente com Longobardi, Yu, Plaks e Owen, só para citar alguns) já somos jogadores. O que são categorias, senão conjuntos de movimentos permitidos com o verbo 'ser'?”.75 Todas as interpretações têm o mesmo valor epistêmico para Saussy, porque o próprio consenso da tradição chinesa, transmitido através da história, não recebe nenhum status ontológico. Não podemos mais apelar para a existência, ou realidade, de uma 69 Haun Saussy ocupou a posição influente do Presidente da Associação Americana de Literatura Comparada entre 2009 e 2011. 70 Saussy, Haun. The Problem of a Chinese Aesthetic. Stanford UP, 1993. 71 A.C. Graham, Disputadores do Tao, Open Court Publishing, 1989: 428 apud Saussy, 1993: 8. 72 Saussy, 1993: 6. 73 Idem, 5. 74 Idem, 4. 75 Idem, 45. 144 "tradição chinesa" porque isso pressupõe a "estabilidade ontológica" da tradição chinesa, como um dos colaboradores de Saussy, Eric Hayot 76, escreveu.77 Sem essa estabilidade, no entanto, a verdadeira compreensão da tradição chinesa se torna impossível - o que não representa uma crise epistemológica para Saussy - porque entender a tradição chinesa nunca foi o telos de seu conhecimento. “O argumento contínuo do livro”, como Saussy escreve em sua introdução, “coloca os métodos analíticos da retórica contra, primeiro, a unidade sinótica de uma cultura definida; segundo, o conjunto de narrativas históricas que formam a base da visão sinótica; e, finalmente, uma formulação categórica, isto é, filosófica, de problemas históricos”.78 História, filosofia e a unidade de uma tradição cultural não têm mais legitimidade; somente o método "analítico" da retórica o faz. O método analítico de retórica que Saussy emprega contra a unidade de uma cultura, história e filosofia definidas parece ser composto de "tradução" e "leitura atenta". O que a tradução e a leitura atenta de Saussy significam, no entanto, é um apagamento da tradição chinesa; e convenientemente, uma vez que a tradição chinesa seja apagada, não haverá tribunal externo contra o qual medir a "tradução" ou a "leitura atenta" do Ocidente. Na tradução, Saussy sustenta que “[começamos com um problema de tradução, que não pode ser resolvido em nenhum dos idiomas em que foi colocado]. Chegamos agora a uma solução para um problema de tradução em que o conhecimento, ou o poder da linguagem de se referir a objetos, teve que ser sacrificado para que o trabalho de tradução fosse realizado”.79 Como não há mais um referente seguro - a tradição chinesa - a medida de uma boa tradução se baseia no julgamento do próprio tradutor. “Como regra”, Saussy procura “resolver problemas da história literária e da literatura comparada pelo que é chamado... leitura atenta.” Saussy dá “a leitura da última palavra, especialmente onde os problemas [que ele enfrenta] parecem se prestar a outros estilos de interpretação”. 80 Se a “leitura atenta” é a base definitiva sobre a qual se apoia a legitimidade do conhecimento de Saussy, então de onde deriva a legitimidade da “leitura atenta”? “Leitura aproximada”81 é uma técnica - popularizada pelo New Criticism - que é entendida como universal, neutra em valor e universalmente aplicável. Vale lembrar que o New Criticism foi desenvolvido como uma reação aos estudos filológicos da Alemanha do século XIX, incorporados por grandes filólogos romances do século XX, como Erich Auerbach (com quem já encontramos), Leo Spitzer e Ernst Robert Curtius. É no espírito humanista dessa filologia que Edward Said vê alguma possibilidade do Ocidente em superar seu Orientalismo.82A nova crítica, contra essa tradição, tentou 76 Eric Hayot ocupou a posição influente de presidente da American Comparative Literature Association em 2013-14. Para alguém que fez sua carreira como especialista na comparação China-Oeste, seus livros são surpreendentemente distorcidos para o fim ocidental de comparação. Seu primeiro livro, Chinese Dreams: Pound Brecht, Tel Quel, enfocou a influência da “porcelana” na vanguarda do século XX. O mandarim hipotético focou-se na recepção ocidental da "China". Ver Hayot, Eric. Chinese Dreams: Pound, Brecht, Tel Quel. U of Michigan P, 2004, e também; The Hypothetical Mandarin: Sympathy, Modernity, and Chinese Pain. Oxford UP, 2009; Hayot, Eric, et al., editors. Writing China: Sinographies. U of Minnesota P, 2008. 77 Hayot, 2004: xiv, 180-1. 78 Idem, 2. 79 Saussy, 1996: 43. 80 Idem, 3. 81 Isso está relacionado ao método formalista francês da Explication de Texte. A técnica da leitura atenta postula que o significado do texto está incorporado no texto. Como tal, qualquer coisa externa ao texto, seja o contexto histórico e cultural, a resposta do leitor, ou a intenção autoral, e assim por diante, deve estar entre colchetes. Conferir “A Falácia Intencional” e “A Falácia Afetiva” in Wimsatt, W. K., Jr., and M. C. Beardsley. “The Intentional Fallacy”, The Sewanee Review, vol. 54, no. 3, 1946, pp. 468–88. 82 Said, 2003, Prefácio: xviii. 145 fundamentar a teoria como uma ciência positivista e foi surpreendentemente - através do trabalho de I.A. Richards - influenciada pelo positivismo lógico. Sob esse paradigma, o estudioso da literatura usa a técnica da "leitura atenta", como faz um cientista em um laboratório. A autoridade da leitura atenta baseia-se em ser tão metodologicamente objetiva e sem valor quanto um experimento científico. A leitura atenta de Saussy sobre uma das Odes (Mao, n. 158, “Hewing an Axe Handle”) está, no entanto, firmemente incorporada a uma estética europeia; e como escreveu um revisor, claramente motivada pela “versão kantiana da estética”83- e, portanto, impregnada pela “linguagem do Orientalismo complacente”.84 O fato é que, como já dissemos, é impossível separar fatos da teoria. Quem trabalha sob essa ilusão, sem saber, contrabandeia uma estrutura teórica. Evidentemente, para Saussy, a estética kantiana era o arcabouço teórico que ele usava para ler poesia chinesa por volta do século XI a.C. Em um dos livros mais recentes (2014) sobre a escrita chinesa, Beyond Sinology: Chinese Writing and the Scripts of Culture, de Andrea Bachner85, outro acólito da escola Saussy-Hayot de comparadores China-Ocidente, "usa o sinógrafo para analisar o que liga a linguagem, os escritos e a expressão medial à identidade cultural e nacional".86 Como o “‘valor’ de um roteiro sempre foi determinado por seu potencial para desempenhar funções sociais e ideológicas específicas” 87, o orgulho da cultura chinesa - sua escrita - é reduzido a uma “política de roteiro”88, para “política de linguagem nacional”89. Qualquer orgulho nacional no sinógrafo é apenas uma manifestação do "nacionalismo chinês", tocando "em uma tradição cultural milenar, reconstruída como um todo cultural, como base para a unidade política".90 Apesar do título de seu livro, pois, Bachner foi além da ortodoxia da Sinologia contemporânea e de sua metodologia de desconstrução da cultura chinesa, adotando uma sociologia (foucaultiana) do conhecimento. Como conclusão da minha crítica a esses comparadores, deixe-me citar Daniel Vukovich que, em uma crítica sustentada a Saussy e aos acólitos de sua escola de pensamento, escreve que “[é] como se tudo o que se pudesse fazer fosse continuar descobrindo a verdade do pósestruturalismo, a singularidade da crítica, o anacronismo da literatura engajada”. 91 A proibição dessa estabilidade ontológica para a tradição chinesa permite que essas leituras pós-estruturalistas da China “ocultem suas dimensões e interpretações políticas essencialmente da Guerra Fria”.92 No caso dos comparatistas, sua metodologia é sintomática de uma convicção teórica profundamente arraigada. Por fim, não há nada que a literatura comparativa como disciplina precise aprender com a tradição chinesa: a tradição chinesa fornece os dados empíricos que precisam ser alimentados através do moinho teórico de nossas modernas metodologias comparativas. Esse mal-estar dos departamentos de literatura, como escreveu Richard Rorty, levou a "uma grande massa de artigos e livros pouco legíveis e incrivelmente chatos", gerados a partir da crença de que alguém poderia 83 Fuller, Michael A. “The Problem of a Chinese Aesthetic by Haun Saussy.” Journal of the American Oriental Society, vol. 116, no. 2, 1996, pp. 365–67. 84 Idem, 366. 85 Bachner, Andrea. Beyond Sinology: Chinese Writing and the Scripts of Culture. Columbia UP, 2014. 86 Idem, 14. 87 Idem, 3. 88 Idem, 1. 89 Idem, 7. 90 Idem, 9. 91 Vukovich, Daniel F. China and Orientalism: Western Knowledge Production and the P.R.C. Routledge, 2012: 141. 92 Idem, 140. 146 estudar a literatura "aplicando uma teoria a um texto".93 Essa "teoria" é o que aconteceu para ser, atualmente, o estágio mais avançado da dialética imanente de autodesenvolvimento (a-cultural) da metodologia comparada. Essa divisão do trabalho e estereótipo sobre a China,é claro, já existe há algum tempo. Leibniz, por exemplo, via a Europa como superior no desenvolvimento da dedução,conhecimento a priori, considerando que a China se destacou no conhecimento empírico.94 Vale lembrar que o conceito de Weltliteratur de Goethe- da "literatura mundial", "cultura mundial" e "comunicação mundial" - assumida como a autoidentidade dos departamentos de literatura comparada anglófona, se baseia na visão de que a diferença enriquece as culturas. A literatura comparada gosta de se ver como o bastião do cosmopolitismo na academia anglófona; mas como alguém pode ser verdadeiramente cosmopolita, quando não pode sequer conceber que haja significado humanístico na tradição do outro? Se o cânone confucionista é inerentemente ideológico, não há legitimidade intrínseca para estudá-lo. Não creio que os comparadores China-Ocidente tenham adotado as ideias herderianas e goethianas sobre o pluralismo. Na conversa com Eckermann, na qual Goethe entende ter cunhado o termo Weltliterature que o campo da literatura comparada se apropria desde então de seu chamado às armas, Goethe rejeita o universalismo do Iluminismo. Embora Goethe admita que tudo o que os chineses fazem em seus romances "é mais claro, puro e decorativo, do que conosco"95 e "enquanto valorizamos o que é estrangeiro", não devemos, no entanto, nos ligarmos a qualquer coisa em particular, e consideramos isso um modelo. Não devemos atribuir esse valor aos chineses, sérvios, Calderon ou Nibelungos; mas se realmente queremos um padrão, devemos sempre voltar aos gregos antigos, em cujas obras a beleza da humanidade é constantemente representada. Todo o resto, devemos olhar apenas historicamente, apropriando-nos do que é bom, na medida do possível.96 Cada cultura, como a mônada, tem seu próprio centro em si.97 O Ocidente tem seu centro dentro da tradição grega, e é uma ilusão pensar que podemos alcançar um 93 Rorty, Richard, and Haun Saussy. “Looking Back at ‘Literary Theory.’” Comparative Literature in an Age of Globalization, edited by Haun Saussy, The Johns Hopkins UP, 2006, pp. 63–67: 65. 94 Perkins, Franklin. Leibniz and China: A Commerce of Light. Cambridge UP, 2004: 135-6. 95 Goethe, Johann Wolfgang von, and J. P. Eckermann. “Conversations on World Literature.” The Princeton Sourcebook in Comparative Literature: From the European Enlightenment to the Global Present, edited by David Damrosch et al., Princeton UP, 2009, pp. 17–25: 21. 96 Idem, 23. 97 Não estou usando a analogia da Monadologia de Leibniz arbitrariamente. Na opinião de Cassirer, Goethe - em sua poesia e ciência natural - estendeu criativamente o conceito de forma de Leibniz através do intermediário de Kant. Embora Goethe não tenha explicitamente adotado a doutrina leibniziana, Cassirer afirma que a monadologia de Leibniz foi a base a partir da qual "sua imagem mundial foi construída", assim como era para todos os outros na era do humanismo alemão, na era de Lessing e Herder (Cassirer, Ernst. Freiheit und Form. Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1961: 30). Massimo Ferrari comenta que “Cassirer viu um relacionamento muito íntimo [innigste Verwandtschaft] entre Goethe e Leibniz devido à grande diversidade das formas de vida de Goethe, sua continuidade, seu entrelaçamento inesgotável, e sua dinâmica interna não seria possível sem o contexto leibniziano ”(Ferrari, Massimo. “Was wären wir ohne Goethe? Motive der frühen Goethe-Rezeption bei Ernst Cassirer.” Cassirer und Goethe: Neue Aspekte einer philosophischen literarischen Wahlverwandschaft, edited by Birgit Recki and Barbara Naumann, Akademie Verlag, 2002, pp. 173–94: 181). A visão de Cassirer sobre essa conexão é precedida pelo trabalho de Wilhelm Windelband, Rudolf Eucken, Georg Simmel, Karl Vorländer, 147 universalismo que é ao mesmo tempo uma espécie de falta de raízes. Deveríamos, como Goethe, reconhecer a diferença, mas também respeitar a diferença. Não devemos temer que as culturas sejam, em última análise, incomensuráveis, pois é somente quando reconhecemos a diferença que podemos buscar a tolerância, o respeito a essa diferença e, por fim, o pluralismo. Não acho que a visão de Goethe sobre Weltliteratur, um dos princípios fundamentais da literatura comparada, foi cumprida pela tendência dominante da comparação China-Oeste nos departamentos de literatura comparada anglófona. Os comparatistas do oeste da China adotaram o universalismo iluminista. Mas, mesmo que a literatura comparada tenha falhado no pluralismo, pelo menos ela tentou, o que é mais do que pode ser dito para o último bastião do Iluminismo Europeu - a filosofia. Mainstream da Filosofia Anglófona Um dos maiores problemas éticos de nosso tempo é a questão do pluralismo cultural. Atualmente, estamos enfrentando a pior crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial e, no entanto, em geral, os filósofos profissionais são complacentes em negar que o pluralismo é mesmo um problema. Isso equivale a um arquiteto, que se recusa a projetar para o mundo moderno, algo além dos contrafortes voadores do período gótico medieval. Em um ensaio canônico sobre o relativismo cultural, James Rachels98 exemplifica a atitude da filosofia principal em relação ao pluralismo cultural. Rachels discute alguns casos de diferença cultural, mas esses casos servem para ilustrar dois pontos filosóficos que os filósofos tradicionais consideram suficientes para descartar a diferença cultural como um sério problema filosófico, digno de investigação adicional. Primeiramente, o mero fato da diferença cultural não significa que aqueles de um lado da divisão estejam enganados sobre sua visão ética; segundo, aceitar que a verdade moral é totalmente relativa às culturas significa que não podemos fazer objeções contra práticas horríveis, como escravidão e genocídio. A opinião penetrante é que não podemos abandonar a ideia de um princípio universal ou princípio universalizável. Mais uma vez, o projeto iluminista é sacrossanto. Basta dizer que acho que a filosofia anglófona convencional incorpora, ao extremo, os problemas que estão na base das tendências orientalistas da Sinologia e da literatura comparada. A filosofia analítica anglófona contemporânea se modela no positivismo lógico de seus fundadores, e se vê como uma ciência. A recusa de aceitar que sua própria tradição é outra coisa senão histórica, culturalmente (espacial e temporalmente) contingente, e limitada por suas próprias suposições metodológicas, é a razão de seu famoso chauvinismo. Quando os filósofos anglófonos da atualidade dominam a filosofia chinesa, o resultado é pouco mais sofisticado do que a interpretação de Jesuíta da filosofia chinesa a partir do século XVI. Em uma publicação recente da Princeton University Press, Classical Confucian Political Thought: A New Interpretation, Loubna El Amine argumenta que “a abordagem política oferecida nos textos clássicos confucionistas não segue a ética confucionista de maneira direta”.99 Esta tese contradiz o que geralmente é considerado o telos governante do confucionismo: cultivo moral. Ao sugerir que “a ordem política é um fim em si mesmo, não um meio para a virtude”100, El Amine descarta o fato de que a ordem política era Dietrich Mahnke e Bruno Bauch. Ver também Ferrari, Massimo, and Ernst Cassirer. Stationen einer philosophischen Biographie: Von der Marburger Schule zur Kulturphilosophie. Translated (from Italian) by Marion Lauschke, Felix Meiner Verlag, 2003. 98 Rachels, James. The Elements of Moral Philosophy, 4th ed., McGraw-Hill, 2002: cap.2. 99 El Amine, Loubna. Classical Confucian Political Thought: A New Interpretation. Princeton UP, 2015: 9 100 Idem, 15. 148 tradicionalmente entendida como apenas um meio para o fim de uma vida significativa.101 Isso, como agora deve ser familiar, é uma redução positivista. Operativa novamente, é uma hermenêutica da suspeita que é sumariamente desprezadora dos objetivos idealistas de uma tradição, e assume como certo que a mecânica prática de uma tradição pode ser representativa dessa tradição. O mais preocupante é que El Amine é capaz de seguir uma linha que se opõe ao que a tradição chinesa pensa sobre a tradição confucionista, o que é atribuível ao fato de El Amine, como diz um revisor de seu livro, parece não reconhecer que esses textos foram intensivamente estudados na China há pelo menos dois mil anos, em muitos casos com referência particular ao pensamento político. Apenas um estudioso neoconfucionista é mencionado de passagem, e esse é Zhu Xi (1130– 1200). Além disso, a confiança praticamente exclusiva do professor El Amine em materiais em inglês significa que nem um único estudioso da China continental tem seu trabalho referenciado, com exceção daqueles que escrevem em inglês.102 De onde vem essa arrogância intelectual, onde é possível fazer reivindicações sobre a tradição intelectual de outra cultura, e ter a garantia de que essas reivindicações são válidas sem a necessidade de se preocupar com o que essa própria tradição viva pensa em sua própria tradição? Vamos reverter o cenário por um momento para destacar seu absurdo. Poderia um estudioso chinês que trabalha em, digamos, Kant, não fazer referência à tradição de comentarismo alemão sobre Kant, nem citar nenhum de seus trabalhos, ter um domínio questionável do alemão e depois prosseguir com uma interpretação de Kant que seja diametralmente oposta para a interpretação ortodoxa alemã, e depois afirmar que esta é a interpretação correta? Não, claro que não; seria ridicularizado e definitivamente nunca seria publicado por um dos editores mais prestigiados da América do Norte. A razão pela qual essa situação existe, é que aqueles associados à produção deste livro deram como certo que se pode, como nas ciências, escapar de nossa situação humana, em que nosso entendimento é intrinsecamente limitado, carregado de valor e contingente. Conclusão A crítica do Orientalismo envolve inevitavelmente nomear nomes. A chamada de nomes neste artigo não pretende, no entanto, ser um ataque pessoal. O que este artigo apontou foi a situação intelectual da academia e da filosofia do pós-guerra que permitiram um Orientalismo contínuo. Usando uma hermenêutica da suspeita para questionar a validade da própria tradição chinesa, a Sinologia do pós-guerra adotou o padrão da metodologia das ciências sociais e, como o cientista, acreditava-se residir em um centro vazio para avaliar objetivamente a tradição chinesa. Como vimos, no entanto, as ciências sociais podem representar apenas a parte o fenômeno determinista do dualismo kantiano entre autonomia e determinismo. O que as metodologias das ciências sociais reafirmam é o estereótipo racista sobre os povos chineses como agentes não-livres. O fato de esse estereótipo ter agora o prestígio e a autoridade de 101 Eu não acho muito controverso dizer que, para o confucionismo, uma vida moral é uma vida significativa. 102 Milburn, Olivia. Review of Classical Confucian Political Thought: A New Interpretation, by Loubna El Amine, Journal of the Royal Asiatic Society, vol. 26, no. 3, July 2016, pp. 536–37. 149 “erudição” legitima ainda mais esse estereótipo e, por sua vez, quaisquer decisões de política externa que seja conveniente para o Ocidente tomar. Os comparadores China-Ocidente não desafiaram esse paradigma. Suas obras são esmagadoramente permeadas por uma hermenêutica de suspeita similar, que não vê legitimidade inerente à tradição chinesa. Novamente, a posição padrão é explicar a existência da tradição chinesa através do pós-estruturalismo. Além disso, seguindo a metodologia do New Criticism, eles renegaram a visão humanista adotada por Goethe quando cunhou o termo "literatura mundial". O mesmo mal-estar existe no campo paradigmático do universalismo iluminista: a filosofia. Apesar de todos os apelos para fazê-lo, a filosofia não se diversificará até que desista de sua autoconcepção como investigação de verdades trans-espaço-temporais que são universalmente válidas. Até a filosofia abraçar a humildade intelectual de que nenhum ser humano pode transcender sua própria finitude, continuará seu chauvinismo intelectual. Finalmente, este artigo acatou o insight de Cassirer, e mostrou que grandes injustiças são feitas quando tentamos reduzir a pluralidade de nossas vidas culturais a uma única lógica. A tentativa de ler a tradição chinesa através de uma sociologia redutiva do conhecimento resultou em um grande empobrecimento da tradição chinesa. Nota Gostaria de agradecer ao revisor anônimo cujas sugestões úteis permitiram as melhorias em um rascunho anterior deste artigo. Gostaria de agradecer a Jacob Bender pelas muitas conversas que moldaram este artigo e por sua paciência na leitura dos rascunhos anteriores. 150 SINOLOGIA E ORIENTALISMO NO BRASIL André Bueno Recentemente, escrevi sobre os possíveis caminhos para a construção de uma Sinologia brasileira.1 Tenho partido do princípio de que a ausência de uma tradição em estudos chineses no país acabou criando expedientes e estratégias para lidar com a civilização chinesa, com objetivos bastante específicos nos campos político, econômico e cultural. Esse panorama tem proporcionado abordagens irregulares, descontínuas e multifacetadas sobre a China, que dificultam a construção de um espaço comum de diálogo entre os sinólogos brasileiros. Duas questões fundamentais, todavia, continuam ligadas a formação de uma escola sinológica brasileira: a primeira, da conexão do conceito de Orientalismo, tal como proposto por Edward Said (1998)2, com a ideia do que poderia ser um Sinologia, como um campo de estudos chineses; em segundo lugar, como definir esse próprio campo de estudos frente à academia, de forma a estruturar sua existência e continuidade. A formação da cultura brasileira representa desafios específicos nesse sentido. Embora tenhamos recebido levas ocasionais de chineses no país, até a segunda metade do século 20, essas comunidades não haviam alcançado representatividade suficiente para se inserirem academicamente, criando seus próprios espaços. Nesse sentido, a imigração japonesa – muito mais ativa e representativa em termos numéricos – conquistou espaços universitários significativos, manifestos na difusão de inúmeros cursos de língua japonesa e de grupos de estudo. O fracasso no projeto de imigração chinesa para o Brasil, avidamente debatido no século 19, proporcionou um vácuo no conhecimento sínico dos intelectuais brasileiros.3 Essa ausência se reproduz, diretamente, na maneira como os brasileiros compreenderam a China ao longo do século 20 e no momento atual. A civilização chinesa foi incluída no amplo quadro das ‘culturas orientais’, caracterizadas ampla e superficialmente na mentalidade nacional pelo viés do Orientalismo (tal como proposto por Said), inserindo-a numa hierarquia imaginária das culturas. Essa situação criou dificuldades profundas para o entendimento da China em nosso cenário intelectual; é a primeira consideração que vamos analisar a seguir. O Orientalismo brasileiro A construção de visões orientalistas foi um fenômeno comum, tanto nas artes como nas ciências, em todo o século 19. O Orientalismo foi, antes de tudo, a construção de uma estratégia de entendimento - por parte das culturas eurocêntricas - sobre as civilizações ditas ‘orientais’ ou ‘asiáticas’. Esse processo vinha se desenvolvendo desde o século 16, com as primeiras navegações em direção a Ásia, mas só tomou corpo, de fato, com o início do imperialismo europeu. A formação de escolas de 1 Bueno, André. ‘Caminhos para uma Sinologia Brasileira’. In Bueno, André; Crema, Everton; Estacheski, Dulceli; Neto, José Maria (orgs.) Diversos Orientes. União da Vitória/Rio de Janeiro: Edição Especial Sobre Ontens – LAPHIS/UNESPAR, 2018, p.5-13. 2 Said, Edward. Orientalismo – A invenção do Oriente pelo Ocidente. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1998. 3 Czepula, Kamila. ‘Em busca dos Chins’ in Bueno, André; Estacheski, Dulceli; Crema, Everton; Neto, José Maria (orgs.) Vários Orientes. Rio de Janeiro/União da Vitória; Edições Sobre Ontens/LAPHIS, 2017, p.245-253; Dantas, Rafael. Origens das relações entre Brasil e China. Recife: Liber, 2006. 151 línguas, e a preparação de especialistas nas mais diversas civilizações, cumpriam funções tanto estratégicas como de erudição acadêmica. Como Edward Said bem apontou, a estruturação desse pensamento orientalista atendia ao interesse da construção de uma superioridade ideológica por parte das sociedades européias e/ou eurocentradas. Esse Orientalismo não respondia somente a um critério geográfico, mas fundamentalmente cultural: Axel Gasquet (2016)4, por exemplo, demonstrou que no caso argentino, ‘o oriental’ poderia ser tanto o asiático como o indígena – tratava-se de uma questão de alteridade e definição de uma ‘argentinidade’, como apontou Luis Fanlo (2010 e 2011). 5 Alcida Ramos mostrou, igualmente, que nas Américas, o Indigenismo seria uma forma de Orientalismo (2011).6 Iniciativas desse gênero surgiram na Rússia, Estados Unidos, Macau e Austrália, demonstrando que o Orientalismo poderia ser construído a partir de perspectivas diversas. Robert Irwin (2008)7 discordou da proposta de Said, afirmando que a construção do conhecimento sobre o ‘Oriente’ – e consequentemente, sobre os muitos ‘Orientes’ - se deu de forma paulatina, na medida em que pioneiros dessa iniciativa foram construindo suas áreas de saber. A ideia central de Irwin é que os primeiros pesquisadores partiam de seu próprio lócus de saber, e por isso, não podiam propor definições e diferenças sem antes mesmo saber com o que estavam lidando. Como veremos mais adiante – no caso da Sinologia – a construção de conhecimento sobre a China passou por etapas diferentes, que englobam justamente o ponto de vista de seus promotores; e muitas vezes, esses pontos de vista não levavam em conta, necessariamente, as concepções próprias dos chineses. O caso do Orientalismo brasileiro é bastante específico em relação às outras propostas do século 19. Nosso país foi o único império dos trópicos no século 19, e que desenvolvera a ‘ideologia das três raças’ – a teoria de que a formação do povo brasileiro fora feita pela harmonização no elemento indígena, do português e do negro africano, criando uma mestiçagem única. Se por um lado isso criou uma mentalidade ‘inclusiva’ de características complexas e conflituosas, por outro, determinou uma igualmente problemática capacidade de recepção para com outras etnias – como foi o caso específico dos chineses. Em função disso, pensadores notáveis como José do Patrocínio e Joaquim Nabuco se puseram frontalmente contra a imigração chinesa, alertando para a ‘mongolização’ de nossa sociedade, como um fator de ‘degeneração racial’ brasileira.8 Calcado nesses preconceitos, portanto, a academia brasileira concentrou-se numa forma muito particular de Orientalismo nacional, que relegou o estudo da Ásia a um plano secundário e menor. Pedro II foi um erudito e orientalista de fato, dominando diversas línguas orientais e viajando pelo Oriente Próximo.9 No entanto, suas iniciativas não foram acompanhadas da formação de uma escola, nem tampouco de uma mudança em termos ideológicos. Na primeira missão brasileira a China, 4 Gasquet, Axel. El llamado de oriente: Historia cultural del Orientalismo argentino (1900-1950). Buenos Aires: EUDEBA, 2016. 5 Fanlo, Luis «La argentinidad: un marco interpretativo», Polis, 29 | 2011 (Publicado el 06 abril 2012), Disponível em: http://journals.openedition.org/polis/2053; Fanlo, Luis. Genealogía de la Argentinidad. Buenos Aires: Gran Aldea, 2010. 6 Ramos, Alcida. ‘Indigenismo: um Orientalismo americano’. Anuário Antropológico/ 2011-I, 2012: 27-48. 7 Irwin, Robert. Pelo amor ao saber. São Paulo: Record, 2008. 8 Czepula, Kamila. ‘Em busca dos Chins’ in Bueno, André; Estacheski, Dulceli; Crema, Everton; Neto, José Maria [orgs.] Vários Orientes. Rio de Janeiro/União da Vitória; Edições Sobre Ontens/LAPHIS, 2017, p.245-253. 9 Mafra, Adriana & Stallaert, Christiane. “Orientalismo Crioulo: Dom Pedro II e o Brasil do Segundo Império”. Iberoamericana, XVI, 63, 2016, p.149-168. 152 realizada em 1880, a postura política imperialista dos enviados brasileiros aproximava-se daquela praticada pelas potências europeias10, revelando uma atitude ‘orientalista’ dentro da acepção de Said. Por outro lado, Henrique Lisboa – diplomata presente na missão e autor do primeiro relato direto sobre a China feito por um brasileiro – foi capaz, em muitos momentos, de superar as limitações orientalistas e abordar a civilização chinesa a partir de uma compreensão de próprias perspectivas nativas.11 Essa relação entre a academia brasileira e a civilização chinesa se desenvolveria de forma conturbada e pontual ao longo de todo o século 20. Embora não fosse ignorada, a China era visitada por intelectuais ocasionalmente, como uma referência alternativa a realidade de nosso país. Inseridos principalmente na visão ‘modelar’ - ou seja, da China como uma espécie de modelo para comparação ou inspiração para nossa sociedade e governo 12 – esses viajantes propunham uma estratégia para compreender a China, mas não conseguiram ensejar o desenvolvimento de uma escola sinológica, que incluísse a formação de especialistas em língua e cultura chinesa.13 De fato, somente no final da década de 70 as relações entre Brasil e China Continental se regularizaram, definindo um novo paradigma para o aprofundamento nos estudos sínicos brasileiros.14 Esses apontamentos foram necessários para demonstrar que as posturas intelectuais desenvolvidas até agora no Brasil, em relação à civilização chinesa, estão imersas - de uma forma ou de outra - nos elementos fundamentais de um Orientalismo herdado do século 19. Tais considerações são importantes para que possamos pensar que tipo de Sinologia poderá se desenvolver no Brasil, e como podemos encontrar caminhos para superar essa visão orientalista arcaizante. A Sinologia como um campo de saber As relações entre a Sinologia e o Orientalismo são complexas. Os estudos sobre a China foram historicamente construídos antes da construção do conceito e da ‘moda’ orientalista do século 19. Charles Le Blanc (2007)15 define que a ‘Sinologia’ pode ser estruturada em três grandes movimentos: o primeiro, uma Sinologia acidental, promovida desde a época de Marco Polo, calcada em viajantes e missionários, sem a construção de um conhecimento sistemático e confiável; a segunda fase seria a Sinologia religiosa, surgida a partir das missões cristãs na China depois do século 16, que tinham como objetivo crucial encontrar os métodos mais adequados para a conversão dos chineses. Dessas iniciativas surgiram os primeiros dicionários, manuais de língua chinesa, traduções e relatos históricos sobre a China. Acompanhado de um trabalho sistemático de formação de quadros de especialistas (quase todos, obviamente, religiosos), a Sinologia religiosa permanece, até os dias atuais, em ação, embora tenha perdido sua predominância ‘científica’ e política. Apenas no século 19 é que surgiu uma Sinologia acadêmica, acompanhado a 10 Czepula, Kamila. "Faça-se o que se quiser: os chineses povoarão o brasil": a primeira missão brasileira na China”. Bueno, Andre; Crema, Everton; Estacheski, Dulceli; Neto, José Maria [orgs.] Extremos Orientes. União da Vitória/Rio de Janeiro: Edição Especial Sobre Ontens – LAPHIS/UNESPAR, 2018,p.209-217. 11 Lisboa, Henrique Carlos Ribeiro. A China e os Chins. Recordações de viagem do Ex. Secretário da Missão Especial do Brasil a China. Montevideo: Typ. a vapor de A Gobel, 1888. 12 Bueno, 2018:6-7. 13 Bueno, André. ‘Os viajantes brasileiros na China’. Site NetHistória. Brasília, fev. 2013. Seção Ensaios, 1155. 14 Cabral, Severino. ‘O Diálogo Brasil-China: Perspectivas para o Século XXI’ in Bellucci, Beluce. [org.] Abrindo os olhos para a China. Rio de Janeiro: UCAM, 2004; Lima, Sérgio. [org.] Brasil e China: 40 anos de relações diplomáticas: análises e documentos. Brasília: FUNAG, 2016. 15 LeBlanc, Charles. Profession Sinologue. Montréal: Presses de l’Université de Montréal, 2007. 153 expansão dos estados europeus em direção a Ásia. Foi em 1814 que o estudioso Abel Rémusant cunhou o termo ‘Sinologia’ como um campo de estudos definido e específico sobre a China, definindo os contornos até então pouco precisos de uma área de investigação.16 A partir desse momento, a Sinologia passou por uma reformulação constante de seus procedimentos investigativos, tornando-se uma área naturalmente interdisciplinar. Para Edouard Chavannes (1915)17, por exemplo, a Sinologia estaria intimamente ligada ao aprendizado da língua chinesa, e profundamente envolvida com o estudo da linguagem e a tradução. No entanto, ele já pretendera, para o campo, uma abordagem protointerdisciplinar: Ele mesmo foi um dos especialistas que inseriu o estudo da arqueologia como umas das disciplinas componentes da formação sinológica. Essa especificidade interdisciplinar levou os sinólogos a contestarem, eles próprios, o caráter dessa área de saber. Poderia ser a Sinologia um campo específico da academia? Todavia, é possível pensar uma ‘ciência das coisas chinesas’ sem que tal definição não seja restritiva ou preconceituosa? E ainda: seria a Sinologia um subproduto das práticas orientalistas? Simon Leys18 teceu uma crítica severa ao trabalho de Edward Said quando do lançamento de ‘Orientalismo: a invenção do Oriente pelo Ocidente’ (originalmente em 1978). Em seu texto ‘Orientalismo e Sinologia’ (1985)19, Leys defendia que a Sinologia havia se construído de forma independente das celeumas orientalistas, e por isso, não deveria ser incluída no conjunto das práticas imperialistas denunciadas por Said. Como o domínio da língua chinesa seria a chave de acesso ao mundo sínico, toda dimensão plural das práticas sinológicas se encontrava, antes de tudo, centrada numa análise exaustiva do próprio corpus textual e material da China, construído ao longo de milênios. A civilização chinesa não era, portanto, um objetivo passivo de análise; e as fronteiras da prática sinológica estavam bem definidas a partir do aprendizado lingüístico, ponto de partida para a utilização de todo instrumental técnico e metodológico que se quisesse aplicar aos temas de estudos sínicos. Hans Hagerdal20 argumentou que a Sinologia, nesse sentido, não seria uma forma de Orientalismo, tal como proposto por Said; todavia, não se pode desqualificar, de imediato, as inserções dos expedientes orientalistas nas experiências sinológicas. No caso brasileiro, a opinião de Hagerdal parece bastante apropriada. Em países onde os estudos chineses se desenvolveram de maneira constante e sólida, como França, Inglaterra, Alemanha ou Estados Unidos, podemos discutir se ocorreu uma inserção de concepções orientalistas saidianas (ou não) no desenvolvimento das pesquisas, como indicado por Leys. Igualmente, questões políticas, como a guinada da China continental ao comunismo, levantaram suspeitas sobre o trabalho dos sinólogos, deixando entrever se sua atividade era pró ou contra a China.21 Na época da guerra fria, muitas vezes os sinólogos foram convocados a contribuir no entendimento estratégico dos movimentos políticos e sociais chineses, auxiliando na 16 Bougeart, Louis. ‘Litterature Chinoise: Plan d’um dictionnaire chinoise, par Abel Rémusant’ in Mercure Étranger, tomo III, Paris: Colas, 1814, p.73-79. 17 Chavannes, Edouard. La Sinologie. Paris: Larrousse, 1915. 18 Pseudônimo de Pierre Ryckmans (1935-2014), sinólogo belga e crítico assíduo da China continental comunista. 19 Leys, Simon. 'Orientalism and Sinology', in The Burning Forest: essays on Chinese culture and politics New York: Holt, Rinehart and Winston, 1985. 20 Hagerdal, Hans. “China and Orientalism”. Newsletter IIAS-International Institute of Asian Studies, n.10, Outono de 1996; Hagerdal, Hans. “The Orientalism Debate and the Chinese Wall: An Essay on Said and Sinology”. Itinerarios, Volume 21, Issue 3, November 1997, pp. 19-40. 21 Viltard, Yves. ‘À quoi servent les sinologues? De la difficulté d'être sinologue dans les années soixante aux Etats-Unis’. In: Politix, vol. 9, n°36, Quatrième trimestre 1996. pp. 115-140. 154 tomada de decisões globais. No entanto, a proposição de Hagerdal é pertinente para os países que não desenvolveram seus centros de Sinologia, como era o caso do Brasil. Mais recentemente, Daniel Vukovich22 mostrou como assertivas orientalistas ainda estão vivamente presentes nos discursos e posturas ocidentais. As análises sobre a China feitas para o público brasileiro não foram proporcionadas por especialistas, mas por leituras de segunda mão, tanto científicas quanto literárias. O volume de informações (irregular), e de qualidade bastante variável, tornou a China um objeto distante e de difícil entendimento, aprisionando-a no fascínio exótico do Orientalismo do século 19. Como comentamos anteriormente, os viajantes brasileiros que foram até a China, durante o século 20, em sua maioria, buscavam modelos políticos e econômicos que esperavam transplantar para nossa realidade, mas sem um necessário aprofundamento na estrutura da cultura chinesa (muitas vezes, o principal motor, justamente, dessas transformações). Com a exceção notável de Ricardo Joppert, o primeiro sinólogo brasileiro de fato, e cuja consciência sobre a cultura chinesa era excepcional em nossos quadros intelectuais, o que se poderia chamar de uma iniciativa sínica continuava a patinar nas práticas orientalistas - de recusa ou de fantasia - antigas. Podemos, contudo, objetar se a própria Sinologia também não é, hoje, uma construção epistemológica contestável. Hans Kuijper23 tem proposto que a ‘Sinologia’ como campo de saber requisitaria, a princípio, teorias e metodologias próprias de trabalho, a fim de justificar uma ‘metodologia’ específica para a civilização chinesa. De certo modo, Kuijper retoma a ideia de que o ponto de partida para a investigação da China não é a construção de um espaço próprio para o estudo da cultura chinesa, mas o entendimento da mesma por disciplinas acadêmicas consolidadas e em contato direto. De forma prática, significaria analisar, decompor e trazer para as disciplinas os conteúdos relativos à civilização chinesa, em suas mais diversas expressões. Isso está ocorrendo, de certa forma, em alguns cursos universitários brasileiros; Relações Internacionais, Economia, Administração, Medicina Tradicional Chinesa, Ciências da Religião, além de cursos de língua chinesa, tem procurado transpor a barreira desse desconhecimento, promovendo uma difusão da cultura chinesa no país. Todavia, seus interesses particulares filtram, naturalmente, os temas e métodos de abordagem, provocando aproximações e afastamentos pontuais. Em escala bastante reduzida, cursos de História, Filosofia e Ciências Sociais começam também a se preocupar em absorver essa defasagem – mas não sem receios e limitações. Se por um lado essas iniciativas têm sido notáveis, por outro, elas ainda carecem de um conhecimento epistemológico aprofundado sobre a China – experiência essa acumulada, justamente, no âmbito dos centros mais tradicionais de Sinologia. A Sinologia não é, e nem pode pretender ser, uma área que concentre o monopólio do conhecimento sobre a China (embora pretensões acadêmicas mais mesquinhas possam desejar fazê-lo), mas ela pode proporcionar, sim, um conjunto de saberes sobre as estruturas milenares chinesas que são indispensáveis para assimilar a China em suas dimensões históricas e culturais. O desenvolvimento dessa civilização, bem como de suas ciências, produziu uma série de teorias, filosofias, conceitos e ideias capazes de dialogar e enriquecer nossas visões acadêmicas e científicas, 22 Vukovich, Daniel. China and Orientalism: Western Knowledge Production and the PRC. London: Routledge, 2011. 23 Kuijper, Hans. ‘Is Sinology a Science?’ China Report, v.36, n.3, 2000 p.331-354. 155 proporcionando uma revisão fértil de nossas formas de produção de conhecimento por meio de uma verdadeira ecologia de saberes.24 É necessário, portanto, colocar em questão: talvez a Sinologia não possa existir como uma ciência independente, mas é necessário que haja sinólogos para suprir os mais diversos cursos universitários, garantindo que exista uma expressão desses saberes asiáticos em nossa formação superior. E para formar sinólogos, é preciso que exista, também, uma especialização sinológica, capaz de dar conta de seu instrumental, dos meios, das fontes, etc... O sinológo australiano Gerome Barmé (2005)25 propôs, recentemente, que é momento de se criar uma ‘nova Sinologia’. Discípulo intelectual de Leys, Barmé afirma que é necessário reinventar a Sinologia como área de conhecimento, atendo-se as mudanças em escala global nas quais a China se insere como um dos agentes mais importantes e atuantes. As novas dimensões da Sinologia comportam um diálogo ativo com a intelectualidade chinesa, compreendendo o papel ativo que os chineses têm na produção de conhecimento – tanto sobre si mesmos quanto sobre suas visões de mundo. Esse elemento é bastante relevante: a Sinologia não transita mais apenas no passado chinês, mas se transforma na principal preparadora de quadros para lidar com a China, recriando-se como um curso de perfil multidisciplinar. Ela percebe, igualmente, os pontos de vista e a compreensão que os chineses vêm desenvolvendo acerca do mundo, e sua inserção inovadora no panorama científico mundial. Já François Jullien, cujos trabalhos mais recentes encontram receptividade no meio acadêmico, nos incita a usarmos ‘outras lentes para a China’26, partindo da ideia de que hoje vivenciamos cruzamentos culturais férteis entre a civilização chinesa e o Ocidente, e que isso pode ensejar a elaboração de novas estratégias epistemológicas significativas para a construção do mundo globalizado.27 Com certeza, Barmé e seus colegas australianos compartilham de preocupações específicas em relação à Ásia: afinal, a Austrália tem uma relação especial com China, Japão e Sudeste asiático, derivada do seu largo período de experiências como uma nação independente ‘ocidental’ instalada diretamente no Extremo Oriente. Somente Macau pode reclamar uma situação mais privilegiada nesse sentido – mas como afirmou António Aresta (1997), não devidamente explorada.28 Severino Cabral29, um dos pioneiros no desenvolvimento de relações estratégicas entre Brasil e China, e consciente da importância de se consolidar um espaço sinológico no ambiente universitário brasileiro, defende o estabelecimento de uma parceria renovadora entre os dois países. Precisamos, porém, retomar o ponto abordado no item sobre o Orientalismo. Uma das conquistas fundamentais proporcionadas pelos estudos asiáticos tem sido a de redimensionar a escrita da história mundial. Autores como Arnold Toynbee (1986), André Gunder Frank (1998), Luis Fernando Armesto (1996), John Hobson (2004), Jack Goody (2008), Samuel Huntington (1996), Jared Diamond (2002 e 2005) e Niall Ferguson (2013) construíram suas bem sucedidas narrativas históricas com a 24 Visvanathan, Shiv. Encontros culturais e o Oriente: um estudo das políticas de conhecimento. in Santos, Boaventura. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2013. 25 Barmé, Gerome. “New Sinology” in Chinese Studies Association of Australia Newsletter, No. 31, May 2005. 26 Jullien, François. “Outras lentes para a China”. Le Monde Diplomatique, v.1 Outubro, 2006. 27 Jullien, F. “Da Grécia a China, ida e volta.” in Ethica. Vol. 9, n.1-2. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 2002; “Pensar a partir de um fora (a China)”. Revista Periferia, v. 2, n. 1, jan./jun. 2010. 28 Aresta, António. A Sinologia portuguesa: um esboço breve. Revista de Cultura de Macau, n.32, Macau: ICM, 1997. 29 Cabral, Severino. ‘O Diálogo Brasil-China: Perspectivas para o Século XXI’ in Bellucci, Beluce. [org.] Abrindo os olhos para a China. Rio de Janeiro: UCAM, 2004. 156 contribuição decisiva dos estudos sinológicos, que revelaram a importância da China na história mundial.30 Como os currículos acadêmicos brasileiros serão capazes de comportar qualquer conhecimento sobre a China sem conhecer-lhe o passado e as estruturas fundamentais? Mesmo pesquisadores experientes como Jean Billeter (2017), que vêm de uma tradição sinológica consolidada (a francesa), alertam para o perigo de tentarmos ‘desconectar’ a China de seu passado, dando passos a uma apreciação equivocada da sociedade e da história chinesa.31 Levando em conta esse tópico, o surgimento de uma Sinologia brasileira hodierna corre o risco de continuar dependente das produções externas, por carecer de fundamentos bibliográficos e epistemológicos básicos. Ou seja: tentaremos sair do Orientalismo do século 19, mas utilizando um expediente próprio desse mesmo Orientalismo – começar um processo de conhecer sem construir os alicerces, atendo-se aos episódios e tendências da modernidade, sem garantias de proporcionar a continuidade institucional, e tão somente para responder a determinados projetos. Esse é um problema central do ambiente acadêmico brasileiro. Ainda reticentes em relação ao estabelecimento de cursos sobre história asiática, muitas iniciativas universitárias recentes se revelam envolvidas nesse paradigma: tratam somente da China contemporânea, ignorando seu passado e seus fundamentos; investem na intermediação feita pelas fontes traduzidas; por fim, usam bibliografia desatualizada ou atualizada, mas não necessariamente sinológica - um exemplo claro é o sucesso do livro de Henry Kissinger, Sobre a China (2013)32, de leitura clara e agradável, mas que está longe de ser uma obra-prima sinológica tal como vem sendo vinculado. Osny Duarte, cujo estudo sobre a China é uma das mais importantes produções nacionais após a Segunda Guerra Mundial, já declarava com uma lucidez impressionante: ‘Impõe-se, portanto, traduzir excelentes livros norte-americanos, franceses, ingleses e belgas, escrever relatórios colhidos nesse vasto material bibliográfico, e, se possível, complementar com viagens para verificação in loco das transformações porventura operadas, uma vez que a fisionomia da República Popular da China se modifica de ano para ano, numa velocidade impressionante’. 33 A experiência direta seria, portanto, fundamental. Mais recentemente, nos anos 2000, uma geração de pesquisadores brasileiros estudou diretamente na China, trazendo experiências que podem mudar esse panorama. No entanto, o pressuposto dominante dessa linha teórica é de que a ‘China’, enquanto objeto epistemológico deve responder as demandas brasileiras de forma específica, sem manifestar uma atitude ativa. Podemos notar aqui uma séria influência, ainda que indireta, da inspiração dos estudos de área Norte-americanos. Essa postura tem provocado inúmeras decepções para os adeptos de uma visão de modelo, já que ocasionalmente a China ‘não se comporta’ de acordo com suas 30 Toynbee, Arnold. Um estudo da história. São Paulo: Martins Fontes/UNB, 1986; Frank, André G. ReOrient: Global Economy in the Asian Age. Berkeley: University of California Press, 1998; Armesto, Filipe. Milênio. Lisboa: Presença, 1996; Goody, Jack. O roubo da História. São Paulo: Contexto, 2008; Hobson, John. The Eastern Origins of Western Civilization. Cambridge: CUP, 2004; Diamond, Jared. Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas. São Paulo: Record, 2002; Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. São Paulo: Record, 2005; Ferguson, Niall. Civilização: Oriente x Ocidente. São Paulo: Planeta, 2013; Huntington, Samuel. O Choque das civilizações. São Paulo: Objetiva, 1996. 31 Nesse sentido, Jean Billeter tem usualmente se oposto a François Jullien, defendendo que sem conhecimento do passado chinês, será impossível estabelecer as conexões contemporâneas que Jullien propõe. Ver em Billeter, Jean F. ‘Um sinólogo frente à China: reflexões atuais e inatuais’. Cadernos de História UFPE, n. 12, vol. 12, p. 8-17, Jan-Dez, 2017. 32 Kissinger, Henry. Sobre a China. São Paulo: Objetiva, 2013. 33 Duarte, Osny. Nós e a China. Rio de Janeiro: Ponguetti, 1956:45. 157 previsões e análises. Esse é um problema, inevitável, enquanto perdurar a prática de adquirir conhecimento mediado, de segunda mão. Um exame da produção nacional sobre a China, na última década, reflete muito bem as questões desse panorama. Numa estatística aproximada, baseada nos livros e artigos de mais amplo acesso, 90% dos materiais foram produzidos pelas áreas de relações internacionais e economia, e todos versam sobre problemas contemporâneos. Somente 10% da produção concentram estudos sobre história, filosofia, literatura e artes, denotando um claro pragmatismo dos interessados na China. Cumpre salientar que os especialistas em RI ou economia adquiriram, em curto prazo de tempo, uma consciência atualizada sobre os problemas chineses e sua importância geopolítica, enquanto os estudiosos no campo das humanas e artes têm enfrentado não apenas as limitações curriculares, mas também o preconceito dos colegas acadêmicos, que persistem numa postura epistemológica eurocentrada e tradicionalista. Mesmo assim, alguns dos livros de história sobre a China, produzidos no Brasil (que são poucos, pois as traduções ainda dominam o mercado, em uma proporção de 3:1), em sua maioria reproduzem a abordagem modelar, no qual o passado chinês é abordado de forma rápida e essencialista, cedendo espaço rapidamente para a China moderna, e suas questões econômicas, políticas e estruturais.34 O problema central dessa postura acadêmica e institucional é sua continuidade. Alguns grupos de estudos chineses e asiáticos já surgiram, mas é necessário pensar sua inclusão dentro do mundo universitário, formando quadros e dando prosseguimento a uma iniciativa sistemática. Do contrário, poderemos recair no velho hábito de jogar a Sinologia no colo das iniciativas individuais, que sobrevivem as próprias custas, segundo o sabor dos interesses vãos das alternâncias políticas. A alternativa para essa visão, a chamada ‘Via Sínica’, propõe desafios epistemológicos de inclusão do vocabulário intelectual e histórico chinês para a realidade brasileira. Essa metodologia tem favorecido a construção de novas formas de conhecimento, que conjugam experiências ‘Ocidentais’ (Brasileiras) e Chinesas. Na prática, ela pretende concretizar a construção de uma (já citada) ‘Ecologia de Saberes’, como proposto por Boaventura de Sousa Santos.35 A ‘Via Sínica’ tenta superar a limitação de ‘entender’ os chineses (o que mantém um distanciamento persistente) para uma ‘integração’ dos mesmos – uma ampla compreensão e utilização de seus saberes, resultando uma nova abordagem epistemológica, capaz de conceber a China por si, mas também, de analisar os problemas do conhecimento em um caráter verdadeiramente diatópico. O ‘Oriente’ se constituiria em uma das últimas fronteiras do conhecimento humano36 (Santos, 2002:19-36), abalando a gênese e a aplicação do conceito de Alteridade. Integrar as sabedorias chinesas ao conhecimento humano – que se pretenda realmente universal - é reformular sua estrutura funcional e conceitual, na busca de uma Epistemologia alternativa. Considerações finais Assim, percebemos que o desenvolvimento de uma tradição sinológica no Brasil terá que enfrentar alguns desafios específicos – dos quais, nossa herança orientalista seja 34 Pesquisa realizada a partir do Google Citations e da Base de dados Capes-BR. Os parâmetros aqui indicados são ilustrativos. 35 Santos, Boaventura de Sousa e Meneses, Maria Paula. Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina, 2009:23-72. 36 Santos, Boaventura de Sousa Santos. ‘O Fim das descobertas imperiais’ in Oliveira, Inês Barbosa e Sgarb, Paulo (orgs.) Redes culturais, diversidades e educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002:19-36. 158 talvez o problema crucial mais reincidente em nossos possíveis projetos futuros. Como lidar com as desafiadoras questões epistemológicas que permeiam a estruturação do conhecimento sinológico? Como acessar o mundo sínico sem conhecer suas fontes, teorias, polêmicas, tradições, etc? Em um segundo momento, a definição de centralizar ou distribuir o conhecimento sinológico – criar centros ou distribuir especialistas pelos cursos? – incidirá, igualmente, de forma direta na estrutura acadêmica brasileira. Parece inevitável que a criação de algum núcleo ou grupo nesse sentido pode servir de referência para a estruturação de linhas de estudos e pesquisa. Todavia, em um ambiente que tem sido tão reticente a mudanças curriculares e institucionais, e que tem sofrido com projetos de redução de quadros, a inserção da China (e mesmo, da Ásia), é um ponto problemático. As demandas contemporâneas praticamente têm exigido uma resposta dos quadros acadêmicos ao ‘problema da China’; no entanto, isso implica em abrir espaços em nichos tradicionalmente avessos a mudanças, e preocupados em perder ou dividir seus recursos. A ampliação de cursos de língua chinesa melhorou bastante a situação do nosso necessário ‘alicerce sínico’ (o estudo da linguagem). O Instituto Confúcio promoveu uma ampla inserção do mandarim em nosso mundo universitário, mas há instâncias que vêem com desconfiança essa presença no mundo acadêmico. Marshall Sahlins37 escreveu uma crítica acerba ao Instituto Confúcio, que tem sido fonte para interpretações negativas ao projeto chinês. Obviamente, tais considerações preferem ignorar os aspectos culturais e políticos de outros cursos de língua, reincidindo na velha atitude orientalista de temer ‘o asiático’ em sua própria casa. No caso brasileiro, assumir essa atitude é ignorar solenemente nossas raízes e heranças orientais legítimas, tal como proposto por Gilberto Freyre38 e José R. Leite39. A par de todas essas circunstâncias e problemas, a construção de uma legítima Sinologia brasileira – ou mesmo, e tão somente, de uma escola sinológica no Brasil, inspirada nas congêneres européias – vem se revelando não apenas algo urgente, mas desafiador, em nosso panorama intelectual e estratégico. O desenvolvimento dos estudos chineses (ou Sinologia, quer seja o uso do termo – no caso brasileiro, ainda não é fulcral) irá contribuir, de qualquer forma, para um desenvolvimento mais amplo da sociedade e da universidade no Brasil. Um projeto real de inclusão e diversidade deve, decididamente, levar em conta o ‘asiático’ (em suas mais diversas e plurais expressões) como um dos elementos fundamentais de sua constituição; e nesse sentido, o estudo sínico é capaz de proporcionar ao público brasileiro uma experiência necessária e enriquecedora. 37 Sahlins, Marshall. Confucius Institutes: Academic Malware. Chicago: Prickly Paradigm Press, 2015. 38 Freyre, Gilberto. China tropical. Rio de janeiro: Globo, 2015. 39 Leite, José Roberto. A China no Brasil. Campinas: UNICAMP, 1999. 159 160 SOBRE OS AUTORES André Bueno é professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro [UERJ]. Tem experiência na área de História e Filosofia, com ênfase em Sinologia, atuando principalmente nos seguintes temas: China, pensamento chinês, cultura chinesa, história e filosofia antiga, interações culturais e ensino de história. É o fundador do Projeto Orientalismo, de difusão e pesquisa em História e Cultura Asiática. Tem mais de dez livros publicados sobre questões históricas da China, além de traduções e publicações em geral. É membro da Associação Europeia de Estudos Chineses e da Associação Europeia de Filosofia Chinesa;; membro do grupo Leitorado Antiguo [UPE]; membro do Alaada - Associação Latino Americana de Estudos Asiáticos; membro da Rede Iberoamericana de Sinologia [Ribsi]; membro do Council for Research in Values and Philosophy (CRVP); membro do LAPHISLaboratório de Aprendizagem História; membro de Rede Brasileira de Estudos da China (RBChina); professor do Programa de Pós Graduação em História Política da UERJ. Benjamin K. Hammer obteve seu mestrado na Universidade de Shandong em documentologia chinesa antiga e seu Ph.D. da Universidade de Pequim no mesmo curso. Suas áreas de especialidade são estudos textuais dos clássicos confucionistas e outras escolas de filosofia, do período pré-Qin ao Han, filologia, crítica textual e Sinologia Ocidental. Atualmente, é professor associado do Instituto Avançado de Estudos Confucionistas da Universidade Shandong e fundador e editor do Journal of Chinese Humanities, e seu ensaio nessa coletânea traz uma lúcida análise sobre a situação da Sinologia Ocidental. Bony Schachter é professor da Academia Yuelu (Universidade de Hunan). Sua formação acadêmica principal se deu na Universidade Normal de Nanjing, Universidade Fudan e na Universidade Chinesa de Hong Kong, instituições nas quais estudou chinês clássico, chinês moderno, sânscrito, tibetano, história chinesa e daoismo. Schachter possui artigos publicados em jornais sinológicos especializados tais como a Monumenta Serica e o Daoism: Religion, History and Society. Seus interesses incluem epigrafia, o daoismo durante a dinastia Ming, as interações entre ritual daoista e o assim chamado “tantrismo”, ritual daoista contemporâneo e estudos teóricos sobre rituais. Daniel F. Vukovich é Professor Associado na Faculdade de Ciências Humanas e Departamento de Literatura Comparada e Humanidades na Universidade de Hong Kong. Já atuou Universidade da Califórnia em Santa Cruz ena Universidade de Illinois em Urbana-Champaign. Suas áreas de estudo são Estudos culturais e póscoloniais, com foco particular na RPC e na Ásia, orientalismo, historiografia e políticas / debates intelectuais durante e após o colonialismo; Teoria Crítica e Interpretação; Literatura e cultura moderna do mundo, incluindo autores americanos, britânicos e europeus. É autor de inúmeros artigos, e escreveu os renomados livros Illiberal China: The P.R.C. As Ideological Challenge. New York and London:Palgrave Macmillan , 2018 e China and Orientalism: Western Knowledge Production and the P.R.C. London:Routledge, 2012. J. (Hans) J.P. Kuijper, nascido na Holanda, formado em Sinologia (Hanxue) da Universidade de Leiden, em 1970, e em economia, da Universidade Erasmus de Roterdã, em 1973. Depois de três anos trabalhando na Organização Holandesa de 161 Pesquisa Científica, ingressou no Ministério de Assuntos Econômicos em Haia, onde se tornou responsável pela pesquisa e (interno) relatórios sobre os desenvolvimentos políticos e econômicos nos países do Leste Asiático. Destacado no Ministério das Relações Exteriores, foi nomeado em 1981 como Adido Comercial na Embaixada da Holanda em Cingapura e em 1986 como Representante Comercial da Holanda ('Embaixador') em Taiwan. Aposentado do Serviço Civil em 2000, ele retomou os estudos de filosofia das ciências sociais e escreveu vários artigos sobre o estudo acadêmico de países que, segundo ele, deveriam ser levados a um nível superior. Ming Dong Gu recebeu seu Ph.D. da Universidade de Chicago e atualmente é professor de literatura chinesa e comparada na Universidade do Texas em Dallas. Ele é autor de quatro livros: (1) Sinologism: An Alternative to Orientalism and Postcolonialism (Routledge, 2013); (2) Chinese Theories of Reading and Writing (SUNY Press 2005), (3) Chinese Theories of Fiction (SUNY Press 2006)), e (4) Anxiety of Originality (Nanjing University Press, 2009); editor de três volumes em inglês: Translating China for Western Readers (SUNY Press, 2014), Why Traditional Chinese Philosophy Still Matters (Routledge 2018), e Routledge Handbook of Modern Chinese Literature (2019) e co-editor e tradutor de vários livros em chinês e inglês. Além disso, ele publicou mais de 130 artigos em livros e revistas, incluindo New Literary History, Poetics Today, Journal of Aesthetics and Art Criticism, Diacritics, Journal of Aesthetic Aesthetic, Narrative, Literature Comparative, Journal of Narrative Theory, Psychoanalytic Quarterly, Quarterly de Linguagem Moderna, Journal of Asian Studies, Philosophy East & West e muitos outros. Mais recentemente, ele e Zhou Xian fizeram uma edição especial de Sinologism e New Sinology for Contemporary Chinese Thought. Pablo Blitstein é professor adjunto da Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais (Paris). Ele ocupou cargos de professor e pesquisa no Collège de France e no INALCO (Paris), além de ter estudado em diferentes universidades da Ásia, Europa e América Latina e, entre 2013 e 2017, foi pesquisador e conferencista do Cluster of Excellence “Ásia e Europa em um contexto global”, Universidade de Heidelberg, conduzindo pesquisas tanto na Idade Média quanto na China imperial tardia. Seus interesses são a história global e intelectual, com ênfase especial em práticas de escrita e instituições políticas. É autor de Les Fleurs du royaume: Souvenirs lettrés et pouvoir impérial in Chine (Ve-VIe siècles) (Paris, Les Belles Lettres, 2015) e de vários artigos e capítulos de livros em inglês, francês e espanhol. Shuchen Xiang é Professora de Filosofia na Universidade de Beijing (Peking University), tendo Phd em Filosofia pela Humboldt University, Berlin e na King’s College London. Já atuou na University of York, na Pennsylvania State University e no King’s College London. Tendo várias traduces e artigos publicados, desenvolve o projeto Classical Confucian Philosophy of Culture: A Dialogue with Ernst Cassirer’s Philosophy of Symbolic Forms, a ser publicado em breve pela Universidade de Columbia. Este projeto apresenta um relato filosófico da importância do “wen” (cultura) na tradição confucionista. Isso se dá através do diálogo com a filosofia das formas simbólicas de Ernst Cassirer, comparável, em muitos aspectos, à filosofia por trás de ‘wen’. A genealogia da filosofia de formas simbólicas de Cassirer também fornecerá uma base metafilosófica pelas razões por trás dessa comensurabilidade. Trata-se de um projeto inovador no âmbito dos diálogos filosóficos e culturais. 162 163