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Direito e Coerção Moral no Mundo dos Engenhos Lygia Sigaud Ir àjustiça reclamar a violação de direitos trabalhistas é pràtica freqüente na Zona da Mata de Pernambuco. Os trabalhadores das grandes plantações canavieiras são incentivados a fazê-lo pelos dirigentes sindicais, os quais se empenham na divulgação das obrigações pauonais e colocam à disposição dos sindicalizados advogados e outros meios necessários para ter acesso à justiça do Trabalho. Diversas juntas de Conciliação e julgamento estão instaladas naquela região do Estado para acolher o grande número de ações judiciais, e a demanda elevada dos trabalhadores por uma regulação jurídica dos conflitos trabalhistas vem conuibuindo de forma decisiva para que as relações sociais no interior das grandes plantações aí estejam mais ajustadas às normas legais do que em qualquer outra área rural do país. NOlu" Este tCXIO bascia-!;c em pesquisa em andamcnlo sobre a rcgulaçào jurklit..<t de t.:onflilos na zona l.."3navidrd de Pt=rnambuço, que conta çom O apoio d1 FINEP c <.lo CNPq. O Ir.lbalho de t.....mJx) foi rcalií'�cl() no!> anos de 199-1 e 1995. Uma primeira vers.10 dos problemas a serem aqui lrat:ldos está sendo publicad.:1 na revista Ge"i!ses, sob o tÍlulo "lc courage, la pellf el la honte. Moralc cl économie tlans les plantations sucricres". Pam o prcscnlc :utigo procurei ampliar o quadro da análise e explo!":.lf:ls suas implicaçõl!'s no campo dos estudos sóciO-:lnlropológicos sohre o dircilo. Os nomes prôprios foram altcrados para c"il:l.r a idcnlifi<.:aç.io dos infonn.1ntcs. 361 e 1996 - 18 /", = = = = = = = "--= ---'"-" '-"= - ." ---------" " estudos históricos Todos os ingredientes parecem estar aqui reunidos para continnar a crença, compartilhada por juristas e cientistas sociais, de que o cumprimento das normas jurídicas depende da familiaridade dos indivíduos com seus direitos e das facilidades de acesso àjustiça. Não haveria assim nada a acrescentar, salvo oferecer a descrição dessa situação aparentemente tão ajustada a tal crença - e é bem disso que se trata - não fosse um complicador: o fato de que há os que não reclamam os direitos trabalhistas. Em Flor de Maria, município situado no sudeste do estado, com uma população de 33 mil habitantes, os investimentos sindicais na regulação jurídica de connitos são importantes - provavelmente situam-se entre os mais importantes em toda a zona - e o número de processos é elevado. 1 No ano de 1':193, no bojo de uma crise da agricultura canavieira, de demissões em massa e suspensões de pagamento de salários, 900 trabalhadores recorreram à justiça do Trabalho: eles representavam 15% do conjunto de 6.000 homens e mulheres que trabalham nas plantações exploradas por industriais do açúcar, grandes proprietários e arrendatários nesse municípi02 Entre os que fizeram reclamações figuravam indivíduos de Primavera, engenh03 pertencente à Usina Santo Antônio, no qual residem e trabalham a título permanente 100 trabalhadores, todos sindicalizados, 90% dos quais com processos na justiça. já em Aurora, engenho localizado a apenas 20 quilômetros do anterior, os 80 trabalhadores - também permanentes, residentes e sindicalizados - queixavam­ se da violação de seus direitos mas não tinham o costume de reclamá-los do rendeiro,4 I�em de acusá-lo na justiça. A coexistência de comportamentos distintos em face da violação das nonnas jurídicas no interior de uma mesma configuração social é reveladora da fragilidade da crença no direito como princípio de explicação para os compor­ tamentos e sugere que tais princlpios devam ser buscados para além do direito, de suas normas e instituições, como já o assinalava Max Weber em suas polêmicas com os juristas. S Ora, uma elas dificuldades em compreender tais comportamentos parece residir nas perguntas equivocadas que têm sido formuladas. Ao invés de interrogarem-se a respeito elas condutas referidas ao direito levando em consideração o quadro mais amplo das condutas dos indivíduos e das rdações sociais nas quais estilo inseridos, os cientistas sociais, como que contaminados pelos bias dos juristas, tendem a isolar as condutas e a examiná-las preocupando-se apenas com suas implicações em termos de cumprimento e descumprimento de normas jurídicas. É o que se observa por exemplo em boa parte dos estudos sobre temas em voga relacionados ao direito, como o são os que tomam por objeto a "violência" e a "cidadania". Assim procedendo não conseguem resgatar de fonna positiva os comportamentos que estão examinando e sequer compreendê-los, salvo constatar que não se coadunam com o que seria "desejável". Se lograssem assumir uma postura de 362 Direito e Coerção Mora/no Mundo dos Engenhos maior distanciamento em relação aos "probl�mas sociais" postos pela relação dos indivíduos com o cumprimento das normas jurídicas - que nada mais são senão questões práticas para os interessados na ordem jurídica -, poderiam perceber que tais normas não possuem um mancf que justifique por si s6 O interesse em que sejam respeitadas, e, sobretudo, poderiam identificar outras normas às quais os indíviduos de carne e osso estão referidos em suas relações 7 com outros indivíduos Em Flor de Maria a cobrança dos direitos trabalhistas está sempre associada a considerações de ordem moral e funda as pretensões de prestígio dos indivíduos ocupando diferentes posições no espaço social. Assim, os que vão à Justiça, como os de Primavera, orgulham-se de sua coragem de enfrentar os patrões e c1esqualificam os que não o fazem como se lhes faltasse força moral; os dirigentes sindicais desse município se consideram melhores sindicalistas do que outros que não conseguem mobilizar tantos associados para ir à justiça; já o administrador de Primavera censura a ingratidão dos que vão à justiça e se vangloria por nunca ter bolado questãrJl contra os patrões; o relldeiro de Aurora se vale da ausência de processos para brandir o apreço que lhe teriam os homens e as mulheres de seu engenho e se comparar aos patrões, supostamente menos estimados pois que freqüentemente acusados na justiça; trabalhadores que nunca haviam redamado nas juntas referem-se, no momento em que o fazem pela primeira vez, à vergonha que antes experimentavam. A conotação moral de que está investida a cobrança dos direitos trabalhistas em Flor de Maria sugere que há outras normas e outros interesses em jogo nos comportamentos relativos ao cumprimento/descumprimento de normas jurídicas. Tornar inteligíveis tais comportamentos exige no entanto que se os examine a partir das relações sociais que vinculam trabalhadores, patrões, membros da hierarquia administrativa dos engenhos e dirigentes sindicais; que se os analise levando em conta a história na qual as relações se teceram; que se restitua as condições sociais que favorecem as associações entre fatos relevantes do direito, da moral e dos sentimentos. Para proceder à análise vou centrar a atenção nos comportamentos observados em Primavera e Aurora, que permitem que se os examine a partir de quadros sociais precisos. Um caso bem estudado tem a virtude de iluminar casos semelhantes, como o assinalava Mareei Mauss (J 991 :392) ao examinar a morfologia dos esquimós para se contrdpor aos geógrdfos e às suas teorias sobre as determinações do meio sobre comportamentos sociais. O caso de Flor de Maria, visto a partir de dois engenhos cujos trabalhadores se comportam de forma tão contrastiva, pode fornecer elementos para a crítica das análises'jurídico-centradas: através dele é possível colocar em relação fatos sociais até então negligenciados por estudiosos dos problemas que dizem respeito à ordem jurídica. Esse é o objetivo do texto que 363 estudos históricos • 1996 - 18 se segue, que estará referido temporalmente ao início dos anos 90, ao período da crise na agroindústria açucareira e dos processos a ela associados. Cobrança de direitos e dependências recíprocas No início dos anos 90, em decorrência de mudanças importantes na política do governo brasileiro em relação à agricultura açucareira, sobretudo a suspensão dos subsídios, a elevação da taxa de juros e a privatização das exportações, os patrões de Flor de Maria empreenderam uma reestruturação de suas empresas. As usinas Santo Antônio, São Carlos, Corrientes e Monge, que exploram 31 engenhos em Flor de Maria, começaram a demitir em massa. Santo Antônio, que tem 9 engenhos no município e emprega 1.250 trabalhadores (800 com contrato permanente c 450 apenas na safra), escolheu seus alvos entre os que reclamavam constantemente na justiça, os tidos como menos produtivos e os recém-contratados. Em Primavera, o maior engenho da usina e localizado ao lado da sede, 8 foram demitidos em 1991. Para se contrapor à ofensiva patronal, os dirigente sindicais estimularam os demitidos a reclamar judicialmente os anos de trabalho sem carteira assinada - o tempo c/andestino- e aconselharam os que ainda não haviam sido demitidos a proceder da mesma forma. A estratégia, elaborada com o auxílio dos advogados, era obter o reconhecimento de uma duração mais longa do contrato de trabalho e, conseqüentemente, forçar a usina a recuar diante da elevação do valor das indenizações a serem pagas. Em Primavera 22 entraram com ações na justiça. Santo Antônio suspendeu as demissões e endureceu o jogo contra os que iam freqüentemente à Justiça. A usina recusou-se a empregar seus ftlhos; não renovou o contrato dos membros de suas fam"ias habitualmente empre­ gados no período de corte da cana (na moagem); e divulgou em toda a região uma "lista negra" com os nomes dos que haviam ido àJustiça para denunciá-los aos outros empregadores9Tais medidas, que tinham o objetivo de desencorajar os trabalhadores a continuar encaminhando açôes àjustiça, foram tomadas pelos proprietários e executadas pelos empregados, termo que os trabalhadores utilizam para designar os que ocupam as posições de mando na hierarquia administrativa dos engenhos. Muitos trabalhadores de Primavera foram atingidos pelas medidas da usina, entre eles o antigo delegado sindical J., um homem de 51 anos, cujos dois Glhos foram dispensados do corte da cana após a ação trabalhista por ele movida contra o tempo clandestino. Como outros trabalhadores,]. mandou seus filhos trabalharem - c/andestino- junto a outros patrões, no campo e na cidade. A palavra de ordem dos dirigentes sindicais para responder às represálias da 364 j Direito e Coerção Moral no Mundo dos Engenhos usina foi intensificar a pressão na Justiça: em 1993, 57trabaUladores de Primavera fizeram reclamações trabalhistas, 20 deles mais de uma vez. Eles estiveram à frente de 9,8% dos processos encaminhados nesse ano através do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Flor de Maria e de 28% daqueles depositados contra a Usina Santo Antônio na Junta de Conciliação e Julgamento com jurisdição sobre aquela zona, situada em Herval, município vizinho. 10 A dominação impessoal Os comportamentos dos trabalhadores de Primavera por ocasião da crise dos anos 90 são reveladores de uma disposição de reclamar direitos trabalhistas que parece remontar aos anos 70: os 80 homens e 20 mulheres que aí trabalham encaminharam, a partir de 1977. 400 ações contra Santo Antônio (segundo os registros da Usina). Tais comportamentos denotam igualmente sua disposição para seguir a orientação dos dirigentes sindicais quando eles os mobilizam para se engajar em suas batalhas jurídicas contra os patrões. Desde ] 987 (data a partir da qual se dispõe de informações mais precisas graças aos registros mantidos pelo Sindicato),os trabalhadores de Primavera foram àJustiça do Trabalho reclamar a violação de direitos trabalhistas que estavam sendo objeto de campanhas orquestradas pelo Sindicato: em 1987,91% elas 169 ações ajuizadas na JC] referiam-se ao pagamento de dias de greve; em 1989. de um total de 70 ações. 63% diziam respeito ao pagamento de férias e 19% ao pagamento do salário família; em 1990, 41% das 49 ações reclamavam pa­ gamento de horas extras e 28% a concessão de área para lavoura de subsistência. Todo um outro conjunto de práticas atesta, desde o I1nal dos anos 70, a disposição dos trabalhadores de Primavera de seguir a orientação dos dirigentes sindicais para além das reclamações trabalhistas. Em 1980,por ocasião de uma campanha para criar delegacias sindicais em cada engenho,foram eles que e1egerdm um dos primeiros delegados sindicais do município. Quando das grandes mobilizações para obter aumentos salariais e o estabelecimento de contratos coletivos de trabalho nos anos 80, os de Primavera participaram de todas as greves que eclodiram em Flor de Maria e nos demais municípios da zona canavieira. Eles colaboraram ativamente com a direção sindical na paralisação do trabalho e muitos integraram os piquetes de greve em outros engenhos. Enfim, quando se tratou das grandes manifestações realizadas no Recife ou diante da sede das usinas para reclamar a violação dos contratos coletivos, havia sempre gente de Primavera 1 1 Os trabalhadores de Primavera encontram-se submetidos a um estilo de dominação que parece contribuir para a estruturação das disposições acima descritas. Como outros trabalhadores de Santo Antônio,des estão subordinados 365 estudos históricos a empregados e 1996 - 18 que por sua vez estão inseridos em uma cadeia hierárquica, O poder de cada um estando sempre limitado pelo daquele que ocupa a posição imediatamente superior. Os homens e mulheres de Primavera trabalham sob as ordens de dois cabos (a posição mais baixa na hierarquia de mando) que executam as ordens do administrador (a segunda posiçào), o responsável pela gestão das relações no interior do engenho. O administrador é supervisionado pelo fiscal (e existem três a ocupar esta terceira posição em Santo Antônio), que lhe transmite as ordens do chefe da parte agrícola da usina (a quarta posição). Este chefe deve obediência ao engenheiro agrônomo e ao gerente, que executam as ordens dos patrões: os membros da família Barbosa de Almeida, uma das mais tradicionais da zona açurareira, que explora duas outras usinas no Nordeste, entre elas Sào Carlos, que tem três engenhos em Flor de Maria, e uma importante cadeia de hotéis do país. As relações sào personalizadas com os cabos e o administrador e se impersonalizam de forma crescente com os superiores hierárquicos que ocupam as posições mais elevadas. Ora, quando eclode um conflito,12 os trabaUladores procuram se entender com os empre­ gados do engenho. Se não o conseguem, é pouco provável que possam encontrar uma solução apelando para aqueles situados nas posições mais , elevadas da hierarquia. As vezes o administrador não tem como resolver o problema em virtude de ordens superiores. Em Primavera foi o que ocorreu, nos anos 90, em relação ao conserto das casas, na origem de diversas reclamações trabalhistas: no âmbito da reestruturaçào da empresa, a direçào se recusava a reparar as moradias para constranger os trabalhadores a abandonar a propriedade, e, conseqüentemente, não fornecia ao administrador 1l1eios necessários para realizar as obras. Os donos de Santo Antônio nunca vão aos engenhos: a maioria dos homens e mulheres que mOf'àm há anos em Primaverd sequer os conhece, a 111aioria ignord até llleSffiO seus nomes. Eles constituenl uma referência abstrata para os trabalhadores, que tendem a crer que os prin�ipais problemas que vivem se devem aos empregados. 13 É nesse contexto de impessoalidade das relações de dominação, com tudo o que ela implica para a regulação de conflitos, que os 1mbalhadores de Primavem, assim como outros trabalhadores de Santo Antônio, recorrem ao Sindicato. Para os dirigentes sindicais de Flor de Maria, que desde os anos 70 têm feito pesados investimentos nos enfrentamentos com os patrões, os pedidos de socorro contra a usina constituem Ill0J11enlOs privilegiados para acumular capital simbólico, sobretudo honra e prestígio.14 Eles tentam então obter uma solução peJa via da negociação com os empregados ou diretamente com os patrões: um acordo bem-sucedido é também um sucesso para eles. Em caso de fracasso, os dirigentes sindicais orientam os trabalhadores a ir à Justiça reclamar a violação dos direitos. Como as usinas quase nunca têm condições de provar 366 Direito e Coerção Moral no Mundo dos Engenhos na junta que estão em dia com as obrigações trabalhistas, os trabalhadores via de regra ganham suas ações,15 o que lhes assegura vantagens materiais reais e também dividendos simbólicos em suas relações com os empregados.16 Como as vitórias na justiça representam uma entrada de recursos para os cofres do Sindicato, via cobrança de honorários, 17 as demandas dos trabalhadores criam também as condições de possibilidade para a acumulação de capital econômico para o Sindicato. O fato de os conflitos serem regulados graças à intervenção do Sindicato tem implicações sociais: a mediação favorece a criação de laços sociais, como se pode observar a partir daqueles establecidos entre os trabalhadores de Primavera e os dirigentes sindicais.IB A partir do momento em que se dirigem ao Sindicato para pedir ajuda para fazer frente aos empregados, os trabalhadores encontram-se de saída numa posição de inferioridade social, como qualquer outro indivíduo que pede socorro a um terceiro. Ora, nessas con(üções eles não podem deixar de se sentir gratos aos dirigentes sindicais quando estes lhes ofertam uma solução. Os trabalhadores reconhecem a dívida ao dizer que se não fosse o Sindicato eles estariam "imprensados" (subjugados) pelos empre­ gados e pelos patrões. Compreende-se assim melhor seu engajamento nas campanhas do Sindicato: ele se inscreve na lógica de retribuiçào de dons recebidos. Tal retribuição por sua vez nunca está dissociada de um interesse dos trabalhadores em reforçar seus laços com os dirigentes sindicais: quanto mais se envolvem em processos trabalhistas Ce também em greves) mais se vulnerabilizam diante da direção da usina e dos empregados, e mais precisam dos dirigentes sindicais. Para garantir seu apoio no futuro, por ocasião dos novos enfrentamentos, é-lhes necessário dispor de um capital de confiança: eles o têm constituído através do engajamento ativo nas atividades do Sindicato e através de outras demonstrações de lealdade, entre as quais se inscreve o assumir durdnte as audiências na Justiça a responsabilidade individual em relação a ações que nada mais são senão o produto de camp:mhas dos dirigentes sindicais. E os dirigentes sindicais reconhecem essa dívida ao se referir aos trabalhadores de Primavera como pessoas em quem podem confiar, pois que nunca os "decepcionam" na junta. Interessados em alimentar o estado de confrontação com os patrões, os dirigentes sindicais foram, eles também, se tornando cada vez mais dependentes dos trabalhadores de Primavera, pois em função do engajamento interessado no Sindicato, eles acabaram se transfonnando na vanguarda das lutas sindicais, junto com os trabalhadores de cinco outros engenhos de Flor de Maria19 Vê-se assim como o pedido de socorro ao Sindicato cria as condições de possibilidade para a inauguração de um ciclo de relações de troca entre os trabalhadores e os dirigentes sindicais. Presos na dinâmica dessas relações, e 367 estudos históricos e 1996 - 18 interessados em sua continuidade, os trabalhadores de Primavera e os dirigentes de Flor de Maria estão todo tempo tornando iniciativas para ativá-Ias, como para se dizer, uns aos outros, que estão empenhados no jogo.20 Sinais de tal empenho podem ser observados de ambos os lados. Os trabalhadores de Primavera vão regularmente à sede do Sindicato: sindicais; há sempre alguém do engenho nos dias de plantão do advogado. É freqüente vê-los chegar com frutas, seus roçados ou sítios:21 e para o funcionário encarregado dos processos. Às vezes convidam os dirigentes para participar de restas que organizam no engenho: estes são momentos privilegiados para reequilibrar as dívidas através do dom de comidas, bebidas e gentilezas e celebrar os laços que os unem. P.Z., delegado sindical desde 1987,22 o zelo como que os trabalhadores gerem suas relações com os dirigentes sindicais. Ele empenha-se em manter os dirigentes informados a respeito dos acontecimentos no engenho e também na usina, telefonando de uma cabine, reside. Freqüentador assíduo do Sindicato, heiros que vão fazer reclamações trdbalhistas, manhãs de sábado, P.J.. O presidente23 Nessas ocasiões, negociações com os empregados (os "altos escalões" das usinas), os problemas que está enfrentando em Primavera, recebe em seguida, sindicais, resolver conflitos com o administrador e o fiscal; a ir ver o gerente na sede de Santo Antônio para intervir pelos trabalhadores; a seguir de perto o andamento dos processos de Primavera: eles sabem, de visitar o engenho, ser interpretados pelos trabalhadores como uma negligência de sua parte, e, conseqüentemente, os convites para as festas no engenho se inscreve na mesma lógica e os dirigentes demonstram t<:r praz<:r em fazê-lo. Particularm<:nt<: at<:nciosos eles o são em relação ao delegado sindical. Em jan<:iro de 1994, da usina, plantado em seu sítio. No mesmo clia, foram ao escritório da usina, com um processo na Justiça do Trabalho, imediato da indenização a P.Z. A reação rápida e eficaz reconfortou 368 • O delegado Direito e Coerção Moral no Mundo dos Engenhos e os trabalhadores de Primavera: ela só confirmava suas expectativas positivas em relação à direção sindical. Processos e/orça moral É somente no quadro da interdependência que se estabelece entre os parceiros de trocas sociais que se pode compreender por que os trabalhadores de Primavera vão tanto à Justiça cobrar seus direitos trabalhistas. A partir do momento em que começaram a pedir aos dirigentes sindicais que mediassem seus conflitos com os empregados, os trabalhadores envolveram-se em relações de troca que os coagem a botar questão. A recusa a seguir a orientação sindical de ir à Justiça é recebida com notória má vontade por pane dos dirigentes, às vezes até com uma certa dureza: eles costumam wzer aos que assim procedem, sobretudo quando retornam uma segunda vez pedindo socorro (como se pôde , 24 registrar várias vezes): "agora não há mais nada a fazer, está perdido. , Tudo se passa como se eles quisessem punir os trabalhadores por não terem anteriormente reconhecido sua autoridade nesse campo, por não terem aceito aquilo que a rigor é um dos principais serviços que têm para lhes ofertar. O tl'abalhadores que assim procedem correm o risco do isolamento: é altamente provável que não possam vir a contar com o Sindicato para fazer face aos empregados ou ao patrão; eles se tornam vulneráveis. Através de seus compor­ tamentos, os trabalhadores de Primavera deixam claro que não se dispõem a correr tais riscos.21 Para os que se encontram implicados no jogo das trocas, os interesses que os movem permanecem opacos - e esta é a condição do jogo - e tudo se passa então como se a violação dos direitos fosse a I'azão por excelência da existência dos processos trabalhistas: clirigentes sindicais e trabalhadores que vão à Justiça crêem que há processos porque os patrões não cumprem suas obrigações. Mas como na prática há os que nào reclamam seus direitos, eles têm necessidade de uma razào para explicar a passagem ao ato de cobrar os direitos. É nessas circunstãncias que a cobrança dos direitos é investida de uma conotação moral: a coragem aparece então como a força que impulsiona os indivíduos na direção da Justiça do Trabalho. No contexto da escalada de enfrentamentos na Justiça do Trabalho associados à crise econômica, os trabalhadores de Primavera orgulhavam-se de sua coragem: não se deixavam intimidar pelos empregados de Santo Antônio e continuavam a reclamar seus direitos para recuperar o dinheiro que julgavam estar retido pelos patrões e assim assegurar o bem estar de suas famílias, o valor dos valores. A coragem era no entanto invocada para marcar a diferença em relação aos que não botavam questão. Os que iam à Justiça a eles se referiam 369 estudos históricos e 1996 - 18 como pessoas que tinham medo dos empregados e dos patrões, tivessem menos valor do que eles. Na mesma lógica, os destacavam a coragem dos que tinham entrado com ações na Justiça exigindo o tempo clandestino e lamentavam a fraqueza dos que não haviam seguido a sua orientação: não confiaram, tiveram medo". Havia em Primavera nove trabalhadores que nunca tinham botado • questão-. um contratado em 1963, dois em 1980, quatro em 1991 e dois em 1993. Entre eles figurava M., visitas ao engenho, tinham medo. M. não reagiu diante do grupo. Um pouco mais tarde aproximou­ se de mim para explicar porque não reclamava na Justiça. Oriundo de um município do Agreste, situado na divisa com a Zona da Mata, onde vivia grande necessidade, M. viera para Santo Antônio em 1980. A usina lhe dera emprego e um sítio em Primavera: melhor e ele podia comprar vestimentas para todos. M. era grato à usina: não tinha o que reclamar. O administrador de Primavera, em 1993, nunca havia bolado questão contra seus antigos patrões, lhe pagaram as férias. A gratidão aos empregadores era invocada para justificar seu comportamento e para se distinguir dos que iam à Justiça, uns "ingrdtos" com relação à usina. Ao integrar na análise de Primavera esses casos contrários dos que não reclamam, é possível chamar a atenção para o fato de que o medo, justificativa para a ausência de processos, é um sentimento atribuído aos outros pelos que crêem na sua própria coragem. Os que não vão à Justiça justificam seu comportamento de forma positiva e O valorizam, Para compreender as condições sociais que favorecem a associação entre a gratidão e a ausência de processos, • Aurora. Implicações sociais da gratidão Aurora pertence à Usina São Carlos. Arrendado em 1952, o engenho foi explorado até 1978 por José Barbosa, que neste ano aposentou-se e delegou a direção a seu único filho, Rodrigo. Em econômicas na agroindústria açucareira, do rendeiro suspendeu o pagamento dos trabalhadores. No início de julho ele aguardava a liberação de recursos, governo estadual, 370 Direito e Coerção Moral no Mundo dos Engenhos Rodrigo se via como vítima de um conjunto de fatores desfavoráveis: secas sucessivas que haviam provocado uma queda na produção da cana; a elevação da taxa de juros que tinha aumentado em muito sua dívida junto ao Banco do Brasil: como muitos outros produtores o filho do rendeiro não havia saldado sua dívida e conseqüentemente seu crédito não havia sido renovado; para culminar ele estava em liugio com a Usina São Carlos: no mês de fevereiro, durànte a moagem, a usina havia enviado trdbalhadores e caminhões ao engenho para cortar e retirar toda a cana. O conflito estava relacionado com a diversificação das atividades econômicas em Amom. Rodrigo Se considera um empresário moderno e crê, como os economistas, que o fim da monocultura da cana é a solução pam as crises sucessivas da Zona da Mata de Pernambuco, O melhor antídoto contra as oscilações do preço internacional do açúcar e da política do governo. Aproveitando-se da localização de Aurora num ponto privilegiado, entre uma rodovia federal e uma das partes mais valorizadas da costa de Pernambuco, Rodrigo resolvera explorar O turismo. Gmças a um consórcio com um empresário alemão, transformou a casa-grande em wna pousada e passou a receber um fluxo importante de turistas, sobretudo alemães. Descontente com essa atividade que não lhe rendia nenhum lucro, a direção da usina moveu uma ação contra Rodrigo acusando-o de estar desrespeitando os termos do contrato de arrendamento e obteve uma liminar para recupemr a cana27 Os dirigentes sindicais acompanhavam de perto a crise graças às informações fornecidas pelo secretário,que era tmbalhador residente em Amom (licenciado pam o exercício de mandato sindical), e pelo próprio patrão. Quando se tratou da obtenção dos recursos de emergência,o Sindicato autenticou a lista de trabalhadores de Aurora encaminhada por Rodrigo ao governo do estado. Ninguém no Sindicato evocava a possibilidade de uma reclamação contra o filho do rendeiro por não pagamento de salário. No engenho os trabalhadores conviviam com a suspensão do pagamen­ to. No início valeram-se dos produtos de seus sítios e roçados e da pesca; alguns foram trabalhar como clandestinos para outros patrões. Após algumas semanas no entanto a situação no engenho já em de fome. Rodrigo mandou matar três bois e distribuiu a carne entre os trabalhadores; em seguida obteve um crédito junto a um supermercado de Flor de Maria para que as familias pudessem se abastecer. A situação era inusitada para os trabalhadores, muitos dos quais, residindo havia já muitos anos em Amom, jamais tinham vivido uma experiência semelhante. A versão do patrão era conhecida mas os trabalhadores duvidavam que as razões invocadas pelo patrão estivessem efetivamente na origem da crise. Para eles, Rodrigo era o principal responsável pelo que estava ocorrendo: ele teria sido negligente com a cana e privilegiado a pousada. Os trabalhadores 37 1 estudos históricos • 1996 - 18 tinham no entanto a expectativa de que Rodrigo encontrasse uma saída e a normalidade se restabelecesse no engenho. A dominação pessoal o estilo de dominação ao qual se encontram submetidos os trabal­ hadores de Aurora contrasta fortemente com aquele descrito a partir de Primavera. Eles trabalham, como nos engenhos de Santo Antônio, sob a supervisão de dois cabos que executam as ordens do administrador. Não existe no entanto uma cadeia hierárquica acima do administrador. Os patrôes - o velho Barbosa, Rodrigo e a mulher - residem no engenho. Rodrigo está o tempo todo presente para dar ordens aos empregados e acompanhar de perto o que se passa no engenho. Os patrões não são aí uma abstração. Os que detêm o poder e os que a eles são submetidos estão confrontados face a face. Eles se conhecem pelo nome e têm uma história em comum: os trabalhadores mais velhos já se encontravam no engenho quando Barbosa tornou-se o rendeiro, outros vieram depois; muitos cresceram junto com Rodrigo, que nasceu em Aurora em 1956. Desde que assumiu a direção do engenho, Rodrigo procura se conduzir em relação aos trabalhadores como seu pai o fazia. Pellllite-Ihes que cultivem roçados e criem animais; socorre-os quando estão doentes; ajuda-os a enterrar seus mortos. No Natal, promove uma festa, dá presentes e, fazendo ainda mais do que seu pai, se fantasia de Papai Noel; toda sexta-feira santa, Rodrigo faz distribuição de peixes; e, de tempos em tempos, manda matar bois para dividir a carne com os trabalhadores. O filho de rendeiro aceita intervir para regular os conflitos interpessoais, quando os trabalhadores lhe pedem que o faça, e sua mulher o ajuda nessa tarefa: aconselhar um jovem a desposar a namorada grávida, convencer uma família a aceitar o noivo da mha e fazer um marido voltar para casa são alguns exemplos de intervenções feitas pelos patrões. Em 1995 o casal já tinha 80 aftlhados no engenho, ftlhos e ftlhas de trabalhadores que os haviam convidado para as prestigiosas funções de padrinho e madrinha. I ndo além da tradição de seu pai, Rodrigo havia implantado em Aurora uma política de promoção social. Neste sentido, ele se preocupava em assegurar uma formação profissional para os filhos de alguns trabalhadores, seja através de uma qualificação ensinada por ele mesmo, seja enviando os jovens para fazer cursos fora. Uma vez qualificados, ele os emprega em funções mais bem pagas: é o caso do contador, do mecânico, do vaqueiro e de todos os que trabalham na pousada. Rodrigo sente-�e pessoalmente responsável pelo destino dos trabalhadores e se orgulha do modo como os trata: ele se crê um patrão melhor do que muito outros de Flor de Maria e se sente amado pelo homens de seu engenho. Como o velho Barbosa, empenha-se em manter boas relações com 372 Direito c Coerção Moral no Mundo dos Engenhos os dirigentes sindicais, dispõe-se a com eles cooperar e considera-os como seus amigos. No início dos anos 90, Rodrigo cedeu um terreno dentro do engenho para que os dirigentes sindicais pudessem executar um programa de agricultura comunitária para os filhos dos trabalhadores e assim retirá-los do trabalho da cana. Ele foi o único patrão em Flor de Maria a atender ao pedido do Sindicato, pelo menos até o ano de 1995. Essa gestáo personalizada das relações sociais produz efeitos sobre a disposição dos trabalhadores a não reclamar direitos trabalhistas, assim como a conduta patronal em relação aos dirigentes sindicais produz efeitos sobre a disposição destes a enfrentar o patrão. Para compreender as mediações a partir das quais tais efeitos são produzidos, é preciso restituir as origens sociais e as trajetórias dos patrões de Aurora, assim como a história recente da zona canavieira de Pernambuco. O velho Barbosa nasceu em 1919, em Vitória de Santo Antáo, município situado no centro-oeste da zona canaviera, a mais de cem quilõmetros de Flor de Maria. Era o primogênito de um trabalhador rural. Seu pai conseguira tornar-se responsável pelo barracão do engenho onde trabalhava e, posterior­ mente, rendeiro. Tendo chegado a essa posição, acumulou o suficiente para comprar O engenho e, em pouco tempo, logrou adquirir um segundo. Graças a essa trajetória ascendente da família, Barbosa pôde estudar: o pai, que era analfabeto, enviou-o para o Recife para fazer o curso secundário. No início dos anos 40, Barbosa se preparava para fazer o vestibular para a prestigiosa Faculdade de Direito do Recife, quando foi convocado para servir o Exército. Durante toda a Segunda Guerra Mundial atuou no Exército, tendo participado das operações de vigilância das praias do Nordeste. Desmobilizado em 1945, Barbosa não retoma os estudos e retoma a Vitória de Santo Antão para trabalhar com O pai no engenho. Em 1952 ele já tinha 37 anos, estava casado com uma prima paterna e ainda sem filhos. Economicamente dependia do pai e não tinha maiores expectativas em relação à herança. O patrimônio paterno totalizava 800 hectares e havia 20 herdeiros. Para alguém como ele, que tivera ambições de seguir a carreira de advogado e subir na hierarquia social, o futuro devia parecer sombrio. Nesse contexto, tornar-se rendeiro de um engenho de 1 .700 hectares, como O era Aurora, certamente foi vivido como a possibilidade de recuperar uma trajetória de ascensão social. Barbosa conseguiu o contrato de arrenda­ mento graças à mediação do marido da irmã, que era então engenheiro da Usina São Carlos. Ora, desde início dos anos 50, todo um conjunto de sinais indicava estar em marcha um processo de transformação das regras que tradicionalmente haviam regido as relações sociais no interior das grandes plantações açucareiras de Pernambuco. Com a elevação dos preços do açúcar no mercado interna- 373 estudos históricos e 1996 - 18 cional, os patrões procuram aumentar a produção e a produtividade: começam a tomar os sítios e muc1am as formas de remuneração para aumentar a intensidade do trabalho.28 Progressivamente eles vão deixando de desempenhar o papel de protetores nos momentos críticos e de doadores de presentes que tradicionalmente tinham em relação aos que trabalhavam e viviam em suas terr,IS. Esta ruptura unilateral das regras do jogo criou condições de possibilidade para a ruptura de outras regras que os trabalhadores aceitavam como evidentes, sobretudo aquelas que os obrigavam a ser leais aos patrões e a não questionar sua autoridade. Em 1955 um movimento social de grande envergadura eclode na Zona da Mata de Pernambuco, com a constituição das Ligas Camponesas 29 Quando Barbosa se instala em Flor de Maria, em 1952, um clima de "paz social" ainda prevalecia naquele munidpio. O rendeiro procede então de acordo com as regras da tradição e procurd ser ainda mais protetor do que os outros patrões, sobretudo no que se refere à assistência médica. Todos os seus investimentos iam no sentido de um ajuste ao modelo do "bom patrão", cujos prestígio e honra eram avaliados pelas condutas generosas que tinham em relaçào aos trabalhadores.30 Ora, Barbosa era f1Iho de um homem que nào pertencia à elite que havia mais de três séculos ocupava o ápice da piràmide social no estado de Pernambuco; era um "estrangeiro" em relação ao estab/ishmerd3 1 de Flor de Maria, pois vinha de um munidpio distante; era um rendeiro e não um proprietário. Com todos esses handicaps, Barbosa corria o risco de ser desprezado pela elite, que não o reconhecia como um igual, e pelos trabal­ hadores, que não viam com bons olhos os rendeiros, sobretudo a ueles que � não pertenciam à camada dos grandes proprietários tradicionais.3 Tendo a ambição de ser respeitado e de fazer um "nome" no mundo dos engenhos, Barbosa certamente compreendeu que tinha de superinvestir na construção do seu lugar em Flor de Maria para compensar a fragilidade decorrente de sua origem social. • Nos anos que se seguem o movimento social se espalha pela mna canavieira com a criaçào dos Sindicatos apoiados pelos militantes comunistas, trotskistas e católicos de esquerda e pelo governo de]oão Goulart, que desejava quebrar O poder dos grandes proprietários. Outras organizações camponesas, como a Uniào dos Lavradores e Trabalhadores na Agricultura (ULTAB), consti­ tuídas a partir de São Paulo, se associam às Ligas e aos Sindicatos e pressionam pela refolJ1la agrária e a extensão da legislação trabalhista ao campo. Em 1963 o Congresso Nacional vota o Estatuto do Trabalhador Hural,33 que impõe aos patrões numerosas obrigações e, em caso de conflitos, a mediação da Justiça do Trabalho. Na mna canavieira os recém-criados Sindicatos de Trabalhadores Hurais organiz.am manifestações e deflagram greves para forçar o cumprimento da nova lei, notadamente com vistas ao pagamento do salário mínimo 374 c do Direito e Coerção Moral no Mundo dos Engenhos décimo-terceiro salário.34 Datam dessa época os primeiros processos contra a violação dos direitos traba.lhistas. Confrontado com essa nova conjuntura, Barbosa procura adaptar-se, passando a respeitar algumas das obrigações impostas pela nova legislação: assina as carteiras de trabalho; paga o salário mínimo e o décimo-terceiro. Seus trabalhadores se sindicalizam e elegem um delegado sindical, sem que ele a isso se oponha. Barbosa era no entanto uma exceção em Flor de Maria: os outros patrões do município relutam em pagar o novo salário e se mostram hostis aos líderes sindicais. Greves organizadas pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais começam a eclodir nos engenhos do município, salvo em Aurora. Para Barbosa esse fato já era um sinal de que os trabalhadores de seu engenho o reconheciam como um homem "bom". Após O golpe mílitar de abril de 1964, apoiado pelas elites da zona canavieira, o Sindicato de Flor de Maria é fechado e os dirigentes sindicais e os militantes tornam-se alvo de uma violenta repressão: os que não conseguiram escapar foram presos e torturados, outros foram assassinados pelos militares depois de terem sido denunciados por seus patrões.35 O medo se instala entre os trabalhadores de Flor de Maria. É então que alguns militantes recorrem a Barbosa pard que os proteja. O rendeiro lhes faz ver os riscos que está correndo mas não se recusa a acolhê-los. Os boatos de que dava guarida aos "subversivos", como eram chamados os que haviam participado das lutas sociais, chega ao Recife, onde funcionava o quartel-general do N Exército, a sede da repressão. Barbosa é interpelado várias vezes pelos militares, mas consegue livrar-se das acusações, sendo provável que seu passado de ex-combatente o tenha auxiliado naquele momento. Os militantes que haviam se escondido em Aurora conseguem escapar da repressão graças a Barbosa, que foi o único patrão a acolher trabalhadores alvos de denúncias. Barbosa não era um adepto dos direitos trabalhistas. Ele os vê, ainda hoje, com maus olhos: "Os direitos foram mais prejudiciais aos t(abalhadores do que a própria escravidão", dizia ele em 1995. Foi a partir de urr1a lógica de preservação de seu status, adquirido graças a pesados investimentós no papel de patrão tradicional, e da concorrência com outros patrões com os quais rivalizava, que ele escolheu a via do compromisso com as novas forças sociais que se estruturavam na zona canavieira de Pernambuco. Por ocasião da mudança de correlação de forças em 1964, Barbosa já em prisioneiro de sua própria estratégia: ele estava coagido a acolher os militante sob pena de perder a face. Procedeu então como um homem "generoso" em relação a indivíduos que sequer reconhecia como militantes, mas como "pobres e humildes" "manipulados" pelos "comunistas" da cidade, como costuma dizer. O que importa no entanto é que, com este gesto, Barbosa logrou constituir para si um capital de confiança junto aos clirigentes sindicais. Seu comportamento no 375 estudos históricos e 1996 - 18 momento da repressão é um fato conhecido em Flor de Maria, e os líderes sindicais a ele se referem e o reconhecem como uma demonstração de solidariedade. "Em Aurora os trabalhadores não foram espancados. Foi o É preciso reconhe­ cer o que Barbosa fez", dizia o presidente do Sindicato em 1995 durante seu relato sobre os acontecimentos de 1964. PJ. não era um militante no início dos anos 60, mas assistiu ao que se passou então: quatro trabalhadores do engenho contrário que aconteceu: muitos se refugiaram no engenho. Timbira (usina Monge), onde nasceu e se criou, foram torturados e mortos. Este fato que O chocou quando jovem certamente contribui para que a atitude de Barbosa o sensibilize. O desmoronamento do mundo no qual Barbosa havia construído seu "nome" não o levou a mudar de comportamento em relação aos trabalhadores nos anos que se seguiram. Não dispondo de outros trunfos senão a reputação de homem "bom", não lhe convinha furtar-se ao papel de doador e protetor, como o podiam fazer outros patrões que tinham um "nome" de falTI11ia e mais capital econômico. Os compromissos tácitos estabelecidos com os dirigentes sindicais o coagiam por outro lado a respeitar algumas das obrigações trdbalhistas. Como o pai, Rodrigo também não dispõe de outros trunfos. Não concluiu o curso superior de administração que chegou a iniciar no Recife; não possui uma casa na cidade - o que não é usual entre grandes proprietários e rendeiros, todos os seus bens encontram-se em Aurora, que sequer lhe pertence. Para explorar o engenho com um capital econômico de pouca monta, ele se vê coagido a reproduzir O capital de bondade que herdou de seu pai. É através da gestão dessa espécie de capital que ele reativa os laços com os homens e mullheres que moram em seu engenho e dos quais depende para criar valor a 6 partir da cana e da pousada. 3 "Tudo que eu tenho está aqui", repetia ele em várias entrevistas nos anos de 1994 e 1995, "é preciso que eu cuide bem disso aqui, que eu trate bem as pessoas, que eu tenha carinho com elas". Seu comportamento durante a crise de suspensão do pagamento inscreve-se nessa lógica de reprodução do capital ele bondade: Rodrigo se empenhava a todo o momento em mostrar aos trabalhadores que se preocupava com eles, que se dispunha a protegê-los.37 Rodrigo necessita também gerir o capital ele confiança acumulado pelo velho Barbosa. Através de gestos de boa vontade em face das iniciativas dos dirigentes sindicais ele reativa os laços com eles e entretém a dívida histórica que contraíram com seu pai, desde que passaram a reconhecer a proteção dada aos militantes como um gesto de solidariedade. Num momento delicado como era a crise ele 1 995, Rodrigo recebeu a contraprestação dos dirigentes sindicais. Eles demonstraram ser tolerantes em face do não pagamento de salários, e não cogitavam de ações trabalhistas contra Rodrigo, como o faziam em relação a 376 Direito e Coerção Moral no Mundo dos Engenhos outros patrões de Flor de Maria que não haviam honrado a folha de pagamento, e a ele se referiam com condescendência: "Afinal ele não é dos piores." A coerção da dívida Desde que Barbosa se instalou em Aurora, os trabalhadores se habitu­ aram a receber da parte do patrão atenções e presentes e também a lhe pedir determinados serviços, sobretudo sua intercessão nos casos de conflitos inter­ pessoais. Não podendo jamais retribuir a Barbosa e depois a Rodrigo através de prestações equivalentes, os trabalhadores não poderiam senão se sentir em dívida. E eles a reconhecem quando os apresentam com homens "bons" para com eles. Pard reequilibrá-la, empenham-se então em demonstrar sua gratidão: são leais aos patrões. Assim, por ocasião do processo movido por São Carlos, os trabalhadores se dispuseram a comparecer ao tribunal para testemunhar a favor de Rodrigo e só não o fizeram porque foram dispensados pelo advogado. É nesse contexto de dívida em relação aos patrões que se pode compreender por que os u·abalhadores de Aurora não reclamam direitos. Eles não ignoram as dívidas trabalhistas de Rodrigo para com eles: por ocasião da crise eles se queixavam da suspensão do salário e de outros débitos, sobretudo de férias não pagas. Ir à Justiça para cobrar a dívida patronal equivaleria no entanto a fazer como se a outra dívida não existisse. A coerção moral funciona tentação de recorrer à Justiça do Trabalho parJ que ela exerça a coerção jurídica contra o patrão. Nesse caso o patrão devedor em aqui como antídoto contra a relação às obrigações jurídicas pode contar com o fato de que é reconhecido com credor em relação às obrigações morais. Verifica-se assim na prática toda a complexidade das relações entre a dívida moral38 e a dívida jurídica. Tudo se passa como se os trabalhadores não quisessem correr o risco de romper o equilíbrio que se estabeleceu historicamente entre eles e os patrões, assim como os trabalhadores de Primavera não se dispõem a romper o equilíbrio de suas relações com os (lirigentes sindicais. E os trabalhadores de Aurora têm interesse em assim proceder: a dívida patronal é uma garantia ela continuidade das relações, como a dívida em relação aos patrões é para estes uma garantia ela lealdade dos trabalhadores. Dentro dessa lógica, a suspensão dos salários representava uma situação de risco para o futuro elas relações sociais. Os trabalhadores, sensíveis aos sinais de atenção, censuravam Rodrigo por tê-los "abandonado" - e era esse o termo que empregavam; por só querer saber dos "alemães", como classificam todos os turistas estrangeiros; por não estar à altura do velho Barbosa. Mas eles temiam que a usina retomasse as terras e que Rodrigo acabasse indo embora, como outros patrões de Flor de Maria que estavam encerrando os contratos de arrendamento Oll vendendo os engenhos. E era 377 estudos históricos e 1996 - 18 evidente que não desejavam que isso ocorresse, pois lhes convinha o estilo de relação personalizada com os patrões.39 De seu lado, Rodrigo sabia o que os trabalhadores estavam pensando a seu respeito e se sentia pressionado a fazer o máximo para recuperar sua credibilidade junto a eles. Como em Aurora ir à Justiça era uma questão que sequer se colocava, os trabalhadores não se sentiam confrontados com a necessidade de se justificar pelo fato de não cobrarem seus direitos trabalhistas. É apenas quando ocorre uma ruptura no delicado equilíbrio das dívidas que o problema se coloca . Assim, em São Pedro, um outro engenho de Flor de Maria, o patrão suspendeu o pagamento por alguns meses e em seguida abandonou a propriedade, exi­ mindo-se assim de seu papel de protetor. Livres então da coerção da dívida moral, os 40 trabalhadores foram à Justiça reclamar contra a violação de direitos trabalhistas que remontava a vários anos. Eles diziam então que não O haviam feito anteriormente porque gostavam do patrão, o respeitavam e eram-lhes gratos: eles tinham vergonha de reclamar contra ele na Junta. Como em Primavera, a conotação moral atribuída à cobranca dos direitos se expressa aqui através de uma associação a vinudes mordis e a sentimentos. Para os dirigentes sindicais de Flor de Maria, no entanto, é o medo do patrão que impede os trabalhadores de irem à Justiça: o sentimento de vergonha característico da obrigação de lealdade pessoal é traduzido na linguagem da coragem, 40 moral característica do contexto da dominação impessoal. a força Confrontados com as coerções desconhecidas pelos trabalhadores de Primavera (o patrão estilo Barbosa vendeu o engenho para Santo Antõnio em 1942), os que vivem em Aurora desenvolvem outras estratégias para garantir o respeito a seus direitos: eles pedem aos dirigentes sindicais que intercedam por eles junto ao patrão. Esse foi, por exemplo, o caso dos feriados que o velho Barbosa nunca pagava: P.J. conseguiu que passasse a fazê-lo sem recorrer à Justiça, este fato sendo contabilizado como uma de suas vitórias sobre os patrões. • Em algumas ocasiões no entanto trabalhadores de Aurora ousaram enfrentar os patrões. Um primeiro caso remonta ao ano de 1 966, data que coincide com a retomada das atividades do Sinclicato no período pás-golpe e com a contratação do primeiro advogado no município. Um dos militantes acolhidos por Barbosa entrou com uma reclamação trabalhista. Barbosa perdeu o processo e teve de pagar suas dividas. No dia mesmo da sentença do juiz, pediu ao administrador que dissesse ao homem que não queria mais vê-lo e que esperava que ele sequer o cumprimentasse. Na manhã seguinte, o homem estava diante da porta da casa-grande: aos prantos ele pediu perdão ao patrão e devolveu-lhe o dinheiro recebido na Junta. Através desse gesto apagava simbolicamente a dlvida jurídica e restabelecia a situação de endividamento moral com o patrão. Barbosa o perdoou: esse trabalhador ainda vivia em Aurora 378 Direito e Coerção Moral no Mundo dos Engenhos em 1995 e o velho o considerava como um amigo. Passados 30 anos anos do fato, Barbosa não conseguia compreender a atitude do trabalhador de o acusar na justiça. Preso na lógica da dívida moral, o gesto se configurava como algo impensável, como uma ingratidão intolerável em relação a ele, que correra riscos para salvar sua vida. O episódio é revelador da força dos laços que uniam o patrão e o trabalhador, da carga emocional que envolve o ato de reclamar direitos num contexto de dívida moral. Se as relações foram restabelecidas nesse caso, tal se deve ao recuo do trabalhador. Outros que não se dispuseram a recuar após o enfrentamento foram objeto de punições exemplares. Um desses casos é o de um trabalhador que, por ocasião de uma reunião no engenho com dirigentes sindicais e o velho Barbosa, disse que em Aurora os cabos roubavam para a fazenda no momento de fazer a medição das tarefas.41 Barbosa o demitiu no mesmo dia dizendo-lhe que não admitia em seu engenho alguém que o chamasse de ladrão. Pagou-lhe tudo o que devia em relaç-Jo ao passivo trabalhista para pôr um ponto final na relação. Outro caso é o de um homem de 40 anos que não aceitou o preço que Rodrigo queria lhe pagar pelo trabalho feito e foi queixar-se ao patrão. Rodrigo pagou-lhe então o que pedia mas acrescentou: "Para mim você não trabalha mais." Não o botou para fora, provavelmente porque sequer tinha como indenizá-lo, mas sinalizou o fim da relação. Essa dureza inscreve-se numa lógica semelhante àquela que parece presidir o comportamento dos dirigentes sindicais diante dos que se recusam a ir à justiça quando são aconselhados a fazê-lo: trata-se de uma punição contra aqueles que não respeitam os termos das relações de troca. Ela poderia ser interpretada como uma manifestação da violência simbólica Cteorizada por Pierre Bourdieu) exercida pelos que na relação social detêm um maior diferencial de poder. o desellcantalnmto do direito Ao longo deste texto procu rei examinar os comportamentos relativos à cobrança de direitos, a partir da análise de uma situação, diria eu, privilegiada para fazê-lo. Na Zona da Mata de Pernambuco, graças ao empenho de dirigentes sindicais, que concorriam entre si em torno da capacidade de cada um de mobilizar mais associados para a regulação jurídica de conflitos, os trabalhadores se familiarizaram rapidamente com seus direitos e tiveram seu acesso à Justiça do Trabalho extremamente facilitado. O fato de muitos lr,,-balhadores não se dísporem a ir à justiça reclamar a violação dos díreitos representava um problema para o qual as interpretações mais recentes sobre a relação dos indivíduos com as normas jurídicas não oferecem elementos de resposta. Assim, como explicar que determinados indivíduos não fossem àjustiça, se tudo parecia 379 estudos históricos e 1996 - 18 ser tão favorável a que o fizessem? Ora, se tudo indicava haver outros princípios de explicação para a não cobrança dos direitos, o que me autorizaria a supor que não os houvesse também para explicar a cobrança aparentemente tão evidente? Foi a partir desse ponto de vista que procurei compreender os dois tipos de comportamento e que enveredei por caminhos habitualmente negli­ genciados pelos estudiosos dos modos de regulação social a partir do direito. Estes caminhos implicavam mobilizar conceitos da antropologia e da sociologia com vista a integrar na análise as redes de relações sociais, as trocas e as dependências recíprocas, as obrigações morais e os interesses, e romper com uma visào cOlnprolneticla com os interessados na ordem jurídica, como o são os juristas, os que detêm o poder político, os jornalistas, os militantes e os cientistas sociais que se deixam contaminar por seus pontos de vista. Através do estudo de dois casos polares observados no município de Flor de Maria, que reunia num certo sentido propriedades sociais quase que ideais para se realizar a investigação, como uma espécie de laboratório social, foi possível mostrar o quanto a cobrança de direitos permanece opaca enquanto não se a examina a partir das relações entre os indivíduos; o quanto esta cobrança está inscrita numa complexa relação de troca que constrange os indivíduos quer a ir à Justiça, quer a não fazê-lo. Graças às escolhas metodológi­ cas adotadas para conduzir a análise, o direito, suas normas e suas instituições puderam ser desencantados enquanto princípios de explicação: os indivíduos não cobram ou deixam de cobrar os direitos porque os conhecem ou ignoram, porque estes foram ou deixaram de ser violados, porque a Justiça é accessível ou deixa de sê-lo. Todos esses fatores podem ou não favorecer a cobrança de direitos, mas ela é incompreensível se se ignora que a cobrança dos direitos está subordinada a outras normas que regem a vida social, às coerções morais que se abatem sobre todos aqueles envolvidos em relações de troca e aos interesses que lhes estão associados. Como é próprio das relações de troca, os indivíduos que delas participam crêem que o fazem em plena liberdade, já o assinalava Mauss ( 1 991:268), tudo se passando como se pudessem deixar de cumprir as obri­ gações de dar, receber e retribuir. A conotação mordI da qual está investida a cobrança dos direitos é o que permite aos indivíduos ocultar de si mesmos tudo O que seus comportamentos devem à coerção mordI. A cordgem, enquanto força moral individual que justifica os processos, oculta as obrigações morais dos trabalhadores de Primavera de retribuir as prestações recebidas dos dirigentes sindicais; a vergonha, enquanto sentimento honrado de quem não deseja ferir aquele que o ama, oculta as obrigações dos trabalhadores de retribuir as prestações recebidas por patrões cio estilo do velho Barbosa e de Rodrigo. Virtudes 380 e sentimentos associados à cobrança dos direitos por trabalhadores, Direito e Coerção Moral no Mundo dos Engenhos patrões, dirigentes sindicais e membros da hierarquia administrativa ocultam enfun os interesses que, enquanto parceiros de diferentes circuitos de troca, os indivíduos têm em assegurar a continuidade de suas relações. Na zona canavieira de Pernambuco a cobrança dos direitos tende a render mais dividendos simbólicos do que a não cobrança. Assim, os que vào à justiça orgulham-se mais de sua coragem do que os outros de sua gratidão. Tal fato não pode ser dissociado de toda a legitimidade dos direitos naquela regiào do Brasil, a qual por sua vez deve menos a um suposto mana do direito do que às condições sociais que contribuíram para que o respeito aos direitos se tornasse objeto de altos investimentos sindicais, que a excelência sindical passasse a se medir pelo fato de levar os associados àjustiça. Estes investimentos tendo ocorrido num contexto em que os patrões deixavam de cumprir normas tradicionais não podiam senão propiciar uma certa sacralização dos direitos aos olhos dos trabalhadores. A cobrança continuada dos direitos trabalhistas produziu efeitos impor­ tantes sobre a regulação das relaçôes sociais nas plantações canavieiras. Graças aos processos, os patrões progressivamente passaram a orientar suas condutas levando em conta as normas impostas pelo direito. Mesmo onde nào há processos, como em Aurora, a possibilidade sempre existente de virem a ser encaminhados à justiça constrange os patrões a se ajustar, ainda que parcial­ mente, às normas. Colocar em evidência essas implicações da cobf'dnça dos direitos permite chamar a atenção para o fato de que do desencantamento do direito enquanto princípio de explicação não se deduz a minimização em voga do significado das nOllllas jurídicas de proteção aos vendedores de força de trabaU1O. Para os trabalhadores, a existência dos direitos trabalhistas é uma garantia contra a arbitrariedade dos que, graças à proteção jurídica do direito de propriedade, detêm o poder sobre eles. Mesmo que não os cobrem, porque não lhes convém ou porque se sentem moralmente coagidos a não fazê-lo, eles sabem que a. qualquer momento podem se valer da anna da Justiça. A possibilidade de continuar a contar com ela encontra-se atualmente ameaçada pela "flexibilização" das normas que regem as relações de trabalho, esse eufemismo tcorizado pelos economistas em nome dos interesses imperativos do "mercado" e da "nação". Trata-se aqui de abstrações que produzem um efeito de ocultamento em relação ao que estaria em jogo em termos de fazer pender a correlação de forças para o lado dos que historicamente têm detido a força para impor o seu poder, semelhante ao efeito de ocultamento produzido pelas invocações da coragem, do medo, da gratidão e da honra entre trabalhadores, dirigentes sindicais e patrões da zona canavieira de Pernambuco, ressalvados, last but nol least, os diferenciais de poder dos economistas, espécies de profetas deste final de século. 381 estudos históricos e 1996 - 18 Notas 1 . Dirigido por três trabalhadores rurais arualmente afastados da prooução, que ocupam as funções de presidente, secretário e lesoureiro, o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Flor de Maria distingue-se no interior do conjunto de 44 sindicatos (organizados por municípios) da zona canavieira por ser um dos que encaminham um número elevado de processos à Justiça do Trabalho. Um censo das ações trabaUlist3s ajuizadas entre os anos de 1978 e 1984 em 23 municípios da zona revelava que este Sindicato ocupava a terceira posição no ranking do número de processos. O Sindicato conta com dois advogados, um funcionário encarregado de auxiliar os advogados na montagem dos processos e um outro (um ex-trabalhador) encarregado de acompanhar os trabalhadores às audiências. Para uma descrição dos investimentos sindicais deste Sindicato na regulação jurídica de conflitos, cf. Sigaud, 1994. para designar os que exploram as terras mediante contrato de arrendamento . . com seus propnetanos. , 5. Entre os textos pertinentes de Weber, cf. Weber, 1964, 251-272; 1965, 350-356. 6. A palavra tna,.,a es[á sendo empregada aqui no sentido de poder mágico, qualidade mágica, a partir da análise feita por Mauss e Hubert sobre fatos da Melanésia (1991, 10]- 1 1 5). Crer no poder das normas jurídicas nào se distingue da crença no poder das coisas. 7. A dificuldade dos cientistas sociais em assumir em suas anái'ises uma posição de distanciamento diante dos problemas das sociedades em que vivem são reais e decorrem de sua participação nos conflitos de seu tempo, como o destacava Elias 0993, 23-30). O efeito da ausência de distanciamento se expressa nos temas escolhidos para estudo - os temas "quentes" - e nas perguntas formuladas, que muitas vezes nada mais são do que perguntas do 2. Os patrões de Flor de Maria senso comum. Reconhecer a existência de tais dificuldades é condição descende de famílias estabelecidas na necessária para poder de alguma forma controlá-las. Mas é preciso ir além e constituem a elite regional: parte deles região há mais de cem anos, mas há também aqueles que chegaram à posição de patrões graças a um processo de ascensão social. Os trabalhadores descendem de famílias que de geração em geraçào vêm prestando selViços aos patrões da cana de açúcar. Eles trabalham na agricultura da cana e também cultivam produtos para sua subsistência em terras cedidas pelos patrões; alguns criam animais. 3. Engenho é o termo nativo para designar as unidades de produção onde se realiza a cultura da cana de açúcar. 382 4. Rendeiro é o lermo nativo utilizado exercer todo o tempo uma vigilância redobrada sobre os problemas de estudo que se está construindo, os fatos que se está tomando para analisar. 8. Botar questão é o termo nativo tradicionalmente utilizado para designar o ato de fazer uma reclamação trabaUlista. Em Flor de Maria intercambiam o bolar questão com o baterprocesso, sobretudo nos contextos em que se trata de descrever que estão fazendo no Sindicato. Assim diz-se O botar questão em termos genéricos e baterprocesso quando o trabalhador Direito e Coerção Moral no Mundo dos Engenhos chega à sede para encaminhar a sua " reclamação: uVim baterprocesso. 9. A primeira vez que ouvi falar de uma "lista negra" foi no Sindicato de Flor de Maria. De início desconfiei da veracidade de tal IiSL:1, talvez porque ela me evocasse outras listas sinistras elaboradas para eliminar fisicamente pessoas. Foi no escritório da Usina Santo Amônio que obtive a confirmação da existência de tal lista, que estava sendo elaborada não só naquela usina, como nas demais da região, ao que parece a partir de um acordo entre os usineiros. E O termo utilizado era bem "lista negra". Tratava·se. no dizer dos altos funcionários das duas usinas, de "extirpar o mal pela raiz", penalizando as famílias e os parentes dos que iam à Justiça. E o argumento invocado para fazê-lo era o prejuízo que as usinas estavam tendo com o elevado número de processos, uma medida para reduzir custos numa conjuntura de crise. O que estava em jogo eí.l uma exclusão social, a inviabilização da possibilidade de os trabalhadores se reempregarem legalmente na agroindústria canavieira. 10. A criação da jCj de Herval em fins da década de 80 está intirnamente associada à demanda crescente dos traballiadores rurais do sudeste do estado de Pernambuco. Ver a este respeito Miranda (1991), que realizou um estudo sobre esta Junta, o qual certameme se constitui na única el110grafia já feita no Brasil a respeito de uma u nidade dessa primeira instância da justiça do Trabalho. 11. Sobre as Il'lobilizações dos trabalhadores da zona canavieirn de Pernambuco a partir da década de BO, cf. Sigaud, 1980 e 1986. 12. Em outro traba lho (Sigaud, 1994) mostrar que os conflitos se originam na ruprura d% regras que regem o contrato de trabalho, as quais constituem uma espécie de combinação entre as regras previstas na legislação e outras que são o produto do estado e das relações sociais no interior do engenho. Assim, um conflito ocorre porque uma norma do direito do trabalho que vinha sendo respeitada deixa de sê-lo, ou porque os empregados ou o patrão desrespeitaram regras consensuais concernentes por exemplo à autonomia do trabalhador em relação à administração da força de trabalho familiar. 13. Os empregados situados nos escalões inferiores da hierarquia administrativa são em geral eX-Lraballladores rurais que ascenderam à posição de empregados graças ao fato de saberem ler e escrever e serem pessoas de confiança dos escalões superiores. Sobre o que estaria em jogo na tendência dos trabalhadores a responsabilizar os empregados pelos problemas nos engenhos, cf. Sigaud, 1 978. 14. Sobre as condições sociais que contribuíram historicamente para que os dirigentes sindicais se engajassem na regulação jurídica de conflitos c que [.,11 engajamento viesse a se tomar um sinal da excelência sindical, cf. Sigaud, 1994. 15. Os dados da jCJ de Herval revelam que a maioria das ações são conciliacL1s durante as audit!ncias, o que n i dica que os patrões não têm condições de contestar as acusações que lhes são feitas de violação da legislação trabalhista. 16. Através dos relatos dos trabalhadores é possível perceber que eles se sentem fortalecidos com as vitórias na Junla e que se aprazem em procurei, a partir do estudo das petições iniciais, reconstituir o contexto no qual utilizá-Ias em suas interações com os ec10dem os conflitos. Procuro então a vitória fizesse pender, pelo menos empregados, tudo se passa ndo C0l110 se 383 estudos históricos • 1996 - 18 temporariamente, a correlação de forças para o seu lado. relações de troca, cf. as análises de Florence Weber (j 989), 1 7. O orçamento do sindicato é 21. Os roçados são áreas de terra constituído pela contribuição sindical, as contribuições dos associados (descomadas diremmeme em folha) e os honorários das questões trabalhistas. Quando perdem a quesLão, os patrões pagam ao sindicato uma porcentagem sobre a quantia devida ao trabalhador: 100/0 em caso de acordo na audiência (conciliação) e 15% em caso de julgamento (sentença do juiz). Cerca de 50% são utilizados para pagar o advogado, o restante sendo então incorporado ao orçamento. Nunca consegui verificar a proporção exala dos honorários no orçamento, mas estimo que ela seja da ordem de 30%. 18. As implicações a serem aqui descritas tendem a passar despercebidas pelos estudiosos do sindicalismo no Brasil, que muitas vezes se deixam seduzir pelo que há de mais aparente na intervenção dos dirigentes sindicais, como por exemplo o desempenho do dever estatutário de "defesa dos direitos dos associados". 19. Estes engenhos são Ilhas e Córrego de São Carlos, São Paulo e Timbira de Monge e Mercados de Santo Antônio. O alto índice de processos nesses engenhos só confirma os argumemos que estou aqui desenvolvendo. 20. Como o salienta Max Weber 0964,251-2721. o interesse das duas partes em enLreter as rel::tçõcs de troca é a principal garantia para o futuro dessas relações, maior do que qualquer tipo de garantia jurídica. Aqui este interesse se expressa através de pequenos gestos, selviços e presentes. São atos que "falam". Sobre o que fazer quer dizer, ver as análises de Edmund !.each (996) sobre a linguagem dos rituais. Quanto ao significado dos pequenos gestos nas 384 cedidas para cultivo de lavouras de subsistência. Em geral os roçados estão localizadas quer no interior de capoeiras, quer em areas em poUSIO a serem ulteriormente incorporadas ao plantio de cana. Os roçados são móveis: os trabalhadores muitas vezes devem entregar a terra que estão cultivando e transferir-se para outra. Os sítios estão localizados em tomo da casa, têm álvores frutíferas c são permanentes em comparação com os roçados. A possibilidade de cultivar para a própria subsistência é altamente valorizada pelos trabalhadores e, na hierarquia das áreas cedidas pelos patrões, o sítio se configura como o mais prestigioso. Sobre a significado dos sítios nas relações sociais nas grandes plantações, cf. Palmeira (976). • • • 22. O delegado sindical de Primavera tinha, em 1994, 40 anos. Era casado mas ainda sem filhos, o que não é usual entre os trabalhadores. Protestante, desempenhava seu papel de mediador como se se tratasse de uma missão religiosa. 23. Presidente do Sindicato desde 1972, P.J goza de um grande prestígio junto aos trabalhadores de Flor de Maria e dos demais dirigenres sindicais do estado de Pernambuco. Em 1995 ele tinha 58 anos. Nas eleições de 1996 foi eleito prefeito do município. 24. Ao longo dos anos em que venho fazendo pesquisa na zona canavieirã de Pernambuco, sempre me chamou a atenção :1 "dureza" dos dirigentes sindicais com os trabalhadores que se recusavam a entrar na Justiça ou que desistiam do processo depois d, ação ajuizada na Junta. Tinha dificuldade de entendê-Ia, provavelmente a partir de uma posição "engajada" que me levava Direito e Coerção Moral no Mundo dos Engenhos a supor que afinal o dirigente estava lá para prestar serviços aos associados, como se esses serviços pudessem ser Palmeira, 1976. Sobre a generosidade como um indicador de prestígio, cf. Sigaud (993). Um material precioso dissociados do quadro mais amplo das pode ser encontrado nas memórias de patrões das grandes plantações como relações sociais que os vinculam. Foi só a paI1ir do momento em que percebi o quamo essa dureza tinha a ver com um Bello curto-circuito nas trocas que consegui restiruir o seu semido. publicadas sobre usineiros, como Catende (941). 25. A interdependência destacada por 31. É possível pensar a posição de Elias 0985; 1991a e b; 1993) C0l110 própria das relaçõcs sociais permite examinar as relações de troca como relações de dependência recíproca e reêuperar tudo aquilo que elas devem às coerções e aos interesses dos indivíduos, que já haviam sido assinalados por Malinowski 0961 e 1 935) e Mauss (991). Tais dimensões têm sido negligenciadas pelos antropólogos do mundo anglo-saxão, que a partir de Lévi-Strauss têm preferido tratá-las como a realização mecânica do princípio da reciprocidade , sobretudo Sahlins (974). 26. Aurora é um dos 26 engenhos de O 985), Oliveira O 988) e Nabuco ( 995) c também em obras laudatórias Barbosa corno a de um oulSider, com tudo o que ela implica, nos lermos da análise feita por Elias (Elias e ScolSOn, 1994), 32. Em trabalho anterior pude observar essa desconfiança dos trabalhadores (Sigaud, 1979), à qual também se referem alguns patrões, como 8e1l0 (985). 33. Sobre o contexto sociopolítico da aprovação do ETR, cf. Camargo (981) e Prado jr. (979). 34. Sobre as greves desse período, cf. Callado, 1964. Flor de Maria explorados por grandes proprietários e arrendatários. 35. A violência contra os militantes das 27. Santo Antônio acusava Rodrigo de lutas na zona canavieira de Pernambuco em 1964 é uma história a ser estar desviando a cana para Qulras usinas ao invés de vendê-Ia a ela, conforme OS termos do contrato. Rodrigo conseguiu se defender desta acusação mas no bojo ela crise nào havia ainda recuperado o dinheiro que a usina Ule devia pelo confisco do produto. 28. Ver a respeito dessas transfonnações Furtado (964) e Correa de Andrade (964). 29. Existe uma vasta bibliografia sobre a eclosão do movimento social na zona canavieira de Pernambuco. Entre vários títulos destaco o trabalho pioneiro de Camargo (973). , 30, A conduta generosa fazia parte das regras da tradição. Ver a esse respeito reconstituída e analisada. No quadro da pesquisa em andamento tive a oportunidade de obrer alguns relatos que indicam que se sabe muito pouco sobre o que ocorreu nos engenhos no período que se segue ao golpe militar. Haveria todo um trabalho a ser feito a partir dos relatos dos que assistiram aos acontecimentos e dos arquivos militares 36. Barbosa depende da cooperação dos trabalhadores até: mcsmo para criar uma atmosfera de " exotismo" em sua pousada: são os seus filhos e filhas que fazem exibições de dança (lambada) para os turistas. Recebem treinamento na escola do engenho e vestimentas apropriadas, sendo nessas atividades supervisionados pela mulher do patrão. 385 estudos históricos e 1996 - 18 37. ° caso de Barbosa e Rodrigo parece se ajustar ao que foi formulado por Pierre Bourdieu (980) a respeito da dominação pessoal na Argélia, sobretudo no que se refere à bondade como uma forma de compensação para a ausência de outros capitais. É possível, no entanto, a partir do caso aqui analisado, levar :3 reflexão mais adiante mostrando as coerções ao exercício da dominação pessoal que continuam a se abater sobre os indivíduos num contexto no qual esse modo de dominação deixou de ser hegemônico. 38. A dívida moral dos lIabalhadores das grandes plantações canavieiras já foi objeto de análise de outros pesquisadores, como Palmeira 0976 e sld), Heredia (989), Garcia Jr., (986) e Lanna 099;). ° que estou procurando aqui é relacioná-Ia com a dívida jurídica e mOSLrar como uma interfere na outra. 39. As relações personalii'..adas com o patrão tendem a ser valorizadas pelos trabalhadores sobretudo pela perspectiva que elas abrem de uma solução face a face. Essa valorização parece ser compartilhada por aqueles que trabalham nos engenhos pa11icutares, como são chamados aqueles que não são explorados pelos industriais do açúcar, e pelos trabalhadores de engenhos de usina. Assim os trabalhadores de Primavera lamentavam o faro de os patrões serem inacessíveis, pois julgavam que se estivessem presentes poderiam entender-se diretamente com eles sem depender dos empregados, que eles saocm não ter autonomia para dar a última palavra. 40. ° advogado do Sindicato de Flor de Maria reinterpretava o medo do qual falavam os dirigemes sindicais numa linguagem jurídica: tratava-se para ele de uma evidência da "falta de consciência" em relação aos direitos, visão que não se distancia muito da de 386 cientistas sociais imbuídos em suas análises pelos pontos de vista dos especialistas do direito. 41. Os trabalhadores da zona canavieira são remunerados com base na produção, aferiela através da pesagem da cana conada ou da mensuração da área de cana cort.:''lda, por ocasião da moagem, ou através da mensuração da área trabalhada nos tratos culturais e no plantio, na entressafra. - R eferências b i b li ográficas BELLO, J. 1985. Memórias de um sellhor de ellgenho. Recife, Fundarpe, Diretoria de Assuntos Culturais. BOURDIEU, P. 1980. l.e sempratique. Paris, Les Editions de Minuit. CALLADO, A. 1964. Tempo de Arraes. Rio de Janeiro, José Alves Editora. CAMARGO, A. 1973. Brésil Nord-Estc mouvemellts paysans et crise populiste. Paris, EHESS, these de doctorat de 3eme cycle. 1981. "A questão agrária: crise de poder e reformas de base". ln: FAUSTO, B. História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Republicano, vol. 3. São Paulo, Difel. __ o CATENDE. 1941. o homem e a teml lla UsirUl Calende. CORREA DE ANDRADE, M. 1964. A terra e u humem no Nordeste. São Paulo, Brasiliense. 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