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Eventual caso de Lepra no Convento de Santa Joana, Lisboa (Séculos XVIII-XIX) INTRODUÇÃO O convento de Santa Joana, fundado em 1699, pertence da Ordem dos Pregadores, era inicialmente masculino. Em 1755, o edifício, poupado à devastação do terramoto recebeu as freiras dos mosteiros da Anunciada, do Salvador e da Rosa, levando ao consequente abandono pelos frades. O convento foi extinto em 1890 após a morte da última religiosa, passando a ser ocupado por serviços públicos. A cerca conventual ocupava uma área alargada com espaços de clausura e áreas públicas separados (Fig. 1). A necrópole localizava-se na zona acessível ao público, encontrando-se a sua ocupação balizada entre a segunda metade do século XVIII e o primeiro quartel do século XIX. Fig. 1 – Planta do convento de Santa Joana, datada de 1890, com destaque para a área intervencionada. INDIVÍDUO Fig. 2 – Vista da posição de inumação do enterramento [1772 A], parcialmente destruído por acção antrópica. Identificação [1772 A] Antropologia funerária • Inumado em covacho; parcialmente destruído por acção antrópica post mortem (Fig. 2). Dados antropológicos • Indivíduo adulto, de sexo indeterminado Estado de preservação • Esqueleto incompleto composto apenas por alguns ossos dos pés (Fig. 3). Fig. 3 – Índice de preservação anatómica do esqueleto [1772 A]. DESCIÇÃO DO CASO Pé esquerdo Pé direito  Navicular e cuneiforme com reacção proliferativa;  Fusão do 1º metatársico com a primeira falange proximal;  2º, 3º e 4º metatársicos verificam-se alterações tafonómicas, no entanto, é notório a presença de remodelação destrutiva;  5º metatársico apresenta deformidade knife edge;  Falanges proximais denotam sinais de alteração na base e uma forma dumb-bell.  Calcâneo, talus, navicular, cuneiforme e cubóide com reacção proliferativa;  1º, 2º e 3º metatársicos evidenciam remodelação destrutiva, acroosteólise com elevada absorção distal e proliferação óssea;  4º e 5º metatársicos apresentam reacção proliferativa ao nível da diáfise, bem como alteração na extremidade proximal.  Falanges proximais ostentam proliferação óssea, com maior afectação da primeira. DISCUSSÃO A Hanseníase ou lepra é uma infecção crónica com um período de incubação longo. O contágio dá-se através da via pulmonar, causando reacções com um espectro clínico vasto que variam consoante a resposta imunológica individual 1e2. Afecta, numa primeira fase, o sistema nervoso periférico, nomeadamente as extremidades (lepra neural) e posteriormente a pele e outros tecidos3. Quando atinge o esqueleto, desencadeia uma série de alterações, quer de foro proliferativo, como osteolítico, que podem ser específicas e não específicas. Nas lesões específicas do esqueleto são tidas em consideração todas as alterações faciais características, denominadas de fácies leprosa, que incluem o alargamento da abertura piriforme e uma remodelação destrutiva da espinha nasal e de parte do maxilar, entre outras 4. As alterações inespecíficas são consequência do envolvimento periférico nervoso que resultam na perda sensorial, no trauma e conseguinte ulceração das mãos e pés, que podem culminar numa infecção secundária. Os danos do sistema nervoso periférico (mãos e pés em forma de garra) e do sistema nervoso autónomo (absorção e remodelação)5 conduzem à cessação da actividade normal do membro, produzindo um desequilíbrio da função osteogénica do osso, traduzida no aumento da actividade osteoclástica (Knife edge deformity; acroosteoólise, entre outros)6. Em paleopatologia, o diagnóstico assertivo de lepra somente é possível aquando da identificação da facies leprosa, uma vez que as lesões nas extremidades devem apenas ser consideradas como características da lepra. No presente caso, apenas foram recuperados alguns ossos dos pés, o que obriga a considerar outras condições patológicas passíveis de afectar esta região anatómica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Andersen, J.; Manchester, K.; Roberts, C.1994. Septic bone changes in leprosy: a clinical, radiological and palaeopathological review. International Journal of Osteoarchaeology, 4 (1): 21-30. 2. Matos, V. 2009. O diagnóstico retrospectivo da lepra: complementaridade clínica e paleopatológica no arquivo médico do Hospital- Colónia Rovisco Pais (Século XX, Tocha, Portugal) e na colecção de esqueletos da leprosaria medieval de St. Jørgen’s (odense, Dimanarca).Tese de Doutoramento, Universidade de Coimbra 3. Mandal, B.K.; Wilkins, E.G.L.; Dumbar, E.M.; Mayon White, R.T. 1996. Lectures notes on infectious diseases. Blacwell Science. Oxford. 4. Ortner, D. 2011. What skeletons tell us. The story of human paleopathology. Virchows Archives, 459: 247-254. 5. Thappa, D.M.; Sharma, V.K.; Kaur, S.; Suri, S. 1992. Radiological changes in hands and feet in disabled leprosy patients: a clinical-radiological correlation. Indian Journal of Lerposy, 64: 58-66. 6. Robins, S.L.; Cotran, R.S. 2002. Pathologic basis of disease. W.B. Saunders Company, Philadelphia. 7. Ortner, D.; Putschar, W. 1985. Identification of pathological conditions in human skeletal remains. Smithsonian Institute Press: Washington, D.C. 8. Rogers, J.; Waldron, T. 1995. A field guide to joint disease in Archaeology. John Wiley and Sons: Chichester. Diagnóstico diferencial A sarcoidose, de etiologia desconhecida, é uma doença granulomatosa, que tal como a lepra tende a afectar as falanges das mãos e dos pés, provocando lesões líticas, mas sem reacção proliferativa. Geralmente, as lesões localizam-se nos dedos, com menor afectação dos metacárpicos e metatársicos7. A Artrite psoriática, uma artropatia soronegativa erosiva, compartilha similaridades com à hanseníase, uma vez que provoca lesões na pele e deformações das extremidades. No entanto, a distribuição das lesões é assimétrica e com preferencial envolvimento das articulações distais e proximais interfalángicas e metatarsofalángicas. Comummente, a articulação distal interfalángica ostenta uma forma em “cup and pencil”, conduzindo, nos casos mais severos a denominada arthritis mutilans8. Do conjunto de neuropatias adquiridas ou congénitas, destaque-se a diabetes mellitus, desordem endócrina, que provoca neuropatia periférica nos pés e nas pernas, bem como, ulcerações e alterações ósseas indirectas. A diabetes atinge apenas os ossos dos pés, causando osteólise isquémica da extremidade distal dos metatársicos e das falanges proximais dando origem a uma forma cónica das extremidades distais7. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise das características patológicas visíveis no indivíduo recuperado do Convento de Santa Joana indiciam um caso de neuropatia, que tendo em consideração a tipologia e padrão de distribuição das lesões aponta para um diagnóstico de Hanseníase. No entanto, a ausência de outras áreas esqueléticas, nomeadamente região craniana, inviabiliza aferir assertivamente a etiologia das lesões, sendo, para tal, fundamental proceder a um estudo biomolecular. A identificação e confirmação da etiologia da doença reveste-se de importância, uma vez que confirmado o diagnóstico de lepra, estaríamos perante o primeiro caso reportado de lepra em contexto arqueológico para a cidade de Lisboa. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Arqueohoje e a todos os arqueólogos que, durante estes oito meses resgataram da terra este e outros esqueletos. VI Jornadas Portuguesas de Paleopatologia, Coimbra, 2018 Fátima Almeida1, Artur Rocha2 ,Alexandrina Amorim1e3 e Filipa Galito2 1CIAS, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal; 2Arqueológo; 3bolseira de investigação da UAUM, Universidade do Minho, Braga