ANDRÉ BUENO – DULCELI ESTACHESKI
EVERTON CREMA – JOSÉ MARIA SOUSA NETO
[ORGS.]
Aprendendo
História:
GÊNERO
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APRENDENDO HISTÓRIA:
GÊNERO
PRODUÇÃO:
LAPHIS – Laboratório de Aprendizagem Histórica da UNESPAR
Leitorado Antiguo – UPE
Projeto Orientalismo
Aprendendo
História:
GÊNERO
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EDIÇÃO:
Edições Especiais Sobre Ontens
FICHA BIBLIOGRÁFICA
BUENO, André; CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli;NETO, José Maria de
Sousa. Aprendendo História: Gênero. União da Vitória: Edições Especiais
Sobre Ontens, 2019.
ISBN: 978-85-65996-67-9
Disponível em www.revistasobreontes.site
SUMÁRIO
CONVIDAD@S
POTENCIALIDADES DO USO DO CINEMA NO ENSINO DE HISTÓRIA:
FICÇÃO, REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO E CULTURA HISTÓRICA
Maristela Carneiro, 7
ESTRATÉGIAS TESTAMENTÁRIAS E PODERES FEMININOS NO MARANHÃO
SETECENTISTA
Marize Helena de Campos, 17
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO GÊNERO E DAS SEXUALIDADES ENTRE
PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO DA BAIXADA CUIABANA. ALGUMAS
REGULARIDADES
Moisés Lopes, 24
AUTOR@S
EDUCANDO PARA A DIVERSIDADE DE GÊNERO E SEXUALIDADE: ALGUMAS
REFLEXÕES SOBRE OS DESAFIOS ENFRENTADOS PELOS PROFESSORES DE
HISTÓRIA, DA REDE PÚBLICA DE ENSINO
Alexandra Sablina do Nascimento Veras, 35
AS REPRESENTAÇÕES DE MULHERES NO LIVRO DIDÁTICO
Ana Carolina Santos Prohmann, 42
SAFO: O PAPEL SOCIAL FEMININO NA GRÉCIA ANTIGA
Ana Maria Lúcia do Nascimento e Cláudia Marcella Oliveira da Silva, 48
AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA PERSPECTIVA DE VIDA: RELATOS DE UMA
EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA
Ana Paula Bührer Gonçalves e Vanessa Cristina Chucailo, 56
ENSINO DE HISTÓRIA E MULHERES NEGRAS: UMA PERSPECTIVA
INTERSECCIONAL SOBRE AS PERCEPÇÕES DE ESTUDANTES DE UMA
ESCOLA PÚBLICA
Andreia Costa Souza, 63
“PELO QUE NÃO ME SURPREENDE QUE TANTAS BRUXAS SEJAM DESSE
SEXO”: DESCONSTRUINDO A FIGURA DA BRUXA EM SALA DE AULA
Anna Luiza Pereira, 71
EM DEFESA DA EDUCAÇÃO DA MULHER NO BRASIL IMPÉRIO: ELEMENTOS
DE UM DEBATE NA ASSEMBLEIA PROVINCIAL DE PERNAMBUCO
Aruanã Antonio dos Passos e Carolina Rodrigues da Silva, 77
EDUCAÇÃO DAS MÃES E CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO NOS DISCURSOS DO
JORNAL “A MÃE DE FAMÍLIA”
Cássia Regina da S. Rodrigues de Souza, 85
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O CORPO FEMININO E O DISCURSO RELIGIOSO NA IDADE MÉDIA
Clarice da Luz e Flávia Schena Rotta, 93
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GÊNERO
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GÊNERO E ENSINO DE HISTÓRIA: COMO E O PORQUÊ DE ABORDAR
QUESTÕES DE GÊNERO NAS AULAS DE HISTÓRIA
Cleni Lopes da Silva, 98
GÊNERO E ENSINO DE HISTÓRIA: UM DEBATE SOBRE A QUESTÃO DA
MULHER ATRAVÉS DE CARTAZES SOVIÉTICOS
Fellipe Castanheira Soares e Shayane Martins Rodrigues Gomes, 105
CHRISTINE DE PIZAN (1363-1430) E OS ESPAÇOS DE ATUAÇÃO FEMININA
NA OBRA A CIDADE DAS DAMAS (1405)
Gizelle Ribeiro da Silva, 115
GÊNERO ESTIGMATIZADO: CONTROLE SOCIAL E MARGINALIZAÇÃO DAS
PROSTITUTAS NO SÉC. XIX
Heloísa Raquel da Silva e Christian Fausto Moraes dos Santos, 122
AS REPRESENTAÇÕES FEMININAS NOS CORDÉIS DA EDITORA GUAJARINA
EM BELÉM DO PARÁ DURANTE A PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX
Hyago Lopes Farias e Nayrianne Rodrigues Alcântara Lopes, 127
AS MULHERES NA CAMPANHA ELEITORAL DE 1911 PARA O GOVERNO DE
PERNAMBUCO
Jônatas Lins Duarte e Cynthia Maria de Barros Soares, 137
MULHERES, IMPRESSOS E HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE
Jorge Luiz Zaluski, 143
A REPRESENTAÇÃO FEMININA DURANTE A DITADURA MILITAR: DA LUTA À
CONSTRUÇÃO DE CONSCIÊNCIA HISTÓRICA NO SÉCULO XXI
Letícia Veitas Novelli, 151
TRABAJO EN SALA DE AULA CON PUBLICIDAD: CONSTRUCCIONES DEL
IDEAL E IMAGINARIOS DE MUJERES EN LA PUBLICIDAD DE CERVEZAS EN
MEDELLÍN- COLOMBIA
Maria Isabel Giraldo Vásquez, 158
A REPRESENTAÇÃO DA MULHER EM “DOM CASMURRO” DE MACHADO DE
ASSIS
Milena Calikoski, 165
A DESIGUALDADE DE GÊNERO: A CONVENÇÃO DE BELÉM E A LEI MARIA
DA PENHA
Mirela Ibiapino M. Cunha e Victor Gabriel de Jesus Santos David Costa, 172
HOMOSSEXUALIDADE NAS NOTÍCIAS POLICIAIS DA IMPRENSA PARAENSE
NA PRIMEIRA METADE DA DÉCADA DE 1980
Pedro Antonio de Brito Neto, 177
TRABALHANDO COM “GÊNERO” NAS AULAS DE HISTÓRIA: UMA
POSSIBILIDADE DE REELABORAR POSTURAS E VISÕES ACERCA DAS
MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO
Raimundo Nonato Santos de Sousa, 185
AS IMAGENS DAS MULHERES NOS LIVROS ESCOLARES DA SÉRIE
“INFÂNCIA” DE HENRIQUE RICCHETTI
Samara Elisana Nicareta, 193
O CORPO FEMININO SOB OLHAR DAS PARTEIRAS, O OFÍCIO DO PARTO E
OS CUIDADOS ESPECÍFICOS DE GÊNERO
Sara Fernanda Zan e Christian Fausto Moraes dos Santos, 204
PADRÕES: UM OLHAR EM TORNO DA HOMOGENEIZAÇÃO DA PESSOA
HOMOSSEXUAL
Suelem Cristina de Abreu, 208
PARTEIRAS E BENZEDEIRAS DO VALE DO IVAÍ PARANAENSE: A HISTÓRIA
QUE NÃO CONSTA NOS LIVROS DE HISTÓRIA
Vânia Inácio Costa Gomes, 219
A HISTÓRIA DAS MULHERES E DO MOVIMENTO FEMINISTA E SUA
ABORDAGEM NO ENSINO DE HISTÓRIA
Vitória Diniz de Souza, 227
A FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO PRIMÁRIO
Wanessa Carla Rodrigues Cardoso, 234
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CONVI
DAD@S
POTENCIALIDADES DO USO DO CINEMA NO ENSINO DE HISTÓRIA:
FICÇÃO, REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO E CULTURA HISTÓRICA
Maristela Carneiro
A produção cultural resultante da relação entre história e cinema é rica,
extensa e problemática. Inúmeras produções fílmicas situam suas
narrativas no passado, como mera ambientação romantizada, de maneira a
explorar aspectos biográficos de personagens célebres e/ou engendrar
enredos de eventos considerados relevantes; construindo, assim,
percepções históricas a partir da concatenação de recursos audiovisuais.
Não é por acaso que filmes são comumente usados como recurso didático
no processo de ensino e aprendizagem histórica e para fins de
contextualização e/ou problematização em outras áreas de conhecimento.
Por outro lado, como são essencialmente expressões de um grupo de
desenvolvedores – diretores, roteiristas, produtores, estúdios, etc.; convém
salientar que as narrativas fílmicas podem priorizar outros aspectos a
qualquer compromisso acadêmico de investigação histórica, dentre os quais
a composição estética, o valor de entretenimento e as aplicações simbólicas
ou líricas. Assim, tratar da história no cinema pode ser controverso, embora
seja um esforço necessário, uma vez que estes filmes repercutem no
imaginário do público e contribuem para a composição da cultura histórica
de uma sociedade.
Pela força de seus recursos técnicos e sua capacidade de perpetuar imagens
icônicas dos temas filmados, é válido observar que a linguagem
cinematográfica se revela capaz de construir e perpetuar percepções sobre
determinados períodos históricos. Além disso, a partir das escolhas do que
se exibe ou se oculta em cada cena; do que é explícito ou invisível em cada
narrativa; do que é incluído ou excluído de cada enquadramento; o filme
produz um recorte, construindo uma memória visual demarcada por
intencionalidades, nem sempre deliberadas. Essa memória visual, por
conseguinte, torna-se referência para a cultura histórica.
Em conformidade com o que defende Rosenstone (2015, p. 18), ainda que
saibamos que uma trama gira em torno de protagonistas fictícios ou apenas
parcialmente baseados em indivíduos reais, filmes históricos afetam
significativamente a visão da tessitura de nossa realidade. O cinema é,
afinal, como outros espaços simbólicos, um exercício de reflexão, um
pensar-se estético e narrativo. Isto posto, é válido ponderar sobre o lugar
ocupado pelo cinema em nossa cultura e na constituição de nossos
parâmetros. Por conseguinte, também é pertinente refletir sobre as
potencialidades do uso dos filmes históricos no âmbito do ensino de história
– propósito do presente texto.
Filme histórico é aqui compreendido enquanto modalidade narrativa. A
rigor, todo filme é histórico e representacional, na medida em que pode ser
tomado enquanto uma fonte documental sobre o período e/ou
circunstâncias em que foi produzido (NAPOLITANO, 2011, p. 67). Mas aqui
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o propósito é pensar em filmes que são históricos no sentido que
representam eventos e personagens históricos, ou seja, filmes que possuem
temática histórica, colocando indivíduos – “reais” ou ficcionais – no centro
do processo histórico. Nas palavras de Rosenstone:
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“Concentrando-se em pessoas documentadas ou criando personagens
ficcionais que são colocados no meio de um importante acontecimento ou
movimento (a maioria dos filmes contém tanto personagens reais quanto
inventados), o pensamento histórico envolvido nos dramas comerciais é, em
grande parte, o mesmo: indivíduos (um, dois ou um pequeno grupo) estão
no centro do processo histórico.” (ROSENSTONE, 2015, p. 33)
Peter Burke assinala que o poder de um filme, de temática histórica ou não,
é proporcionar ao espectador a sensação de testemunhar os eventos, ainda
que tal sensação seja ilusória. “O diretor molda a experiência embora
permanecendo invisível. E o diretor está preocupado não somente com o
que aconteceu realmente, mas também em contar uma história que tenha
forma artística e que possa mobilizar os sentidos de muitos espectadores.”
(BURKE, 2004, p. 200) Tal premissa é fundamental para discutir as
possibilidades e tensionamentos entre cinema e discurso histórico. Para
Burke, tal como uma história escrita ou pintada, a história filmada também
constitui um ato de interpretação; indo além, no caso específico dos filmes
históricos, trata-se de um ato de “interpretação histórica”.
“[...] a história filmada oferece uma solução atraente para o problema de
transformar as imagens em palavras [...]. Aquilo que o crítico americano
Hayden White chama “historiophoty”, definida como “a representação da
história e nosso pensamento sobre ela em imagens visuais e discurso
filmado”, é complementar à “historiografia”.” (BURKE, 2004, p. 201)
Portanto, tomado enquanto ato de interpretação histórica e complementar à
historiografia, não resta dúvida sobre o potencial dos usos do cinema como
ferramenta histórica e analítica. Para Ferro: “Entre cinema e história, as
interferências são múltiplas, por exemplo: na confluência entre a História
que se faz e a História compreendida como relação de nosso tempo, como
explicação do devir das sociedades.” (FERRO, 2010, p. 15) É nesta
perspectiva que a ficção histórica possibilidade a abordagem de múltiplas
facetas da vivência humana, incluindo as representações das diferenças
sexuais e de cultura histórica, as quais podem ser discutidas e pensadas à
luz dos estudos de gênero.
Gênero, cultura histórica e cinema
O conceito de gênero tem sido uma categoria utilizada e difundida de forma
crescente, sobretudo a partir da década de 1960. Matos destaca que a
proposta relacional deste conceito ressalta que “a construção do feminino e
masculino define-se um em função do outro, uma vez que se constituíram
social, cultural e historicamente em um tempo, espaço e cultura
determinados.” (MATOS, 2005, p. 21-22) Essa perspectiva remete às
reflexões tecidas mais largamente pela historiadora e feminista
estadunidense Joan Scott ainda em meados da década
fundamentais para os estudos feministas e de gênero no Brasil.
de
1980,
Em seu texto Gênero: uma categoria útil para análise histórica, Scott
pontua que a categoria gênero deve abarcar não apenas as definições
biológicas e/ou as relações de parentesco, mas também o mercado de
trabalho e os sistemas educacional e político, esferas estas sexualmente
segregadas e socialmente masculinas. Para a autora, as relações entre os
sexos são construídas socialmente e correspondem às mudanças nas
representações de poder – nos chamados “campos de força sociais”. Em
suas palavras: “(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais
baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma
forma primária de dar significado às relações de poder.” (SCOTT, 1995, p.
86)
Diante do pressuposto de que as relações de gênero são um elemento
constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças hierárquicas que
distinguem os sexos, devem ser observadas como uma forma primária de
relações significantes de poder, ainda segundo Matos e Scott, evitando-se
as oposições binárias fixas e naturalizadas. Este viés rompe com uma
leitura determinista e/ou biologizante: ser homem e ser mulher vai além da
existência de um corpo masculino e feminino. Segundo Nicholson:
“Defendo que a população humana difere, dentro de si mesma, não só em
termos das expectativas sociais sobre como pensamos, sentimos e agimos;
há também diferenças nos modos como entendemos o corpo.
Consequentemente, precisamos entender as variações sociais na distinção
masculino/feminino como relacionadas a [...] diferenças ligadas não só aos
fenômenos limitados que muitas associamos ao “gênero” (isto é, a
estereótipos culturais de personalidade e comportamento), mas também a
formas culturalmente variadas de se entender o corpo.” (NICHOLSON,
2000, p. 14)
Compreender as políticas e demarcações relacionadas ao corpo é essencial
para os estudos de gênero, também no âmbito imagético, porque os usos e
papéis relacionados aos corpos imaginados remetem à estereótipos
culturais pertencentes aos corpos reais. Nesse viés, Lauretis propõe pensar
o cinema enquanto uma das várias “tecnologias de gênero”: “[...] com o
poder de controlar o campo do significado social e assim produzir, promover
e ‘implantar’ representações de gênero” (LAURETIS, 1994, p. 228).
Não por acaso Ferro (1975, p. 13) observa que o cinema abre um caminho
régio em direção das zonas psico-sócio-históricas nunca alcançadas pela
análise dos documentos convencionais. Com efeito, ao escolher filmes que
se utilizam de referências históricas para a sustentação dos seus enredos,
no uso público dessas diversas balizas, entendemos que se encontram,
entrecruzados, tensionamentos entre os parâmetros culturais dos grupos
envolvidos e os padrões de produção e consumo midiático, próprios a um
objeto da indústria cultural contemporânea – nesse caso, o cinema, aqui
tomado especificamente enquanto veículo tecnológico de gênero.
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GÊNERO
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Aprendendo
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De forma alguma isento, um filme dissemina suas predileções e valores,
reificando-as, o que justifica a relevância de se discutir como o cinema
nacional representa as relações de gênero e as diferenças sexuais e como
define os papéis de homens e mulheres – tanto para a caracterização de
época, quanto como padrão de comportamento para a contemporaneidade.
A exemplo de Rossi (2017, p. 231), podemos questionar quais construções
de gênero são frequentemente suscitadas, remarcadas e repetidas nas
relações que se estabelecem socialmente no cinema.
“É de suma importância dar visibilidade a construções alternativas, romper
a hegemonia das construções que já se tornaram naturalizadas e que,
frequentemente, são confundidas com retratos, senão da realidade do que
um gênero supostamente “é”, mas, de forma mais contundente, do que um
gênero “deveria ser” para que tenha sua existência legitimada e
reconhecida. [...] as implicações das imagens e produções cinematográficas
enquanto “tecnologias de gênero” são concretas à medida que promovem e
reforçam discursos que são recebidos, reconhecidos e internalizados na
formação de comportamentos e na construção de noções identitárias do
público, sendo ainda empregadas como indicadores da própria
subjetividade.” (ROSSI, 2017, p. 231)
Há que se pontuar que tais imagens são múltiplas e exploram diferentes
discursos e práticas de gênero. Não obstante seu potencial de reificação, as
alternativas representacionais são diversas e exploram variadas
possibilidades estéticas e narrativas para a composição de seus enredos,
seus personagens, suas vivências e suas disputas – mesmo quando se trata
de recompor o passado. Isto posto, faz-se necessário explorar tanto a
composição das mulheres quanto a dos homens nas ficções históricas, sem
desprezar suas nuances e relações com outros eixos, como sexualidade,
raça e classe, numa perspectiva interseccional.
Como observam Shohat e Stam (2006, p. 313), muito embora questões de
raça e etnicidade sejam culturalmente onipresentes, as mesmas estão
muitas vezes ocultas em termos cinematográficos. Esses fatores, assim
como as representações de gênero, classe ou raça, por exemplo, acabam
funcionando como elementos que dão a conhecer tanto a experiência de um
passado, quanto acabam estruturando uma narrativa que dá sentido – em
maior ou menor grau – às experiências de vida na contemporaneidade.
Cada interpretação possível, em cada filme, coloca-se como um veículo
informativo de gênero – enfoque deste texto – mas não apenas.
O caso da colonização brasileira no cinema
Embora o crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes (1996, p. 7) atribua
ao Brasil um interesse limitado pelo seu próprio passado, há uma produção
relativamente ampla em torno do tema. O exemplo mais antigo é o filme O
descobrimento do Brasil (Humberto Mauro, 1937), que busca traduzir as
palavras da carta de Pero Vaz de Caminha em imagens épicas, embaladas
pela trilha sonora de Heitor Villa-Lobos, já sinalizando um interesse pelo
gênero da ficção histórica. O romance histórico A Muralha (Diná Silveira de
Queirós, 1954), por exemplo, recebeu cinco adaptações televisivas, em
1954 (Record), 1958 (TV Tupi), 1961 (TV Cultura), 1968 (TV Excelsior) e
2000 (Rede Globo).
Dentre as narrativas fílmicas do cinema ficcional histórico brasileiro,
tomemos como recorte as produções que fazem referência ao período da
colonização da América Portuguesa (1500-1815), ou seja, as narrativas
fílmicas ambientadas no passado colonial, fundamentadas nesse recorte
temporal ou que reportem ao mesmo; mais especificamente, ao passado da
colonização da América Portuguesa, desde a chegada dos portugueses à
América, em 1500, até a elevação do Brasil a reino par de Portugal, em
1815, fim oficial do período colonial – ainda que o período imperial tenha
iniciado oficialmente em 1822, com a Proclamação da Independência.
Portanto, os filmes históricos selecionados são narrativas históricas
referentes tematicamente ao período da colonização da América
Portuguesa, entre 1500-1815, contando com personagens documentados
ou fictícios. Desse recorte, resultam 22 longas-metragens, produzidos entre
1937 e 2014. Enredos biográficos, como Xica da Silva (Cacá Diegues, 1976)
e Aleijadinho: paixão, glória e suplício (Geraldo Santos Pereira, 2003),
misturam-se a comédias dramáticas, a exemplo de Carlota Joaquina,
Princesa do Brasil (Carla Camurati, 1995). Narrativas de eventos pontuais
como Batalha dos Guararapes (Paulo Thiago,1978) dividem espaço com a
adaptação literária Desmundo (Alain Fresnot, 2003), por exemplo. O
conjunto de filmes selecionados foi produzido a partir de diferentes
intencionalidades e denota variadas perspectivas de narratividade e de
enfoque histórico.
A narrativa estruturada em cada um dos filmes eleitos, de O descobrimento
do Brasil (Humberto Mauro, 1937) até Vermelho Brasil (Sylvain
Archambault, 2014) é uma teia formada pelos diferentes significados
construídos pelos desenvolvedores, de forma dinâmica e aberta a diferentes
tecnologias, conceitos e fenômenos – dentro dos limites da produção e
difusão cinematográfica. Isso significa que a prática de construir narrativas
históricas (no caso, os filmes históricos) se configura num espaço central da
própria experiência de vida humana, uma vez que esta necessidade e este
sentido possível de orientação temporal constrói uma espécie de conexão
com os diferentes entendimentos do passado e nossas identidades atuais.
Desta maneira, ao se pensar historicamente ou produzir uma narrativa
histórica, ainda que sob a forma de um filme que não possua a pretensão
de desvelar o real, como é o caso das narrativas ficcionais; constrói-se um
sentido para a vivência humana no mundo e o entendimento que se extrai
dela – efetivamente, uma das principais potencialidades para seu uso no
ensino de história. É nessa ótica que é possível explorar os tensionamentos
das relações de gênero no cinema ficcional brasileiro, especificamente no
que diz respeito às narrativas que têm como horizonte orientador o
contexto colonizador português, conforme pontuado.
Enxergamos neste suporte narrativo um espaço de produção de sentido
histórico, um espaço em que o olhar histórico de uma sociedade pode ser
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História:
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observado de maneira mais ampla. Trata-se de um espaço de cultura
histórica que, para Rüsen, pode ser definido como: “formalmente, a
estrutura de uma história; materialmente, a experiência do passado;
funcionalmente, a orientação da vida humana prática mediante
representações do passar do tempo” (RÜSEN, 2001, p. 160-161). Em
particular, observamos que o cinema se destaca como forma artística e
comunicacional de grande alcance em termos de público.
Voltados ao entretenimento e produzidos para o consumo em massa, os
filmes dispõem de linguagens caracterizadas justamente pela capacidade de
absorver novos conceitos e reformularem-se continuamente, sendo
privilegiados para a elaboração de narrativas históricas. Isso pode ser
notado na ampliação, relativamente recente, da produção de ficções
históricas não apenas cinematográficas, mas também em séries televisivas,
na literatura, nos quadrinhos e nos jogos eletrônicos. Os filmes aqui
abordados estão inseridos neste fenômeno, altamente prolífico.
Existe uma relação direta entre os espaços de produção do conhecimento
histórico e a constituição de uma racionalidade histórica. É ponto pacífico,
pela própria fluidez de nossa relação com o tempo e com o “estudo dos
homens no tempo”, para usar uma expressão de Marc Bloch (2001, p. 55),
que o conhecimento e a racionalidade histórica não têm uma natureza linear
e única, mas antes têm como base uma multiplicidade de possibilidades e
alternativas. Isso porque, a relação que cada pessoa estabelece com o
conhecimento histórico é fundada na proximidade constante de experiências
e na compreensão que são as questões do presente que se convertem em
referencial para o passado, enquanto um suporte gerador de sentido para
as diferentes vivências.
O saber histórico é dinâmico e traz consigo múltiplas narrativas e
construções. Os filmes históricos nacionais em questão refletem esse
caráter diverso e multifacetado, porque também são espaços de
conhecimento histórico, não apenas pela temática histórica em seus
enredos e narrativas (enquanto ambientação, fundamentação ou
reportação), mas pela própria natureza do cinema, conforme já observado.
Faz parte da reflexão sobre o conhecimento histórico, sua natureza e o
espaço que ocupa em sociedade o espaço de “auto-reflexão, como retorno
ao processo cognitivo de um sujeito cognoscente que se reconhece
reflexivamente nos objetos de seu conhecimento, é por certo um assunto
que pertence ao trabalho quotidiano de qualquer historiador” (RÜSEN,
2001, p. 25).
Isto posto, diante das intertextualidades entre conhecimento histórico e
cinema, faz-se possível examinar as peculiaridades das estruturas estéticas
e diegéticas dos filmes e suas potencialidades e limites em relação à cultura
histórica, a fim de discutir o lugar destas narrativas em seu contexto de
produção, bem como as possíveis contribuições no que diz respeito à
discussão e possível desconstrução das representações de gênero que são
apresentadas e que reificam variadas práticas sociais e culturais na
contemporaneidade.
Ainda que pareça haver uma única representação possível do masculino e
do feminino, legitimada pelas relações de poder, o gênero, enquanto
categoria analítica, “fornece um meio de decodificar o significado e de
compreender as complexas conexões entre várias formas de interação
humana” (SCOTT, 1995, p. 89). Todavia, essa significação não deve ser lida
como algo inscrito de forma unilateral em um sexo previamente dado,
entendido como um simples suporte, conforme pontua Butler (2013, p. 25).
Gênero deve designar também, no entender desta autora, o aparato de
produção e estabelecimento dos próprios sexos – tão construídos e
históricos quanto as relações de gênero e os conceitos de masculinidade e
feminilidade.
As representações de gênero presentes nos filmes em questão, por
exemplo, Como Era Gostoso o Meu Francês (Nelson Pereira dos Santos,
1971) ou Caramuru, A Invenção do Brasil (Guel Arraes, 2001), decorrem
dessa complexa relação de força e de poder, produtora de sentido. Para
observar como se fazem presentes tais representações, há que se eleger
uma perspectiva interdisciplinar, sem desconsiderar as especificidades dos
conhecimentos históricos, da arte, da cultura visual e da produção
cinematográfica.
O estilo de um filme pode desvelar com razoável nitidez as tendências
históricas da visualidade cinematográfica. Um estudo estilístico
problematiza as escolhas feitas pelos cineastas em “circunstâncias históricas
particulares” (BORDWELL, 1997, p. 4), revelando muito sobre como se
configura uma identidade visual dentro de uma conjuntura maior: escolhas
da esfera do micro (o filme enquanto obra individual), que repercutem na
esfera do macro (tendências históricas do cinema). Dentre os aspectos que
compõem essa segunda esfera, está a questão do gênero, no caso, a ficção
histórica, responsável por muitas das decisões criativas que caracterizam
uma produção.
Xica da Silva (Carlos Diegues, 1976) é uma cinebiografia altamente
estilizada de Francisca da Silva, mulher nascida entre 1731 e 1735, filha da
escrava Maria da Costa (escrava negra) e concubina do contratador de João
Fernandes de Oliveira (ANDRÉ, 2007, p. 163). Xica da Silva, na visão de
Gordon (2009, p. 2-3), opera pela lógica da alegoria, utilizando a imagem
de Xica como figura simbólica do próprio Brasil, pois se envolve em uma
relação com um ilustre português, o contratador, valendo-se desta relação
para promover sua condição social e obter sua medida de autonomia e
poder.
Nesse caso, a narrativa cinematográfica trata da ascensão e queda da
personagem, utilizando uma estética marcada pela hipérbole, por
visualidades extravagantes, uso frequente da musicalidade e humor
irreverente. O filme é uma “celebração carnavalesca” e uma produção
evidentemente política, embora não no sentido tradicional, principalmente
por contrapor à solenidade europeia uma espécie de brasilidade espontânea
e autêntica.
Aprendendo
História:
GÊNERO
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Aprendendo
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Esta brasilidade carnavalesca celebra o humor da protagonista, cujas
demandas por extravagância e vingança são justificadas pelo tratamento
que recebeu enquanto escrava. Seu riso e sua sexualidade são
representados como libertadores, em oposição à hipocrisia de um meio
social que há muito vivia a partir do trabalho forçado dos escravos. Ao final
do filme, quando o contratador é convocado de volta a Portugal para
responder por crimes de corrupção, deixando Xica desamparada e à mercê
da intolerância e da hipocrisia do povo da região do Tijuco, a protagonista
se mantém altiva e não se mostra disposta a abrir mão do riso e do
exercício de sua sexualidade.
Por sua vez, Desmundo (Alain Fresnot, 2003) não se trata de uma
abordagem carnavalesca, mas de um esforço naturalista. Também não se
trata da biografia de um indivíduo histórico e mitificado, mas de uma
personagem fictícia e que está situada em um posto de autoridade.
Desmundo adapta o romance homônimo de Ana Miranda (1996), e
concerne à narrativa de Oribela, uma órfã enviada à América Portuguesa,
como muitas outras, a fim de casar-se com um colono.
Embora o envio das órfãs se imponha como uma ação caridosa do estado
português e da igreja, ou ao menos se justifique dessa forma, a prática só é
possível na medida em que as mulheres não são compreendidas como
possuidoras da mesma autonomia que os homens. Para Dona Brites,
personagem da narrativa, às órfãs lhes cabe ser submissas, e que casar é
fácil, conquanto sejam obedientes. Sua função é fiar, tecer, gerar filhos,
não abandonando o espaço da casa.
Com tais casos, buscamos pontuar que o cinema é tomado nesse texto
como um agente social que influencia e é influenciado pela estrutura
dinâmica do social, com suas disputas e tensionamentos. Enquanto canal
midiático, constrói suas narrativas tendo como horizonte orientador os
referentes sociais e culturais do meio no qual se insere.
Considerações ou provocações
Embora muitas das narrativas fílmicas em questão apresentem personagens
femininas relevantes para a história, sua caracterização é frequentemente
reduzida ou caricata, quando não apenas sexualizada e objetificada, como
se vê em Caramuru, na construção de Paraguaçu e de Moema. Muitas
dessas mulheres acabam por meio das lentes cinematográficas se tornando
menos complexas, objetificadas, definidas por sua sexualidade e ambição.
Dos filmes selecionados apenas um foi dirigido por uma mulher: Carlota
Joaquina, Princesa do Brazil, de Carla Camurati. Segundo o Boletim Raça e
gênero no cinema brasileiro (1970-2016), produzido pelo Instituto de
Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o
cinema brasileiro está longe de ser um meio artístico-comercial diverso.
Segundo os dados oferecidos pelo boletim, 98% dos filmes com mais de
500 mil espectadores produzidos foram dirigidos por homens.
Tal proporção é indicativa de quão ínfima ainda é a presença feminina no
meio
audiovisual
brasileiro.
Certamente,
uma
presença
tão
majoritariamente masculina no campo da produção cinematográfica
nacional impacta no modo como as mulheres são apresentadas na tela.
Qualquer análise futura sobre o tema das representações de gênero no
cinema nacional deve contemplar esta questão. É com este debate que as
presentes reflexões esperam contribuir, não somente no espaço acadêmico,
mas também no âmbito do ensino de história.
Ainda na década de 1970, a feminista Laura Mulvey (1983) constatou a
forte presença masculina na produção cinematográfica dominante, que
levava à criação de filmes inclinados para a satisfação de um público
também masculino. O cenário derivado dessa dinâmica é um cinema
falocêntrico, no qual a mulher ocupa principalmente o posto de objeto de
desejo, assumindo a função de satisfazer o espectador masculino
desinteressado na valorização da mulher. Infelizmente, tal cenário não
mudou tanto assim.
Rüsen argumenta que “o narrar passou a ser práxis cultural elementar e
universal da constituição de sentido expressa pela linguagem” (2001, p.
154). Diante disso, sugere que se investigue como diferentes linguagens se
apropriam deste processo de constituição de sentido, que é próprio da
história e sua narratividade, promovendo a ampliação dos suportes de
cultura histórica. Nesse processo, também são significadas as construções
de gênero, que passam a orientar ou estimular, por consequência, novos
discursos e práticas no âmbito social.
Referências
Maristela Carneiro é bolsista PNPD pela UNICENTRO, junto ao Programa de
Pós-Graduação em História. Doutora em História pela UFG.
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ESTRATÉGIAS TESTAMENTÁRIAS E PODERES FEMININOS NO
MARANHÃO SETECENTISTA
Marize Helena de Campos
Maranhão, primeira metade do século XVIII
Muitos são os historiadores que ao escrever sobre o local afirmam que a
paisagem de então era caracterizada pela pobreza, onde grande parte dos
colonos, concentrados maciçamente na chamada Ilha do Maranhão, nas
Vilas de Santo Antônio de Alcântara, Santa Maria do Icatu ou em pequenas
povoações localizadas as margens dos rios Itapecuru, Mearim, Pindaré e
Munim, dedicavam-se a engenhos, fazendas de gado e a uma agricultura
que sequer supria a demanda local. Segundo os estudiosos, a precariedade
das atividades econômicas naquele recorte territorial e temporal podia ser
observada também na ausência de moedas para intermediar as transações
comerciais, que não raras vezes eram estabelecidas por varas de pano,
novelos de fio de algodão ou outros produtos da terra.
Esse estado de letargia viria a modificar-se com paulatinas e decisivas
alterações na política mercantil durante o Governo de D. José I, onde sob a
atuação de Sebastião José Carvalho de Melo, Marques de Pombal uma série
de expedientes foram postos em prática no sentido de superar a crise
econômica.
Se, até aquele momento, os olhos da metrópole portuguesa reluziam pelas
pepitas de ouro e pedras preciosas extraídas dos solos das Geraese o
açúcar continuava a adoçar os paladares e lucros europeus, a partir de
1755, outros produtos entrariam na pauta das exportações coloniais
estimulados pela criação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão, dentre os quais: o algodão, o arroz e o gado.
Criada e materializada sob a égide do “absolutismo da razão”, a Companhia
fora anunciada como um dos caminhos para solucionar o abandono, atraso
e dificuldades econômicas daquela região que, desde o século anterior,
assim figurava nas palavras do Padre Antônio Vieira quando se referia aos
protestos vindos do Senado da Câmara de São Luís, bem como aos
argumentos do motim dos irmãos Beckman.
A Companhia operou regularmente por dois decênios, até ser extinta em 25
de fevereiro de 1778. Sob sua ação, estado e grandes comerciantes
aliaram-se para desenvolver uma agricultura voltada aos interesses do
mercado externo, e os resultados dessa política apareceram rapidamente
com o crescimento das exportações de algodão e de arroz.
Em 1760, os primeiros sintomas decorrentes da instalação da Companhia já
se faziam sentir. Naquele ano registrou-se a exportação de 130 sacas de
algodão, num total de 651 arrobas, e em 1767 das primeiras 225 arrobas
de arroz. Apesar das oscilações, o algodão, seguiu durante toda a primeira
metade do século XIX como o eixo da economia maranhense. Assim, a
economia exportadora maranhense, regida por uma demanda externa em
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franca expansão, cresceu consideravelmente ao longo dos últimos decênios
do século XVIII e dos dois primeiros do século seguinte. Foi a idade de ouro
da lavoura maranhense.
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Riqueza e pobreza no Maranhão parecem ter caminhado lado a lado desde o
início do processo colonial, mas a bradada pobreza em tempos anteriores à
criação da Companhia do Grão-Pará e Maranhão não parece ter sido a
realidade de muitos jesuítas que ali viveram. O mesmo se deu após 1755,
pois se verificamos testamentos de mulheres que pouco tinham, além de
um catre e umas poucas roupas, também houve as que apresentaram uma
impressionante relação de bens. Não houve, portanto, um contexto
homogêneo e coagulado num antes infortúnio e um subsequente áureo.
É nesse cenário que se desenrolam algumas das histórias de mulheres que
agora rompem o cerco de uma historiografia que por tanto tempo as
manteve invisibilizadas. Senhoras de posses, de estratégias, de vontades,
aguerridas, destemidas, batalhadoras, que longe de passar os dias em
sonolentas redes, ao grosso e morno ar do Maranhão, estavam cuidando de
suas lavouras, garantindo a posse de suas terras, contabilizando suas
cabeças de gado, enfim... atuando na dinâmica econômica e social em que
estavam inseridas.
Regências Matriarcais no Maranhão setecentista
Em nosso estudo das últimas vontades das testantes no Maranhão ficou
claro que a decisão sobre o destino do patrimônio foi o privilegiamento de
outras mulheres, contrariando declaradamente o sistema de sucessão
igualitário. A explicação dessa atitude pode residir em uma estratégica rede
de proteção e solidariedade que extrapolava os laços familiares, uma vez
que nem todas tinham herdeiros forçados e podiam dispor livremente de
seu patrimônio.
Observou-se que grande parte das legatárias eram filhas, sobrinhas, netas
ou afilhadas, e os legados preferencialmente escravos, joias, casas, ou
parte delas, utensílios domésticos, roupas pessoais e de cama, louças e
dinheiro. Nesse sentido, os arquétipos femininos franzinos, entregues à
reclusão e ao silêncio, metidas em quartos, cobertas pela vergonha de
estranhos ou em histéricos gritos de vontades mostram-se destoantes dos
perfis emergidos naqueles documentos. De acordo com a legislação
portuguesa, consolidada nas Ordenações Filipinas de 1603, a mulher
poderia assumir o papel de cabeça do casal caso o marido falecesse, e
todos deveriam estar sujeitos ao seu poder.
No caso de pessoas solteiras ou viúvas, o patrimônio arrolado, após
descontadas as dívidas, seria dividido em três partes iguais, sendo duas
destinadas aos herdeiros e uma à terça, que corresponderia à fração que o
indivíduo poderia ter destinado livremente em testamento. Isso as fazia
“donas” suas vontades e determinações, donas de bens, mas acima de
tudo, donas de estratégias legatárias pois, como já foi assinalado, no
estudo do qual derivam estas páginas, ficou claro que ao escolher mulheres
da família ou do círculo afectivo para o legado dos bens principais
atestavam seus poderes decisórios.
Os testamentos nos permitiram também, vislumbrar cenas, modos de vida,
comportamentos e preocupações de mulheres que explodiam uma energia
social, e não simplesmente doméstica, maior que a do comum dos homens.
Energia para administrar fazendas (...); energia para dirigir a política
partidária da família (...); energia guerreira, como aponta Freyre em
Sobrados e Mocambos.
Nesse sentido, os arquétipos femininos franzinos, entregues à reclusão e ao
silêncio, metidas em quartos, cobertas pela vergonha de estranhos ou em
histéricos gritos de vontades mostram-se destoantes dos perfis emergidos
naqueles documentos.
É o caso de Maria Isabel Freire, natural de São Luís do Maranhão, filha
legítima de Joaquim da Serra Freire e de dona Maria Magdalena Belfort,
jáfalecidos. Casada por carta de ametade com o Tenente Coronel João Paulo
Carneiro Lourenço, nunca teve filhos, motivo pelo qual não tinha herdeiro
necessário dispondo da ametade dos bens do casal a seu livre-arbítrio. Ao
fazer seu testamento, declarou encontrar-se em perfeito juízo e
entendimento. No mesmo documento elencou os seguintes bens e
herdeiros: Seiscentos mil réis para a sobrinha Joanna, filha de sua irmã
Luiza; Seiscentos mil réis para a sobrinha e afilhada Maria Raimunda, filha
da dita irmã Luiza; Cem mil réis para o sobrinho Joaquim, também filho da
dita irmã; Quatrocentos centos mil réis para seu sobrinho Joze Lima Nunes
Berlfort, filho do Capitão Thomas; Legoa e meia de terra que tem no Rio
Preto para todos os filhos e filhas da sua irmã Luiza; Seiscentos mil réis
para sua sobrinha e afilhada Maria Magdalena, filha de sua falecida irmã
Izabel; Duzentos mil réis para cada sobrinha, filha de sua irmã Izabel, a
saber: Luiza, Francisca, Izabel, Jozefa e Izidora; Humcento e duzento mil
réis para sua sobrinha Cândida, filha de sua falecida irmã Joanna; Trezentos
mil réis, para Amélia, filha da dita irmã Joanna; Quatrocentos mil réis para
seu sobrinho Raimundo, filho da dita irmã Joanna; Trezentos mil réis para
seu sobrinho Cezar, filho da dita irmã Joanna; Oitocentos mil réis para seu
sobrinho Joze Joaquim Henrique, também filho da dita irmã Izabel; Seis
escravos, tres machos e tres femias para sua sobrinha Maria Magdalena da
Serra Freire e a seu marido Raimundo Nunes; Hum escravo ou escrava para
sua irmã Ignácia; Um tabuleiro de chá de prata, uma bacia e uma jarra de
prata para seu sobrinho Sebastião Gomes, filho de sua irmã Ignácia; Um
bule, uma cafeteira, uma leiteira e um açucareiro de prata para sua
sobrinha Olímpia, filha de sua falecida irmã Francisca; Cinqüenta braços de
terras de frente com uma légua de fundo em paraje da nomeada Santa
Anna no Rio Itapecurú para a sua irmã Lourença; Cinqüenta mil réis para o
filho de sua prima Maria Magdalena; Cento e cinqüenta mil réis para sua
afilhada Julianna, filha de seu primo João Carlos da Serra; Cento e
cinqüenta mil réis para a afilhada Raimunda, filha de sua prima (sic!); Cem
mil réis para Marcio, filho de seu primo Francisco da Serra; Seiscentos mil
réis para a afilhada Maria Izabel,filha de sua sobrinha e afilhada Donna
Maria Joaquina Henriques; Cinqüenta mil réis para a Capela de Nossa
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Senhora do Desterro; Cinqüenta mil réis para a Igreja de Nossa Senhora da
Conceição; Cinqüenta mil réis para (sic!) de Santo Antonio; Duzentos mil
réis para (sic!); Cem mil réis para ser repartido entre os pobres. Declarou
mais que deixava libertas as escravas Andreza e a mulata Antonia
Pernambucana.
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Outra mulher da família Belfort a demonstrar, pelo seu testamento, ter
passado ao largo da letargia apregoada durante tantos anos pela
historiografia é Francisca Maria Berfort, viúva de Leonel Fernandes Vieira,
do qual teve os filhos Joze Joaquim Vieira Belfort, Joaquim Antonio Vieira
Belfort, Dona Maria Joaquina Vieira Belfort e Dona Rita Joaquina Vieira
Belfort, todos nomeados seus legítimos herdeiros. Quando fez seu
testamento, declarou estar doente de cama, porém em seu perfeito juízo e
entendimento. No documento, ditado um dia antes de sua morte, fez o
seguinte elenco de suas posses e legatários: A casa e o sítio da fazenda na
ribeira do Itapecurú para o seu filho Joze Joaquim Vieira Belfort; Dois
contos de réis para a sua neta Maria Rita Belfort, filha do dito seu filho Joze
Joaquim; Oito contos de réis, vallor das cazas em que morava na Rua das
Mercês, para a sua filha Dona Maria Joaquina Vieira Belfort; Os aluguéis,
que a sua filha Maria Joaquina lhe devia, deveriam ser repartidos em duas
partes iguais; uma para a neta Dona Carlota Joaquina Bandeira e a outra
para a neta Dona Líbia Bandeira; Seis contos de réis para as netas filhas de
sua filha Dona Rita Joaquina Vieira Belfort, a saber: dous contos de reis
para Roza Antonia Joaquina Leal, dous contos de reis para Dona Anna Leal e
dous contos de reis para Dona Maria Leal; Dois contos de réis para seu neto
Augusto César Bandeira e hum negro que já o havia prometido e ratificava;
Um par de brincos de brilhantes para sua neta Roza Maria Joaquina
Bandeira Belfort,casada com o Doutor Bandeira; Um anel de brilhantes de
seu uso para sua neta Dona Carlota; Uma medalha e um anel de brilhantes
do seu uso para sua filha Dona Rita Joaquina Belfort; Duzentos mil réis para
o Recolhimento desta cidade; Quatrocentos mil réis para sua sobrinha e
afilhada Dona Arcelindaque se achava no dito Recolhimento; Cem mil réis
para as despesas da Igreja dos padres do Convento de Santo Antônio;
Cinqüenta mil réis, para Nossa Senhora do Monte do Carmo; Cinqüenta mil
réis de esmolla para Nossa Senhora das Mercês; Cem mil réis para o seu
testamenteiro; Duzentos mil réis para o seu afilhado Leonel Filho de
Joaquim Freire; Suas roupas para as filhas Dona Maria Joaquina Belfort
Bandeira, e Dona Rita Joaquina Vieira Belfort; Huma molata por nome
Camilla e huma preta por nome Justina, a dita minha neta, a quem tenho
dado (sic!); Huma preta crioulla por nome Ignacia, a sua neta Dona Carlota
Bandeira; Huma crioulla também preta por nome Maria dos Reys, a sua
neta Dona Líbia; Seis varas de pano grosso de roupa a cada hum de todos
os seus escravos e escravas, sem excepçao. Declarou mais que seu filho, o
Doutor Joaquim Antonio Vieira Belfort, seu genro, o Doutor João Francisco
Leal e Manoel Antonio Leitão Bandeira, eram seus devedores e elles bem
sabem o que devem, os quaes justarao contas com o meu testamenteiro,
para serem inteirados do saldo liquido das legitimas. Também pediu que
voltasse a escrava emprestada para o dito Manoel Antonio Leitão Bandeira,
a fim de que fosse incorporada ao monte do casal. Por fim, Roza Francisca
determinou que fossem libertos sua escrava Vitória do Rozario e o escravo
Mathias de sua fazenda no Itapecuru, pelos bons serviços que lhe haviam
feito.
O testamento da Preta Anna Maria também apresenta a história de uma
mulher que, ao morrer, havia acumulado significativos bens e dinheiro,
todavia essa mulher era uma ex-escrava que em seu perfeito juízo e
entendimento, mas, temendo a incerteza da morte a que estam sujeitos
todos os viventes, fez “ordenar” seu testamento. Natural da Costa da Mina
e batizada como verdadeira cristã, Anna Maria foi escrava do Reverendo
Frei Florêncio Jozé de Brito, mercenário. Declarou, no documento, haver
conseguido sua liberdade por cinqüenta mil réis (com licencaz de seus
Prellados maiorez) e que vinha gozando “pacificamente” de tal liberdade
desde três de julho de 1778. Também esclareceu não ter erdeiro algum
azcendentes ou dezcendentes para seus limitados beinz, que eram: Huma
escrava chamada Felícia, com huma cria de peito chamada Urbano (os quais
já havia vendido ao seu primeiro testamenteiro, o senhor Jozé da Rocha
Luiz, por presso certo de duzentos mil réis).Três varas de cordão de ouro
divididas em três partes iguais, uma volta de contaz de pezcosso com suas
chapinhas, um lasso de ouro, três pares de brincos, Huma cruz de ouro,
dous pentinhos cobertos de ouro, hum par de botões do peito da camiza de
ouro, huma Senhora da Conceiçam de ouro, hum Rozarinho misturado com
contas de ouro e sua cruzinha de ouro, dous pares de botões de ouro de
punhos, hum taxinho de cobre, huma bacia de arame, hum anel de pedra
amarella e outro de ouro, os quais deixou à preta Roza, pela boa companhia
e servisso, douz pares de botoenz de ouro dos punhos mais pequenos, os
quais deixou ao rapazinho Peregrino, seu ex – escravo, a quem havia
concedido alforria. Os mais móveis que se achassem em sua casa,
deveriam, por sua vontade, ser divididos entre o testamenteiro (que
aceitasse seu testamento) e a dita preta Roza. Declarou como seus
devedores José Gonçalves, natural do Reino e morador em Cabello de
Velha, da quantia de cinqüenta mil réis; Antonio Jozé, pardo, morador em
Oeiras, trinta e oito mil e quatrocentos réis; Hum pretinho chamado
Domingos das Chagas, duas pessas de seis mil e quatrocentos réis; Joam
da Cruz, a quem havia emprestado trinta e dois mil réis para um negócio.
Anna Maria determinou que seu testamenteiro fizesse as “diligências”
necessárias para cobrar as tais dívidas, a fim de que suas últimas vontades
fossem satisfeitas, dentre as quais que dissessem por sua alma cinco
capellas de missas, mais huma a seu anjo de guarda, por sua tenção e
outra para a santa de seu nome, pelas almas do Purgatório, outra pelas
pessoas com quem tinha contratos ou fosse responsável. Por fim, nomeou
por universal erdeiro do restante de seus bens seu primeiro testamenteiro,
o Reverendo Jozé da Rocha Luz, pelos muitos obzequios e favores que lhe
era tributária.
A reflexão sobre estas questões nos parece importante, não só pela
necessidade de um entendimento mais aprofundado sobre quem estamos
tratando, mas também para uma melhor compreensão sobre seus
comportamentos e condutas no período proposto neste trabalho.
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Conclusões
Durante toda a História as mulheres sempre estiveram presentes em
diversas atividades, fossem elas domésticas ou públicas. No universo
doméstico sempre estiveram na gerência do plantio e feitura de alimentos,
costura das roupas, criação dos animais, enfim, de todos os detalhes
estruturais para o funcionamento da casa e o atendimento das necessidades
das pessoas que ali viviam, que muitas vezes não eram poucas. Tudo isso
era um exaustivo (e invisibilizado) trabalho.
No caso do Maranhão colonial não foi diferente e embora as mulheres
estivessem lidando em suas casas, hortas, plantações e criações, a
historiografia pouco tratou de suas trajetórias. Nos conteúdos documentais
percebemos que, longe de estarem ociosas, estavam na dinâmica de
trabalhos em diversos setores. Os dados ali contidos mostram que eram sim
senhoras de suas vontades, pois nos testamentos a grande maioria delas
deixou para outras mulheres a grande parte dos bens que possuíam. Além
disso, as disposições determinadas por aquelas mulheres apontam um
detalhado repertório de objetos, que como já foi dito, foram deixados em
grande parte a outras mulheres propiciando um empoderamento econômico
de filhas, netas, sobrinhas e afilhadas.
Tencionou-se sobretudo mostrar como no Maranhão colonial as mulheres
atuaram, tomaram decisões, participaram do povoamento, chefiaram
famílias e gerenciaram bens próprios. Foram muitas histórias onde o poder,
mínimo que fosse, traduziu-se em patrimônio e ou determinações, fazendo
entrecruzar a História Econômica e a História das Mulheres. Assim, o artigo
que ora se conclui visa contribuir não apenas com o aprofundamento das
reflexões acerca da História do Maranhão, mas sim para o entendimento
mais amplo da sociedade colonial americana.
Referências
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História da Universidade Federal do Maranhão – UFMA.
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO GÊNERO E DAS SEXUALIDADES
ENTRE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO DA BAIXADA CUIABANA.
ALGUMAS REGULARIDADES
Moisés Lopes
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Introduzindo o tema
A despeito do crescente fortalecimento dos movimentos sociais que lutam
pela igualdade de gênero e pelo respeito às distintas sexualidades,
infelizmente ainda hoje persistem no Brasil convenções, representações e
imagens sociais que estão fundadas na exclusão, na hierarquia, na
“patologização” de diferentes identidades, na expressão do preconceito, das
discriminações sociais e violências contra estes sujeitos. A violência de
gênero e a violência LGBTfóbica são as expressões mais destacadas e
evidentes deste fenômeno, mas estão longe de serem as únicas, outras
formas mais insidiosas e menos visíveis comprometem de forma
significativa a qualidade de vida das mulheres e da população de lésbicas,
gays, bissexuais, travestis e transexuais (os LGBTs). Entre estas outras
formas mais insidiosas de expressão do preconceito e discriminação sociais
a que estes grupos estão sujeitos podemos citar especialmente o acesso
desigual à educação, ao trabalho e a saúde, só para citar alguns exemplos
da infinidade de comportamentos produzidos e reproduzidos em todos os
espaços da vida social e que contribuem para o quadro de profunda
desigualdade social que ainda persiste no país.
Como já discuti em trabalhos anteriores (Lopes, 2005, 2006; Lopes e
Jeolás, 2008), estes fatos não se constituem em fenômenos de fácil análise
e diagnóstico pel@s pesquisador@s visto que estão ancorados em um
conjunto distinto de convenções, representações e imagens sociais
construídos historicamente em nossa sociedade – não apenas nela diga-se
de passagem – que associam a heterossexualidade como a única expressão
“natural” da sexualidade e as demais sexualidades como manifestações do
“pecado”, da “perversão”, da “doença”, da “anormalidade” e, por conta
disso, fenômenos “problemáticos” que colocariam em xeque seus pilares
fundamentais e que deveriam passar por processos de “recuperação”, de
“correção”, ou de “cura”.
Particularmente, acredito que a mudança dessa realidade não se dará
apenas com a formulação de leis antidiscriminatórias – apesar destas
representarem uma grande e importante transformação social na realidade
brasileira contemporânea – mas, igualmente, é fundamental a produção de
conhecimento consistente baseado em pesquisas muito bem desenhadas e
conduzidas que possam nos levar a compreender a forma como estes
discursos dão respaldo a discriminação, ao preconceito e a violências
baseadas no gênero e nas diferentes sexualidades, bem como a forma na
qual estes se expressam cotidianamente. A meu ver, esta é uma das
principais funções sociais da universidade – além de formar quadros
profissionais competentes para atuar em um mundo competitivo – qual
seja, compreender a realidade cotidiana na qual estamos inseridos e dar
ferramentas para que as iniquidades, sejam elas quais forem possam ser
superadas “produzindo” simultaneamente cidadãos críticos e preocupados
com as desigualdades que assolam nossa realidade. Para alcançarmos essa
função social, temos ao nosso alcance a possibilidade de lançarmos mão de
uma série de ferramentas, a principal delas é o estímulo ao
desenvolvimento do espírito crítico especialmente entre noss@s alun@s,
mas não exclusivamente entre el@s.
Este espírito crítico têm de estar fortemente assentado na transformação
das mentalidades, valores e práticas sociais que dão suporte a
desigualdades e ao desrespeito pelos direitos de pessoas e grupos
considerados “estranhos”, “diferentes”, “diversos” do que o senso-comum
considera como a “normalidade social” vigente. E, neste ponto, vejo a
educação – não importa a que grau estejamos nos referindo, se formal ou
informal, se de ensino fundamental, médio ou superior – como instrumento
essencial de mudança social e de luta contra as desigualdades sociais.
No que tange especificamente a nossa sociedade, ainda hoje permanece
como um grande desafio construir na educação uma abordagem das
desigualdades sociais que prime pela sensibilização das diferentes pessoas
acerca da realidade social a que diferentes grupos estão sujeitos
cotidianamente e, não apenas, pelo diagnóstico destas situações, e aqui
cabe um parêntesis. Não me refiro exclusivamente às desigualdades que
envolvem questões como as calcadas nas sexualidades e no gênero, meu
objeto de investigação, mas, também, às desigualdades raciais, de classe,
de etnia, religiosas, entre muitas outras.
A Antropologia, entre outras humanidades, tem muito a acrescentar nesta
discussão visto ser uma ciência que surgiu tendo como objeto de estudo
específico a questão da alteridade e a compreensão das distintas lógicas
que organizam e dão sentido às diferentes visões de mundo. No entanto,
seguidamente, seus conhecimentos historicamente produzidos têm sido
objeto de desvalorização e depreciação muitas vezes sendo alçados a
categoria de saberes militantes ou comprometidos com a visão de mundo
do subjugados.
Por esta premissa, joga-se fora literalmente a criança junto com a água de
banho, pois tal como nos mostram Judith Butler (1998), Donna Haraway
(1995) e Sandra Harding (1996), entre outras autoras, no debate acerca da
construção de uma epistemologia feminista é problemático acreditar que a
Ciência seja absolutamente neutra, imparcial e baseada em uma noção de
razão tomada como instrumento de percepção privilegiada da realidade.
Esta concepção iluminista de Ciência Moderna, fundada na visão de que a
racionalidade é capaz de oferecer fundamentos concretos, objetivos e
imparciais para se construir um conhecimento “seguro” e “correto” da
realidade “verdadeira” trata-se apenas de um “discurso de poder”
construído para dar suporte ao discurso da ciência. Ao contrário disto,
temos de pensar, tal como defende Haraway (1995), que todos os
conhecimentos produzidos são “situados” (social, cultural e historicamente)
e, deste modo, é inevitável que sejam parciais. Isto não implica que
tenhamos de abandonar toda e qualquer possibilidade de construção do
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conhecimento, apenas temos de ter consciência que estes nunca são
neutros e imparciais.
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De modo contrário, também não podemos cair na tentação do relativismo
ingênuo ou inocente descartando os conhecimentos produzidos
historicamente pelas ciências, visto serem eles “implicados” tais como os
outros saberes. Na visão de Haraway (idem, p. 26), analisar a partir do
ângulo dos subjugados não implica a busca por uma “posição de identidade
com o objeto, mas de objetividade, isto é, de conexão parcial”, visto que os
posicionamentos dos subjugados não estão isentos de uma reavaliação
crítica, de desconstrução e de interpretação.
Por esta perspectiva, a construção de conhecimentos e saberes acerca da
realidade não pode, nem deve ser tomada como instrumento “neutro” e
“imparcial” de apreensão de uma “realidade natural”, mas como um saber
contextual, histórica e culturalmente implicado. E, a Antropologia, como
uma abordagem preocupada com a construção de um saber baseado na
compreensão e na tradução intercultural das distintas lógicas assume um
papel essencial. Partindo desta perspectiva, construo minha análise acerca
da “maneira pela qual” o gênero e as sexualidades vêm sendo tratadas
como temáticas na formação dos profissionais de educação na baixada
cuiabana, para isso partirei de experiências concretas de pesquisa e
extensão já finalizadas.
Três experiências concretas
A primeira destas experiências foi o projeto de extensão intitulado
“Sexualidade na Escola: atividades educativas com adolescentes”
desenvolvido e coordenado pela Professora Neuza Cristina Gomes da Costa
do Departamento de Saúde Coletiva (UFMT) e com minha participação no
ano de 2012 em uma escola do ensino fundamental de Cuiabá, Mato
Grosso. Esse projeto, que teve como público-alvo adolescentes entre 11 a
14 anos de idade que cursavam a sétima série do ensino fundamental,
objetivava analisar as representações sociais destes adolescentes acerca
das sexualidades por meio de diversas atividades e debates sobre a
temática. Nesse contexto de atividades estabelecemos contato com
diretores, coordenadores pedagógicos e docentes que nos traziam uma
série de imagens e representações das sexualidades como questões
problemáticas de serem trabalhadas na escola.
A segunda experiência é resultante do “I Ciclo de Oficinas de Capacitação
do Gesex”, evento inserido nas atividades do projeto de extensão intitulado
“Hierarquias, preconceitos e diversidades. A construção sociocultural do
gênero” que teve como finalidade ampliar e fortalecer o diálogo entre
comunidade acadêmica e sociedade – representada aqui por profissionais
da educação, representantes e ativistas de movimentos sociais e estudantes
universitári@s – no que tange à discussão da construção das hierarquias,
dos preconceitos e discriminações que envolvem a temática de Gênero e
Sexualidade, com o fim de se pensar em práticas educativas que primem
pelo respeito às diferenças na sociedade contemporânea. As atividades do I
Ciclo de Capacitação foram finalizadas em 2013 sendo desenvolvidas pelos
integrantes do grupo de pesquisas (integravam na época o GESEX @s
professor@s Flávio Luiz Tarnovski e Moisés Lopes, Ana Maria Marques,
Neuza Cristina Gomes da Costa, Silvana Maria Bitencourt e Sônia Regina
Lourenço pesquisador@s permanentes) e por mim, coordenador da
atividade com o apoio da UFMT/PROCEV/CODEX e do Departamento de
Antropologia/UFMT.
A terceira experiência foi o projeto de pesquisa coordenado por mim e
intitulado “As imagens e representações sociais acerca do gênero e das
sexualidades entre docentes do Ensino Médio de Cuiabá – MT” que teve
como objetivo analisar as representações sociais e o imaginário acerca do
gênero e das sexualidades “veiculadas” pel@s professor@s das disciplinas
de Sociologia, Biologia, Ciências e Ensino Religioso de Escolas Públicas
estaduais do ensino médio da cidade de Cuiabá com o fim de compreender
como os mecanismos de construção da diversidade podem engendrar
diferenças, hierarquias e preconceitos. Tratava-se de um projeto de
pesquisa que foi desenvolvido com atividades de investigação e um
financiamento do CNPq via CHAMADA UNIVERSAL – MCTI/CNPq Nº
14/2013.
Estas três experiências concretas de investigação e extensão nos colocou
em contato com o cotidiano docente e de outros profissionais da educação
que nos trouxeram um sem-número de representações e imagens acerca
das questões de gênero e sexualidades, bem como a maneira pela qual
estas são “tratadas” ou invisibilizadas no dia-a-dia das instituições de
ensino em Cuiabá e que relatarei abaixo.
Alguns pontos de convergência
Antes de desenvolver tal análise é importante destacar que tais
convergências foram expressas nas falas e conversas resultantes das
atividades desenvolvidas por estes projetos, neste sentido, não tenho a
intenção de identificar os sujeitos que emitiram tais falas ou em qual destas
atividades estas foram expressas, visto que o objetivo é trabalhar com
regularidades e não com especificidades. Deste modo, trata-se aqui de uma
análise destas falas e conversas com o fim de problematizar algumas
questões.
A principal recorrência expressa nas falas d@s profissionais da educação é a
profunda necessidade de se discutir a temática do gênero e das
sexualidades em espaço escolar. Tod@s acreditam e defendem que a escola
tem um papel extremamente importante a ser cumprido no debate acerca
destas temáticas trazendo informações e dados “acertados” que possam
resultar no “esclarecimento” e na “educação” das futuras gerações. Assim,
defendem que a temática seja “tratada” pelas diferentes disciplinas em
espaço escolar tal como preconizado pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) desde 1998. Segundo os PCNs, o tema da orientação
sexual constitui-se em questão transversal a ser abordada pelas diversas
áreas do conhecimento que deve impregnar toda a área educativa desde o
ensino fundamental – mas, especialmente, a partir da quinta série –
ocorrendo seja dentro da programação das disciplinas ou, ainda, como
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atividades extraprogramação quando surgirem demandas relacionadas ao
tema.
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A grande maioria d@s professor@s com os quais tivemos contato no
decorrer destas atividades ressaltam o surgimento de inúmeras demandas
ou “eventos problemáticos” ocorridos nas escolas que envolviam questões
de gênero ou sexualidades que requereram sua atenção ou intervenção.
Uma das situações relatadas resultou na expulsão de dois alunos que
durante uma atividade extra-programada na escola foram pegos em uma
sala de aula vazia mantendo relações sexuais. Fato similar ocorreu em outra
escola com duas meninas surpreendidas em um ato sexual em um dos
banheiros da escola. Um outro fato relatado pel@s professor@s dizia
respeito a “proibição” por parte d@s alun@s de uso dos banheiros
masculinos e femininos por parte de sujeitos homossexuais assumidos.
Estes tiveram de passar a usar o banheiro d@s professor@s até que se
encontrasse uma solução, fato que até o momento do relato não havia
ocorrido. Foi relatado ainda, outro “evento problemático” ocorrido em uma
das salas de aula, reiteradas conversas por um telefone que nunca tocava
de um aluno com seu “suposto” namorado durante as aulas que geravam
distúrbios, provocações, xingamentos e o rótulo de “aluno problema”.
Sempre após estes relatos, havia o questionamento por parte d@s
professor@s sobre a partir de que momento tais alun@s estariam pront@s
para manter relações sexuais? Proibir expressões de carinho e de
afetividade entre alun@s? E, como lidar com a homossexualidade e a
travestilidade na escola? Como corrigir estes “problemas”? Como agir diante
de casos tais como estes? Relatar aos pais? Expulsar? Obrigar o uso de
roupas, maquiagens e acessórios condizentes com seu “sexo biológico”?
Proibir o uso de elementos não condizentes com seu corpo? Todas estas
questões são válidas e demonstram o cenário atual no qual a “sexualização
dos corpos” vem avançando para idades cada vez mais jovens, momento no
qual a expressão de uma identidade sexual ou performance de gênero não
condizente com a heterossexualidade adentrou o espaço da escola.
Muitas vezes perplex@s, @s professor@s se deparam com estes eventos e
apesar de perceberem a necessidade de adotar uma maior abertura para o
tratamento das questões relativas à sexualidade e ao gênero na escola as
transformam
em
“situações-problemas”,
estigmatizando
alun@s,
identidades e, com isso, reproduzindo um discurso hierárquico que pode dar
origem a preconceitos, discriminações e violências (simbólicas ou concretas)
no espaço escolar e fora dele. É claro que a escola e @s professor@s não
são seres etéreos que pairam acima da sociedade, pelo contrário, são
pessoas e instituições que inseridas na sociedade e na cultura acabam por
reproduzir os discursos socialmente hegemônicos.
Nesse sentido, é extremamente necessário que as questões de gênero e
sexualidades sejam discutidas e apresentadas no espaço escolar, mas para
isso é necessário uma formação prévia d@s profissionais da educação, fato
que tal como constatado em diversas conversas informais estabelecidas
durante a realização das atividades de pesquisa e extensão supracitadas
não ocorreram.
Mais, que isso, tal como apontam Lopes e Oliveira (2014), no que tange a
formação d@s profissionais de pedagogia verificou-se por meio da análise
das grades curriculares das graduações dos cursos de Pedagogia existentes
na cidade de Cuiabá (UNIVAG, UNIC, UNIRONDON, ICEE e UFMT),
excetuando-se a UFMT que possuía a disciplina optativa “Educação e
Sexualidade” que não é ministrada desde 2004, nenhuma das outras
instituições possuía uma disciplina específica voltada para a discussão de
gênero e sexualidade. E, ainda, por meio de entrevistas pessoalmente ou
por telefone @s coordenador@s destes cursos relataram a efetiva
inexistência de disciplinas atinentes às temáticas de gênero e sexualidades
que, quando muito, tornam-se assuntos tratados superficialmente por
disciplinas relacionadas, como por exemplo a disciplina de “Psicologia e
Educação”. Tal fenômeno já havia sido constatado anteriormente em
pesquisa desenvolvida por Carvalho (1996) que 16 anos antes relatou o
simultâneo despreparo e interesse d@s professor@s pelas temáticas.
Para além da escassa preparação dos profissionais da educação para
lidarem com as temáticas do gênero e das sexualidades, outra questão
importante verificada durante a realização destes projetos foi a constante
referência a discursos, imagens e representações respaldadas em uma
perspectiva biologizante acerca do gênero e das sexualidades com a função
de apresentar a discussão de maneira “objetiva”, “naturalizada” e
“distanciada” na tentativa de resguardar @ profissional da educação frente
a comunidade escolar e suas ansiedades. Nesse sentido, de acordo com
Louro (1998, 41),
“[...] a sexualidade que é geralmente apresentada na escola está em
estreita articulação com a família e a reprodução. O casamento constitui a
moldura social adequada para seu ‘pleno exercício’ e os filhos, a
consequência ou a benção desse ato. Dentro desse quadro, as práticas
sexuais não reprodutivas ou não são consideradas, deixando de ser
observadas, ou são cercadas de receios e medos. A associação da
sexualidade ao prazer e ao desejo é deslocada em favor da prevenção dos
perigos e das doenças. Nesse contexto que centraliza a reprodução, os/as
homossexuais ficam fora da discussão [...] A homossexualidade é
virtualmente negada, mas é, ao mesmo tempo, profundamente vigiada.”
Além disso, tal perspectiva “naturalizante” do gênero e das sexualidades
está calcada na visão de uma heterossexualidade compulsória (Rich, 2010)
que se constitui em uma exigência (cultural e social) de que todos os
sujeitos sejam heterossexuais sendo que qualquer outra forma de vivência
da sexualidade é tomada como desvio, anormalidade ou pecado. Institui-se,
desse modo, a heterossexualidade como padrão, norma, princípio universal
que não deve ser questionado quanto as causas enquanto as demais
sexualidades podem e devem ser questionadas quanto a seu fundamento e
origem. É o que se constata em diversas falas de profissionais da educação
que constroem, muitas vezes sem se dar conta, as manifestações das
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sexualidades não-heterossexuais como “situações-problemas” que devem
ser “corrigidas”, “punidas” ou “invisibilizadas”, por não terem lugar no
espaço escolar.
Algumas considerações finais
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“Foi, sem dúvida, Carmen da Silva quem melhor sintetizou a história da
Educação Sexual no país: ‘pela enésima vez o Brasil redescobre a educação
sexual’ (Revista Cláudia, outubro de 1978). E assim foi, e assim está sendo,
pois afora algumas experiências piloto, perfeitamente circunscritas no
tempo e no espaço, os educadores brasileiros ainda não ultrapassaram o
debate se a escola deve ou não incluir a educação sexual em seu currículo.
E mais: debates e experiências têm se circunscrito quase que
exclusivamente à escola de 1º e 2º graus, deixando de considerar carências
e demandas universitárias. É claro que a discussão através dos anos foi
envolta por um discurso mais ou menos sofisticado, mais ou menos
“progressista”, usando argumentos variados, de acordo com o momento
político” (Rosemberg, 1985: 12).
Novamente o Brasil vem redescobrindo, e agora proibindo, o tema da
educação sexual, trata-se de um processo de redescoberta que nunca foi
“efetivado totalmente” e que atingiu sua expressão máxima nos PCNs de
1998 sendo alçado a categoria de “questão transversal” que deve impregnar
toda a área educativa desde o ensino fundamental. No entanto, apesar da
transversalidade da temática trata-se de uma questão que vem sendo
relegada de uma maneira geral as disciplinas de biologia, ciências e
educação física com o foco nas questões do funcionamento do corpo, na
prevenção da gravidez e das doenças sexualmente transmissíveis o que
relega a temática a uma abordagem médica,
“[...] pautada na díade saúde-doença (com ênfase na ação terapêutica para
tratamento de ‘desajustes sexuais’, ansiedades ou angústias relativas à
sexualidade); valoriza o fornecimento de informações em contexto de
relação terapêutica ou de programas preventivos de saúde pública, para
assegurar a saúde sexual do indivíduo e da coletividade” (Figueiró, 1996:
52).
Ou ainda, em uma abordagem pedagógica, “[...] o processo
ensino/aprendizagem é a característica fundamental. É dada ênfase ao
aspecto informativo, no qual pode-se incluir também o aspecto formativo
(discussão de valores, atitude e sentimentos)”. (idem) Ambas abordagens
vistas como meio de “levar o indivíduo a viver bem sua sexualidade”, mas
desconsidera-se a abordagem política que
“[...] embora considere a relevância da vivência pessoal (saudável) da sua
sexualidade, sua característica essencial consiste em perceber na Educação
Sexual um compromisso com a transformação social, conduzindo as
discussões para as questões que envolvem relações de poder, aceitação das
diferenças e respeito pelas minorias. Há também uma preocupação em
resgatar o erotismo (o prazer e a visão positiva da sexualidade) e as
questões de gênero, em que os papéis sexuais são pensados à luz de um
enfoque social, histórico e cultural”. (ibidem)
Nesse aspecto, a abordagem política da educação sexual, tão pouco
difundida e aplicada na prática docente (e, mais recentemente repudiada e
perseguida por uma abordagem conteudista e pelo movimento “escola sem
partido” e da “ideologia de gênero), tal como definida acima por Mary Neide
Damico Figueiró, se aproxima sobremaneira do documento da UNESCO
lançado em junho de 2010 intitulado “Orientação Técnica Internacional
sobre Educação em Sexualidade” que ao utilizar o conceito de Educação em
Sexualidade, tem como objetivo trabalhar a saúde sexual e reprodutiva em
termos mais abrangentes, com o fim de propiciar um aprendizado não só
baseado na aquisição de conteúdos, mas também, incluir o questionamento
de atitudes e habilidades para redução dos riscos de infecção à HIV e outras
DSTs, bem como uso de álcool, drogas e situações de violência. Além disso,
parte dos seguintes princípios:
“- A sexualidade é um aspecto fundamental da vida humana, tem
dimensões físicas, psicológicas, espirituais, sociais, econômicas, políticas e
culturais.
- A sexualidade não pode ser compreendida sem referência ao gênero.
- Diversidade é uma característica fundamental da sexualidade.
- As regras que governam a conduta sexual divergem amplamente em torno
de e dentro de culturas. Certos comportamentos são vistos como aceitáveis
e desejáveis, enquanto outros são considerados inaceitáveis. Isto não
significa que estes comportamentos não aconteçam, ou que devem ser
excluídos de discussão dentro do contexto da educação da sexualidade.”
Apesar deste artigo ser resultado de atividades de pesquisa e extensão
desenvolvidas há alguns anos sobre a situação da educação em sexualidade
podemos perceber que ainda há muito a ser debatido e construído no que
refere a esse campo, seja com a inserção de disciplinas com essa temática
na formação básica e permanente de profissionais de educação, seja no
debate sobre as maneiras nas quais as representações sociais acerca das
sexualidades dest@s profissionais influenciam nas discussões e na
implantação da temática da orientação sexual como temas transversais na
escola, ou ainda, na maneira como @s alun@s trazem, vivenciam e
“sofrem” discriminações, preconceitos e violências no que tange as
expressões de gênero e das sexualidades no cotidiano da escola. Trazer
estas questões para discussão no espaço escolar é algo urgente, necessário
e que não deve ser tratado como um “problema” apenas para determinadas
áreas de saber, mas para toda a comunidade escolar.
Referências
Moisés Lopes é graduado e mestre em Ciências Sociais pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL), Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social da Universidade de Brasília (UnB) e Pós-Doutor pelo
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor do Departamento de
Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da
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Universidade Federal de Mato Grosso. Atualmente coordenador do curso de
graduação em Ciências Sociais modalidade Bacharelado, Vice-Coordenador
do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade
Federal de Mato Grosso e Primeiro Secretario Executivo da Associação
Brasileira de Estudos de Homocultura (ABEH). Tratava-se de um artigo
desenvolvido em parte com dados do projeto de pesquisa intitulado “As
imagens e representações sociais acerca do gênero e das sexualidades
entre docentes do Ensino Médio de Cuiabá – MT” que foi desenvolvido com
financiamento do CNPq via CHAMADA UNIVERSAL – MCTI/CNPq Nº
14/2013.
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FIGUEIRÓ, Mary Neide Damico. “A produção teórica no Brasil sobre
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AUTOR@S
EDUCANDO PARA A DIVERSIDADE DE GÊNERO E SEXUALIDADE:
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE OS DESAFIOS ENFRENTADOS PELOS
PROFESSORES DE HISTÓRIA, DA REDE PÚBLICA DE ENSINO
Alexandra Sablina do Nascimento Veras
Em tempos de incertezas, intolerâncias e desesperança, falar de gênero e
de diversidade sexual na escola tem se tornado um desafio cada vez maior,
principalmente para os professores de História, da rede pública de ensino.
Se essas questões têm crescido e assumido certo espaço em nossa
sociedade, ao mesmo tempo ainda permanecem problemáticas,
caracterizadas por uma sociedade que ainda se constitui em um processo
de transformações e contradições. Discussões em torno dos conceitos de
família, homem, mulher, gênero e sexualidade, como construções históricas
e sociais, tem repercutido nas mais variadas situações de conflito dentro do
espaço escolar. De um lado, deparamo-nos com discursos, tanto por parte
de pais e alunos como também de professores, que defendem que tais
assuntos não devem ser discutidos em sala de aula, por compreender que
não é papel do professor, nem da escola tratar sobre essas questões; E, de
outro, com a emergência de discursos que associam tais discussões a uma
forma de doutrinação e tentativa de deslegitimação dos valores da família,
da religião e da vida em sociedade.
Dessa forma, ao passo em que nos encontramos em um momento histórico
do qual o lema é educar para a diferença, ao mesmo tempo nos deparamos
com um cenário paradoxal, onde a intolerância e o preconceito emergem
como forma de manutenção da ordem e da moralidade. Nota-se, portanto,
que as questões relacionadas ao gênero e a diversidade sexual vem sendo
tratadas de maneira um tanto contraditória. Se por um lado tornaram-se
questões cada vez mais presentes no cotidiano das sociedades
contemporâneas, por outro, deparam-se com um panorama que oscila entre
visões progressistas e conservadoras. A primeira que se basearia na
tentativa de reconhecimento e valorização de novos padrões de
comportamento e sociabilidade, e a segunda na manutenção de suas
representações em condições imutáveis.
A partir disso, o objetivo desse trabalho é apresentar algumas reflexões
relacionadas aos desafios enfrentados pelos professores de História, da rede
pública de ensino, em educar para a diversidade de gênero e sexualidade.
O interesse por esse estudo de caso surgiu a partir da experiência como
Bolsista de Iniciação a Docência, do Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação a Docência – PIBID, na escola técnica de nível médio Ministro
Petrônio Portella – CEEP, localizada no município de Parnaíba, no Piauí. Em
Abril de 2014, enquanto permanecia na sala dos professores, esperando
meu horário para entrar em sala e realizar a atividade programada para
aquele dia, deparei-me com os comentários de uma professora. A
profissional se referia por meio da frase “que coisa ridícula” a duas garotas
que estavam se abraçando e acariciando os cabelos uma da outra no pátio
da escola. Tal ocorrência, principalmente pelo fato de tê-lo presenciado,
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instigou-me a buscar compreender as implicações trazidas por essas
manifestações de preconceito no ambiente escolar.
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Metodologia
Para desenvolvermos o presente trabalho, além das atividades realizadas
semanalmente como parte das ações do PIBID, em que discutimos
conceitos como gênero, sexualidade, diversidade sexual e preconceito,
realizando oficinas com alunos do 1º ao 3º anos do ensino médio, também
nos empenhamos em observar a rotina dos alunos dentro da sala de aula e,
principalmente, fora dela, nos pátios e corredores da escola.
Em conjunto com essas ações, aplicamos um questionário com alunos de
turmas distintas, com perguntas objetivas e subjetivas relacionadas às
questões de gênero e diversidade sexual, preservando o anonimato dos
alunos, para que assim pudessem se sentir mais a vontade para falar sobre
o assunto. O questionário, elaborado de forma simples e sucinta, versava
sobre as seguintes questões: Você já presenciou alguma manifestação de
homossexualidade aqui na escola? Como você se sentiu? Qual o seu
posicionamento sobre isso? Dado o forte preconceito que muitas pessoas
ainda hoje enfrentam devido a sua sexualidade e identidade de gênero,
você acha que é importante que a escola discuta sobre essas questões? Ao
todo, duzentos e onze alunos responderam o questionário.
Importante observar que a realização dessa atividade não foi uma tarefa
fácil. Alguns alunos recusaram-se a responder o questionário e outros até
fizeram brincadeiras. Percebemos também o desinteresse por parte de
alguns professores em relação à atividade. Á análise dos questionários
também chegou a ser constrangedora. Alguns alunos escreveram frases
como: “eu acho isso nojento”; “eu vejo isso é todo dia”; “só o que tem
nessa porra é sapatão” (sic).
Por meio da observação participante e da análise dos questionários,
identificamos que à diversidade sexual na escola ainda é objeto de
preconceitos, vergonha e estigmatização. Nota-se que a aceitação e
convívio com representações homoafetivas encontram maior resistência
entre os garotos, sendo um pouco mais tolerável e comum entre as garotas.
No entanto, apesar de serem práticas conhecidas, em ambos foi possível
identificar ainda o predomínio de certa vergonha em tratar do assunto.
Mesmo entre aqueles alunos que consideraram a questão da diversidade
sexual como algo normal, no entanto, admitiram “tirar onda” quando
ficavam sabendo de um (a) colega que era gay, bi ou lésbica. Alguns
disseram sentir vergonha ou “achar graça” quando viam ou ficavam
sabendo dessas coisas (sic). Também, notamos que esse sentimento de
vergonha não se restringia àqueles alunos considerados “normais”, mas
também atingia parte dos próprios alunos identificados, pelos outros alunos,
como homoafetivos.
Nesse contexto, apesar da diversidade sexual ser comum no dia - a - dia
dos alunos da escola aqui estudada, principalmente o lesbianismo, tais
representações dificilmente podem ser identificadas, visto que os alunos
sentem vergonha de falar ou realizar alguma ação que possa ser vista pelos
professores ou demais alunos. Entretanto, a diversidade sexual é algo
presente no cotidiano dos alunos, e apesar de serem silenciadas, são
práticas conhecidas e apontadas, tanto por outros alunos como também por
professores, o que contribui ainda mais para a estigmatização desses
indivíduos, identificados como indecentes.
Sobre as relações de gênero, uma parte dos alunos afirmou não ter nada a
colocar sobre essas questões, e que hoje tanto os homens como as
mulheres possuem os mesmos direitos, como votar, trabalhar fora, sair e
beber (sic). Além disso, mesmo tendo sido um assunto discutido e
trabalhado em sala de aula, alguns alunos afirmaram não saber o que
significava gênero ou relações de gênero.
Discussão
Compreendendo a educação como um processo de identificações
historicamente e socialmente construídas que vai contribuindo na
construção e legitimação da identidade social dos indivíduos, a escola como
um espaço social que está em constante interação com fatores que são
internos e externos a ela, atua como vetor das capacidades dos indivíduos
que a compõe pensarem e se relacionarem. Nesse contexto, a escola
constitui-se em um espaço complexo, heterogêneo, plural, através da qual
a aquisição e desenvolvimento de conhecimento e cidadania, desigualdades
e preconceitos coexistem. Dessa forma, representa, também, um espaço
onde se cria e se expande as desigualdades, constituindo-se em um meio
propício para que se propaguem as relações de poder (BOURDIEU, 1998).
A partir desse embasamento teórico, a questão da diversidade sexual
dentro da escola tornou-se mais complexa e inquietante quando notamos
que a intolerância em relação às representações homoafetivas não está, de
forma explícita, apenas entre os alunos, mas também entre alguns
educadores, culminando, em casos específicos, no conflito entre
aluno/professor. Tal circunstância estrutura-se na busca de ocultar
determinadas manifestações, seja por meio da repressão, seja através do
silenciamento da própria escola em relação a esses sujeitos, deixando-os
em posições relegadas. Nesse sentido, Louro compreende que:
“O processo de ocultamento de determinados sujeitos pode ser
flagrantemente ilustrado pelo silenciamento da escola em relação aos/as
homossexuais. No entanto, a pretensa invisibilidade dos/das homossexuais
no espaço institucional pode se constituir, contraditoriamente, numa das
mais terríveis evidências da implicação da escola no processo de construção
das diferenças. De certa forma, o silenciamento parece ter por fim
“eliminar” esses sujeitos, ou, pelo menos, evitar que os/as alunos/alunas
“normais” os/as conheçam e possam desejá-los. A negação e a ausência
aparecem, nesse caso, como uma espécie de garantia da norma”. (LOURO,
2001, p. 89).
Conseguinte, a própria escola contribui de modo a produzir e a reproduzir,
através de uma ordem dominante, desigualdade de gênero, raça, etnia, que
vai contribuindo na distinção e separação dos indivíduos em categorias,
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proporcionando um espaço privilegiado para uns e desigual para outros.
Segundo Louro, os distintos procedimentos e estratégias disciplinares
atuam todos em campos de poder, através de um exercício desigual.
“Currículos, regulamentos, instrumentos de avaliação e ordenamento
dividem, hierarquizam, subordinam, legitimam ou desqualificam os sujeitos”
(LOURO, 2004, p. 84-85).
Nesse sentido, tais imposições, como em qualquer instituição que visa
manter suas regras determinadas e consolidadas através de um padrão de
organização interpretado como moral e correto, estão muito atuantes no
cotidiano da escola, contribuindo na implementação de uma política
educacional que investe em estratégias e mecanismos que visam à
homogeneização dos indivíduos que a constituem. Na busca por essa
homogeneidade, a escola acaba que por se transformar em um espaço onde
se cria e se propaga as diferenças, onde aqueles alunos que fogem às
regras constituem uma espécie de problema a ser solucionado.
Através de uma ordem dominante que vai se auto-sustentando por meio de
técnicas previamente calculadas, a disciplina toma seus indivíduos como se
os fabricassem, tomando-os, ao mesmo tempo, como objetos e
instrumentos de seu exercício (FOUCAULT, 2011). Nesse contexto,
esperam-se dos alunos determinados comportamentos interpretados como
naturais. Segundo Foucault (2011, p. 170) “A disciplina faz “funcionar” um
poder relacional que se autossustenta por seus próprios mecanismos e
substitui o brilho das manifestações pelo jogo ininterrupto dos olhares
calculados”. É no jogo desses olhares calculados, hierarquizados, que a
escola acaba que impondo de forma aparentemente silenciosa, por vezes
constrangedora, diferentes formas de exercer e manter o poder, buscando
legitimar e pregar a ordem, caracterizando esta como detentora da
determinação do certo e do errado, do moral e o não moral.
Assim, por meio de nossas observações e atividades realizadas na escola
aqui analisada, foi possível identificar que a relação professor/aluno, em
casos específicos, é um tanto conflituosa, estabelecida a partir de regras de
convivência que determinam padrões de comportamento a serem seguidos,
tanto dentro, como fora da sala de aula. Abraçar, acariciar e até beijar são,
dentro de certos limites, tolerados dentro do ambiente escolar. No entanto,
quando se tratam de relações homoafetivas, não há a mesma tolerância.
Nesse caso, além das advertências, a consulta aos pais é um recurso
utilizado pela escola, pois a um consenso de que os pais ou responsáveis
possuem o direito de serem informados de tais acontecimentos.
É em meio a esse embate de duas camadas que se chocam, uma que diz
respeito a um modelo padrão de educação que constantemente está à
procura de legitimar-se, e outra que representa uma minoria repreendida,
plural e heterogênea, que começam a se estabelecer às relações de poder,
de disputas que vão servindo de baliza na construção e legitimação de
identidades
forjadas,
que
tomam
como
base
comportamentos
regulamentadores estereotipados. Tal fato exerce importância significativa
no desenvolvimento das capacidades dos alunos pensarem e se relacionem
com os outros e, principalmente, consigo mesmo. E, é nesse contexto, que
às questões relacionadas à diversidade sexual tornam-se mais complexas,
pois os alunos tendem a reproduzir tais posturais em seu cotidiano,
assumindo uma relação de preconceito e até de agressividade verbal em
relação a tais manifestações dentro da escola. Tal fato, em parte, é
desencadeado pelo fato de que os alunos, enquanto sujeitos historicamente
situados, esforçam-se para integrar-se em sociedade. Em meio a essa
busca em atender as normas e padrões sociais, o aluno coagido acaba que,
de forma inconsciente ou não, tomando atitudes de não aceitação ao
diferente. Destarte, a determinação do que é ou não normal encontra-se
arraigada à atribuição de identidades gestadas no coletivo, em que haveria
uma preocupação do indivíduo quanto à imagem que lhe será atribuída pelo
seu grupo de referência em seu contato com o “estranho” (COSTA, 1996).
Diante desse cenário, compreendemos que o estranhamento à
homoafetividade deriva de uma necessidade de não confundir-se com o
outro, em nome de uma masculinidade compreendida como legítima e
normal, da qual é legitimada por padrões culturais que cultivam simbólica e
explicitamente hierarquias e moralismos em nome da virilidade
(ABRAMOVAY, CASTRO & SILVA, 2004). Segundo Louro (1997):
“A homofobia, o medo voltado contra os (as) homossexuais, pode-se
expressar ainda numa espécie de “terror em relação à perda do gênero”, ou
seja, no terror de não ser mais considerado como um homem ou uma
mulher “reais” ou “autênticos (as).” (LOURO, 1997, p. 29).
Consentida, e em grande medida “ensinada” na própria escola, a homofobia
se expressa assim pelo desprezo, pelo afastamento e pela imposição do
outro ao ridículo (LOURO, 2000). Os comportamentos sexuais seguem
assim um padrão de ordenação, e aqueles que fogem a essas regras são os
reprovados, transgressores, os anormais (FREIRE, 1992).
De acordo com Pierre Bourdieu (1983), a juventude se organiza enquanto
estrutura social. Os jovens se organizam a partir de características culturais
e sociológicas próprias. Nesse sentido, as construções de identidades vão
sendo materializadas no cotidiano, na interação com o outro. Por sua vez,
quando esse contato é frustrado diante de uma realidade alheia, em que o
aluno não se sente integrante do grupo por ser “diferente”, há um choque
de identidade onde esse aluno se esforça na tentativa de buscar atender as
normas e padrões sociais, e o faz ocultando suas representações ou
excluindo-se e criando seu próprio grupo.
Considerações finais
A partir de nossa experiência na escola Ministro Petrônio Portella,
identificamos que as questões relacionadas ao gênero e a diversidade
sexual ainda não fazem parte das discussões realizadas em sala de aula. Os
próprios professores de História dificilmente discutem sobre tais assuntos.
Uma das razões apontadas é o fato de que a disciplina de História já possui
uma carga horária reduzida em comparação com outras disciplinas como
português, matemática e física. Além disso, não há material adequado, nem
incentivo aos professores. Diante desses desafios, o PIBID representou uma
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das poucas oportunidades para que temas como gênero e diversidade
sexual fossem trabalhados em sala de aula, ainda que não tenha sido tão
bem recebido pela comunidade escolar quanto gostaríamos.
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Portanto, é urgente e fundamental que gênero e diversidade sexual sejam
debatidos em sala de aula. Tais questões, mesmo em parte silenciadas,
encontram grande repercussão, principalmente na vida dos adolescentes
que se encontram numa fase de descobrimento de suas próprias ideias,
desejos e do seu próprio corpo. A sociedade em si já trata de produzir e
reproduzir estigmas e preconceitos relacionados às questões de gênero e
sexualidade, a escola, por sua vez, não deveria posicionar-se de maneira a
também reproduzir e consolidar tais posturas. As diferenças e semelhanças
não devem ser critérios para a atribuição de privilégios, de inclusão ou
exclusão.
A educação, responsável por inserir os indivíduos dentro de uma dada
sociedade, é um dos principais meios para a transformação social. É essa
educação que desde cedo cuida de transfigurar radicalmente as condições
naturais dos indivíduos que fornecerá subsídios para que esses sobrevivam
em seu meio social. Nesse contexto, ideias e conceitos culturalmente
determinados encontram possibilidades de mudanças. No entanto, para que
haja tais mudanças é necessário motivar, sensibilizar e estimular novas
posturas visando à compreensão da alteridade. Faz-se necessário um
formato de escola e de políticas educacionais que objetivem a concretização
dessas conjecturas, tendo como pressuposto a equidade de direitos a
diversidade. Compreendemos, assim, que é a partir da identificação e
compreensão desses fatos que será possível o desenvolvimento de uma
educação mais democrática, que possa dar visibilidade e maior participação
ao outro.
Referências
Alexandra Sablina do Nascimento Veras. Licenciada em História pela UESPI,
e mestranda em História Social, pela UFC.
ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M. G.; SILVA, L. B. Juventude e sexualidade.
Brasília: UNESCO, 2004.
BOURDIEU, Pierre. A “juventude” é apenas uma palavra. In:
______. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 112121.
BOURDIEU, Pierre. A Escola conservadora: as desigualdades frente à escola
e à cultura. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI. Afrânio (orgs). Escritos de
educação. Petrópolis, Vozes, 1998.
COSTA, Jurandir Freire. O referente da identidade homossexual. In:
PARKER, Richard; BARBOSA, Regina Maria (Orgs.). Sexualidades brasileiras.
Rio de Janeiro: Relume-Dumará, Abia, Uerj, 1996.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 35. ed. Petrópolis:
Vozes, 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia
do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
LOURO, G. L. Teoria Queer: Uma Política Pós-Identitária para a Educação.
In: Revista Estudos Feministas. V.9 n.2 Florianópolis, 2001.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva
pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.
LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado. Pedagogias da sexualidade. 2. ed.
Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: Ensaios sobre sexualidade e
teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
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AS REPRESENTAÇÕES DE MULHERES NO LIVRO DIDÁTICO
Ana Carolina Santos Prohmann
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Quando pensamos nas mulheres pelo viés da história, elas estão
geralmente no espaço doméstico, a situação começou a mudar no século
XX, e começaram a aparecer como heroínas, com a apresentação de
algumas mulheres ilustres. “Tratava-se inicialmente de tornar visível o que
estava escondido, de reencontrar traços e de se questionar sobre as razões
do silêncio que envolvia as mulheres enquanto sujeitos da história”
(PERROT, 1995, p. 20), essa conquista fez com que estudos antes não
realizados, começassem a ganhar forma, passando a construir um saber
histórico.
As Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná (2008) apresentam
os sujeitos da Educação Básica, enaltecendo que as escolas passaram a
atender um número cada vez maior de estudantes de classes populares,
assim a importância da inserção de diferentes sujeitos históricos. O diálogo
sobre gênero e diversidade sexual deve estar presente para a construção de
uma sociedade mais igualitária.
Ao analisar o livro didático de História “Ser Protagonista” do primeiro ano do
ensino médio, percebe-se que as mulheres não aparecem de uma forma
ativa. Esta constatação contraria o próprio título da obra que sugere a
motivação para a percepção do protagonismo histórico ou, em uma visão
mais pessimista, salienta que ainda se compreende o protagonismo como
masculino.
Se olharmos apenas para os personagens históricos, já
percebemos que os nomes de homens aparecem inúmeras vezes e com
ênfase, já as mulheres, apenas duas personagens aparecem no livro todo,
Joana d’Arc e rainha Nzinga, e apenas na página 177 é que uma das duas
mulheres que estão no livro é trabalhada, ou seja, os alunos e alunas lerão
o nome de uma mulher no livro didático provavelmente na metade do ano
escolar.
Nas primeiras páginas do livro, os textos apresentam apenas um
vocabulário com termos masculinos: “os historiadores”, “o historiador”, essa
linguagem passa a ideia de que um grande historiador, pesquisador, será
sempre um homem.
“Um livro didático que sistematicamente apresentasse as mulheres apenas
como enfermeiras e os homens como médicos, por exemplo, estava
claramente
contribuindo
para
reforçar
esse
estereótipo
e
consequentemente, dificultando que as mulheres chegassem às faculdades
de medicina”. (SILVA, 2010, p. 82)
A edição do texto de 2013, recente, deveria conter mais aspectos
igualitários. Não se pode dizer que o livro tem uma escrita igualitária pois
apenas na página 12 foi utilizado o termo “homens e mulheres”, ao
trabalhar com o tempo na história. Ao se direcionar aos homens e
mulheres, a percepção dos educandos e educandas é que a história foi feita
pelos diferentes sujeitos, e não apenas os homens como estão habituados a
ler.
O primeiro personagem apresentado pelo livro é Júlio Cesar, um
personagem homem está no texto já na página 14, enquanto uma mulher
só aparece na página 177, a falta de representação para as alunas do
primeiro ano do ensino médio é grande, essa identidade que falta no livro é
uma questão de saber e poder. É por isso que o conceito de gênero foi
criado, para enfatizar que as identidades femininas e masculinas são
historicamente produzidas, e isso reflete na sociedade e por vezes nas
escolhas das mulheres.
A linguagem do material didático trabalhado é marcada pelo gênero
masculino. Na página 18 temos o primeiro material que envolve as
mulheres. O texto explica sobre as diversas fontes, e exemplifica uma fonte
iconográfica com um cartaz contra a violência que as mulheres sofrem, mas
não existe nenhuma reflexão maior sobre o tema. O cartaz é apresentado
apenas como um exemplo ilustrativo.
Ao entrar no tema do Egito Antigo, as mulheres só aparecem de forma
generalizada no final do conteúdo.
Sem citar nome algum de mulher, nem mesmo nas atividades. Cleópatra
que governou o Egito e com sua importância não é apresentada e nem
citada pelo livro, lembrando que Júlio Cesar por exemplo, já é trabalhado no
início do livro.
Sobre a Mesopotâmia, em apenas uma parte do texto ao relatar sobre a
agricultura e pecuária, é trabalhado os termos “homens e mulheres” na
página 64. A segunda vez apenas no livro que essa expressão surge, mas
nas atividades não existe relação alguma com as mulheres.
Ao analisar o livro didático em todas as vezes que foi trabalhado sobre as
mulheres, são apenas pequenos parágrafos ao lado da página, um anexo ao
texto, mas não pertencendo ao conteúdo principal. Podemos pensar o caso
da Grécia Antiga, um pequeno parágrafo explicando sobre algumas peças
teatrais que as mulheres faziam, retratando reuniões na assembleia, o que
não era possível na época, mas essas peças podem ser vistas como
manifestações. Outro pequeno parágrafo sobre as mulheres é sobre o Islã,
apenas explicando o uso das burcas, mas sem relação com as atividades.
A primeira personagem representada no livro é Joana d’Arc, na página 177
o texto a apresenta “não apenas como uma pessoa do povo, mas uma
mulher” “vestida como um homem - um escândalo na época” “foi julgada e
condenada por bruxaria e heresia”, além de estar presente no texto, três
atividades são realizadas e é trabalhada a visão que a sociedade tinha na
época em relação às mulheres e contextualizando com a atualidade. A outra
mulher apresentada no texto, não teve o mesmo destaque que Joana d’Arc,
apenas um parágrafo sobre a rainha Nzinga africana, trabalhando com a
expansão marítima europeia. Nzinga é apresentada como uma curiosidade,
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aparecendo na frente das negociações em Luanda no século XVII. Tal
constatação nos leva a pensar em outra realidade, quando raramente a
história das mulheres é trabalhada isso ocorre por um viés branco, europeu.
As mulheres negras são ainda menos visíveis.
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É perceptível que o homem está sempre em posição de destaque, seja pelos
personagens históricos, pela forma de escrita, pela falta de atividades sobre
as mulheres. Dessa forma, esse livro não inclui de maneira concreta todos
os sujeitos históricos, e a formação social e política acaba sendo falha, pela
falta de representação para uma sociedade mais igualitária.
O outro livro analisado será a sequência do primeiro, “Ser Protagonista
História” do segundo ano do ensino médio, da mesma edição que o
primeiro. O livro do segundo ano, apresentou uma maior abordagem sobre
as mulheres, mas mesmo havendo esse pequeno avanço, ainda sim, em
muitos conteúdos faltou relevância e conteúdo observando esse aspecto. A
linguagem, continua sendo apenas masculina, e com o uso de imagens
aleatórias. A primeira referência a uma mulher acontece na página 10, com
a imagem de uma mulher nua representando o conteúdo “A conquista
europeia da América”, mas a mesma não apresenta explicações sobre a
escolha, o que aparenta ser apenas uma ilustração sem uso para os alunos
e alunas, assim perdendo o seu sentido.
O livro deveria fazer uma abordagem sobre as mulheres muito maior. Em
vários capítulos os conteúdos abordados trabalham com a sociedade, mas
as mulheres nela são esquecidas, como por exemplo nas civilizações maias,
astecas e incas, não foram trabalhadas, dando destaque apenas aos
homens e suas atividades. Com os povos indígenas a situação é a mesma. É
apresentado sobre a linguística, família, a história, mas não a participação
das mulheres.
O livro só vai apresentar debates que envolvam as mulheres na página 74,
unidade 2, capítulo 6. Há uma comparação entre as famílias patriarcais do
Nordeste açucareiro durante o século XVI e XVII, com a família brasileira
hoje. Assuntos relacionados à quantidade de membros em cada família e
sua formação.
“A quantidade de residência habitadas por pessoas morando sozinhas,
mulheres constituindo família sem conjugue e casais sem filhos tem
aumentado
consideravelmente
nas
últimas
décadas.
Diminuindo
proporcionalmente o número de famílias consideradas tradicionais”. (REIS,
et. al. 2013, p.74)
Também é abordado sobre as famílias homoafetivas, e junto com esse tema
são propostas atividades sobre as diferenças familiares do modelo colonial e
os dias atuais. A proposta é muito boa, e deveria estar presente nos demais
conteúdos, e não apenas em casos isolados. Trabalhar dessa forma, é
interessante não só para o conhecimento do (a) aluno (a), referente ao
conteúdo, mas possibilita desenvolver a consciência social, e evitar
problemas dentro e fora da escola, como a discriminação e o bulling escolar.
As mulheres voltam a aparecer, no capítulo 8, o tópico “livres e pobres”
possui um parágrafo que retrata a prostituição do período do ouro em Minas
Gerais e da “intercepção de piratas de ouro” pelas negras de tabuleiros.
“Esse grupo heterogêneo é chamado pela historiadora Laura de Mello e
Souza de “desclassificados do ouro”. (REIS, et. al. 2013, p. 91)
As negras de tabuleiro foram representadas por uma pintura e uma
explicação sobre a identidade das escravizadas africanas.
O primeiro nome de uma mulher no livro didático do segundo ano do ensino
médio, só aparece na página 112, Elizabeth I, na unidade 3 - O Antigo
Regime, capítulo 9 – “absolutismo e mercantilismo”. Já o primeiro nome de
um homem parece na página 33, Francisco Pizarro, no capítulo 3. “A
invasão na América”. É impossível que durante todo esse processo histórico,
as mulheres não estivessem fazendo nada. É claro que a participação delas
é indiscutível, mas onde estão no material didático? Porque é tão difícil
aparecer seus nomes, comparado com os homens? É difícil encontrar
conteúdos que as mulheres estão presentes, mas, é muito mais quando elas
estão em posições de destaque.
É apenas no capítulo 12, que será iniciado o estudo das mulheres na
História, o capítulo sobre a Revolução industrial, apresenta o texto
“mulheres no mundo do trabalho”, o debate é interessante, mas poderia
apresentar mais atividades já que o texto trabalha com a desigualdade no
mercado de trabalho, que ainda na nossa sociedade persiste. Assim
incentivar a reflexão e a consciência histórica, desse problema presente no
nosso cotidiano. É evidente que não há espaço para muita ampliação de
conteúdo no livro didático, e o/a docente precisa ampliar a reflexão durante
a aula, mas se o livro não apresentar elementos significativos para o
debate, muitos/as docentes que não se interessam pela temática não irão
abordá-la efetivamente. O texto apresenta o seguinte texto:
“Desempenhar funções masculinas vestindo roupas de homem foi
considerado uma ofensa. Houve movimentos para proibir o trabalho
feminino em locais como minas de carvão. Os homens aprovavam a
iniciativa, não porque concordavam tratar-se de uma ofensa moral as
mulheres, mas com medo do desemprego. A presença de operarias nas
fábricas representava uma ameaça ao emprego dos homens, que,
almejavam postos de trabalho e bons salários”. (REIS, et. al. 2013, p. 146)
A parte mais completa do livro, pensando pelo estudo das mulheres, está
presente na página 170 e 171, uma abordagem sobre História e Sociologia.
O título desse estudo é “Questões de Gênero”. São apresentados dois textos
sobre as condições sociais das mulheres em momentos distintos, um sobre
a participação feminina na Revolução francesa, junto com trechos do livro
de Itamar de Souza “A mulher na Revolução Francesa”. O texto reflete
sobre a condição social das mulheres nesse período e como foi a sua
participação na Revolução Francesa. O outro texto apresentado é sobre
Maria da Penha, com relatos da violência sofrida causada pelo seu ex-
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cônjuge e toda sua luta até a aprovação da Lei Maria da Penha em 2006,
que combate a violência doméstica.
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Além desses textos, há atividades relacionadas, desenvolvendo o debate
sobre as lutas que as mulheres já enfrentaram e ainda enfrentam,
conquistas e a violência. Esse conteúdo é muito importante e foi bem
apresentado com esses textos. Nos próximos capítulos do material didático
as mulheres não são mais trabalhadas. E apenas duas mulheres no livro
todo tem seu nome citado, Elizabeth I e Maria da Penha. São 17 capítulos
no livro Ser Protagonista História do segundo ano do ensino médio que não
trabalham sobre as mulheres.
O último livro a ser analisado é o da mesma coleção, do terceiro ano do
ensino médio. Esse, apresenta, as mesmas faltas que os outros, a
representação histórica feminina ainda é muito falha, com poucos textos e
em muitos conteúdos o tema mulheres passa em branco.
Na primeira unidade ao estudar sobre a Semana de Arte Moderna de São
Paulo e o Modernismo no Brasil, Tarsila do Amaral, aparece apenas como
referência de um quadro. Como uma das principais representantes do
movimento, ela deveria ser estudada com maior profundidade, e não
apenas de forma superficial como o livro apresenta. As poucas vezes que as
mulheres aparecem, não são trabalhadas de forma relevante como deveria
para uma maior aprendizagem, diferente dos personagens históricos que
estão em todos os textos, homens ricos e brancos.
No terceiro capítulo “A Primeira Guerra Mundial”, um conteúdo que poderia
abordar muito sobre as mulheres assumindo diferentes funções durante a
guerra, só é apresentado um cartaz envolvendo as mulheres, fora do
contexto, pois só existe a imagem, sem texto explicativo ou atividades
relacionadas. O conteúdo é voltado para a função dos homens na guerra, e
a mulher fica em segundo plano.
A única mulher que aparece nesse conteúdo e a primeira do livro, na página
46, é Mata Hari, a espiã. Contendo um texto sobre sua vida e morte. Esses
textos são bons e importantes para inserir as mulheres como personagens
históricas, é claro que devem estar mais presentes, e não apenas uma
curiosidade em alguns conteúdos, como se as mulheres não fizessem parte
da História e de vez em quando elas aparecem. Essas biografias são
necessárias para reforçar a participação política das mulheres, por isso a
necessidade de estarem mais presentes no ensino. Temos que sempre
tomar cuidado para não integrar nos conteúdos apenas curiosidades sobre
as mulheres, e sim as apresentar como sujeitos históricos, participativas
como um todo.
Na página 138 outra mulher está presente no livro, Evita Perón, na
descrição de uma foto apresentada como esposa do presidente. Na página
139 volta a ser citada ainda como esposa, apenas como a parte social do
governo. Toda a importância é dada para o presidente.
Em alguns poucos conteúdos o livro trabalha no final dos textos didáticos,
como “Ontem e Hoje”, uma analogia com a História e o tempo presente,
muito interessante para o aprendizado dos educandos e educandas, na
página 156 o texto aborda o trabalho feminino e as condições de trabalho.
Importante, pois, apesar do tempo, as mulheres ainda hoje enfrentam
muitas dificuldades no mercado de trabalho, desigualdades de salário e os
assédios que passam diariamente nas diversas situações. Além de muitas
que trabalham fora de casa, ainda acreditam ter a responsabilidade
sozinhas de cuidarem do lar. Além do texto, o livro propõe
atividades,
fazer entrevistas com familiares, sobre as mulheres e atividades
profissionais, a colaboração dos homens no ambiente doméstico, e o
respeito no ambiente de trabalho. Essas atividades são importantíssimas, e
essas relações de passado e presente, envolvendo o ambiente conhecido
dos alunos e alunas estimulam a leitura de mundo e deviam ser mais
exploradas ao longo do livro.
A terceira mulher apresentada no livro é a então presidenta Dilma, sobre a
sua trajetória política e seu programa de governo, na página 270.
Trabalhar com as relações de gênero, sobre as mulheres e suas
representações em livros didáticos, é uma forma de incluir e recontar a
história. Dessa forma, mais igualitária, retirando aos poucos o domínio dos
homens, pois sabemos que é muito difícil, em uma sociedade ainda
machista, inserir por completo, mas cabe a nós, professoras, alunas,
acadêmicas, sempre estar investigando e questionando a inserção das
mulheres e de todos os grupos que por séculos foram excluídos da história.
Mesmo percebendo que ainda falta muito para a inserção em todos os
conteúdos, é muito bom ver que mesmo aos poucos, o livro apresenta
textos para a reflexão sobre o assunto aqui tratado, esses textos podem ser
lidos por diferentes lentes, gerando uma consciência histórica social.
Pensado que em anos atrás, a falta das mulheres ainda era muito maior,
esses textos podem ser considerados um avanço, mas não por completo.
Estudar os diferentes grupos é perceber as relações de poder e interesses
do processo histórico, e quando sentimos falta de qualquer grupo na escrita
histórica, percebemos os interesses do processo educacional, ou a falta
dele. A falta de diversidade nos textos nos permite também refletir sobre as
diferenças e desigualdades sociais de quem escreve e consequentemente de
quem lê esses materiais, os alunos e alunas da escola pública.
Ao analisar os livros, temos que ter em mente, pois isso não fica claro em
seus textos e atividades, que quando falamos em um grupo, no caso em
questão as mulheres, é necessário a escrita não ser homogênea, pois,
dentro da perspectiva das mulheres, existe uma série de diversidades,
diferenças e desigualdade. E esse é um dos motivos para que elas se vejam
como sujeitos históricos, como agentes sociais. Os livros didáticos ainda
possuem várias interferências sociais e culturais, a invisibilidade ou
visibilidade de uma identidade de gênero, classe social, raça, etnia,
movimentos sociais, é o resultado desse fato, e a educação precisa e deve
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ser o meio pelo qual podemos problematizar e valorizar as relações de
diversidade.
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“Um professor de História, mais do que ensinar datas e fatos (que são
importantes, mas não devem constituir-se na razão única do ensino de
História na escola, é alguém que coloca o aluno em contato com os
processos de construção/reconstrução do passado, ou, em outras palavras,
abre um diálogo acerca do presente valendo-se das reinterpretações a que
é submetida a produção do conhecimento histórico”. (SEFFNER, 2000, p.
260)
Seguindo o pensamento de Seffner, o ensino de História deve possibilitar
que o (a) aluno (a) interrogue sobre a sua própria historicidade, inserindo a
sua estrutura familiar, a sociedade a qual pertence, ou seja, fazendo
preocupar-se com a construção de sua identidade social, e perceber os
discursos do meio que está inserido.
Referências
Ana Carolina Santos Prohmann é licenciada em história pela Unespar e pósgraduada em História, Arte e Cultura pela UEPG.
PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação Básica. Curitiba: Secretaria de
Estado da Educação, 2008.
PERROT, Michele. Escrever uma história das mulheres: relato de uma
experiência. Dossiê História das Mulheres no Ocidente. Cadernos Pagu. N.
4. Campinas: Núcleo de Estudos de Gênero/UNICAMP, 1995.
REIS, Anderson Roberti dos; et.al. Ser protagonista: História. 1ª Ed. São
Paulo: Edições SM, 2013.
REIS, Anderson Roberti dos; et.al. Ser protagonista: História. 2ª Ed. São
Paulo: Edições SM, 2013.
REIS, Anderson Roberti dos; et.al. Ser protagonista: História. 3ª Ed. São
Paulo: Edições SM, 2013.
SEFFNER, Fernando. Teoria, metodologia e ensino de História. In:
GUAZZELLI, César A. B. et al. Questões de teoria e metodologia da Historia.
Porto Alegre: Ed. Da Universidade, 2000, p. 257-288.
SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: Uma introdução às teorias
do currículo. 3ª Ed. Belo Horizonte: Aut
SAFO: O PAPEL SOCIAL FEMININO NA GRÉCIA ANTIGA
Ana Maria Lúcia do Nascimento
Cláudia Marcella Oliveira da Silva
O que a Antiguidade ainda pode nos fazer refletir? Qual a importância de
falar sobre mulheres que na antiguidade possuíam um papel de destaque?
Trabalhar História Antiga, e especificamente a mulher através deste prisma
revivendo personagens e lições que moldam as posições de poder é um
trabalho árduo, principalmente em sala de aula, onde ao indagar aos alunos
“Como viviam as mulheres na Grécia Antiga?” respondem, em sua maioria,
que viviam reclusas em suas casas, cozinhando, longe do público, apenas
no tear - máquina destinada ao fabrico de tecidos.
Vai além disso, entretanto, as ramificações do papel feminino na Grécia
Antiga não ficando apenas no lar suas ações efetivas. É essencial, em meio
a tantas discursões a respeito da posição da mulher na sociedade, que os
professores de História debatam com seus alunos que o ideal feminino na
Grécia não passava de um ideal e que existiram personagens marcantes
que comprovam isso. Dessa maneira, ao dirigirmos nossos olhares para o
passado buscamos trazer uma nova consciência histórica baseada em Safo
e toda a análise que sua figura provoca. Buscando também uma nova
narrativa histórica que mostre a figura feminina como agente no seu
cotidiano, afinal, não existiu nos textos da Antiguidade Clássica, indícios de
mulheres que leem? “Ou será esta “lacuna” apenas uma parte da história
que os homens se esqueceram de contar?” (PERROT, 1993)
É por isso que partimos desses questionamentos para entendermos qual a
intensidade das imposições sociais sobre essas mulheres, por isso supomos
que muitas mulheres fugiram do molde ideal. Sendo indispensável, ao final
da análise e da apresentação das respostas sobre nossos questionamentos,
observamos na figura de Safo uma fuga das regras. Além disso, faz-se
necessária uma análise mais pormenorizada acerca dessa sociedade em que
Safo habitou entre os séculos VII e V a.c., atentando as instituições sociais
e o que formava esse paradigma sáfico.
Oikos e o casamento
Na Grécia Antiga escravos, criança, velhos, prisioneiros e mulheres que não
fossem casadas com cidadãos, não tinham sua cidadania reconhecida. Isso
nos faz transitar por caminhos que revelam os pilares ausentes numa
sociedade que é considerada o berço da democracia ocidental, mas que
desconheceu aqueles que não se adequavam ao seu padrão de cidadania
(CABALLERO, 1999, p. 125).
Por isso, a história da vida privada vem para sanar essa disparidade entre
os polos que representam os elementos particulares da casa. Além disso,
tentará tapar as lacunas de uma historiografia que por muito tempo excluiu
as mulheres, subjugando-as muitas vezes ao âmbito privado. Dessa forma
“a palavra privado tinha o sentido, de ser privado de, daquele âmbito em
que o homem, submetido às necessidades da natureza, buscava a sua
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utilidade no sentido de meios de sobrevivência.” (FERRAZ JÚNIOR, 1993, p.
27). Por isso, analisaremos as condições peculiares ao âmbito privado que
tem como seu maior expoente a casa (oikos) e sua organização interna. Um
ambiente que possui pontos fundamentais para esse debate sobre a posição
feminina.
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Para Caballero (1999, p.126) nesse ambiente o homem desenvolvia o papel
hierárquico no controle dos escravos, dos filhos e da mulher. E por isso,
sem poder desvincular-se do âmbito familiar, e ascender ao público, a
mulher esteve limitada a casa. A casa é então, de acordo a análise deste
autor, um importante sustentáculo dessa hierarquizada constituição familiar
onde a mulher possuía um papel desigual.
Já para Ferraz Júnior (1993, p. 58), casa era a sede da família e as relações
familiares eram baseadas na diferença: relação de comando e de
obediência, onde surge a ideia do pai da família, do senhor de sua mulher,
seus filhos e seus escravos (FERRAZ JÚNIOR, 1993, p.27).
Os autores citados acima só salientam um discurso que foi por muitos
propagado. Muito embora esse ideal não fuja a realidade, alguns estudiosos
fazem relação ao espaço do oikos como um espaço em que a mulher
coordenava. Para Ragusa (2005, p. 58), ao falar sobre a condição social da
mulher grega, afirma que a casa foi o espaço onde a mulher regeu, afinal
cumpria a ela inspecionar os serviços domésticos, a confecção de roupas e
ornamentos e o manejo do tear.
Sem dúvida, é fundamental uma análise pormenorizada, onde essas duas
visões possam ser ponderadas em um mesmo percentual. Principalmente
quando esse assunto for tratado em sala de aula. Pois neste caso, muito
embora o papel doméstico da mulher fosse sem dúvida proeminente, ele
era baseado na liderança patriarcal e no controle dessa mulher. “Isso por
que os gregos consideravam a mulher, dentre outras coisas, um ser volúvel,
sem capacidade de controlar seus impulsos, vulnerável aos ataques do
desejo, da paixão.” (CARSON, 1990, P. 137)
Desta forma, mesmo que a gama dos discursos atuais acerca do papel
desempenhado pelas mulheres se fixem majoritariamente no lar e nas
tarefas ligadas a ele, isso não foi uma regra geral, era apenas um ideal
grego. É necessário que os professores possam discutir com seus alunos
que a liderança masculina foi algo que regeu o lar e o comportamento da
mulher mesmo em situações consideradas “para mulheres” – como o tear e
a cozinha. Entretanto, sendo esse um ideal, pode não ter sido uma situação
abraçada por todos, existindo por isso mulheres que fugiram desse molde.
Assim, em conjunto com o pensamento de que as mulheres não possuíam
poder no lar, em atividades consideradas femininas, existe a concepção
referente a esfera religiosa e a participação de mulheres nos postos de
sacerdócio e na liderança de cerimônias.
O ambiente sagrado é um pilar fundamental para entendermos a
participação feminina dentro da instituição sacerdotal e, posteriormente,
nas manifestações públicas na sociedade. A mulher então era subalterna,
assim como no oikos, na vida religiosa, mas possuidora de uma “liberdade”
a partir da benção que o pai ou marido concedia. Por isso, elas participavam
dos cultos, nessa sociedade grega, apenas por intervenção de seu pai e
futuramente, por intervenção de seu marido. É daqui que resultam, ainda,
outras consequências muito alarmantes, no direito privado e na constituição
da família que seguia uma ordem social. Afinal, a religião criava para cada
grupo familiar um patrimônio exclusivo que, assim como o lar, o patriarca
deveria reger tendo como objetivo a ascensão econômica e social
(COULANGES,1998, p.34). Em contrapartida:
“As mulheres cidadãs figuravam especialmente em cultos religiosos ligados
a Deméter e a Coré (Perséfones) deusas cuja benevolência protegia as
colheitas de grãos da cidade. O mais destacado desses rituais, as
Tesmoforias, era um festival exclusivamente feminino celebrado em toda a
Grécia, tanto em cidades-estados quanto em níveis locais, aberto apenas às
esposas dos cidadãos.” (KATZ, 2009, P. 169)
Devido a esses dados, a religião torna-se como uma ponte de debate para
uma abordagem sobre a participação feminina em ações, nesse caso os
cultos, que eram feitos fora de casa. Convém citar que foi através da
religião que houve a legitimação de outra instituição que moldou o
comportamento da mulher na antiguidade - o casamento.
O matrimônio surge como uma aliança fundamental para a vida masculina,
no que concerne a questão da escalada ao posto de cidadão, e na vida
feminina, por que ele era a ferramenta que agirá como forma de controlar o
eros, que é tão trabalhado nos poemas de Homero com a personagem
Helena e todas as ramificações dos problemas decorridos da sua falta de
controle ocasionando a guerra. Por isso, a partir do casamento a mulher
sofre um tipo de “nova vida” onde se torna propriedade do marido.
“Através do casamento o pai deixa de ser “senhor e juiz” de sua filha e
passa ao genro essa responsabilidade, daquele que vai exercer o pater
familias sobre sua mulher. Pelas regras nupciais, ela sempre é dada de um
homem para outro homem, acompanhada de alguns bens materiais para
compensar o prejuízo que traz. Pela religião primitiva, todos os atos que
simbolizam o casamento legítimo, apontam para o fato de que esta troca de
lugar por parte da mulher se realiza efetivamente sem o consentimento
dela.” (CABALLERO, 1999, p. 127)
Nesse quesito não temos a mulher como autónoma na negociação
matrimonial. O casamento é em si uma transação, feita pelo homem para
outro homem. Mas essas instituições (casa, religião e casamento), mesmo
que populares na historiografia e na visão de vários alunos, não
representavam a supremacia dominante no modo de vida das mulheres. Era
apenas um ideal.
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“Um Ideal que destinava os homens à esfera pública e as mulheres ao
mundo privado. Porém, quando se examina mais de perto alguns detalhes
das práticas sociais e culturais dos antigos gregos, a realidade parece muito
diferente” (KATZ, 2009, P. 165).
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Ainda que esse fosse o imaginário, uma vida marcada pelo casamento e a
submissão a família, a religião, servindo a casa, sem contato com a
educação, existiram outras perspectivas que precisam ser citadas para que
haja a compreensão do aspecto que proponho nessa discussão. Por isso,
seguiremos o debate enfatizando o processo educacional que algumas
mulheres passaram, tendo como exemplo a poetisa Safo de Lesbos.
A educação feminina e Safo
Joana A. Portela, faz uma análise de vasos áticos, que nos traz como
resultado um destaque acerca das fontes iconográficas que representam
mulheres a ler rolos de papiro, o que ela sugere ser uma representação de
leitura. Em um dos vasos (Figs. 1 e 2), a poetisa foi representada sentada
em uma cadeira, em suas mãos estava um rolo e ela estava lendo diante de
três mulheres, uma dessas mulheres segura uma coroa sobre sua cabeça e
outra levanta uma lira. Essas imagens que retratam Safo de Lesbos,
mostram a mesma lendo um papiro e se olharmos atentamente
perceberemos que ele possui letras. O que Portela traz como uma
possibilidade da existência de mulheres que tinham contado com a
educação e com a leitura.
Muito embora deva existir sempre um alerta acerca da educação feminina,
levando em consideração que os níveis de literacia na sociedade grega
como um todo deveriam, com uma pequena exceção dos aristocratas, ser
bem baixos (ROCHA PEREIRA, 2006, p. 19-20), não se pode negligenciar
também que os estudos do papel feminino foi subjugado por muito tempo
pelo homem e pela historiografia, principalmente no quesito educação e
leitura dessas mulheres. A iconografia, todavia, nos mostra representações
que serviram de base para entendermos o passado e proponho que nós,
como profissionais de História, ensinemos os alunos acerca dessa
personagem importantíssima, que foi Safo de Lesbos.
Safo, nas biografias, é retratada sempre com os mesmos traços. Nasceu na
ilha de Lesbos, viveu no final do século VII e no começo do século VI a.C.
Era de família aristocrática, foi exilada vivendo por algum tempo na Sicília.
Fato referido por todos é que sua casa, dedicada às musas, era frequentada
por mulheres que desejavam aprender música e poesia. Graças a esse fato
e ao sentimento ardente de amor na sua poesia – muitos de seus textos
foram dedicados a mulheres (NUNES, 2012, p. 3). Essa poetisa serve
perfeitamente como exemplo para demonstrar que a invisibilidade e a
ausência de mulheres no panorama intelectual foi apenas o inevitável
resultado de uma exclusão que as colocavam em um papel de inferioridade,
em uma condição de silêncio (PORTELA, 2012, 132).
O tamanho intelecto da poetisa traz uma tese bem difundida de que Safo
era como uma espécie de mestra rodeada das suas discípulas, baseando-se
exclusivamente nas palavras da própria poetisa, extraído do frg. 150 LP,
que denomina o seu lar de “casa das servidoras das Musas”, onde educaria
as moças nobres de Lesbos e da Jónia. (PORTELA, 2012, 134) Toda essa
inteligência criativa é explicada também pelo contexto geográfico. Safo vem
de uma ilha que é geograficamente influenciada por “especulações
filosóficas”, sendo provável por isso ser uma das pessoas inspiradas pelo
mundo oriental, como comprovou Ragusa ao analisar alguns poemas de sua
autoria que trazem traços orientais.
“as cidades da costa ocidental da Ásia menor e das ilhas, em contato com o
mundo oriental, eram, se não as mais ricas, ao menos as mais brilhantes.
Foi nesses locais que se desenvolveram as primeiras especulações
filosóficas, lá que foram elaborados os diferentes gêneros poéticos. E não é
surpreendente lá encontrar espíritos esclarecidos não apenas entre os
homens, mas mesmo em certas mulheres, como a muita famosa Safo,
originária de Mitilene, na ilha de Lesbos, e poeta de grande renome.”
(MOSSÉ, 1991, p. 42)
Partindo desse ponto levantado por Mossé, sobre as influências que a
população da ilha acabou sofrendo, juntamente com a liberdade que as
mulheres pareciam desfrutar tanto em Lesbos como em Esparta, no quesito
sistema educacional, ao menos para as jovens aristocráticas, percebemos
um pequeno espaço de preparação educacional feminina destinada,
provavelmente, para o casamento (BURN, 1960, p. 98-99). O grande
expoente que é fundamental para o estudo dessa face feminina que foge os
paradigmas propostos pela sociedade grega é, justamente, Safo de Lesbos.
A lírica eólica de Safo é pura expressão do sentimento, inspirada na vida
circundante e direcionada a um determinado círculo de pessoas. (NUNES,
2012, p.5) O que restou desses escritos são poucos fragmentos que
mostram sentimentos romântico, principalmente em canções amorosas e
nupciais. É comum nos seus versos a descrição de uma profunda devoção a
deusa Afrodite. É comum em seus escritos versos que retratam com
realismo experiencias íntimas:
“Basta-me ver-te e ficam mudos os meus lábios, ata-se a minha língua, um
fogo sutil corre sob a minha pele, tudo escurece ante o meu olhar, zunemme os ouvidos, escorre por mim o suor, acometem-me tremores e fico mais
pálida que a palha; dir-se-ia que estou morta.” (ALVIM, 1992)
Safo, carrega em sua escrita sentimento profundo aos versos. Ademais, sua
lírica traz outras informações: ela é carregada de erotismo e dirige-se com
frequência a mulheres, o que muitos estudiosos usam para comprovar a
existência de “praticas homossexuais” entre mulheres em seu tempo.
(DOVER, 1989, p. 172) Por isso, safo representa, no universo grego, uma
quebra do padrão comportamental feminino conhecido, sobretudo, a partir
do modelo ateniense (FOLEY, 1992, P. 140).
A posição de safo, como intelectual e escritora, deve ser pincelada com a
afirmação de que sua família possuía uma alta posição social que
possibilitou essa sua participação na lírica grega. Isso por que as mulheres
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eram marginalizadas e esquecidas e, nesse caso especial, safo é um
expoente significativo por conta de sua intelectualidade. (RAGUSA, 2005, p.
63). Soma-se a isso suas características que fogem ao molde da “mulher
ideal” descrito por muitos historiadores. Além disto, de acordo com Ragusa,
sobre a educação tradicional de jovens, “nada se sabe até a era helenística
(323-31 a.C.), quando surgem evidências de que as moças nobres se
reuniam em escolas a fim de aprender a ler e escrever e de estudar poesia.”
(2005, p. 65)
Por fim, a antiguidade, quando questionada sobre a omissão do papel
feminino, contribui para a reformulação do que foi a participação feminina
na sociedade grega. Ponderando acerca da historiografia atual e de como
ela representa essas mulheres, podemos levar para a sala de aula a
desmistificação do ideal feminino, usando sempre esse contraste entre as
análises já existentes. Além disso, falar sobre as ações da poetisa Safo em
sala de aula contribuirá para preencher essa lacuna na historiografia, e
acima disso, para salientar que o ideal grego propagado por muitos
historiadores precisa ser questionado pelo fato de não representar uma
totalidade generalizada. Ademais, vale salientar a importância da educação,
afinal, foi através dela que Safo é conhecida hoje.
Referências
Ana Maria Lúcia do Nascimento é graduanda em História pela Universidade
de Pernambuco, participante do grupo de pesquisa Leitorado Antigo,
orientado pelo professor José Maria Gomes da Silva Neto. O presente
trabalho
é
uma
pesquisa
inicial
independente.
E-mail:
anamarialuciadonascimento@gmail.com.
Cláudia Marcella Oliveira da Silva é graduanda em História pela
Universidade de Pernambuco, participante do Laboratório de Estudo História
das Religiões, orientado pelo professor Carlos André Moura. E-mail:
claudia.marcella.tjf@gmail.com
CABALLERO, C. A Gênese da Exclusão: O Lugar da Mulher na Grécia Antiga,
n.38, 1999. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15515
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica,
decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1993.
CARSON, A. “Putting her in her place: woman, dirt, and desire”, in D. M.
Halperin et al. (eds.), Before sexuality: the construction of erotic experiense
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FUSTEL DE COULANGES. A cidade Antiga. Trad. Fernando de Aguiar. São
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kATZ, M. A. “As mulheres, as crianças e os homens.” In. CARTLEDGE, Paul.
(org.) História ilustrada Grécia Antiga, São Paulo, Ediouro, 2009, p. 164213.
POMEROY, S.B. Women in Hellenistic Egyt, New York, 1984, p. 59-82.
ROCHA PEREIRA, M. H. Estudos de História da Cultura Clássica 1 – Cultura
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NUNES, Zilmar Gesser. As Mulheres de Lesbos nas Mãos de Catulo, n.06,
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MOSSÉ, C. La femme dans la Gréce antique. Paris: Éditions Complexe,
1991.
BURN, A. R. The lyric age of Greece. Londres: Edward Arnold, 1960.
DOVER, K. J. Greek homosexuality. Cambridge: Harvard University Press,
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FOLEY, H. P. “The conception of womem in Athenian drama”, in H. P. Foley
(ed.), Reflections of womem in Antiquity. Filadélfia: Gordon and Breach,
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PINHEIRO, Joaquim. A mulher e a educação na Grécia Antiga. In: Mulheres:
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PORTELA, Joana A., Os rolos das mulheres na Antiguidade Clássica:
adereços de cultura ou livros de leitura?. Ágora. Estudos Clássicos em
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http://www2.dlc.ua.pt/classicos/7.%20JPortela.pdf
DUBY, Georges; PERROT Michelle, “Escrever a história das mulheres”:
História das Mulheres no Ocidente, Vol. I: A Antiguidade, Porto 1993.
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AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA PERSPECTIVA DE VIDA: RELATOS DE
UMA EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA
Ana Paula Bührer Gonçalves
Vanessa Cristina Chucailo
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Entendemos que o estudo de gênero é uma categoria de análise
interdisciplinar que busca compreender as relações entre feminino,
masculino e transgeneridade nas culturas e sociedades humanas. Baseado
nessas relações sociais, culturais e de poder entre os sujeitos, mulheres e
homens estabelecem funções sociais e perspectivas de vida diferentes.
Pensando nisso propomos no presente relato uma discussão sobre questões
referentes às impressões sobre identidades de gênero, na tentativa de
compreender as diferentes expectativas da sociedade em relação à homens
e mulheres, além das possibilidades de romper com alguns estereótipos de
gênero, a partir de uma oficina realizada em outubro de 2018, por ocasião
do IV Encontro de Gênero, Feminismos e Políticas Públicas, na cidade de
União da Vitória, Paraná.
Ressaltamos que não existe um modelo correto ou definitivo para os
sujeitos levando em conta as constantes transformações humanas em seus
desejos, projetos, funções práticas do cotidiano e as formas como se
compreendem e como compreendem as outras pessoas.
Homens e mulheres são educados em função de suas naturezas distintas,
conduzidas pelas mais diversas motivações que fazem parte ou não de
papéis predefinidos a partir de seus sexos biológicos. Os argumentos que se
utilizam das características biológicas distintas entre os corpos para
justificar determinada função ou papel de cada pessoa na sociedade acaba
por ter um caráter quase determinante nas relações sociais, além de servir
muitas vezes para explicar ou justificar a desigualdade social entre os
gêneros (Louro, 2003).
É fundamental contrapor essas argumentações
características biológicas e sexuais para determinar as
uma vez que entendemos que a forma como essas
representadas ou apreendidas enquanto pertencentes
corpo são historicamente e socialmente construídas.
que utilizam as
relações humanas,
características são
a um determinado
Propor essa oficina foi uma experiência fundamental para identificar
elementos que possibilitam a reflexão e estimulam o debate sobre as
construções sociais e culturais de gênero, especialmente no que se refere
ao contexto das masculinidades e feminilidades possíveis, questionando as
diferenças e reafirmando a relevância do tema que está longe de ser um
assunto esgotado.
Proposta e desenvolvimento das atividades
A proposta da oficina foi promover a reflexão e levantar debates sobre as
diferentes expectativas sobre pessoas do sexo feminino e do sexo
masculino, reconhecendo assim as distintas manifestações dos gêneros
presentes na sociedade, bem como identificar possíveis estereótipos de
gênero que tendem a acentuar as desigualdades entre homens e mulheres.
A ideia dessa oficina foi uma adaptação de algumas atividades propostas no
livro ‘Coolkit – Jogos para a Não-Violência e Igualdade de Género’ (Rojão et
al, 2011).
A oficina foi proposta por ocasião do IV Encontro de Gênero, Feminismos e
Políticas Públicas, que ocorreu na cidade de União da Vitória, Paraná, entre
os dias 01 e 03 de outubro de 2018. A atividade ocorreu na tarde do dia 03
de outubro de 2018, em uma das salas da Universidade Estadual do Paraná,
campus de União da Vitória, com um grupo de aproximadamente trinta
estudantes, em sua maioria mulheres.
As atividades foram conduzidas da seguinte maneira: inicialmente dividimos
os participantes em cinco grupos, de quatro a seis pessoas, e entregamos
para cada grupo uma cartolina, cola e canetas coloridas. Cada grupo
também recebeu duas palavras/tema sorteadas, entre elas: Amizade,
Relações Íntimas, Família, Escola e Sociedade.
Convidamos então para que eles discutissem entre o grupo sobre aquilo que
a sociedade espera dos homens e das mulheres dentro daquela
determinada palavra/tema que receberam. Quando chegassem a um
consenso, que montassem um cartaz com as principais conclusões do grupo
sobre o assunto.
Foi uma atividade bastante livre e desafiadora para os grupos, pois
deixamos em aberto as discussões sobre questões de gênero. A ideia da
oficina foi justamente partir das possíveis concepções da turma sobre o
tema para promover o debate.
Depois que os cartazes estavam prontos, cada grupo era convidado para
apresentar para os demais participantes o resultado final. Então o debate
era aberto para a turma, pensando em algumas questões que conduziram a
discussão, tais como: Quais as diferenças identificadas entre as
expectativas relacionadas aos homens e as relacionadas às mulheres? O
que gostariam que fosse diferente nessas relações? Como é possível mudar
esses aspectos? Essa primeira atividade teve duração de aproximadamente
uma hora e meia.
A segunda atividade buscou promover a reflexão sobre como alguns
estereótipos de gênero que tendem a acentuar as desigualdades entre
homens e mulheres, e até mesmo a violência de gênero. Objetivou também
descontruir alguns estereótipos presentes em falas, frases cotidianas,
provérbios, etc.
Mantivemos a turma dividida nos mesmos grupos da atividade anterior, e
sorteamos para cada grupo três ou quatro frases sexistas, provérbios, ditos
populares, ou qualquer outra fala que pudesse suscitar a reflexão e a
discussão. Sugerimos as seguintes frases: 1) Em briga de marido e mulher,
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não se mete a colher. 2) Mulher ao volante, perigo constante. 3) Homens
são o sexo forte. Mulheres são o sexo frágil. 4) Homem não chora. 5)
Amarre suas cabritas, que meu bode está solto. 6) Um tapinha não dói. 7)
Azul é para meninos, rosa para meninas. 8) Lugar de mulher é na cozinha.
9) Uma mulher só se torna completa quando tem filho. 10) Mulher que diz
não só está fazendo charme. 11) Toda mulher gosta de um cafajeste. 12)
Mulher que vai para a cama no primeiro encontro não serve para casar. 13)
Futebol é esporte para homens. 14) Não tem problema a mulher trabalhar
fora, desde que não atrapalhe nas tarefas domésticas. 15) Nem todas as
mulheres se realizam no fogão. Muitas só encontram a felicidade no tanque.
16) Mulher é como pernilongo, só sossega com um tapa. 17) Isso é coisa de
mulherzinha.
A partir dessas frases cada grupo deveria refletir sobre como elas afetam o
indivíduo no que corresponde aos estereótipos de gênero, desigualdades ou
violências. Após um período de discussão nos grupos, caso discordassem da
frase, propomos o desafio de desconstruir e/ou reformular a ideia, ou então
que justificassem a posição favorável a ela.
Essa segunda atividade teve duração de aproximadamente trinta minutos.
Para finalizar, propomos uma dinâmica em que os participantes avaliaram
as atividades realizadas, o impacto dos debates levantados, o aprendizado
que pudemos compartilhar etc.
Em uma cartolina desenhamos uma mala de viagem, e fixamos no quadro
para que todos pudessem ver. Dessa vez a atividade foi individual, e cada
participante recebeu alguns post-it.
Pedimos que cada um refletisse sobre as atividades daquela tarde como um
todo, e escrevesse no post-it aquilo que consideraram a “bagagem” mais
importante que estavam levando para si a partir da oficina. Deixamos em
aberto para que a “bagagem” fosse relacionada aos conteúdos,
relacionamentos, ideias, sentimentos, posicionamentos, etc. Cada
participante então colou o/os post-it dentro do desenho da mala, finalizando
assim a oficina de forma bem descontraída.
Vejamos no tópico a seguir alguns resultados dos debates e dos materiais
produzido durante a oficina.
Resultados
“Ninguém nasce mulher, torna-se mulher” (Beauvoir, 1980, p. 9). Assim
como dito por Simone de Beauvoir notamos que socialmente as diferenças
entre os sexos são estabelecidas de uma maneira aparentemente natural,
inerentes de homens e mulheres, mas acabamos percebendo que essas
diferenças são na verdade construções sociais enraizadas e manipuladas,
para que assim, uns se sobreponham aos demais. Quando Simone de
Beauvoir diz que nos tornamos mulheres fala justamente dessa
naturalização
de
atividades
e
comportamentos
que
não
são,
necessariamente, natos. O mesmo vale para as construções acerca dos
homens.
Com isso, debatermos gênero nos espaços escolares e acadêmicos geram
uma compreensão das construções sociais e como afetam a vida dos
sujeitos. Sendo assim analisamos, a partir daqui os trabalhos e debates
gerados durante as oficinas.
Com a análise dos cartazes notamos os estereótipos de gênero em todos
grupos sociais. Começando pelo tópico amizade, os grupos concluíram que
não existe amizade sincera entre homens e mulheres e que se existir
sofrerão preconceito e julgamento. Outro ponto abordado é a ideia de que
se as mulheres possuírem amizade com vários homens, ela será
“vagabunda”, enquanto que os homens se possuírem amizade com várias
mulheres serão “garanhões”, pois a concepção de manter a amizade entre
os gêneros opostos é justamente uma futura relação romântica e/ou sexual.
Sabemos que a vida sexual da mulher durante toda a vida social torna-se
muito mais regrada e controlada, mesmo que mulheres busquem relações
sexuais momentâneas, elas são malvistas pela sociedade, o oposto das
relações acometidas aos homens, que são incentivados a possuírem
inúmeros relacionamentos, sejam eles momentâneos ou não.
Entrando no próximo tópico que seriam as relações íntimas, notamos que
essa questão da sexualidade aparece novamente. Quando uma mulher está
em um relacionamento afetivo estável ela será cobrada para ser mãe e se
não, será responsabilizada totalmente aos cuidados com preservativos;
quanto que aos homens, não é exigido nem a paternidade e nem o cuidado
com os contraceptivos. Quando falamos de maternidade retornamos na
romantização e naturalização. “Mulher só se completa quando tem filho pois
assim tem mais sentido para lutar” é o que diz um dos post-it deixado na
“bagagem” no final das oficinas. A ideia de mulheres não serem completas
sem a construção de um casamento e da maternidade é estrutural e
marcada por inúmeras regras de controle do corpo e da sexualidade
feminina.
Para Lucila Scavone (2001) a maternidade explicaria a dominação de um
sexo sobre o outro, já que a maternidade “determinava a ausência das
mulheres nos espações públicos, confinando-as ao espaço privado e à
dominação masculina” (p.139). Dessa forma, compreendemos porque esse
espaço é tão feminino e é retirada toda a responsabilidade dos homens,
para que assim exista um controle das ações femininas nos espaços
públicos, e quando a saída do lar acontece, ela continua sobrecarregada
com várias atividades, dentro e fora do lar. Vale ressaltar que um dos
contraceptivos mais usados é a camisinha, sendo que a mais vendida é a
camisinha masculina e não a feminina, mesmo assim, os cuidados com
contraceptivos e preservativos acaba recaindo quase sempre para as
mulheres.
Outro tema importante citado nas relações íntimas são as exigências da
sociedade com a boa aparência feminina, sendo ela responsável por
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manter-se sempre bela para o parceiro romântico. Nessa questão podemos
entrar em inúmeros exemplos como: depilação, magreza, cabelos (longos
ou curtos, cacheados ou lisos, sempre dependendo do gosto dos homens e
não da própria mulher), vestimentas e comportamento. Notamos com isso
que as mulheres sofrem com a insatisfação com sua própria aparência na
busca por um padrão imposto socialmente e reproduzido no privado.
Ao trabalharmos com a ideia de gênero e suas construções sociais,
permanências e reproduções, notamos que esses padrões estão enraizados
em nossa sociedade, pois mesmo na tentativa de desatar, distanciar ou
mudar essas construções, percebemos que retornamos no mesmo ponto
anterior. Podemos analisar esse enraizamento quando debatemos sobre
família. Um dos grupos, na tentativa de sair dos padrões retornou ao
mesmo de maneira desproposital. O grupo, assim como os demais,
escreveu os padrões e as visões opostas entre homens e mulheres na
família, como: mulheres são frágeis, inferiores, regradas e sofrem com a
dupla jornada de trabalho, enquanto os homens são livres e não possuem
obrigações domésticas, tidos como os chefes da família. Ao tentarem
escapar deste discurso, escreveram sobre como os gêneros deveriam em
suas concepções, ser, porém observamos dois pontos com mais atenção,
sendo eles: mulheres são multifuncionais e homens são pai de família.
Quando pensamos em mulheres multifuncionais encontramos uma
justificativa para a dupla jornada de trabalho, pois as mulheres são
supostamente capazes de realizar diversas atividades ao mesmo tempo,
sendo assim, não teriam problemas em trabalhar, cuidar da casa e filhos. Já
o pai de família é uma maneira de substituir o chefe de família, pois na
prática tanto o pai quando o chefe, são, em muitos casos, responsáveis
apenas pela estabilidade financeira e controle de todos os sujeitos inseridos
na família.
Já no âmbito escolar notamos que as meninas são, de acordo com os
grupos, mais exigidas e tender a ser mais caprichosas e organizadas,
enquanto que os meninos são mais desleixados e livres. Quando os meninos
que possuem uma letra bonita, são caprichosos ou organizados a ideia
inicial é de que ele tem traços mais femininos. Outro detalhe exposto em
um cartaz é a distinção entre os esportes praticados por meninos e
meninas: na maioria das escolas, as meninas são incentivadas ao vôlei ou à
dança, enquanto que os meninos são incentivados ao futebol e basquete.
Devemos lembrar que isso não precisa necessariamente estar relacionado
as práticas esportivas, as oficinas citadas tinham como participantes alunas
e alunos do curso de pedagogia. As brincadeiras que ofertadas na educação
infantil, muitas vezes já se inicia distinguindo funções e papéis sociais para
as crianças. Meninas brincam de boneca e vestem rosa, meninos brincam
com carrinho, bola e vestem azul. Acaba-se muitas vezes por incentivar a
agressividade e a liberdade para os homens, já que esportes como futebol e
basquete demandam mais contato do que vôlei e dança, e o
comportamento de zelo e cuidado para as mulheres já que brincar de
boneca remete aos aspectos mais domésticos e familiares, muito mais do
que brincar de carrinho, por exemplo.
Assim como somos influenciados pela nossa sociedade, nós também a
moldamos de acordo com as necessidades e as vigências daqueles que
possuem mais espaço e visibilidade, sendo assim, muito do que já foi citado
nos pequenos núcleos vemos expostos no item sociedade, como os padrões
de beleza, o controle, a força e a proteção masculina. Mas algo chama a
atenção quando notamos que nos cartazes são afirmados que mulheres
sente medo e que precisam provar que são capazes. Do que mulheres
sentem medo? Da não aceitação social por não se encaixarem em um
padrão, com o caminho de volta para casa, dos homens, da violência, da
invisibilidade e do silenciamento. Quando dito que mulheres precisam
provar que são capazes, a afirmação nos faz lembrar de alguns discursos
machistas que enfatizam que uma mulher só alcança um bom emprego por
serem bonitas, por terem algum tipo de relacionamento sexual ou afetivo
com seus chefes e assim por diante. Mas como dito anteriormente, os
estereótipos, o machismo e o patriarcado são enraizados na nossa
sociedade e quando começamos a debater sobre os provérbios as
discussões se acentuaram quando o assunto foi “em briga de marido e
mulher não se mete a colher”. Três post-it foram deixados com as seguintes
frases “sobre brigas: acho que não tem o que intrometer em brigas, só se
houver agressão”, “em briga de marido e mulher, dependendo do caso acho
que não deve se meter a colher” e “não me oponho em briga dos outros”.
Quando educamos meninas para a submissão e homens para o domínio e
controle temos dois opostos, o primeiro que se submete à violência e o
outro que aplica. Mas, qual é a agressão que está sendo citada? Apenas a
física? Sabemos que a Lei Maria da Penha ampara cinco formas de
violências: patrimonial, física, sexual, moral e psicológica. Não podemos nos
silenciar diante de uma ação violenta, mascarada como discussão.
Discussões nas relações acontecem, mas quando o vizinho ouve não é mais
uma discussão.
Considerações Finais
O que podemos concluir é que os padrões, os estereótipos, os papéis
sociais, a naturalização da maternidade e da violência são enraizadas de tal
modo que mesmo quando tentamos nos descontruir retornamos as mesmas
falas. Sendo assim a desconstrução é constante e demanda tempo.
Quando debatemos gênero, seja na academia ou na escola proporcionamos
uma nova forma de percepção da cultura, da política e da sociedade e
percebemos que tudo o que somos e fazemos é político.
Na “bagagem” citada algumas vezes ao longo do texto, algumas pessoas
enfatizaram a importância da aprendizagem para romper esse sistema.
Notamos também que a perspectiva de pessoas regradas e controladas
geram modelos de submissão e controle, quando meninas brincam de ser
mãe, naturalizamos a maternidade e esperamos dela o anseio pela
gestação. Quando meninos brincam na rua, de carrinho, ou futebol,
naturalizamos a liberdade e retiramos dele a responsabilidade perante seus
atos.
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Nós como sociedade geramos perspectivas de vida que são violentas e
controladoras de forma imperceptível que acabam se mesclando com algo
seria natural e inerente à humanidade. Homens comandam e mulheres se
silenciam perante as agressões. Não podemos mais naturalizar e
compactuar com essas formas de se relacionar em sociedade, e por isso o
debate é tão importante.
Referências
Ana Paula Bührer Gonçalves é licenciada em História pela Unespar e bolsista
pelo projeto “Integrar: ressocialização, formação e capacitação de jovens
em situação de risco e sob medidas socioeducativas”.
Vanessa Cristina Chucailo é doutoranda em História Social pela Unirio e
bolsista CAPES.
BEAUVOIR, S. O Segundo Sexo, v.I, II. Tradução Sérgio Milliet. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pósestruturalista. 6º ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
ROJÃO, G. et. al. Coolkit – Jogos para a Não-Violência e Igualdade de
Género. Covilhã, Portugal: Coolabora, 2011.
SCAVONE, Lucila. A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências
sociais. Cad. Pagu, Campinas, n. 16, p. 137-150, 2001.
ENSINO DE HISTÓRIA E MULHERES NEGRAS: UMA PERSPECTIVA
INTERSECCIONAL SOBRE AS PERCEPÇÕES DE ESTUDANTES DE UMA
ESCOLA PÚBLICA
Andreia Costa Souza
O presente texto objetiva expor as considerações iniciais de uma pesquisa
que trata das vivências e identidades de estudantes negras quanto às
manifestações articuladas do racismo e do sexismo, através de reflexões
inseridas no Ensino de História. Buscando partir da perspectiva da
interseccionalidade entre questões de raça e gênero, o foco das análises
estará nas desigualdades vividas pelas mulheres negras nos dias atuais.
Kimberlé Crenshaw (2002, 2012), propõe a interseccionalidade como uma
perspectiva analítica, que através da integração dos diversos eixos ou
marcadores da diferença – sexo/gênero, raça, etnicidade, classe, orientação
sexual, idade, etc. – seria uma ferramenta eficiente não apenas para
identificar os sistemas de opressão, mas também para compreender como
estes articulam-se e reproduzem-se nas interações sociais.
A pesquisa vem sendo realizada entre alunos/as de uma turma de oitavo
ano da Escola pública municipal Maria Aparecida Rosa, localizada no
município de Conceição do Araguaia (PA). Através de reflexões sobre a
equidade racial e de gênero e o protagonismo de personagens
historicamente silenciadas pela produção historiográfica e ensino de história
tradicionais, os/as estudantes serão instigados a desenvolver relatos e
visões críticas sobre os temas abordados. Pretende-se que os participantes
da pesquisa desenvolvam o entendimento de que estas mesmas
desigualdades foram construídas historicamente, através de narrativas
excludentes e eurocêntricas replicadas através do Ensino de História.
Os princípios teóricos e metodológicos da pesquisa têm como propósito dar
visibilidade e espaço para as narrativas dos/as estudantes negros/as,
através da pesquisa-ação, e de modo particular, através da técnica de
grupos focais, considerar as falas das meninas negras da turma. No
decorrer das oficinas, os/as discentes serão incentivados/as a elaborar uma
percepção crítica das raízes históricas e políticas do racismo e do sexismo,
suas formas de manutenção e reinvenção nas relações de poder. Diante dos
preconceitos, das ideias intolerantes e violentas materializadas nos eventos
da atualidade, o intuito é promover conscientização e novas posturas
através do Ensino de História.
As ações pedagógicas propostas serão pensadas com o intuito de “inverter”
os mecanismos que fundamentam a abordagem tradicional do ensino de
história, que ainda hoje apresenta heranças das narrativas eurocêntricas,
centradas na figura do homem branco e colonizador. Diante deste quadro
hegemônico ainda presente nos currículos, livros didáticos e narrativas
sacralizadas do ensino de história, a perspectiva teórica adotada nesta
pesquisa, assim como as estratégias pedagógicas e metodológicas serão
direcionadas em busca das possibilidades de valorização da identidade
negra feminina.
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De tal maneira, é possível definir alguns dos problemas de pesquisa que se
buscará investigar e responder: como criar estratégias e caminhos que
permitam subverter e diversificar os lugares de fala e a perspectiva
tradicional do ensino de história? Como atuam as desigualdades múltiplas
de gênero e raça nas vivências das mulheres negras? Como promover o
reconhecimento das mulheres no Ensino de História, particularmente das
mulheres negras, historicamente apagadas e silenciadas pelas narrativas
eurocêntricas?
A coleção de livro didático adotada há quatro anos pelos/as professores/as
e gestão escolar, aborda a temática racial de modo peculiar no volume do
oitavo ano do Ensino Fundamental, através do primeiro capítulo do livro,
intitulado Africanos no Brasil: dominação e resistência. Contudo, as
discussões se mostram insuficientes diante da complexidade das
manifestações do racismo que estrutura as relações cotidianas, o que gera
situações de conflito recorrentes. Os recursos didáticos disponíveis ainda
apresentam os personagens negros e femininos de modo pontual e
figurativo, as formações destinadas aos docentes não abordam tais
temáticas, vistas por alguns como menos relevantes ou “polêmicas” demais
para o ambiente escolar.
Através de uma pesquisa prévia com a turma escolhida para a aplicação do
projeto, observei algumas peculiaridades. Em um total de 31 alunos/as, 20
meninos e 11 meninas, elas narraram mais situações de discriminação
racial no questionário aplicado. Do total de meninas (11), 3 autodeclaramse “pardas”, 6 autodeclaram-se “pretas” e apenas 2 autodeclaram-se
“brancas”. Do total de meninos (20), 12 autodeclaram-se “pardos”, 6
autodeclaram-se “pretos” e apenas 2 autodeclaram-se “brancos”.
Quando questionados/as sobre o papel da escola no “combate ao racismo”,
boa parte manifestou a opinião de que os “racistas devem ir pra secretaria e
serem expulsos” da escola. Em uma das respostas, uma observação
interessante de uma das meninas da turma: “conversas com os alunos e
ficar de olho porque o racismo acontece em todo lugar”. Contudo, percebi
que para a maioria deles/as, o racismo se manifesta necessariamente com
atitudes e falas agressivas, que envolvam xingamentos e apelidos
ofensivos. Alguns/as, que se autodeclaram pardos/as ou pretos/as afirmam
nunca terem vivenciado uma situação de discriminação racial.
Contudo, tanto nas conversas em sala quanto nos questionários, os relatos
das meninas apresentaram mais detalhes, indignação e tristeza diante de
situações de discriminação racial já vividas. Uma aluna relatou que: “um dia
eu ia passando na rua e uns garoto começaram me tacar bola de papel e
dizer que eu não devia tá na terra porque eu era um urubu, sai da frente
carvão. E eu chorei muito”. Em outro questionário: “já fizeram piadas da
minha cor eles me chamavam de nega do cabelo duro, de neguinha eu
chorava e chegava em casa triste e minha mãe falava (...) vc tem que ter
orgulho da sua cor vc é linda minha princesa...”.
A pesquisa prévia feita na turma possibilitou uma visão mais ampla dos
problemas a serem levantados, uma noção de como racismo e sexismo
estão implícita, ou explicitamente, presentes nos relatos de alunos e alunas,
e como estes temas poderão ser abordados e problematizados através do
Ensino de História.
A filósofa Sueli Carneiro (2011, p.17) aponta que, além do mito da
democracia racial, que “se presta historicamente a ocultar as desigualdades
raciais”, diferentes formas de interpretação da questão racial também são
utilizadas na negação do racismo. De acordo com a filósofa, “existem
ainda visões que consideram a questão racial como reminiscência da
escravidão, fadada ao desaparecimento, tanto mais se distancie no tempo
daquela experiência histórica, ou como subproduto de contradições sociais
maiores” (CARNEIRO, 2011, p.16). No momento político em que nos
encontramos, essas visões tem ganhado adeptos em diferentes espaços.
O lócus da pesquisa será a ser realizada com uma turma de oitavo ano do
Ensino Fundamental da Escola Municipal Maria Aparecida Rosa, situada no
município de Conceição do Araguaia (PA). A cidade está situada na região
Sul do Estado do Pará e faz divisa com o Estado do Tocantins, marcada pela
imigração de goianos, tocantinenses e nordestinos. Dentre as escolas
municipais, a Escola Maria Aparecida Rosa é a maior, com mais de 800
alunos/as matriculados/as no ano de 2018.
Os procedimentos básicos da metodologia e as técnicas para a produção de
dados, tomados de acordo com Barbier (2007) e Gatti (2005), serão:
observação participante no campo de pesquisa (escola e sala de aula),
através da pesquisa-ação; aplicação de questionário com perguntas abertas
em torno da temática racial; gravação de entrevistas em grupos focais,
direcionados pela pesquisadora com roteiro de perguntas focadas na
temática racial; proposição de atividades educativas que gerem relatos
escritos e debates.
Interseccionalidade e feminismo negro
Na pesquisa bibliográfica, observa-se que alguns dos principais trabalhos
que apropriam-se do conceito de interseccionalidade ou do uso das
categorias raça e gênero pensadas simultaneamente, não referiam-se no
Ensino de História ou mesmo no campo historiográfico. São produções
recentes das mais diversas áreas do conhecimento, o que atribui ao
conceito de interseccionalidade uma abordagem diversificada e
interdisciplinar. Contudo, foi observada uma lacuna bibliográfica relativa ao
enfoque proposto por esta pesquisa: o Ensino de História e as intersecções
entre as identidades raciais e de gênero.
A jurista afro-estadunidense Kimberlé Crenshaw propôs o conceito de
interseccionalidade em fins da década de 80, mas a partir da produção de
um documento que integra o Dossiê da III Conferência Mundial contra o
Racismo (Durban, 2001), o conceito popularizou-se no meio acadêmico, o
que também tem levado a sua distorção e esvaziamento (AKOTIRENE,
2018).
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A reflexão de Crenshaw (2012) parte de sua preocupação com as leis antidiscriminação e com políticas públicas voltadas à solução das discriminações
de gênero e raça. Ao perceber o modo como os movimentos feminista,
hegemonicamente branco, e o movimento negro, hegemonicamente
masculino, invisibilizava as mulheres negras, a jurista afro-estadunidense,
assim como feministas negras brasileiras, desde fins da década de 70,
alertam para a necessidade de atenção às duplas ou triplas discriminações.
Crenshaw (2012, p. 9-10) explica a questão ao confrontar uma perspectiva
hegemônica recorrente:
“A visão tradicional afirma: a discriminação de gênero diz respeito às
mulheres e a racial diz respeito à raça e à etnicidade. Assim como a
discriminação de classe diz respeito apenas a pessoas pobres. Há também
outras categorias de discriminação: em função de uma deficiência, da
idade, etc. A interseccionalidade sugere que, na verdade, nem sempre
lidamos com grupos distintos de pessoas e sim com grupos sobrepostos”.
Com esta compreensão da perspectiva interseccional como uma lente
analítica e sensível atenta ao cruzamento de estruturas de dominação e
opressão, a pesquisa foi pensada e conduzida teórica e metodologicamente
pela busca de um olhar interseccional capaz de melhor decodificar as
construções identitárias das estudantes entrevistadas, assim como
considerar as contribuições desta abordagem para a formação proposta. O
cruzamento das categorias gênero e raça foram, inicialmente, as bases para
a formulação dos questionários de pesquisa e das observações. A partir da
produção dos dados no decorrer da formação, assim como no diálogo com
as entrevistadas – como era imaginado – e na própria sala de aula, outros
eixos de diferenciação surgiram.
Ao refletir sobre o proposto nas
legislações vigentes sobre o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e
Africana, sobre os trabalhos já produzidos no âmbito do Ensino de História,
considero que há uma lacuna que demanda complexificar as abordagens.
Crenshaw (2012, p. 15) sugere que “precisamos reconfigurar nossas
práticas que contribuem para a invisibilidade interseccional”. Aponta que é
preciso pensar medidas e métodos que desestabilize “a tendência de
pensarmos sobre raça e gênero como problemas mutuamente exclusivos.
Precisamos adotar uma abordagem de baixo para cima na nossa coleta de
informações. Parar de pensar em termos de categorias, em termos de
gênero e raça, de cima para baixo” (CRENSHAW, 2012, p. 16).
São inúmeros os desafios para se construir essa “abordagem de baixo para
cima” em uma pesquisa no campo do Ensino de História. As narrativas
escolares e historiográficas tradicionais que insistem em perdurar e se
renovar nos materiais didáticos e no imaginário escolar, a quantidade de
estudantes em uma só turma, o vício aprendido com o colonizador em
universalizar/generalizar e não particularizar sujeitos, em “separar por
caixinhas” o pensamento como se esse caminho fosse sempre a garantia da
aprendizagem, de uma didática aprimorada. Tudo isso em um contexto de
crescente desconfiança e vigilância sobre as/os professoras/es,
particularmente os de História. Muitos destes fizeram parte da trajetória da
formação proposta na pesquisa, tanto dos/as estudantes como da minha
própria formação como professora-pesquisadora.
No artigo Gênero, currículo e pedagogia decolonial: anotações para
pensarmos as mulheres no ensino de História, Larissa Costard (2017,
p.159) propõe repensar o currículo, tido como narrativa que simboliza
determinada concepção histórica, além de “questionar que histórias e que
mulheres estão presentes na construção do saber histórico escolar, e
especialmente que aportes podemos mobilizar para pensar currículos que
rompam com uma história única das mulheres”.
Em seu artigo, Atualidade do Conceito de Interseccionalidade para a
pesquisa e prática feminista no Brasil, apresentado no Congresso
Internacional Fazendo Gênero 10, Rodrigues (2013) traça um paralelo das
concepções teóricas entre os movimentos de mulheres negras no contexto
saxão e no Brasil. Aponta que, em nosso país, o conceito de
interseccionalidade havia sido pouco discutido pela militância e academia.
Rodrigues (2013, p. 2) aponta que tanto o movimento feminista e o
movimento negro brasileiros, “acabaram produzindo formas de opressão
internas, na medida em que silenciaram diante de formas de opressão que
articulassem racismo e sexismo (...)”.
No artigo citado acima, Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro,
Edna Roland, Luiza Bairros, Jurema Werneck, são algumas das mulheres
negras lembradas como referências teóricas para o feminismo negro,
permitindo que a cena política pensasse a condição das mulheres atrelada
ao pertencimento racial, o que foi relevante nas primeiras iniciativas
organizadas de combate às discriminações e apagamento impostos às
mulheres negras historicamente.
De acordo com a filósofa Djamila Ribeiro (2015), em artigo publicado na
página do Instituto da Mulher Negra – Geledés, A perspectiva do feminismo
negro sobre violências históricas e simbólicas, o conceito da
interseccionalidade “vem sendo desenvolvido por mulheres negras ativistas
há mais de um século e recebeu maior atenção quando a crítica e teórica
estadunidense Kimberlé Crenshaw o utilizou como centro de uma tese,
em 1989, para analisar como raça, gênero e classe se interseccionam e
geram diferentes formas de opressão”.
O levantamento bibliográfico desta pesquisa permitiu identificar uma lacuna
no campo do Ensino de História, visto que raros estudos abordam,
concomitantemente, as categorias de raça e gênero inseridas no Ensino de
História, suas intersecções na expressão das identidades e relações sociais.
Considerações finais
O objeto de estudo da pesquisa encontra-se inserido em um cenário
marcado por “esquecimentos” e apagamentos produzidos pela historiografia
brasileira – centrada até poucas décadas atrás na perspectiva eurocêntrica
e colonial. De tal forma, é preciso atentar-se ao modo como o Ensino de
História tem tratado, ou mesmo silenciado, as múltiplas formas de
discriminação racial e de gênero, assim como repensado as matrizes
epistemológicas que constituíram a disciplina.
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O ensino de história, assim como a produção do conhecimento histórico,
nas últimas décadas tem passado por uma profunda revisão, marcada pela
disputa política e ideológica entre diversos campos do saber e atores
sociais. Os métodos, o currículo, a representação da diversidade
reivindicada pelos movimentos sociais tem definido temáticas e problemas
constantemente revisitados. Um dos desafios seria proporcionar uma
aprendizagem “considerada pelos jovens como significativa em termos
pessoais, de modo a lhes proporcionar uma compreensão mais profunda da
vida humana” (SCHMIDT et. al, 2011, p. 11).
As reivindicações históricas do movimento negro caminham neste sentido,
visando a concretização de um aprendizado significativo para a população
afrodescendente do Brasil, que promova representação e consciência racial.
A Lei n° 10.639/03, de 9 de janeiro de 2003, que complementa a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (n° 9.394/96) instituiu no currículo
oficial da Rede Pública de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira”.
No contexto escolar, observa-se um tratamento superficial dado às
temáticas raciais, ao próprio debate sobre o racismo ou sobre a condição da
mulher, especialmente a mulher negra. De tal forma, reflexões sobre a
atuação da ideologia racial descrita acima se apresenta como uma das
finalidades deste estudo, além de endossar a “extrema, inegável e absoluta
importância que a educação contemple no currículo, nos projetos, nos
rituais e no material escolar a diversidade da qual é composta a sociedade
brasileira, e que o faça de maneira crítica” (PEREIRA, 2010, p. 14).
Contudo, a “aplicação” das demandas raciais, tanto na esfera estatal quanto
na dos movimentos sociais, tem colocado educadores/as, militantes e
acadêmicos diante de um debate mais profundo, que envolve a
possibilidade de construção de novos caminhos epistemológicos, da
validação e do reconhecimento de saberes não-sacralizados. De acordo com
Oliveira & Candau (2010, p.37), é preciso levantar questões capazes de
operar mudanças de paradigmas:
“Outro aspecto que pôde ser evidenciado é o fato de pôr em discussão, nos
sistemas de ensino e no espaço acadêmico, a questão do racismo
epistêmico, ou seja, a operação teórica que privilegiou a afirmação dos
conhecimentos produzidos pelo ocidente como os únicos legítimos e com
capacidade de acesso à universalidade e à verdade”.
É possível à uma nova proposta teórico-metodológica, evidenciar e expor o
racismo como componente estrutural da sociedade brasileira, presente nas
relações e práticas sociais, no imaginário, na linguagem, na subjetividade
dos/as personagens históricos marcados pelas heranças violentas do
período colonial.
As mulheres e meninas negras, ao encabeçar o topo dos indicadores de
desigualdade de gênero, vulneráveis a formas de agressão simbólica e
física, encontram-se numa evidente condição de desumanização e
subalternidade. Cabe indagar como essas violências tem sido pautadas no
ensino de história, desconstruídas ou mantidas, desnaturalizadas ou
naturalizadas. A história ensinada tem abordado ou silenciado as mulheres
negras?
Este “ponto de partida” adotado busca não perder de vista a abordagem da
temática de forma não estanque à atualidade do país e à materialidade das
experiências vividas pelas adolescentes/alunas negras cotidianamente.
Acredita-se, que esta pesquisa poderá proporcionar contribuições e
subsídios consistentes à efetivação do proposto na lei 10.639/03, assim
como nas demais legislações sobre educação etnicorracial.
O cenário apresentado, em um contexto de violência, ódio e desrespeito aos
direitos das mulheres e meninas negras em nosso país, o objeto desta
pesquisa fundamenta-se, primordialmente, na tentativa de desestabilizar
práticas arraigadas que promovem o apagamento de sujeitos e injustiças
sociais. Entende-se que o papel do ensino de história encontra-se, também,
nesta tarefa de desconstrução.
A despeito dos avanços democráticos observados nas últimas décadas,
inseridos no processo de redemocratização e na Constituição de 1988, da
atuação dos movimentos negros e feministas, da legislação educacional
vigente, observa-se uma conjuntura no país que reifica a violência racista e
coloca as mulheres negras nos topo dos índices de desigualdade social.
Diante do que foi exposto em termos de relevância, viabilidade e
pertinência da pesquisa, entende-se que novas abordagens no Ensino de
História, capazes de contribuir para uma educação antirracista e
antissexista, serão construídas na medida em que a voz das mulheres e
meninas negras sejam tomadas como ponto de partida para a elaboração
de uma nova perspectiva pedagógica, mais inclusiva e igualitária.
Referências
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Profissional em Ensino de
História da Universidade Federal do Tocantins (ProfHistória-UFT), Campus
Araguaína. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de
Financiamento 001. Endereço eletrônico: andreiacostasouza@gmail.com
Orientador: Prof. Drº Dernival Venâncio Ramos Junior.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei no 10.639. Brasília: 09 de
janeiro de 2003.
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BARBIER, R. A pesquisa-ação. Trad. Lucie Didio. Brasília: Liber Livro, 2007.
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(Orgs). Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Ed. UFPR, 2011.
“PELO QUE NÃO ME SURPREENDE QUE TANTAS BRUXAS SEJAM
DESSE SEXO”: DESCONSTRUINDO A FIGURA DA BRUXA EM SALA DE
AULA
Anna Luiza Pereira
A atuação da Santa Inquisição na história é uma temática polêmica, que
envolve diferentes perspectivas de pesquisa. Neste breve texto, pretendese refletir sobre a figura da bruxa ligada ao feminino, pensando as relações
de gênero no medievo e início da Idade Moderna. Em sala de aula, o
assunto pode ser problematizado com o uso e análise de fontes, buscando a
desconstrução de estereótipos ligados a bruxa, enriquecendo a
aprendizagem histórica.
As bruxas e os bruxos são personagens temidos há séculos, principalmente
entre as crianças que ainda ouvem contos assustadores sobre essas figuras
canibais, homicidas e horrendas; basta lembrar, por exemplo, da história de
João e Maria. Nesse conto, as crianças precisam se livrar da inimiga que
tem como objetivo final devorar os dois irmãos, mas que acaba sendo
derrotada por eles ao morrer queimada em um forno.
Em meio ao mundo contemporâneo, há também referências que
desconstroem a essência de crueldade dessas mulheres e homens ligados a
prática mágica, como a famosa trama fílmica de Harry Potter, conhecida
entre os adolescentes e cuja qual tem como protagonista o bom jovem
bruxo. Entretanto, é inegável que a maioria dos exemplos de bruxaria que
ouvimos desde a infância, é significativamente maior de mulheres, e que
são principalmente ligados à maldade.
Com isso, essa temática provoca a atenção dos estudantes, incitando-os a
trazer consigo diversos saberes prévios sobre a figura da bruxa, através de
filmes, séries, músicas, livros, jogos, entre outros, que apresentam
personagens distintas. Esse tipo de conhecimento é muito importante para
aproximar os estudantes da aula e para fazer uma reflexão sobre como as
representações da figura mudam de acordo com o interesse e acompanham
a mudança do imaginário através da história.
“Paulo Freire, desde seus primeiros escritos dos anos 70, já considerava
como ponto fundamental no processo de alfabetização de adultos o
conhecimento que o sujeito cognoscitivo possui, a “leitura de mundo”
imersa no pensamento de cada um. Cabe ao professor, na perspectiva
freiriana, reconhecer e estabelecer um diálogo com esse conhecimento,
porque os alunos estão sempre em um processo de aprender mais e não
são absolutamente sujeitos acomodados; ademais, adverte-nos o grande
educador, o conhecimento não é um dado imobilizado apenas transferido de
um especialista para outra pessoa que ainda não o possui.” [BITTENCOURT,
2009, p.190]
Para explorar esse saber prévio, é interessante pedir aos estudantes que
desenhem em uma folha uma representação da ideia de bruxaria. Pode-se
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notar, na maioria das vezes, diferentes desenhos mesclando os mesmos
elementos: uma mulher idosa com um longo chapéu, vestimentas pretas,
com uma verruga no nariz, voando em uma vassoura, solitária ou com seu
fiel companheiro (o gato preto), o caldeirão em alguma parte do cenário e
geralmente fazendo algo perverso, que tornam uma “bruxa reconhecível”
por qualquer um, mesmo uma criança.
Após uma breve comparação dos desenhos feitos pelos alunos, pode-se
anotar no quadro as principais características definidas para se pensar como
esse modelo estereotipado foi pensado e popularizado, articulando
diferentes contextos históricos e imaginários, principalmente buscando
refletir porque a bruxaria foi tão ligada ao feminino.
Para problematizar a temática, é preciso remontar séculos atrás. A crença
em práticas mágicas permeia a vida humana desde a Antiguidade. E, como
afirma Laura de Mello e Souza [1987, p.11 -12], deste período em diante já
é possível ligar a feitiçaria às mulheres. Exemplos como Hécate, Diana,
Dama Habonda, entre outras tantas entidades, são famosos. Do louvor à
perseguição, a feitiçaria foi considerada crime apenas a partir da baixa
Idade Média, “onde a magia pagã se atrelou a práticas demonológicas,
surgindo o Príncipe das Trevas como a divindade máxima a ser cultuada”.
[MELLO E SOUZA, 1987, p.12]. Desde então, a Igreja não mais negaria sua
existência, e seguiria seu rastro para poder puni-la, na qual a maioria das
acusadas eram mulheres.
“Mal magnífico, prazer funesto, venenosa e enganadora, a mulher foi
acusada pelo outro sexo de ter introduzido na terra o pecado, a desgraça e
a morte. Pandora grega ou Eva judaica, ela cometeu a falta original ao abrir
a urna que continha todos os males ou ao comer o fruto proibido. O homem
procurou um responsável para o sofrimento, para o malogro, para o
desaparecimento dado paraíso terrestre, e encontrou a mulher”.
[DELUMEAU, 2009, p. 468]
O fim da Idade Média e o início da Idade Moderna foi acompanhado por
diferentes crises, como aponta Jacques Le Goff (2007), abalando a
segurança e as estruturas: houve problemas na agricultura e no sistema
feudal, ascendeu a monarquia, estouraram guerras, a peste negra, a
violência, a fome se disseminaram, houve o Grande Cisma, surgiram
revoltas camponesas e urbanas, entre muitos outros eventos.
Com tantas provações ocorrendo, foi sustentada a crença na cólera divina e
na ação demoníaca de novos inimigos, como feiticeiras, judeus,
protestantes (Reforma Protestante), entre outros.
Assim, com vários agentes maléficos à solta, haviam ainda outros temores
que assolavam a população, como a temida crença na vinda do Anticristo, o
Apocalipse, o horror religioso ao pecado, entre outros, como afirma
Delumeau [1989, p.61]. Dessa forma, havia um crescente medo das
feiticeiras que, compactuadas com o demônio, poderiam causar grandes
males, espalhando o medo e a morte na comunidade. Com essa situação, “o
medo do Diabo gerou o medo das feiticeiras. O medo de ambos gerou a
perseguição e o extermínio do inimigo visível: as bruxas”. [MACEDO, 2002,
p.54]
“A obra que orquestraria essa perseguição das bruxas foi o Malleus
Maleficarum, isto é, O Martelo das Feiticeiras, de dois dominicanos do vale
do Reno e Alsácia, Jacó Sprenger e Henrique Istitoris. A obra apareceu
reimpressa em 1486. Os dois autores situam o combate contra as feiticeiras
numa visão dramática e apaixonada de sua época. Eles as vêem tomadas
de desordens de todo tipo, em particular de desordens sexuais, e em posse
de um diabo desacorrentado. O martelo das bruxas é um produto e um
instrumento do que Jean Delumeau chamou de “cristianismo do medo”. No
interior dessa nova intolerância, a crença aterrorizada numa alucinante
prática de bruxarias, o Sabat, introduziu uma nota tão mais espetacular
porque inspirava facilmente a iconografia. Uma Europa da perseguição às
bruxas, uma Europa do Sabat tinha nascido.” [LE GOFF, 2007, p.235]
Segundo a historiadora Laura de Mello e Souza [1987, p.13], “foram os
caçadores de bruxas que lhes desenharam o perfil aterrorizador,
estereotipado nas denúncias e no corpo de processos laicos e eclesiásticos,
nos manuais de inquisidores, nos tratados demonológicos”. A Inquisição
medieval, embora já punisse os considerados heréticos, expande sua caça
na Idade Moderna com extrema violência, principalmente em busca
daqueles ligados à bruxaria.
Outro ponto importante sobre a época em questão, era a mistura cotidiana
entre o sagrado e o profano que assolava a população, mesmo membros
das igrejas. Eram comuns por parte das pessoas as simpatias, crença em
poderes mágicos, fantasmas, e em divindades além da fé cristã.
Como afirma Francisco Bethencourt (2004, p.69), em seu livro “O
imaginário da Magia: feiticeiras, adivinhos e curandeiros em Portugal no
século XVI”: “esses procedimentos nem sempre se desligavam da ortodoxia
católica, verificando-se algumas práticas “supersticiosas” que aproveitavam
elementos do sagrado cristão para efetuar seus ritos considerados ilegítimos
pela hierarquia da Igreja”. Esses ritos aos que autor se refere possuem
diferentes finalidades, da cura à morte. Na época ainda, a regularização da
medicina enquanto profissão rivalizava com as pessoas responsáveis pela
cura nas comunidades através de produtos naturais, entre outros.
Nesse sentido, com a magia sendo algo tão próximo, suspeitava-se mesmo
dos vizinhos quando algo de ruim acontecia na região. A morte de crianças,
tempestades, pestes, entre outros, poderiam ser fenômenos atribuídos a
“bruxaria”, causada pelos mais diferentes motivos. Assim, a inquisição era
atuante nesses casos e precisava se fazer necessária. A seguir, um trecho
encontrado no manual dos inquisidores Malleus Maleficarum (1476).
“Algum tempo atrás, uma cidade vinha sendo quase que totalmente
despovoada pela morte de seus cidadãos; e corria um rumor entre os
moradores: uma certa mulher, que fora queimada, vinha comendo
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gradualmente o manto com o qual fora queimada, e a peste não cessaria
enquanto ela não comesse todo o manto e o absorvesse em seu estômago.
Reuniu-se o conselho. O potestade e o governador da cidade decidiram
abrir o túmulo. E verificaram que a bruxa morta engolia o manto, o qual,
passando pela boca e pela garganta, descia até o estômago, onde era
absorvido. Diante do quadro pavoroso, o potestade sacou de sua espada e
decapitou o cadáver, retirando a cabeça do túmulo. Pois que de imediato a
peste foi debelada. Os males provocados por aquela mulher, por permissão
divina, haviam se abatido sobre os inocentes do lugar em virtude da
dissimulação do que antes se sucedia. Pois por ocasião da Inquisição
descobriu-se que há muito tempo a mulher já vinha praticando bruxaria.”
[KRAMER, SPRENGER, 2009, p.185)
O que chama a atenção se tratando do período em questão, é número
significativo de mulheres acusadas nos processos bruxaria, que segundo
Peter Burke (1989, p. 189), era reforçado pelas tradições populares
misóginas no qual frequentemente as mulheres eram retratadas como vilãs
ardilosas. O livro Malleus Maleficarum, é repleto de passagens nas quais as
mulheres são hostilizadas.
“E, com efeito, assim como, em virtude da deficiência original em sua
inteligência, são mais propensas a abjurarem a fé, por causa da falha
secundária em seus afetos e paixões desordenados também almejam,
fomentam e infligem vinganças várias, seja por bruxaria, seja por outros
meios. Pelo que não surpreende que tantas bruxas sejam desse sexo.”
[KRAMER, SPRENGER, 2009, p.126]
Em outro trecho,
“[...] possuidoras da língua traiçoeira, não se abstêm de contar às suas
amigas tudo o que aprendem através das artes do mal; e por serem fracas,
encontram modo fácil e secreto de se justificarem através da bruxaria. Ver
a passagem do Eclesiástico, já mencionada: “É melhor viver com um leão
ou um dragão que morar com uma mulher maldosa”. “Toda a malícia é
leve, comparada com a malícia de uma mulher”. E podemos aí editar que
agem em conformidade com o fato de serem muitíssimo impressionáveis”.
[KRAMER, SPRENGER, 2009, p.123]
Caso não fosse considerada virtuosa aos moldes religiosos, acreditava-se
que “a mulher, inspiradora do desejo, é por excelência agente do mal,
causa do desespero, da morte e da danação eterna” [MACEDO, 2002, p.69].
Sendo os homens apontados como vítimas da perfídia feminina muitas
vezes.
“Boa parte do arsenal antifeminino dos teólogos e moralistas baseava-se na
regra segundo a qual as mulheres levavam o homem à danação. Eram
consideradas perigosas, frágeis, astuciosas, encrenqueiras, inconstantes,
infiéis, e fúteis; sensuais, representavam obstáculo à retidão.” [MACEDO,
2002, p.68].
Em uma sociedade patriarcal, várias mulheres acusadas por crime de
bruxaria, muitas vezes não se submetiam ao comportamento esperado,
como é o caso daquelas que escapavam da tutela masculina, seja de algum
membro da família ou mesmo do marido. Haviam vários estereótipos que
cercavam a “bruxa”, como a velhice, tantas vezes representada na
iconografia do período até os dias de hoje. A velhice juntada a outras
características poderia agravar consideravelmente a situação da mulher
acusada.
“Essa figura estereotipada da bruxa já se encontrava definida no início da
Época Moderna. Mulheres sozinhas, solteironas ou viúvas constituíam a
maioria das acusadas nos processos que se desenrolaram na Europa de
então. Se fossem feias e velhas, a suspeita ficava ainda mais forte. Essa
tendência em desprezar e condenar mulheres decrépitas constitui, segundo
Delumeau, a vertente negativa do apreço renascentista pelas carnes duras
das belas ninfas e das Vênus nuas. Não são poucas as representações
pictóricas do período que retratam mulheres velhas desdentadas,
descabeladas, de seios caídos e coxas flácidas voando em direção ao sabbat
ou assessorando algum demônio nos suplícios infernais”. [MELLO E SOUZA,
1987, p.15]
É importante saber que a discussão historiográfica em torno da caça às
bruxas é bastante vasta e variada, sendo fundamental apresentar diferentes
perspectivas aos estudantes, principalmente porque muitas vezes o tema é
entendido de maneira anacrônica. Assim, em relação aos estereótipos da
bruxaria da idade moderna, no qual o feminino e o mau são frequentemente
representados juntos, é interessante ressaltar que as fontes provêm, na
maioria, da ótica masculina, que não era nem um pouco neutra.
Entretanto, para agregar a aprendizagem histórica, a análise de fontes é
muito importante para que os alunos sejam produtores de conhecimento.
Pode-se usar por exemplo, trechos da obra Malleus Maleficarum para refletir
sobre o medo historicamente construído em torno do feminino, buscando
captar as intenções da fonte. Pode-se perguntar aos alunos questões
relativas ao contexto histórico, e outras como: “a quem se refere a
passagem e quais são suas características? Por que e para quem se
escreveu?”, com o objetivo de desenvolver a capacidade de análise e
interpretação. Da mesma forma, deve-se juntamente com uma
historiografia escolhida, mostrar diferentes posições ocupadas pelas
mulheres e seus diferentes papéis, buscando afastar os estereótipos.
Em relação à bruxa, como medo historicamente construído, pode-se
analisar suas características percebendo como se articulam com o
imaginário da época, problematizando a figura da mesma ao longo do
tempo. É significativo discutir as relações de gênero na época em questão,
com foco nas mulheres que se encontravam à margem do modelo
tradicional vigente e como isto impactava nas denúncias por bruxaria no
contexto em questão.
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Em tempos em que se discute muito a respeito das lutas feministas em
busca de justiça social, é muito importante problematizar a construção de
papeis sociais em sala, espaço de pluralidade de ideias e de diferentes
realidades.
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Finalmente, nesse brevíssimo texto, buscou-se refletir sobre como o
imaginário do contexto era hostil as mulheres em certos aspectos,
colocando-as como vulneráveis principalmente diante da ideia de pecado
em uma sociedade patriarcal, sendo fundamental desconstruir vários dos
estereótipos ligados ao feminino. Para isso, e não somente a respeito das
mulheres, entende-se que a principal forma de alcançar este objetivo é por
meio da educação, como um espaço de debate, produção de conhecimento
e transformação da realidade.
Referências
Anna Luiza Pereira é acadêmica do curso de História da Universidade
Estadual do Paraná – UNESPAR.
BETHENCOURT, Francisco. O imaginário da Magia: feiticeiras, adivinhos e
curandeiros em Portugal no século XVI. São Paulo: Companhia das Letras,
2004.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e
métodos. São Paulo: Cortez, 2009.
BURKE, Peter. A cultura popular na Idade Moderna: Europa, 1500 – 1800.
São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.
_____________. Nascimento e Afirmação da Reforma. São Paulo: Pioneira,
1989.
KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. Malleus Maleficarum. O martelo das
feiticeiras. Rio de Janeiro: Bestbolso, 2015.
LE GOFF, Jacques. Outono da Idade Média ou primavera de tempos novos?
In: As raízes medievais da Europa. Rio de Janeiro: Vozes, 2007, p.220 –
274.
MACEDO, José Rivair. A mulher na Idade Média. São Paulo: Contexto, 2002.
MELLO E SOUZA, Laura de. A feitiçaria na Europa Moderna. São Paulo:
Ática, 1987.
EM DEFESA DA EDUCAÇÃO DA MULHER NO BRASIL IMPÉRIO:
ELEMENTOS DE UM DEBATE NA ASSEMBLEIA PROVINCIAL DE
PERNAMBUCO
Aruanã Antonio dos Passos
Carolina Rodrigues da Silva
De maneira recorrente a Escola do Recife é definida como o ethos pioneiro
de recepção e circulação das ideias evolucionistas no Brasil (Cf: SKIDMORE,
2012; ALONSO, 2002; RABELLO, 1967; SCHWARCZ, 1993). Definida como
um movimento intelectual com sede na Faculdade de Direito do Recife, foi
um dos centros de contestação do status quo do Império e de recepção das
ideias estrangeiras, especialmente europeias no fim do século XIX. Seu
“pai” fundador ou mestre referenciado frequentemente é o filósofo e jurista
sergipano Tobias Barreto (1839-1889). Pretendemos, neste breve trabalho,
apresentar o debate sobre a educação feminina, o qual Tobias participou
quando da sua atuação como deputado da província de Pernambuco a partir
de 1879.
Inicialmente destacamos nesse contexto de recepção de ideias estrangeiras
a profusão de citações de ideias e obras dos expoentes das variadas
vertentes evolucionistas, do lamarckismo ao darwinismo social, se dá, no
interior do movimento e de modo geral, em grande medida pelas
possibilidades que essas ideias forneceram de diferenciação desses
intelectuais num campo cada vez mais dominado pela doutrina positivista.
O próprio Romero realça a interpretação que se consolidará, a posteriori do
pioneirismo do nordeste, na propagação dos ideários da evolução. Nas suas
palavras: “Mas eis que no Rio de Janeiro só de 1874 em diante é que pela
primeira vez os nomes de Darwin e Comte foram conscientemente
pronunciados em público em conferências e escritos, quando em
Pernambuco eram de vulgar notícia entre os moços de talento desde
1869”(ROMERO, 1980, p. 1189). Assim, no Recife se organizava
um front de combate ao positivismo, no qual: “Martins Júnior, Clóvis
Bevilaqua e Clodoaldo Freitas fundam o jornal Idéia Nova em 1880”
(CARELLI,1994, p. 152), com o intuito de rebater a doutrina de Comte.
Sílvio Romero conjecturou um lenitivo de diversidade racial e cultural como
chave explicativa para os desdobramentos sociais que a nação sofreria.
Esse raciocínio se fundamentava na origem de nossa constituição social, já
que desde o nascimento o país foi forjado pela convivência entre raças
distintas.
Da perspectiva de Tobias Barreto, a questão pode ser tangenciada pela sua
defesa veemente da educação enquanto elemento fundamental de
civilização, independente de condição racial ou sexual. É um outro olhar que
transcende um determinismo de “choque” de culturas. Um dos momentos
mais importantes de afirmação dessa sua convicção no poder da educação
no processo civilizatório não se deu de forma puramente “teórica”, mas se
fez ação nas arenas políticas através de dois momentos bastante marcantes
da trajetória do Tobias, deputado provincial. Os dois momentos se revelam
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nas seções da Assembleia de Pernambuco. O primeiro no debate sobre o
pedido de uma jovem que solicitara uma bolsa para estudar medicina na
Rússia e o segundo na defesa de seu projeto para criação de uma escola
voltada à instrução feminina. Acompanhemos os dois momentos.
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O primeiro momento se inicia na sessão da Assembleia de 22 de março de
1879. Tobias sucede seu colega, Dr. Malaquias, que fizera um discurso com
uso de argumentação da ciência da época defendendo a inferioridade
biológica da mulher, o que impossibilitaria seu desenvolvimento cognitivo.
Para isso, a base de sua argumentação eram os trabalhos de medição de
crânios e cérebros, bastante em voga nesse momento. Ao assumir a
tribuna, Tobias já contesta o colega ao afirmar que “cada cousa tem suas
nove faces, diz o proverbio”(BARRETO, 1926, p. 42).
Tobias então ataca e questiona a teoria defendida pelo Dr. Malaquias,
segundo a qual a inferioridade da mulher estaria assentada em base
científica e não num puro conservadorismo das estruturais sociais que
relegavam à mulher um papel que não permitia a ela realizar atividades
consideradas masculinas, como estudar. Segundo Tobias (reproduzimos a
linguagem da época):
“(…) já de muito retirou-se do combate, envergonhada de si mesma,
theoria decrepita, sem razão de ser, pretendida physiologica, da mulher
condemnada por natureza á incapacidade e ao atraso mental, theoria que já
hoje, no mundo da sciencia, representa o mesmo papel, que representa, no
mundo poetico, a insulta maldição classica dos vates indignados contra as
Marilias sempre ingratas, as Marcias sempre crueis, as Jonias sempre
traidoras” (BARRETO, 1926, p. 43).
E prossegue na sua argumentação: “Neste caso está o dogma impertinente,
o artigo da fé tradicional, que se quer impor como baseado em provas
physiologicas, relativo a não sei que incompetência natural da mulher para
o cultivo completo de suas faculdades mentaes” (BARRETO, 1926, p. 45).
Sua linha argumentativa se baseia em homens notáveis e renomados da
ciência da época defendiam o fato de que a mulher teria totais condições
para exercer qualquer forma de ciência, sem qualquer prejuízo ou
condicionante para o exercício desses saberes: “Os factos ahi estão e com
elles o testemunho de homens notabilissimos. Não é possível mais insistir
de encontro ao que já é verdade reconhecida; salvo, se se pretende
qualificar todos esses homens de incompetentes, ou animados de paixões
inconfesaveis, o que não é admissível. São homens sérios, que estudaram a
materia com seriedade da sciencia” (BARRETO, 1926, p. 52).
Tobias cita casos da Universidade de Zurich em que mulheres obtiveram
títulos de doutorado em medicina, notadamente o caso mais famoso da
russa Nadeschda Suslowa (1843-1918). A tese defendida pelo Dr.
Malaquias, ao qual Tobias rebate em cada detalhe, é a de que a medição do
cérebro realizada era vetor de equivalência e como critério de determinação
do nível de inteligência de um ser humano, porque seguia um postulado que
entendia que quanto mais desenvolvido o órgão, mais desenvolvida seria a
sua especialidade.
Mas, Tobias relativiza sua defesa da emancipação da mulher. Afirma ele,
que do ponto de vista politico, pessoalmente não tem certeza de que a
mulher possa participar da vida política e volta então sua defesa ao que
chama de aspecto civil da questão:
“Pelo que me toca, porém, ao ponto de vista civil, não ha duvida que se faz
necessario emancipar a mulher do jugo de velhos prejuizos, legalmente
consagrados. Entre nós, nas relações da família, ainda prevalece o principio
biblico da sujeição feminina. A mulher ainda vive sob o poder absoluto do
homem. Ella não tem, como devera ter, um direito igual ao do marido, por
exemplo, na educação dos filhos; curva-se, como escrava, á soberana
vontade marital. Essas relações, digo eu, deveriam ser reguladas por um
modo mais suave, mais adequado á civilisação” (BARRETO, 1926, p. 56).
Após contestar duramente a tese do seu colega, Tobias passa a desvelar as
motivações que estariam ocultas no discurso do Dr. Malaquias,
notadamente a sua dimensão moral ancorada na ideia do pecado original
(BARRETO, 1926, p. 57). Tobias contrapõe o oponente e pondera: “Com
effeito Sr. presidente, dizer que a mulher não tem competencia para os
altos estudos scientificos é, além do mais, um erro historico, um attentado
contra a verdade dos factos”. Então, passa a construir uma digressão
histórica para corroborar seu ponto de vista, recurso de erudição para
reforçar sua argumentação, donde remonta aos filósofos gregos e a
presença das mulheres na tradição de pensamento clássico:
“Assim vemos apresentarem-se na Grecia, além de Sapho, Myrtis e Corinna,
tambem poetisas, a quem cabe a gloria de terem sido mestras do maior
lyrico daquella nação, mestras de Pindaro. E não somente a poesia, a
philosophia teve igualmente suas dignas representantes. Dest'arte nomeiase como primeira philosopha Clobulina, filha de Cleobulo, que floresceu na
época dos sete sabios. Pythagoras contou, entre os seus discipulos, grande
numero de mulheres. Diz-se mesmo que elle aprendeu a philosophia com
sua irmã Themistocléa, e que a sua mais applicada discipula foi Theano, sua
mulher. Nomeia-se ainda a Thargelia, de Mileto, mestra de Aspasia, a
mulher de Pericles, a mestra de Socrates…”(BARRETO, 1926, p. 61).
O filósofo sergipano passa então à defesa da educação como forma de
emancipação, tal qual seu contemporâneo Tavares Bastos também a
compreendia e que Romero também compactuava, especialmente em
relação à abolição dos escravos. Romero defende que aos escravos: “a
instrução popular tornando efficaz a obrigatoriedade do ensino primario e a
liberdade plena do secundario e superior” (ROMERO, 1883, p. 15). Segundo
ele:
“É possível que, precedendo-se a uma analyse das qualidades masculinas e
femininas,
descubra-se
realmente
ao
homem
maior
gráo
de
desenvolvimento; mas, este phenomeno se explica pela razão que acabei
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de indicar e que é incontestavel: a educação incompleta, a cultura escassa
da mulher. Até hoje educada só e só para a vida intima, para a vida da
família, ella chegou ao estado de parecer que é esta a sua única missão,
que nasceu exclusivamente para isto. E tal é a illusão, em que laboramos:
tomando por effeito da natureza o que é simplesmente um effeito da
sociedade, negamos ao bello sexo a posse de predicados que aliás elle tem
de commum com o sexo masculino” (BARRETO, 1926, p. 62).
Tobias ataca ainda a noção corrente naquele momento do sentimento como
expressão de fraqueza, fato esse que determinaria uma suposta fragilidade
no caráter feminino, tendo em vista, que supostamente a expressão dos
sentimentos e da emotividade seria mais propenso às mulheres:
“Ora, se para uma continua applicação e estudos profundos, é mister uma
vida sedentaria, de solidão e recolhimento, não ha duvida que a mulher, por
este lado sobrepuja o homem em disposição naturaes para o cultivo das
sciencias. Pouco importa o facto que eu não nego, de haver no mundo
feminino um certo predominio da sentimentalidade. Effeito da educação, é
não da natureza, esse phenomeno cessará, desde que cesse a sua causa.
Como não se chegar a similhante resultado, como não dar-se na mulher
essa preponderancia do sentimento sobre a razão, se até hoje a sua
educação tem sido preponderantemente sentimental? Começa pela
educação religiosa, que é toda de sentimento; vem em seguida a educação
moral, que ainda é de preferencia dirigida á sensibilidade, e afinal completase a obra com o dispertar do sentimento esthetico, - é o piano, é o canto, é
a musica em geral. Isto por annos, atravez de muitas gerações, não podia
deixar de produzir as consequancias que ahi vemos” (BARRETO, 1926, p.
63).
Conclui então que: “Todo homem tem sua mania; e é infeliz aquelle que
não a tem: a minha mania, senhores, é pensar que grande parte, senão a
maior parte dos nossos males vem exactamente da falta de cultura
intellectual do sexo feminino”(BARRETO, 1926, p. 67). E, em resposta ao
Dr. Malaquias, que realiza sua tréplica, sucedendo novamente Tobias na
tribuna nessa mesma sessão do dia 22 de março, uma vez mais o sergipano
retomará o movimento de defesa da educação como fundamento de
emencipação, já que para Tobias era inconteste a opinião de que a
educação era o mecanismo de esclarecimento do povo, preceito
posteriormente basilar para o projeto republicano. Nas suas palavras:
“eduque-se
o
povo,
e
teremos
então
uma
opinião
pública
illustrada”(BARRETO, 1926, p. 88-9). A educação enquanto manifestação da
cultura, como no posicionamento de Tobias sobre a educação da mulher,
era a chave para resolução dos nossos profundos problemas sociais.
Ele inicia sua argumentação relativizando a inferioridade natural da mulher,
defendida por seu opositor neste debate, recorrendo a um postulado
historicista:
“Eu sei que ha ainda um certo prejuizo arraigado, e difficil de extirpar, a
respeito da inferioridade da mulher. Ha quem diga infelizmente… para
vergonha da época, que a mulher nasceu sómente para a agulha ou para
o tear!…
Esta theoria é do tempo, em que o homem tambem só tinha nascido para
a enxada. Houve um tempo, com effeito, em que o homem, no espirito de
muita gente somente nascera para esse mister; e tanto assim é que a
reminiscencia existe na linguagem; ainda hoje se diz: a banca do advogado
é sua enxada; a enxada do actor é o palco, etc., etc. Isto, que é uma
especie de psychologia do povo estudada na língua, autorisa-nos a affirmar
que já houve realmente uma época, em que o supremo ideal da actividade
varonil, aquillo que o homem de mais nobre podia aspirar, era… a enxada.
Desse tempo é gracioso dito: que a mulher se deve limitar á agulha ou
ao tear” (BARRETO, 1926, p. 74).
Poética e razão se embrincam na construção da retórica no debate. E se, “a
mulher é a melhor metade do gênero humano”, não haveria base de
sustentação da superioridade masculina, as diferenças entre os sexos são
de ordem da evolução da espécie, logo histórica e provisória.
“Ora, o homem physicamente, dista pouco de um gorilla.
Não exagero, é a verdade. Abstrai-se da roupa, dos appendices artificiaes e
diga-se então se, considerado em sua forma natural, o homem não se
approxima somente do macaco?
Mas agora vejamos tambem: póde-se imaginar formas mais bellas do que
as de uma bella mulher?… Parece que a natureza, realisando a mulher, fez
o que de mais completo cabia nas suas forças.
Se pelo morphologico, foi ella tão poeta, podia ser tão prosaica pelo lado
physiologico?” (BARRETO, 1926, p. 75).
Dessa maneira, nessa harmonia entre fisiologia e o desenvolvimento
biológico, não faria sentido constatar um suposto erro da natureza na
definição das características entre os gêneros: “A natureza não faz
distinção: ella é toda harmonica. A desharmonia é creação nossa, é obra da
sociedade. A natureza, que harmonisa tudo, não póde ter querido que a
bonitas formas deixem de corresponder funcções perfeitas” (BARRETO,
1926, p. 75-6). Ainda que Tobias declare sua ojeriza à retórica performativa
e vazia: “Eu não gosto de rhetorica, se bem que todas as vezes que aqui
me levanto, rhetorise um pouco; sou inimigo da rhetorica, não gosto de
palavreado, em que gastamos um tempo enorme, e o que mais admira,
inutilmente!” (BARRETO, 1926, p. 89), é inegável que seu poder de
argumentação reside na harmonia entre uma dimensão estética do discurso
e sua defesa de uma razão científica. O segundo movimento de Tobias, de
defesa da educação como força motriz do desenvolvimento social, é seu
“Projecto
de
um
Parthenogogio”
apresentado
à Assemblea
de
Pernambuco em 1879. De início, Tobias já assume que o projeto de criação
de uma instituição para instrução feminina já nascera morto:
“(…) o projeto que apresentei e que se discute, é um daquelles que
parecem de antemão condemnados a morte prematura, porque elle tem por
fim a realisação de uma novidade e nós não estamos muito habituados a
acceitar de bom grado, sobre tudo nos dominios da vida publica, os
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tentamens de caracter novo, que involvem sempre uma ousadia, que
importam sempre uma invasão arriscada no terreno desconhecido”
(BARRETO, 1926, p. 91).
Eis a definição do projeto:
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“(…) o projecto encerra no seu fundo a satisfação de uma das mais
urgentes necessidades da provincia, qual é sem duvida a necessidade de
instrução, em geral e particularmente, feminina, instrucção em mais alto
gráu e melhores meios, do que presentemente existe. O projecto não tem
em vista inaugurar na provincia o dominio das blue stocking ou
das précieuses ridicules, mas simplesmente abrir caminho, entre nós, á
solução lenta e fradual de uma das mais graves questões da actualidade: a
elevação do nível intellectual da mulher ou, se assim posso dizer, a
purificação, pela luz, da atmosphera em que ella gira” (BARRETO, 1926, p.
92).
Mais uma vez, ele recorre e sustenta sua argumentação no pensamento
alemão, o qual teve contato, para reafirmar a instrução para todos os
gêneros sexuais.
“Se eu tivesse que filiar minha ideia num principio mais elevado, não filiala-hia por certo neste ou naquelle arroubo sonhador, mas numa verdade
pratica, bellamente expressa por um homem pratico. Frederico Diesterweg,
um notavel espirito allemão, o qual, com Pestalozzi e Froebel, é o terceiro
na série dos grandes pedagogos da idade moderna, se exprime deste
modo: A liberdade do povo e a felicidade do povo, pela cultura do povo não
pódem ser conseguidas por meio da instrução parcial, ministrada a um só
sexo” (BARRETO, 1926, p. 93).
E novamente, defesa do argumento de que a educação que serve à
civilização reaparece de forma incisiva, nos seguintes termos:
“Se as mulheres são seres humanos, que têm uma missão na sociedade e
deveres a cumprir para com ella, se, como seres humanos, as mulheres
trazem comsigo thesouros espirituaes que devem ser aproveitados e
desenvolvidos, é preciso todo o escrupulo de uma freira, ou toda a logica de
um frade, para entender que estabelecimentos da ordem do que se acha
indicado do projecto, não passam de appendices ou excrescencias inuteis,
quando elles são, pelo contrario, complementos indispensaveis da educação
total de um povo civilisado, ou mesmo civilisavel, se não é que nós outros
brasileiros pertencentes áquella classe de povos crepusculares, de que fala
H. Klencke, povos que vivem no lusco e fusco perpetuo de uma semicultural banal, sem saber o que são nem o que devem ser, atacados da
mais grave das psychoses, a photophobia intellectual, o medo da luz, o
horror da claridade” (BARRETO, 1926, p. 94).
Certamente, nas projeções de futuro construídas nos projetos políticos e
debates que os integrantes da Escola do Recife estiveram envolvidos, e no
espírito geral do Brasil Império, a defesa da educação como meio de
emancipação não era precisamente uma novidade. Essa ideia tem raízes
antigas reatualizadas pelos filósofos e cientistas iluministas – materializada
na célebre referência atribuída a Francis Bacon, “scientia potentia est”. O
que não podemos negar é o frescor que a proposta de extensão e inclusão
da instrução às mulheres possuía nesse momento e naquele contexto de
debates (fins do século XIX) numa sociedade patriarcal e escravista. Nesse
quesito, Tobias particularmente, se antecipava décadas aos movimentos de
luta política e as conquistas das mulheres no espaço público, ainda que seu
projeto apresentado à Assembleia não tenha sido aprovado. Negligenciar
seu pioneirismo é ocultar esse fato, ainda que se acuse seu pioneirismo de
ser demasiado incidental e pontual para formular um capítulo singular nessa
longa história (Cf: NASCIMENTO, 1999, p. 203 e ss).
No entanto, há uma tensão latente entre passado, presente e futuro nessa
equação. Nas palavras de Alfredo Bosi, ela pode se expressar nos seguintes
termos: “às vezes o presente busca ou precisa livrar-se do peso do
passado; outras, e talvez sejam as mais numerosas, é a força da tradição
que exige o ritornello de signos e valores sem os quais o sistema se
desfaria” (BOSI, 1992, p. 377). O peso de Tobias e da Escola do Recife
residiria de forma contundente de suas próprias posições, ou nas posições
que assumiram para posteridade? Além da educação da mulher, defendida
pelo sergipano, onde se revela um lugar de emancipação através da
educação, outro horizonte para se enfrentar a questão é analisar o lugar da
raça, ou ainda, do evolucionismo que chegava ao Brasil. Mas essa já outra
face da história da recepção e circulação das ideias no Brasil oitocentista.
Referências
Aruanã Antonio dos Passos é doutor em História e docente do
Departamento de Ciências Humanas da UTFPR, campus Pato Branco.
Carolina Rodrigues da Silva é graduada em História e Pedagogia. Mestranda
em Desenvolvimento Regional pela UTFPR, campus Pato Branco. Bolsista
CAPES.
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Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
BARRETO, T. Discursos. (Obras Completas IV). Sergipe: Edição do Estado
do Sergipe, 1926.
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CARELLI, M. Culturas Cruzadas: intercâmbios culturais entre França e
Brasil. Campinas: Papirus, 1994.
MORAES FILHO, E. As ideias fundamentais de Tavares Bastos. 2. Ed. Rio de
Janeiro: Topbooks, 2001.
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Brasileira durante a segunda metade do século XIX. Londrina: Editora da
Universidade Estadual de Londrina, 1999.
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RABELLO, Sylvio. Itinerário de Sílvio Romero. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1967.
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Janeiro: Livraria Contemporanea de Faro & Lino, 1883.
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Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1980
SCHWARCZ, L. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras,
1993.
SKIDMORE, Thomas E. Preto no Branco: raça e nacionalidade
pensamento brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
no
EDUCAÇÃO DAS MÃES E CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO NOS DISCURSOS
DO JORNAL “A MÃE DE FAMÍLIA”
Cássia Regina da S. Rodrigues de Souza
A presente análise busca investigar os discursos higiênicos relacionados à
maternidade difundidos pela comunidade médica no século XIX. Em um
momento de esboço de uma sociedade burguesa em ascensão, à mulher foi
atribuída a missão de ser a principal responsável pelo sucesso da família. A
maternidade, tida como um ato de redenção, elevou a figura feminina,
colocando-a como destaque e uma das principais destinatárias dos tratados
médicos de então. Abaixo, podemos verificar o papel assumido pela mulher
na sociedade brasileira desse período:
”Da esposa do rico comerciante ou do profissional liberal, do grande
proprietário investidor ou do alto funcionário do governo, das mulheres
passa a depender também o sucesso da família, quer em manter seu
elevado nível e prestígio social já existente, quer em empurrar o status do
grupo familiar mais e mais para cima” (D’INCAO, 2008, p.229).
Tais tratados tinham o objetivo de preparar a mulher tanto para a vida
privada quanto pública e se propunham a redefinir o seu papel pois, de
acordo com a medicina oitocentista, o quadro familiar brasileiro não era
adequado aos princípios higiênicos: “ as casas insalubres, os hábitos
alimentares e de asseio corporal deploráveis, a educação física e intelectual
abandonada (...)” (MARTINS, 2004,p.226), portanto, se dispunham a
formar um determinado modelo de mãe, orientada e domesticada pela
ciência, abençoada pela religião e idealizada pela Estado.
O jornal A Mãi de Família constitui uma amostra dos discursos médicos de
finais dos Oitocentos. O periódico, fundado pelo médico Carlos Costa, tinha
como mote a “educação da infância e a higiene da família” e representa o
reflexo das teorias higiênicas vigentes que permearam o ensino médico no
Brasil, onde a maternidade, estabelecida como função primordial da mulher,
foi constituída como um campo de constantes debates. Através de sua
análise foi possível perceber o lugar ocupado pela figura feminina e sua
função de acordo com o pensamento médico do período examinado, onde
ela é definida pelo seu útero, órgão considerado como parte central do
corpo da mulher, e que exigia toda a atenção da classe médica,
especialmente em ocasião de uma gestação. No discurso médico iluminista,
a centralidade do útero constituiu um tema recorrente nas teses e
compêndios de medicina.
A mortalidade infantil constituiu uma das grandes preocupações da classe
médica desse período e traduziu-se por meio do cuidado com o bem-estar
das populações que tomou forma a partir dos setecentos (PITA, 2006). Esse
cuidado foi apontado como sendo fruto do sentimento de maternidade que,
segundo o Philippe Àries (1981) e Elisabeth Badinter (1985) trata-se de
uma construção relativamente recente da sociedade ocidental, desenvolvida
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gradativamente a partir do discurso médico e filosófico do século XVIII.
Àries afirma que as crianças eram consideradas seres à parte das outras
pessoas e que mal possuíam alma. Segundo ele, a sociedade tradicional
pouco via a criança. A infância era reduzida ao seu período mais frágil. Logo
que o “filhote do homem” adquirisse algum desembaraço físico, era logo
misturado aos adultos. A passagem da criança pela família era muito breve
para que a sensibilidade fosse despertada conforme atestado por Willian
Buchan ao discorrer sobre o sentimento de indiferença em relação aos
infantes
no século XVIII: ”!Quanto trabajo y gasto se emplea para
sustentar um viejo trémulo que vivirá pocos años!Y mil de aquellos que
pueden ser útiles em la vida han de perecer sin ser mirados?”(BUCHAN,
1785, p.8).
A marcação do período histórico onde verifica-se uma mudança no
sentimento de cuidado da infância ainda é incerta. No entanto, Àries aponta
que já no final do século XVI, na alta burguesia e nos nobres, grupos os
quais analisa, observa-se uma alteração no estado das coisas. Já Edward
Shorter afirma que, entre a gente vulgar, de quem se ocupa a sua pesquisa,
a despreocupação tradicional em relação às crianças persistiu até pelo
menos ao último quartel do século XVIII (SHORTER, 1975).
A fragilidade da vida infantil provocada pelas condições higiênicas da época
justificaria a ausência de um sentimento de cuidado por parte das mães,
defende Àries. Já Badinter questiona essa afirmação, sugerindo que era
justamente a falta de apego das mães, o causador do alto índice de
mortalidade. A autora assinala ainda, que algumas preocupações surgidas
nos setecentos contribuíram juntamente para uma mudança nos cuidados
com a infância: discurso econômico, baseado em dados demográficos que
sugeria um declínio populacional na Europa, provocado dentre outros
fatores, pela mortalidade infantil e um discurso liberal que defendia ideais
de liberdade, igualdade e felicidade individual. No entanto, de acordo com
ela, foi no século XIX que essa preocupação atinge seu ápice, alterando de
forma significativa a imagem da mãe, seu papel e sua importância
(BADINTER, 1985:145).
A atenção aos infantes tornou-se pauta da Higiene, e as mães como
responsáveis diretas por seu cuidado tornaram-se personagens centrais dos
debates médicos nos Dezenove, perdurando até primeiras décadas do
século XX. Os médicos acreditavam que o amor da mãe não era suficiente
para uma boa formação dos filhos. Assim, como portadores da verdade
científica propunham-se a ensinar os princípios higiênicos a fim de garantir
crianças saudáveis, dirimindo dessa forma, os efeitos da mortalidade. Ana
Paula Vosne Martins salienta que a partir do século XIX, o tom de alerta se
eleva com a queda da natalidade entre as classes altas europeias; criar
filhos não poderia ser deixado à boa vontade dos pais. Os médicos deveriam
servir de guia (MARTINS, 2008). Na América Espanhola, os higienistas viam
essa mortalidade não somente como uma ameaça biológica, mas como,
uma negligência desumana para com “os seres mais desvalidos da
sociedade” (LAVRIN, 1994).
As ideias de higiene ultrapassaram os muros da academia e da
administração pública e chegaram a intimidade do lar espalhando-se pouco
a pouco entre as famílias das classes altas. Foucault em ‘Microfísica do
Poder’ (1979, p.3) disserta sobre este fato:
“O corpo sadio, limpo, válido, o espaço purificado, límpido, arejado, a
distribuição medicamente perfeita dos indivíduos nos lugares, dos leitos,
dos utensílios, o jogo do ‘cuidadoso’ e do ‘cuidado’, constituem algumas das
leis morais essenciais da família’”.
Além do contexto social brasileiro, a mulher torna-se peça importante no
processo de higienização e modernização da sociedade e da família. Michelle
Perrot a nomeia de “potência civilizadora”. Ela afirma ainda que a pesquisa
em torno dos temas feministas contribuiu para a reavaliação do poder das
mulheres como podemos verificar a seguir:
“Em sua vontade de superar o discurso miserabilista da opressão, de
subverter o ponto de vista da dominação, ela procurou mostrar a presença,
a ação das mulheres, a plenitude de seus papéis, e mesmo a coerência de
sua ‘cultura’ e a existência de seus poderes” (PERROT, 1988, p.170).
A mulher-mãe, particularmente, torna-se uma figura que tende a superar
todas as outras. A mãe burguesa passou nesse processo, de ouvinte a
cúmplice da classe médica desenvolvendo dentro da intimidade do lar uma
verdadeira medicina doméstica. A maternidade constituiu-se então a função
principal dessa mulher assumindo o papel de depositária do futuro da
nação. Sua condição foi elevada e sua figura enaltecida. Representava
também a causa e a cura para as mães que possuíam algum desvio mental
(ENGEL, 2008).
Como vimos, a mortalidade infantil era vista como decorrência do descaso
na criação dos filhos. Dessa forma, era parte dos objetivos dos médicos
transformar a famílias em células física e moralmente saudáveis. As
crianças, futuros cidadãos da sociedade em construção, tornaram-se a
principal preocupação dos higienistas. As mães como responsáveis diretas
no seu cuidado e formação passaram a ser o alvo das políticas públicas de
saúde que tem na imprensa uma grande aliada na propagação de valores e
conhecimento junto às classes urbanas mais elevadas. Cynthia Greive Veiga
afirma que no século XIX desenvolveu-se uma cultura escrita como parte de
um projeto de nação em curso que “pretendeu legitimar a nação como local
de pertencimento social, envolvendo sujeitos (cidadãos), territórios e
instituições” (VEIGA, 2007, p.39). Segundo ela, os discursos que
estruturam a sociedade são componentes de representações de poder e
pretendem dar visibilidade igualmente aos lugares de poder. Consolida-se
então, um discurso voltado para a gestão das populações, que nesse
momento, constituía um problema de governo. Nesse discurso, prossegue a
autora, “foi elaborada uma autoimagem de elite civilizada cujas estratégias
de convencimento aos destinatários de sua escrita dependiam da eficácia
como desqualificavam a população em geral, aquela ‘condenada’ a ser
civilizada” (Ibidem, p.42). Nesse contexto, a formação da criança, via
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educação das mães, tornava-se um alvo privilegiado nas ações
governamentais. Elabora-se um modelo de família, mas propriamente de
mulher que deveria ser civilizada, dedicada ao lar e à educação dos filhos.
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A criança, sobretudo na América Latina se configurou como um depositário
de diversos ideários sejam eles políticos, ideológicos ou sociais, envolvida
continuamente na tensão entre família e Estado. Para Sosenski e Albarrán,
a criança emergiu da retórica do Estado como ponto de partida de um novo
regime, sobretudo em momentos de revolução e mudança cultural. As
autoras afirmam ainda, que em muitos momentos, a figura da criançacidadã encarnou a utopia de uma sociedade futura (SOSENSKI; ALBARRÁN,
2013, p.16,17).
Maria Martha de Luna Freire em ‘Mulheres, Mães e Médicos’ relaciona a
questão da maternidade com um projeto republicano de modernização e
civilização do país, na qual pretendia-se construir uma nova nação brasileira
baseada em ideais tidos como avançados. Apoiados no crescente número da
mortalidade infantil, os higienistas decidiram combatê-la com medidas
higienizadoras de assistência materno-infantil associado à educação das
mulheres com vistas à formação física e moral dos filhos que
representavam o futuro do país. “Ser mãe não significaria apenas garantir
filhos ao marido, mas cidadãos à pátria” (FREIRE, 2009, p.21).
O desenvolvimento de uma maternidade saudável segundo os preceitos
médicos partia do consenso de que as mulheres, tanto das classes mais
altas quanto das mais pobres não estavam preparadas para desempenhar
os papéis de esposa, sobretudo a de mãe (FREIRE, 2009; CARULA, 2011).
A situação da mulher no Brasil não era adequada aos princípios higiênicos
afirma Ana Paula Vosne Martins (2000), por este motivo os médicos
insistiam na urgência de uma educação feminina. Educação essa que já
desde os fins do XIX assumiu a função de reformadora moral de uma
sociedade que ainda sofria os resquícios da escravidão, tornando-se
estatuto de condição para o progresso social. André Botelho (2002) aponta
que o tema da reforma moral desviou o debate da formação do povo do
âmbito dos determinismos naturalistas para o plano histórico-social.
A maternidade constitui-se um tema recorrente em alguns jornais dedicados
ao público feminino que já nesse período era grande consumidor desse
gênero. Eram as mulheres as grandes responsáveis pela educação da
família. Cabiam a elas, as leitoras, salvaguardar o costume e a tradição
familiar, afirma Martin Lyons (1999). Os jornais constituíam instrumentos
de doutrinação, tendo em vista a inadequação da mulher em relação à
criação dos filhos perante o parecer da classe médica. Era preciso educar as
mães para construir a nação nos moldes civilizados. Como um “agente
histórico que intervém nos processos e episódios, não mero
‘reflexo’”(BARBOSA; MOREL,2006, p.1), o jornal A Mãi de Família atuou
como um instrumento no desenvolvimento de um modelo de mãe pautado e
tutelado pela ciência médica, capaz de gerar e cuidar do dos futuros
cidadãos de uma nação em construção.
O jornal, constitui um importante ponto de partida para o entendimento do
discurso higiênico voltado para a mulher.
A Mãi de Família: jornal
scientífico, literário e ilustrado objetivava educar a mulher segundo os
preceitos da ciência médica. Foi fundado no Rio de Janeiro e tinha como
mote a “educação da infância e a higiene da família”. Carlos Costa, médico
formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, foi seu fundador. Se
identificava como especialista em moléstias das crianças e atendia
regularmente em seu consultório na cidade. Era o médico quem assinava a
única seção permanente no jornal, a “Palestra do Médico” e também a
maioria dos artigos. O periódico também contava com a colaboração de
outros médicos e utilizava traduções de textos e pareceres médicos. O A
Mãi de Família inspirou-se no jornal francês La Jeune-Mère que possuía a
mesma finalidade e era editado pelo também médico André Théodore
Brochard. Possuía tiragens quinzenais e suas principais seções eram além
da “Palestra do Médico”, a “Moléstia das Crianças”, “Farmácia Doméstica”,
“Variedade”, “Máximas e Pensamentos”, “Revista dos Jornais Científicos”,
“Máximas e Pensamentos”. Além da Corte, o jornal também circulou em
São Paulo e Minas Gerais. A publicação ainda contava com figurinos
coloridos e seu preço podia variar de 6$000 a 10$000, e contava apenas
com homens em sua redação. A edição número 9 nos oferece uma prévia
do que seria tratado nas suas páginas:
“A nova publicação que oferecemos às mães brasileiras tem seu fim idêntico
ao do jornal do Dr Brochard que tanta aceitação tem tido em França (...)
preenche importante lacuna na educação da mulher, (...) achar-se-ão
ordenados todos os conselhos ditados pela experiência e pela ciência” (A
Mãi de Família, ano 1, n.9, jan.1879, p.7) .
Seus objetivos eram os mesmos do francês La Jeune-Mère produzido pelo
Dr. Brochard: Orientar as mulheres como se comportar e os conhecimentos
que deveriam possuir em sua tarefa como mãe, pois segundo o seu parecer
as mães não sabiam como criar os filhos devidamente. De acordo com o
periódico:
” As mulheres em nosso país não cumprem tanto quanto deveriam os
sagrados deveres de mãe (...). Umas por vaidade, outras por pobreza e
finalmente outras por desculpada ignorância não cumprem a sua missão
sublime, a única que lhes foi confiada” (A Mãi de Família, anno 1, n.9,
jan.1879, p.2).
Nesse contexto, a figura do médico higienista assume um papel capital, não
apenas como aquele que cuida do corpo, mas, como um educador,
exercendo seu poder de influência sobre outros setores da sociedade,
respaldados num discurso médico científico que conferiria confiabilidade aos
seus preceitos (CARULA, 2011).
O doutor Carlos Costa ressaltava que um país tão novo e tão adiantado
materialmente como o Brasil estava envolvido numa caminhada evolutiva
de decadência física dos homens na qual esses estariam também quase
aniquilados na sua moral. A razão apontada por ele para esse mal seria:
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“(...) o mal de onde vem? Desde o berço, minhas senhoras. É esquecida,
abandonada ou melhor ignorada a maneira de formar-se o homem, não
cuidando-se seriamente da criança” (A Mãi de Família, anno 1, n.1,
jan.1879, p.2). A Medicina seria então a tutora nesse processo educativo
que tinha na mulher a sua principal discípula. A fim de” desenvolver o país
era fundamental que se educasse primeiramente a mãe, pois ao educar sua
prole ela promoveria a formação do cidadão que faria o país progredir (...)”
(CARULA, 2011, p.10).
Segundo Sonia Giacomini, a centralidade aparente da criança no discurso de
A Mãi De Família não é senão mecanismo explicitação dos deveres de mãe,
mas que só poderia ser realizado dentro de um lócus onde é possível
realizar a maternidade: a família. Para a autora, “ser mãe de família
aparece enquanto condição de ser mãe, assim como ser mãe é a condição e
a natureza de ser mulher” (GIACOMINI, 1985, p.88). A má criação dos
filhos era o grande problema nacional e que comprometeria todo o futuro da
nação, caso não fosse solucionado. A criança representava, portanto, uma
preocupação, mas, também o vislumbre de um futuro próspero.
Num momento histórico em que a construção da nacionalidade começava a
despontar, os periódicos constituíram uma importante ferramenta para a
difusão do ideário nacionalista.
Tania Maria Bessone Ferreira (2007)
destaca o caráter “civilizador” da imprensa e aponta que a partir dos
meados do século XIX se configuraria o estabelecimento de uma imprensa
periódica de opinião com a divulgação de conceitos que tinham objetivos
políticos e pedagógicos. De acordo com esse modelo, os jornais destinados
ao público feminino em especial, apresentavam colunas que continham
regras de conduta maternal e recomendações acerca da criança com o
objetivo de assegurar-lhe a sobrevivência biológica, temas tão frequentes
neste gênero literário. Esses funcionaram como um veículo de transmissão
dos saberes médicos que aliados ao poder público e como instrumentos
desse, tinham na função maternal uma preocupação de ordem nacional.
A construção de uma maternidade saudável segundo os princípios da
higiene constituía o ponto de partida para a formação de uma nação
moderna. “Ensinar a mães a serem mães” cuidando de forma científica de
seus filhos, garantindo indivíduos saudáveis à nação era a chave que abriria
as portas para o tão sonhado progresso.
O A Mãi de Família havia sido fundado com objetivos claros, sob o tripé
nação, ciência e família, elementos constituintes do progresso de uma
nação (VEIGA, 2007). Sua função principal era pedagógica, sendo o seu
objeto de intervenção, a mulher. Através da construção de um modelo
feminino, que tinha na mãe seu grau mais sublime, edificou-se um ideário
que assegurava a criação de uma infância saudável física e moralmente,
consolidando assim um projeto de nação que se pretendia civilizada.
Referências
Cássia Regina da S. Rodrigues de Souza é mestre em História da Ciências e
da Saúde pela COC/FIOCRUZ.
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O CORPO FEMININO E O DISCURSO RELIGIOSO NA IDADE MÉDIA
Clarice da Luz
Flávia Schena Rotta
Com este ensaio pretendemos entender de que maneira o discurso religioso
influenciou o comportamento feminino, com relação à sexualidade e ao
corpo feminino. Olhar para a história com este foco só é possível graças à
História Cultural que possibilitou a construção de uma História das Mulheres
e também com ajuda da História da Sexualidade.
Ao olharmos para um discurso temos que tentar imaginar o que se passava
na mente do autor e em que contexto ele vivia (BASTOS, 2011). Por isso,
se pensarmos na Bíblia, podemos compreender que ela é um discurso que
originou outro discurso, que se reproduz de algumas maneiras no Malleus
Maleficarum (KRAMES; SPRENGER, 2015).
Desta maneira a História da Sexualidade se torna um meio fundamental
para buscar a compreensão entre as relações humanas ao longo do tempo e
seus variados sentidos. Há anos a história da humanidade em relação à
sexualidade demonstra ser algo complexo, pois envolve questões sociais,
culturais, psicológicas, construídas historicamente por determinado grupo e
determinada época.
Segundo Magali Engel (1997), a sexualidade, em seu principal conceito,
manifesta o impulso sexual, como o desejo, a busca de um objeto sexual
que podem ser influenciados pela cultura da sociedade e família em que o
sujeito vive como também a moral, os valores e a religião em que está
inserido, cercado por normas, padrões que o mesmo deve seguir e tomar
como exemplo para toda a sua vida.
O tema da sexualidade vem tendo uma abordagem por muitos
historiadores, em que remodelam alguns conceitos tradicionais, buscando
uma parte essencial do passado que pode ter sido omitida e esquecida,
muitas vezes pela questão moral.
Preocupamo-nos em falar sobre o corpo feminino e o discurso que o
restringe. No mundo medieval o homem era considerado um sexo superior,
então era a voz dele que definia as possibilidades para o corpo feminino.
Desta maneira pretendemos entender como os discursos religiosos sobre a
sexualidade, difundidos pela igreja que influenciaram o pensamento sobre o
corpo feminino como produto da ideia de pecado na Idade Média.
O período medieval foi de domínio da Igreja Católica e os discursos
proferidos por ela determinaram todos os comportamentos e restrições
relacionados à sexualidade. A mulher era uma figura de tentação constante,
acreditavam que era ela quem levava os homens a pecar, por isso o seu
corpo deveria ser restringido e vigiado. A mulher também carregava a culpa
por ter trazido o pecado ao mundo ao comer o fruto proibido.
Aprendendo
História:
GÊNERO
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Aprendendo
História:
GÊNERO
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A igreja, notoriamente nascida do judaísmo, utilizava algumas tradições
judaicas que diziam que as mulheres eram culpadas pela existência dos
demônios, pelo fato de terem seduzido os anjos e terem tido relações
carnais com eles. Além disso, utilizavam-se muito do conceito de que o
“invólucro carnal era prisão para a alma”. De acordo com João Davi Avelar
Pires (2015) em seu estudo sobre o corpo feminino do período aqui
referenciado, o espírito seria prisioneiro do corpo e, por serem mais sujeitas
a sedução e aos artifícios do demônio, as mulheres eram entendidas como
inferiores. Tudo que fosse relacionado ao corpo era tratado com
desconfiança.
O corpo era um objeto de poder, através do corpo a igreja se permitia
controlar a vida privada das pessoas. O corpo e o ato sexual eram vistos
como pecaminosos, o ato sexual era aceito somente dentro do casamento e
apenas para a procriação, desta maneira o domínio da igreja não era
apenas religioso, mas também moral, já que conseguia ter domínio sobre as
pessoas.
Para ampliar o seu controle a Igreja criou a Inquisição, com ela muitas
mulheres foram julgadas como bruxas. Para se julgar e reconhecer quais
eram as bruxas foi criado o Malleus Maleficarum, escrito no ano de 1487 por
Heinrich Kramer e James Sprenger dois inquisidores. Essa obra se tornou
uma das principais fontes quando se trata de estudar a condição feminina
na inquisição ou na bruxaria no período medieval.
Eis aqui algumas das razões porque as mulheres eram propensas às
fraquezas da carne, ao pecado e, claro, à bruxaria, dispostas na obra:
“Outros têm ainda proposto muitas outras razões para explicar o maior
número de mulheres supersticiosas do que de homens. E a primeira está
em sua maior credulidade; e, já que o principal objetivo do Diabo é
corromper a fé, prefere então atacá-las. Ver Eclesiástico, 19: “Aquele que é
crédulo demais tem um coração leviano e sofrerá prejuízo. A segunda razão
é que as mulheres são, por natureza, mais impressionáveis e mais
propensas a receber a influência do espírito descorporificado; e quando se
utilizam com correção dessa qualidade, tornam-se virtuosíssimas, mas
quando a utilizam para o mal, tornam-se absolutamente malignas. A
terceira razão é que, possuidoras de língua traiçoeira, não se abstêm de
contar às suas amigas tudo o que aprendem através das artes do mal; e
por serem fracas, encontram modo fácil e secreto de se justificarem através
da bruxaria. Ver a passagem do Eclesiástico, já mencionada: “É melhor
viver com um leão ou um dragão que morar com uma mulher maldosa.”
“Toda a malícia é leve, comparada com a malícia de uma mulher.” E
podemos aí aditar que agem em conformidade com o fato de serem
muitíssimo impressionáveis.” [KRAMER; SPRENGER, 2015, p. 695-698]
O Malleus foi o responsável por orientar os autos da inquisição, dando
orientações, descrevendo como eram as bruxas e orientando como realizar
uma denúncia.
A importância do estudo sobre as mulheres
Ao analisarmos hoje, os estudos sobre as mulheres vem alcançando grande
avanço, é importante olhar para os discursos sobre o corpo feminino a
partir de uma outra ótica, já que estes discursos foram construídos
primeiramente por homens. Durante muito tempo as mulheres estiveram
fora das páginas da história e o seu lugar era apenas o de coadjuvantes,
hoje elas podem ser entendidas como protagonistas, e sua história pode de
fato ser investigada.
Segundo a historiadora Joan Scott (1992), a história das mulheres começou
a aparecer como um campo definível principalmente nas décadas de 60 e
70. Na década de 60 as ativistas feministas reivindicavam uma história que
estabelecesse heroínas, prova da atuação das mulheres, e também
explicações sobre a opressão e inspiração para a ação. No início houve uma
conexão direta entre política e intelectualidade.
No entanto na década de 70 a história das mulheres afastou-se da política.
Ela ampliou seu campo de questionamentos e documentando todos os
aspectos da vida das mulheres no passado adquiriu uma energia própria
para seguir. Para Joan Scott (1992), foi na década de 80 que a história das
mulheres passou a ser vista como campo de estudos e envolveu, nesta
interpretação, uma evolução do feminismo para as mulheres e daí para o
gênero; ou seja, da política para a história especializada e a partir daí para
a análise.
Scott (1992) afirma que embora a história das mulheres esteja certamente
associada à emergência do feminismo, este não desapareceu, seja como
uma presença na academia ou na sociedade em geral, ainda que os termos
de sua organização e de sua existência tenham mudado.
A história das mulheres, sugerindo que ela faz uma modificação da
“história”, investiga o modo como o significado de um termo geral foi
estabelecido. Questiona a prioridade relativa dada à “história do homem”,
em oposição à “história da mulher”, expondo a hierarquia implícita em
muitos relatos históricos.
Segundo Ronaldo Vainfas (1997), a História Cultural ou Nova História
Cultural deixou para trás uma preocupação de estudar manifestações
culturais que consideraríamos de elite, também dedica um apreço a uma
cultura desenvolvida pelas massas, o que chamaríamos de cultura popular.
Preocupa-se também com o estudo dos conflitos e classes sociais. A História
Cultural apresenta novos caminhos, caminhos plurais, permite que novos
sujeitos possam ser vistos. Sobretudo, ao contrário da História das
Mentalidades, a História Cultural preocupou-se em estudar as mentalidades,
mas sem abandonar o rigor dos métodos da história como ciência.
A História das Mulheres surge com o Movimento Feminista, principalmente
nos Estados Unidos, demonstrando um desejo de romper com a
subordinação das mulheres perante os homens. Esse movimento foi
impulsionado por uma série de mudanças nos direitos civis, o feminismo
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História:
GÊNERO
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torna-se um movimento político, em contrapartida a História das Mulheres
vai distanciar-se da História Política. Segundo Joan Scott (1992) a História
da Mulheres “é ao mesmo tempo um suplemento inócuo a história
estabelecida e um deslocamento radical dessa história.”
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História:
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Referindo-se à sexualidade, a Idade Média foi um período em que ela sofreu
repressão da Igreja Católica, as práticas sexuais que excediam os limites
impostos pela igreja eram consideradas práticas diabólicas. Segundo os
autores André Silva e Márcia Medeiros (2013), a sexualidade masculina
alcançava maior liberdade, enquanto que as mulheres deveriam ficar
restritas a um ato sexual única e exclusivamente voltado para a procriação
os homens tinham liberdade de exceder o leito conjugal e buscar outras
mulheres. É assim que se tem um aumento da prostituição, a maior parte
das prostitutas eram viúvas ou moças que foram estupradas e perderam
sua dignidade, muitas jovens buscavam na prostituição um meio de superar
a pobreza e obter lucros para ajudar a família.
A mulher ideal era a mulher virgem, não apenas por esta condição, mas a
mulher que respeitava a castidade, existiam as moças virgens e puras,
capazes de resistir as tentações; as viúvas virgens, que estavam libertas do
sexo e as casadas virgens, que viviam o sexo no matrimônio e em função
dele.
É desta maneira que podemos dizer que os discursos utilizados pela Igreja
Católica normatizaram uma sociedade que relegava à mulher o papel de
coadjuvante, subordinada, corruptora e de fácil corrupção. A mulher era um
ser repleto de pecados, como os homens, só que os pecados dos homens
eram tolerados, enquanto que os das mulheres duramente julgados.
Referências
Clarice Luz, acadêmica do 3º ano de História da Unespar – Campus União
da Vitória.
Flávia Schena Rotta, acadêmica do 3º ano de História da Unespar – Campus
União da Vitória.
BASTOS, Mário Jorge da Motta. História e Discurso: Perspectivas e
Controvérsias.
Universidade
Federal
Fluminense
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Aprendendo
História:
GÊNERO
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GÊNERO E ENSINO DE HISTÓRIA: COMO E O PORQUÊ DE ABORDAR
QUESTÕES DE GÊNERO NAS AULAS DE HISTÓRIA
Cleni Lopes da Silva
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História:
GÊNERO
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Análises da produção, na área do ensino e da aprendizagem de História,
têm evidenciado preocupações com questões referentes ao estudo de
gênero na sala de aula. Um dos principais questionamentos acerca desse
assunto é em relação ao modo de abordagem e aos motivos pelos quais se
deve tratar de gênero na disciplina de história.
Ensinar história é mais do que decorar datas e enfatizar personagens e
feitos históricos Ensinar história diz respeito à relação de percepção e
ressignificação dos conteúdos curriculares com a realidade para que o aluno
possa problematizar o presente e buscar no passado, dados para analisar o
meio social em que vive e, assim, construir o próprio conhecimento e visão
de mundo. Seguindo essa linha, o documento da área de História dos
Parâmetros Curriculares Nacionais discorre que os objetivos do ensino de
História são: o desenvolvimento de capacidades cognitivas como
estabelecer
relações
históricas
entre
passado/presente;
situar
conhecimentos históricos em distintas temporalidades; reconhecer
semelhanças, diferenças e permanências e conflitos sociais em contextos
históricos, dominar técnicas de pesquisa com diversas fontes, valorizar o
patrimônio sociocultural e à cidadania, respeitar a diferença social, étnica e
cultural dos povos, dentre outros. Portanto, se a História como disciplina
tem a preocupação quanto à formação de cidadãos no sentido de que os
sujeitos não saibam apenas interpretar historicamente o mundo, mas que
sejam capazes de buscar soluções para os problemas sociais,
transformando e construindo a história, então é pertinente que assuntos
relacionados a gênero sejam debatidos nas aulas de história.
Falar em gênero é complexo. Vivemos em uma sociedade que persiste em
reproduzir os estereótipos de gênero e os ideais de uma cultura machista,
reforçando-os na mídia, por intermédio de comerciais, telenovelas, filmes e
canções que representam a mulher como mãe, esposa, dona de casa,
sempre dependente do homem. Estas representações são fruto de uma
cultura social em constante transformação, pois falar de gênero é falar da
estrutura organizacional hierárquica da sociedade, do papel exercido pela
mulher dentro de um grupo de indivíduos.
A diferença de gênero é construída ao longo das nossas vidas e do convívio
social, uma vez que as transformações sofridas pela sociedade ditam o que
é certo e o que é errado, qual o papel do homem e qual é o papel da mulher
na sociedade, como discorre Molina (2011) “Os papéis sexuais e seus
estereótipos foram e são construídos e impostos em diferentes culturas e
sociedades ao longo do tempo”.
Gênero e História
Hoje, as mulheres têm acesso à escola e ao trabalho formal devido às lutas
e aos movimentos feministas que exigem a igualdade de direitos a ambos
os gêneros. Mas durante muito tempo, desde o surgimento das escolas na
época do império, o direto à aprendizagem de habilidades intelectuais,
motoras e a formação moral, era concedido apenas aos homens, às
mulheres restava o direito de aprender a costurar, cozinhar, cuidar da casa,
dos filhos, do marido, enfim, a própria existência explicada pelo fato de já
nascer predestinada à reprodução humana a fim de dar continuidade à
linhagem masculina de um grupo familiar. Portanto, a luta precisa ser
continua, pois mesmo com a conquista de direitos as discriminações ainda
permanecem como, por exemplo, a desvalorização do trabalho, mesmo
ocupando os mesmos cargos dos homens, as mulheres recebem proventos
menores.
A constituição do feminino e do masculino é formada a partir dos ditames
da sociedade que defini as práticas apropriadas a homens e mulheres.
Como as sociedades são construídas por culturas e ideologias diversificadas,
existe uma visão distinta em relação a gênero, mas como se pode perceber
com base nos movimentos sociais feministas, ao redor do mundo, que
buscam o empoderamento da mulher, de modo geral, a figura feminina
ainda é estereotipada como um ser submisso, menos capaz do que o
homem, continuando a ser vista como um ser frágil e ocupando um lugar
menor da hierarquia social, econômica e política diante do egocentrismo da
figura machista.
A antropóloga Galey Rubin (1993) busca mostrar que diversos estudos
discorrem a respeito da opressão sofrida pelas mulheres dentro da
sociedade, mas não identificam as razões da existência dessas opressões,
as quais são fundamentais para a construção de novo um meio social sem
hierarquia de gênero. Assim, de acordo com algumas teorias da psicanálise,
em ‘O tráfico de mulheres: notas sobre a “Economia Política” do sexo’, a
autora discuti a questão de gênero na tentativa de construir conceitos para
pensar-se na opressão e na sexualidade das mulheres com base em um
sistema de sexo/gênero definido como “um conjunto de arranjos através
dos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produto da
atividade humana, e na qual estas necessidades sexuais são satisfeitas.”
(RUBIN, p. 3, 1993). O gênero é construído ao longo da trajetória do
individuo, sendo resultante da relação das diferenças sexuais que
organizam o social e que definem a sexualidade. Portanto, o discurso de
Rubin converge para a ideia de que gênero é relação de poder, é uma forma
hierárquica de organização social, uma vez que a divisão entre feminino e
masculino é uma invenção humana baseada na ordem social e política de
um povo e não biológica e sexual.
A sociedade impõe regras comportamentais que constroem o estereótipo
feminino e masculino. O homem que se mostra sensível ou que realize, por
exemplo, alguma atividade doméstica, é mal visto diante aos demais
homens, os quais de forma preconceituosa o excluem dos círculos de
relação de negócios e de amizade, pois ao homem cabe a imagem do ser
forte, viril, intelecto, já a mulher resta à imagem de um ser sensível,
amável, reprodutora, hábil para atividades manuais como a costura, a
pintura, o cuidado com a casa e com os filhos, sem a necessidade de
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aprender atividades mais cognitivas e sem o direito de exercer o papel de
cidadã dentro da sociedade em que vive. Visão que se repercuti no tempo
como uma marca de poder do homem sob a mulher.
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Dessa forma, a mulher se manteve a margem da história durante muito
tempo. A história centrada no positivismo ressaltava os feitos dos homens,
as guerras e batalhas, nas quais as mulheres não tinham
representatividade, e essa é a história que ainda continua a ser repassada
em escolas onde prevalece o ensino tradicional. Muitas lutas e movimentos
sociais foram necessários para que a mulher começasse a ganhar
visibilidade dentro da história e conquistasse o próprio espaço na sociedade.
O homem/ a mulher tem a educação sexual desenvolvida ao longo da sua
própria formação quanto sujeito, sendo a escola um ambiente propício à
aprendizagem e a construção de vivências, de relações interpessoais.
Assim, a escola torna-se um espaço cujos alunos e professores constituem
uma parcela ativa da sociedade e onde, segundo Colling e Tedeschi (2015),
as desigualdades de gênero são plantadas ou reafirmadas, pois as
instituições de ensino desempenham um papel social de mantenedoras,
produtoras e reprodutoras de uma cultura dominante que determina o
espaço que a mulher ocupa na sociedade a partir de uma ideologia sexista.
Para Grassi (2012) a escola contribui para permanência da divisão de
gêneros de modo que a mulher permanece ocupando papeis menos
importantes na sociedade, por meio da construção dos currículos escolares
e do uso de livros didáticos que apresentam conteúdos centrados em feitos
e exaltação de personagens masculinos, sem tratar das representações
femininas na História. Ainda, de acordo com a autora, a própria linguagem
utilizada pelo educador em sala de aula já revela a hierarquia masculina à
medida que o professor se dirige a uma turma de meninos e meninas
referindo-se, de acordo com as regras gramaticais, sempre com palavras
masculinas como “alunos”.
A escola é um ambiente de construção de conhecimento. Portanto, faz parte
da responsabilidade da escola proporcionar aos alunos discussões a respeito
de questões sociais que contribuem para a construção do cidadão e para
formação de uma identidade local/regional/nacional. A mesma, com base
em leis e políticas educativas, representa o espaço onde formamos cidadãos
que anseiam por liberdade, tolerância e igualdade de direitos a todos. Está
na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional): “A educação,
dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos
ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho”.
Vivemos centrados em uma ideologia patriarcal que faz com que a distinção
entre os gêneros seja concebida de forma natural. A sociedade
desacreditada da possibilidade de mudanças cai no conformismo e a mulher
aceita a condição imposta pelo restante do grupo social permanecendo
submissa,
ocupando
cargos
menores
e
salários
mais
baixos,
responsabilizando-se pelo cuidado da casa, dos filhos e do marido, enfim,
tendo que comportar-se de acordo com o estereótipo dos padrões tidos
como normais e aceitáveis para a conduta da mulher. Pela influência dos
pais, desde o nascimento as crianças começam a enquadrar-se em um
determinado comportamento, dividindo-as em categorias de gêneros
meninas/meninos, sendo as meninas vestidas com roupas cor de rosa e os
meninos de cor azul, às meninas são ofertados brinquedos como as bonecas
e os ursos de pelúcia enquanto aos meninos são oferecidos os carrinhos e a
bola.
A mulher, desde criança, é preparada para o casamento. É imposta a
mulher a obrigatoriedade de casar-se e de reproduzir-se. Os casamentos
funcionam como uma espécie de troca, o homem assume a mulher como
esposa dando-lhe o sustento e em contra partida a mulher serve ao marido,
cozinhando, limpando a casa, dando-lhe filhos para a continuidade da
linhagem, perdendo sua identidade, pois passa a ser identificada como a
mãe do “fulano”, a esposa do “cicrano”. Em alguns países ainda há os
pagamentos de dotes e os interesses comerciais em unir as famílias
influentes, bem abastadas financeiramente.
O sujeito, não nasce homem ou mulher, não há uma condição prédeterminada para a definição sexual da criança, pois o gênero é uma
construção social. A não aceitação desse estereótipo faz com que a
sociedade a classifique como anormal, a qual sofrerá com preconceitos,
como por exemplo, a mulher que chega aos quarenta anos de idade e
decide não casar e nem ter filhos é tachada como “solteirona”,
“A sexualidade que é geralmente apresentada na escola está em estreita
articulação com a família e a reprodução. O casamento constitui a moldura
social adequada para seu ‘pleno exercício’ e os filhos, a consequência ou a
benção desse ato. Dentro desse quadro, as práticas sexuais não
reprodutivas ou não são consideradas, deixando de ser observadas, ou são
cercadas de receios e medos”. (LOURO, 1998, p.41).
Hoje, existem discussões, manifestações e até projetos de lei, que
objetivam proibir a temática de gênero na sala de aula sob o argumento de
que a escola estaria impondo uma ideologia de gênero aos jovens,
desconstruindo e desrespeitando a imagem da família, construída por pai
(homem), mãe (mulher) e filhos, sendo o pai no centro familiar, o “chefe da
casa”. De acordo Silvino e Henrique (2017) o Ministério da Educação por
meio de pressões, precisou refazer o texto do “PNE” (Plano Nacional de
Ensino) retirando do discurso às questões de gênero e repassando para os
municípios a responsabilidade de adotar ou não a abordagem de gênero nas
escolas para que pudesse ser aprovado. Esse tipo de opressão para excluir
o debate sobre a questão de gênero nas escolas permite que as mesmas
continuem a promoção do caráter preconceituoso da sociedade que é
repleto de desigualdades, de preconceitos e de violência contra a mulher e
os homossexuais.
Aprendendo
História:
GÊNERO
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Aprendendo
História:
GÊNERO
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É importante discutir gênero na disciplina de História para que os alunos
desenvolvam uma consciência histórica de que gênero não é uma questão
de sexo, mas da forma de organização estrutural e hierárquica da sociedade
que se transforma continuamente. A mídia é um veículo de discursos
verdadeiros, que apena transmite as informações na intenção de que essas
sejam absorvidas como a realidade dos fatos, sem espaços que
oportunizem a reflexão e a oposição de pensamentos, o que ressalta a
necessidade da escola abordar questões transversais e produzir novos
conhecimentos.
Gênero na sala de aula
As questões de gênero devem ser problematizadas em sala de aula a partir
das experiências vividas pelos discentes. A investigação é feita com base
nas atividades do cotidiano fazendo com que o aluno reflita a respeito da
organização do próprio núcleo familiar, da relação com os amigos e com a
escola, da cultura e dos espaços sociais em que vive, perpassando pelos
conhecimentos já adquiridos e buscando na História dados que possam
explicar o processo de formação da sociedade atual.
Nessa perspectiva, é papel da escola tornar-se um lugar democrático, onde
opiniões são formadas, visando o combate à discriminação e ao preconceito,
possibilitando a reflexão e a construção de conceitos para que alunos
cheguem a um entendimento de que não existe um “modelo ou padrão” de
ser e de viver em sociedade, mas concepções e comportamentos distintos.
Molina (2013) revela em sua obra ‘gênero, sexualidade e ensino de história
nas vozes de adolescentes’ uma pesquisa de campo no Colégio Estadual
Antônio Raminelli, em Cambé, no Paraná, onde foram feitos questionários
acerca de temas relativos a gênero, sexualidade e ao perfil de alunos.
Segundo a autora, os resultados da pesquisa evidenciaram que 84% dos
alunos participantes (87 questionários respondidos) não souberam
responder o que é gênero e que 41% obtém informações a respeito de
sexualidade com amigos, tendo a escola apenas 16% de participação na
contribuição desse conhecimento. Ainda foi registrado, de acordo com 70%
dos respondentes, que ainda há discriminação da imagem da mulher no
âmbito social.
Esta pesquisa revela a falta de conhecimento dos alunos em relação a
gênero e sexualidade, e a falta de participação da escola no processo de
desenvolvimento desses conhecimentos. A escola ao não criar um ambiente
de reflexão e discussão sobre temas como estes, está dando continuidade
ao ensino tradicional com conteúdos fragmentados que não fazem sentido
para os estudantes, pois não dialogam com a realidade dos mesmos, pois
"tudo que é próximo, que é real para o aluno tem significado maior"
(CUNHA, 1989, p.110).
A escola precisa elaborar estratégias para abordar as questões de gênero de
forma prática e significativa elaborando debates e fazendo questionamentos
como: O que é gênero? O que é sexualidade? Onde os pais trabalham?
Meninos podem gostar da cor rosa? Garotas podem jogar futebol? Boneca é
brinquedo só de menina? Para que a partir das respostas sejam
introduzidos os conceitos e reflexões acerca da constituição do meio social.
A aula oficina é uma metodologia bastante interessante para o ensino e
aprendizagem de gênero. De acordo com Barca (2013) em uma aula oficina
o professor seleciona o conteúdo, questionando aos alunos a respeito do
conhecimento prévio sobre o tema que será abordado, após são
selecionadas as fontes históricas pertinentes para a referida aula. Em
seguida, o docente orienta os estudantes para que analisem os materiais e
façam inferências. Dessa forma, há um envolvimento de todos os alunos, os
quais produzem as próprias conclusões que, com o auxilio do educador,
serão avaliadas e (re)conceitualizadas. Por meio da adoção do gênero como
temática na aula-oficina o aluno usa as experiências vivenciadas para
dialogar com o tema tomando a consciência do próprio conhecimento: o que
aprenderam e o que querem aprender.
O conteúdo dos livros didáticos deve ser confrontado com outras fontes de
conhecimento para que os alunos percebam que não existem certezas, que
os fatos e acontecimentos históricos são representações do passado com
base na concepção ética, moral e religiosa, e da habilidade cognitiva do
historiador que observa e analisa as fontes influenciadas pelas próprias
impressões, experiências e escolhas. Assim, a distinção de gênero pode ser
entendida como uma representação histórica, construída a partir de
influências das concepções políticas, econômicas e religiosas de um grupo
de indivíduos, e, portanto, é passível de mudanças.
Considerações finais
Hoje, não há mais espaço para o ensino tradicional onde os professores são
transmissores de conhecimento e os alunos meros receptores. No ensino de
história não pode prevalecer o estudo dos fatos do passado de forma linear
e progressiva, baseado no factual e documental com o objetivo de retratar a
“verdade” dos fatos Os currículos escolares, por mais conservadores que
parecem ser, são passíveis de pequenas alterações e adaptações feitas
pelos professores.
Com base em temas transversais como o gênero é possível que o aluno
perceba e ressignifique os conteúdos com os conhecimentos já adquiridos
no ambiente extraescolar contribuindo no ensino e na aprendizagem
significativa, ou seja, na produção de saberes centrada no diálogo, em uma
postura indagadora e curiosa, para que o discente possa construir seu
próprio conhecimento e visão de mundo, tornando-se sujeito crítico capaz
de compreender e transformar o mundo em que vive.
O importante em discutir gênero nas aulas de história é fazer o aluno
compreender o processo de construção do conceito de gênero e levar essa
discussão para outros espaços extraescolares no ensejo de transformar o
pensamento dos indivíduos e diminuir o preconceito e as desigualdades
entre homens e mulheres, valorizando as singularidades de cada um e não
as usando para classificá-los de forma hierárquica. Portanto, os educadores
precisam a partir da temática de gênero desconstruir preconceitos, mostrar
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aos alunos que meninas podem jogar futebol na aula de educação física,
assim, como os meninos podem participar da disciplina de técnicas
domésticas que as meninas podem ser tão hábeis em informática quanto os
meninos, do mesmo modo que os meninos podem ter o mesmo
desempenho das meninas nas aulas de educação artística, ou seja, que não
existem atividades especificas para meninos e meninas, visando converter
esses conflitos em aprendizado. A igualdade de gêneros pode ser aceita ou
negada pelos indivíduos. Os sujeitos podem integrar lutas, movimentos e
apoiar as escolas contra a imposição de estereótipos desnaturalizando a
divisão de gênero, ou ignorar os sinais de necessidade de mudança que
estão ao próprio redor, como os atos de violência contra a mulher e os
LGBTs, o crescimento dos movimentos feministas, entre outros, apoiando a
disseminação dos preconceitos e das discriminações enfrentados por
aqueles que não se encaixam nos padrões ditos “normais” pela sociedade.
Referências
Cleni Lopes da Silva é aluna do mestrado em História da Universidade
Federal do Rio Grande (FURG)
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Editora Vozes: Petrópolis/RJ, 2008.
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Tradução de Christine Rufino Dabat. Recife: SOS Corpo, 1993. Disponível
em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1919.
GÊNERO E ENSINO DE HISTÓRIA: UM DEBATE SOBRE A QUESTÃO DA
MULHER ATRAVÉS DE CARTAZES SOVIÉTICOS
Fellipe Castanheira Soares
Shayane Martins Rodrigues Gomes
Introdução: As mulheres e a História
“Evidentemente, a irrupção de uma presença e de uma fala femininas em
locais que lhes eram até então proibidos, ou pouco familiares, é uma
inovação do século XIX que muda o horizonte sonoro. Subsistem, no
entanto, muitas zonas mudas e, no que se refere ao passado, um oceano de
silêncio, ligado à partilha desigual dos traços, da memória e, ainda mais, da
História, este relato que, por muito tempo, “esqueceu” as mulheres, como
se, por serem destinadas à obscuridade da reprodução, inenarrável, elas
estivessem fora do tempo, ou ao menos fora do acontecimento” (PERROT,
2005, p. 9).
Este texto tem como objetivo refletir sobre o protagonismo de questões
relacionadas à mulher nos conteúdos do Ensino de História, e
consequentemente, oferecer caminhos e possibilidades que proporcionem o
debate em sala de aula sobre o lugar do gênero feminino na sociedade,
visando desconstruir estereótipos e opressões historicamente construídas.
Conforme afirmam Colling e Tedeschi (2015, p.296), desde que a História
passou a existir como disciplina científica, por volta do século XIX, o lugar
da mulher dependeu das representações formuladas pelos homens, que
foram por muito tempo os únicos historiadores oficiais, escrevendo a
história do ponto de vista masculino como universal. Neste sentido, o papel
da mulher acabou relegado ao silêncio e invisibilizado, como apontado por
Michelle Perrot, autora de “As mulheres ou os silêncios da história”. A
historiadora francesa, tida como uma das fundadoras do campo
historiográfico denominado “história das mulheres”, empreendeu em seu
trabalho o esforço de trazer para o lugar central das narrativas históricas
grupos e sujeitos historicamente excluídos, como o caso das mulheres, em
um contexto de profundas mudanças nos paradigmas históricos, com o
advento da terceira geração dos Annales, que ampliou o olhar para novos
objetos e temas de estudos, e também, em uma década de ascensão do
movimento feminista no mundo ocidental.
No entanto, apesar dos avanços conquistados neste âmbito nas últimas
décadas do século XX, consideramos a presença e o protagonismo feminino
no campo da História ainda muito aquém do necessário para a construção e
o alcance de uma sociedade com igualdade de gênero. Se nos voltarmos
para pensar a História enquanto disciplina escolar, podemos também
perceber tal insuficiência, apesar das recentes orientações curriculares que
buscam estimular a introdução da questão de gênero no ensino. O trabalho
de Mistura e Caimi (2015) ao analisar a presença/ausência das mulheres
nos livros didáticos constata que “a representação do gênero feminino é
parca na maioria dos livros”, e também que “as mulheres são apresentadas
de forma homogênea em várias obras e são ignoradas por completo em
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muitas outras” (p.243). As autoras acrescentam ainda que mesmo
incorporando mais figuras femininas aos conteúdos, especialmente em
espaços públicos, estas ficam restritas a um grupo generalizado – nas
questões de inclusão de seu direito de voto – ou em um grupo muito
específico e representativo – nas mulheres ícones de movimentos artísticos,
por exemplo. Quando de fato são incluídas nas discussões, as mulheres
ainda figuram nas bordas e margens das produções didáticas, em quadros
específicos e em situações pontuais, sem evidentes impactos sobre os
processos históricos.
Sendo assim, concordamos com Colling e Tedeschi (2015), ao destacarem a
importância da abordagem da questão de gênero no âmbito escolar:
“Pensar, discutir, escrever, falar sobre as relações de gênero junto com o
ensino da história é uma tarefa urgentíssima. Se entendermos que é
necessário modificar a cultura em relação ao que pensamos sobre os papéis
sociais dos homens e das mulheres, dois lugares de mudança de
mentalidades são fundamentais: o lar, no qual meninos e meninas recebem
as primeiras noções do que é ser homem/ser mulher e o papel que cabe a
cada um(a) na sociedade; e a escola, onde as desigualdades de gênero são
plantadas ou reafirmadas.” (COLLING;TEDESCHI, 2015, p.299)
A partir desta problemática exposta, propomos discutir aqui caminhos e
possibilidades que contribuam para sua superação, inserindo o debate sobre
gênero nas aulas de História. No entanto, chamamos atenção, como aponta
Tedeschi (2003, p.2) que a introdução da questão de gênero no ensino de
história não deve “acoplar a questão feminina como questão exótica à
parte”. O que é interessante, segundo o autor, é enxergar a mulher na
história integrada aos processos históricos, pois a mesma não esteve a
parte deles, mas foi sim excluída da historiografia oficial durante muito
tempo.
Neste sentido, nossa opção neste trabalho será de apresentar a temática da
Revolução Russa, que aparece como conteúdo curricular no 9º ano do
ensino fundamental e também no 3º ano do ensino médio, como um item
com enorme potencialidade para promover discussões sobre igualdade de
gênero, direitos das mulheres e protagonismo feminino na História.
A mulher na Rússia revolucionária
O processo revolucionário russo de 1917 que culminou com a vitória dos
bolcheviques e a construção da URSS, o primeiro Estado Socialista de toda
história, foi marcado, dentre outras coisas, por uma intensa participação
feminina no movimento, em uma época que a condição de opressão sobre
as mulheres por todo mundo era ainda mais acentuada que nos dias de
hoje. A proposta de uma sociedade revolucionária, derrubando o
capitalismo e construindo o socialismo, passava também pela busca de uma
nova posição social da mulher, que a colocasse em condições de igualdade
perante aos homens, participando da política, do trabalho e da vida pública.
A importante participação feminina na Revolução Russa é perceptível desde
a sua primeira etapa, em março de 1917, momento que resultou na queda
do czar e na formação de um governo provisório. Foi no dia 8 de março Dia Internacional da Mulher - que uma greve de mulheres operárias,
seguida de manifestações por diversas partes do país, alastrou o
movimento que iria derrubar a monarquia czarista (HOBSBAWN, 1995,
p.67). Assim, após a revolução, o dia 8 de março passava a ser
comemorado na Rússia e em outras partes do mundo, como Dia
Internacional das Mulheres Trabalhadoras, sempre buscando lembrar a
importância das mulheres no processo revolucionário russo e também
sobre a necessidade de se lutar pela igualdade de gênero. (GONZÁLES,
2010)
Neste sentido, os primeiros anos após o triunfo revolucionário de 1917
marcam um momento de intensa organização das mulheres russas. Em
1919 foi criado o “Jenotdel”, o departamento de mulheres do Partido
Comunista, tendo como uma de suas lideranças mais proeminentes
Alexandra Kollontai, uma das figuras mais importantes do processo
revolucionário. O objetivo de Kollontai e das revolucionárias russas seria
construir a Nova Mulher, entendida como a mulher emancipada, livre das
amarras opressoras do patriarcado, dos serviços domésticos, do
analfabetismo, da religião e da despolitização. E, nestes aspectos, a
revolução comunista abriria o horizonte para que se alcançasse tais
objetivos. (SENNA, 2017, p.105)
A demanda da luta pela igualdade de gênero e da emancipação feminina no
contexto pós revolucionário se estendia também a outros membros do
partido bolchevique, inclusive seu principal dirigente, Lenin, que afirmava
que “enquanto as mulheres não forem chamadas a participar livremente da
vida pública em geral, cumprindo também as obrigações de um serviço
cívico permanente e universal, não pode haver socialismo, nem sequer
democracia integral e durável” (LENIN apud SENNA, 2017, p.105). Sendo
assim, sair do ambiente doméstico e participar dos espaços públicos,
discutindo ideias e questões políticas era um fator determinante para a
emancipação feminina, e que deveria se tornar uma pauta do partido.
A participação feminina na Revolução Russa de 1917 abriu espaço para um
crescente número de direitos e liberdades que foram conquistados, e que
expandiram-se pelo menos durante as duas primeiras décadas da União
Soviética, conforme mostra a obra de Wendy Goldman “Mulher, Estado e
Revolução”. Neste período foram tomadas diversas medidas que buscavam
proporcionar a igualdade entre os homens e as mulheres, como por
exemplo, o direito das mulheres ao divórcio, ao casamento civil, ao aborto
e a votarem e serem votadas, além do acesso à educação de forma
igualitária e a equiparação dos salários entre os gêneros. No entanto, era
preciso avançar para além do âmbito formal, mais do que leis e decretos
que propusessem a igualdade jurídica, fazia-se necessário convencer e
propiciar às mulheres que participassem da vida pública. Assim, o partido
bolchevique buscou solucionar tal questão com a criação de instituições
públicas e gratuitas, como restaurantes e creches, que permitissem a
mulher poder se desprender de suas obrigações domésticas historicamente
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construídas, tendo mais liberdade para ocupar os mesmos espaços que os
homens ocupavam nas esferas políticas, econômicas e culturais.
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Os cartazes soviéticos e a questão da mulher: possibilidades na aula
de História
A propaganda foi uma das estratégias mais claras do convencimento da
população quanto a revolução que estava sendo estabelecida na Rússia
após 1917 e a nova sociedade que se buscava construir. Por se propor
como algo totalmente inédito, o Estado Soviético precisava apresentar as
novas ideias para o povo, e assim buscar convencê-los, visando transformar
a consciência e a prática das pessoas.
Devido ao fato da Rússia ser uma nação majoritariamente analfabeta no
início do século XX, sobretudo a população feminina, parte da estratégia de
propaganda do discurso político dos revolucionários e revolucionárias
bolcheviques se dava através do uso de imagens. Desta forma, “cartazes
vivazes com formas simplificadas e com pouco ou nenhum conteúdo escrito
conseguiam dialogar de maneira impactante e generalizada com a
população” (SENNA, 2017, p.110). Parte significativa destes cartazes de
propaganda soviética relacionava-se com as questões aqui discutidas, sobre
a emancipação feminina, e buscavam transformar a mulher russa, ao
mesmo tempo, em público e representação, a fim de convencê-la a ocupar
novos espaços na sociedade e participar ativamente da vida pública e da
política.
No campo da História, desde os Annales, quando se ampliou a noção de
documento, as imagens assumiram papel preponderante enquanto fonte
histórica. No âmbito do ensino, devemos destacar que o uso de imagens é
uma realidade cada vez mais presente nas salas de aula nas últimas
décadas. Conforme aponta Fonseca (2003, p.163), esta opção metodológica
é fruto do processo de crítica ao uso excessivo de fontes unicamente
textuais e tradicionais, e da exclusividade do livro didático como ferramenta
da prática de ensino de História.
Porém, de acordo com Bittencourt (2005, p.353), o uso de imagens nas
aulas de História deve vir acompanhado de certo rigor metodológico, para
que não sejam usadas apenas como recurso atrativo ou ilustrativo, como
aparecem em muitos livros didáticos. Segundo Peter Burke (2004), as
imagens não são apenas simples reflexos de suas épocas, mas também
extensões dos contextos sociais em que foram produzidas, logo, devemos
submetê-las a uma cuidadosa análise, principalmente de seus conteúdos
mais subjetivos. Por isso é necessário que se tenha o máximo possível de
informações sobre o objeto iconográfico, realizando uma leitura crítica,
buscando perceber quais as intenções contidas, como e quando foi
produzido, sua finalidade, seus significados e valores para a sociedade que
o produziu, etc.
Sendo assim, para finalizar o objetivo deste trabalho, apresentaremos a
seguir sugestões de atividades envolvendo alguns cartazes soviéticos
produzidos nas duas primeiras décadas após a Revolução de 1917, e que
tiveram como foco a questão da emancipação da mulher e a discussão
sobre seu lugar na sociedade, possibilitando assim, a inserção do debate
sobre gênero nas aulas de História. Após a apresentação das imagens,
proporemos um possível roteiro de análise e apontamentos a serem feitos
no diálogo com os estudantes, a fim de obter um melhor desenvolvimento
na aula.
Imagem 1
Abaixo a escravidão da cozinha! Dê-nos uma nova existência!, Gregory
Shegal, 1931
Fonte:
http://exhibitions.globalfundforwomen.org/community/viewImage?id=3233
O cartaz acima pode começar a ser questionado através de parte de seu
título “Abaixo a escravidão na cozinha!”. Propomos indagar aos alunos e
alunas os motivos que acreditam justificarem este título, a partir do que
vêem na imagem. O objetivo deve ser perceber e discutir os fatores
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limitantes a mulher em uma sociedade que deposita apenas nelas as
“obrigações do lar”, como por exemplo, as tarefas da cozinha.
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Em seguida, olhando para a imagem e mediante a parte complementar do
título do cartaz “Dê-nos uma nova existência!”, buscaremos responder a
seguinte questão: o que é apresentado para a mulher de vestimenta azul,
que realiza as tarefas domésticas, por meio da porta que é aberta pela
mulher de roupa vermelha? Na imagem podemos observar prédios, que
caracterizam um ambiente urbano, contendo placas que indicam “clube”,
“cafeteria” e “berçário”. Desta forma, o cartaz visava estimular a mulher a
abandonar suas tarefas domésticas e adentrar o espaço público.
Imagem 2
Isto é o que a Revolução de Outubro deu às mulheres trabalhadoras e
camponesas, autor desconhecido, 1920
Fonte:
http://exhibitions.globalfundforwomen.org/community/viewImage?id=3232
O título deste cartaz deixa bem claro que se trata das conquistas obtidas
pelas mulheres após a Revolução de 1917. A mulher retratada aponta em
direção a uma biblioteca, uma cafeteria, um clube de trabalhadores e uma
escola. A partir desta fonte, é possível debater os direitos legais que a
primeira constituição soviética permitiu às mulheres, como por exemplo, a
liberdade para estudar e trabalhar.
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Imagem 3
8 de março - dia de insurreição das trabalhadoras contra a escravidão na
cozinha, B. Deykin, 1932
Fonte: https://www.sovietposters.com/showposter.php?poster=449
Este cartaz comemorativo do Dia Internacional da Mulher Trabalhadora,
expõe mais uma vez o termo “escravidão na cozinha”. Na imagem, é
possível ler “8 de março - dia de insurreição das trabalhadoras contra a
escravidão na cozinha”. O primeiro ponto a ser destacado deve ser o da
data, que se consolidou como um dia comemorativo das mulheres do
movimento operário em princípios do século XX. A partir desta informação,
é possível promover um debate com os estudantes sobre o significado do
dia 8 de março no Brasil e no mundo atual, relacionando-o com seu
significado no passado, sobretudo na sociedade soviética, onde era tratado
como pontapé inicial da revolução e responsável pelo início da luta pela
emancipação feminina das tarefas domésticas.
Posteriormente, observando a imagem, podemos questionar qual a
representação da mulher empunhando uma bandeira vermelha ao estender
a mão para ajudar a que está caída? A mensagem é uma explícita
propaganda do partido, de que a emancipação da mulher apenas seria
alcançada com o engajamento na construção do comunismo. Chama
atenção também, o estímulo a coletividade entre as mulheres, convocandoas a estarem unidas na construção de um futuro melhor.
Considerações Finais
Nosso objetivo aqui não foi o de realizar uma profunda análise sobre
nenhum dos assuntos expostos, mas sim de refletir sobre a necessidade de
se abordar questões relacionadas ao gênero nas aulas de História, tendo em
vista que este debate se faz extremamente necessário atualmente. Desta
forma, buscamos propor, a partir de uma temática que compõe o currículo
de História no ensino básico, algumas atividades possíveis a serem
desenvolvidas em sala de aula relacionadas à questão de gênero.
A escolha do tema foi motivada por um trabalho desenvolvido no estágio
supervisionado de prática de ensino, que envolveu os conteúdos aqui
expostos, sobre a questão da mulher no contexto da Revolução Russa, e
também, de discussões particulares dos autores sobre o assunto, motivados
por leituras diversas e a busca incessante da superação das desigualdades
de gênero.
Por fim, devemos ressaltar, a fim de esclarecimento e para se evitar
confusões, que o debate sobre emancipação feminina na Rússia soviética,
apesar de ter apresentado avanços e conquistas, como os já citados, não
significou o fim das condições de opressão sobre a mulher e tão pouco o
alcance da igualdade perante aos homens. Este foi um desafio que se fez
presente ao longo de toda existência do primeiro Estado Socialista da
História, e ainda se faz, em nossas sociedades contemporâneas.
Referências
Fellipe Castanheira Soares, bacharel e licenciado em História pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Shayane Martins Rodrigues Gomes, bacharel em Ciências Biológicas e
licencianda do mesmo curso pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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História. In: IX Jornada de ensino de História, Ijuí, 2003.
CHRISTINE DE PIZAN (1363-1430) E OS ESPAÇOS DE ATUAÇÃO
FEMININA NA OBRA A CIDADE DAS DAMAS (1405)
Gizelle Ribeiro da Silva
Christine de Pizan
Christine de Pizan foi filha de Thomas de Pizan (c. 1310-1387), médico,
astrólogo e intelectual que trabalhou na corte francesa de Carlos V (13641380). Christine nasceu em Veneza no ano de 1364. Mudou-se para o Reino
da França aos 4 anos, onde manteve contato com obras de literatura,
mitologia, entre outros. Assim, Pizan cresceu em um ambiente propício à
educação e teve acesso a mesma educação direcionada a membros da corte
real, pois foi Carlos V que determinou que a filha de seu médico pessoal
tivesse este acesso educacional. (Souza, 2013, p. 20).
Como afirma Macedo: “Cristina teve clara consciência de si própria e de sua
condição de poetisa e escritora. Interessava-se pela organização de seus
livros, pela direção dos copistas envolvidos na preparação dos manuscritos,
pela ilustração de cada um deles. Era reconhecida como autora brilhante já
em vida, a ponto de seu amigo João Gerson tê-la qualificado de insignis
femina, virilis femina (mulher insigne, mulher viril) (...). A atuação de
Cristina pode ser notada também no plano político. Sua brilhante carreira
literária permitiu que frequentasse, juntamente com os filhos, as cortes da
alta nobreza” (Macedo, 2002, p. 93-94, 96).
Como era costume nas famílias deste contexto, aos 15 anos Christine
casou-se com Etienne du Castel, um jovem nobre que, após alguns anos de
casado, assumiu a função de secretário do rei Carlos V. Com ele, Christine
teve três filhos, e os pesquisadores da sua vida supõem que o seu
casamento era harmonioso e seu marido a encorajou a continuar com os
estudos. Porém, ficou viúva aos 25 anos (Neri, 2013, p. 70). Diante das
perdas que tivera e tendo que assumir a administração da casa, Christine
viu no domínio da escrita a solução para providenciar o sustento de sua
família. Segundo Luciana Calado, Pizan foi a primeira “mulher a exercer o
ofício de escritora, como profissão e fonte de renda” (Calado, 2006, p. 15).
Assim, Christine conseguiu se movimentar no meio literário masculino por
ser bem relacionada e viver na corte real francesa. Primeiro, quando lutou
por seus direitos quando ficou viúva; e depois quando decidiu atuar em um
espaço exclusivamente masculino e trabalhar, levando, com isso, a refletir
sobre a situação de inferioridade da mulher na sociedade na qual vivia,
fazendo, assim, vários questionamentos sobre os motivos dos seguidos
ataques que sofria no meio literário, como os realizados por João de Meung,
o qual ela admirava, porém, questionava (Souza, 2013, p. 29). Nesta
trajetória, uma de suas principais obras foi “A cidade das damas”.
A obra “A cidade das damas”
A obra “A cidade das damas” utiliza em sua narrativa os chamados
exempla, ou seja, pequenas histórias de cunho moral, fictícias ou não, as
quais eram utilizadas para fazer com que seus leitores seguissem bons
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exemplos, sendo um tipo de texto que foi muito utilizado no período
medieval. Esse tipo de texto servia para que os ouvintes tivessem exemplos
morais a seguir, para, por exemplo, se afastarem do pecado e de
pensamentos e atitudes imorais. Alguns autores durante o período medieval
fizeram obras voltadas para essa temática abordando os pecados e as
virtudes, entre eles Christine (Calado, 2006, p. 58).
A ideia de recuperar do passado e ressignificar a memória de mulheres
virtuosas e com vidas exemplares, na visão de Christine, seria fundamental
para construção da cidade “A cidade das damas”, ou seja, uma cidade
imaginária, pois as suas qualidades seriam como as pedras que moldariam
a cidade. Neste sentido, recordamos o significado do conceito de memória
social de Patrick Geary, o qual demonstra uma intensa relação entre o
presente e o passado no contexto medieval (Geary, 2002, p. 167-181). Por
exemplo, mulheres guerreiras, como as amazonas, foram recuperadas do
passado por Christine para fazer parte das fundações, já que as mesmas
teriam que lutar para ter seu lugar no campo masculino, o qual, na visão de
Christine, era o campo das letras, pois as mulheres sábias poderiam
assegurar o conhecimento: “Na ‘cidade das Damas’ podemos contar mais de
100 exemplos de mulheres que figuram ali para ser imitados, desta maneira
a autora forneceu meios para que as mulheres pudessem desarmar seus
adversários e conseguissem triunfar sobre eles. O texto de Cristina foi todo
permeado por argumentos e exemplos capazes de mostrar o quanto as
mulheres poderiam deixar de ser sujeitos passivos em suas vidas (...)”.
(Souza, 2013, p. 61).
Os estudos sobre “A cidade das damas” estão inseridos em uma perspectiva
de mudança historiográfica ocorrida a partir da década de 60 do século
passado, e que obteve o seu auge em termos de reflexão intelectual na
década de 80, com o surgimento da categoria gênero. O desenvolvimento
da categoria gênero apresenta como principal característica uma
abordagem voltada para o âmbito da natureza e da cultura, possibilitando
uma crítica ao sexismo e afirmando que, na natureza, as desigualdades
entre homens e mulheres são estabelecidas com base nas diferenças físicas
entre os corpos. Assim, compreendemos que a categoria gênero é
importante não apenas para compreender o papel histórico imposto às
mulheres, mas também para fazer história da masculinidade e, portanto,
compreender melhor as relações de poder existente entre homens e
mulheres (Soihet, 2011, p. 406).
Neste sentido, segundo Scott:
(...) o desvio para o gênero na década de 80 foi um rompimento definitivo
com a política e propiciou a este campo conseguir o seu próprio espaço,
pois gênero é um termo aparentemente neutro, desprovido de propósito
ideológico imediato. A emergência da história das mulheres como um
campo de estudo envolve, nesta interpretação, uma evolução do feminismo
para as mulheres e daí para o gênero; ou seja, da política para a história
especializada e daí para a análise (Scott, 1992, p. 64-65).
Em cada capítulo da obra, a autora elabora argumentos através do diálogo
entre as damas alegóricas (Razão, Retidão e Justiça) acerca de temas que
eram apenas discutidos por homens e, com isso, ela defende o direito da
mulher para trabalhar com a palavra (Calado, 2006, p. 45).
Em sua obra, Christine de Pizan idealiza uma cidade na qual as mulheres
serão apreciadas e defendidas contra a misoginia. Pizan realiza isso
recuperando a memória de várias personalidades femininas e mitológicas do
passado que mantiveram, de acordo com ela, uma atuação destacada no
campo das letras e das ciências, ressaltando suas qualificações e
engrandecendo suas virtudes (Souza, 2013, p. 49).
A obra apresenta três figuras alegóricas que são as damas Razão, Justiça e
Retidão, com as quais Pizan realiza um diálogo tendo como objetivo
estabelecer a verdade acerca das mulheres e desconstruir estereótipos
negativos observados em seu contexto, ou seja, provenientes de um mundo
dominado pelo sexo masculino. Segundo Calado: “(...) a autora, num
primeiro momento, revida os ataques misóginos difundidos nas obras da
época, justificando com a citação de uma série de homens da história que
dão prova de covardia, fraqueza, ao mesmo tempo em que resgata as
mulheres de força, coragem, inteligência. Em seguida ela abre espaço para
um outro discurso, a questão do feminino/masculino como condição do ser
humano. Nesse caminho, são levantados vários exemplos de falha e
virtudes recíprocas, prova da complexidade e imperfeição da própria
condição humana” (Calado, 2006, p. 105).
A estrutura textual da obra A cidade das damas
Fazendo várias lamentações acerca da mulher e se questionando sobre o
motivo de existirem diversos ataques à conduta das mulheres, Christine
adormece e então é despertada pelas três damas. Na primeira parte do
livro, as damas debatem com Christine a respeito das suas lamentações e
cada dama se apresenta informando o nome e a sua função. Em seguida, é
apresentada a cidade que foi destinada a Christine para ser construída, e
então cada dama se aproxima e informa a Christine de que forma cada uma
irá colaborar para a construção da cidade (Souza, 2013, p. 61).
Na segunda parte de “A cidade das damas”, Christine é chamada pela dama
Retidão para dar andamento à construção da cidade: “Pegue as tuas
ferramentas e venha comigo. Não hesite; misture a tinta no cartucho e,
com a tua pluma, comece a construção, pois fornecerei o material suficiente
para, em poucas horas, e com ajuda divina, termos edificado altos palácios
reais e nobres mansões de excelentes e ilustres damas gloriosas (...)”
(Pizan, 2006, p. 209).
Na terceira e última parte da obra, a dama Justiça surge na narrativa com a
função de fortificar a cidade. Neste sentido, Maria, que no contexto de
Christine já tinha o seu culto estabelecido e consolidado na Cristandade, é
coroada como a rainha da cidade. Nessa última parte, Christine apresenta
as santas mulheres que só se casaram com Deus, rejeitando serem
submissas aos homens. Entretanto, ela também apresenta vários exemplos
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de mulheres que amavam seus maridos, porém, sendo apegadas a fé
(Souza, 2013, p. 80).
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História:
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Os espaços de atuação feminina destacados por Pizan
Nesse ponto, vamos analisar, de acordo com Pizan, algumas afirmações
masculinas sobre alguns espaços de atuação feminina. Tais espaços
referem-se, por exemplo, ao espaço intelectual, ao espaço dos saberes
relacionados à adivinhação, ao espaço da atividade tecelã e ao espaço da
administração. Para isso, é necessário resgatar o conceito de memória
social que apresentamos no começo deste trabalho, o qual demonstra uma
intensa relação entre o presente e o passado no contexto medieval (Geary,
2002, p. 167-181). Ou seja, a memória social serve como um repositório no
qual podem ser encontrados exemplos do passado, os quais podem ser
utilizados e reinterpretados a partir do contexto contemporâneo do autor,
que realiza modificações no mesmo a partir do seu presente.
Primeiramente, vamos analisar o seguinte fragmento: “Boccaccio fala ainda,
confirmando a tese que expus, daquelas mulheres que não acreditam em si
nem em suas capacidades, como se tivessem nascido nas montanhas
longínquas, ignorando o que é o bem e o prestígio, e que se desencorajam
e dizem que não servem a outra coisa além de atrair os homens, e de pôr
no mundo e educar os filhos” (Pizan, 2006, p. 178).
A autora engradece algumas mulheres que se afastaram dos deveres
femininos para se empenharem no estudo de grandes autores. Christine
aborda essa temática na obra para exemplificar para aquelas mulheres que
não acreditam na sua capacidade em relação à aprendizagem de filosofia e
das ciências, assim como em confiar em si mesmas e se debruçarem em tal
atividade.
Além disso, Christine comenta que por conta da educação que as mulheres
tinham passaram a não acreditar em si mesmas no que diz respeito ao
estudo das letras e das ciências, isso porque a educação feminina era
voltada para os cuidados da casa e dos filhos, e poucas tinham a
oportunidade de acesso à educação. Além disso, no pensamento masculino,
a mulher deveria desempenhar atividades do lar destinados a mulher. Outra
acusação masculina em relação às mulheres era a fama de sempre estarem
atraindo a atenção dos homens.
Em sua obra, Pizan, a todo momento, resgata personagens do passado para
fortalecer os seus argumentos. Segundo Pizan: “Muito ilustre também foi
Proba, de Roma, esposa de Adelfo. Era cristã e de grande inteligência.
Amava tanto os estudos e se dedicou com tanto ardor que conseguiu
aprender as setes artes liberais, tornando uma grande poetisa. Voltou-se
particularmente ao estudo dos textos em versos, em especial, os poemas
de Virgílio, que tinha sempre em mente. Uma vez lido com grande
empenho, e procurado entender bem o significado, resolveu colocar em
versos harmoniosos e densos os dez livros da Sagrada Escritura e as
histórias do Velho e Novo Testamento. Certamente, disse Boccaccio, é de
causar espanto que uma tal ideia nasça de um cérebro de uma mulher”
(Pizan, 2006, p. 178).
Christine aborda o assunto da educação feminina trazendo o exemplo de
Proba. Segundo Pizan, Proba dedicou-se ao estudo das obras de Virgílio
procurando entender como o mesmo escrevia, dessa forma ela resolveu
fazer seus versos e colocá-los em livros e, com esse desempenho,
Boccaccio afirmou que era de se admirar que tais versos saíssem da cabeça
de uma mulher. Em sua narrativa, Christine evidencia as mulheres voltadas
para as letras, e algumas que se destacaram. Entretanto, na obra “A cidade
das damas”, as mulheres que desempenharam um importante papel na
prática de adivinhações tiveram seu espaço social destacado e assim ela
cita algumas que se tornaram grandes mestras em tal atividade.
Outra personagem do passado resgatada por Pizan foi Mantoa. Segundo
Pizan: “Esta mulher, chamada Mantoa, vivia na época de Édipo, rei de
Tebas. Ela tinha uma inteligência tão grande e tão nobre que dominava a
piromancia, quer dizer a arte de ler o futuro através do fogo. Dizem que os
Caldeus, que praticavam essa arte na Antiguidade, a descobriram; já outros
dizem que foi o gigante Nemrod. Não havia na época nenhum homem que
soubesse mais do que aquela virgem o movimento das chamas, as cores ou
o barulho do fogo” (Pizan, 2006, p. 181).
A autora inseriu na narrativa a história de Montoa para exemplificar as
mulheres que desempenharam com sucesso a atividade de adivinhação. Ela
a descreve como uma virgem inteligente que viveu no período de Édipo que
e dominava a piromancia, ou seja, a arte de ler o futuro através do fogo.
Observamos até o momento a recuperação de mulheres que
desempenharam muito bem as atividades que tiveram acesso, tanto nas
letras como nas artes de adivinhações. Christine resgata o exemplo dessas
mulheres para mostrar aos homens que duvidavam da capacidade das
mesmas e que as caluniavam, onde ela comprova através desses exemplos
que muitas mulheres tinham a mesma inteligência e desenvoltura que eles
para realizarem diversas atividades.
Podemos observar outro espaço de atuação feminina proposto por Pizan
neste fragmento, ou seja, o educacional, utilizando o exemplo da nobre
Carmenta:
“Que se calem! Que se calem a partir de agora, os clérigos que maldizem as
mulheres, e todos aqueles aliados e cúmplices as criticam em seus livros e
poemas! Que baixem os olhos de vergonha de ter ousado mentir em seus
escritos, quando vemos que a verdade contraria o que eles dizem, uma vez
que a nobre Carmenta foi para eles uma professora – isso eles não podem
negar-, e que eles receberam de sua alta inteligência o conhecimento da
escrita latina de que eles se orgulham tanto e se sentem honrados” (Pizan,
2006, p. 192).
Christine colocou na sua obra mulheres com feitos exemplares para
desconstruir as críticas masculinas existentes em livros e poemas,
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História:
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Aprendendo
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mostrando, dessa forma, as virtudes e fazendo eles se envergonharem das
calúnias lançadas às mulheres. Por exemplo, provando ao contrário do que
os homens diziam, principalmente em áreas voltadas para as letras, como o
exemplo dado da jovem Carmenta que demonstrou seu desempenho na
língua e na escrita latina, da qual os homens se orgulhavam por serem os
únicos a saberem. Assim, a autora demonstrou que não eram apenas eles
que tinham a sabedoria para ter conhecimento sobre a língua latina.
Assim, como a autora mostra na obra mulheres que tiveram destaque nas
ciências, ela dá ênfase também para aquelas que tiveram bom desempenho
no artesanato, trazendo com suas peças de arte uma melhor qualidade de
vida para a comunidade que as cercava. Para isso, ela cita o exemplo de
Aracne:
“Foi ela [Aracne] quem primeiro descobriu como cultivar o linho e o
cânhamo, como ordenar, e isolar as fibras têxteis por maceração e depois
fiar e tecer no fuso. Ouso afirmar que esta atividade foi bastante necessária
para a humanidade, mesmo se muitos homens reprovam às mulheres de
praticá-la. Foi também Aracne quem descobriu a arte de fabricar redes,
laços e esteiras para pegar pássaros e peixes” (Pizan, 2006, p. 194).
Com relação à atividade têxtil, os homens não estavam de acordo que as
mulheres a praticassem. Entretanto, Christine relata a história de uma
jovem Aracne, que aprendeu a trabalhar com redes, esteiras e foi ela quem
primeiro soube como fabricar o linho, e que essa prática trouxe benefícios a
sua comunidade. As mulheres citadas na obra de Christine de Pizan
trouxeram benefícios para a sociedade ao longo da história, e mesmo que
algumas sejam mitológicas elas contribuíram para conscientizar as
mulheres da sua aptidão.
Considerações finais
O objetivo deste trabalho foi analisar a obra de Christine de Pizan, “A cidade
das damas”, destacando os espaços nos quais, para a autora, a mulher, no
contexto do começo do século XV, tinha uma atuação ativa. Neste sentido,
podemos observar que a autora faz uma reflexão, através da recuperação
de diversas personagens do passado, sobre a presença feminina na
educação e nas letras. Nesse ponto observamos as injúrias masculinas e
destacamos, a partir da visão de Christine, as mulheres que se
sobressaíram nos estudos, tais como filósofas e poetisas, onde mostramos
vários exemplos apresentados por Christine, a qual, ao contrário da visão
misógina da época, demonstrou o local de atuação das mulheres do seu
período, contrariando as injúrias lançadas pelos homens.
Com isso, analisamos neste trabalho como as mulheres eram vistas no
Medievo tanto a partir da visão masculina, uma visão misógina, quanto a
partir da visão feminina, especificamente de Christine de Pizan. Neste
sentido, desenvolvemos questões sobre como eram imaginadas naquele
período, o contexto social no qual viviam, assim como podemos
compreender os espaços em que eram impedidas de atuar e principalmente
as críticas que foram tecidas em relação a este grupo social.
Também podemos observar, através da narrativa da obra “A cidade das
damas”, como Christine de Pizan desconstruiu o discurso misógino com o
qual convivia, utilizando argumentos fundamentados nos exemplos de
várias mulheres que tiveram destaque na história e outras que foram
resgatadas do campo mitológico para compor sua cidade imaginada e, com
isso, desconstruir as críticas laçadas pelos homens. Ao longo da leitura e
análise da obra, Pizan deixa claro que as mulheres assumiram posições e
desenvolveram atividades que eram restritas aos homens e, com isso,
observamos uma desconstrução da visão masculina quanto às habilidades
da mulher no Medievo, assim como nas próprias mulheres, ao tomarem
consciência de sua habilidade e colocá-la em prática.
Referências
Gizelle Ribeiro da Silva é graduanda em Licenciatura Plena em História na
Universidade de Pernambuco – UPE (Campus Petrolina). Orientador: Prof.
Dr. Luciano José Vianna (UPE – Campus Petrolina). É integrante do Spatio
Serti – Grupo de Estudos e Pesquisas em Medievalística da UPE/Petrolina.
Fonte
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Freitas. A cidade das damas: a construção do imaginário utópico de
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CALADO, Luciana Eleonora de Freitas. Introdução. In: CALADO, Luciana
Eleonora de Freitas. A cidade das damas: a construção do imaginário
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feminilidade para Cristiane de Pizan na frança do início do século XV.
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Aprendendo
História:
GÊNERO
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GÊNERO ESTIGMATIZADO: CONTROLE SOCIAL E MARGINALIZAÇÃO
DAS PROSTITUTAS NO SÉC. XIX
Heloísa Raquel da Silva
Christian Fausto Moraes dos Santos
Aprendendo
História:
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Introdução
Desde o surgimento da sífilis (Treponema pallidum) e apesar de todas as
teorias formuladas sobre suas formas de contágio, a responsabilidade
acerca de sua propagação sempre recaiu sobre as mulheres, em especial as
trabalhadoras do sexo. A medicina, a partir do século XIX, enquanto agente
normatizador e fiscalizador dos corpos, agiu de forma categórica. Através
de processos de higienização, estabeleceu duras regulamentações que se
consolidavam na forma de leis, regulamentos ou manuais.
Construção do Gênero “inferior” através da medicina
Até o século XVII, a visão sobre o corpo e a sexualidade era resultado da
conciliação dos preceitos de ordem social, o respeito pela religião e o
crescimento demográfico. A cultura do período era categórica em tachar os
indivíduos e principalmente seu comportamento como “lícito” ou “ilícito”, a
partir de critérios que variavam de acordo com a classe social, idade, normas
médicas e, principalmente, o sexo. O corpo é o agente dos atos sexuais
proibidos, ele protagoniza as dificuldades das imposições culturais e
legislativas. Havia uma grande complexidade entre o que era imposto e as
experiências cotidianas, relacionadas a sexualidade (Matthews-Grieco In
Vigarello, 2008: 219).
A partir do século XVIII, uma crescente sociedade burguesa, munida de um
grande senso de pudor, faz do corpo e da sexualidade assuntos evitados e até
mesmo proibidos (id. ibid.). A ascensão dessa burguesia vem acompanhada de
uma nova ferramenta de poder baseada na disciplina. Esse poder disciplinar se
caracteriza por uma intervenção positiva, que gera transformação social. O
projeto normativo burguês se baseia na norma como um critério de
qualificação e de correção ao mesmo tempo (Miskolci, 2002/2003: 110).
Simultaneamente, através do fenômeno da medicalização dos hospitais, a
medicina passa a exercer um papel fundamental no controle e administração
dos corpos, interferindo no cotidiano. É ela quem vai definir as regras que vão
orientar a vida moderna, não apenas no que diz respeito a doenças, mas
também em vários aspectos da vida dos indivíduos, como a sexualidade, a
fertilidade e outros. (Foucault, 1996). Sob a influência de estudos como o de
Isaac Newton, o estudo médico baseia-se, cada vez mais, na observação e
experimentação ao longo do século XVIII. Diante da possibilidade de
aprimorar a espécie humana, os valores higiênicos e valorização da força física
eram primordiais (Nunes, 2011: 138).
De um lado há a imposição da figura do médico como um ser socialmente
superior, ele adquire poder cultural e moral. E de outro, todo o imaginário que
convence a mulher da necessidade de ir ao médico com frequência. (Vieira,
2002). É no final do século XVIII e início do XIX que a apropriação da medicina
sobre o corpo feminino se legitima.
O papel da mulher era decisivo para a supremacia burguesa. Seguindo as
normas sociais, a medicina determinava que uma mulher saudável era a que
vivia em matrimonio, tendo relações sexuais com finalidade reprodutiva. Sua Aprendendo
subjugação garantiria a dominação patriarcal e, consequentemente, a História:
unificação familiar, o que seria legitimado pela negação da sexualidade GÊNERO
feminina (Silva, 2007: 794). Em sua discussão sobre saber, poder e sexo, Página | 123
Michel Foucault descreve uma histerização do corpo da mulher como um dos
dispositivos estratégicos de controle, processo pelo qual seu corpo foi
analisado e tido como portador de uma sexualidade inata e incontrolável e,
por isso, essencialmente doente. (Foucault, 1988).
A falta de poder quando se trata de sexualidade, coloca as mulheres em
posição de submissão aos pais, maridos e médicos, ao corpo da mulher
associa-se uma missão passiva e materna (Rohden, 2001). A prostituta, ao
subverter esta ordem e, de certo modo, retomar o controle de sua
sexualidade, é vista como doente. Uma das funções dos médicos era
evidenciar as consequências terríveis da prostituição. Consequências que
afetariam a sociedade em geral, uma vez que esta prática desestimulava o
trabalho e estimulava o vício e outros problemas morais. (Nossa, 2010).
Sífilis como agente enfraquecedor
A sífilis aparece como doença que causa o enfraquecimento da força de
trabalho. E é enquanto fonte e agente da propagação da sífilis que recai a
ênfase maior do discurso sobre a prostituta (Engel, 1989: 75). Neste contexto,
alegando a necessidade de impedir escândalos e a degeneração da família e
da moral, as prostitutas eram obrigadas a viverem em áreas específicas. Junto
a isso, havia no meio acadêmico do período, a visão da prostituição como
ameaça à saúde física.
Na tentativa de promover um crescimento populacional, visando aumentar seu
poder militar e econômico, os soberanos absolutos se interessam pela saúde
de seu povo (Faure In Corbin, 2008: 19). De agora em diante, o vocabulário e
a forma de pensar médicos passavam a ser utilizados como forma de poder. O
discurso médico se impunha de forma tão dominante e inquestionável, não
apenas pelos esforços da medicina e do Estado em regular a população, mas
pela própria sociedade, que estava obcecada, encantada e inquieta com o
corpo e suas implicações (ibidem). O caráter histórico das normas sexuais nos
mostra como as ideias de sexualidade são fruto de uma construção social,
evidenciando os pressupostos ideológicos que não se manifestavam
claramente à afirmação do caráter pleno das mesmas (Almeida, 1995).
É através da medicina que o Estado passa a reger o comportamento adequado
e aceito socialmente, a figura do médico ganha autoridade. Em meados do
século XIX, os médicos eram descritos como os primeiros disseminadores do
projeto de normalização do espaço social urbano (Engel, 1989: 39). A relação
entre o visível e o invisível se altera. É o início da racionalidade cientifica que
se impõe através da higiene pública, controle de nascimentos e demografia. A
preocupação com a questão demográfica e a busca por um controle
populacional são fatores estritamente ligados à medicalização do corpo
feminino (Vieira, 2002).
Aprendendo
História:
GÊNERO
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A prostituição se configura então, como uma fatalidade e como uma válvula de
escape. Fatalidade, porque é um mal necessário, que não deve ser eliminado,
mas controlado. Válvula de escape, porque atende as exigências dos instintos
masculinos e é, portanto, um escudo de proteção aos valores e padrões de
comportamentos (Engel, 1989: 110).
Alguns aspectos históricos da sífilis
Simultâneo ao regresso de Colombo de sua primeira viagem ao Novo Mundo
surge, em Barcelona, uma nova e aterradora epidemia. Ela transpassa as
classes sociais, atingindo tanto pobres quanto nobres e até mesmo
autoridades religiosas. Expande-se rapidamente e muitas pessoas padecem e
morrem. Toma grande proporção entre os homens do exército francês que
sitiava Nápoles, em 1494. A disseminação foi tão grave que os soldados são
dispensados. Consequentemente, espalham a doença pelos países que passam
e ela fica conhecida como “mal francês” (Papavero, Llorente-Bousquets,
Espinosa-Organista, 1995: 57).
Em meados do século XVI são feitas as primeiras associações entre o retorno
de Colombo das ‘Indias’ e esta doença. Sua origem passa a ser atribuída aos
nativos americanos. Outros acreditavam que a doença já existia na Europa
antes do descobrimento do novo continente. Foi Gerolamo Fracastoro que ao
estudar a origem da doença, batizou-a de syphilis, por causa de um mito
sobre o primeiro homem que foi acometido dela, Sífilo. (Ibidem: 60).
Nesse período, a sífilis era descrita como uma “sarna” que tomava o rosto e o
corpo, causando verrugas que eclodiam com cheiro fétido e acompanhadas de
dores terríveis. Alguns dos soldados pareciam bem, marcados apenas com
pequenas lesões no corpo e na língua, eram esses que frequentavam os
banhos públicos, iam aos cirurgiões-barbeiros para fazer sangrias e se
relacionavam com as prostitutas, disseminando a doença (Souza, 1996: 184).
Em Portugal há a ocorrência dos primeiros casos logo após o retorno de
Colombo do Novo Mundo. No Hospital Real de Todos os Santos é criada a
“casa das boubas” para tratamento dos doentes afetados pelo novo mal.
“Boubas” era o nome utilizado para designar uma grande variedade de lesões
sifilíticas, tais como feridas, abscessos, úlceras e verrugas (Veloso, 2001). Na
Europa, Portugal foi o país que mais tratou os doentes acometidos pela sífilis.
Se o excesso sexual originava a doença e o sexo fora do casamento era
pecado, a sífilis seria então um castigo divino (Souza, 1996). Apesar de todas
as medidas contra as prostitutas e o fechamento dos bordeis, a sífilis
continuava se propagando, então, conclui-se que os banhos públicos também
eram fonte de contaminação. Consequentemente, eles se tornaram cada vez
mais vazios, até serem extintos. E as pessoas passaram a utilizar perfumes
visando evitar o contágio através dos ares e dos lugares. Fontes
enciclopédicas do início do século XIX indicam que o contato com água era
difícil e o banho era sempre associado a fins médicos (Vigarello in Corbin,
2008: 376).
Propomos, portanto, a leitura, transcrição e análise da fonte documental
manuscrita inédita Methodo de atalhar a propagação da Syphilis nas casas
publicas de prostituição, de autor desconhecido, escrita em Portugal, no ano
de 1839. Bem como o estudo sistemático das regras e métodos propostos
para conter a sífilis nas casas de meretrício e sua significação de acordo com a
conjuntura médico/social do período. Objetivamos não somente contribuir com Aprendendo
a investigação no campo da História da Medicina na era moderna, mas, História:
também, fornecer um ensaio preliminar sobre o modo como as prostitutas GÊNERO
eram vistas e, consequentemente, submetidas a diversos tipos de Página | 125
regulamentações em Portugal no século XIX.
Conclusão
Em meados do século XVII, por causa da perda gradual da virulência da sífilis
e a diminuição dos sintomas, o pânico que a doença causava foi diminuindo,
os homens habituaram-se a conviver com a doença e oscilavam entre
despreocupação e medo. A necessidade de esconder as feridas e as úlceras do
pescoço, mãos e rosto, fez nascer a moda das cabeleiras postiças, luvas e
camadas de pó. (Souza, 1996).
As formas de prevenção foram negligenciadas, mesmo porque o paradigma
sanitário vigente não privilegiava o modelo preventivo. Consequentemente, a
taxa de portadores da doença aumentou; o resultado foi uma grave epidemia
no século XVIII. Coube à medicina alertar a gravidade da doença que, no
século XIX, também dissemina o pânico, bem como as medidas repressivas
contra as prostitutas. A crença de que a sífilis era transmitida por elas era
sempre a mais aceita e difundida, independente das outras teorias sobre o
contágio. A prostituição foi perseguida e ilegalizada, e as prostitutas sifilíticas
eram enclausuradas, enquanto durasse o tratamento, em enfermarias isoladas
e sem condições higiênicas ou humanitárias.
A sífilis foi uma doença pandêmica que acometeu toda a Europa, possuía
índices de mortalidade altíssimos. Por conta disso, a medicina se dedicava
intensamente a buscar as classes responsáveis por sua disseminação e a
estabelecer normas e regras que pudessem contê-la. Justificamos a pesquisa
aqui apresentada, sob a necessidade de esquadrinhar como se deu este
importante processo.
Referências
Graduanda do curso de História na Universidade Estadual de Maringá, bolsista
PIBIC com financiamento CNPq
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AS REPRESENTAÇÕES FEMININAS NOS CORDÉIS DA EDITORA
GUAJARINA EM BELÉM DO PARÁ DURANTE A PRIMEIRA METADE DO
SÉCULO XX
Hyago Lopes Farias
Nayrianne Rodrigues Alcântara Lopes
Introdução
O presente trabalho tem por objetivo compreender como as representações
femininas são descritas nos cordéis nordestinos, distribuídos em Belém pela
Editora Guajarina durante a primeira metade do século XX. Propõe-se a
partir da temática de gênero, compreender a construção da representação
das mulheres nos folhetos, analisando as críticas feitas pelos poetas às
transformações vivenciadas por elas no período.
A principal fonte é a literatura de cordel, por permitir captar as mudanças
do período estudado e como elas são percebidas pelos poetas. Para isso,
foram utilizados os cordéis da Editora Guajarina que estão localizados no
Acervo Vicente Salles do Museu da Universidade Federal do Pará. Os
folhetos são decorrentes das pesquisas do Vicente Salles, coletados durante
os seus anos de trabalho na área.
Segundo Menezes Neto (2012), a Editora Guajarina tem o início de suas
atividades em 1914, e em 1949 ocorre o fim dos seus serviços editoriais.
Diante disso, o parâmetro cronológico adotado para este artigo é baseado
nos cordéis que são indicados como fonte durante a pesquisa e no período
de funcionamento da editora em Belém, uma vez que todos os cordéis
analisados, foram publicados por ela. Embora, apenas quatro (4) dos nove
(9) cordéis selecionados estejam datados, é possível compreender pela
escrita dos poetas o contexto no qual estão inseridos.
A literatura de cordel como fonte de análise
No Brasil, a poesia de cordel tem a sua origem apresentada, de acordo com
Curran (1973), em duas maneiras: a ação espontânea dos poetas populares
de escrever e vender as poesias que anteriormente eram reproduzidas de
forma oral e a adaptação à poesia das histórias em prosa trazidas por
portugueses e espanhóis na segunda metade do século XIX.
A literatura de cordel é escrita por poetas semianalfabetos, sabendo ler e
escrever, mas com pouca escolaridade, é impressa nas pequenas lojas ou
nas casas dos autores, vendida em feiras, barracas de livros,
predominantemente no Nordeste, e posteriormente no Norte do Brasil.
Conforme Santos (1987), é necessário que seja considerado o perfil social
dos autores da literatura de cordel e os seus consumidores, quase sempre,
homens, podendo ser identificados nas camadas mais populares da
sociedade, com talento para contar histórias, que direcionam as suas
narrativas à comunidade da qual eles fazem parte e reconhecem nas
histórias retratadas as suas próprias experiências de vida.
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A poesia de cordel não se restringe apenas a romances ou histórias do
cotidiano, além disso, os poemas são considerados por pesquisadores da
área: memória, documento e registro de acontecimentos nacionais. Curran
(2001) discorre sobre o assunto e afirma que, são encontrados nos folhetos
circunstâncias do dia a dia, nos quais os poetas narram episódios da sua
comunidade, região e, até mesmo, mundiais, opinando sobre eles e
transmitindo ao consumidor local as mensagens referentes a uma cultura
nacional.
Assim, Pesavento (2006) considera que a verdade da ficção literária não
está na revelação da existência real dos personagens e fatos narrados, mas
em possibilitar a leitura das questões levantadas em suas respectivas
temporalidades. Para o historiador, que utiliza a literatura como fonte, o
que conta não é a autenticidade do fato, e, sim, os relatos que neles estão
presentes. Ou seja, o texto literário não se apresenta apenas como algo
próximo realidade que aconteceu, mas significa possibilidades, posturas de
comportamentos e sensibilidades sobre os períodos históricos nos quais
foram produzidos.
Diante disso, de acordo com Ferreira (2009) os cordéis, como produções
literárias, tornam-se consideráveis fontes para a pesquisa histórica por
expressarem valores, posicionamentos e circunstâncias, sendo vias de
acesso para a compreensão de contextos sociais e culturais. É nessa direção
que a análise dos cordéis, como fonte deste trabalho, é conduzida propondo
uma discussão atrelada aos estudos sobre o tema, destacando as
representações das mulheres pelos cordelistas da Guajarina nas primeiras
décadas do século XX.
Os impactos dos ideais de modernidade sobre o comportamento
feminino
Segundo Sarges (2010), a transição do século XIX para o XX, é marcada
pelo processo de modernidade, vivenciada em diversas partes do mundo,
sendo caracterizada pela industrialização da produção, pelo surgimento de
novas formas de tecnologia e, ainda se observa a troca de antigos hábitos e
ambientes por novos padrões de moderno. A sociedade brasileira passa por
intensas transformações no espaço público e privado.
Nesse período, se sucede a legitimação da medicina através dos novos
conhecimentos científicos que caracterizavam a profissão como essencial
para resolver problemas encontrados no dia a dia. Santos (2009) destaca
que, durante o século XIX, é iniciado o processo de institucionalização da
medicina como criadora de um saber capaz de ordenar e orientar toda a
sociedade, como na urbanização das cidades, no trabalho, nas ligações
familiares e sobretudo nos corpos masculinos e femininos.
Belém, conforme Sarges (2010), desde a segunda metade do século XIX,
vivenciou diversas transformações econômicas e sociais. Na virada para o
século XX, a administração da cidade se moderniza, passando a ser
preparada para funcionar como porto de escoamento da produção da
borracha, o qual, nesse especifico momento, é um dos principais produtos
da exportação nacional. O enriquecimento econômico proporciona a capital
paraense investimentos que são encaminhados para área urbana, como na
construção de prédios públicos, casarões de azulejos, praças.
Para Vieira (2015, p. 4) a higienização do espaço urbano em Belém foi
preocupação de autoridades e intelectuais do período, para eles a ciência
teria poder de reabilitar os ambientes e preparar o homem e a mulher para
viver com “honestidade” e “sem vícios”.
Em face dessas transformações, torna-se essencial reformular a família
brasileira para adequá-la aos moldes modernos. Às mulheres são definidas
funções que priorizavam o seu papel de mãe, tornando-a indispensável para
a educação e higienização dos filhos.
Historicamente, o papel da mulher esteve ligado a esfera privada, baseado
em crenças biológicas que determinavam a elas funções como, casar, gerar
filhos, educa-los para serem bons cidadãos e zelar pelo cuidado do lar.
Maluf e Mott (1998) compreendem que o papel primordial a ser exercido
pela mulher, na transição do século XIX para o XX, era o de esposa, mãe e
dona de casa. Essa idealização correspondia ao que era disseminado pela
Igreja, orientado pelos médicos e legitimado pelo Estado.
Nas primeiras décadas do século XX, segundo Rocha (2011), os ideais de
modernidade vindos da Europa e incorporados pelo Brasil promoveram, a
urbanização dos ambientes, a modificação dos costumes e a disseminação
da educação formal. Esse cenário propiciou mudanças no comportamento
feminino, as mulheres começam a circular no meio urbano, passam a ir aos
passeios, teatros, chás e bailes. A imagem feminina é construída em uma
conjuntura de mudanças, tais como no vestuário, no penteado, na
maquiagem e, principalmente, na forma em que se apresentam para a
sociedade.
Diante disso, há a reafirmação dos modelos ideais de feminino, obtendo
destaque a educação formal para as mulheres e a promulgação dos códigos
de condutas. Conforme Rocha (2011, p. 4) os “livres-pensadores”, nome
dado aos intelectuais e filósofos do período, defendiam a educação formal
feminina, em que privilegiasse a preparação para a vida doméstica,
estabelecendo a modelo de esposa e mãe apta para conduzir o lar,
dedicando-se a saúde dos filhos e dos membros da família. A educação
formal das mulheres, nesse período, é compreendida como forma de frear
as mudanças do comportamento disseminadas pelas ideias modernas.
Podendo ser observado no Código Civil de 1916:
“Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal.
Compete-lhe:
I. A representação legal da família.
II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao
marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adaptado,
ou do pacto antenupcial.
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(...)
IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do
tecto conjugal.
V. Prover à manutenção da família, guardada a disposição do art. 277.
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Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251):
I. Praticar os atos que este não poderia sem o consentimento da mulher.
II. Alienar, ou gravar de onus real, os imóveis de seu domínio particular,
qualquer que seja o regime dos bens.
III. Alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outra.
IV. Aceitar ou repudiar herança ou legado.
V. Aceitar tutela, curatela ou outro munus público.
VI. Litigiar em juízo civil ou comercial, anão ser nos casos indicados nos
arts. 248 e 251.
VII. Exercer profissão .
VIII. Contrair obrigações, que possam importar em alheação de bens do
casal.
IX. Acceitar mandato.
(BRASIL, 1916)”
O Código Civil estabelece regras a serem seguidas por homens e mulheres.
Assim, segundo Maluf e Mott (1998, p. 375) ao homem é dada a função de
“chefe da sociedade conjugal”, e a ele compete, por exemplo, a
administração dos bens comuns dos cônjuges e dos particulares da esposa,
evidenciando a dependência e subordinação da mulher ao chefe da família;
já a esposa foi apresentada como incapaz de exercer “determinados atos
civis”, sendo comparada as suas limitações com as dos índios, pródigos e
menores de idade.
Para as autoras, o Código definiu o papel de cada um dos cônjuges, e como
eles deveriam ser apresentados socialmente, caracterizando um conjunto
de normas com deveres e obrigações que deveriam ser seguidas afim de
garantir a composição familiar. Desse modo, a cada integrante do
matrimônio deu-se tarefas distintas, sendo notória a preocupação do Estado
em manter cada integrante da sociedade matrimonial em seus devidos
papéis, sendo uma forma de controle no ambiente civil.
“De uma moça seminúa andar mostrando na rua, o sováco, a perna
e o seio”: a mulher melindrosa
“Depois de tanta mudança,
A mulher perde a esperança
da cabelleira, da trança,
que a tornava mais bonita;
Hoje não tem mais desvelo,
(...)
manda cortar o cabello
para ficar mais catita.
Uma fita cor de rosa,
salto alto, melindrosa,
parece ficar formosa
a moça que quer beleza !
Está vestida decente
admira toda gente,
ficam vergadas p’ra frente”
(AMARAL, s/d. p. 4)
Firmino Amaral, no cordel Bataclã, demonstra a sua aversão aos novos
comportamentos femininos. O discurso do poeta é recorrente entre os
setores mais conservadores da sociedade no início do século XX. As
mudanças das mulheres, principalmente na aparência, incomodaram
àqueles que defendiam o dever das posturas femininas serem recatadas e
discretas.
O termo melindrosa está associado as mudanças na imagem feminina
durante o início do século XX, que com base nas mulheres europeias,
principalmente francesas, mudam os cabelos, as roupas e a forma de se
mostrar na sociedade. Segundo Vaquinhas (2016) a origem da expressão
melindrosa está na personagem criada pelo caricaturista brasileiro J. Carlos,
em 1920. O termo se torna mais conhecido após a publicação do romance
Mademoiselle Cinema, do autor Benjamim Costallat, em 1922.
Conforme Cunha (2009, p. 6), as melindrosas de J. Carlos são apresentadas
como joviais, frequentemente fumando, com os cabelos e vestidos curtos,
quando o vestido não é “exageradamente” curto, é feito com tecidos de
material leve e solto. A nova postura visual das mulheres é importante para
o rompimento com os antigos padrões de feminilidade, as melindrosas são
muitas vezes vistas como masculinas por usarem cabelos “rente ao
pescoço”, fumarem, dirigirem automóvel, muitas vezes usavam calças,
aparecem no espaço público.
Além da imagem, outra característica das melindrosas era a sua presença
no espaço público. Nesse momento, é possível perceber que as mulheres
passam a frequentar, cafés, teatros, bales, ambientes esses que antes não
poderiam ser ocupados por elas, visto a sua obrigação com os afazeres e
responsabilidades do lar.
Sobre a presença das mulheres no meio urbano, o cordelista João Martins
Athayde versa:
“No tempo que nos estamos
Ninguem faz mais distineção,
Entre a mulher meretriz
Ou a que é do salão,
Se todas andam iguaes
Escandalosas demais,
Veja que devassidão.
Esta escandalizado
As mulheres pelas ruas,
Nos bailes pelos theatros,
Mal vestidas, quase núas
Não tem mangas no casaco,
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(...)
Devia haver uma lei
Que puzesse um paradeiro
A tanta imoralidade
Que se vê no mundo inteiro
(ATHAYDE, 1927. p. 8)
Embora a presença das mulheres no espaço urbano causasse espanto nos
anos 20, é preciso atentar que as mulheres das classes mais pobres já
estavam inseridas nesse ambiente desde as últimas décadas do século
anterior.
Matos e Borelli (2013, p. 127) destacam que desde a última década do
século XIX, quando se acentua no Brasil os processos de “modernização”, a
presença das mulheres nos trabalhos, nas cidades e nas fabricas, é
identificada. A participação das mulheres nesses ambientes foi
determinante, haja vista que alguns estabelecimentos levavam o nome das
proprietárias. É perceptível também, a presença feminina no comércio de
rua, vendendo verduras, frutas, flores, legumes, batatas, cebolas, pão entre
outros produtos.
Cancela (1997, p. 29) ressalta que na transição do século XIX para o XX,
Belém passou por transformações no cenário urbano. Nesse momento, as
mulheres passam a ser mais vistas nas ruas, andando sozinhas ou não,
“brancas, mamelucas ou negras, filhas de famílias pobres ou sem família
alguma”, viviam no espaço urbano, trabalhando e se divertindo.
As mulheres da elite brasileira, inspiradas, principalmente, nas francesas,
começam a frequentar novos ambientes e a ter posturas que surpreendem
os mais conservadores, Rocha (2011, p. 7) afirma que a “fragilidade moral”
das mulheres era observada como o motivo delas aderirem aos novos
comportamentos, tornando-se uma melindrosa. As novas posturas
femininas nos ambientes públicos, como exemplo dançar, cantar, fumar e
se maquiar tal como a moda ilustrava, eram vistas como formas contrárias
ao que se esperava de uma mulher ideal.
Dessa forma, Trindade (1995, p. 42) compreende que em Belém, ocorre a
busca pela cultura “europeizada”, estimulando as novas formas de se
pensar a urbanização nas aéreas mais centrais da cidade, assim surgem os
Boulevards, as praças e os cafés, como espaços de sociabilidade mais
frequentados pela elite. O projeto de modernização determinou a
“adequação” dos lugares para os diferentes indivíduos, ou seja, a área
central da cidade deveria estar reservada para as famílias ricas tradicionais.
A presença das mulheres floristas, domésticas e meretrizes nesses espaços
causava repulsa as damas da sociedade, as quais acreditavam que elas
“feriam os ouvidos da humanidade com termos impróprios para a bela
cidade”.
“A mulher quando é boa é uma santa verdadeira”: a mulher ideal
“Mulher é um objeto
que nasce por excellencia,
é o coração do homem
e a flor da existencia,
também quem a possuir
tenha santa paciencia.
Se não houvesse a mulher
era preciso fazel-a,
uma casa sem mulher
não há quem deseje vel-a,
é como um dia sem sol
uma noite sem estrela
Da mulher veiu a belleza,
da belleza a sympathia,
da sympathia o amor,
do amor a cobardia ;
a mulher faz tudo isso
para ter mais poesia.”
(BARROS, 1932. op. cit. p. 1, 2 e 3)
No trecho do cordel acima de 1932, Leandro Gomes de Barros versa sobre a
função social da mulher e suas caraterísticas idealizadas de beleza e recato.
O cordelista é um dos principais nomes da poesia de cordel. Segundo
Mendes (2009, p. 63), Leandro Gomes de Barros é considerado “patrono”
da literatura popular em verso no Brasil.
Desde o início do século XX, segundo Nascimento (2006), o cientificismohigianismo propiciou o controle médico sobre a família com o intuito de
disciplinar a sociedade, orientando e ordenando a vida na cidade, no
domicilio, no trabalho, na família e nos corpos. O discurso médico
fiscalizava os lares e as suas formas de higienização, sendo
responsabilidade da mulher a saúde da família.
Portanto, foi necessário construir a imagem feminina nos parâmetros desse
discurso. Nascimento (2006, p. 84) afirma que serão colocadas como
virtudes para as mulheres, nesse momento, a sua inferioridade em relação
ao homem com base nas suas “faculdades afetivas”, a fraqueza, a
sensibilidade, a doçura, a castidade, o recato e a submissão.
Para Pinsky (2012, p. 472), não há dúvidas de que a mulher estava
destinada a se casar e a ter filhos, considerando a família o seu alvo
principal de vida. Na virada para o século XX, houve um amplo esforço para
enquadrar, por meio de normas, o comportamento feminino, “demarcando
o lugar da mulher” e, assim estabelecer que “tipo de mulher” seria digna de
respeito social, desse modo, a imprensa se dedicou em traçar o perfil da
“mulher ideal do novo século”.
A autora também ressalta que embora as mulheres circulem pelas ruas, por
causa das suas obrigações sociais, o lar é representado como espaço de
maior satisfação e razão de viver, elas deveriam ser submissas as suas
condições, não buscando mudá-las, mesmo porque sabiam que os espaços
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públicos e o universo da política eram destinados aos homens. A mulher
ideal é a filha obediente, esposa submissa, mãe dedicada, temente a Deus,
virtuosa, recatada e não faz nada que manche a sua reputação.
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Em Belém, nos finais da década de 1920, segundo Martins Junior (2010, p.
39) as mulheres da elite e das classes médias também são vistas pelos
mais conservadores da cidade como frágeis, devendo cultivar as suas
características de “boas senhorinhas”, serem delicadas e alheias as
temáticas que não lhes eram pertinentes. Esses valores eram disseminados
por todo país de Norte a Sul.
Considerações Finais
Ao assumirem papéis e posturas, antes inimagináveis, as mulheres passam
a ser duramente criticadas pelos meios de comunicação e a pela literatura
de cordel. Nesse contexto, os cordelistas nordestinos criticam os novos
comportamentos femininos de forma dura, não aceitando que as mulheres
ocupem outro espaço que não sejam o familiar. Diante disso, observa-se
através da análise das críticas contidas nos cordéis da Editora Guajarina,
que há nelas a reprodução dos valores tradicionais específicos de uma
classe mais favorecida, no qual grande parte dos autores não pertenciam a
essa realidade social, o que causa a circularidade cultural. Portanto, embora
não haja como medir os impactos das críticas feitas pelos poetas na cidade
de Belém, é possível concluir que os valores tradicionais da elite estão de
tal maneira enraizados na sociedade que passam a ser reproduzidos pela
literatura a fim de controlar essas transformações e definir lugar da mulher
como inferior ao homem.
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AS MULHERES NA CAMPANHA ELEITORAL DE 1911 PARA O
GOVERNO DE PERNAMBUCO
Jônatas Lins Duarte
Cynthia Maria de Barros Soares
Este trabalho foi pensado a partir das pesquisas que tinha como tema a
reforma do bairro e do porto do Recife no início do século XX. Visto que o
período pesquisado foi marcado por uma grande disputa eleitoral no estado,
as eleições para governador de Pernambuco de 1911. Ao estudar um pouco
das eleições de 1911 nos deparamos com o inusitado caso para a sua
época, diversos grupos de mulheres se envolvendo com a política, na
campanha de Dantas Barreto, não sendo elas meras coadjuvantes que
apoiavam os seus maridos. Tal situação tão inabitual, nós instigou a
aprofundar um pouco mais na pesquisa sobre o ocorrido, sendo que foi um
pouco difícil, por não encontrarmos outros trabalhos sobre essas mulheres,
mesmo assim esperamos que este trabalho possa ser de ajuda e de
interesse para os diversos leitores e interessados sobre a temática.
O ano de 1911 foi um ano bastante conturbado no estado de Pernambuco.
Os principais motivos foram as obras que ocorriam no porto e no bairro do
Recife e as eleições para governador do estado, que foram disputadas por
Rosa e Silva e Dantas Barreto. Essa eleição, podemos dizer, que foi a mais
tensa, sangrenta de toda a história pernambucana e que se diferenciou de
todas eleições já ocorrida no país.
A eleição para govenador do estado de Pernambuco foi marcada pelo desejo
de uma grande parcela da população para quebrar um ciclo que se
instaurava no estado desde o início da república, sob o domínio dos
candidatos de Francisco de Assis Rosa e Silva. Como podemos tirar, por
exemplo, Herculano Bandeira ficou à frente do estado entre os anos de
1908 a 1911, no entanto ele era intolerante às críticas e oposições ao seu
governo que perseguiu o jornalista Milet, e que segundo Anjo (2009, p.
140), o governo “em fevereiro de 1911, mandou empastelar o seu
matutino, cuja sede ficava na rua 15 de novembro (hoje rua do Imperador).
Os seus redatores tiveram que deixar o Estado e o jornal Pernambuco ficou
oito meses sem circular”. Atitudes como essa faziam com que os opositores
de Herculano e das políticas rosistas ganhassem fôlego contra a gestão. O
que fez surgir o nome para a candidatura do general Dantas Barreto, este
que vinha ganhando a graça do povo pernambucano pelo seu
posicionamento político. O único problema era que o mesmo não tinha
residência fixa no estado.
Mesmo com esse problema ela foi lançada por João Ribeiro de Brito,
“impetuoso político que, na cidade de Jaboatão dos Guararapes, em 19 de
maio de 1911, proclamando o general Emídio Dantas Barreto, candidato da
próxima eleição ao governo pernambucano” (Zacarias, 2017, p. 158). O
lançamento de sua candidatura para o governo do estado de Pernambuco
foi sabida depois pelo general Dantas Barreto, quando Ribeiro de Brito
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História:
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mandou uma carta ressaltando o apoio do povo de Jaboatão à sua
candidatura. E para resolver a elegibilidade dela para o governo:
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História:
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“A elegibilidade constitucional em Pernambuco, para os cargos de
governador e vice, era condicionada a ter o candidato ‘residência no estado
pelo menos oito anos antes da eleição’. Chama-nos atenção em ver que fora
ao judiciário que os grupos políticos tiveram de correr para resolução desta
questão crucial. Na definição dos magistrados, o general Danas Barreto é
declarado totalmente apto a participar do referido pleito, pois, como militar
federal, ‘todo o país é seu domicílio’. Esta interpretação jurídica extensiva
do domicilio eleitoral ao militares, em detrimento das delimitações da Carta
Estadual, passou a ser abertamente defendida em Pernambuco por
deputados como Sérgio de Magalhães em favor das corporações. Foi como
governador estadual, em 1913, que Dantas Barreto se deu ao trabalho de
transferir seu título para a 5ª Seção eleitoral do Recife”. (ZACARIAS, 2017,
p. 159).
Com a confirmação da legalidade da candidatura ao governo do estado de
Pernambuco, Dantas Barreto “tornou-se a esperança da nova política
pernambucana. Dizia-se ser a força da espada contra a violência do
absolutismo oligárquico...” (GUERRA, 1979, p. 154). Houve um apoio
completamente diferente do que já se viu na história política do estado de
Pernambuco que de acordo com Duarte (2018, p. 143/144), “havia um
apoio não apenas de uma elite, esta que ditava suas regras ou privilégios
para se manter no poder, mas era um impulso renovador”. Com esse apoio
“popular” de Dantas Barreto, ficou claro que os seus opositores não eram
bem quistos, mas que também precisariam de um nome forte para
enfrentar nas urnas este candidato.
Esse forte apoio “popular” ao general Dantas Barreto mostrava que o
partido conservador não tinha nome forte para a sua candidatura a
enfrentá-lo nas urnas. Desta forma o próprio conselheiro Rosa e Silva se
candidatou ao governo de Pernambuco. O interesse pela candidatura deu-se
pelo querer do “próprio Rosa e Silva ‘atendendo os anseios de seus
partidários’, era o nome do PR (Partido Republicano) para concorrer ao
governo estadual, em seguida, os governistas operaram um movimento de
ainda maior envergadura” (Zacarias, 2017, p. 167). A partir da confirmação
da candidatura desses dois políticos inicia-se uma batalha entre os
dantistas, apoiadores de Dantas Barreto e os rosistas apoiadores de Rosa e
Silva. Os embates eram bastante violentos dentro da capital pernambucana,
entre a força policial, armada, que defendia Rosa e Silva e a população,
dantista. Os conflitos eram sangrentos, o que provocavam muitos feridos e
mortos, principalmente do lado dos populares. Segundo Guerra (1979, p.
155) “a cidade do Recife ficou praticamente paralisada. Comércio e indústria
fecharam as suas portas. Faltou o transporte urbano. Era o caos total”.
Esses confrontes aconteciam tanto nos meetings, quanto no dia a dia,
quando se identificava de alguma forma um rival político por conta de um
bottom, ou outro adereço.
Por conta da violência houve o afastamento de muitos jovens dos comícios.
Mas o medo da represália de seus pais e dos amigos ligados a determinado
partido era muito maior. Podemos ter como exemplo dessa situação
matérias de jornais como exemplo:
“É a seguinte declaração do acadêmico Boa ventura:
‘Tendo diversos colegas me apresentando um abaixo assinado pedindo para
que apoiasse um manifesto que fazia e não declarando qual o partido que
deverá eu acompanhar, por uma dessas facilidade assinei o dito manifesto.
Chegando hoje em nossa casa, a meu pai eu relatei o ocorrido,
estranhando-me ele minha atitude, não podemos ir de encontro as ideias de
meu pai, peço retirar meu nome da lista pró-Dantas.
Meus colegas da junto pró-Rosa considerem-me ligado ao partido dirigido
pelo eminente chefe dr. Rosa e Silva, 22 de setembro de 1911. –
Acadêmico Boaventura Tavares de Lima’”. (DIARIO DE PERNAMBUCO, 11 de
outubro de 1911. p. 1.)
Casos como esse são encontrados facilmente nas páginas dos jornais,
principalmente no do Diario de Pernambuco, pois era um jornal do partido
republicano, que apoiava Rosa e Silva. Além de casos como esse, o
acovardamento de muitos jovens por conta da violência era bastante
grande, já que muitos não queriam arriscar a sua integridade física.
Enquanto uma parcela dos jovens do sexo masculino tinham medo de se
expor, um grupo que não tinha direito de voto e nem direito fala quando se
tratava política se erguia no meio dessa conturbada eleição: eram as
mulheres que estavam impondo e mostrando a sua intenção de voto. Tais
mulheres apoiavam o partido liberal, o qual o candidato era Dantas Barreto.
Essas mulheres, que em muitos dos jornais da capital pernambucana eram
chamadas de sexo belo, tiveram essa denominação dada pela forma que
eram vistas, a mulher que tinha que se cuidar para o seu marido, ou futuro
marido, como também a ideia de fragilidade.
As mulheres deixaram de lado o medo e iam aos comícios para dar apoio ao
candidato Dantas Barretos, sem medo das possíveis represálias que os
dantistas estavam sofrendo da política. Mesmo assim, diversos clubes feitos
por mulheres, de apoio ao general Dantas Barreto começam a surgir em
diversas partes do estado, como a que o jornal A Província do dia 24 de
setembro de 1911 relata que, na cidade de Bom Conselho, cem senhoras
fundaram o clube Dantas Barreto. Tal atitude mostrava que o apoio não era
pelos seus maridos, e sim por suas próprias vozes que pediam por mudança
dentro da política do estado. Elas não se intimidavam pelo machismo
existente dentro do meio político, elas queriam fazer com que suas vozes
fossem escutadas e representadas.
O apoio das mulheres a Dantas Barreto continuava crescendo e outras
cidades começavam a criar os seus clubes de apoio à candidatura do
general. Em alguns casos havia a unificação dos clubes florianistas, de apoio
ao presidente Floriano Peixoto, militar, ao de Dantas, como ocorreu na Vila
Nathn (na atual cidade de Moreno). Diversas mulheres, muitas da mesma
família, fizeram apoio à candidatura, além de demostrar que não eram
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História:
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apenas espectadoras dentro da política, aram agentes atuantes. Para
consolidar o apoio à candidatura, houve a assinatura de um oficio, que teve
as assinaturas das seguintes mulheres:
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História:
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“Zenaide de Passos Cabral, Laura da Silva Freitas, Maria Magalhães
Vasconcelos, Nazinha Magalhães, Francisca de Assis do Amaral, Diva Pereira
da Cunha, Joanna Maria da Conceição, Maria Eleutheria do C. Guanabara,
Maria do Carmo Oliveira, Maria Cândida Oliveira, Maria Joaquina da
Conceição, Noêmia de Carvalho Silva, Clara de Carvalho Silva, Maria José
Silva, Rachel do Carmo, Joanna do Carmo, Maria Modesta da Silva, Edila
Gonçalves, Aleina Gonçalves, Lili Uchôa da Rocha, Elvira Maria do
Nascimento, Francisca Carneiro Lins, Emília Barretto dos Santos, Maria Gomes de Freitas, Celestina Gomes de Freitas, Maria Emília de S. Rodrigues,
Amélia Maria Ribeiro, Claudina Maria de Jesus, Paulina Dantas, Severina
Alves de Mello, Virgínea da Silva R. Figueiredo, Analia Amélia de Lyra,
Benedicta Maria da silva, Manoela Madalena da Silva, Laura Thereza de
Jesus, Maria dos Santos Araújo, Edelvina Guiomar Cordeiro, Henriqueta
Maria de Sant’Anna, Anna Candida de Sant’Anna, Severina Maria de
Santana, Antônia Maria de Sant’Anna, Maria Martins de Sant’Anna, Maria do
Carmo de Sant’Anna, Joanna Pacheco da Silva, Julia Francisca da
Conceição, Laura Miranda Fragoso, Justina Marques Ramos, Davina dos
Passos Cabral, Joanna Minervina Gouveia, Minervina Almeida Gouveia,
Antônia Balbina, Alexandrina Maria Conceição, Cândida Carneiro P. Almeida,
Anncarneiro P. Almeida, Maria Cândida P Almeida, Severina Cândida P. Almeida, Josepha Cândida P. Almeida, Noemia Candida P. Almeida, Maria José
de Vasconçellos, Maria Cavalcante da Costa, Amélia Cavalcante da Costa,
Maria Marques Ramos, Maria Marques Conceição, Etelvina de Oliveira, Rosa
Emília da Conceição, Maria Olindina da Silva, Anna Vieira do Carmo,
Felismina Vieira do Carmo, Maria Vieira do Carmo, Rita Daniel da Silva,
Angélica Daniel da Silva”. (A província, 16 de outubro de 1911).
Como podemos ver pelos diversos nomes acima, houve apoio forte das
mulheres. Foi escolhido colocar os nomes ao invés de dados, para mostrar
que existiam rostos desse movimento, que elas estavam à frente e
participativas na campanha, participando dos comícios e da dinâmica das
eleições. Além dos clubes, segundo Duarte (2018, p. 146), as mulheres
produziam e mandavam “inúmeras cartas de apoio escritas e enviadas aos
jornais da capital, proclamando-se ‘apoiadoras do candidato Dantas
Barretos em nome da moralidade do glorioso estado de Pernambuco’”. A
participação das mulheres sempre era ressaltada por dantistas em discursos
e debates, como o que foi feito no dia 09 de outubro do ano da eleição,
onde o orador, Pacifico dos Santos, que era sempre interrompido por
aplausos, fez uma entusiasmante fala sobre a importância da participação
das mulheres nas eleições.
“O orador estrepitosa e entusiasmadamente correspondido, quando, depois
de mostrar a importância da mulher pernambucana, nessa campanha, onde
ela, embora sem ir às urnas, já tem elegido o grande general, pelo seu
voto, pelo seu aplauso, pela sua incontestável preponderância, ergueu
vibrantes vivas a república, ao marechal Hermes da Fonseca, ao general
Dantas Barreto” (A província, 09 de outubro de 1911).
A importância da participação das mulheres era notada pelos homens, que
mesmo orgulhosos, assumiam que era de grande importância a participação
das mulheres dantistas em tão importante eleição para o estado de
Pernambuco. Além de sua importância, a sua coragem também chamava a
atenção de muitos, pois enfrentavam o que fosse nos comícios que sempre
estavam presentes, no entanto, cada vez que as eleições se aproximavam,
os comícios ficavam mais perigosos por conta dos embates entre rosistas e
dantistas, mas nem isso afastavam as mulheres de tais locais. Como no do
dia 04 de novembro, um dia antes das eleições, que José Bezerra, apoiador
de Rosa e Silva, pode presenciar e depois escrever nas páginas do Diario de
Pernambuco o seguinte:
“As moças do Recife (lá está no seu discurso), entusiasmadas a uma tempo
pelo garbo marcial do candidato e impulsionadas pelo santo ódio aos
liberticidas, não tiveram meias medidas: tomaram de assalto o carro,
treparam no estribo e polvilharam de beijos, que estalavam como
estampidos de metralhadoras, as faces rosadas do intemerato salvador de
Pernambuco” (Diario de Pernambuco, 04 de novembro de 1911).
Essas mulheres não tinham medo de nada, nem dos atropelos dos
marmanjos que formavam a guarda de honra. Tal atitude mostrou a
valentia das mulheres dantistas e foi dessa forma, com a afronta dessas
moças pelo que a sociedade vinha impondo há séculos, que o general
recebeu o “point rose”, uma espécie de ponto final, um marco do final das
campanhas eleitorais. Para o dia da eleição, as mulheres montaram,
segundo Duarte (2018, p. 146), “um mecanismo para fiscalizar o processo
eleitoral e ter adentrado nas funções institucionais eleitorais, nas que para
elas pareciam ser falhas”.
Entretanto, no dia da eleição, o que mais chamou a atenção nos atos das
mulheres dantistas foi o fato de que elas tiveram de pegar em armas para
defender os seus lares contra os cangaceiros a serviço das oligarquias de
Rosa e Silva. Durante esse acontecimento a oposição chamava os
apoiadores de Dantas Barreto de Milícias Urbanas, e os acusavam de estar
saindo às ruas armados e impondo medo aos eleitores rosistas. A polícia
estava nas ruas, trocando tiros, em intensos tiroteios para manter a ordem.
Sendo que as mulheres que pegaram em armas para proteger os seus lares
eram também classificadas como arruaceiras, já que eram apoiadoras de
Dantas Barreto. Tal atitude teve repercussão nacional e mostrou a coragem
dessas mulheres para defender o seu lar e seus princípios políticos. A
revista O Malho, do Rio de janeiro, fez a seguinte matéria:
“Mirem-se neste espelho! A verdadeira intervenção!
Senhoras e senhoritas pernambucanas que no Recife, pegaram em armas
para defenderem os seus lares domésticos do ataque dos cangaceiros ao
serviço da política da ex oligarquia de Rosa e Silva.
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Como este, havia outros grupos em todos os bairros da capital de
Pernambuco.
Esta sim, é que foi a verdadeira intervenção contra a oligarquia!”
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É possível notar pelo título da matéria, “Mirem-se neste espelho! A
verdadeira intervenção!”, feita pela revista mostra que tal atitude
transformou-se em um exemplo para as mulheres de todo o país daquela
época. Mostrou também que a força das mulheres e a sua vontade por
mudanças e na defesa do que elas acreditavam, fez-se valer a pena. De
acordo com Zacarias (2017, p. 175), “tal postura destemida fez os
repórteres cariocas transcenderem a cobertura de uma eleição estadual”. E
podemos levar em conta o que a própria revista dizia, que não existia
apenas um grupo dentro da cidade do Recife, haviam vários que lutavam
contra a oligarquia, contra Rosa e Silva. O que deixa bastante claro que
uma grande parcela das mulheres que apoiavam Dantas Barreto foi à luta
sem medo.
Toda a luta e força demonstrada pelas mulheres dantistas foi recompensado
após a apuração das urnas, quando foi dada a vitória para o candidato
Dantas Barretos, mesmo havendo uma grande repercussão sobre quem
realmente venceu. Essa vitória foi também a vitória das mulheres, pois em
uma época que elas não tinham voz e nem direitos, levantaram-se e
lutaram pelo que elas acreditavam, exerceram um papel importante dentro
dessas eleições e ganharam o reconhecimento não só do povo
pernambucano, mas de todo o país, que foi conhecido pelas páginas da
revista O Malho e outras.
Referências
Jônatas Lins Duarte é licenciado e mestre em história pela Universidade
Federal de Pernambuco.
Cynthia Maria de Barros Soares, graduanda em Letras Português/Inglês e
graduanda em Biblioteconomia pela Universidade Federal de Pernambuco.
Fontes
Jornal – A província de 1911
Jornal – Diario de Pernambuco de 1911
Revista - O Malho. Rio de Janeiro, 05 de Outubro de 1912.
ANJOS, João Alfredo dos. A revolução pernambucana de 1911: movimento
popular liderado pelo general Dantas Barreto contra a oligarquia do
conselheiro Rosa e Silva. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife,
2009.
DUARTE, Jônatas Lins. Modernização do porto e do bairro do Recife:
Impactos causados pelas obras na população da freguesia (1909-1914).
2018. Dissertação (Mestrado em história) Departamento de história,
Universidade Federal de Pernambuco. Recife.
GUERRA, Flávio. História de Pernambuco. 2.ed. -. Recife: Assembleia
Legislativa do Estado de Pernambuco, 1979.
MULHERES, IMPRESSOS E HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE
Jorge Luiz Zaluski
Propõe-se neste texto valer-se das noções conceituais da História do Tempo
Presente (HTP) e de culturas políticas, junto a utilização de periódicos como
fonte de análise, pretende-se estabelecer uma breve reflexão para perceber
parte das tensões sociais, tais como, feminismo e divórcio, vivenciadas no
estado do Paraná entre os anos de 1979-1984, e de como esses temas
foram anunciados pelos impressos “Esquema Oeste” (Guarapuava) e “Diário
da Tarde” (Curitiba).
Ao longo do tempo diferentes métodos foram utilizados para a investigação
histórica. Por vezes, muitas abordagens contribuíram para estabelecer
limitações temporais que compreendiam o passado como encerrado e
possível de ser dominado pelo/a historiador/a. Por outro lado, as
investigações que buscam refletir sob uma perspectiva metodológica da
História do Tempo Presente (HTP) possui posicionamento bastante diverso.
Dentre as análises realizadas, François Dosse, por exemplo, nos informa a
necessidade de estamos atentos/as múltiplas transformações possíveis
geradoras e resultantes do(s) acontecimento(s). Para o autor, o
acontecimento deve ser compreendido, “[...] como resultado e como
começo, como desfecho e como abertura de possíveis” (DOSSE, 2013, p.
06). Ou seja, a pesquisa histórica deve ater-se ao desenvolvimento,
realização e os efeitos do acontecimento. Como destaca Dosse, “[...] poucos
são os acontecimentos sobre os quais podemos afirmar que terminaram
porque estão ainda suscetíveis de novas atuações.” (DOSSE, 2013, p. 07)
Logo, o acontecimento não deve ser interpretado como um fim, mas uma
abertura de possíveis. Correspondem a atos e ações dos sujeitos, e propicia
configurações inéditas que reestruturam o tempo. Desta maneira, ao
investigar sobre o passado o/a historiador/a deve compreendê-lo como um
passado em movimento onde seus efeitos estão propícios a novas
manifestações e interpretações. Tal como nos informa Dosse, “[...] o
historiador deve, desse modo, renunciar a uma postura de domínio que era
muitas vezes a sua e o que permitia acreditar que ele podia definitivamente
“fechar” os registros históricos” (DOSSE, 2012, p. 11).
Conforme o historiador Henry Rousso, a percepção da movimentação
histórica no tempo e na historiografia é um fator contribuinte para perceber
diferentes temporalidades, onde as provocações do/a historiador/a sobre o
tempo inacabado tornam possíveis a investigação histórica e permite que os
acontecimentos sejam inteligíveis. Para Rousso, “o historiador do tempo
presente “faz como se” ele pudesse agarrar na sua marcha o tempo que
passa, dar uma pausa na imagem para observar a passagem entre o
presente e o passado, desacelerar o afastamento e o esquecimento que
espreitam toda experiência humana” (ROUSSO, 2016, p. 17).
Em relação as culturas políticas, essas reflexões aproximam-se das
considerações de Réne Rémond, sobre o político, ao afirmar que, “o campo
do político não tem fronteiras fixas, e as tentativas de fechá-lo dentro de
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História:
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Aprendendo
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limites traçados para todo o sempre são inúteis”(RÉMOND, 2003, p. 442).
Rémond, demostra a necessidade de ampliar as investigações que se
utilizam da cultura política como categoria. Para ale, o político vai além da
política institucionalizada, o político é mutável e impossível de ser definido.
Segundo o autor, “o político toca a muitas outras coisas. Não é um fato
isolado. Ele está evidentemente em relação, também, com os grupos sociais
e as tradições de pensamento” (RÉMOND, 1999, p. 58).
Desta maneira, o político e o social são indissolúveis, e a definição de um
campo aberto sobre a(s) cultura(s) política(s) torna capaz de perceber a
movimentação no que parece já estar definido e impossível de ser alterado.
Permite tornar inteligível a ação dos sujeitos nos mais diversos grupos
sociais, e no que consistem as relações de poder, essa que se estende para
além da força do Estado, contribui para que sejam compreendidas as
manifestações de força hierárquicas, excludentes, dentre outras que se
manifestam em meio às relações sociais. Nesse movimento, os sujeitos ao
longo do tempo agem conforme as necessidades e interesses que permeiam
o cotidiano. Como destaca Pierre Rosanvallon, através da inteligibilidade
dessas ações é possível, “entender como uma época, um país ou um grupo
social tenta construir respostas para aquilo que, com maior ou menor
precisão, elas percebem como um problema” (ROSANVALLON, 2010, p. 44).
Por meio da investigação dos periódicos: “Diário da Tarde” (Curitiba);
“Esquema Oeste” (Guarapuava) é possível identificar e compreender parte
das tensões sociais da época e de como o rompimento com normas,
definições e intencionalidades rígidas de gênero foram interpretadas e
anunciadas nesses impressos.
Junto às noções conceituais de jogos de escala apresentadas por Jacques
Revel, o deslocamento de análise torna possível perceber as relações de
força entre e o micro e o macro e vice versa, as continuidades, rupturas,
semelhanças ou não e as múltiplas temporalidades existentes em um
mesmo contexto. Assim as manifestações dos diferentes grupos estão
conexas, conforme o autor,
““não apenas por causa dos efeitos que produzem, mas porque não podem
ser compreendidos a não ser que os consideremos, de forma não linear,
como a resultante de uma multiplicidade de determinações, de projetos, de
obrigações, de estratégias e de táticas individuais e coletivas” (REVEL,
2010, 443).”
Tal observação é importante de modo a contribuir no entendimento de
como os efeitos do acontecimento agem de forma múltipla onde nas ações
dos sujeitos que dão sentido a esses efeitos. Essas observações são
pertinentes por permitirem compreender parte das tensões sociais do
período investigado, em que as respostas dadas aos problemas a serem
resolvidos correspondem aos acontecimentos que antecederam o ano de
1979, mas que ainda fazem sentido ao presente investigado. Em 1977, por
exemplo, a aprovação da “Lei do Divórcio”, como ficou conhecida,
corresponde a parte das tensões sociais existentes no período próximo ao
investigado. Compreende-se que parte dos efeitos desse acontecimento
provocaram novas tensões que atingiram diferentes setores da sociedade.
Claudia Regina Nichning, Marlene de Fáveri e Teresa Adami Tanaka, ao
investigarem sobre algumas das conquistas das mulheres adquiridas
durante a década de 1970, as autoras afirmam que existiu uma forte
pressão por parte da sociedade contrária a aquisição de direitos para as
mulheres em relação à separação. (NICHINING, 2013; FÁVERI; TANAKA,
2010) A lei que possibilitou que as mulheres tivessem o mesmo direito na
separação em relação aos homens foi aprovada em 26 de dezembro de
1977, isso contribuiu para romper com parte de situações em que muitas
mulheres eram ridicularizadas, oprimidas e violentadas principalmente no
espaço doméstico. Contudo, como destacam Favéri e Tanaka, a “[...] a Lei
do Divórcio foi aprovada sob um clima de moralismo que permeava a
sociedade brasileira a pregar que o divórcio seria o fim da família.” (FAVÉRI,
TANAKA, 2010, p. 364)
Vista como uma afronta às inquietações sobre a possível desintegração da
família, as tensões geradas contrárias a tal aprovação contribuíram para
que fossem tomadas algumas medidas para evitar novas separações. Como
efeitos do acontecimento e uma resposta aos problemas da época, a
elaboração do Decreto-Lei nº. 6.660 de 18 de junho de 1979, anexado
junto à obrigatoriedade do ensino de Moral e Cívica, reafirmava como uma
das funções da escola e da educação seria: “[...] o aprimoramento do
caráter, com apoio na moral, na dedicação à comunidade e à família,
buscando-se o fortalecimento desta como núcleo natural e fundamental da
sociedade, a preparação para o casamento e a preservação do vínculo que o
constitui” (BRASIL, 1979).
Diante desse decreto, as escolas de todo o país tiveram que ofertar em seu
currículo uma educação que atendesse aos interesses desejados no
documento. Nesse período vigorava a da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação n.º 5.692 de 1971, que tornou obrigatório o ensino técnico em
todo o país, e, ao menos na letra da lei, proporcionava uma educação
igualitária para meninos e meninas. Um avanço frente às distinções de
gênero existentes principalmente até o início da década de 1960, quando a
educação até então foi organizada de modo a fortalecer e naturalizar as
diferenças e desigualdades de gênero construídas socialmente.
No que compete a este texto, um exercício em fomentar as discussões junto
a HTP e as culturas políticas, e com o objetivo de perceber parte das
tensões sociais existentes no período, a análise das publicações dos jornais
Esquema Oeste, de Guarapuava, e Diário da Tarde de Curitiba, referentes
ao ano de 1983 é uma das formas possíveis de compreender parte das
tensões sociais existentes no estado do Paraná que correspondiam
principalmente a modificações advindas do movimento femisnista.
Conforme Marcia Silva, o semanário jornal Esquema Oeste circulou por
aproximadamente trinta anos, com oscilação de tiragem, ao longo do
tempo, coincidindo justamente com as alianças políticas realizadas entre
seu proprietário e os políticos do poder executivo local. Foi fundado por
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Leonel Júlio Farah, ex-vice-presidente do Partido da Frente Liberal (PFL)
local e diretor do jornal até a sua extinção (SILVA, 2005. p. 28).
Em Guarapuava, por exemplo, em 1983, Luiz Antonio Bernardo, publicou
um texto extenso no jornal Esquema Oeste. Parte dele informa que:
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“Causam-nos certa preocupação esses ventos libertinos que, cheirando a
comidinha caseira, às nossas narinas masculinas tentam se impor. [...] As
mais diversas atividades humanas estão, em nossos dias, sofrendo a ação
feminina. É imperdoável a calma que tivemos, permitindo que a tal ponto
essa grave situação chegasse. Nas cidades médias e grandes, os homens já
se acostumaram a ver mulheres trabalhando nos mais diversos ramos de
atividade. Entre eles, notadamente, estão a construção civil, a limpeza
pública, os transportes (coletivos ou não), a prestação de serviços, o
comércio em geral, as profissões liberais e, surpreendentemente a política.
Preocupante é a situação, pois estando as mulheres a exercer essas
diversas atividades, competindo conosco, lado a lado, tentando se impor;
por outro lado abandonam (ou não dão mais importância) aos seus sonhos,
crochês, receitas e, inclusive, ao “mais nobre , alto e único destino” que
nossas antepassadas tinham: o casamento. [...] Necessitamos conseguir o
dia, ao menos nacional, do homem. [...] (JORNAL ESQUEMA OESTE, 26 de
março a 01 de abril de 1983. p. 05) Sem grifos no original.”
Importante destacar que nesse período as manifestações feministas
contribuíram para significativas conquistas. Lutavam por uma sociedade
mais justa de modo em que tivessem igualdade de gênero, direito ao
próprio corpo, dentre outras pautas que como destaca Carla Bassanezi
Pinsky, “[...] eram projetos verdadeiramente revolucionários que, se não
obtiveram naquele momento o sucesso desejado, ajudaram a abalar os
tradicionais modelos da mulher.” (PINSKY, 2013, p, 520) Contudo, em meio
à movimentação que por um lado contribuiu para conquista de direitos, de
outro, muitas ações buscaram limitar e/ou impedir que novas garantias
fossem adquiridas. O trecho do texto selecionado permite perceber que em
uma leitura sobre o passado, muitas das conquistas obtidas pelas mulheres
contrapuseram-se a diferenças e desigualdades de gênero que passaram a
ser rompidas, e que por meio do impresso foi uma das formas buscadas de
atingir o protagonismo das mulheres e exigir uma ação conjunta para
reconstruir espaços e relações sociais “bem definidas”. Ou seja, um
prolongamento do passado que entra em choque com um presente que não
é seu. Logo, tanto as propostas de educar para o casamento, existente
desde 1979, e o texto publicado no jornal Esquema Oeste, expressam uma
idealização de futuro pensadas sobre o presente, mas que demostram
relações intensas com um passado que ainda não foi rompido. Passado esse
que as diferenças/desigualdades de gênero, principalmente no que
correspondem as relações público x privado eram mais nítidas e a educação
escolar contribuía de forma mais intensa para isso. Junto ao reforço das
distinções de gênero, até a década de 1960 as meninas eram educadas
estritamente para ser mãe, esposa e dona de casa. Com a extensão do
passado, essa reflexão torna possível perceber como o presente do passado
foi constituído. Questão essa fundamental para a HTP, pois como destaca
Dosse, “a história do tempo presente está na intersecção do presente e da
longa duração. Esta coloca o problema de se saber como o presente é
constituído no tempo.” (DOSSE, 2012, p. 06)
Importante destacar que o jornal informa a seus leitores homens que as
mulheres conquistaram a política. Luiz Antonio Bernardo, articulista do
jornal, compreende a política apenas como o espaço institucionalizado onde
são exercidas as relações de força por meio do Estado. Contudo, tanto os
combatentes ao modelo já instituído com base nas diferenças de gênero,
como a própria articulação apresentada no texto do jornal, correspondem a
diferentes manifestações das culturas políticas. Como já mencionado faz-se
necessário compreender cultura política em suas formas múltiplas formas.
Serge Berstein nos informa que as tensões sociais manifestam-se de
diferentes formas e provocam disputas onde os valores são partilhados em
grupos distintos e que possuem interesses próximos. Com base no
periódico, romper como os valores ditos naturais, como o casamento, ou a
participação dos homens nas atividades domésticas, por exemplo,
correspondem a confrontação a antigos valores onde existe uma tentativa
em fixar o passado sexista, excludente e demais desigualdades de gênero
em um presente que insiste por mudanças. Comportamento de uma
determinada cultua política que ao refletirmos conforme as colocações de
Berstein, nota-se que “se inscreve no quadro das normas e dos valores eu
determinam a representação que uma sociedade faz de si mesma, do seu
passado e de seu futuro” (BERSTEIN, 1988, p. 353).
No Jornal “Diário da Tarde”, de Curitiba, é possível encontrar diferentes
posicionamentos sobre as mudanças sociais do período. Conforme Vanessa
Raianna Gelbcke (2011), e Elza Aparecida de Oliveira Filha (2006), esse
periódico teve sua primeira publicação em 18 de março de 1899, e desde
então se apresentou como um impresso em favor da conquista de direitos,
principalmente para a população trabalhadora, onde muitos dos direitos
foram conquistados ao longo do século XX. No que corresponde a este
texto, com diferentes notícias sobre e/ou para as mulheres, o jornal Diário
da Tarde, buscou informar seus/as leitores/as sobre diferentes conquistas e
reinvindicações do movimento feminista. Quando se tratava de política, por
exemplo, o periódico em coluna especifica intitula a notícia como
“Feminismo”, por corresponder e compreender ao exercício de mulheres na
política. Notícias essas que correspondem aos posicionamentos do texto
publicado por Bernardo em Guarapuava, onde em cidades maiores
supostamente existiu a aceitação mais rápida de que as mulheres exerçam
atividades fora de casa. Já em relação ao divórcio, parte dos sentidos
atribuídos a lei que permite a dissolução do casamento, além das
constantes notícias que informam a separação de casais da alta sociedade
de Curitiba e região, podem ser identificadas breves linhas que tecem
reflexões sobre a lei em comparação com outros países, entre elas:
““Na França aumentou o número de divórcios e diminuiu o número de
casamentos. Também por lá parece que o casamento virou uma
instituição falida, como em outros lugares, ninguém quer saber mais de
Aprendendo
História:
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Página | 147
levar a coisa a sério. “Amontoamento” é o que a maioria está preferindo.”
(DIÁRIO DA TARDE, 17 de janeiro de 1983, p. 02) sem grifos no original.”
Aprendendo
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O modo que o periódico expõe muito tem a dizer sobre parte das
concepções sobre família na sociedade da época. Ao comparar com o
exterior e compreender o casamento como instituição, afirma que em
ambos os lugares o casamento está falido. Contudo, diferente do jornal
publicado em Guarapuava, existe maior atenção e visibilidade das mulheres
em diferentes espaços, como os da política como mencionados. Conforme o
texto e as inquietações de Bernardo, essa conquista parece ainda não ter
sido realizada em Guarapuava até o ano de 1983. Importante destacar
também que o “Diário da Tarde” de forma a questionar principalmente o
governo, o impresso posicionou-se em favor da conquista de direitos.
Contudo, nota-se que parte da equipe do periódico como dos manifestantes
eram contrários a algumas conquistas, principalmente das mulheres, em
que o casamento rígido e o trabalho doméstico também eram defendidos
por parte desses grupos. Conforme Benjamin Cowan, (2016) existiu durante
a ditadura militar uma forte atuação da do Estado e civis em combater o
comunismo, onde o amor livre e separação foram vistos como subversivos e
associados ao comunismo. Contudo, diante análise do autor, para além do
conservadorismo por parte dos grupos de direita, muitas das pessoas que
integravam a esquerda brasileira também eram contrários a algumas
conquistas e reinvindicações das mulheres existentes no período. (COWAN,
2016)
Mediante a intencionalidade deste texto, a breve exposição sobre esses
periódicos permite perceber diferentes horizontes de expectativas
construídos conforme as experiências compartilhadas por pessoas que
integram os mesmos grupos. Conforme Berstein, as crises na história
ocasionam respostas que atravessam em gerações. Logo, as conquistas das
meninas em direito a uma educação igualitária e os demais avanços frente
aos direitos das mulheres obtidas até aquele momento aparecem como um
desafio a uma cultura política que compartilha da necessidade em educar
para o casamento, assim como quanto às inquietações expressas no jornal
de Guarapuava. Deste modo, a investigação que busca utilizar-se das
culturas políticas busca perceber como as relações sociais estão imersas a
relações de gênero sustentadas por relações de poder. Logo, tanto a
resistência as mudanças sociais, as redes de sociabilidades, assim como as
próprias conquistas das mulheres correspondem a diferentes manifestações
onde a cultura política pode ser empregada para tornar inteligível os
acontecimentos históricos.
Logo, no que compete a proposta de trabalho, essa investigação permite
perceber as representações que parte da sociedade fez dela mesmo, do
passado e do que pretende ao futuro. O ensino para meninas/mulheres, e a
necessidade de instruir as estudantes para o casamento demostra o
fortalecimento de marcações de gênero já instituídas socialmente, e, de
como a sociedade da época expressou-se mediante a confrontação de
valores como os atribuídos a família. No que corresponde diretamente aos
enunciados do impresso, percebe-se que no que corresponde aos direitos
das mulheres, avanços e mudanças sociais, ambos os periódicos
demostraram aproximações em serem contra ao rompimento de modelos
rígidos de gênero e as mais diversas conquistas que vinham sendo obtidas
pelas mulheres. Para tanto, através da observação histórica é possível
perceber como parte das desigualdades de gênero atravessam o passado e
presente, e ainda, mesmo diante a tantos avanços, essas disparidades
ainda fazem sentido no tempo presente.
Referências
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do
Estado de Santa Catarina, UDESC, na linha de pesquisa Culturas Políticas e
Sociabilidades. Bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do
Estado de Santa Catarina, FAPESC. Vinculado ao Laboratório de Relações de
Gênero e Família (LABGEF). Mestre em História PPGH-UNICENTRO,
graduado em História (2008) pela Unicentro, Ciências Sociais (2015)
Faculdade Guarapuava. Possui especialização em Ensino e História da
América (2010), Gestão Escolar (2010) Mídias na educação (2013) e Ensino
de Sociologia (2016) pela Unicentro.
Fontes
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A REPRESENTAÇÃO FEMININA DURANTE A DITADURA MILITAR: DA
LUTA À CONSTRUÇÃO DE CONSCIÊNCIA HISTÓRICA NO SÉCULO XXI
Letícia Veitas Novelli
A Ditadura Militar no Brasil abarca um período conturbado, dotado de
opiniões e estudos diversos, possuindo grande riqueza documental. Cabe,
portanto explorar de maneira significante todas as facetas do período. Para
isto, este artigo tem como objetivo dialogar sobre a construção de
consciência histórica no presente sobre o período ditatorial brasileiro
problematizando como as mulheres eram representadas em interrogatórios
oficiais disponíveis no acervo Brasil Nunca Mais. Contudo, como resultado
espera-se demonstrar que havia resistência feita por mulheres e que as
mesmas tinham lutas próprias de sua categoria, demonstrando que a
resistência também era feita por mulheres e que as mesmas tinham lutas
próprias de sua categoria, embora os veículos oficiais de comunicação não
registrassem sua causa. Além de arrematar explanando sobre a importância
da globalização inicial neste período, bem como demonstrar a importância
desse tipo de estudo na atualidade com a finalidade de construção de
consciência histórica nas escolas.
Introdução
A Ditadura Militar do Brasil tem estado em evidência na atual conjectura
política do Brasil e durante muitos anos nas pesquisas acadêmicas de
diversas áreas, História, Geografia, música, jornalismo, entre outras. Este
período é detentor de uma infinidade de documentos, muito embora grande
parte tenha se perdido. Porém, há organizações que buscam legitimar e
proporcionar ao cientista ferramentas documentais necessárias, como a
comissão da verdade, e o projeto Brasil: nunca mais.
Assim, do mesmo modo que a Ditadura militar está em evidência a
problemática de gênero e feminismo também estão. Encontram-se
discussões legislativas e educacionais sobre estes dois temas o que torna a
pesquisa sobre a temática relevante. De um lado se tem uma sociedade que
busca através do projeto “Escola Sem Partido” trazer legitimação a seus
ideais e de outro pessoas que buscam através do respaldo de direitos
humanos e de liberdade de cátedra defender seu direito a educar conforme
as diretrizes propunham.
Por estes dois temas estarem em pauta a pesquisa visa trazer a
possibilidade de abrir o horizonte da história da mulher. Compondo suas
lutas no período da Ditadura Militar no Brasil, bem como contextualizar o
movimento feminista em sua origem referente à “Primeira Onda” que diz
respeito à luta pelo direito ao voto feminino na França iniciado no final do
século XIX e como este episódio deflagrou outras duas ondas e chegou ao
Brasil, como será abordado nos capítulos seguintes.
Para tanto, como fundamentação teórica da pesquisa serão utilizadas a
autora Mary Del Priore (2017), que estuda a história da mulher no Brasil, as
autoras Schwarcz e Starling (2015), que fazem uma biografia sobre a
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História:
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história do Brasil, desde a colônia até a contemporaneidade brasileira, e a
autora Michelle Perrot (2017) que, embora não estude a mulher brasileira,
traz em sua obra uma riqueza sobre a história de gênero e os excluídos da
história tradicional como um todo.
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História:
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Contexto histórico do período ditatorial brasileiro
O Brasil dos anos 1960 insere-se em um contexto amotinado, tanto em
parâmetro nacional quanto internacional. No contexto nacional o presidente
Jânio Quadros renuncia devido às pressões internas que sofria alegando
perseguição política. Desta forma é empossado em setembro de 1961 o
vice-presidente João Goulart, o qual era associado desde o governo de
Getúlio Vargas (1954) ao comunismo por suas medidas como ministro do
trabalho. Fato este que não agradou o setor conservador e militar da
sociedade.
Devido a fatores internos e externos Jango em 1964 sofre um golpe e quem
assume é o general Humberto de Alencar Castello Branco, candidato único e
que garantia defender a Constituição de 1946, além de prometer entregar o
cargo ao próximo eleito em 1965. Contudo, após sua posse, observa-se
uma mudança de discurso. Castello Branco é, portanto, considerado o
executor de uma mudança no sistema político, realizada através da
colaboração de militares e setores civis interessados nesta reforma
(SCHWARCZ; STARLING, 2015).
O poder executivo foi alternado entre cinco generais: “Castello Branco
(1964-1967), Costa e Silva (1967-69), Garrastazu Médici (1969-74),
Ernesto Geisel (1974-79) e João Figueiredo (1979-85)” (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 449). Castello Branco iniciou a ditadura e sua gestão
foi marcada por seu caráter minimamente moderado e pela
institucionalização das restrições que limitaram os outros poderes, de modo
a estruturar as bases da repressão o que fez com que o regime ditatorial
durasse anos, mesmo após sua saída do poder. As características de seu
governo são peculiares e tomam como ponto de partida a crise financeira
que o país estava.
Assim, numa tentativa de sair do fracasso econômico Castello Branco
priorizou investimento estrangeiro, o que agradava os EUA, pois tornaria o
Brasil seu dependente auxiliando no combate a ameaça comunista da
América Latina. Castello Branco por um período consegue controlar as
finanças do país e trazer estabilidade por meio do controle de salários,
redução da idade mínima para acesso ao mercado de trabalho e término da
estabilidade empregatícia.
Se no âmbito econômico o Brasil era fortalecido a partir de 1967 com a
posse de Costa e Silva, no âmbito social passa a sofrer com leis mais duras
a partir da promulgação do Ato inconstitucional de número cinco (AI – 5)
em dezembro de 1968. Diante do AI – 5 houve o fechamento do Congresso
Nacional por tempo indeterminado, a limitação e/ou perda de direitos de
liberdade de expressão e reunião, cassação de direitos dos cidadãos e os
crimes políticos passaram a ser julgados em tribunais militares.
Com o AI-5, o regime tornou-se muito mais violento e repressor, pois era
amparado legalmente. Assim, de um lado da sociedade estavam os policiais
militares com a pretensão de continuar no poder. Do outro, havia uma
sociedade que teria que respeitar os padrões impostos pela ditadura ou
correr risco ao se rebelar. Mediante este cenário, surgem diversas
manifestações contra o regime militar e contra o AI-5.
Contudo, como descrito anteriormente, a partir de 1967 o Brasil começa a
ter alívio econômico. Neste clima de satisfação financeira houve a queda da
inflação o que culminou em um “milagre econômico”, jamais visto em
nenhum governo anterior. Este “milagre econômico” vedou os olhos de
alguns setores da população, fez com que os ânimos fossem acalmados e a
sociedade civil começasse a respirar, mesmo que em troca de sua
liberdade. Já que nos anos que o “milagre econômico” estava consolidado a
máquina de tortura do Estado também estava.
Assim, por um lado havia o fortalecimento econômico, mas por outro tinhase a repressão e a tortura a todo vapor. Contudo, a classe média da
sociedade, aproveitou do “milagre econômico” para o consumo próprio, o
que ajudava ainda mais a alavancar uma economia já estável. Segundo
Schwarcz e Starling (2015), o “milagre econômico” ocorreu entre os anos
de 1970 a 1972. Este “milagre econômico” foi responsável direto pela
popularidade alta do general Médici, mesmo sendo ele o mais repressor e
violento ditador do período, não sendo tão criticado pela sociedade.
A legitimidade do governo militar se deu através da criação de políticas
sociais voltadas às camadas sociais mais pobres, como programas de
alfabetização, de assistência médica e de habitação. Além de obras
faraônicas para mostrar a sociedade que a economia estava aquecida e
numa tentativa de aumentar a taxa de empregos. Isto ocorre numa
tentativa de solucionar a impopularidade do governo dado os altos índices
de desigualdade social do período pela concentração de renda aos mais
ricos e pela falta de confiança que setor industrial tinha na economia.
As mulheres durante a ditadura militar no Brasil
Com o cenário brasileiro extremamente violento e com os grupos sociais
unindo-se cada vez mais, algumas mulheres começaram a reivindicar
direitos que antes só os eram pedidos no ambiente doméstico e que quase
nunca eram acatados pelo chefe de família. Há de considerar que às vezes
as mulheres nem pediam determinados direitos, mesmo que em suas casas,
pelo receio de como seu marido receberia a informação. Claro que nem
todos os homens eram violentos e destinavam apenas ao lar a fala de suas
mulheres, mas em sua grande parte o eram. Isto decorre pela maneira que
foram criados e ao machismo velado na sociedade patriarcal dos anos de
chumbo.
Quando alguns grupos começam a reivindicar direitos, uma parcela de
mulheres, de classes sociais e propósitos distintos, passaram a lutar por
direitos e pela redemocratização do país. Contudo, estas mulheres devido
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História:
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ao preconceito sexual da época, no início, passavam despercebidas,
podendo transitar com mais facilidade sem despertar desconfiança ou
interesse por parte dos militares, por não considerarem as mulheres aptas à
luta politica do país.
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História:
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Diante disto, estas mulheres organizavam-se nas ruas, nas praças, nas
universidades, igrejas, sindicatos e fábricas. O interesse destas mulheres
por mais que partissem de ideais divergentes acabava sendo um só – o
término da ditadura militar – Houve, neste momento, relatos de
discriminação e segregação sexuais, tornando, muitas mulheres, fontes
diretas de denúncias e de reivindicação de direitos, questionando espaços
coletivos, como: “o local de trabalho, a prática sindical e a própria família”
(GIULANI, 2017, p. 645). Desta forma, as mulheres conseguem obter voz e
adentrar espaços que antes eram ocupados apenas por homens como nas:
“diretorias das organizações sindicais, partidos políticos, associações,
comitês etc.” (GIULANI, 2017, p. 645).
Portanto, como dito anteriormente, as lutas femininas eram diversificadas,
algumas mulheres lutavam por direitos trabalhistas, outras possuíam
reivindicações sociais, como direito à saúde, maternidade e mortalidades
infantil e materna. Para obter mais vozes, era comum a aliança com grupos
religiosos ou não. Como exemplo se tem o Grupo de mulheres
trabalhadoras e Clubes de Mães que denunciam, portanto, a precariedade
nos serviços destinados à mulher. Assim, com o auxílio do pensamento
feminista, as dimensões da vida individual, social e coletiva, podem ser
articuladas, mesmo que antes fosse impensável às mulheres. (GIULANI,
2017).
Outro tipo de grupo de mulheres que possui tamanha importância na
história de luta da mulher no Brasil é o movimento de ocupação de terras,
principalmente a partir de 1980, dada a redemocratização do país. As
atividades destas mulheres no interior da ocupação variavam do trabalho
doméstico até a resistência contra a violência dos policiais e proprietários.
Evidencia-se, ademais, a capacidade de organização e capacidade de
manter estruturado o ambiente familiar e os espaços comunitários
(GIULANI, 2017).
Já, na camada urbana da sociedade, várias mulheres reivindicaram direitos,
já nos fins dos anos de 1960, através do Movimento Nacional contra a
Carestia, Movimento por Luta de Creches, Movimento Brasileiro pela Anistia,
além da criação dos Grupos Feministas e Centros de Mulheres. A intenção,
todavia, destes grupos, era o debate sobre os papéis da mulher na
sociedade brasileira e como estes papéis são construtos sociais, ou seja,
estão aptos a mudanças. Devendo, assim, perceber a importância da luta
feminina nos processos de redemocratização do país através de suas
reivindicações que foram promulgadas leis mais coerentes com a atuação
social e econômica da mulher, através da crítica aos salários promovidos
pelo Estado e às demandas de serviços públicos (GIULANI, 2017).
Entre estes movimentos citados, a luta pela anistia se sobressai como uma
decisão política organizada contra os militares no poder. O Movimento
Feminino pela Anistia é marcado pela indignação da sociedade pelas
atrocidades da ditadura e pedia pela libertação dos presos políticos, retorno
dos exilados, reintegração política e social e especialmente o término das
ações de tortura e de repressão.
Nos anos sequentes a 1970 a liberdade da mulher começa a entrar em
cogitação. A mulher passa a querer saber e ter poder sobre sua sexualidade
e seu próprio corpo. Deste modo, com a aceitação da pílula
anticoncepcional, as mulheres se tornaram mais independentes devido à
sua eficácia. Já na Música, literatura e cinema era exibida a intimidade dos
casais, mas tudo ainda de maneira bem sublime e delicada, sendo que esta
liberdade sexual que vinha sendo propagada não seria possível se não
fossem os meios de propaganda e comunicação de massa, pois ao mesmo
tempo que estes meios ditavam padrões, eram responsáveis pela
modernização do pensamento (PRIORE, 2014).
Seja na luta armada, seja colocando sua vida em risco para proteger sua
família, não há dúvida da participação e do poder da mulher durante os
anos da ditadura, como demostrado no capítulo a seguir.
A fonte na pesquisa histórica
A pesquisa histórica pautada em uma metodologia empírica trouxe riqueza
ao campo por permitir ao historiador investigar fontes diversificadas, indo
desde uma fonte escrita até uma fonte sonora. Assim, cabe a recuperação
do passado de forma reguladora, dotada de credibilidade e veracidade
conforme a narrativa do historiador. Desta maneira, o historiador retorna ao
passado para obter respostas com orientação no presente (ALVES, 2011).
Para Alves (2011) a narrativa histórica construída pelo historiador,
concebida cientificamente, e chamada historiográfica se apresenta de
formas diversas na sociedade, de modo a facilitar sua compreensão. Tem-se
livros historiográficos, revistas, jornais, filmes, blogs, novelas, entre outros,
que constituem o espaço que comporá junto à existência do adulto, criança
e jovem, a satisfação de seus interesses junto à experiência no tempo,
levando em consideração sua tomada de decisão política, socioeconômica e
cultural, sendo que apenas através das fontes que pode haver uma
experiência completa de estudo sobre o passado e constituir conhecimento
histórico.
Um dos exemplos desta riqueza documental de fontes é a possibilidade de
utilizar interrogatórios como fontes de análise do processo ditatorial
brasileiro. Como interrogatórios feitos com mulheres participantes da
oposição da ditadura militar no Brasil. Estes interrogatórios partem de um
projeto inicial que visa compreender e explorar mais documentos de mesma
natureza num trabalho futuro, bem como auxiliar a construção de
consciência histórica no aprendizado sobre o tema. Partindo de uma história
pontual, de modo a trazer a realidade presente e projetar um futuro.
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História:
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Aprendendo
História:
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Estes interrogatórios estão disponíveis no projeto "Brasil: Nunca Mais"
desenvolvido pelo: "Conselho Mundial de Igrejas e pela Arquidiocese de São
Paulo nos anos oitenta, sob a coordenação do Rev. Jaime Wright e de Dom
Paulo Evaristo Arns," (2016). Neste projeto consta todo o processo criminal
de alguns indivíduos presos durante o período ditatorial. O projeto "Brasil:
Nunca Mais" teve três objetivos centrais: primeiramente evitar que os
processos judiciais por crimes políticos fossem destruídos com o fim da
ditadura militar, de mesmo modo como ocorreu ao final do Estado Novo;
em segundo, obter e divulgar informações sobre torturas praticadas pela
repressão política; e por último estimular a educação em direitos humanos
constituídos e dotados de consciência histórica. Pensando justamente em
uma educação que privilegie e estimule os direitos humanos.
Estes tipos de fontes são exemplos claros do caráter cientifico que a história
pode ter, quando trabalhado de modo metodológico, com objetivo de
despertar interesse na humanidade para questões sociais, sem que haja
apenas a transposição do conhecimento. Atendo-se não a ideologização do
aluno, mas sim ao raciocínio lógico, pois a partir do momento que é dado ao
aluno à capacidade de interpretar um documento como fonte histórica este
perceberá sua real importância e tirará suas próprias opiniões em ajuda
com manuais de estudos sobre o tema.
Bem como, trará as mulheres explicação e análise de sua história,
demonstrando sua participação ativa no passado, promovendo-se assim um
diálogo de representatividade. O que é de suma importância dada a
ausência de fontes sobre e das mulheres até o século XX, quando
finalmente as mulheres começam a ter acesso à universidade e a
alfabetização mais facilmente no cenário posterior as duas guerras
mundiais, quando foram lançadas ao mercado de trabalho (PERROT, 2017).
Considerações finais
Observou-se, portanto, um campo vasto, que requer continuidade com
estudos aprofundados, que possam preencher a lacuna existente, mas,
também, contar a história a partir de um olhar diferente. O olhar dos
excluídos da história e dos marginalizados. Atendo-se a riqueza documental
que o período ditatorial possui, para compreender e explorar interrogatórios
feitos através de denúncias. Tendo como finalidade auxiliar a construção de
consciência histórica no aprendizado sobre a participação feminina e o
movimento feminista no período ditatorial brasileiro. Partindo de uma
história pontual, de modo a trazer a realidade presente e projetar um
futuro.
Referências
Letícia Veitas Novelli é graduada em História pela Universidade Estadual de
Londrina (2014). Especialista em Filosofia moderna e contemporânea (UEL2017). Mestranda do Programa de Ensino de Ciências Humanas, Sociais e
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PRIORE, Mary Del. Histórias íntimas. 2ª ed. São Paulo: Planeta do Brasil,
2014.
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São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
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História:
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TRABAJO EN SALA DE AULA CON PUBLICIDAD: CONSTRUCCIONES
DEL IDEAL E IMAGINARIOS DE MUJERES EN LA PUBLICIDAD DE
CERVEZAS EN MEDELLÍN- COLOMBIA
Maria Isabel Giraldo Vásquez
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História:
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Los procesos de industrialización en la ciudad de Medellín Colombia durante
las primeras décadas del siglo XX y el desarrollo publicitario que llevó
consigo dicha industria, son el eje central de este ejercicio en sala de aula y
permiten analizar las ideas y constructos sociales que se comenzaron a
tejer en relación a la identidad femenina en dicha ciudad. Se expone en
este trabajo, un ejercicio realizado con estudiantes de historia del diseño,
en donde mediante el análisis iconográfico e iconológico de las narrativas
que se encuentran inmersas en el discurso publicitario de cervezas y
bebidas a base de malta de la época, se trabajan dichos constructos.
Mediante este estudio, se hace evidente la importancia de la publicidad y el
diseño gráfico en la construcción y refuerzo de discursos, que desde la
política y la religión se venían implementando en la ciudad de Medellín,
sobre todo durante las primeras décadas del siglo XX, como parte de un
proyecto modernizador de ciudad y país.
Durante las décadas de 1930 a 1950 la ciudad de Medellín- Colombia se
caracterizó por permitir las condiciones para el desarrollo industrial y
material del país; términos como “progreso”, “tradición familiar” y “pujanza”
comenzaron a hacerse visibles como parte de las políticas públicas para el
desarrollo industrial, en donde la industria de bebidas y cervezas tuvo
especial apogeo. Es por esto entonces, que este trabajo se centra en
estudiar las piezas publicitarias de bebidas a base malta y
cervezas,publicadas en el periódico local de carácter conservador “El
Colombiano”.
La publicidad y su papel en la construcción de un ideal de mujer.
El trabajo de aula, consistió en utilizar piezas publicitarias de bebidas
gaseosas, como fuente primaria para realizar un análisis iconográfico e
iconológicos de dichas piezas. Durante las clases de historia del diseño,
temas como la identidad y los constructos sociales son discutidos a través
del diseño, entendiendo el origen etimológico de dicho termino
como:“designare” o sea, nombrar, o asignar una función / intensión a las
cosas. En este caso particular, se trata el tema de lo femenino, sus
representaciones del cuerpo y los modos de ser en dicha categoría,
mediante los códigos gráficos y entrelazamiento de información que tienen
que ver con asuntos relacionados a políticas públicas, asuntos médicos y
religiosos durante la época establecida.
Mediante este ejercicio, se encuentre la publicidad como un agente que
refuerza y construye patrones identitariosen una comunidad específica, del
mismo modo en que permite elaborar una distribución de roles y funciones
entre las personas que conforman una comunidad, regulando así la vida
social. Esta postura la complementa la filósofa italiana ChiaraGiaccardi,
docente de la Universidad Católica de Milán [Citada en Codeluppi,
2007:152] cuando afirma que la publicidad es un poderoso instrumento que
construye la realidad social. Igualmente, sostienePollay, profesor emérito de
marketing en la Universidad de British Columbia [ibid]que la publicidad
tiene la posibilidad de reforzar o modifica los valores culturales que utiliza;
él mismo, señala que la publicad es una de las instituciones culturales más
importantes de la contemporaneidad debido a su presencia en los espacios
sociales; finalmente resulta siendo una parte esencial en el ejercicio de las
relaciones de poder, en donde a través de un conjunto de ideas-imágenes
se edificauna identidad, se legitiman poderes y establecen posiciones sobre
la realidad.
Luego de una visita al archivo histórico de la Biblioteca de la Universidad
Antioquia, se recolectaron algunas imágenes publicadas durante los años
1930 a 1945 en el periódico Conservador El Colombiano. La elección
dicho periódico radica en su importancia en el día a día de la región y
influencia en la vida cotidiana de sus habitantes.
de
de
de
su
A través pues de estas imágenes, se realizó un análisis tanto textual como
gráfico en relación a asuntos concernientes al ideal e imaginarios de una
mujer en la ciudad de Medellín durante las décadas mencionadas.
Figura 1
Pieza publicitaria de Malta. Cervecería Unión. Año de 1930 [in Periódico El
colombiano, Cien Años de Publicidad Antioqueña, pág. 39]
En esta primera pieza, publicada en el año de 1930 se percibe una
ilustración de un bebé; un texto alusivo a la imagen y al producto, así como
un texto menor informando el producto promocionado y la marca.El texto
narra lo siguiente:
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“Su tesoro.
Qué satisfacción y alegría cuando está sanito y aumenta de peso mes por
mes.
Pero qué de sacrificios, desvelos, angustias y temores cuando esta
enfermito!
Madres, vosotras que sabéis de esos desvelos, fatigas y temores, que
habéis de sufrir para tener el tesoro de un hijo, podréis apreciar la
necesidad de alimentaros bien. Uno o dos vasos de “Malta” al día, os
rejuvenecerá y os dará el vigor necesario para no enfermaros. Recordad
que vuestra vida es otro tesoro para vuestro hijito”. [in Periódico El
colombiano, Cien Años de Publicidad Antioqueña, 2001:39]
Se hace referencia aquí a la tradición familiar en su aspecto más
conservador y tradicional. La pieza está enfocada las madres y amas de
casa, quienes son las directamente implicadas en el cuidado y la crianza de
los hijos. Se menciona a los niños como el “tesoro” que representan y en el
amor que las madres tienen para con ellos, y en su calidad de guardianas
de la familia el aviso remite a la importancia de una madre saludable y
enérgica para sobrellevar los deberes del hogar.
Al hablar de los imaginarios y de un “ideal de mujer” es necesario pensar la
configuración familiar que le caracteriza, y en ese sentido, junto con valores
como el amor y la dedicación, se encuentra un espacio para el aprendizaje y
la enseñanza: la casa y el hogar. La categoría de hogar es de suma
importancia para el desenvolvimiento de la familia tradicional de la región:
familia trabajadora, conservadora, religiosa y fiel a sus principios. Es
entonces en este espacio donde se aprenden las habilidades para la vida, se
forja un carácter desde el cariño amoroso de la madre y la firmeza radical
del padre. Así, en esta pieza publicitaria, se percibe ese imaginario de
cuidado y preocupación que se le designaa las madres, cuando hace alusión
al cuidado de los hijos por parte de ellas, así como el cuidado de ellas
mismas para evitar el cansancio y la necesidad de tener fuerza suficiente
para la labor de crianza de los hijos.
El siguiente ejemplo, de carácter vertical y a una sola tinta, está constituida
por un breve texto introductorio en letras mayúsculas que llama la atención
del lector, una imagen inmediatamente al lado de dicho texto en la parte
superior derecha y un cuerpo textual descriptivo enmarcado en un fondo
blanco que se resalta el centro del aviso. En la parte inferior el texto
correspondiente al nombre de la bebida y una pequeña frase complementar.
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Figura 2
Aviso publicitario de Cerveza Malta. Año de 1935. [in Periódico El
Colombiano, Julio 9 de 1935. p. 2]
La imagen la compone el perfil de una madre elegantemente peinada, que
mira a su pequeño hijo dormir en lo que parece ser una cama mientras
abraza un muñeco con su brazo izquierdo. El texto introductorio en
subrayado dice: “PARA CRIAR NIÑOS SANOS Y ROBUSTOS”. Y en la parte
central, el texto informativo narra lo siguiente:
“No tenga Ud. Envidia, señora, de los hermosos bebes de sus amigas. Si su
nene está paliducho y débil, busque la causa en usted misma. Aliméntese
bien. La cerveza MALTA es un excelente alimento para madres que crían.
Pídala en sus comidas”.
Culmina la pieza con el nombre del producto Cerveza Malta, y una frase
final: “Para madres previsoras”.
En este caso, además de tratar los valores familiares mencionados el punto
anterior, se hace una alusión de manera indirecta a la fuerza y al vigor,
características de los pobladores modernos de la región, evidenciándose
esta en la importancia que se le debe dar a la correcta alimentación en este
caso, en madres que están criando (o amamantando):
“Toda la vida del hombre está íntimamente relacionada con la alimentación
y su influencia ejerce una acción directa sobre el crecimiento y desarrollo
del individuo; también influye sobre la salud y actividad física y mental,
sobre la reproducción, sobre el carácter y sobre todas las funciones que el
individuo […] está destinado a cumplir”.[La alimentación- Periódico el
Colombiano]
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Palabras como “paliducho” y “débil” hacen una referencia negativa a
aspectos que una madre en calidad de cuidadora y responsable por los hijos
no se puede permitir, así, la pieza se permite cuestionar a las madres
preguntándoles si sus hijos están lo suficientemente “rozagantes” y
“enérgicos” al compararlos con los bebés de las amigas. En el texto, es
posible vislumbrar también un asunto que tiene que ver con la culpabilidad
(más que con la responsabilidad) que se les impone a las madres al ser las
posibles causantes de dicha debilidad y palidez en sus bebés: “Busque la
causa en usted misma” y al sentir envidia de los “hermosos bebes” de las
amigas. En adición, se vislumbra nuevamente un asunto de género (que
para asuntos de este trabajo es tratado bajo a definición de Joan Scott
[Scott, 1999. p.37-75]) que tiene que ver con la delimitación de las labores
femeninas en la crianza y cuidado de las familias. Para finalizar, la pieza
recalca la importancia de ser una madre precavida (“para madres
previsoras”), que piensa con antelación y “prepara” unas condiciones
apropiadas para que sus pequeños sean fuertes y vigorosos.
Estos ejemplos, además de otros tratados durante las clases, se soportan
bajo discursos médicos y religiosos, en donde es posible ratificar esos
ideales de lo femenino que se pretendían construir y elaborar, así como
mantener para las décadas mencionadas. Desde lo religioso, por ejemplo,
surge una tendencia llamada “marianismo” en donde los mensajes
construidos por la iglesia católica relacionaban y reforzaban constantemente
el ideal de mujer con María madre de Dios, e insistían en la misión de la
mujer dentro de los asuntos relacionados al hogar; “(El marianismo)
representa el culto a la superioridad espiritual femenina y enseña que las
mujeres son semi-divinas, moralmente superiores y espiritualmente más
fuertes que los hombres” [Stevens, 1974.p.17], pero desde una
subordinación a lo masculino, es decir, se alaba a la mujer, pero bajo
cualidades como el sacrificio, la abnegación, y la subordinación.
De igual manera, desde discurso médicos como el citado a continuación, se
evidencian en los manuales de puericultura de la época las divisiones
binarias de género , en donde se hace explicita la noción de ciudadanía que
se pretendía para las décadas mencionadas:
“(…) De modo que usted, señora, debe dedicarle cuidado, tiempo y cariño a
llenar esta misión importantísima de nutrir al hijo que la naturaleza le ha
impuesto y que usted debe conservar y apreciar como un galardón” [Vasco,
1934.p.40].
Estas ideas, tienen su origen también en el proyecto modernizador y de
construcción de un sujeto moderno del gobierno liberal colombiano de la
época: “(..) era importante realizar una serie de cambios en la mentalidad,
la cultura, los modos de ser y las prácticas de los colombianos para poder
alcanzar el objetivo de tener una nación moderna”.[in Reyes, 2016, p.39]
En este proyecto, la mujer ejerció un papel fundamental, sobre todo en
asuntos relacionados a la educación moral y física. En los textos de las
dos piezas publicitarias anteriores se evidencia este énfasis: alimentarse
bien, cuidar la salud, tomar las bebidas promocionadas para tener más
energía y por consiguiente cumplir a cabalidad la función a la cual las
mujeres estabas destinadas dentro de ese proyecto modernizador; las
mujeres tendrían un papel indispensable en dicho proyecto, pero
contradictoriamente, con un enfoque conservador que las vinculaba como
madres, protectoras, vigilantes y modelos, y se refería a ellas como las
“salvadoras del alma masculina”, las “musas de inspiración” y los “ángel(es)
de la casa” , además de ser seres diferenciados, “inagotables en abnegación
y energía como esposas y como madres”[in Vasco, op.cit].
Las construcciones de imaginarios y de un “ideal de mujer”en la ciudad de
Medellín, durante las décadas mencionadas con anterioridad, se ve pues
evidenciada en estas dos piezas publicitarias, en donde se posibilitó la
construcción de un “modo de ser femenino” que estuviera alineado a los
discursos políticos, religiosos y médicos: la mujer cumpliría un papel
fundamental dentro de las ideas modernizadoras de principios de siglo, pero
desde una óptica conservadora y masculina.
A modo de conclusión, se ratifica el ejercicio académico utilizando las
imágenes, para permitir un acercamiento y reflexión de temas relacionados
a las construcciones sociales del género, en particular y en este caso, a los
asuntos relacionados a lo femenino. Se aprovechan las posibilidades de la
imagen en el proceso de rescate histórico del pasado, tal como lo menciona
Peter Burke[2004], y agregándole a esta afirmación el valor que las
imágenes tienen para la reconstrucción de las formas de vida de las
personas del común, de su cotidianidad, sus formas de entablar relaciones,
de comprender su entorno. Este trabajo permitió realizar un ejercicio en
donde se posibilitó el análisis de imaginarios e “ideales” femeninos en la
ciudad de Medellín, durante las décadas de 1930 a 1950, en donde la
publicidad y el diseño gráfico desde sus lenguajes (tanto gráficos como
textuales) tienen la capacidad de mantener, construir, y hasta de-construir
sujetos y dar forma a los mismos según los discursos vigentes. De esta
manera se puede afirmar que las imágenes son artefactos sociales y
culturales, pero más allá de esto, se convierten en artefactos políticos y
económicos que modifican, transforman o mantiene las formas de ser de
una colectividad.
Mediante la publicidad de las bebidas gaseosas y cervezas más
representativas de las décadas estudiadas fue posible hacer un ejercicio de
análisis de los elementos y las imágenes contenidas en ellas , permitiendo
con esto entender procesos complejos como la construcción identitaria de
una región, o la caracterización del ethoscultural de la misma: a través del
análisis de las narrativas visuales se pueden dibujar los contornos de la
historia social de una determinada comunidad y así evidenciar las
transformaciones de ese ente vivo que constituye su identidad.
Referencias
Maria Isabel Giraldo Vasquez es profesora ocasional del departamento de
Diseño Industrial del Instituto Tecnológico Metropolitano ITM de Medellín.
Diseñadora Industrial y Magister en Historia. Coordina el semillero de
investigación en Cultura Material.
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BURKE, P.Testemunha Ocular: história e imagem. São Paulo: Editora da
Universidade do Sagrado Coração, 2004
CODELUPPI, Vanni. El papel social de la Publicidad. In: Pensar la publicidad.
1,(1). Universidad Complutense de Madrid. 2007
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EL COLOMBIANO, Diario de Medellín (corp.) Cien Años de Publicidad
Antioqueña. Medellín: El Colombiano, 2012
______. La alimentación.6 de febrero 1950. p. 9.
REYES, Claudia Angélica. BELTRÁN Felipe, BERMUDEZ, Diego, GALLARDO
Jesús. StarSystem y la mujer: Representaciones de lo femenino en
Colombia. 1930 a 1940. Bogotá: Universidad de Bogotá Jorge Tadeo
Lozano, 2016, p 39
SCOTT, Joan. El género: unacategoríaútil para el análisishistórico. In
Navarro, M. y Stimpson, C. (comp.): Sexualidad, género y roles sexuales,
FCE, pp.37-75. 1999.
STEVENS,
Evelyn
P.,
SOLER,
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CienciashumanasVol. 10, No. 1 (55) (enero-febrero 1974), pp. 17-24.
Editorial: El Colegio de Mexico: http://www.jstor.org/stable/27933189.
1974.p. 17.
VASCO, Eduardo. El breviario de la Madre. Medellín: Universidad de
Antioquia. 1934, p.40.
A REPRESENTAÇÃO DA MULHER EM “DOM CASMURRO” DE MACHADO
DE ASSIS
Milena Calikoski
A Literatura como fonte para a História é um objeto de estudo
relativamente, recente, pois surge com o advento de uma Nova História
Cultural, a partir de uma quebra, do que Chartier vai chamar de
“paradigmas dominantes” (1991, p. 173), existentes na História até então.
Os Annales terão grande importância nesse processo de reformulação da
História. Com a História Cultural abrem-se novos horizontes, novas
possibilidades, para o estudo e pesquisa da História. Desta maneira a
História se renova, sem abandonar o rigor do seu método de pesquisa e é
por isso que a Literatura, assim como o cinema e outras produções mais
populares, podem ser exploradas como fontes.
Para utilizar a Literatura como fonte é necessário entender as semelhanças
e diferenças entre a História e a Literatura. Ambas, História e Literatura,
são narrativas, a História é uma narrativa sobre o passado, o que irá liga-la
aos conceitos de representação e imaginário, ligando-a mais uma vez a
Literatura, por isso ambas tem o real como ponto de partida: “para negá-lo,
ultrapassá-lo ou transfigurá-lo” (PESAVENTO, 2003, p. 33). O imaginário, a
que Pesavento se refere, é a maneira pela qual os homens constroem a sua
visão de mundo. Esta diferença é a que a história explora os fatos
baseando-se numa realidade, enquanto que a preocupação da Literatura é
construir uma narrativa coerente, dito isto ambas partem de um imaginário,
já que o historiador preenche as lacunas com o seu imaginário, enquanto
que o mundo literário vem da mente do escritor e ele pode moldá-lo da
maneira que desejar.
O historiador irá basear-se em fontes e em fatos que aconteceram, mas ao
traçar trajetórias acerca destes fatos ele terá que fazer uma investigação e
escrever um caminho que, de certa forma, será ficcional, pois a História não
pode ser comprovada e nem verificada, ela é escrita através de
investigações, com a construção de uma trajetória, considerada a mais
provável devido às pesquisas realizadas. Essa trajetória estará encharcada
de ficção, pois o historiador fara conjecturas prováveis, mas não é uma
ficção, pois parte de documentos e fontes e principalmente de um evento
que aconteceu.
Entender o contexto histórico da fonte literária é fundamental para que se
entenda o conteúdo de uma obra. O pensamento e a linguagem comuns à
um tempo devem ser problematizados pelo historiador. Assim como que a
Literatura só vai ser útil para pesquisar a época em que foi escrita. Ainda,
importante ressaltar, que a Literatura, usada como fonte, tem algumas
limitações, ela vai ser útil quando o objetivo envolve compreender os
sentimentos, os valores e para entender como o ser humano era
representado e como o mundo era representado.
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Com estas novas possibilidades para pesquisa, os objetivos da História
mudam. Se antes se tinha como princípio fazer um História Global o que se
pretende agora trata-se de explorar “uma pluralidade de abordagens e
compreensões” (CHARTIER, 1991, p. 176). A História passa a preocupar-se
com as particularidades e a entrar nas sociedades através de um fato
histórico, é aí que Chartier introduz o tema das representações,
considerando que não há nenhuma estrutura que não seja formada pelas
representações.
Através do texto encontram-se as representações e é através dele que as
representações são continuadas. Para entender como o texto atinge os
leitores, seria importante entender a história do livro e dos efeitos e
repercussões para que se compreendam as apropriações da História. Estas
apropriações são realizadas por pequenos grupos, sendo fundamentais
dentro de determinadas lógicas, dentro disso é importante atentar-se para
as mudanças e os processos, a descontinuidade histórica, que afetam estes
grupos.
Chartier utiliza o exemplo da literatura, o texto não deve ser entendido
apenas como reconstrutor de relações sociais, é importante entender como
esse texto era lido. É importante lembrar que o texto não existe em si
mesmo, ele precisa de todo um suporte, que lhe vai permitir ser lido, e
também depende da maneira que vai atingir o leitor. O autor se preocupa
em escrever textos, estes textos serão transformados em objetos, estes
objetos irão além daquilo que o autor imaginou, ao alcançar novos públicos
e usos não imaginados.
As representações coletivas vão tentar romper com uma visão homogênea
dos comportamentos sociais. As representações vão “comandar atos”
(CHARTIER, 1991, p. 183), elas são diretamente responsáveis pela
construção do mundo social e de comportamentos da sociedade. Com o
retorno às representações coletivas tem-se a percepção de que a realidade
é contraditória, e também de uma necessidade de afirmação de uma
identidade social, por fim é a visão institucional que vai marcar ou o
indivíduo ou o grupo social. Desta maneira as representações de poder
sempre vão ter uma influência na construção das representações que o
grupo tem de si, a partir de uma demonstração de união. A primeira é
referente a uma visão imposta de fora para dentro e a segunda é uma visão
construída de dentro para fora.
A representação, por um lado, faz uma ausência ser vista o que coloca uma
diferença “entre o que representa e o que é representado” (CHARTIER,
1991, p. 184), e do outro é a apresentação de um indivíduo. As
representações são feitas através de símbolos visíveis que vão ser postos
no local do objeto de significância e passarão a ter o significado do objeto
que representam. Para que esta relação seja possível de se entender é
necessário que o signo também seja investigado para que não assuma um
caráter aleatório como significado.
A literatura será questão importante no que concerne a representação, isso pode ser lido também em Ricouer – como a crítica externa e interna do
texto. Outra questão presente em Ricouer é a questão de que a
representação é usada como signo, menciona também que o signo é
entendido como homogêneo e, que o significante-significado migrou para
várias regiões da linguagem. Aliás a linguagem e suas mudanças também
serão importantes para entender a representação.
As representações existem a partir de imagens consideradas reais. E
existem três tipos de discurso de representações: representação como
cerne da prática social; como louvor ao poder; e o poder como
representação, e a representação como poder. A representação como poder
representa uma ausência (no ato de representar algo/alguém que detém o
poder), e uma presença (o detentor do poder se faz presente através de
algo/alguém legitimando-o).
Ao falar sobre representação irá desenvolver o conceito de representância
que reúne todos os conceitos citados por Ricoeur. É através dela também
que se faz uma relação com memória e representação. Por fim diz: “as
coisas do passado são abolidas, mas ninguém pode fazer com que não
tenham sido.” (RICOEUR, 2007, p. 294). Para ele esta é a condição histórica
do passado, já foi, não é mais, mas continua sendo através das
representações.
Dentro das novas perspectivas para a História entra, também, a História
das Mulheres. É a partir da abertura dessas novas possibilidades que podese pesquisar uma História feita por mulheres e para mulheres. Scott dirá: “é
ao mesmo tempo um suplemento inócuo a história estabelecida e um
deslocamento radical dessa história.” (SCOTT, 1992, p. 35) Isso quer dizer
que a História é algo, mesmo semelhante a História, complemente diferente
à ela.
A História das Mulheres surge a partir dos Movimentos Feministas, na
década de 60, principalmente nos Estados Unidos. Surge muito ligada à
questão política, tanto que Joan Scott utiliza o termo movimento para
diferenciar o que nasce como História das Mulheres, neste período, que
estava muito ligada a política. Na década de 80 a História das Mulheres
começou a desligar-se da política e adquirir um campo de pesquisa próprio
e mais consolidado, já que gênero é um termo neutro e sem caráter
ideológico.
Muitos assuntos, antes da História Cultural, eram vistos como
desnecessários, por isso não eram estudados. Um destes assuntos é a
história das mulheres. É bem verdade que, recentemente, as mulheres vêm
ganhando cada vez mais espaço na historiografia, mas ainda há muito para
se estudar, há muito tempo de negligência para ser superado.
Durante um longo tempo a história foi feita pelos homens e para os
homens, as mulheres não eram consideradas como agentes da história e,
muitas vezes, nem como leitoras dela. Por isso olhar e tentar lançar um
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pouco de luz sobre como era o cotidiano e o comportamento das mulheres é
tão importante. Principalmente porque os trabalhos de pesquisa sobre as
mulheres começaram a ganhar notoriedade no fim do século XX, sendo um
movimento recente, é de demasiada importância que as mulheres possam
se enxergar nas linhas da história, como agentes da mesma.
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A História das Mulheres é uma maneira de investigar o passado e olhar para
o que foi dito como “verdadeiro”, procurando novas perspectivas. A
“História do Homem” teve um destaque muito maior do que o dado para a
História das Mulheres. Com a História das Mulheres se propões que estude a
“cultura das mulheres”, não se abre a perspectiva de uma História das
Mulheres para que sejam tratadas como vítimas de uma História não
contada. O objetivo é, que agora, esta História seja contada e investigada,
para que possamos conhecer este outro lado – dos muitos – da História, o
lado das mulheres.
A Mulher em “Dom Casmurro”
Tenho como proposta entender de que maneira a mulher era representada
na obra de Dom Casmurro de Machado de Assis. Diante disso tenho como
base a literatura como crítica social feita por Machado, para entender qual
eram as imagens, ou imagem, de mulher em fins do século XIX, período em
que o livro é escrito.
Ao se dispor a estudar a história tendo como fonte uma obra literária, tenho
em mente as diferenças entre as narrativas histórica e literária. A literatura
retrata alguns aspectos da sociedade, mas ela não pode ser interpretada
como real de fato, a literatura é uma ficção, sem qualquer compromisso
com a realidade, e que tem o privilégio de fundar-se numa realidade, num
tempo e com características destes. Enquanto que a história tem um
compromisso com o método de pesquisa específico da história, deve ser lida
com a ajuda da imaginação mas, jamais como ficção.
Tendo isso como parâmetro, busco construir esta breve pesquisa sobre a
busca por se fazer uma história das mulheres e entender de que maneira
elas eram compreendidas pela sociedade. Não me atenho a um fato
específico para tratar deste assunto, mas sim ao modo como as mulheres
foram escritas por Machado, que me é particularmente interessante.
A literatura vai retratar fatos subconscientes que as sociedades não
demonstram claramente ou, que não querem demonstram. Ela é uma
maneira de interpretar a sociedade de seu tempo, turva, mas ainda assim
legítima. Para que a literatura seja utilizada como fonte é necessário que se
faça um mapeamento do contexto histórico e de quem era o autor, com isso
será possível delimitar quais intenções do autor ao produzir a obra. Como
diz Piza “Machado, como todo grande criador, foi ao mesmo tempo
expressão de sua época e exceção a ela”. (2008, p. 11).
Ao escolher Machado de Assis tenho em mente que este autor,
principalmente nesta sua segunda fase – chamada realista, apesar de o
próprio Machado não se achar um realista, é a definição que utilizaremos -
preocupa-se em fazer uma crítica social. Pois Machado conviveu
constantemente com o preconceito social por ser pobre; racial, por ser
mulato; intelectual, por ter sua escrita considerada simplória. Foi isso que
contribuiu para que escrevesse as suas obras com uma crítica social, que,
ao mesmo tempo é latente e discreta.
Hoje existe a alternativa de utilizar a literatura como fonte graças à história
cultural. Com a História Cultural a literatura tornou-se muito próxima da
história. Podemos colocar aí o papel que ambas tem de narrar fatos, a
literatura pode ter como meta a ficção, ou não, enquanto que a história
precisa que a sua narrativa tenha ocorrido, para que possa ser considerada
história. A preocupação de que a literatura poderia fazer com que a história
se tornasse ficção deve ser levado a sério.
Para tentar entender como a mulher era representada é necessário
entender também como funcionavam as estruturas de poder, regulando o
pensamento e o comportamento das pessoas. Para isso utilizo um trecho de
Chartier:
“As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre
determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. (...) As percepções
do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias
e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade
à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto
reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e
condutas. (...) As lutas de representações têm tanta importância como as
lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo
impõe, ou tenta impor a sua concepção do mundo social, os valores que são
seus, e o seu domínio.” (CHARTIER, p. 17, apud PACHECO, 2005 p, 3).
Desta maneira as representações tem importância histórica ao analisarmos
as características de uma sociedade, são modelos forjados pelos grupos
dominantes, o discurso literário não é um discurso neutro, por isso para
entendermos uma representação é necessário que entendamos os meios
que a forjaram. Como bem sabemos o viver em sociedade e os costumes
reverberam pelas pessoas, assim como as representações, sejam elas
críticas ou não, estão fundadas nesse modelo que é o objetivo da sociedade
ou num que se propõe ser a sua sátira, a nós resta saber discerni-los.
Para tanto é preciso entender o autor, conhecer a sua vida e as suas
motivações. Machado de Assis é um autor que faz críticas em um tom ácido,
revestidas com um pouco de humor e outro pouco de insanidade. Diante
disto o livro Dom Casmurro é narrado por Bentinho, no ato da transcrição
de suas memórias. Conta a História dele e de Capitu e a suposta traição
desta com Escobar, que era muito amigo de Bentinho. Neste aspecto as
descrições serão sempre turvas e muitas vezes ambíguas, já que Bentinho é
o narrador, o ofendido e único ao qual pode ser extraída uma versão para
história, em alguns momentos Bentinho demonstra uma insanidade, como
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neste momento da narrativa: “catei os próprios vermes dos livros, para que
me dissessem o que havia nos textos roídos por eles” (ASSIS, 2004, p. 33).
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Em Dom Casmurro diferentes mulheres têm diferentes personalidades,
podemos notar a devoção que a mãe de Bentinho nutria pela família e pelo
seu marido, mesmo após a morte deste: “Minha mãe era uma boa criatura.
Quando lhe morreu o marido, Pedro de Albuquerque Santiago, contava
trinta e um anos de idade, e podia voltar para Itaguaí. Não quis; preferiu
ficar perto da igreja em que meu pai fora sepultado” (ASSIS, 2004, p. 18).
Referindo-se a Capitu: “A gente Pádua não é de todo má. Capitu, apesar
daqueles olhos que o diabo lhe deu... Você já reparou nos olhos dela? São
assim de cigana oblíqua e dissimulada. Pois, apesar deles, poderia passar,
se não fosse a vaidade e a adulação.”(ASSIS, 2004 p, 44). Este trecho é
uma fala do agregado Pádua.
Os olhos de Capitu são uma das suas principais características na proposta
de rotulá-la como uma mulher sedutora com o “cigana oblíqua e
dissimulada” (ASSIS, 2004 p. 57), muitas vezes utilizado como uma
contraposição entre a Capitu menina, a da infância, e a Capitu adulta.
Estas representações podem ser caracterizadas pela constituição de família
burguesa que se formava no século XIX. Numa família patriarcal a mulher
deveria se dedicar, exclusivamente, ao marido e aos filhos. A descrição de
Capitu, pode ter como justificativa, o fato de ser realizada ao fim da vida de
Bentinho, depois deste já ter construído todo o cenário de sua suposta
traição.
Era comum que existisse um padrão duplo de moralidade, as mulheres
boas, para casar, eram aquelas da mesma classe social, de família, bem
educadas e, principalmente, puras. As mesmas regras não valiam para os
homens. Bem como o casamento religioso era como que obrigatório, mas
quando pesquisamos um pouco mais percebemos que os concubinatos eram
muito comuns, assim também como as uniões informais.
Os limites da estratificação social eram mais definidos nas camadas sociais
mais altas, enquanto que nas camadas mais pobres as pessoas tinham mais
liberdade, sendo que as constituições familiares eram mais complexas. A
defesa da família estava muito ligada a preservação da honra, pela qual o
chefe da família (homem: pai, irmão, avô) deveria zelar. No período da
Belle Époque o homem continuou sendo a cabeça da família, sendo que
surgiram muitas propagandas, do governo e em revistas femininas,
incentivando as mulheres a cuidarem da casa, do marido e dos filhos e, a
não trabalharem, tornando-as extremamente dependentes.
O poder, de fabricar uma opinião sobre o livro está todo nas mãos do
narrador, Bentinho, e é através dele que permanecem as dúvidas sobre a
honestidade de Capitu, mas essa não é a questão. A questão é, como o
texto retrata uma mulher cheia de artimanhas e sedutora como a mulher a
imperfeita e, a mulher perfeita como a mãe bondosa e obediente. Desta
maneiras representações estarão ligadas a estruturas de poder e, esta
estrutura em que os homens são dominantes, vai impor as mulheres um
lugar de docilidade.
Referências
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A DESIGUALDADE DE GÊNERO: A CONVENÇÃO DE BELÉM E A LEI
MARIA DA PENHA
Mirela Ibiapino Marques Cunha
Victor Gabriel de Jesus Santos David Costa
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História:
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Muito é falado sobre as conquistas das mulheres, como se essas tivessem
seus direitos plenamente reconhecidos e respeitados no contexto social,
político e econômico hodierno. Contudo, é claro que a classe feminina
obteve diversas mudanças em seus direitos e que muitos foram alcançados.
No entanto, a mulher, desde o século XVIII até os dias atuais, ainda é
rodeada por uma realidade opressiva e submissa em uma sociedade
patriarcal e machista. Desse modo, este artigo possui como propósito
contribuir para reflexões sobre a importância do atendimento em rede para
atingir resultados mais satisfatórios da Lei Maria da Penha e visa analisar o
Movimento Feminista realçando a Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do
Pará), que possui um gigantesco significado para a luta pela igualdade de
gênero, a qual serviu como base para a Lei n° 11.340 (Lei Maria da Penha).
Os movimentos sociais, no decorrer da história, se mostraram
imprescindíveis para as mudanças nas relações sociais humanas, logo, são
instrumentos capazes de alcançar conquistas para grupos desfavorecidos da
sociedade. Desse modo, o movimento feminista surge, com influências
iluministas, a fim de aumentar a autonomia feminina, que sempre teve seu
papel ligado e subordinado aos homens e eram, e continuam sendo, alvos
incessantes de violências psicológicas, físicas, sexuais e econômicas.
A Convenção de Belém, em seu primeiro artigo, expõe o que deve ser
compreendido por violência contra a mulher, e muitas das hipóteses nele
previstas são habitualmente desrespeitadas pela sociedade. A Lei Maria da
Penha, oriunda dessa convenção, possui tal nome em homenagem à Maria
da Penha Maia Fernandes, vítima de várias tentativas de assassinato pelo
seu marido, sendo que uma delas a deixou paraplégica. Mesmo com esse
acontecimento, ela ainda precisou lutar por vinte anos para que seu
agressor fosse preso. Em setembro de 2006 a lei em fim entrou em vigor,
fazendo com que a violência contra a mulher não fosse mais tratada como
um crime de menor potencial ofensivo. Tal lei elaborou um mecanismo
responsável pela coibição de agressões domésticas e familiares, nos termos
da Convenção de Belém e do art. 226 da Constituição Federal. A lei ainda
pois fim às penas pagas multas ou cestas básicas, além de abarcar também
as violências psicológicas, patrimonial e o assédio moral, não só a física e
sexual.
Destarte, a Lei Maria da Penha representa uma verdadeira vitória sobre a
impunidade, por meio dela vidas foram preservadas e muitas mulheres em
situações de violência ganharam o direito à proteção, fortalecendo, assim, a
autonomia das mulheres. Ela reconhece a obrigação pertencente ao Estado
em garantir a segurança das mulheres, sejam em espaços públicos ou
privados, a fim de dotá-las de poder para que exerçam plenamente sua
cidadania.
Entretanto, infelizmente, tal lei ainda é detentora de uma certa ineficácia,
visto que ainda é exorbitante o número de mulheres que mesmo após a
procura por ajuda policial e judicial e obterem medida protetiva, ainda são
vítimas de violência, que muitas vezes resultam em suas mortes,
principalmente por ex companheiros. A Lei da Maria da Penha, porém, não
abrange todas as mulheres que sofrem outros tipos de violência de gênero,
desta forma, não atende a todos os anseios do movimento feminista para
garantir a tão sonhada igualdade de gênero. Pontos indispensáveis
ambicionados pelo movimento, continuam sendo descartados pelo poder
público, como a luta pela igualdade salarial e maior espaço no âmbito
político. Ainda que o mundo esteja globalizado, o sexo feminino continua
sendo alvo constante do machismo dos homens e das próprias mulheres.
Muitos ainda possuem o pensamento que “lugar de mulher é apenas na vida
doméstica, enquanto o papel masculino é o de levar o sustento para casa.
Os avanços do movimento feminista no ordenamento jurídico
brasileiro
A Constituição de 1988 foi a primeira no Estado brasileiro a positivar
diversos direitos que tangem a proteção do sexo feminino a favor do
Movimento Feminista. Ainda assim, existem dificuldades em criar e manter
políticas públicas eficientes que façam tais direitos serem concretizados.
Como defende Marcela Cristina de Souza Alvim, a maior luta travada
atualmente pelas mulheres é a efetivação de seus direitos salvaguardados
pela Constituição.
Como já anteriormente falado, a Lei n° 11.340 foi um insuspeito marco na
história legislativa brasileira, devido a sua busca por punir de modo mais
célere e severo a violência ocorrida no âmbito familiar contra a mulher.
Uma de suas inovações foi a detenção de seu caráter preventivo, e não só
punitivo, que incluem a proibição de aproximação ou qualquer tentativa de
contato com a vítima; a prestação de alimentos provisionais e a prestação
de caução provisório, mediante depósito judicial, por danos ou perdas
matérias decorrentes de práticas de violência doméstica e familiar.
Embora com todas as medidas tomadas para a erradicação da violência
contra a mulher os números continuam alarmantes, e isso resultou na
instauração, em 2012, de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
(CPMI) para tratar sobre a tal violência. Uma de suas principais pautas foi a
articulação para a elaboração de uma lei responsável por combater de modo
mais eficaz a violência. A CPMI constatou a existência de dados
assustadores de violências intrafamiliar no Brasil resultantes em óbitos, que
sucedeu, após inúmeros debates e discussões, na Lei n° 3.104/2015, que
tipificou o feminicídio – expressão utilizada pela primeira vez pela então
presidenta Dilma Rousseff para tratar de mulheres mortas por homens
somente pelo fato de pertencerem ao sexo feminino – como homicídio
qualificado, colocando-o no rol de crimes hediondos.
Apesar disso, é necessário que seja destacado que somente medidas legais
não solucionarão um problema tão enraizado em nossa sociedade e não
serão suficientes para que sejam salvaguardados os direitos femininos
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contidos na Constituição e na legislação infraconstitucional. Além das leis e
normas, são necessários investimentos, por parte do Executivo, em políticas
públicas explicativas e educacionais que visem a proteção à mulher, algo
que é extremamente pedido pelo Movimento Feminista.
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A Lei Maria da Penha e a necessidade de formulação de novas
normas para o fim da desigualdade
A elaboração da Lei Maria da Penha foi decorrente de uma ação coletiva
ordenada por Organizações Não Governamental (ONG’s) feministas,
baseando-se na existência de altas taxas de violência contra a mulher
praticadas nas relações afetivas, além da quase que total impunidade dada
aos agressores. Pela primeira vez, a Convenção de Belém estabeleceu o
direito de toda mulher viver uma vida livre que qualquer violência, além de
trata-la como uma violação aos Direitos Humanos Internacionais. Nesse
sentido, passou a ser adotado um novo paradigma na concepção dos
direitos humanos, considerando o privado público, tornando o Estado
responsável por erradicar e sancionar as situações de violência contra as
mulheres.
“A fim de proteger o direito de toda mulher a uma vida livre de violência, os
Estados-Partes deverão incluir nos relatórios nacionais à Comissão
Interamericana de Mulheres informações sobre as medidas adotadas para
prevenir e erradicar a violência contra a mulher, para prestar assistência à
mulher afetada pela violência, bem como sobre as dificuldades que
observarem na aplicação das mesmas e os fatores que contribuem para a
violência contra a mulher. ” (CONVENÇÃO INTERAMERICANA para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, 1994)
Com a Lei Maria da Penha houve uma alteração expressiva da estrutura e
das práticas do Poder Judiciário brasileiro. A partir de 2006 ocorreram
mudanças positivas ocorreram no país, como a criação e instalação de varas
e juizados de competência exclusiva ao tratamento de ações referentes aos
crimes previstos na norma praticados contra mulheres; a garantia de
assistência social e maior disponibilidade de profissionais responsáveis pelo
atendimento de vítimas. Estas, que por vezes sofriam agressões há anos,
foram encorajadas a denunciarem seus agressores. As denúncias
apresentaram um crescimento de cerca de 40%, visto que antes as vítimas
não denunciavam seus agressores por medo de represarias ainda mais
graves que as denunciadas. As mulheres passaram a se sentirem mais
autônomas e seguras diante de opressões, já que com a existência da lei
era certo que haveria uma punição a seus agressores.
Contudo, o Estado ainda é negligente por falta de ações tomadas para coibir
e prevenir atos violentos contra a mulher, focando apenas na punição a
quem infringe a lei. Falta ao poder público agir com responsabilidade,
possibilitando, assim, ações que visem a criação de projetos para resolver o
problema supracitado. Como defende o Ministro do STF, Gilmar Mendes:
“O juiz tem que entender esse lado e evitar que a mulher seja assassinada.
Uma mulher, quando chega à delegacia, é vítima de violência há muito
tempo e já chegou ao limite. A falha não é da lei, é na estrutura, disse, ao
se lembrar que muitos municípios brasileiros não têm delegacias
especializadas, centros de referência ou mesmo casas de abrigo. ”
(MENDES, 2016)
É dever da administração pública criar mecanismos para realizar a proteção
das vítimas de violência. Enquanto a lei é responsável para garantir os
direitos das mulheres violentadas, o papel do governo é de proporcionar
condições favoráveis na proteção da vítima, construindo abrigos dignos com
profissionais competentes para a ressocialização de um ser humano que
sofreu traumas psicológicos, físicos e moral.
A Lei Maria da Penha, todavia, abrange violências ocorridas no âmbito
doméstico, familiar e de relações afetiva, não tratando, desse modo, dos
abusos ocorridos no espaço público e da desigualdade no mercado de
trabalho.
Em média, no Brasil, as mulheres recebem um salário 27% inferior ao dos
homens. Para a represente do Escritório da ONU Mulheres no Brasil, Nadine
Gasman, tal fato tem a ver com o preconceito com a contratação feminina
por conta de gravidez e por ser visto como um sexo “frágil”.
Nessa perspectiva, a violência contra a mulher, seja qual segmento se fizer
presente, tem fundamentos estruturais e tem sido um dos mecanismos que
funcionam como impedimento ao acesso a posições de igualdade em todas
as esferas da vida social, incluindo a vida privada.
Nessa perspectiva, a violência contra a mulher, seja qual segmento se fizer
presente, tem fundamentos estruturais e tem sido um dos mecanismos que
funcionam como impedimento ao acesso a posições de igualdade em todas
as esferas da vida social, incluindo a vida privada.
Apesar dos avanços gerados pela Convenção de Belém, ainda está muito
longe de assegurar total autonomia e a plenitude de direito às mulheres.
Diariamente milhares de mulheres ainda enfrentam situações que chegam à
barbárie resultado de uma cultura e sociedade machista, onde a mulher é
vista como propriedade, com a qual o homem pode fazer o que bem
entender.
Considerações finais
Atualmente, a Lei Maria da Penha possui importante papel no avanço dos
direitos das mulheres, uma vez que até o 2006 não havia uma lei específica
para tais casos, sendo estes tratados como situações corriqueiras, e
julgados como crimes de menor potencial ofensivo, possuindo punições
brandas. Devido a mudança desta realidade, algumas mulheres sentem-se
seguras para denunciar seus agressores, pois a elas são oferecidas medidas
protetivas. No entanto, uma parcela delas ainda encontra-se amedrontas e
envergonhadas por conta do julgamento social ainda ser ofensivo contra a
vítima, muitas vezes sendo feitos comentários maldosos quando a agressão
é recorrente. O cenário piora quando a violência é sexual, levando em
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consideração a ainda existente “cultura do estupro” que insistir em achar
meios de culpar a vítima pelo crime sofrido.
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As violências domésticas praticadas contra a mulher ocorrem devido a uma
relação de poder que vai além, transformando-se em um costume, existindo
ainda hoje a visão de que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a
colher”. Neste sentindo, a violência sexual cometida pelo companheiro,
dentro do âmbito doméstico é facilmente velada, pois se encontra imersa
em uma sociedade de valores e tabus que identificam o ato sexual como um
dever das mulheres dentro de relacionamentos amorosos, uma vez que,
historicamente, à elas cabia a função social de reprodução biológica.
Por fim, para que ocorra uma real diminuição da violência contra a mulher é
necessário a ver uma superação da condição desigual da mulher na
sociedade brasileira, sendo, para isso, fundamental, políticas públicas de
conscientização da pluralidade cultural existente no país, para um maior
entendimento que nessa realidade não existe superior nem inferior, e sim
uma linha horizontal. Ainda, é primordial que haja um controle para que as
leis que tangem sobre a questão de igualdade salarial entre homens e
mulheres sejam respeitadas.
Referências
Mirela Ibiapino Marques Cunha é estudante da graduação do curso de
Licenciatura em História pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).
Victor Gabriel de Jesus Santos David Costa é estudante da graduação do
curso de Licenciatura em História pela Universidade Estadual do Maranhão
(UEMA), e membro do Núcleo de Pesquisa em História Contemporânea
(NUPEHIC).
ALVIM, Marcia Cristina de Souza. O direito da mulher e a cidadania na
Constituição Brasileira de 1988. In: BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins;
ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. Mulher, Sociedade e Direitos
Humanos. São Paulo: Rideel, 2010.
CONVENÇÃO INTERAMERICANA para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher, 1994.
O GLOBO. Para aplicar Lei Maria da Penha, Justiça tem que 'calçar sandálias
da humildade', diz Gilmar. Disponível em:
http://extra.globo.com/noticias/brasil/para-aplicar-lei-maria-da-penhajustica-tem-que-calcar-sandalias-da-humildade-diz-gilmar-259307.html.
HOMOSSEXUALIDADE NAS NOTÍCIAS POLICIAIS DA IMPRENSA
PARAENSE NA PRIMEIRA METADE DA DÉCADA DE 1980
Pedro Antonio de Brito Neto
Este breve ensaio tem por intuito apresentar a interpretação que a
imprensa paraense refletia em suas páginas de jornal sobre a comunidade
LGBTQ+, em principal, as identidades que derivam do gênero masculino, na
primeira metade da década de 1980. Para expor essa representação recorri
ao periódico Diário do Pará, e seu caderno policial, principal exponente de
características negativas, atribuindo à comunidade o estigma de marginais
ou seres desviantes.
A editoria policial adotava uma linguagem com uso de termos indecentes
referentes aos envolvidos no acontecimento, demonstrando notícias com
imagens que expunha pessoas mortas, machucadas, ou em situações
degradantes. Tal praxe concordaria com uma espécie de jornalismo que se
disseminou no período de sua produção: o popular.
Compreende-se que a abordagem desta imagem negativa é resultado de
um processo de construção social em torno das orientações sexuais e
identidades de gênero, e também de uma técnica do jornalismo que
aproximava a sua linguagem à realidade do seu leitor.
Neste processo em que o jornalismo adotava uma linguagem mais
popularesca para se referir à comunidade LGBTQ+, a mesma estava em
processo de conquistas e lutas sociais em um período marcado pelo fim da
Ditadura Civil-militar e início da redemocratização do Estado brasileiro.
Os estudos e Movimento Homossexual no Brasil e Pará
Aponta-se que os principais estudos e movimentos a respeito da
homossexualidade no Brasil tenham se iniciado em meados da década de
1970. A partir dos trabalhos primordiais de Peter Fry, antropólogo e
pesquisador da homossexualidade no Brasil, observa-se o crescimento de
pesquisas sobre a homossexualidade, particularmente a masculina, pois
este “é um tema de pesquisa significativo dentro das ciências sociais
brasileiras desde o final dos anos 1970, ao passo que estudos sobre
lésbicas, travestis e transexuais são mais recentes” (SIMÕES; FACCHINI,
2009, p.16).
No Pará, diferentemente do restante do país, a pesquisa em torno da
história da homossexualidade neste período, seja ela feminina ou
masculina, é escassa. Franco (2015) revela a falta de escritos sobre a
temática, declarando-a como falha. No entanto, sobre o movimento, e se
um dia houve a organização ou origem do movimento homossexual no
Pará, ele se propagou na sua capital, Belém, com as manifestações
artísticas e culturais que tomariam forma a partir da década de 1970,
quando ocorreu o surgimento de um grupo de artistas, jornalistas e
intelectuais, que foram às ruas fazer-se perceptíveis à sociedade (FRANCO,
2015).
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Estas manifestações, que hoje em dia é vigente durante o período que
antecede o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, se caracterizaria pela Festa
da Maria Chiquita, ou Festa da Chiquita Bacana.
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O final da década de 1970 caracteriza-se também como um marco na
história da homossexualidade no país, em específico o ano de 1978, pois
corresponde à fundação do primeiro grupo homossexual, o Somos – Grupo
de Afirmação Homossexual, em São Paulo, e ao lançamento da primeira
edição do jornal alternativo O Lampião da Esquina, no Rio de Janeiro,
escrito e produzido por homossexuais para o público da comunidade.
Tanto o jornal, quanto o grupo tinha por objetivo reivindicar seu espaço na
sociedade, combatendo o preconceito e o machismo. Ainda no final da
década de 1970, ocorreu a “primeira manifestação pública através de uma
carta aberta ao Sindicato dos Jornalistas, protestando contra a forma
difamatória
com
que
a
“imprensa
marrom”
apresentava
a
homossexualidade” (FRY; MACRAE, 1985, p. 22).
Nesse período, a cor atribuída a qualquer jornal que use de uma linguagem
“escandalosa” é o marrom. Esse uso possui diversas origens, mas Amaral
(2006) também considera que o jornalista Alberto Dines diz que foi dado
por Calazans Fernandes, que mudou a expressão em uma notícia do jornal
Diário da Noite, no Rio de Janeiro, em 1960. O marrom, então, estaria
estabelecendo relação com a “cor de merda”.
Sensacionalismo e Linguagem popular
O termo “imprensa marrom” ganhou bastante dimensão, vindo se afirmar
na década de 1980, pois, de acordo com Ferreira Júnior e Costa (2016),
esse tipo de cobertura jornalística sensacionalista era abundante. O conceito
de sensacionalismo era utilizado para designar a produção jornalística que
evocasse a violência. No entanto, Amaral (2006) classifica que o
sensacionalismo acontece de várias formas, afirmando que todo jornal pode
ser sensacionalista, pois utiliza de técnicas para prender o leitor, e,
portanto, conquistar boas vendas.
A disseminação do desrespeito, injustiça, desigualdade e violência, devido à
orientação sexual nos impressos, traria à tona uma inconformada massa de
homossexuais. O jornal Notícias Populares, de São Paulo, era um dos meios
que disseminavam uma escrita difamatória a respeito dos homossexuais.
Agrimani Sobrinho afirma que,
“quando se refere ao homossexual, “Notícias Populares” procura tornar
nítida uma posição de preconceito, de exclusão e marginalidade. O
homossexual aparece como culpado, mesmo que seja ele a vítima do crime”
(1995, p. 122).
A profusão desses impressos se apoiava justamente nestas atribuições, um
jornalismo que propagava notícias “extraordinárias”, “excepcionais” e
“escandalosas”. Na década de 1980, além de denominados de “imprensa
marrom”, os periódicos teriam o cognome que Agrimani Sobrinho (1995)
atribui como espreme que sai sangue, alcunha que serviu de título para
uma de suas principais obras.
Portanto, a história comum e cotidiana da realidade social do leitor faria se
presente nos cadernos e/ou editorias policiais, pois eram esses segmentos
dos jornais que retratavam a violência e os acontecimentos mais comuns
enfrentados pelas populações periféricas. O jornalismo popular policial,
exemplificado pelo próprio Diário do Pará possuiu as características
objetivadas a atingir as classes mais populares. Logo, vão desde uma
linguagem coloquial, caracterizada como “exagerada, podendo usar gírias e
palavrões” (LIMA; ARAÚJO, 2011, p. 7).
O Diário do Pará, nomenclaturas e as notícias policiais
O jornal Diário do Pará, ou como se intitulava Diário do Pará: um jornal da
Planície teve sua primeira edição lançada no ano de 1982, ainda no período
de restabelecimento da democracia no Estado brasileiro. O jornal que fora
fundado por Laércio Barbalho, sendo dirigido por seu filho Jáder Barbalho
Filho, teria a editoria Caderno Polícia como um dos maiores destaques do
periódico. Este gênero de notícia ganhou espaço no Pará a partir da década
de 1980, pois;
“o gênero caiu no gosto popular em programas de rádio e televisão, como
“A Patrulha da Cidade”, “TV Cidade” e “Barra Pesada”, nos quais repórteres
de rádio que não tinham formação profissional migraram para as telas e se
tornaram repórteres de televisão” (MELÉM, 2011, p. 31).
Como a pesquisa se ateve em captar notícias do caderno policial sobre a
homossexualidade, a metodologia para a busca destas fontes foi seguindo a
nomenclatura que a notícia expunha nos títulos de suas manchetes. Assim,
as categorizações encontradas para as identidades e orientações com
origem no gênero masculino foram: gay, homossexual, travesti, e a boneca.
O termo gay é o que mais aparece nas manchetes. Proveniente dos Estados
Unidos seria uma denominação que surgiria a partir dos anos de 1950. A
partir dos estudos do historiador George Chauncey vê-se que o termo faz
referência “a qualquer homem que tivesse experiências sexuais com outros
homens, independentemente da afeminação ou do papel desempenhado no
ato sexual” (SIMÕES; FACCHINI, 2009, p. 44). Antes as denominações
estavam relacionadas ao comportamento sexual, ou seja, quem tivesse o
papel de ativo na relação sexual seria chamado de trade, enquanto que os
que exerciam no ato sexual o papel de passivos eram chamados de
fairy/fairies ou queers. Aqui no Brasil as denominações seriam variadas e
mudariam com o passar dos anos, variando de região para região, sendo
revisadas e ganhando novos significados, principalmente no período de
evolução do movimento homossexual. Neste período o gay aparece no
Brasil com o mesmo intuito de determinar o homossexual, sem fazer
distinção sobre o seu comportamento sexual. Abaixo podemos ser observar
uma notícia extraída do caderno policial:
“Gay mete faca. Francisco de Castro Martins de Souza esfaqueou por
motivos de ciúmes, o comerciário José Maria de tal e sua namorada Liana
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Moreira Cardias [...]. Francisco de Castro é homossexual e gosta de ser
chamado de “Francesa”, nutrindo um ciúme doentio pelo comerciário Zé
Maria, por quem é apaixonado. Ontem, ele encontrou o “seu amor” de
braços dados com a namorada e ficou desesperado. Como todo “gay”
“Francesa” não descuida de sua “proteção” e sempre anda com um
canivete, para as suas emergências. Foi com essa arma que ele feriu o
comerciário e Liana. Cada vítima recebeu duas canivetadas. Zé Maria foi
ferido no braço direito e nas costas, enquanto sua namorada recebeu
ferimento nos dois braços. Enquanto o casal era levado ao Pronto Socorro
Municipal, “Francesa” aproveitava a confusão causada e dava no pé para
longe da ação policial” (GAY..., 1982, p. 8).
Esta primeira notícia de 1982, aborda o caso do homossexual chamado
Francisco de Castro, que usa um nome social considerado socialmente
feminino: Francesa. Nota-se no texto a construção da imagem de um ser
“doente”, ao afirmar que ele possui “um ciúme doentio” por um homem
comprometido, a quem o jornal declara que ele seja apaixonado. Outra
percepção que se cria é o da “ridicularização”, Francisco, por ser
homossexual, é retratado como um “louco”, que age por impulso, e a
notícia busca dar ênfase em algumas palavras para desmerecer a sua
imagem, observa-se no próprio destaque que dão ao seu nome social, e a
referência de Zé Maria como o “seu amor”.
O segundo termo noticiado seria o homossexual. Sendo utilizado no texto
de várias notícias, faz referência aos que se envolvem com pessoas do
mesmo sexo. A palavra seria criada no século XIX, com o intuito de
identificar a orientação sexual que estava sendo analisada pela sexologia.
Este termo, como diz Fry, tem associação “ao modelo médico-legal e tem
conotação de patologia e de crime” (1982, p. 104). O autor afirma que,
durante a década de 1960, principalmente na Europa e nos Estados Unidos,
o termo homossexual seria substituído pelo gay, pois este evocava um
sentido mais alegre. Analisemos a notícia abaixo:
“Homossexuais querem o fim da repressão. A entidade Comunidade
Homossexual Argentina exigiu ontem a revogação das leis de repressão aos
homossexuais. Em declaração oficial, a associação afirmou que os
homossexuais dos dois sexos são 5 por cento da população argentina – 1,5
milhão de pessoas – e advertiu: “Não haverá democracia verdadeira se a
sociedade permitir a subsistência dos setores marginalizados e dos diversos
métodos de repressão vigentes”. O documento recorda que a Organização
Mundial de Saúde, integrada pela Argentina, cortou a homossexualidade de
sua lista oficial de doenças e manifesta que os homossexuais são “pessoas
que trabalhamos, estudamos, sentimos, amamos, nos preocupamos com a
realidade nacional e passamos junto com vocês os duros anos da ditadura.”
(HOMOSSEXUAIS..., 1984, p. 7).
Nesta notícia se observa a luta do movimento contra a repressão e o
preconceito que os homossexuais sofrem na Argentina, sendo que isso foi
trabalhado na primeira parte do artigo, porém no Brasil. Alguns pontos
devem ser levados em conta: não é visível a linguagem, ou o uso de termos
depreciativos para com os homossexuais, pelo contrário, está apresentado
outro lado, a exposição do seu protesto no âmbito político e social, no qual
os homossexuais são pessoas iguais as outras, humanos que possuem
sentimentos, realizam trabalhos, e passam ou passaram pela mesma
situação que outros. Atenta-se para a citação que diz que a Organização
Mundial da Saúde (OMS), já havia retirado a homossexualidade do rol de
doenças na Argentina. E, no Brasil, isto aconteceu em 1985, a partir da
campanha promovida pelo Grupo Gay da Bahia (GGB).
A travesti é o quinto termo. Na notícia geralmente é abordada como o
homem que se traveste de mulher. Em 1910, o alemão Magnus Hirschfield,
que ficaria conhecido pela campanha pela descriminalização da
homossexualidade na Alemanha, classificaria o tipo sexual como “pessoas
cujas identidades cruzavam as fronteiras de gênero, que usavam roupas do
sexo oposto e que desejavam mudar de sexo” (SIMÕES; FACCHINI, 2009,
p. 42). Para Butler (2008), o gênero é constituído a partir de uma
construção social, é algo fluido, e sua definição não se vincula ao sexo
biológico. Podemos considerar que hoje, partindo da citação de Simões e
Facchini que as pessoas que almejam a mudança de sexo estão construindo
a sua identidade de gênero, enquanto que a identidade da travesti pode se
caracterizar em
“[...] apresentar-se socialmente como mulher em tempo integral [...]. E
nessa representação não basta somente vestir-se com roupas do universo
feminino. A passagem de um indivíduo para o que se poderia chamar de um
ethos travesti envolve cuidados constantes, tais como depilação, ingestão
e/ou aplicação de hormônios sintéticos femininos ou até mesmo
intervenções mais agressivas, como o uso de silicone para modelar seios,
nádegas e quadris” (FERREIRA, 2009, p. 38).
“Travesti espancado pelo homem-sombra. Reginaldo Miranda Ferreira,
homossexual mais conhecido pelo apelido de Regina Tarada, “roda
bolsinha”, na Praça da República, foi parar ontem no Pronto Socorro
Municipal, com a cara praticamente desmontada na base de pancadas, e
desmaiado. Estava todo “paramentado” como uma mulher, lábios pintados
que sobressaíam a cor do sangue no resto de seu rosto. Ela estava (ou
talvez devesse dizer ele estava) todo travestido, usando um vestido
colorido, peruca espalhafatosa, batom e rouge. De repente, um elemento
misterioso saiu das sombras da Praça, segundo ele disse no PSM, e passou
a agredir Reginaldo, a pauladas, produzindo-lhe os ferimentos pelo corpo.”
(TRAVESTI..., 1985, p. 7).
A travesti Regina, ou como é conhecida “Regina Tarada”, é vítima de
violência homofóbica, porém, é colocada como culpada do seu próprio
estado. Um indivíduo que não foi identificado violentou-a e, pelo que ficou
subentendido pelo jornal, saiu impune do crime. Ressalta-se a vestimenta
de Regina, que por ser travesti, é considerada “espalhafatosa”,
“exagerada”, acentuando a “cor do seu batom como mais forte que a cor do
seu sangue”. O olhar preconceituoso, de condenação, e a ridicularização do
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homossexual são praxes na notícia, que marcam o estranhamento diante da
identidade da travesti.
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Fechando com a sexta e última designação em suas manchetes: a boneca.
O termo fora usado antes no jornal O Snob, no Rio de Janeiro, na década de
1960. A boneca seria um homossexual caracterizado por ter “estilo, graça,
personalidade, consciência da moda e um bom gosto, que as situariam
acima do resto da sociedade” (SIMÕES; FACCHINI, 2009, p. 69). Ou, de
acordo com Silva (2005), em trabalho realizado em São Paulo no mesmo
período, ela seria um homossexual passivo e atraente, geralmente jovem,
ou uma denominação afetuosa dada à mesma categoria. Porém, por variar
os significados de região para região, a boneca no Diário, seria geralmente
o homossexual travestido de mulher, ou efeminado. Como podemos ver
abaixo:
“Mandou chumbo grosso na boneca atrevidinha. Sujeito descarado é o
gay Antonio Pereira da Silva, [...]. Ele mesmo diz que não gosta de fazer
ponto na Praça da República, pois a concorrência é descarada e
desenfreada, porém como reside numa área onde constantemente os
homens estão pelas esquinas com as mulheres da vida fácil, que proliferam
na área, o Antonio (Antonieta, como é conhecido na roda) fica da porta ou
da janela da sua casa bicorar os marmanjos que passam pela calçada da
Riachuelo, e em muitas das vezes chega a abordá-los na maior cara de pau,
convidando-os para entrar. Perseguição. O Raimundo Bolão, que tem
como certo sua passagem todos os dias pela Riachuelo, já que trabalha na
área, há tempo vem sendo abordado pelo Antonio Pereira, e como o Bolão
não lhe dá bola, o gay, como já sabendo a hora que o Raimundo Bolão
passa todos os dias, fica na janela a perturbar a paciência daquele que era
sua paixão. Como tudo na vida enjoa, o Bolão ontem resolveu acabar com a
perseguição da “Antonieta”: ao passar pela janela da dita cuja, quando
retornava do serviço, lá estava o gay, e como já sabia que iria receber
galanteios, o que aconteceu, ao se aproximar, sacou o revólver e deu dois
tiros à queima roupa no corpo do Antonio Pereira da Silva, que caiu no chão
gritando por socorro, com o Bolão fugindo deixando em estado lastimável o
gay Antonio, que foi para uma clínica particular, mas antes esteve
recebendo atendimento no PSM.” (MANDOU..., 1985, p. 7).
O homossexual e também “boneca” Antônio é representado como
“assediador” e culpado pelo ato de Raimundo. O fato de estar perseguindoo todas as vezes que passa para ir ao trabalho, a notícia é transformada, de
modo que aquele que cometeu o ato criminoso sai impune, e o
homossexual por ser estigmatizado torna-se o intransigente da situação.
Podemos atestar como nesta e em outras notícias o homossexual está
sofrendo diversos tipos de violência, seja física, psicológica ou verbal. Aqui
vemos dois tipos de homofobia, a que foi praticada por Raimundo ao atirar
contra Antônio, e a estabelecida pela notícia de jornal, no qual Agrimani
Sobrinho (1995) diz ter origem no preconceito jornalístico, e na negação
humana em assumir a sua própria sexualidade, tendo o jornal e o próprio
leitor como reprodutor desta homofobia, que infere na rejeição ou aversão
ao homossexual na notícia, caracterizada também por uma atitude derivada
do heterossexismo.
Logo, a partir das notícias expostas podemos observar as atribuições que
ridicularizam os membros da comunidade LGBTQ+. Estigmatizam seu
comportamento, minimizam a gravidade da violência homofóbica, sendo o
homossexual sempre culpado, e utilizam suas orientações e identidades de
gênero para atrair o leitor avido pela notícia. Ser incivil nas noticias era
comum para o período, pois não existiam códigos de conduta que os
fiscalizassem. Isso aconteceria somente no final de 1986. E, por mais que
sejam observados intensos casos de violência, não só em Belém, mas no
Brasil como um todo. Os membros do Movimento Homossexual não
deixaram se sobrepujar. A década de 1980 foi período de fortalecimento e
de grandes conquistas sociais para todo o movimento.
Referências
Pedro Antonio de Brito Neto – Graduado em Licenciatura em História pela
Faculdade Estácio de Castanhal, professor do Projeto de Extensão
Alternativa Vestibulares da Universidade do Estado do Pará (UEPA),
atualmente é pós-graduando do curso Amazônia: História, Espaço e Cultura
da Faculdade Integrada Brasil e Amazônia (FIBRA).
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sensacionalismo na imprensa. 1. ed. São Paulo: Summus, 1995.
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identidade. Tradução de Renato Aguiar. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização
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Planície. Belém, ano II, n. 480, 29 mai. 1984. p. 7.
MANDOU chumbo grosso na boneca atrevidinha. Diário do Pará: um Jornal
da Planície. Belém, ano III, n. 783, 24 mai. 1985. p. 7.
TRAVESTI espancado pelo homem sombra. Diário do Pará: um Jornal da
Planície. Belém, ano III, n. 742, 05 abr. 1985. p. 7.
TRABALHANDO COM “GÊNERO” NAS AULAS DE HISTÓRIA: UMA
POSSIBILIDADE DE REELABORAR POSTURAS E VISÕES ACERCA DAS
MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO
Raimundo Nonato Santos de Sousa
Considerações iniciais
É sabido que o eficaz ensino de História exerce uma notória contribuição na
formação de cidadãos cônscios dos seus direitos e deveres na sociedade,
uma vez que por meio do conhecimento adquirido com essa disciplina, o
indivíduo em formação aprende a desnaturalizar o que lhe é apresentado
como natural, reconhecendo com isso que tudo ao seu redor se trata de
construções assentadas em intencionalidades. Além disso, é também com a
História que os alunos apuraram a sua criticidade frente às situações, com
as quais se deparam no cotidiano.
Com isso, percebe-se que não existem dúvidas a respeito do valor prático
do estudo da História. Não obstante, é igualmente perceptível que esse
valor somente é descortinado mediante um trabalho substancialmente
proveitoso com essa disciplina escolar.
A respeito disso, o emprego nas aulas de História de metodologias,
ferramentas pedagógicas e propostas diversificadas, que permitem aos
estudantes exercitarem sua faculdade de raciocínio e seu senso crítico são
fundamentais, não somente para a compreensão dos assuntos estudados,
mas também para ajudar aos discentes a encarar a disciplina História como
um recurso que estimula, antes de tudo, o ato de pensar e de problematizar
a realidade.
Nesse sentido, cabe destacar que indubitavelmente uma das grandes
dificuldades enfrentadas pelos professores de História é dirimir o caráter
pejorativo que paira sobre essa disciplina, e consequentemente mostrar aos
estudantes que a História não é somente o estudo do passado, mas que ela
faz parte do presente e também o engloba no seu estudo, dialogando, em
função disso, com essas duas temporalidades.
Promover essa reversão de ótica acerca do ensino dessa disciplina, sem
nenhuma duvida, é essencial, porque quando a História é vista pelos alunos
como necessária, ela não só propicia a eles aprenderem sobre o passado,
mas também os ajudam a fazer reflexões sobre seu cotidiano. Reflexões
estas, que são essenciais para sua vida em sociedade.
Nessa perspectiva, o objetivo primordial desse texto é promover o incentivo
à transposição do conhecimento de cunho histórico do campo das ideias
para o campo prático a fim de favorecer com isso não apenas a eficácia do
processo de ensino- aprendizagem nessa disciplina, como também o
reconhecimento, por parte dos alunos, a respeito da importância da História
em nossas vidas. Para tanto, optou-se por sugerir a reflexão sobre gênero e
trabalho, sob um viés histórico. Como indicação, os professores poderão
propor para a turma a realização de uma análise sobre a participação da
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mulher na esfera produtiva, a partir de uma perspectiva comparada, que
poderá contemplar dois contextos históricos e geográficos distintos, como
por exemplo: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), na Europa, e o século
XXI, no Brasil.
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Falando sobre gênero nas aulas de História
“Gênero” se refere a um tema transversal, que pode facilmente ser
trabalhado pelos professores de História em sala de aula, desde que,
evidentemente, haja a preocupação de articulá-lo com os eixos temáticos
próprios desta disciplina.
Nesse sentido, as possibilidades de trabalho, de fato, são inúmeras. Dentre
elas, pode-se falar, por exemplo, da atuação das mulheres no mercado de
trabalho e das implicações sociais e culturais geradas por essa atuação,
relacionando esse fato a um episódio similar ocorrido em algum momento
do passado, buscando com isso, apreender semelhanças e permanências,
bem como desconstruir estigmas e conceitos pré-elaborados.
Sobre a questão apontada, não há dúvidas de que o ingresso das mulheres
no mercado de trabalho se configura, sobretudo na atualidade, em um
tema, verdadeiramente, dotado de grande importância social e histórica,
que, em consequência, o torna merecedor de profícuas investigações,
análises e debates, especialmente no âmbito escolar.
Isso pode ser afirmado por pelo menos dois motivos. O primeiro está
umbilicalmente relacionado às consequências produzidas por esse ocorrido.
Quando as mulheres começaram a adentrar no espaço público de trabalho,
as relações sociais, as moralidades femininas, assim como o paradigma
familiar sofreram fortes impactos e significativas alterações (CASTELO
BRANCO, 2005).
A partir daí, as mulheres adquiriram independência financeira em relação ao
seu progenitor ou marido; começaram a questionar as normativas que,
desde há muito, disciplinavam seus corpos, comportamentos e desejos;
como também, passaram a decidir espontaneamente quando iriam se casar,
quando teriam filhos e quantos filhos teriam.
Já o segundo motivo se refere à discriminação de gênero ainda existente
em nossa sociedade, corporificada não somente nas desigualdades salariais,
como também nos cargos ocupados por homens e mulheres na esfera
produtiva (PROBST, 2003).
Por que falar de gênero na escola?
No que concerne à necessidade de falar de “gênero” na sala de aula, é
oportuno destacar que nos últimos anos tem-se percebido um esforço cada
vez mais crescente da sociedade em discutir questões que gravitam entorno
desse tema, por intermédio das suas instituições sociais, como por
exemplo, a escola.
Inegavelmente, a atuação desta instituição na efetivação dessa tarefa é
fundamental, já que a escola é o local, em que se inicia a socialização dos
indivíduos no ambiente exterior ao contexto doméstico, bem como a
construção da sua cidadania.
Além disso, não se pode perder de vista o fato de que se trata de uma
responsabilidade da escola, enquanto instituição preparadora para a vida
em sociedade, combater e dirimir os preconceitos e as discriminações,
independentemente da sua natureza, que ainda perduram.
Assim, guiada por esse princípio, esta instituição precisa falar sobre
questões como as desigualdades entre os gêneros na esfera do trabalho,
porque caso contrário, ela poderá está contribuindo, mesmo que
indiretamente, para a preservação de ideais preconceituosos, por está
formando futuros reprodutores deles.
Desse modo, reconhece-se que a escola na contemporaneidade precisa se
preocupar também com a educação social dos alunos, além da instrução
formal, buscando propiciar aos discentes a assimilação de valores muito
necessários para a boa vivência em sociedade. Assim sendo, nota-se que se
tivermos uma escola preocupada verdadeiramente com a boa formação
social dos alunos, seguramente alcançaremos uma sociedade mais humana,
na qual o respeito se mostrará imperante e prioritário nas relações sociais
estabelecidas pelas pessoas.
Nesse sentido, é constatável que o empenho audaz de professores em
elaborar e aplicar propostas curriculares ou atividades pedagógicas que
possam fermentar a reflexão sobre temas como este, é realmente muito
vantajoso, porque permite aos docentes atuarem de maneira mais
significativa na formação social dos educandos, o que por sua vez, ajudará
a estes desenvolver respeito para com a alteridade do outro (SILVINO,
HENRIQUE, 2017).
Apontamentos sobre a condição da mulher
Para tornar compreensível a relação entre “gênero e trabalho” ora proposta,
é preciso, de inicio, dissertar sobre os espaços que foram ocupados pelas
mulheres ao longo da história do mundo ocidental, a fim de que possamos
perceber os papéis sociais atribuídos a elas nas ditas sociedades
ocidentalizadas.
Vasconcellos (2005, p. 23) nos diz que as mulheres durante muito tempo
viveram “reclusas no mundo doméstico, circunscritas ao silêncio do mundo
privado“. Assim, sujeitas à dominação masculina às mulheres eram
destinadas apenas as tarefas domésticas, de forma que a participação delas
na sociedade adquiria expressividade somente nos limites do lar.
Inclusive, costumava ser apregoado que as responsabilidades de cuidar do
marido, da casa e dos filhos, eram delegações dadas por Deus às mulheres.
Por este motivo, elas precisavam ser zelosas, trabalhadoras e cônscias da
sua condição subjugada em relação à autoridade do homem, já que era algo
predeterminado (FREIRE, 2009).
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Logo, as mulheres eram impedidas de trabalhar fora das fronteiras, quase
intransponíveis, do espaço privado-doméstico. E se porventura, elas
transgredissem tal normativa, impiedosamente a sociedade, defensora dos
“bons costumes”, se encarregava de castigá-las com denominações
desdenhosas e acusações moralistas, já que a transgressão feita era
encarada como uma conduta socialmente reprovada (PRIORE, 1997).
Contudo, as mulheres não desistiram. Por esse motivo, contrariando a
lógica tradicional, que impunha aos homens a responsabilidade de atuar
como provedores e mantenedores do lar, as mulheres deslocaram sua
atuação do âmbito doméstico para o espaço público (PRIORE, 1997).
Apesar disso, infelizmente, elas ainda hoje, em pleno limiar do terceiro
milênio, continuam sendo vitimadas por tratamento discriminatório
referente à qualidade das suas ocupações e por desigualdades salariais,
mesmo quando ocupam o mesmo posto ocupacional que os homens na
esfera pública do trabalho (MAIA, LIRA, 2004).
Cabe destacar ainda nesse aspecto, que geralmente usa-se, para tentar
inibir a inserção da mulher no mercado de trabalho, o argumento de que
uma mulher empregada representa um pai de família desempregado. E
como o trabalho desempenhado por ela é visto como menos importante, ele
é o mais desprezado. Além disso, advoga-se também, que as mulheres
podem ganhar um salário menor em relação aos seus colegas, já que a sua
renda visa apenas complementar o orçamento da família, que tem nos
proventos do marido sua maior fonte.
Tal situação desfavorável está sustentada na sobrevivência da concepção de
que a mulher é naturalmente encaminhada para os serviços do lar e não
para os setores produtivos do mercado. Isso explica porque elas são desde
muito cedo levadas a acreditar que sua função maior seja cuidar e não
prover.
A mão- de-obra feminina no contexto da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918)
Costuma-se dizer, com razão, que a Primeira Grande Guerra (1914-1918)
foi um conflito mundial e total. Mundial, porque envolveu muitos países ao
redor do globo. E total, porque os participes dela não foram apenas os
militares, mas também a população civil, que na sua grande maioria não
tinha nenhum preparo físico, psicológico e nem tampouco estratégico para
atuar na guerra (CÁCERES, 1996).
No desenrolar desse conflito armado, muitos homens foram enviados para
os campos de batalhas para lutarem nas trincheiras, com a finalidade de
deter os avanços das potências inimigas. Eles receberam convocações
acompanhadas de garantias, que os fizeram se disponibilizar a participar.
Na fase inicial do ocorrido, acreditava-se que após o término da I Grande
Guerra, o mundo se tornaria um lugar seguro e melhor, no qual a ameaça
de outro conflito, de grandeza similar, não seria uma ameaça real. Desse
modo, impelidos por essa crença, pelo patriotismo e também pelo desejo de
proteger seus familiares, esses homens, muitos dos quais eram chefes de
família, optaram por deixar a segurança dos seus lares e foram para a
guerra, lutar em nome da sua nação e do seu povo.
Uma das principais consequências da Primeira Guerra Mundial foi o envio de
mulheres, geralmente das classes média e baixa, para trabalhar nas
fábricas, em substituição dos seus maridos que se encontravam nas
trincheiras. Nas fábricas, elas se encarregam da produção de conchas de
artilharia, máscaras de gás, tanques, navios, aviões e munições, que seriam
usados pelos combatentes (MALUF; MOTT, 1998).
Já as mulheres residentes no campo ficaram responsáveis pela produção
agrícola e pela criação de animais. Enquanto que aquelas que moravam nas
cidades foram trabalhar com transportes dirigindo ônibus e caminhões,
além de ocuparem as indústrias, inclusive as do ramo bélico (MALUF; MOTT,
1998).
Assim, ocupando os espaços que antes eram de seus maridos, as mulheres
assumiram diversos papéis na esfera produtiva dos países envolvidos na
Guerra, muito embora elas ainda ganhassem salários menores do que seus
colegas homens que exerciam funções equivalentes.
Após 1918, com o fim do conflito, muitas destas mulheres foram demitidas
das suas profissões, em função do retorno dos sobreviventes da guerra às
suas antigas funções. Em contrapartida, devido à violência do episódio,
muitos dos combatentes nem voltaram porque morreram, e aqueles que
conseguiram retornar, se encontravam mutilados, e por isso, eles estavam
impossibilitados de dar prosseguimento às suas atividades laborais. Isso
ampliou ainda mais a margem para a manutenção das mulheres na esfera
produtiva (MALUF; MOTT, 1998).
Desse modo, apesar das angústias e sofrimentos, a Primeira Guerra Mundial
trouxe às mulheres a possibilidade de alcançar conquistas que muito
contribuíram para a emancipação feminina no mundo do trabalho.
Mulheres trabalhadoras no Brasil
No Brasil, as mulheres começaram a protagonizar uma atuação expressiva
no mercado de trabalho a partir dos anos 70 do século XX. Seguramente,
tal fato se configurou em uma das mais significativas características desta
década, haja vista que o ocorrido sinalizava a necessidade de se redefinir os
sentidos da imagem social da mulher mantidos até então, como também o
crescimento no índice de participação feminina na esfera produtiva (MAIA,
LIRA, 2004).
Dentre as razões existentes que nos ajudam a compreender este fenômeno,
pode-se mencionar aquela que possivelmente é a mais explicativa: a
carência econômica que pairava sobre muitos dos lares brasileiros na época.
Isso é apoiado por Leone, que reconhece que as condições econômicas
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podem exercer uma importante contribuição na intensificação da
participação da mão-de-obra feminina no mercado, como uma espécie de
estratégia para burlar a ameaça do empobrecimento (LEONE, 1997).
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Partindo desse postulado, de fato, não é difícil demais entender que a
exiguidade dos salários pagos, e consequentemente, a dificuldade de
custear as despesas domésticas, podem ter feito com que as mulheres se
sentissem impulsionadas a atuar, de maneira extensiva, no mercado de
trabalho, com o intento de complementar a renda da família com os
proventos oriundos do seu emprego.
Sugestão endereçada ao professor de História
Após a apresentação do que se definiu como objeto central desse texto,
segue-se a proposição que tem por finalidade apresentar alguns possíveis
meios de como executar a articulação entre os temas: gênero, trabalho e
ensino de História.
Após apresentar a proposta de trabalho para os alunos, junto com uma
contextualização histórica acerca do tema, os professores de História
poderão iniciar um debate com a turma a partir das seguintes questões:
a. Será que as mulheres, durante a I Guerra Mundial, queriam
realmente adentrar no mercado de trabalho para serem
independentes do ponto de vista financeiro? Ou elas foram levadas
pelas circunstâncias a trabalhar fora do espaço privado-doméstico?
b. Será que no Brasil as mulheres trabalham por que querem ou por
que precisam?
c. É realmente justo a mulher ganhar um salário inferior ao do homem,
apesar dos dois ocuparem o mesmo posto de trabalho, como
acontecia na época da Primeira Guerra Mundial?
d. As mulheres tem potencial para assumir espontaneamente cargos de
alta responsabilidade no mercado de trabalho? Ou elas podem fazer
isso apenas na ausência de homens capacitados?
e. Por que durante muito tempo, as mulheres foram desencorajadas a
trabalhar fora de casa?
f. As mulheres realmente são “sexo frágil”?
g. O trabalho da mulher é, na realidade, importante para as famílias e
para a sociedade?
h. Por que as mulheres foram descriminadas porque queriam ter seu
dinheiro através do seu próprio trabalho?
i. Será que hoje as mulheres podem ter um emprego formal?
j. As mulheres podem ser consideradas inferiores aos homens?
k. Quais são os lugares que as mulheres podem ocupar na sociedade?
l. O trabalho da mulher é valorizado nos dias de hoje?
m. Quais são as dificuldades que as mulheres enfrentam na atualidade
por trabalharem fora de casa?
n. No mercado de trabalho, as mulheres podem subordinar os homens?
o. Será que hoje a sociedade está mais afeita a disposição das mulheres
em trabalhar fora do espaço privado-doméstico?
p. Será que o desejo das mulheres em ingressar no mercado de
trabalho significa que elas querem necessariamente se opor aos
homens ou se mostrar superiores a eles?
Isso feito, os professores poderão ainda propor para os alunos fazerem um
levantamento, em sua família e na sua vizinhança, a respeito das mulheres
que trabalharam fora de casa. Eles poderão levantar informações sobre:
a) O nome;
b) A idade;
c) A escolaridade;
d) A profissão;
e) A duração da atuação profissional;
f) E os desafios enfrentados por essas mulheres no mercado de
trabalho.
Assim, esse exercício de investigação terá por finalidade fazer com que o
debate teórico seja refletido pelos alunos a partir de exemplos do cotidiano
deles.
Considerações finais
Dessa maneira, a proposta deste texto é a de evidenciar que o trabalho com
a temática “desigualdades entre homens e mulheres nos postos de
trabalho” durante as aulas de História, é não só possível, mas também
muito pertinente, a fim de que tais desigualdades possam ser historicizadas,
compreendidas e consequentemente desnaturalizadas (CISNE, 2015, p. 8586).
Ressalta-se, ainda, que a preocupação de propor uma análise histórica
sobre a relação “gênero e trabalho”, repousa sobre o fato de que,
notadamente a compreensão histórica dos fenômenos, nos ajuda a
enxergá-los não como fatos de causalidade natural, mas sim como
construções culturais derivadas de um contexto histórico especifico.
Por fim, acredita-se que a proposta ora apresentada seguramente ajudará
evidenciar o valor prático do estudo da História, assim como promoverá a
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problematização de estigmas e pré-conceitos em sala de aula, e ainda
incentivará o respeito nas relações sociais, ajudando consequentemente os
alunos a internalizar com mais facilidade o dever de respeitar as mulheres
que buscam sua independência na sociedade através do seu emprego. E por
certo, o respeito é um dos alicerces fundantes de uma sociedade igualitária
de direitos, que desde há muito buscamos alcançar através da educação.
Referências
Raimundo Nonato Santos de Sousa é Acadêmico do 6∘ período do curso de
Licenciatura em História da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA,
pesquisador-bolsista
PIBIC/FAPEMA
e
pesquisador-colaborador
UNIVERSAL/FAPEMA.
CISNE, Miria. Gênero, divisão sexual do trabalho e Serviço Social. 2. ed.
São Paulo: Outras expressões, 2015.
CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. Mulheres Plurais. Teresina: Edições
Bagaço, 2005.
CÁCERES, Florival. História Geral. 4 ed. São Paulo: Moderna, 1996.
FREIRE, Maria Martha de Luna. Mulheres, mães e médicos: discurso
maternalista no Brasil. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.
LEONE, E. O perfil dos trabalhadores e trabalhadoras na economia informal.
Campinas, IE-Cesit, 2007 (Texto encaminhado para a OIT – Brasil).
MAIA, Katy; LIRA, Sachiko Araki. A mulher no mercado de trabalho. IPEA
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PRIORE, Mary Del e BASSANEZI, Carla. História das mulheres no Brasil. 2.
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SILVINO, Dariana Maria; HENRIQUE, Tázia Renata Peixoto. A importância
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VASCONCELOS, Vania Nara Pereira. A perspectiva de gênero
redimensionando a disciplina histórica. Reviata Ártenis, n. 03, dez. 2005.
P.02.
AS IMAGENS DAS MULHERES NOS LIVROS ESCOLARES DA SÉRIE
“INFÂNCIA” DE HENRIQUE RICCHETTI
Samara Elisana Nicareta
Pensamos que, além de dar contornos à discussão sobre gênero, podemos
promover a visibilidade de algumas relações que se configuram neste
contexto. Nas diferentes sociedades e culturas, a condição da mulher está
sempre relacionada às condicionantes socioculturais dadas.
Existem pontos comuns a todas as mulheres nas diversas culturas: de certa
forma sofrem algum tipo de injustiça ou social, econômica, política e sexual.
(ROSALDO, 1979, p. 17) É importante reconhecermos, ainda, que existe um
aprendizado em torno do ser mulher; este papel atribuído ao sexo feminino
foi construído ao longo dos tempos e aceito como forma natural para as
mulheres, como os preceitos de que a condição feminina faz parte de uma
dada natureza, como o ser mãe ou gerar uma nova vida. Diante deste
mesmo “poder” que foi dado às mulheres, surgem admiração, medo e
espanto, o que chegou a auxiliar a atribuir-lhes rótulos de bruxas ou deusas
(Ibidem, p. 18).
Foram séculos de humilhações, perseguições, incompreensões – visões que
permaneceram até serem quebradas por mulheres que decidiram enfrentar
a ideologia que as subjugava, uma ideologia de cunho machista. Contudo,
viam-se (e ainda permanecem) formas de organização social gerenciadas
por homens que determinam seus valores como superiores, apregoam sua
posição como sendo a suprema e a ser respeitada principalmente pelas
mulheres, uma vez que estas foram consideradas inferiores. Em todos os
países, evidenciando um maior ou menor grau de exploração da condição
feminina. Segundo Rosaldo (1979 p. 19):
“Em todos os lugares vemos a mulher ser excluída de certas atividades
econômicas e políticas decisivas; seus papéis como esposas e mães são
associados a poderes e prerrogativas inferiores aos dos homens. Pode-se
dizer, então, que em todas as sociedades contemporâneas, de alguma
forma, há o domínio masculino, e embora em grau e expressão a
subordinação feminina varie muito, a desigualdade dos sexos, hoje em dia,
é fato universal na vida social.”
Ao ser relegada aos afazeres domésticos a mulher é excluída da
participação numa lida pública, que implica tomar decisões, ter poder de
decidir sobre sua própria vida, acessar a uma espécie de autoridade, nutrir
valores culturais. Ou seja, ao sair dos limites do restritivo papel doméstico,
altera-se a função social da mulher na sociedade. Rosaldo (1979, p. 25) fala
de uma oposição universal entre os papeis doméstico e público, os quais
são necessariamente diferentes. Quando a mulher encontra-se numa área
de domínio público ela sofre retaliações, é vista como desviada,
manipuladora, vista como exceção. A posição da mulher não é
biologicamente determinada e sim culturalmente construída.
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GÊNERO
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Este novo fazer histórico permite, portanto, verificar significados que podem
ou não estar aparentes. Investiga a intencionalidade de se abordar fatos,
acontecimentos e do contar a história de uma maneira singular apoiada nas
relações de forças de quem detinha o poder.
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O que contam os livros didáticos configura algo que vai além de palavras,
orientações, prescrições ou métodos de ensino; desvela condutas
socialmente construídas, modos de visualizar as pessoas, os costumes; sob
nossa perspectiva, auxilia a revelar os pensamentos de uma dada cultura.
Os livros didáticos analisados expressam aspectos que estão no passado,
mas que continuam, com maior ou menor intensidade, manifestos e
atuantes no presente. E quem sabe, no futuro ainda permanecerão. É nesta
relação temporal entre passado e presente que podemos delinear elementos
importantes para nosso futuro.
A pesquisa que se utiliza da análise de documentos vinculados às
instituições escolares, como é o caso dos livros didáticos, supõe uma série
de percalços. O primeiro deles é justamente encontrá-los. Material
consumível, descartável e até bem pouco tempo considerado de pouco valor
acadêmico, os livros escolares não são fáceis de serem localizados, sendo
raros os espaços destinados à preservação e à memória do livro didático
(Choppin, 2002).
E, mesmo nos exemplares localizados faltam referências quanto ao número
e à data das edições, das tiragens, sem falar naqueles que estão
parcialmente danificados, sem capa, sem folha de rosto. Para fins de uma
análise dos livros didáticos elaboramos uma classificação preliminar, de
modo a agrupá-los conforme dois critérios: a série ou ano da escola
elementar (primária) a que se destinavam e a disciplina ou matéria que
veiculavam ou a qual se prestavam.
Tal classificação tem apenas um caráter didático. Trata-se, muito mais,
como diz Choppin (2002, p.14), de enquanto pesquisador, analisá-los pela
“riqueza e pela multiplicidade de olhares”. Pretendemos que os livros
didáticos localizados permitam traçar um panorama sobre os hábitos,
valores, comportamentos e identidades sociais, descortinando elementos
para uma perspectiva de construção ideológica que se vincula ao gênero.
Analisamos agora um bloco de livros de leitura, denominados como série
graduada, numa seleção composta por um total de 3 livros: o Segundo,
Terceiro e Quarto livros da coleção “Infância” – Série Olavo Bilac, escritos
por Henrique Ricchetti. A análise recai agora sobre apenas estes exemplares
localizados em “sebos”, livreiros de livros usados, da coleção “Infância”, de
Henrique Ricchetti, unidos da chamada Série Olavo Bilac.
Segundo Abbeg (2018, p.91): “Henrique Ricchetti nasceu em 17 de abril de
1901 em Bauru, formado na Escola Normal Caetano de Campos, ocupou o
cargo de Diretor do Grupo Escolar de Lençóis Paulista, inspetor de ensino na
região de Bauru, posteriormente à 1930 assume o cargo de delegado de
ensino na Capital.” Iniciou sua atividade no magistério estadual paulista
como professor de modesta escola isolada em uma vila em São Manuel,
conhecida como Aparecida da Água da Rosa.
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História:
GÊNERO
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Figura 1 – Infância – 2º. Livro – Capa
Fonte: acervo particular da autora.
A capa colorida da série graduada “Olavo Bilac” faz menção a aprovação
pela Diretoria de Ensino do Estado de São Paulo. O livro sendo aprovado
pelo Estado, mesmo não garantindo sua aquisição pelo mesmo, serviu como
uma espécie de selo de garantia sobre a obra, que seria comercializada nos
diferentes Estados brasileiros aos quais a Companhia Editora Nacional
possuía sucursais.
Figura 2 – Infância – p.22
Fonte: acervo particular da autora.
A presença feminina aparece na figura de uma professora defronte um
quadro negro com um pedaço de giz explicando o calendário.
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Figura 3 – Infância – p. 24
Fonte: acervo particular da autora.
Figura 4 – Infância – p. 41
Fonte: acervo particular da autora.
Por sua vez, o conteúdo formativo infantil que é traduzido pelas figuras 3 e
4, que dizem respeito à formação de hábitos e conformação moral.
Na capa dos três livros “Infância” a imagem representada é a mesma,
alteram-se apenas as cores (fig. 1, 5 e 13). Encontramos uma menina que
segura a mão de um menino, como se a irmã mais velha estivesse
conduzindo ou zelando pelo irmão mais novo. Estão possivelmente
uniformizados e este lembra a farda de um oficial da marinha. Os dois
seguram livros no braço e estão andando, sugerindo a idéia que as crianças
ao estudarem também estão em movimento, trabalhando para o
crescimento do país, uma vez que nelas se depositam esperanças. No
prefácio do 2º Livro encontramos o seguinte apontamento:
“Este volume destina-se às classes de 2 º ano. É um livro escrito em
linguagem singela, dentro dos moldes mais aconselháveis ao seu fim: a
consecução da leitura corrente. Desenvolvendo, através da narrativa, do
conto ou do folclore, cenas familiares e comuns à vida infantil, procuramos,
sempre que possível, dar a cada entrecho uma forma leve e atraente e um
fundo instrutivo, sem, entretanto, fugir à finalidade em vista. Não será
difícil ao professor transformar cada assunto em um centro de interesse,
desenvolvendo-o de acordo com as modernas tendências da didática. Para
auxiliá-lo nessa tarefa organizamos, ao fim de cada capítulo, uma série de
exercícios que, habilmente explorados, darão margem ao desdobramento
de um sem número de motivos novos sobre história, geografia, lições
comuns, educação moral e cívica.” (RICCHETTI, 1947, p. 13).
Apesar da preocupação em informar o professor sobre o motivo de
organizar este livro, não fica clara a função social da escola, ou seja, ela
serve apenas para ensinar a leitura? Os tais exercícios que são propostos,
nada mais são que algumas perguntas diretas, que não levam a reflexão,
formar frases a partir de palavras dadas, exercícios para completar
sentenças sem sentido, ordenar frases, separar sílabas, transformar
palavras para o diminutivo, e uma série de outros exercícios que a princípio
não tem significado algum, mesmo que a professora diga o que é para
fazer.
Figura 5 – Infância - 3º. Livro - Capa
Fonte: acervo particular da autora.
Podemos verificar que no conteúdo desta obra, as representações da
professora, do aluno e da aluna mantêm o mesmo padrão já detectado
noutros livros didáticos.
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Aprendendo
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Figura 6 – Infância – p.19
Fonte: acervo particular da autora.
A figura materna presente e constante no livro de Ricchetti era responsável
por lhe fornecer “maternais conselhos”; sendo o menino tratado como
“herói”.
Figura 7 – Infância – p.34
Fonte: acervo particular da autora.
A figura 7 demonstra a repreensão de um senhor idoso a uma jovem, que
teria lhe perguntado sua idade.
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Figura 8 – Infância – p.54
Fonte: acervo particular da autora.
Figura 9 – Infância – p.76
Fonte: acervo particular da autora.
Figura 10 – Infância – p.79
Fonte: acervo particular da autora.
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A profissionalização da mulher, digo, do magistério primário (dos anos
iniciais do ensino fundamental, já aparece nas imagens e discursos de
Ricchetti. Encontramos a professora “Dona Geni” tomando café, quando lhe
adentram a sala de aula. As salas de aula de escolas isoladas, denominação
para escolas rurais afastadas dos grandes centros urbanos os quais
ensinava-se as primeiras letras (no ensino paulista a Reforma Sampaio
Dória propunha que as escolas isoladas fossem ensinados apenas primeiro e
segundo anos do ensino primário). Estas escolas isoladas eram regidas por
um(a) professor(a), em ambientes precários, quando não, em suas próprias
casas. A figura 9, na página 76, alude a “paciência e habilidade” da
professora “D.Júlia” para resolver de forma “harmoniosa os desavindos”. Na
figura 10, temos a professora “D. Júlia” ensinando sobre grandeza das duas
cidades mais populosas do Brasil: São Paulo e Rio de Janeiro.
Figura 11 – Infância – p. 107
Fonte: acervo particular da autora.
As cenas familiares são uma constante nos livros de Ricchetti, todavia a
mulher e a menina sempre em ambiente reservado, privado, doméstico,
enquanto o homem e o menino aparecem em ambientes públicas, pátios,
rios, campos. Um reflexo do que se concebe como permitido para os
diferentes gêneros. Uma das poucas exceções está na figura 11, quando
“Zélia” corre até a esquina para esperar seu pai.
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Figura 12 – Infância – p. 122
Fonte: acervo particular da autora.
Os afazeres domésticos, do ambiente privado são lugar privilegiado para
atuação feminina. Na figura 12, observa-se a menina que procura a mãe
para costurar seu vestido rasgado.
Figura 13 – Infância – 4º. Livro - Capa
Fonte: acervo particular da autora.
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Figura 14 – Infância – p.11
Fonte: acervo particular da autora.
A última imagem que ora analisamos corresponde à figura 14. Aqui vemos o
mapa do Brasil sendo apontado por um senhor de óculos. O mapa
representando os limites e a divisão política dos estados brasileiros. As
mensagens ideológicas que se pretende veicular traduzem sentimentos de
inspiração nacionalizadora, com fim integrador:
“O sentimento de que a Pátria está aí, pronta, acabada em suas
características, para ser amada, também é transmitido pelos textos. A mais
freqüente forma de participação do povo brasileiro, na construção da Pátria,
em conformidade com os textos, não vai além da ambígua expressão:
‘união entre irmãos’.” (NOSELLA, 1981, p. 100).
Figura 15 – Infância – p.69
Fonte: acervo particular da autora.
A figura 15, retoma a imagem da menina, agora de fronte o rádio. A
menina denominada de “Cimar”, entra na sala para ouvir seu programa de
rádio, notadamente uma novela; mas, não pode pois seu pai está ouvindo
um noticiário que é “útil”. Desta forma, o divertimento da jovem é seu
oposto.
Novamente os temas a serem trabalhados se repetem: a escola, a família, o
trabalho, a Pátria, Nossa Bandeira, temas relacionados ao cotidiano da
cidade ou do campo, a questão da higiene corporal e dos ambientes, a
alimentação, as fábulas, contos, texto sobre as virtudes, personagens da
história e preceitos religiosos.
Nas representações familiares, há como que dois sujeitos unidades
distantes e divididos quanto a seus papeis: não se percebe uma unidade
familiar, mas sim o pai ocupando um lugar definido e que não se conecta
com os papéis da mãe/mulher, o mesmo acontecendo em relação ao lugar
feminino que não se “comunica” com o universo masculino. Assim, nas
imagens há uma separação proposta: o pai aparece em ambientes que lhes
são característicos, porém só, ou em alguns casos acompanhado do filho e
para a mulher o lar.
Há considerações e desdobramentos oriundos dessa trajetória investigativa,
das quais não foi possível tratar com profundidade, mas que, mesmo assim,
pedem para ser pensadas. Por exemplo, como mais um “retalho” a ser
“costurado” nesta “colcha” que trata da imagem de menina e mulher
historicamente elaborada, desvendaríamos as relações entre trabalho e
educação, relacionadas com as principais profissões agregadas ao sexo
feminino e masculino, buscando compreender nuances culturais e
ideológicas presentes na carga imagética vinculada nesse importante
suporte da cultura material da escola, o livro didático.
Referências
Samara Elisana Nicareta - Doutora em Educação (UFSC)
ABBEG, V. A. J. O.. Pro Brasília Fiant Eximia: nacionalismo e paulistanidade
em livros didáticos aprovados no Estado de São Paulo (1911-1937). 189 fls.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de São Paulo,
Guarulhos, 2018.
CHOPPIN, A. O historiador e o livro didático. História da Educação / ASPHE,
Pelotas, Upel – Semestral, v. 06, n. 11, abril, 2002, p. 5-24.
RICCHETTI, H. Infância. Segundo grau. 179 ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1949.
RICCHETTI, H. Infância. Terceiro grau. 19 ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1951.
RICCHETTI, H. Infância. Quarto grau. 17 ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1951.
ROSALDO, M. Z. In: LAMPHERE, L.(org). A Mulher, a Cultura a Sociedade.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
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O CORPO FEMININO SOB OLHAR DAS PARTEIRAS, O OFÍCIO DO
PARTO E OS CUIDADOS ESPECÍFICOS DE GÊNERO
Sara Fernanda Zan
Christian Fausto Moraes dos Santos
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Compreendendo que a ciência médica foi adaptando-se no decorrer da
história, o presente trabalho intenciona adentrar na área da medicina
popular, que auxiliava nos atendimentos e tratamentos de patologias de
determinadas camadas da sociedade. Especificamente as conhecidas como
“madames do parto”, essas comadres dedicavam-se aos cuidado, não
somente no momento do parto, mas também no acompanhamento de
mulheres no desenvolvimento e após a gestação, e nos cuidados das
patologias do gênero. Isto posto, será abordado o conhecimento que estas
comadres tinham a respeito do corpo feminino, e suas influências tanto da
medicina européia quanto da medicina popular.
O papel das parteiras nos ofícios de cura
Ao longo do século XIX os ofícios da cura, ou a também conhecida como
medicina popular, foi influenciada por uma onda de mudanças que
começaram a emergir a partir de 1808, com a vinda da família Real
Portuguesa para o Brasil. As artes médicas não permaneceram constantes
durante o decorrer do século ou após esse, tendo alterações quanto aos
saberes e conhecimentos que eram difundidos e conjuntamente com uma
mudança no contexto social e profissional com a regulamentação desses
ofícios. O que já era conhecido e transmitido na Europa começou a ser
também no país, principalmente no Rio de Janeiro. Os novos conhecimentos
científicos, o desenvolvimento de áreas como biologia, química, física e o
maior estudo da anatomia humana tiveram impacto nos saberes da época.
Nesse desenvolvimento científico, houve uma maior abertura para o estudo
do corpo feminino, possibilitando a ruptura de concepções então
consideradas ultrapassadas, a manutenção daquelas bem-sucedidas e a
adoção de novas visões com influência da área médica, biológica e química.
Os ofícios de cura incorporaram novas perspectivas em saúde, com
influências da medicina acadêmica europeia. No caso específico das
parteiras, e aqui em foco as parteiras diplomadas, estas foram se
adaptando para o novo meio, com formação em cursos e acompanhando os
novos saberes médicos. Dessa forma, métodos e conhecimentos
principalmente europeus, instalaram-se no antigo modo de cuidados,
ampliando as práticas terapêuticas para além do já conhecido. O trabalho
das “comadres”, outra denominação para as parteiras, ia além de auxiliar
no parto, ao contrário do que se pensa. Este ofício, não era somente
buscado em casos de gestação. Obviamente, para essas funções havia
maior procura. Entretanto, as comadres também incluíam, em sua lista de
serviços prestados, o cuidado da mulher, seu acompanhamento durante e
após a gestação, tratamento das patologias que acometiam exclusivamente
mulheres, o cuidado do feto e até mesmo registros das que auxiliavam em
abortos.
As parteiras, tinham ampla atuação junto à sociedade. Por pertencerem a
um grupo de traços heterogêneos, estas foram diversificando-se cada vez
mais. Algumas dessas madames do parto eram formadas em cursos
acadêmicos e tinham o diploma validado pela Faculdade de medicina do Rio
de Janeiro, formavam o novo perfil das madames do parto. Essa nova
subclasse, incluía tanto as parteiras recém-formadas quanto as estrangeiras
que praticavam o ofício no país de origem, mas que haviam acabado de
chegar ao Brasil. Essas comadres divulgavam seus trabalhos por meio de
periódicos e manuais. Tais fontes nos dão uma base de distinção desse
amplo grupo, sendo citados em anúncios as especificidades do trabalhos de
cada uma, bem como suas qualificações; além de métodos comumente
utilizados, estabelecendo o que pode ser visto como um padrão de cuidados
dentro desse campo. Essas técnicas do ofício da parturição são
fundamentais para a compreensão do contexto médico em que existiram,
apresentando por meio dessas, a prática das parteiras e suas
responsabilidades no cuidado das mulheres e seus filhos. Segundo a autora
Maria Lúcia Mott (2005), a relação de parteira e parturiente era importante
e afetiva pois causava maior segurança e confiança na profissional, e tinha
grande valor atribuído. Entre instruções presentes na fonte, descreve-se a
importância do cuidado com a mulher, e é evidente que mesmo para
aquelas parteiras que não eram letradas ou não tinham instrução médica, a
saúde da mulher era prioridade no ofício da parturição.
As áreas de obstetrícia tiveram maior desenvolvimento a partir da metade
do século XIX, e o ofício da parturição foi o palco de rivalidades quanto ao
campo de trabalho. Tendo clara a especificidade de que, mesmo sendo
áreas semelhantes, a instrução recebida pelas parteiras e os conhecimentos
ensinados para os médicos em meios acadêmicos além de distintos, tinham
intuitos diferentes. Em consequência, a profissão de parteira começou a ser
marginalizada no decorrer do século para, posteriormente, ser substituída
pela obstetrícia. Esta desvalorização das parteiras e ao mesmo tempo a
valorização do médico na sociedade foi sendo feita a partir de um discurso
cientificista e a consequente construção de limites para o domínio do saber
e da prática. Deste modo, as parteiras continuaram a exercer seu ofício,
auxiliando os partos, acompanhando as mulheres durante e após a
gestação, mas contando com a presença de médicos regularizados no
mesmo ambiente. Passaram então a realizar seu trabalho dentro de
restrições e subordinadas à autoridade de médicos acadêmicos. O papel das
madames do parto foi marcante, pois iniciou a prática de cura específica
para as mulheres, antes mesmo do corpo feminino ser alvo de estudo de
uma área médica específica.
Os médicos buscaram monopolizar o ofício que era exercido por essas
mulheres há tempos, todavia não deve-se pensar que não existiram apoio
entre as duas áreas. A medicina obstetrícia e a arte da parturição
auxiliaram no estudo do corpo por meio de novas abordagens, ressaltando
as diferenciações de gênero. O estudo do corpo feminino foi modificando-se
para identificar e tratar as patologias advindas do próprio gênero, tendo
como principal motivador dessas mudanças a visão da mulher como a
responsável no que acreditava ser sua função, a reprodução. Apesar de
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diferenças entre as profissões, a partir da construção de alas de
Maternidade em Hospitais, os atendimentos prestados não eram compostos
somente por médicos. Por vezes, ao achar que a experiência de parteiras
diplomadas era necessária, estas eram requisitadas para o trabalho.
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História:
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A visão do corpo feminino
Pretende-se analisar, como prenuncia o título desta pesquisa, o trabalho
das parteiras, ou comadres, e seu papel no estudo do corpo da mulher. Por
esse meio será brevemente descrito como era tido o funcionamento do
corpo feminino, bem como as visões mantidas da teoria hipocrático-galênica
no meio médico e da saúde, além da adição de novos conhecimentos. Não
obstante, contextualizando como, no decorrer do século XIX, diversas
mudanças no meio da saúde influenciaram diretamente nessa prática,
levando a mesma a ser desvalorizada. Utilizando-se da fonte documental
analisada, um manual de parto escrito em 1830 no Rio de Janeiro.
O funcionamento do corpo da mulher dependia essencialmente da madre.
O útero é visto como o relógio da saúde das mulheres. Segundo o que, a
saúde da mulher dependia do ciclo menstrual. Assim a sua boa saúde era
determinada pela regulação desses menstruos. O que é visto na fonte
documental estudada, um manual de parto, é que a madre possui suas
especificidades, desde antes de seu período de puberdade, após este,
durante a gravidez, e após a mesma. Em diversos momentos a fisiologia
feminina poderia ser alterada em caso de irregularidades, como em
gestação, infertilidade, ou durante o período dos menstruos; estas eram
acompanhadas pelas parteiras para que depois do parto voltassem à
normalidade. Assim como, em casos de patologias, exames pelo tato eram
feitos. Dependendo do diagnóstico, as indicações pretendiam tratar e
auxiliar no que fosse possível para um retorno da saúde da mulher.
Preconizava-se que as mulheres eram afetadas não somente pelas
patologias que acometiam os homens, mas ainda tinham as patologias
específicas determinadas pelo seu gênero.
Considerações finais
Em vista do que foi exposto, a constituição dessa área ginecológica no
século XIX não restringiu-se apenas ao ambiente médico, integrando
também outras classes, como a das parteiras. Analisando o contexto em
que a fonte está inserida, o Brasil no século XIX, percebemos a transição e
o desenvolvimento de novas práticas de cura. As inovações da medicina
tornaram-se mais evidente na segunda metade do século, mas suas
influências atingiram não só o meio médico legal, como as práticas que
permeavam as medicinas populares. As comadres, que estavam inseridas
como atuantes no cuidado da saúde feminina, foram a vanguarda em um
campo de atuação que só depois especializou-se e tornou-se parte da área
médica.
Posto isto, vê-se as especificações do estudo e visão do corpo feminino
através do saber das chamadas madames do parto e dos ofícios da
parturição, que englobava saberes médicos da medicina europeia e,
também, da medicina popular. E assim, observando o que era tido como
saber das patologias associadas ao gênero, e como a chamada madre – o
órgão reprodutor da mulher – era pela ciência da época.
Referências
Sara Fernanda Zan é graduanda de História na Universidade Estadual de
Maringá (UEM), e desenvolve um Projeto de Iniciação Científica (PIC). Email: zansaraf@gmail.com
Christian Fausto Moraes dos Santos tem graduação em História pela
Universidade estadual de Maringá (UEM), mestrado em Geografia pela UEM,
doutorado em Ciências da Saúde pela FIOCRUZ e pós-doutorado pela CSIC,
Espanha. Atualmente é professor associado e pesquisador da Universidade
Estadual de Maringá (UEM).
ANDRADE LIMA, T. Humores e Odores: ordem corporal e ordem social no
Rio de Janeiro, século XIX. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, II (3):
44-96, Nov. 1995-Fev. 1996.
CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Georges (Org.).
História do Corpo: Da revolução à Grande Guerra. Petrópolis, RJ: Editora
Vozes, 2012.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: A vontade de saber. Rio de
Janeiro/São Paulo, Paz e Terra, 2017.
MOTT, Maria Lucia. Parteiras: o outro lado da profissão. Gênero, Niterói, RJ,
v.6, n.1, p. 117-140, 2 sem. 2005, p.126.
SHORTER, Edward. A History of Women’s Bodies. U.S.A: Basic Books, 1982.
VIEIRA, Elisabeth Meloni. A Medicalização do Corpo feminino. Rio de
Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2002.
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História:
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PADRÕES: UM OLHAR EM TORNO DA HOMOGENEIZAÇÃO DA PESSOA
HOMOSSEXUAL
Suelem Cristina de Abreu
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História:
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Introdução
Muito se discute sobre os padrões presentes na sociedade, um dos debates
mais fomentados se refere ao padrão de comportamento heteronormativo.
No entanto, o que podemos perceber é que há um padrão estipulado aos
LGBTs, que é pouco menos discutido, mas que merece toda a atenção. O
presente artigo pretende apresentar um panorama amplo da figura do
homossexual reproduzido tanto em propagandas, quanto em novelas. A
educação é uma forma de superar preconceitos e estereótipos, a proposta
aqui é levar esse debate para o campo educacional para que se possa
superar esse estereótipo do meio LGBT também.
Feminino e masculino
A diferença biológica entre macho e fêmea já caracteriza para ambos
posicionamentos desde o nascimento, homens e mulheres já são
direcionados a vestir, usar, ser, viver, falar, agir, de determinada forma que
diz respeito a seu ‘gênero’. A partir disso as diferenças sociais e culturais já
estão postas.
Temos assim funções separadas para homens e para mulheres.
Historicamente o homem ocupa um espaço diferente e mais amplo do que o
da mulher, ele carrega a obrigação de provedor da sua família, é ele quem
trabalha fora de casa para o sustento da sua família, ocupando esse espaço
da rua, enquanto a mulher exerce funções no lar, o casamento e a
maternidade “eram consequências naturais da vida - sendo o primeiro a sua
única forma de relacionamento sexual legítimo perante a comunidade.”
(JORGE, 2013/4, p. 2)
Sexo biológico não diz respeito exatamente ao gênero, se diferem entre si,
gênero é, propriamente, uma construção e o sexo biológico é determinante
de lugar que os indivíduos ocuparão na sociedade.
“Gênero (sexual): Diferenciação cultural entre fêmea e macho [...] uma
estrutura cultural raquítica, mas grandemente constituída por diferenças
usadas para classificar e tornar significativas as relações sociais da espécie
humana... assim, os argumentos sobre o que é “essencialmente” macho ou
fêmea [...] justificam muitas vezes as diferenças de gênero como “apenas
naturais”, mas essa justificativa é apenas ideológica.” (A ênfase é
original). (O´Sullivan, 2001, p. 117).
Além de determinante do lugar que os sujeitos irão ocupar na sociedade, o
gênero determina a forma de agir desses sujeitos, o comportamento é
estipulado a partir de tal, o “aceitável” ou não aceitável a cada sexo é
colocado para ser exigido e seguido socialmente.
Como já fora citado anteriormente, gênero e as identidades sociais
construídas impactam desde antes do nascimento, um exemplo disso é que
um dos primeiros questionamentos feitos a uma gestante é se é menino ou
menina, a partir disso desde a cor do quarto, até os brinquedos, roupinhas,
e demais itens são escolhidos. Além disso, a família já cria um universo de
expectativas em torno das possibilidades dispostas à criança, sendo ela
menino ou menina.
Segundo Iara Beleli (2007) a distinção, já na infância, entre meninas e
meninos é centrada na liberdade, diz isso a partir da análise de um
comercial de O.B.
“Sua suposta fragilidade ou virilidade já está construída no imaginário social
familiar e será levado consigo por toda vida, tendo peso imponderável em
suas escolhas pessoais.” (SANTOS, 2010, p. 8)
Mas com relação mais propriamente ao comportamento esperado, ele se
diferencia de sociedade para sociedade e é relativamente mutável com o
tempo. O contexto social afeta diretamente o comportamento esperado
pelas identidades socialmente construídas. Ainda, os papeis intitulados
como de masculinidade ou feminilidade variam dependendo de diferentes
culturas e/ou tempo histórico.
O padrão presente na publicidade
A heteronormatividade é facilmente encontrada na publicidade, ela reforça a
ideia de papéis socialmente definidos para homens e mulheres, além de ser
um reflexo da sociedade em que está inserida é também um meio de
idealização da sociedade.
Os espaços de atuação e diferenciação estão nitidamente representados nas
propagandas.
Alguns exemplos disso:
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GÊNERO
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Imagem 1. Propaganda de panela feita por uma criança, do sexo feminino.
Fonte: http://2.bp.blogspot.com/Vf80PwCMy2U/VRiW_w1TP1I/AAAAAAAADWM/zGVipwryqyQ/s1600/propaga
nda1.jpg
Imagem 2. Propaganda de cerveja que traz a figura feminina para
apresentação do objeto.
Fonte: https://serveja.files.wordpress.com/2008/04/bar-da-boa1.jpg
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Imagem 3: Sabão Omo, ontem e hoje: a representação da mulher/ mãe
como a responsável direta pela limpeza/ cuidados infantis atravessa os anos
no imaginário social e é reproduzida nas peças publicitárias. Fonte: Pin up,
online, 2012
Podemos perceber que com relação às mulheres a ligação a tarefas
domésticas é imediata, desde a infância (como podemos notar na primeira
imagem) o lugar socialmente imposto a mulheres é de um futuro ligado a
esses afazeres domésticos. Na segunda imagem temos a utilização das
mulheres em propagandas de cerveja, que é basicamente a ligação com o
consumo por parte do público masculino e a atratividade que as mulheres
trazem ao produto. Na terceira e quarta imagem temos propagandas de
uma marca de sabão em pó com uma diferença relativa de tempo, mas com
a mesma mensagem.
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“O advento dos movimentos de direitos civis nas últimas décadas (...)
possibilitou, entre outras coisas, o questionamento ao padrão de gênero
tradicionalmente estabelecido (Canton, 2009).” (JORGE, 2013/4, p. 5)
Apesar da ascensão desses movimentos os estereótipos preconceituosos de
“família tradicional” continuaram a ser disseminados na mídia, o público
LGBT não se sente representado nos veículos midiáticos. ‘No Brasil, um
estudo da Market Analysis apontou que os homossexuais respondem por
uma fatia de 15% do consumo e em sua maioria, pertencem às classes A e
B.” (JORGE, 2013/4, p. 6)
Podemos perceber que a inserção da pessoa homossexual é um longo
processo que perpassa por inúmeras etapas até alcançar a TV aberta, as
mídias alternativas (internet, redes sociais) são inicialmente o meio de
colocação desses sujeitos.
No entanto, vemos que inicialmente o homossexual que aparecia em
programas era satirizado e utilizado para disseminar o estereótipo de
homossexual afeminado unicamente, criando esse imaginário de que todo
gay era incluso nesse padrão, ser gay era ser afeminado. Quem é que não
se recorda de Crô, personagem de Marcelo Serrado que no ano (2018)
protagonizou o filme que segue a mesma linhagem da novela, mas o
personagem serve exatamente a esse padrão de homossexual reproduzido
durante anos e anos na mídia.
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História:
GÊNERO
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Imagem 4: (Cartaz de divulgação da comédia “Crô em família” (2018)).
Fonte: https://culturaalternativa.com.br/wp-content/uploads/2018/09/croem-familia.jpg
Mas em contraponto temos também o programa humorístico “Zorra Total”
em sua nova versão, programa que segundo o diretor Mauricio Farias não
busca se alinhar ao teor sexista, se distanciando de piadas com teor
homofóbico. Em entrevista a Folha de S. Paulo ele diz “Dá pra fazer rir
sacaneando o homofóbico, e não o gay. A sociedade avançou em muitas
inclusões e acho covarde bater no oprimido.”
Como exemplo temos no programa o personagem Hércules:
Imagem 5. Hercules, personagem humorístico do programa Zorra Total,
que aborda a temática heterossexual de forma irônica.
Fonte: https://tse2.mm.bing.net/th?id=OIP.VGhYT5KrjXqu71ccxMBbgHaEK&pid=15.1&P=0&w=295&h=167
“[...] é impossível encontrar algum [programa humorístico] que não se
baseie em escarnecer os pobres, os analfabetos, os negros, os
homossexuais etc. O mecanismo parece ser o mesmo dos melhores filmes
Aprendendo
História:
GÊNERO
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cômicos: o espectador é chamado a rir daquilo que o envergonha e que o
machuca. A questão é que, nos programas da nossa TV, o espectador não ri
para redimir o personagem que se debate em seu ridículo, mas para
reiterar a opressão que pesa contra esse mesmo personagem. [...] É por
isso que, diante da TV, ri dos negros quem não é negro, ri dos gays quem
não é gay, ri dos pobres quem não é pobre (ou pensa que não é). Ri deles
quem quer proclamar, às gargalhadas, que jamais será como eles. É o riso
como recusa e chibatada (BUCCI, 2002).” (BAGGIO, 2009, p. 6)
A reprodução problemática feita pela mídia referente aos homossexuais, por
vezes, acaba por contribuir ainda mais para a construção e disseminação de
estereótipos, que culminam na homofobia.
A Indústria Cultural contribui para a afirmação desse preconceito já vigente
na sociedade, “a alta disseminação de piadas sobre ‘bichas’, ‘veados’ ou
‘sapatonas’ (sic) por exemplo, e sua aceitação social, como atesta a
presença cotidiana de personagens caricaturais em novelas e programas na
TV, considerados humorísticos (VENTURI, 2008).” (BAGGIO, 2009, p. 3)
Homossexualidade condicionada: Aceitação X (In) visibilidade
Não é pouco comum ouvirmos frases de reprovação e de repressão
direcionadas a casais homoafetivos, muito são os exemplos que poderíamos
citar aqui. Alguns dos mais comuns são: “porque fazer isso publicamente?”,
“Por que não deixam para se beijarem dentro de casa?”, “eu não tenho
nada contra, mas precisa ficar se agarrando na rua?”, “pra que andar de
mãos dadas? Ninguém precisa saber das suas preferências sexuais”. Enfim,
inúmeras são as situações as quais o padrão heteronormativo quer impor
aos que nele não se enquadram.
Aparentemente o problema passa a ser a visualidade que se sobrepõe ao
preconceito referente a orientação.
Com o público masculino o que ocorre é uma reprovação que se apresenta
de forma mais imediatista, passa por um repudio total se ver duas pessoas
do sexo masculino se beijando. Mas se pararmos para analisar com as
mulheres ocorre esse mesmo processo? De certa forma não! O que ocorre
com as mulheres é uma questão de muitas vezes serem reduzidas a um
fetichismo masculino, mesmo assim desde que essas atendam ao padrão
esperado para ambas.
“as lésbicas são permitidas como fantasia distante, em função do homem
heterossexual, aquele que “pega todas”. A partir do momento em que são
sujeitos de seu próprio desejo, elas são tão submetidas à discriminação
social quanto os outros LGBTs , olhares de reprovação, discursos sobre
como as preferências devem estar confinadas a quatro paredes e longe dos
olhares das crianças.” (JORGE, 2013/4, p. 8)
A indústria cultural durante anos acabou silenciando a presença dos LGBT’s
da participação em propagandas, e quando o fez, fez de forma equivocada e
preconceituosa.
Como o mercado cultural cresce gradativamente acaba cedendo às
demandas sociais (pois assim como a sociedade muda o mercado se obra a
mudar), isso acaba acarretando no advento dos marginalizados nas mídias,
o que aconteceu com os LGBT’s.
No Brasil o que ocorre é que “A maior parte das iniciativas se concentra em
veículos específicos ao público homossexual, notadamente revistas e sites
na internet, que têm maior facilidade de segmentação.” (BAGGIO, 2009, p.
7)
O que ocorre nas novelas é um processo de entrada de LGBT’s nesse meio,
mas ainda seguindo a linha de homossexualidade condicionada, pois os
casais apresentados correspondem ao padrão heteronormativo de
feminilidade.
Tomemos como exemplo inicial a novela “Em Família”, de Manoel Carlos, a
novela foi apresentada pela rede Globo e trouxe para composição da trama
um casal homossexual de duas mulheres que começam vivendo um
romance proibido, pois uma das personagens era casada com um homem.
Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Muller), protagonizaram um
casal homoafetivo na novela Em família.
Imagem 6. Fonte: http://3.bp.blogspot.com/RvQVVrQ_FBw/U4UbwZBv2nI/AAAAAAAAHEA/lqBM_o6vigM/s1600/emfamilia-clara-se-sente-atraida-por-marina-60554.jpg
Este é um casal que certamente atende ao padrão esperado, duas mulheres
que atendem ao padrão de beleza, são femininas como o padrão
heteronormativo impõe e agradam protagonizando um papel de casal
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lésbico. E se uma delas não fosse esse padrão? Ou se ambas não fossem?
Bom, certamente não teriam sido incorporadas ao elenco.
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Outro exemplo disso, mas um pouco mais recente é o da novela
adolescente “Malhação”, que em sua edição passada teve em sua
construção um casal adolescente homoafetivo. As duas jovens viveram um
romance bem no estilo adolescente, mas o que não surpreende novamente
é ambas estarem enquadradas nesse padrão. Vejamos:
Lica (Manoela Aliperti) e Samantha (Giovanna Grigio), casal adolescente
da novela Malhação.
Imagem 7. Fonte:
https://p2.trrsf.com/image/fget/cf/940/0/images.terra.com/2018/01/03/25
8826-beijo-de-lica-manoela-aliperti-e-saman-650x488-2.jpg
Aparentemente o que nos é apresentado são tipos de casais que são
socialmente aceitos, a aceitação condicionada chega a este âmbito de nos
impor visualmente um padrão de aceitação construído nos moldes do
padrão heterossexual de feminilidade e masculinidade. Enquanto para o
casal heterossexual devem ser o oposto um do outro, nos casais
homossexuais espera-se que sejam ambos iguais, se lésbicas que sejam
femininas, se gays que sejam masculinos.
No campo da propaganda não é diferente, apesar da inserção dos LGBT’s
nas propagandas a representação feita é basicamente o que se tenta passar
nas novelas, já não mais o uso do gay enquanto sujeito afeminado e
propenso a chacota, mas a construção do que se espera ou do que é
desejável.
Na propaganda de dia dos namorados de 2015 da marca de cosmético “O
Boticário” diferentes casais foram apresentados, e os casais homossexuais
foram os seguintes:
Imagem 8. Propaganda de O Boticário sobre o dia dos namorados.
Fonte: https://i0.wp.com/www.jornalopcao.com.br/wpcontent/uploads/2015/05/gayas-ok.jpg
Tanto os homens, quanto as mulheres, estão nitidamente enquadrados no
padrão de aceitação apresentado aos LGBT’s.
Podemos perceber que ocorre um processo de homogeneização da
homossexualidade, que é o que se busca alcançar. O “padrão” aceitável
para casais do mesmo sexo é que ambos continuem seguindo com o padrão
imposto ao seu gênero. O distanciamento disso gera a rejeição e
consequentemente o silenciamento. Não se vê diversidade dentro dos casais
homossexuais apresentados midiaticamente.
Os meios de veiculação servem tanto para o processo de “espelho” da
sociedade, refletindo o que nela se vê, quanto para construção do que se
espera ver na sociedade.
Desconstruir essa homogeneização é um papel da educação
A educação é o melhor meio para a desconstrução desses estereótipos,
tanto com relação ao padrão heteronormativo, quanto ao padrão em torno
do LGBT. Quando nos referirmos ao homossexual do sexo masculino
automaticamente se liga a ideia de um homem com traços mais femininos,
no entanto isso não é regra e essa é a questão que deve ser trabalhada.
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Conclusão
Como podemos observar, os padrões são reproduzidos constantemente, não
somente na esfera social cotidiana, mas nos veículos midiáticos. Não
dificilmente vemos exemplos disso na TV, nas redes sociais, nos jornais. O
acesso a informação esta cada vez mais fácil, no entanto muitas vezes isso
se faz de forma falha e equivocada, a educação é o meio mais viável de
romper com esses preconceitos, é o meio que pode levar a reflexão e ao
pensamento crítico das coisas. Temáticas do cotidiano sendo introduzidas
na educação podem resultar em mudanças significativas, ponderam as
reproduções automáticas de estereótipos.
Referências
Suelem Cristina de Abreu graduanda do 4° ano do curso do História da
Unespar, campus União da Vitória.
BAGGIO, Adriana Tulio. A temática homossexual na publicidade:
representação e estereótipos. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação XXXII Congresso Brasileiro de Ciências
da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 de setembro de 2009.
BELELI, Iara. Corpo e identidade na propaganda. Estudos Feministas,
Florianópolis, 15(1): 280, janeiro-abril/2007. Pg. 193 – 215.
BUCCI, Eugênio. Um humor casseta, sem dúvida. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 29 set. 2002. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/tvfolha/tv29092002.htm>. Acesso em:
mai. 2003.
JORGE, Sheila Costa. A Publicidade das Imagens Cristalizadas: Uma análise
das representações imagéticas do gênero. Revista Anagrama: Revista
Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 7 - Edição 2 –
Dezembro de
2013 - Fevereiro de 2014
O´SULLIVAN, Tim, et al. Conceitos-chave em estudos de comunicação e
cultura. Piracicaba: UNIMEP, 2001.
SANTOS, Juliana Anacleto dos. GÊNERO NA TEORIA SOCIAL: Papéis,
interações e instituições. Disponível em:
www.ufjf.br/virtu/files/2010/05/artigo4a5.pdf
VENTURI, Gustavo. Intolerância à diversidade sexual. Revista Teoria e
Debate, São Paulo, n. 78, julho/agosto 2008. Disponível em:
<http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=4017>.
Acesso em: junho 2009.
PARTEIRAS E BENZEDEIRAS DO VALE DO IVAÍ PARANAENSE: A
HISTÓRIA QUE NÃO CONSTA NOS LIVROS DE HISTÓRIA
Vânia Inácio Costa Gomes
O Paraná, conta com uma historiografia de regiões colonizadas por
companhias de terras, grupos de imigrantes, tropeiros, bandeirantes
paulistas e mineradores. Grupos e pessoas que vieram para a região em
busca de riquezas e de terras produtivas. Boa parte dessas histórias está
registrada em livros, pesquisas, dados geopolíticos e sites oficiais de
cidades e regiões diversas do estado.
Ocorre que a região conhecida como Vale do Ivaí, espaço que abrange as
cidades que se formaram na bacia hidrográfica do rio Ivaí, delimitada entre
os rios Corumbataí e Ivaí, oficialmente colonizada pela Companhia
Territorial Ubá, sofreu uma lacuna documental que por muitos anos deixou
a região esquecida na história do estado. Há relatos de muitas pesquisas e
investigações, porém com poucos registros documentados que possam
confirmar a história dos povos que viviam no local antes, durante e após a
colonização pela então conhecida Companhia Ubá.
Segundo Mota e Novak (2008), essa região já vem sendo habitada por pelo
menos 8.000 anos, contando com a presença de povos caçadores e
coletores ceramistas que habitavam as terras da região e que deram as
primeiras contribuições para o povoamento e construção da história do
local. Para os autores, ao longo dos tempos, a região foi sendo povoada por
grupos indígenas que passaram a desenvolver uma prática de vida baseada
na produção agrícola de subsistência e na produção artesanal. Entre os
grupos indígenas que habitaram a região, estão presentes os Kaingang, os
Xokleng, os Guarani e os Xetá.
“Assim, podemos afirmar que os territórios, hoje denominados Paraná, e
mais precisamente a bacia do Vale do Ivaí, vêm sendo continuamente
habitados por diferentes populações humanas há cerca de 8.000 AP de
acordo com os vestígios materiais mais antigos encontrados pelos
arqueólogos. Entretanto, se considerarmos a cronologia dos territórios
vizinhos que foram ocupados em épocas anteriores, é provável que ainda
possam ser obtidas datas que poderão atestar a presença humana em
períodos mais recuados, podendo alcançar até 11 a 12.000 mil AP. As
populações que viveram no Paraná entre 12.000 e 3.000 anos AP são
denominadas pela arqueologia de caçadores e coletores pré-cerâmicos. Eles
foram substituídos pelas populações indígenas agricultoras ceramistas –
Kaingang, Xokleng, Guarani e Xetá” [MOTA E NOVAK, 2008].
Tempos depois, a região contou ainda com a presença dos jesuítas que
acabaram formando reduções ao longo do rio Ivaí com o intuito de
catequizar os indígenas e expandir o cristianismo, e em seguida, contou-se
com a presença dos bandeirantes, que vieram para a região com a intenção
de capturar indígenas para serem escravizados e em busca de terras para
exploração de suas riquezas.
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História:
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Apesar das pesquisas comprovarem a existência de pessoas no local já há
milhares de anos, historicamente construiu-se uma teoria de que a região
se apresentasse como um vazio demográfico até o início do século XX. Essa
teoria é contestada por Mota (1994), que apresenta informações da
existência de um grande índice populacional na região. Para o autor, a
existência do rio Ivaí contribuiu com o povoamento da região, já que tanto
os caçadores e coletores, quanto os indígenas Xetá e Kaingang, se fixaram
na região, provavelmente porque o rio Ivaí fornecia água para a
sobrevivência dos grupos, derrubando a tese de vazio demográfico.
“Na maioria dos discursos oficiais, em livros didáticos, nas obras sobre o
pioneirismo no norte do Estado, nos trabalhos acadêmicos que tratam da
ocupação da região a partir da década de 30 deste século, é comum
encontrar-se a afirmação de que essas terras eram “devolutas”,
“selvagens”, “desabitadas”, “estavam abandonadas”, “virgens”, “selváticas”,
“sertão bravio”. As terras do setentrião, do oeste e sudeste paranaense,
para o colonizador dos anos 20 aos anos 50 deste século são desabitadas,
vazias, prontas para serem ocupadas e colonizadas. É o mito do vazio
demográfico. Ao lado dessa falácia, a classe dominante apaga um dos
sujeitos da história: os povos indígenas”. [MOTA, 1994, p.04]
Segundo Quiezi (2016), a partir de 1940, muitos posseiros, que obtinham
junto ao Estado um protocolo de posse, chegavam, demarcavam uma área
e se declaravam donos de tal área. Mas em 1946, os irmãos Barbosa,
ganharam a questão judicial e imediatamente se mobilizaram para evitar
novas invasões, coibindo a entrada de novos posseiros através da ação de
jagunços e soldados. Os posseiros, reprimidos, fugiam, outros eram
deportados para o outro lado do rio, enquanto que os jagunços, após quatro
ou cinco anos de serviço, tendo legalizado a situação das terras, foram
beneficiados pela Companhia com um grande lote de terras cada um.
Em pouco tempo, a Sociedade Territorial Ubá, concluiu a demarcação das
terras, loteando o território, o qual foi sendo vendido ou doado, de acordo
com os interesses da Companhia.
Após conflitos e muitas demandas, as terras foram sendo divididas e as
cidades desenvolvendo-se de acordo com a chegada de grupos de pessoas
de várias partes do país e imigrantes, de diferentes regiões do mundo, em
busca de terra e trabalho. Com a chegada do café na região, o povoamento
pela população branca foi mais intenso, pois esse tipo de cultura exige uma
grande demanda de mão de obra.
Algumas famílias que possuíam condições financeiras para adquirir um
pedaço de terra, compravam pequenos ou grandes lotes e se instalavam
aos redores das cidades e vilarejos, desbravando as matas e iniciando o
cultivo agrícola. Outros grupos, que não possuíam condições de adquirir um
pedaço de terra, deslocaram-se para a região com o intuito de trabalhar de
empregados nas propriedades. Assim, a mão de obra necessitada nas
propriedades cafeeiras trouxe para a região diferentes grupos de pessoas,
que ao se instalarem nas fazendas, foram formando colônias, e com o
passar dos anos, deram origem às comunidades rurais e urbanas das
cidades que se desenvolviam na região.
De acordo com Boing (2007), a região, hoje reconhecida geograficamente
como Vale do Ivaí, localizada na parte central do Paraná, tornou-se ponto
de encontro das frentes de colonização do estado, fazendo com que o local
fosse habitado por povos de diferentes regiões do país ou de outras nações,
formando uma cultura bastante heterogênea e, ao mesmo tempo,
construindo uma população com ausência de uma identidade específica.
É justamente a partir do período de encontro de diferentes grupos e da
busca pela terra com o objetivo de produzir café, que homens e mulheres
se deslocaram para a região formando as cidades de Ivaiporã, Jardim
Alegre, Lunardelli e Lidianópolis. Por muito tempo, Ivaiporã foi a sede
desses vilarejos, mas com o passar dos anos foram conquistando
independência econômica, social e posteriormente política, tornando-se
municípios.
O Vale do Ivaí, que abrigou tantos homens e mulheres durante a segunda
metade do século XX, tornou-se um lugar de memória, com alguns registros
fixados pela história oral, mas com poucos registros escritos dos grupos
populacionais no referido período. A região, que se expandiu
economicamente após 1950, não conta com muitas fontes historiográficas
que possam afirmar a história das pessoas que viveram e produziram nos
espaços ocupados.
Nesse espaço de memória é que se encontram muitas mulheres,
reconhecidas pelos habitantes da região como parteiras e benzedeiras, que
durante o período entre 1960 a 1990, prestaram uma imensa contribuição
para a região, por seu conhecimento empírico da medicina natural, já que o
acesso a hospitais e médicos era algo ainda muito distante da realidade
daquelas famílias. Estudar a história do Vale do Ivaí, sem considerar a
importância e o papel desempenhado por essas mulheres pode ser
entendido como uma falta de reconhecimento, já que muitas ainda vivem
nas cidades que compõem o território referido e, são na prática, respeitadas
pelos seus moradores.
O que se encontra na região no período, em grande parte, são memórias,
que segundo Le Goff (1984), é algo muito importante, pois elas registram o
fato acontecido no momento vivido. A lembrança por sua vez, recorda o
fato, ou a interpretação dele. Nesse contexto, existe o que o autor
apresenta como o espaço da memória, que precisa ser pensada na
temporalidade em construção.
A presente pesquisa se pauta na narrativa oral, buscando o reconhecimento
para a história de mulheres – parteiras e benzedeira - que viveram na
região do Vale do Ivaí, no período compreendido entre 1960 a 1990, ou que
ainda residem em alguns dos municípios da região e que não têm suas
histórias registradas nos documentos oficiais, apesar de até os dias atuais,
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muitas ainda prestarem serviços de conforto espiritual para muitas pessoas
e famílias das cidades envolvidas.
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Ainda de acordo com Le Goff (1984), a História Oral traz consigo a
subjetividade, uma questão muito importante, por considerar a expressão
de sentimentos, de informações não ditas e as relações entre os seres
humanos. No caso das parteiras e benzedeiras do Vale do Ivaí, a
subjetividade e a expressão de sentimentos são marcas muito fortes nos
relatos das memórias, bem como para expressar alguns esquecimentos,
causados pelo tempo ou pelas marcas da vida.
Durante a década de 1960, devido ao fluxo migratório nas fazendas de café,
o Vale do Ivaí foi sendo povoado intensamente, tendo todos os seus
espaços ocupados, com inúmeras famílias desprovidas de bens econômicos,
sem posses. A maioria delas vinha em busca de trabalho com pouca
estrutura para sobreviver em um meio que não contava com hospitais,
médicos, escolas e outras prestações de serviços necessárias ao
desenvolvimento de uma vida digna e saudável.
Na falta de estrutura política, econômica e social desse espaço é que
surgem as parteiras e benzedeiras. Mulheres comuns, geralmente muito
pobres e de pouca instrução, mas que conseguiram pela dedicação,
considerada uma missão, salvar vidas de muitas outras mulheres e
crianças.
Apesar de se ter uma narrativa das mulheres benzedeiras e parteiras muito
ligadas ao cristianismo, ao ouvir seus relatos sobre os benzimentos, é
possível perceber a influência das mulheres indígenas com suas práticas
naturais de cura, já que é comum o uso de ervas e garrafadas pelas
benzedeiras da região.
O ato de benzer na região do Vale do Ivaí está diretamente ligado à história
de vida das pessoas que habitaram a região no período em que a pesquisa
se desenvolve. Esse fato pode ser compreendido pela ausência de médicos
e hospitais e pela falta de condições financeiras das famílias, fazendo com
que se buscasse na prática empírica das benzeduras a cura para as doenças
surgidas no dia-a-dia. A necessidade, porém, esteve sempre ligada à crença
das pessoas, que embora, a maioria da população fosse católica e a Igreja,
regra geral, condenasse a prática de benzer, a fé nas benzeduras e nas
benzedeiras sempre foi muito forte.
As mulheres que desenvolveram o dom de benzer, em grande parte,
também acabaram por se tornarem parteiras e, devido a tal fato, passaram
a exercer um papel muito importante nas famílias e nos vilarejos em geral.
Segundo relatos orais, as parteiras tinham a função de cuidar das mulheres,
durante toda a gravidez, acompanhando a gestante, após o parto, ainda por
um período de quarenta dias, denominado quarentena, em que as mulheres
recebiam atendimento especial das parteiras, por meio de banhos com
ervas, chás e alguns cuidados específicos com a nova mãe e sua criança.
É possível perceber ainda, pelos relatos orais, que além das mulheres, os
recém-nascidos também eram acompanhados pelas parteiras, que com a
prática da benzedura como dom, cuidavam dos bebês até que tivessem
condições de serem atendidos apenas pelas mães.
Apesar da importância do trabalho das parteiras e benzedeiras na região do
Vale do Ivaí, em um período de saúde pública precária para atendimento da
mulher e da primeira infância, as benzedeiras eram muito perseguidas pela
Igreja Católica, por serem ligadas a práticas religiosas condenas por essa
instituição, como as práticas indígenas e africanas. Assim, muitas mulheres
que tinham o dom de benzer e curar através de sua prática de rezar ou
utilizar ervas, acabavam por praticar de forma discreta ou camuflada o
exercício a que se destinava como missão recebida por Deus. De acordo
com as narrativas das mulheres benzedeiras, a própria medicina condenava
o trabalho por elas praticado, por não encontrar em seus feitos, qualquer
ligação com a ciência. Assim, com medo de serem perseguidas por
charlatanismo, muitas optavam pela discrição na prática diária de benzer e
curar pessoas.
Ocorre que, de acordo com as estatísticas do Ministério da Saúde (2019), a
maioria dos partos realizados na região nas décadas de 1960 a 1990 era
chamado de partos naturais, realizado em casa e de forma menos intensa
nos hospitais, o que comprova que as mulheres não tinham a prática de
buscar por médicos ou hospitais durante a gestação. Parte desse
distanciamento com a medicina científica ocorria devido à falta de condições
financeiras da família, porém é possível perceber, através dos relatos orais,
que a cultura das mulheres da época não era de participar a gravidez a
médicos. E as parteiras que, mesmo sendo mulheres muito simples e sem
instrução, apresentavam muita experiência com os cuidados com a saúde
da mulher, substituindo os médicos e hospitais.
Portanto, não se pode deixar de compreender as consequências da ausência
de políticas públicas voltadas para a saúde da mulher e dos recém-nascidos
durante as últimas décadas do século XX na região onde a pesquisa se
desenvolve. Por mais experiência e cuidados que as parteiras tivessem com
a gravidez e nascimento das crianças, o índice de crianças e mulheres que
morriam no parto era muito grande, pela falta de estrutura para
atendimento de casos mais complicados e que exigiam maior atenção.
Segundo dados do Ministério da Saúde (2019), era grande o índice de
crianças nascidas mortas na região no período compreendido entre 1979 e
1990.
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ANO
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1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
IVAIPORÃ – OBITÓS DE JARDIM ALEGRE - OBITÓS DE
RECÉM- NASCIDOS
RECÉM- NASCIDOS
Parto Natural Parto
por ÓBITOS
CESÁRIO
Cesária
70
12
33
03
96
21
44
08
68
17
46
05
72
14
31
6
75
05
26
04
48
13
19
08
34
17
15
11
40
08
15
07
34
08
12
08
37
09
05
04
20
08
16
07
25
06
04
05
Tabela 1– Dados estatísticos sobre a mortalidade de recém-nascidos no
Vale do Ivaí – período: 1979 -1990.
Fonte: Ministério da Saúde (2019). Organizado por: GOMES, Vânia I. C.
(Pesquisa em andamento).
Entende-se ainda que os serviços prestados pelas benzedeiras não eram
apenas voltados para mulheres e crianças. As pessoas tinham como prática
buscar nas benzedeiras soluções para os problemas diários, relacionados à
saúde e questões de ordem familiar e financeira. Assim, as mulheres que
tinham como dom a prática de benzer, exerceram neste período um papel
muito importante na organização das comunidades e estiveram presentes
na vida das famílias, que até os dias atuais ainda procuram as rezas e
benzimentos para garantir uma vida segura.
Atualmente, as cidades de Lidianópolis, Jardim Alegre, Lunardelli e Ivaiporã
contam com serviço de atendimento à saúde pública, através de postos de
saúde e hospitais conveniados ao SUS (Sistema Único de Saúde), que dão
assistência aos habitantes da região. Essa estrutura acabou por fazer com
que as mulheres gestantes passassem a buscar os hospitais e a medicina
científica para o acompanhamento na gravidez e no parto, o que fez com
que os serviços das parteiras deixassem de ser requisitados, porém, de
acordo com os relatos orais, as benzedeiras ainda continuam exercendo um
papel muito importante na vida das pessoas, que por uma questão de
sincretismo religioso e fé nas práticas comuns, ainda cultivam o hábito de
benzer-se para ter uma vida mais tranquila e curar-se dos males físicos e
espirituais.
As benzedeiras são mulheres que permanecem à margem da historiografia,
não são reconhecidas pela ciência, não exercem funções de destaque nas
comunidades e cidades do Vale do Ivaí, mas estão presentes na vida das
pessoas através das rezas e benzimentos; dos chás e das ervas que
oferecem para as pessoas; e das chamadas “garrafadas”, que ainda são
muito comuns entre as benzedeiras.
Segundo Pollak (1989), o depoimento das mulheres pertence a outra
temporalidade, a outra realidade. Esta é mais uma marca que chama a
atenção para a pesquisa em desenvolvimento sobre as mulheres do Vale do
Ivaí, no Paraná. É preciso, atenção para os relatos dessas mulheres, para
compreender em que eles diferem dos registros feitos pelos homens da
época e que ficaram registados na história.
De acordo com as narrativas orais é possível perceber nas parteiras e
benzedeiras a representatividade de mulheres fortes, espiritualizadas,
seguras de suas missões, enquanto pessoas de dom recebido de Deus, para
curar e fazer o bem acima de tudo. São figuras importantes na construção
da sociedade do Vale do Ivaí, pois foram elas as responsáveis pela garantia
da cura e da sobrevivência das pessoas mais comuns e necessitadas da
região e seus feitos estão presentes na vida prática das pessoas que vivem
nas cidades e municípios da região, ou simplesmente fazem parte das
memórias que elas próprias trazem consigo, ou nas memórias das pessoas
que por elas foram atendidas ao longo de todos os anos corridos.
Para Le Goff (1984), é muito importante compreender as circunstâncias em
que vive o depoente e os acessos que ele tem hoje para fazer a leitura do
passado. Com base em Le Goff, é possível fazer uma reflexão sobre a vida
das mulheres envolvidas na pesquisa, os acessos que elas têm hoje aos
meios de informações, compreendendo o quanto isso influencia na reflexão
que elas próprias fazem, no presente, da vida que levaram e das relações
que desenvolveram no espaço em que viveram.
Referências
Vânia Inácio Costa Gomes é Professora de História da rede Estadual do
Paraná e aluna regular do Programa de Pós-graduação Mestranda em
História (UEM/PR). Graduada em Geografia (UEPG/PR), Filosofia (UEL/PR),
Orientada no Mestrado (UEM) pela Professora Drª. Ivana Guilherme Simili
(UEM/PR).
BOING, Lucio. Vale do Ivaí: conflitos e ocupação das terras regionais.
Produção Didática – Projeto de Desenvolvimento da Educação – PDE. UEL,
Londrina, 2007
LE GOOF. Jacques. Memória-História. Enciclopédia
Nacional, Rio de Janeiro, vol.1,1984, p. 11-47.
Enaudi.
Imprensa
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Óbitos Infantis do Paraná – 1979-1990. Disponível
em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/inf09pr.def.
Acessado em 11/02/2019. Acessado em 12/02/2019.
MOTA, Lucio Tadeu. As guerras dos índios Kaingang: a histórias épica dos
índios Kaingang no Paraná (1769-1924). Maringá: EDUEM, 1994, 275 p.
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MOTA, Lucio Tadeu. Os Kaingang do Vale do Ivaí: histórias e relações
interculturais/ Lucio Tadeu Mota, Éder da Silva Novak. –Maringá: EDUEM,
2008, 190 p.
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POLLAK. Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, vol.2, n.3, 1989, p. 3-15.
QUIEZI, Simone Aparecida. A Luta no Bendengó do Ubá. Marcas e Memórias
do Movimento de (RE) Ocupação do Território do Século XX. Projeto de
Intervenção Pedagógica na Escola – Projeto de Desenvolvimento da
Educação – PDE. UEL, Londrina, 2016.
A HISTÓRIA DAS MULHERES E DO MOVIMENTO FEMINISTA E SUA
ABORDAGEM NO ENSINO DE HISTÓRIA
Vitória Diniz de Souza
Introdução
Para aqueles que acreditavam na morte do feminismo no início dos anos
2000, não esperavam pela sua popularidade em 2019. A discussão sobre o
seu fim, pois as mulheres já tinham conquistado sua sonhada “igualdade”
se fazia presente nas revistas e programas de televisão da época. Porém,
quase vinte anos se passaram e o movimento feminista está cada vez mais
inserido em diferentes mídias, gerando discussões e polêmicas na internet,
o meio de comunicação mais utilizado atualmente. Já que essa temática se
faz tão presente no dia a dia dos jovens, é interessante traze-la para a
escola e nela discutir de maneira crítica com os alunos. Nas aulas de
História é possível problematiza-la e historicizá-la de diferentes maneiras e
construir um conhecimento sobre o assunto com a turma.
As mudanças epistemológicas ocorridas na historiografia no século passado,
nos desafia a conceber o conhecimento histórico de outras formas que
aquela produzida pela historiografia tradicional. A emergência do
movimento da Escola dos Annales e da Nova História nos proporcionaram
novas reflexões, que contribuíram definitivamente para o surgimento de
novas temáticas e aportes teórico-metodológicos. Com a História Social e a
história vista de baixo, as temáticas sobre mulheres, operários, prisioneiros
e camponeses ganharam seu espaço.
A história das mulheres é uma área de pesquisa já consolidada no meio
acadêmico, entretanto, pouco explorada em sala de aula nas escolas do
país, apesar da ação de educadoras(es) em prol do ensino dessa temática
nas aulas de história. Sua trajetória se entrelaça com a do feminismo, que
no auge dos anos 1960 suas militantes defendiam a necessidade de se
combater a exclusão das mulheres na história, promovendo novos olhares
sobre a historiografia e sua epistemologia. Docentes mobilizaram-se
propondo a instauração de cursos, nas universidades, dedicados aos
estudos das mulheres. Multiplicaram-se as pesquisas, tornando-se a história
das mulheres, dessa forma, um campo relativamente reconhecido no
âmbito institucional e internacional, como afirmam as historiadoras Rachel
Soihet e Joana Maria Pedro [2007].
Com as redes sociais, a militância feminista e suas pautas estão se
disseminando com mais agilidade. Seu ativismo vem ganhando adeptas em
todo o mundo e levando várias mulheres as ruas em diferentes partes do
mundo. Assédio sexual, feminicídio, machismo e desigualdade de gênero
são termos que estão nas rodas de conversas, nos grupos do facebook e
whatsapp, incentivando as mulheres a denunciarem a violência que sofrem
diariamente na sociedade. Por isso, a relevância do tema e a sua
importância em ser discutido com as(os) alunas(os) nas escolas. As
possibilidades para a abordagem da história das mulheres e do movimento
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feminista no ensino de história são muitas, nesse texto, iremos abordar
algumas delas.
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A História das Mulheres e sua relação com os Estudos de Gênero
Gênero é uma categoria de análise desenvolvida por pesquisadoras
feministas para desnaturalizar as diferenças sexuais atribuídas entre
homens e mulheres. Para as historiadoras Rachel Soihet e Joana Maria
Pedro [2007], o artigo da historiadora Joan Scott é um marco desses
estudos no Brasil, quando foi publicado em 1990 na ‘Revista Educação e
Realidade’, intitulado: ‘Gênero: uma categoria útil de análise histórica’, e
que tem sido, certamente, um dos mais citados, nas discussões que
pretendem abordar a categoria “gênero” nas análises da pesquisa histórica.
Desde então, historiadoras(es) brasileiras(os) têm desenvolvido pesquisas
com esse enfoque, abrangendo a discussão para questões de identidade,
raça, sexualidade, etnia, regionalidade, entre outros. Resumindo:
“”gênero” dá ênfase ao caráter fundamentalmente social, cultural, das
distinções baseadas no sexo, afastando o fantasma da naturalização; dá
precisão à ideia de assimetria e de hierarquia nas relações entre homens e
mulheres, incorporando a dimensão das relações de poder [SOIHET;
PEDRO, 2007, p. 288] ”.
A propósito, é importante percebemos que ao longo do tempo foram
estabelecidos espaços sociais diferenciados para homens e mulheres, por
isso, o conceito de gênero é fundamental para compreendermos o caráter
cultural dessas distinções, entre ideias sobre o feminino e o masculino.
Tendo as discriminações de gênero assumido diferentes formas, variando
com o momento histórico e o lugar, sendo historicamente justificada
mediante a atribuição de qualidades e traços de temperamento diferentes a
homens e mulheres, que são utilizados para delimitar seus espaços de
atuação. Dessa maneira, a categoria gênero nos fornece uma gama de
possíveis análises sobre as diferentes experiências dos sujeitos, que variam
de acordo com as classificações sobre o que é feminino e o que é
masculino. A antropóloga Adriana Piscitelli [2009, p. 143] defende que é
preciso pensar “como as construções de masculinidade e feminilidade são
criadas na articulação com outras diferenças [...] e como essas noções se
embaralham e misturam no corpo de todas as pessoas”. Gênero é uma
categoria de análise e também de transformação, permitindo o diálogo para
outras possibilidades e questionamentos, a pedagoga Guacira Lopes Louro
defende que:
“é preciso recolocar o debate no campo do social, pois é nele que se
constroem e se reproduzem as relações (desiguais) entre os sujeitos. As
justificativas para as desigualdades precisariam ser buscadas não nas
diferenças biológicas (se é que mesmo essas podem ser compreendidas fora
de sua constituição social), mas sim nos arranjos sociais, na história, nas
condições de acesso aos recursos da sociedade, nas formas de
representação [LOURO, 2003, p. 22] “.
Em diversas pesquisas sobre a história das mulheres se utiliza a categoria
de gênero para desnaturalizar e desconstruir as representações criadas
sobre as mulheres e as relações de poder que as permeiam. Como o
processo de invisibilidade sofrido pelas mulheres na construção da memória
coletiva e os poucos vestígios materiais deixados por elas ao longo do
tempo. Michelle Perrot, em seu livro ‘Excluídos da História’ [2006], afirma
que inicialmente as historiadoras feministas procuravam visibilizar as
mulheres na história, produzindo pesquisas com intuito de preencher essas
lacunas, sendo que, em pesquisas mais recentes contribui também para a
reavaliação do poder das mulheres, buscando superar o discurso
miserabilista da opressão, de subverter o ponto de vista da dominação.
A história das mulheres e das relações de gênero possibilita desconstruir
essa aparente naturalidade da diferença sexual e da submissão das
mulheres à soberania masculina. Sendo, dessa maneira, possível romper
com a dicotomia homem/mulher, forte/fraco, emoção/razão que permeiam
o senso comum. Rachel Soihet e Joana Maria Pedro [2007, p. 290-291] ao
fazerem considerações sobre o artigo de Joan Scott:
“Finaliza argumentando que um conceito relativizado de gênero, como um
saber historicamente específico sobre a diferença sexual, permite, às
feministas, forjar um instrumento analítico que possibilita gerar um
conhecimento novo sobre as mulheres e sobre a diferença sexual, e inspirar
desafios críticos às políticas da história ou de qualquer outra disciplina. A
história feminista deixa, então, de ser apenas uma tentativa de corrigir ou
suplementar um registro incompleto do passado, e se torna um modo de
compreender criticamente como a história opera enquanto lugar de
produção do saber de gênero “.
Como abordar a história do movimento feminista em sala de aula
Primeiramente, antes de planejar uma aula sobre o tema, é preciso definir o
que é o feminismo, levando em consideração que não existe um grupo
feminista, mas grupos feministas. Pensar o feminismo como objeto de
análise requer defini-lo como um movimento político diversificado e nada
homogêneo. Por isso, se utiliza o termo “feminismos” para denominar
correntes de pensamento diversificadas que, no geral, procuram construir
uma sociedade mais justa para as mulheres, rompendo com essa estrutura
de poder desigual entre as pessoas.
Buscar origens para o feminismo talvez não seja a melhor abordagem nas
aulas de história, porque não é possível datar com precisão o início do
feminismo, tendo em vista que é um movimento, além de que, a história do
feminismo não é linear, com começo, meio e fim. O que percebemos é que
existem diferentes correntes de pensamento feministas desde o século XIX
quando o termo passa a ser utilizado para designar essas mulheres, e que a
partir desse período mudanças significativas ocorreram na sociedade
ocidental relacionadas as práticas feministas.
Portanto, ao analisar o feminismo é preciso aborda-lo em consonância com
o período histórico em que está inserido, o espaço e as relações de poder
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então instituídas. Levando em consideração os sujeitos envolvidos, quais
eram as seus ideais e suas práticas, seu lugar social e quais eram as suas
estratégias para subverter a ordem estabelecida. Procurando conhecer
também as dificuldades então enfrentadas, provocando os alunos a
problematizarem sobre.
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Na História do Brasil é possível encontrarmos a formação de um
pensamento feminista ainda no século XIX. Muitas vezes de maneira isolada
algumas mulheres reivindicavam alguns direitos, como é o exemplo, da
escritora e educadora abolicionista Nísia Floresta do estado do Rio Grande
do Norte, que em 1832 publica o livro ‘Direito das mulheres e injustiça dos
homens’, uma adaptação da obra da inglesa Mary Wollstonecraft de 1792. A
partir da década de 1870 encontramos um aumento significativo de
periódicos dirigidos por mulheres e defendendo o direito das mulheres,
fazendo críticas a sua situação na sociedade.
É muito importante que essas discussões sejam feitas nas aulas de história
e que ao estudarmos o século XIX tratemos de discutir sobre os
movimentos sociais e políticos, como o feminista e o abolicionista. O final do
século XIX e início do século XX é um período da efervescência de
diferentes correntes de pensamento que precisam ser abordadas. No que
tange ao feminismo há um livro muito bom que pode auxiliar
professoras(es) em sala de aula, por tratar de um vasto acervo de fontes
que podem ser trabalhadas, intitulado ‘Imprensa feminina e feminista no
Brasil. Século XIX’ da pesquisadora Constância Lima Duarte. Ele é um
dicionário ilustrado que organiza em ordem alfabética e cronológica os
diferentes periódicos dedicados ao público feminino da época. Ele pode
ajudar as(os) educadoras(es) a escolher fontes e aborda-las em sala de
aula. Em sua maioria, são periódicos digitalizados, possíveis de serem
encontrados em sites, como na ‘Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional’
que possui um acervo de vários periódicos que circularam em diferentes
lugares do país.
Ao que se sabe hoje, foi apenas no início do século XX que começaram a se
formar grupos e associações feministas no Brasil, como é o caso da
“Federação Brasileira para o Progresso Feminino” (FBPF) criada por Betha
Lutz, um dos nomes mais expressivos do movimento nesse período. Ela
deixou um acervo de fontes para pesquisadores, além de ter escrito em
diversos periódicos da época. Outro nome bem expressivo é o de Maria
Lacerda de Moura que divergia constantemente com Bertha Lutz sobre
como o feminismo deveria agir na luta por direitos. Ela também publicou na
imprensa da época, tendo se filiado ao movimento anarquista e,
posteriormente, ao Partido Comunista. Entre as vantagens de se estudar
sobre essas duas mulheres é que há um número expressivo de trabalhos e
livros sobre a sua atuação.
O direito ao voto é considerado um marco das conquistas feministas nesse
período, porém, suas reivindicações não se reduzirão a ele. Muitas lutavam
pelo direito a educação de qualidade para a população feminina, para
trabalharem sem que precisassem da autorização do marido, por direitos
civis e jurídicos, condições dignas de trabalho, licença do trabalho após o
parto e creches, para citar algumas delas. Diversas associações de
espalharam pelo Brasil, muitas dessas mulheres publicavam na imprensa e
eram professoras. Além disso, algumas se candidataram a cargos políticos e
conseguiram se eleger em seus estados. Infelizmente, após o golpe de
Getúlio Vargas em 1937 e a instauração de uma ditadura, o movimento
perdeu fôlego.
Desde então, o movimento feminista só iria gerar grande repercussão
novamente nas décadas de 1960 e 1970, em plena Ditadura Civil-Militar.
Entretanto, bem diferente do que vimos nas décadas de 1920 e 1930.
Questões acerca da sexualidade e controle reprodutivo ganharam destaque.
Muitas dessas mulheres questionaram o status quo e as relações de gênero
estabelecidas no período.
Atualmente é possível encontrar nos livros didáticos menções ao movimento
feminista, em capítulos acerca da Primeira República e da Ditadura CivilMilitar, porém, seria interessante aprofundar essas discussões e não apenas
fazer um apanhado geral sobre o que foi o período. Por exemplo, é preciso
instigar os alunos, provocando-os a questionar a realidade e fazer uma
“ponte” entre passado e presente. Principalmente, refletirem sobre a
pertinências das questões levantadas pelo movimento feminista, suas
contradições e as mudanças ocorridas por sua causa.
Por essa razão, o trabalho com fontes históricas em sala de aula possibilita
uma interação e autonomia dos estudantes na construção do conhecimento
histórico escolar, intermediado pelo professor. Como, por exemplo, cartas,
diários, jornais, revistas e livros. Alguns são possíveis de serem
encontrados em acervos digitalizados na internet, outros em arquivos e
instituições públicas. Há menções e reproduções desses documentos em
artigos, monografias, dissertações e teses, a partir de pesquisas sobre o
tema que podem ser encontrados em acervos das bibliotecas das
universidades e no seu repositório digital. Dessa maneira, podemos também
trazer parte da produção acadêmica para as escolas e instigar os estudantes
acerca deles. Não é preciso trabalhar textos completos, mas trechos e
discutir com os alunos em sala. Além disso, há livros de historiadoras que
tratam desse assunto, acessíveis ao público geral, como, por exemplo, ‘Uma
História do Feminismo no Brasil’ de Celí Regina Pinto [2003], ‘Feminismos e
antifeminismos’ da Rachel Soihet [2013] e a coleção ‘Nova História das
Mulheres no Brasil’ organizada por Carla Bassanezi Pinsky e Joana Maria
Pedro [2012].
As possibilidades para a abordagem desse assunto são variadas, podendo
o(a) professor(a) aproveitar para introduzir essas discussões em temas
tradicionais do ensino de história: Segundo Reinado, Primeira República,
Ditadura Civil-Militar, Nova República. Outra alternativa é quebrar com essa
ideia de linearidade, fazendo uma aula temática. Além disso, utilizar as
próprias dúvidas dos alunos em relação ao feminismo para elaborar uma
aula pode ser um caminho interessante, a partir de desafios e dúvidas do
presente e ponderando sobre as relações passado-presente. Em meio a
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isso, por que não pesquisar sobre mulheres feministas e organizações
locais, sejam as mais antigas, como as atuais. Pode-se então formar grupos
e coordenar os alunos em pesquisas sobre o feminismo a partir de
diferentes recortes e depois eles apresentarem os resultados para a turma.
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As discussões sobre as relações de gênero podem fornecer alguns aportes
metodológicos de análise interessantes para trazer a sala de aula. Assim,
refletir sobre o caráter cultural e social das distinções sexuais e como elas
foram representadas ao longo do tempo, aparentando uma ideia de
naturalidade. Sendo que, elas foram utilizadas por muito tempo para
deslegitimar o movimento feminista, acusando as mulheres de estarem
agindo contra a sua natureza ao enfrentar as injustiças sofridas e
reclamarem direitos.
Conclusão
O objetivo desse texto é fazer algumas ponderações sobre as possibilidades
de se abordar a história do feminismo nas aulas de história. Sem dúvida, os
movimentos feministas estão em evidência atualmente, porém, ainda
perduram muitos estigmas e preconceitos acerca deles. Infelizmente,
vivemos em uma sociedade que a taxa de feminicídios é muito alta,
mulheres são violentadas por seus companheiros e mortas diariamente.
Casos de assédio sexual e estupros estão sendo denunciados, revelando a
situação de medo e acuamento sofridos por muitas mulheres subjugadas
por homens poderosos.
Ao tratar da história do feminismo é preciso considerar a relação dessas
mulheres com o seu contexto histórico, tendo elas assumido diferentes
perspectivas. Esse movimento não é homogêneo, sendo muitas vezes
contraditório. Como é o caso das mulheres negras que tiveram suas
reivindicações negligenciadas por mulheres brancas. Sendo que, existem
relações de poder também entre mulheres, gerando conflitos entre elas. O
feminismo atualmente se expandiu em diferentes correntes de pensamento,
a mais aceita é a do feminismo interseccional, que propõe estabelecer as
relações do machismo com outras formas de opressão.
É importante também discutir sobre o antifeminismo e como ele dificulta
que muitas reivindicações feministas sejam compreendidas pelas pessoas.
Ele se expressa por meio de piadas, chacotas e ameaças para caracterizar
as feministas enquanto mulheres desequilibradas e loucas, gerando mais
preconceitos. Muitas mulheres são constrangidas ao se nomearem enquanto
feministas, provocando o receio também de outras mulheres que
desconhecem o movimento. O antifeminismo esteve presente de diversas
maneiras ao longo do tempo, sendo importante estuda-lo também.
Para finalizar, é importante salientar a dificuldade enfrentada por
educadores para discutir assuntos relacionadas ao feminismo, sexualidade e
gênero, pois estão sendo acusados de doutrinação de gênero, marxista,
esquerdista, inimigo da família. Vivemos um período de fortalecimento da
extrema direita no mundo e no Brasil, movimentos como o “Escola SemPartido” têm buscado silenciar professores. Por isso, é preciso ter cuidado e
cautela ao abordar esses assuntos em sala de aula, apesar disso, toda essa
situação só demonstra a importância de se discutir essas questões na escola
e resistir a essa onda conservadora que tem se espalhado.
Referências
Vitória Diniz de Souza formada em História pela Universidade Estadual da
Paraíba (UEPB) e Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN)
DUARTE, C. L. Imprensa feminina e feminista no Brasil: Século XIX:
Dicionário Ilustrado. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.
LOURO, G. L. Gênero, Sexualidade e Educação: Uma perspectiva pósestruturalista. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
PEDRO, J. M.; SOIHET, R. A emergência da pesquisa da História das
Mulheres e das Relações de Gênero. Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 27, nº 54, 2007, p. 281-300.
PERROT, M. Os Excluídos da História: Operários, mulheres e prisioneiros. 4
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
PINSKY, C. B.; PEDRO, J. M. (Orgs.). Nova História das Mulheres no Brasil.
São Paulo: Editora Contexto, 2012.
PINTO, C. R. J. Uma História do Feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2003.
PISCITELLI, A. Gênero: a história de um conceito. In: ALMEIDA, H. B. de;
SZWAKO, J. (orgs.). Diferenças, Igualdade. São Paulo: Berlendis e
Vertecchia, 2009, pp. 116-148.
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SOIHET, R. Feminismos e antifeminismos: mulheres e suas lutas pela
conquista da cidadania plena. Rio de Janeiro: 7letras, 2013.
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A FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO PRIMÁRIO
Wanessa Carla Rodrigues Cardoso
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A vinda da Família Real em 1908, inicia o processo de institucionalização e
da profissionalização do trabalho docente no Brasil: cria-se a Lei Geral do
Ensino 1827, que permite a mulher o direito de instrução com conteúdo
diferenciado dos homens, intensifica-se a laicização e a normatização do
ensino e estipula-se a criação de Escolas Normais, décadas de 30 e 40 do
XIX, voltadas a formação adequada de professores para atuação no ensino
primário nas províncias.
Segundo Vilela (2010), a primeira Escola Normal foi criada em Niterói em
1830 tinha como critério de admissão ter “boa morigeração” (idoneidade
moral), ter idade superior a 18 anos, saber ler escrever. A idoneidade moral
era o requisito de maior importância pois esse professor seria um agente da
manutenção da ordem e da moralidade. As Escolas Normais tinham como
missão “elevar o nível intelectual e moral da população, unificando padrões
culturais e de convivência social”. (VILELA. 2010, p.104).
Averiguar sobre a conduta moral dos candidatos ao magistério, continuou
sendo um requisito que permaneceu desde as primeiras regulações de
1827, até meados do XIX. Segundo Schueler (2005) esse quesito
permanece, pois, “a moralidade indispensável, ao exercício da docência, e à
consolidação de determinadas representações sobre o professor, que se
esperava engendrar”. (SCHUELER, 2005).
As Escolas Normais pensadas inicialmente por homens e para homens, não
previam a presença de alunas. Somente a da Bahia (1836) e São Paulo
(1846) mencionava-se um curso para mulheres que na verdade não chegou
a ser implementado. Apenas nas décadas de 60 e 70 com sua recriação ou
refundação dessas instituições as mulheres começaram a ganhar espaço no
magistério. Com resistência inúmeras restrições o público feminino passou a
ser atendido em prédios separados ou em dias e horários diferenciados dos
homens.
Com a necessidade de tutores e professores do mesmo sexo que seus
alunos, a formação de professores do sexo feminino passa a ser uma
necessidade. O currículo de estudo e formação feminina era diferenciado do
masculino, elas teriam que se dedicar à costura, ao bordado e à cozinha,
enquanto eles dedicavam-se a estudos específicos como o de geometria. As
professoras eram isentas de ensinar geometria, mas essa matéria era
critério para estabelecer níveis de salário, portanto, reforçava-se com isso a
diferença salarial entre professores e professoras. As mulheres, desta
forma, passam a ter o direito à instrução, porém essa mesma instrução
visibilizava ainda mais as diferenciações e discriminaçao de gênero.
Para além dessas questões expostas anteriormente, no processo de
ingresso ao curso, as mulheres eram ainda obrigadas, mais que os homens,
a atestarem sua ética e bons costumes.Tratava-se de uma supervalorização
da moral, que possuía o objetivo de tornar o ensino das mulheres voltado
não à instrução, entendida como formação intelectual, mas como uma
tentativa adicional de disciplinar sua conduta. Neste sentido, segundo
Catani:
“A ênfase do ensino feminino [era] nas boas maneiras, nas técnicas, na
aceitação da vigilância, na aparência, na formação moralista. Coisa
adequada quando o ensino fundamental se destinava às classes populares,
pois o que estava em jogo não era difundir as perigosas luzes do saber,
mas disciplinar as condutas e refrear a curiosidade.” (CANTANI, 1997, p.
28).
Os discursos que predominavam eram de que, pela inferioridade feminina,
uma instituição para mulheres seria um desperdício de verbas públicas
desnecessária, manter uma instituição de mulheres não tinha sentido e nem
utilidade e permitir que as mulheres tivessem acesso as mesmas escolas
que os homens era algo que atemorizava a sociedade, pois iam contra os
princípios de moralidade. Somente em 1880, quando os alunos em sua
grande maioria eram do sexo feminino, houve a fusão das duas escolas,
ressaltando-se com saídas diferenciadas para homens e mulheres e
vigilância atenta.
Responsável em transmitir esses ensinamentos morais aos seus alunos, a
professora, deveria provar a todo momento que estava em condições de
assumir esse papel, assim sendo, o menor desvio de conduta colocava sua
credibilidade e seu papel de missionária da pátria em xeque. Lúcia Muller
nos aponta os ensinamentos que deveriam ser direcionados pela professora
primária, como “vestal da pátria”, e transmitidos ao alunado e futuro
cidadão desse país.
“O bom comportamento na casa e na rua, respeito e consideração aos
outros, principalmente aos mais graduados; amor ao trabalho; amor ao
dever, o amor aos pais; o sentimento de caridade; a aversão a mentira; a
aversão aos jogos; a aversão aos vícios e da bebida e do fumo etc.”
(MULLER, 1999, p.111).
Portanto, o controle sobre seus hábitos, possíveis vícios, sexualidade, forma
de vestir, sobre pratica docente, as dificuldades de ascender na profissão,
os homens normalmente conseguiam mais prestígio na careira docente,
especialmente por serem considerados melhores lideres, exercendo cargos
de direção e mando, são consequências desse processo, e da construção de
uma concepção inferiorizada do feminino.
Segundo Villela (2010) o discurso da moralidade vai assumindo significado
mais complexo ao se cruzar com os discursos higienistas e positivistas,
além disso passa a constituir-se uma opção ante a profissões menos
prestigiadas como costureiras e parteiras ou mesmo ante um casamento
forçado, proporcionava uma certa liberdade e a possibilidade de instrução,
neste sentido uma alternativa possível em um determinado contexto
histórico.
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História:
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A feminização precoce do magistério tem sido responsabilizada pelo
desprestígio social e pelos baixos salários da profissão, o que fez com que
os homens abandonassem o magistério se deslocando para profissões de
melhor prestigio e status social (TANURI, 2000). Entretanto é necessário
considerar, a ampliação do espaço urbano e o aumento populacional nas
primeiras décadas do século XX, que ampliou as diversas formas de atuação
no mundo do trabalho; A necessidade imperiosa da república em afirmação
e ampliação do ensino primário e em consequência aumentar a quantidade
de professoras aptas atuar por um baixo salário; A construção de uma
concepção da profissão docente associada a características femininas e a
consequente relação entre as funções maternas de gerar e cuidar das
crianças e a inata tarefa de educar; O magistério passa a ser o único
caminho possível as mulheres, sendo uma extensão das tarefas do lar; E
que a precarização e os baixos salários sempre estiveram presentes desde
o início da constituição da profissão docente no Brasil.
Mesmo com as modificações operadas e a feminização do magistério sendo
um fato já no final do XIX, a condução da educação não era exercida
pelas mulheres, a estrutura da mesma, os cargos administrativos e de
liderança, de regulação e controle, como de inspetor, eram geridos por
homens estando ainda a mulher relegada a um plano secundário,
perpetuando velhas práticas de submissão próprios de uma sociedade
patriarcal, assim continuavam a regulação e o controle sobre a prática
profissional das professoras e de sua conduta moral.
Referências
Wanessa Cardoso é Professora Ad4- SEDUC/PA; Mestre em Educação pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPA (PPGED) ; Doutoranda
no programa de pós-graduação em História da Universidade Federal do Pará
(PPHIST).
CATANI, D. et al. História, Memória e Autobiografia da Pesquisa Educacional
e na Formação. In: CATANI, D. et al. (org.) Docência, memória e gênero:
estudos sobre formação. São Paulo: Escrituras Editora, 1997
MULLER, Lúcia. As construtoras da nação: professoras primárias na Primeira
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SCHUELER, Alessandra Frota De. De mestres-escolas a professores
públicos: histórias de formação de professores na Corte Imperial. Educação
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Aprendendo
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GÊNERO
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