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A ESTÉTICA DO VIDEOCLIPE UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA Reitora MARGARETH DE FÁTIMA FORMIGA MELO DINIZ Vice-Reitor EDUARDO RAMALHO RABENHORST Diretora do CCHLA MÔNICA NÓBREGA Vice-Diretor do CCHLA RODRIGO FREIRE DE CARVALHO E SILVA EDITORA UNIVERSITÁRIA Diretora IZABEL FRANÇA DE LIMA Vice-Diretor JOSÉ LUIZ DA SILVA Supervisão de Editoração ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JÚNIOR Supervisão de Produção JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO Editores Ariosvaldo da Silva Diniz (DCS - CCHLA) Mônica Nóbrega (DLCV - CCHLA) Edmilson Alves de Azevedo (DF-CCHLA) José David Campos Fernandes (DECOMTUR-CCTA) Carla Mary S. Oliveira (PPGH-CCHLA) Comissão Editorial Rodrigo Freire de Carvalho e Silva (DCS-CCHLA) Regina Celi Mendes Pereira da Silva (Proling-CCHLA) Bartolomeu Leite da Silva (DF-CCHLA) Regina Maria Rodrigues Behar (DH-CCHLA) Luziana Ramalho Ribeiro (DSS-CCHLA) Ana Cristina Marinho Lúcio (PPGL-CCHLA) Mônica de Fátima Batista Correia (DP-CCHLA) Thiago Soares A ESTÉTICA DO VIDEOCLIPE Editora da UFPB João Pessoa - Paraíba 2013 Projeto gráico EDITORA DA UFPB Editoração eletrônica HOSSEIN ALBERT CORTEZ Todos os direitos e responsabilidades dos autores. EDITORA UNIVERSITÁRIA/UFPB Caixa Postal 5081 – Cidade Universitária João Pessoa – Paraíba – Brasil CEP: 58.051 – 970 www.editora.ufpb.br Impresso no Brasil Printed in Brazil Foi feito depósito legal SumárIO AGRADECIMENTOS ................................................................................. 11 PREFÁCIO ................................................................................................... 13 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 17 CAPÍTULO 1 O VIDEOCLIPE COMO PRODUTO DA CULTURA MIDIÁTICA ...... 29 1.1 Sobre os regimes audiovisuais ..................................................................... 31 1.2 Para além da tecnologia, a cultura............................................................ 34 1.3 Sobre tecnologias de captação e de exibição ............................................ 36 1.4 O som direto nas imagens ............................................................................ 41 1.5 Cinema musical, o espetáculo em som e imagem ......................................... 43 1.6 Sobre as tecnologias de exibição: telas e sistemas de som ....................... 49 1.7 O SCOPITONE como tecnologia de exibição.................................................. 52 CAPÍTULO 2 O VIDEOCLIPE NA LÓGICA DO MERCADO MUSICAL.................... 59 2.1 MTV e indústria fonográfica: trajetos ..................................................... 62 2.2 Videoclipe e televisão musical .................................................................... 66 2.3 Televisão musical e plataformas ONLINE ...................................................... 70 2.4 Videoclipe como áudio-imagem.................................................................... 75 CAPÍTULO POR UMA ANÁLISE MIDIÁTICA DO VIDEOCLIPE ............................ 87 3.1 Videoclipe e canção popular massiva: percursos ..................................... 102 3.1.1 Os “ganchos visuais” nos videoclipes .................................................... 107 3.1.2 Partindo dos “versos ganchos” .............................................................. 109 3.1.3 Discutindo os “ganchos visuais” ............................................................ 114 3.2 Videoclipe e gêneros: estratégias de endereçamento ............................ 118 3.2.1 Sobre o gênero televisual ...................................................................... 122 3.2.2 Sobre o gênero musical........................................................................... 128 3.2.3 Gênero musical e consumo ..................................................................... 130 3.2.4 Videoclipes como embalagens do pop .................................................... 136 3.3 Videoclipe e performance: visualidades ................................................... 144 3.3.1 Performance como reconhecimento ..................................................... 146 3.3.2 Performance midiática e produção de sentido .................................... 151 3.3.3 O clipe como performance de uma gestualidade ................................. 153 3.3.4 O clipe como performance de uma oralidade ...................................... 160 3.3.5 O clipe como performance de um cenário ............................................ 166 CAPÍTULO 4 A GêNESE DA CULTURA DO VIDEOCLIPE ....................................... 175 4.1 Videoclipe e estilo de vida pop .................................................................. 178 4.2 O videoclipe como itinerário da cultura midiática ............................... 182 4.2.1 “Bohemian Rhapsody”.............................................................................. 183 4.2.2. “Video Killed the Radio Star” .............................................................. 188 4.2.3 “China Girl”............................................................................................. 191 4.2.4 “Thriller” ................................................................................................. 194 4.2.5 “Girls Just Wanna Have Fun” ................................................................ 198 4.2.6 “Money For Nothing”............................................................................. 200 4.2.7 “Nothing Compares 2 U” ........................................................................ 203 4.2.8 “Justify My Love” ..................................................................................... 207 4.2.9 “Here it Goes Again” ............................................................................... 213 CAPÍTULO 5 CLIPE/BR, POR UMA ESTÉTICA DO VIDEOCLIPE BRASILEIRO .. 219 5.1 Dos calouros aos artistas .......................................................................... 221 5.2 Jovem Guarda e os clipes do “Fantástico” ................................................ 224 5.3 O “padrão Globo” de videoclipes .............................................................. 228 5.4 Yes, nós fazemos clipes .............................................................................. 231 5.4.1 “Garota de Ipanema” ................................................................................ 233 5.4.2 A Era das Produtoras de Publicidade e Cinema................................... 236 5.4.3 “Segue o Seco” .......................................................................................... 239 5.4.4 “Diário de Um Detento” ......................................................................... 242 5.4.5 “A Minha Alma” ....................................................................................... 243 CAPÍTULO 6 PÓS-MANGUE E VIDEOCLIPE NA ERA DO YOUTUBE................... 249 6.1 Da poética romântica à crítica social ................................................. 254 6.2 O clipe socialmente consciente e o Manguebeat ................................... 259 6.3 Um grupo de amigos, uma câmera: a “brodagem” audiovisual ................ 264 6.4 Clipe documentário: a cidade, a observação, a participação .................. 269 6.5 Mais vestígios documentais, novas formatações de idolatria ............... 272 6.6 Dispositivos de um clipe “viral” ................................................................ 274 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 279 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ 283 “here’s only two types of people in the world: the ones that entertain and the ones that observe” Britney Spears AGrADECImENTOS Este livro é resultado de quatro anos de pesquisa de Doutorado em Comunicação e Cultura Contemporâneas na Universidade Federal da Bahia (UFBA), local em que tive uma das recepções mais acolhedoras para estudar e aprofundar meus debates sobre videoclipes. É, antes de tudo, fruto de uma parceria com meu orientador e amigo Jeder Janotti Júnior, o heavy metal mais pop do Brasil. Impossível desenvolver todo este trabalho sem os professores do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA), sobretudo aqueles com quem tive o prazer de compartilhar o espaço da sala de aula ou dos debates em eventos, corredores ou mesas de bar. Obrigado mais detidamente a Maria Carmem Jacob, Itânia Gomes, Giovandro Ferreira, André Lemos, Wilson Gomes, José Seraim e Benjamim Picado. Escrever uma tese é se ausentar. E ter a família como vigília é um presente. A meus pais, Carmem e José Soares, meu irmão Daniel e integrantes da família que tão longe e tão perto, torceram por esta realização, meu muito obrigado. Minha tia Teresa estaria vibrando com mais esse passo. Agradeço aos colegas do grupo de pesquisa Mídia & Música Popular Massiva pelos debates e questões pertinentes e relexivas, especialmente a Fábio Freire, Ana Rosa Marques, Juliana Guttman, Jorginho Cardoso, Claudiane Carvalho, Rodrigo Barreto e Luciana Xavier, companhias incríveis em Salvador e na vida. Agradeço meu amigoirmão Schneider Carpeggiani, pela amizade encorajadora de sempre, e por me ensinar a ser pop, rock, intenso e arriscado, mesmo quando nem eu achava que eu era. Aos amigos Mirella Martins, Mariana Lins, Rafael Dias, Vanessa Lins, Eduardo Sena, Mariana Fontes, Bruno Nogueira, Isabelle Barros, Paulo Carvalho, Eduardo Dias, Maria Helena Monteiro, Filipe Falcão, Juliana Emereciano, é hora de tomar uns drinques para celebrar. Queria sublinhar um agradecimento aos meus colegas do Departamento de Comunicação e Turismo (Decomtur) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) pelo acolhimento e desenvolvimento de um trabalho valioso dentro e fora de sala de aula, em especial, a Virgínia Sá Barreto, Cláudio Paiva, Joana Belarmino, Sandra Moura, Pedro Nunes, Severino Lucena, Victor Braga, Ana Paula Campos, Luiz Antônio Mousinho, Sheila Acioli, Davi Fernandes, João de Lima, Dinarte Varela, Annelsina Trigueiro. Também agradeço aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas da UFPB, em especial, a Marcos Nicolau, Nadja Carvalho, Henrique Magalhães, Olga Tavares, Bertrand Lira, Wellington Pereira, Marcel Vieira. E aos integrantes do Mestrado Proissional em Jornalismo da UFPB, em especial, ao querido Luiz Custódio. Este livro foi submetido ao edital da Coleção Humanidades e contou com o apoio da professora Isabel França, da Editora Universitária da UFPB, a quem também agradeço. Sem a bolsa de pesquisa da Capes, durante os quatro anos de estudo, este trabalho não teria sido possível. - 12 - PrEFáCIO Esta história de prefaciar, ou seja, falar antes, parece muitas vezes uma oportunidade para “jogar conversa fora”, antecipar a entrada da estrela da noite. Pensando nisso optei por começar essa introdução de uma maneira um tanto singular, ao invés de tratar logo da importância do videoclipe para a cultura da música, preferi observar a força que move esse trabalho, meu ex-orientando e amigo hiago Soares. Um amigo gentil e sábio que, além da generosidade dos que realmente sabem ensinar (e aprender), possui a capacidade de colocar questões (outras) sobre o que até então, em doce ingenuidade nos parecia, óbvio. Para além dos milhares de amigos que hiago ajunta ao seu redor e que, com certeza, são leitores potenciais desse livro, espero apresentar esse adorável jornalista e professor aos inúmeros leitores que farão o primeiro contato com “hikos” através do texto aqui antecipado. Nos últimos tempos, é lugar comum advogar nas academias a separação entre obra e autor. Então, apresento aqui a profanação desse dogma, pois acredito que, por exemplo, entender a importância da noção de performance para a compreensão dos videoclipes está diretamente articulada com as performances que movem as apresentações textuais de hiago Soares. Um pesquisador que com seriedade e paixão pelo que estuda, sabe ser ao mesmo tempo um dedicado prospector e um conesseur que não esconde que aquilo que ama carrega contradições, como por exemplo, assumir que um videoclipe é uma mercadoria que possui valor de troca, que é produzida dentro de dispositivos em que sucesso signiica lucro e ao mesmo tempo é objeto de desejo de loucos por música que ousam tentar humanizar essas marcas da produção. Um videoclipe é ora mercadoria, ora objeto de fetiche, que faz partilhar modos de habitar o mundo (e de se expor). Quando, recentemente, centenas de pessoas criaram suas singulares versões para os clipes de Lady Gaga e postaram na internet, elas estavam fazendo um movimento similar ao que faz hiago Soares - que apresenta uma metodologia tentando dar conta dos formatos industriais do videoclipe, de suas performances sem esquecer a ordem dos afetos que mobiliza as apropriações desses produtos audiovisuais. Não tenho dúvidas de que o modo como o clipe se inscreveu em nossa cultura o tornou um dispositivo que apreende mesmo o mais desavisados dos fãs que solitariamente faz sua própria versão desse produto audiovisual. Como nos lembra o ilósofo Giorgio Agamben, “em si mesmo, o comportamento individual não traz, muitas vezes, nada de reprovável e até pode expressar uma intenção liberatória; reprovável é eventualmente – quando não foi obrigado pelas circunstâncias ou pela força – apenas o fato de se ter deixado capturar no dispositivo”. É o desvelar do jogo que “em um passe de mágica” projeta o espectador comum ao lado das divas sagradas do star system musical que os afetos expostos por hiago Soares me comovem. Pois esse é o movimento que emerge do livro “A Estética do Videoclipe no Brasil” e que está conectado a uma “camaradagem” que nos permite ser pop e brasileiro, local e cosmopolita. Por isso, acho que o resultado das pesquisas que o leitor tem em mãos é fruto de um saber escutar e ver para transformá-los em imagens e sons que projetam identidades de quem somos e queríamos ser, ou seja, seres humanos dilacerados pelos trânsitos - 14 - entre marcas culturais próprias e sua conexão com que nos une aos outros seres midiáticos. Mesmo que muitas vezes custe repetir o que já foi dito, corro o risco: não se enganem aqueles que se aferraram aos dispositivos de controle e determinação sugeridos pela noção de mercado irmada no subtítulo do livro. Não é que aqui não se trate (também) dos aspectos comerciais de um dos principais produtos da indústria da música, mas é que o livro também procura mostrar que, como em todo produto da cultura pop, há algo que escorre, que foge das mãos dos estrategistas de marketing. O imediatismo e disponibilidade de uma peça audiovisual que nos dias de hoje recobre-se e dão mostras que fãs de música não podem ser (simplesmente) acondicionados em estatísticas de consumo. A antiga força da MTV agora lui por canais como o YouTube, que acentua ainda mais as tensões entre formatação, produção, distribuição e fruição dos videoclipes. Se, na década de noventa, os clipes eram a mais importante peça de visibilidade dos produtos musicais, nos dias que seguem eles podem atingir altos índices de “espectatorialidade” ao mesmo tempo em que podem ser facilmente descartados. Efemeridade esta que coloca em risco o próprio poder sacralizante das divas do mundo da música. Será que deveríamos pensar em estrelas efêmeras, divas de um dia? Em meio a esse trajeto, não há como não ver surgir novamente o espectro de “hikos”, pois não esqueço das inúmeras vezes, ao longo de nossas orientações, ele me mostrava como produtos que eu, ingenuamente considerava banais e descartáveis, de repente, ganhavam importância quando apresentados sobre a ótica de quem procura sair do lugar comum da “obra” para enxergar nos usos desses produtos meios de torná-los humanos, de presentiicar performances que profanavam os “campos sagrados da indústria da música”. Não acho difícil olhar para clipes, por exemplo, de Björk, e observar o potencial estético dessas expressões culturais, mas ao propor um modelo analítico que ousa interpelar esses produtos do mesmo modo que o grosso da produção pop brasileira, hiago demonstra como é difícil valorar de modo hierárquico obras audiovisuais que, de diferentes maneiras e em gradações diferenciadas, carregam na carne as tensões entre mercado e vivência sensível, enquadramento e extensão do prazer. Para quem ainda acredita em divisões caricatas como a que separa cinema e audiovisual, obra e videoclipe, não há como não recomendar um pouco deste livro como remédio para combater o pedantismo, pois é da potência do videoclipe como produto e poética que vai surgir uma das grandes virtudes das propostas de hiago, olhar com atenção (e carinho) para um produto audiovisual que move mercados e afetos e que, justamente por isso, navega, como o faz o pensamento exposto ao longo deste livro, entre comércio de afetos e paixões estéticas, entre sacralização e profanação daquilo que, em muitos momentos, separa consumidores e “produtores” mas que torna comuns todos os que são, independentemente de seus posicionamentos, “loucos por música”. Jeder Janotti Júnior Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - 16 - INTrODuÇÃO No início, era a música. Instrumental, gutural, primitiva. O grito, a voz. Como parte integrante do som, eis que se fez imagem. O rosto, um corpo, uma passagem. A música como contorno da melodia, a imagem como caminho percorrido pela música. Uma seguindo a outra: imagem e música como indissociáveis, juntas, impregnadas. A imagem parece depender do som. O som, por sua vez, soa aparecer tatuado na imagem. E no meio de tudo, as canções. Este livro é parte da tese de Doutorado em Comunicação e Cultura Contemporânea defendida pelo autor na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Integra a premissa de se criar bases teórico-metodológicas para se compreender um dos fenômenos midiáticos mais importantes dentro da cultura jovem, o videoclipe – e que possui ainda poucos estudos sistematizados no Brasil. Como ponto de partida, a ideia de que música e imagens são tão indissociáveis que, de repente, nos vemos impelidos a ter que “separá-las” academicamente, como nos alerta o francês Michel Chion, com o risco de “naturalizarmos” o ver-ouvir. Somos seres que vêem-ouvem, assim, ao mesmo tempo, sem que o som tenha vindo primeiro e a imagem em seguida. Em nossa busca pela análise de videoclipes, ver-ouvir é uma condição tão singular quanto ler-e-interpretar. Entender videoclipes também pressupõe estudar a canção – matriz expressiva e semiótica da qual se ediicam estes audiovisuais. Foi das leituras de autores como Simon Frith, Luiz Tatit e Jeder Janotti Júnior que sinaliza-se aspectos plásticos das canções que poderiam ser “detectados” em videoclipes e vice-versa. Este trabalho também demarca um aspecto de ordem metodológica: sempre lemos em autores como Simon Frith e Andrew Goodwin, o quanto as metodologias de compreensão dos clipes pareciam “surdas”. A metáfora é bem vinda, principalmente, porque nos leva em direção a uma série de autores que problematizavam as dinâmicas musicais nos audiovisuais. Destacamos, na vasta bibliograia disponível, os autores Michel Chion, Angel Rodriguez e Carol Vernallis. De Chion e de Rodriguez, captamos o rigor do método de observação e de análise dos produtos audiovisuais. De Carol Vernallis, passamos a reconhecer as especiicidades da canção no objeto videoclipe, fazendo com que se pudesse trazer à tona alguns contornos mais especíicos na relação entre música e imagem. Uma outra questão aparece: a quem se deve “creditar” um videoclipe, ao artista protagonista ou ao diretor do vídeo? Em todas as hipóteses e, principalmente, depois de reler Andrew Goodwin, formulamos uma possível saída: o clipe é tão somente “do” artista, assim como é o corpo que o próprio artista “usa” em suas performances. Se tomamos como questão central o princípio de que um videoclipe “enforma” um semblante midiático, ou seja, gera um corpo nas mídias, nada mais sintomático que reconhecer que, sendo o audiovisual, em si, um corpo, este pertence, obviamente, ao artista que o protagoniza. O diretor de um clipe é alguém que “ornamenta” o audiovisual, empresta-lhe um estilo, gera lugares de distinção emblemáticos. No entanto, em todas as hipóteses que desenhamos, sempre fomos impelidos a reconhecer o clipe como um semblante do artista “ornamentado” por um diretor. Este 1 1 O termo “ornamentação”, aqui, pode parecer como “um detalhe”, mas talvez, eu recorra a ele, possivelmente, numa referência às relações que se estabelecem da retórica como “ornamentação do discurso”. No lugar discursivo de um videoclipe, o diretor integraria uma premissa de ordem retórica, legando uma estilística que dialogaria com o estilo do próprio artista protagonista. - 18 - contato com questões mais sociológicas do objeto investigado, faz com que possamos nos encaminhar para questões mais panorâmicas sobre o clipe: quais os seus trajetos na cultura midiática, de que forma estes produtos se orientam para seus fruidores. Traçamos também neste trabalho algumas hipóteses que nos levariam a questionar qual o lugar dos fruidores, dos indivíduos a quem os videoclipes são endereçados, nesta relação entre produto e processo comunicacional. Obviamente, que reconhecia que não caberia aprofundar questões tão especíicas e repletas de nuances teóricas dos chamados estudos sobre recepção, mas, destacamos esta premissa como sendo fundamental para que chegássemos naquilo que chamamos de dimensão discursiva do videoclipe. Foi, então, que nos aproximamos teoricamente do argentino Eliseo Verón, através de sua análise dos discursos sociais, inserindo um produto – o clipe - como processo uma produção e reconhecimento, através de suas gramáticas: produto e condição de produção e de reconhecimento, circulação. Uma lógica discursiva dinâmica que nos ajudava a perceber o rastros dos processos de produção e reconhecimento nos produtos. Algo, digamos, salutar para qualquer análise que se proponha mais complexa. Foi no decorrer desta pesquisa (desenvolvida entre os anos de 2005 e 2009) que o videoclipe passou a ser visto como uma espécie de “produto agonizante”. A Music Television (MTV), seu principal veículo de escoamento de clipes, havia recuado, a partir de 2006, mudando sua programação: saíam de cena os clipes, entravam os programas jornalísticos, os reality shows. Menos televisão musical, mais televisão jovem. Ao mesmo tempo, as gravadoras não queriam mais “pagar a conta” de produções cada vez mais caras em uma época em que a pirataria corroía as vendas. Foi preciso a internet se conigurar num espaço de compartilhamento para o clipe “voltar” a ter “relevância”. Números divulgados pelo jornal Financial Times em 2007 davam conta que os clipes musicais representaram 32% dos vídeos mais procurados no YouTube, o site adquirido pelo Google por US$ 1,65 bilhão. O YouTube também passou a fornecer uma nova fonte de receita para as grandes gravadoras. Warner Music, Universal e Sony/ BMG assinaram contratos com o YouTube para fornecer clipes de seus artistas em troca de uma pequena taxa e uma parte das vendas ligadas à publicidade. Clipes parecem ser “feitos” para fruição na internet: atraem os jovens e são curtos, ou seja, “carregam” rápido nos sites ou gadgets (Ipads, Ipods, celulares). Se, primeiramente, as gravadoras concordaram em licenciar seus clipes de graça para a MTV, tratando-os meramente como despesas promocionais; com o crescimento da internet, a Universal Music, a maior companhia fonográica, por exemplo, obrigou Yahoo, Google e outras instâncias, a pagar uma fração de centavo por cada clipe, assim como uma parcela de sua publicidade. Todo este contexto se descortinava exatamente no momento em que desenvolvíamos bases conceituais para este trabalho. Em outras palavras: estávamos vendo o videoclipe “virar” um objeto tanto televisivo quanto “da internet”, trazendo mais alterações no contexto de produção e circulação. No inal de 2006, a Music Television (MTV), no Brasil, anunciou que tiraria o videoclipe de sua programação pois, segundo o diretor de programação da emissora, na época, Zico Góes, “o videoclipe não é tão televisivo quanto ele já foi. Apostar em clipe na TV é um atraso”. A airmação pode ser interpretada como uma possível estratégia - 20 - de posicionamento da mais emblemática emissora de televisão musical frente aos novos ditames operacionais dos clipes, pois, com a facilidade do acesso a produtos audiovisuais pela internet, sobretudo no YouTube, o espectador não mais esperaria para assistir a um clipe na TV. Os videoclipes foram então parar na “periferia” da programação da MTV, na madrugada. Lembremos que, desde a sua criação, nos Estados Unidos, na década de 80 e no Brasil, na década de 90, a Music Television, já teria composto sua programação por até 90% de clipes. A ideia de “isolar” o videoclipe da programação televisiva dialogou com a aposta da emissora no MTV Overdrive, uma rede de TV em banda larga inspirada no YouTube. O canal não teria mais o caráter, dos anos 90, de exibir as novidades do mercado musical, mas sim de organizá-las e catalogá-las como forma de endereçamento para o público. O videoclipe icaria disponível para o público no MTV Overdrive, não necessitando “habitar” a programação televisiva. Neste raciocínio, a MTV estava adotando um procedimento de televisão expandida: não é somente “grade de programação” aquilo que está na TV, mas também, tudo o que se encontra disponível no MTV Overdrive: programação de televisão “em expansão”. Esta “guinada” da MTV em demarcar sua estratégia em relação ao videoclipe pode ser entendida também a partir da lógica da concorrência no mercado de televisão musical, ou seja, das emissoras que se pautam pela cultura jovem e pela cobertura dos acontecimentos do mercado musical. O maior “estímulo” para a MTV modiicar sua postura em relação aos clipes pode ter vindo da emergência em se constituir como “emissora que dita tendências” e tirar a relevância na aparição da PlayTV, o extinto Canal 21, pertencente à Rede Bandeirantes, que passava a investir na programação musical na TV. Os canais disputam não apenas a audiência no UHF em “praças” relevantes, como São Paulo, mas o público jovem e das classes A/B. Curioso notar como a MTV colocou o videoclipe “em pauta” com a sua decisão de “tirar” o videoclipe de sua programação no ano de 2007: o canal de TV fechada, Multishow, anunciou, logo depois da tomada de posição da MTV, que manteria videoclipes em sua programação; o mesmo aconteceu com a emissora VH1, ambos no mercado brasileiro. Na virada de 2007 para 2008, no entanto, a MTV já “voltaria atrás” e traria à tona o videoclipe como “nobre” na sua programação. A MTV reconheceu: o videoclipe é “líquido”, assim como o consumo musical, está em vários lugares, na televisão, no computador, no celular, no Ipod. Deixar de exibi-lo na televisão seria tratá-lo como objeto “sólido” que não é. Coube, então, o questionamento: será que a Music Television (MTV), emissora que, praticamente, funcionou como espaço de gestação, viu nascer e consolidar o videoclipe, ainda exerceria o papel central na dinâmica dos clipes? Será que a emissora ainda teria importância para a cultura do videoclipe frente aos preceitos contemporâneos de consumo da música? Quem é que ainda assiste a videoclipes exclusivamente na MTV e não no YouTube, nos blogs e nos sites de música? Ou parece ser muito mais interessante, a partir das lógicas de consumo desintermediado da cibercultura, driblar todo o “esquema” de imposições das gravadoras, com datas e horas marcadas, para “achar” os seus produtos “vazados” na internet? Neste sentido, ao contrário de nos fazermos pensar que - 22 - o videoclipe estaria “agonizante” – ou como tentaria supor a Music Television – parece ser o negócio da televisão musical que pode ser questionado. Lembremos que a MTV integra uma lógica dos grandes conglomerados de entretenimento mundiais, como Nickelodeon (nos Estados Unidos) e Grupo Abril (no Brasil), para citar somente dois largamente expressivos. Com a migração dos suportes físicos da música (notadamente o CD) para os “líquidos” (os arquivos de MP3), tem-se descortinado um processo contínuo de desintermediação do consumo de produtos musicais, podendo gerar matrizes que questionam o papel dos conglomerados, das instituições do mercado musical. Discutir, portanto, as estratégias de discurso e consumo de grandes conglomerados econômicos e comunicacionais é uma forma de enxergar como estas instâncias reverberam em produtos e itinerários de circulação. Sintetizamos, portanto, que a MTV ecoa aspectos discursivos e institucionais, legitimando e funcionando como espaço de agendamento da cultura pop. Muito embora os jovens chamados “digital natives” (ou “nascidos na era digital”) já tenham “trocado” a televisão pelo computador, a própria MTV experimenta um formato de “televisão expandida”, com conteúdos no sistema broadcasting e, também, disponíveis na web. Hoje, pode-se dizer que nunca se viu tanto videoclipe. Só que, ao contrário do clipe ser exibido somente na televisão, o computador passou também a ser a tela deste audiovisual. Há clipes que se tornaram grandes hits da internet através do “marketing viral”, ou seja, a disseminação do “assista a este vídeo” em plataformas como o YouTube. A internet, em seu espaço profundamente democrático, também aciona a criação dos chamados “fanclipes”, vídeos toscos, feitos por fãs e que tentam reproduzir o videoclipe original. Há nos “fanclipes” um curioso jogo de criador e criatura, glamour às avessas, homenagem invertida. Diante do quadro visualizado através da compreensão da lógica produção-circulação televisiva dos videoclipes, percebe-se que a entrada das plataformas online de compartilhamento de vídeos é um elemento capaz de problematizar as dinâmicas massivas de circulação destes audiovisuais. O videoclipe não é mais um produto somente televisivo, passando a integrar as dinâmicas de consumo da cibercultura e precisando ser compreendido também através desta lógica. Circunscreve-se um debate que atravessa uma problemática acerca do papel da televisão musical na circulação deste audiovisual e das novas formas de apropriação do videoclipe que passam a ser inseridos em gadgets (Ipods, reprodutores de MP3 com vídeo), celulares, videologs, blogs e sites especíicos. A questão pressupõe enxergar uma instância de recepção que atrela conceitos como imediatismo e disponibilidade (no acesso a informações online) em contraponto a aspectos ligados a controle e determinação (no assistir a conteúdos da televisão). A complexidade está em perceber como as características destas duas ações de acesso ao videoclipe pela instância da recepção convergem num modelo de televisão musical que agrega o canal de TV à plataforma online de disponibilidade de vídeos. Ou seja, estamos diante de atalhos e, portanto, de muitos impasses. Esse livro tenta descortinar uma trajetória para o videoclipe, focando na contribuição em torno deste produto audiovisual no Brasil. Perpassa questões ligadas à gênese do clipe, elenca dispositivos teóricos capazes de auxiliar na compreensão deste produto e destaca vídeos emblemáticos na trajetória midiática do gênero. Ao inal, nos detemos sobre videoclipes importantes - 24 - na formação deste audiovisual no contexto brasileiro: mapeando debates sobre estéticas, formatos e gêneros em diálogo. - 26 - CAPÍTuLO 1 - 28 - O VIDEOCLIPE COmO PrODuTO DA CuLTurA mIDIáTICA Uma relexão sobre o videoclipe pressupõe tomar a história deste gênero a partir da compreensão dos artefatos tecnológicos que propiciaram a sua disposição enquanto objeto audiovisual. Esta lógica obedece a critérios que colocam em relevo as disposições ligadas à tecnologia dos meios de comunicação, tanto do ponto de vista dos suportes quanto das premissas de circulação. Pensar o videoclipe diante deste ponto de vista signiica compreender que a dinâmica produtiva deste audiovisual abarca uma relação com as disposições dos agentes de produção , que utilizam os suportes como forma de elaboração do próprio objeto e dos agentes divulgadores, capazes de colocar em circulação os referidos produtos. Tanto os agentes de produção quanto de fruição operam com uma gramática que lhes é sugerida pelos meios. Por gramática do meio, podemos abarcar as disposições de ordem tecnológicas, discursivas e culturais que incidem sobre os objetos constituídos a partir de suportes tecnológicos, desvelando uma ordem produtiva que reverbera em indicadores de leitura e reconhecimento (VERÓN, 1996). A gramática do meio institui modos de operação dos agentes de produção e de reconhecimento a partir de uma premissa de que os objetos colocados em circulação obedecem a critérios estratégicos da lógica produtiva que levam em consideração as aderências do consumo. Entre outros aspectos, a gramática do meio indica uma série de regras produtivas que se codiicam num objeto e se 2 2 Diretores, artistas, instituições das indústrias da cultura como gravadoras, produtoras de vídeo, cinema e publicidade, entre outros. dirigem a uma decodiicação localizada na esfera da cultura. Agentes de produção e de reconhecimento, dessa forma, estão imbricados nas “teias” das gramáticas dos meios: no terreno da produção, há inúmeras escolhas por gêneros, formatos e suportes que, por sua vez, são determinantes na(s) forma(s) de reconhecimento e fruição dos objetos. A compreensão da dimensão discursiva de um produto audiovisual, portanto, está intrinsecamente ligada à visualização integrada entre produção e reconhecimento, tendo como chaves interpretativas as premissas dos dispositivos de gênero, formato e suporte. Neste quadro, trazemos à tona, um debate sobre os suportes que recaem sobre a produção audiovisual como uma ferramenta capaz de gerar hipóteses sobre a construção discursiva de um produto. Reletir sobre a questão dos suportes indica deliberar uma trajetória que compreende a tecnologia como a engrenagem das linguagens e dos discursos, partindo para uma veriicação das formas de vínculos entre a técnica e as disposições e apropriações sociais. O interesse, portanto, é explorar como os suportes de produção audiovisual e os meios em que os objetos circulam reconiguram as formas de reconhecimento destes objetos nas instituições do mercado musical e das mídias, em geral. A partir deste raciocínio, pode-se pensar na emergência de matrizes imagéticas que, de alguma forma, servem como instrumentais discursivos no alicerce do jogo de valores que se encena nas rotulações e classiicações tanto por parte dos agentes produtivos quanto dos agentes de fruição. Nosso interesse, neste primeiro momento, é entender que o videoclipe é um produto de uma época, circunscrito num contexto cultural e, portanto, precisamos entendê-lo - 30 - dentro dos chamados regimes audiovisuais. Vamos realizar, a seguir, um mapeamento dos regimes audiovisuais que se desencadeiam a partir dos diferentes suportes utilizados na produção dos objetos midiáticos. 1.1 Sobre os regimes audiovisuais O regime audiovisual pressupõe compreender de que forma som e imagem se encontram e se problematizam numa história do audiovisual e em que medida se instauram matrizes que são, tanto incorporadas pelas instituições das indústrias culturais, quanto pelos que atuam como agentes de reconhecimento dos produtos em circulação. Antes de mapearmos os regimes que nos permitam realizar indicativos das disposições de som e imagem no videoclipe, é preciso retomarmos o conceito de áudio-visão , como proposto por Michel Chion (1994). Por áudio-visão, considera-se a disposição simultânea dos espectadores em ouvir/ver algo, integrando os sentidos humanos e compreendendo as dinâmicas de “empréstimos” e combinações possíveis nos atos de observação que envolvem fenômenos dotados de imagem e som. Naturalmente, a ação biológica do ser humano de ver algo já demanda esta integralização de sentidos. No entanto, o que Michel Chion chama atenção na criação do conceito de áudio-visão é a premissa de uma certa valorização do visual sobre o sonoro - logicamente, do ponto de vista acadêmico. Ao chamar “áudio-visão”, parece-nos sintomático que Chion tenta se referenciar numa certa ênfase no “áudio”, 3 3 Mais adiante, trataremos do videoclipe como áudio-imagem e retomaremos os conceitos de Michel Chion que, aqui, são brevemente apresentados. como se dando relevo a esta característica em relação à “visão”. O autor deine o ato de ouvir/ver: “O esforço mental em fundir imagem e som produz uma ‘dimensionalidade’ que faz a mente projetar o som “por trás” da imagem, como se ele emanasse da imagem em si. O resultado é que nós vemos algo que existe somente na nossa mente. (...) Ou seja, nós não vemos e depois ouvimos um audiovisual, nós ouvimos/vemos”. (CHION, 1994, p.21) Convocamos o autor no princípio de também valorizar a premissa do áudio, articulando os jogos de forças dos sentidos humanos. Diante das possibilidades de produção artiicial dos sentidos humanos, via suportes e meios de comunicação, Michel Chion desdobra o seu conceito de áudio-visão, como uma característica imanente do ser humano, para o de áudio-imagem, que estaria localizada na produção e consumo de imagens tomando, como princípio, o estabelecimento de normas relacionais entre o que se vê e o que se ouve. Ao propor o conceito de áudio-imagem, o autor parece desdobrar o princípio da áudio-visão para as dinâmicas de produção e de reconhecimento de textos audiovisuais, colocando em relevo, primeiramente, as relações entre som e imagem como um princípio norteador da caracterização dos produtos construídos. Ou seja, a áudioimagem imbrica, numa dinâmica de produção de textos audiovisuais, na preocupação com as relações entre som e imagem, numa lógica da criação de um espaço acústico artiicial dotado de inúmeras relações de forças que se materializam em ações expressivas e que serão decodiicadas numa - 32 - dinâmica de reconhecimento. Michel Chion está tratando, portanto, da ressonância conceitual, que vem a ser a premissa de que “o som nos faz enxergar a imagem de maneira diferente e que, dessa maneira, esta ‘nova’ imagem nos faz ouvir o som também diferentemente. Isto parece nos permitir enxergar ‘algo’ a mais na imagem ou ouvir ‘algo’ a mais no som, e assim por diante”. (CHION, 1994, p. 12) Este princípio serve como base para o que o autor considera como “contrato audiovisual”, que vem a ser as inúmeras possibilidades de projeções do som na imagem, como forma de identiicação dos possíveis valores agregados. Entender esta forma de “contrato” aponta para a visualização de linhas de forças nas relações audiovisuais, desencadeando em hipóteses que ajudem a compreensão de escolhas e premissas adotadas pelas instâncias produtivas dos objetos audiovisuais. Pensar o contrato audiovisual é, sobretudo, desenvolver a idéia de que há uma cena audiovisual, entendendo a cena como um contexto limitado pelo plano e onde se apresentam recursos dispostos a im de uma produção de sentido. Desvelar o contrato audiovisual signiica desenvolver modos de escuta que poderão localizar, no objeto empírico, fontes sonoras que tendem a ser problematizadas diante de um contexto de enunciação. Ao desenvolvermos os princípios da áudio-visão e da áudioimagem, como propostos por Michel Chion, desencadeando nas idéias de ressonância conceitual e de contrato audiovisual, cabe pensarmos no que poderíamos considerar como regimes audiovisuais. A partir da investigação dos suportes que geram as disposições entre som e imagem, ao longo da história dos aparelhos técnicos, encontram-se diferentes formas de interação entre imagem e som que instauram regras de produção, circulação e reconhecimento que são angariadas pelas lógicas dos meios. Os regimes audiovisuais seriam disposições relativamente estáveis de se produzir, reconhecer, classiicar e ordenar objetos audiovisuais a partir de características evidenciadas nos textos em circulação e que agem como premissas sobre as ingerências do mercado musical e das mídias nos endereçamentos dos produtos. Os regimes audiovisuais seriam uma relevante chave interpretativa para compreender as relações entre produtos e meios, conteúdo e expressão, legando para a tecnologia um princípio basilar das formas de produção e apropriação de objetos audiovisuais na cultura contemporânea. 1.2 Para além da tecnologia, a cultura A argumentação que desenvolvemos toma como princípio a investigação dos dispositivos tecnológicos capazes de gerar a áudio-imagem como alicerces da visualização de regimes audiovisuais mais amplos e que circunscrevem uma série de experiências no terreno da produção de objetos que unem imagem e som. Neste sentido, o argumento central aqui desenvolvido reverbera questionamentos igualmente levantados pelos autores da chamada Escola de Toronto (Marshall McLuhan, 4 4 Vinícius Pereira (2004) questiona a rubrica “Escola de Toronto”, uma vez que Havelock não foi professor da Universidade de Toronto, onde tal pensamento se desenvolveu. No entanto, o autor pondera e “autoriza” a leitura sob esta rubrica, na medida em que se evidencia um grupo de autores que, apesar da - 34 - Harold Innis e Eric Havelock) e que ecoam a idéia de que as diferentes tecnologias, para além do conteúdo que transmitem, são determinantes da forma de agir e de pensar de uma cultura. Cabe pormenorizar, porém, o que McLuhan (1973) considerou como conteúdo. Para ele, o conteúdo seria a manifestação de códigos culturais a partir dos diferentes suportes e meios. A era da eletricidade e, conseqüentemente, dos meios de comunicação, signiicaria, segundo McLuhan, a implosão do regime instaurado pela escrita, fazendo reaparecer certos “arcaísmos tribais”, a partir da idéia da ruptura dos padrões lineares e seqüenciais. A eletricidade estaria propensa a gerar meios cujos dispositivos levassem a transformação do planeta em um espaço de habitação virtual e coletiva, evocando a velha idéia de Aldeia Global. O esforço de McLuhan parece ser o de compreender as extensões e transformações do ser humano – em todos os níveis que esta idéia possa suscitar – a partir de aspectos relacionais com as tecnologias da comunicação. Bastante criticado por uma suposta “profecia falaciosa”, entendemos que o pensamento de McLuhan parece levantar uma hipótese neurocognitiva para a alternativa que entende o reordenamento do sensório a partir das novas tecnologias. McLuhan chama atenção para o fato de que, a partir da ruptura da cultura letrada, haveria a reuniicação dos sentidos e da criação de uma experiência de imersão em todas as dimensões dos sentidos humanos: “Os meios são metáforas ativas em seu poder de traduzir a experiência em novas formas”. (McLUHAN, 1973, p. 73) Interessa-nos a premissa mcluhaniana de que o motor da história dos meios é a transformação dos códigos culturais a partir dos quais a diferença dos enfoques e dos objetos estudados, estavam atentos às tecnologias da comunicação como um agente extremamente importante nas transformações socio-históricas. (PEREIRA, 2004, p. 132) tecnologia passa a ser alicerce para hipóteses e possíveis explicações. A tecnologia centralizaria os códigos culturais e os processos de tradução de linguagens e suportes. O homem entra em foco porque nele se situa a capacidade de processar experiências, modelizar linguagens e estar inserido num quadro mais amplo de codiicação das formas culturais. Assim como McLuhan, parece-nos útil pensar a história dos meios não a partir da noção de sucessão, mas sim de simultaneidade. “O fato de uma coisa seguir-se a outra não signiica nada. A simples sucessão conduz à mudança. A eletricidade viria causar a maior das revoluções ao tornar as coisas simultâneas” (McLUHAN, 1973, p. 22) Descortina-se um plano pluralista para a compreensão da experiência humana e das relações com os meios de comunicação. Traçando algumas considerações sobre as concepções do pensamento de McLuhan, é possível interrogar a hipótese aqui desenvolvida: a de que a investigação do suportes e meios serve como importante alicerce para a compreensão dos diferentes regimes audiovisuais instaurados ao longo da história. 1.3 Sobre tecnologias de captação e de exibição A partir da premissa de que, como sinaliza McLuhan, a história não deve ser compreendida a partir de sucessões e sim de simultaneidades, percebe-se a necessidade de um mapeamento dos regimes audiovisuais como alicerce na compreensão dos inúmeros fenômenos de captação de som e imagem numa dinâmica midiática. Para pensarmos uma história das tecnologias audiovisuais, é preciso levarmos em consideração dois - 36 - processos que envolvem as ações de produção e consumo dos objetos audiovisuais. Neste sentido, considera-se as tecnologias de captação e de exibição como fundamentais na perspectiva de entendimento dos regimes audiovisuais. Por tecnologias de captação, entende-se o conjunto de artefatos tecnológicos capazes de realizar as captações de áudio e imagem num ambiente, gerando unidades de produção de sentido que formatam objetos audiovisuais a partir de dinâmicas de edição e pós-produção. As tecnologias de captação dão um importante escopo para a indústria do audiovisual, sobretudo porque impulsionam a fabricação de equipamentos e a constante substituição por novos modelos com a inalidade de instaurarem novos modelos de imagem e som na produção de objetos audiovisuais. As tecnologias de captação são a principal ferramenta da engrenagem da indústria do audiovisual, uma vez que não só inaugura padrões sonoros e visuais, como movimenta e torna acessível os equipamentos para os realizadores. A indústria do audivisual convém ser visualizada através da presença de grupos ligados tanto ao entretenimento quanto ao ambiente de produção de artefatos tecnológicos. Para evidenciar nosso argumento, convoca-se o exemplo da Sony, conglomerado transnacional de entretenimento que, além de ser gravadora (indústria fonográica), possui estúdio cinematográico (indústria do cinema), canal de televisão (indústria da televisão) e ainda o “braço” de marca ligada à tecnologia (de televisores a computadores), entre outros. Visualizar uma história das tecnologias de captação pode ser útil na compreensão de entornos mais panorâmicos da chamada indústria do audiovisual, sobretudo colocando em destaque o fato de que, novos regimes audiovisuais impulsionam, também, novos produtos, novos equipamentos, novos mercados e, conseqüentemente, o desenvolvimento de novas tecnologias capazes de dar conta da complexidade destas dinâmicas. As tecnologias de exibição envolvem uma série de dispositivos capazes de colocar em circulação os objetos audiovisuais produzidos, sendo o principal alicerce para se reconhecer o alcance destes produtos bem como suas possibilidades mercadológicas. Tecnologias de exibição dizem respeito a formas de manifestar, midiatizar um produto, ampliando ou restringindo o seu espectro de atuação a partir dos suportes e das formas de fazer com que estes suportes cheguem até os agentes de reconhecimento. Os dispositivos técnicos necessários para se fazer com que um objeto audiovisual seja exibido com o máximo de idelidade ao plano expressivo originalmente tomado são preocupações dos agentes ou instituições exibidoras. Espaços exibidores formatam situações comunicacionais que demandam predisposições dos indivíduos com os produtos expostos. As tecnologias de exibição demandam novos enquadramentos sobre os produtos, novas situações comunicacionais. Ao propormos a visualização de um novo enquadramento para os produtos audiovisuais, chamamos atenção para o fato de que um mesmo objeto audiovisual, apreendido a partir de uma mesma tecnologia de captação, pode gerar situações comunicacionais distintas na exibição a partir do re-enquadramento diante das tecnologias de exibição disponíveis. Há diferenças sintomáticas no terreno das tecnologias de exibição que formatam maneiras distintas de se interagir com um objeto audiovisual, seja numa gigantesca tela de cinema ou numa televisão de 14 polegadas. As tecnologias de exibição, portanto, assim como as de captação, são os - 38 - principais alicerces do que consideramos por regimes audiovisuais, uma vez que são estes dispositivos que geram as situações comunicacionais nas quais os indivíduos instauram, reconiguram ou revisitam seus padrões de reconhecimento audiovisuais. As tecnologias de captação são exempliicadas a partir da possibilidade de registro de som e de imagem. Assim, a câmera de cinema assume o lugar de artefato capaz de unir som e imagem num mesma unidade de produção de sentido. Sabe-se, logicamente, que desde as experiências com a câmera escura, primeiro com os pintores e depois com as experimentações da fotograia, o estatuto da imagem fotográica era o da imagem “sem som”. No entanto, com a noção de movimento instaurada pela câmera cinematográica, registros como o da chegada do trem na estação parisiense, feitos pelos irmãos Lumiére, indicavam a convocação de um regime de interação com as imagens pautado pela relação entre imagem e som. A noção de que, com os movimentos da imagem no cinema, chegava-se mais próximo de uma “experiência” do real, não tardaria a que o som fosse incorporado à imagem. Notemos o curto espaço de tempo que o cinema permaneceu mudo (quase trinta anos), das primeiras cenas cotidianas gravadas por Lumiére chegando até Al Jolson cantando e se “movimentando” em “O Cantor de Jazz” (1927). É relevante perceber como, naquela ocasião, as tecnologias de captação operavam com os sistemas imagéticos e sonoros. A princípio, havia a separação de dispositivos de captação de imagem e de som. Durante todo o período do cinema mudo, a câmera funcionava como operação da banda visual, ou seja, o registro das imagens que estariam dispostas nos ilmes. O sonoro era realizado ao vivo, a partir, muitas vezes, da sugestão de diretores, produtores ou compositores que apresentavam partituras como trilhas sonoras de acompanhamento das imagens . Mesmo no cinema sonoro, algumas experiências limítrofes 5 do período de “adaptação” e da busca pela tecnologia capaz de unir deinitivamente a captação de som e de imagem, ainda registravam som e imagem de maneira separada. Como exibe o ilme “Cantando na Chuva” (1952), que conta a história do impacto da chegada das novas tecnologias de som na indústria do cinema nos anos 20 e, conseqüentemente, no star system de Hollywood, os primeiros ilmes sonoros ainda contavam com o som gravado num aparelho à parte da câmera. Tinha-se, durante a exibição, a junção das unidades imagética e sonora num objeto que chegava ao público como algo que simulava o audiovisual. Constituíase o princípio da dublagem como principal ferramenta de tentativa das inúmeras formas de aproximação entre imagem e som. Não somente a dublagem das iguras humanas através da presença física das vozes, mas sobretudo, na simulação de sons que seriam “colados” às imagens. Sons que, produzidos artiicialmente, simulavam aqueles expostos nas imagens. Este princípio da “dublagem” da imagem cinematográica reforça a relevância das tecnologias de captação como fundamentais na compreensão dos regimes audiovisuais bem como dá relevo a uma certa predominância da captação sobre a exibição: é preciso que, primeiro, se 5 Um mesmo ilme, por exemplo, poderia ter várias formas de acompanhamento musical. Só para citar um exemplo, o clássico ilme “Metropolis”, de Fritz Lang, teve uma trilha composta pelo próprio diretor, que foi incorporada nas exibições da película na ocasião de seu lançamento, no inal da década de 20. No entanto, nos anos 80, numa das inúmeras restaurações e datas comemorativas de “Metropolis”, o grupo pop Vangelis realizou uma nova trilha incidental para o ilme. - 40 - desenvolvam tecnologias de captação apropriadas para que, em seguida, a exibição seja requerida . 6 1.4 O som direto nas imagens O desenvolvimento de câmeras capazes de captar áudio e imagem integradas ampliaram não só as possibilidades de registro de cenas audiovisuais a partir do som direto, como também ampliaram a produção artiicial de som em estúdios e centrais de captação, gerando os efeitos sonoros e múltiplas possibilidades de dublagens no terreno cinematográico. A manipulação do som em estúdio pareceu gerar mais uma possibilidade de presentiicação do áudio no cinema: seja como forma de aproximação com o real, seja distanciando-se. Cabe pensar que as transformações do estatuto da imagem que, gradativamente, se sonorizava, também promovia a transformação dos espaços de exibição. Se, de início, o espaço de exibição cinematográico contava com um local para o posicionamento do músico ou da orquestra, gradativamente, a passagem do som ao vivo para o registro tecnológico da sonoridade, também ocasionou na incorporação das caixas de som no ambiente do cinema, alterando, signiicativamente, as formas e as disposições de se assistir a um espetáculo cinematográico. Quando procuramos identiicar na tecnologia um importante alicerce para a compreensão das 6 Notemos recentemente o desenvolvimento de uma série de câmeras portáteis digitais capazes de gerar imagens que são materializadas em arquivos digitais. Só o uso recorrente desta tecnologia permitiu que os sistemas de exibição cinematográicos adotassem projetores de ordem digital, evidenciando assim que as tecnologias de captação são o primeiro “braço” dos testes e experiências com os dispositivos tecnológicos. transformações no campo da cultura levamos em consideração a premissa de que um determinado regime (seja ele de escuta, de visualização, audiovisual) não é imposto ou deinido por instituições ou agrupamentos midiáticos. Um regime é instaurado a partir de um entrelugar capaz de sintonizar forças dos indivíduos consumidores, das indústrias culturais e dos sistemas envolvidos nas formas de interação dos produtos audiovisuais. Mesmo durante a vigência de uma forma simultânea de captação da imagem e do som no cinema sonoro, algumas transformações no estatuto das imagens e dos sons parecia instaurar novos contratos audiovisuais, novas formas de ver-ouvir na contemporaneidade. A passagem do preto-e-branco para o colorido, bem como as inúmeras experiências limítrofes destas transformações (como a coloração manual de películas cinematográicas) criavam uma forma de ver a imagem que convocava competências visuais ligadas ao campo da cor e da idelidade com os objetos retratados. O preto-e-branco seguia regido por uma dinâmica própria dos primórdios do cinema, como uma espécie de preservação de um “clima” noir, glamuroso ou essencialmente realista nas imagens abarcadas. Fala-se de idelidade na imagem, de aparição de registros cromáticos e, conseqüentemente, da presença marcante da indústria da moda e de cosméticos no gradual processo de “coloração” do cinema, a partir das inúmeras possibilidades de se “ver melhor” a cor de uma indumentária ou a pele melhor deinida de um artista . Mas, como estamos tratando de regimes audiovisuais, as transformações no terreno 7 7 Prova de que estas experiências inaugurais no cinema ainda perduram simultaneamente, como propunha enxergar McLuhan, mesmo com outros dispositivos tecnológicos, é o fato de que diante das possibilidades da melhor qualidade da imagem da TV digital, registra-se o mesmo argumento de que vai se “enxergar melhor” os objetos em cena, logo, aumenta-se as possibilidades de apropriação do espaço audiovisual por instituições das indústrias de consumo, como moda, perfumaria, cosmético e ains. - 42 - da imagem reverberavam, logicamente, no campo sonoro. Por isso, os primeiros registros sonoros em baixa deinição, dando uma ênfase, logicamente, nos diálogos e nas vozes dos personagens, gradativamente, foi desvelando possibilidades de uma sonorização em alta deinição (Hii) e, assim, descortinavam-se possibilidades de camadas de som que, até então, não eram “ouvidas” pelos espectadores. Complexiicam-se as relações entre som e imagem na medida em que o fora de quadro ganha uma importante dimensão a partir do sonoro. O gradual processo de idelização do som foi sendo capaz de sincronizar artiicialmente paisagens sonoras nos produtos audiovisuais com aquelas encontradas no mundo. As paisagens sonoras artiicialmente construídas signiicavam uma possibilidade de questionamento, de ambigüidade do real a partir de um material sonoro que se dispunha sobre uma imagem. Trata-se de uma questão que não prevê ser encarada simplesmente no campo técnico, mas sim a partir de sua reverberação no campo da cultura. A técnica sempre esteve intrinsecamente ligada às disposições das indústrias culturais. Em suma, ao mesmo tempo que foi-se “vendo melhor” (do preto-ebranco para o colorido), também foi-se ouvindo melhor o espetáculo cinematográico, gerando assim, matrizes de contratos audiovisuais que eram constituintes dos novos regimes audiovisuais. 1.5 Cinema musical, o espetáculo em som e imagem Diante das possibilidades de contratos audiovisuais a partir das tecnologias de captação de som direto, uma experiência parece sintomática de ser debatida com vistas a perceber os regimes audiovisuais presentes nos videoclipes: o cinema musical. O gênero dos ilmes musicais só pôde ser desenvolvido no cinema graças ao eiciente desenvolvimento das tecnologias de captação de áudio, bem como da manipulação do som em estúdios, gerando correções, novas dublagens e formas diferenciadas de se associar imagem e som. Evoca-se nestes primórdios do cinema musical, a tradição do entretenimento norte-americano e a necessidade de expansão dos negócios dos teatros da Broadway para o cinema. Como situa Robert Toll (1982), a máquina de entretenimento dos musicais da Broadway, em Nova York, precisava de novos alicerces de sustentação. O lucro das peças musicais não vinha apenas da bilheteria e da venda de souvenirs, mas sobretudo, dos fonogramas que eram comercializados. Ou seja, o teatro e a indústria da música trilhavam caminhos próximos. Associe esta premente necessidade de expansão de negócios da Broadway ao contexto histórico dos Estados Unidos, com a quebra da Bolsa de Nova York e a Crise de 29: à população com baixa qualidade de vida e de lazer, restava o sonho e a fuga da realidade diante dos musicais. A tradição do musical nos Estados Unidos deve ser compreendida também a partir de uma própria matriz da cultura do entretenimento daquele país, com uma forte presença do vaudeville e do teatro musical, do cancioneiro norte-americano e dos corpos femininos das pin ups . O cinema musical 8 9 8 9 Chama-se vaudeville o conjunto de atrativos de entretenimento de variedades predominante nos Estados Unidos e Canadá do início dos anos de 1880 aos anos de 1930. Espetáculos vaudeville eram exibidos em salas de concerto, em circos ou na rua, traziam caraterísticas burlescas, ligadas ao entretenimento popular e visto, muitas vezes, como “chulo”. Apresentações de cantores populares, dançarinos, comediantes, animais treinados, mágicos, imitadores, entre outros, integravam o “cardápio” de atrações. (TOLL, 1982, p. 23) O termo pin up foi documentado pela primeira vez em 1941 e se referia a pôsteres sensuais de atrizes e modelos que eram recortados pelos homens e pendurados (em inglês “pin up”) de alguma forma. As imagens “pin up” podiam ser recortadas de revistas, jornais, cartões postais. Em seguida, o termo passou a classiicar as mulheres que posavam nestas imagens. (TOLL, 1982, p. 44) - 44 - era uma urgência não só para dar suporte aos espetáculos teatrais, mas também como forma de empregabilidade de compositores, cantores, artistas e músicos num difícil período histórico. Algumas experiências do cinema musical são sintomáticas na compreensão do exagero e da aura kitsch dos primeiros registros de som e imagem a partir de uma canção. Como lembra Richard Dyer (2002), o cinema musical evoca o entretenimento a partir da premissa da utopia, dos mundos impossíveis e exagerados. Ao promover esta primeira aproximação com o cinema musical, cabe visualizar de que maneira os dispositivos tecnológicos de captação e exibição foram decisivos na idelização dos espetáculos musicais nas salas de cinema. Uma frase do diretor de musicais Robert Ziegfeld Leonard parece sintetizar a ânsia em transpor para o cinema todo o universo de glamour das peças da Broadway: “Quando um vestido extremamente extravagante e belo aparece em cena, o teatro inteiro aplaude abertamente. É preciso que o mesmo ocorra no cinema”. (apud FARAH, 2004, p. 12) Ziegfeld, diretor de obras como “Great Ziegfeld” (1936), “Ziegfeld Girls” (1941) e “Ziegfeld Folies” (1946), atestava que, no cinema, seria possível enfatizar certas características das peças musicais a partir do corte, da edição e dos usos e manipulações do som em consonância com as imagens. Nas experiências do cinema musical, a passagem do preto-e-branco para o colorido foi decisiva na forma de compor o contrato audiovisual a partir de um ditame ligado ao sonho e a utopia. O mundo utópico dos musicais é mais utópico se visto a cores e com gamas mais precisas de som. 10 10 O kitsch é um termo de origem alemã usado para categorizar objetos de valor estético distorcidos e/ou exagerados, que são considerados inferiores à sua cópia existente. São freqüentemente associados à predileção do gosto mediano e pela pretensão de, fazendo uso de estereótipos e chavões que não são autênticos, tomar para si valores de uma tradição cultural privilegiada. (MOLES, 2001, p. 31) Neste sentido, cabe reforçarmos a diiculdade de se desenvolver tecnologias de captação de imagem e de som que dessem conta da complexidade dos espetáculos ilmados. Parece premente lembrarmos dos musicais capitaneados pela atriz e bailarina aquática Ester Williams, como em “A Filha de Netuno” (1949). Filmados em estúdios, mais precisamente em piscinas localizadas nestes ambientes, tinha-se a diiculdade de posicionamento das câmeras para que se pudesse captar imagens e planos “exuberantes”. O registro do áudio também parecia problemático nestes espetáculos, uma vez que os atores se encontravam dentro d’água. Diante desta premissa, as tecnologias de captação foram decisivas nas inúmeras possibilidades de fazer com que o musical fosse o mais utópico, kitsch e extravagante possível – exatamente como pressupunha se constituir uma dança das imagens a partir de uma melhor resolução do som. Foi a partir das tecnologias de captação desenvolvidas e usadas no cinema musical que pôde-se registrar números musicais que não estivessem inseridos, necessariamente, numa narrativa cinematográica. Arlindo Machado (2001) chama atenção para a coniguração dos ilmes de jazz da década de 20, em que se ilmavam os artistas se apresentando ao vivo. Tais imagens “alimentavam” a indústria das vitrolas de ichas visuais bem como servia de entretenimento antes dos ilmes terem início – uma espécie de “trailer”, divulgando a obra musical do próprio artista. A câmera cinematográica com captação de som direto possibilitou, como já vimos anteriormente, que, em 1956, o cantor Tony Bennett tenha gravado um ilme promocional em película em que passeia ao longo do Lago Serpentine, no Hyde Park, em Londres, cantando “Stranger in Paradise”, sucesso do musical “Kismet”, da Broadway. Dois elementos - 46 - cabem ser interpretados neste exemplo: o primeiro, que, não à toa, a música de Tony Bennett que fazia sucesso era parte integrante de um musical; o segundo, é que graças à praticidade da câmera cinematográica, foi possível registrar uma experiência musical, com dança e canto e, em pouco tempo, este material estar disponível para ser apresentado do “outro lado do mundo”, nos Estados Unidos. Esta possibilidade de imediatismo que a câmera cinematográica detinha fez com que Ana Maria Bahiana classiicasse o “ilme promocional” de “Stranger in Paradise” de um “cartão-postal musical”. Ao longo dos anos 60 e 70, uma série de experiências com produção de “ilmes promocionais” de canções tomou escopo, em função da gradual popularização dos dispositivos técnicos de captação. De início, os registros se coniguravam em extensões das apresentações ao vivo dos artistas. Em 1965, ao gravar o promo para a canção “Anyway, Anyhow, Anywhere”, do he Who, o diretor Michael Lindsay-Hogg simulou uma apresentação ao vivo: escolheu um palco “cinematograicamente adequado”, uma platéia de igurantes “escolhidos a dedo” - em geral, fãs da banda – e deu início à profusão de uma visualidade que se “irmanava” de uma apresentação ao vivo . Toda esta gama de preocupações parece ser herança de uma tradição do cinema musical. Crie utopias, “mundos perfeitos”. Tinha início, também, a constante preocupação visual do artista da música pop, evidenciando aspectos ligados à formatação de um star system nos gêneros musicais. Ao mesmo tempo em que dá início ao processo de marcação visual, com um cuidado na concepção do ilme, a produção de “ilmes 11 11 Estas apresentações eram visualmente bastante próximas aos videoclipes produzidos pelo programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão, no Brasil, ao longo dos anos 70 e 80. promocionais” musicais gerou experiências que tensionam a relação direta entre a performance do artista e audiovisual produzido, sobretudo se considerarmos as transformações dos artefatos de captação audiovisuais. Em 1965, o então documentarista D.A. Pennebraker ilma, com uma câmera 16 milímetros e película preto-e-branca, o cantor Bob Dylan, num beco, atrás do Hotel Savoy, em Londres. Numa rápida sucessão, cartões toscos contendo trechos da letra da música são editados na medida em que a canção sucede. (BAHIANA, 2005, p. 64) O “ilme promocional” era da canção “Subterranean Homesick Blues” e além de reforçar elos mais conceituais sobre um artista como Bob Dylan, dá demonstrativos de uma autonomia na produção deste audiovisual, evidenciando um caráter “alternativo” e “fora dos padrões” – que seria a principal estratégia de inúmeros videoclipes na contemporaneidade. Tal formatação, próxima a um documentário, só foi possível diante das apropriações feitas a partir das novas tecnologias de captação: a câmera portátil de 16 milímetros se apresentava menor, mais leve, com mais possibilidades de usos discursivos. A experiência de produção dos “ilmes promocionais” de “Strawberry Fields Forever” e de “Penny Lane”, dos he Beatles, em 1966, seguiu a mesma trilha antecipada por Bob Dylan – a de criar uma atmosfera para o “ilme musical” que se distanciasse da performance ao vivo, recorrendo a câmeras portáteis capazes de gerar uma “leveza” e uma “intimidade” no que é registrado. Tanto em “Strawberry Fields Forever” como em “Penny Lane”, vê-se os Beatles passeando por paisagens: algumas bastante características da Inglaterra e outras, sintomaticamente, psicodélicas. A construção imagética reforça elos com a difusão massiva dos Beatles através da indústria fonográica. Ao mesmo tempo em que - 48 - evidenciava uma imagem do grupo inglês e da eclosão da música pop na Inglaterra, apontava para soluções visuais que ampliavam o espectro de criação sobre as imagens previamente disposta dos Beatles. Tudo isso graças à aparelhagem tecnológica disponível na captação. 1.6 Sobre as tecnologias de exibição: telas e sistemas de som Viemos tratando até então da relevância de se pensar as tecnologias de captação como uma importante ferramenta de compreensão dos mecanismos de produção de objetos audiovisuais numa dinâmica midiática. Cabe reletirmos sobre as tecnologias de exibição como uma forma de considerarmos as maneiras com que os produtos chegam até os indivíduos. Pensar as tecnologias de exibição signiica não só dar conta dos mecanismos técnicos capazes de gerar a visualização de um produto, mas também das ingerências de ordem midiática que recaem sobre este processo. As tecnologias de exibição de audiovisuais propõem ser visualizadas, primeiramente, sob o espectro do cinema e das salas de exibição. O contrato audiovisual, neste contexto, se materializa a partir do momento em que é possível se ver e ouvir o objeto audiovisual em seus mecanismos plásticos e expressivos – como originalmente proposto. Discorremos anteriormente sobre as organizações das salas de exibição de cinema: primeiro, além da tela, com a presença do local para os músicos se apresentarem; em seguida, com os sistemas de som capazes de gerar sincronia com o ilme exibido, localizados, em sua maioria, por trás da tela, como se o som emanasse “de trás” do espetáculo em exibição e, mais recentemente, com os sistemas de distribuição das unidades sonoras nos espaços de exibição, ou seja, as caixas de som são “distribuídas” ao longo de toda sala e a ordenação do som funciona a partir do preenchimento dos espaços daquilo que “acontece” na obra em exibição. Este percurso compreende destacar três pontos a serem problematizados no questionamento acerca das tecnologias de exibição: a tela, os sistemas exibidores e os aparatos de som disponíveis. A tela de exibição dos produtos audiovisuais é um artefato capaz de sintetizar os primeiros impactos do que podemos chamar de um regime audiovisual. Se as primeiras experiências de exibição das obras no cinema contavam com telas que não exploravam, necessariamente, o “gigantismo” destes artefatos (tinham cerca de 3 X 2 metros ), a progressiva apropriação do cinema como um artefato do entretenimento de massa passou a ter a intenção de radicalizar a forma dos indivíduos fruírem esses produtos. Telas gigantescas proporcionavam uma forma de “estar” na obra quase como uma maneira de convocação dos espectadores para aquela nova forma de espetáculo. Mais uma vez, a nossa argumentação dirige-se para o cinema musical como forma de condução e melhor visualização dos embates entre música e imagem no audiovisual. Neste sentido, os musicais não só contribuíram para o desenvolvimento de tecnologias de captação, como descrevemos anteriormente. Nos ambientes de exibição, o cinema tinha que trazer à tona o glamour daquele tipo de espetáculo. A tela precisava ser gigante para que se pudesse ver os números cantados ou coreografados, os aparatos de som precisavam reproduzir de maneira iel dos trechos sonorizados. Enim, estamos evidenciando aspectos 12 12 Dados contidos em CHARNEY, Leo e SCHWARTZ, Vanessa. Cinema e a Invenção da Vida Moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2004. - 50 - capazes de gerar uma situação comunicacional que imprima a tentativa de se tornar o espetáculo do cinema mais iel possível ao que tinha sido captado. A popularização das salas de exibição foram instaurando uma forma de ver produções audiovisuais fora das residências, em ambientes fechados, pagos, como um ritual da cultura de massa. No entanto, a chegada da televisão gerou a acessibilidade indiscriminada aos produtos audiovisuais, bem como trouxe um outro tipo de convocação do espectador: a tela reduzida e a composição da imagem feita a partir de um tubo luminoso com pontos eletrônicos foram sintomas de uma maneira de se dispor diante de um produto audiovisual de maneira doméstica. Em casa, o espectador tinha acesso a um vasto conteúdo de opções, sempre trazendo à tona a premissa de que a tela da TV constitui imagens eletrônicas e que o som vem “imbutido” no aparelho – sendo, assim, bastante reduzida a possibilidade de alta deinição sonora. A televisão foi o principal artefato capaz de re-enquadrar os produtos audiovisuais: muitos objetos eram originalmente produzidos para cinema e “ganhavam” a oportunidade de estarem também nas programações das emissoras. Ou seja, estamos retomando a possibilidade de compreender que os meios de comunicação trazem sempre características do meio anterior. Com ênfase nas tecnologias de exibição, podemos indagar sobre as inúmeras possibilidades de produção em série de aparelhos de televisão e a geração de novas instâncias ligadas tanto à formatação de produtos quanto de conteúdos. A popularização dos aparelhos de televisão foi gerando não só uma familiarização dos indivíduos com os novos regimes audiovisuais, mas também acompanhando as dinâmicas de interação indivíduo e aparelho. É neste esteio que pensar as tecnologias de exibição compreende dar conta das constantes transformações dos aparelhos como dotadas de signiicado para a interpretação dos regimes audiovisuais. Da televisão para o computador e, mais recentemente, para os gadgets capazes de exibir imagem e som, temos um interessante percurso capaz de nos fazer interrogar as diversas instâncias da relação homem-tecnologia. Relações que fazem instaurar formas de ver-ouvir diferenciadas, particulares e, portanto, localizadas no âmbito pragmático. 1.7 O SCOPITONE como tecnologia de exibição A visualização de experiências que geram formas diferenciadas de contratos audiovisuais devem ser vistas, como alerta McLuhan, a partir da premissa da simultaneidade. Ou seja, a descoberta da eletricidade e a produção de artefatos tecnológicos foram capazes de fazer o homem compreender a história como acontecimentos que tomaram lugar ao mesmo tempo, em ambientes distintos, muitas vezes, em locais próximos. Por isso, ao tentarmos historicizar as premissas contituintes do videoclipe, destacamos artefatos tecnológicos como capazes de nos fazer enxergar as formas de usos e apropriações destes produtos. Para Saul Austerlitz (2007), um artefato tecnológico parece ser fundamental de ser convocado para dar conta da formatação do vídeo musical enquanto um produto: as vitrolas de icha visuais . As vitrolas de ichas visuais foram “batizadas” de formas diferentes em diversas partes do mundo. Embora não mapeadas inteiramente, as experiências com estes artefatos tiveram dois contextos 13 13 Tradução nossa para o termo visual jukebox. - 52 - bastante expressivos: os Estados Unidos e a França. Nos Estados Unidos, as vitrolas de ichas visuais tiveram três “nomes”: he Soundie, entre os anos de 1941 e 1946; Snader Telescription, entre os anos de 1950 e 1954 e Startime Video Muzzikboxx, nos anos 80. he Soundie era um aparelho que existia em bares, restaurantes e clubes noturnos ao longo de todo Estados Unidos. Quem tinha permissão de exploração comercial deste artefato era o estúdio Paramount – cujo interesse era divulgar artistas de seu cast bem como cantores de jazz e futuras estrelas dos musicais. Do ponto de vista da tecnologia de exibição, tinha-se uma tela pequena, acoplada a um objeto de madeira, simulando um rádio gigante com imagens. O número musical exibido trazia uma canção “coberta” por imagens aleatórias (que poderia ser pés batendo, mãos ou corpos dançando). Perto de sua extinção, no ano de 1945, passou a exibir pequenos números musicais com mulheres com poucas roupas. O im dos aparelhos he Soundies se deve, principalmente, à diferença de orientação de público: sabe-se que, em bares e restaurantes, por exemplo, a atenção para a música seria mínima e o público destes locais não seria, necessariamente, aquele que interessaria aos estúdios. Nos anos 50, uma nova experiência com uma diferente tecnologia de exibição dos vídeos musicais tomou corpo nos Estados Unidos. George Snader, com apoio da empresa Telescriptions (responsável pela produção de aparelhos de televisão), fez uma série de radiolas de ichas visuais com o intuito de servir de teste e ao mesmo tempo de divulgação do “poder de encantamento” da televisão. Produziu-se, portanto, os Snader Telescriptions, que traziam apenas a exibição de números musicais ao vivo e gravados com som direto – ou seja, diferentemente dos números musicais do he Soundie, que era pré-gravado. Por ser um artefato promocional do próprio aparelho de televisão da empresa Telescriptions, tinha-se o interesse de divulgar ao máximo a “nova invenção”. Por isso, nos Snader Telescriptions, todos os tipos de artistas e todos os gêneros musicais eram bem vindos e podiam ser exibidos: de negros, como Nat King Cole, a latinos, passando por mulheres. Na França, uma experiência com as vitrolas de ichas visuais foi signiicativa na formatação de uma forma de fruir números musicais. Trata-se dos Scopitones. Invenção da divisão francesa da Phillips, os aparelhos Scopitones podem ser compreendidos como um orientador da relação entre a música e a cultura jovem. Nestes aparelhos não cabia mais gêneros musicais como o jazz ou artistas negros, latinos e ains. Os números musicais traziam belas mulheres em coreograias sensuais e uma delas virou uma espécie de símbolo destes números musicais. Trata-se de Joi Lansing cantando a música “he Web of Love” – apesar de estarmos na França, muitos desses artistas, por uma alternativa a serem “pop”, eram orientados a cantarem em inglês. Várias experiências semelhantes aos Scopitones aconteceram, simultaneamente, em outras partes do mundo: na Inglaterra (Cinebox), no Canadá e Estados Unidos (Colorsonic), entre outros. O que estas experiências parecem sintetizar é que tecnologias de exibição como as vitrolas de ichas visuais antecipavam a premissa de que o lugar de se assistir aos números musicais não era as telas enormes dos cinemas e que seria preciso se adequar às imposições da baixa qualidade do som na observação dos produtos audiovisuais. As vitrolas de ichas musicais parecem dar relevo ao fato de que o lugar de destaque do videoclipe é a televisão. E que, durante anos, este artefato seria o principal objeto do que se convencionou chamar de televisão - 54 - musical. De forma mais contemporânea, o videoclipe passou também a ser assistido em computadores, aparelhos de reprodução de MP3 e até em telas minúsculas, como as existentes em telefones celulares, reforçando ainda mais a premissa da simultaneidade de experiências de fruição dos produtos midiáticos. - 56 - CAPÍTuLO 2 - 58 - O VIDEOCLIPE NA LóGICA DO mErCADO muSICAL Um produto dos meios de comunicação é investigado quando se torna possível identiicá-lo a partir de uma história, uma linguagem, ser nomeado, classiicado, apreendido. Em outras palavras: produtos que circulam nos meios de comunicação constituem itinerários próprios ao longo de sua história, sendo resultante de variáveis contextuais que interferem fundamentalmente na sua linguagem. Ao longo do capítulo anterior, visualizamos a gênese da cultura do videoclipe a partir da investigação de tecnologias que propiciaram a aparição dessas áudioimagens ao longo de uma trajetória na cultura da mídia. No entanto, dando prosseguimento à investigação deste trabalho, cabe reletirmos sobre o que ou quem determina a relevância de um produto midiático. O que está em jogo quando, mesmo nesta pesquisa, lembramos de alguns exemplares de videoclipes que, de alguma forma, se fazem presentes na nossa memória. A tentativa aqui não é de valorização de produtos a partir da existência, por exemplo, de um exemplar programa poético em alguns videoclipes ou pela suposta proposta “inovadora” que muitos destes audiovisuais têm. Clipes são impelidos a serem inovadores, uma vez que se trata de um conjunto de imagens que se projeta quase que de maneira publicitária para o indivíduo. Cabe questionarmos, portanto, em meio a um conjunto de produtos que são, naturalmente, impelidos a serem “inovadores”, a existência de alguns objetos que acabam consensualmente sendo apontados como exemplares na história de um audiovisual. É neste sentido que trazemos à tona questões que integram preocupações sobre que instâncias discursivas conseguem gerar distinção para produtos midiáticos. Estamos reconhecendo, com este argumento, que ao pensarmos as formas de distinção de um videoclipe na cultura midiática estamos tratando de uma espécie de “análise das mudanças sociais”, dentre elas o gosto, que deve, portanto, levar em conta as mais diversas trajetórias assim como as condições possíveis em que elas ocorrem. Como atesta o sociólogo francês Pierre Bourdieu, “os julgamentos de gostos e de preferências não são o relexo da estrutura social, mas um meio de airmar ou de conformar uma vinculação social. É assim que a arte e o consumo artístico estão predispostos a desempenhar, independentemente da nossa vontade e de nosso saber, uma função social de legitimação das diferenças sociais” (apud SHUKER, 1999, p. 15) Quando o autor trata que julgamentos e preferências são frutos, também, de uma legitimação da diferença, traçamos um quadro que nos direciona para pensarmos em que contexto social se constróem os contornos de distinção de um produto midiático como o videoclipe. Neste caso, parece premente chamarmos atenção para o contexto do mercado de música e, mais detidamente, para a indústria da música. Lançamos a questão de que foi ao longo da história da indústria fonográica e para legitimar e gerar distinção para alguns de seus artistas emblemáticos que a indústria da música lançou mão do videoclipe. Por indústria musical entende-se o conjunto das empresas especializadas em gravação e distribuição de mídia sonora, seja em formato de CD, itas cassete, LP e vinil, ou em formatos de som digital como o MP3. Embora não exclusivamente, a maioria dos sons gravados e comercializados por estas empresas é de músicas. (SHUKER, - 60 - 1999, p. 43) O videoclipe passou a ser uma importante ferramenta de marketing para posicionamento de artistas no mercado musical. Com a gradual migração dos suportes físicos de música (CD, DVD) para os arquivos digitais e o urgente processo de desintermediação entre produção e circulação de produtos midiáticos, a ingerência da indústria fonográica foi gradualmente se esvaindo. Se outrora, videoclipes como “hriller”, de Michael Jackson, gastaram fortunas na sua produção, a partir do gradual processo de desintermediação da indústria fonográica, passamos a observar a “eclosão” de vídeos toscos, baratos e com gastos bem mais modestos de produção ganharem notoriedade. As cruciais diferenças entre vídeos produzidos dentro de esquemas cerrados das gravadoras e aqueles que se constróem fora da indústria fonográica, só legitimam a importância de pensarmos como estes produtos ganham notoriedade, a partir de que itinerários e diante de que perspectivas. Se outrora, o que estava em jogo no princípio de legitimação do videoclipe era a ingerência da gravadora - da instituição da indústria fonográica – e lembremos do caso emblemático de “Bohemian Rhapsody”, com o grupo Queen , atualmente, é possível pensarmos que estamos diante de um quadro contextual em que as instâncias da cibercultura, a internet, as disposições de audiovisuais “virais” e o marketing digital apontam não somente para novas formas 14 14 “Bohemina Rhapsody” marca a entrada da EMI na produção de “ilmes promocionais” para divulgar seus artistas. Como relata Bruce Gowers, ele, que produzia números musicais para a TV inglesa, foi chamado por Freddie Mercury, vocalista do grupo Queen, para o que seria “o mais arrojado lançamento musical de toda a Inglaterra”. Ao invés de se apresentar ao vivo no “Top of The Pops” – os produtores do atrativo televisivo estavam interessados em criar suas estratégias de lançamento de artistas que fossem primeiro em seu palco que no concorrente, “The Kenny Everett Video Show” – o Queen enviou, através de sua gravadora EMI, um vídeo para ser exibido no programa. Esta estratégia de lançamento de “Bohemian Rhapsody” o legitimou como “o primeiro videoclipe da história” (DURÁ-GRIMALT, 1988, p. 16) e trouxe à tona a igura da instância da indústria fonográica como capaz de gerar distinção entre produtos midiáticos. de legitimação, mas também, para questões que vão além dos ditames de controle da indústria fonográica. A relexão aqui proposta, no entanto, demanda um olhar não só para as instâncias legitimadoras, mas também para a relação que se estabeleceu, ao longo da história do videoclipe, entre este objeto e as instâncias de circulação deste audiovisual. Neste caso, é inegável revermos todos os esforços que emissoras como a Music Television (MTV) desprenderam para transformar a televisão num meio “musical”. 2.1 MTV e indústria fonográfica: trajetos A MTV, que durante os anos 80 e 90, serviu como alicerce de estripulias visuais e de uma “lógica jovem” de fazer programação, chegou ao inal da primeira década dos anos 2000 exatamente do mesmo jeito que começou: se reinterpretando. É fato que a MTV nasceu de braços dados com o mercado: fruto da expansão da TV a cabo nos Estados Unidos, da associação direta de corporações do mercado inanceiro (American Express) e do mundo do entretenimento (Warner e suas variações), a emissora serviu, sobretudo, como terreno para o lançamento de produtos das indústrias fonográica e cinematográica. Estando atrelada ao mercado, no entanto, a MTV usou como principal estratégia discursiva a iliação a matrizes estéticas de uma suposta vanguarda do vídeo. Por estratégia discursiva, compreende-se “um projeto concreto que obedece a determinados critérios de seleção e relevância, dizendo respeito - 62 - a decisões tomadas no processo de produção, responsáveis também pela escolha de mecanismos de expressão adequados à manifestação dos conteúdos desejados” (DUARTE, 2004, p. 42) Neste sentido, vinhetas, MTV Art Breaks, videoclipes reforçavam uma proximidade visual da emissora com experiências da videoarte, ao mesmo tempo em que, deste conjunto, emerge uma ambigüidade: mercado e vanguarda, cifras e niilismo, controle e subversão. A estratégia discursiva da MTV é constantemente classiicada a partir de ditames de uma suposta “vanguarda pós-moderna”, como já apontada por autores como E.Ann Kaplan (1987) e Andrew Goodwin (1992): um discurso que patina entre a certeza e a dúvida, criando matrizes discursivas que, aparentemente, não têm uma clara proposta, são incompletas, cheias de lacunas. Em síntese: mesmo gritantemente iliada ao mercado, a MTV, em seu discurso, adota uma certa postura blasé, supostamente despreocupada e ligada a matrizes estéticas da videoarte. Observar este conjunto de elementos discursivos nos encaminha a um impasse. Os anos 00 trouxeram a emergência da cibercultura (LEMOS, 2002), da “vida líquida” (BAUMAN, 2001) imersa na internet e das inúmeras possibilidades de consumo “desintermediado” (SÁ, 2006). Compartilhando músicas em programas como Emule ou Soulseek, assistindo a vídeos no YouTube, descobrindo novos sons no MySpace ou fazendo arquivos pessoais musicais no Last.FM, a televisão também se questionou. Se integrantes da indústria fonográica ainda se interrogam sobre os novos formatos de consumo da música, na televisão musical (e a MTV dá relevo a este segmento), a reviravolta é ainda mais repentina. Não é só a indústria da música que se transforma, mas também a indústria das mídias - como propõe enxergar Douglas Kellner (2002). Neste sentido, cabe problematizarmos como a MTV passa a se organizar discursivamente diante das novas gramáticas de produção e de reconhecimento instauradas por uma lógica de fruição de objetos audiovisuais que passa pelo aparelho de TV, mas, sobretudo, pelo computador. Lembremos que a Music Television é uma emissora jovem. E que, no Brasil, na Europa e nos EUA, os adolescentes de até 17 anos já trocaram a televisão pelas muitas mídias que surgiram depois que eles nasceram. São os chamados digital natives, meninas e meninos que nasceram na época digital. Para eles, mobilidade e conectividade não são conquistas tecnológicas recentes: são parte natural do mundo, como os automóveis ou a Coca-Cola. Também para estes jovens, o peer, construção do conteúdo pelo usuário, tem uma ética mais forte do que os meios que emanam da radiodifusão. Na encruzilhada desses impasses está a MTV: buscando novas formas de fazer televisão na era do peer, da “música líquida”, dos digital natives. A MTV começa a sinalizar para novos regimes audiovisuais aproximando as lógicas de reconhecimento da televisão das dinâmicas da observação de produtos audiovisuais na internet e nos gadgets. Desvelamos uma ressemantização do conceito de áudio-imagem: a princípio, a presença da televisão musical atrelada ao aparelho de TV gerou uma forma estável e cotidiana de fruir os produtos destas emissoras (MTV, VH1 e ains). A valorização da imagem, a partir do tamanho das telas e da resolução destas imagens, gerou, junto a uma disposição angariada no próprio desenvolvimento dos aparelhos de TV, uma forma de se assistir a - 64 - produtos das televisões musicais quase como uma extensão das dinâmicas do rádio. Ainal, muitos insistiam em dar coro à máxima: a televisão era o rádio com imagens. Atestamos que o estatuto da áudio-imagem mudou em função de se perceber a convivência cada vez mais ostensiva com telas minúsculas, caixas de som com baixo potencial, câmeras portáteis com baixa resolução. A atividade cotidiana de assistir a vídeos fragmentados e com imagens em baixíssima resolução no site YouTube soa como um dos pontos de partida da investigação deste novo estatuto da áudio-imagem. Neste sentido, não se altera somente o estatuto da áudio-imagem, a ressonância conceitual - que é a atividade de simbiose entre som e imagem, os embates e completudes – passa a ser mais frouxa, cheia de lapsos e de lacunas. Nada disso impede que se assista a produtos audiovisuais fragmentos, com som e imagem de baixa qualidade, sem que haja maior rigor na ressonância conceitual da áudio-imagem. Diante da visualização deste estatuto diferenciado, alteram-se as formas de estabelecimento dos contratos audiovisuais. Se outrora, a disposição do espectador diante da televisão e o sistema de exibição broadcasting eram condições centrais para o reconhecimento dos produtos audiovisuais; atualmente, passa-se a considerar as disposições, as formas de armazenamento e exibição na internet como extensivas da lógica televisiva. Esta série de experiências foi sendo angariada pelas emissoras que compõem a dinâmica da televisão musical. 2.2 Videoclipe e televisão musical Tranformar a televisão num meio musical signiicou, a partir de sua natural disposição audiovisual, potencializar a sua característica de “áudio”, fazendo com que o “visual” fosse atrelado a uma dinâmica dos artistas da música. Compreende-se por televisão musical, a institucionalização dos processos de produção e circulação de produtos musicais através de emissoras de televisão segmentadas, ampliando o espectro de alcance destes produtos que passavam a não só ocupar um único meio, o rádio (áudio), mas se apresentavam de maneira massiva também numa coniguração televisiva (visual). Relevante destacar que, antes propriamente do conceito de televisão musical ser disseminado, o cinema já instaurava como alicerce “visual” dos produtos musicais , sobretudo através de ilmes musicais protagonizados por astros da música (he Beatles, Elvis Presley, etc). No entanto, o fator que nos remete ao processo análogo dos meios (rádio e TV) diz respeito à noção de luxo: tanto o rádio quanto a televisão organizam suas programações a partir de uma dinâmica ininterrupta de programas, intervalos e atrativos, apresentando gâneros e formatos, além de estruturas de produção, 15 15 É preciso considerar a relevância da imagem no campo da indústria da música. Das capas dos discos, para os encartes, os artistas da música passam a criar pequenos ilmes que sintetizavam suas canções. Na década de 60, os Beatles izeram “curtas musicais” para as canções “Penny Lane” e “Strawberry Fields Forever”. Tais ilmes tinham circulação restrita, funcionavam apenas como material experimental do grupo. A indústria fonográica se apropria do dispositivo da imagem com a criação de ilmes estrelados por popstars, como Elvis Presley (“Jailhouse Rock” de 1957) e The Beatles (“A Hard Days Night”, de 1964). A relevância da imagem no campo da música é proporcional ao fortalecimento do star system no terreno da música popular massiva. Programas de televisão como o “The Kenny Everett Video Show” e o “Top of The Pops”, que reproduziam a estrutura das paradas radiofônicas no ambiente televisivo, inseriam na programação das TVs abertas, atrativos musicais em apresentações ao vivo, voltadas, de maneira geral, para o público jovem – nova matriz de endereçamento dos produtos da indústria da música. - 66 - praticamente análogas. A televisão musical se presentiica em canais como MTV, VH1 e congêneres. Muito se discutia, no início da formatação da MTV nos Estados Unidos, no ano de 1981, se a televisão musical seria apenas um “rádio com imagens” (McGRATH, 1996, p. 13). A história das rádios comerciais norte-americanas no inal dos anos 70 ajuda a perceber sintomas de aproximação entre os sistemas radiofônicos e televisivos, compreendendo que tais aproximações estariam circunscritas na perspectiva aglutinadora da cultura da mídia (KELLNER, 1995). O ano de 1977 foi particularmente decisivo para tal aproximação: nos EUA, as rádios viviam um período de recessão com suas programações maciçamente voltadas para o público adulto enquanto a indústria fonográica passava por um período de crise em função das baixas vendagens de seus álbuns. Artistas da soul music e da música country não funcionavam mais como alavancas de vendagens de LPs. Tratando a questão a partir de uma perspectiva econômica, as gravadoras não detinham retorno inanceiro com seus artistas; verbas, apoios ou suportes materiais não seriam também repassados para os meios de comunicação de massa. A crise das rádios norte-americanas no inal dos anos 70 reverberava na indústria fonográica. Visualizando esta cartograia, é possível perceber a profunda dependência que, dentro da indústria fonográica, os meios de comunicação de massa possuem das instâncias produtivas da música popular massiva. Neste período, as emissoras de rádio funcionavam como um ambiente capaz de gerar circulação para os produtos da indústria da música, apresentando-se como a principal peça da engrenagem de divulgação massiva da música. Um quadro de novas conigurações da circulação de produtos da música, neste momento histórico, se apresenta: 1. necessidade de um novo ambiente de divulgação dos produtos da indústria fonográica, uma vez que vivia-se uma visível saturação do espaço radiofônico como meio de circulação; 2. entrada de novos sistemas imagéticos de legitimação do artista no terreno musical, sobretudo o cinema musical e os ilmes que se apresentavam como fortes aparatos para a construção do conceito de celebridade na dinâmica do star system musical; 3. crescimento e progressiva popularização da televisão como eletrodoméstico nas residências, fazendo com que a programação das emissoras de TV tivessem que se apresentar para “toda a família”, criando orientações a partir dos públicos que estivessem “em casa” em horários pré-determinados; 4. a progressiva ocupação de espaços publicitários na televisão por produtos segmentados para mulheres, jovens, crianças e que, de início, não se apresentavam como público-alvo potencial da TV comercial. A visualização destas variáveis ajuda na identiicação das necessidades de implementação de uma televisão musical, que tivesse circunscrita no princípio da segmentação e fosse alicerce da formatação imagética do star system no terreno da música popular massiva. A MTV, emissora síntese da chamada televisão musical, nasce dentro de um contexto de segmentação dos conteúdos da televisão aberta e busca por espaços na televisão por assinatura. A história da TV por assinatura pressupõe enxergar duas fases distintas na sua expansão: a primeira, com vistas a fazer chegar sinais de TV nas mais longínquas - 68 - localidades e a segunda, de endereçamento segmentado dos conteúdos dispostos. A criação da MTV articula-se a esta segunda etapa de expansão e pode ser percebida a partir do princípio da junção de instituições da mídia . A televisão musical incorpora procedimentos de geração de seus produtos que integram espaços do rádio, da televisão segmentada e das indústrias fonográica e cinematográica. As características da televisão musical estariam marcadamente articuladas a uma dinâmica de circulação radiofônica através: 1. do uso das listas e paradas dos “mais pedidos” artistas ou videoclipes que ocupariam os “horários nobres” de seus principais programas; 2. da conjunção do chamado single (ou “música de trabalho”) entre rádio e televisão, ou seja, uma canção era divulgada a partir de um único fragmento integrante do álbum fonográico e imposto pela instância da indústria fonográica; 3. do fortalecimento do star system da indústria fonográica e a importância de formatação de conteúdos concomitantes ao lançamento dos álbuns (reportagens, cobertura de eventos, festas de premiação); 4. da aparição de uma escala transnacional de exibição do videoclipe, criando demandas de até então inexistentes no campo da música popular massiva, o que pode ser compreendido a partir de uma lógica da cultura pop mundial (STRAW, 1993). 16 16 A emissora nasceu da união de um canal infantil Pinwheel, que mais tarde virou o Nickelodeon, em parecria com a Warner-Amex Cable (a empresa de TV a cabo da Warner) e subsidiada pela inanciadora de cartões de crédito American Express. Em 1985, com a gigantesca adesão de clientes aos serviços da MTV, a emissora passou a ser administrada pela Viacom.Inc que, mais tarde, se transformaria na MTV Networks. 2.3 Televisão musical e plataformas ONLINE A televisão musical herdou uma série de características tipicamente radiofônicas na sua coniguração e formatou um modelo de sucesso adotado de maneira massiva por inúmeras emissoras. A própria MTV Networks, administradora da marca MTV, na década de 90, adotou uma política de abertura de “iliais” da MTV fora dos Estados Unidos. (McGRATH, 1996) De acordo com este princípio, novas “MTVs” foram abertas, reforçando um modelo de televisão musical estabelecido pela emissora e consagrando uma linguagem intriscecamente ligada ao videoclipe e aos ditames da cultura pop. Como atesta Valeria Brandini (2006), “desde a sua criação, em 1981, a MTV Networks apresentou sua imagem pública aos fãs consumidores do rock, segundo o seu ‘discurso único MTV’ – uma só linguagem, irreverente e inovadora caracteriza as transmissões em todo mundo” (BRANDINI, 2006: p. 6) Portanto, a abertura da MTV Europa (Inglaterra), MTV Latina (México) e MTV Brasil, entre outras, serviu como alicerce de uma modelização de televisão musical que passou a, também, habitar outros canais, trazendo para a MTV o princípio de “emissora fundante” de um modelo adotado mundo afora. É lógico que o modelo de televisão musical incorporado pela MTV, de um “discurso único”, começou a ser problematizado nos anos 90. Viuse, no terreno musical, uma série de contornos que tiraram do rock a sua aura de gênero musical transnacional e fundante de um discurso unitário – como pressupunha a própria MTV Networks inicialmente. A aparição de um profícuo cenário de música eletrônica, destacando artistas, DJs e - 70 - produtores que vinham de países fora do eixo Estados Unidos-Europa, a abertura do mercado da música popular massiva aos elementos étnicos, a ascensão da world music, o fortalecimento do rap e dos artistas que evocavam tradições locais, passaram a tensionar o modelo de televisão musical “de discurso único” proposto pela MTV. É neste esteio que visualiza-se aberturas nas “iliais” da emissora à criação de produtos que não, necessariamente, circulariam em todas as MTVs. A MTV Brasil, por exemplo, passou a ser “incubadora” de uma série de programas de televisão, fora daqueles instaurados pela modelização da televisão musical (as paradas dos mais pedidos, as listas associativas entre clipes e atrativos da cultura pop, o telejornalismo musical, etc). Desenvolve-se, na emissora brasileira, programas a partir de gêneros consagrados na televisão aberta comercial: programas de auditório, de debate, de entrevistas, de “tiradúvidas”, talk shows, que foram reposicionando a MTV Brasil no mercado televisivo brasileiro. Nota-se uma abertura da MTV a um modelo de programação que mesclava atrativos tipicamente oriundos de uma coniguração radiofônica, com aqueles de marcados apelos televisivos, gerando, assim, produtos caracterizados pelo hibridismo e por uma televisão que, constantemente, também mudava. A chegada da internet e a formatação de uma sociabilidade jovem que passa pela cibercultura cria novas tensões na formatação dos produtos musicais. As práticas de produção crescentemente autônomas e independente das grandes gravadoras, o fenômeno de “napsterização da música” e apropriação a partir do desenvolvimento do formato MP3, além do universo da circulação dos produtos musicais constituído por sites, listas, revistas, blogs e podcasts dedicados à música (SÁ, 2006) são tensionadores da formatação da televisão musical. Este cenário sinaliza a idéia de que a televisão musical teria que seguir rumo ao natural processo de digitalização de seus atrativos assim como os produtos musicais já se apresentavam. O processo de remediação da televisão musical nas plataformas online de compartilhamento de vídeos pode ser observado na própria programação da MTV. Programas com a participação do internauta, votando nos seus atrativos ou videoclipes preferidos (“Video Clash”), atrativos em que os espectadores deixavam “recados” no site e os textos se presentiicavam na tela da TV (“My Own”) ou mesmo vinhetas com vídeos pessoais postados pelos espectadores (“VidaLog”) são indicativos das inúmeras formas de presentiicação de uma forma de se relacionar com os atrativos da internet e que atravessavam os programas da televisão musical. Neste caso, é possível avançar e compreender que até a própria coniguração da tela da televisão assume características de interface computacional, com “janelas”, “caixas de texto e imagem” e ains. Compreende-se, então, que a MTV adota procedimentos extensivos dos ambientes de compartilhamento de conteúdos musicais na sua programação. O site da MTV é, por sua vez, pautado pelos atrativos da própria emissora. Navega-se pelos programas de TV da MTV (“Ponto Pê”, “Disk MTV”, “Ya Dog!”, “Chapa Coco”) no próprio site e o 17 17 O conceito de remediação, como proposto por Bolter e Grusin (1999), traduz-se como a propriedade de incorporação de características de um media em outro. A remediação não é inaugurada através dos objetos da cibercultura, mas, nota-se que a problemática ganha relevo na análise de produtos e processos que atravessam as dinâmicas digitais. O princípio da remediação visa traçar considerações sobre de que forma os novos media remetem a elementos dispostos em media anteriores. O conceito auxilia na compreensão das lógicas de circulação, que, aparentemente “inaugurais”, na verdade, são demonstrativas de processos já anteriormente instaurados. A dinâmica da remediação no campo dos produtos musicais já foi discutida por Simone Sá (2005; 2006). - 72 - apresentador, durante o atrativo, faz inúmeras convocações para que se visite o site do programa – e conseqüentemente, o da MTV. Compreende-se que não só a televisão musical, mas a própria televisão passaria pelo processo de remediação com a disseminação da internet. Gustavo Fischer (2006) enumera uma série de características para se pensar a disponibilização dos produtos audiovisuais na web. A principal diz respeito à diferenciação da noção de “uso” e “apropriação” destes produtos. Para o autor, “o âmbito do ‘uso’ é entendido como focado na colocação de produções por parte dos ‘proprietários’ corporativos ”, enquanto a noção de “apropriação” remete a “um agir individual ou coletivamente por sujeitos ou grupos sem vínculo autoral de origem, por assim dizer, com a produção” disponibilizando este material em fóruns, websites temáticos e páginas pessoais. Destaca-se, na argumentação do autor, um princípio norteador da disseminação dos conteúdos online: a desintermediação. Quando se remete à noção de “uso”, Fischer sinaliza para a disponibilização do conteúdo através da intermediação da instância produtiva; na sua idéia de “apropriação”, o autor deixa transparecer a noção de desintermediação. Podemos, então, partir para a compreensão da disponibilidade de conteúdos da televisão musical, a partir deste aportes. Seriam conteúdos da televisão musical, programas, trechos de programas, videoclipes, fragmentos de números musicais, apresentações ao vivo, entregas de premiação musical, entre outros. A partir de quem disponibiliza este tipo de conteúdo, teríamos dois eixos sobre o qual poderíamos categorizar as práticas da remediação da televisão musical nas 18 18 O autor usa como exemplo, o Globo Media Center, pertencente à Rede Globo e que dispnibiliza trechos ou programas da própria Rede Globo, através de sua plataforma online. (FISCHER, 2006, p. 2) plataformas online de compartilhamento de conteúdo. No primeiro eixo, estariam as plataformas que fazem “uso” do conteúdo da televisão musical. Ou seja, os próprios sites das emissoras de TV que disponibilizariam seus conteúdos, além da criação de novas plataformas, em banda larga, que ampliariam a oferta de produtos disponíveis. São exemplos deste primeiro eixo de atrativos, os sites MTV, VH1, Multishow, MTV Overdrive, entre outros. No segundo eixo, aparecem as plataformas que se “apropriam” de conteúdos da televisão musical e disponibilizam através de sujeitos ou grupos desintermediados das instâncias produtivas, formatando uma noção colaborativa, como se apresenta em sites como o YouTube, Overmundo, MySpace, entre outros. A compreensão da idéia de “uso” ou de “apropriação” dos conteúdos da televisão musical pelas plataformas online de compartilhamento de vídeos pode sinalizar aspectos ligados à noção de intermediação das instâncias ligadas à indústria fonográica no processo de circulação dos produtos musicais. Ao mesmo tempo, o efeito de “intermediar” ou “desintermediar” pode ser uma eiciente estratégia discursiva das instâncias produtivas com o intuito de gerar a noção de uma atitude colaborativa do espectador em relação ao meio. Viemos acompanhando a trajetória do videoclipe enquanto produto da cultura midiática, desde a sua gênese até a instauração de uma espécie de contexto de circulação que formatou uma emissora especíica para a fruição de videoclipe, a Music Television (MTV). Diante de um quadro em que o mercado de música se reconigura, principalmente, na circulação de produtos musicais através das plataformas de compartilhamento de arquivos digitais, reconhecemos um gradual processo de desintermediação que acarretou na gradual diminuição de importância do videoclipe nas - 74 - estratégias de lançamento de instâncias da indústria fonográica. No entanto, contraditoriamente, nunca se viu tanto videoclipe. Ao invés de estarem dispostos em televisões segmentadas, os clipes, agora, circulam em ambientes virtuais, como o YouTube, reconigurando a sua dinâmica e seus programas poéticos. 2.4 Videoclipe como áudio-imagem Ao nos depararmos com um trabalho de pesquisa e análise de videoclipes que tenha a preocupação de partir da canção para estabelecer os parâmetros de investigação conceitual, algumas questões são prementes de serem discutidas. Partir do material sonoro para debater o clipe, não signiica ignorar os meandros conceituais da imagem que se “associa” ao som. É, antes, a “inversão” de um ponto de partida para os questionamentos analíticos: ao invés de começarmos interrogando o videoclipe a partir de suas imagens (planos, edições, efeitos de pósprodução), damos início ao trajeto analítico interrogando os sons do clipe (arranjo da canção, voz do artista, instrumental, efeitos de produção sonora) e tentamos problematizar de que forma se coniguram as relações entre som e imagem. Nossa intenção não é a de ignorar a relevância da imagem na análise do clipe, nem atestar que todo videoclipe terá sua imagética gerada em função dos sons que emanam dele. Problematizar a questão do som na análise do clipe é reconhecer que o lugar de onde emanam os conceitos acerca da concepção deste audiovisual são os sistemas produtivos da música, mais amplamente o mercado musical. Seguindo esta lógica, cabe a relexão de que, no momento em que o artista protagonista do videoclipe “senta-se” para discutir com diretores de marketing e diretores artísticos de gravadoras, bem como com supostos diretores amadores de videoclipes, é para a canção que eles (artistas e diretores) se voltam, é a canção que angaria as atenções e os desdobramentos de consumo: o videoclipe é uma fundamental estratégia de promoção desta canção e de um álbum fonográico (STRAW, 1993; SHUKER, 1999). Para operacionalizar a análise do videoclipe sob estes parâmetros, delimitamos considerar que o videoclipe é uma áudio-imagem. Levar em consideração a lógica do que chamamos de áudio-imagem, é pensar que, no terreno do videoclipe, os espectadores ouvem/vêem este produto numa ação simultânea, sendo o ato de assistir a um clipe uma experiência que não prevê um “assistir primeiro” e “ouvir em seguida”, não havendo nem a possibilidade de um desnível perceptivo do momento de ver e, depois, de “ouvir” uma determinada imagem audiovisual (CHION, 1994). Neste aspecto, partir do som e da coniguração da canção popular massiva signiica estabelecer que o videoclipe, nas suas condições de produção, é constituído pelo sentido relacional entre os sistemas produtivos da indústria fonográica e as conigurações plásticas entre canções e imagens associadas. Esta perspectiva nos permite inferir que o videoclipe seria uma “escrita imagética” sobre a canção, conforme um conjunto de regras que permite a sua codiicação e constituição. Portanto, a reivindicação de Andrew Goodwin de que videoclipes vêm sendo tratados, academicamente, como “estruturas mudas” (GOODWIN, 1992), apesar de todo o seu radicalismo, precisa ser ponto convergência de uma relexão - 76 - mais sistemática . Tal debate, na nossa perspectiva, não prevê “acessos fáceis” no trâmite entre canção e clipe. Sabemos que videoclipes nem sempre terão suas imagens “coladas” ou “em sincronia” com o som da canção que o origina; nem sempre trarão a síntese imagética da letra da canção em suas conigurações audiovisuais; que os tecidos sonoros dos videoclipes podem seguir trilhas distanciáveis dos tecidos imagéticos; no entanto, é preciso perceber – e levar em consideração no debate da análise do videoclipe – o fato de que todas as exceções citadas precisam ser pensadas enquanto aspectos relacionais entre imagem e som. Quando nos referimos ao ponto de partida do videoclipe ser a canção popular, em sua acepção sonora e visual, tomamos como referência as lógicas produtivas do mercado musical - que leva em consideração os aspectos sonoros dos seus produtos mas, sobretudo, empreende a embalagem e o endereçamento desses produtos a partir de conceitos, rótulos e estratégias de geração de consumo presentes no universo da música. Referências imagéticas podem ajudar a esclarecer melhor os nossos conceitos. Há um determinado tipo de videoclipe que não tem sua imagem “colada” ou “em sincronia” com a sonoridade da canção. Esta perspectiva, em muitos casos, diz respeito a uma dinâmica própria de alguns gêneros musicais. Entendemos que o clipe é um produto que tem suas estratégias de produção de sentido angariado na ótica dos gêneros musicais . Dessa forma, do mesmo modo que há gêneros musicais 19 20 19 20 Em seu livro Dancing in The Distracting Factory (1992), Andrew Goodwin se ilia à corrente musicológica para tentar dar conta do que o autor considera uma “musicologia da imagem” presente no videoclipe. Apesar de concordamos com a perspectiva do ponto de partida da análise do clipe empreendida por Goodwin ser o musical, divergimos da abordagem musicológica para análise do videoclipe, uma vez que entendemos que há valores, jogos-de-forças e imagens associadas que são do terreno das mediações comunicacionais, não estando, com isso, presentes no texto musical como a musicologia prevê. Sobre a relação entre videoclipe e gêneros musicais, ver mais informações em: SOARES, Thiago. O Videoclipe no Horizonte de Expectativas do Gênero Musical. Revista E-Compós. www.compos.org. bastante codiicados e “imageticamente marcados” , entendemos que alguns gêneros possuem uma maior permissividade e fuga das convenções construídas genericamente na dinâmica da música popular 21 massiva. Poderíamos nos referir à música eletrônica como um desses gêneros mais “permissivos” que, embora tendo uma imagética associada (os ambientes das raves, a vertigem estroboscópica da pista de dança, o clima tecnológico-futurista), tem seus produtos audiovisuais associados fugindo desta relação imagética. Este nosso preâmbulo tem a intenção de chegar ao produto com o intuito de discutir conceitualmente a relevância de empreender o videoclipe a partir da noção de canção popular massiva. Para compreendermos a lógica que envolve o videoclipe de música eletrônica, cheguemos ao clipe “Elektrobank”, do Chemical Brothers, com direção de Spike Jonze. Neste audiovisual é utilizada uma estratégia de “brincadeira” conceitual com o espectador (a sonoridade da música advém de batidas eletrônicas sincopadas e “sujas” que contrastam com a imagem de uma ginasta artística em uma apresentação) que está intimamente ligada tanto a aspectos relacionais no percurso som-imagem, quanto às disposições do gênero musical em que a canção está inscrita (notemos a liberdade que os videoclipes originados a partir da música eletrônica detêm). Este audiovisual negocia com a própria perspectiva da direção de Spike Jonze (ligado às experiências da video-arte, da produção de vídeo independente e criando um estilo próximo ao nonsense no terreno do videoclipe ) bem como ao horizonte de expectativas dos 22 21 22 br/ecompos. Acesso em 27 de dezembro de 2005. Esta “marcação imagética” dos gêneros musicais pode ser pensada, por exemplo, na observação de como o heavy metal, de maneira geral, apresenta certos cenários inscritos nas suas canções que remetem a ambientes escuros, iguras demoníacas e disposições dos atos performáticos dos seus artistas. Realizei um estudo prévio em que analiso algumas perspectives do estilo nos videoclipes de Spike Jonze. Para mais informações, ver: SOARES, Thiago. Pressupostos do Estilo em Videoclipe. In: Videoclipe – O - 78 - atos performáticos do Chemical Brothers . Dessa forma, é fundamental entender que, ao lançar um videoclipe que não tenha as imagens “coladas” ou “em sincronia” com a sonoridade da canção, estão em jogo estratégias de produção de sentido que precisam levar em consideração aspectos relacionais do som e da imagem. E mais: empreender que tais aspectos estão circunscritos dentro de uma lógica do mercado musical. Faz-se necessário, portanto, perceber que conceitos, contextos e lógicas envolvem a canção popular massiva para, a partir desta constatação, chegar a um lugar de análise (que chamamos midiática) do videoclipe. Mais uma vez, uma referência imagética se faz necessária. Ao dirigir o videoclipe da canção “Come Into My World”, para a cantora Kylie Minogue, o diretor francês Michel Gondry não se utilizou, na construção do audiovisual, de recursos imagéticos presentes na letra da canção. O conceito, segundo explica o próprio Gondry (2003) , foi oriundo de uma suposta “circularidade” presente no arranjo e na recorrência do refrão desta canção. Uma análise deste videoclipe que se ativesse à perspectiva relacional entre letra e imagem não poderia dar conta de aspectos evocados na sonoridade de “Come Into My World” (a “circularidade” a que se referiu Michel Gondry, bem como às recorrências repetitivas típicas da chamada dance music) e passaria ao largo dos modos de construção dos objetos associados à cultura dance, como cíclicos e dotados de uma proposital repetitividade , bem como das estratégias de autenticidade 23 24 25 23 24 25 Elogio da Desarmonia. Recife: Livro Rápido, 2004. p. 38-40. O Chemical Brothers é um duo de música eletrônica que tem uma peculiaridade nas suas apresentações ao vivo. Como DJs que são, os integrantes se dispõem “por trás” dos equipamentos, “escondidos” sobre a parafernália tecnológica. Alguns artistas da música eletrônica, apesar de serem DJs, como Fat Boy Slim, fazem questão de assumir uma postura ao vivo de estar “à frente do palco”, “comandando” a multidão. Em entrevista contida no DVD “Work of Director – Michel Gondry” (2003). Estabeleço uma relexão sobre a “cultura da repetição” na contemporaneidade ao analisar os videoclipes “Hollywood” e “Hollywood Remix” da cantora Madonna. Para mais informações, consultar: SOARES, típicas das cantoras da música pop . É neste esteio que a nossa perspectiva se constrói: levando em consideração que, para além de uma análise que estabeleça a relação entre letra e imagem, é preciso pensar que a letra é performatizada por um artista, dotado de uma voz reconhecida e de uma imagética prévia e inscrita num gênero musical. Nossa análise não se propõe a “esquecer” a letra, mas ir além desta coniguração na busca por aspectos relacionais que digam respeito aos embates entre letra e arranjo e como cada um desses embates é iconicizado pelo videoclipe. A nossa perspectiva poderia ter sua funcionalidade questionada em videoclipes onde a canção “desaparece” para que a imagem se delineie sem a presença do som ou da canção “colada” a ela. Esta ótica estaria próxima do que nos referimos anteriormente, ou seja, ao momento em que tecidos sonoros dos clipes podem seguir trilhas distanciáveis dos tecidos imagéticos. Trilhas distanciáveis, entenda-se (numa ótica mais radical), trilhas que não “se tocam”. Partir da canção popular massiva e de sua sonoridade para desconstruir o videoclipe, só ajuda a entender o que Michel Chion chama de “contrato audiovisual” (CHION, 1994). Para o autor, o contrato audiovisual pode ser entendido sob o espectro de que: 1) é preciso estar atento às projeções do som na imagem como forma de identiicar quem agrega valor a quem. Em se tratando de videoclipes, há casos em que a imagem é uma fonte indiscutível de valor agregado para a música, podendo inluenciar, inclusive, sobre os juízos de valores 26 26 Thiago. O Videoclipe Remix. Rio de Janeiro: Anais do XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2005. Neste caso, Kylie Minogue, que tem sua trajetória galgada em hits “fáceis” e “cantaroláveis” (ouvir “I Should Be So Lucky”, “Specially For You”), sempre foi considerada pela crítica musical como uma artista cooptada. Ser dirigida por um conceituado diretor como Michel Gondry nos dá indícios de uma estratégia de autenticidade emprendida pelas instâncias artísticas e mercadológicas da indústria fonográica. Para a discussão sobre os aspectos de cooptação e autenticidade na música pop, ver FRITH, Simon. Performing Rites: on the value of popular music. Cambridge/Massachusett: Havard University Press, 1996. - 80 - empreendidos pela canção; 2) entender esta forma de “contrato” aponta para a visualização de linhas de forças nas relações audiovisuais. Cabe ao pesquisador se perguntar: que embate é este empreendido entre som e imagem? Quem “puxa” quem? De que forma se articulam estas forças internas?; 3) pensar o contrato audiovisual é, sobretudo, desenvolver a idéia de que há uma cena audiovisual, entendendo a cena como um contexto limitado pelo plano e onde se apresentam recursos dispostos a im de uma determinada produção de sentido; 4) desvelar o contrato audiovisual signiica desenvolver modos de escuta que poderão localizar no objeto empírico, fontes sonoras que tendem a ser problematizadas quando interrogadas pelo analista. Michel Chion resume em três os modos de escuta durante a análise: a) Escuta Causal, em que o pesquisador tenta localizar a causa ou a fonte do som que se apresenta no audiovisual, levando em consideração que, sobretudo no cinema, há uma proposital manipulação sonora para que as fontes sonoras sejam cada vez mais “invisíveis”; b) Escuta Semântica, deinida como aquela em que se refere a um código para interpretar uma mensagem. Neste caso, estaríamos diante da linguagem falada, dos índices sonoros que codiicam mensagem (o código Morse, por exemplo) e de inúmeras variações sonoras que implicam, através da escuta, na leitura de uma mensagem. No videoclipe, o analista deve desenvolver a escuta semântica para estar atento às conigurações de como a letra é cantada, entoada pelo intérprete ou como códigos sonoros são dispostos nos clipes com o intuito de indicar uma mensagem previamente inscrita; c) Escuta Reduzida, apresentada por Pierre Schafer, como aquela que toma o som como uma unidade independente que pode ser problematizada para além das relações de causa e sentido. Neste caso, interessa o som em sua acepção plástica, diante de inúmeras possibilidades de produção de sentido. No videoclipe, cabe problematizar como um determinado som pode ser “associado” a uma imagem que, a princípio, não estabeleceria relações mais evidentemente sinestésicas com a fonte. Diante de todos estes indicadores analíticos para a visualização do “contrato audiovisual”, podemos trabalhar com exemplos que nos ajudem a notar que, no momento em que um determinado som da canção “desaparece”, é minimizado ou “se esconde” numa imagem, ele se faz presente em outros códigos – sendo de fundamental importância para o analista o questionamento acerca desta problemática. Seria compreensível que o analista de videoclipes pudesse entender que, em vídeos como “hriller”, de Michael Jackson; “A Minha Alma”, d’O Rappa ou em “Wake Me Up When September Ends”, do Green Day, houvesse uma maior “relevância” da imagem em detrimento ao som, à canção – uma vez que nos três exemplos, há momentos em que a canção simplesmente não está “colada” à imagem, em que ela “desaparece” e onde temos encenados diálogos e a entrada de som ambiente. No entanto, o que nos chama atenção e o que nossa perspectiva, que parte do material sonoro, pretende interrogar é: por que a sonoridade da canção “some”, em alguns momentos, do videoclipe que é originado a partir dela? Que contrato entre o áudio e o visual é estabelecido para que esta sonoridade “desapareça” momentaneamente do videoclipe? Ao “desaparecer” num determinado momento do clipe, como se dá a presença da canção neste silêncio? Temos ciência de que estamos lidando com perspectivas que se - 82 - atêm a produtos especíicos, sendo necessária a veriicação caso-a-caso desta nossa problemática. As possíveis respostas para as relações entre as ausências da sonoridade da canção nos videoclipes está na relação entre som-eimagem, mas também, nas perspectivas de construção de um discurso que se estabelece nas estratégias da indústria fonográica. O exemplo desenvolvido de maneira mais radical aqui (via a ausência da canção em partes do clipe) pode ser pensado também diante de clipes em que, propositadamente, a canção, em alguns momentos vire “background” da imagem. Os exemplos visam esclarecer alguns pontos e servir de baliza para a metodologia de análise de videoclipes que empreendemos. Desvelando algumas questões, entende-se que a análise midiática de um produto como o videoclipe, localiza a relevância que a Semiótica da Canção e os Estudos Culturais têm na aproximação do pesquisador ao seu objeto empírico. Esta perspectiva de análise midiática tem como cerne a ida tanto às conigurações internas dos produtos (canção e videoclipe), seus constituintes plásticos, sonoros e visuais, bem como às formas de entendimento contextual destes constituintes através de regras genéricas, rotulações e classiicações. 27 27 O “background” ou BG (traduzido como “música de fundo”) é um artifício em que, na maioria das vezes, o som ambiente de uma cena gravada “convive” com uma música disposta sobre a imagem. Trata-se de um recurso bastante comum no universo radiofônico. - 84 - CAPÍTuLO 3 - 86 - POr umA ANáLISE mIDIáTICA DO VIDEOCLIPE Este capítulo visa elucidar algumas questões sobre o que seria a análise midiática de um videoclipe – cerne teórico da metodologia de análise de videoclipes. Ao propormos uma leitura do videoclipe a partir das categorias previamente desenvolvidas e como uma primeira forma de aproximação entre os conceitos e este objeto empírico, precisamos nomear a nossa análise. Tomando como referência o conceito de gênero midiático (JANOTTI, 2005a), intitulamos a nossa análise de “midiática”, a partir da perspectiva de que nos interessa uma desconstrução e entendimento da constituição do videoclipe como um objeto comunicacional, dotado de uma forma de produção e consumo que articula pólos das indústrias de entretenimento e dos meios de comunicação de massa. De acordo com Jeder Janotti Jr, “não se pode esquecer que uma das características básicas da produção midiática é a utilização de uma cadeia produtiva que se dissocia das idéias de autoria individual, criação solitária e autonomia criativa. Nesse ponto, torna-se importante destacar a tensão característica da “abordagem genérica” entre o direcionamento dos produtos mediáticos através do eixo paradigmático e a produção de sentido presente na recepção desses produtos. O que não signiica retornar à idealização do processo de recepção como lugar privilegiado da produção de sentido e sim reconhecer os diversos enlaces, estratégias e disputas que envolvem o trinômio produção/circulação/consumo.” (JANOTTI JR, 2005a, p. 5) Compreende-se por análise midiática de um videoclipe, o conjunto de procedimentos que visam localizar, no objeto audiovisual, marcas que possam ser compreendidas como instrumentais para a compreensão das condições de produção e de reconhecimento (VERÓN, 2004) deste produto, obedecendo a procedimentos que passem pela compreensão de que o videoclipe se conigura na extensão da canção popular massiva, integra modos de endereçamento dos gêneros televisivo e musical e está circunscrito na lógica de consumo do mercado musical e mais amplamente na indústria do entretenimento. Analisar um videoclipe de maneira midiática é considerar que a produção de sentido de um clipe na cultura midiática pressupõe uma manifestação material ancorada nos aspectos expressivos dos produtos em suas particularidades - sobretudo de suportes. O analista deve se questionar de que forma as especiicidades dos suportes midiáticos são determinantes na expressividade dos clipes. A desconstrução de um videoclipe com vistas a identiicar a produção de sentido deste produto leva em consideração as condições de produção e as condições de reconhecimento inscritas nos audiovisuais, bem como através de que estratégias de leitura somos remetidos ao campo social. Podemos interrogar como os espectadores orientam suas expectativas em relação aos videoclipes, de acordo com o reconhecimento das estratégias de comunicação inscritas. A opção pela utilização dos conceitos apreendidos por Eliseo Verón (2004) se dá em função do fato de que, ao propor a visualização de gramáticas e condições de produção e reconhecimento, tais conceitos dizem respeito, de uma - 88 - maneira sucinta, ao esquema essencial do sentido como proveniente de um sistema produtivo. Sabemos que Verón opera com questões mais amplas que as circunscritas no campo da música, no entanto, esforços estão sendo empreendidos para a problematização de suas questões no âmbito da música popular massiva . Dessa forma, percebemos que os escritos do autor localizam aspectos sociológicos, evidenciam características resultantes dos discursos sociais, bem como tentam sintetizar uma problemática metodológica na dinâmica dos objetos midiáticos. Para Verón, produção e reconhecimento “são os dois pólos do sistema produtivo de sentido” na medida em que a defasagem entre os dois resulta no que ele considera como circulação. No caso especíico do videoclipe, a apreensão de suas condições de produção, bem como das leituras e efeitos propostos através das condições de reconhecimento sintetiza o que chamamos de dinâmica discursiva do clipe, que será examinada pelo analista através da visualização de uma gramática de produção e também por uma (ou várias) gramática(s) de reconhecimento, percebendo-o enquanto um objeto midiático dotado de uma circulação. Para Eliseo Verón, 28 “uma gramática de produção ou de reconhecimento tem a forma de um conjunto complexo de regras que descrevem operações. Tais operações são aquelas que permitem deinir ora as condições de produção, ora os resultados (numa outra produção 28 Como o exemplo: JANOTTI, Jeder. Por Uma Análise Midiática da Música Popular Massiva: Uma Proposição Metodológica para a Compreensão do entorno Comunicacional, das Condições de Produção e Reconhecimento dos Gêneros Musicais. Revista E-Compós. Disponível em: www. compos.org.br /e-compos. Acesso em 3 de janeiro de 2007. discursiva) de uma determinada leitura.” (VERÓN, 2004, p. 51) O que o autor tenta descrever ao propor a nomenclatura “gramática” é a visualização do modelo de um processo de produção discursiva, ou seja, o entendimento de que o ponto de partida de uma análise são conjuntos signiicantes dados no objeto comunicacional e que é preciso, a partir destes, reconstituir o processo de produção a partir do produto, passando do texto à sua dinâmica de produção. Nota-se, a partir desta construção de Verón, uma noção de extensão e espraiamento entre gramática e condição de produção, sendo fundamental na atividade analítica de produtos midiáticos a percepção de como gramática e condição são extensivos, abrindo possibilidades de visualizações do “entre” um e outro. Ou seja, reforçamos que o direcionamento dos conceitos de análise desenvolvidos na metodologia que propomos neste trabalho parte sempre de uma materialidade expressiva, ou seja, de uma marca que leva em consideração aspectos materiais angariados nos suportes. A identiicação das marcas que devem se converter em operações analíticas é feita, pelo analista, no que Eliseo Verón chama de superfície textual. “Uma superfície textual é composta por marcas. Estas marcas podem ser interpretadas como os traços de operações discursivas subjacentes, remetendo às condições de produção do discurso, cuja economia do conjunto deine o marco de leituras possíveis, o marco dos efeitos de sentido deste discurso. As operações não são, portanto, elas próprias visíveis na superfície textual: elas devem ser reconstruídas (ou postuladas) a partir das marcas na superfície.” (VERÓN, 2004, p.65) - 90 - Temos evidenciado, portanto, o itinerário proposto por Verón na localizações das marcas nas superfícies textuais que remeterão às condições de produção e de reconhecimento do discurso. No caso especíico do videoclipe, estas marcas se conigurarão em pistas de fundamental relevância para a localização de um audiovisual num determinado sistema produtivo. A relação estabelecida entre a gramática e a condição de produção de um videoclipe se dá a partir da percepção de como um aspecto evidenciado através das conigurações audiovisuais do produto se apresentam como elos com o seu entorno produtivo. Observar a superfície textual de um videoclipe é levar em consideração que cada elemento de ordem visual ou auditiva pode se conigurar num evidenciador das características produtivas deste audiovisual. Neste esteio, a atividade analítica empreendida num videoclipe deve localizar de que forma tais marcas produzem sentido numa cadeia produtiva de onde o clipe emerge. A localização de um videoclipe num sistema produtivo prevê a ocupação de um espaço no centro ou nas margens da indústria fonográica. Como artefato de divulgação de artistas da música pop, o videoclipe vai, a reboque do artista que sintetiza, também ser extensivo à gravadora, ao selo deste artista ou simplesmente ter sido produzido fora dos esquemas de divulgação da indústria fonográica. Entender os sistemas de produção de videoclipes ajuda a perceber de que forma gramática e condições de produção são funcionais na compreensão de uma dinâmica particular de cada audiovisual analisado. Um sistema de produção de videoclipes e suas condições de produção podem ser sintetizados: 1. Na localização da produção do videoclipe no centro da indústria fonográica. Dessa forma, o videoclipe acompanha temporal e espacialmente o lançamento de um determinado álbum fonográico, uma 29 vez que seu escoamento depende de um “prazo de validade” determinado pelos sistemas de comunicação que colocam a canção e o clipe em circulação. Um clipe nesta localização é síntese do single ou da “música de trabalho”, escolhida por diretores artísticos de gravadoras e selos em negocições com os artistas ou produtores. O videoclipe é, portanto, um aparato imagético para a canção que sintetiza, sendo este aparato gerado tanto em função de certas regras de gêneros musicais quanto obedecendo à própria narrativa imagética de um determinado artista. Um videoclipe localizado no centro da indústria fonográica é aquele cujo agente inanciador será uma gravadora ou um selo, tendo, de maneira geral, verba para a utilização de recursos que possam ser considerados onerosos se não forem inanciados desta forma e que, portanto, podem escolher e usufruir de suportes fílmicos (ao invés de apenas videográicos), de interferências de decoração de set, de aparatos de ordem artística (direção de arte, maquiagem, iguração) ou de efeitos de pós-produção que evidenciem sua concepção nestas condições de produção. É preciso entender que, de maneira geral, as gravadoras e selos não possuem, em seus departamentos ou gerências, diretores e produtores de videoclipes. A realização de um videoclipe, portanto, não se dá na própria gravadora ou no selo, mas, em geral, em produtoras de TV, cinema ou publicidade que, entre programas de TV, ilmes e VTs publicitários realizam videoclipes. 29 Usamos a expressão “centro” como forma de localizar o produto a que nos referimos como integrante de um sistema econômico que inancia a sua execução. A disseminação da dicotomia “centro” X “margem” é recorrente em alguns textos dos Estudos Culturais, sobretudo os de Homi K. Bhabha, entre outros autores. - 92 - Fica evidente que as condições de produção vão gerar certas gramáticas que levarão o analista a perceber quanto à localização do clipe num determinado sistema de produção. Ou seja, a gramática de produção de um videoclipe pode ser evidenciada através de suportes e certos formatos, bem como, na visualização de quadros do audiovisual que se conigurem em supericies textuais detentoras de um sentido que estabeleça conexões entre condições e gramáticas de produção. 2. Na localização do videoclipe à margem da indústria fonográica. O audiovisual localizado neste espectro não tem, obrigatoriamente, que acompanhar temporal e espacialmente a dinâmica de divulgação de singles ou “músicas de trabalho” de um álbum, uma vez que não há necessariamente um escoamento deste trabalho em conglomerados de comunicação e entretenimento. O clipe localizado à margem da indústria fonográica estabelece para si uma espécie de atemporalidade que não o obriga a “prazos de validade” no tocante à divulgação nos sistemas de comunicação. Ao invés de “habitar” os conglomerados comunicacionais televisivos, transitam por vias mais alternativas, redes de TV pública, canais a cabo, de menor audiência, mais vinculado a uma perspectiva comunitária, os circuitos universitários. São a principal “moeda de troca” nos dispositivos online de compartilhamento audiovisual como You Tube, My Space, entre outros. A atemporalidade visualizada neste tipo de videoclipe permite que não se delimite que a canção que esteja sendo divulgada, obrigatoriamente, seja a faixa que originará o videoclipe – embora note-se, cada vez mais, este tipo de aproximação. As referências às estratégias de gêneros musicais se fazem presentes neste universo de videoclipes, mas tem-se uma liberdade maior da narrativa imagética particular do artista sintetizado - uma vez que, em grande parte, o próprio artista não detém suicientemente de uma coniguração midiática de suas imagens que permitam a formulação de estratégias de construções de novas matrizes imagéticas. Estando à margem da indústria fonográica, não se tem claramente deinido um agente inanciador desta natureza de videoclipes. A diluição do agenciamento inanceiro evoca a restrição dos suportes de captação, bem como as conigurações artísticas envolvidas no processo de realização do audiovisual. A opção pelo suporte videográico se faz quase que obrigatória, sobretudo em função do barateamento das operações, embora saibamos das inúmeras possibilidades de, através de recursos de pós-produção, se conseguir dar um “efeito” de que, por exemplo, estamos diante de algo conigurado no suporte fílmico . Neste caso, outros indícios (para além do exame simplesmente do suporte e do quadro do audiovisual) poderão compor uma forma de se chegar a uma localização do videoclipe no sistema produtivo da indústria fonográica. Da mesma maneira que não se tem evidenciado o agente inanciador do videoclipe, também se dilui, efetivamente, o agente realizador. Dessa forma, o trabalho não-formalizado, o realizador free-lancer, bem como os realizadores amadores, estudantes, artistas plásticos, proissionais liberais de áreas ains da comunicação aparecem gerando um sistema de produção que não obedece, obrigatoriamente, às regras impostas pelos ditames do VT publicitário, da narrativa seriada televisiva ou pela linguagem do cinema (matrizes da coniguração do clipe) - embora seja perceptível 30 30 O efeito inverso também é possível. Notamos que inúmeros videoclipes que se localizam no centro da indústria fonográica se utilizam de estratégias de despojamento, com usos de suportes videográicos para dar um “efeito” de algo mais “alternativo”, underground. - 94 - que, na sua grande maioria, mesmo os videoclipes realizados à margem da indústria fonográica, ainda assim, tentam reproduzir conigurações narrativas previamente reconhecíveis como “pertencentes à dinâmica do videoclipe”. Estamos levando em consideração, portanto, aspectos que devem ser considerados na análise. Segundo Eliseo Verón, “tais elementos, que podemos chamar de extradiscursivos, se constituem as condições tanto da produção quanto do reconhecimento”. Dentro destas condições, ainda segundo o autor, também há, evidentemente, tudo aquilo que o analista considerará, por hipótese como tendo um papel determinante para dar conta das propriedades dos discursos analisados. Verón faz uma ressalva: “Não basta postular tais condições: é preciso mostrar que elas o são efetivamente. Para que algo seja designado como condição de produção de um discurso ou de um tipo de discurso, é preciso que tenha deixado rastros no discurso. Em outras palavras, é preciso mostrar que se mudam os valores das variáveis postuladas como condições de produção, o discurso também muda. [grifos do autor]” (VERÓN, 2004, p. 52) Ao propormos a localização das condições de produção de videoclipes como no centro ou à margem da indústria fonográica, estamos nos referindo ao que Verón considera como sistemas ideológicos e de poder que atravessam os discursos, uma vez que, assim como o autor, consideramos o “texto como um lugar de encontro de uma multiplicidade de sistemas diferentes de determinações”. Esta nossa divisão na visualização das condições de produção de videoclipes localizadas no centro ou à margem da indústria fonográica está articulada a uma semelhante categorização empreendida por Will Straw (1993), na análise contextual da produção de videoclipes nos anos 80. Para designar o que considerou como a emergência do Pop, o autor, entre outros tópicos, cita que as políticas da cultura rock articulam conceitos “posicionando uma dialética ou tensionando entre a margem e o centro, a resistência e a cumplicidade”. (STRAW, 1993, p.6) Em outras palavras, o que Straw parece apontar é para o fato de que, embora relativamente fácil de visualizar as aparentes divisões empreendidas do cerne da indústria fonográica, estas categorizações são tensionadas e reorganizadas no que o autor chama de cultura pop. Ao veriicar e analisar um determinado videoclipe tomando como referência os conceitos de condições e gramáticas de produção e reconhecimento, o analista precisa levar em consideração que, além das instâncias inanciadoras e produtoras do audiovisual propriamente dito, há um contexto da cultura pop que envolve o que Straw chama de “incremento nos rankings de músicas e discos e uma intensiicação da velocidade no rock e na cultura pop; a delimitação da canção individual como uma unidade básica dentro das estratégias de marketing da música e as mudanças em função da identidade performática e do âmbito da celebridade na cultura rock. Dentro destes parâmetros, a introdução do videoclipe é um dos inúmeros fatores determinantes”. (STRAW, 1993, p.7) - 96 - O exame deste contexto é de fundamental importância para direcionar o olhar do analista para as gramáticas e condições de reconhecimento. O percurso do analista de produtos midiáticos, na identiicação de pistas na superfície textual que se coniguram em gramáticas e posterior ida às condições de produção e de reconhecimento é mediado pelo método e instrumentos que aplica às superfícies analisadas. Encontra-se uma problemática na identiicação de uma gramática de reconhecimento por uma analista, sobretudo porque “a leitura do analista é mediada pelo seu método e pelos instrumentos que ele aplica às superfícies discursivas. Quando o analista se propõe a construir uma gramática de reconhecimento de um discurso ou de um tipo de discurso, sua leitura, mesmo não coincidindo com a leitura do ‘consumidor’, tem como objetivo reconstituir esta última”. (VERÓN, 2004, p. 70) Ou seja, estamos diante de uma operação que vasculha as gramáticas e condições de produção para propor uma reconstituição das gramáticas e condições de reconhecimento. No caso do videoclipe, em especíico, a superfície textual do próprio audiovisual pode deixar marcas das condições de produção em que o objeto foi concebido. Na atividade analítica, é preciso, a partir destas proposições dadas, reconstruir a possível leitura do consumidor a im de visualizar o que Verón chama de gramáticas e condições de reconhecimento. É neste trânsito entre produção e reconhecimento, que devemos levar em consideração a circulação. Como atesta Eliseo Verón, “se escolhermos como estratégia teórica a que consiste em dizer que os fenômenos de sentido exigem, para serem compreendidos, o estabelecimento de um modelo de sistema produtivo, ou seja, que os discursos são produtos cuja produção e cujos efeitos devem ser estudados, então o conceito de circulação designa o elo intermediário desse sistema. [grifos do autor]” (VERÓN, 2004, p. 53) A circulação, observa Verón, neste caso, só pode se materializar sob a forma da diferença entre a produção e os efeitos dos discursos. Em outras palavras, uma superfície discursiva é composta por marcas que podem ser interpretadas tanto do ponto de vista das condições de produção quanto dos traços que deinem o sistema de referências das leituras possíveis do discurso no reconhecimento. O autor sintetiza que “não há traços na circulação: esta se deine como a defasagem, num dado momento, entre as condições de produção do discurso e a leitura feita na recepção”. As condições de circulação são, conforme pontua o autor, extremamente variáveis, segundo o tipo de suporte material-tecnológico do discurso e também de acordo com a dimensão temporal que se leva em consideração. No primeiro caso, tem-se as condições de circulação articuladas ao funcionamento das sociedades num dado momento. No segundo caso, a circulação dos discursos remete a uma história social dos discursos. No caso do videoclipe, é possível fazer dois apontamentos sobre as condições de produção articuladas a perspectivas contextuais. É possível percebermos que, do ponto de vista dos suportes materiaistecnológicos, o videoclipe articula a música popular massiva ao universo televisivo. Conigura-se “uma relação entre a cultura rock como aquela que presume a resistência e a televisão como a corporiicação do mainstream, do show business e da cultura comercial, publicitária.” (STRAW, 1993, p.4) A disseminação do videoclipe como um dos aparatos midiáticos da cultura contemporânea só foi possível porque houve a possibilidade - 98 - de fundamentação de um cenário que abarcou tal circulação. Não foi simplesmente a chegada da Music Television (MTV) que impulsionou a chamada cultura do videoclipe, sobretudo no esteio jovem. Vale a pena relembrar que a crise na indústria fonográica norte-americana dos anos 70 obrigou as emissoras de rádio a rearticularem conceitos e direcionarem seus produtos para a comercialização de discos – já que, em crise, a indústria fonográica não anunciava, não gerava verbas. Era preciso fazer com que ouvintes comprassem discos. A grande maioria das rádios norte-americanas tinham como público-alvo os adultos que, em geral, ouviam o pop light e o soul, mas que, diicilmente, iam a uma loja de discos para adquirir algum artefato fonográico. A rearticulação das rádios, citada por Straw, teve início em San Diego (EUA), com o direcionamento da emissora para o público consumidor do rock, que contava com um aparato de divulgação que tangenciava e agendava a venda de discos e para as adolescentes do sexo feminino, que cultivavam a dinâmica das celebridades instaurada pela indústria fonográica. Para Will Straw, a emergência da chamada “televisão musical”, que teve como dado fundamental o canal MTV, é, claro, de importância para a proliferação do encontro entre televisão e música popular massiva. No entanto, é possível perceber que a criação das condições de reconhecimento do videoclipe já estavam sendo coniguradas bem antes da MTV ir ao ar, primeiramente nos Estados Unidos, no ano de 1981 e, posteriormente, no restante do mundo. As paradas dos sucessos radiofônicos, a formatação da relação entre singles (“música de trabalho”) e a divulgação nas rádios, a identiicação de nichos de mercado musical relacionados aos públicos-alvos especíicos, bem como as carreiras artísticas baseadas em lançamentos de álbuns e a imagética da indústria fonográica foram constituintes decisivos na formatação das condições de reconhecimento das gramáticas evocadas nos videoclipes. Conforme delimitamos nas condições de produção e de reconhecimento, propomos a visualização de duas instâncias de circulação para o videoclipe: 1. A circulação do videoclipe localizado no centro da indústria fonográica. Neste caso, o audiovisual tem um trânsito livre e profícuo nos canais de entretenimento (MTV, VH1, Multishow, entre outros), sendo um artefato de divulgação do artista que sintetiza. A circulação do videoclipe localizado no centro da indústria fonográica prevê a ocupação dos vídeos na programação das emissoras de acordo com estratégias de gêneros musicais. A MTV possui programas e horários especíicos para a veiculação de determinados videoclipes, em geral, articulando tais programas aos gêneros musicais - a saber, videoclipes de música eletrônica são veiculados no programa “Amp”; clipes de heavy metal, por sua vez, são exibidos no programa “Total Massacration”, entre outros. Esta aparente divisão genérica não é obrigatoriamente tão relacional aos gêneros musicais, podendo estar articulada a outras conigurações impostas pela própria emissora. A circulação do clipe localizado no centro da indústria fonográica também prevê pressões de gravadoras e aparatos de marketing para a exibição do audiovisual nos circuitos empreendidos. A velocidade na produção do videoclipe é, muitas vezes, direcionada por um “prazo de validade” do próprio audiovisual: um videoclipe tem sua “validade” enquanto produto comercial durante o período de divulgação da canção de um álbum fonográico, sendo sua circulação articulada a este período. - 100 - Desta forma, já “fora do prazo de validade” comercial, é possível identiicar estratégias das gravadoras em lançar coletâneas de videoclipes no suporte DVD como forma de usufruir comercialmente do produto e estendê-lo para além dos limites temporais impostos. Trata-se da transformação do produto com verba agregada em produto vendável. 2. A circulação do videoclipe localizado à margem da indústria fonográica. O audiovisual nesta condição, na maioria dos casos, não chega a ocupar um espaço de circulação em emissoras televisivas como a MTV, o VH1, o Multishow, entre outros, podendo, entretanto, estar sendo divulgado em canais universitários, “alternativos” ou em TVs comunitárias. Quando ocupa o espaço em TVs abertas e ligadas à cultura do entretenimento, como a MTV, em geral, esta natureza de audiovisual localizada à margem da indústria fonográica está sob a tutela do conceito do democlipe, uma nomenclatura que utiliza do termo “demo” , como uma gravação inédita e sem o aparato de uma gravadora, que tenta ocupar um lugar no âmbito desta circulação especíica. Dessa forma, as estratégias de pressão para a veiculação destes tipos de videoclipes encontram-se diluídas, uma vez que não há, de maneira geral, um aparato de marketing das gravadoras ou selos ligados aos artistas sintetizados pelo videoclipe. O audiovisual encontra nos vieses da disponibilidade da internet (através de sites como o You Tube, My Space, entre outros) uma ferramenta para a sua circulação, bem como demarca estratégias que se coniguram em particularidades especíicas. Sobre a relação de velocidade da produção 31 31 Para mais informações, consultar: SHUKER, Roy. Vocabulário de Música Pop. São Paulo: Hedra, 1999. do clipe, há uma diluição neste controle já que não estamos nos referindo a um produto que tem demarcado seu território de escoamento. As categorias de circulação delineadas dão, segundo Verón, “ao modelo sua dinâmica: designa o modo como o trabalho social de investimento de sentido nas matérias signiicantes se transforma no tempo”. (VERÓN, 2004: p.54) Assim, nos encaminhamos para o que chamamos de análise midiática do videoclipe, que prevê a localização de “modos de mediação entre as estratégias de produção e o sistema de recepção, entre os modelos e os usos que os receptores fazem dos produtos mediáticos através das estratégias de leituras inscritas nesses produtos” (JANOTTI, 2005a: p.6). 3.1 Videoclipe e canção popular massiva: percursos A noção de canção popular massiva está ligada aos encontros entre a cultura popular e as artefatos midiáticos. Inicialmente, a canção se refere à capacidade humana de transformar uma série de conteúdos culturais em peças que coniguram letra e melodia. O trajeto histórico da canção popular até a sua coniguração massiva perpassa, portanto, a execução ao vivo para, em seguida, estar submetida às diversas formas de mediações técnicas. Segundo o pesquisador da canção brasileira Luiz Tatit (2004), o surgimento do primeiro gênero da canção popular brasileira, o samba, - 102 - está diretamente relacionado ao aparecimento do gramofone, já que foram as primeiras gravações que colocaram a necessidade de repetição da letra, de uma estruturação precisa da música e o reconhecimento da importância de autores e/ou intérpretes destas peças musicais. Um aspecto que merece destaque em relação à coniguração da canção popular massiva é a regularidade rítmica e melódica que privilegiavam os refrões e os temas recorrentes. O refrão pode ser deinido como um modelo melódico de fácil assimilação que tem como objetivos principais sua memorização por parte do ouvinte e a participação (“cantar junto”) do receptor no ato de audição. Ele é uma frase musical que se repete ao longo da canção, servindo de baliza para os outros elementos da música massiva (as estrofes, as pontes e os solos), podendo valorizar tanto o ritmo, bem como a rima e os aspectos semânticos da letra. Ao empreendermos que a canção popular massiva é detentora de um percurso, de uma trajetória e que o refrão é este “ponto de referência” neste itinerário, cabe questionar como esse elemento plástico da canção é conigurado no percurso visual no videoclipe pode ser apreendido. John Mundy (1999) já havia pensado esta relação uma vez que “a canção é produzida antes do vídeo ser concebido – e o diretor normalmente cria imagens tendo a canção como guia. Além disso, o videoclipe ‘vende’ a canção. E ele é, também, responsável pela canção estar ‘nos olhos’ dos artistas, da gravadora e do público”. A noção de percurso do clipe sobre a canção pode se dar de inúmeras formas. Para o autor, os videoclipes “freqüentemente reletem a estrutura da canção e se apropriam de certos artefatos musicais no domínio da melodia, ritmo e timbre. A imagem pode até parecer imitar as batidas e fruições do som, indeterminando, com isso, as fronteiras entre som e imagem. Videomakers têm desenvolvido uma série de práticas para colocar a imagem na música no qual a imagem adquire um status de autonomia e abandona certos modos de representação mais direta da canção. Em troca, a imagem ganha em lexibilidade e desenvoltura, assim como na polivalência de signiicados. Muitos dos signiicados do videoclipe recaem neste dar-e-pegar entre som e imagem e nas relações entre seus vários modos de continuidade”. (MUNDY, 1999: p. 21) Não cabe tentar estabelecer relações fechadas na identiicação do percurso que a canção evoca e que o videoclipe pode percorrer. Como atesta Mundy, a relação que se estabelece entre canção e clipe é angariada no “dar-e-pegar” entre som e imagem. Segundo Michel Chion (1994), a música agregaria valor à imagem, mas pode-se pensar que, dependo do caso, tanto à imagem como a canção, podem agregar valor ao produto inal, essa hierarquia irá variar de acordo com as especiicidades de cada videoclipe. Ou seja, é possível que algumas canções tragam em sua sonoridade e na articulação vocal do intérprete, por exemplo, uma dicção conectada a determinados traços imagéticos. Segundo Tatit (1997, 1999, 2001, 2004) pode-se, a princípio, estruturar as diferentes formatações da canção popular brasileira, em três dicções diferenciadas: 1) a tematização, caracterizada por uma regularidade rítmica centrada nas estruturas dos refrões e de temas recorrentes, como, por exemplo, 32 32 O conceito de “dicção da canção” advém dos estudos do semioticista Luiz Tatit (2004), que considera como dicção o encontro entre letra e melodia na canção popular massiva brasileira e que aqui é estendido à canção popular massiva em sentido amplo. A dicção caracteriza tanto canções especíicas, bem como traços estilísticos dos diversos gêneros musicais presentes na música popular massiva. - 104 - as canções da jovem guarda e pela música axé; 2) a passionalização, caracterizada por uma ampliação melódica centrada na extensão das notas musicais, exempliicada pelo samba-canção, sertanejo e “baladas” em geral e 3) igurativização, em que há uma valorização na entoação lingüística da canção, valorizando os aspectos da fala presentes nessas peças musicais, tal como acontece no rap e no samba de breque. Naturalmente, a coniguração das canções não se esgotam em um desses modelos, na verdade, boa parte da produção musical massiva que possui uma poética diferenciada, como as composições de Tom Jobim ou dos Beatles, se caracteriza pela variação dessas dicções em uma mesma canção. Pode-se observar que hoje a dicção da canção popular massiva está diretamente associada a uma cadeia midiática em que os aspectos comerciais são melhor evidenciados, cujo ponto de partida é o esforço para atingir o maior número possível de ouvintes. Tal esforço se conigura numa máxima da própria indústria fonográica que pressupõe a geração de produtos que sigam esta regra. No percurso da canção ao videoclipe, o reforço dos aspectos comerciais é capitaneado por uma tentativa de legitimar uma imagética o mais universal possível no audioviosual, gerando nos videoclipes produzidos no centro da indústria fonográica um “padrão” que vai estar presente, por exemplo, em vídeos que tenham seus artistas-protagonistas pertencentes a gêneros musicais distintos, como o hip hop, o heavy metal ou o rock. Este “padrão” a que nos referimos integra uma máxima presente nas instâncias produtivas da indústria fonográica que via criar um circuito cada vez mais transnacional de circulação do videoclipe. Integram este “padrão” comercial dos videoclipes, por exemplo, a escolha de certos suportes - em geral, de caráter fílmico -, bem como a opção pela saturação cromática, por determinadas apresentações performáticas nos clipes que obedeçam a uma linhagem composta para não gerar “atrito” no espectador e que pressuponha um diálogo e uma construção dos aparatos de imagem articulados a horizontes de expectativas presentes nos gêneros musicais. O videoclipe permite a “visualização” de um cenário em que a dicção da canção se desenvolve. Pode-se perceber então que parte das canções que circulam na paisagem midiática contemporânea já fornece visualidades articuladas a determinados traços estilísticos. No entanto, no jogo de “dar-e-pegar” a que John Mundy se refere, é bastante comum que o videoclipe “pegue” da imagem uma dicção para a canção que sintetiza. Ou seja, é possível perceber que canções que não trazem uma dicção evidenciadora, por exemplo, das imagens que podem lhe reverter, têm a sua dicção sugerida pela imagem. Exemplos para esta relação são bastante comuns: canções inscritas em gêneros musicais que trazem uma dicção marcada como o heavy metal ou o hip hop engajado têm seus videoclipes diicilmente distanciados, ora da iconograia masculina e marcadamente noturna (nos clipes do heavy metal) ou do universo das ruas, dos subúrbidos, do graite (no caso do hip hop). Já o que se convencionou chamar de bubblegum music , por não trazer canções com evidenciadora dicção aliada a um cenário especíico, se utiliza, na concepção de seus videoclipes, de imagens criadas e artiicialmente construídas. 33 33 Sobre o conceito, histórico e vertentes da chamada bubblegum music, ver COOPER, Kim; SMAY, David (orgs.) Bubblegum Music is The Naked Truth. Los Angeles, Feral House, 2000. - 106 - 3.1.1 Os “ganchos visuais” nos videoclipes O debate sobre as ancoragem estrutural dos videoclipes precisa levar em consideração contextos que, muitas vezes, explicam ou ajudam a elucidar questões acerca da organização interna dos produtos. É preciso considerar que: 1) clipes são objetos promocionais que vão levar em considerações estratégias de ênfase, persuasão e convencimento; 2) tratase de audiovisuais que demandam uma relação estabelecida entre o áudio e o vídeo, ou seja, entre o som e a imagem (um não pode ser levado em consideração sem o outro); 3) deve-se entender que as questões estruturais dos videoclipes obedecem a regimes e sistemas de construção que se iliam mais à ordem da canção popular massiva que do cinema. (GOODWIN, 1992, p. 74) Códigos visuais de clipes, assim, derivam da natureza da canção, que seria ancorada na presença física através da voz de um narrador. Esta voz viria duplamente endereçada: ao mesmo tempo que canta (é personagem), o cantor também narra (relata). Ou seja, ao cantar uma música, trata-se de alguém cantando e “vivendo” as ações existentes na letra. É neste sentido que podemos perceber como as canções populares massivas podem ser apreendidas através de leituras biográicas e, assim, estender uma relexão sobre a “sinceridade” no cantar: por que, se ouvirmos Madonna cantando uma mesma canção que Britney Spears, por exemplo, tendemos a achar Madonna mais “sincera” ? Mais do que discutir aspectos de autenticidade e cooptação, precisamos empreender que “as letras da 34 34 O conceito de sinceridade na música pop já foi discutido no seguinte artigo: KLOSTERMAN, Chuck. Sincerity and Pop Greatness. In: WEISBARD, Eric (ed). This is Pop. Harvard University Press: London, 2004. canção pop trazem sempre palavras que podem nos contar uma história, mas também servirem como slogans, gestos lingüísticos e poses da voz, do rosto ou do personagem que está cantando” (GOODWIN, 1992, p. 76). O desaio, portanto, é perceber como o videoclipe se estrutura, a partir de sua perspectiva de persuasão, como um objeto que precisa das estratégias de produção de sentido capazes de gerar marcas. Uma vez detentores de códigos enfáticos, tais características, nos clipes, derivam fundamentalmente dos programas de entretenimento televisivo, dos shows de variedades, dos musicais ao vivo e das convenções do music hall. Em jogo, estão as noções de intimidade, endereçamento direto, frontal e espelhamento das performances ao vivo. Percebemos ser fundamental, também, pensar os clipes num movimento de identiicação de uma estabilidade oriunda na repetição e na harmonia estrutural da canção popular massiva. Numa perspectiva mediática, inferimos que canções são objetos de ressonância de outras canções, de gêneros musicais e que sua difusão, por exemplo, é ancorada na repetição nas rádios, TVs e sites. A repetição seria, portanto, uma característica contextual incorporada a uma dinâmica textual, que se ilia à perspectiva de que texto e contexto de clipes estão direcionados para uma estratégia promocional de uma canção popular massiva. Para Andrew Goodwin, “esses aspectos da repetição explicam porque a music television deve ser entendida num contexto de variados níveis de familiaridade com canções, suas letras, os cantores pop e as músicas” (GOODWIN, 1992, p. 80). Vislumbrando esta dinâmica contextual da música pop, o analista poderá inferir sobre escolhas e perspectivas adotadas por determinados artistas em seus clipes, tomando, por exemplo, as marcas visuais presentes nos clipes como um - 108 - importante artefato de repetição, ênfase e persuação do entorno que rege a dinâmica dos produtos. Empreendemos, assim, nos aproximar das estruturas formais e plásticas da canção popular massiva e do videoclipe com o intuito de perceber de que forma o que chamamos de estratégias de produção de sentido estão presentes tanto nas canções quanto em clipes (através dos “versos ganchos” e dos “ganchos visuais”), problematizando tais referências no âmbito da indústria fonográica. A nossa hipótese é a de que, tal qual o refrão da canção, que “convoca” o ouvinte a um “participar”, o analista poderia identiicar “ganchos visuais” nos videoclipes, que seriam estratégias enfáticas representantes de um desdobramento de um “cantar junto” (a canção) para um “participar” (o clipe) a partir de estratégias de ixação imagética. 3.1.2 Partindo dos “versos ganchos” Ao propormos a identiicação por parte do analista das estratégias de produção de sentido nos videoclipes, dois autores nos parecem fundamentais de serem convocados: Andrew Goodwin (1992) e Carol Vernallis (2004). Ambos localizam a relevância de partir do exame da canção e da sonoridade empreendida para entender a dinâmica do videoclipe. Primeiramente, se faz necessário situar o pontos de partida da investigagação da estrutura da canção para, em seguida, veriicar como se presentiicam aspectos plásticos nos clipes. É preciso não só localizar as referências de aberturas-pontes-estrofes-refrões e as correlações com as imagens do clipe que “cobrem” tal estruturação, mas também identiicar o que seria o “gancho” existente na canção popular massiva. Assim, poderemos vislumbrar de que forma este “gancho” sinaliza aspectos das marcas visuais nos vídeos. Carol Vernallis parte sua análise na identiicação dos “ganchos” existentes nas letras das canções. Para a autora, além do exame do conteúdo da letra da canção, é preciso identiicar o que ela chama de “verso gancho” desta letra, ou seja, “o trecho que mais evidentemente se projeta como imagem ou que cristaliza um ponto de vista sobre a letra, que, na maioria das vezes, está relacionada ao título do canção” (VERNALLIS, 2004, p. 145). O “verso gancho” está localizado, de maneira geral, no refrão da canção, e pode ser compreendido como uma espécie de síntese deste momento de convocação do ouvinte. Para Vernallis, “porque o ‘verso gancho’ é colocado em destaque – tanto verbalmente quanto musicalmente – sua importância é, de antemão, indiscutível. O registro visual deste gancho musical se transforma numa maneira simples de fazer com que, ambos, canção e clipe, se tornem de fácil memorização e, por isso, marcantes” (VERNALLIS, 2004, p. 145) “Versos ganchos” descrevem ações físicas (“Everybody Dance Now” , “Vamos Pular” , “Scream” ); complexos pensamentos, sentimentos 35 36 35 36 37 37 Trecho de canção do grupo dance Snap! em que a vocalista praticamente grita o referido verso, fazendo com que tenhamos uma projeção vocal excessiva e, portanto, destacada deste verso gancho. Pode se caracterizar como verso gancho em função tanto da projeção vocal da frase por Sandy & Júnior quanto pela relação extensiva com o título da canção. Verso gancho da canção de Michael Jackson e Janet Jackson entoado como um grito. - 110 - (“You Don’t Know How It Feels To Be Real” , “Vou Tirar do Dicionário a Palavra Você” , “Devil’s Haircut in My Mind” ) ou estados humanos (“I’m Hung up in You” , “Deixa Eu Brincar de Ser Feliz” , “I’m Not hat Innocent” ), entre outros aspectos. Alguns são visualmente bastante complexos e metafóricos. Cabe ao analista identiicar “versos ganchos” das canções com o intuito de perceber variáveis de complexidades envolvendo a síntese visual do videoclipe. Neste sentido, o “verso gancho” da canção pode ser um interessante indicativo para a veriicação de escolhas estéticas e temáticas dos vídeos, com o intuito de construir noções estratégicas que perpassem indicativos dos artistas protagonistas dos clipes, dos diretores audiovisuais e dos diretores de gravadoras . É relevante que o analista perceba que os “versos ganchos” podem se presentiicar no vídeo tanto através de escolhas temáticas (a partir de um indicativo “Vamos Pular”, por exemplo, ter-se a imagem de pessoas ou dos protagonistas do clipe pulando), mas sobretudo, da presença através dos suportes de registro e de edição: o “pular” não só das pessoas em cena, mas da câmera ou da edição; o “gritar” da imagem de um rosto com a boca aberta ou da câmera que se aproxima ou se afasta velozmente de um objeto, e assim por diante. A localização dos “versos ganchos” pode se dar a partir da perspectiva de 38 39 40 41 42 43 44 38 39 40 41 42 43 44 Verso gancho de clássica canção da disco music que articula o vocal feminino e sensual com a atmosfera onírica do gênero musical. Trecho da canção de Zélia Duncan em que podemos caracterizar de verso gancho a partir da elaboração da letra, particular da MPB e da localização no refrão da canção. Verso gancho da canção do cantor Beck, com sua particular forma de cantar. Verso gancho da canção de Madonna, remetendo-se ao título do canção, “Hung Up”. Verso gancho da canção “Todo Carnaval tem seu Fim”, do grupo Los Hermanos, contido no refrão e cantado de maneira a projetar a convocação do ouvinte. Verso gancho da canção de Britney Spears que aponta tanto para uma projeção da voz da cantora no refrão quanto para uma estratégia de construção de sua persona midiática. Para o entendimento do processo e das etapas que envolvem a produção de videoclipes, ver: FEINEMAN, Neil; REISS, Steve. Thirty Frames Per Second: The Visionary Art of the Music Video. New York: Abrams, 2000. que: 1) na maioria das vezes, o “verso gancho” está em consonância com o título da canção; 2) há uma ênfase na entonação do cantor ao registrar vocalmente esta frase na canção, sinalizando modos de projeção e acentos de determinado verso; 3) é possível haver momentos em que o arranjo da canção ora projete-se numa ênfase direcionada ao “verso gancho”, ora se estanque, promovendo tal estratégia enfática galgada na abundância ou ausência sonora; 4) o “verso gancho” é sintomático que seja repetido ao longo da canção e, algumas vezes, até o inal desta. A repetição, por sinal, é uma das características mais prementes desta expressão musical. De acordo com Carol Vernallis, tais repetições “direcionam a nossa atenção para as repetições na própria música ou na imagem” (VERNALLIS, 2004, p. 147). A autora lembra, como exemplar referência do uso do “verso gancho” na análise do audiovisual, do videoclipe “Freedom”, do cantor George Michael. Cada vez que que o cantor pronunciava a frase-título (“Freedom”), tem-se a referência da imagem de instrumentos ligados à música (uma radiola de icha, uma guitarra) explodindo. Como a tradução de “freedom” seria “liberdade”, a referência imagética dos instrumentos explodindo complexiica a dinâmica do videoclipe (onde tem-se inúmeras top models dublando a canção e George Michael não aparece em cena). A análise partindo deste “verso gancho” para a referência imagética direciona o conceito de “liberdade” para o terreno das contestações na música popular massiva, reverberando numa funcional estratégia de autenticidade: tem-se um clipe em que o artista não aparece, é dublado por top models e os instrumentos explodem ao se pronunciar a palavra “liberdade”. - 112 - A identiicação do “verso gancho” demanda o entendimento sobre a temática da canção e sua relação com a imagética do pop. Ou seja, temos a perspectiva de localização da disposição, do “estado de espírito” desta canção, seu mood e, conseqüentemente, nos situamos na perspectiva de encontrar “pistas” das canções que podem ser colhidas e relacionadas às opções imagéticas empreendidas nos videoclipes. É importante reletir que o processo analítico que parte da localização de “versos ganchos” para entender sobre a temática da canção precisa ser entendido através do uso de metáforas do pop e do rock que são historicizadas nos gêneros musicais. “Muitas canções trabalham com uma operação metafórica ou metonímica que se preigura em articulação com as rotulações genéricas do pop, por exemplo, as referências do sexo no âmbito do rock’n roll ou a paixão e a espiritualidade da soul music, entre outros”. (GOODWIN, 1992, p. 66) Os direcionamentos de Andrew Goodwin sinalizam recorrer ao “gancho” para apreensão do videoclipe – não a partir do “verso gancho”, como Vernallis, mas de uma forma mais ampliada de desenvolver a idéia sobre a convocação do ouvinte-espectador para os produtos (cançãoclipe). Goodwin considera que a resolução estrutural dos vídeos estão intimamente ligadas à estratégias promocionais da música. Dessa forma, o videoclipe, em sua grande maioria, a partir de referências e imagens que se repetem, que se sobrepõem a outras e formando um todo que desaia o entendimento a partir da apreensão da lógica cinematográica, deve ser entendido a partir da perspectiva da canção popular massiva e de suas “amarrações” feitas diante de versos e refrões, bem como frente a uma repetição estrutural. O autor explica que os singles (ou as “faixas de trabalho”) ainda são o veículo designado para “capturar” o ouvinte. Sobre estas faixas, de maneira geral, elas possuem certas propriedades: “O título estará freqüentemente contido no refrão, a ponte serve como um momento de antecipação da ‘pegada’ do ouvinte; os versos conduzem o ouvinte em direção ao refrão e este refrão, ou ‘gancho’, é uma espécie de clamor pelo nome do produto e se dá na perspectiva da repetição” (GOODWIN, 1992, p. 82) Ao contrário de Carol Vernallis que prevê uma localização mais pontual do “verso gancho”, Andrew Goodwin empreende a atenção do analista para o refrão da canção que ele chama também de “gancho”. Relevante apontar que nosso destaque e atenção seja do “verso gancho” ou do “gancho” não se conigura em mero preciosismo estrutural. Nos meandros conceituais da música popular massiva, os “ganchos” são freqüentemente empreendidos a partir da noção de valor-uso, ou seja, como estratégias de atos performáticos, turnês, festas, entrevistas, sites, entre outros artefatos que servem de “suporte” da divulgação do álbum e da canção. 3.1.3 Discutindo os “ganchos visuais” Para Goodwin, pensar o clipe a partir da noção de “gancho” da canção é entender que estamos lidando com uma ferramenta analítica - 114 - galgada nas perspectivas de repetição e das lógicas da música e da publicidade. Ou seja, há uma convocação, através do clipe, para a canção e para o artista. Partindo da noção de refrão como “gancho”, Andrew Goodwin estende a perspectiva para a compreensão do que chama de “gancho visual”, ou seja, uma espécie de localização, na imagem, de uma estratégia utilizada para manter o espectador assistindo ao clipe – tais quais as ferramentas para manter o ouvinte na canção, empreendidas nos refrões. Apropriando-nos do conceito de Goodwin, poderíamos classiicar quatro formas de “ganchos visuais”, sendo elas: 1) Os rotineiros close ups nos rostos dos cantores, que são freqüentemente repetidos durante os refrões – acrescentando às estratégias de enquadramentos próximos, aspectos enfáticos rítmicos e modulações do visual dos artistas. Tal “gancho visual” reforça aspectos inerentes à inserção do clipe como uma ferramenta fundamental de geração do star system da música popular massiva. Podemos perceber a importância dos close-ups numa veriicação das chamadas de clipes durante a programação da MTV, bem como nas premiações do evento: são através destas naturezas de planos que os clipes são “identiicáveis” e postos em circulação. Para Goodwin, além de operar em relação à memória do espectador de música pop, estes tipos de “ganchos visuais” são “difundidos nos meios de comunicação de massa tais quais os rostos de celebridades usados nas capas das revistas de música e entretenimento” (GOODWIN, 1992, p. 91). 2) A geração de planos que se conigurem em marcas visuais de um determinado artista ou de um determinado álbum fonográico. Lembremos da cena do guitarrista do Dire Straits, Mark Knopler, visto através de interferências gráicas no clipe da canção “Money For Nothing” que, na verdade, era uma síntese da capa do álbum; ou da imagem de Sinead O’Connor no clipe “Nothing Compares 2 U” que também se conigurava numa encenação “em movmento” da capa do disco. Podemos pensar nesta categoria de “gancho visual”, ainda, o plano de Michael Jackson segurando o chapéu, na ponta dos pés, numa postura lateral ou o rosto de Morrissey através de interferências gráicas como uma ligação ao universo visual do he Smiths. Assim, “videoclipes são usados como estabelecimento de marcas para atos da música pop” (GOODWIN, 1992, p. 92) 3) A utilização de planos que sintetizem fragmentos do corpo físico dos protagonistas dos clipes. Goodwin chama tal “gancho visual” de “extensivo”, uma vez que a imagem é convidativa do “suspense” e da geração de uma expectativa em torno da imagem que o artista vai apresentar em seguida no audiovisual. Neste sentido, o videoclipe apela para construções retóricas que se irmanam da tradicional apresentação clássica de personagens do cinema, bem como nas estratégias de experiência sensual típica da publicidade. O close na boca de Christina Aguilera na abertura de “Dirrrty” ou na tatuagem de Robbie Williams em “Rock DJ” são sintomáticos desta tipologia. O autor ancora uma justiicativa para esta opção de “gancho visual”: “assim como esperamos pelo refrão na - 116 - canção, também experienciamos a espera e o ‘manter olhando’ como um incentivo visual nos clipes” (GOODWIN, 1992, p. 93). 4) A existência de um plano ou seqüência que “desvende” o segredo existente da relação entre apresentação - conlito – resolução do videoclipe. Este tipo de “gancho visual” está intimamente ligado aos videoclipes que se utilizam de estratégias formatadas no sentido de relatar uma “história”, de maneira geral, paralela ao ato performático do artista em cena. Assim, o espectador encontra-se “curioso” para saber como acabará o clipe ou para rever as referências resolutivas. Poderemos lembrar de clipe “Jòga”, de Björk, em que, ao inal, sabemos que estávamos “voando” sobre a superfície de “relevos” da cantora. É interessane destacarmos que a identiicação dos “ganchos visuais” nos videoclipes é um procedimento que tem início no próprio cerne de conigurações do clipe como um objeto midiático. Logo, a etapa de localização dos “ganchos visuais” está inserida na perspectiva dos procedimetos da análise midiática de videoclipes, a que nos referimos anteriormente. Propusemos três etapas na veriicação dos nossos conceitos: o clipe em relação à canção, ao gênero musical e à performance. A localização dos “ganchos visuais” ocorre durante a primeira operação, ou seja, dentro das nuances das conigurações entre videoclipe e canção popular massiva. 3.2 Videoclipe e gêneros: estratégias de endereçamento O videoclipe assume um lugar evidenciador de duas lógicas produtivas da mídia: a música popular massiva e a televisão. Dos sistemas da música popular massiva, estabelece a ligação entre artistas, diretores de audiovisuais e diretores de arte e de marketing da indústria fonográica com a inalidade de se conigurar como objeto de divulgação de uma faixa musical. Determina a compreensão do lugar do artista na indústria fonográica para a ingerência deste na dinâmica produtiva do videoclipe, acarretando, assim, na coniguração de estratégias discursivas dos produtos em circulação. O clipe evidencia relações, tomadas de posição e estratégias envolvendo artistas, instâncias produtivas e de circulação, que compreendem a divulgação de artefatos da música popular massiva. Ao mesmo tempo, problematiza os produtos da mídia trazendo parcerias e conceitos de criação que tensionam valores acerca de uma carga artística para estes objetos . Aspectos ligados a uma imagética dos gêneros musicais e das performances inscritas nas canções são balizas capazes de compreender de que forma os videoclipes são orientados e supõem as disposições de um público que os reconhecem. Por imagética de um gênero musical, entende-se toda a coniguração de endereçamento através de um conjunto de imagens de divulgação de um produto da indústria fonográica genericamente orientado. Sabe-se que as classiicações 45 45 Evidenciamos o fato de que, é comum na produção de videoclipes, a associação de artistas a diretores, muita vezes, emanados da videoarte e das experiências artísticas contemporâneas com audiovisual. Localizamos essas parcerias como circunscritas nas lógicas da indústria fonográica e problematizando o lugar que determinado artista possui para realizar ingerências sobre escolhas de diretores, roteiros ou conceitos para seus vídeos. - 118 - genéricas na música borram os aspectos textuais dos gêneros. Há gêneros musicais que nem sempre são identiicáveis textualmente nas canções, deslocando o eixo classiicatório para uma instância pragmática. Portanto, as classiicações genéricas no campo da música, em inúmeros casos, obedecem a pressupostos de uma dinâmica de reconhecimento do público consumidor num produto, não incorporando aspectos estritamente musicais. Da lógica produtiva da música popular massiva, o videoclipe ainda se conigura como um produto que se enquadra nas conigurações de consumo dos DVDs musicais. Tanto a International Federation of the Phonographic Industry (IFPI) quanto a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) averiguam os dados numéricos de vendas de CDs aliados aos de DVDs musicais. O mercado de DVDs musicais abrangente os discos digitais com apresentações ao vivo, compilações de videoclipes ou conteúdos mistos. Assim, compreende-se a coniguração do videoclipe dentro dos ditamos mercadológicos da música popular massiva e suas normatizações econômicas, como uma das condições de formatações de objetos que visam o reconhecimento e o consumo do público. É neste sentido que visualiza-se uma esfera de escolhas, ingerências e ditames da própria indústria fonoráica diante da organização destes produtos. Orientados através da premissa econômica da música popular massiva, os DVDs musicais operam com estratégias de endereçamento que pressupõem levar em consideração: a história do próprio artista protagonista do DVD; o ato performático ao vivo, os desdobramentos e os aparatos cênicos envolvidos nos shows e turnês; a estratiicação a partir de gêneros musicais ou a nomeação diante de uma variável que determine a formatação de um determinado produto. Pode-se apresentar na relação entre o videoclipe e os ditames da indústria fonográica, uma série de produtos que circundam e são gerados de forma a orbitarem em torno de uma determinada faixa musical ou de um lançamento de um álbum fonográico. Pode-se reconhecer uma nova plataforma de relação do videoclipe no âmbito da música popular massiva: a Internet e os sites de divulgação de material musical como um circuito de disponibilidade de mídias (sonoras e audiovisuais). Sob esta ótica, dispositivos como o MySpace, o You Tube, o Yahoo! Videos, Overmundo, entre outros, funcionam como um alicerce para a coniguração de circulação dos videoclipes e tensionam questões ligadas mais diretamente aos ditames da própria indústria fonográica e a relação estabelecida com as emissoras de televisão. A partir destas plataformas de disponibilidade online de videoclipes, tem-se uma nova ingerência sobre a inserção do audiovisual nas programações da music television, problematizando também as opções estratégicas adotadas pela própria indústria fonográica. Videoclipes que já são produzidos com o intuito de serem veiculados em determinadas emissoras, muitas vezes, “vazam” nas plataformas online e geram alternativas, “braços” na circulação, tensionando os luxos direcionais massivos. Da mesma forma, clipes produzidos fora dos sistemas produtivos da indústria fonográica, em produtoras não detentoras do respaldo econômico desta ingerência, passam a estar em circulação disponíveis na Internet. O que se destaca neste ponto são as plataformas musicais online como um espaço conigurado para se reletir sobre os caminhos trilhados pela própria indústria fonográica nas dinâmicas de circulação de seus produtos. Com - 120 - as novas tecnologias de captação e edição de imagem digitais, barateia-se a produção de videoclipes e reconigura-se uma logística que pressupunha: primeiro, o artista gravar um álbum, em seguida, escolher um single (ou uma “música de trabalho”), divulgar esta música em emissoras radiofônicas, gravar um videoclipe, fazer shows, etc. Observa-se que, em muitos casos, uma determinada banda ou artista é detentor apenas de uma ou duas músicas, mas, a partir deste material, já realiza um videoclipe que é disponibilizado numa plataforma online e, só então, este artista grava um álbum fonográico . Temos, então, um embaralhamento da ordem de disponibilidade de materiais expressivos e uma nova apresentação das estratégias de circulação dos produtos musicais massivos . Dos sistemas televisivos, o videoclipe adentra à esfera visual de circulação, sendo alicerce da chamada music television (MTV) e posteriores estratiicações. A televisão funciona, portanto, como um viés de divulgação massiva dos conteúdos da indústria fonográica, mas, não se pode esquecer que, a própria indústria da música serve como base para a inserção dos artistas musicais numa esfera mais ampla da indústria do entretenimento. (SEVCENKO, 2005) Dessa forma, a música popular massiva encontra na televisão um espaço privilegiado para a formatação de produtos da mídia com este duplo endereçamento: televisivo e musical. É sob esta ótica que pode-se compreender a Music Television (MTV) 46 47 46 47 A trajetória citada de maneira generalizada aqui pode ser ilustrada pela banda Cansei de Ser Sexy, que teve as faixas “Meeting Paris Hilton” e “I Wanna Be Your J-Lo” divulgadas através da plataforma online Trama Virtual e, antes mesmo da gravação do álbum fonográico, o grupo já tinha videoclipe e “faixas ao vivo” de shows, com covers e versões em circulação. Não estamos, com esta assertiva, decretando “o im do álbum fonográico” ou a não ingerência da indústria fonográica na era das plataformas online. O que se muda, nestes exemplos, são os suportes, mas os formatos permanecem. O conceito do álbum, a partir do ordenamento de faixas musicais, da narrativa interna e das conigurações imagéticas permanece tanto no CD como online. Da mesma forma, os videoclipes continuam a se apresentar tanto como arquivos disponíveis na internet quanto em DVDs e suportes magnéticos materiais. não somente como uma emissora que exibe videoclipes, mas, sim, como aquela que opera sob os sistemas da indústria do entretenimento: num primeiro momento, do alicerce formado a partir do binômio músicatelevisão e, em seguida, sendo ampliado para a relação música-televisãocinema e, mais recentemente, a inserção dos conteúdos online e a internet como ferramenta determinante na engrenagem da chamada televisão musical. Diante deste reordenamento da lógica produtiva da música popular massiva e da aparição de novos trajetos de circulação para os produtos, a televisão musical, como este ambiente em que se negociam os conteúdos e os endereçamentos dos objetos, incorpora lógicas advindas da relação estabelecida a partir das plataformas online de disponibilidade. 3.2.1 Sobre o gênero televisual Relete-se sobre o clipe a partir de uma análise midiática, que vem a ser o procedimento interpretativo através do qual os aspectos plásticos e midiáticos de um produto são analisados de maneira interrelacionadas. No entanto, é preciso considerar que as dimensões plásticas e midiáticas do videoclipe estão circunscritas no sistema televisivo. Traçar considerações acerca do videoclipe no universo da televisão signiica partir na busca por formas de compreensão de sua formatação enquanto um produto localizado diante de regras classiicatórias e gerando estratégias de comunicação capazes de orientar os espectadores diante destes audiovisuais. Para Elizabeth Bastos Duarte (2006), - 122 - os processos comunicativos televisivos se materializam em textos – os produtos televisuais, cuja característica principal é a complexidade e a hibridação: não só seu conteúdo expressa-se simultaneamente através da articulação de diferentes linguagens sonoras e visuais como a gramática das formas televisuais está em processo de permanente apropriação em relação a outras mídias. (DUARTE, 2006, p. 20) Relevante destacar que estes produtos televisuais estão articulados a estratégias de comunicabilidade, sendo, portanto, necessário pensar de que forma estas estratégias se fazem presente nos produtos. Assim, estamos diante do conceito de gênero que, assumindo inúmeras vertentes nos estudos acadêmicos sobre produtos televisuais, é apresentado como dotado de funcionalidade para as relexões no nosso objeto. Uma primeira perspectiva diz respeito ao conceito de gênero na televisão como uma forma de perceber como os produtos televisivos articulam uma força modeladora e estruturante das competências midiáticas, através da qual pode-se compreender e analisar os jogos de repetições, imitações e empréstimos dos produtos. (TESCHE, 2006, p. 76) Neste sentido, Tesche não se propõe a visualizar “descrições essenciais da natureza intrísceca dos produtos”, mas perceber como as convenções nos produtos da televisão, muitas vezes, são “importadas” de outros territórios culturais, de outros conjuntos de práticas signiicantes e são reelaborados a partir de premissas relacionadas a uma determinada história do produto. Fala-se, portanto, de “convenções que criam suas próprias dinâmicas e não codiicações rígidas” nos sistemas produtivos da televisão. (TESCHE, 2006, p. 77) O autor sinaliza para a relação entre gênero e prática na produção televisiva, considerando o fato de que as categorizações de gênero atravessam as condições de produção na medida em que propõem uma “forma de fazer”, uma lógica de concepção e de ação que tensionam constantemente as naturezas classiicatórias. Interessa, no gênero, a sua capacidade de servir como um “ponto de ancoragem do acordo comunicativo como objeto de estudo semiótico e cultural”. (TESCHE, 2006, p. 83) Assim, desdobramentos e desarraigamentos do gênero dão relevo a uma constante negociação com seus princípios sistemáticos. Arlindo Machado (2001) propõe a idéia do gênero na televisão a partir de conceitos advindo da semiótica russa de Mikhail Bakhtin. Para o autor, é possível compreender um gênero televisivo como uma força aglutinadora e estabilizadora dentro de uma determinada linguagem, com a inalidade de organizar meios expressivos de uma determinada cultura de modo a garantir comunicabilidade a estes produtos. Alegando não ser possível “tratar de todos os gêneros televisuais”, Machado propõe eleger aqueles que seriam os gêneros mais exemplares da “esfuziante” diversidade genérica e aponta, assim, para os seguintes agrupamentos: formas fundadas no diálogo, narrativas seriadas, telejornal, transmissão ao vivo, poesia visual e videoclipe. (MACHADO, 2001, p. 71) Os agrupamentos a que Machado faz suas considerações são reconhecidos, não a partir do conjunto de práticas signiicantes, mas diante da escolha de uma suposta “qualidade” em torno dos produtos indicados pelo autor. François Jost (2004) opera com o princípio do gênero na televisão como uma promessa diante das estratégias de imposição de sentido dos produtos na era da publicidade. O produto televisual, - 124 - na contemporaneidade, vem acompanhado de uma multiplicidade de discursos (entrevistas, comunicados, releases, apresentações, etc) que funcionam como articuladores do benefício do prazer simbólico do telespectador. O gênero, neste contexto, é uma “moeda de troca” reguladora da ciculação dos produtos audiovisuais no mundo midiático, que se materializa em duas perspectivas no ato promissivo: uma que forja o horizonte de expectativas do qual o gênero é portador e outra que opera com uma ambigüidade pragmática, identiicável através dos engajamentos dos espectadores ou dos atributos exempliicados nas ferramentas de auto-promoção das mídias. (JOST, 2004, p. 29-30) Os gêneros seriam, portanto, um terreno de confronto dos produtores, que precisam dotar seus produtos de uma identidade genérica; dos emissores, que precisam semantizar seus produtos a im de torná-los “desejáveis” e dos espectadores, para quem a categorização “é uma idéia necessária à sua interpretação”. A concepção de gênero televisivo presente em Gomes (2002) articula um lugar teórico capaz de abarcar a visualização das estratégias presentes nos produtos televisivos. Para Itania Gomes, “o gênero televisivo é um modo de situar a audiência em relação a um programa, em relação ao assunto nele tratado e em relação ao modo como o programa se destina ao seu público. Neste sentido, colocar a atenção nos gêneros implica em reconhecer que o receptor orienta a sua interação com o programa e com o meio de comunicação de acordo com as expectativas geradas pelo próprio reconhecimento do gênero”. (GOMES, 2002, p. 9) Pensando o gênero a partir de uma eiciente chave de análise dos produtos, pode-se compreender a dinâmica organizacional destes objetos midiáticos da televisão diante da sua oferta no mercado televisivo e, conseqüentemente, articulada a estratégias de captação de audiência. Ao convocar os Estudos Culturais, Gomes sinaliza incorporar sintomas contextuais (políticos, econômicos e, portanto, sociais) nas formas de reconhecimento dos gêneros, propondo que a concepção discursiva do sentido é atravessada por uma elaboração cultural que visa indicar estratégias de leituras dos produtos. Elizabeth Bastos Duarte constrói a concepção do gênero na televisão a partir da noção de virtualidade, uma vez que o próprio gênero na televisão não passaria de uma abstração, já que nenhum produto televisivo manifesta apenas as categorias genéricas, em sentido estrito, em sua completa extensão e exclusvidade. Para a autora, “o gênero funcionaria, em cada caso, como substância de uma forma que sobre ele se projeta, decorrente da articulação entre subgêneros e formatos, e não teria outra existência possível além dessa de ser substância ‘em-formada’”. (DUARTE, 2006, p. 22) A noção de gênero na televisão, para Duarte, seria uma espécie de “feixe de traços de conteúdo da comunicação” que só se atualiza quando, sobre ele, se projeta uma forma de conteúdo e de expressão. Esta forma a que a autora se refere é representada pela articulação entre subgêneros e formatos, “esses sim, procedimentos de construção discursiva que obedecem a uma série de regras de seleção e combinação”. (DUARTE, 2006, p. 22) Ao articular as noções de gênero e formato, encarando o gênero como este conceito suposto e o formato na ordem da realização, Duarte nos fornece maneiras de conceber aspectos - 126 - relacionais e de ingerência do terreno da música popular massiva no universo dos gêneros televisuais, capacitando-nos a aproundar as nossas relexões em direção à perspectiva do videoclipe. Programas na MTV como o “Banda Antes”, com o intuito de descobrir grupos musicais emergentes no País; “VidaLog”, que leva para a esfera midiática o universo dos blogs e fotologs, bem como as disposições do “Ya!Dog”, atrativo em que, simultaneamente à exibição do videoclipe, a tela da TV é ocupada por textos e “caixas” de bate-papo entre espectadores, de maneira, “ao vivo”, ou seja, pressupondo um estardiante tanto da TV quanto do computador, se apresentam como sintomas de uma disposição da organização da chamada music television diante dos novos ditames e plataformas online de compartilhamento de materiais expressivos. Considerar esta relação signiica também empreender novos graus de familiaridade com suportes digitais de captação de imagem por parte do espectador. Ou seja, reordena-se não só as programações das emissoras musicais, com a inserção de programas e faixas de horários que tentam se aproximar dos conteúdos online, mas também o próprio reconhecimento do espectador diante de produtos em circulação e os dispositivos de imagem dos videoclipes. Observando os constituintes de captação e edição dos clipes, temos desde os suportes VHS, Super-VHS, Betacam, passando pelas diversas bitolas de películas e chegando até o digital. Apresenta-se uma história do formato a partir dos suportes e das disposições dos espectadores diante destas conigurações imagéticas. Portanto, pensar a relação que se constitui no sistema produtivo do videoclipe na esfera da televisão e da aproximação com as plataformas de compartilhamento online, é compreender que estas relações demandam novas formas de concepção e organização de programas televisivos, de lógicas das emissoras, mas também de novos graus de familiaridade com dispositivos de captação digitais, a partir de câmeras digitais, webcams, câmeras acopladas a celulares e inúmeros outros artefatos que podem resultar na concepção de clipes sob estes novos ditames. 3.2.2 Sobre o gênero musical Discorrer sobre uma abordagem dos gêneros para produtos midiáticos é desaiador, sobretudo porque nossa intenção pode soar um tanto quanto “retrógrada” ou “ultrapassada”, frente às abordagens recentes que prevêm apontar a caracterização dos produtos mediáticos a partir do viés do hibridismo e da suposta ausência de regras na dinâmica de produção e consumo que os estudos da corrente pósmoderna empreendem. Uma rápida olhada pelas prateleiras das lojas que comercializam produtos culturais – seja álbuns fonográicos, livros, DVDs, entre outros –, entretanto, trazem à tona divisões baseadas em critérios que envolvem gêneros, entendendo que tal caracterização não opera no conceito de gênero textual, mas pressupõe o gênero como uma categorização que “atravessa” o texto e pode ser encarado, como propunha Jesús Martin-Barbero , através de suas inúmeras formas de apropriação. A lógica dos gêneros musicais perpassa não só os ambientes físicos – lojas, prateleiras, ambientes de sociabilidade -, mas também os 48 48 Para entender tal conceito, ver MARTIN-BARBERO, Jesús. Os Métodos: Dos Meios às Mediações. In: _____. Dos Meios às Mediações. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003. p. 270-319. - 128 - lugares virtuais. Dirigindo-se a programas destinados a “baixar” (realizar downloads) música na internet, como o Soulseek, Emule ou congêneres, é premente a evidência de que os nomes das canções são acompanhados a que gênero estas mesmas canções pertencem. Dessa forma, é possível “baixar”, por exemplo, canções de rap, de rock, de heavy metal ou do que se convencinou chamar de pop, procurando pelo gênero a que a canção está classiicada segundo os usuários dos programas. Em rádios virtuais, os gêneros musicais também se fazem presentes através de canais especíicos: é possível ouvir, por exemplo, uma programação organizada nestes canais somente de música sertaneja, de canções de trilhas sonoras de ilmes ou com “os principais lançamentos” do mês. Dessa forma, podemos veriicar que a noção de gênero musical ultrapassa as barreiras do que seria intrínsceco à obra e passa a operacionalizar a sua existência e sua ordem classiicatória na dinâmica social. Jeder Janotti Jr resume que “grande parte da apropriação da música popular massiva é efetuada a partir de sua classiicação genérica”. (JANOTTI, 2003b: p. 31) A pressuposição de regras de gêneros da qual nos apropriamos, portanto, está inserida na corrente dos Estudos Culturais que tentou estabelecer conexões mais visíveis entre a dinâmica de alguns produtos mediáticos e sua reverberação na cultura. Ao apontarmos as regras que são trazidas à tona através de um horizonte de expectativas dos gêneros musicais, empreendemos a possibilidade das expectativas serem conirmadas ou refutadas na elaboração de um produto associado a determinado gênero musical, bem como de suas implicações na produção de sentido deste bem de consumo. A atividade de análise do aspecto relacional que se estabelece entre o produto midiático e o gênero musical ao qual se aproxima, entretanto, não deve estar limitada apenas às dicotomias de se conirmar ou refutar as expectativas de um determinado gênero musical. Perceber elementos formais conirmatórios ou subversivos do gênero no produto é uma etapa que envolve o ato analítico. Empreendemos como etapa ulterior, a ida às condições de produção e reconhecimento como estratégias de produção de sentido de determinados videoclipes da música popular massiva. Sintetizamos, assim, as nossas questões: a) a produção de videoclipes está inserida numa dinâmica que leva em consideração horizontes de expectativas gerados a partir de determinadas regras de gêneros musicais; b) a imagética de um videoclipe articula pólos de produção de sentido que atravessam tanto as cenograias dos gêneros musicais quanto às narrativas especíicas dos artistas da música pop; c) o clipe articula uma composição músicoimagética que se projeta em direção ao público, levando em consideração valores articulados aos gêneros musicais sintetizados na obra audiovisual. 3.2.3 Gênero musical e consumo Estudos preliminares empreendidos na corrente dos Estudos Culturais e sintetizados por Simon Frith (1998) e Jeder Janotti Jr (2003a; 2003b; 2004 e 2005) já apontaram relações de proximidade entre os gêneros musicais e o consumo de produtos culturais. Estamos falando de estruturas de reconhecimento de determinados produtos que se articulam a sonoridades e imagéticas especíicas em circulação. A noção de gênero musical imbricada ao princípio do consumo cultural pode ser - 130 - percebida através da ocupação e da georgraia de certas espacialidades do consumo. Simon Frith aponta, por exemplo, as arrumações e divisões de alguns estabelecimentos comerciais como projetados para atender a certos parâmetros de ordem classiicatória de seus produtos. Neste sentido, parece inevitável a percepção de que o cerne do consumo de produtos ligados à música popular massiva traz julgamentos de valor e, com isso, a rotulação. Categorizações e rotulações têm, portanto, a função de organizar processos de venda, bem como identiicar parâmetros/ balizas onde determinados produtos se inserem. Entretanto, estamos transitando num terreno de dupla-via: para Frith, “o gênero é uma maneira de deinir a música em seu mercado ou, de maneira correlata, o mercado na música”. (FRITH, 1998, p. 76) Discorrer sobre rotulações no âmbito da música popular massiva é perceber que, historicamente, a indústria musical vem se apropriando de regras de gênero para posicionar seus produtos. A MPB, o rock, o sertanejo, o pop, e inúmeros outros gêneros musicais são, de maneira recorrente, inseridos como aparatos conceituais para determinados artistas. É relevante airmar que estes mapas de gênero mudam de acordo com seus usos e aplicabilidades. No terreno do rock, por exemplo, a criação de sub-gêneros (o indie , o nu49 49 Convencionou-se chamar de indie (abreviação de independent), o tipo de rock que se faz perceber como vinculado a uma imagem de “independente” – tentando estar próximo à aura de autenticidade da música popular massiva – mesmo que estes artistas sejam lançados e freqüentem ambientes (shows, eventos, etc) promovidos por gravadoras ou patrocinados por grandes marcas. Neste esteio, parte do rótulo de indie advém da história dos artistas (não da sua coniguração estritamente musical) e da forma como o público que se auto-intitula indie recebe e aprova tais artistas. Ou seja, artistas que “nasceram” das garagens, que izeram shows em galpões e “ambientes empoeirados”, que freqüentaram uma determinada “cena”, um determinado “movimento”, antes de entrarem para uma gravadora, ganham o status de indie – se “classiicados” pelo público também. Um exemplo desta coniguração de rotulação indie diz respeito a bandas aparentemente díspares em suas sonoridades, como The Strokes, Franz Ferdinand, Interpol ou Wilco, que são “classiicadas” pelo público. No Brasil, a apropriação do termo indie é também elástico, podendo rotular grupos como Ludov, Autoramas, Mombojó ou Los Hermanos, entre outros. metal , entre outros) estabelecem novas fronteiras para a percepção de que uma lógica da rotulação apresenta não só critérios essencialmente musicais, mas imagéticos e de mercado. De acordo com Simon Frith, 50 o ponto que orquestra as regras de rotulação musical diz respeito à coerência com que as mídias musicais dividem seus mercados. Ou seja, como gravadoras e selos estabelecem, entre si, fronteiras para a inserção de seus produtos (vejamos a divisão conceitual, por exemplo, existente entre gravadoras majors e as independentes, bem como a função dos selos dentro das gravadoras como geradores de nichos especíicos); de que forma as rádios criam seus invólucros conceituais a partir de uma noção de gênero (as rádios especíicas de MPB, as rádios roqueiras ou horários dedicados a certos gêneros, como programas de música instrumental, de pagode, entre outros); como as revistas musicais negociam com os gêneros (algumas dedicadas ao rock, ao metal, à música eletrônica); como os releases para a imprensa “vendem” tais confgurações genéricas e de que forma os gêneros musicais são apropriados em eventos (festivais de música eletrônica como o Skol Beats, o jazz no Tim Festival, o rock no Claro que é Rock!, entre outros). Esta divisão, logicamente, não se dá de forma igualitária, entretanto, serve para percebermos as organizações em torno de estratégias e distinções de rótulos como um artefato de 51 50 51 O termo nu-metal é uma versão em português de new metal, ou a variação em torno do gênero metal que classiicou uma atualização deste gênero por bandas como Slipknot, Linkin Park, Creed, entre outras. O termo nu-metal segue a classiicação adotada por Harris Berger que prevê o metal como gênero e o heavy metal, o death metal, o black metal, o thrash metal, entre outros, como sub-gêneros. Para mais informações: BERGER, Harris. Metal, Rock and Jazz: Perception and the Phenomenology of Musical Experience. Hanover-London: Wesleyan University Press, 1999. As gravadoras chamadas majors ou “grandes gravadoras” são aquelas que, segundo Roy Shuker, “alcançam mais de 90%” do mercado fonográico de um País. “Discute-se muito sobre as implicações econômicas e culturais desse controle de mercado, principalmente sobre a resistência das indústrias fonográicas locais à globalização das indústrias culturais”. (SHUKER, 1999, p.151). Podemos identiicar como majors, gravadoras como Warner, Sony/BMG, Universal, etc. - 132 - consumo na música popular massiva. A ênfase ao aspecto mercadológico no reconhecimento de determinado gênero musical se dá em função de um debate já apontado por Frith: como se apresentam os limites entre gêneros? A questão perpassa tópicos de ordem musicológica e sociológica, no entanto, é na vivência de mercado que há uma negociação das imagens, das formas de dizer um gênero musical e como isto empreende uma maneira de se posicionar na ordem do consumo. Pensar o videoclipe no âmbito do gênero musical é perceber que a produção deste audiovisual está inserida numa dinâmica que leva em consideração horizontes de expectativas gerados a partir de determinadas regras de gêneros musicais; que a imagética de um videoclipe articula pólos de produção de sentido que atravessam tanto as cenograias dos gêneros musicais quanto às narrativas especíicas dos artistas da música pop e que o clipe articula uma composição músico-imagética que se projeta em direção ao público, levando em consideração valores articulados aos gêneros musicais sintetizados na obra audiovisual. Para nos encaminharmos para uma leitura imagética do gênero musical, podemos, por exemplo, nos utilizar da observação de capas de álbuns, encartes, bem como cartazes e lyers de shows e eventos. O apelo a certas leituras, bem como a projeção de uma imagética que seduza o fã, vão sendo pontuais no reconhecimento imagético de um gênero musical. Os “ambientes” futuristas presentes em lyers de festas de música eletrônica, o design de elementos retrôs nos eventos saudosistas de décadas como 70 ou 80, bem como a visualização de elementos satânicos nos cartazes sobre eventos de heavy metal vão construindo uma imagética associativa que, na maioria das vezes, vai “habitar” álbuns, cartazes e todo aparato de divulgação do artista, incluindo o videoclipe. Esta visualização dá indícios da construção dos cenários onde acontecem os eventos ligados aos gêneros musicais, de forma que é possível, por exemplo, apontar elos entre garagens, porões, ambientes escuros e de pouca iluminação com algumas matrizes da cultura do rock e do heavy metal; o graite, o muro, o asfalto com certas matrizes do hip hop mais engajado; ou o universo das luzes coloridas, estroboscópicas, os sintetizadores, as mesas de discotecagem como ligados a uma imagética da eletrônica. Essas imagens associadas vão permitindo um direcionamento e condicionando determinadas leituras que reconheçam os gêneros musicais associados a um artista. É sintomático, portanto, que nas instâncias produtivas de videoclipes, as decisões sobre as estratégias de inserção de um produto se dê, fundamentalmente, sob regras genéricas, o que envolve perceber o cruzamento de mercados e de interesses sócio-econômicos: que itinerário um álbum ou um artista segue, bem como onde se posicionará um novo produto lançado. Tendo ciência de que o clipe está, assim como os produtos articulados à música popular massiva, disposto e ocupando uma espacialidade comercial, chegamos a uma problemática: quais as linhas que demarcam a validade de um videoclipe em suas especiicidades, se parte de seu consumo é efetivado por elementos externos à sua visualização particular? A complexidade desta questão não visa ser respondida, no entanto, é nosso intuito apontar balizas para que possamos empreender de que forma um gênero musical se visualiza através do videoclipe e como se estabelecem as conexões de conirmação ou negação de um - 134 - gênero musical como estratégia de produção de sentido articulada tanto ao horizonte de expectativas do próprio gênero quanto da narrativa particular de um artista da música pop. Para Simon Frith, é preciso estar alerta para o fato de que a idéia dos gêneros na música popular massiva está ligada a processos de mediação presentes no consumo musical que mostra-se muito mais amplo do que a exploração comercial destes gêneros pelos grandes conglomerados de comunicação e entretenimento. Estamos cientes de que delimitar uma ordem para o gênero musical é estabelecer alguns parâmetros: questionarse com que se parece determinado som e quem irá comprar aquele tipo de música. Para Janotti Jr, “todo gênero pressupõe um consumidor em potencial. (...) Compreender a estética da música popular massiva é entender também a linguagem na qual julgamentos de valor são articulados e expressos e em que situações sociais eles são apropriados” (JANOTTI JR, 2004, p. 37) No terreno do videoclipe, devemos agregar o fato de que os parâmetros sonoro-musicais e da ordem do consumo não devem ser apreendidos de maneira tão diretamente relacional. Notamos que uma série de estudos anteriores, embora fundamentais para o amadurecimento deste campo acadêmico, deram conta da criação do videoclipe a partir de uma esfera sinestésica (MACHADO, 1988, 1997 e 2001). No entanto, tais abordagens pareciam deixar lacunas quando da tentativa de empreender o clipe enquanto um constituinte das imagens da música pop e, por isso, articulado a uma narrativa imagética de um determinado artista e sujeito a lutuações das próprias balizas do gênero musical. As abordagens que se voltaram exclusivamente para o videoclipe enquanto um princípio basilar da indústria do entretenimento, dos grande conglomerados de comunicação e da formatação de certas identidades juvenis transnacionais (LEGUIZAMÓN, 1987; MEYROWITZ e LEONARD, 1993; GITLIN, 2003) também merecem ser relativizadas, uma vez que, como advertiu Nicolas Cook, no campo do estudo da música, é preciso encontrar um “entre” texto e contexto. Na seara do videoclipe, a percepção deste “entre” pode se fazer presente através da perspectiva de gênero musical, uma vez que situamos a problemática deste audiovisual num espaço de negociação em que os constituintes semióticos da canção estão inseridos numa máxima articulada às regras de gêneros musicais que, por sua vez, obedecem a determinadas perspectivas econômicas, mercadológicas e culturais. Corroboramos com as idéias de Andrew Goodwin de que é preciso apreender o videoclipe enquanto um objeto que se projeta em direção a seu público tendo sua retórica articulada às expectativas deste público com relação às imagens da música pop. (GOODWIN, 1992: p.49) 3.2.4 Videoclipes como embalagens do pop Ao analisar os entornos contextuais da indústria do videoclipe, Andrew Goodwin fornece pistas que podem ser utilizadas no encadeamento do estudo dos clipes como um constituinte de consumo da - 136 - música popular massiva sintonizado a certas regras de gêneros musicais. Para o autor, videoclipes, além de se conigurarem em produtos que circulam em canais ou programas de televisão musical, detentores de um curto prazo de “longevidade” e que se preiguram como um dos artefatos de promoção de uma canção musical de um álbum , se consolidaram através de suas embalagens de venda em lojas ou em locadoras através de vídeos promocionais, agregando valor no que se convencionou chamar de distribuição de produtos audiovisuais. Trata-se da ampliação do circuito de distribuição do videoclipe, originando, assim, novos itinerários que precisam, portanto, de um reforço de regras de reconhecimento de um determinado produto da música popular massiva. Como exemplo, Goodwin cita o trajeto do videoclipe “Bad”, sobre canção de Michael Jackson, que se integrou ao ilme “Michael Jackson – he Legend Continues” e foi “vendido” como um documentário no suporte VHS. Experiências de videoclipes que se transformaram literalmente em produtos comercializáveis da música popular massiva, estando, inclusive, dispostos em lojas musicais tais quais CDs, envolvem a formatação de “hriller”, clipe de 13 minutos em formato de curta-metragem, dirigido por John Landis sobre música cantada por Michael Jackson, no formato VHS e comercializado no inal dos anos 80 como um complemento do álbum; ou o lançamento do vídeo-single do clipe “Justify My Love”, dirigido por Jean-Baptiste Mondino para canção interpretada por Madonna, em que a cantora teve o vídeo censurado na Music Television (MTV) e utilizou da restrição de audiência como estratégia de consumo de 52 52 O conceito de álbum, conforme discrito por Jeder Janotti Jr, se “remete ao conjunto de canções, da parte gráica, das letras, da icha técnica e dos agradecimentos lançados por um determinado intérprete com um título, uma espécie de obra fonográica” e localizadao dentro de determinados parâmetros de um determinado gênero musical. (JANOTTI JR., 2005: 9) seu audiovisual . No Brasil, a cantora Marisa Monte teve seus videoclipes “embalados” para consumo em uma série de vídeos intitulados “Mais”, “Barulhinho Bom” e “Memórias, Crônicas e Declarações de Amor” (não 53 à toa, VHS/DVDs que traziam os mesmos nomes dos referidos álbuns que continham as canções que viraram clipes). A descrição destes produtos não visa, apenas, cartografar as embalagens e os suportes que se originam a partir de uma estratégia das instâncias produtoras da indústria fonográica, mas, perceber como os videoclipes, a despeito de sua imagética particular e detentora de estabelecimento de conexões com os gêneros musicais, também apresentam formatações – tais quais os álbuns fonográicos – que reforçam a necessidade de um aprofundamento das discussões acerca de suas conigurações genéricas. As articulações a respeito da presença das referências de determinados gêneros musicais no videoclipe está inserida no que Andrew Goodwin considera como “a narrativa de um artista da música pop”. Para o autor, é preciso considerar o artista como um produto articulado “a diversas formas da música pop (discos, itas, CDs) que, por sua vez, parecem ter seu sentido notadamente de insuiciência para satisfazer o público, cujos suplementos de sentido são oferecidos na forma de textos auxiliares – performances ao vivo, entrevistas na mídia, fotograias de divulgação, pôsteres, camisetas e assim por diante.” (GOODWIN, 1992, p. 45) 53 A partir da censura do videoclipe, foi lançado um video single, exclusivamente com o clipe “Justify My Love”. - 138 - Como Simon Frith advertiu, a música pop passou, portanto, a ser um veículo de promoção e acesso para outros produtos, serviços e corporações. É neste esteio que o videoclipe se insere “como um dos objetos que produzem uma embalagem visual do pop”. (GOODWIN, 1992, p. 49) A narrativa de um artista pop é composta, portanto, pelo próprio horizonte de expectativas que o público vai ter com relação a este artista. Códigos culturais já associados, elementos visuais, codiicações de igurinos, direção de arte ou cenários enunciados ao longo da trajetória, bem como dados biográicos, imagens que circulam na imprensa, capas de álbuns e uma série de imagens associadas constituem uma espécie de mapeamento prévio que serve como diálogo com o gênero musical com o qual um artista está associado. Goodwin chama este invólucro imagético prévio que já vem articulado ao videoclipe como o “semblante” deste audiovisual que, na opinião do autor, “é uma das chaves para compreender a produção de sentido musical antes da intervenção de uma imagética videográica”. (GOODWIN, 1992, p. 50) Os elementos que antecedem a criação do videoclipe, portanto, servem como balizas imagéticas que, por sua vez, são articuladas a noções de gêneros musicais em que determinados artistas estão inseridos. Dessa forma, percebemos como o videoclipe já se incorporou, do ponto de vista do seu suporte de divulgação (a saber, o VHS, o DVD, o VCD e congêneres) nos trâmites do consumo da música popular 54 54 Notamos um incremento das tecnologias de armazenamento de som e imagem no que diz respeito à divulgação de álbuns fonográicos e videoclipes ou material imagético a respeito de certos artistas da música pop (documentários, cenas de bastidores, etc) no suporte digital. A tecnologia VCD, por exemplo, fez com que a Sony barateasse os custos de venda de coletâneas de shows e videoclipes. Esta mesma tecnologia, proporcionou a marca de refrigerantes Coca-cola criar mini-VCDs, com clipes e canções, para serem trocados, numa estratégia de promoção, por comprovantes de consumo do refrigerante. A Warner lançou a tecnologia dual disc, em que, num lado do disco digital, ouve-se as canções e, no outro, tem-se massiva, via o lançamento de uma série de produtos associados a artistas da música pop e que ganham as prateleiras das lojas de consumo musical. Esta materialização de um conjunto de videoclipes num objeto de consumo é mais uma evidência de como as regras de ordem econômica e mercadológica são inseridas em consonância aos gêneros musicais: tais quais os álbuns fonográicos, estes produtos originados detêm uma imagética particular de capa, contra-capa e encarte que não só estabelece uma relação de semelhança com o suporte do álbum, mas revela aproximações no conjunto de imagens de um determinado artista no esteio da música pop. Para percebermos que a imagética do pop não pode ser percebida sem que levemos em consideração a narrativa do artista, levantamos a questão de como a trajetória destes artistas (e as imagens que passam a ser associadas a eles em alguns momentos de suas carreiras: ora conirmando, ora negando e tensionando as expectativas de gênero musical) fomentam e são variáveis na deinição imagética dos produtos em circulação. Estas evidências nos direcionam ao entendimento de que há um entorno contextual que envolve a produção e dissemiação de produtos associados à música popular massiva. Dessa forma, visualizamos que “o entendimento das funções econômicas da produção de videoclipes ajuda a explicar a sua construção textual”. (GOODWIN, 1992, XXI) Após algumas considerações acerca dos gêneros musicais e dos videoclipes, tentaremos empreender a possibilidade de visualizar convergências conceituais que abarquem os dois conceitos: como a produção e o reconhecimento dos clipes está atrelada à noção de regras genéricas da música popular massiva. Para Janotti Jr, quando se trata de um DVD. (FERREIRA, Mauro. Som e Imagem. In: Coluna Estúdio. O Dia Online. Rio de Janeiro. www. odia.ig.com.br. Acesso em 24 de junho de 2005) - 140 - gênero musical, é preciso levar em consideração: 1. Regras econômicas que envolvem as relações de consumo (e os endereçamentos presentes nesse circuito) nos processos de produção, difusão e audição do produto musical; 2. Regras semióticas que abarcam as estratégias de produção de sentido e as expressões comunicacionais do texto musical, além da conformação de valores ligados ao que é considerado autêntico em detrimento da música ‘cooptada’, ao modo como as expressões musicais se referem a outras músicas e como diferentes gêneros trabalham questões ligadas aos modos de enunciação, às temáticas e às letras; 3. Regras técnicas e formais, como as convenções e habilidades que cada gênero pressupõe dos músicos, ritmos, alturas sonoras e nas relações entre voz e instrumentos, palavras e música. (JANOTTI JR, 2003, p.36) Neste sentido, o exame destas regras genéricas no campo do videoclipe abarca tanto a perspectiva de indentiicação de modos de operação e ressigniicação dos apontamentos ligados à materialidade da música popular massiva, bem como a percepção de como os prazeres da cultura popular massiva são parcialmente inscritos nos produtos que dela emergem. Reletir sobre as ingerências das regras econômicas dos gêneros musicais nos videoclipes signiica identiicar os itinerários de consumo deste produto: os interesses comerciais que envolvem as gravadoras ou as instâncias produtivas, as emissoras que os exibem, espaços que ocupam nas programações, localização nas grades e os trajetos de circulação, bem como as inúmeras formas de apropriação do clipe como um produto da música popular massiva. As regras semióticas genéricas podem ser compreendidas nos videoclipes diante do espectro de criação audiovisual que relaciona clipes entre si, operacionalizando um modo de enunciação ligado a temas, ambientes e cenários que circunscrevam um videoclipe num modo de se evidenciar a partir da premissa da autenticidade. Se as regras técnicas e formais na música popular massiva dizem respeito às convenções que cada gênero empreende, do ponto de vista do ritmo, das alturas sonoras e nas relações entre voz e instrumentos, palavras e música; no âmbito do videoclipe é possível pensar em como tais aspectos plásticos são orientados imageticamente a partir da noção de performance da canção. Por performance, compreende-se o conjunto signicante de uma canção que se presentiica produzindo sentido a partir de uma enunciação. No campo da música popular massiva, esta enunciação da canção se faz de maneira midiática, estando disponível em inúmeros contextos distintos. A delimitação do termo performance como propomos utilizar neste artigo tem a intenção de valorizar os aspectos sonoros e especíicos dos artistas que interpretam a canção. Quando nos referimos ao fato de que as canções trazem inscritas performances, precisamos deixar claro que trata-se de uma perspectiva que visa a se localizar no campo da produção de sentido. Ou seja: nos interessa discutir a performance inscrita na canção – como a voz do artista se apresenta modulada, como a canção inscreve uma forma de dançá-la, que cenários podem ser evocados pelas performances inscritas nas canções, de que forma a audição de uma determinada voz já apresenta uma série de conceitos socialmente e mediaticamente construídos. As relações de endereçamento no universo do videoclipe implicam na compreensão de que as duas regras genéricas – televisiva e musical – funcionam como articuladores de operações complexas cujo princípio - 142 - integra uma máxima de construção histórica capaz de incidir sobre as organizações dos produtos. Mais uma vez, não se trata de “obediência” ou “desobediência” aos pressupostos genéricos, mas a condução de um processo de organização dos produtos circunscritos sob dois espectros. Analisar videoclipes sob a perspectiva das regras dos gêneros musicais pode ser empreendido através da máxima de que “é preciso localizar as reiterações que permitem o reconhecimento do estilo desses gêneros e a compreensão dos sistemas de seleção, inlexão ou junção, identiicadores dos investimentos que diferenciam e inscrevem a música popular massiva como parte integrante da cultura e comunicação contemporâneas”. (JANOTTI JR, 2004, p.198) Assim, toda a gama de convergências apontadas neste artigo deve ser entendida como uma partilha de mundos, um “entre” nas experiências dos sujeitos contemporâneos envolvendo bens de consumo e usos e valores atribuídos a estes bens. No caso especíico do videoclipe, estamos nos referindo à construção de uma série de parâmetros que localizem este audiovisual como um constituinte que se situa no encontro entre as dimensões comerciais da indústria fonográica e ao horizonte de expectativas do público consumidor. Neste sentido, se utilizar de conceitos acerca dos gêneros pode empreender numa perspectiva de localização de regras, convenções imagéticas, de performance e de sociabilidade que tensionam os questionamentos e as problemáticas acerca do videoclipe na comunicação e cultura contemporânea. 3.3 Videoclipe e performance: visualidades Um terreno profícuo para a discussão da concepção imagética no âmbito do videoclipe consiste em debater o conceito de performance. Trata-se de uma tentativa de compreender a construção de elos entre a canção popular massiva e o clipe, ampliando as possibilidades analíticas no universo audiovisual. Vale ressaltar que o conceito de performance como tratamos aqui, ou seja, a noção de que a canção popular massiva traz, em si, uma performance inscrita, já foi anteriormente discutida (FRITH, 1996; ZUMTHOR, 1997) e sistematizada no terreno da música popular massiva (DANTAS, 2005). Dessa forma, o conceito ao qual nos iliamos, visa delimitar o terreno da performance no âmbito da canção, tentando não causar “ruídos conceituais” com o largo uso da nomenclatura “performance” nas Artes Cênicas (GLUSBERG, 1997; COHEN, 2004); ou na aplicação senso-comum também da nomenclatura - que poderia ser desdobrada em “performance coreográica”, “performance vocal”, entre outras ininitas (e possíveis) classiicações. A delimitação do termo performance como propomos utilizar na nossa metodologia de análise de tem a intenção de valorizar os aspectos aduiovisuais e especíicos dos artistas que interpretam a canção. Quando nos referimos ao fato de que as canções trazem inscritas performances, precisamos deixar claro que trata-se de uma perspectiva que visa a se localizar no campo da produção de sentido. Ou seja: nos interessa discutir a performance inscrita na canção – como a voz do artista se apresenta modulada, como a canção inscreve uma forma de dançá-la, que cenários podem ser evocados pelas performances inscritas nas canções, - 144 - de que forma a audição de uma determinada voz já apresenta uma série de conceitos socialmente e mediaticamente construídos. Como atesta Danilo Fraga Dantas, “se há um corpo em uma canção ouvida por um meio auditivo, de certo não podemos mais vêlo. Mas, seu sexo, pulsações, sentimentos, estão impressos na mídia sonora. Assim, na canção gravada, existiriam traços de performance que guiariam o ouvinte em sua escuta. Como ouvintes, estamos aptos a reconhecer esses traços e “dar vida” à canção a partir de nossas próprias experiências – seja ela cotidiana, no conhecimento das diversas entoações, interjeições ou musicais, na identiicação dos diversos gêneros musicais e suas convenções” (DANTAS, 2005, p. 6) Neste caso, entendemos que o conceito de performance, como pretendemos debater neste artigo, parte de um determinado material expressivo signiicante que deverá produzir sentido em consonância com questões de ordens cultural e contextual. Ou seja, a idéia de que determinado objeto performatiza outro, coloca em circulação as materialidades expressivas dos produtos articuladas a maneiras préinscritas de leituras destes produtos. Conceitualmente, tentamos empreender o argumento de que videoclipes performatizam as canções que os originam, propondo uma forma de “fazer ver” a canção a partir de códigos inscritos nas próprias canções populares massivas, mas também diante da problemática dos gêneros musicais e das estratégias de endereçamento dos produtos da indústria fonográica. Podemos sintetizar o fato de que encarar o videoclipe como uma performance da canção não signiica compreender este audiovisual apenas como uma “leitura sinestésica” dos sons da canção, mas, sobretudo, entender que, para além das conigurações sonoras inscritas nos produtos da música popular massiva, há codiicações de gênero e estratégias das trajetórias individuais dos artistas que implicam em determinadas leituras destes produtos. Assim, interrogar de que forma o videoclipe se constrói como uma performance sobre a canção signiica apontar para a compreensão de que: 1. a performance é uma forma de reconhecimento conceitual de algo previamente disposto; 2. articula-se, na dinâmica performática, um princípio fundamental na música popular massiva: a voz, que culturalmente reconhecida, impele determinada codiicação imagética de gestual de rosto e aspectos corpóreos; 3. deve-se compreender a materialidade plástica do som como passível de ser performatizada, localizando esta problemática na dinâmica sinestésica; 4. performatizar uma canção é entender que trata-se de uma dinâmica inscrita no terreno dos gêneros musicais; 5. a performance da canção implica na localização de cenários inscritos na expressividade dos produtos. Partiremos para uma discussão em torno do conceito de performance a partir de um quadro de autores que passa por Paul Zumthor, Simon Frith e Jeder Janotti Jr. 3.3.1 Performance como reconhecimento Quando nos remetemos aos usos e propriedades do conceito de performance trabalhado por Paul Zumthor, precisamos delimitar ainda - 146 - mais sob que espectro estamos tratando. Para o autor, “performance é reconhecimento. A performance realiza, concretiza, faz passar algo que eu reconheço, da virtualidade à atualidade” (ZUMTHOR, 1997, p. 36) Percebe-se que a descrição do autor é elástica, empreendendo inúmeras possibilidades de “recortes” e “apropriações”. Neste primeiro momento, interessa-nos discutir o princípio de que, sendo o reconhecimento de algo, a performance (e seu conceito) tensiona as formas de atualização de um determinado fenômeno. Pensar a performance neste sentido, implica em perceber a existência de um objeto que se prevê reconhecível e a referida performance como a materialização e atualização deste reconhecimento. No terreno das relações empreendidas entre videoclipe e canção popular massiva, percebemos a construção de uma noção de reconhecimento: o clipe gerado a partir de uma faixa se constitui, fundamentalmente, diante da idéia de que ele concretiza e faz passar uma noção de reconhecimento não só da estrutura plástica da referida canção, mas também de suas peculiaridades de gênero e das especiicidades das trajetórias dos artistas que protagonizam os vídeos. Assim, podemos pensar o videoclipe não só enquanto um determinado objeto da indústria fonográica que reconhece as especiicidades dos sistemas produtivos da canção, mas, também, que atualiza, problematiza e tensiona as próprias conigurações dos produtos da música popular massiva. O uso do conceito de performance como nos propomos a utilizar neste trabalho prevê o entendimento de que o videoclipe enquanto uma performance da canção popular massiva se situa num contexto cultural em que um determinado fenômeno é “atravessado”, traz inscritos e se situa em consonância com as ordens histórico-sociais. É através desta perspectiva do uso conceitual da performance aqui proposta, que podemos construir relações não só entre videoclipes, canções populares massivas e gêneros musicais, mas empreender a visualização de áreas em que estes três conceitos operam enquanto formas de entendimento de um objeto empírico como o clipe. O uso do conceito performance nos permite ir às veriicações das especiicidades das canções presentes nos videoclipes, delimitando um ponto de análise que vai “além” do escopo de ordem plástica entre canção e videoclipe. Perceber o clipe enquanto uma performance da canção popular massiva é discutir a noção de reconhecimento, a partir de um determinado contexto de produção e consumo, não se atendo apenas às especiicidades de uma determinada gramática de produção ou de reconhecimento (VERÓN, 2004), mas debatendo como estas gramáticas são tensionadas também pelos gêneros musicais e pelos produtos que orbitam em torno dos eventos e ações da indústria fonográica. Para Zumthor, a performance seria um ato comunicativo que prevê obra e público, dessa forma, ela “designa um ato de comunicação como tal; refere-se a um momento tomado como presente” (ZUMTHOR, 1997, p. 59). Partindo desta presentiicação, entendemos a existência da performance a cada audição de uma determinada faixa musical. Assim, identiicamos, a partir dos materiais expressivos contidos na canção, uma série de inferências, modos de ver, dançar e “sentir” a música. Paul Zumthor problematiza ainda mais a questão da performance como reconhecimento, uma vez que indica formas de se perceber como, performatizando um objeto, determinada performance o marca. - 148 - “A performance e o conhecimento daquilo que se transmite estão ligados naquilo que a natureza da performance afeta o que é conhecido. A performance, de qualquer jeito, modiica o conhecimento. Ela não é simplesmente um meio de comunicação: comunicando, ela o marca” (ZUMTHOR, 1997, p. 37) A perspectiva delineada por Zumthor complexiica as relações construídas na “performatização” do objeto, na medida em que propõe uma “marcação” do objeto pela performance. Este aporte conceitual parece empreender uma espécie de “jogo-de-forças” na constituição das relações performáticas, uma vez que, “marcando” o objeto, de alguma forma, a performance se conigura numa extensão também deste objeto, compondo uma máxima relacional que se ediica a partir da constituição entre objeto e performance-do-objeto. Neste sentido, podemos entender também que a performance se volta para o objeto, na medida em que, marcando-o, constitui um contínuo deste performatizável. Esta perspectiva delineada por Zumthor encontra reverberação quando compreendemos que o videoclipe é uma performance da canção popular massiva. O clipe gerado a partir de uma determinada faixa musical presentiica uma idéia de nova marcação, construção, ediicação conceitual sobre a canção. Este audiovisual, portanto, se situa num campo em que “marca”, tatua, constitui uma determinada aparência para a canção: marca a música com uma codiicação imagética que, muitas vezes, problematiza a sua própria natureza musical. Pensando a performance numa perspectiva relacional, entendemos três apontamentos necessários para a sua apropriação: 1. a necessidade de produzir efeitos, entendendo o efeito enquanto uma estratégia discursiva que convoca a presença ativa de um corpo; 2. a ação de uma gestualidade ou de uma oralidade presentiicada a partir de uma determinada referência de imagem; 3. a visualização não só de um corpo como de um espaço, sendo fundamental a perspectiva de que determinadas performances problematizam uma idéia de espaço. Estes três apontamentos elencados por Paul Zumthor, visam, aqui, serem discutidos na perspectiva de compreensão dos elos existentes entre canção e videoclipe, uma vez que a criação de um clipe de uma determinada faixa musical é, fundamentalmente, uma produção de efeito e a geração da idéia de que o vídeo poderia ser encarado como um corpo da canção que o origina - entendendo corpo como uma atualização, revestimento, uma espécie de exterioridade desta faixa. O videoclipe, também, se constitui na presentiicação de gestualidades e oralidades, sendo um fértil campo para a composição e a criação de recursos de ordens áudio e visual para a materialidade musical. E, por im, o videoclipe, sendo tratado enquanto uma performance da canção popular massiva, pode ser tratado não só a partir da idéia de que ele corporiica as questões da canção popular massiva, como também gera noções de espaço e cenário para as faixas musicais. - 150 - 3.3.2 Performance midiática e produção de sentido A nossa perspectiva é de que o videoclipe seria uma performance inscrita na canção, uma vez que traz a possibilidade de uso dos espectros áudio e visuais para compor uma “camada visual” (VALENTE, 2003, p. 96) sobre a canção. Enquanto esta “camada” sobre a canção, o videoclipe articula uma forma de enxergar a canção dentro dos seus sistemas produtivos. Portanto, é preciso compreender que a análise de um videoclipe, tomando-o como uma performance da canção popular massiva, não pode ignorar dinâmicas discursivas dos objetos, ou seja, que condições de produção e reconhecimento geraram também gramáticas de produção e reconhecimento nas canções e nos clipes. Discutindo estes aspectos, estaremos nos direcionando à constituição da ampliação da relação empreendida entre videoclipe e gêneros musicais, uma vez que, através do conceito de performance, é possível localizar as constituições entre clipe, canção e estratégia de endereçamento genérica. Esta problemática genérica é discutida no esteio da performance como um ato de comunicação. Segundo Jeder Janotti Jr, “a performance aponta para uma espiral que vai das codiicações de gênero às especiicidades da canção. Mesmo que de maneira virtual, a performance está ligada a um processo comunicacional que pressupõe uma audiência e um determinado ambiente musical. Assim, a performance deine um processo de produção de sentido e conseqüentemente, de comunicação, que pressupõe regras formais e ritualizações partilhados por produtores, músicos e audiência, direcionando certas experiências frente aos diversos gêneros musicais da cultura contemporânea”. (JANOTTI JR, 2005b, p. 9) É preciso destacar que, sendo registrada em suporte midiático, a canção tem sua performance inscrita: seja nas condições de registro vocal, na dinâmica de audição (que poderá ser galgada na repetição), na organização em torno de álbuns fonográicos, no alcance de circulação e nas conigurações que regem o star system da música popular massiva. As execuções midiáticas das canções populares massivas não só permitem tornar as vozes dos cantores familiares ao cidadão comum, como também resultam na identiicação destes cantores a partir de produtos. Ou seja, a performance passa a ser dotada de camadas e os artistas, com isso, passam a estar “disponíveis” em inúmeros contextos. Heloísa Valente (2003) atesta que “o descolamento mais ou menos parcial da identiicação ator-cantor/personagem só iria acontecer a partir do momento em que a tecnologia, por meio do universo das mídias, pudesse desmembrar as diversas camadas da performance, tornando o artista mais acessível ao seu público (signicamente)”. (VALENTE, 2003, p. 46) A performance da canção popular massiva ganha formas de estar em circulação e de ocupar espaços. A metáfora de que, num período em que não havia a coniguração mediática, a performance do artista ao vivo era seu “objeto de criação” passa a ser substituída por uma regra em que o “objeto de criação” passa a “criar outros objetos”. O videoclipe se situa como um desdobramento da performance da canção popular massiva uma vez que integra a cadeia de produção de sentido que articula o sonoro e o visual, sendo “regido” por uma sistemática de construção de imagens que opera com signos visuais “inseridos” na canção e que - 152 - operam segundo pressupostos das próprias performances apresentadas. Nesta lógica, podemos entender o videoclipe como uma nova camada de mediação sobre a canção popular massiva, sendo esta nova camada de mediação articulada à construção de um objeto (o videoclipe) que seja o mais próximo ao universo do objeto que sintetiza (a canção) e, portanto, estando articulado ao gênero musical e à narrativa particular do artista que performatiza a canção. Interessa-nos também – e deve interessar ao analista – como a performance inscrita na canção pode ser relacionada aos atos performáticos (shows, apresentações ao vivo na TV, etc) e de que maneira o videoclipe se aproxima ou se distancia destas relações. Entendemos que o clipe é uma camada visual sobre a performance inscrita na canção; resta-nos perguntar como esta camada opera com relação ao material signiicante inscrito na canção popular massiva. É nossa preocupação compreender de que forma o videoclipe se relaciona com outros atos performáticos do artista em análise. 3.3.3 O clipe como performance de uma gestualidade Toda expressão musical da cultura popular massiva indica modos de especíicos de corporiicação, que incluem, determinados modos de interpretação rítmica. A interpretação rítmica não signiica somente uma expressão pública de certos movimentos corporais diante da música e, sim, a corporiicação presente na própria música, mesmo para os gêneros musicais que pressupõem uma audiência passiva em termos de movimentos corporais. A “corporiicação” da produção de sentido da música popular massiva está atrelada aos gêneros e canções, ou seja, a execução musical implica determinadas questões: qual a voz que canta (ou fala)? Ou no caso de alguns subgêneros da música eletrônica: qual os corpos que tocam e dançam a música? Quem está tocando, falando e/ ou cantando?A perfomatividade da voz ou do ato de “tocar” descrevem um senso de personalidade, um modo peculiar de interpretar não só determinada música como as próprias convenções de gênero, um modo característico de corporiicação das expressões musicais. O videoclipe, em si, pode ser uma interpretação rítmica sobre a performance inscrita na canção. Neste sentido, cabe ao analista perceber de que forma luxos, ciclos, dispersões presentes nos audiovisuais são frutos de conigurações presentes nas canções e nos gêneros musicais. Entendemos, portanto, a interpretação rítmica como um movimento musical que reverbera num corpo, colocando-se a questão: o que signiica se “mover” com a música? A problemática é disposta por Simon Frith (1996) na medida em que o autor situa uma continuidade entre ouvir e “ser movido” pela música. Ou seja, é perceptível a naturalização do “ser movido” e “dançar” a música: ambos indicam modos de responder, corporalmente, a impulsos musicais. Neste caso, podemos sintetizar conceitualmente o argumento de Frith atestando que “dançar é desejar um movimento (...) mas é também um movimento desnecessário cujo im signiica uma escolha estética mais do que, simplesmente, um motivo funcional”. (FRITH, 1996: p. 221) Neste sentido, a dança, de alguma forma, pode ser resumida como a estetização de um gesto que se dirige para outrem, para um espectador – mesmo que este espectador seja o - 154 - próprio dançante. Na dança, os movimentos são gerados, “carregados” pela música, acarretando numa noção de continuidade, de lógica das formas. Nos videoclipes, o terreno das relações entre dança e performance pode ser problematizado sobretudo porque pensar o vídeo através de sua relação com os princípios basilares da canção popular massiva signiica questionar as relações entre artista, público, canção e performance. Essas distinções são, freqüentemente, incorporadas em videoclipes, sobretudo porque as respostas corporais que se tem a determinados tipos de músicas, variam, diante dos gêneros musicais. O público de heavy metal, por exemplo, responde corporalmente de maneira bem diferente da audiência de axé music (o pulo, o salto e as coreograias marcadas). Até num público que assiste a um show de um artista da Bossa Nova, por exemplo, e que muito provavelmente está sentado, num teatro, temos a noção de dança articulada a um princípio de que o corpo, embora em repouso, responde a uma determinada forma de executar a sonoridade. A observação da platéia que assiste a um show é uma interessante maneira de perceber as codiicações da dança, podendo o videoclipe incorporar certas formas de dançar uma canção, também, a partir de códigos genéricos. Videoclipes de rock podem ser vistos como uma forma de dançar este gênero, a partir da identiicação, em suas gramáticas de produção e de reconhecimento, de incorporações no âmbito audiovisual, de formas de responder corporalmente a este tipo de música. É comum, por exemplo, que nos clipes de rock, tenha-se tremulância no uso de câmeras, “sujeira” nos planos imagéticos, certo “descaso” proposital na edição, acarretando, muitas vezes, em audiovisuais que querem se parecer toscos, sujos. Videoclipes desta natureza podem ser encarados como uma forma de dançar o rock, uma vez que temos uma série de codiicações no esteio audiovisuail, de aspectos que são extensões da maneira de responder corporalmente ao rock. O clipe pode ser, portanto, uma indicação corporal à canção, uma forma de se construir como uma performance sobre a música. No terreno da música eletrônica, onde é comum a ausência de vocais nas músicas (sendo a expressão musical, muitas vezes, a junção e a criação de atmosferas das batidas eletrônicas), o conceito de videoclipe como performance da canção popular massiva que “dança” e corporiica esta canção faz-se ainda mais esclarecedor. Sem uma referência lírica da letra, cabe, em muitos casos, aos diretores de videoclipes de música eletrônica, o trabalho de pensar a imagem como textura, como ambiente para a união entre base musical e imagem, entre edição e batidas sincopadas. Neste caso, soa evidente que o videoclipe se conigura numa dança sobre a canção, até porque os procedimentos de edição de clipes de música eletrônica, de maneira geral, se dão a partir de aleatoriedades na montagem, sendo, o processo de “cobertura” da faixa sonora na ilha de edição, um trabalho de “resposta” às batidas sonoras. Em outras palavras, o editor “cobre” o videoclipe com imagens a partir das batidas sonoras que lhe são evocadas pelo som. Este procedmento está próximo da idéia de montagem expressiva, desenvolvido por Eiseinstein e apreendido no terreno do vídeo por Yvana Fechine. Segundo a autora, “sob a designação de montagem expressiva podem ser reunidos todos os procedimentos e elementos responsáveis pela construção do discurso na ilha de edição, explorando os recursos técnico-expressivos disponíveis inicialmente nos - 156 - sistemas lineares (...) e somados, hoje, ao processo digital da imagem nos sistemas não-lineares”. (FECHINE, 2003, p. 104) O conceito de montagem expressiva no videoclipe nos ajuda a entender que a idéia de que o clipe é uma dança sobre a canção habita tanto os procedimentos de elaboração dos produtos, ou seja, suas condições de produção, chegando às gramáticas produtivas propriamente ditas. Ou seja, temos a presentiicação, nas matérias expressivas dos produtos (no nosso caso, do videoclipe), do princípio da performance como uma ferramenta que abarca uma série de aspectos deste audiovisual. Podemos sintetizar a noção de que o clipe é uma performance sobra a canção a partir de dois princípios basilares: 1) O videoclipe apresenta gestuais, modos de dançar e de agir de artistas que são respostas corporais de uma trajetória particular e das conigurações de gêneros musicais: neste caso, entendemos que o conceito de dança se aplica aos protagonistas e iguras humanas que transitam no audiovisual. Identiicar como os corpos articulam as respostas corporais às músicas, codiicam formas de expressar uma identidade artísticas e agem sob as balizas das conigurações dos gêneros musicais são tarefas prementes na análise de clipes. Como exemplo, podemos citar, os gestuais do cantor pernambucano Chico Science simulando patas de carangeueijo com as mãos no videoclipe da canção “Maracatu Atômico”, como uma forma de dançar a música articulando, no caso deste artistas, preceitos oriundos do Movimento Manguebeat, das estratégias de criação de uma identidade próxima da cultura popular, dentro de preceitos genéricos que lertam com a dinâmica despojada do rock e da intensa movimentação dos braços do hip hop (gêneros musicais que se “encontram” de forma evidente no grupo Chico Science & Nação Zumbi). As marcações coreográicas de artistas como Madonna, por exemplo, que no clipe “Hung Up”, responde corporalmente aos impulsos da canção, articulando recriações dos passos típicos dos anos 70 e da era da discoteca no âmbito do audiovisual, nos fazem perceber que, para além da análise do gestual, há a construção de estratégias que se fazem presentes desde a canção popular massiva. Aprofundando o exemplo de “Hung Up”, de Madonna, a canção apresenta sample de uma música do grupo sueco Abba, “Gimme, guimme, guimme! (A Man After Midnight”. A estratégia da canção soar “passadista”, retrô, com citação a uma banda famosa nos anos 70, impele-nos a perceber que esta mesma estratégia pode estar presente na forma de Madonna responder corporalmente aos impulsos musicais da canção. Portanto, todo gestual da cantora tanto nos atos performáticos ao vivo quanto no videoclipe de “Hung Up” remetem a uma releitura de um gestual retrô, gerado a partir de uma estratégia performática. Estes exemplos nos ajudam a indetiicar e problematizar o videoclipe como uma interpretação rítmica sobre a canção na medida em que localizam, na presentiicação de gestos, de respostas corporais e de elementos coreográicos, produções de sentido que unem a performance ao gênero musical. 55 2) O videoclipe apresenta recursos de câmera, de edição e de pósprodução, apontando gramáticas produtivas que representam formas de 55 “Uso da tecnologia de computador para extrair trechos selecionados de trabalhos previamente gravados e usá-los como parte de um novo trabalho, usualemente como fundo sonoro de acompanhamento para novos vocais”. (SHUKER, 1999, p. 251) - 158 - dançar uma canção a partir das expressividades áudio e visuais: o conceito de interpretação rítmica, portanto, vai permear os recursos técnicos presentes nas gramáticas do videoclipe. Neste sentido, por exemplo, as expressões de música eletrônica sem vocais podem ser contempladas através deste conceito, na medida em que, atmosferas de bases musicais, batidas, “estouros”, entre outros recursos sonoros serão “incorporados” no audiovisual como uma forma de dançá-los. O videoclipe, portanto, “se coreografa” ao som das batidas eletrônicas, muitas vezes, ignorando conteúdos das imagens articuladas na edição. O preceito, portanto, é o do bailar das imagens e da edição proporcionando um efeito de dança das imagens que acompanham os arranjos das canção originária do videoclipe. O clipe “Star Guitar”, do duo de música eletrônica Chemical Brothers, seria um profícuo exemplo de como tais recursos expressivos audiovisuais podem gerar uma noção de dança sobre a canção. Neste audiovisual, temos uma faixa de música eletrônica sem vocalização. A câmara do vídeo acompanha a janela de um trem passando por diversas regiões (ora com vegetações, ora com prédios industriais, ora com pessoas, etc). O que nos interessa perceber, trazendo à tona este videoclipe como exemplo, é o fato de que, na ausência da referência lírica de uma letra da canção, resta ao diretor deste audivisual, o francês Michel Gondry, fazer suas imagens “dançarem” sobre a base eletrônica. Para isso, Gondry sincroniza as batidas da música a objetos aleatóricos nas imagens, empreende uma edição que ambienta o frenetismo das batidas e compactua da criação de atmosferas imagéticas em consonância com a base musical. Este princípio nos revela uma dinâmica comum no terreno da sinestesia, conforme já apresentado no âmbito do videoclipe por Arlindo Machado (MACHADO, 1998, 2001), mas que, diante das especiicidades de gênero e das relações performáticas, se faz necessária uma abertura teórica rumo ao conceito de performance. 3.3.4 O clipe como performance de uma oralidade Vimos que o clipe pode ser a performance de uma ação de uma gestualidade ou de uma oralidade. No terreno da oralidade, como já alertou Paul Zumthor (1997), a voz é emitida, pensada e apreciada iconicamente. Ou seja, ao nos determos na audição de uma determinada voz, somos impelidos a registrar de maneira imagética as operações executadas pelo intérprete. As inlexões das execuções dos cantores pode ser uma “porta de entrada” para o universo dos intérpretes da música popular massiva que se utilizam do videoclipe como aporte conceitual de suas carreiras. Pensar a execução da canção tomando como pressuposto a vocalização é encontrar na voz uma materialidade analítica que, por exemplo, Roland Barthes (1990) já alertava ser possível através da visualização do que o autor chama de “o grão da voz”: “O ‘grão’ seria: a materialidade do corpo falando a sua língua materna: talvez a letra; quase que certamente a signiicância”. (BARTHES, 1990, p. 239) A idéia de voz como escritura empreende uma possibilidade de apreensão teórica do fenômeno, uma vez que abre a possibilidade da compreensão de que, o que é dito, pronunciado, falado, cantado, pode ser descrito e analisado posteriormente. Como uma escritura, a voz é uma marca pessoal de conteúdo fudamentalmente biográico, que se articula e remete a um - 160 - corpo. “O ‘grão’ é o corpo na voz que canta”, descreve Barthes, levandonos a perceber que a o conceito de grão, a que o autor se refere, signiica a busca por uma materialidade analítica na dinâmica da voz e do canto. Pensando especiicamente a noção de voz na música popular, Richard Middleton (1991) airma que a musicalidade popular é “essencialmente uma ‘música de voz’. O prazer de cantar, de escutar os cantores, é fundamental para este tipo de música e há uma forte tendência dos vocais atuarem como foco uniicador da canção”. (MIDDLETON, 1991, p. 261) Neste sentido, entendemos que o debate sobre a questão da voz no âmbito dos estudos musicológicos tem a perspectiva de dizer respeito aos embates na relação do que é dito nas letras diante das formas melódicas e das especiicidades artísticas. Não ignorando a relevância desta abordagem, propomos compreender que a voz é instrumento de uma construção midiática, que se localiza entre as particularidades dos artistas que cantam e os gêneros musicais sob os quais tais artistas se enquadram. Assim, nos encaminhamos para as abordagens sobre a voz na música popular massiva de Roy Shuker (1999) e Simon Frith (1996). Para Shuker, nos estudos sobre música pop, há um debate que recai sobre as estratégias de autenticidade de determinados artistas e suas instâncias produtivas, a partir das modulações vocais. Por exemplo, a voz “não educada” daria uma noção de tensão, naturalidade e “falta de artifício” que se constituiria numa das principais ferramentas de constução de autenticidade do rock. Poderíamos problematizar ainda mais esta premissa e discutir, por exemplo, como os gêneros musicais constróem não só um pressuposto de autenticidade e cooptação a partir das apresentações vocais, mas, também, entender que são os gêneros musicais que se constituem como uma espécie de baliza no uso da voz pelas instâncias produtivas da indústria fonográica. Interessante é se deter, por exemplo, na audição de canções de diferentes gêneros musicais para perceber como as vozes dos artistas se apresentam moduladas nas faixas. Canções integrantes da chamada Música Popular Brasileira (MPB), certamente, apresentarão uma modulação de voz mais “ouvida” que os instrumentos. É uma das convenções deste gênero, a forte presença da letra e da ênfase no que é dito, ressaltando, portando, a relevância da aparição do vocal do artista. Já na música eletrônica, em contrapartida, temos uma perspectiva de convenção de gênero musical que permite o uso de vozes digitalizadas, muitas vezes, mixadas num volume mais baixo que o das batidas eletrônicas, enim, compondo um quadro em que a voz vira um dos artefatos dos aspectos sintéticos presentes na música eletrônica. Simon Frith atenta para o fato de que, além dos gêneros musicais, é possível discutir os gêneros naturais (masculino e feminino) na análise dos produtos da indústria fonográica. A voz feminina, a variar de timbre, volume e entonação, desperta para a composição de uma série de imagens previamente inscritas e que, muitas vezes, são incorporadas em materiais de divulgação - incluindo videoclipes. O mesmo acontece com as vozes masculinas. Vale a pena chamar a atenção para a composição de vozes que icariam no limiar entre o masculino e o feminino, evocando uma certa ambigüidade que poderia ser traduzida numa espécie de construção de uma androginia no esteio da indústria do entretenimento. Detectamos, portanto, que o modo como se canta na música popular massiva é - 162 - fundamental para entender o fascínio que certos artistas exercem sobre os públicos. Frith desperta para a problemática de que há uma ampliação do conceito de voz na música popular massiva uma vez que, na audição de determinada faixa, percebe-se a conluência de vozes na dinâmica da indústria musical: a “voz” do compositor e do intérprete que se coloca na situação lírica do texto. Neste caso, entendemos que a voz descreve um senso de personalidade e, por isso, se aproxima do conceito de biograia ou de “descoberta biográica”, uma vez que, sabe-se, na indústria fonográica, muitas vezes, artistas constróem personagens detentores de “fatos biográicos” isolados . O conceito de biograia, aqui, não é pensado no sentido de compreender o que o letrista qus dizer com aquele texto, mas de que forma, o intérprete, ao colocar sua voz sobre a canção, permite que sua vida seja “encenada” diante de um material que pode não ter sido escrito ou produzido por ele. Simon Frith chama atenção para o fato de que, é no contexto da cultura pop, que as vozes assumem certas expressividades pessoais dos seus intérpretes. 56 “O primeiro ponto generalizante que podemos tomar na apreensão da voz na cultura pop é que ouvimos expressões pessoais dos cantores - mesmo, talvez especialmente, quando eles não estão cantando suas ‘próprias canções’ - de um modo que um cantor clássico, até uma estrela dramática e “trágica” como Maria Callas, não faz”. [grifo do autor] (FRITH, 1996: p. 186) 56 Tomemos como exemplo, o Ziggy Stardust, de David Bowie; o Marilyn Manson, de Brian Warner ou a Adriana Partimpim, de Adriana Calcanhotto. Esta diferenciação que Simon Frith realiza ao tomar a voz como um instrumento de análise na música é funcional ao tratar do universo do videoclipe, uma vez que podemos perceber como o cantar de um artista da música pop permite a visualização de uma maneira bastante pessoal da se expressar - o que o diferencia dos cantores clássicos, de óperas, que tinham que obedecer a um certo padrão de canto. No caso da música popular massiva, essa personalização do canto permite não só a identiicação de uma expressividade através da voz, como serve de ponto de partida para a identiicação de imagens que estejam associadas a estes determinados modos de cantar. Como exemplo, podemos pensar em formas de “fazer visualizar” um grito num audiovisual ou um sussurro, entre outros aspectos vocais que teriam a propriedade de serem traduzidos no âmbito do videoclipe. Ainda segundo Frith, interrogar como se apresenta a voz é perceber que podemos aproximá-la, pensando a voz como um instrumento musical, com um corpo, uma pessoa e um personagem. (FRITH, 1996, p. 187) A voz como instrumento musical se delineia a partir das relações sônicas entre os instrumentos musicais que acompanham o canto e a voz, propriamente dita. Este princípio é tratado, no senso comum, a partir de uma certa “qualidade” virtuosa do artista em questão. Perceber a voz como um instrumeno musical é dotá-la de um alto grau de materialidade e de possibilidade de construção estratégica dentro das dinâmicas produtivas da indústria fongráica. A voz compreendida como corpo evoca o fato de que, cantar, é realizar gestos faciais e corporais, 57 57 A noção de canto virtuoso está atrelado ao desempenho vocal de alcance destacado, executado por tenores e cantoras líricas com propriedades especíicas. O termo é empregado na música popular massiva para destacar certos desempenhos vocais de determinados artistas. Para mais informações: VALENTE, Heloísa de Araújo Duarte. As Vozes da Canção na Mídia. São Paulo: Via Lettera, 2003. - 164 - estender para os extremos do corpo as dinâmicas de m aspecto vocal. Dessa forma, podemos compreender que analisar a voz num produto midiático signiica procurar sua exterioridade, sua forma, sua maneira de compor uma idéia. A voz, mais do que apenas traduzir um corpo, evoca um alguém, uma pessoa, uma biograia: trata-se de identiicação de uma idade, de um gênero natural, de um sotaque, de um acento. E, em muitos casos, a estetização vocal apela para a compreensão do fato de que estamos diante de uma construção de um personagem. A discussão em torno da forma com que podemos problematizar a questão da voz no videoclipe pode se delinear na forma com que o clipe, por exemplo, iconiza esta voz do artista protagonista do audiovisual. É de fundamental relevância classiicar a voz de quem canta e ver de que forma os aparatos midiáticos sintetizam imageticamente esta voz. Gritos, sussurros, especiicidades vocais podem ser conigurados imageticamente através de movimentações de câmera, recursos de edição ou registros de gestuais do artista. Assim, os gêneros naturais podem se discutidos partindo da performance inscrita na canção em direção ao videoclipe: como o conjunto (voz, atos performáticos, corpo) de um artista o localiza numa determinada coniguração de homem ou mulher. Deve ser intenção do analista tensionar as coniguração do masculino e do feminino nas acepções audiovisuais e localizar momentos de interpenetrações: o masculino mais próximo do feminino e vice-versa, entendendo que situar a problemática no terreno da androginia também é de fundamental importância para entendimento das estratégias de consumo da indústria fonográica. 3.3.5 O clipe como performance de um cenário A produção de sentido da música popular massiva tem como alicerce conceitual o estudo pormenorizado das expressões musicais, suas formas constitutivas e plásticas. No entanto, não podemos esquecer que ouvir música é uma experiência localizada numa determinada cultura, o que requer uma série de inferências acerca das relações construídas num contexto sócio-histórico. Neste sentido, a relevância da abordagem da performance para discutir conceitualmente o videoclipe acontece em função da necessidade de compreender como os apontamentos plásticos da canção são conigurados em relação às perspectivas de gênero e das especiicidades dos próprios artistas. Sob este espectro, propomos problematizar e tensionar mais uma questão dentro da nossa abordagem da performance: os cenários inscritos nas canções populares massivas. Discutir esta construção de cenários signiica, fundamentalmente, inserir o ouvinte na dinâmica da música popular massiva, entendendo que o seu posicionamento advém de uma localização sócio-cultural. Para Jeder Janotti Jr, “parte do consumo musical ligado aos DJs da música eletrônica ou ao último lançamento das estrelas da axé-music, incorporam imaginários e cenários diversos, bem como diferentes modos de lidar com a circulação destas canções na cidade contemporânea e, por conseguinte, com os cenários musicais pressupostos nestas expressões sonoras” (JANOTTI, 2005c: p. 4) - 166 - Trazemos, portanto, um ponto relevante nos trajetos sonoros da música popular massiva: o fato de que a apreensão da música também depende do modo como as sonoridades habitam os espaços inscritos em suas performances. “A estrutura musical evoca sensações no ouvinte que estão conectadas imaginariamente a determinadas atmosferas”, atesta Janotti Jr. O estudo das conexões entre música e entorno sócio-cultural é um dos alicerces do trabalho de autores que se preocuparam com a delimitação do que seria a paisagem sonora, termo tão controverso, no entant, matriz conceitual para a nossa idéia de cenário. R. Murray Schafer (1992) sistematizou as perspectivas de construção de uma paisagem a partir do material sonoro, levando em conta, desde a dinâmica da execução de uma determinada partitura numa sala (evocando, por exemplo, questões como a morfologia do som, a reverberação, a noção de declínio, etc) até o que o autor chamou de “nova paisagem sonora” (SCHAFER, 1992, p. 187), compreendendo que, fora das salas de concerto, nas ruas, nos becos, nas cidades, havia uma dinâmica espefíica de sons que poderia ser entendida também a partir da noção de “paisagem”. “O mundo de sons à nossa volta tem sido investigado e incorporado às músicas produzidas pelos compositores de hoje. A tarefa é estudar e compreender teoricamente o que está acontecendo ao longo das fronteiras das paisagens sonoras do mundo”. (SCHAFER, 1992, p. 188) Esta forma de imbricamento dos sons dos instrumentos musicais com os sons do mundo representa uma nova etapa nas relações sonoras, plásticas e contextuais. Num primeiro momento, os estudos sobre as perspectivas pictóricas presentes nos sons abre espaço para uma compreensão mais sociológica do fenômeno musical, buscando criar elos entre música e contexto, som e mundo. Parte-se, portanto, para uma espécie de retroalimentação sonoro-musical: a cidade em sua dimensão sonora seria um manancial para compositores, artistas, cantores. Heloísa Valente (2003) desdobra o conceito de paisagem sonora, inserindo a perspectiva das mídias nesta elaboração. Entre o inal do século XIX e início do século XX, com a fotograia, o cinema, o disco, o rádio, entre outros meios, temos uma “adaptação perceptiva”, uma reorganização sígnica e uma caracterização da cidade como este espaço de conluências de sons, “a comunicação cada vez vai assumindo um caráter mais tátil”. (VALENTE, 2003, p. 36) Esta tactilidade a que a autora se refere, pode ser compreendida através da idéia de que ampliam-se as possibilidades de constituição sonoro-musical. A cidade, em seus sons cotidianos, passa a caracterizar e a ser caracterizada pelas canções que dela emanam, que dela falam, que dela se constituem. A cultura urbana passa, portanto, a ser identiicada por gêneros musicais, por formas especíicas de cantar, de sotaques, de modos de apropriação da canção e da musicalidade da fala no ambiente social. Vale ressaltar que, como as tessituras urbanas se constituem como um espaço de construção de conigurações reais e imaginárias, os cenários inscritos nas canções não obedecem, obrigatoriamente, a uma cartograia geográica e tradicional. Como atesta Janotti, “é possível falar dos cenários épicos do heavy metal, do sertão do baião, da Jamaica do reggae ou da metrópole do rap; na verdade esses exmplos não são referências a territórios em sentido tradicional, e sim, espaços associados a certas sonoridades, ou melhor dizendo, paisagens (com suas contradições, anseios e faltas) presentes na música popular massiva”. (JANOTTI, 2005c: p. 8) Dessa - 168 - forma, entendemos que, adentrar à esfera do videoclipe a partir das constituições e elos entre performance e cenários, signiica: 1) Partir para a veriicação de especiicidades que podem estar sinalizadas nas formas dos tratamentos sonoros da canções e sua correlação e constituição de um ambiente no clipe que se associe, de maneira sinestésica à imagem. Ou seja, o uso de sons de ordem orgânica ou acústica pode agir como constituinte de um cenário que apele para as relações memorialistas, bucólicas, etc; já a utilização de sons sintéticos, como indicador de um cenário futurista, igualmente sintético. Os instrumentos musicais utilizados nas canções também podem indicar formas de associar cenários na constituição de videoclipes: a presença do piano e a remissão a ambientes clássicos; a guitarra e a referência aos espaços jovens, urbanos, ermos do rock, etc. 2) O exame da sonoridade e da articulação vocal do intérprete conecta-se a uma dicção ligada a determinados traços imagéticos. Segundo Tatit (1997, 1999, 2001, 2004) pode-se, a princípio, estruturar as diferentes formatações da canção popular brasileira, em três dicções diferenciadas: 1) a tematização, caracterizada por uma regularidade rítmica centrada nas estruturas dos refrões e de temas recorrentes, como, por exemplo, as canções da Jovem Guarda e pela música axé; 2) a passionalização, caracterizada por uma ampliação melódica centrada na extensão das notas musicais, exempliicada pelo samba-canção, sertanejo 58 58 O conceito de “dicção da canção” advém dos estudos do semioticista Luiz Tatit (2004), que considera como dicção o encontro entre letra e melodia na canção popular massiva brasileira e que aqui é estendido à canção popular massiva em sentido amplo. A dicção caracteriza tanto um canções especíicas, bem como traços estilísticos dos diversos gêneros musicais presentes na música popular massiva. e “baladas” em geral e 3) igurativização, em que há uma valorização na entoação lingüística da canção, valorizando os aspectos da fala presentes nessas peças musicais, tal como acontece no rap e no samba de breque. Dessa forma, a localização da canção dentro de uma dessas dicções especíicas pressupõe a caracterização de um determinado cenário, na medida em que esta dicção está intimamente associada a um gênero musical. Portanto, uma canção da Jovem Guarda, tendo uma tematização tão marcada, diicilmente cria ambientes que não estejam associados às imagens previamente estabelecidas sobre os anos 60, os cenários e igurinos da época; uma balada romântica, de dicção passionalizada, se ediica num pressuposto de cenário “idealizado”, romântico, idílico e o rap, de conteúdo igurativizado, a partir de uma forte referência de gênero musical, também terá suas imagens associadas, compostas diante de pressupostos genéricos. 3) A coniguração biográica do artista é um pressuposto para a localização de cenários inscritos nas canções. Este tópico aponta para o fato de como a construção midiática de certas carreiras da indústria fonográica se coniguram em estratégias de construção de aparatos conceituais. Tais aparatos estão em consonância com as dinâmicas do star system da indústria fonográica. Pensar a trajetória do grupo irlandês U2 é profícuo na identiicação de diferentes cenários impostos ao longo de sua carreira. Da Irlanda militante e politicamente localizada do início da carreira, passando pelos ambientes escuros e esfumaçados de grande parte de suas baladas e seguindo à profusão de cores de sua fase mais pop, - 170 - temos a constituição de cenários como uma estratégia de ambientação, de diferentes lugares para um artista musical. 4) As perspectivas de cenários se articulam às geograias reais e imaginárias dos artistas da música popular massiva. Dessa forma, ter os clipes do rapper Marcelo D2 ilmados na cidade do Rio de Janeiro não se conigura apenas numa extensão das particularidades sonoras inscritas na canção, é antes uma estratégia de endereçamento do próprio artista e a construção de uma dinâmica de autenticidade ligada às práticas da metrópole carioca. Clipes de banda díspares do Manguebeat, como Devotos (punk) e Mundo Livre S.A. (rock) e que tinham como cenário a cidade do Recife se instituem a partir de uma relação com a cena local, uma vez que problematiza a noção da expressão cultural coletiva. As geograias imaginárias ligadas a artistas e gêneros musicais também estariam compostas neste princípio. Dessa forma, o nosso estudo se ediica na noção de que as performances inscritas nas canções trazem à tona cenários associados, em alguns casos, a apontamentos internos e textuais das canção em consonância com referências e construções midiáticas destas. Ao longo deste capítulo, trouxemos à tona a relevância de discutir conceitualmente a relação entre a performance da canção popular massiva e o videoclipe. Nossa perspectiva é de adotar tal relação como um dos mecanismos de apreensão e de formulação da nossa metodologia de análise de videoclipes. Dentro de conceito de performance nos meios sonoros, adotamos três princípios como sendo fundamentais para a discussão no âmbito do videoclipe: como o gestual de um determinado artistas se conigura num artefato de construção midiática do vídeo; de que maneira, o clipe pode se conigurar, ele mesmo, um gestual, uma dança, sobre a canção popular massiva, compreendendo as especiicidades das ferramentas semióticas capazes de produzir sentido; de que forma a voz é um constituinte que reverbera no clipe, seja através da sua percepção enquando um instrumento musical, uma pessoa, um corpo ou um personagem; e, por im, como as performances das canções já trazem uma noção de cenário previamente inscritas. Trazendo estes conceitos para a compreensão do fenômeno, estaremos avançando na dinâmica das relações entre videoclipe e mercado musical e nos encaminhando para a veriicação das constituições das estéticas da cultura midiática na comunicação contemporânea. - 172 - CAPÍTuLO 4 - 174 - A GêNESE DA CuLTurA DO VIDEOCLIPE O debate sobre o videoclipe enquanto produto da cultura midiática requer visualizar suas dinâmicas de circulação e, portanto, compreender suas trajetórias e itinerários. Este mapeamento se faz necessário para que possamos visualizar um quadro dinâmico e complexo que se estabelece quando se estuda um produto que integra a chamada “cultura das mídia”. Ao propormos a compreensão das lógicas de circulação do videoclipe, estamos, também, reconhecendo que o mecanismo produtivo deste objeto midiático desvela questões que orbitam sobre tais princípios. Pensar sobre a circulação de um produto como o clipe angaria a compreensão de: 1) Quem produz os videoclipes, que interesses institucionais ou pessoais envolvem a referida produção. Por que se produz, com que intuito e que princípios. De que forma o mercado de música, produtores independentes ou artistas assumem um posicionamento ao decidirem produzir um videoclipe. A lógica da produção de clipes imbrica, também, em reconhecer que artefatos tecnológicos estarão disponíveis para a produção do produto e como estes elementos serão usados, levantando hipóteses sobre as indicações de reconhecimento inscritas nestas opções. 2) Como efetivamente os clipes entram em circulação, através de que meios de comunicação se disseminam estes audiovisuais. A problemática da circulação coloca em relevo os princípios tecnológicos que envolvem a produção e o endereçamento destes produtos e que, no caso do videoclipe, obedecem a um pressuposto de, inicialmente, uma dupla forma de circulação: a televisiva e a digital. Não esqueçamos da coniguração, também, do videoclipe como um artefato mercadológico, comercializável seja no formato de arquivo para download em lojas virtuais ou mesmo em compilações em DVDs ou quaisquer outros suportes. 3) Que interesses há em quem assiste aos videoclipes. O que mobiliza alguém a assistir a um videoclipe e que expectativas estão envolvidas. Como se dão as formas de fruição e de apropriação do videoclipe na cultura midiática. Neste sentido, é preciso reconhecer que, embora o consumo de música na internet se dê, muitas vezes, sem uma referência imagética da fotograia do artista, do álbum, da capa ou do encarte de um CD, parece premente reconhecer que o videoclipe continua a ser a forma de contato com o universo imagético que o artista que performatiza a canção sintetiza. Perceber as formas de fruição do videoclipe na cultura midiática pressupõe inclusive levantar a questão do lugar do receptor na cadeia de produção de conteúdo das mídias. Sabe-se que quem frui um objeto midiático possui instrumentais para reelaborá-lo e compor o que podemos chamar de uma crítica midiática (BRAGA, 2005) e a evocação de um ponto de vista particular do espectador. Compreender estas lógicas se faz útil para darmos uma dimensão midiática ao videoclipe e reconhecer o seu lugar dentro de princípios do cotidiano, de uma apreensão da sua permanência enquanto objeto complexo. Esta linha de raciocínio nos encaminha para o debate em torno do que Douglas Kellner (2001) chama de “cultura da mídia” ou de cultura midiática. Ao propor enxergar a engrenagem da “cultura da mídia”, o - 176 - autor parece chamar atenção para os interesses e jogos de posicionamento e poder que fazem com que determinados produtos midiáticos continuem a “habitar” a chamada “cultura da mídia”. Assim, Kellner parece estar preocupado, como a máxima das correntes dos Estudos Culturais, na radiograia de um entorno, de como determinados discursos engendram uma lógica na sociedade que perpassa pela manutenção de certas normas sociais. Para Douglas Kellner, “há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade. O rádio, a televisão, o cinema e os outros produtos da indústria cultural fornecem os modelos daquilo que signiica ser homem ou mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente.” (KELLNER, 2001, p. 9) Cabe aqui uma pausa para relexão sobre a classiicação de Kellner sobre “cultura da mídia”. O tratamento dado pelo autor aos produtos midiáticos parece soar excessivamente negativo, “apocalíptico” e também impregnado de uma politização do discurso, mas nos chama a atenção para uma espécie de invólucro simbólico de modelização do cotidiano a partir destes produtos que nos interessa no sentido de construir a noção de que um produto midiático segue relevante dentro de um determinado contexto em função da permanência de seus usos e construtos de atribuição de sentido. Em outras palavras, é no terreno da cultura, do consenso e das lógicas de apropriação que reconhecemos a longevidade de um objeto da cultura midiática. O conceito de Kellner nos ajuda a perceber como o videoclipe ainda se faz presente no tecido da vida cotidiana. Seja na própria programação das emissoras de TV musicais, tanto em canais abertos quanto fechados, na larga disseminação de clipes em sites como o YouTube, na lógica de continuidade que existe em “ouvir a canção” e “ver o clipe” e mesmo nas maneiras com as quais os videoclipes pautam uma relação de proximidade e espelhamento entre fãs e artistas. Neste sentido, parece premente reconhecer o lugar dos “fanclipes” e da intensa produção de vídeos voltadas para eventos e shows musicais, além da incorporação dos manejos e trejeitos evocados pelos artistas nos videoclipes em ambientes como shows, casas noturnas, etc. 4.1 Videoclipe e estilo de vida pop Os videoclipes seriam um ponto de partida para o que podemos chamar de estilo de vida vinculado a uma lógica pop, entendendo o pop como uma premissa notadamente midiática. Como forma de posicionamento de um artista no mercado da música, logicamente, o videoclipe se impõe como uma extensão de um tempo de lazer do indivíduo e modela, com isso, apontamentos e pontos de vista dentro de uma vivência na cultura pop. O videoclipe fornece material simbólico para que indivíduos forjem identidades e modelem comportamentos sociais extensivos aos propostos pelas instâncias da indústria musical. Os clipes seriam, portanto, um dos instrumentais de ensinamento de uma vivência - 178 - pop, revelando uma maneira particular de encarar a vida a partir da relação deliberada entre a vida real e os produtos midiáticos. Videoclipes, com suas narrativas e imagens disseminadas, fornecem símbolos, mitos e recursos que ajudam a construir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo. A constituição da “cultura da mídia” se expressa, portanto, nos sistemas de rádio e reprodução de som (discos, itas, CDs e seus instrumentos de disseminação, como aparelhos de rádio, gravadores, CD players, etc), nos ilmes e seus modos de distribuição (cinemas, videocassetes, apresentação pela TV) e na imprensa (jornais, revistas, internet e televisão). (KELLNER, 2001, p. 12) O videoclipe dentro da “cultura da mídia” reforça seu caráter industrial, organizado com base no modelo de produção de massa e produzido de acordo com tipos (gêneros), segundo fórmulas, códigos e normas convencionais, não esquecendo que este caráter massivo do videoclipe encontra reverberações de circulação também nas plataformas de compartilhamento de vídeos digitais bem como nos programas de download de músicas. “A cultura da mídia almeja a grande audiência, por isso, deve ser eco de assuntos e preocupações atuais, sendo extremamente tópica e apresentando dados da vida social contemporânea.” (KELLNER, 2001, p.9) Por isso, cabe aqui problematizar questões de audiência de produtos televisivos na cultura contemporânea. E esta problematização advém sobretudo de uma série de tensões envolvendo os hábitos de se assistir a televisão. A audiência enquanto dispositivo quantitativo para mensurar o número de espectadores que estão fruindo um atrativo midiático parece compartimentar a noção de público, reconhecendo as especiicidades e os horizontes de interação dos indivíduos com os produtos. Neste sentido, procuramos problematizar a noção de público fruidor do videoclipe, sobretudo em função da delimitação do próprio estatuto do clipe enquanto um produto que se encontra numa encruzilhada, seja nas suas dinâmicas de produção (os encontros e tensões entre o mercado de música e de televisão ou, de maneira mais pontual, entre o fazer musical e audiovisual) ou de circulação (exibição em emissoras de televisão ou em plataformas digitais). Dessa forma, não se pode considerar a “audiência” de um videoclipe, um produto com uma série de nuances de exibição entre o televisivo e o digital, da mesma forma que se considera a audiência de um produto eminentemente televisivo, como um telejornal, uma telenovela ou um programa de entretenimento. Isto porque, considerando que o clipe é um produto de larga fruição entre o público jovem, é preciso reconhecer as formas de engajamento de jovem frente aos produtos audiovisuais. Os chamado “digital natives”, ou nascidos na era digital, são o principal alicerce da complexiicação dessa idéia mais homogênea de público fruidor do clipe. Por nascidos na era digital, entende-se a parcela dos jovens nascidos no inal dos anos 80 e início dos anos 90 que já teve parte de sua sociabilidade atrelada ao computador e à chamada “vida digital”. Para grande parte desses indivíduos, a televisão passa a “competir” em atenção com o computador e pode-se airmar que se instauram novos regimes de interação com o audiovisual. Assistir a vídeos, episódios de televisão, ilmes, seriados, no computador, passa a ser uma larga forma de entretenimento e um modo de interação dos jovens com os produtos audiovisuais. - 180 - Some-se a este quadro, o fato de se apresentarem variações em torno das formas de apresentações dos produtos audiovisuais. Ou seja, o estatuto imposto pelas emissoras de televisão, com, por exemplo, intervalos comerciais, blocos de atrativos com tempos determinados ou a noção fechada de um “programa televisivo” passam a ser questionadas. É comum assistirmos a fragmentos de programas televisivos na internet, trechos muitas vezes com outros títulos ou até determinados momentos de programas que poderiam passar despercebidos no sistema de exibição broadcasting. A questão que se desvela é a de que o videoclipe, em seu itinerário de exibição, ocupa tanto este lugar legitimado das emissoras de TV, sobretudo aquelas dedicadas ao público jovem ou segmentadas para conteúdos musicais, quanto o ambiente das plataformas de exibição e compartilhamento na internet. Com isso, resulta problemática qualquer tentativa de enquadramento conceitual mais rígida em torno das disposições dos videoclipes nos sistemas de exibição. Dessa forma, o que propomos visualizar aqui é um quadro complexo em que observamos a convivência de formas expressivas estáveis do videoclipe nos sistemas de exibição televisivos e uma série de possibilidades, fragmentos, re-organizações e re-interpretações do clipe no ambiente virtual de compartilhamento de vídeos. Mas, uma pergunta soa aparecer: como lidar com esta complexidade? A resposta parece estar expressa naquilo que norteia as principais hipóteses deste trabalho: de que a investigação e a análise dos produtos do cultura midiática são um lugar privilegiado para se compreender tanto os contornos expressivos das linguagens encenadas quanto os indicativos de itinerários de exibição e fruição que estão expressos nos próprios produtos. A análise dos próprios videoclipes funciona como um interessante indicativo das formas de expressão deste audiovisual e os seus caminhos pela cultura midiática. 4.2 O videoclipe como itinerário da cultura midiática Um dos procedimentos privilegiados para a compreensão do videoclipe enquanto objeto midiático é a investigação dos próprios produtos como instrumental capaz de orientar e habilitar análises mais acuradas sobre este audiovisual. É possível, a partir da investigação de marcas e vestígios discursivos dos produtos, evidenciar relações entre o videoclipe, o mercado de música, o cinema e as instâncias exibidoras, bem como, assinalar estéticas e reconhecer apontamentos imagéticos que passaram a funcionar como uma espécie de engrenagem visual dos videoclipes. Sublinhamos que toma-se o clipe como o resultado de um processo de midiatização da performance musical, colocando em relevo o princípio de que estamos diante de uma tentativa de síntese, num produto audiovisual, de um senso de personalidade do artista musical. Em outros termos, o videoclipe é a encenação desta personalidade angariada por balizas de gêneros (musicais, televisivos, cinematográicos) como forma de posicionamento no mercado musical. Destacamos que todas as articulações e jogos de linguagem, tão peculiares na concepção e na produção de clipes, precisam ser entendidas como dispositivos retóricos, forma de encantamento e de convite ao espectador. Esta disposição retórica presente nos produtos tem como princípio fundamental - 182 - posicionar o artista no mercado de música. Dessa forma, nesta parte do trabalho, faremos a retomada de alguns videoclipes que consideramos centrais para a compreensão dos desdobramentos da linguagem e das estratégias discursivas presentes neste audiovisual. Os critérios de escolhas dos vídeos aos quais nos reportaremos obedecem a princípios de ordem cronológica e foram trazidos à tona com o intuito de evidenciar uma hipótese central aqui apresentada: a de que a análise de produtos da cultura midiática é um importante indicativo para a compreensão de entornos mais panorâmicos e contextuais. 4.2.1 “Bohemian Rhapsody” O videoclipe “Bohemian Rhapsody”, do grupo Queen, lançado em 1975, é a prova de que reconhecer a relevância deste clipe para a banda signiica perceber algumas nuances de posicionamento do próprio grupo no mercado musical. Poderíamos dizer que, não é à toa, “Bohemian Rhapsody” aparece como uma das primeiras e mais celebradas experiências do videoclipe. Nosso ponto de partida sinaliza que é preciso reconhecer que o videoclipe como midiatização de uma performance musical precisa de um “terreno” fértil e propício para poder ser concebido como estratégia de posicionamento no mercado musical. Não à toa, o videoclipe encontrou, junto ao grupo inglês Queen, um ambiente para ser “eleito” como ferramenta de discurso no mercado na música. É preciso destacar o grupo Queen como uma das bandas que mais valorizava a questão da performance nos seus shows. Centrada na igura do vocalista Freddie Mercury, o Queen marcou o cenário do rock mundial ao inserir um tipo de performance que agregava, ao peso do rock, com guitarras, baixo e bateria, instrumentos como piano e harpa. Não só isso: a vocalização particular de Freddie Mercury, o gestual que mesclava traços marcadamente masculinos com uma certa “leveza” e atitudes femininas assim como no glam rock e em iguras emblemáticas como David Bowie colocou o Queen como um grupo com notada vocação performática. Esta vocação performática era reforçada pela música “Bohemian Rhapsody”, single do álbum “A Night at he Opera”, ou seja, a primeira canção a ser trabalhada no lançamento do disco, que trazia uma estrutura musical incomum (a faixa não possui um clássico refrão), unindo um certo clima de “ópera” ou de música erudita na sua introdução, ao peso do rock ao longo da faixa. Desta aparente estranheza entre o “erudito” e o rock, gerando uma matriz que a classiicaria como uma canção de rock progressivo, surgiria a possibilidade de uma tradução da música em imagem de maneira peculiar. Em “Bohemian Rhapsody”, somos apresentados ao grupo Queen diante de imagens que sugerem a idéia de eco, reverberação. Por se tratar de uma canção que se inicia simulando uma forma erudita de cantar, como numa ópera, a solução visual encontrada para adequar este princípio musical foi estender a imagem do vocalista Freddie Mercury como uma espécie de “jogo de espelhos”. A extensão da imagem evoca um princípio visual que é atrelado ao longo do videoclipe, com os “momentos eruditos” da canção sendo sintetizados a partir da lógica da repetição de uma imagem. Se vemos, num primeiro momento, a imagem do vocalista repetida ininitamente - 184 - gerando uma noção de profundidade, temos a consciência, a partir da própria disposição imagética, de que estes rostos repetidos estão localizados num ambiente televisivo – há um brilho e uma forma de apresentação da imagem que caracterizam a chamada imagem eletrônica da televisão, formada a partir de pontos eletrônicos e pela aparente ausência de deinição e profundidade de campo. Como viemos observando, o princípio de repetição da imagem – como evocação a um alongamento vocal do forma de cantar erudita – se repete no vídeo “Bohemian Rhapsody”, só que através de uma formatação imagética caleidoscópica. Estamos observando dois princípios de tradução visual no videoclipe de elementos plásticos presentes na canção “Bohemian Rhapsody”. Estes dois princípios são apresentados aqui porque, ao que nos parece, foram basilares na maneira com que este audiovisual foi encarado na ocasião de seu lançamento, em 1975. Ao contrário de experiências anteriores de “traduções visuais” de canções, como “Penny Lane” e “Strawberry Fields Forever”, dos Beatles, que geraram vídeos musicais mais “psicodélicos” e menos “musicais”, com “Bohemian Rhapsody” tinha-se, aparentemente, o materialização visual de uma canção, em suas imagens repetidas e caleidoscópicas como analogia ao “som erudito” e à presença física do grupo se apresentando como nas suas já notadas performances musicais. “Bohemian Rhapsody” vai gerar a matriz imagética mais disseminada no terreno do videoclipe: um audiovisual que une momentos em que assistimos à presença física da banda tocando e cantando, a momentos encenados fora daquela cena audiovisual, ou seja, o ambiente limitado pelo plano e pela edição do produto audiovisual. Vale a pena destacarmos que “Bohemian Rhapsody” também coloca em relevo a versatilidade do vocalista Freddie Mercury, que aparece no clipe cantando e tocando piano, passando a ocupar um lugar privilegiado e de destaque no terreno do rock – que vem de uma história, sobretudo junto ao punk, de uma despreocupação com o cantar, o tocar, enaltecendo certas características de rebeldia não só na vida particular de seus artistas, mas, sobretudo, no palco. Neste sentido, parece premente airmarmos que a baliza do gênero musical está angariada na forte presença cênica do vocalista Freddie Mercury e toda evidência da sua performance captada no videoclipe. O gestual, a caracterizada forma de se posicionar no palco e de se relacionar com a câmera e com o microfone, são apontamentos de uma certa pedagogia da performance através do qual o astro de rock teve que passar para se construir enquanto um objeto midiático. Inegável assinalarmos que o videoclipe e as performances ao vivo dos artistas são princípios para a construção de valores no mercado musical. Saber se posicionar no palco, saber “atuar” e, conseqüentemente, conquistar o público nunca foi algo naturalizado, mas sim, parte de um construto que tem como importante fator os produtos visuais atrelados ao mercado de música. Há, ainda, na investigação de “Bohemian Rhapsody”, contribuições que podem ser evidenciadas a partir do seu contexto de produção. A entrada da Warner (uma gravadora) na produção de vídeos musicais desencadeou, na Inglaterra nos anos 70, uma problemática em torno das estratégias de lançamento de produtos da indústria fonográica. Porque, até então, as primeiras experiências com vídeos musicais, feitas, por exemplo, pelos Beatles, tinham sido realizadas a partir dos interesses pessoais dos artistas em criar obras visuais a partir de suas canções. A - 186 - entrada de uma gravadora na produção de vídeos sinaliza a relevância deste artefato de forma institucional no mercado de música. A indústria fonográica inglesa encontrava-se polarizada entre a Warner Brothers Records e a EMI e, cada uma, criava suas estratégias de circulação de produtos que pudessem “surpreender” a concorrente – e, logicamente, fazer vender mais discos e catapultar a execução das principais músicas dos álbuns nas paradas radiofônicas. Como relata Bruce Gowers, diretor do videoclipe “Bohemian Rhapsody” no ilme documentário “he Story of Bohemian Rhapsody” (2004), ele, que produzia números musicais para a TV inglesa, foi chamado por Freddie Mercury, vocalista do grupo Queen, para o que seria “o mais arrojado lançamento musical de toda a Inglaterra” (JOHNSTON, 2004) . Ao invés de se apresentar ao vivo no programa de TV “Top of he Pops” – os produtores do atrativo televisivo estavam interessados em criar suas estratégias de lançamento de artistas que fossem primeiro em seu palco que no concorrente, “he Kenny Everett Video Show” – o Queen enviou, através de sua gravadora EMI, um vídeo para ser exibido no programa. Ao anunciarem a presença do grupo Queen no “Top of he Pops” da TV londrina, na verdade, os jovens ingleses assistiram a um vídeo contendo o registro de um ato performático ao vivo da banda acompanhado de imagens caleidoscópicas com os rostos de integrantes do grupo. A gravadora EMI inscrevia um mesmo objeto (a canção “Bohemian Rhapsody”) em dois suportes distintos: o álbum fonográico e o vídeo exibido na televisão. “Bohemian Rhapsody”, dessa forma, se conigura como um clipe que evidencia apontamentos visuais para uma 59 59 Depoimento ao ilme documentário “The Story of Bohemian Rhapsody” (2004), dirigido por Carl Johnston. canção notadamente “estranha” no mercado musical naquele momento, acentua as caracterizações performáticas do cantor-protagonista colocando em relevo características que o faziam “mais” que um simples cantor de rock (além de cantar, Freddie Mercury toca piano no videoclipe) também tornando evidente uma certa idiossincrasia do vocalista, assim como posiciona o Queen como a banda inglesa capaz de subverter certas convenções de lançamentos de produtos da indústria fonográica na ocasião. “Bohemian Rhapsody” é, portanto, um produto basilar para se compreender como a investigação do videoclipe serve como alicerce das formas de posicionamento de artistas no mercado musical. 4.2.2. “Video Killed the Radio Star” Seis anos depois do lançamento de “Bohemian Rhapsody”, estrearia uma emissora de televisão dedicada exclusivamente a exibir videoclipes, a Music Television (MTV). O primeiro videoclipe exibido na MTV tinha o irônico nome de “Video Killed the Radio Star”, ou, “o vídeo matou o astro do rádio”, música do grupo he Buggles , uma daquelas “one hit bands”, ou “bandas de um só sucesso”. A exibição de “Video Killed the Radio Star” viria sintetizar uma das principais características do discurso da MTV: a auto-ironia e um certo clima de rebeldia através da quebra de padrões naturalizados do fazer televisivo. A música, através da repetição exaustiva da premissa de que “o vídeo matou o astro do rádio”, 60 60 The Buggles foi uma banda britânica formada em 1977 por Trevor Horn, Geoff Downes e Bruce Woolley. Bruce Woolley porém saiu do grupo antes do primeiro single ter sido lançado para formar o conjunto The Camera Club. - 188 - parecia colocar o rádio e a televisão como antagonistas – o artista do rádio como aquele “idealizado” pelo ouvinte e, portanto, mais autêntico; e o artista da televisão, como aquele “construído” pela mídia e, por isso, essencialmente cooptado. Esta questão aparece exposta no clipe, dirigido por Russell Mulcahy, em 1978. Vejamos: no início do vídeo, vemos uma garota ouvindo rádio e idealizando o artista que está cantando. A idéia de idealização é evidenciada através de um jogo de fusão de imagens, com o cantor aparecendo como um “vulto” em preto-e-branco, do lado esquerdo da tela. Numa seqüência seguinte, somos apresentados a uma espécie de fábrica – observando hoje, uma fábrica psicodélica, remetendo à construção do ideal de fábricas dos “ilmes B” de icção cientíica – em que os ídolos de rock “para a televisão” são fabricados em série. Cientistas fazendo “experimentos”, pessoas construídas em série, tubos de ensaio gigantes contendo indivíduos aprisionados pela “fábrica pop” soam como imagens poderosas que reforçam um discurso até hoje em evidência no mercado de música: a dualidade entre a autenticidade e a cooptação evidenciada a partir da intermediação de agentes da indústria fonográica. A garota-personagem do clipe “Video Killed the Radio Star”, depois de ouvir e se “encantar” com o “astro do rádio”, supostamente misterioso, sem rosto, somente voz e canção, se depara com a “fábrica” de artistas e se vê, num futuro próximo, enclausurada na lógica massiicada de produção de artistas em série. Notamos que o cantor que a garota imaginava na audição, está na “fábrica pop”, prestes a ser enquadrado no esquema de produção e, com certo temor, pronto para ser serializado. Somos apresentados, então, a uma espécie de sonho da garota-protagonista, em que ela aparece sobre um amontoado de rádios, quase como uma ilusão utópica de que, a chegada da televisão sinaliza que o rádio vai se amontoar, como um lixo, numa visão fatalista de substituição: a televisão substituindo o rádio, o “astro de TV” em detrimento ao “astro de rádio”. Após o amontoado de rádios antigos e em desuso, vemos, em “Video Killed the Radio Star”, um outro momento que evoca a idéia de oposição entre rádio e televisão - metaforicamente a oposição entre som e imagem: a televisão emergindo deste amontoado de rádios. A televisão posicionada à frente do rádio, exibindo imagens e entregando estas imagens para o público. O vídeo convoca também a dualidade entre a imagem construída pela televisão e aquela supostamente imaginada pelos ouvintes. Notemos como as imagens são idênticas: provavelmente, personiicando a idéia de que a televisão constrói o astro de rock satisfazendo o horizonte de expectativas dos apreciadores de música. Neste sentido, “Video Killed the Radio Star” funciona como um eco dos pressupostos de que, com a chegada da televisão, ica mais evidente o conjunto de agentes que ingerem sobre a performance e a imagem de artistas musicais. Em outras palavras, há uma sugestão de que as performances musicais, com o advento da televisão, passam a ser espetáculos para a TV, obedecendo a normas e a critérios que são, prioritariamente, sugeridos pelas instâncias produtivas da televisão. Ao inal do clipe “Video Killed the Radio Star”, aquele amontoado de rádios em desuso fazem com que uma parede quebrada “se abra”, desvelando, por trás, uma banda de apresentando num programa de televisão, com integrantes fazendo “caras e bocas” para as câmeras. Na verdade, o que podemos reconhecer como estratégia discursiva deste - 190 - videoclipe é a sinalização de que a imagem viria causar uma série de impasses e tensões no ambiente musical. O clipe do grupo Buggles foi utilizado como instrumental de inauguração das atividades da MTV nos Estados Unidos e aponta para uma mudança do estatuto dos artistas da música, agora, tendo que se preocupar com as engrenagens do marketing e da indústria fonográica. O vídeo parece deixar claro que, mesmo um gênero musical como o rock, está passível das ingerências mercadológicas, abrindo um leque de apontamentos que questionam visões mais ingênuas sobre autenticidade e cooptação. O que “Video Killed the Radio Star”, visto hoje, soa sinalizar, é que o clipe trata de uma espécie de metáfora do grupo Buggles, uma banda que, apesar do enorme sucesso que desfrutou, sobretudo com esta canção, não conseguiu longevidade no mercado musical tendo chegado ao im logo em seguida. Questões como a efemeridade dos artistas musicais e o aparato de mercado necessário para a construção de uma imagem destes artistas aparecem como uma forma de apresentação de um discurso que, ao mesmo tempo que critica a televisão e seu instrumental “manipulatório”, acaba por reforçar o seu caráter de importância e centralidade na dinâmica midiática. 4.2.3 “China Girl” Enquanto “Video Killed the Radio Star” reforça premissas e tensões da relação entre o som e a imagem no mercado musical, um outro videoclipe, “China Girl”, protagonizado pelo cantor e compositor David Bowie, em 1983, nos ajuda a compreender como foi se construindo um senso de personalidade para um artista no mercado musical. Destacamos que David Bowie é um dos mais performáticos artistas do mercado de música, tendo constituído sua carreira, sobretudo, entre os anos 60 e 80, a partir de uma matriz imagética que reforçava um caráter de androginia nas suas performances. Em 1970, na capa do álbum “he Man Who Sold the World”, o artista aparece usando um vestido, numa prévia do que viria a ser seu inconfundível estilo andrógino, imortalizado na criação de um personagem-alter-ego Ziggy Stardust. Foi no disco conceitual “he Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars”, contando a história de um alienígina “rock star” que aterrissa em um mundo predestinado a acabar em cinco anos, que Bowie se legitimou como um performer, fazendo sua primeira turnê mundial em 1972, repleta de números musicais com roupas exuberantes, maquiagem e luzes no palco. Trata-se de um momento em que a indústria fonográica se volta para o ambíguo, para um artista que “joga” com os gêneros masculino e feminino em suas performances. Para dar conta daquele tipo de postura artística, começa-se a empregar o termo “glam rock” , como uma referência ao rock marcado pelos trajes e performances com muitos cílios postiços, purpurinas, saltos altos, batons, lantejoulas e paetês dos cantores. Para reconhecer como o videoclipe é o lugar de construção de um senso de personalidade para um artista se posicionar no mercado, escolhemos como clipe para síntese das estratégias discursivas envolvendo David Bowie, “China Girl”, dirigido por David Mallet, em 1983. 61 61 O “glam rock” também chamado de “glitter rock” contemplou um conjunto de artistas de rock, no inal dos anos 60 e início dos anos 70, que se vestiam de forma andrógina, com maquiagem vistosas, trajes extravagantes. Exemplos seriam David Bowie durante a fase de Ziggy Stardust e Aladdin Sane, além de New York Dolls, Secos e Molhados, entre outros. (SHUKER, 1999: p. 49) - 192 - “China Girl” é um dos singles do álbum “Let’s Dance”, em que David Bowie deixa para trás não só a alcunha de Ziggy Stardust, mas também uma fase em que lerta com a soul music, entre os anos de 1974 e 1976. “Let’s Dance” é um disco considerado pela crítica como “mais pop”, acessível, com melodias fáceis e a presença de um produtor musical marcante por trás das faixas: Nile Rodgers, que já havia produzido álbuns importantes da disco music de artistas como Chic e Sister Sledge, além do disco “Diana”, de Diana Ross. É preciso reconhecer o lugar que o álbum “Let’s Dance” e a faixa “China Girl” ocupam na dinâmica performática de David Bowie. Há, aparentemente, uma premente necessidade de “mudar de personagem”, trocar de roupa, sair da encarnação do andrógino Ziggy Stardust e aparecer de “cara lavada” - como David Bowie mesmo. Não à toa, Bowie lançou um álbum intitulado “Let’s Dance” e não à toa optou por trazer Nile Rodgers à frente da produção de seu trabalho: vindo de uma “escola” da soul music e do rythm & blues, chamado popularmente nos Estados Unidos de R&B, ou seja, a música negra, extremamente melódica, de canções com estruturas simples e muitos refrões, Rodgers produziu um David Bowie “palatável”: que deixa de lado as roupas extravagantes, o personagem de um alienígena roqueiro, para virar um homem loiro, bonito, másculo, que fala de amor em suas letras e conquista o coração de uma garota oriental, como sintetiza a letra da faixa “China Girl”. O videoclipe, logicamente, vai funcionar como principal artefato de legitimação desta nova imagem de Bowie. A certa altura do vídeo, somos apresentados a um David Bowie que canta de paletó cinza, rosto “lavado”, sem as maquiagens exorbitantes de Ziggy Stardust e acaricia o rosto da modelo Geeling Ying, protagonista do clipe junto ao cantor. Mais adiante, frente-a-frente, Bowie e Geeling Ying vão cada vez mais se aproximando, fazendo com que o videoclipe seja uma espécie de percurso entre o lerte e a materialização do encontro entre um cantor e uma oriental, ao som de uma letra que evoca um certo fetiche em torno de uma “garota chinesa”. A canção “China Girl” possui uma série de referências que a situam como uma faixa longe dos padrões musicais adotados por David Bowie desde a sua aparição com a balada “Space Oddity” e, principalmente, distante das guitarras e do peso do rock do disco “Hunky Dory” e “Young Americans”. Aqui, tem-se a produção de Nile Rodgers atuando no sentido de “diminuir” o impacto do som de Bowie, apelando para uma gravação com pouca instrumentação e aumento do volume da voz do cantor – numa clara evidência de sua aparição enquanto performer masculino. A verve de sex symbol musical seria reforçada pelo momento em que o videoclipe de “China Girl” se aproxima do inal: vemos o mar, as ondas batendo na areia e, numa clara referência à clássica cena de amor entre Burt Lancaster e Deborah Kerr, em “A Um Passo da Eternidade”, David Bowie e a modelo Geeling Ying aparecem abraçados, aos beijos, numa praia deserta, numa idílica cena em contra-luz. Aos beijos, somos apresentados, então, a uma cena que reforça ainda mais a postura sexual do clipe: os dois estão, aparentemente, nus, fazendo amor à beira-mar – uma espécie de inal feliz para a “crônica musical” da faixa “China Girl”. 4.2.4 “Thriller” - 194 - No mesmo ano em que David Bowie tirava a maquiagem de Ziggy Stardust e aparecia galã e loiro em “China Girl”, um outro artista do mercado de música, ao contrário, se maquiava e imergia no universo iccional dos ilmes de terror. Era Michael Jackson, que entrava em cena para divulgar o álbum “hriller”, lançado pela gravadora Epic, em dezembro de 1982. A revista Billboard publica o seguinte texto sobre o disco: “’hriller’ traz uma série de músicas que fazem dele um forte candidato a repetir o mesmo sucesso de ‘Of he Wall’, um dos álbuns mais aclamados dos últimos anos. Desde a letra macabra da faixa-título ao ritmo corajoso de “Wanna Be Startin’ Somethin’”, as faixas são pulsantes e transmitem uma energia incrível”. A chamada “letra macabra” da faixatítulo, “hriller”, seria o principal alicerce para a concepção do videoclipe homônimo – até hoje, uma das obras que levaram o clipe para além das fronteiras da televisão musical, do rock e da cultura jovem. Antes de lançar o vídeo de “hriller”, no entanto, Michael Jackson havia lançado dois outros singles: “Billie Jean” e “Beat It”, que geraram videoclipes considerados “inovadores”, sobretudo pelo apelo narrativo de “contar uma história” imbuído em cada um deles. O clipe de “Billie Jean” estreou na MTV fazendo de Michael Jackson o primeiro negro cuja música ganhou espaço na emissora. A impressão que se tem é que a complexidade e a grandiloqüência eram substantivos que vinham acompanhando o álbum “hriller” desde o seu lançamento. E a produção de videoclipes cada vez mais caros e 62 62 A canção “Billie Jean” relata a história de um homem acusado falsamente de ser o pai de uma criança. A faixa parece relatar a história real vivida por Jackson, em 1981, quando uma fanática passou a persegui-lo clamando que ele assumisse a paternidade do ilho dela. “maiores” parecia uma espécie de obrigatoriedade para “tamanho” disco . Em 1983, Michael Jackson ilmaria, talvez, o videoclipe que, assim como o álbum “hriller”, pudesse revelar toda a grandiloqüência do astro. 63 E grandiloqüência, no terreno do videoclipe, parece ser sinônimo de cinema. No clipe de “hriller”, vemos um curta-metragem de 14 minutos, gravado em película, com letreiros iniciais de cinema e orçamento de US$ 600 mil – inimaginável para os padrões da época. O vídeo apresenta uma situação dramática típica dos ilmes de terror adolescente: um casal de namorados pára o carro em local escuro e abandonado, a garota não sabe que seu namorado, na verdade, é um lobisomem (Michael Jackson). Há algumas aparentes “subversões” da forma “padrão” de se produzir videoclipes: “hriller” contém diálogos, música incidental além da canção-título e tempo excessivamente dilatado - inimaginável para um videoclipe àquela época. Tem-se a impressão de que, se aproximando da linguagem cinematográica, o videoclipe encontraria a grandiloqüência necessária para justiicar a dimensão de um astro da música como Michael Jackson. O diretor de “hriller” tinha vindo do cinema: era John Landis, que havia produzido ilmes como “Os Irmãos Cara-de-Pau” e “Um Lobisomem Americano em Londres” (ambos de forte apelo comercial). O autor Dave Marsh (1991) revela que “Michael Jackson propôs um roteiro 63 Para se ter uma idéia da grandiloqüência de “Thriller”, até 2007, 136 milhões de unidades do álbum tinham sido vendidas. Sete das nove faixas do disco chegaram às lojas norte-americanas como single, um compacto contendo a faixa-título e mais algumas sobras de estúdio ou versões remixadas. Três músicas conquistaram o topo das paradas nos Estados Unidos: “The Girl Is Mine”, “Billie Jean” e “Beat It”. O álbum subiu à primeira posição entre os mais vendidos dos Estados Unidos no dia 21 de fevereiro de 1983 e permaneceu lá por 37 semanas. “Thriller” foi o primeiro a se estender por mais de um ano entre os mais vendidos nos Estados Unidos e o disco contou com contribuições do cantor Paul McCartney, do guitarrista Eddie Van Halen, e do ator norte-americano Vincent Price (1911-1993). - 196 - para John Landis dirigir. Segundo ele, a concepção do clipe contou com uma equipe digna de um ilme. Tais regalias só foram possíveis graças ao fato de Landis ser um diretor vinculado aos estúdios Universal. ‘hriller’ acabou se transformando no mais rentável clipe lançado como VHS para consumo e contou, inclusive, com making of ” (MARSH, 1991, p. 213) A parceria entre John Landis e Michael Jackson acabou formatando um princípio basilar no universo de práticas do videoclipe: o uso da linguagem cinematográica como estratégia de distinção. Tendo em vista que este vídeo foi concebido dois anos depois do início das exibições da MTV norte-americana e que a emissora, mesmo no seu início de atividades, já era classiicada como “povoada por uma mesmice nos seus vídeos” (DURÁ-GRIMALT, 1988), “hriller”, ao se diferenciar de outras obras através de recursos que o deixavam “parecido” com um ilme, acabou transcendendo certas fronteiras de exibição: o vídeo foi exibido não só na MTV, mas nas emissoras de TV abertas nos Estados Unidos, na Inglaterra e ao redor do planeta, transformando-se na referência de bem-fazer um videoclipe . “hriller”, portanto, funcionou não só como tradutor visual do senso de grandiloqüência e megalomania de um artista como Michael Jackson, mas legitimou a conquista de um lugar de reconhecimento na indústria fonográica de obras que articulassem constituintes da linguagem cinematográica. Foi a partir do videoclipe que temos abertos aos acessos e as rearticulações da dinâmica dos proissionais do cinema com relação ao videoclipe, na medida em que, no terreno do videoclipe, poderia se partir para a constituição de matrizes experimentais dos suportes 64 64 Mais tarde, artistas como Madonna, realizariam videoclipes com as mesmas referências cinematográicas – como exemplo, podemos citar o vídeo da canção “Material Girl”, em que a cantora loira “interpreta” a clássica personagem de Marilyn Monroe no número musical “Diamonds are Girl’s Best Friend”, do ilme “Os Homens Preferem as Loiras”. cinematográicos utilizados pela indústria. Neste sentido, a partir de “hriller”, podemos inferir que o cinema se aproximou do videoclipe, na medida em que estratégias de lançamentos de produtos (clipes) passaram a operar e serem “atravessadas” por proissionais, suportes e linguagens oriundos do cinema. Esta particularidade “ensaiada” em “hriller” viria a servir como parâmetro para experiências até mesmo contemporâneas de uso do suporte e da linguagem cinematográica neste audiovisual. 4.2.5 “Girls Just Wanna Have Fun” Para darmos demonstrativos da complexidade do videoclipe enquanto objeto midiático, debruçamos sobre uma experiência que, apesar de acontecer no mesmo ano em que Michael Jackson lançava o clipe de “hriller”, com todo aparato cinematográico, lançou mão de uma estratégia discursiva que apelava para um outro lugar de legitimação para o videoclipe: a rebeldia jovem e os seriados televisivos. É importante justiicarmos que, embora “hriller” tenha formatado uma “boa maneira” de produzir videoclipes, é possível reconhecer outros audiovisuais, sobretudo aqueles endereçados para o público teen feminino, que apelavam para outras maneiras de posicionar o artista de música. Cabe trazer à tona, então, a igura de Cyndi Lauper que, em 1983, ao lançar o seu primeiro álbum solo, com o título “She’s So Unusual” (“Ela é tão Fora do Normal”) trouxe como primeiro single uma canção com a simples e direta norma: “Girls Just Wanna Have Fun” (“Garotas Só Querem Saber de se Divertir”). O álbum vendeu 16 milhões de cópias nos Estados - 198 - Unidos a reboque de uma imagem de “garota rebelde”, diferente e “fora de normas” que Cindy Lauper encarnava. Parece sintomático que, no mesmo ano que o público assistiu a “hriller”, um videoclipe feito em película com o custo de US$ 600 mil, também tenha visto “Girls Just Wanna Have Fun”, vídeo dirigido por Ed Griles, proissional vindo do universo dos seriados televisivos, com baixo orçamento, passagens cômicas e evidente clima blasé. O vídeo começa com a mãe da personagem de Cindy Lauper fazendo um bolo, esperando pela volta da ilha, que aparece com seu visual alegre e colorido, cabelos despenteados, dançando pela rua, alegre e descontraída. Nada parece abalar a garota. “Girls Just Wanna Have Fun” reforça a premissa presente no título do álbum de Cyndi Lauper – “ela é tão fora do normal” -, utilizando da imagética do clipe, com claras referências ao universo teen e aos seriados voltados ao público adolescente, como alicerce de inserção e tradução visual do senso de personalidade da artista. Assim como nos videoclipes de Madonna, tem-se, em “Girls Just Wanna Have Fun”, uma proximidade cada vez mais evidente entre os universos do videoclipe e da publicidade, sobretudo nos dispositivos da moda. O visual colorido da artista, com referências ao street wear, ou à moda de rua, ausência de combinação, liberdade do uso das peças de roupas, além dos inconfundíveis óculos “de gatinha” usados pela cantora, funcionaram, no clipe, como uma importante marca visual de Cyndi Lauper a ser disseminada. As formatações cômicas, as “janelas” exibidas na tela (Fig. 17), o clima de “ilme romântico” às avessas, toma conta do clipe que, aparentemente despojado, despreocupado, endereça-se de forma premente ao público feminino, supostamente tentando se livrar de certos padrões de comportamentos socialmente impostos. 4.2.6 “Money For Nothing” Dois anos depois de “Girls Just Wanna Have Fun”, outro videoclipe viria, assim como fez “Video Killed the Radio Star”, do he Buggles, provocar uma relexão sobre os rumos que os artistas musicais estavam tomando diante dos novos ditames midiáticos, sobretudo em função da presença da Music Television (MTV). “Money for Nothing”, da banda britânica Dire Straits, gerou um videoclipe que sintetiza a ambigüidade entre uma suposta liberdade do artista musical e as inúmeras formas de inserção no mercado. A canção está presente no álbum “Brothers in Arms”, lançado em 1985, e o clipe foi dirigido, por Steve Barron, no ano de 1986. Lançado um ano depois, “Money For Nothing” foi o clipe escolhido para “abrir” e inaugurar a programação da Music Television (MTV) na Europa. Tal escolha parecia estar em sintonia com a premissa auto-irônica presente neste audiovisual que, assim como “Video Killed the Radio Star” (que havia “estreado” a MTV americana), também fazia apontamentos críticos sobre a própria MTV. A canção “Money For Nothing” apresenta uma letra em que se evidencia o ponto de vista de um vendedor de eletrodomésticos num loja e sua aparente indignação diante da facilidade que os astros de rock têm, a partir de agora, com “os canais que exibem música 24 horas por dia”: ele reclama que precisa “instalar fornos de microondas e entregar cozinhas - 200 - moduladas” enquanto os astros de rock pegam “garotas à vontade” e “tocam guitarra na MTV”. A certa altura, o personagem questiona que, ao invés de icar carregando aparelhos de TV, deveria ter aprendido a tocar algum instrumento musical para ser um artista que ganha a “vida fácil”. A letra assume um tom irônico com os astros de rock da TV: “Veja aquela bichinha de brinco e maquiagem/ É, parceiro, aquele é o cabelo dele mesmo/ Aquela bichinha tem seu próprio avião a jato/ Aquela bichinha é milionária” . O tom provocador da letra de “Money For Nothing” ganhou um videoclipe igualmente irônico, sobretudo, em função de ser um clipe de animação, com toda carga de simulação que a animação permite. Se, no início da canção, ouvimos um sussurro dizendo “I want my MTV” (“eu quero minha MTV”), temos, no mesmo início do clipe, a imagem de uma emissora de TV exibindo a logomarca da MTV. Evidenciado o poder de encantamento e imersão que a Music Television despertou no jovem dos anos 80, o vídeo exibe a cena de um adolescente “voando para dentro” de um aparelho de TV, enquanto assiste à performance do grupo Dire Straits. Mais uma vez, estamos diante de um produto que se coloca diante de um impasse: assume uma postura crítica em relação à MTV e aos ditames midiáticos no mercado de música, entretanto, se utiliza deste instrumental como forma de distinção e evidência de atitude crítica no mercado de rock. A canção “Money for Nothing” apresenta um dispositivo de marketing que seria largamente utilizado no mercado de música: a inserção de referências a marcas publicitárias em produtos musicais. O nome da 65 65 Tradução nossa para trecho da letra de Mark Knopler e Sting: “See the little faggot with the earring and the makeup/ Yeah buddy, that’s his own hair/ That little faggot got his own jet airplane/ That little faggot, he’s a millionaire”. MTV não só aparece na letra da canção como também temos evidenciada a logomarca da emissora de música e videoclipes no próprio audiovisual. Dessa forma, “Money For Nothing” funciona como uma estratégia de legitimação da Music Television no mercado de música, principalmente, por sugerir que, embora seja criticada e detratada por parte dos artistas musicais, a emissora ainda ocupa um lugar central na legitimação dos produtos de música. Este aparente contra-senso nos coloca diante da premissa de que a MTV, desde sua origem, carrega consigo o paradoxo das estratégias de circulação e consumo de produtos da música. Há outro momento de “Money For Nothing” que somos convocados a perceber relações de proximidades entre os videoclipes e as imagens originadas pelos produtos musicais. Neste sentido, parece premente reconhecermos que, num primeiro momento, o videoclipe vai estar fortemente ligado às capas dos álbuns fonográicos. Ou seja, a imagem da capa de um álbum aparece antes no clipe e orienta todo o endereçamento do consumidor diante dos produtos musicais. Esta forma de padronização encontra ressonância no vídeo “Money For Nothing”, quando, a certa altura, vemos um efeito de animação sobre os integrantes do Dire Straits, “marcando” os instrumentos (guitarras, baixos, baterias) com graismos visuais e atrelando esta imagem a uma visualização lúdica. O efeito vai se radicalizando, até chegarmos a uma caracterização quase na forma de um holograma, sem rosto, com a guitarra nas mãos e uma incidência de luminosidade sobre a faixa na cabeça e sobre o pulso, uma versão animada do líder do Dire Straits, Mark Knopler. Esta imagem animada, holograma do vocalista do grupo, igurou na capa da coletânea que grandes sucessos do grupo, lançada em - 202 - 1988, três anos após o lançamento do álbum “Brothers in Arms”, que continha a faixa “Money For Nothing”. Por causa do videoclipe, a canção ganhou longevidade no mercado de música e serviu também como título da coletânea do grupo. 4.2.7 “Nothing Compares 2 U” Dois anos após a imagem do “holograma” do vocalista do Dire Straits, presente no videoclipe “Money For Nothing”, estampar a capa da coletânea homônima do grupo, foi a vez da aproximação entre a imagética presente na capa de um álbum encontrar ressonância deinitiva no videoclipe. Se, com o Dire Straits, a imagem que aparecia no clipe só ilustrou a capa de um álbum após o suposto sucesso do videoclipe; com a cantora irlandesa Sinéad O’Connor, a relação entre capa de disco e clipe foi ainda mais estreita. A imagem do rosto de Sinead O’Connor sobre um fundo preto presente no videoclipe da canção “Nothing Compares 2 U”, dirigido por John Maybury, ocupou a capa do álbum “I Do Not Want What I Haven’t Got”, lançado em 1990. Temos, dessa forma, uma extensão da imagética do clipe no álbum e vice-versa. “Nothing Compares 2 U” é uma faixa composta pelo cantor Prince, nesta ocasião, já ocupando um lugar de destaque na música, sobretudo em função do sucesso de canções como “Purple Rain”. A canção encena o arrependimento e a dor de uma pessoa diante do im de um relacionamento. Possui poucos instrumentais, uma base de teclados e bateria nos momentos em que nos aproximamos do refrão. O arranjo destaca, através do aumento do volume em relação aos outros instrumentais, a voz de Sinéad O’Connor. Temos, portanto, uma faixa com forte vocação melancólica e a convocação, através da voz, de uma presença da cantora. A convocação desta presença é reforçada pela maneira com que Sinéad O’Connor aparece no videoclipe: com seu peculiar corte de cabelo “raspado”, rosto sem maquiagem e um fundo preto. Como estamos diante de um plano 3X4, o que nos é permitido visualizar na cena audiovisual é o pescoço e parte dos ombros da cantora, mas notamos que ela está vestida de preto, com o pescoço encoberto. O fundo também preto reforça e destaca o rosto de Sinéad O’Connor e podemos sugerir que este rosto da cantora vira uma espécie de paisagem, principalmente, porque o videoclipe possui poucos cortes e somos confrontados diante desta imagem. Uma paisagem pressupõe uma observação mais delongada, atenta e a presença do rosto de Sinéad O’Connor incessantemente no vídeo nos encaminha para este tipo de convocação. A melancolia presente na faixa é complementada por imagens externas, ilmadas em Paris, em que vemos esculturas, parques, folhas e, em alguns momentos, a cantora caminhando por estes cenários. Num determinando momento, conseguimos ver a roupa inteira da cantora e somos convocados a uma interpretação que nos permite sugerir que se trata de uma vestimenta religiosa. A presença de elementos religiosos , bem como disposições ligadas a representações da melancolia, estão bastante presentes na obra e na construção do senso de personalidade de Sinéad O’Connor. O videoclipe aponta também para a construção de um cenário ligado 66 66 Sinéad teve sua carreira marcada por fatos polêmicos envolvendo sua relação com a religião. Foi alvo de críticas e protestos em todo o planeta, em 1992, ao rasgar uma foto do Papa João Paulo II, no programa “Saturday Night Live”, um dos mais assistidos dos EUA. - 204 - ao universo melancólico capaz de gerar uma matriz em torno de certos clichês na materialização da ausência e da naturalização, por exemplo, da cidade de Paris como uma espécie de lugar utópico para a melancolia. Diante dos ditames do gênero musical, é preciso compreendermos as inúmeras estratégias de endereçamento que os produtos protagonizados por cantoras abarcam. Por isso, não à toa, é comum reconhecermos que, no universo das cantoras, há uma extrema valorização da questão da interpretação, da forma de cantar e de se colocar diante de uma letra, que, muitas vezes, não é composta por ela. Um dos argumentos mais destacados pela crítica musical, em “Nothing Compares 2 U”, é o fato de se tratar de uma faixa, já anteriormente gravada pelo compositor Prince, mas que “ganhou” em densidade e em emoção, ao ser interpretada por Sinéad O’Connor. Noções valorativas que classiicam uma boa ou má interpretação de uma canção obedecem a critérios consensuais que, muitas vezes, são construídos midiaticamente. Dessa forma, a maneira com a qual a crítica musical elege, premia, destaca artistas funciona como um importante termômetro para que se reconheça o que é que está em jogo nas formas de distinção sugeridas pela crítica. Destacamos que a crítica musical também passa a criar padrões, formas de sugerir novas balizas de valores para os artistas. Uma artista como Senéad O’Connor, com um histórico de álbuns com uma vocação melancólica, músicas que tanto falam de amor quanto do cotidiano da Irlanda, além de faixas que trazem sonoridades oriundas de premissas da música tradicional (folk) irlandesa costumam ser envoltas de uma forte carga de autenticidade junto às instâncias críticas da música. Com “Nothing Compares 2 U” não teria sido diferente: trata-se de uma canção de dor de amor que, aos olhos da crítica, teria “ganho” em dramaticidade a partir da interpretação de O’Connor. É possível observar, tomando o universo das cantoras como uma forma de endereçamento por gênero musical, que há, também, um horizonte de expectativas sobre a questão da performance destas artistas no palco. Shows e turnês de cantoras costumam trazer à tona não somente aparatos de ordem musical. Mas, sobretudo, disposições cênicas. É particular do universo das cantoras a expectativa por uma encenação musical, tomando aqui a idéia de cênico como o teatral, a forma de organização e concepção do show como “universo particular”, conceito, reverberação da própria condição artística. Estamos nos referindo, portanto, à idéia de performance musical que nasce, no âmbito das cantoras, praticamente “colada” com a noção de interpretação e teatralização. A performance de uma cantora pressupõe, num horizonte de expectativas, reconhecer que ela “se transforma” no palco, lida com toda sua emoção – mesmo que se saiba que se trata de um ato cênico e de interpretação. Com Senéad O’Connor, as performances com altas doses de dramaticidade parecem fazer parte da construção da personalidade desta artista. É neste sentido, que o videoclipe “Nothing Compares 2 U”, parece funcionar como extensão desta expectativa em torno das performances musicais de O’Connor: quando o diretor John Maybury, que trabalhou como parceiro artístico da cantora em vários clipes, opta por colocá-la num plano 3X4, sobre um fundo preto, parece estar premente o princípio de que toda a atenção da performance vai estar concentrada no rosto da cantora. E mais: qualquer movimento ou expressão facial de Sinéad O’Connor se agiganta em função da proximidade do plano. A estratégia de aproximação do rosto da cantora, nos faz percorrer sua face em busca - 206 - de elementos que tensionem aquele rosto-paisagem. Muitas vezes, uma leve olhada para o fora-de-campo ou um esgarçamento irônico dos lábios da cantora funcionam como indicativos de que estamos muito, mas muito próximos desta mulher – conseguindo vê-la em todos os seus detalhes, todas as suas mínimas expressões. É então que, ao nos aproximarmos do inal do videoclipe, a tensão da canção vai se acentuando, a expressividade de Sinéad O’Connor também vai se agigantando, até que vemos que uma gota de lágrima escorre do seu olho. E o que nos parece evocar, além de uma clara indagação se a cantora realmente chorou ao gravar aquela performance, é o que signiica a lágrima no ambiente televisivo. Sabemos que a lágrima funciona como um estatuto comprobatório da dramaticidade. Chorar em cena, já alertaram inúmeros atores, é tarefa das mais difíceis. Chorar no ambiente musical é comprovação não só de envolvimento, mas também de extensividade com o conteúdo do que se canta. Neste caso, notamos que Sinéad O’Connor chora cantando uma letra que não é sua. Constrói-se, dessa forma, através de um videoclipe, uma eiciente estratégia de legitimação no campo das intérpretes. “Nothing Compares 2 U” funciona como um objeto audiovisual que situa Sinéad O’Connor como uma cantora afeita a tematizações e cenários melancólicos, intérprete que se envolve com a letra que canta e que reverbera preocupações existenciais nos conteúdos de suas canções. 4.2.8 “Justify My Love” Reconhecendo que o universo das cantoras é um dos mais complexos de serem investigados na concepção das estratégias discursivas no terreno da música, nos encaminhamos em direção a Madonna, artista que, indubitavelmente, se ediicou visualmente através dos seus videoclipes. Para breve comentário neste momento do trabalho, escolhemos o clipe da canção “Justify My Love”, presente na coletânea “he Immaculate Collection”. No inal de 1990, Madonna lançaria a sua primeira coletânea de grandes sucessos de sua carreira, com o sugestivo título de “he Immaculate Collection” (“A Coleção Imaculada”). Neste álbum, havia uma canção inédita, cedida pelo cantor Lenny Kravitz e com letras adicionais da cantora, com o título de “Justify My Love”. Desde o seu lançamento, “Justify My Love” virou alvo de polêmicas: primeiro, o compositor da faixa Lenny Kravitz foi acusado de plagiar a letra de uma artista menos conhecida que ele; em seguida, o grupo de soul music Public Enemy veio a público airmar que “Justify My Love” tinha samples não autorizados de uma música deles . A canção icou duas semanas em primeiro lugar na Billboard, a parada musical norte-americana, trazendo à tona um discurso excessivamente sexual – que viria ser a base do álbum seguinte da cantora, chamado sugestivamente de “Erotica”. “Justify My Love” é uma faixa que reforça uma aproximação da cantora Madonna com o universo do gênero musical acid jazz, bastante em evidência no início dos anos 90, em que se tem uma base de acentuação eletrônica com um vocal sussurrado, grave e extremamente sensual. Soa relevante airmar que 67 68 67 68 Samples são fragmentos de arranjos de canções “reprocessados” e aproveitados em outras faixas. Com a disseminação dos procedimentos eletrônicos de produção e pós-produção em música, o sample acabou sendo extremamente usado por artistas em faixas musicais. Não há uma deinição uniforme para os procedimentos de usos dos samples. É possível encontrar artistas que disponibilizam seus samples gratuitamente para serem usados em outras faixas. O mais comum, no entanto, no mercado musical, é que se pague pelo sample de uma faixa. Na ocasião, Madonna deu uma declaração em tom irônico para a MTV dizendo que achava engraçado eles reclamarem de serem sampleados, já que todas as suas músicas eram feitas em cima de samples tirados de músicas do James Brown também sem autorização. - 208 - o acid jazz sintetizava musical e plasticamente o conjunto de estratégias de sexualização do discurso de Madonna como posicionamento “rebelde” e autêntico, no mercado de música, nesta época. Interessante notar que Madonna sempre foi uma artista que se pautou pelo uso consciente do marketing e das estratégias de posicionamento na indústria musical. Se, no início de sua carreira, optou por uma aproximação ao universo dos imigrantes, dos negros e dos gays, como pôde-se observar, por exemplo, em videoclipes como “Borderline” (em que é descoberta como modelo fotográico e convive com latinos nas ruas dos Estados Unidos) ou “La Isla Bonita” (interpreta uma autêntica mulher de origens hispânicas, com direito a vestido de babados vermelhos e lor no cabelo); Madonna usou conscientemente o cinema como forte apelo de posicionamento na música. Filmes como “Procura-se Susan Desesperadamente” ou “Quem é Essa Garota?”, no início da carreira, pareceram ser deliberadamente uma forma da artista angariar um lugar de destaque na música através da legitimação do cinema – estratégia que se repetiria em obras como “Dick Tracy” e “Evita”, em que, nos dois, a cantora participaria da prestigiada festa de entrega do Oscar. Lembremos também que um dos videoclipes mais comentados da cantora é o da canção “Material Girl”, não à toa, um clipe em que Madonna “reproduz” uma cena do ilme “Os Homens Preferem as Loiras”, com Marilyn Monroe cantando a fatídica canção “Diamonds are a Girl’s Best Friend”. Madonna assume a sua postura de ocupar o “lugar” de Marilyn Monroe no videoclipe incorporando uma atitude que, ao mesmo tempo, evoca o passado mas se impõe como uma forma deliberadamente auto-irônica de citação. É diante deste conjunto de estratégias que circunscrevem a cantora Madonna que podemos destacar o videoclipe “Justify My Love” como ocupando um lugar privilegiado para acentuarmos as evidências de que Madonna, ao buscar um contorno de distinção para sua carreira, se aproxima do cinema e dos gêneros musicais que se conirguram como “à parte” dos esquemas das grandes gravadoras . A canção “Justify My Love” apresenta uma letra sussurrada em que Madonna canta frases espaçadas e aparentemente desconectadas como “eu quero te beijar em Paris” ou “eu quero correr nua em meio a uma tempestade”. O vocal é sussurrante e, por isso, ouvimos Madonna cantar num tom grave em meio a batidas eletrônicas características do gênero musical acid jazz. A faixa junta pela primeira vez o “time” que irá trabalhar com Madonna no seu álbum seguinte, “Erotica”, entre outros, os produtores Andre Betts e Shep Pettibonne. O videoclipe traduz visualmente “Justify My Love” apelando para estratégias discursivas que são recorrentes na carreira de Madonna. Vemos no vídeo, Madonna caminhando nos corredores de um hotel onde acontecem várias situações sexuais simultaneamente. A cantora se envolve em várias delas, há cenas que remetem ao sadomasoquismo e à bissexualidade – em que Madonna beija na boca uma outra mulher. Uma presença destacada no vídeo é a do modelo Tony Ward, na ocasião, uma espécie de “namorado” da Madonna, e conhecido pelo comportamento sexual extremamente liberado e por já ter atuado em ilmes da indústria pornográica. A direção do videoclipe é do francês Jean Baptiste-Mondino, que já havia dirigido o clipe “Open Your Heart”, também para Madonna, e por se caracterizar por uma certa 69 69 Estamos aqui nos anos 90, em que as gravadoras ainda são responsáveis pelas escolhas e endereçamentos do consumo dos produtos musicais, modelo de negócios que seria questionado com a disseminação do consumo na internet e das formas de download da música. - 210 - estética que glamouriza questões mais prementes sobre sexualidade. Informações aparentemente não-importantes, como o fato do videoclipe trazer uma espécie de “meio-namorado” de Madonna ou o peril de parceria da artista com o diretor Jean Batiste-Mondino, são, ao nosso ver, partes de uma complexa teia de referências biográicas que permeiam o consumo de produtos da música. O videoclipe “Justify My Love” deixa transparecer vestígios de uma série de formatações presentes da carreira de Madonna que funcionaram como uma maneira bastante original de posicionamento da artista próxima das experiências mais autênticas e supostamente fora dos eixos mais comerciais do mercado musical – entendendo que o uso de palavras como “autênticas” aqui nos remete ao campo das estratégias discursivas. Dessa forma, podemos airmar que o videoclipe “Justify My Love” sintetiza a estratégia de aproximação de Madonna dos artistas e iguras midiáticas que, de alguma forma, reverberassem, para ela, como um construto legitimador e distintivo. Visualmente, o clipe também nos remete a estratégias distintivas no campo da música. Parece-nos fundamental compreender como a referência a obras do cinema posiciona os produtos da música junto a premissas valorativas no terreno do consumo. O vídeo apresenta uma direção de fotograia captada em preto-e-branco, dando ao produto uma estética claramente glamourizada e cinematográica. A referência de uma Madonna loira e com um roupão negro, carregando uma mala à deriva entre os quartos de um hotel luxuoso, pode apontar para uma imagética típica das divas cinematográicas – a citação a Marilyn Monroe soa possível, na medida em que a cantora já havia protagonizado o clipe da canção “Material Girl” citando a estrela loira do cinema. No entanto, mais do que remeter exclusivamente a Marilyn Monroe, Madonna, em “Justify My Love”, parece estar compondo visualmente uma convocação em torno do “outro lado” das estrelas, daquilo que não se revela, está escondido, é feito quando ninguém está olhando. Encontramos ainda como disposição retórica em “Justify My Love” citações visuais ao ilme “O Porteiro da Noite”, da cineasta italiana Liliana Cavani, sobretudo nas vestimentas e composições de igurinos de algumas personagens do longo do clipe: há referências nas roupas de algumas dessas personagens ao nazismo (através de quepes contendo a suástica) e ao comportamento que associa o nazismo ao sadomasoquismo. A construção de tais elos associativos parece remeter Madonna a um lugar privilegiado nas estratégias discursivas a seu respeito, principalmente, tomando como princípio o fato de que é nos videoclipes que estas estratégias icam mais claramente evidenciadas. Obviamente, que todas estas referências e conteúdos sexuais estrategicamente explícitos teriam implicações na circulação de um produto como o videoclipe. Por isso, “Justify My Love” foi considerado pela MTV americana como “quase pornográico” e acabou sendo banido da emissora televisiva. Aproveitando-se dessa restrição, a gravadora à qual Madonna fazia parte, a Warner, optou por lançar o clipe como “vídeo single” em VHS, estratégia anteriormente protagonizada por Michael Jackson, com o clipe “hriller”. “Justify My Love” vendeu mais de um milhão de cópias em vídeo e posicionou Madonna como uma artista que sempre construiu, a partir dos seus videoclipes, um espaço diferenciado no terreno das cantoras da música pop. Parece, também, que observar analiticamente os videoclipes de Madonna nos auxilia na - 212 - compreensão sobre procedimentos e estratégias da indústria fonográica nos anos 90 – período em que o modelo de negócios e de consumo dos produtos da música passavam, necessariamente, pelos conglomerados de entretenimento do mercado musical. É este cenário evocado pela presença dos videoclipes inanciados pelas instâncias da indústria fonográica, com larga distribuição pelas emissoras de televisão musical e sustentando uma forma de relacionar de maneira direta e extensiva o álbum fonográico, a canção, o videoclipe e os shows que a observação mais atenta dos clipes de Madonna nos permite inferir. 4.2.9 “Here it Goes Again” Este modelo de negócios da música encontrou outro cenário com a chegada dos anos 2000: a larga disseminação da internet e o consumo da música “atravessando” a cibercultura. Plataformas online de compartilhamento de canções, álbuns e vídeos impuseram um novo regime de consumo baseado na aparente dicotomia: como comprar algo na loja (um CD, um vídeo), se é possível baixar os conteúdos através de programas da internet? Esta modelização ainda encontra impasses nas instâncias da indústria fonográica e uma série de soluções momentâneas e efêmeras aparecem para fazer com que o mercado musical siga regido e intermediado pelas gravadoras. No entanto, uma série de atalhos e alternativas de consumo aparecem e se desenham frente aos pressupostos dos produtos musicais. Estes itinerários quase que necessariamente passam pela internet e, no caso do videoclipe, por sites de compartilhamento de vídeos como o YouTube. Evidencia-se o uso de ferramentas online, softwares e sites com o intuito de midiatizar produtos que não entrariam nos circuitos de exibição ditos tradicionais, como as emissoras de televisão (sejam elas musicais ou não). Dessa forma, é possível reconhecer que este novo cenário que se apresenta traz implicações estéticas, gerando produtos que se apresentam longe de padrões previamente desenvolvidos e ditados pelas instâncias televisivas. Entramos num momento em que o videoclipe até pode ser exibido na televisão, mas não exclusivamente neste meio. O clipe começa a assumir seu contorno de produto ligado à cibercultura e à era digital, produzido também de maneira “caseira”, sem grandes aparatos de produção, mas gerando resultados de visibilidade e midiatização equivalentes aos produtos que outrora eram lançados em fortes esquemas de divulgação da indústria fonográica. É neste sentido que nos encaminhamos em direção ao clipe da banda sueca Ok Go!, “Here It Goes Again”, cuja caracterização se dá em função da simplicidade dos usos dos recursos expressivos do vídeo e pela forma de circulação do produto que, embora utilizando a televisão como plataforma de exibição, teve na internet seu principal trunfo de alcance e de midiatização. Cabe aqui trazermos algumas informações sobre a canção e a banda para fazermos algumas inferências analíticas sobre o videoclipe. É evidente que a banda Ok Go!, originária de um país fora do eixo da música pop como a Suécia, apresenta-se como o mais desconhecido artista que analisamos nesta etapa do trabalho. Parece-nos premente sinalizar que a internet favoreceu a pulveriação de informação sobre música e, com isso também, permitiu gerar visibilidade a grupos e artistas que, através dos meios tradicionais - 214 - de divulgação - no caso do videoclipe, a televisão -, não teriam espaço nos grandes esquemas de circulação das gravadoras. Por isso, soa revelador o fato de que a internet tenha propiciado a visibilidade de artistas “fora” das geograias tradicionais da cultura pop, ao mesmo tempo que sedimentou o terreno para que novas relações de gostos e valores fossem angariadas. Isto signiica airmar que, diante das novas ofertas de produtos e artistas da música, através das disponibilidades em sites e plataformas da internet, começa a se desenhar, em gêneros musicais como o rock, a música eletrônica, entre outros, uma certa afeição e valoração de artistas vindo de lugares “diferentes”, “exóticos” e estranhos. Tal sintoma soa resultado de uma constante atualização e distinção no terreno dos valores e dos gostos em relação aos produtos e artistas da música. Soa oportuno planiicar neste trabalho o argumento de que, há uma espécie de mapa simbólico sobre os produtos da música que parece dividir geograias, origens e traços biográicos dos artistas como constantes das formas de negociação e posicionamento frente o público fruidor. O rock, sabemos, é um gênero musical pautado pelas instâncias valorativas da autenticidade, construindo suas estratégias discursivas diante da premissa do “original” e do “novo”. Neste sentido, artistas e grupos vindos de países fora dos eixos tradicionais do pop, como os brasileiros do grupo Cansei de Ser Sexy (CSS), o colombiano Juanes, o mexicano Maná e os suecos do Ok Go! parecem funcionar como alternativas para uma certa padronização e obviedade que se espera – e tanto se critica – no mercado de música baseado no modelo de negócios da indústria fonográica. Este breve relato nos convoca para o videoclipe da canção “Here It Goes Again”, do grupo Ok Go!, como uma espécie sintoma dos novos ditames mercadológicos em função da entrada da internet como ferramenta de circulação de produtos. A análise de um produto como este nos permite realizar uma relexão pautada na expressividade discursiva do audiovisual. Em “Here It Goes Again”, temos a imagem dos integrantes da banda cantando enquanto dançam sobre esteiras elétricas. A direção de arte do vídeo evidencia seu caráter caseiro: vemos, ao fundo, uma espécie de tecido prateado, nitidamente amassado, gerando uma espécie de impressão de “cenário preparado, porém tosco”. Notamos no igurino dos integrantes-dançarinos, a presença de um jogo cromático, em que se destacam o preto, o rosa, o branco e os entretons. Os sapatos se dividem em brancos e pretos. Todas estas questões sobre o aparente “cuidado” com a produção do vídeo entra em “atrito” com o despojamento da câmera, que encontra-se ixa, frontal e captando exclusivamente os movimentos dos quatro integrantes da banda. O que vemos no videoclipe “Here It Goes Again” são os quatro integrantes da banda dançando sobre esteiras rolantes ligadas fazendo coreograias e “passos” engraçados. “Here It Goes Again” é um videoclipe que sintetiza esta nova modalidade de produtos musicais que circulam tanto pelos meios de comunicação tradicionais quanto pela internet. O vídeo foi largamente difundido, em meados de 2006, pela Internet, transformando numa dessas importantes ferramentas de marketing viral. No Brasil, o vídeo chegou a inclusive a ser exibido no programa de televisão “Fantástico”. Mas, soa relevante destacar que “Here It Goes Again” é freqüentemente associado ao universo caseiro de produção de clipes, como sendo um legítimo clipe desta era digital. - 216 - CAPÍTuLO 5 - 218 - CLIPE/Br, POr umA ESTÉTICA DO VIDEOCLIPE BrASILEIrO Depois de reconhecermos que é possível apreender o videoclipe a partir da noção de cultura midiática em seus contextos de origem, ou seja, a Inglaterra e os Estados Unidos, nossos esforços recaem sobre a perspectiva de identiicar aportes capazes de perceber os contornos que a cultura do videoclipe delineou no contexto brasileiro. A idéia é trazer uma contribuição para o estudo deste produto, investigando, sobretudo, sua dimensão midiática, ou seja, a análise de dispositivos expressivos dos clipes em consonância com aspectos contextuais. Sabe-se que o videoclipe encontrou um terreno propício para a sua disseminação no Brasil em função de ser reconhecido como um objeto integrante do luxo de programas de televisão, capaz de gerar um posicionamento de uma emissora televisiva e também como ferramenta do mercado musical. Para perceber como se desenhou este processo, é preciso atentar para os embates existentes entre as culturas musical e televisiva no Brasil nos anos 70 e 80 – períodos em que é possível reconhecer a inserção do videoclipe como um artefato midiático na TV brasileira. Um produto como o videoclipe, síntese audiovisual de um senso de personalidade artística, precisa de um conjunto de fatores capazes de orientar sua produção e fruição. O mais relevante fator, na verdade, parece ser um artista que tenha na performance e no uso expressivo do corpo suas principais ferramentas de comunicação e posicionamento no mercado musical. Neste sentido, soa evidenciador o fato de que as câmeras, sejam elas, primeiramente, cinematográicas e, em seguida, videográicas, tenham sido utilizadas para registrar performances e idiossincrasias no terreno da música. Não à toa, Júlio Bressane realizou, em 1969, o curta-metragem “Bethânia Bem de Perto”, uma espécie de documentário musical, em que o diretor segue a cantora baiana Maria Bethânia durante alguns dias, revelando trechos de sua vida e de momentos no palco. Encontramos em “Bethânia Bem de Perto” uma forma de reconhecer um terreno propício para a disseminação do videoclipe no Brasil: sobretudo pela vocação da imagem na construção de um senso de identidade para um artista. Maria Bethânia, reconhecida até hoje pela peculiaridade de suas performances ao vivo, permite que um diretor a registre em seus momentos mais descontraídos, cantando fora da dimensão do palco. Tais instantâneos parecem nos convocar o princípio basilar que vai estar presente nos videoclipes: a busca por um senso de personalidade artística no audiovisual. Mais experiências desta natureza documental aparecem no contexto brasileiro. Por isso, este momento pré-videoclipe nacional parece derivar de realizações com vídeos caseiros, de bitolas que passavam do Super-8 ao 16 milímetros, integrando a ilmagem de ensaios de grupos ou artistas, shows e processos de criação de canções. Experiências com Raul Seixas e seu então parceiro Paulo Coelho em shows restritos, documentação em imagem da “maluquice beleza” e ainda obras que apresentavam a mistura de bitolas e texturas de imagens para revelar performances ao vivo eram evidências de que um artista como Raul Seixas, notável “imitador” de Elvis Presley, precisava da imagem como forma de posicionamento no mercado musical: um posicionamento marcado pela postura de inquietação, revelada na eterna busca pela mistura do rock com ritmos regionais e pelos ácidos depoimentos contra o regime militar brasileiro. - 220 - Outros fenômenos de ordem audiovisual também disseminaram formas de posicionar artistas no mercado de música. Na década de 70, imagens documentam a estadia dos Novos Baianos numa casa no Rio de Janeiro, revelando processos de criação e ensaios para shows encenando uma narrativa sobre a perspectiva do grupo: a de artistas que “permitem” revelar seus processos, suas formas de criar e de dialogar o público e o privado. Durante todo este período, a imagem que documentava artistas brasileiros dependia de uma circuito exibidor privado, particular, nas casas de gente interessada (em geral artistas) ou em cineclubes. Fazer vídeos musicais era, praticamente, um capricho dos próprios artistas (Raul Seixas chegou a declarar que fazia seus vídeos musicais por lazer). Pouco deste material ganhava a exibição em canais de televisão e é preciso reconhecer que, para que isso acontecesse, as emissoras teriam que revelar seus interesses em torno da produção de musicais. 5.1 Dos calouros aos artistas Podemos airmar que as matrizes expressivas desta vocação estaria delineada nos principais atrativos de entretenimento no Brasil: o teatro de revista e a chanchada cinematográica. É neste ponto que destacamos o encontro entre os dispositivos televisivos e musicais, sinalizando para o fato de que a televisão brasileira já nasceu, de certa forma, com vocação musical. Exemplo pode ser evocado a partir da história da TV Tupi Difusora, a primeira emissora de televisão do País, que estreou no dia 18 de setembro de 1950 com o programa “Show na Taba” em que, entre atrativos humorísticos e mensagens publicitárias, havia vários números musicais. A vocação musical da televisão brasileira continuaria com programas como “Calouros em Desile”, exibido entre as décadas de 50 e 60, também na TV Tupi, com apresentação do cantor e compositor Ary Barroso (BRYAN, 2002, p. 23), em que anônimos utilizariam do espaço televisivo para se promoverem enquanto artistas musicais. Interessante notar que parte deste tipo de atrativo televisivo derivava dos gêneros de programas radiofônicos e que foi, também, um modelo apresentado no rádio, o das paradas do sucesso, das músicas mais tocadas e pedidas pelo público, que formaria a gênese do que se convencionaria chamar de televisão musical: modelo seguido pela Music Television (MTV) e que seria disseminada mundo afora. O diretor de televisão Daniel Filho observa que, em programas como “Espetáculos Tonelux” e “Clube dos Artistas”, ambos exibidos também na TV Tupi, o modelo de hit parade, ou seja, as paradas de sucesso, fez com que as emisoras de televisão adotassem o procedimento de realizar pequenos curtas mostrando performances dos artistas em cena, gerando “pequenos videoclipes” (FILHO, 2001, p. 54) A vocação musical da televisão brasileira encontrará um território propício para a coniguração do modelo de ranking de “paradas do sucesso” com a criação do programa “Globo de Ouro”, no ano de 1972. Inicialmente 70 70 Com produção de Haroldo Barbosa, Max Nunes e Maurício Sherman, o programa apresentava números de música erudita e MPB, além de atrações de shows em cartaz na cidade do Rio de Janeiro. Também era conhecido como Viva a música, nome com o qual era exibido nas demais cidades do Brasil. Maurício Sherman assinava também a direção do programa. “Espetáculos Tonelux” era exibido, inicialmente, às sextas-feiras, mas seu dia e horário de exibição sofreram alterações. Entre setembro e outubro de 1965 foi apresentado às segundas-feiras e, a partir do mês seguinte, passou a ser exibido sempre às quintasfeiras. Durante os anos de 1966 e 1967, enquanto esteve no ar, o programa era reprisado aos sábados, às 13h. - 222 - dirigido por Arnaldo Artilheiro e Mário Lúcio Vaz, estreou em dezembro daquele ano, com o nome “Globo de Ouro – A Super Parada Mensal” e sua proposta era levar ao telespectador os maiores sucessos musicais radiofônicos . O depoimento de Daniel Filho, desvelando a formação de uma maneira de produzir números musicais “como um videoclipe” em programas televisivos, encontra ressonância no discurso do produtor musical Nelson Motta (BRYAN, 2002, p. 21) sobre o processo de direção musical de um gênero televisivo tão central na fruição do público com a televisão brasileira, que é a telenovela. Durante a realização da novela “Véu de Noiva”, em 1968, Motta atesta que “para preencher um espaço de três a quatro minutos na trama” editava-se imagens dos personagens em momentos importantes de suas vidas, quase sempre apelando para a técnica do slow motion e acompanhando tudo isso com uma trilha romântica. “Não tem o espírito do videoclipe, mas a gente chama assim”. (BRYAN, 2002, p. 17) É dessa forma que o videoclipe se sedimenta como procedimento televisivo no Brasil: primeiramente, diante dos programas de televisão e de auditório em consonância com a produção musical nas telenovelas. É importante destacar também que são as telenovelas responsáveis pela premente aproximação entre a indústria da televisão e a indústria fonográica, sobretudo na relevância comercial das trilhas sonoras destas novelas. Este princípio parece também credenciar a gravadora Som Livre, responsável pela produção e comercialização das trilhas sonoras 71 71 A “parada” em questão era um ranking das dez músicas mais tocadas nas estações de rádio naquele mês. Entre os quadros, tínhamos “Grande Lançamento do mês” e o “Hit Parade do Passado”, mas outros surgiram e saíram do ar no decorrer dos 18 anos em que o programa foi exibido, como “O Som das Paradas”, “O Som dos Disc-Jóqueis”, “O Som dos Artistas”, “O Som das Discotecas”, etc. Ao longo desse período, o “Globo de Ouro” também teve diferentes diretores e apresentadores, e foi ao ar em diferentes dias da semana, chegando a ser semanal em algumas épocas. das novelas, como parte integrante desta lógica aproximativa entre os terrenos televisivos e musicais no Brasil. 5.2 Jovem Guarda e os clipes do “Fantástico” Parte do interesse das emissoras de televisão pelos números musicais deriva da própria história dos artistas e de suas trajetórias. Enquadrese, então, uma forma de enxergar os fenômenos da televisão brasileira a partir de uma lógica dos gêneros musicais. Neste sentido, destaca-se a Bossa Nova e Música Popular Brasileira (MPB), gêneros notadamente elitistas para um período histórico em que a TV também se pautava pelo elitismo, como principal alicerce na formação de uma vocação musical na televisão no País. Atrativos como “Bossaudade”, na TV Record, em 1965, e “Dois na Bossa”, na mesma emissora, revelaram uma forma de fazer números televisivos musicais a partir de performances consensualmente notáveis, como as de Elis Regina e Jair Rodrigues, no “Dois na Bossa”. Era a ênfase sobre a questão da interpretação e a presença da banda acompanhando ao vivo os artistas que importava em programas desta natureza. Não à toa que o Brasil também se notarizou, em suas emissoras de televisão, pela vocação dos grandes festivais, revelando artistas e coroando um gênero musical que, nesta época, se construía televisivo por natureza: a MPB. A gradual popularização da televisão viria sinalizar a aparição de novos gêneros musicais como notadamente televisivos, sobretudo aqueles ligados à cultura jovem, como a Jovem Guarda. Entretanto, foi a particularidade de um atrativo televisivo da Rede Globo de Televisão - 224 - que fez com que o videoclipe brasileiro encontrasse seu principal veículo de midiatização. Em 1973, foi a ar o programa “Fantástico”, que se propunha a ser uma revista televisiva. “O programa “Fantástico” surgiu num período de desenvolvimento da televisão brasileira com a proposta de misturar entretenimento com informação, seguindo o modelo aplicado com sucesso pela imprensa escrita, como por exemplo, na revista Manchete” (BRYAN, 2002, p. 23) São os contornos editoriais do “Fantástico” que evocam a presença e a necessidade de uso de números musicais na televisão brasileira. O diretor Jodele Larcher (apud BRYAN, 2004, p. 198) reconhece que, com o programa da Rede Globo num formato de “revista eletrônica”, teria se dado mais preocupação à “estética do videoclipe”. Dessa forma, vídeos “mais gráicos” e com a “edição mais dinâmica” eram necessários. Essa característica de unir aspectos editoriais e jornalísticos ao universo de variedades, fez com que, nos primeiros anos, o “Fantástico” pertencesse à área de shows da Globo. Desde a estreia, o atrativo reservava espaço para números musicais, funcionando como um laboratório de inovações cênicas, cenográicas e coreográicas. Em 1974, um dos primeiros musicais apresentados no programa foi com o grupo Seco e Molhados. O “Fantástico” exibiu imagens em preto e branco dos bastidores e do show do grupo no Maracanazinho, no Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, os musicais passaram a exigir cuidado ainda maior de produção, com o início das transmissões com imagem colorida . O diretor da área de shows da Globo e que concebia dos números musicais do “Fantástico” era Nilton Travesso. A particularidade, neste caso, está no fato de que o programa 72 “Fantástico” passou não só a exibir videoclipes como a produzi-los, fazendo com que o vídeo musical brasileiro conseguisse “cruzar” a fronteira do privado e adquirir status de público e de articulador da indústria fonográica. Os clipes exibidos e produzidos no “Fantástico” tinham suas estréias articuladas a lançamentos de LPs de artistas e trilhas sonoras de telenovelas. Podemos elencar algumas características evidentes nos videoclipes produzidos e exibidos no “Fantástico”: traziam o contexto de ambientes internos, com luzes coloridas e, em geral, uso de gelo seco, remetendo, imageticamente, a uma espécie de extensão de uma cultura visual oriunda da era disco music. Com a produção de clipes gerados sob a “sombra” dos modelos americanos e ingleses, o vídeo brasileiro passou a inserir imagens de cenas externas, entre closes nos cantores e muito gelo seco. Estas imagens, quase sempre exibiam ambientes tropicais, evocando, possivelmente uma coniguração clichê de construção identitária para o País. Integram esta leva, clipes feitos para Ney Matogrosso, Fafá de Belém, Sidney Magal, entre outros. Temos, então, exposto o modelo de linguagem do clipe brasileiro nos anos 80: cenas em interna, com músico dublando a canção e narrativa externa sintética do universo da canção, com referências a uma certa imagética clichê do Brasil tropical. 72 Em setembro de 1975, um desses musicais coloridos apresentou Maysa cantando o tema de abertura da novela “Bravo”, no concerto do pianista Arnaldo Cohen e regência de Isaac Karabtchevsky. Ainda em 1975, outro musical colorido foi com o compositor Paulinho da Viola na música “Pecado Capital”, tema de abertura da novela homônima. (Memória Globo, 2008. Disponível em www.redeglobo.com.br. Acesso em 12 de janeiro de 2009) - 226 - Esta construção de imagem gerando contornos sobre uma certa idéia de identidade nacional parecia negociar com o período de abertura política do Brasil nos anos 80, em que, notadamente, se assistia e consumia produtos transnacionais da cultura de massa. É neste sentido, que embora tivéssemos a existência e disseminação de artistas nacionais nos clipes do “Fantástico”, havia demanda para se assistir a videoclipes internacionais. A Rede Globo criou, então, no ano de 1984, o programa “Clip Clip”, com uma hora de duração, apresentado pelos bonecos Muquirana Jones e Edgar Ganta, que trazia “em primeira mão os últimos lançamentos nacionais e internacionais de videoclipes”, levando ao ar uma média de dez números musicais por edição. Num dos primeiros programas, foi exibido com exclusividade mundial um trecho inédito do show que o cantor Michael Jackson fazia em turnê pelos Estados Unidos”. (BIONDO, 1984: p. 1) O “Clip Clip” marcou a estréia de J.B. de Oliveira, o Boninho, como diretor na TV Globo. Notava-se no “Clip Clip” a tentativa da Rede Globo criar padrões, digamos, pop e jovem de endereçamento da linguagem da televisão para o jovem. Neste sentido, o programa era apresentado por bonecos que, por exemplo, apareceram “conversando” com Michael Jackson. Os efeitos eram produzidos em chromakey (recurso eletrônico pelo qual uma imagem pode ser inserida sobre outra, criando a impressão de primeiro plano e fundo). A referência ao universo das histórias em quadrinhos no cenário, as vinhetas de abertura a cargo do designer Hans Donner, com imagens geradas por computador pareciam trazer à tona o esforço da Globo em produzir programas que trouxesse à tona a idéia de que a emissora era jovem e “antenada”. O programa inaugurou, em 1985, as exibições em som estéreo na emissora. Antes de deixar de ser exibido, em março de 1987, Clip clip ocupava o horário das 14h30, indo ao ar aos sábados. 5.3 O “padrão Globo” de videoclipes Cabe aqui uma pausa para nos atermos mais detidamente sobre um produto da cultura midiática, no caso, o videoclipe da canção “América do Sul”, de Ney Matogrosso. Não à toa, podemos associar a igura performática de Ney Matogrosso à cultura da imagem na música brasileira. Primeiro, como líder do grupo Secos & Molhados, em seguida, em carreira solo, seguindo a trilha da performance marcada pela ambigüidade dos gêneros masculino e feminino, Ney parece ser a síntese do artista que “precisa” da imagem. A escolha pela análise de “América do Sul” obedece a uma coniguração que viemos delineando ao longo deste trabalho, o reconhecimento consensual de que estamos diante de uma experiência inicial e, por isso, basilar, no terreno do videoclipe brasileiro. Dessa forma, compreender a história do clipe no Brasil signiica questionar a razão de “América do Sul”, número dirigido por Newton Travesso para o cantor Ney Matogrosso, no ano de 1975, ser apontado como uma experiência inicial neste terreno. Alguns dados históricos podem ajudar a evidenciar o lugar de agentes e instituições na eleição deste audiovisual como “o primeiro” clipe brasileiro. É relevante destacar que algumas experiências com registros de atos performáticos ao vivo já eram realizados no Brasil desde o inal dos anos 60, em suporte - 228 - fílmico, para artistas como Raul Seixas, Novos Baianos e Maria Bethânia, entre outros. No entanto, somente com a gravação de “América do Sul”, o Brasil teria seu “primeiro” videoclipe. De acordo com a radiograia do videoclipe nacional descrita pela jornalista Carmem Pereira na revista de música pop Bizz, “o ‘Fantástico’ estabeleceu o ritmo do crescimento dos clipes no Brasil, criou um patamar estético e qualitativo a partir do qual todos os demais clipes passaram a ser avaliados e, além disso, deu ao País uma pródiga fornada de diretores.” (PEREIRA, 1986, p. 45) Naquele momento (a década de 70), antes mesmo da existência da MTV nos Estados Unidos, a Rede Globo de Televisão mantinha um quadro dentro de um programa jornalístico (o “Fantástico”) dedicado à exibição de vídeos musicais. Segundo Carmem Pereira, “ainda hoje [1986], o Fantástico é prioridade número um dos departamentos de divulgação de qualquer gravadora” (PEREIRA, 1986, p. 45). Uma particularidade deve ser notada na dinâmica de exibição de números musicais: ao contrário das experiências na Inglaterra e nos Estados Unidos, onde o vídeo musical era produzido fora da emissora de TV, sendo esta, apenas, uma exibidora do material, no caso brasileiro, a Rede Globo não só exibia, como produzia os vídeos. “Esta força do programa [o “Fantástico”] acabou sendo uma faca de dois gumes na evolução dos clipes [no Brasil]. Se, por um lado, as gravadoras conseguiam nele um espaço valioso para seus artistas, por outro não precisavam investir em seus próprios clipes, já que no “Fantástico” sempre houve uma produção própria”. (PEREIRA, 1986, p. 45) A jornalista Carmem Pereira chama atenção para uma coniguração estética, uma vez que, sozinhos no terreno de produção de clipes, os proissionais da Rede Globo não tinham interesse em realizar mudanças no padrão das obras. Uma questão de ordem econômica veio traduzir a polarização em torno da produção de clipes no País, na medida em que confrontou interesses do indústria televisiva e da indústria fonográica. Clipes feitos, naquele período, no Brasil, eram produzidos na Rede Globo ou em pequenas produtoras. No primeiro caso, a própria Globo inanciava a produção destes produtos; no segundo, a produção era subsidiada pelas gravadoras. O impasse é que clipes produzidos fora da Rede Globo, quase sempre, não atingiam o “padrão Globo” de qualidade – e acabavam icando restritos às redes de televisão regionais (PEREIRA, 1986, p. 45). Por outro lado, uma vez produzidos na Rede Globo, o vídeo só poderia ser exibido na emissora, icando privado de sua circulação em outros canais. Este impasse inquietou os proissionais da indústria fonográica. A história começou a criar outros personagens com a chegada de homaz Munõz na presidência da CBS Discos. “Ele criou, assim que chegou ao Brasil, uma Gerência de TV e entregou sua direção a Edson Coelho, Diretor de Promoção e Publicidade da RCA. (...) Outras gravadoras seguiram o mesmo caminho da CBS, criando departamentos exclusivamente dedicados a vídeo”. (PEREIRA, 1986: p. 45) - 230 - 5.4 Yes, nós fazemos clipes As gravadoras se associavam a produtoras de vídeo, cinema e publicidade para a produção de videoclipes. Tal dinâmica gerou uma polarização sobre o “fazer videoclipe” no Brasil: os “caretas” seguiam o “padrão Globo” de realização; os “modernos” empreendiam mudanças na linguagem, na edição, realizavam “estripulias visuais” que eram elogiadas pelos críticos da época. A Rede Globo empreendeu, então, uma tentativa de subverter e se alçar como legitimadora das constituições de novas linguagens e formatos na televisão brasileira. O programa Fantástico exibiu, então, em 1975, o primeiro quadro musical gravado fora dos estúdios da Globo (instaurando uma mudança na linguagem do clipe brasileiro calcado no registro musical em estúdio): Ney Matogrosso cantou “América do Sul”, num matagal “ensolarado” por efeitos especiais. O diretor da empreitada foi Nilton Travesso. Jornalistas que cobriam a área de produção audiovisual, na época, reconheceram “América do Sul” como “o primeiro” videoclipe brasileiro. A crítica de cinema Ana Maria Bahiana, que tinha uma coluna sobre clipes na revista Vídeo News, atestou: “Ainda hoje [ano de 1986], aquele musical tem padrões para igurar numa lista dos melhores clipes já feitos no Brasil” (apud PEREIRA, 1986: p. 46). O também jornalista Luiz Antonio Mello, colunista de clipes do Jornal do Brasil, reconheceu que o Brasil já teria o seu representante no território do videoclipe. “América do Sul” implica sinalizarmos uma discussão entre a continuidade de uma forma de fazer videoclipes no País (encampada na igura dos produtos da Globo) versus a ruptura (coisiicada nas produções independentes). No âmbito do videoclipe, onde noções como padronização são veementemente refutadas, ter produtos gerados num mecanismo como o da Rede Globo, tinha o peso de depor contra a própria lógica deste produto audiovisual. A discussão sobre o padrão estético dos videoclipes da Rede Globo e das produtoras de cinema e vídeo se instaurou no País. No debate sobre “seguir” ou não o “padrão Globo” de produção de videoclipes, o vídeo “Pânico”, do grupo Mercenárias, em 1987, recebeu uma resenha elogiosa da revista Bizz: “Faltava ao rock nacional clipes que escapassem do ‘padrão Globo’ de cafonália - aquele efeito ‘óculos embaçados’, mulheres com ares fatais, inspirados na mais reles sensualidade, roteiros que são ilustrações rasteiras da historinha da canção... e daí para baixo. Foi preciso que uma estreante em direção de videoclipe, Mirella Martinelli se juntasse às Mercenárias - banda paulista que não é propriamente estreante, mas que só agora está lançando seu primeiro LP - para que desta associação saísse um dos poucos clipes brasileiros que podem ser comparados a qualquer clipe internacional”. (BIZZ, 1987: p. 16) Notamos no tom da crítica, uma polarização e negação de um fazer videoclipe como “na Rede Globo”, empreendendo, a partir de então, estratégias de reconhecimento e distinção que se fazessem operar em relação à forma de realização de audiovisual desenvolvida pela emissora. Este debate acalorado sobre fazer clipes segundo os padrões da Globo ou das produtoras independentes perdurou durante toda a década de - 232 - 80, uma vez que a emissora de maior audiência no País e detentora de um quadro no programa “Fantástico” para exibição de vídeos musicais, ainda era a principal exibidora destes números musicais. A Rede Globo deixou de se conigurar um centro no debate sobre a produção no campo do videoclipe, somente na década de 90, com a chegada da MTV Brasil, e a maior liberdade de veiculação das produções feitas fora dos estúdios da Globo. Discutir portanto “América do Sul”, de Ney Matogrosso, como uma experiência inicial no terreno do clipe implica em enxergar a premissa de que há uma série de questões do terreno midiático, notadamente, as disputas entre uma emissora de televisão e as produtoras independentes de publicidade e, por extensão, de videoclipes, na legitimação da estética deste produto. Ainda levando em consideração a igura emblemática que era Ney Matogrosso na MPB, nos anos 70, soa ainda mais evidenciador que fosse com este artista que o clipe encontrasse um terreno propício à sua imersão no contexto brasileiro. Dessa forma, “América do Sul” sintetiza o senso de personalidade inquieta e experimental do artista que é Ney Matogrosso. É premente lembrar que Ney sempre se utilizava de igurinos extravagantes, bastante maquiado, e que o seu corpo sempre foi matéria de expressão e posicionamento no âmbito da música. 5.4.1 “Garota de Ipanema” Foi em 1990 que a MTV Brasil iniciou suas atividades, exibindo como primeiro videoclipe “Garota de Ipanema”, clássico da Bossa Nova, recriado na voz e na imagem de Marina Lima. A canção presente no clipe apresenta uma versão remixada do clássico de Vinicius de Moraes, com a voz rouca de Marina Lima. Parece sintomático que um videoclipe com uma versão remix de “Garota de Ipanema” tenha “inaugurado” a exibição da Music Television (MTV) no Brasil. Trata-se de um clássico de um momento musical, a Bossa Nova, em que o Brasil apresentava a sua música para o mundo, com nomes como Tom Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto. A Bossa Nova, chamada também de “jazz brasileiro”, trazia todo o escopo de ser notadamente reconhecida como parte de um processo de internacionalização da cultura brasileira, em que se celebrou a música e os costumes nacionais perante as diversas formas culturais ao redor do mundo. Por isso, soa oportuno reconhecer que, num momento em que o Brasil se alinha a uma lógica de internacionalização dos meios de comunicação, com a chegada de uma emissora de televisão com forte apelo pop, como a MTV, um eco da Bossa Nova, agora “reinventado” e, notadamente, com um “verniz” mais contemporâneo, apareça como marco incial das atividades desta emissora no Brasil. Assistir a “Garota de Ipanema”, na estréia da MTV Brasil, parece nos convocar para o mesmo processo de internacionalização do discurso do nacional, utilizando um marco tão decisivo como a Bossa Nova como uma forma de situar uma brasilidade em diálogo com o “estrangeiro”. Há uma questão a ser reletida, também evocando este primeiro videoclipe exibido pela MTV Brasil, que é a presença da cantora Marina Lima. Ao contrário de artistas que convocam aspectos mais evidentes de brasilidade, através de referências ao samba e a uma negritude nacional, Marina Lima, branca, com voz contida e rouca e aparentemente sem traços tão marcados com o clichê - 234 - do Brasil, se apresenta como importante possibilidade de construção de identidade para a marca da MTV Brasil: a emissora pop, porém cool, que chegava ao País apagando qualquer registro excessivamente identitário da cultura nacional como forma de posicionamento frente a um discurso notadamente internacionalizante . No videoclipe “Garota de Ipanema”, ao ouvirmos a versão remixada do clássico da Bossa Nova, somos apresentados a cenas que mostram, em diferentes texturas de imagens, seqüências trazendo à tona praias, lores e a cantora Marina Lima. O curioso é que estas imagens são processadas digitalmente: a praia se apresenta em preto-e-branco (longe dos clichês do Brasil excessivamente colorido), as lores, na maioria das vezes, são mostradas através de efeitos digitais. Vemos uma edição que privilegia os cortes que, naturalmente, causam atritos visuais. Se a voz de Marina é rouca e ouvida em meio a uma instrumentação eletrônica na canção, a presença no videoclipe da cantora também é discreta, através de planos que visam, talvez, mais escondê-la do que revelá-la. Conforme vimos anteriormente, as experiências iniciais de estréias da MTV nos Estados Unidos e na Europa, com o clipes “Video Killed he Radio Star”, do Buggles, e “Money For Nothing”, dos Dire Straits, evocam a presentiicação de uma atitude auto-irônica da emissora nestes mercados. A chegada da MTV no Brasil, um País com larga tradição de cultura popular e folclórica, através do videoclipe “Garota de Ipanema”, pode ser vista como uma forma de esmaecimento de certas cores por 73 73 Em 1997, a MTV Brasil passou a “abrir” mais sua programação (antes restrita a gêneros um tanto quanto mais “cosmopolitas”: rock e pop, sobretudo), exibindo clipes de artistas nacionais de pagode, axé music e sertanejo (gerando uma polêmica na audiência). Desde então, a MTV Brasil passou a investir também na criação de programas da linha de talk shows ou entretenimento, que não trazem, exclusivamente, videoclipes. demais intensas das matrizes do popular e de uma busca por uma matriz identitária análoga à Bossa Nova, ou seja, brasileira porém cool. 5.4.2 A Era das Produtoras de Publicidade e Cinema Com a disseminação da MTV no Brasil, fomentou-se a produção de clipes de bandas nacionais, o que proporcionou a disseminação do que podemos chamar de uma cultura do videoclipe no País. Artistas como Paralamas do Sucesso, Skank, Titãs, e mais recentemente, Charlie Brown Jr., Nação Zumbi, Pitty, Detonautas, NXZero, passam a utilizar os departamentos artísticos das gravadoras como forma de viabilizar seus vídeos. Com essa disseminação, as gravadoras passam então a adotar videoclipes como ferramentas capazes de disseminar os produtos da música. Muitas dessas gravadoras vão se aproximar de produtoras de vídeo com o intuito de gerar parcerias para a realização de videoclipes e produtos semelhantes. É neste contexto de profusão da produção de vídeos no País, que a MTV Brasil, espelhando-se na festa de premiação de videoclipes de artistas americanos, o Video Music Awards, criou, em 1995, o Vídeo Music Brasil (VMB). A tentativa, além de “aquecer” o mercado emergente, serviu como forma da MTV “chamar para si” o papel de instância legitimadora da produção de videoclipes nacionais. O Vídeo Music Brasil (VMB) funcionou, portanto, como o espaço em que se premiavam diretores, músicos e técnicos de videoclipes, podendo ser considerado como a mais relevante instância de consagração da - 236 - produção brasileira. Aproximando-se dos videoclipes premiados nas primeiras edições, é possível sinalizar a emergência de um modelo de clipe nacional facilmente consagrado pelo VMB e, consequentemente, pela MTV Brasil. Este tipo de clipe era produto de um sistema que iniciava nas produtoras de ilmes publicitários e entrava em circuito via emissora televisiva musical. Notadamente, é reconhecível airmar que, tanto quanto os artistas protagonistas dos videoclipes, o Vídeo Music Brasil (VMB) chamou a atenção para diretores de videoclipes nacionais e, mais detidamente, para produtoras, como Conspiração, Videoilmes e O2. Ambas funcionavam como produtoras de cinema e vídeo, tendo a publicidade como terreno de sedimentação de suas atividades. Ou seja, era graças às verbas oriundas de campanhas publicitárias que, dentro dessas produtoras, se pôde trabalhar e experimentar com a linguagem audiovisual na criação de videoclipes – sendo, assim, enxergamos esses espaços como “laboratórios” de elaboração de clipes no País. Foi, por exemplo, da produtora Conspiração, que saíram videoclipes extremamente consagrados nas edições do Vídeo Music Brasil, entre eles, “Segue o Seco”, de Marisa Monte, “É uma Partida de Futebol”, do Skank, “Ela Disse Adeus”, dos Paralamas do Sucesso, entre outros. Além de consagrar a produtora Conspiração, que passou a funcionar como uma espécie de “bússola” que norteava a estética do videoclipe nacional naquele momento, ou seja, o inal dos anos 90, também apareciam nomes de diretores de videoclipes nacionais evidenciados pela MTV Brasil, através do VMB. Nesta leva, é possível elencar iguras como Andrucha Waddington, Breno Silveira, Cláudio Torres, Luís Henrique Fonseca, todos vinculados à produção de vídeos na Conspiração e, mais tarde, alçados à produção de cinema. Concomitante à consagração de videoclipes nas instâncias do VMB, estes diretores realizaram o longa metragem “Traição”, inspirado em textos de Nelson Rodrigues, em que demonstravam uma clara vocação pelo cuidado técnico, através de direção de fotograia, montagem e direção de arte. Este mesmo senso de “cuidado” passou a ser marca da Conspiração, levando para o terreno de produção de videoclipes nacionais, possivelmente, uma perspectiva mais acurada e dotada de um padrão, digamos, mais cinematográico. Estamos diante de um momento em que o videoclipe brasileiro passa a adotar procedimentos discursivos que o assemelham ao cinema, sobretudo, no uso freqüente da película e das referências do universo cinematográico no audiovisual. Não é só isso. Grande parte dos diretores da Conspiração, uma vez consagrados no terreno do videoclipe, passavam a migrar para o cinema, gerando obras que também conclamavam para o mesmo acurado senso de produção e realização. Neste sentido, obras como “Gêmeas”, de Cláudio Torres, “O Homem do Ano”, de Luís Henrique Fonseca, “Eu, Tu, Eles”, de Andrucha Waddington e “Dois Filhos de Francisco”, de Breno Silveira, aparentam revelar a sintonia entre os dois ambientes de produção – o videoclipe e o cinema – na Conspiração, sempre tendo como “pano de fundo” a produção de vídeos publicitários. - 238 - 5.4.3 “Segue o Seco” Esse quadro mais panorâmico nos permite enxergar as formas de valorização dos videoclipes nacionais, a partir de um padrão instaurado, a partir dos anos 90, pela produtora Conspiração. Possivelmente, o mais emblemático videoclipe que revele estes contornos seja “Segue o Seco”, protagonizado por Marisa Monte e sob a direção de Cláudio Torres e Luís Henrique Fonseca, com direção de fotograia de Breno Silveira, que ganhou cinco prêmios no Vídeo Music Brasil de 1995, incluindo melhor videoclipe do ano, lançando luz sobre uma série de procedimentos expressivos que seriam consagrados na produção audiovisual do País. Em “Segue o Seco”, vemos a cantora Marisa Monte interpretando a personagem de uma mulher que observa as mazelas sociais causadas pela Seca. A canção, de autoria de Carlinhos Brown, apela para uma produção em que é possível reconhecer sonoridades de instrumentos como berimbau e vozes que evocam cânticos regionalistas, acentuando uma texturização sonora que a situa marcadamente na MPB, com temática e melodia com apelo regional. Temática e referências melódicas serão os principais artefatos de tradução visual, utilizados pelos diretores Cláudio Torres e Luís Henrique Fonseca na concepção do videoclipe. É particularmente curioso notar como o clipe “Segue o Seco” é construído a partir de um ponto de partida cinematográico: a personagem de Marisa Monte, por exemplo, nos traços de seu igurino, parece ser a evocação da personagem Scarlett O’Hara, do clássico ilme “E o Vento Levou”. As imagens do Nordeste e do Sertão, presentes no clipe, são todas captadas em estúdio, acentuando um caráter de artiicialismo e “controle” cinematográico sobre a obra. “Segue o Seco” tem letreiros, como em ilmes, e foi captado em película, legando uma forma de produzir videoclipes no Brasil que icaria marcada por esta e outras experiências da produtora Conspiração. A partir do momento em que insinua compor uma matriz de imagem tão deliberadamente artiicial para o Sertão e, conseqüentemente, para o Nordeste, “Segue o Seco” pode ser visto como distante das matrizes cinematográicas brasileiras, notadamente o Cinema Novo - em suas concepções de um cinema de autor, evocando uma “Estética da Fome”, como proporia Glauber Rocha, diante de procedimentos que levassem o cinema a retratar a miséria de forma crua, “feia” até. O clipe estaria próximo das matrizes de imagens legadas pelo cinema clássico hollywoodiano, a partir das lógicas instauradas pelos estúdios cinematográicos. São essas iliações que fazem de “Segue o Seco”, um videoclipe alinhado a um olhar utópico e idealizante sobre o Nordeste e o Sertão: a terra rachada em estúdio, a chuva artiicial, as ossadas de boi “organizadas” numa cenograia, os igurantes com rostos enrugados e marcados. Este olhar utópico a que nos referimos soa como uma convocação não só no terreno do videoclipe, mas também o cinema: ilmes como “Eu, Tu, Eles”, de Andrucha Waddington, e “Abril Despedaçado”, de Walter Salles, são emblemáticos do que se pode reconhecer como idealização do espaço regional, a partir da acentuação de cores e da construção de um cenário utópico e universal para o Nordeste. Obviamente que estes dispositivos retóricos presentes no videoclipe “Segue o Seco” obedeciam a uma lógica maior, no seu momento de produção, que era a necessidade de se instaurar um padrão para este tipo de produção audiovisual brasileira. O padrão adotado, a - 240 - partir de uma premissa claramente publicitária, foi o de aproximar este videoclipe dos produtos cinematográicos hollywoodianos. A despeito de todas essas elaborações discursivas, “Segue o Seco” foi um videoclipe que não só posicionou a cantora Marisa Monte no cenário musical brasileiro, como reforçou um caráter distintivo desta artista dentro da gravadora EMI. Neste sentido, pode-se reconhecer o caráter de grandiloqüência que cerca este produto. Trata-se de um videoclipe em que se encena como cinematográico e que acaba emprestando um estigma de personagem feminina forte e deinida para Marisa Monte. O clipe reforça alguns aspectos performáticos da cantora, sobretudo, a ênfase na movimentação corporal e delibera a convocação para o fato de que: estamos diante de uma diva. A referência ao universo da diva – encaramos a diva como a imagem estática feminina típica do cinema e evocada por Edgar Morin (1989) - no clipe “Segue o Seco” se constrói a partir do cruzamento da imagem da cantora com as referências a personagens claramente inspirados no universo cinematográico. Algumas dessas referências nos fazem compreender como “Segue o Seco” situa Marisa Monte também numa zona de posicionamento no terreno da música entre a alta estirpe da MPB, iliada a artistas como Maria Bethânia, Caetano Veloso e Chico Buarque, sem perder o elo com a cultura jovem, da MTV, alçando-a, mais uma vez, a um lugar privilegiado, entre o universo artístico de escolhas e a emblemática acentuação mercadológica de seu trabalho. A referência expressiva instaurada por “Segue o Seco” passou a habitar as premiações do Vídeo Music Brasil, legando, assim, uma forma instaurada pela Conspiração para se reconhecer um bom videoclipe nacional. Em 1996, um outro videoclipe da produtora, “Lourinha Bombril”, dos Paralamas do Sucesso, com direção de Andrucha Waddington, Breno Silveira e Toni Vanzolini, sagrou-se vencedor do VMB, com três prêmios, incluindo melhor videoclipe do ano. O feito, de vencer o prêmio de melhor videoclipe, para integrantes da Conspiração, se repetiria em 1997, com o vídeo “Busca Vida”, novamente dos Paralamas do Sucesso, com direção de Andrucha Waddington e Breno Silveira; e em 1998, com “Ela Disse Adeus”, também dos Paralamas do Sucesso e com os diretores, Andrucha Waddington, Breno Silveira e Toni Vanzolini. 5.4.4 “Diário de Um Detento” Diante da aparição na MTV de artistas e canções ligadas a gêneros musicais como o rap no Brasil, algumas experiências foram descortinando uma forma de fazer videoclipe que ia no sentido oposto ao que se vinha sendo revelado pelos diretores da Conspiração. Ao invés de produções com esmero na direção de arte, na concepção de cenários e igurinos – herança da produção de publicidade e de moda, por exemplo – começavam a aparecer videoclipes que traziam à tona uma evidência do discurso social, da imagem da periferia e das questões que ligavam, por exemplo, a música à identidade negra, urbana e à margem. O clipe “Diário de Um Detento”, dos Racionais MCs, com direção de Mauríco Eça e Marcelo Corpani, foi um dos vídeos musicais mais celebrados de 1998, tendo recebido, no Vídeo Music Brasil, a premiação chamada de “Escolha de Audiência”, ou seja, com votação do público. A canção “Diário de um Detento” foi escrita por um ex-detento chamado Jocenir, - 242 - que lançou suas memórias em um livro homônimo. É uma típica canção de rap, em que praticamente o vocalista do grupo, Mano Brown, recita trechos da letra sobre uma base eletrônica. A faixa aborda a rebelião do presídio do Carandiru, ocorrida em 2 de outubro de 1992, quando 111 presidiários foram mortos pela polícia em evento que icou conhecido como “Massacre do Carandiru”. No clipe, vemos imagens, em tom documental, do cotidiano de um presídio. Algumas imagens, captadas através de câmeras na mão e com efeito de cinema documentário, parecem ter a intenção de utilizar da mesma narrativa confessional e íntima, presente na letra da canção. Em outro momento, somos confrontados com fotograias dos presos realizando ações cotidianas, como cortar os cabelos e jogar futebol no pátio, ou, simplesmente, retratos em 3X4 evocando a verdade dos que vivem na situação carcerária. Além de extremamente alinhado ao discurso do rap e, sobretudo, à premissa do grupo paulista Racionais MCs, o videoclipe “Diário de Um Detento”, marcaria uma espécie de entrada da temática deliberadamente social no clipe nacional, pluralizando as referências e complexiicando as constituições da linguagem do clipe nacional. 5.4.5 “A Minha Alma” O momento em que começa a haver a consagração do videoclipe de vocação, digamos, mais social e com claras referências a uma estética do documentário, se dá, no ano de 2000, com a consagração de “A Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero)”, do grupo O Rappa, com direção de Kátia Lund e Breno Silveira. O vídeo venceu seis prêmios no VMB de 2000 e, dessa vez, trouxe como referência, alinhar os recursos expressivos do videoclipe nacional com algumas opções e contornos estéticos do cinema brasileiro da virada dos anos 90 para os 2000. Traçar um comentário sobre o videoclipe “A Minha Alma” signiica reconhecer que a produção de clipes no Brasil passava a interessar também a outras produtoras de cinema, vídeo e publicidade. Neste momento, emerge, neste terreno do clipe, a produtora Videoilmes, já com experiência no ramo de cinema, que tinha como um dos diretores, João Moreira Salles, um dos principais expoentes da produção de documentários no País, através de ilmes como “Notícias de Uma Guerra Particular”, dirigido em parceria com Kátia Lund. É exatamente a presença de Kátia Lund como co-diretora do documentário “Notícias de Uma Guerra Particular” que parece formatar o momento em que o videoclipe nacional se legitimou com uma obra de clara inspiração documental. Kátia Lund é, juntamente com Breno Silveira, responsável pela direção do clipe “A Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero)”, do grupo O Rappa. Acrescente a este fato, o princípio de que a Videoilmes era uma produtora que tinha o cinema como base de sua produção – e não a publicidade – assim como o princípio de que, naquela ocasião, havia o diretor João Moreira Salles, de evidente vocação documental, como um papel de gestão da empresa. Soa oportuno, então, reconhecer que havia um “terreno fértil” preparado para que o videoclipe “A Minha Alma” assumisse tão deliberadamente traços de cinema documentário – via tanto o peril da produtora Videoilmes quanto pelo próprio estilo da diretora Kátia Lund. Este contexto notadamente propício encontrou no senso de - 244 - particularidade da banda O Rappa, grupo carioca que tinha como um dos pilares de seu trabalho, a plataforma social, a discussão sobre miséria, vida nas favelas e ains, um “ambiente” capaz de acolher tais princípios expressivos. A pesquisadora Luiza Lusvarghi (2003) observa que o vídeo da canção “A Minha Alma” teria sido encomendado por Marclo Yuka, baterista e um dos principais letristas do grupo, à diretor Kátia Lund, depois que ele assistiu a “Notícias de Uma Guerra Particular”. A letra da canção “A Minha Alma”, trazendo um texto em que se evocavam imagens sobre medo e violência urbana, parece oprtuna de ser traduzida visualmente através de uma perspectiva documental. Por isso, o clipe “A Minha Alma” aparenta ser resultante de experiências no terreno do cinema documentário e das considerações estilísticas da diretora Kátia Lund, evocando um lugar para o grupo O Rappa que legitima o discurso socialmente engajado do grupo. No clipe, somos apresentados a personagens, em sua maioria jovens moradores de favalas cariocas, que estão decidindo o “programa” para um dia ensolarado. Decidem ir à praia enquanto, no morro, se encena um confronto entre policiais, moradores, comerciantes e, possivelmente, traicantes. O videoclipe é inteiramente registrado em preto-e-branco e, em alguns momentos, estamos vendo os próprios embates policiais, através de um registro com câmera, muitas vezes, na mão e em constante estado de tremulância. Há outros fragmentos do vídeo, em que acompanhamos os embates através da ótica do personagem Gigante, uma criança que observa atônica à violência naquela ocasião. É neste embate entre uma situação violenta e incontrolável e a solidão de uma criança observadora que se constrói o princípio basilar de “A Minha Alma”: a idéia do risco - 245 - e da proximidade da violência numa cidade como o Rio de Janeiro. É preciso contextualizar que as atuações do clipe foram resultado da presença da diretora Kátia Lund em oicinas de interpretação no projeto “Nós do Morro”, no Morro do Vidigal, na capital carioca. Dessa forma, vemos, mais uma vez, o videoclipe como forma de experimentação com a linguagem: até mesmo a forma de captação e edição do documentário. “A Minha Alma” entra em consonância com uma série de experiências do cinema brasileiro contemporâneo – evidentemente aqueles que apresentam traços dos embates entre a classe média e a violência urbana. Por isso, o clipe apresenta semelhanças temáticas, e em alguns casos, até visuais, com obras do cinema brasileiro – de maneira mais explícita, ilmes como “Cidade de Deus” e “O Invasor”. É esta estirpe que nos interessa no mapeamento da produção nacional: “A Minha Alma” parece aprofundar a experiência trazida à tona com o videoclipe “Diário de Um Detento” e se posiciona, diametralmente oposto, aos vídeos da produtora Conspiração, com evocação publicitária e com inúmero auxiliar. Este quadro traçado pode nos revelar matrizes expressivas complexas que desaiam a linearidade do planejamento de argumentação. Obviamente que inúmeras outras experiências com videoclipe apareceram e se destacaram, mas visualizar clipes como “América do Sul”, “Garota de Ipanema”, entre outras, é o primeiro passo no conhecimento das questões ligadas à análise de produtos da cultura midiática. - 246 - CAPÍTuLO 6 - 247 - - 248 - PóS-mANGuE E VIDEOCLIPE NA ErA DO YOuTuBE Diante dos itinerários de circulação que os produtos midiáticos assumem, com a disseminação de plataformas digitais de compatilhamento de vídeos e músicas, parece premente que um estudo que visa gerar bases teóricas e metodológicas para a compreensão do videoclipe toque num tipo de experiência contemporânea que se descortina e instiga olhares atentos. Videoclipes, assim como canções, cada vez mais, habitam os espaços virtuais. Sites, blogs e plataformas são ambientes em que é possível assistir, comentar, recriar e criticar videoclipes, num tipo de atividade que parece soar como um sistema de resposta social a produtos midiáticos. (BRAGA, 2006, p. 26) Diante disso, atestamos que o clipe não está mais somente sendo produzido nas instâncias da indústria fonográica, com suporte dos departamentos de marketing de gravadoras e com quantias vultuosas gastas na realização. Experiências de clipes “caseiros”, recriados diante de materiais previamente divulgados por artistas, são cotidianamente disponibilizados em plataformas como o YouTube, gerando a necessidade do desenvolvimento de um senso de compreensão daquilo que se apresenta aparentemente novo. E, neste sentido, o novo parece desaiador porque acaba confrontando conceitos previamente sedimentados a partir de novas demandas e hipóteses. É dentro deste quadro de novas experiências com o audiovisual, que sentimos necessidade de inserir um tipo de videoclipe no corpus analítico desta tese que se distanciasse das experiências clássicas deste gênero. Ou seja, identiicamos ser oportuno trazer à tona os conceitos basilares aqui - 249 - desenvolvidos (a relação do videoclipe a partir das retrancas conceituais de canção, gênero e performance) para um produto que não tivesse sido produzido dentro dos ditames da indústria fonográica. Como precisaríamos ter acesso a um tipo especíico de conteúdo, possivelmente a partir de entrevistas e de informações adicionais, reconhecemos que um videoclipe do grupo pernambucano Mombojó atenderia tais preceitos. Conhecemos, informalmente, alguns integrantes da banda, amigos destes integrantes e mais indivíduos realizadores de clipes para o grupo. A escolha pelo clipe da canção “Deixe-se Acreditar” para integrar o corpus em análise partiu do mapeamentos de algumas circunstâncias que atestaram particularidades na realização e concepção do clipe que o diferenciavam das experiências previamente analisadas. Trata-se de um vídeo, primeiramente, produzido fora dos ditames das gravadoras. É, portanto, um clipe que se localiza à margem da produção da indústria fonográica , embora negocie com os mecanismos clássicos de escoamento de vídeos musicais, notadamente a Music Television (MTV). A direção do clipe, a cargo do artista plástico e diretor de arte Juliano Dornelles, também nos fornece subsídidos para a compreensão das lógicas criativas e de mercado envolvidas na realização do produto. E, por im, a própria característica da banda Mombojó, um grupo pernambucano que acabou se notarizando pelo uso da internet como uma ferramenta de divulgação e circulação de seus produtos, fez com que gerássemos hipóteses particulares sobre “Deixe-se Acreditar”. 74 74 A referência de “centro” e “margem” da indústria fonográica situa as experiências de produção e circulação de produtos midiáticos numa espécie de balizas norteadoras das expectativas em torno da fruição e dos itinerários destes produtos. - 250 - Há algo bastante sintomático na escolha deste videoclipe no que concerne a um dos conceitos basilares que dão contorno a este trabalho de pesquisa: de que forma o clipe incorpora um senso de personalidade de um artista e como este senso é traduzido midiaticamente em imagens e sons? O vídeo que analisamos nos fornece subsídios para traçarmos a hipótese de que, embora “Deixe-se Acreditar” traga aspectos que dizem respeito a um senso de personalidade da banda, há uma construção midiática em torno do videoclipe em questão que o posiciona próximo dos produtos associados ao Manguebeat – mesmo que saibamos que os integrantes do Mombojó, se não rejeitam qualquer rotulação ligada ao Manguebeat , tampouco se interessam em estarem vinculados ao “movimento” . O Manguebeat foi um movimento musical que surgiu no Recife (PE), na década de 90, que mistura ritmos regionais com rock, hip hop, maracatu e música eletrônica. O maior expoente do Manguebeat foi o músico Chico Science, ex-vocalista, já falecido, da banda Chico Science e Nação Zumbi, idealizador do rótulo “Mangue” e principal divulgador das idéias do Manguebeat. Outro grande responsável pelo crescimento desse movimento foi Fred 04, vocalista da banda Mundo Livre S/A e um dos autores do manifesto intitulado “Caranguejos com cérebro”. Como atesta Tatiana Lima, entre “os traços performativos comuns aos mangueboys, estão a incorporação do ruído, de instrumentos eletriicados e da eletrônica, diálogo com o rock, dub e os Tropicalistas 75 76 75 76 Em entrevista à jornalista Simone Jubert, para reportagem na revista Continente Multicultural, o baixista do Mombojó, Samuel Vieira, reconhece uma certa inluência do Manguebeat na “formação” do grupo. “Eu ia muito pro Maluco Beleza, pras periferias quando rolava o Acorda Povo, sem falar nos shows de Sheik Tosado, Eddie e Matalanamão. Era o som que era feito aqui que me interessava” (apud JUBERT, 2008: p.1). Adotamos o termo “movimento”, incorporando um certo discurso senso comum sobre o Manguebeat. Há uma profícua discussão sobre se o Manguebeat foi um movimento ou somente uma cena. - 251 - (Jorge Benjor, Jorge Mautner e Gilberto Gil) e o agenciamento de timbres e elementos rítmicos do maracatu, coco, ciranda”. (LIMA, 2008, p. 8) Este processo de hibridação permite, segundo a autora, a invenção de um “Nordeste afrociberdélico”, a partir de referenciais africanos, psicodélicos e da cibercultura. A questão que tentamos evocar nesta hipótese diz respeito a uma premissa elementar no terreno da produção de sentido no audiovisual: embora produtores, diretores e artistas tentem nortear suas criações, gerando balizas conceituais e poéticas para suas obras, há aspectos no âmbito da produção de sentido que fogem, tangenciam, reposicionam midiaticamente um artista, de forma a que, análises mais complexas e acuradas possam desvelar nuances aparentemente ocultas sobre os produtos. Este preâmbulo se faz necessário uma vez que estamos diante de uma banda, o Mombojó, que estaria circunscrita no que a imprensa e alguns círculos acadêmicos já classiicaram como “Pós-Mangue”. Como qualquer palavra que traga consigo o preixo “pós”, o termo “Pós-Mangue” remete ao conjunto de artistas que teriam emergido ou conseguido visibilidade na cidade do Recife, depois da eclosão do Manguebeat. A midiatização do Manguebeat começou a cristalizar algumas imagens na constituição discursiva do movimento: a aproximação entre a cultura popular nordestina e o rock, a noção dos “caranguejos com cérebros”, a imagética da “parabólica incada na lama” e premissas que situavam o Manguebeat como um conjunto de expressões próximas do que se entende por alternativo, underground. O Movimento Mangue passou a funcionar não só como uma espécie de alavanca poética e midiática dos artistas e músicos pernambucanos, mas se estendeu como uma matriz - 252 - identitária de uma cidade, o Recife, e toda a construção de uma imagem de local cosmopolita, pop, “multicultural” . O termo “Pós-Mangue”, por mais que nos sugira uma noção de 77 ruptura, quebra, rompimento com o “passado Manguebeat”, não deixa de trazer, em sua raiz, um senso de extensão com o movimento prévio. Sabe-se que, na história das culturas, é impossível romper totalmente com o legado de uma expressão anterior, sobretudo quando estamos tratando de um conjunto de disposições geograicamente localizadas. O Manguebeat teria sido responsável por uma espécie de pedagogia do pop no Recife, ou seja, através de nomes como Chico Science e Fred 04, respectivamente, vocalistas das bandas Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S.A., artistas pernambucanos teriam tido noções do que poderia ser um artista pop em Pernambuco, no Nordeste do Brasil, fora do eixo Sul-Sudeste, de onde, naturalmente, emergiam grande parte dos nomes do pop rock nacional. Estamos reconhecendo aqui que, embora haja um discurso de ruptura daqueles que teriam aparecido após o Manguebeat, é inegável reconhecer que foi através do conjunto de expressões legados pelos artistas do Mangue que se instaurou uma espécie de modo de expressão midiática entre os artistas pernambucanos. Obviamente, que é preciso relativizar o que consideramos como “midiatização” no Manguebeat, pois, o movimento surgiu num contexto que teve, no campo da produção, a 77 O multiculturalismo é um termo que descreve a existência de diversas culturas numa localidade, cidade ou país, sem que uma delas predomine, convencionando-se chamar de “mosaico cultural”. A política multiculturalista visa resistir à homogeneidade cultural, principalmente quando esta homogeneidade é considerada única e legítima, submetendo outras culturas a particularismos e dependência. No Recife, a partir da gestão do prefeito João Paulo, o Carnaval da cidade passou a se chamar “Carnaval Multicultural”, agregando, aos já tradicionais blocos de frevo e cortejos de maracatus e manifestações da cultura popular, também atrações de pop, rock e, naturalmente, Manguebeat. - 253 - popularização da gravação em processo digital e a proliferação dos selos alternativos. No entanto, como atesta Tatiana Lima, “longe do eixo industrial Rio-São Paulo, o Manguebeat não se pauta totalmente pela homogeneização que permite um consumo massivo amplo, porém faz uso de dispositivos de circulação massiva: percorre a trajetória de vendas em CD, divulgação na grande imprensa, videoclipe, sites, shows e turnês” (LIMA, 2008, p. 9). Estamos discutindo aqui, a partir da hipótese de que os processos de midiatização de produtos do mercado musical em Recife têm algum tipo de vinculação com o legado do Manguebeat, de que forma um videoclipe, no caso, “Deixe-se Acreditar”, emula preceitos oriundos tanto de um senso particular de tradução do que venha a ser o grupo Mombojó quanto acaba trazendo à tona expressões midiáticas contextualmente inscritas. A análise do clipe em questão obedece a critérios metodológicos apresentados neste trabalho e prevê a constituição de elos conceituais entre o videoclipe e a canção que o originou, as performances inscritas e os endereçamentos presentes nos gêneros musicais. 6.1 Da poética romântica à crítica social A análise do clipe “Deixe-se Acreditar” tem início a partir da investigação dos elos conceituais que ligam os tecidos sonoros e imagéticos. Neste caso, a canção que originou o videoclipe e o objeto audiovisual resultante em si. Cabe reconhecer que ao escolhermos a faixa, estamos delimitando uma canção que faz parte da linhagem poética típica - 254 - do Mombojó, podendo ser compreendida como uma espécie de síntese sonora do que venha a ser o primeiro álbum do grupo, “Nadadenovo”, um trabalho lançado em 2002, que teve grande visibilidade por estar inteiramente disponível online, para download no site da banda. A atitude de disponibilizar as canções de um álbum fonográico na internet funcionou, midiaticamente, como uma forma de posicionamento do grupo Mombojó no mercado musical como alheio às ingerências da indústria fonográica no processo de mediação entre a gravação e a transformação de um conjunto de canções em um produto chamado álbum fonográico. Neste sentido, o grupo parecia reforçar um aspecto que é usual nas lógicas de classiicação sobretudo da imprensa musical: o caráter de independência de um artista e a inicial não-vinculação a uma gravadora como forma de “acesso fácil” ao show business musical. “Deixese Acreditar” é uma canção composta por Felipe S., vocalista do grupo Mombojó em parceria com o cantor China, que tinha sido vocalista de uma das bandas de hardcore que emergiram no Manguebeat, a Sheik Tosado, mas que estava trilhando carreira solo. Podemos dizer que “Deixe-se Acreditar” é uma faixa musical emblemática do estilo do Mombojó uma vez que estamos diante de uma canção que apresenta conigurações plásticas e musicais que permeiam todo o primeiro álbum do grupo, “Nadadenovo”. Sobressai-se, neste primeiro trabalho, um certo tom nos arranjos que pode ser, sonoramente, remetido a ambientações íntimas: em canções como “Nem Parece”, “Baú” e “Merda”, ouvimos um vocal de Felipe S. próximo ao sussurro, com um acompanhamento musical de cordas – notadamente violões, cavaquinhos e guitarras – e a presença constante de sonoridades ligadas ao sopro, no - 255 - caso, a lauta. O dispositivo diferenciador do clima intimista da canção é a abertura da faixa, que conta com a aparição de uma sonoridade de uma guitarra típica do universo da surf music78, como forma de ambientação inicial. Desta abertura, digamos, “guitarrística”, somos remetidos a uma sonoridade de sopro que nos conduz à letra da canção. Ouvimos o cantor Felipe S. dizer os seguintes versos: “Eu quero um samba pra me aquecer Quero algo pra beber, quero você Peça tudo que quiser Quantos sambas agüentar dançar Mas não esqueça do seu trato Da hora de parar Só vamos embora quando tudo terminar Eu vou te levar aonde você quer chegar Eu tenho a chave nada impede a vida acontecer Deixe-se acreditar Nada vai te acontecer Tudo pode ser Nada vai acontecer, não tema Esse é o reino da alegria” 78 Surf music é um gênero musical associado à cultura do surf, tendo se originado no sul da Califórnia, nos Estados Unidos. Trata-se de uma música dançante com guitarras dominando o som, e quase sempre com compasso 4/4 comum. Guitarristas de surf music são classiicadas pelo uso excessivo de “wet” (reverberação sonora ou eco) e uso de braço sobre a guitarra para dobrar a altura da nota baixa. (SHUKER, 1999, p. 270) - 256 - Mais do que simplesmente interpretar a letra da canção, é importante destacarmos como o vocalista Felipe S. situa a sua vocalização na faixa musical. O voz do músico, como atestamos anteriormente, é sussurrada, dita próxima ao microfone, remetendo ao ouvinte um tom notadamente confessional e, em alguns momentos, sensual. Há uma presença percussiva na faixa, que se presentiica na remissão do cantor a um samba - “quero um samba pra me aquecer” – e que progride para uma substituição – “quero você” -, numa clara evocação lírica e romântica. Neste sentido, “Deixe-se Acreditar” parece apontar uma linhagem do cancioneiro que se afasta das premissas de crítica social do Manguebeat, notadamente a partir de faixas como “A Cidade”, “Manguetown”, entre outras. Nesta canção, de claro acento intimista, somos convidados a um jogo de conquista em que o personagem apela para um texto utópico – “Eu vou te levar aonde você quer chegar/ Eu tenho a chave nada impede a vida acontecer” – e que nos conduz para o que podemos reconhecer como o refrão da canção – “Tudo pode ser/ Nada vai acontecer, não tema/ Esse é o reino da alegria”. No momento do refrão da canção, a voz de Felipe S. assume um tom de agressividade, gritado, que permite reforçar um caráter enfático neste momento da faixa. O refrão também vem acompanhado de guitarras, mais um código que nos aciona a ênfase dada neste momento. Naturalmente, sabemos que parte desta codiicação dos arranjos ica a cargo dos produtores da canção, Leo D & William P, no entanto, é inegável reconhecermos que o trabalho de produção de uma faixa musical constantemente é feito mais para “esconder” do que revelar os traços estilísticos dos produtores, para que tais referências musicais e sonoras - 257 - iquem sendo marcas do artista protagonista do álbum fonográico. Fica claro, portanto, que “Deixe-se Acreditar” se conigura numa canção de apelo intimista, romântico até, numa linhagem que, notadamente se distancia das premissas sociais presentes no trabalho de Chico Science & Nação Zumbi, mas que, de alguma forma, dialoga sonoramente com o trabalho do Mundo Livre S.A., sobretudo, nas baladas, com leves inclinações ao samba, principalmente em faixas como “Meu Esquema” e “Musa da Ilha Grande”. Esta deliberada comparação entre a canção “Deixe-se Acreditar” e algumas músicas pertencentes a grupos do Manguebeat – notadamente Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S.A. – se faz necessária como parte integrante da argumentação que norteia a hipótese desta análise: por mais que se distancie, musicalmente, daquilo que podemos chamar de matriz expressiva do Manguebeat, grupos do chamado “PósMangue”, como o Mombojó, de alguma forma, negociam com aspectos formais e conteudísticos de produtos lançados por artistas do movimento Mangue. A questão abordada nos direciona para a premissa de que “Deixese Acreditar” é uma canção que, por trazer de maneira tão deliberada questões ligadas ao universo íntimo, de ideais românticos, parece estar localizada mais distante do tradicional cancioneiro Manguebeat, com suas inquietações sociais, temáticas ligadas aos desaios da urbanidade e da vida no Recife nos anos 90. Neste sentido, a idéia que lançamos parece nos condicionar a perceber que, no trânsito entre canção e videoclipe, “Deixe-se Acreditar” passou a se aproximar da imagética legada pelo Manguebeat, sobretudo, em função de seu clipe, um produto que - 258 - traz à tona, um certo acento de crítica social para uma faixa musical notadamente lírica e romântica. 6.2 O clipe socialmente consciente e o Manguebeat Garotos de rua caminham pelas praças e pontes do Recife. Ao invés de vermos seus rostos, reconhecemos que estamos diante de menores: em seus olhos, tais quais nas fotograias policiais que são publicadas em jornais de grande circulação, tarjas pretas parecem trazer à tona questões que dão contorno a algo que se pode chamar de “uma infância perdida”. No entanto, ao contrário de cometerem delitos, de roubarem, de fazerem arruaça, estes menores com tarjas nos olhos caminham, dançam, sorriem. Ao invés de “surfarem” sobre os ônibus numa atitude de contestação, vemos os garotos e garotas das ruas “surfando” e contemplando: a contemplação da paisagem urbana, o cenário que emoldura suas vidas, o ócio. A certa altura, eles começam a saltar das pontes. Tomam banho no rio. Molhados, sambam com tarjas nos olhos. O contrasenso: a alegria e a tarja preta. Vemos uma espécie de felicidade sob risco naquelas imagens. Cenas de descontração e o constrangimento da tarja preta. Embalando estas imagens, a canção “Deixe-se Acreditar”, com frases que, como já atestamos, parecem remeter a uma espécie de utopia. Desvela-se uma questão: à nossa primeira audição, em que identiicamos uma espécie de utopia romântica em versos como “Tudo pode ser/ Nada vai acontecer, não tema/ Esse é o reino da alegria”, descortina-se um sentido gerado - 259 - pelas imagens. O reino da alegria de menores de rua parece ser uma espécie de convocação a uma passagem de uma leitura utópica e romântica da canção “Deixe-se Acreditar” para uma premissa de crítica social que o videoclipe dirigido por Juliano Dornelles para o Mombojó enseja. Na introdução da canção, ouvimos um longo instrumental – tratamos por “longo” um instrumental de cerca de 50 segundos, tomando por base a caracterização da canção de rock, com instrumentais menores e o vocal aparecendo de maneira mais urgente -, com a presença de guitarras. Vemos, durante esta introdução da canção, no clipe, imagens de aparentes meninos de rua em momentos de diversão. Eles sobem e “surfam” num ônibus, os olhos são ocultados por uma tarja preta eletronicamente disposta. Vendo menores, a tarja preta parece reforçar a questão da idade daqueles indivíduos. Impossível não lembrar da idade dos integrantes do Mombojó, grupo que midiaticamente, sempre foi tratado como “garotos” ou “meninos”, sobretudo através da premissa de serem “artistas precoces”. Seguindo o percurso da canção “Deixe-se Acreditar”, notamos que há uma série de distorções da guitarra na introdução, o que nos permite inferir sobre a acentuação do clima de tensão neste momento da faixa. A aparente tensão sonora se conigura na imagem: vemos um carro de polícia na cena audiovisual. Um jogo de forças no vídeo se delineia: crianças no ócio, em momentos que podemos considerar como ambíguos – podem estar se divertindo, mas também prestes a realizar algum ato de vandalismo – em oposição à presença da polícia. Dando prosseguimento ao clipe, vemos mais crianças andando nas calçadas e ruas da cidade, mostrando uma espécie de aparente tranquilidade entre menores de rua e os policiais. - 260 - Ainda na introdução, um instrumento de sopro - uma lauta – aparece com sua sonoridade suave, atenuando a tensão inicial. Assistimos à cena de um beijo entre um menino e uma menina, ambos de tarjas pretas nos olhos. Flauta embala amor proibido? A voz de Felipe S. aparece em meio a imagens de crianças sentadas, brincando, “se tocando” de maneira pueiril. É possível fazer uma associação entre a voz íntima, sussurrada de Felipe S. e uma certa delicadeza desajeitada nas ações afetivas de jovens iniciantes no terreno amoroso. No momento em que o vocalista pronuncia os versos “Eu vou te levar/ Aonde você quer chegar/ Eu tenho a chave/ nada impede a vida acontecer”, a imagem do clipe sincroniza com cenas em que vemos crianças pegando e comendo comida no lixo. A voz aparentemente frágil do vocalista do Mombojó permite que se inira sobre o desamparo daqueles indivíduos. Mais uma vez, de alguma forma, somos convocados a uma utopia: imagens de adultos, idosos, aparentemente moradores de rua, fazem sinal de “positivo”. O vocalista diz: “Tudo pode ser/ Nada vai acontecer, não tema/ Esse é o reino da alegria”. Na repetição do versogancho - “esse é o reino da alegria” – temos a repetição da imagem de meninos se jogando de uma ponte no rio. A guitarra acentua sua sonoridade distorcida. Dando continuidade, vemos imagens de descontração dos jovens, desta vez em “peladas”, ou jogos de futebol na rua. A presença da bateria, num arranjo marcado pelas guitarras e pela lauta, ingere sobre o ritmo do clipe. As imagens passam a durar menos na tela, as batidas da bateria sinalizam uma edição “picotada”, acentuando um clima de espontaneidade, que ica também presente em imagens que trazem à tona, por exemplo, uma competição de carrinhos - 261 - de catadores de lixo. Vemos meninos dançando nos sinais, meninas sambando na ponte. Tanta alegria com tão pouco, podemos pensar. Na etapa inal do clipe, closes em sorrisos e dentes – alguns em arcadas dentárias banguelas, muitos sorrisos de bocas negras. A questão presente na relação entre a natureza da canção “Deixe-se Acreditar” e o videoclipe dirigido por Juliano Dornelles é a de que, no contrato audiovisual, temos a imagem como geradora conceitual da canção. Lembremos que Michel Chion (1994) atesta que, no contrato audiovisual, as projeções do som na imagem podem identiicar quem agrega valor a quem. Em se tratando de videoclipes, há casos em que a imagem agrega valor para a música, podendo inluenciar, inclusive, sobre os juízos de valores empreendidos pela canção. Entender esta forma de “contrato” aponta para a visualização das relações audiovisuais e problematizar como um determinado som pode ser “associado” a uma imagem que, a princípio, não estabeleceria relações mais evidentemente sinestésicas com a fonte. Ao invés de realizar uma obra audiovisual que mantivesse o tom intimista e confessional da faixa, optou-se por uma espécie de clipe socialmente consciente (KAPLAN, 1987, p. 123), recondicionando o sentido presente na cancão. Por clipe socialmente consciente, entendese o audiovisual que tem sua narrativa ancorada na representação de idéias que vão de encontro aos ideais da cultura burguesa dominante (KAPLAN, 1987, p. 123). A classiicação foi proposta pela teórica norte-americana E.Ann Kaplan79, ainda nos anos 80, como forma de 79 Apesar de notadamente reconhecermos que as tipologias classiicatórias de Kaplan mais aprisionam que libertam as análises de videoclipes, tomamos a retranca de classiicação proposta pela autora como uma forma de problematizar as ordens política e ideológica presentes neste tipo de audiovisual. - 262 - catalogação das primeiras formas de expressão dos videoclipes, na Music Television (MTV), que, então, iniciava suas atividades nos Estados Unidos. Como nos lembra a autora, três temas dominavam os clipes socialmente conscientes até então: conlitos, rejeição e alienação. Eram vídeos anti-autoridade, revelando desilusões adolescentes com a distância dos pais, desiludidos com a relação de trabalho ou com a autoridade do Estado. Os protagonistas eram, geralmente, mostrados como vítimas desta autoridade social. No clipe, há uma forte presença da questão da autoridade, sobretudo quando tratamos da presença da polícia em oposição à espontaneidade das crianças. Temáticas socialmente conscientes fazem parte do universo das canções do Manguebeat, sobretudo se lembrarmos do seu maior expoente Chico Science & Nação Zumbi. Faixas como “A Cidade”, “Da Lama ao Caos” ou “Sangue de Bairro” trazem à tona uma poética da urbanidade, dos conlitos identitários nas cidades e circunscrevem seus videoclipes também neste tipo de experiência. Imagens em externas, nos mangues e nas periferias do Recife aparecem nos primeiros videoclipes de artistas ligados ao Manguebeat. Lembramos, por exemplo, do clipe da canção “A Cidade”, de Chico Science & Nação Zumbi, com vários momentos captados em palaitas e em ambientes junto aos mangues, tão cantados em versos pelo artista. A referência da cidade e, mais precisamente, da periferia, parece ser uma das principais ferramentas de posicionamento discursivo dos artistas do Manguebeat, gerando uma poética que parece projetar a imagem do Recife como ancorada na noção de ambigüidade. Esquece-se dos cartões-postais, das praias, do céu azul. Entra em cena, em sugestivos primeiros planos, artistas da cultura popular, mazelas sociais, - 263 - imagens de desigualdades sociais. Naturalmente, esta matriz de imagens está muito associada a um estágio inicial do Manguebeat, quando, ao que parece, havia a necessidade de posicionamento e de compreensão das linhas mestras do “movimento”. Esta associação, embora inicial, parece fazer com que nos aproximemos de “Deixe-de Acreditar” reconhecendo o seu papel enquanto um objeto que, mesmo à revelia do grupo Mombojó, aponta para um lugar próximo aos objetos audiovisuais produzidos por artistas sob a retranca do Manguebeat. A realização de um videoclipe socialmente consciente, por um artista pernambucano, em função da própria história do Manguebeat, no contexto de Pernambuco, nos condiciona a olhar mais atentamente para este produto com um certo “verniz Mangue”. Talvez seja este princípio que aconteça quando assistimos a “Deixe-se Acreditar”. 6.3 Um grupo de amigos, uma câmera: a “brodagem” audiovisual Viemos tratando até aqui a aparente relação entre o plano de conteúdo do videoclipe “Deixe-se Acreditar”, do Mombojó, e o Manguebeat, reforçando, naturalmente, o Manguebeat enquanto um gênero musical que lega uma série de endereçamentos em seus produtos. A premissa apontada é a de que canções, álbuns e posicionamentos de artistas do Manguebeat apontam para a construção de um lugar que dá contornos a uma espécie de visão crítica de mundo, fazendo com que tais contornos - 264 - permeiem os produtos em circulação. Cabe aqui traçar mais algumas relações que dizem respeito a reconhecer “Deixe-se Acreditar” como uma matriz de imagem que negocia com características do Manguebeat. Uma delas diz respeito à premissa de espontaneidade que aparece tanto nos produtos musicais ligados ao Mangue quanto nos audiovisuais. É premente reconhecermos que, por acontecer fora do eixo de produção e escoamento de produtos da indústria fonográica (notadamente Rio de Janeiro e São Paulo), os artistas do Manguebeat desenvolveram estratégias que eles chamavam “de guerrilha” nos sistemas de gravação e distribuição de seus produtos. Como não havia gravadoras majors no Recife, nem no Nordeste, apontou-se um certo senso de coletividade entre músicos, artistas plásticos, videastas e produtores que direta ou indiretamente estavam circunscritos sob a retranca do Manguebeat. Neste sentido, podese falar, por exemplo, de designers que produziam capas de CDs e cartazes de festas; produtores que planejavam shows, entravam em contato com responsáveis por festivais independentes, videastas que faziam clipes para os artistas Mangue – todos no esquema “pela amizade”, muitas vezes, sem serem remunerados pelo desenvolvimento do trabalho. Este senso de coletividade, de ajuda mútua que se desenvolveu entre artistas do Manguebeat foi chamado pela imprensa local, notadamente por José Teles, jornalista e crítico de música do Jornal do Commercio, o veículo impresso de maior circulação em Pernambuco, de “brodagem” – num aprotuguesamento da palavra “brother” (“irmão”) com um senso de aglutinação. A “brodagem” integra uma lógica contextual que se manifesta nos produtos através de uma certa espontaneidade na 80 80 “Grandes gravadoras do mercado fonográico que exercem uma espécie de hegemonia na produção e distribuição dos produtos musicais” (CARDOSO FILHO, Jorge e JANOTTI JR, Jeder, 2006, p. 20) - 265 - realização, funcionando como uma eiciente estratégia discursiva, uma vez que cria um aparato diferenciador dos produtos desenvolvidos dentro de fortes esquemas de produção de massa. Obviamente que não somos ingênuos a ponto de separar o Manguebeat da produção massiva de produtos musicais, mesmo porque Chico Science & Nação Zumbi, desde o seu primeiro álbum, “Da Lama ao Caos”, teve suporte de produção e distribuição da gravadora Sony, na época (década de 90), uma das maiores e mais atuantes no mercado brasileiro. Mas, reconhecemos que os artistas e produtos que emergiam sob os contornos conceituais do Manguebeat traziam à tona premissas distintivas que estariam associadas, de alguma forma, com uma certa espontaneidade na concepção e realização dos produtos musicais. O que estamos tentando trazer como base para a nossa argumentação em torno das imagéticas dos gêneros musicais, nas quais, os videoclipes se inserem, é o caráter de espontaneidade, de “brodagem” que orienta a produção e a fruição dos produtos e que acaba funcionando como uma eiciente estratégia de posicionamento destes produtos no mercado musical. No caso do videoclipe “Deixe-se Acreditar”, identiicamos que se trata de uma obra produzida sob a retranca da “brodagem”. Em entrevista para esta pesquisa, o diretor Juliano Dornelles comenta alguns traços de aproximação com os integrantes do Mombojó. “Na banda, existem alguns integrantes que já me conheciam há algum tempo. Eles vieram até nós e encomendaram o clipe da música de trabalho deles que é ‘Deixe-se Acreditar’” (DORNELLES, 2008, p. 1). O diretor reforça que parte da aproximação entre ele e os integrantes da banda para a realização do clipe se deu em função dos membros da Mombojó já conhecerem o trabalho da - 266 - produtora Símio Filmes, do qual Juliano Dornelles é um dos integrantes. O diretor atesta que “a própria banda inanciou o clipe, que foi feito por um valor bem abaixo de um clipe pago por gravadora” (DORNELLES, 2008, p. 1), endossando a hipótese de que estamos diante de um produto realizado sob a premissa da “brodagem”. Estas informações de ordem contextuais ganham contornos numa análise de produto, no caso de um videoclipe, pois grande parte destes procedimentos contextuais se materializam em textos audiovisuais capazes que trazer à tona premissas evocadas em nossas hipóteses. No caso da “brodagem” no audiovisual, identiicamos que o videoclipe “Deixe-se Acreditar”, por não contar com quantias vultuosas na sua realização, verba, muitas vezes, pagas pelas próprias gravadoras dos artistas, foi realizado com aparelhagem de captação e edição que demonstram, no texto audiovisual, uma certa referencialidade mais espontânea e longe do rigor de clipes produzidos no centro da indústria fonográica. Como nos reporta o diretor Juliano Dornelles, nas ilmagens foram usadas uma câmera HDV da marca JVC, e em algumas cenas, recorreu-se ao uso de uma steadicam “fabricada artesanalmente”. Para edição, o diretor usou uma ilha PC com o software Adobe Premiere e fez uma pós-produção no programa Vegas. Apesar de utilizar todos os recursos que permitiriam realizar um clipe com “aparência” proissional, reconhecemos que há em “Deixe-se Acreditar” uma opção pela espontaneidade, pelo audiovisual que constrói quase 81 81 A steadicam consiste de um sistema onde a câmera é acoplada ao corpo do operador através de um colete dotado de molas, e serve para estabilizar as imagens produzidas, dando a impressão de que a câmera lutua. A função básica é isolar os movimentos do operador, de modo que esse movimento não seja transferido para a câmera, causando as inconvenientes tremidas. O primeiro ilme na história a usar o steadicam foi “Rocky, um Lutador”, de 1976. Para mais informações: ZONE, Ray. Steadicam - Assistentes de Câmera Associados de São Paulo. Disponível em <http://www.acasp.org/detalhe_ noticia.asp?cod=24&tipo=1>. Acesso em 01 de fevereiro de 2009. - 267 - que por acaso, de uma junção de amigos, um produto longe do controle das diretorias de produção de gravadoras. Aqui, tem-se um clipe que se assemelha esteticamente a um fanclipe, tipologia de videoclipes em que fãs das bandas ou artistas fazem videclipes caseiros “simulando” um clipe original, produzido pelo artista-ídolo. Na internet, em plataformas de compartilhamento de videos como o YouTube, proliferam os chamados fanclipes, que trazem realização, também em esquema de “brodagem”, com câmeras amadoras, “mutirão” na edição e disponibilização na internet. A espontaneidade da realização de clipes gera matrizes imagéticas que se assemelham a produtos audiovisuais que fogem das premissas de controle de uma gramática de produção de um vídeo, digamos, mais institucional. Dessa forma, podemos reconhecer que, sem a intermediação de uma instituição, como uma gravadora, o videoclipe se aproxima em sua poética a fanclipes, fazendo com que se embaralhem, ainda mais, as relações entre matriz e ilial, original e cópia. Há neste tipo de produção uma espontaneidade que se materializa numa textura de imagem que se afasta, por exemplo, daquelas que se ediicam sob a premissa da película cinematográica, tão comum na produção de videoclipes sobretudo nos anos 90 e uma lógica de edição que também que se afasta daquilo que seria “típico” de um videoclipe realizado com verba de uma gravadora. Parece que estamos diante de um audiovisual que emula características dos videoclipes mas usa a seu modo, numa espécie de ânsia por ser clipe, mas com disposições que parecem tangenciar as principais normas expressivas destes audiovisuais. Encaminhando-nos para uma relação entre gêneros audiovisuais, “Deixe-se Acreditar” em seu excesso de espontaneidade - 268 - – nos planos, na edição, na realização – acaba ganhando contornos de produto ligado a uma poética do documentário. 6.4 Clipe documentário: a cidade, a observação, a participação Câmera nas ruas, alguns personagens reais, cenário das pontes e praças do Recife. Tomando como referência na análise do clipe “Deixese Acreditar” a partir da noção dos gêneros audiovisuais, temos uma aproximação deste videoclipe com a poética e o universo de práticas do documentário . O cinema documentário apresenta um caráter investigativo que toma como abordagem o mundo real, englobando questões de cunho político, social, intimista, enim, relexões referentes à existência humana. Utiliza-se, em sua grande maioria, de câmeras, improvisação, imagens de arquivo, ilmagens externas, em sua maioria não-atores, apresentando sempre um ponto de vista sobre o real. Segundo Bill Nichols (2007), “os documentários mostram aspectos ou representações auditivas e visuais de uma parte do mundo histórico, eles signiicam ou representam os pontos de vista dos indivíduos, grupos e instituições”. (NICHOLS, 2007, p. 30) 82 82 O termo “cinema documentário” foi utilizado inicialmente pelo escocês John Grierson, que criou a Escola Britânica de Documentários, a primeira do mundo especializada no gênero cinematográico. Grierson contribuiu para a consolidação da linguagem documental e o reconhecimento da produção fílmica enquanto algo autoral. O primeiro ilme de que se tem notícia com características do gênero documentário foi produzido pelo cineasta Robert Flaherty, em “Nanook, O Esquimó” (Nanook of the North, 1922), muito embora há autores que considerem os primeiros ilmes feitos por Lumiére (a chegada do trem na estação, a criança se alimentado) como ilmes documentais. - 269 - Apesar de conter traços estilísticos distintos, não podemos distanciar o cinema documentário por completo do iccional, pois ambos podem utilizar estratégias discursivas para criar um diálogo com a representação. Um exemplo desse diálogo pode ser exempliicado através do ilme “Roma, Cidade Aberta” (1945), de Roberto Rossollini, em que nos deparamos com uma produção iccional de “roupagem” extremamente documental, seja na forma de captação da cidade, seja no uso de não-atores. Quando nos encaminhamos para a produção de videoclipes, também encontramos a ressonância e a permissividade de poéticas ligadas ao documentário na criação de vídeos musicais. Como já relatamos neste trabalho, clipes como “Minha Alma (A Paz que eu Não Quero)”, do grupo brasileiro O Rappa, são exímios em demonstrar aproximações entre traços mais genéricos do audiovisual documentário e o videoclipe, seja na ilmagem em externas numa aparente comunidade de baixa renda do Rio de Janeiro, seja pelo uso da câmera com registro em imagem preto-e-branca, livre, “na mão”, captando uma certa urgência do real – no vídeo, vemos um confronto entre a polícia e moradores desta comunidade num dia em que alguns moradores iriam à praia. Se pensarmos que a cidade, em suas exterioridades, conlitos e aparências é o ponto de partida para uma série de argumentos de documentários, temos em “Deixe-se Acreditar” um clipe que capta a cidade e a modula numa narrativa musical. A primeira referencialidade documental em “Deixe-se Acreditar” estaria, portanto, na cidade: o Recife como ambiente para a quase-delinquência que se reverte em catarse de jovens. Podemos atestar que a câmera em “Deixe-se Acreditar” traduz certos maneirismos típicos do documentário, sobretudo se tomarmos como base as tipologias do documentário contemporâneo - 270 - (LINS, 2008, p. 23), na disposição mais livre, pessoal, impondo um certo estatuto de participação da câmera enquanto “personagem”. A câmera extremamente próxima dos personagens reais da cena, nos convoca a reconhecer um discurso de intimidade com aquilo que é captado. Vemos, em “Deixe-se Acreditar”, planos que resultam de movimentações bruscas, muitas vezes de uma espécie de senso de perseguição dos objetos que estão dispostos em cena. Esta organicidade – espontaneidade nas ações e também nas câmeras, nos planos, na edição – formata uma fruição por parte do espectador que o insere no contexto da cidade, em toda a sua pulsação cotidiana. Algumas destas características estilísticas presentes em “Deixe-se Acreditar” fazem parte de uma história das disposições imagéticas no audiovisual. Bill Nichols (2007), por exemplo, ao relatar e descrever nuances do documentário, nos convoca para o reconhecimento de estratégias de criação e programas poéticos reconhecíveis em inúmeros audiovisuais. O autor refere-se, por exemplo, ao documentário observativo, como aquele em que caberia ao diretor contribuir para o efeito de verdade em permitir que a câmera fosse, simplesmente, uma observadora da cena. Tem-se aqui o ideal da captura dos fatos da vida no momento em que eles acontecessem. O resultado “é o rompimento com o ritmo dramático dos ilmes de icção, às vezes, apressada”. (NICHOLS, 2007, p. 149). Também elencado por Bill Nichols, o documentário participativo seria aquele em que o diretor, em decorrência da interação com o contexto que se envolve para realizar a captação, acaba por participar e se tornar um agente nos ambientes que pretende retratar. Tem-se então a idéia do cineasta que - 271 - “vive” determinada situação e apresenta uma nítida colaboração entre diretores e atores sociais envolvidos nos temas abordados. Estas duas estratégias se fazem presentes no videoclipe “Deixe-se Acreditar”, seja 83 no profundo senso de câmera observativa e contemplativa que o vídeo nos lega, passando pela lógica de proximidade e de participação a que o diretor Juliano Dornelles e o diretor de fotograia, Daniel Aragão, nos convocam. 6.5 Mais vestígios documentais, novas formatações de idolatria O clipe “Deixe-se Acreditar” apresenta mais uma característica que o aproxima da disposição dos documentários: o uso de atores e de não-atores como forma de embaralhamento das disposições cênicas empreendidas. Cabe aqui atestar que o clipe do grupo Mombojó traz, em sua aparência, um série de semelhanças não só com documentários, mas também, com clipes-documentários, a exemplo de “A Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero)”, do grupo O Rappa. Tem-se em ambos os clipes, a diluição da presença da banda em quadro. Não há, por exemplo, aquele típico plano de videoclipes em que vemos os integrantes do grupo, vocalista à frente, baterista ao fundo, cantando a faixa musical, em geral, num local abandonado, a ermo. Tanto em “A Minha Alma” quanto em “Deixe-se Acreditar”, os integrantes da banda são igurantes do videoclipe, se misturam aos atores e não-atores em cena, compondo um sistema em 83 Em “Crônicas de um Verão” (1960), Jean Rouch e Edgar Morin fazem um peril da vida de vários indivíduos na Paris de 1960 e percebemos o resultado da interação entre os participantes das cenas e os cineastas. - 272 - que se dilui a presença do ídolo musical. O artista passa a ser “mais um em cena” e isso nos aponta, também, uma maneira de construção de uma imagem que, por exemplo, se distancia da mais clássica lógica do star system que o mercado musical legou. Esta forma de aparição dos integrantes do Mombojó “imersos” nas imagens, entre atores e não-atores, parece funcionar como engrenagem da tipologia de ídolos que a cibercultura propõe: o artista mais próximo do fã, a partir das lógicas aproximativas da internet. Não há mais aquelas distâncias inalcançáveis. O sistema de idolatria que o Mombojó aponta através do clipe “Deixe-se Acreditar” integra uma nova lógica do mercado musical com os seus artistas. Trata-se de enxergar não o im dos grandes ídolos pop, distantes, sem contato algum com seus fãs, reclusos em redomas de assessores, rotinas de divulgação de seus produtos, mas a emergência de um novo tipo de idolatria que passa pela proximidade que os canais online permitem. O que este novo tipo de ídolo propõe revelar é como a internet permitiu a mudança de estatutos de aproximação dos ídolos e das formas de contato entre artistas e fãs. Entre os não-atores que aparecem no clipe “Deixe-se Acreditar” estão, segundo o diretor Juliano Dornelles, “um grupo de garotos do Vasco da Gama que eram dançarinos de ‘street dance’ algo como um cover de boybands como Backstreet Boys” (DORNELLES, 2008, p. 2). Estes integrantes do grupo já se apresentavam nos shows do Mombojó no número de “Deixe-se Acreditar” ao vivo. Interessante destacar o caráter de ironia presente na convocação de “um grupo de dançarinos de ‘street dance’” de um bairro da periferia do Recife, sobretudo reconhecendo que o grupo Mombojó foi chamado de “boyband” de rock recifense pelo - 273 - jornalista Schneider Carpeggiani, do Jornal do Commercio (PE). Temse a impressão de que havia, na escolha dos “garotos de ‘street dance’” da periferia uma atitude tanto auto-referencial quanto jocosa em relação a qualquer tipo de rotulação que era proposto pela imprensa sobre os integrantes do Mombojó. Para reforçar o caráter de “brodagem” a que nos referimos anteriormente, o diretor Juliano Dornelles atesta que “como os dançarinos já tinham um contato com o trabalho de performance, não tive muitos problemas para deixá-los à vontade, pois, dentro do peril não-atores, eles já tinham experiência como dançarinos”. 6.6 Dispositivos de um clipe “viral” Apesar de “Deixe-se Acreditar” ser um clipe “encomendado” pelos integrantes do Mombojó para o diretor Juliano Dornelles e do vídeo ter tido uma circulação que contemplou exibição na Music Television (MTV), é evidente que este videoclipe trata-se de uma obra com características de produto audiovisual para escoamento e circulação na internet. Aliás, o clipe está disponível na plataforma de compartilhamento de vídeos digitais YouTube e pode ser vista, logicamente, no computador. É naturalmente mais fácil de assistir a clipes como “Deixe-se Acreditar” na internet, em função da sua disponibilização e ausência de mediação institucional capaz de gerar, por exemplo, limites de horários para a sua exibição. A internet como território voltado para a desintermediação permite o livre acesso a produtos disponíveis na rede, com a possibilidade de geração de características “virais” na circulação destes objetos. O - 274 - termo “viral” pode ser empregado nas ações de indivíduos ou grupos que disseminam informações, “como se fossem vírus”, com ampla capacidade de “reprodução” e de alcance. Usado de maneira corrente pelo marketing, o “viral” passa a ser uma das características dos produtos que estão disponíveis online, formatados a partir do modelo de imagem digital como proposto por Lucia Santaella (1998, p. 311). Imagens digitais seriam, naturalmente, propensas a serem “virais” pois são derivadas de matrizes numéricas em computadores, vídeos-modelos ou programas. A principal característica, no tocante ao modo de produção, é a sua autonomia das chamadas “próteses óticas” (SANTAELLA, 1998, p. 311), o que faria com que a imagem digital fosse eminentemente virtual. O armazenamento destas matrizes imagéticas estaria nas memórias de computadores, em plataformas de disponibilização online e sua caracterização para fruição estaria angariada na noção de disponibilidade. Vídeos, como “Deixe-se Acreditar”, que estão no You Tube são, naturalmente, propensos a serem “virais”, uma vez que se caracterizam pela fácil acessibilidade e ininita reprodutibilidade. Sua conservacão é indegradável e o modo de circulação e acesso estaria pautado pela interatividade e pela lógica da “contaminação”. Vídeos que existem no You Tube podem ser acessados não só na tradicional plataforma online, mas também através de links em outros sites e em fragmentos que podem ser captados, modulados e reeditados para novas e ininitas formas de disponibilização. Disponibilizar o clipe “Deixe-se Acreditar” numa plataforma de vídeos digitais está alinhada à principal característica da banda Mombojó, a de que se trata de um grupo com forte trânsito pelas dinâmicas da - 275 - internet. Esta caracterização está presente, por exemplo, desde a forma com que os integrantes do grupo disponibilizaram seus álbuns: tanto “Nadadenovo” (2002) quanto “Homem-Espuma” (2006) foram marcados por um esquema de circulação que disponibilizou todas as faixas online no site do grupo Mombojó. O aspecto “viral” do Mombojó funcionou como engrenagem de visibilidade da banda no mercado musical e fez com que, só então, o grupo ganhasse a materialidade de seus produtos. Como lembra Ronaldo Lemos, em texto no site da banda, foi somente após completar três anos de formação, em abril de 2004, que o Mombojó teve o CD “Nadadenovo” – já disponível online como encarte da revista “OutraCoisa” (L&C Editora), com distribuição nacional de 20 mil cópias pela Trattore, também sua editora. “Com isso, o Mombojó aderiu à tendência mundial de se fazer música de qualidade com produção e distribuição independentes, tendo inclusive desde o primeiro momento disponibilizado em seu site todas as faixas do disco para download gratuito, e ainda os arquivos completos de uma das faixas sob a licença Re:combo84/Creative Commons85”. (LEMOS, 2009, p. 1) É esta premissa que nos interessa neste trâmite de apreensão e análise do clipe “Deixe-se Acreditar”: trata-se de uma obra que, apesar de dialogar com uma poética legada pelo Manguebeat, distante, portanto, do programa estético proposto pelo grupo, apresenta características que são 84 85 Re:combo é um projeto multimídia de produção colaborativa audiovisual que se interessa na idéia de uma performance pública que funcione como um luxo de sons, imagens, loops e vídeos, livre das burocracias do mundo pop de set lists, mapas de palco e limites de tempo. (MABUSE, 2006, p.1) Creative Commons (tradução literal:criação comum também conhecido pela sigla CC) pode denominar tanto um conjunto de licenças padronizadas para gestão aberta, livre e compartilhada de conteúdos e informação (copyleft), quanto a homônima organização sem ins lucrativos norte-americana que os redigiu e mantém a atualização e discussão a respeito delas. - 276 - amplamente negociáveis com o senso de personalidade da banda: jovem e marcada pelo trânsito online de seus produtos. - 277 - - 278 - CONSIDErAÇÕES FINAIS O trajeto neste percurso pelas musicalidades acadêmicas nos levou a reconhecer algumas negativas: 1. videoclipe não é apenas a união entre música e imagem; 2. videoclipe não é cinema e 3. videoclipe não é somente um conjunto de imagens editadas de forma veloz, criando uma referência rítmica obrigatória com a canção. Estas três negativas vêm imbuídas, assim, de alguns postulados: 1. videoclipe é a união entre música e imagem com a inalidade de geração de um produto audiovisual que sirva como base para a divulgação de uma canção; 2. o videoclipe, historicamente, se apropriou de maneirismos do cinema, sobretudo, dos números do cinema musical, mas também de inúmeros outros gêneros audiovisuais, notadamente, a videoarte, a vídeo performance, entre outros e 3. videoclipe é um produto capaz de gerar um “rosto midiático” para um artista que o posiciona no mercado musical e passa a estabelecer uma relação extensiva com a canção que o origina. Estes apontamentos se fazem necessários, sobretudo, para partirmos de uma condição de investigação do produto midiático aqui escolhido, principalmente, como forma de reconhecer as nuances teóricas delimitadas. Como síntese conceitual de nossa problemática em relação ao videoclipe, delineamos a perspectiva da existência de um tecido sonoro (a música, a canção, a sonoridade) e de um tecido imagético (a imagem, a edição, a roteirização, direção de arte, de fotograia, etc), apontando e tentando vislumbrar constituições e teias de sentido entre o som e a imagem que compõem o clipe. Nossa abordagem se posiciona: ao contrário da relação que se estabelece na análise de videoclipes que - 279 - se angaria na percepção de uma “poética da televisão” (MACHADO, 1988, p. 118) notada a partir de uma subversão de regras do constituinte palavra-imagem, a perspectiva de encontrar trajetos, espacialidades, entre aspectos sonoros e visuais no videoclipe parece dar conta de uma série de constituintes de linguagem dos produtos deste audiovisual que seriam “minimizados” em abordagens anteriores. Assim, quando nos remetemos a uma constituição sonora e visual de um audiovisual, para usarmos uma metáfora de Jesús Martín-Barbero, vamos “da pele às entranhas” deste produto, buscando identiicar trajetórias, percursos que possam unir ou separar constituintes de ordem do áudio e do visual no nosso objeto. Esta proposta de abordagem que apontamos é desaiadora porque estudar a canção é, no fundo, explorar essa área nebulosa em que as linguagens não são totalmente ‘naturais’ (no sentido semiótico do termo), nem totalmente ‘artiiciais’ e precisam das duas esferas de atuação para construir seu sentido. Entendemos, portanto, que estudar e analisar o videoclipe na perspectiva dos estudos da canção e da música popular midiática é perceber que a materialidade da música na mídia se dá na canção. As canções envolvem expressões que lidam com o aparato técnico-midiático, a performance, o ritmo e as personagens envolvidas nesse jogo. Adentrar neste “jogo” entre canção e clipe signiica tensionar e questionar de que forma se constituem as relações entre estas duas instâncias. Entendemos que, ao lidarmos com produtos oriundos dos sistemas produtivos da música popular massiva, não podemos nos concentrar exclusivamente nas relações formais entre tais constituintes. Faz-se necessário investigar os modos de produção e consumo dos - 280 - produtos analisados, bem como questionar de que forma as mediações são produtoras de sentido sobre o produto analisado. É nesta perspectiva que entendemos que os fenômenos musicais como manifestações midiáticas estruturam-se enquanto estratégia de produção de sentido, estando a construção do aparato plástico e textual do clipe atrelada às expectativas estruturais dos gêneros musicais, das performances inscritas nas canções e nas codiicações que o sistema produtivo da música empreende a seus produtos. Precisamos entender que é necessário visualizar os entre na trajetória som-imagem. A nossa perspectiva não é a busca por uma ontologia da música, mas, sobretudo, de uma identiicação de modus operandi, procedimentos, itinerários, que revelem mapeamentos para uma apreensão do videoclipe como um “reconhecimento” das estruturas e condições do que chamamos de música popular massiva. É nossa intenção compreender que a análise destes procedimentos diz respeito a exprimir um caminho de compreensão do signiicado do qual a obra musical massiva é signiicante. O nosso questionamento acerca da aparência e visualidade da canção no videoclipe empreende a própria questão sobre as relações empreendidas na música: os signiicados musicais e imagéticos são impostos pelo uso. É no “hiato” desta aparente “busca” por um signiicado, que nossa pesquisa se insere: na percepção de como os meandros entre som e imagem, no caso do videoclipe, há uma produção de sentido articulada a uma visualidade oriunda das instâncias de criação, produção e manifestação dos meios de comunicação de massa envolvidos no que chamamos de “invólucro imagético” de um determinado compact disc (CD) lançado. Esta visualidade a que estamos nos referindo, além de - 281 - tentar imbricar códigos compartilhados entre som e imagem, vai lançar o sentido para adiante da estrutura músico-imagética. Neste sentido, podemos inferir que, apesar de “unidos” por um sintoma estrutural e visual, canção e videoclipe originam caminhos distintos, podendo “se tocar” em determinadas trajetórias de divulgação, mas lançando mão de percursos próprios para suas inserções junto às redes de entretenimento, canais e rádios de ordem musico-imagética, entre outros. As nossas aberturas teóricas apontam, portanto, para o entendimento de que entre som e imagem na produção de sentido da música popular massiva, pode-se falar numa relação unindo canção e produção de sentido imagético – inserindo-se aí o videoclipe. O videoclipe seria, do ponto de vista semiótico, um código secundário pois “traduz” um código primário (a canção) em uma escrita imagética, conforme um conjunto de regras que permite a sua codiicação e conseqüente constituição. A música é um código que inluencia nas codiicações subseqüentes. A canção, além de agente “inluenciador”, é guia dos códigos secundários – onde se apresenta o videoclipe. - 282 - BIBLIOGrAFIA ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual. 13.ed. São Paulo: Pioneira, 2000. AUMONT, Jacques. A Estética do Filme. Campinas: Papirus, 2001. _____. A Imagem. Campinas: Papirus, 2001. AUSTERLITZ, Saul. Money For Nothing: A History of the Music Video From he Beatles to he White Stripes. New York: Continuum, 2007. BAHIANA, Ana Maria. 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