11º Encontro ABCP
Associação Brasileira de Ciência Política
AT Política e Economia
Uma estratégia desenvolvimentista sem um Estado desenvolvimentista: o
caso dos governos Lula
Wellington Nunes
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Curitiba,
31 de julho a 03 de agosto de 2018
11º Encontro ABCP
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Resumo
Muito se tem discutido acerca da natureza da estratégia de desenvolvimento (ou modelo de política
econômica em sentido lato) conduzida durante os governos Lula. O objetivo geral deste paper não é
discutir o tipo de estratégia conduzido, mas o tipo de Estado que a conduziu. De maneira mais específica,
tendo sustentado em outro trabalho que a estratégia em questão era portadora de uma intenção
desenvolvimentista que não se concretizou, a questão geral que orienta este texto é por que isso ocorreu?
Para respondê-la, recorreu-se aqui a duas variantes da abordagem clássica das capacidades estatais: i) uma
que se estabeleceu a partir das análises que se debruçaram sobre os arquétipos asiáticos da segunda
metade do século XX; e outra que vem adquirindo consistência mais recentemente, ao tomar a sério a
relação (inevitável neste século) entre desenvolvimento e democracia. As questões a serem respondidas
foram justamente se o Estado que conduziu estratégia que vigorou entre 2003 e 2010 possuía ou
conseguiu gerar as capacidades consideradas necessárias à condução de estratégias de promoção
deliberada do desenvolvimento. As duas hipóteses negativas aventadas, uma para cada tipo de capacidade
considerados, foram confirmadas – tanto pela abordagem que considerou o conceito de Estado
Desenvolvimentista (ED) enquanto tipo ideal para aferir as capacidades do Estado brasileiro; quanto
pela sujeição da política industrializante do período à técnica Qualitative Comparative Analysis (QCA). Isso
posto, o argumento mais geral deste trabalho é que o Estado brasileiro do período analisado não possuía
nem conseguiu construir as capacidades necessárias para a condução de estratégias desenvolvimentistas.
Isso, por sua vez, tornou intransponíveis alguns obstáculos comuns a esse tipo de empreendimento.
Palavras-chave: desenvolvimentismo; Estado desenvolvimentista; capacidades estatais; governos Lula;
novo-desenvolvimentismo; social-desenvolvimentismo.
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Introdução
Muito se tem discutido acerca da natureza da estratégia de desenvolvimento (ou modelo de
política econômica em sentido lato) conduzida durante os governos Lula. Em termos mais específicos,
as expectativas geradas em torno da ascensão de um governo capitaneado por um partido não apenas
situado à esquerda do espectro ideológico, mas também notabilizado por ser um adversário fervoroso
do chamado “modelo neoliberal” de desenvolvimento, fizeram com que, tão logo o novo governo tivesse
sido inaugurado, começassem as controvérsias em torno dos rumos a serem seguidos. No âmbito
acadêmico, não tardou para que surgisse um caloroso debate sobre da natureza do modelo de
desenvolvimento que vinha sendo seguido. A título de síntese desse debate e sem a intenção reduzi-lo
ao que se segue, é possível identificar, no interior da literatura de economia política, duas grandes
vertentes: uma “novo-desenvolvimentista” e outra “social-desenvolvimentista”.
Uma parte dessa literatura se apoia na manutenção, durante os governos Lula, do “tripé
macroeconômico” do segundo governo Cardoso (câmbio flutuante, metas agressivas de inflação e de
superávit primário) para sustentar uma continuidade em termos de política econômica para o período
2003-2010 (Belluzzo & Carneiro 2003; Carneiro 2003; Sicsú 2005; Paula 2005)). Nessa seara, alguns
autores são mais incisivos e sustentam que, ao dar prioridade para o combate à inflação, o governo Lula
seguiria uma cartilha ortodoxa (Paulani 2003), cuja política econômica, mais comprometida com a
valorização financeira do que com o crescimento e a distribuição de renda, não apenas continuava, mas
aprofundava a “herança maldita” dos governos FHC (Paulani 2007). Também tributárias dessa
perspectiva, de forma mais ou menos explícita, são as alcunhas de “social-liberalismo” (Borges Neto
2005) e “nacional-desenvolvimentismo às avessas” (Gonçalves 2012), utilizadas para caracterizar o
período.
Por seu turno, outra parte da literatura e o próprio discurso oficial (à época) ressaltam as altas
taxas de crescimento apresentadas no período (em comparação aos oito anos anteriores), a rápida
superação da crise financeira de 2008 e as mudanças na condução da economia (em relação aos governos
das décadas de 1980 e 1990), para sugerir que estaria de volta o desenvolvimentismo brasileiro (Belluzzo
2009; Novy 2009; Cervo 2009; Cardoso Jr. 2011). Este ponto de vista é corroborado, em parte, por
aqueles que enxergam a mudança de rumos de forma pessimista, lamentando o abandono do padrão
ortodoxo de condução da economia, em virtude de ímpetos distributivistas e de tendências
desenvolvimentistas (Pinheiro & Giambiagi 2006).
Conforme notado por Pedro Tavares Bastos, “são esses grupos que participam de uma querela
dos desenvolvimentismos no Brasil” (Bastos 2012, p. 784).
Com o intuito de contribuir para o debate, argumentei, com base na análise tanto do projeto
pretendido quanto daquele que foi efetivamente implementado, que a estratégia de desenvolvimento
conduzida sob os governos Lula, apesar de uma intenção clara e dos muitos esforços despendidos por
parte do governo nessa direção, não conseguiu ser, de fato, desenvolvimentista. Isso porque, embora
trouxesse consigo um projeto nacional (i. e., um projeto envolvendo a nação e seu futuro) de
desenvolvimento e tenham se utilizado deliberada e sistematicamente da intervenção estatal para viabilizálo, o grupo político que ascende em 2003 não foi capaz de fazer da industrialização uma alavanca para a
expansão da produtividade e do progresso técnico da economia nacional – conforme previsto pela
tradição desenvolvimentista. Ou seja: apenas dois dos três atributos indispensáveis ao
desenvolvimentismo enquanto conceito, tal qual formulado por Pedro Fonseca (2014), estiveram
presentes (Nunes 2018).
A partir dessa constatação, o objetivo geral deste paper é justamente discutir por que a referida
empreitada falhou – isto é, por que a intenção desenvolvimentista contida na estratégia não se
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concretizou? Em busca de respostas para esta questão, o foco analítico aqui será redirecionado do tipo de
estratégia conduzido para o tipo de Estado que a conduziu.
Para tanto, além desta introdução e de uma seção conclusiva, o restante do texto está dividido
em mais cinco seções. A primeira delas expõe as abordagens teóricas utilizadas: capacidades estatais para
os séculos XX e XXI. A segunda trata das abordagens metodológicas. A terceira seção trata das
capacidades do Estado brasileiro que conduziu a estratégia de desenvolvimento do período 2003-2010,
utilizando como referência teórica o conceito de Estado Desenvolvimentista (ED) – construído a partir
dos arquétipos asiáticos da segunda metade do século XX. As duas seções seguintes se referem às
capacidades estatais para o século XXI, tendo como objeto a política industrializante dos governos Lula.
A primeira trata dos níveis de capacidades gerados pelos arranjos institucionais construídos para
implementar os programas de política industrial do período. A segunda compara os níveis de capacidades
observados nesses arranjos com aqueles verificados em outros programas de políticas do mesmo
período.
Abordagens teóricas: capacidades estatais para os séculos XX e XXI
O ponto de partida teórico deste trabalho consistiu em olhar para a questão formulada acima
através das lentes de um problema sociológico clássico: o papel desempenhado pelos Estados nacionais em
processos de desenvolvimento. Não é necessário repisar o assunto aqui, basta lembrar que essa
perspectiva analítica tem sido seguida por diversos pesquisadores – sejam eles cientistas políticos,
sociólogos ou economistas (Hirschman 1964; Gerschenkron 1976; Bendix 1963; Perissinotto et. al. 2014).
De maneira mais específica, interessa-nos aqui duas abordagens distintas, mas interligadas, que
constituem-se em desdobramentos teóricos daquela problematização clássica.
A primeira dessas abordagens está lastreada na tradição teórica que acabou por forjar o conceito
de “Estado Desenvolvimentista” (ED) – utilizado inicialmente por Chalmers Johnson (1982), no livro
intitulado MITI and the japanese miracle: the growth of industrial policy, 1925-1975, no qual o autor analisa o
papel desempenhado pelo Ministério do Comércio Exterior e da Indústria na promoção do
desenvolvimento econômico japonês. Posteriormente, outros autores trataram de desenvolver e
sistematizar o conceito – através da comparação histórica entre casos concretos de desenvolvimento
capitalista tardio (durante a segunda metade do século XX), notadamente no Leste e no Sudeste
Asiáticos. Foi com base nessa literatura que Renato Perissinotto (2014) atribuiu ao ED, conceitualmente,
três dimensões interligadas: uma dimensão contextual, uma dimensão institucional e uma dimensão
volitiva.
A primeira delas refere-se a “certas condições exteriores ao Estado”, inseridas em contextos
nacionais e internacionais, que conspirariam positivamente para o surgimento de um ED. Um contexto
nacional favorável, de acordo com o autor, estaria relacionado com o conceito de “autonomia inserida”
de Peter Evans (1995): para que um Estado fosse capaz de construir mecanismos institucionais que
permitissem o diálogo constante com grupos e classes sociais importantes, seria necessário que o mesmo
não estivesse operando em um contexto social excessivamente fragmentado, sem interlocutores claros e
organizados. Já o contexto internacional conveniente seria caracterizado por guerra ou outro tipo de
ameaça externa que pudesse desencadear o “nacionalismo prático”: um nacionalismo traduzido
“efetivamente e eficazmente em state-building e políticas econômicas cujo resultado é o desenvolvimento
e a industrialização com vistas a se equiparar às potências que representam ameaça à soberania nacional”
(Perissinotto 2014, p. 61-62).
A dimensão institucional, por sua vez, trata da presença efetiva de uma burocracia autônoma,
mas ao mesmo tempo inserida. Para ser autônomo, o corpo burocrático em questão precisaria contar
com as características típicas das burocracias modernas: competência técnica, ethos burocrático, critérios
específicos de recrutamento, espírito de corpo e proteção contra pressões clientelistas. Para permanecer
inserida, a burocracia, além de não poder insular-se, no sentido de isolar-se completamente da sociedade,
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precisaria contar com mecanismos institucionais que a mantivesse em diálogo permanente com os
setores organizados e estratégicos da sociedade. Naturalmente, não se espera que o aparelho de Estado
como um todo seja portador desses atributos, bastando que as “agências responsáveis pelas decisões
desenvolvimentistas sejam estruturadas de acordo com eles”. Adicionalmente, é de importância
fundamental para um ED, que o processo decisório acerca da política econômica seja “amplamente
dominado por burocratas econômicos razoavelmente autônomos, em vez de controlado por políticos
eleitos” (Idem, p. 62-63).
Por fim, a dimensão volitiva envolve três aspectos estreitamente relacionados. O primeiro e mais
importante deles seria a presença de uma “elite modernizante”, disposta tomar “decisões
desenvolvimentistas” (Hirschmann 1964) e implementá-las mediante planificação prévia. O segundo
aspecto envolvido seria a capacidade dessa elite modernizante de “iniciar e sustentar um processo de
state-building que produza instituições estatais aptas a perseguir metas desenvolvimentistas”, processo
de suma importância não apenas para produzir decisões desenvolvimentistas, mas também para
reproduzir agentes capazes de tomar esse tipo de decisão. Por último, o eventual êxito desse processo
de construção institucional e de perseguição de metas desenvolvimentistas dependeria da capacidade de
a “elite modernizante” construir uma “coalizão desenvolvimentista” (Leftwich 2010), em conjunto com
outras elites exteriores ao Estado – tornando-se o “agente de ligação” (Hirschmann 1964) essencial em
qualquer estratégia desenvolvimentista. É nesse sentido que o desenvolvimento econômico seria um
“fenômeno prioritariamente político” (Perissinotto 2014, p. 63-64).
Mais recentemente, no entanto, parte importante da literatura dedicada ao estudo dos ED’s, vem
enfatizando a insuficiência do conceito, tal qual ele fora construído, para a condução de análises em
contextos contemporâneos. Isso porque, argumentam esses autores, o referido conceito foi elaborado
como uma variável explicativa à ocorrência do desenvolvimento capitalista tardio em contextos
autoritários (ambiente no qual se inseriram os cases asiáticos típicos). Atualmente, seguem os autores, em
pleno século XXI, esse conceito precisa ser repensado – isto é, adaptado às exigências de contextos
democráticos (Sen 1999; Evans 2008; Edigheji 2010; Schapiro 2013; Pires & Gomide 2016; 2014; 2012).
Essa segunda abordagem acerca das capacidades estatais, portanto, tem enfatizado a necessidade de
superar o conhecido trade off, entre democracia e desenvolvimento, reforçado a partir do êxito das
experiências asiáticas típicas para os países da periferia capitalista (Sá & Silva et. al. 2013). Essa
necessidade, por sua vez, encontra justificativa em uma constatação óbvia: a maioria esmagadora dos
países que almejarem ascender na escala do desenvolvimento, neste século, precisarão fazê-lo sob a
vigência de instituições democráticas. Além disso, ao invés sublinhar as dificuldades e obstáculos
proporcionados pelos democracia, esta última passa a ser vista, dessa perspectiva, como “um elemento
catalisador do desenvolvimento” (Sá & Silva et. al. 2010, p 17).
No caso específico do Brasil pós-redemocratização, seguem os autores, o processo de produção
de políticas públicas em geral, e também o de políticas específicas para o desenvolvimento, precisaria
levar em conta três dimensões interligadas do atual regime institucional brasileiro: a representativa, a
participativa e a de controles burocráticos (Idem, p. 19). Isso porque o atual regime democrático vem
promovendo a consolidação e o aprimoramento do sistema representativo (Rennó 2010; Meneguello
2010), dos instrumentos de participação (Avritzer 2010) e dos mecanismos de controle sobre a
burocracia estatal (Lopez 2010; Cardoso 2010).
Esse processo, conforme notado por Roberto Pires e Alexandre Gomide, se, por um lado,
produz avanços fundamentais ao aprofundamento do Estado Democrático de Direito, por outro, torna
muito mais complexa “a arte de governar”, ao aumentar dramaticamente as chances de os conflitos de
interesses transformarem-se em impasses e pontos de veto no sistema político. Assim sendo, seguem os
autores, em um ambiente institucional no qual o número de atores participantes e de interesses a serem
processados aumenta progressivamente, a produção de políticas públicas demanda “a configuração de
arranjos institucionais específicos” (Pires & Gomide 2016, p. 122-123).
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Os mesmos autores, em outro trabalho, propuseram um modelo analítico-conceitual
conformado por duas dimensões de capacidades estatais: uma técnico-administrativa e outra políticoinstitucional. A primeira, naturalmente, se refere àquele tipo de capacidade presente nas burocracias
estatais dos arquétipos desenvolvimentistas do século XX – isto é, “a existência de organizações,
instrumentos e profissionais competentes, com habilidades de gestão e coordenação de ações na esfera
governamental”. A segunda dimensão, por sua vez, diz respeito à “legitimidade da ação estatal” em
contextos democráticos – que, por sua vez, tem a ver com a mobilização dos diversos atores sociais e
com a “articulação, concertação e compatibilização de interesses diversos em torno de plataformas
comuns para a promoção do desenvolvimento nacional” (Gomide & Pires 2012, p. 26-27).
Isso posto, o objetivo específico do texto é discutir a estratégia de desenvolvimento conduzida
sob os governos Lula à luz dessas duas abordagens acerca das capacidades estatais: uma ancorada nas
capacidades estabelecidas durante a segunda metade do século XX, através do estudo dos arquétipos
asiáticos daquele período; e outra apoiada nas capacidades consideradas necessárias para promover o
desenvolvimento no contexto do século XXI, isto é, sob a vigência de instituições democráticas típicas.
No primeiro caso, a análise empreendida considerou a atuação do Estado ao conduzir a estratégia de
desenvolvimento como um todo. No segundo, considerou-se apenas as capacidades geradas pelos
arranjos institucionais construídos para conduzir a política industrializante do período. As questões a
serem respondidas são as seguintes:
Questão 01: o Estado nacional que conduziu a estratégia de desenvolvimento que vigorou entre
2003 e 2010 possuía (ou conseguiu gerar) as capacidades típicas das experiências asiáticas da segunda
metade do século XX?
Questão 02: os arranjos institucionais que conduziram a política industrial do período 2003-2010
possuíam (ou conseguiram gerar) as capacidades consideradas necessárias para promover o
desenvolvimentos no século XXI?
Como hipóteses de trabalho propõe-se respostas negativas às duas questões.
Abordagens metodológicas: objetos, dimensões analíticas, variáveis e técnicas
de pesquisa
Para responder as questões formuladas acima, a pesquisa se baseou em dois estudos de casos
que tiveram como objetos: i) o Estado que conduziu a estratégia de desenvolvimento que vigorou entre
2003 e 2010; ii) e os arranjos institucionais que conduziram a política industrial do mesmo período1.
Em termos analíticos, como já foi sugerido, os referidos objetos foram considerados a partir de
dois eixos: capacidades estatais para o século XX, de um lado, e capacidades estatais para o século XXI,
de outro. No primeiro desses eixos, a análise foi guiada pela noção de capacidades estatais tal qual
concebida pela literatura que se debruçou sobre os arquétipos asiáticos da segunda metade do século XX
– ou seja, uma perspectiva fortemente orientada pela ideia de autonomia e competência da burocracia
econômica do Estado. Mais especificamente, a análise foi informada pelo conceito de ED, considerado
em suas três dimensões, tal qual sistematizado por Perissinotto (2014): contextual, institucional e volitiva
– cada uma delas com seus respectivos atributos (ver quadro 1). O procedimento realizado consistiu em
considerar o conceito enquanto um tipo ideal e verificar em que medida o Estado que conduziu a
estratégia de desenvolvimento sob análise se aproximava ou se distanciava desse ideal típico.
1
A referida pesquisa é mais ampla do que apresentada aqui e faz parte da minha tese de doutorado. Este paper foi
elaborado a partir de um recorte de dois capítulos daquele trabalho.
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Quadro 1 – Capacidades estatais para o século XX (dimensões e atributos)
Dimensões
Contextual
Atributos
Contexto externo
Contexto interno
Institucional
Inserção social
Autonomia
Elite modernizante
Volitiva
State-building
Coalizão desenvolvimentista
Fonte: elaboração do autor com base em Perissinotto (2014).
No segundo eixo analítico, por sua vez, a noção de capacidades estatais também foi mobilizada,
mas, desta vez, abrangendo os aspectos relacionados com o binômio desenvolvimento e democracia.
Aqui a noção de capacidades estatais empregada não envolve apenas as competências técnicas e
administrativas do Estado, mas também as suas capacidades políticas e institucionais para, entre outras
coisas, processar interesses e construir coalizões em contextos de plena vigência das instituições
democráticas. Portanto, este eixo possui duas dimensões analíticas: capacidades técnico-administrativas
e capacidades político-institucionais – cada uma delas com seus respectivos atributos (ver quadro 2), tal
qual formulado originalmente em Pires e Gomide (2012). Neste caso, a análise restringiu-se apenas à
política industrializante do período analisado – isto é, aos arranjos institucionais que conduziram os dois
programas de política industrial lançados durante os governos Lula: Política Industrial, Tecnológica e de
Comércio Exterior (PITCE) e Programa de Desenvolvimento Produtivo (PDP).
Quadro 2 – Capacidades estatais para o século XX (dimensões e atributos)
Dimensões
Capacidades técnicoadministrativas
Atributos
Organização burocrática profissionalizada
Mecanismos de coordenação
Mecanismos de monitoramento
Capacidades políticoinstitucionais
Interações políticas institucionalizadas
Mecanismos de participação
Instrumentos de controle
Fonte: elaboração do autor com base em Pires e Gomide (2012).
Por fim, a análise conduzida nesse segundo eixo analítico também amparou-se em uma
comparação sistemática entre os arranjos institucionais da política industrial com os arranjos de outros
programas2 conduzidos durante o período, com vistas a oferecer perspectiva aos níveis de capacidades
observados. Por envolver a observação de casos complexos e small N, a técnica comparativa empregada
foi a Qualitative Comparative Analysis (QCA). Para operacionaliza-la, utilizou-se o software Tosmana (versão
1.54), desenvolvido especificamente para mecanizar a técnica de QCA.
Governos Lula e as capacidades estatais para o século XX
Quando se considera o Estado brasileiro do período 2003-2010 a luz das capacidades estatais
consideradas necessárias para a condução de estratégias desenvolvimentistas (estabelecidas a partir das
2
Os programas utilizados como balizadores comparativos para os níveis de capacidades observados foram: o
programa de Revitalização da Industria Naval (RIN), Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), Programa Bolsa
Família (PBF) e o Plano Brasil Maior (PBM). Estes e outros programas foram utilizados em uma análise
comparativa realizada por Pires e Gomide (2016).
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experiências exitosas da segunda metade do século XX) não é difícil entender por que a intenção
desenvolvimentista não se concretizou. Senão, vejamos.
Como já foi dito, o caminho escolhido para analisar as capacidades do Estado brasileiro ao
conduzir a estratégia que vigorou no período analisado foi orientado pelo conceito de Estado
Desenvolvimentista (ED). Mais precisamente, utilizou-se a sistematização conceitual proposta em
Perissinotto (2014) como um tipo ideal, com vistas a verificar as distâncias existentes entre o Estado
nacional daquele período e esse ideal típico. A sistematização conceitual proposta por Perissinotto
possui, como vimos, três dimensões analíticas e sete atributos a serem verificados na realidade concreta.
Por uma questão de limite de espaço, não vou descrever aqui cada uma das dimensões e cada
um dos atributos. Isso já foi feito em outra oportunidade3. Nesta seção, interessa apenas sintetizar os
resultados observados e comentar brevemente alguns achados. A síntese dos resultados está no quadro
2.
Como se percebe, apenas dois dos sete atributos previstos nas três dimensões do conceito de
ED estiveram presentes no caso em análise. De maneira mais específica, apenas um contexto internacional
relativamente favorável a mudança do tipo de estratégia que vinha sendo conduzida até 2002 e a ascensão
de um grupo político (“elite modernizante”) disposto a caminhar na direção de um modelo de promoção
ativa do desenvolvimento, via intervenção estatal, podem ser considerados como aspectos favoráveis à
conformação de um ED no período aqui considerado. Os demais atributos envolvidos não estiveram
presentes e não puderam ser forjados.
Quadro 2 – Síntese dos atributos de um ED típico para o caso brasileiro
(2003-2010)
Dimensões
Contextual
Institucional
Volitiva
Atributos
Resultados
Contexto externo
Sim
Contexto interno
Não
Inserção social
Não
Autonomia
Não
Elite modernizante
Sim
State-building
Não
Coalizão desenvolvimentista
Fonte: elaboração do autor
Não
Nos casos do contexto interno, da inserção social da burocracia econômica e da coalizão
desenvolvimentista houve grande esforço por parte do governo no sentido de romper o “insulamento
burocrático” identificado em governos anteriores. Nesse sentido, o objetivo geral foi aproximar os
agentes estatais da sociedade civil organizada, ampliando significativamente as arenas participativas.
Embora tenha, em boa medida, se mostrado exitoso, esse processo de extensão da participação dos
grupos sociais organizados passa ao largo dos objetivos de operar dentro de uma contexto social pouco
fragmentado, de possuir uma burocracia com interlocutores claramente definidos e da construção de
uma coalizão de sustentação composta por agentes estatais e por representantes de setores
estrategicamente escolhidos – conforme previsto conceitualmente em um ED
No caso do necessário processo de state building, por sua vez, também houve grande esforço por
parte do governo no sentido de reconstruir parte da burocracia estatal desmontada durante as décadas
de 1980 e 1990, sobretudo aqueles segmentos mais estreitamente relacionados com o planejamento
econômico do Estado. Ainda assim, o aparato burocrático esteve muito aquém daquilo que seria
3
Ver Nunes (2018).
11º Encontro ABCP
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necessário. Finalmente, no que se refere à autonomia burocrática nas questões relativas ao processo
decisório acerca da política econômica, não houve nem um tipo de tentativa de transferir as decisões
mais importantes para as mãos de tecnocratas especializados, isolando-as das disputas políticas mais
imediatas – aos moldes das “agências piloto” observadas nos cases asiáticos. Além disso, o referido
processo decisório também não contou com uma burocracia apta e aparelhada para planejar o
desenvolvimento.
Isso posto, pode-se retomar a afirmação feita no início desta seção: não é difícil compreender
por que a intenção desenvolvimentista contida na estratégia conduzida no período em análise não se
concretizou. Numa palavra: o Estado que a conduziu não tinha capacidade para fazê-lo, apesar de
esforços notáveis no sentido superar as dificuldades encontradas. Assim sendo, também já é possível, a
esta altura, responder a uma das questões propostas neste trabalho: o Estado nacional que conduziu a
estratégia de desenvolvimento que vigorou entre 2003 e 2010 possuía (ou conseguiu gerar) as capacidades
estatais típicas das experiências asiáticas da segunda metade do século XX? Com base no foi exposto, a
hipótese negativa está confirmada.
A síntese do argumento é a seguinte: o que a abordagem das capacidades estatais para o século
XX mostra é que, se o objetivo for desencadear e sustentar uma estratégia de promoção deliberada do
desenvolvimento em países de capitalismo tardio, não é possível prescindir da participação ativa e
constante de um Estado de tipo desenvolvimentista. Este não foi o caso do Estado responsável por
conduzir a estratégia de desenvolvimento pretendida para o período 2003-2010. Evidentemente, a
ausência de um Estado apto e aparelhado para promover ativamente o desenvolvimento impõe limites
importantes à condução de uma estratégia portadora de uma intenção desenvolvimentista.
Por outro lado, é importante ressaltar que esses limites se originam dentro de uma perspectiva
analítica que considera apenas as capacidades estatais estabelecidas a partir do exame de contextos mais
ou menos autoritários – isto é, uma abordagem teórica formulada a partir da observação empírica dos
cases desenvolvimentistas asiáticos da segunda metade do século XX.
A meu ver, uma compreensão mais acurada das razões que impediram que a intenção
desenvolvimentista (contida na estratégia conduzida sob os governos Lula) se concretizasse passa por
considerar o problema também sob a ótica das capacidades estatais consideradas necessárias para
promover o desenvolvimento em contextos democráticos. A seção seguinte avança nessa direção.
Governos Lula e as capacidades estatais para o século XXI
O marco analítico-conceitual formulado em Pires e Gomide (2016; 2014; 2012), como já foi
dito, considera que, para analisar o processo de produção de políticas públicas em contextos
democráticos, é preciso levar em conta dois tipos distintos de capacidades estatais: as técnicoadministrativas e as político-institucionais.
A aplicação do referido modelo, por sua vez, exige que se desdobre a análise em duas etapas
distintas: a primeira delas trata de identificar os objetivos e a institucionalidade previstos nos programas
de política em análise; a segunda refere-se à análise das capacidades estatais observadas durante o
processo de implementação desses programas. Começando pela primeira dessas etapas, o quadro 3
apresenta uma síntese do contexto de lançamento, dos objetivos e da estrutura de governança dos dois
programas de política industrial sob análise.
Como pode ser observado, os objetivos de cada um dos programas são qualitativamente
distintos – de um lado, propunha-se um programa construído a partir da necessidade de promover
ativamente a inovação (PITCE), de outro, sugeria-se um projeto destinado a estender ao máximo o ciclo
de expansão então experimentado pela economia, estimulando toda a diversidade da estrutura produtiva
brasileira, incluindo aí os setores tradicionais nos quais o país possui vantagens comparativas evidentes
(PDP). De forma coerente com essa alternância de objetivos entre um programa e outro, também houve
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mudanças institucionais importantes, em uma tentativa explicita de tornar a gestão da política industrial
mais “pragmática”. Para tanto, enxugou-se as instâncias deliberativas, concentrando-se as decisões (pelo
menos, em tese) no CDI4, e ampliou-se as instâncias de gerenciamento, com vistas a dar maior celeridade
(também em teoria) ao processo decisório e facilitar a interlocução com os diversos setores envolvidos5
(Brasil 2008).
Quadro 3 – Síntese dos objetivos e da estrutura de governança (PITCE e PDP)
Data de
lançamento
Período de
vigência
Mandato
presidencial
Objetivos
Estrutura de
governança
PITCE
PDP
31/03/2004
12/05/2008
2004-2007
2008-2010
Lula I
Lula II
“Aumento da eficiência
econômica e do
desenvolvimento e difusão de
tecnologias com maior
potencial de indução do nível
de atividade e de competição
no comércio internacional”
Sustentar o ciclo de expansão
econômica então vivido pelo
país
Instâncias
deliberativas
Conselho
Nacional de
Desenvolvime
nto Industrial
(CNDI)
Câmara de
Desenvolvime
nto
Econômico
(CDE)
Instâncias de
gerenciament
o
Instâncias
deliberativas
Agência
Brasileira de
Desenvolvime
nto Industrial
(ABDI)
Conselho
Nacional de
Desenvolvime
nto Industrial
(CNDI)
Instâncias de
gerenciament
o
Agência
Brasileira de
Desenvolvime
nto Industrial
(ABDI)
Secretaria de
ações
sistêmicas
Secretaria de
destaques
estratégicos
Secretaria de
programas
estruturantes
Fonte: Brasil (2003; 2008); sítio institucional do Ministério do Desenvolvimento,
Industria e Comercio (MDIC); Stumm (2017); Salermo e Daher (2006).
Câmara de
Política
Econômica
(CPE)
No que se refere à segunda etapa contemplada na análise (i. e., a análise das capacidades estatais
observadas em cada arranjo institucional), em havendo dois tipos de capacidades envolvidas, esta etapa
também subdivide-se em outras duas. A primeira delas diz respeito às capacidades técnicoadministrativas e envolve três critérios de avaliação: i) a presença de burocracias governamentais
profissionalizadas (ORGA); ii) o funcionamento dos mecanismos de coordenação (COOR); iii) e a
efetividade dos procedimentos de monitoramento (MONI). A segunda refere-se às capacidades político4
Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI).
Enquanto a PITCE, centrada na inovação, focava em dois grandes grupos – os “estratégicos” e os “portadores
de futuro” – a PDP, mais pragmática, pulverizou seu enfoque por 24 setores econômicos (Brasil 2003; 2008).
5
11º Encontro ABCP
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institucionais e também contemplam três critérios avaliativos: i) interações institucionalizadas entre
atores burocráticos e agentes políticos (APOLI); (ii) funcionamento de mecanismos de participação
social (como conselhos e audiências públicas) (PART) e (iii) fiscalização por parte das agências de
controle (CONT). Consideremos cada uma dessas etapas separadamente.
No que diz respeito às capacidades de ordem técnico-administrativas, considerando-se na análise
tanto a PITCE quanto a PDP, apenas o primeiro critério foi plenamente satisfeito – ou seja, ambos os
programas puderam contar com o suporte de burocracias governamentais profissionalizadas. Nesse
sentido, além da participação formal de integrantes do primeiro escalão de diversos ministérios (como
do Desenvolvimento, Industria e Comercio e da Casa Civil, por exemplo), tanto o Conselho Nacional
de Desenvolvimento Industrial (CNDI), instância deliberativa, quanto a Agência Brasileira de
Desenvolvimento Industrial (ABDI), instância de gerenciamento, eram presididos por dois ministros de
Estado – respectivamente, pelo chefe do Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comércio (MDIC)
e pelo chefe do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT).
Quanto aos dois critérios restantes, também considerando conjuntamente a PITCE e a PDP, é
possível sustentar que ambos estiveram longe de serem satisfeitos. No que diz respeito aos mecanismos
de coordenação, foi possível verificar que essa função caberia (em teoria) à ABDI. Não obstante,
conforme já observado por outros pesquisadores, embora pensada para ser uma agência, a ABDI é (na
prática) uma entidade integrante do sistema S (Serviço Social Autônomo) e, portanto, não participa
formalmente da administração pública. Assim sendo, a referida entidade padece de limitações básicas
que a impedem de funcionar como uma instância de coordenação. Um exemplo emblemático
manifestou-se na ausência de autoridade convocatória sobre aquelas instituições que fazem parte da
Administração Pública direta ou indireta – esse déficit de poder fez com que a ABDI enfrentasse
dificuldades, inclusive, para empossar sua diretoria (Stumm 2017;2016; Schapiro 2013; Almeida 2009;
Suzigan & Furtado 2006).
No que se refere aos mecanismos de monitoramento, por sua vez, é possível dizer que ou eles
não existiam ou funcionavam de maneira precária. Esse problema também já foi identificado em
trabalhos anteriores e pode ser visto como uma consequência das deficiências de coordenação
institucional referidas anteriormente. O ponto nevrálgico da questão é que política industrial necessita
de “coordenação ex ante” (Suzigan & Furtado 2006), ao passo que a constituição de sua estrutura
institucional dos programas de política industrial no Brasil tem sido ad hoc (Schapiro 2013). Nesse sentido,
embora instituições como o CNDI e a ABDI contem com a participação formal de ministros de Estado,
estes últimos o fazem usando “um segundo chapéu” – já que respondem e prestam contas formalmente
para outras instituições. Por causa disso, a estrutura institucional da política industrial recente no Brasil
tem sido “oca” – “já que as competências decisórias formais não estão ali, mas nos órgãos constituintes
(ministérios, autarquias, empresas estatais e bancos públicos)” (Idem, p. 36). Disso decorre que órgãos
como o CNDI e ABDI sequer contam com um regime de competências claramente definido, o que, por
sua vez, inviabiliza rotinas e processos básicos para a implementação de políticas, entre os quais o
estabelecimento de ferramentas elementares de avaliação e monitoramento.
No que diz respeito às capacidades político-institucionais, por sua vez, a análise mostrou um nível
ainda mais baixo de capacidade: nenhum dos três critérios previstos no modelo analítico-conceitual
foram satisfeitos. No que se refere ao primeiro deles, embora algumas demandas no âmbito da PITCE
tenham tido que passar pelo crivo do Congresso Nacional, considerando-se os dois programas
conjuntamente, é possível sustentar que não houve interações institucionalizadas entre atores
burocráticos e agentes políticos. Quanto ao segundo critério, por sua vez, é possível dizer que não houve
institucionalização de mecanismos de participação social. Isso porque, mesmo naquelas instâncias onde
poderia ter havido a institucionalização desses mecanismos, como no CNDI e na ABDI, verificou-se a
presença de deficiências básicas que, de saída, inviabilizaram a empreitada. Primeiro, não havia critérios
claros e formalmente definidos para a escolha dos integrantes desses órgãos. Segundo, não havia uma
agenda pública ou um cronograma que definisse a periodicidade e a pauta das reuniões no âmbito
11º Encontro ABCP
12
daquelas instituições. Por fim, a interação entre agentes públicos e privados tendeu a ocorrer de maneira
não-institucionalizada, por meio de contatos pessoais ou informais (Schapiro 2013; Schneider 2004).
No que diz respeito ao terceiro critério previsto no modelo, também não há indícios de
fiscalização efetiva seja por parte das agências de controle seja através de escrutínio público. No caso
deste último, como já foi dito, simplesmente não existia um regime de competências efetivo, que
possibilitasse o estabelecimento de rotinas e processos administrativos consistentes, dotados de
instrumentos eficazes de avaliação e monitoramento de políticas. A inexistência de uma rotina
administrativa nesses moldes, por sua vez, dificulta inclusive o trabalho das agências de controle – uma
vez que as informações mais básicas sobre esses programas não estão disponíveis, não existem ou são
omitidas. Um exemplo emblemático deste último caso foi mostrado por Mansueto Almeida, tendo como
base as operações de empréstimos do Tesouro Nacional para bancos públicos. O levantamento realizado
pelo autor mostra que entre 2006 e 2010 essas operações saíram de 0 (zero) para R$ 255,7 bilhões – mais
de 90% desse volume destinado ao BNDES. Até outubro de 2010, no entanto, essas informações não
haviam sequer sido publicadas. Dado que a hipótese de ignorância da equipe técnica do Tesouro
Nacional é por demais esdrúxula para ser considerada, conclui-se que a entidade optou por omitir essas
informações do escrutínio público (Almeida 2011).
A tabela 1 sintetiza o resultado da verificação dos critérios envolvidos no modelo analítico aqui
utilizado – em termos dicotômicos, 0 significa critério não satisfeito e 1 critério satisfeito. É partir dos
resultados apresentados na tabela 1 que se define os níveis de capacidades geradas pelos arranjos
institucionais das políticas aqui analisadas. Cada um dos dois tipos de capacidades do modelo (técnicas
e políticas) foi dividido em três níveis: alta (2), média (1) e baixa (0). Para ser considerado de alta
capacidade o arranjo analisado precisa satisfazer 3 de 3 dos critérios empregados; para ser considerado
de média capacidade o aproveitamento precisa ser 2 de 3; se apenas 1 ou nenhum dos critérios tiverem
sido satisfeitos, o arranjo em questão é considerado de baixa capacidade (Pires & Gomide 2016, p. 130).
Tabela 1– Critérios para avaliação das capacidades técnico-administrativa e
político-relacionais
Capacidade técnicoadministrativa
Casos
Capacidade político-relacional
PITCE
ORGA
COOR
MONI
APOL
PART
CONT
Sim (1)
Não (0)
Não (0)
Não (0)
Não (0)
Não (0)
PDP
Sim (1)
Não (0)
Não (0)
Não (0) Não (0)
Não (0)
Fonte: adaptado pelo autor a partir de Pires & Gomide (2016, p. 131).
A tabela 2, por sua vez, apresenta a síntese das capacidades estatais – técnico-administrativas e
político-institucionais – geradas pelos arranjos institucionais dos dois programas de política industrial
conduzidos sob os governos Lula. Adicionalmente, a mesma tabela também traz as capacidades desses
arranjos em termos de resultados alcançados. Estes últimos também são analisados sob duas óticas:
produto e inovação. O primeiro diz respeito a entrega de produtos propriamente dita– ou seja, se os
objetivos estipulados foram atingidos. O segundo refere-se à inovação institucional – isto é, se durante
o processo de implementação da política, em função da participação de novos atores, foi possível
observar processos de aprendizagem e/ou inovações para tentar superar as dificuldades encontradas.
Nos casos da PITCE e da PDP, como pode ser visto na tabela, nenhuma das duas coisas ocorreram: ou
seja, nem atingiu-se os objetivos pretendidos, nem produziu-se inovações institucionais que permitissem
contornar as dificuldades encontradas. Nos dois casos, portanto, os arranjos institucionais dessas
políticas foram classificados como sendo de baixa capacidade.
11º Encontro ABCP
13
Tabela 2 – Capacidades estatais e resultados observados
Casos
PITCE
Capacidades estatais
Técnicoadministrativa
Político-institucional
Baixa (0)
Resultados
Baixa (0)
Produto
Inovação
Baixa (0)
Baixa (0)
PDP
Baixa (0)
Baixa (0)
Baixa (0) Baixa (0)
Fonte: adaptado pelo autor a partir de Pires & Gomide (2016, p. 131).
Para que a análise aqui conduzida possa ganhar em perspectiva, é possível utilizar como
referência outros arranjos institucionais encarregados de implementar programas de políticas durante o
período em análise. O objetivo aqui é oferecer um balizador comparativo ao falar em níveis (alto, médio
ou baixo) de capacidades gerados nesses arranjos. Isso é feito na seção seguinte.
Capacidades estatais em perspectiva comparada
O objetivo desta seção é comparar os níveis de capacidades observados na política industrial
conduzida sob os governos Lula com aqueles observados em outros programas de política pública
implementados no mesmo período. Para tanto, utilizamos aqui os dados observados em quatro
programas de política na já citada análise comparativa realizada por Pires e Gomide (2016)6. O
procedimento realizado aqui é, inicialmente, o mesmo que foi utilizado na seção anterior – ou seja,
observa-se a presença ou a ausência dos atributos em cada uma das dimensões analíticas para, a partir
deles, aferir os níveis de capacidades técnicas e políticas gerados em cada um dos arranjos institucionais
observados. As informações estão reunidas nas tabelas 3 e 4.
Tabela 3 – Capacidades estatais observadas (programas selecionados)
Capacidade técnicoCapacidade políticoCasos
administrativa
relacional
ORGA
COOR
MONI
APOL
PART
CONT
RIN
Sim (1)
Sim (1)
Sim (1)
Sim (1)
Sim (1)
Sim (1)
MCMV
Sim (1)
Sim (1)
Sim (1)
Não(0)
Não (0)
Sim (1)
PBF
Sim (1)
Sim (1)
Sim (1)
Sim (1)
Não (0)
Sim (1)
PITCE
Sim (1)
Não (0)
Não (0)
Não(0)
Não (0)
Não (0)
PDP
Sim (1)
Não (0)
Não (0)
Não(0)
Não (0)
Não (0)
PBM
Sim (1)
Não (0)
Não (0)
Não(0) Não (0)
Não (0)
Fonte: adaptado pelo autor a partir de Pires & Gomide (2016, p. 131).
A tabela 3, como pode ser visto, resume a presença ou ausência dos atributos utilizados para
medir os níveis capacidades técnicas e políticas envolvidos em seis arranjos institucionais criados para
implementar programas de políticas públicas. Entre eles estão os três programas de política industrial
utilizados neste século – a PITCE, a PDP e o PBM.
Tabela 4– Capacidades estatais e resultados observados (programas selecionados)
Casos
Resultados
Produto
Inovação
RIN
Alta (2)
Alta (2)
Alta (2)
Alta (2)
MCMV
Alta (2)
Baixa (0)
Alta (2)
Baixa (0)
PBF
Alta (2)
Média (1)
Alta (2)
Alta (2)
Baixa (0)
Baixa (0)
Baixa (0)
Baixa (0)
PITCE
6
Capacidades estatais
Técnicoadministrativas
Político-relacional
Como já foi dito, a análise comparativa realizada pelos autores envolveu oito programas de políticas públicas
implementados durante os governos Lula e Dilma – já citados anteriormente.
11º Encontro ABCP
PDP
14
Baixa (0)
Baixa (0)
Baixa (0)
Baixa (0)
PBM
Baixa (0)
Baixa (0)
Baixa (0)
Baixa (0)
Fonte: adaptado pelo autor a partir de Pires & Gomide (2016, p. 131).
A tabela 4, por sua vez, reúne as informações sobre os níveis de capacidades gerados em cada
arranjo institucional – em termos técnicos-administrativos e político-relacionais, de um lado, e em termos
de resultados alcançados (entrega de produtos e inovações apresentadas), de outro – para os mesmos
casos contemplados na tabela 3.
Como se percebe, há diferenças notáveis, em termos de capacidades estatais geradas, quando se
compara os arranjos institucionais que conduziram os três programas de política industrial mais recentes
(PITCE, PDP e PBM) com os outros três casos mostrados nas tabelas 3 e 4. As diferenças mais gritantes
estão na dimensão técnico-administrativa: enquanto RIN, MCMV e PBF apresentaram capacidade alta
(2) nesse quesito, nenhum dos programas de política industrial alcançou sequer o nível médio (1) – todos
geraram capacidades classificados como baixas (0), apresentando deficiências muito evidentes em termos
de mecanismos de coordenação (COOR) e monitoramento (MONI).
No que concerne à dimensão político-institucional, por sua vez, também há diferenças imensas
entre os arranjos considerados – nenhum dos três critérios envolvidos foram satisfeitos e os níveis de
capacidades gerados foram classificados como baixo (0) nos três programas de política industrial. Em
termos comparativos, no entanto, houve maior oscilação nos outros arranjos considerados: embora a
RIN também tenha gerado capacidades classificadas como alta (2) nessa dimensão, as capacidades
geradas no âmbito do MCMV e do PBF foram classificadas como baixa (0) e média (1), respectivamente.
A questão que surge a partir das informações apresentadas acima é se seria possível estabelecer
algum tipo de correlação entre os níveis de capacidades observados, de um lado, e os resultados
alcançados, de outro. Uma das maneiras de se avançar nessa direção, é lançando mão da comparação
sistemática entre as categorias das variáveis observadas. Para fazer isso, quando se tem disponível para
observação um pequeno número de casos complexos, pode-se utilizar a técnica de Qualitative Comparative
Analysis (QCA). O que esse procedimento permite, na prática, é a verificação de padrões associativos
entre condições (variáveis independentes) e resultados (variáveis dependentes) – utilizando para isso
álgebra booleana e teoria dos conjuntos. Dessas forma, é possível identificar padrões associativos
(inferências) mesmo a partir da observação de poucos casos7. Para operacionalizar essa técnica, como já
foi dito, recorreu-se aqui à versão mais recente (1.54) do Tosmana – um software desenvolvido
especificamente para mecanizar a aplicação do QCA.
Padrões associativos entre categorias de variáveis
Para verificar a existência de algum tipo de associação entre os níveis de capacidades e os
resultados observados, utilizou-se o Tosmana para transformar a tabela 4 em uma truth table,
considerando as duas variáveis presentes em cada uma dessas dimensões. As tabelas 5 e 6 mostram os
resultados.
Tabela 5 – Tabela de configurações de casos para a variável de resultado (entrega
de produtos)
Variável de
Condições
Casos
Resultado
CAP_TEC_ADM
CAP_POL_INST
PROD
0
0
0
PITCE, PDP, PBM
7 Conforme observado por Flávio Rezende, “os métodos configuracionais [entre os quais estão as várias técnicas
de QCA] introduzem uma nova lógica para gerar inferências causais a partir de desenhos de pesquisa small-n em
que se permite compreender como condições – necessárias, suficientes, ou combinações destas - podem gerar
análises causais a partir das chamadas “truth tables” (Rezende 2015, p. 30).
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15
2
0
1
MCMV
2
1
1
PBF
2
2
Fonte: elaboração do autor.
1
RIN
A tabela 5 apresenta quatro configurações de casos distintas, três delas associadas à alta entrega
de produtos (variável de resultado = 1) e uma delas à baixa entrega de produtos (variável de resultado =
0). Olhando para a mesma tabela também é possível perceber que a variável de resultado = 1 ocorre
somente com a presença da condição “altas capacidades técnico-administrativas” (valor = 2). Isso
significa que, após a minimização booleana, a alta entrega de produtos (variável de resultado = 1) foi
associada com altos níveis de capacidades técnico-administrativas, conforme descrito pela fórmula
abaixo:
Fórmula 1 (minimização das configurações de casos com variável de resultado PROD {1}, sem
restos lógicos):
CAP_TEC_ADM{2} PROD {1}
(RIN, MCMV, PBF)
A leitura da fórmula 1 pode ser feita da seguinte maneira: para os casos RIN, MCMV e PBF,
altos níveis de capacidades técnico-administrativas estão associadas a alta entrega de produtos.
Tabela 6 – Tabela de configurações de casos para a variável de resultado
(inovação)
Variável de
Resultado
Condições
Casos
CAP_TEC_ADM
CAP_POL_INST
INOV
0
0
0
PITCE, PDP, PBM
2
0
0
MCMV
2
1
1
PBF
2
2
Fonte: elaboração do autor.
1
RIN
A tabela 6, por sua vez, também traz quatro diferentes configurações de casos – mas, desta feita,
a divisão entre elas é mais equitativa: duas delas estão associadas à presença de ações inovadoras durante
o processo de implementação da política (variável de resultado=1); e duas à ausência dessas ações
(variável de resultado =0). No que se refere à minimização booleana, para a variável de resultado
INOV{1}, a ocorrência do fenômeno é observada em duas combinações de condições diferentes,
conforme descrito na fórmula abaixo:
Fórmula 2 (minimização das configurações de casos com resultado INOV{1}, sem restos
lógicos):
CAP_TEC_ADM{2} * CAP_POL_INST{2}
CAP_POL_INST{1} (PBF) INOV
(RIN)
+
CAP_TEC_ADM{2}
*
A fórmula 2 deve ser lida da seguinte maneira: a inovação ocorre em uma das seguintes
configurações de casos – i) coincidência entre altas capacidades técnico-administrativas e altas
capacidades político-institucionais (RIN) ou ii) coincidência entre altas capacidades técnicoadministrativas e médias capacidades político-institucionais (PBF).
11º Encontro ABCP
16
Em busca de uma solução mais parcimoniosa do que a que foi descrita acima, é possível permitir
que o Tosmana utilize os “restos lógicos” – isto é, configurações de casos criadas, mas não observadas
pelo software durante a primeira minimização. Ao permitir que o software utilize essas “sobras”, é possível
conseguir uma solução simplificada, como a que está contida na fórmula descrita abaixo:
Fórmula 3 (minimização das configurações de casos com variável de resultado INOV{1}, com
restos lógicos):
POL{1,2} INOV{1}
(RIN+PBF)
A fórmula 3 significa que, ao utilizar os restos lógicos, o software encontrou um padrão de
associação bem mais simples entre as variáveis: a ocorrência de inovação, para os casos RIN e PBF, tem
como condições mínimas níveis altos ou médios de capacidades político-institucionais.
Com base no que foi exposto até aqui, há dois achados a se destacar: i) altas capacidades técnicoadministrativas estão associadas com a alta entrega de produtos; ii) médias e altas capacidades políticorelacionais estão associadas com a ocorrência de ações inovadoras durante os processo de
implementação das políticas. Isso significa que diferentes tipos de capacidades estatais estão associados
a diferentes tipos de resultados – conforme já havia sido observado em Pires & Gomide (2016). Como
notam os autores, esses caminhos já haviam sido apontados pela literatura pertinente – isto é, tanto a
importância burocracias tecnicamente competentes para a eficácia das políticas quanto “uma associação
potencial entre a inclusão das múltiplas partes interessadas nos processos de políticas públicas com a
aprendizagem e a inovação” (Idem, p. 134).
Por outro lado, seguindo pela caminho trilhado pelos autores, é possível ir além da constatação
de padrões associativos entre as variáveis e tentar esclarecer os mecanismos pelos quais as diferentes
categorias dessas variáveis se associam – isto é, avançar em direção aos mecanismos explicativos. Este é
o objetivo da subseção seguinte.
Mecanismos explicativos
Ao se constatar a existência de associações entre as condições (níveis capacidades) e os
resultados (entrega de produtos e ocorrência de inovação) observados, não se explica como essas
variáveis se associam – ou seja, os mecanismos explicativos permanecem desconhecidos. O objetivo
desta subseção é justamente revelar esses mecanismos explicativos. Para tanto, ao invés de considerar
como condições as variáveis agregadas (capacidades técnico-administrativas e político-institucionais),
serão utilizados, para produzir as truth tables, os atributos de cada uma dessas variáveis – conforme
apresentados na tabela 3.
Como já sabemos com qual variável de resultado cada um dos dois tipos de capacidades está
relacionado, tratar-se-á de investigar de que forma os atributos (critérios utilizados para classificação)
dessas variáveis se relacionam com entrega de produtos (tabela 07) e com inovação (tabela 8).
Tabela 7 – Configurações de casos (atributos) para a variável de resultado
(produto)
Condições
Resultados
Casos
ORGA
COOR
MONI
PROD
1
0
0
0
PITCE, PDP, PBM
1
MCMV, PBF, RIN
1
1
1
Fonte: elaboração do autor.
11º Encontro ABCP
17
A tabela 7, como se percebe, apresenta apenas duas configurações de casos, uma para variável
de resultado = 1 e outra para variável de resultado = 0. Também é possível perceber que cada
configuração explica três dos seis casos analisados. A minimização booleana derivada da configuração
de casos para variável de resultado = 1 é a seguinte:
Fórmula 4 (minimização das configurações de casos com resultado PROD {1}, sem restos
lógicos):
ORGA{1} * COOR{1} * MONI{1} PROD{1}
(RIN, MCMV, PBF)
Como se nota, os três programas que apresentaram alta entrega de produtos (RIN, MCMV e
PBF) são caracterizados pela presença simultânea dos três atributos contidos na variável capacidade
técnico-administrativa. São eles a presença e o funcionamento i) de organizações profissionalizadas
(ORGA); (ii) de mecanismos de coordenação (COOR) e (iii) de sistemas de monitoramento (MONI).
Por outro lado, os casos que apresentaram baixa entrega de produtos (variável de resultado = 0) puderam
contar apenas com o primeiro desses atributos.
Em busca de uma solução mais econômica para o problema, também aqui é possível pedir ao
software para incluir os restos lógicos no processo de minimização.
Fórmula 5 (minimização das configurações de casos com resultado PROD{1}, com restos
lógicos):
COOR{1} * MONI{1} PROD{1}
(RIN, MCMV, PBF)
Como se percebe, a fórmula 5 indica que a presença simultânea de mecanismos de coordenação
e de monitoramento são as condições mínimas para a ocorrência do fenômeno observado: alta entrega
de produtos. Ressalte-se que esses foram justamente os dois atributos ausentes nos casos dos programas
de política industrial sob análise (PITCE, PDP e PBM).
Tabela 8 – Configurações de casos (atributos) para a variável de resultado
(inovação)
Condições
Resultados
Casos
APOL
PART
CON
INOVAÇÃO
0
0
0
0
PITCE, PDP, PBM
0
0
1
0
MCMV
1
0
1
1
PBF
1
RIN
1
1
1
Fonte: elaboração do autor.
A tabela 8, por sua vez, reúne os atributos da variável capacidades político-institucionais e a
variável de resultado inovação. Os atributos da variável independente são os seguintes: i) interação
institucionalizada com agentes políticos (APOL); ii) presença efetiva de mecanismos de participação
social (PART); e iii) interação com órgãos de controle (CON). Neste caso, como se percebe, há quatro
configurações de casos: três para variável de resultado = 1 e uma para variável de resultado = 0. O
processo de minimização booleana, por sua vez, resultou em duas condições explicativas mínimas (ver
fórmula 6). Isso significa que a interação institucionalizada dos agentes burocráticos com agentes
políticos e com órgãos de controle são as condições mínimas para a ocorrência do fenômeno observado:
processos de aprendizagem e práticas inovadoras durante o processo de implementação dos programas
de política.
11º Encontro ABCP
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Fórmula 6 (minimização booleana das configurações de casos com resultado INOV {1}, sem
restos lógicos):
APOL{1} * CONT{1} INOV{1}
(RIN+PBF)
Em busca de uma solução ainda mais econômica, novamente foi pedido ao software para utilizar
os restos lógicos durante o processo de minimização. O resultado está na formula 7.
Fórmula 7 (minimização booleana das configurações de casos com resultado INOV {1}, com
restos lógicos):
APOL{1} INOV{1}
(RIN+PBF)
Como se percebe, para os mesmos casos explicados pela fórmula 6 (RIN e PBF), a interação
institucionalizada com agentes políticos é condição suficiente para a ocorrência de práticas inovadoras.
Novamente, é importante ressaltar que em nenhum dos programas de política industrial incluídos na
análise esse atributo esteve presente.
Isso posto, já é possível retomar algo sugerido no início desta seção: a meu ver, a abordagem
que vem sendo chamada aqui de capacidades estatais para o século XXI pode ser muito útil para
compreender por que a política industrializante dos governos Lula naufragou.
Eis o resumo da ópera: a análise precedente mostrou que os arranjos institucionais construídos
para implementar os programas de política industrial durante os governos Lula eram incompetentes
tecnicamente e incapazes politicamente. Ressalte-se, ademais, que os níveis de capacidades gerados
nesses arranjos institucionais são baixos mesmos quando comparados com outros arranjos institucionais
do mesmo período – como aqueles que foram construídos para implementar alguns programas sociais
como o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família, por exemplo.
Conclusões
Este paper partiu de um achado produzido em outro trabalho – o de que havia uma intenção
desenvolvimentista na estratégia de desenvolvimento conduzida no Brasil entre 2003 e 2010 – para tentar
responder a seguinte questão: por que aquela intenção não se concretizou? Para tanto, lançou-se mão
aqui da abordagem clássica das capacidades estatais – tanto aquelas estabelecidas durante a segunda
metade do século XX (quando a maioria dos Estados nacionais observados pela literatura operavam em
contextos autoritários), quanto aquelas que vem se estabelecendo neste século (quando a maioria dos
Estados operam contextos em democráticos).
Considerando-se as duas perspectivas referidas acima, o principal achado deste trabalho é o
seguinte: o Estado que conduziu a estratégia de desenvolvimento do período 2003-2010 não possuía as
capacidades necessárias para implementar uma estratégia nos moldes pretendidos. A ausência dessas
capacidades, por sua vez, fez com que a intenção desenvolvimentista prevista no modelo esbarrasse em
obstáculos difíceis de contornar sem um Estado talhado para tanto.
Da perspectiva das capacidades estatais para o século XX, a ausência de uma burocracia
suficientemente autônoma e competente para tomar as principais decisões acerca da política econômica,
de um lado, e estrategicamente inserida na sociedade para conferir sustentação política tanto ao processo
decisório quanto ao necessário processo de construção institucional, de outro, criou enormes
dificuldades para que a intenção desenvolvimentista do modelo saísse do papel.
11º Encontro ABCP
19
Essas dificuldades ficam mais claras quando se olha para o política industrializante daquele
período sob a ótica das capacidades estatais para o século XXI. Nesse sentido, quando se compara os níveis
de capacidades gerados pelos arranjos institucionais encarregados de conduzir a política industrial dos
governos Lula com aqueles gerados em alguns programas sociais do mesmo período os contrastes são
evidentes. Assim, tanto em termos técnico-administrativos quanto político-institucionais, os níveis de
capacidades observados na PITCE e na PDP foram significativamente mais baixos do que aqueles
gerados em programas como o MCVM e PBF, por exemplo.
Esses resultados, ademais, não são aleatórios: há padrões associativos claros entre certas
condições e certos tipos de resultados – conforme mostrado pela técnica de Qualitative-Comparative
Analysis (QCA). A Associação ocorre da seguinte maneira: aqueles arranjos institucionais que geraram
altos níveis de capacidades técnico-administrativas apresentaram como resultado altos níveis de entrega
de produtos; por sua vez, aqueles arranjos institucionais que geraram níveis médios ou altos de
capacidades político-institucionais tiveram como resultado a ocorrência de ações inovadoras durante o
processo de implementação da política, com vistas a superar as dificuldades encontradas.
Além disso, a comparação sistemática entre os atributos das variáveis consideradas, através da
técnica de QCA, também permitiu revelar os mecanismos explicativos dos padrões associativos
revelados acima. Assim, as minimizações booleanas mostraram que i) a presença efetiva de mecanismos
de coordenação e monitoramento foram as condições mínimas a ocorrência de altos níveis de entrega
de produtos e ii) a interação institucionalizada entre agentes burocráticos e atores políticos é condição
suficiente para a ocorrência de práticas inovadoras.
Como vimos, nem essas condições mínima estiveram presentes nos arranjos de política
industrial deste século8. Os arranjos institucionais responsáveis por conduzir a PITCE, a PDP e o PBM
geraram baixos níveis de capacidades tanto técnico-administrativa quanto político-institucionais, como
vimos. Por conseguinte, todos apresentaram baixa entrega de produtos e ausência de ações inovadoras
que pudessem superar as dificuldades encontradas durante o processo de implementação dos programas.
Assim sendo, não surpreende que os efeitos desses programas de política industrial na estrutura
produtiva nacional tenham sido praticamente nulos9.
O fracasso da política industrializante sob os governos Lula, por sua vez, teve impacto direto na
condução de uma estratégia que pretendia utilizar a industrialização como alavanca para a expansão da
produtividade e para o progresso técnico da economia nacional (Nunes 2018). Em outros termos, uma
vez consideradas a incompetência técnica e a incapacidade política dos arranjos institucionais para
conduzir os programas de política industrial, também não surpreende que essa intenção
desenvolvimentista não tenha se concretizado.
Referências
Bastos, P. P. Z., 2012. A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social
desenvolvimentismo. Economia e Sociedade, v. 21, número especial, p. 779-810.
Belluzzo, L. G. 2009. Um novo estado desenvolvimentista? Le Monde Diplomatique Brasil, ano 3,
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8
Embora este trabalho tenha se dedicado à análise da política industrial dos governos Lula (PITCE e PDP,
portanto), o programa de política industrial do primeiro governo Dilma (PBM) foi incluído na análise comparativa.
Por esta razão também é possível incluí-lo nas conclusões.
9 Sobre os resultados da polítca industrial do século XXI na estrutura produtiva nacional, ver entre outros: Stumm
(2017; 2018); Cavalcanti (2013); Cavalcanti & De Negri (2011); Schapiro (2013).
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