AS “TRÊS GUERRAS”: ÊXITOS E FRACASSOS DA
GUERRA ÀS DROGAS E O CASO MEXICANO
Danillo Avellar BRAGANÇA1
RESUMO: A Guerra às Drogas, termo cunhado na década de 1970
para designar o esforço norte-americano de combate ao uso e venda
de substâncias entorpecentes, completa quarenta anos. Neste espaço
de tempo, a configuração que havia naquele contexto se modificou.
Para se compreender os fracassos e os êxitos esforço foi delimitada
a análise do caso mexicano, que por estar intrinsecamente ligado a
isso é fundamental nesta discussão. Este artigo tem como objetivo
principal discutir quais foram os acertos e os equívocos da chamada
Guerra às Drogas, utilizando o caso do México, por onde passam 95%
dos fluxos de narcotráfico que chegam aos Estados Unidos.
PALAVRAS-CHAVE: Narcotráfico. Guerra às drogas. Soberania do
Estado. Democracia
Introdução
A data de 26 de setembro de 2014 representa um símbolo
das agruras do México contemporâneo. Nesse dia desapareceram
quarenta e três estudantes secundaristas de uma escola rural
e de formação de professores, localizada no pequeno povoado
de Ayotzinapa, no estado de Guerrero, na costa pacífica do
país, epicentro desse episódio extremamente traumático para
a história mexicana. De certo modo, toda a complexidade do
país se sintetizou, como se fosse uma amostra hiper-realista, no
microcosmo de uma escola e de um povoado.
1
Mestrando em Relações Internacionais. UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Pósgraduação em Relações Internacionais. Rio de Janeiro – RJ – Brasil. 20.550-013 – danillo.braganca@
yahoo.com.br.
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O evento, algo estarrecedor, explica por si sua amplitude.
Quarenta e três estudantes desta escola sumiram, de forma
muito mal explicada pelas autoridades do país, após uma reunião
na capital do estado, Chinpancilgo, para arrecadar fundos para
financiar sua ida até o Distrito Federal, onde eles participariam
das rememorações do massacre de Tlateloco, ocorrido em 1968.
Ao final, o que restou do fato foram relatos de estudantes que
sobreviveram e de algumas pessoas presas, como policiais,
autoridades locais e membros do governo de Guerrero, entre
outros.
A versão mais difundida é a de que, após um desentendimento
com uma gangue local, chamada de Guerreros Unidos, as forças
policiais estatais abordaram o ônibus que levava os estudantes
de volta para casa e, ainda na estrada, abriram fogo sobre ele.
Apenas três estudantes mortos tiveram seus corpos encontrados,
mas os corpos de quarenta e três destes estudantes, não foram
encontrados.
O país inteiro se comoveu. Manifestações grandiosas
ocorreram em praça pública, não somente na região como também
em outros locais, tendo como ápice um grande movimento no
Zócalo, o centro histórico da Cidade do México, onde se localizam
os Palácios do Governador e o da Presidência República.
O governador do estado de Guerrero, acusado pelas
autoridades federais mexicanas de manter ligações com a
Guerreros Unidos, renunciou ao cargo e fugiu com sua mulher
e filhos. Tanto ele quanto outros políticos são apontados pela
mídia mexicana como operadores diretos das atividades da
Guerreros Unidos, que incluem lavagem de dinheiro, narcotráfico,
sequestros, entre outras atividades ilícitas.
Mas, fundamentalmente, o que é importante realçar é a
complexidade do ocorrido, pois nele fica evidente a atuação
das forças sociais que vêm desestabilizando a segurança e
as instituições do Estado mexicano. Neste evento, pode se
compreender o quanto, de fato, não somente a segurança do
Estado mexicano, mas também de seus cidadãos e de sua
soberania estão claramente sendo desafiadas.
Desenvolvimento
A situação pode ficar ainda mais evidente através de uma
analogia. Manaut (2014), de forma simples e objetiva, contribui
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para explicar a dimensão do problema. Para ele, o Estado e a
sociedade civil mexicanos estariam passando por três guerras
simultâneas, travadas de forma não coordenada, mas com
resultados desastrosos para a maior parte dos envolvidos.
De fato, a chamada Guerra às Drogas, discurso tradicional
de prevenção e combate ao consumo, tráfico e toda atividade
relacionada ao uso de substâncias psicoativas, que vem pautando
toda a estratégia mexicana em relação ao tema desde o início
do século XX, não trouxe os efeitos positivos nem se mostrou
muito eficiente em seus resultados. Na verdade, os fracassos
são mais evidentes do que as metas alcançadas, levando ao
recrudescimento dos conflitos, ao fortalecimento dos cartéis e à
falência do Estado mexicano.
O tratamento do tema pelo viés tradicional da militarização
e do proibicionismo, visto como um problema de segurança
nacional, é o motivo fundamental deste fracasso. Os objetivos
anunciados – de erradicar a produção de coca, combater
os grupos armados, limitar a oferta e reprimir a demanda –
produziram efeitos perversos, como procuraremos demonstrar
mais adiante. É notável que a abordagem utilizada, em vez de
reduzi-lo, aumentou o poderio dos grupos envolvidos, tanto
geográfica quanto economicamente, contribuindo para ampliar
sua capacidade de desestabilizar a ordem e de promover a
morte.
Neste sentido, políticas como o Plano Colômbia e a
Iniciativa Mérida, que carregam, dentro de si, uma concepção
essencialmente repressiva de combate a esses grupos, não só
representam a materialização de um pensamento débil, mas
revelam também alguns dos efeitos nefastos que estão sendo
explorados aqui. A noção puramente estatal e militarista de
combate à droga, que envolve uma quantidade vultosa de
recursos humanos, capitais e armamentos, acaba por fortalecer
esses grupos que, por sua própria natureza, não possuem uma
estrutura centralizada de operações, e, certamente, não são
afetados de forma definitiva em suas atividades por essas ações
repressivas.
O conceito de guerra aqui evocado está conectado diretamente com os campos da Filosofia e da Teoria Social, sobretudo
com os de tradição francesa, com Michel Foucault à frente. Ao
inverter o aforismo clausewitziano de que “a guerra não é mais do
que a continuação da política por outros meios” (CLAUSEWITZ,
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1996), Foucault analisa o tema da guerra a partir da perspectiva
do poder, concebendo-o essencialmente como uma relação de
forças, que tem por função básica sustentar a dominação social a
que as tecnologias de controle servem.
Ao afirmar, invertendo Clausewitz, que a “política é a
continuação da guerra por outros meios”, Foucault (2009) nos
ajuda a entender que a Guerra às Drogas é somente uma forma
de disfarçar uma série de mecanismos de controle social, de
formação de moralidade e de segregação social (ROUDINESCO,
2008). Assim, os êxitos e fracassos não estão necessariamente
relacionados a prisões, a confisco de bens e apreensão de
toneladas de drogas, entre outros. A Guerra às Drogas e seus
desdobramentos, as aqui chamadas “Três Guerras”, são somente
efeitos de um processo de normalização social, dentro de
parâmetros estabelecidos a partir de postulados morais.
Sobre isto, diz Foucault:
Numa sociedade como a nossa, múltiplas relações de poder
perpassam, caracterizam, constituem o corpo social; elas não podem
dissociar-se, nem se estabelecer, nem funcionar sem uma produção,
uma acumulação, uma circulação, um funcionamento do discurso
verdadeiro. Não há exercício do poder sem uma certa economia dos
discursos de verdade que funcionam nesse poder, a partir e através
dele (FOUCAULT, 2009, p. 28).
O que se propõe neste artigo é demonstrar que a violência
ora discutida tem como uma de suas causas (talvez a mais
importante) a ação atabalhoada do Estado, que, ao tentar retomar
parcelas do seu poder, acaba ampliando, através da promoção de
interesses laterais e da proposição de objetivos pouco claros, o
caráter violento desse fenômeno.
As “Três Guerras”
a) Estado x cartéis
As “Três Guerras” são o corolário de uma complexa relação
entre a sociedade civil, o Estado e os cartéis de narcotraficantes.
Estes três agentes, cada um com sua especificidade, raio de
ação e objetivos, são parte do complexo sistema social mexicano,
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como explicado na analogia feita inicialmente com o chamado
“Massacre de Ayotzinapa”2.
A primeira destas guerras é a mais longeva. Envolve os dois
lados que disputam a construção da verdade que tenta se impor,
no México, há pelo menos cem anos (STEFANONI, 2012). Ela é
travada pelo Estado mexicano, enquanto ente permanente, e
os cartéis, que, muitas vezes, fazem o papel de poder paralelo,
interferindo mais no cotidiano de muitas cidades do que as
próprias estruturas legítimas de poder e administração.
Em solo mexicano, o uso e o comércio de drogas psicoativas
só passaram a ser tratados como contravenção na década de 1920,
ainda que, antes da Revolução de 1910, já houvesse a preocupação
com os efeitos advindos de sua utilização. Não havia, contudo, um
enquadramento claro sobre o que era considerado crime, já que o
consumo dessas substâncias era tido como “perigoso”, mas não
como ilegal. O ópio, por exemplo, era largamente utilizado como
calmante. Além dele, outras drogas, como a heroína, a cocaína e
a cannabis, também eram consumidas pelos mexicanos.
O processo revolucionário teria forte impacto no tratamento
do tema. O que fica evidente quando se observa a fala de um
dos deputados que integrava a comissão que deu origem à nova
legislação sobre o consumo de drogas durante o Congresso
Constituinte de 1916:
Como la degeneración de la raza mexicana es un hecho demostrado
también por los datos estadísticos, extraídos principalmente de
los datos de la ciudad de México, y como en iguales condiciones, y
con poca diferencia, se presenta también en todas las principales
poblaciones de la república, es indispensable que las disposiciones
dictadas para corregir esta enfermedad de La raza provenida
principalmente por sustancias medicinales como el opio, la
morfina, el éter, la cocaína, la marihuana, etcétera, sean dictadas
con tal energía, que contrarresten de una manera efectiva, eficaz,
el abuso del comercio de estas sustancias tan nocivas a la salud,
que en la actualidad han ocasionado desastres de tal naturaleza,
que han multiplicado la mortalidad al grado que ésta sea también
de las mayores del mundo (CONGRESO CONSTITUYENTE, 1960,
p. 646-647).
2
Neste texto, serão considerados somente estes três grupos, ainda que existam outros componentes sociais
importantes para se compreender a complexidade desse fenômeno na sociedade mexicana.
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O que se nota é que objetivo das primeiras regulamentações
a esse respeito foi o de moralizar a sociedade para civilizá-la. Ou
seja, suas motivações principais eram a construção da nação e
a preocupação com a educação de um povo “incivilizado”, com
hábitos antissociais e inadequados (TENORIO TAGLE, 1991). A
exacerbação dessa visão, através da implantação de mecanismos
de controle e de tecnologias de repressão social e de docilização
dos indivíduos, culmina na proibição dos chamados “vícios
degenerativos”.
É sabido que a vertente proibicionista foi fortemente
estimulada pelos EUA. A pressão norte-americana na Liga
das Nações, e depois na Organização das Nações Unidas, pela
regulamentação do tráfico e pela moralização do consumo,
produziu efeitos intensos no México (DA SILVA, 2013).
Este controle, relaxado nos anos da II Guerra Mundial,
quando o aumento da oferta de drogas foi permitido, e até
estimulado (DA SILVA, 2013), para atender à demanda dos
soldados americanos em combate, gerou uma situação bastante
complexa e até contraditória. Se, de um lado, foi criando as
condições para o acirramento do proibicionismo, de outro deu
sustentação e abriu espaço para o crescimento vertiginoso dos
cartéis a partir das décadas de 1950 e 1960. A contracultura e o
clima de contestação social e moral deste momento estimularam
de forma acentuada a demanda, propiciando assim o crescimento
exponencial da oferta. Sobre isso,
há registros, na década de 1940, de críticas abertas dos EUA ao
México, no plenário da recém-criada Comissão de Entorpecentes
da ONU, pelos resultados, considerados débeis, dos controles de
cultivos. Pressões subseqüentes de Washington levaram o México a
adotar uma política antidrogas e a envolver o Exército em programas
de erradicação manual de cultivos – a chamada Grande Campanha
(DA SILVA, 2013, p. 162).
Assim, de forma paulatina, o tradicional discurso
proibicionista foi dando lugar a um enfoque muito mais duro,
militarizado, baseado na perspectiva de um Estado repressivo e
na transformação do tema em questão de segurança nacional.
É importante ressaltar que o conceito de segurança que se
estabeleceu nessa transição, endossado e reforçado pela
convocação de guerra feita por Richard Nixon na década de 1970,
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não se modificou até hoje, ainda que a natureza dos cartéis tenha
se transformado radicalmente.
Sem dúvida, trata-se de um confronto desigual. Grandes
cartéis, como o de Sinaloa, têm tecnologia suficiente para
desafiar o Estado, seja o mexicano ou o estadunidense,
e o fazem, constantemente, porque mantêm as rotas de
produção e abastecimento ao mercado norte-americano em
pleno funcionamento. (OSORNO, 2011). Mas, mesmo cartéis
menores, fragmentados por conflitos internos ou pela ação do
Estado, subsistem, enriquecem, promovem a violência, não se
vendo muita eficácia nas tentativas de limitar suas atividades
(BARTOLOMÉ, 2009).
O fato é que o discurso militarista obteve relativo sucesso
nas décadas de 1970 e 1980. A produção de cannabis¸ heroína
e cocaína no México foi reduzida drasticamente (STEFANONI,
2012) e o controle do tráfico obteve relativo êxito. Entretanto,
como consequência disso, os mexicanos foram substituídos por
outros produtores da América do Sul, como os bolivianos, os
peruanos e, principalmente, os colombianos. O fim da década de
1980 e o início da década de 1990 foram marcados profundamente
pelo crescimento e fortalecimento destas atividades em escala
global, inclusive com o apoio de outras máfias internacionais.
Grandes capos dos cartéis colombianos, como Pablo Escobar, os
irmãos Ochoa Marquez e Gilberto Rodriguez Orejuela, ganharam
projeção por seus feitos espetaculares e passaram a ser tratados
pela imprensa internacional como os “barões da droga”. Estas
figuras, emblemáticas nos primeiros estudos sobre o fracasso
real do discurso de Guerra às Drogas, relativizaram o êxito desta
primeira guerra.
Não obstante, na década de 1990, com a implementação
do chamado Plano Colômbia, estes cartéis sofreram um forte
revés, dando origem a cartéis menores, mas mais ativos e menos
rastreáveis. A consequência deste processo foi o retorno da
produção em larga escala no México. Os cartéis mexicanos, que
não haviam sido inteiramente destruídos, com o desmantelamento
dos grandes cartéis colombianos, puderam rapidamente ampliar
sua participação no negócio, dominando o controle do tráfico de
drogas para os EUA. Exatamente por isso, desde o final dos anos
1990 até os dias de hoje, especialmente durante os governos
Vicente Fox e Felipe Calderón, o México observou um aumento
vertiginoso dos conflitos entre o Estado e os cartéis, o que levou
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a uma exacerbação absurda do nível de violência. Com essa
radicalização do confronto, a sociedade civil mexicana se viu
cada vez mais encurralada, a despeito das inúmeras iniciativas
estatais para se tentar reverter esse quadro.
A Iniciativa Mérida, de modo semelhante ao que se pretendia
com o Plano Colômbia, também se estruturou com objetivos
muito claros, reforçando o discurso proibicionista e repressivo
tradicional (RODRIGUES, 2012). O fortalecimento do controle na
fronteira, inclusive com apoio aéreo e marítimo, com o intuito de
limitar o fluxo, tem provocado mudanças logísticas nas ações
dos cartéis, que passam a usar outros métodos para agir. A
Iniciativa Mérida, como diz Manaut (2014), teve como efeito o
reaparelhamento do Estado mexicano em relação ao tema, com
investimento na melhoria dos sistemas de polícia, na justiça penal
e nas instituições estatais, sempre com o objetivo de combater e
eliminar os cartéis.
Entre os seus êxitos, Manaut (2014) destaca, por exemplo, a
redução do consumo de cocaína nos Estados Unidos. Este é um
aspecto visto por muitos analistas como de grande importância,
já que, pela primeira vez, teria se reduzido de modo significativo
esse mercado. O problema é que essa supressão acabaria gerando
efeitos perversos, pois a redução do consumo de cocaína estaria
relacionada com o aumento expressivo do uso de metanfetamina
nos Estados Unidos (FREEMAN, 2008).
Outro êxito relacionado a esta primeira guerra seria a
diminuição do poderio dos grandes cartéis, tanto no caso
colombiano, na década de 1990, quanto no momento atual,
quando os grandes chefes dos cartéis mexicanos vêm sendo
sistematicamente presos. Esta é uma bandeira que perpassou
os governos de Vicente Fox e Felipe Calderón, e prosseguiu na
atual gestão mexicana, sob o comando do presidente Peña Nieto.
As prisões são muitas vezes apresentadas como grandes vitórias
políticas, e acabam por reforçar o discurso militarista tradicional.
Entretanto, em termos objetivos, tais prisões não representam
uma efetiva diminuição das atividades econômicas e logísticas
dos grandes cartéis. Na verdade, muitas vezes, acabam tendo
como consequência a ampliação dos conflitos internos, com a
reconfiguração econômica e espacial das rotas, que passam, na
maioria das vezes, para as mãos de outros cartéis.
Há que se destacar o fato de que está ocorrendo uma
mudança gradual nas proposições e no modo de conceber o
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problema por parte da U.S. National Drug Control Strategy, ainda
que esta seja uma mudança muito tímida. Em seu último informe
anual:
La Estrategia también detalla pasos para apoyar una política que
es “inteligente contra el crimen”, una política contra drogas que
protege a nuestras comunidades nacionales e internacionales
contra el crimen relacionado con las drogas, mientras que dirige
a los delincuentes con infracciones asociados al uso drogas no
violentos al tratamiento en lugar de la cárcel. Como parte de este
enfoque, la estrategia destaca reformas a la ley penal que tienen
potencial, incluyendo a los tribunales de drogas y programas de
libertad condicional que reducen las tasas de encarcelamiento, junto
a programas policiales al nivel comunitario que ayudan a poner fin
el ciclo de consumo de drogas, la delincuencia y el encarcelamiento
mientras concentran sus recursos limitados en el control de delitos
más graves. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2013)
Sobre isso, complementa Reuter (2008, p.17):
El futuro de la política de drogas estadounidense será probablemente
muy similar a lo que ha sido en el pasado reciente. A pesar, incluso,
de que la amplitud de la dependencia a las drogas y los males
asociados podrán continuar disminuyendo, existen pocas presiones
efectivas para logar que se avance en la disminución de las medidas
de represión adoptadas durante las últimas dos décadas. Es posible
que el tratamiento de drogas pueda recibir un mayor apoyo que en el
pasado, pero eso, por sí sólo, sólo significará un cambio moderado.
Es extremadamente difícil que ocurran cambios a nivel legislativo.
b) Cartéis x cartéis
Neste nível, o combate tradicional é peça-chave já que,
indiretamente, constrói o cenário para que esta guerra se
desenvolva. A oferta para o maior mercado consumidor do
planeta é extremamente disputada, mas, muitas vezes, o próprio
Estado acaba desestabilizando a já frágil relação de equilíbrio
entre os cartéis, amplificando ainda mais a violência. Como é
notório, os diversos cartéis disputam, permanentemente, entre
si o controle dos pontos estratégicos do comércio. Com isso,
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cidades, povoados e aldeias indígenas vêm sendo arrasadas
com a imposição de padrões de comportamento muito violentos,
que submetem a população, confiscando bens, impondo silêncio,
toque de recolher, entre outras formas de coerção. Muitas destas
cidades, como Nuevo Laredo e Juarez, são fronteiriças com os
EUA, o que faz com que os conflitos se agudizem ainda mais em
virtude da política de proteção das fronteiras norte-americanas.
O que se observa como consequência da “guerra às drogas”,
portanto, não é a diminuição, mas sim a multiplicação dos cartéis
por todo o México. Quer dizer, cartéis como La Familia Michoacana,
Knights Templars, e outros, surgiram do desmantelamento de
grupos menores, revelando uma característica do narcotráfico:
se mostrar extremamente criativo quando se trata de burlar a
repressão. Outro problema é o controle praticamente total que os
cartéis mexicanos possuem sobre grupos criminosos de países
como Honduras, El Salvador, Cuba, entre outros, o que lhes
permite estender suas operações e, evidentemente, seu poderio
para muito além das fronteiras do país.
Ou seja, a questão é complexa e multifacetada e há que se
evitar alguns equívocos frequentes nas tentativas de resolvêla. O maior deles diz respeito às visões unicausais acerca do
narcotráfico, já que elas, além de se revelarem dispendiosas,
mostram-se ineficientes para o enfrentamento definitivo do
problema. Por exemplo, pensar a situação essencialmente como
consequência do aumento da oferta é ignorar que a demanda
determina o preço e a quantidade a ser produzida. É muito
comum ver, não somente no México, mas em outros lugares,
a queima proposital de campos de papoula, com o objetivo de
reduzir a oferta e ajustar o preço. Nesse sentido, olhar para o
problema somente pela dimensão nacional acaba por obscurecer
a compreensão dos múltiplos fluxos transnacionais de bens,
drogas, armas, capitais e pessoas, envolvidos nesse mercado,
dificultando assim drasticamente o seu controle.
Constata-se, pois, que os grupos internacionais de narcotráfico mexicanos, por sua estrutura de organização, por sua forma
de atuação e pelos expressivos resultados que obtêm, desafiam
e contestam a condição mesma do Estado Nacional mexicano,
enquanto detentor do monopólio da violência legítima. De fato,
há, realmente, uma estratégia clara, explicitada por estes grupos
e consubstanciada em suas ações, que revela sua propensão
de ocupar setores do Estado para que sejam garantidas suas
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operações. O que se traduz num conjunto de ações que passa
pela corrupção policial, pela eleição de membros desses grupos
para cargos públicos, pela ocupação de prefeituras, pelo sequestro de governantes, pelo assassinato de agentes públicos, entre
outras coisas.
c) Cartéis x população civil organizada
A terceira das “Três Guerras” é travada numa dimensão
relativamente nova, comum a outros países, como o Brasil, e
é resultado dos conflitos desencadeados pelas outras duas.
Em realidade, cria-se uma cadeia que se une aos conflitos
deflagrados entre o Estado e os cartéis e entre os próprios cartéis.
A população civil, encurralada entre dois lados de uma guerra
que lhe desfavorece, se organiza, se arma, se protege.
Este último plano em que a guerra se expande é marcado pela
formação das chamadas autodefensas, criadas pela população
civil das cidades como reação aos altos níveis de homicídios
praticados pelos cartéis. Sinteticamente, em lugares onde o
Estado de direito não se faz presente, os cartéis foram ocupando
o seu lugar, passando a exercer de fato um poder tirânico. Como
consequência, a população, antes ou depois de uma ocupação,
se organizava ao redor de uma liderança armada, que podia ser
comunal ou individual, para se defender.
Estas formações civis são bem comuns no México, e há uma
relação bastante próxima destes grupos com a questão da terra
no país. Escalante (2009) aponta que a formação destes grupos,
paradoxalmente, foi favorecida pelo processo de reforma agrária
promovido pelo governo mexicano, já nos anos de 1930. Desde
aquele momento houve uma indução para que se ocupasse
o território, de forma a não se deixar espaços vazios a serem
preenchidos. A terra era repartida por intermédio do partido
oficial (o PRI), bloqueando-se assim o desenvolvimento econômico
e social dos novos núcleos rurais, que já se constituíam com
graves problemas estruturais, como a corrupção, o autoritarismo
e o favorecimento ilícito. A política, neste âmbito, era feita pelas
instituições comunais criadas pelo partido e se exercitava através
das assembleias rurais.
Escalante (2009) descreve esta cultura local como uma
debilidad calculada por parte do Estado, que criou uma ampla
rede de intermediários, procurando dividir para governar estes
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locais. A intermediação do Estado permitia, algumas vezes, a
subversão das leis para grupos próximos ao partido dominante,
mas mesmo isto não tirou o êxito da experiência, que durante
muito tempo enfrentou baixos índices de violência, algo que só
veio a mudar na virada do século XX.
O aumento dos níveis de violência a condições alarmantes,
acelerado pelo endurecimento das duas outras guerras,
promoveu uma profunda mudança nas relações locais, atingindo,
inclusive, a questão indígena, sempre muito delicada e presente
no cotidiano, sobretudo nas pequenas cidades, muitas ainda
culturalmente ligadas ao passado grandioso das civilizações
pré-espanholas, como os mexicas, os aztecas, os zapotecas, os
otomecas, entre outros. A opressão colonizadora, que no México
foi particularmente violenta, permanece atual e visível, seja
pelas gritantes desigualdades, seja pelo alto nível de miséria
em que ainda vive parcela expressiva da população do país. A
luta social no México contém, portanto, uma dimensão étnica
que torna ainda mais complexo e singular o processo que se
está analisando. Isto para não falar na questão zapatista, no
sul do país, que, além de expressar esse quadro de pobreza, de
disputa por território e de afirmação cultural e étnica, traz à tona
também a influência do pensamento de esquerda na afirmação da
necessidade de se autodefender.
Seja como for, é indubitável que a autodefesa tornou-se
um “ator” a mais a ser considerado na escalada de conflito que
acomete a sociedade mexicana.
Una oleada ascendente de grupos de autodefensa y policías
indígenas surgió en México desde hace seis meses. Comunidades de
22 municipios nahuas, purépechas, chatinos, zapotecas, mazahuas
y otomíes tomaron las armas para realizar funciones de seguridad
y em algunos casos de impartición de la justicia. Hay casos, como
el de Nopala, Oaxaca, donde su líder tiene un pasado como porro
en la Universidad Autónoma Benito Juárez (UABJ), cercano al ex
gobernador Ulises Ruiz Ortiz. Desde septiembre de 2012 etnias
empobrecidas de Michoacán, Guerrero, Jalisco, Estado de México,
Quintana Roo, Sonora, Oaxaca, Morelos y Veracruz recurrieron a sus
escopetas de caza, rifles viejos, machetes, palos, y en ocasiones
armas de grueso calibre para hacer valer sus derechos. Esta es la
expresión extrema por la defensa de sus territorios y comunidades,
contra el crimen organizado, caciques locales y megaproyectos
(CASTELLANOS, 2013).
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Contudo, estas autodefesas, apoiadas e financiadas pela
própria população – movida por um sentimento legítimo de
preservação própria, segurança e retomada de territórios
perdidos –, acabaram por se transformar em pequenos cartéis3. Ao
lograr expulsar os cartéis maiores, muitas vezes, as autodefesas
os substituem, realizando várias das funções exercidas por
eles naquela localidade. O que tem gerado situações bastante
contraditórias, pois historicamente a regulamentação da atuação
destes grupos comunitários foi fundamental para lhes garantir a
legitimidade necessária para o tratamento da questão indígena
e da questão da terra, só que sua própria ação os aproximou
das atividades que eles se propunham combater, colocando-os
diante de um negócio que produz, incessantemente, fluxos muito
lucrativos (DÍAZ, 2014), com o qual acabam se envolvendo, ainda
que esta não fosse sua intenção original.
Conclusão
A analogia com o massacre de Ayotzinapa, ainda em
convulsão, é fundamental para se entender o processo político
e a mudança social em que está imerso o México hoje. A
multiplicidade e complexidade dos atores sociais e das demandas
envolvidas, a presença do narcotráfico e a existência de uma
democracia ainda frágil lembram muito outros casos, como o
brasileiro. Várias lições podem ser tiradas desta experiência, que
expõe as vulnerabilidades do Estado mexicano, tido como ineficaz
no controle dos cartéis e das autodefesas, sistematicamente,
contrariado em sua soberania e legitimidade.
A ainda incipiente participação democrática, na qual a
sociedade civil mexicana não atua ativamente da formulação da
política de segurança em relação ao narcotráfico, parece estar
sofrendo um processo de transformação. A comoção provocada
pelos assassinatos levou a população às ruas, mobilizando o
apoio da mídia internacional e de movimentos sociais de toda a
América Latina.
Ao lançar a responsabilidade sobre o Estado, a sociedade
civil organizada intenta retomar o controle da situação,
procurando participar decisivamente da escolha das estratégias
a serem seguidas. A presença de um poder de facto, que compete
com (e, em algumas ocasiões, se apossa dele) o próprio Estado –
3
Disponível em: http://www.insightcrime.org/investigations/mexico-michoacan-vigilantes
Perspectivas, São Paulo, v. 45, p. 139-153, jan./jun. 2015
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bastante sentida no México, mas também no Brasil, e em outros
lugares onde a desigualdade é brutal –, por chegar a um nível
absurdo, incomoda e estimula a movimentação social, forçando
a sociedade civil mexicana a ter um posicionamento diferente e
antagônico ao autoritarismo, ao militarismo e ao proibicionismo
tradicionais. Sem dúvida, este é um processo extremamente
doloroso e ainda incipiente, mas fundamental para o avanço da
democracia no país.
BRAGANÇA, D. A. “The Three Wars”: achievements and failures
of the war on drugs and the mexican case. Perspectivas, São
Paulo, v.45, p.139-153, jan/jun. 2015.
Abstract: The War on Drugs, a term coined in the 1970s to describe
the US effort to fight the use and sale of narcotics, complete forty
years. During this time, the configuration that was in that context has
changed. To understand the failures and the achievements of this effort
it was chose the analysis of the Mexican case, intrinsically linked to the
War on drugs, and because of that, is crucial in this discussion. This
article aims to discuss what were the successes and the mistakes in the
so-called War on Drugs, using the case of Mexico, through which 95% of
drug flows coming to the United States.
Keywords: Narcotrafficking. War on drugs. State sovereignty.
Democracy
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