O pré-sal e os interesses em jogo: realidade e desafios
Cloviomar Cararine Pereira*
Eduardo Costa Pinto**
Rodrigo Pimentel Ferreira Leão***
William Nozaki****
Esse texto é formado por um conjunto de cinco artigos – publicados na Carta Capital –
que compuseram a série: O pré-sal e os interesses em jogo: realidade e desafios
(produzida pelo Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos
Petroleiros/FUP) que teve como objetivo analisar os interesses em jogo na descoberta do
pré-sal e dos seus leilões (2ª e 3ª Rodadas) de partilha de exploração e produção.
As principais questões que nortearam a série foram:
Quais as principais características do pré-sal e sua realidade e desafios
exploratórios?
Quais os principais atores nacionais e estrangeiros e seus interesses no jogo do
controle do acesso e da apropriação da renda petrolífera do pré-sal?
Como as mudanças regulatórias afetarão as rodadas licitatórias, a estrutura
produtiva local e, sobretudo, a apropriação das rendas do petróleo?
Quais são as principais características da 2ª e 3º rodadas de partilha do pré-sal e
seus principais resultados?
A trajetória do Pré-Sal: a aposta vira realidade
(Publicado em 17/10/2017 na revista Carta Capital)
Eduardo Costa Pinto*
Este artigo, o primeiro de uma série de textos sobre a maior descoberta do setor nos
últimos 50 anos, reconstitui o esforço inigualável da Petrobras para a maior descoberta
de petróleo das últimas décadas.
Dez anos após a descoberta de grandes reservas de petróleo no pré-sal, o Brasil inicia uma
nova fase de aceleração do ritmo de exploração e produção de petróleo e gás nessa área.
Em 27 de outubro, a Agência Nacional do Petróleo realizará a 2ª e a 3º rodadas de partilha
de produção, quando serão licitados oito blocos localizadas nas bacias de Campos e
Santos.
Os leilões compõem a atual estratégia do governo federal de vender mais rapidamente os
ativos do pré-sal. Antes mesmo dessa nova fase de aceleração, a exploração e produção
de petróleo e gás no pré-sal se tornou uma realidade. Do total de petróleo produzido no
Brasil entre janeiro e agosto, 48% vieram de 84 poços em campos do pré-sal.
A produção na região saltou de 45 mil bbl/dia em 2010 para 1,2 milhão bbl/dia, ao passo
que nas áreas do pós-sal (terra e mar) a produção caiu de 2,015 milhão em 2010 para
1,369 milhão bbl/dia. É uma pequena amostra do que está por vir. Outro destaque positivo
do pré-sal são os seus custos decrescentes de extração abaixo de 7 dólares o barril.
As descobertas dos recursos do pré-sal, grande jazida de petróleo localizada abaixo do
leito do mar, sob três a quatro quilômetros de rochas abaixo do fundo marinho e se estende
do litoral do Espírito Santo até o litoral de Santa Catarina, com aproximadamente 200 mil
quilômetros quadrados (como se vê nas figuras a seguir) colocaram o Brasil como um
ator potencialmente relevante tanto na posição de produtor quanto na de exportador de
petróleo.
Trata-se da maior descoberta mundial dos últimos 50 anos da indústria de petróleo e gás
natural. A partir dos anúncios divulgados, estima-se que há cerca de 100 bilhões de barris
recuperáveis nos campos do pré-sal, o que colocaria o Brasil entre os maiores detentores
de reservas, tais como Venezuela e Arábia Saudita.
A grande quantidade de petróleo recuperável descoberto no pré-sal somente foi possível
em virtude (i) de um longo processo evolutivo de desenvolvimento da capacidade
tecnológica e geológica da Petrobrás em atividade exploratória em águas profundas; e (ii)
de uma aposta política/estratégica que não se subordinou a uma lógica estritamente
microeconômica, pois havia enormes obstáculos tecnológicos e financeiros até a
Petrobrás encontrar petróleo no segundo poço perfurado no campo de Tupi (bloco
exploratório BM-S-11).
No que tange à questão tecnológica e geológica, o desafio era perfurar poços com
profundidade entre 5 mil e 7 mil metros. Até então, a Petrobrás tinha alcançado a
profundidade máxima de 1.886 metros (recorde mundial), e procurar petróleo em rochas
desconhecidas geologicamente com mais de 120 milhões de anos.
Como lembra João Victor Campos, em meados dos anos 1990, a equipe técnica da
Petrobras vislumbrava o alto potencial exploratório na Bacia de Santos. “Conhecedora do
potencial dessa área, a Petrobras, em parceria com outras empresas, arrematou todos os
blocos oferecidos na licitação de 2000. (...) No bloco BM-S-10 (onde foi realizado a
primeira perfuração do pré-sal) se situava a locação que a empresa havia proposto quando
requereu o antigo bloco BS-300 ainda em 1997. (...) A Petrobrás levou cinco anos
estudando a tecnologia necessária para essa descoberta ocorrida em 2006”. Ou seja, esse
relato comprova um esforço de, ao menos, uma década para resultar na primeiro esforço
exploratório na região do pré-sal.
O desafio também era enorme em termos financeiros, em decorrência dos enormes custos
de exploração. A Petrobras e seus parceiros no projeto chegaram a desembolsar mais de
100 milhões de dólares no primeiro poço na área de Parati que ainda não havia alcançado
o pré-sal.
O alto custo sem êxito exploratório levou a Chevron a desistir do projeto e vender sua
participação para a Petrobras e para a Partex (empresa portuguesa). Mesmo não
encontrado petróleo nesse poço, que alcançou a profundidade de 7,6 mil metros, custou
240 milhões de dólares e encontrou um enorme reservatório de gás, a Petrobras apostou
na continuidade do projeto e perfurou um segundo poço na área de Tupi, onde a operadora
encontrou enormes reservas (entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris). Depois disso, novos
poços foram perfurados com êxito, novas reservas foram comprovadas e o pré-sal, de uma
aposta, tornou-se realidade.
O diretor de Exploração e Produção da Petrobras à época, Guilherme Estrela, afirmou que
a Petrobras não poderia ser guiada apenas pela dinâmica microeconômica/financeira, pois
“[...] uma empresa de petróleo tem que correr riscos, tem que ser agressiva na exploração,
tem que investir muito e desenvolver tecnologia e conhecimento geológico [...]”. Sem
isso, as empresas desses segmentos não conseguem controlar o acesso aos recursos que
podem se transformar em reservas e, consequentemente, rendas presentes ou futuras.
O enorme potencial (ainda não conhecido plenamente até hoje) da geração de excedente
econômico na exploração e produção do petróleo no pré-sal, suscitou uma enorme
expectativa a respeito da utilização desses recursos. Quais seriam os impactos da
abundância desse recurso natural na estrutura produtiva e nas condições de vida da
população?
Para o caso brasileiro ainda não há resposta definitiva. Cabe observar que há muitas
experiências históricas em que a descoberta de recursos naturais em abundância não
representa uma melhora nas condições de vida da população em geral e ainda provoca a
redução da capacidade industrial nacional.
Esse fenômeno é conhecido como “maldição dos recursos naturais”. Isso ocorre em
virtude do aumento das exportações de recursos naturais, o que amplia as divisas em
moeda estrangeira e implica na valorização da moeda nacional que, consequentemente,
reduzirá a competitividade da indústria de transformação nacional, diminuindo a
capacidade de geração de emprego e de progresso técnico local.
Isso pode ser mitigado ou revertido por meio da utilização de políticas industriais e de
conteúdo local. O Brasil atualmente segue numa direção oposta aos elementos
mitigadores dos efeitos negativos da ampliação da exploração e produção de petróleo no
pré-sal. O que é muito temerário no médio e longo prazo.
Os principais protagonistas do setor, com forças assimétricas, lutam primordialmente pelo
controle do acesso aos recursos do pré-sal e pela apropriação dessa renda petrolífera que
está longe de ser pequena mesmo com a redução dos preços internacionais de petróleo,
pois, segundo Pedro Parente (presidente da Petrobras), o breakeven (ponto de equilíbrio)
do pré-sal hoje é de 30 dólares por barril. Ou seja, a produção nessa região é viável
economicamente com o preço do petróleo acima desse valor. O que chama atenção é que
esse mesmo presidente afirmou, em setembro de 2016, que “houve endeusamento do présal”.
Essa afirmativa é no mínimo estranha. Como uma das maiores descobertas mundiais de
petróleo deveria ser deixada num segundo plano? O pré-sal suscita interesses das mais
diversas empresas petroleiras, inclusive de governos nacionais. O exemplo é que várias
delas ingressaram no leilão de Libra (primeira rodada de partilha de produção realizada
em 2013) em parceria com a Petrobras e, no recente processo de venda de ativos
promovido pela gestão Parente, outras companhias também adquiriram blocos
localizados nessa região.
Não há dúvida de que a área do pré-sal possui grande atratividade em virtude do baixo
risco exploratório, dos custos de extração competitivo e decrescente, do suficiente
conhecimento geológico e da fase inicial de descobertas. As 2ª e 3ª rodadas de licitação
evidenciarão isso.
Algumas questões ainda precisam ser melhor explicadas, tais como: Quais os principais
atores nacionais e estrangeiros e seus interesses no jogo do controle do acesso e da
apropriação da renda petrolífera do pré-sal?
Como as mudanças regulatórias afetarão as rodadas licitatórias, a estrutura produtiva local
e, sobretudo, a apropriação das rendas do petróleo?
Quais são as principais características da 2ª e 3º rodadas de partilha do pré-sal e seus
principais resultados?
Essas são questões que tentaremos responder nos próximos artigos da série Pré-sal e os
interesses em jogo: realidade e desafios.
* Professor do Instituto de Economia da UFRJ e integrante do Grupo de Estudos
Estratégicos e Propostas (GEEP) da Federação Única do Petroleiros (FUP). Email: eduardo.pinto@ie.ufrj.br
Grupos de pressão e o Pré-Sal: antecedentes da crise
(Publicado em 20/10/2017 na revista Carta Capital)
William Nozaki*
Do roubo de um contêiner da Petrobras às promessas de José Serra à Chevron,
sinais dos interesses estrangeiros nas reservas de petróleo do Brasil
Passada uma década da descoberta do pré-sal e um ano do governo Michel Temer são
muitas as evidências de que a instabilidade política provocada pelo impeachment e as
mudanças nos marcos de produção e exploração do petróleo conformam uma trama
complexa de inter-relações entre distintos grupos de pressão, internacionais e nacionais,
a envolver tanto interesses estratégicos e empresariais de longo prazo quanto
oportunismos políticos e financeiros de curto prazo.
O desvelamento completo das origens e desdobramentos da atual crise será tarefa difícil
para os historiadores do futuro. Entretanto, ainda que sem o devido distanciamento e a
devida frieza que só o tempo histórico trazem, faz-se importante, ainda que no calor da
hora, elencar alguns acontecimentos da última década que talvez estejam subestimados e
que certamente ainda são pouco explicados, masque marcam possivelmente uma estreita
e nebulosa relação entre o calendário da descoberta do pré-sal e o calendário de coesão
das forças políticas que protagonizaram o impeachment de Dilma Rousseff. Vejamos os
indícios e organizemos as peças desse jogo, deixando para o leitor a tarefa de encontrar
os fios da meada que ligam esses pontos.Leia mais:
Talvez o primeiro capítulo para se fazer a reconstrução da atual crise por que passa o País
remonte a um acontecimento pouco lembrado atualmente: em janeiro de 2008, um ano
após o anúncio da descoberta do pré-sal, a Petrobras foi vítima do furto de um de seus
contêineres. Lá estavam quatro notebooks, dois HDs e um conjunto de informações
sigilosas sobre a exploração de petróleo na bacia de Santos. O container deveria sair de
Santos (SP) em direção à Macaé (RJ). Sua origem e seu destino eram justamente cidades
onde se encontram dois dos maiores campos do pré-sal.
Na ocasião, a Polícia Federal definiu uma linha única de investigação: a hipótese de
espionagem industrial, dado que não se furtou todo o conteúdo do container, apenas
aqueles itens nos quais havia informações sigilosas. Foram investigadas as duas empresas
responsáveis pelo transporte, a norte-americana Halliburton e a brasileira Transmagno.
Subitamente a PF mudou a linha de investigação e passou a tratar o caso como furto
comum. Prendeu quatro vigilantes do terminal portuário.
O segundo capítulo dessa história remonta ao ano seguinte. Em outubro de 2009 foi
realizada uma grande conferência no Rio de Janeiro a reunir integrantes da PF, do MP e
do Judiciário com autoridades do governo norte-americano a fim de debater
procedimentos e métodos de combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo.
Esse evento contou com a participação ativa do até então desconhecido juiz Sérgio Moro,
no âmbito de uma articulação denominada Bridge Project (Projeto Pontes). Vale lembrar
também que o evento foi aberto pela embaixadora norte-americana Shari Villarosa,
especialista em gestão de crises políticas que envolvam a ação de movimentos sociais,
tendo atuado na repressão de grupos organizados em Mianmar. Seria um prenúncio ou
uma prevenção contras as manifestações que mais tarde se insurgiriam no País entre 2013
e 2015?
O caso veio à tona com o vazamento feito pela Wikileaks, no qual também se pode
verificar que Moro foi o único juiz de primeira instância citado nominalmente na ata do
encontro. Alguns anos depois, seu método de condução da Operação Lava Jato trataria de
criar, de forma simplista e equivocada, uma associação direta entre os pacotes de
investimentos da Petrobras no pré-sal e os desvios provocados pelos casos de corrupção.
O terceiro capítulo, por seu turno, remete à disputa eleitoral ocorrida em 2010 e teve como
principais candidatos o tucano José Serra e o petista Dilma Rousseff. Uma vez mais, um
vazamento posterior do Wikileaks revelou que naquela ocasião o candidato tucano trocou
um conjunto de telegramas com uma alta executiva da petrolífera norte-americana
Chevron, a mesma empresa que desistiu do projeto de exploração do pré-sal em virtude
dos elevados custos de exploração no primeiro poço, tratando da importância de se fazer
mudanças mais drásticas nos marcos de exploração e produção do pré-sal.
Vale lembrar: no fim daquele ano, em dezembro de 2010, o governo Lula havia
conseguido aprovar o regime de partilha para a exploração do pré-sal, garantindo a
atuação da Petrobras como operadora única e partícipe prioritária dos leilões. Não por
acaso, o projeto que alterou a participação da Petrobras nas camadas do pré-sal foi
originalmente concebido por Serra, que antes mesmo de ganhar as eleições
provavelmente se comprometera com pressões e interesses não necessariamente
nacionais, como deixam claros os telegramas vazados.
Além disso, não parece ser uma hipótese desprovida de sentido desconfiar da nomeação
de Serra para o Ministério das Relações Exteriores do governo Temer, dada a sua derrota
eleitoral. Talvez esse tenha sido o melhor espaço para o atual senador cumprir as
promessas que antes havia realizado para as petrolíferas estrangeiras.
O quarto capítulo desse rascunho histórico-conjuntural se dá entre 2011 e 2012. Nesse
momento a mídia começou a noticiar de forma mais sistemática as “frustrações do
mercado” com o desempenho da Petrobras. O argumento pró-mercado se concentrava na
reclamação de que a estatal não bateria suas metas de produção e lucro. A gestão da
companhia alertava para o fato de que o grande pacote de investimentos, da ordem de 55
bilhões de dólares exigia um tempo de maturação até a produção aumentar de forma
crescente e exponencial, como veio a acontecer pouco tempo depois graças ao sucesso da
produção do pré-sal sal e da redução de seus custos de extração.
Nesse mesmo ano ocorre um redirecionamento estratégico da política energética de vários
países. Os EUA, na sua política de energia, detalhada no documento governamental Blue
Print for a Secure Energy, coloca o Brasil como um ator central. Em três das sete diretrizes
estratégicas elencadas no documento, refere-se ao Brasil como um país cujas tecnologias
nas áreas do pré-sal, biocombustíveis e hidrocarbonetos não convencionais precisam ser
observadas com cuidado. Não por acaso, ainda em 2011 Barack Obama visitou as
instalações da Petrobras, repetindo o gesto que havia sido realizado no ano da descoberta
do pré-sal, em 2007, por George Bush.
Na esteira desses movimentos estratégicos, as empresas de outros países começaram a
realizar aproximações com setores políticos a fim de se apropriar da descoberta do présal. Em 2011, a chinesa CNPC fez uma visita ao governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin, para investir na cadeia de petróleo do Brasil, tendo em vista as perspectivas de
investimento de longo prazo na Bacia de Santos. Não apenas a China e os EUA. Também
há outros players interessados nessa nova fronteira, como França e Noruega, que
colocaram no centro de suas políticas energéticas a entrada no segmento do pré-sal
brasileiro.
Entretanto, ao que parece, uma expressiva fatia do empresariado nacional estava menos
preocupada com os investimentos de longo prazo e mais com seus ganhos de aplicações
financeiras no curto prazo. Não é exagero afirmar que nesse momento boa parte da mídia
nacional atuou como porta-voz das operadoras estrangeiras interessadas em ingressar no
pré-sal brasileiro.
Em 2013, toma forma o quinto capítulo dessa história conturbada: o consultor de
informática da NSA (Agência Nacional de Segurança, sigla em inglês), Edward
Snowden, revelou documentos que mostravam como a presidenta Dilma Rousseff,
ministros e altos dirigentes do governo, assim como a rede privada de computadores da
Petrobras eram alvo de alta espionagem, uma vez mais ficava claro o interesse norteamericano sobre a tecnologia a envolver a exploração em águas profundas.
Nesse mesmo ano, após os vazamentos, o governo norte-americano decidiu pela troca de
sua embaixadora no Brasil, nomeando Liliana Ayalde, conhecida por ter atuado no
Paraguai participando ativamente das movimentações que derrubaram o presidente
Fernando Lugo, intensificando a reversão liberal-conservadora na América Latina.
Além dessa troca, em outubro de 2013 foi realizado o primeiro leilão do pré-sal sob o
regime de partilha. Como forma de pressão contra o protagonismo da Petrobras, as
petrolíferas norte-americanas (ExxonMobil e Chevron) e inglesas (BP e BG) boicotaram
o leilão. Mais ainda: neste período começa a tomar corpo aquela operação que tomaria
conta do noticiário nacional.
Em março de 2014, é deflagrada a primeira fase ofensiva da Lava Jato e se inicia a
criminalização do projeto de desenvolvimento baseado no ativismo estatal e na
centralidade da Petrobras como polo para o avanço industrial e tecnológico do País.
É incontestável o mérito da pauta de combate à corrupção, entretanto os métodos
utilizados pela Operação Lava Jato são integralmente contestáveis, pois se valem de
procedimentos seletivos, perseguições indevidas, além da espetacularização de suas
ações, tudo ancorado na problemática premissa de que o Estado seria o império do vício
enquanto o mercado caberia no reino da virtude.
É curioso notar: o empenho que a Operação Lava Jato desde seu início dedica à busca de
conflitos de interesse e tráficos de influência envolvendo a Petrobras nem de longe se
compara à negligência com que ela trata as empresas estrangeiras.
O resultado tem sido a destruição da economia nacional em favor da autopromoção de
uma casta jurídica de atuação, no mínimo, duvidosa e de um grupo político-partidário
inequivocamente corrupto, direta ou indiretamente ambos concorrem para a aceleração
da entrada de atores estrangeiros na exploração e produção do pré-sal. Ainda em
novembro deste mesmo ano, o senador Serra, enfim, apresentou a redação final de seu
projeto de emenda constitucional para a mudança nos marcos de exploração e produção
do pré-sal, subtraindo o papel da Petrobras.
O próprio governo reeleito de Dilma Rousseff, dardejado pelo clima de polarização que
assume a campanha presidencial e marcado pelas crescentes pressões de grupos
financeiros internacionais e nacionais, empreende de forma equivocada e inacabada um
giro em direção à desaceleração do ativismo estatal, e, à oposição declarada de parcela do
empresariado vai se somar a insatisfação de parte da própria base aliada, intensificando o
clima de crise conflagrada.
Os passos que daí se seguiram, como todos sabemos, nos conduziram não ao fim de um
período de instabilidade, mas ao início de uma crise ainda mais profunda que atravessou
o ano de 2015 e culminou na conformação do governo Temer em 2016, nos trazendo ao
desmonte da Petrobras e à entrega do pré-sal nos leilões em curso no presente ano de
2017, com as rodadas de licitação do pré-sal realizadas no próximo dia 27 de outubro.
É importante destacar: a confluência de interesses difusos do capital internacional, da elite
político-partidária, da casta jurídico-policial, e da mídia oligopólico-espetacularizada
convergiram para o mesmo horizonte, tais atores não assistiram a esse processo apenas
como títeres coadjuvantes dos interesses internacionais, mas se valeram desse momento
para impor, como protagonistas agindo ao arrepio das urnas, os seus interesses
corporativos, nos conduzindo até o problemático estado de coisas em que o País se
encontra.
A descoberta e a exploração do pré-sal são resultado de investimentos da Petrobras que
propiciaram o desbravamento de fronteiras geológicas, de engenharia e tecnológicas.
Neste ano, 48% do petróleo produzido no País é oriundo de bacias na área do pré-sal.
Além disso, os campos do pré-sal tem maior potencial de produtividade e menor custo de
extração, são fundamentais para a autossuficiência energética nacional e para a
construção de uma transição energética sustentável.
Estima-se cerca de 100 bilhões de barris recuperáveis em campos do pré-sal. Esse número
coloca o País entre os dez maiores produtores de petróleo do mundo, o que poderia fazer
do Brasil um grande player no tabuleiro geopolítico e geoeconômico global, além de criar
condições para a construção de uma nova estratégia de desenvolvimento nacional.
Entretanto, a diretriz do atual governo caminha na contramão dessa perspectiva.
Para o biênio 2017-2018, a meta da Petrobras é se desfazer de ativos avaliados em 21
bilhões de dólares. Ao que tudo indica, o pré-sal é o elemento que mais tem despertado o
interesse e o apetite de investidores internacionais, todos eles a buscar os recursos do présal e se apropriar da renda petrolífera.
Segundo a ANP, as empresas interessadas e habilitadas a participar dos leilões do pré-sal
que acontecem na próxima semana sob o novo modelo de concessão, com exceção da
Petrobras, são todas estrangeiras: ExxonMobil (EUA), Petrogal (Portugal), Petronas
(Malásia), Repsol (Espanha), Shell e BP (Reino Unido), Statoil (Noruega), Total
(França), CNODC (China) e QPI (Catar). Mais do que uma desestatização estamos diante
de um processo de desnacionalização de um bem estratégico para o País.
Em momentos históricos decisivos para a estratégia de desenvolvimento nacional, a elite
parece sempre ceder à sua cômoda posição de “sócia subalterna” do capitalismo central
e das grandes petrolíferas estrangeiras, uma posição favorável para sua acumulação
privada, mas muitas vezes danosa para o projeto de desenvolvimento do País, que, a
propósito, de tempos em tempos se vê sabotado diante de grupos de pressão cujos
interesses pessoais, corporativos, paroquiais e muitas vezes provincianos acabam a levar
à instabilidade das nossas instituições políticas e à entrega do nosso patrimônio nacional.
* Professor de ciência política e economia da Fundação Escola de Sociologia e Política
de São Paulo (FESPSP) e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas da
Federação Única dos Petroleiros (GEEP-FUP). O autor agradece a leitura atenta e as
sugestões dos demais integrantes do grupo
Este texto integra a série “O pré-sal e os interesses em jogo: realidade e desafios”.
O Pré-Sal e a regulação: interesses nacionais ou estrangeiros?
(Publicado em 25/10/2017 na revista Carta Capital)
Rodrigo Pimentel Ferreira Leão*
Entenda por que o regime de partilha é mais benéfico do que o modelo de concessões
adotado após o impeachment de Dilma Rousseff
Na sexta-feira 27, a Agência Nacional de Petróleo realiza duas rodadas dos leilões da área
do pré-sal. Estes são os primeiros após a alteração da lei da partilha ocorrida em outubro
de 2016. Antes de explicar essa mudança, cabe contextualizar as razões que
possibilitaram a criação do que se denominou regime de partilha em 2010.
Assim que a Petrobras anunciou a descoberta do pré-sal em 2007, houve uma mudança
no curso das rodadas de licitações praticadas até então. Apesar de a ANP insistir na
realização dos leilões programados, os gestores da estatal defenderam a interrupção dos
mesmos em virtude das características distintas das áreas do pré-sal, com baixo risco
exploratório, em relação ao pós-sal. Tal impasse foi decidido pelo presidente Lula que,
por sugestão de Haroldo Lima, então diretor-geral da ANP, manteve a rodada, mas retirou
do leilão os 41 blocos localizados no pré-sal.
O regime de concessão, único vigente no País naquela data, não se mostrava adequado
para regular a exploração e produção do pré-sal em virtude da passiva atuação estatal. Tal
regime, estabelecido em 1997, garantiu às empresas vencedoras o direito de propriedade
do petróleo e do gás natural extraídos após o pagamento das taxações, como os tributos
incidentes sobre a renda (imposto de renda, contribuições etc.), participações
governamentais e a taxa de ocupação da área. Ou seja, após o pagamento dos tributos
devidos, a empresa privada possuía direito sob todo o óleo produzido.
Em vista do papel essencial da Petrobras para o sucesso exploratório do pré-sal e o volume
de recursos envolvidos (veja o primeiro artigo desta série), num cenário de amplo apoio
popular ao projeto politico em curso, foi possível desenhar um novo aparato regulatório
para exploração exclusiva do pré-sal em 2010.
Esse aparato construído a partir de dois modelos distintos (cessão onerosa e sistema de
produção de partilha) ensejou uma maior participação estatal seja nas atividades
exploratórias, seja na apropriação da renda gerada pelo petróleo e gás natural.
Segundo o jurista Alex Prisco, o sistema de partilha permite um maior controle do Estado
pois “inverte a lógica do fluxo-moeda dos países que o adotam. Isso porque sua
conformação jurídica permite aos estados produtores transferirem às empresas apenas o
direito de conduzir as atividades de exploração e produção dos minerais do subsolo (...)
os hidrocarbonetos produzidos permanecem na propriedade do Estado hospedeiro, que
contrata a companhia petrolífera para efetuar a exploração econômica de hidrocarbonetos
sob seu próprio risco”.
Segundo o Cambridge Research Energy Associates, sob a concessão, o Estado brasileiro
arrecadou entre 50% e 60% da receita do petróleo, enquanto países que adotaram o
sistema de partilha ficavam com até 90%.
Na lei 12.276, que regulamentou o modelo de “cessão onerosa”, a União foi autorizada a
ceder diretamente à Petrobrás, dispensada a licitação, o exercício das atividades de
pesquisa e exploração de petróleo em áreas não concedidas localizadas no pré-sal, até o
limite de 5 bilhões de barris de petróleo.
Após o pagamento dos royalties e participações especiais, a Petrobras adquiriu o direto
sob os hidrocarbonetos extraídos. Desse modo, o modelo de cessão onerosa permitiu uma
maior ação estatal mediante: 1) o aumento da participação da União no capital votante da
Petrobras; 2) a ampliação do volume de reservas de óleo e gás para Petrobras e 3) a
capitalização realizada pela Petrobras.
Na lei 12.351, que estabeleceu o regime de partilha da produção somente para as áreas do
pré-sal e aquelas tidas como estratégicas, além de criar um Fundo Social e uma empresa
pública (Pré-Sal Petróleo S.A. - PPSA) para gerir o excedente de óleo dos contratos de
partilha da produção do petróleo, exigiu que a Petrobras fosse operadora do contrato (com
uma participação de no mínimo 30% sobre as áreas licitadas).
Nesse novo modelo regulatório, definiu-se como critério de decisão do leilão a parcela
do petróleo excedente destinado à União, descontado o percentual da Petrobras (no
mínimo 30%) e as taxações incidentes sobre a produção (royalties e impostos).
O restante do petróleo e do gás natural ficaria com as empresas participantes do consórcio.
Em relação à tributação, em vez das participações especiais e da taxa de ocupação, o
consórcio vencedor da licitação na área do pré-sal teria de ceder à União uma fração
excedente de óleo (petróleo bruto) estipulada em contrato. Portanto, nesse caso, o maior
controle do Estado se observou na obrigatoriedade da participação da Petrobras e no
controle de uma parcela significativa dos recursos extraídos pela PPSA. A tabela abaixo
sistematiza as principais diferenças entre o Regime de Concessão e o de Partilha.
Sob a égide do regime da partilha e da cessão onerosa, a perspectiva era de que uma
parcela maior da riqueza do pré-sal tivesse como destinação o financiamento de gastos
sociais e o apoio ao desenvolvimento da atividades produtivas nacionais, com a Petrobras
assumindo a função de grande articuladora desse processo.
Como anota o segundo artigo desta série, não restou dúvidas de que, após a aprovação
desse novos regimes exploratórios, houve uma grande ofensiva dos grandes produtores
globais de petróleo para inviabilizar a efetivação dessas leis. Desde reuniões e acordos
com políticos de partidos de oposição, passando pela redefinição do planos energéticos
de vários players internacionais, observou-se uma incessante atuação de empresas e
países interessadas no pré-sal para a alteração dos marcos regulatórios visando facilitar
sua entrada na exploração e produção dessas áreas.
Foi nesse contexto que, logo após a ascensão do governo ilegítimo de Michel Temer, o
senador José Serra propôs um projeto de lei que retirou a cláusula de obrigatoriedade de
participação da Petrobras no regime de partilha. Essa mudança, como observado, quebrou
um dos pilares de controle estatal sobre as reservas do pré-sal em favor das empresas
estrangeiras.
Essa foi a primeira de uma série de mudanças que atendeu o setor externo em detrimento
dos interesses nacionais. Duas delas chamaram a atenção: primeira, o abandono da busca
pela autossuficiência energética na política de exploração e produção de petróleo e gás e;
segunda, o estabelecimento de um cronograma acelerado de leilões do petróleo do pré e
do pós-sal.
Essas modificações deslocaram o eixo estratégico que o pré-sal poderia ter para o
planejamento energético do longo prazo e para a indução da cadeia do setor petróleo no
Brasil com a retirada da obrigatoriedade da Petrobrás e o abandono de uma politica
energética. Somou-se o desmonte da politica de conteúdo local. Assim, a maior parte da
renda gerada na exploração e produção de petróleo no pré-sal deve ser vazada para o
exterior, gerando o desenvolvimento industrial em outros países.
Em suma, as recentes mudanças regulatórias favorecem claramente as empresas
petroleiras estrangeiras, que podem ingressar de forma acelerada independentemente da
postura da Petrobras no pré-sal, assim como a cadeia de seus fornecedores globais que
substituirão os fornecedores brasileiros.
Isso gerará emprego, renda e desenvolvimento industrial no exterior em detrimento do
desenvolvimento nacional. Resta agora saber mais objetivamente quais são os recursos
financeiros e produtivos que o Estado brasileiro abre mão nos leilões do dia 27, a partir
dessas mudanças regulatórias motivadas por uma complexa teia de relações expostas no
nosso artigo anterior. Essa tarefa será realizada nos dois últimos textos da série “O présal e os interesses em jogo: realidade e desafios”.
* Mestre em desenvolvimento econômico (IE/UNICAMP). Foi gestor de planejamento
da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros). Atualmente, é pesquisador da
Cátedra Celso Furtado/FESP-SP e um dos integrantes do Grupo de Estudos Estratégicos
e Propostas (GEEP) da FUP
Leilão do pré-sal: a vez das petroleiras americanas
(Publicado em 27/10/2017 na revista Carta Capital)
Cloviomar Cararine*
O Brasil abrirá mão de enormes recursos e de parte importante da renda petrolífera,
que poderiam ser destinados para o desenvolvimento do país
Interessadas, empresas americanas como a Chevron e a ExxonMobil chegaram a sugerir
mudanças no edital de licitação dos campos e no modelo de contrato
As duas rodadas de licitações da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP) para campos do pré-sal brasileiro, sob o regime de Partilha da
Produção, acontecem nesta sexta-feira 27.
Essas rodadas acontecem num contexto bem diferente da 1ª Rodada de Licitação do présal (realizada em outubro de 2013) em que o Estado brasileiro possuía maior capacidade
de coordenação das atividades de petróleo e gás, em virtude do modelo anterior em que a
Petrobras assumia o papel de operadora e detinha uma participação mínima do campo
leiloado, o de Libra.
Com as mudanças regulatórias (ver terceiro texto da nossa série), a segunda e a terceira
rodadas abrem uma janela de oportunidade para maior atuação das empresas estrangeiras,
sem a exigência da Petrobras como operadora única.
Na segunda rodada serão ofertadas quatro áreas localizadas nas bacias de Santos e
Campos, com jazidas unitizáveis, ou seja, adjacentes a campos cujos reservatórios se
estendem para além da área concedida anteriormente; e, na terceira, serão licitadas
também quatro áreas novas, ainda não exploradas, localizadas também nas bacias de
Campos e Santos.
Esses oito campos abrangem uma área de 7.977 km² e estima-se, segundo ANP, um
volume de reservas de petróleo de cerca de 12 bilhões de barris, sem levar em conta os
campos de Alto de Cabo Frio-Oeste e Alto de Cabo Frio-Central que não tiveram suas
estimativas divulgadas.
Chama atenção nas rodadas atuais, a forte redução do percentual mínimo de excedente de
óleo necessário para participar dos leilões (média de 16,18% - Tabela 1) em relação ao
resultado da primeira rodada do leilão de Libra que foi de 41,65%.
Estudo de Paulo Cesar Lima e Pedro Garrido, consultores legislativos do Congresso,
mostra que, atualmente sob o regime de concessão, o campo de Sapinhoá já recebe o
equivalente a 28,67% da produção de petróleo, quase treze pontos percentuais acima do
mínimo exigido, na média dos campos.
Considerando-se apenas o campo entorno de Sapinhoá, o mínimo exigido foi de somente
10,34%, quase dezoito pontos percentuais a menos que o valor obtido pelo Estado com a
participação especial.
Esse movimento de forte diminuição das exigências mínimas de óleo excedente destinado
à União que, na prática, significou que uma maior parte do óleo produzido ficará com as
operadoras vencedoras do leilão, associado à retirada da Petrobras como operadora única,
expressa a redução dos eixos de controle do Estado sobre as reservas do pré-sal – como
visto no terceiro texto da nossa série. Esses elementos são resultados de grandes pressões,
ao longo dos últimos anos, das empresas estrangeiras – como observado no segundo
artigo desta série – para facilitar suas entradas no pré-sal.
Chama atenção o número elevado de interessados na participação dessas duas rodadas de
licitação, já que o setor de petróleo é fortemente oligopolizado. Segundo a ANP tiveram
10 empresas inscritas a participar da segunda rodada e 14 empresas para a terceira
Rodada. As oito áreas ofertadas nas licitações totalizam R$ 7,750 bilhões em bônus de
assinatura.
Mesmo acontecendo na mesma data e local, as duas rodadas são bens diferentes e a
atuação das empresas no leilão deve expressar as estratégias de cada empresa para o setor
petrolífero brasileiro. Os campos leiloados na segunda rodada já possuem, de certa
maneira, empresas interessadas, pois são conhecidos a muito tempo e já possuem
instalações nas proximidades destes (Tabela 2).
Entre os 8 campos ofertados pela ANP nestas duas rodadas de leilões, a Petrobrás mostrou
interesse em apenas 3 campos, Sapinhoá, Peroba e Alto de Cabo Frio-Central, sendo sua
participação em 30% em cada um destes. Nos outros 5 campos a empresa pode até
participar no momento da realização do leilão, em consórcio com outra empresa
operadora. No entanto, a Petrobras não manifestou interesse prévio, o que revela uma
estratégia de participar de forma tímida nos leilões, abrindo a possibilidade para o
ingresso de outras empresas no pré-sal brasileiro (Tabela 2).
Se a Petrobrás não tem apetite, outras grandes petroleiras estão empolgadas em entrar nos
promissores campos do pré-sal brasileiro. Algumas já têm alguma participação, como a
norueguesa Statoil, a angro-holandesa Shell, francesa Total, sino-espanhola Repsol
Sinopec e a chinesa CNOOC, por exemplo. A novidade está na posição das petroleiras
americanas que publicamente mostraram-se muito interessadas, estas seriam a Exxon e
Chevron.
Em relatório recente da Atlantic Council recomendou que o “o país necessita destravar o
seu potencial e aumentar a produção de petróleo e gás. O pré-sal deve ser aberto a
diferentes operadores. (...) Investidores capazes de precificar corretamente oportunidades
de investimento, ativos e empresas no Brasil têm diante de si a maior janela de
oportunidade em décadas”. Não há dúvidas, portanto, que desde a descoberta do pré-sal
pavimentou-se um caminho para atuação das empresas estrangeiras que se intensifica
exatamente no momento que a Petrobras adota um papel coadjuvante no setor nacional.
O interesse é tanto que a Chevron e a ExxonMobil chegaram a sugerir mudanças no edital
de licitação dos campos e no modelo de contrato, feita pela ANP em consultas públicas.
De maneira geral, as empresa sugerem maior prazos para exploração dos campos.
Mesmo com todo o interesse das empresas estrangeiras no pré-sal, em virtude do baixo
risco exploratório, dos baixos custos de extração (abaixo de 7 dólares o barril) em virtude
da produtividade 30% superior ao esperado, do suficiente conhecimento geológico e da
fase inicial de descoberta, o governo brasileiro optou por mudanças regulatórias que
beneficiam ainda mais a petroleiras estrangeiras (de capital privado e estatal) em
detrimento dos interesses nacionais.
Dentre essas medidas, destacam-se (i) a redução dos indícios do Conteúdo Local; (ii) a
ampliação do REPETRO (regime aduaneiro especial que desonera a tributação de
importação – que permite inclusive deduzir IRPJ e CSSL – de equipamentos importados
destinados à pesquisa e à produção de petróleo e gás natural – projeto de lei nº 795); e
(iii) o fim da exigência da Petrobrás como operadora única nos campos do pré-sal. Isso
abre espaço para a expansão das petroleiras internacionais, em especial as americanas.
O grau de abertura e de atração das empresas estrangeiras é tão desmedido que, como se
observa na Tabela 1 , o governo brasileiro está claramente desvalorizando os ativos do
pré-sal nos leilões, a despeito do interesse das empresas e da capacidade de lucro potencial
que o pré-sal possui. Isso fica evidente pelos valores de bônus de assinatura inicial de
R$7,750 bilhões que representa em média apenas R$1,49 por barril de petróleo (Tabela
1) das reservas estipuladas das áreas leiloadas.
Isso é no mínimo contraditório, pois já que o próprio presidente da Shell Brasil afirmou
recentemente que “o pré-sal é onde todo mundo quer estar”.
Cabe fazer um exercício simples aqui. Se estes 12 bilhões de barris fossem explorados
apenas pela Petrobrás (dado seu menor custo de operação e participações do governo em
ações da empresa), o volume arrecadado para a União seria de R$1,2 trilhões. Sem a
participação da Petrobrás, a União poderá arrecadar cerca de R$650 bilhões. Assim,
estima-se perdas para a União de cerca de R$500 bilhões de arrecadação nos 30 anos de
produção destes campos. No que tange ao volume de royalties e recursos gerados ao
Fundo Social (destinados a Saúde e Educação) as perdas são da ordem de R$25 bilhões
sem a participação da Petrobrás.
Dadas as atuais características das segunda e terceira rodadas do leilão do pré-sal, no
contexto de mudanças regulatórias, o Estado brasileiro abrirá mão de enormes massas de
recursos financeiros e produtivos e de sua capacidade de apropriação de parte importante
da renda petrolífera gerada no pré-sal, que poderiam ser destinadas para o
desenvolvimento industrial e social do país.
As políticas governamentais atualmente seguem numa direção oposta aos interesses da
maioria da população brasileira. No último artigo da série: “O pré-sal e os interesses em
jogo: realidade e desafios”, analisaremos os resultados efetivos do leilão e seus possíveis
efeitos.
* Cloviomar Cararine é economista do DIEESE
Sucesso ou fracasso?
Os resultados da segunda e terceira rodadas dos leilões de partilha do
pré-sal
(Publicado em 28/10/2017 na revista Carta Capital)
Cloviomar Cararine Pereira*
Eduardo Costa Pinto**
Rodrigo Pimentel Ferreira Leão***
William Nozaki****
A segunda e terceira rodadas de partilha do pré-sal, realizadas na sexta-feira 27,
começaram com atraso de mais de quatro horas em razão de uma liminar da 3ª Vara
Federal Cível da Justiça do Amazonas que suspendeu o leilão na noite de quinta-feira 26.
A ação, uma iniciativa do Sindipetro-AM, foi fundamentada a partir de dois eixos: lesão
ao patrimônio público por uma possível perda de receita tributária, e lesão contra o
desenvolvimento nacional, dada a potencial perda para a indústria nacional.
A liminar concedida pelo juiz federal apontou “suposto vício de iniciativa no projeto de
lei que encerrou a obrigação da Petrobras de ser a operadora única do pré-sal, passando a
ter participação mínima de 30% por campo”, além de decidir pela suspensão a fim de
afastar “qualquer possibilidade de ocorrência de danos ao patrimônio público”. Na
manhã da sexta-feira, a Advocacia-Geral da União (AGU) conseguiu reverter a
suspensão. Ao comentar o evento, o atual presidente da Petrobras afirmou que a liminar
concedida pela Justiça era um “ato político”. Chama a atenção esse tipo de discurso
quando feito por um dos participantes do certame, que parece atuar como uma espécie de
ministro de Minas e Energia invocando para si a tarefa política de questionar a Justiça e
os rumos dos leilões. Tal posicionamento, uma vez mais, demonstrou como o atual CEO
da Petrobras na realidade tem se posicionado muito mais como um grande articulador no
processo de abertura do setor de petróleo do que como um defensor dos interesses da
estatal brasileira.
Tal impressão é reforçada, em primeiro lugar, pela própria postura da Petrobras nos
leilões realizados, uma vez que a empresa ingressou apenas nas áreas que já havia
manifestado previamente seu interesse de exercer sua participação de operadora com
mínimo de 30% dos blocos. Ou seja, um adiamento dos leilões não alteraria as chances
de participação da Petrobras nas áreas desejadas.
Além disso, em segundo lugar, o indício se reafirma quando se observa o grande interesse
das empresas estrangeiras nos dois leilões do pré-sal, muito superior ao observado na
14arodada dos leilões ocorridos sob o Regime de Concessão. Dos oito blocos licitados
(área 7.977 km²), seis blocos foram arrematados (6.786 km²), cerca de 85% em termos de
área. O valor arrecadado com bônus de assinatura pelo governo foi de 6,15 bilhões de
reais, abaixo do valor esperado de 7,75 bilhões caso todas as áreas fossem arrematadas
(tabela 1). Destacou-se o elevado porcentual médio de 55,72% da parcela do petróleo
excedente destinado à União resultante do leilão, bem acima do valor médio de 16,18%
exigido pela ANP nas licitações. Considerando-se a média ponderada pelo volume
estimado de reservas nas áreas leiloadas, esse porcentual superou a faixa dos 70%.
Participaram dessas rodadas 15 empresas de dez países estrangeiros, e desse total dez
empresas estrangeiras de oito países compuseram os seis consórcios vencedores. A Shell
(anglo-holandesa) ingressou em três consórcios vencedores. A Petrobras participou e
venceu também nas três áreas nas quais fez oferta.
Esses resultados (duas áreas não arrematadas, elevado ágio do óleo excedente,
especialmente dos consórcios liderados pela Petrobras, além de três áreas leiloadas onde
a Petrobras não vai operar) novamente confirmam a relevância da estatal brasileira para
o desenvolvimento do pré-sal. O grande apetite das empresas estrangeiras deve-se, em
parte, ao fato de que nesse processo enquanto a Petrobras absorve o risco do investimento
inicial as empresas estrangeiras incorporam retornos garantidos.
Graças ao conhecimento da Petrobras, a área do pré-sal adquiriu grande atratividade em
virtude do baixo risco exploratório, dos custos de extração competitivo (< 7 US$/boe), do
suficiente conhecimento geológico e da fase inicial de descobertas. Além disso, foram
exatamente nas áreas em que a Petrobras participou onde verificaram-se as maiores
ofertas de excedente de óleo. Por fim, as empresas estrangeiras adotaram a estratégia de
fazer parcerias com a estatal brasileira (nos casos dos campos de Entorno de Sapinhoá,
Alto Cabo Frio-Central e Peroba) ou atuaram em áreas que possuem proximidade com
campos onde elas atuam (a Shell em Sul de Gato do Mato e a Statoil em Carcará). Logo,
o ingresso das empresas no pré-sal brasileiro ocorre no “rastro” da Petrobras ou em áreas
onde já detém conhecimento prévio.
Embora esses aspectos sejam centrais, cabe observar mais de perto a dinâmica de atuação
da China que, por meio de diferentes empresas (Sinopec, Cnooc Petroleum e CNODC),
integrou três consórcios vencedores. Sendo assim, o país asiático ingressou de modo
diversificado e mais pulverizado nos leilões, na esteira da Shell e da Petrobras (as duas
principais operadoras do pré-sal) e em áreas distintas.
O suposto êxito do leilão (ágio elevado e grandes volumes de recursos arrecadados por
meio do bônus de assinatura) esconde, dessa forma, a subordinação da atual política de
exploração e produção aos interesses estrangeiros – nesse caso, principalmente aos
chineses. Em estudos anteriores, já observamos que há um roteiro estratégico das grandes
empresas de petróleo e dos países interessados para tomarem suas decisões de
investimento no setor.
Há uma geoestratégia em que as gigantes de petróleo se movem a partir de uma lógica
próxima à militar, analisando o controle de suas reservas de petróleo e de seus territórios
e também de seus competidores, dado o cenário geopolítico e os interesses nacionais
existentes.
No caso da China, a crescente demanda interna por petróleo, o interesse global de se
posicionar em outras regiões fora da Ásia e o acesso a novos espaços territoriais são
alguns dos interesses que moveram o país a ingressar no setor de petróleo e gás (P&G)
brasileiro com a intensidade mencionada anteriormente.
Além de parcerias em outros segmentos da cadeia de P&G, na exploração e produção, a
China, que já possuía acordos de cooperação para fornecimento de petróleo com a
Petrobras, consolidou-se como o segundo grande “parceiro” brasileiro no pré-sal. Até o
mais recente leilão, a Sinopec tinha participação nos campos de Carioca e Sapinhoá
(Bacia de Santos) e também tornou-se concessionária do bloco BM-C-33, na Bacia de
Campos.
Segundo a ANP, em agosto de 2017, a petroleira chinesa ocupava a terceira posição entre
os maiores produtores de petróleo e gás do Brasil, com uma produção de 103.407 barris
equivalentes por dia. Além da Sinopec, a Cnooc e CNPC ingressaram como sócias no
leilão de Libra em 2013. Somando as licitações da segunda e da terceira rodada, a China
obteve um volume de reservas de óleo recuperáveis superior a 3 bilhões de barris (tabela
2).
Como observado nos artigos anteriores desta série ("Pré-sal e os interesses em jogo:
realidade e desafios"), há uma estratégia de atração do capital estrangeiro que se explicita
com as mudanças regulatórias e com o aumento da apropriação da renda petrolífera pelas
empresas de fora. Essa abordagem, na contramão dos interesses nacionais, desfruta de
forte apoio da gestão da Petrobras, a despeito da estatal brasileira ser uma concorrente
das operadoras estrangeiras.
Dado o grande potencial atrativo dos leilões do pré-sal, as mudanças regulatórias em prol
do aumento da apropriação das empresas estrangeiras evidenciam que o Estado brasileiro
está abrindo mão de enormes massas de recursos financeiros e produtivos gerados pelo
pré-sal. Isso diminui a capacidade nacional de controle da renda do petróleo nessas áreas,
na medida em que importantes fases produtivas de maior valor agregado (intensivas em
renda e tecnologia) serão desenvolvidas em outros países – sem que isso gerasse grandes
efeitos sobre o desempenho da segunda e terceira rodadas.
Desse modo, a inserção das empresas estrangeiras na exploração do pré-sal está muito
mais relacionada à pressão por elas exercida desde a descoberta das reservas, em um
cenário em que ascendeu no Brasil um governo de caráter fortemente desnacionalizante,
do que com medidas institucionais e setoriais. Tais medidas têm, inclusive, como
característica geral a quebra de instrumentos importantes para assegurar que a forma de
exploração do pré-sal fosse controlada pelo Estado Nacional.
Os resultados do leilão expressam, portanto, duas facetas de uma mesma moeda: o
sucesso do esforço tecnológico e exploratório da Petrobras e a fragilidade institucional de
assegurar que os frutos desse esforço sejam usufruídos pela própria Petrobras em
particular e pela sociedade brasileira em geral.
*Economista, técnico do Dieese e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e
Propostas
da
Federação
Única
dos
Petroleiros
(Geep/FUP).
Email: cloviomar@dieese.org.br
**Professor do Instituto de Economia da UFRJ e integrante do Grupo de Estudos
Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (Geep/FUP). Email: eduardo.pinto@ie.ufrj.br.
***Economista, foi gestor de planejamento da Fundação Petrobras de Seguridade Social
(Petros), é pesquisador da Cátedra Celso Furtado-FESPSP e integrante do Grupo de
Estudos Estratégicos e Propostas da Federação Única dos Petroleiros (Geep/FUP).
****Professor de Ciência Política e Economia da Fundação Escola de Sociologia e
Política de São Paulo (FESPSP) e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e
Propostas da Federação Única dos Petroleiros (Geep/FUP).