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Unidades de Conservação e propriedade constitucional
Categories : Paulo Bessa
“A defesa do ambiente é uma tarefa solidária e não solitária e não se compadece com a unilateral
imposição de vínculos restritivos a uns em favor de outros.” (J.J. Gomes Canotilho)
A ilustre colega e colunista deste O ECO, Maria Tereza Jorge Pádua, escreve interessante artigo
sobre o Parque Nacional de Itatiaia, com enfoque para a chamada regularização fundiária da
Unidade de Conservação e, em especial, para a questão suscitada pelo Núcleo Colonial de
Itatiaia. Tal artigo, pela autoridade e conhecimento da articulista, é da maior relevância, pois
discute tema fundamental e que merece reflexão. Ainda que sem ostentar o cabedal de
conhecimentos da ilustre articulista, permito-me expor, em tese, alguns argumentos sobre a
questão.
Propriedade constitucional
O regime de propriedade, tradicionalmente, tem sido dividido em dois grandes grupos, a saber: (i)
a propriedade privada e (ii) a propriedade pública. Entendo que, após o advento da Constituição
de 1988, a dicotomia tradicional perdeu sentido, haja vista que a normatividade diretamente
constitucional que incide sobre o tema é de tal ordem que o melhor é tratar da propriedade como
propriedade constitucional, a qual terá aspectos mais marcadamente públicos ou privados, sem
deixar de ser essencialmente constitucional. O amadurecimento da compreensão da propriedade
constitucional, passou por diversas fases, e, certamente, foi inaugurado pela chamada função
social da propriedade , a qual teve como origem forte conflito entre necessidades coletivas, ou
assim interpretadas, e o regime particular da propriedade individual. Dado que o direito de
propriedade era dotado de contornos que não contemplavam o atendimento às necessidades da
coletividade; a solução jurídica encontrada era a desapropriação. Não que a desapropriação e
outras “limitações” não fossem possíveis mesmo nos regimes ditos “liberais”.
Contudo, há que se reconhecer que a mudança no status legal do direito de propriedade não se
transmite imediatamente às formas de compreensão e interpretação desse mesmo direito. O
Constitucionalismo brasileiro, desde 1934, adota o conceito de direito de propriedade como
função. Não podemos nos esquecer dos longos períodos autoritários vividos pelo País nas épocas
mencionadas.
A ecologia como movimento político, tem como um de seus precursores, o libertarismo, como é o
pensamento de Thoreau, contudo, defesa da ecologia e liberalismo político não se confundem.
Jared Diamond aponta como exemplo de proteção ao meio ambiente a República Dominicana sob
o governo de Balaguer, e o período de Xogunato Tokugawa no Japão. Balaguer exerceu o poder
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de forma tirânica em São Domingos – o que não é desconhecido, muito menos elogiado por
Diamond —, muito embora tenha dedicado grande esforço para a proteção das matas da ilha. É
interessante a comparação feita com o Haiti – também uma ditadura no período em questão -, que
compartilha com a República Dominicana a ilha Hispaniola. O Haiti é apresentado como exemplo
de decadência, visto que fora a colônia francesa mais rica e, em função de uma agricultura
intensiva e “monotemática”, acabou arruinando o seu solo, a sua riqueza e, como não poderia
deixar de ser, o seu povo.
Princípios Fundamentais constitucionais
"Muitas vezes, a
participação do
público nas questões
ambientais não leva
em consideração o
regime dominial e,
logicamente, o titular
deve ser incluído no
conceito de público,
sob pena de violação
das normas
referentes à
propriedade
constitucional."
A Constituição Federal de 1988 é dotada de princípios fundamentais, cuja finalidade é servir de
base para a elaboração, fundamentação e aplicação dos preceitos constitucionais. Todos os
Poderes da República devem observá-los. A partir dos princípios fundamentais são estabelecidos
diferentes subprincípios que se encontram organicamente articulados e subordinados aos
primeiros. No que se refere a esse artigo eles são (i) a dignidade da pessoa humana, (ii) os
valores sociais do trabalho e (iii) da livre inciativa . Sem esquecer que, dentre os objetivos
fundamentais da República estão os de garantir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como
promover o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e promover o bem de todos. Há,
contudo, que se ter claro que aplicar o Direito e, sobretudo, aplicar a Constituição é ser capaz de
dar solução aos problemas concretos que são postos diante da sociedade e do indivíduo. Assim, o
Administrador, ao dar cumprimento ao inciso II do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal deve
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levar as questões acima mencionadas em consideração e, especialmente, fazê-lo em
conformidade com os subprincípios constitucionais especialmente voltados para a Administração
Pública, tal como estabelecidos pelo caput do artigo 37 da Lei Fundamental . No caso específico,
merece relevo, sem desmerecer os demais, o princípio da eficiência administrativa, haja vista que
deve, a Administração de buscar os seus fins de forma a causar menos prejuízos para o particular
e gastar menos recursos.
A doutrina jusambientalista tem reconhecido, à unanimidade, que um dos princípios fundantes do
direito ambiental é o chamado princípio democrático, mediante o qual é reconhecido o direito da
população a opinar sobre a adoção de medidas que venham a afetá-la do ponto de vista
ambiental. Tal princípio está consolidado em várias leis e, inclusive, na própria Constituição
Federal, art. 225, § 1º, inciso IV, que assegura o direito de informação, com vistas à ação em
defesa do meio ambiente. Contudo, muitas vezes, a participação do público nas questões
ambientais não leva em consideração o regime dominial e, logicamente, o titular deve ser incluído
no conceito de público, sob pena de violação das normas referentes à propriedade constitucional.
Proibição de excesso
A atuação do estado para a implementação de direitos constitucionalmente assegurados,
sobretudo quando se trata de direitos que são, simultaneamente, individuais e coletivos – os
direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado são um notável exemplo – deve ser feita de
forma equilibrada e, na justa medida do necessário, sobretudo quando implicam no desequilíbrio
entre as cargas sofridas pela coletividade e pelo indivíduo. No particular, justifica-se a limitação,
especialmente, devido ao fato de que, no caso concreto, a atividade do Estado se caracteriza por
uma prestação positiva e não meramente por uma inação. É da própria natureza da prestação
positiva que, caso não seja limitada ao mínimo estritamente necessário, ela se desdobre em
arbítrio acobertado pelo manto da discricionariedade administrativa, fundada em juízos de
conveniência e oportunidade que, em última instância, decorrem de um programa político da
maioria, ou na interpretação de tal programa pelos encarregados de implementá-lo.
O ato de criação de uma Unidade de Conservação, por vinculado, está submetido ao controle de
legalidade, no sentido de que os pressupostos ambientais e a categoria de UC por ele criada, são
elementos de legalidade e não de mérito do ato administrativo. Esta é uma tradição do direito
brasileiro que remonta ao célebre julgamento do tombamento do Arco do Teles, realizado pelo
Supremo Tribunal Federal ainda na década de 40 do século XX, cujo voto pivotal para definir a
possibilidade da sindicância da legalidade no exercício do tombamento proferido pelo Ministro
Castro Nunes.
"O meu argumento é
que a instituição de
UCs do grupo de
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proteção integral
deve se ater ao
princípio da
proibição de
excesso e, portanto,
ela somente fará
sentido jurídico se
impossível a criação
de Monumentos
Naturais ou Refúgio
da Vida Silvestre."
O meu argumento é no sentido de que, por vinculada, a instituição de UCs do grupo de proteção
integral – em especial – deve se ater ao princípio da proibição de excesso e, portanto, ela somente
fará sentido jurídico se impossível a criação de Monumentos Naturais ou Refúgio da Vida Silvestre
sem a concordância do proprietário. Veja-se interessante jurisprudência sobre o controle de
legalidade de desapropriação de imóvel que já se encontrava tutelado pelo regime de
tombamento. O Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança nº 19.961 – DF, assim se
pronunciou: “Não tem qualquer pertinência a tese sustentada pela Consultoria Jurídica do
Ministério da Educação e Cultura, no sentido de que o Poder Judiciário jamais pode apreciar a
razão justificadora do ato expropriatório, devendo limitar seu mister à fixação do valor da
indenização devida. ........A própria lei o diz, aliás, na conjugação dos arts. 9º e 20 do Decreto –lei
nº 3.365/41: ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se se
verificaram ou não os casos de utilidade pública, pelo que a contestação só poderá versar sobre
vício do processo judicial ou impugnação ao preço; qualquer outra questão deverá ser decidida
por ação direta..........No caso examinado nesse precedente, o proprietário rebelava-se contra o
tombamento e as restrições e ônus que dele advinham, e pretendia compelir a União a
desapreopriar o imóvel. Por isso algumas colocações do voto do Ministro Castro Nunes devem ser
desdobradas ou retificadas para o caso presente, que oferece realidade inversa: aqui, os
proprietários comformam-se com o tombamento o que até provocaram, e querem impedir a União
de desapropriar, porque a conservação e preservação dos bens já estava assegurada, nos termos
da legislação especial, or aquela medida restritiva........Verifica-se desses textos, que devem ser
conjugados com o disposto na lei de despropriações, que, ....a única hipótese de desapropriação
paar fins de preservação e conservação da coisa tombada como patrimônio histórico e artístico
nacional é, efetivamente, a de o proprietário comuniciar ao instituto a necessidade das obras e a
sua impossibilidade, por falta de recursos, de realizá-las. Tanto assim é que, tem ele a opção de
mandar executar as obras, a expensas da União, ou de promover a desapropriação, providências
alternativas que claramente se condicionam à manifestação do proprietário e que, se não
tomadas, dão-lhe significativamente, o direito de requerer o cancelamento do tombamento. Por
outro lado, só para a realização de obras urgentes é que a lei dá ao instituto a iniciativa,
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independentemente de comunicação por parte do proprietário.
Resulta que, ao contrário do que ocorre nos demais casos de desapropriação, o proprietário de
coisa tombada não pode tê-la expropriada, para fins de preservação e conservação como
patrimônio histórico ou artístico, à sua revelia. Deu-lhe a lei o direito de condicionar a
expropriação, subordinando-a à denuncia, que lhe cabe a ele, de não dispor de recursos para
preservar e conservar o bem. Fá-lo, talvez, em compensação pelas limitações que o tombamento
lhe impõe e em homenagem ao apreço que pode etr pelo mesmo bem, apreço e sentimento que
não são privilégio de ninguém, nem mesmo das autoridades incumbidas da proteção de tal
patrimônio...” (Ministro Xavier de Albuquerque)
Afinal, o que caracterizaria o excesso em ralação à instituição de unidades de conservação? A
matéria pode ser examinada por duas vertentes principais (i) a primeira delas seria o excesso no
que diz respeito à criação de unidades do grupo de proteção integral em espaços territoriais
submetidos ao regime de direito privado. Tal excesso pode ser subdividido em (a) criação de
unidades de conservação sem observância de todos os requisitos legais que justificassem a
medida e (b) em especial a não indenização prévia do particular e o consequente
desapossamento administrativo, ainda que de forma “branca”. A segunda vertente (ii), um pouco
mais sutil e, portanto, de difícil caracterização e a criação de unidades de conservação do grupo
de proteção integral em terras públicas, com a violação dos direitos da coletividade em usufruir
bem público de uso comum do povo de forma mais plena. Aqui, a instituição de um regime de
utilização indireta, pode ter consequências graves para populações que legitimamente buscam em
tais áreas sua sobrevivência.
A lei nº 9.985/2000, em seus dispositivos estabeleceu um conjunto de regras e normas
vinculantes que buscam evitar a prática dos excessos ora mencionados e que, se bem
observados, certamente, impedem que a criação arbitrária de unidades de conservação, em
especial aquelas do grupo de proteção integral, possa redundar em danos sociais maiores que os
benefícios. É de se observar que, ao nível do atual debate judiciário, o cerne da proibição de
excesso tem se limitado ao aspecto pecuniário da questão, com a firme decisão das Cortes
judiciais em determinar o pagamento de indenizações quando se verifica a instituição de algumas
modalidades de unidades de conservação do grupo de proteção integral, sem a transferência do
domínio e sem a compensação para o particular.
Decreto cria parque?
As Uc são criadas por ato do poder público , de acordo com expressa determinação constitucional
, assim, ao administrador não é possível deixar de criar ”em todas as unidades da Federação,
espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos”. Ao administrador
cumpre identificar os espaços merecedores de proteção especial e instituir as UCs aptas a
servirem de proteção aos espaços territoriais e seus componentes. Observe-se que não se cuida
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de um exagero do constituinte originário a determinação de que as UCs sejam criadas em “todas
as unidades da Federação”, pois tal norma deve ser compreendida em harmonia com o § 4º do
artigo 225 que estabeleceu diversos biomas como patrimônio nacional , biomas esses que se
encontram espalhados em todas as unidades federativas. Relembre-se, por imperioso, que o
patrimônio nacional não se confunde com o patrimônio público, como tem sido exaustivamente
decidido pelo Supremo Tribunal federal, “Artigo 225, § 4º, da Constituição Federal.
Penso que, no particular, o Constituinte originário não deixou margem de discrição ao
Administrador que, uma vez identificados os espaços dignos de proteção, deve estabelecer a UC
capaz de dar a melhor proteção possível ao ambiente, levando em consideração que o bem de
valor ambiental pode estar submetido ao regime de direito público ou de direito privado. Note-se
que a compatibilização dos regimes jurídicos público e privado não é simples, motivo pelo qual o
legislador ordinário, ao editar a lei nº 9.985/2000, criou um naipe de variadas UCs que se divide
em dois blocos principais (i) as do grupo de proteção integral e (ii) as do grupo de uso sustentável.
Tanto umas, quanto outras podem estar sujeitas aos regimes de direito privado ou direito público,
incidindo em ambas um regime administrativo tutelar do valor propriamente ambiental que, repitase, não se confunde com o regime dominial, muito embora sobre ele tenha repercussão. A Lei do
SNUC determina em seu artigo 22 que: (i) a criação de uma unidade de conservação deve ser
precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a
dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento; (ii)
no processo de consulta , o Poder Público é obrigado a fornecer informações adequadas e
inteligíveis à população local e a outras partes interessadas.
Mesmo nos casos de ampliação, a Corte Suprema, tem sido firme no sentido de que é exigível a
realização prévia de (i) estudos técnicos e (ii) consulta pública, sob pema de nulidade do ato de
criação ou ampliação: “Unidade de conservação. Estação ecológica. Ampliação dos limites
originais na medida do acréscimo, mediante decreto do Presidente da República.
Inadmissibilidade. Falta de estudos técnicos e de consulta pública. Requisitos prévios não
satisfeitos. Nulidade do ato pronunciada. Ofensa a direito líquido e certo. Concessão do mandado
de segurança. Inteligência do art. 66, §§ 2º e 6º, da Lei nº 9.985/2000. Votos vencidos. A
ampliação dos limites de estação ecológica, sem alteração dos limites originais, exceto pelo
acréscimo proposto, não pode ser feita sem observância dos requisitos prévios de estudos
técnicos e consulta pública”(Ministro Cézar Peluso)
O Supremo Tribunal federal, em decisão que tem sido pouco abordada, manifestou-se no sentido
de que a mera existência de decreto criando parque não é suficiente para sua constituição: “É que
a implantação do Parque Nacional Mapiguari – assim como a de toda unidade de proteção integral
- não se consuma com o simples decreto de criação, e, muito menos, a desapropriação, com a só
declaração de utilidade pública das áreas privadas contidas no perímetro. Não custa, aliás,
advertir que a criação dessas unidades pode significar tão-só limitações administrativas que não
impliquem transferência de domínio, nos casos em que não haja esvaziamento do conteúdo
econômico do direito de propriedade. E, como essa poderá ser a hipótese, não há falar em
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previsão orçamentária para expropriação ainda não efetivada.”(Ministro Cézar Peluso)
Merece ser afirmado que, infelizmente, tem sido prática muito comum que entes públicos
decretem a “criação” de parques – nas três esferas de Poder e não implementem as medidas
necessárias para a real constituição da unidade de conservação, muito embora desenvolvam
atividades administrativas como se, de fato, as áreas tivessem sido desapropriadas e o domínio
privado houvesse sido transferido para o público. Assim, são estabelecidas proibições para as
atividades particulares que ultrapassam os limites estabelecidos pelo artigo 22-A da Lei do SNUC ,
praticando um “desapossamento branco” dos proprietários. A medida é, certamente, ilegal e se
caracteriza como abuso de poder ou de autoridade, conforme o caso.
Atividade vinculada
Parece claro que, após o realizar dos estudos previstos em lei e concluindo que a área merece
proteção especial, ao administrador cabe, única e exclusivamente, decretar o regime especial de
proteção consistente na instituição de uma UC. Aqui cabe uma advertência: a categoria de UC a
ser criada deve ser aquela que legalmente atenda aos objetivos específicos de cada uma das
diferentes categorias existentes em nosso ordenamento jurídico positivado. Explico-me melhor, se
a criação de uma Área de Proteção Ambiental atende aos objetivos protecionistas indicados pelos
estudos técnicos, não tem o administrador a discricionariedade administrativa para, em seu lugar,
criar um Parque, por exemplo. Inúmeros são os motivos que, em meu pensamento, contribuem
para que se chegue a essa conclusão. Passo a alinhá-los.
Em primeiro lugar, (i) há que se registrar que o naipe de Unidades de Conservação postos à
disposição do administrador corresponde ao atual nível de compreensão das diferentes
modalidades de proteção necessárias para que se possa atingir, simultaneamente, os objetivos de
proteção ambiental com o desenvolvimento econômico que, se assim feito, tem-se por
sustentável. Em seguida, há que se compatibilizar os direitos da coletividade em usufruir de um
meio ambiente equilibrado com os direitos constitucionais dos indivíduos, relativos à propriedade.
Sendo certo que, tanto o estado como o indivíduo tem o mesmo dever de proteger o meio
ambiente, não é razoável que um deles (o estado) exerça o seu dever, sem que dê ao particular a
oportunidade de fazê-lo da forma que lhe seja menos gravosa. Assim, sempre que ecologicamente
possível garantir a proteção ambiental sem a violação aos direitos de propriedade pública ou
privada, tal fórmula deve ser obrigatoriamente adotada pela Administração. No particular deve ser
observado que, no âmbito das UCs do grupo de proteção integral, não há diferença essencial
entre os Parques e os Monumentos Naturais, salvo no que diz respeito ao regime dominial, haja
vista a possibilidade de criação de Monumentos Naturais em áreas submetida ao regime jurídico
de direito privado. Relevante considerar que há precedente de transformação de Parque Nacional
em Monumento Natural, mediante a edição da lei nº 11.686, de 2 de junho de 2008 .
A Administração deve instituir UCs que, atingindo os objetivos de proteção identificados nos
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estudos técnicos que concluíram pela sua necessidade, de maneira menos onerosas para o
contribuinte, com a menor mobilização de recursos técnicos, econômicos e financeiros possíveis.
Esta é uma determinação da Constituição Federal, como se pode concluir do caput do artigo 37.
Cuida-se de uma técnica elementar de administração pública que busca a obtenção dos melhores
resultados para a aplicação de recursos escassos. Nem se argumente que os recursos da
compensação ambiental não são públicos e, portanto, estariam fora de tais regras.
Direito ambiental e interpretação da Constituição
Devo observar que o direito ambiental tem sido considerado pela doutrina mais autorizada como
um direito de novo tipo que não se enquadra nos conceitos tradicionais de direito público ou direito
privado, situando-se em patamar inteiramente diverso. Tal concepção, necessariamente, implica
em que os institutos jurídicos sejam analisados dentro de uma perspectiva qualitativamente
diversa daquela que tradicionalmente tem sido adotada como padrão. Ora, uma compreensão,
conforme a Constituição de 1988, do direto de propriedade deve evitar o tradicionalismo, vez que
esse foi o objetivo do legislador. Como leciona Tepedino , “não basta, porém, a referência à
função social, ainda que considerada como elemento de qualificação jurídica, para a definição dos
contornos da propriedade constitucional. Antes, poder-se-ia legitimar ulteriormente o núcleo
proprietário tradicional se, ..., se continuasse a configurar a relação de propriedade como uma
disputa entre o interesse egoístico, tendencialmente pleno ...e o interesse social” .
Como sabemos, a função social da propriedade é uma resposta dada aos movimentos socialistas
que, em fins do século XIX e começo do Século XX, reivindicavam melhorias em suas condições
de vida, renda e trabalho. No contexto em questão, cuidava-se de pleitear a chamada justiça
distributiva. Tais movimentos, em diferentes países, tiveram como expressão, como já visto neste
trabalho, a Constituição Mexicana de 1910, a Revolução Russa e a Constituição de Weimar. Entre
nós, o Diploma Constitucional de 1934 foi o primeiro a tratar do tema da função social da
propriedade. Ninguém duvida que o conteúdo da função social da propriedade é facilmente
identificável, toda vez que a propriedade não estiver atendendo à sua função tal qual definido em
lei, o Estado poderá desapropriá-la, mediante indenização prévia, e destiná-la para funções de
interesse ou utilidade pública. Assim, a função social da propriedade é um atributo da propriedade
privada. A função ambiental independe do regime dominial, pois uma floresta pública ou privada,
desempenha a função ambiental, ou não, sem que o status jurídico de seu proprietário seja
relevante. Aliás, somente a desatenção com a realidade pode ver contradição entre regime de
propriedade e proteção ao meio ambiente.
A Constituição de 1988, além de ter dado uma nova configuração jurídica à proteção do meio
ambiente, estabeleceu em seu capítulo de direitos e garantias individuais, uma importante
inovação no que se refere aos direitos individuais, cuja inspiração direta se pode encontrar no
princípio constitucional da dignidade humana. Dentre os direitos individuais, certamente, encontrase o direito de propriedade que, em sua acepção moderna, não e exercem deforma egoística mas,
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isto sim, de forma solidária. Veja-se o que dispõe o artigo 1228 do Código civil Brasileiro . O
legislador do SNUC, no que diz respeito à instituição de UCs do grupo de proteção integral,
antecipando-se ao legislador do Código Civil, determinou, no caso específico da instituição de
Monumentos Naturais e Refúgios da Vida Silvestre estabeleceu que o “Monumento Natural pode
ser constituído por áreas particulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da
unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários.”
acrescentando que, “havendo incompatibilidade entre os objetivos da área e as atividades
privadas ou não havendo aquiescência do proprietário às condições propostas pelo órgão
responsável pela administração da unidade para a coexistência do Monumento Natural com o uso
da propriedade, a área deve ser desapropriada, de acordo com o que dispõe a lei.” No que
concerne ao Refúgio da Vida Silvestre, ele “pode ser constituído por áreas particulares, desde que
seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos
naturais do local pelos proprietários”, afirmando ainda que: ”havendo incompatibilidade entre os
objetivos da área e as atividades privadas ou não havendo aquiescência do proprietário às
condições propostas pelo órgão responsável pela administração da unidade para a coexistência
do Refúgio de Vida Silvestre com o uso da propriedade, a área deve ser desapropriada, de acordo
com o que dispõe a lei.”
Penso que, na verdade, há uma profunda incompreensão do complexo sistema de relações que
uma organização política, que se constitui em “Estado Democrático de Direito”, deve manter com
os cidadãos com vistas ao desempenho de suas funções fundamentais, dentre as quais se inclui a
proteção do meio ambiente que é para o “poder Público e à coletividade [um] ... dever de defendêlo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.” E mais, parte-se da concepção que a
proteção do meio ambiente é um ônus que deve ser suportado pelo cidadão. A proteção ao meio
ambiente, certamente, pode ser um ônus, quando esvaziado o conteúdo econômico da
propriedade. Contudo, por ser a propriedade um direito amplamente disponível, não há qualquer
impedimento para que um indivíduo capaz possa, livremente, abrir mão de parcela de seus
poderes inerentes à condição de proprietário. Foi exatamente o que a lei fez. É cada vez mais
frequente o número de pessoas que, por motivos diversos e de natureza estritamente privada,
consagram parcelas de suas propriedades, ou mesmo a propriedade inteira, à proteção ambiental.
Desejam desfrutar da natureza com os familiares e até se sentem orgulhosos de, solidariamente,
contribuírem para a salubridade ambiental. Há que se observar que, ontologicamente, não há
qualquer distinção que possa justificar o aplauso para o particular que queira estabelecer uma
Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN e a crítica aquele que deseje um Monumento
Natural. Em ambos os casos, estamos diante de um ato administrativo negocial, sem que, com
isto, se pratique qualquer atentado contra a ordem constitucional. Veja-se que mesmo as
desapropriações – forma mais drástica de intervenção na propriedade privada – podem ser
realizadas amigavelmente . Não se pode deixar de registrar que a “lei”(Rectius: decreto-lei) de
desapropriações é do Estado Novo; ainda ali se admitia um mínimo de negociação entre estado e
particular. Nem se diga que a questão se limita ao preço, pois este é um elemento chave no
processo expropriatório e, no caso, o Estado deve desapropriar pelo valor de mercado.
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Os direitos de propriedade constitucional, certamente, são direitos de liberdade, seja a liberdade
individual, seja a liberdade comunitária que são complementares e indissociáveis, haja vista que
uma não existe sem a outra, como nos demonstram as experiências totalitárias do Século XX.
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