Rev Bras Otorrinolaringol.
V.71, n.5, 660-7, set./out. 2005
ARTIGO ORIGINAL
ORIGINAL ARTICLE
Telemetria de resposta neural
intra-operatória em usuários de
implante coclear
Neural response telemetry
measures in patients implanted
with Nucleus 24®
Mariana Cardoso Guedes1,Rubens V. Brito
Neto2,Maria Valéria S. Goffi Gomez3,
Sandra B. Giorgi Sant’Anna4,Cristina G. Ornelas
Peralta5,Arthur Menino Castilho6,
Ricardo Ferreira Bento7
Palavras-chave: implante coclear, potencial de ação
composto, estimulação elétrica, medidas objetivas.
Key words: cochlear implant, compound action potential,
electrical stimulation, objective measure.
Resumo / Summary
C
A
ochlear implantation has been recommended for
children under 24 months of age. The use of objective
measures is needed to help speech processor
programming. The electrically evoked compound
potential (EAP), which can be assessed by neural response
telemetry (NRT), is one of those objective measures.
Aim: to determine how often the EAP can be recorded
by NRT system during surgery and to describe the
responses. Study design: clinical with transversal cohort.
Material and Method: the impedances and NRT were
measured in a group of 17 Nucleus 24 ® implant users.
The responses were analyzed and compared to the
etiology, hearing loss duration and electrode array
position. Results: The EAP was easily recorded in the
apical electrodes and, in otosclerosis and meningitis cases
the EAP threshold was higher than in the other etiology
cases. Conclusions: The NRT can be found in 82% of
the cases during surgery. The responses obtained may
vary according to etiology and the position of electrodes
along the cochlea.
possibilidade de realizar o implante coclear em crianças
pequenas torna necessário o uso de medidas objetivas para auxiliar a programação do processador de fala. Telemetria é a propriedade que permite, no Nucleus 24®, a obtenção do potencial de ação composto evocado do VIII par (EAP) utilizando o
implante como instrumento de estimulação e gravação para o
estudo das propriedades neurais remanescentes. Objetivo: Descrever a utilização do sistema de telemetria para a gravação do
EAP, caracterizando as respostas obtidas e a sua prevalência na
condição intraoperatória. Forma de estudo: clínico com coorte
transversal. Material e Método: Medidas das impedâncias dos
eletrodos e do EAP em um grupo de 17 indivíduos usuários do
implante Nucleus 24® durante a cirurgia. Análise das respostas
de acordo com a etiologia, o tempo de duração da surdez e a
posição dos eletrodos dentro da cóclea. Resultados: Maior
prevalência nos eletrodos apicais e limiares mais elevados nos
casos de meningite e otosclerose. Conclusão: A telemetria é
eficiente para a verificação da integridade dos eletrodos na condição intraoperatória e para a gravação do EAP, apresentando
alta prevalência na população estudada.
1
Fonoaudióloga Colaboradora do Grupo de Implante Coclear e Audiologia do HC-FMUSP. Especialização em Audiologia pela Irmandade Santa Casa de Misericórdia de SP.
2
Assistente-Doutor da Disciplina de ORL do HC-FMUSP.
3
Fonoaudióloga Doutora em Ciências dos Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP.
4
Fonoaudióloga da Fundação Otorrinolaringologia. Mestre em Fisiopatologia Experimental pela FMUSP.
5
Fonoaudióloga Colaboradora do Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP. Mestre em fonoaudiologia pela PUC-SP.
6
Médico Assistente do HC-FMUSP. Estagiário de complementação especializada em otologia e cirurgia de base do crânio do HC-FMUSP.
7
Professor Associado da Disciplina de ORL da FMUSP.
Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) / Fundação Otorrinolaringologia (FORL).
Endereço para correspondência: Mariana Cardoso Guedes – Rua Paes de Araújo 155 casa 06 Itaim Bibi São Paulo SP 04531-090.
E-mail: macguedes@hotmail.com
Artigo recebido em 22 de junho de 2004. Artigo aceito em 05 de agosto de 2005.
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Potencial de Ação Composto Evocado Eletricamente (EAP,
do inglês evoked action potential). O EAP é tipicamente
formado por um pico negativo (N1) com latência aproximada entre 0.2ms a 0.4ms, seguido de um pico positivo
(P1). A amplitude da resposta (medida entre N1 e P2)
varia conforme o aumento da intensidade do estímulo e é
medida em µV.
Os limiares do EAP podem ser úteis para predizer os
níveis mínimos e máximos que deverão ser utilizados no
mapeamento dos eletrodos para a programação do
processador de fala, facilitando esse processo nas crianças e
determinando os parâmetros de estimulação que irão resultar numa programação com níveis mais adequados, podendo melhorar a performance do indivíduo6,9. Os limiares do
EAP podem ser usados para estimar os níveis elétricos, porém não podem predizer os valores exatos das medidas
psicofísicas.
O EAP é facilmente gravado devido às características
do implante coclear multicanal Nucleus 24® (CI24) e da
existência de um software específico (sistema de telemetrias).
A telemetria é um mecanismo de captação de eventos à
distância, no qual o primeiro sistema pode ser usado para
medir as impedâncias de cada eletrodo, monitorando a adequação dos geradores de corrente elétrica. O segundo sistema, a Telemetria de Resposta Neural (NRT), é o método
que possibilita a captação do potencial de ação da porção
distal do nervo auditivo em pacientes usuários do implante
CI24, utilizando o próprio implante para eliciar o estímulo e
gravar as respostas.
A série de eletrodos intracocleares do CI24 é composta de 22 bandas de eletrodos, numerados de 1 a 22,
sendo o 22 o mais apical. Além desses eletrodos
intracocleares, o CI24 apresenta dois eletrodos
extracocleares (MP1 e MP2) que permitem uma estimulação
monopolar, possibilitando, assim, que o eletrodo MP1 forme
o par para eliciar o estímulo e o outro, MP2, forme o par
para gravar as respostas do nervo auditivo10.
A impedância está relacionada às resistências características do fluido e do tecido que envolve a cadeia de
eletrodos e é um dos fatores que determina o consumo de
energia do sistema de implante coclear11,12. A telemetria de
impedâncias deve sempre ser realizada antes da telemetria
de respostas neural a fim de confirmar o funcionamento
adequado do receptor e do estimulador e de verificar a existência de circuito aberto ou curto circuito nos eletrodos
intracocleares a partir da medida da resistência elétrica dos
mesmos10.
O uso do sistema da telemetria é recomendado na
condição intraoperatória a fim de verificar não só a integridade da cadeia de eletrodos após a inserção na cóclea, mas
também porque a sedação permite o uso de correntes com
intensidades mais elevadas sem causar desconforto ao paciente, aumentando a chance de captação de respostas7. Os
valores de NRT encontrados na condição intra-operatória já
INTRODUÇÃO
O implante coclear é o tratamento padrão de escolha
para a surdez severa e profunda sensorioneural bilateral1 e
requer uma programação de cada eletrodo para que se obtenha níveis apropriados de estimulação elétrica. Essa programação é colocada no processador de fala do paciente,
que determina a maneira pelo qual o som é analisado e
codificado por uma estratégia de codificação de fala2. A unidade de estimulação utilizada para a programação dos eletrodos é arbitrária e denominada “unidades de corrente” (UC)
e varia de 1 a 255, correspondendo aproximadamente a
0.01mA e 1.75mA, respectivamente. Um dos principais desafios no caso de implante em crianças muito pequenas
consiste no acompanhamento pós-operatório, especialmente
no estabelecimento dos níveis de corrente para a estimulação
que irão determinar a programação do processador de fala3.
O sucesso do paciente e a sua satisfação com o implante são altamente dependentes da adequação do programa no processador de fala, pois é esse mapa que determina a quantidade de som e com quais características serão
codificadas. Porém, em crianças pequenas esse tipo de procedimento exige atenção e consome tempo, já que elas
não são capazes de especificar voluntariamente a sensação
auditiva gerada pela estimulação elétrica; podendo ser
desgastante para a criança e para a própria família. Nestes
casos, a obtenção dos limiares comportamentais fica limitada e as respostas podem ser inconsistentes, refletindo níveis de percepção e de desconforto inadequados. A dificuldade pode ser maior ainda em crianças com perdas auditivas congênitas e em pacientes com múltiplas deficiências,
devido à falta de conhecimento e familiaridade com os padrões sonoros, tempo de atenção reduzido e sem as habilidades lingüísticas e cognitivas necessárias para tal tarefa4.
Dessa forma, medidas objetivas vêm sendo estudadas e realizadas com o intuito de predizer os níveis de
estimulação para a construção dos primeiros mapas e também para a verificação da integridade de todo o sistema. É
natural que esses níveis sofram pequenas mudanças ao longo do tempo, devendo ser complementados e ajustados
com as medidas psicoacústicas conforme aumenta a capacidade do indivíduo em detectar, reconhecer e responder de
forma consistente ao estímulo sonoro 3.
Existem muitos meios para a obtenção de medidas
objetivas do nervo auditivo em usuários de implante coclear
a partir da estimulação elétrica no sistema auditivo, como a
audiometria de tronco cerebral evocada eletricamente
(EABR), as respostas de média latência e os potenciais tardios (P300 e Mismatch Negativity) e a pesquisa do Reflexo
Estapediano, muitos deles utilizados para monitorar a evolução do paciente ou ainda na tentativa de estabelecer um
prognóstico do sucesso do indivíduo5-8.
A medida da atividade do nervo auditivo mais utilizada recentemente em usuários de implante coclear é o
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poderiam, portanto, ser utilizados na construção dos primeiros mapas3.
Importantes correlações entre os níveis de respostas
obtidos com a NRT e os níveis obtidos pelo método
comportamental vêm sendo estudadas, com a finalidade de
utilizar os dados de medidas objetivas para a programação e
mapeamento dos eletrodos4,8,9,13-15.
Dessa maneira, os limiares do EAP poderiam ser utilizados nos casos de pacientes que não conseguem determinar com precisão os níveis mínimos de resposta (níveis “T”)
por meio do método comportamental, por representarem
uma intensidade acima do limiar. Portanto, ao estipular os
níveis T próximos dos valores obtidos pelo EAP, haveria a
garantia de estímulos audíveis e confortáveis8. Além disso, o
valor da inclinação da curva de crescimento de amplitude
(função I/O) pode fornecer dados sobre o campo dinâmico
do paciente. A vantagem de utilizar as medidas objetivas na
construção do mapa é a de que são necessárias para o ajuste final do programa apenas duas medidas de percepção de
loudness (sensação de intensidade), enquanto no método
tradicional o paciente precisa julgar 44 medidas, o que se
torna muito cansativo, podendo interferir na performance14,15.
O objetivo do presente estudo foi descrever e caracterizar as respostas intraoperatórias do potencial de ação do
nervo auditivo obtidas pelo método da telemetria de resposta neural (NRT), bem como a sua prevalência, em usuários do implante coclear Nucleus 24K®.
putador portátil acoplado à interface de programação portátil (PPS, do inglês portable programming system) e ao
processador de fala modelo SPrint®, ambos produzidos pela
Cochlear Corporation.
Durante a cirurgia, logo após a inserção dos eletrodos
na cóclea e com o paciente anestesiado, foi efetuada a avaliação da integridade do implante coclear (telemetria de
impedâncias). A telemetria de impedâncias foi realizada com
uma corrente apresentada a 250 pulsos por segundo com
duração de 25µs por fase a uma intensidade média de 100
unidades de corrente (equivalente a aproximadamente
0,2mA). As impedâncias foram medidas nos modos
monopolar MP1, monopolar MP2, monopolar MP1+2 e
Common Ground (CG). Os valores foram considerados normais quando entre 1,5 kilo ohms (kΩ) e 20kΩ nos modos
MP1, MP2 e MP1+2 e entre 0,7kΩ e 20kΩ no modo CG.
Eletrodos com impedâncias alteradas não foram utilizados
para a gravação da NRT, sendo substituídos por um eletrodo
adjacente.
A mensuração da telemetria de resposta neural (NRT),
realizada em seguida, utiliza o paradigma do mascaramento
antecipado e o método da subtração, no qual o estímulo é
transmitido com um atraso específico em relação ao
mascaramento (dado em seqüência) para aproveitar o período refratário dos neurônios da via auditiva. A resposta ao
estímulo nesta condição é subtraída das respostas dos estímulos oferecidos isoladamente na tentativa de eliminar os
artefatos e possibilitando a observação do potencial. O método de subtração é utilizado automaticamente pelo software
para a separação das respostas neurais dos artefatos elétricos. O nível de mascaramento (masker level) foi colocado
dez unidades de corrente acima do nível utilizado para a
estimulação (probe level). O intervalo interpulso foi fixado
em 500µs e a velocidade de estimulação em 80Hz em séries de 25µs por fase. Os demais parâmetros, como ganho do
amplificador, delay (intervalo de tempo entre o final do estímulo e a gravação da resposta) e distância entre MP1 e
MP2, foram ajustados e modificados de acordo com o proposto por Abbas et al. (1999)6 para obtenção da melhor
morfologia de onda possível. O ganho sugerido pelo fabricante é de 60dB, mas foi ajustado para 40dB quando as
respostas apresentaram saturação. O delay foi estipulado
conforme o número de artefatos a fim de permitir uma
melhor visualização da onda N1. O número de apresentação dos estímulos variou de 100 a 200 para ganho de 60dB
e 40dB, respectivamente.
A curva de crescimento da amplitude foi obtida com
a pesquisa de quatro a sete ondas com intensidades diferentes, apresentando um intervalo de cinco unidades de corrente entre cada uma, para os eletrodos testados (eletrodos
20, 15, 10, 5 e 3). As latências dos picos N1 e P1 foram
medidas manualmente. A amplitude do EAP foi determinada pela diferença de voltagem entre as ondas N1 e P1, sendo que o próprio programa aplicou um ajuste de regressão
MATERIAL E MÉTODO
Casuística
Foram incluídos neste estudo 54 indivíduos usuários
do implante coclear Nucleus® (Cochlear Corporation), implantados sucessivamente pelo Grupo de Implante Coclear
da Disciplina da Otorrinolaringologia da Divisão de Clínica
de Oftalmologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(HCFMUSP) entre janeiro e dezembro de 2003.
Dos 56 indivíduos estudados, 29 eram do sexo feminino e de 25 do sexo masculino, com idade variando entre
2 e 63 anos (média de 26 anos). O tempo de surdez variou
de 1 a 35 anos (média de 8,7 anos), sendo que 48% dos
indivíduos apresentavam até 5 anos de surdez; 28% apresentavam de 5 a 10 anos de surdez; 13%, de 10 a 15 anos e
11% apresentavam mais de 15 anos de surdez. Em relação à
etiologia, a meningite foi determinante em 30% dos casos; a
surdez congênita em 31%; a surdez progressiva (otosclerose
coclear, deficiências auditivas de caráter hereditário e causas
idiopáticas) em 26% e as causas súbitas em 7% dos casos
(Tabela 1).
Procedimento
A gravação do potencial de ação (EAP) foi realizada
através do software NRT 3.0, instalado em um microcom-
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Tabela 1. Caracterização dos Indivíduos
PACIENTE
SEXO
IDADE
ETIOLOGIA
TEMPO de Surdez
IMPLANTE
INSERÇÃO
(em anos)
1
M
17
síndrome de usher
17
CI24k
Completa
2
M
39
Meningite
30
CI 11+11+2
Completa
3
F
9
Meningite
9
CI24k
Completa
4
M
11
congênita
11
CI24k
Completa
5
M
40
Otosclerose
14
CI24k
Completa
6
F
5
congênita (rubéola materna)
5
CI24k
Completa
7
M
8
Meningite
6
CI24k
parcial
8
F
23
progressiva (genética)
2
CI24k
Completa
9
M
42
progressiva
10
CI24k
Completa
10
M
12
Meningite
1
CI 11+11+2
parcial
11
M
30
Ototoxicidade
5
CI24k
Completa
12
F
30
Meningite
14
CI24k
Completa
13
F
42
Meniere
4
CI24k
Completa
14
M
9
Congênita
9
CI24R (CS)
Completa
15
F
2
Meningite
2
CI 11+11+2
parcial
16
M
5
congênita (CMV)
5
CI24k
Completa
17
F
4
congênita (genética)
4
CI24k
Completa
18
F
3
congênita
3
CI24R (CS)
Completa
19
F
2
congênita (leucodistrofia)
2
CI24k
Completa
20
F
23
Progressiva
2
CI24k
Completa
21
M
6
Meningite
6
CI 11+11+2
Completa
22
F
6
congênita (prematuridade)
6
CI24k
Completa
23
M
5
congênita (genética)
5
CI24k
Completa
24
M
30
Meningite
10
CI24k
Completa
25
F
45
Meningite
5
CI24k
parcial
26
F
30
Meningite
15
CI24k
Completa
27
M
5
congênita (genética)
5
CI24k
Completa
28
M
35
Meningite
15
CI 11+11+2
Completa
29
M
22
Meningite
22
CI24k
Completa
30
F
40
Meningite
35
CI24k
Completa
31
F
43
Progressiva
2
CI24k
Completa
32
M
50
Progressiva
5
CI24k
Completa
33
M
50
Meningite
30
CI24R (CS)
Completa
34
F
60
Progressiva
2
CI24R (CS)
Completa
35
F
43
Progressiva
7
CI24k
Completa
36
F
60
Progressiva
3
CI24k
Completa
37
M
38
Otosclerose
2
CI24R (CS)
Completa
38
F
60
progressiva (genética)
5
CI24k
Completa
39
M
5
congênita (genética)
5
CI24k
Completa
40
F
29
TCE
10
CI24k
Completa
41
F
60
Otosclerose
10
CI24k
parcial
42
F
12
Meningite
11
CI24k
Completa
43
M
55
TCE
7
CI24k
Completa
44
M
8
congênita a/e
8
CI24k
Completa
45
F
17 Síndrome do aqueduto vestibular alargado 2
CI24k
Completa
46
M
30
Meningite
30
CI24k
Completa
47
M
35
Progressiva
2
CI24k
Completa
48
M
60
Progressiva
5
CI24k
Completa
49
F
43
Progressiva
2
CI24k
Completa
50
F
63
Progressiva
14
CI24k
Completa
51
F
7
congênita (icterícia)
7
CI24k
Completa
52
F
9
congênita (genética)
9
CI24k
Completa
53
F
4
congênita (prematuridade)
4
CI24k
Completa
54
F
10
congênita (rubéola materna)
10
CI24k
Completa
F: feminino / M: masculino / TCE: trauma crânio encefálico / CMV: citomegalovirose / CI24k: modelo nucleus 24 kids / CI24R(CS):
modelo nucleus 24 contour / CI 11+11+2: modelo nucleus 24 double array.
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linear sobre a curva de crescimento de amplitude, determinando o limiar do EAP e a inclinação dessa curva (função I/
O) para cada eletrodo estudado.
Para a análise dos dados, os indivíduos foram divididos em grupos de acordo com a etiologia da surdez na orelha implantada e de acordo com o tempo de surdez. Os
eletrodos foram divididos de acordo com a sua posição dentro da cóclea em eletrodos apicais (22 a 16), mediais (15 a
8) e basais (7 a 1).
A Tabela 2 descreve os limiares obtidos na pesquisa
da NRT e o valor da função I/O da curva de crescimento
de amplitude de acordo com a etiologia. A Tabela 3 faz a
mesma descrição, porém de acordo com o tempo de surdez.
A latência de N1 foi encontrada entre 0,27µs e 0,41µs
em todos os indivíduos (média de 0,33µs) e não variou mais
do que 0,09µs num mesmo paciente. Em relação ao tempo
de duração da surdez, a média da latência foi igual em todos
os grupos (0,34µs). De acordo com as etiologias apresentadas, a média da latência variou entre 0,32µs (ototoxicidade,
otosclerose e surdez idiopática) e 0,34µs (surdez congênita,
por TCE e meningite).
As características do potencial de ação do VIII par
obtido pela NRT também foram analisadas de acordo com a
posição do eletrodo na cóclea, como mostra a Tabela 4.
RESULTADOS
Para a obtenção da morfologia adequada do potencial de ação composto, obtido pelo sistema de NRT, o ganho
do amplificador precisou ser reduzido em 30,6% dos eletrodos pesquisados; enquanto nos demais 69,3% apenas o delay
foi alterado. Foram testados 227 eletrodos.
As respostas da NRT puderam ser obtidas 80% dos
pacientes avaliados e em 75% dos eletrodos testados, sendo que a prevalência foi maior nos eletrodos apicais (76%)
em relação aos mediais (74%) e basais (74%). Apenas 10
indivíduos não apresentaram respostas em nenhum dos eletrodos testados, destes, 60% apresentavam etiologia de
meningite.
O número de pacientes com alteração no teste de
telemetria de impedâncias foi de 13% (7 indivíduos). Os
eletrodos com alterações de impedâncias não foram utilizados para a medida do potencial.
Com relação à prevalência do potencial, os Gráficos
1 e 2 mostram este dado agrupado de acordo com a etiologia
e o tempo de surdez, por indivíduo e por eletrodo testado.
A variação média dos limiares para um mesmo indivíduo foi de 10UC. O limiar médio do grupo foi de 190UC
(desvio padrão de 12,92).
A média da inclinação da curva de crescimento de
amplitude do potencial (função I/O) foi de 9,79 (desvio
padrão de 6,92). A variação média intraindividual foi de 4,4;
porém nunca maior do que isso entre eletrodos locados numa
mesma região da cóclea.
A telemetria de resposta neural (NRT), por ser de
fácil e rápida aplicação, pode ser utilizada durante a cirurgia
a fim de medir as respostas da porção periférica do nervo
auditivo a partir da estimulação elétrica e também para verificação da integridade da cadeia de eletrodos assim que a
mesma for inserida na cóclea7. No presente estudo o EAP
foi obtido de maneira muito satisfatória com a utilização do
sistema de telemetria durante as cirurgias de implante
coclear, especialmente por ser um método relativamente
rápido não prejudicando o cronograma do cirurgião.
O EAP apresenta vantagens em relação ao ABR, especialmente por não precisar de eletrodos externos colocados na superfície cefálica, ser menos susceptível à interferência miogênica e de necessitar de um número menor de
estímulos para ser desencadeado. Como são medidas captadas diretamente dos eletrodos intracocleares, a amplitude
do EAP tende a ser maior que a dos outros potenciais3,8,9.
Além disso, o uso dessa medida pode ajudar na seleção e
exclusão de eletrodos específicos durante a programação
do processador de fala6.
Gráfico 1. Prevalência da Telemetria de Resposta Neural (%) por
etiologia da surdez.
Gráfico 2. Prevalência da Telemetria de Resposta Neural (%) por
tempo de surdez.
DISCUSSÃO
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Tabela 2. Limiares da NRT e valor da função I/O de acordo com a etiologia da surdez.
ETIOLOGIA
Meningite
Surdez Congênita
Surdez Progressiva
pNRT (média em UC)
192
189
189
Outras (causas súbitas)
Função I/O
9,39
10,9
8,99
188
UC: unidade de corrente
NRT: Telemetria de Resposta Neural
10,21
Tabela 3. Limiares da NRT e valor da função I/O de acordo com o tempo da surdez.
Tempo de Surdez
Até 05 anos
Entre 05 e 10 anos
Entre 10 e 15 anos
Maior que 15 anos
pNRT (média em UC)
189
192
192
188
UC: unidade de corrente
NRT: Telemetria de Resposta Neural
Função I/O
11,8
8,5
8,9
8,6
Tabela 4. Características da NRT (limiar, função I/O e latência) de acordo com a posição do eletrodo na cóclea.
Limiar (média em UC)
Latência (média em µs)
Função I/O (média)
Prevalência (%)
Apical
187
0,32
10,44
76
Medial
190
0,34
9,29
74
UC: unidade de corrente
NRT: Telemetria de Resposta Neural
A morfologia do potencial, a sua latência e a função
da inclinação da curva de crescimento de amplitude (função I/O) observados neste trabalho foram semelhantes aos
descritos em outros estudos6,8,9,14.
A prevalência de respostas foi de 75% dos eletrodos,
obtida em 80% dos indivíduos, e ligeiramente maior nos
eletrodos apicais, seguidos dos mediais e basais. A maior
prevalência nos eletrodos apicais pode estar relacionada ao
resíduo auditivo, que é mais presente nessa região
coclear6,14,15.
As alterações de impedância foram encontradas em
13% dos indivíduos que apresentaram eletrodos com valores acima de 20kΩ (N=8) ou abaixo de 1,5 kΩ. Dados semelhantes foram relatados previamente, nos quais as alterações de impedância foram observadas em 16%8, 20%9 e
23%11 dos indivíduos. Valores elevados de impedância podem sugerir, por exemplo, bolhas de ar no interior da cóclea;
eletrodos fora da cóclea (inserção parcial); eletrodos no espaço epitimpânico ou eletrodos em circuito aberto. Valores
rebaixados por sua vez podem sugerir mal-formações
cocleares ou cavidade comum; eletrodos se tocando (cadeia dobrada); excesso de solução salina na cavidade
mastóidea ou eletrodos em curto circuito. A vantagem de se
realizar esse procedimento no momento intra-operatório é
que, dependendo da alteração, o médico cirurgião pode tentar
solucionar o problema antes do fechamento da cavidade,
reposicionando os eletrodos, por exemplo, ou decidindo
substituí-los caso o número de eletrodos com impedâncias
Basal
193
0,34
10,06
74
Total
190
0,33
9,79
75
alteradas seja grande.
São descritas alterações de impedâncias mesmo em
pacientes sem complicações cirúrgicas e com a cóclea
pérvea11. Todos os pacientes que apresentaram alterações
de impedâncias em mais de cinco eletrodos (N=7) não apresentaram também as respostas de telemetria neural, mesmo sendo usados outros eletrodos para a estimulação e gravação do potencial. No exame de Raio-X (intra-operatório)
foi evidenciada a inserção parcial do implante coclear. Podemos assim supor que a prevalência de respostas intraoperatórias está, de certa forma, relacionada às alterações
de impedância do sistema e às condições de inserção dos
eletrodos. Destes casos, 71% apresentavam etiologia de
meningite com ossificação parcial ou total da cóclea. Para a
programação do processador de fala, os eletrodos com
impedâncias alteradas foram desativados.
Smoorenburg et al.13 não conseguiram obter respostas na NRT em 14 dos 27 indivíduos estudados. Como o
procedimento foi realizado em sessão pós-cirúrgica, os autores atribuem a baixa prevalência ao nível de desconforto
desses pacientes que não possibilitou o aumento das unidades de corrente necessárias para a captação do potencial.
Nos demais pacientes (N = 13) foram encontradas respostas
satisfatórias nos 20 eletrodos pesquisados. Na nossa casuística
a prevalência foi mais alta em grande parte pelo fato do
paciente estar anestesiado, o que possibilitou a pesquisa do
potencial em intensidades de corrente elevada sem causar
desconforto3,7.
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Os pacientes que não apresentaram respostas na condição intra-operatória devem ser reavaliados para confirmação dos resultados durante as primeiras estimulações, pois a
ausência do potencial pode ter sido causada pela falta de
adequação dos parâmetros de estimulação, já que durante a
cirurgia muitas vezes não há tempo hábil para várias modificações ou alterações mais detalhadas. Recomenda-se também a complementação com a pesquisa do reflexo
estapediano evocado eletricamente. A associação das respostas da telemetria e da pesquisa do reflexo estapediano é
de grande importância na programação dos implantes
cocleares, especialmente para a determinação dos níveis de
conforto7.
A prevalência de respostas foi notavelmente menor,
por número de pacientes e por eletrodos testados, nos casos de meningite. Todos os pacientes em que as respostas
foram ausentes apresentavam algum grau de ossificação
coclear. Além disso, sabe-se que a meningite pode causar a
morte de um grande número de células ganglionares e até
lesões no tecido neural5. Gantz et al.5 encontraram também
um aumento no tempo de recuperação neural nos casos de
meningite durante a pesquisa da NRT; além disso, observaram que as crianças com surdez pós-meningite demoravam
mais para evoluir na percepção de fala do que aquelas com
surdez congênita.
Observa-se uma menor prevalência de respostas de
NRT em pacientes com até 5 anos de surdez, o que não era
esperado. Contudo, foi o grupo com maior número de pacientes com surdez pós-meningite e inserção parcial dos eletrodos, o que pode ter influenciado os resultados. Se excluirmos de todo o grupo os casos nos quais a inserção do
feixe de eletrodos não foi completa, o grupo de até 5 anos
de surdez seria o de maior prevalência (88%).
Houve tendência dos limiares obtidos pela NRT serem mais elevados nos eletrodos basais. Esse achado concordou com estudos anteriores3,9,13 que, além do limiar mais
elevado nos eletrodos basais, observaram também uma
amplitude de resposta reduzida nesses mesmos eletrodos.
Acredita-se que as respostas à estimulação elétrica dos eletrodos poderiam variar de acordo com a sua posição dentro
da cóclea de acordo com a densidade e integridade da população neural5. Dessa maneira, podemos inferir que exista
uma ligação com a audição residual nas baixas freqüências,
o que resultaria em menores limiares elétricos nos eletrodos
apicais devido à maior concentração de neurônios funcionais nessa região da cóclea. Por outro lado, a necessidade de
uma intensidade de energia maior nos eletrodos basais também pode estar relacionada à posição dos eletrodos na rampa timpânica e a prováveis danos cirúrgicos na base. Sabese que a distância radial entre a cadeia de eletrodos e o
modíolo está correlacionada com os níveis de energia para a
maioria dos usuários de implante coclear12.
A média dos limiares obtidos com a NRT neste estudo (190UC) foi próxima àquela descrita em literatura (cerca
de 187UC e 185UC), assim como a variabilidade entre os
limiares para um mesmo indivíduo8,9.
As pesquisas das respostas objetivas do nervo auditivo através da estimulação elétrica em usuários do implante
CI24 mostram pouca variabilidade entre eletrodos adjacentes, com leve aumento dos limiares nos eletrodos basais,
seguindo a configuração do mapa obtido pelo método
comportamental. Assim, foi desenvolvida uma fórmula para
a previsão dos níveis de estimulação de todos os eletrodos
baseado nas respostas objetivas da NRT associadas à resposta comportamental para um único eletrodo. Em geral, os
limiares obtidos com a NRT representam cerca de 61% do
campo dinâmico de crianças usuárias da estratégia de
codificação de fala SPEAK®. Como mostram os estudos, as
medidas da NRT podem ser utilizadas na predição dos níveis elétricos a serem programados em crianças pequenas3,9.
Nos pacientes adultos, os limiares do EAP tendem a se aproximar dos níveis de máximo conforto (níveis “C”) obtidos
psicoacusticamente, excedendo esse valor em alguns casos, especialmente nos eletrodos basais13.
Em relação à etiologia da surdez, foi verificado que
na surdez de caráter progressivo os limiares da NRT podem
apresentar-se mais reduzidos14. Na presente pesquisa notamos um ligeiro aumento dos limiares de telemetria nos indivíduos com surdez por otosclerose e meningite (média de
200UCe de 192UC, respectivamente), enquanto a média
do limiar da NRT nos casos de surdez por outras etiologias
ficou em torno de 188UC. Nestes dois processos etiológicos
ocorre um crescimento ósseo patológico; na otosclerose
causado por um aumento da atividade dos osteoblastos (com
deposição de matéria óssea) que culmina com um aumento
da cápsula ótica e, na cocleopatia ossificante da meningite,
há também um aumento da cápsula ótica acrescido de
oclusão das rampas timpânicas, coclear e vestibular, na maioria dos casos.
O osso que separa o canal de Rosenthal da escala
timpânica quando tem a sua espessura aumentada (como
no caso da otosclerose) poderia, por exemplo, afetar o fluxo de corrente e oferecer maior resistência à passagem de
estímulos até as células ganglionares12. Também, o excesso
de tecido e de crescimento ósseo dentro da cóclea poderia
alterar a passagem da corrente elétrica, resultando em um
aumento dos níveis de energia necessários para a estimulação
e, conseqüentemente, e um aumento do potencial de ação
auditivo11.
O tempo de surdez não pareceu determinante nos
limiares da NRT.
A função I/O da inclinação da curva de crescimento
de amplitude foi maior nos indivíduos com menor tempo
de surdez. Essa função estaria intimamente relacionada ao
campo dinâmico e aos níveis máximos de conforto (níveis
“C”) do paciente e que a inclinação da curva de crescimento de amplitude poderia fornecer dados sobre a quantidade
de neurônios sobreviventes no gânglio espiral, podendo
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auxiliar no ajuste dos mapas15. Dessa forma, podemos inferir que os indivíduos com menor tempo de surdez teriam
melhor representação cortical da memória auditiva para a
função de crescimento da sensação de intensidade (loudness)
e, conseqüentemente, maior campo dinâmico que os indivíduos com muito tempo de privação auditiva que, por sua
vez, estariam mais sujeitos ao desconforto não permitindo
níveis de estimulação elevados.
Em relação à etiologia da perda de audição, a variação da função I/O foi pequena entre as diferentes patologias no grupo estudado. Da mesma maneira, alguns autores
relatam que nas perdas súbitas de audição a função I/O deveria ser maior do que nas perdas progressivas, observando
uma diferença nos valores obtidos pela inclinação das curvas de crescimento de ganho entre pacientes com surdez
congênita e pacientes com surdez pós-lingual, assim essa
inclinação seria mais íngreme nos casos de crianças pequenas com surdez pré-lingual3,5,14.
A latência foi a característica mais estável dentre as
estudadas no potencial de ação captado pelo sistema de
telemetria. Os nossos achados concordam com a literatura,
em que a latência de N1 deveria estar entre 0,2µs e 0,4µs
com média de 0,3µs6,14. Há descrição de que a latência tende a ser maior nos eletrodos basais do que nos apicais, menor nas crianças pequenas (entre 12 e 24 meses) do que
nos adultos e inversamente proporcional a amplitude; isso
explicado pelo fato de uma menor degeneração neural causada pela privação sensorial. Assim, a redução da latência e
o aumento da amplitude poderiam ser resultado da
estimulação de uma grande porção de neurônios funcionais
no gânglio espiral ou de uma grande resposta neural
sincrônica3.
Portanto, a variação dos limiares, da função de inclinação da curva de crescimento de amplitude (I/O) e das
propriedades refratárias das respostas do potencial de ação
do VIII par poderiam indicar diferenças na população neural
dos indivíduos, podendo até mesmo refletir na performance de percepção auditiva6.
As vantagens da realização das medidas da NRT durante a cirurgia vão além da verificação da integridade do
sistema. Muitas vezes os níveis necessários para a obtenção
da NRT ultrapassam os limites do conforto, especialmente
nas crianças. A gravação intra-operatória não apresenta esse
tipo de preocupação, já que o paciente está sedado e os
valores obtidos são passíveis de utilização desde a primeira
estimulação.
Novas pesquisas são necessárias para maior conhecimento das características e da prevalência das respostas
obtidas pela NRT, bem como para determinar a sua capacidade de previsão dos limiares comportamentais para que
possamos utilizar esse procedimento de maneira mais apropriada na programação dos eletrodos.
Como a NRT reflete apenas a atividade dos neurônios
primários da via auditiva, as medidas comportamentais também se fazem necessárias e são importantes para a avaliação do processamento da informação ao longo de todo o
trajeto do sistema nervoso central16.
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