Da frustração ao entusiasmo:
uma análise da relação entre fãs e spoilers no Twitter
From frustration to enthusiasm:
an analysis of the relationship between fans and spoilers on Twitter
Melina MEIMARIDIS1
Marcelo Alves dos SANTOS JUNIOR2
Thaiane Moreira OLIVEIRA3
Resumo
Este trabalho tem como proposta realizar um estudo empírico, que combina técnicas de
mineração e refinação de bancos de dados do Twitter com a análise semântica dos
tweets, a partir da repercussão gerada em torno da morte de um dos protagonistas da
série Grey’s Anatomy, lançando evidências da complexa relação dos fãs com spoilers.
Buscando aprofundar as discussões em torno dessa relação, tradicionalmente
considerada como prejudicial à experiência de consumo de séries ficcionais televisivas,
a presente análise busca demonstrar as reações distintas por parte do fandom ao
consumirem este tipo de paratexto. Os dados analisados corroboram com a noção
clássica do consumo de spoilers, encontrando grande reação negativa dos fãs.
Entretanto, identifica-se, também, um engajamento positivo por parte de um grupo
dentro do fandom, apontando para a existência de dinâmicas de solidariedade e de
conflito entre os fãs, que ampliam a compreensão sobre o fenômeno em questão.
Palavras-chave: Spoilers. Consumo. Fãs. Séries. Twitter.
Abstract
This paper proposes an empirical study, which combines data mining techniques of
Twitter’s databases with semantic analysis of tweets from the generated repercussions
surrounding the death of one of the protagonists of the television show, Grey's
Anatomy, shedding light on the complex relationship of fans with spoilers. Seeking to
deepen the discussions around this relationship, which has been traditionally considered
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense
(UFF). E-mail: melmaridis@hotmail.com
2
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense
(UFF). E-mail: marceloalves.ufsj@hotmail.com
3
Doutora em Comunicação Social pela Universidade Federal Fluminense. Professora do Departamento
de Estudos de Mídia da UFF. E-mail: thaiane.moliveira@gmail.com
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detrimental to the consumption experience of television fictional series, this analysis
seeks to demonstrate different reactions from the fandom as they consume this type of
paratext. The analyzed data corroborates the classical understanding of the consumption
of spoilers, finding great negative reaction from fans. However, it also identifies a
positive engagement by a group within the fandom, pointing to the existence of
dynamics of solidarity and conflict among fans, which enhances the understanding of
the phenomenon in question.
Keywords: Spoilers. Consumption. Fans. Series. Twitter.
Introdução
A intensa circulação de spoilers, ou seja, informações sobre o que irá acontecer
em um produção midiática antes de ser mostrado ao público, tem gerado calorosos
debates entre fãs nos últimos anos, sobretudo, nas mídias sociais. Entretanto, este tem
sido um objeto de estudo negligenciado pela academia (HASSOUN, 2013, p. 3). Alguns
dos trabalhos que buscam se aprofundar sobre o fenômeno, caracterizam o spoiler como
algo que “estraga” a experiência de consumo de um texto (HASSOUN, 2013;
JOHNSON & ROSENBAUM, 2014; GRAY & MITTELL, 2007). Diversos autores já
abordaram o tema utilizando métodos e produtos culturais distintos, desde contos
(LEAVITT & CHRISTENFELD, 2011), novelas (BAYM, 2000; FORD, KOSNIK,
HARRINGTON, 2011), séries televisivas (GÜRSIMSEK & DROTNER, 2014) e até
quadrinhos (HASSOUN, 2013). Em sua maior parte, a bibliografia reflete a visão
negativa em torno da recepção dos spoilers. Entretanto, estudos recentes têm levantado
questionamentos, sugerindo relações de consumo com nuances mais complexas do que
positivas e negativas. Este trabalho pretende dialogar com essa nova abordagem,
buscando demonstrar empiricamente a complexidade na recepção e no consumo desse
tipo de paratexto4.
Para Gerard Genette (1997), paratextos são textos que nos preparam para
outros textos. Tal compreensão é colocada em releitura por Jonathan Gray (2010) ao
defender que os paratextos preenchem lacunas de textualidade que não podem ser
satisfeitas apenas dentro da obra original. Desta forma, podemos compreendemos o
spoiler como um paratexto por influenciar a forma como o espectador recebe o texto,
4
Todos os produtos externos ao texto que agregam algum tipo de sentido na experiência da obra, como
promos (trailers televisivos), extras de DVD’s, spoilers, críticas de fãs, entre outros (GRAY, 2010).
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tornando-se, assim, tão importante quanto o próprio texto. Tal fenômeno diz respeito a
uma transformação dos regimes espectatoriais como parte de um “cenário cultural
singular com suas próprias e específicas dinâmicas de produção, circulação e consumo”
de uma cultura das séries (SILVA, 2014, p. 251). A hipótese deste trabalho é que as
reações da audiência, ao receber spoiler, possuem modulações mais complexas do que a
frustração. Nesse sentido, defendemos que o spoiler é o adiantamento de uma peça do
roteiro fora da ordem original, mas que pode gerar, além de frustração, o engajamento
do público e dinâmicas de cooperação e de conflito entre os fãs.
Entendendo
a
existência de uma complexidade em torno da questão, esse trabalho se propõe a
identificar a existência de fãs de spoilers no contexto brasileiro e destrinchar a reação
negativa de modo a contribuir com futuros estudos sobre o tema. Para isso, aplicamos o
método de análise de conteúdo de uma amostra aleatória de tweets (n=217, margem de
erro de 5%) acerca do vigésimo primeiro episódio “How to Save a Life” da décima
primeira temporada de Grey’s Anatomy. No caso analisado, a amostra traz dinâmicas de
sociabilidade com ações comunicativas de solidariedade e de conflito entre fãs, haters, e
pessoas que nem acompanham a série. Isso aconteceu, em grande parte, porque o spoiler
da morte do personagem vazou prematuramente horas antes da exibição do episódio nos
Estados Unidos.
Este artigo inicialmente apresentará um levantamento bibliográfico sobre
spoilers, apontando os principais pontos de vista em torno do consumo desse paratexto,
para, então, descrever o caso analisado. Em seguida, explicaremos o desenho
metodológico aplicado, a partir de mineração de dados de mídias sociais, seguido da
análise semântica. A discussão retoma as questões levantadas pela bibliografia e sugere
a existência de um grupo que consome spoilers de forma positiva. Além disso, ainda
destrincha a reação negativa em modulações mais complexas, que vão da frustração à
revolta. Sugerimos que o consumo de spoilers não é unânime em estragar a experiência
de consumir produtos culturais, mas, por vezes, a complementa, fazendo parte de uma
extensão textual relativa à Grey’s Anatomy em outras mídias.
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Fandom, spoilers e a experiência de consumo televisivo
Desde antes da internet, os fãs buscavam formas de estender os universos
narrativos das séries (BROOKER, 2001). Atualmente, com os avanços tecnológicos, a
popularização da internet e das mídias sociais, os fãs possuem diversos espaços de
participação online. Alguns gerados pelos próprios fãs-usuários e outros elaborados
estrategicamente pelos produtores das séries (ANDREJEVIC, 2008). Desse modo, a
experiência de consumo do texto e a experiência atrelada a ela não estão mais restritos
ao meio televisivo. Para Brooker, as estratégias mercadológicas das emissoras, ao
buscarem prolongar a experiência dos programas, permitem que as narrativas façam
parte do cotidiano do fã (BROOKER, 2001). Assim, os episódios já não conseguem
conter todo o conteúdo textual, que toma outras mídias, processo que ele denomina
“Overflow” (BROOKER, 2001, p. 458).
Como mencionado anteriormente, a bibliografia acerca da questão dos spoilers
em sua maior parte aborda a questão pelo viés negativo. Entretanto, pesquisadores têm
buscado complexificar essa visão pessimista e culturalmente aceita. Para muitos autores,
a experiência sempre seria prejudicada (GRAY & MITTELL, 2007). Contudo,
experimento realizado por Hassoun (2013) indica que os spoilers possuem funções
variadas, desde saciar a curiosidade dos fãs, até intensificar a ansiedade pelo próximo
episódio, aumentando “o prazer do consumo da obra, uma vez que facilita a reflexão,
antecipação ou surpresa” (HASSOUN, 2013, p. 350).
Da mesma forma, um estudo realizado com os fãs de Lost5, pelos
pesquisadores Jason Mittell e Jonathan Gray, revelou que o consumo de spoilers não
gera uma única reação. Alguns fãs evitam spoilers. Outros, porém, os buscam pela
internet, entendendo essa prática como interessante e agradável. Os autores ainda
afirmam que alguns fãs da série buscavam intencionalmente ler spoilers antes de verem
os episódios para os assistirem com mais atenção (GRAY & MITTELL, 2007, p.17),
afetando positivamente a experiência do consumo televisivo. Logicamente, a dinâmica
narrativa de Lost propiciava este tipo de experiência do consumo televisivo, devido ao
5
Série aclamada produzida por J.J. Abrams, que narra os acontecimentos da vida de um grupo de
sobreviventes após a queda de um avião numa misteriosa ilha. O primeiro episódio foi ao ar em 22 de
setembro de 2004.
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seu enredo complexo, que trazia diversas informações ocultas dentro e fora dos
episódios. Contudo, a premissa da existência de outras reações diante do consumo de
spoiler abre uma possibilidade de compreensão sobre o objeto para além da visão
dicotômica comumente reproduzida. É a partir desta possibilidade de complexificação
sobre o fenômeno que se pauta este trabalho, tendo como foco as reações diante do
spoiler sobre o episódio “How to Save a Life” da décima primeira temporada de Grey’s
Anatomy.
The Doctor is Out
Grey's Anatomy é uma série médica, criada pela showrunner Shonda Rhimes e
lançada em 2005, que acompanha a trajetória da doutora Meredith Grey ao longo de sua
residência em cirurgia no Seattle Grace Memorial Hospital. O show estreou em 2005 no
canal ABC nos Estados Unidos e, no auge de sua popularidade, ela atingia
semanalmente um público de aproximadamente 20 milhões de pessoas (QUICK, 2009).
Ao longo de onze temporadas e 220 episódios os fãs puderam acompanhar o romance
de Meredith e Derek. Porém, no episódio “How to Save a Life” ele sofre um acidente
fatal, restando apenas para Meredith ir ao hospital e desligar os aparelhos.
Deve-se notar que, antes do episódio ir ao ar, diversos fãs já especulavam que
Derek iria morrer, ou sofrer algum acidente, devido a imensa campanha promocional
que a emissora estava fazendo em cima do episódio. Porém, essas informações não
passavam de meros boatos, visto que o contrato do ator, Patrick Dempsey, assegurava
seu papel até o fim de uma possível décima segunda temporada. Na tarde do dia 23 de
abril, uma fã norte-americana postou em sua conta do Instagram uma foto de uma
matéria da revista Entertainment Weekly, a qual ela tinha recebido com um dia de
antecedência. A manchete dizia "The Doctor is Out", o texto contava com detalhes que
o personagem de Dempsey morria no episódio que seria exibido naquela noite. A
revista, que só chegaria nas bancas na sexta pela manhã, acabou revelando um dos
maiores spoilers da série. A foto circulou por toda a internet e, em poucas horas, fãs de
todos os lugares do mundo estavam debatendo a informação, em diversas redes sociais,
antes mesmo do episódio ir ao ar nos Estados Unidos. As mídias sociais, então, foram
espaço de disseminação do spoiler de três modos: (1) veiculação antecipada da foto da
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revista; (2) discussão dos fãs sobre a morte de Derek, que levou a hashtag RIPDerek aos
top trendings no Twitter; e (3) publicações da imprensa acerca das reações exageradas
dos fãs da série.
O consumo de spoiler pela análise semântica
As mídias sociais são consideradas um laboratório relativamente aberto com
bancos de dados produzidos pelos usuários em escala mundial e em tempo real sobre os
mais variados temas (GIGLIETTO, ROSSI, BENNATO, 2012). De fato, uma das
características do conteúdo gerado por usuários no ambiente digital é dataficação, isto é,
a possibilidade de rastrear, coletar, organizar e analisar um grande volume de
informações (VAN DIJCK, POELL, 2013). Estes dados são um robusto “indicador de
sentimentos, comportamento ou difusão em relação a um tópico particular em um tempo
definido [...] agora acessível à análises sistemáticas e em tempo real” (SHAH,
CAPELLA, NEUMAN, 2015, p. 10).
Propomos, então, uma análise de publicações no Twitter sobre o episódio com os
seguintes questionamentos:
1- O consumo e a propagação de spoilers no Twitter geram quais reações?
2- A prática de consumir spoilers é capaz de engajar positivamente os fãs?
Tendo isto em mente, a fim de buscar evidências empíricas para responder nossos
questionamentos e avançar na compreensão das dinâmicas de relacionamento das
comunidades de fãs com spoilers nas plataformas de redes sociais, realizamos um
desenho metodológico que combina técnicas de mineração e refinação de bancos de
dados do Twitter com a análise semântica dos tweets (LYCARIÃO, DOS SANTOS,
2015; LEWIS, ZAMITH, HERMIDA, 2013; RECUERO, 2014; RUSSELL et al, 2011;
QIN, 2015).
Assim, o primeiro passo foi realizar a mineração de dados e refinar os bancos de
dados. Para isso, utilizamos o aplicativo do Microsoft Excel, NodeXl - uma extensão
open source que permite a extração, organização e análise de informações de mídias
sociais (SMITH et al., 2009) - para fazer diversas coletas no dia 24 de abril de 2015
(BENEVENUTO et al. 2012). Os parâmetros de nossas buscas foram estabelecidos de
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acordo com a produção de tweets pelos fãs de Grey’s Anatomy tanto durante o episódio
(live-tweeting) como na semana que o antecedeu, refletindo também as especulações
prévias sobre os desdobramentos da série. A mineração foi orientada pelas palavras:
grey’s anatomy, greysanatomy, #TGIT; #greysanatomy; #tearsofgrey; #whereisderek e
#RIPderek, todas elas utilizando o português brasileiro. Foram coletados 29.440 tweets,
retweets e respostas, produzidos entre os dias 17 e 24 de abril.
Com isso, reunimos os dados extraídos em uma planilha de Excel e refinamos os
resultados buscando pelos textos dos tweets que continham a palavra spoiler ou a
#RIPderek. Obtivemos um banco de dados de 918 entradas, representando
majoritariamente a repercussão das reações de fãs e não-fãs acerca dos acontecimentos
do episódio “How to Save a Life” no Twitter. Em seguida, preparamos os dados para a
análise a partir de uma amostra aleatória de n=271 com margem de erro de 5%.
As categorias foram desenvolvidas em um livro de códigos e foram divididas
em: revoltados, avoiders, frustrados, trolls, fãs (Spoiler fans), informativos e outros. As
categorias “avoiders” e “fãs” foram baseadas no estudo realizado em 2007 pelos
pesquisadores Jonathan Gray e Jason Mittell, Speculation on spoilers: Lost fandom,
narrative consumption, and rethinking textuality. Nele, os autores (através de uma
pesquisa qualitativa com os fãs da série Lost) definem os mesmos como “Spoiler Fans”,
que seriam as pessoas que consomem intencionalmente o paratexto e “Spoiler
Avoiders”, pessoas que evitariam entrar em contato com spoilers. Além disso,
aperfeiçoamos a descrição das categorias com base em observações sistemáticas do
banco de dados, realizando três rodadas de testes e adaptações das indicações que
resultaram índices de confiabilidade mais altos.
A parte final foi a análise de conteúdo dos textos (DOERFEL, 1998, p.17). Dois
codificadores categorizaram os tweets da amostra com base no livro de códigos
elaborado, definindo as dinâmicas de repercussão, relacionamento e de produção textual
dos fãs e não-fãs sobre os spoilers no Twitter. Antes da codificação, realizamos um teste
de confiabilidade cega em uma subamostra de 40 tweets, resultando índices
Krippendorff alpha de Kα1=0,806 e Kα2=0,878 (HAYES, KRIPPENDORFF, 2007),
sendo que a variável 1 obteve 85% de concordância e a variável 2,95%.
A partir de então, pudemos traçar as seguintes categorias:
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Variável 01:
V101- Revoltados: São fãs ou anti-fãs que expressam profundo desgosto com os
spoilers. É a categoria negativa mais densa, envolvendo grande descontentamento com a
recepção dos spoilers, indo além da frustração, com alguns até chegando a afirmar que
estão desistindo da série. A intensidade, aqui, é caracterizada pela utilização de
linguagem carregada de tons inflamados, como xingamentos, hostilidade, agressividade
e a prática discursiva de flaming. Os tweets são marcados principalmente por discurso
de ódio. A categoria não compete aos tweets com linguagem figurativa.
Exemplo:
V102- Avoiders 2.0: São fãs ou não fãs que evitam os spoilers, afirmando que irão se
ausentar das redes ou bloquear outros usuários que estão soltando spoilers. Além disso,
ainda alertam os outros usuários da presença de spoilers na rede. Em geral, fazem
comentários sobre a repercussão dos fãs com a quantidade de spoilers na mídia, mas não
de forma maldosa, apenas para avisar a comunidade fã sobre a alta possibilidade de
recebê-los.
Exemplo:
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V103- Frustrados: São fãs que apresentam textualmente frustração e desapontamento
especificamente com relação ao spoiler. Contudo, é um tipo de reação negativa mais
contida do que os revoltados. Isso porque expressa um descontentamento com os
spoilers de forma branda, sem apelar para xingamentos. Entra nesta categoria as
expressões por linguagem figurativa, como “vai para o inferno” e “vou matar a
Shonda”.
Exemplo:
V104-Trolls: Indivíduos que ridicularizam e ironizam os fãs da série soltando spoilers
gratuitos na rede. Podem seguir ou não a série, mas se divertem com as ondas de
insatisfação dos fãs com a disseminação generalizada de spoilers. Em geral espalham e
comentam de forma irônica o caráter exagerado das expressões dos fãs quando recebem
o spoiler. A categoria não compete aos tweets com spoilers não intencionais, por
exemplo o uso da #ripderek.
Exemplo:
V105- Animados/Spoiler Fans: São fãs que não só buscam spoilers intencionalmente
como reagem positivamente expressando textualmente ansiedade pelo episódio.
Também podem ser não-fãs, ou seja, seguidores mais esporádicos da série, que não
acompanham o lançamento de episódios nos EUA, mas que desejam se manter a par dos
acontecimentos, ainda que os assista depois.
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Exemplo:
V106- Informativos: São tweets de páginas de séries ou veículos midiáticos
comentando sobre o episódio. Muitas vezes até soltam spoilers, mas diferentemente do
troll, fazem isso com o intuito de informar e não ridicularizar os fãs. Além disso, podem
ser matérias informativas ou comentários de blogs sobre a reação dos fãs aos spoilers
nas mídias sociais, como o #tearsofgrey.
Exemplo:
V107- Outros: Comentários aleatórios acerca da série ou do episódio sem expressar
nenhum descontentamento ou prazer em relação aos spoilers. Podem entretanto,
expressar descontentamento com a série e com seus criadores. Além disso, grande parte
dos tweets utilizam a #tearsofgrey.
Exemplo:
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Variável 02
V201 - Positivo (Animados).
V0202 - Negativo (Revoltado, Frustrado, Troll, Avoider).
V0203 - Neutro (Informativo e Outros).
Realizamos a codificação manual de uma amostra aleatória do banco de dados
de n=271, com margem de erro de 5%. A codificação possui duas variáveis: (1) reação
textual sobre o spoiler - Frustrados, Avoiders, Revoltados, Trolls, Fãs, Institucionais e
Outros; e (2) valência das reações - Positivo, Negativo e Neutro. Os resultados estão
apresentados na Tabela 01:
Tabela 01 – Análise de Conteúdo
A análise de conteúdo realizada indica que prevalece a produção de tweets com
conteúdo que se refere à frustração com 38% em relação ao vazamento antecipado de
informações importantes sobre o episódio de Grey’s Anatomy. Os revoltados, que
utilizaram linguagem de tons carregados e hostis, representaram 10,33% da amostra. E a
segunda variável retornou valência negativa em 62,36% das mensagens analisadas. De
modo geral, isso sugere evidências empíricas da reação dos usuários do Twitter em
relação ao spoiler da série de TV.
No entanto, os resultados também apontam que o relacionamento negativo com
spoilers, embora majoritário, não é abrangente o suficiente para captar as diversas
nuances do fenômeno. Nesse sentido, é necessário adotar uma perspectiva mais
complexa na análise, a fim de encontrar categorias derivativas e desviantes do
comportamento negativo dominante. No caso investigado, nossos dados trazem um
achado de que outros 10,70% são avoiders, evitando spoilers e avisando seus seguidores
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para sair das mídias sociais; e 3,32% são trolls, usuários que compartilham spoilers com
a finalidade de se divertir com o sofrimento dos fãs da série. A categoria fãs com 3,69%
dos usuários é um achado empírico que sustenta a tese de que parte do público tem um
relacionamento produtivo com os spoilers, acompanhando os acontecimentos do roteiro,
sem ter a rotina fiel de assistir aos episódios assim que são exibidos na TV
estadunidense. Defendemos que para parte da audiência esta prática não estraga a
experiência de assistir ao show, mas a complementa, compondo uma extensão textual
relativa à Grey’s Anatomy em outras mídias.
Spoilers e as novas formas de consumo
Existem diversos estudos que abordam a relação entre o uso das mídias sociais e
o consumo de séries ficcionais televisivas. Entretanto, poucas análises são focadas na
presença de spoilers na internet, o que motiva calorosos debates que inundam as mídias
sociais ao longo da exibição de séries populares como Grey’s Anatomy e Game of
Thrones6. O Twitter tem se transformado em um espaço de trocas de opiniões,
informações e até sentimentos por parte dos fãs de séries. Os dados encontrados nesse
trabalho revelam um universo dentro do fandom ainda pouco estudado: os fãs que
consomem e trocam spoilers de forma prazerosa. Ademais, ainda demonstram diferentes
níveis de rejeição por parte dos fãs ao consumirem spoilers.
O principal achado desse trabalho foi evidenciar através de dados empíricos as
diversas nuances que estudos teóricos só apontam. Do mesmo modo como Mittell e
Gray identificam na análise qualitativa dos fãs de Lost, a existência de “spoiler fans” e
os “spoiler avoiders”, encontramos em nosso banco de dados reações similares por parte
dos fãs de Grey’s Anatomy, acrescentando variações às categorias exploradas pelos
autores. Assim, ao nos depararmos com os tweets de valência negativa, que compõem
cerca de 62% da amostra analisada e que possuem um alcance de rejeição que varia de
frustração à extrema revolta, tornou-se necessário esmiuçarmos essa reação em outros
três comportamentos distintos e possíveis, sendo eles: revolta, frustração e trollagem.
Além disso, ao identificarmos os “avoiders”, isolamos dois comportamentos dentro
dessa categoria. O primeiro abarcaria os fãs que evitam spoilers, afirmando que estavam
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Série criada por David Benioff e Daniel Weiss para a HBO. Baseada na série de livros As Crônicas de
Gelo e Fogo, escritos por George R. R. Martin..
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abandonando as redes sociais. Já o segundo são os fãs que alertavam outros usuários da
grande presença de spoilers nas redes. Essa união dos fãs corrobora os dados apontados
por Schirra, Sun, e Bentley (2014), que, ao analisarem a prática de live-tweeting,
afirmam que o Twitter é uma ferramenta que une uma comunidade de fãs que antes
estava fragmentada.
Ao testar nossas hipóteses, encontramos que 3,69% do banco de dados reagem
positivamente ao consumir spoilers. Dentre os dados favoráveis, é possível argumentar
que embora sejam consideravelmente menores que os resultados negativos e neutros,
ainda assim são representativos da existência de um grupo dentro do fandom que não só
enxerga a atividade de consumir spoilers como prazerosa, mas também, são engajados
por esse consumo. Uma possível razão para essa reação é o fato de que os spoilers,
como um paratexto, poderiam preencher uma lacuna temporal dentro da exibição dos
episódios, uma vez que a série é transmitida nos Estados Unidos primeiro e muitas
vezes leva semanas para sua exibição na televisão fechada nacional. Assim, resta aos fãs
acompanharem por links online durante a transmissão ou baixando o episódio após sua
exibição. Os spoilers, desse modo, alimentariam a curiosidade desse grupo particular de
fãs, que aguardam ansiosamente a cada novo episódio. Assim, os spoilers seriam uma
forma de estender a experiência de consumo da série.
Considerações finais
Grande parte da literatura acadêmica trata o spoiler como uma experiência
negativa para a audiência, literalmente estragando o consumo do produto cultural. No
entanto, argumentamos que o spoiler é um paratexto auxiliar que pode preparar o fã
para assistir a série. De fato, há diversas informações que são publicadas para estimular
a audiência, como sinopses, fotos, teasers, trailers, entrevistas e talk shows. Nesse
sentido, há um conjunto de textos que circulam em torno do produto cultural principal.
As conversas e postagens nas mídias sociais expandem esse espaço de conversação
sobre as séries, engajando os fãs em dinâmicas de relacionamento, negociação e
recontextualização de sentido.
Este trabalho buscou oferecer evidência empírica para testar apontamentos
teóricos propostos na bibliografia acadêmica levantada. Assim, realizamos uma análise
de conteúdo de uma amostra aleatória de n=217 com margem de erro de 5%, medindo a
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frequência de sete categorias de reação do público ao spoiler nas mídias sociais:
frustrados, avoiders, revoltados, trolls, fãs, informativos e outros; e três valências:
positivo, negativo e neutro. Nossos resultados mostram que na amostra estudada a maior
parte das reações no Twitter foram negativas. Contudo, sugerimos que a repercussão
dos spoilers tiveram nuances mais complexas, indo de frustrados a revoltados. Além
disso, os spoilers despertam práticas subculturais entre os fãs, gerando dinâmicas de
solidariedade entre os membros da comunidade, quando os avoiders avisam outros fãs
para saírem das mídias sociais; e práticas de conflito, quando trolls espalham spoilers
para debochar dos fãs e se divertirem com a performance de frustração nas redes.
A partir dos dados propostos neste trabalho sugerimos uma adaptação do
conceito, argumentando que o spoiler é a quebra da ordem de recepção de uma
informação sobre o roteiro que revela um acontecimento narrativo, mas que não
necessariamente provoca uma reação negativa, não devendo, portanto, ser
compreendido antecipadamente como frustrante ao consumo. Evidentemente, alguns
aspectos como estilo do roteiro, relevância do acontecimento narrativo para a trama, ou
autoria e modo de disseminação do spolier, podem alterar a forma de repercussão e
circulação do fenômeno em questão. Todavia, é entendendo o spoiler em seu aspecto
multidimensional que pudemos revelar a complexidade que envolve as diversas relações
de consumo aqui apresentadas.
A categoria fãs de spoilers é um achado que aponta para a riqueza das relações
da audiência com estes paratextos nas mídias sociais. Isso porque, embora
quantitativamente reduzidos em comparação com a repercussão de valência negativa, os
fãs de spoilers sugerem um relacionamento paralelo com estes paratextos, sem estragar
a experiência de assistir o programa, mas a estimulando. Assim como há mais de um
tipo de fã, também há mais de uma forma de acompanhar a série, que apontam para uma
mudança significativa dos regimes de espectatorialidade, sobretudo, das produções
audiovisuais seriadas contemporâneas: assistir de forma sincronizada com os
lançamentos originais nos Estados Unidos a partir de links piratas e comunidades fãs;
baixar vazamentos ripados no dia posterior, assinar um serviço de streaming, assistir na
TV a cabo, na TV aberta, reassistir, comprar os DVDs ou acompanhar à distância pelos
canais especializados de spoilers.
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De modo paralelo, o público não é homogêneo em suas razões e formas de ver o
show. De fato, as mídias sociais potencializam a possibilidade de quebra na ordem de
recepção, na medida em que agrupam e orientam conversas de fãs sobre o conteúdo da
série de temporalidades de exibição totalmente diferentes. Assim, a experiência
acontece em overflow, envolvendo processos transmídia e gerando comunidades fandom
de discussão. Desta forma, este trabalho realizou uma análise empírica da produção de
sentido nas mídias sociais sobre Grey’s Anatomy, lançando evidências da relação
complexa dos fãs com os paratextos, buscando entendê-los em seu aspecto
multidimensional.
Referências
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