[go: up one dir, main page]

Academia.eduAcademia.edu
GEOGRAFÍAS IMPROVÁVEIS: RECEPÇÃO DAS OBRAS DE HANNAH ARENDT NA ARGENTINA (1942-1972) 1 Claudia Andrea Bacci  No percurso da primeira recepção na Argentina das obras de Hannah Arendt, se vislumbra um processo de leituras “inexatas”, e em certo sentido ex-cêntricas, que permeten enxergar as operações de seleção, importação e interpretação à quais são submetidas esses textos, e, paradoxos da tradução lingüística-cultural, perceber a riqueza e originalidade dos receitores. A fim de abordar-las é precisso pensar a interculturalidade como um fato ambíguo de sincretismos teóricos esquecidos assim como de transmutações recíprocas. Esses "tráficos" nas leituras e traduções não indicam nem vías unívocas, nem meramente passivas. Meus primeiros achados nesta pesquisa, datados em 1942, pois, mostram a seletividade da “importação” e a “tradução cultural” à que foram submetidas essas leituras na sua circulação . O grupo de publicações que analizo inseriram-se no período 1942-1972 num espaço cultural fortemente internacionalista e pouco institucionalizado mas que sofrera um processo de transformação radical depois da Segunda Guerra. O que parecia favorecer esses contatos e intercâmbios eram as afinidades seletivas do antifascismo e antinazismo dos democratas e progressistas do mundo. Além disso, as migrações forzadas desde Europa espalharam pelos quatro cantos do mundo à artistas, cientistas, escritores, filósofos, ativistas políticos e divulgadores culturais. As revistas culturais da época foram redes irradiadas entre novas e 1 Publicado en Filosofía ou Política? Diálogos com Hannah Arendt, G. Bréa, P. Nascimento y M. Milovic (orgs.), São Paulo: UNB/Annablume, 2010, pp. 71-76. Con referato. ISBN 978-85-391-0047-7. Socióloga, Professora e Pesquisadora na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA) e do Centro de Documentação e Investigação da Cultura de Esquerda na Argentina (CeDInCI). Mestranda no Mestrado em Investigação em Ciências Sociais, Faculdade de Ciências Sociais (UBA-Argentina). Correio electrônico: claudiabacci@yahoo.com.ar velhas migrações que redesenharam o mapa do mundo nas geografías improváveis nos anos de guerra, exílio e persecução política. Cabe perguntar assim, quem foram os primeiros leitores argentinos de Arendt? E quem foi essa pensadora para esses primeiros leitores? Ao avançar nesta indagação, uma coisa pareceria certa: quando foram traduzidos seus primeiros livros ao espanhol em 1967 — Eichmann en Jerusalén e Sobre la revolución— seu pensamento já era conhecido na Argentina, mesmo que marginalmente, por leitores procedentes da comunidade judaica e alemã, do antinazismo e da esquerda não stalinista. Com efeito, no final do ano 1942 a revista judaico-alemã Porvenir publica o artigo “Ein Mittel zur Versöhnung der Völker”, versão original que não se correponde com seus artigos publicados nesses anos de exilio em Nova Iorque (125-130). Alí ela adianta a ideia de que os judeus defendam seu lugar político entre as nações ocidentais em tanto que judeus, isto é, participando do conflito bélico desde a organização de uma armada judaica, e sustêm que “Um homen só pode defender (seus direitos) por aquilo que nele é agredido” (128). É também uma crítica para o filo-judaismo das nações ocidentais que, como a Inglaterra, mantém ao povo judeu como vítima da história mundial, mais sem les reconhecer o direito à defesa própria por nao ser eles uma nação. Arendt aparece assim como favorável à causa “sionista” apesar de si mesma, como vão revelar seus artigos críticos ao sionismo nos anos ‟50. Em 1945 aparecem dois artigos referidos a questão da situação de Alemanha na Segunda Pósguerra em Das Andere Deutschland, o jornal dos antinazistas alemães na Argentina. No primeiro deles, “Das „Deutsche Problem‟ ist kein deutsches Problem”, critica a ideia de as raízes do nazismo serem às de um suposto “espírito alemão” (I: 7-10; II: 8-9). 2 Ela sostem lá 2 De acordo com Marie Luise Knott o primeiro é bem diferente da versão da Partisan Review de janeiro do mesmo ano, mas não há certeza do caminho percorrido desde New York até Buenos Aires. Uma hipôtese possível é da intermediação do casal Klenbort, amigos do casal Arendt-Blücher, emigrados para Montevideo em 1944. M. L. Knott (1999: 186-188), E. Young-Bruehl (1982: 172), H. Arendt-H. Blücher (1999: 90). que o problema vem da perda de caráter nas sociedades de massas contemporâneas, e, a mais, da incapacidade de dar respostas políticas à decadência dos estados-nação europeios na Primeira Pós-guerra. No segundo artigo, “Organisierte Schuld”, fala da relação entre culpa coletiva e responsabilidade pessoal, assim como do debate ético-político sobre a colaboração e aceite dos alemães com o regime nazista (4-6). No jornal ela é identificada como “colaboradora regular” mas apenas são publicados esses dois artigos. Na Argentina após de 1946, os interesses locais viraram para à política interior e o perigo do “totalitarismo peronista”. Se bem que as publicações das comunidades idiomáticas foram constrangidas y controladas pelo Estado desde fins dos ‟30, a consolidação do peronismo no poder polarizou ainda mais as posições: Das Andere Deutschland cesóu em janeiro de 1949, quando “democratas” só podía querer dizer “antiperonistas”. A primeira tradução de Arendt para o espanhol é uma resenha sobre publicações recentes dedicadas ao nazismo tomada da norte-americana Commentary do mesmo ano, e é publicada em 1946 na revista Davar (88-95). Arendt expõe alí, um dos muitos artigos publicados enquanto preparava os materiais para The origins of totalitarianism, sua chamada para o fim da vitimização dos judeus e o seu correlato da culpabilização dos alemães (1951). Essa colaboração aparece sem especificação nenhuma de perte nça, mas salienta-se sua preocupação pelas implicações da fundação de um “estado judio” na Pós-guerra. Vale notar a recepção na revista Babel, onde apareceram dois artigos de Arendt, “En torno al Estado de Israel” e “Franz Kafka: una reevaluación” no especial sobre o autor checo, (1949: 82-88; 1950: 11-23). Editada por Samuel Glusberg, Babel intentava resistir o clima de perseguição política e cultural do peronismo com o espírito internacionalista baseado na recuperação da cultura judio-alemã e a tradição da esquerda não dogmática. Na apresentação de 1949, Arendt é filiada como “discípula de Karl Jaspers na Alemanha prehitleriana” e como “autora de um livro sobre Santo Agustinho, publicado nos Estados Unidos”. Do artigo de 1950 Glusberg diz ter “autorização expressa” da autora. Arendt fica alí muito mais próxima de sua crítica aos totalitarismos de direita e esquerda, e é já uma “filósofa”. Em junho de 1952 sai mais um artigo de Arendt em Davar, “Relectura de Herzl: „El Estado Judío‟” (17-31). 3 Aquí reforçam-se as marcas de reconhecimento disciplinar —diz-se dela que estudou “filosofía” em Heidelberg e que foi discípula de Jaspers—, assim como referências de The origins of totalitarianism (op. cit.). Além disso, advertem sobre seu tom polêmico e antecipam o desacordo com a interpretação arendtiana do rol de Herzl na história judaica. Vão passar onze anos para ter notícias dela de novo: em 1963 aparece um primeiro artigo crítico sobre Condition de l’Homme Moderne (1961) assinado por o teólogo metodista Julio de Santa Ana, “Reflexões sobre o sentido da ação cristã em América Latina. A propósito de um livro de Hannah Arendt”, na revista Cristianismo y Sociedad pertencente aos metodistas rio-platenses associados à Teologia Latino-americana da Liberação (36-48). De Santa Ana analisa o livro de Arendt á luz de Marx, Jaspers e da Teología protestante progresista de Karl Barth, resgatando seu sesgo fenomenológico no apoio da “opção cristã” por o homem no mundo e em particular pelos pobres de América Latina, em contra da alienação e da cultura consumista, assim como é bem crítico do uso da violência na tarefa da liberação. Esta leitura é certamente extemporânea posto que a voz dos setores favoráveis ao diálogo e a participação pública, enfraqueceu diante da escalada da violência social e política no fim dos ‟60 na Argentina. Mesmo sem certezas sobre a circulação em Argentina dos livros sobre Eichmann e o da revolução editados emespanhol em 1967, pode-se constatar um maior interesse nos meios judaicos: em 1968 a revista Índice inaugura a Seção “Fichas Bibliográficas” com uma completa resenção da 7ª. Edição de The origins of totalitarianism (1968: 132-135). No ano 3 Esse artigo faz uma crítica aguda das propostas de Theodore Herzl (1860-1904), autor de O Estado Judeu (1896), considerado fundador do sionismo moderno. seguinte, os Cadernos de Índice publicam “As ideias raciais anteriores ao racismo”, uma versão do capítulo VI da 2ª. parte de The origins of totalitarianism, mesmo que sem os rodapé (1969: 14-32). Na apresentação declara-se que “pode irritar mais conduz por força à reflexão”. O artigo, que trata da imbricação do racismo com a história das ideias ocidentais desde o século XVIII, Arendt aponta a relação daquele com as polìticas imperialistas europeias no começo do século XIX. Logo depois, esse artigo de Arendt é citado no texto “Eichmann em Jerusalem” assinado por Israel Gutman em Índice, que retoma o debate respeito ao livro de Arendt nos termos dos setores mais engajados com o sionismo, assim como os argumentos de Gershom Scholem (1969: 33-57). A leitura ardilosa de Gutman — acusa-la cuasi que de nazista— fecha a polêmica no meio judaico argentino: o influxo do sionismo não adianta a leitura crítica que ela propõe. No final da série se encontra um outro artigo “extemporânea”: “Una heroína de la revolución”, no livro El desafío de Rosa Luxemburg dedicado à espartaquista, que é uma tradução original da resenha de Arendt à biografía feita por J. P.Nettl aparecida em The New York Review of Books em 1966 (1972: 31-56). Sem indicações de edição mas com o novedoso convivio de Trotski e Lenin, esse artigo é “extemporâneo” porque destaca sua inclinação “anarquista” e põe no centro um olhar crítico sobre a função dos partidos políticos e a instrumentalização da violência nas revoluções. Nos anos „70 na Argentina, a radicalização dos discursos da violência revolucionária perante o retorno do peronismo ao poder em 1973, tornaram improvável uma reflexão sobre a violência desde o ponto de vista arendtiano. Somente após do retorno democrático a recepção das obras de Arendt entra num estágio disciplinar, um assunto de expertos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [editora], julho-agosto, 1987, v. 3 [n. 43], p. 25-58. ARENDT, Hannah. Ein Mittel zur Versöhnung der Völker. PORVENIR. Zeitschrift für alle Fragen des jüdischen Lebens, Buenos Aires, [Editorial Estrellas], 1942, [nº 3], p. 125-130. ARENDT, Hannah. Das „Deutsche Problem‟ ist kein deutsches Problem. Das Andere Deutschland, Buenos Aires, Parte I, 01/07/1945, Año VII, [nº 97]; Parte II, 15/07/1945, Año VII, [ nº 98], I: pp. 7-10; II: pp. 8-9. ARENDT, Hannah. Organisierte Schuld. Das Andere Deutschland, Buenos Aires, 01/09/1945, Año VII, [nº 101], pp. 4-6 . ARENDT, Hannah. Reseña de World Jewish Congress et. al., El Libro negro y de Max Weinreich, Hitler's Professors. Davar, Buenos Aires, [Sociedad Hebraica Argentina], noviembre-diciembre, 1946, [nº 9], pp. 88-95. ARENDT, Hannah. En torno al Estado de Israel. Babel, Santiago de Chile, 1949, Año XI, vol. XIII [nº 50], pp. 82-88. ARENDT, Hannah. Franz Kafka: una reevaluación. Babel, Santiago de Chile, 1950, Año XI, vol. XIII [nº 53], pp. 11-23. ARENDT, Hannah. Relectura de Herzl: „El Estado Judío‟. Davar, Buenos Aires, [Sociedad Hebraica Argentina], mayo / junio, 1952, [nº 40], 17-31. ARENDT, Hannah. The origins of totalitarianism. [1ª. Ed.]. New York: Harcourt, Brace & Co., 1951. [7ª. Ed.]. Ídem, 1962. ARENDT, Hannah. Condition de l’Homme Moderne. Paris: Calmann-Lévy, 1961. ARENDT, Hannah. Eichmann en Jerusalén. Barcelona: Lumen, 1967. ARENDT, Hannah. Sobre la revolución. Madrid: Revista de Occidente, 1967. ARENDT, Hannah. Ficha Bibliográfica de The origins of totalitarianism. Índice, Buenos Aires, [DAIA], abril, 1968, Año I, [nº 2], pp. 132-135. ARENDT, Hannah. Las ideas raciales anteriores al racismo. Cuadernos de Índice, Buenos Aires, [DAIA], julio, 1969, [nº 46], pp. 14-32. ARENDT, Hannah. Una heroína de la revolución. In: AAVV. El desafío de Rosa Luxemburg, Buenos Aires: Editorial Proceso, 1972, pp. 31-56. ARENDT, Hannah e Heinrich Blücher. Correspondence (1936-1968). Paris: Calmann-Lévy, 1999, pp. 90. GUTMAN, Israel. Eichmann en Jerusalén. Índice, Buenos Aires, [DAIA], agosto, 1969, Año I, [nº 6], pp. 33-57. KNOTT, Marie Luise (Hrsg.). Nachwort zur Neuausgabe. In: ARENDT, Hannah. Zur Zeit. Politische Essays, Berlin: Rotbuch Verlag, 1999, pp. 186-191. SANTA ANA, Julio de. “Reflexiones sobre el sentido de la acción cristaina en América Latina. A propósito de un libro de Hannah Arendt”, Cristianismo y Sociedad, Buenos Aires, [ISAL], Año I, [nº 1], 19/02/1963, pp. 36-48.