VIOLÊNCIA DE ESTADO, RACISMO E LUTAS
POPULARES NA AMÉRICA LATINA
Comissão Editorial
Ma. Juliana Aparecida dos Santos Miranda
Ma. Marcelise Lima de Assis
Conselho Editorial
Dr. André Rezende Benatti (UEMS*)
Dra. Andréa Mascarenhas (UNEB*)
Dra. Ayanne Larissa Almeida de Souza (UEPB)
Me. Daniel Alem Rego (UFBA)
Dr. Fabiano Tadeu Grazioli (URI) (FAE*)
Fernando Miramontes Forattini (Doutorando/PUC-SP)
Dra. Yls Rabelo Câmara (USC, Espanha)
Me. Marcos dos Reis Batista (UNIFESSPA*)
Dr. Raimundo Expedito dos Santos Sousa (UFMG)
Ma. Suellen Cordovil da Silva (UNIFESSPA*)
Nathália Cristina Amorim Tamaio de Souza (Doutoranda/UNICAMP)
Dr. Washington Drummond (UNEB*)
Me. Sandro Adriano da Silva (UNESPAR*)
*Vínculo Institucional (docentes)
Felipe de Araújo Chersoni
Miguel Melo Ifadireó
VIOLÊNCIA DE ESTADO, RACISMO E LUTAS
POPULARES NA AMÉRICA LATINA
Catu, BA
2024
© 2024 by Editora Bordô-Grená
Copyright do Texto © 2024 Os autores
Copyright da Edição © 2024 Editora Bordô-Grená
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Projeto gráfico: Editora Bordô-Grená
Capa: Keila Lima de Assis
Editoração: Editora Bordô-Grená
Revisão textual: Editora Bordô-Grená
S U M Á R I O
PREFÁCIO
APRESENTAÇÃO
A GUERRA IDEOLÓGICA DO NEOLIBERALISMO: UM
ENSAIO SOBRE IMPERIALISMO E DEMOCRACIA NO
BRASIL
Ana Lucia Westrup, Ana Karina Licodiedoff Baethgen, Felipe de
Araújo Chersoni e Débora Ferrazzo
9
14
17
PRODUCCIÓN Y REPRODUCCIÓN DE LA VIDA: APUNTES
DESDE LA TEORÍA DE LA REPRODUCCIÓN SOCIAL
PARA COMPRENDER LA (R)EXISTENCIA DE MUJERES
FRENTE AL TRABAJO EN EL MERCADO ILEGAL DE LAS
DROGAS
Aila Fernanda dos Santos
39
BREVES NOTAS SOBRE SISTEMA CARCERÁRIO; ESTADO
DE COISAS INCONSTITUCIONAL E ABOLICIONISMO
PENAL
Matheus Ferrari França Carreira e Flavio Bortolozzi Junior
75
CRIMINOLOGIA MODERNA A PARTIR DA MATRIZ
LOMBROSIANA E REFLEXOS NO NOVO
CONSTITCUIONALISMO LATINO-AMERICANO
Lorenna Verally Rodrigues dos Santos
97
OS DANOS AMBIENTAIS CAUSADOS POR USO DE
AGROTÓXICOS: UM OLHAR VOLTADO A APICULTURA
DESDE O MARCO TEÓRICO DA CRIMINOLOGIA VERDE
Marcia Leopoldino do Carmo de Melo e Marcelo Negri Soares
114
CÁRCERE SEM FÁBRICA: INTERLOCUÇÕES SOBRE A
FORMAÇÃO DO CÁRCERE DO BRASIL À CRICIÚMA/SC
Felipe Alves Goulart, Felipe de Araújo Chersoni e Jackson da Silva Leal
134
A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL: ENTRE O
AVANÇO DA NORMA E O ATRASO DA MENTALIDADE
SOCIAL
Airton Santos de Souza Junior
160
RESISTENCIA NEGRA E PODER POLÍTICO DAS
IRMANDADES RELIGIOSAS NO CARIRI CEARENSE
Miguel Melo Ifadireó e Henrique Cunha Júnior
171
ESCREVIVÊNCIAS DE UM PERCURSO ANTIRRACISTA NA
CIDADE DE GASPAR SANTA CATARINA: “O PAPEL DO
BRANCO NA LUTA ANTIRRACISTA”
Cristiane Westrup
212
AS POSSIBILIDADES DE UM FEMINISMO MATRICÊNTRICO
NEGRO: CONTRIBUIÇÕES DE ANDREA O´REILLY E
PATRÍCIA HILL COLLINS
Nayara Augusto Felizardo e Thayline de Freitas Bernardelli
225
SORBRE OS ORGANIZADORES
238
240
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES
|8|
PREFÁCIO
A coletânea de textos intitulada de Violência de Estado,
Racismo, Lutas Populares na América Latina, recortada com
muita propriedade pelos organizadores, consegue articular os
objetivos dos documentos oficiais com a realidade. A partir disto,
são trazidas reflexões pertinentes.
No conjunto, os artigos evidenciam que a
transdisciplinaridade pode ocorrer no envolvimento de uma ou
mais áreas, mas não necessariamente numa reunião de
disciplinas abordando a mesma temática. Sobretudo, ela pode
ser realizada no interior de uma dada disciplina se articulando e
se moldando em diferentes esferas.
Em relação aos aspectos teóricos, são visíveis a relação das
diversas correntes com os contextos raciais, sociais e históricos.
As reflexões e perspectivas transversais constituem-se em uma
prova concreta de propostas de enfrentamento da realidade,
sendo importante ferramenta para a reflexão da Criminologia
Crítica na atualidade.
Neste sentido, este livro traduz essa busca e evidência a
preocupação dos autores com reflexões e perspectivas
transdisciplinares. Com uma linguagem acadêmica simples e
segura, possui os méritos de ousar na ruptura com as abordagens
tradicionais.
A presente obra, sob a organização do Prof. Ms. Felipe
Araujo Chersoni e do Prof. Dr. Miguel Melo Ifadireo, torna-se de
extrema relevância para a sociedade brasileira. Após a leitura,
consegui mensurar a relevância deste livro, que se refere à
construção de laços sociais através de redes criadas durante o
processo da escravidão no Ceará. A resistência, através da
cosmovisão africana com a ressignificação das religiões de
matriz africana, e a participação dos africanos e da população
|9|
negra escravizada foram responsáveis pelas irmandades
religiosas que resultaram na preservação da identidade cultural
e religiosa.
A presente obra também tem o mérito de trazer as vozes
sobre a luta no combate ao racismo e à discriminação racial. A
importância do reconhecimento de práticas racistas e a
compreensão da exaltação das origens europeias, a supremacia
racial da branquitude, torna-se desafiadora, principalmente no
Estado de Santa Catarina lócus de diversas cédulas nazistas, é
neste sentido, também, que se torna importante falar sobre o
papel do branco no combate ao racismo.
Esse trabalho é, portanto, potente! pois traz o impacto do
continente europeu sobre as Américas e o impacto no Brasil, que
se tornou a referência mundial de Estado Moderno e também de
civilização e desenvolvimento. Esse fato culminou em um
sistema de poder fortalecido pela lógica capitalista, introduzindo
a chamada globalização, onde se busca a reflexão com a temática
da colonialidade e das suas relações com o poder,
principalmente no que se refere à estrutura em que se firmou a
criminologia moderna punitivista, tendo Cesare Lombroso como
precursor, o poder de seus efeitos nefastos, e a presença no novo
constitucionalismo latino-americano.
A abordagem à doutrina e à jurisprudência, nas quais são
sistematicamente voltadas à ampliação dos métodos de
segregação social através da manutenção do racismo, diante do
perverso argumento da "Guerra às drogas", que é uma
ferramenta de criminalização e controle social, transformando
territórios desprovidos de segurança cidadã em territórios
marginais, e os impactos econômicos, e o encarceramento em
massa. Assim, as ferramentas de perpetuação do racismo
atualizam-se em novas formas de exclusão e extermínio da
população negra. Em nome do "combate às drogas", os governos
| 10 |
justificam uma série de violações de direitos contra seus
moradores e, especialmente, contra sua juventude, em um
contexto de ausência de políticas públicas e de presença
ostensiva do braço violento do Estado.
A importância da ação foi proposta com o objetivo de que
fosse reconhecida a violação de direitos fundamentais da
população carcerária e, como consequência, que fossem impostas
a adoção de providências para sanar lesões a preceitos
fundamentais. Cabe ressaltar que a população carcerária
brasileira, atualmente e há muito tempo, é superior à capacidade
dos presídios, gerando, segundo a ADPF 347, um Estado de
Coisas Inconstitucional, no qual direitos e garantias
fundamentais são lesados constantemente.
Sua clientela é sistematicamente composta pela população
negra que historicamente encontra-se relegada à periferia
constitucional. Vivendo diante da herança provocada pela
escravização, propicia a continuidade de um estado de coisas
inconstitucionais, apresentado pela ADPF-347 e o reflexo na vida
desta população, destituída antes da prisão do direito a existir.
A presente obra aborda as incursões e efeitos perversos
dos golpes de Estados envolvendo o Brasil, Chile e toda a
América Latina, o desmonte de políticas públicas, e onde no
cenário brasileiro, proporcionou a integração dos mercados
financeiros, formação de blocos econômicos, acúmulo de
riquezas por parte de uma parte privilegiada da sociedade,
gerando distorções socioeconômicas muito graves, como o
aumento da desigualdade social e racial.
Com imensa satisfação, posso ver trabalhos desenvolvidos
que trazem a questão ambiental, que necessitam de análises
multidisciplinares capazes de apresentar diferentes perspectivas
científicas, possibilitando a compreensão da complexidade,
principalmente dos crimes de Estado e suas corporações
| 11 |
privadas que afetam o meio ambiente, como o uso abusivo de
agrotóxicos, desmatamentos, e crimes contra a natureza,
inúmeras vezes ignorados pela criminologia convencional. A
transdisciplinaridade da Criminologia verde surge como
ferramenta para lidar com tais problemáticas.
O livro, que ora é prefaciado, torna-se indispensável à
leitura, tanto daqueles que estão iniciando os seus estudos
jurídicos, ciências sociais, psicologia, serviço social, quanto para
aqueles que já passaram por essa fase e se encontram na pósgraduação, mestrado ou doutorado. Esta obra também é voltada
aos profissionais do direito (juízes, promotores de justiça,
advogados e defensores públicos), devendo ser utilizada no seu
dia a dia. Ao leitor é oferecida uma teia de entendimentos que
amplia os horizontes interpretativos, além de servir de material
consultivo.
A estes leitores e leitoras, meus cumprimentos, com a
recomendação e sugestão para leitura. Isto porque, para os
organizadores, os leitores são os destinatários mais importantes
da presente obra, já que serão eles que poderão lê-la, extrair as
lições e aprendizados, e fazer as devidas reflexões.
Devo dizer que o convite para prefaciar este livro reside
no encontro de um bom e atual panorama dos estudos sobre a
Criminologia Crítica.
Deise Benedito
Graduada em Direito. Mestre em Direto e Criminologia
Universidade de Brasília. Ex-perita do Mecanismo Nacional de
Prevenção Combate à Tortura (MNPCT) decorrente do
Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas Contra a
Tortura (OPCAT/ONU). Foi Diretora do Departamento de
Promoção e Defesa. Assessora Especial da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República. Atua como Palestrante
| 12 |
e Conferencista em Conferências Nacionais e Internacionais
Contra o Racismo, Segurança Pública, Sistema Penitenciário e
Prevenção e Combate a Tortura, Mulheres Negras e Juventude
Negra. Atualmente é Assessora Técnica na Câmara dos
Deputados em temas de direitos humanos, relações étnicoraciais, tortura e violência institucional.
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APRESENTAÇÃO
A capa desta coletânea de textos ilustra camponeses,
incluindo crianças, presos pelo Estado durante a Guerra do
Contestado. A foto, retirada do arquivo do Exército, foi
resgatada por um texto escrito pelo Instituto Humanitas
Unisinos (2015) e publicada, entre outros lugares, no site
eletrônico do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST),
ilustrando a ideia geral desta coletânea.
A repressão às classes populares, por exemplo, resguarda
raízes coloniais, racistas e, em grande medida, são fundamentais
para a manutenção do latifúndio em nosso território. Em um
convite para o retorno às estruturas, Cristiane Luiza Sabino de
Souza (2023) tem demonstrado a indissociabilidade entre racismo e
superexploração da força de trabalho no capitalismo dependente. Em
outros textos de nossa autoria, demonstramos que a repressão
aos movimentos populares – pesquisando e participando junto
ao MST – é uma ferramenta burguesa de manutenção da
superexploração da força do trabalho (Araújo Chersoni, 2023).
Para nós, as interlocuções defendidas pela professora
Cristiane Luiza Sabino de Souza (2023) são fundamentais para
fazer uma leitura concreta da realidade do nosso território,
sobretudo, da desmedida violência que historicamente nossos
povos enfrentam, desde a colonização. Essa coletânea de textos,
que tem como título Violência de Estado, Racismo e Lutas Populares
na América Latina, reúne diversas contribuições que objetivam
compreender e enfrentar essas dinâmicas de violência.
Resumidamente, e como veremos adiante, nosso leitor
encontrará textos que tratam sobre a guerra ideológica do
neoliberalismo; resistência de mulheres frente ao trabalho no
mercado ilegal de drogas; sistema carcerário e estado de coisas
inconstitucional; interlocuções entre a criminologia e o
constitucionalismo latino-americano; danos ambientais;
| 14 |
interlocuções sobre a prisão no Brasil e a formação do cárcere na
cidade de Criciúma/SC; violência contra a mulher no Brasil;
resistência negra e poder político das irmandades religiosas;
escrevivências de um percurso antirracista na cidade de Gaspar,
Santa Catarina; e as possibilidades de um feminismo
matricêntrico negro.
O caminho que resultou na consolidação desta coletânea
de textos se confunde com nosso próprio percurso formativo e
como formador. Em experiência profissional junto a uma das
faculdades nas quais lecionei, iniciei um projeto denominado de
Direito Penal e Realidade. Este projeto foi fundamental para a
consolidação das ideias iniciais desta obra e do que aqui se inicia.
A coleção Direito Penal e realidade, na qual temos a ideia, se
possível, de lançarmos anualmente um volume reunindo textos
que abordam a realidade da repressão sofrida pelas classes
populares. Neste sentido, cada uma dessas obras que serão
lançadas terá um convidado ou convidada especial que, em
forma conjunta, colaborará com as ideias do livro, agregando
interdisciplinaridade,
pesquisadores
e
pesquisadoras,
impulsionando os horizontes de alcance do projeto.
Para esta edição, contamos com a coorganização de
Miguel Melo Ifadireó, competente professor vinculado à
Universidade de Pernambuco, campus Salgueiro, e um lutador
pelo antirracismo no Brasil. Miguel, além de nos brindar com um
belo escrito no livro, nos forneceu substrato para pensarmos a
estrutura dos capítulos e o livro como um todo. À frente do
projeto "Conversa Preta com (ciência)", Miguel tem reunido
pensadores e pensadoras de diversas matrizes para discutir e
enfrentar o racismo e diversas outras violências estruturais e
sistêmicas enfrentadas por nós, povo preto e periférico deste
país. Sua presença nesta coletânea como autor e organizador
| 15 |
muito nos gratifica e demonstra os rumos nos quais nosso
"modesto projeto" pretende alcançar.
Além disso, almejamos com esta coletânea não somente
compilar escritos de pessoas de diversas localidades do Brasil e
América Latina. Acreditamos também que este projeto possa
ultrapassar os muros, gigantescos, da academia e alcançar
pessoas diversas, contribuindo para que estas possam nutrir
uma radical esperança por um mundo melhor.
Porto Alegre, Outono de 2024.
Felipe de Araújo Chersoni
Doutorando em Ciências Criminais pela Escola de Direito
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUC/RS).
REFERÊNCIAS
ARAÚJO CHERSONI, Felipe de. A criminologia campesina: os impactos
do controle social na luta pela terra junto ao movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região do planalto
catarinense. 2023. 231 f. - Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC,
Criciúma - Santa Catarina, 2023.
SOUZA, Cristiane Luiza Sabino de. A indissociabilidade entre racismo e
superexploração da força de trabalho no capitalismo dependente.
Serviço Social & Sociedade, v. 146, n. 1, p. 16–35, 2023.
UNISINOS. Instituto Humanitas. 100 anos da Guerra do Contestado:
silêncio, invisibilidade e miséria. Site do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, [s. l.], 2015. Disponível em:
https://mst.org.br/2015/06/03/100-anos-da-guerra-docontestado-silencio-invisibilidade-e-miseria/. Acesso em: 22 abr.
2024.
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CAPÍTULO 1
A GUERRA IDEOLÓGICA DO NEOLIBERALISMO1:
UM ENSAIO SOBRE IMPERIALISMO E DEMOCRACIA NO
BRASIL
Ana Lucia Westrup
Ana Karina Licodiedoff Baethgen
Felipe de Araújo Chersoni
Débora Ferrazzo
INTRODUÇÃO
Ao final da Segunda Guerra Mundial, o mundo passou
por alterações no fluxo de poder dos Estados nação, existindo
especial destaque para os Estados Unidos da América, que
liderou a reconfiguração do capitalismo mundial, e para a União
Soviética, que de forma antagônica, se opunha ao modo de
produção capitalista, liderando as forças socialistas. O momento
que durou de 1947, no período Pós-II Guerra, até 1991 com a
dissolução da União Soviética, ficou conhecido como GuerraFria.
A partir desse momento histórico, as regiões periféricas do
globo, dentre elas a América Latina, passou a sofrer dura
intervenção política, ideológica e cultural por parte dos EUA,
fato amplamente documentado e, inclusive, reconhecido pelo
próprio país imperialista.
O processo de globalização que decorreu desse lapso
temporal veio acompanhado da neoliberalização ao nível
mundial, com a adoção das políticas político-econômicas, a partir
da década de 1970, momento em que passou a se verificar maior
1
Comunicação apresentada na XIV Semana de Ciência e Tecnologia da Universidade
do Extremo Sul Catarinense (UNESC), como parte dos resultados de pesquisa do
Núcleo de pesquisa em estado e cidadania (NUPEC/Unesc).
| 17 |
número de privatizações e retirada do Estado de áreas antes
voltadas ao Estado, em detrimento da teoria keynesiana do
“Estado do bem-estar social”. Assim, muitos estados passaram a
incorporar a teoria neoliberal de forma voluntária ou, em alguns
casos, por pressões coercitivas por parte dos EUA (Harvey, 2008,
p. 12-13).
A América Latina, em especial, gestou o primeiro
experimento de caráter neoliberal com a ascensão de Augusto
Pinochet ao poder chileno, no ano de 1973. A partir desse período
se verificam diversos outros fatos que levaram à disseminação
dos ideais neoliberais em caráter global, como as eleições de
Margareth Tatcher e Ronald Raegan no Reino Unido e nos
Estados Unidos, assim como a adesão do Fundo Monetário
Internacional ao neoliberalismo em 1990.
Também no Brasil é possível observar que, desde o golpe
cívico-militar de 1964, são implementadas medidas de
austeridade na política socioeconômica do país, o que perdura
até o marco de 30 anos pós-redemocratização.
O presente trabalho tem como principal objetivo verificar
de que forma as tendências neoliberais foram incutidas nas
sociedades de países dependentes, tais como os países da
América Latina. Assim, considerando o panorama dado, se
revela uma necessidade de aprofundamento nos instrumentos
utilizados pelas forças imperialistas a fim de assegurar sua
hegemonia ideológica e cultural visando sabotar o
desenvolvimento econômico e social dos países afetados, a fim
de assegurar seu poderio político-econômico.
Para isso, o artigo se dividirá em três partes: na primeira
parte, dissertaremos de forma mais ampla sobre a influência
estadunidense nos territórios periféricos a partir da intervenção
cultural e ideológica imperialista; na segunda parte, faremos
uma breve exposição sobre como se deu tal intervenção na
| 18 |
América Latina e os instrumentos de propagação utilizados para
tal fim; na última parte pretendemos trazer breves apontamentos
como tais instrumentos influenciaram nas políticas internas
brasileiras e quais foram – e ainda são – suas ferramentas de
disseminação. Será adotado o método dialético de abordagem,
com método histórico de procedimento e técnica bibliográfica de
pesquisa.
A INTERVENÇÃO IDEOLÓGICA E CULTURAL
IMPERIALISTA: BREVES APONTAMENTOS DA
INTERVENÇÃO ESTADUNIDENSE EM TERRITÓRIOS
PERIFÉRICOS
Com o fim da Segunda Guerra Mundial houve um
movimento de reconfiguração do capitalismo sob a direção dos
Estados Unidos. Com isso, as forças burguesas, com o intuito de
expandir o seu sistema e contrapor as influências comunistas da
União Soviética, passaram a desempenhar papel fundamental na
divulgação dos valores liberais pelo mundo (Araújo, p. 17).
Para fins de conceitualização, o neoliberalismo é uma
ideologia socioeconômica que teve como seus precursores os
filósofos Ludwig von Mises e Friedrich Hayek em resposta à
filosofia do “Estado do bem-estar social” desenvolvida por John
Maynard Keynes e aplicada nos países de Primeiro Mundo
(Estados Unidos e Europa) após a crise econômica que resultou
da II Guerra Mundial.
Afastando-se do liberalismo clássico de Adam Smith,
disserta o autor David Harvey que os neoliberais entendiam sua
ideologia como:
O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das
práticas políticoeconômicas que propôe que o bem-estar
humano pode ser melhor promovido liberando-se as
liberdades e capacidades empreendedoras individuais no
âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por
sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e
| 19 |
livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma
estrutura institucional apropriada a essas práticas; o Estado
tem de garantir, por exemplo, a qualidade e a integridade do
dinheiro. Deve também estabelecer as estruturas e funções
mi litares, de defesa, da polícia e legais requeridas para
garantir direitos de propriedade individuais e para
assegurar, se necessário pela força, o funcionamento
apropriado dos mercados. Além disso, se não existirem
mercados (em áreas como a terra, a água, a instrução, o
cuidado de saúde, a segurança social ou a poluição
ambiental), estes devem ser criados, se necessário, pela ação
do Estado. Mas o Estado não deve aventurar-se para além
dessas tarefas. As intervenções do Estado nos mercados
(uma vez criados) devem ser mantidas num nível mínimo,
porque, de acordo com a teoria, o Estado possivelmente não
possui informações suficientes para entender devidamente
os sinais do mercado (preços) e porque poderosos grupos de
interesse vão inevitavelmente distorcer e viciar as
intervenções do Estado (particularmente nas democracias)
em seu próprio benefício (Harvey, 2008, p. 12).
Contudo, a teoria neoliberal não só aquiescia quanto à
modulação econômica da mínima gerência do Estado, como
também se utilizou de tal pensamento desde o período
entreguerras até o colapso da União Soviética investindo “na
lógica normativa e na produção de subjetividades de controle,
reduzindo a democracia a mero procedimento formal, ou
fazendo uma ditadura o simulacro do estado legalista” (Teles,
2021, p. 16).
Nesse contexto, Pierre Ansart (1978, p. 75-76) refere que o
conflito ideológico é inerente às formas de organização social,
colocando as “instituições como produtoras e reprodutoras de
linguagens sociopolíticas”, sendo que os meios de divulgação de
informações para as massas e os mecanismos de propaganda
utilizados são de extrema importância para a imposição de uma
ideologia específica.
Isso se opera através da ilusão criada por tais mecanismos
e dispositivos que atuam de tal forma que o receptor acredite que
ele chegou “por pura convicção” à verdade, mascarando a
manipulação intrínseca ao seu assentimento (Ansart, 1978, p. 83).
| 20 |
Neste sentido, após a ascensão do neoliberalismo,
observa-se que se abriu um novo leque para a chamada
“devastação capitalista”. Desta forma, ocorreu uma nova
maneira de se pensar a hegemonia financeira, fazendo com que
dentro do capitalismo já existente, funcionasse esse novo
microssistema, que, diante de várias formas de se pensar, visava
o acúmulo de riquezas como principal enfoque, e servindo como
uma resposta eficiente para as revoltas dos trabalhadores, eles
não tinham mais do que se queixar, visto que eram supostamente
livres, inclusive dentro das empresas (Duménil; Lévy, 2007, p. 3).
O período do pós-Segunda Guerra Mundial é um
importante lapso temporal para compreendermos a expansão do
imperialismo. Isso porque neste momento da história marcaramse os paradigmas de dependência, onde hegemonicamente os
Estados Unidos passam a ser vistos como uma potência
dominante, tendo sua marca na concentração de riquezas e
introjeção econômica em diversos outros países americanos (Dos
Santos, 2012).
Sendo assim, os EUA agem como se o território latinoamericano fosse uma enorme empresa que monopoliza relações
econômicas por meio de investimentos nas economias internas
de cada país, ao passo que assume característica imperialista,
exercendo poder em todas de decisões e influenciado nas
governabilidades nacionais. No pós-guerra, esses investimentos
ampliam-se, mas sem perder o condão da mais-valia; pelo
contrário, nesse cenário a mais-valia expande-se, fazendo com
que setores da indústria nacional entrem em crise, culminando
no fortalecimento das empresas que detém os investimentos
estrangeiros e seus capitais. Os países da periferia do capitalismo
entram em crise, e os países dominantes duplicam sua
lucratividade justamente por conta da crise nacional (Dos Santos,
2018, p. 58).
| 21 |
Uma das principais características do imperialismo, que se
ancora em um capitalismo já avançado, segundo Lênin (2011, p.
216-217), “é a substituição da livre concorrência capitalista pelos
monopólios capitalistas”. Essa substituição, como veremos
adiante, tem forte impacto nos países da periferia do capitalismo.
A livre concorrência é uma das fundamentações centrais do
capitalismo de mercado, porém os monopólios são o contrário
disto. “Criando a grande produção, eliminando a pequena,
substituindo a grande produção por outra ainda maior, e
concentrando a produção e o capital a tal ponto que do seu seio
surgiu e surge o monopólio” (Lênin, 2011, p. 216-217).
No campo militar, esse período é marcado pela exigência
da “defesa social”. No campo penal, os estadunidenses vestem a
roupagem de “boa vizinhança”, o que facilita a introjeção de seus
interesses e práticas também no campo da segurança pública,
lembrando que o território latino-americano tem como uma de
suas principais, e tristes, marcas as sucessivas tentativas de
golpes militares (Del Olmo, 2004, p. 116; Araújo chersoni, 2023).
Nesse contexto, em Genebra, no mês de julho de 1947,
ocorre o V Congresso Internacional de Direito Penal, tendo como
temas emergentes dois pontos: “1. Como os Estados Unidos
pode, por meio de sua legislação interna, contribuir para garantir
a paz de outro Estado; 2. O princípio da legalidade e da
oportunidade da perseguição penal” (Del Olmo, 2004, p. 117). A
principal preocupação, em síntese, seria a “colaboração”
estadunidense para a garantia da “paz” entre diferentes países
“democráticos”. Rosa Del Olmo (2004, p. 117) chama atenção
para o surgimento da alternativa socialista em diversos lugares
do mundo na época, através das organizações populares, pois,
para manter o que seria denominado de “paz”, era necessário
encontrar os resistentes à ordem posta.
| 22 |
Vânia Bambirra (2019, p. 126) parte do mesmo marco
temporal, o pós-segunda guerra, para explicar como a
hegemonia
estadunidense
avançou
pelos
países
subdesenvolvidos, conforme penetração sistemática do capital
estrangeiro no setor mais dinâmico das economias. Os efeitos
produzidos por essa intensificação da entrada de capitais são:
a) O controle e domínio, por parte do capital estrangeiro, dos
novos setores e ramos produtivos industriais, que desde
então começam a se desenvolver.
b) A intensificação da monopolização, concentração e
centralização da economia, que se expressa através da
instalação de grandes empresas e da absorção, por parte
destas, de empresas nacionais, mediante compras, fusões,
associações, etc.
c) O processo de desnacionalização progressiva da
propriedade privada dos meios de produção dos setores
industriais até então controlados pelos produtores
nacionais.
d) A integração, cada vez mais articulada, dos interesses das
empresas estrangeiras aos interesses das classes dominantes
locais, o que se reflete nas políticas econômicas nacionais,
além da integração das políticas externas dos países
dependentes à política dos Estados Unidos para a América
Latina, acompanhada também de uma integração no âmbito
militar (Bambirra, 2019, p. 126).
Com isso, observam-se diversas mudanças em termos
qualitativos e quantitativos no funcionamento das formas
internas dos sistemas capitalistas dependentes. E essas
mudanças ocorrem de forma essencial no abandono realista,
pelas classes dominantes, de projetos reformistas e populistas de
desenvolvimento autônomo nacional. Aguçando medidas cada
vez mais dependentes, de dominação e subalternização, em
relação ao centro hegemônico do mundo (Bambirra, 2019, p. 126).
Neste sentido, destaca-se ainda que o caráter dependente não diz
respeito apenas aos processos de acumulação de riquezas para
os países hegemônicos, a dependência também se torna política.
O poder de decisão, seja no âmbito do trabalho ou de
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organizações sociais, fica nas mãos da burguesia internacional
(Bambirra, 2019, p. 144).
A INFLUÊNCIA DA IDEOLOGIA IMPERIALISTA NA
AMÉRICA LATINA E SEUS INSTRUMENTOS DE
PROPAGAÇÃO
Delimita-se ideologia na base da organização e ação do
imperialismo e das elites nacionais, na propagação e defesa os
valores liberais e na marginalização dos ideais socialistas, a fim
de influenciar a elaboração de políticas públicas e a manipular a
opinião popular, perpetuando a condição de exploração.
Entretanto, há momentos em que as massas emergem no
processo histórico, criando uma atmosfera de inquietude e
revolta, e mesmo sem uma consciência de classe, são momentos
de tensão para as elites dominantes, que agem ostensivamente
no intuito de impedir a organização popular e conformar as
massas a seus objetivos. Para tanto, se utilizam da manipulação
como um instrumento fundamental para a manutenção dessa
dominação (Freire, 2005, p. 167-169).
Nessa perspectiva, o que se observa como a maior
empreitada na disseminação dos ideais neoliberais culminou nas
práticas adotadas na década de 1970, tanto influenciadas como
financiadas pela Escola de Chicago2, momento na qual se
identifica um giro neoliberal em caráter global. A “cena política
primitiva do neoliberalismo” se deu com o golpe de Estado de
Augusto Pinochet em 11 de setembro de 1973, que pôs fim à
experiência política de Salvador Allende, presidente com eleito
2
Escola de Chicago” é um termo cunhado a partir da década de 1950 para designar os
pensadores do departamento de Economia da Universidade de Chicago (EUA). Seus
ideais são atrelados ao liberalismo econômico, afastando-se da teoria keynesiana em
favor de um sistema de liberdade econômica através da organização da atividade
econômica pelo mercado. A Escola de Chicago teve grande influência na
disseminação do ideal neoliberal, ganhando maior notoriedade na década de 1970,
destacando-se dentre os seus pensadores mais influentes, Frederick Hayek e Milton
Friedman.
| 24 |
pela Unidade Popular chilena (Sauvêtre et al, 2021, p. 41; Harvey,
2008, p. 17).
Aduz Sauvêtre et al (2021, p. 41-50) que o golpe à
democracia chilena, também denominado de “primeiro 11 de
setembro”, teve apoio ativo do então presidente estadunidense
Richard Nixon, bem como foi financiado pela Agência Central de
Inteligência (CIA) do país. Quanto à forma utilizada pelo
governo ditatorial a fim de manter o controle do aparato estatal
no estado recém dominado pelas forças imperialistas, foi
empregada uma campanha de desestabilização do governo
anteriormente constituído, através da política de repressão do
“diferente”:
Mais de oito milhões de dólares foram gastos, em três anos,
a fim de financiar veículos de imprensa (notadamente El
Mercurio) e influenciar a opinião pública, partidos de
oposição (entre os quais, particularmente, a Democracia
Cristã, para que recusasse qualquer comprometimento com
Allende) e, em menor medida, organizações corporativas do
setor privado, hostis à Unidade Popular. Isso sem contar a
pressão econômica contra o Chile, os contatos estabelecidos
com militares golpistas e o apoio logístico da CIA: essa
‘obscenidade secreta’ da história recente de ve fazer parte de
toda reflexão sobre o fim da ‘via chilena’ (Gaudichaud apud
Sâuvetre et al, 2021, p. 50).
Tal experiência se alastrou além das fronteiras chilenas,
abrindo espaço para o processo de neoliberalização que tomou
proporções globais no decorrer dos anos. Isso pode ser
observado através da ascensão de Margaret Tatcher ao poder em
1979, pela eleição de Ronald Reagan em 1980 e pela absorção dos
| 25 |
ideais neoliberais ao Fundo Monetário internacional pelo
Consenso de Washington3 em 1990 (Harvey, 2008, p. 23).
David Harvey (2008, p. 26-27) refere que o projeto de
neoliberalização do globo, sobretudo na América Latina e nos
demais países de terceiro mundo, atuou desde o seu início a fim
de reestruturar o poder de classe nas mãos da elite econômica,
com evidente recrudescimento das desigualdades sociais nas
regiões em questão. Para tanto, se observa que as organizações
latino-americanas receberam amplo apoio logístico e financeiro
dos Estados Unidos, como destaca Bruna Pastore (2021, p. 60):
Os Estados Unidos apoiaram amplamente e ajudaram a
articular os projetos para depor os presidentes que se
negassem a se alinhar ao seu projeto político dos países da
América Latina. O presidente John Kennedy, já no começo
de sua presidência nos Estados Unidos, no início dos anos
1960, estabeleceu algumas diretrizes estratégicas contrarevolucionárias. Segundo Enrique Serra Padrós, a Aliança
para o Progresso (ALPRO), um programa financeiro
elaborado pelos Estados Unidos no governo de Kennedy
para ser implantado na América Latina, era uma das
estratégias contrarrevolucionárias.
Assim, como nos debruçaremos a seguir, o ideal neoliberal
que vem sendo imposto em escala mundial, sobretudo aos países
subdesenvolvidos, não só se opera frente ao modelo econômico
atribuído a determinado estado, mas também e principalmente
como um projeto político a fim de manter a acumulação do
capital, econômico e social com as elites financeiras nacionais e
as imperialistas (Harvey, 2008, p. 29).
Isso porque, conforme se observa pelo desenvolvimento
do neoliberalismo na América Latina, a implementação dos
3
Em resumo, o Consenso de Washington se caracteriza por um conjunto de
determinações econômicas calcada em princípios neoliberais, com medidas de
estabilização monetária voltados para os planos de desenvolvimento dos países de
Terceiro Mundo. Foi idealizado em novembro de 1989 – e implementado no ano
seguinte, com o fim de avaliar as reformas econômicas empreendidas nos países
latino-americanos e formar um conselho sem caráter deliberativo, mas com
capacidade para coordenar ações realizadas pelos organismos financeiros
internacionais – como o FMI e o Banco Mundial.
| 26 |
ideais neoliberais resultou na paralisação das políticas públicas
que não estivessem conforme o seu entendimento, fato que
acabou por dilatar a condição de subordinação desses estados
aos capitalistas transnacionais em aliança com a burguesia
nacional (Granato, 2021, p. 112).
De tal modo, a “disciplina impiedosa do mercado”
(Sauvêtre et al, 2021, p. 64) neoliberal é executada enquanto
programa político, com o viés de formar uma sociedade
aparentemente livre, em que se preze o direito à liberdade, mas
que é invariavelmente atravessada pela concorrência e pelo
consumo – o que pode ser feito a partir de qualquer formação de
Estado, desde que não ameace a sua forma capitalista.
Assim, para que os empreendedores do projeto político
neoliberal colhessem seus frutos, as sementes deviam ser
estrategicamente plantadas para que perfurassem e criassem
raízes nas massas, o que foi feito através da ampla divulgação
dos ideais neoliberais de abertura econômica e liberdade
individual,
principalmente alinhados
com
princípios
tradicionalistas. Sobre o tema, disserta Harvey (2008, p. 15):
Nenhum modo de pensamento se toma dominante sem
propor um aparato conceituai que mobilize nossas sensações
e nossos instintos nossos valores e nossos desejos, assim
como as possibilidades inerentes ao mundo social que
habitamos. Se bem-sucedido, esse aparato conceitual se
incorpora a tal ponto ao senso comum que passa a ser tido
por certo e livre de questionamento. As figuras fundadoras
do pensamento neoliberal consideravam fundamentais os
ideais políticos da dignidade humana e da liberdade
individual, tomando-os como "os valores centrais da
civilização". Assim agindo, fizeram uma sábia escolha,
porque esses certamente são ideais bem convincentes e
sedutores. Esses valores sustentavam essas figuras, estavam
ameaçados não somente pelo fascismo, pelas ditaduras e
pelo comunismo, mas também por todas as formas de
intervenção do Estado que substituíssem os julgamentos de
indivíduos dotados de livre escolha por juízos coletivos.
| 27 |
A referida via utilizada pelos neoliberais para inculcar
seus princípios básicos, como o próprio Hayek referiu em sua
obra, se deu através da “guerra ideológica” proposta pelo seu
próprio projeto econômico (Sâuvetre et al, 2021, p. 35).
É a partir desse cenário retratado que a ideologia
neoliberal se tornou hegemônica como forma de discurso, haja
vista que se faz presente de forma central no inconsciente
coletivo global, penetrando no modo-de-viver da sociedade na
totalidade. Isso ocorre a partir de suas ocupações em postos de
notável influência no mundo acadêmico (como universidades e
Think Thanks que logo serão melhor discutidas), nos meios de
comunicação, nas entidades financeiras, nos cargos de direção
das mais variadas corporações, nas instituições estatais (como os
ministérios da economia e bancos centrais) e nas instituições
internacionais de regulação do mercado (como o FMI, já
anteriormente citado, o Banco Mundial e a Organização Mundial
do Comércio) (Harvey, 2008, p. 13).
BREVE HISTÓRICO DAS CONSEQUÊNCIAS DO
IMPERIALISMO NAS POLÍTICAS INTERNAS BRASILEIRAS
E SUAS FERRAMENTAS DE DISSEMINAÇÃO
Ao longo das décadas seguidas, o Brasil, em decorrência
da ação direta e indireta das forças imperialistas, sofreu o golpe
de estado civil-militar de 1964. Ruptura institucional que durou
21 anos, sendo marcada pela repressão violenta e o
favorecimento dos interesses econômicos da classe dominante e
do capital estrangeiro em detrimento dos da classe dominada, do
povo.
Ao final da Guerra Fria, o Brasil já havia se
redemocratizado, com a promulgação da Constituição “Cidadã”
e passado por eleições diretas. No entanto, nesse tempo as
estruturas capitalistas se consolidaram e definiram a divisão
| 28 |
internacional de produção e de trabalho. Para o Brasil, país
colonizado e massivamente explorado pelos colonizadores, foi
imposta a condição subalterna de produção e desenvolvimento.
Fato que tornou a economia do país dependente da produção de
commodities e quase incapaz de desenvolver de forma
competitiva os setores industriais e tecnológicos.
Considerando o panorama histórico, do início da Guerra
fria até os dias atuais, o Brasil passou diversos momentos em que
as forças imperialistas atuaram por meio da influência ideológica
e cultural para sabotar o desenvolvimento econômico e social do
país.
Como já descrito, a partir da Guerra-Fria, momento
histórico que perdurou dos anos quarenta aos anos noventa, as
forças capitalistas, lideradas pelos Estados Unidos, com o apoio
da elite nacional, se utilizaram da cultura e da propaganda
ideológica para intervir politicamente no país. Um grande
exemplo foi o complexo IPES/IBAD que atuou para legitimar o
golpe civil-militar de 1964 e frear os movimentos populares que
reivindicavam reformas econômicas e estruturais. Fundado em
1961, obteve desde o início apoio da grande mídia, intelectuais e
políticos, sendo considerada uma reação da elite orgânica do país
ao crescimento da esquerda em comunhão com os interesses dos
grandes empresários nacionais, militares conservadores e
empresas multinacionais, forças anticomunistas que buscavam
adequar o Estado a satisfação dos seus interesses (Pastore, 2021,
p. 58-59; Dreifuss, 1981, p. 163).
O instituto IPES/IBAD se apresentava publicamente como
uma organização que não representava interesses classistas e
ideológicos, mas sim, desejava fazer estudos que pudessem
contribuir para melhorar a realidade brasileira (Pastore, 2021, p.
59). No entanto, seu principal objetivo era preparar
ideologicamente os mais variados setores da sociedade para o
| 29 |
golpe de estado. Tendo como pauta a abominação do socialismo
e comunismo, valorização do indivíduo e do livre mercado.
Interesses escusos aos do povo, mas que interessavam muito a
classe dominante e ao capital internacional para a consolidação
do capitalismo.
A partir da posse de João Goulart, as produções
“intelectuais” do instituto passaram a atacar diretamente a figura
do presidente e as medidas econômicas defendidas por ele.
Como as reformas de base, que visavam desenvolver as forças
produtivas do país por meio de maior intervenção do Estado na
economia, e o controle de remessa de lucros ao exterior. Também
foi duramente criticada a proposta de direito ao voto para os
analfabetos e militares de baixa patente. O IPES/IBAD conseguiu
concentrar uma série de empresas das mais variadas áreas de
atuação, além de oficiais militares, organizações culturais, etc. As
estratégias táticas do grupo foram desde o início bem definidas,
tendo como projeto a massiva divulgação por meio da mídia de
material de cunho ideológico; o exercício de influência dentro
dos sindicatos, movimentos estudantis, organizações de classes
trabalhadoras, igrejas e forças armadas; promover estudo de
conjuntura; publicar livros; se aproximar de políticos e aumentar
o número de integrantes (Pastore, 2021, p. 58-61; Gesteira, 2014,
p. 7).
As publicações em jornais, revistas e livros tiveram reflexo
direto na opinião pública, que passou a defender a intervenção
militar. A “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” foi um
reflexo disso, movimento que contou com amplo apoio do
empresariado, da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP) e publicamente do próprio IPES/IBAD (Pastore,
2021, p. 69). Movimentos civis que contribuíram para a
concretização do golpe civil militar de 1964.
| 30 |
Ao final da Guerra Fria, o Brasil já havia passado por um
processo de redemocratização, com a promulgação da
Constituição “Cidadã” e tido eleições diretas. No entanto, nesse
tempo as estruturas Capitalistas se consolidaram, e agora sem o
antagonismo da União Soviética, ficaram livres para definir a
divisão internacional de produção e de trabalho. Para o Brasil,
país colonizado e massivamente explorado pelos colonizadores,
foi imposta a condição subalterna de produção e
desenvolvimento. Fato que tornou a economia do país
dependente da produção de commodities e quase incapaz de
desenvolver de forma competitiva os setores industriais e
tecnológicos.
Vidal e Lopez (2021, p. 2-8) destacam que no atual cenário,
destaca-se a mega organização internacional Atlas Network, com
sede nos Estados Unidos, comanda uma rede global de institutos
classificados como Think Tanks, sendo que na América Latina e
Caribe, existem mais de 100 institutos filiados. A Atlas Network,
nasceu como um braço da Sociedade Mont Pélerin (SMP),
fundada pelo economista neoliberal Friedrich Hayek em
contraposição às ideias econômicas Keynesianas.
A organização opera como uma organização guardachuva, voltada à criação, manutenção e orientação de institutos
parceiros. Institutos usados como espaços de promoção de
dirigentes na esfera política, a fim de influenciar políticas
públicas atreladas aos interesses hegemônicos. Destaca também
que esse grande guarda-chuva recebe parte de seu financiamento
do Departamento de Estado dos Estados Unidos (Vidal; Lopez,
2021, p. 2-8).
A fundação do Instituto Liberal do Rio de Janeiro (IL-RJ)
em 1983, foi um marco importante de articulação e promoção dos
ideais liberais entre as elites formadoras de opinião. Sob a
influência deste e de outros dos institutos concebidos nos anos
| 31 |
subsequentes assistiu-se há infiltração da ideologia neoliberal e
a concatenação do projeto político que proporcionou a eleição de
Fernando Collor, com fundamental interferência da Rede Globo
(principal emissora e veículo de comunicação da época), que
manipulou notícias, informações e até debates para favorecer o
candidato. Posteriormente, com a eleição de Fernando Henrique
Cardoso (1995-2003) houve a consolidação da hegemonia
neoliberal, onde passou a prevalecer a tese de que o livre
comércio e a diminuição do poder do Estado por meio de
privatizações, garantiria o desenvolvimento e a prosperidade do
país. Durante os anos de FHC, as atividades das Think Tanks
diminuíram, no entanto, com a ascensão do Partido dos
Trabalhadores no Brasil e o crescimento da esquerda na AL no
início dos anos 2000, as atividades dos institutos voltaram com
maior força. Com a popularização do acesso internet e das redes
sociais, as Think Tanks, por meio do aprimoramento das
estratégias de comunicação, exerceram papel fundamental na
articulação dos rumos da democracia brasileira, com especial
destaque para as mobilizações que resultaram no Impeachment
da presidenta Dilma Rousseff em 2016 (Vidal; Lopez, p. 25-27,
2021; Avelar, 1992, p. 43).
O Instituto Millenium e a organização “Estudantes pela
Liberdade- Brasil (EPL)”, são dois dos principais articuladores
da propagação ideológica liberal, cooptação e formação de
militantes, além de propulsores de candidaturas a cargos
eletivos. O Instituto Millenium fundado em 2005, tem em seus
quadros diversos empresários das mais diversas áreas e
intelectuais articulistas, como Ali Kamel, diretor de jornalismo
da Rede Globo, Reinaldo Azevedo, blogueiro da revista Veja e
Pedro Bial, apresentador da Rede Globo. Além das publicações
independentes, têm grande influência no editorial nos meios de
comunicação mais acessados pelas classes populares (O Globo,
| 32 |
Estado de São Paulo, Veja, Exame, entre outros). Suas principais
pautas são a defesa da propriedade privada, o Estado mínimo, a
meritocracia e a responsabilidade individual. As movimentações
das novas Think Tanks repercutiram diretamente na
organização da direita nacional e na articulação do Impeachment
em 2016. Na ocasião destacou-se a atuação do Movimento Brasil
Livre (MBL), movimento fundado pela organização dos
Estudantes pela Liberdade (EPL), que em 2015 realizou a
cooptação de jovens estudantes de escolas e universidades,
proporcionando para essas formações de grupos, treinamento,
estrutura e suporte para a realização de atividades em defesa da
“sociedade livre”. A EPL-Brasil, com o suporte da Athas
Network, ofereceu a diversos jovens de destaque treinamentos
em eventos internacionais. Entre as novas lideranças formadas,
ganharam destaque os fundadores do Movimento Brasil Livre
(MBL), Kim Kataguiri, Fernando Holiday e Fábio Ostermann
(Pastore, p. 70-71; Barbosa, p. 153-155).
Com Bolsonaro na presidência (2018-2021), se assistiu à
ascensão dos dirigentes dos institutos liberais a diversos cargos
no governo, com destaque a Paulo Guedes, membro fundador
do Instituto Millenium, que assumiu o cargo de Ministro da
Economia, além de outros membros de institutos liberais como
Kim Kataguiri do MBL, eleito como deputado federal por São
Paulo. Portanto, observa-se que além de operarem como
disseminadores de ideologia neoliberal, agora seus atores
ideológicos e ativistas encontram-se como os atores políticos em
posse dos instrumentos de poder necessários para colocar em
prática seus projetos de poder (Vidal; Lopez, 2022, p. 28-3;
Conjur, 2022).
Assim, ao longo dos anos, verifica-se a organização da
elite econômica nacional em comunhão com o imperialismo
internacional, sendo amplamente disseminados os ideais liberais
| 33 |
na sociedade brasileira por meio do trabalho de formação de
jovens estudantes, por meio da mídia hegemônica e mais
recentemente com a presença no mundo digital. Propagação
ideológica que se apresenta como consenso apartidário, no
entanto, tem raízes em um megaprojeto político arquitetado
globalmente no intuito de manter e ampliar as estruturas de
poder estabelecidas.
CONCLUSÃO
Durante a Guerra-Fria, momento pós-Segunda Guerra
Mundial, ocorreu a reconfiguração do Capitalismo sob a
liderança dos Estados Unidos. A partir desse momento,
conhecendo a importância da dominação ideológica e cultural,
as forças neoliberais passaram a se organizar para difundir seus
valores em todos os continentes. A partir desse momento
histórico, o Brasil, assim como toda a América Latina, passou a
sofrer dura intervenção política, ideológica e cultural por parte
dos EUA. Nesse panorama, a elite nacional abandonou o projeto
nacionalista reformista e passou a pautar suas ações em prol
desses interesses, sujeitando a política econômica do país cada
vez mais a dependência e a subalternização ao centro
hegemônico.
O presente artigo correlaciona estas influências
(ideológicas e culturais) a partir da guerra fria até o momento,
influências que conduziram o país para a condição de estado
exceção permanente, impossibilitando que os poderes
institucionais do Estado Democrático de Direito, que na
formalidade se vive, tenham força e legitimidade para
concretizar as vontades e necessidades do povo.
A interferência da ideologia causou e causa, na América
Latina, na totalidade, a desmobilização das políticas públicas que
não se subordinam a agenda neoliberal. Fato que reduz a região
| 34 |
a condição de subordinação frente as potências do centro
hegemônico.
Abordou-se a experiência chilena na qual os EUA
financiaram e apoiaram o golpe de estado de Augusto Pinochet
que culminou com a queda do presidente eleito Salvador
Allende e a implementação da política econômica neoliberal.
E a experiência brasileira, em que o golpe civil militar de
1964, teve grande interferência e influência do imperialismo
aliado com a atuação do complexo IPES/IBAD, Think Tanks que
preparou ideologicamente a população brasileira para a ruptura
institucional por meio da propagação de notícias, textos e afins.
Além de ter articulado grupos e lideranças dentro do governo e
do exército.
Ao final da Guerra Fria, o Brasil já havia passado pelo
processo de redemocratização, com a promulgação da
Constituição “Cidadã”. No entanto, nesse tempo, as estruturas
Capitalistas já estavam consolidadas e operava globalmente a
Atlas Network, grande financiadora de Think Tanks voltadas a
propagação da ideologia neoliberal.
No Brasil, as eleições de Ferdano Collor de Mello e
Fernando Henrique Cardoso foram marcadas pelo apoio da
grande mídia, que sempre favoreceu o candidato “queridinho”
do “mercado”, governos pautados pela defesa irrestrita das
agendas neoliberais. Nos anos 2000, com a ascensão do governo
petista no Brasil, e de outros governos de esquerda na América
Latina, os trabalhos das Think Tanks se intensificaram,
alavancando campanhas contra os programas sociais, direitos
trabalhistas, entre outras políticas de governo feitos nos anos
petistas, ações que fabricaram crise institucional que possibilitou
a conjuntura para o impeachment contra a presidenta Dilma
Rousseff em 2016.
| 35 |
O presente artigo demostra que nossa frágil democracia
convive com as consequências da pesada guerra ideológica
articulada e financiada pelo imperialismo estadunidense, tendo
como aliadas as elites econômicas regionais, que submetem a
economia do país, cada vez mais dependente do setor privado, a
condição subalterna de desenvolvimento. Nessa perspectiva,
considerando o atual panorama, as sociedades da periferia do
capitalismo, como as da América Latina, não podem deixar de
refletir de forma crítica os impactos da dominação do centro
hegemônico, e sobretudo, traçar estratégias para romper com a
dependência, observando as necessidades e peculiaridades
locais, constituindo uma sociedade verdadeiramente paulada
pelos princípios democráticos.
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| 38 |
CAPÍTULO 2
PRODUCCIÓN Y REPRODUCCIÓN DE LA VIDA: APUNTES
DESDE LA TEORÍA DE LA REPRODUCCIÓN SOCIAL PARA
COMPRENDER LA (R)EXISTENCIA DE MUJERES FRENTE
AL TRABAJO EN EL MERCADO ILEGAL DE LAS DROGAS
Aila Fernanda dos Santos
INTRODUCCIÓN
Este trabajo forma parte de los resultados emergentes de
una investigación doctoral aún en desarrollo realizada en el
Programa de Postgrado en Trabajo Social de la Pontificia
Universidad Católica de São Paulo (Brasil) en colaboración con
el Programa de Trabajo Social de la Universidad Externado de
Colombia1.
La justificación central de esta investigación proviene del
reconocimiento de que las producciones teóricas y los debates en
relación con el prohibicionismo y el mercado ilegal de drogas,
especialmente el trabajo de las mujeres en este mercado, se han
llevado a cabo de manera fragmentada y atravesada por la falta
de reconocimiento y problematización en relación con el trabajo
reproductivo, al que las mujeres han sido compulsoriamente
empujadas (Bhattacharya, 2019). Por ello, desde una perspectiva
de totalidad fundamentada en el método del materialismo
histórico dialéctico (NETTO, 2017) se busca entender el trabajo
de las mujeres en el mercado ilegal de drogas como un trabajo.
Aunque aparentemente esta afirmación pueda parecer trivial,
tiene dos grandes desafíos.
1
Es importante reconocer que esta investigación aún se encuentra en desarrollo, por
lo que aún es necesario profundizar en el análisis teórico. Por lo tanto, este capítulo
está escrito en el marco de aproximaciones teóricas, así como de aproximaciones a la
realidad colombiana y brasileña.
| 39 |
El primero es reconocer el trabajo en el mercado ilegal y
las actividades ilegales como parte de la propia dinámica del
capital, en la que el trabajo formal no es la realidad para la
mayoría de la población en los países del capitalismo
dependiente y periférico, y la informalidad es una característica
fundamental del mercado de trabajo (TELLES, HIRATA, 2007).
Es frente a formas inusitadas de reproducción de la vida que el
trabajo informal e ilegal se plantea como una condición de
existencia frente a la organización social impuesta por el capital.
El segundo desafío es la articulación dialéctica entre
producción y reproducción social, es decir, el develamiento del
trabajo invisible, no remunerado, precario y subordinado que
realizan las mujeres en el mercado ilegal de drogas. En este
sentido, se busca un diálogo crítico esencial con cierto marxismo
que durante mucho tiempo consideró trabajo sólo a aquellos
centrados en la producción directa de plusvalía (ROCHA, et.al.,
2022), así como con ciertas vertientes del feminismo marxista
basadas en la perspectiva interseccional, que tienen formas de
entender la dinámica del capitalismo a través de la intersección
de opresiones (MORAES, 2021).
Es importante resaltar que muchas investigaciones han
sido realizadas en Brasil y Colombia con relación al
encarcelamiento de mujeres por el delito de tráfico de drogas, o
sea, actividades desarrolladas en el microtráfico. Sin embargo,
todavía hay una ausencia de investigaciones sobre la situación
de las mujeres en la economía de las drogas en relación con el
cultivo y la producción (RELEVO et. al, 2018). Incluso Relevo
(2018) señala que la propia ONU Mujeres ha mencionado la
necesidad de estudios sobre la participación de las mujeres en la
economía de la coca y los impactos que se derivan de este
vínculo.
| 40 |
Además, con base en una perspectiva marxista, la
contradicción capital versus trabajo también pone en evidencia
la lucha de clases (MARX, 2017). Por lo tanto, a partir del
reconocimiento del mercado ilegal como espacio de venta de
fuerza de trabajo frente a las necesidades de producción de
capital y reproducción de la vida, es necesario reconocer que la
existencia de estas mujeres no ocurre pacíficamente frente a los
impactos de la prohibición y del mercado ilegal de drogas.
Existen movilizaciones, organizaciones, movimientos y formas
de vida en estos territorios que constituyen la propia lucha de
clases en su máxima concreción. Es frente a este complejo de
relaciones que partimos de la pregunta "¿cómo la TRS puede
iluminar el análisis del trabajo de las mujeres en el mercado ilegal
en Brasil y Colombia y cuáles son las formas de resistencia de
estas mujeres?”.
Dado esto, el objetivo de este capítulo es presentar algunas
pistas para entender cómo el trabajo en el mercado ilegal de
drogas atraviesa la vida de las mujeres en Brasil y Colombia
desde la perspectiva de la Teoría de la Reproducción Social, ya
que aún no hay investigaciones publicadas en Brasil en relación
a este tema en esta perspectiva teórico-política. Se asume que este
capítulo compone algunos resultados parciales de una
investigación de enfoque cualitativo donde se utilizaron fuentes
primarias a través de entrevistas semi-estructuradas realizadas a
mujeres líderes durante el período de pasantía doctoral en
Colombia, así como a través de fuentes secundarias como
informes, investigaciones y publicaciones sobre el tema en Brasil
y Colombia.
| 41 |
LA TEORÍA DE LA REPRODUCCIÓN SOCIAL (TRS) COMO
CLAVE PARA ANALIZAR LA TOTALIDAD DE LAS
RELACIONES SOCIALES
Para profundizar nuestra comprensión de las
r(e)existencias de las mujeres frente al mercado ilegal de drogas,
es necesario primero entender los fundamentos de la matriz
teórico-político-metodológica que nos guía.
El feminismo marxista ha ganado ascendencia en los
debates feministas actuales. Sin embargo, no se trata de una
nueva perspectiva de análisis sobre la opresión de las mujeres.
Aunque el debate haya adquirido nuevos contornos con el
capitalismo en su fase actual, que ha exigido nuevas lecturas de
la realidad, es la expresión de un legado del campo feministasocialista2 y articulados debates sobre feminismo y marxismo de
los años 60 y 70 en EE.UU., Canadá y Europa Occidental
(ROCHA, et.al, 2022), período en el que también se desarrolló la
destacada obra de Lise Vogel "Marxism and the Oppression of
Women: Towards a Unitarian Theory", publicada inicialmente
en 1983, que constituye el punto de partida de la Teoría de la
Reproducción Social3.
Cabe destacar que en la época este trabajo sufrió un
profundo borramiento debido a la desorganización del
movimiento feminista-socialista en un contexto de avance del
neoliberalismo y la posmodernidad en la década de 1980, en un
escenario de retroceso, flexibilización de las relaciones laborales,
2
3
Algunas mujeres importantes participaron en el proceso de la Revolución Rusa de
1917, como Alexandra Kollontai, Clara Zetkin y Nadêja Krupskaia, que ya
denunciaban la condición de la mujer trabajadora. Tal fue el protagonismo de las
mujeres en la Revolución Rusa que fueron las primeras en estar en las calles en
huelga, exigiendo mejores condiciones de vida, lo que desembocó en la Revolución (
FERGUSON, MACNALLY, 2017).
La Teoría Unitaria tiene como principal hito la obra de Lise Vogel: "Marxismo y
opresión de la mujer: hacia una teoría unitaria", publicada en 1983 y reeditada y
recuperada en 2013. Esta obra fue traducida en Brasil en 2022 por mujeres integrantes
del Grupo de Estudios sobre Teoría de la Reproducción Social, publicado por
Expressão Popular.
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retirada de derechos sociales y laborales, que impactó en las
organizaciones de izquierda (FERGUSON, MCNALLY, 2017).
Según Ferguson y McNally (2017), a pesar de este
borramiento, algunos grupos continuaron alimentando los
debates sostenidos por Vogel debido a su originalidad en el
campo feminista-socialista, especialmente por su diálogo y
desarrollo de teorizaciones materialistas históricas basadas en la
obra madura de Marx - El Capital (Volumen I), Esto fue lo que
constituyó el punto de partida teórico de Vogel, que para la
época se consideró un avance, ya que gran parte de la tradición
del feminismo-socialismo se basaba en textos como La idología
alemana de Engels o El origen de la familia, la propiedad privada
y el Estado. Esto permitió un salto cualitativo indispensable para
entender la opresión de las mujeres en el capitalismo al tener en
cuenta importantes categorías así como la centralidad de la teoría
del valor-trabajo de Marx, abriendo un nuevo campo de
investigación feminista-socialista (FERGUSON; MACNALLY,
2017).
La obra de Vogel fue recuperada y reeditada en 2013, ya
en un escenario de reorganización de la clase trabajadora en
respuesta a una crisis estructural del capital expresada por una
crisis civilizatoria y reproductivo-social que intensificó aún más
las contradicciones entre la producción de valor frente a la
reproducción de la vida. En este contexto, hay una
reconvocatoria del marxismo para explicar esta realidad,
culminando en un campo de convergencia entre intelectuales y
militantes que buscaban explicar la realidad a través de "una
teoría unitaria capaz de explicar la unidad dialéctica de las
relaciones de explotación y opresión - en particular entre género,
raza y clase" (ROCHA, et.al., 2022. p. 17). Es precisamente esta
reedición de Vogel en la conformación de este campo y la
construcción crítica de la obra y sus avances teóricos, que se basa
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la Teoría de la Reproducción Social. Sin embargo, en Brasil,
asume otros contornos, porque no ocurrió a través de debates
teóricos publicados en medios nacionales en grupos militantes y
académicos y sí, "es fruto de una práctica de resistencia cotidiana
oral, corporal y comunitaria a la experiencia colonial,
imperialista y a la organización del capitalismo dependiente"
(ROCHA, et.,2022, p. 18).
Por lo tanto, es a partir del legado de la lucha y resistencia
de las mujeres negras e indígenas que lucharon contra la
esclavitud durante el período de la colonización, que marcaron
formas de relaciones sociales de producción y reproducción de
la vida que aún hoy están presentes, que se parte para pensar la
lucha de clases y la construcción de la TRS en este territorio:
Ubicar, por lo tanto, la tradición teórica feminista-socialista
en Brasil no puede reducirse a posicionar cronológicamente
textos y reflexiones sobre el capitalismo y la opresión de las
mujeres. Es necesario considerar análisis como el de
Werneck (2020), por ejemplo, que sitúa el proceso de
resistencia intergeneracional de las mujeres negras
destacando su relación con tradiciones de matriz africana,
indígena y afroindígena. En la metáfora ialodês, la agencia
de las mujeres negras en resistencia continua en la
historicidad brasileña es explicable y se torna comprensible
a partir de su cosmogonía, oralidad y prácticas corporales
que informaron e informan esa actuación política (ROCHA,
et.al., 2022, p. 19, traducción nuestra ).
En este sentido, las luchas y resistencias a lo largo de la
historiografía brasileña también tendrán importantes
repercusiones en el campo de las formulaciones teóricas dentro
y fuera de las universidades públicas (aunque con diversos
límites debido a la falta de representatividad en estos espacios).
En la década de 1960, mientras las mujeres del centro del
capitalismo realizaban importantes debates en relación al trabajo
doméstico y a la opresión de las mujeres, enfrentaban una
realidad de represión, reducción de la circulación de
perspectivas revolucionarias, así como de producciones
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feministas-socialistas debido al período dictatorial (ROCHA, et.
al, 2022). Autoras importantes como Lélia González4 y Heleieth
Saffioti5 Lélia González y Heleieth Saffioti estuvieron entre las
autoras pioneras en Brasil en teorizar y ofrecer una base analítica
para comprender el género, la raza y la clase a partir de la
formación socio-histórica brasileña y, por lo tanto, encarnando la
historia de la resistencia y de las luchas populares, feministas,
originarias, negras y socialistas, aunque se haya intentado borrar
sus
formulaciones,
especialmente
sus
perspectivas
anticapitalistas.
A partir de estas formulaciones embrionarias de una
perspectiva de totalidad, es a través del legado de estos autores
en Brasil que la TRS pretende avanzar en un marxismofeminismo que dialogue con la realidad de los países del
capitalismo dependiente y periférico (ROCHA, et. al, 2022),
especialmente considerando las r(e)xistencias de las mujeres en
este proceso histórico. Es en la incorporación de estos debates en
los estudios académicos y en la lucha comprometida del
movimiento de mujeres que la TRS llega con fuerza a Brasil,
impulsando incluso la traducción de importantes obras.
Siguiendo este legado, la obra de Vogel contribuyó al
campo marxista en medio de un contexto histórico de acalorados
debates sobre el trabajo doméstico en Europa. Frente a tantas
controversias, Vogel, basándose en la teoría del valor de Marx,
4
5
El libro Lélia Gonzalez: Primavera de Rosas Negras (2018), organizado y editado por
la Unión de Colectivos Panafricanistas (UCPA), y el posterior Por um Feminismo
Afro-Latino-Americano (2020), organizado por Flávia Rios y Márcia Lima, son dos
recopilaciones de diversos escritos de Lélia Gonzalez, importante intelectual
brasileña. Filósofa, antropóloga, profesora, escritora y activista, fue una de las
pioneras en el estudio de la cultura negra en Brasil, así como miembro del
Movimiento Negro Unificado (MNU) y una de las principales referencias del
feminismo negro en el país.
Saffioti fue socióloga marxista, profesora y una de las principales referencias en
estudios de género. El libro A mulher na Sociedade de classes: mito e realidade es
una de las principales obras sobre la situación de la mujer trabajadora en el modo de
producción capitalista en Brasil. La obra es el resultado de la tesis libre-docencia de
la autora, publicada en 1976, bajo la supervisión del sociólogo brasileño Florestan
Fernandes.
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ofrece una famosa contribución al afirmar que el trabajo
doméstico no remunerado, aunque no participa directamente en
la producción de plusvalía, ya que no produce valor de cambio
(MARX, 2017), contribuye a su dinámica de producción en la
medida en que constituye valor de uso, ocupando así un lugar
fundamental en la producción de valor. Esta aportación supone,
sin duda, un salto significativo en la comprensión del trabajo
femenino, permitiendo arrojar luz sobre los hilos menos visibles
del trabajo no remunerado a través de una explicación teórica
única e integrada sobre la opresión de la mujer y la importancia
de la reproducción social para el capitalismo (FERGUSON,
MCNALLY, 2017).
Bhattacharya (2019), autora contemporánea en los
estudios de TRS, al recuperar la perspectiva de totalidad de
Vogel, indaga que: Si la fuerza de trabajo produce valor, ¿cómo
se produce la propia fuerza de trabajo? Este cuestionamiento
lleva en sí mismo el poder de mostrar que la lucha de clases,
librada entre el capital y el trabajo, no concierne sólo al campo de
la producción, tal como ha sido históricamente entendido.
Afecta, al mismo tiempo y de forma integrada, también al campo
de la reproducción social, el espacio donde se produce y
reproduce la mercancía fuerza de trabajo para garantizar la
reproducción ampliada del capital:
Este es esencialmente el argumento principal de lo que
Vogel y estos marxistas posteriores llaman la "teoría de la
reproducción social". La teoría de la reproducción social
muestra cómo "la producción de bienes y servicios y la
producción de vida forman parte de un proceso integrado",
como dice Meg Luxton. Si la economía formal es el lugar de
producción de bienes y servicios, las personas que producen
tales cosas, se producen a su vez fuera de la economía formal
a un coste muy bajo para el capital (BHATTACHARYA,
2019, p. 103, traducción nuestra).
También según Bhattacharya (2019), la fuerza de trabajo
en general se reproduce mediante tres procesos integrados: 1)
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Mediante actividades que regeneran a los trabajadores para que
puedan volver al proceso de producción. Estas actividades van
desde la alimentación y la aseo hasta la asistencia educativa,
psíquica y emocional. 2) Actividades que mantienen y regeneran
a los trabajadores que están fuera del proceso de producción, es
decir, niños, mayores, adultos desempleados o personas que
están fuera del mercado laboral y; 3) La renovación generacional
de la mano de obra, realizada a partir de la producción de
"trabajadores frescos". Según la autora, estas actividades forman
la base que sustenta el capitalismo y son realizadas
gratuitamente por las mujeres (BHATTACHARYA, 2019).
Esta comprensión también permite que la TRS avance en
relación a otras perspectivas teóricas del campo feministamarxista6, que consiste en la retomada de la categoría de
totalidad de Marx, posibilitando superar una perspectiva
estructuralista en la comprensión de que "esferas" de la
producción y reproducción sociales son concebidas de formas
separadas y aisladas, lo que impactó directamente en la
comprensión de qui es la classe trabajadora y, consecuentemente,
lo que es luta de classes (BHATTACHARYA, 2019).
Con esto, también podemos destacar otro elemento crucial
en la crítica de las autoras de la TRS que representa un avance en
relación a los sistemas dobles y triples, es decir, las perspectivas
que entienden que el género, la raza y la clase son sistemas
separados, que operan de forma independiente y con leyes
propias y, por lo tanto, a veces se cruzan y a veces se
entremezclan,
según
algunas
conceptualizaciones
de
interseccionalidad y consubstancialidad (MORAES, 2021). La
TRS teóricamente entiende que género, raza y clase son
fenómenos del mismo sistema (el modo de producción
6
Es importante destacar que las feministas que reivindican el marxismo no lo hacen
de una única manera, ya que existen varias lecturas del propio marxismo (MORAES,
2021).
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capitalista) y busca a través de mediaciones, entender la
sociabilidad generizada y racializada como una totalidad social.
En este sentido la TRS se diferencia de otras claves explicativas.
Es importante mencionar que los debates sobre la
interseccionalidad son un campo heterogéneo con varias
controversias. Según Moraes (2021), ni siquiera hay consenso
sobre qué es la interseccionalidad, si consiste en un concepto, una
teoría, una herramienta analítica, una metodología o un enfoque.
Según la autora, ni siquiera Kimberlé Crenshaw, que acuñó el
término interseccionalidad en 1989, la considera una teoría.
Además de las diferencias en el campo teórico, también es
diversa la forma en que se moviliza la interseccionalidad en el
campo de la lucha, ya que la interseccionalidad se utiliza a
menudo para referirse a la importancia del debate integrado
sobre género, raza y clase, o incluso para reivindicar la agenda
antirracista (MORAES, 2021).
Actualmente, también presenciamos la cooptación
neoliberal de la interseccionalidad en las políticas públicas sin
hacer una articulación con la clase social, o entendiéndola apenas
como un estrato social. Esto, según Moraes (2021), se debe
muchas veces a cómo la interseccionalidad gana el espacio de la
academia por Kimberlé Crenshaw que "retrata lo social en
términos espaciales, en los que, para usar su ejemplo, la
intersección de las calles del colonialismo y el patriarcado
representa un nodo de múltiples opresiones" (FERGUSON, 2017,
p. 16). Patricia Hill Collins (2017), que rescata una perspectiva
crítica de la interseccionalidad, señalará incluso cómo el término
se pierde en la traducción de su institucionalización, ya que lleva
su origen en el movimiento feminista negro en los Estados
Unidos, especialmente a través de la lucha del Colectivo del Río
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Combahee y, por lo tanto, teniendo un aspecto revolucionario y
emancipador7.
En cuanto a la consubstancialidad, tiene su génesis en el
feminismo francófono de 1970-1980. La principal precursora del
término fue Danièle Kergoat, que propone superar las nociones
de adición e intersección, tal como defiende la
interseccionalidad, proponiendo la lectura de que el sexo8, raza
y clase se producen y se co-reproducen mutuamente y, por lo
tanto, estas relaciones son consustanciales, coextensivas y
aprehendidas de forma indisociable, trabajando con la
perspectiva de imbricación (CISNE, SANTOS, 2018). A pesar de
los esfuerzos, la consustancialidad seguirá recayendo en la
comprensión de sistemas triples, pues la imbricación de
relaciones ratifica que clase, raza y género pertenecen a sistemas
diversos, siendo necesario comprender que, desde la perspectiva
marxista, que "el todo no es la simple suma de las partes"
(MORAES, 2021, p. 150) y, por lo tanto, la perspectiva de
totalidad y el análisis desde la ontología integradora que es lo
que propone teóricamente la TRS avanza más allá de la adición
o imbricación de las relaciones de opresión, aunque
comprendiendo la importancia que consiste el avance de estos
estudios.
Según Ferguson (2017), el capitalismo es un todo
unificado, diferenciado y también contradictorio. Por lo tanto, la
7
8
Es importante mencionar que las feministas socialistas negras norteamericanas ya
habían señalado desde 1940 la importancia de pensar la totalidad social,
considerando género, raza y clase, siendo por lo tanto pioneras en este debate (RUAS,
2020). Como ya mencionamos, en Brasil, feministas negras como Lélia González,
Beatriz Nascimento, Luiza Bairros, entre otras, también hicieron esta crítica, aunque
no utilizaron el término interseccionalidad.
Para comprender las diferencias y controversias entre los términos género y sexo,
véase: Scott, J. (2017). Género: una categoría útil de análisis histórico. Educación
&Amp;
Realidad,
20(2).
Recuperado
de:
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721 y también:
CISNE, M; SANTOS, S.M. Las relaciones sociales de sexo/sexualidad y el concepto
género En: Feminismo, diversidad sexual y Servicio Social - São Paulo: Cortez, 2018,
p.46 a 56.
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categoría de concreto en Marx se vuelve fundamental para
pensar el género, la raza y la clase (BANNERJI, 2022). En este
mismo sentido, comprender la dialéctica del todo no excluye
explicitar las diferencias de las partes que constituyen esta
totalidad social, porque son esenciales para la reproducción del
todo. Por eso, el capitalismo racializado y generizado es una
unidad diversa y, según Ferguson, "una teoría integradora está
incompleta a menos que pase de esta abstracción a nombrar la
lógica social que informa la unidad existente y concreta de estas
relaciones"(FERGUSON, 2017, p. 23).
Este análisis confirma la necesidad del capital de
expropiar el trabajo de las mujeres para su propia producción y
reproducción, dándole un aura de tiempo social improductivo,
pero que en realidad es la base para sostener la acumulación
capitalista. En esta misma dirección, Ferreira (2017) señala que la
apropiación sistemática del tiempo de vida de las mujeres es
absolutamente funcional a la acción del Estado en las sociedades
periféricas. Según la autora, al utilizar este tiempo social, el
Estado asegura el cumplimiento de su tendencia histórica en el
capitalismo dependiente, que tiene como objetivo satisfacer las
necesidades de reproducción de la fuerza de trabajo a través de
políticas de bajo costo. En palabras de Ferreira (2017, p. 184):
El tiempo perdido de las mujeres es el tiempo descubierto
por el capital, y por su Estado, como recurso, en términos de
trabajo y conocimiento, para la realización de sus políticas
sociales. Podemos considerarlo, pues, como parte del fondo
público que, captado por el Estado, permite liberar para el
capital los recursos financieros de la "plusvalía social"
gestionada por el Estado. El Estado ahorra en la
reproducción de la fuerza de trabajo apropiándose de este
tiempo social improductivo en la reproducción social
privada, que se convierte entonces en vital, constitutivo de
la reproducción social en la esfera pública (traducción
nuestra).
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Es en este marco que se inscribe la TRS, no sólo por sus
aportes sobre los procesos de degradación del trabajo doméstico,
sino, sobre todo, por el hecho de que las feministas de la TRS
pensarán, a partir de Marx, la diversidad del trabajo y de los
cuerpos que trabajan, entendiendo el trabajo como "una
experiencia concreta, encarnada" (FERGUSON, 2017, p. 27).
Según los autores, esto significa reconocer que los cuerpos
trabajadores son generizados y racializados como no blancos, al
mismo tiempo que ocupan espacios geográficos específicos y
desiguales en la dinámica capitalista global, lo que determinará
su acceso a determinadas políticas sociales, derechos e incluso
creará diferenciaciones y desigualdades en la propia forma de
explotación laboral (FERGUSON, 2017).
Por lo tanto, no se trata de un análisis restringido
únicamente al ámbito del trabajo doméstico. La TRS contribuye
a ayudarnos a analizar la realidad a partir del desvelamiento de
la totalidad social y de la relación entre la supuesta esfera de
producción y reproducción. Según Bhattacharya (2019, p.105)
toda discusión sobre el salario, el lugar de trabajo o la lucha por
los derechos y beneficios laborales es una cuestión altamente
sexuada.
Cuando observamos la inserción de las mujeres en el
mercado de trabajo en Brasil, constatamos que siempre ha estado
marcada por la precariedad y por altos niveles de desigualdad
en relación a la inserción de los trabajadores hombres, con dosis
aún mayores debido a las determinaciones étnico-raciales y las
contribuciones de la TRS permiten iluminar otros ángulos de este
cuadro, revelando cómo la opresión de las mujeres se sostiene y
se configura en la dinámica de la relación contradictoria entre
producción de valor y reproducción de la vida.
Según Marques et al. (2018, p. 6) la informalidad, que
siempre ha sido una característica histórica del mundo del
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trabajo en Brasil, se ha expandido y diversificado
considerablemente en los últimos años, superando las tasas de
trabajo formal al alcanzar el nivel del 51,29% de la población
económicamente activa del país en 2018. En 2019, cerca de 13,5
millones de mujeres trabajaban informalmente en Brasil
(DIEESE, 2021), sin contar el contingente de 6,4 millones de
trabajadoras domésticas, muchas de las cuales son informales.
Ellas alternan entre trabajos mal remunerados con contrato
formal, trabajos sin contrato formal, trabajos ocasionales como
limpiadoras, niñeras, vendedoras ambulantes, trabajos
temporales y tercerizados, y también la inserción en el mercado
ilegal. En otras palabras, las mujeres siguen una trayectoria de
vida laboral cada vez más distante del patrón salarial y de
protección social que históricamente sustentó la noción de
trabajo, lo que sólo puede evidenciarse si consideramos la
perspectiva ampliada de trabajo que propone la TRS al analizar
la reproducción social.
Telles e Hirata (2007) destacan la difusa frontera entre lo
informal, lo ilegal y lo ilícito en la que se expande una zona gris,
asociada al trabajo precario y temporal, con actividades ilegales,
delictivas y clandestinas en el escenario urbano. En esta clave, los
autores conceptualizarán como "bazar metropolitano" el que se
configuró a partir de la década de 1980 en el que se constituyen
"fronteras porosas entre lo legal y lo ilegal, lo formal y lo informal
transitando, discontinua e intermitentemente, las figuras
modernas del trabajador urbano, haciendo uso de oportunidades
legales e ilegales que coexisten y se superponen en los mercados
de trabajo" (TELLES, HIRATA, 2007, p. 174).
No es casualidad que el avance de los empleos precarios
en el mercado ilegal de drogas avance en un período de mayor
retracción de derechos, desmantelamiento y flexibilización del
trabajo y entre en una dinámica en la que los autores
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denominarán "supervivencia expeditiva" (ibdem., p. 74). Así
como el capitalismo contemporáneo difumina estas fronteras en
la medida en que los circuitos ilícitos entran en la economía
globalizada del capital financiero, haciendo intrínseca esta
relación.
Frente a lo expuesto, lo que vale la pena destacar aquí es
que este mercado ilegal o ilícito forma parte y compone la
dinámica del capitalismo contemporáneo en el que las mujeres
han venido ocupando un lugar en la reproducción de la fuerza
de trabajo, especialmente en el marco histórico de la
acumulación primitiva de capital, que se ha mantenido hasta
nuestros días. Son ellas las que han sido objeto de formas
inusitadas de reproducción de la vida y su inserción en este
mercado ilegal se ha convertido cada vez más en una forma de
supervivencia ante el avance del capital. Así, la TRS puede
ayudar a iluminar estas fronteras entre lo legal y lo ilegal, entre
lo productivo y lo reproductivo, y a comprender las formas
contemporáneas de resistencia a esta realidad.
MUJERES EN EL MERCADO ILEGAL DE DROGAS EN
BRASIL Y COLOMBIA: FORMAS DE R(E)EXISTENCIAS
Para situar este debate, es importante mencionar que las
drogas siempre han estado presentes en la sociedad. Estas
sustancias se encontraban en plantas o parte de ellas y contenían
un valor de uso (MARX, 2017) para los pueblos originarios y
varias otras culturas con fines medicinales, festivos, rituales y
religiosos (ESCOHOTADO, 2004, p. 11-12). Sin embargo, las
drogas han sido cooptadas por intereses económicos y
transformadas en mercancías con fines de intercambio. Según
Santos (2019) esta cooptación ocurrió en tres momentos
importantes de la historia: en el marco de la acumulación
primitiva del capital, que mantenía el interés en ampliar el
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mercado, utilizando el trabajo de los pueblos esclavizados en la
colonia; Para la producción y el uso subordinado al capital para
que la clase obrera pudiera dar cuenta de las precarias
condiciones de explotación laboral en la condición de "trabajo
libre"; y en la condición de mecanismo de control de la clase
obrera a través de la coerción y la prohibición de determinadas
sustancias que pasan a ser consideradas ilícitas. De esta forma, la
prohibición de las drogas se constituye como un mecanismo
ideológico para someter a determinados grupos sociales a los
intereses capitalistas.
A pesar de los hechos relevantes a favor de la prohibición
de ciertas drogas a lo largo de la historia, fue en el siglo XX
cuando la prohibición comenzó a consolidarse de manera
sistematizada por la clase dominante a través de leyes y tratados
internacionales bajo el liderazgo de Estados Unidos, momento en
el que este país inició su proceso de dominación económica,
imponiendo ciertos acuerdos y políticas antidrogas a diversos
países, entre ellos Brasil y Colombia. La Convención
Internacional del Opio de Shanghái y la más amplia y restrictiva
concluida en La Haya (Países Bajos) en 1912, sirvieron de base
para que el gobierno estadounidense defendiera la urgencia de
adaptar las leyes internas estadounidenses a sus compromisos
externos en materia de control de drogas (FIORE, 2012;
GALLEGO, 2017).
Como resultado de la influencia estadounidense, en 1960,
a través de reuniones patrocinadas por las Naciones Unidas, se
estableció un conjunto de normas con el fin de castigar a quienes
consumieran, vendieran o produjeran drogas. Como resultado
de este esfuerzo, encontramos la actual coherencia en la dirección
de las leyes de drogas en el mundo. En este sentido, la ilegalidad
del mercado de drogas es una construcción imperialista de los
Estados Unidos a los países productores dependientes,
| 54 |
imponiendo sanciones y una adhesión a las organizaciones
internacionales con el fin de mantener el mercado monopólico y
crear a través de la ilegalidad, una cadena de producción
extremadamente rentable y controlada a través de leyes
criminalizadoras de la producción, circulación y consumo de
drogas (DUARTE, 2022).
Según Duarte (2022), los valores multimillonarios
derivados del narcotráfico dependen de las instituciones
financieras globales, como los bancos, para transformar este
dinero ilícito en lícito a través del lavado de dinero. Esto muestra
cómo la financiarización sirve a los intereses del capital que
mantiene a través de la criminalización, junto con el aparato
estatal, el mercado ilegal y, al mismo tiempo, subyuga a las
mujeres, sobre todo, para cuidar de sus propias condiciones de
vida. Mientras se exportan toneladas de drogas y se realizan
transacciones multimillonarias, son las mujeres que trabajan en
el mercado minorista de drogas para mantener su subsistencia
las que son criminalizadas.
El mercado ilícito de drogas ha sido una fuente de empleo
para mujeres pobres, negras, originarias, campesinas, negras y
periféricas. Aunque en Brasil existan pocos estudios que
exploren los papeles que las mujeres desempeñan en el cultivo
de plantas con fines de producción de drogas ilícitas, varias
entidades y agencias multilaterales han demostrado esta
preocupación de la participación de las mujeres en la economía
ilícita en América Latina (FRAGA, 2015). Cabe destacar que en
Colombia se han desarrollado producciones académicas
enfocadas en la participación de las mujeres en las economías y
circuitos productivos, y Brasil se ha enfocado en estudios sobre
la participación de las mujeres en el microtráfico.
Al hacer un paralelo entre Brasil y Colombia, podemos
identificar algunos fenómenos en común. Según Albornoz
| 55 |
(2019), el aumento del encarcelamiento femenino en Colombia
tiene su principal razón: los delitos relacionados con drogas.
Entre los años 1991 a 2018 hubo un aumento del 429 %, superior
al relacionado con el aumento del encarcelamiento masculino
por el mismo delito y en el mismo período. Hecho similar ocurre
en Brasil, donde los datos comparados entre los años 2000 y 2016,
la población carcelaria femenina representó un aumento del
656% en comparación con el total registrado a principios de la
década de 2000, y, por otro lado, la población carcelaria
masculina creció un 293%, siendo la principal razón de
encarcelamiento también el tráfico de drogas9 (INFOPEN
MULHERES, 2018).
Cuando miramos el perfil de estas mujeres en Brasil, nos
damos cuenta de que la mayoría son mujeres jóvenes, entre 18 y
34 años, con baja escolaridad, con sólo el 15% de ellas habiendo
completado la escuela secundaria, el 62% son solteras y la
mayoría, el 74% tienen hijos, así como también, el 62% de las
mujeres encarceladas son negras (INFOPEN MULHERES, 2018).
Según la investigación realizada por Albornoz (2019), la
mayoría de las mujeres privadas de la libertad entrevistadas en
Colombia tenían entre 19 y 37 años. La mayoría tiene un bajo
nivel educativo, no habiendo terminado estudios de nivel
secundario debido a la necesidad de dedicarse al trabajo desde
muy jóvenes, así como también, la mayoría tenía hijos y eran
consideradas jefas de hogar, es decir, las principales
responsables del cuidado de sus hijos, demostrando un perfil
común entre las mujeres privadas de libertad de ambos países10.
9
10
Es importante destacar que la legislación brasileña no hace distinción entre la
plantación y la venta, ambas se consideran un delito para el tráfico de drogas. Sin
embargo, el encarcelamiento de mujeres se ha centrado más en las actividades de
comercio (FRAGA, 2015).
En este estudio no se encontró información sobre la pertenencia étnica y racial de
estas mujeres.
| 56 |
Otro dato que llama la atención es que en ambos países
estas mujeres ocupaban actividades históricamente feminizadas,
así como trabajos temporales, informales y precarios
(ALBORNOZ, 2019; HELPES, 2015). Según (HELPES, 2015), la
mayoría de las mujeres eran responsables económicamente de su
familia antes de ser encarceladas, y eran madres solas, las
principales responsables de la actividad de reproducción social.
De acuerdo con los datos de las entrevistas realizadas a estas
mujeres, se observó un cambio en la razón por la que ingresan al
trabajo "ilegal" del narcotráfico. Si antes se debía al vínculo
afectivo con la pareja o con el hijo involucrado en el tráfico, o
también al desempleo, ahora no hay condiciones suficientes para
mantener la reproducción de la vida, aunque tengan empleo:
De hecho, varios entrevistadas que sufrían la falta de
posibilidades de garantizar condiciones materiales
razonables para sus familias se insertaron de alguna forma
en el mercado de trabajo. De los 81 entrevistadas, sólo 19
declararon no haber trabajado en ninguna profesión, es
decir, el 25%, mientras que 62 entrevistadas, el 76%,
declararon haber trabajado en puestos remunerados antes o
durante el tráfico de drogas. Entre las entrevistadas en el
mercado de trabajo, 33% no tenían tarjeta de trabajo firmada
ni garantizaban otros derechos laborales (HELPES, 2015, p.
123, traducción nuestra).
Helpes (2015) también señala en esta investigación que las
principales actividades de estas mujeres se desarrollaban en el
sector servicios, siendo la principal actividad la de empleada del
hogar. Según Albornoz (2019) en relación a la ocupación de estas
mujeres en Colombia también destaca las mismas actividades:
De las 19 mujeres entrevistadas por los delitos de drogas, 6
dijeron realizar oficios varios (aseo, camarera, etcétera), 3
ventas, 2 reciclaje, 2 eran amas de casa, una costurera, una
secretaria; una dijo vender droga, otra se abstuvo de
contestar y 2 manifestaron ser desempleadas. Datos que
coinciden con los encontrados en el estudio de los 23
expedientes: doce mujeres se identificaron en ventas, tres
como amas de casa, tres en oficios varios, una como artesana,
tres eran desempleadas y una no manifestó su ocupación.
| 57 |
Ocupaciones que coinciden con las establecidas por el Dane
en el trimestre de noviembre 2018-enero 2019, al señalar que
la rama de actividad con mayor participación de mujeres fue
la de servicios comunales, sociales y personales (Dane, 2019).
Según el estudio de Sánchez-Mejía et al. (2018), el 37,1% de
las mujeres condenadas por estos delitos manifestó que sus
ingresos mensuales eran inferiores a un millón de pesos (p.
72).
Aunque no haya una única razón para la entrada de las
mujeres en el mercado ilegal de drogas, es evidente que los
cambios y reestructuraciones en el mundo del trabajo, así como
la organización social capitalista generizada y racializada, pone
diversas condiciones a la clase trabajadora en su heterogeneidad.
Según Duarte (2020) y Albornoz (2019), el desempleo es uno de
los principales factores que llevan a las mujeres a entrar en el
narcotráfico y esto guarda una importante relación con cómo se
constituye la acumulación de capital en los países del capitalismo
periférico y dependiente "vía desindustrialización e
informalidad forzada al circuito global de las drogas" (DUARTE,
2020, p. 881). Según Duarte (2020), las actividades que las
mujeres realizan en el narcotráfico también están relacionadas
con la forma en que el modo de producción capitalista se
organiza y utiliza los cuerpos generizados y racializados. En
general, las mujeres ocupan posiciones de "mulas" y, en la
historia colonial de Brasil, esto no es una mera coincidencia, ya
que la mula fue un animal esencial para el proceso de
colonización y de extrema importancia para el desarrollo de la
colonia:
Entre las características atribuidas a la mula, además de la
fuerza física, expresada en la capacidad de caminar durante
horas y con bajo gasto energético, los propietarios de mulas
afirmaban que era un animal obediente, pasivo y dócil, que
aceptaba órdenes con mayor facilidad. Afirmaban que, por
ser hembra y proceder del cruce de asno macho y yegua, era
más inferior que otros animales de la especie de la que
procedía (caballos y asnos) (DUARTE, 2020, p. 873,
traducción nuestra).
| 58 |
Las mujeres que ejercen la actividad de "mulas" son en su
mayoría negras, y no corresponden al transporte de los grandes
narcotraficantes, sino más bien a las actividades ligadas al
pequeño comercio. Muchas de ellas siguen colocadas en
situaciones de mulas-estratégicas, contratadas incluso sin
saberlo, precisamente para ser detenidas. Es importante decir
que este lugar que ocupan las mujeres en las cadenas del
narcotráfico las coloca en condiciones aún más expuestas a la
criminalización y al encarcelamiento. Sin embargo, la aceptación
de esas condiciones de trabajo no representa mera pasividad,
sino una búsqueda de condiciones de supervivencia, orientadas
a la reproducción social de la vida y de la familia, pues las
mujeres refieren que el dinero proveniente del mercado de
drogas, en su mayoría, está dirigido a mejorar sus condiciones de
vida y promover el bienestar económico y material de sus hijos
(DUARTE, 2020).
Este es un elemento central de análisis de cómo el
colonialismo y el capitalismo racializado y generado se expresa
en la realidad brasileña y que sigue anunciando, desde su
génesis, la forma en que este modo de producción se estructuró
a partir de la colonización y la importancia del racismo para el
desarrollo y consolidación del capital (FAUSTINO, 2018). Según
Lélia Gonzalez (2020), el lugar de la mujer negra en la
colonización estructuró el modo de producción capitalista y, por
lo tanto, este lugar necesita ser constantemente recolocado.
La función de "mucama" se caracterizaba por las funciones
de la mujer esclavizada en el sistema de producción esclavista.
Era ella quien prestaba los servicios domésticos de cuidado y
educación de los hijos de las mujeres blancas de la Casa Grande
e incluso los servicios sexuales de los señores. Por ello, la mujer
| 59 |
negra era vista a veces como la "mulata”11, ya fuera para
satisfacer las necesidades sexuales o para satisfacer las
necesidades domésticas de reproducción social de la familia. Por
lo tanto, "vemos que el engendramiento de la mulata y de la
mujer doméstica se basaba en la figura de la mucama"
(GONZALEZ, 2020, p. 73, nuestro énfasis). Este engendramiento
que Lélia nos relata es lo que aún hoy podemos experimentar en
el lugar social de la mujer negra en la sociedad brasileña cuando
analizamos el trabajo y el perfil de las trabajadoras domésticas
en la actualidad.12.
En cuanto a la doméstica, no es más que la mucama
permitida, la que proporciona bienes y servicios, es decir, la
burra que lleva a cuestas a su familia y la de los demás. Por
eso es el lado opuesto de la exaltación; porque está en la vida
cotidiana. Y es en esta vida cotidiana donde podemos ver
que somos vistos como domésticas. El mejor ejemplo de ello
son los casos de discriminación de las mujeres negras de
clase media, que cada vez son más numerosos. De nada sirve
ser "educada" o "bien vestida" (al fin y al cabo, la "buena
presencia", como vemos en los anuncios de empleo, es una
categoría "blanca", sólo atribuible a los "blancos" o
"blancas"). Los conserjes de los edificios les obligan a entrar
por la puerta de servicio, obedeciendo las instrucciones de
los liquidadores blancos (los mismos que "se los comen con
los ojos" en Carnaval o en las oba-obas de la vida). Al fin y al
cabo, si es negro sólo puede ser doméstica, así que, puerta
de servicio (GONZALEZ, 2020, p. 73, traducción nuestra)
Las mujeres negras son la mayoría de las trabajadoras
domésticas en Brasil (PNAD, 2019), al igual que las mujeres
11 Lélia señala que el término mulata, antes entendido como hija mestiza entre una
persona negra y una blanca (y que hoy es un término problematizado por el
movimiento feminista negro), va más allá. Es una creación de este sistema para dar
un lugar a las mujeres negras en el mercado de trabajo. La mulata es el producto de
exportación. Para ella "la profesión de mulata es ejercida por jóvenes negras que, en
un proceso extremo de alienación impuesto por el sistema, se someten a la exposición
de sus cuerpos (con el mínimo de ropa posible), a través del "rebolado", para el deleite
del voyeurismo de turistas y representantes de la burguesía nacional" (GONZALEZ,
2020, p. 51, traducción nuestra). Esta es la representación de la mujer negra hoy en el
carnaval brasileño.
12 Según el PNAD, en 2019 Brasil contaba con cerca de 6,4 millones de trabajadores
domésticos, de los cuales el 92% eran mujeres y el 65% mujeres negras, en su mayoría
con bajo nivel educativo y de familias empobrecidas.
| 60 |
negras son las más encarceladas por tráfico de drogas en Brasil.
Según la investigación realizada por Helpes (2015), la mayoría
de las mujeres entrevistadas que fueron encarceladas por tráfico
de drogas eran negras y realizaban trabajos informales y
precarios como empleadas domésticas y limpiadoras mientras
trabajaban en el mercado ilegal de drogas, en su mayoría
trabajando como "mulas".
Con el apoyo teórico de González (2020) podemos
reflexionar sobre el proceso histórico de estos roles sociales que
se evidencia en el trabajo de las mujeres en el mercado ilegal de
drogas. La "mulata", que representa el "producto de
exportación", también asume el papel de "mula", como producto
para la exportación de drogas que muchas veces son incluso
introducidas en sus propios cuerpos (DUARTE, 2020). La
doméstica, como afirma González (2020), carga sobre sus
espaldas los costos de la reproducción social de otras familias,
realizando el trabajo más precario e informal de reproducción
social, inserta en ese proceso de deshumanización absoluta. En
este sentido, el engendramiento de lo "doméstico" y la "mula"
que se expresa en la "mucama" es la exteriorización más concreta
de estas mujeres que trabajan en el mercado ilegal como mulas,
ya que, como señala la investigación de Helpes (2015), también
realizan mayoritariamente actividades como empleadas
domésticas y de limpieza.
Este análisis de la totalidad es muchas veces mistificado
por la separación dualista que permea los estudios de género y
que llevó a entender que el aumento del encarcelamiento
femenino está sujeto a un sistema patriarcal de opresión de los
hombres sobre las mujeres, ocultando un análisis del propio
metabolismo social del capital como modo de producción que
integra explotación y opresión en una totalidad social,
considerando además que esta informalidad y el trabajo en
| 61 |
circuitos considerados "ilegales" son parte de un proyecto de
gestión individualizada de esta supervivencia.
Es importante mencionar que esta expresión de lo
concreto puede evidenciarse en la división socio-sexual, étnicoracial e internacional del trabajo13,que se hace aún más evidente
en momentos de crisis del capital, ofreciendo salarios por debajo
del costo de supervivencia a mujeres racializadas como noblancas en Brasil y Colombia. Esta realidad también se imprime
en el mercado "ilegal" y se refleja en el aumento del
encarcelamiento femenino en los últimos años en estos países, ya
que están expuestas por ocupar, en su mayoría, posiciones
subordinadas en la cadena del narcotráfico como estrategia de
supervivencia, al mismo tiempo que les permite realizar
actividades y trabajos informales o incluso mantener el espacio
doméstico y el cuidado de sus hijos, ya que la mayoría de ellas
son también cabezas de familia y madres solas.
LAS FORMAS DE (R)EXISTIR FRENTE AL CULTIVO ILÍCITO
Las formas de R(e)xistencia frente al mercado ilegal de
drogas en determinadas condiciones sociales también están
relacionadas con las condiciones históricas de los países. En
Brasil, las actividades de plantación están restringidas a
determinadas áreas geográficas y a menudo son insuficientes
para abastecer el mercado internacional. Esta división
internacional del trabajo en el mercado ilegal también coloca a
Brasil como un país con una función de salida de estos bienes,
dada su ubicación geográfica fronteriza con los países
productores (como Bolivia, Perú y Colombia), así como la
13 Para la TRS en la que nos basamos, la opresión de las mujeres en el capitalismo no se
localiza únicamente en la división sexual del trabajo, sino en toda la producción y
reproducción de la fuerza de trabajo como punto de partida, superando la teoría de
los sistemas duales y triples como el capitalismo, el racismo y el patriarcado tomados
por separado (MCNALLY, FERGUSON, 2017).
| 62 |
estructura que permite la circulación (FRAGA, 2015). Sin
embargo, aunque poco discutidas, existen algunas regiones
productoras enfocadas en la siembra.
Según Fraga (2015), datos de la investigación "Mujer y
Delito: un estudio sobre la participación de las mujeres en las
plantaciones ilícitas en Brasil", realizada en Vale de São Francisco
(región nordeste del país), revelaron que la plantación de
cannabis es una fuente alternativa de ingresos para las familias
que encuentran dificultades para sobrevivir a los cultivos legales
en la agricultura tradicional, ya que la prohibición eleva el precio
de los productos, pero por otro lado, muchas veces las somete a
situaciones de violencia en los territorios.
El trabajo de las mujeres en la producción de cannabis, a
pesar de su importancia, ha sido invisibilizado dentro de este
proceso productivo. Al no ser consideradas actividades
necesarias para este proceso, terminan disminuyendo el costo
total de producción de la planta, haciendo que la ganancia sea
aún mayor, además de la acumulación de actividades domésticas
y de cuidado de los hijos que también necesitan realizar.
Según la investigación, un hecho muy importante que da
particularidades a la siembra de la planta de cannabis es que su
producción se concentra en regiones más pobres y con el objetivo
de abastecer la expansión de un mercado interno. A las
demandas de consumo se suma el crecimiento del agronegocio,
en el cual se realizaron inversiones en rutas para el flujo de
mercancías. Con el escenario de construcción y crecimiento de
represas hidroeléctricas, miles de pequeños agricultores fueron
afectados, siendo sus tierras inundadas para la construcción de
represas, haciendo de las plantaciones ilícitas una alternativa en
esta región.
La construcción de la presa, por lo tanto, fue un momento
dramático para la mayoría de los trabajadores agrícolas de
la región inundada, cuya producción se basaba en la
| 63 |
agricultura familiar. Como la propia Companhia
Hidrelétrica do Vale do São Francisco (CHESF), responsable
de la administración y mantenimiento de las centrales
hidroeléctricas que se construyeron con las aguas del río São
Francisco, admite en un informe posterior, el proceso de
desplazamiento de la población se hizo de forma
desarticulada y prolongada, lo que causó graves problemas
a los trabajadores rurales, con o sin tierras en la región
(FRAGA, 2015, p. 19, traducción nuestra).
La alternativa de plantar cannabis en Brasil, dadas las
diversas condiciones marcadas por el agronegocio y la falta de
inversión pública en los problemas de esta región, configura el
involucramiento de los agricultores con redes criminales de
producción y circulación y se expresa en diversas dinámicas de
violencia. Las mujeres en estos espacios realizan, en su mayoría,
actividades de reproducción social, como cocinar y cuidar de las
tumbas de las que sus compañeros son responsables y, además,
los recursos resultantes de estas actividades son utilizados para
la reproducción social, ya que "las mujeres utilizan gran parte de
los recursos para mejorar las condiciones de vida de su familia,
en los estudios de sus hijos o su calidad de vida mediante la
compra de bienes que, según sus evaluaciones, les proporcionan
comodidad" (FRAGA, 2015, p. 31).
La creación de condiciones de existencia para estas
mujeres en Colombia tampoco es diferente, en donde este
proceso se relaciona principalmente con las condiciones de
acceso a la tierra y el conflicto armado que impone diferentes
condiciones a las mujeres campesinas y afrocolombianas
dedicadas a actividades de producción de hoja de coca en
determinados territorios. La "guerra contra las drogas" ha
impuesto condiciones particulares en la vida de estas mujeres,
especialmente frente a la erradicación forzada de los cultivos a
través de la fumigación con glifosato, que ha afectado el suelo, el
agua y la producción de alimentos y plantea riesgos para la
salud, creando aún más desafíos para la supervivencia.
| 64 |
A pesar del importante hito del Acuerdo de Paz alcanzado
por el gobierno nacional con las FARC-EP, especialmente en lo
que se refiere al punto 4 de este documento, referente a las
plantaciones ilícitas y al Programa Nacional de Sustitución de
Cultivos (PNIS), en términos generales aún falta incorporar el
enfoque de género, ya que existe un ocultamiento de las
experiencias y voces de las mujeres en los estudios sobre drogas
e importantes vacíos sobre su participación en el cultivo y
producción de esta economía, lo que se refleja en la ausencia de
salidas políticas importantes para la sustitución de cultivos y los
impactos de la economía cocalera en sus vidas (REVELO, et. al,
2018).
Los roles que desempeñan las mujeres en la economía
cocalera del Putumayo se constituyen en diferentes momentos
de la producción, así como también sufren cambios de acuerdo a
las variaciones según cada región del país. Según CUESTA,
MAZZOLDI y DURÁN (2017) las mujeres participan en todas las
etapas del proceso, desde el cultivo, raspado, procesamiento de
la pasta base, venta, transporte, etc. Asumen todas estas tareas
principalmente porque son las principales responsables de la
reproducción social de sus familias y aún sufren una serie de
estigmatizaciones por tener que asumir funciones del ámbito
productivo. Otro elemento importante es que aunque participan
en actividades como jornaleras, raspachinas o coecheras,
finqueras; cocineras; quimiqueras; mulas o colaboradoras
(CUESTA, MAZZOLDI, DURÁN, 2017), son ellas quienes siguen
asumiendo el trabajo doméstico y el cuidado de los hijos:
Ahora que hombres y mujeres trabajan en la ras pa, las
labores domésticas, bien sea en el cultivo o en la casa, son
asumidas por las mujeres, además de las responsabilidades
alrededor de los hijos. A diferencia de un hombre raspachín,
la mujer raspachina asume una doble y hasta triple jornada
de trabajo, a lo que se suman las consecuencias que trae su
movilidad entre cosechas. En no pocos casos, las mujeres
jornaleras asumen los retos que implica moverse en tiempos
| 65 |
de cosecha y hacer de la raspa su labor principal de sustento
económico. Las características de movilidad propias de esta
labor en la cadena de la coca, han tenido en el largo plazo
implicaciones económicas y riesgos diferenciados para las
mujeres.(CUESTA, MAZZOLDI, DURÁN, 2017, p. 23-24).
Las condiciones de supervivencia y R(e)xistencia
impuestas a las mujeres afrocolombianas, indígenas y
campesinas las llevan a enfrentar diferentes procesos en los
territorios frente al narcotráfico y el conflicto. Las diversas
situaciones terminan empujándolas a crear condiciones de
supervivencia, como el alquiler de sus tierras para sembrar hoja
de coca, actuando como administradoras de la cosecha.
Tenemos entonces, por un lado, un proceso histórico,
social y económico que legitima el mercado ilegal porque extrae
de él enormes cantidades de dinero, y por otro, criminaliza estas
mismas actividades como forma de control a través de un
aparato estatal y militar. De acuerdo con la entrevista realizada
a una mujer afrocolombiana, ella resalta cómo las dinámicas
económicas empujan a las comunidades hacia el mercado ilegal
como estrategia de sobrevivencia:
El tema de la coca se ha impuesto en las comunidades y no
hemos dejado de sembrar porque sembrar coca garantiza
recursos que nuestro pan no tiene porque no hay forma de
acceder a él. La coca se compra directamente en el territorio.
(...) en nuestra vía de acceso no es fácil vender nuestros
productos y eso hace que efectivamente se desplacen, pero
con eso, digamos, con este cambio de cultivo, porque
también surge otro problema porque la coca trajo violencia,
la coca trajo destierro en nuestras comunidades, todo el tema
de la desaparición, de las masacres que no es fácil de
afrontar” (Mujer líder afrocolombiana).
En una entrevista realizada por una campesina, ella
destaca cómo la estrategia de criminalización y la "guerra contra
las drogas" es en realidad una forma de someter a los campesinos
a condiciones favorables para ofrecer su mano de obra al
mercado ilegal. La ausencia de acceso a derechos y políticas
| 66 |
sociales para la reproducción social de la propia vida se ha
destinado cada vez más a la responsabilidad individual,
especialmente de las mujeres, principales responsables de esta
reproducción.
“Para nosotros ha sido muy difícil el tema de criminalizar la
coca, no la coca sino el campesinado porque el campesinado
por el abandono estatal se ha visto obligado a cultivarla, no
porque quiera, sino por simple necesidad. No como
verdadero narcotraficante..." (Líder de derechos humanos y
campesina).
Es evidente que el trabajo de las mujeres en el mercado
ilegal de drogas ocurre de manera diferente, es decir, la forma en
que la explotación de este trabajo se articula dialécticamente con
las diversas opresiones de clase, raza, etnia y género para
mantener el estado de cosas. Ellas realizan las tareas más
esenciales en la cadena de este proceso productivo, que es
mantener su propia existencia económica y social frente a la
desigualdad social, el abandono estatal y la pobreza, pero
también resisten a la violencia contra ellas y sus hijos,
garantizando la reproducción social de la vida y del territorio.
Son ellas las que sostienen las actividades productivas del
mercado ilegal también a través de su trabajo reproductivo, ya
sea en las propias actividades, realizadas según la división sociosexual y racial del trabajo, o administrando los recursos
financieros para las condiciones de vida de sus familias. Son ellas
las que generan los "trabajadores frescos", los sujetos políticos de
este proceso que luego son reclutados para la guerra:
“Ese día nos pusimos de pie y le dijimos al gobierno
nacional, a los senadores, a los diputados a la cámara, al
presidente y también a la guerrilla "No vamos a parir más
hijos para la guerra” y aquí estamos las madres de todos.
Somos las madres de los guerrilleros, somos las madres de
los policías, somos las madres de los soldados, somos las
madres de los paracos y nosotras, como madres, ya no
permitiremos que asesinen y
recluten en nuestro
| 67 |
territorio…” (Líder de Derechos Humanos, madre y mujer
campesina)
Las mujeres indígenas son las que han problematizado la
criminalización de la planta sagrada y han defendido y resistido
los territorios y el cuidado de la tierra, sin la cual no hay vida ni
reproducción de la vida:
Porque yo no cultivo coca para venderle a los narcos, cultivo
mi coca para mi mambeu, para pensar bonito, para entender,
para aprender. Para eso vine. Cuando entendemos, nos
metemos en estos espacios porque también queremos
aprender a respetar la planta, ¿sí? Porque la planta no es la
causa y tenemos que cambiar” (Mujer líder indígena).
CONCLUSION
Viabilizar estas rutas individuales y colectivas de
resistencia implica entender que la lucha de las mujeres por y
para la reproducción de la vida no es una lucha aislada contra un
sistema patriarcal o racial, sino cómo el metabolismo social de
producción y reproducción se estructura y desarrolla a través de
las opresiones de género, raza-etnia y clase para universalizarse,
ya sea utilizando economías ilegales para esta expansión, o
continuando asentándose mediante la violencia como partera de
la historia (MARX, 2017) en la que la prohibición como
mecanismo ideológico de control de los cuerpos feminizados y
racializados, impacta con rasgos estructurales y particulares
estos territorios del capitalismo dependiente y periférico.
La perspectiva teórico-metodológica y política de la TRS
nos permite iluminar los rincones más olvidados, pero más
centrales de este modelo económico-social: la reproducción
social. Sin explotación del trabajo no hay plusvalía y el trabajo
esencial que permite restablecer esta dinámica es el trabajo de las
mujeres. Esto muestra como la forma de explotación del trabajo
no es la misma, implica diferentes niveles de articulación con la
opresión, por lo tanto no es posible jerarquizar explotación y
| 68 |
opresión para pensar en la superación del capitalismo, lo que han
hecho diversos estudios marxistas, entendiendo que la
revolución obrera sería suficiente para superar todas las formas
de opresión.
La necesidad de mantener la vida humana es la apuesta de
las soluciones encontradas por estas mujeres y, por lo tanto, sus
luchas por la tierra, por el territorio, por la vivienda, por el
trabajo, que muchas veces no son nombradas o identificadas
como feministas o socialistas por las propias mujeres que viven
en estos contextos, pero que contienen, sobre todo, una
dimensión central en la resistencia contemporánea contra el
capital.
Pero decimos que la mejor manera de poder controlar y
lograr estos procesos de conversión de economías ilegales en
legales es garantizando la propiedad colectiva de los
territorios. A nosotros en la figura de resguardos, a los afros
los territorios colectivos de comunidades negras ya los
campesinos con zonas de reserva campesinas porque así
hacemos el control interno" (Mujer Líder Indígena).
Finalmente, entendemos que las realidades presentadas
entre Brasil y Colombia se expresan con particularidades de
acuerdo a las dinámicas de su formación social, sin embargo, con
similitudes que nos constituyen como países latinoamericanos
que conformamos ciertas condiciones de vida, trabajo y
R(e)xistencias. En este sentido, aún es necesario avanzar en otras
investigaciones, incluyendo esta tesis doctoral, en estos puntos
estructurales que nos unen.
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CAPÍTULO 3
BREVES NOTAS SOBRE SISTEMA CARCERÁRIO; ESTADO
DE COISAS INCONSTITUCIONAL E ABOLICIONISMO
PENAL
Matheus Ferrari França Carreira
Flavio Bortolozzi Junior
INTRODUÇÃO
Desde a época do suplício a pena carrega em si o ódio ao
apenado, este ódio resultou em sistemas ilegítimos de punição.
É, neste sentido, que percebemos que o objeto central das
metodologias punitivas são os “sujeitos indesejáveis”, ou
melhor, aqueles que desviam do socialmente aceito pela ordem
burguesa (Neder, 1995).
É, a partir desta perspectiva que a criminologia nasce antes
do século XIX, a discussão sobre o crime surge com a história da
humanidade, inclusive, o positivismo criminológico compõe
essa trajetória no desenvolvimento histórico da disciplina. No
século XIX com o paradigma etiológico fundado com o
positivismo, nasce de uma tentativa de construção de uma
ciência da criminalidade, como a escola positivista italiana que
se desenvolve com o amadurecimento do capitalismo industrial
na Europa (Melossi; Pavarini, 2006).
Com o desenvolvimento da criminologia etiológica, ou
seja, uma ciência da criminalidade, sendo estabelecido, portanto,
o crime como uma realidade ontológica, onde o criminoso é um
ser ontologicamente criminoso e a potencialidade de delinquir
está em suas anomalias, nas suas características. Seja de ordem,
biológicas, psicológicas, anatômico, fisiológica, seja num
momento posterior pela interferência de um físico ou social. O
diagnóstico da penalidade passa a ser vista como meio de defesa
social e a principal função declarada da pena que emerge é a
prevenção especial positiva, ou seja, todo discurso de tratamento
do delinquente através da prisão começa a se tornar legitimo,
mediante discursos da possibilidade de readaptação ou
ressocialização dos criminosos através da instituição da prisão
(Malaguti Batista, 2008).
Embora no contexto histórico da disciplina ocorra uma
mudança no paradigma, a prisão já está estabelecida na
sociedade e sua existência passa a ser uma necessidade. Como
discorre a professora Angela Davis, nos Estados Unidos, por
exemplo, em 1980, o período que ficou conhecido como Era
Reagan, em que políticos argumentavam que prisões mais
severas, penas mais longas seria uma espécie de solução para
manter a sociedade livre da criminalidade. Porém, a prática do
encarceramento em massa, além de ter pouco ou nenhum efeito
sobre as estatísticas oficiais de criminalidade, não levaram a
comunidades mais seguras, mas sim a populações carcerárias
ainda maiores. E com a expansão do sistema criminal norteamericano, também se expandia o envolvimento corporativo na
construção, inclusive no uso de mão de obra prisional (Davis,
2018, p. 11). E dessa forma se desenvolve uma sociedade, cujo
imaginário é de que não conseguem se sentir seguros sem a
existência das prisões.
No entanto, ao tempo que a sociedade se desenvolve
insegura com a existência das prisões, a instituição segue de
forma ilegítima, tornando seus efeitos nocivos e prejudiciais à
sociedade na totalidade em razão de uma instituição
comprometida e ineficaz.
Tratando-se de uma instituição insalubre e desumana, já
inclusive reconhecida pelo estado como uma instituição que
mantém a violação de direitos fundamentais da população
carcerária, conforme foi solicitado pelo Partido Socialismo e
| 76 |
Liberdade (PSOL), sendo, portanto, instaurado o estado de
coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiros,
conforme será exposto no presente artigo.
O artigo será desenvolvido, visando apresentar o estado
de coisas inconstitucional num viés criminológico, trazendo
dados da população carcerária. Para então, adentrar o
positivismo criminológico dentro de seu contexto histórico,
como principal base para a situação do sistema penal. E de forma
conclusiva do presente trabalho será apresentado o
abolicionismo penal como alternativa de forma analítica e crítica
a esse sistema desumano e insalubre que se mantém dentro dos
estabelecimentos penais.
As teorias abolicionistas se desenvolvem para denunciar o
que há de mais grave no sistema punitivo vigente atualmente.
Um sistema que segrega, violenta, tortura e sobretudo mata. Os
abolicionistas irão rediscutir possibilidades não violentas, e
sobretudo, comunitárias, de solução dos litígios, ao mesmo
tempo, ao passo que se estruturará um novo garantismo dentro
do pensamento dogmático, uma crise dogmática critica,
reconstruindo então as possibilidades de defesa mínima de
garantias diante deste sistema penal deslegitimado, de modo que
no plano político criminal os desdobramentos do pensamento
criminológico critico que é um pensamento plural, complexo,
que atravessa todo esse eixo euro americano, e, os,
desdobramento disso é a busca de alternativas ao controle penal.
O SISTEMA CARCERÁRIO E O ESTADO DE COISAS
INCONSTITUCIONAL: BREVÍSSIMAS CONSIDERAÇÕES
A constituição é fruto de um longo desenvolvimento
histórico e doutrinário. Ocorre mais especificamente na Idade
Média, onde os governantes eram uma figura acima da lei, e,
portanto, as criavam, onde quem estabeleciam a lei, era este chefe
| 77 |
de governo denominado pelo povo e a sociedade como um
escolhido por Deus, época marcada na história como
absolutismo. No Brasil este contexto histórico ocorre da
colonização, marcado pela escravização dos corpos de pessoas
trazidas da África. Como contextualizou Paulo Bonavides, o
Brasil até os dias atuais enfrenta alguns obstáculos para construir
um certo modelo de país constitucional. Se tornando república
somente setenta anos após as repúblicas vizinhas, como, por
exemplo, as colônias hispânicas, que na tentativa de adotarem a
sugestão republicana, federativa e presidencial de Filadélfia,
acabaram por criar repúblicas fragmentadas, federações
desfeitas e governos dissolvidos em ditaduras de opressão e
caudilhismo (Bonavides, 2001, p. 190-191).
Este contexto histórico tem sua importância para uma
análise na forma como o Estado foi constituído, a necessidade de
regulamentação que se dá a partir deste momento em que os
sujeitos passam a conviver entre si de fato, formando sociedades.
Passa a ser formulada, portanto, uma constituição para regular
direitos básicos para este convívio em sociedade, e desta forma
se trata da lei maior do Estado, onde se encontra os princípios,
conceitos e direitos que regem aquela nação (Bonavides, 2001, p.
190-191).
Atualmente, a Constituição Federal (1988), em seu art. 5°,
LXI, estabelece que somente possa ocorrer a prisão “em flagrante
delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciaria competente, salvo nos casos de transgressão militar ou
crime propriamente militar, definidos em lei” (Brasil, 1988).
Ademais, a Constituição assegura a não aplicação de penas
cruéis, a proteção da integridade física e moral, bem como
nenhuma pessoa será submetida à tortura ou tratamento
desumano, ou mesmo degradante. São direitos fundamentais e
| 78 |
basilares como esses, protegidos constitucionalmente, que vêm
sendo desrespeitados na aplicação e execução das penas.
O estado de coisas inconstitucional é uma técnica decisória
desenvolvida pela Corte Constitucional da Colômbia, visando
superar a violação de direitos fundamentais de diversas formas
dentro do sistema (Campos, 2016, p. 120). A teoria colombiana
influenciou na ADPF 347, julgada no dia 9 de setembro de 2015
pelo Supremo Tribunal Federal (STF), apresentada pelo Partido
Socialismo e Liberdade, que declarou o estado de coisas
inconstitucional, devido à precariedade do sistema prisional
brasileiro, principalmente a omissão em relação à situação em
que o sistema punitivo ou mais especificamente o sistema
carcerário se encontra.
Neste sentido, evidencia uma série de “coisas” atuais no
estado que contrariam a Constituição Federal, consideradas,
portanto,
inconstitucionais.
Ao
se
referir
sobre
inconstitucionalidade, surge, automaticamente, a ideia de
omissão, seja por parte da legislação regulamentadora ou por
parte do Estado na aplicação das mesmas (Campos, 2016, p. 181).
A própria Constituição Federal de 1988, estabelece
ferramentas para suprir determinadas lacunas legislativas, no
entanto, acerca do sistema carcerário, pela realidade encontrada
na estrutura que o Estado possui atualmente, tais meios não
suprem a necessidade. Nas palavras do professor Carlos
Alexandre de Azevedo Campos, o estado de coisas
inconstitucional. “Trata-se de técnica decisória por meio da qual
se declara uma realidade inconstitucional”. Ou seja, uma
ferramenta processual utilizada pelas cortes para declarar uma
contradição insuportável entre texto constitucional e realidade
social (Campos, 2016, p. 185).
A Constituição Federal Brasileira de 1988 elenca uma série
de direitos fundamentais, inerentes ao cidadão brasileiro, e
| 79 |
foram conquistados a partir das lutas e revoltas populares. Tais
direitos são definidos por lei e por entendimentos normativos
indeterminados, denominados como princípios. Em relação ao
modelo, que se faz a Corte Constitucional colombiana, destaca
determinados fatores, para definir o estado de coisas
inconstitucional, sendo eles:
a) a vulneração massiva e generalizada de vários direitos
fundamentais que afetam um número significativo de
pessoas; b) a prolongada omissão das autoridades no
cumprimento de suas obrigações para garantir esses
direitos; c) a não adoção de medidas legislativas,
administrativas ou orçamentárias necessárias para evitar a
vulneração dos direitos; d) a existência de um problema
social cuja solução demanda a intervenção de várias
entidades, requer a adoção de um conjunto complexo e
coordenado de ações bem como compromete significativos
recursos orçamentários; e) a possibilidade de se lotar o Poder
Judiciário com ações repetitivas acerca das mesmas
violações de direitos (Corte Constitucional da Colômbia,
2004).
Tendo em vista os pressupostos elencados pela corte,
diante a atual situação que o Brasil se encontra. A omissão do
estado e, em consequência, a vulneração massiva de direitos
fundamentais, uma herança do positivismo criminológico. Essa
“omissão das autoridades” em verdade se configura em projeto,
seria uma continuidade dessa construção ideológica,
considerando que a ausência do Estado em proteger a dignidade
da pessoa humana, além de contrariar diretamente a
Constituição Federal, trata-se de preconceitos intrínsecos na
sociedade, tendendo a marginalização das pessoas, baseada em
um argumento de ódio. Resultante da herança histórica de
momentos difíceis, inclusive para a ciência no final do século
XIX, e virada para o século XX, como, Vera Malaguti, denominou
como “o século dos manicômios era também o século das prisões
e asilos” (Malaguti Batista, 2011, p. 44).
| 80 |
Relacionando as falhas estruturais e omissão estatal,
podem ser elencados no Brasil vários setores sociais como
políticas públicas insuficientes, tais como: saúde pública,
saneamento básico, uso abusivo de substâncias como o crack, e a
guerra contra as drogas, que faz parte de um projeto de
segregação racial no qual o Estado é parte. O sistema carcerário
brasileiro pode ser considerado o que mais obtém violação de
direitos humanos de forma generalizada, devido à omissão e
incapacidade que as autoridades públicas apresentam em
solucionar estas questões, sendo que inclusive legitimam penas
ilegais, como penas de tortura e pena de morte informal (Araújo
Chersoni; Das Chagas; Muniz, 2022).
Em 2015, quando foi julgada a ADPF 347, na própria
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, foi
exposto alguns dados referentes a população carcerária naquele
ano de 2015 quando fora julgada:
“Explicita estar se agravando o drama descrito, em virtude
do crescimento significativo da população carcerária, que,
de cerca de 90.000 presos, em 1990, chegou, em maio de 2014,
a 563.000, sem contar os mais de 147.000 em regime de prisão
domiciliar. Argumenta que, hoje, o número deve ultrapassar
600.000, possuindo o Brasil a quarta maior população
carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, da
China, e da Rússia. Se somadas as prisões domiciliares, o
Brasil passaria a Rússia. Em 25 anos, verificou-se majoração
de mais de 650%. O déficit seria de, pelo menos, 206.307
vagas, o aumentaria para 730 mil vagas, se fossem
cumpridos todos os mandados de prisão expedidos.” 1
Conforme apresenta o professor Campos, um estudo
realizado pela clínica UERJ de direito apontou a violação de
diversos direitos fundamentais dos presos. Os pesquisadores
informaram que a maioria das pessoas que compõe a população
carcerária, são pobres e negros, chegando a cerca de 570 mil
1
Min. Marco Aurélio Relator. Supremo Tribunal Federal. ADPF-347 Distrito Federal,
2015. pp. 5-6.
| 81 |
pessoas, onde a maioria está sujeita a violações de seus direitos
como:
Superlotação, tortura, homicídios, violência sexual, celas
imundas e insalubres, proliferação de doenças
infectocontagiosas, comida intragável, falta de água potável
e de produtos higiênicos básicos, corrupção, deficiência, no
acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao
trabalho, domínio dos cárceres por organizações criminosas,
insuficiência do controle estatal sobre o cumprimento das
penas, discriminação social, racial, de gênero e de orientação
sexual. (Campos, 2016, p. 265).
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) levou ao STF a
ADPF 347/DF para que se fosse reconhecido, expressamente, o
estado de coisas inconstitucional, relativo ao sistema
penitenciário brasileiro e a adoção de providências estruturais
em face de lesões a preceitos fundamentais dos detentos. O STF
deferiu parcialmente os pedidos cautelares da ADPF. O
professor Carlos Alexandre de Azevedo Campos, expõe a
ementa do acordão:
CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL
– SISTEMA PENITENCIARIO – ARGUIÇÃO DE
DESCUMPRIMENTO
DE
PRECEITO
FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO, cabível é a
arguição de descumprimento de preceito fundamental
considerada a situação degradante das penitenciarias
no Brasil.
SISTEMA
PENITENCIARIO
NACIONAL
–
SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES
DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO
MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS –
FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS
INCONSTITUCIONAL
–
CONFIGURAÇÃO.
Presente quando de violação massiva e persistente de
direitos fundamentais, decorrente de falhas
estruturais e falência de políticas públicas e cuja
modificação depende de medidas abrangentes de
natureza normativa, administrativa e orçamentária,
deve o sistema penitenciário nacional ser
caracterizado como “estado de coisa inconstitucional”.
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FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS –
CONTIGENCIAMENTO. Ante a situação precária das
penitenciárias, o interesse público direciona à
liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional.
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA
OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais,
observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e
Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de
Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias,
audiências
de
custódia,
viabilizando
o
comparecimento do preso perante a autoridade
judiciaria no prazo máximo de 24 horas, contado do
momento da prisão (Campos, 2016, p. 289-290).
Embora esteja longe da solução, a referida decisão foi uma
conquista aos direitos humanos e um marco inicial do estado de
coisas inconstitucional na jurisdição brasileira, visto que, em um
Estado democrático de direito, ninguém deve ser esquecido,
para que a igualdade não seja apenas um sonho utópico, mas sim
uma condição de vida a qualquer pessoa.
O século XIX europeu produziu um senso comum sobre a
criminalidade e pena, que se perduram até os dias atuais,
tornando-se uma ideologia dominante. Muito por influência de
suas raízes na epistemologia positivista, principalmente em
países europeus como a Itália. O que reflete muito na história e
evolução da pena ou das mediadas punitivas que vigiam na
época, inclusive as anteriores ao final do século XVIII, quando o
suplício, por exemplo, perde força e deixa de representar uma
medida punitiva aplicada pelo estado. Que neste momento
estava mais relacionada a uma espécie de vingança, retribuição
aos deuses ou até mesmo o combate ao mal. E passa a ocorrer
uma espécie de humanização da pena de uma perspectiva tanto
quanto utópica de se avaliar (Malaguti Batista, 2018).
E desta forma esse contexto histórico, são fios condutores
que reflete diretamente no sistema carcerário brasileiro, a
precariedade, a situação desumana em que algumas pessoas
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sobrevivem pelo simples fato de estarem encarceradas é reflexo
de como e para que este sistema, reconhecido pelo Supremo
Tribunal Federal como um estado de coisas inconstitucional,
declarado.
NOTAS SOBRE POSITIVISMO CRIMINOLÓGICO: A
CONSTRUÇÃO DO “SER PUNÍVEL, SEGREGÁVEL E
MATÁVEL”
Para adentrar uma nova perspectiva diante o cenário
criminológico, é necessária uma certa desconstrução em meio a
sociedade, desconstruir o próprio senso comum herdado do
positivismo, que ainda é disseminado e faz parte do senso
comum dos debates brasileiros sobre “crime” e “criminalidade”.
A criminalidade é pensada com a lupa do positivismo, já que ele
consolidou os grandes estereótipos de criminoso perigoso,
vinculado tanto às classes sociais mais baixas quanto ao sujeito
masculino negro (Góes, 2016).
O “criminoso” protótipo, estereotipado tem uma base
classista, racializada e sexista, é por este motivo a importância da
desconstrução social dessa visão estereotipada da criminalidade
para entender a criminalidade como uma construção social. Ou
seja, o resultado da ação que é aquilo que alguém faz, mas,
sobretudo, como o sistema penal reage ao que as pessoas fazem,
selecionando algumas dentro todas aquelas pessoas que
praticam aquelas mesmas condutas. E construindo-as uma
posição negativa de criminoso perante a sociedade (Góes, 2016).
No entanto, embora tenha ocorrido esta mudança no
paradigma dentro da criminologia, a herança histórica
permanece enraizada na sociedade e no sistema penal. O
positivismo de fato influencia diretamente não só na forma como
a sociedade visualiza as pessoas, o “criminoso”, mas também na
forma como o sistema penal funciona, no entanto, o contexto
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histórico e social em que o positivismo se legitimou é
completamente distinto do contexto atual, como menciona a
professora Vera Malagutti Batista (Malaguti Batista, 2018).
No contexto da revolução industrial, onde necessitava de
uma intensa exploração da mão de obra, é estabelecido prisões
como modelo das casas de correção. Constituindo o controle
punitivo da mão de obra, surgindo a própria ideia de polícia
como “polícia médica”, formando uma espécie de higienismo
social. Neste sentido, o controle punitivo vai se expandir da
prevenção às reabilitações, se utilizando, portanto, este ideal
reabilitador do trabalho como medida ressocializadora. Onde os
seres humanos considerados recuperáveis serão tratados
enquanto os irrecuperáveis neutralizados, dividindo a sociedade
entre normais e anormais, sendo a loucura e o crime alvo de
terapêuticas sociais. O reflexo evidente desta herança histórica
do positivismo, atualmente, consiste, por exemplo, no fato de a
justiça terapêutica se tratar de uma “novidade” para a questão
das drogas, em razão deste controle social das populações, dado
mediante estratégias disciplinares (Malaguti Batista, 2011, p. 4142).
Como podemos observar, a exploração da mão de obra é
determinante para compreender a mudança do paradigma
etiológico dentro da criminologia para o da reação social, que por
sua vez com a exploração do trabalho humano, principalmente
durante o período da revolução industrial. Fica estabelecido uma
forma de controle social manipulado pelas chamadas classes
dominantes. Esta compreensão contextualiza o que Lombroso
chamou de “O Homem Delinquente” neste se referindo ao
sujeito masculino, e posteriormente também criou “A Mulher
Delinquente, a Prostituta e a Mulher Normal”, criando e
concretizando assim o estereotipo de criminoso de uma forma
geral às pessoas que pertencem a classes de baixos status dentro
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da sociedade. A teoria positivista evolui inclusive anteriormente
as teorias de Cesare Lombroso, como explica Vera Malagutti
Batista:
Se o racismo foi uma invenção da colonização, segundo
Foucault, a partir do século XIX ele vira discurso científico.
As teorias de Darwin, que em 1830 buscavam o elo perdido
em nosso continente, naturalizavam a inferioridade,
possibilitavam sua transposição para as ciências sociais
como fez Spencer, inspirando o evolucionismo social. O
conceito de degenerescência é fundamental para
entendermos como nossa mestiçagem iria ocupar
“naturalmente” os andares inferiores na evolução humana
(Batista, 2011, p. 41).
Neste sentido, na busca de apresentar fatores biológicos
para explicar o comportamento dos criminosos, o positivismo foi
responsável por experiências consideradas na época “cientificas”
e que buscavam comprovar suas teorias de que o crime ou o
criminoso partia de características biológicas, físicas e desta
forma cria-se um exemplar de como seria a figura de uma pessoa
criminosa. Trata-se de um momento marcado sobretudo pela
dominância do senso comum, que inclusive influencia o
pensamento criminológico e o sistema penal até os dias atuais, o
racismo enraizado na sociedade atual advém deste período
desumano onde é deixado de lado o pensamento sociológico e
uma tentativa, de certa forma perversa e frustrada de analisar o
crime e consequentemente o ser humano que pratica algum fato
delituoso de uma forma cientifica, sobretudo, buscando
respostas no corpo em si do ser humano e não o contexto social
em que este está introduzido (Malaguti Batista, 2011, p. 41-42).
Como demonstra a Professora Vera Malagutti Batista,
“entre 1812 e 1819, a frenologia de Gall e Spurtzheim já tinha
como objeto de estudo o espirito localizado no cérebro.”. Na
busca por estabelecer que a delinquência estaria determinada
biologicamente, realizando um trabalho intenso comparando e
medindo crânios buscando determinadas funções físicas no
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cérebro. Gall durante 20 anos pesquisou a “anatomia” do centro
da razão, usando muitas cabeças, buscando comprovar a
superioridade da raça branca caucásica. A Professora ainda
expões que, “Determinadas áreas das neurociências retomam
hoje, nesses tempos difíceis, a tarefa fundamental para o capital
naturalizar o crime e o criminoso” (Malaguti Batista, 2011, p. 4142).
Como leciona a professora Vera Regina Pereira de
Andrade, referente a esse momento em que o positivismo
criminológico predomina, na medida que os estudos positivistas
se desenvolvem, caminhando para um certo “diagnostico”
referente ao conceito de criminoso. A ideia de que o criminoso
consiste em algo natural, de que a causa do crime é identificada
no próprio autor do crime, partindo de estudos biológicos e
psíquicos do crime, é inicialmente desenvolvida pelo médico
italiano Lombroso. Que confrontando os grupos não criminosos
com criminosos dos hospitais psiquiátricos e prisões, buscando
comprovar através das ciências naturais esse “criminoso nato”
como foi sugerido por Ferri que auxiliava Cesare Lombroso em
suas experiências com humanos. Visando especificar nos
criminosos e doentes apenados características fisiológicas,
anatômicas que eram interpretadas como naturalísticas que
justificavam no entendimento do médico italiano. “(...) o tipo
antropológico delinquente, uma espécie à parte do gênero
humano, predestinada, por seu tipo, a cometer crimes.”
(Andrade, 2003, p. 35-36).
Esse contexto histórico é determinante para o que o
sistema carcerário se transforma no futuro, principalmente em
países como o Brasil, marcado pela escravização de pessoas
enquanto ainda se tratava de um país colônia dos reinos de
Portugal. Na medida que o período de escravidão perde forças,
o Brasil desenvolve um sistema penal também seletivo
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desenvolvido durante esse momento em que as teorias
positivistas predominam, criando uma espécie de sistema penal
responsável pela “higienização” da sociedade, desenvolvido por
uma espécie de medo do negro. Desta forma, os escravos
tratados como subordinados até então, de objeto de troca passa
esse ex-escravizado a ser tratado como objeto de estudo e
aprisionamento (Góes, 2016).
No Brasil, não ocorre uma transição do feudalismo para o
capitalismo como na Europa, ocorre uma transição do
escravismo para o capitalismo e um capitalismo dependente,
periférico que vai se utilizar não da mão de obra camponesa
excludente do feudalismo, mas da mão de obra escrava “liberta”
da escravatura. Os negros tratados como mercadoria durante o
escravismo, os negros que sobraram e nunca tiveram um espaço
de inclusão social no modo de produção capitalista, nem como
capitalista, nem como trabalhador, sendo sempre criminalizado
pelo sistema penal burguês que, não obstante, se denomina
liberal e científico, positivista (Araújo Chersoni, 2023).
E é nesse sentido que desenvolve o sistema penal
brasileiro sobre influência direta do positivismo em um local em
que a desigualdade racial predomina antes mesmo da
desigualdade capital. Embora ambas as desigualdades
interferem diretamente uma na outra, pois a pessoa considerada
na época como uma pessoa de cor agora de certa forma estava
“livre”, mas ainda precisava trocar sua força de trabalho para
sobreviver, consequentemente também se tratava, portanto,
nesse momento como a classe mais baixa da sociedade
economicamente. Assim, as classes dominantes acumulam ainda
mais riquezas e o cárcere se torna um produto capitalista,
produzido não para garantir a segurança da sociedade e nem
mesmo de ressocializar e reintegrar o ser humano e sim como
forma de dominação de corpos úteis ao trabalho (Góes, 2016)
| 88 |
O estado degradante, insalubre, sobretudo desumano que
se encontra o sistema carcerário atualmente é o reflexo direto do
positivismo criminológico dentro do sistema penal. Segundo o
relatório disponibilizado pelo Infopen (2017), Departamento
Penitenciário Nacional, observa-se um déficit total de 358.663 mil
vagas e uma taxa de ocupação média de 197,4%, sendo que 64%
da população prisional é composta por pessoas negras (Infopen,
2017). O problema na estrutura e capacidade das penitenciárias,
além de alguns fatores sociológicos já citados, geram grandes
consequências também na forma em que o processo penal é
conduzido. O relatório ainda disponibiliza o índice de pessoas
privadas da liberdade. Sendo que 292.450 mil destas estão sem
condenação, somando 40% dos encarcerados no território
brasileiro sem o trâmite do devido processo legal (Infopen, 2017).
A população carcerária no Estado brasileiro continuou e
continua em constante ascensão, como demonstrou, o
documento denominado de Anistia Internacional, em análise
ainda de 2017:
O sistema prisional continuou superlotado os presos eram
mantidos em condições degradantes e desumanas. A
população carcerária era de 727.000 pessoas, das quais 55%
tinham entre 18 e 29 anos e 64% eram afrodescendentes,
segundo o Ministério da Justiça. Uma parcela significativa
dos internos – 40% no âmbito nacional – estava detida
provisoriamente, situação em que costumam permanecer
por vários meses até serem julgados (Anistia, 2018).
Os relatórios demonstram os reflexos da política de
encarceramento que divaga em meio a sociedade na medida que
a população carcerária não para de crescer, e os números
continuam em constante ascensão, comprovando toda a
influência do positivismo criminológico, a herança do período
colonial principalmente, perpetuando os métodos punitivos da
escravatura e do capitalismo no Brasil. Essa perpetuação dos
métodos punitivos do escravismo por dentro do capitalismo na
| 89 |
relação entre pena e estrutura social, demonstra que a pena
nunca abandonou os corpos no Brasil. A fúria punitiva sobre
esses corpos se origina na permanência do modo de punir da
escravidão, do tronco, do suplício, por isso nunca nos libertamos
da tortura e da pena de morte informal. A análise dos sistemas
penais mostra a estrutura capitalista e a luta de classes para a
conclusão de que o sistema penal obedece a uma seleção de
classe, uma lógica que integra o projeto de dominação burguês
de exclusão e dominação (Vaz, 2020).
NAS TRINCHEIRAS DO PUNITIVISMO: NOTAS SOBRE
ABOLICIONISMO PENAL
Conforme a anterior construção, fica evidente que o
sistema de justiça penal brasileiro, e não somente ele, é uma
verdadeira distopia que não consegue minimamente cumprir
com os próprios ideias que os sustentam.
Essa breve introdução ao capítulo de fechamento do texto,
serve para situar o leitor para compreenderem o abolicionismo
que se defende tal artigo. O abolicionismo de base e para as
bases. Percebe-se que ao trabalhar os conceitos de movimentos
populares, este se diferencia dos movimentos sociais. Os
movimentos populares são aqueles que partem da base, em um
sentido de classe, raça e gênero e se organizam com um viés
revolucionário de enfrentar as estruturas (Pazello, 2014, p. 26;
Araújo Chersoni, 2023, p. 112-115).
A princípio, pode-se parecer que metodologicamente esta
distinção não faz sentido neste momento, visto que toda a
problemática do trabalho está amparada em uma perspectiva de
superação do positivismo criminológico nas encruzilhadas do
poder punitivo brasileiro. Pois bem, ao compreender o sistema
de justiça penal em uma perspectiva radical, elucida-se que como
fruto da modernidade burguesa, as prisões exercem um papel de
| 90 |
controle social que perpassa as meras formalidades legais de
prevenção delitiva (Santos, 2018, p. 19).
Na construção de uma criminologia que tenha como base
os ideais de enfrentamento dos problemas sociais desde a
América Latina, percebe-se como o sistema de justiça penal age
na intensão clara de extermínio das populações vulneráveis.
Portanto, se pensar em uma criminologia verdadeiramente
preocupada com o olhar de “nestra america” é pensar em uma
criminologia conectada com as bases populares (Aniyar de
Castro, 2005, p. 43; Araújo Chersoni, 2023, p. 128-132).
Ou seja, o sistema de justiça penal é algo amplo e não se
constitui apenas nas prisões, sendo estas o cerne material da
discussão. Se reportando então aos autores basilares do
abolicionismo penal mundo afora, compreende-se que Davis
(2018) problematiza que a pena de morte ainda existe em
algumas partes do mundo como nos Estados Unidos, porém, ela
é vista até pelos mais ferrenhos defensores das penalidades como
uma problemática a ser repensada. Já a pena de prisão, é tida
como imutável e permanente, portanto, dificilmente alguma
pessoa que não tem contato militante e acadêmico com as
temáticas abolicionistas (e até alguns que têm esse contato)
entenderá que é impossível um mundo sem este
estabelecimento, que perpassa o físico e está inerente a própria
condição de existência das pessoas. Ao pensar na possível
obsolescência do sistema penal, deve-se perguntar como milhões
de pessoas no mundo foram levadas a um estabelecimento sem
maiores questionamentos da sua aplicabilidade, como se fosse
algo dado e inerente da convivência humana (Davis, 2018, p. 912; Araújo Chersoni, 2023).
A prisão não é a única instituição complexa que se faz
difícil, quase impossível, pensar a vida sem a existência física.
Não coincidentemente na história o sistema escravocrata, (no
| 91 |
contexto da autora o Norte Americano, mas é possível pensar
nesta esteira com os patamares estruturais brasileiros), foi
preciso quase que um século para abolir tal sistema, ainda, sim,
de maneira inacabada ou meramente formal, abolicionistas eram
retratados na mídia da época como fanáticos radicais e seres a
serem combatidos, era impensável na época a vida sem tal
sistema. Foi necessária uma guerra sangrenta para “abolir esta
instituição peculiar” (Davis, 2018).
O que é o movimento abolicionista penal? Nas palavras de
Hulsman (2003) os abolicionistas se dividem em duas posturas,
de um lado temos “a postura que nega a legitimidade das
atividades desenvolvidas na organização cultural e social da
justiça criminal”, negando também as imagens da vida social
desenvolvidas com base nesta construção, sendo a justiça
criminal ilegítima para dar uma resposta à situação-problema
criminal. Desta forma, esta postura tem uma dupla forma de
lidar com tal questão: tende de parar com as atribuições da
questão criminal no bojo justiça penal, negando a mesma como
abita a agir em tal práxis. Mas se abre a lidar com as questões
para além da alçada penal, se estende portando a pensar a
questão para outras vertentes, como, por exemplo, a questão de
gênero, raça, abolição da casa as bruxas, dentre outras. Tendo
então um caráter de movimento social comparado a movimentos
históricos. De outra monta, temos uma postura que não nega a
ilegitimidade da justiça criminal em toda sua universalidade,
mas sim, em especificações da justiça criminal, como, por
exemplo: o direito penal e a criminologia em caráter punitivista.
Fazendo jus a valores acadêmicos que defendem a
independência intelectual e de práticas sociais existentes a
permitir uma avaliação objetiva do poder punitivo (Hulsman,
2003, p. 197; Araújo Chersoni; Felizardo; Silva; Melo, 2023, p.
3251-3254).
| 92 |
“Devemos, então, concluir que a abolição das prisões é um
sonho impossível”? Mathiesen (2003), aponta que à primeira
vista parece que sim, (visão ainda atual). Ao menos no futuro,
bem como, em um presente próximo a abolição do sistema de
justiça penal, parece algo distante e impalpável, o clima político
favorece de maneira gigante a cultura da punição, três erros e os
sujeitos estão fora do convívio social. Buscando os dizeres de
Sebastian Scheerer e questionando-se que nenhuma das grandes
transformações sociais eram tratadas como atingíveis, muito
pelo contrário, todas, como a abolição da escravidão moderna,
como a própria queda do Império Romano, eram tidas como
estúpidas e utópicas pela grande maioria até mesmo dos
especialistas (Mathiesen, 2003, p. 82; Araújo Chersoni; Felizardo;
Silva; Melo, 2023, p. 3251-3254).
A prisão é uma estrutura física e subjetiva gigante, porém
em um solo de barro (frágil), é um “sistema aparentemente
solido”, mas com uma sustentação deficiente, este solo de barro
no qual o autor se refere é a total irracionalidade da prisão, no
que diz respeito ao próprio objetivo da mesma, tal instituição
contribui muito pouco ou quase nada para a sociedade, visto que
se criou um discurso onde não se consegue imaginar a sociedade
sem a mesma, relatórios, estudos e números demonstram que o
sistema de justiça penal é algo totalmente fora dos padrões que
o mesmo defende (Mathiesen, 2003, p. 89; Araújo Chersoni;
Felizardo; Silva; Melo, 2023, p. 3251-3254).
Ainda na visão do autor supracitado, a prisão se estabelece
com cinco objetivos, qual seja: “reabilitação; intimidação;
prevenção geral; interdição dos transgressores; justiça
equilibrada, a resposta neoclássica ao crime através da prisão”.
Objetivos estes que em suma não são conquistados por tal
instituição. O grande segredo da mesma ainda estar viva em
termos práticos e subjetivos é o grande segredo que a esconde, o
| 93 |
agigantamento dos muros carcerários, por mais estudos que os
tenham, fazem com que as pessoas materialmente não consigam
compreender o quanto a mesma é frágil, irracional e cria um
ambiente ainda mais perigoso, pela própria funcionalidade da
mesma, muito por tal questão que esse instituto foi pensado
fisicamente nos moldes que se apresenta (Mathiesen, 2003, p. 905; Araújo Chersoni; Felizardo; Silva; Melo, 2023, p. 3251-3254).
E assim o encarceramento em massa vai criando a
chamada nova segregação que aprisiona jovens negros e
provenientes de periferia, em uma escala assustadora,
patrocinada, sobretudo, por sua condição econômica e racial, os
levando a gigantescos campos industriais penais, com os
patamares bem próximos aos sombrios tempos de escravização.
Tais campos explorados por empresas nas quais tais pessoas
trabalham em condições degradantes e praticamente obrigadas,
sendo assim, o aprisionamento vai ganhando patamares que
coloca a punição como cerne de uma nova lógica de exploração
do trabalho (Alexander, 2017. p. 206).
As questões de raça e classe são intrinsecamente ligadas
ao fenômeno prisão, muito por isso que as lideranças dos
movimentos negros, como também mencionado anteriormente,
foram grandes difusores da luta política pela abolição dos
escravos também em territórios latinos. A abolição do sistema de
justiça penal nos Estados Unidos, como também na América
Latina, vem começando a ser a bandeira dos movimentos negros
e populares (Araújo Chersoni; Felizardo; Silva; Melo, 2023).
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MATHIESEN, Thomas. A caminho do século XXI — abolição um sonho
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| 96 |
CAPÍTULO 4
CRIMINOLOGIA MODERNA A PARTIR DA MATRIZ
LOMBROSIANA E REFLEXOS NO NOVO
CONSTITCUIONALISMO LATINO-AMERICANO
Lorenna Verally Rodrigues dos Santos
INTRODUÇÃO
O presente trabalho sugere ao leitor uma viagem
decolonial e as facetas da colonialidade elencadas por Quijano.
A escolha do tema deu-se pelo interesse em saber como acontece
o processo da decolonialidade na América Latina e suas
consequências.
A provável contribuição dessa discussão, dá-se por buscar
o giro decolonial e o pensamento de cidadania do novo
constitucionalismo latino-americano. Portanto, pautou-se o
problema seguinte problema de pesquisa: Como acontece a
genealogia do giro decolonial com o novo constitucionalismo
latino-americano?
Com o objetivo geral iremos analisar o pós- colonialismo e
o giro decolonial no contexto do constitucionalismo latinoamericano. E como objetivos específicos, perceberemos o
processo do pós- colonialismo ao giro decolonial; bem como,
analisaremos os reflexos da colonialidade do poder na política
brasileira entre os anos de 2019 a 2020.
O percurso metodológico do trabalho nesta seção, onde
este se fez de fundamental importância para a realização da
pesquisa. Com a abordagem qualitativa, articula-se algumas
categorias analíticas extraídas da investigação a partir da técnica
de Análise do Conteúdo.
Atenta-se que a pesquisa bibliográfica se fez presente
desde as buscas para o processo de delineamento do estudo. No
tocante ao procedimento de pesquisa utilizamos a descritiva,
Vergara (2000) nos diz que essa, é uma pesquisa que proporciona
a identificação de um determinado universo, pois esta, expõe as
peculiaridades considerando as variáveis pertencentes à
definição da natureza do objeto.
Em se tratando da pesquisa exploratória, o uso desta, tem
como propósito interpretar e analisar fatos. Esse tipo de pesquisa
requer um maior investimento de teorização e reflexão sobre o
objeto a ser estudado.
A análise de dados na presente pesquisa deu-se por meio
da técnica de análise de Conteúdo. Como forma de explorar e
aprofundar uma melhor compreensão sobre a percepção de
estudantes de direito a respeito de direitos de imigrantes
refugiados.
Iniciaremos nossa discussão falando sobre o colonialismo,
que teve seu marco inicial em meados dos anos 90, o autor
Quijano (QUIJANO, 2005, p. 227-278) o descreveu como o lado
mais obscuro da modernidade, falou ainda que a colonialidade
era a resposta à globalização, destaca-se que a modernidade era
o ponto de maior influência no colonialismo, segundo o
pensamento de Quijano. Não há como se falar em modernidade
e não mencionar a colonialidade, logo, uma não existe sem a
outra. Ou melhor, uma é preexistência da outra.
Mignolo (2010) abrangeu o significado de colonialidade
por diversos ramos, o autor indica a colonialidade do poder
como sendo o destaque da colonialidade, onde a matriz colonial
do poder é uma base enigmática e interligada ao controle da
autoridade, da natureza e dos recursos naturais, da economia, do
gênero e da sexualidade bem como, da subjetividade e do
conhecimento.
| 98 |
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
Apresentaremos o percurso metodológico do trabalho
nesta seção, uma vez que se fez de fundamental importância
para a realização dessa pesquisa. Assim, os métodos e as técnicas
exploradas para a preparação do trabalho em questão. Da
mesma forma, serão evidenciados quais os instrumentos eleitos
a coleta de dados.
Com a abordagem qualitativa, articulamos algumas
categorias analíticas extraídas da investigação a partir da técnica
de análise de conteúdo. Esta, envolve a preparação dos dados
para análise e posterior categorização. No pensamento de
Minayo: A pesquisa qualitativa responde a questões muito
particulares ela trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações dos
processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis (1995, p. 21-22).
Atenta-se que a pesquisa bibliográfica se fez presente
desde as buscas para o processo de delineamento do estudo.
Fonseca (2002, p. 32) conceitua o procedimento de pesquisa
bibliográfico, no qual diz que se trata de um levantamento de
publicações existentes, dessa forma o pesquisador poderá
conhecer do assunto. A pesquisa bibliográfica é feita a partir do
levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas
por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos,
páginas de web sites. (2002, p. 32).
No tocante ao procedimento de pesquisa utilizamos a
descritiva, Vergara (2000) nos diz que essa, é uma pesquisa que
proporciona a identificação de um determinado universo, pois
esta, expõe as peculiaridades considerando as variáveis
pertencentes à definição da natureza do objeto.
| 99 |
Pode-se dizer ainda que esta pesquisa tem o intuito de
esmiuçar as peculiaridades de determinado trajeto da
colonialidade. Em se tratando da pesquisa exploratória, o uso
desta, tem como propósito interpretar e analisar fatos. Esse tipo
de pesquisa requer um maior investimento de teorização e
reflexão sobre o objeto a ser estudado.
Em se tratando da pesquisa exploratória, o uso desta tem
como propósito interpretar e analisar fatos. Esse tipo de pesquisa
requer um maior investimento de teorização e reflexão sobre o
objeto a ser estudado. Para Gil (2009), com a pesquisa
exploratória visa-se identificar os fatores que levam a ocorrência
de determinado fenômeno, explicando a razão.
A análise de dados na presente pesquisa deu-se por meio
da técnica de análise de conteúdo. Retrata Chizzotti (2006, p. 98):
“o objetivo da análise de conteúdo é compreender criticamente o
sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as
significações explícitas ou ocultas”. Como forma de explorar e
aprofundar uma melhor compreensão sobre a questão da
colonialidade, decolonialidade, pós-colonialismo e novo
constitucionalismo latino-americano.
COLONIALIDADE E DECORRÊNCIAS DO PÓSCOLONIALISMO NA COLONIALIDADE DO PODER
Iniciaremos nossa discussão falando sobre o colonialismo,
que teve seu marco inicial em meados dos anos 90, o autor
Quijano (QUIJANO, 2005, pp. 227-278) o descreveu como o lado
mais obscuro da modernidade, falou ainda que a colonialidade
era a resposta à globalização, destaca-se que a modernidade era
o ponto de maior influência no colonialismo, segundo o
pensamento de Quijano. Não há como se falar em modernidade
e não mencionar a colonialidade, logo, uma não existe sem a
outra. Ou melhor, uma é preexistência da outra.
| 100 |
Mignolo (2010) abrangeu o significado de colonialidade
por diversos ramos, o autor indica a colonialidade do poder
como sendo o destaque da colonialidade, onde a matriz colonial
do poder é uma base enigmática e interligada ao controle da
autoridade, da natureza e dos recursos naturais, da economia, do
gênero e da sexualidade bem como, da subjetividade e do
conhecimento.
Nesse sentido, contextualizando a colonialidade do poder
ao nosso cenário político brasileiro, podemos dizer que o golpe
mortal do governo já foi dado, a qualquer momento iremos
explodir enquanto humanidade.
O Brasil está num contexto preocupante por conta do atual
desgoverno do clã familiar do atual presidente, que nega a
ciência, nega as estatísticas e elimina todo àquele que discorda
de sua opinião, que implementa o sistema de colonialidade do
poder em todas essas formas de controle elencadas por Mignolo.
O pós- colonialismo se posiciona como oposição à teoria
eurocêntrica, onde está tinha como principal objetivo legitimar a
ideologia de raça superior ao processo de colonização.
Essa ideologia possuía como base a afirmação que os
países da Europa Ocidental seriam culturalmente superiores em
relação ao resto do mundo. Esse estigma de homem hétero,
branco, bem-sucedido, vestia um terno e gravata que só cabia no
corpo do homem da Europa Ocidental. Dessa forma, todo àquele
que assim não o fosse, não seria um indivíduo “digno”, ficando
às margens da sociedade.
Como forma de analisar as repercussões do colonialismo
Europeu, surgiu o pós- colonialismo, que este, por sua vez, já é
um pensamento decolonial. Para Mignolo, “a conceitualização
da colonialidade como constitutiva da modernidade é já o
pensamento de-colonial em marcha” (Mignolo, 2008, p. 249).
| 101 |
Nesse diapasão, sobre o a forma de dominação do
colonialismo os autores Barbosa e Teixeira nos afirmam que: O
colonialismo se refere a um padrão de dominação e exploração
em que o controle da autoridade política, dos recursos de
produção e do trabalho de populações determinadas possui uma
diferente identidade de suas sedes centrais. (BARBOSA;
TEIXEIRA 2016, P. 1116).
É importante destacarmos que colonialismo e
colonialidade são momentos históricos distintos, que conversam
entre si. O primeiro diz respeito a um padrão de dominação, de
determinados momentos históricos.
O segundo, corresponde a um dado momento da história
que acontece por meio da dominação e superioridade de
determinada raça e cultura em relação às demais. Fato este, com
pesadas marcas negativas até os dias de hoje. Como nos
conceitua, Barbosa e Teixeira. Colonialidade diz respeito a um
fenômeno histórico complexo que se estende até os dias de hoje
e se refere a um padrão de poder que opera através da
naturalização de hierarquias territoriais, raciais, culturais e
epistêmicas que possibilitam a reprodução de relações de
dominação, que não apenas possibilitam a exploração pelo
capital dos seres humanos em escala global, mas que
subalternizam os conhecimentos, as experiências e as formas de
vida (BARBOSA; TEIXEIRA 2016, P. 1117).
Quijano sobre a conceito de colonialidade nos afirma que,
a colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do
padrão mundial de poder capitalista. Se funda na imposição de
uma classificação racial/étnica da população do mundo como
pedra angular do dito padrão de poder e opera em cada um dos
planos, âmbitos e dimensões materiais e subjetivas, da existência
social cotidiana e da escala social. (Quijano, 2000, p. 342).
| 102 |
Resgatando a origem do pós- colonialismo, Costa (2006, p.
83-84) afirmou que o pós-colonialismo compartilha, em meio
suas diferentes perspectivas, do “caráter discursivo do social”,
do “descentramento das narrativas e dos sujeitos
contemporâneos”, do “método da desconstrução dos
essencialíssimos” e da “proposta de uma epistemologia crítica às
concepções dominantes de modernidade”.
Inegavelmente a modernidade possui grandes marcas do
colonialismo do padrão europeu, que dominou vários
continentes do globo, (Barbosa; Teixeira, 2016).
Para Mignolo (2003, p. 39), o fato da identificação dos
povos baseados nas próprias faltas e excessos é um motivo
essencial para a desigualdade colonial, refletida e reproduzida
pelo movimento da colonialidade do poder, o poder colonial em
si. O debate decolonial parece não se apropriar adequadamente
da dimensão dos desafios postos ao pensamento jurídico
nacional no que se refere a temas como pobreza, violência,
estigmatização, exclusão etc. em perspectiva regional
(TEIXEIRA, 2020).
A colonialidade do poder desenvolve um papel
fundamental quanto à estrutura do chamado “sistema- mundo,
moderno/ colonial”, nessa perspectiva Grosfoguel indica que, A
expressão “colonialidade do poder” articula os lugares
periféricos da divisão internacional do trabalho com a hierarquia
étnico-racial global e com a inscrição de migrantes do Terceiro
Mundo na hierarquia étnico-racial das cidades metropolitanas
globais. Grosfoguel (2008, p. 126).
Essa diferença colonial surge como estratégia para
inferiorizar diversas populações do “sistema-mundo”.
| 103 |
PERSPECTIVAS CRIMINOLÓGICAS EM FACE DO
EUROCENTRISMO NA COLONIALIDADE DO PODER;
A ideia da criminologia moderna teve como principal
idealizador Cesare Lombroso, na nossa contemporaneidade suas
ideias não são mais aprovadas, apesar de que foram essenciais
para os estudos criminológicos científicos onde direcionava o
estudo para o criminoso, como nos disse (Wolgang,1972).
Lombroso sempre muito influenciado pelas teorias
materialistas positivistas e evolucionistas (43), em sua teoria
normalizou o discurso do saber jurídico, de que a pessoa que
cometia algum crime era “anormal”, onde a criminalidade era
uma característica natural do indivíduo. (termo criado por
Ferri). Nessa perspectiva, o criminoso era ou doente ou
primitivo.
Ao longo dos anos a criminologia se esteou no poder de
punir, de tal maneira que a expressão da verdade, de é sinônimo
de detenção de poder.
Dessa forma, é visualmente identificável as características
da teoria da criminologia desde o tempo da Inquisição, os
primeiros teóricos; e os exorcistas, os primeiros clínicos
(Zaffaroni; Batista, 2003). Para a atividade de controle dos
corpos, foi criado nesse período uma base discursiva pautada na
neutralidade científica e na generalização proporcionando uma
razão justificadora fundada em estereótipos que tinha como
objetivo o aprisionamento seletivo social. (MACHADO;
SANTOS, 2018, P. 258).
E com base nessa ferramenta de diferenciar os indivíduos,
distinguindo-os entre superiores e inferiores. Com o
Eurocentrismo, criou-se uma distinção entre os indivíduos que
eram superiores e os que eram inferiores, e essa distinção
encontrou abrigo nos sistemas punitivos brasileiros, tendo
justificativa a sua forma de atuação.
| 104 |
A narrativa Europa sobre o continente africano e asiático,
fato que garantiu a visibilidade e a penetração da ciência
evolutiva e determinista dos finais do século XIX, até então
desconhecida (Schwarcz, 1993).
O positivismo bioantropológico contextualizado por
Lombroso, assim como, o positivismo idealista de Garofalo e o
penal-sociológico de Ferri, surgiram para ressaltar que o
determinismo biológico e social foi elencado como ferramenta
das causas da criminalidade, cabendo às estruturas do Estado
conterem o avanço do doente e curá-lo (Baratta, 2002).
Del Olmo, fala que a ciência teve uma tarefa fundamental
para a neutralização das críticas e para a criação do desenho
teórico da nova demanda, com a finalidade de “proteger o
capital, conservar a ordem e não perturbar o progresso” (Del
Olmo, 2004, p. 44).
É fundamental discutir em que medida a importação de
teorias salvacionistas dos países centrais, por mais sedutoras que
pareçam, estão carregadas da violência colonizadora sobre o
mundo periférico. (MACHADO; SANTOS, 2018, p. 260)
Elas resultaram em graves cicatrizes à população, aos
moldes europeus. Dessa forma, a questão da raça se tornou um
fator decisivo para a segregação das nações. Essa base teórica de
pensamento, chegou ao Brasil e foi bem recebida pelos centros
de pesquisa em meados dos anos de 1970 agrupavam a elite
intelectual nacional (Schwarcz, 1993).
No Brasil, o período pós-abolição, ficou marcado com o
ingresso de imigrantes brancos que eram tidos como mão de
obra qualificada para serviços intelectuais, e, em contrapartida,
os ex- escravos estavam sendo considerados como unicamente
trabalhadores braçais, bem articula esse momento,
(RODRIGUES,1957, p. 175) “No caso da América Latina, para
classes dominantes, a única raça capaz de obter progresso era a
| 105 |
raça branca. As outras seriam consideradas perniciosas porque
levavam consigo ‘elementos degenerativos’.” “contra os atos
antissociais das raças inferiores, sejam estes verdadeiros crimes
nos conceitos dessas raças, ou seja, ao contrário, manifestações
de conflito, da luta pela existência entre a civilização superior da
raça branca e dos esboços de civilização das raças conquistadas
ou dominadas” (Rodrigues, 1957, p. 174).
Observa-se que a importação e posterior discussão sobre
o positivismo criminológico aconteceu de forma acrítica em
países considerados periféricos. Para OLMO (2004, p.160)
aconteceu uma dinâmica de escolasticismo, assim, “bastava que
um fato fosse afirmado por Galileu, Darwin ou Spencer para que
fosse acreditado. Os fatos eram aceitos sem qualquer discussão”.
Por essas questões a criminologia deve ser observada com
cautela pela academia, uma vez, que possui essas fervorosas
marcas do eurocentrismo.
Posteriormente, as ideias bases da antropologia criminal
se encontravam caminhando ao descrédito, em razão disso,
segundo (Darmon, 1991, p. 110), encontraram nos país da
América Latina, "verdadeiros eldorados da nova escola".
No Brasil, nos anos inaugurais do regime republicano a
teoria de Lombroso e a escola positiva de direito penal, ganhou
grande notoriedade no ambiente jurídico. E, somente depois de
décadas reproduzindo a “criminologia Lombrosiana”, foi que
está passou a ser criticada como forma de conhecimento.
Não é fácil dizer que a criminologia foi apenas um
emaranhado de pensamentos, sem maiores sequelas. As
consequências da impressão estigamatizadora têm suas
repercussões até hoje no âmbito jurídico.
| 106 |
RESULTADOS
Nelson Torres (2007) conceitua o movimento de
resistência prático, político e teórico à lógica da modernidadecolonialidade como, movimento do giro decolonial.
Sobre o pensamento decolonial, Mignolo nos faz refletir
sobre uma nova dimensão, para ele; A descolonialidade – em
contrapartida – arranca de outras fontes. Desde a marca
descolonial implícita na Nueva Crónica y Buen Gobierno de
Guamán Poma de Ayala; no tratado político de Ottobah
Cugoano; no ativismo e crítica decolonial de Mahatma Ghandi;
na fratura do Marxismo em seu encontro com o legado colonial
nos Andes, no trabalho de José Carlos Mariátegui; na política
radical, o giro epistemológico de Amilcar Cabral, Aimé Césaire,
Frantz Fanon, Rigoberta Menchú, Gloria Anzaldúa, entre outros
(Mignolo, 2010, p. 14-15).
Destaca-se que pensamento decolonial, anteriormente já
foi chamado de “pensamento fronteiriço”, sobre esse
pensamento, Mignolo (2003) afirma que ele resistiu às cinco
principais ideologias da modernidade, que foram: Liberalismo,
conservadorismo, colonialismo, cristianismo e o marxismo. Para
Mignolo: O pensamento fronteiriço, desde a perspectiva da
subalternidade colonial, é um pensamento que não pode ignorar
o pensamento da modernidade, mas que não pode tampouco
subjugar-se a ele, ainda que tal pensamento moderno seja de
esquerda ou progressista (Mignolo, 2003, p. 52).
Dessa forma, entende-se que o pensamento fronteiriço
surge de forma que não nega o pensamento da modernidade,
sobretudo, não se subjuga ao mesmo, independente de
posicionamento político, ele surge com propósito de afirmar o
espaço de onde foi negado. O projeto des-colonial difere também
do projeto pós-colonial (...). A teoria pós-colonial ou os estudos
pós-coloniais estão entre a teoria crítica da Europa (Foucault,
| 107 |
Lacan y Derrida), sobre cujo pensamento se construiu a teoria
pós-colonial e/ou estudos pós-coloniais, e as experiências da elite
intelectual nas ex-colônias inglesas na Ásia e África do Norte
(Mignolo, 2010, p. 19).
O autor Mignolo (2010, p. 17), analisa que mesmo antes do
movimento do giro decolonial as ideias da decolonialidade já
existiam nos posicionamentos de Quijano quando ele floresce a
colonialidade do poder e com o posicionamento de Dussel,
quando ele produz a ideia da trans-modernidade. “a
pluriversalidade como projeto universal” de Mignolo (2010, p.
17).
Ainda na sequência de pensamentos do autor Mignolo,
destaca-se a propositura dele para a gramática da
“descolonialidade”, onde foi marcado pelo giro da estratégia,
afastando-se das epistemologias de pensamentos eurocêntricos e
estadunidenses. (MIGNOLO, 2010, p. 95-97).
Sabe-se que as concepções do pensamento descolonial
possuem o objetivo de envolvimento dos saberes ocultos que
goram reprimidos e/ou marginalizados pelo árduo processo de
colonização.
O Novo Constitucionalismo se originou por conta da
preocupação com as desigualdades sociais e tem como
“fundamento justamente as exigências das camadas
marginalizadas da população” (MOURA, 2012, p. 10). Nesse
sentido, podemos dizer que o Novo Constitucionalismo
preconiza a Constituição como sendo um meio regulador para as
múltiplas questões, sejam elas, sociais, políticas ou ambientais,
de maneira mais democrática.
Movimento que em passos lentos está sendo identificado
em alguns países, por exemplo, na Bolívia e no Equador, por esse
motivo se compôs um paralelo entre o Novo constitucionalismo
e o Novo Constitucionalismo latino-americano, em razão de
| 108 |
ambos os movimentos estarem em desenvolvimento
sincronicamente.
No Estado Moderno seguia-se com rigor o modelo
europeu “de cima para baixo” (MOURA, 2012). Com a
colonização europeia, se transferiu valores e princípios
fortalecendo a “dependência da cultura jurídico europeia”.
Nesse sentido, o Novo Constitucionalismo é uma prática
constitucional adotada em vários países nos últimos trinta anos,
e representa avanços e rupturas em relação ao modelo
constitucional de matriz europeia e norte-americana que, de
forma geral, serviram de modelo teórico para as Constituições
desses países (BRAGATO, 2014 apud BARBOSA; TEIXEIRA,
2016).
Assim, percebe-se que o Novo Constitucionalismo surge
como contraste ao Estado Moderno, que se estabelecia através da
soberania eurocêntrica. E, como forma de abranger os interesses
dos povos locais, anteriormente excluídos pelo padrão Europeu,
surgiu o Novo constitucionalismo.
Como grande exemplo de uma Constituição aos moldes
do Novo Constitucionalismo, podemos citar a Constituição da
Bolívia(2009), que em seu conteúdo, incluiu direitos indígenas
em oitenta, dos mais de quatrocentos artigos, lhes assegurando
garantia da propriedade exclusiva da terra, recursos hídricos e
florestais (ALVES, 2012, p. 142).
Para Alves, o Novo Constitucionalismo é passagem
inovadora que expõe a tentativa de colocar em prática o respeito
da colaboração popular democrática e segurança social e
ambiental (ALVES, 2012).
“A sociedade é o conjunto das relações “horizontais” dos
indivíduos e dos grupos. Sua estrutura específica é a organização
do trabalho da comunidade, a rede das funções sociais”
(CANIVEZ, 1991, p. 16).
| 109 |
CONCLUSÃO
Percebe-se ao todo os difíceis caminhos percorrido por
toda humanidade que não se encaixava nos padrões “terno com
gravata”, ou seja, o padrão eurocêntrico. O processo da
decolonização é diferente da rejeição da criação humana criada
pelo Norte global.
Vimos que as consequências das teorias Lombrosianas,
estigmatizante de “perfil criminoso”, onde ele se fundamentava
na ciência para exprimir anseios puramente político, a fim de
continuar subalternizando pessoas em razão de rua raça, tem
suas grandes e árduas segmentações até os dias atuais.
A subalternização teórica conversa com as versões
periféricas marginalizadoras elaboradas fora do Norte Europeu.
Nesse sentido, decolonizar a teoria, é sobretudo decolonizar o
poder eurocêntrico.
O Novo Constitucionalismo, é um movimento que vem
desabrochando e ganhando proporção em países da América
Latina, ele significa um novo modelo Constitucional que vem
para descontinuar os antigos paradigmas do “padrão”
Constitucionalista tradicional.
A grande propositura do Novo Constitucionalismo é
fomentar uma nova institucionalização, para que com isso
possamos ter uma Constituição mais abrangente, plural e que
permita o diálogo entre as normas e os princípios. Em suas
peculiaridades, destacam-se a participação popular das
minorias, como de fato aconteceu com a Constituição da Bolívia.
Podemos dizer a história da criminologia passou por
diversas etapas de metamorfoses com o objetivo de adequaremse às necessidades locais aqui no Brasil, que por sua vez,
encontrou grande aconchego na cultura racista brasileira, e com
o exercício do poder punitivo o Estado alcança o controle social
“formal”.
| 110 |
Nesse sentido, contextualizando a colonialidade do poder
ao nosso cenário político brasileiro, podemos dizer que o golpe
mortal do governo já foi dado, a qualquer momento iremos
explodir enquanto humanidade.
O Brasil está num contexto preocupante por conta do atual
desgoverno do clã Bolsonaro, que nega a ciência, nega as
estatísticas e elimina todo àquele que discorda de sua opinião,
que implementa o sistema de colonialidade do poder em todas
essas formas de controle elencadas por Mignolo.
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| 113 |
CAPÍTULO 5
OS DANOS AMBIENTAIS CAUSADOS POR USO DE
AGROTÓXICOS: UM OLHAR VOLTADO A APICULTURA
DESDE O MARCO TEÓRICO DA CRIMINOLOGIA VERDE
Marcia Leopoldino do Carmo de Melo
Marcelo Negri Soares
INTRODUÇÃO
No lapso temporal de um mês “90 milhões de abelhas
morreram envenenadas com Fipronil, agrotóxico que tem sido
usado de forma irregular em pastagens”, neste sentido, diversos
debates estão sendo levantados acerca do uso de agrotóxicos em
regiões que se centram as atividades da Apicultura.
Sendo assim, os danos ambientais são estruturais no modo
de produção capitalista. As grandes corporações que no
capitalismo colonial se confundem, muitas vezes, com a própria
estrutura do Estado, muitas vezes, são responsáveis por
condutas danosas ao meio ambiente humano e não humano,
assim como, a exploração da força de trabalho, acumulo
desenfreado de propriedades, dentre outras.
Neste ponto, a linha a se seguir é a responsabilidade pelos
danos a biodiversidade e a displicência econômica à apicultura,
um espectro de estudos voltados à análise entre os danos
ambientais e definição de crimes, seus limites, seu caráter
classista, bem como, o amparo as vítimas ambientais. Na busca
do entendimento e no ramo, inovador da “Criminologia”,
denominada de “Criminologia Verde”, podemos compreender,
que está, se preocupa com uma série de questões associadas aos
danos causados ao meio ambiente, pelo próprio Estado, pelas
corporações e também no campo individuo, e demais
responsáveis.
Conduzindo um conceito de responsabilidade, como a
noção de compromisso, de obrigação de assumir as
consequências de determinada atividade, significando a
segurança ou garantia de restituição, ou compensação.
Assim movimentar primordialmente nos estudos dos
fatores ambientais e os padrões criminais. Danos inerentes ao
modo de produção, a ingerência do uso dos defensivos e
dessecantes, bem como a responsabilização e a suscetibilidade
das vítimas.
A partir disso, este trabalho tem como principal objetivo,
utilizar os paradigmas da “Criminologia Verde” como
ferramenta de leitura e enfrentamento aos denominados crimes
dos poderosos, tendo como preocupação, o uso de agrotóxico,
nas mortes de abelhas e nos impactos causados a flora, assim
como, seus danos em extensão as pessoas envolvidas em toda
sociedade, e no campo do manejo individual. É, neste ponto, que
iremos compreender o caso em específico que irá ser utilizado
como exemplo, a questão dos Apicultores.
Para perquirir estes objetivos, será utilizado de pesquisa
bibliográfica, em teses, livros, artigos, dissertações e trabalhos
relacionados ao campo, cruzadas com pesquisa documental,
legislativa, a partir do método dedutivo de abordagem, partindo
de um problema maior, para chegar a um problema específico.
O caminho que se traça, portanto, é compreender os
paradigmas históricos da Criminologia Crítica, para estudo de
caso específico, apontando os limites da Criminologia Crítica
para as questões do meio ambiente, assim como, as
possibilidades de leitura estrutural da “Criminologia Verde”
frente a problemática.
| 115 |
DA CRIMINOLOGIA POSITIVISTA A CRIMINOLOGIA
CRÍTICA: CAMINHANDO NOS TORTUOSAS ESTRADAS DE
COMPREENSÃO DO FENÔMENO CRIMINAL
A Criminologia Crítica foi fruto de uma das principais
rupturas em termos de epistemologias e tomada de posição,
diante das correntes positivistas da Criminologia, está, como
veremos adiante, responsável por naturalizar o fenômeno
criminal, compreendendo o crime como algo ontológico, ou seja,
algo que nascia com o “sujeito criminoso”. Essas correntes
positivistas, que variam no bojo dos médicos e juristas,
preocupa-se em compreender as causas do crime a partir de uma
perspectiva físico-psíquica (Batista, 2011; Araújo Chersoni, Das
Chagas, Muniz, 2022).
É, neste sentido, que “criminoso” protótipo, estereotipado
tem uma base classista, racializada e sexista, é por este motivo,
que diversos estudos - o que culminou na criminologia crítica
posteriormente - demonstrou a importância da desconstrução
social dessa visão da “criminalidade” para compreender os
processos de violência, crime e punição, desde uma perspectiva
social (Batista, 2011; Araújo Chersoni, Das Chagas, Muniz, 2022).
No entanto, embora tenha ocorrido esta mudança no
paradigma dentro da criminologia, a herança histórica
permanece enraizada na sociedade e no sistema penal. O
positivismo de fato influencia diretamente não só na forma como
a sociedade visualiza a pessoas tidas como criminosas, bem
como, suas permanências históricas influenciam até os dias
atuais em decisões judiciais e na forma com que se compreende
o crime, criminalização e suas variantes (Batista, 2011; Araújo
Chersoni, Das Chagas, Muniz, 2022).
No contexto da revolução industrial, onde se necessitava
de uma intensa exploração da mão de obra, para consolidar os
processos de expansão do capitalismo, é estabelecido, a
| 116 |
institucionalização da punição, por meio das prisões, como
principal de meio de segregação, bem como, estabelece-se o
sistema penal de modo alargado (polícias, tribunais, etc.)
(Batista, 2011).
É, neste contexto, que a Criminologia Crítica, denuncia
algumas das “reais” funcionalidades do controle punitivo, o
controle da mão de obra, surgindo a própria ideia de polícia
como “polícia médica”, formando uma espécie de higienismo
social. A Criminologia Crítica, portanto, exerce importante papal
de compreensão dos processos punitivos, que não
necessariamente,
compreendia
os
sujeitos
enquanto
“criminosos”, mas contrapõe esta ideia, a partir do conceito de
“criminalização” compreendendo, sobretudo, que existe uma
distribuição de rótulos a partir do status social de cada pessoa
(Becker, 2008).
Como podemos observar, a exploração da mão de obra é
determinante para compreender a mudança do paradigma
etiológico dentro da Criminologia Positivista, para o da reação
social, já navegando em uma compreensão alargada e sociológica
para compreender o que é crime. Estes entendimentos serão
primordiais para que por sua vez é chamado de “criminologia
verde” (Dias; Budó, 2019, p. 289).
Com a exploração do trabalho humano, principalmente
durante o período da revolução industrial. Fica estabelecido uma
forma de controle social manipulado pelas chamadas classes
dominantes. Esta compreensão contextualiza o que Lombroso
chamou de “O Homem Delinquente” neste se referindo ao
sujeito masculino, e posteriormente também criou “A Mulher
Delinquente, a Prostituta e a Mulher Normal”, subjetivando e
concretizando assim o estereotipo de criminoso de uma forma
geral às pessoas que pertencem a classes de baixos status deixando os crimes cometidos pelas grandes corporações, pelo
| 117 |
próprio estado, “etc”, longe dos controles dos órgãos oficiais
(Dias; Budó, 2019, p. 289).
Se o racismo foi uma invenção da colonização, segundo
Foucault, a partir do século XIX ele vira discurso científico.
As teorias de Darwin, que em 1830 buscavam o elo perdido
em nosso continente, naturalizavam a inferioridade,
possibilitavam sua transposição para as ciências sociais
como fez Spencer, inspirando o evolucionismo social. O
conceito de degenerescência é fundamental para
entendermos como nossa mestiçagem iria ocupar
“naturalmente” os andares inferiores na evolução humana
(Batista, 2011, p. 41).
Atualmente, um dos principais conceitos acerca de
criminologia é que ela se constitui enquanto uma ciência que
estuda materialmente os processos de criação das leis e normas
sociais que se correlacionam com os comportamentos
denominados de desviantes, bem como a relação desses
comportamentos com a reação social que geram (Aniyar De
Castro, 2008).
A Criminologia Crítica teve como uma de suas principais
contribuições em afastar o enfoque positivista no sentido de não
tratar mais os sujeitos como criminosos e sim atribuir-lhes a
roupagem de sujeitos criminalizado. Isso implica em uma série
de mudanças sobre a compreensão das práticas punitivas, a
principal delas, é, entender que os crimes corporativos, por
exemplo, não eram alvos dos controles truculentos (Araújo
Chersoni, Das Chagas, Muniz, 2022; Aniyar De Castro, 2008).
Sendo assim, o objeto desloca-se da criminalidade para a
criminalização, esta última como uma realidade construída,
demonstrando acima de tudo que o crime é uma atribuição dada
a comportamentos ou pessoas, algo construído não só através da
normatização, mas também da própria construção como
sociedade (Araújo Chersoni, Das Chagas, Muniz, 2022; Aniyar
De Castro, 2008).
| 118 |
“A Criminologia Crítica constitui-se como uma “nova”
criminologia, que além de contrapor os dizeres do senso comum
acerca
de
“crime
e
“criminalidade”,
desconstrói
referencialmente e, sobretudo, na prática”, uma criminologia
pautada no conservadorismo (Araújo Chersoni, Das Chagas,
Muniz, 2022, p. 275) — esta que, em um contexto de hegemonia
do pensamento eurocêntrico, foi uma das ferramentas
responsáveis pela segregação de parcela significativa da
população (Dornelles, 2017).
A CRIMINOLOGIA VERDE E OS LIMITES DA
CRIMINOLOGIA CRÍTICA FRENTE AOS DANOS
AMBIENTAIS
A Criminologia Verde aponta que as correntes críticas da
criminologia - raiz da criminologia verde - não alcançou a partir
de suas lupas de análise os crimes ambientais, o uso de
agrotóxicos, seus impactos na vida humana e não humana,
dentre outros aspectos. É, neste sentido, que a “Criminologia
Verde” propõe ao menos dois deslocamentos do alcance da
Criminologia Crítica: o primeiro deles, é deslocar o objeto da
Criminologia Crítica do ambiente urbano para o rural, seu
segundo preocupe-se com a “criminalidade” dos chamados de
“poderosos” (Dias; Budó, 2019, p. 289).
Uma das principais preocupações, por, exemplo da
“Criminologia Verde” que vem sendo construída no Brasil, é
pensar, a partir de casos como o de brumadinho, não, focando
em uma expansão do direito penal para punir os crimes dos
“poderosos”, visto que a Criminologia Crítica já demonstrou
diversos problemas do direito penal, sobretudo sua expansão,
frente a criminalização das classes empobrecidas, mas, neste
sentido, enfocar o olhar da Criminologia Verde, é, também, e
| 119 |
principalmente, preocupar-se com as vítimas destas catástrofes
(Dias; Budó, 2019).
É, neste sentido, que as possibilidades de compreender os
danos sociais e os sofrimentos humano e não humano, frente aos
danos sociais, são um dos principais objetos da Criminologia
Verde, é, neste ponto, que para alcançar esses objetivos, foram
necessárias uma série de rupturas. “Algumas delas podem ser
sintetizadas aqui como: 1) um inicial reconhecimento sobre a
importância de elaborações científicas que analisem e
respondam às causas do crime no contexto positivista (em finais
do século XIX); 2) as primeiras críticas ao positivismo, a partir de
diferentes aproximações funcionalistas, como a noção de que o
crime não é uma patologia social” (França; Budó; Dias, 2021, p.
4).
Mediante tais aproximações, iniciais, vislumbra-se que
além do objeto diferenciado, que se ancora no que se denomina
de dano social, a vertente da Criminologia Verde “almeja atingir
mais do que apenas modificações legais ou a punição dos
responsáveis pelas violações ambientais, pretendendo alcançar,
também, ações efetivas e igualmente o nível de aplicação
ofertado pelas políticas públicas”. Este ponto, parece crucial, nas
análises que iremos propor neste trabalho, compreender a
responsabilidade do estado frente a reparação das vítimas destes
danos, assim como, a regulamentação de práticas
ecologicamente sustentáveis buscando as proteções de vidas
humanas e não humanas (Dias; Budó, 2019, p. 287).
Sendo assim, para a Criminologia Verde, observou-se que
dois conceitos são necessariamente importantes para a
compreensão deste deslocamento das lupas de análises da
Criminologia Crítica: o conceito de dano social e seus impactos
na vida humana e não humana, bem como, um debate sobre
crime, criminalização, para compreender o que é entendido por
| 120 |
criminalidade dos poderosos. Pois bem, iremos nos atentar a este
segundo conceito. Uma das primeiras questões a serem
levantadas pelas próximas teorias, fazendo um debate mais
lucido acerca dessas problemáticas, apontam que a população,
no geral, está altamente mais suscetível a serem vítimas de
crimes cometidos pelas grandes corporações ou pelo próprio
Estado do que crimes no âmbito interpessoal (Colognese; Budó,
2018, p. 58).
Outro ponto para a compreensão deste tipo de
criminalidade, é as observações acerca do que se compreende
enquanto crime, pois, muitas práticas extremamente danosas a
vida humana e não humana – como o caso do uso de agrotóxicos
-, objeto da Criminologia Verde, compreende-se como práticas
comuns, não sendo consideradas crimes ou, quando são, não são
alvos do controle penal ou de outros ramos do direito, como a
reparação cível dentre outras (Colognese; Budó, 2018, p. 58).
É, nesse contexto, que numerosos autores e autoras vêm
buscando uma compreensão mais alargada, sob maneiras, de
como essas condutas mais danosas à humanidade, ao meio
ambiente e aos animais não humanos, praticadas por detentores
de poder social, podem ser reparadas, sobretudo, sem
“expandir” o controle penal e ele acabar sendo utilizado
meramente a partir de suas reais funções, como já aponta a
Criminologia Critica e seu longo acumulo teórico (Colognese;
Budó, 2018, p. 58), e no caso em específico, como veremos a
frente, observaremos os impactos destas condutas nos pequenos
agricultores.
Apesar dos grandes impactos a vida “pessoal” da
população causada por estes atos criminosos praticados pelos
“poderosos” uma das potencialidades da Criminologia Verde é
lançar sobre estas questões, a partir de um olhar estrutural, neste
ponto, não se abandonam algumas perspectivas centrais das
| 121 |
ciências sociais, como, por exemplo, a compreensão histórica de
que estamos imersos em uma sociedade dividida em classes,
sobretudo, quando se pensa nos países latino americanos e o
caráter dependente do capitalismo nesta periferia global.
“Alguns dos aspectos trazidos pelo campo no estudo dos crimes
dos poderosos são o aprofundamento da violência estrutural na
interação entre corporações transnacionais e elites locais no sul
global” (França; Budó; Dias, 2021, p. 2).
Sendo assim, compreender as dinâmicas destas formas de
criminalidade, a partir dos grandes movimentos históricos que
os constitui, compreendendo que os impactos interpessoais
causados pela liberação e o uso de agrotóxicos, aliados assim, a
outras formas de dano social, como o caso do amianto, da
indústria de celulose, dentre outras, são parte de um movimento
que estrutura a sociabilidade dos países subdesenvolvidos, como
o caso do Brasil (Silveira, Budó, 2021).
A interdisciplinaridade da Criminologia Verde, herança,
também histórica da Criminologia Crítica, constitui objeto de
amplitude nos interesses de estudos desta nova forma de
compreender o fenômeno criminal dos poderosos, pois, o caráter
cientifico é o motor dos estudos criminológicos verdes, visto que,
o comprometimento social, a partir de dois polos: as vítimas dos
crimes ambientais e dos poderosos, e a omissão do Estado frente
a essa criminalidade, demonstram um comprometimento desta
ferramenta em fomentar o engajamento destes cientistas com
outras formas de enfrentar tal criminalidade, como, por exemplo,
políticas públicas e o comprometimento com os “pequenos
agricultores”, por exemplo (Silveira, Budó, 2021).
Apesar de sensivelmente mais danosas do que condutas
tipificadas como crimes patrimoniais e contra a vida
praticadas por indivíduos contra indivíduos, as
consequências negativas das dinâmicas produtivas no
capitalismo global costumam ser invisibilizadas nas mais
diversas esferas do discurso. Dos discursos midiáticos
| 122 |
àqueles políticos e científicos, as noções hegemônicas de
“segurança” e “violência” muito raramente são associadas a
condutas rotineiras de empresas, sejam elas urbanas ou
rurais, nacionais ou internacionais, ou mesmo aquelas
praticadas pelos Estados (Silveira, Budó, 2021, p. 3).
É em torno do anteriormente exposto, que a Criminologia
Critica, por si só, não consegue fornecer os deslocamentos
adequados para uma maior compreensão desta criminalidade,
até mesmo, tratando-se de “vertentes” criminológicas, que se
propõe a produzir conhecimentos entrelaçados com os
movimentos populares, por exemplo, é neste ponto, que a
interdisciplinaridade da Criminologia Verde, acaba por der
ferramenta eficaz, sobretudo, no tempo presente para
compreender as dinâmicas do capitalismo atual (Budó, 2021).
OS DANOS SOCIAIS VOLTADOS A PRODUÇÃO DOS
APICULTORES: UM OLHAR A PARTIR DA CRIMINOLOGIA
VERDE
Um dos ramos que vem sofrendo muito com o uso de
agrotóxico, são as criações de abelhas, sendo esta, a problemática
central deste texto. Diversos apicultores vêm denunciando que
muitos de seus companheiros de trabalho estão em dificuldades
para se manterem no ramo, pois, nas regiões onde existe o uso
de agrotóxicos, as abelhas não sobrevivem. A apicultura, é
importante forma de renda em diversas regiões do Brasil,
sobretudo, no que diz respeito aos pequenos criadores, estes, os
que mais sofrem com o uso destes tipos de “venenos”, além, das
abelhas serem importantíssimas para a manutenção do
equilíbrio ecológico em diversas regiões (Amorim, 2023).
No Brasil, têm sido frequentes os relatos de apicultores
sobre a ocorrência de mortes súbitas em suas colônias de abelhas,
abrangendo diversas regiões do país, como o Piauí,
especificamente no município de Simplício Mendes, bem como
| 123 |
em regiões do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e no interior do
Estado de São Paulo. Na região central de São Paulo, em cidades
como Rio Claro, Pirassununga, Araras, Mogi Mirim, Piracicaba,
Brotas, Boa Esperança do Sul, São Rita do Passa Quatro, São
Carlos e Tabatinga, esses relatos têm sido mais frequentes. Em
todos esses casos, os apicultores relataram perdas significativas,
com uma média de cerca de 400 colmeias atingidas e perdidas
em cada situação. Infelizmente, na grande maioria dos casos, não
foi possível coletar amostras de abelhas mortas para análises e
confirmação da contaminação. Foram levantadas diversas
suspeitas na tentativa de identificação das causas por trás da
intoxicação e mortalidade das abelhas. Algumas dessas suspeitas
incluem mudanças climáticas globais, que estão alterando o
padrão de chuvas em muitas regiões e resultando em secas
prolongadas, a intoxicação causada por plantas tóxicas e,
especialmente, a exposição de abelhas e agrotóxicos usados em
nossas áreas de cultivo (Osmar et. al, 2008, p. 43-44).
A partir do exposto, uma reportagem do jornal “Brasil de
Fato” teve acesso a relatos de importantes criadores de abelhas
na Bahia, onde, neste caso em específico, relatos aponta que
morreram uma média de 90 milhões de abelhas dentro do lapso
temporal de um mês.
Uma das regiões com maior produção de mel da Bahia
perdeu pelo menos 90 milhões de abelhas neste mês.
Apicultores de Ribeira do Pombal e região já contabilizam a
morte de mais de 1.500 enxames. Os primeiros testes
realizados pela Cooperativa de Apicultores de Ribeira do
Pombal (Cooarp) juntamente com a Secretaria de
Desenvolvimento Rural da Bahia (SDR) apontam que os
insetos
morreram
envenenados
com
fipronil,
um agrotóxico utilizado nas lavouras de milho e,
irregularmente, também em pastagens (Amorim, 2023, s/p).
“O Fipronil é utilizado como inseticida e tem sua venda
proibida na União Europeia. No entanto, a sua produção em solo
europeu e sua exportação para outros países segue sendo
| 124 |
permitido. No Brasil, ele já é proibido desde 2021 no estado de
Santa Catarina”, por exemplo (Amorim, 2023). Neste sentido, um
dos locus de denúncia da Criminologia Verde, é a
“normalidade”
deste
tipo
de
prática
em
países
subdesenvolvidos, exercendo, uma espécie de colonialismo,
onde os países centrais produzem e vendem estes tipos de
“venenos” para os países subdesenvolvidos, estes, que não
exercem uma política eficaz de regulação sobre estes “produtos”
como no Brasil (França; Budó; Dias, 2021).
“O contato entre os agrotóxicos e as abelhas pode ocorrer
tanto com a ingestão do néctar e coleta de pólen, quanto pela
exposição a partículas em suspensão no ar e nas partes vegetais”
(Rego, 2022, p. 17).
Isso torna, inclusive, mais difícil a quantificação da
extensão do problema, visto que, parte considerável dessas
abelhas, são criadas de forma livre e não em cativeiro, o que
implicaria em maior investimento, assim como, na qualidade dos
insumos produzidos a partir do mel (Amorim, 2023).
Um dos principais exemplos de agrotóxicos que levam as
mortes das abelhas, além dos já mencionados, são os
“herbicidas”, estes, “representam a classe de agrotóxicos mais
utilizada mundialmente” (Carneiro et al., 2015; Caldas, et. al,
2018, p. 3).
Com o advento das estratégias de plantio de forma direta
“(onde novas culturas são implantadas diretamente sobre a
palhada após o controle de ervas daninhas com a aplicação de
herbicidas)” (Caldas, et. al, 2018, p. 3), e por sua vez, a utilização
de transgênicos que exercem um efeito de resistência à aplicação
dessas moléculas, o uso de herbicidas nos apresentou
exponencial aumento (Gianessi, 2013; Caldas, et. al, 2018, p. 3).
Em lapso temporal considerável, os herbicidas eram
classificados enquanto seguros para as abelhas, entretanto,
| 125 |
atualmente esse conceito vem sofrendo alterações. Muito
porque, o uso de herbicidas reduz, consideravelmente, a
disponibilidade de “flores silvestres que crescem no entorno de
plantações e representam importantes fontes de alimentos
(néctar e pólen) para as abelhas” (Caldas, et. al, 2018, p. 3).
A especialista em bioecologia de abelhas, Genna Sousa,
explica que uma perda dessa amplitude terá impactos
futuros na produção de alimentos, pois cerca de 70% dos
alimentos consumidos pelos seres humanos dependem, em
algum grau, da polinização das abelhas. Sousa, que também
é bióloga e doutora em Ciências Agrárias, ressalta ainda que
as abelhas solitárias e sem ferrão são fundamentais para a
polinização das matas nativas, sendo, portanto,
extremamente relevantes para a manutenção da vida desses
biomas (Amorim, 2023, s/p).
Neste sentido, mesmo com o respaldo de diversos órgãos
técnicos e legais, como o caso do código florestal, que estipula
diversas medidas para limitar a pulverização dos agrotóxicos,
observa-se, uma fragilidade no que concerne aos órgãos
fiscalizadores, assim como, é considerado “normal” o uso
abusivo destes “venenos” (Gussoni; Ribeiro, 2017; Amorim,
2023).
Na maioria dos casos, os inseticidas afetam as abelhas, por
meio de alterações na fisiologia do sistema nervoso, resultando
na morte devido à hiperexcitação ou paralisia das funções. Os
agrotóxicos, além de seu efeito tóxico que culmina na morte dos
insetos, também têm a capacidade de causar efeitos subletais em
concentrações baixas. Esses efeitos subletais levam a alterações
cognitivas que, por sua vez, resultam em prejuízos na
manutenção das colônias de abelhas. Os impactos subletais
incluem a redução do movimento e da mobilidade, a diminuição
da capacidade de comunicação e aprendizado, dificuldades no
retorno à colônia, alterações no comportamento de
forrageamento e nos processos de polinização (Nocelli, 2012, p.
200-2010).
| 126 |
Foi observado que abelhas adultas da espécie A. mellifera
que tiveram contato com inseticidas como tiametoxam e
metidationa, seja por ingestão oral ou aplicação tópica,
apresentaram sintomas como distúrbios de coordenação motora,
incapacidade de voar e prostração nas primeiras horas após a
exposição. No caso da abamectina, a mortalidade atingida é de
99% das abelhas após 30 horas de exposição, enquanto a
deltametrina provocou movimentos desordenados e tremores
após apenas 1 hora de contato (Nocelli, 2012, p. 200-2010).
Esses agrotóxicos afetam a capacidade das abelhas em
processos como memorização, aprendizado, habilidades
olfativas e orientação espacial. Esses efeitos têm o potencial de
ter um impacto significativo sobre o funcionamento da colônia
como um todo, uma vez que depende da capacidade de
aprendizado e orientação das abelhas forrageiras. Estas, devido
às suas atividades externas, estão mais expostas à contaminação.
Para que essas reações ocorram, os agrotóxicos ou seus
metabólitos precisam penetrar no organismo das abelhas e afetar
determinados mecanismos celulares. Isso pode se manifestar em
alterações morfológicas e/ou fisiológicas (Nocelli, 2012, p. 2002010).
Seguindo neste viés, os inseticidas contendo
imidaclopride e beta-ciflutrina podem persistir nas culturas de
canola, representando uma ameaça à sobrevivência das abelhas
mesmo mais de uma semana após a aplicação. Portanto, é
aconselhável evitar o uso desses produtos neste cultivo agrícola.
Em vez disso, é essencial optar por pesticidas seletivos e amigos
das abelhas. Isto é crucial, uma vez que as fases de floração e
enchimento dos grãos nas culturas de canola muitas vezes se
sobrepõem, tornando-se um momento crítico tanto para a
visitação floral como para potenciais infestações de pragas que
podem prejudicar a produtividade (Abati, 2001, p. 87).
| 127 |
Considerando a importância económica e ambiental das
abelhas e os problemas causados pelos pesticidas a estes
polinizadores, é imperativa mais investigação. Isto deve
abranger investigações sobre métodos alternativos de controlo
de pragas que não dependam de produtos químicos, ou opções
de controlo químico que sejam mais amigas das abelhas e que
tenham em conta os insetos benéficos. Além disso, é necessário
aumentar o apoio a estas vias de investigação, que podem ser
interligadas para desenvolver estratégias integradas de gestão de
pragas, garantindo uma abordagem mais sustentável aos
agroecossistemas que sejam mais seguros tanto para as abelhas
como para os seres humanos (Abati, 2001, p. 87).
Sendo assim, os princípios da agroecologia vêm sendo
aplicado a criação de abelhas em diversos lugares do Brasil. A
agroecologia pode ser conceituada como uma disciplina que tem
como propósito sustentar a mudança dos paradigmas atuais de
desenvolvimento rural e práticas agrícolas, produzidas em
direção a abordagens de desenvolvimento rural e práticas
agrícolas sustentáveis. Seu objetivo é promover uma melhoria
contínua e harmoniosa dos elementos que representam os
progressos positivos nas esferas econômica, social, ecológica,
política, cultural e ética da sustentabilidade (Teixeira, 2007, p.
1296).
Sob uma perspectiva socioeconômica, diversas estratégias
de comercialização evoluíram com o objetivo de mitigar os riscos
financeiros associados à venda de produtos provenientes da
meliponicultura. Essas abordagens ainda persistem em várias
comunidades locais, principalmente no nordeste brasileiro. Isso
ocorre porque a comercialização do mel de abelhas sem ferro, em
sua grande maioria, ocorre em canais de distribuição de curta
extensão, como feiras livres e vendas diretas realizadas em
propriedades próprias. A identificação, o fortalecimento e,
| 128 |
quando necessário, a reinvenção desses tipos de canais de venda
são ações relevantes. Vale ressaltar que o mel das abelhas sem
ferro tem uma longa tradição de uso na medicina popular
(Teixeira, 2007, p. 1296).
Diversos estudos demonstram a importância da
agroecologia enquanto, inclusive, princípio constitucional, visto
que, o princípio da precaução, por exemplo, este que se aplica a
Constituição Federal, demonstra que O Estado brasileiro deveria
antecipar o se agir com estratégias concretas de proteção ao meio
ambiente, neste caso, como exemplo, a proteção dos apicultores.
No contexto da proteção ambiental, o Estado brasileiro deve
orientar suas ações com base no princípio da precaução, a fim de
antecipar-se e, consequentemente, evitar a ocorrência de danos
ambientais (Sarlet; Fensterseifer, 2019, p. 54-55).
Nesse sentido, é fundamental enfatizar a responsabilidade
do Estado em prevenir riscos ambientais graves para a vida,
incluindo a implementação de sistemas de monitoramento e
alerta imediato destinados à detecção de tais riscos significativos,
bem como a criação de sistemas de ação imediata para lidar com
esses riscos ameaças. Esse entendimento é particularmente
relevante no contexto da proteção ambiental relacionada às
questões climáticas, uma vez que tais “sistemas governamentais
de prevenção de danos ambientais” possibilitariam uma atuação
mais eficaz em cenários de eventos climáticos extremos, como
enchentes e penetrações de terra. Dessa forma, seria possível
antecipar esses desastres naturais e, até mesmo de maneira
preventiva ou, no mínimo, com a intenção de reduzir os
impactos, proteger de forma mais eficaz os direitos
fundamentais das pessoas expostas a tais situações (Sarlet;
Fensterseifer, 2019, p. 54).
É, neste ponto, que se centraliza as análises da
Criminologia Verde, que busca, não somente uma compreensão
| 129 |
legal/legislativa na problemática, mas defende, que este
problema é uma questão estrutural na sociabilidade dos países
subdesenvolvidos. O debate de “crime” e “criminalidade dos
poderosos”, tomam a frente das análises, pois, por conta das
diversas continuidades do conceito de “criminoso” construído
pelos próprios preceitos dos “positivismos criminológicos” a
problemática dos crimes cometidos pelas pessoas de alto status,
acaba sendo dificultoso, quando, considera-se crime, pois em
muitos casos nem crimes são considerados (Budó, 2021).
Sendo assim, um dos importantes movimentos para sanar
tais problemáticas, centra-se, também, em enfrentar essas
estruturas de opressão, observa-se com isso, a necessidade da
defesa de políticas de Estado eficazes, tanto ao nível
fiscalizatório, quanto, na construção de políticas de fomento de
uma nova sociabilidade no que tange a produção alimentícia no
Brasil, uma das saídas, sem dúvidas, é a agroecologia, o fomento
do pequeno agricultor, dentre diversas outras possibilidades –
aliadas aos órgãos de controle desta criminalidade (Budó, 2021).
É, neste ponto, que diversos estudos, como, Caldas (2018),
defende com afinco políticas de redução do uso de agrotóxicos.
“A redução do uso de agrotóxicos e da exposição das abelhas a
essas substâncias são essenciais para garantir sua manutenção e
sanidade, para garantir os serviços de polinização e o maior
desenvolvimento da apicultura” (Caldas, 2018, p. 5).
Assim como, diversas notas técnicas, defendem que os
apicultores devam recorrer, cadastrar-se, e reivindicar junto aos
órgãos fiscalizadores, políticas efetivas para a proteção desta
classe de trabalhadores, visto que, os impactos do agrotóxico
nestes casos, afetam não somente a um importante nicho do
mercado de trabalho, como tem impactos diretos no equilíbrio
ambiental e nas formas de vidas humanas e não humanas
(Gussoni; Ribeiro, 2017).
| 130 |
CONCLUSÃO
Conclui-se com o breve estudo, que o caso dos Apicultores
e as mortes de abelhas, é uma questão que se enraíza nas
estruturas brasileiras. O uso de agrotóxicos e seus impactos,
podem levar a um diversificado desequilíbrio ecológico e causar
impactos irremediáveis na própria vida humana.
Para encarar a complexidade da questão, evocou-se ramo
inovador do direito e das ciências sociais. A Criminologia Verde,
compreende-se a problemática a partir de uma visão estrutural,
que passa pela compreensão de crime e entende-se que tal
criminalidade estudada, por muitas vezes, não é enxergado de
tal forma, sobretudo pelos meios de proteção e os órgãos
fiscalizadores. Isso se dá por diferentes questões, e a principal
delas, é que o rotulo de crime é distribuído historicamente para
as populações de baixo status social, visto que essas são
continuidades históricas na sociabilidade brasileira.
Como reposta a questão dos Apicultores, defende-se, a
partir das chaves de análises propostas a defesa de Políticas de
Estado para a proteção desta forma de vida, uma expansão no
debate público qualificado acerca do problema e a
responsabilização destes crimes nos mais diversos âmbitos.
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CAPÍTULO 6
CÁRCERE SEM FÁBRICA1: INTERLOCUÇÕES SOBRE A
FORMAÇÃO DO CÁRCERE DO BRASIL À CRICIÚMA/SC
Felipe Alves Goulart
Felipe de Araújo Chersoni
Jackson da Silva Leal
INTRODUÇÃO
Na primeira metade do século XX, Lemos Brito (1924;
1925; 1926) foi instado pelo então Ministro da Justiça do Brasil a
percorrer o Brasil de norte a sul a fim de conhecer as prisões
brasileiras e fornecer informações ao órgão central brasileiro a
respeito dos cárceres nacionais. Além de Santa Catarina, Lemos
Brito visitou os demais estados da federação e ao final de sua
saga encaminhou seus relatórios que foram publicados em três
volumes que foram intitulados “Os systemas penitenciários do
Brasil” (1924; 1925; 1926). O termo “systemas” no plural é
propositado, porque para o autor uma das raízes centrais dos
mais variados problemas encontrados pelo país estava
justamente na falta de uniformização no tratamento
penitenciário brasileiro.
Não foi por acaso que Lemos Brito (1926, p. 252) reportou
ao então Ministro da Justiça a necessidade de uma legislação
federal que regulamentasse a matéria em uníssono e superasse
essa disparidade entre as localidades do país. Segundo Brito, a
pena privativa de liberdade “[...] mais do que da condenação do
indivíduo a um artigo qualquer do Código ela depende da
aplicação que lhe derem na prisão” (Britto, 1926, p. 252).
1
Nome de coletânea de textos em homenagem a Massimo Pavarini lançado pela
editora Revan em 2019.
O fato é que apesar da iniciativa e diversas investidas que
culminaram na Lei de Execuções Penais2, a uniformização
proposta por Lemos Brito não conseguiu ser implementada na
sua integralidade diante das diversas concessões aos poderes
locais perpetradas pela legislação federal. Pesquisas mais
recentes têm corroborado nesse sentido e demonstrado que,
apesar das iniciativas, a “configuração prisional” brasileira ainda
é administrada de forma tão heterogênea que estabelecimentos
penais vizinhos possuem regras e rotinas completamente
diferentes (Chies; Riveiro, 2019).
Por isso, as pesquisas e trabalhos precedentes
demonstram que para se pesquisar o cárcere brasileiro, antes de
tudo é necessário recortá-lo a partir de sua região e sua
normatização para além da Lei de Execuções Penais uma vez que
cada local possui a sua especificidade tornando cada cadeia um
corpo singular dentro do contexto brasileiro e mundial.
O presente trabalho se situa exatamente nessa margem.
Como essas circunstâncias locais que singularizam a cultura e
também marcam as prisões da cidade são elementos importantes
a serem levados em consideração nas pesquisas dessa seara, o
trabalho procura fornecer elementos e informações a respeito da
formação dos estabelecimentos penais no município a partir das
emergências nacionais e locais impulsionadoras para a
construção dessas instituições.
Dessa forma, o trabalho resgata documentos oficiais e
arquivos das instituições, contextualiza as prisões na localidade
e tem como objetivo geral compreender quais foram as
circunstâncias que levaram a construção de tais Unidades
Prisionais em determinadas regiões da cidade. Iniciando pelo
resgate da formação do cárcere no Brasil a partir do período
2
BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Brasília, DF: Presidência da República.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 28
jun. 2021.
| 135 |
colonial até o século XX quando a instituição foi consolidada em
Santa Catarina, se aprofunda na história da cidade de Criciúma,
contextualiza a formação da localidade em paralelo às
emergências que subsidiaram a instalação das prisões no
município.
A (DE)FORMAÇÃO DO CÁRCERE NO BRASIL
A prisão, assim como tantas outras organizações
brasileiras, surgiu antes mesmo da sua institucionalização
normativa. Materializou-se através de um conjunto de
atividades das autoridades constituídas e somente depois foi
regulada
por
atos
legislativos
e
administrativos
correspondentes. Por isso, seguir uma ordem lógica entre teoria
e prática do cárcere brasileiro tende a subsidiar teoricamente os
paradoxos institucionais a que ela se coloca desde o seu princípio
(Chies, 2019, p. 55).
Argumentamos sobre essa contradição porque logo que os
povos originários viram sua terra invadida por europeus no
século XV, iniciando, segundo Dussel (1995, p. 86) a Era
Moderna, eles nunca mais deixaram de conviver com a
exploração. Especificamente no Brasil, além de todo o processo
de dominação e escravização promovido pelos invasores, a
localidade foi colocada pela Corte da época como destino das
pessoas condenadas a pena de degredo. Pedroso (2002, p. 61),
utilizada como referência na afirmação descrita, ainda
materializa o fato ilustrando que:
A primeira menção à prisão no Brasil é dada no Livro V das
Ordenações Filipinas do Reino, que decreta a Colônia como
presídio de degredados. A pena era aplicada aos
alcoviteiros, culpados de ferimentos por arma de fogo,
duelo, entrada violenta ou tentativa de entrada em casa
alheia, resistência a ordens judiciais, falsificação de
documentos e contrabando de pedras e metais preciosos
(Pedroso, 2002, p. 61).
| 136 |
O Brasil foi destino de degredados até 1808 quando a
Corte portuguesa aportou foragida da invasão napoleônica
(Pedroso, 2002, p. 61). Após a chegada de D. João VI, o país
deixou de ser destino de degredo, mas outras formas de punição
foram sendo implementadas com base nas determinações
constantes nas Ordenações Filipinas, as quais regularam a
matéria até 1830 (Araújo, 2009, p. 240).
A primeira prisão instalada no Brasil data de 1769, quando
uma Carta Régia determinou a criação de uma casa de correção
no Rio de Janeiro (Pedroso, 2002, p. 61). Durante o período
colonial poucas cadeias começaram a existir, pois elas se
destinavam a somente albergar pessoas que aguardavam
alguma definição das autoridades, como descreve Aguirre (2009,
p. 35).
Os mecanismos coloniais de castigo e controle social não
incluíam as prisões como um de seus principais elementos.
O castigo, de fato, se aplicava muito mais frequentemente
por meio de vários outros mecanismos típicos das
sociedades do Antigo Regime, tais como execuções públicas,
marcas, açoites, trabalhos públicos ou desterros (Aguirre,
2009, p. 35).
As prisões coloniais foram frutos da criação de cada
localidade e consequentemente de inteira responsabilidade das
autoridades desses sítios. As municipalidades tinham a
capacidade de instituir, regulamentar e administrar as chamadas
“Casas de Câmara e Cadeia”, onde ocorriam - como o próprio
nome sugere - desde as deliberações legislativas relacionadas a
administração regional até o albergamento de pessoas privadas
de liberdade (Rossler Junior, 2020, p. 84).
Essas casas estavam longe de serem locais adequados para
a implementação de tais albergamentos. Aguirre (2009, p. 35)
demonstra como as péssimas condições de estrutura,
saneamento, higiene, etc, traziam consequências nefastas a esses
| 137 |
lugares e problemas de toda sorte emergiam exatamente pela
falta de planejamento e preocupação das autoridades.
Somente com o advento da independência nacional que o
país deliberou e criou, já no ano de 1830, um ordenamento
criminal próprio (Araújo, 2009, p. 652). Porém, é inegável o fato
de que a chegada da corte ao Brasil em 1808 tenha transformado
a então longínqua colônia, pois esse movimento trouxe o Brasil
para o centro político lusitano. Dessa forma, entrou em curso um
importante processo de urbanização das cidades brasileiras,
sobretudo do Rio de Janeiro, e embora o ordenamento jurídico
ainda fosse o mesmo do século anterior, as dinâmicas e
aplicações administrativas no Brasil foram colocadas como
prioritárias, trazendo reflexos em todas as áreas da sociedade
colonial (Schwarcz, 2018).
Ainda que a legislação tenha se mantido nas Ordenações,
o cárcere sofreu impactos com a chegada da Corte ao Brasil. No
Rio de Janeiro essa transformação ocorreu de forma mais direta,
porque na cidade, desde 1747, a Cadeia de Relação, recebia
reclusos como medida temporária até a definição das
autoridades e o prédio onde a prisão alojava-se foi requisitado
para a instalação da comitiva real, provocando a mudança do
local da prisão (Holloway, 2009, p. 283).
O prédio requisitado e colocado como destino dos
aprisionados da época restou estruturado, portanto, como
cárcere civil. A prisão recebeu o nome de Aljube e, segundo
Holloway (2009, p. 283), entre 1808 e 1856, “[...] tornou-se o
destino da maioria dos presos, escravizados ou livres, que
aguardavam julgamento ou eram condenados por pequenos
delitos ou crimes comuns [...]”. As condições do Aljube eram
absolutamente impróprias para o albergamento de qualquer
pessoa e essa pauta foi objeto de discussão pelas autoridades,
sobretudo após a implementação do Código Criminal do
| 138 |
Império de 1830, quando o Brasil procurou importar o
iluminismo penal para a realidade brasileira e centralizou a
prisão no cenário punitivo da época (Sant’anna, 2009).
As contradições entre as condições reais dos cárceres
brasileiros e a legislação criminal imperial que prezava por
valores de dignidade à pessoa sujeita a prisão, começaram a ser
objetos de destaque justamente neste período (Chies, 2019, p. 55).
As autoridades se viam na obrigação de aprimorar a instituição
criada antes das determinações legislativas para a nova realidade
reclamada pelos documentos em regência. Foi nesse contexto,
ainda segundo Holloway (2009, p. 266), que a discussão de
modernização das prisões ganhou corpo nos centros urbanos,
principalmente na capital brasileira, gestando, nesta última, a
criação da Casa de Correção em 1850.
O projeto penitenciário deveria ter uma finalidade moral, no
sentido de reformar os indivíduos criminosos por meio do
trabalho e da disciplina. Nesse sentido, as mudanças na
forma de punir se inseriam em um conjunto de ideias
liberais europeias, pertencentes ao campo da escola clássica
do direito penal, que tinha em Cesare Beccaria – autor de
Dos delitos e das penas, publicado pela primeira vez em
1764 – um precursor (Sant’anna, 2009, p. 302).
Os meios de controle social do século XIX se consolidaram
no mundo ocidental através das instituições de correção que,
segundo Rushe e Kirchheimer (2004, p. 67-68), foram iniciadas
na Europa ainda no século XVI. As Casas de Correção
justificavam o trabalho como mecanismo de disciplina, quando
na verdade, se apresentavam como ferramentas de exploração
barata de mão obra pelo liberalismo econômico já espraiado
naquela oportunidade. O Brasil abraçou essa iniciativa e gestou
Casas de Correção a partir do século XIX em lugares como São
Paulo, Bahia e Porto Alegre (Sant’anna, 2009, p. 308). Porém,
como o Código Criminal do Império previa duas formas de
prisão: a simples e a com trabalho, as prisões do século XIX
| 139 |
dividiam-se entre aquelas que ofereciam trabalho ou não, de
modo que os cárceres com trabalho ganharam destaque
(Pedroso, 2002, p. 67).
A fundamentação teórica da execução das penas neste
período ficava a cargo de um modelo baseado no iluminismo
penal que, segundo Foucault (2014, p. 135), objetivava inserir o
aprisionado dentro da sociedade disciplinar, utilizando-se, para
tanto, dos aparatos de vigilância, controle e sanção para docilizálo. Sem desconsiderar a ampla inserção positivista na
intelectualidade brasileira que provocavam críticas importantes
ao ordenamento em vigor (Alvarez, 2003, p. 72)3, as iniciativas
executivas sob o modelo das prisões brasileiras do século XIX
foram baseadas no círculo dos paradigmas institucionais
dialogados na América do Norte que também bebiam das
construções teóricas utilitaristas benthanianas (Pedroso, 2002, p.
63). Lá dois modelos de execução prisional se destacaram no
século XIX: o da Pensilvânia e de Auburn (Rushe; Kirchheimmer,
2004, p. 179).
O sistema da Pensilvânia estabelecia que o aprisionado
deveria isolar-se em absoluto, ainda que o trabalho fizesse parte
da rotina. De origem religiosa, o modelo procurava recuperar o
condenado através do retraimento e da reflexão, utilizando-se do
isolamento para tanto. O sistema de Auburn, por sua vez, fixava
um modelo disciplinar pelo trabalho coletivo, aplicando o
isolamento do preso somente no período noturno para descanso
ou, em qualquer horário, como aplicação de alguma sanção
interna. Dentro das lógicas iluministas já implementadas no
ocidente do século XIX, este último modelo se adaptou melhor
aos objetivos capitalistas e conquistou a hegemonia nos Estados
3
Vera Malaguti Batista compreende que o positivismo se enraizou tanto em nosso
território que ganhou robustez e, para além de uma “escolha” acadêmica, se
transformou na própria cultura brasileira (Malaguti Batista, 2023).
| 140 |
Unidos da América se espraiando ao resto do mundo (Rushe;
Kirchheimer, 2004, p. 183).
As Casas de Correção brasileiras, portanto, para
desagrado dos positivistas, fundamentadas nas construções
clássicas, foram instituídas dentro dos modelos auburnianos de
trabalho e disciplina (Koerner, 2006). Segundo Aguirre (2009, p.
40) “Durante várias décadas, de fato, cada uma destas
penitenciárias representaria a única instituição penal “moderna”
em meio a um arquipélago de centros de confinamento que não
tinham sido alterados por reforma alguma”.
Na teoria as Casas de Correção poderiam até ser essas
ilhas narradas por Koerner (2009), mas na prática, a tentativa de
implementação dos ideários iluministas também sofreu com a
desorganização, como relata Sant’anna (2009, p. 312): “Parece
realmente que muitos foram os tumultos iniciados nas oficinas
de trabalho. Tanto assim que o novo regulamento, instituído em
1882, trazia medidas mais severas para a disciplina dos presos
nesses lugares”, mantendo a tradição paradoxal brasileira entre
o discurso e realidade.
As péssimas condições das Casas de Correção
acompanharam esses estabelecimentos desde as suas fundações
até os seus sucessivos encerramentos, quando outras reformas
foram iniciadas juntamente com as transformações políticas
ocorridas já na República brasileira e a abolição formal da
escravização (Melo, 2020, p. 81).
O Código Penal da República de 1890, embora flertasse
com o positivismo, não foi longe nos conceitos da “Nova Escola”
e continuou valorizando ideários do iluminismo penal. Isso não
prejudicou os debates entre juristas e médicos que ainda
perquiriam aportes científicos como meios para a prevenção
criminal e gestão da execução das punições (Alvarez, 2003, p. 72;
132). Aguirre (2009, p. 53) demonstra que a criminologia
| 141 |
positivista conseguiu espaço e direcionou as atividades de
execução penal da América Latina a partir da virada para o
século XX. Essa influência, segundo ele, ocorreu sobretudo “na
implementação de terapias punitivas e na avaliação da conduta
dos presos”.
Embora tenham ocorrido mudanças legislativas na
passagem para a República, as mudanças práticas não ocorreram
de forma tão imediata e contundente. Os problemas carcerários
assinalados desde o Império foram destacados pelas
autoridades, mas não foram imediatamente superados
(Sant’anna, 2009, p. 317).
O decreto 774, de setembro de 1890, aboliu as penas de
morte, galés e açoite, e o Código Penal da República trouxe
mudanças nas formas de punição (prisão celular, reclusão,
prisão com trabalho, prisão disciplinar) e no regime
penitenciário adotado. Implantou a opção da progressão de
cumprimento da pena, começando pelo isolamento celular,
trabalho obrigatório e, como último estágio, o livramento
condicional para presos que apresentassem bom
comportamento. Tudo isso, no entanto, sem fazer nenhuma
mudança significativa na organização interna dos
estabelecimentos carcerários (Sant’anna, 2009, p. 318).
As
autoridades
republicanas
herdaram
os
estabelecimentos penais da época e seus problemas (Sant’anna,
2009, p. 318). Paulatinamente, já no século XX, as instituições
prisionais do Império foram sendo substituídas por outras
unidades com características mais “modernas”, diga-se,
adaptadas às disposições de um novo Código Penal da República
já em vigor, alinhando essas execuções aos conhecimentos
teóricos da “Nova Escola Penal” positivista que se encontrava
bem difundida entre os pesquisadores de então (Alvarez, 2003).
Além da pretensa modernização, essas unidades
precisavam atender às novas realidades colocadas na legislação
como a progressão de regime. A ideia do sistema progressivo,
segundo Alessandra Teixeira (2009, p. 45) não advém da matriz
| 142 |
auburniana, mas sim do sistema progressivo irlandês, outro
modelo de operacionalização prisional. Diante da realidade
colocada onde o dispositivo carcerário se articulava através de
um modelo inteiramente americano, os estabelecimentos penais
republicanos precisariam ser transformados para atender a essa
mais nova dinâmica. Em verdade, o que se procuraria arquitetar
a partir das legislações republicanas seria a consolidação do
somatório de modelos prisionais distintos em um só (Teixeira,
2009, p. 45).
Segundo Aguirre (2009, p. 39), a primeira Penitenciária
latino-americana teria sido construída no Rio de Janeiro em 1850
com a Casa de Correção do Império. Embora não haja motivo
para discordar dessa afirmação, com a devida licença ao autor,
procuramos utilizar o termo “Penitenciária” somente às
instituições que emergiram no Brasil no século XX enquanto
resultado da tentativa de reestruturação do cárcere ocorrida no
período, a fim de atender as novas emergências provocadas
pelas mecânicas implementadas nas legislações republicanas. O
fazemos dessa forma, não somente com o objetivo de reproduzir
expressamente as denominações das autoridades da época, mas
também como mecanismo didático de compreensão das distintas
instituições criadas em momentos dispersos da história nacional.
Voltando ao raciocínio, o Código Penal Republicano,
embora tenha abordado questões importantes sobre a execução
penal brasileira e mantido muito mais disposições relacionadas
ao classicismo, seguiu a lógica do Código Imperial no que se
refere a descentralização dos regulamentos disciplinares das
prisões e, com isso, facilitou a inclusão ainda maior dos conceitos
positivistas predominantes entre os juristas da época (Alvarez,
2003, p. 73). O positivismo criminológico encontra ampla
aceitação no momento republicano porque as elites
| 143 |
preocupavam-se em conter a massa de desvalidos recém libertos
da escravização.
O positivismo também contava com a simpatia da maior
parte dos reformadores de prisões e autoridades do Estado
e, de fato, foi usado como fonte doutrinária em regimes
sociopolíticos muito diferentes, o que ressalta seu caráter
ambíguo e adaptabilidade (Aguirre, 2009, p. 52).
As instituições prisionais republicanas do século XX
surgem exatamente dentro dessas acomodações de forças. O
positivismo ofereceu o arcabouço científico necessário para que
a prisão republicana fosse instrumentalizada como ferramenta
de punição ao Outro, ao criminoso brasileiro, sob a justificativa
de estar cumprindo com as mais avançadas teorias europeias
(Alvarez, 2003).
Assim, um projeto de “modernização” das instituições
carcerárias foi iniciado em algumas regiões do país, já nas
primeiras décadas do século XX, como discorrem Moreira e AlAlam (2009, p. 69). Salla (2015) ao descrever a criação da
Penitenciária do Estado de São Paulo, por exemplo, demonstra
as novas metas dessas instituições casadas com o classicismo e
concubinadas com o positivismo.
O primeiro momento a ser descrito e analisado compreende
as duas primeiras décadas de funcionamento da
Penitenciária do Estado de São Paulo. Essa prisão era
apresentada pelas autoridades como modelar e, portanto,
suas práticas de controle sobre o cotidiano se encaixavam na
lógica de sua exibição como uma instituição disciplinar a ser
imitada. As disposições legais para o controle do cotidiano
prisional e as punições a serem aplicadas estavam colocadas
na lei n. 1.406, de 1913, e no decreto n. 3.706, de 1924. (Salla,
2015).
Melo (2020, p. 95) construindo a ideia da “burocracia
penitenciarista” afirma que nesta passagem com a criação de
novos estabelecimentos penais cunhados nas ideias
republicanas, a Penitenciária do Estado de São Paulo e,
| 144 |
consequentemente, a gestão carcerária do respectivo estado, teria
se colocado como modelo e referência do país, influenciando as
demais penitenciárias criadas a partir dali.
[...] A proposta de um novo sistema prisional se inseria num
conjunto mais amplo de instituições de controle social e
reabilitação dos criminosos, que incluía também o
manicômio, o Asilo e reabilitação dos criminosos, que
incluía também o manicômio, o Asilo de Meninos
Desvalidos, o Instituto Disciplinar, a vigilância sobre
egressos prisionais e, posteriormente, como principal
referência, a Penitenciária do Estado de São Paulo que seria
concebida como presídio modelo de uma nova perspectiva
penal [...] (Melo, 2020, p. 87).
Neste meandro, modelos como o de São Paulo se
colocaram na condição de carros chefe da execução das penas
republicanas, criando outras instituições carcerárias como as
Colônias Agrícolas, organismos destinados a cumprir a
perspectiva progressiva das penas fixada pelo Código Penal em
vigor. A chegada àquele estabelecimento seria a “resultante de
um conjunto de intervenções técnicas que supostamente teriam
preparado o indivíduo para cumprir pena num regime de menor
contenção” (Melo, 2020, p. 90).
O modelo carcerário centrado na penitenciária de
inspiração positivista também chega ao estado de Santa
Catarina, mas em um momento mais tardio da República Velha.
Quando Lemos Brito (1925, p. 285) visitou o estado para a
elaboração de sua pesquisa, a construção de uma penitenciária
estava em curso. Conhecendo uma unidade de padrões
antecedentes à reforma ele descreveu que “[...] os presos vivem
em promiscuidade lamentável, sem hygiene e sem trabalho
organizado [...]” depois de sua descrição, o autor reservou um
espaço no trabalho para transcrever uma mensagem do então
governador de Santa Catarina que abordava justamente a
construção de uma unidade suficiente a atender “[...] nossos
sentimentos de humanidade [...]” (Lemos Brito, 1925, p. 325).
| 145 |
Pensada dentro dos meandros da modernidade penal da
época (Lemos Brito, 1925, p. 325), a Penitenciária de
Florianópolis foi inaugurada já no ano de 1930, na cidade de
Florianópolis, como solução para a superlotação das instituições
prisionais locais, recebendo os condenados para o cumprimento
de suas penas (Miranda, 1998, p. 46).
Tratava-se não só de ampliação do número de vagas em
prisões, mas de uma transformação qualitativa no
tratamento da criminalidade com a aplicação de uma técnica
para atuar e modificar o caráter “delinqüente” dos
indivíduos a ela submetidos. No entanto, segundo os novos
diretores, houve um descompasso entre este discurso e sua
prática efetiva, quando se tentou aplicar os conceitos
referidos, no princípio do funcionamento da nova
instituição (Miranda, 1998, p. 49).
Miranda (1998, p. 52) discutiu em seu trabalho como se
deu a implementação da Penitenciária de Florianópolis e as
tratativas das autoridades para a instalação do sistema
progressivo fixado no Código Penal Republicano. A esta
passagem nos interessa compreender que a Penitenciária
enquanto instituição de execução simbioticamente classicista e
positivista se instalou no país (Melo, 2020, p. 95) e chegou a Santa
Catarina através da unidade alocada em Florianópolis.
Apesar das modificações ocorridas no contexto das
reformas penais ocorridas em 1940, as instituições carcerárias
brasileiras não sofreram modificações tão profundas porque o
cerne disciplinar dessas reformas continuou abraçado ao
trabalho, à obediência às normas internas criadas em cada
estabelecimento e na retribuição ao criminoso pelo mal
praticado. Em outras palavras, apesar de uma aproximação
culturalista, a execução das penas no Brasil continuou calcada na
atabalhoada simbiose classicista e positivista, mantendo de pé as
instituições carcerárias criadas no início do século XX mantendo
| 146 |
os problemas carcerários nacionais ao longo dos séculos
(Teixeira, 2009, p. 74).
“SANTA AUGUSTA”: O BAIRRO OU A CADEIA?
A comunidade de Criciúma/SC comemora a fundação do
município no dia 06 de janeiro. Data oficial da celebração. Neste
dia, no ano de 1880, motivados pela condição de enriquecerem
na América, um grupo de imigrantes italianos fixou-se onde hoje
é a cidade, fundando o núcleo São José de Criciúma (Volpato,
1982, p. 34).
Os imigrantes instalados na cidade capitanearam a
economia basicamente pela agricultura e o comércio dos
produtos das plantações. Entre o período de instalação até a
primeira década do Século XX a cidade foi construída a partir
dessas atividades ligadas a agricultura que, de acordo com
Teixeira (1996, p. 54), diante da desigual distribuição de terras
promovidas pelo órgão central brasileiro, gestou-se a
desigualdade social e a formação de uma pequena elite.
[...] até 1925, Criciúma era apenas um dos distritos do
município de Araranguá, controlado politicamente desde
1900 por um luso-brasileiro, o coronel João Fernandes de
Souza. Isso significa que também a emancipação política de
Criciúma foi marcada por interesses socioeconômicopolíticos e envolveu disputas políticas em âmbito local e
regional. O desmembramento suscitou a perda do controle
político de Criciúma pelo grupo liderado pelo coronel João
Fernandes de Souza, que em âmbito estadual era próximo
da oligarquia dos Ramos (Triches; Zanelatto, 2015, p. 37).
A emancipação formal e a transformação da localidade em
município ocorreram em 04 de novembro de 1925 com a sanção
do projeto de lei nº 1516. Tratava-se de consequência natural da
influência política, econômica e social que a região adquirira já
nas primeiras décadas do século a partir da descoberta e
exploração do carvão que paulatinamente ganhou espaço na
| 147 |
região e no país (Triches; Zanelatto, 2015, p. 37). Segundo
Volpato (1982, p. 34) o carvão já havia sido descoberto antes
mesmo da chegada dos imigrantes italianos no ano de 1880,
porém, segundo a autora essas descobertas foram frutos de
“expedições exploratórias” que somente “confirmaram a
existência do mineral” sem que os exploradores “fixassem
residência no local”.
O mineral se torna uma prioridade com a emancipação e
a ascensão quase seguida de Getúlio Vargas ao poder em 1930 a
extração do carvão se hegemonizou no cenário econômico de
toda a região graças aos constantes subsídios governamentais
oferecidos pela ditadura varguista (Triches; Zanelatto, p. 51).
Todo complexo energético-carbonifero montado na região
sul de Santa Catarina (usinas termelétricas, sistema
portuário e ferroviário, coqueiras industriais carboquímicas,
mineradoras, etc) e que forma o mosaico urbanamente
caótico que se chama Criciúma, todo este complexo que
caracteriza e fundamenta a história e o desenvolvimento
econômico da cidade, foi constituindo a partir de uma
ligação político-estrutural entre a esfera pública e privada,
mais exatamente, entre o patrimônio público e o patrimônio
privado (Teixeira, 1996, p. 16).
A exploração do carvão provocou uma segunda onda
migratória de trabalhadores que aportaram na cidade oriundos
de regiões do planalto serrano e do litoral em busca de emprego
e renda. Outra consequência dessa massificação foi a
mobilização dos mineiros em busca de melhores condições de
trabalho e moradia. Ao mesmo tempo em que a elite da cidade
se acomodou entre os proprietários das mineradoras e na
exploração destes trabalhadores, os movimentos populares de
mineiros iniciaram um processo de organização, imprescindível
para inúmeras conquistas adquiridas naqueles tempos (Triches;
Zanelatto, 2015, p. 51).
A hegemonização do carvão na cidade seguiu das
primeiras décadas do século XX, ultrapassou todo o período
| 148 |
varguista e começou a cambalear exatamente a partir da década
de 60 e 70. A indústria dependia muito do auxílio governamental
e a ajuda oscilou com o fim da Segunda Guerra Mundial, porque
o acesso a outras fontes de energia mais baratas, até então
dificultado pelo entrave do conflito, deixou de ser um problema
(Triches; Zanelatto, 2015, p. 51).
Diante das frequentes crises no setor, uma parcela do
empresariado buscou outras fontes para a economia como nas
atividades calçadista e azulejista que, paulatinamente,
começaram a concorrer com a economia local e empurram o
carvão do centro econômico da cidade (Volpato, 1982, p. 37).
Com o estouro da crise do carvão, o desemprego, os baixos
salários e as péssimas condições de trabalho as turbulências e a
pobreza aumentaram na cidade. Neste mesmo período, o Brasil
sofreu o golpe militar de 1964 que rapidamente foi apoiado pelas
elites locais e contrariado pelos trabalhadores organizados da
mineração. No cenário entre disputas políticas e a falta de
condições dignas aos grupos subalternizados, iniciou-se um
duro processo de repressão contra esses segmentos da
população,
transformando
a
sociedade
criciumense
profundamente (Triches; Zanelatto, 2015, p. 106).
A iniciativa “documentos revelados” demonstra um
pouco deste panorama de repressões. Na história do movimento
sindical dos mineiros de Criciúma, o período entre dezembro de
1957 e 31 de março de 1964 marca uma fase de forte engajamento
em prol dos trabalhadores, quando as terríveis condições de
trabalho eram frequentemente denunciadas (Documentos
Revelados, 2023, s/p).
O sindicato era visto como um canal para essas denúncias
e, junto com os trabalhadores, lutava por melhores condições nas
minas. Essa luta incluía a busca por equipamentos de proteção e
segurança para amenizar os sérios problemas de saúde
| 149 |
enfrentados pelos mineiros, como bronquites, reumatismos
crônicos e a pneumoconiose, uma doença pulmonar causada
pela inalação prolongada do pó de carvão. Além disso, havia o
constante perigo de desmoronamentos nas minas, uma ameaça
real na vida dos mineiros.
Além das batalhas por melhores condições de trabalho,
também havia a luta contra perdas salariais e pela organização
do movimento sindical (Documentos Revelados, 2023, s/p).
Na semana que antecedeu o golpe de 1° de abril de 1964,
em Criciúma, ocorreram diversas reuniões. No entanto, com a
notícia da deposição do presidente João Goulart pelos militares,
os líderes sindicais anunciaram uma greve geral nas minas. A
Rádio Difusora de Criciúma, ocupada por simpatizantes do
presidente deposto, incentivava a paralisação do trabalho e
conclamava o povo a repudiar e resistir ao golpe. A repressão e
a violência eram iminentes, com tropas militares próximas à
cidade (Documentos Revelados, 2023, s/p).
A sede do Sindicato dos Mineiros foi invadida, seus
membros perseguidos e muitos foram presos imediatamente
após o golpe. Houve intervenção no sindicato, que durou dois
anos e meio, tornando suas ações praticamente inexpressivas,
concentradas
principalmente
em
ações
assistenciais
(Documentos Revelados, 2023, s/p).
Em um período de dura repressão, o cárcere começa a ser
objeto de maior atenção pelas autoridades já que os aprisionados
eram alocados de forma improvisada em lugares não criados
para isso no centro da cidade (Triches; Zanelatto, 2015, p. 106). A
primeira detenção dos presos políticos ocorreu no colégio
estadual Professor Lapagesse, localizado no centro urbano da
cidade de Criciúma. Lá, eles permaneceram incomunicáveis por
15 dias. Posteriormente, foram transferidos para o prédio do
Plano de Carvão Nacional, uma repartição do governo
| 150 |
requisitada pelos militares e situada na rua Coronel Pedro
Benedet, próxima ao Hospital São José. Após as prisões
realizadas pelo Exército de Tubarão, o 23º Regimento de
Infantaria de Blumenau foi estabelecido em Criciúma,
encarregado de conduzir os inquéritos policiais militares,
liderados pelo coronel Nilton Machado Vieira. Na prisão
improvisada, as lideranças políticas e sindicais foram divididas
em grupos, com os principais líderes colocados em celas isoladas
numa média de 45-90 dias para evitar qualquer contato com seus
seguidores (Triches; Zanelatto, 2015, p. 209).
Fontes orais consultadas por Morgana Vieira Modolon
(2013) em importante levantamento aponta que cerca de 45
pessoas foram presas na região. Entre os detidos, 13 pessoas
ligadas ao movimento operário de Criciúma foram identificadas,
incluindo nomes como Amadeu Hercílio da Luz, Jobe Silva da
Nova, Jorge João Feliciano, Jorge Vieira, Lourival Espíndola,
Luiz Jorge Leal, Paulo Antonio, Roberto Cologni, Roque Felipe,
Sebastião Ernesto Goulart e Túlio Valmor Bresciani. Além
desses, houve indivíduos como Ciro Pacheco e Walter Henrich
Willy Horn (conhecido como Alemão), que foram presos devido
à sua história de luta e resistência, parte dela desenvolvida na
cidade de Criciúma (Modolon, 2013, p. 50)4.
A partir de então, as discussões e os trabalhos em torno da
construção de uma cadeia pública são iniciados,
compreendendo-se que o ideal seria alocar este novo
estabelecimento em um local distante do centro da cidade e sem
improviso (Câmara Municipal de Criciúma, 2001).
4
Não por acaso, a exploração e repressão a classe trabalhadora, está na gênese da
prisão moderna no mundo o que se confunde com o bairro prisão Santa Augusta. O
indispensável cárcere e fábrica demonstra que o “problema” dos pobres passou a ser
enfrentado com as chamadas casas de correção. Estas casas tratava-se de “oferecer”
trabalho aos desempregados, e aos que não aceitavam as condições de trabalho era
imposto o trabalho forçado. Aos jovens as casas de correções era uma forma de
“educá-los” para a exploração do trabalho (Melossi; Pavarini, 2006, p. 37).
| 151 |
Diante dessas emergências a primeira cadeia pública da
cidade é alocada no bairro Santa Augusta. O Presídio Regional
de Criciúma foi inaugurado no ano de 19775 a aproximadamente
05 quilômetros do centro da cidade e inicialmente projetado para
recolher 167 pessoas (Câmara Municipal de Criciúma, 2001). A
unidade que funciona até hoje, portanto, se relaciona em sua
essência pela própria necessidade que os aparatos de repressão
da época encontraram para alocar o excessivo número de
prisioneiros que a cada ano aumentavam na cidade desde os
grandes movimentos do Golpe Militar de 1964.
Apesar de ser denominado formalmente como Presídio
Regional de Criciúma, o estabelecimento foi ao longo do tempo
sendo chamado pela população local como “Presídio Santa
Augusta”, nome do bairro em que está alocado. Com o passar do
tempo, a cidade rapidamente cresceu e, do dia para a noite, o
presídio se viu em meio urbano. O avanço do número de pessoas
aprisionadas em detrimento do número de vagas rapidamente
superlotou o Santa Augusta, criando uma série de problemas
internos (motins, mortes, rebeliões, etc) e externos com a própria
vizinhança que se via incomodada com a onipresença do cárcere.
Dessa forma, os conflitos de superlotação que costumeiramente
ocorriam com a vizinhança nas cadeias improvisadas na região
central da cidade passaram a acontecer (Câmara Municipal De
Criciúma, 2001).
No ano de 2001 a Câmara Municipal de Criciúma instalou
uma Comissão Especial para, conforme artigo 1º da Resolução n°
006/01, “tratar sobre o problema Presídio Santa Augusta”
(Câmara Municipal De Criciúma, 2001). A Comissão
permaneceu ativa até o ano de 2002 e tentou de todas as formas
retirar a cadeia pública do local sugerindo que ela fosse instalada
5
Periodo que se confunde com que a professora Rosa Del Olmo vai compreender como
a “internacionalização” do poder punitivo.
| 152 |
em um sítio distante do bairro, naquela oportunidade já
urbanizado.
As respostas formuladas pelos órgãos de segurança da
época que constam no processo da Câmara Municipal foram no
sentido da impossibilidade de outra remoção. O então Secretário
de Segurança Pública propôs-se a tentar minorar o problema
promovendo reformas internas no local já inadequado
fisicamente (Câmara Municipal De Criciúma, 2001).
Daqueles tempos até os atuais, a cadeia pública em
questão sofreu diversas reformas, sendo a última concluída no
ano de 20176.
Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional
(2021), no ano de 2020, o Presídio Regional de Criciúma possuía
um quantitativo de 1018 pessoas, recolhidas nas 696 vagas. A
unidade possui presos que aguardam o processo - portanto,
provisórios - e condenados em regime fechado e semiaberto.
Atende, além de Criciúma, outras 05 comarcas da região que não
dispõem de cadeia pública própria. Como se pode observar,
ainda no ano de 2020, apesar das inúmeras reformas prometidas
desde 2001, o problema da superlotação do estabelecimento
continua, assim como os protestos da vizinhança.
Em socorro à superlotação da unidade da região central da
cidade, foi inaugurada, em junho de 2008, a Penitenciária Sul de
Criciúma. Localizada em um bairro de Criciúma afastado do
centro da cidade e do próprio Presídio Regional de Criciúma, a
penitenciária, de acordo com os dados extraídos do
Departamento Penitenciário Nacional (2021), destina-se ao
recolhimento de pessoas condenadas em regime fechado.
6
SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Administração Prisional e
Socioeducativa.
Florianópolis,
2017.
Disponível
em:
https://www.sap.sc.gov.br/?option=com_content&view=article&id=1294:secretariada-justica-e-cidadania-entrega-reforma-e-ampliacao-do-presidio-regional-decriciuma&catid=19&Itemid=260. Acesso em 14, abr. 2022.
| 153 |
Em matéria veiculada no sítio da Câmara de Vereadores
da cidade em fevereiro de 20057, é possível observar algumas
nuances da unidade prisional então projetada. Naquela
oportunidade, o Secretário de Segurança Pública, à época
responsável pela administração dos presídios, compareceu ao
parlamento municipal a fim de advogar pela implantação da
instituição na cidade. Segundo a matéria veiculada
A realidade do Presídio Santa Augusta e da sua população
carcerária e a qualidade e segurança do projeto elaborado
foram os principais argumentos utilizados pelo secretário de
Estado para convencer os vereadores de Criciúma a
construírem na cidade o futuro presídio do Sul catarinense.
Conforme Benedet o “Santa Augusta”, construído na década
de 70 foi projetado para abrigar 167 detentos e hoje conta
com um total de 512 detentos. Dentre esses, 267 são
condenados e os demais aguardam julgamento. Entre os
presos que já cumprem penas são de Criciúma 173 homens
e 39 mulheres e apenas sete são de outras cidades. Dos 245
detentos provisórios, que aguardam julgamento, são de
Criciúma 146 homens e 21 mulheres e 12 são de outros
municípios catarinenses. A nova penitenciária terá
capacidade para atender cerca de 300 detentos, ou seja, todos
os presos que cumprem penas no Presídio Santa Augusta,
que continuará funcionando, apenas com detentos que ainda
aguardam decisão da justiça (Câmara Municipal De
Criciúma, 2005).
Portanto, através dos argumentos da falta de vagas,
“segurança” e necessidade de alocação de condenados em
regime fechado em um local supostamente adequado, as
autoridades articularam a criação da Penitenciária Sul. Ao
contrário do disposto na matéria, o estabelecimento foi
inaugurado com o quantitativo de 352 vagas. Entre reformas e
ampliações, o local passou a dispor, já no ano de 2019, de 650
vagas, sendo alocados, na oportunidade 785 reclusos, número
7
VEREADORES CONHECEM PROJETO DA PENITENCIÁRIA SUL. Câmara de
Vereadores
de
Criciúma,
2005.
Disponível
em
https://www.camaracriciuma.sc.gov.br/noticia/vereadores-conhecem-projeto-dapenitenciaria-do-sul-85. Acesso em 28 mar. 2022.
| 154 |
este que passou para 893 em 2021 em consequência dessas
ampliações (Brasil, 2021).
Outra instituição criada para “amenizar” os problemas do
Presídio Regional de Criciúma é a Penitenciária Feminina.
Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional (2021)
o estabelecimento foi inaugurado em 30/01/2018 criando de 286
vagas. Localizada ao lado da Penitenciária Sul, a unidade
feminina recebeu logo no início todo o contingente de mulheres
até então alocadas no Presídio Regional de Criciúma. Os
números do ano de 2021 demonstram que a unidade abrigava
306 pessoas.
Reunindo as histórias e o quantitativo disposto nos três
estabelecimentos a cidade de Criciúma apresentava, no ano de
2021, 2200 pessoas recolhidas em unidades prisionais. Gestadas
a partir das necessidades e emergências dos conflitos ocorridos
no período de repressão e consolidadas por políticas penais de
encarceramento em massa promovido especialmente a partir do
fim do século XX (Batista, 2011, p. 100-101), as instituições penais
de Criciúma abrigavam, no ano de 2020, 2200 pessoas (Brasil,
2021).
CONCLUSÃO
É importante compreender e discutir os processos de
formação, consolidação e função do cárcere na sociedade
moderna desde o seu surgimento. No Brasil, especificamente,
pode-se perceber que essa instituição apresenta algumas
particularidades que a diferenciam não somente em sua
“configuração” com o resto do mundo, mas também pela
singularidade de cada pequeno estabelecimento pelo país.
Diante dessa discrepância, qualquer pesquisa que procure
discutir determinadas dinâmicas em um estabelecimento penal
brasileiro precisa levar em consideração essa singularidade. No
| 155 |
rápido levantamento realizado neste trabalho, foi possível
observar que os a política central nacional, os eventos históricos
e as particularidades da região da cidade de Criciúma foram
fundamentais para criar as instituições penais da cidade com as
suas particularidades que as transformam em “ilhas” dentro do
arquipélago da configuração prisional brasileira.
Em Criciúma, as emergências não apenas nacionais, mas
também locais, provocadas por sucessivas crises econômicas e
sociais durante o período da ditadura militar, consolidaram as
instituições penais na região, singularizando-as da forma como
são hoje. Os processos de repressão à classe trabalhadora local,
assim como as políticas de militarização das cidades, foram
fundamentais para a consolidação do cárcere em Criciúma. Essas
especificidades regionais guardam profundas relações com o
desenvolvimento do sistema carcerário a nível nacional e não
fogem de sua gênese na modernidade.
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| 159 |
CAPÍTULO 7
A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL: ENTRE O
AVANÇO DA NORMA E O ATRASO DA MENTALIDADE
SOCIAL
Airton Santos de Souza Junior
INTRODUÇÃO
A Psicologia do Direito pode ser entendida como uma área
que se volta para o estudo do comportamento humano (Antunes,
2001; Cohen, 1996; Jesus, 2006; Lago, 2009; Sandrini, 2013). Essa
é uma perspectiva que dialoga com a própria natureza do direito,
pois, sendo ele uma prática social, uma vez que se trata de uma
ciência social, é notória que sua preocupação também desemboca
no comportamento humano, especialmente naquele capaz de
provocar um efeito e/ou consequência no mundo jurídico
(Nader, 2020; Reale, 2005). Desse modo, compreendendo o
direito como prática social e que, portanto, sem sociedade não
haveria direito e muito menos a necessidade de havê-lo, somos
levados ao entendimento de que as leis, muito mais do que
normas abstratas, representam o espelho que reflete os costumes,
valores e comportamento social de uma sociedade situada no
tempo/espaço.
Nesse sentido, ao discutir a violência contra a mulher no
Brasil, por meio da análise das Ordenações Filipinas, do Código
Criminal de 1830 e da Lei Maria da Penha (11.340/2006), tem-se
a possibilidade de visualizar nessas normas diferentes
comportamentos sociais representativos de épocas e sociedades
igualmente distintas. A investigação desses documentos permite
compreender que a legislação vigente em cada período histórico
do Brasil representa não apenas um fragmento daquele
ordenamento jurídico, mas um reflexo dos comportamentos,
valores e cultura daquele passado histórico. Portanto, o exame
dessas normas em conjunto com o exame do tempo ao qual elas
se vinculam permite entender o modo como a prática da
violência contra a mulher foi sendo construída de forma
naturalizada ao longo da história brasileira, sobretudo, no
contexto colonial.
Em razão disso, o objetivo proposto neste capítulo é
discutir o passado jurídico1 que antecede a publicação da Lei nº
11.340/2006, através da análise das Ordenações Filipinas e do
Código Criminal de 1830, a fim de compreender tanto o trajeto
de evolução dos instrumentos normativos voltados para o
combate à violência contra a mulher no Brasil, quanto se essa
evolução normativa implica numa mudança da mentalidade e
comportamento do corpo social. Além disso, entender como o
direito pode ser usado como ferramenta por meio da qual a
violência é exercida, reproduzida e ampliada sobre
determinados corpos.
A hipótese, portanto, da qual parto é a seguinte: do século
XVI ao XX, especialmente até a publicação da Constituição de
1988 e da Lei Maria da Penha, a legislação em vigor no Brasil
mostrou-se conivente com as práticas de violência contra a
mulher. Não somente legitimando-as, mas reforçando alguns
dos preconceitos e estereótipos que revelam as bases de uma
cultura machista e patriarcal sobre a qual se constrói o Brasil.
Com isso, ao direcionar o olhar para a representação
construída da mulher tanto nas Ordenações Filipinas quanto no
Código Criminal de 1830, é possível que se perceba uma série de
estereótipos e preconceitos lançados sobre ela. Isso revela o
comportamento social e o modo como a própria sociedade da
época compreendia a mulher e seu espaço. Tanto é que nas
Ordenações Filipinas, por exemplo, era dado ao homem, seja pai
1
Objeto de investigação da História do Direito. Ver: Eyzaguirre (2000).
| 161 |
ou marido, o total controle sobre o corpo da mulher, podendo até
mesmo castigá-la fisicamente sem, contudo, preocupar-se com
alguma sanção que pudesse vir a ser aplicada como
consequência desse ato.
Ademais, no Código Criminal de 1830, especialmente no
artigo 250 desse diploma, é possível que se note a visão
estereotipada que paira sobre a mulher, uma vez que o
enunciado do referido artigo, além de tipificar o adultério como
crime cometido por mulheres, demonstra a forma nada
isonômica como mulheres e homens eram tratados. Na
contramão dessas normas, com o advento da Lei nº 11.340/2006,
é que então se torna possível visualizar um avanço robusto –
embora ainda incipiente – no combate à violência contra a
mulher, cuja prática passa a ser considerada problema social que
precisa ser combatido.
A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL: DAS
ORDENAÇÕES FILIPINAS À LEI MARIA DA PENHA
Historicamente nem sempre a violência contra a mulher
foi encarada como um problema social. Muito pelo contrário,
pois as práticas de violência eram não somente naturalizadas,
mas intensificadas por meio de legislações que coadunavam com
elas. Desse modo, investigando nosso passado jurídico, é
possível que se encontre um conjunto de representações sobre o
sujeito feminino, fundadas num olhar que discrimina e ao
mesmo tempo diminui a mulher retirando dela, inclusive, a
autoridade frente ao próprio corpo.
Durante o período colonial, a legislação trazida de
Portugal ao território que se tornaria séculos mais tarde o Brasil
era constituída por um conjunto de documentos chamados
Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Para a discussão
aqui proposta, pauto-me no exame de alguns enunciados
| 162 |
disponíveis nas Ordenações Filipinas. Esse documento consiste
numa compilação de leis em livros (4 livros e/ou capítulos),
constituídos sob as ordens de D. Felipe I, e permaneceu regendo
nosso território até a publicação do Código Civil em 1916. No
que se refere à representação da mulher nas Ordenações, nota-se
que pouco direito havia para ela, uma vez que as mulheres,
conforme concebe a norma, deveriam ser tuteladas em todos os
atos da vida civil pelo pai ou, se casada, pelo marido.
O livro V, título 36, das Ordenações, é categórico ao
destacar que as mulheres se encontravam sujeitas ao poder
disciplinar do pai ou marido, não podendo se opor a ele.
Portanto, em virtude desse poder, criminalmente estavam
isentos de pena os homens que ferissem uma mulher ou os
maridos que castigassem suas esposas. Isso ocorre, pois a mulher
encontrava-se sob a tutela do homem. Além disso, segundo
Rodrigues (2003), no que tange ao adultério, por exemplo, a
mulher que cometesse tal ato poderia ser morta pelo marido, sem
a necessidade de prova, bastando que houvesse tão somente
rumores públicos.
Com isso, é perceptível que a violência contra a mulher
não se trata de uma prática do agora, mas que encontra raízes
nas bases da formação histórica do Brasil, legitimando-se não
somente por meio dos preconceitos e estereótipos que pairavam
sobre a mulher, mas no próprio ordenamento jurídico do
passado. Essa percepção reforça o entendimento defendido de
que o direito não se encontra apático aos acontecimentos sociais,
ao contrário, o direito, assim como a literatura (Barthes, 2007), é
capaz de representar os valores, preconceitos e estereótipos que
se encontram na estrutura do comportamento de uma sociedade.
Portanto, são justamente esses valores, preconceitos e
estereótipos que se encontram registrados nas Ordenações
| 163 |
Filipinas quando esse documento se refere à mulher. –
Preconceitos que ainda hoje encontram eco em nossa sociedade.
Embora as Ordenações Filipinas permaneçam em vigor
até a publicação do Código Civil de 1916, percorrendo, portanto,
um trajeto histórico que parte do período colonial ao nacional,
faço referência a ela somente no que compreende ao período que
entendo como colonial, que vai do século XVI ao XIX (1822).
Assim, reportando-me agora ao século XIX (1822), momento a
partir do qual o Estado brasileiro já existe, pelo menos não mais
como colônia de Portugal, temos o então Código Criminal de
1830. Em relação à atenção dada à mulher, o Código representa
um avanço quando comparado às Ordenações, uma vez que sob
o seu regimento já não era permitido que o marido retirasse a
vida da esposa caso essa tivesse cometido adultério.
Apesar disso, embora a vida e o corpo da mulher já não se
encontrem sob a total tutela do homem, podendo ele agredi-la se
assim quiser, é possível notar que o preconceito e a violência de
gênero, naturalizados e reforçados pelas Ordenações Filipinas,
se mantiveram presentes na sociedade brasileira do século XIX.
O Código Criminal de 1830, por exemplo, aponta no capítulo III,
seção III e art. 250, que trata especialmente do crime de adultério,
que “A mulher casada, que commetter adulterio, será punida
com a pena de prisão com trabalho por um a tres annos” (Brasil,
[1830] 2022, grifo nosso).
É interessante observar que o art. 250 é o responsável por
abrir a seção que trata do crime de adultério, como se por meio
dele o legislador definisse o que se concebe como tal. Partindo
disso, o ponto que chama a atenção no art. 250 diz respeito ao
modo como a mulher é representada, pois, através da análise do
código, percebe-se que o adultério, pelo menos da forma como
consta no artigo, é tipificado como delito cometido por mulheres.
| 164 |
Além disso, é importante ressaltar a forma nada isonômica
como homens e mulheres são tratados na legislação criminal do
séc. XIX, haja vista que, comparando os arts. 250 e 251 do Código
Criminal, para que o homem possa ser penalizado na mesma
medida que a mulher não basta que o adultério tenha sido
cometido. Antes, é preciso que se demonstre que o homem tinha
com a “amante” uma relação que se prolonga no tempo, sendo
ele o responsável pelo sustento dela: “Art. 251. O homem casado,
que tiver concubina, teúda, e manteúda, será punido com as
penas do artigo antecedente” (Brasil, [1830] 2022, grifo nosso).
Portanto, a despeito da prática de igual conduta delitiva, homens
e mulheres recebiam do legislador diferente tratamento, o qual
conferia às mulheres maior reprovabilidade.
Essa postura nada inocente sugere que o adultério era uma
prática cuja reprovação era muito mais acentuada quando
cometida, sobretudo, por mulheres. Essa é uma posição que
encontra eco, inclusive, na própria literatura realista do século
XIX (Cademartori, 1986). Se pegarmos como exemplo a obra
Dom Casmurro, de autoria do escritor brasileiro Machado de
Assis, perceberemos nela a mesma postura assumida frente à
mulher, uma vez que a Capitu (personagem da obra) é retratada
no enredo como uma pessoa dissimulada, cujos olhos são de uma
cigana oblíqua capaz de transformar um menino doce (Bentinho)
num homem turrento (Casmurro). Além do que, na mesma linha
do artigo 250, ao longo de toda a narrativa é sugestiva a traição e
adultério cometido por Capitu, pela mulher, e não pelo homem.
Este tratamento desigual entre homens e mulheres, no que
diz respeito ao crime de adultério, se manteve até o século XX,
quando o Código Penal de 1940 adota outra postura frente ao
delito: “Art. 240 - Cometer adultério: Pena - detenção, de quinze
dias a seis meses” (Brasil [1940] 2022, grifo nosso). O art. 240
demonstra a preocupação do legislador em conferir um
| 165 |
tratamento isonômico para ambos os sexos, não importando se o
delito é cometido por homem ou mulher, pois a reprovabilidade
está na conduta e não no sujeito.
Somente no ano de 2005 é que então o adultério deixa de
ser tipificado como crime no Brasil. Quanto a isso, um dos pontos
possíveis de elencar que justificam o abolitio criminis ou
descriminalização do adultério compreende o modo nada
isonômico como a pena para tal conduta era aplicada quando
praticada por mulheres e quando por homens. Esse tratamento
desigual não encontra anos mais tarde recepção em nossa
Constituição (Brasil, [1988] 2022), uma vez que nela, em alusão
ao princípio da igualdade, “homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.
Com isso, a manutenção de um dispositivo que estimule o
tratamento não isonômico entre homens e mulheres representa
uma clara violação ao princípio da igualdade, sendo, portanto,
essa norma não recepcionada pela Constituição de 1988
(Fernandes, 2022). É neste contexto, cujas normas
infraconstitucionais são irradiadas pela Constituição, que se
encontra o instrumento normativo mais robusto voltado ao
combate à violência contra a mulher: trata-se da Lei nº
11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha.
Se no passado a violência contra a mulher não foi encarada
como problema social, com o advento da Lei Maria da Penha o
Brasil passa a reconhecê-la como problema social grave que
precisa ser combatido. Essa é uma percepção que embora
evidente na atualidade não o era séculos atrás, quando a
violência contra a mulher, além de legitimada pelas Leis, sequer
era pensada como problema social. A Lei nº 11.340/2006
representa, portanto, um importante avanço normativo no
combate à violência contra a mulher, pois traz uma série de
| 166 |
medidas voltadas para a proteção da integridade física,
emocional e material dela.
Além disso, em consonância com as mudanças e
necessidades sociais do presente, o próprio conceito de mulher
se amplia no escopo da Lei Maria da Penha, uma vez que se tem
estendido a proteção assegurada por lei também às mulheres
trans. Haja vista que, conforme o art. 5º da Lei n° 11.340/2006, a
violência contra a mulher se baseia não no sexo biológico,
masculino/feminino, mas no gênero feminino, enquanto
construção social (Butlher, 2017).
Assim, muito embora encontremos na Lei Maria da Penha
um importante avanço na legislação que visa combater a
violência contra a mulher, essa mudança não tem sido
acompanhada por uma evolução e/ou transformação da
mentalidade social acerca da mulher e de seu papel em nossa
sociedade. E como consequência dessa discrepância entre o
avanço da norma e o atraso da mentalidade social, que parece
ainda condicionada ao regime jurídico das Ordenações Filipinas
e do Código Criminal de 1830, é que então se constata que os
preconceitos e violência de outrora ainda hoje, apesar do avanço
possibilitado pela Lei nº 11.340/2006, encontram eco e se
proliferam como joio em nossa sociedade.
Isso ocorre, pois apesar da Lei Maria da Penha representar
um divisor de águas no combate à violência contra a mulher,
encarando essa problemática como problema social grave que
precisa ser combatido, essa prática se caracteriza como um
problema social de natureza estrutural, sedimentado nas raízes
sobre as quais se constrói o nosso território. Portanto, estamos
diante de uma Lei que, embora relevante, completasse no ano de
2023 apenas 17 anos de vigência contra toda uma tradição de
violência e opressão contra a mulher que parte do século XVI e
se estende ao século XXI, somando 500 anos de história.
| 167 |
CONCLUSÃO
Através desta discussão foi possível verificar que no Brasil
nem sempre a violência contra a mulher foi encarada como
problema social. Muito pelo contrário, através do exame das
Ordenações Filipinas e do Código Criminal de 1830, é possível
que se constate que até a publicação da Lei Maria da Penha a
violência contra a mulher não era reconhecida como problema
social grave que precisa ser combatido, antes era reproduzida e
ampliada por meio da legislação em vigor. Isso revela que o
Direito foi usado como ferramenta de violência (Foucault, 1977)
e que a legislação de outrora foi, portanto, barbaramente
conivente com a prática de violência contra a mulher, uma vez
que muitos dos preconceitos e estereótipos socialmente
construídos sobre ela se encontram legitimados e reforçados por
meio de normas como as Ordenações Filipinas e o Código
Criminal de 1830, que, embora não mais em vigor, ainda se
irradiam por nossa sociedade.
Ademais, muito embora a Lei Maria da Penha represente
um avanço positivo no combate à violência contra a mulher, esse
avanço promovido pela norma não tem sido acompanhado, pelo
menos não de forma satisfativa, de uma mudança no
comportamento e mentalidade do corpo social no que diz
respeito à mulher e seu espaço na sociedade brasileira.
Com isso, muitos dos preconceitos, estereótipos e
violência de outrora, a exemplo de quando ao homem era
garantida a tutela e total controle sobre o corpo e até mesmo a
vida da mulher, ainda se mantêm vivos no presente. Portanto,
encerro este capítulo defendendo que embora seja importante
que o direito acompanhe as mudanças sociais, pois ele próprio é
uma ciência social, é crucial que a sociedade saiba e possa
acompanhar as mudanças que a legislação promove,
especialmente quando essa representa um avanço diante de
| 168 |
problemas sociais que merecem nossa atenção e que precisam ser
efetivamente combatidos.
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| 170 |
CAPÍTULO 8
RESISTENCIA NEGRA E PODER POLÍTICO DAS
IRMANDADES RELIGIOSAS NO CARIRI CEARENSE
Miguel Melo Ifadireó
Henrique Cunha Júnior
INTRODUÇÃO
O presente artigo é fruto dos trabalhos de mapeamento de
leitura, discussões e ações de ensino, pesquisa e extensão
universitária que se enraizaram nos três últimos anos nas
reuniões do grupo de trabalho Nbuntu - Decolonialidade,
Pensamento Afrodiaspórico e Religiosidades Não-hegemônicas
do Grupo de Pesquisa
sobre Contemporaneidade,
Subjetividades e novas Epistemologias (G- PENSE!) da
Universidade do Estado de Pernambuco. Neste contexto, é
importante salientar as distintas atividades investigativas que
estão sendo realizadas em conjunto com o Estágio Pós-doutoral
junto ao Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal do Ceará (PPGE-UFC) a partir do
desenvolvimento do Projeto Guarda-Chuva intitulado “Filosofia
Afrodescendente, População Negra, Religiões de Matriz
Africana no Ensino do Direito no Brasil”, o qual se desdobrando
em projetos subsidiários1 sob supervisão do professor
pesquisador Henrique Cunha Júnior.
Os objetivos da investigação em tela são por deveras
modestos, uma vez que nos propomos a levantar algumas
considerações que, a nosso ver, foram de certo modo, silenciados
pelas ciências sociais aplicadas, humanas e da saúde e, quando
não, foram tratados apenas de forma periférica ou superficial, os
quais somente conseguiram alcançar maior visibilidade a partir
da segunda metade do século XX, com a implementação e
proliferação de cursos de pós-graduação (específicos) strictu
senso em nosso país. Todavia, não buscamos tratar o tema com
exaustão, uma vez que este ensejaria em um estudo mais
aprofundado sobre o assunto. Sendo assim, nos propomos a
compreender o processo que permitiu a construção de laços
sociais, estabelecidos pelas redes sociais de irmandades negras
no Brasil, que ancoraram, por um lado, na edificação de poder
político de resistência ao regime escravista da produção
capitalista e, por outro lado, contribuíram com a concretização
da cosmovisão ancestral africana da religiosidade do candomblé
no Ceará, mais especificamente, no Cariri cearense. Para
responder as inquietações desta investigação recorremos a duas
considerações sobre o tratamento dos negros escravizados e,
respectivamente, de seus afrodescendentes pelos meios de
comunicação durante e após o período escravagista.
1
Neste sentido, avultam-se: a) Projetos de Ensino: “I. Conversa Preta Com(sciência) Desafios contemporâneos para uma educação antirracista” (UPE 2023.1); e “II.
Conversa Preta Com(sciência) - Diálogos Empretecidos sobre a Violência e suas
interfaces raciais com o Direito, a Saúde, a Educação, a Política e a Segurança Pública”
(UPE 2023.2 e 2024.1); b) Projetos de Iniciação Cientifica: “Estudos sobre os crimes de
ódio, violência racial e saúde integral da população negra sob o foco da criminologia
preta” (MePESa/ UNILEÃO 2023.2 e 2024.1); “Currículo oculto e o silenciamento de
paradigmas não ocidentais no ensino superior jurídico. Um estudo de caso a partir
da revolução haitiana” (MePESa/ UNILEÃO 2023.2 e 2024.1); “Educação antirracista
e silenciamento epistêmico no ensino jurídico: um estudo de caso a partir da
Revolução Haitiana” (FACEPE/ UPE 2023.2 e 2024.1); c) Projeto de Extensão:
“Elaboração de manuais de consciência multimídia para uma educação antirracista
no ensino superior das ciências sociais aplicadas, humanas e da saúde: perspectivas
metodológicas e curriculares afrorreferenciadas” (UPE 2023.2 e 2024.1).
| 172 |
Caio Prado ao destacar o desenvolvimento da história
econômica do Brasil, entende que “a população africana e
afrodescendente não tinha importância na história brasileira, a
não ser braçal” (Prado, 2012, p. 160), onde qualquer possibilidade
de se reconhecer as qualidades do negro e de suas contribuições
no processo produtivo era marginalizada pelos teóricos
escravocratas que difundiam concepções afirmativas da
inferioridade racial advindas de suas peculiaridades históricas
(Conrad, 1975). Por sua vez, Cunha Júnior (2005) ao tecer
considerações sobre a contribuição dos povos africanos e
afrodescendentes no Brasil, destaca a ausência de tratamento
valorativo das análises de conjuntura embranquecida pelas
ciências sociais brasileiras, uma vez que não era dada uma
“satisfatória notoriedade à especificidade dos africanos e dos
afrodescendentes” (Cunha Jr., 2005, p. 249) da força política e
econômica das irmandades negras na produção e
desenvolvimento da historiografia colonial e imperial brasileira,
visto que não era dado ênfase ao “[...] eixo das lutas de classe
uma formulação que explicasse a particularidade da história e da
cultura desenvolvidas pelos povos africanos e por seus
descendestes” (Cunha Jr., 2005, p. 250).
Outro fator igualmente importante, que a nosso ver,
permaneceu de certa forma negligenciada pelas abordagens
sociais acadêmicas, surgidas a partir da segunda metade do
século XX, foi a não atenção dada a consistente capacidade de
organização e conexão que as redes sociais “periféricas” de
irmandades religiosas de negros tiveram, e como elas se
mantiveram - diante das estruturas de preconceito, hostilidades
e segregação racial que se perpetuaram durante todo o regime
escravista – fieis aos valores e objetivos culturais comuns, mesmo
diante de práticas como, por exemplo, sincretismo religioso.
| 173 |
Assim, destaca-se a relevância deste ensaio, quando
buscará analisar a importância da resistência negra e o poder
político das irmandades religiosas de pretos no Brasil e,
especificamente, no Cariri cearense, objetivando assim,
ressignificar, por um lado, os limites, que ora separavam e ora
uniam os relacionamentos entre as diferentes nações-étnicas,
contribuíram para a preservação de um mínimo de africanidade
e afrodescendência (Cunha Jr., 2021) e, respectivamente, de
identidade religiosa afrodiaspórica (Ifadireó, 2021) como hoje é
vivenciada por negros2 e não negros nas diferentes religiões de
matriz africana e afro-indígena e indígena no Brasil.
A
metodologia
utilizada
neste
ensaio
é,
predominantemente, construída em cima de uma revisão
bibliográfica afrorreferenciada com foco em uma reconstrução
histórica crítica, a partir do procedimento de análise documental.
Fato que leva a mesma a ser uma pesquisa qualitativa, descritiva
exploratória e dedutiva que objetiva, a partir da adesão a este
procedimento metodológico, preencher as lacunas de fontes
existentes sociais e jurídicas que dificultam o entendimento e a
reconstrução dos fenômenos sociais que ensejariam em uma
mudança de paradigmas nos movimentos políticos organizados
por negros africanos e afrodescendentes no Brasil do século
XVIII e XIX. Na visão de Scott (2002) é importante destacar que
grande parte da produção (registros históricos, arquivos
2
Neste sentido destacamos que ao longo de todo este ensaio faremos uso do termo
“negros/as” para nos referirmos aos “pretos/as e pardos/as”. Adotando assim, a
contemporânea postura político-cultural do ativismo negro, seja por parte do
Movimento Negro Brasileiro (MNB) e/ou do Movimento Feminista Negro (MFB), seja
por parte do ativismo científico da Associação Brasileira de Pesquisadores/as
Negros/as (ABPN) e/ou do Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos AfroBrasileiros em relação às questões étnico-raciais no Brasil, uma vez que os antigos
termos “pretos, pardos, morenos, mulatos entre outros” são terminologias que além
de não representarem os conceitos de Africanidade e de Afrodescendência, de suma
importância para todo este ensaio, são advindos de um período em que
predominava nas ciências uma postura científica racista e eurocentradas,
predominante, na intelligentsia brasileira. De fato, eram termos que mais separavam
do que agregam ou se aproximam de uma mudança de paradigmas na elaboração de
uma nova literatura antirracista no Ensino Superior Jurídico brasileiro.
| 174 |
materiais e processuais) que envolvem “outros grupos”
subjugados e dominados ao longo da história e pela história,
somente obtêm visibilidade política nos momentos que estes
representavam e/ou ameaçam não apenas o poder político local,
mas também a ordem social que é imposta pelas classes
dominantes e legitimada pelas diferentes e distintas ciências do
conhecimento. Por fim, autora complementa que não é
“ocasionalmente” que os fenômenos e/ou ações revolucionárias
advindas de atores sociais e/ou cenários político insurgentes
ganhavam destaque, pois, quando muito apareciam nos
registros oficiais apenas como “meros atores coadjuvantes” no
processo histórico.
A CRUEL TRANSIÇÃO DA MÃO-DE-OBRA ESCRAVA NO
CARIRI CEARENSE
O Brasil, último país da América a abolir a escravidão,
manteve um sistema escravocrata enraizado em uma relação
violenta e cruel com a mão-de-obra escrava em todas as regiões,
persistindo mesmo durante a instauração da república. Assim,
desse confronto forçado entre o dominador e o dominado se
construiu a história da escravidão, sendo perpetuada como
história oficial a versão do explorador e através de estratégias de
silenciamento a história oficial que representava o interesse das
elites dominantes, tentou calar a voz do dominado, porém a
história não é só construída pela cosmogonia discursiva e
científica das elites dominantes, mas também, pela cosmovisão
dos descendentes insubmissos de um povo criminosamente
escravizado.
Dentro desta linha constatamos que a estrutura de
superioridade racial, deve ser entendida como resultado de
práticas anteriormente estruturadas, as quais fizeram à história,
com base em condições produzidas – em tendências, linhas de
| 175 |
força, constrangimentos, preconceitos, violações de direitos –
pelas elites urbana e rural durante os séculos de escravidão, onde
práticas de hostilidades e discriminação fundamentavam as
ideologias e os discursos de poder existentes. Em função disso,
este novo discurso, entende que o projeto colonizador do
“discurso dominante” objetivava reproduzir nas colônias o
discurso legitimador produzido na metrópole, daí, percebia-se a
necessidade de se construir toda uma estrutura - principalmente
devido à diversidade cultural local – de poder e de controle
social, para assim, assegurar as coroas europeias a exploração e
a conservação do domínio colonial. Sem fugirmos a essa
perspectiva, se percebe que o discurso de negação, de
discriminação étnico-racial e de dominação, também foi
produzido pelas elites dominantes do Ceará, e no Cariri
cearense, construindo entre outros, o mito da inexistência de
Negros, e consequentemente, da ausência de uma influência
cultural e religiosa africana, na cultura religiosa da Província3.
Como caracteriza Nunes (2011) ao avultar que:
O Estado do Ceará carrega uma história de invisibilização
da sua população negra. O discurso corrente é de que não
tivemos uma população significativa de escravizados e,
portanto ‘o Ceará não tem Negros’. Além disso, os processos
políticos e a produção dos intelectuais cearenses a partir da
segunda metade do século XIX, especialmente os
pertencentes ao Instituto do Ceará, influenciados pelas
ideias determinais e evolucionistas, negando a presença
negra no nosso Estado e omitindo as condições de vida e
formas de organização desta população. São argumentos
que revelam um desconhecimento da nossa história e da
escravidão que aqui se processou (Nunes, 2011b, p. 2).
3
Para assegurar essa “estrutura de dominância” social e política, era necessária, a
colaboração de mais um discurso, no caso, o religioso. Esse veio a legitimar a
expansão cultural étnico-religiosa do velho mundo sobre o novo mundo, estreitando
assim, as relações entre o Estado e a Igreja, com intuito de apresentarem os povos
pagãos à “verdadeira fé”. Finalizamos assim, aceitando a tese do “discurso
dominado”, de que esse postulado de “religião do bem”, “religião moral”, “religião
de Deus” e de “verdadeira fé” se justificou não apenas no Brasil, com em toda a
América Latina.
| 176 |
Através das leituras bibliográficas e exploração de
trabalhos realizados em campo, nos deparamos com teses,
dissertações e artigos, que nos remetem a outros horizontes,
demonstrando sim, a participação ativa de africanos,
afrodescendentes, negros e caboclos nas atividades laborais
escravas na Província do Ceará e na Região do Cariri cearense,
tais como: agricultura de subsistência, pecuária, casas de
engenho e plantações de cana-de-açúcar (Abreu, 1975;
Figueiredo Filho, 1958), exploração de minas auríferas que não
se consolidaram na região, atividades de caráter doméstico
(Pinheiro, 1950) e em ofícios de artesanato e construção civil
(Oliveira, 2008; Macedo, 1990).
Neste sentido, através da revisão bibliográfica sobre o
negro na historiografia caririense, é obrigatório ressaltar os
estudos desenvolvidos pelo Instituto Cultural do Cariri (ICC), o
qual teve fundamental importância na preservação do
patrimônio imaterial e material, principalmente no que se refere
à transmissão da memória, história, política, artes e literatura da
região (Silva; Conceição, 2011). Conforme apontam Semeão e
Gonçalves (2010) ao ressaltarem que o ICC tinha por finalidade
“o estudo das ciências, letras e artes em geral, e especialmente da
História e da Geografia Política do Cariri” (Semeão; Gonçalves,
2010, p. 1)4. Soma-se a isto, o fato de que foi a partir dos trabalhos
desenvolvidos pelo ICC em meados do século XX, que
pesquisadores contemporâneos vêm realizando pesquisas
sociais transdisciplinares que vêm contribuindo para responder
a muitos questionamentos e provocando diferentes abordagens
teóricas. Retomando a temática sobre as relações escravagistas
estabelecidas na Província do Ceará, mais especificamente, na
região do Cariri cearense, percebemos que estas salvo algumas
4
Nesse sentido ver a Ata da Sessão de Fundação e Instalação do Instituto Cultural do
Cariri (ICC) e de eleição de sua Primeira Diretoria. In: Revista Itaytera, nº. 1, 1955, p.
179.
| 177 |
exceções (a saber: o movimento de industrialização, chegada de
imigrantes europeus, urbanização das cidades e aparecimento de
uma burguesia urbana em detrimento da rural) em nada se
diferenciavam das que ocorriam no país, principalmente, de
finais do século XVIII a segunda metade do século XIX, onde a
mão-de-obra negra escrava era utilizada na cultura agrícola,
pecuária, casas de engenho, plantações de cana-de-açúcar e
minas auríferas. Como caracteriza Brígido (2001):
Por volta de 1756 o cultivo de cana-de-açúcar estava muito
adiantado no Cariri e contaram-se 952 fazendas de criar. Ou
seja, a partir deste século, já são delineadas as duas
principais atividades econômicas do sul cearense. (...) no
século XIX ainda se percebe tal conjuntura, já havendo uma
preponderância no número de engenhos de rapadura em
relação às fazendas de criar. (...) Não obstante, a outra
atividade, a pecuária, e outras lavouras de subsistência,
como a farinha de mandioca, também se utilizava da mão de
obra cativa. (..). O delineamento do Cariri estava voltado
para a produção de derivados de cana – especialmente a
rapadura – atividade praticada nesse espaço entre os séculos
XVIII e XIX. E, também, como o comércio de escravos que
influenciou na constituição econômica da região (Cortez;
Cortez; Irffi, 2012, p. 2s.).
Além disso, quando analisamos o crescimento das cidades
da região do Cariri – Crato, Jardim, Barbalha e Missão Velha -,
verificamos que o século XIX caracterizou por um lado, o
aumento da introdução de escravos (africanos de angola,
benguelas e congos) com o fim de exploração, conforme expõem
Cortez, Cortez e Irffi (2012) a ideia que se tinha sobre a existência
de minas auríferas na região do Cariri, a saber:
Como a Mina de São José dos Cariris não se transformou em
realidade, os escravos trazidos foram paulatinamente sendo
alocados em outras atividades econômicas desenvolvidas no
território caririrense. De forma que o trabalho cativo passou
a ser um investimento rentável para os donos das novas
terras. Tanto no meio urbano quanto no rural era aplicada a
força de trabalho cativa. A escravaria pertencente a senhores
do Cariri se espalhou por todo o território da região, contudo
| 178 |
a zona rural detinha a maior parte desta mão de obra
(Cortez; Cortez; Irffi, 2012, p. 10).
Por outro lado, o crescimento e desenvolvimento da
freguesia do Crato e Jardim estavam atrelados a conquista de
novos espaços comerciais dentro da própria província, e
consequentemente, com freguesias das províncias vizinhas que
passaram a comprar as mercadorias e os bens de produção
oriundos das casas de engenho da região, o que elevou as
relações de poder e a influência das duas Aristocracias Rurais
canavieiras do Cariri. Nesse sentido, constata Cortez e Irffi (2011)
ao apresentar um Ensaio Estatístico da Província do Ceará, visto
que:
No Cariri (Crato e Jardim) onde existem trezentos engenhos
de madeira e ferro quase toda a cultura de canna reduz-se ao
fabrico de rapadura, melaço e aguardente, sendo que de
1857 para cá é que se começou a fazer assucar e já em 1858
exportaram-se 10.000 arrobas. O Cariri e Serra-Grande
exportam imensas quantidades de rapadura, melaço e
aguardente para as províncias visinhas do Piauhy,
Pernambuco, Parayba e Bahia (Cortez, Irffi, 2011, p. 5).
Oliveira (2008) acrescenta que somente a partir da
segunda metade do século XIX foi que se iniciou uma
transformação nas estruturas urbanas e na democracia das
cidades do Cariri, principalmente na freguesia do Crato, que se
deu o aumento das moradias, principalmente com a migração de
ricas famílias burguesas de comerciantes, que devido à
prosperidade na freguesia, saíram de suas freguesias para ali se
instalarem, aumentando o esplendor e provocando mudanças
nos costumes das famílias da aristocracia local, acelerando assim,
o processo de urbanização e modernização do espaço urbano das
cidades, em detrimento do espaço rural. Conforme aponta
Pinheiro (1950):
Muito ocorreu para o progresso de Crato (...) na época de 50,
fizeram-se (...) prédios melhores que os primitivos, os quais
eram geralmente de taipa. Em 1857, levantou o Coronel
| 179 |
Antônio Luís Alves Pequeno, à rua grande; esquina da
travessa da Califórnia, para sua residência um sobrado sob
molde dos da capital pernambucana. (...) A par do
aperfeiçoamento das construções urbanas, a partir de 1850,
refinam-se os costumes do Crato (Oliveira, 2008, p. 46).
Jardim, assim como o Crato, era em finais do século XVIII
e inícios do século XIX, era uma freguesia representada pelo
poder local de uma aristocracia rural, detentora de engenhos e
de casas comerciais, que se representava por coronéis, detentores
da estrutura agrária baseada no latifúndio e na exploração
escravista de escravos comprados nas cidades de Floresta e Belo
Jardim da Província de Pernambuco (Pereira, 1987). Já na
segunda metade do século XIX a freguesia de Jardim dividia sua
influência comercial com a freguesia de Barbalha, ultrapassando
outros limites territoriais, tais como: Porteiras, Abaiara,
Penaforte e Jati na Província do Ceará; Cedro e Salgueiro na
Província de Pernambuco, além de abastecer, os sertões do
Piauhy e Rio Grande do Norte (Leite; Santos, 2010). Diante do
contexto aqui exposto é válido ressaltar que a cidade de Juazeiro
do Norte, Joazeiro do Cariry, surge como um povoado - que
chamava atenção por ser um lugar de descanso para viajantes e
comerciantes que se dirigiam ao Crato que era a freguesia mais
importante da região do Cariri – e apenas com a chegada de
Cícero Romão Batista em 1872, para substituir o então Padre da
Capela Nossa Senhora das Dores, é que se inicia o processo de
ocupação do povoado que ensejou na modificação dos costumes
e comportamento da população, a saber:
Ao promover a valorização ética do trabalho, o Padre Cícero
contribuiu para romper com as representações
‘escravocratas’, nas quais o trabalho estava associado à ‘dor’,
ao ‘castigo’ e, portanto, à humilhação e à desvalorização do
homem. Inserido em um Nordeste predominantemente
rural, no qual encontravam-se presentes formas de relação
de produção não tipicamente capitalistas, como a utilização
da mão-de-obra escrava, o Padre inseriu naquele espaço
social um novo discurso, a partir do qual emergiam novas
| 180 |
práticas de trabalho, vinculadas à construção de um mundo
melhor, mais igualitário e mais livre (Araújo, 2005, p. 75).
Todavia, as transformações impostas pelo Padre estavam
diretamente relacionadas ao término da Escravidão e
Proclamação da República. Diante disto destaca-se ainda o
‘suposto milagre’ e o mito da hóstia que se transformara em
sangue na boca da beata Maria de Araújo, a saber, beata
Mocinha, em março de 1889. Assim, diante da capacidade
política de Cícero Romão Batista, em julho de 1914, através da
Lei Nº. 1.178, a já então Vila de Juazeiro foi elevada à categoria
de Cidade, tornando-se independente do Crato (Machado, 2011).
Neste sentido Pereira (2012) ressalta que desde então, Juazeiro e
Crato vêm disputando a hegemonia da região do Cariri cearense,
onde a partir da década de 1970, Juazeiro do Norte passa a ter a
“maior expressão política, econômica e social no Estado do
Ceará” (Pereira, 2012, p. 306).
Em contraposição, ao analisarmos os trabalhos
produzidos pelos iccanos, conforme advertem Semeão e
Gonçalves (2010) que o Crato a partir da segunda metade do
século XX, destacava-se não apenas pelo projeto próprio de
modernidade pensado a partir ideia de cultura e da identidade
regional, como também, procurava distanciamento do
comportamento “fanático-religioso” que se instalou em Juazeiro
do Norte, desde o “milagre da hóstia em sangue” que envolvia
Padre Cícero e a beata Mocinha Maria de Araújo (Araújo, 2005;
Cortez, 2000). Assim, diante de tal impasse construído em tão
curto espaço temporal, Juazeiro do Norte surge como cidade da
fé, do turismo religioso e do comércio, recheado de crendices,
simbologias religiosas e penitências; em contraste com o Crato,
lugar que afirmava ser o detentor da identidade regional do
Cariri, marcado pela ideia de civilização, racionalidade e cultura
segundo os padrões de intelectualidade defendidos pelo ICC
(Cortez, 2008).
| 181 |
A este respeito, caracteriza Cortez (2000), ao ressignificar
o projeto de civilização cratense, aponta que foi a partir das
últimas décadas do século XIX que, por um lado, a freguesia do
“Crato se propunha ser o núcleo disseminador de um projeto
civilizador para a região do Cariri”; e por outro lado, aspirava
ser “o espaço mais povoado e de maior projeção na região”,
como também, por “ser o local onde se concentrou o maior
número de intelectuais” (Cortez, 2000, p.19). A autora ressalta
ainda que:
[...] os esforços de intelectuais, políticos, religiosos e
capitalistas, consubstanciaram-se também na lógica do
contraste em relação a Juazeiro do Norte, orientando a
produção simbólica do Crato na região através da
valorização de uma cultura letrada e da reprodução dos
padrões de condutas civilizadas para homens e mulheres
(Cortez, 2000, p. 14).
Diante desta relação de contraste que desabrochou entre
Juazeiro do Norte (enquanto cidade que respira religiosidade e
catolicismo popular em torno do espaço sagrado edificado pelo
Padre Cícero) e o Crato (como lugar de civilidade e da cultura
letrada, que se orgulha de seu passado glamoroso, responsável
pela solidificação de uma identidade política, intelectual e
econômica da região do Cariri cearense), percebemos que as
demais formas de expressão da cultura e das manifestações
religiosas dos grupos dominados, tais como de negros e índios
existentes no Cariri (Brígido, 2001), foram totalmente
desprezados e negligenciados, não apenas nas duas cidades,
como também, nas demais cidades que hoje compõem a Região
Metropolitana do Cariri, surgindo apenas o interesse pela
temática, a partir de hodiernos trabalhos stricto senso por parte
de descendestes dos grupos étnicos.
Assim, seguindo esta linha de pensamento, ressalta-se
aqui a importância de se analisar a presença da tradição religiosa
| 182 |
africana enquanto signo da resistência do “povo negro ao regime
de dominação a que historicamente estão submetidos” (Nunes,
2011a, p. 2) e para que se torne possível à compreensão do campo
religioso da cultura negra na região, devemos compreender a
importância que as confrarias, irmandades ou associações negras
tiveram para consolidação do Candomblé, durante e após o
regime escravagista no Brasil, e em especial, no Cariri cearense.
PODER POLÍTICO DAS IRMANDADES E A PRESERVAÇÃO
DAS AFRICANIDADES
O poder político do discurso filosófico do Direito Colonial
e Imperial escravagista - produzido e implementado pelo
ocidente - evidenciava práticas de dominação que não apenas
manipulavam às aparências de que tanto às normas
constitucionais, quanto às extra constitucionais deveriam
proteger os interesses e os bens jurídicos dos cidadãos brancos,
mas que também alimentava a panaceia da falsa igualdade entre
os homens, conforme preconizavam os princípios gerais do
direito ostentados pela Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão da Revolução Francesa de 1789 (Firmin,
2011; Pierre, 2009; Constituição do Haiti de 1805, 1961). Ademais,
destacam-se os esforços e as explicações proferidas pelas práticas
jurídicas de manutenção das normas conceituais - no Brasil
Colonial e Imperial – em defesa da escravidão geraram
ostensivas teorias, fundadas nem sempre de simples normas
compreensivas que eram ensinadas e defendidas por uma
considerável parte do colegiado de professores dos pioneiros
cursos de Direito no Brasil (Schwarcz, 1993).
Estas normas conceituais produziam, distinguiam e
delineavam conceitos e pressuposições teóricas mantenedoras e
legitimadoras da colonização escravagista. Assim, ao se analisar
a disposição das normas e dos discursos filosóficos no Direito
| 183 |
(colonial e imperial) percebemos evidências de oportunismos de
linguagens jurídicas e do respectivo, poder político na produção
do estranhamento ao Negro por nuances de realidade
objetificadas pela complementaridade funcional entre a
escravidão e a sobrevivência econômica dos meios de produção
capitalista (Bethell, 1976; Figueiredo Filho, 1966). Ao lado destas
considerações aparece os significantes discursivos da filosofia
jurídica da época, a qual impunha paradigmas de ausência de
consciência nas interações do ser-sujeito e do ser-objeto,
subjugado pela tensão entre a ação dos “Direitos do Homem e
do Cidadão” e a ação da escravidão.
Dentro desta linha de reflexão e absorvendo os
paradigmas da lógica da descolonização do pensamento
defendidos por Fanon (2022) e Ramose (2011), podemos avultar
a emergência de uma outra hermenêutica (Moreira, 2019), capaz
não apenas de descolonizar os paradigmas científicos que, ainda
hoje, fundamentam tanto as fontes materiais e formais, quanto
os princípios gerais do direito, mas também, de remeter o direito
na busca ontológica de seu real sentido do bem viver (Cunha Jr.,
2020). Assim, ao proferir críticas à insegurança jurídica e ao falso
glamour das normas jurídicas subsequentes à Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução
Francesa de 1789, afiliamos à Firmin (2011), Ramose (2011),
Fanon (2022), Babha (1998), Césaire (1961) entre outros
pensadores, afrorreferenciados neste ensaio, principalmente,
quando estes avultam que os pressupostos revolucionários
franceses em momento algum objetivaram mudar os paradigmas
científicos “iluministas” de outrora.
À frente destas concepções iluministas está a crítica de que
tanto a Revolução Francesa, quanto a Declaração de Direitos
(Degler, 1976), corroboravam com a manutenção do status quo
do discurso colonial escravagista e da manutenção da estrutura
| 184 |
legal de segregação pelas diferenças raciais que inferiorizavam,
objetificavam e separavam os direitos civis de indivíduos negros,
criminosamente escravizados (Fanon, 2022; Handerson, 2010;
Cunha Jr., 2005). Decerto é viável a compreensão de que os
princípios agitadores – liberdade, igualdade e fraternidade - da
Revolução Francesa pela abolição de Leis Raciais no Direito não
era apenas um direito a ser conquistado, mas do que isso, era um
dever a ser posto em prática por todo um conjunto de atos para
além da lógica deformada pela estrutura escravocrata ocidental
(Azevedo, 2010; Fonseca, 1988). Por dentro destas reflexões está
a necessidade de se observar que o poder político das
irmandades e/ou confrarias religiosas de pretos foi fundamental
para a manutenção da “força vital” ancestral africana que
compreendia as mais distintas interações com as ações
necropolíticas - psicológicas, culturais, jurídicas, econômicas,
religiosas e políticas - dos negros com a ordem escravagista que
era dominante tanto na arquitetura colonial, quanto na imperial
(Melo, 2016; Nunes, 2011b). Dentro desta perspectiva
afrocentrada, Santana e Lourau (2023), ao investigarem o papel
político da Irmandade do Rosário dos Pretos, destacam:
O traço quilombista das Irmandades negras nasce num viés
do direito à memória e no resgate do conhecimento
ancestral, que também é uma resposta ao anseio de
superação da condição subalterna dada historicamente ao
afrodescendente, vide o passado colonial e introduz
questões da comunidade negra brasileira, numa narrativa
afrocentrada ligada as vivências sócio-históricas e culturais,
que é também da luta do povo negro (Santana; Lourau, 2023,
p. 30).
Sob esta visão, avultam-se as mais distintas contribuições
e ações políticas de resistência e assistência interativa, diante das
brechas do sistema escravagista, realizadas pelas irmandades de
pretos, quando estas cuidavam de negros livres e escravizados
(Oliveira, 2008), auxiliando com serviços de “sociabilidade
| 185 |
vinculadas ao mundo do trabalho” (Cord, 2012, p. 1), tais como
auxilio (cultural, religioso, letramento-alfabetização, trabalho),
cuidados médicos aos idosos (órfãos, doentes) e com apoio de
comunicação por serviços de tradução e comunicação com os
negros recém chegados pelo tráfico internacional e nacional
(Silva; Conceição, 2011; Vainsencher, 2010; Nunes, 2007).
Segundo Mattos (2011) e Santos (2008) era estratégia de
dominação pelos europeus para organização do tráfico de
escravos vindos de diferentes partes da África Ocidental,
Equatorial e Oriental, e costume do comércio transatlântico, a
prática de identificação dos diferentes grupos étnico-raciais
africanos, que eram classificados a partir da ideia de “nação”, a
saber: minas, angolas, benguelas, congos, moçambiques, jejes,
nagôs, cassanges, cabindas, monjolos, fons, ewes, haussás,
ashantis, entre outras etnias africanas. Além disso, ressalta
Mattos (2011) que o batismo cristão era uma prática frequente
que ocorria antes da travessia intercontinental para a escravidão,
uma vez que:
Quando o batismo não acontecia no continente africano,
logo que chegava ao Brasil, o proprietário levava seu escravo
até a paróquia mais próxima para ser batizado. Nesse
momento o escravo africano recebia um nome cristão e
ficava conhecido pela “nação” a qual pertencia (Mattos,
2011, p. 144).
Consequentemente com a introdução do negro africano
como escravo pelo tráfico internacional escravista no Brasil
Colônia, para o desenvolvimento da economia agrícola,
pecuarista e mineira, durante mais de três séculos, estas
diferentes “nações” étnicas africanas trouxeram consigo suas
culturas materiais e imateriais, e entre estas, cabe destacar os
bens imateriais da tradição religiosa de suas divindades
africanas (Ifadireó et. al., 2020). Com o passar dos séculos de
escravidão aumentavam-se as formas de resistência à opressão e
| 186 |
ao regime escravagista, como por exemplo: o aumento de fugas,
revoltas, insurreições, suicídios5 e infanticídios6 (Costa; Melo et.
al., 2018). A este respeito, destacam Ifadireó et. al. (2019) que
produção capitalista escravocrata era mantida pela disputa
interna entre distintas forças que disputavam a colonialidade do
poder político entre a dominante aristocracia rural que perdia
espaço para a ascendente burguesia urbana, a qual juntamente
com o clero, construíram um passado de dor, de castigo e de
penas que eram implementadas para controlar os cativos e,
desencorajar ao longo do tempo, toda e qualquer investida
conjurante de negros insurgentes (Quijano, 2000).
Por conseguinte, acentua Azevedo (1987) que o “medo
branco”, de uma eventual “onda libertária negra”, após a
gloriosa revolução haitiana dos nègres marrons7 e 1789-1804
(Saint-Gérard, 2004), passava a agoniar toda a estrutura de
produção capitalista das elites escravocratas de finais do século
XVIII até finais do século XIX (Ramos, 1979), não apenas no
Brasil Colônia e Império (Ribeiro, 1995), mas também em todo o
continente americano (Quijano, 2005) que vivenciava repetidos e
sintomáticos movimentos insurgentes de comunidades
quilombolas negras e/ou indígenas-negras que floresciam na luta
de resistência antiescravagista (Querino, 1980) das américas
negras (James, 2000) e em defesa do desmantelamento da
estrutura colonial que os aniquilava (Carpentier, 1976). A este
respeito, Marquese (2004) em seu estudo sobre a teologia cristã e
seu poder político colonial na administração de escravos pelas,
acentua que as mais distintas ordens religiosas - inglesas,
5
6
7
Nesse sentido Mattos (2011, p. 131) aponta que “embora alguns escravos recorressem
às armas de fogo, ao enforcamento, ao envenenamento, a maior parte dos suicídios
era por afogamento, pois tinha um significado muito específico, sobretudo para os
africanos”.
Causados por escravas em influência do estado puerperal que não queriam que seus
filhos permanecessem escravos.
Negros quilombolas. Segundo destaca Arthur Ramos (1979), no-francês haitiano o
termo “Marrons” evidencia a terminologia “quilombo” no contexto político
afrodescendente brasileiro.
| 187 |
francesas, portuguesas e hispânicas – enquanto instituições de
controle social da sociedade escravocrata foram responsáveis
pela submissão de corpos negros (Césaire, 1961) pela estrutura
do patriarcado escravocrata produzindo e recriando indivíduosobjetos, através da “docilização” da mente, da alma e do espírito
(Moura, 1981). Assim, estes “feitores do corpo e missionários da
mente” (Marquese, 2004) apoiaram com a ideologia de que o:
[...] status de um escravo durava toda a sua vida e era
herdado. Outro elemento comum a todos os sistemas de
escravidão, moderno e antigo, era o fato de o status ser
herdado da mãe. Assim, o filho de uma mulher escrava e de
um homem livre era um escravo, tanto no Brasil, como nos
Estados Unidos [...] (Degler, 1976, p. 38).
Neste contexto de poder político colonial, acrescenta de
Santos (1986) que as estratégias de propagação e manutenção do
controle destes corpos negros escravizados não poderia parar
apenas no controle do indivíduo em vida, através de práticas
coercitivas de dominação de suas almas e de seus espíritos, era
necessário exercer esta ascendência sobre a morte, propagando
assim, o medo da morte (Melo; Dias, 2018). Assim, a Igreja
fazendo uso da fé cristã, como instrumento de dominação, de
controle e de subordinação, aceitou e até auxiliou a formação de
irmandades, confrarias e associações religiosas de negros
cristãos, pensando consequentemente no controle do espírito,
para provocar uma mudança de comportamento e atitude que
sujeitasse os negros ao regime de servidão (Cardozo, 1973)8.
Neste sentido, Reis (1996) ao pesquisar sobre a identidade e
diversidade étnica presente nas irmandades negras no tempo da
8
Nesse sentido, Fernandes e Souza (2010) acrescenta que as irmandades religiosas
chegaram ao Brasil com os primeiros colonizadores ainda no século XVI, embora, eles
tenham se iniciado no período colonial (séculos XVII e XVIII), passaram pelo período
regencial e imperial (século XIX), e ainda hoje (século XXI), estão presentes,
adquirindo outras obrigações, depois, de reformas estatutárias, necessárias, após,
termino da escravidão. Por exemplo, as Irmandades de Nossa Senhora do Rosário
dos Homens Pretos de Barbalha e de Sobral.
| 188 |
escravidão no recôncavo baiano, durante as festividades de
Natal, em janeiro de 1809, relata que:
Vários escravos de todas as nações, e unindo-se em três
corporações com muitos, desta vila, segundo a sua nação,
formaram ranchos de atabaques, e fizeram os seus
costumados brinquedos, ou danças, a saber, os Geges, no
sítio Sergimirim, os Angolas, por detrás da Capela do
Rosário, e os Nagôs e Uçás9 na rua detrás junto ao alambique
que tem de renda Thomé Correiade Mattos, sendo este
rancho o mais luzido, vestidos ao meio corpo, com um
grande atabaque (Reis, 1996, p. 7s.).
Ao analisarmos a citação acima, percebemos que tais
festas ao mesmo tempo em que serviam para unir os negros, no
caso dos nagôs e haussas, servia para separá-los, no caso, os
primeiros dos angolanos e dos geges, e estes dos primeiros
respectivamente. Sendo assim, é importante destacar que,
enquanto estes encontros ocorriam no seio das festividades
católicas dos escravocratas, eram percebidos “pelos brancos
como passatempo inocente ou desafogo das tensões do
cativeiro” (Reis, 1996, p. 8), para os africanos e afrodescendentes,
quando eles eram repletos de significações e representações
sociais, principalmente, porque eram nestas celebrações que os
escravos, negros livres e seus descendentes:
[...] aproveitavam as celebrações do calendário cultural dos
senhores para praticarem suas próprias tradições culturais,
entre as quais a tradição, frequentemente reinventada, de se
organizarem segundo a origem étnica, em torno das quais os
negros se organizavam de forma mais ou menos autônomas,
destacam-se as confrarias ou irmandades religiosas,
dedicadas à devoção de santos católicos (Reis, 1996, p.9).
Por conseguinte, há de se destacar que as irmandades
religiosas e/ou confrarias de pretos contribuíam com a recriação
e ressignificação de todo um universo religioso e simbólico
africano, a partir da autorização dada pela própria elite
9
Haussás, uma etnia mulçumana.
| 189 |
escravocrata – senhores escravocratas rurais e urbanos, bem
como pela Igreja católica -, os quais em concordância com a
implementação de tais instituições, acreditavam que estas
associações de “homens e mulheres pretos” serviriam para a
sujeição da condição de cativo sem contestação, diminuindo a
partir de então, qualquer possibilidade de insurreição e revolta
de uma onda negra à revolução haitiana. A este respeito,
Fernandes e Souza (2010, p. 1) referendam que:
O século XIX recebeu de herança o que ficou conhecido por
‘religiosidade colonial’ ou ‘cristianismo moreno’, um
‘cristianismo mestiço’ que se manifestava no cotidiano,
marado pela exuberância, vitalidade e festividade e que,
ainda hoje, caracteriza as manifestações de religiosidade
popular no Brasil. Uma das expressões típicas desse
cristianismo foram às irmandades de ‘Pretos’ (...). Mantidas
dentro da própria estrutura da Igreja Católica, eles
abrigavam escravos, forros ou pobres livres.
Somando-se a isto, o fato de que o poder político destas
organizações funcionava como uma sociedade filantrópica de
ajuda mútua, a partir da contribuição dos associados, estas
prestavam não apenas serviços de assistência social aos negros
escravos e libertos (famintos, solitários, velhos, doentes e em caso
de morte, sepultamento e missas fúnebres) diante da situação de
abandono que viviam após anos de mão de obra escrava em
contextos de dominação e de exploração durante o regime
escravista, mas também serviam para a manutenção da memória
social da ancestralidade negra de uma morte coletiva de
liberdade em África que não poderia ser esquecida como destaca
Santos (2010):
Na memória social, se a morte de outrem é lembrada,
sensibilidades e peculiaridades obre ela de alguma forma
pode ser revelada. Assim, sendo, em nossa reflexão sobre as
narrativas orais da morte [...] vemos que o tipo de morte
sofrida possui relevância. A esse respeito é importante
observar que as narrativas convergem para um evento
lamentável e doloroso (Santos, 2010, p. 25).
| 190 |
Sobre a constituição das irmandades religiosas negras e a
sua importância enquanto forma de resistência contra a situação
excludente, destaca Marquese (2004) que eram constantes as
práticas discriminatórias e segregacionistas que eram
vivenciadas pelas diferentes etnias de escravos e negros livres.
Práticas estas que tinham total apoio e que, por muitas vezes,
eram realizadas por membros da própria Igreja católica – com
apoio financeiro e incentivo ideológico de salvação das almas
pagãs - alastradas por todo o Brasil. Na freguesia de Salvador,
Província da Bahia, os negros escravos e negros livres da etnia
jejes/gêges desenvolveram sua própria confraria, chamada de
Irmandade do Senhor do Bom Jesus das Necessidades e
Redenção que se reunia na igreja do Corpo Santo; os
angolas/cabindas/congos se organizavam entre outras, na
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, confraria religiosa que
tinha representação em outras províncias do Brasil, e na
Irmandade do Rosário dos Pretos na igreja da Conceição da Praia
(Reis, 1996).
Já os nagôs – que englobavam os mais diferentes grupos
étnicos iorubá/ yorubá – mantiveram encontros na igreja da
Barroquinha, mais especificamente, na Irmandade do Senhor dos
Martírios e na Irmandade Nossa Senhora da Boa Morte.
Também, existiam as confrarias religiosas ‘mistas’ que aceitavam
pessoas de qualquer etnia - fossem africanos, negros brasileiros,
afrodescendentes, crioulos e brancos -, como a Irmandade de
Santo Antônio de Categeró, que se reunia na igreja matriz da
freguesia de São Pedro. Destaca-se ainda que estas irmandades
mistas eram “exclusivas de negros”, formados por diferentes
grupos étnicos - fossem estes: angolas/ benguelas/ geges/ nagôs/
minas/ costa d’áfrica/ moçambique entre outras – como a
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos das Portas
| 191 |
do Carmo10, que se reuniam na igreja azul do Pelourinho. De
todo, entre todas as irmandades religiosas, não podemos deixar
de fora, as formadas exclusivamente por africanos islamizados e
negros brasileiros mulçumanos, haussás e nagôs, como por
exemplo, a Irmandade de Nossa Senhora do Amparo dos
Desvalidos (Reis, 1996). No interior da província da Bahia, a
Irmandade do Senhor do Bom Jesus dos Martírios na freguesia
da Vila de Cachoeira no Recôncavo baiano, era formada
principalmente por povos jejes e negros afrodescendentes.
Finalmente, destaca-se a Irmandade do Senhor Bom Jesus da
Cruz, na freguesia de São Gonçalo dos Campos, exclusiva de
afrodescendentes.
Ao buscarmos referências sobre as confrarias religiosas
negras na Província de Pernambuco, uma confraria chama a
atenção, pela sua antiguidade e pela sua importância e
significância para a propagação do sincretismo e preservação da
religiosidade africana na freguesia de Recife, é a Irmandade
Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, oriunda do séc.
XVII, que como muitas de sua época, escapou a inquisição da
igreja, devido a interferência da Ordem Religiosa dos
Dominicanos. Como caracterizam Souza e Valença (2008), ao
ressaltarem que esta irmandade negra teve fundamental
importância na construção de uma igreja, edificada em 1630 no
Recife, de ‘pretos e para pretos’, e também, por ter permitido que
práticas de devoção, realização de preceitos religiosos ‘católicos’
e africanos - típicos da cultura religiosa africana -, não se
perdessem por completo. Respectivamente, é válido ressaltar
que a difusão da Irmandade em toda a freguesia, contribuiu para
que o acesso dos africanos, negros brasileiros e caboclos, ficasse
10
Nesse sentido Reis (1996), ao analisar a origem étnica da Irmandade Religiosa do
Rosário dos Pretos do Pelourinho entre 1798 – 1810, ressalta que esta era formada por
96 homens e mulheres de origem Jeje; 84 afrodescendentes; 35 angolas/congos; 16
minas; 9 benguelas; 9 nagôs; 4 da costa da África e 1 de Moçambique. Total de 254
membros.
| 192 |
mais fácil, como também, serviu para aumentar os limites
espaciais do território e da territorialidade dentro e fora da igreja,
conforme ressalta Veinsecher (2010):
As festas da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos
Homens Pretos eram constituídas, então, por danças e
batuques que não faziam parte da liturgia católica. Sendo
assim, os rituais manifestados por esses irmãos chegaram,
até, a ser proibidos pela Inquisição.
No Cariri cearense, mais especificamente na freguesia de
Barbalha, a exemplo da confraria religiosa da Freguesia de
Recife, foi criada em 1860 uma Irmandade Nossa Senhora do
Rosário dos Homens Pretos. A irmandade barbalhense se
diferenciava da recifense, devido ao fato de ter sido criada pela
própria igreja, que desenvolvera as ações e as finalidades da
própria sociedade, aumentando assim, o controle sobre as
práticas litúrgicas durante as festividades dos santos padroeiros,
o que não impedia que práticas como o sincretismo fossem
utilizadas, para preservação das crenças e para que a cultura
originária não se perdesse por completo; além do mais, era
acessível aos escravos (africanos, negros, forros/ alforriados e
caboclos), brancos e aos pobres livres Souza e Valença (2008).
Esclarecendo esta perspectiva, Prandi (2003, p. 17) exemplifica
que:
Para se viver no Brasil, mesmo sendo escravo, e
principalmente depois, sendo negro livre, era indispensável,
antes de mais nada, ser católico. Por isso, os negros no Brasil
que cultuavam as religiões africanas dos orixás, voduns e
inquices se diziam católicos e se comportavam como tais.
Além dos rituais de seus ancestrais, frequentavam também
os ritos católicos. Continuaram sendo e se dizendo católicos,
mesmo com o advento da República, quando o catolicismo
perdeu a condição de religião oficial.
Ao propormos esta análise sobre as confrarias religiosas
no Brasil, se torna possível a realização de uma melhor
compreensão das trajetórias vividas pela população negra no
| 193 |
Nordeste, e no Cariri cearense, e consequentemente, da
importância destas para a preservação da cultura religiosa
africana. Assim, percebemos que as diferenças étnicas propostas
pelas elites dominantes, seguiam o modelo do “divida et impera,
tertius gaudens”11, todavia, graças ao trabalho realizado pelas
irmandades de pretos por todo o Brasil, não conseguiram
alcançar seus objetivos, ou seja, provocar a uma total aculturação
e/ou assimilação da cultura religiosa cristã na população negra
escravizada. A partir do momento que estes se utilizavam do
sincretismo religioso, a partir das celebrações a santos católicos,
e conseguiam assim, manter suas tradições, a saber: como uso de
máscaras, danças, instrumentos, cânticos e louvores, tendo em
vista que:
A reunião desses piedosos africanos, cujos idiomas e
costumes eram ignorados pelos padres, permitiu que
celebrassem, debaixo do manto de Nossa Senhora do
Rosário, muitas cerimônias que nada tinham de católicas.
No campo de tanta organização, os escravos tinham que
sujeitar-se, de qualquer maneira, ao modelo católico.
Dançavam para São Bendito, ao ritmo do ‘toque’ de
Oxumaré (Augras, 2008, p. 29).
A compreensão desses processos sociais mostra à
capacidade de residência dos africanos diante de todo o contexto
de segregação a aculturação que a eles foram impostos, a partir
do desenvolvimento de redes sociais que conseguiram aumentar
o círculo para preservação dos saberes e na manutenção da
liberdade pessoal no interior das confrarias e no exterior destas
para com as normas segregacionistas da sociedade escravagista.
Outro fato importante a ser apontado, é a inquestionável
importância destas confrarias, na região do Cariri cearense
(Nunes, 2007), para a manutenção da herança cultural africana,
que permitiu a sobrevivência dos “Reisados de Coroação de Reis
11
Dividir para dominar.
| 194 |
do Congo”12 que se espalharam por muitas cidades, como
Barbalha, Missão Velha e Juazeiro do Norte (Nunes, 2011a), o
que demonstra que os campos de sociabilidade africanos diante
da escravidão, permaneceram mesmo que simbolicamente
representados nas regiões analisadas (Nunes, 2011b).
Neste sentido, avulta-se que o poder político destas
irmandades de pretos, foi responsável pela ressignificação de
toda uma estrutura política antiescravagista, a partir da
proposição de ações de reciprocidade promovidas pelas redes
sociais desenvolvidas e aprimoradas no interior e exterior das
Irmandades de Pretos. Fato a ser destacado é que, mesmo diante
da tentativa de extermínio cultural dos artefatos da cultura
negra, através de agentes desagregadores externos que
intentavam diluir e fragmentar a identidade originária africana
em seus afrodescendentes, estas irmandades contribuíram com a
manutenção da identidade cultural e ancestral africana (Melo,
2016; Nunes, 2011a). Corroborando com esta perspectiva sobre o
poder político das irmandades de pretos ressalta Moura (1994)
que:
Os grupos étnicos, as comunidades negras ou bairros rurais
negros travam, portanto, uma luta permanente nos níveis
econômicos e sociais para que os seus padrões culturais, não
sejam manipulados ou hostilizados pelos grupos de fora ou
pela sociedade abrangente através de seus agentes
desagregadores. Quando essa identidade étnica se dilui ou
se fragmenta, um dos recursos usados é a fuga do agente
discriminado para uma identidade simbólica e ambígua
(Moura, 1994, p. 157).
Visto que a partir desta perspectiva, o conteúdo principal
da próxima análise será estabelecer uma compreensão a partir
12 Nesse sentido, Santos (2007, p. 33) afirma que “a coroação de Reis Congo no Brasil
aponta para um processo de cristianização mais longo, iniciado na África do século
XV, quando o primeiro soberano congolês se converteu ao catolicismo. Esse processo
de cristianização levou ao ‘aportuguesamento’ das instituições do congo, por sua vez,
não exterminou as tradições bakongo, servindo mais a interesses econômicos e de
governo do que a interesses propriamente religiosos”.
| 195 |
das interações produzidas pelas ações de reciprocidade, saberes
litúrgicos e contatos sociais mantidos pelas confrarias religiosas
que conseguiram reinventar a tradição religiosa rural africana no
cotidiano territorial e espacial urbano das cidades, surgindo
assim, os Terreiros de Candomblé que permitiram que os negros
pudessem viver e reviver suas religiosidades, seus costumes e
tradições.
O CANDOMBLÉ NO CARIRI E ÀS TENSÕES POLÍTICORELIGIOSAS
Ao nos aproximarmos da análise sobre a gênese do
candomblé brasileiro e consequentemente sobre a etimologia da
palavra candomblé, nos deparamos com uma surpresa, ou
melhor, com três grandes surpresas, a saber: a primeira é que não
se sabe com certeza onde a tradição religiosa africana teria
começado no Brasil, ou seja, as informações existentes se
confundem e não se sabe qual teria sido o primeiro terreiro de
candomblé ou a casa matriz13 que teria originado todas as outras
pertencentes ao imenso panteão religioso africano, repleto de
diferentes nações, etnias e asés14; por outro lado, não se sabe
muito sobre a origem, ou melhor, quando a palavra teria sido
13 Força ancestral e espiritual.
14 Por muito tempo se acreditou ser o Terreiro Casa Branca do Engenho Velho, o
primeiro terreiro de candomblé brasileiro, surgido ainda na primeira metade do
século XIX, mas algumas pesquisas têm contestado esta história, dando a antiguidade
ao Terreiro Casa de Oxumaré, o qual teria surgido ainda no século XVIII, na cidade
de Cachoeira, Bahia. A Casa de Oxumarê, Associação Cultural e Religiosa São
Salvador - Ilê Oxumarê Araká Axé Ogodô, fundada por Manoel Joaquim Ricardo,
Babá Talabi, entre o final do século 18 e inicio do séc.19, tem suas origens ligadas no
culto à Ajunsun, praticado no Calundu do Obitedó, em Cachoeira - Ba. Assim, ao
contabilizarmos o seu nascimento no Calundu do Obitedó, e sua posterior passagem
pela Cruz do Cosme, até a sua transferência para a Mata Escura, no atual bairro da
Federação, a Casa de Oxumarê completaria, nestes cálculos, mais de 200 anos de
existência. Esse fato não é decisivo para o presente trabalho, porém é importante ser
salientado. De todo modo existe uma unanimidade quase geral sobre as casas
matrizes do àsé ou os primeiros terreiros de candomblé da Bahia, os quais são
enumerados por Casa de Osumare, a Casa Branca do Engenho Velho, o Gantois, o
Opo Afonjá, o Alakétou, o Asé Bogun, o Kwe Seja Unde, o Kupapa Unsaba e tantos
outros.
| 196 |
usada pela primeira vez15. Por conseguinte, predomina outra
incerteza, a saber, se as primeiras casas que buscaram recuperar
ou reinventar a tradição religiosa africana; e se estas teriam
surgido primeiramente no espaço urbano ou no rural brasileiro?
Verdade é que a expansão religiosa dos terreiros de candomblé,
independente das nações, só teve maior êxito com o declínio e
término da escravatura, e consequentemente, com a urbanização
das cidades, e a territorialização de espaços sagrados que
buscavam recuperar a identidade religiosa africana no espaço
territorial urbano brasileiro.16
Dentro desta linha de pensamento, parafraseando Santos
(2010), entendemos que para se entender o processo de formação
do universo religioso africano e a sua ‘reinvenção’ enquanto
‘Candomblé’ no Brasil, temos que aceitar a tese de que o
reconhecimento da unidade espacial de um terreiro de
religiosidade afro-brasileira, passa em primeiro lugar, pela
aceitação de e aquisição da identidade religiosa de
‘candomblecista’ enquanto sujeito de uma rede social em busca
de uma identidade de pertença, pois, este espaço sagrado só será
sagrado para seus adeptos e praticantes. Dialogando com esta
perspectiva Silva acrescenta que “num ambiente de constante
negação como o nosso, a criação de uma identidade positiva (...)
será construída a partir de uma atitude relacional entre a pessoa
e a coletividade” (Silva, 2011, p. 9).
Todavia para que o desenvolvimento de uma ‘identidade
de pertença’ ocorra é necessário que antes se compreenda as
causas que originam o processo de negação da identidade
15 Santos (2007, p. 62) citando uma matéria do Jornal A ordem de 03.09.1904, p. 02, em
matéria denominada “As vítimas do fetichismo” expõe que “com o fim do sistema
escravocrata e a proclamação do regime republicano houve um significativo
crescimento do número de candomblés que conseguiram se organizar de maneira
mais aberta, uns mais rápido que outros. Encontramos a palavra candomblé na
imprensa da cidade de Cachoeira pela primeira vez no dia 3 de setembro de 1904”.
16 Outro fator que não deve passar despercebido, sobre a origem dos primeiros grandes
templos, é se eles surgiram no território urbano ou rural (Augras, 2008).
| 197 |
individual que não é uma atitude meramente individual, mas
antes de tudo, uma reação que se apreende nas representações
sociais oriundas das inter-relações entre diferentes grupos
sociais. No que concerne ao tema em questão, verifica-se que o
entendimento sobre a territorialidade, território e identidade é
de fundamental importância a nosso ver, pois é a partir da
vivência dentro deste contexto social que trajetórias próprias de
auto atribuição são indicadas (Melo, 2017). Constata-se assim,
que o conceito de auto atribuição é dotado de relações territoriais
específicas que se deram e consequentemente, darão na
conjuntura sociopolítica iniciada pelo isolamento e pela
resistência enquanto estratégias de proteção e subsistência que
marcarão a formação social heterogênea do grupo religioso
dentro do terreiro (Silva; Melo, 2018).
Neste contexto, avulta Melo (2016), em sua pesquisa-ação
sobre as “Pretagogias na Educação e na religião dos Òrìsàs na
Cidade de Padre Cícero” com sacerdotisas e/ou sacerdotes de
candomblé Ketu, Angola e Jeje em Juazeiro do Norte, assevera
que as irmandades religiosas tiveram papel fundamental na
manutenção da identidade cultural, não apenas no que diz
respeito à manutenção do status quo ancestral africano, mas
também, para fomentação do poder político que às comunidades
religiosas de terreiros de candomblé – umbanda, quimbanda e
jurema – junto aos seus territórios e às suas territorialidades
localizadas em locais longínquos em regiões acidentadas,
desabitadas e afastadas nos subúrbios urbanos da Macrorregião
do Cariri cearense. Em outro estudo, pontua Melo (2017) que a
questão dos territórios e territorialidade dos terreiros de
candomblé em Juazeiro do Norte e Crato, localizam-se em zonas
periféricas17 nos subúrbios, acompanhando a mesma tendência
nacional, quando verifica-se que no “Brasil a dentro” terreiros de
17
aquilombamentos sociais pretos.
| 198 |
candomblé e demais religiões de matriz africanas procuram
afastar-se das áreas mais nobres, buscando assim, evitar futuros
problemas com as elites que ainda hoje detêm o poder político
nas brasileiras, uma vez que:
verifica-se que o entendimento sobre a territorialidade,
território e identidade é de fundamental importância [...]
dentro desse contexto social onde conjuntura sociopolítica
iniciada pelo isolamento e pela resistência como estratégias
de proteção e subsistência do grupo religioso [...]. Assim, a
distância das zonas nobres significaria a própria
sobrevivência do terreiro. Ao tentar mapear os primeiros
terreiros de candomblé em Juazeiro do Norte, vimos que as
comunidades religiosas que se localizavam no centro ou
próximas às áreas habitadas pelas “elites culturais e
econômicas” sofreram mais perseguição (Melo, 2016, p. 166).
Do mesmo modo, entende-se que as estratégias territoriais
de distanciamento significariam a própria sobrevivência do
terreiro, diante de estratégias de fuga à perseguição do racismo
religioso que ocorre no cotidiano de muitos fieis das religiões de
matrizes africanas, principalmente, em dias de festividades
religiosas, quando as festas de louvor aos Òrìsàs acontecem por
toda a madrugada (Ifadireó et. al., 2020). Conforme podemos
perceber, ao tentarmos mapear os primeiros terreiros de
candomblé em Juazeiro do Norte, vimos que as comunidades
religiosas que se localizavam no centro ou próximo as áreas
habitadas pelas “elites culturais e econômicas” sofreram maior
perseguição. Diferentemente da realidade histórico-religiosa
vivenciada pelas ‘comunidades religiosas dos povos de terreiro’
nas duas mais importantes metrópoles do nordeste, como
Salvador e Recife, o candomblé cearense, tanto em Fortaleza
como na região do Crajubar, é muito recente no que diz respeito
ao culto aos orixás, nkices e vooduns. Pois, suas primeiras casas
surgiram em finais da década de cinquenta em Fortaleza e
meados da década de setenta no Crajubar:
| 199 |
O candomblé no Cariri de uma forma geral, iniciou-se com
o Tata Beto de Mutalambo, em meados para finais dos anos
1970, quando este abriu a sua casa. Eu acho que ele era
filho da Mam’etu MabéOrô, de Alagoas [...] bem todo
mundo falava isso [...]. Aí vem o Tata Anikan e a Mem’etu
Delewy há cerca de 35 anos. A Mem’etu Delewy era foi
iniciada pelo Tata Onêdegê, filho do Tata Kamunkan e,
depois, com a morte deste ele passou a ser filho da Mem’etu
Mabê Orô... é... foi isso! Acho que eles eram todos de
Alagoas, só que o Pai Beto, Tata Onedegê, conheceu a
Delewy aqui em Juazeiro do Norte, ele já tinha casa aberta
em finais dos anos de setenta, eu acho. (Entrevista realizada
em 2015 com o Pai Mutaruessy do Nkisi Teleku Mpensu,
apud. Melo, 2016, p. 167).
Dentro desta perspectiva Silva (2011) esclarece que o
processo de edificação da identidade individual, é antes de tudo
“um processo constante de identificação do eu ao redor do outro
e do outro em relação ao eu” (Silva, 2011, p. 9) que se constata, a
nosso ver, dentro de um espaço social (território) definido e
delimitado pelo próprio grupo ou comunidade. Assim, ao
analisar a construção e a utilização do termo território pelas
Ciências Sociais, observa-se que:
[...] o conceito de território é ubíquo e amplo. Para os
geógrafos trata-se de um dos conceitos fundadores da
disciplina, que se relaciona com outro de complexidade
ainda maior, que é o espaço. (..) Para os biólogos e ecólogos
o conceito de território serve como recurso heurístico para
análise do habitat e das formas de uso dos biomas e
ecossistemas pelos animais. Os Antropólogos e etnólogos
usam o conceito de território pra descrever e delimitar o
espaço em que transcorrem relações e interações de
determinados grupos sociais em geral demarcados por meio
de símbolos e representações (Schneider, 2009, p. 3).
Nesta perspectiva, concebemos a necessidade de se
compreender o território enquanto um espaço delimitado a
partir das relações sociais e pelo processo de ocupação do grupo
social, que desenvolve consequentemente, estratégias de
territorialidade. Conforme aponta Storey ao afirmar que:
Em geral, o território reverte a uma porção do espaço
geográfico, o que é reivindicado ou ocupado por uma
| 200 |
pessoa, grupo de pessoas ou uma instituição. Território é,
assim, uma área de espaço limitado. Territorialidade é o
processo pelo qual esta indivíduos, grupos e instituições
reivindicam o território ocupado (Storey, 2001, p. 11
[tradução nossa]).
Diante desta pressuposição teórica, levantada por Storey
(2001), é válido ressaltar que não se intenta aqui caracterizar a
materialidade do termo território a partir de sua etimologia, más
a observação a outro ponto que deve ser considerado, a saber, as
ações realizadas pelos grupos ou atores sociais que se
organizaram e se estruturaram em um determinado território
(Arruzo, 2012). Para finalizar acrescentamos que a
territorialidade religiosa remete a identificação individual
enquanto membro de uma determinada comunidade religiosa
ou de uma nação religiosa, como a exemplo do recorrente em
todo o território religioso brasileiro, esta identidade se reflete no
Crajubar, desde a chegada dos primeiros Pães de Santo, até o
hodierno, onde os pais e mães de santo da região metropolitana
do Cariri procuram a sua legitimidade a partir da busca aos
primeiros terreiros, socialmente reconhecidos como detentores
da tradição religiosa, em grandes centros, como Salvador, Rio de
Janeiro e São Paulo.
CONCLUSÃO
Diante do que foi pelo presente trabalho exposto, ficou
explícito o caráter descritivo-dialético que direcionou o nosso
estudo. A partir do momento que realizamos uma reconstrução
histórica de pensadores afrorreferenciados - tais como Firmin
(2011), Ramose (2011), Fanon (2022), se tornou possível, por um
lado, abordar as questões da africanidade e da afrodescendência,
interseccionando estes conceitos com a importância das
irmandades pretas no Ceará durante o período que procedeu a
escravidão negra; e por outro lado, se foi possível ressignificar a
| 201 |
conjuntura e o poder político que estas tiveram com a
transmissão e preservação da identidade cultural e religiosa do
povo negro e, respectivamente, das comunidades religiosas dos
povos de terreiro.
Procuramos analisar a evolução das irmandades religiosas
negras tradicionais enquanto movimento, e enquanto rede social
a partir da perspectiva de africanidade e afrodescendência de
Cunha Jr (2020) e as concepções sobre os conceitos de resistência
de Scott (2002) se percebe que alternativas tais como fuga,
esconderijo foram utilizadas como forma de resistir a opressão
do regime escravista criminoso. Regime este que se
fundamentava em leis e decretos que pouco a pouco, num
processo lento e gradual, foram sendo questionados e revogados
ensejando na abolição total da escravidão em 1888. Os Estudos
Decoloniais e Afrorreferenciados serviram para a reconstrução
de conceitos e paradigmas, e permitiu que constatássemos como
as teorias e abordagens raciais se proliferaram (em meados do
século XIX a inícios do século XX) nas Ciências Sociais. Assim, se
tornou possível entender como o ambiente acadêmico brasileiro
negligenciou a figura do negro, as comunidades religiosastradicionais negras, fato este que só veio a obter maior
visibilidade nas últimas décadas do século XX. Os conceitos de
território, territorialidade e identidade serviram para
compreensão das relações desenvolvidas sobre a formação social
heterogênea das diferentes nações étnico-raciais que originaram
três ramificações religiosas distintas na religiosidade do
candomblé para nós “reinventadas” no Brasil, a saber,
candomblé Ketou, Jeje e Angola.
As redes sociais das irmandades pretas conseguiram não
apenas manter e promover a identidade cultural e ancestral
africana (Melo, 2016; Nunes, 2011ª), bem como produzir nos
indivíduos a competência de perseguirem suas ações de forma
| 202 |
racional até a obtenção de um determinado fim - mesmo diante
de adversidades que acompanhavam o embate entre classes
sociais, as instituições sociais e o Estado – o qual é hoje
representado pela liberdade de religiosa, de crença e expressão
(Moreira, 2019; Azevedo, 2010). Sobrevivendo as truculências,
perseguições, discriminações e preconceitos o papel das redes
periféricas das irmandades de pretos foi de fundamental
importância para a propagação de valores sociais, individuais e
coletivos, que permitiram ao ‘povo de santo’ “reinventar” o
candomblé no espaço urbano brasileiro (Melo, 2016).
Finalmente, gostaria de finalizar acrescentando que muito
há o que ser analisado, muito há o que ser compreendido, pois,
este artigo não ambicionava responder a todos os
questionamentos que tínhamos antes de escrevê-lo, todavia não
logramos no êxito, quando verificamos que esta tarefa deveria
ser especificamente aprofundada. Sob esta incerteza ficou a
dúvida, a qual poderá ser respondida em um trabalho de campo,
observatórios, participativos ou por histórias orais de vida, que
não foi o objetivo do presente artigo, que consistia apenas em
promover uma revisão bibliográfica em torno das redes sociais
de irmandades pretas na (re)invenção do candomblé no Cariri
cearense (Ifadireó, 2021).
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| 211 |
CAPÍTULO 9
ESCREVIVÊNCIAS DE UM PERCURSO ANTIRRACISTA NA
CIDADE DE GASPAR SANTA CATARINA: “O PAPEL DO
BRANCO NA LUTA ANTIRRACISTA”
Cristiane Westrup
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DE UM PERCURSO
FORMATIVO ANTIRRACISTA NA CIDADE DE GASPAR EM
SANTA CATARINA
Este relato de experiência, traz as percepções acerca da
formação realizada com os professores do Instituto Federal
(IFSC) na cidade de Gaspar em Santa Catarina no dia 25 de julho
de 2023.
Como integrantes do Núcleo de Estudos em Gênero e Raça
(Negra/Unesc)1, fomos convidadas eu e a professora Tatiane
Beretta para realizar uma formação naquela instituição com a
temática que acompanha o título deste relato “o papel do branco
na luta antirracista”. Quando adentramos em uma região, que
historicamente é vendida como de cultura de tradição
germânica, constituída a partir da “imigração” europeia, assim
como a cidade de Blumenau, Gaspar e regiões próximas, cidades
nas quais, a “exaltação às origens europeias” retomam questões
como a de supremacia racial branca, o neonazismo e, que
abordar a questão racial se torna tão necessário e ao mesmo
tempo desafiador. É neste sentido que falar sobre racismo,
branquitude, sobre o lugar do branco na luta antirracista são
temáticas imprescindíveis para se compreender as relações
raciais e o racismo estrutural constituidor da hierarquia social
1
O Núcleo de Estudos em Gênero e Raça (Negra) é institucionalizado na Universidade
do Extremo Sul Catarinense (Unesc) e colabora na luta das mulheres negras a partir
de pesquisas engajadas na militância antirracista.
estabelecida na sociedade brasileira, porém, quando o público
ouvinte são pessoas brancas, se espera certa resistência,
hostilidade ou mesmo reações violentas.
Neste contexto, se compreende o apagamento que há na
história sobre os indígenas e os negros que constituem e fazem
parte da história do Estado de Santa Catarina, como se todas as
cidades catarinenses fossem fundadas ou construídas a partir da
colonização e da presença do imigrante de origem europeia
oriundos da Alemanha ou da Itália especificamente.
Essa colonização demarca todo o espaço das cidades
visitadas, em todos os lugares. A rodoviária da cidade de
Blumenau, lembra a arquitetura da Alemanha nazista da
Segunda Guerra Mundial. A cidade é constituída pela cultura
germânica, praticamente em todos os lugares, pessoas brancas
ocupam quase todos os espaços, o centro da cidade e, é percebida
na linguagem, na culinária, na arquitetura, nos nomes dos
estabelecimentos comerciais (hotéis, shoppings, igreja), tudo
remete à colonização europeia, na preocupação das pessoas pela
origem e pelo nome dos visitantes.
| 213 |
Rodoviária cidade de Blumenau/SC – jul. 2023. foto Cristiane Westrup.
O hotel onde ficamos hospedadas na cidade de Blumenau,
chama atenção logo na entrada com o nome “Himmelblau”, “céu
azul” na língua alemã. No hotel as pessoas nos receberam com
um tratamento cordial, mas afinal, somos duas mulheres
brancas. Nos chama a atenção questões que são históricas na
sociabilidade racista brasileira, a segregação dos espaços – para
negros e brancos – neste sentido, logo quando você chega no
hotel em destaque nas portas dos elevadores está escrito em
português para não deixar dúvidas, na cor preta e com letras
garrafais: “elevador social” e “elevador de serviço”. Esta prática,
demarca nitidamente o espaço de forma segregada. Nas duas
cidades, circulam poucas pessoas negras, como se pôde
| 214 |
constatar, e mesmo aquelas que encontramos ou pudemos
observar, ocupavam lugares subalternizados, se encontrando em
postos de trabalho precarizados.
Logo do Hotel Himmelblau cidade de Blumenau/SC – jul. 2023. foto Cristiane Westrup.
Fomos convidadas para jantar na cidade de Blumenau
num local designado como “Vila Germânica” na segunda-feira à
noite com alguns professores. Na entrada se encontra uma
logomarca “patrimônio cultural”, demarcando aquele local e
aquela cidade como a “capital brasileira da cerveja” desde 1860,
neste local é realizada a “Oktoberfest”. Na mesma imagem, ao
centro, destaca-se uma cervejaria trazendo o modelo da
arquitetura local, também designada como “patrimônio
cultural” da cidade, as construções em enxaimel. No espaço,
havia um maior número de pessoas brancas jantando e se
| 215 |
divertindo, pessoas negras no mesmo espaço se encontravam
servindo e trabalhando. O único negro sentado à mesa era o
professor Luiz Herculano. Os lugares são muito parecidos nessas
situações, como em todos os lugares onde há espaços segregados
pela raça, mas, em nossa percepção, a cidade de Blumenau é
ainda mais marcante essa delimitação.
Entrada Vila Germânica cidade de Blumenau/SC – jul. 2023. foto Cristiane Westrup.
Na terça-feira do dia 25 de julho de 2023, quando fomos
para o evento, preocupei-me em como seria a recepção das
pessoas sobre a temática “o papel do branco na luta antirracista”
a ser apresentada como proposta de formação para professores.
A professora Tatiane que me acompanhou e compartilhou
comigo a atividade de formação com os professores do Instituto
| 216 |
Federal Campus Gaspar/SC, também estava apreensiva sobre a
atividade.
Quando chegamos ao local fomos bem recepcionadas
pelos professores do Instituto Federal (IFSC) campus da cidade
de Gaspar/SC, como pela grande maioria do nosso público. A
princípio iríamos fazer uma fala com os alunos do campus, o
Professor Luiz Herculano, que nos fez o convite, entendeu que
era primordial fazer uma formação com os professores, trazendo
a temática do papel do branco na luta antirracista. Foi minha
primeira formação para professores fora da plataforma Google
Meet, proporcionando novas experiências e muito aprendizado,
pois interagimos com pessoas que têm experiência na docência,
o que demanda uma responsabilidade maior, mas, que resultou
em uma troca muito gratificante.
Formação para professores IFSC. Fonte: IFSC/Gaspar/SC jul. 2023.
A maioria dos professores presentes entenderam a nossa
proposta, a troca de experiências, a escuta, o interesse em
| 217 |
contribuir para o debate, o papel do branco na luta antirracista.
Contribuíram, debateram, trouxeram experiências e percepções.
Nas contribuições e percepções dos professores, pode-se
observar certa surpresa quando abordamos o racismo enquanto
estrutura e também se percebeu a dificuldade em reconhecer-se
como parte da estrutura racista em nossa sociedade. O racismo
foi abordado enquanto estrutura, assim como sob o contexto
institucional e também sua compreensão sobre seu aspecto
moral. Outra fala marcante foi quando falamos sobre a
branquitude, gerando curiosidade, questionamentos acerca do
conceito, e a dificuldade das pessoas brancas se entenderem
enquanto racializadas e de se colocarem como parte deste
mecanismo de poder.
De acordo com Dennis de Oliveira (2021), o racismo é uma
ideologia que consolida as relações sociais particularmente em
um país historicamente marcado por mais de três séculos de
escravização de africanos e seus descendentes abolida
tardiamente, o último país a abolir a escravidão no continente
americano. O racismo estrutural é um produto de uma estrutura
sócio-histórica de produção e reprodução de riquezas. Neste
sentido, constitui a base material das sociedades, e nestas que se
deve investigar os fundamentos do racismo estrutural (Oliveira,
2021).
O “racismo é uma construção ideológica e suas práticas se
materializam nos diferentes processos de discriminação racial”
cumprindo a função de reprodução das classes sociais em dois
aspectos complementares: o primeiro é a reprodução dos lugares
das classes sociais (principal) e o outro, a reprodução dos atores
e sua distribuição entre seus lugares (subordinado). Enquanto
um mecanismo ideológico, opera na reprodução das relações de
produção, constituindo os sujeitos que devem ocupar os lugares
| 218 |
subalternos no mercado de trabalho (Oliveira, 2021; Gonzalez,
2020).
Lélia Gonzalez (2020), nos diz que uma das heranças da
colonização no Brasil foi a instituição de uma sociedade com
estruturas de hierarquias, de forma que o racismo se efetiva não
estando legalmente institucionalizado. As hierarquizações,
construídas no período colonial marcado pelo escravismo
estabeleceram os lugares sociais para brancos e negros, mesmo
sem a explicitação legal do racismo (Apartheid velado) (Oliveira,
2021; Gonzalez, 2020).
O racismo institucional é compreendido sob o contexto de
que as relações e conflitos raciais são integrantes das instituições.
A desigualdade racial é posta sob os interesses de determinado
grupo racial, tratando-se de interesses políticos e econômicos e
que detém o poder como característica central de dominação,
impondo à sociedade padrões, regras e condutas (Almeida,
2018).
O racismo aparece no plano moral como um
comportamento apenas, uma atitude que se explicaria pelo
caráter ou pela conduta da pessoa, tentando modelar-se por uma
perspectiva estrutural que essencializa o sujeito que o pratica
num lugar racializado. “O branco é assim mesmo, faz
“branquice” e não há o que fazer” (Oliveira, 2021).
A questão dos privilégios materiais e simbólicos
atribuídos à branquitude. Compreenderam a branquitude como
um lugar de poder, uma forma de ver e racializar o outro ao
passo que pessoas brancas não se veem enquanto racializadas,
ocupando esse lugar de “conforto” e de privilégios.
Lia Vainer Schucman (2012) caracteriza a branquitude
como uma forma de viver no mundo, uma forma de estar no
mundo. Uma identidade racial branca, porém, não pensada
enquanto raça. Não sentida como raça. Existem privilégios
| 219 |
materiais e simbólicos nessa construção. A ideia de raça foi
construída pela ciência no século XIX, pela criação de um
fenótipo. Através deste fenótipo se constitui uma noção de
civilização (Schucman, 2012).
A branquitude se constitui por uma percepção de que o
branco representa a humanidade de forma universal, enquanto
negros, indígenas e outros grupos racializados fazem parte de
uma humanidade particular. Se apropriar da ideia de raça
construída no século XIX, para afirmar que brancos são
superiores moralmente, intelectualmente e esteticamente é a
base da branquitude. A branquitude é um lugar de poder, uma
forma de ver e racializar o outro, hierarquizar racialmente o
outro. O negro é a construção objetificada colonial,
desumanizada na medida que o branco se cria enquanto sujeito
(Fanon, 2008; Schucman, 2012).
Maria Aparecida Silva Bento (2019) nos ensina sobre a
branquitude, afirmando que há a existência do silêncio, da
omissão ou uma distorção do lugar ocupado pelo branco nas
relações raciais no Brasil. Existindo assim um pacto (um pacto
narcisístico) entre os brancos pelo não reconhecimento do
racismo estrutural e de se colocarem enquanto parte, na
produção e na manutenção das desigualdades raciais. Essa
rejeição de discussão sobre o branco faz parte do não
reconhecimento de privilégios, sejam estes simbólicos ou
materiais (Bento, 2019).
E, que de certa maneira, todo branco que se dispõe a
assumir sua responsabilidade sobre as relações raciais, e que
reconhece sua branquitude é tido como “progressista” ou que se
preocupa com os “problemas sociais e raciais”. Reconhecer a
branquitude e seus privilégios, como nos lembra Schucman
(2012), não significa abrir mão dos privilégios. Por sua vez, Bento
(2019, p.148) afirma que: “ao discutir sobre o racismo, pessoas
| 220 |
brancas almejam tematizar uma opressão existente na
“sociedade” não aquilo que lhes é atribuído diretamente, ou que
esteja presente nas instituições das quais fazem parte”.
Como esperado, alguns professores tiveram um
posicionamento mais hostil, ficando em silêncio, mas não
esconderam o incômodo nas muitas expressões faciais, como
tiveram professores que ficaram com a cara fechada e de braços
cruzados. O incômodo é necessário, seja para provocar reflexão,
compreensão e, a partir destas ações concretas, mas pode
também demonstrar desinteresse, aversão, desprezo,
indiferença.
Lembro-me de um professor, que dormia ou fingia dormir
durante a nossa fala. Essa postura, foi a percepção mais forte para
mim, chamou atenção porque ele escorou o rosto entre as mãos,
manteve os olhos fechados, ignorando nossa presença. Para
mim, a leitura que faço dessa atitude é que ele nos ignorou por
completo, apesar de permanecer naquele espaço, demonstra que
ele não queria estar ali. Estava seguindo um protocolo.
Partilhamos do sentimento de incômodo, a partir das
expressões do público, falar sobre relações raciais, ainda é uma
temática não enfrentada por nós pessoas brancas, porque é muito
confortável se afirmar não racista sem enfrentar a realidade e
como a estrutura racista da sociedade nos beneficia, direta e
indiretamente. A necessidade e urgência de abordar a luta
antirracista, enfrentar o racismo, denunciar o mito da
democracia racial, expor a branquitude e seus privilégios, fazem
com que o núcleo de Estudos em Gênero e Raça (Negra/Unesc)
se empenhe nestes percursos formativos.
Ainda partilho de outras leituras sobre esta experiência, a
de que é normalizado em nossa sociedade, pessoas brancas não
se verem enquanto racializadas, e a partir disso, percebemos que,
não se é bem recebida no local em que você, enquanto pessoa
| 221 |
branca vai falar para outros brancos sobre violência racial, expor
ao público que eles são racistas, e que nós somos racistas e que
precisamos desconstruir isso.
O fato dos professores do IFSC, muitos serem de outros
estados brasileiros, fez com que falássemos para um público
diversificado, não um público local. Apesar das configurações, a
cidade de pessoas adeptas ao neonazismo, extrema direita,
supremacia branca, com arquitetura eurocêntrica, germânica, o
modo de tratar as pessoas, de acordo com o sobrenome, ou a
aparência, ou seja, uma pessoa branca é tratada de certa forma,
enquanto uma pessoa não branca tem tratamento diferente. Cabe
destacar que o Estado de Santa Catarina historicamente tem um
elevado número de células nazistas, que se multiplicaram, após
os anos de governo Bolsonaro.
Porém, esses fenômenos não são atuais, pois o estado de
Santa Catarina, segundo os estudos de Adriana Abreu
Magalhães Dias (2007), a forte presença desses grupos
extremistas possui origens históricas, sociais e culturais e que
enaltecem o pertencimento de sangue às origens alemãs ou
mesmo europeias, ao passo que não se identificam como
brasileiros (Dias, 2007, p.106). Essa ideia de pertencimento, que
reforçam a perpetuação da suposta supremacia branca, um dos
pilares da branquitude tematizada na formação que realizamos
em Gaspar/SC.
A antropóloga Adriana Dias, doutora pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora do tema,
monitorou há 18 anos movimentos de células extremistas de
direita no país. De acordo com ela, o estado tem atualmente
85 células neonazistas organizadas em ação. O estudo dela
indicava que eram 69 — ou seja, houve um crescimento de
23% na quantidade desses grupos (Dias apud Welle, 2020,
s/p).
É neste sentido, que, falar de antirracismo no território
catarinense, se transforma em um desafio maior do que ele é,
| 222 |
porém, por conta deste arquétipo da branquitude que duas
mulheres brancas foram bem tratadas, mesmo falando sobre luta
antirracista, o que, certamente, não aconteceria se fossemos
mulheres negras, sem dúvidas, teríamos tido tratamento
diferente tanto na chegada em Blumenau, assim como em
Gaspar, na formação de professores. Eu, assim como a professora
Tatiane somos mulheres brancas. A professora Tatiane não é
vista como branca quando lida ou vista dentro de uma região
como Blumenau, por exemplo.
Uma das professoras do Instituto Federal, uma mulher
negra, relatou que já sofreu racismo na instituição e, nos afirma
a importância de nós brancos nos reconhecermos enquanto
racializados e a importância da compreensão do racismo e da
nossa atuação na luta antirracista, assumida enquanto uma
responsabilidade, e que a violência racial, o preconceito, a
discriminação afetam a todos, mas violenta, desumaniza, mata
em grande proporção corpos negros.
Ao passo que é abordado esse tema - para as pessoas
brancas ouvirem – ao se depararem com outra pessoa branca
falando de relações raciais, se colocando como aliada da luta
antirracista, causa, a elas, estranheza, isso se dá, porque se
colocam fora dessa questão. As pessoas se “chocam” no início,
quando veem uma pessoa branca falar de relações raciais, sobre
racismo, mas não se veem enquanto causadoras ou beneficiárias
de uma sociedade estruturada pelo racismo, que violenta, exclui,
extermina a população negra sistematicamente e que
normalizam essas violências. Se fossemos duas mulheres,
professoras negras, chegando naquele espaço e abordando um
público branco, a recepção poderia ser outra, poderiam ser
rotuladas de vitimismo ou sofrerem preconceito e discriminação.
Conclui-se com este relato, que apesar da relativa boa
receptividade, falar de antirracismo ainda é um tabu a ser
| 223 |
enfrentado, não somente na região, mas na sociabilidade
capitalista racial brasileira.
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| 224 |
CAPÍTULO 10
AS POSSIBILIDADES DE UM FEMINISMO MATRICÊNTRICO
NEGRO: CONTRIBUIÇÕES DE ANDREA O´REILLY E
PATRÍCIA HILL COLLINS
Nayara Augusto Felizardo
Thayline de Freitas Bernardelli
Nos enxergam em um lugar de dor, da subalterna, ou, no
lugar da força extrema, da guerreira. Quando é que poderemos
ser humanas?
Djamila Ribeiro
INTRODUÇÃO
Não diferente da história ocidental e tradicional, a escrita
e análise sobre a maternidade negra antes da década de 1970 –
ou seja, que antecedeu o Feminismo Negro – foi direcionada por
homens brancos e negros. Famílias eram descritas como
deterioradas (Collins, 2019, p. 291) pelo qual as mães “eram
acusadas de não disciplinar seus filhos e as filhas, de castrar os
filhos homens, de tornar suas filhas pouco femininas e de
retardar as conquistas acadêmicas de filhos” (Collins, 2019, p.
291). Observou-se que as mães afro-americanas não faziam parte
dos estudos, ou seja, eram acusadas, mas não eram ouvidas,
gerando uma interpretação errônea. Especialmente na escrita
dos homens negros, suas mães são contempladas e lembradas
como donas de um amor condicional por um lado e por outro,
como superfortes e guerreiras por enfrentar o racismo. Ao
mesmo tempo, esses negros afirmaram permitir que suas esposas
e namoradas fossem provedoras de seus lares mesmo com a
família estando abaixo da linha da pobreza, por terem a ideia que
este seria um modelo ideal vindo da cultura africana (Ladner,
1984, p. 24) – mais um motivo que leva a reflexão sobre o fato de
as mães negras não serem realmente ouvidas –. Já na literatura
das feministas brancas, as mulheres negras eram apenas
apontadas como pessoas que limpavam as casas de outras
pessoas, cuidavam dos idosos, crianças e dos doentes, onde os
problemas enfrentados em suas sobrevivências são ignorados.
A maternidade afro-americana vista de dentro para fora –
pelo olhar das próprias mães negras – não condiz as condições
vistas pelos escritores brancos e negros. Na verdade ela é um
exemplo de resiliência provinda de uma união coletiva de
mulheres negras, para fazer com que seus filhos sobrevivam ao
ambiente racista e segregado, pós escravatura (Collins, 2019, p.
310).
Por meio de uma pesquisa bibliográfica, este trabalho tem
por objetivo apresentar os conceitos que fizeram Andrea
O´Reilly (2021) acreditar que a condição cotidiana das mães
racializadas pode nortear o Feminismo Matricêntrico1 para
discernir a maternidade negra da maternidade patriarcal e
questionar: “É possível um Feminismo Matricêntrico
estritamente negro?” Após a parte introdutória, a primeira seção
trará a historicidade das mulheres afro-americanas frente a
maternidade, em sua segunda seção apresentará os principais
conceitos da maternidade negra observados por Andrea O´Reilly
(2021) e utilizados pelo Feminismo Matricêntrico, seguido pelas
considerações finais.
NEM GUERREIRAS NEM SUPERPODEROSAS: A
RESISTÊNCIA DAS MÃES AFRO-AMERICANAS
1
Feminismo específico para mulheres mães (O´Reilly, 2016).
| 226 |
A precariedade social de moraria e qualidade de vida, a
fome, violência, racismo e a conveniência de muitos genitores
com os cuidados compulsivos e normativos feito por mães
negras para com as crianças, frente a narrativa cultural da
maternidade africana, no qual elas são provedoras, é a realidade
de seus lares em uma sociedade matrifocal2. Sobre essa situação,
Collins afirma:
Em vez de compreender esses temas como “normativos” e,
em seguida, avaliar se as afro-americanas estão a altura de
certa perspectiva “essencialista” das mulheres negras,
fazemos melhor uso deles se os enxergarmos como recursos
resilientes e culturalmente específicos que podem ser
constantemente remodelados em resposta a novos
contextos. Assim como a cultura é dinâmica e se transforma,
os temas que no longo prazo tem caracterizado o ponto de
vista das mulheres negras são moldados pelo diálogo e pelas
práticas sociais efetivas (COLLINS, 2019, p. 297).
A coletividade na maternagem, feita por parentes ou
vizinhas também negras, é uma dessas transformações trazidas
por Collins (2019) em busca da garantia de sobrevivência. Nos
Estados Unidos segregado, com poucas creches, baixa qualidade
educacional em escolas públicas para negros, com o
encarceramento de jovens e a adoção de crianças negras por
parte do Estado, a enorme quantia de gravidez na adolescência –
vinda muitas vezes da violência nos trabalhos como empregadas
domésticas (Collins, 2019, p. 308) – fizeram as mulheres mães se
utilizarem da ajuda de outras mulheres da também negras como
2
Nestas sociedades, independentemente do tipo particular de sistema de parentesco,
as mulheres desempenham papéis de importância cultural e social e definem-se
menos como esposas do que como mães. A matrifocalidade, no entanto, não se refere
tanto à dominação materna doméstica, mas sim à dominação relativa. prestígio
cultural da imagem da mãe, papel culturalmente elaborado e valorizado. As mães
também são estruturalmente centrais na medida em que a mãe, enquanto estatuto,
“tem algum grau de controlo sobre os recursos económicos da unidade de parentesco
e está criticamente envolvida nos processos de tomada de decisão relacionados com
os parentes”. Não é a ausência dos homens (os homens podem estar bastante
presentes), mas a centralidade das mulheres como mães e irmãs que torna uma
sociedade matrifocal (Johnson, 1988, p. 226)
| 227 |
cuidadoras de seus filhos e filhas para poderem trabalhar e
sustentar suas casas.
O trabalho fora do lar para a sobrevivência de suas
famílias não foi um problema para as mulheres negras afroamericanas, primeiramente, porque já era uma cultura provinda
da África, segundo, porque muitas delas, ao contrário das
mulheres brancas, não tinham proteção de seus maridos e em
terceiro, porque era um exemplo para ensinar suas filhas
meninas a serem autossuficientes – o que fazia com que muitas
vezes fossem consideradas mães rígidas, dominadoras e auto
protetoras –. Segundo Collins “as mães afro-americanas
enfatizam fortemente proteção, seja tentando blindar suas filhas
das sanções ligadas ao seu status rebaixado, ensinando a elas
habilidades para serem e autônomas e se protegerem” (Collins,
2019, p. 309).
As mães de criação são um símbolo político nos Estados
Unidos. Collins (2019, p. 318), afirma que nos bairros negros
estadunidenses sempre houve as mães de criação e grande parte
do status e respeito das mulheres negras vinham do trabalho de
cuidado em comunidade. Apesar disso, a autora deixa claro que
o próprio Feminismo Negro não deu a devida importância a essa
coletividade materna, não diminuindo a importância do
ativismo das mães de criação diante delas mesmas e da
sociedade:
Entretanto, as tradições das mães de criação da comunidade
entre mulheres negras da classe trabalhadora ou pobres, tais
quais as examinadas por Nancy Naples, ainda não foram
devidamente enfatizadas pelo Feminismo Negro nos
Estados Unidos. Essas mulheres, que merecem
reconhecimento geralmente se tornam mãe de criação por
uma confluência de circunstâncias atípicas e características
individuais... Em contraste, sabemos que boa parte das mães
de criação da comunidade simplesmente trabalham em prol
da criação de seus filhos, das mulheres e dos homens sem
reconhecimento público. Ainda que as iniciativas em favor
das crianças negras sejam o principal catalisador de suas
| 228 |
ações, trabalhar em prol da comunidade significa abordar as
questões multifacetadas que as caracterizam. Essas
mulheres raramente são citadas em textos acadêmicos, mas
todas sabem quem elas são nos bairros onde vivem
(COLLINS, 2019, p. 318).
Muitas adolescentes e negras não tinham o apoio de suas
mães de sangue pois essas precisam trabalhar fora do lar e
buscavam apoios em outras mães e mulheres da comunidade.
Conscientes que isso era necessário para que elas pudessem dar
melhores condições de vida aos filhos, a manter a maternagem
coletiva se torna fonte de ativismo. A autora comenta que os
“esforços das mulheres negras para proporcionar um suporte
físico e psíquico aos filhos e afetam os estilos de maternagem e a
intensidade emocional entre mães e filhas” (Collins, 2019, p. 311),
sendo assim, as mães comunitárias – geralmente avós, bisavós,
amigas ou vizinhas – possuiam responsabilidades que levavam
ao desenvolvimento dessas comunidades, como por exemplo,
participar da vida escolar das crianças, cuidarem da saúde,
criarem programas de férias, as tornando líderes, gestoras e
ativistas contra um ambiente racista. Outro exemplo são as
professoras negras, que por meio da “maternagem da mente”
(Collins, 2019, p. 317), oferecem um diálogo de amparo e
confiança para seus alunos.
Assim, a maternidade afro-americana é um símbolo de
poder para as mães negras devido a ajuda mútua de outras
mulheres negras – que deixavam seus interesses individuais
para lutarem por uma vida digna para as crianças da
comunidade – elas são responsáveis por vidas, pelo crescimento
das crianças, tornando esse trabalho de cuidado um espaço
político.
Collins (2019, p. 321-322) apresenta o depoimento de uma
mãe de criação que entrou na frente de revolver para defender
seu filho na escola, dizendo que não sairia até a situação acalmar,
concluindo que mais do que coragem, a maternidade coletiva
| 229 |
politizou as mulheres, levando-as a buscarem conhecimento.
Logo, enquanto para as mulheres brancas a maternidade era
sinônimo de tarefa doméstica, a negra esteve influenciando o
Femismo Negro e o Matricêntrico.
A PRESENÇA DA MATERNIDADE NEGRA NO FEMINISMO
MATRICÊNTRICO
O Feminismo Matricêntrico - que é específico para
mulheres mães - cunhado por Andrea O´Reilly em 2016, tem
como pressupostos principais a maternidade feminista3 e
empoderada4, seguidas pelo combate a maternidade patriarcal5.
O primeiro fato relevante sobre a influência da
maternidade do Femismo Matricêntrico é o empoderamento
gerado pela união das mulheres negras – mães e não mães –
provindo da ajuda mútua ofertada na comunidade para a
sobrevivência e vida digna das crianças. O´Reilly (2016) atribui
essa resistência ao passado das africanas que vivenciaram uma
cultura matrifocal, ou seja, na África Ocidental as mulheres se
definiam mais como mães do que como esposas, o que gerou
grande importância na estrutura central das famílias diante de
seus filhos, nas tomadas de decisões, nas responsabilidades
econômicas, morais e culturais.
3
4
5
A maternidade feminista pode se referir a qualquer prática de maternidade que
busque desafiar e mudar vários aspectos da maternidade patriarcal que fazem com
que a maternidade seja limitante ou opressiva para as mulheres (O´Reilly, 2016,
p.155, tradução nossa).
A maternidade empoderada, portanto, significa uma resistência geral à maternidade
patriarcal; a maternidade feminista, no entanto, refere-se a um estilo particular de
maternidade empoderada em que essa resistência é desenvolvida e expressa por
meio de uma identificação ou consciência feminista (O´Reilly, 2016, p. 160, tradução
nossa).
A autora, conceitua a maternidade patriarcal, como um modelo que perdura na
história e se tornou uma instituição opressora e prejudicial as mulheres mães, em que
a maternidade é considerada uma responsabilidade natural da mulher, cabendo a
criação dos filhos unicamente a mãe biológica, mas ela mesma “não tem o poder para
determinar as condições sob as quais ela é mãe” (O´Reilly, 2016, p. 36, tradução
nossa).
| 230 |
Para Jhonson, (1998, p.226) dentro da matrifocalidade, o
patriarcado está presente na figura da esposa e não da mulher
mãe. Já na maternidade patriarcal ela é validada pelo modelo
ideal de maternagem e feminilidade, contrário do que as mães
negras propuseram. Andrea cita Collins:
Mães negras há muito tempo integram suas atividades como
provedoras econômicas em seus relacionamentos maternais.
Em contraste com o culto da verdadeira feminilidade, em
que o trabalho é definido como oposto e incompatível com a
maternidade, o trabalho para mulheres negras tem sido uma
dimensão importante e valorizada das definições
afrocêntricas da maternidade negra (O´REILLY, 2016, p.40,
tradução nossa).
Jhonson (1998, p. 184), sustenta seu pensamento a partir
da afirmação de que mulheres aprendem a ser esposas submissas
doravante a relação com seus pais. Os maridos ensinam,
portanto, suas filhas serem secundárias diante de seus futuros
maridos, pois mesmo ao tratarem como princesas no dia a dia, as
recompensam por tudo quando elas somente os obedecem,
tornando-as assim mulheres definidas e orientadas por homens.
A autora denomina essa relação de “incesto psicológico”
(Jhonson, 1998, p.173), assegurando que elas olham a figura da
mãe como uma salvadora dessa realidade inferiorizada. Sendo
assim, não existe uma ausência de homens nas sociedades
matrifocais, mas uma perspectiva de direitos e deveres nas
mulheres que estão além do suposto lado instintivo de serem
mães, pelo qual o trabalho delas se torna a base econômica do
sustento de seus filhos tornando a própria maternagem e a
função de esposa secundárias em suas vidas.
Por meio de Joyce Ladner, O´Reilly (2016) aponta a
maternidade como um momento divisório entre ser filha e assim
cultuar a valorização da feminilidade ou convencionalismo e por
outro lado ser mãe, assumindo um papel economicamente
produtivo:
| 231 |
Se havia um padrão comum para se tornar uma mulher que
era aceito pela maioria das pessoas da comunidade, era o
momento em que as meninas deram à luz seu primeiro filho.
Essa linha de demarcação era extremamente clara e separava
as meninas das mulheres (O´REILLY, 2016, p.40, tradução
nossa).
A partir das autoras alguns questionamentos podem ser
levantados: Como as mães se ocupam da maternagem ao mesmo
tempo que são responsáveis pelo sustendo de seus filhos? Caso
contrário, quem se ocupa dos cuidados dos filhos enquanto elas
trabalham fora de casa?
O que Patrícia Hill Collins (2019) denomina de
maternidade das mães de criação (Collins, 2019, p.315), Stanlie
James (1999) define utilizando os termos Othermothering e
Community Mothering, ou seja, outras mães e mães da
comunidade:
“othermothering” como “aceitação da responsabilidade por
uma criança que não é sua, em um acordo que pode ou não
ser formal.” Outras mães geralmente cuidam das crianças,
enquanto as “mães da comunidade”, como explica Njoki
Nathani Wane, “cuidam da comunidade [por] mulheres
[que] normalmente já passaram da idade fértil’. O papel das
mães da comunidade, como observa Arlene Edwards,
“muitas vezes evoluiu de ser outras mães”. James
argumenta que othermothering e maternidade comunitária
se desenvolveram a partir, nas palavras de Arlene Edwards,
práticas da África Ocidental de estilos de vida comunitários
e interdependência das comunidades (O´REILLY, 2016, p.83,
tradução nossa).
Na África Ocidental, o vínculo mãe e filho é valorizado
pois a figura materna é sinônimo de sustento e empoderamento,
enquanto os cuidados das crianças são de responsabilidade
coletiva por meio da maternagem centrada em mulheres mais
velhas, tornando todas elas intrínsecas para o desenvolvimento
das famílias. Essa cultura que reflete na maternidade afroamericana, primeiramente nas mulheres escravizadas e
| 232 |
posteriormente, no que O´Reilly denomina de maternidade
étnica racial.
Nesse sentido, Patrícia Hill Collins (in O´Reilly, 2016, p.
76), explica que para as mulheres africanas a maternidade não é
um problema como para as mulheres brancas em relação ao
trabalho de cuidado. Ao observar a maternidade afro-americana,
Collins traz o racismo, a falta de estudos e de empregos,
inicialmente como grandes problemas para as mulheres negras,
maior do que a maternidade em si, justamente pela cultura
matrifocal vinda de seus antepassados africanos. Sem contar que
“sobreviver em um mundo racista; dar a essas crianças sua
história e identidade racial-cultural; e praticar o ativismo social e
a maternidade comunitária em prol de todas as crianças da
comunidade” (O´Reilly, 2016, p. 80, tradução nossa), era o foco
das mulheres mães afro-americanas.
A maternidade se tornou uma das bases do feminismo
negro, a princípio, a partir do momento em que sua presença na
educação de seus filhos foi um motivo para luta e resistência,
pois enquanto nas mães brancas se preocupavam em passar
maior quantia de tempo próximas aos seus filhos para resgatar o
máximo a ideia de feminilidade possível, as afro-americanas
precisavam nutrir e preservar o seus, diferenciando-as da
maternidade americana que era considerada a cultura
dominante:
Collins identifica as metas das mães “raciais étnicas” como
as seguintes: manter os filhos nascidos de você; apoiar a
sobrevivência física dessas crianças; ensinar a resistência
infantil e como sobreviver em um mundo racista; dar a essas
crianças sua história e identidade racial-cultural; e praticar o
ativismo social e a maternidade comunitária em prol de
todas as crianças da comunidade. A escrita feminista branca
tradicionalmente se preocupou com a perda da identidade
feminina na maternidade e argumentou que somente
garantindo um tempo longe dos filhos e criando uma vida
fora da maternidade, as mulheres serão capazes de manter
uma identidade autônoma separada da mãe. Contra o que
| 233 |
as mães étnicas raciais lutam, em contraste, não é muito
tempo com seus filhos, mas muito pouco (O´REILLY, 2016,
p.80, tradução nossa).
A maternidade negra é essencial as crianças afroamericanas. De acordo com Sara Rudick o fato de as mães afroamericanas considerar a sobrevivência e nutrição dos filhos algo
primordial é chamado “amor preservador” (2009, p.80), no qual,
por meio do trabalho fora e dentro do lar - intitulado pela mesma
autora como trabalho de cuidado - elas garantem abrigo e
comida em lugares vulneráveis, preservando a vida das crianças
de etnia racial “desprezadas há muito tempo, logo, ser mãe para
muitas mulheres negras, principalmente entre as pobres, é
garantir a sobrevivência física de seus filhos e da comunidade
negra em geral” (O´Reilly, 2016, p. 80, tradução nossa).
Assim, a maternidade afro-americana não é considerada
patriarcal: “em contraste, o trabalho materno confere autoridade
e centralidade às mães afro-americanas; as mulheres nesta
cultura são empoderadas precisamente porque são mães”
(O´Reilly, 2016, p.8, tradução nossa), logo, a reafirmação das
crenças culturais da maternidade negra e sua rearticulação em
um ambiente racista rumo a um lar seguro é um ato de
resistência:
Em uma cultura racista que considera as crianças negras
inferiores, indignas e não amáveis, dar amor materno às
crianças negras é um ato de resistência; ao amar seus filhos,
a mãe instila neles um senso de amor-próprio e uma
autoestima elevada, o que lhes permite desafiar e subverter
discursos racistas que naturalizam a inferioridade racial e
mercantilizam o negro como “outro” e objeto. Os afroamericanos, enfatiza hooks, “há muito tempo reconhecem o
valor subversivo do lar e o lar sempre foi central para a luta
de libertação” (O´REILLY, 2016, p. 90, tradução nossa).
Carol Stack (1974, p.124), aponta a presença da
maternidade no feminismo negro também por meio dessa rede
de apoio como uma estratégia de sobrevivência crucial, pois ela
| 234 |
foi também um mecanismo de sustentação cultural e de
empoderamento diante do divórcio, da violência doméstica e de
futuros casamentos que colocassem em risco a autoridade
familiar das mulheres:
Famílias negras em The Flats [área não revelada do centro
da cidade nos EUA] e os não parentes que eles consideram
parentes, escreve Stack em sua conclusão, evoluíram
padrões de co-residência, redes de troca baseadas em
parentesco ligando múltiplas unidades familiares elásticas,
vínculos vitalícios com famílias de três gerações, controles
sociais contra a formação de casamentos que poderiam pôr
em perigo a rede de parentesco, a autoridade doméstica das
mulheres e limitações no papel do marido ou amigo
masculino dentro da rede de parentesco de uma mulher
(O´REILLY, 2016, p.87, tradução nossa).
Enquanto o Feminismo Branco lutava pela conquista do
espaço público e pelo trabalho fora do lar, as mulheres negras já
trabalham mesmo em profissões desvalorizadas para sustentar
seus filhos, com a ajuda da prática do othermothering ou
maternidade comunitária que segundo Stanlie James foi “como
um importante elo feminista negro para o desenvolvimento de
novos modelos de transformação social” (James, 1999, p. 45).
A resistência da maternidade africana reflete na afroamericana para além da nutrição e sobrevivência das crianças. A
prática da maternagem comunitária foi essencial para as mães
negras americanas como um ativismo social. Nem sempre as
mães afro-americanas podiam contar com creches, avós e bisavós
para cuidarem de seus filhos e mesmo assim obtinham ajuda de
vizinhas ou outras mulheres próximas que asseguravam a
responsabilidade do trabalho de cuidado, garantindo as crianças
a identidade étnica e emocional da cultura africana, endossando
a importância da coletividade para sobrevivência, tornando
assim possível haver um Feminismo Matricêntrico
especificamente negro.
| 235 |
CONCLUSÃO
“Mais do que um ato pessoal, a maternidade negra é muito
política”, descreve Jessé Bernard (1983, p. 47), ao considerar que
a educação, o amor condicional, a socialização dos valores de
coletividade e sobretudo o reconhecimento da importância de ter
um lar, eram conquistas provindas do ato de ser mães. Pode-se
considerar que o maternalismo das mulheres mães étnicas
racializadas influencia o Feminismo Matricêntrico no
empoderamento das mães e na força da coletividade, no qual o
trabalho materno das chamadas mães de criação, aptas a lutar a
favor de suas emancipações e visibilidades e sobretudo contra as
condições de subordinadas da sociedade, trouxe ativismo e
reconhecimento ao menos por parte dos filhos e filhas.
Este estudo, após sua parte introdutória, apresentou por
meio de uma pesquisa bibliográfica a historicidade da
maternidade afro-americana em sua primeira seção, seguida
pela influência da maternagem coletiva das outras mães ou mães
de criação no Feminismo Matricêntrico em uma terceira, seguida
pelas considerações finais.
Através dos estudos apresentados pelo livro Feminismo
Matricêntrico, Teoria, Ativismo e Prática da professora
canadense de estudos maternos Andrea O´Reilly, publicado em
2016, este trabalho propôs a análise da presença da maternidade
em um contexto histórico de mulheres afro-americanas para
pensarem um Feminismo Matricêntrico Negro por meio do
empoderamento vindo do trabalho fora do lar e do trabalho de
cuidado com seus filhos - com rede de apoio de avós, bisavós e
vizinhas - concluindo que a cultura herdada do maternalismo
negro africano não faz parte da maternidade patriarcal em que
as mães brancas estão inseridas, justificada pelo esforço da
| 236 |
conciliação do trabalho exterior ao lar com o pouco de tempo de
amor dedicado filhos no interior dele, juntamente a ajuda das
mães de criação, se tornou uma forma de resistência para a
sobrevivência das mães e crianças em um ambiente racista e
machista.
REFERÊNCIAS
BERNARD, Jessé. “Carta para sua filha.” Entre nós mesmos: cartas
entre mães e filhas, editado por Karen Payne, Houghton Mifflin
Company, 1983.
COLLINS, Patrícia H. Pensamento Feminista Negro: Conhecimento,
Consciência e Política de Empoderamento. Routledge, 2019.
DOUGLAS, Susan J. MICHAELS, Meredith. O mito da mamãe: a
idealização da maternidade e como ela prejudicou as mulheres.
Imprensa Livre, 2004.
LADNER, Joyce. Amanhã é amanhã: a mulher negra. Doubleday, 1971.
JAMES, Stanlie M. Maternidade: uma possível ligação feminista negra
com a transformação social. Teorizando o Feminismo Negro, o
Pragmatismo Visionário das Mulheres Negras, editado por Stanlie
James e AP Busia, Routledge, 1999.
JOHNSON, Míriam. Mães fortes, esposas fracas: a busca pela igualdade
de gênero. Imprensa da Universidade da Califórnia, 1988.
O´REILLY, Andrea. Feminismo Matricêntrico: Teoria, Prática e
Ativismo. Toronto: Canada. Editora Deméter. 1ª ed. Vol 1. 2016.
O´REILLY, Andrea. Feminismo Matricêntrico: Teoria, Prática e
Ativismo. Toronto: Canada. Editora Deméter. 2ª ed. Vol 1. 2021.
RUDDICK, Sara. Pensamento Materno: Rumo a uma Política de Paz.
Imprensa Farol, 1989.
STACK, Carol B. Todos os nossos parentes: estratégias para
sobrevivência em uma comunidade negra. Harper & Row, 1974.
| 237 |
SOBRE OS ORGANIZADORES
Felipe de Araújo Chersoni é
Doutorando
em
Ciências
Criminais pela Escola de Direito
da
Pontifícia
Universidade
Católica do Rio Grande do Sul
(PUC/RS). Bolsista integral do
Programa de Suporte à PósGraduação de Instituições de
Ensino Comunitárias (PROSUCCapes). Mestre em Direito na
linha de Direitos Humanos pela
Universidade (comunitária) do
Extremo Sul Catarinense (PPGD-Unesc); onde, também, foi bolsista do
Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino
Comunitárias (PROSUC-Capes). É pesquisador vinculado ao Grupo
Pensamento Jurídico Crítico Latino-Americano, na qual se subdivide
no grupo de Criminologia Crítica Latino-Americana - Andradiano
(Unesc); membro pesquisador CNPq no núcleo de Estudos em Gênero
e Raça - Negra (Unesc); membro do GT de Criminologia e Movimentos
Sociais - Instituto de Pesquisa em Direito e Movimentos Sociais
(IPDMS). Pesquisa e escreve sobre Violência de Estado. E-mail:
Felipe_chersoni@hotmail.com
Miguel Melo Ifadireó é Pós-doutorando em
Educação pela Programa de PósGraduação em Educação Brasileira pela
Universidade Federal do Ceará (PPGE/
UFC). Pós-doutorando em Educação pela
Programa
de
Pós-Graduação
em
Educação
da
Universidade
Iberoamericana do Paraguay (UIA/PY).
Possui Doutorado em Sociologia pela
Universidade Federal do Pernambuco
(2017). Possui Mestrado em Criminologia
e Direito Internacional e Europeu pela
Universität Hamburgo/ Alemanha (2001).
Foi bolsista durante o Mestrado em
Criminologia Internacional e Européia pela Heinrich Boell Stiftung/
Alemanha (2001-2003). Possui Mestrado em Educação Intercultural e
Inclusiva pela Universität Hamburgo/ Alemanha (2005). Possui
Graduação-Bacharelado em Direito pela Universidade de Fortaleza
(1997) e possui Graduação-licenciatura em Pedagogia pela Faculdade
Kurios do Ceará (2015). Professor Adjunto dos Colegiados dos Cursos
de Administração e Logística da Universidade do Estado de
Pernambuco (UPE). Professor Efetivo do Programa de Mestrado
Profissional em Ensino em Saúde do Centro Universitário Doutor Leão
Sampaio (MePESa/ UNILEÃO). Professor Horista do colegiado do
Curso de Direito do Centro Universitário Doutor Leão Sampaio
(UNILEÃO). Membro do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres
Humanos do Centro Universitário Dr. Leão Sampaio (CEP/UNILEÃO).
Advogado inscrito na OAB/CE. Pesquisador-coordenador do GT 2:
NBUNTU
DECOLONIALIDADE,
PENSAMENTO
AFRODIASPÓRICO E RELIGIOSIDADES HEGEMÔNICAS do GPENSE! (Grupo de Pesquisa sobre Contemporaneidade, Subjetividades
e Novas Epistemologias) da Universidade do Estado de Pernambuco,
Pesquisador do Grupo de Estudos em Curriculo e Formação
Profissional do Mestrado Profissional em Ensino em Saúde do Centro
Universitário Doutor Leão Sampaio (MePESa/ UNILEÃO).
| 239 |
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES
Aila Fernanda dos Santos
Graduada en Trabajo Social, Máster en Trabajo Social y Políticas
Sociales por la Universidad Federal de São Paulo (Unifesp) y
doctoranda en Trabajo Social por la Pontificia Universidad Católica de
São Paulo (PUC-SP). E-mail: ailaservsocial@gmail.com.
Lattes: https://lattes.cnpq.br/3388450573918701
Airton Santos de Souza Junior
Mestre em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letras
da Universidade Federal do Acre. E-mail: airton.junior@sou.ufac.br.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5162517831093216
Ana Lucia Westrup
Graduada em Direito pela Universidade do Extremo Sul
Catarinense (UNESC). Advogada. Pesquisadora no Grupo de Pesquisa
NUPEC (UNESC). E-mail: analuciawestrup@gmail.com.
Lattes: https://lattes.cnpq.br/5144073736246811.
Ana Karina Licodiedoff Baethgen
Advogada inscrita na OAB/RS. Graduada em Direito pela
Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). É pesquisadora
vinculada ao Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos e Cidadania
(NUPEC) da Universidade do Extremo Sul Catarinense. É membro do
Instituto de Pesquisa, Direito e Movimentos Sociais (IPDMS). Atuou
entre os anos de 2019 e 2021 como assistente jurídica e atualmente atua
como advogada voluntária no Grupo de Assistência Jurídica e
Psicossocial à Juventude Criminalizada (G10), no âmbito do
SAJU/UFRGS. E-mail: anabaethgen@gmail.com
Cristiane Westrup
Mestra em Direito pela Universidade do Extremo Sul
Catarinense (UNESC). Bacharel em Direito pela Universidade do
Extremo Sul Catarinense (UNESC). Graduada em Administração pela
Escola Superior de Criciúma (ESUCRI). Pesquisadora do Grupo de
Pesquisa: Núcleo de Estudos em Gênero e Raça (NEGRA/UNESC). Email: cristiane.wp79@gmail.com.
Lattes: iD http://lattes.cnpq.br/4903334971261396. ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-9652-0649.
Débora Ferrazzo
Docente no Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade do Extremo Sul Catarinense (PPGD/UNESC). Doutora
em Direito (2019) pela Universidade Federal do Paraná. Mestra em
Teoria, Filosofia e História do Direito (2015) pelo Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.
Graduada em Direito (2011) pela Fundação Universidade Regional de
Blumenau (FURB). Advogada. Pesquisadora no Núcleo de Pesquisa em
Direitos Humanos e Cidadania (NUPEC). Pós-Doutorado em Direito
pela Universidade LaSalle, com a pesquisa: Direitos dos animais e
direitos da natureza: a dignidade da pessoa não humana como
fundamento de novos paradigmas jurídicos.
Henrique Cunha Júnior
Pós-doutorado em Engenharia - Universidade Técnica de Berlin
- Bolsista DAAD - do governo Alemão (1985). Livre Docente da
Universidade de São Paulo com Título de Pós-doutoramento com tese
e concurso público (1993). Doutor pelo Instituto Politécnico de Lorraine
- Nancy - França (1983). Mestre em História (DEA) pela Faculdade de
Letras de Nancy- França (1981). Professor Titular da Universidade
Federal do Ceará (1994). Professor da Universidade de São Paulo (19841994). Pesquisador Sênior e Chefe de Departamento - Instituto de
Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT (1987- 1995).
Professor Titular da Universidade Federal do Ceará (1994- 2020).
Professor Visitante da Universidade Federal da Bahia (2020). E-mail:
hcunha@ufc.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9664-5545
| 241 |
Felipe Alves Goulart
Mestre em Direito pela Universidade do Extremo Sul
Catarinense. Especialista em Ciências Penais pela Universidade
Anhanguera-Uniderp (2013). Graduado pela Universidade do Extremo
Sul Catarinense (2011).
Felipe de Araújo Chersoni
Doutorando em Ciências Criminais pela Escola de Direito da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS).
Bolsista integral do Programa de Suporte à Pós-Graduação de
Instituições de Ensino Comunitárias (PROSUC-Capes). Mestre em
Direito na linha de Direitos Humanos pela Universidade (comunitária)
do Extremo Sul Catarinense (PPGD-Unesc); onde, também, foi bolsista
integral do Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de
Ensino Comunitárias (PROSUC-Capes). É pesquisador vinculado ao
Grupo Pensamento Jurídico Crítico Latino-Americano, na qual se
subdivide no grupo de Criminologia Crítica Latino-Americana Andradiano (Unesc); membro pesquisador CNPq no núcleo de Estudos
em Gênero e Raça - Negra (Unesc); membro do GT de Criminologia e
Movimentos Sociais - Instituto de Pesquisa em Direito e Movimentos
Sociais (IPDMS). Pesquisa e escreve sobre Violência de Estado. E-mail:
felipe_chersoni@hotmail.com
Jackson da Silva Leal
Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade do Extremo-Sul Catarinense (PPGD-UNESC),
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), professor de Criminologia (UNESC), coordenador do Grupo
Criminologia Critica Latino-americana (UNESC), e co-líder do Grupo
Pensamento Jurídico Critico Latino-Americano (UNESC), membro da
rede de pesquisa Grupo Brasileiro de Criminologia Critica; desenvolve
pesquisas e projetos tanto em nível de graduação quanto pósgraduação acerca da questão criminal com foco na realidade latinoamericana transitando por áreas como Direitos Humanos na interface
com a questão Criminal.
| 242 |
Flavio Bortolozzi Junior
Doutorado em Direito pela Universidade Federal do Parana.
(2018) Professor tempo integral e integrante do NDE da Escola de
Direito da Universidade Positivo.
Lorenna Verally Rodrigues dos Santos
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito UNICAP. Membro do GEA - Grupo de Estudos Avançados do
IBCCRIM/ AL (2023-2024). Ex-Presidente da Associação dos Pós
Graduandos e Pós Graduandas da Universidade Católica de
Pernambuco APG-UNICAP (2023). Aluna Especial do Programa de
Pós-Graduação em Sociologia do PPGS- UFPE (2022.2). ExRepresentante Estudantil das Turmas de Mestrado do PPGD- UNICAP
(2021-2022). Pesquisadora e monitora do LabICPP - Laboratório de
Estudos e Práticas de Revisão Criminal (2020). Participante do Grupo
de Extensão Universitária de Tópicos em Direitos Humanos - UNICAP
(2019). Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela ESA/PE (20172019). Aluna Especial do Programa de Pós-Graduação em Direitos
Humanos da UFPE (2017). Graduada em Direito pelo Centro
Universitário do Vale do Ipojuca- UNIFAVIP/DeVry (2016).
Pesquisadora Voluntária do Grupo de Estudos e Pesquisas
Interdisciplinares sobre Direitos Humanos - GEPIDH-Mércia
Albuquerque/UNIFAVIP (2015-2016). Extensionista do projeto
ASSOCIA - Existir, Educar e Participar (2015-2016). Possui interesse nas
áreas de Estudos Empíricos em Direitos Fundamentais, Direito
Internacional, Migrações, Cárcere, e, Criminologia.
Marcia Leopoldino do Carmo de Melo
Possui graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior de
Maringá (2013). Pós-Graduada em Direito Processual Moderno PósGraduação Lato Sensu pela Universidade Anhanguera (UNDERP);
Mentora com Formação pela Fundação Getulio Vargas (FGV);
Conciliadora com Formação no Centro de Estudos Judiciários do
Conselho da Justiça Federal; Militante como Conciliadora na 6 Vara da
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Justiça Federal de Maringá-PR. Tem interesses em temas envolvendo
Direitos Humanos, Fundamentais e da personalidade.
Marcelo Negri Soares
Orientador de Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado.
Advogado e contabilista. Pesquisador ICETI, Next Seti e FAPESP.
Editor da Springer Journal para E-Law, renomada revista europeia
(2019). Editor da Revista Brasileira de Direito da Personalidade.
Professor Visitante Coventry University (UK), no PPG em Direito,
Administração e Negócios (2019). Professor do Programa de Mestrado
e Doutorado em Direito UniCesumar, na linha Efetividade da Justiça e
Direitos da Personalidade. Avaliador presencial de seminários
SIAC/UFRJ (desde 2018). Avaliador Presencial de Pôsteres Conpedi
(desde 2010). Pós-Doutorado pela Universidade de Coimbra-Portugal
(2022/2023). Pós-Doutorado pela Uninove/SP (2017). Doutor (2013) e
Mestre (2005) pela PUC/SP. Graduação em Direito UEM(1997), em PD
Unicesumar (1991 - incompleto). Especialista em Direito pela UNIP
(1998), Mackenzie (2006), Escola Federal de Direito (2008), Unicesumar
(2019). Contabilista IEEM (1989). Funcionário do Banco do Brasil S.A.
por mais de 20 (vinte) anos (última função: advogado pleno). Assessor
da PGFN (1997/1998). Membro efetivo IBDC (2001), IBCJ (2003),
Presidente no IBREI/SP (2016). Membro do Conselho do CBDI (2019).
Parecerista FAPESP (2014). Coordenador da CAPES/BNI - Enade 2015.
Extensão universitária em Harvard, Berckeley e MIT, nos Estados
Unidos da América. Foi professor de Direito UNINOVE, UNIP, PUCRIO e Faculdade de Direito (UFRJ). Palestrante em eventos nacionais e
internacionais.
Atuação
como
diretor
jurídico-empresarial:
PROCESSUAL, AMBIENTAL, EMPRESARIAL, CONTRATUAL,
BANCÁRIO, TRABALHO, TRIBUTÁRIO E CIVIL. E-mail:
negri@negrisoares.page
Matheus Ferrari França Carreira
Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Academia
Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Graduado em Direito
pela Unicesumar (2018).
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Miguel Melo Ifadireó
Pós-doutorando em Educação Brasileira pela Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC);
Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Pernambuco
(2017). Mestrado em Criminologia e Direito Internacional e Europeu
pela Universität Hamburgo/ Alemanha (2001). Mestrado em Educação
Intercultural e Inclusiva pela Universität Hamburgo/ Alemanha (2005).
Graduação-Bacharelado em Direito pela Universidade de Fortaleza
(1997). Graduação-licenciatura em Pedagogia pela Faculdade Kurios
do Ceará (2015). Professor Adjunto do Colegiado do Curso de
Administração da Universidade do Estado de Pernambuco (UPE).
Professor Efetivo do Programa de Mestrado Profissional em Ensino em
Saúde do Centro Universitário Doutor Leão Sampaio (MePESa/
UNILEÃO). Bolsista da Heinrich Boll Stiftung/ Alemanha (1999-2001).
Pesquisador-coordenador do GT 2: Nbuntu? Decolonialidade,
Pensamento Afrodiaspórico E Religiosidades Hegemônicas do GPENSE! da Universidade do Estado de Pernambuco. Pesquisador do
GT Pesquisa Currículo e Formação Profissional do Mestrado
Profissional em Ensino em Saúde do Centro Universitário Doutor Leão
Sampaio (MePESA/UNILEÃO). E-mail: Miguel.ifadireo@upe.br.
Orcid.: https://orcid.org/0000-0002-4497-4718.
Nayara Augusto Felizardo
Possui licenciatura plena em História pela Universidade
Estadual do Paraná, campus Paranavaí (2010) e licenciatura plena em
Filosofia pela Universidade da Bahia (2018). Docente na Secretaria
Estadual de Educação do Paraná. Membra do grupo de Pesquisa
Gênero, Trabalho e Políticas Públicas (GTPP/CNPq), da Universidade
Estadual do Paraná e do Laboratório de estudos do Tempo Presente da
Universidade Estadual de Maringá (LabTempo/CNPq). Mestranda em
História Política (PPH/UEM) e bolsista da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Thayline de Freitas Bernardelli
Graduada em História pela Universidade Estadual de Maringá.
Mestranda em História na linha de pesquisa "História Política" na
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Universidade Estadual de Maringá. Integrante do Grupo de Pesquisa
sobre História Política e Direitos Humanos (UEM). Atuou no Programa
de Iniciação Científica (PIC) entre 2020 e 2023 com dois projetos: As
representações do feminismo na heroína Capitã Marvel: uma análise
filmográfica do protagonismo feminino no Marvel Cinematic Universe
(MCU) e; A representação feminina no filme Capitã Marvel (2019): um
estudo de caso a partir da pesquisa de opinião.
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