Tradução
Marcos Santarrita
Copyright © 1995 by Daniel Goleman
Copyright da Introdução © 2005 by Daniel Goleman
Ilustração do cérebro na página 46 adaptada de Emotional Memory and the
Brain,
de Joseph E. LeDoux Copyright © 1994 by Scientific American
Todos os direitos reservados
Artista: Roberto Osti
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA OBJETIVA LTDA. Rua Cosme Velho, 103
Rio de Janeiro — RJ — CEP: 22241-090
Tel.: (21) 2199-7824 — Fax: (21) 2199-7825
www.objetiva.com.br
Título original
Emotional Intelligence
Capa
Marcelo Pereira
Tradução do material inédito
Fabiano Morais
Revisão da tradução
Ana Amelia Schuquer
David Neiva Simon
Revisão
Fátima Fadel
Izabel Cristina Aleixo
Domício Antônio dos Santos
Umberto Figueiredo Pinto
Damião Nascimento
Conversão para E-book
Freitas Bastos
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
G58i
Goleman, Daniel
Inteligência emocional [recurso eletrônico] / Daniel Goleman ; tradução
Marcos Santarrita. – Rio de Janeiro : Objetiva, 2011.
recurso digital
Tradução de: Emotional intelligence
Formato: ePub
Requisitos do sistema:
Modo de acesso:
407p. ISBN 978-85-390-0191-0 (recurso eletrônico)
1. Inteligência emocional. 2. Emoções e cognição. 3. Emoções –
Aspectos sociais. 4. Livros eletrônicos. I. Título.
10-5719. CDD: 153.9
CDU: 159.95
Para Tara, fonte de saber emocional
Sumário
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Dedicatória
Introdução Edição Comemorativa de 10º Aniversário
Prefácio à Edição Brasileira
O Desafio de Aristóteles
Por que Este Exame agora?
Nossa Viagem
Parte Um – O CÉREBRO EMOCIONAL
1 Para que Servem as Emoções?
Quando as Paixões Dominam a Razão
Como o Cérebro Evoluiu
2 Anatomia de um Seqüestro Emocional
O Local das Paixões
O Rastilho de Neurônios
A Sentinela Emocional
A Especialista em Memória Emocional
Alarmes Neurais Anacrônicos
Quando as Emoções São “Rápidas e
Malfeitas”
O Administrador das Emoções
Harmonizando Emoção e Pensamento
Parte Dois – A NATUREZA DA INTELIGÊNCIA
EMOCIONAL
3 Quando o Inteligente É Idiota
Inteligência Emocional e Destino
Um Tipo Diferente de Inteligência
“Jornada nas Estrelas”: A Cognição não
Basta
Existe Vida Inteligente nas Emoções?
QI e Inteligência Emocional: Tipos Puros
4 Conhece-te a Ti Mesmo
Os Apaixonados e os Indiferentes
Um Homem sem Sentimentos
Em Louvor da Intuição
Avaliando o Inconsciente
5 Escravos da Paixão
A Anatomia da Raiva
O “Relax” da Ansiedade: Como? Eu me
Preocupar?
Controle da Melancolia
Repressores: Negação Otimista
6 A Aptidão Mestra
Controle da Impulsividade: O Teste do
Marshmallow
Alta Ansiedade, Baixo Desempenho
A Caixa de Pandora e Polyanna: A Força
do Otimismo
Otimismo: O Grande Motivador
Fluxo: A Neurobiologia da Excelência
Aprendizado e Fluxo: Um Novo Modelo
para a Educação
7 As Origens da Empatia
Como se Desenvolve a Empatia
A Criança Bem Sintonizada
Quanto Custa a Falta de Sintonia
A Neurologia da Empatia
Empatia e Ética: As Raízes do Altruísmo
A Vida sem Empatia: A Mente do
Molestador, a Moral do Sociopata
8 A Arte de Viver em Sociedade
Expresse suas Emoções
Expressividade e Contágio Social
Rudimentos em Inteligência Social
Como Fabricar um Incompetente Social
“A Gente Odeia Você”: No Limite
Brilhantismo Emocional: Relatório de um
Caso
Parte Três – INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
APLICADA
9 Casamento: Inimigos Íntimos
O Casamento dele e o Casamento dela: A
Infância de Cada Um
Fendas Conjugais
Idéias Venenosas
Inundação: O Casamento Alagado
Homens: O Sexo Frágil
Um Conselho Conjugal para Ele e para Ela
A Boa Briga
10 Administrar com o Coração
A Crítica é a Tarefa Número Um
Convivendo com a Diversidade
Sabedoria Organizacional e QI de Grupo
11 A Emoção na Clínica Médica
A Mente do Corpo: Como as Emoções
Afetam a Saúde
Emoções Tóxicas: Dados Clínicos
Os Benefícios Clínicos do Otimismo
A Aplicação da Inteligência Emocional na
Assistência Clínica
Por uma Medicina que se Envolva
Parte Quatro – MOMENTOS OPORTUNOS
12 O Ambiente Familiar
O que é Preciso Aprender antes de Entrar
para a Escola
Aprendizagem Emocional Básica
Como Fabricar um Brigão
Maus-tratos: A Extinção da Empatia
13 Trauma e Reaprendizado Emocional
O Horror Congelado na Lembrança
O PTSD como Distúrbio Límbico
Reaprendizado Emocional
Reeducando o Cérebro Emocional
Reaprendizado Emocional e Recuperação
de um Trauma
A Psicoterapia como um Curso Emocional
14 Temperamento Não é Destino
A Neuroquímica da Timidez
Nada me Preocupa: O Temperamento
Animado
Domando a Amígdala Superexcitável
Infância: Momento de Boas Oportunidades
Momentos Cruciais
Parte Cinco – ALFABETIZAÇÃO EMOCIONAL
15 Quanto Custa o Analfabetismo Emocional
Mal-estar Emocional
Domando a Agressão
Escola para Arruaceiros
Prevenindo a Depressão
O Preço da Modernidade: Aumento dos
Casos de Depressão
O Percurso da Depressão nos Jovens
Modos de Pensar Geradores de Depressão
Bloqueando a Depressão
Distúrbios de Alimentação
Rejeitado Pelos Colegas: Evasão Escolar
Treinamento para a Amizade
Bebida e Drogas: O Vício como
Automedicação
Chega de Guerras Isoladas: A Prevenção
para Tudo
16 Ensinando as Emoções
Uma Lição de Cooperação
Um Ponto de Atrito
Post-mortem: Uma Briga que não Houve
Preocupações do Dia
O bê-á-bá da Inteligência Emocional
Alfabetização Emocional nos Centros
Urbanos
Alfabetização Emocional Disfarçada
O Cronograma Emocional
Tudo Tem Seu Tempo Certo
Alfabetização Emocional como Prevenção
Repensando as Escolas: O Ensino pelo Ser,
Comunidades que se Envolvem
Uma Missão Maior para as Escolas
A Alfabetização Emocional Faz Alguma
Diferença?
Caráter, Moralidade e as Artes da
Democracia
Uma Última Palavra
Apêndice A Que é Emoção?
Apêndice B Características da Mente Emocional
Apêndice C O Circuito Neural do Medo
Apêndice D Consórcio W. T. Grant: Ingredientes
Ativos dos Programas de Prevenção
Apêndice E O Currículo da Ciência do Eu
Apêndice F Aprendizado Social e Emocional:
Resultados
Projeto de Desenvolvimento da Criança
Resultados:
Caminhos:
Resultados:
Alunos com Necessidades Especiais:
Melhor Compreensão Emocional:
Projeto de Desenvolvimento Social de Seattle
Resultados:
Programa de Promoção de Competência Social
de Yale-New Haven
Resultados:
Programa de Solução Criativa de Conflitos
Resultados:
Projeto de Melhoria da Consciência Social —
Solução de Problema Social
Resultados:
Agradecimentos
Serviços
Educação
Vida Organizacional
Paternidade
Geral
Notas
Introdução
Parte Um: O Cérebro Emocional
Parte Dois: A Natureza da Inteligência
Emocional
Parte Três: Inteligência Emocional Aplicada
Parte Quatro: Momentos Oportunos
Parte Cinco: Alfabetização Emocional
Introdução
Edição Comemorativa de 10º
Aniversário
Em 1990, quando era repórter de ciência no The New
York Times, topei com um artigo em uma pequena
revista acadêmica escrito por dois psicólogos, John
Mayer, hoje na Universidade de New Hampshire, e Peter
Salovey, de Yale. Meyer e Salovey apresentaram a
primeira formulação de um conceito que chamaram de
“inteligência emocional”.
Naquela época, a proeminência do QI como critério
de excelência na vida era inquestionável; discutia-se
acaloradamente se ele estava inscrito em nossos genes
ou se era alcançado pela experiência. Porém, eis que
surge, de repente, uma nova forma de pensar sobre os
ingredientes do sucesso na vida. Fiquei entusiasmado
com o conceito, que usei como título deste livro em
1995. Como Mayer e Salovey, utilizei a expressão para
sintetizar uma ampla gama de descobertas científicas,
unindo ramos diferentes de pesquisa — analisando não
só a teoria deles, mas também uma grande variedade de
outros avanços científicos empolgantes, como os
primeiros frutos do campo incipiente da neurociência
afetiva, que explora como as emoções são reguladas
pelo cérebro.
Lembro-me de ter pensado, logo antes deste livro ser
publicado, dez anos atrás, que se um dia eu ouvisse uma
conversa em que dois estranhos usassem o termo
inteligência emocional e ambos entendessem o que isso
significava, eu teria conseguido disseminar o termo de
forma mais ampla na cultura. Mal podia imaginar.
A expressão inteligência emocional, ou sua
abreviação QE, se tornou onipresente, aparecendo em
lugares tão improváveis quanto nas tirinhas Dilbert e
Zippy the Pinhead e na arte seqüencial de Roz Chast na
The New Yorker. Já vi caixas de brinquedos que dizem
aumentar o QE das crianças; pessoas buscando parceiros
às vezes alardeiam a expressão em anúncios pessoais.
Uma vez, eu encontrei uma piadinha sobre QE no rótulo
de um xampu no meu quarto de hotel.
E o conceito se espalhou pelos cantos mais distantes
do mundo. Contam-me que QE se tornou uma expressão
conhecida em línguas tão distintas quanto alemão e
português, chinês, coreano e malaio (ainda assim, eu
prefiro EI, abreviação em inglês para inteligência
emocional [emotional intelligence]). A caixa de entrada
do meu e-mail tem sempre perguntas, por exemplo, de
um doutorando búlgaro, um professor polonês, um
aluno de graduação indonésio, um consultor de
negócios sul-africano, um especialista em gerenciamento
do sultanato de Omã, um executivo em Xangai.
Estudantes de negócios na Índia lêem sobre QE e
liderança; um CEO na Argentina recomenda o livro que
escrevi posteriormente sobre este tópico. Eruditos
religiosos dentro do cristianismo, judaísmo, islamismo,
hinduísmo e budismo me disseram que o conceito de
QE encontra ressonância em suas próprias crenças.
Mais gratificante para mim foi a maneira como o
conceito foi ardentemente abraçado pelos educadores,
na forma de programas de “aprendizado social e
emocional”, ou SEL (social and emotional learning). Nos
idos de 1995, havia apenas um punhado desses
programas ensinando habilidades de inteligência
emocional a crianças. Agora, uma década depois,
dezenas de milhares de escolas em todo o mundo
oferecem SEL às crianças. Hoje em dia, nos Estados
Unidos, o SEL é requisito curricular em vários distritos, e
até mesmo em estados inteiros, exigindo que os alunos,
da mesma forma que precisam alcançar um determinado
nível de competência em matemática e linguagem,
dominem essas fundamentais aptidões para a vida.
Em Illinois, por exemplo, modelos específicos de
aprendizagem em habilidades de SEL vêm sendo
estabelecidos em todas as séries, desde o jardim-deinfância até o último ano do ensino médio. Tomando
apenas um exemplo de um currículo notavelmente
detalhado e abrangente, nos primeiros anos do ensino
fundamental, os alunos devem aprender a reconhecer e
classificar com precisão seus sentimentos e como eles os
levam a agir. Nas séries do segundo ciclo fundamental,
as atividades de empatia devem tornar a criança capaz
de identificar as pistas não-verbais de como outra pessoa
se sente; nos últimos ciclos do fundamental, elas devem
ser capazes de analisar o que gera estresse nelas ou o
que as motiva a ter desempenhos melhores. E no ensino
médio, as habilidades SEL incluem ouvir e falar de modo
a solucionar conflitos em vez de agravá-los e negociar
saídas em que todos ganhem.
Ao redor do mundo, Cingapura empreendeu uma
iniciativa diligente no que diz respeito ao SEL, assim
como algumas escolas na Malásia, Hong Kong, Japão e
Coréia. Na Europa, o Reino Unido foi pioneiro, porém
mais de 12 outros países possuem escolas que adotam
QE, da mesma forma que a Austrália e a Nova Zelândia
e, aqui e ali, países na América Latina e na África. Em
2002, a UNESCO deu a partida em uma iniciativa global
para promover o SEL, enviando aos Ministérios da
Educação de 140 países um relatório contendo dez
princípios básicos para a sua implementação.
Em alguns estados norte-americanos e outros países,
o SEL se tornou o guarda-chuva organizador sob o qual
se juntam programas de educação do caráter, de
prevenção à violência, agressão contra colegas e drogas
e de disciplina escolar. O objetivo não é apenas reduzir
a incidência desses problemas entre alunos, mas também
melhorar o ambiente escolar e, em última instância, o
desempenho acadêmico dos estudantes.
Em 1995, esbocei as evidências preliminares que
sugeriam que o SEL era um ingrediente ativo nos
programas que aperfeiçoam a aprendizagem da criança
evitando problemas como a violência. Agora é possível
afirmar cientificamente: ajudar as crianças a aperfeiçoar
sua autoconsciência e confiança, controlar suas emoções
e impulsos perturbadores e aumentar sua empatia resulta
não só em um melhor comportamento, mas também em
uma melhoria considerável no desempenho acadêmico.
Esta é a grande notícia contida em uma metanálise de
668 estudos avaliativos de programas de SEL para
crianças desde a pré-escola até o ensino médio.1 A
maciça pesquisa foi conduzida por Ross Weissberg, que
dirige a Cooperativa de Aprendizado Acadêmico, Social
e Emocional (CASEL, na sigla em inglês) na Universidade
de Illinois, em Chicago — a organização que encabeça o
esforço de levar o SEL às escolas de todo o mundo.
Os dados mostram que os programas SEL geraram
grandes benefícios no desempenho acadêmico,
conforme demonstram os resultados de teste de
desempenho e média de notas. Nas escolas que
adotaram os programas, mais de 50% das crianças
tiveram progresso nas suas pontuações de desempenho
e mais de 38% melhoraram suas médias. Os programas
SEL também tornaram as escolas mais seguras:
ocorrências de mau comportamento caíram em média
28%; as suspensões, 44%; e outros atos disciplinares,
27%. Ao mesmo tempo, a percentagem de presença
aumentou, enquanto 63% dos alunos demonstraram um
comportamento significativamente mais positivo. No
mundo da pesquisa em ciências sociais, estes são
resultados extraordinários para qualquer programa que
se destine a promover mudanças comportamentais. O
SEL cumpriu sua promessa.
Em 1995, também propus que boa parte da eficiência
do SEL veio do seu impacto na modelagem do circuito
neural em desenvolvimento da criança, principalmente
as funções executivas do córtex pré-frontal, que
controlam a memória funcional — o que guardamos na
cabeça durante o aprendizado — e inibem impulsos
emocionais destrutivos. Agora foram encontradas as
primeiras provas científicas preliminares desse conceito.
Mark Greenberg, da Universidade Estadual da
Pensilvânia, co-criador do currículo PATHS (sigla de
Parents and Teachers Helping Students — Pais e
Professores Ajudando Alunos) do SEL, relata não só que
esse programa para estudantes do ensino fundamental
aumenta o desempenho acadêmico, mas também que,
ainda mais significativamente, grande parte da melhora
na aprendizagem pode ser atribuída ao aperfeiçoamento
da atenção e da memória funcional, funções-chave do
córtex pré-frontal.2 Isto sugere veementemente que a
neuroplasticidade — a modelagem do cérebro através de
experiências repetidas — exerce um papel crucial nos
benefícios do SEL.
Talvez minha maior surpresa tenha sido o impacto do
QE no mundo dos negócios, principalmente nas áreas de
liderança e desenvolvimento de funcionários (uma forma
de educação para adultos). A Harvard Business Review
saudou a inteligência emocional como “uma idéia
inovadora, capaz de destruir paradigmas”, uma das idéias
empresariais mais influentes da década.
No mundo dos negócios, este tipo de afirmação,
muitas vezes, não passa de um modismo, sem nenhuma
substância. Porém, neste caso, houve a participação de
uma ampla rede de pesquisadores, garantindo que a
aplicação do QE seja baseada em dados sólidos. O
Consórcio para Pesquisa sobre Inteligência Emocional
em Organizações (CREIO, na sigla em inglês), na
Universidade de Rutgers, foi o pioneiro na catalisação
desse trabalho científico, colaborando com organizações
que vão desde o Escritório de Gerenciamento de Pessoal
do governo federal até a American Express.
Hoje em dia, as empresas de todo o mundo olham
rotineiramente através das lentes do QE para contratar,
promover e desenvolver seus empregados. Por exemplo,
a Johnson & Johnson (outro membro do CREIO)
descobriu que, em filiais do mundo inteiro, os
funcionários que em meio de carreira possuíam um
maior potencial de liderança tinham aptidões de QE
muito melhores do que seus colegas menos promissores.
O CREIO continua auxiliando esse tipo de pesquisa, que
pode fornecer diretrizes baseadas em provas para
organizações interessadas em aprimorar sua capacidade
de alcançar seus objetivos profissionais ou cumprir uma
missão.
Quando Salovey e Mayer publicaram seu artigo
seminal em 1990, ninguém poderia prever como o
campo acadêmico que eles fundaram prosperaria 15
anos depois. A pesquisa floresceu nessa área; enquanto
em 1995 não havia praticamente nenhuma literatura
científica sobre QE, hoje em dia o campo possui legiões
de pesquisadores. Uma pesquisa no catálogo de teses de
doutorado investigando os aspectos da inteligência
emocional revela mais de setecentas escritas até hoje,
com muitas outras a serem entregues — isso sem
mencionar os estudos feitos por professores e outras
pessoas não listados naquele catálogo.3
O crescimento dessa área de estudo deve muito a
Mayer e Salovey que — juntamente com seu colega
David Caruso, um consultor de negócios — trabalharam
incansavelmente em prol da aceitação científica da
inteligência emocional. Ao formular uma teoria da
inteligência emocional cientificamente defensável e
fornecer uma mensuração dessa capacidade na vida real,
eles estabeleceram um impecável padrão de pesquisa
para o campo.
Uma outra fonte importante para a germinação das
descobertas acadêmicas sobre QE foi Reuven Bar-On,
atualmente no Braço Médico da Universidade do Texas,
em Houston, cuja própria teoria de QE — e entusiasmo
dinâmico — inspirou diversos estudos que se utilizam de
uma medida que ele inventou. Bar-on também teve um
grande papel na produção e edição de livros acadêmicos
que ajudaram a dar vulto crítico ao campo, incluindo o
Manual de Inteligência Emocional.
O crescimento do campo de estudos do QE enfrentou
oposições encarniçadas no mundo mesquinho dos
acadêmicos da inteligência, principalmente daqueles que
consideram o QI a única medida aceitável das aptidões
humanas. Não obstante, o campo emergiu como um
paradigma vibrante. Todo modelo teórico relevante,
observou o filósofo da ciência Thomas Kuhn, deve ser
progressivamente revisado e aperfeiçoado na medida em
que suas premissas passam por testes mais rigorosos. No
caso do QE, esse processo parece estar perfeitamente em
curso.
Existem atualmente três modelos principais de QE,
com dezenas de variações. Cada um deles representa
uma perspectiva diferente. O de Salovey e Mayer se
apóia com firmeza na tradição de inteligência concebida
pelo trabalho original sobre QI, de um século atrás. O
modelo trazido por Reuven Bar-On se baseia na sua
pesquisa sobre o bem-estar. E o meu modelo se
concentra no desempenho no trabalho e na liderança
organizacional, misturando a teoria do QE com décadas
de pesquisa sobre a modelação de competências que
separam indivíduos notáveis dos medianos.
Infelizmente, leituras equivocadas deste livro deram
origem a alguns mitos que eu gostaria de esclarecer aqui
e agora. Um deles é a bizarra — embora repetida à
exaustão — falácia de que “o QE é responsável por 80%
do sucesso”. Esta afirmação é absurda.
Essa interpretação equivocada vem do dado que
sugere que o QI é responsável por 20% do sucesso
profissional. O fato de esta estimativa — e é só uma
estimativa — deixar uma grande parcela do sucesso sem
esclarecimento nos obriga a buscar outros fatores para
explicar o restante. No entanto, isto não significa que a
inteligência emocional representa os outros fatores do
sucesso: eles certamente compreendem uma gama muito
ampla de forças — desde a condição financeira e
educação da família em que nascemos, até
temperamento, pura sorte e afins —, além da inteligência
emocional.
Conforme apontam John Mayer e seus colegas: “Para
o leitor ingênuo, trazer à tona a ‘variação não-explicada
de 80%’ sugere que deve haver de fato uma variação até
o momento ignorada que pode prever grandes porções
de sucesso na vida. Embora isso seja conveniente,
nenhuma variação estudada em um século de psicologia
deu uma colaboração tão grande.”4
Um outro equívoco comum se dá através da
aplicação imprudente do subtítulo original do livro —
“Porque ela pode ser mais importante do que o QI” —
em áreas como desempenho acadêmico, onde ele não se
aplica sem as devidas ressalvas. A forma mais extrema
deste equívoco é o mito de que o QE “é mais importante
do que o QI” em qualquer área.
A inteligência emocional prevalece sobre o QI apenas
naquelas áreas “tenras” nas quais o intelecto é
relativamente menos relevante para o sucesso — nas
quais, por exemplo, autocontrole emocional e empatia
podem ser habilidades mais valiosas do que aptidões
meramente cognitivas.
Como se sabe, algumas dessas áreas são
extremamente importantes em nossas vidas. A saúde
vem logo à mente (conforme pormenorizado no Capítulo
11), no sentido de que emoções perturbadoras e
relacionamentos nocivos já foram identificados como
fatores de risco para doenças. Aqueles que conseguem
gerenciar suas vidas emocionais com mais serenidade e
autoconsciência parecem ter uma vantagem clara e
considerável na saúde.
Uma outra área é a do amor romântico e
relacionamentos pessoais (ver Capítulo 9), onde, como
sabemos muito bem, pessoas muito inteligentes podem
fazer coisas bastante idiotas. Uma terceira — embora eu
não tenha escrito sobre ela aqui — se dá nos níveis mais
altos de esforços competitivos, como nos esportes de
âmbito mundial. Neste nível, como me revelou um
psicólogo de esportistas que treina os times olímpicos
dos EUA, todos têm como requisito 10 mil horas extras
de treinamento, de modo que o sucesso depende do
empenho mental do atleta.
Descobertas sobre a liderança nos negócios e nas
profissões pintam um quadro mais complexo (Capítulo
10). A pontuação de QI prognostica muito bem se
podemos arcar com os desafios cognitivos que uma
determinada posição nos oferece. Centenas, talvez
milhares, de estudos demonstraram que o QI prevê quais
níveis uma pessoa pode exercer numa carreira. Isto é
inquestionável.
Porém o QI cai por terra quando a questão é
prognosticar quem, em meio a um grupo talentoso de
candidatos dentro de uma profissão intelectualmente
exigente, será o melhor líder. Isto se dá em parte por
conta do “efeito do andar de cima”: todos aqueles nos
altos escalões de uma determinada profissão, ou nos
níveis superiores de uma grande organização, já foram
peneirados em termos de intelecto e destreza. Nesses
níveis elevados, um QI alto se torna uma habilidade
“liminar”, necessária para simplesmente entrar e
continuar no jogo.
Conforme propus no meu livro de 1998, Trabalhando
com a Inteligência Emocional, as habilidades de QE — e
não o QI ou aptidões técnicas — emergem como a
competência “discriminatória” que prevê da melhor
forma quem dentre um grupo de pessoas muito
inteligentes será o líder mais hábil. Se examinarmos as
competências que as organizações em todo o mundo
determinaram ser as que identificam seus principais
líderes, descobriremos que os indicadores de QI e
aptidões técnicas caem para o final da lista quanto mais
alto for o cargo. (O QI e as aptidões técnicas são fortes
indicadores de excelência em empregos menos
qualificados.)
Desenvolvi esta questão de forma mais abrangente no
meu livro de 2002, O Poder da Inteligência Emocional: a
Experiência de Liderar com Sensibilidade e Eficácia (em
co-autoria com Richard Boyatzis e Annie McKee). Nos
níveis mais altos, os modelos de competência para
liderança consistem geralmente em algo em torno de
80% a 100% de habilidades do tipo QE. Nas palavras do
diretor de pesquisa de uma empresa de seleção de
executivos, “os CEOs são contratados por seu intelecto e
habilidade empresarial — e são despedidos por falta de
inteligência emocional”.
Quando escrevi Inteligência Emocional, vi o meu
papel como o de um jornalista científico cobrindo uma
nova e significativa tendência na psicologia,
particularmente a junção da neurociência com o estudo
das emoções. Porém, na medida em que fui me
envolvendo mais no campo, voltei ao meu antigo papel
de psicólogo para oferecer meus insights sobre os
modelos de QE. Como resultado, minha formulação da
inteligência emocional progrediu desde que escrevi estas
páginas.
Em Trabalhando com a Inteligência Emocional,
propus uma estrutura que reflete como os aspectos
fundamentais do QE — autoconsciência, autocontrole,
consciência social e a habilidade de gerenciar
relacionamentos — se traduzem em sucesso profissional.
Ao fazer isso, peguei emprestado um conceito de David
McClelland, o psicólogo de Harvard que foi meu mentor
na graduação: competência.
Enquanto a inteligência emocional determina nosso
potencial para aprender os fundamentos do autodomínio
e afins, nossa competência emocional mostra o quanto
desse potencial dominamos de maneira que ele se
traduza em capacidades profissionais. Para ser versado
em uma competência emocional como atendimento ao
consumidor ou trabalho em equipe, é preciso possuir
uma habilidade subjacente nos fundamentos do QE,
especificamente consciência social e gerenciamento de
relacionamentos. Mas as competências emocionais são
habilidades aprendidas: o fato de uma pessoa possuir
consciência social e aptidão para gerenciar
relacionamentos não garante que ela tenha dominado o
aprendizado adicional necessário para lidar com um
cliente a contento ou resolver um conflito. Essa pessoa
apenas tem o potencial de se tornar hábil nessas
competências.
Novamente, uma habilidade de QE se faz necessária,
embora não seja suficiente, para manifestar uma
determinada competência ou aptidão profissional. Seria
possível fazer uma analogia cognitiva com um aluno que
possui excelentes habilidades espaciais, mas não
consegue nem aprender geometria, quanto mais se
tornar um arquiteto. Assim, uma pessoa pode ser muito
empática, porém péssima em lidar com clientes — se
não tiver aprendido a competência para o atendimento
de clientes. (Para aquelas almas superdedicadas que
quiserem entender como o meu modelo atual abarca
vinte e poucas competências emocionais dentro dos
quatro grupos de QE, vejam o apêndice de O Poder da
Inteligência Emocional.)
Em 1995, apresentei dados de uma amostragem
nacional, demograficamente representativa, de mais de 3
mil crianças de 7 a 16 anos, avaliadas por seus pais e
professores, demonstrando que no espaço de
aproximadamente uma década, entre meados de 1970 e
meados de 1980, os indicadores de bem-estar entre
crianças americanas sofreram um declínio expressivo.
Essas crianças eram mais perturbadas e tinham mais
problemas, que iam desde solidão e ansiedade até
desobediência e queixas. (É claro que sempre existem
exceções individuais — crianças que crescerão e se
tornarão seres humanos fantásticos —, sejam quais forem
os números gerais.)
Porém, um grupo mais recente de crianças, avaliado
em 1999, parece ter progredido consideravelmente,
mostrando resultados muito melhores do que aquelas do
fim da década de 1980, embora não tenham recuperado
os níveis registrados em meados da década de 1970.5 É
fato que os pais ainda estão inclinados a reclamar dos
filhos de uma forma geral e ainda se preocupam que
seus filhos estejam andando com “más companhias” —
as queixas parecem piores do que nunca. Mas a
tendência é nitidamente ascendente.
Francamente, estou estupefato. Havia conjeturado
que as crianças de hoje seriam vítimas involuntárias dos
progressos econômico e tecnológico, inábeis em QE
porque seus pais passam mais tempo no trabalho do que
as gerações anteriores, porque a mobilidade crescente
cortou os laços com a família mais ampla e porque o
tempo “livre” se tornou estruturado e organizado demais.
Afinal, a inteligência emocional sempre foi
tradicionalmente transmitida nos momentos da vida
cotidiana — com os pais e os parentes, e na desordem
das brincadeiras livres — que os jovens estão perdendo.
E também há o fator tecnológico. Atualmente, as
crianças passam mais tempo sozinhas do que nunca na
história da humanidade, olhando para um monitor. Isso
significa um experimento natural numa escala sem
precedentes. Essas crianças peritas em tecnologia,
quando se tornarem adultas, se sentirão tão confortáveis
com outras pessoas como se sentem com seus
computadores? Em vez disso, desconfio que uma
infância cuja relação seja com um mundo virtual
desprepararia nossos jovens para as relações face a face.
Esses foram meus argumentos. Não aconteceu nada
na década anterior que revertesse essas tendências.
Mesmo assim, ainda bem, as crianças parecem estar se
saindo melhor.
Thomas Achenbach, o psicólogo da Universidade de
Vermont que fez esses estudos, conjetura que o boom
econômico da década de 1990 beneficiou não só os
adultos, como também as crianças; mais empregos e
menos criminalidade resultou em crianças mais bem
cuidadas. Caso haja outra recessão econômica grave, ele
sugere, nós nos depararíamos com uma outra queda
nesse grau de habilidades para a vida das crianças. Pode
ser que sim; só o tempo dirá.
A hipervelocidade na qual o QE se tornou um tema
importante em inúmeros campos dificulta previsões, mas
deixe-me oferecer algumas idéias do que espero para
essa área no futuro próximo.
Muitos dos benefícios resultantes do desenvolvimento
de capacidades de inteligência emocional foram
destinados aos privilegiados, como executivos de alto
nível e crianças de escolas particulares. É claro que
muitas crianças em bairros pobres também se
beneficiaram — por exemplo, se suas escolas adotaram
o SEL. Porém, quero encorajar uma maior
democratização desse tipo de desenvolvimento de
habilidades humanas, alcançando blocos geralmente
negligenciados, como as famílias pobres (nas quais as
crianças muitas vezes sofrem danos emocionais que
pioram ainda mais a situação delas) e as prisões
(principalmente os delinqüentes juvenis que poderiam se
beneficiar enormemente de habilidades reforçadoras
como controle da raiva, autoconsciência e empatia). Uma
vez ajudados com essas habilidades, suas vidas poderiam
melhorar e suas comunidades se tornariam mais seguras.
Também gostaria de ver um aumento do raio de ação
do próprio pensamento sobre a inteligência emocional,
saltando de um foco nas capacidades do indivíduo para
um foco naquilo que surge quando as pessoas
interagem, seja no caso de um indivíduo para outro ou
em grupos maiores. Algumas pesquisas já parecem ter
dado esse salto, especialmente no trabalho da psicóloga
Vanessa Druskat, da Universidade de New Hampshire,
sobre como grupos podem se tornar emocionalmente
inteligentes. Mas pode-se fazer muito mais.
Finalmente, imagino um dia em que a inteligência
emocional será tão amplamente compreendida que não
será preciso mais discuti-la, pois ela já terá se fundido às
nossas vidas. Nesse futuro, o SEL já será prática padrão
em todas as escolas. Da mesma forma, as qualidades de
QE como a autoconsciência, o gerenciamento de
emoções destrutivas e a empatia serão lugares-comuns
nos locais de trabalho, “qualidades obrigatórias” para ser
contratado e conseguir promoções, e especialmente
necessárias para a liderança. Se o QE se tornar tão
difundido quanto o QI, e tão enraizado na sociedade
como medidor das qualidades humanas, creio que
nossas famílias, escolas, empregos e comunidades serão
todos mais humanos e alentadores.
Prefácio à Edição Brasileira
Escrevi Inteligência Emocional em meio a uma sensação
de crise civil nos Estados Unidos onde há um aumento
crescente dos índices de criminalidade, suicídios, abuso
de drogas e outros indicadores de mal-estar social,
sobretudo entre os jovens. Acredito que o único remédio
capaz de debelar esses sintomas de doença social seja
uma nova forma de interagirmos no mundo — com a
inteligência emocional no Brasil me dizem que já há
sinais, nesse país, que apontam para a emergência de
uma alienação e pressão sociais que, se não contidas,
podem levar a colapsos bastante sérios na teia das
relações sociais.
Nos países desenvolvidos, a tendência é para um
individualismo exacerbado, o que acarreta,
conseqüentemente, uma competitividade cada vez maior
— isso pode ser constatado nos postos de trabalho e no
meio universitário. Essa visão de mundo traz consigo o
isolamento e a deterioração das relações sociais. A lenta
desintegração da vida em comunidade e a necessidade
de auto-afirmação estão acontecendo, paradoxalmente,
num momento em que as pressões econômico-sociais
estão a exigir maior cooperação e envolvimento entre os
indivíduos.
Além dessa situação que reflete um mal-estar social,
há indicadores de um crescente desconforto emocional,
sobretudo entre as crianças. Parece-me que a infância —
um período crucial para a formação do adulto —, neste
mundo em que estamos vivendo, deva merecer uma
atenção maior de parte daqueles que são os principais
responsáveis pelas crianças: pais e professores.
Os pais, em nossos dias, exercem sua paternidade
sob tensões e pressões de ordem econômica que não
existiam na época de nossos avós. O que eu proponho é
que esses pais dediquem o tempo que lhes sobra para
ajudar seus filhos a dominarem as habilidades humanas
essenciais que são necessárias, não só para lidar com as
próprias emoções, como para o estabelecimento de
relações humanas verdadeiramente significativas.
Aos professores, sugiro que considerem também a
possibilidade de ensinar às crianças o alfabeto
emocional, aptidão básica do coração. Tal como hoje
ocorre nos Estados Unidos, o ensino brasileiro poderá se
beneficiar com a introdução, no currículo escolar, de
uma programação de aprendizagem que, além das
disciplinas tradicionais, inclua ensinamentos para uma
aptidão pessoal fundamental — a alfabetização
emocional.
O Desafio de Aristóteles
Qualquer um pode zangar-se — isso é fácil. Mas
zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, na
hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa — não
é fácil.
Aristóteles,
Ética a Nicômaco
Era verão em Nova York e, naquela tarde, fazia um calor
sufocante, insuportável. As pessoas andavam pelas ruas
mal-humoradas, em visível desconforto. Na avenida
Madison, peguei um ônibus para voltar para o hotel. Ao
entrar, fui surpreendido com a saudação que veio do
motorista: “Oi, como vai?” Esse homem negro de meiaidade e largo sorriso repetiu a mesma saudação a todos
os outros passageiros que foram entrando ao longo do
percurso no denso tráfego do centro da cidade. Todos,
como eu, se surpreendiam, mas, porque estavam com o
humor comprometido pelas condições climáticas do dia,
poucos retribuíram o cumprimento.
À medida que o ônibus se arrastava pelo traçado
quadriculado do centro da cidade, porém, uma
transformação mágica foi gradativamente ocorrendo.
Para nosso deleite, o motorista encetou um animado
comentário sobre o cenário à nossa volta: havia uma
liquidação sensacional naquela loja, uma exposição
maravilhosa naquele museu, já souberam do novo filme
que acabou de estrear ali na esquina? O prazer dele com
a riqueza de possibilidades que a cidade oferecia
contagiou a todos. Ao descerem do ônibus, as pessoas já
haviam se despido da couraça de mau humor com que
tinham entrado, e, quando o motorista lhes dirigiu o
sonoro “Até logo, tenha um ótimo dia!”, todas lhe deram
uma resposta sorridente.
Há vinte anos a lembrança desse episódio me
acompanha. Quando entrei naquele ônibus da avenida
Madison, eu havia acabado de me doutorar em
psicologia — mas a psicologia da época não dava muita
atenção para uma alteração comportamental que
ocorresse desse modo. A psicologia não conhecia
praticamente nada acerca dos mecanismos da emoção.
Ainda hoje, ao imaginar a possibilidade de os
passageiros daquele ônibus terem propagado pela
cidade aquele vírus de bem-estar, constato que aquele
motorista era uma espécie de pacificador urbano, uma
espécie de mago que tinha o poder de transmutar a
soturna irritabilidade que fervilhava nos passageiros de
seu ônibus, de amolecer e abrir corações.
Em gritante contraste, algumas matérias de jornal
daquela semana:
• Numa escola local, um garoto de 9 anos causa uma
devastação, derramando tinta nas carteiras,
computadores e impressoras, vandalizando um
carro no estacionamento da escola. Motivo: alguns
colegas de classe o haviam chamado de “bebê”, e
ele quis impressioná-los.
• Oito jovens saem feridos porque um encontrão
involuntário, numa multidão de adolescentes
diante de um clube de rap, em Manhattan, leva a
uma troca de empurrões que só termina quando
um dos garotos começa a atirar, com uma pistola
automática calibre 38, contra a multidão. A notícia
observa que, nos últimos anos, tiroteios por
motivos fúteis, mas encarados como atos de
desrespeito, se tornaram cada vez mais comuns em
todo o país.
• No assassinato de crianças de menos de 12 anos,
diz uma notícia, 57% dos assassinos são seus
próprios pais ou padrastos. Em quase metade dos
casos, esses pais alegam que estavam “apenas
tentando disciplinar o filho”. Essas surras fatais
foram provocadas por “infrações” do tipo a criança
ficar na frente da TV, chorar ou sujar fraldas.
• Um jovem alemão é julgado pelo assassinato de
cinco mulheres e meninas turcas, por um incêndio
que provocou enquanto elas dormiam. Membro de
um grupo neonazista, ele diz que não consegue
ficar num emprego, que bebe e atribui o seu azar
aos estrangeiros. Numa voz pouco audível,
argumenta: “Não paro de lamentar tudo o que
fizemos, e me sinto infinitamente envergonhado.”
O noticiário cotidiano nos chega carregado desse tipo
de alerta sobre a desintegração da civilidade e da
segurança, uma onda de impulso mesquinho que corre
desenfreada. Mas o fato é que esses eventos apenas
refletem, em maior escala, um arrepiante desenfreio de
emoções em nossas próprias vidas e nas das pessoas que
nos cercam. Ninguém está a salvo dessa errática maré de
descontrole e de posterior arrependimento — ela invade
nossas vidas de um jeito ou de outro.
A última década tem presenciado um constante
bombardeio de notícias desse gênero, que retratam o
aumento de inépcia emocional, desespero e inquietação
na família, nas comunidades e em nossas vidas em
coletividade. Esses anos têm escrito a crônica de uma
raiva e desespero crescentes, seja na calma solidão das
crianças trancadas com a TV que lhes serve de babá, no
sofrimento das crianças abandonadas, esquecidas ou
maltratadas, ou na desagradável intimidade da violência
conjugal. O alastramento desse mal-estar pode ser visto
através de estatísticas que demonstram um aumento
mundial dos casos de depressão e nos indicadores de
uma repentina onda de agressão — adolescentes que
vão armados para a escola, infrações de trânsito na
estrada que terminam em tiros, ex-empregados
descontentes que massacram antigos colegas de trabalho.
Abuso emocional, drive-by shooting[1] e tensão póstraumática entraram no léxico do americano comum na
última década, e o slogan do momento passou do
cordial “Tenha um bom dia” para o petulante “Faça o
meu dia valer a pena”.
Este livro é um guia que se destina a procurar sentido
no que não tem sentido. Na qualidade de psicólogo e,
na última década, de jornalista do The New York Times,
venho acompanhando o progresso dos estudos
científicos sobre a irracionalidade. Dessa perspectiva,
observei duas tendências opostas: uma, que retrata a
crescente calamidade na vida emocional partilhada pelos
indivíduos, e outra, que oferece soluções auspiciosas
para esse problema.
Por que Este Exame agora?
A última década, apesar de todas as coisas ruins que nos
ofereceu, por outro lado assistiu a uma explosão inédita
de estudos científicos sobre a emoção. O que mais
impressiona é que agora podemos ver o cérebro em
funcionamento, graças às novas tecnologias que
permitem a obtenção de imagens desse órgão. Elas
tornaram visível, pela primeira vez na história humana, o
que sempre foi um grande mistério: como atua essa
intricada quantidade de células enquanto pensamos e
sentimos, imaginamos e sonhamos. Essa inundação de
dados neurobiológicos permite que entendamos, hoje
mais do que nunca, como os centros nervosos nos levam
à raiva ou às lágrimas e como partes mais primitivas do
cérebro, que nos incitam a fazer a guerra e o amor, são
canalizadas para o melhor ou o pior. Essa luz sem
precedentes sobre os mecanismos das emoções e suas
deficiências põe em foco alguns novos remédios para
nossa crise emocional coletiva.
Tive de esperar que a pesquisa científica ficasse
suficientemente completa para escrever este livro. Essas
observações vêm com um certo atraso, em grande parte
porque o lugar dos sentimentos na vida mental foi, ao
longo dos anos, surpreendentemente desprezado pela
pesquisa, fazendo das emoções um continente pouco
explorado pela psicologia científica. Essa lacuna
propiciou uma enxurrada de livros de auto-ajuda,
conselhos bem-intencionados baseados, na melhor das
hipóteses, em opiniões clínicas, mas com pouca ou
nenhuma base científica. Agora a ciência pode
finalmente abordar com autoridade essas questões
urgentes e desorientadoras da psique, no que ela tem de
mais irracional, para mapear com alguma precisão o
coração humano.
Esse mapeamento lança um desafio àqueles que são
adeptos de uma visão estreita da inteligência, e que por
isto entendem que o QI é um dado genético impossível
de ser alterado pela experiência de vida, e que nosso
destino é, em grande parte, determinado pela aptidão
intelectual recebida geneticamente. Esse argumento não
considera a questão mais desafiante: o que podemos
mudar para ajudar nossos filhos a se sentirem melhor?
Que fatores entram em jogo, por exemplo, quando
pessoas de alto QI malogram e aquelas com um QI
modesto se saem surpreendentemente bem? Eu diria que
o que faz a diferença são aptidões aqui chamadas de
inteligência emocional, as quais incluem autocontrole,
zelo e persistência, e a capacidade de automotivação. E
essas aptidões, como vamos ver, podem ser ensinadas às
crianças, na medida em que lhes proporcionam a
oportunidade de lançar mão de qualquer que seja o
potencial intelectual que lhes tenha sido legado pela
loteria genética.
Além dessa possibilidade, estamos diante de um
premente imperativo moral. Vivemos um momento em
que o tecido social parece esgarçar-se com uma rapidez
cada vez maior, em que o egoísmo, a violência e a
mesquinhez de espírito parecem estar fazendo apodrecer
a bondade de nossas relações com o outro. Aqui, o
argumento a favor da importância da inteligência
emocional depende da ligação entre sentimento, caráter
e instintos morais. Há crescentes indícios de que
posturas éticas fundamentais na vida vêm de aptidões
emocionais subjacentes. Por exemplo, o impulso é o
veículo da emoção; a semente de todo impulso é um
sentimento explodindo para expressar-se em ação. Os
que estão à mercê dos impulsos — os que não têm
autocontrole — sofrem de uma deficiência moral. A
capacidade de controlar os impulsos é a base da força
de vontade e do caráter. Da mesma forma, a raiz do
altruísmo está na empatia, a capacidade de identificar as
emoções nos outros; sem a noção do que o outro
necessita ou de seu desespero, o envolvimento é
impossível. E se há duas posições morais que nossos
tempos exigem são precisamente estas: autocontrole e
piedade.
NOSSA VIAGEM
Neste livro, eu atuo como um guia numa viagem através
de percepções científicas acerca das emoções, uma
viagem que visa levar maior compreensão a alguns dos
mais intrigantes momentos de nossas vidas e do mundo
que nos cerca. O fim da jornada é entender o que
significa — e como — levar inteligência à emoção. Essa
compreensão, por si só, pode ajudar, em certa medida;
levar a cognição para o campo do sentimento tem um
efeito meio parecido com o impacto causado pelo
observador no nível da física quântica, que altera o que
está sendo observado.
Nossa viagem começa na Parte Um, com as novas
descobertas sobre a arquitetura emocional do cérebro, as
quais explicam aqueles momentos mais desconcertantes
de nossas vidas, quando o sentimento esmaga toda
racionalidade. A compreensão da interação existente
entre as estruturas do cérebro que comandam nossos
momentos de ira e medo — ou paixão e alegria —
revela muito sobre certos hábitos emocionais adquiridos
que solapam nossas melhores intenções, e também sobre
o que podemos fazer para dominar impulsos
destruidores ou que já trazem consigo a própria
destruição. Mais importante ainda, os dados fornecidos
pela pesquisa em neurologia sugerem a existência de
uma boa oportunidade para moldar os hábitos
emocionais de nossos filhos.
A parada seguinte de nossa viagem, a Parte Dois
deste livro, mostra como os dados neurológicos atuam
sobre o instinto básico para viver chamado inteligência
emocional: por exemplo, poder controlar o impulso
emocional; interpretar os sentimentos mais íntimos de
outrem; lidar tranqüilamente com relacionamentos —
como disse Aristóteles, a rara capacidade de “zangar-se
com a pessoa certa, na medida certa, na hora certa, pelo
motivo certo e da maneira certa”. (Os leitores que não
sentem atração por detalhes neurológicos talvez prefiram
passar diretamente para essa parte.)
Esse modelo ampliado do que significa ser
“inteligente” coloca as emoções no centro das aptidões
para viver. A Parte Três examina a importância dessa
aptidão: como esses talentos preservam nossos
relacionamentos mais valiosos, ou como a ausência deles
os corrói; como as forças de mercado que estão
remodelando nossa vida profissional começam a
valorizar a inteligência emocional para um melhor
desempenho no trabalho; como as emoções nocivas são
tão danosas para nossa saúde física quanto fumar
desbragadamente e como o equilíbrio emocional
preserva a nossa saúde e bem-estar.
Nossa herança genética nos dota de uma série de
referenciais que determinam nosso temperamento. Mas
os circuitos cerebrais envolvidos são extraordinariamente
maleáveis; temperamento não é destino. Como mostra a
Parte Quatro, as lições emocionais que aprendemos na
infância, seja em casa ou na escola, modelam os circuitos
emocionais, tornando-nos mais aptos — ou inaptos —
nos fundamentos da inteligência emocional. Isso significa
que a infância e a adolescência são ótimas
oportunidades para determinar os hábitos emocionais
básicos que irão governar nossas vidas.
A Parte Cinco examina que riscos aguardam aqueles
que, ao chegarem à maturidade, não dominam o campo
emocional — como as deficiências em inteligência
emocional ampliam a gama de riscos, desde a depressão
ou uma vida de violência até os distúrbios alimentares e
o vício em drogas. E relata como escolas pioneiras estão
ensinando às crianças as aptidões emocionais e sociais
que elas necessitam para manter a vida em equilíbrio.
Talvez a informação mais perturbadora deste livro
venha de uma maciça pesquisa com pais e professores,
que revela uma tendência mundial da atual geração
infantil de ser mais sujeita a perturbações emocionais
que a geração anterior: mais solitária e deprimida, mais
revoltada e rebelde, mais nervosa e propensa a
preocupar-se, mais impulsiva e agressiva.
Se há um remédio, acho que ele consiste na
preparação de nossos jovens para a vida. Atualmente,
deixamos a educação emocional de nossos filhos ao
acaso, com conseqüências cada vez mais desastrosas.
Uma das soluções é uma abordagem da parte das
escolas em termos da educação do aluno como um todo,
ou seja, juntando mente e coração na sala de aula. Nossa
viagem termina com visitas a escolas inovadoras, que
visam dar às crianças rudimentos da inteligência
emocional. Já antevejo o dia em que o sistema
educacional incluirá como prática rotineira a instilação
de aptidões humanas essenciais como autoconsciência,
autocontrole e empatia e das artes de ouvir, resolver
conflitos e cooperar.
Em Ética a Nicômaco, inquirição filosófica de
Aristóteles sobre virtude, caráter e uma vida justa, está
implícito o desafio à nossa capacidade de equilibrar
razão e emoção. Nossas paixões, quando bem exercidas,
têm sabedoria; orientam nosso pensamento, nossos
valores, nossa sobrevivência. Mas podem facilmente cair
em erro, e o fazem com demasiada freqüência. Como
observa Aristóteles, o problema não está na
emocionalidade, mas na adequação da emoção e sua
manifestação. A questão é: como podemos levar
inteligência às nossas emoções, civilidade às nossas ruas
e envolvimento à nossa vida comunitária?
[1]
Rajadas de tiros disparadas de um carro em
movimento. (N. do T.)
PARTE UM
O CÉREBRO
EMOCIONAL
1
Para que Servem
as Emoções?
É com o coração que se vê corretamente; o essencial é
invisível aos olhos.
Antoine de Saint-Exupéry,
O Pequeno Príncipe
Pensem nos últimos momentos de Gary e Mary Jane
Chauncey, um casal inteiramente dedicado à filha
Andrea, de 11 anos, confinada a uma cadeira de rodas
devido a uma paralisia cerebral. A família Chauncey
viajava num trem da Amtrak que caiu num rio, depois
que uma barcaça bateu e abalou as estruturas de uma
ponte ferroviária, na região dos pântanos da Louisiana.
Quando a água começou a invadir o trem, o casal,
pensando primeiro na filha, fez o que pôde para salvar
Andrea; conseguiram entregá-la, através de uma das
janelas, para a equipe de resgate. E morreram, quando o
vagão afundou.1
A história de Andrea, de pais cujo último ato heróico
foi o de assegurar a sobrevivência da filha, capta um
momento de coragem quase mítica. Sem dúvida, esse
tipo de sacrifício dos pais em benefício da prole é
recorrente na história e pré-história humanas, e inúmeras
vezes mais ao longo da evolução de nossa espécie.2
Visto da perspectiva dos biólogos evolucionistas, esse
auto-sacrifício dos pais está a serviço do “sucesso
reprodutivo” na transmissão dos genes a futuras
gerações. Mas da perspectiva de um pai que, num
momento de desespero, toma uma decisão como essa,
trata-se simplesmente de amor.
Como se fora uma intuição do objetivo e da força das
emoções, esse ato exemplar de heroísmo dos pais atesta
o papel que exercem, na vida humana,3 o amor
altruístico e as demais emoções que sentimos. Isso indica
que nossos mais profundos sentimentos, as nossas
paixões e anseios são diretrizes essenciais e que nossa
espécie deve grande parte de sua existência à força que
eles emprestam nas questões humanas. Essa força é
extraordinária: só um amor tão forte — na urgência de
salvar uma filha querida — foi capaz de conter o próprio
instinto de sobrevivência dos pais. Do ponto de vista do
intelecto, não há dúvida de que o auto-sacrifício desses
pais foi irracional. Sob a ótica do coração, entretanto,
essa era a única atitude a ser tomada.
Quando investigam por que a evolução da espécie
humana deu à emoção um papel tão essencial em nosso
psiquismo, os sociobiólogos verificam que, em
momentos decisivos, ocorreu uma ascendência do
coração sobre a razão. São as nossas emoções, dizem
esses pesquisadores, que nos orientam quando diante de
um impasse e quando temos de tomar providências
importantes demais para que sejam deixadas a cargo
unicamente do intelecto — em situações de perigo, na
experimentação da dor causada por uma perda, na
necessidade de não perder a perspectiva apesar dos
percalços, na ligação com um companheiro, na formação
de uma família. Cada tipo de emoção que vivenciamos
nos predispõe para uma ação imediata; cada uma
sinaliza para uma direção que, nos recorrentes desafios
enfrentados pelo ser humano ao longo da vida,4 provou
À
ser a mais acertada. À medida que, ao longo da evolução
humana, situações desse tipo foram se repetindo, a
importância do repertório emocional utilizado para
garantir a sobrevivência da nossa espécie foi atestada
pelo fato de esse repertório ter ficado gravado no
sistema nervoso humano como inclinações inatas e
automáticas do coração.
Uma visão da natureza humana que ignore o poder
das emoções é lamentavelmente míope. A própria
denominação Homo sapiens, a espécie pensante, é
enganosa à luz do que hoje a ciência diz acerca do lugar
que as emoções ocupam em nossas vidas. Como
sabemos por experiência própria, quando se trata de
moldar nossas decisões e ações, a emoção pesa tanto —
e às vezes muito mais — quanto a razão. Fomos longe
demais quando enfatizamos o valor e a importância do
puramente racional — do que mede o QI — na vida
humana. Para o bem ou para o mal, quando são as
emoções que dominam, o intelecto não pode nos
conduzir a lugar nenhum.
QUANDO AS PAIXÕES DOMINAM A RAZÃO
Foi uma tragédia de erros. Matilda Crabtree, 14 anos,
apenas queria dar um susto no pai: saltou de dentro do
armário e gritou “Buu!”, no momento em que os pais
voltavam, à uma da manhã, de uma visita a amigos.
Mas Bobby Crabtree e sua mulher achavam que
Matilda estava em casa de amigas naquela noite.
Quando, ao entrar em casa, ouviu ruídos, Crabtree
pegou sua pistola calibre .357 e foi ao quarto da filha
verificar o que estava acontecendo. Quando ela pulou
do armário, ele atirou, atingindo-a no pescoço. Matilda
Crabtree morreu 12 horas depois.5
Uma das coisas que adquirimos no processo da
evolução humana foi o medo que nos mobiliza para
proteger nossa família contra o perigo; foi esse impulso
que levou Crabtree a pegar a arma e a vasculhar a casa
em busca de um suposto intruso. O medo levou-o a
atirar antes de verificar perfeitamente no que atirava, e
mesmo antes de reconhecer que aquela voz era a de sua
filha. Reações automáticas desse tipo — supõem os
biólogos — ficaram gravadas em nosso sistema nervoso
porque, durante um longo e crucial período da préhistória humana, eram decisivas para a sobrevivência ou
a morte. O que há de mais importante a respeito dessas
reações é que foram elas que desempenharam a
principal tarefa da evolução: deixar uma progênie que
passasse adiante essas mesmas predisposições genéticas
— uma triste ironia, se considerarmos a tragédia ocorrida
na família Crabtree.
Mas, embora nossas emoções tenham sido sábios
guias no longo percurso evolucionário, as novas
realidades com que a civilização tem se defrontado
surgiram com uma rapidez impossível de ser
acompanhada pela lenta marcha da evolução. Na
verdade, as primeiras leis e proclamações sobre ética —
o Código de Hamurabi, os Dez Mandamentos dos
Hebreus, os Éditos do Imperador Ashoka — podem ser
interpretadas como tentativas de conter, subjugar e
domesticar as emoções. Como Freud observou em O
Mal-estar na Civilização, o aparelho social tem tentado
impor normas para conter o excesso emocional que
emerge, como ondas, de dentro de cada um de nós.
Apesar dessas pressões sociais, as paixões muitas
vezes solapam a razão. Essa faceta da natureza humana
tem origem na arquitetura básica do nosso cérebro. Em
termos do plano biológico dos circuitos neurais básicos
da emoção, aqueles com os quais nascemos são os que
melhor funcionaram para as últimas 50 mil gerações
humanas, mas não para as últimas 500 — e, certamente,
não para as últimas cinco. As lentas e cautelosas forças
da evolução que moldaram nossas emoções têm
cumprido sua tarefa ao longo de 1 milhão de anos. Os
últimos 10 mil anos — apesar de terem assistido ao
rápido surgimento da civilização humana e à explosão
demográfica de 5 milhões para 5 bilhões de habitantes
sobre a Terra — quase nada imprimiram de novo em
nossos gabaritos biológicos para a vida emocional.
Para o melhor ou o pior, a forma como avaliamos
situações complicadas com que nos deparamos e nossas
respostas a elas são moldadas não apenas por nossos
julgamentos racionais ou nossa história pessoal, mas
também por nosso passado ancestral. Esse legado nos
predispõe a provocar tragédias, de que é triste exemplo
o lamentável fato ocorrido na família Crabtree. Em suma,
com muita freqüência enfrentamos dilemas pósmodernos com um repertório talhado para as urgências
do Pleistoceno. Esse paradoxo é o cerne de meu tema.
Agir impulsivamente
Num dia de início da primavera, eu percorria de carro
um passo de montanha no Colorado, quando uma
repentina lufada de neve encobriu o veículo alguns
metros à minha frente. Mesmo forçando a vista, eu não
conseguia distinguir nada; a neve em redemoinho
transformara-se numa alvura cegante. Ao pisar no freio,
senti a ansiedade me invadir o corpo e ouvi as batidas
surdas do coração.
A ansiedade transformou-se em medo total. Fui para
o acostamento esperar que a lufada passasse. Meia hora
depois, a neve parou, a visibilidade retornou e segui em
frente, sendo parado uns 100 metros adiante, onde uma
equipe de ambulância socorria um passageiro de um
carro que batera na traseira de outro que andava em
velocidade mais lenta. A colisão havia bloqueado a
rodovia. Se eu tivesse continuado a dirigir na neve que
impedia a visibilidade, provavelmente os teria atingido.
A cautela que o medo me impôs naquele dia talvez
tenha salvado minha vida. Como um coelho paralisado
de terror ao sinal da passagem de uma raposa — ou
como um protomamífero escondendo-se de um
dinossauro predador — fui tomado por um estado
interno que me obrigou a parar, a prestar atenção e a
tomar cuidado diante do perigo iminente.
Todas as emoções são, em essência, impulsos,
legados pela evolução, para uma ação imediata, para
planejamentos instantâneos que visam lidar com a vida.
A própria raiz da palavra emoção é do latim movere —
“mover” — acrescida do prefixo “e-”, que denota
“afastar-se”, o que indica que em qualquer emoção está
implícita uma propensão para um agir imediato. Essa
relação entre emoção e ação imediata fica bem clara
quando observamos animais ou crianças; é somente em
adultos “civilizados” que tantas vezes detectamos a
grande anomalia no reino animal: as emoções —
impulsos arraigados para agir — divorciadas de uma
reação óbvia.6
Em nosso repertório emocional, cada emoção
desempenha uma função específica, como revelam suas
distintas assinaturas biológicas (ver detalhes sobre
emoções “básicas” no Apêndice A). Diante das novas
tecnologias que permitem perscrutar o cérebro e o corpo
como um todo, os pesquisadores estão descobrindo
detalhes fisiológicos que permitem a verificação de como
diferentes tipos de emoção preparam o corpo para
diferentes tipos de resposta:7
• Na raiva, o sangue flui para as mãos, tornando
mais fácil sacar da arma ou golpear o inimigo; os
batimentos cardíacos aceleram-se e uma onda de
hormônios, a adrenalina, entre outros, gera uma
pulsação, energia suficientemente forte para uma
atuação vigorosa.
• No medo, o sangue corre para os músculos do
esqueleto, como os das pernas, facilitando a fuga;
o rosto fica lívido, já que o sangue lhe é subtraído
(daí dizer-se que alguém ficou “gélido”). Ao
mesmo tempo, o corpo imobiliza-se, ainda que por
um breve momento, talvez para permitir que a
pessoa considere a possibilidade de, em vez de
agir, fugir e se esconder. Circuitos existentes nos
centros emocionais do cérebro disparam a torrente
de hormônios que põe o corpo em alerta geral,
tornando-o inquieto e pronto para agir. A atenção
se fixa na ameaça imediata, para melhor calcular a
resposta a ser dada.
• A sensação de felicidade causa uma das principais
alterações biológicas. A atividade do centro
cerebral é incrementada, o que inibe sentimentos
negativos e favorece o aumento da energia
existente, silenciando aqueles que geram
pensamentos de preocupação. Mas não ocorre
nenhuma mudança particular na fisiologia, a não
ser uma tranqüilidade, que faz com que o corpo se
recupere rapidamente do estímulo causado por
emoções perturbadoras. Essa configuração dá ao
corpo um total relaxamento, assim como
disposição e entusiasmo para a execução de
qualquer tarefa que surja e para seguir em direção
a uma grande variedade de metas.
• O amor, os sentimentos de afeição e a satisfação
sexual implicam estimulação parassimpática, o que
se constitui no oposto fisiológico que mobiliza
para “lutar-ou-fugir” que ocorre quando o
sentimento é de medo ou ira. O padrão
parassimpático, chamado de “resposta de
relaxamento”, é um conjunto de reações que
percorre todo o corpo, provocando um estado
geral de calma e satisfação, facilitando a
cooperação.
• O erguer das sobrancelhas, na surpresa,
proporciona uma varredura visual mais ampla, e
também mais luz para a retina. Isso permite que
obtenhamos mais informação sobre um
acontecimento que se deu de forma inesperada,
tornando mais fácil perceber exatamente o que
está acontecendo e conceber o melhor plano de
ação.
• Em todo o mundo, a expressão de repugnância se
assemelha e envia a mesma mensagem: alguma
coisa desagradou ao gosto ou ao olfato, real ou
metaforicamente. A expressão facial de
repugnância — o lábio superior se retorcendo para
o lado e o nariz se enrugando ligeiramente —
sugere, como observou Darwin, uma tentativa
primeva de tapar as narinas para evitar um odor
nocivo ou cuspir fora uma comida estragada.
• Uma das principais funções da tristeza é a de
propiciar um ajustamento a uma grande perda,
como a morte de alguém ou uma decepção
significativa. A tristeza acarreta uma perda de
energia e de entusiasmo pelas atividades da vida,
em particular por diversões e prazeres. Quando a
tristeza é profunda, aproximando-se da depressão,
a velocidade metabólica do corpo fica reduzida.
Esse retraimento introspectivo cria a oportunidade
para que seja lamentada uma perda ou frustração,
para captar suas conseqüências para a vida e para
planejar um recomeço quando a energia retorna. É
possível que essa perda de energia tenha tido
como objetivo manter os seres humanos
vulneráveis em estado de tristeza para que
permanecessem perto de casa, onde estariam em
maior segurança.
Essas tendências biológicas para agir são ainda mais
moldadas por nossa experiência e pela cultura. Por
exemplo, a perda de um ser amado provoca,
universalmente, tristeza e luto. Mas a maneira como
demonstramos nosso pesar, como exibimos ou contemos
as emoções em momentos íntimos, é moldada pela
cultura, o mesmo ocorrendo quando se trata de eleger
quais pessoas em nossas vidas se encaixam na categoria
de “entes queridos” dignos de nosso lamento.
O prolongado período de evolução em que, por força
das circunstâncias, essas respostas emocionais se
formaram foi, sem dúvida, uma realidade bem mais dura
que a maioria dos seres humanos teve de suportar desde
o alvorecer da história registrada. Foi um tempo em que
poucas crianças sobreviveram à infância e em que
poucos adultos viveram mais do que trinta anos, tempo
em que predadores atacavam a qualquer momento,
tempo em que as condições climáticas determinavam se
iríamos ou não morrer de fome. Mas, com o advento da
agricultura, e até mesmo das mais rudimentares formas
de organização social, as possibilidades de sobrevivência
mudaram de forma extraordinária. Nos últimos 10 mil
anos, quando esses avanços se espalharam por todo o
mundo, reduziram-se significativamente as violentas
pressões que ameaçaram a população humana.8
Mas foram exatamente essas pressões que tornaram
nossas respostas emocionais fundamentais para a
sobrevivência; atenuadas as pressões, a importância das
reações que passaram a fazer parte de nosso repertório
emocional também declinou. Enquanto, no passado
distante, a raiva instantânea funcionava como arma
decisiva para garantir nossa sobrevivência, a eventual
disponibilidade de uma arma para um garoto de 13 anos
pode resultar numa catástrofe.
Nossas Duas Mentes
Uma amiga me falava de seu divórcio, uma dolorosa
separação. O marido apaixonara-se por uma mulher mais
jovem com quem trabalhava e, de repente, anunciara
que ia deixá-la para viver com a outra. Seguiram-se
meses de brigas amargas sobre a casa, dinheiro e
custódia dos filhos. Agora, passados alguns meses, ela
dizia que sua independência lhe agradava, que se sentia
feliz contando apenas consigo mesma.
— Simplesmente não penso mais nele; na verdade,
nem quero saber dele.
Só que, ao dizer isso, de repente seus olhos ficaram
cheios de lágrimas.
Aquele lacrimejar de olhos poderia passar facilmente
despercebido. Mas, por um tipo de compreensão que
acontece através da empatia, os olhos marejados em uma
pessoa indicam que ela está triste, não importa o que
tenha expressado em palavras. A empatia é um ato de
compreensão tão seguro quanto a apreensão do sentido
das palavras contidas numa página impressa. O primeiro
tipo de compreensão é fruto da mente emocional, o
outro, da mente racional. Na verdade, temos duas
mentes — a que raciocina e a que sente.
Esses dois modos fundamentalmente diferentes de
conhecimento interagem na construção de nossa vida
mental. Um, a mente racional, é o modo de
compreensão de que, em geral, temos consciência: é
mais destacado na consciência, mais atento e capaz de
ponderar e refletir. Mas, além desse, há um outro sistema
de conhecimento que é impulsivo e poderoso, embora
às vezes ilógico — a mente emocional. (Para uma
descrição mais detalhada das características da mente
emocional, ver o Apêndice B.)
A dicotomia emocional/racional aproxima-se da
distinção que popularmente é feita entre “coração” e
“cabeça”; saber que alguma coisa é certa “aqui dentro no
coração” é um grau diferente de convicção — tem um
sentido mais profundo —, ainda que idêntica àquela
adquirida através da mente racional. Há uma acentuada
gradação na proporção entre controle racional e
emocional da mente; quanto mais intenso o sentimento,
mais dominante é a mente emocional — e mais
inoperante a racional. É uma disposição que parece ter
tido origem há bilhões de anos, quando se iniciou nossa
evolução biológica: era mais vantajoso que emoção e
intuições guiassem nossa reação imediata frente a
situações de perigo de vida — parar para pensar o que
fazer poderia nos custar a vida.
Essas duas mentes, a emocional e a racional, na
maior parte do tempo operam em estreita harmonia,
entrelaçando seus modos de conhecimento para que nos
orientemos no mundo. Em geral, há um equilíbrio entre
as mentes emocional e racional, com a emoção
alimentando e informando as operações da mente
racional, e a mente racional refinando e, às vezes,
vetando a entrada das emoções. Mas são faculdades
semi-independentes, cada uma, como veremos,
refletindo o funcionamento de circuitos distintos, embora
interligados, do cérebro.
Em muitos ou na maioria dos momentos, essas
mentes se coordenam de forma bela e delicada; os
sentimentos são essenciais para o pensamento e viceversa. Mas, quando surgem as paixões, esse equilíbrio se
desfaz: é a mente emocional que assume o comando,
inundando a mente racional. Erasmo de Rotterdam,
humanista do século XVI, escreveu, sob a forma de
sátira, acerca dessa perene tensão entre razão e
emoção:9
Júpiter legou muito mais paixão que razão — pode-se calcular a
proporção em 24 por um. Pôs duas tiranas furiosas em oposição ao
solitário poder da Razão: a ira e a luxúria. Até onde a Razão prevalece
contra as forças combinadas das duas, a vida do homem comum deixa
bastante claro. A Razão faz a única coisa que pode e berra até ficar
rouca, repetindo fórmulas de virtude, enquanto as outras duas a
mandam para o diabo que a carregue, e tornam-se cada vez mais
ruidosas e insultantes, até que por fim sua Governante se exaure,
desiste e rende-se.
COMO O CÉREBRO EVOLUIU
Para melhor entender a enorme influência das emoções
sobre a razão — e por que sentimento e razão entram
tão prontamente em guerra — vejamos como o cérebro
evoluiu. O cérebro humano, com um pouco mais de 1
quilo de células e humores neurais, é três vezes maior
que o dos nossos primos ancestrais, os primatas nãohumanos. Ao longo de milhões de anos de evolução, o
cérebro cresceu de baixo para cima, os centros
superiores desenvolvendo-se como elaborações das
partes inferiores, mais antigas. (O crescimento do
cérebro no embrião humano refaz mais ou menos esse
percurso evolucionário.)
A parte mais primitiva do cérebro, partilhada por
todas as espécies que têm um sistema nervoso superior a
um nível mínimo, é o tronco cerebral em volta do topo
da medula espinhal. Esse cérebro-raiz regula funções
vitais básicas, como a respiração e o metabolismo dos
outros órgãos do corpo, e também controla reações e
movimentos estereotipados. Não se pode dizer que esse
cérebro primitivo pense ou aprenda; ao contrário, ele se
constitui num conjunto de reguladores pré-programados
que mantêm o funcionamento do corpo como deve e
reage de modo a assegurar a sobrevivência. Esse cérebro
reinou supremo na Era dos Répteis: imaginem o sibilar
de uma serpente comunicando a ameaça de um ataque.
Da mais primitiva raiz, o tronco cerebral, surgiram os
centros emocionais. Milhões de anos depois, na
evolução dessas áreas emocionais, desenvolveu-se o
cérebro pensante, ou “neocórtex”, o grande bulbo de
tecidos ondulados que forma as camadas externas. O
fato de o cérebro pensante ter se desenvolvido a partir
das emoções revela muito acerca da relação entre razão
e sentimento; existiu um cérebro emocional muito antes
do surgimento do cérebro racional.
A mais antiga raiz de nossa vida emocional está no
sentido do olfato, ou, mais precisamente, no lobo
olfativo, células que absorvem e analisam o cheiro. Toda
entidade viva, seja nutritiva, venenosa, parceiro sexual,
predador ou presa, tem uma assinatura molecular
distintiva que o vento transporta. Naqueles tempos
primitivos, o olfato apresentava-se como um sentido
supremo para a sobrevivência.
Do lobo olfativo, começaram a evoluir os antigos
centros de emoção, que acabaram tornando-se
suficientemente grandes para envolver o topo do tronco
cerebral. Em seus estágios rudimentares, o centro
olfativo compunha-se de pouco mais de tênues camadas
de neurônios reunidos para analisar o cheiro. Uma
camada de células recebia o que era cheirado e o
classificava em categorias relevantes: comestível ou
tóxico, sexualmente acessível, inimigo ou comida. Uma
segunda camada de células enviava mensagens reflexivas
a todo o sistema nervoso, dizendo ao corpo o que fazer:
morder, cuspir, abordar, fugir, caçar.10
Com o advento dos primeiros mamíferos, vieram
novas e decisivas camadas, chave do cérebro emocional.
Estas, em torno do tronco cerebral, lembravam um
pouco um pastel com um pedaço mordido embaixo, no
lugar onde se encaixa o tronco cerebral. Como essa
parte do cérebro cerca o tronco cerebral e limita-se com
ele, era chamada de sistema “límbico”, de limbus,
palavra latina que significa “orla”. Esse novo território
neural acrescentou emoções propriamente ditas ao
repertório do cérebro.11 Quando estamos sob o domínio
de anseios ou fúria, perdidamente apaixonados ou
transidos de pavor, é o sistema límbico que nos tem em
seu poder.
À medida que evoluía, o sistema límbico foi
aperfeiçoando
duas
poderosas
ferramentas:
aprendizagem e memória. Esses avanços revolucionários
possibilitavam que um animal fosse muito mais esperto
nas opções de sobrevivência e aprimorasse suas
respostas para adaptar-se a exigências cambiantes, em
vez de ter reações invariáveis e automáticas. Se uma
comida causava doença, podia ser evitada da próxima
vez. Decisões como saber o que comer e o que rejeitar
ainda eram, em grande parte, determinadas pelo olfato;
as ligações entre o bulbo olfativo e o sistema límbico
assumiam agora as tarefas de estabelecer distinções entre
cheiros e reconhecê-los, comparando um atual com
outros passados e discriminando, assim, o bom do ruim.
Isso era feito pelo “rinencéfalo”, literalmente, o “cérebro
do nariz”, uma parte da fiação límbica e a base
rudimentar do neocórtex, o cérebro pensante.
Há cerca de 100 milhões de anos, o cérebro dos
mamíferos deu um grande salto em termos de
crescimento. Por cima do tênue córtex de duas camadas
— as regiões que planejam, compreendem o que é
sentido, coordenam o movimento —, acrescentaram-se
novas camadas de células cerebrais, formando o
neocórtex. Comparado com o antigo córtex de duas
camadas, o neocórtex oferecia uma extraordinária
vantagem intelectual.
O neocórtex do Homo sapiens, muito maior que o de
qualquer outra espécie, acrescentou tudo o que é
distintamente humano. O neocórtex é a sede do
pensamento; contém os centros que reúnem e
compreendem o que os sentidos percebem. Acrescenta a
um sentimento o que pensamos dele — e permite que
tenhamos sentimentos sobre idéias, arte, símbolos,
imagens.
Na evolução, o neocórtex possibilitou um criterioso
aprimoramento que, sem dúvida, trouxe enormes
vantagens na capacidade de um organismo sobreviver à
adversidade, tornando mais provável que sua progênie,
por sua vez, passasse adiante os genes que contêm esses
mesmos circuitos neurais. A vantagem para a
sobrevivência deve-se à capacidade do neocórtex de
criar estratégias, planejar a longo prazo e outros artifícios
mentais. Além disso, os triunfos da arte, civilização e
cultura são todos frutos do neocórtex.
Esse acréscimo ao cérebro introduziu novas nuanças
à vida emocional. Vejam o amor. As estruturas límbicas
geram sentimentos de prazer e desejo sexual, emoções
que alimentam a paixão sexual. Mas a adição do
neocórtex e suas ligações ao sistema límbico criaram a
ligação mãe-filho, que é a base da unidade familiar e do
compromisso, a longo prazo, com a criação dos filhos, o
que torna possível o desenvolvimento humano.
(Espécies que não têm neocórtex, como os répteis,
carecem de afeição materna; quando saem do ovo, os
recém-nascidos têm de se esconder para que não sejam
canibalizados.) Nos seres humanos, é o instinto de
proteção que os pais têm em relação aos filhos que vai
assegurar a prossecução de grande parte do
amadurecimento durante a infância, período em que o
cérebro continua a se desenvolver.
À medida que subimos na escala filogenética do réptil
ao rhesus e ao ser humano, o volume do neocórtex
aumenta; com esse aumento, ocorre um incremento de
proporções gigantescas nas interligações dos circuitos
cerebrais. Quanto maior o número dessas ligações, maior
a gama de respostas possíveis. O neocórtex abriga a
sutileza e a complexidade da vida emocional, como a
capacidade de ter sentimentos sobre nossos sentimentos.
Há uma maior proporção de neocórtex para sistema
límbico nos primatas que nas outras espécies — e
imensamente mais nos seres humanos —, o que sugere
que podemos exibir uma gama muito maior de reações
às nossas emoções, e mais nuanças. Enquanto um
coelho, ou um rhesus, possui um repertório bastante
restrito de respostas típicas para o medo, o neocórtex
humano, maior, coloca à nossa disposição um repertório
muito mais ágil — chamar a polícia, por exemplo.
Quanto mais complexo o sistema social, mais essencial é
essa flexibilidade — e não existe nenhuma forma de
organização social mais complexa do que a nossa.12
Mas esses centros superiores não controlam toda a
vida emocional; nos problemas cruciais que dizem
respeito ao coração e, mais especialmente, nas
emergências emocionais, pode-se dizer que eles se
submetem ao sistema límbico. Como tantos dos centros
superiores do cérebro se desenvolveram a partir do
âmbito da região límbica, ou a ampliaram, o cérebro
emocional desempenha uma função decisiva na
arquitetura neural. Como raiz da qual surgiu o cérebro
mais novo, as áreas emocionais entrelaçam-se, através de
milhares de circuitos de ligação, com todas as partes do
neocórtex. Isso dá aos centros emocionais imensos
poderes de influenciar o funcionamento do restante do
cérebro — incluindo seus centros de pensamento.
2
Anatomia de um
Seqüestro Emocional
A vida é uma comédia para os que pensam e uma
tragédia para os que sentem.
Horace Walpole
Era uma tarde quente de verão, em 1963, o mesmo dia
em que o reverendo Martin Luther King Jr. fez o discurso
“Eu tenho um sonho” numa marcha pelos direitos civis
em Washington. Naquele dia, Richard Robles, um ladrão
contumaz, acabara de ser posto em liberdade
condicional. Ele havia cumprido a sentença que o havia
condenado a três anos de prisão por mais de cem
invasões de domicílio que perpetrara para sustentar seu
vício em heroína. Robles decidiu fazer outra invasão.
Queria abandonar o mundo do crime, alegou mais tarde,
mas naquele momento estava precisando
desesperadamente de dinheiro para manter a namorada
e a filha deles, uma menina com cerca de 3 anos.
O apartamento que arrombou naquele dia pertencia a
duas moças, Janice Wylie, de 21 anos, pesquisadora na
revista Newsweek, e Emily Hoffert, 23, professora
primária. Embora Robles houvesse escolhido para
arrombar um apartamento num luxuoso bairro de Nova
York por achar que não havia ninguém lá, Janice estava
em casa. Ameaçando-a com uma faca, ele a amarrou.
Quando ia saindo, entrou Emily. Para garantir a fuga,
Robles a amarrou também.
Segundo relatou anos depois, enquanto amarrava
Emily, Janice Wylie disse que ele não sairia impune
daquele crime: ia se lembrar da cara dele e ajudar a
polícia a localizá-lo. Robles, que prometera a si mesmo
que aquele seria seu último arrombamento, entrou em
pânico, perdendo completamente o controle. Num
frenesi, pegou uma garrafa de refrigerante e bateu nas
moças até deixá-las inconscientes; depois, possuído de
raiva e medo, retalhou-as e esfaqueou-as várias vezes
com uma faca de cozinha. Vinte e cinco anos depois, ao
lembrar daquele momento, Robles lamentava:
— Fiquei muito furioso. Minha cabeça explodiu.
De lá para cá, Robles teve muito tempo para se
arrepender daqueles breves minutos de fúria
desenfreada. Enquanto escrevo, ele continua na prisão,
algumas décadas depois, cumprindo pena pelo famoso
“Assassinato das Executivas”.
Tais explosões emocionais são seqüestros neurais.
Nesses momentos, sugerem os indícios, um centro no
cérebro límbico proclama uma emergência, recrutando o
resto do cérebro para seu plano de urgência. O
seqüestro ocorre num instante, disparando essa reação
crucial momentos antes de o neocórtex, o cérebro
pensante, ter a oportunidade de ver tudo que está
acontecendo, e sem ter o tempo necessário para decidir
se essa é uma boa idéia. A marca característica desse
seqüestro neural é que, assim que passa o momento, o
cérebro “possuído” não tem a menor noção do que deu
nele.
Esses seqüestros não são de modo algum incidentes
isolados e horrendos, que levam sempre a crimes brutais
como o Assassinato das Executivas. De forma menos
catastrófica — mas não necessariamente menos intensa
— ocorrem conosco com muita freqüência. Lembrem da
última vez em que vocês “saíram do sério”, explodiram
com alguém — o marido ou filho, ou quem sabe o
motorista de outro carro — a tal ponto que depois, com
um pouco de reflexão e visão retrospectiva, a coisa
pareceu-lhes imprópria. Isso, com toda probabilidade, foi
também um desses seqüestros, uma tomada de poder
neural que, como veremos, se origina na amígdala
cortical, um centro no cérebro límbico.
Nem todos os seqüestros límbicos são aflitivos.
Quando uma piada é muito engraçada, a risada é quase
explosiva — esta é também uma resposta límbica.
Funciona igualmente em momentos de intensa alegria:
quando Dan Jansen, após frustradas tentativas para
conquistar a medalha de ouro olímpica de patinação
(que prometera à irmã agonizante), finalmente ganhou-a
nos 1.000 metros, nas Olimpíadas de Inverno na
Noruega, sua mulher ficou tão emocionada que teve de
ser levada às pressas para a beira do rinque para ser
atendida pelo pronto-socorro médico.
O LOCAL DAS PAIXÕES
Nos seres humanos, a amígdala cortical (do grego,
significando “amêndoa”) é um feixe, em forma de
amêndoa, de estruturas interligadas, situado acima do
tronco cerebral, perto da parte inferior do anel límbico.
Há duas amígdalas, uma de cada lado do cérebro,
instaladas mais para a lateral da cabeça. A amígdala
humana é relativamente grande, em comparação com a
de qualquer dos nossos primos evolucionários mais
próximos, os primatas.
O hipocampo e a amígdala eram duas partes
importantes do primitivo “nariz cerebral” que, na
evolução, deu origem ao córtex e depois ao neocórtex.
Até hoje, essas estruturas límbicas são responsáveis por
grande parte da aprendizagem e da memória do cérebro;
a amígdala cortical é especialista em questões
emocionais. Se for retirada do cérebro, o resultado é
uma impressionante incapacidade de avaliar o
significado emocional dos fatos; esse mal é às vezes
chamado de “cegueira afetiva”.
Sem peso emocional, os contatos interpessoais ficam
insossos. Um rapaz cuja amígdala fora cirurgicamente
removida para controlar sérios ataques perdeu por
completo o interesse pelas pessoas, preferindo o
isolamento, sem qualquer contato humano. Embora fosse
perfeitamente capaz de conversar, não reconhecia mais
amigos íntimos, parentes, nem mesmo a mãe, e ficava
impassível diante da angústia deles com sua indiferença.
Sem a amígdala, havia perdido não só a capacidade de
discernir sentimentos como também de ter sentimentos
sobre sentimentos.1 A amígdala cortical funciona como
um depósito da memória emocional e, portanto, do
próprio significado; a vida sem essa amígdala não tem o
menor sentido do ponto de vista emocional.
O que está ligado à amígdala é mais que a afeição;
qualquer paixão depende dela. Os animais que têm a
amígdala cortical retirada ou seccionada não sentem
medo nem raiva, perdem o impulso de competir ou
cooperar e ficam sem qualquer noção do lugar que
ocupam na hierarquia social de sua espécie; a emoção
fica embotada ou ausente. As lágrimas, um sinal
emocional exclusivo dos seres humanos, são provocadas
pela amígdala cortical e uma estrutura próxima, a
circunvolução cingulada; ser abraçado, afagado ou de
outro modo reconfortado acalma essas mesmas regiões
cerebrais. Sem amígdala, não há lágrimas para aliviar um
sofrimento.
Joseph LeDoux, neurocientista do Centro de Ciência
Neural da Universidade de Nova York, foi o primeiro a
descobrir o importante papel que a amígdala cortical
desempenha no cérebro emocional.2 Ele faz parte de um
novo grupo de neurocientistas, os quais recorrem a
tecnologias e métodos inovadores, responsáveis por um
nível de precisão antes desconhecido no mapeamento
do cérebro em funcionamento, e assim podem
desvendar mistérios da mente que gerações anteriores de
cientistas julgavam impenetráveis. Suas descobertas sobre
os circuitos do cérebro emocional puseram abaixo uma
noção há muito existente sobre o sistema límbico,
colocando a amígdala cortical no centro da ação e
deixando outras estruturas límbicas em funções muito
diferentes.3
A pesquisa de LeDoux explica como essa amígdala
pode assumir o controle sobre o que fazemos quando o
cérebro pensante, o neocórtex, ainda está em vias de
tomar uma decisão. Como veremos, o funcionamento da
amígdala e sua interação com o neocórtex estão no
centro da inteligência emocional.
O RASTILHO DE NEURÔNIOS
O que é mais intrigante acerca da força das emoções na
vida mental são aqueles momentos de ação passional de
que mais tarde nos arrependemos, assim que a poeira se
assenta; por que agimos, com tanta facilidade, de forma
irracional? Vejam, por exemplo, uma jovem que dirigiu
duas horas até Boston, para fazer um brunch e passar o
dia com o namorado. Na lanchonete, ele lhe deu de
presente uma coisa que ela vinha querendo havia meses,
uma gravura rara, trazida da Espanha. Mas a alegria dela
acabou quando sugeriu ao namorado que, depois dali,
fossem ver um filme que estava louca para ver. Ele a
chocou quando disse que não podia passar o dia com
ela, pois tinha um treino de softball. Magoada e
incrédula, ela se levantou em prantos, deixou a
lanchonete e, num impulso, jogou a gravura na lata de
lixo. Meses depois, contando o incidente, não é de ter
saído que ela se arrependia, mas da perda da gravura.
É em momentos assim — quando um sentimento
impulsivo domina a razão — que o recém-descoberto
papel da amígdala cortical se mostra crucial. Os sinais
que vêm dos sentidos permitem que a amígdala faça
uma varredura de toda experiência, em busca de
problemas. Isso lhe dá um papel privilegiado na vida
mental, algo semelhante a uma sentinela psicológica,
desafiando cada situação, cada percepção, com apenas
um tipo de pergunta em mente, a mais primitiva: “É
alguma coisa que odeio? Isso me fere? Alguma coisa que
temo?” Se for o caso — se o momento em questão de
algum modo esboça um “Sim” —, a amígdala reage
imediatamente, como um rastilho de neurônios,
mandando uma mensagem de emergência para todas as
partes do cérebro.
Na arquitetura do cérebro, a amígdala está situada
como se fosse o alarme de uma empresa, onde
operadores estão a postos para chamar o Corpo de
Bombeiros, polícia e um vizinho, sempre que o sistema
de segurança interno dá o sinal de perigo.
Quando soa um alarme, digamos, de medo, ela envia
mensagens urgentes às principais partes do cérebro:
dispara a secreção dos hormônios orgânicos para lutarou-fugir, mobiliza os centros de movimento e ativa o
sistema cardiovascular, os músculos e os intestinos.4
Outros circuitos da amígdala enviam sinais para a
secreção de gotas de emergência do hormônio
noradrenalina, para aumentar a reatividade das principais
áreas cerebrais, incluindo as que tornam os sentidos mais
alertas, na verdade deixando o cérebro de prontidão.
Outros sinais da amígdala dizem ao tronco cerebral para
afixar no rosto uma expressão de medo, paralisar
movimentos que os músculos estariam em vias de
executar, acelerar a pulsação cardíaca, aumentar a
pressão sanguínea e reduzir o ritmo da respiração.
Outros fixam a atenção na causa do medo e preparam os
músculos para reagir de acordo. Simultaneamente,
sistemas da memória cortical são vasculhados em busca
de qualquer conhecimento relevante para a emergência
em questão, passando por cima dos outros fios de
pensamento.
E essas são apenas parte de uma cuidadosamente
coordenada série de mudanças que a amígdala organiza
quando recruta áreas de todo o cérebro (para uma
explicação mais detalhada, ver Apêndice C). A extensa
rede de ligações neurais da amígdala permite que,
durante uma emergência emocional, ela assuma e dirija
grande parte do restante do cérebro — inclusive a mente
racional.
A SENTINELA EMOCIONAL
Conta um amigo que, em férias na Inglaterra, tomou um
café-da-manhã reforçado num café à beira de um canal.
Depois, desceu pelos degraus de pedra que davam no
canal e, de repente, viu uma moça olhando fixo para a
água, o rosto transido de pavor. Antes de saber
exatamente o que estava acontecendo, ele já estava
pulando — de paletó e gravata. Só então compreendeu
que a moça fitava em estado de choque uma criancinha
que caíra na água — e que ele conseguiu salvar.
O que o fez pular na água antes de saber por quê? A
resposta mais provável: foi sua amígdala cortical.
Na última década, uma das descobertas mais
impressionantes sobre emoções está no trabalho de
LeDoux onde ele revela que a arquitetura do cérebro dá
à amígdala uma posição privilegiada como sentinela
emocional, capaz de assumir o controle do cérebro.5 A
pesquisa de LeDoux mostra que sinais sensoriais do olho
ou ouvido viajam no cérebro primeiro para o tálamo, e
depois — por uma única sinapse — para a amígdala; um
segundo sinal do tálamo é encaminhado para o
neocórtex — o cérebro pensante. Essa ramificação
permite que a amígdala comece a responder antes que o
neocórtex o faça, pois ele elabora a informação em
vários níveis dos circuitos cerebrais, antes de percebê-la
plenamente e por fim dar início a uma resposta, mais
cuidadosamente elaborada.
A pesquisa de LeDoux é revolucionária para a
compreensão da vida emocional porque é a primeira a
estabelecer caminhos neurais de sentimentos que
contornam o neocórtex. Esses sentimentos que tomam a
rota direta da amígdala estão entre os nossos sinais mais
primitivos e poderosos; esse circuito nos ajuda a
entender o poder que a emoção tem de superar a razão.
A opinião clássica na neurociência era de que o olho,
o ouvido e outros órgãos sensoriais transmitem sinais ao
tálamo e de lá para as áreas de processamento sensorial
do neocórtex, onde eles são reunidos em objetos como
nós os percebemos. Os sinais são classificados por
significados, para que o cérebro reconheça o que é cada
objeto e o que significa a sua presença. Do neocórtex,
dizia a antiga teoria, os sinais são enviados para o
cérebro límbico, e de lá a resposta apropriada se irradia
pelo cérebro e o resto do corpo. É assim que funciona
durante a maior parte do tempo — mas LeDoux
descobriu que, além daqueles que seguem pelo caminho
mais longo de neurônios até o córtex, há um pequeno
feixe de neurônios que vai direto do tálamo à amígdala
cortical. Esse atalho — como uma viela neural —
permite que a amígdala receba alguns insumos diretos
dos sentidos e inicie uma resposta antes que eles sejam
plenamente registrados pelo neocórtex.
Essa descoberta invalida totalmente a tese de que a
amígdala depende inteiramente de sinais do neocórtex
para formular suas reações emocionais. A amígdala pode
acionar uma resposta emocional através dessa rota de
emergência no momento exato em que um circuito
ressonante paralelo se inicia entre a amígdala e o
neocórtex. A amígdala pode fazer com que nos
lancemos à ação, enquanto o neocórtex — um pouco
mais lento, porém mais plenamente informado — traça
um plano de reação mais refinado.
LeDoux pôs por terra o conhecimento predominante
sobre os caminhos percorridos pelas emoções, com sua
pesquisa sobre medo em animais. Numa experiência
crucial, destruiu o córtex auditivo de ratos, depois os
expôs a um som associado a um choque elétrico. Os
ratos logo aprenderam a temer o som, antes de o
neocórtex tê-lo registrado. Em vez disso, o som tomava a
rota direta do ouvido ao tálamo e à amígdala, saltando
todos os trajetos mais longos. Em suma, os ratos
aprenderam uma reação emocional sem nenhum
envolvimento cortical maior: a amígdala percebeu,
lembrou e orquestrou seu medo de modo independente.
— Anatomicamente, o sistema emocional pode agir
de modo independente do neocórtex — disse-me
LeDoux. — Algumas reações e lembranças emocionais
podem formar-se sem que haja nenhuma participação
consciente e cognitiva.
REAÇÃO DE LUTAR-OU-FUGIR
Aumentam os batimentos cardíacos e a pressão do sangue. Os
músculos grandes preparam-se para uma rápida ação.
O sinal visual vai primeiro da retina para o tálamo, onde
é traduzido para a linguagem do cérebro. A maior parte
da mensagem segue então para o córtex visual, onde é
analisada e avaliada em busca do significado e da
resposta adequada; se a resposta é emocional, um sinal
vai para a amígdala ativar os centros emocionais. Mas
uma parte menor do sinal original vai direto do tálamo
para a amígdala, numa transmissão mais rápida,
permitindo uma resposta mais pronta (embora menos
precisa). Desse modo, a amígdala pode disparar uma
resposta emocional antes que os centros corticais tenham
entendido plenamente o que se passa.
A amígdala pode abrigar lembranças e repertórios de
respostas que interpretamos sem compreender bem por
que o fazemos, porque o atalho do tálamo à amígdala
contorna completamente o neocórtex. Essa passagem
permite que a amígdala seja um repositório de
impressões emocionais e lembranças de que não temos
plena consciência. LeDoux sugere que é o papel
subterrâneo da amígdala na memória que explica, por
exemplo, um experimento surpreendente, em que
pessoas adquiriram preferência por figuras geométricas
com estranhas formas, exibidas de modo tão rápido que
elas nem tiveram a oportunidade de tomar consciência
de tê-las visto!6
Outra pesquisa demonstrou que, nos primeiros
milésimos de segundo em que temos a percepção de
alguma coisa, não apenas compreendemos
inconscientemente o que é, mas decidimos se gostamos
ou não dela; o “inconsciente cognitivo” apresenta à
nossa consciência não apenas a identidade do que
vemos, mas uma opinião sobre o que vemos.7 Nossas
emoções têm uma mente própria, que pode ter opiniões
bastante diversas das que tem a nossa mente racional.
Ó
A ESPECIALISTA EM MEMÓRIA
EMOCIONAL
Essas opiniões inconscientes são memórias emocionais;
ficam guardadas na amígdala. A pesquisa de LeDoux e
outros neurocientistas parece agora sugerir que o
hipocampo, há muito considerado a estrutura-chave do
sistema límbico, está mais envolvido com o registro e a
atribuição de sentido aos padrões perceptivos do que
com reações emocionais. A principal contribuição do
hipocampo está em fornecer uma precisa memória de
contexto, vital para o significado emocional; é o
hipocampo que reconhece o significado de, digamos,
um urso no zoológico ou em nosso quintal.
Enquanto o hipocampo lembra os fatos puros, a
amígdala retém o sabor emocional que os acompanha.
Se tentamos ultrapassar um carro numa estrada de mão
dupla e por pouco escapamos de uma batida de frente,
o hipocampo retém os detalhes específicos do incidente,
como, por exemplo, em que faixa da estrada estávamos,
quem estava conosco, como era o outro carro. Mas é a
amígdala que daí em diante enviará uma onda de
ansiedade que nos percorre o corpo toda vez que
tentarmos ultrapassar um carro em circunstâncias
semelhantes. Como explicou LeDoux:
— O hipocampo é crucial no reconhecimento do
rosto de sua sobrinha. Mas é a amígdala que diz que
você, na realidade, não gosta dela.
O cérebro usa um método simples mas astuto para
registrar memórias emocionais com força especial: os
mesmíssimos sistemas de alarme neuroquímicos que
preparam o corpo para reagir a emergências de risco de
vida com a resposta de lutar-ou-fugir também gravam
fortemente na memória o momento de intenso estímulo
emocional.8 Sob tensão (ou ansiedade, ou
provavelmente até mesmo intensa excitação de alegria),
um nervo que vai do cérebro às glândulas supra-renais,
situadas acima dos rins, provoca uma secreção dos
hormônios epinefrina e norepinefrina, que invadem o
corpo, preparando-o para uma emergência. Esses
hormônios ativam receptores no nervo vago; embora
este transmita mensagens do cérebro para regular o
coração, também retransmite sinais para o cérebro,
disparados pela epinefrina e pela norepinefrina. A
amígdala é o principal ponto no cérebro para onde vão
esses sinais; eles ativam neurônios dentro dela que
enviam sinais a outras regiões cerebrais, a fim de dar um
reforço à memória sobre o que está acontecendo.
Esse estímulo da amígdala parece gravar na memória
a maioria dos momentos mais intensos de estímulo
emocional — por isso é muito provável, por exemplo,
que lembremos do lugar onde ocorreu nosso primeiro
encontro amoroso, ou o que fazíamos quando ouvimos a
notícia de que o ônibus espacial Challenger explodira.
Quanto mais intenso o estímulo da amígdala, mais forte
o registro; as experiências que mais nos apavoram ou
emocionam na vida estão entre nossas lembranças
indeléveis. Isto significa, na verdade, que o cérebro tem
dois sistemas de memória, um para fatos comuns e outro
para aqueles que são carregados de emoção. É claro que
um sistema especial de memorização se justifica no
contexto da evolução, na medida em que assegurou que
os animais tivessem lembranças particularmente vívidas
do que os ameaçava ou agradava. Mas as memórias
emocionais podem ser péssimos guias na nossa
atualidade.
ALARMES NEURAIS ANACRÔNICOS
Uma desvantagem desses alarmes neurais é que a
mensagem urgente enviada pela amígdala, às vezes, ou
muito freqüentemente, é anacrônica — sobretudo no
fluido mundo social em que nós, humanos, vivemos.
Como repositório de memória emocional, a amígdala
examina a experiência, comparando o que está
acontecendo agora com o que aconteceu no passado.
Seu método de comparação é associativo: quando um
elemento-chave de uma situação presente é semelhante
àquele do passado, pode-se dizer que se “casam” —
motivo pelo qual esse circuito é falho: age antes de
haver uma plena confirmação. Ordena-nos
freneticamente que reajamos ao presente com meios
registrados muito tempo atrás, com pensamentos,
emoções e reações aprendidos em resposta a
acontecimentos talvez apenas vagamente semelhantes,
mas ainda assim o bastante para alarmar a amígdala.
Eis por que uma ex-enfermeira do Exército,
traumatizada pelo incessante fluxo de ferimentos
horríveis de que cuidou na guerra, é acometida de
repente por um misto de pavor, repugnância e pânico —
uma repetição de sua reação no campo de batalha,
provocada mais uma vez, anos depois, pelo mau cheiro
quando abre a porta de um armário e descobre que seu
filho pequeno enfiou ali uma fralda suja. Basta que
poucos elementos esparsos da situação pareçam
semelhantes a algum perigo do passado para que a
amígdala dispare seu alerta de emergência. O problema
é que, junto com as lembranças emocionalmente
carregadas que têm o poder de provocar essa reação de
crise, podem vir do mesmo modo formas obsoletas de
respondê-la.
À imprecisão do cérebro emocional nesses momentos
acrescenta-se o fato de que muitas lembranças
emocionais fortes datam dos primeiros anos de vida, na
relação entre a criança e aqueles que cuidam dela. Isso
se aplica sobretudo aos acontecimentos traumáticos,
como surras ou total abandono. Durante esse primeiro
período de vida, outras estruturas cerebrais, em
particular o hipocampo, que é crucial para as lembranças
narrativas, e o neocórtex, sede do pensamento racional,
ainda não se desenvolveram inteiramente. Na memória, a
amígdala e o hipocampo trabalham juntos; cada um
armazena e conserva sua informação de forma
independente. Enquanto o hipocampo retém a
informação, a amígdala determina se ela tem valência
emocional. Mas a amígdala, que amadurece muito rápido
no cérebro infantil, está, no nascimento, muito mais
próxima da forma completa.
LeDoux recorre ao papel da amígdala na infância
para confirmar o que há muito tempo é doutrina básica
no pensamento psicanalítico: que as interações ocorridas
nos primeiros anos de vida estabelecem um conjunto de
lições elementares, baseadas na sintonia e perturbações
dos contatos entre a criança e os que cuidam dela.9
Essas lições emocionais são tão poderosas e, no entanto,
tão difíceis de entender do privilegiado ponto de vista da
vida adulta porque, acredita LeDoux, estão armazenadas
na amígdala como planos brutos, sem palavras, para a
vida emocional. Como essas primeiras lembranças
emocionais se estabelecem numa época anterior àquela
em que as crianças podem verbalizar sua experiência,
quando essas lembranças são disparadas na vida
posterior não há um conjunto adequado de pensamentos
articulados sobre a resposta que se apodera de nós. Um
dos motivos pelos quais ficamos tão aturdidos com
nossas explosões emocionais, portanto, é que elas
muitas vezes remontam a um tempo inicial em nossas
vidas, quando tudo era desconcertante e ainda não
tínhamos palavras para compreender os fatos. Temos os
sentimentos caóticos, mas não as palavras para as
lembranças que os formaram.
QUANDO AS EMOÇÕES SÃO “RÁPIDAS E
MALFEITAS”
Eram mais ou menos três da manhã quando um imenso
objeto varou com um estrondo o teto, lá num canto do
meu quarto, despejando coisas que estavam no sótão.
Num segundo, saltei da cama e saí correndo do quarto,
com medo de que todo o teto desabasse. Depois,
percebendo que estava a salvo, voltei para espiar
cautelosamente o que causara aquele estrago todo — e
descobri simplesmente que o som que julgara ser do teto
desabando fora na verdade a queda de uma pilha de
caixas que minha mulher, na véspera, amontoara no
canto. Nada caíra do sótão: não havia sótão. O teto
estava intacto, assim como eu.
Ter pulado da cama, meio sonolento, poderia ter
evitado que eu me ferisse, se fosse o caso de o teto estar
caindo — esse fato ilustra o poder que a amígdala tem
de nos impelir à ação nas emergências, momentos vitais
que ocorrem antes de o neocórtex ter tempo de registrar
plenamente o que de fato está acontecendo. A rota de
emergência do olho ou ouvido ao tálamo e à amígdala é
crucial: poupa tempo numa emergência, quando se
impõe uma reação instantânea. Mas esse circuito do
tálamo à amígdala transmite apenas uma pequena parte
das mensagens sensoriais, com a maioria tomando o
caminho principal até o neocórtex.
Assim, o que se registra na amígdala nessa via
expressa é, na melhor das hipóteses, um sinal informe,
suficiente apenas para uma advertência. Como observa
LeDoux, “não é necessário que saibamos exatamente o
que uma coisa é para que saibamos que ela pode ser
perigosa”.10
A rota direta tem uma enorme vantagem em tempo
cerebral, que é calculado em milésimos de segundo. A
amígdala de um rato pode iniciar uma resposta a uma
percepção numa fração mínima de 12 milissegundos. A
rota do tálamo ao neocórtex e à amígdala leva cerca de
duas vezes esse tempo. Ainda não foi feita medição
semelhante no cérebro humano, mas a proporção geral
provavelmente se confirmaria.
Em termos evolucionários, o valor para a
sobrevivência dessa rota direta teria sido grande,
permitindo uma opção de resposta rápida que elimina
alguns críticos milissegundos no tempo de reação a
perigos. Esses milissegundos muito provavelmente
salvaram a vida de nossos ancestrais protomamíferos em
número tal que o esquema é hoje característico de
qualquer cérebro de mamífero, incluindo o seu e o meu.
Na verdade, embora esse circuito desempenhe uma
função relativamente limitada na vida mental humana,
restrita em grande parte a crises emocionais, a maior
parte da vida mental de pássaros, peixes e répteis gira
em torno dele, pois sua sobrevivência depende de
localizar constantemente predadores ou presa.
— Esse sistema cerebral primitivo, menor, nos
mamíferos, é o principal sistema cerebral nos nãomamíferos — diz LeDoux. — Oferece um meio muito
ágil de ligar emoções. Mas é um processo rápido e
malfeito: as células são velozes, mas não muito precisas.
Essa imprecisão, digamos, num esquilo, é ótima, já
que o leva a “errar”, mas a acertar em termos de
segurança, afastando-se aos saltos ao primeiro sinal de
qualquer coisa que possa sugerir o aparecimento de um
inimigo, ou saltando sobre qualquer indício de algo
comestível. Mas, na vida emocional humana, pode ter
conseqüências desastrosas para nossas relações, pois
significa, falando de modo figurado, que podemos saltar
em cima ou fugir da coisa — ou pessoa — errada.
(Pensem, por exemplo, na garçonete que derrubou uma
bandeja com seis jantares quando viu de relance uma
mulher de cabelos ruivos ondulados exatamente iguais
aos daquela por quem seu marido a deixara.)
Esses rudimentares erros emocionais baseiam-se no
sentimento anterior ao pensamento. LeDoux chama isso
de “emoção precognitiva”, uma reação baseada em
fragmentos neurais de informação sensorial que não
foram completamente classificados e integrados num
objeto reconhecível. É uma forma muito grosseira de
informação sensorial, meio semelhante, em termos
neurais, a um programa do tipo “Qual é a Música?”,
onde, em vez de julgamentos instantâneos feitos com
base num acorde, toda uma percepção é captada com
base em algumas notas, ainda indefinidas. Se a amígdala
capta o surgimento de um padrão sensorial importante,
parte logo para uma conclusão, disparando suas reações
antes de haver confirmação total da prova — ou
nenhuma confirmação.
Não admira que tenhamos tão pouca consciência das
trevas de nossas emoções mais explosivas, sobretudo
enquanto elas ainda nos mantêm escravos. A amígdala
pode reagir num delírio de raiva ou medo antes de o
córtex saber o que está acontecendo, porque essa
emoção bruta é disparada independentemente do
pensamento e o antecede.
O ADMINISTRADOR DAS EMOÇÕES
A filha de 6 anos de uma amiga, Jessica, passava a
primeira noite fora, em casa de uma colega, e era difícil
saber quem estava mais nervosa com isso, se a mãe ou a
filha. Embora a mãe tenha conseguido disfarçar para
Jessica a intensa ansiedade que sentia, sua tensão atingiu
o mais alto grau por volta da meia-noite, quando se
preparava para dormir e ouviu o telefone tocar. Largou a
escova de dentes, correu para atender, o coração
disparando, imagens de Jessica em terrível aflição
passando-lhe pela cabeça.
Agarrou o telefone e explodiu:
— Jessica!
E ouviu uma voz de mulher dizer:
— Ah, acho que disquei o número errado...
Diante disso, a mãe recuperou a serenidade e, num
tom educado, comedido, perguntou:
— Que número você discou?
Enquanto a amígdala trabalha preparando uma
reação ansiosa e impulsiva, outra parte do cérebro
emocional possibilita uma resposta mais adequada,
corretiva. A chave do amortecedor cerebral das ondas
repentinas da amígdala parece localizar-se na outra
ponta de um circuito principal do neocórtex, nos lobos
pré-frontais, logo atrás da testa. O córtex pré-frontal
parece agir quando alguém está assustado ou zangado,
mas sufoca ou controla o sentimento para tratar com
mais eficácia da situação imediata, ou quando uma
reavaliação exige uma resposta completamente diferente,
como no caso da ansiosa mãe ao telefone. Essa região
neocortical do cérebro traz uma resposta mais analítica
ou adequada aos nossos impulsos emocionais,
modulando a amígdala e outras áreas límbicas.
Em geral, as áreas pré-frontais governam, de cara, as
nossas reações emocionais. A maior parte de informação
sensorial do tálamo, lembrem, não vai para a amígdala,
mas para o neocórtex e seus muitos centros, que a
absorvem e dão sentido ao que se está percebendo; essa
informação e nossa resposta a ela são coordenadas pelos
lobos pré-frontais, o local onde são planejadas e
organizadas as ações para que alcancemos um objetivo,
incluindo os emocionais. No neocórtex, uma série em
cascata de circuitos registra e analisa essa informação,
compreende-a e, por meio dos lobos pré-frontais,
organiza uma reação. Se no processo é exigida uma
resposta emocional, os lobos pré-frontais a ditam,
trabalhando em comum com a amígdala e outros
circuitos no cérebro emocional.
Essa progressão, que permite discernir a resposta
emocional, é o esquema-padrão, com a significativa
exceção das emergências emocionais. Quando uma
emoção dispara, em poucos momentos os lobos pré-
frontais efetuam o equivalente a um cálculo da relação
custo/benefício das miríades de reações possíveis e
decidem que uma delas é a melhor.11 Nos animais,
quando atacar, quando fugir. E quanto a nós,
humanos..., quando atacar, quando fugir — e também
quando apaziguar, persuadir, atrair simpatia, fechar-se
em copas, provocar culpa, lamentar-se, assumir uma
fachada de bravata, mostrar desprezo — e assim por
diante, percorrendo todo o repertório de ardis
emocionais.
A resposta neocortical é mais lenta em tempo
cerebral que o mecanismo de seqüestro porque envolve
mais circuitos. Também é mais criteriosa e ponderada,
pois mais pensamentos antecedem o sentimento.
Quando registramos uma perda e ficamos tristes, ou nos
alegramos com uma vitória, ou refletimos sobre alguma
coisa que alguém disse ou fez e depois ficamos
magoados ou zangados, é o neocórtex agindo.
Como acontece com a amígdala, sem o
funcionamento dos lobos pré-frontais grande parte da
vida emocional desapareceria; sem a compreensão de
que alguma coisa merece uma resposta emocional, não
há nenhuma resposta. Neurologistas suspeitavam desse
papel dos lobos pré-frontais nas emoções desde o
advento, na década de 1940, daquele “tratamento”
cirúrgico um tanto desesperado — e tristemente
enganoso — para a doença mental: a lobotomia préfrontal, que (muitas vezes malfeita) removia parte dos
lobos pré-frontais ou então seccionava as ligações entre
o córtex pré-frontal e o cérebro inferior. Numa época
anterior à existência de remédios eficazes para a doença
mental, a lobotomia foi saudada como a solução para a
perturbação emocional grave — era só cortar as ligações
entre os lobos pré-frontais e o resto do cérebro que se
“aliviava” a aflição do paciente. Infelizmente, o custo
para a maioria dos pacientes era, também, a perda de
suas emoções. O circuito-chave ficava destruído.
Supõe-se que os seqüestros emocionais envolvem
duas dinâmicas: o disparo da amígdala e a não-ativação
dos processos neocorticais que em geral mantêm o
equilíbrio da resposta emocional — ou um recrutamento
das zonas neocorticais para a urgência emocional.12
Nesses momentos, a mente racional é inundada pela
emoção. Uma das maneiras de o neocórtex agir como
eficiente administrador da emoção — avaliando as
reações antes de agir — é amortecer os sinais de
ativação enviados pela amígdala e outros centros
límbicos — assim como um pai que impede um filho
impulsivo de pegar uma coisa e o manda, em vez disso,
pedir direito (ou esperar) o que quer.13
A principal chave de “desligar” a emoção aflitiva
parece ser o lobo pré-frontal esquerdo. Neuropsicólogos
que estudam humores de pacientes com danos em
partes dos lobos frontais determinaram que uma das
tarefas do lobo pré-frontal esquerdo é agir como um
termostato nervoso, regulando emoções desagradáveis.
Os lobos pré-frontais direitos são um local de
sentimentos negativos, como medo e agressividade,
enquanto os esquerdos refreiam essas emoções brutas,
provavelmente inibindo o lobo direito.14 Num grupo de
pacientes que sofreram derrame, por exemplo, aqueles
cujas lesões haviam ocorrido no córtex pré-frontal
esquerdo tinham tendência a preocupações e medos
catastróficos; aqueles com lesões no direito eram
“exageradamente animados”; durante os exames
neurológicos, faziam piadas com tudo e mostravam-se
tão descontraídos que visivelmente nem se preocupavam
com o resultado do exame.15 E ainda houve o caso do
marido feliz: um homem cujo lobo pré-frontal direito
fora parcialmente removido numa cirurgia para correção
de uma má-formação do cérebro. A mulher contou aos
médicos que depois da operação o marido sofrera uma
mudança radical de personalidade, passando a irritar-se
com menos facilidade e — como ela estava feliz! —
estava mais carinhoso.16
O lobo pré-frontal esquerdo, em suma, parece fazer
parte de um circuito neural que pode desligar, ou pelo
menos amortecer, quase todos os impulsos negativos
mais fortes da emoção. Se a amígdala muitas vezes age
como um disparador de emergência, o lobo pré-frontal
esquerdo faz parte da chave de “desligar” a emoção
perturbadora: a amígdala propõe, o lobo pré-frontal
dispõe. Essas ligações pré-frontal-límbicas são cruciais na
vida mental muito além do simples refinamento da
emoção; são essenciais para fazer-nos navegar em meio
às decisões mais importantes na vida.
HARMONIZANDO EMOÇÃO E
PENSAMENTO
As ligações entre a amígdala (e as estruturas límbicas
relacionadas) e o neocórtex são o centro das batalhas ou
dos tratados de cooperação entre a cabeça e o coração,
o pensamento e o sentimento. Esses circuitos explicam
por que a emoção é tão crucial para o pensamento
efetivo, tanto no que diz respeito a tomar decisões
sensatas quanto simplesmente a permitir que pensemos
com clareza.
Consideremos o poder que têm as emoções em
perturbar o próprio pensamento. Os neurocientistas
usam o termo “memória funcional” para a capacidade de
atenção que guarda na mente os fatos essenciais para
concluir uma determinada tarefa ou problema, sejam os
aspectos ideais que buscamos numa casa quando
examinamos vários prospectos, sejam os elementos de
um problema de raciocínio num teste. O córtex préfrontal é a região do cérebro responsável pela memória
funcional.17 Mas os circuitos que vão do cérebro límbico
aos lobos pré-frontais indicam que os sinais de forte
emoção — ansiedade, raiva e afins — podem criar
estática neural, sabotando a capacidade do lobo préfrontal de manter a memória funcional. É por isso que,
quando estamos emocionalmente perturbados, dizemos:
“Simplesmente não consigo raciocinar” — e por que a
contínua perturbação emocional cria deficiências nas
aptidões intelectuais da criança, mutilando a capacidade
de aprender.
Essas deficiências, quando muito sutis, nem sempre
aparecem em testes de QI, embora se revelem em
avaliações neuropsicológicas mais dirigidas, bem como
na contínua agitação e impulsividade da criança. Num
determinado estudo, por exemplo, descobriu-se que
meninos de escola primária com QI acima da média, mas
com fraco desempenho escolar, tinham uma deficiência
no funcionamento do córtex frontal.18 Também eram
impulsivos e ansiosos, muitas vezes desordeiros e
chegados a meter-se em apuros — o que sugere um
falho controle pré-frontal sobre os impulsos límbicos.
Apesar de seu potencial intelectual, essas crianças são as
mais propensas a terem problemas na escola, ao
alcoolismo e à criminalidade — não por deficiência
intelectual, mas porque o controle que têm sobre sua
vida emocional é deficiente. O cérebro emocional,
bastante distinto das regiões corticais reveladas pelos
testes de QI, controla igualmente a raiva e o sentimento
de piedade. Esses circuitos emocionais são esculpidos
pelo que foi vivenciado na infância — e, no entanto,
deixamos essas experiências absolutamente ao acaso.
Pensem, também, no papel das emoções mesmo na
mais “racional” decisão que tomamos. Num trabalho com
implicações de amplo alcance para a compreensão da
vida mental, o Dr. Antonio Damasio, neurologista da
Faculdade de Medicina da Universidade de Iowa, fez
meticulosos estudos sobre o que, precisamente, está
comprometido nos pacientes com danos no circuito pré-
frontal-amígdala.19 O processo decisório deles é
muitíssimo falho — e, no entanto, não revelam
absolutamente nenhuma deterioração no QI ou em
qualquer capacidade cognitiva. Apesar de o intelecto
estar intacto, fazem escolhas desastrosas nos negócios e
na vida pessoal e podem mesmo entrar em interminável
obsessão sobre uma decisão tão simples como, por
exemplo, para que horas marcar um encontro.
O Dr. Damasio diz que as decisões são mal tomadas
porque eles perderam acesso ao que foi emocionalmente
aprendido. Como ponto de encontro entre pensamento e
emoção, o circuito pré-frontal-amígdala é uma entrada
crucial para o repositório de preferências e aversões que
adquirimos ao longo da vida. Desligado da memória
emocional na amígdala, qualquer coisa sobre a qual o
neocórtex medite não mais dispara as reações
emocionais a ela associadas no passado — tudo assume
uma neutralidade cinzenta. Um estímulo, seja um
bichinho de estimação preferido ou alguém que
detestamos, não desperta mais atração nem aversão;
esses pacientes “esqueceram” todo esse aprendizado
emocional porque não têm mais acesso ao lugar onde
ele está armazenado na amígdala cortical.
Indicações como essa levam o Dr. Damasio à posição
antiintuitiva de que os sentimentos são geralmente
indispensáveis nas decisões racionais; põem-nos na
direção certa, onde a lógica fria pode então ser de
melhor uso. Enquanto o mundo muitas vezes nos põe
diante de uma gama difícil de opções (Onde aplicar o
dinheiro? Com quem casar?), o aprendizado emocional
que a vida nos deu (como a lembrança de um desastroso
investimento ou uma separação dolorosa) nos envia
sinais que facilitam a decisão, eliminando, de pronto,
algumas opções e privilegiando outras. Eis por quê, diz
o Dr. Damasio, o cérebro emocional está tão envolvido
no raciocínio quanto o cérebro pensante.
As emoções, portanto, são importantes para a
racionalidade. Na dança entre sentimento e pensamento,
a faculdade emocional guia nossas decisões a cada
momento, trabalhando de mãos dadas com a mente
racional e capacitando — ou incapacitando — o próprio
pensamento. Do mesmo modo, o cérebro pensante
desempenha uma função de administrador de nossas
emoções — a não ser naqueles momentos em que elas
lhe escapam ao controle e o cérebro emocional corre
solto.
Num certo sentido, temos dois cérebros, duas mentes
— e dois tipos diferentes de inteligência: racional e
emocional. Nosso desempenho na vida é determinado
pelas duas — não é apenas o QI, mas a inteligência
emocional também conta. Na verdade, o intelecto não
pode dar o melhor de si sem a inteligência emocional.
Em geral, a complementaridade de sistema límbico e
neocórtex, amígdala e lobos pré-frontais significa que
cada um é um parceiro integral na vida mental. Quando
esses parceiros interagem bem, a inteligência emocional
aumenta — e também a capacidade intelectual.
Isso subverte a antiga concepção de antagonismo
entre razão e sentimento: não é que queiramos eliminar
a emoção e pôr a razão em seu lugar, como queria
Erasmo, mas, ao contrário, precisamos encontrar o
equilíbrio inteligente entre as duas. O antigo paradigma
defendia um ideal de razão livre do peso da emoção. O
novo paradigma nos exorta a harmonizar cabeça e
coração. Fazer isso bem em nossas vidas implica
precisarmos primeiro entender com mais exatidão o que
significa usar inteligentemente a emoção.
PARTE DOIS
A NATUREZA
DA INTELIGÊNCIA
EMOCIONAL
3
Quando o Inteligente
É Idiota
Ainda não se sabe exatamente por que David Pologruto,
professor de física do segundo grau, foi ferido, por um
de seus melhores alunos, com uma faca de cozinha. Mas
os fatos, amplamente noticiados, são os seguintes:
Jason H., um secundarista que só tirava A num
colégio de Coral Springs, na Flórida, estava obcecado
com a idéia de entrar na faculdade de medicina. Não
numa faculdade de medicina qualquer — sonhava com
Harvard. Mas Pologruto, seu professor de física, deu-lhe
nota 80 numa prova. Achando que a nota — que
correspondia a B — punha em risco o seu sonho, Jason
levou uma faca de açougueiro para a escola e, numa
discussão com Pologruto no laboratório de física,
esfaqueou-o na clavícula, antes de ser dominado.
Um juiz considerou Jason inocente e
temporariamente privado, durante o incidente, do uso de
suas faculdades mentais — um conselho de quatro
psicólogos e psiquiatras prestou um juramento em que
atestaram que o aluno estava em estado psicótico
durante a briga com o professor. Jason alegou que
pensara em suicídio por causa da nota que obtivera e
que fora procurar Pologruto para lhe dizer que, por
causa disso, iria se matar. O professor contou uma
história diferente: “Acho que ele tentou acabar com a
minha vida com aquela faca, pois estava furioso com a
nota ruim.”
Após transferir-se para uma escola particular, Jason se
formou dois anos depois, num dos primeiros lugares da
turma. Uma aprovação perfeita nos cursos regulares lhe
teria dado um A, com média 4, mas ele fizera muitos
cursos avançados a fim de elevar sua média para 4,614
— muito acima do A+. Embora Jason tivesse se formado
com o mais alto louvor, seu ex-professor de física, David
Pologruto, queixava-se de que ele nunca lhe pedira
desculpas nem assumira qualquer responsabilidade pelo
esfaqueamento.1
O que cabe indagar a respeito desse acontecimento é
como alguém de inteligência tão evidente pode ter agido
de forma irracional, tão estúpida? Resposta: a inteligência
acadêmica pouco tem a ver com a vida emocional. As
pessoas mais brilhantes podem se afogar nos recifes de
paixões e dos impulsos desenfreados; pessoas com alto
nível de QI podem ser pilotos incompetentes de sua vida
particular.
Um dos segredos de polichinelo da psicologia é a
relativa incapacidade de notas, graus de QI ou contagens
do SAT[1] — apesar da mística popular — constituíremse em instrumentos de previsão exata para uma vida
bem-sucedida. É verdade que, para grandes grupos
como um todo, há uma relação entre o QI e as
circunstâncias de vida: muitas pessoas de QI muito baixo
acabam em empregos medíocres, e aquelas que
possuem um QI alto tendem a obter excelentes
empregos, mas isso nem sempre ocorre.
Há inúmeras exceções à regra que considera o QI
fator de sucesso — há tantas (ou mais) exceções do que
casos que se encaixem na regra. Na melhor das
hipóteses, o QI contribui com cerca de 20% para os
fatores que determinam o sucesso na vida, o que deixa
os 80% restantes por conta de outras variáveis. Como diz
um observador, “na maioria dos casos, o que mais pesa
para que alguém consiga uma boa posição na sociedade
não é o QI, mas outras circunstâncias que vão da classe
social a que ele pertence até a pura sorte”.2
Mesmo Richard Herrnstein e Charles Murray, autores
de The Bell Curve (A Curva do Sino), livro que atribui ao
QI uma importância fundamental, reconhecem isso,
quando observam: “Talvez um calouro que obteve uma
contagem SAT total de 500 pontos em matemática não
devesse ter tomado uma decisão quando optou por ser
um matemático. E se o que ele de fato quisesse fosse
montar seu próprio negócio, ser senador, ganhar
milhões? Ele não devia ter aberto mão de seus sonhos...
A ligação que existe entre essas aferições e aquelas
realizações é reduzida pela totalidade de outras
características que ele traz para a vida.”3
Minha preocupação é com um conjunto fundamental
dessas “outras características”, a inteligência emocional:
por exemplo, a capacidade de criar motivações para si
próprio e de persistir num objetivo apesar dos percalços;
de controlar impulsos e saber aguardar pela satisfação de
seus desejos; de se manter em bom estado de espírito e
de impedir que a ansiedade interfira na capacidade de
raciocinar; de ser empático e autoconfiante. Ao contrário
do QI, com seus quase cem anos de história de pesquisa
junto a centenas de milhares de pessoas, a inteligência
emocional é um conceito novo. Ninguém pode ainda
dizer exatamente até onde responde pela variação, de
pessoa para pessoa, no curso da vida. Mas os dados
existentes sugerem que esse tipo de inteligência pode
ser tão ou mais valioso que o QI. E, embora haja quem
argumente que, através da experiência ou do
aprendizado, não exista muita possibilidade de se alterar
o QI, procuro demonstrar, na Parte Cinco, que as
aptidões emocionais decisivas, na verdade, podem ser
aprendidas e aprimoradas já na tenra idade — se nos
dermos ao trabalho de ensiná-las.
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E DESTINO
Lembro-me de um sujeito da minha turma na
Universidade de Amherst que alcançara cinco perfeitos
800 no SAT e em outros testes que fizera antes de entrar.
Apesar de suas fantásticas aptidões intelectuais, ele
passava a maior parte do tempo vagabundeando, ficando
acordado até tarde e perdendo aula porque dormia até o
meio-dia. Levou quase dez anos para finalmente se
formar.
O QI não explica bem os diferentes destinos seguidos
por pessoas em igualdade de condições intelectuais, de
escolaridade e de oportunidade. Foi feito um
acompanhamento de 95 estudantes de Harvard,
pertencentes às classes da década de 1940 — momento
em que, diferentemente do que ocorre hoje, pessoas
com QIs variados em ampla faixa estudavam em
faculdades de elite. Na época em que chegaram à meiaidade, a vida profissional e pessoal dessas pessoas, cujos
QIs previam um futuro promissor, foi comparada com a
vida de outros colegas que, à época, obtiveram um
escore mais baixo. Nada de significativo os distinguia,
em termos salariais, capacidade de produzir ou status
profissional. Também não estavam especialmente mais
satisfeitos com a vida, nem mais felizes em seus
relacionamentos com os amigos, com a família ou nas
relações amorosas.4
Acompanhamento semelhante foi feito, até a meiaidade, junto a 450 garotos, a maioria filhos de imigrantes,
dois terços dos quais vinham de famílias que viviam a
expensas da previdência social. Eles haviam crescido em
Somerville,em Massachusetts, num “cortiço pestilento”
situado a alguns quarteirões de Harvard. Um terço deles
tinha QI abaixo de 90. Porém, mais uma vez, o nível do
QI pouca relação teve com o nível de sucesso que essas
pessoas alcançaram no trabalho ou em outros setores de
suas vidas; por exemplo, 7% daqueles cujo QI era
inferior a 80 permaneceram desempregados durante dez
ou mais anos, mas o mesmo ocorreu com 7% daqueles
cujo QI era acima de 100. Diga-se, a bem da verdade,
que, chegando aos 47 anos, deu-se uma correlação
(como sempre ocorre) entre QI e nível socioeconômico.
Mas o que fez a diferença foi a capacidade, adquirida na
infância, de lidar com frustrações, controlar emoções e
de relacionar-se com outras pessoas.5
Consideremos também dados fornecidos por um
estudo, ainda em andamento, referentes a 81 “primeiros
de turma” das classes de 1981 de escolas de segundo
grau de Illinois. Na faculdade, continuaram a manter um
bom desempenho, tirando excelentes notas, mas ao
beirarem os 30 anos haviam alcançado apenas níveis
medianos de sucesso. Dez anos após terem feito o
ginásio, só um em quatro se achava em nível mais alto
na profissão que haviam escolhido, e muitos tinham se
dado bem pior.
Karen Arnold, professora de Pedagogia na
Universidade de Boston, uma das pesquisadoras que
acompanham esses “primeiros de turma”, explica:
— Acho que descobrimos as pessoas “de sucesso”, as
que sabem como vencer no sistema. Mas os “primeiros
de turma”, claro, têm de lutar tanto quanto qualquer um
de nós. Saber que uma pessoa é um excelente aluno é
saber apenas que ela é muitíssimo boa na obtenção de
boas notas. Nada nos diz de como ela reage às
vicissitudes da vida.6
E esse é o problema: a inteligência acadêmica não
oferece praticamente nenhum preparo para o torvelinho
— ou para a oportunidade — que ocorre na vida.
Apesar de um alto QI não ser nenhuma garantia de
prosperidade, prestígio ou felicidade na vida, nossas
escolas e nossa cultura privilegiam a aptidão no nível
acadêmico, ignorando a inteligência emocional, um
conjunto de traços — alguns chamariam de caráter —
que também exerce um papel importante em nosso
destino pessoal. A vida emocional é um campo com o
qual se pode lidar, certamente como matemática ou
leitura, com maior ou menor habilidade, e exige seu
conjunto especial de aptidões. E a medida dessas
aptidões numa pessoa é decisiva para compreender por
que uma prospera na vida, enquanto outra, de igual
nível intelectual, entra num beco sem saída: a aptidão
emocional é uma metacapacidade que determina até
onde podemos usar bem quaisquer outras aptidões que
tenhamos, incluindo o intelecto bruto.
Claro, há muitos caminhos para o sucesso na vida e
muitos campos em que outras aptidões são
recompensadas. Numa sociedade cada vez mais baseada
no conhecimento, a aptidão técnica é, sem dúvida, uma
delas. Há uma piada infantil: “Como se chama um chato
daqui a 15 anos?” Resposta: “Chefe.” Mas, mesmo entre
os “chatos”, a inteligência emocional oferece uma
vantagem extra no local de trabalho, como veremos na
Parte Três. Há muitos indícios que atestam que as
pessoas emocionalmente competentes — que conhecem
e lidam bem com os próprios sentimentos, entendem e
levam em consideração os sentimentos do outro —
levam vantagem em qualquer setor da vida, seja nas
relações amorosas e íntimas, seja assimilando as regras
tácitas que governam o sucesso na política
organizacional. As pessoas com prática emocional bem
desenvolvida têm mais probabilidade de se sentirem
satisfeitas e de serem eficientes em suas vidas,
dominando os hábitos mentais que fomentam sua
produtividade; as que não conseguem exercer nenhum
controle sobre sua vida emocional travam batalhas
internas que sabotam a capacidade de concentração no
trabalho e de lucidez de pensamento.
UM TIPO DIFERENTE DE INTELIGÊNCIA
Para um observador casual, Judy, de 4 anos, pode
parecer deslocada entre os coleguinhas mais gregários.
Retrai-se na hora das brincadeiras, ficando mais de fora
do que mergulhando nos jogos. Mas Judy é, na verdade,
uma perspicaz observadora da política social praticada
em sua turma no pré-primário. Judy talvez seja, ali, a
criança mais sofisticada no discernimento das idas e
vindas dos sentimentos dos integrantes da turma.
Essa sofisticação só se torna visível quando sua
professora reúne as crianças de quatro anos em volta de
si para brincar do que chamam de Jogo da Sala de Aula.
Essa brincadeira — uma réplica infantil da própria sala
do pré-primário de Judy, em que são colados
personagens cujas cabeças são fotografias dos alunos e
professores — é um teste de percepção social. Quando a
professora de Judy lhe pede que ponha cada menina e
menino na parte da sala onde mais gostam de brincar —
o cantinho da arte, o de montar blocos e outros —, ela o
faz com total precisão. E quando lhe pedem que ponha
um deles com quem mais gosta de brincar, ela mostra
que sabe combinar os melhores amigos da classe.
A precisão de Judy revela que ela detém um perfeito
mapeamento social de sua turma, um nível de percepção
excepcional para uma criança de 4 anos. Essas são
aptidões que, na vida posterior, permitirão que Judy seja
brilhante em qualquer área onde as “aptidões pessoais”
sejam úteis, atividades essas que vão do comércio e
administração até a diplomacia.
O brilho social de Judy foi identificado, ainda tão
cedo, porque ela é aluna da Pré-Escola Eliot-Pearson, no
campus da Universidade Tufts, onde o Projeto Spectrum,
um currículo que intencionalmente cultiva vários tipos
de inteligência, era então desenvolvido. O Projeto
Spectrum parte do princípio de que o repertório humano
de aptidões vai muito além da estreita faixa de aptidões
com palavras e números enfocados por escolas
tradicionais. Reconhece que aptidões como a percepção
social de Judy são talentos que um sistema educativo
deve alimentar e não ignorar ou mesmo frustrar.
Encorajando as crianças a desenvolverem uma série
completa de aptidões a que, na verdade, recorrerão para
o sucesso, ou usarão apenas para se realizar no que
fazem, a escola passa a conferir educação em aptidões
para a vida.
O orientador visionário que está por trás do Projeto
Spectrum é Howard Gardner, psicólogo da Escola de
Educação de Harvard.7
— Chegou a hora — disse — de ampliar nossa noção
sobre o espectro de talentos. A maior contribuição que a
educação pode dar ao desenvolvimento de uma criança
é ajudá-la a escolher uma profissão onde possa melhor
utilizar os seus talentos, onde ela será feliz e
competente. Perdemos isso inteiramente de vista. Em vez
disso, sujeitamos todos a uma educação em que, se você
for bem-sucedido, estará mais bem capacitado para ser
professor universitário. E avaliamos todos, ao longo do
percurso, conforme satisfaçam ou não esse estreito
padrão de sucesso. Devíamos gastar menos tempo
avaliando as crianças e mais tempo ajudando-as a
identificar suas aptidões e dons naturais, e a cultivá-los.
Há centenas e centenas de maneiras de ser bemsucedido e muitas, muitas aptidões diferentes que as
ajudarão a chegar lá.8
Se existe alguém que vê as limitações das velhas
formas de pensar sobre a inteligência, é Gardner. Ele
observa que os dias de glória dos testes de QI tiveram
início durante a Primeira Guerra Mundial, quando 2
milhões de americanos foram classificados por meio do
preenchimento, em massa, do primeiro formulário para
avaliação de QI, então criado por Lewis Terman, um
psicólogo de Stanford. Isso levou a décadas do que
Gardner chama de “modo de pensar do QI”:
— Pensar que as pessoas são inteligentes ou não, que
nasceram assim, que esse é um dado imutável e que os
testes podem dizer se a gente é um dos inteligentes ou
não. O teste SAT para admissão em universidades repete
a forma de pensar segundo a qual uma única aptidão é
determinante para o nosso futuro. Esse modo de pensar
está impregnado na sociedade.
O influente livro de Gardner, Frames of Mind
(Estados de Espírito), de 1983, foi um manifesto de
contestação à visão do QI; ali, o que o autor coloca é
que não há um tipo específico, monolítico, de
inteligência decisiva para o sucesso na vida, mas sim um
amplo espectro de inteligências, com sete variedades
principais. Em sua lista entram os dois tipos-padrão de
inteligência acadêmica, a fluência verbal e o raciocínio
lógico-matemático, mas ele vai mais além para incluir a
aptidão espacial que se vê, digamos, num destacado
pintor ou arquiteto; o gênio cinestésico exibido na
fluidez e graça físicas de uma Martha Graham ou de um
Magic Johnson; e os dons musicais de um Mozart ou de
um YoYo Ma. Arrematando a lista, há duas faces do que
Gardner chama de “inteligências pessoais”: aptidões
interpessoais, como as de um grande terapeuta como
Carl Rogers ou de um líder de nível mundial como
Martin Luther King, Jr., e a aptidão “intrapsíquica”, que
pode surgir, de um lado, nas brilhantes sacações de
Sigmund Freud, ou, com menos alarde, na satisfação
interior que vem de estarmos sintonizados com a vida e
com nossos verdadeiros sentimentos.
A característica dessa visão de inteligências é sua
multiplicidade: o modelo de Gardner vai muito além do
conceito-padrão de QI como fator único e imutável.
Reconhece que os testes que nos tiranizaram quando
passamos pela escola — desde a realização de testes de
aproveitamento que diziam quem entre nós seria
encaminhado para as escolas técnicas e quem iria para a
universidade, aos SATs, que determinavam qual
faculdade, se fosse o caso, poderíamos freqüentar — se
baseiam numa noção limitada de inteligência, uma noção
sem ligação com a verdadeira gama de talentos e
aptidões que são importantes para a vida, acima e além
do QI.
Gardner reconhece que sete é um número arbitrário
para a variedade de inteligências; não há nenhum
número mágico para a multiplicidade de talentos
humanos. A determinada altura, ele e seus colegas
haviam aumentado esse número para vinte aptidões
diferentes. A inteligência interpessoal, por exemplo,
desdobrou-se em quatro aptidões distintas: liderança,
capacidade de manter relações e conservar amigos, de
resolver conflitos e a do tipo de análise social em que
Judy, de 4 anos, era excelente.
Essa visão multifacetada da inteligência oferece um
quadro mais rico da capacidade e do potencial de uma
criança para o sucesso do que o QI padrão. Quando os
alunos da Spectrum foram avaliados pela Escala de
Inteligência Stanford-Binet — outrora o padrão-ouro dos
testes de QI — e mais uma vez por uma bateria
destinada a medir o espectro de inteligências de
Gardner, não houve nenhuma relação significativa entre
as contagens obtidas nos dois testes.9 As cinco crianças
com QI mais alto (de 125 a 133) mostraram uma
variedade de perfis nas dez capacidades medidas pelo
teste Spectrum. Por exemplo, entre as cinco “mais
inteligentes” segundo os testes de QI, uma era muito boa
em três áreas, três, em duas, e uma criança “inteligente”
tinha apenas uma capacidade Spectrum. Esses talentos
eram dispersos: quatro em música, duas em artes visuais,
uma em compreensão social, uma em lógica, duas em
linguagem. Nenhuma das cinco crianças de alto QI era
talentosa em termos de movimento, números ou
mecânica: movimento e números foram, na verdade,
pontos fracos para duas das cinco crianças.
A conclusão de Gardner foi que “a Escala de
Inteligência Stanford-Binet não previu desempenho bemsucedido de ponta a ponta ou num subconjunto
consistente de atividades Spectrum”. Por outro lado, as
contagens Spectrum dão aos pais uma clara orientação
sobre as áreas que serão de interesse espontâneo da
criança e onde se sairão bem o bastante para
desenvolver paixões que poderão um dia conduzi-las
para além da eficiência — até a maestria.
O pensamento de Gardner sobre a multiplicidade da
inteligência continua a evoluir. Cerca de dez anos após
ter publicado sua teoria pela primeira vez, ele fez o
seguinte sumário das inteligências inter e intrapessoal:
Inteligência interpessoal é a capacidade de compreender outras
pessoas: o que as motiva, como trabalham, como trabalhar
cooperativamente com elas. As pessoas que trabalham em vendas,
políticos, professores, clínicos e líderes religiosos bem-sucedidos
provavelmente são todos indivíduos com alto grau de inteligência
interpessoal. A inteligência intrapessoal (...) é uma aptidão correlata,
voltada para dentro. É uma capacidade de formar um modelo preciso,
verídico, de si mesmo e poder usá-lo para agir eficazmente na vida.10
Em outra versão, Gardner observou que o âmago da
inteligência interpessoal inclui “a capacidade de discernir
e responder adequadamente ao humor, temperamento,
motivação e desejo de outras pessoas”. Na inteligência
intrapessoal, chave do autoconhecimento, ele incluiu o
“contato com nossos próprios sentimentos e a
capacidade de discriminá-los e usá-los para orientar o
comportamento”.11
“JORNADA NAS ESTRELAS”: A COGNIÇÃO
NÃO BASTA
As teorias de Gardner contêm uma dimensão da
inteligência pessoal que é amplamente mencionada, mas
pouco explorada: o papel das emoções. Talvez isso
ocorra porque, como ele próprio diz, seu trabalho é
fortemente calcado num modelo mental que se apóia em
ciência cognitiva. Por isto, sua visão acerca dessas
inteligências enfatiza a percepção — a compreensão de
si e dos outros nas motivações, nos hábitos de trabalho e
no uso dessa intuição na própria vida e na relação com
os outros. Mas, como acontece com o campo cinestésico,
onde o brilho físico se manifesta não-verbalmente, o
campo das emoções também se estende além do alcance
da linguagem e da cognição.
Embora haja amplo espaço em suas descrições das
inteligências pessoais para que compreendamos o jogo
das emoções e o domínio de seu controle, Gardner e os
que com ele trabalham não investigaram detalhadamente
o papel do sentimento nessas inteligências,
concentrando-se mais na cognição sobre o sentimento.
Essa abordagem, talvez não intencionalmente, deixa
inexplorado o rico mar de emoções que torna a vida
interior e os relacionamentos tão complexos, tão
absorventes e, muitas vezes, tão desconcertantes. E deixa
de lado o que há de inteligência nas emoções e o que
há de emocional na inteligência.
A ênfase de Gardner nos elementos perceptivos nas
inteligências pessoais reflete o Zeitgeist[2] da psicologia
que formou suas opiniões. A excessiva ênfase da
psicologia na cognição mesmo no campo das emoções
deve-se, em parte, a um acidente na história dessa
ciência. Durante as décadas de meados do século XX, a
psicologia acadêmica foi dominada por behavioristas
como B. F. Skinner, para os quais só o comportamento,
o que podia ser objetivamente constatado, poderia ser
estudado com precisão científica. Os behavioristas
decretaram que toda a vida interior, inclusive as
emoções, estaria interditada à pesquisa científica.
Depois, em fins da década de 1960, com a chegada
da “revolução cognitiva”, o foco da ciência psicológica
voltou-se para como a mente registra e armazena
informação, e para a natureza da inteligência. Mas as
emoções continuaram sendo uma zona interdita. O saber
convencional entre os cientistas cognitivos afirmava que
a inteligência implica um processamento frio e duro
acerca dos fatos. É hiper-racional, mais ou menos como
o Mr. Spock de Jornada nas Estrelas, o arquétipo de
secos bytes de informação não confundida pelo
sentimento, encarnando a idéia de que as emoções não
têm lugar na inteligência e apenas confundem nosso
esquema de raciocínio.
Os cientistas cognitivos que abraçaram essa opinião
foram seduzidos pelo computador como modelo
operacional da mente, esquecendo que, na realidade, os
úmidos programas e peças cerebrais bóiam numa poça
pegajosa e latejante de produtos neuroquímicos, em
nada semelhante ao silício ordenado e sanitizado que
gerou a metáfora orientadora da mente. Os modelos
adotados pelos cientistas do conhecimento para explicar
como a mente processa a informação não levam em
conta o fato de que a racionalidade da mente é guiada
pela emoção. O modelo cognitivo é, nesse aspecto, uma
visão empobrecida da mente, uma visão que não explica
o Sturm und Drang[3] de sentimentos que dão sabor ao
intelecto. Para persistir nessa opinião, os próprios
cientistas dedicados à área cognitiva tiveram de ignorar a
importância, para seus modelos da mente, de suas
próprias esperanças e medos pessoais, suas disputas
conjugais e ciúmes profissionais — a inundação de
sentimento que dá à vida seu sabor e suas urgências e
que, a cada momento, distorce exatamente a maneira
como (e até onde bem ou mal) se processa a
informação.
A distorcida visão científica de uma vida mental
emocionalmente vazia — que orientou os últimos oitenta
anos de pesquisa sobre a inteligência — está mudando
aos poucos, à medida que a psicologia começa a
reconhecer o papel essencial do sentimento no
pensamento. Mais ou menos como a spockiana
personagem Data em Jornada nas Estrelas: a Geração
Seguinte, a psicologia começa a apreciar a força e as
virtudes das emoções na vida mental, assim como seus
perigos. Afinal, como vê Data (para sua própria
consternação, se lhe fosse possível experimentar este
sentimento), sua lógica não conduz à solução humana
certa. Nossa humanidade é mais evidente em nossos
sentimentos; Data procura sentir, sabendo que alguma
coisa essencial está faltando. Ele quer amizade, lealdade;
como o Homem de Lata de O Mágico de Oz, falta-lhe um
coração. Na falta do senso lírico que traz o sentimento,
Data pode tocar música ou escrever poesia com
virtuosismo técnico, mas sem paixão. O que demonstra o
anseio de Data por sentir anseio é que faltam
inteiramente à fria visão cognitiva os valores mais
elevados do coração humano — fé, esperança, devoção,
amor. As emoções enriquecem; um modelo mental que
as ignora se empobrece.
Quando perguntei a Gardner por que ele dá mais
ênfase aos pensamentos sobre os sentimentos, ou
metacognição, do que às emoções em si, ele admitiu que
tendia a ver a inteligência de uma maneira cognitiva,
mas disse:
— Quando escrevi pela primeira vez sobre
inteligências pessoais, eu estava falando de emoção,
sobretudo em minha idéia de inteligência intrapessoal:
um dos componentes é a sintonia emocional consigo
mesmo. Os sinais de sentimento visceral que recebemos
é que são essenciais para a inteligência interpessoal.
Mas, em seu desenvolvimento prático, a teoria da
inteligência múltipla evoluiu e se concentrou mais na
metacognição — ou seja, na consciência que se tem do
próprio processo mental — do que em toda a gama de
aptidões emocionais.
Ainda assim, Gardner reconhece como essas
habilidades emocionais e relacionais são cruciais no
corpo-a-corpo da vida. Ele ressalta:
— Muitas pessoas com 160 de QI trabalham para
outras com 100 de QI, caso as primeiras tenham baixa
inteligência intrapessoal e as últimas, alta. E, no dia-adia, nenhuma inteligência é mais importante do que a
intrapessoal. Se não a temos, faremos escolhas errôneas
sobre quem desposar, que emprego arranjar e assim por
diante. Precisamos treinar as crianças em inteligências
intrapessoais na escola.
EXISTE VIDA INTELIGENTE NAS
EMOÇÕES?
Para que tenhamos uma compreensão mais ampla sobre
exatamente como poderia ser esse exercício de
raciocínio, temos que recorrer a outros teóricos que
seguem o pensamento de Gardner — entre os quais se
destaca um psicólogo de Yale, Peter Salovey, que
estabeleceu, em detalhes, as formas como podemos levar
inteligência às nossas emoções.12 Esse trabalho não é
novo; ao longo dos anos, mesmo os mais ardentes
teóricos do QI tentaram, às vezes, introduzir as emoções,
no domínio da inteligência, em vez de ver “emoção” e
“inteligência” como uma inerente contradição
terminológica. Assim, E. L. Thorndike, um destacado
psicólogo que também foi influente na popularização da
idéia do QI nas décadas de 1920 e 30, sugeriu em artigo
na Harper’s Magazine que um dos aspectos da
inteligência emocional, a inteligência “social” — aquela
capacidade de entender os outros e “agir com sabedoria
nas relações humanas” —, era um aspecto do QI de uma
pessoa. Outros psicólogos da época adotaram uma visão
mais cínica da inteligência social, encarando-a em termos
de capacidade de manipular outras pessoas — levá-las a
fazer o que queremos, em detrimento de suas próprias
vontades. Mas nenhuma dessas formulações de
inteligência social exerceu muita influência sobre os
teóricos do QI e, em 1960, um importante livro didático
sobre testes de inteligência considerou a inteligência
social um conceito “inútil”.
Mas a inteligência pessoal não seria ignorada,
sobretudo porque faz ao mesmo tempo sentido intuitivo
e comum. Por exemplo, quando Robert Sternberg, outro
psicólogo de Yale, pediu a determinadas pessoas que
descrevessem uma “pessoa inteligente”, as aptidões
práticas estavam entre os principais aspectos que foram
relacionados. Pesquisas mais sistemáticas realizadas por
Sternberg o fizeram retornar à conclusão de Thorndike:
que a inteligência social é, ao mesmo tempo, diferente
das aptidões acadêmicas e parte-chave do que faz as
pessoas se saírem bem nos aspectos práticos da vida.
Entre as inteligências práticas tão altamente valorizadas,
por exemplo, no espaço profissional, está aquela
sensibilidade que permite aos administradores eficientes
captar mensagens tácitas.13
Nos últimos anos, um grupo cada vez maior de
psicólogos chegou a conclusões semelhantes,
concordando com Gardner que os antigos conceitos de
QI giram em torno de uma estreita faixa de aptidões
lingüísticas e matemáticas, e que um bom desempenho
em testes de QI é um fator de previsão mais direta de
sucesso em sala de aula ou como professor, mas cada
vez menos quando os caminhos da vida se afastam da
academia. Esses psicólogos — entre eles Sternberg e
Salovey — adotaram uma visão mais ampla de
inteligência, tentando reinventá-la em termos do que é
necessário para viver bem a vida. E essa linha de
investigação retorna ao reconhecimento de como,
exatamente, é crucial a inteligência “pessoal” ou
emocional.
Salovey, com seu colega John Mayer, propôs uma
definição elaborada de inteligência emocional,
expandindo essas aptidões em cinco domínios
principais:14
1. Conhecer as próprias emoções.
Autoconsciência — reconhecer um sentimento
quando ele ocorre — é a pedra de toque da
inteligência emocional. Como veremos no Capítulo
4, a capacidade de controlar sentimentos a cada
momento é fundamental para o discernimento
emocional e para a autocompreensão. A
incapacidade de observar nossos verdadeiros
sentimentos nos deixa à mercê deles. As pessoas
mais seguras acerca de seus próprios sentimentos
são melhores pilotos de suas vidas, tendo uma
consciência maior de como se sentem em relação a
decisões pessoais, desde com quem se casar a que
emprego aceitar.
2. Lidar com emoções.
Lidar com os sentimentos para que sejam
apropriados é uma aptidão que se desenvolve na
autoconsciência. O Capítulo 5 vai examinar a
capacidade de confortar-se, de livrar-se da
ansiedade, tristeza ou irritabilidade que
incapacitam — e as conseqüências resultantes do
fracasso nessa aptidão emocional básica. As
pessoas que são fracas nessa aptidão vivem
constantemente lutando contra sentimentos de
desespero, enquanto outras se recuperam mais
rapidamente dos reveses e perturbações da vida.
3. Motivar-se.
Como mostrará o Capítulo 6, pôr as emoções a
serviço de uma meta é essencial para centrar a
atenção, para a automotivação e o controle, e para
a criatividade. O autocontrole emocional — saber
adiar a satisfação e conter a impulsividade — está
por trás de qualquer tipo de realização. E a
capacidade de entrar em estado de “fluxo”
possibilita excepcionais desempenhos. As pessoas
que têm essa capacidade tendem a ser mais
produtivas e eficazes em qualquer atividade que
exerçam.
4. Reconhecer emoções nos outros.
A empatia, outra capacidade que se desenvolve na
autoconsciência emocional, é a “aptidão pessoal”
fundamental. O Capítulo 7 investigará as raízes da
empatia, o quanto nos custa não saber “escutar” as
emoções, e os motivos pelos quais a empatia gera
altruísmo. As pessoas empáticas estão mais
sintonizadas com os sutis sinais do mundo externo
que indicam o que os outros precisam ou o que
querem. Isso as torna bons profissionais no campo
assistencial, no ensino, vendas e administração.
5. Lidar com relacionamentos.
A arte de se relacionar é, em grande parte, a
aptidão de lidar com as emoções dos outros. O
Capítulo 8 examina a competência e a
incompetência, e as aptidões específicas
envolvidas. São as aptidões que determinam a
popularidade, a liderança e a eficiência
interpessoal. As pessoas excelentes nessas aptidões
se dão bem em qualquer coisa que dependa de
interagir tranqüilamente com os outros; são estrelas
sociais.
Claro, as pessoas diferem em suas aptidões em cada
um desses campos; alguns de nós podemos ser bastante
hábeis no lidar, digamos, com nossa ansiedade, mas
relativamente ineptos no confortar os aborrecimentos de
outra pessoa. O que jaz sob nosso nível de aptidão é
sem dúvida de ordem neural, mas, como veremos, o
cérebro é admiravelmente flexível, em constante
aprendizagem. As nossas falhas em aptidões emocionais
podem ser remediadas: em grande parte, cada um desses
campos representa um conjunto de hábitos e respostas
que, com o devido esforço, pode ser aprimorado.
QI E INTELIGÊNCIA EMOCIONAL: TIPOS
PUROS
O QI e a inteligência emocional não são capacidades
que se opõem, mas distintas. Todos nós misturamos
acuidade intelectual e emocional; as pessoas de alto QI e
baixa inteligência emocional (ou baixo QI e alta
inteligência emocional) são, apesar dos estereótipos,
relativamente raras. Na verdade, há uma ligeira
correlação entre o QI e alguns aspectos da inteligência
emocional — embora bastante pequena para que fique
claro que se trata de duas entidades bastante
independentes.
Ao contrário dos famosos testes de QI, não há ainda
nenhum “formulário-a-ser-preenchido” que ateste “uma
contagem de inteligência emocional”, e talvez nunca
venha a existir. Embora seja ampla a pesquisa sobre cada
um de seus componentes, alguns deles, como a empatia,
são mais bem testados pela amostragem da aptidão de
fato de uma pessoa numa determinada tarefa — por
exemplo, mandá-la interpretar os sentimentos de uma
pessoa num vídeo onde são exibidas expressões faciais.
Entretanto, usando uma medição denominada
“maleabilidade do ego”, que se assemelha bastante à
inteligência emocional (inclui as principais aptidões
sociais e emocionais), Jack Block, psicólogo na
Universidade da Califórnia, em Berkeley, fez uma
comparação dos dois tipos teóricos puros: pessoas de
alto QI versus pessoas de altas aptidões emocionais.15
As diferenças são reveladoras.
O tipo de alto QI puro (isto é, onde não é
considerada a inteligência emocional) é quase uma
caricatura do intelectual, capaz no domínio da mente
mas inepto no mundo pessoal. Os perfis diferem
ligeiramente em homens e mulheres. O homem de alto
QI é tipificado — o que não surpreende — por uma
ampla gama de interesses e capacidades. É ambicioso e
produtivo, previsível e obstinado, e desprovido de
preocupação sobre si mesmo. É também inclinado a ser
crítico e condescendente, fastidioso e inibido, pouco à
vontade do ponto de vista sexual e sensual, inexpressivo
e desligado, e emocionalmente frio.
Por outro lado, os homens com um alto grau de
inteligência emocional são socialmente equilibrados,
comunicativos e animados, não inclinados a receios ou a
ruminar preocupações. Têm uma notável capacidade de
engajamento com pessoas ou causas, de assumir
responsabilidades e de ter uma visão ética; são solidários
e atenciosos em seus relacionamentos. Têm uma vida
emocional rica, mas correta; sentem-se à vontade
consigo mesmos, com os outros e no universo social em
que vivem.
As mulheres de alto QI puro têm a esperada
confiança intelectual, são fluentes ao expressarem suas
idéias, valorizam questões intelectuais e têm uma ampla
variedade de interesses intelectuais e estéticos. Também
tendem a ser introspectivas, chegadas à ansiedade, à
ruminação e à culpa, e hesitam em exprimir sua raiva
abertamente (embora o façam de maneira indireta).
As mulheres emocionalmente inteligentes, por outro
lado, tendem a ser assertivas e expressam suas idéias de
um modo direto, e sentem-se bem consigo mesmas; para
elas, a vida tem sentido. Como os homens, são
comunicativas e gregárias, e expressam de modo
adequado os seus sentimentos (não, por exemplo, em
ataques de que depois se arrependem); adaptam-se bem
à tensão. O equilíbrio social delas permite-lhes ir até os
outros; sentem-se suficientemente à vontade consigo
mesmas para serem brincalhonas, espontâneas e abertas
à experiência sensual. Ao contrário das mulheres de alto
QI puro, raramente sentem ansiedade ou culpa, e
tampouco mergulham em ruminações.
Esses perfis, obviamente, são extremos — todos nós
mesclamos QI e inteligência emocional em graus
variados. Mas oferecem uma perspectiva instrutiva sobre
o que cada uma dessas dimensões acrescenta,
isoladamente, às qualidades de uma pessoa. Na medida
em que a pessoa tem tanto inteligência cognitiva quanto
emocional, essas imagens se fundem. Ainda assim, das
duas, é a inteligência emocional que contribui com um
número muito maior das qualidades que nos tornam
mais plenamente humanos.
[1]
Scholastic Aptitude Test — Teste de Aptidão
Escolar, exigido para admissão em universidades
americanas. (N. do T.)
[2] Espírito da época. (N. do T.)
[3] Tempestade e Ímpeto, movimento romântico
alemão. (N. do T.)
4
Conhece-te a Ti Mesmo
Um guerreiro samurai, conta uma velha história
japonesa, certa vez desafiou um mestre Zen a explicar os
conceitos de céu e inferno. Mas o monge respondeu-lhe
com desprezo:
— Não passas de um bruto... não vou desperdiçar
meu tempo com gente da tua laia!
Atacado na própria honra, o samurai teve um acesso
de fúria e, sacando a espada da bainha, berrou:
— Eu poderia te matar por tua impertinência.
— Isso — respondeu calmamente o monge — é o
inferno.
Espantado por reconhecer como verdadeiro o que o
mestre dizia acerca da cólera que o dominara, o samurai
acalmou-se, embainhou a espada e fez uma mesura,
agradecendo ao monge a revelação.
— E isso — disse o monge — é o céu.
A súbita consciência do samurai sobre seu estado de
agitação ilustra a crucial diferença entre alguém ser
possuído por um sentimento e tomar consciência de que
está sendo arrebatado por ele. A recomendação de
Sócrates — “Conhece-te a ti mesmo” — é a pedra de
toque da inteligência emocional: a consciência de nossos
sentimentos no momento exato em que eles ocorrem.
À primeira vista, pode parecer que nossos
sentimentos são óbvios; uma reflexão mais demorada
nos lembra das vezes em que fomos muito indiferentes
ao que de fato sentimos sobre uma coisa, ou quando
tarde demais nos demos conta desses sentimentos. Os
psicólogos falam de metacognição — um termo um
pouco pesado — para referirem-se à consciência do
processo de pensar, e metaestado de espírito para a
consciência de nossas emoções. Eu prefiro o termo
autoconsciência, no sentido de permanente atenção ao
que estamos sentindo internamente.1 Nessa consciência
auto-reflexiva, a mente observa e investiga o que está
sendo vivenciado, incluindo as emoções.2
Esse tipo de consciência é semelhante ao que Freud
denominou de “escuta flutuante”, e que recomendou aos
que queriam ser psicanalistas. Esse tipo de atenção é
capaz de registrar, com imparcialidade, tudo que passa
pela consciência, atuando como testemunha interessada
mas não reativa. Alguns psicanalistas a chamam de “ego
observante”, uma capacidade de autoconsciência que
permite ao analista monitorar suas reações diante do que
o paciente relata e que o processo de livre associação
alimenta no paciente.3
Essa autoconsciência parece exigir um neocórtex
ativado, sobretudo nas áreas da linguagem, sintonizado
para identificar e nomear as emoções despertadas. A
autoconsciência não é uma atenção que se deixa levar
pelas emoções, reagindo com exagero e amplificando a
percepção. Ao contrário, é um modo neutro, que
mantém a auto-reflexividade mesmo em meio a emoções
turbulentas. William Styron parece descrever algo
semelhante a essa faculdade da mente, ao escrever sobre
sua profunda depressão, quando fala da sensação de
“estar sendo acompanhado por um segundo eu — um
observador fantasmagórico que, não partilhando da
demência de seu duplo, pode ficar observando com
desapaixonada curiosidade enquanto o companheiro se
debate”.4
No ponto ótimo, a auto-observação permite
exatamente essa consciência equânime de sentimentos
arrebatados ou turbulentos. No mínimo, manifesta-se
simplesmente como um ligeiro recuo da experiência, um
fluxo paralelo de consciência que é “meta”: pairando
acima ou ao lado da corrente principal, mais consciente
do que se passa do que imersa e perdida nele. É a
diferença entre, por exemplo, sentir uma fúria assassina
contra alguém e ter o pensamento auto-reflexivo: “O que
estou sentindo é raiva”, mesmo quando se está furioso.
Em termos da mecânica neural da consciência, essa sutil
mudança de atividade mental presumivelmente avisa que
os circuitos neocorticais estão monitorando ativamente a
emoção, primeiro passo para adquirir algum controle.
Essa consciência das emoções é a aptidão emocional
fundamental sobre a qual se fundam outras, como o
autocontrole emocional.
Autoconsciência, em suma, significa estar “consciente
ao mesmo tempo de nosso estado de espírito e de
nossos pensamentos sobre esse estado de espírito”, nas
palavras de John Mayer, psicólogo da Universidade de
New Hampshire que, com Peter Salovey, de Yale, é um
dos co-formuladores da teoria da inteligência
emocional.5 A autoconsciência pode ser uma atenção
não reativa e não julgadora de estados interiores. Mas
Mayer acha que essa sensibilidade também pode ser
menos equânime; os pensamentos que, em geral,
revelam a autoconsciência, incluem “Não devo me sentir
assim”, “Vou pensar em coisas boas para me animar” e,
numa autoconsciência mais restrita, o pensamento
passageiro “Não pense nisso”, em relação a alguma coisa
muitíssimo perturbadora.
Embora haja uma distinção lógica entre estar
consciente dos sentimentos e agir para mudá-los, Mayer
constata que, para todos os fins práticos, as duas ações
em geral se combinam: reconhecer um estado de espírito
negativo é querer livrar-se dele. Esse reconhecimento,
porém, é distinto das tentativas que fazemos para evitar
agir impulsivamente. Quando dizemos “Pare com isso!” a
uma criança cuja raiva a levou a bater num companheiro
de brincadeiras, podemos evitar o espancamento, mas a
criança continua com raiva. Os pensamentos dela ainda
estão fixados na causa da raiva — “Mas ele roubou meu
brinquedo!” —, e a raiva continua do mesmo jeito. A
autoconsciência tem um efeito mais potente sobre
sentimentos fortes, de aversão: a compreensão “O que
estou sentindo é raiva” oferece um maior grau de
liberdade — não apenas a opção de não agir movido
pela raiva, mas a opção extra de tentar se livrar dela.
Mayer constata que as pessoas tendem a adotar
estilos típicos para acompanhar e lidar com suas
emoções.6
• Autoconscientes. Conscientes de seu estado de
espírito no momento em que ele ocorre, essas
pessoas, evidentemente, são sofisticadas no que
diz respeito à sua vida emocional. A clareza com
que sentem suas emoções pode reforçar outros
traços de suas personalidades: são autônomas e
conscientes de seus próprios limites, gozam de boa
saúde psicológica e tendem a ter uma perspectiva
positiva sobre a vida. Quando entram num estado
de espírito negativo, não ficam ruminando nem
ficam obcecadas com isso e podem sair dele mais
rápido. Em suma, a vigilância as ajuda a
administrar suas emoções.
• Mergulhadas. São pessoas muitas vezes imersas em
suas emoções e incapazes de fugir delas, como se
aquele humor houvesse assumido o controle de
suas vidas. São instáveis e não têm muita
consciência dos próprios sentimentos, de modo
que se perdem neles, ficando sem perspectivas.
Em conseqüência, pouco fazem para tentar escapar
desses estados de espírito negativos, achando que
não são capazes de exercer controle sobre suas
emoções. Muitas vezes se sentem esmagadas e
emocionalmente descontroladas.
• Resignadas. Embora essas pessoas muitas vezes
vejam com clareza o que estão fazendo, também
tendem a aceitar seus estados de espírito e,
portanto, não tentam mudá-los. Parece haver dois
ramos do tipo resignado: pessoas que estão
geralmente de bom humor e por isso pouca
motivação têm para mudá-los, e as que, apesar de
verem com clareza seus estados emocionais, são
susceptíveis aos maus estados de espírito e os
aceitam com um “deixa rolar”, nada fazendo para
mudá-los, apesar da aflição que sentem — um
padrão encontrado, por exemplo, em pessoas
deprimidas que se resignam ao seu desespero.
OS APAIXONADOS E OS INDIFERENTES
Imagine por um instante que você está num avião
voando de Nova York para São Francisco. É um vôo
tranqüilo mas, quando se aproxima das montanhas
Rochosas, o piloto fala pelo alto-falante:
— Senhoras e senhores, vamos entrar numa área de
turbulência. Por favor, retornem às suas poltronas e
apertem os cintos.
Aí, o avião entra em turbulência, a mais forte por que
você já passou, jogando para cima e para baixo, para um
lado e para outro, como uma bola nas ondas do mar.
O que você faz numa situação dessas? É daquelas
pessoas que metem a cara num livro ou revista, ou
continuam vendo o filme que está passando, desligandose da turbulência? Ou é mais provável que pegue o
manual que dá as instruções de emergência para rever as
precauções, que observe a equipe de bordo para
detectar sinais de pânico, ou que apure o ouvido para os
motores, para ver se há alguma coisa digna de
preocupação?
A resposta que dermos a estas perguntas sinaliza a
atitude que em nós é mais predominante em situações
de apuro. O cenário de um avião, aliás, compõe um
teste psicológico criado por Suzanne Miller, psicóloga da
Universidade Temple, destinado a avaliar se as pessoas
tendem a ser vigilantes, acompanhando cuidadosamente
cada detalhe de uma situação angustiante, ou, ao
contrário, lidam com esses momentos de ansiedade
tentando se distrair. Essas duas formas de
comportamento têm conseqüências bastante diferentes
para a maneira como as pessoas percebem suas reações
emocionais. Os que se fixam nos apuros podem, pelo
próprio ato de acompanhar com tanto cuidado, ampliar,
sem saber, a magnitude de suas reações — sobretudo se
essa fixação é desprovida da equanimidade da
autoconsciência. O resultado é que suas emoções se
tornam mais intensas. Os que se desligam, que se
distraem, percebem menos coisas em suas reações e com
isso minimizam a experiência de sua resposta emocional,
se não a própria dimensão da resposta.
No limite, isso significa que para algumas pessoas a
consciência emocional é esmagadora, enquanto para
outras mal existe. É só pensar no universitário que, uma
noite, descobre um início de incêndio em seu
alojamento, pega um extintor e apaga o fogo. Nada de
extraordinário — a não ser que, ao ir buscar o extintor e
voltar, ele andou em vez de correr. Motivo? Não achava
que havia qualquer urgência.
A história me foi contada por Edward Diener,
psicólogo da Universidade de Illinois, em Urbana, que
estuda a intensidade com que as pessoas vivem suas
emoções.7 O universitário figurava em seus estudos de
casos como um dos menos intensos que ele já
encontrara. Era, essencialmente, um homem sem
paixões, uma pessoa que passa pela vida sem sentir
quase nada, mesmo numa emergência como um
incêndio.
Em comparação, vejam a mulher no outro lado do
espectro de Diener. Uma vez, quando perdeu a caneta
preferida, ficou perturbada durante dias. Outra vez, ficou
tão excitada, ao ver o anúncio de uma grande liquidação
de sapatos femininos numa loja cara, que largou o que
estava fazendo, entrou no carro e dirigiu três horas até a
loja em Chicago.
Diener constata que as mulheres, em geral, mais do
que os homens, sentem com mais intensidade as
emoções positivas e negativas. E, diferenças de sexo à
parte, a vida emocional é mais rica para os que
observam mais. Entre outras coisas, essa maior
sensibilidade emocional significa que, para tais pessoas,
a menor provocação desencadeia vendavais emocionais,
paradisíacos ou infernais, enquanto as do outro extremo
mal experimentam qualquer sensação, mesmo nas
circunstâncias mais angustiantes.
UM HOMEM SEM SENTIMENTOS
Gary aborrecia a noiva, Ellen, porque, apesar de
inteligente, atencioso e um médico bem-sucedido, era
emocionalmente neutro, completamente sem reação a
qualquer demonstração de sentimentos. Embora falasse
com brilhantismo sobre ciência e arte, quando se tratava
de seus próprios sentimentos — mesmo aqueles que
tinha por Ellen — emudecia. Por mais que ela tentasse
despertar-lhe alguma paixão, ele ficava impassível,
indiferente.
— Eu não expresso naturalmente meus sentimentos
— disse Gary ao terapeuta a quem consultou por
insistência de Ellen. Quando se tratava da vida
emocional, acrescentou: — Não sei o que dizer; não
tenho sentimentos fortes, bons ou maus.
Ellen não era a única pessoa que se frustrava com a
frieza de Gary; segundo ele relatou ao terapeuta, era
incapaz de falar abertamente de seus sentimentos com
qualquer outra pessoa. Motivo: não tinha consciência do
que sentia. Até onde lhe era dado saber, não sentia
raivas, tristezas ou alegrias.8
Como observa seu terapeuta, esse vazio emocional
faz com que Gary e outros como ele pareçam sem vida,
insípidos:
— Entediam a todos. Por isso suas esposas pedem
que se tratem.
A frieza emocional de Gary exemplifica o que os
psiquiatras chamam de alexitimia, do grego a
(ausência), léxis (palavra) e thymós (emoção). Faltam a
essas pessoas palavras para descrever seus sentimentos.
Na verdade, parece faltar-lhes qualquer sentimento,
embora isso talvez se deva mais à sua incapacidade de
manifestar emoção do que a uma completa ausência de
emoção. Essas pessoas foram identificadas pela primeira
vez por psicanalistas intrigados por um tipo de paciente
impossível de ser tratado pelo método que adotavam,
porque não comunicavam sentimentos, fantasias, mas
apenas sonhos incolores — em suma, nenhuma vida
interior digna de nota.9 As características clínicas que
assinalam a alexitimia incluem dificuldade para descrever
sentimentos — os próprios ou os de outrem — e um
vocabulário emocional seriamente limitado.10 E, além
disso, tais pessoas têm dificuldade em discriminar
emoções e distinguir emoção de sensação física, de
modo que reclamam de problemas estomacais,
palpitações, suores e tontura — mas não sabem que
estão ansiosos. “Dão a impressão de serem alienígenas,
vindos de um mundo inteiramente diferente, e, no
entanto, vivem numa sociedade que é dominada pelos
sentimentos”, é a descrição dada pelo Dr. Peter Sifneos,
o psiquiatra de Harvard que, em 1972, cunhou o termo
alexitimia.11 Os alexitímicos, por exemplo, raramente
choram, mas quando o fazem, as lágrimas são copiosas.
Ainda assim, ficam perplexos quando perguntamos por
que choram. Uma paciente com alexitimia ficou tão
perturbada ao ver um filme sobre uma mulher com oito
filhos, que estava morrendo de câncer, que chorou até
cair no sono. Quando o terapeuta sugeriu que ela ficara
tão perturbada porque o filme lhe lembrara sua própria
mãe, que de fato estava morrendo de câncer, ela ficou
sentada imóvel, pasma e calada. O terapeuta lhe
perguntou então o que sentia naquele momento, e ela
respondeu que se sentia “péssima”, mas não conseguiu
expressar nada além disso. E, acrescentou, de vez em
quando começava a chorar, mas nunca sabia exatamente
por que chorava.12
E é esse o fulcro do problema. Não é que os
alexitímicos não sintam, mas não sabem — e sobretudo
não podem expressar em palavras — precisamente quais
são seus sentimentos. Falta-lhes totalmente a aptidão
fundamental da inteligência emocional, a
autoconsciência — saber o que sentimos enquanto as
emoções se revolvem dentro de nós. Os alexitímicos
negam a idéia prática de que é perfeitamente evidente
por si mesmo o que sentimos: eles não têm a mínima
indicação. Quando alguma coisa — ou mais
provavelmente alguém — lhes provoca um sentimento,
eles acham a experiência intrigante e arrasadora, uma
coisa a ser evitada a qualquer custo. Os sentimentos lhes
chegam, quando chegam, como um desnorteante pacote
de angústia; como disse a paciente que chorou no
cinema, sentem-se “péssimos”, mas não podem dizer
exatamente que espécie de coisa péssima sentem.
A confusão básica sobre os sentimentos muitas vezes
parece levá-los a queixarem-se de vagos problemas
médicos, quando na verdade sofrem de angústia
emocional — fenômeno conhecido em psiquiatria como
somatização, isto é, quando uma dor emocional se
expressa através de uma dor física (o que é diferente da
doença psicossomática, em que problemas emocionais
causam doenças físicas autênticas). Na verdade, grande
parte do interesse psiquiátrico pelos alexitímicos está em
diferenciá-los daqueles que procuram ajuda médica, pois
tendem a uma extensa — e infrutífera — busca de
diagnose e tratamento médicos para o que na verdade é
um problema emocional.
Embora ninguém possa ainda dizer com certeza o
que causa a alexitimia, o Dr. Sifneos sugere uma
desconexão entre o sistema límbico e o neocórtex,
sobretudo os centros verbais, o que se encaixa bem no
que temos aprendido sobre o cérebro emocional. Os
pacientes com severos derrames que, para alívio dos
sintomas, tiveram essa ligação seccionada, observa
Sifneos, tornaram-se emocionalmente insensíveis, como
as pessoas com alexitimia, incapazes de falar sobre seus
sentimentos, e subitamente desprovidos da capacidade
de fantasiar. Em suma, embora os circuitos do cérebro
emocional reajam com sentimentos, o neocórtex não
pode classificar esses sentimentos e acrescentar-lhes a
nuança da linguagem. Como observou Henry Roth, em
seu romance Call it Sleep (Chame-o Sono), sobre esse
poder da linguagem: “Se você conseguir colocar em
palavras o que está sentindo, o sentimento fica sob seu
controle.” O corolário, claro, é o dilema do alexitímico:
não ter palavras para os sentimentos significa não tomar
posse desses sentimentos.
EM LOUVOR DA INTUIÇÃO
O tumor de Elliot, um pouco atrás da testa, era do
tamanho de uma laranja pequena; uma cirurgia extirpouo completamente. Embora a operação tivesse sido
considerada um sucesso, as pessoas que privavam da
intimidade de Elliot diziam depois que ele não era mais
o mesmo — sofrera uma drástica mudança de
personalidade. Antes um bem-sucedido advogado
empresarial, não mais conseguia se manter num
emprego. Malbaratando as economias em investimentos
infrutíferos, viu-se reduzido a morar num quarto vago na
casa do irmão.
Havia um padrão intrigante no problema de Elliot.
Intelectualmente, ele continuava brilhante como sempre,
mas empregava seu tempo de uma maneira terrível,
perdendo-se em detalhes sem importância; parecia ter
perdido qualquer noção de prioridade. Quando
chamado à atenção, ficava indiferente; foi despedido de
uma série de empregos em que trabalhava como
advogado. Embora extensos testes intelectivos nada
indicassem de errado em suas faculdades mentais, ainda
assim ele foi procurar um neurologista, esperando que a
descoberta de um problema neurológico lhe desse os
benefícios de invalidez a que se julgava com direito. De
outro modo, poderia concluir-se que era apenas alguém
se fingindo de doente para não ter de trabalhar.
Antonio Damasio, o neurologista a quem Elliot
consultou, ficou impressionado com um elemento
ausente no repertório mental dele: embora não houvesse
problema algum em seu raciocínio lógico, na memória,
atenção ou qualquer outra capacidade cognitiva, Elliot
era praticamente indiferente ao que sentia em relação ao
que lhe acontecia.13 Mais impressionante ainda, era
capaz de falar sobre fatos trágicos ocorridos em sua vida
com total frieza, como se fosse um mero observador das
perdas e fracassos que vivera, sem o menor tom de
pesar ou tristeza, frustração ou raiva com a injustiça da
vida. Até o seu próprio distúrbio não lhe causava
sofrimento; Damasio se incomodava mais do que ele
próprio com o problema.
A origem dessa inconsciência emocional, concluiu
Damasio, fora a remoção, junto com o tumor no cérebro,
de parte dos lobos pré-frontais de Elliot. Na verdade, a
cirurgia cortara várias ligações entre os centros inferiores
do cérebro emocional, sobretudo a amígdala cortical e
circuitos relacionados, e as capacidades de pensar do
neocórtex. O pensamento de Elliot tornara-se igual ao de
um computador, capaz de executar todas as etapas para
solucionar um problema, mas incapaz de atribuir valores
às diferentes possibilidades. Toda opção era neutra. E
esse raciocínio totalmente desapaixonado, suspeitava
Damasio, era o núcleo do problema de Elliot: a
reduzidíssima consciência dos próprios sentimentos em
relação às coisas tornara falho o seu raciocínio.
A incapacitação se revelava mesmo em decisões
rotineiras. Quando Damasio tentou marcar dia e hora
para a consulta seguinte, Elliot não sabia que decisão
tomar. Ele encontrava argumentos contra e a favor a
todos os horários sugeridos por Damasio, mas não
conseguia escolher nenhum deles. No nível racional,
havia razões perfeitamente lógicas para recusar ou
aceitar quase todos os horários possíveis. Mas faltava a
Elliot qualquer noção do que sentia em relação a
qualquer deles. Sem consciência de seus próprios
sentimentos, não tinha qualquer preferência.
Entre outras coisas, o que podemos concluir dessa
incapacidade de tomar decisão é o importante papel que
o sentimento desempenha na navegação pela
interminável corrente das decisões pessoais da vida.
Embora sentimentos fortes possam causar devastações
no raciocínio, a falta de consciência do sentimento
também pode ser destrutiva, sobretudo no avaliar
decisões das quais depende, em grande parte, o nosso
destino: que carreira seguir, se ficar num emprego
seguro ou arriscar-se em outro mais atraente, com quem
namorar ou casar, onde viver, que apartamento alugar
ou que casa comprar — sempre e sempre, pela vida
afora. Essas decisões não podem ser bem tomadas
apenas através do uso da razão; exigem intuição e a
sabedoria emocional que acumulamos de experiências
passadas. A lógica formal, por si só, jamais pode servir
de base para decidir com quem se casar ou em quem
confiar, ou mesmo que emprego pegar; são domínios
onde a razão, sem o sentimento, fica cega.
Os sinais intuitivos que nos orientam nesses
momentos vêm sob a forma de impulsos límbicos das
vísceras que Damasio chama de “marcadores somáticos”
— literalmente, intuições. O marca-dor somático é uma
espécie de alarme automático, geralmente chamando a
atenção para o perigo potencial de uma determinada
linha de ação. Na maioria das vezes, esses marcadores
nos orientam para que fiquemos bem longe de uma
escolha contra a qual nossa experiência nos adverte,
embora também possam nos alertar para uma
oportunidade de ouro. Em geral, nesses momentos, não
nos lembramos que tipo de experiência deu forma a esse
sentimento negativo; basta que recebamos o sinal de que
uma determinada linha potencial de ação pode ser
desastrosa. Sempre que surge uma dessas intuições,
podemos abandonar ou seguir imediatamente com maior
confiança essa linha de consideração e, desta forma,
reduzir o leque de escolhas a uma matriz de decisão
com menos variedade. A chave para uma tomada de
decisão mais sábia é, em suma, estar mais sintonizado
com nossos sentimentos.
AVALIANDO O INCONSCIENTE
O vácuo emocional de Elliot sugere que pode haver um
espectro de aptidões das pessoas para sentir suas
emoções no momento exato em que elas ocorrem. Pela
lógica da neurociência, se a ausência de um circuito
neural conduz a um déficit numa aptidão, então a força
ou fraqueza relativas desse mesmo circuito nas pessoas
de cérebro intacto deve conduzir a níveis comparáveis
de competência nessa mesma aptidão. Em termos do
papel dos circuitos pré-frontais na sintonização
emocional, isso sugere que por razões neurológicas
alguns de nós podemos mais facilmente detectar a
sensação de medo ou prazer que outros, e assim sermos
mais autoconscientes de nossas emoções.
Talvez o talento para a introspecção psicológica
dependa desses mesmos circuitos. Alguns de nós
estamos mais naturalmente sintonizados com
simbolismos mentais específicos: a metáfora e o símile,
juntamente com a poesia, a música e a fábula, são todos
moldados na linguagem do coração. Também o são os
sonhos e mitos, em que vagas associações determinam o
fluxo da narrativa, seguindo a lógica da mente
emocional. Os que têm uma sintonia natural com a voz
de seu coração — a linguagem da emoção — certamente
são mais capazes de articular as mensagens dele, quer
sejam romancistas, compositores ou psicoterapeutas.
Essa sintonia interna talvez seja responsável por eles
serem mais talentosos para expressar a “sabedoria do
inconsciente” — os significados que percebemos em
nossos sonhos e fantasias, os símbolos que encarnam
nossos mais profundos desejos.
A autoconsciência é fundamental para a intuição
psicológica; esta é a faculdade que a psicoterapia
privilegia, com vista a seu fortalecimento. Na verdade, o
modelo de inteligência intrapsíquica de Howard Gardner
está em Sigmund Freud, o grande mapeador da dinâmica
secreta da psique. Como Freud colocou, grande parte da
vida emocional é inconsciente; os sentimentos que se
agitam dentro de nós nem sempre cruzam o limiar da
consciência. A verificação empírica desse axioma
psicológico vem, por exemplo, de experiências com
emoções inconscientes, como a notável descoberta de
que as pessoas tomam gosto definitivo por coisas que
nem têm consciência de terem visto antes. Qualquer
emoção pode ser — e muitas vezes é — inconsciente.
Os primeiros sinais psicológicos de uma emoção
ocorrem geralmente antes que a pessoa esteja
conscientemente a par do próprio sentimento. Por
exemplo, quando são exibidas fotos de cobras a pessoas
que têm medo de cobra, sensores em sua pele detectam
o surgimento de suor, que é um sinal de ansiedade,
embora elas digam que não sentem medo algum. O suor
aparece nessas pessoas mesmo quando a imagem da
cobra é mostrada rapidamente, de forma que não haja
tempo para que fixem na consciência, de forma exata, a
imagem que acabaram de ver e, muito menos, percebam
que estão começando a ficar ansiosas. À medida que
essas agitações emocionais pré-conscientes continuam a
crescer, acabam tornando-se suficientemente fortes para
irromper na consciência. Assim, há dois níveis de
emoção: consciente e inconsciente. O momento em que
a emoção passa para a consciência assinala seu registro
como tal no córtex frontal.14
As emoções que fremem abaixo do limiar da
consciência podem ter um poderoso impacto na maneira
como percebemos e reagimos, embora não tenhamos
idéia de que elas estão atuando. É o caso de alguém que
no início do dia se aborrece com uma coisa desagradável
e permanece ranzinza horas depois, ofendendo-se e
respondendo mal às pessoas sem motivo plausível. É
possível que não perceba sua continuada irritabilidade e
ficará surpreso se alguém chamar a atenção para ela,
embora esse sentimento esteja pouco aquém de sua
consciência e justifique suas respostas bruscas. Mas assim
que essa reação é trazida à consciência — assim que se
registra no córtex —, ele pode avaliar de novo as coisas,
decidir abandonar os sentimentos que ficaram do início
do dia e mudar de perspectiva e estado de espírito.
Desta forma, a autoconsciência emocional é a base deste
aspecto da inteligência emocional: ser capaz de afastar
um estado de espírito negativo.
5
Escravos da Paixão
Tens sido...
Um homem que as desgraças e recompensas da Sorte
Aceitas com igual gratidão... Dá-me o homem
Que não é escravo da paixão, que eu o trarei
No fundo do meu coração, sim, no coração do meu
coração
Como faço contigo...
— Hamlet a seu amigo Horatio
A capacidade de manter o autocontrole, de suportar o
turbilhão emocional que o acaso nos impõe e de não se
tornar um “escravo da paixão” tem sido considerada,
desde Platão, como uma virtude. Na Grécia clássica, esse
atributo era denominado sophrosýne, “precaução e
inteligência na condução da própria vida; equilíbrio e
sabedoria”, como interpreta Page DuBois, um estudioso
do idioma grego. Para os romanos e para a antiga Igreja
cristã isso significava temperantia, temperança,
contenção de excessos. O objetivo é o equilíbrio e não a
supressão das emoções: cada sentimento tem seu valor e
significado. Uma vida sem paixão seria um entediante
deserto de neutralidade, cortado e isolado da riqueza da
própria vida. Mas, como observou Aristóteles, o que é
necessário é a emoção na dose certa, o sentimento
proporcional à circunstância. Quando as emoções são
sufocadas, geram embotamento e frieza; quando
escapam ao nosso controle, extremadas e renitentes,
tornam-se patológicas, tal como ocorre na depressão
paralisante, na ansiedade que aniquila, na raiva demente
e na agitação maníaca.
Na verdade, manter sob controle as emoções que nos
afligem é fundamental para o bem-estar; os extremos —
emoções que vêm de forma intensa e que permanecem
em nós por muito tempo — minam nossa estabilidade. É
claro que não devemos sentir apenas um tipo de
emoção: ser feliz o tempo todo de certa forma sugere a
insipidez daqueles adesivos com rostos sorridentes que
foram moda nos anos 1970. Muito pode ser dito sobre o
lado construtivo do sofrimento para a vida criativa e
espiritual; o sofrimento fortalece a alma.
Os altos e baixos dão tempero à vida, mas precisam
ser vividos de forma equilibrada. Na contabilidade do
coração, é a proporção entre emoções positivas e
negativas que determina a sensação de bem-estar —
pelo menos, essa é a conclusão resultante de estudos
feitos sobre estados de espírito realizados junto a
centenas de homens e mulheres que portaram bipes que
soavam, em momentos aleatórios, para lembrar-lhes de
registrar o que estavam sentindo naquele instante.1 Não
se trata de evitarmos os sentimentos desagradáveis para
que fiquemos satisfeitos, mas, antes, de não permitir que
sentimentos tempestuosos nos arrebatem, atrapalhando o
nosso bem-estar. As pessoas que têm fortes episódios de
raiva e depressão conseguem, mesmo assim, obter uma
sensação de bem-estar se têm, para contrabalançar, um
conjunto de momentos igualmente alegres ou felizes.
Esses estudos também afirmam a independência da
inteligência emocional da inteligência acadêmica,
constatando pouca ou nenhuma relação entre o nível de
QI e o bem-estar emocional das pessoas.
Assim como há um murmúrio de pensamentos de
fundo na mente, há um constante zumbido emocional;
se “biparmos” alguém às seis da manhã ou às sete da
noite, o encontraremos com um humor diferente em
cada um desses momentos. Claro, em duas manhãs
quaisquer, alguém pode ter estados de espírito bastante
diversos; mas quando se calcula a média dos estados de
uma pessoa em semanas ou meses, eles tendem a refletir
o senso de bem-estar geral dessa pessoa. Constata-se
que, para a maioria, sentimentos extremamente intensos
são relativamente raros; a maioria de nós fica na cinzenta
média, com suaves lombadas em nossa montanha-russa
emocional.
Ainda assim, controlar nossas emoções é meio como
exercer uma atividade de tempo integral: muito do que
fazemos — sobretudo nos momentos livres — são
tentativas de manter o bem-estar. Tudo, desde ler um
romance ou ver televisão, até as atividades e companhias
que procuramos, são tentativas para que nos sintamos
melhor. A arte de manter a tranqüilidade é um dom
fundamental da vida; alguns psicanalistas, como John
Bowlby e D. W. Winnicott, a identificam como a mais
essencial de todas as ferramentas psíquicas. Dizem os
teóricos que os bebês emocionalmente sadios são
aqueles que se consolam tratando-se como seus
responsáveis os trataram, o que os deixa menos
vulneráveis às agitações do cérebro emocional.
Como vimos, o projeto do cérebro demonstra que
muitas vezes temos pouco ou nenhum controle sobre
quando somos arrebatados pela emoção e de qual
emoção se trata. Mas podemos decidir sobre quanto
durará uma emoção. O problema não está na tristeza,
preocupação ou raiva ocasionais; normalmente, esses
sentimentos passam, com tempo e paciência. Mas
quando eles são muito intensos e ultrapassam um limite
razoável, atingem seus perturbadores extremos —
ansiedade crônica, ira descontrolada, depressão. E, no
ponto mais severo e insuportável, para que sejam
debelados pode ser necessária a medicação, psicoterapia
ou as duas coisas juntas.
Atualmente, um sinal da capacidade de autocontrole
emocional pode ser o reconhecimento de quando a
agitação crônica do cérebro emocional é muito forte
para ser superada sem ajuda farmacológica. Por
exemplo, dois terços dos maníaco-depressivos nunca
foram tratados desse mal. Mas o lítio ou medicamentos
mais novos podem evitar o ciclo característico de
depressão paralisante que se alterna com episódios
maníacos, misturando caótica euforia com irritação e
fúria. Um dos problemas da psicose maníaco-depressiva
é que, quando as pessoas estão na fase da mania, muitas
vezes se sentem de tal modo confiantes que não se dão
conta de que estão precisando de ajuda, apesar das
desastrosas decisões que tomam. Nessas severas
perturbações emocionais, a medicação psiquiátrica é
instrumento para um melhor controle da vida.
Mas quando se trata de vencer a gama mais habitual
de estados de espírito negativos, somos deixados por
nossa própria conta. Infelizmente, este tipo de recurso
nem sempre funciona — pelo menos, esta é a conclusão
a que chegou Diane Tice, psicóloga da Case Western
Reserve University, que perguntou a mais de
quatrocentos homens e mulheres sobre as estratégias
que usavam para fugir dos estados de espírito negativos,
e o grau de êxito obtido.2
Nem todos estavam filosoficamente de acordo com o
fato de os ânimos negativos deverem ser mudados;
Diane constatou que há “puristas do estado de espírito”,
os 5%, mais ou menos, que disseram que nunca tentam
mudá-lo, pois na opinião deles todas as emoções são
“naturais” e devem ser vividas intensamente, por pior
que sejam. E também houve os que buscavam
regularmente entrar em estados desagradáveis por
motivos pragmáticos: médicos que precisavam estar
sombrios para dar más notícias a pacientes; ativistas
sociais que alimentavam sua revolta contra a injustiça
para serem mais eficazes ao combatê-la; e até um jovem
que provocava raiva em si mesmo para ajudar o irmão
menor a enfrentar os coleguinhas brigões. E algumas
pessoas eram decididamente maquiavélicas em relação à
manipulação dos seus estados de espírito — por
exemplo, os cobradores, que se enfureciam para agirem
com mais firmeza com os caloteiros.3 Mas, afora esses
raros cultivos deliberados de sentimentos desagradáveis,
a maioria se queixava de que estava à mercê de seus
estados de espírito. As fichas de acompanhamento onde
era anotado o que as pessoas faziam para livrar-se de
estados de espírito negativos eram decididamente
contraditórias.
A ANATOMIA DA RAIVA
Digamos que alguém lhe dá uma fechada perigosa na
estrada. Se seu pensamento reflexo é “Que filho-daputa!”, ele irá influenciar bastante na trajetória da raiva,
se for acompanhado de outros de indignação e vingança:
“Podia ter causado uma batida! Sacana! Mas isso não vai
ficar assim!” Os nós dos dedos ficam brancos de tanto
você apertar o volante, um substituto do pescoço de
quem lhe fechou. O corpo imobiliza-se para lutar, não
para fugir — você fica trêmulo, gotas de suor correm
pela testa, o coração dispara, os músculos faciais travamse e você fica com uma cara muito feia. Você quer matar
o cara. Então, se um carro que está atrás buzina porque
você reduziu a velocidade após a quase batida, você
pode explodir de raiva contra o outro motorista também.
É assim que se formam a hipertensão, a direção perigosa
e até os tiroteios nas ruas.
Compare essa seqüência de acumulação de raiva com
uma linha mais caridosa de pensamento em relação ao
motorista que o fechou: “Talvez não tenha me visto,
talvez tenha um bom motivo para dirigir de maneira tão
descuidada, talvez seja uma emergência médica.” Essa
linha de possibilidade tempera a raiva com piedade, ou
pelo menos com uma mente aberta, impedindo que a
emoção cresça. O problema, como nos lembra o que é
proposto por Aristóteles a respeito de termos apenas a
raiva certa, é que na maioria das vezes nos
descontrolamos. Benjamin Franklin colocou a coisa
muito bem: “A raiva nunca é sem motivo, embora
raramente seja um bom motivo.”
Existem, por certo, diversos tipos de raiva. É possível
que as amígdalas corticais sejam uma fonte primeira da
súbita centelha de cólera que sentimos contra o
motorista cujo descuido coloca nossa vida em risco. Mas
é mais provável que o outro extremo dos circuitos
emocionais, o neocórtex, fomente raivas mais calculadas,
como a fria vingança ou a indignação diante de uma
injustiça. É mais provável que essa raiva elaborada, como
disse Franklin, “tenha bons motivos”, ou pareça ter.
Dentre todos os sentimentos de que as pessoas mais
querem se ver livres, a raiva é o mais intransigente;
Diane Tice constatou que é o sentimento mais difícil de
controlar. Na verdade, ela é a mais sedutora das
emoções negativas; o intolerante monólogo interior que
a impele inunda a mente dos mais convincentes
argumentos para que lhe seja dada vazão. Ao contrário
da tristeza, a raiva energiza, e até mesmo exalta. O seu
poder sedutor e persuasivo pode em si explicar por que
alguns comentários sobre ela são tão comuns: que é
incontrolável, ou que, seja como for, não deve ser
controlada, e que lhe dar vazão numa “catarse” faz bem.
Uma outra corrente de pensamento, que talvez até seja
uma reação contra o quadro sombrio dessas outras,
afirma que a raiva pode ser inteiramente evitada. Mas
uma cuidadosa leitura das descobertas feitas por
pesquisadores sugere que todas essas atitudes adotadas
em relação ao sentimento de raiva são equivocadas ou
simplesmente míticas.4
A cadeia de pensamentos furiosos que alimenta a
raiva é também, potencialmente, a chave para uma das
mais poderosas maneiras de desarmá-la: de cara, minar
as convicções que a abastecem. Quanto mais ruminamos
sobre o que nos deixou com raiva, mais “bons motivos”
e justificativas podemos inventar para ficarmos com
raiva. A ruminação alimenta as chamas da raiva. Ver as
coisas de forma diferente extingue essas chamas. Diane
Tice constatou que reavaliar uma situação era uma das
mais potentes formas de aplacar a raiva.
A “superpotência” da raiva
Essa constatação se enquadra bastante na conclusão do
psicólogo Dolf Zillmann, da Universidade do Alabama,
que, numa extensa série de meticulosas experiências,
avaliou de forma precisa a raiva e sua anatomia.5
Levando-se em conta as raízes da raiva na opção “lutar”
da reação lutar-ou-fugir, não surpreende que Zillmann
tenha descoberto que o disparador universal da raiva
seja a sensação de estar em perigo. O perigo pode ser
sinalizado não apenas por uma ameaça física direta, mas
também, como é mais freqüente, por uma ameaça
simbólica à auto-estima ou à dignidade: tratamento
injusto ou grosseiro, insulto ou humilhação, frustração na
busca de um objetivo importante. Essas percepções
atuam como o gatilho instigante de uma onda límbica
que tem um duplo efeito sobre o cérebro. Uma parte
dessa onda é a liberação de catecolaminas, que geram
um rápido e episódico surto de energia, suficiente para
“uma linha de ação vigorosa”, como diz Zillmann, “como
no lutar-ou-fugir”. Esse surto de energia dura minutos,
tempo em que o corpo é preparado para uma boa briga
ou uma rápida fuga, dependendo de como o cérebro
emocional avalie a oposição.
Enquanto isso, outra onda impulsionada pela
amígdala cortical, que percorre o ramo adrenocortical do
sistema nervoso, cria um pano de fundo tônico geral de
prontidão para a ação, que dura muito mais que o surto
de energia de catecolamina. Esse estímulo adrenal e
cortical generalizado pode durar horas e até mesmo dias,
mantendo o cérebro emocional em especial prontidão
para o estímulo e tornando-se uma base sobre a qual
reações posteriores se formam com particular rapidez.
Em geral, a condição de pronta resposta criada pela
estimulação adrenocortical explica por que as pessoas
são mais propensas à raiva quando já foram provocadas
ou ligeiramente irritadas por alguma outra coisa. Tensões
de todo tipo criam estimulação adrenocortical, abaixando
o limiar do que provoca a raiva. Assim, uma pessoa que
teve um dia difícil no trabalho fica especialmente
propensa a ficar furiosa mais tarde em casa com alguma
coisa — as crianças fazendo muito barulho ou bagunça,
por exemplo —, o que em outras circunstâncias não
seria suficientemente forte para provocar um seqüestro
emocional.
Zillmann chega a essas intuições sobre a raiva através
de cuidadosa experimentação. Num estudo típico, por
exemplo, ele pede a um de seus auxiliares que
provoque, através de observações sarcásticas, os homens
e as mulheres que se oferecem como voluntários para a
pesquisa. Esses voluntários vêem, depois, dois gêneros
de filme: um agradável, outro desagradável. Depois têm
a oportunidade de revidar a provocação, fazendo uma
avaliação que, julgam, seja usada para decidir se o
auxiliar será ou não contratado para trabalhar. A
intensidade do revide é diretamente proporcional ao
estímulo que recebem do filme a que assistiram; os mais
furiosos são aqueles que viram o filme desagradável, e
fazem a pior avaliação do candidato ao emprego.
RAIVA alimenta a RAIVA
Os estudos de Zillmann parecem explicar a dinâmica em
ação num drama familiar doméstico que um dia
testemunhei, quando fazia compras. De uma ala do
supermercado veio a voz enfática e comedida de uma
jovem mãe falando com o filho, de cerca de 3 anos:
— Devolve isso!
— Mas eu quero! — choramingou o menino,
apertando mais contra si a caixa de cereal das Tartarugas
Ninjas.
— Devolve! — mais alto, a raiva tomando conta.
Nesse momento, a menininha que estava no carrinho
de compras da mãe deixou cair o pote de geléia que
tinha na boca. Quando o vidro se espatifou no chão, a
mãe berrou:
— Chega!
E, num ataque de fúria, deu um tapa na filha, tomou
a caixa do menino e enfiou-a na prateleira mais próxima,
pegou-o pela cintura e saiu disparada pelo corredor, o
carrinho de compras trepidando perigosamente na
frente, a menininha chorando, o moleque esperneando,
aos berros:
— Me larga, me larga!
Zillmann constatou que quando o corpo já se acha
em estado de irritação, como ocorreu com a mãe no
supermercado, e algum evento detona um seqüestro
emocional, a emoção posterior, de ira ou ansiedade, é
de intensidade especialmente grande. Essa dinâmica
ocorre quando alguém se zanga. Zillmann vê a escalada
da raiva como “uma seqüência de provocações, cada
uma disparando uma reação excitatória que demora a
dissipar-se”. Nessa seqüência, cada pensamento ou
percepção torna-se um minigatilho de surtos
amigdalíticos de catecolaminas, cada um alimentando-se
do impulso hormonal anterior. Um segundo sentimento
vem depois que passou o primeiro, e vem um terceiro,
depois destes, e assim por diante; cada onda vem na
esteira das anteriores, elevando rapidamente o nível de
estimulação fisiológica do corpo. Um pensamento que
ocorra depois desse acúmulo provoca uma intensidade
de raiva muito maior que um pensamento que venha no
início. A raiva se alimenta de raiva; o cérebro emocional
esquenta. A essa altura, a raiva, não tolhida pela razão,
facilmente explode em violência.
Nesse ponto, as pessoas não perdoam e ficam longe
do alcance da razão; seus pensamentos se fixam na
vingança e na represália, indiferentes às conseqüências.
Esse alto nível de excitação, diz Zillmann, “promove uma
ilusão de poder e invulnerabilidade que inspira e facilita
a agressão”, à medida que a pessoa irada, “sem
orientação cognitiva”, recai na mais primitiva das
reações. O surto límbico está em ascensão; aquelas mais
cruas lições extraídas da vida selvagem tornam-se guias
para a ação.
Bálsamo para a raiva
A partir dessa análise, Zillmann sugere dois modos de
intervenção. Um é avaliar e contestar as idéias que
disparam o surto, uma vez que é a avaliação original de
uma interação que confirma e encoraja a primeira
explosão de raiva, e são as avaliações posteriores que
atiçam as chamas. A cronologia importa; quanto mais
cedo ocorrer uma intervenção no ciclo, mais efetiva. Na
verdade, a raiva pode ser completamente interrompida
se a informação que visa esvaziá-la vier antes que se dê
vazão a ela.
O poder da compreensão no esvaziamento da ira é
demonstrado em outra das experiências de Zillmann, em
que um auxiliar grosseiro (um “cúmplice”) insultou e
provocou voluntários que pedalavam uma bicicleta
ergométrica. Quando foi dada aos voluntários a
oportunidade de revidar o insulto e a provocação do
auxiliar (mais uma vez, fazendo uma avaliação que eles
julgavam seria usada para decidir sua candidatura a um
emprego), eles o fizeram com furiosa alegria. Mas, numa
outra versão do experimento, outra “cúmplice” entrou
depois de os voluntários terem sido provocados, e
pouco antes que revidassem; ela disse ao auxiliar que
fosse atender o telefone, lá no final do corredor. Ao sair,
ele fez uma observação sarcástica para ela também. Mas
ela levou a coisa numa boa, explicando, depois que o
homem saiu, que ele se achava sob uma terrível pressão,
devido aos exames finais. Depois disso, os irados
voluntários, quando tiveram a oportunidade de revidar,
preferiram não fazê-lo; em vez disso, manifestaram
solidariedade diante de sua dificuldade.
Essa informação atenuante permite uma reavaliação
dos fatos que causaram a raiva. Mas há o momento
exato para deter essa escalada. Zillmann constata que ela
funciona bem em níveis moderados de raiva; em níveis
altos, não faz diferença, por causa do que ele chama de
“incapacitação cognitiva” — em outras palavras, as
pessoas não mais podem pensar direito. Depois que já
estão com muita raiva, descartam a informação atenuante
com um “Mas que pena!” ou “Quanta baboseira”, como
observou delicadamente o pesquisador.
Ficando frio
Certa vez, quando eu tinha uns 13 anos, num acesso de raiva, saí de
casa jurando que nunca mais retornaria. Era um bonito dia de verão e
fui bem longe por entre belas alamedas, até que, aos poucos, a
quietude e a beleza me acalmaram e tranqüilizaram e, após algumas
horas, voltei arrependido e quase derretido. Desde então, quando estou
furioso, faço isso se possível, e acho que é o melhor remédio.
A história é de um participante de um dos primeiros
estudos científicos sobre a raiva, feito em 1899.6 Ainda
permanece como um modelo da segunda maneira de
desescalar a ira: esfriar psicologicamente, esperando que
passe o surto adrenal, num ambiente não propício à
alimentação da ira. Numa discussão, por exemplo, isso
significa afastar-se, naquele exato momento, da outra
pessoa. No período de esfriamento, a pessoa irada pode
frear o ciclo de crescente pensamento hostil, buscando
distrações. Zillmann constata que a distração é um
poderosíssimo artifício moderador do estado de espírito,
por um simples motivo: é difícil continuar zangado
quando estamos nos divertindo. O segredo, claro, é, em
primeiro lugar, esfriar a raiva a ponto de a pessoa poder
divertir-se.
A análise, feita por Zillmann acerca de como a raiva
aumenta e diminui, explica muito das constatações de
Diane Tice sobre as estratégias que as pessoas
comumente dizem usar para aliviá-la. Uma delas, que é
bastante eficaz, consiste em dar uma volta para ficar só,
enquanto esfria. Muitos homens dão essa volta de carro
— um achado da pesquisa que serve de alerta para
quando estivermos dirigindo (e que, disse-me Diane, a
inspirou a dirigir com mais atenção). Talvez a alternativa
mais segura seja sair para uma longa caminhada; o
exercício ativo também ajuda em casos de raiva. O
mesmo efeito é obtido através de métodos de
relaxamento do tipo inspirar fundo e relaxar a
musculatura, talvez porque essas medidas alterem a
fisiologia corporal, da alta estimulação provocada pela
raiva a um estado de baixa estimulação, e talvez também
porque retirem a atenção do que tenha desencadeado a
raiva. O exercício ativo pode esfriar a raiva por algo do
mesmo motivo: após altos níveis de ativação fisiológica
durante o exercício, o corpo recai para um baixo nível
assim que pára.
Mas um período de esfriamento não funcionará se
esse tempo for usado para prosseguir na cadeia de
pensamento que induz à raiva, uma vez que cada um
desses pensamentos é, em si, um disparador menor de
outras cascatas de raiva. O poder da distração está em
interromper essa cadeia. Em sua pesquisa sobre as
estratégias utilizadas pelas pessoas para o controle da ira,
Diane Tice constatou que, em geral, as distrações ajudam
a acalmá-la: TV, cinema, leitura e coisas do gênero
interferem nos pensamentos furiosos que alimentam a
raiva. Mas ela constatou que se entregar a prazeres como
fazer comprinhas e comer não produzem muito efeito; é
muito fácil permanecer numa cadeia de pensamento
indignado enquanto se passeia num shopping center ou
quando se devora uma fatia de bolo de chocolate.
A essas estratégias, acrescentam-se aquelas criadas
por Redford Williams, psiquiatra da Duke University que
buscou ajudar pessoas hostis, as quais correm maior
risco de contrair doenças cardíacas, a controlar suas
irritabilidades.7 Uma de suas recomendações é usar a
autoconsciência para captar pensamentos cínicos ou
hostis, assim que surjam, e anotá-los. Agindo desta
forma, é possível que esses pensamentos sejam
contestados e reavaliados, embora, como constatou
Zillmann, esse método funcione melhor antes que a raiva
se transforme em fúria.
A falácia da catarse
Tão logo entro num táxi em Nova York, um jovem que
atravessa a rua pára na frente do carro para esperar uma
brecha no trânsito. O motorista, impaciente, buzina e
gesticula para que ele saia da frente. A resposta é uma
cara feia e um gesto obsceno.
— Seu filho-da-puta! — berra o motorista, com
arrancos ameaçadores, usando o acelerador e o freio ao
mesmo tempo.
Diante dessa ameaça letal, o rapaz se afasta malhumorado e esmurra o carro, que avança, centímetro a
centímetro, no trânsito. O motorista berra-lhe uma
enxurrada de palavrões.
Quando nos afastamos, o taxista, visivelmente ainda
agitado, me diz:
— Não se deve levar desaforo pra casa. Tem que
devolver... pelo menos isso faz a gente se sentir melhor.
A catarse — o dar vazão à raiva — é, às vezes,
louvada como um meio de controlar a raiva. Dizem que
“faz a gente se sentir melhor”. Mas, como sugerem as
constatações de Zillmann, há um argumento contra a
catarse. Tem sido usado desde a década de 1950,
quando
psicólogos
começaram
a
testar
experimentalmente os seus efeitos e descobriram que,
muitas vezes, dar vazão à raiva não funcionava ou
funcionava muito pouco para eliminá-la (embora, devido
à natureza sedutora do sentimento, possa dar a sensação
de satisfação).8 Pode haver uma condição específica na
qual soltar a raiva funcione: quando ela é expressa
diretamente à pessoa visada, quando devolve o senso de
controle ou corrige uma injustiça, ou quando inflige o
“dano certo” à outra pessoa e faz com que ela modifique
alguma atividade ofensiva sem fazer retaliação. Mas,
devido à natureza incendiária da raiva, isso pode ser
mais fácil na teoria do que na prática.9
Diane Tice constatou que dar vazão à raiva é uma
das piores maneiras de esfriar: as explosões de raiva
geralmente inflam o estímulo do cérebro, deixando as
pessoas com mais raiva ainda. Ela descobriu que,
quando as pessoas falavam das vezes em que haviam
descontado sua raiva na pessoa que a provocara, o
verdadeiro efeito era mais um prolongamento do estado
de espírito que o seu fim. Muito mais efetivo era quando
as pessoas primeiro esfriavam e, depois, de uma maneira
mais construtiva ou assertiva, enfrentavam a outra para
acertar a desavença. Como certa vez ouvi dizer Chogyam
Trungpa, um mestre tibetano, quando lhe perguntaram
como melhor controlar a raiva:
— Não a elimine. Mas não aja com base nela.
O “RELAX” DA ANSIEDADE: COMO? EU ME
PREOCUPAR?
Oh, não, o silencioso está com um som estranho... E se eu tiver de
levá-lo pra oficina?... Não posso arcar com a despesa... Teria de tirar o
dinheiro da poupança do Jamie... E se eu não puder pagar a escola
dele?... O boletim escolar ruim na semana passada... E se ele não entrar
para a universidade?... O silencioso está com um som estranho...
E assim a mente preocupada continua a girar num
interminável círculo de melodrama barato, um conjunto
de preocupações levando ao seguinte e voltando ao
começo. O exemplo acima é apresentado por Lizabeth
Roemer e Thomas Borkovec, psicólogos da Universidade
do Estado da Pensilvânia, cuja pesquisa sobre a
preocupação — núcleo de toda ansiedade — elevou a
arte do neurótico ao nível científico.10 É evidente que
não há mal quando a preocupação funciona; tentando
resolver um problema — ou seja, empregando a reflexão
construtiva, que pode parecer preocupação —, talvez
surja a solução. Na verdade, a reação que se esconde
sob a preocupação é a vigilância para detectar perigos
potenciais, o que, sem sombra de dúvida, tem sido
essencial para a sobrevivência no curso da evolução.
Quando o medo dispara o cérebro emocional, parte da
ansiedade resultante fixa a atenção na ameaça direta,
forçando a mente a obcecar-se sobre como tratá-la e a
ignorar tudo mais que ocorra naquele momento. A
preocupação é, num certo sentido, uma antecipação da
ocorrência de um fato desagradável e de como lidar com
isso; o papel da preocupação é o de projetar soluções
positivas para os perigos da vida, prevendo-os antes que
surjam.
O que é problema são as preocupações crônicas,
aquelas que se repetem eternamente e nunca se
aproximam de uma solução positiva. Uma análise
cuidadosa da preocupação crônica sugere que ela tem
todos os atributos de um seqüestro emocional de baixa
intensidade: as preocupações parecem surgir do nada,
são incontroláveis, geram um rumor constante de
ansiedade, são imunes à razão e prendem aquele que se
preocupa numa única e inflexível visão do tema que o
preocupa. Quando esse mesmo ciclo de preocupação se
intensifica e persiste, beira o limite de seqüestros neurais
completos, as perturbações da ansiedade: fobias,
obsessões e compulsões, ataques de pânico. Em cada
uma dessas perturbações, a preocupação se dirige a
focos distintos; para o fóbico, as ansiedades giram em
torno da situação temida; para o obsessivo, fixa-se em
prevenir alguma temida calamidade; nos ataques de
pânico, a preocupação se concentra num medo de
morrer ou na perspectiva de ter uma crise de pânico.
Em todas essas condições, o denominador comum é
a preocupação exagerada. Por exemplo, uma mulher em
tratamento de uma perturbação obsessivo-compulsiva
cumpria uma série de rituais que duravam a maior parte
do dia: banhos de chuveiro de 45 minutos várias vezes,
lavagem das mãos durante cinco minutos vinte ou mais
vezes. Não se sentava sem antes esfregar o assento com
álcool para esterilizá-lo. Tampouco tocava numa criança
ou animal — ambos eram “sujos demais”. Todas essas
compulsões eram causadas por um subjacente medo
mórbido de germes; ela se preocupava constantemente
pensando que, sem essas lavagens e esterilizações,
pegaria uma doença e morreria.11
Uma mulher em tratamento do “distúrbio de
ansiedade generalizada” — nomenclatura psiquiátrica
para a preocupação crônica —, atendendo ao pedido
para falar de sua preocupação durante um minuto, o fez
da seguinte maneira:
Talvez eu não faça direito. Talvez saia tão artificial que não seja
uma indicação do verdadeiro problema, e a gente precisa chegar ao
verdadeiro problema... Pois se a gente não chegar ao verdadeiro
problema, eu não vou ficar boa. E se não ficar boa, eu nunca vou ser
feliz.12
Nessa virtuosística exibição de preocupação com a
preocupação, o simples pedido de preocupar-se por um
minuto elevou-se, em milésimos de segundos, à previsão
de uma catástrofe para o resto da vida. “Eu nunca vou
ser feliz.” As preocupações seguem, em geral, essas
linhas, um monólogo que vai saltando de preocupação
em preocupação e, na maioria das vezes, inclui
catastrofização, a imaginação de alguma tragédia terrível.
As preocupações quase sempre se expressam ao ouvido
mental, não ao olho mental — quer dizer, em palavras,
não através de imagens —, e este é um fato importante
para o seu controle.
Borkovec e seus colegas começaram a estudar a
preocupação isoladamente quando tentavam obter um
tratamento para a insônia. A ansiedade, observaram
outros pesquisadores, surge sob duas formas: cognitiva,
ou com preocupações, e somática, com os sintomas
psicológicos da ansiedade, como sudorese, taquicardia,
tensão muscular. Borkovec constatou que o principal
problema dos insones não era o estímulo somático. O
que os mantinha acordados eram os pensamentos
intrusos. Eram preocupados crônicos e, por mais sono
que tivessem, não conseguiam parar de se preocupar. A
única coisa que os ajudava a dormir era afastar as
preocupações da mente, concentrando-as, em vez disso,
nas sensações produzidas por um método de
relaxamento. Em suma, as preocupações podiam ser
banidas, desviando-se a atenção delas.
A maioria dos preocupados, porém, não consegue se
desligar. O motivo, acredita Borkovec, tem a ver com
uma vantagem parcial da preocupação que reforça
muitíssimo o hábito de estar preocupado. Parece haver
alguma coisa de positivo nas preocupações: são
maneiras de lidar com ameaças potenciais, com perigos
que podem surgir a qualquer momento. A tarefa da
preocupação — quando funciona — é simular esses
perigos e pensar em maneiras de lidar com eles. Mas não
funciona tão bem assim. Novas soluções e formas de ver
um problema não surgem, geralmente, da preocupação,
sobretudo da preocupação crônica. Em vez de produzir
soluções para o perigo que imaginam, os preocupados
normalmente ficam ruminando sobre o perigo em si,
imergindo de uma maneira discreta no pânico a ele
associado, sem conseguir parar de pensar. Os
preocupados crônicos se preocupam com muitas coisas,
a maioria das quais não tem a menor possibilidade de
acontecer: vêem perigos no dia-a-dia que outros nunca
notam.
Contudo, os preocupados crônicos relatam a
Borkovec que a preocupação os ajuda e se
autoperpetua, um interminável ciclo de pensamento
cheio de angústia. Por que a preocupação seria o
equivalente a um vício mental? Curiosamente, como
observa Borkovec, o hábito de preocupar-se é
reforçante, como o são as superstições. Como as pessoas
se preocupam com um bocado de coisas com pouca
possibilidade de realmente acontecer — uma pessoa
amada morrer num acidente aéreo, ir à falência ou coisas
do gênero —, há na preocupação, pelo menos para o
cérebro límbico primitivo, algo de mágico. Funcionando
como um amuleto que afasta um mal previsível, a
preocupação ganha psicologicamente o crédito de
prevenir o perigo que é objeto de sua preocupação.
A tarefa da preocupação
Ela se mudara do Meio-Oeste para Los Angeles, atraída por um
emprego numa editora. Mas a editora foi logo depois comprada por
outra, e ela ficou desempregada. Voltou a trabalhar como freelance, um
mercado irregular, e ora ficava atolada de trabalho, ora sem condições
de pagar o aluguel. Muitas vezes, tinha de racionar os telefonemas e,
pela primeira vez em sua vida, não tinha seguro-saúde. Essa falta de
cobertura era particularmente angustiante: ela imaginava catástrofes
sobre sua saúde, certa de que qualquer dorzinha de cabeça era sinal de
um câncer no cérebro e vislumbrava um acidente sempre que tinha de
ir de carro a algum lugar. Muitas vezes se descobria perdida num longo
devaneio de preocupação, uma salada de angústia. Mas, por outro lado,
dizia que achava que suas preocupações eram como um vício.
Borkovec descobriu outra surpreendente vantagem
da preocupação. Enquanto as pessoas estão mergulhadas
em tais pensamentos, parecem perder a percepção das
sensações subjetivas da ansiedade que a preocupação
desperta — o coração disparando, as gotas de suor, os
tremores — e, à medida que a preocupação continua, na
verdade parece eliminar parte dessa ansiedade, pelo
menos a que se reflete nas batidas cardíacas. Presume-se
que a seqüência se dá mais ou menos assim: o
preocupado nota alguma coisa que cria a imagem de
uma ameaça potencial de perigo; essa catástrofe
imaginária, por sua vez, causa uma leve crise de
ansiedade. O preocupado, então, fica imerso numa longa
série de pensamentos angustiantes, cada um dos quais
prepara mais um tópico para que ele se preocupe;
enquanto a atenção continua a se fixar nessa cadeia de
preocupação, a própria concentração nesses
pensamentos tira a mente da imagem catastrófica que
originou a ansiedade. Borkovec constatou que as
imagens são disparadores mais potentes de ansiedade
psicológica do que os pensamentos, de modo que a
imersão em pensamentos, com a exclusão de imagens
catastróficas, alivia parcialmente a sensação de
ansiedade. E, nessa medida, a preocupação é reforçada,
como uma espécie de antídoto para a própria ansiedade
que despertou.
Mas as preocupações crônicas também são
autofrustrantes, porque tomam a forma de idéias
estereotipadas, rígidas, e sem nenhuma abertura criativa
que possa efetivamente conduzir à solução do problema.
Essa rigidez se mostra não apenas no conteúdo
manifesto do pensamento preocupado, que
simplesmente repete, sem parar, mais ou menos as
mesmas idéias. Mas, no nível neurológico, parece haver
uma rigidez cortical, um déficit na capacidade de o
cérebro emocional reagir com flexibilidade às mudanças
de circunstâncias. Em suma, a preocupação crônica
funciona de algumas formas, mas não de outras, que
seriam mais conseqüentes: alivia um pouco a ansiedade,
mas nunca soluciona o problema.
A única coisa que os preocupados crônicos não
podem fazer é seguir o conselho que com mais
freqüência lhes dão: “Pare de se preocupar” (ou pior:
“Não se preocupe — tá tudo bem”). Como as
preocupações crônicas são episódios amigdalíticos
corticais, surgem sem ser chamadas. E, por sua própria
natureza, persistem, assim que surgem na mente. Mas,
após muitos experimentos, Borkovec descobriu alguns
procedimentos simples que podem servir de auxílio até
para o mais crônico preocupado a controlar o hábito de
se preocupar.
O primeiro passo é a autoconsciência, é se apoderar
dos episódios preocupantes tão logo eles se iniciem — o
ideal sendo assim ou imediatamente após que a
instantânea imagem catastrófica dispara o ciclo de
preocupação-ansiedade. Borkovec treina pessoas nesse
método, primeiro ensinando-lhes a monitorar os indícios
de ansiedade, sobretudo aprendendo a identificar
situações que provocam preocupação, ou os
pensamentos e imagens que, num relance, dão início à
preocupação, assim como as conseqüentes sensações
corporais de ansiedade. Com a prática, as pessoas
aprendem a identificar as preocupações num ponto cada
vez mais perto do início da espiral de ansiedade. As
pessoas também aprendem métodos de relaxamento,
que podem aplicar nos momentos em que percebem o
início da preocupação, e praticam-nos diariamente, para
poderem usá-los na hora em que mais precisem.
Mas o método de relaxamento, por si só, não basta.
Os preocupados também precisam contestar ativamente
os pensamentos preocupantes; sem isso, a espiral de
preocupação retornará. Assim sendo, o passo seguinte é
assumir uma posição crítica em relação às suas próprias
suposições: é muito provável que o fato temido ocorra?
Só existe, necessariamente, uma ou nenhuma alternativa
para que aconteça? Há medidas construtivas a tomar?
Será que adianta ficar percorrendo, sem cessar, esses
mesmos pensamentos ansiosos?
A combinação de atenção e saudável ceticismo
atuaria como uma espécie de freio na ativação neural
que está por trás da baixa ansiedade. A geração ativa
desses pensamentos prepara os circuitos que inibem o
impulso límbico de preocupar-se; ao mesmo tempo, a
indução ativa de um estado de relaxamento
contrabalança os sinais de ansiedade que o cérebro
emocional envia para todo o corpo.
Na verdade, observa Borkovec, essas estratégias
estabelecem uma cadeia de atividade mental
incompatível com a preocupação. Quando se deixa uma
preocupação repetir-se continuamente, sem que seja
contestada, ela adquire poder de persuasão; contestá-la,
pensando numa série de pontos de vista igualmente
plausíveis, impede que unicamente o pensamento
preocupado seja ingenuamente tomado como
verdadeiro. Mesmo algumas pessoas com preocupação
crônica a ponto de merecer um diagnóstico psiquiátrico
têm obtido alívio através do recurso a esse método.
Por outro lado, para pessoas com preocupações tão
severas que se tornaram fobia, distúrbio obsessivocompulsivo ou de pânico, talvez seja prudente — na
verdade este já seria um sinal de autoconsciência —
recorrer à medicação para interromper o ciclo. O
recondicionamento dos circuitos emocionais por meio de
terapia ainda assim é necessário para reduzir a
probabilidade de a ansiedade retornar quando a
medicação for suspensa.13
CONTROLE DA MELANCOLIA
Um dos estados de espírito do qual as pessoas em geral
mais se esforçam para se livrar é a tristeza; Diane Tice
constatou que, quando se trata de escapar da depressão,
a inventividade é grande. É claro que nem toda tristeza
deve ser evitada; a melancolia, como todos os outros
estados de espírito, tem suas vantagens. A tristeza
decorrente de uma perda tem alguns efeitos invariáveis:
tira nosso interesse por diversões e prazeres, prende a
atenção na perda e mina nossa energia para iniciar
coisas novas — pelo menos por algum tempo. Em suma,
impõe uma espécie de retiro reflexivo das atividades da
vida e deixa-nos em suspenso para chorar a perda,
meditar sobre seu significado e, finalmente, fazer os
ajustes psicológicos e novos planos que nos permitirão
continuar vivendo.
O luto é útil; a depressão total, não. William Styron
faz uma eloqüente descrição das “muitas e pavorosas
manifestações da doença”, entre elas o ódio de si
próprio, a sensação de inutilidade, uma “úmida ausência
de alegria”, com “a tristeza acumulando-se sobre mim,
um sentimento de pavor, alienação e, sobretudo, uma
ansiedade sufocante”.14 Depois, há os sinais intelectuais:
“confusão, falta de concentração mental e lapsos de
memória”, e, num estágio posterior, a mente “dominada
por distorções anárquicas”, e “uma sensação de que
meus processos de raciocínio estavam envoltos numa
maré tóxica e inominável que obliterava toda reação
prazerosa ao mundo vivo”. Há os efeitos físicos: não
dormir, sentir-se apático como um zumbi, “uma espécie
de dormência, desalento, porém mais particularmente
uma curiosa fragilidade”, juntamente com uma “agitação
nervosa”. Depois vem a perda de prazer: “A comida,
como tudo mais no âmbito sensitivo, era absolutamente
insípida.” Por fim, a perda de expectativas, à medida que
“a cinzenta garoa do horror” chegava a um desespero
tão palpável como se fora uma dor física, uma dor tão
insuportável que o suicídio parecia ser a única saída.
Nessas grandes depressões, a vida é paralisada;
nenhum recomeço pode ser visualizado. Os próprios
sintomas da depressão revelam uma vida em suspenso.
Para Styron, não adiantou nenhum medicamento ou
terapia; foi a passagem do tempo e o refúgio num
hospital que acabaram varrendo a desolação. Mas, para a
maioria das pessoas, sobretudo aquelas com casos
menos severos, a psicoterapia ajuda, como ajuda a
medicação — o Prozac é o remédio da moda, porém
mais de uma dúzia de outros medicamentos oferece
alguma ajuda, sobretudo para a depressão severa.
Eu me concentro aqui na tristeza mais corriqueira
que, no máximo, se transforma, tecnicamente falando,
em “depressão subclínica” — ou seja, a melancolia
comum. Este é um tipo de desolação que as pessoas
podem controlar por si mesmas, se tiverem os recursos
interiores. Infelizmente, algumas das estratégias a que
mais freqüentemente se recorre podem ter efeito
contrário e deixarem as pessoas se sentindo pior do que
antes. Uma delas consiste em ficar sozinho, o que muitas
vezes é desejado por pessoas que se sentem deprimidas;
na maioria das vezes, porém, essa providência só
acrescenta à tristeza uma sensação de solidão e
isolamento. Isto talvez explique em parte por que Diane
Tice constatou que a tática mais comum para combater a
depressão é ter vida social — sair para comer fora, ir a
um jogo ou ao cinema; em suma, fazer alguma coisa
com os amigos ou a família. Dá certo se o resultado for
não pensar na tristeza. Mas simplesmente prolonga o
estado de espírito se a ocasião for utilizada apenas para
ruminar sobre o que a deixou nessa situação.
Na verdade, uma das principais maneiras de
determinar se um estado depressivo vai persistir ou
passar é o grau de ruminação das pessoas. A
preocupação com o que nos deprime, parece, torna a
depressão mais intensa e prolongada. Na depressão, a
preocupação assume várias formas, todas concentrandose num aspecto da própria depressão — o cansaço que
sentimos, a pouca energia ou motivação que temos, por
exemplo, ou o pouco que estamos produzindo. De um
modo geral, nada dessa reflexão é acompanhado por
qualquer linha concreta de ação que possa amenizar o
problema. Entre outras preocupações que surgem na
depressão, estão a pessoa “isolar-se e pensar no quanto
está-se sentindo mal, que o cônjuge pode rejeitá-la
porque ela está deprimida e perguntar-se se vai ter mais
uma noite de insônia”, diz Susan Nolen-Hoeksma,
psicóloga de Stanford, que estudou a ruminação em
pessoas deprimidas.15
As pessoas deprimidas, às vezes, justificam esse tipo
de ruminação dizendo que estão tentando “se
compreender melhor”; na verdade, estão alimentando os
sentimentos de tristeza sem tomar nenhuma medida que
possa de fato tirá-las da depressão. Assim, na terapia,
pode ser perfeitamente proveitoso refletir a fundo sobre
as causas de uma depressão, se isso conduz a intuições
ou ações que mudem as condições que a causam. Mas
uma imersão passiva na tristeza apenas piora as coisas.
A ruminação também pode aumentar a depressão
criando condições... ora, mais deprimentes. Susan dá o
exemplo de uma vendedora que fica deprimida e passa
tantas horas preocupada com isso que não sai para
importantes visitas de negócios. Suas vendas então caem,
fazendo-a sentir-se um fracasso, o que alimenta sua
depressão. No entanto, se ela reagisse à depressão
tentando distrair-se, poderia muito bem ir fundo nas
visitas aos clientes como uma maneira de se desligar da
tristeza. As vendas talvez não caíssem e uma venda
eventual poderia aumentar sua autoconfiança, reduzindo
a depressão.
Susan constata que as mulheres tendem muito mais a
ruminar, quando deprimidas, que os homens. Ela acha
que isso explica, em parte, o fato de elas receberem
duas vezes mais o diagnóstico de depressão do que os
homens. É óbvio que existem outros fatores, como o fato
de as mulheres falarem mais abertamente sobre suas
angústias ou terem mais coisas em suas vidas para
deprimi-las. E os homens, duas vezes mais que as
mulheres, afogam sua depressão no alcoolismo.
Descobriu-se em alguns estudos que a terapia
cognitiva destinada a mudar esses padrões de
pensamentos é equivalente à medicação para o
tratamento da depressão clínica branda, e melhor que a
medicação para prevenir o retorno da depressão branda.
Duas estratégias são particularmente eficazes no
combate.16 Uma é aprender a contestar os pensamentos
centrais da ruminação — questionar sua validade e
pensar em alternativas mais positivas. A outra é
programar intencionalmente acontecimentos agradáveis,
que distraiam.
Um dos motivos por que a distração funciona é que
as idéias depressivas são automáticas, invadindo nosso
estado de espírito sem serem convidadas. Mesmo
quando as pessoas deprimidas tentam eliminar suas
idéias deprimentes, muitas vezes não podem produzir
melhores alternativas; uma vez que começa, a maré de
pensamento depressivo tem um poderoso efeito
magnético sobre a cadeia de associação. Por exemplo,
quando se pediu a pessoas deprimidas que ordenassem
frases de seis palavras embaralhadas, elas tiveram um
desempenho melhor na adivinhação das mensagens
deprimentes (“O futuro se mostra bastante sombrio!”)
que das otimistas (“O futuro se mostra bastante
brilhante!”).17
A tendência de a depressão se perpetuar influi até no
tipo de distrações que as pessoas escolhem. Quando se
deu a deprimidos uma lista de opções para afastar a
mente de uma coisa triste, como o enterro de um amigo,
por exemplo, a escolha recaiu sobre uma maior
quantidade de atividades melancólicas. Richard Wenzlaff,
psicólogo da Universidade do Texas, que efetuou esses
estudos, conclui que as pessoas que já estão deprimidas
precisam fazer um esforço especial para fixar a atenção
em alguma coisa inteiramente alegre e têm de ter muito
cuidado para não resvalar em certas coisas — um filme
dramalhão, um romance trágico — que lhes deixe,
novamente, de baixo astral.
Levanta-moral
Imagine-se dirigindo numa estrada desconhecida, íngreme e cheia
de curvas, num nevoeiro. De repente, um carro surge de uma saída
apenas alguns palmos à sua frente, perto demais. Você mete o pé no
freio e derrapa, bate de lado. Vê que o outro carro está cheio de
crianças, um transporte solidário para o pré-escolar — pouco antes da
explosão de vidros quebrando-se e metal arranhando metal. Aí, no
súbito silêncio após a colisão, você ouve um coro de choros. Consegue
correr até o outro carro e vê que uma das crianças jaz imóvel. Você fica
cheio de culpa e tristeza diante da tragédia.
Esses cenários dilacerantes foram usados para
provocar perturbação em voluntários que participaram
de uma das experiências de Wenzlaff. Durante dez
minutos, eles escreveram tudo o que lhes passava pela
cabeça, tentando, ao mesmo tempo, “apagar” a cena.
Todas as vezes que a cena invadisse suas mentes, eles
teriam de fazer um X no que escreviam. Enquanto a
maioria das pessoas pensava cada vez menos na cena à
medida que passava o tempo, os voluntários mais
deprimidos, na verdade, mostravam um pronunciado
aumento nos intrusos pensamentos sobre a cena e
faziam até referências indiretas a ela em pensamentos
que, presumivelmente, deveriam distraí-los dela.
E, além disso, os voluntários propensos à depressão
usavam outros pensamentos angustiantes para distrair-se.
Como me disse Wenzlaff:
— Os pensamentos se associam na mente não apenas
por conteúdo, mas por estado de espírito. As pessoas
têm o que equivale a um conjunto de pensamentos
depressivos que acorrem mais prontamente à mente
quando estão se sentindo tristes. As pessoas que se
deprimem facilmente tendem a criar redes muito fortes
de associação entre esses pensamentos, de modo que é
mais difícil suprimi-los uma vez que se evoca algum tipo
de estado de espírito negativo. Ironicamente, as pessoas
deprimidas, para tirar da mente um tema depressivo,
utilizam outro tema de igual teor, o que apenas desperta
mais emoções negativas.
Diz uma teoria que o choro pode ser uma maneira
natural de reduzir níveis de produtos químicos do
cérebro que alimentam a angústia. Embora o choro
possa, às vezes, obstruir uma crise de tristeza, também
pode deixar a pessoa ainda mais obcecada com os
motivos do desespero. A idéia de que “chorar faz bem” é
enganadora: o choro que prolonga a ruminação apenas
prolonga a infelicidade. As distrações rompem a cadeia
de pensamento que mantém a tristeza; uma das
principais teorias sobre a eficácia da terapia
eletroconvulsiva para as depressões mais severas é que
causa perda da memória de curto prazo — os pacientes
sentem-se melhor porque não se lembram do motivo
que lhes causou tanta tristeza. De qualquer forma, para
afastar a tristeza comum, constatou Diane Tice, muita
gente disse que recorria a distrações como leitura, TV e
cinema, videogames e quebra-cabeças, sono e fantasias a
respeito da viagem dos seus sonhos. Wenzlaff
acrescentaria que as distrações mais eficazes são as que
mudam o estado de espírito — um acontecimento
esportivo emocionante, um filme cômico, um livro
edificante. (Uma nota de advertência aqui: algumas
distrações, por si próprias, podem perpetuar a
depressão. Estudos com pessoas que vêem muito TV
constataram que, depois, em geral elas estão mais
deprimidas do que antes de começarem.)
Diane Tice constatou que o exercício aeróbico é uma
das táticas mais eficazes para interromper a depressão
leve, assim como outros estados de espírito ruins. Mas a
advertência aqui é que as vantagens do exercício para
levantar o ânimo funcionam mais para os preguiçosos,
os que em geral não fazem muito esforço físico. Para os
que praticam exercício rotineiramente, as vantagens já
teriam sido maiores quando se iniciaram no hábito. Na
verdade, para os que fazem habitualmente exercícios há
um efeito contrário sobre o estado de espírito: passam a
sentir-se mal nos dias em que deixam de praticar. O
exercício parece funcionar bem porque muda a fisiologia
que o estado de espírito traz: a depressão é um estado
de baixo estímulo, e a ginástica põe o corpo em alta
estimulação. Pelo mesmo motivo, técnicas de
relaxamento, que põem o corpo num estado de baixa
estimulação, funcionam bem para a ansiedade, um
estado de alta estimulação, mas não tão bem para a
depressão. Cada um desses métodos parece atuar para
romper o ciclo de depressão ou ansiedade porque põe o
cérebro num nível de atividade incompatível com o
estado emocional que o dominava.
Alegrar-se com coisas boas e prazeres sensuais era
outro dos antídotos mais comuns utilizados contra a
tristeza. As maneiras comuns que as pessoas usavam
para aliviar a depressão iam dos banhos quentes ou
comer comidas favoritas a ouvir música ou fazer sexo.
Comprar um presente ou mimo para si mesmo, para sair
de um estado de espírito negativo, era muito comum
entre as mulheres, como era ir às compras em geral,
mesmo que apenas para olhar as vitrinas. Entre os
universitários, Diane Tice constatou que comer era uma
estratégia para aliviar a tristeza três vezes mais comum
entre as mulheres que entre os homens; eles, por outro
lado, tinham cinco vezes mais probabilidade de recorrer
à bebida ou às drogas quando se sentiam abatidos. O
problema de comer demais ou tomar álcool como
antídotos, claro, é que facilmente produzem um efeito
contrário: comer em excesso traz arrependimento; o
álcool é um depressor do sistema nervoso e, assim,
apenas aumenta os efeitos da própria depressão.
Um método mais construtivo para levantar o ânimo,
informa Diane, é armar um pequeno triunfo ou sucesso
fácil: enfrentar uma tarefa doméstica há muito adiada, ou
cumprir outro dever de que é preciso se desincumbir.
Pelo mesmo motivo, elevar a auto-imagem também é
animador, mesmo que apenas sob a forma de se vestir
bem ou maquiar-se.
Um dos mais potentes — e, fora da terapia, pouco
usados — antídotos para a depressão é ver as coisas de
uma maneira diferente, ou contenção cognitiva. É natural
lamentar o fim de um relacionamento e revolver-se em
idéias de autopiedade, como a convicção de que “meu
destino é ficar sem ninguém”, mas tal atitude certamente
causa mais desespero. Contudo, recuar e pensar nos
aspectos em que o relacionamento não era assim tão
sensacional, e nas coisas em que os dois não
combinavam — em outras palavras, ver a perda de um
modo diferente, a uma luz mais positiva — é um
antídoto para a tristeza. Do mesmo modo, pacientes de
câncer, independentemente da seriedade da doença,
ficavam com melhor estado de espírito quando eram
capazes de se lembrar que havia outro paciente pior do
que eles (“Eu não estou tão ruim assim — pelo menos
posso andar”); os que se comparavam com pessoas
saudáveis eram os mais deprimidos.18 Essa comparação
com quem está pior é surpreendentemente animadora:
de repente, o que parecia inteiramente desencorajador
não se mostra tão ruim assim.
Outro eficaz supressor da depressão é prestar ajuda a
quem necessita. Como a depressão se nutre de
ruminações e preocupações com o ego, ajudar aos
outros nos tira dessas preocupações, na medida em que
entramos em empatia com outras pessoas e seus
próprios sofrimentos. Lançar-se no trabalho voluntário —
treinar um timinho de várzea, realizar trabalhos
filantrópicos, dar ajuda a populações carentes —
aparecia como um dos mais poderosos modificadores de
estado de espírito no estudo de Diane Tice. Mas também
um dos mais raros.
Finalmente, pelo menos algumas pessoas saem da
melancolia voltando-se para um poder transcendente.
Diane me disse:
— A prece, quando se é muito religioso, funciona
para todos os estados de espírito, sobretudo a depressão.
REPRESSORES: NEGAÇÃO OTIMISTA
“Ele deu um chute na barriga do colega de quarto...”,
começa a frase. E termina: “... mas pretendia acender a
luz.”
Essa transformação de um ato de agressão num
inocente engano — se bem que ligeiramente implausível
— é a repressão captada in vivo. Essa frase foi composta
por um universitário que se ofereceu como voluntário
para um estudo sobre repressores, pessoas que habitual e
automaticamente parecem apagar da mente a
perturbação emocional. O fragmento inicial da frase, “Ele
deu um chute na barriga do colega de quarto...”, foi
dado ao estudante como parte de um teste. Outros testes
mostraram que esse pequeno ato de fuga mental fazia
parte de um padrão maior em sua vida, um padrão de
desligamento da maioria das perturbações emocionais.19
Embora, a princípio, os pesquisadores vissem os
repressores como um exemplo primordial de
incapacidade de sentir emoção — primos dos
alexitímicos, talvez —, o pensamento atual é que esse
tipo de pessoa é bastante competente na regulação da
emoção. Tornaram-se tão capazes de proteger-se contra
sentimentos negativos, parece, que nem mesmo
consciência têm da negatividade. Em vez de chamá-los
de repressores, como ocorre entre os pesquisadores, o
termo mais adequado seria imperturbáveis.
Grande parte dessa pesquisa, feita principalmente por
Daniel Weinberger, psicólogo que atualmente trabalha
na Case Western University, mostra que embora essas
pessoas pareçam calmas e imperturbáveis, às vezes
fervilham de perturbações fisiológicas que ignoram. No
teste de complementação de frases, o nível de
estimulação fisiológica desses voluntários também estava
sendo monitorado. O verniz de calma que os revestia era
negado pela agitação de seus corpos: quando, diante da
frase sobre o companheiro de quarto violento e outras
idênticas, emitiam todos os sinais de ansiedade, como
taquicardia, sudorese e elevação da pressão sanguínea.
Contudo, quando questionados, declararam-se
perfeitamente calmos.
O contínuo desligar-se de emoções como ira ou
ansiedade não é incomum: cerca de uma pessoa em seis
apresenta esse tipo de comportamento, segundo
Weinberger. Teoricamente, as crianças aprendem a ser
imperturbáveis de várias maneiras. Uma delas é uma
estratégia para sobreviver a uma situação incômoda,
como ter um dos pais alcoólatra numa família onde se
nega o problema. Outra é ter um pai ou mãe que são
eles mesmos repressores e que, por isto, passam um
modelo de perene animação ou resolução diante de
sentimentos aflitivos. Ou a característica pode ser
simplesmente um temperamento herdado. Embora não
se possa dizer ainda como esse padrão começa na vida,
quando os repressores atingem a idade adulta são
calmos e firmes sob pressão.
Permanece a questão, claro, de saber até onde eles
são de fato calmos e controlados. Podem realmente não
ter consciência dos sinais físicos de emoções aflitivas, ou
simplesmente fingem calma? A resposta a isso veio de
uma inteligente pesquisa de Richard Davidson, psicólogo
da Universidade de Winsconsin e colaborador inicial de
Weinberger. Ele pediu que pessoas de comportamento
imperturbável fizessem uma livre associação de
determinadas palavras, a maioria das quais era neutra e
várias continham significados hostis ou sexuais que
normalmente causam ansiedade nas pessoas. E, como
revelaram as reações físicas dos voluntários, todos
tiveram reações de ansiedade às palavras pesadas,
embora as palavras que os voluntários associavam às
pesadas quase sempre indicassem uma tentativa de
equilíbrio. Se a primeira palavra era “ódio”, a associação
seria “amor”.
O estudo de Davidson valeu-se do fato de que — em
pessoas destras — um dos principais centros para
processar a emoção negativa é a metade direita do
cérebro, enquanto o centro da fala fica na esquerda.
Assim que o hemisfério direito reconhece que uma
palavra é perturbadora, transmite essa informação pelo
corpus callosum, a grande divisão entre as metades do
cérebro, para o centro da fala, e a palavra é dita em
resposta. Usando um complexo dispositivo de lentes,
Davidson pôde exibir uma palavra de modo que fosse
vista apenas na metade do campo visual. Devido à fiação
neural do sistema visual, se a exibição da palavra era
para a metade esquerda do campo visual, era
reconhecida primeiro pela metade direita do cérebro,
que é sensível à perturbação. Se era para a metade
direita, o sinal ia para o lado esquerdo do cérebro sem
ser avaliada quanto à sua perturbação.
Quando as palavras eram apresentadas ao hemisfério
direito, os imperturbáveis demoravam a dar uma
resposta — mas apenas se a palavra a que reagiam era
uma das perturbadoras. Não havia atraso na velocidade
com que associavam palavras neutras. O atraso ocorria
apenas quando as palavras eram apresentadas ao
hemisfério direito, não ao esquerdo. Em suma, a
imperturbabilidade deles parece dever-se a um
mecanismo neural que torna mais lenta ou interfere na
transferência da informação perturbadora. O fato é que
eles não estão fingindo que não têm consciência de que
estão se sentindo perturbados: o cérebro nega-lhes essa
informação. Mais precisamente, a suave camada de
sentimento que recobre essas percepções perturbadoras
talvez possa ser atribuída à atuação do lobo pré-frontal.
Para sua surpresa, quando Davidson mediu os níveis de
atividade em seus lobos pré-frontais, eles tinham uma
decidida predominância de atividade no esquerdo —
centro do bem-estar — e menos no direito, centro de
negatividade.
Essas pessoas “apresentam-se numa luz positiva, com
otimismo”, disse-me Davidson.
— Negam que a tensão as esteja perturbando, e,
quando estão em repouso, apresentam um padrão de
ativação frontal esquerda, associada com sentimentos
positivos. Essa atividade do cérebro pode ser a chave de
suas afirmações positivas, apesar da subjacente
estimulação fisiológica que parece perturbação.
A teoria de Davidson é que, em termos de atividade
do cérebro, experimentar realidades angustiantes
mantendo o bom humor é uma tarefa que exige energia.
A maior estimulação fisiológica pode dever-se à tentativa
constante dos circuitos neurais de manter sentimentos
positivos ou eliminar ou inibir os negativos.
Em suma, a imperturbabilidade é uma espécie de
negação otimista, uma dissociação positiva — e,
possivelmente, uma pista para mecanismos neurais em
ação nos estados dissociativos mais severos que podem
ocorrer, por exemplo, no distúrbio de tensão póstraumática. Quando simplesmente envolvida em
equanimidade, diz Davidson, “parece ser uma bemsucedida estratégia de auto-regulação emocional”,
embora a um preço desconhecido em termos de
autoconsciência.
6
A Aptidão Mestra
Só uma vez na vida fiquei paralisado pelo medo. Isso ocorreu numa
prova de cálculo em meu primeiro ano na universidade, para a qual eu
tinha arranjado um jeito de não estudar. Ainda me lembro da sala em
direção a qual marchei naquela manhã de primavera, me sentindo
como um condenado e com maus presságios no coração. Estivera
naquele anfiteatro assistindo a muitas aulas. Naquela manhã, porém,
não vi nada através das janelas e nem mesmo vi a própria sala. Meu
olhar fixava-se apenas no pedaço de chão à minha frente, quando me
dirigi para uma cadeira perto da porta. Ao abrir a prova, as batidas do
coração latejavam em meus ouvidos, e eu sentia um gosto de ansiedade
na boca do estômago.
Dei uma olhada rápida nas questões da prova. Não havia esperança.
Durante uma hora, fiquei olhando para aquela página, a mente
antevendo as conseqüências que eu iria sofrer. Os mesmos
pensamentos repetiam-se sem parar, num ciclo de medo e tremor.
Fiquei sentado, imóvel como um animal paralisado pelo curare no meio
de um movimento. O que mais me impressiona naquele pavoroso
momento é como o meu raciocínio ficou embotado. Não utilizei aquele
momento para uma desesperada tentativa de costurar um tipo qualquer
de resposta para as questões. Não recorri à minha imaginação.
Simplesmente fiquei sentado, fixado em meus terrores, esperando
acabar o sofrimento.1
Essa narrativa de uma provação pelo terror é de minha
autoria; até hoje, é para mim a prova mais convincente
do impacto devastador da perturbação emocional sobre
a clareza mental. Agora vejo que meu apuro foi muito
provavelmente um testemunho do poder de domínio e
de paralisação que a emoção exerce sobre a razão.
A forma como as perturbações emocionais podem
interferir na vida mental não é novidade para os
professores. Alunos ansiosos, mal-humorados ou
deprimidos não aprendem; pessoas colhidas nesses
estados não absorvem eficientemente a informação nem
a elaboram devidamente. Como vimos no Capítulo 5,
emoções negativas muito fortes desviam a atenção para
suas próprias preocupações, interferindo na tentativa de
concentração em qualquer outra coisa. Na verdade, um
dos sinais de que os sentimentos transpuseram o limite
do patológico é que são tão intrusos que esmagam outro
pensamento, sabotando continuamente as tentativas de
darmos atenção à tarefa que tenhamos de cumprir. Para
a pessoa que passa por um divórcio conturbado — ou o
filho cujos pais passam por isso —, a mente não se fixa
muito nas rotinas mais ou menos triviais do trabalho ou
da escola; para os clinicamente deprimidos, os
pensamentos de autopiedade e desespero, desesperança
e desamparo se sobrepõem a qualquer outro.
Quando as emoções dominam a concentração, o que
está sendo soterrado de fato é a capacidade mental
cognitiva que os cientistas chamam de “memória
funcional”, isto é, a capacidade de ter em mente toda a
informação relevante para a execução de uma
determinada tarefa. O que ocupa a memória funcional
pode ser banal como os algarismos de um número de
telefone, ou complicado como as intricadas linhas da
trama que o romancista tenta juntar. A memória
funcional é uma função executiva por excelência na vida
mental, possibilitando todos os outros esforços
intelectuais, desde pronunciar uma frase até enfrentar
uma complicada proposição de lógica.2 O córtex préfrontal executa a memória funcional — e, lembrem-se, é
ali onde os sentimentos e emoções se encontram.3
Quando os circuitos límbicos que convergem no córtex
pré-frontal estão tomados por angústia emocional, o
ônus recai na eficácia da memória funcional: não
podemos pensar direito, como eu descobri naquela
pavorosa prova de cálculo.
Por outro lado, pensem no papel da motivação
positiva — a reunião de sentimentos como entusiasmo e
confiança na conquista de um objetivo. Estudos sobre
atletas olímpicos, músicos de fama mundial e grandes
mestres de xadrez constatam que o que eles têm em
comum é a capacidade de motivarem-se para seguirem
implacáveis rotinas de treino.4 E, com o aumento
constante no grau de excelência exigido para um
desempenho em nível mundial, essas rigorosas rotinas,
hoje, cada vez mais, devem começar na infância. Nas
Olimpíadas de 1992, membros de 12 anos da equipe de
mergulhadores chineses tinham feito tantos mergulhos
em treino quanto os membros da equipe americana com
20 anos — os mergulhadores chineses iniciavam seu
rigoroso treino aos 4 anos. Do mesmo modo, os
melhores virtuoses do violino do século XX começaram
a estudar o instrumento por volta dos 5 anos de idade;
os campeões internacionais de xadrez iniciaram-se no
jogo numa idade média de 7 anos, enquanto os que se
elevavam apenas à projeção nacional começavam aos 10.
A iniciação precoce oferece uma vantagem para a vida
inteira: os melhores alunos de violino da melhor
academia de música de Berlim, todos com vinte e
poucos anos, haviam acumulado 10 mil horas de ensaio
em suas vidas, e os da segunda leva, uma média de
7.500 horas.
O que parece distinguir os melhores nas competições
de outros com capacidade mais ou menos semelhante é
o grau em que, começando cedo na vida, podem manter
uma árdua rotina de exercício durante anos e anos. E
essa obstinação depende de características emocionais —
entusiasmo e persistência diante dos reveses — acima de
tudo mais.
Uma outra contribuição que a motivação oferece para
o sucesso na vida, além de outras capacidades inatas,
pode ser vista no notável desempenho de estudantes
asiáticos nas escolas e profissões americanas. Um exame
detalhado das provas sugere que as crianças asiáticoamericanas podem ter uma vantagem média de QI sobre
os brancos de apenas dois ou três pontos.5 Contudo,
com base nas profissões, como direito e medicina, opção
de muitos asiático-americanos, como grupo eles se
comportam como se tivessem um QI muito mais alto —
o equivalente a um QI de 110 para os nipo-americanos e
de 120 para os sino-americanos.6 O motivo parece ser
que, desde os primeiros anos de escola, as crianças
asiáticas se esforçam mais que as brancas. Sanford
Dorenbusch, sociólogo de Stanford que estudou mais de
10 mil ginasianos, constatou que os asiático-americanos
passavam 40% mais tempo fazendo trabalho de casa que
os outros.
— Enquanto a maioria dos pais americanos aceita o
fato de os seus filhos serem mais fracos em determinadas
disciplinas e investirem mais naquelas em que se saem
melhor, para os asiáticos o comportamento é inverso:
estudar mais à noite, e se ainda assim não dá certo,
levantar-se mais cedo e estudar de manhã. Eles
acreditam que qualquer um pode se sair bem na escola
com o esforço adequado.
Em suma, uma forte ética de trabalho cultural traduzse em maior motivação, zelo e persistência — uma
vantagem emocional.
Na medida em que nossas emoções atrapalham ou
aumentam nossa capacidade de pensar e fazer planos,
de seguir treinando para alcançar uma meta distante,
solucionar problemas e coisas assim, elas definem os
limites de nosso poder de usar nossas capacidades
mentais inatas, e assim determinam como nos saímos na
vida. E na medida em que somos motivados por
sentimentos de entusiasmo e prazer no que fazemos —
ou mesmo por um grau ideal de ansiedade —, esses
sentimentos nos levam ao êxito. É nesse sentido que a
inteligência emocional é uma aptidão mestra, uma
capacidade que afeta profundamente todas as outras,
facilitando ou interferindo nelas.
CONTROLE DA IMPULSIVIDADE: O TESTE
DO MARSHMALLOW
Imagine que você tem 4 anos de idade e alguém lhe faz
a seguinte proposta: se conseguir esperá-lo voltar de
uma determinada tarefa, você ganha dois marshmallows
de presente. Se não, ganha só um — e imediatamente.
Este é um desafio seguro para testar a alma de qualquer
menino de 4 anos, um microcosmo da eterna batalha
entre o impulso e a contenção, id e ego, desejo e
autocontrole, satisfação imediata e capacidade de
aguardar a satisfação. Que escolha a criança fará é um
teste revelador; oferece uma rápida leitura não apenas
do caráter, mas da trajetória que ela provavelmente
seguirá pela vida afora.
Talvez não haja aptidão psicológica mais fundamental
que a capacidade de resistir ao impulso. É a raiz de todo
autocontrole emocional, uma vez que todas as emoções,
por sua própria natureza, levam a um ou outro impulso
para agir. O significado básico da palavra emoção,
lembrem-se, é “mover”. A capacidade de resistir ao
impulso para agir, de subjugar o movimento incipiente,
com a maior probabilidade significa, no nível da função
cerebral, que os sinais límbicos para o córtex motor são
inibidos, embora esse seja um entendimento ainda em
especulação.
De qualquer modo, o estudo notável em que o
desafio do marshmallow foi feito a crianças de 4 anos
mostra como é fundamental a capacidade de conter as
emoções e, desta forma, conter o impulso. Iniciado pelo
psicólogo Walter Mischel na década de 1960, numa préescola da Universidade de Stanford, e envolvendo
sobretudo filhos de professores universitários e de outros
funcionários do campus, o estudo acompanhou as
crianças até concluírem o segundo grau.7
Algumas foram capazes de esperar o que certamente
devem ter sido intermináveis 15 a 20 minutos até o
pesquisador retornar. A fim de se agüentarem na luta
contra o impulso, tapavam os olhos para evitar a
tentação, ou metiam a cabeça entre os braços,
conversavam consigo mesmas, cantavam, brincavam com
as mãos e os pés, e até tentavam dormir. Esses valentes
pré-escolares receberam a recompensa dos dois
marshmallows. Mas outros, mais impulsivos, agarraram o
seu único doce, quase sempre segundos depois de o
pesquisador deixar a sala para ir cumprir sua “tarefa”.
O poder diagnóstico de como lidaram com esse
momento de impulso tornou-se claro 12 a 14 anos
depois, quando essas mesmas crianças foram observadas
na adolescência. A diferença emocional e social entre os
pré-escolares que agarraram o marshmallow e seus
colegas que adiaram a satisfação era impressionante. Os
que resistiram à tentação aos 4 anos eram, agora,
adolescentes mais competentes socialmente:
pessoalmente eficazes, auto-assertivos e mais bem
capacitados para enfrentar as frustrações da vida. Tinham
menos probabilidade de desmontar-se, paralisar-se ou
regredir sob tensão, ou ficarem abalados e desarvorados
quando pressionados; aceitavam desafios e iam até o
fim, em vez de desistir, mesmo diante de dificuldades;
eram independentes e confiantes, confiáveis e firmes; e
tomavam iniciativas e mergulhavam em projetos. E, mais
de uma década depois, ainda podiam esperar um certo
tempo para receber suas recompensas, enquanto
perseguiam seus objetivos.
Aqueles que agarraram o marshmallow — cerca de
um terço do grupo — tendiam a ter reduzidas essas
qualidades e possuíam, ao contrário, um perfil
psicológico relativamente mais problemático. Na
adolescência, tinham mais probabilidade de serem
considerados tímidos nos contatos sociais; de serem
teimosos e indecisos; de perturbarem-se facilmente
diante de frustrações; de julgarem-se “ruins” ou indignos;
de regredirem ou ficarem imobilizados quando tensos;
de serem desconfiados e ressentidos por “Não conseguir
nada”; de tenderem ao ciúme e à inveja; de reagirem
exageradamente a irritações com mau humor, desta
forma provocando discussões e brigas. E, após todos
aqueles anos, continuavam sendo incapazes de aguardar
a recompensa.
O que aparece discretamente no início da vida
desabrocha numa ampla gama de aptidões sociais e
emocionais com o desenrolar dela. A capacidade de
conter os impulsos está na raiz de uma pletora de
esforços que vão desde manter uma dieta até lutar para a
obtenção de um diploma em medicina. Algumas
crianças, mesmo aos 4 anos, já dominaram o básico:
conseguiram interpretar as circunstâncias sociais como
uma situação em que o saber esperar é vantajoso,
significa desconcentrar-se da tentação imediata e distrairse enquanto mantêm a necessária perseverança para
chegar ao objetivo — os dois marshmallows.
Mais surpreendente ainda: quando as crianças
testadas foram de novo avaliadas ao concluírem o
ginásio, as que tinham sido pacientes aos 4 anos eram
muito superiores, como estudantes, do que as que
haviam agido impulsivamente. Segundo relato dos pais,
eram mais competentes em termos acadêmicos: mais
capazes de pôr as idéias em palavras, usar e responder à
razão, concentrar-se, fazer planos e segui-los até o fim, e
mais ávidas por aprender. Mais espantoso ainda:
contavam pontos sensacionalmente mais altos em seus
testes SAT. O terço de crianças que aos 4 anos agarraram
mais avidamente o marshmallow tinha uma contagem
verbal média de 524 e quantitativa (ou matemática) de
528; o terço que esperou por mais tempo tinha
contagens médias de 610 e 652, respectivamente — uma
diferença de 210 pontos na contagem total.8
Aos 4 anos, o desempenho da criança nesse teste de
adiamento da satisfação é duas vezes mais poderoso
como previsão de quais vão ser suas contagens no SAT
do que o QI nessa idade; o QI só se torna um previsor
mais forte do que o SAT depois que as crianças
aprendem a ler.9 Isso sugere que a capacidade de adiar
a satisfação contribui muito para o potencial intelectual,
inteiramente à parte do próprio QI. (Um fraco controle
de impulso na infância é também um poderoso previsor
de delinqüência futura, também aqui mais que o QI10).
Como veremos na Parte Cinco, embora alguns afirmem
que o QI não pode ser mudado e que, portanto,
representa uma inflexível limitação do potencial de vida
da criança, há amplos indícios de que aptidões
emocionais como o controle de impulso e a
interpretação de uma circunstância podem ser
aprendidas.
O que Walter Mischel, que fez o estudo, descreve
com a expressão um tanto infeliz “auto-imposto
adiamento de satisfação com vistas a uma meta” é talvez
a essência da auto-regulação emocional: a capacidade de
controlar um impulso para conseguir chegar a um
objetivo, seja montar uma empresa, solucionar uma
equação algébrica ou disputar a Copa Stanley. As
constatações dele acentuam o papel da inteligência
emocional como uma capacidade de atingir metas,
determinando como as pessoas podem empregar bem
ou mal suas outras capacidades mentais.
ALTA ANSIEDADE, BAIXO DESEMPENHO
Eu me preocupo com meu filho. Ele entrou para o time de futebol
da universidade e logo vai acabar se machucando. É tão dilacerante vêlo jogar que deixei de ir aos jogos de que ele participa. Sei que meu
filho deve estar decepcionado por eu não ir vê-lo jogar, mas isso é
demais para mim.
Essa mãe está fazendo um tratamento por causa da
ansiedade; ela sabe que sua preocupação a impede de
fazer o que gostaria.11 Mas, quando chega a hora de
tomar uma decisão simples, como ver o filho jogar
futebol, fica com a cabeça inundada de idéias trágicas.
Não possui livre-arbítrio; as preocupações sufocam a
razão.
Como vimos, a preocupação é a essência do efeito
prejudicial da ansiedade sobre todo tipo de desempenho
mental. É claro que a preocupação é, num certo sentido,
uma resposta útil que se deu erradamente — uma
supercuidadosa preparação mental para uma ameaça
previsível. Mas esse ensaio mental é uma desastrosa
interferência cognitiva quando colhido numa rançosa
rotina que prende a atenção, intrometendo-se em todas
as outras tentativas de concentrar-se em outra coisa.
A ansiedade solapa o intelecto. Numa tarefa
complexa, intelectualmente exigente e de grande pressão
como a dos controladores de tráfego aéreo, por
exemplo, a alta ansiedade crônica é um previsor quase
certo de que a pessoa vai acabar fracassando no
treinamento ou na profissão. Os ansiosos têm mais
probabilidade de falhar, ainda que tenham contagens
superiores em testes de inteligência, como constatou um
estudo de 1.790 alunos em treinamento para postos de
controle de tráfego aéreo.12 A ansiedade também sabota
todos os tipos de desempenho acadêmico: 126 diferentes
estudos com mais de 36 mil pessoas constataram que,
quanto mais a pessoa é propensa a preocupações, mais
fraco é o seu desempenho acadêmico, não importa qual
a espécie de medição — notas em provas, média de
pontos ou testes de rendimento.13
Quando se pede a pessoas inclinadas a preocupações
que executem uma tarefa cognitiva do tipo classificar
objetos ambíguos em uma de duas categorias, e narrar,
ao mesmo tempo, o que lhes passa pela cabeça,
descobre-se que são os pensamentos negativos — “Não
vou conseguir fazer isso”, “Não sou bom nesse tipo de
teste” — que mais diretamente atrapalham seus
processos de decisão. Na verdade, quando se pediu a
um grupo de controle, de não preocupados, que
simulasse preocupação durante 15 minutos, sua
capacidade de fazer a mesma coisa deteriorou-se
acentuadamente. E quando os preocupados tiveram uma
sessão, anteriormente à execução da tarefa, de 15
minutos de relaxamento — o que reduziu seu nível de
preocupação —, não tiveram problemas com ela.14
O teste de ansiedade foi estudado cientificamente
pela primeira vez na década de 1960, por Richard Alpert,
que me confessou ter esse seu interesse despertado
porque, quando estudante, os nervos muitas vezes o
faziam sair-se mal nas provas, enquanto um colega,
Ralph Haber, achava que a pressão antes de uma prova
na verdade o ajudava a sair-se melhor.15 A pesquisa
deles, entre outros estudos, mostrou que há dois tipos de
estudantes ansiosos: aqueles cuja ansiedade prejudica o
desempenho acadêmico e os que se saem bem apesar da
tensão — ou, talvez, por causa dela.16 A ironia do teste
de ansiedade é que a mesma apreensão quanto ao
sucesso na prova que, idealmente, motiva alunos como
Haber a se prepararem melhor para as provas e terem
bom desempenho, é capaz de sabotar o êxito de outros.
Para pessoas muito ansiosas, como Alpert, a apreensão
pré-prova interfere na clareza de raciocínio e na
memória, que são fundamentais para um estudo eficaz e,
durante a prova, a clareza mental — essencial para que
se saiam bem — fica comprometida.
A variedade de preocupações relatadas por pessoas
que deverão ser submetidas a um teste prediz qual será
o desempenho delas.17 Os recursos mentais
despendidos numa tarefa cognitiva — a preocupação —
simplesmente minam os recursos existentes para o
processamento de outras informações: se ficarmos
preocupados com a possibilidade de fracassar na prova
que estamos fazendo, teremos menos atenção para ser
empregada na resolução das questões. Nossas
preocupações se tornam profecias autoconcretizantes,
impelindo-nos para o próprio desastre que predizem.
As pessoas capazes de canalizar suas emoções, por
outro lado, podem usar a ansiedade antecipatória —
sobre um discurso ou teste próximos, digamos — para
motivarem-se a prepararem-se bem para a tarefa, com
isso saindo-se bem. A literatura clássica em psicologia
descreve o relacionamento entre ansiedade e
desempenho, incluindo o desempenho mental, em
termos de um U invertido. No pico do U invertido está a
proporção ideal entre ansiedade e desempenho, com
uns poucos nervos propulsionando o grande
rendimento. Mas ansiedade de menos — o primeiro lado
do U — traz apatia e pouquíssima motivação para o
esforço necessário ao êxito; enquanto ansiedade demais
— o outro lado do U — sabota qualquer tentativa de
êxito.
Um estado de euforia branda — hipomania, como é
tecnicamente chamada — parece ideal para escritores e
outros em vocações criativas que exigem fluidez e
diversidade imaginativa de pensamento; fica em algum
ponto do pico do U invertido. Mas é só a euforia sair de
controle, que se torna mania mesmo, como nas
oscilações de humor dos maníaco-depressivos, e a
agitação solapa a capacidade de pensar com coesão
suficiente para escrever bem, muito embora as idéias
fluam livremente — na verdade, livremente demais para
podermos acompanhá-las bem e concretizarmos alguma
coisa.
Os estados de espírito positivos, enquanto duram,
aumentam a capacidade de pensar com flexibilidade e
mais complexidade, tornando assim mais fácil encontrar
soluções para os problemas, intelectuais ou
interpessoais. Isso sugere que uma das maneiras de
ajudar alguém a solucionar um problema é contar-lhe
uma piada. O riso, como a euforia, parece ajudar as
pessoas a pensar com mais largueza e a fazer
associações de forma mais livre, percebendo relações
que de outro modo poderiam ter-lhes escapado — uma
aptidão mental importante não apenas na criatividade,
mas para reconhecer relacionamentos complexos e
prever as conseqüências de uma determinada decisão.
As vantagens intelectuais de uma boa risada são mais
impressionantes quando se trata de resolver um
problema que exige uma solução criativa. Um estudo
constatou que as pessoas que assistiram a um vídeo de
humor depois resolviam com facilidade um quebracabeça que foi durante muito tempo utilizado por
psicólogos para testar o pensamento criativo.18 No teste,
as pessoas recebem uma vela, fósforos e uma caixa de
percevejos, e pede-se que elas preguem a vela numa
parede de cortiça, de modo que ela queime sem pingar
cera no chão. Muitas pessoas que recebem esse
problema entram em “fixidez funcional”, pensando em
usar os objetos das formas mais convencionais. Mas os
que assistiram ao filme cômico, comparados com outros
que assistiram a um filme sobre matemática ou fizeram
exercícios, tinham mais probabilidade de ver um uso
alternativo para a caixa de percevejos, e com isso davam
a solução criativa: pregar a caixa na parede e usá-la
como castiçal.
Mesmo ligeiras mudanças de humor podem dominar
o pensamento. Ao fazer planos ou tomar decisões, as
pessoas têm um desvio perceptivo que as leva a ficar
mais expansivas e positivas no pensar. Isso se deve, em
parte, ao fato de a memória ser específica de um estado
de espírito, de modo que, quando estamos num bom
estado de espírito, lembramos de coisas boas; ao
pesarmos os prós e contras de uma linha de ação
quando estamos nos sentindo bem, a memória desloca
nossa avaliação dos sinais para os que apontam para o
lado positivo, tornando mais provável que façamos
alguma coisa ligeiramente aventureira ou arriscada, por
exemplo.
Da mesma forma, um estado de espírito negativo
prejudica a memória, tornando mais provável que nos
fixemos numa decisão medrosa, excessivamente
cautelosa. As emoções descontroladas tolhem o intelecto.
Mas, como vimos no Capítulo 5, podemos colocá-las sob
controle; essa capacidade emocional é a aptidão mestra,
facilitando todos os outros tipos de inteligência. Vejamos
alguns casos a esse respeito: as vantagens de esperança
e otimismo, e os momentos sublimes em que as pessoas
se superam.
A CAIXA DE PANDORA E POLYANNA: A
FORÇA
DO OTIMISMO
Colocou-se para estudantes universitários a seguinte
situação:
Embora você quisesse tirar B numa prova mensal, a nota que você
ganha é D, e representa 30% da nota final. Sua nota é D. Há uma
semana que você sabe disso. O que você faz?19
A esperança foi o que diferenciou uma resposta de
outra. Os estudantes muito autoconfiantes disseram que
iriam estudar mais e pensar numa série de coisas que
poderiam fazer para elevar a nota final. Outros
pensavam em várias maneiras de aumentar a nota, mas
tinham pouca determinação. E, como era de se esperar,
os estudantes com baixos níveis de esperança desistiam
das duas coisas, de moral abatido.
A questão não é apenas teórica, porém. Quando C. R.
Snyder, o psicólogo da Universidade de Kansas que fez
esse estudo, comparou o histórico escolar dos calouros
com altos e baixos níveis de esperança, descobriu que a
esperança era um melhor instrumento de previsão de
suas notas no primeiro semestre do que suas contagens
no SAT, um teste que se destina a prever o desempenho
dos alunos na universidade (e altamente relacionado
com o QI). Também aqui, tendo-se em geral a mesma
gama de capacidades intelectuais, as aptidões
emocionais fazem a crítica diferença.
Explicação de Snyder:
— Os alunos muito autoconfiantes estabelecem para
si mesmos metas mais altas e sabem como se esforçar
para atingi-las. Quando comparamos alunos de aptidão
intelectual equivalente nos rendimentos acadêmicos, o
que os distingue é a esperança.20
Como diz a conhecida lenda, Pandora, uma princesa
da Grécia antiga, recebeu de deuses ciumentos de sua
beleza um presente, uma caixa misteriosa. Disseram-lhe
que nunca a abrisse. Mas um dia, vencida pela
curiosidade e pela tentação, ela abriu a tampa para dar
uma espiada, deixando escapar para o nosso mundo os
grandes males — doença, inquietação, loucura. Um deus
compadecido permitiu-lhe, porém, fechar a caixa a
tempo de prender o único antídoto que torna suportável
a infelicidade na vida: a esperança.
A esperança, descobrem os pesquisadores modernos,
faz mais que oferecer um pouco de conforto na aflição;
desempenha um papel surpreendentemente poderoso na
vida, oferecendo uma vantagem em domínios tão
diversos como no desempenho acadêmico e em
agüentar empregos opressivos. A esperança, no sentido
técnico, é mais do que uma visão otimista de que tudo
vai dar certo. Snyder a define com mais especificidade
como sendo a capacidade de “acreditar que se tem a
vontade e os meios de atingir as próprias metas,
quaisquer que sejam”.
As pessoas tendem a se diferenciar na medida em
que têm esse tipo de esperança. Alguns julgam-se,
geralmente, capazes de sair de uma enrascada ou
encontrar meios de solucionar problemas, enquanto
outros simplesmente acham que não têm a devida
energia, que não possuem capacidade ou meios para
atingir suas metas. Snyder constata que as pessoas com
altos níveis de esperança têm certos traços comuns, entre
eles poder motivar-se, sentir-se com recursos suficientes
para encontrar meios de atingir seus objetivos, tendo a
certeza, mesmo diante de uma situação difícil, de que
tudo vai melhorar, de ser flexível o bastante para
encontrar meios diferentes de chegar às metas, ou trocálas se não forem viáveis, e de ter a noção de como
decompor uma tarefa grande em parcelas menores, mais
fáceis de serem enfrentadas.
Da perspectiva da inteligência emocional, ser
esperançoso significa que não vamos sucumbir numa
ansiedade arrasadora, atitude derrotista ou em depressão
diante de desafios ou reveses difíceis. Na verdade, as
pessoas esperançosas mostram menos depressão que as
outras ao conduzirem suas vidas em busca de suas
metas, são em geral menos ansiosas e têm menos
distúrbios emocionais.
OTIMISMO: O GRANDE MOTIVADOR
Os americanos entusiastas da natação tinham grandes
esperanças em Matt Biondi, membro da equipe olímpica
dos Estados Unidos em 1988. Alguns repórteres
esportivos anunciavam-no como tendo possibilidade de
igualar o feito de Mark Spitz em 1972, ganhando sete
medalhas de ouro. Mas Biondi acabou num
constrangedor terceiro lugar na primeira disputa, os 200
metros nado livre. Na seguinte, 100 metros borboleta,
perdeu o ouro por centímetros para outro nadador, que
fez um maior esforço no metro final.
Os locutores esportivos especularam se essas derrotas
iriam desencorajar Biondi em outras disputas. Mas ele se
refez da derrota e ganhou medalhas de ouro nas cinco
disputas seguintes. Um espectador que não se
surpreendeu com a virada de Biondi foi Martin Seligman,
psicólogo da Universidade da Pensilvânia que havia
testado o otimismo do nadador naquele ano. Numa
experiência feita com Seligman, o treinador de natação
disse a Biondi, durante uma disputa especial destinada a
exibir o seu melhor desempenho, que ele fizera um
tempo pior do que de fato fizera. Apesar disto, quando
sugeriram a Biondi que descansasse e voltasse a tentar,
seu desempenho — já na verdade muito bom — foi
ainda melhor. Mas quando outros membros da equipe
que receberam tempos piores que os verdadeiros — e
cujas contagens nos testes mostraram que eram
pessimistas — tentaram de novo, saíram-se pior que na
primeira vez.21
O otimismo, como a esperança, significa uma forte
expectativa de que, em geral, tudo vai dar certo na vida,
apesar dos reveses e frustrações. Do ponto de vista da
inteligência emocional, o otimismo é uma atitude que
protege as pessoas da apatia, desesperança ou depressão
diante das dificuldades. E como acontece com a
esperança, sua prima-irmã, o otimismo proporciona
dividendos à vida (contanto, claro, que seja um otimismo
realista; o otimismo demasiado ingênuo pode ser
desastroso).22
Seligman define o otimismo em termos de como as
pessoas explicam a si mesmas seus sucessos e
insucessos. Os otimistas vêem um fracasso como devido
a algo que pode ser mudado, para que possam vencer
da próxima vez, enquanto os pessimistas assumem a
culpa pelo fracasso, atribuindo-o a alguma imutável
característica pessoal. Essas diferentes justificativas têm
profundas implicações sobre como as pessoas reagem à
vida. Por exemplo, como resposta a uma decepção como
a rejeição num emprego, os otimistas tendem a reagir
ativa e esperançosamente, formulando um plano de
ação, por exemplo, ou buscando ajuda e
aconselhamento; vêem o revés como uma coisa que
pode ser remediada. Os pessimistas, ao contrário,
reagem a esses reveses supondo que nada podem fazer
para que as coisas melhorem na próxima vez, e,
portanto, nada fazem em relação ao problema; justificam
os reveses por alguma falha pessoal que sempre os
perseguirá.
Como acontece com a esperança, o otimismo
antecipa o êxito acadêmico. Num estudo com
quinhentos membros da turma de calouros de 1984, na
Universidade da Pensilvânia, as contagens dos
estudantes nos testes de otimismo foram um melhor
indicador prévio de suas reais notas no primeiro ano do
que as do SAT ou suas notas no secundário. Diz
Seligman, que os estudou:
— Os exames de admissão à universidade medem o
talento, enquanto a atitude em face da dificuldade nos
diz quem desiste. É a combinação de razoável talento e
capacidade de seguir em frente diante da derrota que
conduz ao sucesso. O que falta nos testes de capacidade
é o item motivação. O que precisamos saber de alguém
é se ele vai persistir se ocorrer frustração. Meu palpite é
que, para um determinado nível de inteligência, nosso
sucesso de fato é função não só do talento, mas também
da capacidade de suportar a derrota.23
Uma das mais reveladoras demonstrações do poder
do otimismo para motivar as pessoas está em estudo
feito por Seligman com vendedores de seguro da
empresa MetLife. Saber aceitar uma rejeição com graça é
essencial a todos os tipos de vendas, sobretudo de um
produto como o seguro de vida, onde a proporção entre
“Não” e “Sim” é altamente desencorajante. É por isto que
três quartos dos vendedores de seguros desistem nos
primeiros três anos. Seligman descobriu que os novos
vendedores que eram otimistas venderam 37% mais
seguros nos primeiros dois anos que os pessimistas. E,
no primeiro ano, os pessimistas desistiram duas vezes
mais que os otimistas.
Mais do que isso: Seligman convenceu a MetLife a
contratar um grupo especial de candidatos que fizeram
maior número de pontos num teste de otimismo, mas
que não foram aprovados no teste normal de seleção
(onde era cotejado um conjunto de suas atitudes com
um perfil-padrão baseado em respostas de agentes que
haviam sido bem-sucedidos). Esse grupo especial de
otimistas vendeu mais 21% que os pessimistas no
primeiro ano, e 57% no segundo.
Tal impacto no desempenho profissional de um
vendedor ocorre porque o otimismo é um traço da
inteligência emocional. Cada “não” que um vendedor
recebe é uma pequena derrota. A reação emocional a
essa derrota é crucial para a capacidade de juntar
motivação suficiente para prosseguir. À medida que
crescem os “não”, o moral pode deteriorar-se, tornando
cada vez mais difícil pegar o telefone para fazer outra
ligação. Essa rejeição é, para o pessimista, dura de ser
aceita, porque ele a interpreta como se fora: “Não dou
pra isso; nunca conseguirei vender nada” — uma
interpretação que, com certeza, provocará apatia e
derrotismo, se não a depressão. Os otimistas, por outro
lado, dizem a si mesmos: “Devo estar usando a técnica
errada” ou “A última pessoa com quem falei devia estar
de mau humor”. Não se vendo a si mesmos, mas
identificando algo na situação como o motivo de seu
fracasso, podem mudar a técnica na ligação seguinte.
Enquanto a atitude mental do pessimista conduz ao
desespero, a do otimista gera esperança.
Uma das origens da perspectiva positiva ou negativa
talvez seja o temperamento inato; algumas pessoas, por
natureza, tendem para um lado ou para outro. Mas,
como veremos na Parte 4, o temperamento pode ser
alterado pela experiência. Otimismo e esperança — da
mesma forma que o sentimento de impotência e
desespero — podem ser aprendidos. Por trás dos dois
está uma perspectiva que os psicólogos chamam de
auto-eficácia, a crença de que somos capazes de exercer
controle sobre os fatos de nossa vida e de que podemos
enfrentar os desafios que surgirem. O desenvolvimento
de qualquer tipo de aptidão fortalece o senso de autoeficácia, tornando a pessoa mais disposta a assumir
riscos e buscar maiores desafios. E a vitória que obtemos
sobre esses desafios, por sua vez, aumenta o sentimento
de auto-eficácia. Essa atitude torna mais provável que as
pessoas usem melhor quaisquer aptidões que tenham ou
façam o necessário para desenvolvê-las.
Albert Bandura, psicólogo de Stanford que fez grande
parte da pesquisa sobre a auto-eficácia, resume-a bem:
— A confiança que as pessoas têm em suas aptidões
exerce um profundo efeito sobre essas aptidões. A
aptidão não é uma propriedade fixa; há uma imensa
variabilidade na maneira como atuamos. As pessoas que
têm senso de auto-eficácia se recuperam de fracassos;
abordam as coisas mais em termos de como lidar com
elas do que se preocupando com o que pode dar
errado.24
FLUXO: A NEUROBIOLOGIA DA
EXCELÊNCIA
Um compositor descreve os momentos em que sua arte
atinge o ponto mais alto:
Nós entramos num tal nível de êxtase que parece que não
existimos. Tive essa sensação várias vezes. Minha mão parece ser
independente de mim, e nada tenho a ver com o que se passa.
Simplesmente fico ali observando, em estado de respeito e
encantamento. E a coisa simplesmente flui por si mesma.25
Sua descrição é muito semelhante à de centenas de
diferentes homens e mulheres — alpinistas, campeões de
xadrez, médicos, jogadores de basquete, engenheiros,
gerentes e até mesmo arquivistas — quando falam de
um momento em que se superaram em determinada
atividade. O estado que descrevem é chamado de
“fluxo” por Mihaly Csikszentmihalyi, psicólogo da
Universidade de Chicago que coletou essas histórias de
máximo desempenho em duas décadas de pesquisa.26
Os atletas conhecem esse estado de graça como “a
zona”, onde a excelência vem fácil, a multidão e os
competidores desaparecem numa feliz e constante
absorção do momento. Diane Roffe-Steinrotter, que
ganhou uma medalha de ouro em esqui nas Olimpíadas
de Inverno de 1994, disse, depois da corrida, que só se
lembrava de que estava imersa em total relaxamento:
— Eu me sentia fluir como uma cachoeira.27
A capacidade de entrar em fluxo é inteligência
emocional no ponto mais alto; o fluxo representa, talvez,
a última palavra na canalização das emoções a serviço
do desempenho e aprendizado. No fluxo, as emoções
são não apenas contidas e dirigidas, mas positivas,
energizadas e alinhadas com a tarefa que está sendo
realizada. Ver-se colhido no marasmo da depressão ou
na agitação da ansiedade é estancar o fluxo. Contudo, o
fluxo (ou um mais brando microfluxo) é uma
experiência pela qual quase todo mundo passa às vezes,
sobretudo quando no máximo do desempenho ou indo
além dos limites anteriormente alcançados. Talvez seja
mais bem captado pelo ato de amor extático, a fusão de
dois num fluir harmônico.
Fluir é uma experiência gloriosa: o sinal característico
do fluxo é uma sensação de alegria espontânea, e
mesmo de êxtase. Por ser tão bom, é intrinsecamente
compensador. É um estado em que as pessoas ficam
absolutamente absortas no que estão fazendo, dando
atenção exclusiva à tarefa, a consciência em fusão com
os atos. Na verdade, pensar demais no que está
acontecendo causa interrupção no fluxo — até a idéia
“Como estou fazendo isso maravilhosamente” pode
interromper o fluxo. A atenção fica tão concentrada que
as pessoas só têm consciência da estreita gama de
percepção relacionada com o que estão fazendo,
perdendo a noção de tempo e espaço. Um cirurgião, por
exemplo, lembrava uma cirurgia delicada durante a qual
entrou em fluxo; quando a concluiu, notou que havia
alguns detritos no chão da sala de operação e perguntou
o que acontecera. Ficou espantado ao saber que,
enquanto estava tão concentrado na cirurgia, parte do
revestimento do teto desabara — ele não havia notado
nada.
O fluxo é um estado de auto-abandono, o oposto da
ruminação e preocupação: em vez de perder-se em
cuidados nervosos, as pessoas em fluxo se concentram
tanto no que estão fazendo que perdem toda a
autoconsciência, deixando de lado as pequenas
preocupações — saúde, contas, até mesmo o bem-estar
— da vida diária. Nesse sentido, nos momentos de fluxo
as pessoas se tornam desprendidas. Paradoxalmente, as
pessoas em fluxo exibem um controle absoluto sobre o
que estão fazendo, as reações perfeitamente sintonizadas
com as cambiantes exigências da tarefa. E, embora
atuem no ponto mais alto quando em fluxo, não se
preocupam com seu desempenho, com a questão de
sucesso ou fracasso — o que as motiva é o puro prazer
do ato em si.
Há várias maneiras de entrar em fluxo. Uma delas é
manter, de forma deliberada, uma aguda atenção no que
está sendo feito; a essência do fluxo é um estado de alta
concentração. Parece haver um circuito de feedback na
entrada dessa zona: pode exigir considerável esforço
acalmar-se e concentrar-se o suficiente para iniciar a
tarefa — esse primeiro passo exige uma certa disciplina.
Mas, assim que a concentração começa a fixar-se,
assume uma força própria, que ao mesmo tempo
proporciona alívio da turbulência emocional e torna fácil
a tarefa.
A entrada nessa zona pode ocorrer também quando
as pessoas encontram uma tarefa em que são hábeis e a
executam num nível que pouco exige de sua
capacidade. Como me disse Csikszentmihalyi:
— As pessoas parecem concentrar-se melhor quando
o que lhes é exigido é pouco, e elas podem dar mais. Se
o que lhes é exigido é muito pouco, elas se entediam. Se
tiverem de lidar com coisas para elas excessivas, ficam
ansiosas. O fluxo ocorre naquela zona delicada entre o
tédio e a ansiedade.28
O prazer, a graça e a eficácia espontâneos que
caracterizam o fluxo são incompatíveis com seqüestros
emocionais, nos quais os surtos límbicos se apoderam
do resto do cérebro. A qualidade da atenção no fluxo é
relaxada, mas altamente concentrada. É uma
concentração muito diferente do esforço para prestar
atenção quando estamos cansados ou entediados, ou
quando nossa concentração é assediada por sentimentos
intrusos como a ansiedade ou a raiva.
O fluxo é um estado sem interferência emocional, a
não ser por um sentimento compulsivo, altamente
motivador, de suave êxtase. Esse êxtase parece ser um
subproduto da concentração de atenção que é um prérequisito do fluxo. Na verdade, a literatura clássica das
tradições contemplativas descreve estados de absorção
que são sentidos como pura felicidade: fluxo induzido
por nada mais que intensa concentração.
Ver alguém em fluxo dá a impressão de que o difícil
é fácil: o auge do desempenho parece natural e banal.
Essa impressão é paralela ao que se passa no cérebro,
onde um paradoxo semelhante se repete: as mais
desafiantes tarefas são executadas com um dispêndio
mínimo de energia mental. No fluxo, o cérebro se acha
num estado “frio”, a estimulação e inibição dos circuitos
neurais estão sintonizados com a solicitação do
momento. Quando as pessoas se acham empenhadas em
atividades que prendem e mantêm, sem esforço, a sua
atenção, seu cérebro “se acalma”, no sentido de que
ocorre uma diminuição de estimulação cortical.29 Essa
descoberta é notável, uma vez que o fluxo permite que
as pessoas enfrentem as mais desafiantes tarefas num
determinado campo, seja jogando contra um mestre de
xadrez ou solucionando um complexo problema
matemático. A expectativa seria de que essas tarefas
desafiantes exigissem mais atividade cortical, e não
menos. Mas uma chave para o fluxo é que ele só ocorre
perto do cume da capacidade, onde as aptidões estão
bem ensaiadas e os circuitos neurais mais eficientes.
Uma concentração forçada — uma concentração
alimentada pela preocupação — produz maior ativação
cortical. Mas a zona de fluxo e desempenho ideal parece
ser um oásis de eficiência cortical, com um dispêndio
mínimo de energia mental. Isso faz sentido, talvez, em
termos da prática na atividade que permite que as
pessoas entrem no fluxo: o domínio das etapas de uma
tarefa física, como escalar rochedos, ou mental, como a
programação de computadores, significa que o cérebro
pode ser mais eficiente em sua execução. As etapas bem
praticadas exigem menos esforço do cérebro do que as
que estão sendo aprendidas, ou as que ainda apresentam
alto grau de dificuldade. Do mesmo modo, quando o
cérebro trabalha com menos eficiência, devido ao
cansaço ou nervosismo, como acontece ao fim de um
dia longo e estressante, há um turvamento da precisão
do esforço cortical, com a ativação de muitas áreas
supérfluas — um estado geral que se sente como
estando altamente distraído.30 O mesmo acontece no
tédio. Mas, quando o cérebro atua na eficiência máxima,
como no fluxo, há uma relação precisa entre as áreas
ativas e as exigências da tarefa. Nesse estado, mesmo o
trabalho árduo pode parecer mais renovador e
restaurador que cansativo.
APRENDIZADO E FLUXO: UM NOVO
MODELO
PARA A EDUCAÇÃO
Como o fluxo surge em zonas nas quais uma atividade
desafia as pessoas a exercerem o máximo de suas
capacidades, à medida que suas aptidões aumentam é
necessário um maior esforço para entrar nele. Se a tarefa
é simples demais, entedia; se desafiadora demais, resulta
mais em ansiedade que em fluxo. Pode-se dizer que o
domínio num ofício ou aptidão é estimulado pela
experiência do fluxo — que a motivação para se
aperfeiçoar cada vez mais em alguma coisa, seja tocar
violino, dançar ou separar genes, é pelo menos em parte
estar em fluxo quando a realizando. Na verdade, num
estudo com duzentos pintores 18 anos depois que
deixaram a escola, Csikszentmihalyi constatou que foram
aqueles que, nos tempos de estudante, saboreavam o
puro prazer de pintar, que se tornaram verdadeiramente
artistas. Os que haviam sido motivados na escola de arte
por fantasias de fama e fortuna, em sua maioria,
afastaram-se da arte depois de formados.
Csikszentmihalyi conclui:
— Os pintores devem querer pintar, acima de tudo
mais. Se o artista, diante da tela, se põe a imaginar por
quanto vai vendê-la, ou o que os críticos vão pensar de
sua obra, não conseguirá criar. As realizações criativas
dependem de uma imersão obstinada.31
Assim como o fluxo é um pré-requisito para a
maestria num ofício, profissão ou arte, o mesmo se dá
com a educação. Os alunos que entram em fluxo
quando estudam saem-se melhor, independentemente da
medida de seu potencial avaliado por testes de
rendimento. Os alunos de uma escola especial de
ciências em Chicago — todos entre os primeiros 5% num
teste de competência em matemática — foram
classificados por seus professores como de alto ou baixo
desempenho. Depois, observou-se a maneira como esses
estudantes passavam seu tempo, cada um levando um
bipe que os mandava, em horas aleatórias durante o dia,
anotar o que estavam fazendo e qual o seu estado de
espírito. Como era esperado, aqueles que tinham baixo
desempenho passavam apenas cerca de 15 horas por
semana estudando em casa, muito menos que as 27
horas por semana de trabalho de casa cumpridas por
seus colegas de alto desempenho. Os de baixo
desempenho passavam a maior parte do tempo em que
não estavam estudando em atividades sociais, com os
amigos ou a família.
Quando avaliados os seus estados de espírito,
ocorreu uma constatação reveladora. Tanto os de alto
quanto os de baixo desempenho passavam grande parte
da semana entediando-se com atividades, como ver TV,
que não impunham desafios a suas capacidades. Este,
afinal, é o destino dos adolescentes. Mas a diferençachave estava em como experienciavam os estudos. Para
os de alto desempenho, o estudo dava-lhes o desafio
agradável e absorvente do fluxo em 40% das horas que
passavam nele. Mas, para os de baixo desempenho, o
estudo produzia fluxo apenas em 16% do tempo; na
maioria das vezes, produzia ansiedade, com exigências
que iam além de suas capacidades. Os de baixo
desempenho encontravam prazer e fluxo nas atividades
sociais, não no estudo. Em suma, os estudantes de
desempenho à altura e além de seu potencial acadêmico
são, na maioria das vezes, atraídos para o estudo porque
isso os põe em fluxo. Infelizmente, os de baixa
realização, porque não aprimoram as aptidões que os
colocariam em fluxo, são privados do prazer do estudo e
correm o risco de limitar o nível de tarefas intelectuais
que lhes serão agradáveis no futuro.32
Howard Gardner, psicólogo de Harvard que criou a
teoria de inteligências múltiplas, vê o fluxo e os estados
positivos que o caracterizam como parte da maneira
mais saudável de ensinar às crianças, mobilizando-as em
vez de utilizar ameaças ou promessas de recompensa.
— Devemos usar os estados positivos das crianças e
atraí-las ao aprendizado nas áreas onde elas possam
desenvolver aptidões — disse-me Gardner. — O fluxo é
um estado interior que significa que uma criança está
empenhada na tarefa certa. Temos de descobrir alguma
coisa que gostamos e nos apegar a ela. É quando as
crianças se entediam na escola que brigam e pintam o
sete, e quando são esmagadas por um desafio é que
ficam ansiosas com o trabalho escolar. Mas aprendemos
mais quando temos alguma coisa que nos interessa e nos
dá prazer quando nos empenhamos nela.
A estratégia usada em muitas das escolas que estão
pondo em prática o modelo de múltiplas inteligências de
Gardner gira em torno da identificação do perfil de
aptidões naturais das crianças e do aproveitamento dos
seus pontos fortes, além da tentativa de dar suporte no
que elas são fracas. Uma criança naturalmente talentosa
em música, por exemplo, entrará com mais facilidade em
fluxo nessa atividade do que naquelas para as quais está
menos capacitada. O conhecimento do perfil de uma
criança ajuda o professor a aprimorar a forma de
apresentar-lhe um conteúdo e dar aulas no nível — do
mediano ao mais avançado — que mais possa lhe
proporcionar um desafio ideal. Fazer isso torna o
aprendizado mais agradável, não apavorante nem chato.
— A esperança é que, quando as crianças adquirirem
fluxo no aprendizado, se sintam encorajadas a enfrentar
desafios em novas áreas — diz Gardner, acrescentando
que a experiência sugere ser assim.
Em termos mais gerais, o fluxo sugere que a
conquista de maestria em qualquer ofício ou conjunto de
conhecimentos deve se dar, idealmente, de uma maneira
natural, à medida que a criança é encaminhada para as
áreas que a atraem espontaneamente — que, em
essência, ela adora. Essa paixão inicial pode ser a
semente para maiores níveis de conquista, à medida que
a criança venha a compreender que seguir nessa
atividade — seja dança, matemática ou música — é uma
fonte do prazer do fluxo. E, como isso exige forçar os
limites de nossa capacidade de manter o fluxo, torna-se
um motivador básico para nos tornarmos cada vez
melhores; a criança, desta forma, fica feliz. Isso, claro, é
um modelo mais positivo de aprendizado e educação do
que a maioria de nós encontrou na escola. Quem não se
lembra daquele tempo, pelo menos em parte, como
intermináveis e pavorosas horas de tédio, pontuadas por
momentos de alta ansiedade? Buscar o fluxo através do
aprendizado é uma maneira mais humana, natural e
muito provavelmente mais eficaz de arregimentar as
emoções a serviço da educação.
Isso revela o sentido mais geral em que canalizar
emoções para um fim produtivo é uma aptidão mestra.
Seja no controle de impulsos e adiamento da satisfação,
no controle de nossos estados de espírito para que
facilitem, em vez de impedir, o pensamento, motivando-
nos a persistir e tentar de novo apesar dos reveses, seja
na descoberta de formas para entrar em fluxo e com isso
atuar com mais eficiência — tudo indica o poder da
emoção na orientação do esforço eficaz.
7
As Origens da Empatia
Voltemos a Gary, o brilhante mas alexitímico médico que
tanto perturbava a noiva, Ellen, por ignorar não apenas
seus próprios sentimentos, mas também os dela. Como a
maioria dos alexitímicos, faltava-lhe não só empatia, mas
também intuição. Se Ellen se dizia deprimida, ele não
demonstrava entender os seus sentimentos; se ela falava
de amor, ele mudava de assunto. Gary fazia críticas
“construtivas” a coisas que Ellen fazia, sem compreender
que ela se sentia agredida, e não ajudada.
A empatia é alimentada pelo autoconhecimento;
quanto mais consciente estivermos acerca de nossas
próprias emoções, mais facilmente poderemos entender
o sentimento alheio.1 Alexitímicos como Gary, que não
têm idéia do que eles próprios sentem, ficam
completamente perdidos quando se trata de saber o que
as pessoas à sua volta estão sentindo. Não têm ouvido
emocional. As notas e os acordes emocionais que são
entoados nas palavras e ações das pessoas — um tom
revelador ou mudança de postura, o silêncio eloqüente
ou o tremor que trai — passam despercebidos.
Confusos acerca de seus próprios sentimentos, os
alexitímicos ficam igualmente perplexos quando outras
pessoas falam do que estão sentindo. Essa incapacidade
de registrar os sentimentos de outrem significa que existe
um grande déficit de inteligência emocional e uma
trágica falha no entendimento do que significa ser
humano. Pois todo relacionamento, que é a raiz do
envolvimento, vem de uma sintonia emocional, da
capacidade de empatia.
Essa capacidade — de saber como o outro se sente
— entra em jogo em vários aspectos da vida, quer nas
práticas comerciais, na administração, no namoro e na
paternidade, no sermos piedosos e na ação política. A
falta de empatia é também reveladora. Nota-se em
criminosos psicopatas, estupradores e molestadores de
crianças.
As emoções das pessoas raramente são postas em
palavras; com muito mais freqüência, são expressas sob
outras formas. A chave para que possamos entender os
sentimentos dos outros está em nossa capacidade de
interpretar canais não-verbais: o tom da voz, gestos,
expressão facial e outros sinais. Talvez a mais ampla
pesquisa acerca da capacidade que têm as pessoas de
detectar mensagens não-verbais seja a de Robert
Rosenthal, psicólogo de Harvard, e seus alunos. Ele
idealizou um teste de aferição de empatia, o PONS —
Profile of Nonverbal Sensitivity,[1] que consiste na
exibição de uma série de videoteipes em que uma jovem
manifesta sentimentos que vão da antipatia ao amor
materno.2 As cenas percorrem todo um espectro de
emoções, desde um acesso de ciúmes até um pedido de
perdão, de uma demonstração de gratidão a uma
sedução. O vídeo foi editado de forma que, em cada um
desses estados, fossem sistematicamente apagados um
ou mais canais de comunicação não-verbal; além do
som, por exemplo, em algumas cenas todos os outros
sinais são bloqueados, sendo mantida apenas a
expressão facial. Em outras, somente são exibidos os
movimentos do corpo, e assim por diante, passando
pelos principais canais não-verbais de comunicação, para
que os espectadores possam detectar a emoção a partir
de uma ou outra indicação não-verbal.
Em testes feitos com mais de 7 mil pessoas nos
Estados Unidos e em outros 18 países, as vantagens de
poder interpretar sentimentos a partir de indicações nãoverbais incluíam um melhor ajustamento emocional,
maior popularidade, mais abertura e — talvez o que seja
mais surpreendente — maior sensibilidade. Em geral, as
mulheres são melhores que os homens nesse tipo de
empatia. E as pessoas cujo desempenho melhorou no
decorrer do teste, que durou 45 minutos — um
indicador de que aquelas pessoas têm talento para
adquirir aptidões de empatia —, também se
relacionavam melhor com o sexo oposto. A empatia, não
é nenhuma surpresa, ajuda na vida romântica.
Conforme constatações sobre outros elementos de
inteligência emocional, havia apenas uma relação
incidental entre as contagens nessa medição de acuidade
e os resultados do SAT, QI ou dos testes de desempenho
escolares. A independência da empatia em relação à
inteligência acadêmica também foi constatada em
testagens com uma versão do PONS destinada a crianças.
Em testes feitos em 1.011 crianças, aquelas que
mostraram aptidão para interpretar sentimentos nãoverbalizados eram consideradas as mais queridas na
escola, eram as mais emocionalmente estáveis.3 Além
disso, tinham melhor desempenho acadêmico embora,
na média, não tivessem QI superior ao de outras crianças
menos capacitadas para interpretar mensagens nãoverbais — o que sugere que o domínio dessa capacidade
empática abre o caminho para a eficiência na sala de
aula (ou simplesmente faz com que os professores
gostem mais delas).
Assim como a forma de expressão da mente racional
é a palavra, a das emoções é não-verbal. Na verdade,
quando as palavras de alguém entram em desacordo
com o que é transmitido por seu tom de voz, gestos ou
outros canais não-verbais, a verdade emocional está mais
no como ele diz alguma coisa do que no que ele diz.
Uma regra elementar usada na pesquisa de
comunicações é que 90% ou mais de uma mensagem
emocional são não-verbais. E essas mensagens —
ansiedade no tom de voz de alguém, irritação na rapidez
de um gesto — são quase sempre aceitas
inconscientemente, sem que se dê uma atenção especial
ao conteúdo da mensagem, mas apenas recebendo-a e
respondendo-a tacitamente. As aptidões que nos
permitem fazer isso bem ou mal são também, na maioria
das vezes, inferidas.
COMO SE DESENVOLVE A EMPATIA
Assim que Hope, de apenas nove meses, viu outro bebê
levar um tombo, ficou com os olhos cheios d’água e
engatinhou até sua mãe, procurando consolo, embora
não fosse ela que tivesse levado o tombo. E Michael,
com um ano e três meses, foi buscar seu ursinho de
pelúcia para entregá-lo ao amigo Paul, que chorava;
como Paul continuasse chorando, Michael se agarrou no
cobertorzinho “de segurança” do amigo. Esses pequenos
atos de simpatia e solidariedade foram observados por
mães treinadas para registrar tais incidentes de
demonstração de empatia.4 Os resultados do estudo
sugerem que as origens da empatia podem ser
identificadas já na infância. Praticamente desde o dia em
que nascem, os bebês ficam perturbados quando ouvem
outro bebê chorando — uma reação que alguns encaram
como o primeiro indicador da empatia que se
desenvolverá até a idade adulta.5
Psicólogos do desenvolvimento infantil descobriram
que os bebês são solidários diante da angústia de
outrem, mesmo antes de adquirirem a percepção de sua
individualidade. Mesmo poucos meses após o
nascimento, os bebês reagem a uma perturbação sentida
por aqueles que estão em torno deles, como se esse
incômodo estivesse acontecendo neles próprios,
chorando ao verem que outra criança está chorando. Em
torno de um ano, começam a compreender que o
sofrimento não é deles, mas de outro, embora ainda
pareçam confusos sobre o que fazer. Numa pesquisa
feita por Martin L. Hoffmann, da Universidade de Nova
York, por exemplo, uma criança de um ano trouxe a
própria mãe para consolar um amigo que chorava,
ignorando que a mãe do amigo também estava no
recinto. Essa confusão se vê também quando crianças de
um ano imitam a angústia de outras, possivelmente para
melhor compreender o que elas estão sentindo; por
exemplo, se outro bebê machuca os dedos, um bebê de
um ano põe os seus dedos na boca, para ver se também
doem. Ao ver a mãe chorar, um bebê enxugou os
próprios olhos, embora não tivessem lágrimas.
Essa mímica motora, como é denominada, é o
significado técnico original da palavra empatia, como
pela primeira vez foi usada, na década de 1920, por E. B.
Titchener, psicólogo americano. Esse sentido é um
pouco diferente de sua introdução original em inglês, do
grego empátheia, “entrar no sentimento”, termo
inicialmente usado por teóricos da estética para designar
a capacidade de perceber a experiência subjetiva de
outra pessoa. A tese de Titchener era de que a empatia
vinha de uma espécie de imitação física da angústia de
outra pessoa, que então evoca os mesmos sentimentos
em nós. Ele procurou uma palavra distinta de simpatia,
algo que sentimos pelo que o outro está vivenciando,
sem, contudo, sentir o que esse outro está sentindo.
A mímica motora desaparece do repertório dos bebês
por volta dos dois anos e meio, quando eles percebem
que o sofrimento de outra pessoa é diferente do deles, e
então podem melhor consolá-los. Um incidente típico,
extraído do diário de uma mãe:
O bebê de um vizinho chora... e Jenny se aproxima e tenta dar-lhe
biscoito. Segue-o por toda parte e começa a choramingar. Então, tenta
alisar os cabelos dele, mas ele se afasta... Ele se acalma, mas Jenny
continua preocupada. Continua a trazer-lhe brinquedos e a dar-lhe
tapinhas na cabeça e nos ombros.6
Nessa altura de seu desenvolvimento, os bebês
começam a se diferenciar na sensibilidade geral às
perturbações emocionais de outras pessoas, com alguns,
como Jenny, sendo agudamente conscientes e outros
desligando-se. Uma série de estudos feitos por Marian
Radke-Yarrow e Carolyn Zahn-Waxler, do Instituto
Nacional de Saúde Mental, mostrou que grande parte
dessa diferença em interesse empático tinha a ver com a
maneira como os pais educavam seus filhos. Elas
constataram que as crianças eram mais empáticas
quando a educação incluía chamar fortemente a atenção
para a aflição que o mau comportamento delas causava
nos outros: “Veja como você a deixou triste” em vez de
“Isso foi malfeito”. Também descobriram que a empatia
das crianças é igualmente moldada por verem como os
outros reagem quando alguém mais está aflito; imitando
o que vêem, as crianças desenvolvem um repertório de
reação empática, sobretudo na ajuda a outras pessoas
angustiadas.
A CRIANÇA BEM SINTONIZADA
Sarah tinha 25 anos quando deu à luz dois gêmeos, Mark
e Fred. Achou que Mark se parecia mais com ela; Fred,
mais com o pai. Essa percepção pode ter sido a semente
de uma reveladora mas sutil diferença na maneira como
ela lidou com cada um dos meninos. Quando eles
tinham apenas três meses, Sarah muitas vezes tentava
atrair o olhar de Fred, e quando ele virava o rosto, ela
tentava de novo; Fred reagia dando-lhe mais
enfaticamente as costas. Assim que ela olhava para outro
lado, ele tornava a olhar para ela, e o esconde-esconde
recomeçava — muitas vezes deixando Fred em prantos.
Mas, com Mark, Sarah nunca tentava estabelecer contato
ocular como fazia com Fred. Ao contrário, Mark podia
romper esse contato quando quisesse, que ela não
insistia.
Um ato pequeno, mas revelador. Um ano depois,
Fred era visivelmente mais medroso e dependente do
que Mark; uma das maneiras como demonstrava esse
medo era evitando olhar nos olhos de outras pessoas,
como fizera com a mãe aos três meses, baixando e
desviando o rosto. Mark, por outro lado, olhava direto
nos olhos dos outros; quando queria romper o contato,
virava ligeiramente a cabeça para cima e para o lado,
com um sorriso cativante.
Os gêmeos e a mãe foram minuciosamente
observados quando participaram da pesquisa de Daniel
Stern, um psiquiatra então na Faculdade de Medicina da
Universidade Cornell.7 Stern é fascinado com os
pequenos e repetidos intercâmbios que ocorrem entre
pais e filhos; acredita que as lições mais elementares da
vida emocional se dão nesses momentos íntimos. Desses
momentos, os mais críticos são os que informam à
criança que seus sentimentos encontram empatia, são
aceitos e retribuídos, num processo que Stern chama de
sintonia. A mãe dos gêmeos estava sintonizada com
Mark, mas emocionalmente dessincronizada com Fred.
Stern afirma que os incontáveis momentos de sintonia ou
não sintonia entre pais e filhos moldam as expectativas
emocionais que, quando adultos, levarão para seus
relacionamentos — talvez muito mais do que os mais
dramáticos acontecimentos da infância.
A sintonia ocorre tacitamente, como parte do ritmo
de relacionamento. Stern estudou-a com precisão
microscópica, em horas de gravação em vídeo de mães
com seus bebês. Ele constata que, pela sintonização, as
mães informam aos bebês que compreendem o que eles
estão sentindo. O bebê grita de prazer, por exemplo, e a
mãe atesta esse prazer balançando-o de forma delicada,
arrulhando ou imitando o guincho dele. Ou o bebê
sacode o chocalho, e ela responde, balançando-o. Nessa
interação, a mensagem de afirmação está no fato de a
mãe se igualar mais ou menos no nível de excitação do
bebê. Essas pequenas sintonizações dão ao bebê a
tranqüilizadora sensação de estar emocionalmente
ligado, uma mensagem que Stern constata que as mães
enviam cerca de uma vez a cada minuto quando
interagem com seus bebês.
A sintonização é muito diferente da simples imitação.
— Se você apenas imita um bebê — disse-me Stern
—, isso apenas mostra que sabe o que ele fez, mas não
como se sentiu. Para que ele saiba que você sente como
ele se sente, é preciso reproduzir os sentimentos íntimos
dele de outra forma. Aí o bebê sabe que foi entendido.
O amor físico é talvez a coisa mais próxima, na vida
adulta, dessa íntima sintonização entre o bebê e a mãe.
O amor físico, escreve Stern, “envolve a experiência de
sentir o estado subjetivo do outro: desejo partilhado,
intenções alinhadas e mútuos estados de excitação
simultaneamente mutáveis”, com os amantes
respondendo um ao outro numa sincronia que exprime,
de forma tácita, o significado de profunda relação.8 O
amor físico é, no que tem de melhor, um ato de mútua
empatia; no pior, falta-lhe toda essa mutualidade
emocional.
QUANTO CUSTA A FALTA DE SINTONIA
Stern afirma que, com essas repetidas sintonizações, o
bebê começa a desenvolver o sentimento de que outras
pessoas podem partilhar e partilham de seus
sentimentos. Esse sentido parece surgir por volta dos 8
meses, quando os bebês começam a compreender que
não estão em simbiose com as outras pessoas, e
continua a ser moldado por relacionamentos íntimos
durante toda a vida. Quando os pais não estão em
sintonia com um filho, isso é profundamente
perturbador. Num experimento, Stern fez com que as
mães deliberadamente respondessem com mais e com
menos intensidade a seus bebês, em vez de se igualarem
de modo sintonizado; os bebês reagiram com imediata
consternação e angústia.
Uma prolongada ausência de sintonia entre pai e
filho impõe um tremendo tributo emocional à criança.
Quando um pai repetidamente não entra em empatia
com uma determinada gama de emoções da criança —
alegria, lágrimas, necessidade de aconchego —, a criança
começa a evitar expressar, e talvez mesmo a sentir, esses
tipos de emoção. Dessa forma, presume-se, séries
inteiras de emoção para relacionamentos íntimos podem
começar a ser apagadas do repertório, sobretudo se
durante a infância esses sentimentos continuarem a ser
tácita ou expressamente desestimulados.
Da mesma forma, as crianças podem vir a preferir
uma infeliz gama de emoção, dependendo dos estados
de espírito que lhes foram retribuídos. Mesmo os bebês
“captam” estados de espírito: bebês de 3 meses cujas
mães estão deprimidas, por exemplo, refletiam esse
mesmo estado de espírito quando brincavam com elas,
exibindo mais sentimentos de ira e tristeza, e muito
menos curiosidade e interesse espontâneos, em
comparação com bebês cujas mães não estavam
deprimidas.9
Uma mãe, no estudo de Stern, sempre reagia com
pouca intensidade ao nível de atividade de seu bebê; o
bebê acabou aprendendo a ser passivo.
— Um bebê tratado desse modo aprende: quando eu
fico excitado, minha mãe não fica igualmente excitada,
logo, talvez seja melhor nem tentar — afirma Stern. Mas
há esperanças nos “relacionamentos reparadores”. — Os
relacionamentos de toda a vida — com amigos ou
parentes, por exemplo, ou na psicoterapia — remodelam
continuamente nosso modo funcional de tê-los. Um
desequilíbrio num ponto pode ser corrigido depois; é
um processo contínuo, de uma vida inteira.
Na verdade, várias teorias da psicanálise vêem a
relação que se estabelece entre analista e analisando
como proporcionando exatamente esse ajustamento
emocional, uma experiência reparadora de sintonização.
Espelhar é o termo empregado por alguns pensadores
psicanalíticos para designar o fato de o terapeuta ser,
para o paciente, o reflexo de seu estado interior, como
faz uma mãe sintonizada com o seu bebê. A sincronia
emocional é tácita e fora da consciência, embora o
paciente possa extrair um grande prazer da sensação de
que está sendo profundamente reconhecido e entendido.
Os custos emocionais, para toda uma vida,
decorrentes da falta de sintonização na infância podem
ser grandes — e não só para a criança. Um estudo sobre
criminosos que praticaram os crimes mais cruéis e
violentos constatou que o que lhes caracterizava e os
distinguia de outros criminosos é que, na infância,
tinham sido mandados de uma casa de adoção para
outra, ou criados em orfanatos — históricos de vida que
sugerem abandono emocional e pouca oportunidade de
sintonização.10
Enquanto o abandono emocional parece embotar a
empatia, há um resultado paradoxal quando ocorre
abuso emocional intenso e constante, incluindo ameaças
cruéis e sádicas, humilhações e maldade pura e simples.
As crianças que sofrem tais abusos podem tornar-se
hiperalertas para as emoções daqueles que as cercam, o
que é equivalente a uma vigilância pós-traumática para
detectar indícios que anunciem ameaça. Essa
preocupação obsessiva com os sentimentos dos outros é
típica de crianças psicologicamente maltratadas e que, na
idade adulta, sofrem os mercuriais altos e baixos às
vezes diagnosticados como “distúrbio limite de
personalidade”. Muitas dessas pessoas têm o dom de
sentir o que sentem os que as cercam, e é muito comum
relatarem que sofreram abusos emocionais na infância.11
A NEUROLOGIA DA EMPATIA
Como tantas vezes acontece na neurologia, os relatos de
casos peculiares e bizarros estão entre os primeiros
indícios de que há um componente cerebral na empatia.
Um trabalho de 1957, por exemplo, examinava vários
casos em que os pacientes com certas lesões na área
direita dos lobos frontais tinham um déficit curioso: não
eram capazes de entender a mensagem emocional
através do tom de voz das pessoas, embora fossem
perfeitamente capazes de entender as palavras. Os
“muito obrigado” sarcásticos, agradecidos ou furiosos
tinham, todos, o mesmo sentido neutro para eles. Em
contraste, um trabalho de 1979 falava de pacientes com
danos em outras partes do hemisfério direito que tinham
uma falha bastante diferente na percepção emocional.
Estes eram incapazes de expressar suas emoções através
do tom de voz ou gestos. Sabiam o que sentiam, mas
simplesmente não eram capazes de transmiti-lo. Todas
essas regiões corticais do cérebro, observaram os vários
autores, tinham fortes ligações com o sistema límbico.
Esses estudos serviram como pano de fundo de um
trabalho para um seminário de Leslie Brothers, psiquiatra
do Instituto de Tecnologia da Califórnia, sobre a biologia
da empatia.12 Examinando relatos neurológicos,
Brothers aponta as amígdalas corticais e suas ligações
com a área de associação do córtex visual como parte
dos circuitos-chave do cérebro que estão por trás da
empatia.
Grande parte da importante pesquisa neurológica
vem do trabalho com animais, sobretudo primatas nãohumanos. O fato de que esses animais demonstram
empatia — ou “comunicação emocional”, como Brothers
prefere chamar — fica evidenciado não apenas pelas
histórias que são relatadas, mas também por estudos
como o seguinte: primeiro, treinaram-se macacos Rhesus
para terem medo de um determinado som, fazendo-se
com que o ouvissem enquanto recebiam um choque.
Depois, eles aprenderam a evitar o choque empurrando
uma alavanca sempre que ouviam o som. Em seguida,
pares desses macacos foram postos em jaulas separadas,
tendo como única comunicação entre si um circuito
fechado de TV, que lhes permitia ver as feições um do
outro. O primeiro macaco, mas não o segundo, ouvia
então o som temido, que trazia uma expressão de pânico
à sua cara. Nesse momento, o segundo macaco, vendo o
medo na fisionomia do primeiro, empurrava a alavanca
que impedia o choque — um ato de empatia, senão de
altruísmo.
Havendo estabelecido que os primatas não-humanos
de fato são capazes de captar emoções a partir da
expressão facial de seus iguais, os pesquisadores
inseriram delicadamente longos eletrodos pontiagudos
no cérebro dos macacos. Esses eletrodos permitiam a
gravação da atividade num único neurônio. Os eletrodos
que monitoravam neurônios no córtex visual e nas
amígdalas mostraram que, quando um macaco via a cara
do outro, essa informação levava ao disparo de um
neurônio, primeiro, no córtex visual, e depois, nas
amígdalas corticais. Esse caminho, claro, é uma rotapadrão da informação emocionalmente estimulante. Mas
o que surpreende nos resultados desses estudos é que
também identificaram neurônios no córtex visual que
parecem disparar somente em resposta a expressões
faciais ou gestos específicos, como um ameaçador abrir a
boca, uma careta terrível ou um dócil agachamento.
Esses neurônios são distintos de outros na mesma região
que reconhecem rostos familiares. Isso poderia significar
que o cérebro se destina desde o princípio a responder a
expressões emocionais específicas — ou seja, que a
empatia é um dado da biologia.
Outra linha de indícios para o papel-chave do
caminho amígdala-córtex na leitura e resposta de
emoções, sugere Brothers, é a pesquisa na qual foram
cortadas as ligações entre amígdalas e córtex de macacos
selvagens. Quando os soltaram de volta a seu habitat,
esses macacos podiam praticar tarefas comuns como
alimentar-se e subir em árvores. Mas os infelizes animais
tinham perdido qualquer noção de como reagir
emocionalmente aos outros. Mesmo quando um deles
fazia uma abordagem amistosa, os outros fugiam, e eles
acabaram se isolando, evitando contato com o grupo a
que pertenciam.
Brothers observa que as mesmas regiões do córtex
onde se concentram os neurônios específicos da emoção
são também as de mais densa ligação com as amígdalas;
a interpretação de emoções envolve os circuitos
amígdala-córtex, que têm um papel-chave na
organização das respostas adequadas.
— O valor para a sobrevivência desse sistema é
óbvio — observa Brothers. — A percepção da
aproximação de outro indivíduo deveria determinar um
certo padrão [de resposta fisiológica] — e muito
rapidamente — que fosse apropriado à intenção de
morder, de entrar numa gostosa sessão de cafuné ou
copular.13
Uma base fisiológica semelhante da empatia em nós
humanos é sugerida numa pesquisa realizada por Robert
Levenson, psicólogo da Universidade da Califórnia, em
Berkeley, que estudou casais em que cada cônjuge
tentava adivinhar o que o outro estava pensando durante
uma acalorada discussão que mantinham.14 O método
dele é simples: o casal é filmado em vídeo e suas
respostas fisiológicas vão sendo medidas enquanto eles
discutem um problema importante no casamento deles
— educação das crianças, hábitos de despesa e coisas
assim. Depois, cada um deles vê o filme e descreve o
que sentia, momento a momento. O outro cônjuge revê
a fita, desta vez tentando interpretar os sentimentos do
outro.
A mais precisa acuidade empática ocorreu nos
maridos e esposas cuja própria fisiologia identificava a
do cônjuge que eles estavam vendo. Quer dizer, quando
um suava mais, o outro também; quando um sofria uma
queda nos batimentos cardíacos, o mesmo acontecia
com o outro. Em suma, o corpo de um imitava as mais
sutis reações físicas do outro. Se aquele que estivesse
vendo o filme repetisse o mesmo comportamento
fisiológico que tivera na situação ao vivo, este dado era
apontado como um indicador de que ele não era capaz
de entender o sentimento do outro. Só quando o corpo
de um entrava em sintonia com o corpo do outro é que
ocorria a empatia.
Isso sugere que quando o cérebro emocional dirige o
corpo com uma forte emoção — o calor da fúria,
digamos —, há pouca ou nenhuma empatia. Empatia
exige bastante calma e receptividade para que os sutis
sinais de sentimento de uma pessoa sejam recebidos e
imitados pelo cérebro emocional da outra pessoa.
EMPATIA E ÉTICA: AS RAÍZES DO
ALTRUÍSMO
“Nunca pergunte por quem dobra o sino; ele dobra por
ti” é um dos versos mais famosos da literatura inglesa. O
sentimento de John Donne fala ao cerne da ligação entre
empatia e envolvimento: a dor do outro é nossa. Sentir
com o outro é envolver-se. Neste sentido, o oposto de
empatia é antipatia. A atitude empática empenha-se
interminavelmente em julgamentos morais, pois os
dilemas morais envolvem vítimas potenciais. Deve-se
mentir para evitar ferir os sentimentos de um amigo?
Deve-se manter o compromisso de visita a um amigo
doente ou, ao contrário, aceitar um convite de última
hora para um jantar? Até quando devem ser mantidos
ligados os aparelhos hospitalares que mantêm a vida de
alguém?
Essas questões morais são colocadas pelo
pesquisador de empatia Martin Hoffman, que afirma que
as raízes da ética estão na empatia, pois é o sentir
empatia com as vítimas potenciais — alguém que sofre,
que está em perigo, ou que passa privação, digamos —
e, portanto, partilhar da sua aflição que leva as pessoas a
agirem para ajudá-las.15 Além dessa ligação imediata
entre empatia e altruísmo nos encontros pessoais,
Hoffman sugere que a própria capacidade de afeto
empático, de colocar-se no lugar de outra pessoa, leva as
pessoas a seguir certos princípios morais.
Hoffman vê um desenvolvimento natural na empatia
a partir da infância. Como vimos, com um ano de idade,
a criança se sente aflita quando vê outra cair e começar a
chorar; sua relação é tão forte e imediata que ela põe o
polegar na boca e enterra a cabeça no colo da mãe,
como se fosse ela a machucada. Depois do primeiro ano,
quando os bebês se tornam mais conscientes de que são
distintos dos outros, tentam ativamente consolar um
outro que chora, oferecendo-lhe ursinhos de pelúcia, por
exemplo. Já aos 2 anos as crianças começam a perceber
que os sentimentos dos outros não são os seus e, com
isso, se tornam mais sensíveis a indícios que revelam o
que o outro de fato sente; nessa altura, podem, por
exemplo, reconhecer que o orgulho de outra criança
pode significar que a melhor maneira de ajudá-la a lidar
com suas lágrimas é não chamar indevida atenção para
elas.
No fim da infância, surgem os mais elevados níveis
de empatia, pois as crianças são capazes de entender a
aflição que está além de um acontecimento específico e
constatar que a condição ou posição de alguém na vida
pode ser um motivo de aflição permanente. Nesse
ponto, as crianças podem perceber as circunstâncias de
todo um grupo, como os pobres, os oprimidos, os
marginalizados. Essa compreensão, na adolescência,
pode reforçar convicções morais centradas na vontade
de aliviar o infortúnio e a injustiça.
A empatia é o suporte de muitas facetas de
julgamento e ação morais. Uma delas é a “raiva
empática”, que John Stuart Mill descreveu como “o
sentimento natural de retaliação (...) tornado pelo
intelecto e a simpatia aplicável (...) aos sofrimentos que
nos ferem por ferir outros”; Mill chamou isso de
“guardião da justiça”. Outro exemplo em que a empatia
conduz à ação moral é quando um circunstante é levado
a intervir em favor de uma vítima; a pesquisa mostra
que, quanto mais empatia ele sentir pela vítima, maior a
probabilidade de vir a intervir. Há algum indício de que
o nível de empatia que as pessoas sentem também afeta
seus julgamentos morais. Por exemplo, estudos na
Alemanha e nos Estados Unidos constataram que, quanto
mais empáticas as pessoas, mais fica fortalecido, para
elas, o princípio moral segundo o qual a riqueza deva
ser distribuída conforme a necessidade de cada um.16
A VIDA SEM EMPATIA: A MENTE DO
MOLESTADOR, A MORAL DO SOCIOPATA
Eric Eckardt envolveu-se num crime infame: guardacostas da patinadora Tonya Harding, mandou
vagabundos agredirem Nancy Kerrigan, arqui-rival de
Tonya pela medalha de ouro de patinação feminina nas
Olimpíadas de 1994. No ataque, o joelho de Tonya foi
machucado, deixando-a de fora da competição durante
meses de cruciais exercícios. Mas, quando Eckardt a viu
chorando na televisão, teve uma súbita onda de remorso
e procurou um amigo para revelar seu segredo,
iniciando a seqüência que levou à prisão dos atacantes.
Tal é o poder da empatia.
Mas ela está em geral, e tragicamente, ausente
naqueles que cometem os crimes mais hediondos. Uma
falha psicológica é comum em estupradores,
molestadores de crianças e muitos perpetradores de
violência familiar: são incapazes de empatia. Essa
incapacidade de sentir a dor das vítimas lhes permite
dizer a si mesmos mentiras que justificam o seu crime.
Para os estupradores, a mentira inclui “As mulheres
querem mais é ser estupradas” ou “Se ela resiste, é só
pra bancar a difícil”; para os molestadores: “Não estou
machucando a criança, só demonstrando amor” ou “Esta
é apenas mais uma forma de afeto”; para os pais
violentos: “Isso é pra aprender.” Todas essas
autojustificações foram coletadas a partir do que pessoas
em tratamento relatam terem dito a si mesmas quando
brutalizavam suas vítimas, ou quando estavam em vias
de fazê-lo.
A ausência da empatia no momento em que essas
pessoas infligem dano às vítimas é quase sempre parte
de um ciclo emocional que precipita seus atos cruéis. É
só ver a seqüência emocional que, normalmente, leva a
um crime sexual como, por exemplo, molestar
crianças.17 O ciclo começa com o molestador sentindose perturbado: irado, deprimido, solitário. Esses
sentimentos podem ser provocados, digamos, vendo
casais felizes na TV, e depois sentindo-se deprimido por
estar só. O molestador, então, busca consolo numa
fantasia de sua preferência, em geral sobre uma cálida
amizade com uma criança; a fantasia torna-se sexual e
acaba em masturbação. Depois, o molestador sente um
alívio temporário da tristeza, mas esse alívio tem vida
breve; a depressão e a solidão retornam com mais
intensidade. O molestador começa a pensar em
transformar a fantasia em realidade, dando a si mesmo
justificativas do tipo “Não estou fazendo nenhum mal de
fato se a criança não for psicologicamente atingida” e “Se
uma criança não quisesse mesmo fazer sexo comigo, ela
pararia”.
Nessa altura, o molestador está vendo a criança pela
lente da fantasia pervertida, sem empatia pelo que uma
criança de fato sentiria na situação. Esse desligamento
emocional caracteriza tudo que vem a seguir, desde o
resultante plano de pegar a criança sozinha até o
cuidadoso ensaio do que vai acontecer e a execução do
plano. Tudo se segue como se a criança envolvida não
tivesse sentimentos próprios; ao contrário, o molestador
projeta nela a atitude cooperativa da criança de sua
fantasia. Os sentimentos dela — repulsa, medo, nojo —
não são registrados. Se fossem, “estragariam” tudo para o
molestador.
Essa absoluta falta de empatia pelas vítimas é um dos
principais focos de novos tratamentos, em vias de
elaboração, para molestadores de crianças e outros
criminosos do gênero. Num dos mais promissores
programas de tratamento, os criminosos lêem
dilacerantes histórias de crimes semelhantes aos que
praticaram, contadas da perspectiva da vítima. Também
vêem videoteipes de vítimas contando, em lágrimas, o
que é ser molestado. Os criminosos então escrevem
sobre seu próprio crime do ponto de vista da vítima,
imaginando o que ela sentiu. Lêem essa história para um
grupo de terapia e tentam responder às perguntas sobre
o ataque do ponto de vista da vítima. Finalmente, o
criminoso passa por uma reencenação simulada do
crime, desta vez fazendo o papel da vítima.
William Pithers, psicólogo da prisão de Vermont que
desenvolveu essa terapia de adoção da perspectiva da
vítima, me disse:
— A empatia com a vítima muda a percepção de tal
modo que é difícil a negação da dor, mesmo em nossas
fantasias.
Isso reforça a motivação dos homens que desejam
controlar seus impulsos sexuais perversos. Os criminosos
sexuais que passaram pelo programa na prisão tiveram
apenas metade da taxa de crimes posteriores após a
libertação, comparados com os que não foram
submetidos a esse tratamento. Sem essa motivação inicial
inspirada pela empatia, nada do resto do tratamento dará
certo.
Embora possa haver uma leve esperança de se instilar
um sentimento de empatia em criminosos como os
molestadores de crianças, há muito menos para outro
tipo criminoso, o psicopata (mais recentemente chamado
de sociopata na diagnose psiquiátrica). Os psicopatas são
notórios por serem ao mesmo tempo encantadores e
completamente desprovidos de remorso, mesmo em
relação aos atos mais cruéis e impiedosos. A psicopatia,
incapacidade de sentir qualquer tipo de empatia ou
piedade, ou o mínimo problema de consciência, é um
dos defeitos emocionais mais intrigantes. O núcleo da
frieza do psicopata parece estar na incapacidade de ir
além das mais tênues ligações emocionais. Os mais
cruéis dos criminosos, como os sádicos assassinos em
série, que se deliciam com o sofrimento de suas vítimas
antes de elas morrerem, são exemplos clássicos da
psicopatia.18
Os psicopatas são também deslavados mentirosos,
prontos a dizer qualquer coisa para conseguir o que
querem, e manipulam as emoções das vítimas com o
mesmo cinismo. Vejam o desempenho de Faro, garoto
de 17 anos e membro de uma gangue de Los Angeles
que aleijou uma mãe e seu bebê atirando-os de um carro
em movimento, o que ele descreveu mais com orgulho
do que com remorso. Num carro com Leon Bing, que
escrevia um livro sobre as gangues Crips e Blocks, de
Los Angeles, Faro quer se exibir. Diz a Bing que “vai dar
uma de doido” com os “dois panacas” no carro ao lado.
Bing conta o ocorrido:
O motorista, sentindo que alguém o está observando, dá uma
olhada no meu carro. Seus olhos encontram os de Faro e arregalam-se
por um instante. Depois ele desfaz o contato, baixa os olhos, desvia os
olhos. E não tenho a menor sombra de dúvida sobre o que vi ali nos
olhos dele. Era medo.
Faro repete o olhar que lançou ao carro ao lado para
Bing:
Ele olha direto para mim e tudo em seu rosto muda e se transforma,
como por um truque de fotografia de tempo. Torna-se uma cara de
pesadelo, apavorante de se ver. Diz à gente que se a gente retribuir o
olhar dele, se desafiar esse garoto, é melhor poder se garantir. O olhar
dele diz que ele não está dando a mínima para coisa alguma, nem para
a vida da gente nem para a dele.19
É evidente que, num comportamento tão complexo
quanto o crime, há muitas explicações plausíveis que
não evocam base biológica. Uma delas seria a de que
uma espécie de aptidão emocional perversa — intimidar
os outros — é importante, em bairros violentos, para a
sobrevivência, como seria voltar-se para o crime; nesses
casos, empatia demais poderia ser contraproducente. Na
verdade, uma oportunística falta de empatia pode ser
uma “virtude” em muitos papéis na vida, do interrogador
policial “barra pesada” ao invasor de empresas. Homens
que trabalharam como torturadores para Estados
terroristas, por exemplo, descrevem como aprenderam a
se dissociar dos sentimentos das vítimas para fazer seu
“serviço”. Há muitos caminhos para a manipulação.
Uma das mais sinistras formas em que a ausência de
empatia pode mostrar-se foi descoberta por acaso num
estudo sobre os mais perversos espancadores de esposa.
A pesquisa revelou uma anomalia fisiológica entre
muitos dos maridos mais violentos, aqueles que batem
regularmente na mulher ou as ameaçam com facas e
revólveres: eles fazem isso mais em estado de calma, de
forma calculada, do que quando arrebatados pelo calor
da fúria.20 À medida que aumenta a sua cólera, surge a
anomalia: os batimentos cardíacos caem, em vez de
elevarem-se, como acontece comumente na fúria em
ascensão. Isso significa que estão ficando
fisiologicamente mais calmos, no próprio momento em
que se tornam mais beligerantes e abusivos. A violência
deles parece ser um ato de terrorismo calculado, um
método de controlar as esposas pela instilação do medo.
Esses maridos friamente brutais são uma raça à parte
da maioria dos outros homens que espancam as esposas.
Entre outras coisas, é mais provável que sejam também
violentos fora do casamento, metendo-se em brigas de
bar e entrando em luta corporal com colegas de trabalho
e com outros membros da família. E, enquanto a maioria
dos outros homens que ficam violentos com as esposas
faz isso impulsivamente, com raiva por se sentirem
rejeitados ou por ciúmes, ou por medo de serem
abandonados, esses espancadores calculistas batem nas
mulheres sem nenhum motivo aparente — e, uma vez
que começam, nada que elas façam, incluindo tentar ir
embora, parece conter a violência deles.
Alguns pesquisadores que estudam criminosos
psicopatas suspeitam que a fria manipulatividade deles,
essa ausência de empatia ou envolvimento, às vezes tem
origem numa anomalia neural.[2] Uma possível base
fisiológica para a psicopatologia cruel foi demonstrada
de duas formas, ambas sugerindo o envolvimento de
caminhos neurais para o cérebro límbico. Numa, as
ondas cerebrais das pessoas são medidas quando tentam
decifrar palavras embaralhadas. As palavras são exibidas
muito rapidamente, por apenas cerca de um décimo de
segundo. A maioria das pessoas reage de um modo
diferente a palavras como matar do que a palavras
neutras como cadeira; decide mais rapidamente se a
palavra emocional foi embaralhada, mas não as neutras.
Os psicopatas, no entanto, não têm nenhuma dessas
reações: o cérebro deles não mostra o padrão distintivo
em resposta às palavras emocionais, e eles não reagem
com mais rapidez a elas, o que sugere uma perturbação
nos circuitos entre o córtex verbal, que reconhece a
palavra, e o cérebro límbico, que lhe atribui sentido.
Robert Hare, psicólogo da Universidade de Colúmbia
que fez essa pesquisa, interpreta esses resultados como
significando que os psicopatas têm uma tênue
compreensão de palavras de cunho emocional, um
reflexo da tenuidade mais genérica no campo afetivo.
Hare acredita que a insensibilidade dos psicopatas se
baseia parcialmente em outro padrão psicológico
identificado em pesquisa anterior, e que também sugere
uma anomalia no funcionamento das amígdalas e
circuitos relacionados: os psicopatas que vão tomar um
choque elétrico não demonstram qualquer sinal de
medo, como normalmente ocorre em pessoas que vão
sentir dor.21 Como a perspectiva de dor não provoca
uma onda de ansiedade, Hare afirma que os psicopatas
não se preocupam com punições futuras pelos atos que
praticam. E como eles próprios não sentem medo, não
há lugar para a empatia — ou piedade — em relação ao
medo e à dor de suas vítimas.
[1] Perfil de Sensibilidade Não-Verbal. (N. do T.)
[2] Uma nota de advertência. Se há padrões biológicos
em jogo em alguns tipos de criminalidade — como um
defeito neural na empatia —, isso não quer dizer que
todos os criminosos são biologicamente anômalos, ou
que existe uma determinante biológica para o crime. Há
uma tremenda controvérsia sobre essa questão, e o
melhor consenso a que podemos chegar é o de que não
há essa determinante biológica, e certamente nenhum
“gene criminoso”. Mesmo que haja, em alguns casos,
uma base biológica que justifique a ausência de empatia,
isso não é determinante para a prática de atos
criminosos; não acontece com a maioria das pessoas. A
falta de empatia é apenas um fator, entre outras forças
psicológicas, econômicas e sociais, que contribui para
um vetor em direção à criminalidade.
8
A Arte de Viver em Sociedade
Como é comum em crianças de 5 anos que têm irmãos
mais novos, Len perdeu a paciência com Jay, de dois
anos e meio, que desarrumou os blocos de Lego com os
quais estavam brincando. Enraivecido, Len morde Jay,
que cai no choro. A mãe, ouvindo o grito de dor de Jay,
acorre e censura Len, ordenando-lhe que guarde o que
deu motivo à briga, os blocos de Lego. Diante dessa
ordem — que seguramente soa a uma crassa injustiça —,
Len começa a chorar. Ainda irritada, a mãe recusa-se a
consolá-lo.
Mas Len é reconfortado por quem menos esperava:
Jay, que, embora sendo o ofendido, agora está tão
preocupado com as lágrimas do irmão que faz o maior
esforço para acalmá-lo. O diálogo é mais ou menos
assim:1
— Chora não, Len — implora Jay. — Chora não, cara.
Chora não.
Mas Len continua chorando. Como seu apelo não
funciona, Jay se dirige à mãe em favor do irmão:
— Len chorando, Mãe! Len chorando. Olha. Eu
mostra a você. Len chorando.
E, então, voltando-se para Len, Jay adota uma atitude
maternal, fazendo afagos no irmão e tranqüilizando-o
com palavras ternas.
— Olha, Len. Chora mais não.
Continuam os soluços de Len, apesar da tentativa de
reconforto. Então, Jay muda de tática, ajudando a
guardar os blocos de Lego na sacola, e diz, num tom
amistoso:
— Ah, Len. Guardo pra Lenizinho, tá?
Mesmo assim, as lágrimas continuam. O sempre
engenhoso Jay lança mão de outra estratégia: distrair o
irmão. Mostrando um carrinho de brinquedo, tenta
desviar a atenção dele da tragédia que está vivendo.
— Tem um homem aqui dentro. Quer ver, Len? Quer
ver, Len?
Len não dá a mínima. Está inconsolável; não pára de
chorar. A mãe perde a paciência e recorre à clássica
ameaça:
— Tá querendo apanhar?
Len, com a voz trêmula, responde:
— Não.
— Então faça o favor de parar — diz a mãe com
firmeza, embora um tanto exasperada.
Em meio a soluços, Len consegue esboçar um
patético e arquejante:
— Estou tentando.
Isso faz com que Jay utilize um último estratagema:
assumindo a firmeza e a voz autoritária da mãe, ameaça:
— Chora não, Len. Assim leva palmada!
Esse microdrama revela a notável sofisticação no lidar
com emoções que uma criança de apenas dois anos e
meio pode usar ao tentar entender as emoções de outra
pessoa. Em suas urgentes tentativas de consolar o irmão,
Jay foi capaz de recorrer a um grande repertório de
táticas, que foram do simples apelo para que a mãe se
aliasse a ele (o que não funcionou), a consolar o irmão
fisicamente, a ajudá-lo, a tentar distraí-lo, a ameaças e a
dar ordens explícitas. Sem dúvida, Jay está adotando
uma série de medidas que, em seus próprios momentos
de aflição, lhe foram aplicadas. Não importa. O que
conta é que ele, tão novinho, é capaz de utilizá-las
quando necessário.
É claro que, como todos os pais sabem, a
demonstração de empatia e essas tentativas de consolar
o outro, vividas por Jay, não são um comportamento
comum em crianças tão novas. Pelo contrário, é mais
provável que, diante da aflição de um irmão, a criança
até encontre uma boa oportunidade de se vingar e,
então, faça tudo o que for possível para piorar mais
ainda a aflição. Ou seja, as mesmas aptidões podem ser
usadas para provocar ou atormentar um irmão. Mas
mesmo essa maldade revela o surgimento de uma crucial
aptidão: a capacidade de perceber os sentimentos de
outra pessoa e agir de maneira a enfatizá-los mais ainda.
Poder exercer controle sobre as emoções do outro é a
essência da arte de relacionar-se.
Para manifestar essa capacidade de interação, as
crianças pequenas têm de, em primeiro lugar, alcançar
um nível de autocontrole, primeiros ensaios para, mais
tarde, poderem conter suas próprias raiva e aflição, seus
impulsos e excitação — mesmo que essa capacidade, na
maioria das vezes, falhe. Para que entremos em sintonia
com o outro é necessário que tenhamos calma. Sinais
que sugerem essa capacidade de controlar as próprias
emoções surgem mais ou menos nesse mesmo período:
as crianças começam a poder esperar sem chorar, a
argumentar ou a bajular para conseguir o que querem,
em vez de apelar para a força — mesmo que nem
sempre prefiram usar essa aptidão. A paciência surge
como uma alternativa aos faniquitos, ao menos de vez
em quando. E sinais de empatia surgem aos 2 anos; foi a
empatia de Jay, raiz da solidariedade, que o levou a
tentar, com tanto empenho, levantar o ânimo do irmão
Len, que chorava. Portanto, controlar as emoções de
outra pessoa — a bela arte de relacionar-se com os
outros — exige o amadurecimento de duas outras
aptidões emocionais: o autocontrole e a empatia.
De posse disso, amadurecem as “aptidões pessoais”.
São competências sociais eficazes na relação com os
outros; aqui, as deficiências conduzem à inépcia no
mundo social ou a repetidos desastres. Na verdade, é
precisamente a falta dessas aptidões que pode fazer com
que, mesmo aqueles que são considerados brilhantes do
ponto de vista intelectual, naufraguem em seus
relacionamentos, pareçam arrogantes, nocivos ou
insensíveis. Essas aptidões sociais nos permitem moldar
um relacionamento, mobilizar e inspirar os outros,
vicejar em relações íntimas, convencer e influenciar,
deixar os outros à vontade.
EXPRESSE SUAS EMOÇÕES
A forma como as pessoas expressam seus sentimentos
constitui-se numa competência social muito importante.
Paul Ekman utiliza o termo regras de exibição para
designar o consenso social acerca de quais sentimentos
— e em que momento — podem ser demonstrados de
forma apropriada. Por exemplo, ele e colegas no Japão
realizaram uma pesquisa sobre reações faciais de
estudantes diante de um filme horripilante, cuja temática
era o rito de circuncisão em jovens aborígenes. Quando
os estudantes japoneses assistiram ao filme em presença
de uma autoridade, seus rostos mostraram apenas leves
sinais de reação. Mas quando (embora filmados por uma
câmara secreta) pensaram que estavam a sós, seus rostos
contorceram-se num misto de angústia, aflição, pavor e
nojo.
Há tipos básicos de regras de exibição.2 Um deles é
minimizar a expressão da emoção — e este é o costume
adotado pelos japoneses no que diz respeito a
sentimentos de aflição experimentados na presença de
alguma autoridade, exatamente como os estudantes
referidos acima se comportaram quando mascararam sua
perturbação com um rosto impassível. Outra forma é
exagerar o que se sente, exacerbando a expressão
emocional: é o truque usado pela adolescente de 16
anos que contorce dramaticamente o rosto quando corre
para queixar-se à mãe de uma provocação feita pelo
irmão mais velho. Uma terceira consiste em substituir
um sentimento por outro; isto ocorre em algumas
culturas asiáticas, onde não é de bom-tom dizer “não”,
daí as anuências (ainda que falsas) substituírem o “não”.
A habilidade no manejo dessas estratégias e a escolha do
momento adequado para utilizá-las é um fator de
inteligência emocional.
Desde muito cedo, aprendemos essas regras de
exibição, em parte por instruções explícitas. Ensinamos
regras de exibição quando dizemos a uma criança para
não demonstrar decepção, mas, ao contrário, sorrir e
agradecer quando o vovô lhe dá um presente horrível
mas bem-intencionado. Essa educação em regras de
exibição, no entanto, se dá, com mais freqüência, por
imitação de um modelo: as crianças aprendem a fazer o
que vêem fazer. Ao educar os sentimentos, as emoções
são, ao mesmo tempo, o meio e a mensagem. Se a
criança recebe a ordem de “sorrir e dizer obrigado” por
um pai que, naquele momento, se mostra duro, exigente
e frio — e que diz, de forma sibilante e não delicada —
o que a criança deve dizer, é muito provável que a lição
seja aprendida de modo diferente e, na verdade, ela
responda ao vovô de cara feia, com um sucinto e
lacônico “Obrigado”. O efeito causado no vovô não será
o desejado: na primeira hipótese, fica feliz (embora
tenha sido enganado); na segunda, fica magoado diante
da mensagem confusa.
As demonstrações de emoção, claro, causam um
impacto imediato. A regra aprendida pela criança é
alguma coisa do tipo “Disfarce seus verdadeiros
sentimentos para não magoar alguém que você ama;
demonstre, em vez disso, um sentimento falso, porém
menos ofensivo”. Tais regras para expressar emoções são
mais do que parte de um manual de boas maneiras
sociais; ditam como nossos sentimentos se refletem em
outra pessoa. Seguir bem essas regras é produzir o
impacto ideal; não segui-las, ou segui-las de forma
canhestra, implica gerar uma devastação emocional.
Os atores, claro, são os virtuoses em matéria de
demonstrar sentimentos; é a expressividade deles que
evoca reação na platéia. E, sem dúvida, alguns de nós
nascemos com o dom de representar. Mas, em parte
porque as lições que aprendemos sobre as regras de
exibição variam segundo os modelos que recebemos, as
pessoas diferem muito nessa aptidão.
EXPRESSIVIDADE E CONTÁGIO SOCIAL
Começava a Guerra do Vietnã e um pelotão americano
estava escondido em arrozais, no calor de um combate
com os vietcongues. De repente, uma fila de seis
monges começou a passar por uma das bermas que
separavam um campo de outro. Totalmente calmos e
equilibrados, dirigiram-se para a linha de fogo.
— Não olharam nem para um lado nem para outro.
Seguiram em frente — lembra David Busch, um dos
soldados americanos. — Foi realmente estranho, porque
ninguém atirou neles. E, depois que passaram pela
berma, de repente eu simplesmente já estava fora do
combate. Não mais queria continuar fazendo aquilo,
pelo menos naquele dia. Deve ter acontecido o mesmo
com todo mundo, porque todos desistiram. Cessamos o
combate.3
O poder que esses monges tranqüilos e corajosos
exerceram na pacificação dos soldados, no calor de um
combate, ilustra um princípio básico da interação entre
as pessoas: as emoções são contagiantes. É evidente que
essa história assinala um extremo. A maior parte do
contágio emocional é muito mais sutil, parte de um
tácito intercâmbio que ocorre em qualquer interação
com o outro. Transmitimos e captamos modos uns dos
outros, algo como uma economia subterrânea da psique,
em que alguns encontros são tóxicos, outros,
revigorantes. Esse intercâmbio emocional se dá, em
geral, de forma sutil, quase imperceptível; a maneira
como um vendedor nos diz “obrigado” pode fazer-nos
sentir ignorados, ressentidos, ou ser de fato um
agradecimento e dar mostras de consideração.
Enviamos sinais emocionais sempre que interagimos,
e esses sinais afetam aqueles com quem estamos.
Quanto mais hábeis somos nas relações que mantemos
com o outro, melhor controlamos os sinais que
enviamos; a forma reservada com que se comporta a
sociedade bem-educada é, enfim, apenas um meio de
assegurar que nenhum vazamento emocional
perturbador vai prejudicar os relacionamentos (uma
regra social que, quando utilizada nos relacionamentos
íntimos, é sufocante). Inteligência emocional inclui o
controle desse intercâmbio; “muito benquisto” e
“encantador” são termos que empregamos para qualificar
pessoas com as quais gostamos de estar porque a
habilidade social delas nos faz bem. As pessoas capazes
de ajudar outras a aliviar seus sofrimentos possuem um
produto social especialmente valorizado; são as almas
para as quais se voltam as outras quando se encontram
em dificuldades. Todos somos parte dos recursos
utilizados por outrem para alterar seu estado de espírito,
para o melhor ou para o pior.
Pensem na notável demonstração de sutileza com
que as emoções passam de uma pessoa para outra.
Numa experiência simples, dois voluntários preencheram
um formulário onde deveriam informar como se sentiam
naquele momento e, depois, simplesmente ficaram
sentados um diante do outro, calados, enquanto
esperavam que a pesquisadora voltasse à sala. Dois
minutos depois, ela voltou e pediu-lhes que tornassem a
preencher outro formulário, nos moldes do anterior. A
dupla tinha sido escolhida exatamente porque uma das
pessoas era muito expressiva emocionalmente e a outra,
inexpressiva. Invariavelmente, o estado de espírito da
mais expressiva havia passado para a mais passiva.4
Como se dá essa mágica transmissão? É possível que,
de forma não deliberada, imitemos as emoções que
vemos exibidas por outra pessoa, através de uma mímica
motora inconsciente de sua expressão facial, gestos, tom
de voz e outros indicadores não-verbais de emoção.
Através dessa imitação, as pessoas recriam em si o
estado de espírito da outra — é uma ligeira versão do
método de Stanislavsky, no qual os atores lembram
gestos, movimentos e outras expressões de uma emoção
que sentiram intensamente no passado, para evocar de
novo esses sentimentos.
A imitação cotidiana de sentimentos é, em geral,
bastante sutil. Ulf Dimberg, pesquisador sueco da
Universidade de Uppsala, constatou que quando as
pessoas vêem um rosto sorridente ou irado, os seus
próprios rostos mostram sinais desse mesmo estado de
espírito através de ligeiras mudanças nos músculos
faciais. As mudanças são evidenciadas por meio de
sensores eletrônicos, mas não são, em geral, visíveis a
olho nu.
Quando duas pessoas interagem, a transferência de
estado de espírito ocorre da mais expressiva para a mais
passiva. Acontece, porém, que certas pessoas são
particularmente susceptíveis ao contágio emocional; sua
sensibilidade inata torna seu sistema nervoso autônomo
(um marcador de atividade emocional) mais facilmente
disparável. Essa desvantagem parece torná-las mais
impressionáveis; comerciais sentimentais provocam-lhes
lágrimas, enquanto um rápido papo com alguém
eufórico as anima (também pode torná-las mais
empáticas, já que são mais prontamente movidas pelos
sentimentos dos outros).
John Cacioppo, o psicofisiologista social da
Universidade do Estado de Ohio que estudou esse sutil
intercâmbio emocional, observa:
— Basta ver alguém manifestar uma emoção e já
evocamos em nós esse estado de espírito, quer
percebamos que estamos imitando a expressão facial ou
não. Isso nos acontece o tempo todo; há uma dança,
uma sincronia, uma transmissão de emoções. Essa
sincronia de estados de espírito é determinante para que
sintamos se uma interação foi boa ou não.
A intensidade de envolvimento que as pessoas
experimentam numa interação reflete-se na maneira
como seus movimentos físicos são organizados enquanto
elas conversam — um indício de fechamento
normalmente inconsciente. Uma pessoa balança a cabeça
em concordância quando a outra afirma uma coisa, ou
as duas se mexem em suas cadeiras no mesmo instante,
ou uma se curva para a frente e a outra para trás. A
orquestração pode ser tão sutil quanto duas pessoas
balançando-se em poltronas giratórias no mesmo ritmo.
Como descobriu Daniel Stern, ao observar a sincronia
entre mães e bebês sintonizados, a mesma reciprocidade
liga os movimentos de pessoas que se sentem
emocionalmente relacionadas.
Essa sincronia parece facilitar o envio e a recepção de
estados de espírito, mesmo os negativos. Por exemplo,
num estudo de sincronia física, mulheres deprimidas
foram a um laboratório com seus namorados e
discutiram um problema que havia no relacionamento
deles. Quanto maior a sincronia não-verbal entre os
casais nesse nível, pior os namorados das deprimidas se
sentiram depois da discussão — haviam contraído o
estado de espírito negativo das namoradas.5 Em suma,
quer as pessoas se sintam alegres ou deprimidas, quanto
mais fisicamente sintonizados seus contatos, mais
assemelhados se tornarão seus estados de espírito.
A sincronia entre professores e alunos indica a
intensidade da relação estabelecida entre eles; estudos
realizados em salas de aula mostram que quanto mais
estreita for a coordenação de movimentos entre
professor e aluno, mais eles são amigáveis entre si,
satisfeitos, entusiasmados, interessados e abertos na
interação. Em geral, um alto nível de sincronia numa
interação indica que as pessoas envolvidas gostam umas
das outras. Frank Bernieri, o psicólogo da Universidade
do Estado de Oregon que fez esses estudos, me disse:
— O constrangimento ou descontração que sentimos
diante de alguém está num nível físico. Precisamos de
uma cronologia compatível, coordenar nossos
movimentos, sentirmo-nos à vontade. A sincronia reflete
a profundidade do engajamento entre os parceiros; se
estamos altamente engajados, nossos estados de espírito
começam a entrelaçar-se, positiva ou negativamente.
Em suma, a coordenação de estados de espírito é a
essência da relação, a versão adulta da sintonia que a
mãe tem com seu bebê. Cacioppo sugere que uma
determinante de eficiência interpessoal é a habilidade
com que as pessoas conduzem essa sincronia emocional.
Se são hábeis em sintonizar-se com os estados de
espírito das pessoas, ou podem facilmente pôr
emocionalmente outras pessoas sob seu controle, suas
interações se darão com mais leveza no nível emocional.
O que marca um líder ou um bom ator é a capacidade
de levar emoção à platéia de milhares desse modo. Pelo
mesmo motivo, Cacioppo indica que as pessoas
incapazes de transmitir e de receber emoções tendem a
ter problemas em seus relacionamentos, já que muitas
vezes os outros se sentem pouco à vontade com elas,
mesmo quando não consigam explicar por que isto
ocorre.
Dar o tom emocional de uma interação é, num certo
sentido, um indicador da capacidade de dominação,
num nível profundo e íntimo: significa direcionar o
estado emocional da outra pessoa. Esse poder de
determinar emoções corresponde ao que, na biologia, se
chama de Zeitgeber (literalmente, “agarrador do tempo”),
um processo (como o ciclo dia-noite ou as fases mensais
da lua) que afeta ritmos biológicos. Para um casal
dançando, a música é um Zeitgeber físico. Quando se
trata de contatos pessoais, a pessoa que tem uma
expressividade mais forte — ou mais poder — é
geralmente aquela cujas emoções arrebatam a outra. Os
parceiros dominantes falam mais, enquanto o passivo
fica olhando para o outro — uma preparação para a
transmissão de afeto. Pelo mesmo motivo, a energia de
um bom orador — um político ou pastor evangélico, por
exemplo — é canalizada para provocar emoções na
platéia.6 Essa faceta corresponde a dizer que “ele tem a
platéia na palma da mão”. O arrasto emocional é a
essência do poder de influenciar pessoas.
RUDIMENTOS EM INTELIGÊNCIA SOCIAL
É hora do recreio e um bando de meninos atravessa
correndo o gramado. Reggie tropeça, machuca o joelho
e começa a chorar, mas os outros continuam a correr —
menos Roger, que pára. Enquanto diminuem os soluços
de Reggie, Roger curva-se e massageia o próprio joelho,
gritando:
— Eu também machuquei o joelho!
Roger — porque possui uma inteligência interpessoal
exemplar — é citado por Thomas Hatch, colega de
Howard Gardner na Spectrum, escola que se baseia no
conceito de inteligências múltiplas.7 Parece que Roger é
extraordinariamente capaz de reconhecer os sentimentos
dos coleguinhas de brincadeiras e de estabelecer rápidas
e suaves ligações com eles. Só ele tomou conhecimento
da situação e da dor de Reggie, e só ele tentou oferecer
algum consolo, ainda que o máximo que pudesse fazer
fosse esfregar o próprio joelho. Esse pequeno gesto
revela um talento para o relacionamento, uma aptidão
emocional essencial para a preservação de
relacionamentos estreitos, seja no casamento, com
amigos ou numa parceria comercial. Essas aptidões em
pré-escolares são os botões de talentos que desabrocham
pela vida afora.
O talento de Roger representa uma entre quatro
aptidões distintas que Hatch e Gardner identificam como
componentes de inteligência interpessoal:
• Organizar grupos — aptidão essencial do líder, que
envolve iniciar e coordenar os esforços de um
grupo de pessoas. É o talento que se vê em
diretores ou produtores de teatro, oficiais militares
e chefes efetivos de organizações e grupos de toda
espécie. Nas brincadeiras, líder é a criança que
toma a dianteira ao decidir o que todas vão fazer,
ou se torna capitão da equipe.
• Negociar soluções — o talento do mediador, que
evita ou resolve conflitos. As pessoas que têm essa
aptidão são excelentes para fazer acordos, arbitrar
ou mediar disputas; podem fazer carreira na
diplomacia, arbitragem ou na advocacia, ou como
intermediários ou gerentes de incorporações. São
as crianças que resolvem as brigas nas
brincadeiras.
• Ligação pessoal — o talento de Roger, de empatia e
ligação. Isto facilita estabelecer um relacionamento
ou reconhecer e reagir adequadamente aos
sentimentos e preocupações das pessoas — a arte
do relacionamento. Essas pessoas dão bons
“jogadores de equipe”, cônjuges confiáveis, bons
amigos ou bons parceiros comerciais; no mundo
dos negócios, dão-se bem como vendedores ou
gerentes, ou podem ser excelentes professores.
Crianças como Roger se dão bem com
praticamente todos, entram facilmente em
brincadeiras com eles e se sentem felizes fazendo
isso. Essas crianças tendem a ser melhores na
interpretação de expressões faciais e são as mais
queridas pelos colegas de sala de aula.
• Análise social — poder detectar e intuir
sentimentos, motivos e preocupações das pessoas.
Esse conhecimento de como os outros se sentem
leva a uma fácil intimidade ou senso de relação.
Aperfeiçoada, essa aptidão nos torna terapeutas ou
conselheiros competentes — ou, se combinada
com algum dom literário, talentosos romancistas ou
dramaturgos.
Em seu conjunto, essas aptidões são a matéria do
verniz interpessoal, os ingredientes necessários para o
encanto, sucesso social e até mesmo carisma. Os hábeis
em inteligência social ligam-se facilmente com as
pessoas, são exímios na interpretação de suas reações e
sentimentos, conduzem e organizam e controlam as
disputas que eclodem em qualquer atividade humana.
São os líderes naturais, pessoas que expressam o tácito
sentimento coletivo e o articulam de modo a orientar o
grupo para suas metas. São aquelas pessoas com as
quais os outros gostam de estar porque são
emocionalmente animadoras — fazem com que as
pessoas se sintam bem e despertam o comentário: “Que
prazer estar com uma pessoa assim.”
Essas aptidões interpessoais se alimentam de outras
inteligências emocionais. As pessoas que causam uma
excelente impressão social, por exemplo, são hábeis no
controle de suas expressões de emoção, finamente
sintonizadas com a maneira como os outros reagem e,
assim, capazes de continuamente sintonizar sua atuação
social, ajustando-a para assegurar-se de que estão
obtendo o efeito desejado. Nesse sentido, são como
exímios atores.
Contudo, se essas aptidões interpessoais não são
equilibradas por um agudo senso das próprias
necessidades e sentimentos, e de como satisfazê-los,
podem levar a um vazio sucesso social — uma
popularidade ganha à custa da própria satisfação real.
Esse é o argumento de Mark Snyder, psicólogo da
Universidade de Minnesota, que estudou pessoas cujas
aptidões sociais as tornam camaleões de primeira,
campeões da boa impressão.8 Seu credo psicológico fica
bem caracterizado por uma observação de W. H. Auden,
que disse, a respeito da idéia que faz de si mesmo: “É
muito diferente da imagem que eu procuro criar na
cabeça dos outros para que me amem.” Essa troca pode
ser feita se as aptidões sociais ultrapassam a capacidade
de conhecer e honrar nossos próprios sentimentos: para
ser amado — ou pelo menos gostado — o camaleão
social se mostrará como pareçam querer aqueles com
quem ele esteja. Snyder constata que o sinal de que
alguém entrou nesse esquema é que, embora cause uma
excelente impressão, tem poucos relacionamentos
estáveis ou satisfatórios. Um padrão mais saudável, claro,
é equilibrar a fidelidade a si mesmo com aptidões
sociais, usando-as com integridade.
Mas os camaleões sociais não dão a mínima para
dizer uma coisa e fazer outra, se isso lhes valer
aprovação social. Simplesmente convivem com a
discrepância entre sua imagem pública e sua realidade
privada. A psicanalista Helena Deutsch chamou essas
pessoas de “personalidades condicionais”, mudando de
persona com notável plasticidade à medida que captam
sinais dos que as cercam.
— Para alguns — disse-me Snyder —, as pessoas
pública e privada se cruzam bem, enquanto para outras
parece haver apenas um caleidoscópio de aparências
cambiáveis. São como a personagem Zellig, de Woody
Allen, tentando loucamente adaptar-se a todos com
quem está.
Essas pessoas tentam vasculhar o outro em busca de
um sinal que indique sua expectativa, antes de darem
uma resposta, em vez de simplesmente dizer o que
realmente sentem. Para enturmar-se e fazer-se gostar,
estão dispostas a levar pessoas de quem não gostam a
pensar que são amigas delas. E usam essas aptidões
sociais para moldar seu comportamento de acordo com
situações sociais díspares, para agir como pessoas muito
diferentes, a depender de com quem estão, passando da
borbulhante sociabilidade, por exemplo, para uma
retirada discreta. Claro, na medida em que esses traços
conduzem a um efetivo controle de impressão, são
altamente valorizados em certas profissões, notadamente
o teatro, a advocacia em tribunal, vendas, diplomacia e
política.
Outro tipo, talvez mais crítico, de automonitoramento
parece fazer a diferença entre os que acabam como
camaleões sociais à deriva, tentando impressionar todo
mundo, e os que sabem usar seu verniz social em
conformidade com seus verdadeiros sentimentos. É a
capacidade de ser autêntico, como diz o ditado, “Sermos
nós mesmos”, que permite agir de acordo com nossos
mais profundos sentimentos e valores, sem ligar para as
conseqüências sociais. Essa integridade emocional pode
muito bem levar a, digamos, deliberadamente provocar
um confronto a fim de estabelecer uma duplicidade ou
negação — uma limpeza do ar que o camaleão social
jamais tentaria.
COMO FABRICAR UM INCOMPETENTE
SOCIAL
Não havia dúvida de que Cecil era brilhante, um
especialista, graduado em línguas estrangeiras, exímio
tradutor. Mas em outras atividades ele era
completamente inepto. Cecil não conhecia nenhuma das
mais elementares regras de comportamento em
sociedade. Atrapalhava uma simples conversa no café e
ficava perdido quando tinha de matar o tempo; em
suma, parecia incapaz do mais rotineiro intercâmbio
social. Como sua falta de traquejo era mais evidente
quando se achava entre mulheres, buscou tratamento,
imaginando a possibilidade de ter “tendências
homossexuais subjacentes”, embora não tivesse esse tipo
de fantasia.
O seu verdadeiro problema, disse Cecil ao terapeuta,
era o receio que ele tinha de que nada do que dissesse
despertasse interesse nos outros. Esse receio subjacente
só piorava a sua falta de traquejo social. Seu nervosismo
durante os encontros levava-o a debochar e a rir nos
momentos mais inadequados, embora não achasse
nenhuma graça quando alguém contava uma história de
fato engraçada. A canhestrice de Cecil, confiou ele ao
terapeuta, remontava à infância; durante toda a vida só
se sentia à vontade com as pessoas quando estava perto
de seu irmão mais velho, que dava um jeito de facilitar
as coisas para ele. Mas quando o irmão saiu de casa, sua
inépcia foi arrasadora; Cecil era um deficiente em
relações sociais.
Esse relato é feito por Lakin Phillips, psicólogo da
Universidade George Washington, que acredita que o
problema de Cecil tenha origem na falta de aprendizado,
na tenra infância, das mais elementares regras de
interação social:
O que Cecil poderia ter aprendido quando criança? A olhar nos
olhos dos outros quando estes lhe falassem; a tomar a iniciativa para
um contato social, não esperando sempre pelos outros; a alimentar uma
conversa, e não ficar simplesmente nos “sim” e “não” ou outras
respostas lacônicas; a mostrar gratidão aos outros, a dar preferência a
outra pessoa quando passando por uma porta; a esperar até que
alguém fosse servido de alguma coisa (...) agradecer aos outros, dizer
“por favor”, partilhar as coisas, e todas as outras regras de interação
elementares que começamos a ensinar às crianças a partir dos 2 anos.9
Não ficou esclarecido se a deficiência de Cecil se
devia ao fato de ninguém ter-lhe ensinado tais
rudimentos de civilidade ou à sua própria incapacidade
de aprender. Mas, não importa o motivo, o fato é que a
história de Cecil é instrutiva, porque indica a natureza
crucial das incontáveis lições que as crianças obtêm na
sincronia de interação e nas regras tácitas de harmonia
social. O que resulta do não cumprimento dessas regras
é perturbar, incomodar aqueles que nos cercam. A
função dessas regras, claro, é manter à vontade aqueles
que estão envolvidos num intercâmbio; a canhestrice
gera ansiedade. As pessoas que não têm essas
habilidades são ineptas não apenas em sutilezas sociais,
mas também no lidar com as emoções daqueles com
quem se relacionam; inevitavelmente, deixam
perturbação por onde passam.
Todos conhecemos Cecils, pessoas com uma irritante
falta de traquejo social — pessoas que parecem não
saber quando encerrar uma conversa ou telefonema e
continuam falando, ignorando todos os sinais e
insinuações para que desliguem; pessoas cujas conversas
giram sempre em torno de si próprias, sem o menor
interesse pelo outro, e que não levam em consideração
as débeis tentativas para mudar de assunto; pessoas
intrometidas ou que fazem perguntas “inconvenientes”.
Todos esses desvios do que seria uma suave trajetória
social revelam um déficit na edificação rudimentar da
capacidade de interagir.
Os psicólogos cunharam o termo dissemia (do grego
dys-, “dificuldade”, e sêma, sinal) para designar o
problema de aprendizagem no campo das mensagens
não-verbais; uma entre dez crianças, aproximadamente,
tem um ou mais problemas nessa área.10 O problema
pode estar numa má percepção espacial, de modo que a
criança fica próxima demais quando fala ou espalha seus
pertences pelo território de outros; na má interpretação
ou no uso inadequado da linguagem corporal, quando,
por exemplo, não olham para aquele com quem falam;
ou num mal senso de prosódia, a qualidade emocional
da fala, de modo que ela fala de forma estridente ou
inexpressiva.
Muitas das pesquisas têm se concentrado em
identificar crianças que exibem sinais de deficiência
social, crianças cuja falta de jeito as torna ignoradas ou
rejeitadas pelos colegas de brincadeiras. Afora as
crianças que são desprezadas por serem brigonas, outras
são evitadas por serem invariavelmente deficientes nos
rudimentos da interação direta, sobretudo nas regras
tácitas que governam as interações. Se as crianças não se
comunicam bem, são consideradas burras ou maleducadas; mas quando não têm bom desempenho nas
regras não-verbais de interação, os outros — sobretudo
os coleguinhas de brincadeiras — as vêem como
“esquisitas” e as evitam. São as crianças que não sabem
como entrar graciosamente numa brincadeira, que tocam
as outras de um modo que causa mais desconforto que
camaradagem — em suma, que ficam “de fora”. São
crianças que não dominaram a silenciosa linguagem da
emoção e, sem querer, emitem mensagens que geram
mal-estar.
Como diz Stephen Nowicki, psicólogo da Emory
University que estuda as capacidades não-verbais das
crianças:
— As crianças que não sabem interpretar ou
expressar bem suas emoções sentem-se constantemente
frustradas. Esse tipo de comunicação é um constante
tema de tudo que se faz; você não pode deixar de se
expressar facialmente ou com o corpo, ou esconder o
tom de voz. Se comete erros nas mensagens emocionais
que envia, sente constantemente que as pessoas reagem
de maneira estranha: você é repelido sem saber por quê.
Se pensa que está se mostrando alegre, mas, na verdade,
parece demasiado tenso ou zangado, vê que as outras
crianças, por sua vez, ficam zangadas com você, e não
entende por quê. Essas crianças acabam não tendo
nenhum senso de controle sobre como os outros as
tratam, sentindo que suas ações não causam impacto.
Isso lhes dá um sentimento de impotência, ficam
deprimidas e apáticas.
Além de se tornarem socialmente marginalizadas,
essas crianças também sofrem no contexto acadêmico. A
sala de aula, claro, é ao mesmo tempo um espaço de
interação social e de desempenho acadêmico; uma
criança socialmente desajeitada vai entender ou
responder errado a um professor e a uma outra criança.
A ansiedade e perplexidade resultantes podem, por si
mesmas, interferir em sua capacidade de aprender
eficazmente. Na verdade, como têm mostrado testes de
sensibilidade não-verbal em crianças, as que interpretam
mal os sinais emocionais tendem a ter um mau
desempenho escolar, se comparadas com o seu
potencial acadêmico refletido nos testes de QI.11
“A GENTE ODEIA VOCÊ”: NO LIMITE
A inépcia social é talvez mais dolorosa e explícita
quando se trata de um dos momentos mais perigosos na
vida de uma criança pequena: estar fora de um grupo de
brinquedos do qual deseja participar. É um momento
delicado, em que ser amada ou odiada, se enturmar ou
não, fica por demais evidenciado. É por esta razão que
essa fase crítica tem sido objeto de intenso escrutínio da
parte de estudiosos do desenvolvimento da criança, que
revela um grande contraste nas estratégias de
aproximação usadas por crianças que são benquistas e
por aquelas que ficam “de fora”. As contatações
destacam exatamente como é crucial para a competência
social perceber, interpretar e responder a sinais
emocionais e interpessoais. Embora seja pungente ver
uma criança ficar de fora das brincadeiras, querendo
participar, mas sendo mantida de fora, esta é uma
situação universal. Mesmo as crianças mais
reconhecidamente queridas são de vez em quando
rejeitadas — um estudo junto a alunos de segunda e
terceira séries constatou que, em 26% das vezes, essas
crianças foram repelidas quando tentaram entrar num
grupo que já havia iniciado a brincadeira.
As crianças pequenas são cruéis no julgamento
afetivo implícito em tais rejeições. Vejam o seguinte
diálogo entre crianças de 4 anos num pré-escolar.12
Linda quer juntar-se a Barbara, Nancy e Bill, que
brincam com animais de brinquedo e blocos de montar.
Observa-os por um minuto, depois aborda-os, sentandose junto a Barbara e começando a brincar com os
animais. Barbara volta-se para ela e diz:
— Não pode brincar!
— Posso, sim — diz Linda. — Eu também posso
pegar nos bichinhos.
— Não pode, não — diz Barbara rudemente. — A
gente não quer saber de você hoje.
Quando Bill protesta em favor de Linda, Nancy juntase ao ataque:
— A gente odeia ela hoje.
Porque correm o risco de ouvir, explícita ou
tacitamente “A gente odeia você”, é compreensível o
cuidado que todas as crianças têm quando vão abordar.
Essa ansiedade, claro, na certa não é muito diferente da
sentida por um adulto que, num coquetel com
desconhecidos, fica de fora de um grupo de amigos
aparentemente íntimos que papeiam alegremente. Como
esse momento em que estão fora de um grupo é tão
importante para a criança, é também, como disse um
pesquisador, “altamente diagnóstico (...) revelando
rapidamente diferenças de habilidade social”.13
Em geral, os recém-chegados apenas observam por
um tempo, depois se juntam muito hesitantes a
princípio, sendo mais assertivos só por etapas muito
cautelosas. O que mais importa para saber se a criança é
aceita ou não é a medida em que ela é capaz de entrar
no quadro de referência do grupo, sentindo que tipo de
brincadeira está havendo, qual não.
Os dois pecados capitais que quase sempre levam à
rejeição são tentar tomar logo a dianteira e não entrar
em sincronia com o quadro de referência. Mas é isso
exatamente que as crianças “chatas” tendem a fazer:
entrar à força num grupo, tentando mudar o tema de
uma maneira muito abrupta, ou, logo de cara, dando
suas opiniões, ou simplesmente discordando logo dos
outros — tudo isso sugere tentativas de chamar a
atenção para si mesmas. Paradoxalmente, o que resulta é
serem ignoradas ou rejeitadas. Por outro lado, as crianças
que são queridas pelas outras são aquelas que passam
algum tempo observando o grupo para entender o que
está acontecendo, antes de entrar nele, e depois fazem
alguma coisa para mostrar que aceitam; esperam até ter
seu status no grupo confirmado, para só depois tomar a
iniciativa de sugerir o que o grupo deve fazer.
Voltemos a Roger, o menino de 4 anos que Thomas
Hatch identificou como alguém que possui um alto nível
de inteligência interpessoal.14 A tática de Roger para
entrar num grupo era primeiro observar, depois imitar o
que outra criança fazia e, por fim, falar com a criança e
juntar-se plenamente à atividade — uma estratégia
cativante. A habilidade de Roger foi demonstrada, por
exemplo, quando ele e Warren brincavam de pôr
“bombas” (na verdade, pedrinhas) em suas meias.
Warren pergunta a Roger se ele quer entrar num
helicóptero ou num avião. Roger pergunta, antes de
comprometer-se:
— Você está num helicóptero?
Esse momento aparentemente inócuo revela
sensibilidade com os interesses dos outros e a
capacidade de agir com base nesse conhecimento de
uma maneira que mantém o relacionamento. Hatch
comenta sobre Roger:
— Ele “testa” o coleguinha para que os dois e a
brincadeira permaneçam em conexão. Já vi muitas
crianças que simplesmente entram nos helicópteros ou
aviões e, literal e figurativamente, voam para longe uma
da outra.
BRILHANTISMO EMOCIONAL: RELATÓRIO
DE UM CASO
Se a capacidade de interagir socialmente é atestada pela
habilidade de aliviar sentimentos dolorosos, controlar
alguém no auge da ira talvez seja a medida última da
maestria. Os dados sobre autocontrole de raiva e
contágio emocional sugerem que uma estratégia eficaz é
distrair a pessoa furiosa, ter empatia com seus
sentimentos e ponto de vista e, depois, tentar fazer com
que encare os fatos de uma outra forma, de modo a
sintonizá-la com uma gama de sentimentos mais
positivos — é uma espécie de judô emocional.
Essa refinada habilidade na bela arte da influência
emocional talvez seja mais bem exemplificada por uma
história contada por um velho amigo, o falecido Terry
Dobson,15 que na década de 1950 foi um dos primeiros
americanos a estudar a arte marcial aikidô no Japão.
Uma tarde, ele voltava para casa, num trem suburbano
de Tóquio, quando entrou um operário enorme, belicoso
e muito bêbado. O homem, cambaleando, se pôs a
aterrorizar os passageiros: gritando palavrões, avançou
para uma mulher com um bebê no colo e jogou-a em
cima de um casal de velhos, que se levantou e iniciou
uma debandada para o outro extremo do vagão. O
bêbado, fazendo outros ataques (e, em sua raiva,
errando), agarrou a coluna de metal no meio do vagão
com um rugido e tentou arrancá-la.
Nessa altura Terry, que estava no auge da forma física
após oito horas de exercício no aikidô, sentiu-se no
dever de intervir, para que ninguém se machucasse
seriamente. Mas lembrou-se das palavras de seu mestre:
— O aikidô é a arte da religação. Quem quer brigar
já rompeu a ligação com o universo. Quem tenta
dominar as pessoas já está derrotado. Nós estudamos
como resolver o conflito, não como iniciá-lo.
Na verdade, Terry concordara, ao iniciar as aulas com
o professor, em jamais puxar uma briga e usar sua
habilidade na arte marcial só para defesa. Agora,
finalmente, via uma oportunidade de testar suas
habilidades no aikidô na vida real, e esse era o momento
adequado. Assim, enquanto os outros passageiros
estavam paralisados em seus lugares, ele se levantou,
devagar e com determinação.
Ao vê-lo, o bêbado rugiu:
— A-ha! Um estrangeiro! Você precisa de uma lição
de boa educação japonesa!
E começou a preparar-se para enfrentar Terry.
Mas, no momento em que o bêbedo ia atacar, alguém
deu um grito ensurdecedor e curiosamente alegre:
— Ei!
O grito tinha o tom animado de alguém que encontra
de repente um amigo querido. O bêbado, surpreso,
virou para trás e viu um japonesinho minúsculo,
provavelmente na casa dos 70, ali sentado vestindo um
quimono. O velho sorria radiante para o bêbado e
acenou, cantarolante:
— Vem cá.
O bêbado aproximou-se belicosamente:
— Por que diabos eu iria falar com você?
Enquanto isso, Terry estava preparado para derrubálo imediatamente, caso ele fizesse o menor movimento
violento.
— Que foi que você andou bebendo? — perguntou o
velho, os olhos radiantes para o operário bêbado.
— Eu bebi saquê, e não é da sua conta — berrou o
bêbado.
— Ah, isso é maravilhoso, absolutamente maravilhoso
— respondeu o velho, num tom simpático. — Sabe, eu
também adoro saquê. Toda noite, eu e minha mulher
(ela tem 75 anos, você sabe), a gente aquece uma
garrafinha de saquê e vai tomar no jardim, sentados num
velho banco de madeira...
E continuou falando sobre um pé de caqui em seu
quintal, das delícias do jardim, de saborear saquê à
noite.
O rosto do bêbado começou a suavizar-se enquanto
ouvia o velho; afrouxou os punhos.
É
— Ééé... Eu também adoro caqui... — disse,
diminuindo o tom da voz.
— Sim — respondeu o velho com uma voz animada
—, e tenho certeza de que sua esposa é maravilhosa.
— Não — disse o operário. — Minha esposa morreu.
Soluçando, começou a contar como perdera a esposa,
a casa, o emprego, como estava se sentindo
envergonhado.
O trem chegou na estação de Terry e, quando ele ia
saindo, voltou-se e ouviu o velho convidar o bêbado
para se sentar ao lado dele e contar-lhe tudo. O bêbado
arriou no banco, a cabeça no colo do velho.
Isso é brilhantismo emocional.
PARTE TRÊS
INTELIGÊNCIA
EMOCIONAL APLICADA
9
Casamento:
Inimigos Íntimos
Amar e trabalhar, disse certa vez Sigmund Freud a seu
discípulo Erik Erikson, são capacitações correlacionadas
que indicam que alcançamos a plena maturidade. Se for
assim, então a maturidade pode ser considerada uma
etapa da vida em vias de extinção — a incidência de
divórcios aponta para a necessidade crucial de uma
inteligência emocional.
Vejamos as estatísticas. A porcentagem anual de
divórcios mais ou menos estabilizou-se. Mas há outro
modo de calculá-la, um modo que aponta para uma
perigosa ascensão desse percentual: basta constatar a
probabilidade de pessoas recém-casadas eventualmente
se divorciarem. Embora a taxa real tenha parado de
crescer, o risco de os casais recentes se divorciarem tem
aumentado.
Essa tendência fica mais evidenciada se
compararmos, ano a ano, o percentual de divórcios. Nos
Estados Unidos, daqueles que se casaram em 1890, cerca
de 10% se divorciaram. Para os casados em 1920, a taxa
foi de cerca de 18%; para os casados em 1950, 30%. Em
1970, havia 50% de possibilidade de os casais se
separarem. E, para os que se casaram a partir de 1990, a
probabilidade de se divorciarem se aproximava do
desnorteante 67%.l Se esta estimativa se mantiver, só três
em dez dos recém-casados podem ter a expectativa de
se manterem casados.
Pode-se argumentar que o aumento do número de
divórcios não deva ser o resultado de uma redução da
inteligência emocional, mas sim decorrente do declínio
das pressões sociais que antes mantinham unido o mais
infeliz dos casais. Mas, se por um lado as pressões
sociais não mais sustentam um casamento, por outro as
forças emocionais do casal se tornaram cruciais para o
prosseguimento de sua união.
Os liames entre marido e mulher — e os
desencontros afetivos que podem separá-los — têm sido
avaliados nos últimos anos com uma precisão nunca
vista. Talvez a maior constatação para que
compreendamos o que mantém ou desfaz um casamento
tenha vindo do uso de sofisticadas medições
psicológicas, que permitem identificar, a cada instante, as
nuanças afetivas que ocorrem na relação dos casais. Os
cientistas agora podem detectar as ondas e o aumento de
adrenalina, de outro modo invisíveis, na pressão
sanguínea de um marido, e observar passageiras mas
reveladoras microemoções que passam pela fisionomia
da mulher. Essas medições psicológicas revelam a
existência de um tema emocional oculto que explica as
dificuldades por que passa um casal, um crítico nível de
realidade emocional normalmente imperceptível ou
ignorado pelo próprio casal. Essas medições põem a nu
as forças emocionais que mantêm um relacionamento ou
o destroem. Os desencontros têm raízes nos diferentes
universos afetivos em que viveram quando eram jovens.
O CASAMENTO DELE E O CASAMENTO
DELA:
A INFÂNCIA DE CADA UM
Numa noite dessas, quando entrava num restaurante, um
jovem saía furioso pela porta, com uma expressão
terrível. Logo atrás, vinha uma jovem correndo, batendo
desesperada com os punhos nas costas dele e gritando:
— Seu porra! Volte aqui e seja legal comigo!
Esse pedido pungente, incrivelmente contraditório,
dirigido às costas que se afastavam, é típico do padrão
mais comumente visto em casais cujo relacionamento
não vai bem. Ela procura atrair, ele se retrai. Os
terapeutas conjugais há muito observaram que, quando
os casais procuram terapia, estão nesse padrão de
atração-retraimento, ele reclamando das exigências e
explosões “irracionais” dela e ela se queixando da
indiferença dele ao que ela diz.
Esse final de jogo do casal demonstra que, na
verdade, há realidades emocionais paralelas na vida de
um casal: a dele e a dela. As raízes dessas diferenças,
embora em parte biológicas, podem ser identificadas na
infância, no mundo emocional onde vive o menino e no
mundo emocional onde vive a menina. Muitas são as
pesquisas que tratam desses diferentes mundos, cujas
muralhas são reforçadas não só pelo tipo de brincadeira
que meninos e meninas preferem, mas pelo temor que
têm as crianças pequenas de serem alvo de gozação por
terem uma “amiga” ou um “amigo”.2 Um estudo sobre a
amizade na infância revelou que metade dos amigos de
crianças de 3 anos é do sexo oposto; para as de 5 anos,
são cerca de 20%; e, aos 7 anos, quase nenhum menino
ou menina têm um “melhor amigo” que seja do sexo
oposto.3 Esses universos sociais separados pouco se
cruzam até que os adolescentes comecem a namorar.
Nesse meio-tempo, meninos e meninas aprendem, de
forma muito diferente, a lidar com as emoções. Os pais,
em geral, falam sobre sentimentos — com exceção da
raiva — mais com as filhas do que com os filhos.4 As
meninas recebem mais informação sobre emoções do
que os meninos: quando os pais inventam histórias para
contar aos filhos em idade pré-escolar, empregam mais
palavras de cunho emocional quando se dirigem às
filhas, e não aos filhos; quando as mães brincam com
seus bebês, demonstram determinadas emoções se o
bebê é menina, mas não se é menino; quando as mães
falam com as filhas sobre sentimentos, falam com mais
detalhes sobre suas próprias emoções do que o fazem
com os filhos — embora com eles entrem em mais
detalhes sobre as causas e conseqüências de emoções
como a raiva (provavelmente contando uma história com
objetivo de alertá-los).
Leslie Brody e Judith Hall, que fizeram um sumário
de pesquisa sobre diferenças de emoções entre os sexos,
sugerem que, pelo fato de desenvolverem a fala mais
cedo que os meninos, as meninas têm mais desenvoltura
na expressão de seus sentimentos e são mais hábeis que
eles no emprego de palavras para avaliar e substituir
reações emocionais como, por exemplo, brigas
corporais; em contraste, as pesquisadoras observam:
— Meninos que não são estimulados a verbalizar suas
emoções podem vir a ter pouca consciência, tanto de
seus próprios sentimentos, quanto dos sentimentos dos
outros.5
Em torno dos 10 anos, meninas e meninos são
francamente agressivos, chegados ao confronto aberto
quando ficam zangados. Aos 13 anos, ocorre uma
reveladora diferença entre os sexos: as meninas se
tornam mais capazes que os meninos de planejar
ardilosas táticas agressivas como, por exemplo, isolar os
outros, fazer futricas e cometer vingancinhas
dissimuladas. Os meninos, em geral, continuam
briguentos, ignorando a utilização de estratégias mais
sutis.6 Essa é apenas uma das muitas formas como os
meninos — e, depois, homens — são menos sofisticados
que o sexo oposto nos atalhos da vida afetiva.
Quando as meninas brincam juntas, o fazem em
grupos pequenos e íntimos, onde é enfatizado o mínimo
de hostilidade e valorizada a cooperatividade. Os
meninos brincam em grupos maiores, com ênfase na
competição. Pode-se ver uma importante diferença de
comportamento entre meninos e meninas quando a
brincadeira é interrompida porque alguém se machucou.
Se um menino que se machucou fica irritado, espera-se
que saia e pare de chorar para que a brincadeira
recomece. Se o mesmo acontece entre as meninas, a
brincadeira pára e todas se voltam para ajudar a menina
que chora. Essa diversidade de comportamento na
brincadeira resume o que Carol Gilligan, de Harvard,
aponta como uma desigualdade importante entre os
sexos: os meninos fazem questão de serem
independentes, autônomos e durões. As meninas, por
outro lado, se consideram como parte de uma teia de
ligações. Por isso, os meninos se sentem ameaçados
diante de qualquer coisa que ponha em dúvida sua
independência, enquanto as meninas se sentem
ameaçadas pela possibilidade de uma ruptura em seus
relacionamentos. E, como observou Deborah Tannen em
seu livro You Just Don’t Understand, essa diferente visão
de mundo sinaliza para o que homens e mulheres
querem e esperam de uma conversa, onde os homens
gostam de falar de “coisas” e as mulheres buscam ligação
afetiva.
Em suma, esses contrastes no aprendizado das
emoções promovem aptidões bastante diferentes: as
meninas tornam-se “capazes de captar sinais emocionais
verbais e não-verbais, de expressar e comunicar seus
sentimentos” e os meninos são hábeis em “minimizar
emoções que digam respeito a vulnerabilidade, culpa,
medo e dor”.7 A comprovação dessa diversidade de
comportamento é muito forte na literatura científica.
Centenas de estudos constataram, por exemplo, que a
média das mulheres é mais empática que os homens,
pelo menos no que respeita à capacidade de interpretar
os sentimentos não expressos de alguém através da
expressão facial, tom de voz e outros indícios nãoverbais. Do mesmo modo, é geralmente mais fácil
identificar os sentimentos no rosto de uma mulher que
no de um homem: embora não haja diferença na
expressividade facial de meninos e meninas muito
pequenos, à medida que passam pela escola primária os
meninos se tornam menos expressivos, e as meninas,
mais. Isso pode em parte refletir outra diferença
fundamental: as mulheres, em média, sentem qualquer
tipo de emoção com maior intensidade e são mais
voláteis que os homens — neste aspecto, as mulheres
são mais “emocionais” que os homens.8
Tudo isso quer dizer que, de uma forma geral, a
mulher chega ao casamento preparada para exercer o
papel de administradora das emoções, enquanto os
homens se casam sem esse ferramental que, enfim, será
muito importante para que o casal se mantenha unido.
Na verdade, o que as mulheres — e não os homens —
consideram mais importante num relacionamento,
conforme relatado em estudo sobre 264 casais, é a
sensação de que o casal tem uma “boa comunicação”.9
Ted Huston, psicólogo da Universidade do Texas, após
ter realizado uma profunda pesquisa sobre casais,
observa:
— Para as mulheres, intimidade significa discutir
tudo, sobretudo a própria relação. A maioria dos homens
não entende o que as mulheres querem deles. Dizem:
“Eu quero fazer coisas com ela, e ela só quer falar.”
Huston constatou que, durante o namoro, os homens
eram mais disponíveis para uma conversa no nível de
intimidade requerido por suas futuras esposas. Mas,
depois de casados, com o passar do tempo — sobretudo
em casais mais tradicionais —, não mais queriam ter esse
tipo de conversa com as esposas, achando que a
proximidade significava apenas fazer coisas juntos, a
jardinagem por exemplo, e não a discussão de
problemas.
O crescente silêncio por parte dos maridos se
justifica, em termos, pelo fato — se é que podemos
afirmar alguma coisa — de os homens serem mais
“polianescos” em relação ao estado de seu casamento,
ao passo que as mulheres ficam mais ligadas em
questões problemáticas: num estudo sobre o casamento,
verificou-se que os homens têm uma visão mais cor-derosa que as mulheres em praticamente tudo o que ocorre
no relacionamento do casal — sexo, finanças, ligações
com parentes do outro cônjuge, como um escuta o
outro, até onde suas falhas contam.10 As mulheres, em
geral, são mais francas sobre suas queixas que os
maridos, sobretudo em casais infelizes. Basta combinar a
visão cor-de-rosa que os homens têm do casamento com
sua aversão a confrontos emocionais para que
entendamos por que as mulheres tantas vezes se
queixam de que os maridos tentam se esquivar da
discussão sobre coisas perturbadoras no relacionamento.
(Claro que essa diferença entre sexos é uma
generalização e não se aplica a qualquer caso; um amigo
psiquiatra reclama de sua mulher porque ela reluta em
falar sobre emoções, cabendo a ele levantar esse tipo de
questão.)
A dificuldade que os homens têm em falar sobre
problemas num relacionamento é, sem dúvida, agravada
por sua relativa falta de competência para interpretar
expressões faciais de emoções. As mulheres, por
exemplo, são mais sensíveis a uma expressão triste no
rosto de um homem do que vice-versa.11 Por isto é que
a mulher tem de ficar muito triste para que o homem
possa ao menos notar seus sentimentos, e ainda muito
mais triste para que ele indague da razão de sua tristeza.
Há implicações nesse abismo que existe entre os
homens e mulheres em matéria de emoção que se vão
refletir na maneira como os casais lidam com as queixas
e discordâncias que qualquer relacionamento íntimo
inevitavelmente gera. Na verdade, questões específicas
como a freqüência com que o casal faz sexo, como
disciplinar os filhos ou sobre o orçamento familiar não
são o que faz ou rompe um casamento. O que é
importante é como o casal discute esses pontos sensíveis.
É suficiente chegar a um acordo sobre como discordar
para garantir a sobrevivência conjugal; homens e
mulheres têm de superar as diferenças de sexo inatas ao
abordarem emoções perigosas. Sem isso, os casais ficam
vulneráveis a problemas emocionais que acabam
fazendo ruir o casamento. Como veremos, é muito mais
provável que essas rachaduras apareçam se um ou os
dois parceiros têm certos déficits de inteligência
emocional.
FENDAS CONJUGAIS
Fred: Você pegou minha roupa na lavanderia?
Ingrid (arremedando): “Você pegou minha roupa na lavanderia?” Pegar
a porra da sua roupa na lavanderia. Tá pensando que sou sua
empregada? Fred: Seria difícil. Se você fosse empregada, pelo menos
saberia lavar roupas.
Se esse diálogo fosse de uma comédia teatral, seria
cômico. Mas essa dolorosa e cáustica troca de palavras
se deu entre um casal que (talvez não surpreenda) se
divorciou poucos anos depois do diálogo.12 O
enfrentamento deles ocorreu num laboratório dirigido
por John Gottman, psicólogo da Universidade de
Washington, que fez talvez a mais detalhada análise da
base emocional que une os casais e dos sentimentos
corrosivos que os desunem.13 Em seu laboratório, as
conversas dos casais eram gravadas em vídeo e depois
submetidas a horas de microanálises, para que fossem
reveladas as correntes emocionais subterrâneas atuantes.
Esse mapeamento das divergências que levam um casal
a se divorciar avalizam a importância da inteligência
emocional para a sobrevivência de um casamento.
Nas últimas duas décadas, Gottman acompanhou os
altos e baixos de mais de duzentos casais, alguns recémcasados, outros casados há décadas. Ele mapeou a
ecologia emocional do casamento com tal precisão que,
num estudo, pôde prever quais casais pesquisados em
seu laboratório (como Fred e Ingrid, cuja discussão sobre
pegar a roupa na lavanderia foi tão acrimoniosa) se
divorciariam dentro de três anos com 94% de exatidão,
uma precisão inaudita em estudos conjugais!
O vigor da análise feita por Gottman vem do método
criterioso que utiliza e da minuciosidade de suas
sondagens. Enquanto os casais conversam, sensores
registram o mais leve fluxo na fisiologia deles; uma
análise segundo a segundo das expressões faciais (onde
é usado o sistema de leitura de emoções criado por Paul
Ekman) detecta a mais rápida e sutil nuança de
sentimento. Após a sessão, cada um dos cônjuges volta
ao laboratório, assiste à gravação da conversa e revela o
que estava pensando durante os momentos calorosos do
diálogo. O resultado equivale a um raio X emocional
daquela relação conjugal.
Gottman constatou que um dos primeiros sinais que
indicam que um casamento está à beira do abismo é a
crítica contundente. Num casamento saudável, marido e
mulher se sentem à vontade para se queixarem um do
outro. Mas, muitas vezes, no calor da raiva, as queixas
são expressas de uma forma destrutiva, com ataques ao
caráter do cônjuge. Por exemplo, Pamela e sua filha
foram comprar sapatos, enquanto Tom, o marido, foi a
uma livraria. Combinaram encontrar-se em frente ao
correio uma hora depois e ir a uma matinê. Pamela foi
pontual, mas não havia sinal de Tom.
— Por onde anda ele? O filme começa em dez
minutos — queixou-se Pamela à filha. — Seu pai sempre
arruma um jeito de foder com tudo.
Quando Tom apareceu, dez minutos depois, feliz por
ter encontrado um amigo e desculpando-se pelo atraso,
Pamela respondeu com sarcasmo:
— Tudo bem... seu atraso nos deu uma boa
oportunidade para falar sobre a incrível capacidade que
você tem de foder com tudo que planejamos. Você é
irresponsável e egocêntrico.
A reclamação de Pamela excede os limites: é um
assassinato do caráter do marido, uma crítica à pessoa,
não ao fato. Na verdade, Tom pediu desculpas. Mas, por
seu lapso, Pamela o rotula de “irresponsável e
egocêntrico”. A maioria dos casais tem desses momentos
de vez em quando, no qual uma queixa sobre alguma
coisa que um dos cônjuges fez é expressa sob a forma
de um ataque que se dirige mais à pessoa que ao fato.
Mas essas ásperas críticas pessoais têm um efeito
emocional muito mais corrosivo do que as queixas mais
moderadas. E tais ataques, como é esperado, se tornam
mais prováveis à medida que marido ou mulher sentem
que suas queixas não são ouvidas, ou são ignoradas.
A diferença entre queixas e críticas pessoais é
simples. Numa queixa, a esposa declara especificamente
o que a irrita e critica a ação, não o marido, dizendo
como se sentiu: “Quando você esqueceu de pegar
minhas roupas na lavanderia, me deu a sensação de que
não liga para mim.” Esta é uma expressão de inteligência
emocional básica: assertiva não beligerante nem passiva.
Mas, numa crítica pessoal, ela usa a queixa específica
para lançar um ataque global ao marido: “Você é sempre
egocêntrico e indiferente. Isso só prova que não posso
esperar que faça nada direito.” Esse tipo de crítica deixa
a pessoa que a recebe sentindo-se envergonhada,
desamada, censurada e cheia de defeitos, e é mais
provável que conduza a uma reação defensiva do que a
medidas para melhorar as coisas.
Tudo piora quando a crítica vem acompanhada de
desprezo, uma emoção particularmente destrutiva. O
desprezo vem facilmente com a ira; é, em geral,
expresso não apenas nas palavras empregadas, mas
também no tom da voz e na expressão irada. Na forma
mais óbvia, é gozação ou insulto — “babaca”, “megera”,
“incompetente”. Mas igualmente daninha é a linguagem
do corpo que transmite desprezo, sobretudo o sorriso de
escárnio ou o franzir de lábios, que são os sinais
universais de repugnância, ou o revirar de olhos, como a
dizer: “Ai, meu saco!”
A expressão facial de desprezo é uma contração do
músculo que repuxa os cantos da boca para o lado (em
geral o esquerdo), enquanto os olhos se reviram para
cima. Quando um cônjuge se expressa dessa forma, o
outro, num intercâmbio emocional tácito, registra um
aumento nos batimentos cardíacos de dois ou três por
minuto. Essa conversa silenciosa tem seu preço; Gottman
constatou que, se o marido mostra desprezo sempre, a
mulher ficará mais propensa a ter problemas de saúde,
que irão dos resfriados e gripes freqüentes a infecções
na bexiga e por fungos, além de sintomas
gastrintestinais. E quando a mulher expressa
repugnância, prima-irmã do desprezo, quatro ou mais
vezes numa conversa de 15 minutos, isso é sinal
silencioso de uma provável separação do casal dentro de
quatro anos.
Claro, uma demonstração ocasional de desprezo ou
repugnância não vai desfazer um casamento. Por outro
lado, esse tiroteio emocional equivale ao hábito de
fumar e ao colesterol alto como fatores de risco de males
cardíacos — quanto mais intensos e constantes, maior o
risco. No caminho para o divórcio, um desses fatores
prediz o seguinte, numa escala crescente de infelicidade.
A crítica e o desprezo ou mostras de repugnância
habituais são sinais de perigo porque indicam que o
marido ou a mulher formou um tácito julgamento
negativo sobre o cônjuge. Em seus pensamentos, o
cônjuge é motivo de constante condenação. Essas idéias
negativas e hostis levam naturalmente a ataques que
deixam o outro na defensiva — ou pronto para contraatacar em represália.
Os dois lados da reação lutar-ou-fugir representam
maneiras como um cônjuge pode responder a um
ataque. A mais óbvia é revidar, chicoteando furioso. Essa
rota, em geral, acaba numa infrutífera gritaria. Mas a
reação alternativa, fugir, pode ser mais perniciosa,
sobretudo quando a “fuga” é uma retirada para um
pétreo silêncio.
Fechar-se é o último recurso. Dá “um branco”
naquele que se fecha, e na verdade o que ele está
fazendo é se retirar da conversa com uma pétrea
expressão e silêncio. Essa atitude envia uma mensagem
potente e desestimulante, com uma combinação de
gélida distância, superioridade e nojo. Esse
comportamento foi identificado sobretudo em casais que
se encaminhavam para o desastre; em 85% dos casos,
era o marido quem se fechava, como um contraponto a
uma esposa que o atacava com crítica e sarcasmo.14 Se
esse comportamento se torna habitual, é devastador para
a saúde de um relacionamento: corta toda a
possibilidade de solucionar conflitos.
IDÉIAS VENENOSAS
As crianças estão impossíveis e Martin, o pai, já começa
a irritar-se. Ele volta-se para a esposa, Melanie, e diz
num tom ríspido:
— Querida, não acha que as crianças podiam ficar
quietas?
O que está pensando de fato é: “Ela dá muita moleza
pras crianças.”
Melanie, reagindo à ira dele, sente uma onda de
raiva. O rosto fica tenso, as sobrancelhas se franzem, a
cara feia fica pronta e ela responde:
— Estão se divertindo. Mas, tá certo, já vão pra cama.
Está pensando: “Lá vem ele de novo, não pára de
reclamar.”
Martin está agora visivelmente furioso. Curva-se para
a frente ameaçadoramente, punhos cerrados, e diz num
tom irritado:
— Ponho eles na cama agora?
Está pensando: “Ela adora me contrariar. É melhor eu
assumir o comando.” Melanie, de repente assustada com
a ira de Martin, diz mansamente:
— Não, eu mesma ponho agora mesmo.
Pensa: “Ele está perdendo o controle — pode
machucar as crianças. É melhor eu ceder.”
Essas conversas paralelas — as faladas e as
silenciosas — são relatadas por Aaron Beck, fundador da
terapia cognitiva, como um exemplo dos tipos de
pensamentos que envenenam um casamento.15 O
verdadeiro intercâmbio emocional entre Melanie e Martin
é moldado pelo que estão pensando e esses
pensamentos, por sua vez, são determinados por outra
camada, mais profunda, que Beck chama de
“pensamentos automáticos” — suposições passageiras,
de fundo, sobre aquele que está pensando e sobre as
pessoas que o cercam, que refletem nossas mais
profundas atitudes emocionais. Para Melanie, o
pensamento de fundo é alguma coisa do tipo: “Ele vive
me atormentando com sua raiva.” Para Martin, o
pensamento mais importante é: “Ela não tem o direito de
me tratar assim.” Melanie sente-se uma vítima inocente
no casamento e Martin sente verdadeira indignação por
ser injustamente tratado.
Esse tipo de conjetura — de que se é uma vítima
inocente, ou de verdadeira indignação — é corriqueiro
entre cônjuges cujo casamento é problemático, onde o
rancor e o ressentimento são continuamente
alimentados.16 Assim que pensamentos perturbadores,
como a justa indignação, se tornam automáticos, se
confirmam a si mesmos: o cônjuge que se sente
vitimizado vive constantemente procurando qualquer
coisinha que confirme o sentimento que tem de estar
sendo vitimizado, ignorando ou não levando em
consideração qualquer ato de bondade da parte do outro
que contradiga ou não confirme essa visão.
Esses pensamentos são poderosos; disparam o
sistema de alarme neural. Uma vez que a sensação de
estar sendo vitimizado do marido dispara um seqüestro
emocional, ele se lembrará na mesma hora e ruminará
sobre um monte de queixas que lhe lembram as
maneiras como a mulher o vitimiza, esquecendo ao
mesmo tempo tudo que ela tenha feito, em todo o
relacionamento, que desminta a visão de que ele é uma
vítima inocente. Isso põe a esposa numa situação de não
ganhar nunca: mesmo coisas que ela faz com boa
intenção podem ser reinterpretadas, quando vistas por
uma lente tão negativa, e descartadas como frouxas
tentativas de negar que ela é um algoz.
Os cônjuges que não têm essas opiniões geradoras de
angústia podem fazer uma interpretação mais favorável
do que acontece em situações idênticas, e assim é menos
provável que sofram um desses seqüestros emocionais,
ou se os sofrerem, que tendam a recuperar-se mais
prontamente. O modelo geral dos pensamentos que
mantêm ou aliviam a angústia segue o padrão esboçado
no Capítulo 6 pelo psicólogo Martin Seligman para as
perspectivas pessimista e otimista. A opinião pessimista é
que o cônjuge é inerentemente cheio de defeitos, de
uma maneira imutável, e que causa infelicidade: “Ele é
egoísta e absorto em si mesmo; assim foi criado e nunca
mudará; espera que eu faça tudo para ele, e não poderia
estar ligando menos para o que eu sinto.” A opinião
otimista, pelo contrário, seria algo do tipo: “Ele está
sendo exigente agora, mas já foi atencioso antes; talvez
esteja de mau humor — quem sabe não está com
problemas no trabalho.” Esta é uma opinião que não
descarta o marido (nem o casamento) como
irredimivelmente comprometido e sem esperança. Ao
contrário, vê um mau momento como devido a
circunstâncias que podem mudar. A primeira atitude traz
angústia contínua; a segunda, alivia.
Os cônjuges que adotam uma visão pessimista são
extremamente inclinados a seqüestros emocionais; ficam
furiosos, magoados ou de outro modo perturbados com
coisas que o outro faz, e assim continuam depois que o
episódio começa. A perturbação interior e a atitude
pessimista deles, claro, torna muito mais provável que
recorram à crítica e ao desprezo ao enfrentar o cônjuge,
o que, por sua vez, aumenta a probabilidade de
defensividade e do fechamento.
Talvez o mais virulento desses pensamentos tóxicos
se encontre em maridos fisicamente violentos com as
esposas. Um estudo sobre esse tipo de homem, feito por
psicólogos da Universidade de Indiana, constatou que
eles pensam exatamente como os valentões de seus
tempos de escola: vêem intenção hostil até em atos
neutros das esposas e usam essa interpretação
equivocada para justificar para si mesmos a violência
que praticam (homens sexualmente agressivos no
namoro fazem coisa semelhante, encarando as mulheres
com desconfiança e assim ignorando as objeções
delas).17 Como vimos no Capítulo 7, esses homens se
sentem particularmente ameaçados pelo que supõem ser
ofensa, rejeição ou vexame público causados pelas
esposas. Um típico cenário que provoca idéias
“justificadoras” de violência nos espancadores de
mulheres: “Numa reunião social, você percebe que
durante a última meia hora sua esposa esteve
conversando e rindo com o mesmo homem. Ele parece
flertar com ela.” Quando esses homens vêem as esposas
fazendo algo que possa sugerir rejeição ou abandono,
suas reações são de indignação e revolta. Supostamente,
pensamentos automáticos como “Ela vai me deixar” são
disparadores de um seqüestro emocional em que os
esposos espancadores reagem por impulso, como dizem
os pesquisadores, com “incompetentes respostas
comportamentais” — tornam-se violentos.18
INUNDAÇÃO: O CASAMENTO ALAGADO
O que resulta dessas atitudes angustiantes são crises
incessantes, porque provocam seqüestros emocionais
com mais freqüência e tornam mais difícil recuperar-se
da dor e fúria resultantes. Gottman emprega o termo
apropriado inundação para essa susceptibilidade a
freqüentes angústias emocionais; os maridos ou esposas
inundados ficam tão esmagados pela negatividade do
cônjuge e por sua própria reação a ela que ficam
encharcados de sentimentos pavorosos e descontrolados.
As pessoas inundadas ouvem de forma distorcida e não
reagem de forma lúcida; acham difícil organizar os
pensamentos e recaem em reações típicas do homem
primitivo. Querem que tudo pare, ou desejam fugir, ou,
às vezes, revidar. A inundação é um seqüestro emocional
que se autoperpetua.
Algumas pessoas têm altos limiares para evitar a
inundação, suportando com facilidade a raiva e o
desprezo, enquanto outras “transbordam” à menor crítica
feita pelo cônjuge. A descrição técnica da inundação se
dá em termos de elevação de batimentos cardíacos a
partir de níveis calmos.19 Em repouso, os batimentos
cardíacos das mulheres são cerca de 82 por minuto, os
dos homens, cerca de 72 (a taxa específica varia de
acordo com as dimensões do corpo). A inundação
começa em cerca de 10 batidas acima da taxa da pessoa
em repouso; se chega a 100 batidas por minuto (como
acontece facilmente em momentos de raiva ou pranto), o
corpo está bombeando adrenalina e outros hormônios
que mantêm a perturbação alta por algum tempo. O
momento de seqüestro emocional é visível pelo ritmo
cardíaco: pode subir 10, 20 ou mesmo até 30 batidas por
minuto no espaço de uma única batida. Os músculos
ficam tensos; a respiração, difícil. Vem uma inundação
de pensamentos tóxicos, uma desagradável sensação de
medo e raiva que parece inevitável e, subjetivamente,
dura “uma eternidade” para passar. Nesse ponto —
pleno seqüestro —, as emoções da pessoa são tão
intensas, sua perspectiva tão estreita e seus pensamentos
tão confusos, que não há a menor possibilidade de
verem as coisas sob outro ângulo ou de resolver o
assunto de uma maneira racional.
Claro, a maioria dos maridos e esposas tem esses
momentos intensos de vez em quando, quando brigam
— é muito natural. O problema para um casamento
começa quando um dos cônjuges se sente inundado
quase sempre. Aí se sente esmagado pelo outro, vive em
guarda à espreita de um ataque ou injustiça emocional,
torna-se hipervigilante para qualquer sinal de ataque,
insulto ou queixa, e, com certeza, reagirá mesmo ao
menor sinal. Quando o marido se acha nesse estado, o
fato de a esposa dizer “Querido, a gente precisa ter uma
conversa” desperta o pensamento reativo “Está puxando
briga de novo” e, com isso, dispara a inundação. Tornase cada vez mais difícil recuperar-se da estimulação
fisiológica, o que por sua vez torna mais fácil fazer com
que diálogos banais sejam vistos sob uma luz sinistra,
disparando de novo toda a inundação.
Esse é talvez o ponto crítico mais perigoso para o
casamento, uma mudança catastrófica no
relacionamento. O cônjuge inundado passou a pensar o
pior do outro praticamente o tempo todo, vendo tudo
que ele faz sob um aspecto negativo. Pequenas
bobagens tornam-se grandes batalhas; os sentimentos
são continuamente magoados. Com o tempo, o cônjuge
começa a ver qualquer problema no casamento como
sendo sério e impossível de ser sanado, uma vez que a
própria inundação sabota qualquer tentativa de resolver
as coisas. Diante disso, começa a parecer inútil discutir
os problemas, e os cônjuges tentam resolver por si
mesmos seus sentimentos perturbados. Começam a viver
vidas paralelas, essencialmente isolados um do outro, e
sentem-se sozinhos dentro do casamento. Gottman
constata que, muito freqüentemente, o passo seguinte é
o divórcio.
Nessa trajetória para o divórcio, as trágicas
conseqüências dos déficits de aptidão emocional ficam
evidentes. Quando o casal permanece preso no
reverberante ciclo de crítica e desprezo, defensividade e
mutismo, pensamentos angustiantes e inundação
emocional, o próprio ciclo reflete a desintegração da
autoconsciência e do autocontrole emocional, da
empatia e da capacidade de aliviar um ao outro e a si
mesmo.
HOMENS: O SEXO FRÁGIL
Voltemos às diferenças de gênero na vida emocional,
que se revelam um aguilhão oculto para os fracassos
conjugais. Vejam esta constatação: mesmo após 35 anos
ou mais de casamento, há uma distinção básica entre
homens e mulheres na maneira de encarar choques
emocionais. As mulheres, em média, nem de longe se
incomodam tanto em mergulhar no dissabor de um bateboca conjugal, o que não ocorre com seus
companheiros. Essa conclusão, vinda de um estudo de
Robert Levenson, da Universidade da Califórnia, em
Berkeley, se baseia no depoimento de 151 casais; todos
em casamentos duradouros. Levenson constatou que os
homens, unanimemente, achavam desagradável e eram
mesmo aversos a irritar-se numa disputa conjugal,
enquanto suas mulheres não se incomodavam muito.20
Os homens são inclinados à inundação numa mais
baixa intensidade de negatividade que suas esposas; os
homens, mais que as mulheres, reagem à crítica do
cônjuge com uma inundação. Uma vez inundados, os
homens secretam mais adrenalina na corrente sanguínea,
e o fluxo de adrenalina é disparado por níveis mais
baixos de negatividade da parte das esposas; os maridos
levam mais tempo para se recuperarem fisiologicamente
da inundação.21 Isso sugere a possibilidade de aquela
estóica imperturbabilidade masculina, tipo Clint
Eastwood, representar uma defesa contra a sensação de
esmagamento emocional.
Gottman acha que os homens se fecham como um
mecanismo de defesa contra a inundação: sua pesquisa
mostrou que, assim que começavam a fechar-se, seus
batimentos cardíacos caíam cerca de 10 por minuto,
trazendo uma sensação de alívio. Mas — e aí está um
paradoxo —, uma vez que eles começavam a emudecer,
era nas esposas que o ritmo cardíaco disparava para
níveis que indicavam grande angústia. Esse tango
límbico, com cada sexo buscando alívio em jogadas
contrárias, leva a uma atitude muito diferente em relação
ao confronto emocional: os homens querem evitá-los
com o mesmo ardor com que as esposas se sentem
obrigadas a buscá-los.
Enquanto o homem tende mais a se fechar, a mulher
é mais chegada a críticas ao marido.22 Essa assimetria
surge como resultado de as esposas cumprirem seu
papel de administradoras de emoção. Enquanto elas
tentam levantar e resolver discordâncias e queixas, os
maridos relutam mais em meter-se no que vão ser
discussões acaloradas. Quando a esposa vê o marido
retirar-se da briga, aumenta o volume e intensidade da
queixa, começando a criticá-lo. Quando ele entra na
defensiva ou se fecha, ela se sente frustrada e furiosa, e,
assim, o desprezo vem sublinhar a sua frustração.
Quando o marido se vê objeto da crítica e desprezo da
esposa, começa a cair nos pensamentos de vítima
inocente ou de justa indignação que provocam cada vez
mais facilmente a inundação. Para proteger-se da
inundação, torna-se cada vez mais defensivo ou
simplesmente se fecha totalmente. Mas, quando os
maridos se fecham, lembrem, isso dispara a inundação
nas esposas, que se sentem inteiramente bloqueadas. E,
à medida que o ciclo de brigas maritais cresce, é muito
fácil perder o controle.
UM CONSELHO CONJUGAL PARA ELE E
PARA ELA
Em vista do triste resultado potencial das diferenças nas
maneiras como homens e mulheres lidam com
sentimentos incômodos em seus relacionamentos, o que
podem fazer os casais para proteger o amor e afeto que
sentem um pelo outro — em suma, o que é que protege
um casamento? Com base na observação da interação
nos casais cujos casamentos continuaram a prosperar por
anos afora, os pesquisadores conjugais oferecem
conselhos específicos para homens e mulheres e
algumas palavras gerais para os dois sexos.
Homens e mulheres, em geral, precisam de diferentes
sintonias emocionais. Para os homens, aconselha-se não
contornar o conflito, mas compreender que quando a
mulher faz alguma queixa ou apresenta discordância,
pode estar fazendo isso como um ato de amor, tentando
ajudar a manter o relacionamento saudável e no rumo
certo (embora bem possa haver outros motivos para a
hostilidade dela). Quando as queixas fervilham, vão
crescendo em intensidade até vir a explosão; quando são
ventiladas e resolvidas, a pressão desaparece. Mas os
homens precisam entender que ira ou insatisfação não
são sinônimos de ataque pessoal — as emoções das
mulheres muitas vezes são apenas sublinhadores,
enfatizando a força dos sentimentos delas em relação ao
assunto.
Os homens também precisam ter o cuidado de não
abreviar a discussão oferecendo uma solução prática
logo que começa a conversa — em geral, é mais
importante para a esposa sentir que o marido dá ouvidos
à sua queixa e tem empatia com seus sentimentos no
assunto (embora não precise concordar). Ela pode achar
que qualquer coisa que ele proponha seja uma forma de
negar seus sentimentos, como inconseqüentes. Maridos
capazes de atravessar com as esposas o calor da raiva,
em vez de descartar as queixas delas como mesquinhas,
ajudam-nas a sentirem-se ouvidas e respeitadas. Mais
especialmente, as mulheres querem que se reconheçam
e respeitem seus sentimentos como válidos, mesmo que
os maridos discordem. Na maioria das vezes, quando
uma mulher sente que sua opinião é ouvida e seus
sentimentos registrados, acalma-se.
Quanto às mulheres, o conselho é bastante paralelo.
Como um grande problema para os homens é o fato de
as mulheres serem muito intensas ao expressarem suas
queixas, elas precisam fazer um esforço muito grande e
ter o cuidado de não agredir os maridos — queixar-se
do que eles fizeram, mas não criticá-los como pessoas
nem manifestar desprezo. Queixas não são ataques ao
caráter, mas antes uma clara afirmação de que uma
determinada ação causa ansiedade. Um raivoso ataque
pessoal quase certamente leva o marido a colocar-se na
defensiva ou a se fechar, o que será ainda mais
frustrante e apenas aumentará a briga. Também ajuda se
as queixas da mulher são postas no contexto maior de
reafirmar ao marido o amor dela por ele.
A BOA BRIGA
O jornal da manhã oferece uma boa lição sobre como
não resolver divergências num casamento. Marlene
Lenick teve uma briga com o marido, Michael: ele queria
ver o jogo Dallas Cowboys-Philadelphia Eagles, ela
queria ver o noticiário da TV. Quando ele se instalou
para assistir ao jogo, a Sra. Lenick lhe disse que estava
“cheia daquele rúgbi”. Foi ao quarto, pegou um revólver
calibre 38 e desfechou-lhe dois tiros, quando ele,
sentado, via o jogo. A Sra. Lenick foi acusada de
tentativa de homicídio doloso, foi presa e, depois, solta
sob uma fiança de 50 mil dólares; o Sr. Lenick foi
considerado como em boas condições de saúde,
recuperando-se das balas que lhe rasparam o abdome e
perfuraram a omoplata esquerda e o pescoço.23
Embora poucas brigas conjugais sejam tão violentas
— ou tão dispendiosas —, ainda assim oferecem uma
boa oportunidade para levar inteligência emocional ao
casamento. Por exemplo, os casais em casamentos
duradouros tendem a se ater a um só assunto e dar a
cada cônjuge, logo de início, a oportunidade de declarar
sua opinião.24 Mas esses casais dão um importante
passo adiante: mostram um ao outro que estão sendo
ouvidos. Como sentir-se ouvido é muitas vezes
exatamente o que o cônjuge queixoso de fato quer, em
termos emocionais um ato de empatia é um grande
redutor de tensão.
O que mais notadamente falta nos casais que acabam
se divorciando são tentativas dos cônjuges, numa
discussão, de reduzir a tensão. A presença ou ausência
de meios de sanar uma desavença é o que faz a
diferença nas brigas de casais que têm um casamento
saudável e as dos que acabam em divórcio.25 Os
mecanismos de reparo que impedem uma discussão de
escalar para uma terrível explosão são medidas simples
como, por exemplo, manter a discussão nos trilhos,
mostrar empatia e reduzir a tensão. As medidas básicas
são como um termostato emocional, impedindo os
sentimentos expressos de transbordarem e esmagarem a
capacidade dos cônjuges de se concentrarem no
problema em questão.
Uma estratégia geral para fazer um casamento dar
certo é não se concentrar nas questões específicas —
educação dos filhos, sexo, dinheiro, tarefas domésticas
—, que são motivo de briga entre os dois, mas sim
cultivar a inteligência emocional do casal, com isso
melhorando as possibilidades de resolver as coisas. Um
punhado de aptidões emocionais — sobretudo ser capaz
de acalmar-se (e acalmar o outro), de criar empatia, de
saber ouvir — dá ao casal a possibilidade de resolver, de
fato, as suas divergências. Isso torna possíveis
desacordos saudáveis, as “boas brigas”, que permitem a
um casamento florescer e superar as coisas negativas
que, quando vão se acumulando, podem destruí-lo.26
Claro, nenhum desses hábitos emocionais muda da
noite para o dia; é preciso, no mínimo, persistência e
vigilância. Os casais podem fazer as mudanças-chave na
proporção direta da motivação que têm para tentar.
Muitas ou a maioria das respostas emocionais tão
facilmente provocadas no casamento foram esculpidas
desde a infância, aprendidas primeiro em nossos
relacionamentos mais íntimos ou moldadas para nós por
nossos pais, e levadas para o casamento inteiramente
formadas. E assim somos preparados para certos hábitos
emocionais — reagindo com exagero ao que parece, por
exemplo, ser uma ofensa, ou nos fechando em copas ao
primeiro sinal de confronto —, embora possamos ter
jurado que não iríamos agir como nossos pais.
Recuperando a Calma
Toda emoção forte tem sua raiz no impulso para agir: o
controle desses impulsos é básico para a inteligência
emocional. Mas isso pode ser particularmente difícil nos
relacionamentos amorosos, onde temos tanta coisa em
jogo. As reações provocadas aqui tocam em algumas de
nossas mais profundas necessidades de sermos amados e
respeitados, no medo do abandono ou da perda de
afeto. Não admira que possamos agir numa briga
conjugal como se estivesse em causa a nossa própria
existência.
Mesmo assim, nada se resolve positivamente quando
o marido ou a mulher está em pleno seqüestro
emocional. Uma aptidão-chave é os cônjuges aliviarem
seus próprios sentimentos angustiados. Em essência, isso
significa dominar a habilidade de recuperar-se
rapidamente da inundação causada por um seqüestro
emocional. Como a capacidade de ouvir, pensar e falar
com clareza desaparecem durante um desses picos
emocionais, acalmar-se é um passo imensamente
construtivo, sem o qual não pode haver maior progresso
na solução do que está em causa.
Casais que ambicionam muito mais para seu
relacionamento podem aprender a monitorar o pulso a
cada cinco minutos, mais ou menos, na ocorrência de
uma interação incômoda, apalpando a carótida, alguns
centímetros abaixo do lobo da orelha e do queixo
(pessoas que fazem aeróbica aprendem isso
facilmente).27 Contando-se o pulso por 15 segundos e
multiplicando-se por quatro tem-se o ritmo de batidas
por minuto. Fazer isso quando em estado de calma
proporciona uma linha de referência; se o pulso sobe
mais do que, digamos, dez batidas por minuto, assinala
o início de uma inundação. Se sobe tanto, o casal precisa
de uma folga de vinte minutos um do outro para
acalmar-se antes de retomar a discussão. Embora uma
folga de cinco minutos possa parecer bastante longa, o
verdadeiro tempo de recuperação fisiológica é mais
gradual. Como vimos no Capítulo 5, a raiva residual
provoca mais raiva; quanto maior a espera, mais tempo
se dá ao corpo para recuperar-se da estimulação
anterior.
Para casais que, compreensivelmente, acham
incômodo monitorar o ritmo do coração durante uma
briga, é mais simples preestabelecer um acordo que
permita a um dos cônjuges pedir um tempo aos
primeiros sinais de inundação num dos dois. Durante
esse intervalo, o retorno à calma pode ser alcançado
através de uma técnica de relaxamento ou exercício
aeróbico (ou qualquer outro dos métodos que
examinamos no Capítulo 5), que ajuda os cônjuges a se
recuperarem do seqüestro emocional.
Uma Conversa Desintoxicante
Consigo Mesmo
Como a inundação é provocada por pensamentos
negativos sobre o cônjuge, muito ajuda se o marido ou a
mulher que está sendo perturbado por esses rudes
julgamentos os atacar de frente. Sentimentos como “Não
vou mais aceitar isso” são slogans de vítima inocente ou
de justa indignação. Como observa o terapeuta cognitivo
Aaron Beck, pegando esses pensamentos e
contradizendo-os — em vez de simplesmente ficar
furioso ou magoado por eles — o marido ou a mulher
pode começar a se livrar do domínio deles.28
Isso exige o monitoramento desses pensamentos, a
compreensão de que não temos de acreditar neles e o
esforço deliberado de trazer à mente provas ou
perspectivas que os questionem. Por exemplo, a esposa
que sente no calor do momento que “ele não se importa
comigo — é muito egoísta” deve contestar esse
pensamento lembrando-se de várias coisas feitas pelo
marido que são, na verdade, sinais de consideração. Isso
lhe permite reenquadrar o pensamento como: “Bem, ele
liga pra mim às vezes, embora o que acabou de fazer
tenha sido uma desconsideração e tenha me
perturbado.” A última formulação abre a possibilidade de
mudança e uma decisão positiva: a anterior só fomenta
raiva e ressentimento.
Ouvir e Falar de Forma Nãodefensiva
Ele:
— Você está gritando!
Ela:
— É claro que estou gritando: você não ouviu uma
palavra do que estou dizendo. Simplesmente não escuta.
Escutar é uma aptidão que mantém os casais juntos.
Mesmo no calor de uma discussão, quando os dois
sofrem um seqüestro emocional, um ou outro, ou às
vezes ambos, podem dar um jeito de escutar o que está
por trás da raiva e ouvir e responder a um gesto
conciliador do cônjuge. Mas os casais que rumam para o
divórcio se absorvem na raiva e fixam-se nos pontos
específicos da questão em pauta, não conseguindo
escutar — quanto mais retribuir — qualquer proposta de
paz implícita no que o cônjuge diz. A defensividade no
ouvinte assume a forma de ignorar ou repelir de saída a
queixa do cônjuge, reagindo a ela como se fosse mais
um ataque que uma tentativa de mudar um
comportamento. Claro, numa discussão, o que um
cônjuge diz é muitas vezes em forma de ataque, ou é
dito com uma negatividade tão forte que fica difícil ouvir
alguma coisa que não seja um ataque.
Mesmo no pior caso, é possível um casal selecionar
deliberadamente o que ouve, ignorando as partes hostis
e negativas do diálogo — o tom perverso, o insulto, a
crítica despreziva — e ouvir a mensagem principal. Para
conseguir esse feito, será útil se os cônjuges se
lembrarem de ver a negatividade um do outro como
uma declaração implícita de como a questão é
importante para eles uma exigência de atenção a ser
dada. Então, se ela grita: “Quer parar de me
interromper, pelo amor de Deus!”, ele talvez possa ser
mais capaz de dizer, sem reagir abertamente à
hostilidade dela: “Tudo bem, acabe de falar.”
A mais poderosa forma de ouvir não defensivamente,
claro, é a empatia: ouvir de fato os sentimentos por trás
do que está sendo dito. Como vimos no Capítulo 7, para
um cônjuge de fato entrar em empatia com o outro é
preciso que suas próprias reações emocionais se
acalmem a um ponto em que ele fique suficientemente
receptivo para poder refletir os sentimentos do outro
cônjuge. Sem essa sintonização emocional, é provável
que o sentimento de um a respeito do sentimento do
outro seja equivocado. A empatia deteriora-se quando
nossos próprios sentimentos são tão fortes que não
permitem harmonização fisiológica, mas simplesmente
passam por cima de tudo mais.
Um método de ouvir emocional e eficaz, chamado
“espelhamento”, é comumente usado em terapia
conjugal. Quando um cônjuge faz uma queixa, o outro a
repete usando as próprias palavras do queixoso,
tentando captar não apenas o pensamento, mas também
o sentimento que o acompanha. O cônjuge que espelha
confere com o outro para se assegurar de que as
repetições estão corretas, e, se não, tenta de novo, até
estarem — uma coisa que parece simples, mas que é
surpreendentemente traiçoeira na execução.29 O efeito
do se ver espelhado com exatidão não é apenas sentir-se
entendido, mas ter a sensação extra de estar em sintonia
emocional. Isso, por si só, às vezes é suficiente para
desarmar um ataque iminente, e vai longe no impedir
que a discussão das queixas desande em brigas.
A arte do falar não-defensivo nos casais centra-se na
manutenção do que se diz numa queixa específica, sem
desandar para o ataque pessoal. O psicólogo Haim
Ginott, avô dos programas de comunicação efetiva,
recomendava que a melhor fórmula para uma queixa é
“XYZ”: “Quando você fez X, me fez sentir Y e eu
preferia que você, em vez disso, fizesse Z.” Por exemplo,
“Quando você não me ligou para dizer que ia chegar
atrasado para nosso compromisso de jantar, eu me senti
menosprezada e zangada. Eu gostaria que você me
dissesse que vai se atrasar” em vez de “Você é um
sacana irresponsável, só pensa em si mesmo”, que é
como a questão é muitas vezes colocada nas brigas entre
os casais. Em suma, a comunicação aberta não contém
provocações, ameaças ou insultos. E tampouco dá lugar
às inúmeras formas de defensividade — desculpas,
negação de responsabilidade, contra-ataque com uma
crítica e coisas assim. Também aqui a empatia é uma
ferramenta poderosa.
Finalmente, respeito e amor desarmam a hostilidade
no casamento, como em tudo mais na vida. Uma
poderosa maneira de acabar com uma briga é dizermos
ao cônjuge que podemos ver as coisas de outra
perspectiva e que esse ponto de vista pode ser válido,
mesmo que não concordemos com ele. Outra é assumir
responsabilidade ou mesmo desculpar-se, se vemos que
estamos errados. Na pior das hipóteses, a validação
significa pelo menos transmitir que estamos ouvindo e
reconhecemos as emoções expressas, mesmo que não
concordemos com o argumento: “Vejo que você está
perturbada.” E em outras horas, quando não houver
briga, a validação vem sob a forma de elogios, encontrar
alguma coisa que possamos apreciar de fato e dizer uma
boa palavra. A validação, claro, é uma maneira de aliviar
o cônjuge, ou acumular capital emocional em forma de
sentimentos positivos.
Treinamento
Como essas manobras podem ser necessárias no calor do
confronto, quando certamente a estimulação emocional
estará alta, têm de ser superaprendidas, para podermos
usá-las quando necessário. Isso se deve ao fato de que o
cérebro emocional aplica as respostas aprendidas no
início da vida durante repetidos momentos de raiva e
dor e, portanto, se torna dominante. Como memória e
resposta são específicas das emoções, nesses momentos,
as reações associadas a tempos mais calmos são menos
fáceis de serem evocadas para servirem de base para a
ação. Se uma resposta emocional mais produtiva é
desconhecida ou não foi bem treinada, é extremamente
difícil tentá-la quando perturbado. Mas se a resposta é
treinada para se tornar automática, há maior
possibilidade de expressar-se quando ocorrerem crises
emocionais. Por esses motivos, as estratégias acima
precisam ser testadas e ensaiadas em choques não tão
tensos, não no calor da batalha, para que funcionem
como uma primeira resposta adquirida (ou pelo menos
uma segunda resposta não muito atrasada) no repertório
dos circuitos emocionais. Em essência, esses antídotos
para a desintegração conjugal são uma pequena
educação remediadora em inteligência emocional.
10
Administrar com o Coração
Melburn McBroom era um chefe autoritário, cujo mau
gênio intimidava os que trabalhavam com ele. Essa
faceta de sua personalidade não seria tão significativa
caso ele trabalhasse num escritório ou fábrica. Mas
acontece que McBroom era piloto de uma companhia
aérea.
Em 1978, o avião de McBroom aproximava-se de
Portland, Oregon, quando ele percebeu que havia um
problema no trem de aterrissagem. Executou um
procedimento-padrão, circulando o campo de pouso em
grande altitude, enquanto tentava resolver o problema
do mecanismo.
Enquanto se fixava no trem de aterrissagem, os
medidores de combustível moviam-se rapidamente para
o nível zero. Como os co-pilotos tinham muito medo das
reações dele, mesmo antevendo a tragédia, ficaram
calados. O avião caiu, matando dez pessoas.
A história desse acidente hoje é contada, à guisa de
advertência, em treinamento de segurança dado a pilotos
de companhias aéreas. Oitenta por cento dos acidentes
aéreos são devidos a erros que poderiam ter sido
evitados se a tripulação trabalhasse de forma mais
harmônica.1 O trabalho em equipe, a existência de
canais abertos de comunicação, a cooperatividade, o
saber escutar e dizer o que se pensa — rudimentos de
inteligência social — são agora enfatizados aos pilotos
em treinamento, juntamente com as habilidades técnicas
que deles são exigidas.
A cabine de um avião é um microcosmo de qualquer
organização de trabalho. Mas, não fora a dramática
constatação da realidade de um acidente aéreo, os
efeitos destrutivos causados por um péssimo
temperamento, trabalhadores intimidados ou chefes
arrogantes — ou qualquer das dezenas de outras
variedades de deficiências emocionais encontráveis no
local de trabalho —, passariam em grande parte
despercebidos por aqueles que estão de fora do
ambiente. Os custos dessa deficiência, porém, podem ser
constatados através do decréscimo no nível de
produtividade, no aumento das perdas de prazo, em
erros e acidentes, e no êxodo de funcionários para
ambientes em que se sintam melhor. Há, nos baixos
níveis de inteligência emocional no trabalho,
inevitavelmente, um custo para o balanço final. Quando
isso se generaliza, as empresas desabam e vão à ruína.
O custo-benefício proporcionado pela inteligência
emocional é uma idéia relativamente nova nas empresas,
que alguns administradores hesitam em levar em
consideração. Uma pesquisa feita junto a 250 executivos
constatou que a maioria achava que no trabalho
deveriam usar “a cabeça, não o coração”. Muitos
disseram temer que a empatia ou solidariedade para com
aqueles com quem trabalhavam os pusesse em conflito
com as metas organizacionais. Um deles achava que a
hipótese de sentir os sentimentos daqueles com quem
trabalhava era absurda — seria, disse, “impossível lidar
com as pessoas”. Outros argumentaram que, caso não
mantivessem um distanciamento afetivo, não seriam
capazes de tomar as decisões “duras” que os negócios
exigem — embora a probabilidade seja de que
pudessem tomar essas decisões de um modo mais
humano.2
A pesquisa foi feita na década de 1970, quando o
cenário no mundo dos negócios era muito diferente. O
que quero dizer é que, hoje, esse tipo de atitude é
obsoleta, um luxo de dias passados: uma nova realidade
competitiva impõe a utilização da inteligência emocional
no ambiente de trabalho e no mercado. Como observou
Shoshona Zuboff, psicóloga da Escola de Comércio de
Harvard, “as empresas passaram por uma radical
revolução neste século e, conseqüentemente, o cenário
emocional também mudou. Houve um longo período de
dominação administrativa na hierarquia empresarial,
quando se premiava o chefe manipulador, o combatente
na selva. Mas essa hierarquia rígida começou a
desmoronar na década de 1980, sob pressões vindas
tanto da globalização como da tecnologia de informação.
O combatente na selva hoje simboliza o que as empresas
eram ontem; o virtuose em aptidões interpessoais é o
que as empresas serão amanhã”.3
Essa observação faz sentido — imaginem as
conseqüências para um grupo de trabalho em que um
dos participantes não pode expressar sua raiva e não é
sensível ao que sentem as pessoas à sua volta. Todos os
efeitos deletérios de perturbação do pensamento
examinados no Capítulo 6 também se aplicam ao
ambiente de trabalho: quando emocionalmente
perturbadas, as pessoas não se lembram, não
acompanham, não aprendem nem tomam decisões com
clareza. Como disse um consultor administrativo:
— A tensão idiotiza as pessoas.
Do lado positivo, imaginem como são proveitosas
para o trabalho as aptidões emocionais básicas — estar
sintonizado com os sentimentos daqueles com quem
tratamos, saber lidar com discordâncias para que elas
não cresçam, saber entrar em fluxo na execução de um
trabalho. Liderar não é dominar, mas, sim, a arte de
convencer as pessoas a trabalharem com vistas a um
objetivo comum. E, em termos de condução da própria
carreira, talvez não haja nada mais essencial do que
saber o que sentimos a respeito do quê — e que
mudanças nos deixariam de fato satisfeitos com o nosso
trabalho.
Um motivo menos óbvio para que as aptidões
emocionais devam ser a prioridade número um no plano
das habilidades empresariais é o fato de promoverem
mudanças radicais no ambiente de trabalho. Vou
explicar o que quero dizer identificando a importância
que há na utilização de três tipos de aptidões da
inteligência emocional: poder externar reclamações sob a
forma de críticas construtivas, criar uma atmosfera em
que a diversidade não se constitua numa fonte de
discórdia e onde o trabalho em equipe seja eficaz.
A CRÍTICA É A TAREFA NÚMERO UM
Ele era um engenheiro muito experiente, dirigia um
projeto de desenvolvimento de programas de
computador e estava apresentando o resultado de meses
de trabalho de sua equipe ao vice-presidente para
desenvolvimento de produtos da empresa. Os homens e
mulheres que haviam trabalhado longos dias com ele,
semana após semana, ali estavam, orgulhosos de mostrar
o fruto de um esforço tão grande. Mas, quando o
engenheiro acabou de fazer a apresentação do projeto, o
vice-presidente voltou-se para ele e perguntou
sarcasticamente:
— Quanto tempo você tem de formado? Essas
especificações são ridículas. Não têm chance de serem
aprovadas por mim.
O engenheiro, extremamente embaraçado e sem
graça, ficou sentado macambúzio durante o resto da
reunião, totalmente calado. O pessoal da sua equipe fez
algumas observações pro forma — algumas hostis,
inclusive — em defesa do projeto. O vice-presidente teve
de se retirar e a reunião foi abruptamente interrompida,
deixando um traço de ressentimento e raiva.
Nas duas semanas seguintes, o engenheiro viveu
obcecado com as observações feitas pelo vicepresidente. Desanimado e deprimido, estava certo de
que nunca mais receberia outra tarefa importante na
empresa e pensava em demitir-se, embora gostasse de
trabalhar ali.
Finalmente, foi até o vice-presidente, lembrou-lhe da
reunião, das críticas que fizera e falou do efeito
desmoralizante que elas causaram. Depois fez uma
pergunta bem objetiva:
— Estou meio confuso com o que o senhor
pretendia. Acho que não estava apenas querendo me
embaraçar... tinha algum outro objetivo em mente?
O vice-presidente ficou surpreso — não imaginara
que suas observações tivessem causado tanta devastação.
O que na verdade achara é que o projeto era bom, mas
que deveria ser mais elaborado; não pretendera
absolutamente descartá-lo. Simplesmente não percebera,
disse, como se expressara mal, nem que havia ferido os
sentimentos de alguém. E, ainda que tarde, desculpouse.4
O que de fato ocorreu foi um problema de ausência
de feedback, ou seja, de as pessoas não terem recebido
a informação necessária para que seus esforços fossem
mantidos nos trilhos. Em sua acepção original, formulada
pela Teoria de Sistemas, o feedback consiste no
intercâmbio de informações sobre o funcionamento de
parte de um sistema, já que uma parte interage com as
demais, de tal modo que, quando uma delas entra em
desarmonia com o todo, deva ser reajustada. Numa
empresa, todos fazem parte de um sistema e, neste caso,
o feedback é a possibilidade de evitar a entropia — a
troca de informação permite que as pessoas saibam que
seus respectivos trabalhos estão sendo bem executados,
que precisam aprimorá-lo, melhorar ou reformular
totalmente. Sem feedback, as pessoas ficam no escuro;
não têm idéia da avaliação que o chefe faz de seu
trabalho, com os colegas, ou o que é esperado delas, e
qualquer problema que eventualmente exista só tende a
se agravar com o passar do tempo.
Num certo sentido, a crítica é uma das mais
importantes tarefas de um administrador. Contudo, é
também temida e postergada. E, tal como o sarcástico
vice-presidente, muitos administradores dominam mal a
difícil arte de fornecer o feedback. Essa deficiência tem
um alto custo: assim como a saúde emocional de um
casal depende da forma como eles externam suas
queixas, também a eficiência, satisfação e produtividade
das pessoas no trabalho dependem de como lhes são
transmitidos os problemas incômodos. Na verdade, a
maneira como são feitas e como são recebidas as críticas
diz muito sobre até onde as pessoas estão satisfeitas com
seu trabalho, com os que trabalham com elas e com a
chefia.
A Pior Maneira de Motivar Alguém
As vicissitudes emocionais que atuam no casamento
também atuam no ambiente de trabalho, assumindo
formas semelhantes. As críticas são expressas mais como
ataques pessoais do que como reclamações específicas a
partir das quais alguma medida possa ser tomada; há
agressões emocionais com forte carga de repugnância,
sarcasmo e descaso; esse tipo de atitude provoca uma
reação defensiva, fuga à responsabilidade e, finalmente,
o retraimento total ou a acirrada resistência passiva que
vem do sentimento de ter sido injustamente tratado. Na
verdade, uma das formas mais comuns de crítica
destrutiva no local de trabalho, diz um consultor
empresarial, é uma declaração generalizada do tipo
“Você está fodendo tudo”, feita num tom duro,
sarcástico, inamistoso, que não abre espaço para um
argumento ou sugestão de como fazer melhor. Deixa a
pessoa que a recebe impotente e com rancor. Da
perspectiva da inteligência emocional, essa crítica
demonstra ignorância acerca dos sentimentos que serão
provocados naqueles que a recebem e do efeito
devastador que esses sentimentos terão em sua
motivação, energia e confiança na execução do trabalho.
Essa dinâmica destrutiva foi identificada em pesquisa
feita com administradores a quem foi solicitado que se
lembrassem das vezes em que perderam as estribeiras
com empregados e quando, no calor daqueles
momentos, fizeram ataques pessoais.5 Os ataques
raivosos causaram efeitos muito semelhantes aos que
ocorrem na relação conjugal: os empregados agredidos
ficaram na defensiva, dando desculpas, ou fugiram à
responsabilidade. Ou fecharam-se em copas — quer
dizer, tentaram evitar qualquer contato com o
administrador que engrossou com eles. Se fossem
submetidos à análise do mesmo microscópio emocional
que John Gottman usou em casais, sem dúvida ficaria
demonstrado que esses empregados ressentidos estavam
se sentindo como vítimas inocentes ou estavam
indignados com justa razão, o que também é comum em
maridos e mulheres que se sentem injustamente
agredidos. Caso houvesse uma mensuração de suas
fisiologias, provavelmente também seria vista a
inundação que reforça tais pensamentos. E, no entanto,
os administradores apenas se sentiram mais irritados e
ameaçados por esse tipo de reação, o que determinou o
início do ciclo que, no mundo das empresas, termina
com o empregado demitindo-se ou sendo demitido — o
equivalente empresarial do divórcio.
Na verdade, uma pesquisa junto a 108
administradores e funcionários de escritório revelou que
a crítica inepta antecedia a desconfiança, confronto de
personalidades, disputas pelo poder e por salário como
motivo de conflito no trabalho.6 Uma experiência feita
no Instituto Politécnico Rensselaer mostra com exatidão
como é prejudicial para as relações de trabalho uma
crítica contundente. Numa simulação, voluntários
receberam a tarefa de criar um anúncio para um novo
xampu. Outro voluntário (um auxiliar-cúmplice dos
pesquisadores) simulava estar julgando os anúncios
propostos; na verdade, os voluntários recebiam uma de
duas críticas pré-combinadas. Uma era ponderada e
específica. Mas a outra era sob a forma de ameaças e se
referia a deficiências inatas da pessoa, com observações
do tipo “Você nem sequer tentou; parece que não faz
nada direito” e “Talvez você não tenha talento. Eu
tentaria arranjar outra pessoa para fazer isso”.
Conforme era previsível, os que foram atacados
ficaram tensos, com raiva e hostis, dizendo que se
recusariam a trabalhar ou cooperar em futuros projetos
com a pessoa que fizera a crítica. Muitos observaram que
procurariam evitar qualquer contato — em outras
palavras, iam fechar-se em copas. A crítica dura os
deixou de moral tão baixo que não mais tentaram se
esforçar no trabalho e, o que talvez tenha sido pior,
disseram que não mais se sentiam capazes de trabalhar
bem. O ataque pessoal arrasara o seu moral.
Muitos administradores são muito críticos, mas
econômicos nos elogios, deixando os empregados com a
sensação de que só têm conhecimento da avaliação de
seus trabalhos quando cometem um erro. Essa tendência
à crítica é agravada quando os administradores demoram
muito a dar qualquer feedback.
— A maioria dos problemas no desempenho de um
empregado não surge de repente; desenvolve-se com o
tempo — observa J. R. Larson, psicólogo da
Universidade de Illinois. — Quando o chefe não diz
imediatamente o que sente, isso leva a um lento
acúmulo de frustração. E aí, um dia, explode. Se a crítica
tivesse sido feita antes, o empregado poderia ter
corrigido o problema. Muitas vezes, as pessoas criticam
apenas quando a coisa transborda, quando ficam iradas
demais para conterem-se. E é aí que fazem a crítica da
pior forma, num tom de sarcasmo mordaz, com um
monte de reclamações que guardaram para si, ou fazem
ameaças. Esses ataques são como um tiro que sai pela
culatra. São recebidos como afronta, e quem os recebe
fica, por sua vez, com raiva. É a pior maneira de motivar
alguém.
Criticar com Habilidade
Pensem na alternativa.
Uma crítica hábil pode ser uma das mais proveitosas
mensagens que um administrador envia. Por exemplo, o
que aquele vice-presidente desdenhoso poderia ter dito
— mas não disse — ao engenheiro de programas de
computador era: “O principal problema nesta etapa é
que seu plano vai demorar muito e com isso elevar os
custos. Eu gostaria que você pensasse mais sobre sua
proposta, para ver se descobre uma maneira de reduzir o
tempo de execução do serviço.” Essa mensagem causa
uma reação oposta à da crítica destrutiva: em vez de
criar impotência, raiva e revolta, oferece a possibilidade
de um melhor desempenho e sugere o início de um
plano para isso.
A crítica feita de forma hábil concentra-se no que a
pessoa fez e no que pode fazer, em vez de identificar
um traço do caráter da pessoa num trabalho malfeito.
Como observa Larson:
— Um ataque ao caráter... chamar alguém de idiota
ou incompetente... é erro de alvo. A gente põe logo o
sujeito na defensiva, de modo que ele não fica mais
receptivo ao que temos a lhe dizer para melhorar as
coisas.
Este conselho, claro, é igual àquele dado aos casais
que discutem suas queixas.
E, em termos de motivação, quando as pessoas
acreditam que seus fracassos se devem a algum déficit
imutável em si mesmas, se desiludem e desistem. A
crença básica que leva ao otimismo, lembrem, é de que
os reveses ou fracassos se devem a circunstâncias nas
quais podemos interferir com a finalidade de mudar para
melhor.
Harry Levinson, psicanalista que se tornou consultor
de empresas, dá os seguintes conselhos sobre a arte da
crítica, intricadamente interligada à arte do elogio:
Seja específico. Pegue um incidente importante, um
fato que ilustre um problema crítico que precise ser
resolvido, ou um padrão de deficiência, como a
incapacidade de realizar bem determinadas etapas de um
serviço. É desmoralizante simplesmente ouvir que
estamos fazendo “alguma coisa errada”, sem saber que
coisas são essas para que possamos corrigi-las.
Concentre-se nos detalhes, dizendo o que a pessoa fez
bem, o que fez mal, dando-lhe a oportunidade de
mudar. Não faça rodeios, nem seja indireto nem evasivo;
isso confundirá a verdadeira mensagem. Este conselho,
evidentemente, é semelhante ao dado aos casais sobre a
declaração “XYZ” de uma queixa; diga exatamente qual
é o problema, o que está errado ou como o faz sentir, e
o que pode mudar.
— A especificidade — diz Levinson — é tão
importante no elogio quanto na crítica. Não vou dizer
que o elogio vago não tenha nenhum efeito, mas não
tem muito, e não se pode aprender com ele.7
Ofereça uma solução. A crítica, como todo feedback
útil, deve ser acompanhada de uma sugestão para
resolver o problema. De outro modo, deixa quem a
recebe frustrado, desmoralizado ou desmotivado. A
crítica pode abrir portas para outras alternativas de que a
pessoa não se dera conta ou simplesmente sensibilizar
para deficiências que exigem atenção — mas deve
incluir sugestões sobre como cuidar desses problemas.
Faça a crítica pessoalmente. As críticas, como os
elogios, são mais efetivas cara a cara e em particular. As
pessoas que não se sentem à vontade para fazer críticas
— ou um elogio — provavelmente devem querer fazê-lo
a distância, através de um memorando, por exemplo.
Mas esta é uma forma de comunicação muito impessoal
e rouba da pessoa que a recebe a oportunidade de
responder ou de prestar esclarecimentos.
Seja sensível. Este é um apelo pela empatia, para estar
sintonizado com o impacto que você provoca com o que
diz e como o diz sobre a pessoa a quem você se dirige.
Levinson observa que os administradores que têm pouca
empatia são mais inclinados a dar feedback de uma
maneira que machuca, com o arrepiante sarcasmo. Feita
desta forma, a crítica é destrutiva; em vez de abrir
caminho para uma correção, cria um revide emocional
de ressentimento, raiva, defensividade e distanciamento.
Levinson também dá alguns conselhos emocionais
para os que recebem a crítica. Um deles é vê-la como
uma informação valiosa para aprimorar o seu próprio
trabalho, e não como um ataque pessoal. Outro é manter
vigilância sobre o impulso para cair na defensiva, em vez
de assumir a responsabilidade. E, caso seja muito
perturbador, peça para continuar a conversa mais tarde,
após o período necessário para a absorção da mensagem
difícil e para esfriar um pouco. Finalmente, ele aconselha
as pessoas a verem a crítica como uma oportunidade de
trabalhar junto com quem critica, para resolver o
problema, e não como uma situação de confrontamento.
Todos esses sábios conselhos, é claro, fazem eco com as
sugestões oferecidas a casais que tentam lidar com suas
queixas sem causar danos permanentes a seu
relacionamento. Assim no casamento como no trabalho.
CONVIVENDO COM A DIVERSIDADE
Sylvia Skeeter, ex-capitã do Exército, aos 30 anos era
gerente de turno num restaurante da cadeia Denny’s, em
Colúmbia, na Carolina do Sul. Numa tarde sem
movimento, um grupo de negros — um pastor
protestante, um pastor assistente e duas cantoras de
gospel visitantes — entrou para comer, e lá ficou
esperando durante muito tempo, sem que as garçonetes
viessem atendê-los. Sylvia lembra que as garçonetes
“olhavam duro para eles, as mãos nas cadeiras, e
continuavam a conversar, como se aquelas pessoas
negras que estavam a cinco palmos de distância não
existissem”.
Indignada, Sylvia enfrentou-as e queixou-se ao
gerente geral, que deu de ombros, dizendo:
— Foi assim que elas foram educadas, e eu não
posso fazer nada.
Sylvia demitiu-se na hora; ela é negra.
Se isso fosse um incidente isolado, esse momento de
gritante injustiça poderia ter passado despercebido. Mas
Sylvia Skeeter foi uma das centenas de pessoas que se
apresentaram para depor sobre o generalizado padrão de
preconceito antinegros que havia em toda a cadeia
Denny’s de restaurantes, um padrão que resultou no
pagamento de 54 milhões de dólares, em processo
movido por sindicato de classe, em favor de milhares de
clientes negros que haviam sofrido tais ofensas.
Entre os queixosos havia um destacamento de sete
agentes afro-americanos do Serviço Secreto, que esperou
durante uma hora por seus bifes, enquanto os colegas
brancos à mesa ao lado eram servidos prontamente —
iam todos fazer a segurança de uma visita do presidente
Clinton à Academia Naval de Annapolis. Havia também
uma moça negra paralítica das pernas, em Tampa, na
Flórida, que ficou duas horas sentada na cadeira de
rodas esperando pela comida, tarde da noite, depois de
um baile de formatura. A ação movida pelo sindicato
afirmava que o padrão de discriminação se devia à
generalizada suposição em toda a cadeia Denny’s —
sobretudo no nível de gerente distrital e de filial — de
que não valia a pena investir em fregueses negros. Hoje,
em parte devido ao que resultou do processo e da
publicidade que o cercou, a cadeia Denny’s está
recompensando a comunidade negra. E todos os
empregados, sobretudo os gerentes, têm de assistir a
sessões sobre as vantagens de se ter uma clientela
multirracial.
Esses seminários tornaram-se parte dos treinamentos
internos de empresas por todos os Estados Unidos, com
o crescente entendimento, de parte dos administradores,
de que mesmo que os funcionários sejam
preconceituosos, no local de trabalho devem aprender a
agir como se não tivessem nenhum. Os motivos, além e
acima da decência humana, são pragmáticos. Um deles é
a mudança da força de trabalho, à medida que os
brancos, que antes eram o grupo dominante, hoje são
minoria. Pesquisa realizada junto a centenas de empresas
norte-americanas constatou que mais de três quartos dos
novos empregados não eram brancos — uma mudança
etnográfica que também se reflete em larga medida na
mutante formação dos clientes.8 Outro motivo é a maior
necessidade que as empresas internacionais têm de ter
funcionários que não apenas afastem qualquer
tendenciosidade na apreciação de pessoas de várias
culturas (e mercados), mas também transformem essa
apreciação em vantagem competitiva. Uma terceira
motivação é o fruto potencial da diversidade, em termos
de maior criatividade coletiva e de energia empresarial.
Tudo isso quer dizer que a cultura de uma
organização tem de mudar para promover a tolerância,
mesmo que os preconceitos individuais permaneçam.
Mas como pode uma empresa fazer isso? A triste verdade
é que a panóplia de “cursos de treinamento” de um dia,
um vídeo ou um fim de semana não parece acabar com
o fanatismo dos empregados que fazem tais cursos com
profundo preconceito contra um ou outro grupo, sejam
brancos contra pretos, pretos contra asiáticos, ou
asiáticos contra hispânicos. Na verdade, o resultado
obtido nos diversos cursos de diversidade ineficientes —
que suscitam falsas expectativas prometendo demais, ou
simplesmente geram uma atmosfera de confronto, em
vez de entendimento — talvez seja o de aumentar as
tensões que dividem grupos no ambiente de trabalho,
enfatizando ainda mais essas diferenças. Para
compreender o que se pode fazer, é útil primeiro
entender a natureza do próprio preconceito.
As Raízes do Preconceito
Hoje, o Dr. Vamik Volkan é psiquiatra na Universidade
da Virgínia, mas ele lembra o que foi ser criado numa
família turca na ilha de Chipre, então seriamente
contestada por turcos e gregos. Em criança, Volkan ouvia
dizer que o cordão na cintura do pope grego tinha um
nó para cada criança turca que ele estrangulara, e
lembra-se do tom de consternação com que lhe diziam
que os vizinhos gregos comiam porco, cuja carne, para a
cultura turca, era considerada imunda demais. Agora, na
qualidade de estudioso do conflito étnico, ele cita essas
lembranças de infância para mostrar como os ódios entre
grupos são mantidos acesos anos afora, à medida que
cada geração é inundada por preconceitos hostis como
esses.9 O preço psicológico da lealdade ao próprio
grupo pode ser a antipatia do outro grupo, sobretudo
quando há uma longa história de inimizade entre eles.
Os preconceitos são um tipo de aprendizado
emocional que ocorre na tenra idade, o que torna difícil
erradicar esse tipo de reação, mesmo em pessoas que,
adultas, acham errado tê-la.
— Os sentimentos preconceituosos se formam na
infância, ao passo que as crenças usadas para justificá-los
vêm depois — explicou Thomas Pettigrew, psicólogo
social da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, que
estuda o assunto há décadas. — Mais tarde, você pode
não querer mais ser preconceituoso, mas é muito mais
fácil mudar crenças intelectuais que sentimentos
arraigados. Muitos sulistas me confessaram, por exemplo,
que, embora racionalmente não mais tenham
preconceitos, sentem nojo quando apertam a mão de um
negro. Esses sentimentos são resíduos do que
aprenderam em casa quando eram crianças.10
O poder dos estereótipos que sustentam os
preconceitos vem em parte de uma dinâmica mais neutra
da mente que torna todos os tipos de estereótipos mais
autoconfirmantes.11 As pessoas lembram com mais
facilidade exemplos que reforçam os estereótipos e
tendem a descartar os que os desmentem. Ao encontrar
numa festa um inglês emocionalmente aberto e
simpático, que desmente o estereótipo “fleumático” e
reservado, por exemplo, as pessoas acham que ele é fora
do padrão ou que “andou bebendo”.
A tenacidade dos preconceitos sutis pode explicar
por quê, enquanto nos últimos quarenta anos, mais ou
menos, o comportamento racial dos americanos brancos
em relação aos negros tenha sido mais tolerante,
persistem formas mais sutis de preconceito; as pessoas
negam atitudes racistas mesmo quando agem com
preconceitos encobertos.12 Quando questionadas, tais
pessoas dizem que não são intolerantes, mas em
situações ambíguas ainda agem de forma preconceituosa
— embora apresentem outra justificativa. Essa
tendenciosidade pode fazer com que, por exemplo, um
administrador branco — que julga não ter preconceitos
— rejeite um candidato negro a um emprego,
ostensivamente não por sua raça, mas porque sua
formação e experiência “não são muito adequadas” para
o trabalho, enquanto emprega um candidato branco com
a mesma qualificação. Ou pode ocorrer sob a forma de
dar a um vendedor branco treinamento e dicas úteis para
fazer um contato telefônico, mas não lembrar de agir da
mesma forma com um vendedor negro ou hispânico.
Não Tolerar a Intolerância
Se os preconceitos há muito tempo introjetados não
podem ser tão facilmente extirpados, resta-nos saber o
que fazer a respeito. Na Denny’s, por exemplo, as
garçonetes ou os gerentes de filiais que discriminavam
pessoas negras raramente eram contestados, se é que
eram. Pelo contrário, alguns administradores até
estimulavam o preconceito, ao menos de forma tácita, na
medida em que exigiam que os clientes negros
pagassem antes de serem servidos, quando negavam a
esse tipo de cliente a oferta de refeições grátis,
anunciadas publicamente, a título de comemoração do
aniversário da empresa, ou quando informavam que a
casa já estava fechada, quando eram negros os fregueses
que queriam entrar. Como disse John P. Relman, o
advogado que processou a Denny’s em nome dos
agentes negros do Serviço Secreto:
— A administração da Denny’s fechava os olhos para
o que os empregados faziam. Isso devia passar alguma
mensagem... que liberava qualquer inibição de os
gerentes locais agirem de acordo com seus princípios
racistas.13
Mas tudo que sabemos sobre as raízes do preconceito
e como combatê-lo eficazmente sugere que é esse tipo
de atitude — fazer vistas grossas a atos tendenciosos —
que permite que a discriminação viceje. Nada fazer,
nesse contexto, é um ato importante em si, deixando o
vírus do preconceito espalhar-se livremente. Mais
objetivo que os cursos de diversidade — ou talvez
essencial para que eles tenham melhor efeito — é que as
normas do grupo sejam decisivamente mudadas,
tomando-se uma posição ativa contra qualquer ato de
discriminação, dos mais altos aos mais baixos escalões
da administração. Os preconceitos não vão embora, mas
os atos de preconceito podem ser sufocados, caso se
mude o clima. Como disse um executivo da IBM:
— Não toleramos ofensas ou insultos de qualquer
tipo; o respeito ao indivíduo é fundamental na cultura da
IBM.14
Se a pesquisa sobre o preconceito tem algo a dar
como contribuição para tornar a cultura empresarial mais
tolerante, é encorajar as pessoas a denunciar, ainda que
mínimos, os atos de discriminação ou perseguição —
piadas ofensivas, digamos, ou a afixação de calendários
de mulheres nuas que humilham as colegas de trabalho.
O simples ato de chamar o preconceito de preconceito
ou protestar contra ele, no momento em que se
manifesta, já estabelece uma atmosfera social que o
desestimula; não dizer nada só serve para coonestá-lo.15
Nesse esforço, os que estão em posição de chefia
desempenham um papel central: o fato de não
condenarem atos de preconceito corresponde a uma
mensagem tácita de que tais atos estão liberados. Tomar
medidas como uma reprimenda envia a poderosa
mensagem de que o preconceito não é uma bobagem,
mas tem conseqüências reais — e negativas.
Também aqui as aptidões da inteligência emocional
são vantajosas, sobretudo no que diz respeito à
habilidade social de saber não apenas quando, mas
como protestar produtivamente contra o preconceito.
Esse feedback deve se revestir de toda a sutileza de uma
crítica construtiva, para que possa ser ouvido sem
defensividade. Se administradores e colegas de trabalho
fazem isso naturalmente, ou aprendem a fazê-lo, é mais
provável que os incidentes de preconceito não mais
ocorram.
Os mais eficazes cursos de treinamento de
diversidade estabeleceram uma nova regra básica
explícita, nas organizações, que proíbe o preconceito
sob qualquer forma e com isso estimula as pessoas que
têm sido testemunhas e/ou circunstantes silenciosas a
manifestarem seu desconforto e objeção. Outro ativo
ingrediente nos cursos de diversidade é o de se colocar
no lugar do outro, uma posição que estimula a empatia e
a tolerância. Na medida em que as pessoas passam a
entender o sofrimento daqueles que se sentem
discriminados, é mais provável que o denunciem.
Em suma, é mais prático tentar suprimir a expressão
do preconceito do que o preconceito em si; os
estereótipos mudam muito devagar, quando mudam.
Simplesmente juntar pessoas de diferentes grupos pouco
ou nada faz para reduzir a intolerância, como mostram
casos de dessegregação escolar em que a hostilidade
intergrupos aumentou, em vez de diminuir. Para a
pletora de programas de cursos de treinamento de
diversidade que inundam o mundo empresarial, isso
quer dizer que uma meta realista é mudar o
comportamento de um grupo; esses programas muito
podem fazer para elevar na consciência coletiva a idéia
de que o fanatismo e o preconceito não são aceitáveis e
não serão tolerados. Mas é irrealista esperar que um
programa desses erradique preconceitos profundamente
enraizados.
Contudo, como os preconceitos são um tipo de
aprendizado emocional, é possível o reaprendizado —
embora leve tempo e não se deva esperar que surta
efeito em uma única jornada de treinamento para a
diversidade. O que pode contar, porém, é a
camaradagem constante e os esforços diários para uma
meta comum de pessoas de diferentes origens. A lição
neste caso vem da dessegregação nas escolas: quando os
grupos não se fundem socialmente, formando, ao
contrário, bandos hostis, os estereótipos negativos se
intensificam. Mas, quando os alunos trabalham juntos em
condições de igualdade para alcançar uma meta comum,
como nas equipes esportivas ou em conjuntos musicais,
seus estereótipos se desfazem — como pode acontecer
naturalmente no ambiente de trabalho, quando as
pessoas trabalham anos juntas como iguais.16
Deixar de combater o preconceito no local de
trabalho é perder uma oportunidade maior: aproveitar as
possibilidades criativas e empresariais proporcionadas
por uma força de trabalho diversificada. Como veremos,
é provável que um grupo de trabalho composto por
variadas forças e perspectivas, se puder operar em
harmonia, produza soluções melhores, mais criativas e
mais eficazes do que o trabalho individual isolado.
SABEDORIA ORGANIZACIONAL E QI DE
GRUPO
No início do século XXI, um terço da força de trabalho
americana foi formada por “trabalhadores do
conhecimento”, pessoas cuja produtividade adiciona
valor à informação — seja como consultores de
mercado, escritores ou programadores de computador.
Peter Drucker, eminente especialista empresarial que
cunhou a expressão “trabalhadores do conhecimento”,
observa que esse tipo de mão-de-obra é altamente
especializada e que sua produtividade depende de seus
esforços poderem ser coordenados como parte de uma
equipe organizacional: escritores não são editores;
programadores de computador não são distribuidores de
programas. Embora as pessoas tenham sempre
trabalhado em associação, diz Drucker, com o trabalho
de conhecimento “são as equipes — e não o esforço de
um indivíduo — que se constituem na unidade de
trabalho”.17 E isso explica por que a inteligência
emocional, as aptidões que ajudam as pessoas a
entrarem em harmonia, deveria ser valorizada como um
produto do ambiente de trabalho nos anos futuros.
Talvez a mais tradicional forma de trabalho em
equipe numa organização seja a reunião, essa parte
inevitável do destino do executivo — numa sala de
reunião, numa conferência por telefone, no gabinete de
alguém. As reuniões — pessoas numa mesma sala — são
apenas o mais óbvio, e de certa forma antiquado,
exemplo de compartilhamento do trabalho. As redes
eletrônicas, e-mails, teleconferências, equipes de
trabalho, redes informais e coisas do gênero estão
surgindo como novas entidades funcionais nas
organizações. Enquanto a hierarquia explícita, distribuída
num mapa organizacional, é o esqueleto de uma
organização, esses pontos de contato humano são o seu
sistema nervoso central.
Sempre que as pessoas se reúnem para chegarem a
um consenso, seja numa reunião de planejamento
executivo ou como uma equipe trabalhando para chegar
a um produto partilhado, têm num sentido muito
concreto um QI de grupo, que é a soma total dos
talentos e aptidões de todos os envolvidos. A forma
como realizarão a sua tarefa bem como o êxito que
obterão, serão determinados pelo nível desse QI. O tipo
de elemento mais importante na inteligência de grupo,
revela-se, não é o QI médio no sentido acadêmico, mas
sim a inteligência emocional. A chave para um alto QI
de grupo é a harmonia existente entre os membros que
o compõem. É essa capacidade de harmonizar que,
mantida a igualdade de condições em tudo mais, tornará
um grupo especialmente talentoso, produtivo e bemsucedido, e fará outro — com membros cujo talento e
habilidade são iguais em outros aspectos — se sair mal.
A idéia de que há uma inteligência de grupo vem de
Robert Sternberg, psicólogo de Yale, e de Wendy
Williams, universitário, que tentaram entender por que
alguns grupos trabalham de forma mais eficaz do que
outros.18 Afinal, quando as pessoas se reúnem para
trabalhar em equipe, cada uma porta consigo certos
talentos — digamos, de fluência verbal, criatividade,
empatia ou conhecimento técnico. Embora um grupo
não possa ser mais “inteligente” que a soma total dessas
forças específicas, pode ser muito mais burro caso seus
mecanismos internos não permitam que as pessoas
exibam seus talentos. Essa máxima ficou evidenciada
quando Sternberg e Williams recrutaram pessoal para
participar de grupos que receberam o desafio criativo de
produzir uma campanha publicitária eficiente para um
fictício adoçante que prometia ser um substituto do
açúcar.
Uma das coisas que surpreenderam foi que as
pessoas muito ávidas para participar eram um peso para
o grupo, reduzindo o desempenho geral; os ansiosos
pés-de-boi eram controladores ou dominadores demais.
Essas pessoas parecem não ter um elemento básico de
inteligência social, ou seja, a capacidade de reconhecer o
que é bom e o que não é no toma-lá-dá-cá. Outra coisa
negativa era o peso morto, o pessoal que não participava
do trabalho.
Um dos importantes fatores para a maximização da
excelência de um grupo era o quanto os participantes
eram capazes de criar um clima de harmonia interna, de
forma que o talento de cada um fosse aproveitado. O
desempenho geral de grupos harmoniosos era facilitado
pela existência de um membro particularmente talentoso;
nos grupos onde havia mais atrito era reduzida a
capacidade de capitalizar o fato de terem membros de
alta qualificação. Em grupos onde há altos níveis de
estática social e emocional — seja por medo ou raiva,
rivalidades ou ressentimentos —, as pessoas não
conseguem dar o melhor de si. Mas a harmonia permite
a um grupo aproveitar ao máximo as capacidades mais
criativas e talentosas de seus membros.
Embora a moral dessa história fique bastante clara
para, digamos, as equipes de trabalho, tem uma
implicação mais geral para quem trabalha em uma
organização. Muitas coisas que as pessoas fazem no
trabalho dependem de sua capacidade de recorrer a uma
dispersa rede de colegas; diferentes tarefas podem
implicar o recurso a diferentes membros da rede de
trabalho. Na verdade, isso cria a oportunidade de
formação de grupos temporários para uma tarefa
específica, cada grupo com membros apropriados para
oferecer uma ótima coleção de talentos, conhecimento e
colocação. A possibilidade de as pessoas formarem uma
rede — na verdade, transformá-la numa equipe
temporária, apenas para aquele fim — é um fator crucial
para o sucesso no trabalho.
Vejam, por exemplo, um estudo sobre profissionais
excepcionais dos Laboratórios Bell, mundialmente
famosa empresa de pesquisa científica de alto nível. Ela
emprega engenheiros e cientistas com elevadíssimo QI
acadêmico. Mas dentro desse banco de talentos, alguns
são considerados brilhantes, enquanto outros têm apenas
produção mediana. O que faz a diferença entre as
estrelas e os outros não é o QI acadêmico deles, mas o
QI emocional. São mais capazes de motivarem-se e de
transformar suas redes informais em equipes específicas.
As “estrelas” foram objeto de estudo numa divisão
dos laboratórios, uma unidade que cria e projeta as
chaves eletrônicas que controlam os sistemas telefônicos
— um exemplo de engenharia eletrônica altamente
sofisticada e exigente.19 Como a tarefa transcende a
capacidade individual de qualquer pessoa, é feita em
equipes que podem ser formadas por apenas cinco ou
até 150 engenheiros. Nenhum deles sabe o suficiente
para fazer o trabalho sozinho; para se obterem
resultados, é necessário canalizar os conhecimentos de
outras pessoas. A fim de descobrir qual era a diferença
entre os que produziam muito e aqueles cuja produção
era mediana, Robert Kelley e Janet Caplan pediram a
administradores e aos próprios engenheiros que
indicassem os 10 a 15% deles que se destacavam como
estrelas.
Quando compararam as estrelas com todos os
demais, a descoberta mais sensacional, a princípio, foram
as poucas diferenças entre os dois grupos. “Com base
numa ampla gama de medições sociais e cognitivas,
desde os testes-padrão de QI até os inventários de
personalidade, há pouca diferença significativa em
qualidades inatas”, escreveram Kelley e Caplan na
Harvard Business Review. “Com o passar do tempo, o
talento acadêmico não era um bom previsor de
produtividade no trabalho”, tampouco o QI.
Mas, após detalhadas entrevistas, as diferenças
surgiram nas estratégias internas e interpessoais que as
“estrelas” utilizavam para conseguir fazer o trabalho.
Revelou-se que uma das mais importantes era a relação
que mantinham com uma rede de pessoas-chave. As
coisas fluem mais suavemente para os que se destacam
porque eles investem tempo no cultivo de bons
relacionamentos com pessoas cujos serviços podem ser
necessários numa emergência, como parte de uma
instantânea equipe improvisada para resolver um
problema ou lidar com uma crise. “Um profissional
médio nos Laboratórios Bell falou de uma ocasião em
que seu trabalho fora frustrado por um problema
técnico”, observaram Kelley e Caplan. “Com muita
dificuldade, ligou para vários gurus técnicos e ficou à
espera, perdendo valioso tempo com ligações que não
eram retornadas e correspondência eletrônica que ficava
sem resposta. Os profissionais-estrela, porém, raramente
enfrentam tais situações, porque se dão ao trabalho de
montar redes confiáveis antes que venham a precisar
delas. Quando ligam para alguém, quase sempre obtêm
uma resposta mais rápida.”
As redes informais são especialmente críticas para
lidar com problemas imprevistos. “A organização formal
é estabelecida para tratar de problemas facilmente
previsíveis”, observa um estudo dessas redes. “Mas
quando surgem imprevistos, a organização informal
mostra o seu valor. Sua complexa teia de ligações sociais
forma-se toda vez que colegas se comunicam, e
solidifica-se com o tempo em redes surpreendentemente
estáveis. Altamente adaptáveis, as redes informais
movem-se diagonal e elipticamente, saltando a
hierarquia funcional para chegar a um resultado.20
A análise de redes informais mostra que, apesar de
trabalharem juntas diariamente, não necessariamente as
pessoas trocarão confidências íntimas (como o desejo de
mudar de emprego, ou o ressentimento com o
comportamento do chefe ou dos colegas), nem
recorrerão umas às outras em momentos de crise. Na
verdade, uma visão mais sofisticada das redes informais
mostra que há pelo menos três variedades delas: redes
de comunicações — quem fala com quem; redes de
especialistas, baseadas nas pessoas a quem se recorre
para consultas; e redes de confiança. Ser um nódulo
principal na rede de especialistas significa que a pessoa
será reconhecida como tendo uma excelência técnica, o
que muitas vezes leva à promoção. Mas não há
praticamente relação alguma entre ser um especialista e
ser um repositório de segredos, dúvidas e
vulnerabilidades. Um tiranete ou microgerente de
escritório pode ser o máximo em termos de
conhecimento, mas é tão pouco confiável que isso
solapará sua capacidade de administrar e, na verdade, o
excluirá das redes de informação. As estrelas de uma
organização são muitas vezes aqueles que têm fortes
ligações em todas as redes de comunicação,
conhecimento e confiança.
Além de dominarem essas redes essenciais, outras
formas de sabedoria organizacional que as estrelas dos
Laboratórios Bell haviam dominado incluíam a
coordenação eficaz de seus esforços no trabalho em
equipe; liderar na formação de consenso; ver as coisas
da perspectiva de outrem, fossem eles clientes ou outros
membros da equipe; e promover a cooperatividade,
evitando conflitos. Embora tudo isso dependa de
traquejo social, as estrelas também demonstravam outro
tipo de habilidade: tomar a iniciativa — sentir motivação
suficiente para assumir responsabilidades acima e além
de suas funções específicas — e auto-administrar-se, no
sentido de coordenar bem o seu tempo e seus
compromissos de trabalho. Todas essas aptidões, claro,
são aspectos da inteligência emocional.
Há fortes sinais de que o que acontece nos
Laboratórios Bell prenuncia o futuro de toda a vida
empresarial, um amanhã onde as aptidões básicas da
inteligência emocional serão cada vez mais importantes
nos trabalhos em equipe, na cooperação, na ajuda às
pessoas para que aprendam juntas como trabalhar com
mais eficiência. À medida que serviços baseados no
conhecimento e no capital intelectual se tornam mais
fundamentais para as empresas, melhorar a maneira
como as pessoas trabalham em equipe será uma grande
forma de influenciar o capital intelectual, o que faz uma
crítica diferença competitiva. Para prosperar, senão para
sobreviver, as empresas deveriam desenvolver sua
inteligência emocional coletiva.
11
A Emoção na Clínica Médica
“— Quem ensinou tudo isso ao senhor, Doutor?
A resposta veio prontamente:
— O sofrimento.”
Albert Camus,
A Peste
Uma dorzinha nas virilhas me fez ir ao médico. Tudo
estava normal, exceto o resultado do exame de urina.
Havia traços de sangue.
— Quero que você vá ao hospital e faça alguns
exames... função renal, citologia... — ele disse, no tom
objetivo que é próprio dos médicos.
Não sei o que ele disse depois. A palavra citologia
era tudo o que havia na minha cabeça. Câncer.
Tenho uma vaga lembrança do que ele me disse
sobre quando e onde fazer os exames. Era uma instrução
simples, mas tive de pedir que a repetisse três ou quatro
vezes. Citologia — a palavra ainda reverberava na minha
cabeça. Este pequeno vocábulo me tomara de assalto.
Por que essa minha reação? Meu médico estava
apenas sendo minucioso e competente, percorrendo as
ramificações numa árvore de decisão diagnóstica. Havia
uma probabilidade mínima de eu ter câncer. Mas essa
análise racional era irrelevante naquele momento. Na
terra dos doentes, as emoções reinam supremas; o medo
bane o raciocínio. Ficamos tão fragilizados
emocionalmente quando doentes porque nosso bemestar mental repousa, em parte, na ilusão de que somos
invulneráveis. A doença — sobretudo uma doença
severa — acaba com essa ilusão, desmentindo a
premissa de que nosso pequeno mundo está protegido
de qualquer coisa. De repente ficamos abalados,
desamparados e conscientes de nossa vulnerabilidade.
O problema se agrava quando os médicos não levam
em consideração o lado emocional do paciente, mesmo
quando lhe dão toda a assistência clínica. Essa falta de
percepção demonstra que a prática médica não está se
dando conta de vários indícios que demonstram, muitas
vezes, que a condição emocional das pessoas
desempenha um papel muito importante na
vulnerabilidade à doença e no processo de cura. De um
modo geral, a moderna assistência médica não recorre à
inteligência emocional.
Para o paciente, qualquer contato com uma
enfermeira ou médico pode ser uma boa oportunidade
para que ele obtenha informações acerca de seu estado
clínico e, assim, fique mais tranqüilo, reconfortado e
aliviado — se, pelo contrário, esse contato for
desastroso, pode ser um convite ao desespero. Muitas
vezes, a equipe médica está muito ocupada ou é
indiferente à angústia do paciente. É claro que há
enfermeiros e médicos que demonstram solidariedade,
que aproveitam a oportunidade para não só dar ao
paciente a assistência clínica, mas também para prestar
as informações necessárias ao seu bem-estar emocional.
Mas a tendência geral é para um universo profissional
em que imperativos institucionais impedem que a
vulnerabilidade do paciente seja considerada, e também
a equipe médica se sente de tal forma premida que
descarta esse tipo de questão. Diante da dura realidade
de um sistema médico cada vez mais cronometrado por
contabilistas, a coisa parece estar piorando.
Além do argumento humanitário que convoca os
médicos para que dispensem, junto com o tratamento
clínico, cuidados que envolvam a saúde emocional do
paciente, existem outras razões convincentes o bastante
para que esses profissionais considerem a realidade
psicológica e social dos pacientes como pertinente à área
médica, e não fora dela. Agora há argumentos científicos
que demonstram, efetivamente, que há ganhos para a
eficácia médica, tanto no campo preventivo como no
tratamento de doenças, quando o estado emocional das
pessoas é, juntamente com seu problema clínico, objeto
de tratamento. Isto não é válido, evidentemente, para
todo e qualquer caso. Mas a análise de dados referentes
a centenas de casos revela que, cada vez mais, é
clinicamente vantajosa a adoção de um padrão de
assistência médica que inclua a intervenção emocional
no caso de doenças graves.
Historicamente, a moderna medicina tem assumido
como missão a cura dos sintomas da doença — a
desordem clínica —, ignorando o doente, ou seja, aquele
que convive com a doença. Os pacientes, ao aceitarem
esse tipo de tratamento que lhes é dado, o estão
avalisando porque, ou não tomam consciência de suas
emoções ou, se tomam, consideram-nas irrelevantes para
o curso da doença. E esse comportamento é reforçado
por um modelo médico que afasta inteiramente a
hipótese de que a mente influencia o corpo de forma
considerável.
Ainda por cima, há uma ideologia igualmente
improdutiva que segue outra direção: é possível
autocurar-se de não importa qual doença, simplesmente
através de uma auto-ajuda que conduz à felicidade ou
através de pensamentos positivos; que a doença é
causada pelo indivíduo e, portanto, ele deve se sentir
culpado por ter adoecido. Qual o resultado dessa
retórica segundo a qual “o-comportamento-cura-tudo”?
Antes de mais nada, uma generalizada confusão e
equívocos sobre até onde a doença pode ser afetada
pela mente. E algo que talvez seja pior — a criação de
uma culpa, na cabeça das pessoas, que muitas vezes
passam a se sentirem causadoras da doença de que são
portadoras, como se isso fosse um sinal de alguma falha
moral ou indignidade espiritual.
A verdade está em algum ponto entre esses extremos.
Baseado em informações obtidas junto à comunidade
científica, pretendo dirimir dúvidas e substituir as
bobagens por uma clara compreensão do papel das
nossas emoções — e inteligência emocional — na saúde
e na doença.
A MENTE DO CORPO: COMO AS EMOÇÕES
AFETAM A SAÚDE
Em 1974, uma descoberta num laboratório da Faculdade
de Medicina e Odontologia da Universidade de
Rochester redesenhou o mapa biológico do corpo: o
psicólogo Robert Ader descobriu que o sistema
imunológico, tal como o cérebro, era capaz de aprender.
Essa constatação causou um grande impacto porque o
saber que, à época, predominava na medicina era que
apenas o cérebro e o sistema nervoso central podiam
sofrer alterações como reação à experiência. A
descoberta de Ader levou à investigação que resultou na
descoberta de miríades de formas de comunicação entre
o sistema nervoso central e o sistema imunológico —
rotas biológicas que fazem com que se considere que
mente, emoção e corpo não sejam entidades separadas,
mas intimamente interligadas.
Nessa experiência, ratos brancos receberam um
medicamento que eliminava artificialmente a quantidade
de células T que combatem doenças que circulam no
sangue. Esse medicamento lhes era dado com água
sacarinada. Mas Ader descobriu que dar aos ratos apenas
a água sacarinada, sem o medicamento supressor, ainda
resultava na redução da contagem das células T — a
ponto de alguns dos ratos adoecerem e morrerem. O
sistema imunológico deles aprendera a suprimir as
células T em resposta à água adocicada. Isso
simplesmente não devia acontecer, de acordo com o
conhecimento científico da época.
O sistema imunológico é o “cérebro do corpo”, como
diz o cientista Francisco Varela, da Escola Politécnica de
Paris, ao definir como o corpo percebe a si mesmo — o
que faz parte dele e o que não faz.1 As células
imunológicas circulam na corrente sanguínea, entrando
em contato com praticamente todas as outras células.
Aquelas que elas reconhecem, deixam em paz; as que
não conseguem reconhecer, atacam. O ataque ou nos
defende de vírus, bactérias e câncer, ou, se as células
imunológicas não reconhecem células que são próprias
do corpo, instala-se uma doença auto-imune, como a
alergia ou o lúpus. Até o dia em que Ader fez essa
casual descoberta, qualquer anatomista, médico ou
biólogo, acreditava que o cérebro (bem como suas
extensões por todo o corpo, via sistema nervoso central)
e o sistema imunológico central eram entidades distintas,
nenhuma capaz de influenciar no funcionamento da
outra. Não havia rota ligando os centros no cérebro que
monitoravam o gosto que o rato sentia com as áreas da
medula óssea que fabricam as células T. Era dessa forma
que se pensava há um século.
Com o decorrer dos anos, a modesta descoberta de
Ader impôs uma nova visão acerca das ligações entre o
sistema imunológico e o sistema nervoso central. O
campo que estuda isso, a psiconeuroimunologia, ou PNI,
é hoje uma área médica de ponta. A própria
denominação é um reconhecimento das ligações: psico,
de “mente”; neuro, do sistema neuroendócrino (que
inclui o sistema nervoso e o sistema hormonal); e
imunologia, do sistema imunológico.
Uma rede de pesquisadores tem descoberto que os
mensageiros químicos que operam mais extensamente,
tanto no cérebro quanto no sistema imunológico, são os
mais densos nas áreas neurais que regulam a emoção.2
Alguns dos mais fortes indícios da existência de uma
linha reta que permite que as emoções causem impacto
sobre o sistema imunológico vieram de David Felten, um
colega de Ader. No início, ele percebeu que as emoções
exercem um poderoso efeito sobre o sistema nervoso
autônomo, o qual regula tudo, desde quanta insulina é
secretada até os níveis da pressão sanguínea. Depois,
trabalhando com a esposa Suzanne, Felten e outros
colegas identificaram um ponto de encontro onde o
sistema nervoso autônomo fala diretamente com os
linfócitos e macrófagos, células do sistema imunológico.3
Através de análises feitas em microscópio eletrônico,
eles encontraram contatos do tipo sinapses, onde os
terminais nervosos do sistema autônomo têm
extremidades que dão diretamente nas células
imunológicas. Esse ponto de contato físico permite que
as células nervosas liberem neurotransmissores para
regular as células imunológicas; na verdade, elas enviam
sinais de um lado para outro. A descoberta é
revolucionária. Ninguém suspeitava que as células
imunológicas poderiam ser alvo de mensagens enviadas
dos nervos.
Para testar a importância dessas terminações nervosas
no funcionamento do sistema imunológico, Felten foi
mais adiante em suas investigações. Em experiências
com animais, removeu alguns nervos de nódulos
linfáticos e do baço — onde são fabricadas ou
armazenadas as células imunológicas — e depois utilizou
vírus para que atacassem o sistema imunológico.
Resultado: uma enorme queda de resposta imunológica
ao vírus. Ele concluiu que, sem essas terminações
nervosas, o sistema imunológico simplesmente não
responde como deveria à ameaça de um vírus ou
bactéria invasores. Em suma, o sistema nervoso não
apenas está ligado ao sistema imunológico, mas também
é essencial para a função imunológica adequada.
Outra importante rota que liga emoções e sistema
imunológico está na influência dos hormônios liberados
no estresse. As catecolaminas (epinefrina e norepinefrina
— também conhecidas como adrenalina e
noradrenalina), cortisol e prolactina e os opiatos naturais
betaendorfina e encefalina são todos liberados durante a
estimulação do estresse. Cada um deles tem um forte
impacto sobre as células imunológicas. Embora as
relações sejam complexas, a influência principal é que,
enquanto esses hormônios percorrem o corpo, as células
imunológicas têm sua função obstruída: o estresse acaba
com a resistência imunológica, ao menos
temporariamente, ao que se supõe numa conservação de
energia que dá prioridade à emergência mais imediata,
mais premente para a sobrevivência. Mas se o estresse é
constante e intenso, essa eliminação pode se tornar
duradoura.4
Microbiólogos e outros cientistas constatam cada vez
mais essas ligações entre o cérebro e os sistemas
cardiovascular e imunológico — tendo primeiro de
aceitar a outrora radical idéia de que elas existem
mesmo.5
EMOÇÕES TÓXICAS: DADOS CLÍNICOS
Apesar desses indícios, muitos ou a maioria dos médicos
ainda se mostram céticos sobre a possibilidade de as
emoções influírem em termos clínicos. Esse tipo de
pensamento se justifica porque, embora muitos estudos
tenham constatado que o estresse e as emoções
diminuam a eficácia de várias células imunológicas, nem
sempre fica claro se o alcance dessas mudanças é
suficientemente grande para ser significativo em termos
clínicos.
Mesmo assim, os médicos cada vez mais admitem
que as emoções exercem um papel importante na clínica
médica. Por exemplo, o Dr. Camran Nezhat, eminente
cirurgião ginecolaparoscópico da Universidade de
Stanford, diz:
— Se alguém em vias de ser submetido a uma
cirurgia me diz que está em pânico e não se sente em
condições de se submeter a ela, eu cancelo a cirurgia. —
E explica: — Todo cirurgião sabe que as pessoas muito
apavoradas se dão mal na cirurgia. Sangram demais,
contraem infecções e há complicações. Têm uma
recuperação mais difícil. É muito melhor que estejam
tranqüilas.
O motivo é óbvio: o pânico e a ansiedade aumentam
a pressão sanguínea, e veias distendidas pela pressão
sangram mais profusamente quando cortadas pelo bisturi
do cirurgião. O excesso de sangramento é uma das mais
problemáticas complicações cirúrgicas, e às vezes leva à
morte.
Além desses fatos clínicos, os indícios para o
significado clínico das emoções vêm crescendo. É
possível que o dado mais convincente sobre a
importância clínica da emoção venha de uma análise em
larga escala, com milhares de homens e mulheres, que
reuniu resultados de 101 estudos menores num único
grande estudo. Este estudo confirma que determinados
tipos de emoção fazem mal à saúde — num certo grau.6
Descobriu-se que pessoas que sofriam de ansiedade
crônica, longos períodos de tristeza e pessimismo,
incessante estresse ou desgosto, inarredável ceticismo ou
desconfiança corriam risco dobrado de contrair doenças
— incluindo asma, artrite, dores de cabeça, úlceras
pépticas e males cardíacos (cada uma delas
representante de grandes e amplas categorias de
doença). Essa ordem de magnitude faz com que as
emoções perturbadoras se constituam num fator de risco
tão tóxico para a doença cardíaca quanto, por exemplo,
o fumo ou o colesterol alto — em outras palavras, são
uma grande ameaça para a saúde.
É evidente que essa é uma genérica correlação
estatística entre saúde e emoção, e de nenhum modo
indica que qualquer pessoa que conviva cronicamente
com esses sentimentos será presa fácil de doenças. Mas
as evidências do importante papel exercido pela emoção
na doença são muito maiores do que mostra o estudo.
Uma análise mais atenta dos dados relativos a
determinados tipos de emoção, sobretudo as três
grandes — raiva, ansiedade e depressão —, esclarece
mais algumas formas específicas em que os sentimentos
têm significado clínico, mesmo que os mecanismos
biológicos pelos quais essas emoções exercem seus
efeitos ainda não estejam plenamente entendidos.7
Quando a Raiva é Suicida
Algum tempo atrás, diz o homem, uma batida na lateral de seu
carro o levou a uma longa e frustrante jornada. Após percorrer a
interminável burocracia da empresa de seguro e oficinas que causaram
mais danos ao carro, ainda teve de arcar com uma despesa de 800
dólares. E nem fora culpa dele. Ficou tão chateado que sempre que
entrava no carro sentia repugnância. Acabou vendendo-o, frustrado.
Anos depois, essas lembranças ainda o deixavam lívido de indignação.
Essa amarga lembrança foi evocada propositalmente,
como parte de um estudo sobre a raiva em cardiopatas,
na Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford.
Todos os pacientes objeto da pesquisa tinham, como
aquele homem rancoroso, sofrido um ataque cardíaco, e
o que o estudo pretendia era identificar se a raiva teria,
de alguma forma, causado um impacto significativo
sobre suas funções cardíacas. O resultado foi
impressionante: à medida que essas pessoas iam
narrando fatos que os haviam aborrecido, a eficácia do
bombeamento do coração caía 5%.8 Alguns dos
pacientes tiveram uma queda de eficiência de 7% ou
mais — uma faixa que os cardiologistas consideram
como um sinal de isquemia miocárdica, uma perigosa
queda no fluxo do sangue para o próprio coração.
A queda na eficiência de bombeamento não se
verificou em outros tipos de sentimento desagradáveis,
como na ansiedade, nem durante esforços físicos; a raiva
parece ser a espécie de emoção que mais mal faz ao
coração. Ao evocarem o incidente perturbador, os
pacientes disseram que estavam sentindo menos raiva do
que haviam sentido quando a coisa acontecera, o que
sugere que seus corações teriam sido ainda mais
obstruídos num acontecimento verdadeiramente
enfurecedor.
Essa constatação é parte de uma rede maior de
indícios, que surgem de dezenas de estudos que
demonstram como é nocivo, para o funcionamento do
coração, o sentimento da raiva.9 Não mais vigora a
antiga idéia de que uma personalidade Tipo A, afobada
e com pressão alta, corre grande risco de doença
cardíaca, mas dessa teoria abandonada emergiu uma
nova constatação: o rancor é que é prejudicial à saúde.
Grande parte dos dados sobre o rancor veio de uma
pesquisa feita pelo Dr. Redford Williams na Universidade
Duke.10 Por exemplo, ele descobriu, a partir de
avaliação de rancor em estudantes de medicina, que
aqueles com maior índice de hostilidade à época de
estudantes tinham sete vezes maior probabilidade de
morte aos 50 anos quando comparados a colegas com
menor índice de hostilidade — essa tendência constituiuse num previsor de morte ainda jovem, mais forte que
outros fatores de risco como fumar, pressão sanguínea
alta e colesterol alto. E descobertas de um colega, o Dr.
John Barefoot, da Universidade da Carolina do Norte,
mostram que nos pacientes cardíacos submetidos à
angiografia, quando um tubo é inserido na artéria
coronária para medir lesões, as contagens em testes de
rancor se correlacionam com a extensão e severidade da
doença coronária.
Claro, ninguém está dizendo que a raiva, por si só,
causa doença na artéria coronária; é apenas um entre
vários fatores interagentes. Como explica Peter Kaufman,
diretor em exercício do Setor de Medicina
Comportamental do Instituto do Coração, Pulmão e
Sangue:
— Ainda não podemos saber se a raiva e o rancor
desempenham um papel causal no desenvolvimento
precoce de doença na artéria coronária, ou se a
intensificam, uma vez iniciada a doença cardíaca, ou as
duas coisas juntas. Mas considere um jovem de 20 anos
que sempre se aborrece. Cada episódio de raiva
acrescenta um estresse extra ao coração, aumentando o
ritmo cardíaco e a pressão do sangue. Quando isso se
repete continuamente, pode causar dano — sobretudo
porque a turbulência do sangue correndo pela artéria
coronária, a cada batida, pode causar microlesões no
vaso, onde se formam placas. Se seu ritmo cardíaco é
mais rápido e a pressão do sangue mais alta porque
você vive habitualmente aborrecido, em trinta anos isso
pode levar a uma mais rápida formação de placas e,
portanto, a uma doença na artéria coronária.11
Assim que surge a doença, os mecanismos disparados
pela raiva afetam a própria eficiência do bombeamento
cardíaco, como foi mostrado no estudo de evocação de
momentos de raiva em pacientes cardíacos. O resultado
é que o sentimento de raiva torna-se particularmente
letal nos que são cardiopatas. Um estudo realizado na
Faculdade de Medicina de Stanford, com 1.012 homens e
mulheres que haviam sofrido um primeiro ataque
cardíaco e que foram observados, durante oito anos,
mostrou que entre homens mais agressivos e hostis, no
início, houve maior incidência de outro ataque
cardíaco.12 Resultados semelhantes foram obtidos num
estudo da Faculdade de Medicina de Yale, com 929
homens que haviam sobrevivido a ataques cardíacos e
foram acompanhados durante dez anos.13 Aqueles que
foram considerados como facilmente susceptíveis à raiva
tinham três vezes mais probabilidade de morrer de
parada cardíaca do que os de temperamento mais
estável. E se também tinham altos níveis de colesterol, o
risco trazido pela raiva era cinco vezes maior.
Os pesquisadores de Yale observam que talvez não
seja apenas a raiva que aumenta o risco de morte por
doenças cardíacas, mas sim sentimentos negativos muito
intensos, de qualquer espécie, que enviam regularmente
ondas de hormônio de estresse por todo o corpo. Mas,
no todo, as mais fortes correlações científicas entre
emoções e doença cardíaca apontam para a raiva: um
estudo da Faculdade de Medicina de Yale pediu a mais
de 1.500 homens e mulheres que haviam sofrido ataques
cardíacos que falassem de seu estado de humor nas
horas que antecederam a crise. Foi constatado que a
raiva mais que duplicava o risco de parada cardíaca em
pessoas que já tinham problemas de coração; o risco
maior durava cerca de duas horas depois da provocação
da raiva.14
Tais constatações não significam que as pessoas
devam tentar não sentir raiva, quando ela é apropriada.
Na verdade, há indícios de que tentar suprimir
completamente esses sentimentos, no calor do momento,
resulta, na verdade, numa agitação maior do corpo e
pode elevar a pressão sanguínea.15 Por outro lado,
como vimos no Capítulo 5, quando damos vazão à raiva,
simplesmente a alimentamos, tornando-a uma respostapadrão para qualquer situação que nos aborreça.
Williams assim resolve esse paradoxo: se devemos ou
não expressar a raiva é uma questão menos importante
do que ter, de forma crônica, sentimentos de raiva. Uma
ocasional demonstração de ressentimento não faz mal à
saúde; o problema é quando o ressentimento se torna
tão constante a ponto de definir um estilo pessoal
antagonístico — assinalado por repetidos sentimentos de
desconfiança e ceticismo e pela tendência a tecer
comentários sarcásticos, além de outros mais óbvios
ataques de mau gênio e cólera.16
A notícia auspiciosa é que a raiva crônica não é
necessariamente uma sentença de morte: ser rancoroso é
um hábito que pode ser mudado. Um grupo de
pacientes cardiopatas da Faculdade de Medicina da
Universidade de Stanford foi inscrito num programa
destinado a ajudá-los a controlar suas tendências ao
“pavio curto”. Comparados com aqueles que não tinham
tentado alterar o comportamento, para os cardiopatas
que participaram do programa a probabilidade de
sofrerem outra crise ficou reduzida em 44%.17 Um outro
programa, concebido por Williams, tem obtido
semelhantes resultados benéficos.18 Tal como o
programa de Stanford, fornece um treinamento básico
em inteligência emocional, sobretudo no que diz
respeito a tomar consciência da raiva tão logo ela se
inicie, na capacidade de mantê-la sob controle uma vez
iniciada e na empatia. Pede-se aos pacientes que anotem
pensamentos céticos ou rancorosos quando os
percebam. Se os pensamentos persistem, eles tentam
eliminá-los, dizendo (ou pensando): “Pára!” E são
estimulados a substituir, diante de situações críticas,
esses pensamentos por outros que sejam racionais —
por exemplo, se um elevador demora a chegar, buscar
uma boa explicação, em vez de sentir raiva por uma
imaginária pessoa egoísta que possa ser responsável pela
demora. Para contatos frustrantes, eles treinam a
capacidade de ver as coisas da perspectiva da outra
pessoa — a empatia é um bálsamo para a raiva.
Como disse Williams:
— O antídoto para a hostilidade é desenvolver um
espírito mais confiante. Basta que tenhamos um bom
motivo para isso. Quando as pessoas constatam que a
hostilidade pode levá-las muito cedo para a cova, se
dispõem a tentar.
Tensão: Ansiedade Fora de
Propósito e Fora de Lugar
Eu vivo ansiosa e tensa o tempo todo. Tudo começou quando eu
estava no ginásio. Eu era uma estudante que só tirava A, sempre
preocupada com minhas notas, em saber se os meus colegas e os
professores gostavam de mim, em estar preparada para as aulas —
coisas assim. Meus pais faziam muita pressão para eu me sair bem na
escola e ser exemplar... Acho que simplesmente desabei sob toda essa
pressão, porque meus problemas estomacais começaram no segundo
ano ginasial. Desde essa época, preciso ter realmente muito cuidado
com cafeína e comidas muito condimentadas. Noto que, quando fico
preocupada ou tensa, o estômago fica ardendo, e, como sempre estou
preocupada com uma coisa ou outra, vivo nauseada.19
A ansiedade — um problema causado pelas pressões
da vida — é talvez a emoção com maior correlação
científica ligando-a ao começo de uma doença e ao
curso da recuperação. Quando a ansiedade serve para
que nos preparemos para lidar com algum perigo (uma
suposta utilidade na evolução humana), está nos
prestando um bom serviço. Mas na vida moderna a
ansiedade é, na maioria das vezes, fora de propósito e
dirigida para o alvo errado — a raiva se torna patológica
quando ocorre em circunstâncias triviais ou quando é
invocada pela mente como reação equivocada, dirigida
ao alvo errado. Repetidos ataques de ansiedade indicam
altos níveis de estresse. A mulher cuja preocupação
constante lhe causa problemas gastrintestinais é um
exemplo didático de como a ansiedade e o estresse
exacerbam problemas clínicos.
Num comentário de 1993, nos Archives of Internal
Medicine, sobre a extensa pesquisa sobre a correlação
estresse-doença, Bruce McEwen, psicólogo de Yale,
observou um largo espectro de efeitos:
comprometimento do sistema imunológico a ponto de
disparar a metástase do câncer; aumento da
vulnerabilidade a infecções virais; exacerbação na
formação de placas que levam à arteriosclerose e à
obstrução do sangue que causa enfarte do miocárdio;
aceleração do início da diabete Tipo I e do curso da
Tipo II; e piora ou provocação de uma crise asmática.20
O estresse também pode levar à ulceração do trato
gastrintestinal, provocando sintomas como colite
ulcerativa e doenças inflamatórias do intestino. O
próprio cérebro está sujeito aos efeitos de longo prazo
do estresse constante, incluindo danos ao hipocampo e,
portanto, à memória. De um modo geral, diz McEwen,
“crescem os indícios de que o sistema nervoso está
sujeito a ‘desgaste e rompimento’ como resultado de
experiências estressantes”.21
Indícios particularmente fortes do impacto clínico do
estresse vieram de estudos sobre doenças infecciosas
como resfriados, gripes e herpes. Vivemos
constantemente expostos a esses vírus, mas em geral
nosso sistema imunológico os mantém a distância — só
que, sob estresse emocional, essas defesas na maioria
das vezes falham. Em experimentos nos quais a robustez
do sistema imunológico foi avaliada diretamente
descobriu-se que o estresse e a ansiedade o debilitam,
mas a maioria desses estudos não deixa claro se a gama
de enfraquecimento imunológico tem significado clínico
— ou seja, se é suficientemente grande para abrir
caminho à doença.22 Por esse motivo, mais fortes
ligações científicas entre tensão e ansiedade com
vulnerabilidade clínica vêm de estudos de
acompanhamento: aqueles que começam com pessoas
saudáveis e monitoram primeiro um aumento de
perturbação, seguido por um enfraquecimento do
sistema imunológico e o início da doença.
Num dos estudos mais cientificamente sérios, Sheldon
Cohen, psicólogo da Universidade de Carnegie-Mellon,
trabalhando com cientistas numa unidade de pesquisa
especializada em resfriados em Sheffield, na Inglaterra,
avaliou cuidadosamente o nível de estresse com que as
pessoas conviviam e em seguida as expôs
sistematicamente a um vírus de resfriado. Nem todos
contraíram a doença; um sistema imunológico robusto
pode resistir — e o faz constantemente — ao vírus do
resfriado. Cohen constatou que quanto mais tensão as
pessoas tinham em suas vidas, mais provável era que
pegassem resfriado. Entre aqueles que viviam sob baixa
tensão, 27% se resfriaram após expostos ao vírus; entre
os mais tensos, 47% ficaram doentes — prova cabal de
que a própria tensão debilita o sistema imunológico.23
(Embora esse talvez seja um daqueles resultados
científicos que confirmam o que todo mundo já sabia ou
suspeitava, é considerado uma descoberta que fez
época, dado o seu rigor científico.)
Do mesmo modo, casais que durante três meses,
diariamente, tiveram de lidar com questões desgastantes
e perturbadoras como, por exemplo, discussões
conjugais, mostraram um forte padrão: três ou quatro
dias após uma série particularmente intensa de
perturbações, contraíram resfriado ou infecção das vias
respiratórias. O período de retardo é precisamente o
tempo de incubação dos vírus mais comuns de resfriado,
sugerindo que a exposição ao vírus, quando estavam
mais preocupados e perturbados, os tornava mais
vulneráveis.24
O mesmo padrão estresse-infecção se aplica ao vírus
do herpes — tanto aquele que causa feridas nos lábios
quanto o que causa lesões genitais. Assim que as
pessoas são expostas a esse vírus, ele fica latente,
eclodindo de tempos em tempos. A atividade desse vírus
pode ser identificada pelos níveis de específicos
anticorpos no sangue. Através desse método, foi possível
descobrir a reativação do vírus do herpes em estudantes
em exame final, em mulheres recém-separadas e entre
pessoas estressadas por estarem cuidando de pessoa da
família com o mal de Alzheimer.25
O que a ansiedade acarreta não é apenas a redução
da resposta imunológica; outra pesquisa mostra efeitos
adversos no sistema cardiovascular. Enquanto o
sentimento de rancor crônico e a raiva episódica
parecem pôr os homens sob um grande risco de
contração de doença cardíaca, as emoções mais letais em
mulheres são a ansiedade e o medo. Numa pesquisa
feita na Faculdade de Medicina de Stanford com mais de
mil homens e mulheres que haviam sofrido um ataque
cardíaco, as mulheres que sofreram um segundo ataque
se caracterizavam por uma grande tendência a sentir
medo e ansiedade. Em muitos casos, o medo se
apresentava sob a forma de fobias incapacitantes: após o
primeiro ataque cardíaco, as pacientes paravam de
dirigir, de trabalhar ou evitavam sair de casa.26
Os insidiosos efeitos físicos da tensão mental e
ansiedade — produzidas por um determinado tipo de
profissão ou por uma vida sob grande pressão, como a
da mãe solteira que faz malabarismos para dar conta das
tarefas domésticas e do trabalho fora de casa — estão
sendo identificados num nível anatomicamente
minucioso. Por exemplo, Stephen Manuck, psicólogo da
Universidade de Pittsburgh, submeteu trinta voluntários,
em laboratório, a uma provação rigorosa, carregada de
ansiedade e, enquanto isso, monitorava o sangue dos
homens, avaliando uma substância secretada por
plaquetas de sangue chamada adenosina trifosfato ou
ATP, que pode provocar mudanças nos vasos
sanguíneos, causando ataque cardíaco ou derrames.
Quando os voluntários se achavam sob intenso estresse,
seus níveis de ATP subiam acentuadamente, o mesmo
acontecendo com o ritmo cardíaco e a pressão
sanguínea.
Conforme é de se supor, os riscos para a saúde são
maiores para aqueles que trabalham sob intensa
“pressão”: alta exigência de desempenho e pouca ou
nenhuma possibilidade de ter sob o próprio controle as
tarefas que lhes são exigidas (uma situação que acarreta,
entre outros problemas, a hipertensão arterial em
motoristas de ônibus). Por exemplo, num estudo com
569 pacientes com câncer colo-retal e com um grupo de
comparação portador da mesma doença, os que
disseram que, nos últimos dez anos, tinham sofrido
grande contrariedade no trabalho tinham cinco vezes e
meia mais probabilidades de ter câncer do que os que
não viviam sob esse tipo de estresse.27
Como o custo clínico da perturbação é muito grande,
técnicas de relaxamento — que imediatamente refreiam
a estimulação fisiológica da tensão — estão sendo
usadas clinicamente para aliviar os sintomas de uma
grande variedade de doenças crônicas. Entre elas estão a
doença cardiovascular, alguns tipos de diabete, artrite,
asma, problemas gastrintestinais e dor crônica, para citar
algumas. Na medida em que qualquer sintoma é
agravado pela tensão e perturbação emocional, o auxílio
aos pacientes para que consigam relaxar e controlar seus
sentimentos turbulentos muitas vezes proporciona algum
alívio.28
O Peso Clínico da Depressão
Ela recebeu o diagnóstico de um câncer metastático no seio, um
retorno e disseminação da malignidade, vários anos depois do que
julgara ter sido uma bem-sucedida cirurgia para extirpar a doença.
Agora o médico não mais podia falar de cura e a quimioterapia, na
melhor das hipóteses, ofereceria apenas mais uns poucos meses de
vida. Ela estava, compreensivelmente, deprimida — tanto que, sempre
que ia ao oncologista, a certa altura caía em prantos. Reação do médico
a cada consulta: pedir-lhe que deixasse imediatamente o consultório.
Deixando de lado a lamentável frieza do oncologista,
era importante, do ponto de vista clínico, o fato de ele
não querer lidar com a tristeza da paciente? Quando uma
doença se torna tão virulenta, é improvável que qualquer
emoção tenha algum efeito considerável sobre o seu
progresso. Embora a depressão dessa mulher, com toda
a certeza, tenha obscurecido a qualidade de seus últimos
meses de vida, os indícios clínicos de que a melancolia
possa afetar o curso do câncer ainda são
contraditórios.29 Mas, afora o câncer, alguns estudos
sugerem que a depressão exerce influência em muitos
outros males encontrados na clínica médica, sobretudo
no agravamento de uma doença, depois de iniciada. É
cada vez maior o número de indícios que demonstram
que, para pacientes com doenças sérias e deprimidos,
seria útil, em termos clínicos, tratar também da
depressão.
O complicador trazido pelo tratamento da depressão
na clínica médica é que os seus sintomas, que incluem a
perda de apetite e a letargia, são facilmente confundíveis
com sintomas de outras doenças, sobretudo por médicos
com pouca formação em diagnose psiquiátrica. Essa
incapacidade de diagnosticar a depressão pode, por si
só, agravar o problema, pois significa que a depressão
de um paciente — como a da paciente de câncer no seio
que chorava — passa despercebida e não é tratada. E a
ausência do diagnóstico e do tratamento pode aumentar
o risco de morte em doenças graves.
Por exemplo, de 100 pacientes que receberam
transplantes de medula óssea, 12 dos 13 que estavam
deprimidos morreram no primeiro ano após a cirurgia,
enquanto 34 dos 87 restantes continuavam vivos dois
anos depois.30 E em pacientes com insuficiência renal
crônica que faziam hemodiálise, era mais provável que
aqueles com depressão severa diagnosticada morressem
nos dois anos seguintes; a depressão era um fator de
previsão de morte mais forte que qualquer outro sintoma
clínico.31 No caso, a rota que ligava emoção à condição
clínica não era biológica, mas comportamental: os
pacientes deprimidos não obedeciam às prescrições
médicas — trapaceavam nas dietas, por exemplo, o que
os punha sob maior risco.
Há indícios de que também os problemas cardíacos
se exacerbem com a depressão. Num estudo com 2.832
homens e mulheres de meia-idade acompanhados
durante 12 anos, para aqueles que se sentiam sempre
desesperançados também havia uma probabilidade
maior de mortalidade por doença cardíaca.32 E para
cerca de 3% daqueles que sofriam de depressão severa, a
taxa de mortalidade por doença cardíaca, em
comparação com aqueles que não estavam em
depressão, era quatro vezes maior.
É muito provável que a depressão cause problemas
clínicos particularmente graves para aqueles que
sofreram ataque cardíaco.33 Em estudo feito num
hospital de Montreal, pacientes que tiveram alta após
serem tratados de um primeiro ataque cardíaco e
estavam deprimidos corriam um risco muitíssimo maior
de morrer nos seis meses seguintes. Constatou-se que
para um entre oito com depressão grave, a taxa de
mortalidade foi cinco vezes mais alta que para outros
com igual doença — um efeito clínico de dimensão igual
ao risco de morte associado a problemas cardíacos como
a disfunção no ventrículo esquerdo ou um histórico de
ataques cardíacos anteriores. Entre os possíveis
mecanismos que podem explicar por que a depressão
aumenta tanto a possibilidade de um outro ataque estão
os seus efeitos sobre a variabilidade do ritmo cardíaco,
que aumenta o risco de arritmias fatais.
Também foi constatado que a depressão complica a
recuperação de fratura da bacia. Num estudo com
senhoras portadoras desse tipo de fratura, milhares
receberam avaliações psiquiátricas ao darem entrada no
hospital. Aquelas que estavam deprimidas ficaram no
hospital numa média de oito dias a mais do que aquelas
com problema idêntico, mas não deprimidas, e tinham
só um terço de probabilidade de voltarem a andar. Mas
aquelas que estavam sob depressão e que, além dos
cuidados clínicos, também tiveram assistência
psiquiátrica, precisaram de menos fisioterapia para voltar
a andar e menos hospitalização nos três meses que se
seguiram à alta.
Do mesmo modo, num estudo de pacientes cuja
condição era tão crítica que estavam entre os primeiros
10% dos que usavam serviços médicos — muitas vezes
por terem múltiplas doenças, como problemas cardíacos
e diabete —, cerca de um em seis era portador de
depressão grave. Quando foram tratados deste problema,
o número de dias por ano que ficaram incapacitados
caiu de 79 para 51 para aqueles com grande depressão,
e de 62 dias para apenas 18 para os que tinham sido
tratados de depressão branda.34
OS BENEFÍCIOS CLÍNICOS DO OTIMISMO
Os crescentes indícios sobre os efeitos clínicos adversos
dos sentimentos de raiva, ansiedade e depressão,
portanto, são muito fortes. Tanto a raiva quanto a
ansiedade, quando crônicas, podem fazer com que a
pessoa fique mais susceptível a várias doenças. Ao
mesmo tempo que a depressão talvez não possa ser
associada ao contraimento de doenças, ela dificulta a
recuperação clínica e aumenta o risco de morte,
sobretudo em pacientes mais fragilizados em virtude de
doença grave.
Mas se a perturbação emocional crônica, em suas
muitas formas, é tóxica, o oposto pode ser revigorante.
Isso não quer dizer, de modo algum, que sentimentos
positivos curem ou que basta sorrir e ser feliz para que o
curso de uma doença séria se reverta. Os benefícios
proporcionados por emoções positivas são
imperceptíveis, mas pesquisas feitas junto a um grande
número de pessoas permitem verificar seus efeitos nas
inumeráveis e complexas variáveis que afetam o curso
da doença.
O Custo do Pessimismo e os
Benefícios do Otimismo
Tal como ocorre na depressão, há ônus clínicos
acarretados pelo pessimismo e vantagens
correspondentes no otimismo. Por exemplo, 122 homens
que tiveram um primeiro ataque cardíaco foram
avaliados quanto ao grau de otimismo ou pessimismo.
Oito anos depois, dos 25 mais pessimistas, 21 haviam
morrido; dos 25 mais otimistas, apenas seis. A forma
como encaravam a vida revelou-se um melhor previsor
de sobrevivência do que qualquer outro fator clínico de
risco, incluindo a extensão do dano causado ao coração
no primeiro ataque, bloqueio de artéria, nível de
colesterol ou pressão do sangue. E em outra pesquisa, os
pacientes mais otimistas entre os que iam se submeter a
uma cirurgia de ponte de safena tiveram uma
recuperação muito mais rápida e menos complicações
clínicas durante e após a cirurgia do que os pacientes
mais pessimistas.35
Como seu primo-irmão, a esperança na recuperação
tem poder curativo. As pessoas que confiam na
recuperação são, naturalmente, mais capazes de suportar
circunstâncias adversas, inclusive problemas de saúde.
Num estudo de pessoas paralíticas por danos na coluna,
as mais confiantes conseguiram conquistar maior grau de
mobilidade física, em comparação com outros pacientes
com danos assemelhados, mas que eram pessimistas. A
esperança na recuperação é muito importante nos casos
de lesão espinhal, pois este é um tipo de tragédia clínica
que envolve normalmente pessoas que, em torno dos 20
anos, ficam paralíticas devido a acidentes e que terão de
lidar com essa deficiência durante muitos anos. A
maneira como reagem emocionalmente será
determinante para que se esforcem para obter um
melhor desempenho físico e social.36
O motivo pelo qual uma perspectiva otimista ou
pessimista afeta a saúde é uma questão aberta a várias
explicações. Uma teoria sugere que o pessimismo leva à
depressão, que por sua vez interfere com a resistência
do sistema imunológico a tumores e infecções — uma
especulação não comprovada até o presente. Ou pode
acontecer de pacientes pessimistas não se cuidarem —
alguns estudos constataram que os pessimistas fumam e
bebem mais, e fazem menos exercício que os otimistas, e
são em geral mais descuidados com a saúde. Ou pode
ser que um dia seja descoberto que a fisiologia da
esperança possa biologicamente ajudar o corpo em sua
luta contra a doença.
Com um Pouco de Ajuda de Meus
Amigos:
O Valor Clínico das Relações
Afetivas
Acrescente-se a solidão à lista de riscos emocionais para
a saúde — e os laços emocionais estreitos à lista de
fatores protetores. Estudos feitos durante duas décadas,
envolvendo mais de 37 mil pessoas, mostram que o
isolamento social — a sensação de que não temos com
quem partilhar os nossos mais íntimos sentimentos ou ter
uma relação de intimidade — duplica a possibilidade de
contrairmos doença ou de morrermos.37 O isolamento,
por si só, concluiu uma comunicação científica de 1987
publicada na revista Science, “é tão importante para as
taxas de mortalidade quanto o fumo, a alta pressão
sanguínea, o colesterol alto, a obesidade e a falta de
exercício físico”. Na verdade, o fumo aumenta o risco de
mortalidade por um fator de apenas 1,6%, enquanto o
isolamento social representa um risco de 2,0%, ou seja, é
pior para a saúde.38
Para os homens, o isolamento é mais difícil de
suportar. Os que viviam isolados, em comparação com
aqueles que mantinham estreitos laços sociais, tinham de
duas a três vezes mais probabilidade de morrer; nas
mulheres em idênticas condições, o risco era uma vez e
meia maior do que para as outras que tinham mais
ligações sociais. A diferença na forma como homens e
mulheres reagem ao isolamento talvez se justifique pelo
fato de os relacionamentos delas tenderem a ser mais
estreitos emocionalmente; alguns poucos laços sociais
para uma mulher são mais reconfortantes que
igualmente poucas amizades para um homem.
Há uma grande diferença entre solidão e isolamento;
muitas pessoas que vivem sozinhas ou que têm poucos
contatos com amigos vivem satisfeitas e saudáveis. É a
sensação subjetiva de estar isolado das pessoas, e de não
ter com quem contar, que se constitui em risco para a
saúde. Essa constatação é sinistra, em vista, nas
modernas sociedades urbanas, do crescente isolamento
gerado pelo hábito de ficar vendo televisão sozinho e da
diminuição de hábitos sociais como freqüentar um clube
e visitar pessoas, e sugere um maior valor para os
grupos de auto-ajuda do tipo Alcoólicos Anônimos,
como formas substitutivas de vida em comunidade.
O poder do isolamento como fator de risco para a
saúde — e o poder curativo dos laços estreitos — pode
ser constatado em estudo de cem pacientes de
transplante de medula óssea.39 Entre os pacientes que
contavam com grande apoio emocional dos cônjuges,
família ou amigos, 54% sobreviveram ao transplante até
dois anos, contra apenas 20% daqueles que haviam
relatado não terem esse tipo de recurso afetivo. Do
mesmo modo, idosos que sofrem ataques cardíacos, mas
têm duas ou mais pessoas com quem podem contar
emocionalmente, têm duas vezes mais probabilidade de
sobreviver mais de um ano após a crise do que as
pessoas que não têm esse apoio.40
Talvez a prova mais reveladora da potência curativa
dos laços afetivos venha de um estudo sueco publicado
em 1993.41 Ofereceu-se a todos os homens que viviam
na cidade sueca de Göteborg, nascidos em 1933, um
exame médico gratuito; sete anos depois, esses 752
homens foram contatados. Quarenta e um deles haviam
morrido.
Aqueles que, no primeiro exame, disseram estar
vivendo sob intensa tensão emocional tiveram uma taxa
de mortalidade três vezes maior que os que disseram
que suas vidas eram calmas e plácidas. A perturbação
emocional devia-se a graves problemas financeiros,
insegurança no emprego ou ser forçado a deixá-lo, ser
objeto de um processo judicial ou estar se divorciando.
Três ou mais desses problemas no ano anterior ao
exame era um fator de previsão mais seguro de morte
nos sete anos que se seguiram do que indicadores
clínicos como a alta pressão sanguínea, alta concentração
de triglicerídeos no sangue ou altos níveis de colesterol.
Contudo, entre os homens que disseram ter uma rede
confiável de intimidade — esposa, amigos íntimos e
outros —, não houve qualquer correlação entre o alto
nível de tensão e a taxa de mortalidade. O fato de terem
pessoas com quem contar, conversar, pessoas que
podiam oferecer consolo, ajuda e aconselhamento
protegia-os do impacto mortal dos rigores e traumas da
vida.
A qualidade e um razoável número de pessoas com
quem nos relacionamos parecem ser fundamentais para
amenizar tensões. Os relacionamentos negativos têm um
alto custo. As discussões conjugais, por exemplo, causam
um impacto negativo no sistema imunológico.42 Um
estudo de colegas que moravam num quarto na
universidade constatou que quanto mais eles
antipatizavam um com o outro, mais susceptíveis ficavam
a resfriados e gripes, e com mais freqüência procuravam
assistência médica. John Cacioppo, psicólogo da
Universidade do Estado de Ohio, que fez essa pesquisa,
me disse:
— São os relacionamentos mais importantes na vida
da gente, as pessoas com quem a gente mantém contato
cotidiano, que são importantes para nossa saúde. E
quanto mais significativo for o relacionamento, mais ele
é importante para a preservação de nossa saúde.43
O Poder Curativo do Apoio
Emocional
Em As Alegres Aventuras de Robin Hood, Robin
aconselha a um jovem discípulo: “Conte-nos seus
problemas e fale livremente. Uma enxurrada de palavras
sempre ameniza as mágoas do coração; é como abrir as
comportas de uma represa que está transbordante.” Este
exemplo de sabedoria popular faz sentido; o desabafo é
um bom remédio. A corroboração científica do conselho
de Robin vem de James Pennebaker, psicólogo da
Universidade Metodista do Sul, que demonstrou, numa
série de experimentos, que, quando as pessoas
expressam os sentimentos que mais as perturbam, o
efeito clínico é benéfico.44 O método dele é muito
simples: pede às pessoas que escrevam, durante 15 ou
vinte minutos por dia, pelo período de mais ou menos
cinco dias, sobre, por exemplo, “a mais traumática
experiência que já tiveram”, ou alguma preocupação
premente. O que as pessoas escrevem pode ficar só para
elas mesmas, se quiserem.
O resultado dessa “confissão” é impressionante:
melhor função imunológica, quedas significativas de
atendimento em centros de saúde nos seis meses
seguintes, menor falta ao trabalho e até melhor função
enzimática do fígado. Além disso, aqueles em cujos
textos havia mais sinais de pensamentos turbulentos
foram os que obtiveram maior melhora na função
imunológica. A pesquisa revelou um padrão específico
como a forma “mais saudável” de extravasar sentimentos
perturbadores: primeiro, expressar um alto nível de
tristeza, ansiedade, raiva — qualquer sentimento
perturbador que o tema evocasse; depois, no decorrer
dos dias seguintes, tecer uma narrativa, identificando
algum significado no trauma ou esforço.
Esse processo, óbvio, se assemelha ao que ocorre na
psicoterapia. Na verdade, as constatações de Pennebaker
sugerem por que outros estudos mostram que pacientes
que recebem ajuda psicoterápica, além de intervenções
cirúrgicas ou tratamento clínico, muitas vezes obtêm
melhoras mais significativas em suas condições clínicas
do que os que recebem apenas tratamento clínico.45
Talvez a maior demonstração do valor clínico do
apoio emocional esteja nos encontros de grupo da
Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford,
destinados a mulheres com avançado câncer metastático
no seio. Após um tratamento inicial, que muitas vezes
incluíra cirurgia, o câncer dessas mulheres voltara e
espalhava-se por todo o corpo. Era só uma questão de
tempo, clinicamente falando, para que a doença,
expandindo-se, as matasse. O próprio Dr. David Spiegel,
que fez o estudo, ficou espantado com as constatações,
o mesmo acontecendo com a comunidade médica: as
mulheres com avançado câncer no seio que
participavam regularmente das reuniões sobreviviam
duas vezes mais que aquelas que portavam a mesma
doença, mas que a enfrentavam sozinhas.46
Todas as mulheres receberam a assistência clínica
padrão; a única diferença era que algumas também
participavam dos grupos, onde podiam desabafar com
outras que entendiam o que elas estavam passando e
estavam disponíveis para ouvir os seus temores, dor e
mágoa. Para muitas delas, aquele era o único lugar onde
podiam falar abertamente sobre seus sentimentos,
porque as pessoas com quem conviviam temiam referirse ao câncer e à morte iminente. As mulheres que
freqüentavam os grupos viveram, em média, mais três
anos e um mês, enquanto as outras morreram, em
média, em um ano e sete meses — um ganho em
expectativa de vida para essas pacientes maior que
qualquer remédio ou outro tratamento clínico. Como
disse o Dr. Jimmie Holland, oncologista psiquiátrico e
chefe do Sloan-Kettering Memorial Hospital, um centro
de tratamento de câncer na cidade de Nova York:
— Todo paciente de câncer devia freqüentar um
grupo desse tipo.
Na verdade, se os efeitos produzidos pela
participação em grupos de apoio desse gênero
pudessem ser produzidos por uma determinada droga,
os laboratórios farmacêuticos estariam se engalfinhando
para fabricá-la.
Ã
Ê
A APLICAÇÃO DA INTELIGÊNCIA
EMOCIONAL
NA ASSISTÊNCIA CLÍNICA
No dia em que um checkup de rotina detectou sangue
em minha urina, meu médico me mandou fazer um
exame em que me injetaram uma tintura radiativa. Fiquei
deitado numa mesa, enquanto uma máquina de raios X
produzia sucessivas imagens do avanço da tintura pelos
meus rins e bexiga. Eu tinha companhia no exame: um
amigo íntimo, médico, por acaso estava na cidade por
alguns dias e ofereceu-se para ir ao hospital comigo.
Ficou sentado na sala enquanto a máquina de raios X,
num trilho automático, rodava em busca de novos
ângulos de câmera, zumbia e soltava estalidos; zumbia e
soltava estalidos.
O exame levou uma hora e meia. No finalzinho, um
nefrologista entrou correndo na sala, apresentou-se às
pressas e saiu com as chapas. Não voltou para me dizer
o que elas mostravam.
Quando estávamos saindo da sala de exames, meu
amigo e eu passamos pelo nefrologista. Sentindo-me
abalado e um pouco tonto por causa do exame, não tive
a presença de espírito de fazer a única pergunta que
permanecera em minha cabeça durante toda a manhã.
Mas meu companheiro, o médico, fez:
— Doutor — disse —, o pai de meu amigo morreu
de câncer na bexiga. Ele está ansioso para saber se o
senhor viu algum sinal de câncer nas chapas.
— Nada de anormal — foi a sucinta resposta do
nefrologista, que corria para seu próximo compromisso.
Minha incapacidade de perguntar o que mais me
importava acontece mil vezes por dia em hospitais e
clínicas por toda parte. Um estudo de pacientes em salas
de espera constatou que cada um tinha uma média de
três ou mais perguntas a fazer ao médico. Mas quando
saíam do consultório, uma média de apenas uma e meia
dessas perguntas fora respondida.47 Essa constatação
revela uma das muitas formas como as necessidades
emocionais dos pacientes ficam sem atendimento pela
medicina moderna. Perguntas não respondidas
alimentam incerteza, medo, catastrofização. E levam os
pacientes a não seguirem prescrições que não entendem
plenamente.
Há muitas formas de a medicina expandir sua
concepção a respeito do que é saúde, para nela incluir a
vivência afetiva da doença. Por exemplo, os pacientes
poderiam receber, de forma rotineira, informações
essenciais para os cuidados que terão consigo mesmos;
há hoje programas de computador que permitem a
qualquer pessoa acessar a literatura médica relativa a
doenças específicas, o que possibilita que os pacientes
fiquem em igualdade de condições com os seus médicos
e que, portanto, tomem decisões com base em
informação científica.48 Outra abordagem são os
programas que, em poucos minutos, ensinam aos
pacientes a serem mais eficazes nas perguntas que farão
aos médicos, para que, quando tiverem três perguntas a
fazer, saiam do consultório com três respostas.49
Os momentos em que os pacientes enfrentam uma
cirurgia ou exames invasivos e dolorosos são de muita
ansiedade — e uma oportunidade ideal para lidar com a
dimensão emocional. Alguns hospitais têm criado
instruções pré-cirurgia que os ajuda a aliviar seus
temores e lidar com seus desconfortos — por exemplo,
ensinando aos pacientes técnicas de relaxamento,
respondendo a suas perguntas muito antes da cirurgia e
dizendo-lhes vários dias antes o que provavelmente
sentirão durante a recuperação. Resultado: os pacientes
recuperam-se da cirurgia numa média de dois a três dias
antes do previsto.50
Ser paciente num hospital é uma experiência
tremendamente solitária e de desamparo. Mas alguns
hospitais já começaram a projetar quartos onde membros
da família podem ficar com os pacientes, cozinhando e
cuidando deles como o fariam em casa — um passo
progressista que, ironicamente, é rotina em todo o
Terceiro Mundo.51
O exercício de relaxamento ajuda os pacientes a lidar
com parte da angústia que trazem os sintomas, e
também com as emoções que podem estar provocando
ou exacerbando esses sintomas. Um modelo exemplar é
a Clínica de Redução da Tensão de Jon Kabat-Zinn, no
Centro Médico da Universidade de Massachusetts, que
oferece aos pacientes um curso de dois meses e meio de
meditação e ioga; a ênfase é na tomada de consciência
dos episódios emocionais à medida que ocorrem, e no
cultivo de uma prática diária que proporciona profundo
relaxamento. Os hospitais produziram vídeos do curso
que podem ser vistos pelos pacientes — uma dieta
emocional muito melhor para os acamados que a
gororoba habitual das telenovelas.52
Relaxamento e ioga também fazem parte do
programa inovador para o tratamento de doenças
cardíacas criado pelo Dr. Dean Ornish.53 Após um ano
desse programa, que incluía uma dieta pobre em
gordura, os pacientes com problema cardíaco severo o
suficiente para merecer uma ponte de safena na verdade
revertiam a acumulação das placas que obstruíam as
artérias. Ornish diz que o curso de relaxamento é uma
das partes mais importantes do programa. Como o de
Kabat-Zinn, aproveita o que o Dr. Herbert Benson
chama de “resposta de relaxamento”, o oposto
fisiológico da estimulação da tensão que contribui para
um amplo espectro de problemas clínicos.
Finalmente, há o valor terapêutico adicional do
médico ou enfermeiro empático, sintonizado com os
pacientes, capaz de ouvir e de se fazer ouvir. Esse tipo
de conduta constitui-se numa “assistência centrada no
relacionamento”, na aceitação de que o relacionamento
entre médico e paciente é em si um fator importante.
Esses relacionamentos seriam mais prontamente
estimulados se a formação médica incluísse algumas
ferramentas básicas de inteligência emocional, sobretudo
a autoconsciência e as artes da empatia e do saber
ouvir.54
POR UMA MEDICINA QUE SE ENVOLVA
Essas medidas são um começo. Mas, para a medicina
ampliar seus horizontes e neles inserir o impacto das
emoções, devem-se levar a sério duas grandes
implicações das descobertas científicas:
1. Ajudar as pessoas a lidar melhor com sentimentos
incômodos como a raiva, ansiedade, depressão,
pessimismo e sensação de solidão é uma forma de
prevenir doenças. Como os dados mostram que a
toxicidade dessas emoções, quando crônicas,
equivale ao hábito de fumar, ajudar as pessoas a
lidar melhor com elas tem, potencialmente, um
ganho clínico tão grande quanto conseguir que os
fumantes deixem de fumar. Uma das maneiras de
fazer isso e que se refletiria na saúde pública seria
transmitir as mais básicas aptidões da inteligência
emocional às crianças, de modo a torná-las hábitos
para toda a vida. Outra estratégia preventiva e que
geraria dividendos seria ensinar o controle de
emoção a pessoas que, idosas, vão se aposentar,
uma vez que o bem-estar emocional é um dos
fatores que determinam se a pessoa idosa declina
ou floresce. Um terceiro alvo seriam as chamadas
populações de risco — os muito pobres, as mães
solteiras que trabalham fora, os moradores de
bairros com alto índice de criminalidade e outros
tais —, que vivem sob extraordinária pressão no
dia-a-dia, e que por isso poderiam obter ganhos,
do ponto de vista clínico, se soubessem lidar com
o custo emocional dessas tensões.
2. Muitos pacientes podem auferir imensos benefícios
quando a assistência clínica é acompanhada de
assistência psicológica. Embora o fato de um
médico ou enfermeiro oferecer conforto e consolo
a um paciente angustiado já seja um grande passo
em direção a uma assistência mais humana, é
possível fazer mais. Acontece que, muitas vezes, a
oportunidade de prestar assistência emocional se
perde na maneira como, hoje, é praticada a
medicina; este é um ponto cego para a medicina.
Apesar dos crescentes dados sobre a utilidade
clínica do atendimento a carências emocionais,
além dos indícios que sugerem a ligação entre o
centro emocional do cérebro e o sistema
imunológico, muitos médicos continuam céticos
acerca da importância das emoções de seus
pacientes em termos clínicos, descartando qualquer
sinal a favor como sendo trivial, folclórico, como
“periférico” ou, pior, como exageros de alguns
poucos que querem se promover.
Embora cada vez mais aumente a procura por uma
medicina mais humana, esta está em vias de extinção. É
claro que ainda há médicos e enfermeiros dedicados,
que dispensam aos pacientes uma atenção carinhosa e
sensível. Mas a própria cultura em mudança da medicina,
à medida que se submete cada vez mais a imperativos
empresariais, faz com que esse tipo de assistência seja
cada vez mais difícil de ser encontrado.
Mas pode haver um ganho comercial na medicina
humanística: há indícios de que tratar perturbações
emocionais nos pacientes é economicamente vantajoso
— sobretudo na medida em que impede ou retarda o
início da doença, ou ajuda os pacientes a obter alta mais
depressa. Num estudo de pacientes idosos com fratura
de bacia na Faculdade de Medicina Mt. Sinai, na cidade
de Nova York e na Universidade do Noroeste, foi
constatado que os pacientes que eram tratados da
depressão, além do tratamento ortopédico normal,
deixaram o hospital uma média de dois dias antes; a
economia total para as centenas de pacientes foi de
97.361 dólares em despesas médicas.55
Essa assistência extra também deixa os pacientes mais
satisfeitos com seus médicos e com o tratamento. No
emergente mercado médico, onde os pacientes muitas
vezes têm a opção de escolher entre planos de saúde
concorrentes, os níveis de satisfação sem dúvida entram
na equação dessas decisões muito pessoais —
experiências frustrantes levam os pacientes a buscar
assistência em outra parte, enquanto as agradáveis se
traduzem em fidelidade.
Acrescente-se, finalmente, que a ética médica exige
uma abordagem humanística. Um editorial do Journal of
the American Medical Association, ao comentar uma
comunicação científica sobre o fato de a depressão
aumentar cinco vezes a probabilidade de morte após o
tratamento de um ataque cardíaco, observa: “A clara
demonstração de que fatores psicológicos como
depressão e isolamento social distinguem os pacientes
de doenças cardíacas como de alto risco significa que
seria antiético não começar a tratar esses fatores.”56
O que as constatações sobre emoções e saúde estão a
dizer é que não mais é adequada a assistência médica
que ignora como as pessoas se sentem quando convivem
com uma doença crônica ou séria. É hora de a medicina
tirar um proveito mais metódico da estreita ligação que
existe entre emoção e saúde. O que hoje é exceção
poderia — e deveria — ser a tendência geral, de forma
que uma medicina verdadeiramente assistencial esteja ao
alcance de todos. No mínimo, isso tornaria a medicina
mais humana. E, para alguns, pode apressar o curso da
recuperação. “Ter compaixão”, disse um paciente em
carta aberta a seu cirurgião, “é mais do que segurar a
mão. É o equivalente a um bom remédio.”57
PARTE QUATRO
MOMENTOS
OPORTUNOS
12
O Ambiente Familiar
Está acontecendo um pequeno drama familiar. Carl e
Ann ensinam à filha Leslie, de apenas 5 anos, como
jogar um novo videogame. Mas, quando Leslie começa a
jogar, as ansiosas tentativas dos pais em “ajudar” só
atrapalham. Orientações contraditórias voam para todos
os lados.
— Pra direita, pra direita: pare aí. Pare aí. Pare! —
grita a mãe, Ann, num tom cada vez mais intenso e
ansioso, enquanto Leslie, mordendo os lábios e com os
olhos arregalados para a tela, se esforça para seguir as
orientações.
— Está vendo, não está alinhado... pra esquerda! Pra
esquerda! — ordena bruscamente o pai.
Enquanto isso, a mãe, revirando os olhos de
frustração, continua gritando:
— Pare! Pare!
Leslie, sem saber a quem atender, tensiona o queixo
e aperta os olhos, que se enchem de lágrimas.
Os pais começam a discutir, ignorando as lágrimas da
menina.
— Ela não está movendo o joystick tanto assim! —
diz Ann a Carl, exasperada.
As lágrimas começam a rolar pela face de Leslie. Seus
pais parecem não perceber. Quando Leslie ergue a mão
para enxugar as lágrimas, o pai interrompe:
— Tudo bem, pegue o joystick outra vez... você quer
estar pronta pra atirar. Vai, pega!
E a mãe berra:
— Tudo bem, mexe só um pouquinho!
Mas a essa altura Leslie já está soluçando baixinho,
sozinha com sua angústia. É de momentos como esses
que as crianças extraem grandes e profundos
ensinamentos. No caso de Leslie, a conclusão a que
talvez chegue é que nem seus pais nem ninguém no
mundo se importam com os seus sentimentos, qualquer
que seja a situação.1 Quando experiências desse tipo se
repetem muitas vezes durante a infância, transmitem
algumas das mais fundamentais mensagens emocionais
que levaremos por toda a vida — lições que podem
determinar o curso de uma vida. A vida em família é
onde iniciamos a aprendizagem emocional; nesse
caldeirão íntimo aprendemos como nos sentir em relação
a nós mesmos e como os outros vão reagir a nossos
sentimentos; aprendemos como avaliar nossos
sentimentos e como reagir a eles; aprendemos como
interpretar e manifestar nossas expectativas e temores.
Aprendemos tudo isso não somente através do que
nossos pais fazem e do que dizem, mas também através
do modelo que oferecem quando lidam,
individualmente, com os seus próprios sentimentos e
com aqueles sentimentos que se passam na vida
conjugal. Alguns pais são professores emocionais
talentosos, outros, são atrozes.
Há centenas de estudos que demonstram que a forma
como os pais tratam os filhos — se com rígida disciplina
ou empática compreensão, indiferença ou simpatia etc.
— tem conseqüências profundas e duradouras para a
vida afetiva da criança. Mas só recentemente surgiram
dados concretos que mostram que ter pais
emocionalmente inteligentes é em si de enorme proveito
para a criança. A maneira como um casal lida com os
seus sentimentos — além do trato direto com a criança
— passa poderosas lições para seus filhos, que são
aprendizes astutos, sintonizados com os mais sutis
intercâmbios emocionais na família. Quando equipes de
pesquisa chefiadas por Carole Hooven e John Gottman,
na Universidade de Washington, fizeram uma
microanálise da forma como os casais interagem no trato
com os filhos, constataram que aqueles que eram mais
competentes, do ponto de vista emocional, na relação
conjugal eram também os mais eficazes na ajuda aos
altos e baixos emocionais dos filhos.2
A pesquisa junto às famílias começou quando um dos
filhos tinha 5 anos, e se repetiu quando chegou aos 9.
Além de observar os pais conversarem um com o outro,
a equipe também os observava (como ocorreu com a
família de Leslie) ao tentarem ajudar o filho pequeno a
operar um videogame — uma interação aparentemente
inócua, mas bastante reveladora sobre as correntes
emocionais entre pais e filhos.
Alguns pais e mães eram como Carl e Ann:
impositivos, perdendo a paciência diante da inépcia do
filho, elevando a voz indignados ou exasperados, às
vezes até mesmo reduzindo o filho a um “idiota” — em
suma, caindo na mesma tendência de descaso e nojo
que corrói um casamento. Outros, porém, eram
tolerantes com os erros dos filhos, deixando que
descobrissem, por eles mesmos, como jogar, sem lhes
impor as suas vontades. A sessão de videogame foi um
inesperado barômetro do padrão emocional dos pais.
Os três mais comuns padrões de pais
emocionalmente inábeis são:
• Ignorar qualquer tipo de sentimento. Esses pais
consideram a perturbação emocional do filho
como algo banal ou que os chateia, uma coisa que
passará com o tempo. Não aproveitam o momento
para uma aproximação maior com o filho ou para
iniciá-lo na competência emocional.
• “Laissez-faire.” Esses pais sabem o que o filho está
sentindo, mas partem do princípio que qualquer
que seja a forma com que a criança vá lidar com a
tempestade emocional está ótimo — por exemplo,
até mesmo batendo em alguém. Tal como aqueles
pais que ignoram os sentimentos da criança, estes
pais raramente intervêm para sugerir ao filho um
sentimento diferente. Tentam aliviar todas as
perturbações e, por exemplo, serão capazes de
“comprar” a criança para que ela não fique triste
ou zangada.
• Ser muito rigoroso, não respeitar o que a criança
sente. Esses pais são em geral desaprovadores,
severos nas críticas e nos castigos. Podem, por
exemplo, proibir qualquer manifestação de raiva e
castigá-las ao menor sinal de irritabilidade. São os
pais que berram irados com a criança que tenta
argumentar: “Não fale assim comigo!”
Finalmente, há pais que aproveitam um momento de
perturbação do filho para agir como uma espécie de
treinador ou mentor emocional. Levam os sentimentos
do filho tão a sério que fazem tudo para entender o que
exatamente se passou (“Você está triste porque Tommy
o magoou?”) e para ajudá-lo a encontrar uma forma de
não se sentir tão mal (“Em vez de bater nele, por que
você não brinca com outra coisa até sentir vontade de
voltar a brincar com ele?”).
Para serem treinadores tão eficientes, os próprios pais
devem ter uma compreensão profunda acerca dos
rudimentos da inteligência emocional. Uma das coisas
que uma criança deve saber, e que faz parte de sua
aprendizagem emocional, é, por exemplo, distinguir
sentimentos; se, por exemplo, um pai está fora de
sintonia com seu próprio sentimento de tristeza, ele não
será capaz de ajudar o filho a saber a diferença que há
entre lamentar uma perda, sentir-se triste num filme triste
e sentir tristeza porque alguma coisa ruim aconteceu
com alguém que a criança gosta. Além dessa distinção,
há compreensões mais sofisticadas acerca de emoções,
como, por exemplo, saber que a raiva vem do fato de
nos sentirmos magoados.
À medida que crescem, as crianças vão adquirindo
maturidade para chegar a um outro nível de
aprendizagem emocional. Mudam as crianças e muda a
forma como elas lidam com as emoções. Como vimos no
Capítulo 7, as lições de empatia começam na infância,
com pais em sintonia com os sentimentos de seus bebês.
Embora algumas aptidões emocionais sejam
aperfeiçoadas com os amigos ao longo da vida, pais
emocionalmente aptos muito podem fazer para ajudar os
filhos em relação a cada um dos elementos básicos da
inteligência emocional: aprender a reconhecer, controlar
e canalizar os sentimentos; ter empatia e lidar com os
sentimentos que afloram em seus relacionamentos.
O impacto causado por uma paternidade exercida
nesses termos é muito significativo.3 Aquela equipe da
Universidade de Washington constatou que quando os
pais são emocionalmente aptos, comparados com os que
não lidam bem com os sentimentos, os filhos — por
conseqüência — têm, em relação a eles, um bom
relacionamento, afeição e menos tensão. Mas, além
disso, essas crianças também são hábeis no lidar com as
próprias emoções, mais eficazes na procura de alívio
para suas perturbações, e se perturbam com menos
freqüência. São também mais relaxadas biologicamente,
com baixos níveis de hormônios de estresse e outros
indicadores fisiológicos de estimulação emocional (um
padrão que, se mantido pela vida afora, pode ser uma
garantia de boa saúde física, como vimos no Capítulo
11). Ganham também no que diz respeito à
sociabilidade: essas crianças são mais dadas e queridas
por outras crianças, e os professores as consideram mais
sociáveis. Pais e professores são unânimes em classificá-
las entre as que menos apresentam problemas
comportamentais do tipo rudeza ou agressividade. Por
fim, há benefícios de ordem cognitiva; essas crianças são
mais atentas e, portanto, aprendem melhor. Para um
nível de QI constante, as crianças de 5 anos que tiveram
pais que foram bons treinadores tiravam melhores notas
em matemática e leitura ao atingirem a terceira série
(este é um forte argumento em defesa do ensino da
inteligência emocional como pré-requisito para a
aprendizagem acadêmica e para a vida em geral). Assim,
os benefícios obtidos por filhos de pais emocionalmente
aptos são uma surpreendente — quase estonteante —
gama de vantagens em todo o espectro de inteligência
emocional e em tudo mais na vida.
O que é Preciso Aprender
antes de Entrar para a Escola
É na tenra infância, no berço, que as crianças recebem
dos pais os ensinamentos emocionais que levarão para
suas vidas. O Dr. T. Berry Brazelton, eminente pediatra
de Harvard, aplica um teste bastante simples para avaliar
o que, basicamente, os bebês já têm como perspectiva
de vida. Ele entrega dois blocos a um bebê de oito
meses e depois mostra-lhe como quer que ele os junte.
O bebê confiante a respeito da vida e em suas próprias
aptidões, diz Brazelton,
pega um bloco, coloca na boca, esfrega no cabelo, deixa cair no chão,
aguarda que peguemos para ele. Pegamos e ele, então, cumpre a tarefa
— junta os dois blocos. Depois olha para a gente com olhinhos
brilhando que dizem: “Diz se eu não sou o máximo!”4
Os bebês desse tipo obtiveram uma boa dose de
aprovação e estímulo dos adultos com quem
conviveram; suas expectativas são de serem sempre
bem-sucedidos diante de qualquer pequeno desafio que
tenham de enfrentar. Ao contrário, bebês que vêm de
lares muito soturnos, desordenados ou desatenciosos
cumprem a mesma pequena tarefa de uma maneira que
denota um derrotismo. Eles juntam os blocos, entendem
a instrução e têm a coordenação motora necessária para
o cumprimento da tarefa. Mas, ainda assim, diz
Brazelton, sua fisionomia é “caidinha”, uma expressão
que diz: “Tudo o que faço é malfeito. Está vendo, fiz
tudo errado.” É provável que essas crianças passem a
vida com uma perspectiva pessimista, não esperando
encorajamento nem interesse dos professores, não tendo
prazer na escola, e talvez abandonem os estudos.
A diferença entre as duas perspectivas — crianças
confiantes e otimistas versus as derrotistas — começa a
ganhar forma nos primeiros anos de vida. Os pais, diz
Brazelton, “precisam entender como a sua atuação pode
gerar confiança, curiosidade, prazer na aprendizagem e a
definir limites” para que seus filhos lidem bem com a
vida. Essa observação se baseia num crescente conjunto
de indícios que mostram como o sucesso escolar
depende, em grande parte, de características emocionais
que foram cultivadas nos anos que antecedem a entrada
da criança na escola. Como vimos no Capítulo 6, por
exemplo, a capacidade de crianças de 4 anos em
controlar o impulso de agarrar um marshmallow previa
uma vantagem de 210 pontos em suas contagens no SAT
14 anos depois.
A primeira oportunidade para moldar os ingredientes
da inteligência emocional é nos primeiros anos, embora
essas aptidões continuem a formar-se durante todo o
período escolar. As aptidões emocionais que,
posteriormente, as crianças adquirem formam-se em
cima daquelas aprendidas nos primeiros anos. E essas
aptidões, como vimos no Capítulo 6, são o alicerce
essencial de todo o aprendizado. Um trabalho realizado
no Centro Nacional de Programas Clínicos Infantis afirma
que o sucesso na escola não é previsível tanto pelo
capital de fatos da criança ou de sua capacidade precoce
de ler quanto por medidas emocionais e sociais: ser
autoconfiante e interessado; saber que tipo de
comportamento adotar e como frear o impulso para se
comportar mal; ser capaz de aguardar a sua vez, seguir
orientações e procurar ajuda junto aos professores; e
expressar suas necessidades quando em companhia de
outras crianças.5
Quase todos os alunos que se saem mal na escola,
diz o trabalho, não têm nenhum desses elementos de
inteligência emocional (independentemente de também
terem problemas cognitivos como, por exemplo,
dificuldade em aprender). A magnitude do problema é
grande; em alguns estados norte-americanos, quase uma
em cada cinco crianças repete a primeira série, e depois,
com o passar dos anos, vai ficando cada vez mais para
trás em relação aos colegas, perdendo a motivação,
ficando ressentida e conflituosa.
Para que uma criança esteja pronta para ir para a
escola, é necessário que ela já tenha um conhecimento
básico: como aprender. O trabalho relaciona sete dos
principais ingredientes dessa aptidão fundamental —
todos relacionados com a inteligência emocional.6
1. Confiança.
O senso de controle e domínio sobre o próprio
corpo, comportamento e mundo; a sensação que a
criança tem de que é mais provável vencer do que
fracassar naquilo que empreender e de que os
adultos lhe ajudarão nesse intento.
2. Curiosidade.
A sensação de que descobrir coisas é positivo e dá
prazer.
3. Intencionalidade.
O desejo e capacidade de absorver um impacto e
explorar isso com persistência. Está relacionada
com a sensação de ser competente, eficiente.
4. Autocontrole.
A capacidade de moldar e controlar as próprias
ações de forma apropriada à sua idade; o senso de
controle interno.
5. Relacionamento.
A capacidade de entrosar-se com os outros,
baseada na sensação de que é compreendida por
eles e que os compreende.
6. Capacidade de comunicar-se.
O desejo e capacidade de, verbalmente, trocar
idéias, partilhar sentimentos e concepções com os
outros. Está relacionado com o senso de confiança
nos outros e de prazer em estar com eles, inclusive
com adultos.
7. Cooperatividade.
A capacidade de harmonizar as próprias
necessidades com as dos outros nas atividades em
grupo.
Se a criança vai iniciar sua vida acadêmica, no jardimde-infância, de posse dessas aptidões, depende muito de
os seus pais — e professores no maternal — lhe terem
dado um tipo de atenção cujo pressuposto tenha sido de
que “a inteligência emocional começa no berço”. Esses
rudimentos de inteligência emocional equivalem aos
rudimentos de inteligência acadêmica proporcionados
pelos chamados programas de “Vantagem Inicial”
utilizados na pré-escola.
APRENDIZAGEM EMOCIONAL BÁSICA
Digamos que um bebê de dois meses acorda às três da
manhã e começa a chorar. A mãe o atende e, na meia
hora seguinte, o bebê mama satisfeito nos braços dela,
que o olha com afeição, dizendo-lhe que está feliz por
vê-lo, mesmo de madrugada. O bebê, contente com o
amor da mãe, volta a dormir.
Agora digamos que outro bebê de dois meses, que
acordou chorando de madrugada, se vê diante de uma
mãe tensa e irritável, que acabou de adormecer a uma
hora atrás, após uma briga com o marido. O bebê já fica
tenso quando a mãe o pega, de forma abrupta, e
dizendo: “Fica quieto! Não estou em condições de
suportar mais nada! Por favor, acaba logo com isso.”
Enquanto o bebê mama, a mãe mira com um olhar
pétreo para a frente, não para ele, lembrando da briga
com o marido, ficando mais agitada à medida que pensa.
O bebê, captando sua tensão, se contorce, enrijece e
pára de mamar. “Só isso?”, a mãe diz. “Então não mame.”
Com a mesma falta de carinho o põe de volta no berço e
sai danada da vida, e ele, exausto de tanto chorar, acaba
adormecendo.
Os dois cenários constam de relatório do Centro
Nacional para Programas Clínicos Infantis como exemplo
de tipos de interação que, constantemente reiterados,
instilam sentimentos muito diferentes num bebê, sobre
ele mesmo e suas relações mais íntimas.7 O primeiro
bebê está tendo a certeza de que as pessoas perceberão
suas carências e o ajudarão, e que ele é capaz de obter
ajuda; o segundo está descobrindo que, na realidade,
ninguém lhe dá a mínima, que não é possível contar
com as pessoas e que seus esforços para conseguir
consolo serão inúteis. Claro, a maioria dos bebês de vez
em quando tem uma provinha de cada um desses tipos
de interação. Mas, na medida em que uma ou outra é
típica de como os pais o tratam ao longo dos anos, ela
se constituirá em ensinamentos emocionais básicos que
lhe darão a dimensão de sua segurança, do quanto se
sentirá eficaz e até onde poderá confiar nos outros. Erik
Erikson traduz essas circunstâncias em termos de a
criança vir a sentir uma “confiança básica” ou uma
desconfiança básica.
Essa aprendizagem emocional começa nos primeiros
momentos da vida e continua durante toda a infância.
Todos os pequenos intercâmbios entre pais e filhos
contêm um tema emocional, e, com a repetição dessas
mensagens através dos anos, as crianças formam o
núcleo de sua perspectiva e aptidões emocionais. Uma
menininha que não consegue resolver um quebra-cabeça
e pede ajuda à mãe atarefada recebe um determinado
tipo de mensagem se é atendida com um visível prazer
da mãe, e inteiramente outro se a mãe é ríspida: “Não
enche — tenho mais o que fazer.” Quando esse tipo de
contato se torna um padrão entre a criança e os pais, ele
molda a expectativa emocional da criança a respeito de
relacionamentos, perspectivas que irão caracterizar o
comportamento dela em todas as áreas da vida, para
melhor ou pior.
Os problemas são maiores para as crianças cujos pais
são grosseiramente ineptos — imaturos, viciados em
drogas, deprimidos ou cronicamente raivosos, ou
simplesmente desnorteados e vivendo de forma
desordenada. Pais nessa situação tendem a não cuidar
adequadamente dos filhos e, muito menos, a entrarem
em sintonia com as necessidades emocionais deles. Há
estudos que constatam que a negligência, pura e
simples, pode ser mais prejudicial que os maus-tratos
diretos.8 Uma pesquisa feita com crianças maltratadas
constatou que os jovens que foram negligenciados eram
os que tinham o pior desempenho escolar: eram os mais
ansiosos, desatentos e apáticos, alternando agressividade
com retraimento. Entre eles, o índice de repetência na
primeira série era de 65%.
Os três ou quatro primeiros anos de vida são um
período em que o cérebro da criança cresce até cerca de
dois terços de seu tamanho final, e evolui em capacidade
num ritmo que nunca mais voltará a ocorrer. É nesse
período, mais do que na vida posterior, que os
principais tipos de aprendizagem ocorrem mais
facilmente — e a aprendizagem emocional é a mais
importante. Nessa época, a tensão severa pode
prejudicar os centros de aprendizagem do cérebro (e,
portanto, o intelecto). Embora, como iremos ver, isso
mais tarde possa, numa certa medida, ser remediado por
experiências oferecidas pela vida, o impacto causado por
esse primeiro aprendizado é profundo. Como resume
um trabalho sobre a principal lição emocional dos
primeiros quatro anos de vida, as conseqüências
duradouras são grandes:
A criança que não consegue se concentrar, que é mais desconfiada
que confiante, mais triste ou zangada do que otimista, mais destrutiva
que respeitosa, e muito ansiosa, que vive preocupada com fantasias
assustadoras, e que se sente em geral infeliz — uma criança assim tem,
normalmente, pouca oportunidade, quanto mais igual oportunidade, de
reivindicar para si as possibilidades que o mundo lhe oferece.9
COMO FABRICAR UM BRIGÃO
Muito se pode aprender sobre os efeitos para toda a vida
causados por pais emocionalmente ineptos — sobretudo
em seu papel de tornar as crianças agressivas — através
de estudos longitudinais com um grupo de 870 pessoas
do norte do estado de Nova York, que foram
acompanhadas dos 8 aos 30 anos.10 Os mais belicosos
deles, quando crianças — os mais briguentos e que
habitualmente apelavam para a força física para impor
sua vontade —, eram os que provavelmente teriam de
abandonar a escola e, aos 30 anos, tinham folha corrida
pela prática de crimes violentos. Também pareciam estar
passando adiante sua tendência à violência: seus filhos,
na escola primária, eram exatamente os encrenqueiros
que tinham sido os seus pais delinqüentes.
Há um ensinamento a ser extraído sobre a
agressividade, passada de geração a geração. Afora
quaisquer tendências herdadas, os encrenqueiros, já
adultos, agiam de modo que a vida em família era o
local de aprendizagem da agressão. Quando crianças,
tiveram pais que os disciplinaram de forma arbitrária e
com implacável severidade; como pais, repetiam o
padrão. Isso é válido para qualquer que tenha sido
aquele — o pai ou a mãe — que, na infância, fora
altamente agressivo. Meninas agressivas tornavam-se
exatamente tão arbitrárias e severas no disciplinamento
de seus filhos e o mesmo acontecia com os meninos,
quando se tornaram pais. E, embora punissem seus
filhos de forma muito severa, não se interessavam muito
sobre a vida deles, ignorando-os na maior parte do
tempo. Simultaneamente, passavam para os filhos um
exemplo vívido — e violento — de agressividade, um
modelo que levavam consigo para a escola e as
brincadeiras, e que era adotado para a vida em geral.
Esses pais não eram necessariamente maus, nem
deixavam de querer o melhor para os filhos; o que eles
estavam fazendo era apenas repetir o estilo adotado por
seus próprios pais.
De acordo com esse modelo de violência, essas
crianças eram caprichosamente disciplinadas: se os pais
estavam de mau humor, elas recebiam castigos severos;
se de bom humor, podiam ficar impunes em casa. Assim,
o castigo ocorria não pelo que a criança tinha feito, mas
ao sabor do humor paterno. Eis a receita perfeita para o
sentimento de inutilidade e desamparo, e para a
sensação de que o mundo é uma grande ameaça e, a
qualquer momento, podemos ser atingidos. Vista à luz
da vida doméstica que a gera, a atitude combativa e
desafiadora dessas crianças diante da vida em geral faz
um certo sentido, por mais infeliz que continue sendo. O
que é doloroso constatar é como essas lições
deprimentes são aprendidas cedo, e como são terríveis
os custos para a vida emocional de uma criança.
MAUS-TRATOS: A EXTINÇÃO DA EMPATIA
Na bagunça de uma creche, Martin, de apenas dois anos
e meio, esbarrou numa menina, que, inexplicavelmente,
abriu o berreiro. Martin tentou pegar na mão dela, mas
quando a menina se afastou, ele deu-lhe tapinhas no
braço.
Como a menina continuasse a chorar, Martin desviou
os olhos e gritou, muitas vezes, cada vez mais rápido e
mais alto:
— Pare já com isso. Pare já com isso!
Quando outra vez deu-lhe tapinhas, ela não
“obedeceu”. Ele então arreganhou os dentes como um
cachorro rosnando, sibilando para a menina que
chorava.
Mais uma vez, começou a dar tapas, que se
transformaram em murros, e ele continuou batendo sem
parar na coitada da menina, apesar dos gritos dela.
Esse incidente perturbador demonstra como o
maltrato — ser agredido seguidamente ao sabor dos
humores dos pais — distorce a inclinação natural da
criança para a empatia.11 A reação bizarra e quase brutal
de Martin à aflição da coleguinha de brincadeira é típica
de crianças como ele, vítimas elas próprias, desde
pequenas, de espancamento e outros maus-tratos físicos.
Essa reação destaca-se como um flagrante contraste com
as habituais súplicas e tentativas das crianças pequenas
para consolar um coleguinha que chora, examinadas no
Capítulo 7. A violenta reação de Martin a um sentimento
de aflição que ele presenciou na creche talvez reflita o
que ele aprendeu em casa sobre lágrimas e aflição: o
choro dever ser enfrentado a princípio com um
peremptório gesto de consolo, mas, se continua, a
progressão vai de olhares maus e gritos às pancadas e à
surra pura e simples. O que é mais preocupante é que
Martin já parece carecer da mais primitiva espécie de
empatia, o instinto de não mais agredir alguém já
machucado. Aos dois anos e meio, exibia em botão os
impulsos morais de um bruto cruel e sádico.
A maldade de Martin, substituta da empatia, ocorre
em crianças que, como ele, tão novinhas já trazem
marcas dos maus-tratos físicos e emocionais que
receberam em casa. Martin fazia parte de um grupo de
nove dessas crianças, de 1 a 3 anos, observadas, na
creche, durante um período de duas horas. Crianças que
foram submetidas a maus-tratos foram comparadas com
outras nove, numa creche para crianças que eram
igualmente pobres e cujas famílias viviam sob grande
tensão, mas que não sofriam maus-tratos físicos. A forma
como cada um dos grupos reagia quando uma outra
criança se machucava ou ficava perturbada era
nitidamente diferente. De 23 desses incidentes, cinco das
nove crianças que não tinham sido maltratadas reagiram
à perturbação de outra criança com preocupação, tristeza
ou empatia. Mas em 27 casos onde as crianças
maltratadas podiam ter feito isso, nenhuma mostrou a
mínima preocupação; ao contrário, reagiram ao choro do
amiguinho com medo, raiva ou, como Martin, com uma
agressão física.
Uma menina que sofrera maus-tratos armou uma
expressão feroz, ameaçadora, para outra que caíra no
choro. E Thomas, de 1 ano, outra das crianças
maltratadas, ficou paralisado de terror quando ouviu
uma criança chorando do outro lado da sala; ficou
completamente imóvel, o rosto tomado de medo, as
costas rigidamente eretas, a tensão aumentando à
medida que o choro continuava — como se preparando
para sofrer um ataque dirigido a ele próprio. E Kate, de
dois anos e quatro meses, também maltratada, foi quase
sádica: escolhendo Joey, um menino menor, jogou-o no
chão com um chute e, uma vez ele caído, olhou-o
ternamente e começou a dar-lhe delicados tapinhas nas
costas — para em seguida intensificar os tapas e ignorar
o desespero do coleguinha. Continuou a atacá-lo,
curvando-se para esmurrá-lo até ele afastar-se, se
arrastando.
É claro que essas crianças tratam as outras como elas
próprias foram tratadas. E a desumanidade dessas
crianças maltratadas é simplesmente uma versão mais
extremada daquela que é vista em crianças cujos pais
são críticos, ameaçadores e severos em seus castigos.
Essas crianças também tendem a não se preocupar
quando os coleguinhas se machucam ou choram;
parecem representar um extremo de uma progressão de
frieza que culmina na brutalidade das crianças
maltratadas. Ao longo da vida, como grupo, elas têm
mais probabilidade de apresentarem problemas de
aprendizagem, serem mais agressivas e rejeitadas pelos
colegas (o que não admira, pelo que prenuncia sua
brutalidade no pré-escolar), mais inclinadas à depressão
e, como adultos, a se meterem em problemas com a lei e
a cometerem mais crimes violentos.12
Essa ausência de empatia repete-se às vezes, se não
freqüentemente, nas gerações seguintes, com pais brutais
que foram brutalizados pelos seus próprios pais na
infância.l3 É um dramático contraste com a empatia em
geral apresentada por filhos de pais protetores, que
ensinam os filhos pequenos a mostrar interesse pelos
outros e a compreender como a maldade faz as outras
crianças se sentirem. Sem essas lições de empatia, essas
crianças parecem não aprendê-la de modo algum.
O que talvez mais preocupa nas crianças maltratadas
é como parecem ter aprendido cedo a reagir como
versões em miniatura de seus pais brutais. Mas, diante
dos espancamentos que receberam às vezes como uma
dieta diária, as lições emocionais são demasiado claras.
Lembrem-se que é nos momentos em que as paixões se
exacerbam ou quando estamos em crise que as
tendências primitivas dos centros límbicos do cérebro
assumem o papel mais dominante. Nesses momentos, os
hábitos que o cérebro emocional aprendeu repetidas
vezes irão dominar, para melhor ou pior.
Ver como o próprio cérebro é moldado pela
brutalidade — pela força — sugere que a infância é um
momento oportuno para o aprendizado de lições
emocionais. Essas crianças espancadas tiveram uma dieta
inicial e constante de trauma. Talvez o mais instrutivo
paradigma para entender a aprendizagem pela qual
passaram essas crianças maltratadas esteja em constatar
como o trauma pode deixar uma marca duradoura no
cérebro — e como mesmo essas marcas bárbaras podem
ser sanadas.
13
Trauma e Reaprendizado
Emocional
Som Chit, uma refugiada cambojana, recusou-se a dar
aos filhos metralhadoras AK-47 de brinquedo. Os garotos
— de 6, 7 e 9 anos — queriam as armas para participar
de uma brincadeira que seus coleguinhas na escola
chamam de “Purdy”. Nessa brincadeira, Purdy é um
bandido que usa uma pequena metralhadora para matar
um monte de crianças, e depois se suicida. Às vezes, as
crianças criam um final diferente: são elas que matam
Purdy.
“Purdy” era a macabra reencenação, feita por alguns
dos sobreviventes dos catastróficos acontecimentos de 17
de fevereiro de 1989, na Escola Primária Cleveland, em
Stockton, Califórnia. Naquele dia, na hora do recreio das
crianças de primeira, segunda e terceira séries, Patrick
Purdy — que inclusive havia estudado na Cleveland uns
vinte anos antes — postou-se à beira do pátio e disparou
rajadas e mais rajadas de balas 7,22mm sobre as centenas
de crianças que brincavam. Durante sete minutos,
espalhou balas pelo pátio, depois encostou uma pistola
na cabeça e se matou. Quando a polícia chegou,
encontrou cinco crianças mortas e 29 gravemente feridas.
Nos meses seguintes, o jogo Purdy apareceu
espontaneamente nas brincadeiras dos meninos e
meninas da Cleveland, e foi um dos muitos sinais de que
aqueles sete minutos e seus destroços ficaram vívidos na
lembrança das crianças. Quando visitei a escola, que fica
apenas a uma pequena corrida de bicicleta do bairro
vizinho da Universidade do Pacífico onde fui criado,
fazia cinco meses que Purdy havia transformado o
recreio num pesadelo. Sua presença ainda era palpável,
embora os mais horríveis dos sangrentos restos do
tiroteio — muitos buracos de balas, poças de sangue,
pedaços de carne, pele e couro cabeludo — houvessem
desaparecido na manhã seguinte após o incidente, após
o prédio ter sido lavado e pintado.
Àquela altura, as mais profundas marcas na Cleveland
não estavam no prédio, mas na psique das crianças e do
corpo docente, que tentavam continuar a vida
normalmente.1 O que talvez tenha mais me
impressionado foi como aqueles poucos minutos eram
revividos repetidas vezes a qualquer pequeno detalhe
que guardasse a mínima semelhança com a tragédia. Um
professor me disse, por exemplo, que uma onda de
medo varrera a escola quando foi anunciado que se
aproximava o Dia de São Patrick; algumas crianças, de
algum modo, imaginaram que o dia era em homenagem
ao assassino, Patrick Purdy.
— Sempre que ouvimos uma ambulância se dirigindo
para a casa de repouso que fica na mesma rua da escola,
tudo pára — disse-me outro professor. — As crianças
ficam à escuta, para ver se a ambulância pára aqui na
escola ou se segue adiante.
Durante semanas, muitas crianças ficaram com medo
dos espelhos dos banheiros; correra na escola o boato
de que a “Sangrenta Virgem Maria”, uma espécie de
monstro de fantasia, escondia-se ali. Semanas após o
tiroteio, uma menina correra frenética à diretora da
escola, Pat Busher, berrando:
— Estou ouvindo tiros! Estou ouvindo tiros!
O som era da corrente que balançava num poste de
tetherball.[1]
Muitas crianças tornaram-se supervigilantes, sempre à
espreita de que o terror se repetisse; alguns meninos e
meninas passavam o recreio rondando perto das portas
da sala de aula, não se atrevendo a sair para o pátio
onde haviam ocorrido os assassinatos. Outros só
brincavam em grupos pequenos e, enquanto isso, uma
das crianças ficava de olheiro. Muitos continuaram
durante meses a evitar as áreas “más”, onde as crianças
haviam morrido.
As lembranças persistiram, também, através de
sonhos desagradáveis, que invadiam o inconsciente das
crianças durante o sono. Além de pesadelos com o
tiroteio, elas eram invadidas por sonhos de ansiedade
que as deixavam apreensivas pela hipótese de que, em
breve, também morreriam. Algumas tentavam dormir de
olhos abertos para não sonhar.
Todas essas reações são bem conhecidas por
psiquiatras como os sintomas principais do distúrbio da
tensão pós-traumática (PTSD).[2] No núcleo desse
trauma, diz o Dr. Spencer Eth, psiquiatra infantil
especializado em PTSD em crianças, está “a intrusa
lembrança da ação violenta central: o golpe final com o
punho, a faca entrando, o disparo de uma espingarda.
As lembranças são experiências perceptivas intensas — a
visão, o som e o cheiro dos tiros; os gritos ou o súbito
silêncio da vítima; o jorrar do sangue; as sirenes da
polícia”.
Esses momentos vívidos, aterrorizantes, dizem hoje os
neurocientistas, tornam-se lembranças impressas nos
circuitos emocionais. Os sintomas são, na verdade, sinais
de uma amígdala cortical superestimulada impelindo as
vívidas lembranças do momento traumático a continuar
invadindo a consciência. Como tal, as lembranças
traumáticas tornam-se gatilhos sensíveis, prontos para
soar o alarme ao menor sinal de que o momento temido
está para acontecer mais uma vez. Esse fenômeno de
gatilho sensível é uma marca característica de todos os
tipos de trauma emocional, incluindo os repetidos maustratos físicos na infância.
Qualquer fato traumatizante pode gravar essas
lembranças disparadoras na amígdala cortical: um
incêndio ou acidente de carro, uma catástrofe natural
como um t erremoto ou furacão, estupro ou assalto.
Milhares de pessoas todo ano vivem esse tipo de
tragédia e muitas, ou a maioria, ficam com uma espécie
de ferida emocional marcada no cérebro.
Os atos de violência são mais perniciosos do que
catástrofes naturais como os furacões porque, ao
contrário das vítimas de um desastre natural, as vítimas
de uma violência se sentem como se tivessem sido
escolhidas como alvo de uma maldade. Isso destrói todo
um sistema de confiança no ser humano e nas pessoas
com quem se relacionam, crenças que as catástrofes
naturais deixam intatas. De uma hora para outra, o
mundo em que vivemos torna-se um lugar perigoso,
onde o outro é visto como uma ameaça em potencial à
nossa segurança.
As crueldades perpetradas pelo homem gravam na
memória de suas vítimas uma predisposição para um
medo em relação a qualquer coisa que evoque, ainda
que vagamente, a agressão sofrida. Um homem que foi
golpeado na nuca, e nunca viu o atacante, ficou tão
amedrontado depois, que tentava andar na rua pouco à
frente de uma senhora para sentir-se seguro de que não
seria de novo atingido na nuca.2 Uma mulher assaltada
por um homem que entrou num elevador com ela e a
obrigou a sair à ponta de faca num andar desocupado
ficou durante semanas com medo de entrar não só em
elevadores, mas também no metrô ou qualquer outro
espaço fechado onde pudesse sentir-se acuada; saiu
correndo do banco quando viu um homem enfiar a mão
no paletó, da mesma forma como tinha feito o assaltante.
A marca do horror na memória e a supervigilância
que dela resulta podem durar a vida inteira, como
constatou um estudo sobre sobreviventes do Holocausto.
Quase cinqüenta anos depois de terem passado fome, de
terem assistido ao massacre de seus entes queridos e o
terror constante nos campos de morte nazistas, as
lembranças que os perseguiam continuavam vivas. Um
terço dizia sentir um medo generalizado. Quase três
quartos deles disseram que ainda ficavam ansiosos com
coisas que lembravam a perseguição nazista, como a
visão de um uniforme, uma batida na porta, cães latindo,
ou fumaça subindo de uma chaminé. Cerca de 60%
disseram que pensavam no Holocausto quase
diariamente; mesmo meio século depois, até oito em dez
ainda sofriam de pesadelos recorrentes. Como disse um
sobrevivente:
— Se você passou por Auschwitz e não tem
pesadelos, você não é normal.
O HORROR CONGELADO NA LEMBRANÇA
Palavras de um veterano do Vietnã, de 48 anos, cerca de
24 anos depois de passar por um momento horrorizante
numa terra distante:
Não consigo tirar isso da minha cabeça! As imagens voltam como
uma inundação em vívidos detalhes, provocadas pelas coisas mais
corriqueiras, como uma porta batendo, a visão de uma oriental, o
contato com um tapete de bambu ou o cheiro de costeleta de porco
frita. Ontem à noite eu fui para a cama, dormia bem para variar. Aí, de
madrugada, veio uma tempestade e trovões. Acordei no mesmo
instante, gelado de medo. Estou de volta ao Vietnã, no meio da estação
das monções, em meu posto de sentinela. Tenho certeza de que serei
atingido na próxima rajada e que vou morrer. As mãos estão geladas,
mas suo pelo corpo inteiro. Sinto cada fio de cabelo da nuca eriçar-se.
Não consigo respirar, o coração martela. Sinto um cheiro úmido de
enxofre. De repente, vejo o que restou de meu companheiro Troy...
numa bandeja de bambu, mandada para nosso acampamento pelos
vietcongues... O relâmpago e o trovão que se seguem me abalam de tal
modo que caio no chão.3
A lembrança horrível, vívida e rica em detalhes,
apesar de decorridas mais de duas décadas, ainda tem o
poder de causar nesse ex-soldado o mesmo medo que
ele sentiu naquele dia fatídico. O PTSD representa um
perigoso rebaixamento do ponto de alarme, fazendo
com que as pessoas reajam às coisas banais da vida
como se fossem situações de emergência. O circuito
seqüestrador discutido no Capítulo 2 parece crítico no
deixar uma marca tão poderosa na memória: quanto
mais brutais, chocantes e horrendos os fatos que
disparam o seqüestro da amígdala cortical, mais
indelével a lembrança. A base neural dessas lembranças
parece ser uma generalizada alteração na química do
cérebro posta em movimento por um único exemplo de
terror arrasador.4 Embora as constatações do PTSD se
baseiem normalmente no impacto de um episódio,
resultados semelhantes podem ser causados por
crueldades infligidas durante muitos anos, como
acontece com crianças maltratadas sexual, física ou
emocionalmente.
O mais detalhado trabalho sobre essas alterações
cerebrais está sendo feito no Centro Nacional do
Distúrbio da Tensão Pós-traumática, uma rede de
pesquisa local nos hospitais da Administração dos
Veteranos, onde se concentram vários veteranos do
Vietnã e de outras guerras que sofrem de PTSD. Foi de
estudos sobre veteranos como esses que veio a maior
parte do nosso conhecimento sobre o PTSD. Mas essas
descobertas também se aplicam a crianças que sofreram
forte trauma emocional, como as da Escola Cleveland.
— As vítimas de um trauma devastador talvez jamais
voltem a ser biologicamente as mesmas — disse-me o
Dr. Dennis Charney.5 Psiquiatra de Yale, ele é diretor de
neurociência clínica no Centro Nacional. — Não importa
se foi o incessante terror do combate, da tortura ou dos
repetidos maus-tratos na infância, ou uma única
experiência, como ver-se preso num furacão ou quase
morrer num acidente de carro. Toda tensão incontrolável
pode ter o mesmo efeito biológico.
A palavra-chave é incontrolável. Se as pessoas
sentem que podem fazer alguma coisa diante de uma
situação catastrófica, exercer algum controle, por menor
que seja, ficam melhor, em termos emocionais, do que
as que se sentem totalmente impotentes. A sensação de
impotência é o que torna um determinado fato
subjetivamente arrasador. Como disse o Dr. John Krystal,
diretor do Laboratório de Psicofarmacologia Clínica do
centro:
— Digamos que alguém que é atacado com uma faca
sabe se defender e age, enquanto outra pessoa na
mesma situação pensa: “Estou morto.” A pessoa que não
tem como se defender é a mais susceptível de sofrer um
PTSD. É a sensação de que a vida da gente está em
perigo e a gente não pode fazer nada para escapar: é
esse o momento em que começa a mudança no cérebro.
A impotência como o fator decisivo na provocação
do PTSD foi demonstrada em dezenas de estudos sobre
pares de ratos de laboratório, cada um numa gaiola
diferente, cada um recebendo leves — mas, para um
rato, bastante tensionantes — choques elétricos de
idêntica severidade. Só que um dos ratos tem uma
alavanca em sua gaiola; quando ele a empurra, o choque
cessa nas duas gaiolas. Durante dias e semanas, os ratos
recebem precisamente a mesma quantidade de choques.
Mas o que tem o poder de desligar os choques sai sem
sinais permanentes de tensão. Só no rato impotente é
que ocorrem as mudanças no cérebro induzidas pela
tensão.6 Para uma criança que é alvejada no pátio de
uma escola, que vê os coleguinhas sangrando e
morrendo — ou para um professor ali, incapaz de deter
a carnificina —, a impotência deve ter sido palpável.
O PTSD COMO DISTÚRBIO LÍMBICO
Fazia meses que um grande terremoto a pusera para fora
da cama e a fizera sair gritando em pânico pela casa às
escuras à procura do filho de 4 anos. Os dois passaram
horas abraçados na fria noite de Los Angeles, sob a
proteção de um vão de porta, presos ali sem comida,
água ou luz, com as sucessivas ondas de tremores
sacudindo o solo a seus pés. Hoje, meses depois, ela já
se recuperou bastante do pânico súbito que se
apoderava dela nos dias subseqüentes ao terremoto,
quando o bater de uma porta a fazia começar a tremer
de medo. O único sintoma que ficou foi a
impossibilidade de dormir, um problema que só a ataca
nas noites em que o marido está ausente — como na
noite do terremoto.
Os principais sintomas desse medo aprendido —
inclusive o tipo mais intenso, o PTSD — podem ser
explicados por mudanças nos circuitos límbicos que se
concentram na amígdala cortical.7 Algumas das
principais alterações ocorrem no locus ceruleus, uma
estrutura que regula a secreção pelo cérebro de duas
substâncias chamadas catecolaminas: a adrenalina e a
noradrenalina. Esses produtos neuroquímicos mobilizam
o corpo para uma emergência; a mesma onda de
catecolamina grava lembranças com uma força especial.
No PTSD, esse sistema torna-se hiper-reativo, secretando
doses muito grandes desses produtos químicos do
cérebro, em resposta a situações pouco ou nada
ameaçadoras, mas que de algum modo evocam o trauma
original, como as crianças da Escola Primária Cleveland
que entravam em pânico quando ouviam uma sirene de
ambulância semelhante às que tinham ouvido na escola
após o tiroteio.
O locus ceruleus e a amígdala estão estreitamente
ligados, junto com outras estruturas límbicas como o
hipocampo e o hipotálamo: os circuitos das
catecolaminas estendem-se até o córtex. Presume-se que
alterações nesses circuitos sejam responsáveis pelos
sintomas do PTSD, que incluem ansiedade, medo,
hipervigilância, irritabilidade e provocação, disposição
para lutar-ou-fugir e indelével codificação de intensas
lembranças emocionais.8 Um estudo constatou que os
veteranos do Vietnã com PTSD tinham 45% menos
receptores para deter a catecolamina do que aqueles que
não apresentavam esses sintomas — o que sugere que o
cérebro deles sofrera uma alteração permanente, com
um controle inadequado da secreção de catecolamina.9
Outras mudanças ocorrem no circuito que liga o
cérebro límbico à glândula pituitária, que regula a
liberação de CRF, o principal hormônio de estresse que
o corpo secreta para mobilizar a resposta lutar-ou-fugir
numa emergência. As mudanças levam a uma
supersecreção desse hormônio — sobretudo na
amígdala, hipotálamo e locus ceruleus —, colocando o
corpo em alerta para uma emergência que na verdade
não existe.10
Como disse o Dr. Charles Nemeroff, psiquiatra da
Universidade Duke:
— O excesso de CRF faz com que reajamos de forma
exagerada. Por exemplo, se você é um veterano do
Vietnã, tem PTSD e ouve o barulho de um cano de
descarga de um carro no estacionamento de um
shopping center, é o disparo de CRF que o inunda com
os mesmos sentimentos do trauma original: começa a
suar, fica com medo, tem arrepios e tremores, pode ter
flashbacks. Nas pessoas que hipersecretam CRF, a reação
de susto é superativa. Por exemplo, se você chegar
sorrateiramente por trás de alguém e bater palmas, a
pessoa levará um susto, mas depois já não mais se
assustará. Acontece que as pessoas com excesso de CRF
não se habituam: reagem com a mesma intensidade à
quarta repetição da palma quanto à primeira.11
Um terceiro conjunto de mudanças ocorre no sistema
opióidico do cérebro, que secreta endorfinas para
amortecer a sensação de dor. Também ele se torna
hiperativo. Esse circuito neural também envolve a
amígdala, desta vez em combinação com uma região do
córtex cerebral. Os opióides são produtos químicos do
cérebro, poderosos agentes entorpecentes, como o ópio
e outros narcóticos, seus primos químicos. Quando com
altos níveis de opióides (“a morfina do cérebro”), as
pessoas têm uma maior tolerância à dor — fato
observado em campos de batalha por cirurgiões que
constataram que soldados seriamente feridos precisavam
de doses mais baixas de narcóticos para agüentar a dor
do que civis com ferimentos muito menos sérios.
Alguma coisa semelhante parece ocorrer no PTSD.12
Mudanças na endorfina dão uma nova dimensão à
mistura neural pela reexposição ao trauma: um
entorpecimento de certas sensações. Isso parece explicar
um conjunto de sintomas psicológicos “negativos” há
muito notados no PTSD: anedonia (incapacidade de
sentir prazer) e um embotamento emocional
generalizado, a sensação de estar isolado da vida ou o
desinteresse pelos sentimentos dos outros. Aqueles que
convivem com essas pessoas podem achar que essa
indiferença se deva a uma ausência de empatia. Outro
possível efeito é a dissociação, incluindo a incapacidade
de lembrar minutos, horas ou mesmo dias cruciais do
fato traumático.
As mudanças gerais do PTSD também tornam a
pessoa mais susceptível a sofrer outros traumas. Vários
estudos em animais constataram que, mesmo expostos a
uma tensão branda quando jovens, eles eram muito
mais vulneráveis que os animais não tensos a mudanças
no cérebro provocadas por um trauma sofrido quando
mais velhos (o que sugere a necessidade de tratar
imediatamente crianças com PTSD). Esse parece ser um
dos motivos pelos quais, expostas a uma mesma
catástrofe, uma pessoa fica com PTSD e outra não: a
amígdala é preparada para descobrir perigo, e quando a
vida lhe apresenta mais uma vez um perigo concreto,
seu alarme soa mais alto.
Todas essas mudanças neurais proporcionam
vantagens de curto prazo para lidar com as emergências
sinistras e aflitivas que as causam. Sob pressão, a
amígdala adapta-se para ficar altamente vigilante,
estimulada, pronta para qualquer coisa, indiferente à dor,
o corpo preparado para demandas físicas constantes e —
naquele momento — indiferente ao que de outro modo
poderiam ser fatos intensamente perturbadores. Essas
vantagens de curto prazo, porém, tornam-se problemas
duradouros quando a alteração cerebral é de tal monta
que elas se tornam predisposições, como um carro com
o câmbio emperrado em marcha alta. Quando a
amígdala e as regiões a ela ligadas no cérebro assumem
um novo ponto de partida num momento de trauma
intenso, essa mudança de excitabilidade — essa
acrescida prontidão para disparar um seqüestro neural —
significa que tudo o que acontece na vida está na
iminência de tornar-se uma emergência, e um
acontecimento qualquer pode detonar uma explosão
desenfreada de medo.
REAPRENDIZADO EMOCIONAL
Essas lembranças traumáticas parecem permanecer como
pontos fixos da função cerebral porque interferem no
aprendizado posterior — especificamente, no
reaprendizado de uma resposta mais normal a esses fatos
traumatizantes. No medo adquirido como o PTSD, os
mecanismos de aprendizado e memória se desorientam;
também aqui, é a amígdala que é a chave entre as
regiões do cérebro envolvidas. Mas, na superação do
medo adquirido, o neocórtex é fundamental.
Medo condicionado é o nome que os psicólogos
empregam para designar o processo pelo qual uma coisa
que não apresenta ameaça alguma se torna temida por
estar associada na mente de alguém a algo assustador.
Quando tais pavores são induzidos em animais de
laboratório, observa Charney, o medo pode durar
anos.13 A região-chave do cérebro que aprende, retém e
age com base nessa reação de medo é o circuito entre os
tálamos, amígdala e lobo pré-frontal — a rota do
seqüestro neural.
Em geral, quando alguém aprende a assustar-se com
uma coisa por estar condicionado pelo medo, o medo
passa com o tempo. Isso ocorre através de um
reaprendizado natural, à medida que o objeto temido é
de novo encontrado em circunstâncias diferentes. Assim,
uma criança que tem medo de cachorro porque um dia
foi perseguida por um rosnante pastor alemão vai aos
poucos e naturalmente perdendo o medo se, digamos, se
muda para perto de alguém que tem um pastor alemão
simpático, e passa seu tempo brincando com o cachorro.
No PTSD espontâneo, o reaprendizado não ocorre.
Charney sugere que há a possibilidade de que as
mudanças causadas pelo PTSD no cérebro sejam tão
fortes que, na verdade, o seqüestro da amígdala ocorre
toda vez que aparece alguma coisa ainda que vagamente
reminiscente do trauma original, fortalecendo a rota do
medo. Isso quer dizer que não há uma só vez em que o
que tememos se iguale com um sentimento de calma —
a amígdala nunca reaprende uma reação menos intensa.
“A extinção do medo”, observa, “parece envolver um
processo de aprendizado ativo”, que está ele próprio
danificado nas pessoas com PTSD, “o que leva à anormal
persistência de lembranças emocionais”.14
Mas se ocorrerem experiências adequadas, mesmo o
PTSD pode desaparecer; fortes lembranças emocionais, e
os padrões de pensamento e reação que elas disparam,
podem mudar com o tempo. Charney sugere que esse
reaprendizado seja cortical. O medo original entranhado
na amígdala não vai embora completamente; em vez
disso, o córtex pré-frontal suprime ativamente o
comando que a amígdala envia para o resto do corpo
responder com medo.
— Resta saber quanto tempo leva para que a gente se
livre do medo aprendido — diz Richard Davidson,
psicólogo da Universidade de Wisconsin que descobriu
o papel do córtex pré-frontal esquerdo como um
amortecedor de angústia.
Numa experiência laboratorial em que as pessoas
primeiro aprendiam a ter aversão a um ruído alto — um
paradigma do medo aprendido e um discreto paralelo do
PTSD —, Davidson constatou que aqueles que tinham
mais atividade no córtex pré-frontal esquerdo superavam
mais rapidamente o medo adquirido, o que também
sugere que o córtex atua na liberação da angústia
aprendida.15
REEDUCANDO O CÉREBRO EMOCIONAL
Uma das mais promissoras descobertas sobre o PTSD
veio de um estudo com sobreviventes do Holocausto,
três quartos dos quais, mais ou menos, meio século
depois ainda tinham sintomas ativos de PTSD. A
descoberta mais importante foi que um quarto dos
sobreviventes outrora perturbados por tais sintomas não
mais os tinham; de alguma forma, os fatos naturais de
suas vidas haviam contrabalançado o problema. Aqueles
que ainda apresentavam os sintomas mostravam indícios
de alterações cerebrais relacionadas com a catecolamina
típicas do PTSD — mas os que haviam se recuperado
não tinham tais mudanças.16 Essa descoberta e outras
iguais sugerem que as mudanças cerebrais no PTSD não
são indeléveis, e que as pessoas podem se recuperar
mesmo das mais angustiantes cicatrizes emocionais —
em suma, que os circuitos emocionais podem ser
reeducados. A notícia boa, portanto, é que traumas
profundos causadores do PTSD podem ser curados, e
que a rota para essa cura passa pelo reaprendizado.
Uma das formas como essa cura emocional ocorre
espontaneamente — pelo menos em crianças — é
através de jogos como o “Purdy”. Essas brincadeiras,
feitas repetidas vezes, permitem que as crianças revivam
o drama num ambiente em que se sintam seguras,
brincando. Isso oferece duas rotas de cura: de um lado,
a memória repete o contexto de baixa ansiedade,
dessensibilizando-a e permitindo que um conjunto de
respostas não traumatizadas se associem a ela. Outra rota
de cura é que, em suas cabecinhas, as crianças podem
magicamente dar à tragédia um “final feliz”: às vezes, ao
brincarem de Purdy, elas o matam, fortalecendo seu
senso de domínio sobre aquele traumático momento de
impotência.
Brincadeiras como “Purdy” são previsíveis em
crianças que passaram por uma violência tão arrasadora.
Essas brincadeiras macabras criadas por crianças
traumatizadas foram pela primeira vez observadas pela
Dra. Lenore Terr, psiquiatra infantil de São Francisco.17
Ela identificou essas brincadeiras entre crianças de
Chowchilla, na Califórnia — a pouco mais de uma hora,
pelo Central Valley, de Stockton, onde Purdy criou
aquele inferno —, que em 1973 haviam sido
seqüestradas quando voltavam de um dia de
acampamento. Os seqüestradores enterraram o ônibus
que as trazia, com as crianças e tudo, e o sofrimento
durou 27 horas.
Cinco anos depois, a Dra. Terr descobriu o seqüestro
ainda sendo reencenado nas brincadeiras das vítimas. As
meninas, por exemplo, faziam seqüestros simbólicos
com suas bonecas Barbie. Uma delas, que detestara a
sensação da urina das outras crianças em sua pele,
quando estavam amontoadas e aterrorizadas, não parava
de dar banho em sua Barbie. Outra brincava de Barbie
Viajante, em que a boneca viaja para um lugar qualquer
e retorna em segurança, que é o objetivo da brincadeira.
A brincadeira preferida por outra menina se dava num
cenário em que a boneca era metida num buraco e
sufocava.
Enquanto adultos que passaram por um trauma
arrasador podem sofrer um entorpecimento psíquico,
bloqueando a lembrança ou sensação da catástrofe, a
psique das crianças muitas vezes lida diferentemente
com ele. A Dra. Terr acredita que elas se tornam menos
freqüentemente entorpecidas para o trauma porque
recorrem à fantasia, às brincadeiras e aos devaneios para
lembrar e elaborar o sofrimento por que passaram. Essas
reencenações voluntárias do trauma impedem a
necessidade de represá-lo em poderosas lembranças que
podem depois irromper como flashbacks. Se o trauma é
menor, como ir ao dentista para fazer uma obturação,
apenas uma ou duas vezes podem bastar. Mas se é
arrasador, a criança precisa de incontáveis repetições,
reencenando o drama muitas vezes, num ritual sinistro e
monótono.
Uma das formas de chegar à imagem congelada na
amígdala é através da arte, que é uma das formas de
expressão do inconsciente. O cérebro emocional é
altamente sintonizado com simbolismos e com o que
Freud chamou de “processo primário”: as mensagens da
metáfora, história, mito, as artes. Esse recurso é muito
utilizado no tratamento de crianças traumatizadas. Às
vezes, a arte oferece à criança a oportunidade de falar
do momento de horror sobre o qual não ousaria falar em
outras circunstâncias.
Spencer Eth, psiquiatra de Los Angeles especializado
em tratar dessas crianças, fala de um menino de 5 anos
que, junto com a mãe, foi seqüestrado por um exnamorado dela. O homem levou-os para um quarto de
hotel, mandou o menino ficar debaixo de um cobertor
enquanto espancava a mãe até a morte. O menino,
compreensivelmente, relutava em falar com Eth sobre o
massacre que ouvira e vira de debaixo do cobertor. Por
isso o psiquiatra pediu-lhe que desenhasse qualquer
coisa.
Eth lembra que o desenho era de um piloto de
corridas com uns olhos impressionantemente grandes.
Ele interpretou isso como uma referência à ousadia do
menino ao espiar o assassino. Essas referências ocultas à
cena traumática quase sempre aparecem nos trabalhos
artísticos de crianças traumatizadas; Eth utiliza o desenho
no tratamento de crianças com esse tipo de problema, a
jogada de abertura da terapia. As potentes lembranças
que as preocupam invadem o desenho tal como
invadem seus pensamentos. Além disso, o ato de
desenhar é em si terapêutico, iniciando o processo de
controle do trauma.
REAPRENDIZADO EMOCIONAL
E RECUPERAÇÃO DE UM TRAUMA
Irene foi a um encontro romântico que acabou em tentativa de
estupro. Embora ela houvesse resistido ao atacante, ele continuou a
persegui-la: incomodando-a com telefonemas obscenos, ameaçando-a,
telefonando no meio da noite, tocaiando-a e observando todos os seus
movimentos. A certa altura, quando ela pediu ajuda à polícia, os
policiais consideraram que seu problema não era caso de polícia, já
que “nada de fato acontecera”. Quando recorreu à terapia, Irene tinha
sintomas de PTSD, desistira de toda vida social e sentia-se prisioneira
em sua própria casa.
O caso de Irene é citado pela Dra. Judith Lewis
Herman, psiquiatra de Harvard cujo trabalho pioneiro
traça as etapas para a recuperação de um trauma. Ela vê
três etapas: obter uma sensação de segurança, lembrar os
detalhes do trauma e lamentar a perda que ele trouxe e,
finalmente, restabelecer uma vida normal. Há uma lógica
biológica na ordenação dessas etapas, como veremos:
essa seqüência parece se refletir no cérebro emocional,
que reaprende que a vida não precisa ser encarada
como uma emergência iminente.
O primeiro passo, a reconquista do sentimento de
segurança, tem por objetivo descobrir formas de acalmar
os circuitos emocionais demasiado amedrontados e
facilmente disparáveis, bastantes o suficiente para ensejar
o reaprendizado.18 Muitas vezes isso começa com a
ajuda aos pacientes para que entendam que seu
nervosismo e pesadelos, hipervigilância e pânicos fazem
parte dos sintomas do PTSD. Ao entenderem esse
mecanismo, os próprios sintomas se tornam menos
assustadores.
Outro passo consiste em ajudar os pacientes a
reconquistar algum senso de controle sobre o que lhes
acontece, um desaprendizado direto da lição de
impotência transmitida pelo trauma que sofreram. Irene,
por exemplo, mobilizou a família e os amigos para
formar um anteparo entre ela e seu perseguidor, e
conseguiu fazer com que a polícia interviesse.
A sensação de “insegurança” dos pacientes com PTSD
vai além do temor de estarem cercados por perigos
ocultos; a insegurança deles começa mais intimamente,
com um sentimento de descontrole sobre o próprio
corpo e as emoções. Isto é compreensível, em vista do
gatilho sensível para o seqüestro criado pelo PTSD com
a hipersensibilização dos circuitos da amígdala.
A medicação auxilia os pacientes a não se sentirem
tão à mercê dos alarmes emocionais que os inundam de
inexplicável ansiedade, que lhes tiram o sono ou que
causam pesadelos. Os farmacólogos esperam um dia
preparar remédios específicos que atuem diretamente
sobre os efeitos do PTSD sobre a amígdala cortical e
circuitos neurotransmissores a ela ligados. Mas, enquanto
isso não acontece, há medicamentos que combatem
apenas algumas dessas mudanças, notadamente os
antidepressivos, que atuam no sistema de liberação da
serotonina, e os betabloqueadores como o propanolol,
que bloqueiam a ativação do sistema nervoso simpático.
Os pacientes também podem aprender técnicas de
relaxamento que lhes permitam combater a ansiedade e
o nervosismo. A calma fisiológica oferece espaço para
que os brutalizados circuitos emocionais redescubram
que a vida não é uma ameaça, e para dar aos pacientes a
sensação de haverem recuperado a segurança que
tinham antes da ocorrência do trauma.
Outro passo na cura envolve contar e reconstruir a
história sob a proteção dessa segurança propiciada pelo
remédio ou pelo relaxamento, o que permite que os
circuitos emocionais adquiram uma compreensão e
resposta novas e mais realistas à lembrança traumática e
seus gatilhos. À medida que os pacientes narram os
horríveis detalhes do trauma, a memória começa a
transformar-se, tanto em seu significado emocional
quanto em seus efeitos sobre o cérebro emocional. O
ritmo dessa narrativa é delicado; idealmente, imita o
ritmo que ocorre naturalmente nas pessoas que
conseguem recuperar-se do trauma sem sofrer PTSD.
Nesses casos, muitas vezes parece haver um relógio
interno que “dosa” as lembranças intrusas que revivem o
trauma, que as interrompe durante semanas ou meses
nas quais o paciente mal se lembra de alguma coisa dos
horríveis acontecimentos.19
Essa alternância de reimersão e alívio permite um
exame espontâneo do trauma e o reaprendizado da
resposta emocional a ele. Para aqueles cujo PTSD é mais
difícil de ser tratado, diz a Dra. Herman, narrar a sua
história às vezes dispara temores arrasadores, caso em
que o terapeuta deve reduzir o ritmo para manter as
reações do paciente dentro de um certo nível de
tolerância, de forma a não comprometer o
reaprendizado.
O terapeuta encoraja o paciente a contar os fatos
traumáticos o mais vividamente possível, como se fora
filme de terror, recuperando cada sórdido detalhe. Isso
inclui não apenas as coisas específicas que viu, ouviu,
cheirou e sentiu, mas também suas reações — pavor,
nojo, náusea. O objetivo aqui é expressar a lembrança
em palavras, o que significa captar partes dela que
podem ter sido dissociadas e, portanto, estar ausentes da
memória consciente. Quando detalhes sensoriais e
sentimentos são expressos em palavras, presume-se que
as lembranças fiquem mais sob o controle do neocórtex,
onde as reações que elas disparam podem ser tornadas
mais compreensíveis e também mais controláveis. O
reaprendizado emocional nesse ponto é, em grande
parte, conseguido pelo reviver dos fatos e das próprias
emoções, mas desta vez num ambiente de segurança, em
companhia de alguém em quem se confia, no caso o
terapeuta. Isso começa a transmitir uma lição reveladora
aos circuitos emocionais — de que se pode sentir
segurança, e não implacável terror, juntamente com as
lembranças do trauma.
O menino de 5 anos que desenhou olhos enormes
depois de assistir ao sangrento assassinato de sua mãe
não fez mais nenhum outro desenho depois do primeiro;
em vez disso, ele e o terapeuta, Spencer Eth, brincaram,
estabelecendo um elo entre si. Só muito aos poucos o
garoto começou a contar a história do assassinato, a
princípio de uma forma estereotipada, recitando cada
detalhe exatamente da mesma forma a cada repetição.
Aos poucos, porém, sua narrativa foi se tornando mais
aberta e solta, o corpo se relaxando à medida que ele
falava. Ao mesmo tempo, seus pesadelos com a cena
tornaram-se menos freqüentes, uma indicação, diz Eth,
de um certo “domínio do trauma”. Gradualmente, a
conversa dos dois foi se afastando dos temores deixados
pelo trauma e passando mais para o que acontecia no
cotidiano do menino, que estava se ajustando num novo
lar com o pai. E finalmente ele pôde falar apenas de sua
vida diária, enquanto a força do trauma desaparecia.
Finalmente, a Dra. Herman constata que os pacientes
precisam lamentar a perda trazida pelo trauma — seja
um ferimento, a morte de um ente querido ou o
rompimento de uma relação, o arrependimento por não
ter feito alguma coisa para salvar alguém, ou apenas a
perda da confiança nas pessoas. O lamento que se segue
ao contar esses fatos dolorosos serve a um fim crucial:
assinala a capacidade de livrar-se em certa medida do
trauma. Isso quer dizer que, em vez de ficar
perpetuamente preso naquele momento do passado, os
pacientes podem começar a olhar para a frente, até
mesmo ter esperança, e reconstruir uma nova vida, livre
das garras do trauma. É como se o constante reciclar e
reviver do terror do trauma pelos circuitos emocionais
fosse um sortilégio que pôde ser finalmente quebrado.
Cada sirene não precisa trazer um dilúvio de medo; cada
som na noite não precisa impor um flashback de terror.
Muitas vezes persistem efeitos posteriores ou
recorrências ocasionais de sintomas, diz a Dra. Herman,
mas há sinais específicos de que o trauma foi em grande
parte superado. Entre esses sinais estão a redução dos
sintomas fisiológicos a um nível controlável e a
capacidade de suportar os sentimentos associados a
lembranças do trauma. Especialmente significativo é não
ter mais erupções de lembranças do trauma em
momentos incontroláveis, mas antes poder rememorá-los
voluntariamente, como qualquer outra lembrança — e, o
que é talvez mais importante, afastá-los como qualquer
outra lembrança. Finalmente, significa reconstruir uma
nova vida, com relações fortes, de confiança, e um
sistema de crenças que encontra sentido mesmo num
mundo onde acontece tal injustiça.20 Tudo isso junto são
sinais de sucesso na reeducação do cérebro emocional.
A PSICOTERAPIA COMO UM CURSO
EMOCIONAL
Felizmente, os momentos catastróficos em que as
lembranças traumáticas se gravam são raros na vida da
maioria de nós. Mas os mesmos circuitos que gravam tão
fortemente as lembranças traumáticas também estão
supostamente em ação nos melhores momentos da vida.
As mais comuns agruras da infância, como ser
constantemente ignorado e privado de atenção ou
carinho dos pais, o abandono, perda ou rejeição social
podem não ser traumatizantes, embora certamente
fiquem marcados na memória emotiva, gerando
problemas — e lágrimas, e sentimentos irados — nas
relações íntimas da vida adulta. Se é possível curar o
PTSD, o mesmo pode acontecer com os arranhões
sociais que tantos de nós trazemos; esta é uma tarefa
para a psicoterapia. E, em geral, é no aprender a lidar
habilmente com essas carregadas reações que entra a
inteligência emocional.
A dinâmica entre a amígdala e as reações mais
completamente informadas do córtex pré-frontal oferece
um modelo neuroanalítico para a maneira como a
psicoterapia remodela padrões emocionais profundos e
mal-adaptados. Como conjetura Joseph LeDoux, o
neurocientista que descobriu o papel de gatilho sensível
da amígdala nas explosões emocionais:
— Uma vez que nosso sistema emocional aprende
alguma coisa, parece que nunca mais nos livraremos
dela. O que a terapia faz é ensinar-nos a controlá-la:
ensina nosso neocórtex a inibir nossa amígdala. A
tendência à impulsividade é suprimida, enquanto a
emoção básica sobre ela continua sob contenção.
Considerando que a arquitetura do cérebro está por
trás do reaprendizado emocional, o que parece
permanecer, mesmo após uma psicoterapia bemsucedida, é uma reação residual, um resto da
sensibilidade ou medo original na raiz de um problema
emocional perturbador.21 O córtex pré-frontal pode
aprimorar ou frear o impulso desenfreado da amígdala,
mas não pode simplesmente impedi-lo de reagir. Assim,
embora não possamos decidir quando temos nossas
explosões emocionais, temos mais controle sobre o
quanto elas duram. Um tempo mais rápido de
recuperação dessas explosões talvez seja um sinal de
maturidade emocional.
Durante a terapia, o que parece mudar
principalmente são as respostas que as pessoas dão assim
que uma reação emocional é disparada — mas a
tendência para a reação ser disparada não desaparece
inteiramente. Isso é indicado por uma série de estudos
em psicoterapia realizados por Lester Luborsky e seus
colegas na Universidade da Pensilvânia.22 Eles
analisaram os principais conflitos de relacionamento que
levavam dezenas de pacientes à psicoterapia — questões
como o profundo anseio por ser aceito ou encontrar
intimidade, ou o temor de ser um fracasso ou
superdependente. Eles analisaram então cuidadosamente
as respostas típicas (sempre negativas) que os pacientes
davam quando esses desejos e medos eram ativados em
seus relacionamentos — respostas como ser muito
exigente, que geravam reações de raiva ou frieza na
outra pessoa, ou retirar-se como uma autodefesa de uma
ofensa prevista, deixando a outra pessoa triste com a
suposta rejeição. Durante esses malfadados contatos, os
pacientes, compreensivelmente, sentiam-se inundados
por sentimentos perturbadores — desesperança e
tristeza, ressentimento e raiva, tensão e medo, culpa e
auto-recriminação e por aí adiante. Qualquer que fosse o
padrão específico do paciente, a sensação perturbadora
parecia surgir na maioria dos mais importantes
relacionamentos, com o cônjuge ou o namorado, filho
ou pai, ou colegas e chefes no trabalho.
Durante a terapia de longo prazo, porém, esses
pacientes passavam por dois tipos de mudança: sua
reação emocional aos fatos disparadores tornava-se
menos angustiante, e até calma e divertida, e suas
respostas abertas tornavam-se mais efetivas na obtenção
do que eles realmente queriam do relacionamento. O
que não mudava, porém, era o subjacente desejo ou
medo e a pontada de sentimento inicial. Quando o
tratamento já estava chegando ao término, os relatos que
faziam indicavam que já estavam reagindo
negativamente de forma menos intensa e já havia duas
vezes mais probabilidade de obter a resposta positiva
que profundamente desejavam da outra pessoa. Mas o
que não mudava de modo algum era a sensibilidade
particular na raiz dessas necessidades.
Em termos do cérebro, podemos especular, os
circuitos límbicos mandariam sinais de alarme em
resposta a indícios de um fato temido, mas o córtex préfrontal e zonas relacionadas teriam aprendido uma nova
e mais saudável resposta. Em suma, as lições emocionais
— mesmo os hábitos mais profundamente arraigados do
coração, aprendidos na infância — podem ser
reformuladas. A aprendizagem emocional é para toda a
vida.
[1] Jogo surgido na década de 1990, em que duas
crianças impelem uma bola, presa por uma corda ou
corrente a um poste, para que se enrole totalmente no
poste, no sentido contrário uma da outra. (N. do T.)
[2] Do inglês, post traumatic stress disorder. (N. do T.)
14
Temperamento
Não é Destino
Os padrões emocionais aprendidos podem ser mudados,
porque temperamento não é destino. Mas o que dizer
sobre as respostas que são parte de nossa herança
genética — como mudar reações habituais de pessoas
que, por natureza, por exemplo, são muito explosivas ou
terrivelmente tímidas? Essa faixa do comportamento
emocional é parte do temperamento, o murmúrio de
sentimentos de fundo que assinalam nossa disposição
básica. O temperamento pode ser definido em termos
dos estados de espírito que tipificam nossa vida
emocional. Em certa medida, cada um de nós tem um
tipo de emoção favorecida; o temperamento é um dado
no nascimento, parte da loteria genética que tem força
compulsória no desenrolar da vida. Qualquer pai sabe
disso: desde o nascimento, a criança é calma e plácida,
ou obstinada e difícil. O que cabe indagar é se um dado
conjunto emocional pode ser mudado pela experiência.
Nossa biologia determina o nosso destino, ou é possível
a uma criança que nasça tímida tornar-se um adulto mais
confiante?
A resposta mais esclarecedora a essa questão está no
trabalho de Jerome Kagan, eminente psicólogo
desenvolvimentista da Universidade de Harvard.1 Ele
afirma que existem pelo menos quatro tipos de
temperamento — tímido, ousado, otimista e melancólico
— e que cada um deles é função de um padrão
diferente de atividade cerebral. Provavelmente, há
inúmeras diferenças de herança temperamental, cada
uma baseada em diferenças inatas nos circuitos
emocionais; diante de um determinado tipo de emoção,
as pessoas podem diferir na facilidade com que ela
dispara, no quanto dura, na intensidade que alcança. O
trabalho de Kagan se centra num desses padrões: a
dimensão de temperamento que vai da ousadia à
timidez.
Durante décadas, mães têm levado seus bebês e
filhos pequenos ao Laboratório de Desenvolvimento
Infantil de Kagan, no 14º andar do William James Hall,
em Harvard, para participar de estudos sobre o
desenvolvimento infantil. Foi ali que Kagan e copesquisadores observaram sinais iniciais de timidez num
grupo de crianças de um ano e nove meses. Nas
brincadeiras com outras crianças, algumas eram
esfuziantes e espontâneas, brincando sem a menor
hesitação. Outras, porém, mostravam-se inseguras e
hesitantes, ficando de fora, grudadas às mães, quietinhas
olhando as outras. Quase quatro anos depois, quando
essas mesmas crianças já estavam no jardim-de-infância,
o grupo de Kagan voltou a observá-las. Nos anos
seguintes, nenhuma das crianças desembaraçadas se
tornara tímida, enquanto dois terços das tímidas
continuavam reticentes.
Kagan constata que crianças muito sensíveis e
medrosas tornam-se adultos tímidos e medrosos; desde o
nascimento, cerca de 15 a 20% das crianças são “inibidas
do ponto de vista comportamental”, segundo ele diz. Em
bebês, essas crianças se intimidam diante de qualquer
coisa que não lhes seja familiar. Hesitam em comer algo
novo, relutam em aproximar-se de animais que nunca
viram ou de locais onde nunca estiveram e são tímidas
em presença de estranhos. Também são sensíveis sob
outras formas — por exemplo, sentem-se facilmente
culpadas e tendem à auto-recriminação. São crianças que
ficam ansiosamente paralisadas nos contatos sociais: na
sala de aula e no pátio de recreio, quando encontram
novas pessoas, sempre que acontece de serem centro
das atenções. Na idade adulta, tendem a ficar pelos
cantos e têm um medo mórbido de falar ou de se
apresentar em público.
Tom, um dos meninos observados por Kagan, é o
tímido típico. Em toda avaliação durante a infância — 2,
5 e 7 anos — foi considerado como um dos mais
tímidos. Quando entrevistado aos 13 anos, Tom estava
tenso e rígido, mordendo os lábios e contorcendo as
mãos, o rosto impassível, insinuando um sorriso apenas
quando se referia à sua namorada; respostas curtas,
modos contidos.2 Por todos os anos da infância, até
cerca dos 11 anos, Tom lembra que foi muitíssimo
tímido, ficando encharcado de suor sempre que tinha de
se aproximar de colegas de brincadeiras. Também era
tomado por medos intensos: de sua casa pegar fogo, de
mergulhar numa piscina, de ficar sozinho no escuro. Em
pesadelos freqüentes, era atacado por monstros. Embora
tenha se sentido menos tímido nos últimos dois anos,
mais ou menos, ainda sente certa ansiedade em presença
de outros meninos, e agora é preocupadíssimo com seu
desempenho escolar, embora esteja entre os 5%
melhores de sua turma. Filho de um cientista, acha
atraente esse tipo de profissão, uma vez que a relativa
solidão serve às suas inclinações introvertidas.
Ralph, ao contrário, foi uma das crianças mais
ousadas e extrovertidas durante toda a infância. Sempre
descontraído e falador, aos 13 anos recostava-se à
vontade na cadeira, não tinha maneirismos nervosos e
falava num tom confiante, amistoso, como se o
entrevistador fosse um colega — embora a diferença de
idade entre eles fosse de 25 anos. Na infância, tivera
apenas dois temores, de curta duração: de cachorros em
geral e, depois, especificamente de um cachorro que o
atacou quando tinha 3 anos. Teve medo de viajar de
avião, aos 7 anos, quando ouviu falar de um acidente
aéreo. Sociável e querido pelas pessoas, Ralph nunca se
considerou uma pessoa tímida.
É possível que as crianças tímidas nasçam com
circuitos neurais que as tornam mais reativas mesmo a
tensões brandas — desde o nascimento, diante de
circunstâncias estranhas ou novas, seus corações batem
mais rápido que os de outras crianças. Com um ano e
nove meses, quando os bebês reticentes ficavam de fora
das brincadeiras, monitores de ritmo cardíaco mostravam
que seus corações disparavam de ansiedade. Essa
ansiedade, que é facilmente acionada, parece justificar
sua timidez a vida toda: eles encaram cada nova pessoa
ou situação como uma ameaça em potencial. Talvez por
causa disso, as mulheres de meia-idade que relatam
terem sido muito tímidas na infância, quando
comparadas com outras que foram mais extrovertidas,
tendem a viver com mais temores, preocupações e
culpas, e também a ter problemas associados a tensão,
como enxaquecas, constipação intestinal e problemas
estomacais.3
A NEUROQUÍMICA DA TIMIDEZ
Kagan acredita que a diferença entre o cauteloso Tom e
o ousado Ralph está na excitabilidade de um circuito
neural centrado na amígdala cortical. Ele sugere que
pessoas medrosas como Tom nascem com uma
neuroquímica que torna esse circuito facilmente
estimulável, e por isso elas evitam o desconhecido,
recuam diante da incerteza e são ansiosas. Aquelas que,
como Ralph, têm um sistema nervoso calibrado com um
limiar muito mais alto de estimulação da amígdala se
assustam com menos facilidade, são naturalmente mais
abertas e ávidas por explorar novos lugares e conhecer
novas pessoas.
Um primeiro sinal, na criança, de comportamento
herdado é sua irritabilidade e comportamento difícil em
bebê, e até onde se perturba quando diante de alguma
coisa ou alguém que não conhece. Enquanto cerca de
um em cinco bebês se encaixa na categoria dos tímidos,
cerca de dois em cinco têm temperamento ousado —
pelo menos ao nascer.
Parte dos indícios coletados por Kagan vem de
observações em gatos anormalmente tímidos. Cerca de
um em sete gatos domésticos tem um padrão de medo
semelhante ao das crianças tímidas: afasta-se das coisas
novas (em vez de exibir a lendária curiosidade do gato),
reluta em explorar novos territórios e ataca apenas os
roedores menores, por ser muito tímido para enfrentar
os maiores, os quais seriam caçados com prazer por
outros felinos, mais corajosos. Sondagens feitas
diretamente no cérebro desses gatos detectaram que
partes da amígdala são incomumente excitáveis,
sobretudo quando, por exemplo, ouvem o rosnado
ameaçador de outro gato.
A timidez dos gatos surge com cerca de um mês de
idade, momento em que a amígdala amadurece o
suficiente para assumir o controle dos circuitos do
cérebro que ordenam abordar ou evitar. Um mês de
amadurecimento do cérebro de um gatinho equivale a
oito num bebê humano; é aos oito ou nove meses,
observa Kagan, que o medo do “desconhecido” surge
nos bebês — se a mãe abandona o aposento e há um
estranho presente, o bebê chora. Kagan afirma que as
crianças tímidas podem ter herdado cronicamente altos
níveis de norepinefrina ou outros produtos químicos
cerebrais que ativam a amígdala e com isso criam um
baixo limiar de excitabilidade, fazendo a amígdala
disparar com mais facilidade.
Um dos sinais dessa maior sensibilidade é
identificável através de medições feitas em laboratório
em rapazes e moças que foram muito tímidos em
criança. Expostos a tensões como maus cheiros, o ritmo
cardíaco deles continua muito mais elevado que o dos
colegas mais abertos — um sinal de que a onda de
norepinefrina mantém sua amígdala excitada e, através
de circuitos neurais relacionados, também o sistema
nervoso simpático.4 Kagan constatou que as crianças
tímidas reagem com maior intensidade a toda a gama de
índices do sistema nervoso simpático, desde uma
pressão sanguínea mais alta, quando em repouso, a uma
dilatação maior das pupilas e níveis mais altos de
marcadores de norepinefrina na urina.
O silêncio é outro barômetro de timidez. Sempre que
a equipe de Kagan observou crianças tímidas e ousadas
num ambiente natural — no jardim-de-infância, diante
de crianças que não conheciam ou conversando com um
entrevistador —, as tímidas falavam menos. Uma criança
tímida de jardim-de-infância não dizia nada quando
outras falavam com ela, e passava a maior parte do dia
apenas olhando os outros brincarem. Kagan especula
que um tímido silêncio diante da novidade ou de alguma
coisa vista como uma ameaça é sinal da atividade de um
circuito neural que liga o cérebro anterior, a amígdala e
as estruturas límbicas próximas que controlam a
capacidade de vocalizar (os mesmos circuitos que nos
fazem “sufocar” sob tensão).
Essas crianças sensíveis correm alto risco de
apresentar problemas de ansiedade, como a crise de
pânico, já a partir da sexta ou sétima série. Num estudo
em 754 meninos e meninas nessas séries, descobriu-se
que 44 já haviam sofrido pelo menos um episódio de
pânico, ou tinham tido vários sintomas preliminares.
Esses episódios eram em geral disparados pelos alarmes
comuns do início da adolescência, como o primeiro
namoro ou uma prova importante — alarmes com os
quais a maioria das crianças lida sem apresentar
problemas mais sérios. Mas os adolescentes tímidos por
temperamento e anormalmente assustados com novas
situações tinham sintomas de pânico como palpitações
cardíacas, respiração curta ou sensação de sufocação,
juntamente com a sensação de que alguma coisa horrível
ia acontecer-lhes, como enlouquecer ou morrer. Os
pesquisadores acreditam que, embora os episódios não
fossem suficientemente importantes para que fosse
diagnosticada uma “síndrome do pânico”, esses
adolescentes correriam maior risco de contrair o
problema com o passar dos anos; muitos adultos que
sofrem de ataques de pânico dizem que eles começaram
na adolescência.5
O início dos ataques de ansiedade estavam
estreitamente relacionados com a puberdade. As meninas
com discretos sinais de puberdade não relataram terem
tido esses ataques, mas entre aquelas que já haviam
passado pela puberdade, 8% disseram que tinham
sentido pânico. Quando experimentam uma crise de
pânico, os adolescentes tendem a ter medo de ter a crise
novamente, o que leva ao retraimento social.
NADA ME PREOCUPA: O TEMPERAMENTO
ANIMADO
Na década de 1920, quando mocinha, minha tia June
deixou sua casa na cidade de Kansas e aventurou-se
numa viagem a Xangai — uma viagem, naquela época,
perigosa para uma mulher sozinha. Lá, June conheceu e
casou-se com um detetive britânico da força de polícia
colonial daquele centro internacional de comércio e
intriga. Quando os japoneses tomaram Xangai no início
da Segunda Guerra Mundial, minha tia e o marido foram
internados no campo de prisioneiros descrito no filme e
livro O Império do Sol. Após sobreviverem a cinco
horrorosos anos nesse campo, ela e o marido haviam,
literalmente, perdido tudo. Sem um tostão, foram
repatriados para a Colúmbia Britânica.
Lembro-me da primeira vez que, em criança, vi June,
uma velhinha ebuliente cuja vida tomara um rumo
extraordinário. Nos últimos anos, ela sofrera um derrame
que a deixou semiparalítica; após uma lenta e árdua
recuperação, conseguiu voltar a andar, mas capengando.
Lembro-me de que, na época, saí para passear com ela,
então na casa dos 70 anos. Ela foi se afastando e, algum
tempo depois, ouvi um gritinho — era June pedindo
socorro. Caíra e não conseguia se levantar sozinha. Corri
para ajudá-la, e enquanto o fazia, em vez de queixar-se
ou lamentar-se, ela ria de seu apuro. Apenas comentou
alegremente: “Bem, pelo menos posso andar de novo.”
Por alguma razão, as emoções de algumas pessoas
parecem, como as da minha tia, gravitar para o pólo
positivo; essas pessoas são naturalmente otimistas e
dadas, enquanto outras são sombrias e melancólicas.
Essa amplitude de temperamento — ebuliência numa
ponta, melancolia na outra — parece estar ligada à
relativa atividade das áreas pré-frontais esquerda e
direita, os pólos superiores do cérebro emocional. Esse
entendimento é, em grande parte, fruto do trabalho de
Richard Davidson, psicólogo da Universidade de
Wisconsin. Ele descobriu que as pessoas com maior
atividade no lobo frontal esquerdo do que no direito são
por temperamento animadas: geralmente sentem prazer
em estar com outras pessoas e com o que a vida lhes
oferece, dando a volta por cima dos reveses, como
minha tia June. Mas aquelas com maior atividade no lado
direito são dadas ao negativismo e ao azedume, e
perturbam-se facilmente com os problemas da vida; num
certo sentido, parecem sofrer por não poderem evitar a
preocupação e a depressão.
Num dos experimentos de Davidson, compararam-se
voluntários que exibiam uma atividade mais pronunciada
nas áreas frontais esquerdas com outros 15 que
apresentavam mais atividade no lado direito. Aqueles
com acentuada atividade frontal direita mostraram um
padrão diferente de negativismo num teste de
personalidade: encaixavam-se na caricatura retratada por
Woody Allen, do alarmista que vê catástrofes nas
menores coisas — medrosos e rabugentos, desconfiados
de um mundo que consideram cheio de problemas
terríveis e de perigos a cada esquina. Diferentemente dos
melancólicos, aqueles que têm uma mais forte atividade
frontal esquerda viam o mundo de uma forma bem
diferente. Sociáveis e animados, tinham, geralmente, uma
sensação de alegria, estavam sempre num alto astral e
sentiam-se prazerosamente engajados na vida. Suas
contagens de pontos em testes psicológicos sugeriam um
risco menor de contrair depressão e outros problemas
emocionais durante toda a vida.6
Davidson constatou que as pessoas com um histórico
de depressão clínica tinham menores níveis de atividade
cerebral no lobo pré-frontal esquerdo, e mais no direito,
quando comparadas com outras que nunca estavam
deprimidas. Encontrou o mesmo padrão em pacientes
com depressão recém-diagnosticada. Davidson especula
que as pessoas que superam a depressão aprenderam a
aumentar o nível de atividade no lobo pré-frontal
esquerdo — uma especulação que ainda aguarda
testagem experimental.
Davidson diz que, embora sua pesquisa se refira aos
mais ou menos 30% de pessoas nos extremos,
praticamente todo mundo pode ser classificado por
padrões de ondas cerebrais como tendendo para um ou
outro tipo. O contraste entre tristes e alegres mostra-se
de muitas formas, grandes e pequenas. Por exemplo,
num experimento, voluntários viram pequenos trechos
de filmes. Uns eram divertidos — um gorila tomando
banho, um cachorrinho brincando. Outros, como um
filme didático para enfermeiros, exibia detalhes
sanguinolentos de cirurgias, eram bastante
perturbadores. As pessoas cujo hemisfério direito era
dominante, soturnas, acharam os filmes alegres apenas
medianamente divertidos, mas sentiram extremo medo e
náusea em reação à sangueira cirúrgica. As pessoas do
grupo alegre reagiram muito pouco à cirurgia; reagiram
com intensa alegria quando viram os filmes alegres.
Assim, nós parecemos, por temperamento,
preparados para responder à vida segundo um registro
positivo ou negativo. A tendência para um
temperamento melancólico ou alegre — como para a
timidez ou ousadia — surge no primeiro ano de vida,
um fato que sugere fortemente que ele seja
geneticamente determinado. Como a maior parte do
cérebro, os lobos pré-frontais ainda estão amadurecendo
nos primeiros meses de vida, e assim sua atividade não
pode ser medida com segurança até em torno dos dez
meses. Mas, em bebês de cerca de dez meses, Davidson
descobriu que o nível de atividade nos lobos pré-frontais
predizia se iam chorar quando as mães deixassem o
quarto. A correlação era praticamente de 100%: de
dezenas de bebês assim testados, todos os que choravam
tinham mais atividade cerebral no lado direito, e entre os
que não choravam, a atividade cerebral era mais
acentuada no lado esquerdo.
Ainda assim, mesmo que essa dimensão básica de
temperamento venha de nascença, ou de muito próximo,
aqueles que apresentam o padrão de tristeza não estão
necessariamente condenados a levar a vida meditativos e
excêntricos. O aprendizado emocional adquirido na
infância pode ter um profundo impacto no
temperamento, ampliando ou reduzindo uma
predisposição inata. A grande plasticidade do cérebro na
infância indica que as experiências então vividas podem
causar um impacto duradouro no esculpir das rotas
neurais para o resto da vida. Talvez a melhor ilustração
dos tipos de experiência que podem melhorar o
temperamento esteja na observação que surgiu da
pesquisa de Kagan com crianças tímidas.
DOMANDO A AMÍGDALA SUPEREXCITÁVEL
A grande novidade trazida pelos estudos de Kagan é que
nem todos os bebês medrosos serão retraídos quando
adultos — temperamento não é destino. Pode-se domar
a amígdala superexcitável, com as experiências
adequadas. O que é importante são as lições e respostas
emocionais que as crianças aprendem durante o seu
desenvolvimento. Para a criança tímida, o que importa
no início é como ela é tratada pelos pais, e como
aprende a lidar com sua timidez natural. Os pais que
criam, de forma gradual, situações para que os filhos
tenham experiências encorajadoras, estão lhes
proporcionando uma espécie de corretivo de seu medo,
para toda a vida.
Cerca de um em três bebês que nascem com todos os
sinais de amígdala superexcitável perde a timidez
quando chega ao jardim-de-infância.7 Observações que
foram feitas junto a crianças que, em casa, eram
medrosas constatam que os pais, sobretudo as mães,
desempenham um papel importante para determinar se
uma criança, com o decorrer dos anos, vai se tornar mais
ousada ou continuará a fugir do que é novo e perturbarse diante de um desafio. A equipe de pesquisa de Kagan
constatou que algumas das mães tinham como premissa
proteger os bebês tímidos de qualquer coisa
perturbadora; outras achavam mais importante ajudá-los
a enfrentar situações e, desta forma, adaptarem-se às
pequenas batalhas da vida. A conduta protetora avalizou
o medo, e provavelmente privou as crianças de
oportunidades para aprenderem a superar o medo. A
filosofia do “aprender a adaptar-se” na criação dos filhos
parece ter ajudado crianças medrosas a tornarem-se mais
corajosas.
Observações feitas na casa dos bebês quando eles
tinham cerca de seis meses constataram que as mães
protetoras, ao tentarem dar consolo aos filhos, lhes
davam colo quando ficavam inquietos ou choravam, e
faziam isso por mais tempo do que as mães que
tentavam ajudar os bebês a dominar esses momentos de
perturbação. A incidência das vezes em que os bebês
eram postos no colo quando estavam calmos e quando
estavam perturbados demonstrou que as mães protetoras
ficavam com o bebê no colo muito mais tempo durante
os períodos de perturbação do que em períodos calmos.
Foi identificado um outro tipo de comportamento
quando os bebês já tinham mais ou menos um ano: as
mães protetoras eram mais tolerantes, não eram
explícitas na imposição de limites quando eles faziam
alguma coisa perigosa, como pôr na boca um objeto que
podiam engolir. As outras mães, ao contrário, eram
enfáticas, impunham limites com firmeza, dando ordens
diretas, impedindo que a criança agisse de uma
determinada forma, insistindo na obediência.
Por que a firmeza diminuiria o medo? Kagan especula
que algo é aprendido quando o bebê engatinha em
direção a algo que para ele é intrigante (mas que é
perigoso, segundo o julgamento da mãe), mas é detido
com uma advertência: “Afaste-se disso!” O bebê é, de
repente, obrigado a lidar com uma leve incerteza. A
repetição desse desafio centenas e centenas de vezes no
primeiro ano de vida proporciona ao bebê contínuos
ensaios, em pequenas doses, para o enfrentamento, na
vida, do inesperado. No caso de crianças medrosas, é
exatamente esse tipo de contato que tem de ser
dominado, e doses controláveis bastam para que elas
aprendam. Quando o fato acontece com pais que,
embora amorosos, não correm a pegar e consolar o bebê
a cada pequena perturbação, ele vai aprendendo aos
poucos, e por si só, a lidar com tais momentos. Aos 2
anos, crianças medrosas que retornam ao laboratório de
Kagan estão menos medrosas e com menor
probabilidade de romper no choro quando um estranho
faz uma careta, ou um pesquisador aperta um medidor
de pressão em torno de seu braço. Conclusão de Kagan:
— Aparentemente, as mães que protegem seus bebês
que reagem intensamente diante de frustrações e que
são ansiosos, na esperança de obterem um bom
resultado, na verdade exacerbam a insegurança do bebê
e produzem o efeito contrário.8
Em outras palavras, a estratégia protetora sai pela
culatra, privando os bebês tímidos da oportunidade de
acalmarem-se diante do desconhecido, e com isso
adquirir um pequeno domínio de seus medos. No nível
neurológico, supostamente, isso significa que seus
circuitos pré-frontais perderam a oportunidade de
aprender respostas alternativas ao medo intenso; ao
contrário, a tendência ao medo desabrido pode ter sido
fortalecida simplesmente pela repetição.
Por outro lado, disse Kagan:
— As crianças que se tornaram menos tímidas
quando chegam ao jardim-de-infância parecem ter tido
pais que lhes aplicavam delicada pressão para serem
mais expansivas. Embora esse traço experimental pareça
ligeiramente mais difícil de mudar — provavelmente
devido à sua base fisiológica —, nenhuma qualidade
humana é imutável.
Por toda a infância, algumas crianças tímidas vão se
encorajando mais à medida que a experiência continua a
moldar os principais circuitos neurais. Um dos sinais de
que a criança tímida terá mais probabilidade de superar
essa inibição natural é o fato de ela ter ou não um nível
superior de aptidão social: ser cooperativa e se dar bem
com outras crianças; ser empática, inclinada a dar e
dividir, e atenciosa; e poder criar amizades íntimas. Esses
traços eram característicos de um grupo de crianças
identificadas primeiro como sendo tímidas aos 4 anos, e
que, aos 10, já não apresentavam mais o problema.9
Ao contrário, as crianças tímidas de 4 anos cujo
temperamento pouco mudou ao longo daqueles mesmos
seis anos tendiam a ser menos capazes emocionalmente:
choravam e se desmontavam facilmente sob tensão;
eram emocionalmente incompetentes; medrosas,
rabugentas ou caprichosas; demasiado sensíveis à crítica,
ou desconfiadas. Essas falhas emocionais, é claro,
provavelmente significam que, se puderem superar a
relutância inicial de juntarem-se a outras crianças, o seu
relacionamento com elas não será agradável.
Ao contrário, é fácil ver por que crianças
emocionalmente mais competentes — embora tímidas
por temperamento — superam espontaneamente sua
timidez. Porque mais hábeis nos contatos sociais, tinham
maior probabilidade de ter uma série de experiências
positivas com outras crianças. Mesmo que hesitassem,
digamos, em falar com um novo coleguinha, assim que o
gelo quebrava elas eram capazes de ser socialmente
brilhantes. A repetição regular desses sucessos sociais
durante muitos anos naturalmente fazia com que os
tímidos ficassem mais seguros de si.
Esses avanços para a ousadia são encorajadores;
sugerem que mesmo os padrões emocionais inatos
podem mudar em certa medida. A criança que nasce
com tendência a se assustar pode aprender a ser mais
tranqüila, ou mesmo aberta, diante do desconhecido. O
sentimento de medo — ou qualquer outro
temperamento — pode, em parte, ser um dado biológico
para a nossa vida emocional, mas não estamos
necessariamente limitados por nossos traços hereditários
a um cardápio emocional específico. Há uma gama de
possibilidades mesmo dentro dessas limitações genéticas.
Como observam os geneticistas comportamentais, os
genes, por si só, não determinam o comportamento; o
ambiente em que vivemos, sobretudo quando
experimentamos e aprendemos enquanto crescemos,
molda a maneira de uma predisposição temperamental
manifestar-se no desenrolar da vida. Nossas aptidões
emocionais não são um fato determinado; com o
aprendizado certo, podem ser aperfeiçoadas. Isto está
ligado à maneira como o cérebro humano amadurece.
INFÂNCIA: MOMENTO DE BOAS
OPORTUNIDADES
O cérebro humano não está totalmente formado no
nascimento. Continua a moldar-se durante a vida, com
um ritmo mais intenso de crescimento durante a infância.
As crianças nascem com muito mais neurônios do que
reterá o seu cérebro maduro; por um processo
conhecido como “poda”, o cérebro, na verdade, perde as
ligações neuronais menos usadas e forma outras, fortes,
nos circuitos sinápticos mais utilizados. A poda,
eliminando sinapses estranhas, melhora a relação sinalruído no cérebro, eliminando a causa do “ruído”. O
processo é constante e rápido; formam-se ligações
sinápticas em questão de horas ou dias. A experiência,
sobretudo na infância, esculpe o cérebro.
A clássica demonstração do impacto da experiência
no desenvolvimento do cérebro foi feita pelos
ganhadores do Prêmio Nobel Thorsten Wiesel e David
Hubel, ambos neurocientistas.10 Eles mostraram que nos
gatos e macacos havia um período crítico, durante os
primeiros meses de vida, para o desenvolvimento das
sinapses que levam os sinais do olho ao córtex visual,
onde são interpretados. Se um olho fosse fechado
durante esse período, o número de sinapses desse olho
para o córtex visual reduzia-se, e o número das do olho
aberto multiplicava-se. Se, depois de encerrado o
período crítico, se reabria o olho fechado, o animal
estava funcionalmente cego desse olho. Embora não
houvesse problema com o olho propriamente dito, os
circuitos para o córtex visual eram muito reduzidos para
que os sinais desse olho fossem interpretados.
Nos seres humanos, o período crítico correspondente
para a visão são os seis primeiros anos de vida. Durante
esse tempo, a visão normal estimula a formação de
circuitos neurais cada vez mais complexos para a visão
que começa no olho e termina no córtex visual. Caso se
tape o olho da criança, ainda que por umas poucas
semanas, isso pode produzir um déficit mensurável na
acuidade visual desse olho. Se a criança tem um olho
fechado durante vários meses nesse período, e depois o
restauram, a visão desse olho estará prejudicada para a
percepção de detalhes.
Uma vívida demonstração do impacto da experiência
no cérebro em desenvolvimento está nos estudos de
ratos “ricos” e “pobres”.11 Os ratos “ricos” viviam em
pequenos grupos em gaiolas com bastantes diversões,
como escadas e esteiras rolantes. Os ratos “pobres”
viviam em gaiolas semelhantes mas sem nada, nem
diversões. Durante meses, os neocórtices dos ratos ricos
desenvolveram redes muito mais complexas de circuitos
sinápticos interligando os neurônios; os circuitos
neuronais dos ratos pobres, em comparação, eram
esparsos. A diferença era tão grande que os cérebros dos
ratos ricos eram mais pesados, e, o que talvez não
surpreenda, eles eram muito mais espertos na saída de
labirintos que os ratos pobres. Experiências semelhantes
com macacos mostram essas diferenças entre “ricos” e
“pobres”, e com certeza o mesmo efeito se dá nos seres
humanos.
A psicoterapia — isto é, o reaprendizado emocional
sistemático — surge como um exemplo de como a
experiência pode, ao mesmo tempo, mudar padrões
emocionais e moldar o cérebro. A demonstração mais
sensacional vem de um estudo de pessoas que estavam
se tratando de perturbações obsessivo-compulsivas.12
Uma das compulsões mais comuns é lavar as mãos, o
que é feito muitas vezes, até mesmo centenas de vezes
por dia, a ponto de a pele da pessoa rachar. Estudos
analíticos de varredura PET mostram que os obsessivocompulsivos têm uma atividade maior que a normal nos
lobos pré-frontais.13
Metade dos pacientes sob estudo recebeu o
tratamento químico padrão, fluoxetina (mais conhecida
pelo nome comercial de Prozac), e metade fez terapia
comportamental. Durante a terapia, foram
sistematicamente expostos ao objeto de sua obsessão ou
compulsão sem satisfazê-la; pacientes com compulsão
para lavar as mãos foram postos junto a uma pia, mas
sem permissão de lavá-las. Ao mesmo tempo, aprendiam
a questionar os temores e medos que os mobilizavam —
por exemplo, não lavar as mãos significava que iam
pegar uma doença e morrer. Aos poucos, após meses de
tais sessões, as compulsões foram acabando, tal como se
deu através do uso de medicamentos!
A descoberta notável, porém, foi um teste de
varredura PET que mostrou que os pacientes em terapia
comportamental tinham uma redução tão significativa na
atividade de uma parte-chave do cérebro emocional, o
núcleo caudato, quanto os pacientes que foram tratados,
com sucesso, com a fluoxetina. A experiência deles
mudara a função cerebral — e aliviara os sintomas — tão
eficazmente quanto a medicação.
MOMENTOS CRUCIAIS
De todas as espécies, a nossa — seres humanos — é a
que requer mais tempo para o amadurecimento do
cérebro. Embora cada área do cérebro se desenvolva em
ritmo diferente durante a infância, o início da puberdade
assinala um dos períodos mais abrangentes de poda em
todo o cérebro. Várias áreas cerebrais críticas para a vida
emocional são as de mais lento amadurecimento.
Embora as áreas sensoriais amadureçam durante a
primeira infância, e os sistemas límbicos, na puberdade,
os lobos frontais — sede do autocontrole emocional,
compreensão e hábil resposta — continuam a se
desenvolver até o fim da adolescência, num momento
qualquer entre os 16 e os 18 anos.14
Os hábitos de controle emocional repetidos muitas
vezes durante a infância e na adolescência ajudam, por
si, a moldar esses circuitos. Isso faz com que a infância
seja um momento crucial para que sejam moldadas, para
toda a vida, as tendências emocionais; os hábitos
adquiridos na infância tornam-se fixos na fiação sináptica
básica da arquitetura neural e são mais difíceis de mudar
em idade mais avançada. Dada a importância dos lobos
pré-frontais no controle da emoção, o amplo espaço de
tempo para a escultura sináptica nessa região do cérebro
talvez possa significar que, no grande projeto do
cérebro, as experiências vividas pela criança, ao longo
dos anos, moldam ligações duradouras nos circuitos
reguladores do cérebro emocional. Como vimos, dentre
as mais importantes experiências que uma criança pode
ter, é a constatação de até onde seus pais são confiáveis
e atendem às suas necessidades, as oportunidades e
orientação que a criança tem no aprendizado de como
lidar com sua perturbação e controlar o impulso, e a
prática da empatia. Pelo mesmo motivo, o abandono ou
os maus-tratos, a falta de sintonia de um pai que gira
apenas em torno de si mesmo, ou indiferente ou uma
disciplina brutal deixam sua marca nos circuitos
emocionais.15
Uma das mais essenciais lições emocionais, aprendida
primeiro no início da infância e durante toda ela
aprimorada, é como consolar-se quando perturbado.
Para os bebês muito novos, o consolo vem de quem
cuida deles: a mãe ouve o bebê chorar, pega-o no colo e
balança-o até acalmá-lo. Essa sintonia biológica, sugerem
alguns teóricos, ajuda a criança a aprender a fazer o
mesmo sozinha.16 Durante o período crítico entre dez
meses e um ano e meio, a área orbitofrontal do córtex
pré-frontal está formando rapidamente as ligações com o
cérebro límbico que o transformarão numa chave ligadesliga para a perturbação. O bebê que, em incontáveis
episódios em que é consolado, recebe ajuda para
aprender a acalmar-se, especula-se, terá ligações mais
fortes nesse circuito para controle da perturbação, e
assim, por toda a vida, saberá consolar-se quando
perturbado.
É evidente que a arte de se consolar requer muitos
anos de aprendizagem e com novos meios, já que o
amadurecimento do cérebro oferece à criança,
progressivamente, ferramentas emocionais mais
sofisticadas. Lembrem, os lobos pré-frontais, tão
importantes no controle do impulso límbico,
amadurecem na adolescência.17 Outro circuito-chave
que continua a formar-se na infância centra-se no nervo
vago, que, numa ponta, regula o coração e outras partes
do corpo e, na outra, envia sinais das adrenais para a
amígdala, levando-a a secretar as catecolaminas, que
preparam a resposta lutar-ou-fugir. Uma equipe da
Universidade de Washington que avaliou o impacto na
criação de filhos descobriu que pais emocionalmente
capazes causavam uma melhora na função do nervo
vago.
Como explicou John Gottmnan, o psicólogo que
chefiou a pesquisa:
— Os pais modificam o tom vagal dos filhos (uma
medida da facilidade com que o nervo vago é
disparado), treinando-os emocionalmente: conversando
com eles sobre seus sentimentos e como compreendêlos, não sendo críticos nem julgadores, solucionando
problemas de sofrimento sentimental, ensinando-lhes o
que fazer, como outras alternativas em vez de bater ou
retirar-se quando se está triste.
Quando os pais desempenham bem essa função, as
crianças são mais capazes de suprimir a atividade vagal
que mantém a amígdala preparando o corpo com
hormônios para lutar-ou-fugir — e assim se comportam
melhor.
É racional que as aptidões-chave da inteligência
emocional tenham, cada uma, períodos críticos que se
estendem por vários anos na infância. Cada período
oferece espaço para que a criança possa adquirir hábitos
emocionais benéficos, ou, se perdida a oportunidade,
dificultar a recepção, mais tarde, de lições corretivas. O
esculpimento e a poda maciça dos circuitos neurais na
infância podem ser um dos motivos subjacentes pelos
quais as primeiras dificuldades e traumas emocionais têm
efeitos tão duradouros e generalizados na idade adulta.
Também podem explicar por que a psicoterapia muitas
vezes leva tanto tempo para alterar um desses padrões
— e por quê, como vimos, mesmo após a terapia esses
padrões tendem a permanecer como tendências
subjacentes, embora com uma cobertura de novas
intuições e respostas reaprendidas.
É claro que o cérebro permanece maleável durante
toda a vida, embora não na medida espetacular vista na
infância. Todo aprendizado implica alteração cerebral, o
fortalecimento de uma ligação sináptica. As mudanças no
cérebro dos pacientes com perturbações obsessivocompulsivas mostram que os hábitos emocionais são
maleáveis, em qualquer momento da vida, desde que
haja um esforço constante, mesmo no nível neural. O
que acontece com o cérebro no PTSD (ou na terapia,
aliás) é um análogo dos efeitos trazidos por todas as
experiências emocionais repetidas ou intensas, para
melhor ou para pior.
Algumas das mais reveladoras dessas lições são dos
pais para o filho. Há muitos hábitos emocionais
diferentes instilados pelos pais cuja sintonia significa que
as necessidades emocionais de uma criança são
reconhecidas e satisfeitas, ou cuja disciplina inclui
empatia, de um lado, ou pais egocêntricos, que ignoram
a aflição da criança ou a disciplinam severamente,
gritando e batendo. Grande parte da psicoterapia é, num
certo sentido, um remédio mediante orientação e
aconselhamento sobre o que, antes, foi distorcido ou
completamente perdido. Mas por que não fazermos o
possível para prevenir essa necessidade, dando às
crianças, de pronto, a proteção e orientação que
cultivam as aptidões emocionais essenciais?
PARTE CINCO
ALFABETIZAÇÃO
EMOCIONAL
15
Quanto Custa o Analfabetismo
Emocional
Tudo começou com uma briguinha, mas degringolou.
Ian Moore, graduando do Ginásio Jefferson, no
Brooklyn, e Tyrone Sinkler, do primeiro ano, tinham
brigado com um colega, Khalil Sumpter, de 15 anos.
Depois passaram a provocá-lo e a ameaçá-lo. Foi aí que
a coisa explodiu.
Khalil, com medo de que Ian e Tyrone fossem lhe
bater, levou uma pistola calibre 38 para a escola e, a uns
3 metros do guarda do ginásio, matou os dois garotos
com tiros disparados à queima-roupa no corredor.
O fato é muito chocante. Mas é também mais um
indicador, à nossa disposição, para que tomemos
consciência da necessidade, urgente, de ensinamentos
que objetivem o controle das emoções, as resoluções de
desentendimentos de forma pacífica e, enfim, a boa
convivência entre as pessoas. Os educadores, há muito
preocupados com as notas baixas dos alunos em
matemática e leitura, começam a constatar que existe um
outro tipo de deficiência e que é mais alarmante: o
analfabetismo emocional.1 Apesar dos louváveis esforços
que visam melhorar o desempenho acadêmico, esse
novo tipo de deficiência ainda não ganhou espaço no
currículo escolar. Como disse um professor do Brooklyn,
a atual ênfase do ensino parece sugerir que “nos
preocupamos mais com a qualidade da leitura e escrita
dos alunos do que em saber se eles vão estar vivos na
semana que vem”.
Podemos ver sinais dessa deficiência em incidentes
violentos como o que foi relatado anteriormente, e que
se tornam cada vez mais freqüentes nas escolas norteamericanas. Esses não são casos isolados. Nos Estados
Unidos — país que é arauto da tendência mundial —, as
estatísticas mostram um aumento da turbulência entre os
adolescentes e de problemas da infância.2
Em 1990, comparativamente com as duas décadas
anteriores, os Estados Unidos tiveram um aumento de
prisões de jovens que praticaram crimes violentos; as
prisões de adolescentes por estupro dobraram; o número
de assassinatos cometidos por adolescentes
quadruplicaram, em sua maioria devido ao aumento de
tiroteios.3 Durante as mesmas duas décadas, o número
de suicídios entre adolescentes triplicou, e também
triplicou o número de menores de 14 anos vítimas de
assassinato.4
Um maior número de adolescentes, e cada vez mais
jovens, engravida. Em 1993, constatou-se que o número
de meninas, entre 10 e 14 anos, que se tornaram mães
aumentara constantemente durante cinco anos seguidos
— elas são os “bebês que têm bebês” —, e a mesma
ocorrência se deu com a proporção de gestação
indesejada em adolescentes e a pressão de colegas para
fazer sexo. As taxas de doenças venéreas triplicaram nas
últimas três décadas.5
Embora esses números sejam desencorajadores, se
olharmos a juventude afro-americana, sobretudo nos
centros urbanos, eles são absolutamente sombrios —
todos os percentuais são muito mais altos, às vezes
triplicados, ou ainda mais altos. Por exemplo, o uso de
heroína e cocaína entre a juventude branca subiu cerca
de 300% nas duas décadas antes da de 90; entre os afro-
americanos, saltou assombrosas 13 vezes o percentual de
vinte anos antes.6
A maior causa de invalidez entre adolescentes é
psicológica. Sintomas de depressão, severa ou branda,
afetam até um terço dos adolescentes; nas garotas, a
incidência de depressão dobra na puberdade. A
incidência de problemas caracterizados como desordens
de alimentação entre adolescentes atingiu nível
estratosférico.7
Finalmente, a menos que algo de novo aconteça, as
perspectivas a longo prazo de os jovens casais viverem
juntos de forma frutífera e estável tornam-se cada vez
mais lúgubres a cada geração. Como vimos no Capítulo
9, enquanto nas décadas de 1970 e 80 o percentual de
divórcio era por volta de 50%, quando entramos na
década de 1990 a previsão era de que dois em três
recém-casados se divorciariam.
MAL-ESTAR EMOCIONAL
Essas estatísticas alarmantes são como o canário no túnel
do trabalhador de mina de carvão, cuja morte avisa que
há pouco oxigênio. As estatísticas, porém, não mostram
o que ainda não se configurou como crise de fato. As
circunstâncias problemáticas em que vivem nossas
crianças podem ser vistas em níveis mais sutis, no dia-adia de suas vidas. Talvez os mais reveladores de todos os
dados — um barômetro direto da queda nos níveis de
competência emocional — venham de uma amostragem
nacional de crianças americanas de 7 a 16 anos, que
comparou sua condição emocional em meados da
década de 1970 e no fim da de 80.8 Com base em
avaliações de pais e professores, houve uma piora
constante. Nenhum problema se destacou; todos os
indicadores simplesmente apontaram para o lado
negativo. As crianças, em média, não estavam bem nos
seguintes pontos específicos:
• Retraimento ou problemas de relacionamento
social: preferir ficar só; ser cheio de segredos;
amuar-se muito; falta de energia; sentir-se infeliz;
ser muito dependente.
• Ansioso e deprimido: ser solitário; ter muitos medos
e preocupações; auto-exigência exacerbada; não se
sentir amado; sentir-se nervoso, triste e deprimido.
• Problemas de atenção ou de raciocínio: dificuldade
de concentração; devaneio; agir impulsivamente;
nervoso demais para concentrar-se; mau
desempenho escolar; incapacidade de afastar
pensamentos.
• Delinqüente ou agressivo: andar com garotos que se
metem em encrencas; mentir e trapacear; discutir
muito; ser mau com os outros; chamar atenção
para si; destruir as coisas dos outros; desobedecer
em casa e na escola; ser teimoso e macambúzio;
falar demais; provocar demais; ter pavio curto.
Ainda que cada um desses problemas, isoladamente,
não seja preocupante, como um todo são barômetros de
uma mudança de maré, de um novo tipo de toxicidade
vazando e envenenando a experiência da infância,
significando abrangentes déficits de aptidões emocionais.
Esse mal-estar emocional parece ser o preço que a
modernidade cobra às crianças. Embora os americanos
muitas vezes alardeiem seus problemas como
particularmente ruins em comparação com outras
culturas, estudos em todo o mundo constatam taxas do
mesmo nível ou piores que nos Estados Unidos. Por
exemplo, na década de 1980, professores e pais na
Holanda, China e Alemanha diziam que as crianças
desses países tinham mais ou menos os mesmos tipos de
problemas identificados, em 1976, nas crianças
americanas. E, em alguns países, o problema infantil era
pior que aqueles hoje identificados nas crianças dos
Estados Unidos, entre eles a Austrália, França e
Tailândia. Mas isso talvez não continue assim por muito
tempo. Comparadas às de muitos outros países
desenvolvidos, as forças maiores que empurram para
baixo a espiral descendente em competência emocional
parecem estar ganhando velocidade nos Estados
Unidos.9
Nenhuma criança, rica ou pobre, é imune a
problemas; isso é universal e ocorre em todos os grupos
étnicos, raciais e de renda. Assim, embora as crianças
pobres tenham o pior registro em indicadores de
aptidões emocionais, a respectiva taxa de deterioração
com o correr das décadas não foi pior que aquela das
crianças da classe média ou rica: todas mostram uma
queda constante. Também houve um triplo aumento
correspondente no número de crianças que receberam
ajuda psicológica (talvez um bom sinal, que indica a
disponibilidade de mais ajuda), além de uma quase
duplicação do número de crianças com problemas
emocionais que sugerem a necessidade desse tipo de
ajuda, mas que não a recebem (um mau sinal) — de
cerca de 9% em 1976 para 18% em 1989.
Urie Bronfenbrenner, eminente psicólogo da
Universidade de Cornell, que realizou uma pesquisa
comparativa sobre o bem-estar de crianças, em nível
internacional, declara:
— Na falta de bons sistemas de apoio, as tensões
externas tornaram-se tão grandes que mesmo famílias
bem-estruturadas estão desmoronando. A atividade
febril, instabilidade e inconsistência da vida diária
grassam em todos os segmentos de nossa sociedade,
incluindo os bem-educados e ricos. O que está em jogo
é a próxima geração, sobretudo a dos homens que,
quando adultos, ficam especialmente vulneráveis a forças
desintegradoras como os efeitos devastadores do
divórcio, da pobreza e do desemprego. O status das
crianças e famílias americanas está mais desesperador
que nunca... Estamos privando milhões de crianças da
competência e caráter moral.10
Esse não é um fenômeno americano, mas global. A
competitividade econômica, em nível mundial, que
barateia o custo da mão-de-obra, cria forças econômicas
que pressionam a família. Vivemos tempos de famílias
economicamente acossadas, em que os pais trabalham
muitas horas, de modo que os filhos são deixados por
sua própria conta e risco ou aos cuidados da televisão, a
babá substituta; em que mais crianças do que nunca são
criadas na pobreza; em que famílias-de-um-só-pai ou
mãe são cada vez mais comuns; em que mais bebês e
crianças pequenas são deixados em creches tão mal
equipadas que equivalem ao abandono. Tudo isso
acarreta, mesmo para pais bem-intencionados, a perda,
cada vez maior, de incontáveis oportunidades para
pequenos e protetores intercâmbios com seus filhos,
fundamentais para o desenvolvimento das aptidões
emocionais.
Se as famílias não mais têm condições de dar aos
seus filhos um embasamento para que pisem em solo
firme, o que devemos fazer? Um olhar mais atento sobre
o mecanismo dos problemas específicos sugere como
determinados dados sobre aptidões emocionais ou
sociais colocam as fundações para graves problemas — e
como corretivos ou preventivos bem orientados podem
manter mais crianças no caminho certo.
DOMANDO A AGRESSÃO
Em minha escola primária, o valentão era Jimmy,
quartanista quando entrei na primeira série. Era ele
quem roubava o dinheiro da nossa merenda, tomava
nossa bicicleta, preferia bater a conversar conosco. Era o
arruaceiro clássico, partindo para a briga à menor
provocação, ou sem que houvesse qualquer provocação.
Todos tínhamos medo dele — e nos mantínhamos a
distância. Todos o detestavam e temiam; ninguém queria
brincar com ele. Era como se houvesse, por onde quer
que ele andasse no pátio, um invisível guarda-costas que
afastava as crianças da frente dele.
Garotos como Jimmy são visivelmente problemáticos.
Mas o que talvez não seja tão óbvio é que uma
agressividade tão flagrante na infância é sinal de que, no
futuro, esses garotos problemáticos sofrerão
perturbações emocionais e de outra ordem. Jimmy já
estava preso por agressão aos 16 anos.
O que a agressividade na infância lega para o resto
da vida de garotos como Jimmy consta de muitos
estudos.11 Como vimos, a vida em família dessas
crianças agressivas inclui, normalmente, pais que
alternam abandono com castigos severos e arbitrários,
um comportamento que, talvez compreensivelmente,
torna a criança meio paranóica ou belicosa.
Nem todas as crianças raivosas são brigonas; algumas
são marginalizados sociais retraídos, que reagem com
exagero às provocações ou ao que consideram ser
ofensa ou injustiça. Mas uma falha de percepção comum
a essas crianças agressivas é que elas vêem pequenas
ofensas onde não há intenção, imaginando que os
colegas lhe são mais hostis do que na verdade são. Isso
as leva a interpretar atos insignificantes como ameaças
— um inocente esbarro é visto como uma provocação —
e a contra-atacar. Isso, claro, faz com que as outras
crianças as evitem, tornando-as ainda mais isoladas.
Essas crianças zangadas, isoladas, são muitíssimo
sensíveis a injustiças e a tratamentos que não sejam
isentos. Em geral, se sentem como vítimas e podem citar
uma série de circunstâncias em que, por exemplo, os
professores as culparam por terem feito algo que de fato
não fizeram. Outra característica dessas crianças é que,
uma vez no calor da raiva, só pensam num modo de
reagir: na porrada.
Essa percepção distorcida pode ser constatada através
de experimentos laboratoriais, em que os brigões são
emparelhados com crianças mais pacíficas, numa sessão
de vídeos. Num dos vídeos, um garoto deixa cair os
livros quando outro esbarra nele, e as crianças em redor
riem; o garoto que deixou cair os livros se zanga e tenta
bater num dos que riram. No comentário sobre o filme,
o brigão acha que o garoto que bateu estava certo. Mais
revelador ainda, quando têm de classificar a
agressividade dos garotos durante a discussão sobre o
filme, os brigões consideram que o garoto que esbarrou
no outro é mais combativo, e que a raiva do menino que
bateu é justificada.12
Esse julgamento precipitado denuncia uma profunda
distorção perceptiva nas pessoas que em geral são
agressivas: agem com base na presunção de hostilidade
ou ameaça, dando muito pouca atenção ao que de fato
se passa. Assim que presumem ameaça, partem para a
ação. Por exemplo, se um garoto agressivo joga xadrez
com outro que mexe uma pedra fora de hora, ele acha
que houve “trapaça”, sem parar para pensar se foi um
engano. Ele sempre supõe a maldade, nunca a
inocência; e a reação é de hostilidade automática.
Juntamente com a percepção reflexa de um ato hostil,
vem uma agressão igualmente automática; em vez de,
digamos, chamar a atenção do outro para o engano, ele
parte para a acusação, berrando, batendo. E quanto mais
essas crianças agridem, mais automática se torna a
agressão, e mais o repertório de alternativas — a
polidez, o gracejo — fica reduzido.
Essas crianças são emocionalmente vulneráveis, pois
têm um baixo limiar de perturbação, irritando-se muitas
vezes com as mais variadas coisas; uma vez perturbadas,
não raciocinam com clareza, de modo que vêem atos
benignos como hostis e recaem no superaprendido
hábito de bater.13
Essas distorções perceptivas para a hostilidade já
estão a postos na primeira série. Enquanto a maioria das
crianças, e sobretudo os meninos, é bagunceira no
jardim-de-infância e na primeira série, as mais agressivas
não aprenderam um mínimo de autocontrole na segunda
série. Quando outras crianças já começaram a aprender a
negociar e a chegar a um acordo nas desavenças que
ocorrem no pátio, os brigões optam cada vez mais pela
força e pelo grito. Eles pagam um preço social: após
duas ou três horas do primeiro contato no pátio de
recreio com um brigão, as outras crianças já declaram
que não gostam dele.14
Mas estudos que acompanharam crianças desde os
anos do pré-escolar até a adolescência constatam que
metade dos alunos que na primeira série eram
desordeiros, incapazes de se dar com os outros,
desobedientes com os pais e resistentes com os
professores se torna delinqüente na adolescência.15
Claro, nem todas essas crianças agressivas seguem o
caminho que conduz à violência e à criminalidade na
vida posterior. Mas, de todas as crianças, são essas as
que tendem a cometer crimes violentos.
A tendência para o crime aparece muitíssimo cedo na
vida dessas crianças. Quando crianças de um jardim-deinfância de Montreal foram classificadas por grau de
hostilidade e criação de caso, aquelas a quem, aos 5
anos, fora atribuído um mais alto grau, já tinham dado
muito mais provas de delinqüência apenas cinco a oito
anos depois, no início da adolescência. Comparadas com
outras crianças, havia a possibilidade três vezes maior de
haverem batido em alguém sem motivo, furtado lojas,
usado arma numa briga, arrombado ou roubado peças
de carro e se embriagado — tudo isso antes de
chegarem aos 14 anos.16
Crianças que, na primeira e segunda séries, são
agressivas e difíceis de lidar, já apresentam um protótipo
de violência e criminalidade.17 Em geral, desde os
primeiros anos de escola elas apresentam dificuldades no
controle de impulsos, o que contribui para que sejam
más alunas, vistas e vendo-se como “burras” — um
julgamento que se confirma ao serem encaminhadas
para classes de educação especial (e nem todas elas têm
um maior grau de “hiperatividade” e problemas na
aprendizagem). As crianças que, ao entrarem na escola,
já trazem de casa um estilo “coercitivo” — ou seja,
ameaçador — também são descartadas pelos professores,
que têm de passar muito tempo mantendo a disciplina.
O não-cumprimento das regras da sala de aula que é
característico dessas crianças as faz disperdiçar um
tempo que poderia ser utilizado para aprenderem; o
futuro fracasso acadêmico se torna óbvio por volta da
terceira série. Embora os meninos propensos à
delinqüência tendam a ter QI mais baixo, o que está
mais diretamente em causa é a impulsividade deles: a
impulsividade em meninos de 10 anos é um indicador
de delinqüência muito mais seguro do que o nível de
seus QIs.18
Na quarta ou quinta séries, esses garotos — a essa
altura considerados como arruaceiros, ou apenas
“difíceis” — são rejeitados pelos colegas e incapazes de
fazer amigos com facilidade, quando o fazem, e já se
tornaram fracassos acadêmicos. Sentindo-se sem amigos,
gravitam para o lado de outros que também são
socialmente marginalizados. Entre a quarta série e o
segundo grau, ligam-se a esse grupo e passam a praticar
atos de desrespeito à lei; aí, quintuplicam as faltas às
aulas, o consumo de bebidas e drogas, que aumenta
consideravelmente entre a sétima e a oitava séries. No
secundário, junta-se a eles outro tipo de “atrasados”,
atraídos por seu estilo contestador; esses atrasados
muitas vezes são meninos completamente sem
supervisão em casa, e que começaram a vagar pelas ruas
já no primário. No ginásio, esse grupo marginalizado
normalmente abandona a escola, descamba para a
delinqüência, dedicando-se a pequenos delitos como
furtos em lojas, roubos e tráfico de drogas.
(Uma diferença reveladora surge nessa trajetória entre
meninos e meninas. Um estudo de meninas “más” na
quarta série — que criam caso com os professores e
violam regras, mas que não são rejeitadas pelas colegas
— constatou que 40% delas se tornaram mãe já no final
do ginásio.19 Isso era três vezes a taxa de gravidez para
as garotas de suas escolas. Em outras palavras, as
adolescentes anti-sociais não se tornam violentas —
ficam grávidas.)
Não há, claro, uma única via para a violência e a
criminalidade. Há outros fatores, como a criança nascer
num bairro de alta criminalidade, onde ficam expostas a
mais tentações ao crime e à violência, vir de uma família
que vive sob grande tensão, ou viver na pobreza. Mas
nenhum desses fatores é determinante para uma vida
criminal. Tudo mais sendo igual, as forças psicológicas
que atuam em crianças agressivas aumentam muito a
probabilidade de virem a ser criminosos violentos. Como
diz Gerald Patterson, um psicólogo que seguiu de perto
as carreiras de centenas de meninos até a idade adulta:
— Os atos anti-sociais de um menino de 5 anos
podem ser protótipos dos atos do adolescente
delinqüente.20
ESCOLA PARA ARRUACEIROS
A distorção mental que as crianças agressivas carregam
pela vida afora quase sempre determina que elas vão
levar uma vida complicada. Um estudo de criminosos
juvenis condenados por crimes violentos e de ginasianos
agressivos constatou que havia entre eles um
determinado tipo de disposição mental: quando têm
problemas com alguém, essa pessoa é vista como um
antagonista e concluem que ela é hostil, sem buscar
qualquer outra informação nem tentar pensar numa
maneira pacífica de acertar suas diferenças. Ao mesmo
tempo, nunca lhes passa pela cabeça as conseqüências
negativas de uma ação violenta — uma briga,
normalmente. Justificam a agressividade com crenças do
tipo: “Está certo bater em alguém quando você fica com
muita raiva”; “Se você fugir da briga, todo mundo vai
achar que você é covarde” e “As pessoas que apanham
muito na verdade não sofrem tanto assim”.21
Mas uma ajuda oportuna pode fazer com que esse
tipo de predisposição se altere e seja detida a trajetória
para a delinqüência: vários programas experimentais têm
tido algum sucesso na ajuda a esses garotos agressivos
para aprenderem a controlar sua tendência anti-social
antes que se metam em problemas mais sérios. Um, na
Universidade Duke, trabalhou com garotos raivosos que
criam caso na escola primária, em sessões de
treinamento de quarenta minutos, duas vezes por
semana, durante períodos que foram de um mês e meio
a três meses. Ensinou-se aos garotos, por exemplo, a ver
que alguns dos sinais sociais que eles interpretavam
como hostis eram, na verdade, neutros ou amistosos.
Aprenderam a adotar a perspectiva de outras crianças, a
saber como eram vistos pelos outros e a perceber o que
outras crianças poderiam estar pensando e sentindo nos
embates que os deixavam tão irados. Também
receberam treinamento direto de controle da raiva
através de encenações de provocações, que podiam
levá-los a perder a calma. Uma das aptidões-chave para
o controle da raiva consistia em monitorar os próprios
sentimentos — tomar consciência das sensações
corporais, como o enrubescimento e a tensão muscular
quando estavam começando a ficar zangados e
considerar essas sensações como um alarme: deviam
parar e pensar como reagir, em vez de agir
impulsivamente.
John Lochman, psicólogo da Universidade Duke que
foi um dos idealizadores do programa, disse:
— Eles discutem situações que viveram recentemente,
como receber no corredor um encontrão que julgam
proposital. Os garotos dizem como poderiam ter agido.
Um deles disse, por exemplo, que simplesmente
encararia o garoto que esbarrasse nele e lhe diria para
não fazer mais aquilo, e seguiria em frente. Isso o punha
em posição de exercer algum controle e manter a autoestima, sem iniciar uma briga.
Esse programa tem um forte apelo; muitos garotos
agressivos ficam infelizes por terem perdido tão
facilmente a calma e, portanto, são receptivos ao
treinamento que lhes ensine como controlá-la. No calor
do momento, claro, respostas sóbrias como afastar-se ou
contar até dez, até passar o impulso de agredir, antes de
reagir, não são automáticas; os meninos praticam tais
alternativas em cenas onde desempenham papéis como
entrar num ônibus onde outros garotos o provocam.
Assim, podem experimentar respostas amistosas que
preservem sua dignidade e lhes dêem, ao mesmo tempo,
uma alternativa que não seja bater, chorar ou fugir
envergonhado.
Três anos depois de os garotos passarem pelo
treinamento, Lochman comparou-os com outras crianças
agressivas que não haviam participado do programa de
controle da raiva. Descobriu que, na adolescência, os
garotos que concluíram o programa eram muito menos
perturbadores nas salas de aula, se sentiam melhor
consigo mesmos e havia uma menor probabilidade de
que fossem beber ou usar drogas. E quanto mais tempo
tinham participado do programa, menos agressivos eram
como adolescentes.
Ã
PREVENINDO A DEPRESSÃO
Dana, de 16 anos, sempre parecera se dar bem. Mas agora, de
repente, simplesmente não conseguia se relacionar com outras garotas,
e, o que mais a perturbava, não conseguia segurar os namorados,
mesmo indo para a cama com eles. Mal-humorada e constantemente
cansada, não queria mais comer nem ter qualquer tipo de diversão;
dizia que estava sem perspectivas e que se sentia incapaz de fazer
alguma coisa para sair desse estado de espírito, e pensava em suicídio.
Ela havia entrado em depressão por ter rompido um namoro. Dizia
que não sabia sair com um garoto sem se envolver logo sexualmente
— ainda que se sentisse constrangida com isso — nem acabar com um
relacionamento, mesmo insatisfatório. Ia para a cama com os rapazes,
dizia, quando o que queria mesmo era conhecê-los melhor.
Acabara de entrar para uma nova escola e sentia-se tímida quanto a
fazer novas amizades com as garotas dali. Por exemplo, não puxava
conversa e só falava se os colegas se dirigissem a ela. Não conseguia
falar de si própria e não sabia o que dizer depois do “Oi, como vai?”.22
Dana foi fazer terapia num programa experimental
para adolescentes deprimidos na Universidade de
Colúmbia. O tratamento era centrado em ajudá-la a lidar
melhor com seus relacionamentos: fazer amigos, sentir-se
mais confiante com outros adolescentes, impor limites de
proximidade sexual, se envolver, manifestar seus
sentimentos. Em essência, uma orientação remediadora
de algumas das mais básicas aptidões emocionais. E deu
certo, a depressão dela passou.
Sobretudo nos jovens, os problemas de
relacionamento são um gatilho para a depressão. A
dificuldade, muitas vezes, está tanto nas relações das
crianças com os pais quanto com os colegas. As crianças
e adolescentes deprimidos muitas vezes não podem ou
não querem falar de sua tristeza. Parecem incapazes de
definir seus sentimentos com precisão mostrando em vez
disso uma mal-humorada irritabilidade, impaciência,
instabilidade e raiva — sobretudo em relação aos pais.
Isso, por sua vez, torna mais difícil para os pais oferecer
o apoio e a orientação emocional que o jovem está
precisando, pondo em movimento uma espiral
descendente que acaba, normalmente, em constantes
discussões e alienação.
Um novo exame das causas da depressão nos jovens
identifica déficits em duas áreas de competência
emocional: dificuldade nos relacionamentos, de um lado,
e uma maneira de interpretar reveses que promovem a
depressão, do outro. Embora parte da tendência à
depressão quase certamente se deva a predisposições
genéticas, outra parte parece dever-se a hábitos de
pensamento pessimistas reversíveis, que predispõem os
jovens a reagir às pequenas derrotas da vida — uma
nota ruim, discussões com os pais, uma rejeição social —
ficando deprimidos. E há indícios de que a predisposição
à depressão, qualquer que seja a origem, é cada vez
mais comum entre os jovens.
O PREÇO DA MODERNIDADE:
AUMENTO DOS CASOS DE DEPRESSÃO
A virada do milênio iniciou uma Era da Melancolia, do
mesmo modo como o século XX se tornou a Era da
Ansiedade. Dados internacionais mostram uma espécie
de epidemia moderna de depressão, que se espalha de
mãos dadas com a adoção, em todo o mundo, de modos
modernos. Desde o início do século XXI, cada nova
geração tem vivido sob maior risco que aquela que a
antecedeu de sofrer uma depressão grave — não a mera
tristeza, mas uma paralisante apatia, desânimo e
autopiedade — no transcorrer da vida.23 E esses
episódios estão começando cada vez mais cedo. A
depressão na infância, antes praticamente desconhecida
(ou, pelo menos, não reconhecida), surge como um
dado do panorama moderno.
Embora a probabilidade de ficar deprimido aumente
com a idade, a maior incidência tem ocorrido entre os
jovens. Para os que nasceram após 1955, a probabilidade
de sofrerem uma depressão grave em algum momento
da vida é, em muitos países, três vezes maior que para
seus avós. Entre os americanos nascidos antes de 1905, o
percentual dos que tiveram uma depressão grave durante
toda a vida foi de apenas 1%; para os nascidos após
1955, aos 24 anos cerca de 6% já tinham ficado
deprimidos. Para os nascidos entre 1945 e 1954, a
possibilidade de sofrer uma depressão grave antes dos
34 anos seria dez vezes maior que para os nascidos entre
1905 e 1914.24 E para cada geração, o início do primeiro
episódio de depressão tem tendido a ocorrer cada vez
mais cedo.
Um estudo mundial com mais de 39 mil pessoas
descobriu a mesma tendência em Porto Rico, Canadá,
Itália, Alemanha, França, Taiwan, Líbano e Nova
Zelândia. Em Beirute, a incidência de depressão
acompanhava de perto os acontecimentos políticos, a
tendência ascendente chegando às alturas nos períodos
de guerra civil. Na Alemanha, para os nascidos antes de
1914, o percentual de depressão aos 35 anos era de 4%;
para os nascidos na década antes de 1944, seria de 14%
aos 35 anos. Em todo o mundo, gerações que chegaram
à maioridade em tempos politicamente agitados tinham
taxas superiores de depressão, embora a tendência geral
ascendente se mantenha independentemente de
quaisquer fatos políticos.
Na infância, a depressão tem ocorrido numa idade
cada vez menor, em qualquer parte do mundo. Quando
pedi a especialistas que arriscassem um palpite sobre o
motivo, surgiram várias hipóteses.
O Dr. Frederick Goodwin, então diretor do Instituto
Nacional de Saúde Mental, especulou:
— Houve uma tremenda erosão da família nuclear: o
dobro da taxa de divórcios, a redução do tempo que os
pais têm para os filhos e o aumento da migração. Não
somos mais educados conhecendo outros membros da
família, além de pai e mãe. A perda dessas referências
para a auto-identidade acarretam uma maior
susceptibilidade à depressão.
O Dr. David Kupfer, presidente do conselho de
psiquiatria da faculdade de medicina da Universidade de
Pittsburgh, apontou para outra tendência:
— Com a disseminação da industrialização após a
Segunda Guerra Mundial, num certo sentido ninguém
tem mais um lar. Num número cada vez maior de
famílias, vem aumentando a indiferença dos pais pelas
necessidades dos filhos enquanto eles crescem. Isso não
é uma causa direta da depressão, mas cria uma
vulnerabilidade. A tensão no jovem altera o
desenvolvimento neurônico, o que leva à depressão
quando se está sob grande tensão mesmo décadas
depois.
Martin Seligman, psicólogo da Universidade da
Pensilvânia, sugeriu:
— Nos últimos trinta ou quarenta anos, vimos a
ascensão do individualismo e o desaparecimento das
crenças maiores na religião e nos amparos da
comunidade e da família maior. Isso importa numa perda
dos recursos que podem nos proteger de reveses e
fracassos. Na medida em que encaramos um fracasso
qualquer como uma coisa duradoura e o ampliamos de
modo a atingir tudo em nossa vida, tendemos a deixar
que uma derrota momentânea se torne uma fonte
duradoura de desesperança. Mas se temos uma
perspectiva maior, como a crença em Deus e numa outra
vida, e perdemos o emprego, é apenas uma derrota
temporária.
Sejam quais forem as causas, a depressão nos jovens
é um problema premente. Nos Estados Unidos, as
estimativas variam largamente sobre quantas crianças e
adolescentes estão deprimidos em um dado ano, em
oposição à vulnerabilidade durante toda a vida. Alguns
estudos epidemiológicos, usando critérios estritos — os
sintomas diagnósticos oficiais da depressão —,
constataram que para meninos e meninas entre 10 e 13
anos o percentual de depressão séria no curso de um
ano chega a 8 ou 9%, embora outros estudos apontem
para cerca da metade desse percentual (e alguns a
rebaixem até 2%). Alguns dados sugerem que, na
puberdade, a taxa quase dobra para as meninas; até 16%
das meninas entre 14 e 16 anos sofrem uma crise de
depressão, enquanto para os meninos não há
mudança.25
O PERCURSO DA DEPRESSÃO NOS
JOVENS
O fato de, nas crianças, a depressão merecer não apenas
tratamento, mas também ser prevenida fica evidenciado
numa descoberta alarmante: mesmo episódios brandos
de depressão numa criança podem antecipar outros mais
severos mais tarde.26 Isso vai de encontro à antiga
crença de que a depressão na infância não importa a
longo prazo, pois as crianças, supostamente, a superam
com a idade. Claro, toda criança fica triste de vez em
quando; a infância e a adolescência são, como a idade
adulta, tempos de ocasionais decepções e grandes e
pequenas perdas, com o conseqüente sofrimento. A
necessidade de prevenção não é para esses tempos, mas
para as crianças nas quais a tristeza se torna uma “fossa”
que as deixa desesperadas, irritáveis e retraídas — uma
melancolia muito mais séria.
Entre as crianças cuja depressão era suficientemente
séria para que fossem submetidas a tratamento, três
quartos tiveram um episódio posterior de severa
depressão, segundo dados coletados por Maria Kovacs,
psicóloga do Instituto e Clínica Psiquiátricos Ocidentais
em Pittsburgh.27 Ela estudou crianças com diagnóstico
de depressão já aos 8 anos, avaliando-as de tempos em
tempos, algumas até os 24.
As crianças com séria depressão tinham episódios
que duravam cerca de 11 meses em média, embora em
uma em cada seis delas a depressão persistisse até um
ano e meio. As depressões brandas, que começavam já
aos 5 anos em algumas crianças, eram menos
incapacitantes, mas duravam muito mais — uma média
de quatro anos. E, constatou Maria Kovacs, as crianças
com uma depressão branda têm mais probabilidade de
que ela se transforme em depressão grave — a chamada
dupla depressão. Os que desenvolvem dupla depressão
são muito mais inclinados a sofrer episódios recorrentes
com o passar dos anos. Quando as crianças que já
tinham vivido um episódio de depressão chegaram à
adolescência e à idade adulta, sofreram de depressão ou
problemas maníaco-depressivos, em média um em cada
três anos.
O preço para as crianças vai além do sofrimento
causado pela própria depressão. Maria Kovacs me disse:
— As crianças aprendem aptidões sociais no convívio
com os colegas, por exemplo, o que fazer quando
querem uma coisa e não a conseguem, vendo como as
outras crianças lidam com a situação e depois tentando
por si mesmas. Mas as crianças deprimidas
provavelmente estão entre as crianças isoladas pelas
outras, que não querem brincar com ela.28
O mau humor ou tristeza que essas crianças sentem
as leva a não provocar qualquer contato social, ou a
desviar o olhar quando as outras tentam entrar em
contato com elas — um sinal social que as outras
crianças simplesmente consideram como rejeição; o
resultado é que as crianças deprimidas acabam rejeitadas
ou isoladas no pátio da escola. Essa lacuna em sua
experiência interpessoal lhes priva de aprendizagens que
ocorreriam nos trancos e barrancos das brincadeiras, e
isso as deixa com um retardo social e emocional, com
muita coisa a alcançar depois que passa a depressão.29
Na verdade, quando se compararam crianças deprimidas
com outras sem depressão, descobriu-se que elas eram
mais socialmente ineptas, tinham menos amigos, eram
menos preferidas que as outras como companheiras nas
brincadeiras, eram menos amadas e tinham
relacionamentos mais conturbados com as outras.
Outro preço para essas crianças é o desempenho
escolar; a depressão interfere na memória e
concentração, tornando mais difícil prestar atenção na
aula e reter ensinamentos. A criança que não sente
alegria com nada achará mais difícil reunir a energia para
dominar lições complexas, quanto mais para sentir o
fluxo no aprendizado. Compreensivelmente, quanto mais
tempo as crianças no estudo de Maria Kovacs passavam
deprimidas, mais suas notas caíam e pior se saíam elas
nos testes de aproveitamento e, portanto, tinham maior
probabilidade de ficarem atrasadas na escola. Na
verdade, havia uma correlação direta entre o tempo que
a depressão durava e as notas escolares, com uma queda
constante no decorrer do episódio. Toda essa dificuldade
acadêmica, claro, agrava a depressão. Como observa
Maria Kovacs:
— Imagine que você já se sente deprimido e começa
a dar-se mal na escola, e fica em casa sozinho em vez de
estar brincando com as outras crianças.
MODOS DE PENSAR GERADORES DE
DEPRESSÃO
Do mesmo modo como nos adultos, modos pessimistas
de interpretar as derrotas da vida parecem alimentar os
sentimentos de impotência e desesperança no fundo da
depressão da criança. Que as pessoas já deprimidas
pensam assim, há muito se sabe. O que só recentemente
foi descoberto, porém, é que as crianças mais inclinadas
à melancolia tendem para essa perspectiva pessimista
antes de ficarem deprimidas. Essa intuição mostra que
existe um momento em que é possível aplicar uma
vacina contra a depressão antes que ela surja.
Uma série de indícios vem de estudos acerca das
crenças das crianças sobre a capacidade que têm de
controlar o que acontece em suas vidas — por exemplo,
poder mudar tudo para melhor. Isso é constatável
através da auto-avaliação: “Quando eu tenho problemas
em casa, sou melhor que as outras crianças na ajuda
para a solução desses problemas” e “Quando eu dou
duro, tiro notas boas”. As crianças que dizem que
nenhuma dessas descrições positivas se adapta a elas
têm pouco senso de que podem fazer qualquer coisa
para mudar as coisas; essa sensação de impotência é
maior nas crianças mais deprimidas.30
Um estudo revelador examinou alunos da quinta e
sexta séries poucos dias depois de haverem recebido
seus boletins. Como todos lembramos, os boletins
escolares são uma das maiores fontes de euforia e
desespero na infância. Mas os pesquisadores descobrem
uma acentuada conseqüência na maneira como as
crianças avaliam seu papel quando tiram uma nota pior
do que esperavam. Aquelas que acham que receberam
uma nota ruim porque têm algum problema pessoal (“Eu
sou idiota”) se sentem mais deprimidas que as que
descartam a coisa em termos de algo que podem mudar
(“Se eu der mais duro nos deveres de casa de
matemática, tiro uma nota melhor”).31
Os pesquisadores identificaram um grupo de alunos
da terceira, quarta e quinta séries rejeitados pelos
colegas e quais deles continuavam a ser rejeitados nas
novas turmas no ano seguinte. A maneira como as
crianças explicavam a rejeição parecia crucial para saber
se ficavam deprimidas. As que viam sua rejeição como
devida a algum defeito pessoal ficavam mais deprimidas.
Mas as otimistas, que sentiam que podiam fazer alguma
coisa para melhorar, não ficavam especialmente
deprimidas mesmo continuando a ser rejeitadas.32 E
num estudo de crianças que faziam a transição,
notoriamente criadora de tensão, para o ginásio, as que
tinham uma atitude pessimista reagiam com maior
intensidade a brigas na escola e a qualquer tensão extra
em casa ficando deprimidas.33
O indício mais direto de que uma perspectiva
pessimista torna as crianças altamente susceptíveis à
depressão vem de um estudo de cinco anos com
crianças, iniciado quando elas estavam na terceira
série.34 Entre as mais novas, o fator mais forte de
previsão da depressão era a perspectiva pessimista
combinada com um grande golpe, como pais se
divorciando ou uma morte na família, que deixava a
criança perturbada, instável e, supõe-se, com pais menos
capazes de oferecer um anteparo protetor. Na escola
primária, havia uma mudança reveladora na maneira
como avaliavam acontecimentos bons e maus,
atribuindo-os às suas próprias características: “Eu tiro
boas notas porque sou inteligente”; “Eu não tenho
muitos amigos porque não tenho graça nenhuma”. Essa
mudança parece ir se estabelecendo aos poucos da
terceira à quinta séries. Quando isso acontece, as
crianças que desenvolvem uma perspectiva pessimista —
atribuir os reveses em suas vidas a alguma terrível falha
pessoal — começam a ser presas de estados de espírito
depressivos como reação aos reveses. E o que é pior, a
experiência da própria depressão parece reforçar o
pessimismo, de tal forma que, mesmo depois de
superada a depressão, a criança fica com uma espécie de
cicatriz emocional, um conjunto de convicções
alimentadas pela depressão e solidificadas na mente: que
não pode se sair bem na escola e nada pode fazer para
fugir de seus estados de espírito sorumbáticos. Essas
idéias fixas podem deixar as crianças ainda mais
vulneráveis a uma posterior depressão.
BLOQUEANDO A DEPRESSÃO
A boa nova: há todos os indícios de que ensinar às
crianças meios mais produtivos de ver suas dificuldades
reduz os riscos de depressão.[1] Num estudo em escola
ginasial do Oregon, cerca de um em cada quatro alunos
tinha o que os psicólogos chamam de “baixo nível de
depressão”, não suficientemente séria para dizer-se que
ia além da infelicidade comum.35 Alguns se achavam
nas primeiras semanas ou meses dos primórdios de uma
depressão.
Numa classe especial pós-escola, 75 dos alunos com
depressão branda aprenderam a contestar os padrões de
pensamento associados à depressão, tornando-se mais
capazes de fazer amigos, dar-se melhor com os pais e
participar de atividades sociais que achavam agradáveis.
No fim do programa de dois meses, 55% dos estudantes
haviam se recuperado da depressão branda, e apenas
um quarto de outros igualmente deprimidos e que não
participaram do programa começara a sair dela. Um ano
depois, um quarto dos que pertenciam ao grupo de
comparação entrara numa grande depressão, contra
apenas 14% dos integrantes do programa de prevenção.
Embora durassem apenas dois meses, as classes
pareceram reduzir pela metade o risco de depressão.36
Constatações igualmente promissoras vieram de uma
classe especial, uma vez por semana, dada a jovens de
10 a 13 anos com problemas com os pais e mostrando
alguns sinais de depressão. Na sessão após as aulas, eles
aprenderam algumas aptidões emocionais básicas,
incluindo como lidar com discordâncias, pensar antes de
agir e, talvez mais importante, contestar as crenças
pessimistas associadas à depressão — por exemplo,
resolvendo estudar mais após sair-se mal numa prova,
em vez de pensar: “Eu não sou muito inteligente
mesmo.”
— O que a criança aprende nessas aulas é que
sentimentos como ansiedade, tristeza e raiva
simplesmente não se abatem sobre nós sem que
tenhamos qualquer controle sobre eles, mas que
podemos mudar o que sentimos utilizando o raciocínio
— observa o psicólogo Martin Seligman, um dos
criadores do programa de três meses.
Como a contestação dos pensamentos depressivos
vence o estado de melancolia em formação, Seligman
acrescenta: “é um reforço instantâneo que se torna um
hábito.”
Também aqui as sessões especiais reduziram à
metade a taxa de depressão — e isso até dois anos
depois. Um ano após essas aulas, apenas 8% dos que
participaram tinham uma média de pontos de moderada
a severa num teste de depressão, contra 29% dos de um
grupo de comparação. E, dois anos depois, cerca de 20%
dos que participaram do curso mostravam pelo menos
alguns sinais de branda depressão, em comparação com
44% dos do grupo-controle.
Aprender essas aptidões emocionais no início da
adolescência pode ser especialmente proveitoso.
Observa Seligman:
— Essas crianças parecem lidar melhor com os
rotineiros tormentos de rejeição na adolescência.
Parecem ter aprendido isso num momento crucial para o
risco de depressão, que é a entrada na adolescência. E a
lição parece persistir e fortalecer-se no decorrer dos
anos, o que nos faz supor que estão de fato usando-a na
vida diária.
Outros especialistas em depressão na infância
aplaudem os novos programas:
— Se há vontade de fazer alguma coisa importante
mesmo em doenças psiquiátricas como a depressão, é
preciso agir antes que os jovens adoeçam, em primeiro
lugar — comentou Maria Kovacs. — A verdadeira
solução é uma vacinação psicológica.
DISTÚRBIOS DE ALIMENTAÇÃO
Em meus dias de pós-graduação em psicologia clínica,
no fim da década de 1960, conheci duas mulheres que
sofriam de distúrbios de alimentação, embora eu só fosse
compreender isso muitos anos depois. Uma delas era
uma brilhante estudante de pós-graduação em
matemática em Harvard, amiga dos tempos de faculdade;
a outra, funcionária do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (M.I.T.). A matemática, apesar de
esquelética, simplesmente não conseguia comer; dizia ter
nojo da comida. A bibliotecária tinha um corpo enorme
e era dada a verdadeiras orgias de sorvetes, tortas de
cenoura e outras sobremesas; depois — como uma vez
confessou com certo embaraço —, ia escondido ao
banheiro e provocava vômito. Hoje a matemática
receberia o diagnóstico de anorexia; e a bibliotecária,
bulimia.
Naquele tempo não havia esses rótulos. Os clínicos
apenas começavam a comentar o problema. Hilda Bruch,
a pioneira desse movimento, publicou seu artigo seminal
sobre distúrbios de alimentação em 1969.37 Intrigada
com as mulheres que morriam por falta de alimentação,
acredita que uma das várias causas desse distúrbio é a
incapacidade de identificar e reagir adequadamente a
impulsos físicos — notadamente, claro, a fome. Desde
então, a literatura clínica sobre distúrbios de alimentação
floresceu, com uma série de hipóteses sobre as causas,
que vão desde garotas cada vez mais jovens sentindo-se
obrigadas a competir com padrões de beleza inatingíveis,
a mães enxeridas que envolvem as filhas numa teia
controladora de culpa e censura.
A maioria dessas hipóteses apresentava uma grande
falha: eram extrapolações de observações feitas nas
sessões de psicoterapia. Muito mais desejável, do ponto
de vista científico, são estudos de grandes grupos de
pessoas num período de vários anos, que identifica quais
delas vão contrair o problema. Esse tipo de estudo
propicia uma nítida comparação que permite identificar,
por exemplo, se o fato de ter pais controladores
predispõe a garota a distúrbios de alimentação. Além
disso, pode identificar o conjunto de condições que
levam ao problema e distingui-las de condições que
podem parecer causa, mas na verdade se encontram
tanto em pessoas sem o problema quanto nas que
buscam tratamento.
Quando um estudo desse tipo foi feito, de forma
minuciosa, com mais de novecentas garotas da sétima
série ao segundo grau, descobriu-se que os déficits
emocionais — sobretudo a incapacidade de distinguir
sentimentos e de não controlá-los — eram os principais
fatores que causavam os distúrbios de alimentação.38
Mesmo no segundo grau, já havia 61 garotas nesse
ginásio freqüentado por filhos da classe abastada de
Minneapolis com sérios sintomas de anorexia e bulimia.
Quanto maior o problema, mais elas reagiam aos
reveses, dificuldades e pequenos aborrecimentos com
intensos sentimentos negativos que não podiam resolver,
e menor a consciência do que exatamente estavam
sentindo. Quando essas duas tendências emocionais se
juntavam a uma grande insatisfação com o próprio
corpo, o resultado era anorexia ou bulimia. Descobriu-se
que pais que são muito controladores não desempenham
um papel causal nos distúrbios de alimentação. (Como
advertira a própria Hilda Bruch, não era provável que
teorias baseadas numa visão a posteriori fossem exatas;
por exemplo, os pais podem facilmente tornar-se muito
controladores em reação aos distúrbios de alimentação
da filha, no desespero de ajudá-la.) Também julgadas
irrelevantes foram algumas explicações como medo da
sexualidade, início precoce da puberdade e baixa autoestima.
Em vez disso, as correntes causais reveladas por esse
estudo começavam com os efeitos sobre as meninas de
uma sociedade preocupada com uma magreza
antinatural como sinal de beleza feminina. Muito antes
da adolescência, as meninas já se preocupam com seu
peso. Uma garotinha de 6 anos, por exemplo, rompeu
em prantos quando a mãe a convidou para ir nadar,
dizendo que ficava gorda de maiô. Na verdade, diz o
pediatra dela, que conta a história, o peso da menina era
normal para a sua altura.39 Num estudo de 271 jovens
adolescentes, metade das garotas se julgava gorda
demais, embora a maioria tivesse peso normal. Mas o
estudo de Minneapolis mostrou que a obsessão com o
excesso de peso não é suficiente, em si, para explicar
por que algumas garotas passam a ter distúrbios de
alimentação.
Algumas pessoas obesas são incapazes de distinguir
entre medo, raiva e fome, e assim embolam todos esses
sentimentos como significando fome, o que as leva a
comer demais sempre que não estão bem.40 Alguma
coisa semelhante parece acontecer com essas garotas.
Gloria Leon, psicóloga da Universidade de Minneapolis
que fez o estudo das meninas e dos distúrbios de
alimentação, observou que elas “têm pouca consciência
de seus sentimentos e dos sinais de seus corpos; esse era
o mais forte fator de previsão de que iam ter um
distúrbio de alimentação nos próximos dois anos. A
maioria das crianças aprende a distinguir suas sensações,
a saber a diferença entre o tédio, a raiva, a depressão ou
a fome — é uma parte básica do aprendizado
emocional. Mas essas garotas têm dificuldade em
distinguir seus sentimentos mais básicos. Podem ter um
problema com o namorado e não saber se estão com
raiva, ansiosas ou deprimidas — sentem apenas uma
difusa tempestade emocional com a qual não sabem
lidar efetivamente. Em vez disso, aprendem a se sentir
melhor comendo; isso pode tornar-se um hábito
emocional fortemente entranhado”.
Mas quando esse hábito para aliviar-se interage com
as pressões que as garotas sentem para permanecer
magras, está aberto o caminho para o surgimento de
distúrbios de alimentação.
— A princípio, ela pode começar com orgias de
comida — observa Gloria Leon. — Mas para continuar
magra tem de recorrer a vômitos ou laxativos, ou intenso
exercício físico para perder o peso ganho com o excesso
de comida. Outro caminho que essa luta para lidar com
a confusão emocional pode tomar é a garota não comer
nada; pode ser um meio de sentir que tem pelo menos
algum controle sobre esses sentimentos esmagadores.
A combinação de pouca consciência interior e fracas
aptidões sociais faz com que essas garotas, quando
perturbadas por amigos ou parentes, não ajam
efetivamente para melhorar o relacionamento ou sua
própria aflição. Em vez disso, a perturbação dispara o
distúrbio de alimentação, seja bulimia, anorexia ou
simplesmente orgias de comida. Gloria Leon acredita que
o tratamento eficaz para essas garotas precisa incluir
alguma instrução terapêutica sobre as aptidões
emocionais que lhes faltam.
— Os clínicos constatam — ela me disse — que, se
os déficits nas aptidões emocionais forem abordados, a
terapia funciona melhor. Essas garotas precisam aprender
a identificar seus sentimentos e aprender melhores meios
de aliviar-se ou lidar com seus relacionamentos, sem
recorrer aos hábitos alimentares mal adequados para
resolver o problema.
Ã
REJEITADO PELOS COLEGAS: EVASÃO
ESCOLAR
É um drama do primário: Ben, um menino da quarta
série com poucos amigos, acabou de saber pelo único
companheiro, Jason, que os dois não vão brincar juntos
no recreio — Jason quer brincar com outro menino,
Chad. Ben, arrasado, deixa pender a cabeça e chora.
Depois que passam os soluços, vai à mesa onde comem
Jason e Chad.
— Odeio você — berra para Jason.
— Por quê? — pergunta Jason.
— Porque você mentiu — diz Ben, em tom acusador.
— Você disse a semana toda que ia brincar comigo e
mentiu.
E sai danado da vida para uma mesa vazia, chorando
baixinho. Jason e Chad aproximam-se dele e tentam
conversar, mas Ben tapa os ouvidos com os dedos,
decidido a ignorá-los, e sai correndo do refeitório para
esconder-se atrás do depósito de lixo da escola. Um
grupo de meninas que assistiu ao diálogo tenta
desempenhar um papel pacificador, chegando perto de
Ben e dizendo-lhe que Jason quer brincar com ele
também. Mas Ben não quer saber de nada e pede que o
deixem em paz. Trata de suas feridas, macambúzio e
soluçando, desafiadoramente solitário.41
Um momento pungente, sem dúvida; o sentimento de
ser rejeitado e de estar sem amigos é um daqueles pelos
quais a maioria passa num ou noutro momento da
infância ou da adolescência. Mas o que é mais revelador
na reação de Ben é que ele não correspondeu à tentativa
de Jason de refazer a amizade dos dois, uma atitude que
aumentou seu sofrimento, quando devia tê-lo encerrado.
Essa incapacidade de aproveitar deixas-chave é típica de
crianças impopulares; como vimos no Capítulo 8,
crianças socialmente rejeitadas são, normalmente, fracas
na interpretação de sinais emocionais e sociais; mesmo
quando compreendem esses sinais, podem ter limitados
repertórios de respostas.
A evasão escolar é um risco particular para as
crianças rejeitadas pelos colegas. A taxa é entre duas e
oito vezes maior que para as que têm amigos. Um
estudo constatou, por exemplo, que cerca de 25% das
crianças “isoladas” no primário abandonaram os estudos
antes de concluir o ginásio, em comparação com uma
taxa geral de 8%.42 Não é de admirar: imaginem passar
trinta horas por semana num lugar onde ninguém gosta
da gente.
Dois tipos de tendências emocionais levam as
crianças a se tornarem socialmente marginalizadas. Como
vimos, uma é a tendência a explosões de cólera e a
sentir hostilidade mesmo onde não há intenção. A
segunda é a timidez, a ansiedade e a depressão. Mas,
além e acima desses fatores temperamentais, são as
crianças “chatas” — cuja canhestrice deixa sempre as
pessoas pouco à vontade — que tendem a ser evitadas.
Uma maneira de essas crianças serem “chatas” está
nos sinais emocionais que enviam. Quando foi pedido a
alunos do primário que tinham poucos amigos que
combinassem uma emoção como nojo ou raiva com
rostos que exibiam uma gama de emoções, elas
cometeram muito mais erros que as crianças que são
benquistas. Quando se pediu a crianças de jardim-deinfância que descrevessem formas de fazer amigos ou
evitar uma briga, foram as chatas — aquelas com as
quais as outras evitavam brincar — que apresentaram as
respostas erradas (“Dar um pau nele”, em relação à
disputa por um brinquedo, por exemplo), ou vagos
pedidos de ajuda a um adulto. E quando se pediu a
adolescentes que interpretassem tristeza, raiva ou
malícia, os mais “chatos” foram os mais inconvincentes.
Talvez não surpreenda o fato de esses jovens se sentirem
incapazes de fazer amigos; a incompetência social deles
torna-se uma profecia que se autocumpre. Em vez de
aprender novas formas de fazer amigos, simplesmente
continuam fazendo as mesmas coisas que não deram
certo antes, ou apresentam reações ainda mais ineptas.43
Na loteria do gostar ou não gostar, essas crianças
ficam aquém em critérios emocionais importantes: não
são consideradas como uma companhia divertida e não
sabem, como as outras crianças, se sentir à vontade.
Observações sobre esse tipo de criança revelam que, por
exemplo, são elas que provavelmente vão trapacear,
emburrar-se, desistir de jogar quando estão perdendo,
ou exibir-se e gabar-se das vitórias. Claro, a maioria das
crianças quer ganhar num jogo — mas, ganhando ou
perdendo, a maioria pode conter sua reação emocional,
para não solapar o relacionamento com o amigo com o
qual jogam.
Embora as crianças sem sensibilidade social — que
continuamente têm dificuldade para interpretar e reagir a
emoções — se transformem em párias sociais, isso não
se aplica, claro, a crianças que vivem um momento em
que se sentem de fora. Mas, para os que são
continuamente rejeitados, essa situação dolorosa de estar
à margem as estigmatiza durante todo o tempo escolar. E
as conseqüências para a vida adulta são potencialmente
grandes. É no caldeirão das amizades íntimas e no
tumulto das brincadeiras que as crianças aprimoram as
aptidões sociais e emocionais que levarão para
relacionamentos posteriores na vida. As crianças que não
usufruem desse aprendizado ficam, inevitavelmente, em
desvantagem.
Compreensivelmente, os que são rejeitados
apresentam grande ansiedade e muitas preocupações,
além de ficarem deprimidos e solitários. Na verdade,
mostrou-se que o desempenho emocional na infância é
melhor indicador de sua saúde mental aos 18 anos que
qualquer outra coisa — classificações de professores e
enfermeiros, desempenho escolar e QI e mesmo
contagens em testes psicológicos.44 E, como vimos, em
estágios posteriores da vida, pessoas com poucos amigos
e cronicamente solitárias correm maior risco de contrair
doenças e de morrer cedo.
Como observou o psicanalista Harry Stack,
aprendemos a negociar relações íntimas — resolver
divergências e partilhar nossos mais profundos
sentimentos — em nossas primeiras amizades com os
coleguinhas do mesmo sexo. Mas as crianças
socialmente rejeitadas só têm metade das possibilidades
que têm seus colegas de fazer um melhor amigo durante
os anos cruciais da escola primária, e com isso perdem
uma das oportunidades essenciais de crescimento
emocional.45 Um amigo pode fazer a diferença —
mesmo quando todos os outros dão as costas (e mesmo
quando essa amizade não é tão sólida assim).
TREINAMENTO PARA A AMIZADE
Há esperança para as crianças rejeitadas, apesar de sua
inépcia. Steven Asher, psicólogo da Universidade de
Illinois, projetou uma série de sessões de “treinamento
para a amizade”, para crianças rejeitadas por seus
colegas, que mostrou algum êxito.46 Identificando
alunos da terceira e quarta séries que eram os menos
queridos de suas classes, ofereceu-lhes seis sessões sobre
como “tornar as brincadeiras mais divertidas”, sendo
“amigo, divertido e legal”. Para evitar estigmas, dizia-se
às crianças que elas atuavam como “consultoras” do
treinador, que tentava aprender que tipos de coisas
tornam mais agradáveis as brincadeiras.
As crianças foram treinadas para agir da forma —
identificada por Asher — como se comportavam as
crianças que eram queridas pelos coleguinhas. Por
exemplo, eram estimuladas a pensar em sugestões e
acordos alternativos (em vez de brigar), se discordavam
das regras das brincadeiras; lembrar-se de conversar e
fazer perguntas sobre a outra criança enquanto brincam;
escutar e olhar a outra criança para ver como ela está se
sentindo; dizer alguma coisa simpática quando a outra
pessoa faz algo bem-feito; sorrir e oferecer ajuda ou
sugestões e encorajamento. As crianças também
experimentaram essas amenidades sociais básicas
quando jogavam, por exemplo, o tira-varinhas, com um
colega de classe, e eram treinadas depois sobre até onde
se haviam saído bem. Esse minicurso de entrosamento
teve um efeito notável: um ano depois, as crianças
treinadas — todas escolhidas por serem as menos
queridas em suas classes — achavam-se na faixa de
popularidade mediana na sala de aula. Nenhuma era
uma estrela social, mas nenhuma era uma rejeitada.
Resultados semelhantes foram conseguidos por
Stephen Nowicki, psicólogo na Universidade Emery.47
Seu programa treina aqueles que são socialmente
marginalizados para que aprimorem a capacidade de
interpretar e reagir adequadamente aos sentimentos de
outras crianças. As crianças, por exemplo, são filmadas
em vídeo enquanto exercitam a expressão de
sentimentos como a alegria ou tristeza, e treinadas para
aprimorar a expressão das emoções. Depois,
experimentam esse aprendizado com uma criança que
querem ter como amiga.
Esses programas apresentam um índice de sucesso de
50 a 60% na elevação da popularidade de crianças
rejeitadas. Parecem funcionar melhor (pelo menos como
hoje projetados) para alunos de terceira e quarta séries
do que de séries mais altas, e serem mais proveitosos
para crianças socialmente ineptas do que para aquelas
que são muito agressivas. Mas tudo isso é uma questão
apenas de sintonia fina; o sinal auspicioso é que muitas
das crianças rejeitadas podem ser trazidas para o círculo
de amizade com algum treinamento emocional básico.
Í
BEBIDA E DROGAS: O VÍCIO COMO
AUTOMEDICAÇÃO
Os estudantes da universidade local chamam de beber
até apagar — encharcar-se de cerveja a ponto de
desmaiar. Uma das técnicas: encaixar um funil numa
mangueira de jardim para beber uma lata de cerveja em
cerca de dez segundos. O método não é mera
curiosidade. Uma pesquisa descobriu que dois quintos
dos universitários homens tomam sete ou mais drinques
de uma vez, enquanto 11% se dizem “bebedores da
pesada”. Seria mais apropriado chamá-los de
“alcoólatras”.48 Cerca de metade dos homens e 40% das
mulheres na universidade têm pelo menos dois
episódios de embriaguez por mês.49
Embora, nos Estados Unidos, o uso da maioria das
drogas entre jovens em geral tenha declinado na década
de 1980, há uma tendência constante para um maior uso
de álcool em pessoas cada vez mais jovens. Uma
pesquisa de 1993 constatou que 35% de universitárias
diziam que bebiam para se embebedar, enquanto apenas
10% faziam o mesmo em 1977; no todo, um em cada três
estudantes bebe para ficar bêbado. Isso traz outras
conseqüências: 90% de todos os estupros oficialmente
comunicados em universidades aconteceram quando o
atacante ou a vítima — ou os dois — tinham bebido.50
Acidentes relacionados com o álcool são a principal
causa de morte entre jovens de 15 a 24 anos.51
Experimentar drogas e álcool parece ser um rito de
passagem para os adolescentes, mas esse primeiro
gostinho pode ter resultados de longa duração para
alguns. Para a maioria dos alcoólatras e viciados em
drogas, o início do vício remonta aos anos de
adolescência, embora poucos dos que experimentam se
tornem alcoólatras ou viciados em drogas. Quando os
estudantes deixam o ginásio, mais de 90% já
experimentaram bebida, mas apenas 14% acabam
virando alcoólatras; dos milhões de americanos que
experimentaram cocaína, menos de 5% ficaram
viciados.52 Por que uns são diferentes de outros?
Claro, os que vivem em bairros de alta criminalidade,
onde o crack é vendido na esquina e o traficante de
drogas é o mais destacado modelo local de sucesso
econômico, correm mais risco de abuso de drogas.
Alguns podem se viciar por virem a ser, eles próprios,
ocasionais passadores, outros, simplesmente, por causa
do fácil acesso ou por uma cultura de colegas que
glamouriza as drogas — um fator que aumenta o risco
de uso em qualquer bairro, mesmo (e talvez sobretudo)
nos mais ricos. Mas ainda assim permanece a questão:
de todos os expostos a essas seduções e pressões, e que
chegam a experimentar, quais aqueles com mais
probabilidade de se viciarem?
Uma nova teoria científica diz que os que contraem o
hábito, tornando-se às vezes mais dependentes do álcool
ou das drogas, usam essas substâncias como uma
espécie de medicação, uma maneira de aliviar sintomas
de ansiedade, raiva ou depressão. Ao se iniciarem na
droga, eles “descobrem” um remédio químico, uma
maneira de resolver os sentimentos de ansiedade ou
melancolia que os atormentavam. Assim, de várias
centenas de alunos de sétima e oitava séries
acompanhados durante dois anos, foram os que
apresentavam níveis mais altos de perturbação
emocional que depois passaram a ter as mais altas taxas
de abuso de substâncias.53 Isso pode explicar por que
tantos jovens podem experimentar drogas e álcool sem
se viciarem, enquanto outros se tornam dependentes
quase desde o início: os mais vulneráveis ao vício
parecem encontrar na droga ou no álcool uma maneira
instantânea de aliviar emoções que os afligem há anos.
Como diz Ralph Tarter, psicólogo do Instituto e
Clínica Psiquiátricos Ocidentais em Pittsburgh:
— Para as pessoas biologicamente predispostas, o
primeiro drinque ou dose é imensamente reforçante, de
uma forma que não funciona para outras pessoas. Muitos
que estão se recuperando do vício em drogas dizem:
“Assim que experimentei a droga, me senti normal pela
primeira vez na vida.” Ela os estabiliza fisiologicamente,
pelo menos a curto prazo.54
Esse, claro, é o pacto com o diabo do vício: uma boa
sensação a curto prazo, em troca da constante
deterioração de nossa vida.
Certos padrões emocionais parecem tornar mais
provável que algumas pessoas encontrem mais alívio
emocional numa substância que em outra. Por exemplo,
há dois caminhos emocionais para o alcoolismo. Um
começa com alguém que era tenso e ansioso na infância
e descobre na adolescência que o álcool alivia a
ansiedade. Com muita freqüência, são filhos — em geral
homens — de alcoólatras que recorreram eles mesmos
ao álcool para se acalmarem. Um marcador biológico
desse padrão é a subsecreção do GABA, um
neurotransmissor que regula a ansiedade — pouco
GABA traz um alto nível de tensão. Um estudo constatou
que filhos de pais alcoólatras tinham baixos níveis de
GABA e eram altamente ansiosos, mas, quando tomavam
álcool, os níveis de GABA subiam e a ansiedade
baixava.55 Esses filhos de alcoólatras bebem para aliviar
sua tensão, encontrando no álcool um relaxamento que
não conseguiam obter de outra forma. Essas pessoas
podem ser vulneráveis ao abuso de sedativos, além do
álcool, para obterem o mesmo efeito de alívio da
ansiedade.
Um estudo neurofisiológico em filhos de alcoólatras
que, aos 12 anos, apresentavam sinais de ansiedade,
como aceleração de batimentos cardíacos em resposta à
tensão, além de impulsividade, constatou que os
meninos também tinham fraco funcionamento do lobo
pré-frontal.56 Assim, a área do cérebro que poderia
ajudar a aliviar sua tensão ou controlar sua impulsividade
trazia-lhes menos ajuda que nos outros meninos. E,
como os lobos pré-frontais também lidam com o
funcionamento da memória — que guardam as
conseqüências das diversas ações para a tomada de
decisões —, seu déficit pode reforçar a tendência para o
alcoolismo, ajudando-os a ignorar a “rebordosa” da
bebida, no momento em que encontraram uma sedação
imediata da ansiedade por meio do álcool.
O anseio por calma parece ser um marcador
emocional da susceptibilidade ao alcoolismo. Um estudo
de 1.300 parentes de alcoólatras constatou que os filhos
de alcoólatras que corriam mais riscos de contrair o vício
eram os que comunicavam níveis de ansiedade
cronicamente altos. Na verdade, os pesquisadores
concluíram que o alcoolismo se desenvolve nessas
pessoas como “automedicação de sintomas de
ansiedade”.57
Um segundo caminho emocional para o alcoolismo
vem de um alto nível de agitação, impulsividade e tédio.
Esse comportamento se apresenta na infância sob a
forma de inquietação, instabilidade e dificuldade de ser
controlado; no curso primário, como ter o “bichocarpinteiro”, hiperatividade e meter-se em encrencas,
uma tendência que, como vimos, pode fazer com que
essas crianças procurem amigos na periferia — às vezes
entrando numa carreira de crime ou obtendo o
diagnóstico de “distúrbios de personalidade anti-social”.
Essas pessoas (e são sobretudo homens) têm como
principal queixa emocional a agitação; principal
fraqueza, a incontida impulsividade; reação habitual ao
tédio — de que muitas vezes sofrem —, uma impulsiva
busca de correr riscos e excitabilidade. Em adultos,
pessoas com esse comportamento (que pode estar ligado
a deficiências em dois outros neurotransmissores,
serotonina e MAO) descobrem que o álcool alivia sua
agitação. E o fato de não suportarem a monotonia as
torna dispostas a experimentar qualquer coisa;
combinado com sua impulsividade geral, isso as torna
propensas ao abuso de uma lista quase aleatória de
drogas, além do álcool.58
Embora a depressão possa levar alguns a beber, os
efeitos metabólicos do álcool muitas vezes simplesmente
a agravam, após uma breve euforia. As pessoas que
recorrem ao álcool como um paliativo emocional o
fazem na maioria das vezes mais para diminuir a
ansiedade do que por motivo de depressão; um tipo
inteiramente diferente de drogas alivia as sensações das
pessoas deprimidas — pelo menos temporariamente. A
sensação de infelicidade crônica predispõe as pessoas
para a dependência de estimulantes como a cocaína, que
proporciona um antídoto direto para a depressão. Um
estudo constatou que metade dos pacientes que se
tratavam numa clínica de recuperação do vício da
cocaína teria sido diagnosticada com severa depressão
antes de contraírem o vício, e quanto mais profunda a
depressão anterior, mais forte o vício.59
A raiva crônica leva a mais um tipo de
susceptibilidade. Num estudo de quatrocentos pacientes
que se tratavam do vício em heroína e outros opióides, o
padrão emocional mais impressionante foi a dificuldade,
durante a vida toda, de lidar com a raiva e a rapidez com
que se encolerizavam. Alguns dos pacientes disseram
que com os opiados finalmente se sentiam normais e
relaxados.60
Embora a predisposição para o abuso de substâncias
tenha em alguns casos base no cérebro, os sentimentos
que levam as pessoas a “automedicar-se” com bebidas e
drogas podem ser controlados sem que se recorra à
medicação, como demonstram há décadas os Alcoólicos
Anônimos e outros grupos de recuperação. A aquisição
da capacidade de lidar com esses sentimentos — aliviar
a ansiedade, sair da depressão, acalmar a raiva —
elimina, prontamente, o ímpeto de usar drogas ou
álcool. Essas aptidões emocionais são ensinadas,
paliativamente, em programas sobre abuso de drogas e
álcool. Seria muito melhor, claro, se fossem aprendidas
mais cedo na vida, muito antes de o vício se instalar.
CHEGA DE GUERRAS ISOLADAS:
A PREVENÇÃO PARA TUDO
Na última década, mais ou menos, proclamaram-se
“guerras”, sucessivamente, à gravidez na adolescência, à
evasão escolar, às drogas e, mais recentemente, à
violência. O problema dessas campanhas, porém, é que
chegam tarde demais, depois que o problema visado já
atingiu proporções epidêmicas e deitou firmes raízes na
vida dos jovens. São intervenção em crises, o que
equivale a enviar ambulâncias para o resgate, em vez de
dar uma vacina que previna a doença. Em vez de mais
“guerras” desses tipos, o que precisamos é seguir a
lógica da prevenção, oferecendo às nossas crianças
aptidões para enfrentar a vida que aumentarão suas
oportunidades de evitar todos esses problemas.61
Ao me centrar em déficits emocionais e sociais não
estou descartando o papel de outros fatores de risco,
como ser criado numa família fragmentada, violenta ou
caótica, ou num bairro pobre, de alta criminalidade e
com drogas à solta. A própria pobreza desfecha golpes
nas crianças: as mais pobres, aos 5 anos, já são mais
medrosas, ansiosas e tristes que suas colegas mais bem
aquinhoadas, e têm mais problemas de comportamento
como freqüentes faniquitos e destruição de coisas, uma
tendência que continua pela adolescência adentro. A
pressão da pobreza também corrói a vida familiar: tende
a haver menos expressão de carinho de parte dos pais,
mais depressão nas mães (muitas vezes solteiras e
desempregadas) e maior recurso a castigos severos como
berros, pancadas e ameaças físicas.62
Mas a competência emocional desempenha um papel
mais forte e mais importante do que as pressões
familiares e econômicas — e pode ser decisiva na
determinação da medida em que qualquer criança ou
adolescente é destruído por esses sofrimentos ou
encontra um núcleo de maleabilidade para sobreviver a
eles. Estudos de longo prazo com centenas de crianças
criadas na pobreza, em famílias que as maltratavam, ou
com um dos pais com grave doença mental, mostram
que os que são maleáveis mesmo diante dos mais
severos sofrimentos tendem a ter aptidões emocionais
fundamentais.63 Entre outras, uma cativante
sociabilidade que atrai as pessoas para elas,
autoconfiança, persistência otimista diante do fracasso ou
frustração, capacidade de rápida recuperação de
perturbações e uma natureza aberta.
A grande maioria das crianças enfrenta essas
dificuldades sem terem essas vantagens. Claro, muitas
dessas aptidões são inatas, a loteria dos genes — mas
mesmo qualidades de temperamento podem mudar para
melhor, como vimos no Capítulo 14. Uma linha de
intervenção, claro, é política e econômica, dirigida à
pobreza e a outras condições sociais que são a causa
desses problemas. Mas, além dessas estratégias (que
parecem estar cada vez mais excluídas da agenda social),
muito se pode oferecer às crianças para ajudá-las a tentar
superar dificuldades tão debilitantes.
Vejam o caso dos problemas emocionais, males que
cerca de um em cada dois americanos enfrenta durante a
vida. Um estudo de uma mostra representativa de 8.098
americanos descobriu que 48% haviam sofrido pelo
menos um problema psiquiátrico.64 Os mais seriamente
afetados eram os 14% de pessoas que tinham três ou
mais problemas psiquiátricos de uma só vez. Esse grupo
era o mais perturbado, respondendo por 60% de todas as
perturbações psiquiátricas que ocorrem em qualquer
dado momento e 90% das mais sérias e incapacitantes.
Embora precisem de tratamento intensivo agora, o
método ideal seria, sempre que possível, prevenir esses
problemas. Claro, nem todo problema mental pode ser
prevenido — mas alguns, talvez muitos, podem. Ronald
Kessler, o sociólogo da Universidade de Michigan que
fez o estudo, me disse:
— Precisamos intervir cedo na vida. Veja a garota
que sofre de fobia social na sexta série e começa a beber
no primeiro ano do secundário para lidar com suas
ansiedades sociais. Quando perto dos 30 anos, momento
em que aparece em nossa pesquisa, ainda é medrosa,
tornou-se viciada em álcool e drogas e está deprimida
porque sua vida já está complicada. A grande questão é:
que poderíamos ter feito antes na vida dela para deter
toda essa espiral descendente?
O mesmo se aplica, claro, à evasão escolar ou à
violência, ou à maior parte da litania de perigos hoje
enfrentados pelos jovens. Programas educacionais para
prevenir um ou outro problema específico como uso de
drogas e violência interferiram desenfreadamente na
última década, mais ou menos, criando uma indústria
dentro do mercado da educação. Mas muitos deles —
incluindo muitos dos mais espertamente divulgados e
amplamente usados — mostraram-se eficazes. Alguns,
para pesar dos educadores, até mesmo pareceram
aumentar a probabilidade dos problemas que
pretendiam evitar, sobretudo o abuso de drogas e o sexo
na adolescência.
Informação não Basta
Um caso instrutivo a esse respeito é o abuso sexual em
crianças. A partir de 1993, cerca de 200 mil casos
comprovados foram comunicados anualmente nos
Estados Unidos, com um crescimento de cerca de 10%
ao ano. E, embora as estimativas sejam muito variadas, a
maioria dos especialistas concorda que entre 20 e 30%
de meninas e mais ou menos metade dessa porcentagem
de meninos é vítima de algum tipo de abuso sexual aos
17 anos (os números aumentam ou diminuem a
depender de como se define o abuso sexual, entre
outros fatores).65 Não há um perfil único da criança
particularmente vulnerável ao abuso sexual, mas a
maioria se sente desprotegida, incapaz de resistir sozinha
e isolada pelo que lhe aconteceu.
Conscientes desses riscos, muitas escolas começaram
a oferecer programas para a prevenção de abuso sexual.
A maioria desses programas concentra-se firmemente em
fornecer informações básicas sobre tais abusos,
ensinando as crianças, por exemplo, a diferenciar
contatos físicos “bons” e “maus”, alertando-as para os
perigos e encorajando-as a contar a um adulto se alguma
coisa imprópria lhes acontecer. Mas uma pesquisa
nacional com 2 mil crianças constatou que esse
treinamento básico era quase nada — ou na verdade
pior que nada — na ajuda para que as crianças fizessem
alguma coisa que as protegesse de um arruaceiro da
escola ou de um molestador potencial.66 Pior ainda, a
probabilidade de as crianças que tiveram apenas esse
treinamento básico, e mais tarde foram vítimas de ataque
sexual, comunicarem o fato na verdade era metade
daquelas que não participaram de nenhum programa.
Por outro lado, as crianças que receberam
treinamento mais abrangente — incluindo aptidões
emocionais e sociais relacionadas — eram mais capazes
de proteger-se contra a ameaça de serem vitimizadas: era
muito mais provável que pedissem para ser deixadas em
paz, gritassem ou resistissem, ameaçassem contar e, na
verdade, contassem, se alguma coisa de mal lhes
acontecesse. Essa última vantagem — comunicar o abuso
— é preventiva num sentido revelador: muitos
molestadores de crianças enganam centenas delas. Um
estudo de molestadores de crianças na casa dos 40 anos
constatou que, em média, eles faziam, desde a
adolescência, uma vítima por mês. Um relatório sobre
um motorista de ônibus e um professor de informática
de ginásio revela que, somados os dois, eles molestavam
cerca de trezentas crianças por ano — e, no entanto,
nenhuma das crianças comunicou o abuso sexual; a
coisa só veio à luz depois que um dos meninos que fora
molestado pelo professor começou a molestar
sexualmente a irmã.67
Essas crianças que freqüentaram os programas mais
abrangentes tinham três vezes mais probabilidade que as
outras, em programas estritos, de comunicar os abusos.
O que era que funcionava tão bem? Esses programas não
eram dados de uma vez só, mas conforme o nível de
escolaridade da criança, como parte da educação
sanitária ou sexual. Os pais eram recrutados para passar
a mensagem à criança, junto com o que se ensinava na
escola (as crianças cujos pais faziam isso eram as
melhores na resistência a ameaças de abuso sexual).
Além disso, aptidões sociais e emocionais eram
fundamentais. Não basta a criança simplesmente saber
sobre “bons” e “maus” contatos físicos: as crianças
precisam da autoconsciência para saber quando uma
situação parece errada ou aflitiva muito antes de começar
o contato. Isso implica não apenas autoconsciência, mas
também autoconfiança e assertividade para confiar e agir
com base nesses sentimentos, mesmo diante de um
adulto que esteja tentando lhe assegurar que “está tudo
bem”. E aí a criança precisa de um repertório de recursos
para evitar o que está para acontecer — tudo, desde
fugir a ameaçar contar. Por esses motivos, os melhores
programas ensinam as crianças a defender o que
querem, afirmar seus direitos em vez de ficar passivas,
saber quais são suas fronteiras e defendê-las.
Os programas mais eficazes, portanto,
complementavam a informação básica sobre abuso
sexual com habilidades emocionais e sociais. Esses
programas ensinavam as crianças a encontrar meios de
resolver conflitos interpessoais de modos mais positivos,
ter mais autoconfiança, não se sentirem culpadas por
algo que tenha acontecido e a sentir que tinham nos
professores e pais um esquema de apoio a que podiam
recorrer. E se alguma coisa má lhes acontecia, era muito
mais provável que contassem.
Os Ingredientes Ativos
Essas constatações levaram a uma revisão de quais
devem ser os ingredientes de um programa ideal,
baseado naqueles que avaliações imparciais mostraram
ser realmente eficazes. Num projeto qüinqüenal
patrocinado pela Fundação W. T. Grant, um grupo de
pesquisadores estudou esse panorama e destilou os
ingredientes ativos que pareciam fundamentais para o
sucesso dos programas que realmente funcionavam.68 A
lista dos principais talentos que o grupo entendeu
deverem ser abrangidos, independentemente do
problema específico que pretendia prevenir, são os
ingredientes da inteligência emocional (ver lista completa
no Apêndice D).69
Entre os talentos emocionais estão: autoconsciência;
identificar, expressar e controlar sentimentos; controle de
impulso e adiamento de satisfação; e controlar tensão e
ansiedade. Um talento-chave no controle de impulso é
saber a diferença entre sentimentos e ações e aprender a
tomar melhores decisões emocionais controlando
primeiro o impulso para agir, depois identificando ações
alternativas e suas conseqüências antes de agir. Muitas
aptidões são interpessoais: interpretar sinais sociais e
emocionais, ouvir, ser capaz de resistir a influências
negativas, considerar as perspectivas dos outros e
compreender qual comportamento é aceitável numa
determinada situação.
Esses são talentos emocionais e sociais fundamentais
para a vida e incluem, pelo menos, soluções parciais
para a maioria ou para todas as dificuldades que discuti
neste capítulo. A escolha de problemas específicos
contra os quais esses talentos podem ser utilizados, à
guisa de vacina, é quase arbitrária — pode-se utilizar o
mesmo argumento para destacar o papel de aptidões
emocionais e sociais, por exemplo, na gravidez ou no
suicídio na adolescência.
É evidente que as causas de todos esses problemas
são complexas, entremeando diversos dados de herança
biológica, dinâmica familiar, uma política aplicada à
questão da pobreza e à cultura das ruas. Não existe um
tipo único de intervenção, inclusive aquele que diz
respeito às emoções, que possa solucioná-los. Mas, na
medida em que deficiências emocionais aumentam o
risco para a criança — e vimos que aumentam muito —,
deve-se dar atenção aos remédios emocionais
juntamente com outras medidas. A pergunta seguinte é:
como é uma educação sobre emoções?
[1] Nas crianças, ao contrário dos adultos, a medicação
não é uma alternativa clara para a terapia ou a educação
preventiva
no
tratamento
da
depressão;
elas
metabolizam os remédios de um modo diferente dos
adultos. Os antidepressivos tricíclicos, muitas vezes
eficientes em adultos, em estudos com crianças não se
mostraram melhores que um placebo inativo. Novos
medicamentos para a depressão, incluindo o Prozac,
ainda não foram testados para uso em crianças. E a
desipramina, um dos mais comuns (e seguros)
tricíclicos usados em adultos, é no momento em que
escrevo objeto de uma investigação do Departamento de
Alimentos e Medicamentos (FDA em inglês) como
possível causa de morte em crianças.
16
Ensinando as Emoções
A principal esperança de um país está na educação
adequada de sua juventude.
Erasmo
É uma estranha chamada, que percorre o círculo de 15
alunos da quinta série sentados no chão à moda hindu.
Quando o professor chama seus nomes, os alunos não
respondem com o vago “Presente”, mas gritam um
número que indica como se sentem; um significa
deprimido; dez, muito energizado.
Hoje os ânimos estão lá em cima:
— Jessica.
— Dez: estou a mil, é sexta-feira.
— Patrick.
— Nove: excitado, meio nervoso.
— Nicole.
— Dez: numa boa, feliz...
É uma aula de Ciência do Eu no Centro de
Aprendizado Nueva Lengua, uma escola na antiga
grande mansão da família Crocker, a dinastia que fundou
um dos maiores bancos de São Francisco. Agora a casa,
que se assemelha a uma versão em miniatura da Ópera
de São Francisco, abriga uma escola particular que
oferece um tipo de treinamento modelar em inteligência
emocional.
O tema da Ciência do Eu são os sentimentos — os
nossos e os que irrompem nos relacionamentos.
O tema, por sua própria natureza, exige que
professores e alunos se concentrem no tecido emocional
da vida da criança — uma concentração decididamente
ignorada em quase todas as outras salas de aula dos
Estados Unidos. A estratégia aqui inclui o uso das
tensões e traumas da vida das crianças como o tema do
dia. Os professores falam de problemas reais — a mágoa
por ser deixado de fora, inveja, desacordos que podem
se transformar numa batalha no pátio de recreio. Como
diz Karen Stone McCown, criadora do Currículo da
Ciência do Eu e diretora da Nueva:
— O aprendizado não pode ocorrer de forma
distante dos sentimentos das crianças. Ser
emocionalmente alfabetizado é tão importante na
aprendizagem quanto a matemática e a leitura.1
A Ciência do Eu é pioneira, o primeiro anúncio de
uma idéia que se espalha por escolas de todo o país.[1]
As disciplinas oferecidas pela Nueva são
“desenvolvimento social”, “aptidões para a vida” e
“aprendizado social e emocional”. Alguns, referindo-se à
idéia de múltiplas inteligências de Howard Gardner,
usam o termo “inteligências pessoais”. A idéia básica é
elevar o nível de competência social e emocional nas
crianças como parte de sua educação regular — não
apenas uma coisa ensinada como paliativo para crianças
que estão ficando para trás e que são “perturbadas”, mas
um conjunto de aptidões e compreensões essenciais para
cada criança.
Os cursos de alfabetização emocional têm algumas
raízes remotas no movimento de educação afetiva da
década de 1960. A idéia então era de que para uma
profunda aprendizagem de lições psicológicas e
motivacionais era necessário que fosse colocado em
prática o que estava sendo ensinado em teoria. O
movimento de alfabetização emocional, porém, vira pelo
avesso a expressão educação afetiva — em vez de
utilizar o afeto como um meio para a aprendizagem,
ensina o afeto em si.
De uma maneira mais imediata, muitos desses cursos
e o impulso que eles deram vêm de uma série de
programas preventivos em andamento, cada um visando
um problema específico: fumo, abuso de drogas,
gravidez e evasão escolar na adolescência e, mais
recentemente, a violência. Como vimos no último
capítulo, o estudo do Consórcio W. T. Grant dos
programas de prevenção constatou que são obtidos
melhores resultados quando é ensinado um núcleo de
aptidões emocionais e sociais, como controlar o impulso,
a raiva e como encontrar soluções criativas para
provações sociais. Desse princípio, surgiram novas
formas de intervenção.
Como vimos no Capítulo 15, as intervenções
destinadas a tratar dos déficits específicos em aptidões
emocionais e sociais que estão por trás de problemas
como agressão ou depressão podem ser altamente
eficazes como amortecedores para as crianças. Mas essas
intervenções bem-intencionadas, em geral, têm sido
feitas por psicólogos pesquisadores de modo
experimental. O próximo passo é aplicar os
ensinamentos obtidos através desses programas
altamente concentrados e generalizá-los como uma
medida preventiva para toda a população escolar,
ensinada por professores comuns.
Os métodos mais sofisticados e eficazes de prevenção
incluem informação sobre problemas como Aids, drogas
e coisas semelhantes, no exato momento da vida em que
os jovens começam a enfrentá-los. Mas seu tema
principal, contínuo, é a aptidão central que se aplica a
qualquer um desses dilemas específicos: inteligência
emocional.
Esse novo caminho para levar a alfabetização
emocional às escolas insere as emoções e a vida social
em seus currículos normais, em vez de tratar essas
facetas importantíssimas do dia da criança como
intrusões irrelevantes, ou, quando levam a explosões,
relegando-as a ocasionais visitas disciplinares ao
gabinete do orientador ou do diretor.
As próprias aulas, a princípio, podem parecer não
apresentar nenhuma novidade, e muito menos uma
solução para os dramáticos problemas de que tratam.
Mas isso é em grande parte porque, como a boa criação
em casa, as lições transmitidas são pequenas mas
reveladoras, dadas regularmente e durante muitos anos.
É assim que o aprendizado emocional se entranha; à
medida que as experiências são repetidas e repetidas, o
cérebro reflete-as como caminhos fortalecidos, hábitos
neurais que entram em ação nos momentos de provação,
frustração, dor. E embora a substância quotidiana das
aulas de alfabetização emocional possa parecer banal, o
resultado — seres humanos decentes — é mais crítico
que nunca para nosso futuro.
UMA LIÇÃO DE COOPERAÇÃO
Comparem um momento de uma aula de Ciência do Eu
com as experiências escolares de que se lembram.
Um grupo da quinta série vai jogar Quadrados de
Cooperação, em que os alunos se dividem em grupos
para montar um quebra-cabeça com pecinhas quadradas.
O macete: a equipe fica em silêncio, não sendo
permitida nenhuma gesticulação.
A professora Jo-An-Varga divide a classe em três
grupos, cada um numa mesa diferente. Três
observadores, todos familiarizados com o jogo, recebem
uma ficha para avaliar, por exemplo, quem no grupo
toma a iniciativa na organização, quem é o palhaço,
quem perturba.
Os alunos jogam as peças dos quebra-cabeças na
mesa e dão início ao trabalho. Em cerca de um minuto,
já se sabe que um grupo é surpreendentemente eficiente
como equipe; acaba em poucos minutos. Um outro
grupo, formado por quatro pessoas, se esforça cada um
trabalhando por si, de forma paralela, em separado, o
seu próprio quebra-cabeça e não consegue ir a parte
alguma. Depois começam aos poucos a trabalhar
coletivamente para montar o primeiro quadrado, e
continuam a trabalhar em conjunto até montar o quebracabeça.
Mas o terceiro grupo ainda se debate, com apenas
um quebra-cabeça próximo da conclusão, e mesmo
assim parecendo mais um trapézio que um quadrado.
Sean, Fairlie e Rahman ainda não atingiram a tranqüila
coordenação em que os dois outros grupos entraram.
Estão visivelmente frustrados e olham frenéticos as peças
sobre a mesa, tentando acertar de forma aleatória e
pondo-as junto dos quadrados semiconcluídos, apenas
para se decepcionarem porque não se encaixam.
A tensão desfaz-se um pouco quando Rahman pega
duas das peças e as põe diante dos olhos como uma
máscara; os parceiros riem. Esse será o momento crucial
da lição do dia.
Jo-An-Varga, a professora, dá um pouco de estímulo:
— Os que acabaram podem dar uma só dica aos que
ainda não acabaram.
Dagan aproxima-se do grupo que está ainda em
apuros, indica duas peças que se projetam do quadrado
e sugere:
— Vocês têm de rodar essas duas peças.
De repente, Rahman, a cara larga franzida em
concentração, pega a nova gestalt, e as peças
rapidamente se encaixam no primeiro quebra-cabeça,
depois nos outros. Ouvem-se aplausos espontâneos
quando a última peça se encaixa e o quebra-cabeça é
inteiramente montado.
UM PONTO DE ATRITO
Mas quando a classe passa a refletir sobre as lições
extraídas do trabalho em equipe, emerge outro diálogo,
mais intenso. Rahman, alto e com uma juba de revoltos
cabelos negros cortados numa longa escovinha, e
Tucker, o observador do grupo, engalfinham-se numa
acirrada discussão sobre a regra que não permite a
gesticulação. Tucker, os cabelos louros bem penteados a
não ser por uma mecha rebelde, usa uma camiseta
folgadona com os dizeres “Seja Responsável”, que, de
certa maneira, enfatiza seu papel oficial.
— Você pode oferecer uma peça: isto não é fazer um
gesto — diz Tucker a Rahman, num tom enfático, de
discussão.
— É, sim — insiste Rahman, veemente.
Jo-An percebe o volume alterado e o crescente
staccato do diálogo e aproxima-se da mesa deles. Tratase de um incidente crítico, uma troca espontânea de
sentimentos acalorados; é em tais momentos que as
lições já aprendidas dão dividendos, e outras novas
podem ser ensinadas com mais proveito. E, como sabe
todo bom professor, as lições aplicadas nesses
momentos elétricos perdurarão na memória dos alunos.
— Isso não é uma crítica... você cooperou muito
bem... mas, Tucker, tente dizer o que quer num tom de
voz que não pareça tão crítico — ensina Jo-An.
Tucker, agora num tom mais calmo, diz a Rahman:
— Você só pode botar uma peça onde acha que se
encaixa, entregar ao outro a peça que você acha que ele
precisa, sem fazer qualquer indicação. Só dar.
Rahman responde num tom irado:
É
— É só a gente fazer assim — e ele coça a cabeça
para ilustrar o movimento inocente — e lá vem ele com
“Nada de gestos”.
Evidentemente, há algo mais na raiva de Rahman do
que essa discussão sobre o que constitui ou não um
gesto. Seus olhos se dirigem constantemente para a ficha
de avaliação que Tucker preencheu e que — embora
ainda não tenha sido mencionada — na verdade
provocou a tensão entre os dois. Nela, Tucker escreveu
o nome de Rahman no espaço destinado a indicar
“Quem perturba?”.
Jo-An, vendo que Rahman olha a ficha revoltante,
arrisca um palpite, dizendo a Tucker:
— Ele acha que você usou uma palavra negativa...
perturbador... sobre ele. Que foi que você quis dizer?
— Eu não quis dizer que fosse um tipo ruim de
perturbação — diz Tucker, agora conciliador.
Rahman não aceita, mas também acalmou a voz.
— Isso é um pouco exagerado, se quer saber.
Jo-An sugere uma maneira positiva de abordar o
assunto.
— Tucker está tentando dizer que o que se pode
considerar perturbador também pode suavizar um pouco
as coisas num momento de frustração.
— Mas — protesta Rahman, mais objetivamente —
perturbador é quando a gente está muito concentrado
numa coisa, e se eu fizesse assim — faz uma expressão
ridícula, apalhaçada, os olhos esbugalhados, as
bochechas inchadas — isso ia ser perturbador.
Jo-An tenta passar mais um ensino emocional,
dizendo a Tucker:
— Ao tentar ajudar, você não quis dizer que ele era
perturbador no mau sentido. Mas deu uma mensagem
que não corresponde ao que você quis dizer. Rahman
precisa que você ouça e aceite o que ele sente. Ele disse
que receber palavras negativas como perturbador lhe
parece injusto. Não gosta de ser chamado assim.
Depois, para Rahman, acrescenta:
— Eu gosto da forma como você está sendo assertivo
com Tucker. Não está atacando. Mas não é agradável
que nos rotulem de perturbador. Quando você levou as
peças aos olhos, parece que estava se sentindo frustrado
e queria alegrar o ambiente. Mas Tucker chamou isso de
perturbador porque não entendeu sua intenção. Está
certo?
Os dois meninos assentem com a cabeça, enquanto
os outros alunos acabam de recolher os quebra-cabeças.
Esse pequeno melodrama de sala de aula chega ao seu
finale.
— Estão se sentindo melhor? — pergunta Jo-An. —
Ou isso ainda os aborrece?
— Ééé, está legal — diz Rahman, a voz mais baixa,
agora que se sente ouvido e entendido.
Tucker também balança a cabeça, sorrindo. Os
meninos, percebendo que todos os demais já saíram
para a aula seguinte, voltam-se e saem correndo juntos.
POST-MORTEM: UMA BRIGA QUE NÃO
HOUVE
Quando um novo grupo começa a ocupar as cadeiras,
Jo-An disseca o que acabou de acontecer. O acalorado
diálogo e seu esfriamento baseiam-se no que os meninos
vêm aprendendo sobre solução de conflitos. O que
normalmente se transforma em conflito começa, como
diz ela, com a “falta de comunicação, em fazer
suposições e tirar conclusões, enviar uma mensagem
‘dura’, tornando difícil a pessoa ouvir o que estamos
dizendo”.
Os alunos da Ciência do Eu aprendem que a questão
não é evitar inteiramente o conflito, mas resolver a
discordância e ressentimento antes que descambe para
uma briga aberta. Há sinais dessas primeiras lições na
maneira como Tucker e Rahman lidaram com a disputa.
Os dois, por exemplo, fizeram algum esforço: para
expressar seu ponto de vista de uma forma que não
acelerasse o conflito. Essa assertividade (que é diferente
de agressão ou passividade) é ensinada na Nueva a
partir da terceira série. Acentua a expressão direta dos
sentimentos, mas de uma maneira que não se torne uma
agressão. No início do conflito, nenhum dos meninos
olhava um para o outro, mas, com a continuação, foram
dando mostras de “escuta ativa”, frente a frente, olho no
olho, enviando os sinais tácitos que transmitem àquele
que fala que ele está sendo ouvido.
Pondo-se esses instrumentos em ação, ajudados por
um certo treinamento, a “assertividade” e a “escuta ativa”
para esses meninos são mais que expressões vazias num
questionário — tornam-se formas de reagir a que podem
recorrer em situações de emergência.
O domínio no campo emocional é difícil porque as
aptidões precisam ser adquiridas exatamente no
momento em que as pessoas em geral estão menos
capazes de receber nova informação e aprender novos
hábitos de resposta — quando estão perturbadas. Treinálas nesses momentos ajuda.
— Qualquer um, adulto ou menino da quinta série,
precisa de alguma ajuda quando está tão perturbado —
observa Jo-An. — O coração da gente martela, as mãos
suam, a gente treme e tenta escutar com clareza,
mantendo ao mesmo tempo o autocontrole para passar
por aquele momento sem gritar, culpar ou entrar na
defensiva.
Para qualquer um que conhece o tumulto dos
meninos da quinta série, o que talvez seja mais notável é
que tanto Tucker quanto Rahman tentassem afirmar seus
pontos de vista sem recorrer a censuras, xingamentos ou
berros. Nenhum deles deixou que seus sentimentos
escalassem para um desprezivo “Vai se f...!” ou uma
briga de socos, nem cortou o outro saindo danado da
sala. O que poderia ser a semente de uma batalha total
aumentou, ao contrário, o domínio dos meninos sobre as
nuanças para a solução de um conflito. Como tudo
poderia ter saído diferente em outras circunstâncias. Os
jovens saem no tapa diariamente — ou coisa pior — por
muito menos.
PREOCUPAÇÕES DO DIA
No círculo que normalmente abre cada aula de Ciência
do Eu, o número não é sempre tão grande quanto foi
hoje. Quando é pequeno — os uns, dois ou três que
indicam sentirem-se péssimos —, isso abre o caminho
para alguém perguntar: “Quer falar do que está sentindo
hoje?” E, se o aluno quer (ninguém é pressionado para
falar sobre o que não quer), isso permite ventilar o que é
tão perturbador — e a oportunidade de examinar opções
criativas para lidar com a situação.
Os problemas que surgem variam com o nível de
escolaridade. Nas séries mais baixas, em geral são
provocações, sentir-se de fora, medos. Por volta da sexta
série, surge um novo conjunto de preocupações —
sentimentos de mágoa por não ser convidado para um
encontro, ou ser deixado de fora; amigos imaturos; as
dolorosas provações dos jovens (“Os meninos maiores
estão pegando no meu pé”; “Meus amigos fumam e
vivem tentando me fazer fumar também”).
Esses são temas de dramática importância na vida de
uma criança, ventilados na periferia da escola — na
merenda, no ônibus, na casa de um amigo —, quando
são. Na maioria das vezes, são os problemas que as
crianças guardam para si, obcecando-se com eles
sozinhas à noite, não tendo ninguém com quem partilhálos. Na Ciência do Eu, podem se tornar os tópicos do
dia.
Cada uma dessas discussões é grão potencial para o
objetivo explícito da Ciência do Eu, que é iluminar o
sentimento que a criança tem de si e do relacionamento
com os outros. Embora o curso tenha um planejamento,
é flexível o bastante para que, quando ocorrem
momentos como o conflito entre Rahman e Tucker, eles
sejam capitalizados. As questões que os alunos trazem
proporcionam exemplos vivos aos quais tanto eles
quanto os professores podem aplicar as aptidões que
estão aprendendo, como os métodos de solução de
conflito que esfriaram o calor entre os dois meninos.
O BÊ-Á-BÁ DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
Em uso há quase vinte anos, o Currículo da Ciência do
Eu é um modelo para o ensino de Inteligência
Emocional. As lições, às vezes, são surpreendentemente
sofisticadas, como me disse a diretora da Nueva, Karen
Stone McCown:
— Quando falamos sobre a raiva, ajudamos as
crianças a entender que ela é quase sempre uma reação
secundária e a buscar o que está por trás: você está
magoado, com ciúmes? Nossas crianças aprendem que
sempre há opções para reagir a uma emoção, e quanto
mais meios temos para lidar com as emoções, mais rica é
a nossa vida.
Uma lista de conteúdos da Ciência do Eu é quase um
casamento ponto por ponto com os ingredientes da
inteligência emocional — e com o núcleo de aptidões
recomendadas como prevenção básica para a gama de
armadilhas que ameaçam as crianças (ver lista completa
no Apêndice E).2 Entre os tópicos ensinados, está a
autoconsciência, cujo objetivo é reconhecer sentimentos,
e montar um vocabulário para eles e ver as ligações
entre pensamentos, sentimentos e reações; saber se são
os pensamentos ou os sentimentos que governam uma
decisão; avaliar as conseqüências de opções alternativas;
e aplicar essas intuições em questões como drogas, fumo
e sexo. A autoconsciência também se dá no
reconhecimento de nossas forças e fraquezas, na
possibilidade de nos vermos a uma luz positiva, mas
realista (com isso evitando uma armadilha comum do
movimento de auto-estima).
Outra ênfase é no controle das emoções:
compreender o que está por trás de um sentimento (por
exemplo, a mágoa que dispara a raiva) e aprender como
lidar com ansiedades, ira e tristeza. Ainda outra ênfase é
assumir a responsabilidade por decisões e atos e cumprir
compromissos.
Uma aptidão social fundamental é a empatia, ou seja,
a compreensão dos sentimentos dos outros e a adoção
da perspectiva deles, e o respeito às diferenças no modo
como as pessoas encaram as coisas. Os relacionamentos
são um foco importante, incluindo aprender a ser um
bom ouvinte e um bom questionador; distinguir entre o
que alguém diz ou faz e nossas reações e julgamentos;
ser mais assertivo, e não raivoso ou passivo; e aprender
as artes da cooperatividade, solução de conflitos e
negociação de compromissos.
Não se dão notas na Ciência do Eu; a própria vida é a
prova final. Mas, no fim da oitava série, quando os
alunos estão para deixar a Nueva, cada um passa por um
exame socrático, uma prova oral de Ciência do Eu. Uma
pergunta de uma prova recente: “Descreva uma sugestão
adequada para ajudar um amigo a resolver um conflito
com alguém que o pressiona para usar drogas, ou com
um amigo provocador.” Ou: “Cite algumas maneiras
saudáveis de lidar com a tensão, ansiedade, raiva e
medo.”
Se vivo estivesse hoje, Aristóteles, tão preocupado
com aptidões emocionais, bem poderia aprovar.
ALFABETIZAÇÃO EMOCIONAL NOS
CENTROS URBANOS
Os céticos com certeza perguntarão se um curso como o
de Ciência do Eu funciona num cenário menos
privilegiado, ou se só é possível numa escola particular
como a Nueva, onde cada criança é, de um certo modo,
talentosa. Em suma, pode-se ensinar competência
emocional onde ela se faz mais urgente, no rude caos de
uma escola pública de um centro urbano? Uma resposta
é visitar a Escola Augusta Lewis Troup em New Haven,
distante da Nueva tanto do ponto de vista social e
econômico como geograficamente.
Claro, a atmosfera na Troup tem muito da mesma
excitação com o aprendizado — a escola também é
conhecida como Academia de Ciência Ímã Troup, e é
uma das duas desse tipo, naquele distrito, destinadas a
atrair alunos da quinta à oitava série de toda New Haven
a um currículo mais amplo. Os alunos ali podem fazer
perguntas sobre a física do espaço cósmico, através de
uma conexão por antena parabólica, aos astronautas em
Houston, ou programar seus computadores para tocar
música. Mas, apesar dessas amenidades acadêmicas,
como em muitas cidades, a revoada dos brancos para as
áreas suburbanas de New Haven fez com que o corpo
discente da Troup passasse a se constituir de 90% de
negros e hispânicos.
A apenas algumas quadras do campus de Yale — e
também aqui um distante universo —, a Troup fica num
decadente bairro de classe operária que, na década de
1950, tinha 20 mil pessoas empregadas em fábricas
próximas, da Olin Brass Mill à Winchester Arms. Hoje,
essa base de emprego reduziu-se a menos de 3 mil,
reduzindo também o horizonte econômico das famílias
que vivem lá. New Haven, como muitas outras cidades
fabris da Nova Inglaterra, afundou num poço de
pobreza, drogas e violência.
Foi em resposta às urgências desse pesadelo urbano
que, na década de 1980, um grupo de psicólogos e
educadores de Yale idealizou o Programa de
Competência Social, um conjunto de cursos que cobre
praticamente o mesmo terreno do currículo da Ciência
do Eu do Centro de Aprendizado Nueva. Mas, em Troup,
a ligação com os tópicos é muitas vezes mais direta e
bruta. Não se trata de simples exercício acadêmico
quando, na aula de educação sexual na oitava série, os
alunos aprendem que saber tomar uma decisão pode
ajudá-los a evitar doenças como a Aids. New Haven tem
a mais alta proporção de mulheres com Aids nos Estados
Unidos; várias das mães que mandam os filhos para a
Troup têm a doença — e também alguns dos alunos.
Apesar do currículo enriquecido, os alunos da Troup
lutam com todos os problemas de um centro urbano;
muitas crianças têm situações domésticas tão caóticas,
senão horrorosas, que simplesmente às vezes não
conseguem ir à escola.
Como em todas as escolas de New Haven, o mais
destacado sinal que recebe o visitante está na figura
conhecida de um sinal de trânsito em forma de
diamante, mas que diz “Zona Livre de Drogas”. Na porta
está Mary Ellen Collins, a assistente da escola — uma
ombudsman que cuida dos problemas especiais quando
aparecem e cujo papel inclui ajudar os professores com
as exigências do currículo de competência social. Se um
professor não se considera seguro para ensinar uma
lição, Mary Ellen vai à classe mostrar.
— Eu ensinei nesta escola durante vinte anos — ela
diz, ao me receber. — Veja só este bairro. Não posso
mais ver apenas ensinarem matérias acadêmicas, diante
dos problemas que esses garotos enfrentam
simplesmente vivendo. Veja os garotos daqui que lutam
porque têm Aids ou que têm um aidético em casa; não
sei se eles diriam isso durante a discussão sobre a Aids,
mas assim que um garoto sabe que um professor vai
ouvir um problema emocional, não só os escolares, está
aberto o caminho para esse tipo de conversa.
No terceiro andar da velha escola de tijolos, Joyce
Andrews conduz seus alunos da quinta série na aula de
aptidão social que eles têm três vezes por semana. Joyce,
como todos os outros professores da quinta série, fez um
curso especial de verão sobre como ensiná-la, mas sua
exuberância sugere que os tópicos de competência
social lhe vêm naturalmente.
A aula de hoje é sobre identificação de sentimentos;
poder dar nome aos sentimentos e, com isso, poder
melhor distingui-los, é uma aptidão emocional
importante. O dever de casa tinha sido recortar de uma
revista a fotografia de uma pessoa, nomear que emoção
o rosto exibe e explicar como saber que a pessoa tem
esses sentimentos. Após recolher os trabalhos, Joyce lista
os sentimentos no quadro-negro — tristeza,
preocupação, excitação, felicidade e assim por diante —
e lança-se numa acelerada sabatina com os 18 alunos
que conseguiram chegar à escola nesse dia. Sentados em
quatro conjuntos de carteiras, os estudantes erguem as
mãos excitados, esforçando-se para chamar a atenção
dela para darem a resposta.
Quando acrescenta frustrado à lista no quadro, Joyce
pergunta:
— Quantos algumas vezes se sentem frustrados?
Todas as mãos se erguem.
— Como vocês se sentem quando estão frustrados?
As respostas vêm em cascata: “Cansado.” “Confuso.”
“A gente não pensa direito.” “Ansioso.”
Quando ofendido é acrescentado à lista, Joyce diz:
— Esse eu conheço. Quando um professor se sente
ofendido?
— Quando todo mundo está conversando — sugere
uma menina, sorrindo.
Sem perder um segundo, Joyce distribui uma folha de
trabalho mimeografada. Numa coluna estão rostos de
meninos e meninas, cada um exibindo uma das seis
emoções básicas — feliz, triste, irado, surpreso, com
medo, enojado — e uma descrição da atividade
muscular facial por baixo de cada um, por exemplo:
COM MEDO:
• A boca aberta e repuxada para trás.
• Os olhos abertos e os cantos internos erguidos.
• Sobrancelhas elevadas e franzidas.
• Rugas no meio da testa.3
Enquanto lêem a lista, expressões de medo, raiva,
surpresa ou nojo flutuam pelos rostos dos garotos da
classe de Joyce, que imitam as imagens e seguem as
receitas faciais para cada emoção. Essa lição vem direto
da pesquisa de Paul Ekman sobre expressão facial; como
tal, é ensinada nos cursos universitários de introdução à
psicologia da maioria das universidades — e raramente,
se chega a ser, no primário. Essa lição elementar de ligar
um nome a um sentimento, e o sentimento a uma
expressão facial que combine com ele, parece tão óbvia
que não precisa ser ensinada. Contudo, pode servir
como antídoto para lapsos surpreendentemente comuns
de alfabetização emocional. Os brigões no pátio de
recreio, lembrem-se, muitas vezes atacam irados porque
interpretam mal mensagens e expressões neutras
tomando-as como hostis, e as meninas que contraem
distúrbios de alimentação não distinguem raiva e
ansiedade de fome.
Ã
ALFABETIZAÇÃO EMOCIONAL
DISFARÇADA
Com o currículo já assoberbado por uma proliferação de
novas disciplinas e programas, alguns professores que
compreensivelmente se sentem sobrecarregados resistem
a dedicar tempo extra do básico para mais um curso.
Assim, uma nova estratégia de educação emocional não
é criar um nova classe, mas fundir lições sobre
sentimentos e relacionamentos com as outras matérias.
As lições emocionais podem fundir-se naturalmente com
leitura e escrita, saúde, ciência, estudos sociais e também
com outras disciplinas-padrão. Embora nas escolas de
New Haven o curso de Aptidões para a Vida seja uma
matéria distinta em algumas séries, em outros anos o
currículo de desenvolvimento social se funde com cursos
como saúde ou leitura. Algumas lições são dadas até
como parte da aula de matemática — notadamente
aptidões básicas de estudo como afastar distrações,
motivar-se para estudar e controlar os impulsos para
poder acompanhar o ensino.
Alguns programas de aptidões emocionais e sociais
não usam o tempo destinado a outras disciplinas, mas,
ao contrário, entram como ensinamentos dentro do
próprio tecido da vida escolar. Um método para essa
técnica — essencialmente um curso de competência
emocional e social invisível — é o Projeto de
Desenvolvimento da Criança, criado por uma equipe
dirigida pelo psicólogo Eric Schaps. O projeto, situado
em Oakland, na Califórnia, está atualmente sendo
testado num punhado de escolas em todo o país, a
maioria em bairros que têm os problemas do centro
decadente de New Haven.4
O projeto oferece um conjunto pré-organizado de
material escolar que se encaixa nos cursos existentes.
Assim, os alunos da primeira série têm em sua classe de
leitura uma história, “A Rã e o Sapo São Amigos”, em
que a Rã, querendo brincar com o amigo Sapo, que está
em hibernação, arma um truque para que ele acorde
cedo. A história é usada como ponto de partida para
uma discussão, na classe, sobre a amizade e questões
como a maneira como as pessoas se sentem quando
alguém lhes prega uma peça. Uma sucessão de
aventuras traz tópicos como a autoconsciência, a
consciência das necessidades de um amigo, como se
sente quem é provocado e o partilhamento de
sentimentos com amigos. Um plano de currículo fixo
oferece histórias cada vez mais sofisticadas à medida que
as crianças passam pelo primário e ginásio, dando aos
professores abertura para discutir questões como
empatia, adoção de perspectiva e interesse.
Outro modo de entremear as lições emocionais no
tecido da vida escolar existente é ajudar os professores a
repensar como disciplinar os alunos que se comportam
mal. O pressuposto do programa de Desenvolvimento da
Criança é que esses momentos são oportunidades ideais
para o ensinamento às crianças das aptidões que lhes
faltam — controle de impulso, explicar os sentimentos,
resolver conflitos — e que há melhores maneiras de
disciplinar do que a coerção. Um professor que vê três
meninos da primeira série se atropelando para ser o
primeiro no refeitório pode sugerir que cada um diga um
número e que o vencedor entre primeiro. A lição que,
no ato, as crianças aprendem é que há maneiras
imparciais e justas de resolver tais disputinhas, e também
recebem o ensinamento maior que é que se podem
negociar as disputas. E como esse é um método que
essas crianças podem levar consigo para resolver
disputas semelhantes (o “Primeiro eu!”, afinal, é
epidêmico nas séries mais baixas — senão na vida toda,
sob várias formas) tem uma mensagem mais positiva que
a sempre presente e autoritária “Parem com isso!”.
O CRONOGRAMA EMOCIONAL
“Minhas amigas Alice e Lynn não querem brincar
comigo.”
Essa pungente reclamação é de uma menina da
terceira série da Escola Primária John Muir, em Seattle. A
remetente anônima a pôs na “caixa de correspondência”
de sua classe — na verdade, uma caixa de papelão
especialmente pintada — onde ela e os colegas são
encorajados a escrever suas queixas e problemas para
que toda a classe os discuta e reflita sobre as diversas
formas de lidar com eles. A discussão conduzida pelo
professor não cita os nomes dos envolvidos; em vez
disso, o professor observa que todas as crianças têm tais
problemas de vez em quando. Enquanto discutem como
se sente quem é deixado de fora, ou o que poderia fazer
para ser incluído, têm a oportunidade de testar novas
soluções para esses dilemas — um corretivo para a idéia
bitolada que vê o conflito como o único caminho para
solucionar desavenças.
A caixa de correspondência permite flexibilidade
sobre que crises e questões, exatamente, serão temas da
aula, pois um programa muito rígido pode entrar em
descompasso com as vicissitudes da infância. À medida
que as crianças se modificam e crescem, as
preocupações do momento também mudam. Para serem
mais eficazes, as lições emocionais devem estar de
acordo com o desenvolvimento da criança e ser
repetidas em diferentes idades de maneira que se
encaixem em sua compreensão e desafios que estão
sempre em mudança.
Quando começar? Alguns dizem que nunca é cedo
demais começar nos primeiros anos. O pediatra T. Berry
Brazelton, de Harvard, sugere que muitos pais podem
beneficiar-se se forem treinados como mentores
emocionais de seus bebês e filhos pequenos, como
fazem alguns programas de visita familiar. Podemos
defender fortemente a ênfase a ser atribuída a uma das
mais sistemáticas aptidões sociais emocionais em
programas do pré-escolar como o Head Start; como
vimos no Capítulo 12, a disponibilidade da criança para
a aprendizagem escolar depende demais da aquisição de
algumas dessas aptidões emocionais básicas. Os anos
que antecedem a ida para a escola são cruciais para
deitar as bases das aptidões, e há algum indício de que o
Head Start, quando bem aplicado (uma importante
advertência), pode trazer grandes benefícios, a longo
prazo, em questões emocionais e sociais, mesmo no
início da vida adulta — menos problemas de drogas e
prisões, melhores casamentos, maior capacidade de
ganhar dinheiro.5
Essas intervenções funcionam melhor quando
identificam o cronograma emocional do
desenvolvimento.6 Como testemunha o choro dos
recém-nascidos, os bebês têm sentimentos intensos a
partir do momento em que nascem. Mas o cérebro deles
está longe da maturidade; como vimos no Capítulo 15,
só quando o sistema nervoso chega ao desenvolvimento
final — um processo que se desenrola segundo um
relógio biológico inato durante toda a infância e início
da adolescência — as emoções da criança amadurecem
inteiramente. O repertório de sentimentos do recémnascido é primitivo, em comparação com a gama
emocional de um menino de 5 anos; que por sua vez é
falho quando comparado com a variedade de
sentimentos de um adolescente. Na verdade, os adultos
caem muito prontamente na armadilha de esperar que as
crianças atinjam um amadurecimento que só irá ocorrer
muito mais tarde, esquecendo que cada emoção tem seu
momento programado para aparecer no crescimento da
criança. Um fanfarrão de 4 anos, por exemplo, pode ser
censurado pelo pai — e, no entanto, a autoconsciência
que traz a humildade só aparece, normalmente, lá pelos
5 anos, mais ou menos.
O cronograma do crescimento emocional está
entrelaçado com linhas aliadas de desenvolvimento,
sobretudo para o conhecimento, de um lado, e
maturação do cérebro e biológica, do outro. Como
vimos, aptidões emocionais como empatia e autoregulação emocional começam a formar-se praticamente
a partir da primeira infância. Os anos de jardim-deinfância assinalam um pico de amadurecimento das
“emoções sociais” — sentimentos como insegurança e
humildade, ciúme e inveja, orgulho e confiança —, os
quais exigem a capacidade de comparar-se com os
outros. A criança de 5 anos, ao entrar no mundo social
mais amplo, entra também no mundo da comparação
social. Não é apenas a mudança externa que traz essas
comparações, mas também o surgimento de uma
capacidade cognitiva: poder comparar-se com os outros
em determinadas qualidades, sejam talentos de
popularidade, atração ou skate. Essa é uma idade em
que, por exemplo, ter uma irmã mais velha que só tira
dez pode fazer com que a irmã caçula, por comparação,
se sinta “burra”.
O Dr. David Hamburg, psiquiatra e presidente da
Carnegie Corporation, que avaliou alguns programas
pioneiros de educação emocional, vê os anos de
transição para a escola primária e depois o ginásio ou
escola média como assinalando dois pontos cruciais no
ajustamento da criança.7 Dos 6 aos 11 anos, ele diz, “a
escola é um cadinho e uma experiência definidora que
irá influenciar maciçamente a adolescência da criança e
além. A sensação de auto-estima da criança depende
substancialmente de sua capacidade de rendimento na
escola. A que fracassa na escola põe em movimento as
atitudes de autoderrota que comprometem as
perspectivas de toda uma vida”. Entre os pontos
essenciais para beneficiar-se na escola, observa
Hamburg, está a capacidade de “adiar a satisfação, ser
socialmente responsável de forma apropriada, manter
controle sobre as emoções e ter uma perspectiva
otimista” — em outras palavras, inteligência emocional.8
A puberdade — por ser um tempo de extraordinária
mudança na biologia da criança, na capacidade de
pensar e no funcionamento do cérebro — é também um
momento crucial para o aprendizado de lições
emocionais e sociais. Quanto aos anos de adolescência,
Hamburg observa que “a maioria dos adolescentes tem
de 10 a 15 anos quando é exposta à sexualidade, álcool
e drogas, fumo” e outras tentações.9
A transição para a escola média ou ginásio assinala o
fim da infância e é em si um grande desafio emocional.
Além de todos os outros problemas, quando entram
nesse novo esquema escolar praticamente todos os
estudantes têm uma perda na autoconfiança e um salto
na autoconsciência; mesmo o que eles pensam de si
mesmos fica abalado e tumultuado. Um dos maiores
golpes específicos é na “auto-estima” social — a certeza
de que podem fazer e manter amigos. É nessa
conjuntura, observa Hamburg, que ajuda imensamente
reforçar a capacidade de meninos e meninas para
estabelecerem relacionamentos estreitos e superar as
crises nas amizades, e alimentar sua autoconfiança.
Hamburg observa que, quando os estudantes entram
no curso médio, bem no início da adolescência, os que
tiveram aulas de alfabetização emocional se diferenciam:
não se perturbam diante de pressões políticas dos
colegas, com as exigências acadêmicas e resistem mais à
tentação de fumar e usar drogas. Dominaram aptidões
emocionais que, pelo menos a curto prazo, os vacinam
contra o torvelinho e as pressões que vão enfrentar.
TUDO TEM SEU TEMPO CERTO
Quando psicólogos desenvolvimentistas e outros
mapeiam o surgimento das emoções, têm condições de
ser mais específicos sobre exatamente quais lições a
criança deve aprender em cada ponto no desenrolar da
inteligência emocional, quais déficits duradouros são
prováveis naqueles que não dominam as aptidões
fundamentais na hora adequada e que tipo de terapia
pode compensar o que foi perdido.
No programa de New Haven, por exemplo, as
crianças menores têm lições básicas de autoconsciência,
relacionamentos e processo de decisão. Na primeira
série, os alunos sentam-se em círculo e rodam o “cubo
dos sentimentos”, que tem palavras como triste ou
excitado em cada lado. Quando chega a sua vez,
descrevem um momento em que tiveram esse
sentimento, um exercício que lhes dá mais certeza na
associação de sentimentos a palavras e ajuda na empatia
quando ouvem outros com os mesmos sentimentos que
eles.
Na quarta e quinta séries, quando as relações com os
colegas assumem uma imensa importância em suas
vidas, eles têm lições que ajudam a amizade a funcionar
melhor: empatia, controle de impulso e da raiva. A aula
de Aptidões para a Vida sobre interpretação de emoções
em expressões faciais que os alunos da quinta série da
escola Troup testavam, por exemplo, é essencialmente
sobre empatia. Para controle de impulso, exibe-se com
destaque um cartaz com um sinal de trânsito de seis
etapas:
Sinal vermelho: 1. Pare, se acalme e pense antes de
agir.
Sinal amarelo: 2. Diga qual é o problema e como
você se sente.
3. Estabeleça uma meta positiva.
4. Pense em muitas soluções.
5. Tente prever as conseqüências.
Sinal verde: 6. Siga e tente o melhor plano.
A noção do sinal de trânsito é invocada regularmente
quando a criança, por exemplo, está para atacar furiosa,
ou retraída num descontentamento por alguma ofensa,
ou cai em prantos por ter sido provocada, e proporciona
um conjunto concreto de passos para lidar com esses
momentos carregados de uma forma mais comedida.
Além do controle dos sentimentos, aponta um caminho
para uma ação mais eficaz. E como uma maneira
habitual de controlar o impulso emocional mais rebelde
— pensar antes de agir com base nos sentimentos —
pode evoluir numa estratégia básica para lidar com os
riscos da adolescência e mais além.
Na sexta série, as lições se relacionam mais
diretamente com as tentações e pressões de sexo, drogas
ou bebida que começam a entrar na vida dos jovens. No
segundo grau, quando os adolescentes se vêem diante
de realidades sociais mais ambíguas, enfatiza-se a
capacidade de adotar múltiplas perspectivas — a nossa e
as dos outros envolvidos.
— Se o garoto está furioso porque viu a namorada
conversando com outro — diz um dos professores de
New Haven —, sugerimos que imagine o que está se
passando do ponto de vista deles também, em vez de
simplesmente entrar num confronto.
ALFABETIZAÇÃO EMOCIONAL COMO
PREVENÇÃO
Alguns dos mais efetivos programas de alfabetização
emocional foram desenvolvidos em resposta a um
problema específico, notadamente a violência. Um
desses cursos de alfabetização emocional inspirados na
prevenção que mais rápido cresce é o Programa de
Solução Criativa para Conflitos, adotado em centenas de
escolas públicas da cidade de Nova York e em outras em
todo o país. O curso de solução de conflito enfoca como
resolver brigas no pátio de recreio as quais podem se
transformar em tiros como os que mataram Ian Moore e
Tyrone Sinkler, no corredor do Ginásio Jefferson,
disparados por um colega de classe.
Linda Lantieri, fundadora do Programa de Solução
Criativa para Conflitos e diretora do centro nacional
desse método, sediado em Manhattan, o vê como uma
missão que vai além da prevenção de brigas. Ela diz:
— O programa mostra aos estudantes que eles têm
muitas opções para lidar com conflitos, além da
passividade ou agressão. Mostramos a eles a futilidade
da violência, substituindo-a por aptidões concretas. As
crianças aprendem a garantir seus direitos sem recorrer à
violência. São aptidões para a vida toda, não apenas
para aqueles mais inclinados à violência.10
Num dos exercícios, os alunos pensam num único
passo realista, por menor que seja, que poderia tê-los
ajudado a solucionar um conflito que tiveram. Em outro,
encenam uma irmã mais velha que está fazendo o dever
de casa e se irrita com o som do rap que a irmã menor
está ouvindo. Aborrecida, a maior desliga a fita, apesar
dos protestos da menor. Todas as crianças da turma
pensam em todas as possibilidades para resolver o
conflito, de uma forma satisfatória para as duas irmãs.
Uma chave para o êxito do programa de solução de
conflitos é estendê-lo para além da sala de aula, até o
pátio e a lanchonete, onde é mais provável que os
ânimos se acirrem. Para isso, alguns alunos são treinados
como mediadores, um papel que podem começar a
exercer ao final do primário. Quando surge a tensão, os
alunos podem procurar um mediador para ajudá-los a
resolvê-la. Os mediadores de pátio aprendem a lidar com
brigas, provocações e ameaças, incidentes inter-raciais e
outros potencialmente incendiários da vida escolar.
Os mediadores aprendem a mostrar seus pontos de
vista de uma forma imparcial. A tática inclui sentar-se
com os envolvidos e fazê-los ouvir um ao outro sem
interrupções nem insultos. Os dois devem se acalmar e
expor as respectivas posições, depois o mediador pede
que eles parafraseiem o que o outro disse para que fique
claro que de fato ouviram. Depois tentam soluções com
as quais os dois lados podem conviver; as soluções
muitas vezes são na forma de um acordo assinado.
Além da mediação numa determinada disputa, o
programa ensina os alunos a pensar, em primeiro lugar,
de forma diferente sobre os desacordos. Como diz Angel
Perez, treinado como mediador na escola primária, o
programa “mudou minha maneira de pensar. Antes eu
pensava, ora, se alguém me provoca, se alguém me faz
alguma coisa, a única solução é brigar, fazer alguma
coisa para descontar. Depois que participei desse
programa, penso de forma mais positiva. Se me fazem
alguma coisa ruim, eu não retribuo da mesma forma;
tento solucionar o problema”. E ele acabou
disseminando a técnica em sua comunidade.
Embora o foco do Programa de Solução Criativa para
Conflitos esteja na prevenção da violência, Linda Lantieri
considera que há uma missão mais ampla. Sua opinião é
que as aptidões necessárias à prevenção da violência
não são algo à parte de todo o espectro de competência
emocional — saber, por exemplo, o que estamos
sentindo ou saber controlar os impulsos ou lidar com a
mágoa é tão importante para a prevenção da violência
quanto para o controle da raiva. Grande parte do
treinamento se relaciona com questões emocionais
básicas, como reconhecer uma gama mais ampla de
sentimentos e poder nomeá-los. Quando descreve os
resultados de seu programa, Linda observa com muito
orgulho tanto o aumento de “consideração entre as
crianças” quanto a queda nas brigas, humilhações e
xingamentos.
Uma convergência semelhante de alfabetização
emocional ocorreu com um grupo de psicólogos que fez
um trabalho com jovens cujas trajetórias de vida eram
marcadas pelo crime e pela violência. Dezenas de
estudos desses garotos — como vimos no Capítulo 15 —
mostraram um sentido claro do caminho que a maioria
tomava, começando da impulsividade e da rapidez com
que se encolerizavam nos primeiros anos de escola,
passando pela rejeição social no fim do primário, até
juntar-se a um círculo de outros como eles e iniciar
orgias de crime nos anos de curso médio. No início da
idade adulta, grande parte desses garotos já eram
fichados na polícia e estavam voltados para a prática de
atos violentos.
Quando foram discutidas as intervenções capazes de
desviá-los do caminho que conduz à violência, a opção
foi, mais uma vez, por um programa de alfabetização
emocional.11 Um desses, criado por um grupo do qual
fazia parte Mark Greenberg, da Universidade de
Washington, é o currículo PATHS (sigla de Parents and
Teachers Helping Students — Pais e Mestres Ajudando
Alunos). Embora os que correm o risco de chegarem ao
crime e à violência sejam os que mais precisam desse
ensinamento, o curso se estende a toda uma classe,
evitando qualquer estigmatização de um subgrupo mais
perturbado.
Mesmo assim, as lições são úteis para todas as
crianças. Entre elas está, por exemplo, aprender nos
primeiros anos de escola a controlar os impulsos; sem
essa aptidão, as crianças têm problema especial para
prestar atenção ao que se ensina, e ficam para trás no
aprendizado e nas notas. Outra é reconhecer os próprios
sentimentos; o currículo do PATHS tem cinqüenta lições
sobre diferentes emoções, ensinando as mais básicas,
como felicidade e raiva, às crianças mais novas, e depois
tocando em sentimentos mais complexos como ciúme,
orgulho e culpa. As lições de consciência emocional
incluem como monitorar o que eles e os outros em volta
estão sentindo e — o mais importante para os inclinados
à agressão — como reconhecer quando alguém é de fato
hostil, e quando nós é que estamos supondo a
hostilidade.
Uma das lições mais importantes, claro, é o controle
da raiva. A premissa básica que as crianças aprendem
sobre esse tipo de sentimento (e todas as outras
emoções também) é que “é legal ter todos os
sentimentos”, mas algumas reações são corretas e outras
não. Aqui, um dos instrumentos para ensinar
autocontrole é o mesmo exercício de “sinal de trânsito”
usado em New Haven. Outras unidades ajudam as
crianças com suas amizades, um contrapeso da rejeição
social que pode facilitar o caminho para a violência.
REPENSANDO AS ESCOLAS: O ENSINO
PELO SER,
COMUNIDADES QUE SE ENVOLVEM
Como a vida em família não mais proporciona a
crescentes números de crianças uma base segura na
vida, as escolas permanecem como o único lugar a que a
comunidade pode recorrer em busca de corretivos para
as deficiências da garotada em competência emocional e
social. Isso não quer dizer que as escolas, sozinhas,
possam substituir todas as instituições sociais que muitas
vezes já estão ou se aproximam do colapso. Mas, como
praticamente toda criança vai à escola (pelo menos no
início), este é um lugar que pode proporcionar às
crianças os ensinamentos básicos para a vida que talvez
elas não recebam nunca em outra parte. Alfabetização
emocional implica um mandado ampliado para as
escolas, entrando no lugar de famílias que falham na
socialização das crianças. Essa temerária tarefa exige
duas grandes mudanças: que os professores vão além de
sua missão tradicional e que as pessoas na comunidade
se envolvam mais com as escolas.
Se há ou não uma classe explicitamente dedicada à
alfabetização emocional importa muito menos do que
como se ensinam essas lições. Talvez não haja outro
tema em que a qualificação do professor seja mais
importante, uma vez que a maneira como ele lida com a
classe é, por si mesma, um modelo, uma lição de fato de
competência — ou incompetência — emocional. Sempre
que um professor responde a um aluno, vinte ou trinta
outros aprendem uma lição.
Há uma seleção natural do tipo de professor que
gravita para cursos como esses, porque nem todos
possuem o temperamento adequado. Para começar, eles
precisam se sentir à vontade para falar sobre
sentimentos; nem todos são ou querem ser assim. Pouca
coisa ou nada na educação padrão dos professores os
prepara para esse tipo de ensinamento. É por essa razão
que os programas de alfabetização emocional,
normalmente, fornecem aos professores em perspectiva
várias semanas de treinamento especial na técnica.
Embora muitos professores possam relutar no início a
enfrentar um tópico que julgam tão estranho à sua
formação e rotinas, há indícios de que, uma vez que se
dispõem a tentar, a maioria fica mais satisfeita do que
aborrecida. Nas escolas de New Haven, quando os
professores souberam que iam ser treinados para dar os
novos cursos de alfabetização emocional, 31% disseram
que relutavam em fazê-lo. Após um ano dando os
cursos, mais de 90% disseram que estavam satisfeitos, e
que queriam voltar a dá-los no ano seguinte.
Ã
UMA MISSÃO MAIOR PARA AS ESCOLAS
Além do treinamento do professor, a alfabetização
emocional amplia nossa visão acerca do que é a escola,
explicitando-a como um agente da sociedade
encarregado de constatar se as crianças estão obtendo os
ensinamentos essenciais para a vida — isto significa um
retorno ao papel clássico da educação. Esse projeto
maior exige, além de qualquer coisa específica no
currículo, o aproveitamento das oportunidades, dentro e
fora das salas de aula, para ajudar os alunos a
transformar momentos de crise pessoal em lições de
competência emocional. Também funciona melhor
quando as lições em classe são coordenadas com o que
se passa na casa das crianças. Muitos programas de
alfabetização emocional incluem aulas especiais para
pais, a fim de transmitir a eles o que seus filhos estão
aprendendo, não apenas para complementar o que se dá
na escola, mas para ajudar os pais que querem lidar mais
efetivamente com a vida emocional de seus filhos.
Assim, as crianças recebem mensagens consistentes
sobre competência emocional em todas as áreas da vida.
Nas escolas de New Haven, diz Tim Shriver, diretor do
Programa de Competência Social, “se os garotos se
metem numa briga na lanchonete, são mandados a um
colega mediador, que se senta com eles e soluciona o
conflito com a mesma técnica de adoção de perspectiva
que eles aprenderam na aula. Treinadores usam a
técnica de solução de conflito no campo de esportes.
Temos classes para pais sobre o uso desses métodos
com as crianças em casa”.
Essas linhas paralelas de reforço das lições
emocionais — não apenas na sala de aula, mas também
no pátio; não apenas na escola, mas também em casa —
são ideais. Isso implica interligar mais estreitamente a
escola, os pais e a comunidade. Aumenta a
probabilidade de que o que as crianças aprenderam nas
classes de alfabetização emocional não ficará para trás na
escola, mas será testado, praticado e afiado nos desafios
reais da vida.
Outra maneira como esse tipo de abordagem acarreta
a reformulação das escolas é a criação de uma cultura
universitária que faz dela uma “comunidade envolvida”,
um lugar onde os alunos se sentem respeitados,
cuidados e ligados aos colegas, professores e à própria
escola.12 Por exemplo, as escolas em lugares como New
Haven, onde as famílias se desintegram em ritmo
acelerado, oferecem uma gama de programas que
recrutam pessoas interessadas na comunidade para
envolver-se com estudantes cuja vida familiar, na melhor
das hipóteses, esteja sofrendo algum abalo. Nas escolas
de New Haven, adultos responsáveis apresentam-se
como voluntários para serem mentores, companheiros
regulares de estudantes que estão falhando e têm
poucos, quando têm, adultos protetores na vida familiar.
Em suma, o projeto ideal dos programas de
alfabetização emocional é começar cedo, ser apropriado
à idade, cobrir todo o tempo de escolaridade e
entremear os trabalhos na escola, em casa e na
comunidade.
Embora grande parte disso se encaixe tranqüilamente
em partes existentes do dia escolar, esses programas são
uma grande mudança em qualquer currículo. Seria
ingênuo não prever obstáculos para introduzir esses
programas na escola. Muitos pais podem achar que a
matéria, em si, é um campo muito pessoal para ser
deixado a cargo da escola, que é melhor deixar essas
coisas com os pais (um argumento que ganha crédito se
os pais de fato se encarregarem desses assuntos — e é
menos convincente quando não o fazem). Os
professores podem relutar em dedicar mais uma parte do
dia escolar a assuntos que parecem não estar
relacionados com o básico acadêmico; alguns
professores podem sentir-se muito pouco à vontade para
ensinar esse tipo de matéria e todos precisarão de
treinamento especial para fazê-lo. Também algumas
crianças poderão resistir, sobretudo quando essas lições
estão fora de sincronia com suas preocupações reais, ou
senti-las como intromissoras imposições em sua
intimidade. E depois há o dilema de manter a alta
qualidade e providenciar para que os espertos
comerciantes da educação não mascateiem programas de
competência emocional ineptamente projetados, que
repitam os desastres dos, digamos, malconcebidos cursos
sobre drogas e gravidez na adolescência.
Diante de todos esses obstáculos, por que nos
darmos o trabalho de tentar?
A ALFABETIZAÇÃO EMOCIONAL FAZ
ALGUMA DIFERENÇA?
É o pesadelo de todo professor: um dia, Tim Shriver
abriu o jornal local e leu que Lamont, um de seus exalunos favoritos, tinha recebido nove tiros numa rua de
New Haven e seu estado de saúde era crítico.
— Lamont tinha sido um dos líderes da escola, um
enorme... mais de 1,80 metro ... e muito querido jogador
de rúgbi, sempre sorridente — lembra Shriver. —
Naquele tempo, ele gostava de freqüentar um clube de
liderança que eu dirigia, onde jogava com as idéias num
modelo de solução de problemas conhecido como
SOCS.
A sigla é de Situation, Options, Consequence,
Solutions [Situação, Opções, Conseqüência, Soluções] —
um método em quatro etapas: dizer qual é a situação e
como nos faz sentir; pensar em nossas opções para
solucionar o problema e quais podem ser suas
conseqüências; escolher uma solução e executá-la —
uma versão adulta do método do sinal de trânsito.
Lamont, acrescentou Shriver, adorava pensar em todas as
formas imagináveis, mas potencialmente efetivas de lidar
com os prementes dilemas da vida ginasial, tipo
problemas com namoradas e como evitar brigas.
Mas essas poucas lições pareceram faltar-lhe após o
ginásio. Vagando pelas ruas num mar de pobreza,
drogas e armas, Lamont, aos 26 anos, jazia num leito de
hospital, envolto em bandagens. Ao correr para o
hospital, Shriver encontrou-o mal podendo falar, a mãe e
a namorada amontoadas em cima dele. Vendo o antigo
professor, Lamont chamou-o com um gesto para o lado
da cama e, quando Shriver se curvou para ouvir, ele
murmurou:
— Shriver, quando eu sair daqui vou usar o método
SOCS.
Ele fizera o Ginásio de Hillhouse antes que se desse
ali o curso de desenvolvimento social. A sua vida teria
sido outra caso ele houvesse tido o benefício desse tipo
de aprendizagem durante o tempo em que estivera na
escola, como ocorre agora com as crianças das escolas
públicas de New Haven? Tudo indica que sim, embora
não se possa ter certeza.
Como disse Tim Shriver:
— Uma coisa está clara: o campo de provas para a
solução de problemas sociais não é só a sala de aula,
mas a lanchonete, as ruas, o lar.
Vejam o depoimento de professores no programa de
New Haven. Um conta que uma ex-aluna, ainda solteira,
lhe procurou para dizer que com certeza já seria uma
mãe solteira “se não tivesse aprendido a defender seus
direitos em nossas aulas de Desenvolvimento Social”.13
Outro professor lembra que o relacionamento de uma
estudante com a mãe era tão ruim que as conversas das
duas em geral acabavam em gritaria; depois que a garota
aprendeu a se acalmar e pensar antes de reagir, a mãe
disse ao professor que agora podiam conversar sem
brigas. Na escola Troup, uma aluna da sexta série passou
um bilhete para o professor de Desenvolvimento Social;
a melhor amiga dela, dizia a nota, estava grávida, não
tinha ninguém com quem conversar sobre o que fazer e
estava pensando em suicídio — mas sabia que o
professor ia se interessar.
Um momento revelador ocorreu quando eu
observava uma classe da sétima série de
Desenvolvimento Social numa escola de New Haven e o
professor pediu que “alguém falasse sobre uma
desavença recente e que tinha sido resolvida de forma
positiva”.
Uma gordinha de 12 anos levantou a mão:
— Tinha uma garota que eu tinha como amiga e aí
uma pessoa me disse que ela queria brigar comigo.
Disseram que ela ia me pegar na esquina depois da aula.
Mas, em vez de enfrentar furiosa a outra menina, ela
aplicara uma técnica aprendida na aula — descobrir o
que se passa antes de saltar a conclusões:
— Então, eu procurei a menina e perguntei por que
ela tinha dito aquilo. E ela disse que nunca tinha dito.
Por isso a gente nunca brigou.
A história parece bastante inócua. Só que a garota
que conta a história já tinha sido expulsa de outra escola
por briga. Agredia primeiro e fazia as perguntas depois
— ou nem fazia. Para ela, abordar um suposto
adversário de maneira construtiva, em vez de partir
imediatamente para um irado confronto, é uma vitória
pequena mas concreta.
Talvez o sinal mais revelador do impacto causado
pelas aulas de alfabetização emocional sejam os dados
que me foram fornecidos pelo diretor da escola dessa
menina de 12 anos. Uma regra inflexível ali é que as
crianças surpreendidas brigando são suspensas. Mas, à
medida que as aulas de alfabetização emocional se
estenderam ao longo dos anos, verificou-se uma queda
constante no número de suspensões.
— No ano passado — diz o diretor — houve 106
suspensões. Até agora este ano... estamos chegando em
março... houve apenas 26.
Há vantagens concretas. Mas, além dessas historinhas
de vítimas melhoradas ou salvas, há a questão empírica
da verdadeira importância das aulas de alfabetização
emocional para aqueles que as tiveram. Os dados
sugerem que, embora esses cursos não mudem ninguém
da noite para o dia, à medida que as crianças avançam
no currículo de série em série, verificam-se melhoras
discerníveis no tom de uma escola e na perspectiva — e
nível de competência emocional — das meninas e
meninos que os fazem.
Há muitas avaliações objetivas, as melhores das quais
comparam alunos que participaram desses cursos com
outros que não participaram, onde observadores
independentes avaliam o comportamento das crianças.
Outro método é identificar mudanças nos alunos antes e
depois do treinamento, com base em medidas objetivas
de seu comportamento, como o número de brigas no
pátio e suspensões. O conjunto dessas avaliações sugere
um generalizado proveito na competência social e
emocional das crianças, em seu comportamento dentro e
fora da escola e em sua capacidade de aprender (ver
detalhes no Apêndice F):
AUTOCONSCIÊNCIA EMOCIONAL
• Melhora no reconhecimento e designação das
próprias emoções
• Maior capacidade de entender as causas dos
sentimentos
• Diferenciar sentimentos e atos
CONTROLE DE EMOÇÕES
• Melhor tolerância à frustração e controle da raiva
• Menos ofensas verbais, brigas e perturbação na sala
de aula
• Maior capacidade de expressar adequadamente a
raiva, sem brigar
• Menos suspensões e expulsões
• Menos comportamento agressivo ou autodestrutivo
• Mais sentimentos positivos sobre si mesmo, a
escola e a família
• Melhor no lidar com a tensão
• Menos solidão e ansiedade social
CANALIZAR PRODUTIVAMENTE AS EMOÇÕES
• Melhor comunicabilidade
• Maior capacidade de se concentrar na tarefa
imediata e prestar atenção
• Menor impulsividade; mais autocontrole
• Melhores notas nas provas
EMPATIA: LER EMOÇÕES
• Maior capacidade de adotar a perspectiva do outro
• Melhor empatia e sensibilidade em relação aos
sentimentos dos outros
• Melhor no ouvir os outros
LIDAR COM RELACIONAMENTOS
• Maior capacidade de analisar e compreender
relacionamentos
• Melhor na solução de conflitos e negociação de
desacordos
• Melhor na solução de problemas em
relacionamentos
• Mais assertivo e hábil no comunicar-se
• Mais benquisto; amistoso e envolvido com os
colegas
• Mais procurado pelos colegas
• Mais preocupado e atencioso
• Mais “pró-social” e harmonioso em grupos
• Maior partilhamento, cooperação e prestatividade
• Mais democrático no lidar com os outros
Um item desta lista exige especial atenção: os
programas de alfabetização melhoram as notas de
aproveitamento acadêmico das crianças e o desempenho
na escola. Isso não é uma constatação isolada; repete-se
muitas vezes nesses estudos. Numa época em que um
grande número de crianças não é capaz de lidar com
suas perturbações, de ouvir ou de se concentrar, frear
um impulso, sentir-se responsável por seu trabalho ou se
ligar na aprendizagem, qualquer coisa que reforce essas
aptidões ajudará na educação delas. Neste sentido, a
alfabetização emocional aumenta a aptidão da escola
para dar ensinamentos. Mesmo num tempo de retorno
ao básico e cortes no orçamento, pode-se argumentar
que esses programas ajudam a deter a maré de declínio
educacional e dão suporte às escolas no cumprimento
de sua missão principal e, portanto, o investimento vale
a pena.
Além dessas vantagens educacionais, os cursos
parecem ajudar as crianças a melhor desempenhar seus
papéis na vida, tornando-se melhores amigos, alunos,
filhos e filhas — e no futuro têm mais probabilidade de
serem melhores maridos e esposas, trabalhadores e
chefes, pais e cidadãos. Embora nem todo garoto ou
garota venha a adquirir essas aptidões com igual êxito,
na medida em que o fizerem estarão melhor por isso.
— Uma enchente eleva todos os barcos — como diz
Tim Shriver. — Não apenas os garotos com problemas,
mas todos os garotos podem lucrar com essas aptidões;
são uma vacinação para toda a vida.
Á
CARÁTER, MORALIDADE E AS ARTES DA
DEMOCRACIA
Há uma palavra meio fora de moda para definir o
conjunto de aptidões que a inteligência emocional
representa: caráter. O caráter, escreve Amitai Etzioni,
teórica social da Universidade de Washington, é “o
músculo psicológico necessário para a conduta moral”.14
E o filósofo John Dewey diz que uma educação moral é
mais poderosa quando as lições são ensinadas às
crianças no curso de fatos reais, não apenas como lições
abstratas — o modo da alfabetização emocional.15
Se o desenvolvimento do caráter é uma das bases das
sociedades democráticas, pensem em algumas das
maneiras como a inteligência emocional as reforça. O
princípio fundamental do caráter é a autodisciplina; a
vida virtuosa, como têm observado os filósofos desde
Aristóteles, se baseia no autocontrole. Uma pedra de
toque que guarda afinidade com o caráter é a
capacidade de motivar-se e orientar-se, seja ao fazer o
dever de casa, concluir um trabalho ou levantar-se pela
manhã. E, como vimos, a capacidade de adiar a
satisfação e controlar e canalizar nossos impulsos para
agir é uma aptidão emocional básica, que em outros
tempos se chamava de força de vontade. “Precisamos ter
controle sobre nós mesmos — nossos apetites, nossas
paixões — para agir direito com os outros”, observa
Thomas Lickona, quando escreve sobre educação do
caráter.16 “É preciso força de vontade para manter a
emoção sob o controle da razão.”
A capacidade de pôr de lado nosso foco e impulsos
autocêntricos tem vantagens sociais: abre o caminho
para a empatia, para ouvir de fato, para adotar a
perspectiva de outra pessoa. A empatia, como vimos,
leva ao envolvimento, ao altruísmo e à piedade. Ver as
coisas da perspectiva dos outros quebra estereótipos
tendenciosos e, assim, gera a tolerância e a aceitação das
diferenças. Essas aptidões são cada vez mais exigidas
numa sociedade cada vez mais pluralística, permitindo
que as pessoas convivam em respeito mútuo e criando a
possibilidade do discurso público produtivo. São artes
básicas da democracia.17
As escolas, observa Etzioni, têm um papel central no
cultivo do caráter pela inculcação de autodisciplina e
empatia, que por sua vez permitem o verdadeiro
compromisso com valores cívicos e morais.18 Ao fazer
isso, não basta pregar valores às crianças; é preciso
praticá-los, o que acontece quando as crianças formam
as aptidões emocionais e sociais essenciais. Nesse
sentido, a alfabetização emocional anda de mãos dadas
com a educação para ter caráter, desenvolvimento moral
e cidadania.
UMA ÚLTIMA PALAVRA
No momento em que concluo este livro, algumas
perturbadoras notícias de jornais me chamam a atenção.
Uma anuncia que as armas se tornaram a causa número
um de morte nos Estados Unidos, superando os
acidentes de carro. A segunda diz que, no ano passado,
o percentual de homicídios subiu 3%.19 Particularmente
perturbadora é a previsão nessa segunda matéria, de
autoria de um criminologista, de que estamos vivendo
numa calmaria, porque o “vendaval de crime” virá na
próxima década. Segundo o articulista, os assassinatos
cometidos por adolescentes de até 14 e 15 anos estão
em ascensão, e a essa faixa etária pertencem milhões de
jovens. Na próxima década, esse grupo estará com 18 a
20 anos, idade em que a prática de crimes violentos é o
auge de uma carreira criminosa. Os prenúncios estão no
horizonte. Uma terceira matéria diz que, nos quatro anos
entre 1988 e 1992, cifras do Departamento de Justiça
mostram um salto de 68% no número de jovens
acusados de assassinato, lesões corporais com
agravantes, assalto e estupro, sendo que as lesões
corporais aumentaram em 80%.20
Esses adolescentes são a primeira geração a ter não
apenas armas, mas armas automáticas à sua inteira
disposição, da mesma forma que a geração de seus pais
foi a primeira a ter um grande acesso às drogas. O uso
de armas por adolescentes implica que, se no passado as
desavenças eram resolvidas na porrada, hoje podem
tranqüilamente ser resolvidas a tiros. E, observa um
especialista, esses adolescentes “não são muito bons
nessa coisa de evitar brigas”.
Um dos motivos por que são tão ruins nessa aptidão
básica para a vida, claro, é que como sociedade não
tivemos a preocupação de garantir a todas as crianças o
mínimo de competência para lidar com a raiva e para
resolver conflitos de forma positiva — tampouco nos
preocupamos em ensinar empatia, controle de impulso
ou qualquer dos outros fundamentos da competência
emocional. Deixando ao acaso a aprendizagem de lições
emocionais, corremos o enorme risco de não aproveitar
os momentos mais oportunos — proporcionados pelo
lento processo de maturação do cérebro — para
proporcionar às crianças o cultivo de um repertório
emocional saudável.
Apesar do grande interesse que têm os educadores na
alfabetização emocional, esse gênero de treinamento é
difícil de ser encontrado; a maioria dos professores,
diretores e pais simplesmente nem sabe que eles
existem. Os melhores modelos estão, em sua maioria,
fora da corrente principal da educação, em algumas
poucas escolas particulares e em poucas centenas de
escolas públicas. Claro que nenhum programa, inclusive
este de que falo, é solução para qualquer tipo de
problema. Mas, em vista da crise que nós e nossos filhos
estamos enfrentando e das perspectivas alvissareiras
trazidas pelos cursos de alfabetização emocional,
devemos nos perguntar: não devíamos — agora mesmo
— já estar ensinando a todas as crianças essas
essencialíssimas aptidões para a vida?
Se não for agora, quando será?
[1]
Para maiores informações sobre cursos de
alfabetização emocional: e Collaborative for the
Advancement of Social and Emotional Learning —
CASEL), Yale Child Study Center, P.O. Box 207900, 230
South Frontage Road, New Haven, CT 06520-7900.
Apêndice A
Que é Emoção?
Uma palavra sobre o que quero dizer sob a rubrica
emoção, termo cujo significado preciso psicólogos e
filósofos discutem há mais de um século. Em seu sentido
mais literal, o Oxford English Dictionary define emoção
como “qualquer agitação ou perturbação da mente,
sentimento, paixão; qualquer estado mental veemente ou
excitado”. Entendo que emoção se refere a um
sentimento e seus pensamentos distintos, estados
psicológicos e biológicos, e a uma gama de tendências
para agir. Há centenas de emoções, juntamente com suas
combinações, variações, mutações e matizes. Na
verdade, existem mais sutilezas de emoções do que as
palavras que temos para defini-las.
Os pesquisadores continuam a discutir sobre
precisamente quais emoções podem ser consideradas
primárias — o azul, vermelho e amarelo dos sentimentos
dos quais saem as misturas — ou mesmo se existem de
fato essas emoções primárias. Alguns teóricos propõem
famílias básicas, embora nem todos concordem com elas.
Principais candidatas e alguns dos membros de suas
famílias:
• Ira: fúria, revolta, ressentimento, raiva,
exasperação, indignação, vexame, acrimônia,
animosidade, aborrecimento, irritabilidade,
hostilidade e, talvez no extremo, ódio e violência
patológicos.
• Tristeza: sofrimento, mágoa, desânimo, desalento,
melancolia, autopiedade, solidão, desamparo,
desespero e, quando patológica, severa depressão.
• Medo: ansiedade, apreensão, nervosismo,
preocupação, consternação, cautela, escrúpulo,
inquietação, pavor, susto, terror e, como
psicopatologia, fobia e pânico.
• Prazer: felicidade, alegria, alívio, contentamento,
deleite, diversão, orgulho, prazer sensual, emoção,
arrebatamento, gratificação, satisfação, bom humor,
euforia, êxtase e, no extremo, mania.
• Amor: aceitação, amizade, confiança, afinidade,
dedicação, adoração, paixão, ágape.
• Surpresa: choque, espanto, pasmo, maravilha.
• Nojo: desprezo, desdém, antipatia, aversão,
repugnância, repulsa.
• Vergonha: culpa, vexame, mágoa, remorso,
humilhação, arrependimento, mortificação e
contrição.
Claro, esta lista não resolve toda a questão de como
caracterizar a emoção. Por exemplo, que dizer de
combinações como o ciúme, uma variante da ira que
também funde tristeza e medo? E das virtudes como
esperança e fé, coragem e perdão, certeza e
equanimidade? Ou alguns dos vícios clássicos,
sentimentos como dúvida, complacência, preguiça e
torpor — ou o tédio? Não há respostas claras; continua o
debate científico sobre como classificar as emoções.
A defesa da existência de umas poucas emoções
básicas depende em certa medida da descoberta por
Paul Ekman, na Universidade da Califórnia, em São
Francisco, de que as expressões faciais de quatro delas
(medo, ira, tristeza e alegria) são reconhecidas por povos
de culturas de todo o mundo, inclusive povos préletrados supostamente intocados pela exposição ao
cinema ou à televisão — o que sugere sua
universalidade. Ekman mostrou fotos que retratavam
expressões faciais de precisão técnica a pessoas em
culturas tão remotas como a Fore da Nova Guiné, uma
tribo isolada, na Idade da Pedra, das montanhas
distantes, e constatou que todos em toda parte
reconheciam as mesmas emoções básicas. Essa
universalidade das expressões faciais da emoção
provavelmente foi notada pela primeira vez por Darwin,
que a viu como indício de que as forças da evolução
haviam gravado esses sinais em nosso sistema nervoso
central.
Ao buscar princípios básicos, sigo Ekman e outros no
pensar nas emoções em termos de famílias ou
dimensões, tomando as famílias principais — ira, tristeza,
medo, amor e assim por diante — como exemplos dos
intermináveis matizes de nossa vida emocional. Cada
uma dessas famílias tem no centro um núcleo emocional
básico, com os parentes partindo dali em ondas de
incontáveis mutações. Nas ondas externas, estão os
estados de espírito, que, em termos técnicos, são mais
contidos e duram muito mais que uma emoção (embora
seja relativamente raro permanecer no pleno calor da ira
o dia todo, por exemplo, não é tão raro ficar num humor
rabugento, irritável, no qual se disparam facilmente
ataques mais curtos de ira). Além dos estados de espírito,
há os temperamentos, a disposição para evocar uma
determinada emoção ou estado de espírito que torna as
pessoas melancólicas, tímidas ou alegres. E ainda, além
dessas disposições emocionais, estão os distúrbios das
emoções, como a depressão clínica ou a ansiedade
constante, em que alguém se vê perpetuamente colhido
num estado tóxico.
Apêndice B
Características da
Mente Emocional
Só recentemente foi elaborado um modelo científico da
mente emocional que explica por que muitas de nossas
ações são determinadas pela emoção — por que somos
tão racionais num determinado momento e tão
irracionais em outros — e também foi firmado o
entendimento de que as emoções têm uma razão e uma
lógica que lhe são tão peculiares. As duas melhores
análises da mente irracional estão, talvez, em Paul
Ekman, diretor do Laboratório de Interação Humana da
Califórnia, em São Francisco, e em Seymour Epstein,
psicólogo clínico da Universidade de Massachusetts.1
Embora cada um deles tenha trabalhado com diferentes
indicadores científicos, do estudo dos dois podemos
extrair uma lista básica de características que distinguem
as emoções do resto da vida mental.2
Uma Resposta Rápida e
Simplificada
A mente emocional é muito mais rápida que a
racional, agindo irrefletidamente, sem parar para pensar.
Essa rapidez exclui a reflexão deliberada, analítica, que
caracteriza a mente racional. No curso da evolução
humana, essa agilidade, muito provavelmente, teve como
objetivo exclusivo a mais básica decisão: o que merecia
a nossa atenção e, uma vez vigilantes, quando, por
exemplo, ao enfrentarmos um animal, decidir, em
frações de segundos: eu como isso ou isso me come? As
espécies que não foram capazes de uma reação imediata
tiveram pouca probabilidade de deixar uma progênie
que passasse adiante seus lentos genes de atuação.
As ações desencadeadas pela mente emocional
carregam uma forte sensação de certeza, que é um
subproduto de um tipo de comportamento bastante
simplificado, de encarar determinadas coisas que, para a
mente racional, são intrigantes. Quando a poeira assenta,
ou mesmo durante a reação, aí pensamos: “Por que fiz
isso?” — este é o sinal de que a mente racional percebeu
o que aconteceu, mas não com a agilidade da mente
emocional.
Como o intervalo entre o que dispara uma emoção e
sua erupção é, em geral, praticamente nulo, os
mecanismos que avaliam a percepção de um
acontecimento são muito velozes, mesmo em tempo
cerebral, que é calculado em milésimos de segundo. A
constatação de que é preciso agir tem de ser automática
e, de tal forma, que não chegue nunca ao nível da
consciência.3 Somos tomados por uma reação emotiva
“rápida e rasteira”, normalmente muito antes de
sabermos, com exatidão, o que se passa.
Esse modo rápido de percepção perde em precisão
para ganhar em rapidez. Baseia-se em primeiras
impressões e reage ao panorama global ou aos seus
aspectos mais gritantes. Capta tudo num relance, reage e
não perde tempo com uma análise mais minuciosa dos
detalhes. A grande vantagem, aí, é que a mente
emocional é capaz de captar rapidamente uma emoção
(ele está furioso comigo; ela está mentindo; isso está
fazendo ele ficar triste) e, assim, de forma fulminante,
dizer do que nos acautelar, em quem confiar, quem está
com problemas. Ela é o nosso radar para o perigo; se
nós (ou nossos ancestrais) fôssemos aguardar que a
mente racional tomasse uma decisão, é possível não só
que houvéssemos cometido erros — também teríamos
desaparecido como espécie. Por outro lado, esse modo
de percepção tem suas desvantagens — as impressões e
julgamentos intuitivos, feitos num estalar de dedos,
podem ser equivocados e dirigidos ao alvo errado.
Paul Ekman vê a rapidez com que as emoções se
apossam de nós — antes mesmo que nos demos conta
de que já se instalaram em nós — como uma
adaptabilidade emocional essencial: mobiliza-nos para
agir nas emergências, sem perda de tempo ponderando
se ou quando reagir. Ekman desenvolveu um sistema
capaz de detectar alterações sutis na musculatura facial e
na fisiologia corporal, que ocorrem em milésimos de
segundo após a ocorrência do fato que causou
determinada emoção. Há, por exemplo, alteração no
fluxo sanguíneo e nos batimentos cardíacos, que se
iniciam rapidamente. Essa rapidez ocorre sobretudo nas
emoções intensas, como naquela associada ao
sentimento de medo diante de uma ameaça súbita.
Ekman afirma que, em termos técnicos, o auge da
emoção dura um momento breve — segundos, e não
minutos, horas ou dias. Segundo ele, as emoções teriam
uma má adaptabilidade caso se apoderassem do cérebro
e do corpo como um todo por muito tempo, sem levar
em consideração as cambiantes circunstâncias. Se
ficássemos tomados pelas emoções durante muito tempo
e invariavelmente, apesar de já decorrido o fato que as
desencadeou e independentemente do que mais se
passasse à nossa volta, os sentimentos delas decorrentes
seriam péssimos guias para a ação. Para que as emoções
permaneçam em nós por mais tempo, o gatilho tem de
ser mantido, ou seja, o sentimento — por exemplo, o
luto pela perda de um ente querido — tem de ser
continuamente evocado. Quando os sentimentos
persistem durante muito tempo tornam-se estado de
espírito, uma forma contida. Os estados de espírito
estabelecem um afeto, mas não formam percepções de
maneira tão forte como ocorre no calor da emoção.
Primeiro os sentimentos — os
pensamentos vêm depois
Já que a mente racional demora mais para registrar e
reagir aos fatos do que a mente emocional, o “primeiro
impulso”, em circunstâncias emotivas, não vem da
cabeça, mas do coração. Há um outro tipo de reação
emocional que não é tão rápido — fervilha e fermenta
no pensamento antes de se configurar como sentimento.
Esse segundo caminho que leva à eclosão de emoções é
mais deliberado e, em geral, temos consciência do
raciocínio que leva à emoção. A reação que se
desencadeia é precedida de uma avaliação extensa:
nossos pensamentos — o processo cognitivo —
desempenham, no caso, um papel importante na
determinação de quais emoções serão despertadas. Tão
logo fazemos uma constatação — “Este taxista está me
roubando”, “Este bebê é lindo” —, a resposta emocional
é adequada. Nesse processo mais lento, um pensamento
mais articulado precede o sentimento. Emoções mais
complexas, como o nervosismo e a apreensão diante de
uma prova que teremos de fazer, seguem essa rota lenta,
levando segundos ou minutos para se formarem — são
emoções provocadas por pensamentos.
No processo de resposta rápida, ao contrário, o
sentimento precede ou é simultâneo ao pensamento.
Essa reação emocional do tipo “jogo rápido” assume o
comando em situações com a urgência da sobrevivência
primal. Eis o poder desse tipo de reação emocional:
mobilizar-nos, num átimo, para enfrentar uma
emergência. Nossos sentimentos mais intensos são
reações involuntárias; não cabe a nós decidir quando
vão acontecer. “O amor”, disse Stendhal, “é como uma
febre que vem e vai, independente de nossa vontade.”
Mas isso não ocorre só no amor, mas também na raiva e
no medo que nos toma, em que temos a sensação de
que algo aconteceu conosco, sem nossa deliberação.
Esse tipo de circunstância serve até como álibi. “O fato
de não podermos escolher que emoções teremos”, observa
Ekman, permite que as pessoas justifiquem seus atos
alegando terem estado sob o impacto da emoção.4
Da mesma forma que há caminhos rápidos e lentos
para o desencadeamento de uma emoção — pela
percepção imediata e pela reflexão, respectivamente —,
há emoções que convidamos para estarem conosco. É o
caso, por exemplo, de sensações propositalmente
provocadas, um recurso que os atores utilizam para, ao
evocar coisas tristes, conseguirem chorar. Os atores são
seres um pouco mais hábeis do que nós na arte de
utilizar essa segunda rota para provocar a emoção — a
sensação via pensamento. Embora não possamos
facilmente determinar que tipo de emoção um
pensamento vai desencadear, em geral podemos
escolher no que pensar. Assim como as fantasias sexuais
produzem sensações sexuais, as lembranças agradáveis
nos alegram e os pensamentos tristes nos deixam
sorumbáticos.
A mente racional, por outro lado, em geral não
decide que emoções devemos ter. Ao contrário, nossos
pensamentos em geral nos chegam como um fait
accompli. Diante disso, o que a mente racional pode
fazer é controlar o curso de nossa reação. Salvo
exceções, não decidimos quando ficar furiosos, tristes
etc.
A mente emocional e seus símbolos
— feito uma criança
A mente emocional possui uma lógica associativa;
elementos que simbolizam uma realidade ou que de
alguma forma lembrem essa realidade são, para a mente
emocional, a própria realidade. É por isso que símiles,
metáforas e imagens têm comunicação direta com a
mente emocional, e também a arte — romances, filmes,
poesia, música, teatro, ópera. Grandes mestres
espirituais, como Buda e Jesus, falaram ao coração de
seus discípulos através da linguagem da emoção,
ensinando por parábolas, fábulas e contos. Na realidade,
o símbolo e o rito não fazem muito sentido do ponto de
vista racional; são representações vernaculares de acesso
ao coração.
Essa lógica do coração — ou da mente emocional —
é muito bem descrita por Freud quando ele fala do
“processo primário” de pensamento; é a lógica religiosa
e da poesia, da psicose e da criança, do sonho e do mito
(como disse Joseph Campbell, “os sonhos são mitos
particulares, os mitos são sonhos públicos”). O processo
primário é a chave para a abertura do significado de
obras como Ulisses, de James Joyce: no processo
primário do pensamento, as livres associações
determinam o fluir de uma narrativa, um objeto
simboliza outro, um sentimento vem sob a forma de
outro sentimento, que toma seu lugar, o todo é
representado por suas partes. Tudo é atemporal e não há
causa nem efeito. No processo primário, na verdade, não
existe o interdito, porque tudo é possível. A psicanálise
aplicada é, em parte, a arte de buscar o significado
dessas substituições, decifrando e desenredando-as.
Se a mente emocional segue essa lógica e suas
próprias regras, com um elemento representando outro,
as coisas não precisam, necessariamente, ser definidas
através de sua identidade objetiva: o que importa é
como são percebidas; as coisas são como parecem ser. A
lembrança evocada pela percepção de alguma coisa
pode ser muitíssimo mais importante do que a coisa “é”.
De fato, na vida emocional, as identidades podem ser
como um holograma em que uma parte evoca o todo.
Como observa Seymour Epstein, enquanto a mente
racional faz conexões lógicas entre causa e efeito, a
mente emocional não faz qualquer discriminação. Liga
coisa com coisa que, entre si, guardam uma longínqua
similaridade.5
A mente emocional atua, sob muitas formas, feito
uma criança e, quanto mais criança, mais intenso é o seu
comportamento. Uma dessas formas é o pensamento
categórico, onde as coisas são em preto e branco, sem a
coloração cinzenta intermediária; assim, alguém que fica
mortificado por um faux pas pensará imediatamente “Eu
sempre faço a coisa errada”. Um outro indício dessa
“criancice” é o pensamento personalizado, ou seja, os
eventos são vivenciados como dirigidos à própria pessoa
— é o caso do motorista que, depois de um acidente,
diz que “O poste telefônico veio direto na minha
direção”.
Esse modo infantil de pensar se autoconfirma, na
medida em que descarta ou ignora lembranças que
possam abalar sua crença e se agarra em tudo que possa
mantê-la. As crenças de mente racional, ao contrário, não
são firmes; uma nova evidência pode alterá-las e
substituí-las — a mente racional lida com fatos objetivos.
A mente emocional, no entanto, considera que suas
crenças são totalmente verdadeiras e, portanto, descarta
qualquer coisa que lhes seja contrária. Eis por que é tão
difícil fazer com que alguém, sob perturbação
emocional, raciocine; não importa quão válida a
argumentação do ponto de vista lógico — nada que não
esteja enquadrado nas convicções emocionais do
momento pode influir. Os sentimentos se autojustificam
por uma série de percepções e de “provas”
convincentes.
O passado dentro do presente
Na ocorrência de um evento que traga para a mente
emocional, por um mínimo detalhe, fortes sensações do
passado, a reação que se desencadeia é idêntica àquela
vivida originalmente. A mente emocional reage ao
presente como reagiu no passado.6 Isto é problemático,
especialmente quando essa avaliação é rápida e
automática, porque às vezes não percebemos que o que
valeu antes agora não vale mais. Uma pessoa adulta que,
durante a infância, sofreu castigos dolorosos e por isso
aprendeu a sentir muito medo e antipatia diante de uma
cara raivosa, terá sensações similares ao ver uma cara
raivosa que, efetivamente, não constitua ameaça.
Se as sensações são fortes, então a reação que
desencadeiam são óbvias. Mas se vagas ou sutis, é
possível que não percebamos exatamente que emoção
estamos tendo, ainda que ela esteja exercendo uma
influência na forma como reagimos ao momento. Os
pensamentos e as reações nesse instante estarão sendo
influenciados por sensações do passado, mesmo que
possa parecer que a nossa reação é devida unicamente
às condições do momento presente. Nossa mente
emocional aparelhará a mente racional para seus fins, e
então justificaremos nossos sentimentos e reações —
racionalizamos — diante do que está acontecendo, sem
que nos demos conta das influências da memória
emocional. Dessa forma, não temos a menor idéia do
que realmente está ocorrendo, embora acreditemos
piamente que sabemos. Nesses momentos, a mente
emocional arrebata a mente racional, colocando-a a seu
serviço.
A realidade de um estado
emocional específico
A tarefa da mente emocional é, em grande parte,
determinar um estado emocional específico, ditado por
determinadas sensações que são dominantes num dado
momento. A maneira como pensamos e agimos quando
nos sentimos românticos é totalmente diferente da forma
como nos comportamos quando com raiva ou abatidos.
Na mecânica da emoção, cada sentimento tem um
diferente repertório de pensamentos, de reações e
mesmo de memórias. Esse repertório emocional
específico se torna mais dominante nos momentos de
intensa emoção.
A memória seletiva é um dos sinais de que esse
repertório está ativo. Parte do desempenho mental diante
de uma situação emocional consiste em fustigar a
memória e as opções para agir a fim de que as mais
relevantes fiquem no topo da hierarquia e, desta forma,
possam ser mais prontamente acionadas. E, como vimos,
cada grande emoção tem sua assinatura biológica
característica, um padrão de alterações avassaladoras no
corpo à medida que a emoção ascende e um tipo
exclusivo de sinais que o corpo automaticamente emite
quando sob a emoção.7
Apêndice C
O Circuito Neural do Medo
A amígdala cortical desempenha um papel central no
medo. Quando uma rara doença cerebral destruiu a
amígdala (mas não as outras estruturas cerebrais) de
S.M., o medo desapareceu de seu repertório mental. S.M.
tornou-se incapaz de identificar o medo no rosto de
outras pessoas, e mesmo de expressar o seu próprio
medo. Como observa o seu neurologista: “Se alguém
colocar uma arma na cabeça de S.M., ela saberá,
racionalmente, ter medo, mas não saberá sentir o medo
como ocorre conosco.”
Os neurocientistas mapearam o circuito do medo nos
mínimos detalhes possíveis, no entanto, mesmo na
vanguarda deste campo de estudo, a totalidade dos
circuitos de nenhum tipo de emoção foi completamente
pesquisada. O medo, no curso da evolução humana, tem
sido fundamental: talvez, mais do que qualquer outra
emoção, tem sido crucial para a sobrevivência. É claro
que, nas circunstâncias atuais, os sentimentos
equivocados são a praga do nosso cotidiano e, por isso,
vivemos inquietos, angustiados e com uma série de
preocupações ou, no extremo patológico, com crises de
pânico, fobias ou desordem obsessivo-compulsiva.
Imagine que é noite e você está sozinho em casa,
lendo um livro. De repente, você ouve um barulho em
outro cômodo. O que, em seguida, acontece em seu
cérebro, é propício para o circuito neural do medo e
para o funcionamento do sistema de alarme da amígdala.
O primeiro circuito cerebral envolvido simplesmente
capta o barulho como ondas físicas desorganizadas e as
transforma na linguagem cerebral que lhe dirá que fique
atento. Esse circuito parte do ouvido para o tronco
cerebral e daí para o tálamo. E, nesse ponto, há duas
ramificações: um menor feixe de projeções se dirige à
amígdala e ao vizinho hipotálamo; a outra ramificação,
que perfaz um caminho maior, conduz ao córtex
auditivo no lobo temporal, onde os sons são submetidos
a uma ordenação e compreendidos pelo que
representam.
O hipocampo, importante local para o
armazenamento da memória, rapidamente compara esse
“barulhão” com outros sons que você já tenha ouvido
para verificar se é familiar — você é capaz de
imediatamente identificar que tipo de “barulhão” é esse?
Enquanto isso, o córtex auditivo está tratando de fazer
uma análise mais sofisticada do som a fim de entender
de onde ele vem — será o gato? A porta que bate ao
vento? Um ladrão? O córtex auditivo começa a aventar
hipóteses — pode ser o gato derrubando uma lâmpada
de cima da mesa, digamos, mas também pode ser um
ladrão — e, então, envia uma mensagem para a
amígdala e para o hipocampo que, por sua vez, fazem
comparações com memórias sonoras similares.
Se a conclusão for tranqüilizadora (é apenas a porta
que bate sempre que venta muito), então o alerta geral
não avança mais. Em caso contrário, outro circuito, em
espiral, que reverbera entre a amígdala, o hipocampo e
o córtex pré-frontal, aumenta a insegurança e fixa a sua
atenção, fazendo-o ficar mais ligado na identificação da
origem do barulho. Se dessa análise mais acurada não
advier nenhuma resposta satisfatória, a amígdala dispara
o alarme, sua área central ativa o hipotálamo, o tronco
cerebral e o sistema nervoso autônomo.
A soberba arquitetura da amígdala, que faz dela um
sistema essencial de alarme para o cérebro, se evidencia
nesse momento de ansiedade apreensiva e subliminar.
Os diversos feixes de neurônios da amígdala têm, cada
um, um conjunto diferente de projeções com receptores
afinados para diferentes neurotransmissores, tal como as
empresas que se dedicam a alarmes domésticos e que,
para tanto, mantêm operadores de prontidão para que,
sempre que o alarme soar, enviem chamadas ao Corpo
de Bombeiros, à polícia e a um vizinho.
As diferentes partes da amígdala recebem
informações diferenciadas. Para o núcleo central da
amígdala são enviadas projeções do tálamo e dos
córtices auditivos e visuais. Os cheiros, via bulbo
olfativo, seguem para a área corticomedial da amígdala e
os gostos e mensagens vindos da víscera, para a área
central. Esses sinais mantêm a amígdala como sentinela,
que escrutina qualquer experiência sensória.
Da amígdala estendem-se projeções para as partes
importantes do cérebro. Das áreas centrais e mediais, um
ramo segue para áreas do hipotálamo que secretam uma
substância de resposta a emergências, que é o hormônio
que libera corticropina (CRH), que mobiliza a reação
lutar-fugir através de uma cascata de outros hormônios.
A área basal da amígdala lança ramificações para o
corpus striatum, ligando-se ao sistema de movimento do
cérebro. E, via núcleo central, a amígdala envia sinais,
através da medula, para o sistema nervoso autônomo,
ativando uma enorme quantidade de respostas a pontos
distantes no sistema cardiovascular, nos músculos e nas
entranhas.
Da área basolateral partem ramos para o córtex
cingulado e, das fibras conhecidas como “cinzento
central”, células que regulam os grandes músculos do
esqueleto. São essas células que fazem com que um
cachorro rosne e com que um gato arqueie o dorso à
guisa de ameaça a invasores de seus territórios. Nos
seres humanos, esse mesmo circuito causa a compressão
das cordas vocais que, então, emitem uma voz estridente
de pavor.
Da amígdala também parte um outro caminho que
conduz ao locus ceruleus, localizado no tronco cerebral.
Aqui é fabricada a norepinefrina (também chamada
“noradrenalina”), que é espalhada pelo cérebro. A
norepinefrina causa um aumento da reatividade das
áreas do cérebro que a recebem, o que determina maior
sensibilidade dos circuitos sensórios. A norepinefrina
impregna o córtex, o tronco cerebral, o próprio sistema
límbico — em suma, deixa o cérebro “tinindo”. A partir
desse momento, qualquer barulhinho é capaz de fazer
com que seu corpo trema de medo. A maior parte desse
tipo de alteração acontece de forma inconsciente e, de
tal modo, que você não saiba que está sentindo medo.
À medida, porém, que você vai percebendo que está
com medo — ou seja, quando a ansiedade inconsciente
se torna consciente — a amígdala comanda uma ordem
para que haja uma ampla reação. Envia sinais às células
do tronco cerebral para que aponham uma expressão de
medo em seu rosto, para que você fique nervoso e
assustadiço, para que paralisem os movimentos que os
seus músculos estejam executando naquele momento,
para que o seu ritmo cardíaco se acelere, elevem a
pressão sanguínea e reduzam a respiração. Para ouvir
mais claramente o barulho que lhe causou o medo, você
percebe que passou a conter a respiração aos primeiros
sinais do sentimento de medo. Isso é apenas uma parte
de uma série de alterações meticulosamente coordenadas
que a amígdala e áreas relacionadas promovem para
assumirem, em situações de crise, o controle do cérebro.
Nesse meio-tempo, a amígdala, junto com o
hipocampo a ela interligado, ordena às células que
enviem neurotransmissores-chave que, por exemplo, irão
disparar a dopamina que fixará a sua atenção na origem
do medo — os barulhos estranhos — e colocará seus
músculos de prontidão para reagir de acordo. Ao mesmo
tempo, a amígdala envia sinais para as áreas sensórias
relativas à visão e à atenção, para se assegurar de que os
olhos estão atentos para o que seja relevante naquelas
circunstâncias. Simultaneamente, os sistemas da memória
cortical são rearranjados de forma que o conhecimento e
as lembranças mais relevantes para aquela situação de
emergência emocional sejam rapidamente trazidos para o
presente e tenham precedência sobre qualquer idéia
menos importante que ocorra.
Tão logo esses sinais são recebidos, você fica
inteiramente possuído pelo medo: percebe o
característico aperto nas entranhas, o coração acelerado,
a contração da musculatura do pescoço e dos ombros, o
tremor nos membros; o corpo se imobiliza, você fica
atento a outros sons e, em sua cabeça, você visualiza
todos os perigos possíveis e como vai reagir a cada um
deles. Toda essa seqüência — da surpresa para a
incerteza, da incerteza para a apreensão, da apreensão
para o medo — ocorre em torno de um segundo. (Para
mais informações, ver Galen’s Prophecy, de Jerome
Kagan. Nova York: Basic Books, 1994.)
Apêndice D
Consórcio W. T. Grant:
Ingredientes Ativos dos
Programas de Prevenção
Entre os ingredientes-chave de programas eficazes estão:
Aptidões Emocionais
• Identificar e rotular sentimentos
• Expressar sentimentos
• Avaliar a intensidade dos sentimentos
• Lidar com sentimentos
• Adiar a satisfação
• Controlar impulsos
• Reduzir tensão
• Saber a diferença entre sentimentos e ações
APTIDÕES COGNITIVAS
• Falar consigo mesmo — ter um “diálogo interior”,
como uma forma de enfrentar um assunto ou
reforçar o próprio comportamento.
• Ler e interpretar indícios sociais — por exemplo,
reconhecer influências sociais sobre o
comportamento e ver-se na perspectiva da
comunidade maior.
• Usar etapas para resolver problemas e tomar
decisões — por exemplo, controlar impulsos,
estabelecer metas, identificar ações alternativas,
prever conseqüências.
• Compreender a perspectiva dos outros.
• Compreender normas de comportamento (qual
comportamento é adequado ou não).
• Autoconsciência — por exemplo, criar expectativas
realistas para si mesmo.
APTIDÕES COMPORTAMENTAIS
• Não-verbais — comunicar-se por contato ocular,
expressão facial, tom de voz, gestos e assim por
diante.
• Verbais — fazer pedidos claros, responder
eficientemente à crítica, resistir a influências
negativas, ouvir os outros, participar de grupos
positivos de colegas.
Fonte: W. T. Grant Consortium on the School-Based
Promotion of Social Competence, “Drug and Alcohol
Prevention Curricula”, em Communities that Care (São
Francisco: Jossey-Bass, 1992).
Apêndice E
O Currículo
da Ciência do Eu
PRINCIPAIS COMPONENTES:
• Autoconsciência: observar a si mesmo e saber
exatamente o que está sentindo; formar um
vocabulário para nomear os sentimentos; saber a
relação entre pensamentos, sentimentos e reações.
• Tomar decisões: examinar suas ações e avaliar as
conseqüências delas; saber se uma decisão está
sendo ditada pela razão ou pela emoção; utilizar
essas intuições para questões que digam respeito a
sexo e ao uso de drogas.
• Lidar com sentimentos: monitorar a “conversa
consigo mesmo” para captar rapidamente
mensagens negativas tais como, por exemplo,
repreensões internas; compreender o que está por
trás de um sentimento (por exemplo, a mágoa por
trás da raiva); encontrar meios de lidar com o
medo, a ansiedade, a raiva e a tristeza.
• Lidar com a tensão: aprender o valor de exercícios,
imagística orientada, métodos de relaxamento.
• Empatia: compreender os sentimentos e
preocupações dos outros e adotar a perspectiva
deles; reconhecer as diferenças no modo como as
pessoas se sentem em relação às coisas.
• Comunicação com o outro: falar efetivamente de
sentimentos; ser um bom ouvinte e um bom
perguntador; distinguir entre o que alguém faz ou
diz e suas próprias reações ou julgamento a
respeito; enviar mensagens do “Eu” em vez de
culpar.
• Auto-revelação: valorizar a franqueza e construir
confiança num relacionamento; saber quando
convém falar de seus sentimentos.
• Intuição: identificar padrões em sua vida e reações
emocionais; reconhecer padrões semelhantes nos
outros.
• Auto-aceitação: aceitar-se tal como é e ver-se sob
uma luz positiva; reconhecer suas forças e
fraquezas; ser capaz de rir de si mesmo.
• Responsabilidade pessoal: assumir responsabilidade;
reconhecer as conseqüências de suas decisões e
ações, aceitar seus sentimentos e estados de
espírito, ir até o fim nos compromissos (por
exemplo, nos estudos).
• Assertividade: declarar suas preocupações e
sentimentos sem raiva nem passividade.
• Dinâmica de grupo: cooperação; saber quando e
como tomar a liderança e quando se submeter a
uma liderança.
• Solução de conflitos: como lutar limpo com outras
crianças, com os pais, com os professores; o
modelo vencer/vencer para negociar acordos.
Fonte: Self Science: The Subject Is Me, de Karen F.
Stone e Harold Q. Dillehunt (Santa Mônica: Goodyear
Publishing Co., 1978).
Apêndice F
Aprendizado Social e Emocional:
Resultados
PROJETO DE DESENVOLVIMENTO DA
CRIANÇA
Eric Schaps, Centro de Estudos do Desenvolvimento,
Oakland, Califórnia.
Avaliação em escolas do norte da Califórnia, séries
jardim-de-infância-6; classificação por observadores
independentes, comparando com escolas de controle.
RESULTADOS:
• mais responsável
• mais assertivo
• mais popular e aberto
• mais pró-social e prestativo
• mais compreensão dos outros
• mais atencioso, interessado
• mais harmonioso
• mais “democrático”
• melhores aptidões na solução de conflitos
Fontes: E. Schaps e V. Battistich, “Promoting Health
Development Through School-Based Prevention: New
Approaches”, OSAP Prevention Monograph, no. 8:
Preventing Adolescent Drug Use: From Theory to Practice.
Eric Gopelrud (ed.), Rockville, MD: Office of Substance
Abuse Prevention, U.S. Dept. of Health and Human
Services, 1991.
D. Solomon, M. Watson, V. Battistich, E. Schaps e K.
Delucchi, “Creating a Caring Community: Educational
Practices That Promote Children’s Prosocial
Development”, in F. K. Oser, A. Dick, e J.-L. Patry, eds.,
Effective and Responsible Teaching: The New Synthesis
(São Francisco: Jossey-Bass, 1992).
CAMINHOS:
Mark Greenberg, Projeto Pista de Alta Velocidade,
Universidade de Washington.
Avaliado em escolas de Seattle, de primeira à quinta
séries; classificações por professores, comparando alunos
de controle entre 1) alunos regulares, 2) alunos surdos,
3) alunos em educação especial.
RESULTADOS:
• Melhora nas aptidões cognitivas sociais
• Melhora em emoção, reconhecimento e
compreensão
• Melhor autocontrole
• Melhor planejamento para resolver tarefas
cognitivas
• Mais reflexão antes da ação
• Mais efetiva solução de conflitos
• Mais positiva atmosfera na sala de aula
ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS:
• Tolerância à frustração
• Aptidões sociais assertivas
• Orientação de tarefa
• Aptidões com colegas
• Partilha
• Sociabilidade
• Autocontrole
MELHOR COMPREENSÃO EMOCIONAL:
• Reconhecimento
• Rotulação
• Redução de comunicação de tristeza e depressão
• Redução de ansiedade e retraimento
Fontes: Conduct Problems Research Group, “A
Developmental and Clinical Model for the Prevention of
Conduct Disorder: The Fast Track Program”,
Development and Psychopathology 4 (1992).
M. T. Greenberg e C. A. Kusche, Promoting Social
and Emotional Development in Deaf Children: The
PATHS Project (Seattle: University of Washington Press,
1993).
M. T. Greenberg, C. A. Kusche, E. T. Cook e J. P.
Quamma, “Promoting Emotional Competence in SchoolAged Children: The Effects of the PATHS Curriculum”,
Development and Psychopathology 7(1995).
PROJETO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL
DE SEATTLE
J. David Hawkins, Grupo de Pesquisa de
Desenvolvimento Social, Universidade de Washington.
Avaliado em escolas primárias e médias de Seattle
por padrões de testagem independentes e objetivos, em
comparação com escolas que não estavam no programa:
RESULTADOS:
• Mais positiva ligação com a família e a escola
• Meninos menos agressivos, meninas menos
autodestrutivas
• Menos suspensões e expulsões entre os alunos de
baixo aproveitamento
• Menos delinqüência
• Melhores contagens em testes padrão de
rendimento
Fontes: E. Schaps e V. Battistich, “Promoting Health
Development Through School-Based Prevention: New
Approaches”, OSAP Prevention Monograph, no. 8:
Preventing Adolescent Drug Use: From Theory to Practice.
Eric Gopelrud (ed.), Rockville, MD: Office of Substance
Abuse Prevention, U.S. Dept. of Health and Human
Services, 1991.
J. D. Hawkins et al., “The Seattle Social Development
Project”, in J. McCord e R. Tremblay, eds., The
Prevention of Antisocial Behavior in Children (Nova
York: Guilford, 1992).
J. D. Hawkins, E. Von Cleve e R. F. Catalano,
“Reducing Early Childhood Aggression: Results of a
Primary Prevention Program”, Journal of The American
Academy of Child and Adolescent Psychiatry 30, 2(1991),
p. 208-217.
J. A. O’Donnell, J. D. Hawkins, R. F. Catalano, R. D.
Abbott e L.E. Day, “Preventing School Failure, Drug Use,
and Delinquency Among Low-Income Children: Effects
of a Long-Term Prevention Project in Elementary
Schools”, American Journal of Orthopsychiatry 65(1994).
Ã
PROGRAMA DE PROMOÇÃO DE
COMPETÊNCIA SOCIAL
DE YALE-NEW HAVEN
Roger Weissberg, Universidade de Illinois em Chicago.
Avaliado em Escolas Públicas de New Haven, de
quinta à oitava séries, por observadores independentes e
relatórios de alunos e professores, em comparação com
grupo de controle.
RESULTADOS:
• Melhores aptidões para solução de problemas
• Mais envolvimento com os colegas
• Melhor controle de impulsos
• Melhor comportamento
• Melhor efetividade e popularidade interpessoal
• Melhores aptidões para enfrentar situações
• Mais aptidão para lidar com problemas
interpessoais
• Melhor no enfrentar ansiedades
• Comportamentos menos delinqüentes
• Melhores aptidões para solução de conflitos
Fontes: M. J. Elias e R. P. Weissberg, “School-Based
Social Competence Promotion as a Primary Prevention
Strategy: A Tale of Two Projects”, Prevention in Human
Services 7, 1 (1990) p. 177-200.
M. Caplan, R. P. Weissberg, J. S. Grober, P. J. Sivo, K.
Grady e C. Jacobby, “Social Competence Promotion with
Inner-City and Suburban Young Adolescents: Effects of
Social Adjustment and Alcohol Use”, Journal of
Consulting and Clinical Psychology 60, (1992), p. 56-63.
PROGRAMA DE SOLUÇÃO CRIATIVA DE
CONFLITOS
Linda Lantieri, Centro Nacional do Programa de Solução
Criativa de Conflito (iniciativa dos Educadores em Defesa
da Responsabilidade Social), cidade de Nova York.
Avaliado em escolas da cidade de Nova York, séries
jardim-de-infância-12, por classificações de professores,
antes e depois do programa.
RESULTADOS:
• Menos violência em sala de aula
• Menos censuras verbais em sala de aula
• Atmosfera mais atenciosa
• Maior disposição para cooperar
• Mais empatia
• Melhores aptidões de comunicação
Fonte: Metis Associates Inc., The Resolving Conflict
Creatively Program: 1988-1989. Summary of Significant
Findings of RCCP New York Site (Nova York: Metis
Associates, maio de 1990).
PROJETO DE MELHORIA DA CONSCIÊNCIA
SOCIAL — SOLUÇÃO DE PROBLEMA
SOCIAL
Maurice Elias, Universidade Rutgers.
Avaliado em escolas de New Jersey, séries jardim-deinfância-6, por classificações de professores, avaliações
de colegas e registros escolares, em comparação com
não-participantes.
RESULTADOS:
• Mais sensível aos sentimentos dos outros
• Melhor compreensão das conseqüências de seu
comportamento
• Maior capacidade de “medir” situações
interpessoais e planejar ações adequadas
• Maior auto-estima
• Melhor comportamento pró-social
• Procurado por colegas para ajudar
• Lida melhor com a transição para a escola média
• Comportamento menos anti-social, autodestrutivo e
socialmente perturbado, mesmo quando
acompanhado até o ginásio
• Melhores aptidões para “aprender a aprender”
• Mais autocontrole, consciência social e tomadas de
decisão sociais dentro e fora da sala de aula
Fontes: M. J. Elias, M. A. Gara, T. F. Schuyler, L. R.
Branden-Muller e M. A. Sayette, “The Promotion of Social
Competence: Longitudinal Study of a Preventive SchoolBased Program”, American Journal of Orthopsychiatry 61
(1991), p. 409-417.
M. J. Elias e J. Clabby, Building Social Problem
Solving Skills: Guidelines From a School-Based Program
(São Francisco: Jossey-Bass,1992).
Agradecimentos
Ouvi pela primeira vez a expressão “alfabetização
emocional” de Eileen Growald, então fundadora e
presidente do Instituto para o Progresso da Saúde. Foi
essa conversa casual que espicaçou meu interesse e deu
forma às pesquisas que finalmente deram corpo a este
livro. Desde então, tem sido um prazer ver Eileen
cuidando desse campo.
O apoio do Instituto Fetzer, em Kalamazoo, no
estado de Michigan, deu-me a oportunidade de estudar
mais profundamente o que significaria “alfabetização
emocional”, e sou grato pelo crucial encorajamento
inicial de Rob Lehman, presidente do instituto, e a
constante colaboração com David Sluyter, o diretor de
programa desse instituto. Foi Rob Lehman quem, no
começo de minhas pesquisas, me exortou a escrever um
livro sobre alfabetização emocional.
Entre minhas maiores dívidas, está aquela com
centenas de pesquisadores que durante esses anos
partilharam comigo suas descobertas, e cujos trabalhos
são analisados e sintetizados aqui. A Peter Salovey, de
Yale, devo o conceito de “inteligência emocional”.
Também ganhei muito participando diretamente do
trabalho em andamento de muitos educadores e
praticantes da arte de prevenção básica, que estão na
linha de frente do nascente movimento pela
alfabetização emocional. Os trabalhos em prática que
estão empenhados em levar maiores aptidões sociais e
emocionais às crianças e recriar escolas como ambientes
mais humanos foram uma inspiração. Entre eles estão
Mark Greenberg e David Hawkins, da Universidade de
Washington; David Schaps e Catherine Lewis, do Centro
de Estudos Desenvolvimentistas, em Oakland, na
Califórnia; Tim Shriver, no Centro de Estudos da Criança
de Yale; Roger Weissberg, na Universidade de Illinois,
em Chicago; Maurice Elias, em Rutgers; Shelly Kessler,
do Instituto Goddard de Ensino e Aprendizado em
Boulder, no Colorado; Chevy Martin e Karen Stone
McCown, no Centro de Aprendizado Nueva, em
Hillsbourogh, na Califórnia; e Linda Lantieri, diretora do
Centro Nacional para Solução Criativa para Conflitos, na
cidade de Nova York.
Tenho uma dívida especial com os que reviram e
comentaram partes do manuscrito: Howard Gardner, da
Faculdade de Educação da Universidade de Harvard;
Peter Salovey, do departamento de psicologia da
Universidade de Yale; Paul Ekman, diretor do
Laboratório de Interação Humana da Universidade da
Califórnia, em São Francisco; Michael Lerner, diretor da
Commonweal em Bolinas, Califórnia; Denis Prager, então
diretor do programa de saúde da Fundação John D. e
Catherine T. MacArthur; Mark Gerzon, diretor da
Common Enterprise, em Boulder, no Colorado; Mary
Schwab-Stone, médica, Centro de Estudos da Criança,
Faculdade de Medicina da Universidade de Yale; David
Spiegel, médico, Departamento de Psiquiatria da
Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford;
Mark Greenberg, diretor do Programa Fast Track da
Universidade de Washington; Shoshona Zuboff, Escola
de Comércio de Harvard; Joseph LeDoux, Centro de
Ciência Neural da Universidade de Nova York; Richard
Davidson, diretor do Laboratório de Psicofisiologia da
Universidade de Wisconsin; Paul Kaufman, Mind and
Media, Point Reyes, Califórnia; Jessica Brackman, Naomi
Wolf e, sobretudo, Fay Goleman.
Proveitosas consultas eruditas me foram concedidas
por Page DuBois, estudiosa do idioma grego da
Universidade do Sul da Califórnia; Matthew Kapstein,
filósofo de ética e religião da Universidade de Colúmbia;
e Steven Rockefeller, biógrafo intelectual de John
Dewey, na Universidade de Middleburg. Joy Nolan
reuniu vinhetas de episódios emocionais; Margaret Howe
e Annete Spychalla prepararam o apêndice sobre os
efeitos do currículo de alfabetização emocional. Sam e
Susan Harris forneceram equipamento essencial.
Meus editores no New York Times na última década
deram um enorme apoio a muitas das minhas pesquisas
sobre as novas descobertas no campo das emoções,
publicadas primeiro nas páginas do jornal, e que muito
informam este livro.
Toni Burbank, minha editora na Bantam Books,
entrou com o entusiasmo e a acuidade editorial que
aguçaram minha decisão e pensamento.
E minha esposa, Tara Bennett-Goleman,
proporcionou, o tempo todo, o casulo de calor humano
e inteligência que abrigou este projeto.
Serviços
A primeira edição deste livro não podia ter uma página
como esta, direcionando os leitores que querem obter
mais informações sobre os melhores serviços — em
1995, praticamente não havia nenhum serviço sobre
inteligência emocional, enquanto hoje eles parecem estar
proliferando rapidamente. A simples existência desta
página demonstra como esse campo avançou. Para um
acesso mais específico a ferramentas e descobertas de
pesquisa, serviços práticos e pessoas-chave nesta área,
recomendo as seguintes organizações, páginas na
internet e livros. (Procurei incluir apenas os livros que
conheço e que são baseados em pesquisas sérias, porém,
o fato de eu não ter incluído um determinado livro não
significa que ele não possa ser útil ou não seja legítimo.)
EDUCAÇÃO
A Cooperativa de Aprendizado Acadêmico, Social e
Emocional (CASEL), na Universidade de Illinois, em
Chicago, busca aprimorar o sucesso de crianças na
escola e na vida ao promover aprendizado social,
emocional e acadêmico baseado em provas como parte
fundamental da educação desde a pré-escola até o
segundo grau. Página na Internet: www.casel.org.
O Centro de Educação Social e Emocional (CSEE), no
Teacher’s College, Universidade de Columbia, é uma
organização de desenvolvimento educacional e
profissional dedicada ao apoio ao aprendizado, ensino e
liderança socioemocional eficientes nas escolas. Página
na Internet: www.csee.net
Alguns Programas SEL Modelo
Responsive Classroom: http://responsiveclassroom.org
Developmental Studies Center: http://www.devstu.org
Educators
for
Social
Responsibility:
http://www.esrnational.org/home.htm
Search Institute: http://www.search-institute.org
Social
Development
Research
Group:
http://depts.washington. edu/sdrg/index.html
Modelos de Aprendizagem: Para um modelo de
política estadual que determina padrões educacionais
detalhados de aprendizado social e emocional, ver o
trabalho do Conselho Estadual de Educação de Illinois.
Esta formulação avançadíssima e adequadamente
desenvolvida pode ser adotada por qualquer sistema
educacional interessado em oferecer SEL a suas crianças.
Página
na
internet:
www.isbe.net/ils/social_emotional/standards.htm
Livros Recomendados
Bar-On, Reuven, J. G. Maree e M. J. Elias (eds.).
Educating People to Be Emotionally Intelligent.
Portsmouth, NH: Heinemann Educational Publishers,
2005.
Cohen, Jonathan (ed.). Educating Minds and Hearts:
Social Emotional Learning and the Passage into
Adolescence. Nova York: Teachers College Press, 1999.
Cooperativa de Aprendizado Acadêmico, Social e
Emocional. Safe and Sound: An Educational Leader’s
Guide to Evidence-based Social and Emotional Learning
Programs. Chicago: Cooperativa de Aprendizado
Acadêmico, Social e Emocional, 2003.
Elias, Maurice J., A. Arnold e C. S. Hussey (eds.). EQ
+ IQ = Best Leadership Practices for Caring and
Successful Schools. Thousand Oaks, CA: Corwin Press,
2003.
Elias, Maurice et al. Promoting Social and Emotional
Learning: Guidelines for Educators. Alexandria, VA:
Association for Supervision and Curriculum
Development, 1997.
Haynes, Norris, Michael Bem-Avie e Jacque Ensign.
How Social and Emotional Development Add Up: Getting
Results in Math and Science Education. Nova York:
Teachers College Press, 2003.
Lantieri, Linda e Janet Patti. Waging Peace in Our
Schools. Boston: Beacon Press, 1996.
Novick, B., J. S. Kress e Maurice Elias. Building
Learning Communities with Character: How to Integrate
Academic, Social, and Emotional Learning. Alexandria,
VA: Association for Supervision, and Curriculum
Development, 2002.
Patti, Janet e J. Tobin. Smart School Leaders: Leading
with Emotional Intelligence. Dubuque, IA: Kendall Hunt,
2003.
Salovey, Peter e David Sluyter (eds.). Inteligência
Emocional da Criança: Aplicação na Educação e no Diaa-dia. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
Zins, Joseph, Roger Weissberg, Margaret Wang e
Herbert Walberg. Building Academic Sucess on Social
and Emotional Learning: What Does the Research Say?
Nova York: Teachers College Press, 2004.
VIDA ORGANIZACIONAL
O Consórcio para Pesquisa sobre Inteligência Emocional
em Organizações (CREIO) fica na Faculdade de
Psicologia Aplicada e Profissional da Universidade de
Ritgers. Diretor: Cary Cherniss. Página na Internet:
www.eiconsortium.org.
Livros Recomendados
Ashkanasy, Neal, Wilfred Zerbe e Charmine Hartel.
Managing Emotions in the Workplace. Armonk, NY: M.
E. Sharpe, 2002.
Boyatzis, Richard e Annie Mckee. Resonant
Leadership: Inspiring Yourself and Others Through
Mindfulness, Hope and Compassion. Boston: Harvard
Business School Press, 2005.
Caruso, David R. e Peter Salovey. The Emotionally
Intelligent Manager: How to Develop the Four Key Skills of
Leadership. São Francisco: Jossey-Bass, 2004.
Cherniss, Cary e Daniel Goleman, eds. The
Emotionally Intelligent Workplace: How to Select For,
Measure, and Inprove Emotional Intelligence in
Individuals, Groups and Organizations. São Francisco:
Jossey-Bass, 2001.
Druskat, Vanessa, Fabio Sala e Gerald Mount (eds.).
Linking Emotional Intelligence and Perfomance at Work:
Current Research Evidence. Mahwah, NJ: Lawrence
Erlbaum, 2005.
Fineman, Stephen (ed.). Emotion in Organizations. 2ª
ed. Londres: Sage Publications, 2000.
Frost, Peter J. Emoções Tóxicas no Trabalho. São
Paulo: Futura, 2003.
Riggio, Ronald, Susan E. Murphy e Francis Pirozzolo.
Multiple Intelligences and Leadership. Mahwah, NJ:
Lawrence Erlbaum, 2002.
PATERNIDADE
Elias, Maurice, Steven E. Tobias e Brian S. Friedland. Pais
e Mães Emocionalmente Inteligentes. Rio de Janeiro:
Objetiva, 1999.
Elias, Maurice, Steven E. Tobias e Brian S.
Friedlander. A Adolescência e a Inteligência Emocional.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
Gottman, John. Inteligência Emocional e a Arte de
Educar Nossos Filhos. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996.
Schure, Myma. Raising a Thinking Child. Nova York:
Pocket Books, 1994.
GERAL
6 Seconds é uma organização não-lucrativa de âmbito
internacional que apóia a inteligência emocional nas
escolas, empresas e famílias. É uma excelente fonte de
informações sobre serviços, artigos e conferências.
Página na Internet: www.6seconds.org.
Livros Recomendados
Bar-On, Reuven e Parker, James DA (eds.). Manual de
Inteligência Emocional. Porto Alegre: Artmed, 2002.
Barret, Lisa Feldman e Peter Salovey. The Wisdom of
Feeling: Psychological Processes in Emotional Intelligence.
Nova York: Guilford Press, 2002.
Geher, G. (ed.). Measuring Emotional Intelligence:
Common Ground and Controversy: Hauppauge, NY:
Nova Science Publishers, 2004.
Salovey, Peter, Marc A. Brackett e John Mayer.
Emotional Intelligence: Key Readings on the Mayer and
Salovey Model. Port Chester, Nova York: Dude
Publishing, 2004.
Williams, Virginia e Redford Williams. Lifeskills. Nova
York: Times Books, 1997.
Uma Crítica Cuidadosa
Matthews, Gerald, Moshe Zeidner e Richard D. Roberts.
Emotional Intelligence: Science and Myth. Cambridge:
MIT Press, 2002.
Notas
INTRODUÇÃO
1. J. A. Durlak e R. P. Weissberg, “A Major Meta-Analysis of Positive Youth
Development Programs”, apresentado no encontro anual da Associação
Americana de Psicologia (APA, na sigla em inglês), Washington, DC,
agosto de 2005. Ver também R. P. Weissberg, “Social and Emotional
Learning for School and Life Sucess”, apresentado à Sociedade de Pesquisa
e Ação Comunitária (Divisão 27 da APA), Prêmio de Contribuição Notável
à Teoria e Pesquisa, no encontro anual da Associação Americana de
Psicologia, Washington, DC, agosto de 2005.
2. N. R. Riggs, M. T. Greenberg, C. A. Kusche e M. A. Pentz, “The Role of
Neurocognitive Change in the Behavioral Outcomes of a Social-Emotional
Prevention Program in Elementary School Students: Effects of the PATHS
Curriculum”, 2005, em revisão.
3. Os modelos de QE parecem estar se tornando um quadro influente na
psicologia. Os campos psicológicos que são atualmente orientados pelos
modelos de QE (e que os orientam) vão desde a neurociência até a
psicologia de saúde. As áreas mais vinculadas ao QE incluem: psicologia
de desenvolvimento, educação, clínica e de consulta, social e
industrial/organizacional, entre outras. De fato, essas matérias já incluem
rotineiramente segmentos sobre QE em muitos cursos de graduação.
4. J. D. Mayer, P. Salovey e D. R. Caruso, “Models of Emotional Intelligence”,
em R. J. Sternberg (ed.), Handbook of Inteligence, Cambridge, Ing:
Cambridge University Press, 2000.
5. Crianças avaliadas em 1999: Thomas M. Achenbach et al., “Are American
Children’s Problems Still Getting Worse: A 23-year Comparison”, Journal of
Abnormal Child Psychology, 31 (2003), p. 1-11.
É
PARTE UM: O CÉREBRO EMOCIONAL
Capítulo 1: Para que Servem as
Emoções?
1. Associated Press, 15 de setembro de 1993.
2. A atemporalidade desse tema de amor desprendido é sugerida pela maneira
como impregna a mitologia mundial: os contos de Jataka, repetidos por
toda a Ásia durante milênios, narram, todos, variações sobre essas
parábolas de auto-sacrifício.
3. Amor altruísta e sobrevivência humana: as teorias evolucionistas que
defendem as vantagens do altruísmo estão bem resumidas em Malcolm
Slavin e Daniel Kriegman, The Adaptive Design of the Human Psyche (Nova
York: Guilford Press, 1992).
4. Grande parte desta discussão se baseia no ensaio-chave de Paul Ekman, “An
Argument for Basic Emotions”, Cognition and Emotion, 6, 1992, p. 169-200.
Este ponto é do ensaio de P. N. Johoson-Laird e K. Oatley no mesmo
número da publicação.
5. Os tiros de Matilda Crabtree: The New York Times, 11 de novembro de 1994.
6. Só em adultos: uma observação de Paul Ekman, Universidade da Califórnia,
São Francisco.
7. Mudanças do corpo nas emoções e seus motivos evolucionistas. Algumas
das mudanças estão documentadas em Robert W. Levenson, Paul Ekman e
Wallace V. Friesen, “Voluntary Facial Action Generates Emotion-Specific
Autonomous Nervous System Activity”, Psychophysiology, 27, 1990. A lista é
extraída daí e de outras fontes. Nesta altura, uma lista dessas continua
sendo, em certa medida, especulativa; discute-se cientificamente a
assinatura biológica precisa de cada emoção, com alguns pesquisadores
adotando a posição de que há muito mais sobre posição que diferença
entre as emoções, ou que nossa atual capacidade de medir os correlatos
biológicos da emoção é ainda imatura para que sejam feitas distinções
confiáveis entre elas. Sobre esse debate, ver Paul Ekman e Richard
Davidson (eds.), Fundamental Questions About Emotions (Nova York:
Oxford University Press, 1994).
8. Como diz Paul Ekman: “A raiva é a emoção mais perigosa; alguns dos
principais problemas que destroem atualmente a sociedade envolvem o
É
desencadeamento da raiva. É a emoção menos adaptável hoje, porque nos
mobiliza para a luta. Nossas emoções evoluíram quando não tínhamos a
tecnologia disponível para lidar com elas. Em tempos pré-históricos,
quando se tinha uma raiva instantânea e por um segundo se queria matar
alguém, não era possível fazê-lo com muita facilidade — mas agora já é.”
9. Erasmo de Rotterdam, In Praise of Folly, trad. para o inglês de Eddie Radice
(Londres: Penguin, 1971), p. 87.
10. Essas respostas básicas definiram o que pode passar pela “vida emocional”
— mais apropriadamente a “vida dos instintos” — dessa espécie. Mais
importantes em termos de evolução, são as decisões cruciais para a
sobrevivência; os animais que podiam tomá-las bem, ou suficientemente
bem, sobreviviam para passar adiante seus genes. Nesses tempos
primordiais, a vida mental era abrutalhada: os sentidos e um repertório
simples de reações aos estímulos que recebiam faziam um lagarto, rã,
pássaro ou peixe — e, talvez, um brontossauro — chegar ao final do dia.
Mas esse cérebro anão ainda não permitia o que nós concebemos como
emoção.
11. O sistema límbico e as emoções: R. Joseph, The Naked Neuron: Evolution
and the Languages of the Brain and Body (Nova York: Plenum Publishing,
1993); Paul D. MacLean, The Triune Brain in Evolution (Nova York:
Plenum, 1990).
12. Bebês Rhesus e adaptabilidade: “Aspects of Emotion conserved across
species”, Dr. Ned Kalin, Departamentos de Psicologia e Psiquiatria,
Universidade de Wisconsin, preparado para o Encontro MacArthur de
Neurociência Afetiva, novembro de 1992.
Capítulo 2: Anatomia de um
Seqüestro Emocional
1. O caso do homem sem sentimentos foi descrito por R. Joseph, op. cit., p. 83.
Por outro lado, pode haver alguns vestígios de sentimentos em pessoas
que não têm a amígdala cortical (ver Paul Ekman e Richard Davidson
(eds.), Questions About Emotions, Nova York: Oxford University Press,
1994). As diferentes constatações talvez dependam de exatamente quais
partes dessa amígdala e circuitos relacionados estavam faltando; a última
palavra sobre a detalhada neurologia da emoção está longe de ser dada.
2. Como muitos neurocientistas, LeDoux trabalha em vários níveis, estudando,
por exemplo, como lições específicas no cérebro de um rato mudam o
comportamento dele; identificando, minuciosamente, o caminho de
neurônios individuais; elaborando complicadas experiências para
condicionar o medo em ratos cujos cérebros foram cirurgicamente
alterados. Suas descobertas, e outras examinadas aqui, estão na vanguarda
da exploração na neurociência e, portanto, permanecem um pouco
especulativas — sobretudo as implicações que parecem fluir dos dados
brutos para uma compreensão de nossa vida emocional. Mas o trabalho de
LeDoux é sustentado por um crescente conjunto de indícios convergentes,
de uma variedade de neurocientistas que estão desvendando
constantemente os esteios neurais das emoções. Ver, por exemplo, Joseph
LeDoux, “Sensory Systems and Emotion”, Integrative Psychology, 4, 1986;
Joseph LeDoux, “Emotion and the Limbic System Concept”, Concepts in
Neuroscience, 2, 1992.
3. A idéia de o sistema límbico ser o centro emocional do cérebro foi
introduzida pelo neurologista Paul MacLean há mais de quarenta anos. Em
anos recentes, descobertas como as de LeDoux aperfeiçoaram o conceito,
mostrando que algumas de suas estruturas centrais como o hipocampo
estão menos diretamente envolvidas nas emoções, enquanto circuitos que
ligam outras partes do cérebro — sobretudo os lobos pré-frontais — à
amígdala são mais fundamentais. Além disso, há um crescente
reconhecimento de que cada emoção pode ativar distintas áreas do
cérebro. O pensamento mais corrente é que não há um único “cérebro
emocional” claramente distinto, mas sim vários sistemas de circuitos que
dispersam a regulação de uma determinada emoção para partes distantes,
mas coordenadas, do cérebro. Os neurocientistas acreditam que quando se
conseguir o mapeamento completo das emoções no cérebro, cada emoção
importante terá sua própria topografia, um mapa distinto de caminhos
neuronais determinando suas qualidades únicas, embora muitos ou a
maioria desses circuitos provavelmente estejam interligados em junçõeschave no sistema límbico, como a amígdala, e no córtex pré-frontal. Ver
Joseph LeDoux, “Emotional Memory Systems in the Brain”, Behavioral
Brain Research, 58, 1993.
4. Circuitos cerebrais dos diferentes níveis do medo: esta análise se baseia na
excelente síntese feita por Jerome Kagan, Galen’s Prophecy (Nova York:
Basic Books, 1994).
5. Escrevi sobre a pesquisa de Joseph LeDoux em The New York Times de 15
de agosto de 1989. A discussão deste capítulo se baseia em entrevistas com
ele e em vários de seus artigos, incluindo Joseph LeDoux, “Emotional
Memory Systems in the Brain”, Behavioral Brain Research, 58, 1993;
Joseph LeDoux, “Emotion, Memory and the Brain”, Scientific American,
junho de 1994; Joseph LeDoux, “Emotion and the Limbic System Concept”,
Concepts in Neuroscience, 2, 1992.
6. Preferências inconscientes: William Raft Kunst-Wilson e R. B. Zajonc,
“Affective Discrimination of Stimuli That Cannot Be Recognized”, Science
(1º de fevereiro de 1980).
7. Opinião inconsciente: John A. Bargh, “First Second: The Preconscious in
Social Interactions”, apresentado no encontro da Sociedade Psicológica
Americana, Washington, DC (junho de 1994).
8. Memória emocional: Larry Cahill e outros, “Beta-adrenergic activation and
memory for emotional events”, Nature (20 de outubro de 1994).
9. Teoria psicanalítica e maturação do cérebro: a mais detalhada discussão dos
primeiros anos e as conseqüências emocionais do desenvolvimento do
cérebro está em Allan Schore, Affect Regulation and the Origin of Self
(Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 1994).
10. Perigoso, mesmo que não se saiba o que é: LeDoux, citado em “How Scary
Things Get That Way”, Science (6 de novembro de 1992), p. 887.
11. Grande parte dessa especulação sobre a sintonia fina da resposta
emocional pelo neocórtex vem de Ned Kalin, op. cit.
12. Uma olhada mais atenta à neuroanatomia mostra que os lobos pré-frontais
atuam como administradores emocionais. Muitos indícios apontam para
partes do córtex pré-frontal como o sítio onde se juntam a maior parte ou
todos os circuitos corticais envolvidos numa reação emocional. Nos seres
humanos, as mais fortes ligações entre neocórtex e amígdala vão para o
lobo pré-frontal esquerdo e o lobo temporal abaixo, e para o lado do lobo
frontal (o lobo temporal é fundamental na identificação do que é um
objeto). Essas duas ligações são feitas numa única projeção, sugerindo uma
rápida e poderosa rota, uma virtual auto-estrada neural. A projeção de
neurônios individuais entre a amígdala e o córtex pré-frontal vai para uma
área chamada córtex orbitofrontal. É a área que parece mais crítica na
avaliação de respostas emocionais quando estamos no meio delas e
fazendo correções de percurso.
O córtex orbitofrontal tanto recebe sinais da amígdala como tem sua
própria e complexa rede de projeções por todo o cérebro límbico. Por
intermédio dessa rede, desempenha um papel na regulação das respostas
emocionais — inclusive inibindo sinais do cérebro límbico quando
alcançam outras áreas do córtex, e moderando assim a urgência neural
desses sinais. As ligações do córtex orbitofrontal com o cérebro límbico
são tão extensas que alguns neuroanatomistas o chamaram de uma espécie
de “córtex límbico” — a parte pensante do cérebro emocional. Ver Ned
Kalin, Departamentos de Psicologia e Psiquiatria, Universidade de
Wisconsin, “Aspects of Emotion Conserved Across Species”, manuscrito
inédito preparado para o Encontro MacArthur de Neurociência Afetiva,
novembro de 1992; e Allan Schore, Affect Regulation and the Origin of Self
(Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 1994).
Não há apenas uma ponte estrutural entre a amígdala e o córtex préfrontal, mas também, como sempre, uma ponte bioquímica: tanto a parte
ventromedial do córtex pré-frontal quanto a amígdala têm alta
concentração especialmente de receptores químicos para o
neurotransmissor serotonina. Esse produto químico do cérebro parece,
entre outras coisas, aprimorar a cooperatividade: macacos com altíssima
densidade de receptores de serotonina no circuito amígdala-pré-frontal são
“socialmente bem sintonizados”, enquanto os de baixa concentração são
hostis e antagônicos. Ver Antonio Damasio, Descartes’ Error (Nova York:
Grosset/Putnam, 1994).
13. Estudos em animais mostram que quando áreas dos lobos pré-frontais são
lesionadas, para não mais modularem os sinais vindos da área límbica, eles
se tornam instáveis, explodindo impulsiva e imprevisivelmente com raiva
ou encolhendo-se de medo. O brilhante neuropsicólogo russo A. R. Luria
sugeria, já na década de 1930, que o córtex pré-frontal era fundamental
para o autocontrole e para conter explosões emocionais; pacientes que
haviam sofrido danos nessa área, observava, eram impulsivos e dados a
surtos de medo e cólera. E um estudo com duas dúzias de homens e
mulheres condenados por assassinatos cometidos sob impulso, no calor da
paixão, constatou, após tomografias para obtenção de imagens do cérebro,
que eles tinham um nível muito mais baixo de atividade que o habitual
nessas mesmas partes do cérebro pré-frontal.
14. Parte do trabalho principal sobre lobos lesionados em ratos foi feita por
Victar Dannenberg, psicólogo da Universidade de Connecticut.
15. Lesões no hemisfério esquerdo e jovialidade: G. Gianotti, “Emotional
Behavior and Hemispheric Side of Lesion”, Cortex, 8, 1972.
16. O caso do derrame que deixou o paciente mais feliz foi relatado par Mary
K. Morris, do Departamento de Neurologia da Universidade da Flórida, no
Encontro da Sociedade Neurofisiológica Internacional, 13-16 de fevereiro
de 1991, em San Antonio.
17. Córtex pré-frontal e memória funcional: Lynn D. Selemon e outros,
“Prefrontal Cortex”, American Journal of Psychiatry, 152, 1995.
18. Lobos frontais defeituosos: Philip Harden e Robert Pihl, “Cognitive
Function, Cardiovascular Reactivity, and Behavior in Boys at High Risk for
Alcoholismo”, Journal of Abnormal Psychology, 104, 1995.
19. Córtex pré-frontal: Antonio Damasio. Descartes’ Error: Emotion, Reason and
the Human Brain (Nova York: Grosset/Putnam, 1994).
PARTE DOIS: A NATUREZA DA
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
Capítulo 3: Quando o Inteligente é
Idiota
1. A história de Jason H. foi contada em “Warning by a Valedictorian Who
Faced Prison”, The New York Times (23 de junho de 1992).
2. Diz um observador: Howard Gardner, “Cracking Open the IQ Box”, The
American Prospect, inverno de 1995.
3. Richard Hernstein e Charles Murray, The Bell Curv: Intelligence and Class
Structure in American Life (Nova York: Free Press, 1994), p. 66.
4. George Vaillant, Adaptation to Life (Boston: Little, Brown, 1977). A
pontuação SAT média do grupo de Harvard era 584, numa escala em que
800 é o máximo. O Dr. Vaillant, hoje na Faculdade de Medicina da
Universidade de Harvard, me falou do relativamente fraco valor previsivo
das contagens de testes para o sucesso na vida, nesse grupo de
privilegiados.
5. J. K. Felsman e G. E. Vaillant, “Resilient Children as Adults: A 40-year Study”,
em E. J. Anderson e B. J. Cohler, eds., The Invulnerable Child (Nova York:
Guilford Press, 1987).
6. Karen Arnold, que fez o estudo sobre “primeiros de turma” com Terry
Denny na Universidade de IIlinois, foi citada em The Chicago Tribune (29
de maio de 1992).
7. Projeto Spectrum: os principais colegas de Gardner na criação do Projeto
Spectrum foram Mara Krechevsky e David Feldman.
8. Entrevistei Howard Gardner sobre sua teoria de múltiplas inteligências em
“Rethinking the Value of Intelligence Tests”, The New York Times Education
Supplement (3 de novembro de 1986), e várias vezes desde então.
9. A comparação entre testes de QI e aptidões Spectrum é relatada num
capítulo, co-escrito com Mara Krechevsky, em Howard Gardner, Multiple
Intelligences: Tbe Theory in Practice (Nova York: Basic Books, 1993).
10. O resumo é de Howard Gardner, Multiple Intelligences, p. 9.
11. Howard Gardner e Thomas Hatch, “Multiple Intelligences Go to School”,
Education Researcher 18, 8 (1989).
12. O modelo de inteligência emocional foi proposto pela primeira vez por
Peter Salovey e John D. Mayer, em “Emotional Intelligence”, Imagination,
Cognition, and Personality 9 (1990).
13. Inteligência e aptidões pessoais: Robert J. Sternberg, Beyond I.Q. (Nova
York: Cambridge University Press, 1985).
14. A definição básica de “inteligência emocional” está em Salovey e Mayer,
“Emotional Inteligence”, p. 189. Outro dos primeiros modelos de
inteligência emocional está em Reuven Bar-On, “The Development of a
Concept Psychological Well-Being”, dissertação de doutorado, Rhodes
University, África do Sul, 1988.
15. QI versus Inteligência Emocional: manuscrito inédito de Jack Block,
Universidade da Califórnia, Berkeley, fevereiro de 1993. Block usa o
conceito de “maleabilidade do ego”, em vez de inteligência emocional,
mas observa que entre os principais componentes estão a auto-regulação
emocional, controle adaptável de impulso, o senso de auto-eficácia e
inteligência social. Como estes são elementos principais da inteligência
emocional, a maleabilidade do ego pode ser vista como uma medição
substituta de inteligência emocional, em grande parte como as pontuações
SAT o são do QI. Block analisou dados de um estudo longitudinal de cerca
de cem homens e mulheres na adolescência e início dos 20 anos, e usou
métodos estatísticos para avaliar os correlatos de personalidade e
comportamento de alto QI independente de inteligência emocional, e da
inteligência emocional independente do QI. Ele constata que há uma
modesta correlação entre QI e maleabilidade do ego, mas os dois são
coisas independentes.
Capítulo 4: Conhece-te a Ti Mesmo
1. Utilizo o termo “autoconsciência” para referir-me a uma atenção reflexiva,
introspectiva, à nossa própria experiência, às vezes chamada
conscienciosidade.
2. Ver também: Jon Kabat-Zinn, Wherever You Go, There You Are (Nova York:
Hyperion, 1994).
3. O ego que observa: uma penetrante comparação da atitude de atenção e
autoconsciência do psicanalista aparece em Mark Epstein, Thoughts
Without a Thinker (Nova York: Basic Books, 1995). Epstein observa que se
essa aptidão for profundamente cultivada, ela pode deixar a
autoconsciência do observador e tornar-se um ‘‘‘ego desenvolvido’ mais
flexível e corajoso, capaz de abarcar a vida toda”.
4. William Styron, Darkness Visible: A Memoir of Madness (Nova York: Random
House, 1990), p. 64.
5. John D. Mayer e Alexander Stevens, “An Emerging Understanding of the
Reflective (Meta) Experience of Mood”, manuscrito inédito (1993).
6. Mayer e Stevens, “An Emerging Understanding”. Alguns dos termos desses
estilos de autoconsciência são adaptações minhas das categorias.
7. A intensidade das emoções: grande parte desse trabalho foi feito por ou
com Randy Larsen, ex-aluno de Diener, hoje na Universidade de Michigan.
8. Gary, o médico emocionalmente inane, é descrito em Hillel I. Swiller,
“Alexithymia: Treatment Utilizing Combined Individual and Group
Psychotherapy”, International Journal for Group Psychotherapy 38,1
(1988), p. 47-61.
9. Analfabeto emocional foi termo usado por M. B. Freedman e B. S. Sweet,
“Some Specific Features of Group Psychotherapy”, International Journal
for Group Psycotherapy 4 (1954), p. 335-368.
10. As características clínicas da alexitimia são descritas em Graeme J. Taylor,
“Alexithymia: History of the Concept”, trabalho apresentado no encontro
anual da Associação Psiquiátrica em Washington, DC. (maio de 1986).
11. A descrição da alexitimia é de Peter Sifneos, “Affect, Emotional Deficit: An
Overview”, Psychotberapy-and-Psychosomatics 56 (1991).
12. A história da mulher que não sabia por que chorava é contada em H.
Warnes em “Alexithymia, Clinical and Therapeutic Aspects”,
Psychotherapy-and-Psychosomatics 46 (1986), p. 96-104.
13. Papel das emoções no processo de raciocínio: Damasio, Descartes’ Error.
14. Medo inconsciente: os estudos com as cobras são descritos em Galen’s
Prophecy, de Kagan.
Capítulo 5: Escravos da Paixão
1. Para maiores detalhes da relação entre sentimentos positivos, negativos e
bem-estar, ver Ed Diener e Randy J. Larsen, “The Experience of Emotional
Well-Being”, em Michael Lewis e Jeanette Havilland, Handbook of
Emotions (Nova York: Guilford Press, 1993).
2. Entrevistei Diane Tice sobre sua pesquisa de como as pessoas se libertam de
estados de espírito negativos em dezembro de 1992. Ela publicou suas
descobertas sobre a raiva num capítulo que escreveu com o marido, Roy
Baumeister, em Daniel Wegner e James Pennebaker (eds.), Handbook of
Mental Control, v. 5 (Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1993).
3. Cobradores de dívidas: também descritos em Arlie Hochschild. The Managed
Heart (Nova York: Free Press, 1980).
4. O argumento contra a raiva e a favor do autocontrole se baseia em grande
parte em Diane Tice e Roy F. Baumeister, “Controlling Anger: Self-Induced
Emotion Change”, em Wegner e Pennebaker, Handbook of Mental Control.
Ver também Carol Tavris, Anger: The Misunderstood Emotion (Nova York:
Touchstone, 1989).
5. A pesquisa sobre a raiva está relatada em Dolf Zillmann, “Mental Control of
Angry Aggression”, em Wegner e Pennebaker, Handbook of Mental
Control.
6. O passeio para acalmar: citado em Tavris, Anger: The Misunderstood
Emotion, p. 135.
7. As estratégias de Redford Williams para controlar a hostilidade estão
detalhadas em Redford Williams e Virginia Williams, Anger Kills (Nova
York: Times Books, 1993).
8. Dar vazão à raiva não acaba com ela: ver, por exemplo, S. K. Mallick e B. R.
McCandless, “A Study of Catharsis Aggression”, Journal of Personality and
Social 4 (1966). Para um resumo dessa pesquisa, ver Tavris, Anger: The
Misunderstood Emotion.
9. Quando despejar a raiva funciona: Tavris, Anger: The Misunderstood
Emotion.
10. A tarefa da preocupação: Lizabeth Roemer e Thomas Borkovec, “Worry:
Unwanted Cognitive Activity That Controls Unwanted Somatic Experience”,
em Wegner e Pennebaker, Handbook of Mental Control.
11. Medo de germes: David Riggs e Edna Foa, “Obsessive-Compulsive
Disorder”, em David Barlow, ed., Clinical Handbook of Psychological
Disorders (Nova York: Guilford Press, 1993).
12. O paciente preocupado foi citado em Roemer e Borkovec, “Worry”, p. 221.
13. Terapias para distúrbio de ansiedade: ver, por exemplo, Clinical Handbook
of Psychological Disorders, de David H. Barlow, ed. (Nova York: Guilford
Press, 1993).
14. A depressão de Styron: de William Styron, Darkness Visible: A Memoir of
Madness (Nova York: Random House, 1990).
15. As preocupações dos deprimidos são relatadas em Susan Noen-Hoeksma,
“Sex Differences in Control of Depression”, em Wegner e Pennebaker,
Handbook of Mental Control, p. 307.
16. Terapia para a depressão: K. S. Dobson, “A Meta-analysis of the Efficacy of
Cognitive Therapy for Depression”, Journal of Consulting and Clinical
Psychology 57 (1989).
17. O estudo dos padrões de pensamento de pessoas deprimidas é relatado em
Richard Wenzlaff, “The Mental Control of Depression”, em Wegner e
Pennebaker, Handbook of Mental Control.
18. Shelley Taylor e outros, “Maintaining Positive Illusions in the Face of
Negative Information”, Journal of Clinical and Social Psychology 8 (1989).
19. Os universitários repressores estão em Daniel A. Weinberger, “The
Construct Validity of the Repressive Coping Style”, em J. L. Singer, ed.,
Repression and Dissociation (Chicago: University of Chicago Press, 1990).
Weinberger, que criou o conceito de repressores em estudos anteriores
com Gary F. Schwartz e Richard Davidson, tornou-se o principal
pesquisador do assunto.
Capítulo 6: A Aptidão Mestra
1. O terror do exame: Daniel Goleman, Vital Lies, Simple Truths: The
Psychology of Self-Deception (Nova York: Simon and Schuster, 1985).
2. Memória funcional: Alan Baddeley, Working Memory (Oxford: Clarendon
Press, 1986).
3. Córtex pré-frontal e memória funcional: Patricia Goldman-Rakic, “Cellular
and Circuit Basis of Working Memory in Prefrontal Cortex of Nonhuman
Primates”, em Progress in Brain Research, 85, 1990; Daniel Weinberger, “A
Connectionist Approach to the Prefrontal Cortex”, Journal of
Neuropsychiatry 5 (1993).
4. Motivação e desempenho de elite: Anders Ericsson, “Expert Performance: Its
Structure and Acquisition”, American Psychologist (agosto de 1994).
5. Vantagem dos asiáticos em QI: Herrnstein e Murray, The Bell Curve.
6. QI e ocupação de ásio-americanos: James Flynn, Asian-American
Achievement Beyond IQ (New Jersey: Lawrence Erlbaum, 1991).
7. O estudo do adiamento da satisfação em crianças de 4 anos foi relatado em
Yuichi Shoda, Walter Mischel e Philip K. Peake, “Predicting Adolescent
Cognitive and Self-regulatory Competencies From Preschool Delay of
Gratification”, Developmental Psychology, 26, 6 (1990), p. 978-986.
8. Contagens SAT de crianças impulsivas e autocontroladas: a análise dos
dados do SAT foi feita por Phil Peake, psicólogo do Smith College.
9. QI versus adiamento como previsores de contagens SAT: comunicado
pessoal de Phil Peake, psicólogo do Smith College, que analisou os dados
do SAT no estudo do adiamento da satisfação de Walter Mischel.
10. Impulsividade e delinqüência: ver a discussão em Jack Block, “On the
Relation Between IQ, Impulsivity, and Delinquency”, Journal of Abnormal
Psychology, 104 (1995).
11. A mãe preocupada: Timothy A. Brown e outros, “Generalized Anxiety
Disorder”, em David H. Barlow (ed.), Clinical Handbook of Psychological
Disorders (Nova York: Guilford Press, 1993).
12. Controladores de tráfego aéreo e ansiedade: W. E. Collins e outros,
“Relationships of Anxiety Scores to Academy and Field Training
Performance of Air Traffic Control Specialists”, FAA Office of Aviation
Medicine Reports (maio de 1989).
13. Ansiedade e desempenho acadêmico: Bettina Seipp, “Anxiety and
Academic Performance: A Meta-analysis”, Anxiety Research 4,1 (1991).
14. Preocupados: Richard Metzger e outros, “Worry Changes Decision-making:
The Effects of Negative Thoughts on Cognitive Processing”, Journal of
Clinical Psychology (janeiro de 1990).
15. Ralph Haber e Richard Alpert, “Test Anxiety”, Journal of Abnormal and
Social Psychology 13 (1958).
16. Alunos ansiosos: Theodore Chapin, “The Relationship of Trait Anxiety and
Academic Performance to Achievement Anxiety”, Journal of College Student
Development (maio de 1989).
17. Pensamentos negativos e contagens em testes: John Hunsley, “Internal
Dialogue During Academic Examinations”, Cognitive Therapy and Research
(dezembro de 1987).
18. Os internos dão um doce de presente: Alice Isen e outros, “The Influence
of Positive Affect on Clinical Problem Solving”, Medical Decision Making
(julho-setembro de 1991).
19. A esperança e uma nota ruim: C. R. Snyder e outros, “The Will and the
Ways: Development and Validation of an Individual-Differences Measure
of Hope”, Journal of Personality and Social Psychology 60, 4 (1991), p. 579.
20. Entrevistei C. R. Snyder para o New York Times (24 de dezembro de 1991).
21. Nadadores otimistas: Martin Seligman, Learned Optimism (Nova York:
Knopf, 1991).
22. Otimismo realista versus ingênuo: ver, por exemplo, Carol Whalen e outros,
“Optimism in Children’s Judgments of Health and Environmental Risks”,
Health Psychology 13 (1994).
23. Entrevistei Martin Seligman sobre otimismo para o New York Times (3 de
fevereiro de 1987).
24. Entrevistei Albert Bandura sobre auto-eficácia para o New York Times (8 de
maio de 1988).
25. Mihaly Csikszentmihalyi, “Play and Intrinsic Rewards”, Journal of
Humanistic Psychology 15, 3 (1973).
26. Mihaly Csikszentmihalyi: Flow: The Psychology of Optimal Experience.
(Nova York: Harper and Row, 1990).
27. “Como uma cachoeira”: Newsweek (28 de fevereiro de 1994).
28. Entrevistei o Dr. Csikszentmihalyi para o New York Times (4 de março de
1986).
29. O cérebro em fluxo: Jean Hamilton e outros, “Intrinsic Enjoyment and
Boredom Coping Scales: Validation With Personality, Evoked Potential and
Attention Measures”, Personality and Individual Differences 5, 2 (1984).
30. Ativação cortical e cansaço: Ernest Hartmann, The Functions of Sleep (New
Haven: Yale University Press, 1973).
31. Entrevistei o Dr. Csikszentmihalyi para o New York Times (22 de março de
1992).
32. Estudo do fluxo e dos alunos de matemática: Jeanne Nakamura “Optimal
Experience and the Uses of Talent”, em Mihaly Csikszentmihalyi e Isabella
Csikszentmihalyi, Optimal Experience: Psychological Studies of Flow in
Consciousness (Cambridge: Cambridge University Press, 1988).
Capítulo 7: As Origens da Empatia
1. Autoconsciência e empatia: ver, por exemplo, John Mayer e Melissa
Kirkpatrick, “Hot Information-Processing Becomes More Accurate With
Open Emotional Experience”, Universidade de New Hampshire,
manuscrito inédito (outubro de 1994); Rand Larsen e outros, “Cognitive
Operations Associated With Individual Differences in Affect Intensity”,
Journal of Personality and Social Psychology 53 (1987).
2. Rober Rosenthal e outros. “The PONS Test: Measuring Sensitivity to
Nonverbal Cues”, em P. Reynolds, ed., Advances in Psychological
Assessment (São Francisco: Jossey-Bass, 1977).
3. Stephen e Marshall Duke, “A Measure of Nonverbal Social Processing Ability
in Children Between the Ages of 6 and 10”, trabalho apresentado no
encontro da Sociedade Psicológica Americana (1989).
4. As mães que agiram como pesquisadoras foram treinadas por Marian RadkeYarrow e Carolyn Zan-Waxler, no Laboratório de Psicologia
Desenvolvimentista, Instituto Nacional de Saúde Mental.
5. Escrevi sobre empatia, suas raízes desenvolvimentistas e sua neurologia em
The New York Times (28 de março de 1989).
6. Incutindo empatia nas crianças: Marian Radke-Yarrow e Carolyn ZahnWaxler, “Roots, Motives and Patterns in Children’s Prosocial Behavior”, em
Ervin Staub e outros (eds.), Development and Maintenance of Prosocial
Behavior (Nova York: Plenum, 1984).
7. Daniel Stern, The Interpersonal World of the Infant (Nova York: Basic Books,
1987), p. 30.
8. Stern, op. cit.
9. Os bebês deprimidos são descritos em Jefey Pickens e Tiffany Field, “Facial
Expressivity in Infants of Depressed Mothers”, Developmental Psychology
29, 6 (1993).
10. O estudo da infância de estupradores violentos foi feito por Robert
Prentky, psicólogo de Filadélfia.
11. A empatia em pacientes limite: “Giftedness and Psychological Abuse in
Borderline PersonaJity Disorder: Their Relevance to Genesis and
Treatment”, Journal of Personality Disorders 6 (1992).
12. Leslie Brothers, “A Biological Perspective on Empathy”, American Journal
of Psychiatry 146, 1 (1989).
13. Brothers, “A Biological Perspective”, p. 16.
14. Fisiologia da empatia: Robert Levenson e Anna Ruef, “Empathy: A
Physiological Substrate”, Journal of Personality and Social Psychology 63, 2
(1992).
15. Martin L. Hoffman, “Empathy, Social Cognition, and Moral Action”, em W.
Kurtines e J. Gerwitz, eds., Moral Behavior and Development: Advances in
Theory, Research, and Applications (Nova York: John Wiley and Sons,
1984).
16. Os estudos da ligação entre empatia e ética estão em Hoffman, “Empathy,
Social Cognition, and Moral Action”.
17. Escrevi sobre o ciclo emocional que culmina em crimes sexuais em The
New York Times (14 de abril de 1992). A fonte é William Pithers, psicólogo
do Departamento Correcional de Vermont.
18. A natureza da psicopatia é descrita com mais detalhes num artigo que
escrevi no The New York Times de 7 de julho de 1987. Grande parte do
que escrevo aqui vem de Robert Hare, psicólogo da Universidade da
Colúmbia Britânica, especialista em psicopatas.
19. Leon Bing, Do or Die (Nova York: HarperCollins, 1991).
20. Espancadores de esposas: Neil S. Jacobson e outros, “Affect, Verbal Content
and Psychophysiology in the Arguments of Couples With a Violent
Husband”. Journal of Clinical and Consulting Psychology (julho de 1994).
21. Os psicopatas não têm medo — o efeito é visto quando criminosos
psicopatas vão receber um choque. Uma das mais recentes réplicas do
efeito está em Christopher Patrick e outros, “Emotion in the Criminal
Psychopath: Fear Image Processing”, Journal of Abnormal Psychology 103
(1994).
Capítulo 8: A Arte de Viver em
Sociedade
1. O diálogo entre Jay e Len foi relatado por Judy Dunn e Jane Brown em
“Relationships, Talk About Feelings, and the Development of Affect
Regulation in Early Childhood”, Judy Garber e Kenneth A. Dodge, eds.,
The Development of Emotion Regulation and Dysregulation (Cambridge:
Cambridge University Press 1991). Os floreados dramáticos são meus
mesmo.
2. As regras de exibição estão em Paul Ekman e Wallace Friesen, Unmasking
the Face (Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1975).
3. Monges no calor da batalha: a história é contada por David Busch em
“Culture Cul-de-Sac”, Arizona State University Research (primavera/verão
de 1994).
4. O estudo de transferência de estado de espírito foi comunicado por Ellen
Sullins no número de abril de 1991 do Personality and Social Psychology
Bulletin.
5. Os estudos de transmissão e sincronia de estados de espírito são de Frank
Bernieri, psicólogo da Universidade do Estado do Oregon; escrevi sobre o
trabalho dele em The New York Times. Grande parte de sua pesquisa está
relatada em Bernieri e Robert Rosenthal, “Interpersonal Coordination,
Behavior Matching, and Interpersonal Synchrony”, em Robert Feldman e
Bernard Rime (eds.), Fundamentals of Nonverbal Behavior (Cambridge:
Cambridge University Press, 1991).
6. A teoria do arrasto é proposta por Bernieri e Rosenthal, Fundamentals of
Nonverbal Behavior.
7. Thomas Hatch, “Social Intelligence in Young Children”, trabalho apresentado
no encontro anual da Associação Psicológica Americana (1990).
8. Camaleões sociais: Mark Snyder, “Impression Management: The Self in Social
Interaction”, em L. S. Wrightsman e K. Deaux, Social Psychology in the 80’s
(Monterey, CA: Brooks/Cole, 1981).
9. E. Lakin Philips, The Social Skills Basis of Psychopathology (Nova York:
Grune and Straton, 1978), p. 140.
10. Distúrbios de aprendizado não-verbal: Stephen Nowicki e Marshall Duke,
Helping the Child Who Doesn’t Fit In (Atlanta: Peachtree Publishers, 1992).
Ver também Byron Rourke, Nonverbal Learning Disabilities (Nova York:
Guilford Press, 1989).
11. Nowicki e Duke, Helping the Child Who Doesn’t Fit In.
12. Essa vinheta e o exame da pesquisa sobre a entrada num grupo são de
Martha Putallaz e Aviva Wasserman, “Children’s Entry Behavior”, em
Steven Asher e John Cole, Peer Rejection in Childhood (Nova York:
Cambridge University Press, 1990).
13. Putallaz e Wasserman, “Children’s Entry Behavior”.
14. Hatch, “Social Intelligence in Young Children”.
15. A história de Terry Dobson do bêbado japonês e o velho é usada com
permissão do espólio de Dobson. Também é contada por Ram Dass e Paul
Gorman, How Can I Help? (Alfred A. Knopf, 1985), pp. 167-71.
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PARTE TRÊS: INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
APLICADA
Capítulo 9: Casamento: Inimigos
íntimos
1. Há muitos modos de calcular a taxa de divórcio, e os meios estatísticos
usados determinam o resultado. Alguns métodos mostram essa taxa
chegando a um máximo de 50% e depois caindo um pouco. Quando se
calculam os divórcios pelo número total num determinado ano, a taxa
parece ter atingido o pico na década de 1980. As estatísticas que cito aqui,
porém, calculam não o número de divórcios que ocorrem num
determinado ano, mas sim a probabilidade de um casamento ocorrido num
determinado ano acabar em divórcio. Essa estatística mostra uma taxa de
divórcio em ascensão no século que passou. Para mais detalhes: John
Gottman, What Predicts Divorce: The Relationship Between Marital
Processes and Marital Outcomes (Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum
Associates, Inc., 1993).
2. Os mundos separados de meninos e meninas: Eleanor Maccoby e C. N.
Jacklin, “Gender Segregation in Childhood”, em H. Reese, ed., Advances in
Child Development and Behavior (Nova York: Academic Press, 1987).
3. Coleguinhas do mesmo sexo: John Gottman, “Same and Cross Sex
Friendship in Young Children”, em J. Gottman e J. Parker (eds.),
Conversation of Friends, em Michael Lewis e Jeanette Haviland, eds.,
Handbook of Emotions (Nova York: Guilford Press, 1993).
4. Este e o resumo seguinte sobre as diferenças de sexo na socialização das
emoções se baseiam na excelente resenha de Leslie R. Brody e Judith A.
Hall, “Gender and Emotion”, Michael Lewis e Jeannette Haviland (ed.),
Handbook of Emotions (Nova York: Guilford Press, 1993).
5. Brody e Hall, “Gender and Emotion”, p. 456.
6. As meninas e as artes da agressão: Rohen B. Cairns e Beverley D. Caims,
Lifelines and Risks (Nova York: Cambridge University Press, 1994).
7. Brody e Hall, “Gender and Emotion”, p. 454.
8. As descobertas sobre diferenças de sexo na emoção são examinadas em
Brody Hall, “Gender and Emotion”.
9. A importância da boa comunicação para as mulheres foi relatada em Mark
H. Davis e H. Alan Oathout, “Maintenance of Satisfaction in Romantic
Relationships: Empathy and Relational Competence”, Journal of Personality
and Social Psychology, 53, 2 (1987), p. 397-410.
10. Estudo das queixas de maridos e esposas: Robert J. Sternberg,
“Triangulating Love”, em Robert Sternberg e Michael Barnes (eds.), The
Psychology of Love (New Haven: Yale University Press, 1988).
11. Leitura de rostos tristes: a pesquisa é do Dr. Ruben C. Gur, da Faculdade
de Medicina da Universidade da Pensilvânia.
12. O diálogo entre Fred e Ingrid foi extraído de Gottman, What Predicts
Divorce.
13. A pesquisa conjugal de John Gottman e colegas na Universidade de
Washington é descrita com mais detalhes em dois livros: John Gottman,
Why Marriages Succeed or Fail (Nova York: Simon and Schuster, 1994) e
What Predicts Divorce.
14. Fechar-se: Gottman, What Predicts Divorce.
15. Pensamentos venenosos: Aaron Beck, Love Is Never Enough (Nova York:
Harper and Row, 1988), p.145-146.
16. Pensamentos em casamentos problemáticos: Gottman, What Predicts
Divorce.
17. O pensamento distorcido de maridos violentos é descrito em Amy
Holtzworth-Munroe e Glenn Hutchinson, “Attributing Negative Intent to
Wife Behavior: The Attributions of Maritally Violent Versus Nonviolent
Men”, Journal of Abnormal Psychology 102, 2 (1993), p. 206-211.
Desconfiança de homens sexualmente agressivos: Neil Malamuth e Lisa
Brown, “Sexually Aggressive Men’s Perceptions of Women’s
Communications”, Journal of Personality and Social Psychology 67 (1994).
18. Maridos espancadores. Três tipos de maridos tornam-se violentos: os que
raramente ficam, os que ficam impulsivamente quando irados e os que o
fazem de maneira fria e calculada. A terapia parece ajudar apenas nos dois
primeiros casos. Ver Neil Jacobson et. al., Clinical Handbook of Marital
Therapy (Nova York: Guilford Press, 1994).
19. Inundação: Gottman, What Predicts Divorce.
20. Maridos detestam bate-boca: Robert Levenson e outros, “The lnfluence of
Age and Gender on Affect, Physiology, and Their Interrelations: A Study of
Long-term Marriages”, Journal of Personality and Social Psychology 67
(1994).
21. Inundação em maridos: Gottman, What Predicts Dirvorce.
22. Os homens se fecham em copas, as mulheres criticam: Gottman, What
Predicts Divarce.
23. “Esposa Acusada de Atirar no Marido por Causa de Futebol na TV”, The
New York Times (3 de novembro de 1993).
24. Brigas conjugais produtivas: Gottman, What Predicts Divorce.
25. Falta de capacidade de fazer reparações nos casais: Gottman, What Predicts
Divorce.
26. As quatro etapas que levam a “boas brigas” são de Gottman, Why
Marriages Succeed or Fail.
27. Monitarando o pulso: Gottman, ibid.
28. Surpreendendo pensamentos automáticos: Beck, Love Is Never Enough.
29. Espelhamento: Harville Hendrix, Getting the Love You Want (Nova York:
Henry Holt, 1988).
Capítulo 10: Administrar com o
Coração
1. A tragédia do piloto intimidante: Carl Lavin, “When Moods Affect Safety:
Communications in a Cockpit Mean a Lot a Few Miles Up”, The New York
Times (26 de junho de 1994).
2. Pesquisa com 250 executivos: Michael Maccoby, “The Corporate Climber
Has to Find His Heart”, Fortune (dezembro de 1976).
3. Zuboff: em conversa, junho de 1994. Sobre o impacto das tecnologias de
informação, ver o livro dela, In the Age of the Smart Machine (Nova York:
Basic Books, 1991).
4. A história do vice-presidente sarcástico me foi contada por Hendrie
Weisinger, psicólogo da Escola de Comércio da Universidade da Califórnia,
em Los Angeles. Seu livro intitula-se The Critical Edge: How to Criticize Up
and Down the Organization and Make It Pay Off (Boston: Little, Brown,
1989).
5. A pesquisa com os administradores que perderam a cabeça foi feita por
Robert Baron, psicólogo do Instituto Politécnico Rensselaer, que entrevistei
para o New York Times (11 de setembro de 1990).
6. Crítica como causa de conflito: Robert Baron, “Countering the Effects of
Destructive Criticism: The Relative Efficacy of Four Interventions”, Journal
of Applied Psychology 75, 3 (1990).
7. Crítica específica e crítica vaga: Harry Levinson, “Feedback to Subordinates”,
Addendum to the Levinson Letter, Instituto Levinson, Waltham, MA (1992).
8. A face em transformação da força de trabalho: uma pesquisa de 645
empresas nacionais americanas pela Towers Perrin, consultores
administrativos em Manhattan, publicada no New York Times (26 de agosto
de 1990).
9. As raízes do ódio: Vamik Volkan, The Need to Have Enemies and Allies
(Northvale, NJ: Jason Aronson, 1988).
10. Thomas Pettigrew: entrevistei Pettigrew para o New York Times (12 de maio
de 1987).
11. Estereótipos e preconceitos sutis: Samuel Gaertner e John Davidio,
Prejudice, Discrimination, and Racism (Nova York: Academic Press, 1987).
12. Preconceito sutil: Gaertner e Davidio, Prejudice, Discrimination, and
Racism.
13. Relman: citado em Howard Kohn, “Service With a Sneer”, The New York
Times Sunday Magazine (11 de novembro de 1994).
14. IBM: “Responding to a Diverse Work Force”, The New York Times (16 de
agosto de 1990).
15. O poder do protesto: Fletcher Blanchard, “Reducing the Expression of
Racial Prejudice”, Psychological Science (vol. 2, 1991).
16. Os estereótipos desabam: Gaertner e Davidio, Prejudice, Discrimination,
and Racism.
17. Equipes: Peter Drucker, “The Age of Social Transformation”, The Atlantic
Monthly (novembro de 1994).
18. O conceito de inteligência de grupo é apresentado em Wendy Williams e
Robert Sternberg, “Group Intelligence: Why Some Groups Are Better Than
Others”, Intelligence (1988).
19. O estudo das estrelas dos Laboratórios Bell foi relatado em Robert Kelley e
Janet Caplan, “How Bell Labs Creates Star Performers”, Harvard Business
Review (julho-agosto de 1993).
20. A utilidade de redes informais é observada por David Krackhardt e Jeffrey
R. Hanson, “Informal Networks: The Company Behind the Chart”, Harvard
Business Review (julho-agosto de 1993), p. l04.
Capítulo 11: A Emoção na Clínica
Médica
1. Sistema Imunológico como o cérebro do corpo: Francisco Varela no terceiro
encontro de Mente e Vida, Dharamsala, Índia (dezembro de 1990).
2. Mensageiros químicos entre o cérebro e o sistema imunológico: ver Robert
Ader e outros, Psychoneuroimmunology, 2ª edição (San Diego: Academic
Press, 1990).
3. Contato entre nervos e células imunológicas: David Felten e outros,
“Noradrenergic Sympathetic Innervation of Lymphoid Tissue”, Journal of
Immunology 135 (1985).
4. Hormônios e função imunológica: B. S. Rabin e outros, “Bidirectional
Interaction Between the Central Nervous System and the Immune System”,
Critical Reviews in Immunology 9 (4) (1988), p. 279-312.
5. Ligações entre o cérebro e o sistema imunológico: ver, por exemplo, Steven
B. Mayer e outros, “Psychoneuroimmunology”, American Psychologist
(dezembro de 1994).
6. Emoções tóxicas: Howard Friedman e S. Boothby-Kewley, “The DiseaseProne Personality: A Meta-Analytic View”, American Psychologist 42 (1987).
Essa ampla análise de estudos usou a “metaanálise”, em que os resultados
de muitos estudos menores são combinados estatisticamente num estudo
imenso. Isso permite que efeitos que talvez não surgissem em nenhum
estudo em particular sejam mais facilmente detectados por causa de um
maior número de pessoas estudadas.
7. Os céticos afirmam que o quadro emocional ligado a taxas mais altas de
doença é o perfil da quintessência do neurótico — um trapo emocional
ansioso, deprimido e irado — e que as taxas maiores de doenças que eles
relatam se devem não tanto a um fato médico quanto à tendência para se
lamentar e queixar de problemas de saúde, exagerando a seriedade deles.
Mas Friedman e outros afirmam que o peso dos indícios da relação
emoção-doença é sustentado por pesquisas em que são as avaliações,
feitas por médicos, de sinais observáveis da doença, e não as queixas dos
pacientes, que determinam o nível da doença — uma base mais objetiva.
Claro, há a possibilidade de que uma maior perturbação resulte de um
problema médico, e que também o precipite; por esse motivo, os dados
mais convincentes vêm de estudos em perspectiva, nos quais os estados
emocionais são avaliados antes do início da doença.
8. Gail Ironson e outros, “Effects of Anger on Left Ventricular Ejection Fraction
in Coronary Artery Disease”, The American Journal of Cardiology 70, 1992.
A eficiência de bombeamento, às vezes chamada de “fração de ejeção”,
quantifica a capacidade do coração de bombear sangue para as artérias
pelo ventrículo esquerdo; ela mede a porcentagem de sangue bombeado
pelos ventrículos a cada batida do coração: na doença cardíaca, a queda
na eficiência de bombeamento significa um enfraquecimento do músculo
cardíaco.
9. De cerca de uma dezena de estudos sobre a hostilidade e morte por doença
cardíaca, alguns não conseguiram estabelecer uma ligação. Mas isso pode
ser atribuído a diferenças de metodologia, como usar uma baixa medida
de hostilidade, e à relativa sutileza do efeito. Por exemplo, o maior
número de mortes causadas por hostilidade parece ocorrer na meia-idade.
Se um estudo não identifica as causas de morte de pessoas durante esse
período, não vê o efeito.
10. Hostilidade e doença cardíaca: Redford Williams, The Trusting Heart (Nova
York: Times Books/Random House, 1989).
11. Peter Kaufman: entrevistei o Dr. Kaufman para o New York Times (1º de
setembro de 1992).
12. Estudo em Stanford da raiva e segundos ataques cardíacos: Carl Thoreson,
apresentado no Congresso Internacional de Medicina Comportamental,
Uppsala, Suécia (julho de 1990).
13. Lynda H. Powell, “Emotional Arousal as a Predictor of Long-Term Mortality
and Morbidity in Post M.I. Men”, Circulation, vol. 82, nº 4, Suplemento III,
outubro de 1990.
14. Murray A. Mittleman, “Triggering of Myocardial Infarction Onset by
Episodes of Anger”, Circulation, vol. 89, nº 2 (1994).
15. A supressão da raiva eleva a pressão do sangue: Robert Levenson: “Can We
Control Our Emotions, and How Does Such Control Change an Emotional
Episode?”, em Richard Davidson e Paul Ekman (eds.), Fundamental
Questions About Emotions (Nova York: Oxford University Press, 1995).
16. Uma forma raivosa de ser: relatei a pesquisa de Redford Williams sobre a
ira e o coração no New York Times Good Health Magazine (16 de abril de
1989).
17. Redução de 44% em segundos ataques: Thoreson, op. cit.
18. Programa de controle da raiva, do Dr. Williams: Williams, The Trusting
Heart.
19. A mulher preocupada: Timothy Brown e outros, “Generalized Anxiety
Disorder”, em David H. Barlow (ed.), Clinical Handbook of Psychological
Disorders (Nova York: Guilford Press, 1993).
20. Tensão e metástase: Bruce McEwen e Eliot Stellar, “Stress and The
Individual: Mechanisms Leading to Disease”, Archives of Internal Medicine
153 (27 de setembro de 1993). O estudo que eles descrevem é de M.
Robertson e J. Ritz, “Biology and Clinical Relevance of Human Natural
Killer Cells”, Blood 76 (1990).
21. Pode haver múltiplos motivos para que as pessoas sob tensão sejam mais
vulneráveis à doença, além das rotas biológicas. Um deles é que a forma
como as pessoas tentam aliviar sua ansiedade — por exemplo, fumando,
bebendo ou entregando-se a orgias de comidas gordurosas — são em si
nocivas. Outro é que a preocupação e a ansiedade constantes podem fazer
com que as pessoas percam o sono ou esqueçam de seguir prescrições
médicas — tomar remédio, por exemplo — e assim prolonguem doenças
que já têm. O mais provável é que tudo isso atue em combinação para
ligar tensão e doença.
22. A tensão enfraquece o sistema imunológico: por exemplo, no estudo de
alunos de medicina que enfrentam tensão nas provas, eles tinham não
apenas menor controle do vírus do herpes, mas também um declínio na
capacidade de suas células brancas matarem células infectadas, além de
um aumento nos níveis de um produto químico associado à supressão da
capacidade imunológica dos linfócitos, as células brancas fundamentais
para a resposta imunológica. Ver Ronald Glaser e Janice Kiecolt-Glaser,
“Stress-Associated Depression in Cellular Immunity”, Brain, Behavior, and
Immunity 1 (1987). Mas, na maioria desses estudos que mostram um
enfraquecimento das defesas imunológicas com a tensão, não ficou claro
que os níveis eram suficientemente baixos para levar a risco médico.
23. Tensão e resfriados: Sheldon Cohen e outros, “Psychological Stress and
Susceptibility to the Common Cold”, New England Journal of Medicine 325
(1991).
24. Perturbação diária e infecção: Arthur Stone e outros, “Secretory IgA as a
Measure of Immunocompetence”, Journal of Human Stress 13 (1987). Em
outro estudo, 246 maridos, esposas e filhos mantiveram diários de tensão
na vida de suas famílias na temporada da gripe. Os que tinham mais crises
familiares também tinham a maior taxa de gripe, medida por dias de febre
e por níveis de anticorpos da gripe. Ver R. D. Clover e outros, “Family
Functioning and Stress as Predictors of Influenza Infection”, Journal of
Family Practice 28 (maio de 1989).
25. Erupções do vírus do herpes e tensão: uma série de estudos de Ronald
Glaser e Janic Kiecolt-Glaser — por exemplo, “Psychological Influences on
Immunity”, American Psychologist 43 (1988). A relação entre tensão e
atividade do herpes é tão forte que foi demonstrada num estudo com
apenas dez pacientes, usando a erupção de fato de lesões hérpicas como
medida; quanto mais ansiedade, brigas e tensão comunicadas pelos
pacientes, mais probabilidade tinham de sofrer erupções de herpes na
semana seguinte; os períodos calmos em suas vidas levavam à dormência
do herpes. Ver H. E. Schmidt e outros, “Stress as a Precipitating Factor in
Subjects With Recurrent Herpes Labialis”, Journal of Family Practice, 20
(1985).
26. Ansiedade em mulheres e doença cardíaca: Carl Thoreson, apresentado no
Congresso Internacional de Medicina Comportamental, Uppsala, Suécia
(julho de 1990). A ansiedade também pode desempenhar um papel no
tornar alguns homens mais vulneráveis à doença cardíaca. Num estudo da
faculdade de medicina da Universidade de Alabama, 1.123 homens e
mulheres entre as idades de 45 e 77 anos tiveram seus perfis emocionais
avaliados. Os mais inclinados à ansiedade e preocupação na meia-idade
tinham muito mais probabilidade que os outros de apresentar hipertensão
quando localizados vinte anos depois. Ver Abraham Markowitz e outros,
Journal of the American Medical Association (14 de novembro de 1993).
27. Tensão e câncer colo-retal: Joseph C. Courtney e outros, “Stressful Life
Events and the Risk of Colorectal Cancer”, Epidemiology (setembro de
1993), 4(5).
28. Relaxamento para conter sintomas com base na tensão: ver, por exemplo,
Daniel Goleman e Joel Gurin, Mind Body Medicine (Nova York: Consumer
Report Books/St. Martin’s Press, 1993).
29. Depressão e doença: ver, por exemplo, Seymour Reichlin,
“Neuroendocrine-Immune Interactions”, New England Journal of Medicine
(21 de outubro de 1993).
30. Transplante de medula óssea: citado em James Strain, “Cost Offset From a
Psychiatric Consultation-Liaison Intervention With Elderly Hip Fracture
Patients”, American Journal of Psychiatry 148 (1991).
31. Howard Burton e outros, “The Relationship of Depression to Survival in
Chronic Renal Failure”, Psychosomatic Medicine (março de 1986).
32. Desesperança e morte por doença cardíaca: Robert Anda e outros,
“Depressed Affect, Hopelessness, and the Risk of Ischemic Heart Disease in
a Cohort of U.S. Adults”, Epidemiology (julho de 1993).
33. Depressão e ataque cardíaco: Nancy Frasure-Smith e outros, “Depression
Following Myocardial Infarction”, Journal of the American Medical
Association (20 de outubro de 1993).
34. Depressão na múltipla doença: o Dr. Michael von Korff, psiquiatra da
Universidade de Washington que fez o estudo, observou que, com esses
pacientes que enfrentam tremendos desafios para sobreviverem, “se a
gente trata a depressão, vê melhoras além e acima de quaisquer mudanças
em seu estado clínico. Se você está deprimido, seus sintomas lhe parecem
piores. Ter uma doença física crônica é um grande desafio adaptacional. Se
você está deprimido, tem menos capacidade de aprender a cuidar de sua
doença. Mesmo com impedimento físico, se você está motivado e tem
energia e sentimentos de seu próprio valor — e tudo isso corre risco na
depressão —, pode se adaptar admiravelmente mesmo a sérios
impedimentos”.
35. Otimismo e cirurgia de ponte de safena: Chris Petesson e outros, Learned
Helplessness: A Theory for the Age of Personal Control (Nova York: Oxford
University Press, 1993).
36. Danos na coluna e esperança: Timothy Elliott e outros, “Negotiating Reality
After Physical Loss: Hope, Depression, and Disability”, Journal of
Personality and Social Psychology 61, 4 (1991).
37. Risco médico no isolamento social: James House e outros, “Social
Relationships and Health”, Science (29 de julho de 1988). Mas ver também
uma constatação contraditória: Carol Smith e outros, “Meta-Analysis of the
Associations Between Social Support and Health Outcomes”, Journal of
Behavioral Medicine (1994).
38. Isolamento e risco de mortalidade: outros estudos sugerem um mecanismo
biológico em ação. Essas descobertas, citadas em House, “Social
Relationships and Health”, constataram que a simples presença de outra
pessoa pode reduzir a ansiedade e diminuir o distúrbio fisiológico em
unidades de tratamento intensivo. Descobriu-se que o efeito reconfortante
da presença de outra pessoa baixa não só os batimentos cardíacos e a
pressão do sangue, mas também a secreção de ácidos graxos que podem
bloquear as artérias. Uma das teorias apresentadas para explicar os efeitos
curativos do contato social sugere um mecanismo do cérebro em ação.
Essa teoria indica dados sobre animais que mostram um efeito calmante na
zona hipotalâmica posterior, uma área do sistema límbico com abundantes
ligações com a amígdala. A presença reconfortante de outra pessoa, afirma
essa tese, inibe a atividade límbica, baixando a taxa de secreção de
acetilcolina, cortisol e catecolaminas, todos produtos neuroquímicos que
provocam respiração mais rápida, aceleração dos batimentos cardíacos e
outros sinais fisiológicos de tensão.
39. Tensão, “Cost Offset”.
40. Sobrevivência a ataque cardíaco e apoio emocional: Lisa Berkman e outros,
“Emotional Support and Survival After Myocardial Infarction, A Prospective
Population Based Study of the Elderly”, Annals of Internal Medicine (15 de
dezembro de 1992).
41. O estudo sueco: Annika Rosengren e outros, “Stressful Life Events, Social
Support, and Mortality in Men Born in 1933”, British Medical Journal (9 de
outubro de 1993).
42. Brigas conjugais e sistema imunológico: Janice Kiecolt-Glaser e outros,
“Marital Quality, Marital Disruption, and Immune Function” Psychosomatic
Medicine 49 (1987).
43. Entrevistei John Cacioppo para o New York Times (15 de dezembro de
1992).
44. Falar dos pensamentos perturbadores: James Pennebaker, “Putting Stress
Into Words: Health, Linguistic and Therapeutic Implications”, trabalho
apresentado no encontro da Associação Psicológica Americana,
Washington, DC (1992).
45. Psicoterapia e melhora clínica: Lester Luborsky e outros, “Is Psychotherapy
Good for Your Health?”, trabalho apresentado no encontro da Associação
Psicológica Americana, Washington, DC (1993).
46. Grupos de apoio no câncer: David Spiegel e outros, “Effect of Psychosocial
Treatment on Survival of Patients with Metastatic Breast Cancer”, Lancet
no. 8668, ii (1989).
47. Perguntas dos pacientes: a descoberta foi citada pelo Dr. Steven CohenCole, psiquiatra da Universidade Emory, quando o entrevistei para o New
York Times (13 de novembro de 1991).
48. Informação completa: por exemplo, o programa Planetree, no Hospital
Presbiteriano do Pacífico, em São Francisco, faz pesquisas sobre pesquisas
médicas e leigas sobre qualquer assunto, para quem solicitar.
49. Tornando os pacientes eficientes: um programa foi criado pelo Dr. Mack
Lipkin Jr., da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York.
50. Preparação emocional para a cirurgia: escrevi sobre isso em The New York
Times (10 de dezembro de 1987).
51. Assistência familiar no hospital: também aqui, o Planetree é um modelo,
como o são as casas Ronald, que permitem que os pais fiquem na casa ao
lado dos hospitais onde seus filhos estão internados.
52. Consideração e medicina: ver Jon Kabat-Zinn, Full Catastrophe Living
(Nova York: Delacorte, 1991).
53. Programa para reverter doenças cardíacas: ver Dean Ornish, Dr. Dean
Ornish’s Program for Reversing Heart Disease (Nova York: Ballantine,
1991).
54. Medicina centrada no relacionamento: Health Professions Education and
Relationship-Centered Care. Relatório da Força-tarefa Pew-Fetzer sobre o
Progresso da Educação Médica Psicossocial, Comissão de Profissões
Médicas e Instituto Fetzer do Centro de Profissões de Saúde, Universidade
da Califórnia, São Francisco (agosto de 1994).
55. Deixar o hospital antes: Tensão, “Cost Offsett”.
56. É antiético não tratar a depressão em pacientes de doenças cardíacas:
Redford Williams e Margaret Chesney, “Psychosocial Factors and Prognosis
in Established Coronary Heart Disease”, Journal of the American Medical
Association (20 de outubro de 1993).
57. Carta aberta a um médico: A. Stanley Kramer, “A Prescription for Healing”,
Newsweek (7 de junho de 1993).
PARTE QUATRO: MOMENTOS OPORTUNOS
Capítulo 12: O Ambiente Familiar
1. Leslie e o videogame: Beverly Wilson e John Gottman, “Marital Conflict and
Parenting: The Role of Negativity in Families”, em M. H. Bornstein, ed.,
Handbook of Parenting, vol. 4 (Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum, 1994).
2. A pesquisa sobre as emoções em família foi uma extensão dos estudos
conjugais de John Gottman examinados no Capítulo 9. Ver Carole Hooven,
Lynn Katz e John Gottman, “The Family as a Meta-emotion Culture”,
Cognition and Emotion (primavera de 1994).
3. Os benefícios para as crianças de pais emocionalmente capazes: Hooven,
Katz e Gottman, “The Family as a Meta-emotion Culture”.
4. Bebês otimistas: T. Berry Brazelton, no prefácio a Heart Start: The Emotional
Foundations of School Readiness (Arlington, VA: National Center for
Clinical Infant Programs, 1992).
5. Previsores emocionais de êxito na escola: Heart Start.
6. Elementos de disposição para a escola: Heart Start, p. 7.
7. Bebês e mães: Heart Start, p. 9.
8. Danos por negligência: M. Erickson e outros, “The Relationship Between
Quality of Attachment and Behavior Problems in Preschool in a High-Risk
Sample”, em I. Betherton e E. Waters (eds.), Monographs of the Society of
Research in Child Development, 50, série nº 209.
9. Lições duradouras dos primeiros quatro anos: Heart Start, p. 13.
10. Acompanhamento de crianças agressivas: L. R. Huesman, Leonard Eron e
Patty Warnicke-Yarmel, “Intellectual Function and Aggression”, The Journal
of Personality and Social Psychology (janeiro de 1987). Constatações
semelhantes foram comunicadas por Alexander Thomas e Stella Chess, no
número de setembro de 1988 de Child Development, no estudo que
fizeram com 75 crianças avaliadas em intervalos regulares desde 1956,
quando estavam entre os 7 e os 12 anos. Alexander Thomas e outros,
“Longitudinal Study of Negative Emotional States and Adjustments From
Early Childhood Through Adolescence”, Child Development 59 (1988). Uma
década depois, as crianças que pais e professores diziam ser as mais
agressivas na escola primária passavam pelo maior turbilhão emocional no
fim da adolescência. Eram crianças (quase duas vezes mais meninos que
meninas) que não apenas viviam puxando briga, mas também
apresentavam descaso ou franca hostilidade contra os colegas, e mesmo
contra as famílias e professores. Essa hostilidade não mudara com o passar
dos anos; como adolescentes, tinham problemas para conviver com os
colegas e com a família, e tinham problemas na escola. E, quando
procurados como adultos, suas dificuldades iam de envolvimentos com a
lei a problemas de ansiedade e depressão.
11. Ausência de empatia em crianças maltratadas: as observações em creches
diárias foram relatadas em Mary Main e Carol George, “Responses of
Abused and Disadvantaged Toddlers to Distress in Agemates: A Study in
the Day-Care Setting”, Developmental Psychology 21, 3 (1985). As
constatações repetiram-se também com crianças do pré-escolar: Bonnie
Klimes-Dougan e Janet Kistner, “Physically Abused Preschoolers’
Responses to Peers’ Distress”, Developmental Psychology 26 (1990).
12. Dificuldades de crianças maltratadas: Robert Emery, “Family Violence”,
American Psychologist (fevereiro de 1989).
13. Maus-tratos de geração em geração: se as crianças maltratadas se tornam
pais que maltratam, é uma questão para debate científico. Ver, por
exemplo, Cathy Spatz Widom, “Child Abuse, Neglect and Adult Behavior”,
American Journal of Orthopsychiatry (julho de 1989).
Capítulo 13: Trauma e
Reaprendizado Emocional
1. Escrevi sobre o trauma duradouro dos assassinatos na Escola Primária
Cleveland na seção “Education Life” em Tbe New York Times (7 de janeiro
de 1990).
2. Os exemplos de PTSD em vítimas de crime foram dados pela Dra. Shelly
Niederbach, psicóloga no Serviço de Assistência a Vítimas, no Brooklyn.
3. A lembrança do Vietnã vem de M. Davis, “Analysis of Aversive Memories
Using Fear-Potentiated Startle Paradigma”, The Neuropsychology of Memory
(Nova York: Guilford Press, 1992).
4. LeDoux defende cientificamente a indelebilidade especial dessas lembranças
em “Indelibility of Subcortical Emotional Memories”, Journal of Cognitive
Neuroscience (1989), vol. 1, p. 238-243.
5. Entrevistei o Dr. Charney para o New York Times (12 de junho de 1990).
6. As experiências com pares de animais de laboratório me foram descritas
pelo Dr. John Krystal, e repetidas em vários laboratórios científicos. As
principais foram feitas pelo Dr. Jay Weiss na Universidade Duke.
7. A melhor explicação das alterações cerebrais no PTSD, e do respectivo
papel da amígdala cortical está em Dennis Charney e outros,
“Psychobiologic Mechanisms of Post-Traumatic Stress Disorder”, Archives of
General Psychiatry 50 (abril de 1993), p. 294-305.
8. Parte dos indícios das mudanças produzidas por trauma nessa rede cerebral
vem de experiências em que foi injetada, em veteranos do Vietnã que
sofriam de PTSD, a yohimbina usada nas pontas das setas de índios sulamericanos para imobilizar sua presa. Doses mínimas desse veneno
bloqueiam a ação de um receptor específico (a ponta de um neurônio que
recebe um neurotransmissor) que geralmente atua como um freio nas
catecolaminas. A yohimbina remove os freios, impedindo esses receptores
de sentir a secreção de catecolaminas; o resultado é uma elevação dos
níveis de catecolamina. Com os freios neurais à ansiedade desativados
pelas injeções da droga, a yohimbina provocou pânico em nove entre 15
pacientes de PTSD e flashbacks realistas em seis. Um veterano teve a
alucinação de que um helicóptero caía abatido numa esteira de fumaça e
um forte clarão; outro viu a explosão numa mina de terra de um jipe com
seus companheiros dentro — a mesma cena que fazia parte de seus
pesadelos e retornava em flashbacks por mais de vinte anos. O estudo
com a yohimbina foi feito pelo Dr. John Krystal, diretor do Laboratório de
Psicofarmacologia Clínica do Centro Nacional do PTSD, no Hospital de
Veteranos de West Haven, Connecticutt, Virgínia.
9. Menos receptores alpha-2 em homens com PTSD: ver Charney,
“Psychobiologic Mechanisms”.
10. O cérebro, tentanto baixar a taxa de secreção de CRF, compensa reduzindo
o número de receptores que o liberam. Um sinal revelador de que é isso
que acontece em pessoas com PTSD vem de um estudo em que se injetou
CRF em oito pacientes que se tratavam do problema. Em geral, uma
injeção de CRF dispara ACTH, o hormônio que corre pelo corpo para
disparar catecolaminas. Mas nos pacientes de PTSD, ao contrário de um
grupo de comparação sem PTSD, não houve mudança visível nos niveis de
ACTH — um sinal de que o cérebro deles cortara os receptores de CRF
por já estarem sobrecarregados do hormônio da tensão. A pesquisa me foi
descrita por Charles Nemeroff, psiquiatra da Universidade Duke.
11. Entrevistei o Dr. Nemeroff para o New York Times (12 de junho de 1990).
12. Parece ocorrer alguma coisa semelhante no PTSD: por exemplo, num
experimento foi exibido a veteranos do Vietnã diagnosticados com PTSD
um filme de 17 minutos, especialmente editado, com cenas explícitas de
combate do filme Platoon. Num grupo, os veteranos receberam injeções
de naloxona, uma substância que bloqueia as endorfinas; depois de verem
o filme, esses veteranos não mostraram mudança alguma na sensibilidade
à dor. Mas no grupo sem o bloqueador de endorfina, essa sensibilidade
caiu em 30%, indicando secreção de endorfina. As mesmas cenas não
causaram o mesmo efeito em veteranos que não sofriam de PTSD, o que
sugere que, em vítimas de PTSD, os caminhos neurais que regulam as
endorfinas são muito sensíveis ou hiperativos — um efeito que só se
tornou visível quando foram reexpostos a alguma coisa que lembrava o
trauma original. Nessa seqüência, a amígdala primeiro avalia a importância
emocional do que vemos. O estudo foi feito pelo Dr. Roger Pitman,
psiquiatra de Harvard. Como acontece com outros sintomas de PTSD, essa
mudança no cérebro é não apenas aprendida em circunstâncias difíceis,
mas pode ser outra vez disparada na ocorrência de algo que lembre o fato
original. Por exemplo, Pitman constatou que quando ratos de laboratório
recebiam choques numa gaiola, criavam a mesma analgesia baseada na
endorfina encontrada nos veteranos do Vietnã a quem se mostrou Platoon.
Semanas depois, quando os ratos foram postos nas gaiolas onde tinham
recebido os choques — mas sem se ligar a corrente —, eles mais uma vez
se tornaram insensíveis à dor, como tinham feito originalmente quando
receberam os choques. Ver Roger Pitman, “Naloxone-Reversible Analgesic
Response to Combat-Related Stimuli in Posttraumatic Stress Disorder”,
Archives of General Medicine (junho de 1990). Ver também Hillel Glover,
“Emotional Numbing: A Possible Endorphin-Mediated Phenomenon
Associated with Pos-traumatic Stress Disorders and Other Allied
Psychopathologic States”, Journal of Traumatic Stress 5, 4 (1992).
13. Os indícios do cérebro examinados nesta seção se baseiam no excelente
artigo de Dermis Charney, “Psychobiologic Mechanisms”.
14. Charney, “Psychobiologic Mechanisms”, 300.
15. Papel do córtex pré-frontal no desaprendizado do medo: no estudo de
Richard Davidson, mediu-se a reação de suor de voluntários (um
barômetro da ansiedade) quando ouviam um tom seguido de um barulho
alto, desagradável. O alto barulho disparava um aumento de suor. Após
algum tempo, só o tom já bastava para provocar o mesmo aumento,
mostrando que os voluntários haviam aprendido uma aversão ao tom.
Continuando a ouvir o tom sem o barulho desagradável, a aversão
aprendida desapareceu — o tom soava sem qualquer aumento de suor.
Quanto mais ativo o córtex pré-frontal esquerdo dos voluntários, mais
rapidamente eles perdiam o medo aprendido. Em outra experiência que
mostra o papel dos lobos pré-frontais na superação do medo, ratos de
laboratório — como tantas vezes acontece nesses estudos — aprenderam a
temer um tom associado a um choque. Os ratos, então, passavam pelo
equivalente a uma lobotomia, uma lesão cirúrgica no cérebro que
seccionava os lobos pré-frontais da amígdala. Nos vários dias seguintes, os
ratos ouviam o tom sem receber o choque elétrico. Aos poucos, num
período de dias, ratos que haviam antes aprendido a temer o tom iam aos
poucos perdendo o medo. Mas os que tinham tido os lobos pré-frontais
desligados precisavam duas vezes mais tempo para desaprender o medo
— o que sugere um papel crucial dos lobos pré-frontais no controle do
medo, e, de um modo mais geral, no dominar lições emocionais. Essa
experiência foi feita por Maria Morgan, aluna de Joseph LeDoux no Centro
de Ciência Neural da Universidade de Nova York.
16. Recuperação de PTSD: soube desse estudo por Rachel Yehuda,
neuroquímica e diretora do Programa de Estudos da Tensão Traumática na
Faculdade de Medicina Mt. Sinai, em Manhattan. Escrevi sobre os
resultados em The New York Times (6 de outubro de 1992).
17. Trauma na infância: Lenore Terr, Too Scared to Cry (Nova York:
HarperCollins, 1990).
18. Caminho para recuperação de um trauma: Judith Lewis Herman, Trauma
and Recovery (Nova York: Basic Books, 1992).
19. “Dosagem” do trauma: Mardi Horowitz, Stress Response Syndromes
(Northvale, NJ: Jason Aronson, 1986).
20. Outro nível em que se dá o reaprendizado, pelo menos em adultos, é
filosófico. A eterna pergunta da vítima — “Por que eu?” — tem de ser feita.
O fato de ser vítima de um trauma despedaça a fé da pessoa em que o
mundo é um lugar no qual se pode confiar, e que o que nos acontece
nesta vida é justo — quer dizer, que podemos controlar nosso destino
vivendo uma vida virtuosa. As respostas aos enigmas da vítima, claro,
precisam ser filosóficas ou religiosas; a tarefa é reconstruir um sistema de
crença ou fé que permita viver mais uma vez como se se pudesse confiar
no mundo e nas pessoas que nele habitam.
21. Que o medo original persiste, mesmo reduzido, foi demonstrado em
estudos onde ratos de laboratório foram condicionados para temer um som
de uma campainha, aliado a um choque elétrico. Quando ouviam a
campainha, reagiam com medo, embora não houvesse choque. Aos
poucos, durante um ano (um tempo muito longo para um rato — cerca de
um terço de sua vida), já não mais reagiam com medo ao som da
campainha. O medo voltou, de forma mais intensa, quando o som foi mais
uma vez combinado com um choque. Esse medo intenso durou um
instante — mas levou muitos meses para desaparecer. O paralelo em seres
humanos, claro, é quando um medo traumático de muito tempo atrás,
adormecido durante anos, retorna a pleno vapor diante de alguma
reminiscência do trauma original.
22. A pesquisa da terapia de Luborsky é detalhada em Lester Luborsky e Paul
Crits-Christoph, Understanding Transference: The CCRT Method (Nova
York: Basic Books, 1990).
Capítulo 14: Temperamento Não é
Destino
1. Ver, por exemplo, Jerome Kagan e outros, “Initial Reactions to
Unfamiliarity”, Directions in Psychological Science (dezembro de 1992). A
descrição mais completa da biologia do temperamento está em Kagan,
Galen’s Prophecy.
2. Tom e Ralph, meninos tipicamente tímidos e expansivos, são descritos em
Kagan, Galen’s Prophecy, p. 155-157.
3. Problemas de toda a vida da criança tímida: Iris Bell, “Increased Prevalence
of Stress-related Symptoms in Middle-Aged Women Who Report Childhood
Shyness”, Annals of Behavior Medicine 16 (1994).
4. Aceleração de batimentos cardíacos: Iris R. Bell e outros, “Failure of Heart
Rate Habituation During Cognitive and Olfactory Laboratory Stressors in
Young Adults With Childhood Shyness”, Annals of Behavior Medicine 16
(1994).
5. Pânico em adolescentes: Chris Hayward e outros, “Pubertal Stage and Panic
Attack History in Sixth- and Seventh-grade Girls”, American Journal of
Psychiatry vol. 149(9) (setembro de 1992), p. 1239-1243; Jerold Rosenbaum
e outros, “Behavioral Inhibition in Childhood: Risk Factor for Anxiety
Disorders”, Harvard Review of Psychiatry (maio de 1993).
6. A pesquisa sobre personalidade e diferenças hemisféricas foi feita pelo Dr.
Richard Davidson na Universidade de Wisconsin, e pelo Dr. Andrew
Tomarken, psicólogo da Universidade Vanderbilt; ver Andrew Tomarken e
Richard Davidson, “Frontal Brain Activation in Repressors and
Nonrepressors”, Journal of Abnormal Psychology 103 (1994).
7. As observações de como as mães podem ajudar os bebês tímidos a
tornarem-se mais ousados foram feitas com Doreen Arcus. Os detalhes
estão em Kagan, Galen’s Prophecy.
8. Kagan, Galen’s Prophecy, p. 194-195.
9. Tornar-se menos tímido: Jens Asendorpf, “The Malleability of Behavioral
Inhibition: A Study of Individual Developmental Functions”, Developmental
Psychology 30, 6 (1994).
10. Hubel e Wiesel: David H. Hubel, Thorsten Wiesel e S. Levay, “Plasticity of
Ocular Columns in Monkey Striate Cortex”, Philosophical Transactions of
the Royal Society of London 278 (1977).
11. Experiência e o cérebro do rato: o trabalho de Marian Diamond e outros
está descrito em Richard Thompson, The Brain (São Francisco: W. H.
Freernan, 1985).
12. Mudanças no cérebro no tratamento do distúrbio obsessivo-compulsivo: L.
R. Baxtes e outros, “Caudate Glucose Metabolism Rate Changes With Both
Drug and Behavior Therapy for Obsessive-Compulsive Disorder”, Archives
of General Psychiatry 49 (1992).
13. Maior atividade nos lobos pré-frontais: L. R. Baxter e outros, “Local
Cerebral Glucose Metabolic Rates in Obsessive-Compulsive Disorder”,
Archives of General Psychiatry 44 (1987).
14. Maturidade dos lobos pré-frontais: Bryan Kolb, “Brain Development,
Plasticity, and Behavior”, American Psychologist 44 (1989).
15. Experiência na infância e poda pré-frontal: Richard Davidson, “Asymmetric
Brain Function, Affective Style and Psychopathology: The Role of Early
Experience and Plasticity”, Development and Psychopathology vol. 6 (1994),
p. 741-758
16. Sintonia biológica e crescimento do cérebro: Schore, Affect Regulation.
17. M. E. Phelps e outros, “PET: A Biochemical Image of the Brain at Work”,
em N. A. Lassen e outros, Brain Work and Mental Activity: Quantitative
Studies with Radioactive Tracers (Copenhagen: Munksgaard, 1991).
PARTE CINCO: ALFABETIZAÇÃO
EMOCIONAL
Capítulo 15: Quanto Custa o
Analfabetismo Emocional
1. Alfabetização emocional: escrevi sobre esses cursos em The New York Times
(3 de março de 1992).
2. As estatísticas sobre taxas de crimes de adolescentes vêm do Uniform Crime
Reports, Crime in the U.S., 1991, American Psychologist (fevereiro de
1993).
3. Crimes violentos entre adolescentes: em 1990, a taxa de prisões por crimes
violentos subiu a 430 por 100 mil, um salto de 27% em comparação com a
taxa de 1980. As taxas de prisões de adolescentes por estupro subiu de
10,9 por 100 mil em 1965 para 21,9 em 1990. A taxa de assassinatos
cometidos por adolescentes mais do que quadruplicou de 1965 a 1990, de
2,8% por 100 mil para 12,1; em 1990, três de quatro desses assassinatos se
praticaram com armas de fogo, um aumento de 79% durante a década. Os
assaltos violentos por adolescentes saltaram 64% de 1980 a 1990. Ver, por
exemplo, Ruby Takanashi, “The Opportunities of Adolescence”, American
Psychologist (fevereiro de 1993).”
4. Em 1950, a taxa de suicídio para os entre 15 e 24 anos era de 4,5 por 100
mil. Em 1989, era três vezes mais alta, 13,3. As taxas de suicídio para
crianças de 10 a 14 anos quase triplicaram entre 1968 e 1985. As cifras para
suicídio, vítimas de homicídio e gravidez são de Health, 1991,
Departamento de Saúde e Serviços Humanos, e Children’s Safety Network,
A Data Book of Child and Adolescent Injury (Washington, DC: Centro
Nacional para Educação em Saúde Materna e Infantil, 1991).
5. Nas três décadas desde 1960, as taxas de gonorréia saltaram para um nível
quatro vezes mais alto entre crianças de 10 a 14 anos, e três vezes mais
entre as de 15 a 19. Em 1990, 20% de pacientes de Aids estavam na faixa
dos 20 anos, e muitos deles se contaminaram na adolescência. A pressão
para fazer sexo cedo torna-se mais forte. Uma pesquisa na década de 1990
constatou que mais de um terço de moças diz que a iniciação na vida
sexual se deu por pressão de colegas; há uma geração atrás apenas 13%
diziam isso. Ver Ruby Takanashi, “The Opportunities of Adolescence”, e
Children’s Safety Network, A Data Book of Child and Adolescent Injury.
6. O uso de heroína e cocaína por brancos subiu de 18 por 100 mil em 1970
para uma taxa de 68 em 1990 — cerca de três vezes mais alta. Mas, nas
mesmas duas décadas, entre os negros, o aumento foi de uma taxa em
1970 de 53 por 100 mil para uns estonteantes 766 em 1990 — perto de 13
vezes a taxa de 20 anos antes. As taxas de viciados em drogas são de
Crime in the U.S., 1991, Departamento de Justiça dos EUA.
7. Até uma em cinco crianças tem problemas psicológicos que prejudicam de
alguma forma suas vidas, segundo pesquisas feitas nos Estados Unidos,
Nova Zelândia, Canadá e Porto Rico. A ansiedade é o problema mais
comum em crianças abaixo dos 11 anos, afligindo 10% com fobias
suficientemente severas para interferir com a vida normal, outros 5% com
ansiedade generalizada e preocupação constante e outros 4% com
ansiedade intensa por serem separados dos pais. As bebedeiras aumentam
durante a adolescência entre os meninos para uma taxa de cerca de 20%
aos 20 anos. Informei muitos desses dados sobre distúrbios emocionais em
crianças no New York Times (10 de janeiro de 1989).
8. O estudo nacional de problemas emocionais de crianças e a comparação
com outros países: Thomas Achenbach e Catherine Howell, “Are
American’s Children Problems Getting Worse? A 13-Year Comparison”,
Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry
(novembro de 1989).
9. A comparação entre países foi feita por Urie Bronfenbrenner, em Michael
Lamb e Kathleen Sternberg, Child Care in Context: Cross-Cultural
Perspectives (Englewood, NJ: Lawrence Erlbaum, 1992).
10. Urie Bronfenbrenner falava num simpósio na Universidade de Cornell (24
de setembro de 1993).
11. Estudos longitudinais de crianças agressivas e delinqüentes: ver, por
exemplo, Alexander Thomas e outros, “Longitudinal Study of Negative
Emotional State and Adjustments from Early Childhood Through
Adolescence”, Child Development, vol. 59 (setembro de 1988).
12. Experiência com os valentões: John Lochman, “Social-Cognitive Processes
of Severely Violent, Moderately Aggressive, and Nonaggressive Boys”,
Journal of Consulting Psychology, 1994.
13. Pesquisa de meninos agressivos: Kenneth A. Dodge, “Emotion and Social
Information Processing”, em J Garber e K. Dodge, The Development of
Emotion Regulation and Dysregulation (Nova York: Cambridge University
Press, 1991).
14. Antipatia pelos valentões em poucas horas: J. D. Coie e J. B. Kupersmidt,
“A Behavioral Analysis of Emerging Social Status in Boys’ Groups”, Child
Development 54 (1983).
15. Até metade das crianças rebeldes: ver, por exemplo, Dan Offord e outros,
“Outcome, Prognosis, and Risk in a Longitudinal Follow-up Study”, Journal
of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry 31 (1992).
16. Crianças agressivas e crime: Richard Tremblay e outros, “Predicting Early
Onset of Male Antisocial Behavior from Preschool Behavior”, Archives of
General Psychiatry (setembro de 1991).
17. O que acontece na família da criança antes que ela chegue à escola é,
claro, fundamental na criação de uma predisposição para a agressão. Um
estudo, por exemplo, mostrou que crianças cujas mães as rejeitaram com 1
ano de idade, e cujo nascimento fora mais complicado, tinham quatro
vezes mais probabilidade que outras de cometer um crime violento até os
18. Adriane Raines e outros, “Birth Complications Combined with Early
Maternal Rejection at Age One Predispose to Violent Crime at Age 18
Years”, Archives of General Psychiatry (dezembro de 1994).
18. Embora o QI verbal baixo parecesse predizer delinqüência (um estudo
constatou uma diferença de oito pontos nessas contagens entre
delinqüentes e não-delinqüentes), há indícios de que a impulsividade está
mais direta e poderosamente em jogo tanto nas baixas contagens de QI
quanto na delinqüência. Quanto às baixas contagens, as crianças
impulsivas não prestam atenção suficiente para aprender as aptidões de
linguagem e raciocínio nas quais se baseiam as contagens de QI verbal, e
assim a impulsividade baixa essas contagens. No Estudo da Juventude de
Pittsburgh, um bem planejado projeto longitudinal em que se avaliaram
tanto o QI quanto a impulsividade em crianças de 10 a 12 anos, a
impulsividade era quase três vezes mais poderosa que o QI verbal na
previsão de delinqüência. Ver a discussão em: Jack Block, “On the Relation
Between IQ, Impulsivity, and Delinquency, Journal of Abnormal
Psychology 104 (1995).
19. Meninas “más” e gravidez: Marion Underwood e Melinda Albert, “FourthGrade Peer Status as a Predictor of Adolescent Pregnancy”, trabalho
apresentado no encontro da Sociedade de Pesquisa sobre o
Desenvolvimento da Criança, Kansas City, Missouri (abril de 1989).
20. Trajetória para a delinqüência: Gerald R. Patterson, “Orderly Change in a
Stable World: The Antisocial Trait as Chimera”, Journal of Clinical and
Consulting Psychology 62 (1993).
21. O estado mental da agressão: Ronald Slaby e Nancy Guerra, “Cognitive
Mediators of Aggression in Adolescent Offenders”, Developmental
Psychology 24 (1988).
22. O caso de Dana: extraído de Laura Mufson e outros, Interpersonal
Psychotherapy for Depressed Adolescents (Nova York: Guilford Press, 1993).
23. Taxas crescentes de depressão em todo o mundo: Cross-National
Collaborative Group, “The Changing Rate of Major Depression: CrossNational Comparisons”, Journal of the American Medical Association (2 de
dezembro de 1992).
24. Chance dez vezes maior de depressão: Peter Lewinsohn e outros, “AgeCohort Changes in the Lifetime Occurrence of Depression and Other
Mental Disorders”, Journal of Abnormal Psychology 102 (1993).
25. Epidemiologia da depressão: Patricia Cohen e outros, Instituto Psiquiátrico
de Nova York, 1988; Peter Lewinsohn e outros, “Adolescent
Psychopathology: I. Prevalence and Incidence of Depression in High
School Students”, Journal of Abnormal Psychology 102 (1993). Ver também
Mufson e outros, Interpersonal Psychotherapy. Para um exame de
estimativas mais baixas: F. Costello, “Developments in Child Psychiatric
Epidemiology”, Journal of the Academy of Child and Adolescent Psychiatry
28 (1989).
26. Padrões de depressão nos jovens: Maria Kovacs e Leo Bastiaens, “The
Psychotherapeutic Management of Major Depressive and Dysthymic
Disorders in Childhood and Adolescence: Issues and Prospects”, em I. M.
Goodyer, ed., Mood Disorders in Childhood and Adolescence (Nova York:
Cambridge University Press, 1994).
27. Depressão em crianças: Kovacs, op. cit.
28. Entrevistei Maria Kovacs para o New York Times (11 de janeiro de 1994).
29. Atraso social e emocional em crianças deprimidas: Maria Kovacs e David
Goldston, “Cognitive and Social Development of Depressed Children and
Adolescents”, Journal of the American Academy of Child and Adolescent
Psychiatry (maio de 1991).
30. Desamparo e depressão: John Weiss e outros, “Control-related Beliefs and
Self-reported Depressive Symptoms in Late Childhood”, Journal of
Abnormal Psychology 102 (1993).
31. Pessimismo e depressão em crianças: Judy Garber, Universidade
Vanderbilt. Ver, por exemplo, Ruth Hilsman e Judy Garber, “A Test of the
Cognitive Diathesis Model of Depression in Children: Academic Stressors,
Attributional Style, Perceived Competence and Control”, Journal of
Personality and Social Psychology 67 (1994); Judith Garber, “Cognitions,
Depressive Symptoms, and Development in Adolescents”, Journal of
Abnormal Psychology 102 (1993).
32. Garber, “Cognitions”.
33. Garber, “Cognitions”.
34. Susan Nolen-Hoeksema e outros, “Predictors and Consequences of
Childhood Depressive Symptoms: A Five-Year Longitudinal Study”, Journal
of Abnormal Psychology 101 (1992).
35. Taxa de depressão reduzida à metade: Gregory Clarke, Centro de Ciências
da Saúde da Universidade de Oregon, “Prevention of Depression in At-Risk
High School Adolescents”, trabalho apresentado na Academia Americana
de Psiquiatria da Criança e Adolescente (outubro de 1993).
36. Garber, “Cognitions”.
37. Hilda Bruch, “Hunger and Instinct”, Journal of Nervous and Mental Disease
149 (1969). Seu livro seminal, The Golden Cage: The Enigma of Nervous
Anorexia (Cambridge, MA: Harvard University Press), só foi publicado em
1978.
38. Estudo de distúrbios de alimentação: Gloria R. Leon e outros, “Personality
and Behavioral Vulnerabilities Associated with Risk Status for Eating
Disorders in Adolescent Girls”, Journal of Abnormal Psychology 102 (1993).
39. A menina de 6 anos que se achava gorda era paciente do Dr. William
Feldman, pediatra da Universidade de Ottawa.
40. Observado por Sifneos, “Affect, Emotional Conflict, and Deficit”.
41. A vinheta da rejeição de Ben vem de Steven Asher e Sonda Gabriel, “The
World of Peer-Rejected Children”, trabalho apresentado no encontro anual
da Associação Americana de Pesquisa Educacional, São Francisco (março
de 1989).
42. Taxa de evasão escolar entre crianças socialmente rejeitadas: Asher e
Gabriel, “The World of Peer-Rejected Children”.
43. As constataçôes sobre a fraca competência emocional de crianças
impopulares são de Kenneth Dodge e Esther Feldman, “Social Cognition
and Sociometric Status”, em Steven Asher e John Coie, eds., Peer Rejection
in Childhood (Nova York: Cambridge University Press, 1990).
44. Emory Cowen e outros, “Longterm Follow-up of Early Detected Vulnerable
Children”, Journal of Clinical and Consulting Psychology 41 (1973).
45. Melhores amigos e rejeitados: Jeffrey Parker e Steven Asher, “Friendship
Adjustment, Group Acceptance e Social Dissatisfaction in Childhood”,
trabalho apresentado no encontro anual da Associação Americana de
Pesquisa Educacional, Boston (1990).
46. Treinamento para crianças socialmente rejeitadas: Steven Asher e Gladys
Williams, “Helping Children Without Friends in Home and School
Contexts”, Children’s Social Development: Information for Parents and
Teachers (Urbana e Champaign: University of Illinois Press, 1987).
47. Resultados semelhantes: Stephen Nowicki, “A Remediation Procedure for
Nonverbal Processing Deficits”, manuscrito inédito, Universidade Duke
(1989).
48. Dois quintos bebem muito: pesquisa na Universidade de Massachusetts
pelo Projeto Pulse, divulgada em The Daity Hampshire Gazette (13 de
novembro de 1993).
49. Farra de bebida: as cifras são de Harvey Wechsler, diretor de Estudos de
Álcool na Universidade, na Escola de Saúde Pública de Harvard (agosto de
1994).
50. Mais mulheres bebem para embebedar-se, com risco de estupro:
comunicado do Centro sobre Vício e Abuso de Substâncias da
Universidade de Colúmbia (maio de 1993).
51. Principal causa de morte: Alan Maxlatt, relatório no encontro anual da
Associação Psicológica Americana (agosto de 1994).
52. Os dados sobre alcoolismo e vício em cocaína são de Meyer Glantz, chefe
em exercício da Secção de Pesquisa Etiológica do Instituto Nacional para
Abuso de Drogas e Álcool.
53. Aflição e abuso: Jeanne Tschann, “Initiation of Substance Abuse in Early
Adolescence”, Health Psychology 4 (1994).
54. Entrevistei Ralph Taner para o New York Times (26 de abril de 1990).
55. Níveis de tensão em filhos de alcoólatras: Howard Moss e outros, “Plasma
GABA-like Activity in Response to Ethanol Challenge in Men at High Risk
for Alcoholism”, Biological Psychiatry 27(6) (março de 1990).
56. Déficit no lobo frontal em filhos de alcoólatras: Philip Harden e Robert
Pihl, “Cognitive Function, Cardiovascular Reactivity, and Behavior in Boys
at High Risk for Alcoholism”, Journal of Abnormal Psychology 104 (1995).
57. Kathleen Merikangas e outros, “Familial Transmission of Depression and
Alcoholism”, Archives of General Psychiatry (abril de 1985).
58. O alcoólatra inquieto e impulsivo: Moss e outros.
59. Cocaína e depressão: Edward Khantzian, “Psychiatric and Psychodynamic
Factors in Cocaine Addiction”, em Arnold Washton e Mark Gold (eds.),
Cocaine: A Clinician’s Handbook (Nova York: Guilford Press, 1987).
60. Vício em heroína e raiva: Edward Khantzian, Faculdade de Medicina de
Harvard, em conversa, baseado em mais de 200 pacientes viciados em
heróina que tratou.
61. Chega de guerras: a expressão me foi sugerida por Tim Shriver, da
Cooperativa para o Progresso do Aprendizado Social e Emocional, do
Centro de Estudos da Criança, em Yale.
62. Impacto emocional da pobreza: “Economic Deprivation and Early
Childhood Development” e “Poverty Experiences of Young Children and
the Quality of Their Home Environments”. Greg Duncan e Patricia Garrett
descreveram ambos os resultados de suas pesquisas em artigos separados
em Child Development (abril de 1994).
63. Traços de crianças maleáveis: Norman Garmezy, The Invulnerable Child
(Nova York: Guilford Press, 1987). Escrevi sobre crianças que vencem
apesar das dificuldades em The New York Times (13 de outubro de 1987).
64. Predominância de distúrbios mentais: Ronald C. Kessler et. al., “Lifetime
and l2-month Prevalence of DSM-III R Psychiatric Disorders in the U.S.”,
Archives of General Psychiatry (janeiro de 1994).
65. As cifras para meninos e meninas que comunicam abuso sexual nos
Estados Unidos são de Malcolm Brown, do Setor de Violência e Tensão
Traumática do Instituto Nacional de Saúde Mental; o número de casos
comprovados é do Comitê Nacional para Prevenção de Abuso e
Negligência à Criança. Uma pesquisa nacional de crianças constatou que as
taxas eram de 3,2% para as meninas e 0,6% para os meninos num
determinado ano: David Finkelhor e Jennifer Dziuba-Leatherman, “Children
as Victims of Violence: A National Survey”, Pediatrics (outubro de 1984).
66. A pesquisa nacional com crianças sobre programas de prevenção de abuso
sexual foi feita por David Finkelhor, sociólogo da Universidade de New
Hampshire.
67. As cifras sobre o número de vítimas dos molestadores de crianças são de
uma entrevista com Malcolm Gordon, psicólogo do Setor de Violência e
Tensão Traumática do Instituto Nacional de Saúde Mental.
68. Consórcio W. T. Grant sobre a Promoção de Competência Social com Base
na Escola, “Drug and Alcohol Prevention Curricula”, em J. David Hawkins
e outros, Communities That Care (São Francisco: Jossey-Bass, 1992).
69. Consórcio W. T. Grant, “Drug and Alcohol Prevention Curricula”, p. 136.
Capítulo 16: Ensinando as
Emoções
1. Entrevistei Karen Stone McCown para o New York Times (7 de novembro de
1993).
2. Karen F. Stone e Harold Q. Dillehunt, Self-Science: The Subject Is Me (Santa
Mônica: Goodyear Publishing Co., 1978).
3. Comitê para as Crianças, “Guide to Feelings”, Second Step 4-5 (1992), p. 84.
4. Projeto Desenvolvimento das Crianças: ver, por exemplo, Daniel Solomon e
outros, “Enhancing Children’s Prosocial Behavior in the Classroom”,
American Educational Research Journal (inverno de 1988).
5. Benefícios do Heart Start: relatório do Fundo de Pesquisa Educacional
High/Scope, Ypsilanti, Michigan (abril de 1993).
6. Cronograma emocional: Carolyn Saarni, “Emotional Competence: How
Emotions and Relationships Become Integrated”, em R. A. Thompson, ed.,
Socioemotional Development Nebraska Symposium on Motivation 36 (1990).
7. A transição para a escola primária e média: David Hamburg, Today’s
Children: Creating a Future for a Generation in Crisis (Nova York: Times
Books).
8. Hamburg, Today’s Children, p. 171-172.
9. Hamburg, Today’s Children, p. 182.
10. Entrevistei Linda Lantieri para o The New York Times (3 de março de 1992).
11. Programas de alfabetização emocional como prevenção primária: Hawkins
e outros, Communities That Care.
12. Escolas como comunidades que se envolvem: Hawkins e outros,
Communities That Care.
13. História da menina que não estava grávida: Roger P. Weisberg e outros,
“Promoting Positive Social Development and Health Practice in Young
Urban Adolescents”, em M. J. Elias (ed.), Social Decision-making in the
Middle School (Gaithersburg, MD: Aspen Publishers, 1992).
14. Formação de caráter e conduta moral: Amitai Etzioni, The Spirit of
Community (Nova York: Crown, 1993).
15. Lições morais: Steven C. Rockefeller, John Dewey: Religious Faith and
Democratic Humanism (Nova York: Columbia University Press, 1991).
16. Agindo direito com os outros: Thomas Lickona, Educating for Character
(Nova York: Bantam, 1991).
17. Os anos de democracia: Francis Moore Lappe e Paul Manin DuBois, The
Quickening of America (São Francisco: Jossey-Bass, 1994).
18. Cultivando o caráter: Amitai Etzioni e outros, Character Building for a
Democratic, Civil Society (Washington, DC: The Communitarian Network,
1994).
19. Aumento de 3% nas taxas de assassinato: “Murders Across Nation Rise by 3
Percent, but Overall Violent Crime Is Down”, The New York Times (2 de
maio de 1994).
20. Aumento de crimes entre jovens: “Serious Crimes by Juveniles Soar”.
Associated Press (2 de julho de 1994).
Apêndice B: Características da
Mente Emocional
1. Escrevi sobre o modelo do “inconsciente experiencial” de Seymour Epstein
várias vezes no New York Times, e grande parte deste resumo se baseia em
conversas com ele, cartas dele para mim, seu artigo “Integration of the
Cognitive and Psychodynamic Unconscious” (American Psychologist 44
[1994]) e seu livro com Archie Brodsky, You’re Smarter Than You Think
(Nova York: Simon & Schuster, 1993). Embora seu modelo da mente
experiencial informe o meu da “mente emocional”, dei minha própria
interpretação.
2. Paul Ekman, “An Argument for the Basic Emotions”, Cognition and Emotion,
6, 1992, p. 175. A lista das características que distinguem as emoções é um
pouco mais longa, mas estas são as que nos interessam aqui.
3. Ekman, op cit., p. 187.
4. Ekman, op cit., p. 189.
5. Epstein, 1993, p. 55.
6. J. Toobey e L. Cosmides, “The Past Explains the Present: Emotional
Adaptations and the Structure of Ancestral Environments”, Ethology and
Sociobiology, 11, p. 418-419.
7. Embora possa parecer evidente por si mesmo que cada emoção tem seu
próprio padrão biológico, não é assim para os que estudam a
psicofisiologia da emoção. Continua havendo um debate altamente técnico
sobre se a estimulação emocional é basicamente a mesma para todas as
emoções, ou se se podem extrair padrões únicos. Sem entrar nos detalhes
do debate, apresentei a posição dos que ficam com perfis biológicos
únicos para cada emoção principal.