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O Cyborg Alexandre Alagôa, nº 7120 Curso de Arte Multimédia, 3º ano FBAUL, 2014-2015 Sumário Introdução .................................................................................................................................................. 1 Desenvolvimento ....................................................................................................................................... 2 1. O Cyborg de Manfred E. Clynes e Nathan S. Kline ...................................................................... 2 2. Donna Haraway e o Cyborg Manifesto ......................................................................................... 4 3. Reflexões Finais ............................................................................................................................ 8 Conclusão .................................................................................................................................................. 9 Referências ................................................................................................................................................. 10 Resumo Apresenta-se o conceito do Cyborg introduzido por Clynes e Kline, e, mais tarde, inserido nos estudos de Donna Haraway. Evidencia-se a constante presença da tecnologia na vida humana na actualidade. Caracterizam-se as três quebras de fronteiras de Haraway com a introdução do Cyborg. Exemplifica-se como o ser humano se torna cada vez mais próximo de um Cyborg. Palavras-Chave: Cyborg, Máquina, Organismo. Introdução O seguinte texto pretende reflectir a presença do Cyborg na actualidade. Procura-se evidenciar que a máquina tem vindo a desempenhar um papel tão intrínseco à vida do ser humano, que ambos se criam mutuamente assim como se tornam não só dependentes um do outro, como também se tornam num só. Inicia-se a apresentação com uma observação ao artigo “Cyborgs and Space” de Manfred E. Clynes e Nathan S. Kline no qual o termo Cyborg é introduzido. De seguida dá-se uma reflexão a algumas das principais ideias no “Cyborg Manifesto” de Donna Haraway. Aqui refere-se a presença do Cyborg no militarismo e na medicina. Analisam-se as três principais rupturas de dicotomias referidas pela autora: Animal/Humano, Máquina/Homem, Físico/Não-Físico. Exemplifica-se cada uma dessas dicotomias através dos direitos dos animais, da questão do automatismo da máquina, da ideia de um universo visual/virtual - a internet e o ciberspaço. Por último menciona-se como o Ser Humano se apropria do exterior para se desenvolver e transformar a si mesmo, não só através da evolução tecnológica actual, mas já desde a ideia da ferramenta presente na pré-história. Desenvolvimento 1. O Cyborg de Manfred E. Clynes e Nathan S. Kline Apesar do termo “Cyborg” nos ser (provavelmente) familiar através das histórias e dos filmes de ficção científica que nos revelam seres meio humanos, meio máquinas, meio monstruosos (desde o Frankenstein, ao Robocop, Alien, Terminator, ao Darth Vader da Star Wars, até ao Dragon Ball, entre muitos outros), a palavra teve já a sua origem no contexto da Corrida Espacial e da Guerra Fria. O termo Cyborg é criado e introduzido em 1960 por Manfred E. Clynes e Nathan S. Kline (dois investigadores de ciência e medicina no Rockland State Hospital em Orangeburg, Nova Iorque) na dissertação “Drugs, Space and Cybernetics” que teve a sua apresentação no colóquio “Psychophysiological Aspects of Space Flight” na Brooks Air Force Base em San Antonio, Texas. Ainda no mesmo ano é publicado por ambos um artigo “Cyborgs and Space” no jornal Astronautics baseado nessa mesma dissertação, na qual propunham uma série de soluções e alternativas às dificuldades com que o ser humano era confrontado no interesse e na tentativa de realizar longas viagens ao espaço. De acordo com Clynes e Kline recorrer a uma solução arquitectural, ou seja, desenvolver uma estação ou um edifício espacial no qual se sustentasse um ambiente semelhante ao da Terra seria simultaneamente difícil e perigoso devido à total dependência a que o Ser Humano estaria sujeito dessa mesma cápsula ou estrutura para a sua própria sobrevivência. Os cientistas referem que estas atmosferas artificiais encapsuladas seriam como se um peixe que quisesse viver na terra trouxesse com ele uma bolha de água que o envolvesse para poder respirar, seria uma alternativa temporária e perigosa pois a bolha facilmente se destruiria. Assim como o peixe, o Homem estaria mais preocupado em manter a sua segurança através de uma verificação constante do funcionamento da máquina, desta bolha de Terra que o embrulhava e conservava a sua sobrevivência, do que na própria investigação e exploração espacial. O homem tornaria-se então escravo da máquina. Desta forma, os cientistas acreditavam que seria mais aconcelhável e mais lógico ir ao encontro dos requerimentos de ambientes extra-terrestres. Em vez de adaptarmos o ambiente às nossas necessidades, deviamos ser nós a adaptar o nosso corpo ao ambiente espacial. Clynes e Kline referem que certas divisões (partes) do corpo humano como o sistema nervoso autónomo (responsável pelo funcionamento dos orgãos internos) e as glândulas endocrinas (responsáveis pela regulação das hormonas) são elementos fundamentais à nossa existência e operam no organismo de forma inconsciente. Como solução à interacção com o ambiente espacial, este obviamente incompatível com a natureza do Ser-Terrestre, Clynes e Kline sugerem uma série de intervenções e reajustamentos no corpo humano de modo a que se implementassem determinados componentes, aparelhos ou substâncias que colaborassem também de forma autónoma e inconsciente com o organismo. Aqui, os dois cientistas introduzem então o termo Cyborg, que provém da junção entre Cibernética e Organismo. O Cyborg seria o resultado de um Ser (pessoa ou animal) cujo corpo sofreu uma incorporação de dispositivos ou aparelhos exógenos que prolongam e ampliam a função de auto-regulação do controlo do organismo para causar as mudanças biológicas necessárias no mecanismo homeostático do Ser-Terrestre (humano ou animal) que o permitam (sobre)viver no espaço, e que tornam possível a adaptação a ambientes extra-terrestres. No artigo é apresentado como um dos primeiros Cyborgs um rato no qual foi implementada, através de uma cirurgia, uma bomba osmótica, que poderia ser considerada como uma potencial ferramenta para a construção de Cyborgs. Esta bomba surge como uma alternativa à constante injecção de drogas ou substâncias e funciona como uma espécie de cápsula que contém no núcleo um fármaco que é libertado para um determinado orgão ou parte do corpo numa certa percentagem a um ritmo contínuo e variado. De seguida, os investigadores apresentam uma discussão dos vários problemas psico-fisiológicos que surgem com a viagem espacial e demonstram com esta ideia do Cyborg, esta adaptação, ou melhor, esta transformação do corpo, algumas possíveis soluções, sendo estas baseadas em ideias, técnicas e teorias científicas já practicadas ou estudadas (nos anos 50 e 60) e outras que são projecções futuras que, segundo os investigadores, se assemelham à ficção científica. Alguns dos exemplos referidos vão desde: drogas para combater o sono e manter o astronauta acordado durante longos periodos de tempo; um subsistema do Cyborg que permitisse calcular os nivéis de radiação e que se interligasse com a bomba osmótica de forma a injectar automaticamente doses de fármacos protectores (sendo que tais drogas já estavam a ser experimentadas em macacos); medicamentos para a indução de hipotermia ou até de hibernação para reduzir o metabolismo do corpo e portanto para reduzir a quantidade de comida, oxigénio e àgua (“combustível humano”) que seriam necessários transportar; substituição dos pulmões por um orgão artificial que fizesse parte de um sistema alimentado por energia solar ou nuclear; alimentação intravenosa; reciclagem da urina e das fezes ou esterilização do aparelho digestivo de forma a diminuir a quantidade de resíduos; drogas para prevenirem a deterioração ou atrofia dos músculos; aparelhos, sistemas ou medicamentos para produzirem as distorções e percepções visuais a que estamos acostumados na Terra e que no espaço não existem devido à falta de atmosfera; roupa e químicos que auto-regulassem a reflexão e absorpção de raios de luz de forma a manter uma temperatura corporal estável; o “Limbo”- a habilidade do astronauta para se colocar num estado de total inconsciência ou de sono prolongado caso sofra algum acidente ou dor extrema. 2. Donna Haraway e o Cyborg Manifesto Com o “Cyborg Manifesto”, Donna Hawaray pretende desenvolver uma metáfora em torno do termo Cyborg que tem como finalidade desencadear uma nova conceptualização (ou um novo pensar) do feminismo socialista de um modo pós-modernista e anti-essencialista e de acordo com a tradição utópica de imaginar um mundo sem género, através da construção de um discurso crítico das fronteiras e das dualidades (dicotomias) que se instalaram e estabeleceram na sociedade Ocidental: Homem/Máquina, Humano/Animal, Masculino/Feminino, Mente/Corpo, Natural/Artificial, Físico/Não-Físico, Realidade/Ficção, ... Segundo Haraway, visto que o Cyborg não está dependente da reprodução humana e de uma origem na natureza, ele torna-se numa criatura num mundo pós-género. Como resultado de uma confluência entre o orgânico e o artificial, entre natureza e cultura, realidde e ficção, o Cyborg deixa de estar sujeito às categorizações e às dicotomias tradicionais do Ocidente, tornando-se numa ferramenta adequada de contestação e de critica às mesmas. Apesar de não ter essa origem biológica, o Cyborg tem uma história ligada ao militarismo industrial e ao capitalismo, ou seja, às políticas opressoras - o domínio sobre povos e raças diferentes: racismo; o progresso científico; a exploração da natureza ao serviço da cultura. Contudo, Haraway alerta que o Cyborg torna-se ilegítimo às suas origens. Como exemplo, destaca-se aqui a própria internet, que surge com um propósito militar mas que, mais tarde, se transforma em algo completamente diferente de si mesma. A internet dá origem ao ciberspaço e torna-se num espaço de união e interacção, até de conhecimento e de descobrimento (ele revela-nos coisas!), um espaço que convida à entrada de utilizadores, o corpo é duplicado numa coisa sem peso e deambuleia livremente num espaço visual e virtual. O espaço virtual (a internet, a rede, o computador) no qual o Cyborg actua, torna-se então, de acordo com a reflexão de Haraway, infiel à sua génese. Sendo este espaço virtual (este espaço que não ocupa espaço físico) um lugar aberto a todo o mundo, no qual se movimentam e estabelecem sistemas e instituições de políticas e poderes diferentes e oposicionais desde diferentes estados e regimes, a organizações autónomas e não-governamentais até ao próprio indivíduo (o mortal comum), o ciberespaço restabelece-se a ele próprio como um espaço de actuação, de acção, onde se age, onde se exerce; torna-se num lugar de redifinição, de ressignificaçao, de reconfiguração do que é ser Ser participativo, do é ser Ser e cidadão universal (Siqueira, Holgonsi e Medeiros, Márcio, 2011). A internet é já um espaço que, assim como propõe Haraway com o seu Cyborg, transcende fronteiras e barreiras entre países, culturas, políticas... Posto isto, Donna Haraway apresenta-nos então a sua definição do Cyborg - “A cyborg is a cybernetic organism, a hybrid of machine and organism, a creature of social reality as well as a creature of fiction” (Haraway, 1991, p.149) - e indica que o Cyborg já é uma problemática do presente e não apenas do futuro ou da ficção científica. A medicina moderna, afirma Haraway, está cheia de Cyborgs, de uma constante relação entre o humano e a máquina. Mesmo antes de nascer, o Ser Humano é observado através de máquinas que acompanham o desenvolvimento regular do seu organismo, assim como permitem, aparentemente, uma definição do género do seu corpo. Mais tarde, o Ser Humano interage com substâncias artificiais que alteram e controlam o funcionamento do seu organismo de forma a mantê-lo estável e a adaptá-lo em relação ao ambiente que o envolve, ao espaço que habita. Pode ser ainda referida a prótese, o aparelho mecânico que funciona como uma extensão do corpo e também o implante cirúrgico de orgãos artificiais que substituem a falta ou o mau funcionamento de um orgão ou membro original e orgânico do corpo humano. Dentro desta ideia da prótese, Tim Maly refere no seu post dos Cyborgs um caso curioso de uma equipa de efeitos especiais de cinema que criou uma cauda de sereia para uma senhora - Nadya Vessey - amputada em ambas as pernas. A cauda permite então à senhora uma maior mobilidade para nadar (Maly, Tim, 2010). Ainda no contexto da medicina pode-se referir as máquinas dos hospitais que se interligam com o corpo e mantêm a vida de um corpo humano, por exemplo em estados vegetativos, de coma. Haraway menciona também que na própria reprodução a ideia do Cyborg começa a estar presente através dos dispositivos profiláticos que evitam a gravidez natural; outro exemplo da presença do artificial na reprodução humana poderá ser a fertilização in vitro. A manufactura e a guerra são também, segundo Haraway, um constante resultado do Cyborg na actualidade. Todas estas alterações com que nos deparamos na organização social e cultural do ser humano começam, de certa forma, a ir ao encontro do próprio Cyborg Espacial proposto por Clynes e Kline. Desta forma, Haraway considera que já somos todos Cyborgs: “By the late twentieth century, our time, a mythic time, we are all chimeras, theorized and fabricated hybrids of machine and organism; in short, we are cyborgs. The cyborg is our ontology; it gives us our politics” (Haraway, 1991, p. 150). De seguida, Haraway começa por apresentar e discutir três principais fronteiras ou barreiras que começam cada vez mais a ser quebradas e ultrapassadas com a (introdução) presença do Cyborg. A primeira é a ruptura da diferença entre Animais e Seres Humanos. No final do século XX e no princípio do século XXI o movimento dos direitos dos animais começa a apresentar um grande crescimento. Na actualidade, o veganismo e o vegetarianismo são, obviamente, não apenas tendências alimentares, mas sim também movimentos filosóficos e sociais interligados aos direitos dos animais que têm cada vez mais afluência e que procuram uma aceitação e uma igualdade entre o ser humano e o ser animal. A segunda transgressão de fronteiras que a autora menciona incide sobre o Homem e a Máquina. Haraway refere que a máquina tem vindo a tornar-se cada vez mais autónoma, mais automática, ganha movimento próprio, ganha personalidade e quase vida própria. Um exemplo interessante que explora um pouco esta ideia poderá ser o filme Her, que conta a história de um homem solitário, Theodore, que decide comprar um sistema informático com uma inteligência artificial com o nome de Samantha que, através da voz, estabelece um contacto muito próximo e pessoal com o utilizador, acabando então por levar Theodore a apaixonar-se por essa voz de mulher (que de facto não é sequer mulher). O filme surge como uma reflexão à interacção entre Homem/Máquina e como ambos se tornam cada vez mais íntimos e parecidos até quase deixar de haver distinção entre os dois. O próprio computador poderá ser outro exemplo, pois surge como uma mera ferramenta de cálculo e programação, e mais tarde torna-se numa entidade completamente diferente, torna-se numa estrutura de suporte a uma outra dimensão, um universo em si próprio no qual colocamos (inserimos) parte do nosso ser, ou até quase o próprio corpo. Ainda o automóvel, que surge como meio de transporte, mais tarde torna-se um objecto quase cultural, socialmente consumível, esteticamente apelativo, um objecto de prazer e identificação pessoal, o carro deixa de ter apenas a sua função original - de transporte - e transforma-se noutra coisa. Haraway refere então que a máquina torna cada vez mais ambígua a diferença entre natural e artificial. Uma das frases de Haraway que se destaca nesta segunda quebra de fronteiras - ”Our machines are disturbingly lively, and we ourselves frighteningly inert” (Haraway, 1991, p. 152) lembra muito, de certa maneira, as escadas rolantes: o meu corpo já nao se cansa a subir escadas, porque a escada sobe por mim e cansa-se por mim, mas na verdade ela não se cansa de todo, o corpo deixa de se transportar a si mesmo e é transportado por outrém. Eu exteriorizo uma tarefa que é natural, orgânica e própria do meu corpo. Esta questão começa então a levar-nos a pensar acerca de outras interligações entre o homem e a máquina no próprio dia-a-dia: o despertador acorda-me; o fogão prepara-me a comida; as grandes caixas de metal transportam-me até à faculdade (e uma delas anda debaixo do chão!); os ecrãs das salas de aulas revelam-me textos e imagens de diferentes espaços e tempos históricos: conhecimento; ... A terceira quebra de fronteiras que é referida por Haraway tem que ver com o Físico e o Não Físico. A autora refere que as máquinas modernas são aparelhos micro-electrónicos, estão em todo o lado e são invisíveis. A miniaturização tem vindo a servir como fonte de poder, as grandes televisões transformam-se em leves e finos ecrãs que cabem dentro do bolso. Uma imensa (diria até quase infinita) quantidade de informação consegue agora ser contida em pequenos chips, quase tão leves como penas, que são colocados em máquinas feitas de luz, diz Haraway: ”Our best machines are made of sunshine; they are all light and clean because they are nothing but signals, electromagnetic waves, a section of a spectrum, and these machines are eminently portable, mobile”. Aqui, nesta terceira ruptura, talvez se possa até aludir para outros temas como o Avatar e o Ciberespaço, entre outros, que, de certa maneira, estão inevitavelmente interligados com o Cyborg, e ainda se correlacionam, sublinha-se, com o domínio do Visual (e do Virtual). Numa época onde a tecnologia tem um papel activo na formação social e cultural do ser, Donna Haraway pretende, precisamente, com o Manifesto do Cyborg, incentivar uma destruição e uma transgressão das fronteiras e das barreiras tradicionais do Ocidente que têm servido ordens de opressão, de domínio e de subjugação de modo a causar uma diluição ou fusão entre dicotomias, sendo que é precisamente através dessa mesma interligação e relação entre opostos que, segundo a autora, se torna possível transcender as categorizações paradigmáticas de género, raça, classe, entidade, política, etc... 3. Reflexões Finais Nota-se então que a presença da máquina (da tecnologia) se torna quase ausente, no sentido em que está tao imersa no que é ser Ser na actualidade, que ela torna-se inevitavelmente parte da ontologia do ser humano. A máquina deixa de ser tratada como uma coisa alheia, e passa a ser tratada ela mesma como uma própria extensão do corpo, como um meio (medium) pelo qual o corpo se transforma, cria, modela, constrói, representa e interage socialmente e culturalmente... Neil Harbisson poderá ser um exemplo interessante de um Cyborg, desta fusão entre o aparelho (o artificial) e o corpo. Harbisson sofre de uma doença - acromatopsia - que não o permite ver as cores. Deste modo, com a implementação de um aparelho electrónico interligado ao seu crânio, uma espécie de terceiro olho, que lê as cores através de frequências sonoras, Harbisson consegue diferenciar as várias cores. O aparelho torna-se de tal forma parte do próprio corpo de Harbisson que ele próprio diz que começa a sonhar a cores, apesar de não as conseguir ver. Assim, poderá ser ponderado que a tecnologia (a máquina) vem colocar-se no mesmo lugar da concepção da ferramenta, do utensílio, ou melhor, da arma que está presente desde os primórdios do ser humano - a tecnologia da pré-historia - e que servia já aí, desde então, como um recurso do ser humano que tornava possível (ou mais sustentável) a sua (sobre)vivência no ambiente (no espaço) que o rodeava. Na pré-história (assim como na actualidade) o ser humano apropriava-se de elementos inerentes à natureza e modificava-os, alterava-os, transformava-os, convertia-os (noutra coisa) com o objectivo de se adaptar à mesma e, ao mesmo tempo, de se elevar, ou, talvez, de se tentar superar perante ela, de a ultrapassar. Poderá considerar-se então que o ser humano interage e comunica entre si (como colectivo) e consigo mesmo (como indivíduo) através de uma constante relação de interiorização-exteriorização. Há uma apropriaçao, uma alteração, uma construção do exterior que dá origem a um desenvolvimento, a uma criação e a uma transcendência interior, e vice-versa. Desta forma, e de acordo com o pensamento de Haraway, o ser humano não pode ser categorizado em dualidades binárias estáticas nem a tecnologia pode ser categorizada como uma entidade dissociavel ao ser humano, pois ambos colaboram na existência um do outro, ambos se entranham um no outro, produzem-se e criam-se mutuamente, ambos fazem parte de um mesmo, de uma mesma coisa, de um mesmo ser - o Cyborg. Conclusão O objectivo deste texto é aludir para algumas das ideias e noções inerentes ao termo Cyborg introduzido por Clynes e Kline, e mais tarde apropriado por Donna Haraway, permitindo ao leitor reflectir acerca das alterações e transformações culturais e sociais que a máquina, na sua função de extensão do corpo, veio introduzir ao mundo, e que o próprio ser humano tem estimulado ao longo da sua inevitável relação com o desenvolvimento tecnológico. Expõe-se a origem do termo Cyborg. A palavra é criada pelos cientistas Clynes e Kline e deriva da junção entre Cibernética e Organismo. Surge devido ao interesse pela investigação espacial e é designada para caracterizar a modificação de um organismo através de componentes exógenos e substâncias artificiais que tornassem possível a sua adaptação a ambientes extra-terrestres. Apresenta-se ainda algumas das principais ideias e discute-se as várias rupturas e diluições de dicotomias que sao propostas por Donna Haraway no seu Manifesto do Cyborg. O Cyborg começa por se definir com o militarismo e com as politicas de opressão, mas vai-se tornando cada vez mais distinto. A medicina é um dos exemplos referidos pela autora onde encontramos uma constante presença do Cyborg na actualidade e de seguida, as três rupturas começam por evidenciar que o ser humano torna-se, ou já é, um Cyborg. Esta ideia de apropriação do exterior para uma transformação do interior - do corpo humano - já está presente desde os primórdios da raça humana desde que o homem das cavernas começa a apropriar-se de pedras e a tirar partido do fogo. Como consequência, o nosso corpo tem-se vindo a modificar cada vez mais: transformação dos músculos, diminuição dos dentes, queda do pêlo e de cabelo - e começamos a estar dependentes de componentes exteriores: roupas que funcionam quase como uma segunda pele, ampliação da visão através dos óculos, drogas para adaptação ao ambiente envolvente, entre muitos outros exemplos... O Cyborg torna-se de facto um conceito interessante para discutir várias questões que interligam a evolução e a interdependência do Ser Humano com a máquina, a tecnologia, a ferramenta, a arma... Hoje em dia, nascer com um télemovel, um computador ou outro qualquer desses aparelhos de luz torna-se quase inevitável, torna-se normal. Assim, nascemos já Cyborgs. Referências Clynes, Manfred e Kline, Nathan (1960) ‘Cyborgs and Space’. Astronautics. Setembro. pp. 26-27, 74-76. 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