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O Ministério Público e a violência policial na cidade do Rio de Janeiro: um estudo do caso Favela Nova Brasília e do controle de convencionalidade Public Prosecutor's Office and the police violence in Rio de Janeiro: a research on the case Favela Nova Brasília and the conventionality control Sidney Guerra1 Raquel Guerra2 Bárbara Manganote3 Resumo:A pesquisa tem o objetivo de avaliar o papel desempenhado pelo Ministério Público no contexto da violência policial, com enfoque na cidade do Rio de Janeiro, a partir da análise da Sentença do caso Favela Nova Brasília proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em um diálogo com o controle de convencionalidade. Isto é, pondera-se a atuação do Ministério Público, através da sua função de controle externo da atividade da polícia, na contribuição – e perpetuação - da violência policial como um problema estrutural na sociedade brasileira. Neste cenário, a pesquisa realiza este estudo por meio da análise do importante instrumento que é o controle de Pós-Doutor em Direitos Humanos pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Pós-Doutor pelo Programa Avançado em Cultura Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-Doutor em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Doutor e Mestre em Direito (UGF). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGD/UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes. Professor convidado do Programa de Pós-Graduação em Direito Internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGD/UERJ). Professor titular da Universidade do Grande Rio (Unigranrio). Visiting da Stetson University Law School. Coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas Avançadas em Direito Internacional Ambiental (LEPADIA). Advogado. 2 Doutoranda em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bolsista CAPES. Mestre em Relações Internacionais pela Universidad Torcuato di Tella (Buenos Aires, 2018), pós-graduada em Ajuda Humanitária e ao Desenvolvimento pela PUC-Rio (2013), Advogada, com formação jurídica pela Universidade Candido Mendes (graduação, 2011). É especialista em Direitos Humanos, com experiência profissional na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Pesquisadora do LEPADIA/UFRJ. Professora licenciada da Candido Mendes, Advogada colaboradora na área de direitos humanos na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Juíza em Competições Internacionais de simulação da Corte Interamericana desde 2017 (Moot Court American University -USA e Intituto Colombiano de Derechos Humanos). 3 Pós-graduanda em Direitos Humanos pelo IGC/Centro de Direitos Humanos da Universidade de Coimbra e em Direito Constitucional Aplicado pela UNICAMP (Extrecamp). Graduada em Direito pela FACAMP. Advogada e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Direito Internacional Público da UFRJ. 1 DOI: http://dx.doi.org/10.14393/RFADIR-50.1.2022.66319.346-372 convencionalidade, que desempenha a função de verificação da compatibilidade das normas domésticas – bem como sua aplicação – com as normas internacionais, principalmente normas de Direitos Humanos. Para tanto, será realizada a análise da sentença Favela Nova Brasília sob a ótica do controle de convencionalidade para identificar o papel do Ministério Público dentro do contexto da violência policial na cidade do Rio de Janeiro. E, desta forma identificar se as normas internacionais de proteção aos Direitos Humanos foram aplicadas pelo Ministério Público no caso e, após a sentença, se as medidas determinadas pela Corte foram implementadas pelo órgão. Palavra-chave: Controle de Convencionalidade; Ministério Público; Caso Favela Nova Brasília; Violência policial. Abstract: this research aims to analyze the Public Prosecutor‟s Office role in the police violence context, focusing on the city of Rio de Janeiro, through the study of the Favela Nova Brasília sentence judged by the Inter American Court of Human Rights in compliance with the conventionality control. Therefore, it is taken into consideration the role of the Public Prosecutor‟s Office in external control of police activity and its contribution and perpetuation in police violence as a structural problem in brazilian society. In this scenario, this essay carry out this study through analysis about the conventionality control, which performs the function of checking the compatibility of domestic law – as its enforcement – in accordance with international law, especially human rights law. Therefore, the Favela Nova Brasília sentence will be analyzed through the conventionality control in order to comprehend the Public Prosecutor‟s Office role in police violence in Rio de Janeiro. Hence, it will be possible to identify if international human rights law has been applied by the Public Prosecutor‟s Office in the case and, after the jugdment, if all measures determined by the Court was executed. Key-words: Conventionality control; Public Prosecutor‟s Office; Favela Nova Brasília case; police violence. 1. Introdução A presente pesquisa objetiva estudar o papel do Ministério Público na manutenção em relação a violência policial perpetrada no Rio de Janeiro, bem como as suas funções constitucionais. Para tanto, a pesquisa analisa a sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Favela Nova Brasília. Assim, utiliza-se o instituto do controle de convencionalidade, fundamental para compreender o papel do Estado, principalmente do Ministério Público, diante de suas obrigações internacionais. A primeira parte da pesquisa, em seu tópico 2, trata de introduzir e contextualizar o assunto, de forma a demonstrar aspectos importantes do Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 347 Sistema Interamericano de Direitos Humanos, em particular os dois órgãos de proteção (Comissão Interamericana e a Corte Interamericana), a partir de breve explanação sobre suas funções e o processo histórico de incorporação desse Sistema nos países americanos e, na sequência, apresentar o controle de convencionalidade, importante instrumento de verificação de compatibilidade de normas nacionais e internacionais. Passa-se, então, para o segundo momento da pesquisa, no qual é feito a análise da sentença do Caso Favela Nova Brasília em um diálogo com a violência policial na cidade do Rio de Janeiro. De forma geral, o Brasil é um país com alto índice de violência policial, entretanto, os dados mostram que o estado do Rio de Janeiro, principalmente a cidade em si, se destaca entre os demais por ter uma das polícias mais violentas do país (CAESAR, 2021) e, este ponto é fundamental para o diálogo que a pesquisa fará entre a Sentença, o papel do Ministério Público e o olhar a partir do controle de convencionalidade. Chega-se, então, no ponto quatro da pesquisa, onde foram analisadas as funções institucionais do Ministério Público, principalmente sob o olhar de sua função de controle externo da atividade policial, estabelecendo um diálogo entre este aspecto com o próprio controle de convencionalidade. Isto é, pontua-se a ligação entre o instrumento de compatibilização de normas e atos do Estado com as normas internacionais e os atos praticados pelo órgão e, em qual medida, este deve atentar-se para as normas internacionais, em vista de suas funções constitucionais enquanto órgão essencial para o Estado democrático de Direito. De forma geral, esta pesquisa pretende contribuir para o debate acerca da violência policial na cidade do Rio de Janeiro. Em especial ao trazer o foco para a atuação do Ministério Público, a partir do diálogo entre suas funções institucionais com o Direito Internacional dos Direitos Humanos, a saber o conceito do controle de convencionalidade e o estudo Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 348 focado na sentença do caso Favela Nova Brasília apreciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. 2. A relevância do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, a atuação da Corte IDH e o controle de convencionalidade O Sistema Interamericano de Direitos Humanos compõe um dos cinco Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos, conjuntamente com o Sistema Europeu, Africano, Asiático e o Árabe. A sua importância se dá justamente pela estrutura de normas internacionais que pretendem proteger os Direitos Humanos dentro do continente americano, ao consagrar um ambiente regional de solidariedade e de objetivos comuns de uma sociedade mais justa e igual. De outro lado, interessante notar que antes mesmo da proteção dos direitos humanos estar prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos, quando da criação da Organização dos Estados Americanos (OEA), já existia a intenção de criar um clima de solidariedade e cooperação dentro das Américas, com países que compartilhariam de objetivos e valores em comum (GUERRA, 2014). Esse aspecto é observado pela Declaração Americana, de 1948, que em seu bojo trouxe grande preocupação com os Direitos Humanos, em destaque para seu preâmbulo que já estabelece a igualdade entre todos os homens. É por este motivo também que podemos entender o Sistema Interamericano como um sistema duplo de proteção aos direitos humanos, um sistema que abarca a Carta da OEA e a Declaração Americana, e posteriormente a Convenção Americana (GUERRA, 2015). A estruturação de um Sistema Regional Americano nasce nesse contexto, de países americanos que de certa forma já tinham valores que os conectavam e, a partir de uma estrutura mais bem trabalhada, surge o Sistema Interamericano, que é resultado de uma reunião de países da Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 349 América, na Primeira Conferência Internacional Americana em Washington, no ano de 1889. O surgimento desse sistema marca, de certo modo, a universalização dos Direitos Humanos, fruto do primeiro acordo internacional sobre Direitos Humanos por ocasião da IX Conferência Internacional Americana de 1948, florescendo a Declaração Americana de Direitos Humanos do Homem. Em mesmo período é adotada a Carta da Organização dos Estados Americanos (GUERRA, 2018). Dentro desse contexto, no mundo, estruturava-se e fortalecia-se o sistema europeu concomitantemente com a própria criação da Organização das Nações Unidas; foram processos que ocorreram em momentos muitos semelhantes, marcado pela preocupação internacional com questões humanitárias e de Direitos Humanos, principalmente depois das grandes crises humanitárias que o mundo passava pós Primeira e Segunda Guerra. O Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos organizou-se com a composição de dois órgãos, objetivando ampla proteção e garantia desses direitos, em vista do objetivo de universalização dos Direitos Humanos. Estes órgãos são a Comissão Interamericana (fundada em 1959) e a Corte Interamericana (fundada em 1978). São os órgãos os responsáveis pela proteção e promoção dos Direitos Humanos nas Américas e, também, são os responsáveis por receber denúncias de violações de direitos humanos e investigá-los. Assim, no polo passivo dos casos investigados pela Comissão e pela Corte estão os Estados, que respondem pelas violações destes direitos, independente de quem o tenha dado causa. Nesse cenário, importante marco para o Direito Internacional é o reconhecimento de outros novos sujeitos de direito, rompendo com as características tradicionais do direito internacional passando a prever a sociedade civil como importante sujeito internacional para proteção e promoção desses direitos (exemplo: ONG‟s) (GUERRA, 2018). Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 350 A responsabilidade do Sistema Interamericano de fazer os Direitos Humanos serem protegidos e promovidos no continente como um todo, é uma responsabilidade complementar a responsabilidade do Estado de garantir e promover esses direitos. Esta característica marca a função subsidiária do direito internacional, que só atua quando finda todas as tentativas de solução no direito doméstico (GUERRA, 2018). Por este motivo que a atuação do Direito Internacional chega somente quando o Estado falha com sua função, e essa característica é também fundamental para separar a atuação dos Tribunais e os demais órgãos protetores dos Direitos Humanos. Dentro desse aspecto, a própria Comissão e a Corte exercem funções diferentes (GUERRA, 2020). A Comissão tem atuação primária a da Corte, isto é, as denúncias de violação de Direitos Humanos passam num primeiro momento à análise da Comissão que, dentro de suas atribuições, formula pareceres, recomendações, estudos e relatórios e passa estes ao Estado Réu para que ele possa cumprir tais recomendações. Acaso não seja cumprido as disposições da Comissão, o caso é levado à Corte para julgamento (RAMOS, 2018). Assim, à Corte é resguardado a função contenciosa e consultiva, de forma que a primeira funciona quando a Comissão encaminha para a Corte os casos de violações de Direitos Humanos, cabendo à Corte investigar e proferir sua decisão sobre o caso, enquanto a segunda permite que os Estados recorram à Corte para questionar dúvidas acerca de aplicação da legislação de direitos humanos entre outros (RAMOS, 2018). Da sentença da Corte advém as obrigações dos Estados que são julgados, podendo haver obrigações de fazer, não fazer e de dar. Podem dizer respeito a necessidade do Estado de indenizar a vítima, como também de adequar a legislação interna, ou até mesmo da necessidade de se adotar determinadas políticas públicas visando que aquele direito humano violado seja garantido e promovido em âmbito nacional (RAMOS, 2018). Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 351 A Corte, dessa forma, apresenta-se como importante Tribunal de Direitos Humanos, e tem função de orientar Estados e julgá-los, de forma a garantir ao máximo que os Direitos Humanos sejam antes promovidos, mas, se violados, sejam protegidos e reparados. Essa função permite com que haja no continente americano ambiente favorável para criarem-se valores de direitos humanos dentro dos países e até mesmo entre eles, por meio de uma relação de solidariedade e igualdade. Do nascimento do Sistema Interamericano é que muitos Estados alteraram leis internas, no que tange, por exemplo, abolição de penas de morte, ou com leis discriminatórias de populações em situação de vulnerabilidade. A partir dessa ótica, pode-se avaliar o papel da Corte em seu julgamento em casos de violações de direitos humanos e interpretar os aspectos positivos e negativos dos Estados diante de casos em que figurem no polo passivo dessas Ações. Em vista disso, o Controle de Convencionalidade apresenta-se como importante instrumento jurídico internacional nesse campo por permitir que os profissionais que atuam na área jurídica observem para o cumprimento do Estado brasileiro com as normas internacionais, isto é, assim como as normas internas brasileiras devem estar em consonância com a Constituição Federal, haja vista a hierarquia de normas, o Brasil deve atentar-se também aos Tratados e Convenções Internacionais dos quais é parte, isto por meio do controle de convencionalidade (GUERRA, 2020). Assim, pode-se pensar em um controle de convencionalidade a partir do momento em que o Brasil estabelece relações jurídicas internacionais com os demais países. O Brasil, com relação aos Direitos Humanos viu-se obrigado a cumprir voluntariamente com normas internacionais, desde o momento em que assinou e ratificou diversos Tratados. Isto é, todo o processo histórico de incorporação de normas protetivas de direitos humanos no direito interno brasileiro remonta ao século passado, cujo período foi marcado principalmente pela movimentação internacional de proteção e Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 352 promoção dos direitos humanos. A partir daí nascem inúmeros tratados e convenções que protegem os direitos humanos, bem como os próprios Estados nacionais se movimentam para incorporar essas leis, e isto não foi diferente para o Brasil (GUERRA, 2020). Com efeito, o controle de convencionalidade permite que seja verificado o cumprimento do Estado brasileiro com suas obrigações internacionais, e isto engloba as próprias decisões de Tribunais Internacionais, como a Corte Interamericana. Na medida em que o Brasil reconhece a jurisdição da Corte, ao permitir que ela cumpra com sua função consultiva e contenciosa, o próprio Brasil obriga-se, voluntariamente, a respeitar e cumprir com as decisões proferidas pela Corte nos casos apreciados por ela (GUERRA, 2020). O advento da Constituição de 1988, com o processo de redemocratização, permitiu que o ordenamento jurídico brasileiro se tornasse mais complexo e completo do ponto de vista das relações entre as normas e da ampla proteção de direitos, tanto os direitos individuais, como os sociais, políticos, civis, coletivos. Com a incorporação dos Tratados Internacionais e com a aproximação do Brasil com os Direitos Humanos, o sistema jurídico nacional tornou-se um sistema composto por normas supraconstitucionais, constitucionais, leis ordinárias, supralegais (GUERRA, 2020). Em estudo específico sobre o tema, foi assentado a relação que se estabelece entre o direito internacional e o direito interno, no sentido de pensá-los em uma forma harmônica, isto é, ao trabalhar em conjunto com um sentido em comum, haja vista que na prática sempre existiu conflitos entre o direito internacional e o direito interno, quando do contraste com os interesses internos dos Estados. De outro lado é importante enfatizar o caráter jus cogens dos direitos humanos na ordem internacional, que permite garantir os direitos humanos como universal, impondo ao Direito Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 353 internacional o reconhecimento de que todo ser humano tem seus direitos humanos e ninguém pode ser privado de seus direitos (GUERRA, 2020). Assim é possível que no direito brasileiro seja feito o controle de constitucionalidade e também o controle de convencionalidade, tanto no controle difuso como concentrado. E isto marca importante passo do ordenamento jurídico brasileiro no que se refere a dignidade da pessoa humana e dos objetivos que o país se vinculou quando da ratificação de tratados e convenções, bem como da feitura da Constituição Federal, de 1988 (GUERRA, 2020). Do analisado neste ponto, conclui-se que o controle de convencionalidade é instrumento que pode e deve ser utilizado para verificar o compromisso e o cumprimento do Estado brasileiro com as decisões proferidas pela Corte Interamericana, ou seja, se os profissionais do Direito que atuam nos poderes constituídos do Estado (Judiciário, Executivo e Legislativo) atentam-se para o cumprimento das normas e decisões internacionais. 3. Análise do Caso Favela Nova Brasília e a violência policial no Rio de Janeiro O objeto desta pesquisa atenta-se principalmente para a Sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Favela Nova Brasília. É por meio dela que é possível compreender a postura do Ministério Público diante do caso, com atenção as funções atribuídas a ele pela Constituição Federal, e permite entender como é o contexto da violência policial dentro da própria cidade do Rio de Janeiro. O estudo da sentença permitirá verificar o uso do controle de convencionalidade pelo Estado brasileiro para cumprir com todas as determinações contidas na decisão. Dentro desse aspecto, será verificada a postura do Ministério Público, enquanto órgão capaz de fazer uso deste Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 354 controle de forma a cumprir com as determinações atribuídas a ele por uma decisão internacional. A Sentença do Caso Favela Nova Brasília proferida em 16 de fevereiro de 2017, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, diz respeito as falhas de demoras na investigação e punição dos policiais responsáveis pelas execuções extrajudiciais que ocorreram na Favela Nova Brasília, nos anos de 1994 e 1995. A execução resultou na morte de 26 pessoas; ademais, três mulheres foram vítimas de tortura e atos de violência sexual por parte dos próprios agentes policiais (CORTE IDH, 2017). O presente caso foi apresentado à Corte Interamericana somente em 19 de maio de 2015, após tramitação na Comissão Interamericana. De forma breve, o processamento do caso na Comissão se deu pela apresentação de petição elaborada pelo CEJIL e pela Human Rights Watch Americas, já no ano de 1995 e 1996, logo após o ocorrido. A apresentação do caso à Corte pela Comissão se deu pelo fato de que o Basil continuou omisso as investigações e punições, mesmo após o processamento do caso diante da Comissão (CORTE IDH, 2017). A própria sentença faz um estudo sobre a violência policial no Brasil, principalmente com foco na cidade do Rio de Janeiro, ao levantar aspectos do funcionamento e da postura do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, do Judiciário e da Polícia, aspecto fundamental para compreender o presente caso e para analisar os motivos pelos quais até o momento da análise do caso pela Corte os policiais não foram condenados a nenhum dos crimes (CORTE IDH, 2017). Foram especificados na sentença a peculiaridade de cada incursão policial na Favela Nova Brasília, sendo que a do ano de 1994, em 18 de outubro, entre 40 e 80 policiais civis e militares foram os responsáveis por realizar a incursão. Deste número, apenas 28 foram identificados, entretanto, todos participaram da operação policial. Dos fatos se extrai que cinco casas foram invadidas e os policiais dispararam contra as pessoas Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 355 indiscriminadamente, tendo em seguida levado os corpos para a praça principal. Não suficiente, em duas das casas invadidas, os policiais cometeram o ato de violência contra as mulheres, sendo que duas eram menores de idade à época, tendo entre 15 e 16 anos (CORTE IDH, 2017). Nesta operação, a polícia fez como vítima 13 homens, dentre eles quatro crianças, e a Sentença cuidou de identificar os ferimentos realizados pela polícia em cada um deles, conforme consta no parágrafo 116 da sentença (CORTE IDH, 2017): Alberto dos Santos Ramos, 22 anos (três ferimentos a bala no peito e um no braço esquerdo); André Luiz Neri da Silva, 17 anos (um ferimento a bala nas costas, um na parte esquerda do abdômen, um na mão esquerda, um no pulso direito e um no braço direito); Macmiller Faria Neves, 17 anos (um ferimento a bala na parte de trás da cabeça, um na região temporal esquerda, um no rosto e um no ombro esquerdo); Fábio Henrique Fernandes, 19 anos (oito ferimentos de bala na parte de trás do pescoço, seis ferimentos de bala na parte de trás da perna direita e um ferimento a bala na coxa esquerda); Robson Genuíno dos Santos, 30 anos (dois ferimentos a bala no abdômen e no peito); Adriano Silva Donato, 18 anos (três ferimentos a bala nas costas, na região temporal direita e no braço direito); Evandro de Oliveira, 22 anos (um ferimento a bala nas costas e duas nos olhos - um em cada olho); Alex Vianna dos Santos, 17 anos (dois ferimentos a bala na orelha e no peito); Alan Kardec Silva de Oliveira, 14 anos (dois ferimentos a bala na região temporal direita e na coxa direita); Sérgio Mendes Oliveira, 20 anos (nove ferimentos a bala na boca, no pescoço, no abdômen direito, no ombro esquerdo, na coxa direita, no quadril esquerdo, na nádega direita e dois na nádega esquerda); Ranílson José de Souza, 21 anos (três ferimentos a bala no olho esquerdo, na face esquerda e na parte de trás do crânio); Clemilson dos Santos Moura, 19 anos (dois ferimentos a bala na região temporal direita e um no braço direito); e Alexander Batista de Souza, 19 anos (um ferimento a bala nas costas e dois no ombro direito). A incursão policial de 1995 fez novas vítimas, somando 26 mortos. Nessa nova incursão, cerca de 14 policias civis entraram na Favela. Diferentemente do primeiro, esta operação apresentava o suposto objetivo de deter carregamento de armas que seria entregue a traficantes naquele local. Neste dia 13 homens foram mortos, conforme parágrafo 119 da sentença (CORTE IDH, 2017): Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 356 Cosme Rosa Genoveva, 20 anos (três ferimentos a bala no peito, um no joelho, um no pé e um na coxa); Anderson Mendes, 22 anos (um ferimento a bala na nádega direita e dois na caixa torácica esquerda); Eduardo Pinto da Silva, 18 anos (vários ferimentos a bala no peito); Nilton Ramos de Oliveira Júnior, 17 anos (dois ferimentos a bala no peito); Anderson Abrantes da Silva, 18 anos (um ferimento a bala na região temporal direita); Márcio Félix, 21 anos (um ferimento a bala no peito, dois na coxa superior esquerda, dois nas costas, um no ombro esquerdo, dois no lado direito inferior das costas, um na mão direita e um na mão esquerda); Alex Fonseca Costa, 20 anos (um ferimento a bala no pescoço, um no peito esquerdo, um na coxa superior direita, um no joelho direito); Jacques Douglas Melo Rodrigues, 25 anos (um ferimento a bala na região frontal direita, um no queixo, um na parte superior direita do peito e um no ombro direito); Renato Inácio da Silva, 18 anos (um ferimento a bala na zona temporal esquerda e um no peito); Ciro Pereira Dutra, 21 anos (um ferimento a bala nas costas, perto do ombro esquerdo); Welington Silva, 17 anos (um ferimento a bala no peito e uma no ombro direito); Fábio Ribeiro Castor, 20 anos (um ferimento a bala no pescoço, dois no peito e um no abdômen); e Alex Sandro Alves dos Reis, 19 anos (dois ferimentos a bala no peito e um no braço esquerdo). Resumidamente, após as operações policiais que culminaram na morte das 26 pessoas e na violência sexual contra as três mulheres, o Estado brasileiro se manteve inerte por diversos motivos: as investigações policiais foram realizadas pela mesma delegacia de Polícia que deflagrou as operações; o Ministério Público do estado do Rio de Janeiro manteve-se inerte em investigar e realizar sua função de fiscalização da atividade policial, e os processos produzidos contra o Estado restaram infrutíferos, sob argumento de que não havia sido comprovado que o crime foi cometido por funcionário público (CORTE IDH, 2017). Pode-se dizer que foram ações e omissões dos mais diversos âmbitos do Estado que fizeram com que as investigações demorassem e não apresentassem êxito, de forma que os policiais permaneceram impunes e sem qualquer condenação, seja administrativa ou judicial. Um dos aspectos principais da investigação do Estado que na realidade eram ações para sua inércia em punir, foi a utilização do termo “autos de resistência à prisão”, cujo termo foi usado nos relatórios da investigação e que fizeram com que todo o restante fosse prejudicado. Essa Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 357 situação foi agravada pelo uso do termo “resistência seguida de morte”, para tratar das pessoas executadas como se tivessem reagido aos policiais. Assim, os homicídios perpetrados pela polícia eram legais (CORTE IDH, 2017). Diante da omissão do Estado, dos agentes do Ministério Público, das polícias e do próprio Judiciário, a Corte proferiu sentença no sentido de: declarar que o Estado foi responsável pela violação do direito às garantias judiciais de independência e imparcialidade nas investigações, devida diligência e prazo razoável, violando o artigo 8.1 e artigo 1.1 da Convenção 4. Foi decidido também que o Estado foi responsável pela violação do direito à proteção judicial, em vista da inércia do Judiciário. Ainda, houve a violação do direito à integridade pessoal, artigo 5.1 5 da Convenção com relação a algumas vítimas e, com relação a outras foi reconhecido a não violação deste dispositivo. Foi decidido que o Estado não violou o direito de circulação e residência, artigo 22.16 da Convenção (CORTE IDH, 2017). As sentenças da Corte Interamericana, de forma geral, são bem completas, demonstrando de forma clara todos os pontos cruciais de cada caso, de forma a ponderar a respeito de todos os aspectos e singularidades das situações. Assim, a Corte no caso Favela Nova Brasília demonstrou a relação das atitudes do Estado brasileiro com o caso juntamente com as problemáticas sociais que o circundam, como é a questão da violência policial no Brasil – de forma geral - que ultrapassa a ocorrência de um caso Artigo 1. Obrigação de Respeitar os Direitos. 1.Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. Artigo 8. Garantias Judiciais. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza 5 Artigo 5 Direito à integridade pessoal. 1.Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 6 Artigo 22. Direito de circulação e residência. 1. Toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir em conformidade com as disposições legais 4 Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 358 isolado, mas é fruto de um complexo processo histórico. Nessa mesma linha, as determinações da sentença geralmente envolvem obrigações de fazer, não fazer e de indenizar dos Estados, objetivando transformações efetivas que incentivem o crescimento de uma cultura voltada para os direitos humanos. Foram as determinações da Corte ao Estado brasileiro: 1) Condução eficaz da investigação com a devida diligência e obediência a celeridade processual; 2) Deve oferecer de forma gratuita apoio psicológico e psiquiátrico para as vítimas; 3) Deve publicar a sentença; Deve publicar relatório anual com os dados relativos às mortes ocasionadas durante operações policiais em todo país; 4) Deve criar mecanismos normativos necessários em situação de incursão policial com morte, para que os policias sejam vistos como possíveis acusados; 5) Deve o Estado adotar medidas para que o Rio de Janeiro tenha metas na diminuição da violência policial; 6) Políticas voltadas para atendimento de mulher vítima de violência sexual; 7) Medidas legislativas para que as vítimas e familiares participem das investigações conduzidas pela polícia e pelo MP; 8) Utilizar a expressão “lesão corporal ou homicídio decorrente de intervenção policial” no lugar da antiga expressão usada; 9) Restituição ao fundo de Assistência Jurídica as Vítimas, da Corte, que foi desembolsada; 10) Pagamento de indenização por dano imaterial; 11) Deve apresentar relatório, no prazo de um ano, sobre as medidas adotadas para o cumprimento; 12) A Corte enquanto Tribunal irá acompanhar o cumprimento (CORTE IDH, 2017). Isto é, a própria Corte reconheceu os problemas sociais estruturais brasileiros em suas determinações, de forma que busca determinar medidas capazes de garantir, com mais eficácia, os Direitos Humanos, por meio da transformação da estrutura jurídica e social brasileira. São diversos os pontos de problemáticas acerca da conjuntura social brasileira, de um lado tem-se um ordenamento jurídico atualmente baseado na ampla proteção dos direitos humanos, de outro lado, o debate acerca do punitivismo estatal, a Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 359 exemplo da violência policial, tem crescido diante da realidade que se enfrenta. De forma simplificada, pode-se verificar que no Brasil há posturas contraditórias entre o processo de redemocratização brasileira e o aumento do punitivismo estatal nos últimos governos. A complexidade dos processos históricos brasileiros no que concernem ao âmbito social, econômico e político, são os fatores que resultam no Estado Democrático atualmente existente (PASTANA, 2013). Exemplo disso é a letalidade policial, objeto do presente caso estudado, posicionando-se o Brasil em um dos países com a maior taxa de violência policial no mundo (BUONO, MAZZA, ROSSI, 2019), estando a cidade do Rio de Janeiro entre as mais violentas dentro do país7. Dito isso, a própria Corte IDH conhece de tais questões, enquanto sua função é justamente proteger e promover os direitos humanos na América. Nesse sentido, ao longo da sentença, a Corte pondera a respeito destas questões estruturais, demonstrando claramente os pontos de negligência por parte do Estado, principalmente com relação ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, órgão que foi crucial para a manutenção do caso sem solução ao longo de todos estes anos (CORTE IDH, 2017). Deixa-se claro, portanto, as questões que circundam a violência policial brasileira, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, na medida em que a Corte analisa profundamente a postura do Estado da cidade do Rio, tanto no âmbito do Ministério Público, como a Polícia e o Judiciário. Assim o é, pois mesmo que a atuação da Polícia e do Ministério Público guarde certa homogeneização nacional em virtude da Constituição, de outro lado cada Pode-se verificar tais dados por meio das notícias veiculadas em diferentes veículos de informação do país, fruto do amplo debate e pesquisas acerca desta problemática, tais como: GLOBO, “RJ tem uma das taxas de letalidade policial mais altas do país; veja ranking”, disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/11/23/rj-tem-uma-dastaxas-de-letalidade-policial-mais-altas-do-pais-veja-ranking.ghtml. E também: CNN, “RJ: Relatório aponta que violência em operações policiais cresceu em 2021”, disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/rj-relatorio-aponta-que-violencia-em-operacoespoliciais-cresceu-em2021/#:~:text=O%20Fogo%20Cruzado%20contabilizou%20em,Metropolitana%20do%20Rio% 2C%201.084%20morreram. Acesso em 29 de janeiro de 2022. 7 Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 360 Estado brasileiro tem suas especificidades, nesta linha, o Ministério Público enquanto órgão autônomo, guarda autonomia de certas funções em cada estado, a exemplo da função de investigação da atividade policial. Com relação a devida diligência nas investigações das duas incursões policiais, a Corte verificou que houve corrupção dentro do órgão da polícia, como mesmo do próprio Ministério Público. Em vista das atribuições do Ministério Público, cumpre destacar que ele faltou com sua função de vigilância das atividades policiais, tendo arquivado o caso com o seguinte fundamento: “Em 1o de outubro de 2009, o Ministério Público solicitou o arquivamento do caso “em razão da inevitável extinção da punibilidade pela prescrição” (CORTE IDH, 2017). Com a emissão do Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, n° 141/11, o Ministério Público desarquivou o relatório acerca do caso e, em 16.05.2013, iniciou ação penal contra seis envolvidos na operação da Favela Nova Brasília. A investigação judicial deu continuidade por pouco tempo, devido à dificuldade de citar os investigados. Ainda, até o momento da prolação da sentença pela Corte, esta ponderou que não havia sido punido nenhum dos envolvidos, destaca-se o seguinte trecho da sentença, nos parágrafos 205 e 208 respectivamente (CORTE IDH, 2017): O prolongado decurso de tempo sem avanços substantivos na investigação provocou, eventualmente, a prescrição, que foi resultado da falta de diligência das autoridades judiciais sobre as quais recaía a responsabilidade de tomar todas as medidas necessárias para investigar, julgar e, oportunamente, punir os responsáveis,239 e, como tal, é uma questão atribuível ao Estado. (...) É igualmente importante observar que, num contexto de alta letalidade e violência policial, o Estado tinha a obrigação de agir com mais diligência e seriedade no presente caso. Os exames cadavéricos mostravam um altíssimo percentual de vítimas mortas com grande número de disparos a curta distância. Com efeito, uma das vítimas foi assassinada com um disparo em cada um dos olhos. O papel do Ministério Público nesse ponto é fundamental, pois ele foi quem arquivou o inquérito, descumprindo com sua função de controle extrajudicial da atividade policial. Não somente, os atrasos em todos os Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 361 pontos da investigação, tanto no ponto inicial da investigação dentro da polícia, mas mesmo diante da atuação do Ministério Público, assim como a demora na investigação, gerou danos imensuráveis para as próprias famílias das vítimas que ficaram, por longos anos, em uma situação de constante incerteza sobre o caso, tendo também seus próprios direitos violados, de acesso à justiça, do devido processo legal e da celeridade processual. O que concluiu a Corte é que foram diversos os atores que atuaram de forma conjunta para que a investigação do caso não tivesse fechamento, isto envolveu a atuação da Polícia brasileira, juntamente com o Ministério Público e até mesmo o Judiciário (CORTE IDH, 2017). Deste ponto é que, retomando ao controle de convencionalidade, vê-se na realidade que foi instrumento não utilizado, haja vista que em nenhum momento ao longo de todos os anos o Estado Brasileiro cumpriu, primeiramente com suas obrigações determinadas pelo direito interno, mas depois descumpriu com suas obrigações oriundas das normas internacionais (a exemplo da Convenção Americana de Direitos Humanos), somatizando ainda com a falta de cumprimento das determinações da Comissão Interamericana e, depois, da Corte. A atuação do Ministério Público, neste ponto, foi determinante para que o caso nunca fosse solucionado, corroborando e mantendo a alta violência policial na cidade do Rio de Janeiro. A partir da elaboração de qualquer decisão da Corte, é feito um acompanhamento por parte deste Tribunal para averiguar o cumprimento da sentença pelos Estados, isto é, a Corte, dentro de suas funções para com os Direitos Humanos, não cabe somente a ela julgar casos, mas efetivamente verificar se suas decisões estão sendo cumpridas. Assim, tendo sido proferida a sentença do presente caso em 2018, a partir desta data cabe a Corte acompanhar como será a postura do Estado brasileiro. Neste ponto, no ano de 2021 foi publicado a Supervisão de Cumprimento da Sentença, momento em que a Corte, em audiência pública realizada no Brasil, pode ouvir os representantes das vítimas, o Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 362 Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Nacional de Justiça, como “outras fontes de informações” que permite apreciar o cumprimento da decisão, nos moldes do artigo 69.2 do Regulamento Interno da Corte (CORTE IDH, 2021). De forma breve, alegou o Estado brasileiro de que as medidas de cumprimento da sentença estavam sendo tomadas, tanto o cumprimento de publicação da sentença, como pagamento de indenizações, mas bem como o cumprimento da determinação da Corte de adoção de medidas para investigação ser feita por órgão autônomo e independente, sob alegação de que estava em trâmite perante o Legislativo a aprovação de leis que alterariam o Código de Processo Penal e algumas atribuições do Ministério Público. Nesta mesma medida, o próprio Ministério Público alegou que algumas medidas pendiam de cumprimento pois dependiam da aprovação de tais leis pelo Legislativo (CORTE IDH, 2021). De outro lado, pontuou de forma certeira os representantes das vítimas de que a própria Constituição Federal brasileira guarda preceituado a independência funcional do Ministério Público, bem como a atribuição de fiscalização da atividade externa policial. O único ponto destacado é a não obrigatoriedade da investigação da atividade policial, de forma que cabe a cada Ministério Público estadual as definições e estruturação desta sua atribuição, conforme reconheceu o Supremo Tribunal Federal. Neste ponto, o Ministério Público do estado do Rio de Janeiro não tinha antes como obrigatório tal atribuição, na mesma linha, defendeu-se alegando que havia sido criado Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública – criado em 2015, mas desfeito em 2021 (CORTE IDH, 2021). Tendo ouvido a Corte os pontos trazidos pelo CNJ e CNMP, chegou à conclusão de que apenas as medidas de publicação e difusão da sentença e pagamento do montante a título de indenização foram devidamente cumpridos, pendente de cumprimento as medidas de adoção de leis e políticas públicas para diminuir a letalidade policial, e a definição e Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 363 estruturação de órgão independente e autônomo para investigação da violência policial, bem como pendente de ser cumprido em todo território nacional a extinção do uso do termo “oposição” ou “resistência” para se referir as vítimas quando da atuação violenta da polícia (CORTE IDH, 2021). Isto é, torna-se possível ver a lenta atuação do corpo do Estado brasileiro para fazer-se cumprir com as determinações da sentença, com foco para o Ministério Público que, mesmo tendo por força constitucional a função de fiscalização da atividade policial, encobriu-se na alegação de que dependia de aprovação de leis pelo Legislativo. Neste ponto, vê-se as influências para que a violência policial na cidade do Rio de Janeiro mantenha-se como uma das mais altas do país. A partir dessa primeira análise, o próximo ponto corresponde a dialética entre a sentença e o controle de convencionalidade com as funções e atribuições do Ministério Público brasileiro, com atenção especial para sua função de controle extrajudicial da atividade policial. 4. O Ministério Público e o controle de convencionalidade sob o olhar do controle externo da atividade policial É primordial relembrar que a instituição Ministério Público como se apresenta remonta a revolução Francesa, momento em que passou a ser protetor dos interesses sociais, consolidando-se como importante órgão com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (ÁVILA, 2016). Sua criação foi fundamental para que se difundisse no Ocidente essa nova instituição como protetora de direitos coletivos, de forma que cada país que o recebeu incorporou à sua forma no direito doméstico. No caso do Brasil, o Ministério Público veio a ser consagrado com a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988)8, com uma estrutura pautada na defesa dos direitos 8 A Constituição brasileira de 1988 deu ao Ministério Público a importante função de ser o protetor do estado democrático de direito, da ordem jurídica e dos interesses sociais e Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 364 humanos que o tornou um dos Ministérios Públicos mais modernos (ÁVILA, 2016). O fato de o Ministério Público brasileiro deter de autonomia funcional faz com que ele tenha prerrogativas semelhantes às dos demais poderes, mesmo não sendo considerado como um Quarto Poder, atendo-se o sistema jurídico nacional ao Executivo, Legislativo e Judiciário. De outro lado, o Ministério Público, por deter funções tão importantes, tendo sido qualificado como órgão essencial à Justiça, o faz ser de uma relevância tão grande que sua existência é garantia também das bases da Constituição (ÁVILA, 2016). Isto é, o Ministério Público brasileiro é consequência das opções que o Estado Brasileiro tomou quando da sua redemocratização e aproximação com os Direitos Humanos, quando se torna signatário de quase todos os tratados de Direitos Humanos, tanto no âmbito das Nações Unidas, como da Organização dos Estados Americanos. Dentro da primazia dos Direitos Humanos, basilar do nosso ordenamento jurídico, o Ministério Público atualmente desempenha papel tanto na defesa dos direitos por meio do ajuizamento de ações perante o Judiciário, mas muito além, também busca novos instrumentos de solução modernizando-se (MAZZUOLI et al, 2021). Em vista disto, questiona-se o papel do Ministério Público quando do cumprimento e de se fazer cumprir as leis nacionais, mas também de atentar-se às normas internacionais de Direitos Humanos, atuando com proximidade do controle de constitucionalidade e controle de convencionalidade (MAZZUOLI et al, 2021). A Corte Interamericana adotou importantes decisões nesse sentido, ao prevalecer em suas sentenças a ideia de que todos os órgãos do Estado individuais indisponíveis, conferindo a ele autonomia para sua atuação, de forma que se assegura assim segurança jurídica e ampla proteção aos Direitos Humanos, não devendo ele qualquer dependência com os demais poderes constituídos. Tais funções estão dispostas no artigo 127 que assim disciplina: Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. §1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 365 devem se atentar para os tratados de direitos humanos, cita-se como exemplo o julgamento do caso Gelman vs. Uruguai e caso Cabrera Garcia e Montiel Flores vs. México, no qual a Corte pontuou que o Estado, enquanto signatário de um tratado, todos os órgãos, incluindo os juízes, devem velar e submeterem-se as normas internacionais de direitos humanos (MAZZUOLI et al, 2021). Nessa esteira, o controle de convencionalidade realizado no âmbito difuso é diferente do concentrado, e isso é importante na medida em que o primeiro significa que os órgãos que realizam este controle difuso não expurgam a norma inconvencional do ordenamento jurídico, eles têm a competência de reconhecer a inconvencionalidade e, então, os órgãos reguladores tomam as medidas para que seja feita a compatibilidade. De outro lado, os órgãos no âmbito concentrado, quais sejam os órgãos da Justiça, tem a competência de tirar essa norma inconvencional. Deste ponto, percebe-se que um controle de convencionalidade feito pelo Ministério Público não seria o mesmo que um outro órgão (MAZZUOLI et al, 2021). Há estudos em que se tem ponderado a respeito da importante distinção entre aferição de convencionalidade e controle de convencionalidade por parte do Ministério Público. Isto é, aferição é quando o Parquet verifica a (in)compatibilidade da norma doméstica com a norma internacional, mas sem invalidar a norma doméstica, o controle, entretanto, é a efetiva ação do Ministério Público para que a norma doméstica inconvencional seja assim retirada do ordenamento jurídico por meio dos caminhos legais que a legislação brasileira tem (MAZZUOLI et al, 2021). A amplitude da atuação do Ministério Público é de se colocar em destaque, haja vista suas funções quando da proteção dos direitos humanos e da democracia dentro do aspecto processual, mas muito além desse aspecto, o mundo extraprocessual para o Parquet é enorme, e muito debatese a respeito de suas potencialidades dentro da sociedade. Pode-se pensar o Ministério Público enquanto fundamental para formulação e implementação Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 366 de políticas públicas, por meio do controle das decisões das autoridades e da averiguação com a normativa dos direitos humanos (SILVA, 2016). Nesse cenário, o controle externo da atividade policial que desempenha o Parquet entra nesse ramo extenso de funções que ele tem. Da sentença da Corte Interamericana no caso Favela Nova Brasília, ora analisada, é possível ver a alta relevância da atuação do Ministério Público quando se analisa as consequências negativas que o desdobramento do caso teve quando da inércia dele, a própria Sentença diz em seu parágrafo 209 (CORTE IDH, 2017): (...) Por outro lado, ainda que a atuação da polícia tenha sido coberta de omissões e negligência, outros órgãos estatais tiveram a oportunidade de retificar a investigação e não o fizeram. Em primeiro lugar, a Corregedoria da Polícia Civil mostrou ser incapaz de conduzir a investigação a partir de 2002. A esse respeito, o perito João Trajano destacou que há fortes indícios de que esse órgão privilegie o espírito corporativo e se concentre em averiguar problemas administrativos ou disciplinares, e não priorize graves denúncias de violações de direitos humanos e abuso da força no cumprimento de suas funções. Em resumo, o perito afirmou que as corregedorias “não conseguem dar conta de sua missão investigadora e punitiva”.241 Além disso, o Ministério Público tampouco cumpriu sua função de controle da atividade de investigação da polícia, e aprovou o arquivamento do inquérito sem verificar a completa falta de diligência e de independência nele presente durante mais de uma década (...). No caso, o Ministério Público foi o responsável por manter o caso arquivado por mais de uma década, mesmo tendo sido alertado pela Comissão Interamericana, conforme já anteriormente falado na pesquisa, acerca da necessidade e obrigação de investigação do assassinato das vinte e seis pessoas cometido pelos policiais do Rio de Janeiro. Não somente, mesmo em momento posterior a sentença, verificou-se na Supervisão de Cumprimento pela Corte de que o Ministério Público na realidade não implementou as medidas determinadas na decisão, sob argumento de que haveria de ser criada nova lei para que fosse alterado o Código de Processo Penal para que então pudesse efetivamente cumprir o disposto na sentença (CORTE Idh, 2021). Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 367 Neste cenário, é essencial a menção da Corte acerca da problemática da violência policial no Brasil, problema social tão eminente e que carece há décadas de atenção do Estado. Vê-se que se tem uma estrutura jurídica capaz de proteger formalmente os Direitos Humanos, sendo o Brasil, conforme já acima mencionado, grande referência em virtude dos pontos basilares da Constituição de 1988, tendo consagrado o Ministério Público como órgão autônomo e protetor dos direitos humanos e da democracia, além de ser um dos países que mais ratificou tratados de direitos humanos. Para além disso, este tópico da pesquisa procurou demonstrar o importante avanço que o ordenamento jurídico brasileiro deu ao reconhecer o instrumento do controle de convencionalidade e de reconhecer a função jurisdicional da Corte Interamericana, ao reconhecer a universalidade dos direitos humanos e o caminho internacional numa cultura cada vez maior de proteção a esses direitos. E nesse aspecto, foi destacado a possibilidade do uso do controle de convencionalidade por todos os órgãos do Estado – na realidade trata-se de dever do uso desse instrumento para submissão às normas internacionais de direitos humanos. De um lado tem-se as potencialidades do Parquet para atuar ao fazer uso do controle de convencionalidade 9 , atentando-se também para suas funções processuais e extraprocessuais, de forma a atender sua função base de órgão essencial à justiça e, também, enquanto órgão ao qual incumbi-lhe a defesa da democracia e dos direitos humanos. De outro lado, tem-se a prática do Parquet, verificada pela Corte IDH quando da análise do caso Favela Nova Brasília. O que se verifica é que o controle de convencionalidade é instrumento de extrema relevância, principalmente quando se pensa no alcance do seu uso para que as normas domésticas estejam em consonância com as normas internacionais, podendo ser verificadas e analisadas por todos os órgãos do 9 Ou aferição de convencionalidade, conforme preceituado acima, com base nos estudos demonstrados: MAZZUOLI, 2021. Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 368 Estado, não se atendo estritamente para a figura do juiz. O Ministério Público, diante de sua essencial função a democracia e aos direitos humanos, tem um vasto caminho de potenciais atuações processuais e, principalmente, extraprocessuais, de forma que pode, e deve, usar do controle de convencionalidade dentro de suas atribuições. Contraditório a teoria discutida, a própria sentença analisada demonstra uma realidade distante do ideal. Neste ponto, foi imperiosa a atuação da Corte na apreciação do caso, atentando-se para estabelecer obrigações ao Estado brasileiro objetivando a proteção dos direitos humanos na prática. Do exposto acima, vê-se que o Brasil tem um bom cenário em seu ordenamento jurídico baseado inteiramente nos direitos humanos, ao estruturar o Ministério Público como um dos mais modernos no mundo todo, fazendo-se valer também do controle de constitucionalidade e convencionalidade, de forma a estar de acordo com as mudanças modernas ocorridas no seio do Direito. Contrapõe-se a isso o alto punitivismo estatal que culmina em uma das polícias mais violentas, associado também a violência institucional em outros órgãos do Estado, como o próprio Ministério Público que, diante do caso Favela Nova Brasília, não apenas corroborou com a violência policial, como de fato contribuiu para que o caso permanecesse impune até que a Corte o julgasse. Os desafios, portanto, parecem ater-se nas mais diversas formas que pode o Ministério Público superar as contradições fruto do processo histórico brasileiro, para que consiga exercer plenamente sua função. Isto é, dentro da ótica do controle de convencionalidade aqui tanto discutido, pode o Ministério Público ter-se valido desse instrumento para controlar e averiguar desde o início do caso Favela Nova Brasília as ações e omissões da polícia, atentando-se as leis internas e internacionais, de forma que teria sido capaz de tomar medidas cabíveis e necessárias para o efeito controle de tais atos que culminaram tanto na morte das 26 pessoas na incursão Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 369 policial, bem como do processo investigatório, tanto extrajudicial, como após, podendo também ter sido mais colaborativo com a Corte IDH. 5. Conclusão O presente estudo teve o objetivo de trazer a partir do Caso Favela Nova Brasília apreciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, analisar o papel do Ministério Público na manutenção da violência policial, com foco na cidade do Rio de Janeiro. Neste ponto, a pesquisa trabalha o conceito de controle de convencionalidade, com o intuito de compreender o papel do Estado e de seus órgãos na compatibilização de suas normas e atos com os tratados. O tema, que se apresenta de forma ampla e complexa, e que por isso mesmo enseja ampla discussão, se propôs a promover análise relevante em razão da contraditória realidade brasileira, em que coexistem normas referência na ampla proteção aos direitos humanos e um dos maiores índices de violência policial no mundo. Em vista disto, a pesquisa cuidou de trazer o contexto histórico de criação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos para na sequência analisar a sentença do caso Favela Nova Brasília, momento no qual foi possível entender o papel do Ministério Público no caso para a manutenção da violência policial, na medida em que foi o próprio Ministério Público que dificultou a investigação dos policiais que causaram a morte de 26 jovens e violência sexual contra 3 mulheres. A partir daí, evidenciou-se a Supervisão de Cumprimento da Sentença, de 25 de novembro de 2021, que permitiu averiguar a manutenção dos diversos problemas sociais aqui contemplados, no ponto em que se manteve o Estado brasileiro e o Ministério Público inertes, pendendo de cumprimento dos principais pontos da sentença acerca da violência policial, em constante corroboração com a alta taxa de violência da polícia na cidade do Rio de Janeiro. Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 370 Neste ponto, o controle de convencionalidade entra como importante instrumento de verificação da compatibilidade entre as normas e atos internos do Estado e as normas internacionais, isto é, para além das normas domésticas estarem em consonância com a Constituição Federal, estas normas também devem atentar-se para estarem compatíveis com os tratados dos quais o Brasil é signatário. O Ministério Público, portanto, guarda função também de verificar seus atos para que não viole as normas de direitos humanos, em atenção principalmente a suas funções institucionais, enquanto órgão fundamental para a manutenção da democracia e promoção dos direitos coletivos. Do diálogo entre todos estes pontos suscitados na presente pesquisa, sabe-se que as soluções para a violência policial diante das ações e omissões do Ministério Público são das mais diversas, isto é, não basta que existam leis protetivas e garantidoras dos direitos humanos (como de fato já existem), mas são necessárias mudanças em outros aspectos da estrutura estatal. Ademais, verifica-se que existem instrumentos no plano jurídico que possibilitam o combate da violência policial, a exemplo do controle de convencionalidade e do controle de constitucionalidade, amplamente utilizado nos tribunais. O aspecto fundamental da pesquisa foi identificar que o controle de convencionalidade não deve ser somente utilizado pelos juízes de Cortes e dos tribunais domésticos, como também pode e deve ser usado pelo Estado em todos os níveis e in casu pelo Ministério Público. Este ponto é crucial para compreender que o Ministério Público deve atentar-se para os atos de seus servidores para que garantam e promovam os direitos humanos, tanto pelo motivo de que tem suas funções instituídas pela Constituição Federal, mas como também pelo fato de que o Brasil é signatário de diversos tratados de direitos humanos. Isso permite que os próprios órgãos do Estado possam verificar seus atos e buscar promover estes direitos, não dependendo de decisão judicial para tanto. Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498 371 Referências ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Fundamentos do controle externo da atividade policial. Ed D‟Plácido. Belo Horizonte. 2016 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 24 de janeiro de 2022. CAESAR, Gabriela. 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