O Ministério Público e a violência policial na
cidade do Rio de Janeiro: um estudo do caso
Favela Nova Brasília e do controle de
convencionalidade
Public Prosecutor's Office and the police violence in Rio de Janeiro:
a research on the case Favela Nova Brasília and
the conventionality control
Sidney Guerra1
Raquel Guerra2
Bárbara Manganote3
Resumo:A pesquisa tem o objetivo de avaliar o papel
desempenhado pelo Ministério Público no contexto da violência policial,
com enfoque na cidade do Rio de Janeiro, a partir da análise da Sentença
do caso Favela Nova Brasília proferida pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos, em um diálogo com o controle de convencionalidade.
Isto é, pondera-se a atuação do Ministério Público, através da sua função
de controle externo da atividade da polícia, na contribuição – e
perpetuação - da violência policial como um problema estrutural na
sociedade brasileira. Neste cenário, a pesquisa realiza este estudo por meio
da análise do importante instrumento que é o controle de
Pós-Doutor em Direitos Humanos pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de
Coimbra. Pós-Doutor pelo Programa Avançado em Cultura Contemporânea da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-Doutor em Direito pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie (UPM). Doutor e Mestre em Direito (UGF). Professor permanente
do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PPGD/UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Cândido
Mendes. Professor convidado do Programa de Pós-Graduação em Direito Internacional da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGD/UERJ). Professor titular da Universidade
do Grande Rio (Unigranrio). Visiting da Stetson University Law School. Coordenador do
Laboratório de Estudos e Pesquisas Avançadas em Direito Internacional Ambiental
(LEPADIA). Advogado.
2 Doutoranda em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Bolsista CAPES. Mestre em Relações Internacionais pela Universidad Torcuato di
Tella (Buenos Aires, 2018), pós-graduada em Ajuda Humanitária e ao Desenvolvimento
pela PUC-Rio (2013), Advogada, com formação jurídica pela Universidade Candido Mendes
(graduação, 2011). É especialista em Direitos Humanos, com experiência profissional na
Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Pesquisadora do LEPADIA/UFRJ.
Professora licenciada da Candido Mendes, Advogada colaboradora na área de direitos
humanos na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Juíza em
Competições Internacionais de simulação da Corte Interamericana desde 2017 (Moot Court
American University -USA e Intituto Colombiano de Derechos Humanos).
3 Pós-graduanda em Direitos Humanos pelo IGC/Centro de Direitos Humanos da
Universidade de Coimbra e em Direito Constitucional Aplicado pela UNICAMP
(Extrecamp). Graduada em Direito pela FACAMP. Advogada e pesquisadora do Grupo de
Pesquisa em Direito Internacional Público da UFRJ.
1
DOI: http://dx.doi.org/10.14393/RFADIR-50.1.2022.66319.346-372
convencionalidade, que desempenha a função de verificação da
compatibilidade das normas domésticas – bem como sua aplicação – com as
normas internacionais, principalmente normas de Direitos Humanos. Para
tanto, será realizada a análise da sentença Favela Nova Brasília sob a
ótica do controle de convencionalidade para identificar o papel do
Ministério Público dentro do contexto da violência policial na cidade do Rio
de Janeiro. E, desta forma identificar se as normas internacionais de
proteção aos Direitos Humanos foram aplicadas pelo Ministério Público no
caso e, após a sentença, se as medidas determinadas pela Corte foram
implementadas pelo órgão.
Palavra-chave: Controle de Convencionalidade; Ministério Público; Caso
Favela Nova Brasília; Violência policial.
Abstract: this research aims to analyze the Public Prosecutor‟s Office role
in the police violence context, focusing on the city of Rio de Janeiro,
through the study of the Favela Nova Brasília sentence judged by the
Inter American Court of Human Rights in compliance with the
conventionality control. Therefore, it is taken into consideration the role of
the Public Prosecutor‟s Office in external control of police activity and its
contribution and perpetuation in police violence as a structural problem in
brazilian society. In this scenario, this essay carry out this study through
analysis about the conventionality control, which performs the function of
checking the compatibility of domestic law – as its enforcement – in
accordance with international law, especially human rights law. Therefore,
the Favela Nova Brasília sentence will be analyzed through the
conventionality control in order to comprehend the Public Prosecutor‟s
Office role in police violence in Rio de Janeiro. Hence, it will be possible to
identify if international human rights law has been applied by the Public
Prosecutor‟s Office in the case and, after the jugdment, if all measures
determined by the Court was executed.
Key-words: Conventionality control; Public Prosecutor‟s Office; Favela
Nova Brasília case; police violence.
1. Introdução
A presente pesquisa objetiva estudar o papel do Ministério Público na
manutenção em relação a violência policial perpetrada no Rio de Janeiro,
bem como as suas funções constitucionais. Para tanto, a pesquisa analisa a
sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso
Favela Nova Brasília. Assim, utiliza-se o instituto do controle de
convencionalidade, fundamental para compreender o papel do Estado,
principalmente
do
Ministério
Público,
diante
de
suas
obrigações
internacionais.
A primeira parte da pesquisa, em seu tópico 2, trata de introduzir e
contextualizar o assunto, de forma a demonstrar aspectos importantes do
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Sistema Interamericano de Direitos Humanos, em particular os dois órgãos
de proteção (Comissão Interamericana e a Corte Interamericana), a partir
de breve explanação sobre suas funções e o processo histórico de
incorporação desse Sistema nos países americanos e, na sequência,
apresentar o controle de convencionalidade, importante instrumento de
verificação de compatibilidade de normas nacionais e internacionais.
Passa-se, então, para o segundo momento da pesquisa, no qual é feito
a análise da sentença do Caso Favela Nova Brasília em um diálogo com a
violência policial na cidade do Rio de Janeiro. De forma geral, o Brasil é um
país com alto índice de violência policial, entretanto, os dados mostram que
o estado do Rio de Janeiro, principalmente a cidade em si, se destaca entre
os demais por ter uma das polícias mais violentas do país (CAESAR, 2021) e,
este ponto é fundamental para o diálogo que a pesquisa fará entre a
Sentença, o papel do Ministério Público e o olhar a partir do controle de
convencionalidade.
Chega-se, então, no ponto quatro da pesquisa, onde foram analisadas
as funções institucionais do Ministério Público, principalmente sob o olhar
de sua função de controle externo da atividade policial, estabelecendo um
diálogo entre este aspecto com o próprio controle de convencionalidade. Isto
é, pontua-se a ligação entre o instrumento de compatibilização de normas e
atos do Estado com as normas internacionais e os atos praticados pelo órgão
e, em qual medida, este deve atentar-se para as normas internacionais, em
vista de suas funções constitucionais enquanto órgão essencial para o
Estado democrático de Direito.
De forma geral, esta pesquisa pretende contribuir para o debate
acerca da violência policial na cidade do Rio de Janeiro. Em especial ao
trazer o foco para a atuação do Ministério Público, a partir do diálogo entre
suas funções institucionais com o Direito Internacional dos Direitos
Humanos, a saber o conceito do controle de convencionalidade e o estudo
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focado na sentença do caso Favela Nova Brasília apreciado pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
2. A relevância do Sistema Interamericano de Proteção
aos Direitos Humanos, a atuação da Corte IDH e o
controle de convencionalidade
O Sistema Interamericano de Direitos Humanos compõe um dos cinco
Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos, conjuntamente com
o Sistema Europeu, Africano, Asiático e o Árabe. A sua importância se dá
justamente pela estrutura de normas internacionais que pretendem
proteger os Direitos Humanos dentro do continente americano, ao consagrar
um ambiente regional de solidariedade e de objetivos comuns de uma
sociedade mais justa e igual.
De outro lado, interessante notar que antes mesmo da proteção dos
direitos humanos estar prevista na Convenção Americana de Direitos
Humanos, quando da criação da Organização dos Estados Americanos
(OEA), já existia a intenção de criar um clima de solidariedade e cooperação
dentro das Américas, com países que compartilhariam de objetivos e valores
em comum (GUERRA, 2014). Esse aspecto é observado pela Declaração
Americana, de 1948, que em seu bojo trouxe grande preocupação com os
Direitos Humanos, em destaque para seu preâmbulo que já estabelece a
igualdade entre todos os homens. É por este motivo também que podemos
entender o Sistema Interamericano como um sistema duplo de proteção aos
direitos humanos, um sistema que abarca a Carta da OEA e a Declaração
Americana, e posteriormente a Convenção Americana (GUERRA, 2015).
A estruturação de um Sistema Regional Americano nasce nesse
contexto, de países americanos que de certa forma já tinham valores que os
conectavam e, a partir de uma estrutura mais bem trabalhada, surge o
Sistema Interamericano, que é resultado de uma reunião de países da
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América,
na
Primeira
Conferência
Internacional
Americana
em
Washington, no ano de 1889.
O surgimento desse sistema marca, de certo modo, a universalização
dos Direitos Humanos, fruto do primeiro acordo internacional sobre Direitos
Humanos por ocasião da IX Conferência Internacional Americana de 1948,
florescendo a Declaração Americana de Direitos Humanos do Homem. Em
mesmo período é adotada a Carta da Organização dos Estados Americanos
(GUERRA, 2018).
Dentro desse contexto, no mundo, estruturava-se e fortalecia-se o
sistema europeu concomitantemente com a própria criação da Organização
das Nações Unidas; foram processos que ocorreram em momentos muitos
semelhantes, marcado pela preocupação internacional com questões
humanitárias e de Direitos Humanos, principalmente depois das grandes
crises humanitárias que o mundo passava pós Primeira e Segunda Guerra.
O Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos
organizou-se com a composição de dois órgãos, objetivando ampla proteção e
garantia desses direitos, em vista do objetivo de universalização dos Direitos
Humanos. Estes órgãos são a Comissão Interamericana (fundada em 1959) e
a Corte Interamericana (fundada em 1978).
São os órgãos os responsáveis pela proteção e promoção dos Direitos
Humanos nas Américas e, também, são os responsáveis por receber
denúncias de violações de direitos humanos e investigá-los. Assim, no polo
passivo dos casos investigados pela Comissão e pela Corte estão os Estados,
que respondem pelas violações destes direitos, independente de quem o
tenha dado causa. Nesse cenário, importante marco para o Direito
Internacional é o reconhecimento de outros novos sujeitos de direito,
rompendo com as características tradicionais do direito internacional
passando a prever a sociedade civil como importante sujeito internacional
para proteção e promoção desses direitos (exemplo: ONG‟s) (GUERRA,
2018).
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A responsabilidade do Sistema Interamericano de fazer os Direitos
Humanos serem protegidos e promovidos no continente como um todo, é
uma responsabilidade complementar a responsabilidade do Estado de
garantir e promover esses direitos. Esta característica marca a função
subsidiária do direito internacional, que só atua quando finda todas as
tentativas de solução no direito doméstico (GUERRA, 2018).
Por este motivo que a atuação do Direito Internacional chega somente
quando o Estado falha com sua função, e essa característica é também
fundamental para separar a atuação dos Tribunais e os demais órgãos
protetores dos Direitos Humanos. Dentro desse aspecto, a própria Comissão
e a Corte exercem funções diferentes (GUERRA, 2020).
A Comissão tem atuação primária a da Corte, isto é, as denúncias de
violação de Direitos Humanos passam num primeiro momento à análise da
Comissão
que,
dentro
de
suas
atribuições,
formula
pareceres,
recomendações, estudos e relatórios e passa estes ao Estado Réu para que
ele possa cumprir tais recomendações. Acaso não seja cumprido as
disposições da Comissão, o caso é levado à Corte para julgamento (RAMOS,
2018).
Assim, à Corte é resguardado a função contenciosa e consultiva, de
forma que a primeira funciona quando a Comissão encaminha para a Corte
os casos de violações de Direitos Humanos, cabendo à Corte investigar e
proferir sua decisão sobre o caso, enquanto a segunda permite que os
Estados recorram à Corte para questionar dúvidas acerca de aplicação da
legislação de direitos humanos entre outros (RAMOS, 2018).
Da sentença da Corte advém as obrigações dos Estados que são
julgados, podendo haver obrigações de fazer, não fazer e de dar. Podem dizer
respeito a necessidade do Estado de indenizar a vítima, como também de
adequar a legislação interna, ou até mesmo da necessidade de se adotar
determinadas políticas públicas visando que aquele direito humano violado
seja garantido e promovido em âmbito nacional (RAMOS, 2018).
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A Corte, dessa forma, apresenta-se como importante Tribunal de
Direitos Humanos, e tem função de orientar Estados e julgá-los, de forma a
garantir ao máximo que os Direitos Humanos sejam antes promovidos, mas,
se violados, sejam protegidos e reparados. Essa função permite com que haja
no continente americano ambiente favorável para criarem-se valores de
direitos humanos dentro dos países e até mesmo entre eles, por meio de uma
relação
de
solidariedade
e
igualdade.
Do
nascimento
do
Sistema
Interamericano é que muitos Estados alteraram leis internas, no que tange,
por exemplo, abolição de penas de morte, ou com leis discriminatórias de
populações em situação de vulnerabilidade.
A partir dessa ótica, pode-se avaliar o papel da Corte em seu
julgamento em casos de violações de direitos humanos e interpretar os
aspectos positivos e negativos dos Estados diante de casos em que figurem
no
polo
passivo
dessas
Ações.
Em
vista
disso,
o
Controle
de
Convencionalidade apresenta-se como importante instrumento jurídico
internacional nesse campo por permitir que os profissionais que atuam na
área jurídica observem para o cumprimento do Estado brasileiro com as
normas internacionais, isto é, assim como as normas internas brasileiras
devem estar em consonância com a Constituição Federal, haja vista a
hierarquia de normas, o Brasil deve atentar-se também aos Tratados e
Convenções Internacionais dos quais é parte, isto por meio do controle de
convencionalidade (GUERRA, 2020).
Assim, pode-se pensar em um controle de convencionalidade a partir
do momento em que o Brasil estabelece relações jurídicas internacionais com
os demais países. O Brasil, com relação aos Direitos Humanos viu-se
obrigado a cumprir voluntariamente com normas internacionais, desde o
momento em que assinou e ratificou diversos Tratados. Isto é, todo o
processo histórico de incorporação de normas protetivas de direitos humanos
no direito interno brasileiro remonta ao século passado, cujo período foi
marcado principalmente pela movimentação internacional de proteção e
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promoção dos direitos humanos. A partir daí nascem inúmeros tratados e
convenções que protegem os direitos humanos, bem como os próprios
Estados nacionais se movimentam para incorporar essas leis, e isto não foi
diferente para o Brasil (GUERRA, 2020).
Com efeito, o controle de convencionalidade permite que seja
verificado o cumprimento do Estado brasileiro com suas obrigações
internacionais,
e
isto
engloba
as
próprias
decisões
de
Tribunais
Internacionais, como a Corte Interamericana. Na medida em que o Brasil
reconhece a jurisdição da Corte, ao permitir que ela cumpra com sua função
consultiva e contenciosa, o próprio Brasil obriga-se, voluntariamente, a
respeitar e cumprir com as decisões proferidas pela Corte nos casos
apreciados por ela (GUERRA, 2020).
O
advento
da
Constituição
de
1988,
com
o
processo
de
redemocratização, permitiu que o ordenamento jurídico brasileiro se
tornasse mais complexo e completo do ponto de vista das relações entre as
normas e da ampla proteção de direitos, tanto os direitos individuais, como
os sociais, políticos, civis, coletivos. Com a incorporação dos Tratados
Internacionais e com a aproximação do Brasil com os Direitos Humanos, o
sistema jurídico nacional tornou-se um sistema composto por normas
supraconstitucionais,
constitucionais,
leis
ordinárias,
supralegais
(GUERRA, 2020).
Em estudo específico sobre o tema, foi assentado a relação que se
estabelece entre o direito internacional e o direito interno, no sentido de
pensá-los em uma forma harmônica, isto é, ao trabalhar em conjunto com
um sentido em comum, haja vista que na prática sempre existiu conflitos
entre o direito internacional e o direito interno, quando do contraste com os
interesses internos dos Estados. De outro lado é importante enfatizar o
caráter jus cogens dos direitos humanos na ordem internacional, que
permite garantir os direitos humanos como universal, impondo ao Direito
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internacional o reconhecimento de que todo ser humano tem seus direitos
humanos e ninguém pode ser privado de seus direitos (GUERRA, 2020).
Assim é possível que no direito brasileiro seja feito o controle de
constitucionalidade e também o controle de convencionalidade, tanto no
controle difuso como concentrado. E isto marca importante passo do
ordenamento jurídico brasileiro no que se refere a dignidade da pessoa
humana e dos objetivos que o país se vinculou quando da ratificação de
tratados e convenções, bem como da feitura da Constituição Federal, de
1988 (GUERRA, 2020).
Do
analisado
neste
ponto,
conclui-se
que
o
controle
de
convencionalidade é instrumento que pode e deve ser utilizado para verificar
o compromisso e o cumprimento do Estado brasileiro com as decisões
proferidas pela Corte Interamericana, ou seja, se os profissionais do Direito
que atuam nos poderes constituídos do Estado (Judiciário, Executivo e
Legislativo) atentam-se para o cumprimento das normas e decisões
internacionais.
3. Análise do Caso Favela Nova Brasília e a violência
policial no Rio de Janeiro
O objeto desta pesquisa atenta-se principalmente para a Sentença
proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Favela
Nova Brasília. É por meio dela que é possível compreender a postura do
Ministério Público diante do caso, com atenção as funções atribuídas a ele
pela Constituição Federal, e permite entender como é o contexto da violência
policial dentro da própria cidade do Rio de Janeiro.
O estudo da sentença permitirá verificar o uso do controle de
convencionalidade pelo Estado brasileiro para cumprir com todas as
determinações contidas na decisão. Dentro desse aspecto, será verificada a
postura do Ministério Público, enquanto órgão capaz de fazer uso deste
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controle de forma a cumprir com as determinações atribuídas a ele por uma
decisão internacional.
A Sentença do Caso Favela Nova Brasília proferida em 16 de fevereiro
de 2017, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, diz respeito as
falhas de demoras na investigação e punição dos policiais responsáveis pelas
execuções extrajudiciais que ocorreram na Favela Nova Brasília, nos anos de
1994 e 1995. A execução resultou na morte de 26 pessoas; ademais, três
mulheres foram vítimas de tortura e atos de violência sexual por parte dos
próprios agentes policiais (CORTE IDH, 2017).
O presente caso foi apresentado à Corte Interamericana somente em
19 de maio de 2015, após tramitação na Comissão Interamericana. De forma
breve, o processamento do caso na Comissão se deu pela apresentação de
petição elaborada pelo CEJIL e pela Human Rights Watch Americas, já no
ano de 1995 e 1996, logo após o ocorrido. A apresentação do caso à Corte
pela Comissão se deu pelo fato de que o Basil continuou omisso as
investigações e punições, mesmo após o processamento do caso diante da
Comissão (CORTE IDH, 2017).
A própria sentença faz um estudo sobre a violência policial no Brasil,
principalmente com foco na cidade do Rio de Janeiro, ao levantar aspectos
do funcionamento e da postura do Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro, do Judiciário e da Polícia, aspecto fundamental para compreender o
presente caso e para analisar os motivos pelos quais até o momento da
análise do caso pela Corte os policiais não foram condenados a nenhum dos
crimes (CORTE IDH, 2017).
Foram especificados na sentença a peculiaridade de cada incursão
policial na Favela Nova Brasília, sendo que a do ano de 1994, em 18 de
outubro, entre 40 e 80 policiais civis e militares foram os responsáveis por
realizar a incursão. Deste número, apenas 28 foram identificados,
entretanto, todos participaram da operação policial. Dos fatos se extrai que
cinco casas foram invadidas e os policiais dispararam contra as pessoas
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indiscriminadamente, tendo em seguida levado os corpos para a praça
principal. Não suficiente, em duas das casas invadidas, os policiais
cometeram o ato de violência contra as mulheres, sendo que duas eram
menores de idade à época, tendo entre 15 e 16 anos (CORTE IDH, 2017).
Nesta operação, a polícia fez como vítima 13 homens, dentre eles
quatro crianças, e a Sentença cuidou de identificar os ferimentos realizados
pela polícia em cada um deles, conforme consta no parágrafo 116 da
sentença (CORTE IDH, 2017):
Alberto dos Santos Ramos, 22 anos (três ferimentos a bala no peito
e um no braço esquerdo); André Luiz Neri da Silva, 17 anos (um
ferimento a bala nas costas, um na parte esquerda do abdômen, um
na mão esquerda, um no pulso direito e um no braço direito);
Macmiller Faria Neves, 17 anos (um ferimento a bala na parte de
trás da cabeça, um na região temporal esquerda, um no rosto e um
no ombro esquerdo); Fábio Henrique Fernandes, 19 anos (oito
ferimentos de bala na parte de trás do pescoço, seis ferimentos de
bala na parte de trás da perna direita e um ferimento a bala na
coxa esquerda); Robson Genuíno dos Santos, 30 anos (dois
ferimentos a bala no abdômen e no peito); Adriano Silva Donato, 18
anos (três ferimentos a bala nas costas, na região temporal direita
e no braço direito); Evandro de Oliveira, 22 anos (um ferimento a
bala nas costas e duas nos olhos - um em cada olho); Alex Vianna
dos Santos, 17 anos (dois ferimentos a bala na orelha e no peito);
Alan Kardec Silva de Oliveira, 14 anos (dois ferimentos a bala na
região temporal direita e na coxa direita); Sérgio Mendes Oliveira,
20 anos (nove ferimentos a bala na boca, no pescoço, no abdômen
direito, no ombro esquerdo, na coxa direita, no quadril esquerdo, na
nádega direita e dois na nádega esquerda); Ranílson José de Souza,
21 anos (três ferimentos a bala no olho esquerdo, na face esquerda
e na parte de trás do crânio); Clemilson dos Santos Moura, 19 anos
(dois ferimentos a bala na região temporal direita e um no braço
direito); e Alexander Batista de Souza, 19 anos (um ferimento a
bala nas costas e dois no ombro direito).
A incursão policial de 1995 fez novas vítimas, somando 26 mortos.
Nessa nova incursão, cerca de 14 policias civis entraram na Favela.
Diferentemente do primeiro, esta operação apresentava o suposto objetivo de
deter carregamento de armas que seria entregue a traficantes naquele local.
Neste dia 13 homens foram mortos, conforme parágrafo 119 da sentença
(CORTE IDH, 2017):
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Cosme Rosa Genoveva, 20 anos (três ferimentos a bala no peito,
um no joelho, um no pé e um na coxa); Anderson Mendes, 22 anos
(um ferimento a bala na nádega direita e dois na caixa torácica
esquerda); Eduardo Pinto da Silva, 18 anos (vários ferimentos a
bala no peito); Nilton Ramos de Oliveira Júnior, 17 anos (dois
ferimentos a bala no peito); Anderson Abrantes da Silva, 18 anos
(um ferimento a bala na região temporal direita); Márcio Félix, 21
anos (um ferimento a bala no peito, dois na coxa superior esquerda,
dois nas costas, um no ombro esquerdo, dois no lado direito inferior
das costas, um na mão direita e um na mão esquerda); Alex
Fonseca Costa, 20 anos (um ferimento a bala no pescoço, um no
peito esquerdo, um na coxa superior direita, um no joelho direito);
Jacques Douglas Melo Rodrigues, 25 anos (um ferimento a bala na
região frontal direita, um no queixo, um na parte superior direita
do peito e um no ombro direito); Renato Inácio da Silva, 18 anos
(um ferimento a bala na zona temporal esquerda e um no peito);
Ciro Pereira Dutra, 21 anos (um ferimento a bala nas costas, perto
do ombro esquerdo); Welington Silva, 17 anos (um ferimento a bala
no peito e uma no ombro direito); Fábio Ribeiro Castor, 20 anos
(um ferimento a bala no pescoço, dois no peito e um no abdômen); e
Alex Sandro Alves dos Reis, 19 anos (dois ferimentos a bala no
peito e um no braço esquerdo).
Resumidamente, após as operações policiais que culminaram na
morte das 26 pessoas e na violência sexual contra as três mulheres, o Estado
brasileiro se manteve inerte por diversos motivos: as investigações policiais
foram realizadas pela mesma delegacia de Polícia que deflagrou as
operações; o Ministério Público do estado do Rio de Janeiro manteve-se
inerte em investigar e realizar sua função de fiscalização da atividade
policial, e os processos produzidos contra o Estado restaram infrutíferos, sob
argumento de que não havia sido comprovado que o crime foi cometido por
funcionário público (CORTE IDH, 2017).
Pode-se dizer que foram ações e omissões dos mais diversos âmbitos
do Estado que fizeram com que as investigações demorassem e não
apresentassem êxito, de forma que os policiais permaneceram impunes e
sem qualquer condenação, seja administrativa ou judicial.
Um dos aspectos principais da investigação do Estado que na
realidade eram ações para sua inércia em punir, foi a utilização do termo
“autos de resistência à prisão”, cujo termo foi usado nos relatórios da
investigação e que fizeram com que todo o restante fosse prejudicado. Essa
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situação foi agravada pelo uso do termo “resistência seguida de morte”, para
tratar das pessoas executadas como se tivessem reagido aos policiais. Assim,
os homicídios perpetrados pela polícia eram legais (CORTE IDH, 2017).
Diante da omissão do Estado, dos agentes do Ministério Público, das
polícias e do próprio Judiciário, a Corte proferiu sentença no sentido de:
declarar que o Estado foi responsável pela violação do direito às garantias
judiciais de independência e imparcialidade nas investigações, devida
diligência e prazo razoável, violando o artigo 8.1 e artigo 1.1 da Convenção 4.
Foi decidido também que o Estado foi responsável pela violação do direito à
proteção judicial, em vista da inércia do Judiciário. Ainda, houve a violação
do direito à integridade pessoal, artigo 5.1 5 da Convenção com relação a
algumas vítimas e, com relação a outras foi reconhecido a não violação deste
dispositivo. Foi decidido que o Estado não violou o direito de circulação e
residência, artigo 22.16 da Convenção (CORTE IDH, 2017).
As sentenças da Corte Interamericana, de forma geral, são bem
completas, demonstrando de forma clara todos os pontos cruciais de cada
caso, de forma a ponderar a respeito de todos os aspectos e singularidades
das situações. Assim, a Corte no caso Favela Nova Brasília demonstrou a
relação das atitudes do Estado brasileiro com o caso juntamente com as
problemáticas sociais que o circundam, como é a questão da violência
policial no Brasil – de forma geral - que ultrapassa a ocorrência de um caso
Artigo 1. Obrigação de Respeitar os Direitos. 1.Os Estados Partes nesta Convenção
comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e
pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por
motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza,
origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
Artigo 8. Garantias Judiciais. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e
dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra
ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal
ou de qualquer outra natureza
5 Artigo 5 Direito à integridade pessoal. 1.Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua
integridade física, psíquica e moral.
6 Artigo 22. Direito de circulação e residência. 1. Toda pessoa que se ache legalmente no
território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir em conformidade com as
disposições legais
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isolado, mas é fruto de um complexo processo histórico. Nessa mesma linha,
as determinações da sentença geralmente envolvem obrigações de fazer, não
fazer e de indenizar dos Estados, objetivando transformações efetivas que
incentivem o crescimento de uma cultura voltada para os direitos humanos.
Foram as determinações da Corte ao Estado brasileiro: 1) Condução
eficaz da investigação com a devida diligência e obediência a celeridade
processual; 2) Deve oferecer de forma gratuita apoio psicológico e
psiquiátrico para as vítimas; 3) Deve publicar a sentença; Deve publicar
relatório anual com os dados relativos às mortes ocasionadas durante
operações policiais em todo país; 4) Deve criar mecanismos normativos
necessários em situação de incursão policial com morte, para que os policias
sejam vistos como possíveis acusados; 5) Deve o Estado adotar medidas para
que o Rio de Janeiro tenha metas na diminuição da violência policial; 6)
Políticas voltadas para atendimento de mulher vítima de violência sexual; 7)
Medidas legislativas para que as vítimas e familiares participem das
investigações conduzidas pela polícia e pelo MP; 8) Utilizar a expressão
“lesão corporal ou homicídio decorrente de intervenção policial” no lugar da
antiga expressão usada; 9) Restituição ao fundo de Assistência Jurídica as
Vítimas, da Corte, que foi desembolsada; 10) Pagamento de indenização por
dano imaterial; 11) Deve apresentar relatório, no prazo de um ano, sobre as
medidas adotadas para o cumprimento; 12) A Corte enquanto Tribunal irá
acompanhar o cumprimento (CORTE IDH, 2017).
Isto é, a própria Corte reconheceu os problemas sociais estruturais
brasileiros em suas determinações, de forma que busca determinar medidas
capazes de garantir, com mais eficácia, os Direitos Humanos, por meio da
transformação da estrutura jurídica e social brasileira. São diversos os
pontos de problemáticas acerca da conjuntura social brasileira, de um lado
tem-se um ordenamento jurídico atualmente baseado na ampla proteção dos
direitos humanos, de outro lado, o debate acerca do punitivismo estatal, a
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exemplo da violência policial, tem crescido diante da realidade que se
enfrenta.
De forma simplificada, pode-se verificar que no Brasil há posturas
contraditórias entre o processo de redemocratização brasileira e o aumento
do punitivismo estatal nos últimos governos. A complexidade dos processos
históricos brasileiros no que concernem ao âmbito social, econômico e
político, são os fatores que resultam no Estado Democrático atualmente
existente (PASTANA, 2013). Exemplo disso é a letalidade policial, objeto do
presente caso estudado, posicionando-se o Brasil em um dos países com a
maior taxa de violência policial no mundo (BUONO, MAZZA, ROSSI, 2019),
estando a cidade do Rio de Janeiro entre as mais violentas dentro do país7.
Dito isso, a própria Corte IDH conhece de tais questões, enquanto sua
função é justamente proteger e promover os direitos humanos na América.
Nesse sentido, ao longo da sentença, a Corte pondera a respeito destas
questões estruturais, demonstrando claramente os pontos de negligência por
parte do Estado, principalmente com relação ao Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro, órgão que foi crucial para a manutenção do caso
sem solução ao longo de todos estes anos (CORTE IDH, 2017). Deixa-se
claro, portanto, as questões que circundam a violência policial brasileira,
principalmente na cidade do Rio de Janeiro, na medida em que a Corte
analisa profundamente a postura do Estado da cidade do Rio, tanto no
âmbito do Ministério Público, como a Polícia e o Judiciário. Assim o é, pois
mesmo que a atuação da Polícia e do Ministério Público guarde certa
homogeneização nacional em virtude da Constituição, de outro lado cada
Pode-se verificar tais dados por meio das notícias veiculadas em diferentes veículos de
informação do país, fruto do amplo debate e pesquisas acerca desta problemática, tais como:
GLOBO, “RJ tem uma das taxas de letalidade policial mais altas do país; veja ranking”,
disponível
em:
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/11/23/rj-tem-uma-dastaxas-de-letalidade-policial-mais-altas-do-pais-veja-ranking.ghtml. E também: CNN, “RJ:
Relatório aponta que violência em operações policiais cresceu em 2021”, disponível em:
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/rj-relatorio-aponta-que-violencia-em-operacoespoliciais-cresceu-em2021/#:~:text=O%20Fogo%20Cruzado%20contabilizou%20em,Metropolitana%20do%20Rio%
2C%201.084%20morreram. Acesso em 29 de janeiro de 2022.
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Estado brasileiro tem suas especificidades, nesta linha, o Ministério Público
enquanto órgão autônomo, guarda autonomia de certas funções em cada
estado, a exemplo da função de investigação da atividade policial.
Com relação a devida diligência nas investigações das duas incursões
policiais, a Corte verificou que houve corrupção dentro do órgão da polícia,
como mesmo do próprio Ministério Público. Em vista das atribuições do
Ministério Público, cumpre destacar que ele faltou com sua função de
vigilância das atividades policiais, tendo arquivado o caso com o seguinte
fundamento: “Em 1o de outubro de 2009, o Ministério Público solicitou o
arquivamento do caso “em razão da inevitável extinção da punibilidade pela
prescrição” (CORTE IDH, 2017).
Com a emissão do Relatório da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, n° 141/11, o Ministério Público desarquivou o relatório acerca do
caso e, em 16.05.2013, iniciou ação penal contra seis envolvidos na operação
da Favela Nova Brasília. A investigação judicial deu continuidade por pouco
tempo, devido à dificuldade de citar os investigados. Ainda, até o momento
da prolação da sentença pela Corte, esta ponderou que não havia sido
punido nenhum dos envolvidos, destaca-se o seguinte trecho da sentença,
nos parágrafos 205 e 208 respectivamente (CORTE IDH, 2017):
O prolongado decurso de tempo sem avanços substantivos na
investigação provocou, eventualmente, a prescrição, que foi
resultado da falta de diligência das autoridades judiciais sobre as
quais recaía a responsabilidade de tomar todas as medidas
necessárias para investigar, julgar e, oportunamente, punir os
responsáveis,239 e, como tal, é uma questão atribuível ao Estado.
(...) É igualmente importante observar que, num contexto de alta
letalidade e violência policial, o Estado tinha a obrigação de agir
com mais diligência e seriedade no presente caso. Os exames
cadavéricos mostravam um altíssimo percentual de vítimas mortas
com grande número de disparos a curta distância. Com efeito, uma
das vítimas foi assassinada com um disparo em cada um dos olhos.
O papel do Ministério Público nesse ponto é fundamental, pois ele foi
quem arquivou o inquérito, descumprindo com sua função de controle
extrajudicial da atividade policial. Não somente, os atrasos em todos os
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pontos da investigação, tanto no ponto inicial da investigação dentro da
polícia, mas mesmo diante da atuação do Ministério Público, assim como a
demora na investigação, gerou danos imensuráveis para as próprias famílias
das vítimas que ficaram, por longos anos, em uma situação de constante
incerteza sobre o caso, tendo também seus próprios direitos violados, de
acesso à justiça, do devido processo legal e da celeridade processual.
O que concluiu a Corte é que foram diversos os atores que atuaram de
forma conjunta para que a investigação do caso não tivesse fechamento, isto
envolveu a atuação da Polícia brasileira, juntamente com o Ministério
Público e até mesmo o Judiciário (CORTE IDH, 2017). Deste ponto é que,
retomando ao controle de convencionalidade, vê-se na realidade que foi
instrumento não utilizado, haja vista que em nenhum momento ao longo de
todos os anos o Estado Brasileiro cumpriu, primeiramente com suas
obrigações determinadas pelo direito interno, mas depois descumpriu com
suas obrigações oriundas das normas internacionais (a exemplo da
Convenção Americana de Direitos Humanos), somatizando ainda com a falta
de cumprimento das determinações da Comissão Interamericana e, depois,
da Corte.
A atuação do Ministério Público, neste ponto, foi determinante para
que o caso nunca fosse solucionado, corroborando e mantendo a alta
violência policial na cidade do Rio de Janeiro. A partir da elaboração de
qualquer decisão da Corte, é feito um acompanhamento por parte deste
Tribunal para averiguar o cumprimento da sentença pelos Estados, isto é, a
Corte, dentro de suas funções para com os Direitos Humanos, não cabe
somente a ela julgar casos, mas efetivamente verificar se suas decisões estão
sendo cumpridas. Assim, tendo sido proferida a sentença do presente caso
em 2018, a partir desta data cabe a Corte acompanhar como será a postura
do Estado brasileiro. Neste ponto, no ano de 2021 foi publicado a Supervisão
de Cumprimento da Sentença, momento em que a Corte, em audiência
pública realizada no Brasil, pode ouvir os representantes das vítimas, o
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Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Nacional de Justiça,
como “outras fontes de informações” que permite apreciar o cumprimento da
decisão, nos moldes do artigo 69.2 do Regulamento Interno da Corte
(CORTE IDH, 2021).
De forma breve, alegou o Estado brasileiro de que as medidas de
cumprimento da sentença estavam sendo tomadas, tanto o cumprimento de
publicação da sentença, como pagamento de indenizações, mas bem como o
cumprimento da determinação da Corte de adoção de medidas para
investigação ser feita por órgão autônomo e independente, sob alegação de
que estava em trâmite perante o Legislativo a aprovação de leis que
alterariam o Código de Processo Penal e algumas atribuições do Ministério
Público. Nesta mesma medida, o próprio Ministério Público alegou que
algumas medidas pendiam de cumprimento pois dependiam da aprovação de
tais leis pelo Legislativo (CORTE IDH, 2021).
De outro lado, pontuou de forma certeira os representantes das
vítimas de que a própria Constituição Federal brasileira guarda preceituado
a independência funcional do Ministério Público, bem como a atribuição de
fiscalização da atividade externa policial. O único ponto destacado é a não
obrigatoriedade da investigação da atividade policial, de forma que cabe a
cada Ministério Público estadual as definições e estruturação desta sua
atribuição, conforme reconheceu o Supremo Tribunal Federal. Neste ponto, o
Ministério Público do estado do Rio de Janeiro não tinha antes como
obrigatório tal atribuição, na mesma linha, defendeu-se alegando que havia
sido criado Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública – criado
em 2015, mas desfeito em 2021 (CORTE IDH, 2021).
Tendo ouvido a Corte os pontos trazidos pelo CNJ e CNMP, chegou à
conclusão de que apenas as medidas de publicação e difusão da sentença e
pagamento do montante a título de indenização foram devidamente
cumpridos, pendente de cumprimento as medidas de adoção de leis e
políticas públicas para diminuir a letalidade policial, e a definição e
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estruturação de órgão independente e autônomo para investigação da
violência policial, bem como pendente de ser cumprido em todo território
nacional a extinção do uso do termo “oposição” ou “resistência” para se
referir as vítimas quando da atuação violenta da polícia (CORTE IDH,
2021).
Isto é, torna-se possível ver a lenta atuação do corpo do Estado
brasileiro para fazer-se cumprir com as determinações da sentença, com foco
para o Ministério Público que, mesmo tendo por força constitucional a
função de fiscalização da atividade policial, encobriu-se na alegação de que
dependia de aprovação de leis pelo Legislativo. Neste ponto, vê-se as
influências para que a violência policial na cidade do Rio de Janeiro
mantenha-se como uma das mais altas do país.
A partir dessa primeira análise, o próximo ponto corresponde a
dialética entre a sentença e o controle de convencionalidade com as funções e
atribuições do Ministério Público brasileiro, com atenção especial para sua
função de controle extrajudicial da atividade policial.
4. O Ministério Público e o controle de convencionalidade
sob o olhar do controle externo da atividade policial
É primordial relembrar que a instituição Ministério Público como se
apresenta remonta a revolução Francesa, momento em que passou a ser
protetor dos interesses sociais, consolidando-se como importante órgão com
a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (ÁVILA, 2016).
Sua criação foi fundamental para que se difundisse no Ocidente essa
nova instituição como protetora de direitos coletivos, de forma que cada país
que o recebeu incorporou à sua forma no direito doméstico. No caso do
Brasil, o Ministério Público veio a ser consagrado com a Constituição de
1988 (BRASIL, 1988)8, com uma estrutura pautada na defesa dos direitos
8 A Constituição brasileira de 1988 deu ao Ministério Público a importante função de ser o
protetor do estado democrático de direito, da ordem jurídica e dos interesses sociais e
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humanos que o tornou um dos Ministérios Públicos mais modernos (ÁVILA,
2016).
O fato de o Ministério Público brasileiro deter de autonomia funcional
faz com que ele tenha prerrogativas semelhantes às dos demais poderes,
mesmo não sendo considerado como um Quarto Poder, atendo-se o sistema
jurídico nacional ao Executivo, Legislativo e Judiciário. De outro lado, o
Ministério Público, por deter funções tão importantes, tendo sido qualificado
como órgão essencial à Justiça, o faz ser de uma relevância tão grande que
sua existência é garantia também das bases da Constituição (ÁVILA, 2016).
Isto é, o Ministério Público brasileiro é consequência das opções que o
Estado Brasileiro tomou quando da sua redemocratização e aproximação
com os Direitos Humanos, quando se torna signatário de quase todos os
tratados de Direitos Humanos, tanto no âmbito das Nações Unidas, como da
Organização dos Estados Americanos. Dentro da primazia dos Direitos
Humanos, basilar do nosso ordenamento jurídico, o Ministério Público
atualmente desempenha papel tanto na defesa dos direitos por meio do
ajuizamento de ações perante o Judiciário, mas muito além, também busca
novos instrumentos de solução modernizando-se (MAZZUOLI et al, 2021).
Em vista disto, questiona-se o papel do Ministério Público quando do
cumprimento e de se fazer cumprir as leis nacionais, mas também de
atentar-se às normas internacionais de Direitos Humanos, atuando com
proximidade
do
controle
de
constitucionalidade
e
controle
de
convencionalidade (MAZZUOLI et al, 2021).
A Corte Interamericana adotou importantes decisões nesse sentido, ao
prevalecer em suas sentenças a ideia de que todos os órgãos do Estado
individuais indisponíveis, conferindo a ele autonomia para sua atuação, de forma que se
assegura assim segurança jurídica e ampla proteção aos Direitos Humanos, não devendo ele
qualquer dependência com os demais poderes constituídos. Tais funções estão dispostas no
artigo 127 que assim disciplina: Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. §1º - São princípios
institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência
funcional.
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devem se atentar para os tratados de direitos humanos, cita-se como
exemplo o julgamento do caso Gelman vs. Uruguai e caso Cabrera Garcia e
Montiel Flores vs. México, no qual a Corte pontuou que o Estado, enquanto
signatário de um tratado, todos os órgãos, incluindo os juízes, devem velar e
submeterem-se as normas internacionais de direitos humanos (MAZZUOLI
et al, 2021).
Nessa esteira, o controle de convencionalidade realizado no âmbito
difuso é diferente do concentrado, e isso é importante na medida em que o
primeiro significa que os órgãos que realizam este controle difuso não
expurgam a norma inconvencional do ordenamento jurídico, eles têm a
competência de reconhecer a inconvencionalidade e, então, os órgãos
reguladores tomam as medidas para que seja feita a compatibilidade. De
outro lado, os órgãos no âmbito concentrado, quais sejam os órgãos da
Justiça, tem a competência de tirar essa norma inconvencional. Deste ponto,
percebe-se que um controle de convencionalidade feito pelo Ministério
Público não seria o mesmo que um outro órgão (MAZZUOLI et al, 2021).
Há estudos em que se tem ponderado a respeito da importante
distinção
entre
aferição
de
convencionalidade
e
controle
de
convencionalidade por parte do Ministério Público. Isto é, aferição é quando
o Parquet verifica a (in)compatibilidade da norma doméstica com a norma
internacional, mas sem invalidar a norma doméstica, o controle, entretanto,
é a efetiva ação do Ministério Público para que a norma doméstica
inconvencional seja assim retirada do ordenamento jurídico por meio dos
caminhos legais que a legislação brasileira tem (MAZZUOLI et al, 2021).
A amplitude da atuação do Ministério Público é de se colocar em
destaque, haja vista suas funções quando da proteção dos direitos humanos
e da democracia dentro do aspecto processual, mas muito além desse
aspecto, o mundo extraprocessual para o Parquet é enorme, e muito debatese a respeito de suas potencialidades dentro da sociedade. Pode-se pensar o
Ministério Público enquanto fundamental para formulação e implementação
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de políticas públicas, por meio do controle das decisões das autoridades e da
averiguação com a normativa dos direitos humanos (SILVA, 2016).
Nesse cenário,
o controle externo da
atividade policial que
desempenha o Parquet entra nesse ramo extenso de funções que ele tem. Da
sentença da Corte Interamericana no caso Favela Nova Brasília, ora
analisada, é possível ver a alta relevância da atuação do Ministério Público
quando se analisa as consequências negativas que o desdobramento do caso
teve quando da inércia dele, a própria Sentença diz em seu parágrafo 209
(CORTE IDH, 2017):
(...) Por outro lado, ainda que a atuação da polícia tenha sido
coberta de omissões e negligência, outros órgãos estatais tiveram a
oportunidade de retificar a investigação e não o fizeram. Em
primeiro lugar, a Corregedoria da Polícia Civil mostrou ser incapaz
de conduzir a investigação a partir de 2002. A esse respeito, o
perito João Trajano destacou que há fortes indícios de que esse
órgão privilegie o espírito corporativo e se concentre em averiguar
problemas administrativos ou disciplinares, e não priorize graves
denúncias de violações de direitos humanos e abuso da força no
cumprimento de suas funções. Em resumo, o perito afirmou que as
corregedorias “não conseguem dar conta de sua missão
investigadora e punitiva”.241 Além disso, o Ministério Público
tampouco cumpriu sua função de controle da atividade de
investigação da polícia, e aprovou o arquivamento do inquérito sem
verificar a completa falta de diligência e de independência nele
presente durante mais de uma década (...).
No caso, o Ministério Público foi o responsável por manter o caso
arquivado por mais de uma década, mesmo tendo sido alertado pela
Comissão Interamericana, conforme já anteriormente falado na pesquisa,
acerca da necessidade e obrigação de investigação do assassinato das vinte e
seis pessoas cometido pelos policiais do Rio de Janeiro. Não somente, mesmo
em
momento
posterior
a
sentença,
verificou-se
na
Supervisão
de
Cumprimento pela Corte de que o Ministério Público na realidade não
implementou as medidas determinadas na decisão, sob argumento de que
haveria de ser criada nova lei para que fosse alterado o Código de Processo
Penal para que então pudesse efetivamente cumprir o disposto na sentença
(CORTE Idh, 2021).
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Neste cenário, é essencial a menção da Corte acerca da problemática
da violência policial no Brasil, problema social tão eminente e que carece há
décadas de atenção do Estado. Vê-se que se tem uma estrutura jurídica
capaz de proteger formalmente os Direitos Humanos, sendo o Brasil,
conforme já acima mencionado, grande referência em virtude dos pontos
basilares da Constituição de 1988, tendo consagrado o Ministério Público
como órgão autônomo e protetor dos direitos humanos e da democracia, além
de ser um dos países que mais ratificou tratados de direitos humanos.
Para além disso, este tópico da pesquisa procurou demonstrar o
importante avanço que o ordenamento jurídico brasileiro deu ao reconhecer
o instrumento do controle de convencionalidade e de reconhecer a função
jurisdicional da Corte Interamericana, ao reconhecer a universalidade dos
direitos humanos e o caminho internacional numa cultura cada vez maior de
proteção a esses direitos. E nesse aspecto, foi destacado a possibilidade do
uso do controle de convencionalidade por todos os órgãos do Estado – na
realidade trata-se de dever do uso desse instrumento para submissão às
normas internacionais de direitos humanos.
De um lado tem-se as potencialidades do Parquet para atuar ao fazer
uso do controle de convencionalidade 9 , atentando-se também para suas
funções processuais e extraprocessuais, de forma a atender sua função base
de órgão essencial à justiça e, também, enquanto órgão ao qual incumbi-lhe
a defesa da democracia e dos direitos humanos. De outro lado, tem-se a
prática do Parquet, verificada pela Corte IDH quando da análise do caso
Favela Nova Brasília.
O que se verifica é que o controle de convencionalidade é instrumento
de extrema relevância, principalmente quando se pensa no alcance do seu
uso para que as normas domésticas estejam em consonância com as normas
internacionais, podendo ser verificadas e analisadas por todos os órgãos do
9 Ou aferição de convencionalidade, conforme preceituado acima, com base nos estudos
demonstrados: MAZZUOLI, 2021.
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Estado, não se atendo estritamente para a figura do juiz. O Ministério
Público, diante de sua essencial função a democracia e aos direitos humanos,
tem um vasto caminho de potenciais atuações processuais e, principalmente,
extraprocessuais, de forma que pode, e deve, usar do controle de
convencionalidade dentro de suas atribuições. Contraditório a teoria
discutida, a própria sentença analisada demonstra uma realidade distante
do ideal. Neste ponto, foi imperiosa a atuação da Corte na apreciação do
caso, atentando-se para estabelecer obrigações ao Estado brasileiro
objetivando a proteção dos direitos humanos na prática.
Do exposto acima, vê-se que o Brasil tem um bom cenário em seu
ordenamento jurídico baseado inteiramente nos direitos humanos, ao
estruturar o Ministério Público como um dos mais modernos no mundo todo,
fazendo-se
valer
também
do
controle
de
constitucionalidade
e
convencionalidade, de forma a estar de acordo com as mudanças modernas
ocorridas no seio do Direito. Contrapõe-se a isso o alto punitivismo estatal
que culmina em uma das polícias mais violentas, associado também a
violência institucional em outros órgãos do Estado, como o próprio
Ministério Público que, diante do caso Favela Nova Brasília, não apenas
corroborou com a violência policial, como de fato contribuiu para que o caso
permanecesse impune até que a Corte o julgasse.
Os desafios, portanto, parecem ater-se nas mais diversas formas que
pode o Ministério Público superar as contradições fruto do processo histórico
brasileiro, para que consiga exercer plenamente sua função. Isto é, dentro da
ótica do controle de convencionalidade aqui tanto discutido, pode o
Ministério Público ter-se valido desse instrumento para controlar e
averiguar desde o início do caso Favela Nova Brasília as ações e omissões da
polícia, atentando-se as leis internas e internacionais, de forma que teria
sido capaz de tomar medidas cabíveis e necessárias para o efeito controle de
tais atos que culminaram tanto na morte das 26 pessoas na incursão
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policial, bem como do processo investigatório, tanto extrajudicial, como após,
podendo também ter sido mais colaborativo com a Corte IDH.
5. Conclusão
O presente estudo teve o objetivo de trazer a partir do Caso Favela
Nova Brasília apreciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos,
analisar o papel do Ministério Público na manutenção da violência policial,
com foco na cidade do Rio de Janeiro. Neste ponto, a pesquisa trabalha o
conceito de controle de convencionalidade, com o intuito de compreender o
papel do Estado e de seus órgãos na compatibilização de suas normas e atos
com os tratados.
O tema, que se apresenta de forma ampla e complexa, e que por isso
mesmo enseja ampla discussão, se propôs a promover análise relevante em
razão da contraditória realidade brasileira, em que coexistem normas
referência na ampla proteção aos direitos humanos e um dos maiores índices
de violência policial no mundo.
Em vista disto, a pesquisa cuidou de trazer o contexto histórico de
criação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos para na sequência
analisar a sentença do caso Favela Nova Brasília, momento no qual foi
possível entender o papel do Ministério Público no caso para a manutenção
da violência policial, na medida em que foi o próprio Ministério Público que
dificultou a investigação dos policiais que causaram a morte de 26 jovens e
violência sexual contra 3 mulheres. A partir daí, evidenciou-se a Supervisão
de Cumprimento da Sentença, de 25 de novembro de 2021, que permitiu
averiguar a manutenção dos diversos problemas sociais aqui contemplados,
no ponto em que se manteve o Estado brasileiro e o Ministério Público
inertes, pendendo de cumprimento dos principais pontos da sentença acerca
da violência policial, em constante corroboração com a alta taxa de violência
da polícia na cidade do Rio de Janeiro.
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Neste ponto, o controle de convencionalidade entra como importante
instrumento de verificação da compatibilidade entre as normas e atos
internos do Estado e as normas internacionais, isto é, para além das normas
domésticas estarem em consonância com a Constituição Federal, estas
normas também devem atentar-se para estarem compatíveis com os
tratados dos quais o Brasil é signatário. O Ministério Público, portanto,
guarda função também de verificar seus atos para que não viole as normas
de
direitos
humanos,
em
atenção
principalmente
a
suas
funções
institucionais, enquanto órgão fundamental para a manutenção da
democracia e promoção dos direitos coletivos.
Do diálogo entre todos estes pontos suscitados na presente pesquisa,
sabe-se que as soluções para a violência policial diante das ações e omissões
do Ministério Público são das mais diversas, isto é, não basta que existam
leis protetivas e garantidoras dos direitos humanos (como de fato já
existem), mas são necessárias mudanças em outros aspectos da estrutura
estatal. Ademais, verifica-se que existem instrumentos no plano jurídico que
possibilitam o combate da violência policial, a exemplo do controle de
convencionalidade e do controle de constitucionalidade, amplamente
utilizado nos tribunais.
O aspecto fundamental da pesquisa foi identificar que o controle de
convencionalidade não deve ser somente utilizado pelos juízes de Cortes e
dos tribunais domésticos, como também pode e deve ser usado pelo Estado
em todos os níveis e in casu pelo Ministério Público.
Este ponto é crucial para compreender que o Ministério Público deve
atentar-se para os atos de seus servidores para que garantam e promovam
os direitos humanos, tanto pelo motivo de que tem suas funções instituídas
pela Constituição Federal, mas como também pelo fato de que o Brasil é
signatário de diversos tratados de direitos humanos. Isso permite que os
próprios órgãos do Estado possam verificar seus atos e buscar promover
estes direitos, não dependendo de decisão judicial para tanto.
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Referências
ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Fundamentos do controle externo da atividade
policial. Ed D‟Plácido. Belo Horizonte. 2016
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 24
de janeiro de 2022.
CAESAR, Gabriela. RJ tem uma das taxas de letalidade policial mais altas do país;
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Artigo recebido em: 13/07/2022.
Aceito para publicação em: 09/1/2022.
Rev. Fac. Dir. | Uberlândia, MG | v. 50 | n. 1 | pp. 346-372 | jan./jun. 2022 | ISSN 2178-0498
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