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J. M. Keynes

2021

J.M.KEYNES: O TEMPO DA ECONOMIA POL!TICA Gilson Schwartz Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Economia e ( -1985- 'h' i-- "'" l ,_- ' ' ; ' t, ·--· ' ' - Planejamento Econômico do Instituto de E conomia da Universidade de Campinas, sob orientação do Prof.Dr.Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo "NÃO f O CASO DE SE CONSERVAR O PASSADO, MAS SIM DE RESGATAR AS ESPERANÇAS PASSADAS." H(lRKHEIMER/ADORNO Aos meus pais, Rosa e Luiz, de onde se vê Ao Belluzzo, Braga e ao Lima, pelo corno ver Ao ~tpos, Lagarto, Lagahto, Peixe, Ratinho e Alu, para onde , veremos (o sonho não acabou) fNDI CE PÁG. AGRAHLCIMLNTOS • • • •••••••••••••••••••••••• o • • • • • • • • • • • • • • • • • • l •••••••••••• o •••••••••••••••••••••••••••••••• o PARTE I AS CARRUAGENS DO TEMPO • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • . • • • • • 5 I - Três Dimensões do Tempo • • • • • • • • • • . • • • • • • • • • • • • • • 7 l i - Polêmica •...••.......•...•.•.••...•••........••. 10 III - Conclusão ••••••••••.••••••••••••••••••••••.••••• 35 PARTE I! O TEMPO, A ORDEM E A DESORDEM ••••.••••••••••.••••••• 38 I - Diagnóstico ..................... ~ ............... 40 II - Cone e i tos •••.•.....•••••..•.••••••.•••••••.•••.• 44- 1. Determinantes do Valor do Dinheiro ........... 44 2. Classes Sociais .............................. 54 --- III - Conclusão ........••..•......••..••.•••..•••...•. 66 PARTE III TE~JPO: AVENIDA DE ~lÃO ÜNICA •••••••••••••••••..•••.•• 68 I - Antecedentes .•...........•..........•....••....• 1. Raízes Marshallianas .•.....•..•........••..••. 2. Um Economista no País das Maravilhas: D.H.Robertson .•. II - Significado Geral do "Treatise on Money" ........ 70 70 80 92 III - Definições •• , ...•••••••••.. 1. Dinheiro .o ••o• o•o o •• 100 o o• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 101 o. o o ••••• o ••••••• o 2. Circulaçio Industrial e Financeira ..•........ 3o Renda ............•....•.. o • • • o • • • • • • • • o • • • • • • 4. Remuneração Normal dos Empresários ••••o•••··· IV - Sobreinvestimento .•.. V- As Equações Fundamentais ........••.............. 1. Derivação das Equações ......••.....••.....••. 2. A questão dos períodos ....•.....•.•...•.••.•. VI- O Poder de Gasto Capitalista .•.•..•..•......••.• 1o Definições ................................•.. 2. O Nível dos Preços dos Bens de Investimento .. 3. As Críticas de Pierre Vilar .......•.•..•..... 4. Investimento, Poupança e Lucros •••..•. S. Circulação Industrial e Financeira .••.•..•..• 6. A Teoria dos Juros .....• o •••••• o o o o o ••••••••••••••• o o. o. o. o •••••• •••••••••••••• 105 106 107 112 119 119 130 142 142 145 157 168 178 190 PARTE IV S !NTESE DO ARGUMENTO . . • . . • . . • • • • • . • • . • . • . . • . . . . . . • . . 2O2 CONCLUSÃO •••••••••••••••••••••••••••••••• ~ •••••••••• 213 ANEXO 220 •••••• o • o ••••••••••• o •••• o o ••• o BIBLIOGRAFIA •.•.•.•.. o o ••••••••••••••• •••••• o ••••••••••••• o •••• o ••• 222 i AGRADECIMENTOS Essa dissertação de mestrado deve bastante a pessoas que, desde os tempos da graduação na USP , tiveram o dom de en- sinar o que nao esti nos livros. A começar pela familia, onde se cultiva uma antiga tradição de gosto pelo conhecimento e pela crítica4 ·Na graduação em Economia, Silvia Schor soube despertar o interesse inicial por Keynes, animado· pela disposição 'de Denisard Alves em orientar o monitor. No departamento de Ciências Sociais, o seminário de metod~gia de Jeremias de Oliveira F9 propiciou um ins~rumetal que tem se mostrado da maior impor tância. Desde a graduação, tenho contado com a simpatia e cooperação do pessoal das bibliotecas - LÚcia Kawahara e Lilian Silva na FEA-USP e, mais recentemente, Deise Capellosa, Ana Maria Dourado, Fatima Caldeira e Maria da Penha V. de Lima, na EAESP-FGV) onde aliás a ajuda de Magali Valente e Claudio Raimundo, no serviço de aquisições da biblioteca, tem sido de primeira. Já na Unicamp, professores como Frederico Mazzuchelli e Marcos MUller criaram condições para que idéias amadurecessem e encontrassem o seu lugar. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, José Carlos de Souza Braga e Luis Antônio de Oliveira Lima foram sobretudo exemplos maiores de como a teoria deve fazer parte das preocupações mais diversas e concretas. Voltando a Sãó Paulo, pude encontrar -primeiro na EAESPFGV e, depois, na PUC-SP - coleguismo e ambiente acadêmico,ingredientes sem os quais o estudo é vão. Aos alunos, amigos, devo muito. E a outros amigos, com quem já fui aluno, mas com eles continuo apren.dendo (a guilda é isso) Plínio Sampaio Filho) Rui Affonsó, José Geraldo Portugal, Márcio Alves Pinto, Luis Eduardo Assis e Aloísio Mercadante. Sem esquecer de Marcelo P. Coe lho e Luis Paulo Labriola, que ensinam com outros modos. Sem a paciência de Helenice Aparecida. dos Santos o texto até agora não passaria de um punhado de letras miudas. 1 INTRODUÇM O que é o tempo?  primeira vista o tempo não existe, as coisas é que duram, permanecem ou são consumidas. Entretanto, -embora nós passemos (e não o tempo), o ser humano, por meio de ainda misteriosos mecanismos de projeção, confere existência a palavras que designam angústias e dúvidas. Qual a realidade dessas palavras? A vida e a morte, as heranças culturais, as utopias e projetos polÍticos sao testemunhos empÍricos de que nada é estático. Mas corno determinar com clareza o que se transforma e como? Se o tempo não passa de um nome dado a essas transformações, ê preciso investigar essa peculiar cerimônia de batismo. A teoria econômica contemporânea, por outro lado,com insistência se recusa a desvendar a relação entre as inumeráveis transformações sociais e as formas de registrar e interpretar o conteúdo temporal dessas mudanças. Encastelada em métodos que se pretendem universais (e portanto eternos), a ciência econômica não vê sentido na questão do tempo. Define mecanismos econômicos (de funcionamento de mercados, de desenvolvimento tecnolÓgico, de intervenção estatal, etc.) que supostamente são válidos hoje como foram ou seriam há séculos (e como pretendem co~tinuarã sendo). Daí a tenacidade com que vârias correntes do pensamento econômico procuram elaborar leis gerais imunes à história. Apenas recentemente essa presunção voltou a ser questionada. A revisão das teorias do desenvolvimento econômico foi sem dÚvida um dos principais começs~ Como aceitar passivamente a idéia de que o processo de desenvolvimento capitalista difunde-se internacionalmente através de uma vantagens tendência inevitável ao estabelecimento de comparti\"s.~ longo prazo? O que é esse "longo prazo"'? Pode a história ser interpretada sempre como se a -~fazer operaçao de certos mecanismos básicos fosse imutável? Aos poucos - e com a reentrada na ordem do dia de inúmeros conflitos sócio-políticos a partir dos anos 60 - foi sendo cada vez mais necessário reavaliar o tipo de preconceito embutido nas teorias tradicionais quanto ã univocídade da percepçao humana do tempo e da história» Nesse processo de revisão da tradição do pensamento econômico, em um momento em que as idéias de progresso ou modernização exibiam suas faces perversas e reacionárias, a figura de John r.taynard Keynes foi aos poucos assumindo relêvo-em um sentido insuspeitado pelos epígonos da teoria neo-clâssica, que desde o pÓs-guerra fixaram suas idéias em modelos matemáticos. O processo de revisão de sua obra, ainda em curso, tem podido contar com releituras atentas ã questão do tempo, das expectativas e da incerteza. Essa dissertação de mestrado procura inserir-se nesse caudal de reavaliação crítica de um pensamento tido por conservador. Inicialmente concebida para abarcar toda a produção de Keynes, chegamos entretanto a um resultado parcial que não cobre toda a extensão da obra. O projeto terá continuidade para que se possa chegar uma avaliação ainda dos debates que se seguiram ao nrreatise on Money" (doravante referido como "Treatise") até os escritos posteriores à "Teoria Geral", sem esquecer de um exame das relações entre a obra econômica e os es·tudos iniciais de Keynes no campo da probabilidade. Esse projeto de reconstruir a obra de Keynes com enfase na questão do tempo e das expectativas não é solitário. Na mesma linha têm caminhado pensadores econômicos de distinta procedência. Nomes como Barrêre, Aglietta, Schserviram mitt, Shackle, Minsky, Vicarelli, Davidson, corno importantes referências. A reconstrução da mensagem 'Keynesiana passa necessariamente pela avaliação do modo pelo qual as questões da tradicional teoria quantitativa do dinheiro foram sendo progressivamente transformadas pelos discípulos de Marshall, dos quais Keynes foi o mais notável. E foi o mais notável porque soube aliar as intuições críticas que permeavam o círculo acadêmico da Cambridge dos anos 10 e 20 com uma inquietação política frente aos acontecimentos de sua época. Na parte I procuro evidenciar a maneira pela qual essa inquietação, presente nos textos do Keynes polemista, vincula-se à questão de decifrar o enigma do tempo tanto do ponto de vista subjetivo quanto objetivo. Já na Parte rf 11 i o esforço analitico para escapar da tradição neo-clâssica que passa a ganhar relevo, esforço que atinge um ponto de ruptura na Parte III, onde ê avaliado o trabalho que seria a primeira grande contribuição de Keynes ã teoria social contemporânea - o "Treatiseu. Partimos de uma questão arbitrária para reler os textos de Keyns~ Este não é um trabalho de história do pensamento econômico no sentido tradicional, das exegeses extensivas. Procuramos sublinhar ao longo das sucessivas transformações da obra de Keynes a presença de uma mensagem. E a questão do tempo é bastante crucial quanto ao conteúdo da mensagem. A hegemonia da síntese neo-clássica durante todo o pÓs-guer-ra afastou os economistas dos textos originais, inclusive de Keynes. A partir dos anos 60 houve uma volta aos clássicos e a importância de reavaliar a obra de um pensador que estava completamente assimilado pela ortodoxia atraiu certas mentes com vocação crítica. Entretanto, mesmo essa retomada da economia clâssica e da obra de Keynes ainda padeceu do preconceito economicista. Inúmeras foram as releituras de Ricardo, ~1arx, Malthus que se debruçavam sobre os originais com a velha intenção de descobrir mecanismos definitivos de regulação econômica~ Assim, mesmo a volta a Keynes sempre foi vítima (1) Essa rorte analisa o "Tract on 1-1onetary Refonn". ' da excessiva valorização da "Teoria Geral". Textos polêmicos, ou mesmo a obra acadêmica anterior à "Teoria Geral" continuaram solenemente ignorados. Acontece que esses textos não são tão ortodoxos quanto freqUentemente se imagina. Naturalmente, em se tratando de Keynes, é sempre impossível escolher qualquer obra sua e dizer: eis aí uma contribuição inequivocamente heterodoxa. Seja pelo pÚblico a que se dirigia, seja pela sua formação arraigadamente marginalista, Keynes sempre se moveu analiticamente de modo ambÍguo. A leitura dos textos anteriores ã "Teoria Geral", ape- sar de ostentarem uma carga ainda elevada de procedimentos convencionais, mesmo assim revela não apenas in teressantes sugestões que nunca voltaram a ser retomadas pelo próprio Keynes (ou pelos intérpretes) mas também inúmeras passagens em que as sementes do instrumental da "Teoria Geral" são plantadas. No que. se refere ã questão das expectativas, essas passagens são fundamentais. Uma das razões para a valorização desses textos é a possibilidade neles contida no sentido de nos alertar para a ociosidade daquele preconceito economicista. Dessa perspectiva, a retomada dos textos originais liberta-se do viés com que a "volta aos clâss icos" vinha sen- do efetivada. Descobrimos ~m Keynes os princÍpios de urna teoria econômica mais polÍtica do que a economia polÍtica criticada por t-.tlrx. (1) E esses princípios não se reduzem aos decantados instrumentos de "política econômica'' tão divulgados pelos manuais da síntese neo-clássica. É os economia política para valer - o que implica serem devidamente levados problemas do tempo e da história em consi4eração. Signo eventual de que talvez estejamos retomando algumas das questões fundamentais do tempo da economia polÍtica. ( 1) Pois retorra as questões fnndamentais que a própria economia polÍtica herdou da teoria política clássica. Exemplos: as questões da viabilidade dos projetos de regulação social não-violenta, da racionalidade da história ou mesmJ das origens da sociabilidade hunnna. PARTE I AS CARRUAGENS DO THlPO RELÓGIO "AS OBRAS ACABADAS TEM PARA OS GRANDES H0~1ENS ME~OS PESO QUE ESSES FRAGMENTOS SOBRE OS QUAIS SEU TRABALHO DURA TODA UMA VIDA." W. BENJAMIM AS CARRUAGENS DO TEMPO I - TRES DIMENSOES DO TEMPO O interesse de Keynes pelo "tempo" se desdobrou em três dimensões distintas e relacionds~ Em primeiro lugar estava a necessidade de "agir em tempo" sobre o curso da história. Sob o signo dessa pressa política sao apresentados os "Essays in Persuasionu: nNesses ensaios o autor estava com pressa, de- sesperadamente ansioso para convencer em tempo sua audi~nc.' (Keynes, 1963, p.vi) Entretanto, essa ansiedade prática nunca esteve desvinculada de .um esforço por interpretar o seu tempo, a sua ~poca. No mesmo prefácio, Keynes aponta a necessidade de um tipo de interpretação cujo significado Último filia-se ã própria possibilidade de encontrar um sentido na passagem do tempo. uMas nos Últimos dois livros [dos cinco que sao compostos os "Ensaios"] as carruagens do tempo fazem um ruído menos incômodo. O autor está olhando para o futuro mais distante, e rumina temas que exigem um longo curso da evolução para determiná-los." (Keynes, 1963, p.vi-viii) O aspecto central do diagnóstico histórico de Keynes é a profunda convicção de que os problemas da carência, da pobreza, da luta econômica entre classes sociais entre nações são problemas transitórios (Keynes, (p.vií) "Pois o Mundo Ocidental já tem os recursos e a técnica, se for capaz de criar a organização capaz de usá-los, capazes de reduzir os Pronossas blemas Econômicos que agora absorvem energias morais e materiais, a uma posição de importância secundária." (idem) e 1963, "Agir em tempo'': o trabalho do autor é uma luta contra o tempo, cujo movimento faz ruído incômodo - a inquietação do sujeito diante do mundo ê o foco da discussão. Por outro lado, a possibilidade de encontrar um significado objetivo, um sentido na evolução, diante do qual é inútil ou desnecessária a inquietação do indivíduo. Situamo-nos entre o determinismo a liberdade, duas 1 formas pelas quais a passagem do temp o é identificada. Entre a ação individual consciente e a etapa histórica, existiria entretanto espaço suficiente para à ocorrência de inÚmeros processos alternativos. Nem a ação individual se dá num vácuo aleatório nem a configuração de uma etapa histórica determina univocamente os cursos ·de açao. A te_rceira dimensão na qual o interesse de Keynes pelo tempo hâ de se desdobrar situa-se precisamente nesse campo de posiblda~ que se instaura entre uma • intenção política (no seu caso, um conservadorismo cr1tico e autocrítico) (1) e a consciência resignada de que a história humana encontra-se numa etapa definida. Nesse interstício floresceu a teoria econômica de Keynes, atenta como procurarei mostrar ãs possibilidades Cabertas pela temporalidade capitalista) de integração entre ~ .intenção reformista e a constatação do caráter transitório do próprio Problema Econômico. Antes, porém, de destrinchar o papel da temporalidade na sua teoria econÔmica, procederei nesse capítulo à reconstrução das diretamente duas primeiras dimensões nos escritos mais ligados ao engajamento de Keynes como polemista (ensaios e artigo~ jornalísticos). De qualquer forma, á a própria teoria econômica que deve poder ajudar a construir a mediação entre o tempo subjeth-o (intensões individuais) e o objetivo (evolução (1) Cf. Schwartz, 1984, onde é dada especial atenção ao caráter singular da opção política de Keynes como foco a partir do qual é possível compreender em parte sua obra. histórica), principalmente quando a teoria econômica dispõe de critérios pelos quais é possível identificar como os indivíduos percebem as diversas possibilidades de encadeamento de acontecimentos no tempo e como essas possibilidades eventualmente se realizam: "Pois acontece que há uma razão sutil derivada da análise econômica para que, nesse caso [o de situarmo-nos em uma Etapa de Transição] a fê possa valer. Porque se nós consistentemente agirmos a partir de uma hipótese otimista, essa hipÓtese tenderá a realizar-se; enquanto que agindo pela hipótese pessimista podemos vir a nos manter eternamente no caroço da necessidade." (Keynes, 1963, p.vii-viii) Hipóteses, ação e realização: esse é o triângulo que define a existência das expectativas. Quanto ao significado de "Transição", em 1931, ê eloquente a justificativa dada à publicação dos 11 Ensaios" pelo próprio Keynes: "Pensei s_er conveniente escolher essa data de publicação porque estamos situados em um ponto de transição. Chamam-no de Crise Nacional. Porém isso não ê correto - para a Grã-Bretanha a crise principal já passou. Há uma calmaria em nossos negócios. Estamos, no outono de 1931 ,repousando-nos em uma quieta piscina entr~ duas cataratas.'' (idem, p.viiii-ix) Com alguma liberdade de escolha, talvez houvesse um caminho no espectro das possibilidades históricas a partir do qual a gestação da nova era fosse menos violenta ou dolorosa. Mobilizando o arsenal da análise econômica, Keynes p~ocurav convencer os seus leitores da possibilidade desse caminho ser trilhado de forma coletivamente consciente. A dificuldade mesma de persuadir tornou-lhe porventura explícita a pluralidade de formas pelas quais os 10 agentes sociais percebem o próprio passar do tempo. Cada classe contempla um futuro distinto e formas distintas de alcancá-lo. Mas haveria uma fonte comum a todos esses tempos que, habilmente controlada, garantisse o futuro de todas as classes? (1) Seria essa fonte comum de diferentes tempos um objeto ou processo econômico fundamental? As eventuais respostas a essas questões devem aguardar um prévio enriquecimento da formulação das questões. II - POLEM!CA Um aspecto crucial da formação de expectativas é que se trata de um processo pelo qual os indivíduos elaboram uma rep:resenta-ção, uma imagem, da relação entre suas intenções e ações e um conjunto de cir~nstâa, um contexto. Quanto mais difundido é um tipo de expectativa, maior o seu poder em termos de vir a ser realizada. Assim, a investigação dos processos de formação e transformação de expectativas deve estar sempre especialmente atenta para os mecanismos através dos quais esse poder se instaura e mantém. Não se trata simplesmente de umuitos acreditarem na mesma coisa", mas de existirem instrumentos que garantam a possibiiidade de realização dessas crenças (ou, até, objetos que instaurem essa crença) • Keynes recomenda a ação coletiva a partir de hipóteses otimistas como condição para a realização de uma transição pacífica, mas a razao para que esse mecanismo opere ê derivada da análise econômica. Os seus escritos esse polêmicos em vários momentos fazem referência a (1) Pelo menos de empresários e trabalhadores . .Ainda ·que a formação, o significado e a função das expectativas formadas pelas classes sociais sejam conflituosas, existiria algo comum subjacente às diferenças e coletivo que permitisse um caminho verdadeiramente 11 rumo ao futuro?" 11 poder e i necessidade de instituições organizadas ~e modo ~ sustenti-lo, assim como tamb~ alertam para os riscos de vermos esse poder desintegrar-se de modo violento e inconseqUente: "O poder de tornar-se habituado ao seu meio ambiente é uma característica marcante da humanidae~ Muito poucos de nós percebem com convicção a natureza intensamente excepcional, instável, complicada, insegura e temporária da organização econômica pela qual a Europa Ocidental tem vivido no Último meio século. Supomos serem, algumas das nossas mais peculiares e temporárias vantagens, naturais e permenen- tes, como se pudéssemos nos apoiar nelas e formar nossos planos adequadamente." (Keynes, 1963, p. 3) O caráter transitÓrio dos antigos modos (vitorianos) de adequação homem-meio não é percebido pelas classes sociais. "Na Inglaterra o aspecto exterior da vida ainda nao nos ens1na a sentir ou ao menos perceber que uma época chegou ao fim( ... ). Todas as classes assim fazem seus planos, os ricos de gastar mais e poupar menosr os pobres de gastar mais e trabalhar menos ( ... ).Não é uma mera questão de extravagâ.ncia ou de "problemas trabalhistas"; mas de vida e morte, inanição e existência, e das temíveis convulsões de uma civilização agonizante.'' (idem, p.4) Diante da percepção rnacrohistórica do significado da crise capitalista, o esforço subjetivo parece condenado a ser vítima sarcástica do Destino: "Paris era um pesadelo, e cada um ali era morbido. (l) Um sentido de inevitável catástrofe - (1) Trata-se da descrição feita por Keynes das reuniões em 1919 para elaboração do Tratado de Versalhes. I f J 12 sobrepujava a cena frívola; a futilidade e ·quenez do homem diante de grandes eventos pecon- frontando-o; a significância ambíqua e a irrealidade das decisões; leviandade, cegueira, insolência, gritos confusos vindos de fora, todos os elementos da tragédia antiga estavam ali.'' (idem, p.6) As discussões referentes à capacidade alemã de fazer frente ao pagamento da dívida de guerra (portanto sua capacidade futura de pagamento) são, nas mãos: de Keynes, uma oportunidade para denunciar as formas instáveis atra- vés das quais o poder de acreditar em expectativas individuais pode redundar em catástrofe coletiva. A ignorância quanto à natureza do dinheiro e das instituições monetârias, ass.ím como dos verdadeiros determinantes do poder de compra do dinheiro, dava margem ao surgimento de expectativas socialmente ilusórias quanto às possibilidades futuras de manutenção de compromissos financeiros. Ainda assim, essas discussões são mais uma oportunidade de constatação do poder das ·próprias ilusões sustentadas pelo dinheiro e pelas instituições financeiras. A condenação dos termos impostos ã Alemanha derrotada implicaria a própria renúncia de Keynes ao seu cargo ' na Conferência de Paz, renúncia esta que tem como base uma avaliação dos efeitos futuros da carga que se pretendia impor em 1979; "Nos grandes eventos da história humana, no desenrolar dos complexos destinos das nações, a Justiça não é tão simples. E se o fosse, as nações não estão autorizadas, por religião ou por morais naturais, a impor aos filhos de seus Inimigos os equivocas dos pais ou dos governantes'' (idem, p.18) Único f.fas diante da imobilidade dos governantes, o recurso alternativo era o de se dedicar ã persuasão da opinião pÚblica, num ato de extremada confiança nos ca- 13 nais democráticos de pressao política diante do salador desdobramento da História: avas- "Os eventos do próximo ano não serao conformados pelos atos deliberados de homens de estado, mas pelas correntes ocultas que fluem continuamente sob a superfÍcie da história política, cujo sentido ninguém pode prever. SÓ de um modo podemos influenciar essas correntes - mobilizando formas da intuição e imaginação que transformem a opinião." (idem, p. 45) Entretanto,mesmo a avaliação quanto à oportunidade da intervenção política com o objetivo de formar a opinião pÚblica tem um lastro no diagnóstico dos mecanismos que relàcíonam-ora aproximando, ora afastando- causa e efeito no tempo. Assim, comentando ainda os efeitos do as diferentes Tratado de Paz em 1921, Keynes compara temporalidades com que operam vantagens e desvantagens obtidas com a submissão da Alemanha: "A organização da qual a riqueza do mundo moderno tão grandemente depende, está sendo injuriada. Com o decorrer do tempo uma nova organização e um novo eq~ilÍbro pode ser estabelecido. ~fas se a origem do desarranjo é de duração temporária, as perdas devidas à injúria feita à organização podem superar os ganhos associados à obtenção de bens sem ter de pagar por eles.'' (idem, p.S9) Ou seja, mesmo a transição, ainda que implicando uma instabilidade de duração temporária, pode ter efeitos a tal ponto perversos que o fim da transição, previsto pelo diagnóstico histórico, nem se realize ou venha a se realizar com custos sociais insuportáveis. Em outras palavras, a crise capitalista ocorre em um determinado e limitado intervalo de tempo-, mas pode desencadear r e a- ções a tal ponto violentas que a própria ordem("organiza- çio") seja ameaçada.(!) No capitalismo, a guerra, a submissão ímperialista,a crise podem ser formas a tal ponto violentas de recompor a hierarquia entre classes e nações que a prÓpria sobrevivência da civilização sofra riscos incalculáveis. De qualquer forma, na base desse diagnóstico está a dis- tinçio crucial entre a Transição (processo de constituição de uma nova organização ncorn o decorrer do tempo") eos processos temuorãrios de desarranjo que caracterizam a prÓpria transição, mas simultaneamente ameaçam-na. Em suma, a Transição é um processo de crises sucessivas em direção a um hipotético equilÍbrio final. Os anos 10 e 20 são identificados por Keynes a mais urna dessas crises (cujo poder destrutivo, se nao for enfrentado politicamente, pode ameaçar a própria civilização). Estranha ambiguidade permeia a passagem do Tempo:por um lado a Duração pré-determinada, a Transição, a passagem para um mundo em que o "problema econômico" deixará de ser predominante, mas por outro lado esse caminho sendo pontuado por "desarranjos temporários" que ameaçam a integridade da própria Duração! Isto é, a História (como percurso inevitável) é- constituída a partir de processos cuja característica principal é a "duração temporária" associada a um alto poder destrutivo. De fato, as crises s·ão momentos de exceção, fragmentos do tempo - mas que podem furtar-lhe a linearidade e constância rrtrnica. (Z) Cumpre-nos verificar as característi(1) t.tarx afirmava que não há crise permanente. Mas o fa- to de uma crise ser localizada não implica o retorno do sistema, terminado o cataclisrna, ao percurso natural de"longo prazo". Os que assim interpretam a idéia de crise (p.ex.N.ilgate,19S2), como ocorrência funcional e saneadora, acabam privilegiando o modelo teÓrico em detrimento da fenomenologia histórica. (2) Daí a importância de distinguir a instabilidade que se situa na base d·as crises capitalistas dos modelos analíticos que redu:em a dinâmica do sistema à ciclicidade. cas econômicas atribuídas por Keynes aos processos levam ã crise. que Nos escritos polêmicos essas características aparecem de modo esparso: ora o endividamento internacional, ora a inflação doméstica, vários são os sintomas (localizados) de que o processo de desarranjo temporário implica uma deturpação na percepção do prÓprio tempo histórico. Em 1919, Keynes cita Lênin: "Diz-se que Lênín declarou ser a desvalorização da moeda o melhor caminho para destruir o Sistema Capitalista. Aqueles a quem o sistema traz lucros inesperados ( •.. ) além de suas expectativas e até mesmo além de seus desejos, tornam-se ."exploradores". São objeto do Ódio da burguesia, a que~ a inflação empobreceu nao menos que ao proletariado. Na medida em que a inflação avança e o valor real da moeda flutua _violentamente de mês em mes, todas as relações permanentes entre devedores e c~edors, que formam o fundamento Último do capitalismo, tornam-se tão extremadamente desordenadas ao . ponto de quase perderem o significado, e o processo de enriquecimento degenera em jogo e loteria.~' (idem, p. 77-8) - Jogo, loteria: processos acerca dos quais e impossível dizer coffi.certeza qual o resultado. Mas é um jogo desem que, além da incerteza quanto ao resultado, a truição ê possível: 0 processo engaja todas as forças ocultas da lei econômica do lado da destruição e o faz de tal forma que nem um homem em um milhão é capaz de diagnosticar." (ibidem, p.78) 11 Dessa forma, só um plano polÍtico pode garantir a travessia e a continuid.1.de da Transição. Não que o futuro em si seja incerto, apenas ocorre que o caminho até ele 16 e ··;"vejado de pedras. Um Estado passivo ou inativo tor- na ainda mais inevitáveis os tropeções. O terror diante da incerteza só pode levar à inação, pois a criação de nova riqueza é de qualquer forma urna a"':'entura (idcm,p. 147). . Essa concepção do que seja criar r1queza e- frontalmente oposta ã filosofia conservadora, que apregoa: "Vocês não devem pressionar por estradas ou habitação, pois isso usará oportunidades de emprego que poderão ser necessárias em anos futuros~" ''Vocês nao devem tentar empregar todo mundo, pois isso causará inflação.'' "Vocês não devem investir, pois como sabem que vai valer?" "Voeês não devem fazer nada, pois fazer algo significa que voces nao podem fazer outras coisas4u "Não prometemos mais do que podemos cumprir. 1 N6s, portanto, nada prometemos,' (idem,p.132-3) I! o que Keynes chamava de "precaução hipocondríaca" "Não há razao para que não nos síntamos livres para ser audazes, abertos, experimentadores, ativos, para tentar as possibilídades das coisas. E contra nós, pondo-se em nosso caminho, não há náda mais que alguns velhos cavalheiros apertadinhos em seus casacos monásticos, que amigável precisam apenas ser tratados com um pouco de desrespeito e derrubados como boliches." Vão até mesmo gostar disso, uma vez que se recuperem do choque. (idem, p.133-4) 17 Keynes, ao analisar os mecanismos através dos .quais se dá- a passagem da Era Econômica para a Era Pós-Econõmi ca, percebeu que a economia e os processos econômic_os, nessa fase de transição do capitalismo, são muito mais processos de obtenção, manutenção e ampliação do poder social pelas classes do que estritamente processos deprQ dução e consumo de riqueza material. E é nesse contexto ·que o Dinheiro deixa de ser mercadoria (dinheiro -metal) para ser uma coisa abstrata, uma representação, um padrão de valor cuja instabilidade é sintoma de perturbações no sistema de poder. Mas ao mesmo tempo as características do dinheiro moderno são tais que aquelas pertur bações podem ficar ocultas até que seja "tarde demais" isto é, até que as flutuações se cristalizem em crise. Faz parte do eSforço teórico por esclarecer a natureza da economia capitalista desvendar o papel do dinheiro e a origem dessa sua ambígua capacidade de ocultar o tempo da crise. Ambígua pois se o dinheiro é uma abstração legitimada em Última instância pelo poder do Estado, tem ao mesmo tempo a sua funcionalidade lastreada no próprio ri t mo da atividade econômica. ~ característica dessa ambiguidade que se associa a interposição do "véu de dinheiro entre o ativo real e o possuidor de riqueza" uma confiança crescente do público nos sistemas bancários. No texto de 193l(l) aparece o co rolârio dessa co.nfiança que oculta os perigos da passagem do tempo: os banqueiros sao os Últimos a perceber a consagração da crise que em momento algum souberam ou pu deram prever. (idem, p. 178) As primeiras sugestões depo lÍtica estatal feitas por Keynes serão, no'1 Tractu e no 11 Treatise11 principalmente do controle pela política monetária das atividades bancárias. - t (1) "The Consequences to the banks of the collapse Money Values", in Keynes 1963, p. 168 e 55. t of 18 Essa preocupação com a deterioração do futuro que se esconde por trás das oscilações no poder de compra é evi dente já effi 1923: "Se esperamos até que um movimento de preços esteja efetivamente estável antes de aplicar medi das curativs~ poderemos chegar atrasados demais. "Não é a elevação passada dos preços mas ã eleva ção futura que tem de ser contrarrestada" .. {Hawtrey, Monetary Reconstruction, p. 105)(ll. E característico da impetuosidade do ciclo de crédito que os movimentos de preço tendam a ser cumulativos, cada movimento promovendo, ·até certo ponto, um ulterior movimento na mesma direçãon .. (idem~ p. 215) Contra a manutenç.ão do padrão-ouro, Keynes via como anacrônica a tentativa de se ·manter o dinhero~ um sírnbo lo de poder econômico manioulãvel nela Estado~ atrelado aos destinos incertos do valor futuro de uma mercadoria qualquer - quanto mais de um metal ".precioso" .. Aliás, no decorrer de sua obra, o foco estará sempre sobre os determinantes do futuro e sua relativa instabilidade - mes mo quando esses determinantes ligam-se à trajetória de um setor econômico aparentemente tão independente das v1 cissitudes temporais da produção como é o caso do mundo financeiro {"et pour cause"). Por isso, j ã no Tract, as preocupaçoes de Keyne s com _ambiguidade. Por um lado, a o· ciclo essa têm explicaçãp tradicional do ciclo comercial é adaptada e progressivamente forçada para explicar o ciclo de crédito. O mundo finacero~ e os bancos em particul~ têm uma importância crucial .. }1as a outra arn.biguidade é a que aproxima ciclo e crise~ pois o ciclo econômico, associa(1) Ha\\"trey ~ outro contemporâneo de 1\eynes que desenvolveu heterodoxamente a herança marshalliana. 19 do às oscilações nos preços, na renda ou na produção, só se traduz em crise econômica pela mediação do poder bancário. Corno veremos, o sobre-investimento não é em si um mal (pois como o próprio Robertson insistirá, as oscilações são inerentes à produção capitalista). O problema maior está no tipo de poder nas mãos dos bancos, que podem (mesmo involuntariamente) transformar uma inflação numa crise de solvência, desencadeando uma onda generalizada de quebras e desvalorização aguda dos ativos. Portanto só o ciclo é estritamente econômico, a crise capitalista já é, nos escritos dos anos 20, um fenômeno sobretudo político (i. e; desencadeado pela rigidez da estrutura de poder capitalista que se baseia em uma forma desigual de distribuição de poder de compra). uo capitalismo moderno está face a uma opçao, creio, entre encontrar alguma forma de levar os valores monetários em direção àS .magnitudes pretéritas ou v.er a genraliz~ão de in· solvências e quebras e o colapso de grande parte da estrutura financeira - depois do que pobres teremos que recomeçar, não tão mais quanto seria de esperar e muito mais alegres talvez, mas tendo sofrido um período de grasocial, ves perdas, perturbação e injustiça além de um rearranjo geral das fortunas priva das e da propriedade de riqueza. lndividualm.ente muitos de nós estariam "arru_! nados", ainda que coletivamente fossemos tantos quanto antes. Mas sob a pressão das dificuldades e da excitação, poderíamos ter encon nossos trado melhores formas de administrar neg6cios''. (idem, p. 177 - 8) (grifas meus) Esse período, de desequilÍbrio e rearranjo, e as vezes interpretado por Keynes como envolvendo um risco de descontinuidade civilizatória (principalmente ao dar mar 20 gem a revoluções sociais) mas também, como nessa citação, pode ser apenas um mecanismo padrão de passagem de um "equilÍbrio" a outro. Que o capitalismo conte com mecanismos "padrão" de transição entre estados de equilíbrio não significa que esse nao seja um padrão "instável''. Acontece que as duas acepções (otimista e pessimista) quanto ao significado da crise revelam também duas visões da instabilidade capitalista. Na hipótese otimista. a instabilidade se reduz à destruição "materil~ tudo não passa de um rear ranjo na distribuição de riqueza - apenas a ordem capit~ lista é instável, mas não a estrutura produtiva do sist! ma econômico. Na hipótese pessimista, são as próprias ba capazes de assegurar o progresso coletivo que entram em desintegraç'ão - por isso a guerra e a revolução social sempre pareceram a Keynes tão ameaçadoras. Deve-se entretanto perceber que a instabilidade só escapa a algum padrão pré-determi-nado na hipótese pessimista,em que ~es a destruição se generaliza. Daí a extrema dificuldade em se ·compreender o alcance exato do termo "equilÍbrio" em Keynes. Pois se há cer tamente perÍodos de estabilidade(!), bastante hetrodx~ é a visão de que a transição entre "equilíbrios" possa envolver períodos de crise e, portanto, destruição. Na hipÓtese otimista, apenas destruição de bens materiais (nesse caso, preserva-se o individualismo tão caro a Keynes) mas, na 'pior das hipóteses, pode haver destruição social (guerras ou revoluções). De qualquer modo, ji não se. trata do equilibrio abstrato neo-clássico, em que mesmo percursos entre equilÍb-ríos excluem a Transfo.E_ mação. A destruição é apenas parte -dos processos de (1) Que não se confunde com estática, ou estado estacionário. mas a dimensão criativa, pensava Keynes, dependia cc.d.;;. vez mais da "decisão política e não dos "mecanismos de mercado". g importante ressaltar que a aceitação da existência de um período de transição com destruição entre situações de equilÍbrio altera por completo a visão do tempo histórico como um fluxo contínuo e linear. Não apenas o movimento da sociedade na História é percebido a partir de descontinuidades e perturbações na organização, mas a temporalídade dos períodos de radicalização do desequílÍ brio - cujo ponto crucial ê a crise - torna-se uma tempo ralidade especialmente incompreensível(!). Pois 'mesmo o; agentes mais "bem colocados" socialmente - os bancos são incapazes tanto de prever quanto de reverter a desci da ao inferno da crise. Ora, imprevisibilidade e irreversibilidade são duas das mais importantes característi cas da temporalidade que se traduz em incerteza. Nesses períodos de crise, portanto, a incerteza torna-se mais densa e a opacidade do futuro se acentua mesmo para os mais poderosos da sociedade. E a partir desse diagnóstico que a tão propalada concentração de Keynes com os pr~ blemas do "curto prazo" pode ser mais ricamente compreen di da. Não se trata simplesmente do "curto prazo", mas de. momentos de crise ou agudização de desequilÍbrios em que o "longo prazo" não existe a não ser como ficção ou expectativa. Keynes se afasta da ênfase conservadora no longo pra zo nao por ignorar a história ou desdenhar da discussão de processos de longa duração. O que se rejeita e a visão conservadora do tempo reversível, i. e., da possibilidade de retorno as condições de estabilidade pretéritas (como no caso da discussão dos anos 20 sobre o reter t.Z"~i•sformaçã, - (1) "Especialmente" quando o ponto de partida é o modelo de equilíbrio estático. A "necessidade de pensar em termos de história, não de equilÍbrio" ê, segundo Joan Robinson, a principal mensagem tanto de Marx quanto de Keynes. cf. prefácio a Kregel, 1973. no ao padrão-ouro·, contra o qual Keynes se manifestava praticamente de modo isolado). Sem ignorar o processo hi~tórco global, Keynes passou a discutir os obstáculos à efetivação de projetos de criação de riqueza nova ou, em outras palavras, os obstáculos à passagem do tempo Esses obstácueconômico (j ã que "produzir leva tempo")~ los seriam mecanismos que erigem no presente uma ruptura entre o passado e o futuro. A raiz dessa ruptura está na existência do dinheiro. "Uma parte considerável do risco deriva-se das flutuações no valor relativo de uma mercadoria comparado com o das mercadorias em geral duran te o intervalo que deve transcorrer entre o co meço da produção e o tempo do consumo. ( •.• ) mas há tam·bém um risco considerável surgindo diretamente da instabilidade do valor do dinheiro. Durante o demorado processo de produção o mundo empresarial incorre em despesas em ·termos de dinheiro - pagando em dinheiro salários e outros gastos de produção - com a e·xpes_ tativa de recuperar esse desembolso pela reali zação do produto por dinheiro em uma data posterior. Isto ê, o mundo empresarial como um to do deve sempre estar numa posição tal que gacom urna nhe com o aumento de preços e perca queda de preços. Seja ou não agradável, a técnica de produção sob um regime de contratos mo netârios força o mundo empresarial a sempre e forma,r-se uma grande posição especulativa, processo se relutar em adotar essa posição o produtivo vem a ser freado". (Keynes, CW IV, p. 33) (l) (1) Esse trecho foi retirado do "Tract on Monetary Rea cuja análise detalhada retornaremos. form" (1923)~ Z3 A existincia de ''especuladores profissionais'' - que que divid8m esse risco com os empresários - não altera o argumento, nem a conclusão dali derivada: a expectativa de preços se alterarem desequilibra os planos da produção corrente e uma expectativa deflacionista pode até in terromper a produção. O importante de qualquer forma e notar que em 1923 Keynes já associava a existência do di nheiro às expectativas e via nesses mecanismos a possibi lidade de uma ruptura no processo produtivo (ainda que, nesse momento, nada garante - na própria análise - que o processo não seja reversível). O"problema"do capitalismo não seria, desse ponto de vista, o de estar organizado 11 economicamente'' em setores produtivos operando com ritmos distintos. Esses ritmos" podem gerar as mais variadas "faunas cíclicas" (como os debates dos anos 20 mostraram com a pr~lifeação e ressur reíção da "tradição do ciclo" e suas medidas de 10, 20 ou mais anos). Keynes nunca dedicou-se à mensuraçao ou definição de ciclos de duração definida. Pelo contrário, a preocupação que vemos emergir nesses textos é a de com preender como essas oscilações. na medida em que se expressam monetariamente, nunca são percebidas "a tempo" p~los agentes econômicos . Não perceber as distorções e desproporções da aventura capitalista de criar riqueza a tempo implica em formas especialmente perigosas de agudi zâ-las. Seja qual for a origem "real" do ciclo (inovações, superacumulação, subconsumo, etc) ou a suposta duração do período de expansão pretêri ta, a crise é uma possibilidade nos momentos de transição justamente porque ninguém, nem - principalmente - os bancos, percebe o "fim do progresso". As formas pelas quais o dinheiro exi~ te e se reproduz no capitalismo ê que trazem essa possibilidade de transversão da ciclicidade em instabilidade e crise. Não é ã toa que uma teoria dos ciclos dispensa a noção de incerteza. crucial entretanto quando se descreve as reações dos agentes econômicos aos ciclos, ine- - 11 24 vitâveís, através das lutas pela defesa do poder de compra. A crise, desse ponto de vista , é sempre uma "surpresa", uma obra do acaso. Discutindo os acontecimentos em 1930, afirma Keynes: "O mundo tem sido lento em per vivendo esse ano ã sombra de tástrofes econômicas da hístôr agora que o homem na rua torno eber que estamos a das maiores caa moderna. Mas -se ciente do que estã acontecendo comele,semsabe o porque e o pelo que, está hoje tão plenamen e dotado do que pode vir a mostrar-se corno tem r excessivo quanto, antes, ele carecia do que ería sido uma ansiedade razoável. Ele começa a duvidar do futuro. Estâ ele agora acordando d um sonho prazeiroso para enfrentar a escuridã dos fatos ? Ou caindo em um pesadelo que logo passará ? Ele não deve ficar duvidoso. A uilo não era um sonho. Isso ~ um pesadelo, que passará com a manhã. Pois os recursos da Natur~z e as habilidades humanas são tão férteis e produtivas quanto antes. A taxa do nosso progresio na direção de resolver os problemas materiaij da vida não e me ·nos rápida. Somos tão capazes ~uanto antes de propiciar, a cada um, elevado 'adrão de vida elevado, digo. se comparado ao de vinte anos atrás - e lo_go aprenderemos a ropiciar um padrão ainda mais elevado. Não f mos frustrados no passado. Mas hoje estamos envo vidas em uma colossa1 desordem, tendo bobeado no controle de uma máquina delicada, cujo fun ionamento não com preendemos. O resultado é que assas possibilida des de riqueza podem ir para o lixo por algum tempo - talvez por um longo te po" .. (idem, p.l36 - - 7) Assim surge um momento que, mesmo endo temporário. tem corno uma de suas características marcantes a difusão da crença de que o futuro talvez não exista mais. Mas se essa situação instaura-se em momentos partic~ lares, ou seja, se em alguns momentos o futuro torna- se tão duvidoso quanto a existência das bruxas, isso ocorre porque normal e correntemente os compromissos e contratos são firmados e revisados a partir da confiança em instituições cuja estabilidade é ingenuamente superestimada. Os negócios, por mais que oscilem ciclicamente, são instáveis porque dependem da existência de instituições que, principalmente como o dinheiro, não estabelecem vínculos definidos e unívocos com o passado e o futu ro~ Assim, normalmente, "Muitos dos maiores males econômicos do nosso tempe são frutos do risco, incerteza e ignorância. Pois indivíduos particulares,. afortunados por situação ou em habilidades, são capazes de tirar vantagem da incerteza e da ignorância, e também pela mesma razão as grandes empresas sao frequentemente uma loteria: daí que surgem grandes desigualdades de riqueza. Esses mesmos fatores sao também a causa do Desemprego do Trabalho. da frustração de expectativas empresariais razoáveis e da piora na eficiência e na produção. Mas a cura reside fora da operação dos indivíduos, pode até ser do interesse dos indivíduos agravar o mal. Acredito que a cura dessas coisas deve ser parcialmente buscada no controle delibe rado do dinheiro e do crédito por uma instituição central e parcialmente na coleta e difusão em grande escala de dados relativos ã situação empresarial, incluindo a plena publicidade, por lei se necessário, de todos os fatos econômicos que seja útil saber." (idem, p. 318) (1) (1) Trata-se de trecho do texto "The End of Laissez-Faire" (1926). 26 Atos de controle que diminuam, portanto, a inc~rteza econômica quanto ao futuro, através de três canais·' con. trole do dinheiro, do volume desejado de poupança e do crescimento demográfico. Deverâ chegar o tempo, mais tarde, quando a comunidade como um todo há de dar atenção à qualidade inata assim como ao mero número de seus mem bras futuros". (idem, p. 319) 11 A questão demográfica também foi abordada por Keynes da perspectiva temporal. Resenhando um livro de H. G. Wells(l)através do comentário a dois temas 11 de caráter . ,, quase - econorn1co : a necessidade e a rapidez da mudan~· contra a nostalgia e o perigo da inadaptação e, por outro lado, a dificuldade em saber para onde e por quais mãos opera-se a tal mudança. - "O Sr. Wells produz uma sensação curiosa. bastan te semelhante a aquela de alguns de seus romances iniciais. contemplando vastas extensões de que tempo em direção ao passado e ao futuro, o dá uma impressão de lentidão (não há pressa na eternidade), mas acelerando a Máquina do Tempo à tal medida em que alcança o momento atual, de sorte que agora viajamos a passo rápido sem milhÕes de anos pela frente. As influências conser vadoras em nossa vida são vistas como dinossauros cuja literal extinção está logo aí. O contraste emerge do fracasso de nossas idéias, nossas convençoes e preconceitos em acompanhar o ritmo da mudança material. Nosso ambiente move-se muito mais rapidamente que nós. ( ••. ) O Tempo voa.'' (idem, p.351) Reaparece, aqui, a questão do poder da humanidade em habituar-se ao ambiente. E, novamente, esse "poder de adaptação" ê apresentado como o desenvolvimento das habi (1) "The !Vorld of William Clissold", 192 7. 27 lidades de percepçao da passagem do tempo. No limite. on de tem seu papel o argumento demográfico, trata-se de uma dificuldade de transmissão desse poder entre gerações. de arbitragem entre o velho e o novo. o passado e o futuro. Não é à toa que os títulos de vários textos de Keynes incluem o termo Hc:onsequências". O mais célebre certamente é ..As Consequências Econômicas da Paz". o texto de 1919 que consagrou a visão cri tica de Keynes quanto às formas pelas quais o capitalismo de entre-guerras buscava a estabilização da sua ordem. Aqui já apareceria o caráter ambíguo dos compromissos financeiros, muitas vezes perversos transmissores de uma relação de forças datadas. Exigir do país derrotado na I Guerra pagamento de obrigações que, para serem cumpridas, ~mplicav o próprio sufocamento da economia ale ma era um paradoxo que tornava caricata a idéia tradicio nal de "livre concorrência"4 "A presença dessas cláusulas ilusórias no Trat~ do de Paz é especialmente marcada de perigo para o futuro. As mais extravagantes expectativas quanto a receitas de repação~ pelas quais os ministros de finanças iludem seu pÚblico, serao esquecidas quando jã tiverem servido ao propósito imediato de adiar a hora da tributação e da abstinência"'. (CW II. p. 58) A tentativa de fazer a Alemanha arcar com a reconstrução européia refletia uma incapacidade dos governos, econômica e política, de por si mesmos apostarem decididamente em algum futuro definido. Era preciso investigar as raízes dessa incapacidade àe comprometimento coletivo e ordenado com o futuro. "A Europa estava organizada social e economicamente de tal modo a assegurar a máxima acumula ção de capital. Enquanto havia alguma melhora contínua nas condições diárias de vida da massa 28 da po~laçi, a sociedade estava montada de forma a dirigir-se uma grande parte do aumento da renda ao controle da classe menos apta a consumi-Ia. Os novos ricos do século XIX nao eram criados P! ra os grandes gastos e preferiam o poder que o investimento lhes dava aos prazeres do consumo imedato~ De fato, foi precisamente a desigualdade da distribuição de riqueza que tornou possi vel aquelas vastas acumulações de riqueza fixas e de melhorias do capital que tornaram aquela uma epóca tão distinta de outras. Aqui reside, então, a justificação do sistema capitalista. Se os ricos tivessem gasto sua nova riqueza para sua própria satisfação. o mundo há muito teria achado tal regime intolerável. Mas como abelhas eles pouparam e acumularam, não com menos vantagens para toda a comunidade pois eles mesmos tinham fins estreitos como perspectiva. para ( ••• )Assim esse sistema notável dependia seu crescimento de um duplo blefe, ou engano. aceitaram Por um lado as classes trabalhadoras por ignorância ou falta de poder, ou foram obrigadas. persuadidas, ludibriadas pelo costume, convenção, autoridade e a bem estabelecida ordem da sociedade a aceitar uma situação em que podiam reivindicar muito pouco do bolo que eles. a natureza e os capitalistas produziam em cooperação. E por outro lado as classes capitalistas pu deram tomar como sua a melhor parte do bolo e estavam teoricamente livres para consumi-la, com a condição tácita e subjacente de que consumissem bem pouco dela na prática. ( .•. )Assim o bolo cresceu, mas com que finalida indivíduos de não se percebia claramente. Os eram estimulados não tanto a se abster. mas a di 29 e cultivar os prazeres da segurança e da antecipação. A poupança era,nos velhos tempos pa ' ra suas crianças, mas isso apenas na teoria - a virtude do bolo era não ser jamais consumido. nem por você nem pelas crianças depois de você. 11 ~erí, (CW li, p. 11 - 12) Acumular significa ter reservas à disposição no futuro. Mas qual futuro, se aquele era um processo sem finalidade explÍcita, em que o meio jâ havía se convertido em fim ? uA guerra explicitou a possibilidade de consumo para todos e a futilidade da abstinência para muitos. Assim o blefe foi descoberto, as classes trabalhado·ras podem não estar dispostas a adiar tanto e as classe.s capitalistas, não mais confiantes no futuro, podem buscar uma satisfação mais plena de suas liberdades de consumo enquanto durem, precipitando assim a hora do seu confisco". (CW 11, p. 13) O processo econômico é visto corno um jogo cujo fim é imprevisto mas iminente e abrupto. Os mais poderosos bl~ fam em função da própria incerteza que se agudiza. Nada garante que as regras do jogo se alterem antes do bolo ter crescido suficientemente. Principalmente quando um novo parceiro se.nta-se à mesa; a América, com sua indústria florescente. A civilização européia blefava com um a cacife velho justamente quando um jogador sentava-se mesa com riqueza nova nos bolsos. A Inglaterra, que por exemplo sempre apostava no desenvolvimento imperial, fra gilizava-se à medida em que as condições do comércio internacional passavam a favorecer a nova riqueza do mundo novo. A inflação e a instabilização das relações de dêbl to e crédito apenas tornam o processo econômico mais pró ximo ainda de um jogo onde o blefe ê a regra. Ke}~s pr~ curava. sem alterar a estrutura produtiva da economia ca - 30 pitalista, propor reformas que ao menos inibissem a tendência do processo de acumulação a traduzir-se em aposta e blefe. Como aceitar a Sorte como reguladora do poder de adaptação do ser humano ao seu meio ambiente ? Mas a dificuldade principal da transmissão inter-gerações do poder de adaptação estã justamente na mudança da própria percepção de como o tempo passa. E a mudança nessa percepção vincula-se atê mesmo a um fator demogrâfico: "O Sr. Wells explícita energicamente um aspecto demasiadamente negligenciado da vida moderna, o de vivermos mais tempo que antigamente e, o que é mais importante, prolongamos nossa saúde e vigor até um período da vida que era antigamente· de decadência, de modo que o homem médio pode agora olhar para a frente com uma perspectiva de duração da atividade que até agora só os excepcionais poderiam esperar. Posso adicionar, efeti vamente, um fato mais que o Sr. Wells, creio, passa por alto, de modo a enfatizar isso ainda mais nos prÓximos cinquenta anos, comparados com os Últimos cinquenta - a saber, que a idade media de uma população rapidamente crescente ê bem menor que a de uma população estacionária". (idem, p. 352) - Supondo que nas geraçoes seguintes (décadas de 30 e 40) a taxa de crescimento da faixa de pessoas idosas aproximar-se-ia dos 100 por cento (65 anos ou mais) e a de pesSoas de meia idade (45 anos ou mais) 50 por cento, respectivamente, mais que no passado recente. "No século XIX o poder efetivo estava nas maos de homens provavelmente com não menos de quinze anos ma1s velhos na média que os homens do século XVI e, antes que termine o século XX, a média pode subir outros quinze anos, a não ser que 31 meios efetivos sejam encontrados, além da óbvia decadência física ou mental, para criar vagas no topo". (idem, p. 353) Um ambiente de pessoas progressivamente mais velhas no poder torna cada vez mais difícil aceitar e adaptar-se as mudanças que operam com velocidades cada vez maio - res. "Estamos vivendo, portanto, em urna época ínsatis fatÕria de transição imensamente rápida em que muitos, mas particularmente aqueles na vanguarda, encontram-se e ao seu ambiente mutuamente inadaE tados, e são por isso bem menos felizes do que foram seus antepassados menos sofisticados ou do que seus ainda mais sofisticados descendentes precisam ser". (idem, p. 353) Seria - essa é a segunda "questão quase - econômica" viâvel esperar dos empresários capitalistas a força motriz que levasse a sociedade a mudar. com harmonia entre o progresso das forças produtivas e a obtenção e rnaute~ çao do "poder velho" ? Acontece que o "poder velho" é também poder de moldar as expectativas presentes: são convençoes, hábitos • preconceitos. . HEstamos sofrendo nesse momento um ser1o ataque - de pessimismo econômico. b comum ouvir as pessoas dizerem que a época de enorme progresso eco nômico que caracterizou o século XIX acabou. que a rápida melhoria no padrão de vida agora vai tornar-se mais lenta - ao menos ~a Grã Bretanha, sendo· um declínio na propriedade mais esperado que um aumento na década que está diante de nós. Creio ser esta uma interpretação severamente errada do que está acontecento. Estamos sofrendo, nao do reumatismo de uma era antiga, mas das dores de crescimento devidas a mudanças super-râp! das. das dores do reajustamento entre um períoqo econômico e outro". (idem, p. 358) (l) Entre a violência do Destino e a inanição da Moderação, entre o desespero e a precauçao, entre render-se amarguradamente ã História ou seduzir-se caqueticamente pela Tradição com seu travo áspero de resignação, Keynes adivinhava e apostava em um caminho terceiro: "A depressão mundial prevalescente, a enorme ano malia do desemprego em um mundo cheio de necessi dades. os erros desastrosos que temos feito, cegam-nos para o que vai sob a superfície - para a verdadeira interpretação da tendência das coisas. Pois minha previsão ê de que os dois erros opostos do· pessimismo que agora faz tanto baru lho no mundo vão .demonstrar-se equivocados no nosso próprio tempo - o pessimismo dos revoluciQ nârios que pensam serem as coisas tão ruins a ponto de nada, além da mudança violenta, poder salvar-nos, e o pessimismo dos reacionários que consideram a balança da nossa vida econômica e social tão precária que não devemos arriscar quaisquer experiências". (idem, p. 359-60) Seria. em outras palavras, possível esperar mudanças, com conteúdo de Esquerda, promovidas pela Direita ? Essa questão, s~ respondida afirmativamente, constitui a essência do Neo - Liberalismo de Keynes, literariamente caricaturado por Wells. Trata-se da "Conspiração Aberta" através da qual o socialismo futuro poderia ser evitado; Partido "Clissold expressa uma reação contra o Socialista que muitos sentem, inclusive socialis tas. A remodelação do mundo exige o toque do criativo Brahma. Mas hoje o Brahma serve a Ciência e aos Negôcios, não a Política ou ao Gover(1) O texto, de 1930, ê "Possibilidades Econômicas nossos netos." para 33 no. O extremo perigo do mund.o está, nas palavras de Clissold, em que "antes do criativo Brahma co locar-se a trabalhar, Siva, em outras palavras a destrutívidade apaixonada do Trabalho acordando para suas agora desnecessárias limitações e privações, pode tornar a tarefa de Brahrna impossível". Todos sentimos isso, eu penso. Sabemos que precisamos urgentemente criar um milieu no qual Brahma possa trabalhar antes que seja tarde demais". (idem; p. 355) (l) Mas por que a "Conspiração Aberta" nao se efetiva ? "Por que homens práticos acham mais divertido fa zer dinhe~ro do que agregar-se à Conspiração Aberta ? Sugiro que ê pela mesma razão que os leva a considerar mais divertido jogar bridge nos do mingos do que ir à igreja. Eles carecem do tipo de motivação cuja posse, se a tivessem, poderia ser expressa dizendo que eles tem um credo. Eles não tem qualquer credo, esses potenciais conspiradores abertos. Por isso, a nao ser que tenham a sorte de ser cientistas ou artistas, apoiam-se Ersatz no grande motivo substituto, o perfeito (Z), o anódimo para aqueles que, de fato, nao querem absolutamente nada - Dinheiro". (idem, p. 356) Os partidiiios do Trabalho, pelo menos, t~m sentimen tos. Já os ''homens práticos" rondam o mundo sem depor sua abundahte libido em nada. Tivessem encontrado esse receptâculo definitivo, seriam apóstolos. não homens de negócios capitalistas. (1) Brahma, Vishnu e Siva sao os membros da trindade hin du. Brahma era o primeiro membro Criador, depois superado pelos cultos a Vishnu, o Tempo Eterno. e Siva a dançarina que ciclicamente destrói o mundo. Daí que Wells analise em ''The World of Clissold'' o papel das mulheres. (2) Em alemão: substituto, em geral de qualidade inferia!·· Keynes referia-se a9 amor p~l?posse de cJ.inheiro, a rlqueza generlca como flm da atlvldade em termos de "paixão mórbida, economica um tanto repugnante": 34 Não querer absolutamente nada. porém com a mais obsessiva das pulsões, conformando expectativas cruciais para as futuras gerações: eis aí um paradoxo - as velozes carruagens do tempo talvez estivessem. no capitalismo interpretado por Keynes, irremediavelmente desgoverna das. 35 rrr - CONCLUSÃO Entre a ação individual e o diagnóstico histórico, podemos ver Keynes identificar um nível intermediârio em que ganha relevância a interpretação de processos decisórios de natureza supra-individual. As classes sociais e etárias percebem o fluir do tempo a tal ponto diferencialmente que surgem riscos de naufrágio coletivo dos planos. Esse campo de possibilidades aberto pela luta de classes define a problemática da temporalidade capitalista: como o poder humano de adaptação às circunstâncías pode fazer o processo de enriquecimento degenerar em .jogo ou loteria. (l) Acontece que esse poder de adaptação distribui-se de modo. perverso e é através do exame dos circuitos de uma economia monetária que os mecanismos de perversidade podem ser expostos:a existência do dinheiro no capitalismo acarreta ilusões particulares de adaptabilidade que tendem a não se refere_ndar socialmente. Quando a desordem se propaga através de uma corrida desenfreada atrás de liquidez, o processo de transição entre eq~ilÍbros - ou entre épocas de desenvolvimento histórico relativamente estáveis (Z)_ pode se converter numa reação em cadeia cujo resultado mais imediato é o turvamento das perspectivas sócio-históricas civilizadas(ou seja, baseadas ·numa confiança mínima na viabilidade de projetos que vinculem o presente ao futuro). "ponto , A transição dos anos 20 aos anos 30 foi um 3 nevrálgico", ( ) um palco crucial tanto na percepção sensível quanto na interpretação teórica dos vários aspectos envolvidos na elaboração de projetos de desenvolviCf. Anexo (I ,2) para um esquema gráfico ilustrando o sentido desse campo de possibilidades. (2) Keynes.l por exemplo, situava-se entre a pros~ida­ de da epoca vitoriana inglesa e o "boom" do pos-guerra norte-americano. (3) Cf. Marramao, 1982. (1) )é mento e transformação social. Destacar a contribuição de Keynes desse pano de fundo, reduzindo suas ir.úmeras (e freqUentemente inconsistentes) intuições a modelos formais ou matemáticos é um procedimento que podia ser viável dos anos 40 ao inicio dos anos 60. A partir dessa dêcada praticamente todas as correntes ideolÓgicas têm , se curvado diante da necessidade de levar a História a serio. E quando uma pergunta passa a se tornar cada vez mais incômoda: o que é o tempo? - A resposta a essa questão não é Única, pela Única razao de que não existe um Único tempo. Se alguma inovação metodolÓgica houve nas ciências sociais contemporâneas, trata-se da aceitação de um paradígma em que a própria ciência ê sempre e renovadamente ciência-projeto que torna a si mesma como objeto de investigação e crftica,em franca oposição à concepção tradicional que defende a existência de uma ciência-reflexo que se· limita a registrar o decurso dos autornatismos sociais.C 1 )· Nesse sentido Keynes nunca procurou camuflar ser projeto: afirmou categoricamente que a luta de classes encontrá-lo-ia do lado burguês. E a teoria da dinâmica econômica cumpriria, nesse contexto, o papel de evidenciar o caráter conflitivo das perspectivas temporais (expectativas) socialmente viáveis no capitalismo. Por isso o projeto de Keynes criou condições para a mobilização mais vigorosa do Estado corno poder regulador sem se converter em apologia estatizante. Keynes não desvinculava as noções de ciênc ia e projeto, fato e von}ade, positivo e normativo-. Descobrindo as raízes econômicas da incerteza contemporânea, fez a sua própria aposta polí t'ica. Com 1sso mostrou q·ue ciência e polÍtica não se confundem, mas também nao se isolam positivamente. Nesse sentido a empre)._tada Keynesiana se diferencia de todos os autores que de algum modo elegeram de antemao algum critério de ordenação temporal (colocando as(1) Cf. Narramao, 1982, p.32. 37 sim a política fora da teoria). Autores como Schumpeter, que 'nunca deixou de confiar na história tecnolÓgica como fio condutor - desse modo relegando o momento da crise -a um 1·::-ajuste de caráter absolutamente endógeno e saneador. Trilhando esse rumo, ganha sempre evidência a tentação de assimilar a dinâmica econômica a mecanismos 1 cíclicos de duração variada. ( ) A teoria de ~eyns tem um aspecto polÍtico-normativo ao nível. do método, e não apenas das conclusões ou inferêca~.(Z) ' . Sem contar as inúmeras aventuras pÕS-Keynesianas pura formalização matemática do ciclo. (2) Cf. Marramao, 1982, p.63. (1) de PARTE II O TEMPO, A ORDEM E A DESORDEM PARA HOMENS "CONVENCER t INFECUNDO" W. BENJA\fiM .. ... DOIS PERIGOS NÃO CESSA\! DE fu\fEAÇAR O MUNDO: A ORDEM E A DESORDEM." PAUL VALÚRY 40 O TEMPO, A ORDEM E A DESORDEM I - D!AGNOSTI CO "A Tract on Monetary reform" foi publicaÇlo pela primeira vez em dezembro de 1923. Coletânea de textos, em grande parte jã publicados anteriormente (o capitulo sobre as conseqUências sociais de alterações no valor do dinheiro aparecerá nos "Essys on Persuasion"), em geral encarada como uma obra cujas concepções teóricas ainda se prendiam aos m.odelos tradicionais. Sem entrar- mos no mérito ou na importância das inovações analíticas de Keynes, é entretanto possível identificar já nesses textos importantes indicações da relevância atribuída p~r Keynes ao tema das expectativas. Já no Prefâcio encontramos uma distinção entre investidor privado e empresário que incorpora explicitamente uma"referência temporal": 'Deixa-se a poupança ao investidor privado ,que é encorajado a aplicar suas poupanças em títulos por dinheiro. Deixa-se a responsabilidade de colocar a produção em movimento ao empresário (flbusiness man"), que é principalmente influenciado pelas expectativas de lucros que espera obter para si em termos de dinheiro." (CWIV, p.xivl Dois compromissos fundamentalmente distintos: um requer coragem, o outro responsabilidade. Mas entre os dois compromissos, sustentando o céu e a te~ra, está o dinheiro. ''TÍtulos por dinheiro'' e ''lucros em termos de dinheiro": opções distintas que se apeiam na existência de um mesmo objeto. Essa definição breve, que aparece no Prefácio de 1923, contém jâ a semente de todos os desdobramentos analíticos futuros que se darão sempre em nome da reforma civilizada do caos capitalista. Aqui já aparece o elemento a partir do qual tanto a ordem quanto 41 a desordem podem ser compreendidas, e esse elemento - o dinh~ro - é o objeto econômico que secreta as mais variadas relações com a passagem do tempo. Compreender sua existência é compreender o significado do tempo econômico e as possibilidades de organização social pacÍfica desse tempo. "Aqueles que nao estão a favor de mudanças drás- ticas na organização social existente acreditam que esses arranjos (i.e., a separação entre investidor privado e empresário) estando de acordo com a natureza humana, têm grandes (CW IV. p.xiv) vantagens. 11 Note-se bem: em jogo aqui a identificação de comportamentos e categorias sociais. t imperativo, no crepusculo da progressista civilização vitoriana, saber se as diferentes categorias são temporárias ou nao (em caso negativo, estão eternamente de acordo com a "natureza humana"). O dinheiro não só vai servir como instrumento de manuseabilidade do tempo, mas é o prÓprio elemento a partir do qual aquela ordem pode ser avaliada temporalmente. Pois esses ''arranjos'' não podem operar adequadamente se o dinheiro que eles (os que não estão a favor de mudanças drásticas na organização social) presumem ser um padrão de medida estável, ê algo inseguro. i::lesemprego, a vida precária do trabalhador, o desapontamento das expectativas, a súbita.perda de poupanças, os lucros inusitados excessivos auferidos por indvíuos~ o especulador - tudo procede, em larga medida, da 1nstabilidade do padrão de valor." (CW IV, p.xiv) 11 ( ••• ) - - . Ou seja, a ordem que estaria associada a propr1a natureza humana repousa sobre uma coisa instável, insegura. A "natureza humana" a que se fez referências aqui só pode ser, como vimos, a propensao a decidir racional- mente com a maior confiança possível. ~ essa ressonância das discussões sobre Probabilidade que se oculta sob a palavra "responsabilidade" do empresário. Mas como proceder racionalmente se o pr6prio crit~o a partir do qual o cálculo racional se estabelece é um critério ínseguro, um padrão instável? Em 1923, Keynes ainda faz referências ao "risco": n_e comum supor-se que os custos de produção sao trÍplices, correspondendo à remuneração do trabalho, empresa e acumulação. Mas há um quarto custo, a saber o risco - e a remuneração pela assunçao do risco é das mais pesadas, e talvez,a mais evitada, das constrições sobre a produção. Esse elemento de risco é gradualmente agravado pela instabilidade do padrão de valor.u As propostas de reforma monetária por Keynes visam precisamente a diminuir os estragos do risco. Não do risco em geral, da dificuldade humana genérica em prever o futuro. Mas do risco que, implÍcito na responsabilidade . instabilidade do dos produtores, sustenta-se na propr1a dinheiro. E crucial atentar para essa forma de colocar o problema, pois paradoxalmente ela em certos aspecto~ mais clara do que as formulações posteriores de Keyns~ - Essa maneira de identificar os efeitos da instabilidade monetária estava presente também nos escritos de D.H. Robertson, economista que durante muitos anos colaborou e influenciou a obra de Keynes: "( ... ) na realidade toda manifestação violenta ou prolongada de instabilidade no valor do dinheiro afeta não s6 a distribuiçao, mas também a criação de riqueza, pois ameaça minar a base dos contratos e as expectativas dos negÓCios em que se fundamenta nossa ordem econômia~ ( ... ) uma alteração Yiolenta ou prolongada no valor do dinheiro mina a confiança com que os indivíduos fazem ou aceitam (contratos)". (Robertson, 1955, p.18). Note-se a referência às nexpectativas" e à"confiançau Ocorre que Robertson, ' 43 como vários autores apegados ã herança marshlí~,c­ mava a atenção para as expectativas e incerteza como fenômenos casuais, choques exogenos sobre o mecanismo de auto-regulação dos mercados. Há entretanto uma grande diferença entre considerar a incerteza como uma "ficção" eventual ou como um problema estrutural gerado endogenamente. O risco associado à existência do dinheiro é apenas a ponta do uiceberg 11 • Mais de um intérprete, em função das ambiguidades daescrita de Keynes, tentou reduzir esse risco eivado de instabilidade monetária a uma distribuição probabílÍstica .•. O fato inquietante é que esse diagnóstico do problema econ6mico ~eal estará associado i utilização dos instrumentos de análise tradicionais. Apenas lentamente Keynes irâ forjando novos conceitos. Mesmo assim,com novos conceitos c um diagn6stico inovador dos problemas cruciais da economia capitalista, a combinação de conceitos e diagn6sticos em modelos e .em linguagem · tradicionais abriri espaço, em toda a obra de Keynes, a toda sorte de traduções da sua mensagem para o ide~ro satisf~ito dos que ''acreditam que esses arranjos, estando de acordo com a natureza humana, têm grandes vantagens". Um dos traços característicos da defesa cega da ordem pelos economistas conservadores radica na atribuiçao da ''instab.ilidade" a fatores exôgenos. No "Ti·act"Keynes já faz um diagnóstico inovador mas respeita certas distinções tradicionais. Assim, lado a lado com a identificação da instabilidade que se canaliza através de expectativas monetárias, Keynes preserva a distinção trasedicional entre teoria monetária e teoria do valor, guindo as linhas de Marshall e Pigou no "capítulo teôrico" do livro (cap. I I I). Como era possível mudar o diagnóstico mantendo instrumental analÍtico? o 4 .,.; 11 - CONCEITOS Vejamos os principais conceitos que aparecem nas anãlíses do "Tract on Monetary Reform". Advirta-se entretanto que, apesar desses conceitos e categorias estarem associados a debates de política econômica dos fins do século XIX e começo do século XX, só pretendemos explorar essa dimensão de história política quando indispensável. O objetivo central desse estudo é reconstruir a partir de um foco particular a arquitetura conceitual de Keynes. 1. Determinantes do Valor do Dinheiro A teoria monetária anterior ao 11 Tract" constituiu-se num processo de evolução lenta a partir das idéias de J.S. Mill, culminando nas obras de Walras, Marshall, Wicksell e Fisher. (Schumpeter, 1982, p.474) O Keynes do "Tract'' dará continuidade a essa linha evolutiva a partir, príncipalmente, de Marshall. Como já dissemos acima, o dinheiro ji chamava a atenção de Keynes como foco a partir do qual o tempo e a instabilidade da economia capitalista podem ser compreendidos.É importante avaliar as transformações que a teoria monetâTia vai sofrer nas mãos de Keynes do,"Tract" ã "Teoria geral''. ~ que a tradiç~o da teoria econ&mica separava a discussão sobre o dinheiro das análises do "sistema econ&mico'', quando seria alternativamente importante perceber a possibilidade de uma "análise monetária do conjunto do processo econômico". Nesse sentido, inclusive a "Teoria Geral 11 é análise monetária. (Schumpeter, 1982 ,p. 1175). Marshall, que desenvolveu suas teorias a partir dos anos 70 do século XIX, também referia a análise monetária à uAnâlise geral do processo econômico e como um dos 45 aces~ ~teoria do emprego''(l) (idem, p.1176) ai~d que suas concepções •"JO campo da teoria monetária tenham sido publicadas quando ele já era um ancião em Cambridge, ofuscado pela produção nascente de autores como Keynes, Robertson, Hawtrey, Lavington e Pigou. Cada um deles procurava levar adiante, com inovações, a herança marshalliana. Mas só a obra de Keynes, como veremos, consumou a possibilidade de uma ''teoria geral da economia monet~­ riau, escapando à recorrente compartimentação tradicional entre a teoria do valor e ditribuição, por um lado, e a teoria do dinheiro, por outro. Seguindo a observação do agudo historiador do pensamento econômico, ''o modelo do processo econ6mico continuava sendo no essencial um modelo de troca cujo funcionamento pode verse perturbado' pelas inflações e deflações, mas que apesar disso ê logicamente completo e autônomo com relação à moeda ( ... ) inclusive quando se expressava em linguagem monetária". Aqui Schumpeter reconhece (op. c i t. p. 1181) até mesmo os limites da análise de Walras, seu exemplo de uma dileto de ''economista científico''· ·No contexto teoria geral dos processos econômicos, o dinheiro continuava sendo uma "expressão homogênea de uma variação de quantidade de bens fÍsicos". Como resultado de uma compartimentação entre questões 11 reais 11 e "monetárias'' o problema da determinação do "valor de tr.oca" ou "poder de compra" do dinheiro era o problema central da teoria monetária. Daí o popularidade do título "moeda e preços" em bom número de publicaçõeS até o pÓs-I Guerra (Schumpeter, 1982, p.1182). Mas se as curvas e tabelas de utilidade aplicadas a qualquer bem, "o indivíduo" tem tes de mais nada o que pode comprar com seu ra poder dar algum valor subjetivo. Deduzir podem ser que saber andinheiro pao valor de (1) Pensava inclusive em dar o título "Money, Credit and Employrnent" à obra que veio a se chamar "Money, Credit and Commerce, publicada em 1923. troca do dinheiro a partir da avaliação subjetiva implica circulari t~<H.lc do raciocínio (idem). A percepção dessa dificuldade implicou na versão "mascarada", em.que se aplica ao dinheiro o aparato da "oferta" e "deman.~ 0 que até hoje se conhece como "teoria quantitativa". O dinheiro é um "caminho" pelo qual vão ao mercado todos os produtos, comparava Adam Smith~ Mas a ninguém ocorrer? comer um caminho e, apesar disso, o homem se surpreende constantemente ao descobrir que não pode comer o dinheiro". (Robertson, 1955, p.lS). Identificar e determinar o valor do dinheiro requer a ardilosa capacidade de escapar ao círculo vicioso: o valor do dinheiro é quanto ele pode comprar, mas tudo o que se pode comprar vem expresso em dinheiro. Que não se procure o absurdo de expressar o valor do dinheiro em termos de si mesmo! 11 Tooke, Mill e Marshall conformam a tradição inglesa da "teoria quantitativa" a partir da qual parte a a nalise monetária do lTTract". Aliás, datam das principais décadas desse século as discussões em torno da elaboração de medidas de cálculo da variação do valor do dinheiro: as técnicas de construção dos chamados "nÚmeros-Índices" capazes de captar a natureza e a magnitude das variações de preços. A teoria quantitativa procura estabelecer relações entre conceitos bastante prÓximos aO material estatístico ligado ã avaliação das flutuações de preços. - Qual o ponto de partida da teoria quantitativa? Considera o dinheiro um objeto tão equivalente a !odos os outros objetos em trânsito numa economia que a determinação de.seu v.alor também se confina às condições de demanda e às quantidades dispo:níveis. Quanto à disponibilidade de dinhe.iro, -podemos levar em conta seja o estoque de dinheiro que existe na economia em um momento dado, seja o fluxo de dinheiro que circula pela economia em um períod.a~ E ai já reside uma distinção impor- 47 tün~ teoria quantitativa: entre estoques e (associados ao "momento" ou a um ltpcrÍodo 11 ) . ~a fluxos Por outro lado, as condições de demanda de dinheiro são nessa teoria remetidas ao volume total de operações comerciais de todo tipo que se realizam através do dinheiro. Na sua forma mais simples, a teoria quantitativa afirma que dadas as condições de demanda do dinheiro, 0 seu valor depende de quantidade disponível (oferta de dinheiro). Na fo:rm...tlação de Irwing Fischer, se M ••. quantidade de dinheiro em circulação V ..• velocidade da circulação (ou "eficiência 11 ) T •.. volume físico do tráfego então MV = PT Onde, dadas as condições de demanda (velocidade de circulação e volume de transações) o ''valor do dinheiro" (o nível P de preços) depende da quantidade disponível SM). Assim expressa, a "teoria quantitativa" nao passa de uma tautologia banal, uma aplicação ao dinheiro do jogo entre "oferta" e "demanda". Seria portanto mais adequado chamar essa relação de 11 equação de troca" (Schumpeter, 1982, p.1179 e 55). Uma simples relação formal entre volume de dinheiro existente em circulação (e note-se que sequer estamos discutindo quais objetos podem ser interpretados como cumprindo o papel do Hdinheiro em circulação") e nível de p_reços (onde, note-se novamente, também não estamos discutindo as virtuais impossibilidades de se chegar a construir um indice ''geral'' de preços). Mas a teoria quantitativa tradicional dâ ã relação formal uma conotação causal. Isto ê, o nível de preços 48 (e portanto, o ''valor'' do dinheiro) ~ diretamente afetado pela quantidade existente de dinheiro. Assim t para explicar o valor do dinheiro ("preços")os ''clissicos'' construíram alguns poucos agregados ao ponto de considerá-los como causas da variação dos preços. Entretanto, Keynes (seguindo Plgou)} apesar de nao distinguir explicitamente "equação de troca" de "teoria quantitativa", na prática não confundia, no "Tract", esses dois significados. Citando o herdeiro de Marshall: "A teoria quantitativa é freqUentemente defendida e atacada como se fosse um conjunto definido de propos1çoes que deve ser verdadeiro ou falso. Mas de fato as fÓrmulas empregadas na exposição da teoria sao meros recursos que nos permitem juntar de modo organizado as causas principais pelas quais é determinado o valor do dinheiro". (CW IV, p.61). Portanto, a equação de troca etão verdadeira ou falsa quanto a proposição: "Os homens casados não sao solteiros". Ocorria que os defensores da teoria quantitativa, ao confiarem na capacidade explicativa da equação de troca, acreditavam na capacitação do sistema econômico ajustar-se espontaneamente às oscilações no volume de dinheiro existente (oscilações cuja origem, pressuposta,era exógena: por exemplo, afluxos de ouro através do comércio internacional). 11 Ajuste espontâ'~ isto é, semprejuizo dp funcionamento da economia! da criação e distribuição de riqueza. O valor do dinheiro simplesmente depende das forças espontâneas do sistema. A versão da "teoria quantit.ativa 11 usada por Keynes difere na sua formulação da equação de Fisher. No lugar de H (dinheiro em circulação), a chamada equação de Carobridge opera com n o "número de notas que o público procura reter em mãos", o qual -é determinado pelo 11 montante de poder de compra" com que esse número de notas investe seus proietás~ 49 Essa versão, também conhecida como enfoque dos saldos lÍquidos ("cash balances approachn), possui as sementes das futuras análises de Keynes. Pois esses saldos, que o público retem em suas mãos para cobrir o intervalo temporal entre recebimento de uma renda e realização de um gasto, são uma quantidade de dinheiro a preservar em maos que depende da avaliação feita pelos indivíduos quanto ã manutenção temporária de um certo poder aquisitivo. O público decide manter um saldo lÍquido, e este modo de expressão "constitui uma ponte psicolÓgica em direção a id6ias posteriores .•• pois apontais decisões individuais subjacentes ao comportamento do pÚblico com referência aos seus haveres disponíveis lÍquidos e sugere a anilise dos motivos que provocam essas decis6es 1 ' . (Schumpeter, 1982, p.1203). Justamente por nao superar a distinção entre r1queza e renda, fluxos e estoques, essa versão ainda não é uma teoria da "Preferência pela liquidez" ou da "composição de portfolios" (Patinkin, 1976, p.27). Ainda assim, é importante notar essa ênfase da "equaçao de Cambridge 11 , ou "enfoque dos saldos 1Íquidos 11 , na avaliação temporal, feita pelo pÚblico, do poder de compra. Essa avaliação por sua vez depende em parte da riqueza possuída pelo pÚblico, em parte de seus hábitos monetários. Resumidamente, a equação de Cambridge se escreve: n = p. K.Y onde n demanda por saldos liquides p nível de preços Y •.. nível de renda real (ou riqueza, já que a distinção não era feita por Marshall) 50 K ••• quantidade de bens para a aquisição dos quais deseja-se preservar um certo poder de compra. Hibitos monetirios: periodicidade com que se recebe renda, preferência por andar com dinheiro ou cheques ban- cários, se se costuma dar cheques pequenos em intervalos curtos ou cheques maiores em intervalos longos, se se mantêm algum dinheiro em reserva dentro de casa. Claro que esses hábitos dependem das expectativas ao longo de determinados períodos de realizar despesas. Um conjunto de bens será objeto dessas despesas e esse conjunto é denominado por Keynes "unidade de consumo". Assim, o pú- blico requer a manutenção de um montante de dinheiro que tenha poder ~e compra sobre ! unidades de consumo.A equ~ çao de Keynes é ligeiramente transformada para incorporar tanto a reserva de poder de compra em dinheiro (K) quanto em depósitos bancários (K'). Assim, sua equação n onde r é: =p (K+rK') reservas bancárias. Se !, K'e r permanecerem constantes (os hábitos monetários) 1l) ~emas urna relação direta (porém não necessariamente causal) entre n e Q· Ent.retanto 1 há um erro feito pelos "aderentes des- cuidado.::."da teoria quantitativa (CW IV, p.64-5). Esse erro consiste em expôr a teoria pressupondo que uma mudança na quantidade de dinheiro não pode afetar !, K' r, isto é, "no linguaj ar matemático, que n é uma vel independente em relação a essas quantidades". e variá- Ora, todo aquele que tratar M ou ~ como variáveis independentes filiar-se-á inevitavelmente à teoria quan(1) K e K' são reflexo da renda da comunidade que aparece expressamente na equação. nao 51 - titativa, no sentido de atribuir uma conotação causal a equação de troca. Já Fisher, nas análises que fez de"pcríodos de transição" (desequilÍbrios), destacou as inúmeras causas atuantes além das "causas próximas" (M,V,T) a tal ponto que estas não passavam de intermediárias das causas reais. Assim, ao apontar o ~ dos "aderentes descuidados", Keynes filiava-se ã tendência moderna a "escapar à camisa de força (da formulação simples da equação de troca) e introduzir direta e explici tarnente tudo o que as melhores exposições da teoria quantitativa relegavam ao limbo da influência indireta". (Schumpeter, 1982, p.1199). Mas os defensores da "teoria" quantitativa mantinham ~'e! (os hábitos monetários a todo custo constantes e a influência sobre os fluxos de dinheiro dos estoques de riqueza). E, Keynes, por outro lado, aceitava qu~ no ''longo prazo" esses hábitos e influências rrovavelmente são estáveis e acabam voltando a assumir valores normais. E justamente aqui se vai dar a inflexio e o começo de torsao dos conceitos clássicos operada por Keynes. Pois em que agradável comodidade instalam-se esses economistas que defendem o "laissez-faire" em nome ela espontaneidade dos mecanismos de mercado .... no longo prazo! Nesse momento foi cunhada a expressão tão quanto pouco compreendida: repetida H?-fas esse longo prazo é um guia desorientador para os acontecimentos correntes. No longo prazo estamos todos mortos. Os economistas assumem t.~ma tarefa demasiado difÍcil e inútil se, nos momentos tempestuosos podem apenas dizer-nos que muito depois de passada a tempestade o oceano estari novamente calmo.'' (CW IV, p.6~ Note-se bem: a modificação que se deve introduzir na visão ortodoxa da equação de troca ê necessária por que 52 o longo prazo pres.suposto pela teoria clissica nao passa de uma ficção enganadora, uma tautologia em si mesma tão vazia quanto a própria relação formal expressa pelaequaçao. Eis o ponto de inflexão dos instrumentos de análise que já em 1924 permite a Keynes elaborar um diagnóstico mais radical inclusive que o do pr6prio Marshall: as relações econômicas herdadas pela teoria são inúteis se nao somos capazes de identificar com maior rigor o E!ríodo a que fazém referência, ou o tipo de temporalidade a que estão associadas. O ''longo prazo'' apenas reflete no plano temporal a tautologia que se expressa no plano lÓgico. E qual o filtro atraves do qual o período de tempo relevante para as decisões econômicas aparece? Justamente os hibitos monet5rios, que a teoria quantitativa supunha erradamente serem constantes e independentes do volume de dinheiro existente em um dado momento. Mas K pode variar até mesmo independentemente de ~' pois os hábitos monetários variam ao longo dos ciclos econôrnicos (isto~ dependem das expectativas de comportamento futuro da economia, distintas conforme a fase do ciclo). -Fundamental, portanto, é a instabilidade dos costumes de uso do dinheiro, Mas,ainda, hábitos e práticas, urna vez alterados. di fiei lmente rever tem exatamente às formas anteriores (CW IV, p: 66- 7) . (1) ênfase na variabilidade de K está na base das propostas centrais no "Tract", de exercício de uma polÍtica monetária ativa (e não de manutenção de uma estabilidade a todo custo do volume de dinheiro na economia e das taxas de reservas compulsórias dos bancos) que pudesse justamente contrabalançar os efeitos cÍclicos sobre os hábitos monetários. Não nos detrmos~ entretanto, como jâ se notou, sobre a dimensão "política econômica 11 dos escritos de Keynes. (1) A 5.3 A rejeição do ''longo prazo'' não ~' como tantos curam caracterizar a intenção de Keynes, sinal de preocupação restrita ao "curto prazo 11 • prouma Estamos, isto sim, presenciando o abandono da distinçio tradicional entre curto c longo prazo em nome da identificação mais precisa dos canais atrav6s dos quais os agentes econômicos são capazes de perceber a passagem do tempo. ~ o que nessa etapa da obra recebe o nome de uhâbitos monetários". A ênfase na variabilidade de K esti portanto diretamente ligada i rejiç~o da visão tradicional do "prazo" econômico, tanto mais porque aqueles "hábitos" estão diretamente relacionados à avaliação das possibilidades no tempo de manutenção de um certo poder de compra. Conforme a avaliação que se faça resultam difernt~ ritmos de gasto (velocidades de circulação e montantes fÍsicos de transação). A temporalidade economica será compreendida na medida em que -identfcarmos~ determinantes desses ritmos. Ora, o que e o tempo senao a percepção de movimentos segundo determinados ritmos? Esses ritmos, que configuram a passagem do tempo, podem se alterar. Iso~ tudo o que diz Keynes, por enquanto. Mas a mera indicação de que os ritmos podem mudar alerta para a necessária preocupação com os obstáculos à passagem do tempo econômico, isto é, à manutenção de um padrão rítmico de gastos estável. Em suma, talvez existam, incrustrados nas circunstincias rnonetirias que determinam o r{tmo dos gastos, mecanismos que impliquem (no presente) um ruptura entre o passado e o futuro. Ora, esse "presente" não é simplesmente 'o 11 curto prazo" tembora ainda não seja possível, nesse moillento, precisar seu sentido. Isso requer outros conceitos que no "Tract"ainda não existem. Sim, po1s a identificação dessa instabilidade dos hábitos monetários ainda representa a ausencia de uma análise autenticamente endógena dos fatores 'a determinantes da instabilidade. Em outras palavras, circularidade implÍcita nas tautologias da "análise'qua:n- titativa é impossível escapar sem remeter a uma "mudança de hábitos". Como ainda nao há conceitos alternativos, Keynes alia ã sutil indicação de um paradoxo lÓgico urna penetrante discussão dos efeitos sociais dessa instabilidade. Pois "o efeito nos preços de um aumento do dinheiro é indeterminado enquanto não saibamos quem fica com esse novo dinheiro, que faz com ele e qual é o estado do organismo econômico a que chega esse dinheiro novo". (S:hlnnpeter, 1982, p. 1204). 2. CLASSES SOCIAIS :E' comum, com base nos "modelos" derivados a partir 11 dos conceitos da "Teoria Gcral , dizer não apenas que a análise de Keynes se concentra no "curto prazo 11 como também atribuir-lhe senão a criação, ao menos a ênfase no trabalho analÍtico com 11 agregados". Ora, a equação de troca já é uma representação de variações econômicas que simplifica a descrição dos processos através da agregação. A resposta crítica de Keynes radica justamente na busca de outros agregados menos genéricos e simples,mais "realistas". No "Treatise on Honey 11 , por exemplo, a construção de números-Índice será extensivamente discutida e a elaboração de Índices de preços setoriais será proposta·. Entretanto, poucos têm insist·ido nas visões da estratificação social subjacentes à elaboração conceitual de Keynes. Explicitar essas visões tem uma dupla importância: pois a divisão social que aparece no ensaio incluído no "Tract" - se vem suprir a ausência de conceitos que definam endogenamente a instabilidade -mostra que a preo- cupação de l\eynes não se limita à redefinição de "agregados macroeconômicos 1' mas alcança também a identificação dos agentes econômicos tipicamente capitalistas. Os hábitos monetários (e a percepção temporal neles implÍcita) só ganham sentido se referidos a esses agentes. 55 Assim como a passagem do tempo geolÓgico é distinta do tempo histórico, .no interior da sociedade as percepções e os efeitos da passagem do tempo são diferenciados. Em outras palavras, as variações do poder de compra se distribuem desigualmente, assim como as avaliações quanto à duração da capacidade de exercer um certo poder de compra. Por outro lado, a definição de modelos de estratificação social aproxima a análise de um diagnóstico histórico e político. Isto é, o 11 tempo" aparece tanto ao nível da percepção dos agentes quanto ao nível de definição dos limites históricos do sistema capitalista. Dois níveis certamente distintos, mas que se comunicam quando Keynes percebe que a extinção de certas 11 Classes 11 (que têm um poder especial de se apropriar "irresponsavelmente" de poder de compra) pode 11 prolongar 11 a existência do capitalismo na história. Essa conexão já aparece, ainda que de forma embrionária, no ''Tract", e iremos acompahar os seus desdobramentos ao longo da obra de Keynes. ~ o conjunto de temas que leva à proposição de "eutanásia de ren tier", 11 rna ior participação do Estado" etc. Uma conseqUência da "teoria quantitativa", já que ela explica as oscilações de preços como ajustes a variações na quantidade de dinheiro do Sistema, é a neutr:al idade "a longo prazo" das variações dessa quantidade sobre as magnitudes reais da economia. A teoria monetária, como já vimos, sempre foi considerada pelos clássicos um compartimento isolado, e a defesa de uma relação caus~ estrita entre variações no volume de dinheiro e oscilações de preços completa a clausura. A rica análise social dos efeitos da infla ção e deflação feita por Keynes no cap. I do "Tract" é uma crítica direta à falta de realismo da teoria quantitativa na explicação dos "ajustes de preços e salários nos diversos setores e das rendas monetárWs S6 das distintas classes sociais". (Vícarelli, 1980, p. 53). Como se as oscilações de preços, salários e rendas não afetassem a poupança, o investimento, a produção e o emprego, os 11 Clássicos" mantinham a separa ... ção entre a teoria do valor e teoria monetária. }.fas, uuma mudança no valor do dinheiro, isto é, no nível dos preços, somente ê importante para a sociedade na medida em que sua incidência e desigual". (CW IV, p.l). - Essas mudanças afetam a distribuição de riqueza entre as diferentes classes (nesse caso a inflação é mais deletéria) e a E!odução de riqueza (nesse caso a deflação para Keynes do "Tract 11 , era mais destrutiva). A fase do capitalismo que se consolidou durante o séc. XIX consagrou a separação entre a gerência e a propriedade de riqueza. A esse capitalismo Keynes denominava sistema de investimento .CCW1V, p.4).0 11 Sistema de propriedade", em geral, designaria um univer so mais. amplo. (l) A classificação social identifica$e por três classes- investidores (investing class), empresários (business class) e assalariados (earning class). O surgimento dos "investidores" (que seriam melhor chamados, se aqui já estivesse mais desenvolvida a elaboração de Keynes, de "poupadores") deveu-se pre cisamente ã separação entre propriedade e gerência da riqueza através: 1. da possibilidade de preservar a propriedade de terras, edifícios e máquinas através de títulos de uma "joint stok company 11 ; 2. da possibilidade de abrir mao da propriedade (1) Também Schumpeter constrói uma distinção semelhan te, entre "ordem capitalista'' e usistema econômico _capitls"~ de riqueza tcmporarillmcnte em troca de uma soma fixa de dinheiro ("leasing"); 3. da possibilidade de abrir mao permanentemente da propriedade em troca de hipotécas, açoes, debêntures etc. A terceira forma através da qual se ·cristalizou a separação propriedade/gestão representa para Keynes o plano desenvolvimento do "investimento". Assim dife- renciam-se os '·'investidores" (aplicadores de dinheiro de diversas formas financeiras) dos "homens de ncgÕcio!l, ao longo de um perÍodo em que a estabilidade dos preços garantia aos aplicadores a conservaçao ou mesmo ampliação de seu poder de compra. Aplicando crescentemente seus recursos monetários, proporcionavam aos empresários a poupança que estimulou o processo de crescimento. Assim a classe proprietária empregava seus recursos sem se responsabi] izar nem se arriscar com a "condução das negócios". uA moral, a política, a literatura e a religí- ao dessa era reuniram-se muno g:r:mde conspiração para a promoção da poupança. Deus e Namon se reconciliaram. Paz na terra aos homens de boas posses. Um homem rico poderia, finalmente, entrar no Reino dos Céus - bastaria poupar. Uma nova harrrionia soava nas esferas celestiais". (CW IV, p.6) Uma extrema confiança na eterna estabilidade no valor do dinheiro aumentava a harmonia de interesses entre classes. O séc. XIX criou o "presente eternou,a confiança na expectativa de que no futuro permaneceri am aquelas experiências felizes. Esse séc. XIX que "decidiu esquecer que não há garantia históririca para a expectativa do dinheiro continuar sendo representado seja por uma quantidade constante de algum metal particular, seja, ainda menos, por um poder de compra constante". (CW IV, p.S) Aliás, lembrava Keynes, a histórica deterioração progressiva do poder de compra esteve ancorada tanto nas açoes estatais quanto na "influência política superior da classe devedora''. Essa tendência do dinheiro ã "depreciação" sempre foi um antídoto aos juros compostos e às heranças de fortunas. Sempre foi uma influência capaz de relaxar a rígida distribuição herdada. Cada geração é deserda da pela depreciação do dinheiro (note-se a arguta av~ liação presente nessas páginas, da relação entre pqssado e o futuro que se estabelece através do dinhero~·, uma vez que a inflação, constatava Keynes, sempre foi um processo histórico contínuo. (CW "IV, p.10) - "( •.. ) quando os acontecimentos rea1s de seculos nio afetam suas ilusões, o homem m6dio encara o que foi normal por três gerações como parte de um tecido social permanente". (CW IV, p.10). Qual não foi a surpresa dessa classe de confiantes 11 investidores' 1 diante as mudanças que passam a se explicitar com a I Guerra Mundial? As suas poupanças foram completamente, ou quase, anuladas. A percepçao desses acontecimentos só poderia afetar e modificar a "psicologia social 11 relacionada às práticas de poua~ ça e in~·estmo (isto é} a percepção das possibilidades de preservação por parte dos proprietários de riqueza, do seu poder de compra). Sem dúvida a inclinação a aplicar essa riqueza nos empreendimentos se via ameaçada, pois a própria riqueza- em títulos- é violentamente destruida. 50 Mas a classe dos empresários pode se favorecer tan to porque o valor real de suas dívidas diminui quanto por surgirem possibilidades de lucros especulativos, que acompanham a acelação da inflação. A expectativa de preços futuros mais elevados favorece os empresarios comerciais, que compram antes de vender. A atividade comercial (e industrial) transforma-se em jogo de apostas. Tomar dinheiro emprestado torna-se um jogo atraente e os empréstimos bancários expandem-se além do normal ou usual. As antecipações dos preços prospectivos (CW IV, p.19) tornam-se o aspecto central da atividade empresarial. O que importa não é o fato (um dado aumento de preços), mas as expectativas de aumento de preços ainda que o aumento efetivo acabe sendo um fato exógeno. Vemos assim como a análise da alteração dos hábitos monetários acaba levando a ·um diagnóstico radical tanto das possibilidades de percepção do futuro quanto da própria vj..abilidade histórica do capitalismo. Pois "Se a depreciação do dinheiro é uma fonte de ganho para o empres,ír i o, é também a ocasião do opróbrio. Para o consumidor os lucros excepcionais do empresário aparecem como a causa (e nao como a conseqUencia) da odiada elevaçao de preços. Em meio à rápida elevação de suas fortunas o próprio empresário perde seus pensar instintos. de conservação e começa a mais nos enormes ganhos do momento do que nos menores, porém permanentes, lucros da empresa normal. O bem estar de sua empresa no futuro relativamente distante pesa menos'para ele do que ·antes e os seus pensamentos excitam-se com a idéia de fortuna rápida e liquidação. Seus ganhos excessivos sobrevieram-lhe inesperadamente e sem erro ou plano de sua parte, mas uma vez adquiridos ele não os abandona facilmente e lutará para reter os frutos do saque. Com tais impulsos e assim colocado, o próprio empresário não está livre de um suprimido de.?. conforto. No seu coração perde a prévia auto-confiança na sua relação com a sociedade, na sua utilidade c necessidade no esquema econômico. Ele teme o futuro de seus negócios e de sua classe c quão menor a segurança por ele conferida ã sua fortuna mais ele se aferra a ela. (l) O empresário, o pilar da sociedade e o construtor do futuro, a cujas atividades e rendimentos atribuía-se recentemente uma aprovaçao quase religiosa, ele que de todos os homens e classes era o mais reSpeitável, louvado e necessário, junto a quem interferir ora nao apenas desastroso mas quase ímpio, agora viria a ser objeto de olhares obtíquos, sentindo-se suspeito e atacado, a vítima de leis injustas e injuriosas- torriar_a-se, vendo-se a si mesmo envergonhado, um explorador". (CW IV, p.23-4) Trata-se de um texto formidável, talvez apenas comparável, na sua contundência e riqueza descritiva, a ao célebre artigo de 1937, onde Keynes recolocou 'mensagem da "Teoria Geral (mas que não surpreende,se levarmos em consideração a igualmente rica produção polêmica)~ Eivado de uma inegável porém desprezada dial-ética: aquele que era mais necessário torna-se não apenas socialm-ente dispensável, mas conscientemente repudiado (até por si mesmo). 1\at.uralmente a origem da inflação ainda e exogena ----(se tão somente já existissem, nessa época, os concei 11 - (1) N~a versao original do texto, aparecia ainda a fra s-e "Com esses sentimentos e ansiedades ele é v-!tim:a n:atural da intimidação e t-reme diante u:rna palvr,~ uma de 61 tos de oligopólio e ja mesmo a raz.ão ~- 11 ntark-up" •.. )( 1 )e talvez essa se- pela qual a análise das cxpectatí- adquire tal densidade e, ainda que sendo um ·comportamento individual, tamanha ressonância social. Vale ressaitar a inversão de papéis que se e o aspecto fundamental dessa inversão é a opera completa transformação por que passa a percepção temporal agentes. O empresário não atenta ma1s para o dos futuro, os consumidores não se fiam mais no passado. No cen- tro dessas transformações está o "ganho do momento", um ganho alimentado por expectativas especulativas. Naturalmente é importante perceber que a origem desse ganho - a depreciação contínua e subitamente acelerada do dinheiro -ainda não foi explicada. Às tautologias - uma refinada da teoria quÇI.ntitativa Keynes opoe lise dos padrões de percepção de passagem do (fulcro de mudança de hábitos monetários e da - ana- tempo classi- ficação social), onde o empresário está, do ponto de vista da arquiterura social, estrategicamente colocado para tirar ·proveito (esse é o s_entido, aqui, de "explorar") de uma situação pela qual ele não é em Última instância, responsável. Mas se Keynes ainda não identifica a origem, concentrando-se nos canals -comunicantes (pois está discutindo os efeitos da Inflação sobre a distribuição de renda), está claro que surge com força o caráter determinante (do ponto vista da orien·tação da distribuição de riqueza) de dos modos pelos quais a classe empresarial exerce seu poder de compra (ou, o que é o mesmo, seu "poder de ga~ to"). E. é crucial que repentinamente ("\ándfall profits") esse poder de gasto se descomprometa com o pas sado ou com o futuro, através da especulação. A (1) espcul~ Em Cambridge mesmo, e em grande medida paralelamente ao desenvolvimento intelectual de Keynes, outros economistas apenas começavam a criticar as hipÓteses da concorrência perfeita (onde os "preços" são dados pelo mercado ... ). Cf. Shackle, 1967. O paralelismo deve-se, ainda, ã separação tradido nal entre teorias do valor e monetária. çao, entretanto, alimenta dialeticamente o poder empresarial - isto é, vai simul tancamcnto minando - lhe as posses pessoais, psicolÓgicas e sociais. As expectativas (como vemos, nao apenas do futuro, mas "do passado", se interpretamos "expectativas" como ''padrão de percepção temporal") ocupam portanto, também no "Tract", um lugar crucial. São o canal comunicante de um poder, mas são também a forma por excelência pela qual esse poder se exerce conscientemen te. Não é outro o significado de "mediação". Uma vez exploradas as dimensões subjetivas (mas nao estritamente individualistas) de determinação do poder de compra ou de gasto, Keynes passa à dimensão temporal propriamente histórica, ã qual só é possív.el chegar ·por ter identificado também as dimensões subj~ tivas com as encruzilhadas do fluir temporal. Nenhum homem de espírito(1) consentirá em permanecer pobre se acredita que os melhores(Z) ganharam suas riquezas pela jogatina sortuda. A conversão do empresário em explorador é um golpe no capitalismo, porque destroi o equilíbrio psicolÓgico que permite a perpetuação dos rendimentos desiguais. A doutrina econômica dos lucros normais) vagamente apreendida por qualquer um, é uma condiçãonecessária para a justificação do capitalismo. O empresário só é tolerável na medida em que seus ganhos ainda preservam alguma relação ' com o que, grosseiramente e em algum sentido, suas· atividades contribuíram para_ a sociedade. 11 (CW IV, p.24) (1) No sentido de inteligente, capaz. (2) Os mais ricos. Esse fragmento já mostra um Kcyncs consciente (e expl ici ta dor) das premissas ideolÓgicas da teoria eco nômica ortodoxa: daí o caráter autocrítico de sua obra. Ao mesmo tempo, coloca em cena uma discussão a qual pouca ou nenhuma atenção conferem os economistas: pode o capitalismo sustentar-se sem a preservação de seus sÍmbolos, de suas ideologias? Nesse sentido é inusitado o conceito de "equilí- brio psicolÓgico" (e a ele ainda voltaremos). Demonstra a percepção de Keynes tanto da inexistência de qualquer equilÍbrio no "capitalismo real'' (como de resto explícita toda a sua rica análise descritiva) quanto do caráter necessário, para a própria continuidade da atividade empresarial, da representação do equilíbrio (em outras palavras, da estabilidade). !>1as como compatibilizar estabilidade com expectativas excitadas pela especulaç5o? Essa questio, apenas vislu! brada nesse texto, receberá resposta em momentos posteriores da obra. Quanto aos assalariados, em geral' os salários movem-se mais lentamente que os preços. Mas Keynes observa que o fortalecimento da organlzação sindical garantiu a manutenção relativa do poder de compra dessa classe (aliás possibilitada em alguma ··medida pelos ganhos especulativos dos próprios empresários) (1). Nas- também no caso da classe assalariada é necessário 'indicar o alcance temporal das vantagens obtidas. Pois nNão podemos estimar a estabilidade desse estado de coisas, em comparação com a sua desejahilidade, a não ser que saibamos a fonte de onde o rendimento maior das classes trabalhadoras foi tirado. Foi ele devido a uma modi(1) Ao menos durante a fase inflacionista, pois o ciclo dos negócios engata necessáriamente, no tava Keyne$, em reversão da inflação, em deflação, depressão e desemprego. (CW IV.p.2S) ficação permanente dos fatores econômicos que determinam a distribuição do produto nacional entre as diferentes classes? Ou foi devido alguma influência temporária e exaurível gada i a 1 i- inflação e i desordem resultante no padrão de valor?'' (CW IV, p.27) Já nesses textos Keynes alia às discussões micas essa questão econô- fundamental: são os processos e resultados permanentes ou temporários? Qual a relação entre os acontecimentos da economia e o Pode tem~? ocorrer que a sociedade veja distribuída como renda 0 que não passa de desacumulação de capital real~ camu- flada pelo aumento contínuo do valor puramente mone- tário do capital. Mas esse processo nao pode ser finido: o valor !onctári~ de- crescente dos bens de capi- tal da -comunidade obscurece apenas temporariamente uma diminuição na quantidade real do.estoque, e a pelo classe trabalhadora acaba sofrendo muit"o mais desemprego do que pela diminuição dos salários reais. O efeito mais deletério é aquele que destrói as sibilidades d~ ~­ __futuro. Assim, o pior efeito não é so- bre o consumo, mas sobre a acumulação de capital (CW IV, p. 29) e sob r e a "atmosfera de confiança". "Se, por qualquer ra zao - certa ou errada - o mundo empresarial tem expectativas de queda nos preços, os processos de produção tendem a ser inibidos; se há expectativas de elevação dos preços elas tendem a ser super -'estimuladas". (CW IV, p.30). As e·xpectativas de alteração nos .preços afetam próprio processo de ~ (e não apenas a o distri- buição da riqueza existente). Muda o comportamento d€ prestatirios e prestamistas. Ora, a ponte ativa é de11 tomam as sempenhada pelos prestatários, pelos que decisões que colocam a produção em movimcnto 11 • Nova- mente o empresário é identificado como ocupando um 65 lugar estratégico na condução dos processos c os. cconômi- A expectativa de queda nos preços pode ."__Elanejar a ca~:ide levi-los ociosa (CW IV, p.31) ainda que isso empobreça a sociedade como um todo. E mesmo que a expectativa seja de elevação dos preços, os empresários podem passar a tomar mais empréstimos aceleradamente levando a produção além do ponto cujo retorno real seria suficiente para recompensar a sociedade como um todo pelo esforço feito. "Isso é simplesmente dizer que a intensidade da produção é largamente governada nas atuais condiçõe·s pelo Jucro real antecipado pelo empresário. Mas esse critério é o correto para a comunidade como um todo somente quando o d~ 1icado ajuste de interesses não é subvertido por flutuações no padrão do valor''. (CW IV,p. 32) Novamente, grande importância atribuída às c1paçocs. < ante- - - - I-fas a fonte da instabilidade ainda e exogena aqu~ les que decidem e formam expectativas, ainda que esse processo de formação de expectativas ocorra de tal modo que o próprio futuro veja-se ameaçado. Por outro lado, Com o desenvolvimento do comércio internacional e com o progTesso técnico o montante de risco ligado ao compromisso com a produção e a extenção de tempo durante o qual é preciso suportar esse risco aumentaram muito. Durante esses intervalos de tempo os produtores desembolsam dinheiro (salários e outros custos) na expectativa de recuperá-lo mais tarde. Assim, há uma dimensão especulativa inerente ao mundo empresari al (poder-se-ia dizer.~ uestrutural"). O temor de preços decTescentes pode levar os empresários a reduzir suas operações, gerando assim des~prgo. 6(; Agravando esse estado de coisas ocorre que esse temor, ou a generalização de expectativas, acaba le- vando à alteração nos preços ainda que temporariamente. Mas basta essa confirmação temporária para que se consolide as expectativas confirmadas ... com o que elas se tornam cu:nulativas. Assim, um ímpeto inicial comparativamente fraco pode ser adequado para produ- zir uma flutuação considerável. (CW IV, p.34) Assim, mesmo nao resolvendo a "querela causal" quan to ãs origens das variações no valor do dinheiro, sublinhar a dimensão expcctacional Keynes abre ao cami- nho para políticas ativas que procurem contrabalançar (sem eliminar) os efeitos perversos da especulaçio e! trutural (que se dcsenvol v e, inevitavelmente, a pa.r- tir de .alterações iniciais no valor do dinheiro cuja origem pode ser totalmente exôgena). III - Conclusão Haviamos perguntado como, a partir de conceitos herdados da teoria clássica, pudera Kcynes elaborar um diagnóstico inovador (até mesmo com proposta de política econômica oposta ao festejado 11 laissez-faire11). Se pudessernos resumir o "truque" a um passo metodolÓgico estratégico, sem dúvida indcarímos~ tanto na utilização inovadora da equação de Cambridge quanto na rica análise do papel das classes soc1a1s na produção e distribuição de riqueza expectativas, na análise da formaçio e dos padrões de percepção ~ a ênfase nas transformaçio por parte dos agentes. Essa atenção, que em alguma medida já existe em Harshall, mas que é radicalizada assumindo um novo pa te~oral pel em Keynes, permite inclusive um diagnóstico ginal dos limites do capitalismo no tempo. Apesar dessa ênfase, é preciso reconhecer que papel das expectativas como fenômeno problemátic,n~ ses escritos iniciais, pode ser facilmente ori- o reduzido a 11 fator exógcno 11 • Mas há um aspecto do "truquc 11 abso lutamente crucial: a condenação do "longo prazo" ao --limbo das ficções. A rejeição do "longo prazo" é o gesto que cria condições para uma revisão de toda a herança rnarginalista. Tratava-se de negar a proeminência que o pensamento tradicional sempre deu à cláusula do "ceteris paríbus" temporal, dando oportunidade para urna aproximação entre teoria e história. PARTE Ill TEMPO: AVENIDA DE MlíO llN!CA PANOR<\H\ IMPERIAL Viagem através da inflação alemã II- i.hn estranho paradoxo: as pessoas têm no espírito, quando agem, apenas o interesse privado o mais estreito, nus são ao mesmo tempo nnis que mmca dctenninadas no seu comportamento pelos illstintos de massa. E, nuis que nunca,os instilltos ele nussa se perdem e tor nam-sc alheios ã vida. Lá onde O obscuro instinto do aninnl ~ como contam inumeráveis anedotas, encon tra wna lenda para o perigo 1m~ ncntc que parece ainda invisível, nest-..1 sociccL:1dc, contrariamente, onde cada membro não tem em vista nnis que seu próprio bem-estar inferior, desfez-se como unu rmssa cega (com um estupor aninnl, rres sem o saber vago dos aniitnis) di- ante de cada perigo, mesmo o mais evidente. A diversidade de fins in dividuais toma-se insignificante diante da identidade das forças de tenninantes. Parece semere que ii adaptação da sociedade a vi~ habitual~ que entretanto há nuito já se perdeu, é tão rígida que aniqui la) mesmo diante de um perigo ex= tremo, o uso propriamente humano da inteligência, isto é, a pr~vl­ são. De sorte que) face ao per1go, completou-se a imagem da estupidez: :incerteza e até perversão dos instintos vitais) impotência e até declínio da in tel ig ênc ia . Eis aí o estado de todos os burgueses alemães.'' \V .Benjamim 70 TEHPO: AVENIDA DE MÃO llNICA !. ANTECEDENTES 1. Raizes Marshallianas A escola neo-clássica desenvolveu-se entre dois extremas: a formalização de Walras e o realismo de Marshall. Narshall: autor do "equílibrio parcial" e de uma obra fragmentária, sempre atenta a s peculiaridades do mundo industrial e inegavelmente seduzida pelo mist6rio do Tempo. Sem recuperar o pensamento de Marshall nesse momento, parece-me crucial indicar ao menos certos traços · de sua obra~ em particular da obra relacionada com a teoria monetária, a partir dos quais a contri~uçã de Keynes fica melhor situada(!). Ji na an51ise dos motivos para se reter dinheiro em mãos~ t-!arshall preparava o caminho: - "( ... ) dinheiro retido em mãos não propicia ren dimcntos: portanto todo mundo pondera (mais ou '· . . . (2)) os b enee lllStlntlvamcntc menos automat1ca fícios que se obteria aumentando o estoque de dinheiro em mãos pelos que seriam obtidos pelo investimento de parte desse dinheiro seja em a!_ guma mercadoria - um casaco ou um piano da qual se derivaria um benefício di1'eto, ou em al gum empreendimento industrial ou título da bolsa de valores 1 que proporcionasse um rendimento monetário". (Harshall, 1923, p. 38-9) ------------------(1) Não apenas Keynes. mas Sraffa, Robertson e Townshend fizeram contribuições ''originais" ã Escola de Cambridge nitidamente a partir de Narshall. A referência obrigat§_ ria nesse particular continua sendo Shackle, 1967. (2) No célebre artigo de 1937, Keynes aprofunda esse carater "instintivon do cálculo de liquidez. 71 Identifica-se um fato bâsíco:. em qualquer momento existe uma intenção de preservar poder de compra por pa_E te das pessoas. Se o nível de renda (ou riqueza, Marshall não fazia essa distinção) é constante e se os hábitos do mundo econômico não se alteram rápida ou frequentemente, esse poder de compra ê em s1 mesmo estável e os preços variam apenas com a variação da quantidade de dinheiro. Essa a versão marshalliana da teoria quantitativa da mo~ da. Mas ji na utilizaçio da teoria quantitativa Marshall incorporava um critério temporal: usava a versão de Fisher para explicações de movimentos de preços de longo prazo e a sua versão ("cash balances") para explicar as flutuações de curto prazo nos preços. acompanhadas de in fiações e contrações de crédito, causadas por - "Guerras e rumores de guerras, boas e mas colhei tas e pela oscilante abertura de novas empresas promissoras e o colapso de muitas das esperanças nelas fundadas". 194) (l) -as (Marshall, 1887 apud 1925, p. Essas flutuações vinculam-se intimamente, portanto, expctaiv~ e estado de confiança nos negÓcios. - . de -en "A demanda por um metal (2) com o proposltO < tesouramento e ampliada por um aumento cont1nuo < cont1no seu valor e diminuída por uma queda nua, pois as pessoas que entesouram acreditam que .aquilo cujo valor tem subido continuará se valorizando e vice-versa". (Marshall, 1926 p. 6) - Assim as expectativas surgem como importante elemento mediador entre variações no "ambiente econômico" e os cilações de preços. O caráter distintivo da Versão marshalliana ê a incorporação de motivos e decisões na analise da demanda e da velocidade de circulação do dinhei- - (1) Apoio-me na evidência fornecida por Eshag, 1963. Entretanto mantenho as referências âs obras de Narshall. (2) Narshall definia dinheiro como metal-dinheiro ou pa- pel-moeda conversível a algum metal precioso, os seus discípulos irão extencler a análise, incluindo o r~ni t-o h;:mcârio na definição de dinheiro. 72 ro, ao menos no exame do "curto prazo". Mas o caráter tautolÓgico nao era ignorado por Marshall: da teoria quantitativa "Eu sustenta que as preços variam diretamente com o volume de dinheiro, se tudo o mais permanecer constante; mas tudo o mais estã constantemente mu dando. Essa assim chamada "teoria quantitativa do valor do dinheiro" é tão verdadeira quanto e ver dadeiro que a temperatura de um dia varia com o - passar do dia, se tudo o mais permanecer igual; mas raramente as outras coisas ficam iguais". (Narshall 1899 apud 1926, p. 267) Assim foi ·aberto o caminho para a 11 desagregação" das variiveis (virias tipos de estoques de dinheiro operam na economia com velocidades distintas, associando-se a . de preços setoriais) e abandono da equação quant_! n1Ve1s - tativa como 11 teoria". Na medida em que abandona-se o afã de mensurar "estoques" e passa-se a sublinhar os diferen tes fluxos percorridos por tipos diferentes de "dinheiro" na economia é natural que o elemento tempo venha para o primeiro plano(l). E o pr&prio Marshall tentou incorpori-lo, não apenas na sua teoria monetária mas também adequando o conceito de equilÍbrio ao 11 CUrto prazo", 11 ao 11 período de mercado" ou corrente 11 e o "movimento secular" da economia, que era estudada através de mercados singUlares. Além disso, e diferentemente da análise "moderna" de curto prazo, os diferentes "prazos" de Marshall eram mutuamente dependentes, em particular o 11 0 "curto dependia do "longo prazo. O método para um conhecimento econômico aprofundado, segundo Marshall, devia se pautar por aproximações sucessivas is condições da vida real. O curto prazo marshalliano, além do mais, (1) Essa passagem não ê problemática na teoria neo-clássica, que considera assimiláveis as escalas de capital (estoque) e investimento (fluxo). considera dada a planta da empresa (i. e., seu capital fixo)- mas não o de toda a economia. SÓ na versao neo clássica padronizada do curto prazo capital fixo e circu lante são considerados como dados para toda a economia. Esses elementos permitiram. já na obra de Marshall, o aparecimento das expectativas e da incerteza como fato res determinantes das flutuações econômicas. Mesmo na consideração do equilíbro~ Marshall fazia referência a influência sobre os negócios dos <~cáluos com respeito - ao futuro''. (Marshall, 1952, p. 337) "( •.• ) os mercados variam com relação ao período de tempo durante o qual admite-se o processo de equilíbrio operará através das forças da oferta e demanda, ass1m como com relação às suas áreas de extensãO. Mas o elemento Tempo requer atenção mais cuidadosa agora que o Espaço. Pois a própr-ia natureza do equilíbrio, e das causas pelas quais ele é detrminao~ depende do comprimento do período". (Marshall, 1952, p. 330) Ou ainda: "Mas não podemos prever o futuro perfeitamente. O inesperado pode acontecer e as tendências exis tentes podem ser modificadas antes que tenham tempo para efetivar o que agora parece ser sua operação plena e completa~ O fato de as condições gerais 'de vida não serem estacionárias é a fonte de muitas das dificuldades encontradas na problemas aplicação de doutrinas econômicas a práticos" (Marshall, 1952, p. 347) Todo o livro V dos Principles ê pleno de referências e tentativas de adaptar a idéia de equilÍbrio ao elemento Tempo - entendendo-se por "Tempo" a definição de perÍodos de variada extensão ao longo dos quais operam as "forças" da oferta e da deman~ Trata-se de urna concepção quantitativa do tempo~ cuja definição não altera a . natureza das "forças" que cosntítuem o mecanismo eco- . nom1co. A hipótese de que existem forças operando mecanicamente no interior de um sistema definido sempre foi cara aos economistas clássicos em cuja tradição Marshall se inseria. Compreender a natureza desse mecanicismo é uma condição para se diagnosticar aS dificuldades da teoria econômica em integrar o tempo no seu quadro analítico. O principal conceito a catalizar a v1sao mecanicista na economia clássica é o de longo prazo. Enraizado em uma cosmologia newtoniana, busca analogias com o modelo fÍsica da mecânica clássica. (l) . A mecânica clássica leva em consideração um sistema de pontos materiais sobre os quais operam forças direcionais, a dist5ncias que obedecem leis de movi menta calculáveis. O principal objeto de estudo era portanto o movimento, mas considerado como um processo reversível e que de forma alguma gera mudanças qu~ litativas. A visão mecanicista é su-stentada por todos -que se acTeditarn observadores em um universo independente e situam todos os eventos e objetos univocamen- te no tempo-espaço. (2) Para essa visão sao cruciais os seguintes elementos: a) formação de leis; b) possibilidade de cálculo a partir das leis; c) emeTgenc1a de resulta dos definidos a partir cálculos. (1) cf. Thoben, H. 1982. (Z) cf. t'<largenan, 1950, apud Thoben, 1982. . dos O sucesso dessa visão (principalmente em termos de previsibílidade dos resultadOs) na astronomia, quf mica, Ótica etc. seduziu os economistas, a partir mcs mo de Acl.arn SMith, ainda que somente a partir de Jevons e l•ialras o projeto tenha se explicitado nos termos de uma matematização da economia. Mas o fato de que leis mecânicas incorporam o tempo reversível - as e uma característica que não emerge apenas onde a teoria foi ma tema ti zada. Desde Adam _Srnith os economistas procuram deci- frar a situação do sistema econômico no "longo prazo". Esse ''longo prazo'', que em Smith poderia ser entendido como durando até 100 anos, na o era estritamente cronolÓgico .. Simplesmente a adoção da idéia de longo prazo reflete a crença na operaçao de forças que governam persistente e sistematicamente a economia capitalista.(1) Entretanto, just~mcne por ser um longo prazo lÓgico~ isto é, não associado "a priori" a qualquer duração definida, trata-se de uma noçao de tempo que só dá oportunidade à irrupção do tempo histórico como extensão empírica, cronolÓgica) estatística. Diante do conceito de longo prazo o economista adia sempre a constatação final de suas predições, mas ·ao mesmo tempo está sempre medindo e coletando dados com o objetivo de confirmá-las. A história, nas ma os desse economista, reduz-se a um amontoado infinito de informações a serem eternamente manipuladas. A cronologia estatística implica na desaparição do objeto histórico, do tempo qualitativo e irreversí vel. A própria periodização passa a depender de térios estatísticos. O "longo-prazo" acaba se formando em um método de tratamento do problema critrans<eco- nomlco, já que não interessa tanto a duração desse pra=o mas o exame das condições de operaçao daquelas (1) cf. Nilgate, 1982. 76 forças sistemáticas c persistentes. A questão do tem- po reduz-se a um problema lógico e a história deixa de ser um objeto de estudo. Já AJam Smith argumentava em termos de "preços na- turaís" como um nível de preços em torno do qual os preços de todas mercadorias gravitam continuamente. Haveria uma tendência contínua no sistema econômico em direção a~se "centro de repouso."( 1 )cantillon já tratava dessa noção de preço natural em termos de um "perpétuo vai-vem nos preços de mercado." Ricardo tam bém examinou os problemas teóricos do valor e da distribuição em termos de preços naturais, de modo a excluir da anilise o acidental e temporário.(Z) Assim, cada autor buscava especificar as condições naturais, de ''longo-prazo'', condições objetivas, le- gais, autônomas frente aos desejos humanos. A escola nco-classica ou marginal ista herdou essa crença na existência de resultados normais gerados P!.: la livre-concorrência. resulta dos de uma tendência que "teve tempo para causar seus efeitos." Assim, ,qualquer situação que não cor responda ao 11normal" é 16gica e necessariamente transitória. t..tarshall situa-se nessa tradição, mas demosntrou inquietação face às hipóteses tradicionais, inquieta- ção que - se não chegou a constituir uma ruptura abriu caminho para a revisão daquela imagem mecânica em que a continuidade do sistema não sucumbe as inúme ras oscilações de que é "vÍtima.u O fato de que o 11 longo prazo" aparece frequentemente em sua obra como crença em valores normais e não diretamente como valores normais-como resultado natural de tendências ob jeth·as-abre espaço para a investigação de componentes subjetivas que não são transitórias ou cü·cuns't:'1nciais. (1) &nith, 1937' p. 58 (2) "lilgate, 1982, p.21 e ss. j I Desse modo, as expectativas acabavam se identi ficando ã confiança nos valores que o mercado estabeleceria, no longo prazo, pelas forças da oferta e da demanda. O diagnóstico marshalliano pode ser assimilado ·a uma visão do capitalismo como estruturalmente estável, no sentido de que os agentes se comportam em termos de elementos em geral pouco volúveis (ainda que do ponto de vista objetivo possam ocorrer guerras, mudanças populacionais, etc). O processo de revisão de expectativas é, em Marshall, lento e gradual, dotado de grande eficá cia(l); dada inclusive a lentidão do processo de acumula çao no tempo. Mesmo assim, os Principies de Marshall _estavam imersos em um conflito, que seria desdobrado pelos seus disCípulos, entre "a análise, que é puramente estática, e as conclusões daí derivadas, qUe _se aplicam a uma economia desenvolvendo-se através do tempo 11 .(Z) O problema em Gltima anãlise parece residir na tend~ncia interna as teorias do equilibrio a considerarem esse estado como resultado da operaçio de forças que sio concebidas em analogia com a indestrutibilidade das forças naturais. Marshall, tentando incorporar o Tempo, ac~ bà. mantendo-o como elemento "ex.terno 11 justamente pelo fa to de que os "períodos" não alteram essa visão do equilf brio como resultado da operação de forças. A inversão da problemitica marshalliana deveri antes de mais nada investigar o princÍpio e a natureza das próprias "forças", principalmente sua suposta indestrutibilidade. "Integrarn ou "internn.lizar" o elemento tempo significará entao nao apenas a cronometragem da operação de forças. (1) c f. a esse r-espeito Panico (1981), p. 313. (2) Joan Robinson, Preficio in Kregel, 1973. Com as devi das ressalvas, esse "conflito" entre 11 base estática e superestrutura dinâmica 11 continuará presente na obra de Keynes. Cf. Marshall, 1952. livro V, cap. VIII. 70 mas principalmente a descoberta dbs mecanismos através 0 dos quais as "forças do mercado impõem a ilusão de sua perdurabilidade. Em suma, serâ necessário responder ao mist~ro (que nos clissicos pr~-Kcynesiao aparece como um pressuposto nunca questionado) da origem dessas forças. Como na Fisica, sõ que agora a analogia aponta cami nhos diferentes. a investigação sobre a origem do unive! so requer e desperta os cientistas para instrumentos de investigação e análise que repelem a antiga fê em um con junto ordenado de forças que operariam segundo uma lÓgica imune ã história. O prÓprio espaço hoje tem a sua his tória ... Mas talvez mais importante do que identificar uma origem seja a necessidade de entender porque a própria operação da economia leva-nos à ilusão da durabilidade e, o que ê a mesma coisa. à confiança nas expectativas que se formam a partir de convenções de mercado (corno o dinheiro, principalmente). O estudo da dinâmica é mais vasto que o da influência do fator Ternpo 1 mas este, necessariamente, faz parte dos dados que se incluem em qualquer problema de dinâmica. ~ que há uma distinção e~ tre associar eventos i mera ordenação sequencial (como a interação entre preços e quantidades no "teorema da teia 'dC aranhà') e propugnar a relação entre temporalidade e destruição. Aqui, impõe-se uma analogia muito mais profi_ cua com a biologia, e não com a física. Essa analogia su gere que -a irreversibilidade ê um aspecto fundamental. Mas a irreversibilidade pode nos colocar diante de uma nova questão: como ê possível saber que um processo chesubjetiga a seu "fim" ? Quais os sinais (objetivos e vos) que indicam a proximidade do esgotamento de um processo ? Como podem os agentes econômicos revisar suas ex pectativas "a tempo" de evitar a catástrofe da crise e depressão ? .liiarshall, ao sugeri r inúmeras analogias b i olÓgicas. ao menos apontou para essa nova !'<1eca da cien 79 tificidade no terreno da doutrina econôrnica(l). Não ign~ rou a questão da irreversibilidade, principalmente. na análise do conceito de capital e da oferta a longo prazo, onde a "prospectividade" ê um elemento importante e ignorado pela tradição econômica. (cf. Marshall, l952,p. 790). A noção de "retornos crescentes", por exemplo, era associada por Marshall a um processo evolucionário de longo prazo. irreversível (op.cit .• p·.S08). Mas muitas dessas observações aparecem em ap~ndices ao Principies e o conflito apontado por Joan Robinson fica sem solução. A distinção e as relações entre os vários períodos acabam sempre se traduzindo em tendência ao normal, corno se a dinâmica conduzisse à estática e não o contrãrio( 2 ). Esse resultado aparentemente absurdo revelar-se-i,entretanto, da maio·r importância na interpretação da mensagem de Keynes. Vale a pena reproduzir alguns trechos da biografia de Marshall escrita por Keynes, principalmente quanto as principais contribuições de Marshall ã evoluçao da teoria: a introdução explÍcita do elemento tempo corno um fator na análise econômica ê devida pri~ cipalmente a ~1arshl. As concepções de perÍodos "longos" e "curtosn, e um de seus objetivos era traçar 01 Uma linha contínua atravessando e conectando as aplicações da teoria geral do equilíbrio da demanda e oferta a diferentes perÍodos de tempo''. (Principles, livra VI, cap.Xl, I l) Ligadas a essas hâ outras distnçõe~ que agora consideramos essenciais a um pensamento claro, 11 ( ••• ) cf. (l) Cf. o juízo de Georgescu-Roegen, 1976, p. 11, do economista Marshall, 1952; p. 772. "A ~leca tbem está antes na biologia econômica que na dinâmica eco nômica", Marshall, 1952, p. XIV. (2) Cf. Seligman, 1967, p. 560. explicitadas em Marshall - paTticularmente entre economias "externas" c 11 Íntcrnas" c entre custos "primário 11 e 11 Suplementãrio". ( ••• ) Entretanto, esse é o terreno em que, na minha opin1ao, a anã lise de Marshall e menos completa e satisfatória, e onde hâ tudo a fazer. Como ele mesmo diz no Prefácio à primeira edição dos Principies. o ele mento tempo é o centro da maior dificuldade de 11 quase todo probleMa econômico". (CW X, p. 7.06-7) 2. Ur.1 Economista no País das Maravilhas: D.H.Robertson A partir de Marshall, os economistas de Camdridge procuraram aproximar-se cada vez mais do mundo real, a1n da que ãs vezes pagando o preço de perceber no mundo uma natureza nilÕgica" capaz de desafiar as mais arraigadas construções teóricas. Enquanto Keynes elaborava o "Treatise on Honey", Robertson - um ex-aluno e amigo intimo até os anos 30 - p~ plicava (1926) o clissico ''Banking Policy and the Price Levei" e jovens economistas como Joan Robinson, Richard Kahn. Piero Sraffa e Naurice Dobb faziam aos poucos val~r sua influ~ca sobre o desenvolvimento intelectual em Cambridgc, Era a primeira geração pós-marshalliana. D.H. Robertson chegou a declarar, quanto aos capítulos V e V-I do livro de 1926, que "nenhum de nós (Robertson e Keynes) agora sabe quanto das idéias ali contidas cabe a um ou a outro 11 • Jâ em 1922, Robertson publicara "Honeyu(l), estudo introdutório à matéria em que cada ca pítulo é aberto com um trecho de "Alice no País das Ma ravilhas", onde o real e a lÓgica quase nunca têm hora certa para um encontro. A respeito de Robertson, é ilustrati\'O o comentário de Shackle: "O aparato de Sir Dennys, com sua revigorante (1) Hâ edição em espanhol, pela Fondo de Cultura -Econôrni ca. 1955. "Dinero". terminologia - °Cspirro" ("splashing 11 ) ' "carên- cia" ·e outras expressões mais- estava voltado a realizar um cuidadoso desemaranhamento da meada monetária. Tem seu lugar duradouro na 'história do pensamento, ilustra tipicamente o po deroso gênio de seu inventor para dotar a mais estreita anâlise com a mais livre fantasia, e ex plica o deleite que seu estilo deu a milhares de pessoas que o escutaram ou leram. O m€todo final de Keyncs, por contraste, foi a espada de Alexan dre. Cortou, não desemaranhou, o 11 imbroglio" mo- netário das idéias". (Shack1e, 1969, p. 281) Ou ainda: "A baleia _keynesiana, sob o manejo da senhora Ro binson, pode tragar com facilidade todo peixe que venha a suas mandibulas. (Shackle refere-se às interpretações que desde 1936 procuram tornar ' un1voca e acabada a mensagem de Keynes). Tratar de pescar com a linha e o anzol robertsoniano, não importa quão engenhosos os movimentos e estratagemas, é muito mais trabalhoso". (idem, p. 282) oportuno, ainda antes me do "Treatise", recuperar ao menos expressas por Robertson em seu livro sam iluminar a riossa reconstrução do ~bastne de passarmos ao exa algumas das idéias de 1926 e que posesforço teórico de Keynes. Seu objetivo central era discutir a relação entre poupança , criação de crédito e crescimento do capital. política Em vários momentos, contra as prescrições de econômica ortodoxa, que se pautavam pela estabilização da produção industrial atrv~s da estabilidade de preços, Robertson dizia: 1) que a estabilidade do produto nem sempre e campatível com a estabilidade de preços; - 32 2) que sob certas circunstâncias expansoes (contrações) rápidas do produto, acompanhadas de elevação (decl!nio) dos preços, podem ser economicamente deseji1 veis. ( ) Mas o aspecto que despertou maior interesse era a análise, dos citados capítulos V e VI, da relação entre a criação de crédito, a formação de capital e a assim d~ nominada "carência" (' 1 lacking!l, usado como termo alternE; tivo at'abstinênciaS'). Era uma análise de uma economia de pequenos empresârios(Z). O conceito de "carência induzida", segundo Robertson, foi sugerido por Keynes. Mas, no Treatise, Keynes renegou essa criação. O fundamental no livro de Robertson a conexão esta belecida entre movimentos de preços e variações na prod~ ção. Em flagrante distanciamento da teoria quantitativa e utilizando o método "passo a passo" ("step by step method") cuja ressonância se faria sentir no Treatis~ onde aliás apenas a remuneração dos empresários ê compl~ tamente móvel. A preocupação era com a explicação dos ciclos comerciais, e Robertson critica aqueles que explicavam esses ciclos atrv~s de fatores monetirios ou psicolÓgicos. A i~stablde da produção industrial 1 dizia, não pode ser reduzida à instabilidade do nível geral de preços. Keynes( 3) era qualificado corno um defensor moderado dessa visão, capaz de ver causas não- monetárias para as perturbações no nível de preços, mas advogando a aplicação de instrumentos de política monetária para aplacá-los. Como defensor da teoria psicolÓgica, Pigou era o ~ (1) cf. Robertson, 1949, p. Vlll. (2) Alterada por Robertson, em 1933, para ser aplicada a uma sociedade dividida em empresários e assalariados (ou receptores de urenda fixa"). (3) O Keynes do "Tract on Monetary Reform". criticado. (1) Robertson, em 1915, já elaborava uma teoria real das flutuações industriais, inspirado em Labordêre, e Tugan - Baranovsky. (Z) Para ele, as flutuações industriais eram inevitáveis e até desejáveis, dada a indivis-íbilidade e longctivitbdc clos bens de capital. Apesar de defender a intervenção pública no mercado, Robertson nunca foi um defensor acrítico da busca do pleno emprego. O aspecto central de sua teoria de investimento era a questão do rleríodo de gestação. o fato do processo de investimento ocorrer no tempo pode implicar na ocorrência de perÍodos de gestação que geram uma aparênc <ia de rentabilidade que dcsequ il ibra o mecanismo de preços. Poderia surgir a tentação de ampliar a capacidade produtiva além do ·requerido para satisfazer uma demanda antecipada. Sendo o investimento irreversível, essa geração excessiva de capacidade prolongaria a depressão. Robertson procurava chamar a atenção para o ráter, digamos, estrutural da instabilidade da dução, que nenhuma política de manipulação dos mecanismos de mercado resolveria. "Nesse livro terei ocasião de enfatizar certas variações na escala da produção capro- indireta que in- dustrial, sendo ou não socialmente benéficas, são pelo menos ditadas pelo interesse pr6prio. daqueles que decidem a execução daquela produção. Eu· não creio que seja sequer aproximadamente verdade que, se todos os C:r.J.lHC- (1) Robertson, ainda assim, sucederia Pigou como Professor JC" Cambridge. (2) 11A Studv o f Industrial Flue tua tion". c f. Pres ley, 19S3. sários atuassem c julgassem segundo seus teresses, a flutuaçao industrial de in- car5ter claramente rítimico desapareceria". (Robcrtson, 1949, p.3) Analisando as causas materiais das flutuações, Robertson põe em evidência um mecanismo "expec ta c ional": " ( ••• ) a intensidade do desejo de instrumentos (de produção} depende novos parcial- mente da expectativa de custos operaçao desses instrumentos. Assim, de natureza de uma queda nos custos reais de operação de qualquer dos nossos grupos industriais vai não cer influência no aumento de mas vai exercer uma apenas seu exer- produ to, influência indireta terior na mesma direção ao elevar a ul- intensi- dade do desejo de seus membros por adquirir 11 novos instrumentos ( ... ) , (idem. p.12) Surge assim necessidade de uma explicitu ficação dos interesses que comandam o identi- processo pro- dutivo. 11 (". • • ) há uma ambiguidade quanto exatamente queremos dizer ada ou samos na prio dos ou de ótima de produção por taxa ao que aproprl- industrial. Pentaxa di ta ela pelo interesse protrabalhadores empregadores, dos seres hipot6ticos em cujas per- - sonas os interesses divergerités dos dois suo reconciliados ? O primeiro (interesse) serã com grande probabilidade sujeito a uma variação considerâvelmente maior que o segundo e um pouco maior que o terceiro". (idem, p. 21) Robertson opta pela taxa que ê julgada "apropriada 11 pela classe empregadora e faz a ressalva de que ê uma ta xa "Ótiman relativamente ã organização social e aos pod~ res de controle sobre as forças do progresso técnico então existentes. Pressuposto comum, aliás, a toda análise de "curto prazo", mas o importante é que a flexibilidade aparece associada a reações dos produtores e não através de salârios. Os capítuios V e VI ("Tipos de Poupança" e "Carência Curta no Ciclo Comcrcial 0 ) são justamente os que incorporam o elemento tempo i análise. Nesses capitulas 1n vestiga-se a coisa Capital e a atividade Poupança. A primeira distinção introduzida ê aquela entre a atividade de prover capital e os bens materiais a cuja provisão tal atividade está orientada. A essência dessa atividade, que jâ foi descrita como "espera", "abstinência" e outros termos que denotam um período ao longo do qual certos benefícios são adiados, está na circunstância de não se consumir imediatamente. A essa atividade Robertson denomina "carência" ("lacking"). "Um homem está carente se durante um dado periodo ele consome menos que o valor de seu produto econômico corrente". (idem, p. 41, grifas meus). A carência passada, conclui, está cristalizada no es toque de capital que existe no momento presente. Assim acumula-se um estoque de capital. Outra distinção bastante própria a Robertson ê aquela entre Capital Fixo, Capital Circulante e Capital ImaCarência ginârio, que são denominados respectivamente Longa, Carência Curta e Carência Improdutiva. 36 "A Carência Longa visa a prover a sociedade çlo uso - necessariamente lento e gradual - dos instrumentos de produção fixos e duráveis; a Carência Curta a capacitar a sociedade a produzir inclusive a produção de instrumentos duráveis através de métodos tecnicamente eficientes, mas lentos e indiretos. ( ••. ) A Carência Improdutiva Nova consiste na abstenção de bens em favor de pessoas que pretendem antecipar seus rendimentos mas não estão engajados na produção de bens mercantilizáveis". (idem, p. 42-5) Em primeiro lugar, uma definição cuja contrapartida ê o capital fixo: fábricas, estradas, máquinas, etc. Logo depois, um~ definição de capital circulante: estoques de bens a serem prontamente consumidos e todos os bens em todos os estágios da matéria prima ao produto pratica mente acabado(l). Essa definição ampla de Capital Circu~ lante deriva-se da percepção da simultaneidade com que se produz em todos os ramos da economia, ainda que o seu volume dependa da duração média da produção. Quanto à ca rência improdutiva e sua contrapartida de Capital Imaginário, associa-se ao endividamento do poder pÚblico(Z). Uma terceira distinção, que ê na verdade um desobr~ menta das anteriores, opera a separç~o entre Car~nci Aplicada e Carência Abortada (ou Entesouramento) . A Carência Aplicada ·(direta ou indiretamente) representa dis posição de parte de um rendimento no sentido de comprar um instrur,tento ou pagar trabalhadores produtivos (direta) ou pode ser emprestada a um terceiro que por sua vez venha a aplicá-la (indireta). A Carência Abortada ou Entesouramento representa a mera retirada de circulação de parte do rendimento. Nesse caso trata-se de "poupança pesso;.l" mas que nada acrescenta ao processo de criação (1) particular contrariando Jevons, para quem o c~ pital circulante se reduzia ao estoque de bens acaba dos. (2) Identificado por Robertson ao financiamento de guerras. ~es 8í de c~:!tal. Essa reserva monet5ria mant~ alguma relação com os hábitos c preferências, assim como com a renda ou riqueza (nesse ponto, reaparece a versão marshalliana da teoria quantitativa). A Última distinção apresentada por Robertson, e contra a qual Keynes se manifestou, separa a Carência em E~ pontânea, Automática e Induzida. A carência espontânea corresponde ao que normalmente se entende por poupança. A carência automática associa-se à diminuição do consumo abaixo de algum nível esperado pelos agentes (ou abaixo de suas correspondentes produções correntes) em função da depreciação do poder de compra. ~ que a injeção ou r~ tirada de dinheiro do mercado através de decisões de entesouramento altera a distribuição do poder de compra de tal forma que muitos agentes podem ter suas expectativas de consumo não referendadas. A carência induzida ê idêntica ã automática) porém é consciente e voluntária (i. e., retira-se dinheiro de circulação com o objetivo de manter o valor real do estoque de dinheiro). :t justamente esse conceito de car~ni induzida que foi introduzido por Keyne5 (Robert5on, 1949, p. 49, nota 1). O importante, nesse conjunto de distinções, é que a fi_ uma análise nal de contas tem como prop6sito produzir qualitativa da demanda por dinheiro em que motivos e expectativas (portanto, o elemento tempo) cumpram um papel de destaque. Nesse sentido é sugestivo que a noção de Ca r~ncia Induzida tenha sido introduzida por Keynes(l) Quanto ao caráter da análise, afirma Robertson: "A mecânica interna, por assim dizer, de um processo inflacionirio ~ tão dificil de visualizar quanto a do átomo, e parece requerer o mesmo tipo de hipótese de movimento descontínuo,. (idem, p, 49, nota 1) (1) Keynes e Robertson compartilhavam o esforço de elabo rar uma "complexa taxonomia", no dizer de Ninsky (1975, p.lO), que aliás reconhece que a análise instit.ucional derivada desse esforço ainda é digna de atenção (idem) p.ll).Sobre Robertson, cf. Seligman, 1967, p. 600 e 55. Essa mecânica atuava sobre os preços do sistema produtivo, que Robcrtson não supunha estar empregando pelanmente seus recursos em virtude do caráter cÍclico do investimento. E esse caráter cíclico -se fortemente a fatores psicol6gicos e vinculava institucio- nais. Assim, em Robertson a instabilidade dos preços aparece vinculada a descontinuidades no movimento economia. E essa descontinuidade vinculava-se em tima anilise is condições desiguais de decis~o da Úl- e negQ ciação entre empresários e trabalhadores.C1) Dessa forma, Robertson chamou a atenção para a distinção en tre decisões de investimento (empresariais) e poupança (que sob várias formas surgia no sistema (econômico), distinção a partir da qual Kcynes organizaria concepçoes no Treatisc on Money_.C 2 ) }.las o dinheiro nao estava completamente suas integra- do no sistema de Robert:;on, que afinai dependia pre da alusão a fatores 11 Teais 11 c da busca das ficações nas condições de produtividade. No Robertson talvez fosse mais adequado falar de semmodi- caso de cicli- cidade, ao invés de descontinuidade. (1) cf. Scligman, 1967, p. 605. (2) Schumpter (1982, p. 1 21C, nota 86) chama a atenpara a. relação e-ntre o canceit.o de carêr;_cia auto- mática ( 11 püUpi1!1ÇU forçada n QU 11 i11VQ1UJ1tariall) e 0 processo de criação de cr~dito, alertando para a utilidade de uma noção que foi desdenhada pelos economistas .1\evnesianos. "Como dizia Ricardo, as operações banê:árlas não podem criar "capital 11 (me2:. os de produção físicos) ( ... ). Agora, sempre que o gasto financiado com os dep6sitos criados pelos bancos eleva os preços, ou seja, em condições de pleno emprego (e outros casos) impõe-se um sacrificio no co~sum de pessoas cuja renda não cresceu na mesma proporção ( ... ) ". Assim, pode-se metaforicamente chamar esse processo de "poupança forçada". Has o que é um 11 movimcnto descontínuo 11 ? I! um "movimento que nao segue um padrão Único, que obedece a ri tmos sucessivamente diferenciados, em suma, é um processo sequencial sem um padrão Único de cronomctragem. As várias distinções introduzidas refletem a dificuldade de descrever um processo que se efetiva com velocidades difernts~ Ora, falar de velocidades diferentes é o mesmo que admitir a existência de uma pluralidade de ritmos no interior de um mesmo processo (no caso, o processo de pr~ dução e acumulação de riqueza mediado pelo dinheiro). Es sa pluralidade de ritmos era detectada, na análise de Robertson, através de diferentes tipos de "poupança", i. e., diferentes formas e motivos para esperar o surgimento de produtos- no futuro ao invés de procurar consumir bens no presente. Para tornar inteligível essa pluralidade de ritmos a partir da qual se constitui a atividade econ5mica, falt! va encontrar uma forma adequacla de integrar o dinheiro ã anilise, pois o dinheiro 5 por excl~nia o instrumento que põe em contacto as diversas atividades com seus ritmos diferenciados. Para sublinhar esse papel "mediador" do dinheiro deve-se abrir mão de identificá-lo a algum metal, subordinando sua oferta às vicissitudes de uma a ti vidade produtiva especifica . Esse g o passo que estava sendo dado pela escola de Cambridge, c Robertson ( COElO Keynes) partia também de uma definição em que o dinheiro é aceito -em pagamento de bens ou créditos. Em suma, o di nheiro existe como representação de pode-r aquisitivo. Resta saber como as oscilações do poder aquisitivo relacionam-se com alterações no nível de atividade, sem que se estabeleça diretamente a relação entre valor c estoque ofertado de moeda. Entre os dois~ podem surgir fatores psicol6gicos e instituionais, pois o dinhero~ justamente o objeto em que essas dimensões se cruzam. Nas a análise das alterações na poupança (fonte da acumulação de capital) atra- 90 que sugere a importância do exercício do poder nas questões humanas, Robertson abria o capítulo sobre o valor do dinheiro, em seu clássico manual, Podemos concülerá-lo como modelo do tÍpico esforço realizado em Cambridge nos anos 10 e 20 no sentido de escapar das convenções da ortodoxia neo-clássica. Resumindo, essa luta para escapar se caracterizava pelos seguintes tópicos principais: 1) qualificar a teoria quantitativa da moeda, interpon- mediações entre variações no estoque de moeda e nos níveis de preços (exemplos de mediação: o processo de produção c investimento com sua temporaliclade específica, hibitos diferenciados nas decisões e trabalhadore's quanto ao uso do dinheiro); 2) ainda que aceitando a teoria quantitativa como válida no "longo prazo' (tendência natural do sistema econômico) 1 direcionar a análise para desvios, per...: turbações temporários, acidentes, expectativas, ci1 clos etc.Cl) nao deve ser imediatamente confundido com a elaboração de uma teoria do t!curto prazo", mas associado a um processo de constituição de uma nova visão do capitalismo e de sua temporalidáde. (1) O que 91 vês de variações no poder de compra ainda nao iam ao ponto de identificar a origem de poder de compra, de tal sorte que em sua teoria é a poupança que aparece como co~ dição do processo de alteração e redistribuição dos recursos da comunidade. Ou seja, no centro do seu conceito de espera está ainda a velha noção de "abstinência", do século XIX. A acumulação acaba aparecendo como um resultado passivo da atividade econômica e não como um princf pio ativo. Supor que todos poupam para "garantir" o futu ro acaba por retirar da acumulação de riqueza o seu cará ter de processo social, levada a efeito por uma classe que nada tem a ver com a abstinência(!). Na sociedade ca pitalista, acumula quem pode gastar mais (classes mais r1 cas c sociedades ~_mônias) e quem não espera por nada. J~as talvez justamente por nâo confiar tanto na concentra çao de poder em alguma classe - crença que tem como coro lârio a proposta de que, havendo um responsável, há uma pena adequada - Robcrtson absteve-se de defender, como fariaKeyncs, a ação do Estado na exccuçio de poli• l ' 1·lCBS . ( 2 ) . 'I . .. t1cas antl-ClC l'O f .UTI d o, um lllíllOT ce t -lClSffiO, um diagn6stico a tal ponto estrutural do ciclo que as medi• · · ' 3lu m con:fl.1to das p-ol1ticas parec1am mero pa 1·IatJ.vo'. nao resolvido, em sua obra, entre descobrir o sig11ificado a dos processos econômicos e as possibilidades abertas ação transformadora: . "Quando eu uso uma palavra - disse Humpty Dumpty em tom burlesto - esta significa, nem mais nem menos, o que eu decido que signifique. A questão esti em saber - disse Alice se podes fazer com que as palavras signifiquem coisas dis tintas. disse Humpty Durnpty A questão está em saber quem manda. Isso é tudo". Com essa citação, de 11 Alice através do Espelho" , (1) cf. Se1igman, 1967, p. 609. (2) Robertson, 1961, p. 114 e ss. (3) Onde, finalmet~ os lados "real 11 e "monetário" permanecem alheios entre si. 02 !!. S.IGN.IF!CAJJO GERAL DO "TREAT!SE ON MONUY" O "Treatise on Moncy" foi publicado pela primeira vez em outubro de 1930, após sete anos de trabalho. O objcti- · vo do livro era assim descrito no Prefácio do autor; "Meu objetivo f o i o de encontra r um método que é útil em descrv~ não apenas ~s características do equilÍbrio estático, mas também as do desequ2-_ 1 Íbrio, e descobrir as leis Uinârnicas que gover- nam a passagem de um sistema monetário de uma posição de equilÍbrio a outra". (CW, p. XVJII)(1) A redação do livro j5 fazia parte da luta para ·esca- par das idéÚ1s tradicionais e o próprio autor afirma a heterogeneidade do conteúdo no Prefácio. Entretanto, c i~ dependentemente dos resultados que se julgue efetivamente atingidos pelo livro, o seu propósito fTcntc a teor :i. a marshalliana era claramente ex:plicitJdo: - "Está a teoria monetária ngora preparada po.ra dar o passo adiante crítico que há de colocá-la em contato efetivo com o mundo real? ( ... ) In fel izmentc ~1arshl, na sua ansiedade por 1~ var a teoria econômica ao ponto onde ela retoma contato com o mundo real, esteve algumas vezes um tanto disposto a camuflar o caráter essencialmente estático de sua teoria do equilÍbrio com muitos sábios e penetrantes "obiteT dieta, entTe sobre problemas dinâmicos. A distinção longo e curto prazo é um prirneiTo passo em direção à teoria de um sistcm.1 em lrDV.Üncnto. ~hs ngora f:lnalmeritc estmlDS, creio, nn fronteira de um novo pas- (1) Quanto ao significad,o mais amplo da transição entre equilíbrios paTa Keynes, vide supra, cap. 1 03 so adiante, que se dac.b com sucesso, aumenta rã enorrncmçn te a aplicabilidade da teoria à prática - a saber, um avanço no entendimento do comportamento detalhado de uma economia que não está em equilÍ -brio estático. Esse Tratado, em contraste commuí to do mais antigo trabalho em teoria monetária, pretende ser uma contribuição a essa nova fase da ciência econômica". (CW VI, p. 406-7) Enquanto permaneceu isolada, a teoria monetária teve como objeto exclusivo o problema da determinação do poder de compra do dinheiro. Qual a relação entre esse "podcrff e outros mecanismos do mundo econômico "realn? E crucial reparar que essa questão coloca o problema da re lação do dinhc.iro com o mundo real, isto é, o problema da integração do dinheiro na análise econômica e não apenas a "passagem" de um estudo do "lado monetário" para o "la do real" da econom:ia(l). Além disso, a literatura sobre bancos c finanças é tão isolada, dentro da literatura so bre moeda e crédito, quanto esta Última no interior da li teratura econômica geral(Z). Os passos funda~etis do Treatise no sentido de pro mover a integração serão a elaboração de uma análise que relaciona tanto o que atualme-ute se denominaria níveis "micro" e 11 macro" quanto os fcnómenos reais e monetáTios . em que a lnc.erteza . . (3] • fün'. numa economla e- d- ctermln;;mte da assim, ê uma obra que mantém a linha de continuidade na transformação da teoria quantitativa em teoria "quali tativa". Keynes ali se preocupava em determinar o mecanísmo dinamico através do qual a teoria quantitativa poperíodo de sec usada como instrumento descritivo de um "longo pra::.o". distinto do real 11 ~ cuJa superação faz parte do esforço teõrico de Keynes, foi reabilitada pela assim chamada "sÍntes-e n-eo-clássica". (1) Essa dicotomia entre o "monetário" e o (2) Schumpeter, 1982, p. 1.205. (3) cf. Kregel, 1973, p. 7. 0 No longo prazo, afirma a teoria quantitativa, o di:i'll"::!j t:::: ;:; _neutro, isto é, não afeta as variáveis "reais" do sistema econalnico. Has ainda que o Treatise continue centrado no exame das relações entre dinheiro e níveis de preços, a mediaçao que lhes é interposta constitui-se a partir das re lações entre o mundo industrial e financeiro. Na medida em que essas relações es:abclecem um contexto de incerteza, é dado um passo fundamental em direção a uma teoria do produto e -do emprego (e não apenas do "dinheiro" isoladamente) (l). B a análise elos fatores que levam a uma entre investimento e poupança. Essa discrepância implica uma dinâr:tica de variação de preços e, sub ( 2) sequentcmcnte, no produto . Mesmo que no centro do Treatise, como no I.ract 1 esteja a questão da estabilidade dos preços, a dissecação feita por Keynes dos determi nantes do poder de compra acaba levando-o i identificaçio dos principais poderes de urna economia capitalista. E a15m disso, permite-lhe afirmar a influ&ncia que se exerce através desses poderes, sobre os comportamentos inter-temporais. Vem do Treatise a mctifora do calcidosc6pio, adaptada por Shacklc para esclarecer o cariter do investimento 3 no capitalismo( ). Afastando-se da clássica v1sao mecanicista dos efeitos do dinheiro sobre os preços. Keynes afirma: discrep~na "NãO" devemos ( ... ) argumentar que uma expansao m2_ netária influencia ·os preços relativos da mesma maneira como a translação da terra no espaço af~ ta a pos1çao relativa dos objetos em sua superfi_ cie. O efeito do movimento do caleidoscópio sobre as poças coloridas de vidro no seu interior é quase uma metáfora melhor para a influência de (1) Nesse sentido vao as afirmações de Davidson, 1972,Ci!_ pítulo 2. (2) Davidson, 1972, p. 27. (3) cf. p.cx., Shacklc, 1974. 95 mudanças monetárias sobre os níveis de preços". Dessa forma Kcyncs procurava mostrar que mesmo volta a um novo equilíbrio representa a obtenção a de um "equilíbrio" quantjtativamcnte diferente. Pois a 11 noçao de "cquí1Íbrío não está aí associada a um mun- do de agentes racionais cujo poder distribui-se uni- formemente. Keyncs desenvolverá, no Treatise, uma visão da soe i c Jade de classe::_.:?_ na linha do Tract, as variações de preços distribuem-se de forma gual porque o poder na socjcdGclc é Jesigulmente tribuído entre as "classes de compradores". ( 1 ) onde desidisAqui já aparecerá uma análise mais detalhada, onde os pri~ c i pais poderes são: o estadual, o bancário, o empresarial e o trabalhista.CZ) Essa desigualdade no pro- cesso de difusão das perturbações monetárias manifestasse essencialmente como diferenciação interna ao ritmo de difusão e, portanto, ao tempo relativo Je di fusão das perturbações pela sociedade. E foi com base nesse argumento que a noção de um nível geral de pTeços foi explicitamente recusada por Kcyncs. (Cf.caps. 5, 6 e 7 do Treatisc). Em sua opinião, trata-se ape- nas de mais um dos muitos "conceitos econômicos qua- se-matemáticos" que se julgou, no passado, conveniente construir (por analogia com a.s ciências físicas). CKV,p.78). ê um Cl<Íssico O Trea1;_2~·é 11 11 , ou seJa, um livro que ninguém mais procura ler. Muitas razões contribuíram para o .insucesso de pÚblico, a começar pela acirrada cr:Í.tica que os conceitos centrais receberam já em CJmbriE:_ ge. t conKtm opütar..íi:m que o Tre:ltisc ajJlch advoga as excelências da política monetária ,algo que se tornou fuf:i.mo diante cb.s n:comen (1) Isto ~ classes distintas segundo o tipo de gasto que são capazes de efeti\-:.u. CW V, p.82. (2) ?\esse sentido argumenta, a partir da 11 Teoria Geral11 , Barr6re, 1979, p. 142-7. Em 1924 ocorreu a primeira greve geral do· sindicalismo inglês. dações posteriores de política fiscal e gasto pÚblico feí tas por Keynes.Jiarrod (1958, p. 475) lembra quc,já no Treatíse, aparecia a proposta de gastos pÚblicos, como, aliis, ocorria no discurso de Keyncs desde os anos 20. Mas Keynes no Trcatise procura esclarecer as condições fi nanceiras para o exercício dessa política. "Finalmente, há uma arma de reserva pela quul um país pode parcialmente refazer-se quando o desequílf brio internacional' envolve-o em severo desempr!:_ go. (l) Em tal situação, operações de mercado abe!. to pelo Banco Central visando a baixar a taxa de juros de mercado e estimular o investimento podem, por desventura, estimular a tomada externa de em préstimos e provocar um fluxo para fora de ouro em escala superior à suportável. Em tal caso nao basta a Autoridade Central estar pronta para em prestar pois o dinheiro pode ir parar em ma os erradas ela deve estar pronta a tomar empréstimos. Em outras palavras, o Governo deve por sí mesmo promover um programa de investimento do m5stico. ( ... )Assim o resultado desejado s6 pode ser obtido por algum método através do qual o Go verno subsidie tipos aprovados de investimentos ou por si mesmo dirija esquemas domésticos de desenvolvimento de capital 11 • (CW VI, p. 337). Novamente, constata-se que estava sendo superada a di cotomia entre a an~lise de fen6menos reais e monetários. Pois a análise real seria aquela que partisse do "princf pio de que todos os fen6menos essenciais da vida econom1 ca sao suscetíveis de definiçio i base de bens e servi di ços, decisões sobre eles e relações entre eles o nheiro aparecendo como expediente técnico para facilitar as transaç6es, mas neutro numa economia que opera como se (1) Keynes usou o instrumental de Treatise para estudos de economias abertas. '0/ fosse de troca simples". (1) Essa neutralidade da moeda ~ um pressuposto ardiloso para o prÓprio tratamento do tempo na análise '''quantitativa 11 • Pois o "longo prazo" acaba sem ter outra definição a nao ser a de corresponder ao "tempo no fim do qual a moeda é neutra". Em suma, a neutralidade do dinheiro e um princípio sem o qual a racionalidade dos agentes (sua capacidade de agir conscqUcntementc, isto é, com a máxima responsabilidade pelo que acontece depois de suas decisões ou no futura) fica compromctida 11 • Uma vez que os sujeitos econ6micos conhecem o sistema no qual eles agem, podem antecipar perfeitamente todas as relações que têm um caráter sistemático. Eles vivem portanto em um eterno presente com exceção dos choques aleatórios que trazem novamente importância ao dinhciro 11 ( 2 ) Ainda asim~co que preciso nos afastemos dessa visão do donheiro neutro, ê nao esquecer que muito da funcionalidade do dinheiro esti na sua capacidade ele dar aos agentes a ilusão de racionalidade e, se n~o previsão,ao menos habilidade para não assumir projetos excessivamente arriscados c incertos.Portanto, por mais absurdo que isso possa parecer, o dinheiro permite a muitos (e,~s vezes, a certas classes socia~ viverem como se estivessem em um eterno presente. - No 11 eterno presente'' as mediações entre coisas e pessoas podem se resolver em relações contemporâneas, isto ~' em articul~ç6es sincr6nicas entre os termos cquiprováveis de um conjunto finito. Daí que nJ análise real os preços em dinheiro são substituídos por relações de troca entre mercadorias, a formação de rendas e traduzida em troca de trabalho por meios físicos de subsistência e a poupança e o investimento são interpretados como poupança de fatores reais de produção e sua conversao matérias em bens de capital reais (ediffcios, máquinas, primas). (1) Schumpeter, 1982, p.323 e ss. (2) Aglietta, 1982, p.13. Em outras palavras, os fenômenos ligac.los a algum tipo ~le ttmcrcado" são traduzidos em estruturas cuja rigidez (c porta.Itto indestrubilidadc) é derivada do uso do alguma variante de conceitos como escala de produção, domfnio mícrocconôrnico do espaço mercantil através do volume de produção e vendas, ou técnicas cristalizadas em algum conjunto de forças produtivas. Isto 6, o ''capital'' 6 traduzido em entidades que retiram seu poder (de mercado) da natureza ffsica da produção e sua correspondente cia de indcstrutibilidade e perman&ncia. aparen- O ap1.ce do desenvolvimento desse tipo de análise foi o debate dos anos 60 sobre o capital, no centro do qual estava a mesma Cambrigde onde Keynes inaugurara a integração entre inâlises "real" e "monctiíria". (1) A questão fundamental do debate., colocada por .Jo;:m Hobfnson c diante da qua 1 Paul Samuc 1 son acabou qua~c cap i tu1 ando, pode ser expressa nos seguintes termos: urna"guantidadc 11 de capital~ uma lista de m5quinas, estoques de materiais e meios de subsistência ou repr<?_SJ:.nta uma soma de dinheiro cujo poder de compra sobre recursos invcstíveis depende de taxas salariais e financeiras? Ora, a investigação de Keynes no Trcatise busca esclarecer as raízes dessa capacidade representativa do dinheiro. ( 2 ) Pois a anilise monet5ria nao considera o neutro e procu~ identificar como a sua exist~nca dinheiro afeta (1) Cf. Harcourt, 1972. (2) Seria entretanto apressado identificar apenas as teorias neo-clâssícas do equilíbrio a essa interpretação "materialista" do conceito de capital. Muito do que se pretende atualmente legítima "teoria dinâmica" reproduz o mesmo preconceito característico daqueles modelos estáticos. Pense-se nas inúmeras reduções da hist6ria econ6mica a hist6ria da tecnologia com os cclebres "ciclos longos ou mesmo em modelos dinâmicos centrados na noção de"estrutura de mercado 11 , caracterizada por barreiras tecnol6gicas, de escala ou mercantis à "entrada e saída". - 11 o curso "real" tanto em épocas "nonna.is 11 quanto em perío- dos de transição, rejeitando o modelo de uma economia de troca. No dizer de Sd1umpctcr, "os traços essenciais do processo capitalista podem depender do véu monetário" e "o rosto que se oculta por trás do véu é incompleto sem o próprio véu". Mas a análise monetária convencianal é uma macroanâlise (termo usado por Ragnar Frisch) ou uma anâJise agregativa. Keynes introduzirá a heterogeneidade nos agregadosmonctários que na análise convencional silo homogêneos. ..'\ssim aparece em primeiro plano a descoberta da quaJidade daquilo que é monetário (que deixa de se reduzir ;J 11 aquilo que pode ser convertido em ouro", por exemplo) e portanto a anilise da especificidade das formas de organização monetária. ( 1 ) SÓ escapando ao "fantasma da homogeneidade'' um tal modo de análise tornn-se possível. (Z) Kcynes ,aten- to ã realidade concreta do capitalismo, operará uma são no método neo-clâssicc para poder apTcender c trans~ mitir um conteúdo crítico, o tor- não reducioriista. fundamental cuja problema economlco explicação é apresentada no Treatise é o das crises cíclicas. Keynes não apresenta nen1n.1ma teoria causal do mecanismo ciclico, mas a partir dos fen6menos mo11etirios e financeiros esclarece porque as flutuações nos preços e na produção capitalista podem ser cata]izadas numa crise. Isso é possível porque os efeitos desordenadores de deterioração do poder de compra difundem-se pela sociedade desigualmente não em função de qualquer 11 rigidez 11 monetária locali:ada (essa era a explicação de Wicksell) mas porque é possível a dinâmica econômica só é contínua enquanto harmonizar os poderes do mundo empresarial e do mundo financeiro. Como aconteceria com a Teoria Geral 1 muitas dessas mensagens só ficariam claras ao longo dos debates que (1) Aglietta, 1982, p.1S. (2) Idem, p.31. iiJU succde;ram-sc à publicaç.1o do Trcatisc. Mesmo a rcccpçao atual do Trcatisc continua lacônica. Schumpctcr, que saudou por carta efusivamcntc a aparição 1 do livro, ( ) acabou tratando-o como obra confusa e sao poucas as linhas que ele dedica ~ obra na sua HistÓria da Análise Econômica. Minsky ignora-o totalmente, após aceitar que foi uma contribuição interessante ã taxonomía das instituições financeiras. Outros autores (Z)concentram-se exclusivamente nas "equações fundamcntais 11 ou outros aspectos parciais, quando muito incorporando elementos da análise dos mecanismos financeiros ao "aparato" da Teoria pera!. Raros juizos favorivcis e mais abrangentes sao encentráveis nos escritos de Harrod e Joan Rohinson. Entretanto, ocorre que a heterodoxia do Treatise é de difícil compreensão, justamente por se encontrar, mais que a Teoria Geral,a meio caminho entre o pensamento tradicional e a tentativa de diagnosticar diretamente os processos da dinâmica capitalista. 1\ Tcorio Geral, que por inúmeras ra- e geralmente interpretada segundo a perspectiva cszoes _tática (ou, no máximo, de esti.ltica comparativa), foi mais rápida e facilmente 11 fagocitalla 11 pelo pensamento conser- - vador. ( 3 ) III- DEFINIÇOES A ncornplexa taxonomia 11 de Kcynes, mesmo sendo menos prolÍfic0- que a de Robertson, envolve também uma ampliação do conceito tradiciono.l do dinheiro c de suas relações com a economia. O prop6sito dessa seção continua sendo, como ao da longo de todo o texto, muito mais ressaltar aspectos elaboração de Keynes mais estreitamente vinculados ao tratamento do tempo Jo que retratarfieloucompletamente a obra (1) Cf. CW XIII, p.176 e p.201. (2) Davídson (1972) ,Patínkín(1977) ,Hícks(1967) ,Leíjonhufrud (1979) (3) Tal juizo ~ emitido com maior brilho por Graziani (1981) 101 original. Mas no caso das dcfiniç6cs, se o vfnculo com a integração do tempo parece primeirn vista indre~o, 6 crucial cxtendcr-se um pouco mais. O conjunto de dcfiniçoes divide-se em dois conjuntos h~sico: quanto i natureza do dinheiro e preparatórias às equações fundamentais. a 1 - DDI!IEIRO Dinheiro de Conta:- O dinheiro como unidade de conta ("money of account 11 ) é o dinheiro em que dívidas, ~­ ços e poder de compra em geral são expressos.E o conceito primário de uma teoria do dinheiro. Mas o próprio Kcynes, no célebre artigo de 1937 no "Quartely Journal of Economics',, declara que ,atuando como unidade n10nctária de conta o dinheiro facilita a troca sem que tenha necessariamente que vir i cena como objeto substantivo 3nesse sentido é algo conveniente mas sem significado ou influ~ca real'\(l) O que é distintivo na definição do Treatise ê sua ênfase no fato de que uma unidade de conta só pode existir na medida em que se constroem dividas, isto 6, contratos de pagamentos diferido. Huitas coisas podem ser usadas como dinheiro num ato de troca, mas só quando esses·"dinheiros11 têm como referência uma unidade em nome d~ qual aceita-se esperar por pagamentos futuros ~ que surge o dinheiro com pleno sentido. Essa relação do dinheiro com a exist~nca de dividas leva-nos diretamente ao Estado, que € a instituição sustentadora .de leis e costumes, isto é, a instituição que em Última instância regula a reprodução da instituição monetária ao longo do tempo, sem o que o dinheiro perde a fundamental característica da continuidade.(Z) ( 1) CliXIV, p. 115 .. (2) Pode ocorrer "uma catãstofre em que todos os contratos existentes são simultilneamcnte cancclados 11 • Mas cabe ao Estado regular ao limite as condições para a continuidade do dinheiro no tempo. Eis aí o germe da proposta de polÍtica monetária ativa e anti-cíclica. 1()2 Dinheiro Banc5rio:- Uma vez que a cxistancia do pr6prlo dinheiro associa-se i criação de contratos c dividas, está aberto o caminho para a descoberta de ,que 11para muitos propósitos os reconhecimentos de dívidas são em si mesmos um substituto Gtil para o dinheiro no estabelecimento de transações 11 • Quando tais dívidas são assim usadas, chamam -se dinheiro bancário. Assim convivem lado a lado, o di- nheiro estatal e o dinheiro bancirio (ou reconhecimento de dívidas). Trata-se dos prÓprios depósitos bancários priva dos.· Dinheiro Representativo:- Surge quando o Estado transforma algum tipo de dívidas em d.ÍviJa púbJic1 que a partir de então passa a operar como instrumento de contratação. ( 1 ) Keynes dcf1ne ainda como dinhciTo representativo o dinhciro 11 fiat",c "administrado 11 • Por 11 fiat money " entende-se qualquer objeto cujo valor monetário na.da tem a ver com o valor do material de que 6 feito o objeto· (p.cx. as rnoedas modernas e o papel-moeda). O dinheiro "a clmini s t radd' é semelhante ao "fiat", mas corresponde a um instrumento cujo valor c emissão são facilmente manipul5vcis pelo Estado, em geral por rcferSncia a algum padrão objetivo. O dinheiro estatal pode também assumir a forma-mercadoria , de qQando sua oferta 6 governada pela escassez e custo produção. Dinheiro Corrente:- :E o agregado de dinheiro estatal e dinheiro banc5rio. Esse agregado 6 retido por v~rios agentes (c f. a "árvore gcnca1Ógica 11 no Anexo I). Dinheiro e depósitos bancfirios s~o, po1s, co-extensivos e qualquer dÍvida pode ser considerada como poder de compra diferido (por quanto tempo é matéria totalmente (2) - . ). . ar lntrar1a comum, p. ex., firmarem-se contratos em termos de tÍtulos públicos, como as ORTN. (2) Cf.CW VII, p. 167. ( 1) ~ Hl3 Keyncs passa ent~o ~ dcmonstraç5o de que os bancos possuem o poder de ativamente criar dcp6sitos, emprestando e investindo. Criar "dcpósitos 11 significa para o banco operar com um raio de manobra o mecanismo de criar direitos a dinheiro contra si mesmo. Como a cxperi5ncia histórica ensinou aos banqueiros que "raramcnten esses direitos são todos exigidos simultaneamente, os bancos podem ampliar ativamente depósitos superiores às suas reservas ; efetivas. E e na descrição desse mecanismo que aparece a primeira ref~ncia no Treatise ao processo de formação de expectativas, pois "( ... ) o comportamento de cada banco, ainda que não possa adiantar-se muito ao dos outros (l),serã governado pelo comportamento médio dos bancos em seu conjunto ( ... ) cada banqueiro ( ... ) pode considerar-se o instrumento passivo de forças exteriores sobre as quais não tem controle; mas essas ''forças externas'' podem nadn mais ser que ele mesmo e seus sócios, e certamente nao scrao os depositan.'~ (CW V, p.23). Esse é o típico processo de formação de expectativas, onde cada agente procura moldar o seu comportamento de acordo com uma avaliação do comportamento médio (como na metifora Ja Teoria Geral: procura votar no candidato que acredita vai ser mais votado pelos outros). Dessa forma a criação de cr~dito 6 um processo que, mesmo sendo vin11 culado ã ampliação no tempo de poder de compra, é cego para o futuro 11 , pois tem como base apenas a avaliação do comportamento médio no presente. Se todos agem assim,ninguem pensa no futuro. uma "Um sistema monetário desse tipo possui instabilidade inerente, pois qualquer evento que tendesse a influenciar o comportamento da maioria dos bancos na mesma direção, progressiva ou (1) Na criação ativa de dep6sitos. regressivamente, nao encontraria qualquer rcsist~ncia e seria capaz de instaurar um movin1cnto Violento de todo o sistema." (CWV, p.23). Naturalmente isso 11 raramente 11 acontece ... Mais ímportante do que a constatação da instivcl capacidade de potenciação das pr6prias reservas pelos bancos, mecanismo aliás exposto em qualquer manual, é a descrição do comportamento típico dos banqueiros. Esse comportamento e o tipo de vínculo que ele estabelece com o "presente" se(1) - . . rã objeto de u 1 ter1ores comentar1os. Tipos de Dep6sitos:- No capitulo 3 do Trcatisc Keynes começa uma an&lise que antecipa em alguns aspectos a :de dinheiro análise dos motivos que governam a retenção típico da Teoria Geral. A classificação dos tipos de depósitos tem como princípio a incerteza. Pois ''Seja longo ou curto> geralmente h5 algum intervalo entre a remuneração e o gasto de um individuo. A16m disso, ele não stibe-scmprc prever a data precisa de um ou outro. Deve, então. reter um estoque de dinheiro, ou um comando imediato sobre dinheiro na forma de dcp6sito banc~rio, para cobrir os intervalos de tempo entre receitas e gastos e para se precaver contra contingências" (C W V, p.30-1l. Tais depósitos são denominados dcpósit_os de rendaC'income depasits"). Assim corno no caso dos gastos pessoals, também precisa uNo caso do gasto empresarial, a data nao pode à qual dever-se-á cumprir obrigações ser sempre prevista". (idem). (1) Cf. CWV, p.26, onde é reafirmada a dificuldade de"res- tringir a instabilidade inerente ao sistema'' na medida em que o ritmq de expansão dos bancos tem como base essa criaçio ativa de dep6sitos. 1_.J,") f" Essa reserva de contingência 5 denominada dcpósit~ empresarial ("business deposit"). O conjunto desses depÓsitos recebe o nome de dcpósitg de caixa ("cash dcposits"). Um terceiro tipo de depósito é discriminado por Keynes ~ os depósitos de poupança ( 11 Savings dcposits") .Aopç.:Io por esse tipo de depósito jã revela algum tipo de avaliação sobre o futuro que é compensada pela taxa de juros oferecida pelo banco, ou então o indivíduo pode julgar que outras aplicações no decorrer do tempo scrao menos rentáveis monetariamente 1 etc. O critério é ser um depósito que não é requisitado para pagamentos correntes.Aqu:i já ap~ recem as raízes da futura teoria da 0 Preforência peJa Liquidez". 2 - CIRCULAÇI\0 INDUSTRIAL E C!RCULAÇI\0 FINANCEIRA A partir dessas definiç5es Kcynes caracteriza dois tipos distintos de fluxos monet5rios: a) clepÓsitoscm;:nesariais retidos com o propósito de fazer face funções produtivas - pagamentos ou fatores de produção(l)e materiais usados no ostEgio corrente ou no que vai se iniciar - constituem a Circulação Industria!_, governada pela produção corrente; as b) transações especulativas em bens de capital ou mercadorias (Z) e transações {inanceiras (com titulas pfiblicos ou mudanças nas formas de aplicação) são tipos de transações que não são governadas pela produção corrente, e em conjunto com os depósitos de poupança constituem a Circulação Financeira. (1) Esses .ragamentos constituirão os 11 dcpósitos de renda'' (''income depósits''). Esses depósitos de renda são dotados de maior estabilidade que os depósitos empresariais como um todo, do qual são derivados. (CWV ,p .40-1). (2) Lembrar que, para Keynes, a produç~ capitalista forçosamente mantém uma posição especulativa,pois e constituida de despesas monet5rias. l V\j no r:itmo com que um círculo de financistas, cs- pcculadores c investidores transferem-se mutuamente porções de riqueza, ou títulos dando direitos a tais porçoes, que eles não estão nem produzindo nem consumindo, mas meramente intercambiando - não tem qualquer relação definida com a taxa de produção corrente. O volume de tais transações é sujeito a flutuações muito amplas e incalculâveis, facilmente duplicam de um momento para outro na dependência de fatores como o estado de sentimento especulativo - c alnda que possivelmente seja estimulado pela atividade e deprimido pela inatividade da produção, suas flutuações são bastante diferentes em grau daquelas da produção. Além do que, o nível de preços dos bens de capital assim negociados pode variar de modo bem distinto daquele dos bens de consumo." (CWV, p.42) (grifos meus). - O "estado do sentimento especulativo" e um termo anterior a "expectativasn. Assim, além da distinção entre 11 industria1" e 11 financciro"Keyncs adota a separação crucial entre determinantes dos preços de bens de capital e bens rede consumo. Tudo a partir de uma separação bisica: tenção de dinheiro para fins imediatos c correntes ou utilização do dinheiro como ponte para atividades futuras.Cl) Mas o futuro, em grande parte definível a partir da circulação financeira, subordina-se ao ''estado do sentimento especulativo". 3 - RENDA: Tr~s (1) expressoes sao sin5nimas no Treatise: - a renda monetária da comunidade Sintoma de que a análise convencional Hnão leva o tempo a séTio" é o modelo da economia em llmercados" de bens, titulas, dinheiro e trabalho. A partir dessa classificação, sempre que o tempo for introduzido permanecr~ um elemento extcrior.Voltaremos a esse ponto cf~ LeijonhufYud, 1979, p.221. !(;7 ... a rcmuneraçao Uos fatores de produção - o custo de produção O traço marcante dessa definição de renda ci.a dos lucros. Lucros ~ a aus~n­ = (custo de produção do produto corrente) - (receitas de vendas realizadas). A definição de renda inclui: - sal5rios c ordenados a remuneração normal dos empresários - juros e rendas Os lucros (ou perdas) alteram a riqueza acumulada dos empresários e, portanto, não são incluídos no fluxo de rendimentos correntes. Essa riqueza acumulada const.itui um estoq\IC, podendo ou não ser utilizada (quando h5. per- das, há uma diminuição do estoque). Mas essa distinção entre lucros e renda depende de uma definição prévia de 11 remuneração normal 11 dos empresários. 4 - REMUNERAÇÃO NORMAL DOS E~1PRSÁIO: A remuneraçao normal dos empresários ê, em qualquer momento, a taxa de remuneração que, se eles entrassem em novas barganhas com todcis os fatores de produçãO que estão sendo remunerados a taxas correntes, nDo daria aos empresários nenhum motivo para aumentar ou diminuir a sua escala de operaçocs. Assim, se o resultado das vendas cxccJer o custo de produção e não houver pressões por melhoria salarial ,surgem lucros que estimulam os empresários a expandir a escala de operações, mantidos os custos salariais (i.e.,. mantida constante a renda). foupança:- E o conjunto das diferenças entre a renda monetária dos indivíduos e seu gasto monetário em consumo corrente. 1Oi; Investimento:- A taxa de investimento e o incremento lÍquido, durante um período de tempo, do capital da comunidade. O valor do investimento nüo é o incremento do valor do capital total, mas ê o valor do incremento do capital.durante um período qualquer. Valor do investimento corrente = poupança + lucros Importa obscrvar,nessas definições, que a divisão da sociedade em empresários e assalariados já confere uma característica peculiar à própria explicação que se venha a dar dos processos econômicos. Pois numa tal saciedade, s6 o rendimento dos empresirios 6 completamente 1 móvel. ( ) Os trabalhadores podem decidir quanto gastam a partir de uma renda monetária dada enquanto os empresários, por acumularem riqueza~ têm um maior raio de os trabalhaação em termos de decisões de gasto. Mas dores não podem decidir a ~antide de bens de consumo a ser adquirida. Pois tal montante dependerá do nivcl de preços que encontrarão no mercado (o rendimento dos fatores está fora da circulação financeira c, portanto, completamente desprotegido face ao futuro). SobTetudo,hâ um limite mais agudo i capacidade de gasto dos trabalhadores: em Gltima análise, a quantidade de bens de consumo que os empresários decidirão produzir. Ou seja, os trabalhadores podem) mas apenas dentro de limites severos, "decidirn quanto gastam. (Z) Qua~to A definição de renda e i distinção entre cros e remuneração normal dos empresários, trata-se é bem diferente de afiTJnar abstratamente lude que os salários são "rígidos 11 • Esse foi a principal moa publicadificação incorporada por Robertson a~os ção do"Banking Policy ... n Apesar de formulada 11 prolixamente, essa hipótese abre C3minho antes do que se costuma supor à sintética máxima de que os Htrabalhadores gastam o que ganham e os capitaljstas ganham o que gastamn. (2) Grazíani, 1981, p.216. (1) O que - 1u~; uma elaboração a partir da tradição marshallianu. Tratavu-se de um conccJto, na obra do Marshall, colocado no centro de um conflito insolúvel: "o dilema encontrado por Marshall entre uma análise estática c o panorama dinâmico do mundo vem i superfície na definição de lucros normais. Se uma taxa dada de lucro é o preço de oferta de uma quantidade dada de capital c empresa, então a oferta é constante quando os lucros são normais e se rcqueriria a aparição de lucros superiores aos normais para que surgisse um incremento no estoque de capital. Mas se a acumulação vai se efetuando, os "lucros normais" devem significar o nível de lucros que permite uma taxa normal de acumulação. Esse confLito nao está resolvido em parte alguma". (l) O dilema, que renparece transfomd~ no Trcatis~, basicamente o dilema entre analisar variações de preços (portanto, dado o produto) que acabam determinando variações no volume de produçilo (e, portanto, no volume gerado de renda). Mas se se pressupunha um dado produto, como supor que ele c a renda se alteram? A solução lmediata fornecida por Kcynes foi a de 115o considerar como parte da renda os lucros surgidos com a variação de preços., Mas esses lucros, podendo ser acumulados, afetam as decisões de gasto dos períodos subscqUentcs! Assim, Key~ nes necessariamente constrói uma visão dinâmica da economia, na medida em que decisões de 1.1m período estão vinculadas a outros períodos. ~ Nas a análise fica incompleta, pois se há variação no produto em períodos subscqUentcs, a análise deveria transformar-se em an~lise da flutuação da produção e do emprego, enquanto no Treatise o instrumento analítico descreve apenas esse efeito inicial de variação de preços. (1) Robinson, 1974, p.308. Cf., acima a discussão sobre "RaÍzes Harsh~lin .0 normal como tendência de longo prazo pode, entretanto, ser interpretado como 11 expectativas de longo prazo". 1 11 o - O importante e que, uma vez dado esse passo, o apontado por Joan Robinson dilema deixa de existir pela des- truição de um de seus termos, pois já não há como falar de "acumulação norma1 11 • Quando surgem lucros, a alteração decorrente no estoque de capital não está diretamente ligada à produção corrente. Qualquer relação de propocionalidade entre nfvel de investimento, crescimento do produto e taxa de acumulaç.1o perde o sentido, (l) pois se os lucros estão fora da renda, tarnb6m não são identificados à "poupança". Entretanto, mesmo incompleta, o foco da an51ise agora repousa sobre uma variável cujo comportamento é imprevisfvel. Os lucros(Z) nãó precisam estar a um nfvel determinado "a priori 11 • A noção de remuneração normal, ainda que seja uma noção que reflete a reiteração de uma decisão 'no tempo, nem por isso deixa de ter um caráter expctaion~, subjetivo. A conccpção·do que ~ ''normal'' aplica-se tanto às condições objetivas quanto às expectativas de magnitudes das variações econ6micas enquadradas por essas condiçõcs.( 3 ) Em Última análise, a remuneração normal relaciona-se apenas com expectativas nao revisadas de ganho e podem, portanto, ocorrer a qual~!cr nível de emprego. Nada têm a ver com qualquer imperativo de equilibrio geral dos mercados. O preço normal e a remuneTaçao a ele associada mantém muito pouca relação com o preço quo seria determin3do no movimento cotidiano dos "leilões" de mercado, pois referem-se a uma economia em que os bens são produzidos no tempo, "num sistema que distingue e reconhece presente e futuro, ligando os dois através de contratos denominados 'em dinheiro". ( 4 ) (1) Ainda assim, iJS teor·ia·s· pós-Keynesianas de crescimento buscam "modelar" um padrão de evolução do sistema econômico no tempo a partir dessas relações.Cf.Kregel, 1973 .. lhvüison, 'i:l72, p 131. lucros inesperados. (3) Kregel, 1973, p.37-8 (2} "Windfalls (4) Idem. 11 , 11 i O longo prazo nao existe. f! apenas uma representação, um tipo du decisão que é, entretanto, tomada no 11 "curto prazo • Parafraseando, o. longo prazo o longo pruzo estará morto. A identificação entre lucros e rendimentos aparecia já em um texto de 1919. (Kcyncs, 1963, p.77). Deve-se notar a ''forte por6m tácita perspectiva expectacional do pensamento de Keynes nessa passagem e em toda a concepção do Trcatise. Pois a renda esti sendo definida como renda ~erad. Está claramente implicado que se os empresarios estivessem certos, no início de cada intervalo, de qual seria o resultado das vendas de cada possível quantidade de bens confiada aos consumidores, suas decis6es individuais resultariam numa tal ctuantidadc sendo confiada que lheS desse e5srl remuneração "normal n ( ••• ) Jj a remuneraçao normal que eles esperam' 1 .(l) Shackle faz uma extensão do caráter expectacional dos lucros para a renda, pois se a remuneração normal (que 6 parte da renda) tem caritcr cxpcctacional, então o mesmo se di com a magnitude de que é parte. Os lucros 1 considerados como rcmuneraçao inespel'ada, em ~ltima instincia impedem qualquer explicação do tipo "hidr5ulico" para a volta ao equilíbrio no período em que eles ocorrem. Mas e justamente no momento em que Kcynes procura reencontrar a outra 11 parte da transição, isto e um novo equilibrio, que surge uma an5lise em termos de supor que o excesso de lucros, voltar-se-ia para o consumo de bens de consumo\\ (CWV, cap.10, item 11). Shackle entretanto aponta o perigo dessa opção, p'ois a experiência e o fato registrado de tais lucros s6 podem ter implicações sobre o gasto dos emprcsirios no futuro. Uma vez que, em um período, surgem os "lucros" inesperados, eles s6 podem afetar a decisão referente ao período subsequente. Se Keynes dota seus conceitos de caráter expectacional, isto é, são conceitos inerentemente víncu- - (1) Sh;tcklc, 1967, p.170. 112 lados com a passagc1n do tempo, surge a questão crucial: se o longo prazo 5 um horizonte cxpectacional especifico, qual a natureza do período Uc ~empo no interior do qual ocorrem os processos analisados pelos conceitos do Trca, ? tlSC. IV- SOBREJNVESTIMENTO Antes de responder ã questão, é necessário passar da.s definiç5cs dos conceitos i an51ise propriamente dita e de duas que deles faz uso. Faremos esse percurso atrv~s etapas: a questão de sobreinvestirncnto c as equações fw1damentais. A id6ia de sobreinvestimcnto surge em textos ond~ a anilise do Treatise ~ utilizada para explicar problemas econ6micos concretos. Antes portanto de nos envolvermos com as manipult~çÕes conceituais "a seCo 11 _, ·vale a pena apreender um pouco do contexto em que tais conceitos eram usados. Em 1913 Keynes escreveu em texto,(l) que teve influência sobxe os trabalhos de Robcrtson, em que é feita uma crítica ã Teoria de Fischcr do ciclo de crédito, que explicava a irrupção da crise pela súbita percepçao pelos banqueiros de que o nivel de reservas ao longo do tempo tinha-se reduzido perigosamente, momento a partir do qual repentinamente resolvem cortar o cr6dito provocando a crise. Esses podem ser muitas vezes os sintomas, escreve Keynes, mas não as causas de uma crise. A teoria do sobreinvestimento nao é considerada cor~ reta por Keynes, mas é a que dá significativas,sugestões de. idéias Úteis". (CW XIII, p.4). (1)''How far are ba11kers responsible for the ~lternaios of crisis and depression?u ("Em que medida os banqueiros são responsiveis pelas altern5ncias da crise e depressão? 11 ) , in CW XIII, p.Z-14. 113 "Alternadamente, tliz-sc, lcví1dos por espcrJnças excessivas ou retidos por temores exagerados, uma proporção grande demais ou pequena demais Jas reservas do mundo é fixada na forma de melhorias de capiral permanente." (idem) A partir dessa constatação, sao feitas duas sugest6es crr6neas pois entendem por sobrcinvcstimento: - que houve um excesso de investimento no sentido de que se invest lu mais capital do que aquele que efetivamente existe; - que houve um excesso de investimento no sentido de que se investiu al~rn do que seria lucrativo. A pr'ime.i r a interpretação, tomada 1 i tcralmente} é J_mpossívcl. A segunda não é suficientemente amparada pelos fatos. "Alguns investimentos sao feitos bestJ.mcnte tanto em tempos de 11 boom11 quanto em tempos de depressão. Mas os assim chamados períodos ele sobreinvestimcnto freqUentemente ocorrem por uma sGbita grande expansfio das oportunidades de investimento excepcional lucrativos.'' (idem) Keynes então divide os recursos da comunidade duran .. te um período (um ano) em três partes: uma e gasta, outra ~pouad e uma terceira 6 retida pelos indivíduos em suspense, como recursos livres para serem gastos ou poupados de acordo com circunstâncias futuras. Essa parte retida em suspense face ao futuro incerto, di~ Keynes, vai para os bancos. Os bancos têm portanto no capitalismo a capacidade de adquirir o poder de determinar quem tem o controle imediato (ou seja, temporário) dos recursos materiais, comandáveis pelos.dep6sitos correspondetes is reservas. Podem transferir o controle desse pod<:r do gasto segundo critérios próprios. Mas esse po- der de gJsto s6 pode ser exercido por dois tipos de pessoas: - aquelas que estio sustentando (levando adiante) estoques de bens consumíveis ou que usam esses bens em processos que rapidamente geram mais estoques de bens de consumo; aquelas que gastam em formação de capital que nao vai gerar em qualgucr momento próximo bens consumíveis de valor equivalente ao valor do gasto inicial. Vemos surgir aqui, ji com &nfasc, a relação entre os setores de be-ns de consumo e bens de capital expressa em termos de perspectiva temporal: da distância entre o momento do gasto e o momento do consumo. Os fundos disponíveis para formaçâo de capital portanto origem dupla: por um lado aquela parte da queza especificamente destinada a isso, e por outro parte dos recursos banc5rios que r.9de ter esse fim.A tir daÍ a noção de sobrcinvcst imcnto é redefinida Kcynes. têm ri- uma parpor u( ... ) em cada ano o valor dos bens materiais efetivamente usados para a formação de capital pod.e exceder ou nao o valor deliberadamente poupado, na dependência da maior ou menor magnitude dos avanços realizados pelos bancos para fins de gastos de capital. Eu digo que há uma tendência ao sobreinvestirnento( ... ) quando a proporçao dos fundos nas mãos dos banqueiros que acaba se fixando em formação de capital permanente está aumentando." (CW XIII, p.5) Essa tendência ao sobreinvcstimento liga-se diretament.e à existência de diferentes percepções do tempo na ns sociedade. Em outras palavras, as diferentes de 1iquídcz por parte de "indívítluos 11 versus exig6ncins "comunída- "Pois alguma parte considerável dos fundos deixados com os banqueiros podem ser investidos em formas fixas com perfeita segurança. Enquanto cada indivíduo acha conven:i.ente manter o que tem com os banqueiros sob forma lÍquida, a cornunidadc como um todo, baseando-se na lei das medias, pode permitir-se manter sob forma líquida um volume menor que o agregado das exig&ncias - individuais." (CW XIII, p.S-6) Em 1913 Keynes ainda confia na "lei das médias". (1) Mas o ponto importante está no surgimento de uma disn·c- pincia entre o que os indivíduos dcliberadaJncnte decidem reservar para o futuro c o que os banqueiros clccidom adicionar ao fluxo de construção de consumo futuro(formaçfio de capital). Entre o que os indivíduos i_ccj-dcm não consumir c o que os banqueiros deci!~ (pela comunidadc)não ser consumido imediatamente. Dois grupos com exigências de liquidez (e portanto avaliações do futuro) completamente distintas decidem, por um lado quanto é poupado, por outro quanto 6 investido. s5 por casualidade esses dois 11 quantaH coincidem. (Z) Ü 11 boom" sobre representa um excesso de investimento poupança e a depressão em excesso de poupança sobre inbancária vestimenta. I·fas nesse momento, é a maquinii.Ti<:l que torna possível essa discre1)ância. E nada garante que empréstimos os ci·itêrios de avaliação de liquidez. de (1) O Tratado sobre Probabilidade só foi publicado em 1921. (2) n uma anâ1 ise de decisões e rcaçõós a _deciSÕes ~lO' longo do tempo. Claro que no final do períoJ.o, no se fazer a contabilidade nacional, o volume de recursos naoem- prcgados coincide com o acr~simo de riqueza. Isto é, poupança =investimento +dividas. novo + ao estoque reservas nos bancos 11 (; dos bancos scj am capoz;~ de evita r esse incremento nd taxa de transformações dos recursos livres da comunidade em riqueza permanente fixa, que acaba levando ao sobre investimenta. "( •.. } a distinção entre bons e maus emprestadores nada tem a ver com qualquer distinção baseada no modo peJo qual eles estão usando seus fundos. Um empréstimo pode ser liquido do ponto de vista de um banqueiro individual porque ele sabe que pode conseguir o dinheiro de volta se quiser, embora os rendimentos dele sejam empregados em formas fixas. E pode nao ser vantajoso para o banqueiro individual desencorajar empréstimes para um cliente em particular meramente por esse cliente -pertence ~ classe que vai depressa dentais para os interesses da comunidade. Assim 6 extremamente diffcil para um banqueiro saber com certeza quando um perfodo de sobreinvestimento est5 em progresso, e-pode Itão ser necessariamente vantajoso para o banqueiro desencorajar emprcstadores ( ... ) para formação de capital mesmo quando ele sabe que o sobreinvestimento está em curso. Sua ação individual nao poderia obstar apreciavelmente o sobre investipermente, enqu?nto no meio tempo ele estaria dcndo bons negÓcios se não cmprestasse."(CW XIII, p.7-8) Em suma (e já aqu1 estamos a léguas da teoria quan- titati v a):: 11 0 que precipita uma redução nas facilidades ~an- ciÍrias e portanto a crise não é a falta de dinheiro, capí tal i.e.,de moedas de ouro, mas a falta de em forma li\·re, não investido. :-.;ão é tanto a proporç.ao dos compromissos bJ.ncârios face Zis suas reser- yas,ma:;;;.o caráter doS compromissos." (C\'/ XIII, p.9). A diminuição de reservas 6 apenas u1n sintoma c .nao a causa. Tanto ~que, caso houvesse uma ampliação na oferta de dinheiro ou um aumento inesperado de caixa isso apenas retardaria a crise. Antecipando argumentos que ressurgiram transformados muito tempo depois, Keyncs afirma que o perigo de sobreinvestimento (positivo ou negativo) torna-se cada vez maior na medida em que se desenvolve o mercado de capitais e as aplicaç5os de curto prazo (CW XIII, p.10). O 11 sobreinvcstimento só é curado" com a crise, isto é, com a depressão nas indústrias de bens de capital. Aí o trabalho de definir o futuro da comunidade deve ser promev tcicamentc recomeçado, uma vez que se percorreu uma trilha. inconsistente do ponto de vista social, mas que Individualmente parecia boas oportunidades de investimento. O antro de desequilibrio não €, portanto, qualquer noçao apriorística de "excesso" de investimento face a algum padrão absoluto de crescimento, mas é a impossibilidadc (aqui atribuida rnaquin5ria banc5ria) dc coardenaT o que é uma boa oportunidade para alguns indivÍduos com o que e oportuno e neccssfirio socialmente. a Nota-se, al6m de tudo, que uma id€ia inicial fica sempre no fundo: a de "rccursos 11 ou "riqueza" da comunldade. Como j5 ocorria em Marshall, Keyncs não distinguia entre riqueza e renda. (1)A análise depende, também, da hip6tcse de que esse conjunto de recursos ~ um estoque dado desde o inicio. A anilise apenas indica de que forma os mecanismos de uma economia monetária (isto e, banc5ria) administram e distribuem no tempo de tal forma seus recursos que hâ uma tendência à ruptura da própria continuidade das atividJdes. Nas a indistinção entre renda e riqueza, e portanto entre estoques e fluxos, deixa na penrumbra a questão de qual seria um ~ltirna an5lise a causa da discrep5ncia entre poupança e investimento. A crise é possível devido ã. 1n3quinaria dos bancos, mas isso (1) Cf. Patinkirn, 1976, p.27. nio explica os Jccis6cs dos cmprcs5rios, isto 6 a lo- gica do cilculo daqueles que v5o tomar os cmpr5stiJnos nos bancos. Sem esse cscJ.arccimcnto, a própria noçao de "per~Q_ (no caso~ um ano) é totalmente arbitrária, c fica-se sem saber a partir de que momento foi possívr:l aos empresários acreditarem na maior ou me- rlqueza, só a determinação arbitrií'ria de um período dá nor existência de oportunidades de lucro~ Dada a sentido ã variação no estoque. E sem a distinção tre riqueza c renda, c .9-~dos os recursos da sociedade, o processo continua tendo a apar8ncia de que os cos são 11 en- ban- responsâveis" pela crise e depressão. "Por um acidente de nossa organização econo- mica, as demandas flutuantes da indt:Ístria por dircitos.sobrc a renda real corrente (ou de- manda da indústria por poder de compra), que podem, ao se fornecer salários mais ao traba- lho e de outras formas, ser convertidas em processamento de bens, são satisfeitos principalmente atrav€s dos bancos. ( ..• ) Os bancos não podem, por Sl mesmos, criar poder de compra real( ... ) mas enquanto isso é quanto ao volume de ~r_dc _c~E.!a os bancos podem emprestar, j5 não ~ rc~}_ verdade que verdade quanto ao volume de dinhciTo bancário que eles podem emprestar - pelo menos em relação bancos como um todo." (CW Xlll,p.20) (1) aos De qualquer form::1, aos poucos fie: a clara a questão teoria quantitativa sofre nas r,;;:los de Keynes. Trata-se de saque emerge das sucessivas transformações que a ber como é possível o 51..11:gimcnto de podeT de gasto adi cional na soe icdade. (ZJfJ:utindo da discussão sobre as nesse poder, aos poucos vemos que a questão flut~aç§_es rele\·J..nte refere-se 11.1 \'enbde Zi descoherta de que classe de com de um excerto elo nsumnio Ja Teoria do Jutor", rasnmho do p1·imeiro c:1p.Ítulo do Trc,lti.se, no\L'Il~1r de 1512-L (1) Trat~1-se (1) 1\o Trcatise, 3 cxclus:io dos lucros ci'l definição de renda tor na e55e poder adi.(:ional possÍYel, n.:conheccndo-.sc O papel central de unn Ülterprctaç:lo expcct;Kional cb sua definiç3o de rend.J, como fe:: Shackle. cf. também Schmitt, '1972. pradores, na sociedade capitalista, tem a capacidade de gastar com maior independência, a tal ponto que mesmo dada a riqueza é possÍvel surgir um acréscimo (ou decrésc:írao) no poder do gasto e portanto de consumo e investimento. O problema de se supor dada a renda e a riqueza c que essa auto-ampliação do gasto redunda ser inflação (ou deflação no caso de retração de gasto). Como em 1913 a preocupação era com a crise, esse resultado nao aparece claramente. Nas no Trcatisc ele ressurge tomo conscqUência natural das "equações fundamentais 0 : variações no poder de gasto implicam oscilações no nível de preços e subscqUcntemcnte na produção corrente. Além disso, no Trcatise não serão mais os bancos os "culpados 11 imediatos da n.Jo__1:c'rcepção dc que alguns indivíduos estão "indo depressa demais para a sociedade''. E,numa carta a Kcynes,C1) o economista e Í[ltimo colaborador R.G.Hawtrey alertava: - ''Mas eu acredito que o motivo predominante 5 o desejo por liquidcz, não o desejo de esperar por uma oportunidade de investimento mais favorável. Com os ncinflagócios ativos a liquidcz podc~_a t:raduzir-sc em ção, ~as não seria difícil para os bancos evitâ-lo se fosse ameaçador." V - AS EOUAÇOES FUNDAMENTAIS 1 - DERIVAÇÃO DAS EQUAÇOES Ainda que tenhamos aspontado os limites da hipótese de "riqueza" dada, há algumas características da visão fornecida pelos conceitos do Tr~ que é crucial explicitar para que as 11 equações" fundamentais tenham seu alcançe compreendido. (1) 7 de outubro de 1928, Clv XIII, p.77. 12() Sa medida em que o processo de investimento pode avançar al6m das opções fcititS pela comunidade como um todo em termos de consumo imediato c consumo futuro,rompc-sc a conexão da teoria tradicional entre produção e sistema consumo. Essa ~ a hip6tesc de base de qualquer complt~, no sentido 16gico de determinação de preços. Nesses sistemas as equações expressam a hip5tcsc de que a produção se faz pelo consumo, pe-J.a absorção dos meios de produção ,(que são produtos). O problema de sobrcinvestimcnto é basicamente o de criação e destruição de capacidade produtiva independentemente de qualquer relação proporcional entre o que 6 produzido e o que é comsumido. Ou seja, trata-se de um sistema onde nao vale a ' 1lei de conservação de energia" - não há nenhuma ligoção ob_jetiva ou absoluta entre as mercadorias.(l) Isso porque a moeda, e o fato de produção ser antes de mais nada uma decjsão em termos monetários, implica em~ em algum futuro que nada garante corTcspondcrâ ao futuro em que estão apostando outros agentes. Mas at6 aqui vimos Keynes identificar esse modo da aposta apenas is doeisoes e comportamento do sistema bancário. De qualquer nuneira jâ se trata de uma ruptura com a visão do sistema econômico como um processo circuJar que se reproduz intacto ao longo do tempo. A partir dai, KcyJJes j5 se situa na linha da teoria moderna que) segundo Sraffa,é uma - d e avcni d a d e mao - un1cn. - . (Z)Q ue no caso d"lSCUtl"d o visao tem sua irreversibilidade perigosamente acentuada quando a velocidade do. tr5fcgo e estimulada pelo poder dos ban~ cos ncriarem 11 riqueza. As"equaç.ões fundamentais 11 visam a explicar ainda mPsno fen6meno: a desigualdade no processo de o difusão juizo encontra-se formulado de modo mais detalhado em Schmi t t, 19 7 5, p. 19 5. (2) f claramente no 11 Tableau Economique 11 de Quesnay que se encontTa a perspectiva original da produção e consumo como um pTocesso circular, o que contrasta fortemente com a visão aprese::1tada pela teoria moderna, de uma avenida de mão Única que leva dos 11 Fatores de Produçâo 11 aos 11 Bens de Constml0 11 • Sraffa .. , 196D,p.43 c f. SchlJ1itt , 1975.Nada assegura o Tetorno ao equilíbrio inicial. (1) Tal 121 das altcraç6cs nos nivcis de preços. Localiza como fator causal das oscilaç5cs no poder de compra, tamb6m, a desigualdade entre poupança e investimento. Mas o elo anterior de sobrcinvcstimcnto fica por identificar, continua ausente, qual a origem dessa discrepância? No texto de 1913, boa parte da responsabilidade era atribuida aos bancos. Já no Tr~,P:tisc a fonte de perturbação é o 0 surgimento ex-abrupto" de lucros, isto ê, de remuneração acima da esperada pelos empresários. A existência de tal surpresa constitui o ' 1 clemento dinâmico 0 • Mas o que gera tal surpresa? Certamente a obtenção de receitas a com vendas superiores aos custos incorridos. Então surpresa &determinada por um nivel de preços de bens de _consumo inesperadamente alto (ou baixo). Mas o objetivo das equaç5cs € justamente explicar o que determina a oscilaçâo do nfvel de preços (tanto de bens de consumo co- mo de bens de capital). primeiro al6m dos bancos nao aparecerem em plano, Keyncs apresenta uma divisão dos recursos da comunidade diferente duquela aprc:scntada no texto de 1913. O fluxo da renda rnonct5ria ~ dividido em: Agora~ - partes rec~bidas como rcmuncraçao pe1n bens de consumo e bens de investimento; - partes .~sta produção de em bens de consumo e poupança. investiA origem da discrep~na entre poupança e mento está na clespro_porção que venha eventualmente a surgir na relação entre: bens ele consumo consumo - - - - - - <c---; bens de cap i t.a 1 poupança investimenta c bens de consumo não é necessariamente a mesma que se afetiva nu divisão da renda entre poupança e gasto em consumo. Pois trabalhadores silo igualmente pagos tanto quan- do produzem para investimento quanto no caso de produzirem para consumo; mas tendo recebido seus salários. Siio eles que decidem se vão ou não gasti-lo em consumo. Nesse interim, os empresários já decidiram de modo completamente independente em que proporç6cs produzirão as duas categorias de produto 0 .(CWV,p.123) A independência entre decisões de produzir c decis6es de gastar 6 portanto a causa potencial da desigualdade entre poupança c investimento. Assim, dtfas sao as ,equações fundamentais: uma relaciona-se ao nível de preços de bens de consumo e a .outra ao nível geral de preços ponderado pelo nível elo preçoS de bens de in- vestimento. Derivação das Eouoções Fundament.ais -~:.1"· E o ... renda monetária da nação produção total do bens (em termos de unidades que têm o mesmo custo de produçfio na I' E-I ... 1 ••• ba- se) no período parte de E recebida pelos fatores que produzem bens de investimento (valor dos investimentos ao custo de produção de bens de consumo) custo de produção da produção corrente de bens de consumo volume lÍquido de bens de consumo e ·fluindo ao mercado e comprado pelos R da~1 serviços consumi- dores (fluxo de produção de bens de consumo) aumento lÍquido do investimento C (O = R + C) P P.R s E-S ... ... ... nível de preços de bens de consumo gasto corrente em bens de consumo poup3nça gasto corrente em consumo E . C •.. custo de proJuçio do novo invcstimcJtto (= I') o Como gasto em consumo = renda - poupança P • R : E - S : E (R + C) - S : E • R + I' - S o o s + I' R 1 fJ equaç.ao fundamental Se w Wl e ... ... ... taxa de rendimentos taxa de rendimentos por unidade de produto coeficiente -oe eficiência e Wl = li Wl : -Eo port_anto 1 p : W1 - -R- -s + T' ou, P-1.W+l'-S e ---R Pode-se asslm dizer que o nível de preços dos bens de censurao é composto de dois termos: o custo de produçã.o e a relação entre custo dos novos investimentos e volume de poupança corrente. O nível de preços de bens de consumo é completamente independente do nivel de preços de bens de vestimenta (notar que na equação entra o custo do 1n- 1nves- t imer1 to novo, na o seu prcço).(l) Ora, pelo menos à primeira vista os determinantes do ní,vcl de:! preços de bens de consumo são variávcs ~_is. a causalidade é a seguinte: Assim, dcspruporção entre a dis- tribuição relativa da produção e preços f custo uni tâinvestiJnento f poupança - - - rio de pro- da renda en- dução tre consuroo (P f W) e investi- mento Se I ' ) S, os preços aumentam. Se I'< S, os preços bai- xam. Se essa diferença for positiva (P W1) há lucros, ou seja, remuneração inesperada acima do norma1. Em suma, se os preços gerarem um resultado de vendas superior aos custos, há lucros. Do ponto de vista _individual, são lucros inesperados. Do p_ont.~is:aQ comunid_ade eles têm origem riuma desproporção entre bcjbk e consumo/poupança. Mas nessa situação, o produtor individual é estimulado a rever suas decisões. Resta saber qual a estratégia de revisão que está ao seu alcne~ uma vez que hú uma questão não respondida: como e póssível suTgir aquela desproporção entre investi- (1) "A estrutura agregativa da Teoria Geral é uma versao con- densada do modelo do Trcatis~ ( ... ) a distinção entre 11 bens de capital e "bens de consumo" é essencial a decisão inicial de Keynes por abandonar o molde da tra- 11 dição da teoria quantitativa baseou-se principalmente n3 importância por ele abribuída a variações nos -preços relativos desses dois agregados. 11 Cf. Leijonhufvud, 1979, p.40. J5 v1mos que são dois tipos de mcnto c poupança? indcis~lo dependentes e que só casualmente vêm a coincidir. Mas o que garante a independência das decisões? SÓ uma an<Ílisc dos determinantes dessas doe isõcs pode responder a essa questi'io. Como já está claro que as decisões do poupar dependem da renda (que é considerada como um dado), resta saber o que governa as decisões de investir. A concepção da Treatisc repousa sobre essa distinção e:ntrc o comportamento poupador do_s que recebem renda e as decisões de investir c produzir dos ~mprcsáio. A independência dns decisões de empresários e trabalhadores (CWV, p. 123) implica na necessidade de outra equação, assumindo como dados bens de investimentos determine o nível geral de preços. A determinação das de c ísões de produção de bens_ de investimento vincula-se a fatores que posteriormente analisaremos, pois se o nível de preços de bens de consumo reLtcionnva-sc com custos dC P.roJução a lÓgica que explica os preços de bens de investimento é mais estritamente ligaJ.a ãs opções financei-ras dos poupadores e do sistema banc5rio. Sendo, P' n ... ... nível de preços dos ~ bens dc investimento nível de preços do produto como todo I"' P'C •.. o valor do incremento de novos bens de investimento (distinto do I', custo de produção desses bens) então, 11-P.R+P'C o " (E - S) + I o 2~ equaçao fundamental - Aqui a diferença entre investimento e poupança e expressa em valor, enquanto na 1 '!- equação fundamental ela se expressava em termos de custo de produção. A equaçao, analogamente, pode ser excrita II = 1V1 + I - S o = 1 W+ I - S e O O nível médio de preços afastava-se do custo unitário de produção (W1 = E/O) em função da diferença entre o valor de mercado dos investimentos e o volume de poupança. Quanto aos lucros, Q lucro total lucro no setor ele bens de consumo lucro no setor de bens de investimento ... ... Q1 Q2 Q2 = I Q1 = I' - I' - s Q = Q1 + QZ = I - S - Portanto, assim como em r, o TI so se iguala aos de produção se o lucro total é nulo. custos (Por exemplo, se se elevam P', eleva-se Q2 e daí I', elevando-se P) . conclusões sao, claramente, Óbvias e deviam servir para nos lembrarmos de que todas essas equações são puramente formais, são meras identidades, truismos que não nos dizem nada po1· Sl mesmos. Nesse aspecto, lemb1·am todas as outras versoes da teoria quantitativa do clinheiro. 11 (CW V, p. 125) 11 Essas Em suma essas relações só ganham sentido se as~ocim as identidades um conjunto de conceitos que esclareçam o tipo de causalidade em operação- Raros comcntadores percebem o caráter limitado e secundário das equações fundamentais no Trcatise.Cl) • "Nossa conclusão no momento êt em primeiro lugar, que lucros (ou perdas) são um efeito do resto da situação e nao uma causa dele. ( ••. ) mas, em segundo lugar, lucros (ou perdas) tendo vindo a existir tornam-se ( ••• ) causa do que ocorre subseqUcntemcnte; de fato, a força motriz da a mudança no sistema econômico existente4 Essa é razão essencial pela qual é vital segregá-los na nossa equaçao fundamental." (CW V, p. 126) (grifes meus). Trata-se de uma noçao bastante especial de causalidade, pois o que é efeito pode passar a ser causa, desde que nos preocupemos com o que sucede subsequentemente., isto é, desde que nossa peTcepção temporal amplia-se. Nessa Ótica, ê certamente impossível ao empresário individual decidiT quanto vai lucTar, mas o lucro abre-lhe (assim como as perdas) pcTSpectiva de gasto completamente distintas dos consumidores. Trata-se de um poder de gasto caracteTÍstico dos crupresárJos 2 capit1s~ ) Por outro lado, os lucros apenas surgiYam dea v ido ã di:5c repânc ia entre poupança e investimento. Como poupança depende da renda, Testa investigar os determinantes das decisões de investir. SÓ com investimento os lucros passados tornom-se determinant-es das decisões de investir. SÓ (1) Uma exceçao é Klein, 1947, p. 17 (2) Em outras palanas, é um poder que repousa sobre a possibilidade de fornução de expect:Jti\"3-s a partir da emergência de lucros. Pois só pode ocorTer m.:lis ou menos diferenças enquanto se define renda excluindo os lucros emprcsadais. cf. 5c.:hmitt, 1972, cap. 3 adiante voltaremos a esse aspecto crucial. 123 com investimento os lucros passados tornam ·Se gasto responsável por produção futura. Pois se a renda é dada, o surgimento de lucros pode apenas afetar as decisões de produção do período seguinte (inclusive de produção de bens de investimento). Se o surgimento de lucros é um desvio do equilíbrio mas a decisão de ampliar ou reduzir a produção só pode se efetivar no período seguint~ de onde vem a força desequilíbrante da relação investimento/poupança? Não pode ser,do ponto de vista do período subsequente, um mero resulta do da diferença preço/custo, pois ela resulta da própria desproporção que se quer cx.pl icar. Se a renda é dada e a revisão das decisões de produzir só pode se dar no período seguinte, de onde vem a força motriz que desnivela o investimento? A questão é crucial, po1s é a brecha ·através da qual Keynas irá se distanciar da teoria quantitativa tradicional. A moeda afeta os preços, mas através de desajustes entre investimento e poupança cujo resultado sao os lucros (ou perdas). Que dimensão monetária seria essencial ao investimento e ã poupança, de tal sorte que tornasse intelegíve1 a noção de que esses fatores são causas de desequilÍbrios (no ca.so do Treatisc, dcsequtlíbrios entre os níveis de preços e portanto na distribuição do poder de. gasto da sociedade)? Já em :f'.Ur shall estava a semente para o afastamento da teoria quantitativa tradicional: Essa .11 doutrina quantitativa" é de ajuda até onde vai: mas não indica quais são as "outras coisas" que se deve supor constantes de modo a justificar a proposição - e não explica as causas que governam a rapidez da circulação. :E quase um truismo ( ... )." (Marshall, 196 5, p. 48) 11 O processo causal tem de ser remetido às .decisões quanto à apropriação e manutenção de riqueza em forma monetária pelos indivÍduos. No Tcatise~ que: afirma As formas de teoria quan ti ta ti va ( •• 11 ~) Keynes em que fomos formados ( ••• ) são mal adaptadas (para "exibir o processo causal p-elo quaJ. o nível de preços é determinado, e o método de transição de uma posição de equilíbrio a outra"). ( ••• ) têm a vantagem de destacar os fatores através dos quais o processo causal realmente opera durante um período de mudança." (CW V, p. 120) (grifos meus) No Treatise, "a criança já tinha nascido mas o cor~ dão umbilical ainda não tinha sido cortado."(1) A dificuldade em responder essa questão no Trcatise vincula-se essencialmente â noção de período implÍcita na definição da equação fundamental. As diversas interp-retações que se tem dado âs equações fundamentais estão diretamente vinculados ã definição de período e, portanto, ao que se entende pela relação entre o tempo e a economia. Pois os lucros só levam a gastos no período seguinte, se no perÍodo que acaba de se esgotar (e no qual eles surgiram) o investimento não deixou ainda de se ser uma atividade atraente. Esqueça tudo que sabe sobre períodos 11 , disse Keynes certa veZ a um aluno.(Z) Pois os lucros, sendo r e sul ta do da atividade de um período, só podem ser compreendidos através da análise do investimento nesse mesmo período 11 que acaba de terminar. (1) Kahn, 1978, p. 548 (2) Schumpeter, 1982, p. 1 280, nota 28. 2- A questão dos períodos é a medida monetária da produção em um dado período, à poupança é a diferença Se a renda da sociedade entre essa renda e os gastos em consumo e o investimento é o valor monetário do excesso de produção sobre o consumo, então é tauta'lógico afirmar a identidade entre poupança e investimento. Como pode então Keynes definir essas magnitudes a fim de localizar na diferença entre poupança e investimento o fulcro do desequi1Íbrio?(1) Em outras palavras, qual o sentido das tão usadas por Keynes, tanto nos escritos expressões "popula- res 11 quanto no Trea tis e, "período de mudança" 11 período de transição"? ou Davidson (1972) esclarece que essa Oi:ferença entre investimento e poupança relaciona-se a um desequil í11 brio na medida em que tem-se o período de mercado" como referência. Adaptando-se a terminologia m.1.shalliana e chamando o 2reço de demanda por investimento c o preço de oferta por pou~nça, pode-se então argumentar que quando o investimento excede (ou fica aquém) à poupança, o preço de demanda excede (ou fica aquém) o preço do fluxo de ofertas de curto prazo. Isto é, o preço que torna vantajosa para os empresários a contratação de fatores Co que inclui os lucros normais) para um dado fluxo de protuto (Q1). Assim, no período de mercado, as transações ocorrem ao preço de demanda P1 (cf. a figura). Isso resulta em lucros inesperados (ou (1) A formulação da questão com clareza deve-se a Shackle (1967, cap. 13) e (1974, cap. 2) Dl perdas) se a receita exceder (ou ficar aquém) os requi- sitos normais de oferta~ A mão invisível do mercado entãv ~pera induzindo os empresários a expandir (ou contrair) o produto e o emprgo~ "'fl a análise dos ·fatores que levam à discrepância entre os preços de oferta odemanda que leva ã mudança dinâmica nos preços e subsequentemente no produto no Treatise'.. (Davidson, 1972' p. 27) preço P1 ------ 1lf s D ~-·quantide Dp Sp Q1 preço de demanda preço de oferta }.1as nessa versao, fica-se novamente no escuro quanto ao papel desempenhado pelo termo "subsequentemente". Já que se trata da discussão de um processo de teraçâo do nível de preços, vale então a pena alexplicíta1· a questão central do problema de medida de variações de preço: qt;~al o 12eríodo base a partir do qual se faz a medida. Patinkin (1976, p. 34) é da opinião que o período de base, explÍcita ou implicitamente, é uma situação de equilÍbrio (no sentido de que há igualdade entre preços consumo e custos unit<.Írios tanto no setor de bens de produto como no de bens de investimento). A medida do correto pode ser feita então seja a preços seja a custos de produção de período base. Assim, a mudança no custo de produção com relação ao período-base, nos dois - setores, e E "' W "' W1. Assim, as equaçoes O e fundamentais 132 passam a simplesmente enunciar a igualdade entre a variação no nível de preços (com relação ao período base) e a soma da variação nos custos unitários de produção e nos lucros unitários (supostos nulos no período base). Assim como Davidson, Patinkin supõe dado um período. Para Davidson, o período de mercado. Para Patinkin, o período compreendido entre um equilÍbrio e outro, sendo que a transição dá-se exclusivamente através de oscilações de preços. Hicks (1967) também identifica o processo des- crito no Treatise a variações nos preços flexíveis do sistema econômico. Novamente as equações fundamentais são assimiladas ao perfeito funcionamento dos mecanismos de mercado com o resultado da restauração do equilÍbrio. O desequilÍbrio não passa de um desajuste temporário entre preços flexíveis e preços rígidos, mas que ao fim se realinham. Tanto em Patinkin quanto €m Hicks o desequilÍbrio é reduzido ao equilÍbrio a- través da operação de sistema de preços. Mas para que à oscilação o modelo do Treatise seja identificado apenas dos preços flexíveis, Hicks associa-o ao "ultra -curto-prazo'' (1967, p. 200). Como o Treatise supõe dada a renda 1 Hicks preClsa (para que o equilíbrio tenha seu sentido determinado) identificar quais os preços capazes de se ajustar com rapidez suficiente. Mas a definição do período torna-se totalmente circular: e o tempo que certos preços levam para se ajustar, dada a produção e os salários. Trata-se de urna definição arbitrária na medida em que pressupõe o que se pretende 1'provar 11 : o equilíbrio como critério de avaliação das variações do sistema. Se é a distância entre posições de equilíbrio que define o período, basta diferenciar os preços em flexíveis e rígidos para se ter vários ti- - 133 pos de período. (l) O tempo torna-se um eixo homogêneo ao longo do qual é sempre o mesmo procs~ que é .cronometrado (o ajuste através dos preços do sistema e- e comum a Davídson, Pa tinconômíco). Essa concepçao kin e Hicks. (Z) - Entretanto a questão mais pretenciosa que vem surgindo desde os primeiros escritos de Keynes não é· a de como um processo pode ocorrer com durações diferentes (essa era a questão colocada e respondida por ~mrshal com seus equilíbrios diferenciados) mas a de como um mesmo processo (variações nos preços) tem significados radicalmente diferentes, e até conflituosos, de acordo com as classes sociais, isto é, com as diferentes capacidades de exercício de poder de gasto socialmente distribuÍdo . Em outras palavras, como diferentes poderes de gasto representam compromissos distintos com o passado e o futuro, o processo de difusão das variações de preços é ao mesmo tempo vários processos de alteração de diferentes compromissos com o tempo. Dessa perspectiva, falar em equilÍbrio ou supoT de antemão que o "período" é definido pelo espaço entre equilíbrios é descartar precisamente a emergÊncia inusitada de vários processos simultâneos mas com temporalidades conflituosas. O período, definido a partir do conceito de equilÍbrio, savalguarda a coerência "hidráulica" do sistema econômico ao custo de expulsar qualquer diferenciação qualitativa do tempo . Alcança-se apenas conceitos formais do tempo, (1) Hicks define três "estágios": 1) variação de pre- ços flexíveis, 2) variação nas quantidades, 3) variação nos preços rÍgidos de consumo e de investimento. (2) Davidson, entretanto, pretende chegar ao histórico". "tempo 134 ou seja, durações maiores ou menores. A extensão do período é dada pela medida em que certos mecanismos já chegaram a atuar (como nos três estágios de Hicks). t-ias Keynes vinha apontando um processo conflituoso através do qual ao mesmo tempo diferentes tempos armam -se no interior da estrutura econômica. Diferentes capacidades de exercer poder de com- pra representam possibilidades variadas de planejar e alcançar um momento futuro. "Diferentes tempos" significa "diferentes poderes de gasto". As duas questões cruciais que surgem podem ser assim definidas: a) Que fenômeno econômico é o responsável em Última análise por essa diferenciação entre poderes .de gas~o? Certamente o acesso a lucros extraordinários implica na obtenção de um poder de gasto privilegiado. Mas a caráter inesperado.das variações de preços que propiciam essa remuneração-extra faz da "incerteza em geral'' um determinante totalmente exógeno do poder dos capitalistas. b) Que fenômeno econômico assegura, apesar da diferenciação entre poderes de gasto (e portanto entre compromissos com o passado e o futuro), a simultaneidade com que interagem os poderes dos diferentes agentes econômicos? -econonuco, permite simultaneamente a diferenciação e a integração entre os poderes de gasto dos diversos agentes? O que, em suma, no interior do sistema Quando se diz que o tempo derivado da noçao de equilÍbrio é lÓgico, que não é a expressão de um movimento ou que é um "avatar da estátíca''(1), procura(1) Aglietta, 1979, p. 3 135 -se justamente sugerir que a hipótese de resolução dos conflitos só c ia-econômicos "em tempo hábil" (em a 1gum período definido) exclui precisamente a possibilidade de apreender a transformação a partir dos elementos internos ao sistema capitalista. Assim, não só as transformações históricas reduzem-se a obra do acaso ou de forças exteriores - portanto nao controláveis ou suprimíveis politicamente -mas o próprio tempo torna-se um elemento cuja natureza está de tal forma comprometida com a eternidade da eficiência dos mecanismos espontâneos de mercado que já se trata de um tempo homogêneo. Ora, a representação mais acabada do tempo homogêneo- isto é, do tempo como cronometria (ou ainda, do tempo como coisa universal) é a representação matemática do tempo. Assim, o relÓgio de um trabalhador não pode ser diferente do relÓgio de um Capitalista. Por analogia com supostas Slmetrías estáveis da natureza formalizadas em sistemas de medida objetivas, aceita-se a noção de tempo corno sucessão de instantes. A essa sucessão vários processos sequenciais podem ser justapostos, mas essa convivência entre o tempo c os processos sequenciais nada tem a ver necessariamente com a lógica interna de transformação do sistema ·sócio-econômico. Por isso, ··fala-se também de tempo "exterior" ou meramente "introduzido 11 no sistema. Na medida em que e um tempo criado por analogia com a visão mecanista da natureza podem física, a mudança qualitativa e a ruptura nao ser "medias~ nesse tempo. - O tempo "levado a sério" abre as portas à histô. _(1)0 equ1l1 · ' br1o · pode e sua 1nterpretaçao. ria pol1tica até ser um ponto de partida hipotético (como o "estado de natureza" da teoria polÍtica clássica) mas se for adotada a noção de perÍodo como de antemão situado entre equilÍbrios, a história fica definitivamente excluída, junto com qualquer diagnóstico acerca de co(1) "0 dinheiro não é unicamente a medida da atividade econômica, mas é também a força que dá vigor ao fenômeno que pretende medir ... é um instruraento racionalizador que fixa modelos de comportamento de um IDJdo específico e condicionados historicamente." Seligncm, 1967, p. 883 130 mo conflitos internos ao sistema sócio-econômico abrem possibilidades políticas de transformação. O Keynes do Trcatise, como na Teoria Geral (os "livros sérios", no dizer de Kahn), fala de transição, desequilíbrio, dinâmica, mas não escapa do modelo tradicional que procura sempre localizar um novo equilÍbrio corno fim do processo de alterações nas magnitudes das variáveis. No sentido formal as "equações fundamentais" aparecem como totalmente estáticas. ( 1) Mas ocorre que se Keynes formaliza variiveis estáticas, a dinimica associada a essas variáveis não é formalizada. Essa "falha" de Keyncs -não formalizar a dinâmica ou os ciclos - pode entretanto ser uma opção e nao a impossibilidade ou incapacidade de colocar as variáveis no tempo. As reações por ele associadas às variáveis são dinâmicas e muito da caracterização da determinação do nível do preços das bens de investimento também o e , como veremos. - qual a noçao apropriada de dinâmica, se r ecusamos as definições apriorísticas ou formais de !"'.dos r iodo? Que tipo de dinâmica pode ser extraída - se reduza a justaposição escritos de Keyncs que nao ~las -- Parece de processos em um tempo universal abstrato? haver ap-enas uma resposta: a dinâmica econômica e o estudo dos limites à ordenação do sistema sócio-eco- (1) Esse juízo e várias de suas impl icaç.Ões tem ori- gem no trabalho de Klein (1947), esp. p. 28 e 55. Entretanto, Klein interpreta o Treatise como analise de oscilações em torno de um nível de equilÍ brio. 137' nômíco impostos pelas várias formas de incerteza quantc ao futuro. Assim, a dinâmica não é a descrição de um processo que "acontece" (isto _é, já aconteceu) entre t1 e tZ, mas é a identificação dos vários conflitos que emergem a partir da inccrteza( 1 ), conflitos cujo resultado é impredizfvel de antemão ( e que pode até ser, eventualmente, um novo "equilíbrio", mas jamais necessariamente). A dinâmica é o estudo de como surgem situações indecidÍveis no sistema econômico e não de como certas soluções necessárias -teoricamente- surgem no tempo. O único a buscar uma interpretação dessa espécie, já nos escritos do Treatise, é G. L. S. Shackle. l) a única forma de não reduzir o processo descrito por Keynes ao registro de um desvio que é corrigido pela recorrência do equilíbrio é interpre.tar as variáveis como sinais ou registros de expectativas c não de resultados j5 efetivados. Para levar o tempo a s~rio ~ preciso levar o futuro a sério. O interValo de tempo é um período a ser encarado através de uma visão bifecal, "o reconhecimento ele que o conteúdo esperado e o registro de um segmento de calendário nomeado e identificado são difernts~ natureza".(Shackle, 1974, p. 1 5) A diferença entre investimento e poupança no Tre- atise deve-se à definição de renda, que não representa o valor realizado da produção pelas vendas do produto, mas o valor antecipado pelos empresários quando estã.o decidindo quanto irão produzir. A renda, nas equaçoes fundamentais, é uma conjectura que pode estar errada (e não um resultada já alcançado). O grau do erro e o lucro positivo ou negativo, em suma, um rendimento empresarial inesperado. que até mesmo radicalizam-na, fazendo-a assumir novas formas. (1) E Por outro lado, há uma série de condições para que a conjectura possa vir a ser formada. Essas condições para a formação de conjecturas são a existência do dinheiro e de relações salariais. O dinheiro existe como gravitação de instituições bancárias e financeiras que propiciam o modo de cálculo fundamental do mundo empresarial, desde que se possa contar com a estabilidade da relação salarial. Por isso a remuneração normal, que corresponde às expectativas correntes, é a que não altere as decisões empresariais me~ mo que ele entre em novas barganhas com os fatores de produção, Assim como e~ Marx, a existência plena da moeda requer e associa-se à existência do trabalho assalariado. (l) Voltaremos a essas condições da elaboração de conjecturas ou expectativas. Nas "equações fundamcntais 11 , o·s çlois componentes podem então ser reinterpretados como expectativa de custo de 2rodução e uma divergência entre expectativas e montante realizado pelas vendas. A linguagem adequada ao Treatise é a das expectativas e das comparaçoes entre o esperado e o acontecido. (Shacklc, 1974, p. 16) A primeira equaçao implicitamente compara dois estados do nível de preços dos consumidores. b wna visão 11 a posteriori 11 de um período qualquer que mostra o preço esperado pelos empresários e o preço efetivo realizado. Entretanto, uma vez comparados o esperado e o realizado, o resultado dessa comparação é avaliado seg~mdo a experiência de períodos anteriores, o que leva a uma nova presunção sobre o futuro. (1) Cf. D'Antonio, 1981, p. 198. 139 Assim, representando essas comparações através de um eixo: A B A ••• um preço esperado levou os empresários a direm certo volume de produção B .•• o gasto efetivo de sociedade implicou a zação de vendas distintas do esperado deci- reali- Se A .f B, os empresários decidem a produção período seguinte em novas bases expectncionaís. do - Ocorre entretanto, que nada e di to por Keynes quanto ao que ocorre antes de A e depois de B.Shackle identifica a formação de expectativas em um intervalo de tempo, mas reclama a inexistência de qualquer análise da sequência de períodos ou do que ocorre entre os intervalos. Como as decisões de empresários e consumidores devem se dar antes da "ida ao mercado", o intervalo AB deve ser o mais curto possível. Assim, como nas análises anteriores, é identificada uma tendência, interna ao mecanismo de exercício do poder de gasto, a encurtar o mais possível a distância entre a decisão e a realização. Em suma~ a diminuir ao máximo os compromissos com a passagem de tempo. Quanto mais tempo passar, ou seja, quanto mais "futuro" houver, maiores são os riscos associados à incerteza. Mas Shackle não segue essa direção, ficando com a distinção 11 ex ante-ex post" e a procura de um intervalo o mais curto possível. (Shackle, 1967, p.164-5) O interesse da interpretação de Shackle está mui- to mais em extrair dos conceitos de Keynes tudo que eles sugerem de relações possíveis com um futuro incerto do que em identificar precisament.e qual o "intervalo11 relevante. E é por isso que ele se afasta das interpretações tradicionais, pois a ênfase nos com- HIJ premisses temporais dos conceitos nao implica automaticamente a busca de uma medida homogênea e abstrata de tempo como são os "períodos", inclusive rnarshallianos. O elemento tempo torna-se um reflexo de compromissos econômicos objetivos e intenções sociais subjetivas diferencia das, sem que "períodos" ou "equ il í- brio11 estejam em primeiro plano. Assim, a remuneração normal dos empresários é um incentivo, algo cuja natureza é essencialmente prospectiva. (1) ~ o que Shackle denomina de algo "ex an- te". (Shackle, 1974, p. 17). Mas o lucro efetivo só pode influenciar decisões de um período subseqUente. A equação fundamental representa a decisão tomada, portanto, entre um intervalo e outro, e onde nao .há necs~'ITiart equilÍbrio. Com lucros (ou prejuízos) a produção do período ~uin poderá se expandir (ou retrair). Assim, a análise do Treatise. não é feita apenas em termos de preços nem de um único intervalo. Keyncs não define qualquer intervalo pré-concebido de tempo, apenas sugere os instrumentos através dos quais sua passagem se faz sentir diferencialmente. Não 1mporta tanto o tamanho do intervalo, mas se ele já pas- sou ou ainda passará. Pois passado o futuro são diferentes por natureza. As equações descrevem um momento entre o passado e o futuro. E essa é a razão fundamental para que seja um "intervalo" o mais curto possível-em suma, que não haja uma demora associável a uma interrupção no fluxo de produção. Mas o fato de Keynes situar-se no momento de transição de um intervalo a outro (e não de um equilíbrio a outro) abre a fato, como vimos, o "normal" marshalliano corresponde ao ttlongo prazo", ou nada mais que a expectativa de longo prazo. (1) De 141 possibilidade dessa ruptura vir a ocorrer. ( 1lo aspecto dinâ_mico refere-se portanto à situação de estar-se diante do futuro, tendo que tomar alguma decisão .Ora, só os empresários têm acesso a decisões diretamente ligadas ao futuro, já que a renda é uma definição expéctacional justamente na medida em que é derivada da componente empresarial. Como já se observou, Keynes supõe uma estabilidade maior dos contratos salariais, se comparados ã remuneração dos empresários. Chegamos assim, esclarecida a questão do 11 período relevante", novamente ã questão inicial: o que determina a discrepância entre poupança e investimento? Se a definição de renda que dá margem a essa discrepância depende das expectativas dos empresários, resta saber então como a cada momento de decisão os empresários avaliam o futuro. São as formas de avaliação do futuro, propiciados por ganhos extraordinários, que determinam as decisões dos empresários ou, pelo contrario, a avaliação já implica normalmente a expectativa de que surjam ganhos extraordinários? f o ganho inesperado que determina o gasto Ou o gasto que determina o ganho inesperado? Que fatores e circunstânCias determinam o poder de gasto capitalista? (1) No Treatíse o efeito se dá diretamente sobre decisões de 'produção e não sobre os estoques, c f. Davidson, 1972, p. 29, nota 1. Shackle observa, ' . também, que não há nenhuma sugestao expllClta no texto do livro III quanto a to:rn_ar;::os as equaçoes com referência a um intervalo de tempo de duração finita. Cf. Shackle, 1967, p.178; Keynes, na Teo- ria Gera~ adverte que o Treatise não analisa os efeitos de mudanças no nível de produto, mas isso nao descarta que ali tenham sido tratadas as causas cf. Leijonhufvuê 1979, p. 24, n. 16.- 142: VI- O PODER DE GASTO CAPITALISTA 1 - Definições A resolução da questão dos perÍodos através da opção pelo foco no momento em que o capitalista decide a produção requer maiores esclarecimentos quanto às distinções entre produção e investimento, assim como entre poupança e investimento. B justamente no debate dessas distinções que a. temporal idade e a causalidade econômicas mais têm sido obscuramente interligadas. (1) O aspecto central desses debates vincula- -se ã dificuldade em definir um conceito de capital e de gasto capitalista que combinem as dimensões 11 estoque11 e nflux"o", o que frequentemente se traduz em divergências quanto à definição da duração dos períodos e, portanto, às velocidades de adaptação dos vários parâmetros econômicos à mudança (o que levou os neo-clássicos ã curiosa definição de "capital geléiau). (Z) Novas definições quanto ao papel do tempo na diferenciação dos bens econômicos tornam-se neccssári.as1 portanto, se vamos enfrentar a questão dos determinantes da discrepância entre poupança e investimento. 1.1 - Produto disponível e não-disponível O produto corrente, distinto da renda monetária, duas é um fluxo de bens e serviços que consiste de partes: ~ (1) Cf. a mesma impressão em LeijonlnJfntd, 1979, p.62. (2) Cf. Kregel, 1973, Prefácio (de Joan Robinson). a) fluxo de bens e serviços 1 Íquidos sob forma disponível ao consumo imediato (produto disponível); b) fluxo de incrementos de bens de capital e capital de empréstimo que estão sob forma não disponível para o consumo imediato (produto não disponível). O produto disponível (ou "lÍquido") é composto de dois fluxos: a) fluxo de uso advindo do capital final; b) fluxo de bens finais emergentes do processo produtivo sob forma lÍquida. O produto não disponível é composto por: a) excesso do fluxo de incremento de bens nao acaba- dos em processo face ao fluxo de bens acabados (fixos ou líquidos) emergentes do processo produtivo; b) excesso do fluxo de capital fixo emergente do processo produtivo face ao desgaste corrente do capital fixo velho, mais o aumento lÍquido de capital de empréstimo. Assim, variações nos estaConsumo corrente ""' produto disponível + ques de bens de consumo lÍquidos (ou-entesouramento) variações Investimento corrente = produto não disponível + no entesouramen- to 11 Assim, o consumo é governado pelo montante de produto disponível (mais quaisquer saques do entesouramento) e não pelo montante de produto total, enquanto que - na medida em que as taxas monetárias de remuneração dos fatores de produção não se alteram- a rend'l monetária da 114 comunidade tendo a mover-se com o produto total." (CW V, p. 115) Há portanto uma tendência à discrepância entre renda e consumo, que são governados pelo produto disponível e pelo produto total, pois o produto disponível é apenas parcela do produto total. A idéia de liquidez aqui apresentada é mais ampla que a usual, pois aplica-se a produtos e à velocidade com que vem ou a ser consumidos colocados à disposição de consumo, isto é, mercadologicamente realizados. (1) 1.2 -A Classificação do Capital O estoque de capital real ou Tlqueza material que existe a' qualquer momento corporifica-se em: a) bens em uso que sao capazes de serem apenas gradualmente (capital fixo); consumidos b) bens em processo (em curso de prcparaçao pelo cultivo ou manufatura para uso em consumo, transporte, com negociantes ou esperando mudanças de estação), (capital cirulant~; c) bens em estoque, que não estão fornecendo nada mas podem vir a ser usados ou consumidos a qualquer momento (capital lÍquido). Em (a), é determinante o tempo que se leva para usar ou consumir certos bens; em (b) é o tempo levado para 2roduzir certos bens e em (c) há dependência de bens que possam ser "conservados". (1) Cf. Leijonhufvud, 1979, p.79. Hicks, 1979, p.95 enfatiza em outro sentido a importância de problema de liqu~dez como sendo maior na "esfera não f inanceil·a". O capital de empréstimo representa endividamento externo. O valor do investimento (numa economia aberta) é a soma do capital real (fixo + circulante + lÍquido) e capital de empréstimo. Essas definições permitem reescrever: aumento de capital circulante que emer+ girá do processo produtivo como capital fixo. Produção de bens de capital = fluxo de capital fixo Produção de bens = .. produto não dispo1vel de investimento + aumento de entesouramento 2 - O nível de preços de novos bens de investimento Vimos, anteriormente, a peculiaridade da noçao de causa usada por Keynes no Trcatise. Os lucros devem ser considerados como um efeito, dada a renda de um período, mas no momento de transição de um "perÍodo" a outro os lucros tornam-se causa do que ocorre subsequentemente. Imaginando que o período "já passou", os lucros sao o efeito da discrepância ent.re investimento e poupança. Mas quando o período "já passou"? Exatamente no momento em que se vai decidir a produção do "perÍodo" subsequente. Qual a relação entre lucros, poupança e investimento, se no momento de decisão os luEm que sentido os eras aparecem como fator causal? lucros são causa? Enquanto efeito os lucros não passam de um agregado contábil. I-las a existência de luprivilegia do eras equivale à irrupção de um momento para os empresários. Pois o surgimento de lucros (rendimento inesperado) faz do empresário o sujeito de uma avaliação muito especial. Especial po1s a destinação que se dá aos lucros (ou seja, o tipo de gasto que se lhes associa) depende de expectativas de rendimento futuro. Mas o próprio surgimento de lucros re- 14ü prescntou a destruição c necessidade de revisão das expectativas convencionais de rendimento dos empresários. Que tipo de cálculo é viável no momento em que as expectativas solidárias com um nível de remuneração normal foram abaladas? Os empresários gastam o que ganham, mas ganhar além (ou aquém) do normal é algo que solapa as bases convencionais de cálculo. Pode implicar dependendo do cálculo que se opera nesse momento - gastar com expectativas de ganhar ainda muito mais. Pode implicar na crença de que se o gasto fôr maior, o ganho ser a ainda maior.(l) - A existência de lucros traz à tona com clareza a especificidade do gasto estritamente capitalista. Pois iridica a existênca~ para o empresário, de urna opç~ mais complexa que a decisão do consumidor entre consumir agora ou depois. Os tipos de compromisso com o fluxo temporal são mais variados no caso do empresário. A decisão de produzir mais ou menos está ligada a avaliações correntes do volume de vendas. Quando surgem lu c r os, a de c i são de produz i r mais pode encadear-sc com uma reaval iaç.ão da própria capa c idade produtiva instalada. Se além de alterar o volume de produção o empresário decide modificar a sua capacidade produtiva~ estará decidindo não apenas sobre a produção mas sobre o investimento. Entretanto, foi justa(1) A usual máxima Kaleckiana ganha assim uma reformulação: os consumidores gastam o que ganham, os empresários, ao ganharem mais que o normal, 122._dem gastar ainda mais na expectativa de virem a ganhar propore ionalmen te mais. A poss ib il idade aqui é condicionada pelo tipo de expectativa que regula o cálculo econômico. mente uma discrepância entre poupança e investimento que lhe trouxe a remuneração extraordinária. Assim,no mesmo momento ("final" de um período qualquer) em que toma decisões referentes à produção, poderá estar decidindo investir. O investimento dos lucros é o momento em que eles deixam de ser efeito para tornar-se causa.. Mas causa de que? Bem, a destinação que dá aos lucros, o seu emprego, depende justamente de um cálculo que reflita o estágio ou a natureza da discrepância entre poupança e investimento que gerou os mesmos lucros. Portanto, é o nível de investimento "por trás" dos lucros que deve ser investigado. Os lucros sao uma "causa 11 em sentido bem estrito, pois é ainda o lUvestimenta anterior que aparece como determinante do investimento futuro. Os lucros são apenas causa na medida em que provocam, sugerem, exigem um exame nao apenas do que se produziu e vendeu (nesse caso os lucros sao mero efeito do resto da situação) mas do que se investiu no passado. E um momento de avaliação da afetada massa de riqueza já acumulada. A decisão é pela riqueza e não pela renda. "Quando um homem está decidindo que proporçao de sua renda monetária poupar, ele está optando entre consumo presente e propriedade de ~iqueza. Na medida em que se decide pelo consumo, deve necessariamente comprar bens -pois não pode consumir dinheiro. Mas na medida em que se decide pela poupança, há ainda uma depode cisão ulterior a ser tomada. Pois ele possuir riqueza retendo-a na forma de dinheiro (ou o equivalente lÍquido do dinheiro) ou . em outras formas de capit.al real ou de emprestimo. Esta segunda decisão pode ser convenientemente descrita corno a opção entre 11 entesourar11 e uinvestir" ou, alternativamente, como a opção entre "depÓsitos bancários" e - l43 "títulos". Há ainda uma diferença significativa entre os dois tipos de decisão. A decisão quanto ao volume de poupança, e também a decisão relativa ao volume de novo investimento, relacionam-se totalmente is atividades correntes.Mas a decisão relativa à retenção de depÓsitos bancários ou títulos relaciona-se nao apenas ao incremento corrente da riqueza dos indivíduos, mas também ao bloco total de seu capital existente. De fato, como o incremento corrente é apenas uma proporçao Ínfima de bloco de riqueza existente, trata-se de um elemento menor na matéria." (CW V, p. 127) As decísões relacionadas ao estoque total de riqueza referem-se a conversoes entre formas nao-monetirias e monet5rias de riqueza. Investir e entesourar assumerr. novos significados: DE!'IN~O ~ INVESTIR f:NTESOUHAR ANTERIOR ~=- ato empresarial de aumcntar o capital daconnmidade ·-~ estoques de bens de consumo lÍquidos DEFINIÇÃO NOVA compra de títulos pelo ptÍblic.o retenção de riqueza sob fonna m::metária a A partir das novas definições, Kcynes afirma que opção do proprietário de riqueza depende das exEectativas de retorno futuro asseguradas através de preços dos títulos e nível da taxa de juros. Esses preços e juros dependem da forma como operam os bancos. A decisão de "investir" depende portanto do "sentimento do público" e do comportamento do sistema bancário. Pode ocorrer, que "duas opiniões" constituam-se entre diferentes escolas do pÚblico, uma favorecendo depósitos bancários mais que antes e a outra a favor de títulos. Nesse caso o re11 ( ••• ) sultado depende da disposição do sistema ban- cário para agir como um intermediário entre os dois criando depósitos bancários, não contra títulos, mas contra avanços lÍquidos de curto prazo.''(CW V, p. 129) Mas qual o 11 pÚblico" a que se faz referencia? Naturalmente, todos os proprietários de riqueza. Entretanto, há uma classe de proprietários que estão especialmente ligados ao processo de revisão de expectativas: os empresários. Sempre que ocorrem lucros, ainda que o estoque de riqueza não seja significati- vamente alterado (ou seja, o passado, a riqueza herdada), a emergência de lucros ativa nos empresários um interesse pelas formas de obtenção tle retorno futuro. Vínculo Íntimo com as expectativas que qualifi- ca-os Como a parcela mais importante do "pÚblico" que 11 determina o nível de preços dos "investimentos". 0 preço de demanda pelos "tÍtulos" existentes ( ... ) c também o preço de demanda pelos novos, que representam poderiam equipamento que os empresários investidores agora encomendar. Por que montar uma nova firma com equipamento a ser ainda construido, se uma firma existente pode ser comprada mais barato ( ... ) ?" (Sho.cklc, 1967, p. 17) Portanto, variaçÕes na liquidez - diretamente relacionadas à emergência de lucros no setor produtor de bens de consumo -afetam a propensao empresarial a investir. Desde que percebamos que os "compradores potenciais" no mercado de poupanças sao os empresários. Além disso, há uma mudança no tipo de expectativas: o produtor pensa em lucros fu1 turos, o investidor em retorno futuro. ( ) As expectativas não dependem portanto da intuição empresarial frente a um futuro incerto, mas de um cálculo baseado no comportamento presente do sistema bancário. - (1) Onde a taxa de juros tem uma influência direta, dadas as expectativas de lucro das empresas cujos títulos se negociam. Cf. Shackle, 1967, p. 172. O gasto capitalista é estimulado pelas cxpcctavas de lucros mas é rcgulad~ pela ação do sistema bancário, cujas expectativas têm menos a ver com o futuro e mais com a composição presente de seus estoques de riqueza em termos de liquidez. Esses efeitos mutuos, que fazem do gasto capitalista na verdade uma força composta de três vetores (setor produtor de bens de consumo, de bens de investimento e bancos), são assim resumidos por Keynes: - "( ••• ) o nível de preços dos bens de consumo, relativamente ao custo de produção, depende unicamente do resultado das decisões do pÚblico quanto ã proporção de suas rendas que é poupada e das decisões dos empresários quanto ã proporção de sua produção que eles devotam ã geração de bens de investimento - ainda que ambas as decisões, particularmente a Última, podem ser parcialmente influenciadas pelo nÍvel de preços dos bens de investimento. 11 (C\\' V, p. 129) "Assim, as condições para o equilÍbrio do poder de compra do dinheiro implicam no sistema bancário regular sua taxa de empréstimos de tal forma que o valor do investimento é igual a poupança; de outro molucros do os empresários irão, sob a influência de positivos ou negativos, interessar-se e ao mesmo tempo influenciados pela abundância ou escassez de c rede dito bancário, aumentar ou diminuir a taxa média remuneração \\'1 que oferecem aos fatores de produção. l>las as condiç-Ões para o equilÍbrio também requerem que o custo do novo investimento iguale-se a poupança, pois de outro modo os produtores de bens de consumo tentarão, sob a influência de lucros ou perdas, alterar a sua escala de produção." (CW V, p. 137) - As expectativas de retoTno futuro sao portanto po1· duas .fontes: lucros e polÍtica afetadas bancá-- í 51 ria. ( 1) A decisão do prop.rietário de riqueza, estimu- lada pelos acontecimentos no mundo da produção, é condicionada pelos acontecimentos do mundo financeiro. O nível de preços dos novos investimentos depende dessa mútua interação, enquanto os preços de bens de consumo são afetadas mais imediatamente pelas decisões dos recebedores de renda e pela proporção da produção nacional voltada a bens de investimento. Em resumo, "dada a taxa de novo investimento e o custo de produção, o nível de preços de bens de consumo é determinado unicamente pela disposição do pÚblico a "poupar". E dado o volume de depósitos de poupança criados pelo sistema bancár·io, o nível de preços dos bens de investimento (velhos ou novos) é unicamente determinado pela disposição do público a "en- tesourar" dinheiro." (CW V, p. 129-30) ( 2) Poupar e investir são, dessa forma, dois atos com- . pletamente distintos, determinados por fatores d{spares. Assim, o gasto total com bens de consumo e o resultado em parte do gasto realizado pelos que recebem seus rendimentos do setor produtor de bens de consumo e em parte dos que recebem seus rendimentos do setor produtor de bens de investimento. Mas na medida em que parte dos rendimentos do setor produtor de bens de investimento é desviado para o setor de bens de consuffio, há um afluxo de dinheiro no setor produtor de bens de consumo superior ao esperado. Assim surgem os lucros (rendimento inesperado) no setor produ- (1) Na medida em que se considera como "pÚblico" a classe empresarial, que é a real "proprietária de riqueza". dessa visão sobre a determinação do nível de preços dos bens de investimento desenvolveu-se o conceito de "preferência pela liquidez': Entretanto , no Treatise são analisados apenas os efeitos e não as causas de um aperto na liquidez. Cf. Shackle, 1967. p. 174 (2) A partir -tor de bens de consumo. A receita dos bens de acaba sendo superior aos custos de produção. consumo Por outro lado, parte da produção de bens de investimento (isto é, bens que não foram consumidos) precisava ser financiada. As possibilidades de financiamento dessa riqueza ainda não realizada no mercado dependem das reservas de riqueza l{quida existentes. Os investidores, bancos e mercados de títulos refletem no seu comportamento uma avaliação da relação entre a massa de riqueza existente e o custo de produção de riqueza nova. Mesmo quando procuram apenas expandir a produção em resposta ao surgimento de lucros, os empresários afetam as tàxas de pagamento associadas a produção de meios de produção {bens de investimento). Assim, ainda que os dois setores básicos da economia formem preços obedecendo a determinações dis-tintas, há uma relação entre eles que privilegia o cariter determinante dos investimentos (mesmo que os lucros sejam 11 causadores'' de tomadas de decisão dos empresários). Uma elevação nos preços dos bens de investimento afeta positivamente os lucros desse setor e influi sobre seu nível de produção e seu custo de produção. Isso por sua vez estimula os preços dos bens de consumo. Todas as causas que modificam o nível de preços dos bens de investimento (opções. financeiras, empresariais e bancirias) afetam indiretamente o nível de preços dos bens de consumo. Por outro lado, alterações nas expectativas de vendas de bens de consumo influenciam as opções financein1s do público. (l) A acumulação de riquezas é abrem possível na medida em que gerações sucessivas mão de consumo presente em favor de consumo futuro. ~ns para a abstinência não é em si condição suficiente criar mais riqueza material. A análise do Treatise mostra que se essas a.l terações na poupança não forem acom- - (1) Cf. Vicarelli, 1977, p.92 p::<._ '.J .. panhadas de um fluxo adequado de investimentos o resultado será apenas uma diminuição de preços e, portantot uma redistribuição do poder aquisitivo. Como os costumes de poupança são mais ou menos estáveis ao longo do tempo, tudo depende do rumo que se dê aos lucros, rumo calculado em termos de conveniência econômica e financeira para os empresários capitalistas. "Entretanto, e levando tudo em consideração, não me eximo de uma preferência por uma po1 i ti c a, hoje, que e vi te a deflação a qualquer custo e objetive a estabilidade do poder de em compra como seu ideal. Talvez a solução Úl tirna análise resida em que a taxa de desenvolvimento do capital torne-se cada vez ma1s um negócio de Istado, determinado pela sabedoria coletiva e por visões de longo prazo. Se a tarefa da acumulação vier a depender menos do capricho individual, de sorte a não ficar mais à mercê de cálculos parcialmente referidos à expectativa de vida de homens mortais particulares que estão vivos hoje, o dilema entre abstinência e lucro corno meios de assegurar a taxa de crescimento da riqueza agregada da comunidade mais desejável deixará de se apresentar.'' (CW VI, p. 145) Mas esse- papel crucial do investimento (que transforma lucros passados em riqueza nova) só pode ser realizado se a expectativa de lucros for sancionada pelas avaliações feitas, agora, no setor financeiro. "O investimento ser atrativo é algo que depende do rendimento prospectivo que o empresário antecipa a partir do investimento corrente relativamente à taxa de juros que ele tem de pagar para poder financiar sua produção- ou, em outras palavras, o valor dos bens de capital depende da taxa de juros i 54 pela qual os seus rendimentos prospectivos são capitalizados. Isto é, quanto maior a taxa de juros, menor serát o resto permanecendo igual, o valor dos bens de capital. Portanto, se sobem as taxas de juros, o nível de preços dos bens de capital tenderá a cair, o que rebaixará a taxa de lucros na produção de bens de capital, o que será impeditivo ao novo investimento. Assim uma alta taxa de juros tenderá a diminuir tanto o nível de preços quanto o volume de bens de capital. A ta::x:a de poupança, por outro lado, é estimulada por uma alta taxa de juros. Segue-se que um aumento na taxa de juros tende a fazer a taxa de investimento (medida seja pelo seu custo e pelo seu valor) dccnir relativamente ã tu.xa de . poupança'. '. (CW V, p. 138) (grifas aJ.icionaclos) Temos presente, aqui, o embrião da futura teoria da eficiência marginal do capital, que apareceria na Teoria Geral. Os rendimentos cmprcsariaJs esperados ou futuros a partir do uso de equipamento encomendado agora são comparados com o preço de oferta desse equipamento. A "poupança" nas mãos Uos cmpres<Írios E_Ode se transformar em investimento, mas isso dependerá do gasto na produção de bens de capital que ji se realizou (portanto na diferença atual entre custo de produciio e valor de venda dos bens de capital). A poupança enquanto tal, os "lucros acumulados", não tem nenhum papel causal no sentido estrito. Apenas dão oportunidade para uma avaliação, um cálculo que reflete o nível já atingido pela produção do setor produtor de bens de produção. O momento de decisão empresarial é fundamentalmente uma avaliação que compara o passado com as expectativas futuras. ( 1 ) (1) Cf. Shackle, 1967, p. 177. O crucial no gasto dos capitalistas nao é que eles se dirijam i produç5o, investimento, consurno,ou seja li o que for. O crucial ~ o fato econ6mico de que só os capitalistas dispõem de um poder especial de gasto que os coloca frente a avaliações produ tivas e financeiras. Mas esse poder, no Trcatise só se efetiva de modo inesperado. Nesse sentido não se deve dizer que os lucros são a base da decisão capitalista, pois os lucros são rendimentos inesperados. Keynes diferencia o poder capitalista de gasto, mas sem identificá-lo a uma origem determinada e certa de uma vez por todas. (l) O poder de gasto capitalista aparece assim como a fonte das variações nas magnitudes de preços e quantidades no sistema econômico, sem que a origem dos recursos que .viabilizam esse gasto seja uma questão de primeiro plano. Isso implica nao apenas numa forma "sui generis 11 de diferenciação, mas é um modo de afastar a noção de "equilíbrio" de qualqucT papel regulador desse gasto. I! c.laro que a alternância dos lucros, que ora desempenham o papel de _?feito, ora de causa, não anula o caráter central dare" muneração (onde essa rcmuneraçao pode ser um prejuízo) empresarial como 11 lcitmotif" da atividade no sistema econômico. Mas a presença de estímulo nao implica em qualquer tipo automático de resposta.Nisso reside a ~utonmia dos capitalistas e a peculiaridade de suas avaliações quanto ao grau de acumulação d~ riquezas em que se encontram. f! a açao dos empresários, sob a influência de lucros positivos ou negativos, que representa a ocasi~ mais usual e importante de mudança no sistema econômico, com aumento ou diminuição do volume de emprego. (CW V, p.141) A alteração dos lucros pode induzir os empresários a produzir, investir e empregar. Apenas induzir, pois a decisão depende de um confronto com outras formas - ( 1) Cf. Shackl e, idem. Essa e por exemplo, a Kalecki. uma diferença frente, 156 de manutenção e apropriação de riqueza que passam 11 necessariamente pelo sistcma bancário". A decisão empresarial é induzida pelos lucros passados e regulada pelas finanças. Mas o seu car.-íter mais eminente está no fato social de que só o poder de gasto capitalista repousa essencialmente sobre avaliações do futuro. - "Temos falado até agora como se os empresarios fossem influenciados nos seus planejaa mentos prospectivos por total referência existência de lucros ou perdas sobre a produção corrente levada ao mercado. Na medida, entretanto, em que a produção leva tempo ... e na medida em que os empresários são capazes no início de um período de produção de prever a relação entre poupança e investimento nos seus efeitos sobre a demanda de seus produtos no final desse período produtivo, sao obviamente os lucros ou perdas antecipados, muito mais que os lucros e perdas reais em negócios recém concluidos, que influenciam as decisões quanto a escala de produção c ãs ofertas que vale a pena fazer aos fatores de produção. Estritamcmtc, portanto, deveríamos dizer que é o lucro ou perda antecipados que sao a principal fonte de mudança, e que ao _causar antecipações do tipo apropriado o siStema bancário é capaz de influenciar o nível de preços. De fato é bem sabido que uma razão para a rápida eficiência de mudanças na taxa bancária no sentido de modificar as ações dos empresários sZio as antecipações a que eles dão lugar. Asim~ os emprcs~Íio vão algumas vezes começar a agir antes da mudança de preços, que justifica sua açao, ter ocorrido." (C\\' V, p. 143). . 157 Aqui reside o sentido Último da autonomia do poder de gasto capitalista: trata-se de uma resposta a um estímulo que não é cxógcno mas sustentado subjetivamente pelos próprios empresários. E um auto- estímulo, imaginário, fictício , baseado em previsões do futuro. Estímulo e resposta encontram-se no mesmo agente - o que previne qualquer forma de padronização de mecanismos automáticos de resposta, fazendo da transversal do tempo urna incógnita. Expectativas que se generalizam, por outro lado, tendem 11 por algum tempo" (CWV, p.144), a originar sua própria verificação, mesmo que nao tenham base fora de si mesmas. "Assim, quando eu digo que o desequilíbrio entre poupança e investimento ê a principal fonte de mudança, não quero nega r que o comportamento do empresário em qualquer momento é baseado numa mistura de experiência e antecipação. 11 (idem) 3 - As Crfticas de Pierre Vilar Noss2. rcconstn1çJo da teoria econômica de Kcynes, ao procurar identificar os compromissos dessa teoria com a tcmporalidade, pretende explicitar a estrutura conceitual da sua visio hist5rica. De acordo com o historiador marxista Pierre Vilar, "a crise do pensamento econômicos não isenta de relações com as dificuldades gerais do capitalismo a partir de 1929, conduziu alguns historiadores a entregarem-se a simplificações te6ricas excessivas que não podem deixar de ser anti-hist6ricas.uC 1 ) (1) Vilar, 1982, p. 79 1 S8 Essas "simplificnç;Ões teóricas" estão na origem ,:lc uma querela acerca das "relações entre três séries de fatos ligados entre si: a invasão da Europa pelos metais americanos, o aumento geral dos preços no século XVI e as transformações que nesta mesma epoca sofreram as relações econômicas, sociais e, por vezes, políticas." - O - observado e estudado desde o próprio seculo XVI, adquiriu novo interesse quando, em 1926, o estudioso E. J. Hamilton voltou ãs fontes or1g1nais e, em 1928-29, publicou seus resultados. ( 1 ) A tese central de Hamilton derivava o desenvolvimento capitalista do s6culo XVI do atraso dos salÍrios relativamente aos preços. Outra tese em geral associada a essa é a de que os preços subiram proporcionalmente à entrada de metais preciosos. Segundo Vilar, as interpretações de Hamilton influenciaram Kcynes, autor daquilo que Vila r chama de "pensamento inf1acionista11 do Treatise. Citando Keynes, fenômo~ ''Seria uma tarefa fascinante reescrever a luz destas idéias a história econ_ômica desde averiguando os seus primórdios longínquos, se as civilizações dos sumêrios e do Egito não terão extraÍdo o seu estímulo do ouro da Arábia e do cobre africano, ouro e cobre que, sendo metais amoedâveis, deixaram uma trilha de lucro atrás de si no decurso de sua disencontribuição atrav€s das terras que se tram entre o Meditr~no e o Golfo Pérsico, grandeza e talvez noutras; em que medida a prata do de Atenas dependeu das minas de amoedáveis Lávrio -não porque os metais sejam uma riqueza mais autêntica do que outras, mas porque graças ao seu efeito sobre os preços fornecem a mola do lucro; em que (1) A pesquisa foi dias" de Sevilha. realizada no nArquivo das !n- medida a dispcr~o feita por Alexandcr das reservas do Banco da Pérsia, que representavam os impostos sobre os tesouros dos impérios que se tinham sucedido acumulados durante os muitos séculos precedentes, foi responsável pelo florescimento do progresso econômico na bacia mediterrânea, do qual Cartago tentou e Roma conseguiu colher os frutos, se foi apenas uma coincidência o fato de o de c 1 Ínio de Roma se ter verificado na época da mais longa e drástica deflação de que havia memória, se a longa estagnação da Idade Média não pode ter sido mais segu- ra e inevitavelmente causada pelas reduzidas reseryas de metais amoedáveís do que pelo monasticismo ou pelo delírio gÓtico; e quanto a revolução gloriosa foi devedora Mr. Phipps. ( ... ) Este é um esboço em a aproxi- mado do andamento dos preços. Mas o ens1namenta que se pode extrair desse tratado e que a riqueza das nações nio aumenta durante as inflações do rendimento mas durante as inflações do lucro quando os preços se afas- - tam dos custos." (CW VI, p. 134-137) (grifos de Vilar) Segundo Vilar, a noçao de estímulo se transformou gradualmente na de fator res-ponsável, para tenninar como caus~, assim como fluxo de metais transforma-se em reserva (''reserva medieval de metais'').( 1 ) Por outro lado, Vilar cita Marx: tâo caras aos discípulos de ''As ref~ncias, Hume, ao aumento dos preços na Roma Antiga a seguir à conquista da Hacedônia, do Egito e da Ásia Menor não têm qualquer pertinência ( •.. ) O material necessário para uma obser- (1) Vilar, 1982, p. 85 - vaçao pormenorizada da circulação do dinheiro, por um lado a história selecionada dos preços das mercadorias e, por outro, as estatísticas oficiais c contínuas da expansao e da contração do meio circulante, do fluxo e da saída dos metais nobres etc., material que geralmente se forma apenas quando existe um sistema bancário plenamente desenvolvido, faltava a Hume tal como a todos os outros escritores do século XVIII-" Entretanto, além das disputas acerca da confiabilídade do material empírico, coloca-se aqui uma eminente disputa sobre as cau~s da transformação econEmico-social. Seria o desenvolvimento da civilização um efeito do afluxo de metais preciosos, que fazem os preços aumentar mais que os custos, aumentando os lucros? Estaria o espÍrito da empresa dependente dessa fonte de ampliação de lucros? Os argumentos "Keyncsianos 11 sao sumarizados Vila r: 1) por :f o lucro, e não a poupança, que cs timula a iniciativa e portanto a produção. Baixar juros e lucros altos significam properidadc; 2) Os .aumentos de preços criam expectativas de lucros, na medida em que, por exemplo, os débitos se valorizam com a inflação; des- 3) O emprego torna-se uma questão importante; dou4) São reabilitadas as teses mercantilistas: a função trina do afluxo de metais preciosos e da criadora das despesas de luxo. A tese central acaba se convertendo na idéia que o investimento capitalista exige uma queda de dos sal5rios reais, queda obtida através do aumento preços. ( 1 ) de Vilar reclama uma teoria objetiv~ dos lucros, que explique-lhes a origem "de maneira concreta c direta11. Recusa a noção de "expectativas de lucro" pois o "hemo ocnmíu~ já não se contenta desde há algum tempo com promessas corno a ilusão de curta duração criada por moedas instáveis 11 .CZ) "O acento posto nos movimentos do lucro como se este fosse a única força criativa e efetiva pode at~ implicar a hip6tcse (mais ou menos consciente) de que o "sacrifício" da classe trabalhadora seja nccessári9_) qualquer que seja o regim~. Não obstante, a confusão teórica entre "inflação dos lucros" e o luc~:rodzin'!a inflação leva a atribuir a acumulação de capital nao ã exploração do trabalho, mas a uma espécie de providência 3 chamada "conjuntura". ( ) Finalmente, Vilar rejeita o monctarismo quantitativista dos Keyncsianos. inconsistência do Treatise que foi explicitada na discussão da obra feita já em Cambrídgc. Trata-se sobretudo dos limites impostos pela teoria quantitativa c dos quais Keynes · procuTava se libertai' recorrendo justamente a uma nova concepção das relações entre causalidade e ternporalidade. Naturalmente existe uma relação entre volume de meio circulante e níveis de preços, mas o que determina as flutuações dessas magnitudes? As críticas de Vilar exibem uma Examinando as formas pelas quais se diferencia o poder de compra, Keynes chegou a identificar nos raiz desequilÍbTios entre investimento e poupança a das oscilações nas expectativas de lucros. (1) Vilar, 1982, p. 87 (2) Vilar afirma, ainda, que a história deveria trabalhar como uma ciência natural: era esse o ideal de Narx." Op cit. p. 92 (3) Vilar, 1982 p. 96-7 11 1 ), Entretanto, nas suas 11 llustraçôcs Histórca~( Keyncs isola o afluxo de metais como fator causal, a~ sm;i~.ndo a teoria quantitativa da qual procurava escapar. Mesmo assim, c apesar do que fizeram os historiadores Keynesianos criticados por Vilar, os propôsitos de Keynes nesse capítulo não se reduzem 5 aplicaçao da velha teoria, mas abrem terreno inédito na explicação dos processos econômicos. Keynes procura através da análise do dinheiro iluminar a natureza do processo de acumulação de riquezas capitalista e nao apenas demonstrar ernpiricamcnte a validade da equação de Fisher. Vil ar, seguindo Marx, esclarece que o efeito dos metais sobre os lucros e a empresa não é casual, mas depende sobretudo do vigor econômico diferenciado da exploração produtiva nas várias regiões e épocas. Assim, o metal é procurado e aflui justamente ãqucJ cs que já estão na dianteira do processo produtivo e tecnolÓgico. Exatamente no capítulo sobre as "Ilustrações Histórca"~ Keyncs procura esclarecer seu propósito ao investigar os fluxos de metais ao longo do tempo: "Tem sido usual conceber a r1queza acumulada do mundo como tenJo sido arduamente consvoluntária ti tu ida a partir da abstinência de indivíduos quanto à fruição imediata no 1 consumo, que é a chamada poupança C Thrift 11). Nas deveria ser Óbvio que a mera abstinência constinão é suficiente por si mesma para tuir cidades ou drenar pântanos. A absti-nência dos indivíduos não aumenta necessarlamente a riqueza acumulada; pode contrariamente servir para aumentar o consumo corrente de outros indivÍduos. Assim a poupança de um homem pode levar tanto a um aumento da riqueza-capital ou a uma melhoria do poder (1) Keynes, CW VI, cap. 30 163 de compra de consumidores. Nfio hi corno saber qual prevalece, até que tenhamos examinado outro fator econômico. A saber, o empreendimento: c o empreendimento que constitui e melhora as possessões do munpoupança do. Agora, assim como os frutos da podem ir em auxílio da acumulação de capital ou de uma melhoria no valor monetário da renda de consumidores, também os frutos do empreendimento podem ser retirados seja da paupança seja as expensas do consumo do consumidor médio. Pior ainda, nao apenas pode a poupança existir sem empreendimento, mas à medida em que a poupança vai além elo empreendimente, _ela positivamente dcscncoraja a recuperação do empreendimento e instaura um círculo vicioso através do seu efeito adverso sobre os lucros. Se o empreend:i.men_to está dinâmico, acumula-se riqueza aconteça o que for a poupança; e se o empreendimento adormece, a riqueza decresce ocorra o que for i poupança - e a (, .. ). O motor que dirige a empresa nao poupança, mas o lucro. Agora, para que o empreendimento seja ativo duas condições devem ser cumpridas. Deve existir uma expectativa de lucro, e deve ser possível aos empresários obter comando de recursos suficientes para executar seus projet-os. Suas expectativas dependem parcialmente de influências não-monetárias -guerra e paz, invenções, leis, raça, educação, população etc. Mas o argumento do nosso primeiro volume procurou mostrar que o seu poder de executar ' projetos em termos que eles considerem atrativos depende quase inteiramente do comportamento rlo sistema bancário e monetário. Assim, a taxa com que o mundo tem acumulado riqueza tem sido bem mais variaàa que os hábitos de poupança ( ... ).'' ( CW VI, p. 132-3) - - 1 Essas sao as idéias em função Jus qua1s "seria uma tarefa fascinante rcoscrever a história cconômi' ca." Aqui os lucros nunca deixaram de ser um cst1mulo e, mesmo quando ~arecm como causa, trata-se de uma causalidade temporária que não se sustenta isoladamente. As características cruciais do empreendimento sao aqui identificados com as expectativas de lucro e com o poder de gasto capitalista (poder de comandar recursos com a finalidade de executar projetos potencialmente lucrativos). O afluxo de metais nao afeta indiscriminadamente o nível de preços, mas afeta os à lucratividade de cálculos dos empresários quanto seus empreeendimentos. Esses cálculos e empreendimentos é que são estratégicos, não as oscilações de preços em si mesmos. f: o decurso dos empreendimentos, transformando ou não as "poupanças" em projetos dutivos, que por sua vez determina o pro- futuro de preços e produção. à nossa definição de "dinâmica econômica": é o estudo dos 1 imites à ordenação do Voltamos assim sistema econômico impostos pelas várias formas de incerteza quanto ao futuro. Esses limites, que se ex- pressam em conflitos entre a riqueza velha e as pos- sibilidades de geração de riqueza nova, não têm um resultado previsível de antemão. A "dinâmica", em contraposição à "história 11 , é o estudo do que pode a- contecer, nao do que já aconteceu. :E nesse sentido que a economia de Keynes é mais política do que a economia política criticada porMarx. "r. - -uma anal1se - . (1)· o'·..1s r1quezas . do que menos da genese exame das possibilidades de manutenção e um ampliação da propriedade de riqueza. Por isso os lucros infla- cionários podem aparecer como um estímulo dinâmico. Já ~farx, e Vilar quando exige uma teoria objetiva dos lucros, procuram estabelecer as condições históricas sobre as quais o capitalismo se constititui,i.e., vem (1) Xo sentit1o de 11 0rigem natural". a existir. Entre a identificação (genética) dos fundamentos do capitalismo c a análise (morfológica) dos critérios de funcionamento do capitalismo há uma diferença. Diferença comumente resumida na distinção entre "leis gerais do desenvol vimcnto , capitalista" e "esfera da concorrência capitalista". De um lado está uma definição histórica da estrutura, de outro a identificação das formas pelas quais os limites existenciais da estrutura se manifestam conjunturalmente. Em suma, Keynes aponta os critérios motrizes da racionalidade dos capitalistas no seu esforço recorrente pela manutenção e ampliação ele um poder cuja origem não é discutida. As expectativas de lucro surgem então como fator causal sem que seja necessária qualquer hipótese restritiva sobre o comportamento dos 11 salários. A exploraçãon está na diferenciação do poder de gasto, mas a "origem" do valor não é univo- camente determinada. O aspecto crucial da "concorrência" não é o grau de exploração. Um empresário explorador ao máximo pode desaparecer se não procurar executar ~etos oportunos. O s:t.Pitalismo talvez dependa da exploração do trabalho, mas os capit0J.istas dependem da capacidade de avaliar e planejar corretamente o futuro. Na medida em que os 11 erros" dos capitalistas tornam-se uma ameaça mais grave para a existência do capitalismo do que qualquer ameaça :imediatamente po1Ítica(1), Keynes cnfatiza o aspecto subjetivo dos lucros. O importante não é quem gera valor, quem intro(1) Em outros termos, Keynes sempre afirmou que, face ao risco de uma revolução proletária, seria preferível corrigir "em tempo hábil 11 as tendências recorrentes c anti-sociais (anti-empresariais) dos capitalistas. Com outro fundamento, também Schumpeter destacou a tendência à estagnação do espírito empresarial capitalista. lGG duz UJID inovaçã~ quem descobre novas fontes de recursos produtivos, mas quem é C1lpaz de se tornar e manter propri- etário dessas fontes de valor que surgem e desaparecem ao longo da hist5ria. tornar-se proprict5rio, no capitalismo, é sinônimo de poder de comprar. Ora, muitas v~ zes a diferenciação do poder de compra depende de forma crucial da maneira pela qual o Valor já existente é co~ sumido, sem que entre em questão se a origem desse valor é um excedente obtido pela exploração do trabalho ou pela descoberta casual de uma mina de metais preciosos. Assim, o importante no afluxo de metais ou na inflação de lucros são as formas em que eles se convertem. O acúmulo de tesouros em cavernas geraria tanta riqueza quanto a inflação se esse se distribuísse homogeneamente pela sociedade. O importante para Keynes não é estritamente o "pauperis1nol! dos trabalhadores, pois a abstinência dos trabalhadores poderia representar apenas mais consumido de outros indivíduos (capitalistas); mas não significaria acumulaçÕ:ü de riquezas sem a execu ção de projetos lucrativos. A lucratividade sempre acaba tendo, a posteriori, alguma relação com o grau de exploração do trabalho e de outros recursos produtivQs. Mas a exploração em si mesma não garante a lucratividade futura. Em suma, os lucros são função de tudo o que pode ocorrer na "esfera da concorrência" e nao apenas do que ocorre no processo de produção. Keynes acabou por desenvolver o estudo da dinâmica concorrcncial, co!._ rendo á.s vezes o risco aponta do por Vila r: o de discutir o capital sem definir o capitalismo, ( 1 ) ou o investimento sem o conceito de capital. Entretanto desde que se perceba por trás do investimento (poder de gasto capitalista) uma ênfase na prioridade da decisão produtiva, em uma economia monetária, é possível reconhecer em Keynes um te6rico que abre caminho i hist6ria. Pois a economia "como via de mão Única" significou uma visão que aceita a irreversibilidade determinada, de modo am1 (1) Vilar, 1982, p. 102. gíguo, pela capacidade empresarial de mobilizar dinhei- ro. ( 1 ) Pois analisar os processos econômicos como "via de mao Única" significa reconhecer na irreversibilidade uma característica fundamental. Se as variantes do paradigma do "equilíbrio" deixam a desejar quanto ã compreensão das relações entre dinâmica econômica e história é por não incorporarem à sua metodologia esse pressuposto de uma irreversibilidade fundamental. Ainda que, como aparece em Keynes, o tempo irreversível esteja ma:E_ que tem origem na capacidade cada por uma ambigtlidadc empresarial de mobilizar dinheiro. O dinheiro circula, mas o poder de gasto, quando se realiza, gera cenarios que são o sintoma do modo irreversível pelo qL)a 1 a estrutura econômica vai se transformando. - Foi abrindo espaço à percepçao dessas relações que J. M. Keynes, lnesmo sem o conceito de Capital, inaugurou um campo de conhecimento econômico aberto à histori cidade. ( 1) Cf. Shmit t, 19 7 5, p • 1 O. 1G8 4 - Investimento, Potrynç~ c Lucros A discussão feita anteriormente tornou possível esclarecer de que forma o poder de gasto capitalista, como definido por Keyncs no Treatise, corresponde ao que se costuma chamar "esfera da concorrência" e a uma visão particular da "dinâmica econômica." Vamos examinar com mais detalhe o mecanismo através do qual opera o poder de gasto capitalista. A instabilidade do processo de acumulação de capital aparece no Trcatisc a partir da Ótica de "curto prazo" das variações repentinas nas decisões de produção de bens de investimento. (l) r! a partir de wna mudança nas 'expectativas de lucro desse setor que se inicia o ciclo de uma economia industrializada. Na medida em que as decisões de poupança nada têm a com as decisões formadas pelos empresárias do ver setor produtor de bens de investimento, irrompc um desequilíbrio entre poupança e investimento que representa um excesso de demanda. Sobem os preços e) por conseguinte, os lucros do setor produtor de bens de consumo. Enquanto os níveis de poupança e investimento nao se tornarem compatíveis com a proporção da renda dicada ao consumo o desequilÍbrio permdnece. (1) Cf. Vicarelli, 1980, p. 97. 11 0 11 de- curto prazo 11 , quem sabe, não sobrevive ã existência de um homem. O suficiente "curto prazo"} entretanto, é longo o para incluir (e~ talvez, determinar) a ascenç_ao e Smith queda da grandeza de uma nação. NOTA: Adam não subestimava a duração dos prazos curtos. 11 Noventa anos", disse ele, é o tempo suficiente para reduzir qualquer mercadoria na o monopolizada a seu preço natural 11 . ) " Cf. CW VI, p. 141. ' ' Já alertamos para a possibilidade de interpretar esse curto pra_zo como uma nova concepção da tempQ_ ralidade capitalista, c não simplesmente como des vios face à tendência n..1tural do "longo prazo". íú9 11 ( ••• ) se as decisões quanto is proporções do fluxo de produção futura em forma dispo- nível e não disponível fossem tomadas pelas mesmas pessoas que decidam a cada momento poupado 11 , ncnhm problema surgiria. Mas se as decisões são tomadas, quanto deve ser 11 como de fato ocorre, por pessoas diferentes, então ( ••. )o incremento lÍquido à capital da comunidade riqueza- como um todo vai ser diferente em certa medida (mais ou menos) do agregado de poupanças dos indivíduos savings"), entendendo por 11 ("cash poupança" as por- ções das rendas em dinheiro que os indivíduos deixam de gastar em consumo". (CW V, p.158) Em r e sumo do argumento, pelo próprio Keynes: 11 ( ••• ) se o nível de preços dos bens que consumidos é de fato igual ou desigual ao sao seu custo de produção depende de que a proporçao da renda da colTlLUlidade gasta em consumo seja ou igual ã proporção do produto da comunidade que assume a fo,I ma de bens de consumo; em outras palavras, depende da divisão da renda entre poupança e gasto em consumo ser ou não igual à divisão do custo de produção do produto entre o custo dos bens adicionados ao capital e o custo dos bens que sao consumidos. Se a primeira proporção é nnior que a segunda, então os produtores de bens de consumo percebem lucros; se a primeira proporçao é menor que a segunda, os produtores de bens de consumo realizam um prejuízo. Assim, o nível de preços dos bens que sao consumidos (i.e. o inverso do poder de compra de dinhei ro) excede ou não seus custos de produção na medida em que o volume da poupança fique aquém ou além do custo de produção do novo :investimento (i.e., dos bens que s~o adicionados ao estoque de poude capital). Portanto, se o volume '~ I panças excede o custo do investimento, produtores dos bens que estão sendo /lJ os consu-. roídos sofrem uma perda, e se o custo do investimento excede o volume de poupanças, eles lucram. O que acontece com o nível de preços dos no- vos investimentos, i.e.; dos bens que sao adicionados ao estoque de capital? ( ••. )De modo geral, ele depende do nível de preços antecipado das utilidades que esses investimento renderia em alguma data futura e da taxa de juros ã qual essas utilidades futuras sao descontadas com o propósito de fixar seu valor-capital presente. produtores Assim, o lucro ou prejuízo dos de bens de investimento depende das expec- tativas do merCado quanto a preços futuros e das taxas de juros prevalescentes varlarem favorável ou adversamente a esses pro. ' pre]UlZO dutores. Não depende do lucro ou dos produtores de bens Je consumo. 11 p. 161-2) (CW V, Nas a distinção entre os dois processos de for-. mação de preços não implica na ausência de interações mútuas. Aliás, é justamente o exame dessas interações que revela a prioridade das decisões de investimento na determinação do rit~no das flutuações de preços e produção. ( ••. ) movimentos em nossos dois tipos de nivel de preços estão ligados e se dio, geralmente, na mesma direção. Pois se produtores de bens de investimento estão obtendo lucros, haverá uma tendência por parte deles no sentido de aumentar o protudo, i.e. a aumentar o investimento que irá, portanto tender - a nao ser que as poupanças aumena aumentar os pretem na mesma propoxção ÇOS dos bens de consumo; e ViCe versa." (CWy; p. 162) 171 O crucj.u] cnao esquecer que esses lucros s6 se transformam em novas decisões de produção, investimenta e portanto implicam novos níveis de preços dependência da capacidade dos empresários 11 na comantlarem uma quantidade apropriada de dinheiro c recursos- ca- pital''. A causal pode ser analisada scqU~nia fronte e par~ rãs. Para frente: os lucros causam (es- timulam) aumentos na produção e no investimeno. Para trás: os lucros s6 t~m viá- C5se papel causal se for vel produzir ou investir, isto é, se o nível da taxa de juros não for proibitivo. E o nfvel da taxa de juros depende da disposição da comunidade a nao consu- mir, magnitude que por sua vez depende da proporção entre produção de bens de consumo c bens ele investimen- to. Na medida em que os lucros são interpretados como distribuição diferenciada dos efeitos sobre os preços das dcsproç~e no crescimento dos setores produtivos de bens de consuma e investimento, distribuição cuja desigualdade reside em Última instância na capacidade de os empresários anteciparem lucros futuros e comandarem recursos financeiros ("bancários", no Trea~is), pode-se identificar já em 1930 a mensagem central de Kcyi~s: as mudanç~ na magnitude da ~­ dução no capitalismo dependem dos incentivos a invcs- tir:rn O investimento é o motor do capitalismo, as expectativas de lucros c os juros operam como acelerador e freios} respectivamente. Quanto ao combustível e a-o modelo do veículo, como já dissemos, sao qucstõ.es de que não se ocupa Keynes, para quem o müor perigo era a ausência de rumo com que se movia o inusitado bélido. - e A semelhança com as idéias da Teoria Geral grande. Nas a principal diferença está no papel privilegiado que se confere, no Treatise, às manipulações das condições de crédito fornecidas pelo sistema bancário e não às possibilidades de intervenção direta sobre o investimento. Por esta razão os ciclos aparecem no Treatise como ciclos de crédito. (1) Cf. Shackle, 1967, p. 184. ~ ~'? I I •• ''Assim, o printeiro elo na scqUBncia causal 6 o comportamento do sistema bancário, o segundo é o custo ·do investimento (na medida em que reveJa o poder de compra do dinheiro) e o valor do investimento (na m;_.dj,~ em que releva o nível de preços do produto co-. mo um todo), o terceiro é a emergência de lucros e perdas e o quarto é a taxa de remuncraçao oferecida pelos empresários aos fatores de produção. Variando o preço e a quantidade do crédito bancário o sistema bancário governa o valor do investimento; da relação entre o valor do investimento e o volume de poupanças depende a emergência de lucros ou perdas aos produtores; a taxa de remuneração oferecida aos fatores de produção tende a aumentar ou cair do acordo com a emergência de lucTos ou perdas; e o nível de preços da produção de 'comunidGde como um todo é a soma da taxa média de remuneração eficiente dos fatores de produçao c da taxa média de lucro dos empresários." (CW V, p. 164) São as conveniências ccon6micas previsíveis dos investimentos, não contrarrestadas imediatamente por variações nos custos de financiamento, as causas da 1 instabilidade cconômic<J. e das crises. ( ) Kcynes só não chega a uma teoria das crises na medida em que os ajustes, no Treatisc, acabam se dando através dos preços e com uma tendência ao restabelecimento da remuneração norma i dos empresários: a intc:_rruJ2_ção da atividade produtiva ainda não aparece como possibilidade relevante. As flutuações nas taxas de investimento s~o separadas por Keynes em três categorias: flutuaç6es no capital fixo, capital de trabalho e capital lÍquido. "Quando há um desequilÍbrio entre poupança e investimento, isso muito mais frequcntm~ te i devido a flutuações na taxa de investi- ------·(1) Cf. Vicarelli, 1980, p. 104 1'i3 timento do que a mudanças na taxa Uc poupança qu.c é, em círcusntâncías normais, de um caráter francamente estável." (CW V, p. 85) Aceitando a visão de Schumpeter quanto ao papel crucial desempenhado pelo empresário inovador e pelas ondas de inovação, Keynes entretanto ressalta que os cmpresáriosenvolvidos na prodnção de capital fixo decidem com base em expectativas de lucro que sejam referendadas pelo funcionamento do sistema bancário. Quanto i periodicidade dessas flutuações, Keynes rejeita a possibilidade de determinação estatística da extensão das 11 ondas 11 • Um aspecto interessante (e que prejudica a definição de períodos determinados com base no exame do mercado de títulos) é a falta de sincrozaç~ entre a emissio de titulo e o momento em que o investimento correspondente é feito. "( ... )encontro-me fortemente simpático a escola de escritores- Tugan..:Baranovsky, Hull, Spiethoff e Schumpctcr- dos quais Tugan-Baranovsky foi o primeiro c mais original; e especialmente com a forma que a teoria assumiu nas obras de Tugan-Baranovsky e dois economistas amadores americanos, Lorty e .Tohnnscn." (CW VI, p. 90) Por outro lado, flutuações no capital de trabacorrelac ionarn-se a flutuações no volume de emprego. A importância prática desse fundo de capital de trabalho está na magnitude que pode assumir frente à taxa temporal com que o novo investimento o requer. O auge cíclico "pode representar uma luta, oculta sob o véu do sistema de crédito, para repor capital de trabalho maís rapidamente do que seria factível sob um regime de preços estáveis 11 • lho ( 1 ) C'working capita 1 11 ) (1) Bens em processo, tanto bens de consumo quanto bens de investimento. 174 (CW VI p.31) Mas essas exigências de reposição do fundo de capital de trabalho só se verificam quando nao é possível usar os estoques de capital lÍquido ou poupanças correntes. A magnitude de capital de trabalho fornece portanto a relação ponderada entre o volume de produção e o volume de emprego. use, entretanto, a taxa de insumo nao é estável c o emprego flutua ( ... )a expressão "volume de produção 11 torna-se ambígua. Às vezes não é claro se por ela entendemos volume de emprego ou volume de produção ( .. ,) e durante as flutuações ambas vão temporariamente separar-se.'' "Erros são feitos frequentemente, tanto pelos que procuram explicar eventos passados ' quanto pelos que pretendem prever os futuros, por darem atenção insuficiente ao decurso temporal entre as tr6s manifestaç6cs produto, demanda por capital de trabalho c emprego." (CW VI, p 106) Nais ainda, é preciso distinguir o consumo improdutivo. Quando há um investimento (substituição da 'produção de bens de consumo pela produção de capital fixo) muda a proporção da renda que aparece sob forma não-disponivel. Dai Keynes infere que o nfvel correspondente de consumo corrente se reduz, o que na o ocortrabalho reria no caso de um aumento no capital de associado ao aumento da produção e do emprego. Nesse segundo caso também há investimento, mas sem que seja necessário reduzir o consumo. Em suma, o aumento de capital fixo implica em abstenção por parte da comunidade, enquanto que o aumento no capital de trabalho implica urna redistTibuição do consumo do resto da comunidade para os recém-empregados. O investimento exige uma redistribuição do consumo corrente mas nao uma redução no seu agregado, substituindo consumo improdutivo. Assim, o investimento pôde aumentar nao i/~ pela redução do consumo mas pelo aumento da produção) ainda que algum setor possa vir a ter seu consumo prejudicado. 11 Em qualquer momento, portanto, uma comuni- dade deve tomar dois conjuntos de decisões - uma com relação à proporção de renda futura que estará disponível para o consumo ou para capital fixo, a outra com relação a que proporçâo da renda presente dever5 ser consumida produtivamente e qual improdutivamente. O primeiro conjunto de decisões corresponde ao que temos em mente pensamos em poupança e investimento. Mas é do segundo tipo que depende o emprego ou desemprego. O pleno emprego dos fatores de produção requer uma redistribuição, não urna redução do consumo agrcgado."(CW VI, p. 112) O prop5sito te5rico de Kcyncs consiste em mostrar que os desequilÍbrios do sistema econômico devem -se menos a diminuição da atividade em si, mas à diferenciação de poderes de gasto, entendida pr~ncl­ palmente como "diferentes formas de planejar o futuro11. Essas diferentes formas dependem dos cálculos empresariais vinculados à oportunidade de esperar pela realização de expectativas de lucro e da inexistência de forn~s mais imediatas de valorização. Assim, o incremento cl:1- riqueza não aparece corno consequência da abstinência, mas do tipo de decisão capitalista: produzir mais ou investir mais. O Crucial da dinâmica econômica é a distinção entre esses dois tipos de gasto, que entretanto frequentemente aparecem como formas diversas de consumo. O "consumo improdutivo 11 e um t.ipo de consumo que, mesmo não sendo realizado, nao implica em diminuição do emprego. :E! apenas outra forma de definir o conjunto de bens em processo que, nao consumidos, associam-se entretanto i geraç~o de emprego. O "consumo produtivo', é aquele cuja redução 11 implica imediatamente redução no próprio esforço pro- dutivo" do consumiJ.or. Mas essas apenas são maneiras (da Ótica do consumo) tle definir o processo de acumulação de capital em que o determinante é a divisão entre decisões de produção ou de investimento. "Ar!içõcs ao capital fixo, ao capital lÍquido ou ao capital de trabalho sio, todas, apenas possíveis na medida em que há passagem do tempo para a comunidade como um todo entre o momento da desutilidadc de trabalhar e o momento do efetivo aproveitamento da rcnda.Mas a forma de investimento que r e sul ta do emprcgo adicional dos fatores de produção em consumo imediato adicional para a comunidade como um todo não consiste, entretanto, em abstenção elo consumo de renda disponível da comunidade, mas na permissão para que essa renda seja consumida por pessoas engajadas em um processo produtivo que nao fornecerá renda em retorno a não ser depois que tenha passado um certo período de tempo." (CW VI, p. 113) O investimento acaba aparecendo, portanto, como ·mudança nos tipos e datas de consumo, ainda que dependa das decisões daqueles que esperam maiores lucros, e não maior consumo. IllÍ entretanto um conflito entre o motivo' (expectativas de lucros) e os meios (redistribuição do poder de compra existente) para a criaçio.de riqueza. O Treatise coloca ~nfase principalmente nos meios) i.e., nas várias form<IS de redistribuição do poder de compra (inflação, deflação, alteração nos perfis de consumo, magnitude dos estoques de capital fixo e capital lÍquido). Frequentemente o motivo aparece, mas ainda não ocupa o lugar central da análise. Daí que o ciclo de crédito seja o princisistema pal fenômeno estudado, na medida em que o bancário é essencialmente o intermediário, i.e., o agente responsável pela administração dos meios para a criação de riqueza~ Entretanto, apesar dos meios se- ! I i rem administrados ou regulados pelo sistema bancário, sao de natureza eminentemente material. E apesar do motivo guiar a decisão dos proprietários dos meios materiais produtivos, ele é de natureza eminentemente financeira. 178 5. Circulação Industrial c Financeira A análise qualitativa em que se converteu a teoria quantitativa nas mãos de Kcynes caracteriza- se pela identificação de dois poderes de gasto cuja importância é estratégica na definição do tempo economico: o gasto capitalista (produção e investiment0 e (poder regulat6rio sobre o gasto capitao cr~dito lista). Esses dois roderes explicitados por Keynes sao, ao mesmo tempo, os sustentáculos de dois espaços econômicos singulares: a circulação industrial e a circulação financeira. Mas o dinheiro está presente 11 nas duas "esferas , apenas os Qropósitos com que e usado diferem para cada urna delas. A própria existência do dinheiro associa-se à existência de dÍvidas de tal sorte que o poder de compra dos agentes econômicos c sempre, simultaneamente, também um 1nstrumento para a consecução de contratos de pagamento diferido.Cl) Oferta de dinheiro e volume de contratos estão correlacionados. Entretanto, dois tipos bisicos de contrato podem estabelecer-se numa econo,mía capitalista; um implica contratação de fatores, produç~ corrente e geração de renda, o outro vincula -se ãs negociações com títulos de riqueza (ações, empréstimos, esp~culação). - Os dois poderes, tipos de contrato e circulação expressâm o grau máximo a que chegou, no Keynes do Tr~atis, o interesse em diferenciar investimento de poupança. O investimento relaciona-se i produção de novos bens de capital, e poupança vincula-se à circulação de contratos e títulos de riqueza passada ou futura. Novamente o desequilÍbrio que indica a natureza dinâmica da economia se dá entre as perspectivas de produção e as de valorização financeira. "O crédito é á estrada ao longo do qual a produção viaja, e se os banqueixos soubessem ---------------------(1) CW V, p.3 179 o seu dever, providenciariam as facilidades de transporte na medida requerida para que os poderes proJutívos da comuniUudc fossem empregados à plena capacidade." (CW VI, 220) ( 1 ) p. O conflito entre os meios e os propósitos da criação de riqueza manifestam-se plenamente no capitalismo. Já no Trcatisc torna-se claro que o problema não é a falta de rne1os, mas a incongruência dos propósitos. A indastria requer a utilizaç5o de certa parte do estoque total de dinheiro: dcp6sitos de renda (income ( 11 dcpcsits 11 ) e parte de depÓsitos dos negÓcios business dcpositsn) a finança atrai os depÓsitos de poupança c outra parte dos depósitos dos negÓcios. Constituem-se assim dois circuitos monetários,um atendendo a propósitos Jcrivados do empreendimento, outro atendendo a propósitos poupadores''. 11 A compra de bens e o pagamento de salários sao duas faces da circulação industrial e refletem toda e ·-qualquer flutuação na atividade. Assim, variações nos depósitos de renda transformam-se parcial e recorrentemente em depósitos de negócios através das vendas de pro~uts. Mesmo a parte dos depósitos de negÓcios que é mantida para fazer frente a custos de produção, capital de trabalho ou bens de capital rec6m-terminados reflete-se nas variações nos depósitos de renda. Entretanto, há razões para que os depÓsitos empresariais não variem na mesma proporção que os rendimentos.( 2 ) (1) Cf. Davidson, (2) CW V, p. 1972, cap. 11 219 e SS. IBO a) mudanças nos preços rcJ_~tvos Jc diferentes cate- gorias de protlutos (ou mudanças no caráter da produçilo); b) os depÓsitos empresariais nao são dotados da pcríodic_:!clâ:de com que ocorrem os depósitos de rcndüncntos (regularidade das datas de pagamento) e mudam de velocidade com o nível de emprego e com o cará- ter da produção; c) a emergência de lucros altera também os hábitos e frcquência dos depósitos empresariais. Por essas raz5cs, o volume da circulação industri al, que a princípio parecia estar diretamente ligado ao nível de atividade, acnba se divordi.anclo de mudan- ças nos depósitos de rendimentos (i.e., as rendas monetirias agregadas, ou o volume c custo de produção corrente). Por outro lado, os fatores que afetam a finança sao de outra ordem, pois o volume de negócios realizados através de instrumentos financeiros, ou a 11 ati- vidadc"financeira, é tão variiivcl quanto <1penas indi- retamente 1 igada ao volume de vrodução de bens de capital ou de bens de consumo. I! que o volume corrente de produção de capital fixo é pequeno se comparado ao estoque existente de riqueza. Novamente surge a ques- tão do 11 Choque de valor" entre a r1queza velha e o vo lume de tí~os representante da riqucz:1 já existen- te. As transações com esses titulas não guardam qual- face a taxa com que se adiciona riqueza aos estoques fisicos. Assim, na 11 modcrna comu. . nidade equipada com bolsas de valoTes,, ( 1 ) o ClTCUl- quer dcpen~ia (1) CW V, p. 222. Aqui, o conflito entre estoques e fhL'XOS é r~ solvido em favor dos estoques cf. Schackle, 196í, p. 208. A integTacão do tempo (e do dinheiro) no discurso da ciência econÜmiCa requer a devida priori:.açilo dos estoques na análise. ~a teoria ortodoxa a ausência. da dimC~6 temporal é a outra face da o.usência de moecb e CL1. prioridade conferüb ã idêi3 de wna produção imediatamente consumhcl -·portanto dos flu:x:os. cf. D1 Antonio, 1981, p. 193 e p. 202,n. 181 to de produção corrente Uc capital fixo é apenas proporção pequena do giro global de títulos. Mesmo o preço dos titulas existentes ao longo de períodos cur~ uma independo seja do custo de produção ou do preço de capital fixo novo. 'Pois os títulos existentes consistem grandemente de propriedades que não podem ser rapidamente reproduzidas, de recursos naturais que sequer podem ser reproduzidos e do valor capitalizado de renda futura antecipada pela posse de quase-monop6Iios de vantagcns quaisquer. O ''boom'' de investiTilento nos E.U.A. em 1929 foi um bom exemnlo de um ' aumento no preço dos títulos como um todo que nao foi acompanhado por qualquer aumento no preço da produção corrente de capital fixo novo." (CW v~ p. 222) 1 A influ'êncía dos depósitos empresariais sobre o volume do giro financeiro 6 reduzida, levando-se em conta a velocidade alta com que esse dinheiro gira. A dinheiro _principal fonte de variação na demanda de para propÓsitos financeiros cstá1 portanto 1 nos - pro- prios depósitos de poupança. existência de depósitos ele poupanças é uma indicação de que há pessoas que prefe'~A rem manter seus recursos sob a forma de reclamos de dinheiro de caráter lÍquido realizável imediatamente. Por outro lado, há uma outra classe de pessoas que emprestam dos bancos de modo a financiar uma retenção de títulos maior que aquela possível apenas com recursos próprios. 11 (CW V, p. 223) que Deve-se portanto difcrcnc ia r a "poupança, l (1) t t resulta. d o opçoes lllGJ.VH ua1_s , e c um es ra o bas> ,. > > (1) Aqui os motivos que depois K.eynes sintetizaria, na Teori3 c~:-na teoria da l)TCfcrência pela liquidez. 182 tante estável> da categoria de agentes denominada de riqueza", i.c, aqueles que prefe- "pro~ict<ÍI.s rem permanentemente reter depósitos de poupança e não títulos. Esses "proprietários de riqueza" sao denominados, em linguagem de bolsa", os Hursos". São aqueles que vendem títulos Jos quais não são proprietários ou que preferem llk'lnter uma posição de liquidez sob a forma 11 de depósitos de poupança. Em oposição aos Ursos" há os utouros". "Um urso é alguém que prefere momentaneamente evitar títulos c empresta dinheiro, cor- rcspondentcmcnte um touro é alguém que pre- fere reter títulos e tomar dinheiro empres- tado - o primeiro antecipando uma queda valor em dinheiro dos títulos c o· no segundo antecipando uma elevação. 11 (CW V, p.224) Daí serem os "ursos" baixista::, c os altistas. tend~cia 11 touros" Quando o sentimento altista predomina, há uma i queda nos dep6sitos de poupança. A magni- tude dessa queda depende da velocidade e montante em que as taxas ,de juros de curto prazo caem frente ao aumento nos preços dos títulos, contrabalançando o sentimento altista. A acelcraçio do sentimento altista só pode ser referendada se o sistema bancirio, seja através de compras de títulos, sej<l tirando proveito da diferença de opinião entre altistas c bai- xistas, intermediar a transferência de fundos de poupança paxa aplicações em títulos. Assim, se urna parcela do pÚblico se vê tentada, pelo crédito L-ícil, a tomar emprestado paTa a compxa especulativa de títulos, os preços dos títulos podem ser elevados até que urna outra parcela do público prefira depósitos de poupança. O nível de preços dos títulos depende portanto do grau de sentimento altista e do comportamento do sistema bancário. Enquanto a elevação nos preços dos títulos não gerar um sentimento contrário, forma-se um consenso de opinião em favor da retenção de títu- los. Temos, esquematicamente: / depósitos de rendimentos ClTCU- laçâo Depósitos em caixa Depósitos de pouanç(~ ~ · dus- .. /A trial depositas empresariais Clrcu- ~:!- ce1ra onde: - depósitos de rendimentos) parte do estoque de djnheiro depôs i tos empresariais 1j usado na produção e no conswno (circulação industrial) depósitos empresariais B - depÓsitos de poupança A - depósitos de poupança B d inhe ira usado no mer- ... cado de açoes estrato estivel retido por razões pessoais depende da oposição entre "ursos" e "touros'' As flutuações nos depÓsitos de poupança B sao considerados por Keynes como provavelmente o mais importante elemento de viabilidade na demanda monetária devida ao motivo financeiro. Dessa forma, o montante total de cixculação financeira depende parcialmente da atividade (transações) mas principalmente da magnitude da posição altista. 184 Feita essa análise, podem ser caracterizados quatro tipos do mercados especulativos: 1) mercado de "touros 11 tendo consenso de opinião, com subida nos preços dos títulos na queda nos dopásitos de poupança; os ursos fecham suas posições em um mercado altista; Z) mercado ços dos a ponto "ursos 11 tista; de 11 touros" com opinião dividida, os pretítulos sobem mais do que suficientemente de elevarem-se os dcpÓsítos de poupança,os aumentam suas posições em um mercado al- 3) mercado de 11 4) mercado de 11 ursos 11 com opinião dividida, os preços dos títulos caem a ponto de caircm os depÓsitos de poupança, os "ursosn fecham suas posições com um mercado baixista; ursos 11 tendo consenso de opinião, os preços dos títulos caem insuficiente de tal sorte que se elevam os depósitos de poupança, os 11 ursos 11 aumentam suas posições em um mercado baixista. Movimentos especulativos do tipo 1 e l afetam a indústria como se se tratasse de um aumento na oferta de dinheiro, pois uma queda no volume dos depósitos de poupança não comprcnsada pela ação dos bancos (diminuindo a oferta de ativos), aumenta o montante de dinheiro dispon{vel para a circulaçâo industrial. Especulação dos tipos 2 e 4 t~m um efeito anilogo a uma diminuição na oferta de dinheiro. Por outro lado, uma elevação nos preços elos títulos estimula um aumento no nível de preços do novo investimento. ( 1 ) Especulação do tipo .l reduz o poder de compTa do dinheiro em termos de títulos e de novo (1) cw v, p. 226. investimento. Na medida em que ocorre um aumento na a oferta de dinheiro cirulaç~o industrial permitem urna expansao do investimento, o oposto ocorre na especulação do tipo !, e nos casos ! e 3 hi forças contrárias aginJo simultaneamente. "Concluímos, portanto, que mudanças na si- tuação financeira são capazes de causar mudanças no valor do dinheiro de dois modos. Têm o efeito de alterar a quantidade de dinheiro disponível à circulação industrial e podem ter o efeito de alterar a atrarivida- de do investimento. Assim, enquanto o pri- mclro efeito não for compensado por uma mudança ria quantidade total de dinheiro e o segundo por mudanças nas condições de empréstimo, resultará urna instabilidade no nível de preços da produção corrente." (CW V, p. 227) (1) O risco inerente à distrJ.buição entre os dois circuitos reside na possibilidade da cirulaç~o financeira roubar recursos da c:irculação industrial ,encorajando a posição altista ("touros"). A elevação cumulativa do nível de preços dos novos investimentos acaba deflagrando posteriormente um sobre- inves- - timento. Se os bancos apertarem as condições de credito ~entado evitar uma corrida altista, por outro lado, pode ocorrer uma tendência deflacionária. "A solução reside - no que diz respeito à estabilidade do poder de compra - em permitir à finança e à indústria o acesso a quanto dinheiro necessitem, mas a uma taxa de novo investimento (relativamente a poupança) que c:x3tamente compense o efeito do sentimento altista.'' (CW V, p.227) (1) Já aqui surgia a proposta de Keynes no sentido de intervenção regulatória por parte de um Ban co Central. Além das dificuldade' de rnanipuluçiío, podo ain- da ocorrer na prática que uma clcvoção da taxa de juros que previna a corrida altista, prevenindo o sobre .. -investimento futro~ pressione a produção I?_rcscnte no sentido do sub-emprego, embora Keyncs atribua sas possibilidades ainda seja a falhos de es- ou ~visão às dificuldades de mudanças estruturais na produção. A outra saída seria discriminar as linhas de crédito para a finança e para a indústria. De qualquer forma, essa interação entre finança e indústria revela uma economia capitalista que o se i la en trc o desemprego o sobre-investimento. A compreensao dessa instabilidade- essencial e r o- side na distinção entre ~ctaivs de curto pra.zo e de longo prazo. No longo prazo e de se esperar que o valor dos títulos mantenha uma relação direta com o valor dos bens de consumo, na mediàa .em que depende das cxp~taivs quanto ao valor do montante de bens de consumo que os títulos, direta ou lÍquido indire- tamcnte, proporcionarão, ponderado pelo risco e - in- cCrteza dessa expectativa e multiplicado pelo numero de anos cuja compra cor-responde à taxa de juros cor. - (1) rente para o capltal de d uraçao em qucstao. Na me.dida em que os bens representados pelos títulos podem ser reproduzidos, o valor antecipado dos bens de consumo gerados pelos bens de capital será influenciado pelo custo de produção dos bens de capital em questão, tais pois esse custo afeta a oferta rrospectiva de bens. "Mas no curtíssimo prazo, [o valor dos títulos] dePende de opiniões bastante incontroláveis por quaisquer fatores monetários presentes. Um valor mais elevado de títulos não é imediatamente xecado por fatores monetários do modo como uma elevação similar de preços de xecada bens correntemente consumidos seria (1) CW V, p. 228 1 por uma auxência de renda suficiente ,, o "' para comprá-los. Pois vimos que o volume do de-. pós i tos empresariais n requeridos para tran- sações financeiras depende pelo menos tanto da atividade dos mercados quanto do valor m6dio dos instrumentos negociads~ e também na medida em que possuem altíssima velocidade de circulação qualquer aumento necessirio 6 facilmente suprido sem maior efeito sobre a oferta de dinheiro para outros fins ( ... )." (CW V, p. 229) A circulação financeira opera com base em expcctatívas de valorização divorciadas das expectativas dos mercados de produtos. O dinheiro, que c o suporte das expctaivs~ pode ser gerado internamente (como poder de mult.iplicaçâo das tTansaçõcs financeiras) sem qualquer vínculo direto ou necessário com o volume de transações nos mercados - de curtíss-imo prazo instaura- Essa instabl~de -se portanto a partir da diferenciação entre o poder de gasto que opera a um ritmo independente, em certo gl:au, das oscilações nos volumes de tranpro~ctivas sações mercantis. A circulação financeira instaura um espaço nômico cujos compromissos com o futuro da pousam sobre bases subjetivas c instáveis. 11 ecopxoclução re- Se todos concordam coin que os títulos va- lem mais, e se todos são touros no sentido de preferirem títulos a um preço crescente face ã alternativa de aumentarem seus dep6sitos de poupança, nao há limite 0 11 para o aumento no preço dos títulos e nenhum xeque efetivo provem de uma escassez de dinheiro.'' (CW V, p. 229) 188 A reversao dessa corrida cspeculativa s6 ocor- rerá quando as tais ~.2SJ!Ctaivs forem revertidas, em função de uma defasagem relativa suficiente entre o preço dos títulos c a taxa de juros de ctirto prazo, quando a posição 11 UTS0 11 tenderá a se desenvolvcr.Intrctanto, essa variação artificial no valor dos títulos afeta o cálculo comparativo que está na base do dispanovo investimento, na medida em que haja uma ridade entre o valor dos títulos existentes e o custo de produção dos novos bens de capital. "O principal critério de interferência em um mercado financeiro touro 11 ou "urso 11 deveria s~r as prováveis reações dessa situaçao finceira sobre o equilibrio prospectivo entre poupanças e novo investimento. (CW 11 V, p. 230) O risco dessa temporalidadc financeira que arma no interior da economia capitalista reside se na hegemonia exercida pelos requisitos de reprodução,pe1o menos, do valor da riqueza velha. Esse domínio exercido por um vasto estoque de títulos existentes e "dinheiro nas mãos de indivíduos pode acabar impedindo a viabilidade do novo investÍ!JlCnto, dada a pouca influ&ncia das novas emissões de títulos. O·Treatisc apresenta, portanto, uma anilise dos vários tipos de exigências de manutenção de estoques de dinheiro por virias agentes econ3micos, cada qual procuTando exercer uma demanda peculiar. Basta saber qual demanda monetária acaba se impondo. A circulação existe financeira exibe o poder de uma esfera onde uma capacidade endógena de gerar poder de compra, em alguns momentos superior àquela que caracteriza o mundo dos negÓcios vinculado à indústria. - A capacidade endógcna de criação monetária so tem limites imagináveis na ação dos bancos, m..1s a açao dos altistas nos mercados de valores :rode superar até Hn mesmo a capucidade de intervcnç5o dos bancos.1'rata-sc de um poder de ampliação das cxpectativ<lS de lJquiücz - ou objetiva. rnJ · ~fJi base cstavcl Por outro lado, quando essas expectativas de liquidez começam a mostrar-se excessivas, a depressão no valor dos títulos em si mesma torna inviável a recuperação do investimento através da colocação de novas emissões de títulos. Os intermediários financei- já existente (ainda que s6 no papel) e as possibilidades de emissão se restringem. ros passam a se preocupar em proteger a riqueza A capacidade endógena da reoçao da oferta monctiria reflete o poder de criaçâo de liquidcz dos 1ntermeJiários financeiros, liquidcz que pode a tingir uma magnitude desproporcional ãs necessidades dos nogócios. O exame do poder de gasto capito.Jista conduz Keyncs, portanto, a uma teoria do poder de ampliação da liquidez no capitalismo. A incerteza e a instabilidade derivam-se fundamentalmente da incongruência entre as possibilidades de geração de cxpcctativJs de liquidez pelos intermediários financeiros e os diversos poderes de gasto que efetivamente se realizam, , tanto em bens de consomo quanto em bens de capital ~l) (1) tv1as nao se deve subestimar a importância da crlaçao de cr&ditos pelos bancos. O fato, nunca ignorado pelos economistas não recebeu a devida atençao. Schumpeter (1982, p. 1 209) alerta para a r~ açao da ortodoxia, que voltou a enfatizar u "poupança do púb 1 :i co" como determinante no financianwnto do investimento o crédito nada tem a ver com "poupança prévia". (2) A questão do conflito entre a liquidcz "individu:.ll11 e cial" será l"etonuda na Teoria Geral. 11 SO- 1JO 6. A Teoria Jos Juros No exame do poder de gasto capitalista, já fizemos inúmeras referências à taxa de juros sem explicitar o seu significado no Trcatis~. Foi dada prioridodc ã exposição dos c.lcmcntos da economia capitalista, descritos por Kcyncs no ~i que rcvclum o caráter do poder exercido pelos capitalistas sobre o processo de geração e apropriaç5o da riqueza. Esse poder de determinação das possibilidades de continuidade do processo de criação de riqueza G eminentemente inst5- vel. Pois a relação entre as circulações industrial e financeira acaba, ai definidas de exist~nca por turvar a em funçaõ das modalidades e formas c cirulaç~o de dinheiro, que os capitalistas t~rn das possibilida{les objetivas de continuidade da ção de riqueza. acumula- percç~o Nas justamente na teoria nco-clássica ortodoxa os juros aparecem como taxa de remuneração por uma esl!era, ou seja, refletem a avali.::Jç3o ·que os agentes econômicos fazem da relação entre decisões no presente c no futuro. l'vlcsmo Robcrtson, que procurou como v1mos diferenciar diversas form.1s de esperE_, não deixou de remct&-las ao funcionamento da taxa de juros. Qual a relação, portanto, entre a instabilidade temporal característica das avaliJçÕes capitalistas descritas no Trcatisc (e que nada têm a ver com qualquer forma de "esperan ou 11 abstinência 11 ) e a teoria das taxas de j::'_ ros assumida por Keyncs antes da Teoria Geral, ou seja, entre uma Teoria do Gasto (não da abstinência) e uma Teoria dos Juros sabidamente inspirada na concepçao de h"icksell (um notório representante da xia neo-clássica). ortodo- Por outro lado) é inegável que há em Wicksel~ elementos heterodoxos que, como em Marshall, penaitiram desenvolvimentos ulteriores frontalmente críticos da tradiçlo marginalista. E necs~Írio avaliar ao menos de pa~sgcm a contribuição de Wickescll para podermOS TCSponJcr C[Uest5o inicia]: em que medida a mensagem do Trcatisc por nós rcJ evada até agora merece ser qualifJcada (no que se refere ã pcrcopçao do tempo implícita na Teoria dos Juros). a Já vimos como, mesmo a partir da teoria quantitativa, Keynes foi distanciando-se da idéia scgundo a qual um aumento na quantidade de dinheiro cr1a um poder aquisitivo que automaticamcntetransforma-sc em gasto com bens de capital, como se houvesse um ajus, ~ . ·' Investimento . . te continuo e mccan1co uo a~ poupança. (· 1 ) A moeda circula, mas não seu poder de compra. Há tipos distintos ele circulação monetária com resu1 tados distintos em termos de efctivaçilo de poder ele compra. Se, por um lado, o dinheiro circula pela economia, o poder de gasto efetivo depende de uma scqUêncía :Í.1.'YCVCT:slvel de decisões tomadas pelos capitalistas emprecn.declares, que são os verdadeiros criadores de poder de - meros trans·cr1cores. f . I (Z) compra e nao Entretanto, para os neo-clássicos existe um mecanismo que ajusta autorna.ticamente investimento e pau- . ~anç: a taxa de juros. E é justamente dos juros que aparece no Treatisc. essa visão A doutrina tradicional pode ser expressa de três maneiras distintas mas interligadas: dinheiro a) a ta·xa bancária regula a quantidade de bancário, taxas elevadas implicam em baixa de preços; de um b) a taxa regula o fluxo de metais preciosos capitais país, afetando a atração relativa sobre externos; (1) cf. Vícarclli, 1980, p.117 c) a taxa influencia o investimento ou ao menos .tos tipos de investimento. cer- Keynes aproxima-se, no Treatisc, da terceira vcrsao (CW V, p. 171). 11 taxa de juros afeta o segundo termo das equações fundamentais (equilÍbrio poupança-investimento) e afeta o nível de preços. Wicksell foi o principal expositor dessa forma de teo ria dos juros queria fundamentar a tese de que os aumentos autônomos da ·quantidade de dinheiro atuam no processo econômico através dos juros bancários (ciclos de crédito) e assim quas~ chegou a negar a influência _<!~ de fJI (quantidade de dinheiro) sobre P (nível de preços). Wicksell pensava em termos de demanda monetária agregada, e não em termos de demanda por mercadorias singulares (como exigia a lei de Sny). Ao adotar esse ponto de vista, Wickscll abriu caminho para a rejeição da lei de Say, ponto que certamente interessava Keyne s. ( 1 J Seguindo a v1.sao tradicional Wickse11 distinguia entre uma taxa de rendimento do capital físico e uma taxa monetária derivada. Em outros termos, distingue entre urna porcentagem anual paga pelos empresários áos bancos para emprestar dinheiro (taxa monetária de juros) e a porcentagem anual que o .dinheiro emprestacomércio do poderia gera r se aplicado na p;rodução e (taxa n·atural de juros). A inovação de Wickscll consistiu em associar essa distinção à análise de um processo cumulativo. Se os bancos regulam a taxa de empréstimos a ponto de situá-la em nível inferior ao d.a taxa natural ou real(Z), vale a pena tomar emprestado e "aplicar" na produção: compra-se trabalho, materiais e instrumen(1) Cf. Ohlin, 198·1 (2) Real no sentido de estar associacb à av·aliação dos fluxos de rendimento de uma planta produtiV'd e n:lo no sentido de t.:1...xa deflacion:.l(b. por algtun índice. tos, eleva-se a concorrência pelos fatores, por con~ seguinte elevam-se os preços, impulsionando para cima o nível de renda dos ofertantcs de fatores produtivos que, aumentando seus gastos, dão ainda mais estímulo à "aplicação" de recursos monetários na produção de bens. O processo cumulativo, inflacionário, sustent.9-_ -se enquanto o custo do dinheiro emprestado fôr menor que a renda derivada das coisas compradas com o tal dinheiro (não existindo capacidade ociosa). Através desse mecanismo, Wickscll mostrou que: al/1 afeta a produção c não apenas preços; b) os bancoS sao uma fonte crucial do processo. A taxa natural 6 governada pela tecnologia incorporada no estoque de equipamento existente( 1 ). Cada adição a esse estoque tornaria possive]_, em principio, uma melhor divisão do trabalho, mas a eficácia de tal adição seria menor quanto maior o estoque a que fosse adicionado. Como esse estoque altera-se lentamente, a taxa monetária é mais volátil, ainda que tanto a taxa monetária quanto a natural sejam formas de renda de- rivadas da propriedade de riqueza. reflexo da ta xa de _retoTno na margem do estoque de bens de capital, então trata-se de uma rcmuneraç.ao que nao e o Único (talvez não se5a o mais impoTtante) incentivo para o ~ con~rest, ainda que afete as decisões de investimento.mA distinção de Wicksell permite portan to incorporar i anilise dos juros a diferenciação de origem e natureza entre poupança e investimento, queOra, se a taxa monct5ria nao ~mero Incluindo terras, florestas, minas, prédios etc. (2) f uma taxa que emergiu na determinação do nível de pTeços dos bens de capital, que examinamos p~ ginas atTás. (1) - brando com a tradição que assimilava os juros à rcmu- ncraçfio pelo não consumo (espera ou abstinência). A tcmporalidadc aqui implícita não se reduz portanto da visão ortodoxa. a - - A ênfase dada por Wicksel aos efeitos das poss1entre os tipos monetários e naturais veis diverg~ncas (reais) de juros não constitui em si mesma em razao P.§l:. ra o abandono da clissica· (c neo-c15ssica) assimilação do fenômeno dos juros a Um rendimento derivado de bens físicos. f-.1as, por outro lado, cria espaço analítico p~ ra o tratamento da taxa monetária de juros como variável relevante que depende de fatores di.ferentes daque- les que regulam o rendimento do ~apit dois tipos de juros relacionam-se, podem físico. at~ Os ser igua- is, mas já não são fundamentalmente a mesma coisa. No sistema \\'a 1 r as in no a taxa monetária é mcramcn te a expressão monetária (neutr.1. e;r si r'CSP'a) lle taxas de rendimento de capitais físicos. Wickcsell introduziu a taxa monetária como uma nova variável que exige a formulação de novas condições de equilÍbrio, que vieram a ser conhecidas como "equilÍbrio monetário 11 através das obras da escola sueca.(l) O distanciamento analítico entre o ti _ po natural e o monetário abriu caminho para o que viria, na obra posterior de Keynes, a se constituir na distinção entre taxa monetária de juros e eficácia mar ginal do capital.(Z) Fazendo refer6ncia a Wicksell, Keynes alertava no Treatise: 11 ( ••• ) ele foi o primeiro autor a tornar cla- ro que as influências da taxa de juros sobre o nível de preços opera atrav6s de um efeito sobre a taxa de investimento, e que investimento nesse contexto significa investimento e não especulação." (CW V, p. 177) ( 1 ) A a\'aliaçào acil:1..'1 encontra-se originalmente em SchLml(2) peter, 1982, p. 1 213. Em \\'.icksell, porém, o tipo natural identifica-se à J2TOdutividadc nnrgin:ll de capital, conceito radicalmente díS:bnto de "ef iclcia nurg inal" de l\cynes, Ganha relevo assim a nocossiJado de teorias puramente monetárias dos juros. Os JUros aparecem como algo ·de natureza monct<lria e não apenas de forma monctiíria.( 1 ) - - - - A wickselliana incorporada no Trcatisc ~ a de que o investimento planejado (aumento intencional, a cada momento, do estoque de equipamento ou ríqueza)é determinado por uma comparação marginal entre lucro e~ pcrado e taxa de juros. Entretanto, a teoria do capital de Wicksell, baseada na definição de ~oc1s, foi recusada por Kcyncs. O tempo em Wickescll era considerado como a dimensão varL-ível do capital, uma característica objetiva de um conjunto de bens matcriais.C 2 ) Ora, o esforço de Kcyncs, como temos visto, foi o de colocar em p'rimciro plano a relatividade e a subjetividade do tempo no capitalismo. id~a Nesse sentido, a teoria dos juros wicksclliana in sere-se na tradição do "método do longo prazo" ( 3 ), qu; ji discutimos com rcfcrancia ao tratamento marshalliano do tempo, páginas atrás. \llickscll, modificador da teoria quantitativa da moeda, ocupa um lugar análogo ao de Narshall na história do pensamento econômico,mas -no que diz respeito is discussões sobro tempo e história representa uma posição que tGmbém não poderia ser adotada por Keynes, pois implica na definiç.ão "a priori" do que seja o período relcv;mtc para a análise. \\'ic.ksell recusava explicitamente a aplicação 4 ' quantitativa .. Teoria a- " rea l.dd 1 a e concreta "( ) , na (1) Cf. Schumpeter, 1982, p. 1 214. (2) Cf. Seligman, 1967, p. 663 1984. (5) Cf. ~!ilgate, (4) Que Milgate interpreta como ncurto prazo". da me- <lida em que no lugar do cr6dito a ortodoxia cníatiza os balanços de caixa individuais, com a tradicional hipótese de constância da velocidade de circulação. Essas criticas vinculam-se em 61tima an51isc aos de. bates anteriores ã legislação ,l)ancarla britânica - de 1844. As principais escolas 1 brit~ncas em questão foram a 11 Banking School" e a "Currency School 11 , que ocuparam posições de certa forma an51ogas ao debate moderno entre kcyncsianos c monetaristas.(l) A "Currcncy School 11 advogava a necessidade de respaldo em ouro para a emissão de notas superior a certo montante e controle centralizado nas mãos de um grande banco (o Banco da Inglaterra) com a justificativa de que emissão excessiva geraria inflação. Mudanças nos estoques de ouro refletiriam, para os adeptos dessa corrente, as alterações relativas na concorrência internacional e seriam sinais de mudan ças na disponibilidade de crGdito. Os críticos diziam que era um absurdo amarrar o desenvolvimento econômico i disponibilidade de um fator arbitr5rio: o estoque de ouro. N Já a "Banking School", tomando como exemplo ocaso esco~, argumentava que o fundamental era o crescimento real da economia. -algo que poderia não se re fletir no estoque de ouro. Devido às conexões estrcitas cn trc os bancos, os negociantes e_ os industriais, '· ' c. r ' ., ', · . ' para finano crédito poderia continuctr se ~xpandib ciar a atividade real e os ativos lÍquidos, não so ouro, seria~ a retagud~1 da expansão do crédito nos moent~ em que havia oportunidades lucrativas para financiar. Os críticos apontavam para o risco de cres (1) Cf. DoK, l'aTl, 1982, cap. 3. cimento do nGmcro de tftulos Jcsproposltadamcntc al6m do volume de atividodc econômica. Wíckscll achava que a "Currcncy School" o papel do cr6dito como uma forma altamente ignorava liquida de substituir dinheiro corrente. Assim, surgia a possibilidade de desigualdade entre a oferta agregada m2. netária e a demanda agregada monetária, ainda que "em Última análise" a igualdade acabe sempr-e se verifca~ do. Em suma, Wicksell aceitava a validade da teoria tradicional "no longo prazo , mas através do exame do processo cumulativo e do papel do~ bancos apontava para uma outra tempora.lidadc capaz de se armar apesar das tendências naturais do sistema. (1) Assim como 11 Smith e Marshall falavam em preço natural e preço de mercado e na· tendência ã obtenção de uma taxa cqua 1 i- zada de lucro no "longo pra;z.o 11 , Wickscll falava em ta xa natural de juros (uma outra maneira de fazer rcfer6ncia aos lucros) e taxa rnonct5ria. Dntrctunto, a presença desses ·elementos wicksellia nos no ~!l tem levado alguns autores a considea obra como ortodoxa, ao menos no que diz respeito a (!Ssa característica aceitação do "longo pr;1zo" para e laboração de descrições de desvios, atritos e incertezas de 11 CUrto praz.o". (Z) - rdcu.sa a intcrpretaç5o que vc como contribuição do Ir_catis~ a ênfase na distinção entre decisões de investidores c poupadores, que como já v1rnos ~ central Jla rejeição do mito segundo o qual os capitalistas automaticamente reinvcstem o total de sua ri qucza acuntld~. !\Ias segundo a tradição neo-clássica, esse reinvestimento é apenas questão de tempo: ~ligate ~egtim. c.bdo apenas po1· Kcyncs, foi o de manter (1S ( 1) O p~l.;so intukõc.s dçspJ. outr;1 temporal idade sem se prender ao 0 longo pr3-;;;o11 Ta1,.ttolÓgico e n:1tunUsLt nem rcdu:ir o 11 Conc.reto" uo "c.~l'tO pra ;:o" . (2) ;\%im Jl'.-tnHesta-so ~1ilgnte, 1982. ~fargct. 1966, chega a conclus5o semelhante ntOvido por propósitos distintos. tempo para que oscilações na taxa de juros equalizem a poupança (riqueza acumulada) ao mento. novamente investi- Kcynes certamente retoma a descrição desse meca- nismo de "longo prazo" em seu Treatisc, mas por outro lado explícita como a taxa monetária de juros, como fenômeno de na tu reza monetária, engendra processos c~ ja temporalidade já nada tem a ver com a usual transi çao a um novo equilÍbrio, mas representam a redesco- berta dos conflitos sociais pela manutenção de líquí- dez pelos agentes com poder efetivo (es-peculação X in vestimentas). Conflitos que abrem espaço para a destruição (crise) e não apenas para o ajuste (regulação quantitativa através dos mecanismos de mercado). ( 1 ) A insistência com que Milgatc procura em Keyncs uma teoria do longo prazo (que, quando citada, efetivamente é a tradicional) revela apenas o seu próprio preconceito nco-ricardiano: antes teorizar a histÓria que historicizar a teoria. }.1ilgate coloca a ohra de Keynes na tradição dos que acrctitavam Cln ''leis'' e 11 forças persistcntes 11 , sem aceitar que sua obra é fru - to de uma cpoca em que falecia o determinismo. O cara -ter dessa intcrprctaçãoJ que em relação à questã.o do tempo identifica-se ao empirismo nco-clâssico, revela -se plenamente no apêndice (~!ilgate, 1982, p. ·191 e ss.). Ali, finalmente, Milgate explícita sua crença de que mesmo para Keynes a economia capitalista é em Última análise auto-rcgulável. Trat~se de uma opini. ão frequente até na literatura marxista, onde ·muitas vezes a crise é sinônimo de um processo funcional de transformaajuste econômico que nada tem a ver com 1(2) çoe s nstoncas . ( 1) Cano temos insistido, Keyncs fonrnüa uma teoria econômica da crise de transiçilo e não apenas o caso particular do 11Curto prazo''. Sua visão requer justamente a rejeição da tradução lÓgica do tempo em noções como 11curto e longo prazo 11 • (2) O siste.'1u n.:1:o se auto-ajusta/' sem direção :iJ1tcncional, t incapaz de tTJ.duzir nos~i pobreza 1·eal em nossa potencial abun ct=lncia. 11 (CW :XIII, p.49). Nesse terreno a pcrsonalülJJc de (;. L. S. Shacklc ainda é a Única cxccssiio, tanto na capacicl[1dc do resgatar no Trcatísc os elementos ele uma visão dinâmica do capitalismo quanto nn coragem de rejeitar os c&noncs metodolÓgicos do racionalismo comuns a nco- clássicos, nco-ricardianos c neo-marxistas. Quanto à teroria dos juros, soube ver já no Treatisc as inovações no que respeita a anilise das doeisoes e formas de poupar (na discussão sobre o preço dos bens de capital c dos mercados especulativos) e também na distinção entre circulação industrial e financeira, antecipadora da discussão sobre os c on .. fl l· tos por liquidez característicos da instabílidaJ.e capitalista. O Trcatise exibe a raiz do processo de formação de expectativas, não porque atribua is expectativas, - d. a re-:erencla .( 1) mas porque a traves f ~ . um pape 1 causa.Lao car5tcr potencialmente especulativo do poder de gasto capitalista emerge uma pcrccpçao Uo tempo que não se reduz a nenhum padriio objetivo ou material pr~ determin8do. Daí a ampliação da metáfora do caleidos, . (2) ~ 1 . d na ccscriçao Keyncs1ana c um Jogo cop10 , a enfase de palpites, contínua alteração de opiniões e proi~ dadc (lut<.~ entre "ursos 11 e "touros"). O dinheiro aparece servindo como um ativo ou como meUiador na troca de ativos c não apenas medindo o processo de produç3o e consumo. Dinheiro é um veículo de expectativas. O !~Gt:i.se examina a maneira como os determinantes da circulação do dinheiro implicam no turvamento da percepção tempo r a 1 no capita 1 isrno, na me dicb em que a circulação financeira gera compromissos, relaçÕes de d6bito e cr6dito que se multiplicam sem referência obrigatória no mundo dos negÓcios. Ora, é exatamente nesse torvelinho que a taxa monet5ria de juros é determinada. Pode-se inclusive supor que essa (1) A esse respeito, cf. (2) cf. Shackle, 1974. C\\' V, p. 1i8-9. 2lJO taxa sim dos tes cia vcnhí.-t a influenciar outras taxas (de longo prazo). f,sKcyncs foi a16m de Wickscll, ao sublinh~r o papel mercados especulativos afctanto taxas de diferen"prazos" e criando a base d;1 teoria da preferênpela liquidez. Keynes mostrou que os juros sao um fenômeno instável ligado â existência de instituiçÕes especificamente ca pitalistas, num sentido que sobredetermina completamente a noção tradicional de "preferência temporal~ ·com que :i.nid.arros cssc1 discuss:lo (a teoria ortodoxa dos juros. O dinheiro cria condições, ainda que socialmente fictícias, para a certeza privada de perenidade do sistema cconamico. Nada disso 6 obvio: as ref~nctas i questão da liquidez estão dispersas na classifica' ção das formas de dinheiro do T~ca. Mas é o problema da liquidez que emerge como qu.cs:tão unificadora: a questão das pos_sibilícladcs abertas ao poder capitalista no sentido de alterar seus compromissos com a cstrlltura produtiva existente. A aparente contradição do Trcatise ao enfatizar a questão da liquiclez c da especulação mantendo ainda in6meras refer6ncias i teoria nco-l~sia dos juros resolve-se na medida em que pcrecbcmos no conflito en tre nursos" e 0 touros 11 as sementes da teoria dos juros baseado na pref~ncia pela liquidez. Essa teoria não nasceu das referências ao longo prazo tradicional.(l) Nesse sentido, podemos dizer que o Treatise revela como a form..tç.:lo do cxptaiv~ls pelos agentes relevantes .implica na destruição <.~a distinção entre "curto'' e ~'long prazo''. ------ (1) Cf. Klein, 1947, p. 16 PARTE IV srNTESE DO ARGUMENTO ltBasta, nao abruento ITk'1is! A tensão e a incerteza do presente o do fu- turo são insuportáveis. O acesso ao mercado interno foi bloqueado e a exportação inevitável com a valorização do dÓlaT. 11 Trecho das Úl tlmas anotações do empresário nuval Paulo Ferraz, dono do estaleiro l';lauá, antes de suicidar-se, em fevereiro de 1985, com Wll tiro no coração. Sfntesc do argumento Qual o objeto ele estudo de Keynes? ll o dinheiro, ou melhor, o caritcr monctirio da economia capitalista. Kcynes n~o esti diretamente interessado na investigação genética do modo de produção capitalista, (1) mas é o fato de o capitalismo ser uma economia monetária que serve de PO!'c to de partida para as investigações Keynesianas. E o dinheiro ~ a instituiç5o moderna mais intimamente vinculada à dinâmica econômica. Corno em Marx, o dinheiro resume para si atributos e determinantes de in6meras formas de criaçio e distribuição de riqueza. A teoria econômica anterior a Kcynes, entretanto, f~ zia do d,ínheiro apenas um instrumento e a tornar sempre mais nitida e eficaz a operação de infinitas trocas em um· ou mais mercados. Se os preços repentina. e incspcTadamente passassem a ter um comportamento patolÓgico, a raza.o de desfunção poderia ser encontrada sempre no mal contrale desse instrumento. Esse controle, entretanto, era situado por aqueles autcres em algum ponto exterior ao me r-· c a do .(Z)Nunca aceitaram integrar o dinheiro aos fundamentos da máquina econômica, como se a manutenção de um mundo, incólume, de trocas, fosse um requisito para a inteligibilidade da realidade econômica. Tal preconceito tem raízes antigas, e vem do tempo em que, na transição do feudalismo ao capitalismo, a bur'" guesia procurava uma explicação laica para o que antes era uma dádiva divina: a existência c reprodução de coletividades humanas. As teorias polÍticas. do "contrato socialn, em suas diferentes vertentes, comungavam desse orgulho pela capacidade humana, que então emergia principalmente fora dos feudos ou da nobreza, de agir racionalmente em termos de uma avaliação "objetiva" dos custos e benefícios de cada decisão. Custo e benefício, dar-~ recebeT, são os pilares da troca. O contrato social só tem legitimidade se representa um assentimento mútuo que. pre~ (1) (2) Cf. Em p~rte SLU"PO:l, - - III, VI, 3. a oferta da moed:1 e sempre exogena. supoc esse c5lculo. O preconceito foi in~ortad pela política nascente, que aos poucos foi sobrcponUo a análise dos fundamentos da divisão do trabalho o imp~rio das relações de troca at~ que o mercado com seus preços reinasse soberano na terra da lÓgica econômica. A identificação de troca corno objeto científico, pela economia burguesa, compartilha entretanto com a velha mctaffsica religiosa esse preconceito teol6gico contra o dinheiro, que sustentava as conhecidas condenações da usura. A economia polÍtica burguesa era anti-teolÓgica, mas nao a ponto de violar um sentimento moTal que o saber religioso tinha acalentado por séculos. Keynes veio precisamente derrubar esse artigo de fé, elaborando uma teoria econômica que já nao poderia, portanto, assumir os mesmos compromissos de sua predecessora com a idéia de uma racionalidade humana inquestionável. Com o dinheiTo revela-se a incer teza,· e aos poucos Keyncs vai identificando os vários modos pelos quais formam-se expectativas na economia. Inicialmente através de um estudo dos efeitos dife, rene ia dos da inflação e da deflação sobre os agentes econômicos, mas já no Treatisc fazendo referência as diferentes formas de acesso ao dinheiro existentes em uma economia capitalista. Essas vias de acesso, apenas na aparência reversíveis e simétricas como o ato de troca simples, geram dcd.sões de gasto irreversíveis, irreversibilidade que o tratamento meramente mercantil do dinheiro dissimula. O dinheiro percorre vias de mao unlca, pois sua ciTcu1ação prende-se às decisões de gasto de empresários e banqueiros capitalistas. Os assalariados apenas referendam essas decisões, no máximo qualificamnas, mas nunca podem alterá-las, uma vez tomadas. As formas de circulação do dinheiro (industrial e. financeira) definem as condiçÕes de cálculo que empresa- - 2(}(! rios utilizarão ao tomarem St1as decisões, c a posse de dinheiro é a Única possibilidade de evitar compromissos irreversíveis. Essa posse é disputada, e nessa disputa aJf!pliam-se os mecanismos que permitem a fra.çõcs crescentes de proprictirios de riqueza evitarem envolver-se em projetos de maturação mais longa. o Trcatisc_ descreve essa disputa, mas ainda não examina com detalhe o outro lado da estória: as variações na produção, renda e emprego, que se segem a essas decisões empresariais potencialmente descompromissadas com qualquer estrutura produtiva até então existente. Toda renda está vinculada à produção 'que a cr1ou, mas o papel do dinheiro é justamente o de estender perigosamente - a distincia entre os dois p61os que se supõe estejam permanentemente 1 i gados. ( 1 ) O exame dos determinantes do poder de compra, como formas que superam uma separaçiio rígida entre dinheiro e mercadorias, lado real e monetário, pode cstabelecer os limites do distanciamento entre gcraçao de renda e processo de produção. A rigor, somente Marx procedeu a essa aproximaçio entre mercadorias e dinehiro para tornar explÍcito a natureza crítica das ·relações entre produção e geração/apropriação de renda, a partir da noção de equivalente geral, numa dedução cujo clfmax ~ o surgimento do capital a juros aliás, outra forma de expressão da valorização que se apóia sobre o dinheiro. Como o poder de compra se exerce na troca, os eco nomistas deslocaram a questão para o problema de dete.!:, minação dos Ereços das mercadorias. Mas se o significa do do poder de compra não é esclarecido antes (do ponto de vista 16gico) do nivel de preços, a teoria trans forma-se num círculo vicioso, uma tautologia. Por isso (1) Muito do que se diz nessa ''síntese" vale-se das considerações 'de Cencini, 1984. ?.07 denominamos EE.dcr de ga~to (capitalista) ao fundamental analisado no Trcatise. mecanismo A circularidade Ja teoria tradicional prende-se ao modo como sua análise faz o poder ele compra depcnder do nível de preços. Mas ·como são determinados esses preços? São determinados no mercado de bens e produtos, pois para essa teoria a troca realizada é o úni co critério de equivalência. Desse modo o poder de co~ pra do dinheiro se reduz âquilo que os preços permitem comprar em um mercado onde o dinheiro não é essencial. O poder de compra do dinheiro é ... o que é. (l) A teoria quantitativa transforma-se num truismo. Ora, se trocas sao realizadas, financiadas por dinheiro, como a moeda adquire esse poder de compra? SÓ a integração do dinheiro à análise (c não mais apenas a sua "intl'Odução") permite encontrar a resposta. Na teoria tradicional, a demanda por dinheiro de- pende de um n í v e 1 de preços cuja m.cdida requer a exp 1i. caçao do próprio poder de compra do dinheiro. Deve-se, portanto, analisar a oferta e a demanda de dinheiro, a pQ-rtir de uma visão integrada das dimensões que se cos 'tuma chamar de 11 Teal 11 e ' 1monetãria 11 • O Treatise resume exatamente a busca dessa integração, por parte de Keynes. Para a teoria neo-clássica, a homogeneidade supo~ ta entre mercadorias e dinheiro é apenas referendada pelo mecanismo de tracas. Para Keynes, 6 o processo de produção e geração de renda que permanentemente põe à prova essa homogeneidade. Nesse contexto, o dinheiro transforma-se na base de cálculo e planejamento empresariais, sendo assim o instrumento pelo qual formam-se as expectativas de prazo vaYi.3.do e) às vezes, indeterminado. Desse modo vem à tona a incerteza. O estudo do tempo, em Keynes, é a tentativa de aceitar, sem resignaçao, as formas de ngudização das incertezas ·humanas ao longo da História. (Z) (1) Cencini, 1984,· pg. 89 e ss. (2) Na Part.e I procuramos evidenciar essa dimensão macrohistórica do pcnsamen to de Keynes. Tanto a estática quanto a dinâmica representam algum tipo de relação com o tempo. Mesmo a distinção entre estoques e fluxos pode conviver perfeitamente com a cs~Stia, desde que se refiram a um período de tempo determinado. A assim chamada "teoria dinâmica", na economia pós-Keynesiana de matiz neo-clássico, estuda as variações nos valores de variações cndógcnas, ao longo do tempo. Essa variação pode ser contínua ou descontínua (usando-se em cada caso ora o cálculo diferencial, ora o cálculo de diferenças, para apresentar matematicamente a dinâmica econômica). Contínua ou descontinua, a dinâmica econômica ortodoxa não rcquer outra significação para o tempo que nao a mera Hsucessâo de eventos". Mesmo nos casos em que o processo ccon6mico 6 dividido em periodos, a relaç5o da variável com o tempo pode ser definida do modo contínuo do interior daquele período. Dessa forma, muito do que parece análise dinâmica adquire um sabor eminentemente estático, já que mesmo a i uma sucessão de períodos descontinua pode ser reduzida a intervalos no interior dos quais a funçilo matem<Ítica é definida. A ref~ncia da variável a diferentes datas está portanto, de ante mão, presa a con ti nu idade de um in tenra lo qualquer. A an5lise din5mjca tradicional pressupõe sempre, sejam as variações continuas ou descontínuas, um c a lcndár i o formal que reprc scn ta ab stra tamen te qualquer succssao de eventos. E o "eixo do tempo" em qualquer diagrama cartesiano, fiel à representação cs pacial do movimento consagrada pela mecânica neHtonia na. O processo de geraçao da renda ilustra como pode ser falaciosa essa transposição do esquema newtoniana para a teoria econômica. Na física clássica o movimento era representado pela ocupação de um espaço elado previamente, por um corpo ao longo do tempo. ( 1_)_0 movimento parece ser uma relação do corpo agente com (1) cf. ainda aqul, Ccnciní, 1984, cap. III - o tempo, mas o que ocorre e apenas o pre-enchimento do espaço _iado} pelo corpo que o percorre. A cada ritmo de preenchimento ou tipo <.lc percurso correspondc um ti po de movimento. Mas o espaço é indestrutível, c um suporte estrutural cuja existência em nenhum momento pode ser negada peJo observador ou pela "natureza". -..--Aqui deveria terminar a analogia metodolÓgica entre a mecinica clissica e a economia politica 1 limite que nio tem sido reconhecido pelos economistas neo-classicos.Cl) Não há razao suficiente para que se aceite, na economia politica, a existência necess5ria de ''suportes estruturais" corno é o espaço da física clássica. O processo de ·geração e determinação ela renda é exemplo de fenômeno não apenas descontínuo, mas de um processo econômico cuja (des)continuidadc muitas vezes nem pode ser aferida. Em certos momentos, que correspondcm ao que era denominado por Keyncs de transição entre estados de equilÍbrio (que vimos, na Parte I, ser interpretados no contexto de um diagnóstico macrohistórico), 6 absolutamente impossivel saber se e corno a produç5o econ6mica teri ou não continuidade. Pois a geraçao de renda dep"'.1de de decisões de gasto, e quem tem o poder ·de efetivar esse gasto orienta-se por realidades, inclusive preços, cuja transformação inibe ou at6 imobilize a própria decisão. O empresário capitalista, como caracterizado por Keynes no Trcatise, pode guiar seu cálculo por processos de formação de preços altamente especulativos, vol5teis - capazes portanto de, instabilizando a decisão empresarial, destruir ou desordenar a estrutura econômica vigente em graus 1n1mag1nave1s. Essa economia polÍtica da desorientação, baseada na identfcaç~o de crit6rios de cilculo cuja finalidade 6 permanentemente camuflada pelo dinheiro, faz da renda uma incógnita- em um sentido muito radical, que transcende a questão elementar sobre as soluções de não só por eles. Como já obse~a.m antes (pág. ), a crença 1m existenc ia sempre :inabalavel de 11Cstnituras de sus tentação 11 da diniimi.ca econômica é alimentada mesmo por outras correntes, como ricardi.l.nos e nurxistas. (1) M.1.s 210 continui<bclc J.o processo de gcraçao de renda. V. uma economia polÍtica literalmc.:ntc qualitativa, ainda que não cxl~_ sivamente analítica. Apenas o aspecto empírico da ela- boração teórica exige redobrada crítica e vigilância. Ilustrativa dessa disposição autocritica do tipo de pensamento econômico inaugurado por Kcyncs é o exame das técnicas de construção de números-Índice} feita nas capítulos iniciais do Tr.catisc, assim como o interesse P~gudo de Kcynes pelas transformações institucio- do capitalismo. Trata-se de uma economia política CUJO método é lÓgico-hstór~ para usar um termo que ---pode se adequar ao tratamento de outros teóricos da di nâ.mica econômica. ( 1) A análise de Keynes não sugere apenas a possibilidade de rupturas na reprodução econ6mica, mas ·chama a atenção para a incerteza radical que exacerba os perigos do perfodo "de transição 11 , mo~ trando como essa incerteza tem origem nas articulações perversas entre o cxercicio do poder de gasto capitalista c a exist~nca do dinheiro. na~s deixar de lembrar que cada decisão de gasto, das muitas que instituem fluxos de renda, tem Nem se pode seu prÓprio horizonte temporal e que a Única forma de contato entre esses horizontes é o dinheiro, entidade cuja temporalidade é uma indeterminação permanente.Não há na economia espaços previamente cstobelecidos onde viriam instal&r-se as decisões de gasto. Os empresários (e, ma.is recentemente, conglomerados produtivo- financeiros) tomam suas decisões individualmente com graus de liberdade determinados pela sua capacidade de acesso ao dinheiro. Por isso o Treatise, que aparentemente se preocupa exclusivamente com preços, pode ser entretanto compreendido como um exame das condições fundamentais de determinaçio do gasto capitalista. Esse ex~ me das formas de acesso ao dinheiro desponta com a di~ tinção entre uma circulação industrial e outra finanrelacionamento ce1ra. Keynes chama a atcnçõ:o para o (1) Nesse sentido} busco inspiração em Braga, 1985. 211 dift:rc11ciado entre os ugcntcs c o dinheiro, e nao mwis entre os agentes e o preço, como fizera no Tract. Essa era a visão tradicional: inflação e deflação afetum de- sigualmente os agentes econômicos c é o mecanismo preços que deve ser investigado pGra entender e rcp~a as desigualdades e assimetrias. Daí que o poder de sindi- cal c estatal aparecem sempre, para os economistas neo -clássicos, como fonte de ruídos c desfunções. Os pre- ços então seriam conjunturais ou estruturais, de mercado ou naturis~ flexíveis de curto ou de longo prazo, ou inflexíveis ao longo de um processo de ajuste. Nas Keynes, ainda que tenha começado com um fundamento da anilise qualitativa dos efeitos apro- diferen- ciados do mecanismo de preços (buscando os "impactos s~ ciais da inflação e da deflaçãon), a partir elo Trcatis~ inverte o percurso c. descobre, 11 por tras' 1 do mecanismo de preços, a circulação do dinheiro atada 5s vicissitu- des de uma hierarquia institucional típica do lismo, onde o poder de gasto de organiza capita- perversamente. As instituições financeira criam formas de propriedade de riqueza, que refletem a disponibilidade de dinheiro (títulos, cujo valo r pode inclusivo expressar a confiança com que se espera venha a ser gerada mais riqueza no f!:!. 'turo), Assim, a tentação de não gastr~ portanto de não gerar renda e produto, pode levar o capitalismo a sd cn volver com transações que conturbam o ajuste, que a teo ria ortodoxa sUpunha inevitável, entre os planos elos inúmeros agentes econômicos. o dinheiro cria "vácuos,, no processo de geraç.ao de renda -que em· Última análise manifestam-se como osci- lações de preços. Mas isso não quer dizer que a quantidade de dinheiro na economia determine as oscilações de preços, como quer:h1. a teoria quantitativa da moeda. Entre o dinheiro disponivel e o mecanismo de preços est5 o processo de tomada de decisão dos empresários e banqueiras capitalistas que podem inclusive alterar comple tamente a quantid3de de dinheiro que antes era suposta dada c exogcna. São esses pot.lcrcs -de gasto que quali- ficam e subvertem a rcl3ç5o entre disponibilidade de moeda e nível de preços 1 introduzindo, no coração da teoria tradicional <la dcterminnção de preços, a questão dos determinantes da geração de renda.(l) E o exa me desses determinantes aponta para uma possibilidade de ruptura nos processos produtivos 1 cujo rumo fica totalmente incerto -não se sabe por quanto tempo.. A instabilidade que· aflora com o exercÍcio do poder de gasto capitalista instaura uma temporalidade indeterminada, onde a própria História transforma-se em inc6gnita. A temporalidadc capitalista, que a anilisc monetária (em sentjdo amplo) de Kcynes revela (atrav6s de uma abordagem lÓgico-hstóra)~ 6 uma via irreversível, mas com destino rccorront.ementc insondável. E nesse percurso, não 1ul "suporte estrutural 11 que se' sustente indefinidamente, na realidade econômico-histórica ou na mente do obserVador que pretende f a zcr ciência. (1) Ainda que essa dimcnsao só viesse a ter um tratamen nesse to explÍcito a partir da Teoria Geral~ que sentido veio para explicar o Treatise (e não paTa romper com a obra anterior, como frequentemente se afirma). CONCLUSAO "Artisticamente [o Trcotise] un fracasso ~ - e cu mn:lci muito de opinião ao longo de sua redação para que tenha propr i mnente um dade, Mas acho qre contem dância de material e abun idéas.~ ,J. ~j. "Mns olc mostrou o que a mia pode ser nas mãos de Keyre s econo Lm hJ combinou em algum &rrau a introspecção, a felicidade e as audácias inspiradas do mutemâ mcm qt~ ti co, do histori aUor e quase do poeta.'' G. L. S. Shackle Já afirmamos que esse texto é parte de um proj2_. to maior, que avaliará ainda os debates sobre o Trca levaram à Teoria Geral, a própria Teoria Gc:. ra1 e seus principais desdobramentos. Pode-se entretanto afirmar algo do conclusivo, jã? ~que escolha da questão da "temporalídade" como chave de léítura atende a um interesse despertado, e~ tretanto, por inquietações declaradas do próprio Kc_r nes. Seus textos, apesar de servirem como ponto de de partida, não são o ponto de chegada. A pretensão decifrar o que 11 realmentc disse 11 o Autor é de natureza totalitária. Evidencia-se portanto a intenção polÍtica da dis cussão. E a resposta que até aqui encontramos náo dei xa de revelar essa intenç5o: dcsJe os primeiros escri tos até o Treati_se, pudemos ressaltar o exercÍcio te§_ rico através do qual foi diagnosticada por Keynes a natureza do poder capitalista, sutil transfiguração da tradicional teoria do poder de compra do dinheiro. o problema do tempo aparece nesse contexto; exer cer um poder exige sempre a defini ç3.o de planos, pro a jetos, perspectivas. Como sujeitos em um processo nárquico e competitivo de dominação, os capitalistas pTocuTam traduzir o tempo social em projetos de manu tenção e ampliação de poderes privados. A economia po lÍ t ica de Keynes revela as art imanhus da pri v atí z ação do tempo social. 11 Agir em tempo,., no capitalismo, exige sempre uma avaliação, um cálculo: há tempo disponível? B pr~ ciso idcntl.ficar aqueles quo controlam o tempo c, atra vês de suas expcctativ<1s, criam ou destroem as per_~ pcctivas sociais de reprodução ccon6mica. Daí a import~ca das relações entre o industrial e o financeiro, relações que sob formas a análise que integra o dinheiro circuito várias esclarece pondo o dinheiro como fator determinante da 1 formaçüo - de expectativas e decisões. Então a liquidcz e a pal~ vra unificadora, como lembra Shackle. E é no exame liq uJ: dez na economia que novamente o conflito entre o pri- das possibilidades de gcraç~o c manutenção de vado e o social se apresenta. Subl)nhando as relações entre o dinheiro e o tem po, a incerteza assume o papel ele .fruto de um desen volvimcnto histórico) especÍfico: a constituição do capitalismo financeiro. Naturalmente a incerteza e um fato inevitável, mas Keynes revela os perigos uma forma institucional de incerteza, gerada nas de en- - tranhas da economia capitalista no momento em que as decisões do mundo industrial e financeiro tomam por base expectativas conflitantes. Mas p1or que um conflito é a ausência de um esp~ ço de r-e so luç3o nos sí v c 1. A ênfase na di me ns ão e speculativa das avaliações empresariais é portanto a con trapartida de uma inquietação polÍtica: o jogo entre "ursos 11 e utouros 11 não obedece a nenhum mecanismo jctivo ou auto - regulâvel. TTata-se de wn Jogo ob que não dispô·e de qualquer regulação automática e que pode afetar exatamente a avaliação que os capitalistas fazem da futuTa acwnulaçüo de capital. A instabilidade desse processo de fonnação de avaliações por parte daqueles que exercem o poder de resolução gasto fundamental, indica que a cTise, a 217 violenta c tlcstrutiva dos conflitos pelo. posse de fo.!_ mas ma1s oportunas de riqueza, 5 tmta possibilidade permanente c inesperada da economia capitalista. Daí que surge a possiblidadc de ver, nos esforços de Kcy nes por comprccnJcr o surgimento Je ''c.lcscqui lÍbriol c . •t r1o, . • a busca d.e uma racio a transição a um novo 'l cqu11l nalização de um Jcsajustc histórico c não abstra to. Trata-se da racionalização da transição de um ca- pitalismo competitivo e instável para uma época em que a economia assumisse o caní'tcr político de seus con _flitos. Em que os agentes nrocurasscm conscien- temente formular projetos de desenvolvimento histórico que, a}.nd,~ dependentes de incertezas imponderâvcis, nao impliquem na irracíonalidade de toda destruição .. Ora, o advento do capitalismo representou samcnte o estabelecimento de um regime de ção~ prec1 distribui- especialização e combinação de prestaç6es e1n que a racionalidade, a capacidade de registro e cálculo, tornaram-se os instrumentos privilegiados do processo de ordenação da propriedade. Como pôde o desenvolvimento de urna ordem social eminentemente racional de- Sembocar no irracionalismo? * * * No sistema do equilÍbrio geral \valrasiano, o pr~ cesso de leilão implica no recoTrente adiamento das transações até que o equiLíbrio seja atingindo. PoTtanto, re-ter dinheiro durante o lei~o ou entre dois (1)/ per1odos de mercado e-~raclon. · . Ora, e- .Justamen- (1) cf. Davidson, 1972, p. 141. 71" ~' . t) te o momento cntru perÍodos) scj;Jm eles quaisquer, foco da análise monetária ele Kcyncs. (Cf ~parte IIl, Face à perspectiva neo-c:lÚssica, Kcyncs o v, 2) procura deter-se exatamente no momento de maior irracionalida de potencial. Pois os crit6rj.os privaclos de cilculo prospectivo, ao se ampararem monetá- CI1l instituições rio-financeiras, refletem no mãximo a representação especulativa do futuro, armada por um grupo de agen- tes que aposta em função de um "feeling 11 derivado da correlação atual de forças em mercados especÍficos. O dinheiro pode servir, nesses momentos criticas, certo em função da prccnricdade c subjetividade lndas avaliações dos pr6prios agentes. Mas a liquidez nao como proteção contra um futuro que se torna mais existe para todos, e n corrida contra o tempo, em busca de situações pntrimonLüs maiS spguras do ponto de vista privado, pode aprofundar inconscqucntcmente a instabilidade da sociedade como um todo. Por outro lado, como já vimos ao cxam1narmos as definições iniciais do }'rcatisc, não há como pensar a exist~nca do dinheiro sem a presença sincronizada de contratos e débitos. Entretanto, a crise representa a emergência de uma situação onde atores econômicos cru ciais procuram desvincular o dinheiro ela existência de contratos. Nas romper essa sincronicidadc é violar as condições de reprodução do organismo social, é rer separar o sangue do oxigênio, sob o ilusório qu~ pr~ texto de estocar energia para um hipotético futuro m~ nos instável. Ocorre que defuntos não ressucitam com . (1) transfusao de sangue. O Treatise, partindo da tradicional anilisc dos determinantes do poder de compra, criou as condições para a compreensão do paradoxal divórcio no capitalis (1) cf. Schmitt, 1975, para a metáfora original. mo contemporâneo entre o poder de compra (r,asto-) c sua própria representação. Dm suma, trata-se da exibi dos mecanismos pc los quais ir rompe uma das ma1s dramfiticas crises de confiança da sociedade moderna. ção Tivemos oportunidade de sublinhar a importância do "agir em tempo" no contexto das exigências de compreensão do car~te da tcrnporalidadc capitalista. Mas se a percepção temporal (expectativas) depende de ba ses tão instáveis, corno assumir compromissos históri cos quando foram minadas as bases materiais da confi ança? dinheiro (uniôadc de tonta) dinheiro reconhecimento de dívidas propriamente t t dinheiro dinheiro bancário estatal dinheiro dinheiro merçadoría dinh~ rnerçadoria representativo ~inhero dinheirO administrado dinheiro bancário por "fia t 11 2. MVOHE GHlEAL6GICA dinheiro dinheiro ~ 11 fiat 11 DINHEIRO ESTATAL público ~ DINHEIRO B.I\NCÁR!O banco central privado~ bancos 5 ~ reservas dinheiro corrente ~ dinhc ·-ro de bancos privado~ ?Zi 2. A TEMPORAL IDADE CAPITALISTA No capítulo II idcnfif:icamos uma preocupaço.o com as três dimensões do tempo presentes na obra Keynes. Graficamente, podemos i lustrar essas três de di mensocs da seguinte forma: Ação Individual 1 Temporalid~ ,.,.T'"· Evolução "~' Intenção Dinâmica Limites PolÍtica Econômica Estrutur;;tis l Tempo Subjetivo (Persuasão) 1 Futuro l 1 Luta de Classes (Projetos Conflitantes) Tempo Obj ctivo Presente Passado l Desordem ou Destruição Potenciais .!2.? BIBL!OGHAFIA I - Epígrafes HORKHE!l<!ER - Adorno, Dialcctiquc de l 'Illumínísme BENJAMIN, W., todas as referências sao de Uníque"m NV, Paris, 1978. "Sens VAJ,ERY, P. vol. I das obras completas, Pléiade, 1957, p. 993, Paris. SHACKLL, G. L. S. Keynesian Kaleidics. !I - Obras de J. M. Keynes A maioria das citações foram eXtraídas das Complete \\'orks ("CW 11 , seguido de algarismo romano) editadas pe- la Macmillan para a "Royal Economic Society", com ceçao de ex- 1963 - Essays 1n Persuasion, Norton Library, N. York. 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