J.M.KEYNES: O TEMPO DA ECONOMIA POL!TICA
Gilson Schwartz
Dissertação de Mestrado
apresentada ao Departamento
de Economia e
(
-1985-
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-
Planejamento
Econômico do Instituto de E
conomia da Universidade de
Campinas, sob orientação do
Prof.Dr.Luiz Gonzaga de Mello
Belluzzo
"NÃO f O CASO DE SE CONSERVAR O PASSADO, MAS
SIM DE RESGATAR AS ESPERANÇAS PASSADAS."
H(lRKHEIMER/ADORNO
Aos meus pais, Rosa e Luiz,
de onde se vê
Ao Belluzzo, Braga e ao Lima,
pelo corno ver
Ao
~tpos,
Lagarto, Lagahto,
Peixe, Ratinho e Alu,
para onde , veremos
(o sonho não acabou)
fNDI CE
PÁG.
AGRAHLCIMLNTOS
•
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•••••••••••• o •••••••••••••••••••••••••••••••• o
PARTE I
AS CARRUAGENS DO TEMPO • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • . • • • • • 5
I - Três Dimensões do Tempo • • • • • • • • • • . • • • • • • • • • • • • • • 7
l i - Polêmica •...••.......•...•.•.••...•••........••. 10
III - Conclusão ••••••••••.••••••••••••••••••••••.••••• 35
PARTE I!
O TEMPO, A ORDEM E A DESORDEM ••••.••••••••••.••••••• 38
I - Diagnóstico ..................... ~ ............... 40
II - Cone e i tos •••.•.....•••••..•.••••••.•••••••.•••.• 44-
1. Determinantes do Valor do Dinheiro ........... 44
2. Classes Sociais .............................. 54
---
III - Conclusão ........••..•......••..••.•••..•••...•. 66
PARTE III
TE~JPO:
AVENIDA DE
~lÃO
ÜNICA •••••••••••••••••..•••.•• 68
I - Antecedentes .•...........•..........•....••....•
1. Raízes Marshallianas .•.....•..•........••..••.
2. Um Economista no País das Maravilhas: D.H.Robertson .•.
II - Significado Geral do "Treatise on Money" ........
70
70
80
92
III - Definições •• , ...•••••••••..
1. Dinheiro
.o ••o•
o•o
o ••
100
o o• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
101
o.
o o ••••• o
••••••• o
2. Circulaçio Industrial e Financeira ..•........
3o
Renda ............•....•.. o • • • o • • • • • • • • o • • • • • •
4. Remuneração Normal dos Empresários ••••o•••···
IV - Sobreinvestimento .•..
V- As Equações Fundamentais ........••..............
1. Derivação das Equações ......••.....••.....••.
2. A questão dos períodos ....•.....•.•...•.••.•.
VI- O Poder de Gasto Capitalista .•.•..•..•......••.•
1o Definições ................................•..
2. O Nível dos Preços dos Bens de Investimento ..
3. As Críticas de Pierre Vilar .......•.•..•.....
4. Investimento, Poupança e Lucros •••..•.
S. Circulação Industrial e Financeira .••.•..•..•
6. A Teoria dos Juros .....•
o
•••••• o
o o
o
o •••••••••••••••
o
o. o. o. o
••••••
••••••••••••••
105
106
107
112
119
119
130
142
142
145
157
168
178
190
PARTE IV
S !NTESE DO ARGUMENTO . . • . . • . . • • • • • . • • . • . • . . • . . . . . . • . . 2O2
CONCLUSÃO •••••••••••••••••••••••••••••••• ~ ••••••••••
213
ANEXO
220
•••••• o •
o ••••••••••• o •••• o o ••• o
BIBLIOGRAFIA •.•.•.•..
o o
•••••••••••••••
•••••• o ••••••••••••• o
•••• o
•••
222
i
AGRADECIMENTOS
Essa dissertação de mestrado deve bastante a pessoas que,
desde os tempos da graduação
na
USP
, tiveram o dom de
en-
sinar o que nao esti nos livros. A começar pela familia, onde
se cultiva uma antiga tradição de gosto pelo conhecimento e pela crítica4
·Na graduação em Economia, Silvia Schor soube despertar o
interesse inicial por Keynes, animado· pela disposição 'de Denisard Alves em orientar o monitor. No departamento de Ciências
Sociais, o seminário de metod~gia
de Jeremias de Oliveira F9
propiciou um ins~rumetal
que tem se mostrado da maior impor tância. Desde a graduação, tenho contado com a simpatia e cooperação do pessoal das bibliotecas - LÚcia Kawahara e Lilian
Silva na FEA-USP e, mais recentemente, Deise Capellosa, Ana Maria Dourado, Fatima Caldeira e Maria da Penha V. de Lima, na
EAESP-FGV) onde aliás a ajuda de Magali Valente e Claudio Raimundo, no serviço de aquisições da biblioteca, tem sido de primeira.
Já na Unicamp, professores como Frederico Mazzuchelli e
Marcos MUller criaram condições para que idéias amadurecessem
e encontrassem o seu lugar. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, José
Carlos de Souza Braga e Luis Antônio de Oliveira Lima foram sobretudo exemplos maiores de como a teoria deve fazer parte das
preocupações mais diversas e concretas.
Voltando a Sãó Paulo, pude encontrar -primeiro na EAESPFGV e, depois, na PUC-SP - coleguismo e ambiente acadêmico,ingredientes sem os quais o estudo é vão. Aos alunos, amigos, devo
muito. E a outros amigos, com quem já fui aluno, mas com
eles
continuo apren.dendo (a guilda é isso)
Plínio Sampaio Filho)
Rui Affonsó, José Geraldo Portugal, Márcio Alves Pinto, Luis Eduardo Assis e Aloísio Mercadante. Sem esquecer de Marcelo P. Coe lho e Luis Paulo Labriola, que ensinam com outros modos.
Sem a paciência de Helenice Aparecida. dos Santos o texto até agora não passaria de um punhado de letras miudas.
1
INTRODUÇM
O que é o tempo?
 primeira vista o tempo não existe, as coisas é que
duram, permanecem ou são consumidas. Entretanto, -embora
nós passemos (e não o tempo), o ser humano, por meio de
ainda misteriosos mecanismos de projeção, confere existência a palavras que designam angústias e dúvidas. Qual
a realidade dessas palavras?
A vida e a morte, as heranças culturais, as utopias
e projetos polÍticos sao testemunhos empÍricos
de que
nada é estático. Mas corno determinar com clareza o que
se transforma e como?
Se o tempo não passa de um nome dado a essas transformações, ê preciso investigar essa peculiar cerimônia
de batismo.
A teoria econômica contemporânea, por outro lado,com
insistência se recusa a desvendar a relação entre
as
inumeráveis transformações sociais e as formas de registrar e interpretar o conteúdo temporal dessas mudanças.
Encastelada em métodos que se pretendem universais
(e
portanto eternos), a ciência econômica não vê sentido na
questão do tempo. Define mecanismos econômicos (de funcionamento de mercados, de desenvolvimento tecnolÓgico,
de intervenção estatal, etc.) que supostamente são válidos hoje como foram ou seriam há séculos (e como pretendem co~tinuarã
sendo). Daí a tenacidade com que vârias
correntes do pensamento econômico procuram elaborar leis
gerais imunes à história.
Apenas recentemente essa presunção voltou a ser questionada.
A revisão das teorias do desenvolvimento econômico
foi
sem dÚvida um dos principais começs~
Como aceitar passivamente a idéia de que o processo de
desenvolvimento
capitalista difunde-se internacionalmente através de uma
vantagens
tendência inevitável ao estabelecimento
de
comparti\"s.~
longo prazo? O que é esse "longo
prazo"'? Pode a história ser interpretada sempre como se a
-~fazer
operaçao de certos mecanismos básicos fosse imutável?
Aos poucos - e com a reentrada na ordem do dia
de
inúmeros conflitos sócio-políticos a partir dos anos 60
- foi sendo cada vez mais necessário reavaliar o tipo de
preconceito embutido nas teorias tradicionais quanto
ã
univocídade da percepçao humana do tempo e da história»
Nesse processo de revisão da tradição
do
pensamento
econômico, em um momento em que as idéias de
progresso
ou modernização exibiam suas faces perversas e reacionárias, a figura de John r.taynard Keynes foi aos poucos assumindo relêvo-em um sentido insuspeitado pelos epígonos da teoria neo-clâssica, que desde o pÓs-guerra fixaram suas idéias em modelos matemáticos.
O processo de revisão de sua obra, ainda em
curso,
tem podido contar com releituras atentas ã questão
do
tempo, das expectativas e da incerteza.
Essa dissertação de mestrado procura inserir-se nesse caudal de reavaliação crítica de um pensamento
tido
por conservador. Inicialmente concebida para abarcar toda a produção de Keynes, chegamos entretanto a um resultado parcial que não cobre toda a extensão da obra.
O
projeto terá
continuidade para
que se possa chegar
uma avaliação ainda dos debates que se seguiram
ao nrreatise on Money" (doravante referido como "Treatise") até os escritos posteriores à "Teoria Geral",
sem
esquecer de um exame das relações entre a obra econômica
e os es·tudos iniciais de Keynes no campo da probabilidade.
Esse projeto de reconstruir a obra de Keynes com enfase na questão do tempo e das expectativas não é solitário.
Na mesma linha têm caminhado pensadores econômicos
de
distinta procedência. Nomes como Barrêre, Aglietta, Schserviram
mitt, Shackle, Minsky, Vicarelli, Davidson,
corno importantes referências.
A reconstrução da mensagem 'Keynesiana passa necessariamente pela avaliação do modo pelo qual as questões da
tradicional teoria quantitativa do dinheiro foram sendo
progressivamente transformadas pelos
discípulos
de
Marshall, dos quais Keynes foi o mais notável. E foi
o
mais notável porque soube aliar as intuições
críticas
que permeavam o círculo acadêmico da Cambridge dos anos
10 e 20 com uma inquietação política frente aos acontecimentos de sua época.
Na parte I procuro evidenciar a maneira pela
qual
essa inquietação, presente nos textos do Keynes polemista, vincula-se à questão de decifrar o enigma do
tempo
tanto do ponto de vista subjetivo quanto objetivo. Já na
Parte
rf 11 i
o esforço analitico para escapar da
tradição
neo-clâssica que passa a ganhar relevo, esforço que atinge um ponto de ruptura na Parte III, onde ê avaliado
o
trabalho que seria a primeira grande contribuição
de
Keynes ã teoria social contemporânea - o "Treatiseu.
Partimos de uma questão arbitrária para reler os textos de Keyns~
Este não é um trabalho de história
do
pensamento econômico no sentido tradicional, das
exegeses extensivas. Procuramos sublinhar ao longo das sucessivas transformações da obra de Keynes a presença de
uma mensagem. E a questão do tempo é bastante
crucial
quanto ao conteúdo da mensagem.
A hegemonia da síntese neo-clássica durante todo
o
pÓs-guer-ra afastou os economistas dos textos originais,
inclusive de Keynes. A partir dos anos 60 houve uma volta aos clássicos e a importância de reavaliar a obra de
um pensador que estava completamente assimilado
pela
ortodoxia atraiu certas mentes com vocação crítica. Entretanto, mesmo essa retomada da economia clâssica e da
obra de Keynes ainda padeceu do preconceito economicista.
Inúmeras foram as releituras de Ricardo, ~1arx,
Malthus
que se debruçavam sobre os originais com a velha intenção de descobrir mecanismos definitivos de regulação econômica~
Assim, mesmo a volta a Keynes sempre foi vítima
(1) Essa rorte analisa o "Tract on 1-1onetary Refonn".
'
da excessiva valorização da "Teoria Geral". Textos
polêmicos, ou mesmo a obra acadêmica anterior à
"Teoria
Geral" continuaram solenemente ignorados.
Acontece que esses textos não são tão ortodoxos quanto freqUentemente se imagina. Naturalmente, em se
tratando de Keynes, é sempre impossível escolher
qualquer
obra sua e dizer: eis aí uma contribuição inequivocamente heterodoxa. Seja pelo pÚblico a que se dirigia, seja
pela sua formação arraigadamente marginalista,
Keynes
sempre se moveu analiticamente de modo ambÍguo.
A leitura dos textos anteriores
ã
"Teoria Geral", ape-
sar de ostentarem uma carga ainda elevada de procedimentos convencionais, mesmo assim revela não apenas
in teressantes sugestões que nunca voltaram a ser
retomadas
pelo próprio Keynes (ou pelos intérpretes) mas
também
inúmeras passagens em que as sementes do
instrumental
da "Teoria Geral" são plantadas. No que. se refere ã questão das expectativas, essas passagens são fundamentais.
Uma das razões para a valorização desses textos é a
possibilidade neles contida no sentido de nos
alertar
para a ociosidade daquele preconceito economicista. Dessa perspectiva, a retomada dos textos originais
liberta-se do viés com que a "volta aos clâss icos" vinha sen-
do efetivada. Descobrimos ~m
Keynes os princÍpios de urna
teoria econômica mais polÍtica do que a economia
polÍtica criticada por t-.tlrx. (1) E esses princípios não se reduzem aos decantados instrumentos de "política econômica''
tão divulgados pelos manuais da síntese neo-clássica. É
os
economia política para valer - o que implica serem
devidamente levados
problemas do tempo e da história
em consi4eração.
Signo eventual de que talvez estejamos retomando algumas das questões fundamentais do tempo da economia polÍtica.
( 1)
Pois retorra as questões fnndamentais que a própria economia polÍtica herdou da teoria política clássica. Exemplos: as questões
da viabilidade dos projetos de regulação social não-violenta, da
racionalidade da história ou mesmJ das origens da sociabilidade
hunnna.
PARTE I
AS CARRUAGENS DO THlPO
RELÓGIO
"AS OBRAS ACABADAS TEM PARA OS
GRANDES H0~1ENS
ME~OS
PESO
QUE
ESSES FRAGMENTOS SOBRE OS QUAIS
SEU TRABALHO DURA TODA UMA VIDA."
W. BENJAMIM
AS CARRUAGENS DO TEMPO
I - TRES DIMENSOES DO TEMPO
O interesse de Keynes pelo "tempo" se desdobrou
em
três dimensões distintas e relacionds~
Em primeiro lugar estava a necessidade de "agir em tempo" sobre o curso da história. Sob o signo dessa pressa política
sao
apresentados os "Essays in Persuasionu:
nNesses ensaios o autor estava com pressa,
de-
sesperadamente ansioso para convencer em
tempo
sua audi~nc.'
(Keynes, 1963, p.vi)
Entretanto, essa ansiedade prática nunca esteve desvinculada de .um esforço por interpretar o seu tempo,
a
sua ~poca.
No mesmo prefácio, Keynes aponta a necessidade de um tipo de interpretação cujo significado
Último
filia-se ã própria possibilidade de encontrar um sentido
na passagem do tempo.
uMas nos Últimos dois livros [dos cinco que sao
compostos os "Ensaios"] as carruagens do tempo
fazem um ruído menos incômodo.
O autor
está
olhando para o futuro mais distante, e
rumina
temas que exigem um longo curso
da evolução
para determiná-los." (Keynes, 1963, p.vi-viii)
O aspecto central do diagnóstico histórico de Keynes
é a profunda convicção de que os problemas da carência,
da pobreza, da luta econômica entre classes sociais
entre nações são problemas transitórios
(Keynes,
(p.vií)
"Pois o Mundo Ocidental já tem os recursos e a
técnica, se for capaz de criar a
organização
capaz de usá-los, capazes de reduzir os
Pronossas
blemas Econômicos que agora absorvem
energias morais e materiais, a uma posição de
importância secundária." (idem)
e
1963,
"Agir em tempo'': o trabalho do autor é uma luta contra o tempo, cujo movimento faz ruído incômodo - a
inquietação do sujeito diante do mundo ê o foco da discussão. Por outro lado, a possibilidade de encontrar
um
significado objetivo, um sentido na evolução, diante do
qual é inútil ou desnecessária a inquietação do indivíduo. Situamo-nos entre o determinismo a liberdade, duas
1
formas pelas quais a passagem do temp o é identificada.
Entre a ação individual consciente e a etapa
histórica, existiria entretanto espaço suficiente
para à
ocorrência de inÚmeros processos alternativos. Nem a ação
individual se dá num vácuo aleatório nem a
configuração
de uma etapa histórica determina univocamente os cursos
·de açao. A te_rceira dimensão na qual o interesse de Keynes pelo tempo hâ de se desdobrar situa-se precisamente
nesse campo de posiblda~
que se instaura entre uma
•
intenção política (no seu caso, um conservadorismo cr1tico e autocrítico) (1) e a consciência resignada de que
a história humana encontra-se numa etapa definida. Nesse interstício floresceu a teoria econômica de
Keynes,
atenta como procurarei mostrar ãs possibilidades Cabertas pela temporalidade capitalista) de integração entre
~ .intenção reformista e a constatação do caráter transitório do próprio Problema Econômico. Antes, porém,
de
destrinchar o papel da temporalidade na sua teoria econÔmica, procederei nesse capítulo à reconstrução
das
diretamente
duas primeiras dimensões nos escritos mais
ligados ao engajamento de Keynes como polemista (ensaios
e artigo~
jornalísticos).
De qualquer forma, á a própria teoria econômica que
deve poder ajudar a construir a mediação entre o
tempo
subjeth-o (intensões individuais) e o objetivo (evolução
(1) Cf. Schwartz, 1984, onde é dada especial atenção ao
caráter singular da opção política de Keynes
como
foco a partir do qual é possível compreender em parte sua obra.
histórica), principalmente quando a teoria econômica dispõe de critérios pelos quais é possível identificar como
os indivíduos percebem as diversas possibilidades de encadeamento de acontecimentos no tempo e como essas possibilidades eventualmente se realizam:
"Pois acontece que há uma razão sutil derivada
da análise econômica para que, nesse caso [o de
situarmo-nos em uma Etapa de Transição] a
fê
possa valer. Porque se nós consistentemente agirmos a partir de uma hipótese otimista, essa hipÓtese tenderá a realizar-se; enquanto que agindo pela hipótese pessimista podemos vir a nos
manter eternamente no caroço da
necessidade."
(Keynes, 1963, p.vii-viii)
Hipóteses, ação e realização: esse é o triângulo
que
define a existência das expectativas. Quanto ao significado de "Transição", em 1931, ê eloquente a justificativa dada à publicação dos 11 Ensaios" pelo próprio Keynes:
"Pensei s_er conveniente escolher essa data
de
publicação porque estamos situados em um ponto
de transição. Chamam-no de Crise Nacional.
Porém isso não ê correto - para a Grã-Bretanha a
crise principal já passou. Há uma calmaria
em
nossos negócios. Estamos, no outono de 1931 ,repousando-nos em uma quieta piscina entr~
duas
cataratas.'' (idem, p.viiii-ix)
Com alguma liberdade de escolha, talvez houvesse um
caminho no espectro das possibilidades históricas a partir do qual a gestação da nova era fosse menos violenta
ou dolorosa.
Mobilizando o arsenal da análise econômica, Keynes
p~ocurav
convencer os seus leitores da
possibilidade
desse caminho ser trilhado de forma coletivamente consciente. A dificuldade mesma de persuadir tornou-lhe porventura explícita a pluralidade de formas pelas quais os
10
agentes sociais percebem o próprio passar do tempo. Cada
classe contempla um futuro distinto e formas distintas de
alcancá-lo. Mas haveria uma fonte comum a todos
esses
tempos que, habilmente controlada, garantisse o futuro de
todas as classes? (1)
Seria essa fonte comum de diferentes tempos um objeto ou processo econômico fundamental? As eventuais respostas a essas questões devem aguardar um prévio enriquecimento da formulação das questões.
II - POLEM!CA
Um aspecto crucial da formação de expectativas é que
se trata de um processo pelo qual os indivíduos elaboram
uma rep:resenta-ção, uma imagem, da relação entre suas intenções e ações e um conjunto de cir~nstâa,
um contexto. Quanto mais difundido é um tipo de
expectativa,
maior o seu poder em termos de vir a ser realizada. Assim, a investigação dos processos de formação e
transformação de expectativas deve estar sempre especialmente atenta para os mecanismos através dos quais esse poder se instaura e mantém. Não se trata simplesmente
de
umuitos acreditarem na mesma coisa", mas de
existirem
instrumentos que garantam a possibiiidade de realização
dessas crenças (ou, até, objetos que instaurem essa crença) •
Keynes recomenda a ação coletiva a partir de hipóteses otimistas como condição para a realização de
uma
transição pacífica, mas a razao para que esse mecanismo
opere ê derivada da análise econômica. Os seus escritos
esse
polêmicos em vários momentos fazem referência a
(1)
Pelo menos de empresários e trabalhadores . .Ainda ·que
a formação, o significado e a função das expectativas formadas pelas classes sociais sejam conflituosas, existiria algo comum subjacente às diferenças e
coletivo
que permitisse um caminho verdadeiramente
11
rumo ao futuro?"
11
poder e i necessidade de instituições organizadas ~e
modo ~ sustenti-lo, assim como tamb~
alertam para os riscos de vermos esse poder desintegrar-se de modo violento e inconseqUente:
"O poder de tornar-se habituado ao
seu
meio
ambiente é uma característica marcante da humanidae~
Muito poucos de nós percebem com
convicção a natureza intensamente
excepcional,
instável, complicada, insegura e temporária da
organização econômica pela qual a Europa
Ocidental tem vivido no Último meio século. Supomos serem, algumas das nossas mais
peculiares
e temporárias vantagens, naturais e
permenen-
tes, como se pudéssemos nos apoiar nelas e formar nossos planos adequadamente." (Keynes, 1963,
p. 3)
O caráter transitÓrio dos antigos modos
(vitorianos) de adequação homem-meio não é percebido pelas classes sociais.
"Na Inglaterra o aspecto exterior da vida ainda
nao nos ens1na a sentir ou ao menos perceber que
uma época chegou ao fim( ... ). Todas as classes
assim fazem seus planos, os ricos
de
gastar
mais e poupar menosr os pobres de gastar mais e
trabalhar menos ( ... ).Não é uma mera
questão
de extravagâ.ncia ou de "problemas trabalhistas";
mas de vida e morte, inanição e existência,
e
das temíveis convulsões de uma civilização agonizante.'' (idem, p.4)
Diante da percepção rnacrohistórica do significado da
crise capitalista, o esforço subjetivo parece condenado a
ser vítima sarcástica do Destino:
"Paris era um pesadelo, e cada um ali era
morbido. (l) Um sentido de inevitável
catástrofe
-
(1)
Trata-se da descrição feita por Keynes das reuniões
em 1919 para elaboração do Tratado de Versalhes.
I
f
J
12
sobrepujava a cena frívola; a futilidade e
·quenez do homem diante de grandes eventos
pecon-
frontando-o; a significância ambíqua
e a irrealidade das decisões; leviandade,
cegueira,
insolência, gritos confusos vindos de fora, todos os elementos da tragédia antiga
estavam
ali.'' (idem, p.6)
As discussões referentes à capacidade alemã de fazer
frente ao pagamento da dívida de guerra (portanto
sua
capacidade futura de pagamento) são, nas mãos:
de Keynes,
uma oportunidade para denunciar as formas instáveis
atra-
vés das quais o poder de acreditar em expectativas individuais pode redundar em catástrofe coletiva. A ignorância quanto à natureza do dinheiro e das instituições monetârias, ass.ím como dos verdadeiros determinantes
do
poder de compra do dinheiro, dava margem ao
surgimento
de expectativas socialmente ilusórias quanto às possibilidades futuras de manutenção de compromissos financeiros. Ainda assim, essas discussões são mais uma oportunidade de constatação do poder das ·próprias ilusões sustentadas pelo dinheiro e pelas instituições financeiras.
A condenação dos termos impostos ã Alemanha
derrotada
implicaria a própria renúncia de Keynes ao seu cargo ' na
Conferência de Paz, renúncia esta que tem como base uma
avaliação dos efeitos futuros da carga que se pretendia
impor em 1979;
"Nos grandes eventos da história humana, no desenrolar dos complexos destinos das nações,
a
Justiça não é tão simples. E se o fosse, as nações não estão autorizadas, por religião ou por
morais naturais, a impor aos filhos de seus Inimigos os equivocas dos pais ou dos governantes''
(idem, p.18)
Único
f.fas diante da imobilidade dos governantes, o
recurso alternativo era o de se dedicar ã persuasão
da
opinião pÚblica, num ato de extremada confiança nos ca-
13
nais democráticos de pressao política diante do
salador desdobramento da História:
avas-
"Os eventos do próximo ano não serao
conformados pelos atos deliberados de homens de estado, mas pelas correntes ocultas que
fluem
continuamente sob a superfÍcie da história política, cujo sentido ninguém pode prever.
SÓ
de um modo podemos influenciar essas
correntes - mobilizando formas da intuição e
imaginação que transformem a opinião." (idem, p.
45)
Entretanto,mesmo a avaliação quanto à
oportunidade
da intervenção política com o objetivo de formar a opinião pÚblica tem um lastro no diagnóstico dos mecanismos
que relàcíonam-ora aproximando, ora afastando- causa
e
efeito no tempo. Assim, comentando ainda os efeitos
do
as
diferentes
Tratado de Paz em 1921, Keynes compara
temporalidades com que operam vantagens e
desvantagens
obtidas com a submissão da Alemanha:
"A organização da qual a riqueza do mundo
moderno tão grandemente depende, está sendo
injuriada. Com o decorrer do tempo uma nova
organização e um novo eq~ilÍbro
pode ser
estabelecido. ~fas
se a origem do desarranjo é
de
duração temporária, as perdas devidas à
injúria feita à organização podem superar os ganhos
associados à obtenção de bens sem ter de pagar
por eles.'' (idem, p.S9)
Ou seja, mesmo a transição, ainda que implicando uma
instabilidade de duração temporária, pode ter efeitos a
tal ponto perversos que o fim da transição, previsto pelo diagnóstico histórico, nem se realize ou venha a
se
realizar com custos sociais insuportáveis. Em outras palavras, a crise capitalista ocorre em um determinado
e
limitado intervalo de tempo-, mas pode desencadear
r e a-
ções a tal ponto violentas que a própria ordem("organiza-
çio") seja ameaçada.(!)
No capitalismo, a guerra, a submissão ímperialista,a
crise podem ser formas a tal ponto
violentas de
recompor a hierarquia entre classes e nações que a prÓpria
sobrevivência da civilização sofra riscos incalculáveis.
De qualquer forma, na base desse diagnóstico está a dis-
tinçio crucial entre a Transição (processo de constituição de uma nova organização ncorn o decorrer do tempo") eos processos temuorãrios de desarranjo que caracterizam
a prÓpria transição, mas simultaneamente ameaçam-na.
Em suma, a Transição é um processo de crises
sucessivas em direção a um hipotético equilÍbrio final.
Os
anos 10 e 20 são identificados por Keynes a mais urna dessas crises (cujo poder destrutivo, se nao for enfrentado
politicamente, pode ameaçar a própria civilização).
Estranha ambiguidade permeia a passagem do Tempo:por
um lado a Duração pré-determinada, a Transição, a
passagem para um mundo em que o "problema econômico" deixará de ser predominante, mas por outro lado esse caminho
sendo pontuado por "desarranjos temporários" que
ameaçam a integridade da própria Duração! Isto é, a História
(como percurso inevitável) é- constituída a partir
de
processos cuja característica principal
é a "duração
temporária" associada a um alto poder destrutivo. De fato, as crises s·ão momentos de exceção, fragmentos
do
tempo - mas que podem furtar-lhe a linearidade e
constância rrtrnica. (Z) Cumpre-nos verificar as característi(1) t.tarx afirmava que não há crise permanente. Mas o fa-
to de uma crise ser localizada não implica o retorno
do sistema, terminado o cataclisrna, ao percurso natural de"longo prazo". Os que assim interpretam a idéia
de crise (p.ex.N.ilgate,19S2), como ocorrência funcional e
saneadora, acabam privilegiando o modelo teÓrico em
detrimento da fenomenologia histórica.
(2) Daí a importância de distinguir a instabilidade que se
situa na base d·as crises capitalistas dos modelos analíticos que redu:em a dinâmica do sistema à ciclicidade.
cas econômicas atribuídas por Keynes aos processos
levam ã crise.
que
Nos escritos polêmicos essas características aparecem de modo esparso: ora o endividamento internacional,
ora a inflação doméstica, vários são os sintomas (localizados) de que o processo de desarranjo temporário implica uma deturpação na percepção do prÓprio tempo histórico. Em 1919, Keynes cita Lênin:
"Diz-se que Lênín declarou ser a desvalorização da moeda o melhor caminho para destruir o
Sistema Capitalista. Aqueles a quem o sistema
traz lucros inesperados ( •.. ) além de
suas
expectativas e até mesmo além de seus desejos,
tornam-se ."exploradores". São objeto do Ódio da
burguesia, a que~
a inflação empobreceu nao menos que ao proletariado. Na medida em que a inflação avança e o valor real da moeda
flutua
_violentamente de mês em mes, todas as relações
permanentes entre devedores e c~edors,
que
formam o fundamento Último
do
capitalismo,
tornam-se tão extremadamente desordenadas
ao
.
ponto de quase perderem o significado, e
o
processo de enriquecimento degenera em jogo e
loteria.~'
(idem, p. 77-8)
-
Jogo, loteria: processos acerca dos quais e
impossível dizer coffi.certeza qual o resultado. Mas é um jogo
desem que, além da incerteza quanto ao resultado, a
truição ê possível:
0 processo engaja todas as forças ocultas da
lei econômica do lado da destruição e o faz de
tal forma que nem um homem em um milhão é capaz de diagnosticar." (ibidem, p.78)
11
Dessa forma, só um plano polÍtico pode garantir
a
travessia e a continuid.1.de da Transição. Não que o futuro
em si seja incerto, apenas ocorre que o caminho até ele
16
e ··;"vejado
de pedras. Um Estado passivo ou inativo tor-
na ainda mais inevitáveis os tropeções. O terror diante
da incerteza só pode levar à inação, pois a criação de
nova riqueza é de qualquer forma urna a"':'entura (idcm,p. 147).
.
Essa concepção do que seja criar r1queza
e- frontalmente
oposta ã filosofia conservadora, que apregoa:
"Vocês não devem pressionar por estradas ou habitação, pois isso usará oportunidades de
emprego que poderão ser necessárias em anos futuros~"
''Vocês nao devem tentar empregar todo mundo, pois
isso causará inflação.''
"Vocês não devem investir, pois como sabem que
vai valer?"
"Voeês não devem fazer nada, pois fazer
algo
significa que voces nao podem fazer outras coisas4u
"Não prometemos mais do que podemos
cumprir.
1
N6s, portanto, nada prometemos,' (idem,p.132-3)
I! o que Keynes chamava de "precaução hipocondríaca"
"Não há razao para que não nos síntamos livres para
ser audazes, abertos, experimentadores, ativos, para tentar as possibilídades das coisas. E contra nós, pondo-se
em nosso caminho, não há náda mais que alguns velhos cavalheiros apertadinhos em seus casacos monásticos,
que
amigável
precisam apenas ser tratados com um pouco de
desrespeito e derrubados como boliches."
Vão até mesmo gostar disso, uma vez que se recuperem
do choque. (idem, p.133-4)
17
Keynes, ao analisar os mecanismos através dos .quais
se dá- a passagem da Era Econômica para a Era Pós-Econõmi
ca, percebeu que a economia e os processos
econômic_os,
nessa fase de transição do capitalismo, são muito
mais
processos de obtenção, manutenção e ampliação do poder
social pelas classes do que estritamente processos deprQ
dução e consumo de riqueza material. E é nesse contexto
·que o Dinheiro deixa de ser mercadoria (dinheiro -metal)
para ser uma coisa abstrata, uma representação, um
padrão de valor cuja instabilidade é sintoma de perturbações no sistema de poder. Mas ao mesmo tempo as características do dinheiro moderno são tais que aquelas pertur
bações podem ficar ocultas até que seja "tarde demais"
isto é, até que as flutuações se cristalizem em crise.
Faz parte do eSforço teórico por esclarecer a natureza
da economia capitalista desvendar o papel do dinheiro e
a origem dessa sua ambígua capacidade de ocultar o tempo
da crise. Ambígua pois se o dinheiro é uma abstração legitimada em Última instância pelo poder do Estado, tem ao
mesmo tempo a sua funcionalidade lastreada no próprio ri t
mo da atividade econômica.
~ característica dessa ambiguidade que se associa
a
interposição do "véu de dinheiro entre o ativo real e o
possuidor de riqueza" uma confiança crescente do público
nos sistemas bancários. No texto de 193l(l) aparece o co
rolârio dessa co.nfiança que oculta os perigos da passagem do tempo: os banqueiros sao os Últimos a perceber a
consagração da crise que em momento algum souberam ou pu
deram prever. (idem, p. 178) As primeiras sugestões depo
lÍtica estatal feitas por Keynes serão, no'1 Tractu e
no
11
Treatise11 principalmente do controle pela política monetária das atividades bancárias.
-
t
(1) "The Consequences to the banks of the collapse
Money Values", in Keynes 1963, p. 168 e 55.
t
of
18
Essa preocupação com a deterioração do futuro que se
esconde por trás das oscilações no poder de compra é evi
dente já effi 1923:
"Se esperamos até que um movimento de preços esteja efetivamente estável antes de aplicar medi
das curativs~
poderemos chegar atrasados demais.
"Não é a elevação passada dos preços mas ã eleva
ção futura que tem de ser contrarrestada" .. {Hawtrey,
Monetary Reconstruction, p. 105)(ll. E característico da impetuosidade do ciclo de crédito que
os movimentos de preço tendam a ser cumulativos,
cada movimento promovendo, ·até certo ponto,
um
ulterior movimento na mesma direçãon .. (idem~
p.
215)
Contra a manutenç.ão do padrão-ouro, Keynes via
como
anacrônica a tentativa de se ·manter o dinhero~
um sírnbo
lo de poder econômico manioulãvel nela Estado~
atrelado
aos destinos incertos do valor futuro de uma mercadoria
qualquer - quanto mais de um metal ".precioso" .. Aliás, no
decorrer de sua obra, o foco estará sempre sobre os determinantes do futuro e sua relativa instabilidade - mes
mo quando esses determinantes ligam-se à trajetória
de
um setor econômico aparentemente tão independente das v1
cissitudes temporais da produção como é o caso do mundo
financeiro {"et pour cause").
Por isso, j ã no Tract, as preocupaçoes de Keyne s com
_ambiguidade. Por um lado, a
o· ciclo
essa
têm
explicaçãp tradicional do ciclo comercial é adaptada
e
progressivamente forçada para explicar o ciclo de crédito. O mundo finacero~
e os bancos em particul~
têm
uma importância crucial .. }1as a outra arn.biguidade é a que
aproxima ciclo e crise~
pois o ciclo econômico, associa(1) Ha\\"trey ~ outro contemporâneo de 1\eynes que desenvolveu heterodoxamente a herança marshalliana.
19
do às oscilações nos preços, na renda ou na produção, só
se traduz em crise econômica pela mediação do poder bancário. Corno veremos, o sobre-investimento não é em si um
mal (pois como o próprio
Robertson insistirá, as oscilações são inerentes à produção capitalista).
O problema maior está no tipo de poder nas mãos dos
bancos, que podem (mesmo involuntariamente) transformar
uma inflação numa crise de solvência, desencadeando uma
onda generalizada de quebras e desvalorização aguda dos
ativos. Portanto só o ciclo é estritamente econômico, a
crise capitalista já é, nos escritos dos anos 20, um fenômeno sobretudo político (i. e; desencadeado pela rigidez da estrutura de poder capitalista que se baseia
em
uma forma desigual de distribuição de poder de compra).
uo capitalismo moderno está face a uma opçao,
creio, entre encontrar alguma forma de levar
os valores monetários em direção àS .magnitudes pretéritas ou v.er a genraliz~ão
de in· solvências e quebras e o colapso de
grande
parte da estrutura financeira - depois do que
pobres
teremos que recomeçar, não tão mais
quanto seria de esperar e muito mais alegres
talvez, mas tendo sofrido um período de grasocial,
ves perdas, perturbação e injustiça
além de um rearranjo geral das fortunas priva
das e da propriedade de riqueza.
lndividualm.ente muitos de nós estariam "arru_!
nados", ainda que coletivamente fossemos tantos quanto antes. Mas sob a pressão das dificuldades e da excitação, poderíamos ter encon
nossos
trado melhores formas de administrar
neg6cios''. (idem, p. 177 - 8) (grifas meus)
Esse período, de desequilÍbrio e rearranjo, e as vezes interpretado por Keynes como envolvendo um risco de
descontinuidade civilizatória (principalmente ao dar mar
20
gem a revoluções sociais) mas também, como nessa
citação, pode ser apenas um mecanismo padrão de passagem de
um "equilÍbrio" a outro.
Que o capitalismo conte com mecanismos "padrão"
de
transição entre estados de equilíbrio não significa que
esse nao seja um padrão "instável''. Acontece que as duas
acepções (otimista e pessimista) quanto ao
significado
da crise revelam também duas visões da instabilidade capitalista. Na hipótese otimista. a instabilidade
se
reduz à destruição "materil~
tudo não passa de um rear
ranjo na distribuição de riqueza - apenas a ordem capit~
lista é instável, mas não a estrutura produtiva do sist!
ma econômico. Na hipótese pessimista, são as próprias ba
capazes de assegurar o progresso coletivo que entram
em desintegraç'ão - por isso a guerra e a revolução
social sempre pareceram a Keynes tão ameaçadoras. Deve-se
entretanto perceber que a instabilidade só escapa a algum padrão pré-determi-nado na hipótese pessimista,em que
~es
a destruição se generaliza.
Daí a extrema dificuldade em se ·compreender o alcance exato do termo "equilÍbrio" em Keynes. Pois se há cer
tamente perÍodos de estabilidade(!), bastante hetrodx~
é a visão de que a transição entre "equilíbrios"
possa
envolver períodos de crise e, portanto, destruição.
Na
hipÓtese otimista, apenas destruição de bens materiais
(nesse caso, preserva-se o individualismo tão caro
a
Keynes) mas, na 'pior das hipóteses, pode haver destruição social (guerras ou revoluções).
De qualquer modo,
ji não se. trata do equilibrio abstrato neo-clássico, em
que mesmo percursos entre equilÍb-ríos excluem a Transfo.E_
mação. A destruição é apenas parte -dos processos
de
(1)
Que não se confunde com estática, ou estado estacionário.
mas a dimensão criativa, pensava Keynes,
dependia cc.d.;;. vez mais da "decisão política e não
dos
"mecanismos de mercado".
g importante ressaltar que a aceitação da existência
de um período de transição com destruição entre
situações de equilÍbrio altera por completo a visão do tempo
histórico como um fluxo contínuo e linear. Não apenas o
movimento da sociedade na História é percebido a partir
de descontinuidades e perturbações na organização, mas a
temporalídade dos períodos de radicalização do desequílÍ
brio - cujo ponto crucial ê a crise - torna-se uma tempo
ralidade especialmente incompreensível(!). Pois 'mesmo o;
agentes mais "bem colocados" socialmente - os bancos
são incapazes tanto de prever quanto de reverter a desci
da ao inferno da crise. Ora, imprevisibilidade e
irreversibilidade são duas das mais importantes característi
cas da temporalidade que se traduz em incerteza. Nesses
períodos de crise, portanto, a incerteza torna-se
mais
densa e a opacidade do futuro se acentua mesmo para
os
mais poderosos da sociedade. E a partir desse diagnóstico que a tão propalada concentração de Keynes com os pr~
blemas do "curto prazo" pode ser mais ricamente compreen
di da. Não se trata simplesmente do "curto prazo", mas de.
momentos de crise ou agudização de desequilÍbrios em que
o "longo prazo" não existe a não ser como ficção ou expectativa.
Keynes se afasta da ênfase conservadora no longo pra
zo nao por ignorar a história ou desdenhar da discussão
de processos de longa duração. O que se rejeita e a visão conservadora do tempo reversível, i. e., da possibilidade de retorno as condições de estabilidade pretéritas (como no caso da discussão dos anos 20 sobre o reter
t.Z"~i•sformaçã,
-
(1) "Especialmente" quando o ponto de partida é o modelo
de equilíbrio estático. A "necessidade de pensar em
termos de história, não de equilÍbrio" ê,
segundo
Joan Robinson, a principal mensagem tanto de
Marx
quanto de Keynes. cf. prefácio a Kregel, 1973.
no ao padrão-ouro·, contra o qual Keynes se manifestava
praticamente de modo isolado). Sem ignorar o
processo
hi~tórco
global, Keynes passou a discutir os obstáculos
à efetivação de projetos de criação de riqueza nova ou,
em outras palavras, os obstáculos à passagem do
tempo
Esses obstácueconômico (j ã que "produzir leva tempo")~
los seriam mecanismos que erigem no presente uma ruptura
entre o passado e o futuro. A raiz dessa ruptura está na
existência do dinheiro.
"Uma parte considerável do risco deriva-se das
flutuações no valor relativo de uma mercadoria
comparado com o das mercadorias em geral duran
te o intervalo que deve transcorrer entre o co
meço da produção e o tempo do consumo.
( •.• )
mas há tam·bém um risco considerável
surgindo
diretamente da instabilidade do valor do dinheiro. Durante o demorado processo de produção o mundo empresarial incorre em despesas em
·termos de dinheiro - pagando em dinheiro salários e outros gastos de produção - com a e·xpes_
tativa de recuperar esse desembolso pela reali
zação do produto por dinheiro em uma data posterior. Isto ê, o mundo empresarial como um to
do deve sempre estar numa posição tal que gacom urna
nhe com o aumento de preços e perca
queda de preços. Seja ou não agradável, a técnica de produção sob um regime de contratos mo
netârios força o mundo empresarial a
sempre
e
forma,r-se uma grande posição especulativa,
processo
se relutar em adotar essa posição o
produtivo vem a ser freado".
(Keynes, CW IV, p. 33) (l)
(1) Esse trecho foi retirado do "Tract on Monetary
Rea cuja análise detalhada retornaremos.
form" (1923)~
Z3
A existincia de ''especuladores profissionais'' - que
que divid8m esse risco com os empresários - não altera o
argumento, nem a conclusão dali derivada: a expectativa
de preços se alterarem desequilibra os planos da produção corrente e uma expectativa deflacionista pode até in
terromper a produção. O importante de qualquer forma
e
notar que em 1923 Keynes já associava a existência do di
nheiro às expectativas e via nesses mecanismos a possibi
lidade de uma ruptura no processo produtivo (ainda que,
nesse momento, nada garante - na própria análise - que o
processo não seja reversível).
O"problema"do capitalismo não seria, desse ponto de
vista, o de estar organizado 11 economicamente'' em setores
produtivos operando com ritmos distintos. Esses ritmos"
podem gerar as mais variadas "faunas cíclicas" (como os
debates dos anos 20 mostraram com a pr~lifeação
e ressur
reíção da "tradição do ciclo" e suas medidas de 10, 20
ou mais anos). Keynes nunca dedicou-se à mensuraçao
ou
definição de ciclos de duração definida. Pelo contrário,
a preocupação que vemos emergir nesses textos é a de com
preender como essas oscilações. na medida em que se expressam monetariamente, nunca são percebidas "a tempo"
p~los
agentes econômicos . Não perceber as distorções e
desproporções da aventura capitalista de criar riqueza a
tempo implica em formas especialmente perigosas de agudi
zâ-las. Seja qual for a origem "real" do ciclo
(inovações, superacumulação, subconsumo, etc) ou a suposta duração do período de expansão pretêri ta, a crise é
uma
possibilidade nos momentos de transição justamente porque ninguém, nem - principalmente - os bancos, percebe o
"fim do progresso". As formas pelas quais o dinheiro exi~
te e se reproduz no capitalismo ê que trazem essa possibilidade de transversão da ciclicidade em instabilidade
e crise. Não é ã toa que uma teoria dos ciclos dispensa
a noção de incerteza. crucial entretanto quando se descreve as reações dos agentes econômicos aos ciclos, ine-
-
11
24
vitâveís, através das lutas pela defesa do poder de compra. A crise, desse ponto de vista , é sempre uma "surpresa", uma obra do acaso. Discutindo os acontecimentos
em 1930, afirma Keynes:
"O mundo tem sido lento em per
vivendo esse ano ã sombra de
tástrofes econômicas da hístôr
agora que o homem na rua torno
eber que estamos
a das maiores caa moderna.
Mas
-se ciente do que
estã acontecendo comele,semsabe o porque e o pelo que, está hoje tão plenamen e dotado do
que
pode vir a mostrar-se corno tem r excessivo quanto, antes, ele carecia do que ería sido uma ansiedade razoável. Ele começa a duvidar do futuro. Estâ ele agora acordando d um sonho prazeiroso para enfrentar a escuridã dos fatos ?
Ou
caindo em um pesadelo que logo passará ?
Ele não deve ficar duvidoso. A uilo não era
um
sonho. Isso ~ um pesadelo, que passará com a manhã. Pois os recursos da Natur~z
e as habilidades humanas são tão férteis e produtivas quanto
antes. A taxa do nosso progresio na direção
de
resolver os problemas materiaij da vida não e me
·nos rápida. Somos tão capazes ~uanto
antes
de
propiciar, a cada um, elevado 'adrão de vida
elevado, digo. se comparado ao de vinte
anos
atrás - e lo_go aprenderemos a ropiciar um
padrão ainda mais elevado. Não f mos frustrados no
passado. Mas hoje estamos envo vidas em uma colossa1 desordem, tendo bobeado no controle
de
uma máquina delicada, cujo fun ionamento não com
preendemos. O resultado é que assas possibilida
des de riqueza podem ir para o lixo por
algum
tempo - talvez por um longo te po" .. (idem, p.l36
-
- 7)
Assim surge um momento que, mesmo
endo temporário.
tem
corno uma de suas características marcantes a difusão da
crença de que o futuro talvez não exista mais.
Mas se essa situação instaura-se em momentos partic~
lares, ou seja, se em alguns momentos o futuro torna- se
tão duvidoso quanto a existência das bruxas, isso ocorre
porque normal e correntemente os compromissos e contratos são firmados e revisados a partir da confiança
em
instituições cuja estabilidade é ingenuamente superestimada. Os negócios, por mais que oscilem
ciclicamente,
são instáveis porque dependem da existência de instituições que, principalmente como o dinheiro, não estabelecem vínculos definidos e unívocos com o passado e o futu
ro~
Assim, normalmente,
"Muitos dos maiores males econômicos do
nosso
tempe são frutos do risco, incerteza e ignorância. Pois indivíduos particulares,.
afortunados
por situação ou em habilidades, são capazes
de
tirar vantagem da incerteza e da ignorância,
e
também pela mesma razão as grandes empresas sao
frequentemente uma loteria: daí que surgem grandes desigualdades de riqueza. Esses mesmos fatores sao também a causa do Desemprego do
Trabalho. da frustração de expectativas empresariais
razoáveis e da piora na eficiência e na produção.
Mas a cura reside fora da operação dos
indivíduos, pode até ser do interesse dos
indivíduos
agravar o mal. Acredito que a cura dessas coisas
deve ser parcialmente buscada no controle delibe
rado do dinheiro e do crédito por uma instituição central e parcialmente na coleta e
difusão
em grande escala de dados relativos ã
situação
empresarial, incluindo a plena publicidade, por
lei se necessário, de todos os fatos econômicos
que seja útil saber." (idem, p. 318) (1)
(1) Trata-se de trecho do texto "The End of Laissez-Faire"
(1926).
26
Atos de controle que diminuam, portanto, a inc~rteza
econômica
quanto ao futuro, através de três canais·' con.
trole do dinheiro, do volume desejado de poupança e
do
crescimento demográfico.
Deverâ chegar o tempo, mais tarde, quando a comunidade como um todo há de dar atenção à qualidade inata assim como ao mero número de seus mem
bras futuros". (idem, p. 319)
11
A questão demográfica também foi abordada por Keynes
da perspectiva temporal. Resenhando um livro de
H. G.
Wells(l)através do comentário a dois temas 11 de
caráter
.
,,
quase - econorn1co : a necessidade e a rapidez da mudan~·
contra a nostalgia e o perigo da inadaptação e, por
outro lado, a dificuldade em saber para onde e por quais
mãos opera-se a tal mudança.
-
"O Sr. Wells produz uma sensação curiosa. bastan
te semelhante a aquela de alguns de seus romances iniciais. contemplando vastas extensões
de
que
tempo em direção ao passado e ao futuro, o
dá uma impressão de lentidão (não há pressa
na
eternidade), mas acelerando a Máquina do Tempo à
tal
medida em que alcança o momento atual, de
sorte que agora viajamos a passo rápido sem milhÕes de anos pela frente. As influências conser
vadoras em nossa vida são vistas como dinossauros cuja literal extinção está logo aí. O contraste emerge do fracasso de nossas idéias, nossas convençoes e preconceitos em acompanhar
o
ritmo da mudança material. Nosso ambiente move-se muito mais rapidamente que nós. ( ••. ) O Tempo voa.'' (idem, p.351)
Reaparece, aqui, a questão do poder da humanidade em
habituar-se ao ambiente. E, novamente, esse "poder
de
adaptação" ê apresentado como o desenvolvimento das habi
(1) "The !Vorld of William Clissold", 192 7.
27
lidades de percepçao da passagem do tempo. No limite. on
de tem seu papel o argumento demográfico, trata-se
de
uma dificuldade de transmissão desse poder entre
gerações. de arbitragem entre o velho e o novo. o passado e
o futuro. Não é à toa que os títulos de vários
textos
de Keynes incluem o termo Hc:onsequências".
O mais célebre certamente é ..As Consequências Econômicas da Paz". o texto de 1919 que consagrou a visão cri
tica de Keynes quanto às formas pelas quais o capitalismo de entre-guerras buscava a estabilização da sua
ordem. Aqui já apareceria o caráter ambíguo dos compromissos financeiros, muitas vezes perversos transmissores de
uma relação de forças datadas. Exigir do país derrotado
na I Guerra pagamento de obrigações que, para serem cumpridas, ~mplicav
o próprio sufocamento da economia ale
ma era um paradoxo que tornava caricata a idéia tradicio
nal de "livre concorrência"4
"A presença dessas cláusulas ilusórias no Trat~
do de Paz é especialmente marcada de perigo para
o futuro. As mais extravagantes
expectativas
quanto a receitas de repação~
pelas quais
os
ministros de finanças iludem seu pÚblico, serao
esquecidas quando jã tiverem servido ao propósito imediato de adiar a hora da tributação e da
abstinência"'. (CW II. p. 58)
A tentativa de fazer a Alemanha arcar com a reconstrução européia refletia uma incapacidade dos governos,
econômica e política, de por si mesmos apostarem decididamente em algum futuro definido. Era preciso investigar
as raízes dessa incapacidade àe comprometimento coletivo
e ordenado com o futuro.
"A Europa estava organizada social e economicamente de tal modo a assegurar a máxima acumula ção de capital. Enquanto havia alguma
melhora
contínua nas condições diárias de vida da massa
28
da po~laçi,
a sociedade estava montada de forma a dirigir-se uma grande parte do aumento
da
renda ao controle da classe menos apta a consumi-Ia.
Os novos ricos do século XIX nao eram criados P!
ra os grandes gastos e preferiam o poder que o
investimento lhes dava aos prazeres do
consumo
imedato~
De fato, foi precisamente a desigualdade da distribuição de riqueza que tornou possi
vel aquelas vastas acumulações de riqueza fixas
e de melhorias do capital que tornaram
aquela
uma epóca tão distinta de outras. Aqui
reside,
então, a justificação do sistema capitalista. Se
os ricos tivessem gasto sua nova riqueza
para
sua própria satisfação. o mundo há muito
teria
achado tal regime intolerável. Mas como abelhas
eles pouparam e acumularam, não com menos vantagens para toda a comunidade pois eles mesmos tinham fins estreitos como perspectiva.
para
( ••• )Assim esse sistema notável dependia
seu crescimento de um duplo blefe, ou engano.
aceitaram
Por um lado as classes trabalhadoras
por ignorância ou falta de poder, ou foram obrigadas. persuadidas, ludibriadas pelo
costume,
convenção, autoridade e a bem estabelecida ordem
da sociedade a aceitar uma situação em que
podiam reivindicar muito pouco do bolo que eles. a
natureza e os capitalistas produziam em cooperação. E por outro lado as classes capitalistas pu
deram tomar como sua a melhor parte do bolo
e
estavam teoricamente livres para consumi-la, com
a condição tácita e subjacente de que consumissem bem pouco dela na prática.
( .•. )Assim o bolo cresceu, mas com que finalida
indivíduos
de não se percebia claramente. Os
eram estimulados não tanto a se abster. mas a di
29
e cultivar os prazeres da segurança e da
antecipação. A poupança era,nos velhos tempos pa
' ra suas crianças, mas isso apenas na teoria - a
virtude do bolo era não ser jamais
consumido.
nem por você nem pelas crianças depois de você. 11
~erí,
(CW li, p. 11 - 12)
Acumular significa ter reservas à disposição no futuro. Mas qual futuro, se aquele era um processo sem finalidade explÍcita, em que o meio jâ havía se convertido
em fim ?
uA guerra explicitou a possibilidade de consumo
para todos e a futilidade da abstinência
para
muitos. Assim o blefe foi descoberto, as classes
trabalhado·ras podem não estar dispostas a
adiar
tanto e as classe.s capitalistas, não mais
confiantes no futuro, podem buscar uma
satisfação
mais plena de suas liberdades de consumo enquanto durem, precipitando assim a hora do seu confisco". (CW 11, p. 13)
O processo econômico é visto corno um jogo cujo fim é
imprevisto mas iminente e abrupto. Os mais poderosos bl~
fam em função da própria incerteza que se agudiza. Nada
garante que as regras do jogo se alterem antes do bolo
ter crescido suficientemente. Principalmente quando
um
novo parceiro se.nta-se à mesa; a América, com sua indústria florescente. A civilização européia blefava com um
a
cacife velho justamente quando um jogador sentava-se
mesa com riqueza nova nos bolsos. A Inglaterra, que por
exemplo sempre apostava no desenvolvimento imperial, fra
gilizava-se à medida em que as condições do comércio internacional passavam a favorecer a nova riqueza do mundo
novo. A inflação e a instabilização das relações de dêbl
to e crédito apenas tornam o processo econômico mais pró
ximo ainda de um jogo onde o blefe ê a regra. Ke}~s
pr~
curava. sem alterar a estrutura produtiva da economia ca
-
30
pitalista, propor reformas que ao menos inibissem a tendência do processo de acumulação a traduzir-se em aposta
e blefe. Como aceitar a Sorte como reguladora do
poder
de adaptação do ser humano ao seu meio ambiente ?
Mas a dificuldade principal da transmissão inter-gerações do poder de adaptação estã justamente na mudança
da própria percepção de como o tempo passa. E a mudança
nessa percepção vincula-se atê mesmo a um fator demogrâfico:
"O Sr. Wells explícita energicamente um aspecto
demasiadamente negligenciado da vida moderna, o
de vivermos mais tempo que antigamente e, o que
é mais importante, prolongamos nossa saúde e vigor até um período da vida que era
antigamente·
de decadência, de modo que o homem médio
pode
agora olhar para a frente com uma perspectiva de
duração da atividade que até agora só os excepcionais poderiam esperar. Posso adicionar, efeti
vamente, um fato mais que o Sr. Wells,
creio,
passa por alto, de modo a enfatizar isso
ainda
mais nos prÓximos cinquenta anos, comparados com
os Últimos cinquenta - a saber, que a idade media de uma população rapidamente crescente ê bem
menor que a de uma população estacionária".
(idem, p. 352)
-
Supondo que nas geraçoes seguintes (décadas de 30 e
40) a taxa de crescimento da faixa de pessoas
idosas
aproximar-se-ia dos 100 por cento (65 anos ou mais) e a
de pesSoas de meia idade (45 anos ou mais) 50 por cento,
respectivamente, mais que no passado recente.
"No século XIX o poder efetivo estava nas
maos
de homens provavelmente com não menos de quinze
anos ma1s velhos na média que os homens do século XVI e, antes que termine o século XX, a média
pode subir outros quinze anos, a não ser
que
31
meios efetivos sejam encontrados, além da óbvia
decadência física ou mental, para criar vagas no
topo". (idem, p. 353)
Um ambiente de pessoas progressivamente mais velhas
no poder torna cada vez mais difícil aceitar e adaptar-se as mudanças que operam com velocidades cada vez maio
-
res.
"Estamos vivendo, portanto, em urna época ínsatis
fatÕria de transição imensamente rápida em que
muitos, mas particularmente aqueles na vanguarda,
encontram-se e ao seu ambiente mutuamente inadaE
tados, e são por isso bem menos felizes do
que
foram seus antepassados menos sofisticados ou do
que seus ainda mais sofisticados
descendentes
precisam ser". (idem, p. 353)
Seria - essa é a segunda "questão quase - econômica" viâvel esperar dos empresários capitalistas a força motriz que levasse a sociedade a mudar. com harmonia entre
o progresso das forças produtivas e a obtenção e rnaute~
çao do "poder velho" ?
Acontece que o "poder velho" é também poder de moldar as expectativas presentes: são convençoes, hábitos •
preconceitos.
.
HEstamos sofrendo nesse momento um ser1o
ataque
-
de pessimismo econômico. b comum ouvir as
pessoas dizerem que a época de enorme progresso eco
nômico que caracterizou o século XIX acabou. que
a rápida melhoria no padrão de vida agora
vai
tornar-se mais lenta - ao menos ~a
Grã Bretanha,
sendo· um declínio na propriedade mais
esperado
que um aumento na década que está diante de nós.
Creio ser esta uma interpretação severamente errada do que está acontecento. Estamos sofrendo,
nao do reumatismo de uma era antiga, mas das dores de crescimento devidas a mudanças super-râp!
das. das dores do reajustamento entre um períoqo
econômico e outro". (idem, p. 358) (l)
Entre a violência do Destino e a inanição da Moderação, entre o desespero e a precauçao, entre
render-se
amarguradamente ã História ou seduzir-se caqueticamente
pela Tradição com seu travo áspero de resignação, Keynes
adivinhava e apostava em um caminho terceiro:
"A depressão mundial prevalescente, a enorme ano
malia do desemprego em um mundo cheio de necessi
dades. os erros desastrosos que temos feito, cegam-nos para o que vai sob a superfície - para a
verdadeira interpretação da tendência das
coisas. Pois minha previsão ê de que os dois erros
opostos do· pessimismo que agora faz
tanto baru
lho no mundo vão .demonstrar-se equivocados
no
nosso próprio tempo - o pessimismo dos revoluciQ
nârios que pensam serem as coisas tão ruins
a
ponto de nada, além da mudança violenta,
poder
salvar-nos, e o pessimismo dos reacionários que
consideram a balança da nossa vida econômica
e
social tão precária que não devemos
arriscar
quaisquer experiências". (idem, p. 359-60)
Seria. em outras palavras, possível esperar
mudanças, com conteúdo de Esquerda, promovidas pela Direita ?
Essa questão, s~
respondida afirmativamente, constitui a
essência do Neo - Liberalismo de Keynes, literariamente
caricaturado por Wells. Trata-se da "Conspiração Aberta"
através da qual o socialismo futuro poderia ser evitado;
Partido
"Clissold expressa uma reação contra o
Socialista que muitos sentem, inclusive socialis
tas. A remodelação do mundo exige o toque
do
criativo Brahma. Mas hoje o Brahma serve a Ciência e aos Negôcios, não a Política ou ao Gover(1) O texto, de 1930, ê "Possibilidades Econômicas
nossos netos."
para
33
no. O extremo perigo do mund.o está, nas palavras
de Clissold, em que "antes do criativo Brahma co
locar-se a trabalhar, Siva, em outras palavras a
destrutívidade apaixonada do Trabalho acordando
para suas agora desnecessárias limitações e privações, pode tornar a tarefa de Brahrna impossível". Todos sentimos isso, eu penso. Sabemos que
precisamos urgentemente criar um milieu no qual
Brahma possa trabalhar antes que seja tarde demais". (idem; p. 355) (l)
Mas por que a "Conspiração Aberta" nao se efetiva ?
"Por que homens práticos acham mais divertido fa
zer dinhe~ro
do que agregar-se à
Conspiração
Aberta ? Sugiro que ê pela mesma razão que os leva
a considerar mais divertido jogar bridge nos do
mingos do que ir à igreja. Eles carecem do tipo
de motivação cuja posse, se a tivessem, poderia
ser expressa dizendo que eles tem um credo. Eles
não tem qualquer credo, esses potenciais conspiradores abertos. Por isso, a nao ser que tenham
a sorte de ser cientistas ou artistas, apoiam-se
Ersatz
no grande motivo substituto, o perfeito
(Z), o anódimo para aqueles que, de fato,
nao
querem absolutamente nada - Dinheiro".
(idem, p. 356)
Os partidiiios do Trabalho, pelo menos, t~m
sentimen
tos. Já os ''homens práticos" rondam o mundo sem
depor
sua abundahte libido em nada. Tivessem encontrado
esse
receptâculo definitivo, seriam apóstolos. não homens de
negócios capitalistas.
(1) Brahma, Vishnu e Siva sao os membros da trindade hin
du. Brahma era o primeiro membro Criador, depois superado pelos cultos a Vishnu, o Tempo Eterno. e Siva
a dançarina que ciclicamente destrói o mundo.
Daí
que Wells analise em ''The World of Clissold'' o papel
das mulheres.
(2) Em alemão: substituto, em geral de qualidade
inferia!·· Keynes referia-se a9 amor p~l?posse de cJ.inheiro,
a rlqueza generlca como flm da atlvldade
em termos de "paixão mórbida,
economica
um tanto repugnante":
34
Não querer absolutamente nada. porém com a mais obsessiva das pulsões, conformando expectativas cruciais
para as futuras gerações: eis aí um paradoxo - as velozes carruagens do tempo talvez estivessem. no capitalismo interpretado por Keynes, irremediavelmente desgoverna
das.
35
rrr -
CONCLUSÃO
Entre a ação individual e o diagnóstico
histórico,
podemos ver Keynes identificar um nível intermediârio em
que ganha relevância a interpretação de processos decisórios de natureza supra-individual. As classes sociais
e etárias percebem o fluir do tempo a tal ponto diferencialmente que surgem riscos de naufrágio coletivo
dos
planos.
Esse campo de possibilidades aberto pela luta
de
classes define a problemática da temporalidade
capitalista: como o poder humano de adaptação às
circunstâncías pode fazer o processo de enriquecimento degenerar em
.jogo ou loteria. (l) Acontece que esse poder de adaptação
distribui-se de modo. perverso e é através do exame
dos
circuitos de uma economia monetária que os mecanismos de
perversidade podem ser expostos:a existência do dinheiro
no capitalismo acarreta ilusões particulares de adaptabilidade que tendem a não se refere_ndar socialmente. Quando a desordem se propaga através de uma corrida
desenfreada atrás de liquidez, o processo de transição entre
eq~ilÍbros
- ou entre épocas de desenvolvimento
histórico relativamente estáveis (Z)_ pode se converter numa reação em cadeia cujo resultado mais imediato é o turvamento das perspectivas sócio-históricas civilizadas(ou
seja, baseadas ·numa confiança mínima na viabilidade
de
projetos que vinculem o presente ao futuro).
"ponto
,
A transição dos anos 20 aos anos 30 foi um
3
nevrálgico", ( ) um palco crucial tanto na percepção sensível quanto na interpretação teórica dos vários aspectos envolvidos na elaboração de projetos de desenvolviCf. Anexo (I ,2) para um esquema gráfico ilustrando o
sentido desse campo de possibilidades.
(2) Keynes.l por exemplo, situava-se entre a pros~ida
de da epoca vitoriana inglesa e o "boom" do pos-guerra norte-americano.
(3) Cf. Marramao, 1982.
(1)
)é
mento e transformação social. Destacar a contribuição de
Keynes desse pano de fundo, reduzindo suas ir.úmeras (e
freqUentemente inconsistentes) intuições a modelos formais ou matemáticos é um procedimento que podia ser viável dos anos 40 ao inicio dos anos 60. A partir dessa dêcada praticamente todas as correntes ideolÓgicas têm , se
curvado diante da necessidade de levar a História a serio. E quando uma pergunta passa a se tornar cada
vez
mais incômoda: o que é o tempo?
-
A resposta a essa questão não é Única, pela Única razao de que não existe um Único tempo. Se alguma inovação
metodolÓgica houve nas ciências sociais contemporâneas,
trata-se da aceitação de um paradígma em que a
própria
ciência ê sempre e renovadamente ciência-projeto
que
torna a si mesma como objeto de investigação e crftica,em
franca oposição à concepção tradicional que defende
a
existência de uma ciência-reflexo que se· limita a registrar o decurso dos autornatismos sociais.C 1 )· Nesse sentido Keynes nunca procurou camuflar ser projeto: afirmou
categoricamente que a luta de classes encontrá-lo-ia do
lado burguês. E a teoria da dinâmica econômica cumpriria,
nesse contexto, o papel de evidenciar o caráter conflitivo das perspectivas temporais (expectativas)
socialmente viáveis no capitalismo. Por isso o projeto de Keynes criou condições para a mobilização mais vigorosa do
Estado corno poder regulador sem se converter em apologia
estatizante. Keynes não desvinculava as noções de ciênc ia e projeto, fato e von}ade, positivo
e
normativo-.
Descobrindo as raízes econômicas da incerteza
contemporânea, fez a sua própria aposta polí t'ica.
Com 1sso
mostrou q·ue ciência e polÍtica não se confundem, mas também nao se isolam positivamente.
Nesse sentido a empre)._tada Keynesiana se diferencia
de todos os autores que de algum modo elegeram de antemao algum critério de ordenação temporal (colocando as(1) Cf. Narramao, 1982, p.32.
37
sim a política fora da teoria). Autores como Schumpeter,
que 'nunca deixou de confiar na história tecnolÓgica como
fio condutor - desse modo relegando o momento da
crise
-a um 1·::-ajuste de caráter absolutamente endógeno e saneador. Trilhando esse rumo, ganha sempre evidência a tentação de assimilar a dinâmica econômica
a
mecanismos
1
cíclicos de duração variada. ( ) A teoria de ~eyns
tem
um aspecto polÍtico-normativo ao
nível. do
método,
e não apenas das conclusões ou inferêca~.(Z)
'
.
Sem contar as inúmeras aventuras pÕS-Keynesianas
pura formalização matemática do ciclo.
(2) Cf. Marramao, 1982, p.63.
(1)
de
PARTE II
O TEMPO, A ORDEM E A DESORDEM
PARA HOMENS
"CONVENCER t INFECUNDO"
W. BENJA\fiM
.. ... DOIS
PERIGOS NÃO CESSA\!
DE fu\fEAÇAR O MUNDO: A ORDEM
E A DESORDEM."
PAUL VALÚRY
40
O TEMPO, A ORDEM E A DESORDEM
I - D!AGNOSTI CO
"A Tract on Monetary reform" foi
publicaÇlo
pela
primeira vez em dezembro de 1923. Coletânea de textos,
em grande parte jã publicados anteriormente (o capitulo
sobre as conseqUências sociais de alterações no
valor
do dinheiro aparecerá nos "Essys on Persuasion"), em geral encarada como uma obra cujas concepções
teóricas
ainda se prendiam aos m.odelos tradicionais. Sem
entrar-
mos no mérito ou na importância das inovações
analíticas de Keynes, é entretanto possível identificar
já
nesses textos importantes indicações da relevância atribuída p~r
Keynes ao tema das expectativas. Já no Prefâcio encontramos uma distinção entre investidor
privado
e empresário que incorpora explicitamente uma"referência
temporal":
'Deixa-se a poupança ao investidor privado ,que é
encorajado a aplicar suas poupanças em títulos
por dinheiro. Deixa-se a responsabilidade
de
colocar a produção em movimento ao
empresário
(flbusiness man"), que é principalmente influenciado pelas expectativas de lucros que
espera
obter para si em termos de dinheiro."
(CWIV,
p.xivl
Dois compromissos fundamentalmente distintos: um requer coragem, o outro responsabilidade. Mas entre os dois
compromissos, sustentando o céu e a te~ra,
está o
dinheiro. ''TÍtulos por dinheiro'' e ''lucros em termos
de
dinheiro": opções distintas que se apeiam na existência
de um mesmo objeto. Essa definição breve, que
aparece
no Prefácio de 1923, contém jâ a semente de todos os desdobramentos analíticos futuros que se darão sempre
em
nome da reforma civilizada do caos capitalista. Aqui já
aparece o elemento a partir do qual tanto a ordem quanto
41
a desordem podem ser compreendidas, e esse elemento - o
dinh~ro
- é o objeto
econômico que secreta as mais variadas relações com a passagem do tempo. Compreender sua
existência é compreender o significado do tempo econômico e as possibilidades de organização social
pacÍfica
desse tempo.
"Aqueles que nao estão a favor de mudanças drás-
ticas na organização social existente acreditam
que esses arranjos (i.e., a separação entre investidor privado e empresário) estando de acordo com a natureza humana, têm grandes
(CW IV. p.xiv)
vantagens. 11
Note-se bem: em jogo aqui a identificação de comportamentos e categorias sociais. t imperativo, no crepusculo da progressista civilização vitoriana, saber se as
diferentes categorias são temporárias ou nao (em
caso
negativo, estão eternamente de acordo com a
"natureza
humana"). O dinheiro não só vai servir como instrumento
de manuseabilidade do tempo, mas é o prÓprio elemento a
partir do qual aquela ordem pode ser avaliada temporalmente. Pois esses ''arranjos''
não podem operar adequadamente se o dinheiro que eles (os que não estão a favor
de
mudanças drásticas na organização social) presumem ser um padrão de medida estável, ê
algo
inseguro. i::lesemprego, a vida precária do trabalhador, o desapontamento das expectativas, a súbita.perda de poupanças, os lucros
inusitados
excessivos auferidos por indvíuos~
o especulador - tudo procede, em larga medida, da 1nstabilidade do padrão de valor." (CW IV, p.xiv)
11
( ••• )
-
- .
Ou seja, a ordem que estaria associada
a
propr1a
natureza humana repousa sobre uma coisa instável, insegura. A "natureza humana" a que se fez referências aqui
só pode ser, como vimos, a propensao a decidir racional-
mente com a maior confiança possível. ~ essa ressonância das discussões sobre Probabilidade que
se oculta
sob a palavra "responsabilidade" do empresário. Mas como
proceder racionalmente se o pr6prio crit~o
a
partir
do qual o cálculo racional se estabelece é um
critério
ínseguro, um padrão instável? Em 1923, Keynes ainda faz
referências ao "risco":
n_e comum supor-se que os custos de produção sao
trÍplices, correspondendo à remuneração do trabalho, empresa e acumulação. Mas há um
quarto
custo, a saber o risco - e a remuneração
pela
assunçao do risco é das mais pesadas, e talvez,a
mais evitada, das constrições sobre a produção.
Esse elemento de risco é gradualmente
agravado
pela instabilidade do padrão de valor.u
As propostas de reforma monetária por Keynes
visam
precisamente a diminuir os estragos do risco. Não do risco em geral, da dificuldade humana genérica em prever o
futuro. Mas do risco que, implÍcito na responsabilidade
. instabilidade do
dos produtores, sustenta-se na propr1a
dinheiro. E crucial atentar para essa forma de colocar
o problema, pois paradoxalmente ela em certos aspecto~
mais clara do que as formulações posteriores de Keyns~
-
Essa maneira de identificar os efeitos da instabilidade monetária estava presente também nos escritos
de
D.H. Robertson, economista que durante muitos anos colaborou e influenciou a obra de Keynes: "( ... ) na
realidade toda manifestação violenta ou prolongada de instabilidade no valor do dinheiro afeta não s6 a distribuiçao, mas também a criação de riqueza, pois ameaça minar
a base dos contratos e as expectativas dos negÓCios
em
que se fundamenta nossa ordem econômia~
( ... ) uma alteração Yiolenta ou prolongada no valor do dinheiro mina a
confiança com que os indivíduos fazem ou aceitam
(contratos)". (Robertson, 1955, p.18). Note-se a referência
às nexpectativas" e à"confiançau Ocorre que
Robertson,
'
43
como vários autores apegados ã herança marshlí~,c
mava a atenção para as expectativas e incerteza como fenômenos casuais, choques exogenos sobre o mecanismo
de
auto-regulação dos mercados. Há entretanto uma
grande
diferença entre considerar a incerteza como uma "ficção"
eventual ou como um problema estrutural gerado endogenamente. O risco associado à existência do dinheiro é apenas a ponta do uiceberg 11 •
Mais de um intérprete, em função das ambiguidades daescrita de Keynes, tentou reduzir esse risco eivado
de
instabilidade monetária a uma distribuição
probabílÍstica .•.
O fato inquietante é que esse diagnóstico do problema econ6mico ~eal
estará associado i utilização dos instrumentos de análise tradicionais. Apenas
lentamente
Keynes irâ forjando novos conceitos. Mesmo assim,com novos conceitos c um diagn6stico inovador dos
problemas
cruciais da economia capitalista, a combinação de
conceitos e diagn6sticos em modelos e .em linguagem · tradicionais abriri espaço, em toda a obra de Keynes, a toda
sorte de traduções da sua mensagem para o ide~ro
satisf~ito
dos que ''acreditam que esses arranjos, estando de
acordo com a natureza humana, têm grandes vantagens".
Um dos traços característicos da defesa cega da
ordem pelos economistas conservadores radica na atribuiçao da ''instab.ilidade" a fatores exôgenos. No "Ti·act"Keynes já faz um diagnóstico inovador mas respeita
certas
distinções tradicionais. Assim, lado a lado com a identificação da instabilidade que se canaliza através
de
expectativas monetárias, Keynes preserva a distinção trasedicional entre teoria monetária e teoria do valor,
guindo as linhas de Marshall e Pigou no "capítulo
teôrico" do livro (cap. I I I).
Como era possível mudar o diagnóstico mantendo
instrumental analÍtico?
o
4 .,.;
11 - CONCEITOS
Vejamos os principais conceitos que aparecem nas anãlíses do "Tract on Monetary Reform". Advirta-se
entretanto que, apesar desses conceitos e categorias estarem
associados a debates de política econômica dos fins
do
século XIX e começo do século XX, só pretendemos explorar essa dimensão de história política quando indispensável. O objetivo central desse estudo é reconstruir
a
partir de um foco particular a arquitetura conceitual de
Keynes.
1. Determinantes do Valor do Dinheiro
A teoria monetária anterior ao
11
Tract" constituiu-se num
processo de evolução lenta a partir das idéias de
J.S.
Mill, culminando nas obras de Walras, Marshall, Wicksell
e Fisher. (Schumpeter, 1982, p.474)
O Keynes do "Tract'' dará continuidade a essa
linha
evolutiva a partir, príncipalmente, de Marshall. Como já
dissemos acima, o dinheiro ji chamava a atenção de Keynes como foco a partir do qual o tempo e a instabilidade da economia capitalista podem ser compreendidos.É importante avaliar as transformações que a teoria monetâTia vai sofrer nas mãos de Keynes do,"Tract" ã "Teoria
geral''. ~ que a tradiç~o
da teoria econ&mica separava a
discussão sobre o dinheiro das análises do "sistema econ&mico'', quando seria alternativamente importante
perceber a possibilidade de uma "análise monetária do conjunto do processo econômico". Nesse sentido, inclusive a
"Teoria Geral 11 é análise monetária. (Schumpeter, 1982 ,p.
1175).
Marshall, que desenvolveu suas teorias a partir dos
anos 70 do século XIX, também referia a análise monetária à uAnâlise geral do processo econômico e como um dos
45
aces~
~teoria
do emprego''(l) (idem, p.1176) ai~d
que
suas concepções •"JO campo da teoria monetária tenham sido
publicadas quando ele já era um ancião em Cambridge, ofuscado pela produção nascente de autores como Keynes, Robertson, Hawtrey, Lavington e Pigou. Cada um deles procurava levar adiante, com inovações, a herança marshalliana. Mas só a obra de Keynes, como veremos, consumou
a
possibilidade de uma ''teoria geral da economia
monet~
riau, escapando à recorrente compartimentação
tradicional entre a teoria do valor e ditribuição, por um lado, e a teoria do dinheiro, por outro. Seguindo a
observação do agudo historiador do pensamento
econômico,
''o modelo do processo econ6mico continuava sendo no essencial um modelo de troca cujo funcionamento pode verse perturbado' pelas inflações e deflações, mas que apesar disso ê logicamente completo e autônomo com relação
à moeda ( ... ) inclusive quando se expressava em linguagem monetária". Aqui Schumpeter reconhece (op. c i t. p. 1181)
até mesmo os limites da análise de Walras, seu
exemplo
de uma
dileto de ''economista científico''· ·No contexto
teoria geral dos processos econômicos, o dinheiro
continuava sendo uma "expressão homogênea de uma variação de
quantidade de bens fÍsicos".
Como resultado de uma compartimentação entre
questões 11 reais 11 e "monetárias'' o problema da
determinação
do "valor de tr.oca" ou "poder de compra"
do
dinheiro
era o problema central da teoria monetária. Daí o popularidade do título "moeda e preços" em bom número de publicaçõeS até o pÓs-I Guerra (Schumpeter, 1982, p.1182).
Mas se as curvas e tabelas de utilidade
aplicadas a qualquer bem, "o indivíduo" tem
tes de mais nada o que pode comprar com seu
ra poder dar algum valor subjetivo. Deduzir
podem
ser
que saber andinheiro pao valor
de
(1) Pensava inclusive em dar o título "Money, Credit and
Employrnent" à obra que veio a se chamar "Money, Credit and Commerce, publicada em 1923.
troca do dinheiro a partir da avaliação subjetiva implica circulari t~<H.lc
do raciocínio (idem). A percepção dessa dificuldade implicou na versão "mascarada", em.que se
aplica ao dinheiro o aparato da "oferta" e "deman.~
0
que até hoje se conhece como "teoria quantitativa".
O dinheiro é um "caminho" pelo qual vão ao
mercado
todos os produtos, comparava Adam Smith~
Mas a ninguém
ocorrer? comer um caminho e, apesar disso, o homem
se
surpreende constantemente ao descobrir que não pode comer o dinheiro". (Robertson, 1955, p.lS). Identificar e
determinar o valor do dinheiro requer a ardilosa capacidade de escapar ao círculo vicioso: o valor do dinheiro
é quanto ele pode comprar, mas tudo o que se pode
comprar vem expresso em dinheiro. Que não se procure o absurdo de expressar o valor do dinheiro em termos de
si
mesmo!
11
Tooke, Mill e Marshall conformam a tradição inglesa
da "teoria quantitativa" a partir da qual parte a
a nalise monetária do lTTract". Aliás, datam das
principais
décadas desse século as discussões em torno da elaboração de medidas de cálculo da variação do valor do
dinheiro: as técnicas de construção dos chamados
"nÚmeros-Índices" capazes de captar a natureza e a magnitude
das variações de preços. A teoria quantitativa
procura
estabelecer relações entre conceitos bastante
prÓximos
aO material estatístico ligado ã avaliação das
flutuações de preços.
-
Qual o ponto de partida da teoria quantitativa? Considera o dinheiro um objeto tão equivalente a !odos
os
outros objetos em trânsito numa economia que a determinação de.seu v.alor também se confina às condições de demanda e às quantidades dispo:níveis. Quanto à disponibilidade de dinhe.iro, -podemos levar em conta seja o estoque de dinheiro que existe na economia em um momento dado, seja o fluxo de dinheiro que circula pela
economia
em um períod.a~
E ai já reside uma distinção impor-
47
tün~
teoria quantitativa: entre estoques e
(associados ao "momento" ou a um ltpcrÍodo 11 ) .
~a
fluxos
Por outro lado, as condições de demanda de dinheiro
são nessa teoria remetidas ao volume total de operações
comerciais de todo tipo que se realizam através do
dinheiro. Na sua forma mais simples, a teoria quantitativa
afirma que dadas as condições de demanda do dinheiro, 0
seu valor depende de quantidade disponível (oferta de dinheiro).
Na fo:rm...tlação de Irwing Fischer, se
M ••. quantidade de dinheiro em circulação
V ..• velocidade da circulação (ou "eficiência 11 )
T •.. volume físico do tráfego
então
MV = PT
Onde, dadas as condições de demanda (velocidade
de
circulação e volume de transações) o ''valor do dinheiro"
(o nível P de preços) depende da quantidade
disponível
SM). Assim expressa, a "teoria quantitativa" nao
passa
de uma tautologia banal, uma aplicação ao dinheiro
do
jogo entre "oferta" e "demanda".
Seria portanto mais adequado chamar essa relação de
11
equação de troca" (Schumpeter, 1982, p.1179 e 55). Uma
simples relação formal entre volume de dinheiro existente em circulação (e note-se que sequer estamos discutindo quais objetos podem ser interpretados como cumprindo
o papel do Hdinheiro em circulação") e nível de
p_reços
(onde, note-se novamente, também não estamos discutindo
as virtuais impossibilidades de se chegar a construir um
indice ''geral'' de preços).
Mas a teoria quantitativa tradicional dâ ã
relação
formal uma conotação causal. Isto ê, o nível de preços
48
(e portanto, o ''valor'' do dinheiro) ~ diretamente afetado pela quantidade existente de dinheiro.
Assim t para explicar o valor do dinheiro ("preços")os
''clissicos'' construíram alguns poucos agregados ao ponto de considerá-los como causas da variação dos preços.
Entretanto, Keynes (seguindo Plgou)} apesar de
nao
distinguir explicitamente "equação de troca" de "teoria
quantitativa", na prática não confundia, no "Tract", esses dois significados. Citando o herdeiro de
Marshall:
"A teoria quantitativa é freqUentemente defendida e atacada como se fosse um conjunto definido de
propos1çoes
que deve ser verdadeiro ou falso. Mas de fato as fÓrmulas empregadas na exposição da teoria sao meros
recursos que nos permitem juntar de modo organizado as
causas principais pelas quais é determinado o valor do dinheiro". (CW IV, p.61). Portanto, a equação de troca etão verdadeira ou falsa quanto a proposição: "Os homens
casados não sao solteiros".
Ocorria que os defensores da teoria quantitativa, ao
confiarem na capacidade explicativa da equação de troca,
acreditavam na capacitação do sistema econômico
ajustar-se espontaneamente às oscilações no volume de
dinheiro existente (oscilações cuja origem, pressuposta,era
exógena: por exemplo, afluxos de ouro através do comércio internacional). 11 Ajuste espontâ'~
isto é, semprejuizo dp funcionamento da economia! da criação e
distribuição de riqueza. O valor do dinheiro
simplesmente
depende das forças espontâneas do sistema.
A versão da "teoria quantit.ativa 11 usada por
Keynes
difere na sua formulação da equação de Fisher. No lugar
de H (dinheiro em circulação), a chamada equação de Carobridge opera com n o "número de notas que o público procura reter em mãos", o qual -é determinado pelo 11 montante
de poder de compra" com que esse número de notas investe
seus proietás~
49
Essa versão, também conhecida como enfoque dos saldos lÍquidos ("cash balances approachn), possui as
sementes das futuras análises de Keynes. Pois esses saldos,
que o público retem em suas mãos para cobrir o intervalo
temporal entre recebimento de uma renda e realização de
um gasto, são uma quantidade de dinheiro a preservar em
maos que depende da avaliação feita pelos
indivíduos
quanto ã manutenção temporária de um certo poder aquisitivo.
O público decide manter um saldo lÍquido, e este modo de expressão "constitui uma ponte psicolÓgica em direção a id6ias posteriores .•• pois apontais
decisões
individuais subjacentes ao comportamento do pÚblico com
referência aos seus haveres disponíveis lÍquidos e sugere a anilise dos motivos que provocam essas
decis6es 1 ' .
(Schumpeter, 1982, p.1203).
Justamente por nao superar a distinção entre r1queza
e renda, fluxos e estoques, essa versão ainda não é uma
teoria da "Preferência pela liquidez" ou da "composição
de portfolios" (Patinkin, 1976, p.27).
Ainda assim, é importante notar essa ênfase da "equaçao de Cambridge 11 , ou "enfoque dos saldos 1Íquidos 11 , na
avaliação temporal,
feita pelo pÚblico, do poder
de
compra. Essa avaliação por sua vez depende em parte
da
riqueza possuída pelo pÚblico, em parte de seus hábitos
monetários. Resumidamente, a equação de Cambridge se escreve:
n
= p. K.Y
onde
n
demanda por saldos liquides
p
nível de preços
Y •.. nível de renda real (ou riqueza, já que a distinção não era feita por Marshall)
50
K ••• quantidade de bens para a aquisição dos quais
deseja-se preservar um certo poder de compra.
Hibitos monetirios: periodicidade com que se
recebe
renda, preferência por andar com dinheiro ou cheques ban-
cários, se se costuma dar cheques pequenos em intervalos
curtos ou cheques maiores em intervalos longos, se
se
mantêm algum dinheiro em reserva dentro de casa.
Claro
que esses hábitos dependem das expectativas ao longo de
determinados períodos de realizar despesas. Um conjunto
de bens será objeto dessas despesas e esse conjunto é denominado por Keynes "unidade de consumo". Assim,
o
pú-
blico requer a manutenção de um montante de dinheiro que
tenha poder ~e
compra sobre ! unidades de consumo.A equ~
çao de Keynes é ligeiramente transformada para incorporar tanto a reserva de poder de compra em dinheiro
(K)
quanto em depósitos bancários (K').
Assim, sua equação
n
onde r
é:
=p
(K+rK')
reservas bancárias.
Se !, K'e r permanecerem constantes (os hábitos monetários) 1l) ~emas
urna relação direta (porém não necessariamente causal) entre n e Q·
Ent.retanto 1 há um erro feito pelos "aderentes
des-
cuidado.::."da teoria quantitativa (CW IV, p.64-5).
Esse
erro consiste em expôr a teoria pressupondo que uma mudança na quantidade de dinheiro não pode afetar
!, K'
r, isto é, "no linguaj ar matemático, que n é uma
vel independente em relação a essas quantidades".
e
variá-
Ora, todo aquele que tratar M ou ~ como
variáveis
independentes filiar-se-á inevitavelmente à teoria quan(1) K e K' são reflexo da renda da comunidade que
aparece expressamente na equação.
nao
51
-
titativa, no sentido de atribuir uma conotação causal a
equação de troca. Já Fisher, nas análises que fez de"pcríodos de transição" (desequilÍbrios), destacou as inúmeras causas atuantes além das "causas próximas" (M,V,T)
a tal ponto que estas não passavam de intermediárias das
causas reais. Assim, ao apontar o ~
dos
"aderentes
descuidados", Keynes filiava-se ã tendência moderna
a
"escapar à camisa de força (da formulação simples
da
equação de troca) e introduzir direta e explici tarnente tudo o que as melhores exposições da teoria
quantitativa
relegavam ao limbo da influência indireta".
(Schumpeter,
1982, p.1199).
Mas os defensores da "teoria" quantitativa mantinham
~'e!
(os hábitos monetários
a todo custo constantes
e a influência sobre os fluxos de dinheiro dos estoques
de riqueza).
E,
Keynes, por outro lado, aceitava qu~
no ''longo prazo" esses hábitos e influências rrovavelmente são estáveis e acabam voltando a assumir valores normais. E justamente aqui se vai dar a inflexio e o começo de
torsao dos conceitos clássicos operada por Keynes. Pois em
que agradável comodidade instalam-se esses
economistas
que defendem o "laissez-faire" em nome ela espontaneidade dos mecanismos de mercado .... no longo prazo!
Nesse momento foi cunhada a expressão tão
quanto pouco compreendida:
repetida
H?-fas esse longo prazo é um guia desorientador
para os acontecimentos correntes. No longo prazo estamos todos mortos. Os economistas assumem t.~ma
tarefa demasiado difÍcil e inútil se,
nos momentos tempestuosos podem apenas dizer-nos que muito depois de passada a tempestade
o oceano estari novamente calmo.'' (CW IV, p.6~
Note-se bem: a modificação que se deve introduzir na
visão ortodoxa da equação de troca ê necessária por que
52
o longo prazo pres.suposto pela teoria clissica nao passa
de uma ficção enganadora, uma tautologia em si mesma tão
vazia quanto a própria relação formal expressa pelaequaçao.
Eis o ponto de inflexão dos instrumentos de análise
que já em 1924 permite a Keynes elaborar um diagnóstico
mais radical inclusive que o do pr6prio Marshall: as relações econômicas herdadas pela teoria são inúteis
se
nao somos capazes de identificar com maior rigor o
E!ríodo a que fazém referência, ou o tipo de temporalidade
a que estão associadas. O ''longo prazo'' apenas
reflete
no plano temporal a tautologia que se expressa no plano
lÓgico.
E qual o filtro atraves do qual o período de tempo
relevante para as decisões econômicas aparece? Justamente os hibitos monet5rios, que a teoria quantitativa supunha erradamente serem constantes e independentes
do
volume de dinheiro existente em um dado momento. Mas
K
pode variar até mesmo independentemente de ~'
pois
os
hábitos monetários variam ao longo dos ciclos
econôrnicos (isto~
dependem das expectativas de comportamento
futuro da economia, distintas conforme a fase do ciclo).
-Fundamental, portanto, é a instabilidade dos costumes de
uso do dinheiro, Mas,ainda, hábitos e práticas, urna vez
alterados. di fiei lmente rever tem exatamente às formas anteriores (CW IV, p: 66- 7) .
(1)
ênfase na variabilidade de K está na base das propostas centrais no "Tract", de exercício de uma polÍtica monetária ativa (e não de manutenção de uma
estabilidade a todo custo do volume de dinheiro na
economia e das taxas de reservas compulsórias
dos
bancos) que pudesse justamente contrabalançar
os
efeitos cÍclicos sobre os hábitos monetários.
Não
nos detrmos~
entretanto, como jâ se notou, sobre
a dimensão "política econômica 11 dos escritos
de
Keynes.
(1) A
5.3
A rejeição do ''longo prazo'' não ~'
como tantos
curam caracterizar a intenção de Keynes, sinal de
preocupação restrita ao "curto prazo 11 •
prouma
Estamos, isto sim, presenciando o abandono da
distinçio tradicional entre curto c longo prazo em nome da
identificação mais precisa dos canais atrav6s dos quais
os agentes econômicos são capazes de perceber a passagem
do tempo. ~ o que nessa etapa da obra recebe o nome
de
uhâbitos monetários". A ênfase na variabilidade de K esti portanto diretamente ligada i rejiç~o
da visão tradicional do "prazo" econômico, tanto mais porque aqueles
"hábitos" estão diretamente relacionados à avaliação das
possibilidades no tempo de manutenção de um certo poder
de compra. Conforme a avaliação que se faça resultam difernt~
ritmos de gasto (velocidades de circulação
e
montantes fÍsicos de transação). A temporalidade economica será compreendida na medida em que -identfcarmos~
determinantes desses ritmos. Ora, o que e o tempo senao
a percepção de movimentos segundo determinados ritmos?
Esses ritmos, que configuram a passagem do
tempo,
podem se alterar. Iso~
tudo o que diz Keynes, por enquanto. Mas a mera indicação de que os ritmos podem mudar alerta para a necessária preocupação com os obstáculos à passagem do tempo econômico, isto é, à manutenção
de um padrão rítmico de gastos estável. Em suma, talvez
existam, incrustrados nas circunstincias rnonetirias que
determinam o r{tmo dos gastos, mecanismos que
impliquem
(no presente) um ruptura entre o passado e o futuro. Ora,
esse "presente" não é simplesmente 'o 11 curto prazo" tembora ainda não seja possível, nesse moillento, precisar seu
sentido. Isso requer outros conceitos que no "Tract"ainda não existem. Sim, po1s a identificação dessa instabilidade dos hábitos monetários ainda representa a ausencia de uma análise autenticamente endógena dos
fatores
'a
determinantes da instabilidade. Em outras palavras,
circularidade implÍcita nas tautologias da "análise'qua:n-
titativa é impossível escapar sem remeter a uma "mudança
de hábitos".
Como ainda nao há conceitos alternativos,
Keynes
alia ã sutil indicação de um paradoxo lÓgico urna
penetrante discussão dos efeitos sociais dessa instabilidade. Pois "o efeito nos preços de um aumento do dinheiro
é indeterminado enquanto não saibamos quem fica com esse
novo dinheiro, que faz com ele e qual é o estado do organismo econômico a que chega esse dinheiro novo". (S:hlnnpeter, 1982, p. 1204).
2. CLASSES SOCIAIS
:E' comum, com base nos "modelos" derivados a
partir
11
dos conceitos da "Teoria Gcral , dizer não apenas que a
análise de Keynes se concentra no "curto prazo 11
como
também atribuir-lhe senão a criação, ao menos a
ênfase
no trabalho analÍtico com 11 agregados". Ora, a equação de
troca já é uma representação de variações econômicas que
simplifica a descrição dos processos através da agregação. A resposta crítica de Keynes radica justamente
na
busca de outros agregados menos genéricos e simples,mais
"realistas". No "Treatise on Honey 11 , por exemplo, a construção de números-Índice será extensivamente discutida e
a elaboração de Índices de preços setoriais será proposta·. Entretanto, poucos têm insist·ido nas visões da
estratificação social subjacentes à elaboração conceitual
de Keynes.
Explicitar essas visões tem uma dupla importância:
pois a divisão social que aparece no ensaio incluído no
"Tract" - se vem suprir a ausência de conceitos que definam endogenamente a instabilidade -mostra que a preo-
cupação de l\eynes não se limita à redefinição de "agregados macroeconômicos 1' mas alcança também a identificação dos agentes econômicos tipicamente capitalistas. Os
hábitos monetários (e a percepção temporal neles implÍcita) só ganham sentido se referidos a esses agentes.
55
Assim como a passagem do tempo geolÓgico é distinta
do tempo histórico, .no interior da sociedade as percepções e os efeitos da passagem do tempo são diferenciados. Em outras palavras, as variações do poder
de compra se distribuem desigualmente, assim como as
avaliações quanto à duração da capacidade de exercer
um certo poder de compra.
Por outro lado, a definição de modelos de estratificação social aproxima a análise de um diagnóstico histórico e político. Isto é, o 11 tempo"
aparece
tanto ao nível da percepção dos agentes quanto
ao
nível de definição dos limites históricos do sistema
capitalista. Dois níveis certamente distintos,
mas
que se comunicam quando Keynes percebe que a extinção de certas 11 Classes 11 (que têm um poder
especial
de se apropriar "irresponsavelmente" de poder
de
compra) pode 11 prolongar 11 a existência do capitalismo
na história. Essa conexão já aparece, ainda que
de
forma embrionária, no ''Tract", e iremos acompahar os
seus desdobramentos ao longo da obra de Keynes. ~
o
conjunto de temas que leva à proposição de "eutanásia de ren tier", 11 rna ior participação do Estado" etc.
Uma conseqUência da "teoria quantitativa", já que
ela explica as oscilações de preços como ajustes
a
variações na quantidade de dinheiro do Sistema, é a
neutr:al idade "a longo prazo" das variações dessa quantidade sobre as magnitudes reais da economia. A teoria monetária, como já vimos, sempre foi considerada
pelos clássicos um compartimento isolado, e a defesa
de uma relação caus~
estrita entre variações no volume de dinheiro e oscilações de preços completa
a
clausura. A rica análise social dos efeitos da infla
ção e deflação feita por Keynes no cap. I do "Tract"
é uma crítica direta à falta de realismo da
teoria
quantitativa na explicação dos "ajustes de preços e
salários nos diversos setores e das rendas monetárWs
S6
das distintas classes sociais". (Vícarelli, 1980, p.
53). Como se as oscilações de preços, salários e rendas não afetassem a poupança, o investimento, a produção e o emprego, os
11
Clássicos" mantinham a separa ...
ção entre a teoria do valor e teoria monetária. }.fas,
uuma mudança no valor do dinheiro, isto é, no
nível dos preços, somente ê importante para a
sociedade na medida em que sua incidência
e
desigual". (CW IV, p.l).
-
Essas mudanças afetam a distribuição de
riqueza
entre as
diferentes classes (nesse caso a
inflação é mais deletéria) e a E!odução de riqueza (nesse
caso a deflação para Keynes do "Tract 11 , era mais destrutiva).
A fase do capitalismo que se consolidou durante o
séc. XIX consagrou a separação entre a gerência e a
propriedade de riqueza. A esse capitalismo Keynes denominava sistema de investimento .CCW1V, p.4).0 11 Sistema de propriedade", em geral, designaria um univer
so mais. amplo. (l) A classificação social identifica$e por três classes- investidores (investing class),
empresários (business class) e assalariados (earning
class).
O surgimento dos "investidores" (que seriam
melhor chamados, se aqui já estivesse mais desenvolvida
a elaboração de Keynes, de "poupadores") deveu-se pre
cisamente ã separação entre propriedade e gerência da
riqueza através:
1. da possibilidade de preservar a propriedade de
terras, edifícios e máquinas através de títulos de uma "joint stok company 11 ;
2. da possibilidade de abrir mao da
propriedade
(1) Também Schumpeter constrói uma distinção semelhan
te, entre "ordem capitalista'' e usistema econômico
_capitls"~
de riqueza tcmporarillmcnte em troca de uma
soma
fixa de dinheiro ("leasing");
3. da possibilidade de abrir mao
permanentemente
da propriedade em troca de hipotécas, açoes,
debêntures etc.
A terceira forma através da qual se ·cristalizou a
separação propriedade/gestão representa para Keynes o
plano desenvolvimento do "investimento". Assim
dife-
renciam-se os '·'investidores" (aplicadores de dinheiro
de diversas formas financeiras) dos "homens de ncgÕcio!l, ao longo de um perÍodo em que a
estabilidade
dos preços garantia aos aplicadores a conservaçao ou
mesmo ampliação de seu poder de compra.
Aplicando
crescentemente seus recursos monetários, proporcionavam aos empresários a poupança que estimulou o processo de crescimento. Assim a classe proprietária empregava seus recursos sem se responsabi] izar nem
se
arriscar com a "condução das negócios".
uA moral, a política, a literatura e a religí-
ao dessa era reuniram-se muno g:r:mde conspiração
para a promoção da poupança. Deus e Namon
se
reconciliaram. Paz na terra aos homens de boas
posses. Um homem rico poderia, finalmente, entrar no Reino dos Céus - bastaria poupar. Uma
nova harrrionia soava nas esferas celestiais".
(CW IV, p.6)
Uma extrema confiança na eterna
estabilidade no
valor do dinheiro aumentava a harmonia de interesses
entre classes. O séc. XIX criou o "presente eternou,a
confiança na expectativa de que no futuro permaneceri
am aquelas experiências felizes. Esse séc. XIX que
"decidiu esquecer que não há garantia históririca para a expectativa do dinheiro continuar
sendo representado seja por uma
quantidade
constante de algum metal particular, seja, ainda menos, por um poder de compra constante".
(CW
IV, p.S)
Aliás, lembrava Keynes, a histórica deterioração
progressiva do poder de compra esteve ancorada tanto
nas açoes estatais quanto na "influência política superior da classe devedora''.
Essa tendência do dinheiro ã "depreciação" sempre
foi um antídoto aos juros compostos e às heranças de
fortunas. Sempre foi uma influência capaz de relaxar
a rígida distribuição herdada. Cada geração é deserda
da pela depreciação do dinheiro (note-se a arguta av~
liação presente nessas páginas, da relação entre pqssado e o futuro que se estabelece através do dinhero~·,
uma vez que a inflação, constatava Keynes, sempre foi
um processo histórico contínuo. (CW "IV, p.10)
-
"( •.. ) quando os acontecimentos rea1s de seculos nio afetam suas ilusões, o homem m6dio encara o que foi normal por três gerações
como
parte de um tecido social permanente". (CW IV,
p.10).
Qual não foi a surpresa dessa classe de confiantes 11 investidores' 1 diante as mudanças que passam a se
explicitar com a I Guerra Mundial? As suas poupanças
foram completamente, ou quase, anuladas. A percepçao
desses acontecimentos só poderia afetar e modificar a
"psicologia social 11 relacionada às práticas de poua~
ça e in~·estmo
(isto é} a percepção das possibilidades de preservação por parte dos proprietários
de
riqueza, do seu poder de compra). Sem dúvida a inclinação a aplicar essa riqueza nos empreendimentos
se
via ameaçada, pois a própria riqueza- em títulos- é
violentamente destruida.
50
Mas a classe dos empresários pode se favorecer tan
to porque o valor real de suas dívidas diminui quanto
por surgirem possibilidades de lucros especulativos,
que acompanham a acelação da inflação. A expectativa
de preços futuros mais elevados favorece os empresarios comerciais, que compram antes de vender. A atividade comercial (e industrial) transforma-se em jogo
de apostas. Tomar dinheiro emprestado torna-se um jogo atraente e os empréstimos bancários expandem-se além do normal ou usual. As antecipações dos
preços
prospectivos (CW IV, p.19) tornam-se o aspecto central da atividade empresarial. O que importa não é o
fato (um dado aumento de preços), mas as expectativas
de aumento de preços ainda que o aumento efetivo acabe
sendo um fato exógeno. Vemos assim como a análise da
alteração dos hábitos monetários acaba levando a
·um
diagnóstico radical tanto das possibilidades de percepção do futuro quanto da própria vj..abilidade histórica do capitalismo. Pois
"Se a depreciação do dinheiro é uma fonte de
ganho para o empres,ír i o, é também a
ocasião
do opróbrio. Para o consumidor os lucros excepcionais do empresário aparecem como a causa (e nao como a conseqUencia) da odiada elevaçao de preços. Em meio à rápida elevação de
suas fortunas o próprio empresário perde seus
pensar
instintos. de conservação e começa a
mais nos enormes ganhos do momento do que nos
menores, porém permanentes, lucros da empresa
normal. O bem estar de sua empresa no futuro
relativamente distante pesa menos'para ele do
que ·antes e os seus pensamentos excitam-se com
a idéia de fortuna rápida e liquidação. Seus
ganhos excessivos sobrevieram-lhe inesperadamente e sem erro ou plano de sua parte,
mas
uma vez adquiridos ele não os abandona facilmente e lutará para reter os frutos do saque.
Com tais impulsos e assim colocado, o próprio
empresário não está livre de um suprimido de.?.
conforto. No seu coração perde a prévia auto-confiança na sua relação com a sociedade, na
sua utilidade c necessidade no esquema econômico. Ele teme o futuro de seus negócios e de
sua classe c quão menor a segurança por
ele
conferida ã sua fortuna mais ele se aferra a
ela. (l) O empresário, o pilar
da sociedade
e o construtor do futuro, a cujas atividades
e rendimentos atribuía-se recentemente
uma
aprovaçao quase religiosa, ele que de
todos
os homens e classes era o mais reSpeitável,
louvado e necessário, junto a quem interferir
ora nao apenas desastroso mas quase ímpio, agora viria a ser objeto de olhares obtíquos,
sentindo-se suspeito e atacado, a vítima
de
leis injustas e injuriosas- torriar_a-se, vendo-se a si mesmo envergonhado, um
explorador". (CW IV, p.23-4)
Trata-se de um texto formidável, talvez
apenas
comparável, na sua contundência e riqueza descritiva,
a
ao célebre artigo de 1937, onde Keynes recolocou
'mensagem da "Teoria Geral (mas que não surpreende,se
levarmos em consideração a igualmente rica
produção
polêmica)~
Eivado de uma inegável porém
desprezada
dial-ética: aquele que era mais necessário torna-se não
apenas socialm-ente dispensável, mas
conscientemente
repudiado (até por si mesmo).
1\at.uralmente a origem da inflação ainda e exogena
----(se tão somente já existissem, nessa época, os concei
11
-
(1)
N~a
versao original do texto, aparecia ainda a fra
s-e "Com esses sentimentos e ansiedades ele é
v-!tim:a n:atural da intimidação e t-reme diante
u:rna
palvr,~
uma
de
61
tos de oligopólio e
ja mesmo a raz.ão
~-
11
ntark-up" •.. )( 1 )e talvez essa se-
pela qual a análise das
cxpectatí-
adquire tal densidade e, ainda que sendo um ·comportamento individual, tamanha ressonância social.
Vale ressaitar a inversão de papéis que se
e o aspecto fundamental dessa inversão é a
opera
completa
transformação por que passa a percepção temporal
agentes. O empresário não atenta ma1s para o
dos
futuro,
os consumidores não se fiam mais no passado. No
cen-
tro dessas transformações está o "ganho do momento",
um ganho alimentado por expectativas especulativas.
Naturalmente é importante perceber que a origem desse
ganho - a depreciação contínua e subitamente acelerada
do dinheiro -ainda não foi explicada. Às tautologias
- uma refinada
da teoria quÇI.ntitativa Keynes opoe
lise dos padrões de percepção de passagem
do
(fulcro de mudança de hábitos monetários e da
-
ana-
tempo
classi-
ficação social), onde o empresário está, do ponto
de
vista da arquiterura social, estrategicamente colocado para tirar ·proveito (esse é o s_entido, aqui,
de
"explorar") de uma situação pela qual ele não é
em
Última instância, responsável. Mas se Keynes
ainda
não identifica a origem, concentrando-se nos
canals
-comunicantes (pois está discutindo os efeitos da Inflação sobre a distribuição de renda), está claro que
surge com força o caráter determinante (do ponto
vista da orien·tação da distribuição de riqueza)
de
dos
modos pelos quais a classe empresarial exerce seu poder de compra (ou, o que é o mesmo, seu "poder de ga~
to"). E. é crucial que repentinamente ("\ándfall profits") esse poder de gasto se descomprometa com o pas
sado ou com o futuro, através da especulação. A
(1)
espcul~
Em Cambridge mesmo, e em grande medida paralelamente ao desenvolvimento intelectual de Keynes,
outros economistas apenas começavam a criticar as
hipÓteses da concorrência perfeita (onde os "preços" são dados pelo mercado ... ). Cf. Shackle, 1967.
O paralelismo deve-se, ainda, ã separação tradido
nal entre teorias do valor e monetária.
çao, entretanto, alimenta dialeticamente o poder empresarial - isto é, vai simul tancamcnto minando - lhe
as posses pessoais, psicolÓgicas e sociais.
As expectativas (como vemos, nao apenas do futuro,
mas "do passado", se interpretamos "expectativas" como ''padrão de percepção temporal") ocupam
portanto,
também no "Tract", um lugar crucial. São o canal comunicante de um poder, mas são também a forma por excelência pela qual esse poder se exerce conscientemen
te. Não é outro o significado de "mediação".
Uma vez exploradas as dimensões subjetivas
(mas
nao estritamente individualistas) de determinação do
poder de compra ou de gasto, Keynes passa à dimensão
temporal propriamente histórica, ã qual só é possív.el
chegar ·por ter identificado também as dimensões subj~
tivas com as encruzilhadas do fluir temporal.
Nenhum homem de espírito(1) consentirá
em
permanecer pobre se acredita que
os melhores(Z) ganharam suas riquezas pela
jogatina
sortuda. A conversão do empresário em explorador é um golpe no capitalismo, porque destroi o equilíbrio psicolÓgico que permite
a
perpetuação dos rendimentos desiguais. A doutrina econômica dos lucros normais) vagamente
apreendida por qualquer um, é uma
condiçãonecessária para a justificação do capitalismo.
O empresário só é tolerável na medida em que
seus ganhos ainda preservam alguma
relação
'
com o que, grosseiramente e em algum sentido,
suas· atividades contribuíram para_ a sociedade.
11
(CW IV, p.24)
(1)
No sentido de inteligente, capaz.
(2) Os mais ricos.
Esse fragmento já mostra um Kcyncs consciente (e
expl ici ta dor) das premissas ideolÓgicas da teoria eco
nômica ortodoxa: daí o caráter autocrítico
de
sua
obra. Ao mesmo tempo, coloca em cena uma discussão a
qual pouca ou nenhuma atenção conferem os economistas:
pode o capitalismo sustentar-se sem a preservação de
seus sÍmbolos, de suas ideologias?
Nesse sentido é inusitado o conceito de
"equilí-
brio psicolÓgico" (e a ele ainda voltaremos). Demonstra a percepção de Keynes tanto da inexistência
de
qualquer equilÍbrio no "capitalismo real'' (como
de
resto explícita toda a sua rica análise
descritiva)
quanto do caráter necessário, para a própria
continuidade da atividade empresarial, da representação do
equilíbrio (em outras palavras, da estabilidade). !>1as
como compatibilizar estabilidade com expectativas excitadas pela especulaç5o? Essa questio, apenas vislu!
brada nesse texto, receberá resposta em momentos posteriores da obra. Quanto aos assalariados, em
geral'
os salários movem-se mais lentamente que os preços.
Mas Keynes observa que o fortalecimento da organlzação sindical garantiu a manutenção relativa do poder
de compra dessa classe (aliás possibilitada em alguma
··medida pelos ganhos especulativos dos próprios empresários) (1).
Nas- também no caso da classe assalariada é necessário 'indicar o alcance temporal das vantagens obtidas. Pois
nNão podemos estimar a estabilidade desse estado de coisas, em comparação com a sua desejahilidade, a não ser que saibamos a fonte de
onde o rendimento maior das classes trabalhadoras foi tirado. Foi ele devido a uma modi(1) Ao menos durante a fase inflacionista, pois o
ciclo dos negócios engata necessáriamente, no
tava Keyne$, em reversão da inflação, em deflação, depressão e desemprego. (CW IV.p.2S)
ficação permanente dos fatores econômicos que
determinam a distribuição do produto nacional
entre as diferentes classes? Ou foi devido
alguma influência temporária e exaurível
gada i
a
1 i-
inflação e i desordem resultante
no
padrão de valor?'' (CW IV, p.27)
Já
nesses textos Keynes alia às discussões
micas essa
questão
econô-
fundamental: são os processos
e
resultados permanentes ou temporários? Qual a relação
entre os acontecimentos da economia e o
Pode
tem~?
ocorrer que a sociedade veja distribuída como renda
0
que não passa de desacumulação de capital real~
camu-
flada pelo aumento contínuo do valor puramente
mone-
tário do capital. Mas esse processo nao pode ser
finido: o valor !onctári~
de-
crescente dos bens de capi-
tal da -comunidade obscurece apenas temporariamente
uma diminuição na quantidade real do.estoque,
e
a
pelo
classe trabalhadora acaba sofrendo muit"o mais
desemprego do que pela diminuição dos salários reais.
O efeito mais deletério é aquele que destrói as
sibilidades d~
~
__futuro. Assim, o pior efeito não é so-
bre o consumo, mas sobre a acumulação de capital (CW
IV, p. 29) e sob r e a "atmosfera de confiança".
"Se, por qualquer ra zao - certa ou errada - o
mundo empresarial tem expectativas de
queda
nos preços, os processos de produção tendem a
ser inibidos; se há expectativas de
elevação
dos preços elas tendem a ser super -'estimuladas". (CW IV, p.30).
As e·xpectativas de alteração nos .preços afetam
próprio processo de
~
(e não apenas a
o
distri-
buição da riqueza existente). Muda o comportamento d€
prestatirios e prestamistas. Ora, a ponte ativa é de11
tomam as
sempenhada pelos prestatários, pelos que
decisões que colocam a produção em movimcnto 11 • Nova-
mente o empresário é identificado como ocupando
um
65
lugar estratégico na condução dos processos
c os.
cconômi-
A expectativa de queda nos preços pode
."__Elanejar a ca~:ide
levi-los
ociosa (CW IV, p.31)
ainda
que isso empobreça a sociedade como um todo. E mesmo
que a expectativa seja de elevação dos preços, os empresários podem passar a tomar mais empréstimos aceleradamente levando a produção além do ponto
cujo
retorno real seria suficiente para recompensar a sociedade como um todo pelo esforço feito.
"Isso é simplesmente dizer que a intensidade
da produção é largamente governada nas atuais
condiçõe·s pelo Jucro real antecipado pelo empresário. Mas esse critério é o correto para
a comunidade como um todo somente quando o d~
1icado ajuste de interesses não é subvertido
por flutuações no padrão do valor''. (CW IV,p.
32)
Novamente, grande importância atribuída às
c1paçocs.
<
ante-
-
-
-
I-fas a fonte da instabilidade ainda e exogena aqu~
les que decidem e formam expectativas, ainda que esse
processo de formação de expectativas ocorra de
tal
modo que o próprio futuro veja-se ameaçado. Por outro
lado, Com o desenvolvimento do comércio internacional
e com o progTesso técnico o montante de risco
ligado
ao compromisso com a produção e a extenção de
tempo
durante o qual é preciso suportar esse risco aumentaram muito. Durante esses intervalos de tempo os produtores desembolsam dinheiro (salários e outros custos)
na expectativa de recuperá-lo mais tarde. Assim,
há
uma dimensão especulativa inerente ao mundo empresari
al (poder-se-ia dizer.~
uestrutural"). O temor
de
preços decTescentes pode levar os empresários a reduzir suas operações, gerando assim des~prgo.
6(;
Agravando esse estado de coisas ocorre que
esse
temor, ou a generalização de expectativas, acaba
le-
vando à alteração nos preços ainda que temporariamente. Mas basta essa confirmação temporária para que se
consolide as expectativas confirmadas ... com o
que
elas se tornam cu:nulativas. Assim, um ímpeto inicial
comparativamente fraco pode ser adequado para
produ-
zir uma flutuação considerável. (CW IV, p.34)
Assim, mesmo nao resolvendo a "querela causal" quan
to ãs origens das variações no valor do dinheiro,
sublinhar a dimensão expcctacional Keynes abre
ao
cami-
nho para políticas ativas que procurem contrabalançar
(sem eliminar) os efeitos perversos da especulaçio e!
trutural (que se dcsenvol v e, inevitavelmente, a
pa.r-
tir de .alterações iniciais no valor do dinheiro
cuja
origem pode ser totalmente exôgena).
III - Conclusão
Haviamos perguntado como, a partir de
conceitos
herdados da teoria clássica, pudera Kcynes
elaborar
um diagnóstico inovador (até mesmo com proposta
de
política econômica oposta ao festejado 11 laissez-faire11). Se pudessernos resumir o "truque" a um passo metodolÓgico estratégico, sem
dúvida indcarímos~
tanto na utilização inovadora da equação de Cambridge
quanto na rica análise do papel das classes
soc1a1s
na produção e distribuição de riqueza
expectativas, na análise da formaçio e
dos padrões de percepção
~
a ênfase
nas
transformaçio
por parte dos agentes. Essa atenção, que em alguma medida já existe em
Harshall, mas que é radicalizada assumindo um novo pa
te~oral
pel em Keynes, permite inclusive um diagnóstico
ginal dos limites do capitalismo no tempo.
Apesar dessa ênfase, é preciso reconhecer que
papel das expectativas como fenômeno problemátic,n~
ses escritos iniciais, pode ser facilmente
ori-
o
reduzido
a 11 fator exógcno 11 • Mas há um aspecto do "truquc 11 abso
lutamente crucial: a condenação do "longo prazo"
ao
--limbo das ficções.
A rejeição do "longo prazo" é o gesto que
cria
condições para uma revisão de toda a herança rnarginalista. Tratava-se de negar a proeminência que o pensamento tradicional sempre deu à cláusula do "ceteris
paríbus" temporal, dando oportunidade para urna aproximação entre teoria e história.
PARTE Ill
TEMPO: AVENIDA DE MlíO llN!CA
PANOR<\H\ IMPERIAL
Viagem através da inflação alemã
II- i.hn estranho paradoxo: as
pessoas têm no espírito, quando agem, apenas o interesse privado o
mais estreito, nus são ao mesmo
tempo nnis que mmca dctenninadas
no seu comportamento pelos illstintos de massa. E, nuis que nunca,os
instilltos ele nussa se perdem e tor
nam-sc alheios ã vida. Lá onde O
obscuro instinto do aninnl ~
como
contam inumeráveis anedotas, encon
tra wna lenda para o perigo
1m~
ncntc que parece ainda invisível,
nest-..1 sociccL:1dc,
contrariamente,
onde cada membro não tem em vista
nnis que seu próprio bem-estar inferior, desfez-se como unu
rmssa
cega (com um estupor aninnl,
rres
sem o saber vago dos aniitnis)
di-
ante de cada perigo, mesmo o mais
evidente. A diversidade de fins in
dividuais toma-se insignificante
diante da identidade das forças de
tenninantes. Parece semere que ii
adaptação da sociedade a vi~
habitual~
que entretanto há nuito já
se perdeu, é tão rígida que aniqui
la) mesmo diante de um perigo ex=
tremo, o uso propriamente humano
da inteligência, isto é, a pr~vl
são. De sorte que) face ao per1go,
completou-se a imagem da estupidez:
:incerteza e até perversão dos instintos vitais) impotência e
até
declínio da in tel ig ênc ia . Eis aí o
estado de todos os burgueses alemães.''
\V .Benjamim
70
TEHPO: AVENIDA DE MÃO llNICA
!. ANTECEDENTES
1. Raizes Marshallianas
A escola neo-clássica desenvolveu-se entre dois extremas: a formalização de Walras e o
realismo
de
Marshall. Narshall: autor do "equílibrio parcial" e de
uma obra fragmentária, sempre atenta a s peculiaridades
do mundo industrial e inegavelmente seduzida pelo mist6rio do Tempo.
Sem recuperar o pensamento de Marshall nesse momento, parece-me crucial indicar ao menos certos traços · de
sua obra~
em particular da obra relacionada com a teoria
monetária, a partir dos quais a contri~uçã
de Keynes
fica melhor situada(!).
Ji na an51ise dos motivos para se reter dinheiro em
mãos~
t-!arshall preparava o caminho:
-
"( ... ) dinheiro retido em mãos não propicia ren
dimcntos: portanto todo mundo pondera (mais ou
'·
.
.
.
(2)) os b enee lllStlntlvamcntc
menos automat1ca
fícios que se obteria aumentando o estoque de
dinheiro em mãos pelos que seriam obtidos pelo
investimento de parte desse dinheiro seja em a!_
guma mercadoria - um casaco ou um piano da
qual se derivaria um benefício di1'eto, ou em al
gum empreendimento industrial ou título da bolsa de valores 1 que proporcionasse um rendimento
monetário". (Harshall, 1923, p. 38-9)
------------------(1) Não apenas Keynes. mas Sraffa,
Robertson e Townshend
fizeram contribuições ''originais" ã Escola de Cambridge
nitidamente a partir de Narshall. A referência obrigat§_
ria nesse particular continua sendo Shackle, 1967.
(2) No célebre artigo de 1937, Keynes aprofunda esse carater "instintivon do cálculo de liquidez.
71
Identifica-se um fato bâsíco:. em qualquer
momento
existe uma intenção de preservar poder de compra por pa_E
te das pessoas. Se o nível de renda (ou riqueza, Marshall
não fazia essa distinção) é constante e se os hábitos do
mundo econômico não se alteram rápida ou frequentemente,
esse poder de compra ê em s1 mesmo estável e os
preços
variam apenas com a variação da quantidade de dinheiro.
Essa a versão marshalliana da teoria quantitativa da mo~
da. Mas ji na utilizaçio da teoria quantitativa Marshall
incorporava um critério temporal: usava a versão
de
Fisher para explicações de movimentos de preços de longo
prazo e a sua versão ("cash balances") para explicar as
flutuações de curto prazo nos preços. acompanhadas de in
fiações e contrações de crédito, causadas por
-
"Guerras e rumores de guerras, boas e mas colhei
tas e pela oscilante abertura de novas empresas
promissoras e o colapso de muitas das esperanças
nelas fundadas".
194) (l)
-as
(Marshall, 1887 apud 1925,
p.
Essas flutuações vinculam-se intimamente, portanto,
expctaiv~
e estado de confiança nos negÓcios.
- .
de -en
"A demanda por um metal (2) com o proposltO
<
tesouramento e ampliada por um aumento cont1nuo
<
cont1no seu valor e diminuída por uma queda
nua, pois as pessoas que entesouram
acreditam
que .aquilo cujo valor tem subido continuará se
valorizando e vice-versa". (Marshall, 1926 p. 6)
-
Assim as expectativas surgem como importante elemento mediador entre variações no "ambiente econômico" e os
cilações de preços. O caráter distintivo da Versão marshalliana ê a incorporação de motivos e decisões na analise da demanda e da velocidade de circulação do dinhei-
-
(1) Apoio-me na evidência fornecida por
Eshag, 1963.
Entretanto mantenho as referências âs obras
de
Narshall.
(2) Narshall definia dinheiro como metal-dinheiro ou pa-
pel-moeda conversível a algum metal precioso,
os
seus discípulos irão extencler a análise, incluindo o
r~ni
t-o h;:mcârio na definição de dinheiro.
72
ro, ao menos no exame do "curto prazo".
Mas o caráter tautolÓgico
nao era ignorado por Marshall:
da teoria
quantitativa
"Eu sustenta que as preços variam diretamente com
o volume de dinheiro, se tudo o mais
permanecer
constante; mas tudo o mais estã constantemente mu
dando. Essa assim chamada "teoria quantitativa do
valor do dinheiro" é tão verdadeira quanto e ver
dadeiro que a temperatura de um dia varia com o
-
passar do dia, se tudo o mais permanecer igual;
mas raramente as outras coisas ficam iguais".
(Narshall 1899 apud 1926, p. 267)
Assim foi ·aberto o caminho para a
11
desagregação" das
variiveis (virias tipos de estoques de dinheiro
operam
na economia com velocidades distintas, associando-se
a
. de preços setoriais) e abandono da equação quant_!
n1Ve1s
-
tativa como 11 teoria". Na medida em que abandona-se o afã
de mensurar "estoques" e passa-se a sublinhar os diferen
tes fluxos percorridos por tipos diferentes de "dinheiro" na economia é natural que o elemento tempo venha para o primeiro plano(l). E o pr&prio Marshall tentou incorpori-lo, não apenas na sua teoria monetária mas também adequando o conceito de equilÍbrio ao 11 CUrto prazo",
11
ao 11 período de mercado" ou
corrente 11 e o "movimento
secular" da economia, que era estudada através de mercados singUlares. Além disso, e diferentemente da análise
"moderna" de curto prazo, os diferentes "prazos"
de
Marshall eram mutuamente dependentes, em particular
o
11
0
"curto dependia do "longo prazo. O método para um conhecimento econômico aprofundado, segundo Marshall, devia se pautar por aproximações sucessivas is condições
da vida real. O curto prazo marshalliano, além do mais,
(1) Essa passagem não ê problemática na teoria neo-clássica, que considera assimiláveis as escalas de capital (estoque) e investimento (fluxo).
considera dada a planta da empresa (i. e., seu
capital
fixo)- mas não o de toda a economia. SÓ na versao
neo clássica padronizada do curto prazo capital fixo e circu
lante são considerados como dados para toda a economia.
Esses elementos permitiram. já na obra de Marshall,
o aparecimento das expectativas e da incerteza como fato
res determinantes das flutuações econômicas. Mesmo
na
consideração do equilíbro~
Marshall fazia referência a
influência sobre os negócios dos <~cáluos
com respeito
-
ao futuro''. (Marshall, 1952, p. 337)
"( •.• ) os mercados variam com relação ao período
de tempo durante o qual admite-se o processo de
equilíbrio operará através das forças da oferta
e demanda, ass1m como com relação às suas áreas
de extensãO. Mas o elemento Tempo requer atenção
mais cuidadosa agora que o Espaço. Pois a
própr-ia natureza do equilíbrio, e das causas pelas
quais ele é detrminao~
depende do comprimento
do período". (Marshall, 1952, p. 330)
Ou ainda:
"Mas não podemos prever o futuro perfeitamente.
O inesperado pode acontecer e as tendências exis
tentes podem ser modificadas antes que
tenham
tempo para efetivar o que agora parece ser
sua
operação plena e completa~
O fato de as
condições gerais 'de vida não serem estacionárias é a
fonte de muitas das dificuldades encontradas na
problemas
aplicação de doutrinas econômicas a
práticos" (Marshall, 1952, p. 347)
Todo o livro V dos Principles ê pleno de referências
e tentativas de adaptar a idéia de equilÍbrio ao elemento Tempo - entendendo-se por "Tempo" a definição de perÍodos de variada extensão ao longo dos quais operam as
"forças" da oferta e da deman~
Trata-se de urna concepção quantitativa do tempo~
cuja definição não altera
a
.
natureza das "forças" que cosntítuem o mecanismo eco-
.
nom1co.
A hipótese de que existem forças operando mecanicamente no interior de um sistema definido sempre foi
cara aos economistas clássicos em cuja tradição Marshall
se inseria. Compreender a natureza desse mecanicismo
é
uma condição para se diagnosticar aS
dificuldades
da teoria econômica em integrar o tempo no seu quadro
analítico.
O principal conceito a catalizar a v1sao
mecanicista na economia clássica é o de longo prazo. Enraizado em uma cosmologia newtoniana, busca
analogias
com o modelo fÍsica da mecânica clássica. (l)
.
A mecânica clássica leva em consideração um sistema de pontos materiais sobre os quais operam forças
direcionais,
a dist5ncias que obedecem leis de movi
menta calculáveis. O principal objeto de estudo
era
portanto o movimento, mas considerado como um processo reversível e que de forma alguma gera mudanças qu~
litativas. A visão mecanicista é su-stentada por todos
-que se acTeditarn observadores em um universo independente e situam todos os eventos e objetos univocamen-
te no tempo-espaço.
(2)
Para essa visão sao cruciais os seguintes elementos:
a)
formação de leis;
b) possibilidade de cálculo a partir das leis;
c) emeTgenc1a de resulta dos definidos a partir
cálculos.
(1) cf. Thoben, H. 1982.
(Z) cf. t'<largenan, 1950, apud Thoben,
1982.
. dos
O sucesso dessa visão (principalmente em
termos
de previsibílidade dos resultadOs) na astronomia, quf
mica, Ótica etc. seduziu os economistas, a partir mcs
mo de Acl.arn SMith, ainda que somente a partir de Jevons
e l•ialras o projeto tenha se explicitado nos termos de
uma matematização da economia. Mas o fato de que
leis mecânicas incorporam o tempo reversível
-
as
e uma
característica que não emerge apenas onde a teoria foi
ma tema ti zada.
Desde Adam _Srnith os economistas procuram
deci-
frar a situação do sistema econômico no "longo prazo".
Esse ''longo prazo'', que em Smith poderia ser entendido como durando até 100 anos, na o era
estritamente
cronolÓgico .. Simplesmente a adoção da idéia de longo
prazo reflete a crença na operaçao de forças que governam persistente e sistematicamente a economia capitalista.(1) Entretanto, just~mcne
por ser um longo prazo lÓgico~
isto é, não associado "a priori"
a
qualquer duração definida, trata-se de uma noçao
de
tempo que só dá oportunidade à irrupção do tempo histórico como extensão empírica, cronolÓgica) estatística. Diante do conceito de longo prazo o economista adia sempre a constatação final de suas predições, mas
·ao mesmo tempo está sempre medindo e coletando dados
com o objetivo de confirmá-las. A história, nas
ma os
desse economista, reduz-se a um amontoado infinito de
informações a serem eternamente manipuladas.
A cronologia estatística implica na
desaparição
do objeto histórico, do tempo qualitativo e irreversí
vel. A própria periodização passa a depender de
térios estatísticos. O "longo-prazo" acaba se
formando em um método de tratamento do problema
critrans<eco-
nomlco, já que não interessa tanto a duração
desse
pra=o mas o exame das condições de operaçao daquelas
(1)
cf. Nilgate, 1982.
76
forças sistemáticas c persistentes. A questão do tem-
po reduz-se a um problema lógico e a história
deixa
de ser um objeto de estudo.
Já
AJam Smith argumentava em termos de "preços na-
turaís" como um nível de preços em torno do qual
os
preços de todas mercadorias gravitam continuamente.
Haveria uma tendência contínua no sistema
econômico
em direção a~se
"centro de repouso."( 1 )cantillon já
tratava dessa noção de preço natural em termos de
um
"perpétuo vai-vem nos preços de mercado." Ricardo tam
bém examinou os problemas teóricos do valor e da distribuição em termos de preços naturais, de modo a excluir da anilise o acidental e temporário.(Z)
Assim, cada autor buscava especificar as
condições
naturais, de ''longo-prazo'', condições objetivas,
le-
gais, autônomas frente aos desejos humanos.
A escola nco-classica ou marginal ista herdou essa
crença na existência de resultados normais gerados P!.:
la livre-concorrência. resulta dos de uma
tendência
que "teve tempo para causar seus efeitos."
Assim,
,qualquer situação que não cor responda ao 11normal"
é
16gica e necessariamente transitória.
t..tarshall situa-se nessa tradição, mas demosntrou
inquietação face às hipóteses tradicionais, inquieta-
ção que - se não chegou a constituir uma ruptura abriu caminho para a revisão daquela imagem mecânica
em que a continuidade do sistema não sucumbe as inúme
ras oscilações de que é "vÍtima.u O fato de que
o
11
longo prazo" aparece frequentemente em sua obra como
crença em valores normais e não diretamente como valores normais-como resultado natural de tendências ob
jeth·as-abre espaço para a investigação de componentes
subjetivas que não são transitórias ou cü·cuns't:'1nciais.
(1) &nith, 1937' p. 58
(2) "lilgate, 1982, p.21 e ss.
j
I
Desse
modo, as
expectativas acabavam se identi
ficando ã confiança nos valores que o mercado estabeleceria,
no
longo
prazo, pelas forças da oferta e da demanda. O diagnóstico marshalliano pode ser assimilado ·a uma
visão do capitalismo como estruturalmente estável,
no
sentido de que os agentes se comportam em termos de elementos em geral pouco volúveis (ainda que do ponto
de
vista objetivo possam ocorrer guerras, mudanças populacionais, etc). O processo de revisão de expectativas é,
em Marshall, lento e gradual, dotado de grande
eficá
cia(l); dada inclusive a lentidão do processo de acumula
çao no tempo. Mesmo assim, os Principies de Marshall _estavam imersos em um conflito, que seria desdobrado pelos
seus disCípulos, entre "a análise, que é puramente estática, e as conclusões daí derivadas, qUe _se aplicam
a
uma economia desenvolvendo-se através do tempo 11 .(Z)
O problema em Gltima anãlise parece residir na tend~ncia
interna as teorias do equilibrio a considerarem
esse estado como resultado da operaçio de forças que sio
concebidas em analogia com a indestrutibilidade das forças naturais. Marshall, tentando incorporar o Tempo, ac~
bà. mantendo-o como elemento "ex.terno 11 justamente pelo fa
to de que os "períodos" não alteram essa visão do equilf
brio como resultado da operação de forças. A inversão da
problemitica marshalliana deveri antes de mais nada investigar o princÍpio e a natureza das próprias "forças",
principalmente sua suposta indestrutibilidade.
"Integrarn ou "internn.lizar" o elemento tempo significará entao nao apenas a cronometragem da operação
de forças.
(1) c f. a esse r-espeito Panico (1981), p. 313.
(2) Joan Robinson, Preficio in Kregel, 1973. Com as devi
das ressalvas, esse "conflito" entre 11 base estática
e superestrutura dinâmica 11 continuará presente
na
obra de Keynes. Cf. Marshall, 1952. livro V,
cap.
VIII.
70
mas principalmente a descoberta dbs mecanismos
através
0
dos quais as "forças do mercado impõem a ilusão de sua
perdurabilidade. Em suma, serâ necessário responder ao
mist~ro
(que nos clissicos pr~-Kcynesiao
aparece como
um pressuposto nunca questionado) da origem dessas forças. Como na Fisica, sõ que agora a analogia aponta cami
nhos diferentes. a investigação sobre a origem do unive!
so requer e desperta os cientistas para instrumentos de
investigação e análise que repelem a antiga fê em um con
junto ordenado de forças que operariam segundo uma lÓgica imune ã história. O prÓprio espaço hoje tem a sua his
tória ...
Mas talvez mais importante do que identificar
uma
origem seja a necessidade de entender porque a
própria
operação da economia leva-nos à ilusão da
durabilidade
e, o que ê a mesma coisa. à confiança nas
expectativas
que se formam a partir de convenções de mercado (corno o
dinheiro, principalmente). O estudo da dinâmica é
mais
vasto que o da influência do fator Ternpo 1 mas este, necessariamente, faz parte dos dados que se incluem
em
qualquer problema de dinâmica. ~ que há uma distinção e~
tre associar eventos i mera ordenação sequencial (como a
interação entre preços e quantidades no "teorema da teia
'dC aranhà') e propugnar a relação entre temporalidade
e
destruição. Aqui, impõe-se uma analogia muito mais profi_
cua com a biologia, e não com a física. Essa analogia su
gere que -a irreversibilidade ê um aspecto fundamental.
Mas a irreversibilidade pode nos colocar diante de
uma
nova questão: como ê possível saber que um processo chesubjetiga a seu "fim" ? Quais os sinais (objetivos e
vos) que indicam a proximidade do esgotamento de um processo ? Como podem os agentes econômicos revisar suas ex
pectativas "a tempo" de evitar a catástrofe da crise
e
depressão ? .liiarshall, ao sugeri r inúmeras analogias b i olÓgicas. ao menos apontou para essa nova !'<1eca
da cien
79
tificidade no terreno da doutrina econôrnica(l). Não ign~
rou a questão da irreversibilidade, principalmente.
na
análise do conceito de capital e da oferta a longo prazo, onde a "prospectividade" ê um elemento importante e
ignorado pela tradição econômica. (cf. Marshall, l952,p.
790). A noção de "retornos crescentes", por exemplo, era
associada por Marshall a um processo evolucionário
de
longo prazo. irreversível (op.cit .• p·.S08). Mas
muitas
dessas observações aparecem em ap~ndices
ao Principies e
o conflito apontado por Joan Robinson fica sem solução.
A distinção e as relações entre os vários períodos acabam sempre se traduzindo em tendência ao normal, corno se
a dinâmica conduzisse à estática e não o contrãrio( 2 ).
Esse resultado aparentemente absurdo revelar-se-i,entretanto, da maio·r importância na interpretação da mensagem
de Keynes. Vale a pena reproduzir alguns trechos da biografia de Marshall escrita por Keynes,
principalmente
quanto as principais contribuições de Marshall ã evoluçao da teoria:
a introdução explÍcita do elemento tempo
corno um fator na análise econômica ê devida pri~
cipalmente a ~1arshl.
As concepções de perÍodos
"longos" e "curtosn, e um de seus objetivos era
traçar 01 Uma linha contínua atravessando e conectando as aplicações da teoria geral do
equilíbrio da demanda e oferta a diferentes
perÍodos
de tempo''. (Principles, livra VI, cap.Xl, I l)
Ligadas a essas hâ outras distnçõe~
que agora
consideramos essenciais a um pensamento
claro,
11
( ••• )
cf.
(l) Cf. o juízo de Georgescu-Roegen, 1976, p. 11,
do economista
Marshall, 1952; p. 772. "A ~leca
tbem
está antes na biologia econômica que na dinâmica eco
nômica", Marshall, 1952, p. XIV.
(2) Cf. Seligman, 1967, p. 560.
explicitadas em Marshall - paTticularmente entre
economias "externas" c 11 Íntcrnas" c entre custos
"primário 11 e 11 Suplementãrio". ( ••• ) Entretanto,
esse é o terreno em que, na minha opin1ao, a anã
lise de Marshall e menos completa e satisfatória,
e onde hâ tudo a fazer. Como ele mesmo diz
no
Prefácio à primeira edição dos Principies. o ele
mento tempo é o centro da maior dificuldade de
11
quase todo probleMa econômico". (CW X, p. 7.06-7)
2. Ur.1 Economista no País das Maravilhas: D.H.Robertson
A partir de Marshall, os economistas de
Camdridge
procuraram aproximar-se cada vez mais do mundo real, a1n
da que ãs vezes pagando o preço de perceber no mundo uma
natureza nilÕgica" capaz de desafiar as mais arraigadas
construções teóricas.
Enquanto Keynes elaborava o "Treatise on Honey", Robertson - um ex-aluno e amigo intimo até os anos 30 - p~
plicava (1926) o clissico ''Banking Policy and the Price
Levei" e jovens economistas como Joan Robinson, Richard
Kahn. Piero Sraffa e Naurice Dobb faziam aos poucos val~r
sua influ~ca
sobre o desenvolvimento
intelectual
em Cambridgc, Era a primeira geração pós-marshalliana.
D.H. Robertson chegou a declarar, quanto aos capítulos V e V-I do livro de 1926, que "nenhum de nós (Robertson e Keynes) agora sabe quanto das idéias ali contidas
cabe a um ou a outro 11 • Jâ em 1922, Robertson
publicara
"Honeyu(l), estudo introdutório à matéria em que cada ca
pítulo é aberto com um trecho de "Alice no País das Ma
ravilhas", onde o real e a lÓgica quase nunca têm
hora
certa para um encontro. A respeito de Robertson, é ilustrati\'O o comentário de Shackle:
"O aparato de Sir Dennys, com sua revigorante
(1) Hâ edição em espanhol, pela Fondo de Cultura -Econôrni
ca. 1955. "Dinero".
terminologia - °Cspirro" ("splashing 11 ) '
"carên-
cia" ·e outras expressões mais- estava voltado a
realizar um cuidadoso desemaranhamento
da meada monetária.
Tem seu lugar duradouro
na
'história do pensamento, ilustra tipicamente o po
deroso gênio de seu inventor para dotar a
mais
estreita anâlise com a mais livre fantasia, e ex
plica o deleite que seu estilo deu a milhares de
pessoas que o escutaram ou leram. O m€todo final
de Keyncs, por contraste, foi a espada de Alexan
dre. Cortou, não desemaranhou, o
11
imbroglio" mo-
netário das idéias". (Shack1e, 1969, p. 281)
Ou ainda:
"A baleia _keynesiana, sob o manejo da senhora Ro
binson, pode tragar com facilidade todo
peixe
que venha a suas mandibulas. (Shackle refere-se
às interpretações que desde 1936 procuram tornar
'
un1voca
e acabada a mensagem de Keynes). Tratar
de pescar com a linha e o anzol
robertsoniano,
não importa quão engenhosos os movimentos e estratagemas, é muito mais trabalhoso".
(idem, p. 282)
oportuno, ainda antes
me do "Treatise", recuperar ao menos
expressas por Robertson em seu livro
sam iluminar a riossa reconstrução do
~bastne
de passarmos ao exa
algumas das idéias
de 1926 e que posesforço teórico de
Keynes.
Seu objetivo central era discutir a relação
entre
poupança , criação de crédito e crescimento do capital.
política
Em vários momentos, contra as prescrições de
econômica ortodoxa, que se pautavam pela
estabilização
da produção industrial atrv~s
da estabilidade de
preços, Robertson dizia:
1) que a estabilidade do produto nem sempre e campatível com a estabilidade de preços;
-
32
2) que sob certas circunstâncias expansoes (contrações) rápidas do produto, acompanhadas de elevação (decl!nio) dos preços, podem ser economicamente
deseji1
veis. ( )
Mas o aspecto que despertou maior interesse era
a
análise, dos citados capítulos V e VI, da relação entre
a criação de crédito, a formação de capital e a assim d~
nominada "carência" (' 1 lacking!l, usado como termo alternE;
tivo at'abstinênciaS'). Era uma análise de uma economia de
pequenos empresârios(Z). O conceito de "carência induzida", segundo Robertson, foi sugerido por Keynes. Mas, no
Treatise, Keynes renegou essa criação.
O fundamental no livro de Robertson
a conexão esta
belecida entre movimentos de preços e variações na prod~
ção. Em flagrante distanciamento da teoria quantitativa
e utilizando o método "passo a passo" ("step by
step
method") cuja ressonância se faria sentir no
Treatis~
onde aliás apenas a remuneração dos empresários ê compl~
tamente móvel.
A preocupação era com a explicação dos ciclos comerciais, e Robertson critica aqueles que explicavam esses
ciclos atrv~s
de fatores monetirios ou psicolÓgicos. A
i~stablde
da produção industrial 1 dizia, não
pode
ser reduzida à instabilidade do nível geral de preços.
Keynes( 3) era qualificado corno um defensor moderado dessa visão, capaz de ver causas não- monetárias para
as
perturbações no nível de preços, mas advogando a aplicação de instrumentos de política monetária para
aplacá-los. Como defensor da teoria psicolÓgica, Pigou era o
~
(1) cf. Robertson, 1949, p. Vlll.
(2) Alterada por Robertson, em 1933, para ser aplicada a
uma sociedade dividida em empresários e assalariados (ou receptores de urenda fixa").
(3) O Keynes do "Tract on Monetary Reform".
criticado. (1)
Robertson, em 1915, já elaborava uma teoria real
das flutuações industriais, inspirado em
Labordêre,
e Tugan - Baranovsky. (Z) Para ele, as
flutuações
industriais eram inevitáveis e até desejáveis, dada
a indivis-íbilidade e longctivitbdc clos bens de capital.
Apesar de defender a intervenção pública no mercado,
Robertson nunca foi um defensor acrítico da busca do
pleno emprego.
O aspecto central de sua teoria de investimento
era a questão do rleríodo de gestação. o fato do processo de investimento ocorrer no tempo pode implicar
na ocorrência de perÍodos de gestação que geram uma
aparênc <ia de rentabilidade que dcsequ il ibra o mecanismo de preços. Poderia surgir a tentação de
ampliar a capacidade produtiva além do ·requerido para
satisfazer uma demanda antecipada. Sendo o investimento irreversível, essa geração excessiva de capacidade prolongaria a depressão.
Robertson procurava chamar a atenção para o
ráter, digamos, estrutural da instabilidade da
dução, que nenhuma política de manipulação
dos mecanismos de mercado resolveria.
"Nesse livro terei ocasião de enfatizar
certas variações na escala da produção
capro-
indireta
que
in-
dustrial, sendo ou não socialmente benéficas,
são pelo menos ditadas pelo interesse
pr6prio. daqueles que decidem a execução daquela
produção. Eu· não creio que seja sequer aproximadamente verdade que, se todos os C:r.J.lHC-
(1)
Robertson, ainda assim, sucederia Pigou como
Professor JC" Cambridge.
(2) 11A Studv o f Industrial Flue tua tion". c f. Pres
ley, 19S3.
sários atuassem c julgassem segundo seus
teresses, a flutuaçao industrial
de
in-
car5ter
claramente rítimico desapareceria". (Robcrtson,
1949, p.3)
Analisando as causas materiais
das
flutuações,
Robertson põe em evidência um mecanismo
"expec ta c ional":
" ( ••• )
a intensidade do
desejo
de
instrumentos (de produção} depende
novos
parcial-
mente da expectativa de custos
operaçao
desses instrumentos. Assim,
de
natureza
de
uma
queda
nos
custos reais de operação de qualquer dos nossos grupos industriais vai não
cer influência no aumento de
mas vai exercer uma
apenas
seu
exer-
produ to,
influência indireta
terior na mesma direção ao elevar a
ul-
intensi-
dade do desejo de seus membros por
adquirir
11
novos instrumentos ( ... ) , (idem. p.12)
Surge assim necessidade de uma explicitu
ficação dos interesses que comandam
o
identi-
processo pro-
dutivo.
11
(". • • )
há uma ambiguidade quanto
exatamente queremos dizer
ada ou
samos na
prio dos
ou
de
ótima
de
produção
por
taxa
ao
que
aproprl-
industrial. Pentaxa di ta ela pelo interesse protrabalhadores
empregadores, dos
seres
hipot6ticos em cujas per-
-
sonas os interesses divergerités dos dois suo reconciliados ? O primeiro (interesse) serã
com
grande probabilidade sujeito a uma variação considerâvelmente maior que o segundo e um
pouco
maior que o terceiro". (idem, p. 21)
Robertson opta pela taxa que ê julgada "apropriada 11
pela classe empregadora e faz a ressalva de que ê uma ta
xa "Ótiman relativamente ã organização social e aos pod~
res de controle sobre as forças do progresso técnico então existentes. Pressuposto comum, aliás, a toda análise
de "curto prazo", mas o importante é que a flexibilidade
aparece associada a reações dos produtores e não através
de salârios.
Os capítuios V e VI ("Tipos de Poupança" e
"Carência Curta no Ciclo Comcrcial 0 ) são justamente os que incorporam o elemento tempo i análise. Nesses capitulas 1n
vestiga-se a coisa Capital e a atividade Poupança.
A primeira distinção introduzida ê aquela entre
a
atividade de prover capital e os bens materiais a
cuja
provisão tal atividade está orientada. A essência dessa
atividade, que jâ foi descrita como "espera", "abstinência" e outros termos que denotam um período ao longo do
qual certos benefícios são adiados, está na circunstância de não se consumir imediatamente. A essa
atividade
Robertson denomina "carência" ("lacking").
"Um homem está carente se durante um dado periodo ele consome menos que o valor de seu produto
econômico corrente". (idem, p. 41, grifas meus).
A carência passada, conclui, está cristalizada no es
toque de capital que existe no momento presente. Assim
acumula-se um estoque de capital.
Outra distinção bastante própria a Robertson ê aquela entre Capital Fixo, Capital Circulante e Capital ImaCarência
ginârio, que são denominados respectivamente
Longa, Carência Curta e Carência Improdutiva.
36
"A Carência Longa visa a prover a sociedade çlo
uso - necessariamente lento e gradual - dos instrumentos de produção fixos e duráveis; a Carência Curta a capacitar a sociedade a
produzir inclusive a produção de instrumentos duráveis
através de métodos tecnicamente eficientes, mas
lentos e indiretos. ( ••. ) A Carência Improdutiva
Nova consiste na abstenção de bens em favor
de
pessoas que pretendem antecipar seus rendimentos
mas não estão engajados na produção de bens mercantilizáveis". (idem, p. 42-5)
Em primeiro lugar, uma definição cuja contrapartida
ê o capital fixo: fábricas, estradas, máquinas, etc. Logo depois, um~
definição de capital circulante: estoques
de bens a serem prontamente consumidos e todos os
bens
em todos os estágios da matéria prima ao produto pratica
mente acabado(l). Essa definição ampla de Capital Circu~
lante deriva-se da percepção da simultaneidade com
que
se produz em todos os ramos da economia, ainda que o seu
volume dependa da duração média da produção. Quanto à ca
rência improdutiva e sua contrapartida de Capital Imaginário, associa-se ao endividamento do poder pÚblico(Z).
Uma terceira distinção, que ê na verdade um desobr~
menta das anteriores, opera a separç~o
entre
Car~nci
Aplicada e Carência Abortada (ou Entesouramento) . A Carência Aplicada ·(direta ou indiretamente) representa dis
posição de parte de um rendimento no sentido de comprar
um instrur,tento ou pagar trabalhadores produtivos (direta) ou pode ser emprestada a um terceiro que por sua vez
venha a aplicá-la (indireta). A Carência Abortada ou Entesouramento representa a mera retirada de circulação de
parte do rendimento. Nesse caso trata-se de
"poupança
pesso;.l" mas que nada acrescenta ao processo de criação
(1)
particular contrariando Jevons, para quem o c~
pital circulante se reduzia ao estoque de bens acaba
dos.
(2) Identificado por Robertson ao financiamento de guerras.
~es
8í
de c~:!tal.
Essa reserva monet5ria mant~
alguma relação
com os hábitos c preferências, assim como com a renda ou
riqueza (nesse ponto, reaparece a versão marshalliana da
teoria quantitativa).
A Última distinção apresentada por Robertson, e contra a qual Keynes se manifestou, separa a Carência em E~
pontânea, Automática e Induzida. A carência
espontânea
corresponde ao que normalmente se entende por poupança.
A carência automática associa-se à diminuição do consumo
abaixo de algum nível esperado pelos agentes (ou abaixo
de suas correspondentes produções correntes) em
função
da depreciação do poder de compra. ~ que a injeção ou r~
tirada de dinheiro do mercado através de decisões de entesouramento altera a distribuição do poder de compra de
tal forma que muitos agentes podem ter suas expectativas
de consumo não referendadas. A carência induzida ê idêntica ã automática) porém é consciente e voluntária
(i.
e., retira-se dinheiro de circulação com o objetivo
de
manter o valor real do estoque de dinheiro). :t justamente esse conceito de car~ni
induzida que foi introduzido por Keyne5 (Robert5on, 1949, p. 49, nota 1).
O importante, nesse conjunto de distinções, é que a fi_
uma análise
nal de contas tem como prop6sito produzir
qualitativa da demanda por dinheiro em que motivos e expectativas (portanto, o elemento tempo) cumpram um papel
de destaque. Nesse sentido é sugestivo que a noção de Ca
r~ncia
Induzida tenha sido introduzida por Keynes(l)
Quanto ao caráter da análise, afirma Robertson:
"A mecânica interna, por assim dizer, de um processo inflacionirio ~ tão dificil de visualizar
quanto a do átomo, e parece requerer o mesmo tipo de hipótese de movimento descontínuo,.
(idem, p, 49, nota 1)
(1) Keynes e Robertson compartilhavam o esforço de elabo
rar uma "complexa taxonomia", no dizer de
Ninsky
(1975, p.lO), que aliás reconhece que a análise instit.ucional derivada desse esforço ainda é digna
de
atenção (idem) p.ll).Sobre Robertson, cf. Seligman,
1967, p. 600 e 55.
Essa mecânica atuava sobre os preços do
sistema
produtivo, que Robcrtson não supunha estar empregando
pelanmente seus recursos em virtude do caráter cÍclico do investimento. E esse caráter cíclico
-se fortemente a fatores psicol6gicos e
vinculava
institucio-
nais. Assim, em Robertson a instabilidade dos
preços
aparece vinculada a descontinuidades no movimento
economia. E essa descontinuidade vinculava-se em
tima anilise is condições desiguais de decis~o
da
Úl-
e negQ
ciação entre empresários e trabalhadores.C1)
Dessa
forma, Robertson chamou a atenção para a distinção en
tre decisões de investimento (empresariais) e poupança (que sob várias formas surgia no sistema (econômico),
distinção a partir da qual Kcynes organizaria
concepçoes no Treatisc on Money_.C 2 )
}.las o dinheiro nao estava completamente
suas
integra-
do no sistema de Robert:;on, que afinai dependia
pre da alusão a fatores
11
Teais 11 c da busca das
ficações nas condições de produtividade. No
Robertson talvez fosse mais adequado falar de
semmodi-
caso
de
cicli-
cidade, ao invés de descontinuidade.
(1) cf. Scligman,
1967, p. 605.
(2) Schumpter (1982, p. 1 21C, nota 86) chama a atenpara a. relação e-ntre o canceit.o de carêr;_cia auto-
mática ( 11 püUpi1!1ÇU forçada n QU 11 i11VQ1UJ1tariall) e 0
processo de criação de cr~dito,
alertando para a
utilidade de uma noção que foi desdenhada pelos economistas .1\evnesianos. "Como dizia Ricardo, as
operações banê:árlas não podem criar "capital 11 (me2:.
os de produção físicos) ( ... ). Agora, sempre que
o gasto financiado com os dep6sitos criados pelos
bancos eleva os preços, ou seja, em condições de
pleno emprego (e outros casos) impõe-se um sacrificio no co~sum
de pessoas cuja renda não cresceu na mesma proporção ( ... ) ". Assim, pode-se metaforicamente chamar esse processo de "poupança
forçada".
Has o que é um 11 movimcnto descontínuo 11 ? I! um "movimento que nao segue um padrão Único, que obedece a ri tmos sucessivamente diferenciados, em suma, é um processo
sequencial sem um padrão Único de cronomctragem. As várias distinções introduzidas refletem a dificuldade
de
descrever um processo que se efetiva com velocidades difernts~
Ora, falar de velocidades diferentes é o mesmo
que admitir a existência de uma pluralidade de ritmos no
interior de um mesmo processo (no caso, o processo de pr~
dução e acumulação de riqueza mediado pelo dinheiro). Es
sa pluralidade de ritmos era detectada, na análise
de
Robertson, através de diferentes tipos de "poupança", i.
e., diferentes formas e motivos para esperar o surgimento de produtos- no futuro ao invés de procurar
consumir
bens no presente.
Para tornar inteligível essa pluralidade de ritmos a
partir da qual se constitui a atividade econ5mica, falt!
va encontrar uma forma adequacla de integrar o dinheiro ã
anilise, pois o dinheiro 5 por excl~nia
o instrumento
que põe em contacto as diversas atividades com seus ritmos diferenciados. Para sublinhar esse papel "mediador"
do dinheiro deve-se abrir mão de identificá-lo a
algum
metal, subordinando sua oferta às vicissitudes de uma a ti
vidade produtiva especifica . Esse g o passo que estava
sendo dado pela escola de Cambridge, c Robertson
( COElO
Keynes) partia também de uma definição em que o dinheiro
é aceito -em pagamento de bens ou créditos. Em suma, o di
nheiro existe como representação de pode-r aquisitivo.
Resta saber como as oscilações do poder aquisitivo relacionam-se com alterações no nível de atividade, sem que
se estabeleça diretamente a relação entre valor c estoque ofertado de moeda.
Entre os dois~
podem surgir fatores psicol6gicos
e
instituionais, pois o dinhero~
justamente o objeto em
que essas dimensões se cruzam. Nas a análise das alterações na poupança (fonte da acumulação de capital) atra-
90
que sugere a importância do exercício do poder
nas questões humanas,
Robertson abria o capítulo sobre o valor do dinheiro, em seu clássico manual, Podemos concülerá-lo
como
modelo do tÍpico esforço realizado em Cambridge nos anos
10 e 20 no sentido de escapar das convenções da ortodoxia neo-clássica. Resumindo, essa luta para escapar se
caracterizava pelos seguintes tópicos principais:
1) qualificar a teoria quantitativa da moeda, interpon-
mediações entre variações no estoque de moeda e nos
níveis de preços (exemplos de mediação: o
processo
de produção c investimento com sua temporaliclade específica, hibitos diferenciados nas decisões e trabalhadore's quanto ao uso do dinheiro);
2) ainda que aceitando a teoria quantitativa como válida no "longo prazo' (tendência natural do
sistema
econômico) 1 direcionar a análise para desvios, per...:
turbações temporários, acidentes, expectativas, ci1
clos etc.Cl)
nao deve ser imediatamente confundido com
a elaboração de uma teoria do t!curto prazo", mas
associado a um processo de constituição de
uma
nova visão do capitalismo e de sua temporalidáde.
(1) O que
91
vês de variações no poder de compra ainda nao iam
ao
ponto de identificar a origem de poder de compra, de tal
sorte que em sua teoria é a poupança que aparece como co~
dição do processo de alteração e redistribuição dos recursos da comunidade. Ou seja, no centro do seu conceito
de espera está ainda a velha noção de "abstinência", do
século XIX. A acumulação acaba aparecendo como um resultado passivo da atividade econômica e não como um princf
pio ativo. Supor que todos poupam para "garantir" o futu
ro acaba por retirar da acumulação de riqueza o seu cará
ter de processo social, levada a efeito por uma
classe
que nada tem a ver com a abstinência(!). Na sociedade ca
pitalista, acumula quem pode gastar mais (classes mais r1
cas c sociedades ~_mônias)
e quem não espera por nada.
J~as
talvez justamente por nâo confiar tanto na concentra
çao de poder em alguma classe - crença que tem como coro
lârio a proposta de que, havendo um responsável, há uma
pena adequada - Robcrtson absteve-se de defender,
como
fariaKeyncs, a ação do Estado na exccuçio de poli•
l
'
1·lCBS
. ( 2 ) . 'I
.
..
t1cas
antl-ClC
l'O f .UTI d o, um lllíllOT
ce t -lClSffiO,
um
diagn6stico a tal ponto estrutural do ciclo que as medi•
·
· ' 3lu m con:fl.1to
das p-ol1ticas
parec1am
mero pa 1·IatJ.vo'.
nao
resolvido, em sua obra, entre descobrir o
sig11ificado
a
dos processos econômicos e as possibilidades abertas
ação transformadora:
.
"Quando eu uso uma palavra - disse Humpty Dumpty
em tom burlesto - esta significa, nem mais
nem
menos, o que eu decido que signifique.
A questão esti em saber - disse Alice
se podes
fazer com que as palavras signifiquem coisas dis
tintas.
disse Humpty Durnpty
A questão está em saber
quem manda. Isso é tudo".
Com essa citação, de 11 Alice através do Espelho" ,
(1) cf. Se1igman, 1967, p. 609.
(2) Robertson, 1961, p. 114 e ss.
(3) Onde, finalmet~
os lados "real 11 e "monetário" permanecem
alheios entre si.
02
!!. S.IGN.IF!CAJJO GERAL DO "TREAT!SE ON MONUY"
O "Treatise on Moncy" foi publicado pela primeira vez
em outubro de 1930, após sete anos de trabalho. O objcti- ·
vo do livro era assim descrito no Prefácio do autor;
"Meu objetivo f o i o de encontra r um método que é
útil em descrv~
não apenas ~s
características
do equilÍbrio estático, mas também as do desequ2-_
1 Íbrio, e descobrir as leis Uinârnicas que gover-
nam a passagem de um sistema monetário de
uma
posição de equilÍbrio a outra". (CW, p. XVJII)(1)
A redação do livro j5 fazia parte da luta para
·esca-
par das idéÚ1s tradicionais e o próprio autor afirma
a
heterogeneidade do conteúdo no Prefácio. Entretanto, c i~
dependentemente dos resultados que se julgue efetivamente
atingidos pelo livro, o seu propósito fTcntc a
teor :i. a
marshalliana era claramente ex:plicitJdo:
-
"Está a teoria monetária ngora preparada po.ra
dar o passo adiante crítico que há de colocá-la em contato efetivo com o mundo real? ( ... )
In fel izmentc ~1arshl,
na sua ansiedade por 1~
var a teoria econômica ao ponto onde ela retoma
contato com o mundo real, esteve algumas vezes
um tanto disposto a camuflar o caráter essencialmente estático de sua teoria do equilÍbrio
com muitos sábios e penetrantes "obiteT dieta,
entTe
sobre problemas dinâmicos. A distinção
longo e curto prazo é um prirneiTo passo em direção à teoria de um sistcm.1 em lrDV.Üncnto. ~hs
ngora
f:lnalmeritc estmlDS, creio, nn fronteira de um novo pas-
(1)
Quanto ao significad,o mais amplo da transição
entre equilíbrios paTa Keynes, vide supra, cap. 1
03
so adiante, que se dac.b com sucesso, aumenta rã enorrncmçn
te a aplicabilidade da teoria à prática - a saber, um avanço no entendimento do comportamento
detalhado de uma economia que não está em equilÍ
-brio estático. Esse Tratado, em contraste commuí
to do mais antigo trabalho em teoria monetária,
pretende ser uma contribuição a essa nova fase da
ciência econômica". (CW VI, p. 406-7)
Enquanto permaneceu isolada, a teoria monetária teve
como objeto exclusivo o problema da determinação do
poder de compra do dinheiro. Qual a relação entre esse "podcrff e outros mecanismos do mundo econômico "realn?
E
crucial reparar que essa questão coloca o problema da re
lação do dinhc.iro com o mundo real, isto é, o problema da
integração do dinheiro na análise econômica e não apenas
a "passagem" de um estudo do "lado monetário" para o "la
do real" da econom:ia(l). Além disso, a literatura sobre
bancos c finanças é tão isolada, dentro da literatura so
bre moeda e crédito, quanto esta Última no interior da li
teratura econômica geral(Z).
Os passos funda~etis
do Treatise no sentido de pro
mover a integração serão a elaboração de uma análise que
relaciona tanto o que atualme-ute se denominaria
níveis
"micro" e 11 macro" quanto os fcnómenos reais e monetáTios
. em que a lnc.erteza
.
.
(3] • fün'.
numa economla
e- d- ctermln;;mte
da assim, ê uma obra que mantém a linha de continuidade
na transformação da teoria quantitativa em teoria "quali
tativa". Keynes ali se preocupava em determinar o mecanísmo dinamico através do qual a teoria quantitativa poperíodo
de sec usada como instrumento descritivo de um
"longo pra::.o".
distinto do
real 11 ~
cuJa
superação faz parte do esforço teõrico de Keynes, foi
reabilitada pela assim chamada "sÍntes-e n-eo-clássica".
(1) Essa dicotomia entre o "monetário" e o
(2) Schumpeter, 1982, p. 1.205.
(3) cf. Kregel, 1973, p. 7.
0
No longo prazo, afirma a teoria quantitativa, o di:i'll"::!j t:::: ;:; _neutro, isto é, não afeta as variáveis
"reais"
do sistema econalnico.
Has ainda que o Treatise continue centrado
no
exame
das relações entre dinheiro e níveis de preços, a mediaçao que lhes é interposta constitui-se
a partir das re
lações entre o mundo industrial e financeiro. Na medida
em que essas relações es:abclecem um contexto de incerteza, é dado um passo fundamental em direção a uma teoria do produto e -do emprego (e não apenas do "dinheiro"
isoladamente) (l). B a análise elos fatores que levam a uma
entre investimento e poupança. Essa discrepância implica uma dinâr:tica de variação de preços e, sub
( 2)
sequentcmcnte, no produto
. Mesmo que no centro
do
Treatise, como no I.ract 1 esteja a questão da estabilidade dos preços, a dissecação feita por Keynes dos determi
nantes do poder de compra acaba levando-o i
identificaçio dos principais poderes de urna economia capitalista.
E a15m disso, permite-lhe afirmar a influ&ncia
que se
exerce
através desses poderes, sobre os comportamentos inter-temporais.
Vem do Treatise a mctifora do calcidosc6pio, adaptada por Shacklc para esclarecer o cariter do investimento
3
no capitalismo( ). Afastando-se da clássica v1sao mecanicista dos efeitos do dinheiro sobre os preços. Keynes
afirma:
discrep~na
"NãO" devemos ( ... ) argumentar que uma expansao m2_
netária influencia ·os preços relativos da mesma
maneira como a translação da terra no espaço af~
ta a pos1çao relativa dos objetos em sua superfi_
cie. O efeito do movimento do caleidoscópio sobre as poças coloridas de vidro no seu interior
é quase uma metáfora melhor para a influência de
(1) Nesse sentido vao as afirmações de Davidson, 1972,Ci!_
pítulo 2.
(2) Davidson, 1972, p. 27.
(3) cf. p.cx., Shacklc, 1974.
95
mudanças monetárias sobre os níveis de preços".
Dessa forma Kcyncs procurava mostrar que mesmo
volta a um novo equilíbrio representa a obtenção
a
de
um "equilíbrio" quantjtativamcnte diferente. Pois
a
11
noçao de "cquí1Íbrío não está aí associada a um mun-
do de agentes racionais cujo poder distribui-se
uni-
formemente. Keyncs desenvolverá, no Treatise, uma visão da soe i c Jade de classe::_.:?_ na linha do Tract,
as variações de preços distribuem-se de forma
gual porque o poder na socjcdGclc
é Jesigulmente
tribuído entre as "classes de compradores". ( 1 )
onde
desidisAqui
já aparecerá uma análise mais detalhada, onde os pri~
c i pais poderes são: o estadual, o bancário, o empresarial e o trabalhista.CZ) Essa desigualdade no pro-
cesso de difusão das perturbações monetárias manifestasse essencialmente como diferenciação interna
ao
ritmo de difusão e, portanto, ao tempo relativo Je di
fusão das perturbações pela sociedade. E foi com base
nesse argumento que a noção de um nível geral de pTeços foi explicitamente recusada por Kcyncs. (Cf.caps.
5, 6 e 7 do Treatisc). Em sua opinião, trata-se
ape-
nas de mais um dos muitos "conceitos econômicos
qua-
se-matemáticos" que se julgou, no passado, conveniente construir (por analogia com a.s ciências físicas).
CKV,p.78).
ê um Cl<Íssico
O Trea1;_2~·é
11
11
,
ou seJa, um livro que
ninguém mais procura ler. Muitas razões contribuíram
para o .insucesso de pÚblico, a começar pela acirrada
cr:Í.tica que os conceitos centrais receberam já em CJmbriE:_
ge. t
conKtm opütar..íi:m que o Tre:ltisc ajJlch advoga
as excelências
da política monetária ,algo que se tornou fuf:i.mo diante cb.s n:comen
(1) Isto
~
classes distintas segundo o tipo de gasto
que são capazes de efeti\-:.u. CW V, p.82.
(2) ?\esse sentido argumenta, a partir da 11 Teoria Geral11 ,
Barr6re, 1979, p. 142-7. Em 1924 ocorreu a primeira
greve geral do· sindicalismo inglês.
dações posteriores de política fiscal e gasto pÚblico feí
tas por Keynes.Jiarrod (1958, p. 475) lembra quc,já
no
Treatíse, aparecia a proposta de gastos pÚblicos,
como,
aliis, ocorria no discurso de Keyncs desde os anos
20.
Mas Keynes no Trcatise procura esclarecer as condições fi
nanceiras para o exercício dessa política.
"Finalmente, há uma arma de reserva pela quul um país
pode parcialmente refazer-se quando o
desequílf
brio internacional' envolve-o em severo
desempr!:_
go. (l) Em tal situação, operações de mercado abe!.
to pelo Banco Central visando a baixar a taxa de
juros de mercado e estimular o investimento podem,
por desventura, estimular a tomada externa de em
préstimos e provocar um fluxo para fora de
ouro
em escala superior à suportável. Em tal caso nao
basta a Autoridade Central estar pronta para
em
prestar
pois o dinheiro pode ir parar em
ma os
erradas
ela deve estar pronta a tomar empréstimos. Em outras palavras, o Governo
deve
por
sí mesmo promover um programa de investimento do
m5stico. ( ... )Assim o resultado desejado s6 pode
ser obtido por algum método através do qual o Go
verno subsidie tipos aprovados de investimentos ou
por si mesmo dirija esquemas domésticos de desenvolvimento de capital 11 • (CW VI, p. 337).
Novamente, constata-se que estava sendo superada a di
cotomia entre a an~lise
de fen6menos reais e monetários.
Pois a análise real seria aquela que partisse do "princf
pio de que todos os fen6menos essenciais da vida econom1
ca sao suscetíveis de definiçio i base de bens e
servi
di
ços, decisões sobre eles e relações entre eles
o
nheiro aparecendo como expediente técnico para facilitar
as transaç6es, mas neutro numa economia que opera como se
(1)
Keynes usou o instrumental de Treatise para estudos de
economias abertas.
'0/
fosse de troca simples". (1)
Essa neutralidade da moeda ~ um pressuposto ardiloso
para o prÓprio tratamento do tempo na análise '''quantitativa 11 • Pois o "longo prazo" acaba sem ter outra
definição
a nao ser a de corresponder ao "tempo no fim do qual
a
moeda é neutra". Em suma, a neutralidade do dinheiro
e
um princípio sem o qual a racionalidade dos agentes (sua
capacidade de agir conscqUcntementc, isto é, com a máxima
responsabilidade pelo que acontece depois de suas
decisões ou no futura) fica compromctida 11 • Uma vez que os sujeitos econ6micos conhecem o sistema no qual eles agem,
podem antecipar perfeitamente todas as relações que têm
um caráter sistemático. Eles vivem portanto em um eterno
presente com exceção dos choques aleatórios que trazem novamente importância ao dinhciro 11 ( 2 ) Ainda asim~co
que
preciso
nos afastemos dessa visão do donheiro neutro, ê
nao esquecer que muito da funcionalidade do dinheiro esti
na sua capacidade ele dar aos agentes a ilusão de racionalidade e, se n~o
previsão,ao menos habilidade para não
assumir projetos excessivamente arriscados c incertos.Portanto, por mais absurdo que isso possa parecer, o dinheiro permite a muitos (e,~s
vezes, a certas classes socia~
viverem como se estivessem em um eterno presente.
-
No 11 eterno presente'' as mediações entre
coisas
e
pessoas podem se resolver em relações contemporâneas, isto ~'
em articul~ç6es
sincr6nicas entre os termos
cquiprováveis de um conjunto finito. Daí
que
nJ análise
real os preços em dinheiro são substituídos por relações
de troca entre mercadorias, a formação de rendas e
traduzida em troca de trabalho por meios físicos de subsistência e a poupança e o investimento são interpretados como poupança de fatores reais de produção e sua conversao
matérias
em bens de capital reais (ediffcios, máquinas,
primas).
(1)
Schumpeter, 1982, p.323 e ss.
(2) Aglietta, 1982, p.13.
Em outras palavras, os fenômenos ligac.los a algum tipo
~le
ttmcrcado" são traduzidos em estruturas cuja rigidez
(c porta.Itto indestrubilidadc) é derivada do uso do alguma variante de conceitos como escala de produção, domfnio
mícrocconôrnico do espaço mercantil através do volume
de
produção e vendas, ou técnicas cristalizadas em
algum
conjunto de forças produtivas. Isto 6, o ''capital'' 6 traduzido em entidades que retiram seu poder (de mercado) da
natureza ffsica da produção e sua correspondente
cia de indcstrutibilidade e perman&ncia.
aparen-
O ap1.ce do desenvolvimento
desse tipo de análise foi
o debate dos anos 60 sobre o capital, no centro do
qual
estava a mesma Cambrigde onde Keynes inaugurara a
integração entre inâlises "real" e "monctiíria". (1) A questão
fundamental do debate., colocada por .Jo;:m Hobfnson c diante da qua 1 Paul Samuc 1 son acabou qua~c
cap i tu1 ando,
pode
ser expressa nos seguintes termos: urna"guantidadc 11 de capital~
uma lista de m5quinas, estoques de materiais
e
meios de subsistência ou repr<?_SJ:.nta uma soma de dinheiro
cujo poder de compra sobre recursos invcstíveis depende de
taxas salariais e financeiras? Ora, a investigação
de
Keynes no Trcatise busca esclarecer as raízes dessa capacidade representativa do dinheiro. ( 2 )
Pois a anilise monet5ria nao considera o
neutro e procu~
identificar como a sua exist~nca
dinheiro
afeta
(1) Cf. Harcourt, 1972.
(2) Seria entretanto apressado identificar apenas as teorias neo-clâssícas do equilíbrio a essa interpretação
"materialista" do conceito de capital. Muito do
que
se pretende atualmente legítima "teoria dinâmica" reproduz o mesmo preconceito característico daqueles modelos estáticos. Pense-se nas inúmeras reduções
da
hist6ria econ6mica a hist6ria da tecnologia com os cclebres "ciclos longos ou mesmo em modelos dinâmicos
centrados na noção de"estrutura de mercado 11 , caracterizada por barreiras tecnol6gicas, de escala ou mercantis à "entrada e saída".
-
11
o curso "real" tanto em épocas "nonna.is 11 quanto em perío-
dos de transição, rejeitando o modelo de uma economia
de
troca. No dizer de Sd1umpctcr, "os traços essenciais
do
processo capitalista podem depender do véu monetário"
e
"o rosto que se oculta por trás do véu é incompleto sem o
próprio véu".
Mas a análise
monetária convencianal é uma macroanâlise (termo usado por Ragnar Frisch)
ou uma anâJise agregativa.
Keynes introduzirá a heterogeneidade nos agregadosmonctários que na análise convencional silo homogêneos. ..'\ssim
aparece em primeiro plano a descoberta da quaJidade
daquilo que é monetário (que deixa de se reduzir
;J
11
aquilo
que pode ser convertido em ouro", por exemplo) e portanto a anilise da especificidade das formas de organização
monetária. ( 1 ) SÓ escapando ao "fantasma da homogeneidade''
um tal modo de análise tornn-se possível. (Z) Kcynes ,aten-
to ã realidade concreta do capitalismo, operará uma
são no método neo-clâssicc para poder apTcender c trans~
mitir um conteúdo crítico,
o
tor-
não reducioriista.
fundamental
cuja
problema
economlco
explicação é apresentada no Treatise é o das crises cíclicas. Keynes não apresenta nen1n.1ma teoria causal do mecanismo ciclico, mas a partir dos fen6menos mo11etirios
e
financeiros esclarece porque as flutuações nos preços
e
na produção capitalista podem ser cata]izadas numa crise.
Isso é possível porque os efeitos desordenadores de deterioração do poder de compra difundem-se pela sociedade desigualmente não em função de qualquer 11 rigidez 11 monetária
locali:ada (essa era a explicação de Wicksell) mas porque
é possível
a dinâmica econômica só é contínua enquanto
harmonizar os poderes do mundo empresarial e do mundo financeiro. Como aconteceria com a Teoria Geral 1 muitas dessas mensagens só ficariam claras ao longo dos debates que
(1) Aglietta, 1982, p.1S.
(2) Idem, p.31.
iiJU
succde;ram-sc à publicaç.1o do Trcatisc.
Mesmo a rcccpçao atual do Trcatisc continua lacônica.
Schumpctcr, que saudou por carta efusivamcntc a aparição
1
do livro, ( ) acabou tratando-o como obra confusa e sao
poucas as linhas que ele dedica ~ obra na sua HistÓria da
Análise Econômica. Minsky ignora-o totalmente, após aceitar que foi uma contribuição interessante ã taxonomía das
instituições financeiras. Outros autores (Z)concentram-se
exclusivamente nas "equações fundamcntais 11 ou outros aspectos parciais, quando muito incorporando elementos
da
análise dos mecanismos financeiros ao "aparato" da Teoria
pera!. Raros juizos favorivcis e mais abrangentes sao encentráveis nos escritos de Harrod e Joan Rohinson. Entretanto, ocorre que a heterodoxia do Treatise é de difícil
compreensão, justamente por se encontrar, mais que a Teoria Geral,a meio caminho entre o pensamento tradicional e
a tentativa de diagnosticar diretamente os processos
da
dinâmica capitalista. 1\ Tcorio Geral, que por inúmeras ra- e geralmente interpretada segundo a perspectiva cszoes
_tática (ou, no máximo, de esti.ltica comparativa), foi mais
rápida e facilmente 11 fagocitalla 11 pelo pensamento conser-
-
vador. ( 3 )
III- DEFINIÇOES
A ncornplexa taxonomia 11 de Kcynes, mesmo sendo
menos
prolÍfic0- que a de Robertson, envolve também uma ampliação do conceito tradiciono.l do dinheiro c de suas relações com a economia. O prop6sito dessa seção continua sendo, como
ao
da
longo de todo o texto, muito mais ressaltar aspectos
elaboração de Keynes mais estreitamente vinculados ao tratamento do tempo Jo que retratarfieloucompletamente a obra
(1) Cf. CW XIII, p.176 e p.201.
(2) Davídson (1972) ,Patínkín(1977) ,Hícks(1967) ,Leíjonhufrud
(1979)
(3) Tal juizo
~
emitido com maior brilho por Graziani (1981)
101
original. Mas no caso das dcfiniç6cs, se o vfnculo com a
integração do tempo parece
primeirn vista indre~o,
6
crucial cxtendcr-se um pouco mais. O conjunto de dcfiniçoes divide-se em dois conjuntos h~sico:
quanto i natureza do dinheiro e preparatórias às equações fundamentais.
a
1 - DDI!IEIRO
Dinheiro de Conta:- O dinheiro como unidade de conta
("money of account 11 ) é o dinheiro em que dívidas,
~
ços e poder de compra em geral são expressos.E o conceito
primário de uma teoria do dinheiro. Mas o próprio Kcynes,
no célebre artigo de 1937 no "Quartely Journal of Economics',, declara que ,atuando como unidade n10nctária de conta o dinheiro facilita a troca sem que tenha necessariamente que vir i cena como objeto substantivo 3nesse sentido é algo conveniente mas sem significado ou influ~ca
real'\(l) O que é distintivo na definição do Treatise ê sua
ênfase no fato de que uma unidade de conta só pode existir na medida em que se constroem dividas, isto 6,
contratos de pagamentos diferido. Huitas coisas podem
ser
usadas como dinheiro num ato de troca, mas só quando esses·"dinheiros11 têm como referência uma unidade em
nome
d~
qual aceita-se esperar por pagamentos futuros ~
que
surge o dinheiro com pleno sentido.
Essa relação do dinheiro com a exist~nca
de dividas
leva-nos diretamente ao Estado, que € a instituição sustentadora .de leis e costumes, isto é, a instituição
que
em Última instância regula a reprodução da instituição monetária ao longo do tempo, sem o que o dinheiro perde
a
fundamental característica da continuidade.(Z)
( 1) CliXIV, p. 115 ..
(2) Pode ocorrer "uma catãstofre em que todos os contratos
existentes são simultilneamcnte cancclados 11 • Mas cabe
ao Estado regular ao limite as condições para a continuidade do dinheiro no tempo. Eis aí o germe da proposta de polÍtica monetária ativa e anti-cíclica.
1()2
Dinheiro Banc5rio:- Uma vez que a cxistancia do pr6prlo dinheiro associa-se i criação de contratos c dividas,
está aberto o caminho para a descoberta de ,que 11para muitos
propósitos os reconhecimentos de dívidas são em si mesmos
um substituto Gtil para o dinheiro no estabelecimento de
transações 11 • Quando tais dívidas são assim usadas, chamam
-se dinheiro bancário. Assim convivem lado a lado, o
di-
nheiro estatal e o dinheiro bancirio (ou
reconhecimento
de dívidas). Trata-se dos prÓprios depósitos
bancários
priva dos.·
Dinheiro Representativo:- Surge quando o Estado transforma algum tipo de dívidas em d.ÍviJa púbJic1 que a partir de
então passa a operar como instrumento de contratação. ( 1 )
Keynes dcf1ne ainda como dinhciTo representativo o dinhciro 11 fiat",c "administrado 11 • Por 11 fiat
money " entende-se
qualquer objeto cujo valor monetário na.da tem a ver com o
valor do material de que 6 feito o objeto· (p.cx. as rnoedas modernas e o papel-moeda). O dinheiro
"a clmini s t radd'
é semelhante ao "fiat", mas corresponde a um instrumento
cujo valor c emissão são facilmente manipul5vcis pelo Estado, em geral por rcferSncia a algum padrão objetivo. O
dinheiro estatal pode também assumir a forma-mercadoria ,
de
qQando sua oferta 6 governada pela escassez e custo
produção.
Dinheiro Corrente:- :E o agregado de dinheiro estatal
e dinheiro banc5rio. Esse agregado 6 retido
por v~rios
agentes (c f. a "árvore gcnca1Ógica 11 no Anexo I).
Dinheiro e depósitos bancfirios s~o,
po1s, co-extensivos e qualquer dÍvida pode ser considerada como
poder
de compra diferido (por quanto tempo é matéria totalmente
(2)
- . ).
.
ar lntrar1a
comum, p. ex., firmarem-se contratos em termos de tÍtulos públicos, como as ORTN.
(2) Cf.CW VII, p. 167.
( 1) ~
Hl3
Keyncs passa ent~o
~ dcmonstraç5o de que os
bancos
possuem o poder de ativamente criar dcp6sitos, emprestando e investindo. Criar "dcpósitos 11 significa para o banco
operar com um raio de manobra o mecanismo de criar direitos a dinheiro contra si mesmo. Como a cxperi5ncia histórica ensinou aos banqueiros que "raramcnten esses
direitos são todos exigidos simultaneamente, os bancos
podem
ampliar ativamente depósitos superiores às suas reservas
;
efetivas. E e na descrição desse mecanismo que
aparece
a primeira ref~ncia
no Treatise ao processo de formação
de expectativas, pois
"( ... ) o comportamento de cada banco, ainda que
não possa adiantar-se muito ao dos outros (l),serã governado pelo comportamento médio dos bancos
em seu conjunto ( ... ) cada banqueiro ( ... ) pode
considerar-se o instrumento passivo
de forças
exteriores sobre as quais não tem controle; mas
essas ''forças externas'' podem nadn mais ser que
ele mesmo e seus sócios, e certamente nao scrao
os depositan.'~
(CW V, p.23).
Esse é o típico processo de formação de expectativas,
onde cada agente procura moldar o seu comportamento
de
acordo com uma avaliação do comportamento médio (como na
metifora Ja Teoria Geral: procura votar no candidato que
acredita vai ser mais votado pelos outros). Dessa
forma
a criação de cr~dito
6 um processo que, mesmo sendo vin11
culado ã ampliação no tempo de poder de compra, é
cego
para o futuro 11 , pois tem como base apenas a avaliação do
comportamento médio no presente. Se todos agem assim,ninguem pensa no futuro.
uma
"Um sistema monetário desse tipo
possui
instabilidade inerente, pois qualquer evento que
tendesse a influenciar o comportamento da maioria dos bancos na mesma direção, progressiva ou
(1) Na
criação ativa de dep6sitos.
regressivamente, nao encontraria qualquer rcsist~ncia
e seria capaz de instaurar um movin1cnto
Violento de todo o sistema." (CWV, p.23).
Naturalmente isso 11 raramente 11 acontece ... Mais
ímportante do que a constatação da instivcl capacidade
de
potenciação das pr6prias reservas pelos bancos, mecanismo aliás exposto em qualquer manual, é a descrição
do
comportamento típico dos banqueiros. Esse comportamento e
o tipo de vínculo que ele estabelece com o "presente" se(1)
- .
.
rã objeto de u 1 ter1ores comentar1os.
Tipos de Dep6sitos:- No capitulo 3 do Trcatisc Keynes começa uma an&lise que antecipa em alguns aspectos a
:de dinheiro
análise dos motivos que governam a retenção
típico da Teoria Geral. A classificação dos tipos de depósitos tem como princípio a incerteza. Pois
''Seja longo ou curto> geralmente h5 algum intervalo entre a remuneração e o gasto de um
individuo. A16m disso, ele não stibe-scmprc prever a
data precisa de um ou outro. Deve, então. reter um
estoque de dinheiro, ou um comando imediato sobre dinheiro na forma de dcp6sito banc~rio,
para
cobrir os intervalos de tempo entre receitas
e
gastos e para se precaver contra contingências"
(C W V, p.30-1l.
Tais depósitos são denominados dcpósit_os de rendaC'income depasits"). Assim corno no caso dos gastos pessoals,
também
precisa
uNo caso do gasto empresarial, a data
nao pode
à qual dever-se-á cumprir obrigações
ser sempre prevista". (idem).
(1) Cf. CWV, p.26, onde é reafirmada a dificuldade de"res-
tringir a instabilidade inerente ao sistema'' na medida em que o ritmq de expansão dos bancos tem como base essa criaçio ativa de dep6sitos.
1_.J,")
f"
Essa reserva de contingência 5 denominada
dcpósit~
empresarial ("business deposit"). O conjunto desses depÓsitos recebe o nome de dcpósitg de caixa ("cash dcposits").
Um terceiro tipo de depósito é discriminado por Keynes ~ os depósitos de poupança ( 11 Savings dcposits") .Aopç.:Io
por esse tipo de depósito jã revela algum tipo de avaliação sobre o futuro que é compensada pela taxa
de juros
oferecida pelo banco, ou então o indivíduo pode julgar que
outras aplicações no decorrer do tempo scrao menos rentáveis monetariamente 1 etc. O critério é ser
um depósito
que não é requisitado para pagamentos correntes.Aqu:i já ap~
recem as raízes da futura teoria da 0 Preforência peJa Liquidez".
2 - CIRCULAÇI\0 INDUSTRIAL E C!RCULAÇI\0 FINANCEIRA
A partir dessas definiç5es Kcynes caracteriza
dois
tipos distintos de fluxos monet5rios:
a) clepÓsitoscm;:nesariais retidos com o propósito de fazer
face
funções produtivas - pagamentos ou fatores de
produção(l)e materiais usados no ostEgio corrente
ou
no que vai se iniciar - constituem a Circulação Industria!_, governada pela produção corrente;
as
b) transações especulativas em bens de capital ou mercadorias (Z) e transações {inanceiras (com titulas
pfiblicos ou mudanças nas formas de aplicação) são tipos
de transações que não são governadas pela produção corrente, e em conjunto com os depósitos de poupança constituem a Circulação Financeira.
(1) Esses .ragamentos constituirão os 11 dcpósitos de renda''
(''income depósits''). Esses depósitos de renda são dotados de maior estabilidade que os depósitos empresariais como um todo, do qual são derivados. (CWV ,p .40-1).
(2) Lembrar que, para Keynes, a produç~
capitalista forçosamente mantém uma posição especulativa,pois e constituida de despesas monet5rias.
l V\j
no r:itmo com que um círculo de financistas, cs-
pcculadores c investidores transferem-se mutuamente porções de riqueza, ou títulos dando direitos a tais porçoes, que eles não estão
nem
produzindo nem consumindo, mas meramente intercambiando - não tem qualquer relação
definida
com a taxa de produção corrente. O volume
de
tais transações é sujeito a flutuações muito amplas e incalculâveis, facilmente duplicam de um
momento para outro na dependência de fatores como o estado de sentimento especulativo - c alnda que possivelmente seja estimulado pela atividade e deprimido pela inatividade da produção,
suas flutuações são bastante diferentes em grau
daquelas da produção. Além do que, o nível
de
preços dos bens de capital assim negociados pode variar de modo bem distinto daquele dos bens
de consumo." (CWV, p.42)
(grifos meus).
-
O "estado do sentimento especulativo" e um
termo
anterior a "expectativasn. Assim, além da distinção entre
11
industria1" e 11 financciro"Keyncs adota a separação crucial
entre determinantes dos preços de bens de capital e bens
rede consumo. Tudo a partir de uma separação bisica:
tenção de dinheiro para fins imediatos c correntes
ou
utilização do dinheiro como ponte para atividades futuras.Cl) Mas o futuro, em grande parte definível a partir
da circulação financeira, subordina-se ao ''estado do sentimento especulativo".
3 - RENDA:
Tr~s
(1)
expressoes sao sin5nimas no Treatise:
- a renda monetária da comunidade
Sintoma de que a análise convencional Hnão leva
o
tempo a séTio" é o modelo da economia em llmercados"
de bens, titulas, dinheiro e trabalho. A partir dessa
classificação, sempre que o tempo for introduzido permanecr~
um elemento extcrior.Voltaremos a esse ponto
cf~
LeijonhufYud,
1979, p.221.
!(;7
... a rcmuneraçao Uos fatores de produção
- o custo de produção
O traço marcante dessa definição de renda
ci.a dos lucros.
Lucros
~
a
aus~n
= (custo de produção do produto corrente) -
(receitas de vendas realizadas).
A definição de renda inclui:
- sal5rios c ordenados
a remuneração normal dos empresários
- juros e rendas
Os lucros (ou perdas) alteram a riqueza acumulada dos
empresários e, portanto, não são incluídos no fluxo
de
rendimentos correntes. Essa riqueza acumulada const.itui
um estoq\IC, podendo ou não ser utilizada (quando h5. per-
das, há uma diminuição do estoque). Mas essa
distinção
entre lucros e renda depende de uma definição prévia de
11
remuneração normal 11 dos empresários.
4 - REMUNERAÇÃO NORMAL DOS E~1PRSÁIO:
A remuneraçao normal dos empresários
ê, em
qualquer
momento, a taxa de remuneração que, se
eles entrassem
em novas barganhas com todcis os fatores de produçãO que
estão sendo remunerados a taxas correntes, nDo daria aos
empresários nenhum motivo para aumentar ou diminuir a sua
escala de operaçocs.
Assim, se o resultado das vendas cxccJer o custo de
produção e não houver pressões por melhoria salarial ,surgem lucros que estimulam os empresários a expandir a escala de operações, mantidos os custos
salariais (i.e.,.
mantida constante a renda).
foupança:- E o conjunto das diferenças entre a renda
monetária dos indivíduos e seu gasto monetário em consumo corrente.
1Oi;
Investimento:- A taxa de investimento e o incremento lÍquido, durante um período de tempo, do capital
da
comunidade. O valor do investimento nüo é o
incremento
do valor do capital total, mas ê o valor do incremento do
capital.durante um período qualquer.
Valor do investimento corrente
= poupança
+
lucros
Importa obscrvar,nessas definições, que a
divisão
da sociedade em empresários e assalariados já confere uma
característica peculiar à própria explicação que se venha a dar dos processos econômicos. Pois numa tal saciedade, s6 o rendimento dos empresirios 6
completamente
1
móvel. ( ) Os trabalhadores podem decidir quanto
gastam
a partir de uma renda monetária dada enquanto os empresários, por acumularem riqueza~
têm um maior
raio
de
os trabalhaação em termos de decisões de gasto. Mas
dores não podem decidir a ~antide
de bens de consumo
a ser adquirida. Pois tal montante dependerá do
nivcl
de preços que encontrarão no mercado (o rendimento
dos
fatores está fora da circulação financeira c,
portanto,
completamente desprotegido face ao futuro). SobTetudo,hâ
um limite mais agudo i capacidade de gasto dos trabalhadores: em Gltima análise, a quantidade de bens de
consumo que os empresários decidirão produzir. Ou seja, os
trabalhadores podem) mas apenas dentro de limites severos, "decidirn quanto gastam. (Z)
Qua~to
A definição de renda e i distinção entre
cros e remuneração normal dos empresários, trata-se
é bem diferente de afiTJnar abstratamente
lude
que
os salários são "rígidos 11 • Esse foi a principal moa publicadificação incorporada por Robertson a~os
ção do"Banking Policy ... n Apesar de formulada 11 prolixamente, essa hipótese abre C3minho antes do
que
se costuma supor à sintética máxima de que os Htrabalhadores gastam o que ganham e os capitaljstas ganham o que gastamn.
(2) Grazíani, 1981, p.216.
(1) O que
-
1u~;
uma elaboração a partir da tradição marshallianu. Tratavu-se de um conccJto, na obra do Marshall, colocado
no
centro de um conflito insolúvel: "o dilema encontrado por
Marshall entre uma análise estática c o panorama dinâmico do mundo vem i superfície na definição de lucros normais. Se uma taxa dada de lucro é o preço de oferta
de
uma quantidade dada de capital c empresa, então a oferta
é constante quando os lucros são normais e se rcqueriria
a aparição de lucros superiores aos normais para que surgisse um incremento no estoque de capital. Mas se a acumulação vai se efetuando, os "lucros normais" devem significar o nível de lucros que permite uma taxa normal de
acumulação. Esse confLito nao está resolvido em
parte
alguma". (l)
O dilema, que renparece
transfomd~
no
Trcatis~,
basicamente o dilema entre analisar variações de preços (portanto, dado o produto) que acabam
determinando
variações no volume de produçilo (e, portanto, no volume
gerado de renda). Mas se se pressupunha um dado produto,
como supor que ele c a renda se alteram? A solução lmediata fornecida por Kcynes foi a de 115o considerar como
parte da renda os lucros surgidos com a variação de preços., Mas esses lucros, podendo ser acumulados, afetam as
decisões de gasto dos períodos subscqUentcs! Assim, Key~
nes necessariamente constrói uma visão dinâmica da economia, na medida em que decisões de 1.1m período estão vinculadas a outros períodos.
~
Nas a análise fica incompleta, pois se há variação no
produto em períodos subscqUentcs, a análise deveria transformar-se em an~lise
da flutuação da produção e do
emprego, enquanto no Treatise o instrumento analítico descreve apenas esse efeito inicial de variação de preços.
(1) Robinson, 1974, p.308. Cf., acima a discussão
sobre
"RaÍzes Harsh~lin
.0
normal como tendência de longo prazo pode, entretanto, ser interpretado como 11 expectativas de longo prazo".
1
11 o
-
O importante e que, uma vez dado esse passo, o
apontado por Joan Robinson
dilema
deixa de existir pela
des-
truição de um de seus termos, pois já não há como falar
de "acumulação norma1 11 • Quando surgem lucros, a alteração decorrente no estoque de capital não está diretamente ligada à produção corrente. Qualquer relação de propocionalidade entre nfvel de investimento,
crescimento
do produto e taxa de acumulaç.1o perde o sentido, (l) pois
se os lucros estão fora da renda, tarnb6m não são identificados à "poupança".
Entretanto, mesmo incompleta, o foco da an51ise agora repousa sobre uma variável cujo comportamento é
imprevisfvel. Os lucros(Z) nãó precisam estar a um
nfvel
determinado "a priori 11 • A noção de remuneração
normal,
ainda que seja uma noção que reflete a reiteração de uma
decisão 'no tempo, nem por isso deixa de ter um caráter
expctaion~,
subjetivo. A conccpção·do que ~
''normal''
aplica-se tanto às condições objetivas quanto às expectativas de magnitudes das variações econ6micas enquadradas por essas condiçõcs.( 3 ) Em Última análise, a remuneração normal relaciona-se apenas com expectativas
nao
revisadas de ganho e podem, portanto, ocorrer a qual~!cr
nível de emprego. Nada têm a ver com qualquer imperativo
de equilibrio geral dos mercados. O preço normal e a remuneTaçao a ele associada mantém muito pouca relação com
o preço quo seria determin3do no movimento cotidiano dos
"leilões" de mercado, pois referem-se a uma economia em
que os bens são produzidos no tempo, "num sistema
que
distingue e reconhece presente e futuro, ligando os dois
através de contratos denominados 'em dinheiro". ( 4 )
(1)
Ainda assim, iJS teor·ia·s· pós-Keynesianas de
crescimento buscam "modelar" um padrão de evolução do sistema econômico no tempo a partir dessas relações.Cf.Kregel, 1973 .. lhvüison,
'i:l72, p 131.
lucros inesperados.
(3) Kregel, 1973, p.37-8
(2} "Windfalls
(4) Idem.
11
,
11 i
O longo prazo nao existe. f! apenas uma representação, um tipo du decisão que é, entretanto,
tomada
no
11
"curto prazo • Parafraseando, o. longo prazo o longo pruzo estará morto.
A identificação entre lucros e rendimentos aparecia
já em um texto de 1919. (Kcyncs, 1963, p.77). Deve-se notar a ''forte por6m tácita perspectiva expectacional
do
pensamento de Keynes nessa passagem e em toda a concepção
do Trcatise. Pois a renda esti sendo definida como renda
~erad.
Está claramente implicado que se os
empresarios estivessem certos, no início de cada intervalo, de
qual seria o resultado das vendas de cada possível quantidade de bens confiada aos consumidores, suas decis6es
individuais resultariam numa tal ctuantidadc sendo
confiada que lheS desse e5srl remuneração "normal n ( ••• ) Jj a
remuneraçao normal que eles esperam' 1 .(l) Shackle faz uma
extensão do caráter expectacional dos lucros para a renda, pois se a remuneração normal (que 6 parte da renda)
tem caritcr cxpcctacional, então o mesmo se di
com
a
magnitude de que é parte.
Os lucros 1 considerados como rcmuneraçao inespel'ada,
em ~ltima
instincia impedem qualquer explicação do tipo
"hidr5ulico" para a volta ao equilíbrio no período em que
eles ocorrem. Mas e justamente no momento em que Kcynes
procura reencontrar a outra 11 parte da transição, isto e
um novo equilibrio, que surge uma an5lise em termos
de
supor que o excesso de lucros, voltar-se-ia para o consumo de bens de consumo\\ (CWV, cap.10, item 11). Shackle
entretanto aponta o perigo dessa opção, p'ois a experiência e o fato registrado de tais lucros s6 podem ter implicações sobre o gasto dos emprcsirios no futuro.
Uma
vez que, em um período, surgem os "lucros" inesperados,
eles s6 podem afetar a decisão referente ao período subsequente. Se Keynes dota seus conceitos de caráter
expectacional, isto é, são conceitos inerentemente víncu-
-
(1) Sh;tcklc, 1967, p.170.
112
lados com a passagc1n do tempo, surge a questão crucial:
se o longo prazo 5 um horizonte cxpectacional especifico,
qual a natureza do período Uc ~empo
no interior do qual
ocorrem os processos analisados pelos conceitos do Trca,
?
tlSC.
IV- SOBREJNVESTIMENTO
Antes de responder ã questão, é necessário passar da.s
definiç5cs dos conceitos i an51ise propriamente dita
e
de duas
que deles faz uso. Faremos esse percurso atrv~s
etapas: a questão de sobreinvestirncnto c as equações fw1damentais.
A id6ia de sobreinvestimcnto surge em textos ond~
a
anilise do Treatise ~ utilizada para explicar problemas
econ6micos concretos. Antes portanto de nos envolvermos
com as manipult~çÕes
conceituais "a seCo 11 _,
·vale a pena
apreender um pouco do contexto em que tais conceitos eram
usados.
Em 1913 Keynes escreveu em texto,(l) que
teve influência sobxe os trabalhos de Robcrtson, em que é feita uma crítica ã Teoria de Fischcr do ciclo de
crédito,
que explicava a irrupção da crise pela súbita percepçao
pelos banqueiros de que o nivel de reservas ao longo do
tempo tinha-se reduzido perigosamente, momento a partir
do qual repentinamente resolvem cortar o cr6dito provocando a crise. Esses podem ser muitas vezes os sintomas,
escreve Keynes, mas não as causas de uma crise.
A teoria do sobreinvestimento nao é considerada
cor~
reta por Keynes, mas é a que dá significativas,sugestões
de. idéias Úteis". (CW XIII, p.4).
(1)''How far are ba11kers responsible for the ~lternaios
of crisis and depression?u ("Em que medida os banqueiros são responsiveis pelas altern5ncias da crise
e
depressão? 11 ) , in CW XIII, p.Z-14.
113
"Alternadamente, tliz-sc, lcví1dos por espcrJnças excessivas ou retidos por temores exagerados, uma proporção grande demais ou
pequena
demais Jas reservas do mundo é fixada na forma
de melhorias de capiral permanente." (idem)
A partir dessa constatação, sao feitas duas
sugest6es crr6neas pois entendem por sobrcinvcstimento:
- que houve um excesso de investimento no sentido de que
se invest lu mais capital do que aquele que efetivamente
existe;
- que houve um excesso de investimento no sentido de que
se investiu al~rn
do que seria lucrativo.
A pr'ime.i r a interpretação, tomada 1 i tcralmente} é J_mpossívcl. A segunda não é suficientemente amparada pelos
fatos.
"Alguns investimentos sao feitos bestJ.mcnte tanto em tempos de 11 boom11 quanto em tempos
de depressão. Mas os assim chamados períodos ele sobreinvestimcnto freqUentemente ocorrem por uma
sGbita grande expansfio das oportunidades de investimento excepcional lucrativos.'' (idem)
Keynes então divide os recursos da comunidade duran ..
te um período (um ano) em três partes: uma e gasta, outra ~pouad
e uma terceira 6 retida pelos
indivíduos
em suspense, como recursos livres para serem gastos
ou
poupados de acordo com circunstâncias futuras. Essa parte retida em suspense face ao futuro incerto, di~
Keynes, vai para os bancos. Os bancos têm portanto no capitalismo a capacidade de adquirir o poder de
determinar
quem tem o controle imediato (ou seja, temporário)
dos
recursos materiais, comandáveis pelos.dep6sitos correspondetes is reservas. Podem transferir o controle desse
pod<:r do gasto segundo critérios próprios. Mas esse
po-
der de gJsto s6 pode ser exercido por dois tipos de pessoas:
- aquelas que estio sustentando (levando adiante) estoques de bens consumíveis ou que usam esses bens em processos que rapidamente geram mais estoques de bens de
consumo;
aquelas que gastam em formação de capital que nao vai
gerar em qualgucr momento próximo bens consumíveis de
valor equivalente ao valor do gasto inicial.
Vemos surgir aqui, ji com &nfasc, a relação entre os
setores de be-ns de consumo e bens de capital expressa em
termos de perspectiva temporal: da distância entre o momento do gasto e o momento do consumo.
Os fundos disponíveis para formaçâo de capital
portanto origem dupla: por um lado aquela parte da
queza especificamente destinada a isso, e por outro
parte dos recursos banc5rios que r.9de ter esse fim.A
tir daÍ a noção de sobrcinvcst imcnto é redefinida
Kcynes.
têm
ri-
uma
parpor
u( ... ) em cada ano o valor dos bens
materiais
efetivamente usados para a formação de capital
pod.e exceder ou nao o valor deliberadamente poupado, na dependência da maior ou menor magnitude dos avanços realizados pelos bancos para fins
de gastos de capital. Eu digo que há uma
tendência ao sobreinvestirnento( ... ) quando a proporçao dos fundos nas mãos dos banqueiros
que
acaba se fixando em formação de capital permanente está aumentando." (CW XIII, p.5)
Essa tendência ao sobreinvcstimento
liga-se diretament.e à existência de diferentes percepções do tempo na
ns
sociedade. Em outras palavras, as diferentes
de 1iquídcz por parte de "indívítluos 11 versus
exig6ncins
"comunída-
"Pois alguma parte considerável dos fundos deixados com os banqueiros podem ser investidos em
formas fixas com perfeita segurança.
Enquanto
cada indivíduo acha conven:i.ente manter o que tem
com os banqueiros sob forma lÍquida, a cornunidadc como um todo, baseando-se na lei das
medias, pode permitir-se manter sob forma líquida
um volume menor que o agregado das
exig&ncias
-
individuais." (CW XIII, p.S-6)
Em 1913 Keynes ainda confia na "lei das médias".
(1)
Mas o ponto importante está no surgimento de uma disn·c-
pincia entre o que os indivíduos dcliberadaJncnte decidem
reservar para o futuro c o que os banqueiros clccidom adicionar ao fluxo de construção de consumo futuro(formaçfio
de capital). Entre o que os indivíduos i_ccj-dcm não consumir c o que os banqueiros deci!~
(pela comunidadc)não
ser consumido imediatamente. Dois grupos com
exigências
de liquidez (e portanto avaliações do futuro) completamente distintas decidem, por um lado quanto é
poupado,
por outro quanto 6 investido. s5 por casualidade
esses
dois 11 quantaH coincidem. (Z)
Ü 11 boom"
sobre
representa um excesso de investimento
poupança e a depressão
em excesso de poupança sobre
inbancária
vestimenta. I·fas nesse momento, é a maquinii.Ti<:l
que torna possível essa discre1)ância. E nada garante que
empréstimos
os ci·itêrios de avaliação de liquidez.
de
(1) O Tratado sobre Probabilidade só foi publicado em 1921.
(2)
n uma
anâ1 ise de decisões e rcaçõós a _deciSÕes ~lO'
longo
do tempo. Claro que no final do períoJ.o, no se fazer
a contabilidade nacional, o volume de recursos naoem-
prcgados coincide com o acr~simo
de riqueza. Isto é, poupança
=investimento
+dividas.
novo
+
ao
estoque
reservas nos
bancos
11 (;
dos bancos scj am capoz;~
de evita r esse incremento nd taxa de transformações dos recursos livres da comunidade em
riqueza permanente fixa, que acaba levando ao
sobre investimenta.
"( •.. } a distinção entre bons e maus
emprestadores nada tem a ver com qualquer distinção baseada no modo peJo qual eles estão usando
seus
fundos. Um empréstimo pode ser liquido do ponto
de vista de um banqueiro individual porque
ele
sabe que pode conseguir o dinheiro de volta
se
quiser, embora os rendimentos dele sejam empregados em formas fixas. E pode nao ser vantajoso
para o banqueiro individual desencorajar empréstimes para um cliente em particular
meramente
por esse cliente -pertence ~ classe que vai
depressa dentais para os interesses da comunidade.
Assim 6 extremamente diffcil para um
banqueiro
saber com certeza quando um perfodo de sobreinvestimento est5 em progresso, e-pode Itão ser necessariamente vantajoso para o banqueiro desencorajar emprcstadores ( ... ) para formação
de
capital mesmo quando ele sabe que o sobreinvestimento está em curso. Sua ação individual
nao
poderia obstar apreciavelmente o
sobre investipermente, enqu?nto no meio tempo ele estaria
dcndo bons negÓcios se não cmprestasse."(CW XIII,
p.7-8)
Em suma (e já aqu1 estamos a léguas
da
teoria quan-
titati v a)::
11
0 que precipita uma redução nas facilidades
~an-
ciÍrias e portanto a crise não é a falta de dinheiro,
capí tal
i.e.,de moedas de ouro, mas a falta de
em forma li\·re, não investido. :-.;ão é tanto a proporç.ao dos compromissos bJ.ncârios face Zis suas reser-
yas,ma:;;;.o caráter doS compromissos." (C\'/ XIII, p.9).
A diminuição de reservas 6 apenas u1n sintoma c
.nao
a causa. Tanto ~que,
caso houvesse uma ampliação
na
oferta de dinheiro ou um aumento inesperado de caixa isso apenas retardaria a crise.
Antecipando argumentos que ressurgiram transformados
muito tempo depois, Keyncs afirma que o perigo de sobreinvestimento (positivo ou negativo) torna-se cada
vez
maior na medida em que se desenvolve o mercado de capitais e as aplicaç5os de curto prazo (CW XIII, p.10).
O
11
sobreinvcstimento só é curado" com a crise, isto é, com
a depressão nas indústrias de bens de capital. Aí o trabalho de definir o futuro da comunidade deve ser promev
tcicamentc recomeçado, uma vez que se percorreu uma trilha. inconsistente do ponto de vista social, mas que Individualmente parecia boas oportunidades de investimento. O antro de desequilibrio não €, portanto,
qualquer
noçao apriorística de "excesso" de investimento face
a
algum padrão absoluto de crescimento, mas é a impossibilidadc (aqui atribuida
rnaquin5ria banc5ria) dc
coardenaT o que é uma boa oportunidade para alguns indivÍduos
com o que e oportuno e neccssfirio socialmente.
a
Nota-se, al6m de tudo, que uma id€ia inicial
fica
sempre no fundo: a de "rccursos 11 ou "riqueza" da comunldade. Como j5 ocorria em Marshall, Keyncs não distinguia
entre riqueza e renda. (1)A análise depende, também,
da
hip6tcse de que esse conjunto de recursos ~ um
estoque
dado desde o inicio. A anilise apenas indica de que forma os mecanismos de uma economia monetária (isto e, banc5ria) administram e distribuem no tempo de tal
forma
seus recursos que hâ uma tendência à ruptura da própria
continuidade das atividJdes. Nas a indistinção entre renda e riqueza, e portanto entre estoques e fluxos, deixa
na penrumbra a questão de qual seria um ~ltirna
an5lise a
causa da discrep5ncia entre poupança e investimento.
A
crise é possível devido ã. 1n3quinaria dos bancos, mas isso
(1) Cf. Patinkirn, 1976, p.27.
nio explica os Jccis6cs dos cmprcs5rios, isto
6
a lo-
gica do cilculo daqueles que v5o tomar os cmpr5stiJnos
nos bancos. Sem esse cscJ.arccimcnto, a própria
noçao
de "per~Q_
(no caso~
um ano) é totalmente arbitrária, c fica-se sem saber a partir de que momento foi
possívr:l aos empresários acreditarem na maior ou
me-
rlqueza, só a determinação arbitrií'ria de um período dá
nor existência de oportunidades de lucro~
Dada a
sentido ã variação no estoque. E sem a distinção
tre riqueza c renda, c
.9-~dos
os recursos da sociedade,
o processo continua tendo a apar8ncia de que os
cos são
11
en-
ban-
responsâveis" pela crise e depressão.
"Por um acidente de nossa organização
econo-
mica, as demandas flutuantes da indt:Ístria por
dircitos.sobrc a renda real corrente (ou
de-
manda da indústria por poder de compra),
que
podem, ao se fornecer salários mais ao traba-
lho e de outras formas, ser convertidas
em
processamento de bens, são satisfeitos principalmente atrav€s dos bancos. ( ..• ) Os bancos não podem, por Sl mesmos, criar poder de
compra real( ... ) mas enquanto isso é
quanto ao volume de ~r_dc
_c~E.!a
os bancos podem emprestar, j5 não ~
rc~}_
verdade
que
verdade
quanto ao volume de dinhciTo bancário que eles
podem emprestar - pelo menos em relação
bancos como um todo." (CW Xlll,p.20) (1)
aos
De qualquer form::1, aos poucos fie: a clara a questão
teoria
quantitativa sofre nas r,;;:los de Keynes. Trata-se de saque emerge das sucessivas transformações que a
ber como é possível o 51..11:gimcnto de podeT de gasto adi
cional na soe icdade. (ZJfJ:utindo da discussão sobre as
nesse poder, aos poucos vemos que a questão
flut~aç§_es
rele\·J..nte refere-se
11.1
\'enbde Zi descoherta de que classe de com
de um excerto elo nsumnio Ja Teoria do Jutor", rasnmho do p1·imeiro c:1p.Ítulo do Trc,lti.se, no\L'Il~1r
de 1512-L
(1) Trat~1-se
(1) 1\o Trcatise,
3 cxclus:io dos lucros ci'l definição de renda tor
na e55e poder adi.(:ional possÍYel, n.:conheccndo-.sc O
papel
central de unn Ülterprctaç:lo expcct;Kional cb sua definiç3o
de rend.J, como fe:: Shackle. cf. também Schmitt, '1972.
pradores, na sociedade capitalista, tem a capacidade de
gastar com maior independência, a tal ponto que
mesmo
dada a riqueza é possÍvel surgir um acréscimo (ou decrésc:írao) no poder do gasto e portanto de consumo e
investimento. O problema de se supor dada a renda e a riqueza c que essa auto-ampliação do gasto redunda ser inflação (ou deflação no caso de retração de gasto). Como em
1913 a preocupação era com a crise, esse resultado
nao
aparece claramente. Nas no Trcatisc ele ressurge tomo conscqUência natural das "equações fundamentais 0 : variações
no poder de gasto implicam oscilações no nível de preços
e subscqUcntemcnte na produção corrente. Além disso, no
Trcatise não serão mais os bancos os "culpados 11 imediatos da n.Jo__1:c'rcepção dc que alguns indivíduos estão "indo depressa demais para a sociedade''. E,numa carta
a
Kcynes,C1) o economista e Í[ltimo colaborador R.G.Hawtrey
alertava:
-
''Mas eu acredito que o motivo predominante 5 o desejo por liquidcz, não o desejo de esperar
por
uma
oportunidade de investimento mais favorável. Com os ncinflagócios ativos a liquidcz podc~_a
t:raduzir-sc em
ção, ~as
não seria difícil para os bancos evitâ-lo
se
fosse ameaçador."
V - AS EOUAÇOES FUNDAMENTAIS
1 - DERIVAÇÃO DAS EQUAÇOES
Ainda que tenhamos aspontado os limites da
hipótese
de "riqueza" dada, há algumas características da
visão
fornecida pelos conceitos do Tr~
que é crucial explicitar para que as 11 equações" fundamentais tenham seu
alcançe compreendido.
(1) 7 de outubro de 1928, Clv XIII, p.77.
12()
Sa medida em que o processo de investimento
pode
avançar al6m das opções fcititS pela comunidade como
um
todo em termos de consumo imediato c consumo futuro,rompc-sc a conexão da teoria tradicional entre produção e
sistema
consumo. Essa ~ a hip6tesc de base de qualquer
complt~,
no sentido 16gico de determinação de preços. Nesses sistemas as equações expressam a hip5tcsc de que
a
produção se faz pelo consumo, pe-J.a absorção dos meios de
produção
,(que são produtos). O problema de sobrcinvestimcnto é basicamente o de criação e destruição de
capacidade produtiva independentemente de qualquer relação
proporcional entre o que 6 produzido e o que é comsumido. Ou seja, trata-se de um sistema onde nao vale a ' 1lei
de conservação de energia" - não há nenhuma ligoção ob_jetiva ou absoluta entre as mercadorias.(l) Isso porque
a moeda, e o fato de produção ser antes de mais nada uma
decjsão em termos monetários, implica em~
em algum futuro que nada garante corTcspondcrâ ao futuro
em
que estão apostando outros agentes. Mas at6 aqui
vimos
Keynes identificar esse modo da aposta apenas is
doeisoes e comportamento do sistema bancário. De qualquer nuneira jâ se trata de uma ruptura com a visão do sistema
econômico como um processo circuJar que se reproduz intacto ao longo do tempo. A partir dai, KcyJJes j5 se situa na linha da teoria moderna que) segundo Sraffa,é uma
- d e avcni d a d e mao
- un1cn.
- .
(Z)Q ue no caso
d"lSCUtl"d o
visao
tem sua irreversibilidade perigosamente acentuada quando
a velocidade do. tr5fcgo e estimulada pelo poder dos ban~
cos ncriarem 11 riqueza.
As"equaç.ões fundamentais 11 visam a explicar ainda
mPsno fen6meno: a desigualdade no processo de
o
difusão
juizo encontra-se formulado de modo mais detalhado em Schmi t t, 19 7 5, p. 19 5.
(2) f claramente no 11 Tableau Economique 11 de Quesnay que
se encontTa a perspectiva original da produção e consumo como um pTocesso circular, o que contrasta fortemente com a visão aprese::1tada pela teoria moderna,
de uma avenida de mão Única que leva dos 11 Fatores de
Produçâo 11 aos 11 Bens de Constml0 11 • Sraffa .. , 196D,p.43 c f.
SchlJ1itt , 1975.Nada assegura o Tetorno ao equilíbrio inicial.
(1) Tal
121
das altcraç6cs nos nivcis de preços. Localiza como fator
causal das oscilaç5cs no poder de compra, tamb6m, a desigualdade entre poupança e investimento. Mas o elo anterior de sobrcinvcstimcnto fica
por identificar, continua ausente, qual a origem dessa discrepância? No texto de 1913, boa parte da responsabilidade era atribuida
aos bancos. Já no Tr~,P:tisc
a fonte de perturbação é
o
0
surgimento ex-abrupto" de lucros, isto ê, de remuneração acima da esperada pelos empresários. A
existência
de tal surpresa constitui o ' 1 clemento dinâmico 0
•
Mas
o
que gera tal surpresa? Certamente a obtenção de receitas
a
com vendas superiores aos custos incorridos. Então
surpresa &determinada por um nivel de preços de bens de
_consumo inesperadamente alto (ou baixo). Mas o objetivo
das equaç5cs € justamente explicar o que determina a oscilaçâo do nfvel de preços (tanto de bens de consumo co-
mo de bens de capital).
primeiro
al6m dos bancos nao aparecerem em
plano, Keyncs apresenta uma divisão dos recursos da comunidade diferente duquela aprc:scntada no texto de 1913.
O fluxo da renda rnonct5ria ~ dividido em:
Agora~
- partes rec~bidas
como rcmuncraçao pe1n
bens de consumo e bens de investimento;
- partes
.~sta
produção
de
em bens de consumo e poupança.
investiA origem da discrep~na
entre poupança e
mento está na clespro_porção que venha eventualmente
a
surgir na relação entre:
bens ele consumo
consumo
- - - - - - <c---;
bens de cap i t.a 1
poupança
investimenta c bens de consumo não é necessariamente a mesma que se afetiva nu divisão da renda entre poupança e gasto em consumo.
Pois
trabalhadores silo igualmente pagos tanto quan-
do produzem para investimento quanto no caso
de produzirem para consumo; mas tendo recebido
seus salários. Siio eles que decidem se vão ou
não gasti-lo em consumo. Nesse interim,
os
empresários já decidiram de modo
completamente independente em que proporç6cs produzirão as duas categorias de produto 0 .(CWV,p.123)
A independência entre decisões de produzir c decis6es de gastar 6 portanto a causa potencial da desigualdade entre poupança c investimento. Assim, dtfas
sao as ,equações fundamentais: uma relaciona-se ao nível de preços de bens de consumo e a .outra ao nível geral de preços ponderado pelo nível elo preçoS de bens de in-
vestimento.
Derivação
das Eouoções Fundament.ais
-~:.1"·
E
o
...
renda monetária da nação
produção total do bens (em termos de unidades
que têm o mesmo custo de produçfio na
I'
E-I
...
1 •••
ba-
se) no período
parte de E recebida pelos fatores que produzem bens de investimento (valor dos investimentos ao custo de produção de bens de consumo)
custo de produção da produção corrente de bens
de consumo
volume lÍquido de bens de consumo e
·fluindo ao mercado e comprado pelos
R
da~1
serviços
consumi-
dores (fluxo de produção de bens de consumo)
aumento lÍquido do investimento
C
(O = R + C)
P
P.R
s
E-S
...
...
...
nível de preços de bens de consumo
gasto corrente em bens de consumo
poup3nça
gasto corrente em consumo
E . C •.. custo de proJuçio do novo invcstimcJtto (= I')
o
Como gasto em consumo
= renda
- poupança
P • R : E - S : E (R + C) - S : E • R + I' - S
o
o
s
+ I'
R
1 fJ equaç.ao fundamental
Se
w
Wl
e
...
...
...
taxa de rendimentos
taxa de rendimentos por unidade de produto
coeficiente -oe eficiência
e
Wl
=
li
Wl
:
-Eo
port_anto 1
p
:
W1
- -R- -s
+ T'
ou,
P-1.W+l'-S
e
---R
Pode-se asslm dizer que o nível de preços dos bens
de
censurao é composto de dois termos: o custo de produçã.o e a
relação entre custo dos novos investimentos e volume de poupança corrente. O nível de preços de bens de consumo é completamente independente do nivel de preços de bens de
vestimenta
(notar que na equação entra
o custo do
1n-
1nves-
t
imer1 to novo, na o seu prcço).(l)
Ora, pelo menos à primeira vista os determinantes do ní,vcl de:! preços de bens de consumo são variávcs ~_is.
a causalidade é a seguinte:
Assim,
dcspruporção
entre a dis-
tribuição
relativa da
produção e
preços f
custo uni tâinvestiJnento f poupança - - - rio de pro-
da renda en-
dução
tre consuroo
(P f W)
e investi-
mento
Se I ' ) S, os preços aumentam. Se I'< S, os
preços bai-
xam.
Se essa diferença for positiva (P W1) há lucros, ou seja, remuneração inesperada acima do norma1. Em suma, se os
preços gerarem um resultado de vendas superior aos custos,
há lucros. Do ponto de vista _individual, são lucros inesperados. Do p_ont.~is:aQ
comunid_ade eles têm origem riuma desproporção entre bcjbk e consumo/poupança. Mas
nessa
situação, o produtor individual é estimulado a rever
suas
decisões. Resta saber qual a estratégia de revisão que está
ao seu alcne~
uma vez que hú uma questão não respondida:
como e póssível suTgir aquela desproporção entre
investi-
(1) "A estrutura agregativa
da Teoria Geral
é
uma versao con-
densada do modelo do Trcatis~
( ... ) a distinção
entre
11
bens de capital e "bens de consumo" é essencial
a
decisão inicial de Keynes por abandonar o molde da tra-
11
dição da teoria quantitativa baseou-se principalmente
n3 importância por ele abribuída a variações nos -preços relativos desses dois agregados. 11 Cf. Leijonhufvud,
1979, p.40.
J5 v1mos que são dois tipos de
mcnto c poupança?
indcis~lo
dependentes e que só casualmente vêm a coincidir. Mas o que
garante a independência das decisões? SÓ uma an<Ílisc
dos
determinantes dessas doe isõcs pode responder a essa questi'io.
Como já está claro que as decisões do poupar dependem
da
renda (que é considerada como um dado), resta saber o que
governa as decisões de investir. A concepção da
Treatisc
repousa sobre essa distinção e:ntrc o comportamento poupador
do_s que recebem renda e as decisões de investir c
produzir
dos ~mprcsáio.
A independência dns decisões de empresários e trabalhadores (CWV, p. 123) implica na necessidade de outra equação,
assumindo como dados bens de investimentos determine o nível geral de preços. A determinação das de c ísões de produção de bens_ de investimento vincula-se a fatores que
posteriormente analisaremos, pois se o nível de preços de bens
de consumo reLtcionnva-sc com custos dC P.roJução a
lÓgica
que explica os preços de bens de investimento é mais estritamente ligaJ.a ãs opções financei-ras dos poupadores e
do
sistema banc5rio.
Sendo,
P'
n
...
...
nível de preços dos ~
bens dc investimento
nível de preços do produto como todo
I"' P'C •.. o valor do incremento de novos bens de investimento (distinto do I', custo de produção desses bens)
então,
11-P.R+P'C
o
" (E - S) + I
o
2~
equaçao fundamental
-
Aqui a diferença entre investimento e poupança e expressa em valor, enquanto na 1 '!- equação fundamental ela se
expressava em termos de custo de produção.
A equaçao, analogamente, pode ser excrita
II = 1V1 + I - S
o
= 1 W+ I - S
e
O
O nível médio de preços afastava-se do custo unitário
de produção (W1 = E/O) em função da diferença entre o valor
de mercado dos investimentos e o volume de poupança. Quanto
aos lucros,
Q
lucro total
lucro no setor ele bens de consumo
lucro no setor de bens de investimento
...
...
Q1
Q2
Q2 = I
Q1 = I'
-
I'
- s
Q = Q1 + QZ
= I - S
-
Portanto, assim como em r, o TI so se iguala aos
de produção se o lucro total é nulo.
custos
(Por exemplo, se se elevam P', eleva-se Q2 e daí I', elevando-se P) .
conclusões sao, claramente, Óbvias e deviam
servir para nos lembrarmos de que todas essas equações são puramente formais, são meras identidades,
truismos que não nos dizem nada po1· Sl mesmos. Nesse aspecto, lemb1·am todas as outras versoes
da
teoria quantitativa do clinheiro. 11 (CW V, p. 125)
11
Essas
Em suma essas relações só ganham sentido se as~ocim
as identidades um conjunto de conceitos que esclareçam
o
tipo de causalidade em operação- Raros comcntadores percebem o caráter limitado e secundário das equações fundamentais no Trcatise.Cl)
•
"Nossa conclusão no momento êt em primeiro
lugar,
que lucros (ou perdas) são um efeito do resto da
situação e nao uma causa dele.
( ••. ) mas, em segundo lugar, lucros (ou perdas) tendo vindo a existir tornam-se
( ••• ) causa do que
ocorre subseqUcntemcnte; de fato, a força motriz da
a
mudança no sistema econômico existente4 Essa é
razão essencial pela qual é vital segregá-los
na
nossa equaçao fundamental." (CW V, p. 126) (grifes
meus).
Trata-se de uma noçao bastante especial de causalidade,
pois o que é efeito pode passar a ser causa, desde que nos
preocupemos com o que sucede subsequentemente., isto é, desde
que nossa peTcepção temporal amplia-se. Nessa Ótica, ê certamente impossível ao empresário individual decidiT
quanto
vai lucTar, mas o lucro abre-lhe (assim como as perdas) pcTSpectiva de gasto completamente distintas dos consumidores.
Trata-se de um poder de gasto caracteTÍstico dos crupresárJos
2
capit1s~
) Por outro lado, os lucros apenas surgiYam dea
v ido ã di:5c repânc ia entre poupança e investimento. Como
poupança depende da renda, Testa investigar os determinantes
das decisões de investir. SÓ com investimento os lucros passados tornom-se determinant-es das decisões de investir.
SÓ
(1) Uma exceçao
é Klein, 1947,
p. 17
(2) Em outras palanas, é um poder que repousa sobre a possibilidade de
fornução de expect:Jti\"3-s a partir da emergência de lucros. Pois só
pode ocorTer m.:lis ou menos diferenças enquanto se define renda excluindo os lucros emprcsadais. cf. 5c.:hmitt, 1972, cap. 3 adiante
voltaremos a esse aspecto crucial.
123
com investimento os lucros passados tornam ·Se gasto responsável por produção futura.
Pois se a renda é dada, o surgimento de lucros pode
apenas afetar as decisões de produção do período seguinte (inclusive de produção de bens de investimento). Se o
surgimento de lucros é um desvio do equilíbrio mas a decisão de ampliar ou reduzir a produção só pode se efetivar no período seguint~
de onde vem a força desequilíbrante da relação investimento/poupança? Não pode ser,do
ponto de vista do período subsequente, um mero resulta do
da diferença preço/custo, pois ela resulta da
própria
desproporção que se quer cx.pl icar. Se a renda é dada e a
revisão das decisões de produzir só pode se dar no
período seguinte, de onde vem a força motriz que desnivela
o investimento?
A questão
é crucial, po1s é a brecha ·através da qual
Keynas irá se distanciar da teoria quantitativa
tradicional. A moeda afeta os preços, mas através de desajustes entre investimento e poupança cujo resultado sao os
lucros (ou perdas). Que dimensão monetária seria essencial ao investimento e ã poupança, de tal sorte que tornasse intelegíve1 a noção de que esses fatores são causas de desequilÍbrios (no ca.so do Treatisc,
dcsequtlíbrios entre os níveis de preços e portanto na distribuição do poder de. gasto da sociedade)?
Já em
:f'.Ur shall estava a semente para o afastamento da
teoria quantitativa tradicional:
Essa .11 doutrina quantitativa" é de ajuda
até
onde vai: mas não indica quais são as
"outras
coisas" que se deve supor constantes de modo a
justificar a proposição - e não explica as causas que governam a rapidez da circulação. :E quase um truismo ( ... )." (Marshall, 196 5, p. 48)
11
O processo causal tem de ser remetido às .decisões
quanto à apropriação e manutenção de riqueza em
forma
monetária pelos indivÍduos. No Tcatise~
que:
afirma
As formas de teoria quan ti ta ti va ( ••
11
~)
Keynes
em que
fomos formados ( ••• ) são mal adaptadas
(para
"exibir o processo causal p-elo quaJ. o nível de
preços é determinado, e o método de transição
de uma posição de equilíbrio a outra"). ( ••• )
têm a vantagem de destacar os fatores através
dos quais o processo causal realmente
opera
durante um período de mudança." (CW V, p. 120)
(grifos meus)
No Treatise, "a criança já tinha nascido mas o cor~
dão umbilical ainda não tinha sido cortado."(1)
A dificuldade em responder essa questão no Trcatise
vincula-se essencialmente â noção de período implÍcita
na definição da equação fundamental. As diversas interp-retações que se tem dado âs equações fundamentais estão diretamente vinculados ã definição de período
e,
portanto, ao que se entende pela relação entre o tempo
e a economia. Pois os lucros só levam a gastos no período seguinte, se no perÍodo que acaba de se esgotar
(e
no qual eles surgiram) o investimento não deixou ainda
de se ser uma atividade atraente.
Esqueça tudo que sabe sobre períodos 11 , disse Keynes
certa veZ a um aluno.(Z) Pois os lucros, sendo r e sul ta do
da atividade de um período, só podem ser compreendidos
através da análise do investimento nesse mesmo período
11
que acaba de terminar.
(1) Kahn,
1978, p. 548
(2) Schumpeter, 1982, p. 1 280, nota 28.
2- A questão dos períodos
é a medida monetária da produção em um dado período, à poupança é a
diferença
Se a renda da sociedade
entre essa renda e os gastos em consumo e o investimento é o valor monetário do excesso de produção sobre o consumo, então é tauta'lógico afirmar a identidade entre poupança e investimento. Como pode então
Keynes definir essas magnitudes a fim de
localizar
na diferença entre poupança e investimento o
fulcro
do desequi1Íbrio?(1)
Em outras palavras, qual o sentido das
tão usadas por Keynes, tanto nos escritos
expressões
"popula-
res 11 quanto no Trea tis e, "período de mudança"
11
período de transição"?
ou
Davidson (1972) esclarece que essa Oi:ferença entre
investimento e poupança relaciona-se a um
desequil í11
brio na medida em que tem-se o período de
mercado"
como referência. Adaptando-se a terminologia m.1.shalliana e chamando o 2reço de demanda por investimento c o
preço de oferta por pou~nça,
pode-se então argumentar
que quando o investimento excede (ou fica aquém) à poupança, o preço de demanda excede (ou fica aquém) o preço do fluxo de ofertas de curto prazo. Isto é, o preço que torna vantajosa para os empresários a contratação de fatores Co que inclui os lucros normais)
para
um dado fluxo de protuto (Q1). Assim, no período
de
mercado, as transações ocorrem ao preço de demanda P1
(cf. a figura). Isso resulta em lucros inesperados (ou
(1) A formulação da questão com clareza deve-se a Shackle
(1967, cap. 13) e (1974, cap. 2)
Dl
perdas) se a receita exceder (ou ficar aquém) os requi-
sitos normais de oferta~
A mão invisível do mercado entãv ~pera
induzindo os empresários a expandir (ou contrair) o produto e o emprgo~
"'fl a análise dos ·fatores
que levam à discrepância entre os preços de oferta odemanda que leva ã mudança dinâmica nos preços e
subsequentemente no produto no Treatise'.. (Davidson,
1972'
p.
27)
preço
P1 ------ 1lf
s
D
~-·quantide
Dp
Sp
Q1
preço de demanda
preço de oferta
}.1as nessa versao, fica-se novamente no escuro quanto ao papel desempenhado pelo termo "subsequentemente".
Já que se trata da discussão de um processo de
teraçâo do nível de preços, vale então a pena
alexplicíta1·
a questão central do problema de medida de variações de
preço: qt;~al
o 12eríodo base a partir do qual se faz
a
medida.
Patinkin (1976, p. 34) é da opinião que o
período
de base, explÍcita ou implicitamente, é uma situação de
equilÍbrio (no sentido de que há igualdade entre preços
consumo
e custos unit<.Írios tanto no setor de bens de
produto
como no de bens de investimento). A medida do
correto pode ser feita então seja a preços seja a custos de produção de período base. Assim, a mudança
no
custo de produção com relação ao período-base, nos dois
-
setores, e E "' W "' W1. Assim, as equaçoes
O
e
fundamentais
132
passam a simplesmente enunciar a igualdade entre a
variação no nível de preços (com relação ao período
base) e a soma da variação nos custos
unitários de
produção e nos lucros unitários (supostos nulos no
período base). Assim como Davidson, Patinkin
supõe
dado um período. Para Davidson, o período de mercado.
Para Patinkin, o período compreendido entre um equilÍbrio e outro, sendo que a transição dá-se exclusivamente através de oscilações de preços.
Hicks (1967) também identifica o processo
des-
crito no Treatise a variações nos preços flexíveis do
sistema econômico. Novamente as equações fundamentais
são assimiladas ao perfeito funcionamento dos mecanismos de mercado com o resultado da restauração
do
equilÍbrio. O desequilÍbrio não passa de um desajuste
temporário entre preços flexíveis e
preços rígidos,
mas que ao fim se realinham. Tanto em Patinkin quanto
€m Hicks o desequilÍbrio é reduzido ao equilÍbrio
a-
través da operação de sistema de preços. Mas para que
à oscilação
o modelo do Treatise seja identificado
apenas dos preços flexíveis, Hicks associa-o ao "ultra
-curto-prazo'' (1967, p. 200).
Como o Treatise supõe dada a renda 1 Hicks
preClsa (para que o equilíbrio tenha seu sentido determinado) identificar quais os preços capazes de
se
ajustar com rapidez suficiente. Mas a definição
do
período torna-se totalmente circular: e o tempo
que
certos preços levam para se ajustar, dada a produção
e os salários. Trata-se de urna definição
arbitrária
na medida em que pressupõe o que se pretende 1'provar 11 :
o equilíbrio como critério de avaliação das variações
do sistema. Se é a distância entre posições de equilíbrio que define o período, basta diferenciar
os
preços em flexíveis e rígidos para se ter vários ti-
-
133
pos de período. (l) O tempo torna-se um eixo homogêneo
ao longo do qual é sempre o mesmo procs~
que é .cronometrado (o ajuste através dos preços do sistema e- e comum a Davídson, Pa tinconômíco). Essa concepçao
kin e Hicks. (Z)
-
Entretanto a questão mais pretenciosa que
vem
surgindo desde os primeiros escritos de Keynes não é·
a de como um processo pode ocorrer com durações diferentes (essa era a questão colocada e respondida por
~mrshal
com seus equilíbrios diferenciados) mas a de
como um mesmo processo (variações nos preços) tem significados radicalmente diferentes, e até conflituosos,
de acordo com as classes sociais, isto é, com as diferentes capacidades de exercício de poder de
gasto
socialmente distribuÍdo . Em outras palavras,
como
diferentes poderes de gasto representam compromissos
distintos com o passado e o futuro, o processo de difusão das variações de preços é ao mesmo tempo vários
processos de alteração de diferentes compromissos com
o tempo. Dessa perspectiva, falar em equilÍbrio ou supoT de antemão que o "período" é definido pelo espaço
entre equilíbrios é descartar precisamente a emergÊncia inusitada de vários processos simultâneos mas com
temporalidades conflituosas. O período, definido
a
partir do conceito de equilÍbrio, savalguarda a coerência "hidráulica" do sistema econômico ao custo de
expulsar qualquer diferenciação qualitativa do tempo
. Alcança-se apenas conceitos formais do tempo,
(1) Hicks define três "estágios": 1) variação de pre-
ços flexíveis, 2) variação nas quantidades, 3) variação nos preços rÍgidos de consumo e de investimento.
(2) Davidson, entretanto, pretende chegar ao
histórico".
"tempo
134
ou seja, durações maiores ou menores. A extensão
do
período é dada pela medida em que certos
mecanismos
já chegaram a atuar (como nos três estágios de Hicks).
t-ias Keynes vinha apontando um processo conflituoso através do qual ao mesmo tempo diferentes tempos armam
-se no interior da estrutura econômica.
Diferentes capacidades de exercer poder de
com-
pra representam possibilidades variadas de planejar e
alcançar um momento futuro. "Diferentes tempos" significa "diferentes poderes de gasto". As duas
questões cruciais que surgem podem ser assim definidas:
a) Que fenômeno econômico
é o responsável em
Última
análise por essa diferenciação entre poderes
.de
gas~o?
Certamente o acesso a lucros extraordinários implica na obtenção de um poder de gasto privilegiado. Mas a caráter inesperado.das variações
de preços que propiciam essa remuneração-extra faz
da "incerteza em geral'' um determinante totalmente
exógeno do poder dos capitalistas.
b) Que fenômeno econômico assegura, apesar da
diferenciação entre poderes de gasto (e portanto entre
compromissos com o passado e o futuro), a simultaneidade com que interagem os poderes dos diferentes agentes econômicos?
-econonuco,
permite simultaneamente a diferenciação e a integração entre os poderes de gasto dos diversos agentes?
O que, em suma, no interior do sistema
Quando se diz que o tempo derivado da noçao
de
equilÍbrio é lÓgico, que não é a expressão de um movimento ou que é um "avatar da estátíca''(1), procura(1) Aglietta, 1979, p. 3
135
-se justamente sugerir que a hipótese de resolução dos
conflitos só c ia-econômicos "em tempo hábil" (em
a 1gum período definido) exclui precisamente a possibilidade de apreender a transformação a partir dos elementos internos ao sistema capitalista. Assim, não só
as transformações históricas reduzem-se a obra do acaso ou de forças exteriores - portanto nao controláveis ou suprimíveis politicamente -mas
o
próprio
tempo torna-se um elemento cuja natureza está de tal
forma comprometida com a eternidade da
eficiência
dos mecanismos espontâneos de mercado que já se trata
de um tempo homogêneo. Ora, a representação mais acabada do tempo homogêneo- isto é, do tempo como cronometria (ou ainda, do tempo como coisa universal) é
a representação matemática do tempo. Assim, o relÓgio
de um trabalhador não pode ser diferente do
relÓgio
de um Capitalista. Por analogia com supostas
Slmetrías estáveis da natureza formalizadas em
sistemas
de medida objetivas, aceita-se a noção de tempo corno
sucessão de instantes. A essa sucessão vários processos sequenciais podem ser justapostos, mas essa convivência entre o tempo c os processos sequenciais nada tem a ver necessariamente com a lógica interna de
transformação do sistema ·sócio-econômico. Por
isso,
··fala-se também de tempo "exterior" ou meramente "introduzido 11 no sistema. Na medida em que e um tempo
criado por analogia com a visão mecanista da natureza
podem
física, a mudança qualitativa e a ruptura nao
ser "medias~
nesse tempo.
-
O tempo "levado a sério" abre as portas à histô.
_(1)0 equ1l1
· ' br1o
·
pode
e sua 1nterpretaçao.
ria pol1tica
até ser um ponto de partida hipotético (como o "estado de natureza" da teoria polÍtica clássica) mas
se
for adotada a noção de perÍodo como de antemão situado entre equilÍbrios, a história fica definitivamente
excluída, junto com qualquer diagnóstico acerca de co(1)
"0 dinheiro não é unicamente a medida da atividade econômica,
mas é também a força que dá vigor ao fenômeno que pretende medir ... é um instruraento racionalizador que fixa modelos de comportamento de um IDJdo específico e condicionados historicamente."
Seligncm, 1967, p. 883
130
mo conflitos internos ao sistema sócio-econômico abrem
possibilidades políticas de transformação.
O Keynes do Trcatise, como na Teoria Geral
(os
"livros sérios", no dizer de Kahn), fala de
transição, desequilíbrio, dinâmica, mas não escapa do modelo tradicional que procura sempre localizar um novo
equilÍbrio corno fim do processo de alterações
nas
magnitudes das variáveis.
No sentido formal as "equações fundamentais" aparecem como totalmente estáticas. ( 1) Mas ocorre que
se Keynes formaliza variiveis estáticas, a dinimica
associada a essas variáveis não é formalizada.
Essa
"falha" de Keyncs -não formalizar a dinâmica ou os
ciclos - pode entretanto ser uma opção e nao a impossibilidade ou incapacidade de colocar as variáveis no
tempo. As reações por ele associadas às variáveis são
dinâmicas e muito da caracterização da
determinação
do nível do preços das bens de investimento também o
e , como veremos.
-
qual a noçao apropriada de dinâmica, se r ecusamos as definições apriorísticas ou formais de !"'.dos
r iodo? Que tipo de dinâmica pode ser extraída
- se reduza a justaposição
escritos de Keyncs que nao
~las
--
Parece
de processos em um tempo universal abstrato?
haver ap-enas uma resposta: a dinâmica econômica e o
estudo dos limites à ordenação do sistema sócio-eco-
(1) Esse
juízo e várias de suas impl icaç.Ões tem
ori-
gem no trabalho de Klein (1947), esp. p. 28 e 55.
Entretanto, Klein interpreta o Treatise como analise de oscilações em torno de um nível de equilÍ
brio.
137'
nômíco impostos pelas várias formas de incerteza quantc ao futuro. Assim, a dinâmica não é a descrição
de
um processo que "acontece" (isto _é, já aconteceu) entre t1 e tZ, mas é a identificação dos vários conflitos que emergem a partir da inccrteza( 1 ),
conflitos
cujo resultado é impredizfvel de antemão ( e que pode
até ser, eventualmente, um novo "equilíbrio", mas jamais necessariamente).
A dinâmica é o estudo de como surgem
situações
indecidÍveis no sistema econômico e não de como certas
soluções necessárias -teoricamente- surgem no tempo.
O único a buscar uma interpretação dessa espécie,
já nos escritos do Treatise, é G. L. S. Shackle. l) a
única forma de não reduzir o processo
descrito
por
Keynes ao registro de um desvio que é corrigido
pela
recorrência do equilíbrio é interpre.tar as
variáveis
como sinais ou registros de expectativas c não de resultados j5 efetivados. Para levar o tempo a s~rio
~
preciso levar o futuro a sério. O interValo de
tempo
é um período a ser encarado através de uma visão bifecal, "o reconhecimento ele que o conteúdo esperado e o
registro de um segmento de calendário nomeado e identificado são difernts~
natureza".(Shackle, 1974,
p. 1 5)
A diferença entre investimento e poupança no Tre-
atise deve-se à definição de renda, que não representa o valor realizado da produção pelas vendas do produto, mas o valor antecipado pelos empresários
quando estã.o decidindo quanto irão produzir. A renda, nas
equaçoes fundamentais, é uma conjectura que pode estar
errada (e não um resultada já alcançado). O grau
do
erro e o lucro positivo ou negativo, em suma, um rendimento empresarial inesperado.
que até mesmo radicalizam-na, fazendo-a assumir
novas formas.
(1) E
Por outro lado, há uma série de condições
para
que a conjectura possa vir a ser formada. Essas condições para a formação de conjecturas são a existência do dinheiro e de relações salariais. O dinheiro
existe como gravitação de instituições bancárias e financeiras que propiciam o modo de cálculo fundamental
do mundo empresarial, desde que se possa contar com a
estabilidade da relação salarial. Por isso a remuneração normal, que corresponde às expectativas correntes, é a que não altere as decisões empresariais me~
mo que ele entre em novas barganhas com os fatores de
produção, Assim como e~
Marx, a existência plena
da
moeda requer e associa-se à existência do
trabalho
assalariado. (l) Voltaremos a essas condições da elaboração de conjecturas ou expectativas.
Nas "equações fundamcntais 11 , o·s çlois componentes
podem então ser reinterpretados como
expectativa de
custo de 2rodução e uma divergência entre expectativas
e montante realizado pelas vendas. A linguagem
adequada ao Treatise é a das expectativas e das comparaçoes entre o esperado e o acontecido. (Shacklc,
1974, p. 16)
A primeira equaçao implicitamente compara dois
estados do nível de preços dos consumidores. b wna visão 11 a posteriori 11 de um período qualquer que mostra
o preço esperado pelos empresários e o preço efetivo
realizado. Entretanto, uma vez comparados o esperado
e o realizado, o resultado dessa comparação é avaliado seg~mdo
a experiência de períodos anteriores, o que
leva a uma nova presunção sobre o futuro.
(1) Cf. D'Antonio, 1981, p. 198.
139
Assim, representando essas comparações através de
um eixo:
A
B
A ••• um preço esperado levou os empresários a
direm certo volume de produção
B .•• o gasto efetivo de sociedade implicou a
zação de vendas distintas do esperado
deci-
reali-
Se A .f B, os empresários decidem a produção
período seguinte em novas bases expectncionaís.
do
-
Ocorre entretanto, que nada e di to por Keynes
quanto ao que ocorre antes de A e depois de B.Shackle
identifica a formação de expectativas em um intervalo
de tempo, mas reclama a inexistência de qualquer análise da sequência de períodos ou do que ocorre entre
os intervalos. Como as decisões de empresários e consumidores devem se dar antes da "ida ao mercado",
o
intervalo AB deve ser o mais curto possível. Assim, como nas análises anteriores, é identificada uma
tendência, interna ao mecanismo de exercício do poder de
gasto, a encurtar o mais possível a distância entre a
decisão e a realização. Em suma~
a diminuir ao máximo os compromissos com a passagem de tempo.
Quanto
mais tempo passar, ou seja, quanto mais "futuro" houver, maiores são os riscos associados à incerteza. Mas
Shackle não segue essa direção, ficando com a distinção 11 ex ante-ex post" e a procura de um
intervalo o
mais curto possível. (Shackle, 1967, p.164-5)
O interesse da interpretação de Shackle está mui-
to mais em extrair dos conceitos de Keynes tudo
que
eles sugerem de relações possíveis com um futuro incerto do que em identificar precisament.e qual o "intervalo11 relevante. E é por isso que ele se afasta das
interpretações tradicionais, pois a ênfase nos
com-
HIJ
premisses temporais dos conceitos nao implica automaticamente a busca de uma medida homogênea e abstrata
de tempo como são os "períodos", inclusive rnarshallianos. O elemento tempo torna-se um reflexo de compromissos econômicos objetivos e intenções sociais subjetivas diferencia das, sem que "períodos" ou "equ il í-
brio11 estejam em primeiro plano.
Assim, a remuneração normal dos empresários é um
incentivo, algo cuja natureza é essencialmente prospectiva. (1)
~
o que Shackle
denomina de algo "ex an-
te". (Shackle, 1974, p. 17). Mas o lucro efetivo
só
pode influenciar decisões de um período subseqUente.
A equação fundamental representa a decisão
tomada,
portanto, entre um intervalo e outro, e onde nao .há
necs~'ITiart
equilÍbrio. Com lucros (ou prejuízos)
a produção do período ~uin
poderá se expandir (ou
retrair). Assim, a análise do Treatise. não é feita apenas em termos de preços nem de um único intervalo.
Keyncs não define qualquer intervalo pré-concebido de
tempo, apenas sugere os instrumentos através dos quais
sua passagem se faz sentir diferencialmente. Não 1mporta tanto o tamanho do intervalo, mas se ele já pas-
sou ou ainda passará. Pois passado o futuro são diferentes por natureza. As equações descrevem um momento
entre o passado e o futuro. E essa é a razão
fundamental para que seja um "intervalo" o mais curto possível-em suma, que não haja uma demora associável
a
uma interrupção no fluxo de produção. Mas o fato
de
Keynes situar-se no momento de transição de um intervalo a outro (e não de um equilíbrio a outro) abre a
fato, como vimos, o "normal" marshalliano corresponde ao ttlongo prazo", ou
nada mais
que
a expectativa de longo prazo.
(1) De
141
possibilidade dessa ruptura vir a ocorrer. ( 1lo aspecto dinâ_mico refere-se portanto à situação de estar-se
diante do futuro, tendo que tomar alguma decisão .Ora,
só os empresários têm acesso a decisões
diretamente
ligadas ao futuro, já que a renda é uma definição expéctacional justamente na medida em que é derivada da
componente empresarial. Como já se observou,
Keynes
supõe uma estabilidade maior dos contratos salariais,
se comparados ã remuneração dos empresários. Chegamos
assim, esclarecida a questão do 11 período relevante",
novamente ã questão inicial: o que determina a discrepância entre poupança e investimento? Se a definição de renda que dá margem a essa discrepância depende das expectativas dos empresários, resta saber então como a cada momento de decisão os empresários avaliam o futuro. São as formas de avaliação do futuro, propiciados por ganhos extraordinários, que
determinam as decisões dos empresários ou, pelo contrario, a avaliação já implica normalmente a expectativa de que surjam ganhos extraordinários? f o ganho
inesperado que determina o gasto Ou o gasto que determina o ganho inesperado? Que fatores e circunstânCias determinam o poder de gasto capitalista?
(1)
No Treatíse o efeito se dá diretamente sobre decisões de 'produção e não sobre os estoques, c f.
Davidson, 1972, p. 29, nota 1. Shackle
observa,
'
.
também, que não há nenhuma sugestao expllClta
no
texto do livro III quanto a to:rn_ar;::os as equaçoes
com referência a um intervalo de tempo de duração
finita. Cf. Shackle, 1967, p.178; Keynes, na Teo-
ria Gera~
adverte que o Treatise não analisa
os
efeitos de mudanças no nível de produto, mas isso
nao descarta que ali tenham sido tratadas as causas cf. Leijonhufvuê 1979, p. 24, n. 16.-
142:
VI- O PODER DE GASTO CAPITALISTA
1 - Definições
A resolução da questão dos perÍodos através
da
opção pelo foco no momento em que o capitalista decide a produção requer maiores esclarecimentos
quanto
às distinções entre produção e investimento,
assim
como entre poupança e investimento. B justamente
no
debate dessas distinções que a. temporal idade e a causalidade econômicas mais têm sido obscuramente interligadas. (1) O aspecto central desses debates vincula-
-se ã dificuldade em definir um conceito de capital e
de gasto capitalista que combinem as dimensões 11 estoque11 e nflux"o", o que frequentemente se traduz
em
divergências quanto à definição da duração dos períodos e, portanto, às velocidades de adaptação dos vários parâmetros econômicos à mudança (o que levou os
neo-clássicos ã curiosa definição de
"capital
geléiau). (Z) Novas definições quanto ao papel do tempo
na diferenciação dos bens econômicos tornam-se neccssári.as1 portanto, se vamos enfrentar a questão
dos
determinantes da discrepância entre poupança e investimento.
1.1 - Produto disponível e não-disponível
O produto corrente, distinto da renda monetária,
duas
é um fluxo de bens e serviços que consiste de
partes:
~
(1)
Cf. a mesma impressão em LeijonlnJfntd,
1979, p.62.
(2) Cf. Kregel, 1973, Prefácio (de Joan Robinson).
a) fluxo de bens e serviços 1 Íquidos sob forma disponível ao consumo imediato (produto disponível);
b) fluxo de incrementos de bens de capital e capital
de empréstimo que estão sob forma não
disponível
para o consumo imediato (produto não disponível).
O produto disponível (ou "lÍquido")
é
composto
de dois fluxos:
a)
fluxo de uso advindo do capital final;
b) fluxo de bens finais emergentes do processo produtivo sob forma lÍquida.
O produto não disponível é composto por:
a) excesso do fluxo de incremento de bens nao
acaba-
dos em processo face ao fluxo de bens acabados (fixos ou líquidos) emergentes do processo produtivo;
b) excesso do fluxo de capital fixo emergente do processo produtivo face ao desgaste corrente do capital fixo velho, mais o aumento lÍquido de capital
de empréstimo.
Assim,
variações nos estaConsumo corrente ""' produto disponível + ques de bens de consumo lÍquidos (ou-entesouramento)
variações
Investimento corrente = produto não disponível + no entesouramen-
to
11
Assim, o consumo é governado pelo montante de
produto disponível (mais quaisquer saques
do
entesouramento) e não pelo montante de produto
total, enquanto que - na medida em que as taxas monetárias de remuneração dos fatores
de
produção não se alteram- a rend'l monetária
da
114
comunidade tendo a mover-se com o produto total." (CW V, p. 115)
Há portanto uma tendência à discrepância
entre
renda e consumo, que são governados pelo produto disponível e pelo produto total, pois o produto disponível é apenas parcela do produto total. A idéia
de
liquidez aqui apresentada é mais ampla que a
usual,
pois aplica-se a produtos e à velocidade com que vem
ou
a ser consumidos
colocados à disposição
de
consumo, isto é, mercadologicamente realizados. (1)
1.2 -A Classificação do Capital
O estoque de capital real ou Tlqueza
material
que existe a' qualquer momento corporifica-se em:
a) bens em uso que sao capazes de serem
apenas gradualmente (capital fixo);
consumidos
b) bens em processo (em curso de prcparaçao pelo cultivo ou manufatura para uso em consumo, transporte, com negociantes ou esperando mudanças de estação), (capital
cirulant~;
c) bens em estoque, que não estão fornecendo nada mas
podem vir a ser usados ou consumidos a qualquer momento (capital lÍquido).
Em (a), é determinante o tempo que se leva
para
usar ou consumir certos bens; em (b) é o tempo levado
para 2roduzir certos bens e em (c) há dependência
de
bens que possam ser "conservados".
(1) Cf. Leijonhufvud, 1979, p.79. Hicks, 1979, p.95
enfatiza em outro sentido a importância de
problema de liqu~dez
como sendo maior na "esfera não
f inanceil·a".
O capital de empréstimo representa endividamento
externo. O valor do investimento (numa economia aberta) é a soma do capital real (fixo + circulante + lÍquido) e capital de empréstimo. Essas definições permitem reescrever:
aumento de capital
circulante que emer+ girá do processo produtivo como capital
fixo.
Produção de bens
de capital
=
fluxo de capital
fixo
Produção de bens
=
..
produto não dispo1vel
de investimento
+
aumento de
entesouramento
2 - O nível de preços de novos bens de investimento
Vimos, anteriormente, a peculiaridade da
noçao
de causa usada por Keynes no Trcatise. Os lucros devem ser considerados como um efeito, dada a renda de
um período, mas no momento de transição de um
"perÍodo" a outro os lucros tornam-se causa do que ocorre subsequentemente.
Imaginando que o período "já passou", os lucros
sao o efeito da discrepância ent.re investimento e poupança. Mas quando o período "já passou"?
Exatamente
no momento em que se vai decidir a produção do
"perÍodo" subsequente. Qual a relação entre lucros, poupança e investimento, se no momento de decisão os luEm que sentido os
eras aparecem como fator causal?
lucros são causa? Enquanto efeito os lucros não passam de um agregado contábil. I-las a existência de luprivilegia do
eras equivale à irrupção de um momento
para os empresários. Pois o surgimento de lucros (rendimento inesperado) faz do empresário o sujeito
de
uma avaliação muito especial. Especial po1s a destinação que se dá aos lucros (ou seja, o tipo de gasto
que se lhes associa) depende de expectativas de rendimento futuro. Mas o próprio surgimento de lucros re-
14ü
prescntou a destruição c necessidade de
revisão das
expectativas convencionais de rendimento dos empresários. Que tipo de cálculo é viável no momento em que
as expectativas solidárias com um nível de remuneração normal foram abaladas?
Os empresários gastam o que ganham, mas
ganhar
além (ou aquém) do normal é algo que solapa as bases
convencionais de cálculo. Pode implicar
dependendo
do cálculo que se opera nesse momento - gastar com expectativas de ganhar ainda muito mais. Pode implicar
na crença de que se o gasto fôr maior, o ganho
ser a
ainda maior.(l)
-
A existência de lucros traz à tona com
clareza
a especificidade do gasto estritamente
capitalista.
Pois iridica a existênca~
para o empresário, de
urna
opç~
mais complexa que a decisão do consumidor entre
consumir agora ou depois. Os tipos de compromisso com
o fluxo temporal são mais variados no caso do empresário.
A decisão de produzir mais ou menos está ligada
a avaliações correntes do volume de vendas.
Quando
surgem lu c r os, a de c i são de produz i r mais pode encadear-sc com uma reaval iaç.ão da própria capa c idade produtiva instalada. Se além de alterar o volume de produção o empresário decide modificar a sua capacidade
produtiva~
estará decidindo não apenas sobre a produção mas sobre o investimento. Entretanto, foi justa(1)
A usual máxima Kaleckiana ganha assim uma reformulação: os consumidores gastam o que ganham, os
empresários, ao ganharem mais que o normal, 122._dem
gastar ainda mais na expectativa de virem a ganhar
propore ionalmen te mais. A poss ib il idade aqui é condicionada pelo tipo de expectativa que regula o
cálculo econômico.
mente uma discrepância entre poupança e investimento
que lhe trouxe a remuneração extraordinária. Assim,no
mesmo momento ("final" de um período qualquer) em que
toma decisões referentes à produção, poderá estar decidindo investir.
O investimento dos lucros é o momento
em
que
eles deixam de ser efeito para tornar-se causa..
Mas
causa de que? Bem, a destinação que dá aos lucros, o
seu emprego, depende justamente de um cálculo que reflita o estágio ou a natureza da discrepância
entre
poupança e investimento que gerou os mesmos lucros.
Portanto, é o nível de investimento "por trás"
dos
lucros que deve ser investigado. Os lucros
sao uma
"causa 11 em sentido bem estrito, pois é ainda o
lUvestimenta anterior que aparece como determinante do
investimento futuro. Os lucros são apenas causa
na
medida em que provocam, sugerem, exigem um exame nao
apenas do que se produziu e vendeu (nesse caso os lucros sao mero efeito do resto da situação) mas do que
se investiu no passado. E um momento de avaliação da
afetada
massa de riqueza já acumulada. A decisão é
pela riqueza e não pela renda.
"Quando um homem está decidindo que proporçao
de sua renda monetária poupar, ele está
optando entre consumo presente e propriedade de
~iqueza.
Na medida em que se decide pelo consumo, deve necessariamente comprar bens -pois
não pode consumir dinheiro. Mas na medida em
que se decide pela poupança, há ainda uma depode
cisão ulterior a ser tomada. Pois ele
possuir riqueza retendo-a na forma de dinheiro (ou o equivalente lÍquido do dinheiro) ou
.
em outras formas de capit.al real ou de emprestimo. Esta segunda decisão pode ser
convenientemente descrita corno a opção entre 11 entesourar11 e uinvestir" ou, alternativamente,
como a opção entre "depÓsitos bancários"
e
-
l43
"títulos".
Há ainda uma diferença significativa entre os
dois tipos de decisão. A decisão
quanto ao
volume de poupança, e também a decisão relativa ao volume de novo investimento, relacionam-se totalmente is atividades correntes.Mas
a decisão relativa à retenção de
depÓsitos
bancários ou títulos relaciona-se nao apenas
ao incremento corrente da riqueza dos indivíduos, mas também ao bloco total de seu capital existente. De fato, como o incremento corrente é apenas uma proporçao Ínfima de bloco
de riqueza existente, trata-se de um elemento menor na matéria." (CW V, p. 127)
As decísões relacionadas ao estoque total de riqueza referem-se a conversoes entre formas nao-monetirias e monet5rias de riqueza. Investir e
entesourar assumerr. novos significados:
DE!'IN~O
~
INVESTIR
f:NTESOUHAR
ANTERIOR
~=-
ato empresarial de aumcntar o capital daconnmidade
·-~
estoques de bens de
consumo lÍquidos
DEFINIÇÃO NOVA
compra de títulos pelo
ptÍblic.o
retenção de riqueza sob
fonna m::metária
a
A partir das novas definições, Kcynes afirma que
opção do proprietário de riqueza depende das exEectativas de retorno futuro asseguradas através de preços
dos títulos e nível da taxa de juros. Esses preços e
juros dependem da forma como operam os bancos. A decisão de "investir" depende portanto do
"sentimento
do público" e do comportamento do sistema bancário.
Pode ocorrer,
que "duas opiniões" constituam-se entre diferentes escolas do pÚblico, uma favorecendo depósitos bancários mais que antes e
a outra a favor de títulos. Nesse caso o re11
( ••• )
sultado depende da disposição do sistema ban-
cário para agir como um intermediário
entre
os dois criando depósitos bancários, não contra títulos, mas contra avanços lÍquidos de
curto prazo.''(CW V, p. 129)
Mas qual o 11 pÚblico" a que se faz referencia?
Naturalmente, todos os proprietários de riqueza. Entretanto, há uma classe de proprietários que estão especialmente ligados ao processo de revisão de expectativas: os empresários. Sempre que ocorrem
lucros,
ainda que o estoque de riqueza não seja
significati-
vamente alterado (ou seja, o passado, a riqueza herdada), a emergência de lucros ativa nos
empresários
um interesse pelas formas de obtenção tle retorno futuro. Vínculo Íntimo com as expectativas que qualifi-
ca-os Como a parcela mais importante do "pÚblico" que
11
determina o nível de preços dos "investimentos".
0
preço de demanda pelos "tÍtulos" existentes ( ... )
c
também o preço de demanda pelos novos, que representam
poderiam
equipamento que os empresários investidores
agora encomendar. Por que montar uma nova firma
com
equipamento a ser ainda construido, se
uma
firma
existente pode ser comprada mais barato ( ... ) ?"
(Sho.cklc, 1967, p. 17) Portanto, variaçÕes na liquidez - diretamente relacionadas à emergência de lucros
no setor produtor de bens de consumo -afetam a propensao empresarial a investir. Desde que
percebamos
que os "compradores potenciais" no mercado de poupanças sao os empresários. Além disso, há uma mudança no
tipo de expectativas: o produtor pensa em lucros fu1
turos, o investidor em retorno futuro. ( ) As expectativas não dependem portanto da intuição
empresarial
frente a um futuro incerto, mas de um cálculo baseado
no comportamento presente do sistema bancário.
-
(1)
Onde a taxa de juros tem uma influência direta,
dadas as expectativas de lucro das empresas
cujos títulos se negociam. Cf. Shackle, 1967, p. 172.
O gasto capitalista é estimulado pelas cxpcctavas de lucros mas é rcgulad~
pela ação do sistema bancário, cujas expectativas têm menos a ver com o futuro e mais com a composição presente de seus estoques
de riqueza em termos de liquidez. Esses efeitos
mutuos, que fazem do gasto capitalista na verdade
uma
força composta de três vetores (setor produtor de bens
de consumo, de bens de investimento e bancos), são assim resumidos por Keynes:
-
"( ••• ) o nível de preços dos bens de consumo,
relativamente ao custo de produção,
depende
unicamente do resultado das decisões do
pÚblico quanto ã proporção de suas rendas que é
poupada e das decisões dos empresários quanto
ã proporção de sua produção que eles devotam
ã geração de bens de investimento - ainda que
ambas as decisões, particularmente a Última,
podem ser parcialmente influenciadas pelo nÍvel de preços dos bens de investimento. 11 (C\\' V,
p. 129)
"Assim, as condições para o equilÍbrio do poder
de compra do dinheiro implicam no sistema
bancário
regular sua taxa de empréstimos de tal forma que o valor do investimento é igual a poupança; de outro molucros
do os empresários irão, sob a influência de
positivos ou negativos, interessar-se e ao mesmo tempo influenciados pela abundância ou escassez de c rede
dito bancário, aumentar ou diminuir a taxa média
remuneração \\'1 que oferecem aos fatores de produção.
l>las as condiç-Ões para o equilÍbrio também
requerem
que o custo do novo investimento iguale-se a poupança, pois de outro modo os produtores de bens de consumo tentarão, sob a influência de lucros ou perdas,
alterar a sua escala de produção." (CW V, p. 137)
-
As expectativas de retoTno futuro sao
portanto po1· duas .fontes: lucros e polÍtica
afetadas
bancá--
í 51
ria. ( 1) A decisão do prop.rietário de riqueza, estimu-
lada pelos acontecimentos no mundo da produção, é condicionada pelos acontecimentos do mundo financeiro. O
nível de preços dos novos investimentos depende dessa
mútua interação, enquanto os preços de bens de consumo são afetadas mais imediatamente pelas decisões dos
recebedores de renda e pela proporção da produção nacional voltada a bens de investimento. Em resumo,
"dada a taxa de novo investimento e o
custo
de produção, o nível de preços de bens de consumo é determinado unicamente pela disposição do pÚblico a "poupar". E dado o volume de
depósitos de poupança criados pelo sistema
bancár·io, o nível de preços dos bens de investimento (velhos ou novos) é unicamente determinado pela disposição do público a
"en-
tesourar" dinheiro." (CW V, p. 129-30) ( 2)
Poupar e investir são, dessa forma, dois atos com-
.
pletamente distintos, determinados por fatores d{spares. Assim, o gasto total com bens de consumo e o resultado em parte do gasto realizado pelos que recebem
seus rendimentos do setor produtor de bens de consumo
e em parte dos que recebem seus rendimentos do setor
produtor de bens de investimento. Mas na medida
em
que parte dos rendimentos do setor produtor de bens
de investimento é desviado para o setor de bens de
consuffio, há um afluxo de dinheiro no setor
produtor
de bens de consumo superior ao esperado. Assim surgem os lucros (rendimento inesperado) no setor produ-
(1)
Na medida em que se considera como "pÚblico"
a
classe empresarial, que é a real "proprietária de
riqueza".
dessa visão sobre a determinação do nível
de preços dos bens de investimento desenvolveu-se
o conceito de "preferência pela liquidez': Entretanto , no Treatise são analisados apenas os efeitos e não as
causas de um aperto na liquidez. Cf. Shackle, 1967. p. 174
(2) A partir
-tor de bens de consumo. A receita dos bens de
acaba sendo superior aos custos de produção.
consumo
Por outro lado, parte da produção de bens de investimento (isto é, bens que não foram consumidos) precisava ser financiada. As possibilidades de financiamento
dessa riqueza ainda não realizada no mercado dependem
das reservas de riqueza l{quida existentes. Os investidores, bancos e mercados de títulos refletem no seu
comportamento uma avaliação da relação entre a
massa
de riqueza existente e o custo de produção de riqueza
nova.
Mesmo quando procuram apenas expandir a produção
em resposta ao surgimento de lucros, os
empresários
afetam as tàxas de pagamento associadas a produção de
meios de produção {bens de investimento). Assim, ainda
que os dois setores básicos da economia formem preços
obedecendo a determinações dis-tintas, há uma
relação
entre eles que privilegia o cariter determinante
dos
investimentos (mesmo que os lucros sejam 11 causadores''
de tomadas de decisão dos empresários). Uma
elevação
nos preços dos bens de investimento afeta positivamente os lucros desse setor e influi sobre seu nível
de
produção e seu custo de produção. Isso por sua vez estimula os preços dos bens de consumo. Todas as causas
que modificam o nível de preços dos bens de
investimento (opções. financeiras, empresariais e bancirias) afetam indiretamente o nível de preços dos bens de consumo. Por outro lado, alterações nas expectativas
de
vendas de bens de consumo influenciam
as opções
financein1s do público. (l) A acumulação de riquezas é
abrem
possível na medida em que gerações sucessivas
mão de consumo presente em favor de consumo futuro. ~ns
para
a abstinência não é em si condição suficiente
criar mais riqueza material. A análise do Treatise mostra que se essas a.l terações na poupança não forem acom-
-
(1) Cf. Vicarelli, 1977, p.92
p::<._
'.J ..
panhadas de um fluxo adequado de investimentos o resultado será apenas uma diminuição de preços e, portantot uma redistribuição do poder aquisitivo.
Como
os costumes de poupança são mais ou menos estáveis ao
longo do tempo, tudo depende do rumo que se dê
aos
lucros, rumo calculado em termos de conveniência econômica e financeira para os empresários capitalistas.
"Entretanto, e levando tudo em consideração,
não me eximo de uma preferência por uma po1 i ti c a, hoje, que e vi te a deflação a qualquer
custo e objetive a estabilidade do poder de
em
compra como seu ideal. Talvez a solução
Úl tirna análise resida em que a taxa de desenvolvimento do capital torne-se cada vez ma1s
um negócio de Istado, determinado pela sabedoria coletiva e por visões de longo prazo.
Se a tarefa da acumulação vier a
depender
menos do capricho individual, de sorte a não
ficar mais à mercê de cálculos parcialmente
referidos à expectativa de vida de
homens
mortais particulares que estão vivos hoje, o
dilema entre abstinência e lucro corno meios
de assegurar a taxa de crescimento da riqueza agregada da comunidade mais desejável deixará de se apresentar.'' (CW VI, p. 145)
Mas esse- papel crucial do investimento (que transforma lucros passados em riqueza nova) só pode
ser
realizado se a expectativa de lucros for
sancionada
pelas avaliações feitas, agora, no setor financeiro.
"O investimento ser atrativo é algo que depende do rendimento prospectivo que o empresário antecipa a partir do investimento corrente relativamente à taxa de juros que ele
tem de pagar para poder financiar sua produção- ou, em outras palavras, o valor
dos
bens de capital depende da taxa de
juros
i 54
pela qual os seus rendimentos
prospectivos
são capitalizados. Isto é, quanto maior a taxa de juros, menor serát o resto permanecendo igual, o valor dos bens de capital. Portanto, se sobem as taxas de juros, o
nível
de preços dos bens de capital tenderá a cair,
o que rebaixará a taxa de lucros na produção
de bens de capital, o que será impeditivo ao
novo investimento. Assim uma alta taxa de juros tenderá a diminuir tanto o nível de preços quanto o volume de bens de capital. A ta::x:a de poupança, por outro lado, é estimulada
por uma alta taxa de juros. Segue-se que um
aumento na taxa de juros tende a fazer a taxa de investimento (medida seja pelo seu custo e pelo seu valor) dccnir relativamente ã tu.xa de
.
poupança'. '. (CW V, p. 138) (grifas aJ.icionaclos)
Temos presente, aqui, o embrião da futura teoria
da eficiência marginal do capital, que apareceria na
Teoria Geral. Os rendimentos cmprcsariaJs esperados ou futuros a partir do uso de equipamento encomendado agora são comparados com o preço de oferta desse equipamento. A "poupança" nas mãos Uos cmpres<Írios E_Ode se
transformar em investimento, mas isso dependerá
do
gasto na produção de bens de capital que ji se realizou (portanto na diferença atual entre custo de produciio e valor de venda dos bens de capital). A poupança enquanto tal, os "lucros acumulados", não
tem
nenhum papel causal no sentido estrito. Apenas dão oportunidade para uma avaliação, um cálculo que reflete o nível já atingido pela produção do setor produtor de bens de produção. O momento de decisão empresarial é fundamentalmente uma avaliação que compara o
passado com as expectativas futuras. ( 1 )
(1) Cf. Shackle, 1967, p. 177.
O crucial no gasto dos capitalistas nao é
que
eles se dirijam i produç5o, investimento, consurno,ou
seja li o que for. O crucial ~ o fato econ6mico
de
que só os capitalistas dispõem de um poder
especial
de gasto que os coloca frente a avaliações produ tivas e financeiras. Mas esse poder, no Trcatise só se
efetiva de modo inesperado. Nesse sentido não se deve dizer que os lucros são a base da decisão capitalista, pois os lucros são rendimentos
inesperados.
Keynes diferencia o poder capitalista de gasto, mas
sem identificá-lo a uma origem determinada e
certa
de uma vez por todas. (l)
O poder de gasto capitalista aparece assim como
a fonte das variações nas magnitudes de
preços e
quantidades no sistema econômico, sem que a
origem
dos recursos que .viabilizam esse gasto
seja
uma
questão de primeiro plano. Isso implica nao apenas
numa forma "sui generis 11 de diferenciação, mas é um
modo de afastar a noção de "equilíbrio" de qualqucT
papel regulador desse gasto. I! c.laro que a alternância dos lucros, que ora desempenham o papel de _?feito, ora de causa, não anula o caráter central dare" muneração (onde essa rcmuneraçao pode ser um prejuízo) empresarial como 11 lcitmotif" da atividade
no
sistema econômico. Mas a presença de estímulo
nao
implica em qualquer tipo automático de resposta.Nisso reside a ~utonmia
dos capitalistas e a peculiaridade de suas avaliações quanto ao grau de acumulação d~
riquezas em que se encontram. f! a açao
dos
empresários, sob a influência de lucros positivos ou
negativos, que representa a ocasi~
mais usual e importante de mudança no sistema econômico, com aumento ou diminuição do volume de emprego. (CW V, p.141)
A alteração dos lucros pode induzir os empresários a
produzir, investir e empregar. Apenas induzir, pois
a decisão depende de um confronto com outras formas
-
( 1) Cf. Shackl e, idem. Essa e
por exemplo, a Kalecki.
uma diferença
frente,
156
de manutenção e apropriação de riqueza que
passam
11
necessariamente pelo sistcma bancário". A decisão
empresarial é induzida pelos lucros passados e regulada pelas finanças. Mas o seu car.-íter mais eminente
está no fato social de que só o poder de gasto capitalista repousa essencialmente sobre avaliações
do
futuro.
-
"Temos falado até agora como se os empresarios fossem influenciados nos seus planejaa
mentos prospectivos por total referência
existência de lucros ou perdas sobre a produção corrente levada ao mercado. Na medida,
entretanto, em que a produção leva tempo ... e
na medida em que os empresários são capazes
no início de um período de produção de prever a relação entre poupança e investimento
nos seus efeitos sobre a demanda de seus produtos no final desse período produtivo, sao
obviamente os lucros ou perdas antecipados,
muito mais que os lucros e perdas reais
em
negócios recém concluidos, que
influenciam
as decisões quanto a escala de produção c ãs
ofertas que vale a pena fazer aos fatores de
produção. Estritamcmtc, portanto, deveríamos
dizer que é o lucro ou perda antecipados que
sao a principal fonte de mudança, e que
ao
_causar antecipações do tipo apropriado o siStema bancário é capaz de influenciar o nível
de preços. De fato é bem sabido que uma razão para a rápida eficiência de mudanças na
taxa bancária no sentido de
modificar
as
ações dos empresários sZio as antecipações
a
que eles dão lugar. Asim~
os
emprcs~Íio
vão algumas vezes começar a agir antes
da
mudança de preços, que justifica
sua açao,
ter
ocorrido." (C\\' V, p. 143).
.
157
Aqui reside o sentido Último da autonomia
do
poder de gasto capitalista: trata-se de uma resposta
a um estímulo que não é cxógcno mas sustentado subjetivamente pelos próprios empresários. E um auto- estímulo, imaginário, fictício , baseado em previsões do
futuro. Estímulo e resposta encontram-se no mesmo agente - o que previne qualquer forma de padronização
de mecanismos automáticos de resposta, fazendo
da
transversal do tempo urna incógnita.
Expectativas que se generalizam, por outro lado, tendem 11 por algum tempo"
(CWV, p.144),
a
originar sua própria verificação, mesmo que nao tenham base fora de si mesmas.
"Assim, quando eu digo que o desequilíbrio
entre poupança e investimento ê a principal
fonte de mudança, não quero nega r que o comportamento do empresário em qualquer momento é baseado numa mistura de experiência e
antecipação. 11 (idem)
3 - As Crfticas de Pierre Vilar
Noss2. rcconstn1çJo da teoria econômica de Kcynes, ao
procurar identificar os compromissos dessa
teoria
com a tcmporalidade, pretende explicitar a estrutura
conceitual da sua visio hist5rica.
De acordo com o historiador marxista Pierre Vilar, "a crise do pensamento econômicos não isenta de
relações com as dificuldades gerais do
capitalismo
a partir de 1929, conduziu alguns historiadores
a
entregarem-se a simplificações te6ricas
excessivas
que não podem deixar de ser anti-hist6ricas.uC 1 )
(1) Vilar, 1982, p. 79
1 S8
Essas "simplificnç;Ões teóricas" estão na origem
,:lc uma querela acerca das "relações entre três séries
de fatos ligados entre si: a invasão da Europa pelos
metais americanos, o aumento geral dos preços no século XVI e as transformações que nesta mesma
epoca
sofreram as relações econômicas, sociais e, por
vezes, políticas."
-
O
-
observado e estudado desde o próprio seculo XVI, adquiriu novo interesse quando, em 1926, o
estudioso E. J. Hamilton voltou ãs fontes
or1g1nais
e, em 1928-29, publicou seus resultados. ( 1 ) A tese
central de Hamilton derivava o desenvolvimento capitalista do s6culo XVI do atraso dos salÍrios relativamente aos preços. Outra tese em geral associada
a
essa é a de que os preços subiram proporcionalmente à
entrada de metais preciosos. Segundo Vilar, as interpretações de Hamilton influenciaram Kcynes, autor daquilo que Vila r chama de "pensamento inf1acionista11 do
Treatise. Citando Keynes,
fenômo~
''Seria uma tarefa fascinante reescrever
a
luz destas idéias a história econ_ômica desde
averiguando
os seus primórdios longínquos,
se as civilizações dos sumêrios e do Egito
não terão extraÍdo o seu estímulo do ouro da
Arábia e do cobre africano, ouro e cobre que,
sendo metais amoedâveis, deixaram uma trilha
de lucro atrás de si no decurso de sua disencontribuição atrav€s das terras que se
tram entre o Meditr~no
e o Golfo Pérsico,
grandeza
e talvez noutras; em que medida a
prata
do
de Atenas dependeu das minas de
amoedáveis
Lávrio -não porque os metais
sejam uma riqueza mais autêntica do que outras, mas porque graças ao seu efeito sobre
os preços fornecem a mola do lucro; em
que
(1) A
pesquisa
foi
dias" de Sevilha.
realizada
no nArquivo das !n-
medida a dispcr~o
feita por Alexandcr
das
reservas do Banco da Pérsia, que representavam os impostos sobre os tesouros dos impérios que se tinham sucedido acumulados
durante os muitos séculos precedentes,
foi
responsável pelo florescimento do progresso
econômico na bacia mediterrânea,
do
qual
Cartago tentou e Roma conseguiu colher
os
frutos, se foi apenas uma coincidência o fato de o de c 1 Ínio de Roma se ter
verificado
na época da mais longa e drástica
deflação
de que havia memória, se a longa estagnação
da Idade Média não pode ter sido mais
segu-
ra e inevitavelmente causada pelas reduzidas
reseryas de metais amoedáveís do que
pelo
monasticismo ou pelo delírio gÓtico; e
quanto a revolução gloriosa foi devedora
Mr. Phipps. ( ... )
Este é um esboço
em
a
aproxi-
mado do andamento dos preços. Mas o ens1namenta que se pode extrair desse tratado
e
que a riqueza das nações nio aumenta durante
as inflações do rendimento mas durante
as
inflações do lucro quando os preços se afas-
-
tam dos custos." (CW VI, p. 134-137) (grifos
de Vilar)
Segundo Vilar, a noçao de estímulo se transformou gradualmente na de fator res-ponsável, para tenninar como caus~,
assim como fluxo de metais transforma-se em reserva (''reserva medieval de metais'').( 1 )
Por outro lado, Vilar cita Marx:
tâo caras aos discípulos de
''As ref~ncias,
Hume, ao aumento dos preços na Roma Antiga
a seguir à conquista da Hacedônia, do Egito
e da Ásia Menor não têm qualquer pertinência
( •.. ) O material necessário para uma obser-
(1) Vilar,
1982, p. 85
-
vaçao pormenorizada da circulação do dinheiro, por um lado a história selecionada
dos
preços das mercadorias e, por outro, as estatísticas oficiais c contínuas da expansao
e da contração do meio circulante, do fluxo
e da saída dos metais nobres etc., material
que geralmente se forma apenas quando existe um sistema bancário plenamente desenvolvido, faltava a Hume tal como a todos
os
outros escritores do século XVIII-"
Entretanto, além das disputas acerca da confiabilídade do material empírico, coloca-se aqui uma eminente disputa sobre as cau~s
da transformação econEmico-social. Seria o desenvolvimento da civilização
um efeito do afluxo de metais preciosos, que fazem os
preços aumentar mais que os custos, aumentando os lucros? Estaria o espÍrito da empresa dependente dessa
fonte de ampliação de lucros?
Os argumentos "Keyncsianos 11 sao sumarizados
Vila r:
1)
por
:f o lucro, e não a poupança, que cs timula a
iniciativa e portanto a produção. Baixar juros e lucros altos significam properidadc;
2) Os .aumentos de preços criam expectativas de lucros,
na medida em que, por exemplo, os débitos se
valorizam com a inflação;
des-
3) O emprego torna-se uma questão importante;
dou4) São reabilitadas as teses mercantilistas: a
função
trina do afluxo de metais preciosos e da
criadora das despesas de luxo.
A tese central acaba se convertendo na idéia
que o investimento capitalista exige uma queda
de
dos
sal5rios reais, queda obtida através do aumento
preços. ( 1 )
de
Vilar reclama uma teoria objetiv~
dos
lucros,
que explique-lhes a origem "de maneira concreta c direta11. Recusa a noção de "expectativas de lucro" pois
o "hemo ocnmíu~
já não se contenta desde há algum
tempo com promessas corno a ilusão de curta
duração
criada por moedas instáveis 11 .CZ) "O acento posto
nos
movimentos do lucro como se este fosse a única força
criativa e efetiva pode at~
implicar a hip6tcse (mais
ou menos consciente) de que o "sacrifício" da classe
trabalhadora seja nccessári9_) qualquer que seja o regim~.
Não obstante, a confusão teórica entre "inflação
dos lucros" e o luc~:rodzin'!a
inflação
leva a atribuir a acumulação de capital nao ã exploração do trabalho, mas a uma espécie de
providência
3
chamada "conjuntura". ( ) Finalmente, Vilar
rejeita
o monctarismo quantitativista dos Keyncsianos.
inconsistência
do Treatise que foi explicitada na discussão da obra
feita já em Cambrídgc. Trata-se sobretudo dos limites
impostos pela teoria quantitativa c dos quais Keynes
· procuTava se libertai' recorrendo justamente a uma nova
concepção das relações entre causalidade e ternporalidade. Naturalmente existe uma relação entre volume de
meio circulante e níveis de preços, mas o que determina as flutuações dessas magnitudes?
As críticas de Vilar exibem uma
Examinando as formas pelas quais se diferencia
o poder de compra, Keynes chegou a identificar
nos
raiz
desequilÍbTios entre investimento e poupança a
das oscilações nas expectativas de lucros.
(1) Vilar, 1982, p. 87
(2) Vilar afirma, ainda, que
a história deveria trabalhar como uma ciência natural: era esse o ideal
de Narx." Op cit. p. 92
(3) Vilar, 1982 p. 96-7
11
1 ),
Entretanto, nas suas 11 llustraçôcs Histórca~(
Keyncs isola o afluxo de metais como fator causal, a~
sm;i~.ndo
a teoria quantitativa da qual procurava escapar. Mesmo assim, c apesar do que fizeram os
historiadores Keynesianos criticados por Vilar, os propôsitos de Keynes nesse capítulo não se reduzem 5 aplicaçao da velha teoria, mas abrem terreno inédito
na
explicação dos processos econômicos. Keynes
procura
através da análise do dinheiro iluminar a natureza do
processo de acumulação de riquezas capitalista e nao
apenas demonstrar ernpiricamcnte a validade da equação
de Fisher.
Vil ar, seguindo Marx, esclarece que o
efeito
dos metais sobre os lucros e a empresa não é casual,
mas depende sobretudo do vigor econômico diferenciado
da exploração produtiva nas várias regiões e épocas.
Assim, o metal é procurado e aflui justamente ãqucJ cs
que já estão na dianteira do processo
produtivo
e
tecnolÓgico. Exatamente no capítulo sobre as
"Ilustrações Histórca"~
Keyncs procura esclarecer
seu
propósito ao investigar os fluxos de metais ao longo
do tempo:
"Tem sido usual conceber a r1queza acumulada do mundo como tenJo sido arduamente consvoluntária
ti tu ida a partir da abstinência
de indivíduos quanto à fruição imediata
no
1
consumo, que é a chamada poupança C Thrift 11).
Nas deveria ser Óbvio que a mera abstinência
constinão é suficiente por si mesma para
tuir cidades ou drenar pântanos. A
absti-nência dos indivíduos não aumenta necessarlamente a riqueza acumulada; pode contrariamente servir para aumentar o consumo corrente de outros indivÍduos. Assim a poupança de
um homem pode levar tanto a um aumento
da
riqueza-capital ou a uma melhoria do
poder
(1)
Keynes, CW VI, cap. 30
163
de compra de consumidores. Nfio
hi
corno
saber
qual prevalece, até que tenhamos
examinado
outro fator econômico.
A saber, o empreendimento: c o empreendimento
que constitui e melhora as possessões do munpoupança
do. Agora, assim como os frutos da
podem ir em auxílio da acumulação de capital
ou de uma melhoria no valor monetário da renda de consumidores, também os frutos do
empreendimento podem ser retirados seja da paupança seja as expensas do consumo do consumidor médio. Pior ainda, nao apenas pode a poupança existir sem empreendimento, mas à medida em que a poupança vai além elo
empreendimente, _ela positivamente dcscncoraja a recuperação do empreendimento e instaura um círculo vicioso através do seu efeito
adverso
sobre os lucros. Se o empreend:i.men_to está dinâmico, acumula-se riqueza aconteça o que for
a poupança; e se o empreendimento adormece, a
riqueza decresce ocorra o que for i poupança
- e a
(, .. ). O motor que dirige a empresa nao
poupança, mas o lucro.
Agora, para que o empreendimento seja ativo
duas condições devem ser cumpridas. Deve
existir uma expectativa de lucro, e deve
ser
possível aos empresários obter comando de recursos suficientes para executar seus projet-os. Suas expectativas dependem parcialmente
de influências não-monetárias -guerra e paz,
invenções, leis, raça, educação,
população
etc. Mas o argumento do nosso primeiro volume
procurou mostrar que o seu poder de executar
'
projetos em termos que eles considerem atrativos depende quase inteiramente do comportamento rlo sistema bancário e monetário.
Assim, a taxa com que o mundo tem
acumulado
riqueza tem sido bem mais variaàa que os hábitos de poupança ( ... ).'' ( CW VI, p. 132-3)
-
-
1
Essas sao as idéias em função Jus qua1s
"seria
uma tarefa fascinante rcoscrever a história cconômi'
ca." Aqui os lucros nunca deixaram de ser um cst1mulo e, mesmo quando ~arecm
como causa, trata-se
de
uma causalidade temporária que não se sustenta isoladamente.
As características cruciais do
empreendimento
sao aqui identificados com as expectativas de lucro e
com o poder de gasto capitalista (poder
de
comandar
recursos com a finalidade de executar projetos potencialmente lucrativos). O afluxo de metais nao
afeta
indiscriminadamente o nível de preços, mas afeta
os
à lucratividade
de
cálculos dos empresários quanto
seus empreeendimentos. Esses cálculos e empreendimentos é que são estratégicos, não as oscilações de preços em si mesmos. f: o decurso dos
empreendimentos,
transformando ou não as "poupanças" em projetos
dutivos, que por sua vez determina o
pro-
futuro
de
preços e produção.
à nossa definição de
"dinâmica
econômica": é o estudo dos 1 imites à ordenação
do
Voltamos assim
sistema econômico impostos pelas várias formas de incerteza quanto ao futuro. Esses limites, que se
ex-
pressam em conflitos entre a riqueza velha e as
pos-
sibilidades de geração de riqueza nova, não têm
um
resultado previsível de antemão. A "dinâmica",
em
contraposição
à "história 11 , é o estudo do que pode a-
contecer, nao do que já aconteceu.
:E nesse sentido que a economia de Keynes é
mais
política do que a economia política criticada porMarx.
"r.
- -uma anal1se
- .
(1)· o'·..1s r1quezas
.
do que
menos
da genese
exame das possibilidades de manutenção e
um
ampliação
da propriedade de riqueza. Por isso os lucros
infla-
cionários podem aparecer como um estímulo dinâmico.
Já
~farx,
e Vilar quando exige uma teoria objetiva dos
lucros, procuram estabelecer as condições
históricas
sobre as quais o capitalismo se constititui,i.e., vem
(1) Xo sentit1o de
11
0rigem natural".
a existir. Entre a identificação (genética) dos fundamentos do capitalismo c a análise (morfológica) dos
critérios de funcionamento do capitalismo há uma diferença. Diferença comumente resumida na
distinção
entre "leis gerais do desenvol vimcnto , capitalista" e
"esfera da concorrência capitalista". De um lado está
uma definição histórica da estrutura, de outro a
identificação das formas pelas quais os limites existenciais da estrutura se manifestam conjunturalmente.
Em suma, Keynes aponta os critérios motrizes da
racionalidade dos capitalistas no seu esforço recorrente pela manutenção e ampliação ele um poder cuja origem não é discutida. As expectativas de lucro surgem
então como fator causal sem que seja necessária qualquer hipótese restritiva sobre o comportamento
dos
11
salários. A exploraçãon
está na diferenciação
do
poder de gasto, mas a "origem" do valor não é univo-
camente determinada.
O aspecto crucial da "concorrência" não é o grau
de exploração. Um empresário explorador ao máximo pode desaparecer se não procurar executar ~etos
oportunos. O s:t.Pitalismo talvez dependa da exploração
do trabalho, mas os capit0J.istas dependem da capacidade de avaliar e planejar corretamente o futuro.
Na medida em que os 11 erros" dos
capitalistas
tornam-se uma ameaça mais grave para a existência do
capitalismo do que qualquer ameaça :imediatamente po1Ítica(1), Keynes cnfatiza o aspecto subjetivo dos lucros. O importante não é quem gera valor, quem intro(1) Em outros termos, Keynes sempre afirmou que, face
ao risco de uma revolução proletária, seria preferível corrigir "em tempo hábil 11 as
tendências
recorrentes c anti-sociais (anti-empresariais)
dos
capitalistas. Com outro fundamento, também Schumpeter destacou a tendência à estagnação do espírito
empresarial capitalista.
lGG
duz UJID inovaçã~
quem descobre novas fontes de recursos produtivos, mas quem é C1lpaz de se tornar e manter propri-
etário dessas fontes de valor que surgem e desaparecem
ao longo da hist5ria. tornar-se proprict5rio, no capitalismo, é sinônimo de poder de comprar. Ora, muitas v~
zes a diferenciação do poder de compra depende de forma
crucial da maneira pela qual o Valor já existente é co~
sumido, sem que entre em questão se a origem desse valor é um excedente obtido pela exploração do
trabalho
ou pela descoberta casual de uma mina de metais preciosos. Assim, o importante no afluxo de metais ou na inflação de lucros são as formas em que eles se convertem.
O acúmulo de tesouros em cavernas geraria tanta riqueza
quanto a inflação se esse se distribuísse homogeneamente pela sociedade. O importante para Keynes não é
estritamente o "pauperis1nol! dos trabalhadores, pois
a
abstinência dos trabalhadores poderia representar apenas mais consumido de outros indivíduos (capitalistas);
mas não significaria acumulaçÕ:ü de riquezas sem a execu
ção de projetos lucrativos. A lucratividade sempre acaba tendo, a posteriori, alguma relação com o grau
de
exploração do trabalho e de outros recursos produtivQs.
Mas a exploração em si mesma não garante a lucratividade futura. Em suma, os lucros são função de tudo o que
pode ocorrer na "esfera da concorrência" e nao
apenas
do que ocorre no processo de produção. Keynes
acabou
por desenvolver o estudo da dinâmica concorrcncial, co!._
rendo á.s vezes o risco aponta do por Vila r: o de discutir o capital sem definir o capitalismo, ( 1 ) ou o investimento sem o conceito de capital. Entretanto desde que
se perceba por trás do investimento (poder de gasto capitalista) uma ênfase na prioridade da decisão produtiva, em uma economia monetária, é possível reconhecer em
Keynes um te6rico que abre caminho i hist6ria. Pois
a
economia "como via de mão Única" significou uma
visão
que aceita a irreversibilidade determinada, de modo am1
(1) Vilar, 1982, p. 102.
gíguo, pela capacidade empresarial de mobilizar dinhei-
ro. ( 1 )
Pois analisar os processos econômicos como "via de
mao Única" significa reconhecer
na irreversibilidade
uma característica fundamental. Se as variantes do paradigma do "equilíbrio" deixam a desejar quanto ã compreensão das relações entre dinâmica econômica e história é por não incorporarem à sua metodologia esse pressuposto de uma irreversibilidade fundamental. Ainda que,
como aparece em Keynes, o tempo irreversível esteja ma:E_
que tem origem na capacidade
cada por uma ambigtlidadc
empresarial de mobilizar dinheiro.
O dinheiro circula, mas o poder de gasto, quando se realiza, gera cenarios que são o sintoma do modo irreversível pelo
qL)a 1
a estrutura econômica vai se transformando.
-
Foi abrindo espaço à percepçao dessas relações que
J. M. Keynes, lnesmo sem o conceito de Capital, inaugurou um campo de conhecimento econômico aberto à histori
cidade.
( 1) Cf. Shmit t, 19 7 5, p • 1 O.
1G8
4 - Investimento,
Potrynç~
c Lucros
A discussão feita anteriormente tornou possível
esclarecer de que forma o poder de gasto capitalista,
como definido por Keyncs no Treatise,
corresponde
ao que se costuma chamar "esfera da concorrência" e a
uma visão particular da "dinâmica econômica."
Vamos
examinar com mais detalhe o mecanismo através do qual
opera o poder de gasto capitalista.
A instabilidade do processo de acumulação
de
capital aparece no Trcatisc a partir da Ótica de "curto prazo" das variações repentinas nas decisões
de
produção de bens de investimento. (l) r! a partir de wna
mudança nas 'expectativas de lucro desse setor que
se
inicia o ciclo de uma economia industrializada. Na medida em que as decisões de poupança nada têm a
com as decisões formadas pelos empresárias do
ver
setor
produtor de bens de investimento, irrompc um desequilíbrio entre poupança e investimento que
representa
um excesso de demanda. Sobem os preços e) por conseguinte, os lucros do setor produtor de bens de consumo. Enquanto os níveis de poupança e investimento nao
se tornarem compatíveis com a proporção da renda
dicada ao consumo o desequilÍbrio permdnece.
(1) Cf. Vicarelli, 1980, p. 97.
11
0
11
de-
curto prazo 11 , quem
sabe, não sobrevive ã existência de um homem.
O
suficiente
"curto prazo"} entretanto, é longo o
para incluir (e~
talvez, determinar) a ascenç_ao e
Smith
queda da grandeza de uma nação. NOTA: Adam
não subestimava a duração dos prazos curtos. 11 Noventa anos", disse ele, é o tempo suficiente para
reduzir qualquer mercadoria na o monopolizada a seu
preço natural 11 . ) " Cf. CW VI, p. 141.
'
'
Já alertamos para a possibilidade de interpretar
esse curto pra_zo como uma nova concepção da tempQ_
ralidade capitalista, c não simplesmente como des
vios face à tendência n..1tural do "longo prazo".
íú9
11
( ••• )
se as decisões quanto is
proporções
do fluxo de produção futura em forma
dispo-
nível e não disponível fossem tomadas
pelas
mesmas pessoas que decidam a cada
momento
poupado 11 , ncnhm
problema
surgiria. Mas se as decisões são
tomadas,
quanto deve ser
11
como de fato ocorre, por pessoas diferentes,
então ( ••. )o incremento lÍquido à
capital da comunidade
riqueza-
como um todo vai
ser
diferente em certa medida (mais ou menos) do
agregado de poupanças dos indivíduos
savings"),
entendendo por
11
("cash
poupança" as por-
ções das rendas em dinheiro que os indivíduos deixam de gastar em consumo". (CW V, p.158)
Em r e sumo do argumento, pelo próprio Keynes:
11
( ••• )
se o nível de preços dos bens que
consumidos é de fato igual ou desigual ao
sao
seu
custo de produção depende de que a proporçao da
renda da colTlLUlidade gasta em consumo seja ou igual
ã proporção do produto da comunidade que assume a fo,I
ma de bens de consumo; em outras palavras, depende da divisão da renda entre poupança e gasto
em consumo ser ou não igual à divisão do custo
de produção do produto entre o custo dos bens
adicionados ao capital e o custo dos bens que
sao consumidos. Se a primeira proporção é nnior
que a segunda, então os produtores de bens de
consumo percebem lucros; se a primeira proporçao
é menor que
a segunda, os produtores
de
bens
de consumo realizam um prejuízo.
Assim, o nível de preços dos bens que sao consumidos (i.e. o inverso do poder de compra de dinhei
ro) excede ou não seus custos de produção
na
medida em que o volume da poupança fique aquém
ou além do custo de produção do novo :investimento
(i.e., dos bens que s~o
adicionados ao estoque
de
poude capital). Portanto, se o volume
'~ I
panças excede o custo do investimento,
produtores dos bens que estão sendo
/lJ
os
consu-.
roídos sofrem uma perda, e se o custo do investimento excede o volume de poupanças,
eles lucram.
O que acontece com o nível de preços dos no-
vos investimentos, i.e.; dos bens que
sao
adicionados ao estoque de capital?
( ••. )De modo geral, ele depende do
nível
de preços antecipado das utilidades
que
esses investimento renderia em alguma data
futura e da taxa de juros ã qual essas utilidades futuras sao descontadas com o propósito de fixar seu valor-capital presente.
produtores
Assim, o lucro ou prejuízo dos
de bens de investimento depende das
expec-
tativas do merCado quanto a preços futuros
e das taxas de juros prevalescentes varlarem favorável ou adversamente a esses pro. '
pre]UlZO
dutores. Não depende do lucro ou
dos produtores de bens Je consumo. 11
p. 161-2)
(CW V,
Nas a distinção entre os dois processos de for-.
mação de preços não implica na ausência de interações
mútuas. Aliás, é justamente o exame dessas interações
que revela a prioridade das decisões de investimento
na determinação do rit~no
das flutuações de preços e
produção.
( ••. ) movimentos em nossos dois tipos
de
nivel de preços estão ligados e se dio, geralmente, na mesma direção. Pois se produtores de bens de investimento estão obtendo lucros, haverá uma tendência por
parte
deles no sentido de aumentar o protudo, i.e.
a aumentar o investimento que irá, portanto
tender - a nao ser que as poupanças aumena aumentar os pretem na mesma propoxção
ÇOS dos bens de consumo; e ViCe versa." (CWy;
p. 162)
171
O crucj.u] cnao esquecer que esses lucros s6
se
transformam em novas decisões de produção,
investimenta e portanto implicam novos níveis de preços
dependência da capacidade dos empresários
11
na
comantlarem
uma quantidade apropriada de dinheiro c recursos- ca-
pital''. A
causal pode ser analisada
scqU~nia
fronte e par~
rãs. Para frente: os lucros
causam (es-
timulam) aumentos na produção e no investimeno.
Para
trás: os lucros s6 t~m
viá-
C5se
papel causal se for
vel produzir ou investir, isto é, se
o nível da taxa
de juros não for proibitivo. E o nfvel da taxa de juros depende da disposição da comunidade a nao
consu-
mir, magnitude que por sua vez depende da proporção entre produção de bens de consumo c bens ele investimen-
to. Na medida em que os lucros são interpretados como
distribuição diferenciada dos efeitos sobre os preços
das dcsproç~e
no crescimento dos setores produtivos de bens de consuma e investimento,
distribuição cuja desigualdade reside em Última instância
na
capacidade de os empresários anteciparem lucros futuros e comandarem recursos financeiros ("bancários", no
Trea~is),
pode-se identificar já em 1930 a mensagem
central de Kcyi~s:
as mudanç~
na magnitude da ~
dução no capitalismo dependem dos incentivos a invcs- tir:rn O investimento é o motor do capitalismo,
as
expectativas de lucros c os juros operam como acelerador e freios} respectivamente. Quanto ao combustível e a-o modelo do veículo, como já dissemos,
sao
qucstõ.es de que não se ocupa Keynes, para quem o müor
perigo era a ausência de rumo com que se movia o inusitado bélido.
-
e
A semelhança com as idéias da Teoria Geral
grande. Nas a principal diferença está no papel privilegiado que se confere, no Treatise, às
manipulações das condições de crédito fornecidas pelo sistema
bancário e não às possibilidades de intervenção direta sobre o investimento. Por esta razão os ciclos aparecem no Treatise como ciclos de crédito.
(1) Cf. Shackle, 1967, p. 184.
~
~'?
I I ••
''Assim, o printeiro elo na scqUBncia causal 6 o
comportamento do sistema bancário, o segundo é o custo ·do investimento (na medida em que reveJa o
poder
de compra do dinheiro) e o valor do investimento (na
m;_.dj,~
em que releva o nível de preços do produto co-.
mo um todo), o terceiro é a emergência de lucros
e
perdas e o quarto é a taxa de remuncraçao
oferecida
pelos empresários aos fatores de produção. Variando
o preço e a quantidade do crédito bancário o sistema
bancário governa o valor do investimento; da relação
entre o valor do investimento e o volume de poupanças
depende a emergência de lucros ou perdas aos produtores; a taxa de remuneração oferecida aos fatores
de
produção tende a aumentar ou cair do acordo com a emergência de lucTos ou perdas; e o nível de preços da
produção de 'comunidGde como um todo é a soma da taxa
média de remuneração eficiente dos fatores de produçao c da taxa média de lucro dos empresários." (CW V,
p. 164)
São as conveniências ccon6micas previsíveis
dos
investimentos, não contrarrestadas imediatamente por
variações nos custos de financiamento, as causas
da
1
instabilidade cconômic<J. e das crises. ( ) Kcynes só não
chega a uma teoria das crises na medida em que os ajustes, no Treatisc, acabam se dando através dos preços e com uma tendência ao restabelecimento da remuneração norma i dos empresários: a intc:_rruJ2_ção da atividade produtiva ainda não aparece como possibilidade
relevante. As flutuações nas taxas de
investimento
s~o
separadas por Keynes em três categorias: flutuaç6es no capital fixo, capital de trabalho e
capital
lÍquido.
"Quando há um desequilÍbrio entre poupança e
investimento, isso muito
mais frequcntm~
te i devido a flutuações na taxa de investi-
------·(1) Cf. Vicarelli, 1980, p. 104
1'i3
timento do que a mudanças na taxa Uc poupança
qu.c é, em círcusntâncías normais, de um caráter francamente estável." (CW V, p. 85)
Aceitando a visão de Schumpeter quanto ao papel
crucial desempenhado pelo empresário inovador e pelas
ondas de inovação, Keynes entretanto ressalta que os
cmpresáriosenvolvidos na prodnção de capital fixo decidem com base em expectativas de lucro que sejam referendadas pelo funcionamento do sistema bancário.
Quanto i periodicidade dessas flutuações, Keynes
rejeita a possibilidade de determinação
estatística
da extensão das 11 ondas 11 • Um aspecto interessante
(e
que prejudica a definição de períodos
determinados
com base no exame do mercado de títulos) é a falta de
sincrozaç~
entre a emissio de titulo e o momento
em que o investimento correspondente é feito.
"( ... )encontro-me fortemente simpático
a
escola de escritores- Tugan..:Baranovsky,
Hull, Spiethoff e Schumpctcr- dos
quais
Tugan-Baranovsky foi o primeiro c mais original; e especialmente com a forma que
a
teoria assumiu nas obras de Tugan-Baranovsky e dois economistas amadores americanos,
Lorty e .Tohnnscn." (CW VI, p. 90)
Por outro lado, flutuações no capital de trabacorrelac ionarn-se a flutuações no volume de emprego. A importância prática desse fundo de capital de trabalho está na magnitude que
pode
assumir frente à taxa temporal com que o novo
investimento o requer. O auge cíclico "pode representar uma luta, oculta sob o véu do sistema de crédito,
para repor capital de trabalho maís rapidamente
do
que seria factível sob um regime de preços estáveis 11 •
lho ( 1 ) C'working capita 1 11 )
(1) Bens em processo, tanto bens de consumo quanto bens
de investimento.
174
(CW VI p.31) Mas essas exigências de reposição do fundo de capital de trabalho só se verificam quando nao
é possível usar os estoques de capital lÍquido
ou
poupanças correntes. A magnitude de capital de trabalho fornece portanto a relação ponderada entre o volume de produção e o volume de emprego.
use, entretanto, a taxa de insumo nao é estável c o emprego flutua ( ... )a expressão
"volume de produção 11 torna-se ambígua.
Às
vezes não é claro se por ela entendemos volume de emprego ou volume de produção ( .. ,)
e durante as flutuações ambas vão temporariamente separar-se.''
"Erros são feitos frequentemente, tanto pelos que procuram explicar eventos passados
'
quanto pelos que pretendem prever os futuros, por darem atenção insuficiente ao decurso temporal entre as tr6s manifestaç6cs
produto, demanda por capital de trabalho
c emprego." (CW VI, p 106)
Nais ainda, é preciso distinguir o consumo
improdutivo. Quando há um investimento (substituição da
'produção de bens de consumo pela produção de capital
fixo) muda a proporção da renda que aparece sob forma
não-disponivel. Dai Keynes infere que o nfvel correspondente de consumo corrente se reduz, o que na o ocortrabalho
reria no caso de um aumento no capital de
associado ao aumento da produção e do emprego. Nesse
segundo caso também há investimento, mas sem que seja
necessário reduzir o consumo. Em suma, o aumento
de
capital fixo implica em abstenção por parte da comunidade, enquanto que o aumento no capital de trabalho
implica urna redistTibuição do consumo do resto da comunidade para os recém-empregados. O investimento exige uma redistribuição do consumo corrente mas nao
uma redução no seu agregado, substituindo
consumo
improdutivo. Assim, o investimento pôde aumentar nao
i/~
pela redução do consumo mas pelo aumento da produção)
ainda que algum setor possa vir a ter seu
consumo
prejudicado.
11
Em qualquer momento, portanto, uma comuni-
dade deve tomar dois conjuntos de decisões
- uma com relação à proporção de renda futura que estará disponível para o
consumo
ou para capital fixo, a outra com relação a
que proporçâo da renda presente dever5 ser
consumida produtivamente e qual improdutivamente. O primeiro conjunto de
decisões
corresponde ao que temos em mente pensamos
em poupança e investimento. Mas é do segundo tipo que depende o emprego ou desemprego. O pleno emprego dos fatores de produção
requer uma redistribuição, não urna redução
do consumo agrcgado."(CW VI, p. 112)
O prop5sito te5rico de Kcyncs consiste em
mostrar que os desequilÍbrios do sistema econômico devem
-se menos a diminuição da atividade em si, mas à diferenciação de poderes de gasto, entendida
pr~ncl
palmente como "diferentes formas de planejar o futuro11. Essas diferentes formas dependem dos
cálculos
empresariais vinculados à oportunidade de esperar pela realização de expectativas de lucro e da
inexistência de forn~s
mais imediatas de valorização. Assim,
o incremento cl:1- riqueza não aparece corno consequência da
abstinência, mas do tipo de decisão capitalista: produzir mais ou investir mais. O Crucial da
dinâmica
econômica é a distinção entre esses dois tipos de gasto, que entretanto frequentemente aparecem como formas diversas de consumo. O "consumo improdutivo 11 e um
t.ipo de consumo que, mesmo não sendo realizado,
nao
implica em diminuição do emprego. :E! apenas outra forma de definir o conjunto de bens em processo que, nao
consumidos, associam-se entretanto i geraç~o
de
emprego. O "consumo produtivo', é aquele cuja
redução
11
implica imediatamente redução no próprio esforço pro-
dutivo" do consumiJ.or. Mas essas apenas são
maneiras
(da Ótica do consumo) tle definir o processo de acumulação de capital em que o determinante é a divisão entre decisões de produção ou de investimento.
"Ar!içõcs ao capital fixo, ao capital lÍquido
ou ao capital de trabalho sio, todas, apenas
possíveis na medida em que há passagem
do
tempo para a comunidade como um todo entre o
momento da desutilidadc de trabalhar e o momento do efetivo aproveitamento da rcnda.Mas
a forma de investimento que r e sul ta do emprcgo adicional dos fatores de produção em consumo imediato adicional para a
comunidade
como um todo não consiste, entretanto,
em
abstenção elo consumo de renda disponível da
comunidade, mas na permissão para que
essa
renda seja consumida por pessoas
engajadas
em um processo produtivo que nao
fornecerá
renda em retorno a não ser depois que tenha
passado um certo período de tempo." (CW VI,
p. 113)
O investimento acaba aparecendo, portanto, como
·mudança nos tipos e datas de consumo, ainda que
dependa das decisões daqueles que esperam maiores
lucros, e não maior consumo. IllÍ entretanto um conflito
entre o motivo' (expectativas de lucros) e os
meios
(redistribuição do poder de compra existente) para a
criaçio.de riqueza. O Treatise coloca ~nfase
principalmente nos meios) i.e., nas várias form<IS de redistribuição do poder de compra (inflação, deflação, alteração nos perfis de consumo, magnitude dos estoques
de capital fixo e capital lÍquido). Frequentemente o
motivo aparece, mas ainda não ocupa o lugar
central
da análise. Daí que o ciclo de crédito seja o princisistema
pal fenômeno estudado, na medida em que o
bancário é essencialmente o intermediário, i.e., o agente responsável pela administração dos meios para a
criação de riqueza~
Entretanto, apesar dos meios se-
!
I i
rem administrados ou regulados pelo sistema bancário,
sao de natureza eminentemente material. E apesar
do
motivo guiar a decisão dos proprietários dos
meios
materiais produtivos, ele é de natureza eminentemente
financeira.
178
5. Circulação Industrial c Financeira
A análise qualitativa em que se converteu a teoria quantitativa nas mãos de Kcynes
caracteriza- se
pela identificação de dois poderes de gasto cuja importância é estratégica na definição do tempo economico: o gasto capitalista (produção e investiment0 e
(poder regulat6rio sobre o gasto
capitao cr~dito
lista).
Esses dois roderes explicitados por Keynes sao,
ao mesmo tempo, os sustentáculos de dois espaços
econômicos singulares: a circulação industrial
e
a
circulação financeira. Mas o dinheiro está
presente
11
nas duas "esferas , apenas os Qropósitos com que
e
usado diferem para cada urna delas. A própria
existência do dinheiro associa-se à existência de
dÍvidas de tal sorte que o poder de compra dos
agentes
econômicos c sempre, simultaneamente, também um 1nstrumento para a consecução de contratos de
pagamento diferido.Cl) Oferta de dinheiro e volume de
contratos estão correlacionados. Entretanto, dois tipos
bisicos de contrato podem estabelecer-se numa econo,mía capitalista; um implica contratação de
fatores,
produç~
corrente e geração de renda, o outro vincula
-se ãs negociações com títulos de riqueza (ações, empréstimos, esp~culação).
-
Os dois poderes, tipos de contrato e circulação
expressâm o grau máximo a que chegou, no Keynes
do
Tr~atis,
o interesse em diferenciar investimento de
poupança. O investimento relaciona-se i produção
de
novos bens de capital, e poupança vincula-se à circulação de contratos e títulos de riqueza passada
ou
futura. Novamente o desequilÍbrio que indica a natureza dinâmica da economia se dá entre as perspectivas
de produção e as de valorização financeira.
"O crédito é á estrada ao longo do qual
a
produção viaja, e se os banqueixos soubessem
---------------------(1) CW V, p.3
179
o seu dever, providenciariam as facilidades
de transporte na medida requerida para que
os poderes proJutívos da comuniUudc fossem
empregados à plena capacidade." (CW VI,
220) ( 1 )
p.
O conflito entre os meios e os propósitos
da
criação de riqueza manifestam-se plenamente no capitalismo. Já no Trcatisc torna-se claro que o problema
não é a falta de rne1os, mas a incongruência dos propósitos.
A indastria requer a utilizaç5o de certa
parte
do estoque total de dinheiro: dcp6sitos de renda (income
(
11
dcpcsits 11 ) e parte de depÓsitos dos
negÓcios
business dcpositsn) a finança atrai os depÓsitos de
poupança c outra parte dos depósitos dos negÓcios.
Constituem-se assim dois circuitos monetários,um
atendendo a propósitos Jcrivados do
empreendimento,
outro atendendo a propósitos poupadores''.
11
A compra de bens e o pagamento de salários
sao
duas faces da circulação industrial e refletem toda e
·-qualquer flutuação na atividade. Assim, variações nos
depósitos de renda transformam-se parcial e recorrentemente em depósitos de negócios através das
vendas
de pro~uts.
Mesmo a parte dos depósitos de negÓcios
que é mantida para fazer frente a custos de produção,
capital de trabalho ou bens de capital rec6m-terminados reflete-se nas variações nos depósitos de renda.
Entretanto, há razões para que os depÓsitos empresariais não variem na mesma proporção que os rendimentos.( 2 )
(1) Cf. Davidson,
(2) CW V, p.
1972, cap. 11
219 e SS.
IBO
a) mudanças nos preços rcJ_~tvos
Jc diferentes
cate-
gorias de protlutos (ou mudanças no caráter da produçilo);
b) os depÓsitos empresariais nao são dotados da pcríodic_:!clâ:de com que ocorrem os depósitos de rcndüncntos (regularidade das datas de pagamento) e mudam
de velocidade com o nível de emprego e com o cará-
ter da produção;
c) a emergência de lucros altera também os hábitos
e
frcquência dos depósitos empresariais.
Por essas raz5cs, o volume da circulação industri
al, que a princípio parecia estar diretamente ligado
ao nível de atividade, acnba se divordi.anclo de mudan-
ças nos depósitos de rendimentos (i.e., as rendas monetirias agregadas, ou o volume c custo de
produção
corrente).
Por outro lado, os fatores que afetam a
finança
sao de outra ordem, pois o volume de negócios realizados através de instrumentos financeiros, ou a
11
ati-
vidadc"financeira, é tão variiivcl quanto <1penas indi-
retamente 1 igada ao volume de vrodução de bens de capital ou de bens de consumo. I! que o volume corrente
de produção de capital fixo é pequeno se comparado ao
estoque existente de riqueza. Novamente surge a ques-
tão do
11
Choque de valor" entre a r1queza velha e o vo
lume de tí~os
representante da riqucz:1 já
existen-
te. As transações com esses titulas não guardam qual-
face a taxa com que se adiciona riqueza aos estoques fisicos. Assim, na 11 modcrna comu.
.
nidade equipada com bolsas de valoTes,, ( 1 ) o
ClTCUl-
quer dcpen~ia
(1) CW V, p. 222. Aqui, o conflito entre estoques e fhL'XOS
é
r~
solvido em favor dos estoques cf. Schackle, 196í, p. 208. A
integTacão do tempo (e do dinheiro) no discurso da ciência
econÜmiCa requer a devida priori:.açilo dos estoques na análise. ~a
teoria ortodoxa a ausência. da dimC~6
temporal é
a outra face da o.usência de moecb e CL1. prioridade conferüb
ã idêi3 de wna produção imediatamente consumhcl -·portanto
dos flu:x:os. cf. D1 Antonio, 1981, p. 193 e p. 202,n.
181
to de produção corrente Uc capital fixo é apenas
proporção pequena do giro global de títulos.
Mesmo o preço dos titulas existentes
ao longo de períodos cur~
uma
independo
seja do custo de produção
ou do preço de capital fixo novo.
'Pois os títulos existentes consistem grandemente de propriedades que não podem
ser
rapidamente reproduzidas, de recursos naturais que sequer podem ser reproduzidos e do
valor capitalizado de renda futura antecipada pela posse de quase-monop6Iios de vantagcns quaisquer. O ''boom'' de investiTilento
nos E.U.A. em 1929 foi um bom exemnlo de um
'
aumento no preço dos títulos como um
todo
que nao foi acompanhado por qualquer aumento no preço da produção corrente de capital
fixo novo." (CW v~
p. 222)
1
A influ'êncía dos depósitos empresariais sobre
o
volume do giro financeiro 6 reduzida, levando-se
em
conta a velocidade alta com que esse dinheiro gira. A
dinheiro
_principal fonte de variação na demanda de
para propÓsitos financeiros cstá1 portanto 1 nos
-
pro-
prios depósitos de poupança.
existência de depósitos ele poupanças
é
uma indicação de que há pessoas que prefe'~A
rem manter seus recursos sob a forma de reclamos de dinheiro de caráter lÍquido realizável imediatamente. Por outro lado,
há
uma outra classe de pessoas que
emprestam
dos bancos de modo a financiar uma retenção
de títulos maior que aquela possível apenas
com recursos próprios. 11 (CW V, p. 223)
que
Deve-se portanto difcrcnc ia r a "poupança,
l
(1)
t
t
resulta. d o opçoes lllGJ.VH ua1_s
, e c um es ra o bas>
,.
>
>
(1) Aqui os motivos que depois K.eynes sintetizaria, na
Teori3 c~:-na
teoria da l)TCfcrência pela liquidez.
182
tante estável> da categoria de agentes
denominada
de riqueza", i.c, aqueles que
prefe-
"pro~ict<ÍI.s
rem permanentemente reter depósitos de poupança e não
títulos.
Esses "proprietários de riqueza" sao denominados,
em linguagem de bolsa", os Hursos". São aqueles
que
vendem títulos Jos quais não são proprietários ou que
preferem llk'lnter uma posição de liquidez sob a
forma
11
de depósitos de poupança. Em oposição aos Ursos" há
os utouros".
"Um urso é alguém que prefere momentaneamente evitar títulos c empresta dinheiro,
cor-
rcspondentcmcnte um touro é alguém que
pre-
fere reter títulos e tomar dinheiro
empres-
tado - o primeiro antecipando uma queda
valor em dinheiro dos títulos c o·
no
segundo
antecipando uma elevação. 11 (CW V, p.224)
Daí serem os "ursos" baixista::, c os
altistas.
tend~cia
11
touros"
Quando o sentimento altista predomina, há
uma
i queda nos dep6sitos de poupança. A magni-
tude dessa queda depende da velocidade e montante
em
que as taxas ,de juros de curto prazo caem frente
ao
aumento nos preços dos títulos, contrabalançando
o
sentimento altista. A acelcraçio do sentimento altista só pode ser referendada se o sistema bancirio, seja através de compras de títulos, sej<l tirando
proveito da diferença de opinião entre altistas c
bai-
xistas, intermediar a transferência de fundos de poupança paxa aplicações em títulos. Assim, se urna parcela do pÚblico se vê tentada, pelo crédito L-ícil, a
tomar emprestado paTa a compxa especulativa de títulos, os preços dos títulos podem ser elevados até que
urna outra parcela do público prefira depósitos
de
poupança.
O nível de preços dos títulos depende
portanto
do grau de sentimento altista e do comportamento
do
sistema bancário. Enquanto a elevação nos preços dos
títulos não gerar um sentimento contrário,
forma-se
um consenso de opinião em favor da retenção de
títu-
los.
Temos, esquematicamente:
/
depósitos de rendimentos
ClTCU-
laçâo
Depósitos em caixa
Depósitos de
pouanç(~
~
· dus-
.. /A trial
depositas empresariais
Clrcu-
~:!-
ce1ra
onde:
- depósitos de rendimentos) parte do estoque de djnheiro
depôs i tos empresariais
1j usado na
produção e no conswno
(circulação industrial)
depósitos empresariais B
- depÓsitos de poupança A
- depósitos de poupança B
d inhe ira usado no mer-
...
cado de açoes
estrato estivel retido por razões pessoais
depende da oposição
entre "ursos" e "touros''
As flutuações nos depÓsitos de poupança B
sao
considerados por Keynes como provavelmente o mais importante elemento de viabilidade na demanda monetária
devida ao motivo financeiro. Dessa forma, o montante
total de cixculação financeira depende
parcialmente
da atividade (transações) mas principalmente da magnitude da posição altista.
184
Feita essa análise, podem ser caracterizados quatro tipos do mercados especulativos:
1) mercado de "touros 11 tendo consenso de opinião, com
subida nos preços dos títulos na queda nos dopásitos de poupança; os ursos fecham suas
posições
em um mercado altista;
Z) mercado
ços dos
a ponto
"ursos 11
tista;
de 11 touros" com opinião dividida, os pretítulos sobem mais do que suficientemente
de elevarem-se os dcpÓsítos de poupança,os
aumentam suas posições em um mercado
al-
3) mercado de
11
4) mercado de
11
ursos 11 com opinião dividida, os preços
dos títulos caem a ponto de caircm os depÓsitos de
poupança, os "ursosn fecham suas posições com
um
mercado baixista;
ursos 11 tendo consenso de opinião,
os
preços dos títulos caem insuficiente de tal sorte
que se elevam os depósitos de poupança, os 11 ursos 11
aumentam suas posições em um mercado baixista.
Movimentos especulativos do tipo 1 e l afetam a
indústria como se se tratasse de um aumento na oferta
de dinheiro, pois uma queda no volume dos
depósitos
de poupança não comprcnsada pela ação dos bancos (diminuindo a oferta de ativos), aumenta o montante
de
dinheiro dispon{vel para a circulaçâo industrial. Especulação dos tipos 2 e 4 t~m
um efeito anilogo a uma
diminuição na oferta de dinheiro.
Por outro lado, uma elevação nos preços elos títulos estimula um aumento no nível de preços do novo
investimento. ( 1 ) Especulação do tipo .l reduz o poder
de compTa do dinheiro em termos de títulos e de novo
(1)
cw v,
p. 226.
investimento. Na medida em que ocorre um aumento
na
a
oferta de dinheiro
cirulaç~o
industrial
permitem
urna expansao do investimento, o oposto ocorre na especulação do tipo !, e nos casos ! e 3 hi
forças
contrárias aginJo simultaneamente.
"Concluímos, portanto, que mudanças na
si-
tuação financeira são capazes de causar mudanças no valor do dinheiro de dois
modos.
Têm o efeito de alterar a quantidade de dinheiro disponível à circulação industrial e
podem ter o efeito de alterar a atrarivida-
de do investimento. Assim, enquanto o
pri-
mclro efeito não for compensado por uma mudança ria quantidade total de dinheiro e o
segundo por mudanças nas condições de
empréstimo, resultará urna instabilidade
no
nível de preços da produção corrente." (CW
V, p.
227) (1)
O risco inerente
à distrJ.buição entre os
dois
circuitos reside na possibilidade da cirulaç~o
financeira roubar recursos da c:irculação industrial ,encorajando a posição altista ("touros"). A
elevação
cumulativa do nível de preços dos novos
investimentos acaba deflagrando posteriormente um sobre- inves-
-
timento. Se os bancos apertarem as condições de credito ~entado
evitar uma corrida altista, por
outro
lado, pode ocorrer uma tendência deflacionária.
"A solução reside - no que diz respeito
à
estabilidade do poder de compra - em permitir à finança e à indústria o acesso a quanto dinheiro necessitem, mas a uma taxa
de
novo investimento (relativamente a poupança) que c:x3tamente compense o efeito do sentimento altista.'' (CW V, p.227)
(1)
Já aqui surgia a proposta de Keynes no sentido
de intervenção regulatória por parte de um Ban
co Central.
Além das dificuldade' de rnanipuluçiío, podo
ain-
da ocorrer na prática que uma clcvoção da taxa de juros que previna a corrida altista, prevenindo o sobre ..
-investimento futro~
pressione a produção
I?_rcscnte
no sentido do sub-emprego, embora Keyncs atribua
sas possibilidades ainda seja a falhos de
es-
ou
~visão
às dificuldades de mudanças estruturais na produção.
A outra saída seria discriminar as linhas de
crédito
para a finança e para a indústria. De qualquer forma,
essa interação entre finança e indústria revela
uma
economia capitalista que o se i la en trc o desemprego
o sobre-investimento.
A compreensao dessa instabilidade- essencial
e
r o-
side na distinção entre ~ctaivs
de curto
pra.zo
e de longo prazo. No longo prazo e de se esperar que
o valor dos títulos mantenha uma relação direta
com
o valor dos bens de consumo, na mediàa .em que depende
das cxp~taivs
quanto ao valor do montante
de bens de consumo que os títulos, direta ou
lÍquido
indire-
tamcnte, proporcionarão, ponderado pelo risco e
-
in-
cCrteza dessa expectativa e multiplicado pelo numero
de anos cuja compra cor-responde à taxa de juros cor.
- (1)
rente para o capltal
de d uraçao
em qucstao.
Na me.dida em que os bens representados pelos títulos podem
ser reproduzidos, o valor antecipado dos bens de consumo gerados pelos bens de capital será influenciado
pelo custo de produção dos bens de capital em questão,
tais
pois esse custo afeta a oferta rrospectiva de
bens.
"Mas no curtíssimo prazo, [o valor dos títulos]
dePende de opiniões bastante incontroláveis
por quaisquer fatores monetários presentes.
Um valor mais elevado de títulos não é imediatamente xecado por fatores monetários do
modo como uma elevação similar de preços de
xecada
bens correntemente consumidos seria
(1) CW V, p.
228
1
por uma auxência de renda suficiente
,, o
"'
para
comprá-los. Pois vimos que o volume do
de-.
pós i tos empresariais n requeridos para tran-
sações financeiras depende pelo menos tanto da atividade dos mercados quanto do valor m6dio dos instrumentos negociads~
e
também na medida em que possuem
altíssima
velocidade de circulação qualquer
aumento
necessirio 6 facilmente suprido sem
maior
efeito sobre a oferta de dinheiro para outros fins ( ... )." (CW V, p. 229)
A circulação financeira opera com base em expcctatívas de valorização divorciadas das
expectativas
dos mercados de produtos. O dinheiro, que c o suporte das expctaivs~
pode ser gerado internamente
(como poder de mult.iplicaçâo das tTansaçõcs financeiras) sem qualquer vínculo direto ou necessário com o
volume de transações nos mercados
-
de curtíss-imo prazo instaura-
Essa instabl~de
-se portanto a partir da diferenciação entre o
poder
de gasto que opera a um ritmo independente, em
certo
gl:au, das oscilações
nos volumes de tranpro~ctivas
sações mercantis.
A circulação financeira instaura um espaço
nômico cujos compromissos com o futuro da
pousam sobre bases subjetivas c instáveis.
11
ecopxoclução re-
Se todos concordam coin que os títulos
va-
lem mais, e se todos são touros
no sentido de preferirem títulos a um preço crescente face ã alternativa de
aumentarem
seus dep6sitos de poupança, nao há
limite
0
11
para o aumento no preço dos títulos e
nenhum xeque efetivo provem de uma
escassez
de dinheiro.'' (CW V, p. 229)
188
A reversao
dessa corrida cspeculativa s6
ocor-
rerá quando as tais ~.2SJ!Ctaivs
forem revertidas, em
função de uma defasagem relativa suficiente entre
o
preço dos títulos c a taxa de juros de ctirto prazo,
quando a posição 11 UTS0 11 tenderá a se desenvolvcr.Intrctanto, essa variação artificial no valor dos títulos afeta o cálculo comparativo que está na base do
dispanovo investimento, na medida em que haja uma
ridade
entre o valor dos títulos existentes e o custo de produção dos novos bens de capital.
"O principal critério
de interferência em
um mercado financeiro
touro 11 ou "urso 11 deveria s~r
as prováveis reações dessa situaçao finceira sobre o equilibrio prospectivo entre poupanças e novo investimento. (CW
11
V, p. 230)
O risco dessa temporalidadc financeira que
arma no interior da economia capitalista reside
se
na
hegemonia exercida pelos requisitos de reprodução,pe1o menos, do valor da riqueza velha. Esse domínio exercido por um vasto estoque de títulos existentes e
"dinheiro nas mãos de indivíduos pode acabar impedindo a viabilidade do novo investÍ!JlCnto, dada a
pouca
influ&ncia das novas emissões de títulos.
O·Treatisc apresenta, portanto, uma anilise dos
vários tipos de exigências de manutenção de estoques
de dinheiro por virias agentes econ3micos, cada qual
procuTando exercer uma demanda peculiar. Basta saber
qual demanda monetária acaba se impondo. A circulação
existe
financeira exibe o poder de uma esfera onde
uma capacidade endógena de gerar poder de compra, em
alguns momentos superior àquela que caracteriza
o
mundo dos negÓcios vinculado à indústria.
-
A capacidade endógcna de criação monetária
so
tem limites imagináveis na ação dos bancos, m..1s a açao
dos altistas nos mercados de valores :rode superar até
Hn
mesmo a capucidade de intervcnç5o dos bancos.1'rata-sc
de um poder de ampliação das cxpectativ<lS de lJquiücz
- ou objetiva. rnJ
·
~fJi
base cstavcl
Por outro lado, quando essas expectativas de liquidez começam a mostrar-se excessivas, a
depressão
no valor dos títulos em si mesma torna inviável a recuperação do investimento através da colocação de novas emissões de títulos. Os intermediários
financei-
já
existente (ainda que s6 no papel) e as possibilidades
de emissão se restringem.
ros passam a se preocupar em proteger a riqueza
A capacidade endógena da reoçao da oferta monctiria reflete o poder de criaçâo de liquidcz dos 1ntermeJiários financeiros, liquidcz que pode
a tingir
uma magnitude desproporcional ãs necessidades dos nogócios. O exame do poder de gasto capito.Jista conduz
Keyncs, portanto, a uma teoria do poder de ampliação
da liquidez no capitalismo. A incerteza e a instabilidade derivam-se fundamentalmente da
incongruência
entre as possibilidades de geração de cxpcctativJs de
liquidez pelos intermediários financeiros e os diversos poderes de gasto que efetivamente se
realizam,
, tanto em bens de consomo quanto em bens de capital ~l)
(1)
tv1as nao se deve subestimar a importância da crlaçao de cr&ditos pelos bancos. O fato, nunca ignorado pelos economistas não recebeu a devida atençao. Schumpeter (1982, p. 1 209) alerta para a r~
açao da ortodoxia, que voltou a enfatizar u "poupança do púb 1 :i co" como determinante no financianwnto do investimento o crédito nada tem a
ver
com "poupança prévia".
(2)
A questão do conflito entre a liquidcz "individu:.ll11 e
cial" será l"etonuda na Teoria Geral.
11
SO-
1JO
6. A Teoria Jos Juros
No exame do poder de gasto capitalista, já fizemos inúmeras referências à taxa de juros sem explicitar o seu significado no Trcatis~.
Foi dada prioridodc ã exposição dos c.lcmcntos da economia capitalista,
descritos por Kcyncs no ~i
que rcvclum o caráter do poder exercido pelos capitalistas sobre o processo de geração e apropriaç5o da riqueza. Esse poder
de determinação das possibilidades de continuidade do
processo de criação de riqueza
G eminentemente
inst5-
vel. Pois a relação entre as circulações industrial e
financeira acaba,
ai
definidas de exist~nca
por turvar a
em funçaõ das modalidades e formas
c cirulaç~o
de dinheiro,
que os capitalistas t~rn
das
possibilida{les objetivas de continuidade da
ção de riqueza.
acumula-
percç~o
Nas justamente na teoria nco-clássica ortodoxa os
juros aparecem como taxa de remuneração por uma esl!era, ou seja, refletem a avali.::Jç3o ·que os agentes econômicos fazem da relação entre decisões no presente c
no futuro. l'vlcsmo Robcrtson, que procurou como
v1mos
diferenciar diversas form.1s de esperE_, não deixou de
remct&-las ao funcionamento da taxa de juros. Qual a
relação, portanto, entre a instabilidade temporal característica das avaliJçÕes capitalistas descritas no
Trcatisc (e que nada têm a ver com qualquer forma de
"esperan ou 11 abstinência 11 ) e a teoria das taxas de j::'_
ros assumida por Keyncs antes da Teoria Geral, ou seja, entre uma Teoria do Gasto (não da abstinência) e
uma Teoria dos Juros sabidamente inspirada na concepçao de h"icksell (um notório representante da
xia neo-clássica).
ortodo-
Por outro lado) é inegável que há em Wicksel~
elementos heterodoxos que, como em Marshall, penaitiram desenvolvimentos ulteriores frontalmente críticos da tradiçlo marginalista. E necs~Írio
avaliar ao
menos de pa~sgcm
a contribuição de Wickescll
para
podermOS TCSponJcr
C[Uest5o inicia]: em que medida a
mensagem do Trcatisc por nós rcJ evada até agora merece ser qualifJcada (no que se refere ã pcrcopçao
do
tempo implícita na Teoria dos Juros).
a
Já vimos como, mesmo a partir da teoria
quantitativa, Keynes foi distanciando-se da idéia
scgundo
a qual um aumento na quantidade de dinheiro cr1a
um
poder aquisitivo que automaticamcntetransforma-sc em
gasto com bens de capital, como se houvesse um ajus,
~
.
·' Investimento
.
.
te continuo
e mccan1co
uo
a~ poupança. (· 1 )
A moeda circula, mas não seu poder de compra. Há tipos distintos ele circulação monetária com resu1 tados
distintos em termos de efctivaçilo de poder ele compra.
Se, por um lado, o dinheiro circula pela economia, o
poder de gasto efetivo depende de uma scqUêncía :Í.1.'YCVCT:slvel de decisões tomadas pelos capitalistas emprecn.declares, que são os verdadeiros criadores de poder de
- meros trans·cr1cores.
f
. I
(Z)
compra e nao
Entretanto, para os neo-clássicos existe um mecanismo que ajusta autorna.ticamente investimento e pau-
.
~anç:
a taxa de juros. E é justamente
dos juros que aparece no Treatisc.
essa
visão
A doutrina tradicional pode ser expressa de três
maneiras distintas mas interligadas:
dinheiro
a) a ta·xa bancária regula a quantidade de
bancário, taxas elevadas implicam em baixa de preços;
de um
b) a taxa regula o fluxo de metais preciosos
capitais
país, afetando a atração relativa sobre
externos;
(1) cf. Vícarclli, 1980, p.117
c) a taxa influencia o investimento ou ao menos
.tos tipos de investimento.
cer-
Keynes aproxima-se, no Treatisc, da terceira vcrsao
(CW V, p. 171). 11 taxa de juros afeta o segundo termo das equações fundamentais (equilÍbrio poupança-investimento) e
afeta o nível de preços.
Wicksell foi o principal expositor dessa forma de teo
ria dos juros queria fundamentar a tese de que os aumentos autônomos da ·quantidade de dinheiro atuam
no
processo econômico através dos juros bancários (ciclos
de crédito) e assim quas~
chegou a negar a influência _<!~
de fJI (quantidade de dinheiro) sobre P (nível de preços).
Wicksell pensava em termos de demanda
monetária
agregada, e não em termos de demanda por mercadorias
singulares (como exigia a lei de Sny). Ao adotar esse ponto de vista, Wickscll abriu caminho para a rejeição da lei de Say, ponto que certamente interessava Keyne s. ( 1 J
Seguindo a v1.sao tradicional Wickse11 distinguia
entre uma taxa de rendimento do capital físico e uma
taxa monetária derivada. Em outros termos, distingue
entre urna porcentagem anual paga pelos
empresários
áos bancos para emprestar dinheiro (taxa monetária de
juros) e a porcentagem anual que o .dinheiro emprestacomércio
do poderia gera r se aplicado na p;rodução e
(taxa n·atural de juros).
A inovação de Wickscll consistiu em associar essa distinção à análise de um processo cumulativo. Se
os bancos regulam a taxa de empréstimos a ponto
de
situá-la em nível inferior ao d.a taxa natural ou real(Z), vale a pena tomar emprestado e "aplicar"
na
produção: compra-se trabalho, materiais e instrumen(1) Cf. Ohlin, 198·1
(2) Real no sentido de estar associacb à av·aliação dos fluxos
de rendimento de uma planta produtiV'd e n:lo no sentido de
t.:1...xa deflacion:.l(b. por algtun índice.
tos, eleva-se a concorrência pelos fatores, por
con~
seguinte elevam-se os preços, impulsionando para cima
o nível de renda dos ofertantcs de fatores produtivos
que, aumentando seus gastos, dão ainda mais estímulo
à "aplicação" de recursos monetários na produção
de
bens. O processo cumulativo, inflacionário, sustent.9-_
-se enquanto o custo do dinheiro emprestado fôr menor
que a renda derivada das coisas compradas com o
tal
dinheiro (não existindo capacidade ociosa).
Através desse mecanismo, Wickscll mostrou que:
al/1 afeta a produção c não apenas preços;
b) os bancoS sao uma fonte crucial do processo.
A taxa natural 6 governada pela tecnologia incorporada no estoque de equipamento existente( 1 ). Cada
adição a esse estoque tornaria possive]_, em principio,
uma melhor divisão do trabalho, mas a eficácia de tal
adição seria menor quanto maior o estoque a que fosse
adicionado. Como esse estoque altera-se lentamente, a
taxa monetária é mais volátil, ainda que tanto a taxa
monetária quanto a natural sejam formas de renda
de-
rivadas da propriedade de riqueza.
reflexo da ta
xa de _retoTno na margem do estoque de bens de capital,
então trata-se de uma rcmuneraç.ao que nao e o Único
(talvez não se5a o mais impoTtante) incentivo para o
~
con~rest,
ainda que afete as decisões de
investimento.mA distinção de Wicksell permite portan
to incorporar i anilise dos juros a diferenciação de
origem e natureza entre poupança e investimento, queOra, se a taxa monct5ria nao
~mero
Incluindo terras, florestas, minas, prédios etc.
(2) f uma taxa que emergiu na determinação do nível
de pTeços dos bens de capital, que examinamos p~
ginas atTás.
(1)
-
brando com a tradição que assimilava os juros à
rcmu-
ncraçfio pelo não consumo (espera ou abstinência).
A
tcmporalidadc aqui implícita não se reduz portanto
da visão ortodoxa.
a
-
-
A ênfase dada por Wicksel aos efeitos das
poss1entre os tipos monetários e naturais
veis diverg~ncas
(reais) de juros não constitui em si mesma em razao P.§l:.
ra o abandono da clissica· (c neo-c15ssica) assimilação
do fenômeno dos juros a Um rendimento derivado de bens
físicos. f-.1as, por outro lado, cria espaço analítico p~
ra o tratamento da taxa monetária de juros como variável relevante que depende de fatores di.ferentes daque-
les que regulam o rendimento do
~apit
dois tipos de juros relacionam-se, podem
físico.
at~
Os
ser igua-
is, mas já não são fundamentalmente a mesma coisa. No
sistema \\'a 1 r as in no a taxa monetária é mcramcn te a expressão monetária (neutr.1. e;r si r'CSP'a) lle taxas de rendimento
de capitais físicos. Wickcsell introduziu a taxa monetária como uma nova variável que exige a formulação de
novas condições de equilÍbrio, que vieram a ser conhecidas como "equilÍbrio monetário 11 através das obras da
escola sueca.(l) O distanciamento analítico entre o ti
_ po natural e o monetário abriu caminho para o que viria, na obra posterior de Keynes, a se constituir
na
distinção entre taxa monetária de juros e eficácia mar
ginal do capital.(Z) Fazendo refer6ncia a Wicksell,
Keynes alertava no Treatise:
11
( ••• )
ele foi o primeiro autor a tornar cla-
ro que as influências da taxa de juros sobre
o nível de preços opera atrav6s de um efeito
sobre a taxa de investimento, e que investimento nesse contexto significa investimento e
não especulação." (CW V, p. 177)
( 1 ) A a\'aliaçào acil:1..'1 encontra-se originalmente em SchLml(2)
peter, 1982, p. 1 213.
Em \\'.icksell, porém, o tipo natural identifica-se à J2TOdutividadc nnrgin:ll de capital, conceito radicalmente díS:bnto
de "ef iclcia nurg inal" de l\cynes,
Ganha relevo assim a nocossiJado de teorias puramente monetárias dos juros. Os JUros aparecem como algo ·de natureza monct<lria e não apenas de forma monctiíria.( 1 ) - - - -
A
wickselliana incorporada no Trcatisc ~
a
de que o investimento planejado (aumento intencional,
a cada momento, do estoque de equipamento ou ríqueza)é
determinado por uma comparação marginal entre lucro e~
pcrado e taxa de juros. Entretanto, a teoria do capital de Wicksell, baseada na definição de ~oc1s,
foi
recusada por Kcyncs. O tempo em Wickescll era considerado como a dimensão varL-ível do capital, uma característica objetiva de um conjunto de bens matcriais.C 2 )
Ora, o esforço de Kcyncs, como temos visto, foi o de
colocar em p'rimciro plano a relatividade e a subjetividade do tempo no capitalismo.
id~a
Nesse sentido, a teoria dos juros wicksclliana in
sere-se na tradição do "método do longo prazo" ( 3 ), qu;
ji discutimos com rcfcrancia ao tratamento marshalliano do tempo, páginas atrás. \llickscll, modificador da
teoria quantitativa da moeda, ocupa um lugar
análogo
ao de Narshall na história do pensamento econômico,mas
-no que diz respeito is discussões sobro tempo e história representa uma posição que tGmbém não poderia ser
adotada por Keynes, pois implica na definiç.ão "a priori"
do que seja o período relcv;mtc para a análise.
\\'ic.ksell
recusava explicitamente a aplicação
4
' quantitativa
..
Teoria
a- " rea l.dd
1 a e concreta "( ) , na
(1) Cf. Schumpeter, 1982, p.
1 214.
(2) Cf. Seligman, 1967, p. 663
1984.
(5) Cf.
~!ilgate,
(4) Que
Milgate interpreta como ncurto prazo".
da
me-
<lida em que no lugar do cr6dito a ortodoxia cníatiza
os balanços de caixa individuais, com a tradicional
hipótese de constância da velocidade de
circulação.
Essas criticas vinculam-se em 61tima an51isc aos de.
bates anteriores ã legislação ,l)ancarla
britânica
-
de 1844.
As principais escolas
1
brit~ncas
em questão foram
a 11 Banking School" e a "Currency School 11 , que ocuparam posições de certa forma an51ogas ao debate moderno entre kcyncsianos c monetaristas.(l)
A "Currcncy School 11 advogava a necessidade
de
respaldo em ouro para a emissão de notas superior a
certo montante e controle centralizado nas mãos
de
um grande banco (o Banco da Inglaterra) com a justificativa de que emissão excessiva geraria inflação.
Mudanças nos estoques de ouro refletiriam, para
os
adeptos dessa corrente, as alterações relativas
na
concorrência internacional e seriam sinais de
mudan
ças na disponibilidade de crGdito. Os críticos diziam
que era um absurdo amarrar o desenvolvimento econômico i disponibilidade de um fator arbitr5rio: o estoque de ouro.
N
Já a "Banking School", tomando como exemplo ocaso esco~,
argumentava que o fundamental era o crescimento real da economia. -algo que poderia não se re
fletir no estoque de ouro. Devido às conexões estrcitas cn trc os bancos, os negociantes e_ os industriais,
'· ' c. r ' ., ', · . '
para finano crédito poderia continuctr se ~xpandib
ciar a atividade real e os ativos lÍquidos, não
so
ouro, seria~
a retagud~1
da expansão do crédito nos
moent~
em que havia oportunidades lucrativas
para
financiar. Os críticos apontavam para o risco de cres
(1) Cf. DoK, l'aTl, 1982, cap. 3.
cimento do nGmcro de tftulos Jcsproposltadamcntc al6m
do volume de atividodc econômica.
Wíckscll achava que a "Currcncy School"
o papel do cr6dito como uma forma altamente
ignorava
liquida
de substituir dinheiro corrente. Assim, surgia a possibilidade de desigualdade entre a oferta agregada m2.
netária e a demanda agregada monetária, ainda que "em
Última análise" a igualdade acabe sempr-e se verifca~
do. Em suma,
Wicksell aceitava a validade da
teoria
tradicional "no longo prazo , mas através do exame do
processo cumulativo e do papel do~
bancos
apontava
para uma outra tempora.lidadc capaz de se armar apesar
das tendências naturais do sistema. (1) Assim
como
11
Smith e Marshall falavam em preço natural e preço de
mercado e na· tendência ã obtenção de uma taxa cqua 1 i-
zada de lucro no "longo pra;z.o 11 , Wickscll falava em ta
xa natural de juros (uma outra maneira de fazer rcfer6ncia aos lucros) e taxa rnonct5ria.
Dntrctunto, a presença desses ·elementos wicksellia
nos no ~!l
tem levado alguns autores a considea obra como ortodoxa, ao menos no que diz respeito a
(!Ssa característica aceitação do "longo pr;1zo" para e
laboração de descrições de desvios, atritos e incertezas de 11 CUrto praz.o". (Z)
-
rdcu.sa a intcrpretaç5o que vc como contribuição do Ir_catis~
a ênfase na distinção entre decisões de investidores c poupadores, que como já v1rnos
~ central Jla rejeição do mito segundo o qual os capitalistas automaticamente reinvcstem o total de sua ri
qucza acuntld~.
!\Ias segundo a tradição neo-clássica,
esse reinvestimento é apenas questão de tempo:
~ligate
~egtim.
c.bdo apenas po1· Kcyncs, foi o de manter (1S
( 1) O p~l.;so
intukõc.s dçspJ. outr;1 temporal idade sem se prender ao 0 longo
pr3-;;;o11 Ta1,.ttolÓgico e n:1tunUsLt nem rcdu:ir o 11 Conc.reto" uo
"c.~l'tO
pra ;:o" .
(2) ;\%im Jl'.-tnHesta-so ~1ilgnte,
1982. ~fargct.
1966, chega a conclus5o semelhante ntOvido por propósitos distintos.
tempo para que oscilações na taxa de juros
equalizem a poupança (riqueza acumulada) ao
mento.
novamente
investi-
Kcynes certamente retoma a descrição desse
meca-
nismo de "longo prazo" em seu Treatisc, mas por outro
lado explícita como a taxa monetária de juros,
como
fenômeno de na tu reza monetária, engendra processos c~
ja temporalidade já nada tem a ver com a usual transi
çao a um novo equilÍbrio, mas representam a
redesco-
berta dos conflitos sociais pela manutenção de líquí-
dez pelos agentes com poder efetivo (es-peculação X in
vestimentas). Conflitos que abrem espaço para a destruição (crise) e não apenas para o ajuste (regulação
quantitativa através dos mecanismos de mercado). ( 1 )
A insistência com que Milgatc procura em Keyncs
uma teoria do longo prazo (que, quando citada, efetivamente é a tradicional) revela apenas o seu
próprio
preconceito nco-ricardiano: antes teorizar a histÓria
que historicizar a teoria. }.1ilgate coloca a ohra
de
Keynes na tradição dos que acrctitavam Cln ''leis'' e
11
forças persistcntes 11 , sem aceitar que sua obra é fru
-
to de uma cpoca em que falecia o determinismo. O cara
-ter dessa intcrprctaçãoJ que em relação à questã.o
do
tempo identifica-se ao empirismo nco-clâssico, revela
-se plenamente no apêndice (~!ilgate,
1982, p. ·191 e
ss.). Ali, finalmente, Milgate explícita sua crença
de que mesmo para Keynes a economia capitalista é em
Última análise auto-rcgulável. Trat~se
de uma opini.
ão frequente até na literatura marxista, onde ·muitas
vezes a crise é sinônimo de um processo funcional de
transformaajuste econômico que nada tem a ver com
1(2)
çoe s nstoncas .
( 1) Cano temos insistido, Keyncs fonrnüa uma teoria econômica da
crise de transiçilo e não apenas o caso particular do 11Curto
prazo''. Sua visão requer justamente a rejeição da tradução
lÓgica do tempo em noções como 11curto e longo prazo 11 •
(2) O siste.'1u n.:1:o se auto-ajusta/' sem direção :iJ1tcncional, t incapaz de tTJ.duzir nos~i
pobreza 1·eal em nossa potencial abun
ct=lncia. 11 (CW :XIII, p.49).
Nesse terreno a pcrsonalülJJc de (;. L. S. Shacklc
ainda é a Única cxccssiio, tanto na capacicl[1dc do resgatar no Trcatísc os elementos ele uma visão dinâmica
do capitalismo quanto nn coragem de rejeitar os c&noncs metodolÓgicos do racionalismo comuns a nco- clássicos, nco-ricardianos c neo-marxistas.
Quanto à teroria dos juros, soube ver já no Treatisc as inovações no que respeita a anilise das doeisoes e formas de poupar (na discussão sobre o
preço
dos bens de capital c dos mercados especulativos)
e
também na distinção entre circulação industrial e financeira, antecipadora da discussão sobre os c on ..
fl l· tos por liquidez característicos da instabílidaJ.e capitalista.
O Trcatise exibe a raiz do processo de
formação
de expectativas, não porque atribua is expectativas,
- d. a re-:erencla
.( 1) mas porque a traves
f
~
.
um pape 1 causa.Lao car5tcr potencialmente especulativo do poder
de
gasto capitalista emerge uma pcrccpçao Uo tempo
que
não se reduz a nenhum padriio objetivo ou material pr~
determin8do. Daí a ampliação da metáfora do caleidos, . (2)
~
1
.
d
na ccscriçao
Keyncs1ana
c um Jogo
cop10
, a enfase
de palpites, contínua alteração de opiniões e proi~
dadc (lut<.~
entre "ursos 11 e "touros").
O dinheiro aparece servindo como um ativo ou como
meUiador na troca de ativos c não apenas medindo
o
processo de produç3o e consumo. Dinheiro é um veículo
de expectativas. O !~Gt:i.se
examina a maneira como os
determinantes da circulação do dinheiro implicam
no
turvamento da percepção tempo r a 1 no capita 1 isrno, na me
dicb em que a circulação financeira gera compromissos,
relaçÕes de d6bito e cr6dito que se multiplicam
sem
referência obrigatória no mundo dos negÓcios. Ora, é
exatamente nesse torvelinho que a taxa monet5ria
de
juros é determinada. Pode-se inclusive supor que essa
(1) A esse respeito, cf.
(2) cf. Shackle, 1974.
C\\' V, p. 1i8-9.
2lJO
taxa
sim
dos
tes
cia
vcnhí.-t a influenciar outras taxas (de longo prazo). f,sKcyncs foi a16m de Wickscll, ao sublinh~r
o papel
mercados especulativos afctanto taxas de diferen"prazos" e criando a base d;1 teoria da preferênpela liquidez.
Keynes mostrou que os juros sao um fenômeno instável ligado â existência de instituiçÕes especificamente ca
pitalistas, num sentido que sobredetermina completamente a noção tradicional de "preferência temporal~
·com que :i.nid.arros cssc1 discuss:lo (a teoria ortodoxa dos juros.
O dinheiro cria condições, ainda que
socialmente
fictícias, para a certeza privada de perenidade
do
sistema cconamico. Nada disso 6 obvio: as ref~nctas
i questão da liquidez estão dispersas na classifica'
ção das formas de dinheiro do T~ca.
Mas é o problema da liquidez que emerge como qu.cs:tão unificadora: a questão das pos_sibilícladcs abertas ao poder capitalista no sentido de alterar seus compromissos com
a cstrlltura produtiva existente.
A aparente contradição do Trcatise ao enfatizar a
questão da liquiclez c da especulação mantendo
ainda
in6meras refer6ncias i teoria nco-l~sia
dos juros
resolve-se na medida em que pcrecbcmos no conflito en
tre nursos" e 0 touros 11 as sementes da teoria dos juros baseado na pref~ncia
pela liquidez. Essa teoria
não nasceu das referências ao longo prazo
tradicional.(l) Nesse sentido, podemos dizer que o Treatise
revela como a form..tç.:lo do cxptaiv~ls
pelos agentes relevantes .implica na destruição <.~a
distinção entre "curto'' e ~'long
prazo''.
------
(1) Cf. Klein, 1947, p. 16
PARTE
IV
srNTESE DO ARGUMENTO
ltBasta, nao abruento ITk'1is! A tensão
e a incerteza do presente o do fu-
turo são insuportáveis. O
acesso
ao mercado interno foi bloqueado e
a exportação inevitável com a valorização do dÓlaT. 11
Trecho das Úl tlmas anotações
do empresário nuval Paulo Ferraz,
dono do estaleiro l';lauá, antes de
suicidar-se, em fevereiro de 1985,
com Wll tiro no coração.
Sfntesc do argumento
Qual o objeto ele estudo de Keynes? ll o dinheiro, ou
melhor, o caritcr monctirio da economia capitalista. Kcynes n~o
esti diretamente interessado na investigação genética do modo de produção capitalista, (1) mas é o fato
de
o capitalismo ser uma economia monetária que serve de PO!'c
to de partida para as investigações Keynesianas. E o dinheiro ~ a instituiç5o moderna mais intimamente vinculada
à dinâmica econômica. Corno em Marx, o dinheiro resume para si atributos e determinantes de in6meras formas
de
criaçio e distribuição de riqueza.
A teoria econômica anterior a Kcynes, entretanto, f~
zia do d,ínheiro apenas um instrumento e a tornar
sempre
mais nitida e eficaz a operação de infinitas trocas em um·
ou mais mercados. Se os preços repentina. e incspcTadamente passassem a ter um comportamento patolÓgico, a
raza.o
de desfunção poderia ser encontrada sempre no mal contrale desse instrumento. Esse controle, entretanto, era situado por aqueles autcres em algum ponto exterior ao me r-·
c a do .(Z)Nunca aceitaram integrar o dinheiro aos fundamentos
da máquina econômica, como se a manutenção de um
mundo,
incólume, de trocas, fosse um requisito para a inteligibilidade da realidade econômica.
Tal preconceito tem raízes antigas, e vem do
tempo
em que, na transição do feudalismo ao capitalismo, a bur'"
guesia procurava uma explicação laica
para o que
antes
era uma dádiva divina: a existência c reprodução de coletividades humanas. As teorias polÍticas. do "contrato socialn, em suas diferentes vertentes, comungavam desse orgulho pela capacidade humana, que então emergia
principalmente fora dos feudos ou da nobreza, de agir racionalmente em termos de uma avaliação "objetiva" dos custos e
benefícios de cada decisão. Custo e benefício, dar-~
recebeT, são os pilares da troca. O contrato social só tem
legitimidade se representa um assentimento mútuo que. pre~
(1)
(2)
Cf.
Em
p~rte
SLU"PO:l,
-
-
III, VI, 3.
a oferta da moed:1 e sempre exogena.
supoc esse c5lculo. O preconceito foi in~ortad
pela
política nascente, que aos poucos foi sobrcponUo
a
análise dos fundamentos da divisão do trabalho o imp~rio
das relações de troca at~
que o mercado
com
seus preços reinasse soberano na terra da lÓgica econômica.
A identificação de troca corno objeto científico,
pela economia burguesa, compartilha entretanto com a
velha mctaffsica religiosa esse preconceito teol6gico
contra o dinheiro, que sustentava as conhecidas condenações da usura. A economia polÍtica burguesa
era
anti-teolÓgica, mas nao a ponto de violar um
sentimento moTal que o saber religioso tinha
acalentado
por séculos.
Keynes veio precisamente derrubar esse
artigo
de fé, elaborando uma teoria econômica que já nao poderia, portanto, assumir os mesmos compromissos
de
sua predecessora com a idéia de uma racionalidade humana inquestionável. Com o dinheiTo revela-se a incer
teza,· e aos poucos Keyncs vai identificando os vários
modos pelos quais formam-se expectativas na economia.
Inicialmente através de um estudo dos efeitos
dife, rene ia dos da inflação e da deflação sobre os agentes
econômicos, mas já no Treatisc fazendo referência as
diferentes formas de acesso ao dinheiro existentes em
uma economia capitalista. Essas vias de acesso, apenas na aparência reversíveis e simétricas como o ato
de troca simples, geram dcd.sões de gasto irreversíveis, irreversibilidade que o tratamento meramente mercantil do
dinheiro dissimula.
O dinheiro percorre vias de mao unlca, pois sua
ciTcu1ação prende-se às decisões de gasto de empresários e banqueiros capitalistas. Os assalariados apenas referendam essas decisões, no máximo qualificamnas, mas nunca podem alterá-las, uma vez tomadas. As
formas de circulação do dinheiro (industrial e. financeira) definem as condiçÕes de cálculo que
empresa-
-
2(}(!
rios utilizarão ao tomarem St1as decisões, c a posse de
dinheiro é a Única possibilidade de evitar compromissos irreversíveis. Essa posse é disputada, e nessa disputa aJf!pliam-se os mecanismos que permitem a
fra.çõcs
crescentes de proprictirios de riqueza evitarem envolver-se em projetos de maturação mais longa. o Trcatisc_
descreve essa disputa, mas ainda não examina com detalhe o outro lado da estória: as variações na produção,
renda e emprego, que se segem a essas decisões empresariais potencialmente descompromissadas com qualquer
estrutura produtiva até então existente.
Toda renda está vinculada à produção 'que a cr1ou,
mas o papel do dinheiro é justamente o de estender
perigosamente - a distincia entre os dois p61os que se
supõe estejam permanentemente 1 i gados. ( 1 )
O exame dos determinantes do poder de compra, como formas que superam uma separaçiio rígida entre
dinheiro e mercadorias, lado real e monetário, pode cstabelecer os limites do distanciamento entre
gcraçao
de renda e processo de produção. A rigor, somente Marx
procedeu a essa aproximaçio entre mercadorias e
dinehiro para tornar explÍcito a natureza crítica
das
·relações entre produção e geração/apropriação de renda, a partir da noção de equivalente geral, numa dedução cujo clfmax ~ o surgimento do capital a juros aliás, outra forma de expressão da valorização que se
apóia sobre o dinheiro.
Como o poder de compra se exerce na troca, os eco
nomistas deslocaram a questão para o problema de dete.!:,
minação dos Ereços das mercadorias. Mas se o significa
do do poder de compra não é esclarecido antes (do ponto de vista 16gico) do nivel de preços, a teoria trans
forma-se num círculo vicioso, uma tautologia. Por isso
(1) Muito do que se diz nessa ''síntese" vale-se das
considerações 'de Cencini, 1984.
?.07
denominamos EE.dcr de ga~to
(capitalista) ao
fundamental analisado no Trcatise.
mecanismo
A circularidade Ja teoria tradicional
prende-se
ao modo como sua análise faz o poder ele compra depcnder do nível de preços. Mas ·como são determinados esses preços? São determinados no mercado de bens e produtos, pois para essa teoria a troca realizada é o úni
co critério de equivalência. Desse modo o poder de co~
pra do dinheiro se reduz âquilo que os preços permitem
comprar em um mercado onde o dinheiro não é essencial.
O poder de compra do dinheiro é ... o que é. (l) A teoria quantitativa transforma-se num truismo.
Ora, se trocas sao realizadas, financiadas
por
dinheiro, como a moeda adquire esse poder de compra?
SÓ a integração do dinheiro à análise (c não mais apenas a sua "intl'Odução") permite encontrar a resposta.
Na teoria tradicional, a demanda por dinheiro de-
pende de um n í v e 1 de preços cuja m.cdida requer a exp 1i.
caçao do próprio poder de compra do dinheiro. Deve-se,
portanto, analisar a oferta e a demanda de dinheiro, a
pQ-rtir de uma visão integrada das dimensões que se cos
'tuma chamar de 11 Teal 11 e ' 1monetãria 11 • O Treatise resume
exatamente a busca dessa integração, por parte de Keynes. Para a teoria neo-clássica, a homogeneidade supo~
ta entre mercadorias e dinheiro é apenas
referendada
pelo mecanismo de tracas. Para Keynes, 6 o processo de
produção e geração de renda que permanentemente põe à
prova essa homogeneidade. Nesse contexto, o
dinheiro
transforma-se na base de cálculo e planejamento empresariais, sendo assim o instrumento pelo qual formam-se
as expectativas de prazo vaYi.3.do e) às vezes, indeterminado. Desse modo vem à tona a incerteza. O estudo do
tempo, em Keynes, é a tentativa de aceitar, sem resignaçao, as formas de ngudização das incertezas ·humanas
ao longo da História. (Z)
(1)
Cencini, 1984,· pg. 89 e ss.
(2) Na Part.e I procuramos evidenciar essa dimensão macrohistórica do pcnsamen to de Keynes.
Tanto a estática quanto a dinâmica
representam
algum tipo de relação com o tempo. Mesmo a distinção
entre estoques e fluxos pode conviver
perfeitamente
com a cs~Stia,
desde que se refiram a um período de
tempo determinado. A assim chamada "teoria dinâmica",
na economia pós-Keynesiana de matiz neo-clássico, estuda as variações nos valores de variações cndógcnas,
ao longo do tempo. Essa variação pode ser contínua ou
descontínua (usando-se em cada caso ora o cálculo diferencial, ora o cálculo de diferenças, para apresentar matematicamente a dinâmica econômica). Contínua
ou descontinua, a dinâmica econômica ortodoxa não rcquer outra significação para o tempo que nao a
mera
Hsucessâo de eventos". Mesmo nos casos em que o processo ccon6mico 6 dividido em periodos, a relaç5o da
variável com o tempo pode ser definida do modo contínuo do interior daquele período. Dessa forma,
muito
do que parece análise dinâmica adquire um sabor eminentemente estático, já que mesmo a i uma sucessão de
períodos descontinua pode ser reduzida a intervalos
no interior dos quais a funçilo matem<Ítica é definida.
A ref~ncia
da variável a diferentes datas está portanto, de ante mão, presa a con ti nu idade de um in tenra
lo qualquer. A an5lise din5mjca tradicional pressupõe
sempre, sejam as variações continuas ou descontínuas,
um c a lcndár i o formal que reprc scn ta
ab stra tamen te
qualquer succssao de eventos. E o "eixo do tempo" em
qualquer diagrama cartesiano, fiel à representação cs
pacial do movimento consagrada pela mecânica neHtonia
na.
O processo de geraçao da renda ilustra como pode
ser falaciosa essa transposição do esquema newtoniana
para a teoria econômica. Na física clássica o
movimento era representado pela ocupação de um espaço elado previamente, por um corpo ao longo do tempo. ( 1_)_0
movimento parece ser uma relação do corpo agente com
(1)
cf. ainda aqul, Ccnciní, 1984, cap. III
-
o tempo, mas o que ocorre e apenas o pre-enchimento
do
espaço _iado} pelo corpo que o percorre. A cada
ritmo
de preenchimento ou tipo <.lc percurso correspondc um ti
po de movimento. Mas o espaço é indestrutível, c
um
suporte estrutural cuja existência em nenhum
momento
pode ser negada peJo observador ou pela "natureza".
-..--Aqui deveria terminar a analogia metodolÓgica entre
a
mecinica clissica e a economia politica 1 limite
que
nio tem sido reconhecido pelos economistas neo-classicos.Cl)
Não há razao suficiente para que se aceite,
na
economia politica, a existência necess5ria de ''suportes estruturais" corno é o espaço da física clássica. O
processo de ·geração e determinação ela renda é
exemplo
de fenômeno não apenas descontínuo, mas de um processo
econômico cuja (des)continuidadc muitas vezes nem pode
ser aferida. Em certos momentos, que correspondcm
ao
que era denominado por Keyncs de transição entre estados de equilÍbrio (que vimos, na Parte I, ser
interpretados no contexto de um diagnóstico macrohistórico),
6 absolutamente impossivel saber se e corno a produç5o
econ6mica teri ou não continuidade. Pois a geraçao de
renda dep"'.1de de decisões de gasto, e quem tem o poder
·de efetivar esse gasto orienta-se por realidades, inclusive preços, cuja transformação inibe ou at6 imobilize a própria decisão. O empresário capitalista, como
caracterizado por Keynes no Trcatise, pode guiar
seu
cálculo por processos de formação de preços altamente
especulativos, vol5teis - capazes portanto de, instabilizando a decisão empresarial, destruir ou desordenar a estrutura econômica vigente em graus 1n1mag1nave1s. Essa economia polÍtica da desorientação, baseada
na identfcaç~o
de crit6rios de cilculo cuja finalidade 6 permanentemente camuflada pelo dinheiro, faz da
renda uma incógnita- em um sentido muito radical, que
transcende a questão elementar sobre as soluções
de
não só por eles. Como já obse~a.m
antes (pág.
), a
crença 1m existenc ia sempre :inabalavel de 11Cstnituras de sus
tentação 11 da diniimi.ca econômica é alimentada mesmo por outras
correntes, como ricardi.l.nos e nurxistas.
(1) M.1.s
210
continui<bclc J.o processo de gcraçao de renda. V. uma economia
polÍtica literalmc.:ntc qualitativa, ainda que não cxl~_
sivamente analítica. Apenas o aspecto empírico da ela-
boração teórica exige redobrada crítica e vigilância.
Ilustrativa dessa disposição autocritica do tipo
de
pensamento econômico inaugurado por Kcyncs é o
exame
das técnicas de construção de números-Índice}
feita
nas capítulos iniciais do Tr.catisc, assim como o interesse
P~gudo
de Kcynes pelas transformações institucio-
do capitalismo. Trata-se de uma economia política
CUJO método é lÓgico-hstór~
para usar um termo que
---pode se adequar ao tratamento de outros teóricos da di
nâ.mica econômica. ( 1) A análise de Keynes não
sugere
apenas a possibilidade de rupturas na reprodução econ6mica, mas ·chama a atenção para a incerteza
radical
que exacerba os perigos do perfodo "de transição 11 , mo~
trando como essa incerteza tem origem nas articulações
perversas entre o cxercicio do poder de gasto capitalista c a exist~nca
do dinheiro.
na~s
deixar de lembrar que cada decisão de
gasto, das muitas que instituem fluxos de renda, tem
Nem se pode
seu prÓprio horizonte temporal e que a Única forma de
contato entre esses horizontes é o dinheiro, entidade
cuja temporalidade é uma indeterminação permanente.Não
há na economia espaços previamente cstobelecidos onde
viriam instal&r-se as decisões de gasto. Os empresários
(e, ma.is recentemente, conglomerados produtivo- financeiros) tomam suas decisões individualmente com graus
de liberdade determinados pela sua capacidade de acesso ao dinheiro. Por isso o Treatise, que aparentemente
se preocupa exclusivamente com preços, pode ser entretanto compreendido como um exame das condições fundamentais de determinaçio do gasto capitalista. Esse ex~
me das formas de acesso ao dinheiro desponta com a di~
tinção entre uma circulação industrial e outra finanrelacionamento
ce1ra. Keynes chama a atcnçõ:o para o
(1) Nesse sentido} busco inspiração em Braga, 1985.
211
dift:rc11ciado
entre os ugcntcs c o dinheiro, e nao
mwis
entre os agentes e o preço, como fizera no Tract.
Essa
era a visão tradicional: inflação e deflação afetum de-
sigualmente os agentes econômicos c é o mecanismo
preços que deve ser investigado pGra entender e rcp~a
as desigualdades e assimetrias. Daí que o poder
de
sindi-
cal c estatal aparecem sempre, para os economistas
neo
-clássicos, como fonte de ruídos c desfunções. Os
pre-
ços então seriam conjunturais ou estruturais, de mercado ou
naturis~
flexíveis
de curto ou de longo prazo,
ou inflexíveis ao longo de um processo de ajuste.
Nas Keynes, ainda que tenha começado com um
fundamento da anilise qualitativa dos efeitos
apro-
diferen-
ciados do mecanismo de preços (buscando os "impactos
s~
ciais da inflação e da deflaçãon), a partir elo Trcatis~
inverte o percurso c. descobre,
11
por tras' 1 do
mecanismo
de preços, a circulação do dinheiro atada 5s vicissitu-
des de uma hierarquia institucional típica do
lismo, onde o poder de gasto de organiza
capita-
perversamente.
As instituições financeira criam formas de
propriedade
de riqueza, que refletem a disponibilidade de dinheiro
(títulos, cujo valo r pode inclusivo expressar a confiança
com que se espera venha a ser gerada mais riqueza no f!:!.
'turo), Assim, a tentação de não
gastr~
portanto de não
gerar renda e produto, pode levar o capitalismo a sd cn
volver com transações que conturbam o ajuste, que a teo
ria ortodoxa sUpunha inevitável, entre os planos
elos
inúmeros agentes econômicos.
o
dinheiro cria "vácuos,, no processo de geraç.ao de
renda -que em· Última análise manifestam-se como
osci-
lações de preços. Mas isso não quer dizer que a quantidade de dinheiro na economia determine as oscilações de
preços, como quer:h1. a teoria quantitativa da moeda. Entre
o dinheiro disponivel e o mecanismo de preços est5
o
processo de tomada de decisão dos empresários e
banqueiras capitalistas que podem inclusive alterar comple
tamente a quantid3de de dinheiro que antes era
suposta
dada c exogcna. São esses pot.lcrcs -de gasto que quali-
ficam e subvertem a rcl3ç5o entre disponibilidade de
moeda e nível de preços 1 introduzindo, no coração da
teoria tradicional <la dcterminnção de preços, a questão dos determinantes da geração de renda.(l) E o exa
me desses determinantes aponta para uma possibilidade
de ruptura nos processos produtivos 1 cujo rumo
fica
totalmente incerto -não se sabe por quanto tempo..
A
instabilidade que· aflora com o exercÍcio do poder de
gasto capitalista instaura uma temporalidade indeterminada, onde a própria História transforma-se em inc6gnita. A temporalidadc capitalista, que a
anilisc
monetária (em sentjdo amplo) de Kcynes revela (atrav6s de uma abordagem lÓgico-hstóra)~
6 uma via irreversível, mas com destino rccorront.ementc insondável. E nesse percurso, não 1ul "suporte estrutural 11
que se' sustente indefinidamente, na realidade econômico-histórica ou na mente do obserVador que pretende
f a zcr ciência.
(1) Ainda que essa dimcnsao só viesse a ter um tratamen
nesse
to explÍcito a partir da Teoria Geral~
que
sentido veio para explicar o Treatise (e não
paTa
romper com a obra anterior, como frequentemente se
afirma).
CONCLUSAO
"Artisticamente [o Trcotise]
un fracasso
~
-
e
cu mn:lci muito de
opinião ao longo de sua redação
para que tenha propr i mnente
um
dade, Mas acho qre contem
dância de material e
abun
idéas.~
,J. ~j.
"Mns olc mostrou o que a
mia pode ser nas mãos de
Keyre s
econo
Lm
hJ
combinou em algum
&rrau
a introspecção, a felicidade
e
as audácias inspiradas do mutemâ
mcm qt~
ti co, do histori aUor e quase
do
poeta.''
G. L. S. Shackle
Já afirmamos que esse texto é parte de um
proj2_.
to maior, que avaliará ainda os debates sobre o
Trca
levaram à Teoria Geral, a própria Teoria Gc:.
ra1 e seus principais desdobramentos. Pode-se entretanto afirmar algo do conclusivo, jã?
~que
escolha da questão da "temporalídade"
como
chave de léítura atende a um interesse despertado, e~
tretanto, por inquietações declaradas do próprio
Kc_r
nes. Seus textos, apesar de servirem como ponto
de
de
partida, não são o ponto de chegada. A pretensão
decifrar o que 11 realmentc disse 11 o Autor é de natureza totalitária.
Evidencia-se portanto a intenção polÍtica da dis
cussão. E a resposta que até aqui encontramos náo dei
xa de revelar essa intenç5o: dcsJe os primeiros escri
tos até o Treati_se, pudemos ressaltar o exercÍcio te§_
rico através do qual foi diagnosticada por Keynes
a
natureza do poder capitalista, sutil transfiguração da
tradicional teoria do poder de compra do dinheiro.
o
problema do tempo aparece nesse contexto; exer
cer um poder exige sempre a defini ç3.o de planos, pro
a
jetos, perspectivas. Como sujeitos em um processo
nárquico e competitivo de dominação, os
capitalistas
pTocuTam traduzir o tempo social em projetos de
manu
tenção e ampliação de poderes privados. A economia po
lÍ t ica de Keynes revela as art imanhus da pri v atí z ação
do tempo social.
11
Agir em tempo,., no capitalismo, exige
sempre
uma avaliação, um cálculo: há tempo disponível? B pr~
ciso idcntl.ficar aqueles quo controlam o tempo c, atra
vês de suas expcctativ<1s, criam ou destroem as
per_~
pcctivas sociais de reprodução ccon6mica.
Daí a import~ca
das relações entre o
industrial e o financeiro, relações que sob
formas a análise que integra o dinheiro
circuito
várias
esclarece
pondo o dinheiro como fator determinante da
1
formaçüo
-
de expectativas e decisões. Então a liquidcz e a pal~
vra unificadora, como lembra Shackle. E é no
exame
liq uJ:
dez na economia que novamente o conflito entre o pri-
das possibilidades de
gcraç~o
c manutenção de
vado e o social se apresenta.
Subl)nhando as relações entre o dinheiro e o tem
po, a incerteza assume o papel ele .fruto de um
desen
volvimcnto histórico) especÍfico: a constituição
do
capitalismo financeiro. Naturalmente a incerteza
e
um fato inevitável, mas Keynes revela os perigos
uma forma institucional de incerteza, gerada nas
de
en-
-
tranhas da economia capitalista no momento em que as
decisões do mundo industrial e financeiro tomam
por
base expectativas conflitantes.
Mas p1or que um conflito é a ausência de um esp~
ço de r-e so luç3o nos sí v c 1. A ênfase na di me ns ão
e speculativa das avaliações empresariais é portanto a con
trapartida de uma inquietação polÍtica: o jogo
entre
"ursos 11 e utouros 11 não obedece a nenhum mecanismo
jctivo ou auto - regulâvel. TTata-se de wn Jogo
ob
que
não dispô·e de qualquer regulação automática e que pode afetar exatamente a avaliação que os capitalistas
fazem da futuTa acwnulaçüo de capital.
A instabilidade desse processo de fonnação
de
avaliações por parte daqueles que exercem o poder de
resolução
gasto fundamental, indica que a cTise, a
217
violenta c tlcstrutiva dos conflitos pelo. posse de fo.!_
mas ma1s oportunas de riqueza, 5 tmta
possibilidade
permanente c inesperada da economia capitalista.
Daí
que surge a possiblidadc de ver, nos esforços de
Kcy
nes por comprccnJcr o surgimento Je ''c.lcscqui lÍbriol c
.
•t r1o,
. • a busca d.e uma racio
a transição a um novo 'l cqu11l
nalização de um
Jcsajustc
histórico c não
abstra
to. Trata-se da racionalização da transição de um ca-
pitalismo competitivo e instável para uma época
em
que a economia assumisse o caní'tcr político de seus
con
_flitos. Em que os agentes
nrocurasscm
conscien-
temente formular projetos de desenvolvimento histórico que,
a}.nd,~
dependentes de incertezas imponderâvcis,
nao impliquem na irracíonalidade de
toda
destruição ..
Ora, o advento do capitalismo representou
samcnte o estabelecimento de um regime de
ção~
prec1
distribui-
especialização e combinação de prestaç6es e1n que
a racionalidade, a capacidade de registro e cálculo,
tornaram-se os instrumentos privilegiados do processo
de ordenação da propriedade. Como pôde o desenvolvimento de urna ordem social eminentemente racional
de-
Sembocar no irracionalismo?
*
*
*
No sistema do equilÍbrio geral \valrasiano, o pr~
cesso de leilão implica no recoTrente adiamento
das
transações até que o equiLíbrio seja atingindo. PoTtanto, re-ter dinheiro durante o lei~o
ou entre dois
(1)/
per1odos
de mercado e-~raclon. · .
Ora, e- .Justamen-
(1) cf. Davidson, 1972, p. 141.
71"
~' . t)
te o momento cntru perÍodos) scj;Jm eles quaisquer,
foco da análise monetária ele Kcyncs. (Cf ~parte
IIl,
Face à perspectiva neo-c:lÚssica, Kcyncs
o
v,
2)
procura
deter-se exatamente no momento de maior irracionalida
de potencial. Pois os crit6rj.os privaclos de
cilculo
prospectivo, ao se ampararem
monetá-
CI1l
instituições
rio-financeiras, refletem no mãximo a
representação
especulativa do futuro, armada por um grupo de
agen-
tes que aposta em função de um "feeling 11 derivado
da
correlação atual de forças em mercados especÍficos.
O dinheiro pode servir, nesses momentos criticas,
certo em função da prccnricdade c subjetividade
lndas
avaliações dos pr6prios agentes. Mas a liquidez
nao
como proteção contra um futuro que se torna mais
existe para todos, e n corrida contra o tempo,
em
busca de situações pntrimonLüs maiS spguras do ponto
de vista privado, pode aprofundar inconscqucntcmente
a instabilidade da sociedade como um todo.
Por outro lado, como já vimos ao cxam1narmos as
definições iniciais do }'rcatisc, não há como pensar a
exist~nca
do dinheiro sem a presença sincronizada de
contratos e débitos. Entretanto, a crise representa a
emergência de uma situação onde atores econômicos cru
ciais procuram desvincular o dinheiro ela
existência
de contratos. Nas romper essa sincronicidadc é violar
as condições de reprodução do organismo social, é
rer separar o sangue do oxigênio, sob o ilusório
qu~
pr~
texto de estocar energia para um hipotético futuro m~
nos instável. Ocorre que defuntos não ressucitam com
. (1)
transfusao de sangue.
O Treatise, partindo da tradicional anilisc dos
determinantes do poder de compra, criou as condições
para a compreensão do paradoxal divórcio no capitalis
(1)
cf. Schmitt, 1975, para a metáfora original.
mo contemporâneo entre o poder de compra (r,asto-)
c
sua própria representação. Dm suma, trata-se da exibi
dos mecanismos pc los quais ir rompe uma das
ma1s
dramfiticas crises de confiança da sociedade moderna.
ção
Tivemos oportunidade de sublinhar a importância
do "agir em tempo" no contexto das exigências de compreensão do car~te
da tcrnporalidadc capitalista. Mas
se a percepção temporal (expectativas) depende de ba
ses tão instáveis, corno assumir compromissos históri
cos quando foram minadas as bases materiais da confi
ança?
dinheiro
(uniôadc de tonta)
dinheiro
reconhecimento
de dívidas
propriamente
t
t
dinheiro
dinheiro
bancário
estatal
dinheiro
dinheiro
merçadoría
dinh~
rnerçadoria
representativo
~inhero
dinheirO
administrado
dinheiro
bancário
por "fia t 11
2. MVOHE GHlEAL6GICA
dinheiro
dinheiro
~
11
fiat 11
DINHEIRO ESTATAL
público
~
DINHEIRO
B.I\NCÁR!O
banco
central
privado~
bancos
5
~
reservas
dinheiro
corrente
~
dinhc ·-ro de
bancos privado~
?Zi
2. A TEMPORAL IDADE CAPITALISTA
No capítulo II idcnfif:icamos uma preocupaço.o com
as três dimensões do tempo presentes na obra
Keynes. Graficamente, podemos i lustrar essas três
de
di
mensocs da seguinte forma:
Ação
Individual
1
Temporalid~
,.,.T'"·
Evolução
"~'
Intenção
Dinâmica
Limites
PolÍtica
Econômica
Estrutur;;tis
l
Tempo
Subjetivo
(Persuasão)
1
Futuro
l
1
Luta de Classes
(Projetos
Conflitantes)
Tempo
Obj ctivo
Presente
Passado
l
Desordem
ou
Destruição
Potenciais
.!2.?
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