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Ensaio Nome

ENSAIO NOME Karin Segalla Ferreira A partir da reflexão sobre algumas possibilidades de análise, chegou-se ao seguinte dado: 1a Você parece uma velha. O contexto é um casal em um dia de muito frio, em que uma mulher X está agasalhada além do normal, com meias por cima das calças e blusa por dentro das calças. Sabe-se que Curitiba tende a ser uma cidade com baixas temperaturas, mas será que “velhas” se agasalham mais do que outras mulheres, que estão à beira dos 40, por exemplo? O que gerou curiosidade em analisar foi o SN “uma velha”. No recinto, não havia nenh”uma velha” e, de fato, ainda que considerássemos que a mãe da mulher X já tenha passado dos 65 anos e esteja próxima dos 70, Y jamais se referiria a ela dessa maneira. Consideremos que pode haver também, a possibilidade de existir algo que permeasse a ironia, o sarcasmo e o deboche. A título de conhecimento, Y riu, X não riu. Com base no dado 1a, pensamos em analisar possibilidades sugeridas em Gomes e Mendes (2018) referentes à (in)definitude. Sabemos que a principal característica semântica do artigo, explicada em livros didáticos do PB, é a (in)determinação de um SN, contudo, podemos perceber que a (in)definitude dialoga com o contexto, afinal, em diferentes contextos há a preferência por definir ou não o SN. Para tanto, a reflexão sobre uso de DN é relevante. Vejamos: 2a Você parece a velha. b Você parece toda velha. 3a Você parece muitas velhas. b Você parece uma velha. Os SDs que aparecem em 2 têm referência fixa, ou seja, invariável, definidos, já os SDs que aparecem em 3, são de referência variável, indefinidos. Entendemos então que os determinantes de referência fixa são chamados de definidos; os de referência variável, de indefinidos. Quanto à manutenção da referência, os definidos se comportam como os nomes próprios. (Gomes e Mendes, 2018, p. 92) ou seja, denotam o mesmo objeto, a referência é algo que já se conhece anteriormente. Em 3, os SDs são interpretados de maneiras distintas cada vez que aparecem no texto. A (in)definitude de um SN, então, pode ser marcada pela presença de um artigo, ou seja, de um recurso linguístico, bem como pelo contexto linguístico. Translinguisticamente, encontramos línguas, como o inglês e o português brasileiro, em que os chamados determinantes (ver definição mais adiante), presentes nos sintagmas nominais, codificam definitude e especificidade (o menino, por exemplo). [...] Os determinantes são termos que podem identificar um referente no mundo, como em o homem saiu, em que o artigo faz referência a um indivíduo já conhecido no contexto. Podem também não determinar esse referente, como em um homem saiu, em que não há uma identidade do referente que saiu. (Muller e Bertucci, 2012, pp. 149-150) Segundo Muller e Bertucci (2012), há três propriedades básicas que podem nos levar à compreensão da (in)definitude do SN: a distinção novo-familiar, a unicidade e a anaforicidade. Façamos, então, o teste de retomada anafórica com nosso dado, partindo do modelo sugerido em exemplo por Gomes e Mendes (2018): 4a Você parece Maria Antonieta. Ela caiu no banheiro. b Você parece uma velha. Ela caiu no banheiro. c Você parece #cada velha. Ela caiu no banheiro. d Você parece #nenhuma velha. Ela caiu no banheiro. Então, #uma em 4b se comporta como o nome próprio #Maria Antonieta (4a) e permite que #ela retome a referência do SD. Porém, a referência dos quantificadores generalizados/distributivos #cada e #nenhuma, na retomada em #ela, não são possíveis. O quantificador #cada tem como referente uma pluralidade, afinal, o pronome indefinido indica um conjunto de elementos. Já o outro pronome indefinido #nenhuma, não pode ter referente, uma vez que é inexistente. SNs definidos são anafóricos, e indefinidos não. Analisemos se há ambiguidade e se o determinante indefinido #uma indica mais de um operador: 5a Você parece uma velha. Em 4a, podemos fazer (i) a leitura existencial de que há alguém (#você), e que esse alguém (#você) se parece com #uma velha (extralinguístico, ou seja, depende do contexto); e não encontramos a possibilidade de fazer outra leitura, ou seja, não podemos interpretar que esse alguém, que existe no mundo, se parece com uma velha específica. #Uma velha, por si só, só pode se referir a uma velha específica se, e somente se, estiver sozinho ou em posição de sujeito. Então, a sentença não é ambígua. Só é possível uma interpretação - (i). Coloquemos #uma velha como sujeito: 6a Uma velha usa pantufa. b Uma velha caiu no banheiro. Em 6a é possível fazer a leitura existencial, de que existe uma velha, e que essa velha usa pantufa, e também a leitura de que se existem velhas no mundo e que esse conjunto de indivíduos usa pantufas, então se X é velha, X usa pantufa. Mas, em 6b, não podemos atribuir valor de conjunto em #uma velha - se X é velha, X caiu no banheiro. Pensemos agora nos genéricos, tendo em vista que a literatura nos aponta duas maneiras de expressar a genericidade. (i) expressões de referência a espécies - expressões nominais que se comportam como nomes próprios de espécies (cf. Carlson 1977a e b) e (ii) sentenças genericamente quantificadas - sentenças onde a expressão da genericidade se dá pelo fato de um quantificador genérico prender variáveis sob seu escopo (Krifka et al. 1995). (Muller, 2003, p. 1) As sentenças genéricas representam regularidades sobre o mundo e a sua verdade não é estabelecida com base em um evento ou estado específico. Não é o fato de, por exemplo, o cachorro do vizinho latir quando alguém passa na frente do portão da sua casa, e em todos os outros momentos do dia, que torna a sentença 7a verdadeira ou falsa: 7a Os cachorros latem. Fatos particulares ou eventos não confirmam ou negam uma sentença genérica, ainda que possamos encontrar exceções às generalizações que as sentenças genéricas expressam. O fato de alguns cachorros não latirem, por exemplo, não torna a sentença 7a falsa. Façamos um teste proposto por Krifka et al. (1995) e Gestner e Krifka (1993), citado por Muller (2001) para distinguir os tipos de genericidade que podemos encontrar em nosso dado: 6a Você parece a velha. b Você parece as velhas. c Você parece uma velha. #Uma velha denota um conjunto de indivíduos e não um indivíduo em particular. Uma velha, portanto, é GEN. O DP em 6c #uma não indica que há um número de velhas, mas sim, que existe um conceito extralinguístico de #velha no mundo, e que #uma velha carrega esse conceito na sentença. Diferente de 6a e 6b, sentenças que têm DP definidos e retomam a referência a uma(s) velha(s) conhecida(s) no contexto, ou seja, não introduzem um referente novo no discurso. Referências GOMES, Ana Quadros; MENDES, Luciana Sanchez. Para conhecer semântica. São Paulo: Ed. Contexto, 2018. MÜLLER, Ana Lúcia. A Expressão da Genericidade nas Línguas Naturais. In: Muller, Ana; E. Negrão; M.J. Foltran. (Org.). Semântica Formal. 1ed. São Paulo/SP: Contexto, 2003, v., p. 153-172. MÜLLER, Ana Lúcia; BERTUCCI, Roberlei. Sintagmas nominais nus expressam a distinção definido vs. indefinido? O caso do karitiana. In: Pires de Oliveira, Roberta; Perucchi Mezzari, Meiry (Orgs.). Nominais nus: um olhar através das línguas. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2012, p.149-184.