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Agentes sociais, construção social e política urbana

2021, Revista Brasileira de Sociologia do Direito

A presente pesquisa emerge de uma construção teórico-metodológica embasada na Construção Social do Espaço Urbano que deve ocorrer observando às diretrizes das Funções Sociais da Cidade, objetivo linear da Política Urbana Brasileira. Nesse contexto, destaca-se que a construção do espaço, requer uma análise correlacionada com os agentes sociais, responsáveis por produzirem e moldarem o espaço urbano. Nesse prisma, verifica-se à necessidade de traçar métodos e diretrizes de estudos multidisciplinares, considerando às nuances sociológicas e jurídico-urbanísticas. Assim, considerando que o contexto social é revestido de diversos fenômenos à margem da política urbana, nesta pesquisa, analisou-se à prostituição no centro de Guanambi, na dinâmica da construção social do espaço como correspondência à política urbana. Assim, o presente trabalho seguiu uma metodologia que foi construída, baseando-se em uma triangulação de dados teóricos e práticos, definindo: a) Política Urbana e Direito à Cid...

Revista Brasileira de Sociologia do Direito ISSN 2359-5582 AGENTES SOCIAIS, CONSTRUÇÃO SOCIAL E POLÍTICA URBANA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA PROSTITUIÇÃO NO CENTRO DE GUANAMBI/BA Deborah Marques Pereira1 Felipe Teixeira Dias2 SOCIAL AGENTS, SOCIAL CONSTRUCTION AND URBAN POLICY: AN ANALYSIS FROM PROSTITUTION IN THE CENTER OF GUANAMBI/BA RESUMO: O presente texto, fruto de uma análise sobre a construção social do espaço urbano, reflete sobre as funcionalidades da prostituição, enquanto agente produtor do espaço. Em função disso, esta pesquisa foi desenvolvida a partir de uma construção teórico-metodológica embasada na tríade: agentes sociais, cidade e direito. Assim, considerando que o contexto social é revestido de diversos fenômenos à margem da política urbana, nesta pesquisa, objetivou-se analisar à prostituição na área central de Guanambi/Bahia, na dinâmica da construção social do espaço como correspondência à política urbana. Nesse prisma, para compreender à tríade contida nesta pesquisa, tornou-se necessário traçar métodos e diretrizes de estudos, correlacionando o estudo do espaço geográfico e das relações sociais, com a política urbana. Para a construção dos pressupostos teóricos, realizou-se uma triangulação de dados, definindo: a) Política Urbana e Direito à Cidade; b) Agentes Produtores do Espaço; e, c) A Prostituição como função social. Por se tratar de um estudo de caso, realizou-se pesquisa de campo para compatibilizar os aspectos teóricos e práticos, e de forma complementar, o uso de geotecnologias. Os resultados possibilitaram a construção de um resgate histórico e social da formação do espaço urbano de Guanambi, e ainda, verificou-se que a prostituição exerceu e ainda exerce funcionalidades na configuração social do espaço central de Guanambi/BA. ABSTRACT: This text, the result of an analysis of the social construction of urban space, reflects on the functionalities of prostitution, as an agent that produces space. As a result, this research was developed from a theoretical and methodological construction based on the triad: social agents, city and law. Thus, considering that the social context is coated with several phenomena on the margins of urban policy, this research aimed to analyze prostitution in the central area of Guanambi / Bahia, in the dynamics of the social construction of space as correspondence to urban policy. In this light, in order to understand the triad contained in this research, it became necessary to outline methods and guidelines for studies, correlating the study of geographic space and social relations with urban policy. For the construction of theoretical assumptions, data triangulation was carried out, defining: a) Urban Policy and the Right to the City; b) Space Producing Agents; and, c) Prostitution as a social function. As it is a case study, field research was carried out to make the theoretical and practical aspects compatible, and in a complementary way, the use of geotechnologies. The results enabled the construction of a historical and social rescue of the formation of the urban space of Guanambi, and yet, it was found that prostitution exercised and still exercises functionalities in the social configuration of the central space of Guanambi / BA. Palavras-chave: Espaço Urbano. Funcionalidades Sociais. Produção Espacial. Keywords: Urban Production. 1 Space. Social Features. Spatial Doutoranda em Direito Civil pela Universidad Buenos Aires (UBA), Mestre em Desenvolvimento Social (UNIMONTES). Coordenadora de Pesquisa do Centro Universitário FG (UniFG). 2 Graduando no curso de Direito pelo Centro Universitário FG (UniFG). 105 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 8, n. 2, maio/ago. 2021 ■■■ 1 INTRODUÇÃO O presente texto, analisa a construção social do espaço urbano a partir da configuração dos agentes sociais inseridos neste espaço, correlacionando as ações destes agentes como implicações da política urbana, isto a partir da funcionalidade dada ao espaço. Nesse contexto, destaca-se à prática da prostituição, enquanto funcionalidade presente dentre os fenômenos sociais correlatos à malha urbana. Nesse contexto, verifica-se à necessidade de analisar como a prostituição interage com o espaço social em que está inserida, evidenciando ou contrapondo as premissas da política urbana brasileira. Logo, para realizar uma análise deste fenômeno, torna-se necessário uma testagem dos aspectos teóricos em um ambiente prático, o que nesta pesquisa, selecionou-se o espaço central de Guanambi/Bahia. Para tratar dos fundamentos teóricos que ensejam às bases da pesquisa, utilizou-se de autores específicos de cada elemento contido na tríade: cidade, sociedade e direito, destacando como principiais discursos, Corrêa (1989) que define o espaço urbano e classifica os agentes produtores, Christaller (1966) que revela a importância dos lugares centrais e seus métodos de estudo, Lefebvre (1968) que cunha à questão do direito à cidade, e Sousa (1995) que tece considerações especificas para tratar a prostituição como uma funcionalidade social. Assim, a presente pesquisa apresenta a questão da prostituição que reflete no âmbito jurídico, a partir dos elementos sociais da política urbana. Essa questão apresenta um desafio aos entes públicos, na verificação do produto social deste espaço central, pensando em promover ainda políticas adequadas para um processo de construção do espaço que esteja de acordo com as nuances básicas da política urbana. Diante disso, esta pesquisa revela justificativas tanto por seu embasamento social, quanto jurídico, a partir de sua relevância em analisar, explicar e explicitar determinados fenômenos sociais, como o caso da prostituição nos espaços centrais de Guanambi, pelos quais torna-se possível verificar, testar e apresentar um diagnostico a partir dos anseios 106 Deborah Marques Pereira e Felipe Teixeira Dias sociais, jurídicos e espaciais como participação na construção de uma política urbana que seja compatível com esta realidade. 2 CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA A metodologia da pesquisa traçada nesta investigação constitui-se a partir de um estudo de caso, e segue uma abordagem qualitativa sobre a compatibilização entre as Funções Sociais da Cidade, enquanto diretrizes da Política Urbana, e da ação da prostituição enquanto agente produtor do Espaço Urbano no processo de (re)produção de uma área central de Guanambi/BA. Para a realização deste trabalho, tornou-se relevante definir os aparatos teóricos e práticos: a) Política Urbana e Direito à Cidade; b) Funções Sociais da Cidade; c) O Espaço Urbano e os agentes produtores do espaço urbano; e, d) A prostituição como agente produtor do espaço, posteriormente aplicou-se esses conceitos ao estudo da área Central de Guanambi. 2.1 Área de estudo Desse modo, para realização desta pesquisa utilizou-se do(s) recorte(s): teórico e espacial, delimitando-se como campo de estudo uma área Central da cidade de Guanambi/BA, que se localiza entre as coordenadas geográficas 42º46’35” O, 14º13’35” S; e 42º46’45’’ O, 14º13’40” S. A localização da área de Prostituição ocorre a partir da Rua Tomaz Gonzaga, e poderá ser visualizada de acordo com a Figura 01. 107 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 8, n. 2, maio/ago. 2021 Figura 01– Mapa do recorte espacial da área Central da cidade de Guanambi/BA Fonte: IBGE (2015); Observatório UniFG do Semiárido Nordestino (2019) A escolha do recorte espacial pautou-se nas proposições da Teoria dos lugares centrais proposta por Christaller (1966) e Lefebvre (1968) como Centralidade Urbana, os quais destacam que as cidades, possuem uma atração, esta, é chamada de Centralidade Urbana, ação oriunda de centros comerciais, que atrai as mais diversas classes e movimentos, em busca por algum tipo de utilização, seja das praças, das ruas, do comércio, ou mesmo em busca de lazer e prazeres, todos decorrentes do Centro Urbano. 2.2 Etapas e procedimentos Inicialmente, procedeu-se com a delimitação do tema, definindo-se a área de estudo e realizou-se concomitantemente um percurso histórico analítico sobre a produção do espaço de Guanambi, juntamente com o surgimento, afirmação e resiliência da prostituição no espaço pesquisado. 108 Deborah Marques Pereira e Felipe Teixeira Dias Com vistas a analisar o processo de produção e reprodução espacial no contexto histórico, realizou-se uma análise acerca das modificações espaciais em períodos decanos relativos ao crescimento da cidade, utilizando-se de instrumentos Geotecnológicos, e técnicas como o uso do Geoprocessamento e do Sensoriamento Remoto para construção de um mapeamento que ilustra à área central da cidade em correspondência com o processo de expansão. Esta pesquisa constituiu-se de três etapas, a saber: 1) levantamento de dados e bibliografias; 2) Análise dos aspectos históricos da formação da cidade e da prostituição na área Central; e 3) Elaboração dos instrumentos de pesquisa e coleta de dados. Figura 02 – Etapas e procedimentos metodológicos da pesquisa Etapas e Procedimentos Metodológicos 1) Delimitação do Tema e definição da área de estudos 2) Utilização das Geotecnologias 1.1) Seleção das Correntes teóricas que subsidiaram à pesquisa 2.1) Contrução da evolução histórica das manchas urbanas 1.1.1) Construção do aporte teórico da pesquisa 3) Instrumentos de Pesquisa e coleta de dados 3.1) Elaboração dos instrumentos de pesquisa 2.1.1) Mapemaneto da área de estudo na atualidade 3.1.1) Questionários de Opinião Pública 3.2) Visita In Loco 3.2.1) Definição da amostra 3.2.2) Aplicação dos questionários em campo Fonte: Brandão Neto (2004); Gil (2002) Para delimitar o quantitativo de questionários, procedeu-se com uma vetorização da quantidade de propriedades contidas na localidade definida como área de estudos, contendo um total de 70 (setenta) propriedades imóveis, das quais, há um quantitativo de 15 (quinze) em ociosidade, verificou-se em campo também um quantitativo de 11 (onze) 109 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 8, n. 2, maio/ago. 2021 casas que favorecem à facilitação da prostituição3. Assim, chegou-se a um quantitativo de 44 imóveis em uso, sendo 26 (vinte e seis) residenciais, e 18 (dezoito) comerciais. Após essa verificação, consequentemente delimitou-se 1 (uma) pessoa por propriedade para responder ao questionário. Do montante de questionários propostos, em um quantitativo de casas comerciais: 18 (dezoito) obteve-se êxito com 11 respostas, e 7 (sete) não quiseram participar/não tiveram disponibilidade. Outrossim, de um quantitativo de imóveis residências familiares somou-se um total de 26 (vinte e seis) dos quais, há 1 (um) em construção, 16 (dezesseis) participaram da pesquisa, e 9 (nove) não encontrados, em três tentativas em dias alternados segunda, quarta e quinta-feira do mês de setembro do ano de 2019. Figura 03 – Procedimentos para a coleta de dados em campo Definição da amostra Vetorização dos imóveis situados na localidade, total: 70 Separação dos imóveis por ocupação e uso: Quantidade de vazios: 15 Quantidade de casas que favorecem à prostituição: 11 Quantidade total de questionários que contemplem à amostra: 44 Quantidade de imóveis residências familiares: 26 Quantidade casas comerciais: 18 Fonte: Brandão Neto (2004) 3 Elaborado a partir dos apontamentos de pesquisa social aplicada de Brandão Neto (2004) Sobre como se faz Pesquisa de Opinião Pública no Direito, definindo uma teoria, um recorte espacial e tabulação de dados. 110 Deborah Marques Pereira e Felipe Teixeira Dias Após concluir o procedimento técnico e metodológico da presente pesquisa, cruzou-se as informações teóricas com os dados obtidos. Em seguida, foram tabulados os dados que referenciam a realidade descrita pela pesquisa de campo, objetivando descrever detalhadamente os resultados de toda a investigação, para validação da abordagem teórica sobre a produção do Espaço Urbano da área Central de Guanambi. 3 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E A SOCIABILIDADE DO ESPAÇO O processo de produção e reprodução do Espaço Urbano está atrelado às relações típicas do sistema capitalista (consumo), logo o Estado, como um dos agentes produtores tem o dever de administrar esse processo, auxiliando inclusive para que não ocorra uma produção espacial que esteja incompatível com as funções socioeconômicas da cidade (CORRÊA, 1989). Logo, para compreender o dinamismo que envolve a produção do espaço, deve-se considerar os agentes sociais presentes nele e envolvidos no processo capitalista de produção e quais as relações que se estabelecem entre tais agentes (os agentes produtores). Garcias e Bernardi (2008) destacam que o Espaço Urbano, é antes de tudo um espaço social, o ambiente que abriga aos seres humanos que vivem e possuem suas necessidades. Nessa perspectiva, Pereira-Clemente (2013) destaca que o Espaço Urbano é também social, produto das relações sociais. Logo, essas relações, apesar das especificidades típicas de cada cidade ou região, tendem a se repetir de forma semelhante, essas tendências se direcionam à sociedade com a finalidade de atender às demandas sociais, adquirindo um status, uma função social na cidade (GARCIAS; BERNARDI, 2008). Todo espaço ao ser produzido, já possui anteriormente uma pretensão, geralmente atreladas às relações sociais de lazer, ao habitar, ao labor, e, sobretudo, para socializar. Nesse sentido, Guimarães (2008) destaca que desde a Grécia e Roma antigas, os espaços já eram produzidos com a intenção de propiciar a realização espetáculos de diversões e realizações dos desejos das pessoas. Intuindo sociabilizar. A partir do entendimento sobre os espaços socialização, assevera Guimarães (2008, p. 49) que: “além de comer e beber, ali se discutiam política, filosofia, recitavam poesias, 111 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 8, n. 2, maio/ago. 2021 cantavam e flertavam, tudo aquilo que poderia se esperar de um espaço de sociabilidade”. Dentro das possibilidades oriundas desses espaços existia ainda a participação de prostitutos e prostitutas, como características funcionais dos espaços sociais (GUIMARÃES, 2008). Noutra perspectiva, compreende-se com Corrêa (1989) que o espaço é fruto da ação humana sobre o próprio espaço, a partir da interação com os objetos naturais e artificiais. Assim, a produção do espaço refere-se às implicações que a atuação dos agentes produtores do espaço infere no espaço físico. Ou seja, o espaço é marcado pelas relações sociais estabelecidas pela humanidade. Corrêa (1989), alerta que devido às mudanças históricas que ocorrem nas relações, existe também em cada período histórico, transformações no e do espaço. Nesse sentido, Garcias e Bernardi (2008), relatam que também as Funções Sociais da Cidade, mudam, acompanhando às necessidades sociais de cada época, podendo agregar novas funções e assim garantir o bem-estar de seus habitantes. Diante disso, como o espaço é marcado pelas relações sociais estabelecidas pela humanidade. Para compreender a produção do Espaço Urbano é necessário considerar o tempo histórico e os agentes sociais que contribuem para a atual dinâmica urbana. Levando-se em consideração que essa dinâmica deve atender às funções sócias na e da cidade. Nessa perspectiva, como o primeiro espaço social de uma cidade inicia-se com o centro urbano, será necessário tecer uma discussão sobre o centro urbano e a centralidade urbana, tais discussões serão o cerne do próximo tópico. 4 FUNÇÕES SOCIAIS DA CIDADE: ACEPÇÕES E CONCEPÇÕES Em estudos realizados por Dias (2019) a partir dos ideários propostos por Garcias e Bernardi (2008) sobre as Funções Sociais da cidade, evidenciou-se que embora a Constituição Federal de 1988 não esclareça quantas e quais são as Funções Sociais da cidade, é preciso construir um entendimento de que estas funções sempre se modificarão de acordo o tempo, o espaço e os agentes envolvidos na produção do espaço. A partir das nuances da Política Urbana, entende-se que as Funções Sociais da Cidade, tornam-se diretrizes que perseguem à eficiência do exercício do Direito à Cidade 112 Deborah Marques Pereira e Felipe Teixeira Dias (PEREIRA-CLEMENTE, 2013). Diante disso, não se deve construir um entendimento de que as cidades per si devem possuir Funções Sociais, sem que haja concomitante correlação com os agentes produtores do espaço, os quais, também possuem suas funcionalidades socais no espaço (DIAS, 2019). Para Bernardi (2011, p. 283) as Funções Sociais da Cidade possui sobretudo um embasamento na Carte de Atenas4 pelo motivo de neste documento as cidades serem tratadas como um organismo a ser planejado, pelo qual as necessidades do homem deveriam estar claramente colocadas e resolvidas. Assim, com a finalidade de criar “cidades funcionalistas, a Carta de Atenas defende quatro funções: Habitar, Trabalhar, Recrear e Circular” (BERNARDI, 2011, p. 283). Tabela 01 – Definições básicas das Funções Sociais da Cidade Funções Urbanísticas Habitação Trabalho Lazer Funções de Cidadania Educação Saúde Segurança Funções de Gestão Prestação de Serviços Planejamento Preservação do Patrimônio Cultural e Natural Mobilidade Proteção Sustentabilidade Urbana Fontes: Garcias e Bernardi (2008); Lefebvre (2016); Pereira-Clemente (2013). Logo, quer seja como regra ou como princípio, as Funções Sociais, enquanto meta da Política Urbana torna-se a expressão da possibilidade de se alcançar o Direito à Cidade (PEREIRA-CLEMENTE, 2013). Noutra perspectiva, como já mencionado, as Funções Sociais, podem variar de acordo com o espaço, o tempo, e as ações dos agentes no espaço. Assim, as funções listadas na Tabela 01 representam às Funções Sociais, podendo ser desdobradas novas e alternativas Funções Sociais da Cidade, nas palavras de Garcias e Bernardi (2008), as Funções Sociais ainda não foram totalmente definidas, e nesse sentido, poderão vir novas Funções a partir dos anseios da Política Urbana contemporânea, que emerge das necessidades de cada cidade. Nessa perspectiva, Sousa (1995) correlaciona a prática da Prostituição como uma Função Social, em que há uma relação de mão dupla, por um lado é um considerado uma 4 Documento que estabeleceu uma influência para construção do entendimento sobre as funções sociais da cidade, foi redigido no IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (Ciam), em 1933 (BERNARDI, 2011). 113 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 8, n. 2, maio/ago. 2021 fonte provedora de renda para os praticantes, considerando-se como trabalho, e por outro lado propicia lazer às pessoas que buscam pelos praticantes, isto é, pelos serviços. Diante disso, torna-se necessário tecer considerações sobre as perspectivas que envolvem as definições das Funções Sociais da Cidade, sobretudo da prostituição enquanto função da e na cidade, e para isso no próximo subtópico serão abordadas essas concepções sobre a função social da prostituição. 4.1 A prostituição como função social na cidade Como já mencionado tanto as cidades quanto os agentes sociais inseridos neste espaço possuem uma função social a ser cumprida. Coaduna-se com essa questão, Bernardi (2011) ao referir-se às funções sociais como uma fonte norteadora para que as cidades sejam “funcionalistas”, isto é, que as cidades possuam uma funcionalidade, ou múltiplas funcionalidades, daí a ideia de que se cumpram com as funções sociais. Desse modo, é mister salientar que no bojo de algumas funções sociais há verdadeiramente “a consolidação dos direitos humanos que, com o passar do tempo, evolui em seus conceitos e incorpora novos direitos à medida que avança a compreensão da sociedade, ela também evolui e incorpora novas funções em relação às cidades” (BERNARDI, 2011, p. 294). Assim como o espaço é mutável, também as necessidades deste espaço e de quem o produz pode ser mutável (BERNARDI, 2011). Nesse contexto, tanto o arcabouço legal quanto as discussões teóricas acerca das Funções Sociais destacam as possibilidades de essas Funções Sociais terem pontos de vista positivo ou negativo, mas sobretudo manter um caráter abstrato, neutro e imparcial (DIAS, 2019). Nas palavras de Corrêa (2018) o espaço é produzido refletindo às necessidades dos agentes que o produzem. Assim, os agentes produzem o espaço a funcionalidade desse espaço. Coaduna-se com essa concepção, os ideários propostos por Sousa (1995) que após realizar um diagnóstico sócio-espacial, construiu cientificamente a ideia de que a prostituição possui uma função social no espaço. Pode-se inferir com Sousa (1995) que embora a prostituição seja uma prática não aceita socialmente, isto por conta de um 114 Deborah Marques Pereira e Felipe Teixeira Dias trajeto de exclusão social no cenário brasileiro, não significa que esta ação não colabore com determinado espaço. Noutro sentido, Corrêa (1989) relata que todos os agentes que estão inseridos no espaço, que movem a malha urbana de acordo seus anseios são agentes produtores do espaço, agentes este que possuem agrupamentos sociais. Logo, todos os agentes que contribuem a partir de determinada função no espaço social, possui uma função social, e como tal, é um agente produtor do espaço (in)(ex)cludente (SOUSA, 1995). Nesse contexto, a prostituição torna-se expressão de uma via de mão dupla, por um lado tem-se a função social da prática em si (SOUSA, 1995). Por outro lado tem-se a prática da prostituição enquanto característica funcional de determinado espaço. Assim, como função social da cidade, adentram-se aos preceitos das funções urbanísticas de trabalho e lazer, sendo que pelo lado do praticante encontra-se o trabalho, a prestação de serviço, e pelo lado de quem busca pelas praticantes, encontra-se a busca pelo lazer (SOUSA, 1995). Logo, as Funções Sociais da Cidade, como já demonstrado anteriormente se relacionam intrinsecamente com as funções sociais na cidade que são oriundas dos agentes produtores do espaço, podendo variar de acordo o espaço e o tempo. 5 GUANAMBI: DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO À POLÍTICA URBANA A peculiaridade envolvida na construção e expansão de Guanambi relaciona-se à prostituição. Embora, a prostituição, seja matéria dualística em tratando-se da concepção social, a discussão aqui, se pautará em sua função social no espaço, correlacionando esta, com a produção do Espaço Urbano e Social de Guanambi (SOUSA, 1995). De acordo com os relatos históricos, em 1870, iniciou-se o processo de povoação do atual território de Guanambi, isso ocorreu às margens do rio Carnaíba de Dentro 5, quando o até então proprietário Joaquim Dias Guimarães6 resolve realizar a doação de uma parte da fazenda Carnaíba, à freguesia criada nesse mesmo ano sob a invocação de Santo 5 Localizado no semiárido baiano, passou por grande parte da atual cidade de Guanambi (TEIXEIRA, 1991). 6 Joaquim Dias Guimarães foi o doador, à Paróquia de Santo Antônio, das terras onde se construiu a Vila de Beija-Flor, atual cidade de Guanambi, em 08 de maio de 1870 (IBGE, 1959). 115 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 8, n. 2, maio/ago. 2021 Antônio, e subordinada à paróquia de Monte Alto 7, em cujo local foi erguida a primeira igreja, tomando o lugar o nome de Beija-Flor (IBGE 1959). Nessa perspectiva, Teixeira (1991) relata que de acordo a tradição histórica do local, em 1880 foi criado o distrito de Paz ou distrito Policial, o arraial recebeu o nome de BeijaFlor em homenagem à mulher que fez com que indiretamente havia fundado este arraial. Em função dessa repercussão e com a movimentação que ocorria neste território, a sede do arraial de Beija-Flor foi elevada à categoria de vila pela Lei estadual Nº 1364, de 14 de agosto de 1919, que também criou o município com o nome de Guanambi (IBGE 1959). Para Pereira (2010) foi a partir desses singelos acontecimentos que formou-se o arraial de Beija-flor. No entanto esse arraial, que também passou a recebeu o apelido de “arraial do quebra8” que fora formado por mulheres de vida livre, vindas das vilas e lugares mais próximos (TEIXEIRA, 1991, p. 51). Infere-se ainda com Teixeira (1991) que embora alguns que buscavam a farra naquela localidade se arruinassem, outros encontravam prosperidade. Com isso, os consumidores, produtores, vendedores e outros passaram a configurar o lugar como local de comercio, pelo qual, também ali se estabelecia a busca por “cachaça, viola, e diversões. No entanto, se alguns buscavam esta localidade por esse tipo de diversão, a maioria iam para o cabaré – ambiente propicio à farra, à desordem, e as brigas” (TEIXEIRA, 1991, p. 68). Desse modo, tal era a movimentação local, que em pouco tempo Guanambi passou a ser detentora de grande movimentação em feira-livre, sendo que esta era fortemente exercida nas segundas-feiras (TEIXEIRA, 1991). Na perspectiva de Pereira (2013) o crescimento de Guanambi, ocorreu de forma acelerada em momentos seletos, como a exemplo, os anos de 1970/1980, que se destacaram por sua produtividade na expansão do cultivo do algodão. Ainda que os relatos históricos demonstrem a existência da prostituição em Guanambi noutras áreas além do Centro, esta pesquisa se restringirá a analisar a área 7 Palmas de Monte Alto é um município vizinho à Guanambi, ambos no estado da Bahia. Localizado na região sudoeste do estado sendo porta de entrada principal do Parque Estadual da Serra de Montes Altos (IBGE, 2008). 8 Apelido dado ao até então arraial de Guanambi, devido ao fato de que para os que iriam a esta localidade em busca de diversão em poucos dias se arruinavam financeiramente, pelo qual ficavam “quebrados” (TEIXEIRA, 1991). 116 Deborah Marques Pereira e Felipe Teixeira Dias Central de Guanambi (TEIXEIRA, 1991). Tal recorte espacial corresponde à Teoria da Centralidade Urbana, em outras palavras, a motivação remete à ideia de que é o local que atrai às pessoas, e exerce domínio e busca por parte das demais áreas da cidade (LEFEBVRE, 2016). Nesse contexto, a área que compreende o atual Centro de Guanambi, e que incialmente possuía uma lagoa nas proximidades, era também o local onde os agentes produtores do espaço materializavam suas negociações (TEIXEIRA, 1991). Nessa localidade, à medida em que a comercialização aumentava, também a freguesia buscava por produtos, e consequentemente também diversões e lazer. Às margens da lagoa do riacho do Belém, se estabeleceu-se a feira livre, onde a configuração espacial caracterizou-se como área comercial (TEIXEIRA, 1991). Nesse sentido, Santos (2017) afirma que os agentes envolvidos no processo de configuração espacial, tendem a materializar seus anseios no local. Logo, a atração que uma área comercial tende a exercer à população local, faz com que cada vez mais outros comércios, negócios e demais meios de produção econômica se estabeleçam naquela localidade (SANTOS, 2017). Assim, a prostituição que se implementou às margens da lagoa, encontrava naquela localidade uma funcionalidade econômica do espaço, e consequentemente retribuía ao espaço propiciando atração aos comerciantes que transladavam do rural para o urbano (TEIXEIRA, 1991). Nesse contexto, a Figura 07, objetiva demonstrar os processos de expansão por períodos decano, nos anos de 1970 a 2017. A Figura 04, objetiva demonstrar ainda, a Produção do Espaço a partir das margens da lagoa que atravessava a cidade ao meio, e que na atualidade comporta em grande parte o canal de esgotos da cidade. 117 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 8, n. 2, maio/ago. 2021 Figura 04 – Mapeamento da expansão de Guanambi/BA nos anos de 1970 - 2017 Fontes: IBGE (1974); Landsat 5 e 7; Observatório UniFG do Semiárido Nordestino (2019) De acordo com Teixeira (1991) na formação inicial desta localidade, não havia um policiamento efetivo que fosse inclusive, capaz de assegurar a ordem pública. Tal problemática à época talvez foi aceita, visto que além das legislações que vigoravam à época serem outras, também a Política Urbana não havia sido incorporado em textos jurídicos brasileiros, sendo positivado a partir da Constituição Federal de 1988, e efetivada pelas Funções Sociais da Cidade. Nesse contexto, seria contrário aos ditames do Direito à Cidade ter um espaço que não tivesse segurança, que não fosse capaz de propiciar lazer, e que as condições de mobilidade e de viver do local não fossem dignamente implementadas e respeitadas (LEFEBVRE, 2016). 118 Deborah Marques Pereira e Felipe Teixeira Dias 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO 6.1 Construção social: a ação da prostituição na área central de Guanambi/BA No contexto de Guanambi, as Funções Sociais da Cidade se veem numa interface com a ação da prostituição, que colaborou com a configuração espacial e com os períodos de reestruturação espacial da cidade. Como desdobramento desse breve relato, em correlação com a teoria de Sousa (1995) a prostituição inicial, exerceu Funções Sociais na Cidade. Porém, algumas observações devem ser explicitadas, como por exemplo, a regressão dos serviços disponibilizados pelo ente público com relação a esta área. Conforme poderá ser visto na Figura 05, um percentual de 77% (setenta e sete por cento) responderam que residem nesta localidade a mais de 10 (dez) anos. Mister salientar que esse foi o maior percentual, sendo os 23% (vinte e três por cento) restantes, fragmentados em 11% (onze por cento) responderam que reside na localidade entre 5 (cinco) e 10 (dez) anos, seguido por um total de 8% (oito por cento) que respondeu residir nesta área entre 1 (um) e 3 (três) anos, e por conseguinte, um menor percentual sendo de 4% (quatro por cento) residem a 1 (um) ano ou menos nesta localidade. Figura 05– Representação do questionário sobre o tempo de residência Fonte: Questionários de Opinião Pública 119 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 8, n. 2, maio/ago. 2021 Outro detalhe é que verificou-se conforme à Figura 07, um percentual de 77% (setenta e sete por cento) dos entrevistados possuem experiência superior a 10 anos com esta localidade, o que corroboraram com o entendimento teórico e prático da pesquisa. Em perspectivas contemporâneas, a seguinte pergunta foi estabelecida como componente do questionário: Você tem notícias sobre a existência atual de prostituição nesta localidade? A partir das respostas compreende-se que 100% (cem por cento) dos entrevistados possuem ciência de que nesta localidade há existência da prostituição. Verificou-se ainda, por meio da pesquisa bibliográfica, que muitos moradores no processo histórico de formação da cidade, indignados por conta da existência da prostituição, solicitava aos responsáveis pela organização espacial das cidades, que removessem à prostituição da área central, e as marginalizassem (TEIXEIRA, 1991). Contudo, tal tentativa não surtiu efeito, prova disso é que se entendeu que o jogo e a prostituição “enquanto recursos e estratégias possíveis de lazer e sobrevivência, respectivamente, para uma população menos favorecida estivessem predominantemente relacionados àqueles que se encontravam mais marginalizados na sociedade” (SILVA, 2006, p. 173). Outrossim, não significa dizer que sem embargos os participantes da pesquisa tenham ciência da existência da prática, e entendam que não é juridicamente proibida, que estes estejam de acordo essa prática. Nesse sentido, a próxima pergunta estará diretamente interligada com a localidade, e sua correlação com a cidade. Com relação à prática da prostituição e sua atração para as demais partes da cidade. A pergunta da Figura 06 é crucial para compreender a percepção dos que vivenciam com o fenômeno diretamente no dia-a-dia. Figura 06 - Se há pratica da prostituição nesta localidade, esta, exerce atração às demais partes da cidade? Por quê? 120 Deborah Marques Pereira e Felipe Teixeira Dias Fonte: Questionários de Opinião Pública Como pode ser visto na Figura 08, 63% (sessenta e três por cento) dos entrevistados acreditam a prática dessa prostituição na área de estudo causa atração 9 às demais áreas da cidade, e 37% (trinta e sete por cento) pensam de forma contrária à esse questionamento. Contudo, um dado relevante para essa concepção é a variável contida no bojo dessa pergunta, pois de acordo com as informações obtidas através dos participantes da pesquisa, teceu-se 4 grupos de respostas complementares são elas: 1) Foi possível compreender que a prática da prostituição na área central de Guanambi realmente possui atração para às demais camadas da cidade. Essa atração foi detectada por justificativas diversas, como por exemplo por ocorrer em uma área central, o que ratifica a teoria dos lugares centrais descrita por Christaller (1966). 2) Ainda nessa perspectiva, de acordo com alguns entrevistados essa prática nesta localidade exerce uma atração “negativa” para o restante da cidade, isto porque é um local que se degredou com a ação dessa prática no espaço e no tempo, tornando-o local de desordem. Essa justificativa evidentemente ratifica relatos da formação da cidade, escrita por Teixeira (1991)10. 9 Aqui, o termo atração, refere-se ao ato de em alguma forma produzir efeitos de convidar as pessoas a irem a esta localidade, ou de contra partida não querem ir de nenhuma maneira. 10 Teixeira (1991) relata em sua obra “Respingos históricos” que assim ficou conhecida Guanambi, como localidade de desordem e de criminalidade, pois para esta região iam diversas classes de pessoas que infligiam às leis. 121 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 8, n. 2, maio/ago. 2021 3) Outras variáveis para essa questão foram respostas que relataram que na verdade essa localidade não exerce atração alguma, mas, alguma forma, invisibilidade/exclusão sócio-espacial das demais camadas sociais. 4) E a quarta variável está presente no que refere-se à movimentação. Nas palavras de alguns participantes, esta localidade possui atração sobretudo porque está em uma área central. Isso ratifica duas discussões anteriores, uma com relação à movimentação inicial nessas localidades o que configurou o centro urbano, a outra com relação novamente à teoria dos lugares centrais. Essas variáveis foram construídas a partir das justificativas contida nas questões objetivas, respondidas pelos participantes da pesquisa. Objetivando, compreender de forma mais completa sobre a motivação das respostas em sim ou não. Sobretudo porque em ambas as alternativas “sim e não” há possibilidade negativa em afirmação, e positiva em negativa. A próxima pergunta terá como função para esta pesquisa, o dever de concatenar o aspecto inicial da formação do espaço, com a contemporaneidade, isto é, uma correlação espaço-temporal da afirmação, resiliência e existência da prostituição nessa área central. Figura 07- A prostituição existente nesta localidade contribuiu com a formação e/ou configuração deste espaço? Fonte: Questionários de Opinião Pública 122 Deborah Marques Pereira e Felipe Teixeira Dias A partir da Figura 07, verifica-se que 52% (cinquenta e dois por cento) dos entrevistados opinaram que a prática da prostituição nessa localidade não contribuiu com a formação e/ou configuração desse espaço. Em contra partida 48% (quarenta e oito) por cento dos entrevistados opinaram que sim. Verifica-se que, desses dados, há quase um choque divergente na opinião pública sobre a contribuição da prostituição com a funcionalidade desse espaço na área Central. Evidentemente é uma discussão que merece atenção e embasamento crítico científico, sobretudo porque é uma questão sensível, haja visto que a prostituição não é uma prática socialmente aceita. Contudo, como já mencionado nesta pesquisa em capítulos anteriores, ao tratar das funcionalidades espaciais, corroborados pelos agentes inseridos no processo de construção, configuração ou reconfiguração do espaço, considera-se que a prostituição é uma funcionalidade dada a esta localidade em Guanambi, isto é à Rua Tomaz Gonzaga, isto em função de que desde sua afirmação, perpassou pelas décadas, existindo e resistindo nessa mesma localidade (TEIXEIRA, 1991). A Política Urbana Brasileira ratifica os anseios dos direitos sociais contidos no bojo da Constituição Federal, elencados pelo Estatuto da Cidade como direitos inerentes à cidade, sendo estes alcançados por meio de serviços básicos como acesso à saúde, segurança, assistências sociais, mobilidade, dentre outros (BRASIL, 2001). Para verificar a compatibilidade entre o plano teórico-legal e o fático, uma pergunta foi realizada com o intuito de obter à opinião sobre o acesso à cidade em suas funcionalidades, a pergunta foi: Em sua opinião, esta localidade possui acesso a serviços básicos como: saúde, segurança, assistências sociais, mobilidade e outros? Com base no exposto, 100% (cem por cento) dos entrevistados, residentes e/ou comerciantes afirmam não ter acesso a serviços elementares da Política Urbana, estabelecidos pelas Funções Sociais da Cidade, os quais, no plano jurídico-teórico são deveres do ente público propiciar à população. Essa problemática evidencia um processo de carência de serviços públicos no contexto dessa localidade, o que contraria diretamente os ditames do Direito à Cidade, que é o objetivo da Política Urbana. 123 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 8, n. 2, maio/ago. 2021 Figura 08– Fotografias da localidade de forma temporal (Visita In Loco) Ano de 2010 Ano de 2019 Fonte: Imagens Street View – Google Eart Pro (2010); Arquivo Pessoal (2019) Para uma compatibilização entre o aspecto discutido e com vistas às perspectivas da visita in loco, a Figura 08, é constituída pelo conjunto de fotografias de quase uma década de diferença no espaço. Selecionou-se essas imagens principalmente pela disponibilidade do satélite do Google Earth- Pro. A partir dessas imagens verifica-se principalmente a estrutura externa das edificações locais e em muitos momentos percebe-se que mesmo após um lapso de 9 (nove anos) muitas dessas propriedades permaneceram iguais. É válido destacar ainda, que proximamente até os anos de 2010 existia posto policial nesta localidade, na entrada principal do atual Mercado Municipal de Guanambi, porém, após visitação in loco, verifica-se que na atualidade não há mais esse serviço de segurança que antes fora prestado. A partir dessa discussão, no próximo gráfico serão abordadas outras problemáticas inerentes a essa localidade, como por exemplo a questão do descumprimento de instrumentos urbanísticos inerentes às Funções Sociais da Cidade. 124 Deborah Marques Pereira e Felipe Teixeira Dias Figura 09 – A prática da prostituição nesta localidade interfere na configuração do espaço dessa área da cidade? Fonte: Questionários de Opinião Pública Com base no gráfico acima, possibilitou-se não só um entendimento objetivo sobre a questão da configuração espacial oriunda da ação da prostituição, como também possibilitou a constituição e análise de variáveis para subsidiar a discussão do presente tópico. As variáveis foram classificadas em 4 (quatro) tipificações, resumidas pelo autor, a partir da somatória de justificativas e suas peculiaridades conforme a seguir: 1) Interfere na aderência comercial, isto é, os comércios tendem a querer se afastar dessa localidade por receio de suas clientelas pela imagem pejorativa que há no local. 2) Não interfere, porque em todos lugares há uma prostituição, poderia ser em qualquer bairro essa prática, a localidade não muda o real sentido da prática. 3) Interfere promovendo exclusão social, isso porque o local aparenta ser uma parcela esquecida da cidade, mesmo estando em meio ao “coração da área Central, e ter sido um dos primeiros locais da cidade” essa área está como abandonada por grande parte da cidade”. 4)Interfere com a melhoria do espaço, em função da desordem que é promovida nesta localidade, havendo inclusive receio dos circulantes e dos moradores. De acordo com as respostas complementares acima, corroborados com os gráficos de respostas anteriores, verificou-se que embora todos os moradores relatem a existência atual da prostituição nesta localidade, existem variáveis que permeiam desde a aceitação, indiferença e negação. 125 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 8, n. 2, maio/ago. 2021 A partir do percentual descrito na questão proposta pelo gráfico da Figura 09, compreendeu-se que a prostituição é um dos responsáveis pela configuração dessa área central. Contudo essa responsabilidade se limita ao plano fático, e não ao plano jurídico, isto é, essa prática cumpre uma funcionalidade no espaço, porém não dita diretamente como esse espaço deve funcionar, e muito menos quais os elementos que devem equipar essa localidade da cidade. Essa questão é de extrema relevância e merece atenção redobrada sob o risco de esta área da cidade cair em um plano asseverado por Rolnik (2004) como a cidade ilegal, pois quando uma cidade possui áreas que estão em processo de exclusão são chamadas de cidade ilegal que faz parte de uma cidade legal, por ser esta, um ente regulamentado. Em função do exposto, é possível compreender que, o local inicialmente na configuração da cidade e em dados momentos históricos mostrou ser um local possível de sociabilidade o que ratifica às proposições de Guimarães (2008). Contudo, a ausência do ente público no sentido de promover segurança, acessibilidade, saúde, dentre outros serviços elementares e de infraestrutura para essa localidade, transformou esta área em um ambiente segregado, e considerado como excluído pelos moradores dessa localidade. Nesse prisma, é válido tecer alguns comentários sobre as Funções Sociais da Cidade, que embora não estejam descritas pela Carta Magna de 1988 de forma explicita, encontra respaldos no bojo dos direitos e garantias fundamentais e sociais de aplicabilidade nas cidades. E, nesse sentido, ao tentar compatibilizar os resultados da pesquisa com às Funções Sociais da Cidade, verificou-se que, embora a prostituição tenha uma Função Social na cidade11, a localidade não apresenta recíproca em possuir efetivamente Funções Sociais da Cidade. Assim, verificou-se que a prática da prostituição enquanto fenômeno social que coexistiu na malha urbana guanambiense exerceu um papel histórico com a ressignificação dos preceitos envolvidos na Política Urbana em Guanambi. 11 O termo Função Social, está voltado não aos sentidos “positivo” ou “negativo” mas, sobre a atuação social de determinada classe social, sobretudo o que interessa nesta pesquisa, isto é, os agentes produtores do espaço. 126 Deborah Marques Pereira e Felipe Teixeira Dias 5 REFLEXÕES FINAIS À título de reflexões finais, primeiramente asseverar que esta pesquisa não se esgota com a finalização deste texto. Isto em função de que a temática tratada nesta pesquisa é ampla, podendo ser objeto de diversos estudos jurídicos e sociais. Destaca-se nesta pesquisa, a relevância da construção metodológica no concernente ao cruzamento de dados teóricos e práticos, que tiveram papel crucial para alcançar os resultados correlatos aos objetivos propostos. O referencial teórico aplicado à área de estudo, objetivou compreender à integração entre os agentes produtores do espaço e suas funcionalidades no espaço, e além disso, possibilitou a construção de um resgate histórico e social da formação do espaço urbano de Guanambi, apontando suas características sociais e espaciais desde sua formação inicial. Como resultados práticos, verificou-se que a prostituição exerceu e ainda exerce funcionalidades na reconfiguração social do espaço central de Guanambi/BA, modelando-o aos anseios e características pertencentes à sua identidade e funcionalidade. Nesse condão, diante dos resultados obtidos pelo processo de verificação dos dados da pesquisa de campo, compreendeu-se que a área de estudo perpassa por um processo de invisibilidade social, destacado pelos moradores e circuncidados. Diante disso, torna-se necessário a reflexão e condução de ações por parte do ente público como principal ator para executar políticas públicas que tenham por desígnios inibir às disparidades socioespaciais, como a invisibilidade, exclusão social, e a ausência de equipamentos públicos essenciais e indispensáveis com as funcionalidades sociais da cidade. ■■■ REFERÊNCIAS BERNARDI, Jorge. A organização municipal e a política urbana. Curtiba: Editora Ibpex, 2011. BRANDÃO NETO, João Marques. Como se Faz Pesquisa de Opinião Pública. Revista Eletrônica PRPE, 2004. Disponível em: <http://www.prpe.mpf.mp.br/internet/content/ download/1612/14366/file/RE_JoaoMarquesBrandaoNeto.pdf.> Acesso em: 19 abr. 2019. 127 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 8, n. 2, maio/ago. 2021 BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 abr. 2019. BRASIL. Lei 10.257/2001, 10 de julho de 2001. 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