VIII° Seminario Iberoamericano de Construcción con Tierra
II° Seminario Argentino de Arquitectura y Construcción con Tierra
“Arquitectura de Tierra y Hábitat Sostenible”
PERSPECTIVA BIOMIMÉTICA DO NINHO DE ANDORINHA-DOS-BEIRAIS
Bruno Silva1; Fernando Nunes2,; Amândio Pinto2,; Pedro Tavares2,; Humberto Varum3; Jorge Pinto1
1
ECT, Departamento de Engenharias. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Quinta de Prados.
5001-801 Vila Real. Portugal
2
3
CQVR.Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Quinta de Prados. 5001-801 Vila Real. Portugal
Departamento de Engenharia Civil. Universidade de Aveiro (UA). Campus Universitário de Santiago. 3810-193
Aveiro. Portugal
Palavras-chave: construção em terra, materiais naturais, biomimética, caracterização material de
ninhos, reforço da terra
RESUMO
A terra é um material natural, ecológico, reciclável e abundante e, como tal, foi sempre e volta agora a
ser considerado como sendo um dos materiais/soluções de construção de eleição, com enorme
potencial. Na construção tradicional portuguesa encontram-se várias soluções construtivas
recorrendo ao uso da terra crua, com uma importante expressão. Este património construído
necessita de ser conservado. Neste contexto, o presente trabalho tem como principal objectivo dar
um contributo na temática das soluções de melhoramento do comportamento e reforço de elementos
construtivos em terra a partir do estudo biomimético de um ninho de andorinha-dos-beirais. De modo
a identificar a eventual existência de algum fenómeno de aglutinação ocorrido durante o processo de
construção de um ninho de andorinha-dos-beirais, procedeu-se a um trabalho experimental de
caracterização a partir de amostras recolhidas em diferentes ninhos encontrados na zona de Vila
Real. Para a identificação da composição química inorgânica e mineralógica das amostras recolhidas
realizaram-se análises em Scanning Electron Microscopy / Energy Dispersive Spectroscopy
(SEM/EDS) e por difracção de raios-X. Para a identificação da composição orgânica das amostras
recolhidas foi feita a quantificação colorimétrica do teor de proteínas pelo método de biureto, e do teor
de polissacarídeos/açucares pelo método dos açúcares totais. Os resultados experimentais relativos
às amostras retiradas dos ninhos quando comparados com resultados similares relativos a amostras
de argila recolhidas na mesma zona de origem dos ninhos, são muito semelhantes, destacando-se
apenas a presença de polissacarídeos/açucares nas amostras de ninho.
Pretende-se que a partir dos resultados da caracterização do material constituinte dos ninhos se
possam retirar sugestões para o desenvolvimento de soluções de estabilização e de melhoramento
de elementos construtivos existentes de terra crua.
1. INTRODUÇÂO
O nosso planeta tem estado em constante evolução e os seres vivos que não foram extintos
por processos de selecção natural, enfrentaram rigorosos processos de evolução e de
adaptação.
A biomimética é uma área da ciência que se baseia no estudo da natureza de forma a
extrapolar novas formas de adaptação ao planeta. Mecanismos biológicos e estruturas
naturais são dois exemplos de modelos naturais de imitação da biomimética.
Têm sido realizados inúmeros trabalhos de investigação nesta área científica e em campos
de aplicação diversos. São exemplos os mecanismos e as estratégias de defesa e ataque
inspirados em organismos vivos [1], trabalhos sobre nano-materiais e transplantes de
órgãos humanos por órgãos totalmente artificiais e inspirados em órgãos reais [1] e o
conceito de pré-esforço orgânico inspirado no modelo do músculo do bíceps humano [2].
No presente trabalho, o ninho da andorinha-dos-beirais foi o modelo natural estudado. Esta
investigação pretendeu aferir se esta ave introduz alguma espécie de aglutinante natural na
fase de construção do ninho que induza um aumento de qualidade do material. Esta
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informação poderá então ser muito útil no contexto da construção civil e nomeadamente no
melhoramento de soluções construtivas que usam terra crua.
A construção com terra crua é mundialmente muito relevante pois grande percentagem da
população mundial reside em construções desta natureza. A taipa, o adobe e o tabique são
as três principais técnicas construtivas que recorreram à terra crua em Portugal [3]. Este
trabalho pretende dar um contributo no processo de reabilitação destes tipos de construção
assim como na melhoria de novas construções em terra crua.
Para o efeito, foi necessário e fundamental efectuar uma identificação/caracterização
exaustiva do material constituinte dos ninhos em termos de composição química elementar,
de composição mineralógica e da composição orgânica, através de um estudo experimental
que incluiu análises em SEM/EDS, difracção de raios-X e análises colorimétricas
2. ANDORINHA-DOS-BEIRAIS
A andorinha-dos-beirais (Delichon Urbicum) [4; 5] (Figura 1) é uma ave migratória que
pertence à família das andorinhas (Hirundinidae). Esta ave é estival na Europa (excepto na
Islândia), no norte de África e nas regiões temperadas da Ásia, e, por sua vez, é invernal na
África subsariana e na Ásia tropical. Esta ave alimenta-se exclusivamente de insectos, que
captura em pleno voo, pelo que migra para regiões que apresentam climas que
proporcionam a abundância de insectos voadores.
A espécie nominal Delichon Urbicum tem cerca de 12 a 13 cm de comprimento, uma
envergadura de asas de 26 a 29 cm e um peso médio de 18,3 g [6].
Uma postura desta ave é constituída geralmente por 4 a 5 ovos. Os ovos são brancos e têm
um tamanho médio de 1,90 cm de comprimento, 1,33 cm de diâmetro e um peso médio de
1,7 g. A incubação dos ovos dura geralmente 14 a 16 dias e é feita essencialmente pela
fêmea. As crias recém-eclodidas são altriciais e necessitam de 22 a 32 dias para abandonar
o ninho, dependendo das condições atmosféricas. Os progenitores continuam a alimentar as
crias durante cerca de uma semana após estas terem saído do ninho.
Existem duas ninhadas por ano em que o mesmo ninho é utilizado. O ninho é reparado e é
reutilizado novamente nos anos seguintes.
3. O NINHO DA ANDORINHA-DOS-BEIRAIS
Originalmente, a andorinha-dos-beirais apenas nidificava em falésias e cavernas. Contudo,
hoje em dia, é frequente encontrar ninhos desta ave em edifícios ou em pontes, e,
preferencialmente, em zonas próximas da existência de água. No contexto dos edifícios, os
ninhos da andorinha-dos-beirais são construídos na zona de ligação entre a parede e o
beiral, ficando deste modo reforçados pela ligação a dois planos distintos (Figura 1) e,
simultaneamente, protegidos de predadores e das intempéries, em particular da chuva [1; 6].
Tal como se pode observar na Figura 1 o ninho tem a forma de uma “taça fechada” com
uma abertura estreita na parte superior.
O ninho é construído por pedaços de argila (Figura 1) ligados entre si com saliva e é forrado
interiormente por palha, ervas, penas ou outros materiais macios [6; 7]. A construção de um
ninho poderá demorar até cerca de 10 dias [8] e é levada a cabo tanto pelo pela fêmea
como pelo macho.
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Figura 1: Ligação do ninho à parede e ao beiral (fonte:www.animalpicturesarchive.com)
4. ANÁLISE EXPERIMENTAL DE IDENTIFICAÇÃO/CARACTERIZAÇÃO DO MATERIAL
DOS NINHOS
Tal como foi referido anteriormente, o processo experimental de identificação/caracterização
do material do ninho incluiu a realização de ensaios SEM/EDS para determinar a
composição química elementar, a realização de ensaios de difracção de raios-X para a
determinação da composição mineralógica e a realização de análises colorimétricas para a
determinação da composição orgânica.
Neste estudo, foram usadas amostras de argila recolhidas em zonas próximas dos ninhos e
amostras de ninho recolhidas em três freguesias de Vila Real (São Dinis, Mateus e Noura).
As amostras de argila foram consideradas como sendo o material de referência. A Figura 2
ilustra alguns dos equipamentos utilizados nos ensaios de identificação/caracterização.
a) Microscópio electrónico
b) PANalytical modelo X’Pert
PRO com detector X’Celerator
c) Espectofetómetro de
absorvância molecular
Figura 2: Equipamentos utilizados nos ensaios de identificação/caracterização
4.1 ANÁLISE SEM/EDS
A análise SEM/EDS foi realizada na unidade de microscopia electrónica e de varrimento da
UTAD e com o objectivo de determinar a composição química elementar dos materiais do
ninho. Os resultados obtidos através desta análise apresentam-se na Tabela 1.
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Amostras
Elementos
%
Oxigénio (O)
Sódio (Na)
Magnésio (Mg)
Alumínio (Al)
Sílica (Si)
Cloro (Cl)
Potássio (K)
Cálcio (Ca)
Titânio (Ti)
Ferro (Fe)
Referência
São Dinis
Mateus
Noura
48,12
0,69
0,89
12,90
29,04
0,00
3,62
0,00
0,38
4,36
45,67
0,81
0,33
15,54
27,47
0,99
6,22
0,00
0,21
2,76
41,72
0,42
0,75
15,54
33.08
0,00
2,89
0,00
0,48
5,12
46,80
1,43
1,10
12,60
27,85
0,09
3,45
0,61
0,57
5,50
Tabela 1: Resultados obtidos através das análises SEM/EDS
Através dos valores da Tabela 1 observa-se que as amostras estudadas apresentam uma
composição química elementar muito semelhante. Os valores em percentagem dos
elementos químicos identificados (oxigénio, sódio, magnésio, alumínio, sílica, cloro,
potássio, cálcio, titânio e ferro) nas várias amostras são muito próximos. O elemento
químico que mais se destaca é o oxigénio andando muito próximo dos 50%. A sílica é o
segundo elemento químico que existe em mais abundância aparecendo com um valor médio
de 29,36%. Em seguida surge o alumínio com uma incidência média de 14,15%. O ferro e o
potássio apresentam uma incidência média de 4,44% e de 4,05% respectivamente. A
incidência média do sódio é de 0,84% e a do magnésio é de 0,77%. Os elementos químicos
cloro e cálcio apresentam uma incidência média muito residual e que é de 0,27% e 0,15%
respectivamente. Através destes resultados também se observa que se trata de um material
argiloso.
4.2 DIFRACÇÃO DE RAIOS-X
Com o intuito de se identificar a composição mineralógica, e, as estruturas cristalinas dos
materiais em estudo, realizou-se o ensaio de difracção de raios-X na unidade de
microscopia electrónica e de varrimento da UTAD. Os resultados obtidos através deste
ensaio irão permitir aferir se a argila recolhida na região (amostra de referência) apresenta
uma composição mineralógica semelhante à composição mineralógica das amostras de
ninho recolhidas nas freguesias de Mateus, de São Dinis e de Noura.
A Figura 3 apresenta os resultados dos ensaios de difracção de raios-X realizados nas
amostras. Os minerais identificados são os seguintes por ordem de maior quantidade:
quartzo, moscovite, alumino-silicato de potássio e clinocloro. Estes resultados indicam que a
composição mineralógica das amostras é semelhante, embora exista uma pequena
diferença na quantidade de clinocloro entre a amostra de referência e as amostras de ninho.
As estruturas cristalinas encontradas nas amostras são similares. Os minerais identificados
são característicos dos solos argilosos.
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Figura 3: Gráficos combinados da composição mineralógica resultantes da difracção de raios-X
4.3 ANÁLISE COLORIMÉTRICA
De modo a identificar a composição orgânica e, em particular, a existência de polímeros de
origem proteica ou de origem polissacarídica, do material em estudo procedeu-se à
realização da análise colorimétrica no Laboratório de Química Fina e Aplicada do
Departamento de Química da UTAD.
A análise colorimétrica consistiu na determinação do teor de proteínas e o teor de
polissacarídeos/açúcares utilizando reacções selectivas para polissacarídeos/açúcares e
proteínas, sendo o seu teor determinado colorimetricamente por espectrofotometria de
absorção molecular, após a sua extracção com água em ultra-sons. Para se aferir a
existência de proteínas foi usado o método de biureto, em que se utiliza o reagente de
biureto (solução de Cu2+ em solução alcalina) e a cor violeta resultante da complexação dos
iões cobre pelas ligações peptídicas foi determinado a 560 nm. Para se aferir a existência de
polissacarídeos/açúcares recorreu-se ao método dos açúcares totais utilizando o método do
fenol a 5% e ácido sulfúrico concentrado, e a cor desenvolvida resultante da desidratação
dos açúcares e posterior condensação com o fenol foi determinada a 490 nm.
Inicialmente foi efectuada uma triagem, pelo método de biureto e açúcares totais, para se
detectar a existência de matéria orgânica nas amostras e identificar a sua natureza. Nesta
triagem, foi feita a comparação entre a amostra de referência e a amostra do ninho de São
Dinis. Nesta fase as análises colorimétricas foram feitas em duplicado, tal como pode ser
observado nos resultados expostos na Tabela 2.
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Branco
(água ultra
pura)
Método de
biureto
Método dos
açúcares totais
Absorvância
molecular
Referência (Argila)
São Dinis
0,156
0,174
0,176
0,127
0,138
0,220
0,340
0,580
1,366
1,142
Tabela 2: Absorvâncias da amostra de referência e da amostra de ninho de São Dinis pelos métodos
de biureto e dos açúcares totais (10 minutos de ultra-sons)
Através do método de biureto, Tabela 2, as absorvâncias das amostras de referência (argila)
e do ninho de São Dinis são da mesma ordem de grandeza à absorvância do branco, o que
indica a inexistência, ou pouca abundância, de matéria orgânica de origem proteica nas
amostras de material em estudo.
Por sua vez, através do método dos açúcares totais, as absorvâncias das amostras de
referência (argila) e do ninho de São Dinis apresentam valores superiores ao branco e tal
como se pode observar na Tabela 2. Este dado é revelador da existência de polímeros do
tipo polissacarídeos/açúcares no material em estudo. Observa-se também que no mesmo
método o valor das absorvâncias da amostra de ninho de São Dinis é significativamente
superior ao valor da amostra de referência (argila) mostrando então que o material do ninho
tem um teor de polímeros do tipo polissacarídeos/açúcares significativamente superior ao do
material de referência (argila). Os resultados apresentados na Tabela 2 também indicam
que não ocorreu um desvio no processo de ensaio.
Procedeu-se a uma análise colorimétrica do método dos açúcares totais mais exaustiva que
contemplou séries de 5, 30, 60 e 90 minutos de ultra-sons de modo a observar a ocorrência
de cinética de extracção em todas as amostras. Os resultados desta análise estão
apresentados na Tabela 3 e reforçam a conclusão de que a andorinha-dos-beirais parece
adicionar polissacarídeos/açúcares ao material do ninho aquando da sua construção e
atendendo a que os valores das absorvâncias obtidas através deste método em todas as
amostras de ninho ensaiadas são superiores ao respectivo valor obtido na amostra de
referência (argila). Estes resultados também mostram que à medida que aumenta a duração
da realização deste ensaio também aumenta o valor da absorvância e é mais significativa a
diferença deste valor entre amostras de referência e de ninho.
Amostra
1
2
3
4
Ultrasons
(minutos)
5
30
60
90
Referência
(Argila)
Mateus
São
Dinis
Noura
Branco
0,238
0,288
0,326
0,392
0,459
0,525
0,687
0,702
0,973
1,199
1,521
1,812
0,291
0,370
0,390
0,427
0,220
Tabela3: Absorvâncias da amostra de referência (argila) e das amostras de ninho obtidas
pelo método dos açúcares totais
5. CONCLUSÕES
Este trabalho permitiu concluir que o material usado pela andorinha-dos-beirais na
construção do ninho é do tipo argiloso.
Através da análise colorimétrica concluiu-se que não existe matéria orgânica do tipo
proteica, ou que este ocorre em pouca abundância no material destes ninhos. Contudo, e
muito importante, esta análise também permitiu concluir que existe matéria orgânica do tipo
polissacarídeos/açúcares neste material. Este componente pode ser incorporado pela
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andorinha-dos-beirais no material do ninho durante o seu processo de construção e poderá
funcionar como um ligante natural.
A identificação deste polímero, e a verificação da melhoria das qualidades do material
induzida por este componente, são tarefas complexas e morosas e requererão trabalho de
investigação adicional.
6. BIBLIOGRAFIA
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TURNER, Angela K, ROSE, Chrisl, Swallows & Martins: an identification guide and handbook .
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Bruno Silva: Aluno do Mestrado de Engenharia Civil da UTAD. C.e.: bruno_silva06@hotmail.com,
Fernando Nunes: Professor Auxiliar, da ECVA, do Departamento de Química, da UTAD. C.e.:
fnunes@utad.pt
Amândio Pinto: Professor Auxiliar, da ECT, do Departamento de Engenharias ,da UTAD. C.e.:
yrache@utad.pt
Pedro Tavares: Professor Associado, da ECVA, do Departamento de Química, da UTAD. C.e.:
ptavares@utad.pt
Humberto Varum: Professor Auxiliar, do Departamento de Engenharia Civil, da UA. C.e.: hvarum@ua.pt
Jorge Pinto: Professor Auxiliar, da ECT, do Departamento de Engenharias ,da UTAD. C.e.: tiago@utad.pt