Artigos
Breno Cypriano
Universidade Federal de Minas Gerais
Construções do pensamento
feminista latino
-americano
latino-americano
Resumo
Resumo: Discutir sobre um projeto teórico feminista a partir da América Latina requer que se
exponha uma série de discussões que envolvem tanto considerações pós-colonialistas como
pós-estruturalistas. Destarte, este artigo procura mirar-se sobre a teorização produzida a partir
do “Terceiro Mundo”, de um país (ou um conjunto de países) do Sul global, o que abriria potencial
espaço para a interlocução com a produção no campo mainstream do conhecimento político,
como também com as várias perspectivas inclusas no que se pode designar como uma “teoria
política feminista” ocidental.
Palavras-chave
alavras-chave: teoria política feminista; América Latina; perspectiva; Terceiro Mundo.
Copyright 2013 by Revista
Estudos Feministas.
1
MMM, 2009.
2
As primeiras experiências de
transnacionalização do feminismo
ocorreram junto à realização das
conferências internacionais sobre
as mulheres, sediadas na Cidade
do México (1975), Copenhagen
(1980), Nairóbi (1985) e Pequim
(1995), e outras conferências
importantes como a do Rio de
Janeiro (1992), Viena (1993) e
Cairo (1994), onde foram contempladas discussões e debates,
como também a formação de
alianças, entre diversos atores –
organizações internacionais,
atores governamentais e não
governamentais e entidades da
sociedade civil –, para a definição
e implementação de uma plataforma de ações indispensáveis
para o avanço, empoderamento
e efetivação de direitos para as
mulheres no mundo. Sonia
ALVAREZ, 2003, também chama
a atenção para a importância de
“Contra a política neoliberal, são as mulheres da
Marcha Mundial” – esse foi um dos lemas do bloco das
feministas, que com o seu batuque animou a caminhada
pelas ruas do centro de Porto Alegre na passeata de abertura
do Fórum Social Mundial, em 2005. Mulheres de diferentes
classes, cores, raças, etnias, orientações sexuais, faixas
etárias e nacionalidades compuseram esse bloco,
demonstrando a ampla variedade de articulações, sejam
elas locais, nacionais e/ou internacionais, como ainda a
prática e execução das reais possibilidades para a
formatação de redes feministas. O exemplo aqui evocado,
da Marcha Mundial de Mulheres, esclarece como se pleiteia
a legitimidade organizacional de mulheres que se alinham
a uma agenda radical anticapitalista e antipatriarcal,
fazendo com que uma rede de seis mil grupos de 159 países
e territórios faça parte de um movimento global.1 A partir de
tal evento é possível estabelecer certos padrões do que
hoje é conhecido como feminismo transnacional:2 um
movimento atento às interseções entre nacionalidade, raça,
gênero, sexualidade e exploração econômica numa escala
mundial, em decorrência principalmente da emergência
do capitalismo global; um movimento autointitulado
“altermundialista”,3 por sua luta de cunho internacional
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 424, janeiro-abril/2013
11
BRENO CYPRIANO
encontros regionais na formação
de redes de militância ocorridos
nas décadas de 80 e 90. Neuma
AGUIAR,2009, aponta que as práticas e discursos antes desses
eventos eram exclusivamente
locais e que, a partir daí, possibilitou-se o acesso e troca de experiências entre diferentes culturas,
através especialmente da conformação de redes e de ONGs.
3
“Altermundialista” refere-se ao
principal lema dos Fóruns Sociais
Mundiais: “Um outro mundo é
possível”.
4
Virginia VARGAS, 2003.
ALVAREZ, 1990, p. 5, tradução
nossa.
5
6
SAMPAOLESI, 1992, p. 14,
tradução nossa.
7
Agradeço a valorosa orientação
da professora Marlise Matos, as
contribuições e sugestões dos
professores Cicero Araújo e
Fernando Filgueiras. Parte destas
considerações está presente em
um dos capítulos da dissertação
de mestrado em Ciência Política
sobre algumas das contribuições
feministas ao conhecimento
político.
12
contra o neoliberalismo e pela busca por justiça social.
Porém, alguns desacordos relativos ao possível reducionismo
econômico da luta contra a globalização – pensada quase
exclusivamente por sua estrutura opressiva econômica
capitalista – permearam essas articulações políticas,
criando novas demandas por questões relativas ao
reconhecimento de diferenças nesses espaços.4
A partir dessas novas experiências do ativismo político
e social do feminismo discutir-se-á como o redimensionamento da política nos planos nacional e internacional se
refletiu na academia latino-americana, gerando preocupações sobre as novas (ou as fragmentadas) fronteiras
geográficas que foram refletidas nas atividades de
teorização. Deverá ser enfatizado, na discussão que se
segue, como os propósitos políticos se sobressaíram num
cenário político global permeado por desigualdades,
implicando uma busca por teorias da justiça social que
deem conta de responder às questões que incitam a
discussão sobre estas mesmas desigualdades, sejam elas
locais, regionais ou globais. Na América Latina, foi em meio
a condições de profunda subordinação patriarcal que o
feminismo latino-americano, mesmo que restrito no seu
começo, eclodiu através de movimentos de reivindicação
e conscientização feminina, seja na forma dos partidos, nas
organizações políticas, em periódicos, nos centros de estudo
e nas organizações não-governamentais, tentando superar
e questionar a condição política, cultural, religiosa e
econômica vigente, já que a América Latina seria, segundo
Sonia Alvarez, “[...] uma região onde o machismo é
sancionado pelo Estado e santificado pela Igreja Católica”.5
Desse modo, a movimentação política em torno dos ideais
feministas e de gênero possibilitaram a luta por justiça social,
como é apresentado por Ana Sampaolesi:
Reivindicar a hierarquia da luta por justiça de gênero
implica para o feminismo um desafio, por sua vez,
político e teórico. Levaria a nos colocar deliberadamente no campo do político como sujeitos portadores
de sentido e criadores de novos significados à
concepção geral da justiça social. Ele constitui em si
mesmo uma possibilidade a mais de gravitar naqueles
aspectos relacionados com os valores, as imagens e
crenças que são geradas e consolidadas dentro de
uma comunidade.6
Assim, este artigo7 procura emaranhar essas diretivas
num projeto crítico que vislumbraria a efetiva consolidação
acadêmica e a centralidade teórica que se considera ser
devida à perspectiva latino-americana e feminista. Para
tanto, caberia elencar, desde já, uma série de perguntas: o
que poderia significar um projeto latino-americano de teoria
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO
8
Chandra MOHANTY, 1984.
9
Cicero ARAUJO e Javier
AMADEO, 2009, p. 11.
10
ARAUJO e AMADEO, 2009.
ARAUJO e AMADEO, 2009, p.
12.
11
12
13
Alejandra CIRIZA, 2009, p. 244.
Marlise MATOS, 2008, 2009a,
2009b, 2010.
política? A partir do lugar do subalterno – do latino, da mulher,
do indígena, do negro, dos cidadãos e cidadãs do
considerado “Terceiro Mundo”8 etc. –, o que significaria a
construção de um modelo teórico universal? Quais são as
contribuições da “teoria política feminista” ocidental para
a reflexão sobre a América Latina? O que é o feminismo e a
justiça social a partir desse projeto? Ainda não é possível
saber se todas essas perguntas poderão ser respondidas,
porém, sabe-se que os acadêmicos e teóricos latinoamericanos confrontam-se com uma posição aparentemente
paradoxal e rica, já que lhes cabe produzir um saber que
esteja localizado entre o local e o global, entre o particular
e o universal, e a forma como estes se entrelaçam seria uma
grande contribuição para o campo do conhecimento
político.9
Segundo Cicero Araujo e Javier Amadeo,10 houve um
considerável aumento do diálogo entre os latino-americanos
e a produção acadêmica “ocidental”, provocado pelo
incremento nas “interações além-fronteira”. Porém, como os
autores chamam a atenção, “[...] a manutenção de um
diálogo rico e frutífero depende da interlocução de locutores
dispostos a debater, sem contudo abrir mão de suas
experiências”. Por isso, o papel dos teóricos e teóricas latinoamericanos seria relativamente instigante: pela necessidade
de se teorizar, isto é, descrever, criticar e prescrever sobre a
situação e a conjuntura política, eles aprenderam com as
teorias universais, mas também passaram a criticá-las e
desde então começaram a produzir respostas às suas
próprias inquietações.11 Somando-se a essas considerações,
o ideal feminista no campo do conhecimento pode ser
alcançado a partir da atividade de “[...] falar de nós [que]
permite apelar a uma idealização mínima para mobilizar
as subjetividades individuais em prol de um projeto político
antipatriarcal, anticapitalista, um projeto feminista olhando
para o sul a partir do sul”.12
Ainda, pretende-se apresentar um breve mapeamento
das discussões centrais e disputadas na teoria política
feminista contemporânea, para deter-se numa abordagem
aprofundada sobre o período atual, referente à consolidação
de um momento em que há a confluência da terceira e quarta
ondas, como também da constituição de um terceiro e novo
modelo teórico-analítico. De antemão, é crucial apontar a
centralidade da noção de gênero, como um conceito mais
amplo, que reporia toda a discussão feminista atual e
expandiria as fronteiras da categoria “sexo”. Por isso, cabe
ressaltar a importância da proposta que pretende lançar mão
do conceito de campo de gênero e de um modelo teórico
que seja desta vez crítico-emancipatório.13 Partindo do
modelo tridimensional de Nancy Fraser, as discussões que se
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
13
BRENO CYPRIANO
14
15
FRASER, 2009a[2009].
HABERMAS e DERRIDA, 2003.
YOUNG, 2007, p. 2, tradução
nossa.
16
17
CONWAY e SINGH, 2009.
CONWAY e SINGH, 2009, p. 79,
tradução nossa.
19
FRASER, 2009a[2009].
18
20
21
ANZALDÚA, 1987.
ANZALDÚA, 1987, p. 58-59.
14
dão em torno da justiça social problematizarão os dimensionamentos das justiças mas, para além de Fraser, problematizar-se-á a contextualização da autora sobre o feminismo
diante do processo de globalização, pois, ao enfatizar o
aspecto recente transnacional do movimento feminista, ela
recorre simplesmente ao exemplo da Europa ocidental como
sendo um caso bem-sucedido.14 A autora cairia no mesmo
erro de Habermas e Derrida15 ao situar esse movimento quase
exclusivamente na Europa, já que, segundo Iris Young, “[...]
pode ser argumentado que movimentos no sul global teriam
liderado a criação de uma esfera pública global”.16 E, como
será demonstrado, os movimentos feministas latino-americanos
têm tido um papel protagonista na tessitura e no emaranhamento dessas redes internacionais.
Ainda, para além de Fraser, retomando as críticas de
Janet Conway e Jakeet Singh17 ao modelo teórico da autora,
“[a] ‘história’ em que Fraser situa sua teoria crítica [é] uma
história singular e universal do capitalismo, da modernização
e do gradual cumprimento do Liberalismo. [E por causa disto]
sua teoria crítica se torna uma teoria universal da democracia e da justiça social”.18 De fato, ao problematizar o feminismo contemporâneo, Fraser19 acaba delimitando-o ao feminismo “universal”, “ocidental”, que é o feminismo norteamericano e europeu, o que não contribui tanto para uma
reflexão latino-americana, nem para uma teoria realmente
com alcances universais.
Antes, deve-se resgatar a inspiração de Gloria
Anzaldúa20 para o feminismo do Sul, o feminismo latinoamericano, na sua condição de dubiedade, de suas
inconsequências, buscas, desconstruções e questionamentos
ao mainstream do Norte global, ao malestream da teoria
vigente, americanismo, branqueamento, ocidentalismo e
imperialismo dos feminismos norte-americano e europeu, que
revolucionou na década de 80 os estudos feministas e de
gênero, tanto na literatura, como na concepção estruturalista/
fronteiriça (na geografia territorial e a dos corpos):
Deslenguadas. Somos los del español deficiente. We
are your linguistic nightmare, your linguistic aberration,
your linguistic mestisaje, the subject of your burla.
Because we speak with tongues of fire we are culturally
crucified. Racially, culturally and linguinguistically somos
huérfanos – we speak an orphan tongue [...] I will have
my serpent’s tongue – my woman’s voice, my sexual
voice, my poet’s voice. I will overcome the tradition of
silence.21
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO
Um projeto crítico feminista a partir do
Sul
Discutir sobre um projeto teórico feminista a partir da
América Latina requer que se exponha uma série de
discussões que envolvem tanto considerações póscolonialistas como pós-estruturalistas. Destarte, mirar-se sobre
a teorização produzida a partir do “Terceiro Mundo”, de um
país (ou um conjunto de países) do Sul global, abriria
potencial espaço para a interlocução com a produção no
campo mainstream do conhecimento político, como
também com as várias perspectivas inclusas no que se pode
designar como uma “teoria política feminista” ocidental.
Porém, como nos diz Jane Jaquette, a visão do Sul, em
especial da América Latina, é marginalizada:
JAQUETTE, 1989, p. 1, tradução
nossa.
23
COSTA, 2000.
22
24
Segundo Gildo Marçal
BRANDÃO, 2004[1998], Gabriel
Cohn, em intervenção no
Encontro da ANPOCS, teria
apontando para uma situação
semelhante no caso das ciências
sociais brasileiras: o teorizar
caberia aos norte-americanos e
europeus e o trabalho empírico
ao resto do mundo, como o Brasil,
neste acaso.
25
COSTA, 2000, p. 46.
As feministas norte-americanas estão cada vez mais
conscientes do trabalho das feministas canadenses e
europeias, especialmente escritoras francesas e
britânicas, mas elas ainda tendem a ver as mulheres
do Terceiro Mundo como vítimas da opressão e não
como criadoras da teoria feminista ou como agentes
de mudança.22
Com isso, Cláudia Lima Costa,23 ao expor questionamentos acerca das rotas pelas quais conceitos e teorias do
feminismo viajam nas Américas, bem como das formas como
estes são traduzidos nesses contextos geográficos e históricos,
explora o conceito de “tradução cultural”, oriundo dos estudos
pós-coloniais e da antropologia para se referir a um processo
pelo qual estaria fortemente imbricada uma profunda
assimetria de poder entre povos, culturas e linguagens. Desse
modo, denunciam-se, por exemplo, as trocas desiguais entre
as periferias e centros metropolitanos, já que aos centros
caberia a produção teórica e à periferia a atividade restrita
de estudos de caso.24 Além disso, percebe-se que, cada vez
mais, o “tráfego internacional de conceitos” tem enfraquecido
substancialmente as relações entre as teorias e os lugares,
bem como subvertido a autenticidade e a ordem, já que em
consequência dos processos de transnacionalização e
transmigração, segundo Cláudia Costa, haveria risco elevado
de despolitização dessas teorias e conceitos:
Devido à intensa transmigração dos conceitos e valores
nas viagens dos textos e das teorias, frequentemente
um conceito com um potencial de ruptura politica e
epistemológica e num determinado contexto,
quando transladado a outro, despolitiza-se.25
O que se quer aqui é emitir um primeiro sinal de alerta:
este trabalho de análise e de “tradução” no campo relativo
ao conhecimento político é quasi-antropológico, pois retrata
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
15
BRENO CYPRIANO
26
MOHANTY, 1984, 2003; Homi
BHABHA, 1994.
27
Donna HARAWAY, 2008[1988].
Gayatri SPIVAK, 1985, 1994[1989],
2006[1987].
29
Adrienne RICH, 1986; MOHANTY,
1998[1992].
30
Joan SCOTT, 1992[1991].
28
31
MOHANTY, 1984.
16
a necessidade de se problematizar teoricamente primeiro o
devir do produtor do conhecimento para depois o dever ser
e o vir a ser das reflexões normativas no campo do
conhecimento. Para se evitar as reposições das próprias
estruturas de desigualdade, desta feita no âmbito da
academia, como uma analogia à distinção freyriana entre
a Casa Grande e a Senzala a partir de um renovado fluxo
transnacional, é necessário rediscutir as novas cartografias,
bem como os redimensionamentos econômicos, políticos,
culturais, libidinais, geográficos etc. Para se evitar que a
teoria seja somente um signo do Ocidente26 e, dessa forma,
reestabelecendo aqui o vínculo do Ocidente como o
opressor colonial, torna-se necessário e urgente que se
problematize o posicionamento imperialista nas teorias
feministas e no campo do conhecimento político e, para
isso, faz-se necessário explorar formas e mecanismos que
possibilitem o “conhecimento situado”,27 a “possibilidade
de um subalterno falar”,28 as “políticas de interpretação”29 e
a própria ênfase na “experiência”,30 ainda que nem todas
as teóricas feministas aqui apresentadas e que tratem dessa
discussão tenham origem nos países do Sul.
Em primeiro lugar destaca-se que, invariavelmente,
colonização é um conceito que tem sido utilizado para
referir-se a uma dominação estrutural que, reconhece-se,
suprimiria a heterogeneidade dos sujeitos em questão.
Segundo Mohanty,31 haveria três variações relevantes deste
conceito: i) a marxista, que denuncia a exploração
econômica; ii) a discussão realizada pelas feministas
negras, que denunciam a forma pela qual suas experiências
e lutas foram apropriadas pelos movimentos de mulheres
brancas; e iii) as reivindicações do “Terceiro Mundo”, que
buscam caracterizar e questionar o que é evidenciado na
produção de um discurso cultural ocidental e colonialista
sobre o que é chamado “Terceiro Mundo”: principalmente,
as hierarquias políticas e econômicas.
Diante disso, o foco da análise de Chandra Mohanty
é o que ficou conhecido e delimitado “sob os olhos do
Ocidente” como uma específica interpretação do que seja a
“mulher do Terceiro Mundo”, especialmente na produção
ocidental – norte-americana e europeia – feminista. Assim,
procurou-se evidenciar quais seriam os tipos de apropriação
e de codificação do conhecimento sobre a “mulher do Terceiro
Mundo” produzidas e articuladas pelos Estados Unidos e pela
Europa Ocidental. Em sua análise, então, Mohanty expõe a
diferenciação entre os conceitos “mulher” e “mulheres”: o
primeiro relativo ao “outro” ideológico e cultural, que seria
construído discursivamente, enquanto o segundo conceito
referir-se-ia aos sujeitos reais. A partir disso, argumenta a
autora, uma análise pós-colonial feminista deveria denunciar
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO
32
HARAWAY, 2008[1988].
33
HARAWAY, 2008[1988], p. 346,
tradução nossa.
34
SPIVAK, 1994[1989], p. 198.
35
SPIVAK, 2006[1987].
36
RICH, 1986.
e desconstruir o que foi constituído a partir da noção de
“mulher do Terceiro Mundo”, já que as feministas ocidentais –
denuncia e critica a autora –, arbitrariamente, as
“colonizaram”, negando-lhes a efetiva heterogeneidade e
materialidade, bem como, erroneamente, assumiram através
das agendas do movimento um discurso universalista que
supostamente incluiria “todas as mulheres”. Esse tipo de
procedimento, recorrente no feminismo acadêmico ocidental,
homogeneíza e sistematiza/banaliza também a opressão das
mulheres.
É certo que em todos os conhecimentos e em suas
expressões científicas nenhuma perspectiva de dentro é
privilegiada, já que, de acordo com Haraway,32 haveria na
dinâmica “dentro e fora de fronteiras” do conhecimento
teorizações feitas de acordo com os respectivos fluxos de
poder. Isso quer dizer que, no “jogo do conhecimento”, a
poderosa arte da retórica é imprescindível para uma
disputa, já que “[...] todo conhecimento é uma conexão
condensada em um campo de poder agonístico [...]”.33 Logo,
a partir dessas perspectivas, os conhecimentos “situados” e
“corporificados” deveriam ser retratados diante das diversas
formas de conhecimento não situados e, consequentemente,
irresponsáveis.
Contra essas formas claras de colonização e de
produção de um tipo de conhecimento irresponsável, Gayatri
Spivak nos apresenta outra estratégia:
[...] falar “de dentro” das narrativas emancipatórias
dominantes, mesmo quando se distanciar destas. Ela
deve se negar resolutamente a oferecer fantasmáticas
contranarrativas nativistas hegemônicas, que
implicitamente respeitam o regulamento histórico de
quem tem “permissão para narrar”.34
Como, para a autora, a relação entre teoria e representação é sempre conturbada, constata-se que nenhuma teoria
realmente representa, já que ela não poderia falar pelos
grupos subalternos.35 A saída para os grupos oprimidos e
subalternos seria, então, conquistar o poder cultural ou étnico
por meio da reivindicação do conhecimento, incidindo em
críticas à cultura política dominante e buscando refazer
completamente as relações de poder – e não repô-las ao
conquistar poder. A “possibilidade de um subalterno falar”
se referiria à possibilidade dada a uma complexa situação
política e estratégica numa dada sociedade.
Se falar a partir de uma posição ou perspectiva é
uma situação política e estratégica, então, deve-se somar
ainda a ideia de “política da localização” proposta por
Adrienne Rich,36 que ressalta o aspecto da localização da
autora/autor, da sua participação em algum mainstream,
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
17
BRENO CYPRIANO
37
MOHANTY, 1998[1992].
38
MOHANTY, 1998[1992], p. 269,
tradução nossa.
39
SCOTT, 1992[1991].
40
Diana MAFFIA, 2004, p. 173,
tradução nossa.
18
localizando-se no ato de teorizar, identificando quais seriam
os seus próprios pontos de partida no “aqui” e no “agora”.
De forma muito similar, Mohanty37 se propõe a problematizar
a “política da experiência”, já que, segundo ela, os textos
feministas devem ter e valorizar a autoconsciência da sua
própria produção em relação às noções de “experiência” e
“diferença”. A experiência, entendida como uma noção que
pode rearticular a prática política e de conhecimento
feminista na produção de diferentes referências e
significados, define-se como um método “[...] que deve ser
historicamente interpretado e teorizado se é para se tornar a
base para a solidariedade e luta feminista e seria, neste
momento, que uma compreensão da política da
localização prova ser crucial”.38
A partir da “multiplicação dos sujeitos do conhecimento”, a ortodoxia do saber passou a ser confrontada pela
legitimação e autorização da experiência – principalmente
a experiência direta dos “Outros”. De tal forma, Joan Scott39
informa como a evidência da experiência torna-se central
para a construção de uma noção de múltiplos sujeitos, pois,
desestabilizando as premissas ideológicas e as categorias
de representação, perceber-se-ia a existência do “outro”,
possibilitando a discussão acerca de sua construção. Seria
importante notar que os indivíduos não têm experiência;
quem a têm são os sujeitos que são construídos por e através
delas. Logo, a evidência da experiência possibilitaria
explicar a própria produção do conhecimento através da
prática de interpretação. No caso da América Latina, seria
crucial lançar mão da evidência e interpretação da
experiência para incluir numa análise uma série de eventos
e situações vivenciados pelos seus cidadãos e cidadãs,:
Na América Latina deveríamos agregar ditaduras,
desaparecidos, paramilitares, guerrilhas, genocídios,
fome, desemprego, desesperança. E as mulheres
deveriam agregar ainda a feminização da pobreza,
violência, abortos clandestinos, violações, prostituição
e assassinatos impunes.40
As perspectivas e as condições da subalternidade
latino-americana, através da busca por teorizar a
“experiência”, o “conhecimento situado” e a “localização”,
como também ao questionarem estruturas e conceitos
previamente e “racionalmente” definidos por um projeto
moderno ocidental, no entendimento e interpretação aqui
defendidos, buscariam se articular hoje como projetos
epistemológicos alternativos, repensando (e negando
algumas vezes) o diálogo com o Norte global e recuperando
ou criando novos e outros diálogos a partir do Sul global. A
proposta de uma “epistemologia do Sul” feita por Boaventura
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO
41
SANTOS, 2008.
42
MATOS, 2008.
43
MATOS, 2008, p. 352, itálicos
da autora.
44
MATOS, 2010.
45
MATOS, 2010, p. 10.
de Souza Santos41 procura repensar o conhecimento produzido pelo Norte e traduzido pelo Sul através da “experiência
do contato” – que é uma experiência de limites e fronteiras.
Então, rever a tradução e a “representação” do Norte significaria produzir conhecimentos próprios e diferentes daqueles
que foram fornecidos pelo mainstream ocidental, moderno,
cartesiano etc.
Enfim, resgatando todos os possíveis instrumentais
epistêmicos supracitados, poder-se-ia dizer que o papel ativo
do feminismo na construção de espaços de interlocução
acadêmica acabou por instituir um novo campo do
conhecimento, enraizado na experiência latino-americana,
no Brasil principalmente, que tem como carro-chefe o próprio
pensamento feminista: o campo de gênero.42 Ao discutir esse
conceito e a dinâmica desse campo, Marlise Matos coloca
que,
Numa proposta de conhecimento, de ciência em
que o que se valoriza é o modo de pensar e as suas
consequências e não a descrição do mundo, que
não vê o conhecimento como uma representação
neutra do mundo ontológico externo, é que poderia
estar inserida a proposta de ação de um novo campo
de gênero e feminista. Ou seja: sabendo e
reconhecendo que o conhecimento (científico) é
capaz de intervir e agir sobre o mundo, que ele possui
consequências sobre o mundo, que ele é ação sobre
o mundo, é que proponho a sustentação teórica,
epistemológica e política do campo de gênero e
feminista como sendo da ordem de um universal
histórico e contingente que opera dinâmica e
paradoxalmente na busca constante e responsável
de um devir gênero que por sua vez se desdobra na
afirmação radicalizada de um devir ciência.43
Procura-se, portanto, chamar a atenção para a
atividade de teorização que se atrelaria à produção de um
conhecimento propriamente latino-americano. O papel do
feminismo aqui é protagonista na medida em que se
vislumbra a necessidade de reposição de cânones e
tradições ocidentais. Segundo a mesma autora,44 esse papel
dar-se-ia através de uma “epistemologia da transgressão
emancipatória”, pois, “[...] ainda que sem um ponto de
chegada definitivo, ressalto a necessidade do mesmo ponto
de partida: a clarificação normativa e crítico-reflexiva em
relação aos próprios pressupostos históricos, aqueles da
cultura da qual se fala, da qual se enuncia e se interpela”.45
Por sua vez, as metas e objetivos desse projeto seriam
cumpridos através da seguinte dinâmica exposta pela
autora:
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
19
BRENO CYPRIANO
46
MATOS, 2010, p. 10.
Donna Maureen CHOVANEC,
2000
47
48
Céli Regina PINTO, 1994, p. 196.
Assim todas as regras passam a estar constantemente
em estado de suspeição e questionamento com vistas
à produção da justiça e da emancipação sociais, já
que neste mundo interconectado globalmente,
visceralmente habitado por multiculturas que já
perderam em definitivo a condição de inocência
antevista na possibilidade de isolamento, tudo aquilo
que concernir ao conhecimento e ao direito, por
exemplo, das mulheres e dos gêneros, estará
permanentemente aberto ao debate público e
internacional (e, desta forma, contra todos os
pressupostos e justificações fundamentalistas, sejam
estes de quais estatutos forem).46
A partir disso, pensar do ponto de vista e da perspectiva da América Latina em um projeto teórico político feminista
e de gênero conforma-se com a necessidade de se formatar
uma outra “teoria política feminista” (que ainda permanece
entre aspas), visto que a experiência vivida pelo movimento
feminista latino-americano reflete-se em um processo
complexo de interseções que se deu a partir de um conjunto
diferenciado de opressões, pois combina o colonialismo
francês, espanhol e português, com os governos ditatoriais
e populistas, com dinâmicas específicas da globalização
econômica, cultural e política. A América Latina seria um
dos lugares de nosso planeta, bem como a Ásia e a África,
onde as desigualdades se manifestam de modo muito
acirrado e específico, por isso a indiscutível necessidade
de novas teorias e enquadramentos que falem, a partir de
uma dimensão totalmente localizada, da justiça social –
uma importante demanda coletiva. 47 Dessa forma,
problematizar “o” político e “a” política a partir deste
continente pode ser retraçado a partir da própria experiência
dos movimentos feministas e de mulheres, quando estes
travam seus frequentes embates contra o Estado e também
quando começam a lutar e disputar pela presença na esfera
política, pois este foi um lugar onde as mulheres estavam
forjadas na militância
[...] de movimentos clandestinos, torturadas
sexualmente nas prisões da ditadura; na luta pela
anistia; nos movimentos contra a violência do estado
contra o corpo da mulher, principalmente da mulher
pobre esterilizada pela democracia; contra a pobreza;
a favor da mulher sem terra.48
De acordo com Jane Jaquette,
Essas experiências ofereceram à teoria feminista latinoamericana um ponto de vantagem único para se
analisar os limites entre público e privado, para debater
como os grupos de mulheres podem “fazer política”
no intuito de provocar uma mudança social no
20
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO
JAQUETTE, 1989, p. 6, tradução
nossa.
49
50
SANTOS, 2008, p. 16.
51
SANTOS, 2008, p. 14.
contexto democrático e para reestruturar as imagens
políticas e mesmo a própria linguagem da política.49
Repensar a dinâmica que envolve as lutas por justiça
social requer que se rediscuta a agenda feminista nos
processos de (re)democratização. Diante disso, confluindo
a práxis com uma “epistemologia feminista do Sul”, visa-se,
pois, estimular a aposta na possibilidade de se construir
uma “nova cultura política” baseada, conforme define
Santos, numa “racionalidade mais ampla e mais
cosmopolita que a racionalidade moderna ocidental”;50 ou
mesmo uma nova cultura política que “[...] permita voltar a
pensar e a querer a transformação social e emancipatória,
ou seja, o conjunto dos processos econômicos, sociais,
políticos e culturais que tenham por objetivo transformar as
relações de poder desigual em relações de autoridade
partilhada”.51 Estaria na base dessa reconstrução política a
retomada radicalizada da própria democracia, onde
gênero e feminismo assumem, através das contribuições do
feminismo acadêmico contemporâneo, uma perspectiva
singular; pois sua reconstrução e ressignificação poderiam
fomentar o reconstruir mais original dessas novas bases para
uma outra forma de interação democrática – um outro devir
democracia, na constante busca por concepções ônticas
e ontológicas do que é “a” política e “o” político.
A práxis e a noção do que é “a” política
e “o” político a partir do Sul
52
JAQUETTE, 1989; ALVAREZ,
2000[1998]; Sueli CARNEIRO,
2006.
53
ALVAREZ, 2000[1998], p. 386.
Para discutir a questão relativa à experiência do
movimento feminista latino-americano e como os conceitos
foram sendo (re)pensados, caberia apresentar aqui algumas
dos passos históricos que confluíram para essa construção,
resgatando as principais ondas do movimento feminista na
América Latina. O intuito é o de apontar a disputa entre
feministas “políticas” e “autônomas” e, por último, apresentar
os novos desafios colocados diante da globalização e da
transnacionalização do feminismo, a partir das contribuições
deste continente. Toma-se aqui, principalmente, o feminismo
brasileiro como base e referência para algumas das
discussões sobre “a” política e “o” político, como também a
sua própria história, pois, segundo entende parte significativa
da literatura que trata desse percurso, este seria o movimento
mais bem-sucedido da América Latina.52
O feminismo deve ser entendido “[...] como um campo
de ação expansivo, policêntrico e heterogêneo que abarca
uma vasta variedade de arenas culturais, sociais e
políticas”.53
Ademais, é importante lembrar que o ativismo feminista
conflui com a “redescoberta do político” pelos movimentos
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
21
BRENO CYPRIANO
54
A atuação de movimento e a
formatação de agendas dos movimentos feministas são compreendidas por algumas autoras a partir
de duas fases (ou ondas) distintas,
como nos diz Susan Besse,
1999[1996]: a primeira “onda” é
relativa ao feminismo sufragista e
“bem comportado”, na qual os esforços feministas questionavam a
legislação até então vigente e
buscavam a inserção da mulher
na política e, com isso, a efetivação
da cidadania feminina; e a segunda “onda”, conhecida pelo feminismo radical, compreende os movimentos nas décadas de 70 e 80,
quando se retomam as críticas
ainda não realizadas pela primeira
onda, incorporando ao discurso do
movimento demandas vinculadas
ao quadro geral da opressão sofrida pelas mulheres e o reconhecimento das diferenças sexuais na
cena pública. A segunda onda
centrou sua luta em assuntos de
particular interesse das mulheres,
como a violência doméstica, as
creches, os direitos sexuais e os
direitos reprodutivos (ALVAREZ,
2000[1998]). Em confluência com
a segunda onda, a inserção das
mulheres no âmbito da masculina
academia, assim como a emergência da teoria feminista nesse
espaço, retomou os pontos centrais da agenda do ativismo feminista que denunciava a opressão
das mulheres. Acrescentam-se
ainda às duas ondas uma fase de
tentativas de reforma nas instituições democráticas, no próprio
Estado, como também a busca
pela reformatação dos espaços
públicos, pela qual se sobressaem
as divergências intragêneros – o
que é nomeado de “feminismo
difuso” por Céli PINTO, 2003 –,
além da proposta de uma fase
mais recente, “quarta onda”
(MATOS, 2010; Solange SIMÕES e
Marlise MATOS, 2008), na qual o
movimento consegue se institucionalizar, adentrando os espaços estatais e garantindo a formulação
de políticas públicas com o enfoque de gênero.
55
AGUIAR, 2009, s/n.
56
Verônica SCHILD, 2000[1998].
57
ALVAREZ, 2000[1998].
22
sociais através de uma esfera própria potencialmente
pluralista que, por sua vez, reavalia e procura repor a
democracia liberal. As diferentes formas de Estados,
compreendidos como um conjunto de instituições políticas e
práticas com consequências poderosas, induzem diferentes
significados na vida dos cidadãos e cidadãs, isto é, a América
Latina, especialmente a partir de seus Estados autoritários e
de seus Estados dependentes, o que produziu reações no
âmbito da sociedade civil distintas de outros países que
possuíam/em Estados previdenciários, democráticos ou de
bem-estar.
Ao se analisarem as “ondas” do feminismo na América
Latina procurou-se demonstrar as distintas formas de ação e
as diferenciadas dinâmicas desse movimento e de suas
agendas (e não seria somente uma questão de agenda –
já que se entende ela própria como sendo bastante fluida).54
No decorrer dessas ondas, pôde-se constatar que,
definitivamente, o feminismo se pluralizou, abrindo espaço
para a atuação em diversos âmbitos: militantes partidárias,
mulheres negras, intelectuais, militares clandestinas, “mães”,
líderes de movimentos populares, diretoras e servidoras de
órgãos governamentais, até teólogas. De acordo com
Neuma Aguiar, a experiência que tem sido vivenciada pelo
feminismo, pelo menos nas últimas duas décadas, o nutre
com o “[...] contato internacional e intercâmbio [pois oferece]
a oportunidade de acesso a diferentes formas de
comportamento que são distintos daqueles determinados
no âmbito da própria cultura”, além do que também “[...]
objetivam alcançar uma série de objetivos feministas, em
lugar de buscar atingir um único propósito”.55 As redes
feministas aqui então configuradas envolvem o trabalho de
organizações não-governamentais e de base, bem como
estão engajadas na produção do conhecimento.56 Segundo
Alvarez,57 os processos de Beijing (1995) fizeram com que se
deflagrasse no continente: i) a circulação dos discursos
feministas e a multiplicação dos espaços e lugares de
atuação; ii) a absorção de elementos das agendas e
discursos feministas por algumas instituições culturais
dominantes, organizações paralelas da sociedade civil,
política e Estado, além do establishment internacional do
desenvolvimento; iii) a ONGuização, especialização e
profissionalização de alguns setores do movimento; iv) a
articulação e formação de redes; e v) a transnacionalização
dos discursos e práticas do movimento feminista.
Vinculando-se um conjunto de questões conceituais
é possível perceber que, a cada onda, emergiria um conflito
ao se abordar “a” política: negando-a por ser “essencialmente” masculina ou, ao contrário, aceitando-a como um
espaço para ser efetivamente explorado e transformado. Há
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO
58
ALVAREZ, 2000[1998], p. 387.
59
HEILBORN e ARRUDA, 1995, p.
20.
60
ALVAREZ, 2000[1998].
61
MATOS, 2010.
62
63
ALVAREZ, 2000[1998], p. 416.
LAMAS, 2000.
também a necessidade de menção às diferenças existentes
entre as feministas que acreditam que a luta das mulheres
deve ser travada dentro do Estado e dos partidos – aquelas
consideradas políticas ou “independentes” – e aquelas que
acreditam na autonomia e que a luta deva se deter
exclusivamente no âmbito do movimento – as “autônomas”.
De forma geral, a “[...] maioria deu as costas para o Estado e
evitou a arena política convencional – considerada então
(com razão) excludente, opressiva, inimiga de todas as
reivindicações de justiça social, sem falar da justiça de
gênero”.58 Por outro lado, importa destacar que o discurso
relativo à necessidade de se adentrar os espaços formais da
política (os “espaços de poder”) poderia possibilitar uma
prática feminista mais integrada, já que as feministas
impactariam e transformariam, de dentro, os discursos e as
práticas político-culturais dominantes. Esse embate remetenos a duas concepções possíveis sobre “o” político discutidas
nos capítulos anteriores: aquele relativo à política cultural
retratada em íntima relação com os movimentos sociais; e o
político com feições schmittianas, representado por um
antagonismo entre inimigos, como parece estar colocado o
debate que envolve a relação entre as feministas autônomas
e o Estado.
O projeto de um “feminismo horizontal” – que se caracteriza para Maria Luiza Heilborn e Ângela Arruda59 na
descentralização e autonomia da cultura feminista diante
de outras agências, implodindo as hierarquias existentes
dentro do próprio movimento, valorizando a participação
direta, o “não-monopólio da palavra, ou informação”, enfim,
se horizontalizando de forma complacente aos princípios
de organização própria da democracia radical – foi, aos
poucos, sendo substituído pela especialização e profissionalização, o que Alvarez60 chama de “ONGuização”, já que
haveria uma dificuldade do feminismo horizontal em realizar
as tarefas de produção de conhecimento especializado.
Por isso, pode-se notar, ao passo de uma nova onda,61 que
A ONGuização e transnacionalização do campo
feminista latino-americano levou um número
crescente de feministas a privilegiar alguns espaços
da política feminista, tais como o Estado e as arenas
políticas internacionais, em relação aos esforços de
transformar as representações predominantes de
gênero, enfatizar as mudanças de consciência e
promover a transformação cultural por meio de
atividades de organização e mobilização das bases
locais.62
A dinâmica atual do movimento feminista, então,
poderia ser traduzida em três formas de presença com êxito
em distintas áreas, como Marta Lamas63 apresenta: i) a
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
23
BRENO CYPRIANO
64
MATOS, 2010.
65
LAMAS, 2000, p. 5, tradução
nossa.
66
SCHILD, 2000[1998], p. 168.
67
SCHILD, 2000[1998], p. 170.
68
ALVAREZ, 2000[1998], p. 416.
69
LAMAS, 2000.
24
profissionalização do movimento, especializando-se em
áreas temáticas, oferecendo suporte para as demandas
políticas (principalmente políticas públicas); ii) a legitimação, tanto acadêmica como política, da perspectiva de
gênero, adentrando em espaços acadêmicos; e iii) a
consolidação do discurso sobre a mulher no âmbito público.
De tal forma, a quarta “onda”, que estaria sendo vivenciada
atualmente pelos movimentos feministas na América Latina
(principalmente os brasileiros), orientar-se-ia, segundo
Matos,64 para a conformação de “circuitos de difusão
feminista” que têm sido operados a partir de distintas
correntes horizontais do feminismo, as quais se orientariam
em direção às diversas arenas paralelas de atuação dos
movimentos no âmbito da sociedade civil, como também a
partir das fronteiras existentes entre a sociedade civil e o
Estado. Esse momento é, sem dúvida, aquele para o qual
Marta Lamas chama a atenção: “[...] muitas feministas já
funcionam mais a partir de realidades políticas do que de
posturas ideologizadas: assumem a dimensão pragmática
da intervenção política e começam a manifestar paixão
por negociar conflitos”.65
Ainda que as conquistas proporcionadas por essas
transformações internas sejam louváveis, algumas contendas tendem ainda a permanecer, visto que, segundo
Verônica Schild, “[...] a integração política de algumas
mulheres está se fazendo às custas da marginalização de
outras. As lutas pela articulação dos direitos das mulheres
dentro do Estado envolvem as mulheres de modo diferente
[...]”.66 Dessa forma, quais seriam as saídas possíveis para
tais problemas – “Quem tem o direito de definir os termos das
lutas das mulheres?”.67 Uma saída possível seria democratizar
as relações de dentro do movimento, visto que,
Embora as muitas mulheres diferentes que transitam
dentro do campo latino-americano ainda ‘se
reconheçam’ mutuamente como tal – mesmo
quando põem em questão a ‘legitimidade ontológica’
da ‘outra’ –, estão se forjando novas hierarquias e
relações de poder dentro desse campo vasto e
complexo e os parâmetros de legitimidade,
interlocução, responsabilidade e representação são
continuamente renegociados e contestados.68
Em geral, poder-se-ia dizer, de acordo com Marta
Lamas 69 – que estabelece como parâmetro de suas
considerações as experiências no âmbito do feminismo
mexicano –, que a dimensão conceitual sobre o político, ou
estaria ligada à concepção de que tudo é político –
estando, assim, vinculada ao exercício do poder –, ou
vinculada estreitamente à ideia de negociação e gestão.
Ao associar-se o poder político com uma ideia da política
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO
70
LAMAS, 2000, p. 5-7.
71
Hannah ARENDT, 2007b [195-?].
72
LAMAS, 2000, p. 7, tradução
nossa.
73
MATOS, 2010, p. 19.
entendida em seu modo tradicional, ligada ao privilégio
masculino, algumas ativistas rejeitaram ou desprezaram as
atividades desenvolvidas nos espaços de gestão ou de
negociação política. E, mesmo ao assumir uma concepção
totalizante em que o “pessoal é político”, a corrente
“autônoma” do feminismo resistiu em se inserir na dinâmica
política nacional. Na medida em que foi sendo aceita a
diferença sexual no trabalho político das organizações, o
movimento percebeu que o seu avanço também passaria
por uma participação maior nas instâncias governamentais
e partidárias.70 Além do mais, nos palcos supranacionais
(encontros, conferências, fóruns), a política foi sendo descaracterizada como “dominação masculina”, e passou-se a
compreendê-la “como liberdade”,71 ou, a partir da chave
em uma grande aposta: a de se pensar a política como
tradução. O que se quer enfatizar é que é perceptível a
passagem da afirmação de um modo antagonístico para
referir-se ao político para o seu entendimento e interpretação
a partir de novas formas de se pensar, agora agonisticamente,
as lutas entre amigos. Segundo Lamas,
[...] este passo, de uma visão da política como prática
masculina, a uma reivindicação da política como algo
próprio e necessário, marca o processo de alguns
grupos feministas que expressam uma crescente
profissionalização da intervenção feminista na vida
pública e corresponde a uma transformação no
imaginário político.72
Permanece, então, a aposta: é a “[...] primeira vez
que se faz possível e até palpável vislumbrar e reconhecer
a ideia do fluxo, do trânsito movimentalista. Quem sabe com
esse outro inovador dinamismo não seja concretizável o
sonho da superação das injustiças que ainda corroem nosso
mundo”.73 Nesse sentido, a percepção da realidade das
diversas interseções do movimento feminista latino-americano com a política direcionaria a procura por modelos
mais complexos e que realmente contemplem essas
necessidades e práticas.
O feminismo latino-americano e as
teorias da justiça: a partir e para além
de Nancy FFraser
raser
74
DI PIETRO, 2006.
A aproximação dos feminismos latino-americanos,
principalmente o acadêmico, refletidos na prática da
tradução, implicou concepções equivocadas de tradução
sobre as lutas políticas por justiça a partir das próprias
experiências feminista latino-americanas. Segundo Pedro
José Di Pietro,74 deve-se chamar a atenção para os limites
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
25
BRENO CYPRIANO
75
Segundo DI PIETRO, 2006, p. 200,
tradução nossa, “[…] as teorizações de Nancy Fraser em torno
da justiça de gênero e a justiça
social tornaram-se a moeda
corrente nos centros acadêmicos/
políticos da América Latina que se
ocupam principalmente de problemáticas ligadas ao Gênero e a
análises de suas relações. Pelo
menos na Argentina, país em que
Fraser visitou mais de um par de
vezes, seus artigos e posições
alcançaram não somente notoriedade mas também um valor
simbólico que coloca como percurso necessário nos Estudos de
Gênero”.
76
PINTO, 2002.
77
PINTO, 2002, p. 88.
78
PINTO, 2002, p. 94-96.
79
FRASER, 2001[1997].
26
da “incorporação” de uma teoria política que busque
respostas para questões específicas de certos países (em
geral, os Estados Unidos e países da Europa Ocidental).
Nesse sentido, haveria necessidade de se superar as
dificuldades de trânsito comumente experimentadas nos
limites e fronteiras geopolíticas e históricas. As contribuições
teóricas de Nancy Fraser para uma discussão teórica
especificamente latino-americana são claras,75 porém
muitos pontos não se encaixam à prática política vivenciada
pelos distintos feminismos da região.
Preocupada com a relação entre a democracia
brasileira e as desigualdades sociais, Céli Pinto,76 por sua vez,
se debruça sobre a discussão da teoria política feminista para
apontar possíveis elementos teóricos que colaborem para um
melhor entendimento dessa problemática. De acordo com a
autora, a contribuição teórica de Nancy Fraser reuniria
elementos que seriam efetivamente fundamentais para se
pensar a realidade brasileira, quais sejam: i) a noção de
públicos e contra-públicos alternativos; e ii) a afirmação
normativa do paradigma da justiça social operando a partir
da chave redistribuição-reconhecimento. Ainda que Pinto
reconheça que “[o] argumento de Fraser é bastante
economicista, pouco admitindo a possibilidade de uma
transformação nas bases econômicas da injustiça a partir de
uma intervenção política”,77 as conclusões de Pinto são
favoráveis ao modelo de Fraser para a compreensão de
dimensões específicas envolvidas no “pensar” e no “agir”
sobre a questão brasileira.
Desse modo, Pinto78 aponta que as relações entre as
contribuições teóricas de Fraser e a realidade brasileira
seriam as seguintes: i) ainda que Fraser79 tenha certas
dúvidas quanto à efetividade das políticas de redistribuição
afirmativa, no Brasil são elas que têm tido, ao menos por
enquanto, os resultados mais positivos; ii) mesmo com a
pluralização dos contra-públicos alternativos, no Brasil eles
não conseguiram alcançar aqueles resultados efetivamente
positivos no sentido da modificação estrutural das condições
de pobreza; iii) os contra-públicos alternativos, por outro
lado, desafiam a noção estática de uma sociedade
organizada e, no caso da complexa sociedade brasileira,
permite, a partir de seu interior, evidenciar a pulverização
de potencialidades organizativas; e iv) para avançar na
questão sobre as desigualdades sociais, a existência de
um público forte representacional que é o parlamento, com
múltiplos outros públicos fortes participativos, também com
poder de decisão, permitiria reflexões sobre os possíveis
instrumentos democráticos capazes de colaborar na
construção de uma saída para os problema graves das
desigualdades sociais do país.
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO
80
81
DI PIETRO, 2006.
DI PIETRO, 2006, p. 183,
tradução nossa.
82
VARGAS, 2003, 2008.
83
FRASER, 2001[1997].
Já para Di Pietro,80 mesmo que Fraser procure no
conceito de paridade participativa”, por um lado, satisfazer
a necessidade de se lidar com conflitos e diferenças intra e
inter-públicos, por outro, a sua abrangência conceitual
reduziria a existência das perspectivas sociais, das intenções,
como também das práticas públicas por adotar uma noção
restrita de “público”. Outra crítica do autor endereçada a
Fraser se baseia nos pressupostos da realidade comunicacional como propostos pela autora, já que estes não seriam
explicativos o suficiente para se compreender a fundo todas
as vertentes do poder que o atravessam. Dessa forma, a
interpretação do horizonte de protestos pelo Movimento LGTTBI
na Argentina demonstraria que o modelo teórico de Nancy
Fraser desvaloriza uma importante dimensão da prática e da
efervescência dos discursos e sugestões que se apresentam
como públicos e que redefiniriam, por sua vez, os limites e o
significado de público. O modelo da autora também seria
limitado por não perceber que as diferenças identitárias e
entre os grupos sociais nem sempre são inevitáveis nem
irreconciliáveis, o que debilita a possibilidade da afirmação
de uma possível veia emancipatória que estaria contida na
ideia de “contra-públicos” – “[...] se é que esta se entende no
marco da necessidade de fazer espaço para múltiplas vozes
e intervenções e inclusão de múltiplos projetos dentro de uma
ou diferenciadas esferas de ação e comunicação”.81
Virgínia Vargas82 procurou retraduzir o paradigma
bidimensional da justiça de Nancy Fraser83 numa discussão
que contemple a experiência feminista nos atuais processos
de transnacionalização. A autora também utiliza a categoria
“redistribuição” para referir-se às demandas contra o
neoliberalismo, o foco de intensa disputa nas articulações
feministas, como é o caso das organizações deste teor no
âmbito do Fórum Social Mundial (que para algumas feministas
seriam um “terreno disputado”). Ela também insiste que,
algumas vezes, a categoria do reconhecimento fica
obscurecida. Então, acompanhando Fraser, a autora reforça
que, dentro desse cenário transnacional, dois tipos de luta
contra a injustiça seriam relevantes: i) aquelas lutas contra
injustiças relativas ao impacto socioeconômico que estariam
enraizadas nas estruturas políticas e econômicas; e ii) aquelas
vinculadas aos valores culturais e econômicos que estariam
enraizadas nos padrões sociais de representação e
comunicação. Para a autora, poderiam ser percebidos reflexos
extensivos sobre a macroeconomia, sobre os macroprocessos
políticos e sobre o processo de globalização em si, sendo
esses reflexos acompanhados por intervenções feministas que
se pautam em formas peculiares e criativas de interação do
global com o local, como por exemplo seria o caso da Marcha
Mundial das Mulheres.
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
27
BRENO CYPRIANO
84
VARGAS, 2003.
85
CONWAY e SINGH, 2009.
86
FRASER, 2003.
87
FRASER, 2008.
88
Para outras críticas ao monismo
normativo ver Axel HONNETH,
2009, e Marlise MATOS, 2009a.
89
FRASER, 2009a[2009].
28
A emergência de um espaço transnacional onde a
possibilidade de suscitar novas questões, de elaborar novas
estratégias de como se aproximar de novas realidades,
possibilitando, assim, a construção de uma nova e outra
cultura política, mais democrática e inclusiva, poderia ser
conferida nos encontros promovidos nos Fóruns Sociais
Mundiais. Sustentando os lemas “um outro mundo é possível”
e “não aos pensamentos únicos”, para Vargas,84 nesses
espaços e através da luta contra o neoliberalismo e o
capitalismo global é que teria se tornado possível e permitido
às feministas a construção de novas abordagens e alianças,
como também o repensar das conceituações de autonomia
para o movimento. Porém, Vargas também reconhece que
haveria uma concepção ainda limitada de Fraser ao se
utilizar do paradigma bidimensional, quando esta mesma
percebe e ressalta a articulação dos movimentos feministas
como fortemente atuantes nessas redes, especialmente no
sentido de demandar mais lugar e mais espaços de poder.
A discussão sobre “os pensamentos únicos” chegou a ser
problematizada por Vargas, mas, no entanto, não chegou a
ser contraposta à ideia do monismo normativo, com a
“paridade de participação” proposta por Fraser.
Em Conway e Singh85 há a problematização do
monismo normativo, a proposta contida na “paridade da
participação”, sugerido por Fraser,86 como também há a
denúncia de que a própria compreensão da autora sobre o
Fórum Social Mundial (pensado através de um enquadramento da teoria democrática liberal) não notaria e/ou
levaria a sério muitos dos seus aspectos mais interessantes e
inovadores.87 A própria experiência dos Fóruns, tendo como
evidentes os compromissos com a diversidade e o pluralismo, opondo-se sem nenhuma dúvida a qualquer proposta
de pensamento único, contradiz a ideia de um monismo
normativo, já que numa teoria assim estruturada não haveria
espaço, então, para a afirmação, por sua vez, de um pluralismo normativo. Pelos Fóruns e pelo movimento transnacional feminista concluiu-se que nenhum monismo normativo,
ou qualquer forma de pensamento único, seria possível (ou
desejável) para uma política global que se sustente como
radical.88
Em artigo mais recente surgem novos problemas na
base teórica formulada por essa autora.89 Desta vez, os
problemas seriam relativos à dinâmica e etapas do
movimento feminista, já que se evidencia que Fraser, através
de um reducionismo na sua discussão, restringindo-se a
teorizar sobre o movimento a partir de um olhar estritamente
do movimento feminista norte-americano, mais uma vez,
opera suas considerações através de um enquadramento
liberal e capitalista como eixos estruturadores da dinâmica
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO
90
Caberia ressaltar que esse artigo
evidenciaria uma possível crise do
feminismo norte-americano.
91
FRASER, 2009a[2009].
do feminismo na contemporaneidade.90 Segundo Fraser,91
a agenda do movimento feminista deslizaria sobre o eixo
histórico do capitalismo estatal (state-organized capitalism)
para um capitalismo transnacional, pós-fordista e neoliberal
(ver Quadro 1).
QUADRO 1 – Dinâmica da segunda onda do feminismo nos Estados Unidos segundo
FRASER, 2009a[2009]
Feminismo e o capitalismo
estatal
Feminismo e o “novo
espírito do capitalismo”
Feminismo e o pósneoliberalismo
Feminismo contra o economicismo
O feminismo buscou repor uma
visão monista e economicista da
justiça por uma visão ampliada,
tridimensional, que compreendia
economia, cultura e política.
Feminismo
antieconomicismo
ressignificado
As reivindicações feministas por
justi-ça foram cada vez mais
elaboradas como reivindicações
de reconheci-mento da
identidade e da diferença.
Feminismo pós-neoliberal
antieconomicismo
Adotar uma visão completa da
tridimensionalidade da justiça, que
possivelmente contrabalance
melhor as dimensões do
reconhecimento, da redistribuição
e da representação.
Feminismo contra o androcentrismo
Luta para incorporar a justiça de
gênero no capitalismo estatal,
como também incluir as questões
sobre as mulheres na própria
esquerda radical.
Feminismo contra o
estatismo
Rejeição ao ethos burocráticoadministrativo do capitalismo
estatal.
Feminismo antiandrocenFeminismo pós-neoliberal
antiandrocentrismo
trismo ressignificado
O feminismo deve militar para
O capitalismo desorganizado
formas de vida que descentre o
incorpora o discurso do avanço das
trabalho assalariado e valorize
mulheres e da justiça de gênero,
atividades não-assalariados, como
ao mesmo tempo incorporando
o cuidado da casa.
um discurso sobre a valorização do
trabalho assalariado.
Feminisnmo antiestatismo
A perspetiva feminista que
procurava transformar o poder
estatal em meio para empoderamento e justiça social passa a ser
utilizada como discurso para
legitimar a mercantilização e para
a limitação do Estado.
Pós-neoliberal antiestatismo
Busca por uma democracia
partici-pativa, militando por uma
nova forma de organização do
poder político, que subordine a
burocracia ao empoderamento
dos cidadãos e cidadãs. Fortalecer
o poder público.
Feminismo contra e a favor
Feminismo contra e a favor
do westfalianismo
do westfalianismo
ressignificado
Por um lado, o movimento estava
sensível às injustiças
A globalização permitiu novas
transfronteiriças, principalmente as
formas de ativismo feminista
feministas envolvidas com o
(transnacional, multiescalar),
“mundo em desenvolvimento”. Por porém com algumas dificuldades,
outro lado, a maioria das
já que o que era uma tentativa
feministas via no seu respectivo
para ampliar o alcance da justiça
Estado o lugar de demandas para
além do Estado-nação acabou
seus interesses próprios.
por se integrar em alguns
aspectos com as necessidades
administrativas de uma nova
forma de capitalismo.
Pós-neoliberal antiwestfalianismo
ância por uma nova ordem
política pós-vestifaliana que seja
multies-calar e democrática a
cada nível.
Fonte: elaborações próprias a partir de FRASER, 2009a[2009].
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
29
BRENO CYPRIANO
92
93
PINTO, 2003.
MATOS, 2010.
94
Segundo Emir SADER, 2009, a
América Latina emergiu-se como
o lugar onde é possível se
contestar a “reinante“ política
neoliberal. No Brasil, a eleição de
Lula seria um indício para uma
virada pós-neoliberal.
30
A partir dessas considerações recentes da autora, podese dizer que o enquadramento que ela propõe não seria
traduzível ou sequer transportável para o contexto da América
Latina, ou mesmo para toda a experiência feminista do Sul
global, ainda que ela reconheça o papel dos Fóruns Sociais
Mundiais. Fraser reduz todo o período da década de 70 até os
dias atuais em uma única onda (segunda onda), onde haveria
uma agenda e um discurso que confluiriam com as demandas
por redistribuição, reconhecimento e representação num
primeiro momento, e num segundo momento haveria a conformação de um backlash, onde toda a agenda atual, a partir
da fragmentação do discurso feminista, seria utilizada e
ressignificada por estratégias vinculadas ao discurso neoliberal.
Conforme apresentado, está claro que as vicissitudes
do feminismo latino-americano não podem ser reduzidas
ao enquadramento norte-americano proposto por Fraser. Isso
porque ele não foi ou estaria sendo utilizado por inteiro pelo
neoliberalismo, pois a força do Sul global no contexto recente
do planeta surge justamente a partir daí, na negação e na
reação ao neoliberalismo. Parte do feminismo latinoamericano pode até ter sido “vítima” desse efeito perverso,
porém outra parte, igualmente significativa, tem contribuído
para o desmascaramento do discurso generificado do
neoliberalismo, mostrando também aos feminismos do Norte
o rumo equivocado em que estes se encontravam.
Assim, pensando agora a partir da experiência latinoamericana e brasileira e de uma outra forma as etapas dinâmicas do movimento feminista, pensando-as numa proposta
diferenciada à de Fraser, poder-se-ia dizer que a dinâmica
capitalista conformar-se-ia com as “ondas” já anteriormente
descritas. Dessa forma, sinalizaria que a segunda onda
estaria localizada no âmbito daquilo que Fraser define como
capitalismo estatal; a onda subsequente e relativa ao período
neoliberal referir-se-ia ao momento de ONGuização e da
constituição de um “feminismo difuso”,92 sendo a quarta onda,
conforme proposto por Matos,93 aquela vinculada ao que
Fraser designa por período pós-neoliberal – um “futuro aberto”
para Fraser. Acredita-se e está se procurando dar destaque
neste artigo, então, que o futuro, o destino, da dinâmica
feminista norte-americana seria, curiosamente, o vivido e o
presente atuais da América Latina e do Brasil, já que, a partir
do governo Lula, o Brasil (bem) aos poucos vem reestruturando
e construindo a desafiante proposta de um Estado pósneoliberal, 94 que contém na dimensão da inclusão
democrática de parte significativa dos movimentos sociais
(ainda que alguns movimentos ainda se mantenham
“autônomos”) um eixo norteador e emblemático.
Mesmo com o avanço propiciado por Fraser, que
desenvolveu a proposta de um modelo tridimensional para a
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO
95
MATOS, 2009a.
96
SCHUTTE, 2000.
justiça social, ainda se faz necessário uma aposta em
progressos teóricos ainda mais significativos. Entende-se que
seria necessário ir adiante, explicitando, principalmente, os
aspectos subentendidos, aqueles que não foram ainda
explicitados e tratados justamente devido a formatos e
organizações epistemológicas reducionistas que não os
incluem em suas teorizações – aqueles elementos de inclusão
democrática que são tão característicos quando se trata da
experiência e da prática dos feminismos latino-americanos.
Por isso, a proposta de uma teoria crítico-emancipatória
feminista e de gênero, avançada por Matos95 à luz de uma
profunda crítica epistêmica, propõe um conjunto de
rearranjados elementos que seriam considerados
absolutamente cruciais quando se pretende a construção
de uma forma de teorização que esteja além dos paradigmas
dialéticos e binarizantes, bem como daqueles que podem
ser, de modo muito fácil, culturalmente reduzidos
(principalmente aos contornos dos modelos do Ocidente,
nesse caso). Essa proposta avança na direção de se pensar
os eixos estruturadores da justiça social numa dimensão
significativamente mais ampliada, inclusive numa
perspectivação analítica que dê destaque e singularidade
à dimensão paradoxal e simultânea de repor as dimensões
da igualdade e da diferença na complexidade, propondo
realocar uma das principais contendas no feminismo latinoamericano (e também nos feminismos em outras regiões) que
seria, segundo Ofelia Schutte,96 o debate entre as feministas
igualitárias e os feminismos da diferença.
Pensar a partir das referências teóricas e epistemológicas da contingência e dos paradoxos (premissas relevantes,
como visto, a algumas vertentes da recente teoria política
feminista) parece uma contribuição significativa para se fazer
avançar as teorias da justiça social e também as teorias
democráticas contemporâneas. Sabe-se que as organizações políticas se constituem mediante exclusões. Num sentido
até mesmo psicanalítico, o inevitável retorno daquilo que foi
excluído é, justamente, o que está a forçar a expansão e a
rearticulação das premissas básicas da democracia. A história
da formação de uma organização política democrática,
nesse sentido, precisa estar sempre aberta – um devir
democracia – pois é/está inexoravelmente incompleta. Mesmo
o projeto hegemônico democrático – entenda-se: as democracias representativas liberais e ocidentais – são projetos
inacabados e incompletos. Isso não significa dizer que sejam
de todo equivocadas. Trata-se de uma incompletude
constitutiva na qual todos os seus sujeitos estão igualmente
incompletos, exatamente porque estão se constituindo nesse
processo, ou seja, através de exclusões que se tornam (por
meio de lutas contingentes) politicamente salientes e não
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
31
BRENO CYPRIANO
MATOS e CYPRIANO, 2008, p. 78.
97
98
ARENDT, 2007b[195-?].
99
ARENDT, 2007b[195-?], p. 39.
32
porque sejam estaticamente estruturais ou fundacionais. É
“[...] pensar simultaneamente [...] num movimento claramente
pós-socialista e pós-dialético, a rede de multiplicidades de
agenciamentos que condicionam e ao mesmo tempo que
libertam, a nossa realidade paradoxal”.97
Ao se pensar na necessidade de incluir a representação política como mais uma dimensão da justiça, algo que
este artigo perseguiu, simplesmente viu-se emergir mais uma
versão pós-estruturalista de universalidade/universal: desta
vez intencionalmente incapaz de oferecer uma descrição
firme, seja substantiva, seja processual, daquilo que seria
comum a todos os cidadãos – mulheres e homens, negros e
brancos, homo e heterossexuais etc. – enquanto tais no âmbito
da representação política. A proposta do universal contingente se articula às formas de estabelecimento prático, praxiológico, pragmático das recentes discussões a respeito da
democracia contemporânea: na deliberação negociada
entre distintos atores, por sua vez orientada primordialmente
para aquilo que consensualmente se constitui (contingentemente) como interesse público. Não se trata da defesa de um
universal transcultural pura e simplesmente (já que este
também estará manchado pelas normas culturais que tentou
transcender); trata-se de uma universalidade que necessita
constantemente de ser traduzida, retrabalhada, reposta de
modo relacional e político.
O que se propôs como “devir democrático”, na modelagem aqui descrita, tem seu ponto de ancoragem nessa
possibilidade aberta de novas articulações e formações
políticas. Concorda-se e converge-se também para este tipo
de abordagem que resgata a indissociabilidade entre
justiça e democracia, entre “o” político e “a” política. Tratase sim, em certa medida, da afirmação de uma politização
de vastas áreas da vida social (aquilo que teve como efeito
abrir caminho para a proliferação de identidades tidas
como “particularistas”). O universal contingente conforme
esta proposta se articularia então com o devir democracia
na medida em que se constata que tais “particularismos”
impõem reclamos igualmente universais para os sujeitos e
estes seriam, pois, pré-requisitos para a política num sentido
pleno: aquela que se estabelece no formato exato como
afirmava Hannah Arendt,98 que pensava os corpos políticos
como formas de participação ativa na pluralidade.
Segundo a autora, “[...] a política organiza, de antemão, as
diversidades absolutas de acordo com uma igualdade
relativa e em contrapartida às diferenças relativas”.99
De maneira geral, poderia ser dito que o reflexo da
prática do ativismo político feminista deveria ser e estar
projetado num modelo teórico político que, inclusive, seja
capaz de repor a luta por justiça social conjugada com as
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(1): 11-39, janeiro-abril/2013
CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO
100
KIRKWOOD, 1985, p. 66,
tradução nossa.
101
KIRKWOOD, 1985. Segundo Céli
Pinto, o desafio colocado ao
feminismo brasileiro seria abandonar o excessivo “discurso por
direitos” para adentrar num discurso sobre o poder (informação
verbal coletada na palestra de
abertura do III Seminário Internacional Política e Feminismo,
realizado em Belo Horizonte, no
dia 15 de outubro de 2009).
102
KIRKWOOD, 1985, p. 67,
tradução nossa.
103
MENDOZA, 2009, s/n.
104
COSTA, 2000.
105
María Luisa FEMENIAS, 2007.
106
VARGAS, 2003, 2008.
MATOS, 2009a, 2010.
107
108
109
FRASER, 2001[1997], 2005.
FEMENIAS, 2007, p. 24,
tradução nossa, itálicos da autora.
práticas e instituições democráticas. Essa necessidade partiria
de um “querer-saber” que, segundo a socióloga chilena
Julieta Kirkwood, “[...] surge quando se constata a não correspondência entre os ‘valores’ postulados pelo sistema e as
experiências concretas reais humanas”.100 Sem o desejo pelo
conhecimento sobre “a” política e “o” político, ao feminismo
restaria, ou aceitar que as mulheres não lutariam e depreciariam o poder, ou, então, lutar especificamente por direitos.101
Para Kirkwood, não haveria um “[...] modelo alternativo válido
para desafiar o paradigma patriarcal, o conhecimento que
temos vestido e adornado”,102 porém, a partir do papel político
do ativismo feminista e entendendo que a teoria antecederia
e procederia a ação, para Breny Mendoza,
Como toda construção teórica inserida dentro da
lógica da colonialidade do poder, o eurocentrismo e
o masculinismo, a construção de uma nova teoria
feminista latino-americana passa primeiro por uma
desconstrução da teoria feminista ocidental, que até
agora tem assentado as pautas do pensamento
feminista latino-americano, e, logo se reconstruir como
uma teoria feminista descolonial e pós-ocidental
pautada desta vez por seu próprio contexto
geopolítico-cultural.103
Ao se tratar neste artigo de um “tráfego” e “tráfico” de
teorias,104 pôde-se notar que um vínculo foi estabelecido entre
as teorias e os subalternos, produzindo por consequência
“lugares de apropriação”,105 que levam ao fraturamento dos
discursos hegemônicos do conhecimento político e da própria
“teoria política feminista” ocidental. A proposta de modelos
teóricos políticos feministas, como Vargas106 e Matos,107 que
deem conta da multidimensionalidade dos problemas
relativos às questões de gênero e feministas na contemporaneidade transpõem o modelo de Nancy Fraser108 e também
confirmam a ideia de María Luisa Femenias de que “[o]
feminismo latino-americano tem algo a dizer e o faz em voz
própria”.109 Isso ratificaria que a partir e para além do lugar
das fronteiras, ou dos “territórios-limite”, há que se problematizar os modelos de conhecimento apresentados e apostar
na elaboração de novas abordagens sobre o que ainda
não é e também sobre o que ainda se irá descobrir e
problematizar, ou seja, os “territórios selvagens” – redescobrindo e problematizando a partir de nossa América Latina.
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CONSTRUÇÕES DO PENSAMENTO FEMINISTA LATINO-AMERICANO
[Recebido em setembro de 2011,
reapresentado em março de 2012
e aceito para publicação em maio de 2012]
Constructing a Latin American Feminist Political Thinking: Focusing on Politics,
oman
orld W
Social Justice and the “ Third W
oman””
World
Woman
Abstract
Abstract: Discussing a feminist theoretical project from Latin America requires exposing a
series of debates which involves considerations from both post-colonial and post-structuralist
theories. Thus, this article aims at focusing on the theory generated from the “third world”, from a
country (or a set of countries) of the global South, which would open a potential space for
dialogue within the production in the mainstream of political knowledge, as well as with the
several perspectives ded in what we can call Western “feminist political theory”.
Key Words
Words: Feminist Political Theory; Latin America; Perspective; Third World.
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