Aknaton T Souza
Doutor em Direito (UFPR), Doutor em Sociologia (UFPR), Pós-doutor em Sociologia Política (UVV), mestre em Sociologia (UFPR), especialista em Sociologia Política e em Direito Penal e Criminologia (ambas pela UFPR), bacharel em Direito e Advogado. É professor do PPG de Política Social e Direitos Humanos e do curso de direito da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL).
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também atrelado à primeira edição do SEED – Seminário
de Estudos Empíricos em Direito, ao reunir importantes e diversificados
trabalhos valorizando a importância da pesquisa empírica, explicita
um potente e necessário esforço de romper, no âmbito jurídico,
com estudos e doutrinas que se produzem e se autoreferenciam apartados
da pesquisa empírica, naturalizando distanciamentos mesmo
com questões basilares de metodologia e investigação.
Dificuldades sobremaneira encrustadas no que Luís Alberto Warat
assinalou como senso comum teórico dos juristas, e que, para ser
entendido em sua atualidade, demanda a compreensão de um conteúdo
(e cuidado) muitas vezes negligenciado acerca da pesquisa empírica
(cuidados liberadores, potencializadores de complexidades e
profundidades nas criminologias e estudos penais).
Em sua primeira edição (2016), o SEED abrangeu as conferências:
Execução Penal, Prisões e Justiça; Movimentos Sociais e Políticas Públicas;
Polícia, Policiamento e Segurança pública.
Em sua segunda edição, existe a proposta de valorizar os estudos
realizados (também disso se trata o presente livro), e tornar mais
abrangente o alcance das potencialidades e concretudes reaproximadas
ao Direito (e para muito além do Direito), âmbito que, no Brasil,
nos remete a uma fábrica de profissionais formados, dos quais emergirão,
exemplificativamente, os atores do autoproclamado “sistema
de justiça criminal” de um futuro breve, sobremaneira apartado da
importância das pesquisas empíricas e estudos das criminologias críticas
(que, diga-se de passagem, ainda merecem um aprofundamento
constante de perspectivas libertárias do século XXI, tampouco sendo
razoável sacrificar suas analíticas).Este livro se inicia propriamente com os singulares trabalhos a
seguir, e entre eles, primeiramente o excelente artigo de Giovane Matheus
Camargo e Marina Zminko Kurchaidt, autores com formação
jurídica que apresentam o escrito intitulado “Navegando entre dois
mares: desafios de se fazer uma sociologia do direito com o direito”, explicitando, inclusive, como o potencial de conhecimento empírico
e teórico da sociologia pode sobrepujar as contribuições de uma dogmática
jurídica apartada dessa complexidade buscada.
Isso dito, os autores se debruçam sobre temas, como o sistema de
justiça criminal, com um olhar sociológico que potencializa a complexidade
de seus objetos e investigações, o que também pode ser refletido
no aumento da dificuldade percebida e experimentada ao navegar nesses
mares, bem como o vislumbre de limites, problemas e alternativas.
Adiante, Luiz Antônio Bogo Chies apresenta o fantástico escrito
“Direitos das Pessoas Presas: ou, quando as leis não bastam...”, construindo
sua síntese, acerca dos Direitos das Pessoas Presas no Brasil,
desde o início destacando como seu trabalho não é guiado pela ingênua
crença nas garantias legais como sinônimo de proteção concreta assegurada;
assim, atentando-se a ressonâncias concretas não atreladas à
simples existência dos textos legais, atravessando-os criticamente.
Nesse sentido, mostra-se imprescindível caminhar apartado das
utopias penitenciárias, bem como de toda uma rede de discursos legitimantes
já sobremaneira desmentidos e desnudados.
Assim, atrelado à questão criminal (o que também implica se
falar em política criminal), o autor atravessa temas como “Execução
Penal” e “Cidadania”, recobrando autores como David Garland, Gizlene
Neder e Loïc Wacquant, com bastante atenção, certificando-se
de sublinhar paradoxos e contradições; problemas e desafios.
Nessa esteira, a pretensão de civilidade atrelada ao castigo penal
e sua captura de liberdades não escapa das constatações críticas, sobretudo
da brutal discrepância daquilo que é prometido, em contraste
com o que efetivamente se vislumbra; sendo os discursos refinados
com grande legitimação, desnudados e desmentidos pelas operacionalidades
reais.
A seguir, o escrito de Mariana Corrêa de Azevedo, Letícia Figueira
Moutinho Kulaitis e Pedro R. Bodê de Moraes, intitulado “Direitos,
políticas públicas e segregação juvenil: notas sobre o Estatuto da Juventude
brasileiro”, se incumbe de perpetrar aproximações sociológicas
sobre direitos e políticas de juventude no Brasil, e de delinear
algumas notas sobre o contexto identificado, considerando especialmente
o Estatuto da Juventude, o processo histórico e o peso das contradiçõesvislumbradas em sua (não) aplicação.
Com bastante cuidado metodológico e complexidade, os autores
lidam com (e falam sobre) diferentes juventudes (abrangendo segregação
juvenil e controle social repressivo); explanam o que apontam
como um genocídio silencioso, e apresentam a Lei 12.852/2013, explicitando
adiante os hiatos entre o marco legal e as experiências de jovens
imersos em condições desfavoráveis à árdua concretização de
seus direitos como cidadãos, tendo inclusive os mais básicos violados,
como o direito à vida.
Os autores fazem um sincero convite para o investimento na
pesquisa empírica sobre democracia e políticas públicas de juventude,
apelo sobre o qual se pode, ainda que de formas demasiado distintas,
estabelecer relações com inúmeros escritos do presente livro, que se
incumbe, afinal, de valorizar convites sublimes como esse, e suas reverberações,
para muito além da Academia e seus muros.
Adiante, no excepcional escrito “Violência, sistema penal e democracia
nos países do MERCOSUL: uma análise comparativa através
da criminologia crítica”, Juliane Marochi sublinha continuidades atreladas
à dominação, mostrando-se o MERCOSUL mais uma manobra
funcional ao capitalismo centralizado e neoliberal, repercutindo em
larga escala na miséria e pobreza dos explorados, produção insistentemente
naturalizada para a perpetuação e prosseguimento das complexas,
injustas e danosas continuidades vislumbradas, atreladas aos
grandes lucros de poucos, em detrimento de muitos.
Ao se direcionar mais propriamente à questão criminal dentro
do que se incumbe a apresentar, recobra as palavras e potências de gigantes
das ciências criminais, finalmente se dirigindo ao último item,
acerca das análises comparativas de dados, considerando a confluência
de fatores identificada.
O artigo seguinte, de Marcelo Bordin, intitulado “Características
da Violência em Curitiba sob a ótica das estatísticas oficiais
(1984/2004)”, após breve análise do panorama sobre a violência no
Brasil (o maior país do continente, e com índices de mortes violentas
que excede todos os seus vizinhos), se dispõe a identificar, no Paraná, e
mais especificamente em Curitiba, as evoluções das mortes por causas
externas do SIM/DATASUS, se propondo a pensar sobre a inexistência
de reduções, mesmo ante implementação de políticas específicas das quais se poderia esperar melhoria nesses indicadores negativos; questão
sobre a qual se pode sublinhar, entre os objetivos específicos, o de
fomentar discussões críticas em torno do que apontam as estatísticas
oficiais visualizadas (considerando vários dados).
Adiante, o interessantíssimo escrito “O nu do almoço e a seringa:
substâncias psicoativas por meio de William Burroughs” apresentado
por Wander Wilson, atravessa a vida do aludido escritor da geração
beat (e formado em antropologia em Harvard), adentrando-se em
suas produções e questões sublinhadas.
Enfatiza, entre outras coisas, relações com as substâncias psicoativas
por esse escritor e potencialidades passíveis de exploração,
sublinhando o que lhe parece mais oportuno, muito bem recobrando
como as narrativas sobre “as drogas” operam apartadas da realidade,
e paralelamente muito intrincadas ao mito.
Alguns desses mitos e conteúdos atravessados por ficções, são explicitados
em seu artigo, fazendo-se uso das obras exploradas; exemplificativamente,
a distinção jurídica (é dizer, uma separação artificial
atrelada à universalidade da lei) entre usuário e traficante instituída.
Na sequência, é apresentado o também extremamente pertinente
e atual trabalho de Guilherme Borges da Silva e Ricardo Barbosa de
Lima, que no artigo “O traficante de drogas como uma categoria de acusação
social: um olhar sobre si e o varejo do mercado ilegal das drogas”,
associam as imagens construídas acerca dos atores envolvidos no varejo
desse mercado ilegal a determinadas preferências e questões de política
criminal atreladas às drogas; políticas repressivas tão intrincadas, sobretudo
nas áreas de pobreza, à razão de Estado e razão de governo que
não se desvencilham da replicação e perseguição dos padrões seletivos
atrelados aos maiores alvejados por essas políticas.
Os pesquisadores em questão destacam o método etnográfico,
a partir das contribuições da sociologia artesanal de Howard Becker.
Explicitam como a maioria dos participantes não internalizou os
processos de sujeição criminal, e identificam produções discursivas
com o condão de instituírem diferenças, nos indivíduos, para com o
conteúdo atrelado à imagem perversa sedimentada no imaginário social
acerca das pessoas que vendem drogas: sem dúvidas, outro excelente
(e amplo) escrito que merece ser lido, e refletido em todas suas
nuances e aspectos mais implícitos, os quais seriam impossíveis esgotar
nesses brevíssimos apontamentos, o que vale acerca dos demais escritos
do presente livro, todos importantes, ainda que muito distintos;
em verdade, importância ainda mais potencializada, pela variedade e
complexidade fomentada.
Em seguida, os pesquisadores Pablo Ornelas Rosa e Paula Fernandes
de Bortolo apresentam o escrito nominado “Da guerra contra
as drogas à experiência de regulamentação da cannabis no Uruguai”,
recobrando como se deu o surgimento da absurda operação conhecida
como “Guerra às drogas” (profundamente atrelada a políticas repressivas),
analisando modelos alternativos ao proibicionismo adotados
por diversos países, com ênfase na pontual experiência do Uruguai.
Tecem diversas ponderações críticas para muito além do senso
comum atrelado às drogas, atravessando também toda uma ...
Ambientais, que trata do corte da madeira de lei e transformação em carvão para fi ns comerciais e
outros, a par r de julgados do Tribunal de Jus ça do Paraná. Apresentou-se um recorte histórico sobre
a legislação ambiental no mundo e no direito pátrio. Foram analisadas algumas decisões no Tribunal
de Jus ça do Paraná relacionadas ao tema, ob das no sí o eletrônico de consulta de jurisprudência,
para verifi car suas posições, havendo um recorte de decisões entre os anos 1998 a 2022. A seguir, é
brevemente apresentada a ideia de alguns doutrinadores sobre o tem, lançando ao fi m uma interpretação
a par r dos dados ob dos. Nas considerações fi nais, afi rmou-se que o crime previsto no art. 45 da Lei
de Crimes Ambientais é, por ora, inaplicável, tratando-se de uma norma penal em branco que deve ser
complementada, indicando-se, ao fi m do ar go, algumas sugestões nesse sen do.
da coleção “Percursos Criminológicos”, “Sociologia da
Violência, do Crime e da Punição”. Aliando densidade de
análise, com uma linguagem direta e objetiva, os autores
nos trazem uma obra original e que representa a discussão
das principais e atuais questões da crítica criminológica.
Evitando a obviedade das análises meramente historicistas-
cronológicas, os(as) autores(as) se mostram preocupados
com aspecto essencial às sustentações das “everyday
theories”: a ideia de permanência. Isto é feito através da
incomum aproximação de campo fundamental das humanidades,
a história das ideias, um entrelugar entre a
filosofia e a história.
Recuperando autores clássicos, como La Boetié, os
autores demonstram a continuidade das discussões entre os
defensores das teorias do consenso e aqueles preocupados
com liberdades não outorgadas, regradas, quantificadas e
medidas. É montado verdadeiro caleidoscópio a partir do
qual podemos identificar as matrizes que sustentam os
castigos diários.
Temos uma verdadeira obra de referência para quem
quer compreender as escolas sociológicas do crime. Não
apenas por constituir os percursos dos controles sociais,
bem como por vincular constantemente estes itinerários
à realidade brasileira. Se há uma certeza em relação ao
crime como experiência humana é a de que ele não pode
ser compreendido em sua vasta amplitude – abrangidas
também, nesse universo, as agências formais e informais de
controle e sua dinâmica de reação a quem é tomado por
desviante – sem o suporte teórico fornecido pelo pensamento
sociológico, que rompe paradigmas e questiona a
lógica legitimadora construída pela dogmática.
Todas estas características nos proporcionam um texto
riquíssimo, cuja utilização é recomendada não apenas aos
iniciantes nos estudos das criminologias, bem como aos
pesquisadores mais experientes. Compreender o crime
também é compreender as estruturas que o sustentam. A
leitura de “Sociologia da Violência, do Crime e da Punição”
auxilia de forma determinante nesta tarefa.
Uma ótima leitura!
também atrelado à primeira edição do SEED – Seminário
de Estudos Empíricos em Direito, ao reunir importantes e diversificados
trabalhos valorizando a importância da pesquisa empírica, explicita
um potente e necessário esforço de romper, no âmbito jurídico,
com estudos e doutrinas que se produzem e se autoreferenciam apartados
da pesquisa empírica, naturalizando distanciamentos mesmo
com questões basilares de metodologia e investigação.
Dificuldades sobremaneira encrustadas no que Luís Alberto Warat
assinalou como senso comum teórico dos juristas, e que, para ser
entendido em sua atualidade, demanda a compreensão de um conteúdo
(e cuidado) muitas vezes negligenciado acerca da pesquisa empírica
(cuidados liberadores, potencializadores de complexidades e
profundidades nas criminologias e estudos penais).
Em sua primeira edição (2016), o SEED abrangeu as conferências:
Execução Penal, Prisões e Justiça; Movimentos Sociais e Políticas Públicas;
Polícia, Policiamento e Segurança pública.
Em sua segunda edição, existe a proposta de valorizar os estudos
realizados (também disso se trata o presente livro), e tornar mais
abrangente o alcance das potencialidades e concretudes reaproximadas
ao Direito (e para muito além do Direito), âmbito que, no Brasil,
nos remete a uma fábrica de profissionais formados, dos quais emergirão,
exemplificativamente, os atores do autoproclamado “sistema
de justiça criminal” de um futuro breve, sobremaneira apartado da
importância das pesquisas empíricas e estudos das criminologias críticas
(que, diga-se de passagem, ainda merecem um aprofundamento
constante de perspectivas libertárias do século XXI, tampouco sendo
razoável sacrificar suas analíticas).Este livro se inicia propriamente com os singulares trabalhos a
seguir, e entre eles, primeiramente o excelente artigo de Giovane Matheus
Camargo e Marina Zminko Kurchaidt, autores com formação
jurídica que apresentam o escrito intitulado “Navegando entre dois
mares: desafios de se fazer uma sociologia do direito com o direito”, explicitando, inclusive, como o potencial de conhecimento empírico
e teórico da sociologia pode sobrepujar as contribuições de uma dogmática
jurídica apartada dessa complexidade buscada.
Isso dito, os autores se debruçam sobre temas, como o sistema de
justiça criminal, com um olhar sociológico que potencializa a complexidade
de seus objetos e investigações, o que também pode ser refletido
no aumento da dificuldade percebida e experimentada ao navegar nesses
mares, bem como o vislumbre de limites, problemas e alternativas.
Adiante, Luiz Antônio Bogo Chies apresenta o fantástico escrito
“Direitos das Pessoas Presas: ou, quando as leis não bastam...”, construindo
sua síntese, acerca dos Direitos das Pessoas Presas no Brasil,
desde o início destacando como seu trabalho não é guiado pela ingênua
crença nas garantias legais como sinônimo de proteção concreta assegurada;
assim, atentando-se a ressonâncias concretas não atreladas à
simples existência dos textos legais, atravessando-os criticamente.
Nesse sentido, mostra-se imprescindível caminhar apartado das
utopias penitenciárias, bem como de toda uma rede de discursos legitimantes
já sobremaneira desmentidos e desnudados.
Assim, atrelado à questão criminal (o que também implica se
falar em política criminal), o autor atravessa temas como “Execução
Penal” e “Cidadania”, recobrando autores como David Garland, Gizlene
Neder e Loïc Wacquant, com bastante atenção, certificando-se
de sublinhar paradoxos e contradições; problemas e desafios.
Nessa esteira, a pretensão de civilidade atrelada ao castigo penal
e sua captura de liberdades não escapa das constatações críticas, sobretudo
da brutal discrepância daquilo que é prometido, em contraste
com o que efetivamente se vislumbra; sendo os discursos refinados
com grande legitimação, desnudados e desmentidos pelas operacionalidades
reais.
A seguir, o escrito de Mariana Corrêa de Azevedo, Letícia Figueira
Moutinho Kulaitis e Pedro R. Bodê de Moraes, intitulado “Direitos,
políticas públicas e segregação juvenil: notas sobre o Estatuto da Juventude
brasileiro”, se incumbe de perpetrar aproximações sociológicas
sobre direitos e políticas de juventude no Brasil, e de delinear
algumas notas sobre o contexto identificado, considerando especialmente
o Estatuto da Juventude, o processo histórico e o peso das contradiçõesvislumbradas em sua (não) aplicação.
Com bastante cuidado metodológico e complexidade, os autores
lidam com (e falam sobre) diferentes juventudes (abrangendo segregação
juvenil e controle social repressivo); explanam o que apontam
como um genocídio silencioso, e apresentam a Lei 12.852/2013, explicitando
adiante os hiatos entre o marco legal e as experiências de jovens
imersos em condições desfavoráveis à árdua concretização de
seus direitos como cidadãos, tendo inclusive os mais básicos violados,
como o direito à vida.
Os autores fazem um sincero convite para o investimento na
pesquisa empírica sobre democracia e políticas públicas de juventude,
apelo sobre o qual se pode, ainda que de formas demasiado distintas,
estabelecer relações com inúmeros escritos do presente livro, que se
incumbe, afinal, de valorizar convites sublimes como esse, e suas reverberações,
para muito além da Academia e seus muros.
Adiante, no excepcional escrito “Violência, sistema penal e democracia
nos países do MERCOSUL: uma análise comparativa através
da criminologia crítica”, Juliane Marochi sublinha continuidades atreladas
à dominação, mostrando-se o MERCOSUL mais uma manobra
funcional ao capitalismo centralizado e neoliberal, repercutindo em
larga escala na miséria e pobreza dos explorados, produção insistentemente
naturalizada para a perpetuação e prosseguimento das complexas,
injustas e danosas continuidades vislumbradas, atreladas aos
grandes lucros de poucos, em detrimento de muitos.
Ao se direcionar mais propriamente à questão criminal dentro
do que se incumbe a apresentar, recobra as palavras e potências de gigantes
das ciências criminais, finalmente se dirigindo ao último item,
acerca das análises comparativas de dados, considerando a confluência
de fatores identificada.
O artigo seguinte, de Marcelo Bordin, intitulado “Características
da Violência em Curitiba sob a ótica das estatísticas oficiais
(1984/2004)”, após breve análise do panorama sobre a violência no
Brasil (o maior país do continente, e com índices de mortes violentas
que excede todos os seus vizinhos), se dispõe a identificar, no Paraná, e
mais especificamente em Curitiba, as evoluções das mortes por causas
externas do SIM/DATASUS, se propondo a pensar sobre a inexistência
de reduções, mesmo ante implementação de políticas específicas das quais se poderia esperar melhoria nesses indicadores negativos; questão
sobre a qual se pode sublinhar, entre os objetivos específicos, o de
fomentar discussões críticas em torno do que apontam as estatísticas
oficiais visualizadas (considerando vários dados).
Adiante, o interessantíssimo escrito “O nu do almoço e a seringa:
substâncias psicoativas por meio de William Burroughs” apresentado
por Wander Wilson, atravessa a vida do aludido escritor da geração
beat (e formado em antropologia em Harvard), adentrando-se em
suas produções e questões sublinhadas.
Enfatiza, entre outras coisas, relações com as substâncias psicoativas
por esse escritor e potencialidades passíveis de exploração,
sublinhando o que lhe parece mais oportuno, muito bem recobrando
como as narrativas sobre “as drogas” operam apartadas da realidade,
e paralelamente muito intrincadas ao mito.
Alguns desses mitos e conteúdos atravessados por ficções, são explicitados
em seu artigo, fazendo-se uso das obras exploradas; exemplificativamente,
a distinção jurídica (é dizer, uma separação artificial
atrelada à universalidade da lei) entre usuário e traficante instituída.
Na sequência, é apresentado o também extremamente pertinente
e atual trabalho de Guilherme Borges da Silva e Ricardo Barbosa de
Lima, que no artigo “O traficante de drogas como uma categoria de acusação
social: um olhar sobre si e o varejo do mercado ilegal das drogas”,
associam as imagens construídas acerca dos atores envolvidos no varejo
desse mercado ilegal a determinadas preferências e questões de política
criminal atreladas às drogas; políticas repressivas tão intrincadas, sobretudo
nas áreas de pobreza, à razão de Estado e razão de governo que
não se desvencilham da replicação e perseguição dos padrões seletivos
atrelados aos maiores alvejados por essas políticas.
Os pesquisadores em questão destacam o método etnográfico,
a partir das contribuições da sociologia artesanal de Howard Becker.
Explicitam como a maioria dos participantes não internalizou os
processos de sujeição criminal, e identificam produções discursivas
com o condão de instituírem diferenças, nos indivíduos, para com o
conteúdo atrelado à imagem perversa sedimentada no imaginário social
acerca das pessoas que vendem drogas: sem dúvidas, outro excelente
(e amplo) escrito que merece ser lido, e refletido em todas suas
nuances e aspectos mais implícitos, os quais seriam impossíveis esgotar
nesses brevíssimos apontamentos, o que vale acerca dos demais escritos
do presente livro, todos importantes, ainda que muito distintos;
em verdade, importância ainda mais potencializada, pela variedade e
complexidade fomentada.
Em seguida, os pesquisadores Pablo Ornelas Rosa e Paula Fernandes
de Bortolo apresentam o escrito nominado “Da guerra contra
as drogas à experiência de regulamentação da cannabis no Uruguai”,
recobrando como se deu o surgimento da absurda operação conhecida
como “Guerra às drogas” (profundamente atrelada a políticas repressivas),
analisando modelos alternativos ao proibicionismo adotados
por diversos países, com ênfase na pontual experiência do Uruguai.
Tecem diversas ponderações críticas para muito além do senso
comum atrelado às drogas, atravessando também toda uma ...
Ambientais, que trata do corte da madeira de lei e transformação em carvão para fi ns comerciais e
outros, a par r de julgados do Tribunal de Jus ça do Paraná. Apresentou-se um recorte histórico sobre
a legislação ambiental no mundo e no direito pátrio. Foram analisadas algumas decisões no Tribunal
de Jus ça do Paraná relacionadas ao tema, ob das no sí o eletrônico de consulta de jurisprudência,
para verifi car suas posições, havendo um recorte de decisões entre os anos 1998 a 2022. A seguir, é
brevemente apresentada a ideia de alguns doutrinadores sobre o tem, lançando ao fi m uma interpretação
a par r dos dados ob dos. Nas considerações fi nais, afi rmou-se que o crime previsto no art. 45 da Lei
de Crimes Ambientais é, por ora, inaplicável, tratando-se de uma norma penal em branco que deve ser
complementada, indicando-se, ao fi m do ar go, algumas sugestões nesse sen do.
da coleção “Percursos Criminológicos”, “Sociologia da
Violência, do Crime e da Punição”. Aliando densidade de
análise, com uma linguagem direta e objetiva, os autores
nos trazem uma obra original e que representa a discussão
das principais e atuais questões da crítica criminológica.
Evitando a obviedade das análises meramente historicistas-
cronológicas, os(as) autores(as) se mostram preocupados
com aspecto essencial às sustentações das “everyday
theories”: a ideia de permanência. Isto é feito através da
incomum aproximação de campo fundamental das humanidades,
a história das ideias, um entrelugar entre a
filosofia e a história.
Recuperando autores clássicos, como La Boetié, os
autores demonstram a continuidade das discussões entre os
defensores das teorias do consenso e aqueles preocupados
com liberdades não outorgadas, regradas, quantificadas e
medidas. É montado verdadeiro caleidoscópio a partir do
qual podemos identificar as matrizes que sustentam os
castigos diários.
Temos uma verdadeira obra de referência para quem
quer compreender as escolas sociológicas do crime. Não
apenas por constituir os percursos dos controles sociais,
bem como por vincular constantemente estes itinerários
à realidade brasileira. Se há uma certeza em relação ao
crime como experiência humana é a de que ele não pode
ser compreendido em sua vasta amplitude – abrangidas
também, nesse universo, as agências formais e informais de
controle e sua dinâmica de reação a quem é tomado por
desviante – sem o suporte teórico fornecido pelo pensamento
sociológico, que rompe paradigmas e questiona a
lógica legitimadora construída pela dogmática.
Todas estas características nos proporcionam um texto
riquíssimo, cuja utilização é recomendada não apenas aos
iniciantes nos estudos das criminologias, bem como aos
pesquisadores mais experientes. Compreender o crime
também é compreender as estruturas que o sustentam. A
leitura de “Sociologia da Violência, do Crime e da Punição”
auxilia de forma determinante nesta tarefa.
Uma ótima leitura!
sensibilidade jurídica?”; tal questionamento orientou dois objetivos centrais que dividem as duas partes desta tese: a) mapear e analisar a trajetória dos agentes públicos do sistema de justiça criminal, em especial magistrados e promotores de justiça; e b) refletir sobre o processo de preparação para tais cargos, como foco em suas implicações na forma de imaginar o mundo. Destes dois objetivos gerais, decorrem dez objetivos específicos que estruturam os capítulos: a) analisar os concurseiros a partir das suas histórias de vida, dados quantitativos, representações e trajetórias educacionais; b) fazer uma sociogênese da educação jurídica no Brasil; c) verificar a relação entre educação jurídica, concurso público e o poder; d) realizar uma análise das representações sociais sobre as carreiras jurídicas brasileiras; e) identificar as especificidades e características do concurseiro; f) etnografar os métodos e estratégias de preparação para o concurso público; g) descrever e analisar as etapas e formas de organização da vida social do concurseiro; h) verificar as
representações sobre ser concurseiro; i) avaliar a relação entre a trajetória do concurseiro e as práticas e representações dos concurseiros; e j) estabelecer uma classificação para as correlações da trajetória às formas de imaginar o direito e suas práticas (sensibilidades jurídicas). A tese utiliza um rol de técnicas de pesquisa diversificado, visando uma exploração qualitativa do universo do concurseiro. Para tanto, permanecem destacados os aspectos etnográficos vinculado à observação, descrição minuciosa, entrevistas em profundidade, análise documental e sensibilidade específica do tratamento analítico dos dados produzidos. Teoricamente, a pesquisa propõe uma análise reticular do fenômeno e se aporta em autores da sociologia e antropologia, em especial Norbert Elias, Erving Goffman, Pierre Bourdieu, Roberto Kant de Lima e Fernando Fontainha. A pesquisa foi realizada de 2019 a 2024, e se enquadra em uma sociologia do direito a partir da análise do recrutamento do Estado para as instituições magistratura e ministério público, ambas centrais ao SJC. Conclui com o desenvolvimento de quatro sensibilidades que organizam as interações e relações entre os atores do SJC, sendo elas a sensibilidade do DIY — faça você mesmo; sensibilidade do vencedor; sensibilidade do vocacionado; e a sensibilidade do mérito. Produz, assim, efeitos enquadrados nos aspectos do individualismo e utilitarismo no profissionalismo do SJC.
A proibição legal da comercialização, produção e consumo de
determinadas substâncias psicoativas foi uma decisão cujos contornos
foram moldados na relação estabelecida entre a geopolítica e a moralidade.
As consequências dessa orientação, não é novidade, influenciaram
negativamente em todo o mundo o desenvolvimento de pesquisas científicas
com determinadas plantas e com produtos químicos. Impuseram mudanças
legais nos códigos penais de vários países, redefinindo conceitos de crimes
e de associações criminais, penalizando condutas não ameaçadoras ou que
não prejudicassem outras pessoas como o uso de determinadas substâncias.
A proibição e criminalização de substâncias psicoativas impactaram
sensivelmente o nível de corrupção de atores estatais e produziram relações
sociais vulnerabilizando determinados indivíduos, grupos e populações.
Os denominado proibicionismo e a nomeada Guerra às Drogas,
ou seja, as ações legais e politicas para manter determinadas substâncias
proscritas e a mobilização policialesca e militar para enfrentar aqueles
atores individual e coletivo a desafiar as restrições impostas pela
doutrina do absenteísmo, foram responsáveis por ceifar vidas em partes
diferenciadas do Globo, sem atingir os objetivos a que publicamente se
propunha. A abstinência e o absenteísmo tornaram-se inalcançáveis por
serem impossibilidades históricas.
Não obstante, impediram pessoas enfermas a terem acesso ao
tratamento com plantas e produtos banidos do consumo legal e detiveram
o desenvolvimento de outros produtos que poderiam melhorar a qualidade
de vida de muitas pessoas. As restrições impuseram, ainda, àqueles
que desenvolveram uso problemáticos com determinadas substâncias
interditas, tratamentos violentos e desumanizados.
As estratégias geopolíticas imprimiram intervenções e despejaram
recursos estrangeiros naqueles países denominados como produtores de
drogas, alcunha produzida no ambiente do proibicionismo que discriminou
povos e nações. Países como Colômbia, Peru, Bolívia, Birmânia e México, entre outros, vivenciaram em seus territórios os pesadelos dos confrontos
das forças de seguranças pública e nacional com quadrilhas, milícias e
paramilitares que se organizavam em torno da produção e da distribuição
de substâncias ilegais. Esses embates, não raramente, atingiram populações
sem qualquer envolvimento com o cultivo, fabrico ou comercialização de
plantas utilizadas para fins de uso como psicoativos. A guerra às drogas
somente seguiu sua trilha graças às graves violações de direitos humanos
que produziu e ainda produz.
No Brasil, sabemos, os efeitos das estratégias de combate ao comércio
ilegal de drogas e da erradicação de plantio de cannabis foi se intensificando
ao longo de décadas. Das primeiras experiências de controle da Comissão
Nacional de Fiscalização de Entorpecentes (CNFE), nos anos 1940, aos
embates diretos das polícias militares e dos esforços de erradicação da
Policia Federal, mais recentemente, intensificaram-se, por um lado ações
com vítimas fatais diretamente ligadas ou não ao comércio ilegal, expondo
as facetas do envolvimento de trabalhadores rurais em plantios ilícitos
como consequências da falta de uma política agrária mais inclusiva.
Outro efeito intenso das políticas de drogas adotadas pelo governo
brasileiro nas últimas décadas é o incremento significativo de encarceramento
por tráfico de drogas. A lei de 2006, que diferenciou penalizações específicas
para traficantes e usuários, sem criar critérios claros para definição dessas
duas figuras, não contribuiu para a diminuição do encarceramento, mas, ao
contrário, proporcionou o incremento de pessoas presas, com quantidades,
não raramente, diminutas de posse de drogas. Há uma relação entre grupos
vulneráveis e intensificação da punição. Durante décadas o uso de drogas
por determinados grupos e classes sociais não foi punido com penas mais
duras. As políticas e legislações de drogas reproduziram e reproduzem os
tratamentos desiguais dados pelos governos brasileiros a determinados
grupos, classes e segmentos raciais da população.
Nesse longo período de proscrição progressiva de substâncias,
as ciências sociais não ficaram indiferentes ao fenômeno. Ao contrário,
deu contribuição diferenciada de outras áreas de conhecimento,
privilegiando um enfoque crítico, relativizando as relações entre normas
e comportamentos e compreendendo a proibição de determinadas
substâncias no bojo das normas morais e das ações políticas.
“Drogas e Sistema de Justiça Criminal” é uma obra herdeira desta
tradição. O livro é composto de textos provenientes de estudos e de pesquisas
sobre a realidade brasileira, cujos autores e cujas autoras são pesquisadores
e pesquisadoras reconhecidamente comprometidos com a análise refinada
sobre as várias facetas e implicações das relações entre poder político,
sistema legal e punição às práticas de consumo e venda de drogas.
Ao percorrer as páginas, o leitor encontrará um importante retrato
das políticas públicas de drogas, das percepções de policiais sobre as drogas,
os efeitos da punição e da falta e da incompletude de ações e programas
de inclusão em jovens e crianças, o efeito do proibicionismo no Brasil
contemporâneo e o papel que a justiça representa nesse cenário.
É um livro de leitura obrigatória para profissionais que estão a
desempenhar papéis na repressão, no sistema de justiça, no cuidado à saúde
e na assistência àqueles que por ação ou omissão do Estado e seus agentes
sofrem suas consequências, por trazer reflexões e críticas que ajudam na
jornada cotidiana.
No momento em que escrevo essas linhas, a convite dos organizadores,
profissionais a quem ao longo de minha vida acadêmica aprendi a admirar
pela competência e abordagem crítica, o Brasil e o mundo enfrentam o que
a Organização Mundial de Saúde classificou de pandemia do COVID-19.
Não sabemos ainda as consequências desse fenômeno para as políticas de
saúde e na gestão da vida. Mas ao contrário do que pode acontecer em
relação ao Coronavírus, o Brasil não vive uma epidemia de consumo
e drogas como nos afirma o 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de
Drogas pela População Brasileira, ainda que o atual governo brasileiro
se negue a aceitar os fatos e os dados produzidos por pesquisadores de
reconhecimento mundial, por contrariar suas expectativas. O Brasil vive
há muito, todavia, uma opção de enfrentamento à complexa questão das
drogas que nega a própria vida.
O antídoto para isso está em ações importantes como as marchas da
maconha, os Projetos de Lei que estão na Câmara que buscam estabelecer
o marco regulatório sobre a cannabis medicinal, a descriminalização das
drogas, ente outras, mas, notadamente, em livros como Drogas e Sistema de
Justiça Criminal. A produção do conhecimento é sempre o melhor remédio.
Senhora leitora, senhor leitor usem e abusem, consumam sem
moderação esta importante e necessária obra. Boa leitura!
Paulo César Pontes Fraga
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFJF
Pós-Doutor em Criminologia pela Université de Montreal
Palavras-chave: hipermilitarização; Sistema de Justiça Criminal; Habitus e campo; genealogia; racismo de Estado.