Consoante retroflexa
Retroflexo | |
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◌̢ | |
◌̣ | |
◌˞ |
Uma consonate retroflexa é uma consoante coronal apical articulada entre osso alveolar e o palato duro na qual a língua assume uma forma plana, côncava ou curvada.[1][2]
A palavra "retroflexo" deriva do latim "retroflexus", "que se dobra para trás"; algumas consoantes retroflexas são pronunciadas com a língua inteiramente curvada, então essa articulação envolve a parte inferior da ponta da língua (subapical). Ainda assim, a categoria "consoante retroflexa" comumente envolve outras consoantes com pontos de articulação similares, porém sem uma curvatura extrema da língua. Essas podem ser articuladas com a ponta (apicais) ou a lâmina (laminais) do órgão.[3]
Tipos
[editar | editar código-fonte]Consoantes retroflexas, como várias outras consoantes coronais, apresentam diversas variedades condicionadas por: formato da língua, que pode estar plana, côncava, ou com a ponta curvada para trás; ponto de contato do órgão, que poder ser com a ponta (apical), a lâmina (laminal) ou sua parte inferior (subapical); o ponto de contato com o céu da boca, que pode ser com o osso alveolar (alveolar), a área entre o osso e o palato duro (pós-alveolar), ou o palato duro (palatal); e, finalmente, maneira de articulação - tanto consoantes sibilantes (fricativas e africadas) quanto não sibilantes (nasais, laterais, oclusivas e róticos) podem assumir articulações retroflexas.[4]
A maior variedade de combinações ocorre com sibilantes, já que nessas quaisquer pequenas mudanças na forma e na posição da língua levam a transformações significativas no som produzido. Sons retroflexos geralmente tem tons mais baixos que outros de consoantes alveolares ou pós-alveolares - com uma diferença notável em comparação com o som de sibilantes alveolares sulcais. Quanto mais atrás no céu de boca for o ponto de contato, mais côncavo é o formato da língua e mais baixo é o tom do som, com as consoantes subapicais sendo as mais extremas.[4]
As principais combinações geralmente observadas são:
- Laminais pós-alveolares com língua plana. Ocorrem, por exemplo, no polonês - cz, sz, ż (rz), dż.[5]
- Apicais pós-alveolares com língua levemente côncava. Ocorrem, por exemplo, no mandarim - zh, ch, sh, r, no hindi, e em outras línguas indo-arianas.[6][7]
- Subapicais palatais com língua muito côncava. Ocorrem principalmente em línguas dravídicas e em algumas indo-arianas. Essa combinação é a que produz o som de tom mais baixo e, depois de vogal, o fonema comumente roticiza fortemente o som vocálico [5]- de maneira análoga ao que aconteceria se, no inglês estadunidense, um "r" ocorresse entre uma vogal e consoante; por exemplo, se a palavra "apologize" fosse pronunciada como "apolorgize".[8]
Sons subapicais são por vezes chamados de "retroflexos verdadeiros", devido ao formato dobrado para trás da línuga; nesses casos, outros sons recebem outros nomes. Por exemplo, Ladefoged e Maddieson preferem chamar o retroflexo laminal pós-alveolar de "pós-alveolar plano".[2]
Outros sons
[editar | editar código-fonte]Sons retroflexos devem ser diferenciados de outras consoantes produzidas na mesma área da boca:
- As consoantes palato-alveolares (como [ʃ] e [ʒ]), que são sons como ch e j quando ocorrem em palavras do português brasileiro como "chá" e "janela";[3]
- As consoantes alveolopalatais (como [ɕ] e [ʑ]), que são sons como j, q e x quando ocorrem em mandarim;[3]
- As consoantes palatais dorsais (como [ç], [ʝ] e [ɲ]), que são sons como ch quando ocorre no alemão "ich" ou ñ no espanhol "año".[3]
- As consoantes alveolares sulcais (como [s] e [z]), que são sons como s no português "santo" ou z em "zebra".[3]
As três primeiras classificações de sons acima são articuladas com a língua em formato convexo, o que adiciona aos fonemas uma articulação secundária palatal. O último tipo é articulado com a formação de um sulco extremamente marcado na parte central da língua, o que dá aos fonemas uma forte característica de sibilação. Os sons retroflexos, ao contrário, possuem forma plana ou côncava, e são desassociados de qualquer palatalização ou formação de sulco.[3]
A aproximante velar encontrada em variedades nortistas do holandês e em algumas variedades do inglês estadunidense são acusticamente similares à aproximante retroflexa, já que ambas são articuladas com a língua em contato com o palato mole.[3]
Transcrição
[editar | editar código-fonte]Transcrição no IPA
[editar | editar código-fonte]No Alfabeto Fonético Internacional, os símbolos para consoantes retroflexas são tipicamente os mesmos que para as consoantes alveolares, mas com a adição de um diacrítico em formato de gancho virado para a direita sob o símbolo.[9]
Consoantes retroflexas são transcritas no Alfabeto Fonético Internacional como a seguir:[9]
IPA | Descrição | Exemplo | |||
---|---|---|---|---|---|
Língua | Ortografia | IPA | Significado | ||
ɳ | nasal retroflexa vozeada | Panjabi | ਗਾਣਾ / گاݨا | [ˈgaːɳaˑ] | canção |
ʈ | plosiva retroflezxa desvozeada | Sueco | parti | [pʰaˈʈiː] | festa |
Hindi / Urdu | टांग / ٹانگ | [ʈaːŋgˑ] | perna | ||
ɖ | plosiva retroflexa vozeada | Somali | Bandhig | [banːɖig] | apresentação |
Hindi / Urdu | डब्बा / ڈبہ | [ɖəbba] | caixa | ||
ʂ | fricativa retroflexa desvozeada | Mandarim | 上海 (Shànghǎi) | [ʂɑ̂ŋ.xàɪ] | Xangai |
Sânscrito | भाषा | [bʱɑːʂɑː] | língua | ||
ʐ | fricativa retroflexa vozeada | Russo | жаба | [ˈʐabə] | sapo |
Polonês | żaba | [ˈʐaba] | sapo | ||
ɻ | aproximante retroflexa vozeada | Tâmil | தமிழ் | [t̪ɐmɨɻ] | Tâmil |
ɭ | aproximante lateral retroflexa vozeada | Tâmil | ஆள் | [ɑːɭ] | pessoa |
Sueco | Karlstad | [ˈkʰɑːɭ.sta] | Karlstad | ||
ɽ | tepe retroflexo vozeado | Hauçá | shaara | [ʃáːɽa] | varrendo |
Hindi / Urdu | कीचड़ / کیچڑ | [kiːt͡ʃəɽ] | lama | ||
(ɭ̆) | tepe lateral retroflexo vozeado | Pastó | ړوند | [𝼈und] | cego |
Marata | बाळ | [ˈbɑː𝼈] | bebê | ||
ꞎ (ɭ̊˔) | fricativa lateral retroflexa desvozeada | Toda | — | [pʏːꞎ] | verão |
ɭ˔ | fricativa lateral retroflexa vozeada | Ao[10] | — | — | — |
ʈʼ | ejetiva retroflexa | Gwichʼin | etrʼuu | [ɛʈʼu:] | andorinha do ártico |
ᶑ | implosiva retroflexa vozeada | Ngada | modhe | [ˈmoᶑe] | bom |
ᶑ̥ | implosiva retroflexa desvozeada | Oromo | — | — | — |
ǀ˞, ǃ˞, ǂ˞, ǁ˞ | cliques retroflexos | Língua !kung | ɡ‼ú | [ᶢǃú] | água |
Outras convenções
[editar | editar código-fonte]Alguns linguistas restringem o uso desses símbolos a consoantes com articulção palatal subapical, em que a língua é curvada para trás e entra em contato com o palato duro. Nesses casos, os símbolos usados para articulações pós-alveolares apicais são os das consoantes alveolares com um diacrítico em forma de ponto subposto ao símbolo da consoante: [ṭ], [ḍ], [ṇ], [ṣ], [ẓ], [ḷ], [ɾ̣], [ɹ̣]; nota-se que esse diacrítico está obsoleto e fora do padrão do IPA. Colateralmente, nos casos de retroflexos laminais, como os encontrados em russo e polonês, são usados [ᶘ] e [ᶚ][11] Os últimos também são encontrados transcritos com um diacrítico de retração, s̠; em outros casos, são tipicamente (porém inadequadamente) transcritos como se fossem palatoalveolares, como em [ʃ].[12]
Consoantes com articulações mais frontais, nas quais a língua toca a região alveolar ou pós-alveolar ao invés do palato duro, podem ser indicadas com o diacrítico de retração. Isso ocorre especialmente para [s̠] e [ẕ]; outros sons indicados dessa maneira, como [ṉ], [ḻ] e [ḏ], tendem a codificar consoantes alveolopalatais e não retroflexas.[12]
Ocorrência
[editar | editar código-fonte]Embora os dados não sejam precisos, estima-se quem em torno de 20% das línguas do mundo contenham consoantes retroflexas de um ou outro tipo.[13] Cerca de metade dessas línguas possui apenas retroflexos continuantes, e a maioria do resto tem tanto oclusivos quanto continuantes.[14]
Consoantes retroflexas estão concentradas no subcontinente indiano, especialmente nas línguas indo-arianas e dravídicas, mas são encontradas em outras línguas da região, como mundari e Burushaski.[14]
As línguas nuristani do leste do Afegaganistão também tem consoantes retroflexas. Entre as Línguas iranianas orientais, elas são comuns em pastó, wakhi, ishkashimi e munji-yidgha. Também ocorrem em outras línguas asiáticas como mandarim, javanês e vietnamita. No oeste asiático, o variante shihhi do árabe também tem aproximantes retroflexas.[14]
Retroflexos são relativamente raros em línguas europeias, mas ocorrem, por exemplo, em sueco e norueguês.[14]
- ↑ International Phonetic Association 1999, Apêndice 2.
- ↑ a b Ladefoged, Maddieson 1996, p. 27.
- ↑ a b c d e f g Ladefoged, Maddieson 1996, p. 25.
- ↑ a b Ladefoged, Maddieson 1996, pp. 25-31.
- ↑ a b Ladefoged, Maddieson 1996, p. 23.
- ↑ Lee, Wai-Sum (1999). An Articulatory and Acoustical Analysis of the Syllable-Initial Sibilants and Approximant in Beijing Mandarin. ICPhS-14. pp. 413–416
- ↑ 麦耘 (Institute of Linguistics, Chinese Academy of Social Sciences). (2015). 汉语的R色彩声母. 东方语言学 (01), 1-16. doi: CNKI:SUN:YYDF.0.2015-01-001.
- ↑ John Esling, 2010, "Phonetic Notation". In Hardcastle, Laver, & Gibbon, eds, The Handbook of Phonetic Sciences, p. 693
- ↑ a b International Phonetic Association 1999, p. 165.
- ↑ Gurubasave Gowda, K.S. (1972). Ao-Naga Phonetic Reader (Tese). Mysore: Central Institute of Indian Languages
- ↑ John Laver (1994) Principles of Phonetics. Cambridge University Press.
- ↑ a b International Phonetic Association 1999, pp. 165-171.
- ↑ Ian Maddieson (with a chapter contributed by Sandra Ferrari Disner); Patterns of sounds; Cambridge University Press, 1984. ISBN 0-521-26536-3
- ↑ a b c d Ladefoged, Maddieson 1996, p. 28.
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- International Phonetic Association (1999). «Handbook of the International Phonetic Association»
- Ladefoged, Maddieson, Peter, Ian (1996). «The Sounds of the World's Languages» (PDF)