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Poesia

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
 Nota: Para outros significados, veja Poesia (desambiguação).

A poesia é um gênero literário que faz uso de uma linguagem musical, figurada e criativa para veicular expressões artísticas, em contraste com a linguagem mais simples da prosa e mais cênica do drama. Um texto que contém poesia é chamado de poema[1] e pode ser lido ou cantado, e uma pessoa que escreve poemas é chamada de poeta[2].

A poesia é talvez a expressão artística mais cultivada em todo o mundo e constitui uma atividade essencial da experiência humana, tendo presidido "ao nascimento de todas as literaturas"[3]. Embora tenha assumido diferentes formas ao longo da história e das culturas humanas, ela foi sempre marcada por uma forte relação com a música e com a expressão subjetiva[4][5]. A disposição do texto em versos e o emprego massivo de figuras de sonoridade, como a aliteração e a assonância, são características presentes em quase os poemas já escritos, sejam eles feitos para serem cantados ou apenas para serem lidos. A presença musical nos poemas é tão forte que muitas culturas artísticas, como o hip hop, tem como principal e quase único artifício lírico a cadência verbal e a sonoridade[6], e no senso comum, acredita-se que a poesia consiste em expressar sentimentos por meio de versos e rimas, o que é considerado uma definição reducionista desde Aristóteles[7].

A atividade poética foi sempre marcada por uma forte relação com a religião e com a filosofia, sendo que a maioria dos textos sagrados e reflexivos possuem forte linguagem poética. Muitas sociedades, como a Grécia Antiga, cultuavam grandes poetas, tais quais Homero, como figuras mitológicas[8], e muitos governos, como o Império Romano, homenageavam e patrocinavam grandes poetas nativos, como aconteceu com Virgílio e Horácio[9]. Nas sociedades contemporâneas, a poesia é sobretudo uma forma de entretenimento e um produto capitalista, sendo ela um dos principais investimentos da indústria cultural[10].

O termo vem do grego poíesis e indica a ideia de "criar". Segundo Aristóteles, a poesia seria o "impulso do espírito humano para criar algo a partir de imaginação e dos sentimentos"[11], relacionando-se diretamente ao processo de mimese, que é a reprodução estética da "realidade percebida pelos sentidos"[12], podendo assim ser empregado como sinônimo de arte.

Nos tempos modernos, porém, costuma-se associar a poesia especificamente à literatura. Em geral, aborda-se a poesia a partir de uma lógica formalista, e em geral, com foco no lirismo. O Dicionário Aulete a define como a "forma de expressão artística através de uma linguagem em que se empregam, segundo certas regras, sons, palavras, estruturas sintáticas etc."[2]. O Mini Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa a define como a "arte de criar imagens, de sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados"[13]. O crítico literário Afrânio Coutinho a define como "a forma literária em que o artista utiliza uma série de meios intermediários - os artifícios líricos - para traduzir a sua visão da realidade e veiculá-la ao leitor"[4].

Porém, outros autores rejeitam essa abordagem e procuram seguir uma linha "mais ontológica" de pensamento. O professor Massaud Moisés, por exemplo, define a poesia como "a expressão metafórica do eu, cujo resultado, o poema, pode ser em verso ou em 'prosa'"[14]. Já Ariano Suassuna, em seu livro Iniciação à Estética, define a poesia como “uma linguagem com predominância da imagem e da metáfora sobre a precisão e a clareza”[15].

Nem todos os autores modernos, porém, restringem a abrangência do conceito de poesia à literatura. Inclusive, grande parte dos teóricos contemporâneos trabalha o conceito de poesia como uma forma de linguagem em geral, e não apenas uma forma de linguagem verbal ou literária, como é o caso do filósofo Jean-Luc Nancy, que expande o significado de poesia ao afirmar que ela "designa tanto uma espécie de discurso, um gênero no seio das artes, ou uma qualidade que pode apresentar-se fora dessa espécie ou desse gênero, como pode estar ausente nas obras dessa espécie ou desse gênero"[16].

Vale também destacar o conceito de função poética, criado pelo linguista Roman Jakobson. Segundo a teoria, a função poética "consiste na projeção do eixo da seleção sobre o eixo da combinação dos elementos linguísticos. Centrada na mensagem, essa função caracteriza-se pelo enfoque na mensagem e em sua forma"[17]. Ou seja, ocorre quando, em um texto, tantos os significantes (fonemas. morfemas e palavras) quantos os significados adquirem fundamental importância para a comunicação.

Em geral, o termo é empregado para se referir tanto a uma forma de linguagem quanto a uma atividade estética, como observa Władysław Tatarkiewicz[18]. Na linguagem popular, é muito comum o emprego das palavras poesia e poético como termos sinônimos de "beleza", "inspiração" e "elevação de ideias".

Linguagem poética

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Ezra Pound, autor do livro ABC da Literatura.

A linguagem empregada pela poesia tem sido alvo de debates desde o século XX, com o advento do modernismo. Até então, entendia-se que a linguagem poética consistia essencialmente na produção de um ritmo verbal, alcançado pela regularidade silábica e pela alternância de sílabas fracas e fortes, e de uma melodia fonética, alcançada por meio de figuras de sonoridade, como a rima. Porém, com a popularização de novos métodos literários, como o verso livre de Walt Whitman[19], e com o surgimento da moderna teoria literária, a linguagem poética se tornou ponto de extenso debate entre os teóricos.

Desde então, a maioria dos autores consideram que a linguagem da poesia é formada por dois elementos: ritmo poético e imagens poéticas. Mas alguns autores, como Ezra Pound, consideram três: melopeia (que corresponde ao ritmo poético), fanopeia (que corresponde às imagens poéticas) e um outro, chamado logopeia[20].

A melopeia, ou ritmo poético, consiste na produção de musicalidade e correlações emotivas por meio dos fonemas e do ritmo prosódico da fala[21]. Para isso, empregam-se artifícios variados, como métrica, rimas, aliterações, assonâncias etc. A fanopeia, ou imagem poética, consiste na projeção de objetos na imaginação visual por meio da sua evocação textual, de modo a produzir sensações estéticas[21]. Para isso, empregam-se, além da descrição e da narração, metáforas, símbolos e outros tropos. A logopeia, por fim, consiste na produção de associações intelectuais e emocionais a partir do manejo estratégico do sentido veiculado pelas palavras[21][22]. Para isso, emprega-se cada palavra cuidadosamente, recheando o texto com antíteses, paradoxos, oximoros e outros recursos estilísticos.

Lírica e épica

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Rosto de Homero
Homero

Ao longo da história, vários tipos de poesia foram produzidos pelas mais diferentes sociedades. Contudo, dois gêneros de poesia ecoaram em todas elas: um mais pessoal, que procurava transmitir uma forma particular de interpretar o mundo[4], ora pela expressão de sentimentos, ora pela transmissão de ideias, que foi cultivada por poetas como Davi, Horácio, Petrarca e, nos dias de hoje, por variados compositores musicais e poetas; e outro mais cultural, que procurava transmitir ou refletir acerca de narrativas mitológicas e lendas populares[23], com o intuito de pensar a história de um povo, que foi cultivado por poetas como Homero, Viasa, Dante e, mais recentemente, João Cabral de Melo Neto, com o poema Morte e vida severina, e Renato Russo, com a canção Faroeste Caboclo. Ao primeiro, massivamente popular, os estudiosos costumam chamar de poesia lírica, e ao segundo, poesia épica.

O termo lírica vem do grego e se refere a um instrumento musical muito utilizado por cantores da época: a lira. Os poetas que produziam esse tipo de música procuravam exprimir experiências e opiniões pessoais, falando comumente de eventos que ocorriam dentro da pólis[24]. Já o termo épica vem do grego epos, que significa "canto" ou "narrativa"[23]. Ela recebe esse nome por conta das canções compostas por aedos e rapsodos, como Homero, sobre feitos heroicos e eventos grandiosos da mitologia grega.

Na contemporaneidade, há uma certa tensão entre os estudiosos acerca do conceito exato de poesia lírica e poesia épica. Para alguns autores, como Massaud Moisés, o lirismo consiste na "poesia da confissão ou poesia da emoção"[25], enquanto para outros, como Afrânio Coutinho, consiste na veiculação de uma "visão da realidade"[4], não requerendo obrigatoriamente a expressão emotiva. Quanto à épica, desde o início do século XX, onde autores como T. S. Eliot e Fernando Pessoa [26] procuraram reformar o gênero, discute-se se a poesia épica requer a narração de um mito ou lenda popular, ou apenas a reflexão mitológica e cultural.

A tábua Dilúvio da Epopeia de Gilgamexe em acadiano, por volta do segundo milênio a.C.

A poesia aparece entre os primeiros registros da maioria das culturas letradas, com fragmentos poéticos encontrados em antigos monólitos, pedras rúnicas e estelas. Contudo, a maioria dos estudiosos ratifica que o seu surgimento precede à escrita, visto que muitos dos primeiros poemas de que se tem notícia parecem ter sido compostos em forma poética para ajudar a memorização e a transmissão oral nas sociedades pré-históricas e antigas[27][28]. O mais antigo de que se tem registro é a Epopeia de Gilgamés, originado no terceiro milênio antes de Cristo, na Mesopotâmia, atual Iraque, que foi redigido em escrita cuneiforme em tabletes de argila e, posteriormente, papiro[29]. Outros registros antigos de poesia épicas incluem os textos gregos Ilíada e Odisseia; os iranianos Avestá, Gatas e Iasna; o romano Eneida; e os indianos Ramaiana e Maabárata.

A poesia, ao longo do desenvolvimento da sociedade, foi usada para inúmeros fins, desde a expressão lírica e épica até o discurso formal e diplomático[30], invectivas políticas[31] e textos médicos[32]. Os esforços dos pensadores antigos em determinar a natureza da poesia resultou em uma disciplina teórica chamada de poética, considerada a predecessora da teoria literária, cujo primeiro registro até então descoberto vem da Grécia Antiga, com a Poética de Aristóteles.

Referências
  1. «poema - Dicionário Online Priberam de Português». Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Consultado em 08 de outubro de 2024  Verifique data em: |acessodata= (ajuda)
  2. a b Aulete, Caldas (2011). Novíssimo Aulete dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Lexicon. p. 1079. ISBN 9788586368722 Verifique |isbn= (ajuda) 
  3. MOISÉS, Massaud (2012). A criação literária: poesia e prosa. São Paulo: Cultrix. p. 65. ISBN 9788531611810 
  4. a b c d COUTINHO, Afrânio dos Santos (2015). Notas de teoria literária. Petrópolis, RJ: Vozes. p. 81. ISBN 9788532637475 
  5. MOISÉS, Massaud (2012). A criação literária: poesia e prosa. São Paulo: Cultrix. p. 70. ISBN 9788531611810 
  6. «rap noun - Definition, pictures, pronunciation and usage notes | Oxford Advanced Learner's Dictionary at OxfordLearnersDictionaries.com». Oxford Leaners's Dictionaries. Consultado em 08 de outubro de 2024  Verifique data em: |acessodata= (ajuda)
  7. ARISTÓTELES (2008). Poética. Lisboa: Edição da Fundação Calouste Gulbenkian. pp. 37–39. ISBN 9789723110777 
  8. CARPEAUX, Otto Maria (2012). A Antiguidade greco-latina por Carpeaux. Rio de Janeiro: LeYa. pp. 18–20. ISBN 9788580445251 
  9. CARPEAUX, Otto Maria (2012). A Antiguidade greco-latina por Carpeaux. Rio de Janeiro: LeYa. p. 84. ISBN 9788580445251 
  10. COELHO, Teixeira (1997). O que é Indústria Cultural (Coleção Primeiros Passos). [S.l.]: Editora Brasiliense 
  11. VESCHI, Benjamin (2019). «Etimologia de Poesia - Origem do Conceito». Etimologia: Origem do Conceito. Consultado em 29 de novembro de 2023 
  12. «mimese - Dicionário Online Priberam de Português». Dicionário Online Priberam da Língua Portuguesa. Consultado em 29 de novembro de 2023 
  13. Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda (2000). Miniaurélio Século XXI: O minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. ISBN 8520911048 
  14. MOISÉS, Massaud (2012). A criação literária: poesia e prosa. São Paulo: Cultrix. p. 77. ISBN 9788531611810 
  15. SUASSUNA, Ariano (2012). Iniciação à Estética. Rio de Janeiro: José Olympio 
  16. NANCY, Jean-Luc (2005). Resistência da poesia. Lisboa: Vendaval 
  17. Vários autores (2022). Manual de linguística. São Paulo: Contexto. p. 34. ISBN 9788572443869 
  18. Władysław Tatarkiewicz, "The Concept of Poetry, " Dialectics and Humanism, vol. II, nº 2 (primavera de 1975), p. 13
  19. CARPEAUX, Otto Maria (2012). O Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo por Carpeaux. Rio de Janeiro: LeYa. pp. 417–423. ISBN 97885870445329 Verifique |isbn= (ajuda) 
  20. POUND, Ezra (2013). ABC da Literatura. São Paulo: Cultrix. p. 44. ISBN 9788531612497 
  21. a b c POUND, Ezra (2013). ABC da Literatura. São Paulo: Cultrix. p. 69. ISBN 9788531612497 
  22. "A poesia é uma música que se faz com ideias, e por isso com palavras", diz Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa, em controvérsia com Álvaro de Campos, outro heterônimo do autor.
  23. a b COUTINHO, Afrânio (2015). Notas de teoria literária. Petrópolis: Vozes. p. 73. ISBN 9788532637475 
  24. COUTINHO, Afrânio (2015). Notas de teoria literária. Petrópolis: Vozes. p. 81. ISBN 9788532637475 
  25. MOISÉS, Massaud (2012). A criação literária: poesia e prosa. São Paulo: Cultrix. p. 194. ISBN 9788531611810 
  26. TUTIKIAN, Jane (2019). «Sobre Mensagem». Mensagem. Porto Alegre: L&PM. pp. 22–28. ISBN 9788525415158 
  27. Muitos estudiosos, particularmente aqueles que pesquisaram a tradição homérica e os épicos orais dos Balcãs, sugerem que a escrita antiga mostra traços nítidos de velhas tradições orais poéticas, incluindo o uso de frases repetidas como blocos construídos em grandes unidades poéticas. Uma forma rítmica e repetitiva poderia fazer uma longa história mais fácil de ser lembrada e recontada, antes da escrita estar disponível como uma ajuda para a memória.
  28. Para uma breve discussão recente, ver Frederick Ahl and Hannah M. Roisman. The Odyssey Re-Formed. Ítaca, Nova Iorque: Cornell University Press, (1996), p. 1–26, ISBN 0-8014-8335-2. Outros sugerem que a poesia não necessariamente precedeu a escrita. Veja, por exemplo, Jack Goody. The Interface Between the Written and the Oral. Cambridge, England: Cambridge University Press, (1987), p. 98, ISBN 0-521-33794-1
  29. N.K. Sanders (Trans.). The Epic of Gilgamesh. London, England: Penguin Books, edição revisada (1972), p. 7–8
  30. Por exemplo, no mundo árabe, a diplomacia foi muito executada através da forma poética, no século XVI. Veja Natalie Zemon Davis. Trickster's Travels. Hill & Wang, (2006), ISBN 0-8090-9435-5
  31. Exemplos de invectiva política incluem poesia difamatória e o epigramas de Marcial e Catulo
  32. Na Grécia Antiga, trabalhos médicos e acadêmicos muitas vezes eram escritos em forma de métricas. Um milênio e meio depois, muitos dos textos médicos de Avicena foram escritas em versos.
Bibliografia
  • ALMEIDA, Manuel Pires de (1597-1655). Discurso sobre o poema heróico. Manuscrito depositado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa), cota: Casa do Cadaval, vol.1, fls.629-37.
  • ANTONIO, J. LUIZ. Poesia Digital: teoria, história, antologias. São Paulo: Navegar Editora, FAPESP e Luna Bisonts Prods, 2011.
  • AQUILES, MÁRCIO. Novos poetas pulam para fora da página. Folha de S. Paulo, São Paulo, E3, 17 de setembro de 2011.
  • HANSEN, João Adolfo. Alegoria: construção e interpretação da metáfora. São Paulo: Atual, 1986.
  • COUTINHO, Afrânio. Notas de teoria literária. Petrópolis: Vozes, 2015. ISBN: 9788532637475.
  • MOISÉS, Massaud. A criação literária: poesia e prosa. São Paulo: Cultrix, 2012. ISBN: 9788531611810.
  • POUND, Ezra. ABC da Literatura. São Paulo: Cultrix, 2013. ISBN: 9788531612497.

Ligações externas

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