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Texto de Apoio 1

O texto discute a importância da Sociologia e das Ciências Sociais no ensino da saúde, enfatizando a necessidade de compreender a saúde e a doença como construções sociais e culturais, e não apenas biológicas. Ele critica o modelo biomédico por sua abordagem mecanicista e propõe uma análise que considere as relações de poder, desigualdades e a complexidade social que envolvem o corpo e a saúde. Além disso, destaca a relevância de metodologias qualitativas na pesquisa em saúde para captar a subjetividade e os significados atribuídos pelos indivíduos às suas experiências de saúde e doença.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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Texto de Apoio 1

O texto discute a importância da Sociologia e das Ciências Sociais no ensino da saúde, enfatizando a necessidade de compreender a saúde e a doença como construções sociais e culturais, e não apenas biológicas. Ele critica o modelo biomédico por sua abordagem mecanicista e propõe uma análise que considere as relações de poder, desigualdades e a complexidade social que envolvem o corpo e a saúde. Além disso, destaca a relevância de metodologias qualitativas na pesquisa em saúde para captar a subjetividade e os significados atribuídos pelos indivíduos às suas experiências de saúde e doença.
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Licenciatura em Enfermagem

Socioantropologia da Saúde

- Texto de apoio n.º 1 -

Mural "Linha da Frente" de Vhils


Este texto é uma versão resumida do artigo da autoria de Melissa Pimenta e Régia Oliveira
intitulado “Contribuição da Sociologia para o Ensino em Saúde” e publicado na Revista Linhas.
As alterações efetuadas ao texto visam exclusivamente a sua adequação pedagógica aos
conteúdos programáticos da Unidade Curricular Socioantropologia da Saúde. O uso deste
texto está restrito ao contexto educacional, em particular as aulas de Socioantropologia da
Saúde. No caso de necessitar de referenciar e/ou citar o texto deve utilizar o texto original
disponível através do link: https://doi.org/10.5965/1984723821452020260

A Contribuição da Sociologia para o Ensino em Saúde

A Sociologia não se defronta apenas com o que vagamente se chama ‘realidade’ ela lida ao
mesmo tempo com as interpretações que são feitas sobre essa mesma realidade. No campo da
saúde, a realidade objetiva da doença, assim definida por um modelo ontológico e
hegemônico da medicina ocidental, é a referência para a prática e os discursos biomédicos
sobre o corpo e as doenças que o afetam. Assim, é primordial a discussão sobre o sistema
biomédico, pensado a partir de sua ancoragem a uma racionalidade médica, a um conjunto de
saberes definidos pela biologia, saberes esses que não dão conta de apreender a historicidade,
o contexto, a multiplicidade, a complexidade, as diferenças e desigualdades que cercam a
compreensão sobre corpo, saúde e doença, uma vez que os mesmos não se reduzem à
dimensão biológica.

A análise sociológica do campo da saúde, das suas relações de poder, dos discursos e práticas
em torno do corpo, da saúde e da doença, as quais impõem hierarquias entre os diferentes
saberes, pressupõe, para a compreensão dessas dinâmicas em torno e a propósito do corpo
doente, a consideração da relação primeira entre indivíduo e sociedade.

Podemos considerar essencial a presença das Ciências Sociais no campo da saúde por diversas
razões:

 Os estudos sociológicos permitem compreender os determinantes sociais para pensar o


corpo, a saúde e a doença

A Sociologia, uma das grandes áreas das Ciências Sociais, assim como a Antropologia, tem
desenvolvido estudos sobre o corpo, a saúde e a doença. Pensar sociologicamente as
questões referentes ao corpo, à saúde e à doença, bem como os direitos em relação à
saúde, é pensar no interior de contradições e desigualdades sociais e outros
determinantes sociais a ela articulados, como género, geração e etnia.
No que diz respeito à situação de pertença a uma determinada classe social, as análises
sociológicas permitem compreender diferentes representações sociais sobre a doença.
Para indivíduos de classes populares estar doente significa deixar de trabalhar. Sendo o
trabalho, central, não apenas como meio de sobrevivência, mas também como de
construção de uma identidade de trabalhador, só está doente quem não pode trabalhar. A
doença explícita, assim, uma determinada relação entre indivíduo e sociedade, podendo
também representar uma fuga de um determinado papel social.

Por meio da perspetiva sociológica e da visão contextualizada do coletivo, é possível


compreender a complexidade do social; os processos sociais e históricos que tornam
possível o aparecimento de doenças e da própria pobreza. Dessa complexidade do social,
fazem parte as relações de género, as relações raciais e os diferentes modos de
intervenção biomédica sobre o corpo, com destaque para um processo de medicalização
do corpo da mulher e sua particularização nos aspetos da reprodução e da sexualidade.

Ao género, articula-se a geração, no que se refere às intervenções, às prescrições e à


medicalização. Iniciada na adolescência, tendo em vista as transformações corporais
evidenciadas nesse período, as ações biomédicas estendem-se até a velhice. Menstruação
e menopausa são então objetos de atenção do saber e da prática médica, as quais se
revelam, na sociedade, como discursos oficiais sobre os corpos e as pessoas, segundo o
género e a geração.

A utilização dos determinantes género e geração nos estudos sociológicos permite


apreender processos de normatização do corpo e mesmo dos papéis sociais pelo campo da
saúde, bem como, no referente à classe social e à raça/cor, apreender desigualdades
também de acesso a essas mesmas práticas médicas e aos seus serviços. O uso dessas e de
outras categorias de análise social permitem compreender a complexidade do campo da
saúde, da qual fazem parte as relações entre os profissionais de saúde e os pacientes, nas
suas particularidades sociais e culturais; as hierarquias existentes nas organizações de
saúde; as diferentes representações e modelos explicativos de saúde e de doença; as redes
de apoio e as formas de intervenção e de definição de problemas sociais, cada vez mais
sendo vistos como pertencentes ao âmbito do saber e da prática biomédica.

 As Ciências Sociais permitem colocar em perspetiva as diferentes conceções do corpo e o


processo saúde-doença

Uma das principais contribuições das Ciências Sociais para o ensino em saúde é a perceção
do processo de construção social da conceção de corpo, saúde e doença e de tudo que diz
respeito ao ser humano em sociedade. O corpo é pensado como produto do seu meio
social e cultural, não tendo, portanto, uma existência biológica anterior à ideia que a
coletividade, em determinado tempo e lugar, faz do mesmo. Técnicas corporais, como a
amamentação, não são “naturalmente dadas”, mas aprendidas socialmente. Do mesmo
modo, os significados das mudanças corporais, algumas delas bastante ritualizadas em
determinadas culturas e grupos sociais, como a gravidez, o nascimento, a menstruação, e
as próprias transições da vida, como a entrada e a saída da adolescência, variam,
evidenciando o caráter social das transformações exibidos no corpo.

Os sentidos dessas transformações, variáveis segundo o contexto social em que os


indivíduos se encontram, bem como os diferentes determinantes sociais articulados entre
si, como classe, raça, etnia e género, explicitam também a construção de uma ideia de
pessoa e as expectativas sociais relacionadas aos papéis a serem desempenhados por cada
um, em dado tempo e lugar. As Ciências Sociais, especialmente a Sociologia e
Antropologia, trazem o indivíduo ao corpo e ao contexto social que os inscreve; trazem a
relação social por meio da qual são construídos os sentidos das vivências no e por meio do
corpo. Dessas vivências, nem as emoções escapam, elas mesmas e o modo como são
expressas pelos indivíduos, como a dor, são pensadas sociologicamente como uma
relação. Saúde e doença são, assim, compreendidas nessa lógica da construção social.

Entender a existência dessas diferentes lógicas de conhecimento e apreensão do corpo, da


saúde e da doença, torna mais rico a aprendizagem técnica do corpo orgânico que as
disciplinas biológicas irão imprimir. É preciso que o profissional se coloque no lugar do
leigo que, partindo do seu próprio entendimento de como funciona o corpo e opera a
doença, recorre à sua experiência biográfica e a seus referentes culturais para reconhecer
e dar sentido à prática terapêutica. Para isso, é fundamental distinguir o efeito
farmacológico em si das substâncias, da eficácia simbólica que a mesma representa, e que
por isso é capaz de atuar no campo psíquico e no processo de interpretação e atribuição
de sentido a tudo o que diz respeito ao ato de cuidar e medicar. É por confiar no
medicamento e no médico que o placebo se torna eficaz. A dimensão simbólica está
precisamente na confiança no medicamento, no médico e no que ambos representam.

As pesquisas que privilegiaram esses enfoques situam-se maioritariamente no campo da


Antropologia, da Sociologia e da Psicologia, sendo fundamentadas especialmente em
metodologias qualitativas. A importância desses estudos situa-se principalmente no fato
de que contribuem para “desnaturalizar” a base biológica do processo saúde-doença,
introduzindo uma dimensão interpretativa e simbólica tanto às patologias, quanto às
terapêuticas a elas associadas.

 As críticas ao modelo biomédico

A “desnaturalização” da vida cotidiana é uma premissa epistemológica da produção de


conhecimento nas Ciências Sociais e, portanto, é parte integrante da contribuição dessas
ciências para o ensino nas ciências da saúde. Trata-se do exercício de tomar aquilo que é
formalizado no conhecimento de senso comum como a “realidade tal qual ela é” como
objeto de interpelação, por meio do “estranhamento” e da construção de um olhar
questionador. Para isso, é fundamental o reconhecimento do conhecimento científico
como uma das formas possíveis de conhecimento, mas não a única.

Esse ponto de partida fundamenta tanto a perceção da inter-relação entre corpo, saúde e
doença como um processo cultural e socialmente construído, como a postura crítica em
relação ao modelo biomédico que predomina nas ciências da saúde. Não se trata, porém,
de desconstruir o conhecimento produzido a partir dos parâmetros do método científico,
mas de reconhecer o caráter generalizante, mecanicista e analítico que fundamenta a
medicina do corpo, das lesões e das doenças hegemónico na nossa sociedade. Em vez
disso, trata-se de situar o conhecimento científico como uma das formas possíveis de
conhecimento, que se desenvolveu historicamente a partir de determinadas condições
que levaram à rutura em relação ao conhecimento teológico, fundamentado no dogma
religioso, na fé e na interpretação das escrituras sagradas, dando lugar ao domínio do
conhecimento produzido pela razão.

A totalidade cindida proposta pelo modelo biomédico faz perder a condição de


humanidade do indivíduo, na medida em que as “peças” passam a ser analisadas, descritas
e compreendidas em si mesmas, desconectadas do indivíduo original, isto é, o ser humano
pensante, que sente dor, reconhece e interpreta a si mesmo e a realidade à sua volta, na
qual está inserido e com a qual se relaciona. Essa forma de tratar o ser humano contribui
para reforçar a separação entre o “corpo” – matéria orgânica – e “mente” ou “espírito”,
isto é, a subjetividade, a dimensão psíquica e espiritual, com base no pressuposto de que
transformar a corporeidade em objeto possibilita ao profissional manter um olhar
“neutro” e “distanciado”, imprescindível para a correta formulação do diagnóstico e a
produção de conhecimento científico.
 Pesquisa qualitativa: relações de troca e treino do olhar
Outra importante contribuição das Ciências Sociais, em especial, da Antropologia e da
Sociologia no ensino dos cursos de saúde, refere-se à pesquisa, principalmente, de
abordagem qualitativa.
No campo da saúde, são realizadas maioritariamente pesquisas quantitativas. São
realizados estudos observacionais como fontes principais de conhecimento. Essas
pesquisas experimentais, em geral, utilizam abordagem positivista e, nessas, poucas vezes
são considerados os aspetos culturais e sociais que diversificam as experiências em relação
à saúde e à doença.
As Ciências Sociais e seus instrumentais de pesquisa, especialmente de abordagem
qualitativa, permitem a consideração do contexto social em que os sentidos da doença e
da saúde são construídos. Nessa perspetiva, surge como fundamental a relação
pesquisador-pesquisado, bem como o reconhecimento da subjetividade como parte
integrante dessa relação.
Sarti aborda esse aspeto, fazendo referência à necessidade, no campo da saúde, de um
treinamento do olhar; daquilo que se vê e de como se vê. A realidade dada, argumenta,
“não está objetivamente dada aos olhos do pesquisador”. Aquilo que se observa, “é
sempre mediado pelo significado que o observador atribui ao que vê”. Nesse encontro
entre pesquisador e pesquisador “a própria noção de “objeto” de pesquisa rigorosamente
perde o seu sentido, diante do que é pensado como confronto entre dois sujeitos,
portadores de mundos de significados distintos”.
Essas considerações são bastante importantes como contribuições para o ensino nos
cursos de saúde. Há nesses cursos uma recorrente utilização dos instrumentos de pesquisa
das Ciências Sociais, em especial, de abordagem qualitativa, com destaque para a técnica
da entrevista, de diferentes abordagens, e da etnografia, utilizada como método, do qual
faz parte a observação participante.
Cabe à Antropologia e à Sociologia a preparação do olhar para a observação em pesquisa;
o desenvolvimento da compreensão pelo aluno de que a fala do outro está envolvida num
mundo de significados, que faz com que olhemos de determinada maneira aquilo que nos
cerca e que esse modo está ancorado na cultura e nos grupos sociais dos quais fazemos
parte e, nesses, dos processos de socialização que fazem com que interiorizemos valores,
princípios, regras que constroem continuamente nosso olhar sobre o mundo, e é
justamente a isso que o pesquisador procura aceder.

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