Universidade Federal de São Carlos Centro de Educação E Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Sociologia
Universidade Federal de São Carlos Centro de Educação E Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Sociologia
Universidade Federal de São Carlos Centro de Educação E Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Sociologia
SÃO CARLOS
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
SÃO CARLOS
2011
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária/UFSCar
A caminhada para chegar até aqui foi um pouco mais difícil e mais sofrida do que eu
esperava, mas não posso dizer que caminhei o tempo todo só. Algumas pessoas caminharam
comigo em vários momentos, e todas de alguma forma me ajudaram.
Ir para a Universidade Federal de São Carlos foi uma escolha difícil da qual não me
arrependo. Tive de pedir exoneração de um emprego público e escolher dentre três boas
opções: ingressar no doutorado em História da UFSC; no doutorado em Sociologia da mesma
instituição; ou ingressar no então programa de pós-graduação em Ciências Sociais da
UFSCar.
Optei pela UFSCar motivado pela vontade de ingressar num campo diferente das
Ciências Humanas já que eu vinha de uma graduação e mestrado em História. Tencionava
conhecer melhor o campo teórico das Ciências Sociais e buscar orientação de um orientador
que fosse expert no meu tema de pesquisa, apesar de ter tido excelente orientação na
graduação e no mestrado.
O Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e posteriormente o PPG em
Sociologia superaram as expectativas e mostraram que os sacrifícios valeram a pena.
Obviamente, sem o apoio financeiro do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico) através da Bolsa de Estudos de doutorado e posteriormente a bolsa
de Doutorado Sanduiche nada teria sido possível. Fica aqui minha gratidão à esta instituição e
aos seus funcionários. Sempre é bom lembrar que os recursos financeiros públicos vêm dos
impostos pagos pelo povo brasileiro, a quem agradeço profundamente.
Gostaria de agradecer o apoio de minha família e pelo bom exemplo ao longo dos anos
dado por meus pais.
Meus agradecimentos também ao meu orientador, Paul Freston, pela paciente e precisa
orientação, além da colaboração ao longo de todo processo de elaboração da tese. E agradecer
também aos professores e professoras que participaram na qualificação e na banca final com
suas valiosas críticas e sugestões: Cristina Castro, Jacob Lima, André Ricardo de Souza e
Cecília Loreto Mariz.
Na UFSCar, gostaria de agradecer às secretárias Ana Virgínia e Ana Suficiel Bertolo.
As ―Anas‖ tiveram conduta profissional exemplar e sempre foram bastante prestativas e, por
que não dizer, solidárias, ajudando a desembaraçar-me dos vários trâmites burocráticos,
muitas vezes indo além de suas funções. Agradeço também ao serviço de correção de
dissertações teses da biblioteca da UFSCar pela minuciosa correção das normas do trabalho,
em especial a funcionária Teresa Bessi Lopes.
Minha gratidão ao colega e amigo Áttila Barbosa, pelo apoio prestado e pela acolhida
em sua casa.
Aos professores do antigo PPGCSo, especialmente aqueles de quem fui aluno: Marco
Antônio Villa e Marina Denise Cardoso.
Um agradecimento especial aos professores do PPGS da UFSCar: Jacob Carlos Lima,
Valter Silvério e Cibele Saliba Rizek pelo apoio e ensino de excelente nível. Gostaria de
agradecer também à Edinalda Pires pela correção gramatical do texto final.
Parte de meu doutorado transcorreu na Holanda, durante o estágio ―doutorado
sanduíche‖ na Vrije Universiteit em Amsterdã, e gostaria de agradecer algumas pessoas que
foram de inestimável valia.
Ao professor André Droogers, que, mesmo aposentado, foi meu orientador lá e foi de
grande ajuda, inclusive contribuindo com correções e sugestões. À professora Birgit Meyer
pela excelente acolhida em seu grupo de trabalho bem como à professora Marjo de Theije por
toda ajuda, inclusive na interlocução com a VU.
Aos amigos brasileiros que conheci lá. André Bakker, Maria Paula Adinolfi e João
Rickli por todo apoio e amizade. Agradeço também a Cézar, o ―brasileiro de coração‖ que,
além da ajuda, deu uma verdadeira lição de generosidade.
Enfim, agradeço minha esposa, Anabelle, pelo companheirismo e paciência, e dedico
este trabalho à Sofia, meu bebê.
EPÍGRAFE
Roberto DaMatta
RESUMO
The aim of this thesis is to analyze the Pentecostal discourse focusing primarily on various
levels of discourse production of the Universal Church of the Kingdom of God (UCKG) and
the International Church of the Grace of God (ICGG) in order to answer the following
question: Is the structuring of these churches predominantly built on the theology of
prosperity or on a more varied a range of discursive elements? Based on the hypothesis that
these churches try to offer a full experience of life and religion, in opposition to the idea that
has been spread by many non-academic commentators and academic works that these
churches are only ―supermarket of faith‖, where the ―customer‖ ―buys‖ religious products that
he will use in his worldly life and soon goes away, eventually to become ―customer of another
supermarket‖. To this end we analyzed two different national contexts. Church activities were
followed in Brazil, mainly in Florianopolis, and the Netherlands, especially in the capital
Amsterdam. This work also has the characteristics of case study and comparative
study. Information obtained during fieldwork in Brazil brought elements for analyzing the
behavior of the church and its parishioners in a very different national context, thus enabling
us to see what remains and what changes in the discourse of the church and the attitudes of
the followers in the new context.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, têm crescido sobremaneira as pesquisas dentro e fora do Brasil (ORO
et al., 2003, p. 365)1 que se propõem a estudar o fenômeno do pentecostalismo brasileiro.
Entretanto, dada a própria dinâmica deste fenômeno, há ainda lacunas a serem preenchidas, e
por este motivo considero necessário muitos outros estudos, pois diversos aspectos ainda
precisam ser melhor explicados. Por exemplo, dentro destas lacunas está a abordagem que
toma o crente2 como vítima explorada, e é este um dos pontos aos quais esta tese tenta se
contrapor. Outra característica presente em parte das pesquisas que envolvem os pentecostais
é a estreita relação que é feita entre pobreza e subdesenvolvimento econômico, social e
cultural como fatores favorecedores que teriam verdadeiras afinidades eletivas com o
pentecostalismo, numa relação de causa e efeito. Não podemos esquecer também de outro
viés explicativo, que tentarei explorar adiante me contrapondo, que é a visão do utilitarismo
(COSTA, 2010) na conversão e vivência religiosa dos pentecostais, descaracterizando-os
como seres capazes de uma experiência religiosa genuína. Para estes pesquisadores, exemplos
deste utilitarismo é a difusão da Teologia da Prosperidade e das curas milagrosas,
identificando direta ou indiretamente o frequentador de uma igreja pentecostal como alguém
que busca quase que exclusivamente resolver um problema imediato, de saúde, financeiro, ou
ambos. No campo da atuação política, houve e ainda há inúmeros preconceitos e comentários
depreciativos a respeito da presença dos pentecostais, sendo taxados de direitistas,
conservadores, hipócritas dentre outros qualificativos, mesmo havendo matizes dentro da
atuação de políticos pentecostais (FRESTON, 1993).3 Além disso, os eleitores evangélicos
são por vezes desqualificados nas análises políticas, como se fizessem parte de uma mera
1
Na parte final da obra há uma extensa lista de teses e dissertações de mestrado a respeito do pentecostalismo
brasileiro, pincipalmente sobre a IURD, e de suas manifestações dentro e fora do Brasil. A lista engloba
pesquisas feitas por pesquisadores brasileiros e estrangeiros vinculados à programas de pós-graduação dentro e
fora do Brasil. A relação levantada pelos autores vai de 1995 a 2001.
Atualmente estão em andamento pesquisas sobre o pentecostalismo brasileiro em algumas universidades
europeias, como pude constatar ao participar de eventos internacionais sobre o tema, embora seja evidente
atualmente o maior interesse dos europeus sobre o pentecostalismo africano. Por exemplo, na Universidade de
Birmingham, e na Universidade Livre de Amsterdã (Vrije Universiteit Amsterdam), ambas afiliadas à rede
GloPent, um grupo de universidades e pesquisadores que pesquisam o tema. É importante mencionar que é
comum estes pesquisadores virem até o Brasil fazer pesquisa de campo.
2
A palavra ou categoria crente é usada aqui em sentido amplo para se referir aos adeptos do pentecostalismo e
não deixa de ser uma categoria nativa e em nenhum momento será usada em sentido pejorativo.
3
Em sua tese de doutorado Freston faz um estudo detalhado a respeito do tema no contexto da redemocratização
do Brasil pós-ditadura militar.
12
atualização do voto de cabresto, sendo que nem sempre o voto do fiel segue o voto do pastor,
em termos eleitorais, como lembra Freston, nem sempre os pentecostais conseguem sequer
formar um bloco coeso (FRESTON, 2001, p. 12). Um dos últimos grandes escândalos
envolvendo políticos evangélicos foi o da ―máfia das sanguessugas‖ (BAPTISTA, 2007, p.
225), no qual parlamentares, dentre eles vários evangélicos, desviavam dinheiro público
destinado à compra de ambulâncias.
Pretendeu-se com este estudo identificar nas pregações dos cultos da Igreja Universal do
Reino de Deus e da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) elementos que vão além da
Teologia da Prosperidade e da expulsão de demônios, partindo da hipótese que estas igrejas
oferecem um nível de discurso mais amplo e complexo, e que, embora os elementos
apontados por outros autores como a ideia de espetáculo e ―venda‖ do produto religioso
possam estar presentes, buscou-se identificar e analisar o conteúdo religioso e a vivência
religiosa, elencando-se temas principais, tais como:
a) Família;
b) Salvação;
c) Busca do Espírito Santo;
d) Cura relacionada ou não a exorcismos;
e) Vida Afetiva, principalmente na ―Terapia do Amor‖, onde comparece uma grande
quantidade de mulheres;
f) Resolução de problemas emocionais, especialmente depressão.
Algumas das melhores e relevantes análises feitas no Brasil trazem preconceitos muito fortes
principalmente ao tratar dos neopentecostais em seus vários aspectos. Por exemplo, ao tratar a
―massa‖ de frequentadores simplesmente como um imenso grupo de pessoas facilmente
manipuláveis por líderes religiosos espertos que tiram proveito das pessoas. O trabalho de
campo aponta em muitos sentidos na direção contrária. Por vezes é sugerido pelos
pesquisadores o simples ―toma-lá dá-cá‖ entre as igrejas e seus frequentadores sendo os
últimos sempre colocados numa situação desfavorável, porém, as situações que presenciei
mostram que pelo menos parte das pessoas recebem ―bens‖ que não podem ser
monetariamente mensurados, especialmente em termos de suporte emocional. A fala de um
pastor da IIGD é bastante ilustrativa disso, mesmo sob o aspecto monetário:
4
Diário de Campo. Ficha de Observação na IIGD. 21/09/2008.
5
Esta lista foi divulgada, possivelmente com algumas atualizações, numa das antigas páginas de internet do
Hollenweger Center. In: HOLLENWEGER CENTER. Disponível em <
http://www.hollenwegercenter.net/page3.html > Acesso em 13 out. 2008.
6
Ver a relação no final do livro organizado por Ari Pedro Oro (ORO et al., 2003, p. 365) das teses e dissertações
defendidas até o ano de 2003 dentro e fora do Brasil principalmente sobre a IURD.
16
A tabulação desses dados mostra haver uma ligação entre o consumo da ―religião de
milagres‖ e os cinturões de pobreza existentes na grande São Paulo (...) A Rádio São
Paulo, por exemplo, atinge mais as mulheres, as classes C, D, e E, as pessoas com
mais de 30 anos de idade, com instrução até a oitava série incompleta ou analfabetos
e, proporcionalmente, mais os inativos e aposentados do que os trabalhadores ativos.
Fica clara a relação de causa e efeito que ou autor faz entre o neopentecostalismo, baixa
instrução e pobreza, deixando de mencionar outras possíveis explicações ao crescimento da
IURD e consequentemente de sua presença na mídia. Curiosamente, poucas páginas após, o
autor faz uma leitura e interpretação bem mais amistosa ao se referir à reação católica.
Salta aos olhos as intenções e o entendimento do autor. Ou seja, a mídia que ele chama
de neopentecostal tem baixa qualidade por ter uma matriz religiosa inferior e a mídia católica
é melhor por ter mais qualidade técnica e por incorporar ―técnicas de sucesso dos movimentos
pentecostais de origem protestante‖. Portanto, o autor parece defender que a produção
neopentecostal é ruim e a católica é boa por beber indiretamente na fonte do protestantismo
tradicional. Ainda fica ―no ar‖ uma separação rígida entre o pentecostalismo e o
neopentecostalismo.
Voltando ao tema ―evangélicos e política‖ Campos demonstrou recentemente sua visão
a respeito do voto dos evangélicos.
Silas Malafaia é um conhecido "atirador para todos os lados em que o vento soprar"
alavancado pelo dinheiro. Malafaia e o pastor Caio Fábio sempre estiveram
18
Ou seja, o dissenso em relação ao voto e a opção política por parte dos pentecostais pelo
não retorno da ala mais conservadora da elite política brasileira (PSDB/DEM), que
entendemos aqui como sendo políticos baseados principalmente no Sudeste, é vista por
Campos como ―voto de cabresto‖, numa clara desqualificação dos eleitores pentecostais como
manipuláveis, portanto, no mínimo ingênuos e ignorantes, dissociando-os do restante do
eleitorado brasileiro.
Outros trabalhos influentes foram os de Ricardo Mariano, especialmente o seu
―Neopentecostais‖ (MARIANO, 1999), que conseguiu uma rápida difusão entre os
pesquisadores interessados no tema por conta de ter sido publicado em livro, diferente de
outros trabalhos também muito relevantes, mas que foram publicados em periódicos. Este
autor se concentra nesta obra principalmente na IURD e na IIGD, sempre tecendo críticas
ácidas e às vezes usando certa ironia na linguagem, destacando sempre o caráter da troca que,
no seu entendimento, ocorre entre fiel e igreja.
Ainda dentro da literatura produzida no Brasil outro autor bastante influente é Paul
Freston, suas obras mais importantes em língua portuguesa são a sua tese de doutorado pela
UNICAMP ―Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao Impeachment‖,
possivelmente o primeiro trabalho a tratar com maior profundidade da importância dos
protestantes históricos e principalmente pentecostais na política, analisando suas estratégias,
seus embates internos e problematizando a suposta capacidade dos líderes arregimentarem os
votos de seus ―rebanhos‖. Porém, um dos escritos mais influentes deste autor, talvez pela
7
facilidade de acesso, foi um capítulo do livro ―Nem Anjos Nem Demônios‖ (FRESTON,
1994) onde ele traça um histórico do pentecostalismo brasileiro e propõe uma divisão
cronológica dividindo o pentecostalismo em três fases ou ondas, enquadrando a IURD e a
7
Outro texto bastante lido entre os pesquisadores é FRESTON, Paul. A Igreja Universal do Reino de Deus e o
Campo Protestante no Brasil. In: Estudos de Religião, nº 15: Estratégias Religiosas na Sociedade Brasileira.
São Bernardo do Campo: UMESP, 1998.
19
IIGD na terceira onda. Infelizmente, uma boa parte de sua produção está publicada em inglês,
o que dificulta um pouco o acesso de acadêmicos brasileiros que não leem nesse idioma.
Uma boa parte dos autores mencionados está presente na coletânea organizada por Ari
Pedro Oro (ORO et al., 2003) “Igreja Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores
da fé‖, obra que trata principalmente da expansão da IURD fora do Brasil
A produção estrangeira sobre o pentecostalismo como fenômeno global já está bastante
consolidada. Uma das obras mais antigas e de maior alcance e relevância é ―The
Pentecostals‖, de Walter Hollenweger (1988), baseada em sua tese de doutorado de dez
volumes onde ele faz um exaustivo estudo do pentecostalismo em seus aspectos doutrinários e
de seu desenvolvimento em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. O livro é até hoje
uma referência valiosa, e, mesmo sendo de autoria de um suíço e publicado em 1972, já
chamava a atenção para elementos que se mostrariam importantes no neopentecostalismo
brasileiro conforme veremos adiante.
Dentre os mais importantes e bastante usados por pesquisadores, figuram ainda os
trabalhos de David Martin e David Stoll.
Martin (1990) em seu ―Tongues of Fire‖ destaca principalmente os aspectos positivos
que a expansão do pentecostalismo na América Latina e a conversão dos socialmente
desfavorecidos podem provocar, especialmente por meio de formação de redes associativas
entre os crentes, além de conseguir promover prosperidade nas comunidades pentecostais.
Stoll (1990) em ―Is Latin America turning Protestant‖ problematiza a influência norte-
americana no pentecostalismo latino americano, reconhecendo a força desta influência que
vinha desde as ações missionárias, inclusive em comunidades indígenas, mas admitindo que
houve profundas transformações provocadas no processo de reapropriação nos contextos
locais.
Cabe ainda destacar o trabalho de Allan Anderson (2004a), ―An Introduction to
Pentecostalism‖, no qual ele procura fazer uma análise global do desenvolvimento do
pentecostalismo no mundo, sendo um dos pontos fortes de seu trabalho a argumentação
consistente sobre a relação local/global na qual ele reconhece a força das influências locais no
desenvolvimento do pentecostalismo, muito mais do que um fenômeno uniforme.
Enfim, dentre os trabalhos mais antigos está a coletânea já citada ―Algo Mas que Opio‖,
onde são apresentados vários estudos de caso sobre o Pentecostalismo na América Latina, que
apesar de ser uma obra de 1990, ainda apresenta visões bastante valiosas sobre o
pentecostalismo latino americano, já discutindo pontos importantes como a participação
política dos pentecostais e a diversificação social da membresia.
20
Cabe destacar que há uma série de estudos que não foram mencionados, mas não são
menos importantes. Por exemplo, trabalhos já consagrados que tratam do pentecostalismo em
contextos regionais como o africano.
Justificativas
Vários trabalhos oriundos do mundo acadêmico ainda insistem que estas igrejas são
apenas ―igrejas rodoviária‖. Cabe questionar este paradigma difundido, pois acredito que o
fenômeno pentecostal é mais complexo e merece uma análise mais cuidadosa.
Por exemplo, para Mariano (1999, p. 51), as bases do neopentecostalismo são: ―intenso
combate ao Diabo, valorização da prosperidade material mediante a contribuição financeira,
ausência de legalismo em matéria comportamental‖. O mesmo autor advoga o conteúdo anti-
intelectualista e mágico do discurso neopentecostal: ―Uma religião densamente sacral,
―mágica‖, antiintelectualista e cada vez menos ascética, como a pentecostal, seguramente
apresenta pouca afinidade com o chamado espírito do capitalismo.‖ (1999, p. 185), bem como
o caráter de negociação com Deus do discurso iurdiano, em suas palavras, ―Edir Macedo
prioriza a retribuição divina, o toma-lá-dá-cá‖ (1999, p. 248). Neste sentido escreve Macedo
(2000, p.54): ―Dar o dízimo é se candidatar a receber bênçãos sem medida‖.
Mariano por vezes deixa transparecer uma certa ironia e mesmo antipatia ao tratar
daqueles que ele chama de neopentecostais, especialmente da IURD. Por exemplo, ao analisar
as candidaturas do bispo da IURD Marcelo Crivella entre os anos de 2002 e 2008, chega as
seguintes conclusões.
Mariano e Oliveira deixam claro que a repulsa sofrida pela igreja é fruto de sua própria
ação. Os autores negam, ou ao menos omitem que, por trás desta repulsa, pode estar, dentre
outros elementos, a reação de elites política e religiosa que lutam para manter sua hegemonia
ameaçada pelos pentecostais. Os elementos religiosos sempre foram fundamentais no jogo
político, os próprios autores reconheceram isso posteriormente no texto, mas, percebe-se neste
artigo e em outros uma falta de reconhecimento da legitimidade dos pentecostais em sua
demanda política. Por que eles não? Por que a ação de outros grupos religiosos no passado
não provocou uma reação tão forte como os pentecostais vêm provocando, mesmo no meio
acadêmico?
Obviamente não estou propondo que a ascensão dos pentecostais represente uma
revolução nas estruturas sociais e políticas do país, mas pode ser, ao menos, uma mudança
significativa no jogo de poder.
Assim como Mariano, Souza e Brepohl de Magalhães (2002, p. 99)8 também apontam na
mesma direção, de que o discurso iurdiano simplesmente prega uma ―troca com Deus‖.
Campos também defende a ideia de ―negociação com Deus‖, segundo Campos (1998b, p. 1):
8
―Neste discurso, a soberania de Deus é compartilhada pelo fiel na relação de troca. É incentivado que o fiel se
acomode ao mundo das novas tecnologias, acumule riquezas, more melhor, possua carro e não tenha sentimento
de culpa por não negar o mundo; pelo contrário, a conduta ascética tem diminuído entre os pentecostais desde a
década de 70.‖
22
9
No culto que presenciamos em 5/01/2004 várias vezes o pastor disse que se a pessoa quiser obter sucesso, ela
vai ter de perseverar, esta ideia foi bastante reforçada em outros cultos.
10
―Whereas the Protestants reject this superstition on more or less rationalistic or dogmatic grounds, the
Pentecostals, because of their belief in the existence of demons, etc., seem to be right in the heart of the
controversy with the world of magic and belief in spirits. But they fight the spirits with the Spirit. I saw the best
example in the Igreja Apostolica, where an important part of the service consisted in prayer for the sick,
exorcisms (with direct address to the demon causing the sickness); it claims to be the only church that is
effectively fighting against ‗Macumba, magic, bewitchments and other evil deeds‘‖.
23
A descrição dada acima se enquadraria perfeitamente à IURD, que surgiu apenas em 1977
e ganhou de fato notoriedade com estas práticas nos anos 90, portanto as neopentecostais
apenas reforçaram alguns elementos já presentes na segunda onda11.
Quanto à suposta ausência de legalismo, as visitas ao campo de estudo têm revelado que,
na verdade, o controle sobre o comportamento da forma como era exercido pelas primeiras
igrejas pentecostais no Brasil realmente não é o mesmo adotado nas igrejas pentecostais que
estou estudando. Mas isso não quer dizer que simplesmente deixou de existir qualquer
controle ou ao menos diretrizes que devam ser seguidas pelos membros, apenas mudou a
forma como estas diretrizes são colocadas e de fato há uma maior permissividade em certos
aspectos, mas não um relaxamento total nas normas de conduta.
Por exemplo, algumas igrejas ainda mantêm controle efetivo sobre a vestimenta de seus
membros, especialmente das mulheres, como é bem visível em algumas AD, na CC como um
todo e na IPDA. Na IURD e na Igreja da Graça não há uma ordem expressa e escrita acerca
do assunto, como há na IPDA. Inclusive, o embelezamento feminino é abertamente
estimulado, como é evidente na revista feminina iurdiana ―Ester‖. Por outro lado, todas as
vezes que uma esposa de um pastor é convidada a participar de algum ritual (especialmente os
ligado à vida afetiva), percebe-se que ela sempre está trajada com roupas que cobrem a maior
parte do corpo, sem decotes ou outros detalhes que pudessem deixar o corpo à mostra. E se
percebe que a esmagadora maioria das frequentadoras, tanto da IURD quanto da IIGD,
preferem roupas mais comportadas e não chega a ser raro vê-las usando vestido longo e
cabelos bem compridos, mesmo entre as mais jovens.
Dentre os homens, ocorre fenômeno semelhante, percebe-se que os mais envolvidos com
a igreja usam roupas mais sóbrias, inclusive os mais jovens, e também não é raro ver alguns
compondo o visual estereotipado do crente tradicional: terno e gravata com a bíblia embaixo
do braço.
Quanto ao controle moral, se não há um controle de fato da vida pessoal dos membros, ao
menos o ensinamento persiste. Pude acompanhar em uma vigília organizada para os jovens o
pastor falando em linguagem clara e objetiva sobre os riscos do comportamento sexual
desregrado dentre os jovens e das implicações que isto poderia acarretar.
11
Por exemplo, na Igreja Pentecostal Deus é Amor, que foi fundada em 1962. in: (FRESTON, 1994, p.128).
24
grávida, depois a mãe briga, o rapaz que ficou pressionando por uma
prova de amor, ai depois que ele deu o problema ele assume? (todos: -
Não). Ter uma relação sexual antes do casamento é pecado. 12
A IURD bem como a IIGD não controlam ou punem seus membros publicamente por
transgressões nos ―padrões estabelecidos‖13 de comportamento, mas estes padrões existem e o
membro é ensinado a respeitá-los. Não há, por exemplo, proibição expressa quanto ao
consumo de cigarro, mas sendo o fumo considerado algo demoníaco e sinal de domínio de
maus espíritos sobre a pessoa. Portanto, este hábito pode ser interpretado como sinal de
fraqueza e de que o fumante não alcançou a libertação, colocando-o em um status inferior a
quem não fuma. Isso certamente cria um constrangimento ao fumante perante o grupo
podendo ter um efeito até mais coercitivo do que uma simples proibição em outras bases
doutrinárias, além de reforçar um mecanismo de auto coerção no fumante. Ou seja, se em uma
igreja tradicional ele poderia talvez fumar escondido, numa igreja que associa o vício à ação
demoníaca direta, mesmo sozinho o efeito coercitivo pode ser mais eficiente.
Além do já exposto sobre as várias formas de coerção, o pertencimento à alguma igreja
forma vínculos sociais úteis (como veremos adiante ao tratar dos brasileiros na Holanda) que
ficam enfraquecidos ou desmancham se o frequentador não demonstra aderir às regras e ao
modo de vida que é pregado. Isto, aliás, não é novo em se tratando igrejas e das comunidades
que elas geram em torno delas, como nos lembra Weber (1946, p. 317) ao tratar de pequenas
seitas protestantes nos EUA no início do século XX.
Em contraste aos princípios das igrejas protestantes oficiais, pessoas expulsas por
causa de ofensas morais eram frequentemente negadas a todo intercurso com os
membros da congregação. A seita assim evoca um absoluto boicote contra elas, o
que inclui os negócios. Ocasionalmente a seita evitava qualquer relação com não-
membros exceto em casos de absoluta necessidade. E a seita colocava o poder
disciplinar na mão de leigos. Nenhuma autoridade espiritual poderia assumir a
responsabilidade conjunta da comunidade perante Deus.14
12
Diário de campo. IURD. Vigília do Reencontro. 29/08/ 2008.
13
Embora não haja prescrição clara de tudo o que um membro pode ou não fazer, certas regras já estão
subentendidas, ou seja, a coerção é sutil, mas não deixa de existir. Norbert Elias discorre com mais profundidade
sobre a construção das coações e no seu entendimento, o que ele chama de autocoação é a mais eficiente ―A
pressão pode vir de outras pessoas, como um chefe, ou figuras imaginárias, como ancestrais, fantasmas ou
deidades.‖ (ELIAS, 1997, p. 43).
14
―In contrast to the principles of the official Protestant churches, persons expelled because of moral offenses
were often denied all intercourse with the members of the congregation. The sect thus invoked an absolute
boycott against them, which included business life. Occasionally the sect avoided any relation with non-brethren
except in cases of absolute necessity. And the sect placed disciplinary power predominantly into the hands of
laypersons. No spiritual authority could assume the community's joint responsibility before God.‖
25
Apesar de Weber estar se referindo a algo distante da realidade brasileira atual, ainda há
igrejas que punem seus membros, acarretando consequências parecidas ao acima exposto. A
IPDA, por exemplo, tem cláusulas bastante rígidas em seu regimento interno. Está claro que
igrejas como a IURD e a IIGD não seguem estritamente estes padrões, mas na observação
participante percebem-se diferenças no tratamento entre as pessoas de acordo com o suposto
grau de comprometimento, por exemplo, o fato de o pastor mencionar algumas pessoas cujos
nomes ele conhece não deixa de representar um status para essas pessoas, um sinal de que
participam ativamente da igreja.
É pentecostal ou não?
Já ouvi em congressos voltados à temática religiosa que chega a ser discutível chamar
igrejas como a IIGD e especialmente a IURD de pentecostais, pois estas estariam muito
afastadas das raízes do pentecostalismo. Dentre o meio protestante mais tradicional existem
sérias críticas. Por exemplo, Robinson Cavalcanti (2008), conhecido bispo anglicano, chega
ao ponto de não considerar a IURD como sendo pentecostal ou protestante:
15
―Thus this book includes as Pentecostals all the groups who profess at least two religious crisis experiences
(1. baptism or rebirth; 2. the baptism of the Spirit), the second being subsequent to and different from the first
one, and the second usually, but not always, being associated with speaking in tongues.‖
16
―Innumerable writings give instructions how to prepare for the baptism of the Spirit, and what conditions have
to be fulfilled for it to be received. In the older Pentecostal denominations, in which the majority of members
have not received the baptism of the Spirit, these writings are of increasing importance.86 The preparation
usually advised is prayer, faith (that is, the expectation of the baptism of the Spirit), and full repentance, with
confession and reparation for sins. The Jesus Church teaches that fasting, prayer and tithing are preconditions for
the baptism of the Spirit.87 In the Swiss Pentecostal Mission the baptism of the Spirit tends to be received during
Bible Weeks. On one such occasion I observed a mighty outburst of emotion. Strong men roared like hungry
lions and beat with powerful blows of their fists on the seats — for in Pentecostal fashion the whole assembly
was kneeling facing the seats. A confusion of weeping and laughter came from the women. The noise was so
great that one of the Pentecostal pastors who had not yet received the baptism of the Spirit with speaking in
tongues decided to withdraw into the kitchen and peel potatoes there, until the noisy prayer-meeting was over.‖
27
Em ambas as igrejas da pesquisa, este elemento aparece, embora não se fale nele o tempo
todo, há momentos específicos de ―busca do Espírito Santo‖ onde são feitas orações para se
conseguir o ―batismo no Espírito Santo‖. Nos casos que acompanhei, na Igreja da Graça há
um culto semanal com esta intenção que costuma ocorrer às quintas-feiras. Por exemplo, em
um dos cultos que presenciei, o pastor iniciou a pregação a partir de Jeremias 29:12;13 que
dizia: ―Então me invocareis, e ireis e orareis a mim, e eu vos ouvirei. Buscar-me-eis, e me
achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração.‖ Em seguida ele explicou que o
próprio Jesus não fez sua obra (expulsão de demônios, curas, etc.) sem antes ter recebido a
unção pelo ES no batismo feito por João Batista. No entendimento do pastor, unção é ―uma
capacitação que o homem recebe para fazer algo‖. Em seguida ele pede que todos o
acompanhe na leitura de Isaías 10:27 ―E acontecerá, naquele dia, que a sua carga será tirada
do teu ombro, e o seu jugo do teu pescoço; e o jugo será despedaçado por causa da unção‖. A
interpretação dada pelo pastor foi de que a carga a ser retirada poderia ser um problema
familiar, financeiro ou doença.
Um fato que chamou a atenção foi quando o pastor pediu para que todos se dirigissem a
frente e começassem a orar pedindo a presença do Espírito Santo, após dizer palavras pedindo
a descida do ES, o próprio pastor intercalava a prece com dizeres ininteligíveis, sílabas sem
sentido, em um modo bastante similar ao que é feito em outras igrejas pentecostais mais
antigas (por exemplo a IPDA) e nas concentrações dos católicos carismáticos.
Já na Igreja Universal a busca do Espírito Santo é mais visível e ritualizada no dia em que
as pessoas vão participar do batismo nas águas. Por exemplo, em uma vigília que observei na
madrugada de 29 de agosto de 200817, uma sexta-feira, houve uma longa sessão de exorcismo
nos moldes em que acontece nas ―Sessões do Descarrego‖ das terças-feiras. A vigília era
dedicada aos jovens e vários deles ―manifestaram demônios‖. Após o exorcismo, o pastor fez
uma pregação direcionada aos jovens, em seguida, ele deu orientações de como se buscar o
ES, pedindo que os presentes fizessem a prece de maneira silenciosa, sem gritar. Então, o
pastor pediu que a maior parte das luzes fosse apagada e cantaram uma música lenta que
falava da vinda do ES. Em seguida o pastor iniciou a prece em tom emocionado, falando de
dramas próprios dos jovens (brigas em família, problemas com namoro, relação conflituosa
pais/filhos, drogas). Estes momentos foram intercalados com músicas e preces e muitos
jovens fizeram suas preces com as mãos para cima, falando e alguns chorando. Possivelmente
alguns falaram em línguas, mas não foi possível entender o que era dito, pois o ambiente
17
Diário de Campo. Observação na IURD em 29/08/2008.
28
estava muito barulhento. Houve uma apresentação teatral e logo após foi feito um intervalo, e
neste intervalo é que foi feito o batismo nas águas, em um batistério atrás do púlpito, com
poucas pessoas em volta, ou seja, foi um momento em que não se deu tanta atenção. Os
jovens iam até o banheiro, colocavam uma túnica azul e depois voltavam para serem
mergulhados (corpo inteiro) por dois obreiros no tanque. Algumas dezenas devem ter se
batizado naquela madrugada, em sua maioria bem jovens.
Após, pude constatar que muitos dos que se batizaram naquela noite foram os que minutos
antes haviam manifestado demônios. Ou seja, o espaço de tempo entre libertação e batismo
foi de apenas pouco mais de uma hora, ou nem isso, fato que chama atenção, pois a
bibliografia levantada aponta que em outras igrejas pentecostais este processo pode ser bem
mais longo. Resumindo: libertação, batismo no ES e batismo nas águas ocorreu em pouco
mais de uma hora.
De acordo com o Censo do ano 2000 realizado pelo IBGE os evangélicos no Brasil eram
15,4%, sendo que 10,4% da população brasileira eram pentecostais. Pode-se estimar que
atualmente, dez anos depois, os números podem ser bem maiores. Além disso, temos de
pensar no vertiginoso crescimento que os pentecostais vêm conseguindo nos últimos anos,
pois o censo de 1991 apontava 5,6% da população pertencendo às igrejas pentecostais, ou
seja, quase dobrou em termos percentuais em apenas nove anos.
Censo 2000
Figura 2 – População brasileira de acordo com a filiação religiosa – IBGE, Censo demográfico 1991/2000.
Analisando por alto os dados, percebe-se claramente que todas as igrejas pentecostais
cresceram bastante tanto em termos percentuais quanto em números absolutos, em contraste
com o número de católicos, que caiu em percentual e em números absolutos teve um aumento
que pode se considerar discreto dada a sua magnitude numérica. Conforme o gráfico a seguir
ilustra:
Figura 3 – População brasileira de acordo com a filiação religiosa – IBGE, Censo demográfico
1991/2000.
Chamam a atenção a AD que multiplicou seus membros em mais de três vezes e teve um
expressivo crescimento em números absolutos, e a IURD, que multiplicou por 10 a sua
membresia em menos de uma década. Outras igrejas tradicionais como a IPDA e a CC
também tiveram forte crescimento. Demonstrando que o crescimento pentecostal não se deu
exclusivamente entre igrejas mais ―liberais‖, como a IURD, ou mais ―conservadoras‖, como a
IPDA.
31
Além dos números oficiais, não podemos desprezar um fenômeno que escapa aos métodos
convencionais de estatísticas e que torna praticamente impossível quantificar a quantidade de
frequentadores de uma igreja pentecostal, especialmente a IURD, conforme podemos
observar em Sanchis (1994, p. 52) e em observações in loco. Referimo-nos ao fato de que há
uma quantidade significativa de pessoas que vão esporadicamente aos cultos, mas não
pertencem a uma instituição pentecostal. Podem ser espíritas, umbandistas, católicos entre
outros, enfim, pessoas que em pesquisas como o Censo do IBGE afirmam pertencer à
determinada religião, ou ainda dentre àquelas 12.492.403 de pessoas que no Censo do ano
2000 (IBGE, 2003) afirmam serem ―sem religião‖ e ainda aqueles que o censo identifica
como ―sem vínculo institucional‖, que são 1.046.487 de adeptos. São pessoas que participam
dos cultos, fazem ofertas em dinheiro, recebem ―bênçãos‖, ―revelações‖ ou ―curas‖, porém
não são membros efetivos.
Essas pessoas que aqui chamaremos de ―frequentadores em trânsito‖, são a forma mais
acabada de trânsito religioso. Entenda-se trânsito religioso como o fenômeno de transferência
de membros de uma igreja, ―seita‖ ou religião para outra, podendo acontecer diversas vezes
na vida de uma pessoa. Como me disse uma frequentadora: ―Jesus não diferencia igrejas, eu
estou aqui, mas se eu quiser ir na outra eu vou. Tem gente que não cresce na vida
financeiramente, pois fica apegada a igrejas, a pastores‖18.
De acordo com dados levantados pelo ISER em 1994, a Igreja Universal ficava ―com a
maior porcentagem de pessoas mais pobres, menos educadas e de cor negra‖ (FERNANDES
et al., 1998, p. 23). E de acordo com a mesma pesquisa, apenas 5% dos membros da IURD
tinham sido criados em uma igreja evangélica (1998, p. 27) (na ocasião a Igreja Universal
tinha apenas 17 anos de existência), e consequentemente, era também a IURD que
apresentava uma membresia convertida mais recentemente, 66% foram convertidos há menos
de 6 anos antes da pesquisa. A IURD demonstrava também nesse momento a maior
capacidade proporcional de conversão, tendo ela própria convertido 70% de seus membros ao
pentecostalismo, ou seja, 70% deles tiveram a sua primeira adesão à uma igreja pentecostal na
IURD (FERNANDES et al., 1998, p. 34) .
18
Diário de Campo. Observação na IIGD em 17/09/2008.
32
As duas igrejas que estou pesquisando, embora com intensidade diferente, alcançaram
forte visibilidade no espaço público, seja por meio de obras assistenciais e atuação política em
diversos níveis, mas principalmente pela inserção na grande mídia.
No campo da mídia a IURD alcançou grande destaque, ao ponto de conseguir com que
sua emissora alcançasse o status de segunda maior e mais importante do Brasil e a façanha de
ter dois canais abertos em rede nacional. Por sua vez, a IIGD tem ampliado sua presença na
mídia, através da compra de horários na TV aberta e na criação de canais na TV a cabo. Seus
programas sempre reforçando a crença na ação desastrosa dos espíritos.
Quanto à atuação parlamentar, a Igreja Universal levou grande vantagem sobre a Igreja
da Graça e muitas das demais concorrentes. A partir de uma estratégia direta e agressiva,
inclusive indicando abertamente à sua membresia os candidatos em quem deveriam votar e
permitindo que estes subissem ao púlpito e pedissem votos. Entretanto, parte dos políticos
eleitos com o apoio dessas igrejas acabaram demonstrando que são tão ―joio‖ quanto os
demais, e se envolveram em escândalos de desvios de dinheiro público no chamado escândalo
da ―máfia das ambulâncias‖ ou ―sanguessugas‖ no ano de 2006.
As informações divulgadas pela CPI revelam que 58% do valor total do dinheiro
desviado foram parar nas mãos de parlamentares evangélicos, que são num total de 25
deputados e um senador, sendo que do total de deputados, treze são ligados a Igreja Universal,
nove da Assembléia de Deus, e três às igrejas Internacional da Graça de Deus, Quadrangular e
Batista.
A forma de se desviar o dinheiro consistiu basicamente em o deputado conseguir aprovar
emendas que beneficiassem uma instituição de caridade ligada à sua igreja para a compra de
ambulâncias da empresa Planan. Estas ambulâncias eram vendidas com preços superfaturados
e parte do dinheiro era entregue ao deputado que propôs a emenda.
O envolvimento dos evangélicos em esquemas de corrupção como estes deixam suas
igrejas em situação bastante delicadas. No caso da Universal, por exemplo, imediatamente
começaram as cobranças dos membros por ações imediatas contra os parlamentares
envolvidos, levando a Universal a adotar, pelo menos aparentemente, uma postura de que não
compactua com as ações supostamente feitas por seus parlamentares.
Percebe-se um esforço, por parte da IURD de tentar preservar uma imagem de uma
instituição que pode promover a moral e a ética na política, expulsando de seus quadros
políticos que comprovadamente se envolveram em escândalos de corrupção (o ex-bispo
Carlos Rodrigues, por exemplo) e impedindo os parlamentares citados como integrantes da
Máfia das Ambulâncias de renunciarem aos seus mandatos para escaparem do processo.
Mas algumas observações ainda devem ser feitas. O capital político dessas igrejas,
especialmente da Universal, foi bastante prejudicado com os escândalos, como se pôde
acompanhar, por exemplo, nas eleições municipais de 2008, quando o senador Marcelo
Crivella não conseguiu ir ao segundo turno da eleição para prefeito da cidade do Rio de
Janeiro. Em Florianópolis, caso que pude acompanhar mais de perto, um dos mais
importantes políticos da IURD no estado de SC, o ex-vereador e bispo Alceu Nieckarz não
conseguiu se reeleger como vereador, mesmo comparecendo ao final de vários cultos e dos
encontros do grupo de jovens para fazer a oração final.
Metodologia
cuja resposta pudesse indicar a minha condição de pesquisador, embora em alguns momentos
revelasse isto, preferi sempre omitir ao invés de simplesmente mentir. Quando, por exemplo,
me perguntavam se eu queria ir para frente do púlpito para ―aceitar Jesus‖ geralmente eu dizia
que estava lá ―apenas conhecendo‖, o que não era mentira. É importante destacar que essa
omissão não visava apenas facilitar a minha pesquisa, mas também evitar constrangimento ao
pastor e aos demais presentes com a sensação de estar sendo observado, avaliado ou criticado.
Enfim, busquei interferir e atrapalhar o minimamente possível a atividade religiosa dos
observados.
No caso da parte da pesquisa feita na Holanda, as condições e o desenrolar da situação
permitiu uma abordagem diferente, se a parte feita no Brasil foi feita durante a decorrência de
meses e até anos, na Holanda foram poucos meses, mas foram compensados pela intensidade
da experiência.
A forma como conduzi, ou vivi a pesquisa remete um pouco à experiência de William F.
Whyte na década de 40 relatada por Vidich e Lyman (2006, p. 63).
Obviamente minha pesquisa não foi e nem teve a pretensão de ser tão profunda como a
mencionada anteriormente, até por que foram apenas alguns meses em que ainda tive de
dividir o tempo com as atividades acadêmicas.
A vantagem do uso da observação participante foi poder perceber e entender a vivência
do fenômeno religioso e a vida cotidiana do migrante indocumentado do ponto de vista de
seus atores.
Os problemas éticos mencionados anteriormente da observação participante no Brasil
também se refletiram na Holanda, embora lá as pessoas com quem eu conversasse
normalmente sabiam que eu era um estudante com permissão para morar lá, e alguns até
sabiam que eu tinha interesse em pesquisar os aspectos religiosos e cotidianos de migrantes
35
ainda ativo. Tem uma fachada discreta com uma placa com o nome da igreja e seu logotipo e
possui bem poucas vagas de estacionamento.
Dentro do templo há um pequeno espaço que serve como livraria. Numa das primeiras
vezes que fui ao templo me dirigi a essa parte para me informar sobre livros e revistas da
igreja. Fui atendido por um obreiro de forma bastante solícita. Havia vários livros de
evangelistas americanos, como Keneth Hagin e T.L. Osborn.
O templo apresenta um pavimento superior que funciona como uma espécie de creche
durante os cultos.
Internamente possui fileiras de cadeiras azuis acolchoadas e confortáveis. Devido às
dimensões do templo ninguém fica muito longe do pastor, o que dá ao culto um tom muito
mais intimista. Por vezes o pastor desce do púlpito se aproxima e caminha entre as pessoas e
conhece várias pelos nomes. Outro detalhe interessante. A voz do pastor é bem grave e com
boa entonação, lembra a de um locutor de rádio, e canta bem (no tom). O tom calmo de sua
voz contrasta e muito com o tom enfático e por vezes ―agressivo‖ dos pastores da IURD. Há
ainda alguns obreiros e obreiras devidamente uniformizados e bastante receptivos.
Numa das visitas, encontrei uma funcionária do Centro de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal de Santa Catarina que me reconheceu dos tempos em que eu
estudava lá e que colaborou com a pesquisa, inclusive posteriormente me cedendo uma
entrevista. Conhecer um membro da igreja sempre é um elemento facilitador na pesquisa. Já
nos primeiros contatos, deixei claro minha condição de pesquisador e isto não foi um
empecilho, por outro lado, foi perceptível tanto nesta situação como em outras a esperança de
que eu pudesse me converter. Vários pentecostais seguem de fato, às vezes de forma discreta
e suave, o princípio do sacerdócio universal.
A sede da IURD, chamada Catedral da Fé, apresenta diferenças enormes em vários
aspectos, a começar pelo aspecto externo, majestoso, que segue o padrão nacional dos grandes
templos seguindo o formato que lembra um templo romano. Há uma longa escadaria até as
portas de entrada, um estacionamento bem amplo no subsolo, elevador e salas laterais para
outras atividades. Há na fachada vários detalhes em pedra.
A livraria é dentro do templo, mas com uma sala própria com paredes de vidro onde se
pode encontrar os livros produzidos pela igreja, de autores estrangeiros e souvenires com
temas religiosos.
As cadeiras também são acolchoadas e dobráveis para facilitar a eventual circulação de
pessoas entre elas nos momentos em que o pastor pede para as pessoas se dirigirem à frente.
O templo comporta milhares de pessoas. A sensação de distanciamento em relação ao pastor é
37
muito maior que na IIGD embora haja sempre obreiros e obreiras uniformizados circulando
pelos corredores para dar um atendimento individualizado.
A receptividade em ambas as igrejas é boa, tanto por parte dos frequentadores quanto da
equipe de pastores e obreiros. Neste aspecto, assemelha-se a uma empresa com um alto
padrão de atendimento aos clientes. Em ambas o clima costuma ser descontraído em boa parte
dos cultos, com música e palmas, no caso da IURD sempre tem um tecladista e cantor
profissional, na IIGD isto é mais raro.
Apesar de todo o clima que as igrejas tentam gerar pude perceber que se formam poucos
vínculos entre os frequentadores, com exceção dos grupos de jovens, aparentemente não se
formam muitas novas amizades entre os frequentadores, alguns relataram apenas amizades
superficiais ou nem isso. Geralmente o contato se dá entre familiares que vão em busca de
ajuda uns para os outros. Enfim, algo que está de acordo com a ideia pregada por ambas de
que, apesar dos benefícios da conversão eventualmente se estenderem à familiares e amigos, a
salvação é individual. Nas palavras de Macedo (2005, p. 16) ―as batalhas pela vida eterna são
individuais! Cada um tem que lutar suas próprias lutas e, assim, conquistar sua própria
salvação‖.
19
Sabe-se há muito tempo que os primeiros sistemas de representação que o homem fez para si do mundo e de si
mesmo são de origem religiosa. Não que a religião não seja uma cosmologia, ao mesmo tempo que uma
especulação sobre o divino. Se a filosofia e as ciências nasceram da religião, é que a religião, por sua vez,
começou por ocupar o lugar das ciências e da filosofia (por pretender explicar o mundo). Mas o que tem sido
menos observado é que ela não se limitou a enriquecer de um certo número de idéias um espírito humano
previamente formado; ela contribuiu para formá-lo a ele próprio. Os homens não lhe devem apenas, por uma
parte notável, a matéria de seus conhecimentos, mas também a forma pela qual esses conhecimentos foram
elaborados (DURKHEIM, 1989, p. 37).
40
Começando por um dos clássicos a tratar do assunto, a ―Ética Protestante‖ de Weber nos
mostra o processo de secularização da ética de trabalho proveniente da religião, no caso o
protestantismo, que se solidifica na cultura mesmo após a suposta perda de importância da
religião, conforme ele mostra na alegoria da ―iron cage‖20
Weber apresenta o processo como algo irrefreável, aliás, indesejável para pelo menos
parte de seus agentes. Por exemplo, ao citar o teólogo protestante John Wesley, este mostra os
possíveis efeitos indesejados da ascese cristã.
(...) Religião, com efeito, deve necessariamente gerar, seja laboriosidade (industry),
seja frugalidade (frugality), e estas não podem originar senão riqueza. Mas se
aumenta a riqueza, aumenta também orgulho, ira, amor ao mundo em todas as
formas. (...) Assim, embora permaneça a forma da religião, o espírito vai
desvanecendo pouco a pouco (WEBER, 2004, p. 159).
Ou seja, a ascese cristã trazia em si uma forte contradição, a semente de seu próprio fim
ou ao menos do seu enfraquecimento enquanto elemento puramente religioso. Casanova
desenvolve esta linha de raciocínio, ao considerar o ―papel destrutivo‖ do protestantismo
dentro do processo de secularização.
20
De acordo com Pierucci na sua edição comemorativa da Ética Protestante ―(...) a famosa metáfora stahlhartes
Gehause, que Parsons traduziu intrigantemente por iron cage ‗jaula de ferro‘ – (...) deixa de ser uma prisão de
ferro para ser, como no original, uma ―rija crosta de aço‖. (WEBER, 2004, p. 10).
21
―At the very least, most observers will agree that the Protestant Reformation played a destructive role (…), it
destroyed the system of Western Christendom and thus opened up the possibility for the emergence of something
new. By destroying the old organic system, it helped to liberate, perhaps unwittingly, the secular spheres from
religious control. At a higher level, Protestantism may be viewed not only as the corrosive solvent which made
room for the new but also as religious superstructure of the new order, as the religion of bourgeois modernity‖.
(CASANOVA, 1994, p. 21).
41
Embora no mundo atual haja sinais da vitalidade religiosa por toda parte que poderia em
princípio levar a uma negação total da teoria da secularização, há, por outro lado, sinais
empíricos do contrário, principalmente em países economicamente bem desenvolvidos, como
lembra Casanova.
Embora a tese do declínio da religião tem provado com o passar do tempo ser
problemática, é inegável uma tendência secularizante em certas sociedades, provocando
processos de diferenciação, privatização da religião e posterior desprivatização.
O processo de diferenciação seria o gradual afastamento da religião de outras esferas da
sociedade, como o estado, a economia e a ciência, estas passariam a pertencer exclusivamente
ao mundo secular enquanto a religião se encerraria em sua recém estabelecida esfera religiosa
(CASANOVA, 1994, p. 19), com fronteiras mais ou menos claras separando-a das outras
esferas.
22
―What remains, therefore, as significant and overwhelming evidence is the progressive and apparently still
continuing decline of religion in Western Europe. It is this evidence which has always served as the empirical
basis for most theories of secularization, and one should not discard it lightly. Indeed, Western European
societies are among the most modern, differentiated, industrialized, and educated societies in the world. Were it
not for the fact that religion shows no uniform sign of decline in Japan or the United States, two equally modern
societies‖.
42
uma diferenciação funcional da sociedade, que em princípio pode não ser mais
integrada através da religião institucionalizada.23
Por outro lado, talvez a privatização da religião nunca tenha acontecido com força no
Brasil, e seria temerário falar em repolitização da esfera religiosa no Brasil quando esta esteve
longe de ser despolitizada. Além disso, é inegável a revitalização da atuação política dos
23
(1) As far as the world views are concerned, largely completed secularization means that religious beliefs
have become subjective as a result of the rise of alternative interpretations of life, which in principle can no
longer be integrated into a religious world view. (2) As far as the institutions are concerned, largely completed
secularization means that institutionalized religion has been de-politicized as a result of a functional
differentiation of society, which in principle can no longer be integrated through institutionalized religion.
24
(…) we are witnessing the ―deprivatization‖ of religion in the modern world. By deprivatization I mean the
fact that religious traditions throughout the world are refusing to accept the marginal and privatized role which
theories of modernity as well as theories of secularization had reserved for them. Social movements have
appeared which either are religious in nature or are challenging in the name of religion the legitimacy and
autonomy of the primary secular spheres, the state and the market economy. Similarly, religious institutions and
organizations refuse to restrict themselves to the pastoral care of individual souls and continue to raise questions
about the interconnections of the private and public morality and to challenge the claims of the subsystems,
particularly states and markets, to be exempt from extraneous normative considerations. One of the results of this
ongoing contestation is a dual, interrelated process of repoliticization of the private religious and moral spheres
and renormativization of the public economic and political spheres.
43
grupos religiosos nas últimas décadas bem como o uso de valores religiosos nos debates
públicos sobre temas polêmicos.
O fenômeno da secularização não escapou à compreensão da IURD, que deu uma
interpretação própria aos problemas brasileiros e soube relaciona-los à suposta falta de
importância dada pela sociedade à religião bem como, ainda na década de 90, anuncia a
necessidade de envolver o sagrado nas outras esferas da sociedade brasileira.
O sistema econômico e social de nosso país piora a cada ano que passa. A
administração adotada pelos nossos governantes é elitista, contempla apenas uma
parte da sociedade, enquanto a imensa maioria do povo continua convivendo com as
mazelas de sempre, como a fome, o desemprego, o subemprego, a falta de cidadania
e a violência urbana, entre outras. Toda essa estrutura, se por um lado leva o homem
a refletir sobre Deus, a se preocupar com o seu lado espiritual, por outro favorece
também o fenômeno da secularização (CABRAL, 1996, p. 2A).
Os estudos mais antigos sobre o pentecostalismo costumavam apontar como uma das
razões principais para a adesão ao pentecostalismo o desamparo social e espiritual. Hoje em
dia, o tema da felicidade plena está mais evidente especialmente dentre as igrejas pentecostais
mais recentes como a IURD, por exemplo. Esta igreja tem demonstrado um grande poder de
adaptação ao ―mercado religioso‖, conforme observa Berger (1985, p. 147), ―Durante a maior
parte da história humana, os estabelecimentos religiosos existiam como monopólios (...)
transformaram-se de monopólios em competitivas agências de mercado (...) Imediatamente a
questão de ―resultados‖ torna-se importante‖.
44
Em uma situação de mercado religioso, os ―resultados‖ aos quais Berger se refere são,
entre outras coisas, as possibilidades de haver alguma transformação concreta na vida dos
adeptos de determinado grupo religioso. Esta transformação pode ser uma melhora na vida
financeira, afetiva, ou mesmo uma possibilidade de cura que se apresenta ao adepto. Além
disso, a imensa concorrência no ―mercado‖ cristão, especialmente pentecostal, faz com que as
igrejas procurem adaptar-se a esse ―mercado‖, passando por um processo de secularização
juntamente com a sociedade na qual elas estão inseridas. Segundo Berger (1985, p. 157):
25
Usamos aqui o termo comum entre os pentecostais, entenda-se igreja ―porta estreita‖ como aquela cuja
doutrina é rígida e repleta de proibições, o termo é bíblico conforme aparece em Mateus 7:13 "Entrai pela porta
estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por
ela.", ou ainda em Lucas 13:24 "Porfiai por entrar pela porta estreita; porque eu vos digo que muitos procurarão
entrar, e não poderão.". Igreja do tipo ―porta larga‖ são as igrejas que não possuem normas tão rígidas, ou que
fazem ―vista grossa‖ para algumas transgressões de seus membros.
45
Voltando ao raciocínio de Berger (1985, p. 38), este autor considera a religião como um
dos elementos culturalmente criados pelo homem para dar plausibilidade ao ―mundo‖ que o
cerca, para dar sentido aos acontecimentos, sejam cotidianos ou históricos.
Berger (1985, p. 29) usa o termo ―mundo‖ não simplesmente no sentido físico, mas o
―mundo‖ sociologicamente criado como um empreendimento coletivo, e criado
individualmente por cada um. Em ambos os casos, Berger observa a necessidade desse
―mundo‖ ser plausível, entenda-se ―plausibilidade‖ como os elementos que dão sentido à vida
do indivíduo, ou seja, o meio social em que ele vive, seu emprego, familiares, amigos e sua
religião, sendo a religião normalmente o principal elemento a dar sentido ao seu ―mundo‖.
Berger entende que as mudanças bruscas ou tragédias podem abalar, no sujeito, a
plausibilidade desse ―mundo‖.
Na nossa análise, será extremamente necessário o entendimento do conceito de ―campo
religioso‖. Buscamos este conceito em Bourdieu.
Bourdieu (2003, p. 30) considera o campo religioso como um ―lócus‖ de disputa de
forças religiosas antagônicas operando ―por meio da lógica da inclusão e da exclusão‖. Outra
característica marcante do campo religioso segundo Bourdieu (2003, p. 59) é a presença de
um ―mercado de bens de salvação‖ onde as instituições disputam entre si o espaço do campo,
para tanto, a instituição ou grupo que concorre neste espaço tem de lançar mão de estratégias
de legitimação e perpetuação neste campo:
Vendo pela ótica de um possível habitus religioso brasileiro, formado por elementos
fortemente presentes na cultura religiosa brasileira, como a existência de Deus; a ação de
espíritos, sejam eles de antepassados mortos ou de outra natureza; e a ação das forças do mal.
Todos estes elementos acabaram de alguma forma sendo combinados pela IURD e IIGD em
seus discursos. Embora elas não foram as primeiras, ao menos foram as que colocaram em
seus discursos com maior evidência, apresentando de certa forma uma novidade no campo
religioso brasileiro.
46
Bourdieu (2003, p. 58) também nos mostra elementos importantes que os grupos
religiosos devem fornecer para manter-se no mercado religioso:
Estes ―bens e serviços‖ podem ser, no caso da IURD e da IIGD, a ―salvação‖, cura,
prosperidade e melhora na vida afetiva.
Chesnut (2003, p. 3) é mais incisivo em relação à ideia de mercado religioso, embora ele
próprio baseie-se em Berger, para ele, o processo de laicização dos estados latino-americanos
que ocorreu no final do século XIX e início do século XX e a gradual perda de influência do
catolicismo ao longo do século XX possibilitou um fortalecimento do pluralismo religioso e
da livre concorrência no mercado religioso.
No novo livre mercado da fé, os latino-americanos têm liberdade para escolher entre
as centenas de produtos religiosos que melhor se ajustam às suas necessidades
espirituais e materiais. Depois de quatro séculos de monopólio religioso no qual a
principal escolha para as classes populares era ou consumir o produto católico ou
não consumir religião alguma.26
1.4 Os pentecostais no mercado religioso brasileiro e o que eles têm para oferecer
26
In the new free market of faith, Latin Americans are at liberty to choose among the hundreds of religious
products that best suit their spiritual and material needs. After four centuries of religious monopoly in which the
main choice for the popular classes was either to consume the Catholic product or not to consume any religion at
all.
47
Deus, mas o número de alternativas em oferta chegas às centenas‖ 27, vale lembrar que a obra
é de 1990 e a Igreja Universal, por exemplo, ainda não tinha alcançado a relevância atual.
Uma pesquisa de fôlego feita pelo Instituto de Estudos da Religião – ISER – também
aponta nesta direção. De acordo com a pesquisa feita em 1994 na região metropolitana da
cidade do Rio de Janeiro, de um total de 1332 pessoas pertencentes a igrejas protestantes;
históricas, renovadas e pentecostais, quase a metade estavam concentradas em duas
pentecostais; a Assembéia de Deus com 411 e a IURD com 218 (FERNANDES, 1998, p. 19).
Portanto, o campo religioso brasileiro é vasto, mas ao mesmo tempo algumas poucas
denominações se destacam, e o conjunto de elementos religiosos presentes nas instituições é
vasto e complexo, permitindo ao indivíduo construir a sua identidade religiosa.
Desenvolvendo um pouco mais esta ideia, percebemos que as instituições procuram muitas
vezes oferecer ―produtos‖ adaptados ao mercado, por exemplo, a IURD que reapropria-se de
crenças profundamente arraigadas na cultura brasileira ou a Bola de Neve, que adapta suas
pregações ao público mais jovem usando de linguagem adaptada a este público.
De acordo com Chesnut (2003, p. 5) uma das principais características das escolhas
religiosas que mais crescem na América Latina e Brasil (Renovação Carismática Católica,
Pentecostalismo e Religiões Afro) é o ―pneumacentrismo‖ (pneumacentrism), que na sua
definição:
O mesmo autor defende a ideia de que o fim do monopólio religioso católico possibilitou
a expansão de outras igrejas e formas de religiosidade, muitas vezes absorvendo as ovelhas
―perdidas‖, ou até mesmo ―abandonadas‖. Este crescimento foi possível também, graças as
diversas transformações históricas pelas quais passou o Brasil ao longo do século XX, e neste
27
―(…) most of the 'market' is served by about a dozen major organizations, in particular the Assemblies of God,
but the number of alternatives on offer goes into hundreds‖ (MARTIN, 1990, p. 52).
28
Although distinct doctrines and practice separate the three faiths, the common element of pnuemacentrism
unites them in their success in the free market of faith. Deriving from the Greek word for "soul" or "spirit,"
pneumatics is the branch of Christian theology that is concerned with matters of the Holy Spirit Expanding the
definition beyond its traditional Christian boundaries, I consider pneumatic religion to be any faith-based
organization that puts direct communication with the Spirit or spirits at the center of its belief system. Thus both
Pentecostalism and the CCR are pneumacentric in that their emphasis.
48
ponto os autores mais ou menos concordam que o intenso crescimento urbano, as migrações e
o consequente êxodo rural, a marginalização e empobrecimento de boa parte da população e o
crescimento dos meios de comunicação de massa, facilitaram o crescimento pentecostal.
Sem querer reforçar antigos preconceitos em relação ao crescimento pentecostal dentro
das camadas mais empobrecidas da sociedade, não podemos desprezar o fato de que é
realmente neste substrato que algumas das igrejas pentecostais mais crescem (MACHADO,
1996, p. 44). Por exemplo, de acordo com a pesquisa do ISER, dentro do universo protestante
era a IURD que concentrava a maior porcentagem de membros da baixa renda
(FERNANDES, 1998, p. 24).
Portanto, em diversos momentos e diversos contextos no Brasil criaram-se situações que
provocaram mudanças bruscas nas vidas dos sujeitos envolvidos, ou seja, o que Berger (1985,
p. 29) chamaria de quebra na estrutura de plausibilidade:
29
The basic reason for the expansion of Pentecostalism, quite apart from any aura of modernity or any external
financial help, is its capacity to combine a 'New Man' with an ancient strain of spirit possession and healing. It is
at once the most recent expression of Christianity, and in touch with the therapeutic cults embedded in a world-
wide 'archaic' religiosity.
49
30
Consequently, the main impact of television is confirmatory. If it presents which fit what people already
believe, it bolsters those views; if what it presents clashes, it is ignored or explained away. Second, and
following from that, television messages only influence the sympathetic viewer.
50
O que foi dito na situação anterior também se encaixa na programação da IURD, que
sempre reforça a crença na ação dos espíritos brasileiros.
Retomando a alegoria da ―crosta de aço‖ de Weber, no Brasil é como se tivéssemos um
processo inverso, uma ―crosta religiosa de aço‖, ou seja, apesar de todos os processos
históricos que houveram no Brasil e que poderiam ter enfraquecido a religiosidade das
pessoas, por exemplo a modernização e o crescimento econômico, ainda assim percebeu-se ao
longo do processo de produção da tese no contato com brasileiros de diversos estratos sociais
e de diferentes lugares uma forte religiosidade. Dentre os informantes brasileiros na Holanda,
por exemplo, ninguém se declarou ateu, mesmo os que há tempos não frequentavam cultos
ainda demonstravam respeito e simpatia por alguma denominação a qual tivessem pertencido.
A religiosidade torna-se um identificador do brasileiro inclusive na relação e em
contraposição à outras nacionalidades. Não era raro demonstrarem certo orgulho por se
considerarem mais religiosos que os holandeses nativos e mais civilizados que outros
imigrantes, especialmente os muçulmanos. A ―crosta religiosa de aço‖ do brasileiro parece
acompanhá-lo por toda vida e por todo lugar, mesmo fora do Brasil.
Portanto, as instituições mais bem sucedidas são as que conseguem melhor combinar os
elementos daquilo que Droogers (1987) chama de ―religiosidade mínima brasileira‖: um
conjunto de crenças que fazem parte da cultura brasileira e que são difundidas na mídia e na
cultura geral, como a crença na existência de Deus e na possibilidade de ação de espíritos.
51
2.1 O Início
31
―PENTECOSTES – (do grego he pentekoste [hemera], ―o 50º dia‖). Festa judeu-israelita da colheita. No
judaísmo a festa recebeu um motivo histórico, tornando-se o aniversário da outorga da lei a Moisés. (...) O
Pentecostes é mencionado mais freqüentemente no Novo Testamento do que no Antigo Testamento; recebe sua
importância na fé e na liturgia cristãs do evento relatado em At. 2, a descida do Espírito Santo sobre os
discípulos, o dom das línguas, o discurso de Pedro e a formação da primeira igreja cristã. Lc. faz de Pentecostes
―o nascimento da igreja universal‖ (Lohse). (...) Há, possivelmente, uma alusão à história da torre de Babel, na
qual a humanidade foi dividida pela diversidade de línguas. A unidade perdida é restaurada na Igreja, que fala
todas as línguas, mas é uma sociedade unificada‖ (MCKENZIE, 1983).
32
Na verdade, de acordo com Hollenweger (1988, p. 22), o ponto inicial foi em 9 de abril de 1906 na rua Bonnie
Brae nº 14, quando, num encontro de oração conduzido por William Seymour o ―fogo desceu‖ e o primeiro a
receber o batismo do Espírito Santo foi um garoto negro de oito anos de idade, aliás, o próprio Seymour e boa
parte da audiência eram negros.
52
sobre ela, sendo que outros vivenciaram a mesma experiência nos dias subsequentes (2004ª,
p. 34).
Porém, segundo Anderson (2004a, p.19; 2004b; 1997), há indícios das ―manifestações
do Espírito Santo‖ possivelmente pelo menos desde o século II da era Cristã, e estas
manifestações prosseguiram ao longo da história dentro da Igreja Católica ou das igrejas
protestantes, sendo normalmente suprimidas, inclusive durante a Idade Média, tendo tais
manifestações sido tratadas como bruxaria ou possessão demoníaca (2004a, p. 22).
As raízes do pentecostalismo moderno, de matriz norte-americana, ou seja, aquele que
se espalhou com mais influência pelo mundo teve origens no movimento revivalista ou de
santificação, tendo um de seus principais representantes, Charles Finney, relatando ―batismo
do Espírito Santo‖ ainda em 1821 em seu escritório de advocacia, em ―ondas e ondas de amor
líquido‖ 33.
Porém, é bastante comum, ao traçarem a genealogia de suas igrejas, os líderes ou
simples membros mencionarem que sua igreja, embora fundada no século XX, é a verdadeira
continuação da igreja primitiva, e por vezes a única verdadeira. Anderson ressalta uma
característica importante do pentecostalismo mundo afora em comparação com aquele que
vinha sendo considerado o clássico, segundo ele: ―‗o pentecostalismo‘ do tipo que existe nos
EUA é apenas uma parte do quadro total das muitas formas de ‗pentecostalismos‘, e os
tesouros escondidos destas histórias locais precisam ser descobertos‖ 34.
Não pretendo aqui mapear todo o desenvolvimento do pentecostalismo, o que
pretendemos destacar é que, a despeito da origem norte-americana, as manifestações do
pentecostalismo acabaram adquirindo vida própria dentro de cada contexto no qual se inseriu,
como pode ser percebido analisando-se a bibliografia que trata do pentecostalismo mundo
afora, embora permaneçam semelhanças, principalmente em certos aspectos doutrinais, são
bastante perceptíveis também as nuances de acordo com a realidade de cada país e de cada
momento histórico.
33
―in waves and waves of liquid love.‖ (ANDERSON, 2004a, p. 28).
34
―‗Pentecostalism‘ that is made in the USA is only one part of the total picture of many forms
‗Pentecostalisms‘, and the hidden treasures of these local histories need to be discovered.‖ (ANDERSON, 2004a,
p. 170).
53
35
The rapid international expansion of pentecostalism was due to American missionaries in contact with home,
and immigrants in the US in contact with their homelands and with compatriots elsewhere. Chile, Mexico and
Brazil illustrate these routes. In 1907, a Methodist missionary in Chile, informed of the novelty by friends in the
States and elsewhere, began to teach pentecostal doctrine. His followers were expelled from the Methodist
Church two years later and founded a denomination which later became Chile's largest Protestant group.
36
Lembrando que o autor usa o termo evangélico em sentido mais amplo, e não apenas para se referir a
pentecostais.
54
37
When evangelists say that the secret of North American prosperity is its Protestant heritage, many Latin
Americans are therefore willing to listen. The missions are well aware of the relation between social stress, the
resources at their disposal to alleviate it, and interest in their religion. "We cannot fail to recognize the impact of
this suffering," one missionary observed - "We pray that God will spare us from that kind of church growth
strategy, but as the clouds gather on the horizon, we must prepare ourselves for a great harvest in times of acute
suffering." "One possible conclusion," a Brethren in Christ missionary summed up reluctantly, surveying the
wreckage of Sandinista Nicaragua, "if you want church growth, pray for economic and political devastation."
"When there is any kind of trauma," an Overseas Crusades official stated, "that is when1 we need to rush
resources.
55
Freston (1999, p. 150) considera tais distinções um tanto vagas por não reconhecerem
as nuances do campo pentecostal, ele próprio então propõe uma classificação baseada no que
considera três importantes momentos históricos na expansão do pentecostalismo que ele
chama de ―ondas‖ de expansão.
O autor (FRESTON, 1994, p. 71) utiliza esta classificação levando em conta aspectos
geográficos e históricos da formação destas igrejas. Para ele, após a expansão inicial da
primeira onda, surge ainda uma segunda onda de expansão nos anos 50 e 60 com o
surgimento da Igreja Quadrangular em 1951, Brasil para Cristo em 1955 e Igreja Pentecostal
Deus é Amor em 1962, igrejas essencialmente paulistas. E por último, o que Freston classifica
de terceira onda, formada por igrejas essencialmente cariocas do final da década de 70 e início
da década de 80, com a Igreja Universal do Reino de Deus em 1977 e a Igreja internacional da
Graça de Deus em 1980. Para nosso estudo, trataremos o termo ―neopentecostal‖ como
56
38
Segundo o Censo 2000, o número total de pessoas pertencentes a igrejas pentecostais é de 17.617.307, sendo
8.418.140 da Assembléia de Deus, 2.489.113 da Congregação Cristã, 1.318.805 da Igreja Quadrangular, 774.830
da Deus é Amor, 175.618 da Brasil para Cristo e finalmente 2.101.887 da IURD, totalizando 15.278.393
pessoas. (IBGE, 2003).
57
era esquecido por todos, inclusive pela Igreja. Então, este ser totalmente marginalizado pelo
poder público e pela Igreja, quando tinha um problema de qualquer ordem, rezava ao seu
santo de devoção, ia às procissões e novenas em homenagem a seu santo, pagava as
promessas, e quase tudo à margem do ―catolicismo oficial aburguesado‖ (ROLIM, 1994, p.
17). Entretanto, o distanciamento entre o catolicismo oficial e os pobres não é suficiente para
explicar a rápida adesão que a Assembléia de Deus teve no norte do Brasil, partindo da
periferia de Belém do Pará, outros elementos importantes devem ser assinalados. Um desses
elementos, por exemplo, segundo Rolim, é a ―frieza‖ da missa católica. Pode parecer um
detalhe insignificante, mas não é. Estamos falando de um tipo de missa do início do século
XX, em que os padres ainda a celebravam em latim, virados de costas para o público. Essa
frieza triste não estimulava alguém da zona rural ou mesmo da periferia urbana a caminhar
horas para assistir esse tipo de culto.
Além da frieza do culto em si, o distanciamento que acontecia entre as pessoas antes,
durante e depois da missa era desanimador. Havia dentro do espaço físico da Igreja uma
divisão de classes. Ao final do culto, o padre acabava dando atenção apenas às famílias
proeminentes, desprezando os pobres. Tudo isso reforçava a característica devocional
doméstica entre as classes mais pobres, que se tornou o terreno preferido para o crescimento
da Assembléia de Deus e das outras Igrejas pentecostais que se seguiram. Enfim, na Igreja
Católica o fiel não tinha a liberdade que ele posteriormente encontraria nas Igrejas
pentecostais. Ao chegar em um templo pentecostal, por exemplo, o membro ou mesmo um
visitante era cumprimentado calorosamente, inclusive por estranhos. O tipo de culto
pentecostal, onde cada um podia (e ainda pode em muitas igrejas) fazer a oração ao seu modo,
com o tom de voz e as palavras que quiser, inclusive gritando bem alto39, vai de encontro à
organização excessiva com uma hierarquia bem organizada dentro do culto, típico do
protestantismo histórico e da Igreja Católica, o frequentador não tinha participação tão
destacada como nas Igrejas pentecostais, onde ele podia desenvolver um papel mais relevante
no culto.
É claro que entrar para uma Igreja pentecostal nessas décadas inicias do século XX
não era algo realmente fácil. O preconceito era muito grande chegando ao ponto mesmo de
evangélicos terem dificuldades para conseguir emprego além de certos tipos de perseguições
por parte da Igreja Católica (ROLIM, 1994, p. 33). Entretanto para muitas pessoas
desamparadas, apesar dos reveses, uma Igreja do tipo da Assembléia de Deus era
39
Observamos isso pessoalmente nos cultos da Igreja Pentecostal Deus é Amor. N/A.
60
praticamente irresistível. Uma Igreja onde o membro, mesmo sendo ignorante e analfabeto,
poderia pregar e talvez até chegar a ser um pastor, ou ainda para aqueles que sabiam ler,
mesmo que precariamente, finalmente teriam contato direto com a palavra de Deus (Bíblia),
pois isso sempre foi bastante incentivado pelas Igrejas pentecostais.
Portanto, percebe-se que o sucesso da Assembléia de Deus sobre a grande massa de
devotos pobres católicos no norte e nordeste do Brasil se deve, principalmente, ao fato da
Assembléia procurar conquistar seus espaços dentro das lacunas e dos anseios não atendidos
pelo catolicismo, não fazendo, portanto, um confronto direto com a Igreja Católica.
40
O nome se refere a quatro qualidades de Cristo: Salvador, Batizador no Espírito Santo, Médico e Rei que
voltará, ou seja: salvação, experiência carismática, cura divina e expectativa do advento (FRESTON, 1994, p.
110).
61
que até hoje controla a igreja com pulso firme dando a ela uma forte característica
personalista, mantendo o controle nacional e o controle dos principais estados nas próprias
mãos e de seus familiares (esposa, filhos, filhas e genros) (MEDEIROS, 2002). Pela
característica extremamente antiecumênica e isolacionista em relação a outras igrejas,
pentecostais ou não, e mesmo pelo seu forte personalismo, a IPDA não teve um crescimento
tão vertiginoso quanto outras pentecostais, mas sua relevância reside no fato dela se manter
com as características conservadoras dos primeiros tempos do pentecostalismo e ao mesmo
tempo difundiu inovações que foram muito absorvidas pelas igrejas da terceira onda, como a
IURD:
O berço da IURD e IIGD foi a Igreja de Nova Vida, fundada pelo canadense Robert
McAlister. A Nova Vida foi fundamental para a formação da ―terceira onda‖ pentecostal, pois
foi ―pioneira de um carismatismo de classe média‖ (FRESTON, 1994, p. 132). e serviu como
uma espécie de estágio para os líderes da terceira onda, pois tanto Edir Macedo (líder da
IURD) e R. R. Soares (líder da IIGD) foram membros lá, e foi nessa igreja que buscaram um
modelo de igreja ―mais culturalmente solto‖ (FRESTON, 1994, p. 133).
A IURD foi fundada no ano de 1977 por Edir Macedo e pelo missionário Romildo
Ribeiro Soares e começo a se expandir de fato a partir de 1981 (FRESTON, 1998, p. 9), no
ano seguinte ao rompimento entre Macedo e Soares, quando o segundo sai e funda a IIGD. O
crescimento da IURD segue a tendência das religiões pentecostais nas últimas décadas,
conforme observa Freston (1998, p. 15):
A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) está inserida no fenômeno que Freston
(1994, p. 70) chama de ―terceira onda‖ pentecostal, o período final da década de 70 quando
surgem a IURD em 1977 e a Igreja Internacional da Graça de Deus e m 1980. A primeira
vista a IURD parece seguir a mesma lógica da maioria das igrejas pentecostais: surge como
uma pequena igreja em torno de um líder carismático e a partir deste pequeno núcleo
lentamente vai se expandindo. Entretanto a IURD possui algumas especificidades que
merecem nossa atenção. As diferenciações da Igreja Universal em relação às outras vão,
desde seus aspectos estruturais passando, por seus membros e frequentadores, sua liderança e
principalmente suas estratégias.
Comecemos pela liderança. O Bispo Edir Macedo Bezerra, conhecido como Bispo Edir
Macedo ou simplesmente Bispo Macedo. Nascido em 1945, era relativamente jovem quando
fundou a IURD (tinha 32 anos de idade) e, diferente de muitos outros fundadores de igrejas
pentecostais que até se orgulham da pouca instrução formal, Macedo faz questão de divulgar
diversos títulos acadêmicos (MACEDO, 2008) um tanto obscuros. De acordo com seu website
pessoal ele ―é graduado em Teologia, pela Faculdade Evangélica de Teologia "Seminário
Unido", e pela Faculdade de Educação Teológica no Estado de São Paulo (FATEBOM). Fez
doutorado em Teologia, Filosofia Cristã e Honoris Causa em Divindade. Na FATEBOM
(2008) pagam-se R$2000 na obtenção de cada um destes títulos, além disso, os cursos são a
distância e não são reconhecidos pelo MEC, além do mestrado em Ciências Teológicas na
Federación Evangélica Española de Entidades Religiosas "F.E.E.D.E.R"41 (Madri – Espanha)
(MACEDO, 2008). (bacharel em Teologia, doutor em Teologia Cristã, doutor em Filosofia
Cristã, etc.). Portanto, de acordo com as informações obtidas, e a ausência destas, a vida
acadêmica de Macedo parece principalmente baseada em títulos honoríficos de origem um
tanto nebulosa ao invés de uma sólida formação acadêmica. Ele também assina dezenas de
livros publicados pela instituição através das empresas Gráfica Universal e Universal
Produções. Todo esse suposto preparo contrasta com certa falta de preparo por parte de outras
lideranças, como é o caso do líder mundial da Igreja Pentecostal Deus é Amor, Missionário
David Miranda que publicou apenas um livro (MIRANDA, D., 1992) e em condições
precárias, inclusive com erros de ortografia.
Enquanto muitas lideranças pentecostais procuram manter suas igrejas extremamente
―presas‖ a si, dificultando o crescimento, Macedo conseguiu delegar poderes a outros bispos
da IURD tornando-a um poderoso conglomerado de empresas sem, entretanto, deixar de
41
Não foi possível encontrar referências na internet sobre esta instituição, as únicas menções estão relacionadas
ao nome de Edir Macedo.
63
figurar como o grande líder da igreja. Percebe-se, aliás, que o forte poder de organização da
instituição faz com que se chegue ao extremo dos pastores imitarem a forma de falar do bispo
Macedo42.
A segunda instituição objeto da nossa pesquisa, a Igreja Internacional da Graça de Deus
foi fundada em 1980 pelo missionário Romildo Ribeiro Soares, após um cisma na IURD, da
qual também foi um dos fundadores e se desligou após desentendimentos com Edir Macedo:
Assim como Macedo é o grande líder da Universal, Soares é da Igreja da Graça, embora
haja uma diferença entre ambos na forma de conduzir as suas respectivas instituições, pois
Soares é considerado mais centralizador que Macedo (COHEN; CARDOSO, 2003, p.47) e
sua Igreja não tem a mesma envergadura que a IURD.
O crescimento de ambas as instituições está atrelado ao fato de sua forte inserção na
mídia eletrônica. R.R. Soares, por exemplo, relembra de seu passado e de uma espécie de
profecia para explicar sua ligação com a TV:
42
Este fato pôde ser verificado in loco nas visitas feitas aos templos centrais em Florianópolis, São Paulo (sede
nacional), sede do Rio Grande do Norte em Natal e a sede do Rio Grande do Sul em Porto Alegre, mesmo os
timbres de voz dos tecladistas que acompanham os cultos nestes diversos lugares também eram bem
semelhantes.
64
Osborn e a família Hagin, Kenneth E. Hagin e Kenneth E. Hagin Jr. A importância destes
autores é reconhecida pela própria igreja, de acordo com seu site oficial:
Apesar de toda esta importância dada aos cultos televisionados, a vivência cotidiana da
Igreja da Graça conserva uma das características mais caras às igrejas pentecostais que é o
exercício da leitura das sagradas escrituras. Certamente não é nenhuma novidade no meio
pentecostal, mas não deixa de ser uma característica interessante se compararmos com a
IURD. Em todos os cultos que presenciei na sede estadual em Florianópolis, a maioria das
pessoas, senão todas, estavam cada um com sua bíblia, a maioria eram bíblias com a capa
personalizada da Igreja. E normalmente em pelo menos em um momento do culto o pastor faz
uma leitura de um trecho curto acompanhado por todos, e explica este trecho dando sua
interpretação, semelhante ao que o missionário R.R. Soares faz no programa Show da Fé. Na
IURD, por outro lado, há cultos em que a bíblia não é aberta nenhuma vez (ao menos pelos
frequentadores), e nem todos trazem a bíblia.
65
Nesta parte da tese discutiremos os principais aspectos do discurso das igrejas a partir de
alguns grandes temas que acabam se intercalando. A conversão à igreja, a salvação, a
conquista de bens materiais, a harmonia familiar e a saúde em seus vários aspectos.
Cruzaremos informações obtidas através da observação participante nos cultos, livros,
conversas com frequentadores dentre outras fontes produzidas pela igreja. Nos capítulos que
tratam da presença de brasileiros na Holanda alguns destes temas serão retomados e
relacionados com as especificidades que eles adquirem com a presença dos brasileiros no
exterior.
A análise do discurso é uma das nossas principais ferramentas para tentar compreender
as estratégias das igrejas, uma vez que a análise de discurso permite-nos ao menos ―uma
relação menos ingênua com a linguagem‖, para Orlandi (2001, p. 9):
A Análise de Discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata
da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a
palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de
correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de
linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando.
Estas igrejas, por serem instituições religiosas, veiculam o típico discurso religioso. Para
esta autora (1987a, p. 15), o discurso religioso é essencialmente autoritário, pois não faz
abertura para contestações e estabelece uma relação de dominação entre Deus e os sujeitos
que o seguem. Como em todo discurso autoritário, no discurso religioso, o referente ―está
ausente, oculto pelo dizer‖. Assim vamos partir da caracterização da assimetria entre locutor e
ouvinte no discurso religioso segundo Orlandi (1987a, p. 15):
Se ―o locutor é Deus‖, ou seja, se o pastor fala a ―em nome de Deus‖, o que ele diz não
pode ser contestado.
66
Detecta-se nestas igrejas, como é comum nas igrejas cristãs, uma diferenciação no acesso
aos diferentes níveis do discurso, como observa Foucault (1996, p. 37) ―nem todas as regiões
do discurso são igualmente abertas e penetráveis; algumas são altamente proibidas
(diferenciadas e diferenciantes), enquanto outras parecem quase abertas a todos os ventos e
postas, sem restrição prévia, à disposição de cada sujeito que fala‖. Esta diferenciação começa
pela própria produção do discurso que cabe principalmente aos ―intelectuais‖ das igrejas, que
são consequentemente seus principais pastores. Há pouca literatura disponível de autores não
iurdianos, com exceção de autores estrangeiros que são muito valorizados pelas igrejas.43
Esta diferenciação no acesso ao discurso nem sempre é necessariamente imposta.
Percebe-se no discurso escrito um maior refinamento do que naquele falado nos cultos.
Embora não haja incoerência entre ambos, é possível saber que nem todos têm acesso ao
discurso escrito, isto é facilmente perceptível ao compararmos a tiragem das obras com os
números oficiais do Censo. Ou seja, não é por uma imposição da igreja que um certo tipo de
discurso não é tão acessível quanto outros, mas sim pelo veículo de difusão escolhido e pela
procura dos receptores deste discurso. É certo que nada é ingênuo nesta relação, nas
transmissões de cultos e programas televisivos, evita-se as argumentações polêmicas em
relação ao dinheiro, estas argumentações acontecem mais nos livros e nos cultos, locais mais
apropriados para estas argumentações.
43
Estas impressões foram colhidas por visitas do autor nas sedes estaduais de ambas instituições e visitas em
sites de Internet das mesmas. Na IURD predomina os livros escritos pelos seus pastores, principalmente o bispo
Macedo, enquanto na IIGD é muito forte a presença de obras de evangelistas americanos renomados, como
Kenneth E. Hagin.
67
Mas o ponto alto da difusão discursiva da IURD e da IIGD ainda é o culto, nas diversas
observações feitas nos cultos pela televisão ou in loco percebe-se uma forte coesão no
discurso dos pastores, e comentários que demonstram que ao menos eles tem um acesso maior
ao discurso produzido pela liderança e estão bem preparados. A eficácia do culto reside no
fato de a maior parte das pessoas presentes comungarem das mesmas crenças. É o culto, ou
ritual, o ápice da transmissão do discurso religioso.
(...) o ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam (e que,
no jogo do diálogo, da interrogação, da recitação, devem ocupar determinada
posição e formular determinado tipo de enunciados); define os gestos, os
comportamentos, as circunstâncias, e todo o conjunto de signos que devem
acompanhar o discurso; fixa, enfim, a eficácia suposta ou imposta das palavras, seu
efeito sobre aqueles aos quais se dirigem, os limites de seu valor de coerção. Os
discursos religiosos, judiciários, terapêuticos e, em parte também, políticos não
podem ser dissociados dessa prática de um ritual que determina para os sujeitos que
falam, ao mesmo tempo, propriedades singulares e papéis preestabelecidos
(FOUCAULT, 1996, p. 39)
Essa é, então, uma questão relevante: como o homem fala no dizer que ele coloca na
voz de Deus? A religião, sendo vista enquanto discurso, leva a apreender um dos
lugares de sua constituição: o discurso religioso como a territorialização da
espiritualidade do homem. É onde ele a constrói (ORLANDI, 1987b, p. 8).
Para que esta construção aconteça tem de haver a intertextualidade, a qual segundo Dias
(1987, p. 49)é a ―relação de um discurso com outros discursos – referida à assimetria entre os
planos espiritual e temporal forma uma condição característica do discurso religioso‖. Além
disso, no processo de construção do discurso percebe-se a influência dos múltiplos sentidos
que uma mesma situação pode ter para os sujeitos (ORLANDI, 2007, p.21), cabendo aos
produtores do discurso dar o sentido mais conveniente, conforme veremos mais adiante no
capítulo que trata das questões éticas sobre a imigração ilegal. Não podemos desprezar,
portanto, o elemento ―concorrência‖ presente no mercado religioso como fator influente na
produção do discurso. O discurso tem de agradar, mas não só a curto e médio prazo.
68
O testemunho dado de pessoa para pessoa também pode ser uma forma eficaz de
proselitismo ao tentar converter ou convencer outra pessoa, ou mesmo aumentar o próprio
prestígio ao dar um ―bom testemunho‖, o que é certamente um sinal de triunfo.
vezes chega até ser assumida por suas lideranças, como foi por Edir Macedo em sua biografia,
mas a questão é um pouco mais complexa.
Segundo Roca (2007, p. 332), a elaboração que os fiéis fazem da relação entre Deus e o
dinheiro é mais ampla e não perde seu caráter sagrado:
Tentemos então analisar esta questão a partir das fontes. A IURD tem uma literatura
considerável para tratar do dízimo e das ofertas, bem como uma intensa divulgação na
Internet e uma menor divulgação em seus programas de TV, possivelmente para evitar os
tradicionais ataques contra a prática do dízimo e ofertas.
Dentre os livros destacamos: ―O Perfeito Sacrifício‖, do bispo Macedo; ―A Deus o que é
de Deus‖ do pastor José Cabral; ―Como ser um Dizimista Fiel‖, de Natal Furucho; e o tema
também aparece pontualmente na série ―Doutrinas da IURD, volumes 1, 2 e 3‖ de autoria de
Edir Macedo, além de breves referências em outras obras da instituição.
Apesar de serem livros de poucas páginas, é forçoso crer que estes livros tenham uma
grande difusão entre os fiéis da IURD, mas sua eficácia como transmissor do discurso da
igreja pode ser comprovada pela uniformidade de argumentação e pregações dos pastores nos
cultos e programas televisivos, bem como na mídia impressa da instituição.
Cabe destacar que muitas das argumentações repetem-se nos livros, para aquele que lê
dois ou mais desses livros torna-se portanto bastante repetitiva a leitura.
O dízimo também é difundido na Internet através do site da ―Corrente dos 318‖ (IURD,
2003), onde são exibidos trechos do livro ―Como ser um Dizimista Fiel‖, o qual trataremos
adiante.
Por hora, trataremos dos livros ―A Deus o que é de Deus‖ e ―Como ser um Dizimista
Fiel‖. Ambos tratam do dízimo e são livros pequenos, o que permite uma leitura rápida e
menos cansativa, além de possuírem uma linguagem clara e acessível. O primeiro trata-se de
um livro com 100 páginas e a argumentação é bastante minuciosa, tratando de explicar o que
44
By giving money to the church, the believers may not just be seeking a business investment and a partnership,
they may be building upon a common value, giving credit to this common project. In other words, this is not a
religion of money, or ‗money fetishism‘, a religion that says that money is God; to the contrary it says that God
can also be found in money – that money ultimately belongs to God, and not the other way around.
71
é o dízimo, sua história, sua significação bíblica e principalmente o ―porquê‖ do fiel ter de dar
o dízimo. Já o segundo é um livro menor, com apenas 41 páginas de texto e mais 10 paginas
com tabelas para o dizimista controlar o seu dízimo. Este livro sintetiza as ideias do primeiro
só que de uma forma ainda mais simples além de apresentar um conjunto de perguntas e
respostas sobre o dízimo, questões bem práticas e cotidianas do tipo ―Como o empresário
deve dar o dízimo?‖ ou ―Deve-se dar o dízimo do vale transporte?‖. É provável que este livro
tenha sido feito para chegar realmente ao grande público iurdiano, dada a sua objetividade.
Devemos deixar claras as diferenças entre dízimo e oferta para a IURD, apesar de ambas
serem em geral doações em dinheiro à igreja. Segundo o próprio bispo Macedo (1998, p. 97):
Já é fato conhecido daqueles que estudam o campo religioso que a maior parte das
igrejas cristãs pede o dízimo e entre as pentecostais a prática desta contribuição é muito mais
institucionalizada do que em outras igrejas. A IURD, mantém essa característica das igrejas
pentecostais mais antigas e aperfeiçoa seus métodos construindo uma cadeia argumentativa
72
E, depois que este dito se divulgou, os filhos de Israel trouxeram muitas primícias de
trigo, mosto, azeite, e mel, e de toda a novidade do campo: também os dízimos de
tudo trouxeram em abundância (2CR 31:5).
E os filhos de Israel e de Judá, que habitavam na cidade de Judá, também trouxeram
dízimos das vacas e das ovelhas, e dízimos das cousas sagradas que foram
consagradas ao Senhor seu Deus; e fizeram muitos montões (2CR 31:6) (BÍBLIA
SAGRADA, 1989)
Certamente a forma de dizimar acima exposta não faz sentido nos tempos de hoje,
especialmente no caso da IURD, uma igreja urbana. Para prevenir-se então de uma eventual
argumentação contra o dízimo baseada em uma interpretação também literal do texto bíblico,
o autor, desta vez, procura uma explicação histórica para adaptar os versículos bíblicos.
Já ouvi o argumento de que o dízimo era coisa dos povos antigos e consistia apenas
em gados, grãos ou frutos, e não em dinheiro, e que por isso não deveria ser
praticado em nossos tempos. Tal argumento mostra desconhecimento da bíblia.
A sociedade dos tempos bíblicos tinha sua economia elaborada basicamente no
sistema de troca, onde o valor estava no objeto, e não na moeda. Dessa forma,
animais e alimentos tinham mais valor na oferenda do que o dinheiro que valiam.
(...) Na sociedade em que vivemos, onde a moeda é a base da economia e as pessoas
vivem de salários, é claro que se torna muito mais fácil dizimar em dinheiro. Aliás,
nunca vi as pessoas que usam tais argumentos trazerem à igreja bois, ovelhas, grãos,
frutos, sacos de cimento, máquinas, etc., como sendo seus dízimos (CABRAL,
1997, p. 18).
bacia contendo suco de uva representando sangue45, elemento fundamental nos sacrifícios do
antigo testamento e em certos cultos afro-brasileiros (ORTIZ, 1978, p. 138). Ou seja, a IURD
consegue afetar pessoas de passados religiosos diversos com essa estratégia. Entretanto,
devemos ressaltar que estas práticas da IURD baseiam-se em práticas mencionadas no antigo
testamento.
De que somos chamados quando devemos alguma coisa a alguém e não pagamos? E
ainda, quando ficamos com o que não é nosso e gastamos?
Em Malaquias 3.8 o profeta pergunta: ―Roubará o homem a Deus?” e o Senhor
responde ao povo: “Todavia vós me roubais:” O povo pergunta: “Em que te
havemos roubado?” Ainda o Senhor responde: “Nos dízimos e ofertas”. Em não
entregar ao Senhor os dízimos e ofertas, o povo O estava roubando. Foi chamado de
ladrão.
(...) Deus os acusa de roubo e Jesus lhes diz: ―Daí a Deus o que é de Deus.‖ Se você
quer merecer bom conceito e ser tido como honesto, devolva a Deus o que Lhe deve
e todos o bendirão (CABRAL, 1997, p. 63).
Esta argumentação vem de outra bem simples, ―Para o povo de Deus, o caráter
obrigatório não surge de uma determinação legal ou religiosa, mas da firme convicção de que
Deus é dono de todas as coisas, e por isso mesmo merece os primeiros e melhores produtos de
seu trabalho‖ (CABRAL, 1997, p. 16), portanto o fiel está fazendo uma pequena ―devolução
exigida por Deus‖. Aos poucos vamos percebendo que as estratégias iurdianas cercam por
todos os flancos: a negociação com Deus do tipo ―Toma lá, dá cá‖, o terror no uso de
45
No programa televisivo transmitido localmente na grande Florianópolis pela Rede Record de Televisão no dia
06/01/2004 um pastor convida as pessoas a assistirem o culto da ―Sessão Espiritual do Descarrego‖ e receberem
o ―banho do descarrego‖, segundo o próprio pastor que apresentava o programa, uma garrafa contendo uma
solução de água, óleo, trigo e suco de uva representando sangue.
74
Contribuir com a décima parte dos ganhos para a obra de Deus não é um negócio a
ser feito com ele, tampouco uma obrigação legal. Considerada assim, essa oferta
assume a características pagã ―dou para que me retribuas‖ ou transforma-se em um
mero ato de obediência legalista; conceitos alheios aos princípios evocados nas
escrituras (CABRAL, 1997, p. 41).
É importante mencionar que a IURD não nega a necessidade do dízimo para a sua
manutenção, ―(...) entendemos que as principais finalidades do dízimo são: a manutenção
dessa comunidade de fé que é a Igreja, o culto a Deus para o qual todas as pessoas devem ser
convidadas e, consequentemente, o suporte financeiro necessário para ganhar os que ainda
não foram salvos (CABRAL, 1997, p. 29)‖.
Há ainda uma forte preocupação da IURD para que o dízimo seja realmente entregue
para a igreja, e que o fiel não tente ele mesmo administrar e aplicar o dinheiro do dízimo em
outras coisas, por exemplo, em obras de caridade. Na obra ―Como ser um Dizimista Fiel‖, na
75
sessão ―Perguntas comuns sobre a utilização do dízimo‖, eis a resposta para a pergunta:
―Posso fazer doações aos pobres utilizando o dízimo?‖.
O dízimo não pode ser utilizado aleatoriamente, ainda que seja em benefício de
pessoas carentes e necessitadas. A Administração do dízimo cabe exclusivamente à
igreja, e, os sacerdotes responsáveis por ela é que devem definir onde e quando
utilizá-lo. Imagine se todos os cristãos utilizassem o dízimo para fazer doações ou
algo parecido, a igreja não teria condições de funcionar nem anunciar a salvação. O
cristão sincero conhece a necessidade de sua igreja e por isso jamais empregaria o
seu dízimo de maneira incorreta, mesmo que isso tivesse aparência de gesto piedoso
(FURUCHO, 2001, p. 38).
Esta obra tem dimensões físicas menores do que as outras obras citadas e a linguagem é
ainda mais clara, pois a maior parte dela constitui-se de perguntas e respostas que possam
fazer parte da vida cotidiana da maioria dos membros da IURD. É um manual completo do
dizimista, mostrando exemplos e traz ainda tabelas em branco para o dizimista controlar o seu
dízimo e uma tabela preenchida como exemplo.
Reparem que no exemplo dado pelo autor, além do dízimo de R$ 100 está prevista
também uma ―oferta especial‖ no mesmo valor, o que, neste exemplo, o total de doações à
igreja comprometeria 20% da renda do dizimista.
76
Os dízimos e ofertas são formas de sacrifício? Sim, por que o dinheiro que
entregamos à igreja é o resultado do nosso trabalho e representa parte do nosso
trabalho e representa parte do tempo no qual gastamos a nossa vida para obtê-lo.
Nesse aspecto o dinheiro é um pouco de nós mesmos que depositamos no altar do
senhor (MACEDO, 1999a, p. 35).
O uso proposital de certas citações bíblicas deixa claro que a doação deve ser espontânea
e sem limites, na mesma página da citação anterior é feita a seguinte citação bíblica: ―Cada
um contribua segundo tiver proposto no coração, não com tristeza ou por necessidade; por que
Deus ama a quem dá com alegria (2 Coríntios 9,7)‖ (MACEDO, 1999a, p. 35). Este trecho é
muito importante pois os pastores constantemente retomam esta argumentação durante os
cultos dizendo frases do tipo ―Dê aquilo que seu coração lhe manda‖, argumentando que a fé
é proporcional ao tamanho da oferta.
Deve ficar claro que, embora muitos autores enfatizem a prática do sacrifício por meio
de ofertas em dinheiro, na IURD, semelhante a outras igrejas pentecostais, o sacrifício
também pode ser de outras formas, como o jejum, por exemplo: ―Ficar com fome ou se privar
de algo que faz bem ao corpo ou à alma; passar pela necessidade ou pela dor causadas pela
abstinência voluntária, certamente são sacrifícios‖ (MACEDO, 1999a, p. 38).
Apesar de reconhecer que o jejum é um importante sacrifício, especialmente para quem
não pode fazer outras formas de sacrifício (MACEDO, 2001a, p. 24), a forma mais difundida
ainda é a oferta em dinheiro, além disso, em diversas oportunidades a IURD deixa claro que é
recomendável que a oferta seja grande, seja um verdadeiro ―sacrifício‖, pois ―O Senhor
deixou claro que nossa entrega deve ser total. Envolve sacrifício de tempo, dinheiro, parentes
e tudo o mais‖ (MACEDO, 2001a, p. 39).
Mariano (2003, p. 254), a partir da obra ―Os Mistérios da Fé‖, de Edir Macedo (1999b)
também observa o incentivo a uma ―entrega total‖ por parte do fiel.
Outro argumento relevante para incentivar o fiel a fazer uma grande oferta é reforçar a
ideia da ―aproximação com Deus‖, buscando uma relação íntima e fraternal com Deus,
segundo Macedo (2001a, p. 11): ―Toda oferta que se oferece a Deus revela o que está no
coração do ofertante e mostra o seu relacionamento com Ele. Através da oferta a Deus, a
pessoa transmite amor, carinho, dedicação e consideração‖.
A ideia de que a oferta/sacrifício deve ser o máximo que a pessoa pode dar é
constantemente reforçado pela IURD, dentre as justificativas, está a que ―Deus ofertou o Seu
próprio Filho, Jesus Cristo (João 3.16). (...) Se Jesus é a oferta perfeita, isso significa que
todas as ofertas são representações d‘Ele. (...) Por isso, ela (a oferta) não pode ser imperfeita‖
(MACEDO, 2001a, p. 15). Além disso, por tratar-se da busca de uma relação mais próxima de
Deus, a oferta deve ser máxima, pois se destina ao todo poderoso, ainda segundo Macedo
(2001a, p. 9), ―Quando há um profundo laço de afeto, ternura e amor entre o que presenteia e
o que recebe, o presente nunca deve ser inferior ao melhor que a pessoa tem condições de
dar‖.
Dentre os aspectos mais relevantes da obra de Macedo e das pregações iurdianas e que
fortes críticas pela imprensa e até por pesquisadores, certamente, é o aspecto de ―negociação
com Deus‖ que revestem certos trechos das obras iurdianas e das suas pregações. E dentro das
obras que delimitamos para a nossa pesquisa, as argumentações do próprio Edir Macedo são
as mais incisivas.
Embora na obra ―A Deus o Que é de Deus‖ a ideia de negociação ou troca com Deus é
negada (CABRAL, 1997, p. 34), em ―O Perfeito Sacrifício‖, Macedo (2001a, p. 45) defende
que ―O sacrifício inclui o ato de renunciar voluntariamente a alguma coisa, em troca de outra
muito mais valiosa. É a menor distância entre o querer e o realizar e inclui a troca‖.
Os membros da IURD são constantemente conclamados a fazer um grande sacrifício,
dando o máximo que puderem e o que lhes fará falta, se for seguida a equação ―fé +
sacrifício‖, a ―benção será alcançada‖:
―Vindo, porém, uma viúva pobre, depositou duas pequenas moedas correspondentes
a um quadrante. E, chamando os seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo
que esta viúva pobre, depositou no gazofilácio mais do que o fizeram todos os
ofertantes. Porque todos eles ofertaram do que lhes sobrava; ela, porém, da sua
pobreza deu tudo quanto possuía, todo seu sustento (Marcos 12.42-44)‖. (...) Essa
oferta engloba o aspecto material (as moedas) e o espiritual (a fé). Em um primeiro
momento ela manifestou uma fé viva em Deus, pois acreditava que Ele lhe
devolveria multiplicado; em seguida, deu tudo o que possuía. (...) A qualidade da fé
78
Nos cultos observados, tanto na IURD quanto na IIGD, esta ideia do valor do sacrifício
não como valor monetário em si (alto ou baixo), mas como um valor que, mesmo sendo um
valor monetário relativamente pequeno representasse um impacto na vida da pessoa, algo que
realmente pudesse fazer falta, este sim era considerado um sacrifício valioso, e neste ponto
ambas as igrejas concordam.
William Branham esteve ativo de 1946 até 1965 e seu enfoque principal eram as curas
(HOLLENWEGER, 1972, p. 101.).
Um dos principais expoentes da confissão positiva até hoje, e amplamente difundido na
IIGD é Keneth Hagin, que afirma ter conseguido se curar de um problema cardíaco usando
46
E. W. Kenyon. Kenyon taught 'the positive confession of the Word of God‘ and a ‗law of faith‘ working by
predetermined divine principles. He taught that healing is a completed work of Christ for everybody to be
received by faith no matter what the evidence or circumstances; and that medicine is inconsistent with faith. The
development of the movement was stimulated by the teachings of healing evangelists like William Branham and
Oral Roberts, contemporary popular televangelists, and the Charismatic movement. It is now a prominent
teaching of Pentecostal and Charismatic churches all over the world (ANDERSON, 2004a, p. 220).
79
esta técnica ainda em 1934 (ANDERSON, 2004a, p. 221). De acordo com este evangelista
norte-americano, é fundamental para o crente o uso da palavra verbalizada propriamente dita,
e é dele que tomo aqui o conceito de confissão positiva:
Paulo disse em Romanos 10.9: Se com a tua boca, confessares ao senhor Jesus. Isso
não se refere a confissão de pecado, nem é uma confissão de fraqueza. Ao invés
disso, é uma confissão do senhorio de Jesus Cristo. E continua dizendo: E, em teu
coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo. Visto que com o
coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação.
Esta não é uma confissão negativa. É uma confissão positiva! De fato, o
cristianismo é chamado de grande confissão. Hebreus 3.1 revela que devemos
considerar o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão.
Nesse momento, seria para nós de grande ajuda definir o significado da palavra
confissão. Em primeiro lugar, é afirmar alguma coisa na qual cremos. Em segundo
lugar, é testificar algo que conhecemos. Em terceiro lugar, é testemunhar uma
verdade que abraçamos (HAGIN, 2000, p. 10).
Hagin (2000, p. 22) defende a ideia de que, por meio da confissão positiva, o Cristão
―liberto‖ e ―nascido novamente‖ pode simplesmente tomar posse das bênçãos, pois estas já
estão disponíveis à ele:
Pode-se sempre situar uma pessoa espiritualmente pelo que ela diz. A maioria dos
cristãos cita as Escrituras sobre nossa redenção e ora para que elas se tornem reais
para cada um, não entendo que, se são nascidos de novo em Cristo, a Palavra já é
uma verdade na vida deles. Tudo que têm a fazer é reivindicar essas promessas,
alcançando-as e tomando posse; apropriando-se delas por si mesmos.
Stoll (1990, p. 50) nos chama a atenção para a responsabilidade atribuída ao crente pelo
seu sucesso ou não, condicionado a sua fé, segundo este autor: ―eles (os autores) implicavam
que cristãos que sofriam aflição tinham que culpar somente eles mesmos, por falta de fé, e
que verdadeiros crentes poderiam transformar Deus em uma lâmpada mágica para satisfazer
seus desejos‖47.
Estas características são bastante visíveis tanto no discurso da IURD quanto no discurso
da IIGD. Vejamos o que diz o missionário R. R. Soares (2004) sobre a ―autovalorização‖:
Primeiro de tudo, é preciso que você tenha uma autovalorização da sua pessoa. É
ensinado em todas as partes que nós não valemos nada para Deus, que somos seres
sem a mínima expressão diante dEle, e que somente por misericórdia é que Ele nos
salva. Veja bem: todos creem que Jesus pagou um alto preço para nos resgatar, o
que é verdade. Mas, se o preço pago foi alto, é porque temos um alto valor para o
Senhor Deus. Não se paga tanto por aquilo que tem pouco valor.
47
They implied that Christians who suffered affliction had only themselves to blame, for a lack of faith, and that
true believers could turn God into a magic lantern to satisfy their desires.
80
Soares ecoa nos seus ensinamentos para a sua igreja os ensinamentos de Hagin, na sua
máxima de que o Cristão não deve confessar, crer ou pensar errado, pois, nas palavras de
Soares (2001, p. 5), ―Ao afirmar que não tem fé para conseguir uma benção, a pessoa dá ao
inimigo condições de continuar oprimindo-a; ela faz com que o diabo seja fortalecido e possa
consumar a obra de destruição em sua vida‖.
A Teologia da Prosperidade, doutrina originada nos EUA na década de 40, tornou-se um
movimento doutrinário só na década de 70 (MARIANO, 1999, p. 151). Quase sempre os
pregadores adeptos desta doutrina pregam também a ―cura divina‖, o que levou alguns
críticos a rotularem-na de Health and Wealth Gospel (Evangelho da saúde e riqueza)
(MARIANO, 1999, p. 151). As pregações enfatizando o pedido de dinheiro começam a
ganhar força, entretanto, já na década de 50 nos EUA, quando as igrejas começam a crescer e
a terem despesas com programas de rádio e TV. Um dos pontos chave desta doutrina é a cura
divina, que veremos adiante.
O movimento da Teologia da Prosperidade na verdade está entrelaçado ao da Confissão
Positiva, é difícil dissociar ambos. Há uma espécie de linhagem de pregadores destes
movimentos, e suas pregações ainda são extremamente influentes no Brasil.
Kenneth Hagin recebeu uma ‗revelação‘ em 1934 baseada em Marcos 2:24, que
resultou em sua cura de uma doença cardíaca. Seus ensinamentos são baseados nos
livros de Kenyon e enfatizam a importância da ‗palavra de fé‘, uma confissão
positiva de fé na cura, apesar das circunstâncias ou sintomas. Kenneth Copeland
desenvolveu o ensinamento de Hagin com uma ênfase maior na prosperidade
financeira e formulou as ‗leis da prosperidade‘ a serem observadas por aqueles que
procuram saúde e riqueza. A pobreza é vista como uma maldição a ser vencida
através da fé. Pela ‗força da fé‘ aqueles que acreditam recuperam sua divina
autoridade legítima sobre suas circunstâncias (ANDERSON, 2004a, p. 221). 48
48
Kenneth Hagin received a ‗revelation‘ in 1934 based Mark II:24, which resulted in his healing of a heart
ailment. His teachings are based on the books of Kenyon and emphasize the importance of the 'word of faith', a
positive confession one's faith in healing, despite the circumstances or symptoms. Kenneth Copeland developed
81
O que se percebe na prática é que as igrejas pesquisadas por vezes valorizam mais o uso
da palavra no estilo confissão positiva, principalmente na IIGD. Vejamos o que diz um pastor
desta igreja em Florianópolis.
Poucos dias depois o mesmo pastor pediu que as pessoas o acompanhassem na seguinte
prece: ―Amanhã eu vou ser confrontado com uma situação. Pai me dá um milagre (...) esse
casal que diz, se isto não aconter, vamos ter que deixar a casa, dê o milagre, recebe a nossa
oração (...) concerta esse relacionamento‖ e em seguida pediu que agradecessem a Deus como
se o pedido já tivesse sido atendido, em outra clara demonstração do uso da confissão
positiva.50
É importante ilustrar que há certas diferenças e semelhanças entre a noção de
prosperidade para o protestantismo histórico e para o pentecostalismo. Grosso modo,
seguindo a leitura Weberiana do protestantismo histórico, a prosperidade vinha para o crente
através da ―vocação‖, segundo Lutero, ou como sinal da predestinação calvinista, levando o
crente a tentar ―forçar‖ este sinal através do trabalho árduo e racional. No pentecostalismo,
não há essa ideia de predestinação para ―alguns escolhidos‖, mas sim a ideia proveniente da
Teologia da Prosperidade, de que:
Hagin‘s teaching with a greater emphasis on financial prosperity and formulated ‗laws of prosperity‘ to be
observed by those seeking health and wealth. Poverty is seen as a curse to be overcome through faith. Through
‗faith force‘ believers regain their rightful divine authority over their circumstances.
49
Diário de Campo. Observação na IIGD em 17/09/2008.
50
Diário de Campo. Observação na IIGD em 21/09/2008.
82
Ou ainda, nas palavras do próprio bispo Macedo (2001b, p. 129), que sintetizam a
Teologia da Prosperidade:
A IURD acredita que a prosperidade é um dom de Deus; por isso, ser cristão é ser
filho do Criador e co-herdeiro com Cristo. Dono, por herança, de todas as coisas que
existem na face da Terra e proprietário de todo o Universo. Isso não é arrogância, ao
contrário, é ocupar a posição que Deus destinou para os Seus filhos. Ter uma vida
abundante significa ser abençoado nos aspectos físicos, financeiro, sentimental e
espiritual. Para receber as bênçãos é preciso colocar em prática, além da fé, as obras,
que são as atitudes referentes a essa fé. Por isso, a IURD dedica dois dias da semana
de oração a esse propósito. Às segundas-feiras, acontece a Corrente dos Empresários
e aos sábados, a Corrente da Prosperidade. Com o intuito de estimular o exercício da
fé, nessas reuniões, os fiéis aprendem o segredo da prosperidade. Através de orações
e desafios, eles são estimulados a dependerem de Deus e a serem conquistadores. O
resultado desse trabalho tem sido surpreendente, já que pessoas que entram na
IURD na mais completa miséria, endividadas, desempregadas e até mesmo
mendigando, têm uma mudança radical em suas vidas. Elas obtêm a prosperidade na
certeza da promessa que fala de vida, vida com abundância. Aqueles que,
anteriormente, perambulavam pela sarjeta, hoje, são empresários bem-sucedidos,
microempresários ou autônomos, desfrutando de bênçãos que humanamente seriam
impossíveis de serem conquistadas, se não fosse o poder da fé (IURD, 2002).
Na IURD, as pregações enfatizam que o retorno será imediato, e muitas vezes procuram
criar está ideia já no culto, conforme presenciamos em culto no dia 23 de abril de 2003, na
sede estadual da IURD em Florianópolis/SC. Neste culto, no momento das ofertas, o pastor
estipula um valor inicial de R$ 1000 (o desafio mencionado na citação anterior), oferecendo
em retribuição um pequeno candelabro representando os sete dons do Espírito Santo, ou um
83
CD. Aos poucos os valores pedidos vão baixando, 500, 400, 10051 até chegar a 5, 2 e R$ 1.
Quando são pedidos esses valores mais baixos, os ―brindes‖ são trocados, ao invés de um
candelabro ou um CD são oferecidos uma revista ou jornal. O valor material desses brindes é
ínfimo em comparação com tamanha oferta, mas o que vale certamente, é o ―valor espiritual‖,
afinal, o momento e o sacrifício tornam esses objetos ―sagrados‖.
Somente os seres humanos possuem caráter. As coisas adquirem o caráter que nós
lhes damos pelo uso que delas fazemos. Dessa maneira, é lícito falar sobre
espiritualidade da Igreja, da política, do dinheiro, etc. o templo de Jerusalém era
uma construção magnífica e foi feito para o culto a Deus. Entretanto os homens do
tempo de Jesus o haviam transformado, segundo as palavras do Mestre, em ―covil
de ladrões e salteadores‖.
Da mesma forma, o dinheiro não tem outro caráter senão aquele que lhe damos. Há
quem o considere coisa vil e suja, mas se for bem empregado, pode adquirir o
caráter de coisa sagrada. E é isso que o dinheiro deve significar para o cristão: um
dos muitos valores que Deus lhe confiou e do qual, como um bom mordomo, ele
deverá também prestar contas (CABRAL, 1997, p. 59).
De acordo com Campos (CAMPOS, 1998a, p. 26): ―Do ponto de vista sociológico, a
Igreja Universal é um formidável empreendimento sincrético, que juntou num mesmo espaço
e discurso tanto a lógica e a terminologia operantes no kardecismo, catolicismo e
protestantismo popular, assim como nas religiões afro-brasileiras‖.
51
Nenhum dos presentes neste culto pagou um valor tão alto pelos brindes.
84
Edir Macedo (2005, p. 56) tem uma explicação bastante interessante e plausível sob o
ponto de vista das crenças neopentecostais a respeito da origem, ação e diversidade de
manifestações dos demônios.
52
Um exemplo atual é a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) fundada por um antigo líder da IURD e que
atrai antigos membros desta igreja.
85
Na realidade, orixás, caboclos e guias, sejam lá quem forem, tenham lá o nome mais
bonito, não são deuses.
Os exus, os preto-velhos, os espíritos de crianças, os caboclos ou os ―santos‖ são
espíritos malignos sem corpo, ansiando por achar um meio de se expressarem neste
mundo, não podendo fazê-lo antes de possuírem um corpo. Por isso, procuram o
corpo humano, dada a perfeição de funcionamento dos seus sentidos. Existem casos
em que, por força das circunstâncias, eles chegam a possuir animais para cumprir
seus intentos perversos.
A apropriação simbólica não é apenas uma estratégia, mas uma necessidade. Segundo
Baczko (1984, p. 325): ―Os símbolos só são eficazes quando assentam numa comunidade de
imaginação. Se esta não existe, eles têm tendência a desaparecer da vida coletiva ou, então, a
serem reduzidos a funções puramente decorativas‖.
Percebe-se claramente que a IURD lança mão de toda apropriação possível de símbolos
presentes na religiosidade brasileira, e não dizemos apenas religião, mas inclusive
superstições, contrariando a lógica racional simples de que o cristianismo não aceita e não
convive com esses símbolos e superstições. Por exemplo, em programa exibido pela Rede
Record de Televisão no dia 29 de julho de 2003 o programa ―Sessão do descarrego‖ mostra
uma série de tragédias ocorridas no mês de agosto de diversos anos para ressaltar que no mês
86
de agosto o ―mal‖, os ―encostos‖ agem com mais facilidade, ressaltando assim uma velha
superstição muito forte no Brasil, além de tudo, a pessoa entrevistada para confirmar os
perigos do mês de agosto é uma ―ex-bruxa‖ que se apresenta como conhecedora do assunto.
Uma vez participante dessas falsas seitas, a hierarquia começa a ser seguida. Filha-
de-santo, mãe-pequena, mãe-de-santo, babá, e por aí vai. (...) Tanto no ―alto‖
espiritismo como no ―baixo‖, seja lá qual for o rótulo usado, a pessoa é
encaminhada sorrateiramente até envolver-se totalmente com o mundo dos espíritos.
Umbanda, quimbanda, candomblé, kardecismo, Bezerra de Menezes, esoterismo,
etc., são apenas nomes de seitas e filosofias usadas pelos demônios para se
apoderarem das pessoas que a eles recorrem, ora buscando ajuda, ora por mera
curiosidade (MACEDO, 2001b, p. 37).
Macedo (2001b, p. 39) vai além e no intuito de atingir mais pessoas, especialmente
aquelas que não praticam nenhuma dessas religiões ou seitas, estabelece novas formas de ação
dos ―demônios‖. Para ele ―O fato de nunca ter ido a uma reunião espírita e de professar uma
religião cristã não impede que os demônios se apoderem das pessoas. Em muitos casos, um
espírito foi o ―senhor‖ do corpo do pai ou da mãe que faleceu e procura agora se apossar do
filho ou da filha para continuar a sua obra maligna.‖ Portanto para Macedo a possessão é
hereditária, pode ser herdada independente da vontade do possuído.
Edir Macedo procura deixar bem claro que absolutamente ninguém está livre de ser
―possuído‖ por um demônio. Além de herdar, a pessoa pode vir a ser possuída devido a
―trabalhos e despachos‖ feitos por outra pessoa, ―Se um trabalho ou despacho é feito em
nome de uma pessoa que não tem o Espírito Santo na sua vida, fatalmente terá maléficos
53
A Igreja Católica desde a sua implantação no Brasil usou como uma de suas estratégias a apropriação de
símbolos da religiosidade nativa, através de tradução de orações para a linguagem indígena e tentar relacionar
personagens da mitologia indígena com equivalentes católicos. O momento marcante de maior vigilância
católica passa a ocorrer após o Concílio Vaticano II (1962-1965) (BOSI, 1994).
87
resultados (2001b, p. 40)‖. Podem ser ―possuídas‖ também por ―envolvimento com pessoas
que praticam o espiritismo (2001b, p. 41)‖, por ingerir ―comidas sacrificadas a ídolos (2001b,
p. 42)‖ e muitos ainda ―por rejeitarem a Cristo (2001b, p. 43)‖.
Em seu manual para tratar com ―demônios‖ o bispo Macedo estabelece ―Dez Passos para
a Libertação‖, ou seja, dez atitudes básicas que a pessoa que deseja ser ―liberta‖ deve adotar.
Os passos que transcrevemos abaixo são basicamente instruções de conversão, obediência e
principalmente fidelidade à IURD, procurando fazer que o recém ―liberto‖, normalmente
também um novo converso adote uma nova postura de vida, um pouco mais ascética e voltada
para as normas da IURD, afastando-se da vida ―mundana‖. É enfatizada também nos ―passos‖
a ideia de que o novo ―liberto‖ deve fazer-se presente e participativo na igreja, frequentando
os cultos e contribuindo financeiramente para demonstrar sua fidelidade a Deus e garantir,
entre outras coisas, que Deus ―repreenda o devorador‖ das finanças, conforme veremos
adiante. Vejamos os passos:
1° Passo: ―Aceitar, de fato, o Senhor Jesus como único Salvador‖ (MACEDO, 2001b, p.
133). Este item se propõe a inculcar obediência e perseverança:
Aceitar o Senhor Jesus, significa abandonar a vida antiga; virar as costas ao erro e
submeter-se a Ele através da Sua Palavra. Significa também negar-se a si mesmo,
tomar a sua cruz e ir após Ele. Se, assim for, a pessoa estará pronta para tudo. Se
tiver que enfrentar mil e uma barreiras, ela o fará; ainda que tenha de resistir ao
mundo inteiro, isso não será difícil.
3° Passo: ―Ser Batizado‖ (MACEDO, 2001b, p. 129). Este item retoma um antigo
conceito pentecostal, a ideia de nascer novamente, ―renascer em Cristo‖, ou seja, nesta
88
concepção, o ―pecador‖ está morrendo, e junto com ele os seus pecados, e uma nova pessoa
está nascendo, sem os antigos pecados e, por esta razão, sem remorsos:
O trecho Bíblico usado por Macedo para justificar a entrega do dízimo como eficaz na
repreensão e imunização contra os ―demônios‖ é o seguinte:
(Malaquias 3:10) Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja
mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim, diz o Senhor dos exércitos,
89
se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós uma bênção tal, que
dela vos advenha a maior abastança. (Malaquias 3:11) E por causa de vós
repreenderei o devorador, para que não vos consuma o fruto da terra; e a vide no
campo vos não será estéril, diz o Senhor dos Exércitos (BÍBLIA SAGRADA, 1989).
Em seguida o pastor pediu que as pessoas passassem sobre o vale do sal com os pedidos
na mão, no vale foi feita imposição das mãos, com o intuito de fazer manifestar forças
malignas.
O pastor dizia: ―pessoa escrava de problemas, de enfermidades, saia daí agora esta pessoa
não te pertence, pois no vale há fogo e há poder, começa agora a desalojar, a sair, vai saindo
do corpo dela, da família, da vida sentimental, dá teu grito de derrota‖.
Algumas pessoas gritavam, manifestavam demônios soltando gritos. Pr: ―senhor Jesus eu
quero agora o teu poder em minha mão e todo mal (...). As pessoas que ouvem vozes e veem
vultos venham aqui pra frente, você que tem depressão, desejo de suicídio‖ Enquanto ele
falava calmamente, uma pessoa possuída dava gritos horrendos. Em seguida o pastor mandou
que os espíritos se manifestassem, alguns riam e davam gritos histéricos, um espetáculo
realmente impressionante.
54
Diário de Campo. Observação na IURD em 14/09/2008.
90
Pr: ―Manifeste espíritos que atingem a vida financeira, o intelecto, ter desmaios... se você
sair daqui com esse mal pode ser tarde demais (...) a Legião de espíritos que faz essa pessoa
pensar em matar‖. Então começaram a cantar em ritmo bem animado, com palmas:
CORO
Na cidade de Naim estava uma mulher chorando
Seu filho estava morto e o povo ia carregando
Jesus parou o enterro, e o povo reclamou
Jesus chamou o morto, e ele ressusitou
CORO
No deserto faltou água Israel se entristeceu
E todos se revoltaram contra o servo de Deus
Moisés fez a oração, Jeová lhe respendeu:
E da rocha brotou água isto é poder de Deus
O pastor seguiu entrevistando o possuído e pediu para que as pessoas repetissem para si
mesmos ―pastor eu acredito que isso é encosto‖.
Pr: ―Vou descer, não vou demorar muito, só vou colocar a mão, se tem uma coisa que o
mal não gosta é de fogo‖. Em seguida o próprio pastor acompanhado de outros pastores ou
obreiros começaram a fazer a expulsão de forma tradicional (Mão na cabeça –
sssssaaaaaaaiiiiii) com gritos histéricos e gargalhadas dos possuídos.
Cantaram:
A nossa fé é poderosa pela graça de Jesus (2 vezes)
E o encosto vai saindo porque não resiste à luz
Sai, sai, sai em nome de Jesus (2 vezes)
91
Os possuídos gritavam muito enquanto o pastor dizia ―só um minutinho obreiro, fica
amarrado aí (dizendo ao demônio)‖ dando um tom de ser algo absolutamente corriqueiro.
Depois ele disse ―Você crê na sua vitória? (...). A bíblia diz: quem crê no profeta prospera. Se
você crê você vai pegar na sua mão o que eu vou pedir, você vai encostar sua cabeça na
minha, a unção de Deus que esta na minha vida vai passar pra tua (...) a bíblia diz que sobre a
cabeça do justo há benção. Lá fora a pessoa não tem medo nem vergonha de dar tudo pro
crack, pra maconha. Pastor quanto? Não sei, 20, 30 40, 1 real. Bote o envelope aqui‖.
Enquanto cantava a música as pessoas passavam pelo vale do sal.
O culto prosseguiu com testemunhos de pessoas dizendo que pararam de ter visões, que
tiveram filhos libertos do uso de drogas e melhoraram financeiramente, como é usual.
Percebe-se uma alternância de sentimentos em toda a seção, as vezes o cenário é
aterrorizante e no momento seguinte começam a cantar alegremente uma música com a
temática da expulsão para logo em seguida recomeçar a ―tortura do demônio‖.
Na IIGD assim como nas igrejas pentecostais de uma maneira geral a figura do demônio é
importante, mas nesta igreja e em suas práticas cotidianas embora apareçam várias menções
aos demônios durante a pregação, se recorre muito menos e de forma bem menos enfática que
na IURD. Nos cultos que acompanhei na Igreja da Graça em nenhum momento foi visto
algum ritual de exorcismo da forma como acontece na Universal. Aliás, em culto que
presenciei o pastor ressaltava que os pastores recebem instruções superiores para fazer o
estudo da palavra e criticou as igrejas que exageram nos cultos de expulsão. ―Se você quiser
ver demônio é só dar um pulo no inferno que tá assim (...) aqui você vê Deus‖55.
Enfim, apesar da presença e ação das forças diabólicas serem algo obviamente negativo,
perigoso, representam um risco constante, pois a ação destas entidades pode ser, do ponto de
vista destas igrejas, uma presença cotidiana, uma força tão poderosa que pode ameaçar até
mesmo a obra de Deus se o indivíduo não lutar e vigiar o tempo todo. É uma força maligna
sempre a espreita fazendo existir a necessidade da constante atualização do compromisso
estabelecido com Deus: a ―armadura protetiva‖. Essa atualização constante do compromisso e
busca de proteção é percebida através do maciço comparecimento aos cultos e nos sacrifícios
e ofertas.
3.7 A Saúde
55
Diário de Campo. Observação na IIGD em 17/09/2008.
92
Não tema. Fui mandado da presença de Deus Todo-poderoso para dizer-lhe que sua
vida peculiar e seus caminhos mal compreendidos foram para indicar que Deus lhe
enviou para tomar o dom da cura divina para os povos do mundo. Se você for
sincero e puder fazer com que as pessoas acreditem em você, nada resistirá à sua
oração, nem mesmo câncer.56
56
Fear not. I am sent from the presence of Almighty God to tell you that your peculiar life and your
misunderstood ways have been to indicate that God has sent you to take a gift of divine healing to the peoples of
the world. If you will be sincere, and can get the people to believe you, nothing shall stand before your prayer,
not even cancer.
93
o Brasil para Cristo (IPBC) e de seu líder Manoel de Mello e a IPDA com seu líder David
Miranda, bastante conhecido por suas curas milagrosas57.
Na IURD e na IIGD as curas também são fundamentais na prática e no discurso, tão ou
mais importante que o elemento prosperidade como elemento de atração58.
Na Universal o próprio líder construiu um conjunto de argumentos que combinam bem
as pregações tradicionais pentecostais (a doença como resultado de ação demoníaca) e as
crenças em espíritos. Cabe comparar, por exemplo, o que ele diz em relação a ―perturbações
mentais‖ provocadas por espíritos:
Comparando com o que escreveu Allan Kardec a respeito do mesmo tema, percebemos
certas aproximações em ambos os discursos. Evidentemente Macedo apropriou-se do discurso
espírita e usou-o contra o próprio Espiritismo. Esta apropriação do discurso espírita facilita
sobremaneira a adesão de pessoas que foram espíritas ou simpatizaram de alguma forma pela
doutrina espírita, como a extensa gama de leitores de livros psicografados. Vejamos o que diz
Kardec (2003, p. 97) sobre perturbações mentais:
57
Em 2001 durante uma entrevista para meu Trabalho de Conclusão um entrevistado mostrou-me uma fita
Cassete com a gravação de um culto onde David Miranda supostamente ressuscitava uma criança.
58
Esta importância pôde ser constada in loco nos cultos assistidos e na impressionante quantidade de vezes que
as curas são mencionadas em ambas as igrejas, praticamente em todos os cultos as curas são mencionadas nas
preces, pregações e testemunhos.
94
Podemos observar que de certa forma Macedo está referendando, ao menos em parte, as
afirmações de Kardec. O próprio Kardec reconhece que ―espíritos obsessores‖ podem
provocar perturbações semelhantes à loucura. Um crente da Universal com passagem pelo
Espiritismo pode perfeitamente passar a entender ―espírito obsessor‖ como ―demônio‖,
tornando a adaptação de crenças bem simples, sem haver, ao menos neste caso, grandes
disparidades entre os discursos. Mesmo em questões mais elementares, como a existência ou
não de ―demônios‖, Macedo mais uma vez apropria-se do discurso kardecista e reconhece a
existência destas entidades, nos moldes semelhantes ao do Kardecismo: comparemos os
discursos, começando pelo que diz Kardec (2003, p. 97) em relação aos ―demônios‖:
Macedo (2001b, p. 26) segue uma linha de pensamento semelhante, mas devemos
perceber que há diferenças conceituais importantes, enquanto Kardec afirma que os ―espíritos
maus‖ podem evoluir e melhorar, Macedo diz que os ―demônios‖ são essencialmente maus
por natureza e atuam há milênios, desde o princípio dos tempos. E por serem, nas palavras de
Macedo ―espíritos sem corpos (...) sempre, na história da humanidade satanás arranjou um
jeitinho para conseguir entrar no corpo do homem e usá-lo como lhe convém‖:
Cabe fazermos agora uma comparação entre o que diz Kardec a respeito de ―espíritos
inferiores‖ com o que acontece nas manifestações mediúnicas da Umbanda e como a IURD se
apropria destas características, inclusive no momento dos cultos. Para Kardec (2003, p. 123),
os espíritos têm níveis diferentes de acordo com sua aprendizagem em vida e o seu nível de
evolução:
A partir desta citação podemos inferir que o próprio Kardec admite a possibilidade dos
espíritos terem uma natureza má e fazerem mal aos vivos, além da possibilidade de induzir as
pessoas ao erro. Por conta desta adaptação do discurso kardecista feita por Macedo, o discurso
espírita acaba corroborando os ataques feitos por Macedo ao Espiritismo Kardecista e a outras
religiões mediúnicas. É importante destacar que Macedo associa os ―demônios‖ aos
―espíritos‖ mencionados por Kardec, a associação que Macedo (2001b, p. 34) faz é
perceptível, por exemplo, quando ele diz que os ―demônios‖ ―são somente espíritos que
andam à procura de corpos para se expressarem através deles‖.
Percebemos também a apropriação por parte de Macedo de elementos que são mais
comuns na Umbanda. No tocante à ―possessão‖, Birman (1985, p. 25) observa que ―os
umbandistas são, portanto, súditos de vários senhores e dividem o seu tempo, o seu corpo e a
sua pessoa trabalhando para todos, tentando conciliar essas vontades diversas entre si e
consigo mesmos.‖ Macedo (1999a, p. 61), por sua vez, diz que a possessão demoníaca ―é a
habitação de um ou mais demônios no corpo de uma pessoa, exercendo-lhe controle e
influência, com prejuízos para as funções mentais e físicas. Nesse caso, os demônios agem no
interior da pessoa, de dentro para fora‖. Portanto, mais uma vez a IURD não nega as crenças
de uma de suas ―inimigas‖, mas as reafirma resignificando-as e as utiliza para proveito
próprio, a fim de imputar a Umbanda a capacidade de causar males que só a IURD ―pode
resolver‖ com a expulsão dos demônios. Males físicos, como as doenças, questão que
trataremos adiante.
Não podemos deixar de mencionar que existe uma diferença fundamental entre os cultos
afro-brasileiros e as igrejas cristãs na forma de encarar a possessão. Enquanto nas igrejas
cristãs, como a IURD, por exemplo, as entidades que estão ―possuindo‖ um corpo devem ser
96
expulsas, nos cultos afro-brasileiros procura-se conviver com essas entidades (BIRMAN,
1985, p. 15).
O interesse de Macedo (2001b) em atacar o Espiritismo e outras religiões mediúnicas
está no fato de Macedo acreditar haver no Brasil um grande número de praticantes destas
religiões, Macedo acredita haver um número muito maior do que o mencionado no censo
oficial59:
E mais uma vez Macedo exime de culpa o praticante daquilo que ele considera um
―pecado‖, ao dizer ―espíritas que estão sendo enganados‖, ou seja, nas palavras de Macedo, a
culpa não é do indivíduo, mas dos ―demônios‖ que os enganam.
E esses ―demônios‖ têm nome. No momento do culto quando são feitos os ―exorcismos‖,
o pastor sempre pergunta ao ―possuído‖ o nome da entidade que ―está em seu corpo‖, quem
―responde‖ é a própria entidade, e o nome respondido é geralmente de uma entidade da
Umbanda, um dos inimigos preferenciais da IURD. A Universal utiliza os mesmos nomes
comuns na Umbanda para nomear seus cultos, só que de forma inversa, pois o ―bem‖ é o
―oposto‖ do mal. Por exemplo, na Umbanda e bastante conhecido o exu ―Tranca-ruas‖, a
Universal, em suas chamadas na TV para os cultos da ―Sessão Espiritual do Descarrego‖ se
refere a esta cerimônia como uma cerimônia de ―Abre-caminhos‖, aliás, o termo ―descarrego‖
também é proveniente da Umbanda (BIRMAN, 1985, p. 49). Além disso, na Umbanda é forte
a presença da Mãe-de-santo e do pai-de-santo como sacerdotes, e de outras entidades que
representam uma figura paternal, como os pretos-velhos. Seguindo essa linha, a IURD passa a
se referir a Deus por diversas vezes como ―Pai das Luzes‖.
Segundo Ortiz (1978, p. 65), é observado também na própria Umbanda o dualismo entre
―bem‖ e ―mal‖:
59
Macedo menciona 40 milhões de espíritas sem especificar o tipo de espiritismo, no entanto o Censo 2000 do
IBGE menciona um total de 2262401 praticantes declarados do espiritismo, 397431 da Umbanda e 127582 do
Candomblé, perfazendo um total de 2787414, bem menos que os 40 milhões mencionados por Macedo.
97
Conheci uma senhora, membro de uma igreja evangélica por 18 anos consecutivos.
(...) tinha testemunho exemplar e exercia cargos na igreja. (...) Quando orei, aquela
senhora se entortou e se tornou bastante agressiva, falando palavras desconexas e
fazendo gestos estranhos. Percebi que ela estava completamente endemoninhada. Na
conversa que tivemos posteriormente, em meu escritório, ela declarou ter sido uma
crente fiel durante todos aqueles anos e não sabia explicar o acontecido. Foi um caso
muito sério, pois por três meses, aquela senhora manifestava em seu corpo os mais
estranhos demônios, até ser totalmente libertada, tornando-se, posteriormente, uma
fiel obreira da Igreja (JORNAL FOLHA UNIVERSAL, nº 586, 5 out. 2003.).
A Verdadeira Imunização
60
Ecumenismo. Plenitude, Rio de Janeiro, n.61, p. 31, maio/1997. ―Hoje, pode-se dizer que existe um certo
ecumenismo entre evangélicos, havendo um forte intercâmbio entre membros de diversas denominações‖.
98
Para alguém se tornar verdadeiramente imune contra toda macumba, olho grande,
inveja, etc., a única solução é seguir as pisadas do Mestre Jesus. Talvez o leitor
confabule: ―Mas eu freqüento uma boa igreja evangélica, já me batizei, participo de
todos os programas da igreja e ainda sou atingido!‖. Embora todas essas coisas
sejam boas, não bastam. Infelizmente, vemos pessoas que as praticam, mas vivem
vitimadas pelas hostes infernais.
Retribuindo os ataques que a IURD sofre das outras igrejas pentecostais sobre os abusos
cometidos nos cultos de exorcismo, Macedo (2001b, p. 116) adverte que, se uma igreja não
consegue oferecer os mesmos produtos oferecidos pela IURD, como, por exemplo, a
―libertação‖, esta igreja é ―fraca‖:
Podemos considerar uma igreja forte se ela estiver alistada para a luta contra todas
as potestades infernais. Uma pessoa endemoninhada não pode sair da igreja do jeito
que entrou. Se na igreja o poder de Deus sobre os demônios não for exercitado, ela
se transformará em um clube ou uma escola bíblica. Evangelho é poder, e poder tem
de ser exercido para a derrota de satanás e a glória de Deus!
E nem mesmo as igrejas protestantes históricas escapam dos ataques de Macedo (2001b,
p. 121), que também são chamadas de ―fracas‖ por não adotarem práticas semelhante à da
IURD:
Ainda segundo outra fonte da IURD, a Revista Plenitude (1996, p. 8), em artigo
publicado em 1996, ―como se não bastasse, o diabo está se infiltrando em igrejas evangélicas
(seu alvo predileto) com suas doutrinas diabólicas.‖
Outro aspecto relevante sobre o tema doença/cura é a associação que se faz entre o que
pode ser a pura ação demoníaca ou algo um pouco mais complexo, uma ―doença da alma‖ que
se manifestaria também na forma de doença física. Esta associação não é nenhuma novidade.
Sontag (2002, p. 71) nos remete a ideia de que, em outros tempos e culturas, doenças eram
associadas ao temperamento da pessoa, ao tipo de vida que levava e ao acúmulo de
experiências de vida negativas e uma atribuição exagerada a fatores psicológicos como
causadores de males físicos.
A crítica da autora (SONTAG, 2002, p. 73) está no que ela considera um meio de
―colocar a culpa no doente‖ e fazer com que estes achem que mereceram a doença.
Percebe-se que este tipo de pensamento já está bastante difundido no senso comum. É
visível mesmo em entrevistas de médicos sobre os efeitos benéficos do otimismo no combate
a doenças e principalmente o triunfalismo no discurso de celebridades que venceram doenças
graves, principalmente o câncer. Tomemos o exemplo da apresentadora Ana Maria Braga, que
nos últimos anos tornou-se também autora de livros de autoajuda. A apresentadora descobriu
no ano de 2001 que tinha câncer e a notícia rapidamente se espalhou. Seu processo de
recuperação tornou-se um espetáculo público e deu a ela uma projeção ainda maior.
Percebe-se que ela atribui a si mesma um papel importante na sua própria cura. As
expressões ―minha fé‖ ou ―minha força‖ são exemplos dessa ideia. Seguindo a crítica de
Sontag, pode-se ler nas entrelinhas, por exemplo, que pessoas que não conseguem a cura
eventualmente não tiveram força e fé suficientes.
Voltando ao tema da relação corpo/mente como causadora das doenças, ambas as igrejas
pesquisadas mostraram sintonia com esta explicação, acrescentando o elemento divino e
sobrenatural. Macedo por exemplo, em sua série de livros Doutrinas da Igreja Universal do
Reino de Deus e pela internet da uma interessante explicação para o valor do perdão.
Quem é que nunca teve que enfrentar a difícil situação de ter que decidir se perdoa
ou não alguém que o feriu, magoou ou o decepcionou de alguma forma? A tarefa é
árdua, difícil. Mas o ato de perdoar traz muito mais do que bem-estar e paz interior.
Segundo a ciência, o nobre gesto de se livrar do rancor e perdoar o próximo e a si
mesmo traz benefícios para a saúde, como melhorar os batimentos cardíacos e a
tensão muscular, além de evitar náuseas, dores de cabeça, no peito e no estômago. É
importante lembrar que o perdão só é válido quando genuíno e que, por mais que
haja boa vontade, para algumas pessoas, há coisas simplesmente imperdoáveis. ―A
raiva crônica, que é o rancor, está sempre acompanhada de ansiedade crônica e pode
100
fazer com que a pessoa libere mais cortisol, o hormônio do estresse, repetidamente,
o que pode prejudicar o funcionamento do sistema imunológico e, depois de meses
ou anos, provocar mais infecções, alergias, além de, por outros mecanismos,
gastrites crônicas, sintomas depressivos leves e insônia‖, acrescenta Geraldo
Possendoro, psiquiatra e professor de Medicina Comportamental da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp). Não é todo mundo, porém, que está apto a perdoar,
segundo José Atílio Bombana, psicanalista da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp) (MACEDO, 2010).
Macedo mais uma vez faz a combinação do discurso científico com o discurso religioso
dando maior eficácia e plausibilidade à sua pregação. O ato de perdoar ganha significado
combinado no âmbito social, religioso e na medicina.
Na IIGD também se faz essa combinação. Por exemplo, em culto que acompanhei, o
pastor pediu que todos fossem para frente. Falou que mágoas podem provocar doenças, até
cancer. ―Diga, Deus me ama (...) o que dizem pra você não presta pra nada, o que você diz
vale muito. Diga para a pessoa que está ao lado que você esta ao lado de uma pessoa muito
feliz, próspera, bendita, simpática (...) hoje meu Deus, eu quero tirar amarguras, injustiças, se
você tem algum problema, algum vício, peça, pois aquele que pede será atendido.‖61 A
amargura é uma doença que pode ser ao mesmo tempo de ordem psíqica, física e espiritual,
mas a cura é uma só, a força do Espírito Santo.
Portanto, podemos perceber que na produção do discurso a respeito do tema saúde e na
experiência religiosa das pessoas, ser saudável significa estar bem em todos os sentidos, que a
doença nunca é exclusivamente física ou mental, mas sempre é também espiritual. Logo, as
armas para combater as doenças têm de vir dos dois mundos, do mundo material (remédios,
médicos, comportamento saudável) e do mundo espiritual (a ação do Espírito Santo sobre as
forças malignas que criam as doenças). Do contrário, toda cura alcançada não será duradoura.
A plenitude da aliança com Deus tem que se mostrar também no corpo e mente do crente.
61
Diário de Campo. Observação na IIGD em 17/09/2008.
101
Este capítulo trata das possibilidades que o pertencimento a uma igreja pentecostal pode
trazer no sentido de provocar significativa mudança individual e coletiva, através de suas
pregações focando a transformação do indivíduo e a clara busca de inserção social e
legitimação destas igrejas.
As estatísticas apresentadas por vários autores são unânimes em relação ao fato de que a
maior parte do universo pentecostal é formado por mulheres, dentro e fora do Brasil
(ANDERSON, 2004a, p. 5). O levantamento feito pelo ISER no Rio de Janeiro menciona uma
média de 31,2% de homens e 68,8% de mulheres (FERNANDES, 1998, p. 85), ou seja, cerca
de duas mulheres para cada homem, sendo que na IURD chegava a impressionante proporção
de quatro mulheres para cada homem (FERNANDES, 1998, p. 90).
Embora se perceba que há dentro das igrejas pentecostais ainda uma clara divisão de
gênero que coloca a mulher sempre em segundo plano, é inegável que, ao menos em
comparação com o catolicismo e com a sociedade em geral, nas igrejas pentecostais as
mulheres encontram mais voz ativa. Machado (1996, p. 39) sintetiza a situação criada pelo
pentecostalismo da seguinte maneira:
Chesnut (2003, p. 130) segue por outra vertente e considera as mulheres Latinas mais
predispostas que os homens à possessão por espíritos, sejam espíritos das religiões afro ou o
Espírito Santo ―pelas mulheres costumarem serem possuídas por seus maridos ou parceiros, o
conceito de ser tomada pelo Espírito Santo é natural e lógico‖.62 Para ele isto explicaria, entre
outras coisas, o porque do pentecostalismo e das religiões mediúnicas em geral crescerem
mais dentre as mulheres do que dentre os homens. A afirmação do autor é um tanto
problemática, pois indiretamente estabelece uma predisposição às mulheres latinas de serem
62
For women used to being possessed by their husbands or partners, the concept of being taken by the Holy
Spirit is natural and logical.
102
Nunca entendi aquela palavra do Apóstolo Paulo: ―Eu não permito que a mulher fale
na igreja‖. Até que um dia descobri por que o apóstolo falou aquilo. A mulher é
aquela joia preciosa. Ela tem uma importância tremenda, fundamental na obra de
Deus. Foi ele mesmo quem criou a mulher, não foi o diabo. É bem verdade que o
diabo tem usado muitas mulheres. Quando, no entanto, a mulher é usada por Deus,
quando ela é de Deus, é a coisa mais gloriosa que existe, mais que o homem, no
sentido humano.
Quando a mulher é sábia, não somente é sábia para si, mas produz, já que é mulher,
homens de Deus, filhos dEle. Dá à luz criaturas que serão expoentes nas mãos de
Deus (MACEDO, 2005, p. 31).
Um dia pedi (a Deus) pelo meu filho. Não aguentava mais. Hoje ele
esta na igreja, se batizou. Está na Renascer. Eles são mais liberais,
mas aos poucos o Espírito Santo vai trabalhando. Eles tiram muita
gente da droga. (...) Aqui tem muita palavra, mas lá também. Eu fui
convertida, meu marido que batia em mim agora bate palminhas pra
Jesus.63
63
Diário de Campo. Ficha de Observação na IIGD. 17/09/2008.
103
de bebidas alcoólicas, e é maior entre os mais pobres (CHESNUT, 2003, p. 47). E a adesão
muitas vezes é procurada pela mulher para tentar reestruturar sua família destruída pelo abuso
do álcool normalmente por parte do marido.
Não podemos, entretanto, alimentar a ilusão de que essas igrejas são revolucionárias em
relação ao papel da mulher na comunidade religiosa. Embora haja avanços, o discurso ainda é
fortemente marcado pela ideia de submissão. Por exemplo, um dos trechos bíblicos usado
pelos pastores para reforçarem essa ideia, foi lido e comentado pelo pastor e líder estadual da
IIGD no culto que acompanhei em setembro de 2008.
A mulher de Deus pode estar no altar como pode estar no átrio. Se o marido dela está
no átrio, então ela tem que estar no átrio; se o marido está no altar, então ela tem que
estar no altar. Ela não tem o direito de escolher: se ela é casada, está submissa ao seu
marido. (...) Ela tem que seguir os passos do marido, porque ele é o cabeça dela. Não
é o que diz a Bíblia? A mulher que é submissa ao Senhor não discute: se submete,
simplesmente (MACEDO, 2005, p. 34).
A mulher sábia se mantém calada. Não é você que vai dirigir a igreja. Ela é conduzida
pelo próprio Deus. Se a mulher é sábia, temente a Deus, sabe se posicionar no seu
lugar. Ela cuida da casa, não o marido. Ela educa seus filhos; lhes ensina o que devem
64
Diário de Campo. Ficha de Observação na IIGD. 21/09/2008. O trecho lido citado é Efésios 5:22-25.
104
fazer; tem autoridade sobre eles, dentro de casa. Na igreja, todavia, a autoridade
pertence ao marido (...). A esposa de bispo, ou do pastor, se mantém numa posição
bem discreta, tal qual mulher sábia e sensata, falando o necessário. Vejam por
exemplo a minha esposa Ester. Ela nunca se envolveu na igreja. Não a vemos
pregando ou tomando decisões. É preciso tomar muito cuidado com a língua. A Bíblia
diz, no livro de Tiago, que todos tropeçamos em muitas coisas; se alguém não tropeça
no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o seu corpo. Com raras
exceções, a mulher fala demais. Muitas não ganham seus maridos para Jesus por
causa dessa insensatez. São egoístas, porque não querem ouvir; só falar. Graças a
Deus a minha esposa fala pouco.
65
Uma clara diferença das igrejas pentecostais mais antigas, como a IPDA onde o embelezamento poderia ser
considerado pecado.
66
Diário de Campo. Ficha de Observação na IURD. 13/09/2008.
105
Dentro do contexto atual, a IURD e a IIGD oferecem aos seus membros um ―retorno‖
em termos de melhora na vida material ancorado na ―Teologia da Prosperidade‖, cuja eficácia
é constantemente repisada através dos testemunhos de empresários que obtiveram grande
sucesso.
Entretanto a realidade certamente não é essa para a maioria dos membros, de qualquer
forma, para uma boa parte dos convertidos, o pertencimento pode representar uma melhora
radical em vários aspectos das suas vidas, materiais e emocionais, sem necessariamente
enriquecer. Conforme nos lembra Freston (1994, p. 153).
Para o membro comum, as doações muitas vezes substituem os antigos gastos com
remédios, bebida ou drogas. Mesmo quando a conversão não trouxe uma economia
direta, pode ter suscitado novas atitudes que resultam em vantagens financeiras.
Para muitos membros, a doação à igreja e a racionalização do comportamento
econômico são inseparáveis. Vieram juntas e fazem parte de um pacote de
transformações; um pacote precário constantemente ameaçado pelos padrões antigos
de comportamento. A doação encarna o compromisso com o padrão novo e, como
tal, não é necessariamente contraproducente da perspectiva da economia doméstica.
Machado (1996, p. 28) também nos lembra dos aspectos da vida do convertido que
podem mudar para melhor após a conversão.
67
Conversion often has economic effects, especially when it helps those with disorganized lives get greater
control. People learn to see themselves as agents rather than as victims, and its benefits are as much this-worldly
(economic betterment, physical and psychological healing, restored family life) as other-worldly (eternal
salvation). It combines an intensely individual and experience of the divine with an equal stress on participation
in a moral community of faith. It offers supportive, affective and egalitarian surrogate communities. Their
emphasis on various forms of healing appeals greatly in contexts bereft of social services. Even though their
language may often sound patriarchal, their effective reconciliation of gender values serves the interests of poor
women, who are in fact numerically preponderant in the churches.
106
No mesmo livro em que Macedo (2001a, p. 46) diz: ―o preço de uma conquista é
proporcional ao seu tamanho‖, ele também diz: ―Cumprir com suas obrigações e realizar
todas as tarefas como se Deus fosse o seu patrão ou empregado é o que se espera do cristão‖
(2001a, p. 36). Há ainda outras demonstrações de ascese cristã por parte de Macedo (2001a, p.
44), por exemplo, quando ele diz: ―as nossas regalias e privilégios celestiais dependem do tipo
de vida que temos ofertado a Deus‖. Mesmo a IURD não tendo um controle rígido sobre a
moral dos membros, ao menos em seu discurso a igreja prega a ―retidão‖.
68
Those Mayos who became Protestant, which effectively means Pentecostal, initiated a major change of life,
notably by gaining freedom from the fiesta system and from the obligation of fiesteros to give away huge
quantities of food. To reject the obligations of the fiesta helped them get together more money for consumer
goods and the education of their children. They also saved money by their rejection of all entertainment,
especially drinking. Yet the rejection of waste and indulgence was not a rejection of wealth. Pastors encouraged
their congregations to work hard, educate their children and improve their material conditions. (MARTIN, 1990,
p. 211).
107
69
Natal Furucho é um dos principais líderes da IURD, foi ele quem pessoalmente fundou e organizou a IURD no
Japão e atualmente ele é presidente da Universal Produções e suplente do senador iurdiano Marcelo Crivella,
além de apresentar alguns programas televisivos da IURD, como o ―Fala que eu te escuto‖.
108
Muitos autores vêm observando há algum tempo que a IURD mantém uma pregação
maciça voltada aos empresários ou às pessoas que queiram enriquecer, por meio de cultos
direcionados ao interesse deste segmento (corrente dos empresários, corrente da prosperidade
e atualmente corrente dos 31870). Temos referência empírica deste fato no Jornal Folha
70
A ―Corrente dos 318‖ ou ―Vigília dos 318‖ é um culto semanal específico, que acontece nas segundas-feiras e
é direcionado para a prosperidade e o empreendedorismo, bem como para a busca de emprego. Em alguns dias
da corrente, na sede estadual em Florianópolis e em templos de maior porte, dezenas de pastores, obreiros e
obreiras participam do culto trajando coletes com os dizeres ―corrente dos 318‖ representando os ―318 homens
109
Universal, em 199271. É fato também que há um incentivo constante nas pregações da IURD e
em suas publicações de que o fiel torne-se empresário, conforme o editorial da revista
iurdiana Plenitude, de outubro de 1989, assinado por Edir Macedo (1990):
Por que os filhos do diabo mantém o controle das maiores indústrias, dos maiores
bancos, das maiores lojas comerciais, das maiores empresas de jornais, revistas,
rádio e televisão do mundo? Por que é que os filhos de Deus, normalmente, são os
empregados, e às vezes, até escravos dos filhos do diabo? Por que é que tudo que há
de melhor neste mundo pertence aos filhos do diabo ao invés dos filhos de Deus?
Por quê? Será que Deus é pobre e o diabo é rico? Ou será que Deus é tão egoísta ao
ponto de desejar que os seus filhos vivam uma vida mesquinha nesta terra? Não,
meu amigo leitor. Mil vezes não. Deus é o proprietário de tudo que existe neste
mundo, pois foi ele quem criou todas as coisas neste mundo para que os Seus filhos
pudessem viver abundantemente e assim manifestarem a Sua glória diante daqueles
que não o tem como Pai eterno.
Freston (1994, p. 150) observou em suas pesquisas que isto vinha causando certo
desconforto entre os que não eram empresários e não tinham aptidões, condições, nem
tampouco intenções de vir a ser:
de Deus‖ numa referência ao livro de Gênesis 14, e ficam ora distribuídos pelos corredores do templo, ora
concentrados na frente, nos momentos principais de orações.
71
―A corrente dos milionários é a reunião da prosperidade que vem sendo realizada todos os sábados na sede
nacional da Igreja universal na abolição. O pastor Laurindo Pinheiro Convida todos que desejarem ter
prosperidade a comparecer às 19:00 na Abolição‖. A CORRENTE dos Milionários, 1992.
110
também fosse enfocado no culto. Aliás, já se verifica uma preocupação da IURD em enfocar,
no seu discurso, trabalhadores empregados e desempregados desde pelo menos 1992.72 Só que
nessa época, a ênfase principal do discurso era que o assalariado ―mudasse de vida‖, ou seja,
passasse de assalariado a empregador73. A citação anterior de Freston e as fontes por nós
levantadas, entretanto, mostram claramente a mudança do discurso iurdiano nos últimos
tempos.
Nos últimos anos ganhou força na academia e tem se espraiado para fora dela a ideia de
que a presença ou ausência de Capital Social (CS) tem influência direta sobre o
desenvolvimento dos povos, e que, portanto, dependendo da interpretação, alguns povos
estariam fadados a ter um desenvolvimento mais lento pela pouca presença de capital social, e
por outro lado, este estoque de capital social poderia ser criado mesmo entre populações que
não o tinham por tradição.
O conceito de CS tem sido elaborado há pelo menos algumas décadas, mas foi a partir
da obra de Robert Putnam que o conceito ganhou notoriedade mundial fora e dentro do
mundo acadêmico.
Antes de qualquer discussão, devemos buscar um conceito para aquilo que estamos
chamando de CS.
Capital social está definido aqui por três fatores inter-relacionados: confiança,
normas e cadeias de reciprocidade e sistemas de participação cívica – sistemas que
permitem às pessoas cooperar, ajudar-se mutuamente, zelar pelo bem público,
promover a prosperidade. Diferentemente de outros capitais, constitui um bem
público, não é apropriado privadamente nem produz resultados individuais
(D‘ARAUJO, 2003, p. 19).
A conceituação que a autora deu parece bem concisa, entretanto, parece um tanto
entusiasmada e otimista quando diz que o CS ―não é apropriado privadamente nem produz
resultados individuais‖. Embora várias pesquisas normalmente apontem melhoria no padrão
de vida das pessoas envolvidas em projetos de geração ou uso do capital social existente, não
se pode negar que certas pessoas ou empresas acabam tendo um benefício maior, seja com o
72
―A festa dos trabalhadores será comemorada hoje as 17h00 na Iurd de Jardim Primavera I, quando o pastor
Carlos Dutra estará orando pelo povo trabalhador e desempregados.‖ A FESTA dos Trabalhadores, 1992.
73
―Todos os sábados a IURD de Olavo Bilac realiza a Corrente dos Assalariados, às 6h:30min. O pastor
Djailton, que coordena a reunião, convida todos que estão insatisfeitos na vida financeira a participar dessa
reunião de mudança.‖ A FESTA dos Trabalhadores, 1992.
111
74
In other words, social capital refers to the power, influence, knowledge, and dispositions an individual
acquires by virtue of membership in a network or group. Spiritual capital might be thought of as a sub-species of
social capital, referring to the power, influence, knowledge, and dispositions created by participation in a
particular religious tradition. (BERGER; HEFNER, 2008, p. 3).
112
língua portuguesa ele lembra: ― ―Desleixo‖ – palavra que o escritor Aubrey Bell considerou
tão tipicamente portuguesa como ―saudade‖ e que, no seu entender, implica menos falta de
energia do que uma íntima convicção de que ―não vale a pena‖, ou seja, a obra colonizadora
portuguesa no Brasil, segundo esses autores, foi totalmente imprevidente e quase nunca se
pensou no desenvolvimento da então colônia.
Seguindo nesta vertente, foram inevitáveis as comparações com os EUA ressaltando a
suposta superioridade daquela nação. Caio Prado (2000, p. 15), por exemplo, considerava o
modelo de colonização da América do Norte, em especial o dos EUA como um modelo
superior ao implantado no Brasil pelos portugueses: ―O que os colonos desta categoria
(ingleses na América do Norte) têm em vista é construir um novo mundo, (...) seja por
motivos econômicos ou religiosos‖. O tipo de colonização aqui implantada é criticado pelos
três autores, e os três apontam características que consideram marcantes no colono português,
especialmente o mais abastado. A Preguiça, o desleixo.
Sérgio Buarque de Holanda (2005, p. 43), por exemplo, explora o tema com
profundidade e chega a ser taxativo: ―Essa exploração dos trópicos não se processou, em
verdade, por um empreendimento metódico e racional, não emanou de uma vontade
construtora e enérgica: fez-se antes com certo desleixo e abandono. Dir-se-ia mesmo que se
fez apesar de seus autores.‖ O autor trabalha com esta questão usando a metáfora do
―aventureiro e do trabalhador‖. Segundo ele (2005, p. 44), ―existe uma ética do trabalho e
uma ética da aventura‖ e nas suas considerações o português foi acima de tudo um
aventureiro. Além disso, o autor considera o colonizador ibérico de uma maneira geral
preguiçoso, segundo ele (2005, p. 38): ―Uma digna ociosidade sempre pareceu mais
excelente, e até mais nobiliante, a um bom português, ou a um espanhol, do que a luta insana
pelo pão de cada dia‖.
Pensando nas bases do conceito de CS, retomo um dos clássicos que foi talvez um dos
primeiros a tratar do tema mesmo sem nunca ter usado o termo. Tocqueville (2005; 2004) no
seu ―A Democracia na América‖, obra de dois volumes publicados respectivamente em 1835
e 1840, após o autor passar algum tempo viajando pelos EUA. O autor tenta retratar da forma
mais precisa possível as leis, costumes e a história de uma nação que ele admirava. Nesta obra
ele traça um perfil de uma nação que considerava predestinada a tornar-se uma das mais
poderosas do mundo, por conta de suas características naturais, de sua história e de sua
sociedade (BORBA; SILVA, 2006, p. 113), baseada, segundo ele, na igualdade e na
liberdade, de seu povo.
113
A propósito, tomo emprestado de Max Weber o mesmo personagem que ele usou para
exemplificar a sua ―ética protestante‖; Benjamin Franklin, um dos personagens históricos
mais importantes dos EUA pela sua carreira de político (atuação na guerra de independência)
e inventor (do para-raios, por exemplo), mais que isso, Franklin se tornou um exemplo de
homem que ―se fez‖ apesar da origem humilde, e se tornou uma espécie de ideal do que era,
ou ao menos poderia ser um autêntico cidadão americano.
A Autobiografia de Franklin (2005, p. 28), escrita com o aparente propósito de servir
como uma espécie de guia para seu filho, narra as dificuldades que ele enfrentou para
sobreviver e prosperar em um país que estava em franco desenvolvimento e mostra alguns
aspectos importantes da história deste, como, por exemplo, ao narrar a dificuldade de seus
antepassados de cultivarem sua fé protestante ainda na Grã-Bretanha.
Certas características mostradas por Tocqueville em relação aos costumes americanos
também são mostrados por Franklin (2005, p. 83), quando dá exemplos de associativismo ao
fundar ainda na juventude uma associação de aprendizado mútuo e uma biblioteca em
associação inicialmente com 40 pessoas e que acabou servindo de modelo para todo o país
(2005, p. 95). Além disso, também em associação com os moradores, criou um corpo de
75
O autor destaca o conjunto de leis adotado ainda no século XVII por alguns estados, leis estas baseadas em
preceitos bíblicos (TOCQUEVILLE, 2005, p. 46).
114
bombeiros e polícia profissionalizados (2005, p. 130), e até mesmo um templo religioso para
uso de pregadores itinerantes (2005, p. 132), fundando posteriormente nestes mesmos moldes,
hospitais e universidades.
Por outro lado, já há uma longa discussão dentro da sociologia a respeito da influência
de elementos religiosos sobre o desenvolvimento econômico e vice-versa. Uma das obras
mais importantes e influentes sobre o tema foi ―A ética protestante e o espírito do
capitalismo‖ publicada inicialmente em 1904. As observações de Weber, por sua vez, também
foram em parte fundamentadas a partir da análise de certos costumes da sociedade americana,
que lhe rendeu também o ensaio ―As seitas protestantes e o espírito do capitalismo‖, uma
espécie de sequência da ―Ética‖.
Weber (2003, p. 37.) deixa clara a relação entre capitalismo e protestantismo a partir da
seguinte constatação: dentro de um país de composição religiosa mista ―os donos de negócios
e donos do capital, assim como os trabalhadores mais especializados e o pessoal mais
habilitado técnica e comercialmente das modernas empresas é predominantemente
protestante‖. Certamente, em nenhum momento Weber vai afirmar que foram os protestantes
os criadores do capitalismo moderno, ele só afirma que foi entre os protestantes que o
capitalismo melhor se desenvolveu. Para Weber, o praticante do protestantismo,
principalmente o de matriz calvinista, estaria mais predisposto a abandonar o tradicionalismo
econômico76 e, portanto, absorver novas ideias em relação à produção.
Mas de que forma se desenvolveu esta característica entre os protestantes históricos?
Weber (2003, p. 68) faz a sua análise partindo do conceito de vocação para Lutero e já mostra
como a própria ideia de vocação pode colaborar no desenvolvimento de uma forma racional e
metódica de trabalho.
76
Tradicionalismo econômico, para Weber, são as formas de trabalho tradicionais, visando normalmente a
subsistência do trabalhador e a simples manutenção de seu status, sem progresso. ―O homem não deseja
naturalmente ganhar mais e mais dinheiro, mas viver simplesmente como foi acostumado a viver e ganhar o
necessário para isso (WEBER, 2003, p. 54)‖.
115
mágicos de se obter a graça de Deus para aqueles a quem Ele negara, como não havia meio
algum.‖, o calvinista não se dava por vencido, e mesmo acreditando na predestinação ―(...) o
calvinista, como às vezes se diz, criava por si a própria salvação ou, como seria mais correto,
a convicção disso (WEBER, 2003, p. 90)‖ pelo trabalho, que lhe levaria à prosperidade.
Weber (2003, p. 85) vai mais longe e percebe aproximações entre luteranos e calvinistas em
torno da ética do trabalho:
percebemos que certas atitudes são contraproducentes à criação de CS, enquanto outras
atitudes já revelam uma diferenciação dos pentecostais em relação à população em geral.
Por exemplo, a bibliografia a respeito do CS costuma apontar como uma das
características principais a existência de associações ou elementos que busquem participação
coletiva e frequente. Nesta direção, os pentecostais apresentam a taxa de 86% de frequência
ao menos semanal aos cultos de sua igreja (para muitas pessoas a frequencia é ainda maior),
enquanto que na população geral é de apenas 38% (Spirit and Power, 2006, p. 18).
O desenvolvimento de atividades religiosas que possam redundar em maior integração
ou até desenvolvimento de redes de relacionamento também é maior entre os pentecostais do
que entre os outros grupos religiosos. Sobre a pergunta ―Com que frequência você
compartilha sua fé com não crentes (faz proselitismo)? – 68% dos pentecostais disseram que
fazem ao menos uma vez por semana, contra 28% da população em geral (SPIRIT AND
POWER, 2006, p. 21).
Outros itens que envolvem participação em grupo também se destacam entre os
pentecostais. O estudo bíblico em grupo, uma prática que remonta às origens do
pentecostalismo no Brasil é praticado por 59% dos pentecostais, contra 20% das outras
denominações religiosas (SPIRIT AND POWER, 2006, p. 22).
Outra característica comum no meio pentecostal e que pode ser um elemento facilitador
de formação de redes é o trânsito religioso, ou seja, a mudança para outras igrejas ou
religiões que muitas pessoas fazem ao longo de sua vida, sendo um fenômeno muito
acentuado no meio pentecostal, sendo que 62% dos pentecostais abordados na pesquisa já
fizeram isso pelo menos uma vez na vida, contra 26% dos membros de outros tipos de igreja
(SPIRIT AND POWER, 2006, p. 32). É impotante destacar que essa prática costuma provocar
nas pessoas um maior conhecimento do ambiente religioso e da comunidade, além de muitas
vezes ampliar o círculo de amizades.
Por outro lado, a herança histórica da cultura brasileira que discutimos anteriormente
ainda se faz presente também no meio pentecostal. Por exemplo, o índice de ―confiança nos
outros, é técnicamente o mesmo, na população geral é de apenas 2% e entre os pentecostais é
de 3% (SPIRIT AND POWER, 2006, p. 44), em ambos os casos índices bem baixos.
No item ―confiança em outras pessoas‖ percebe-se que há confiança muito maior entre
os pentecostais da mesma igreja, 23% do que entre os de outras denominações, que possuem
índice de confiança interna de apenas 13% (SPIRIT AND POWER, 2006, p. 45).
117
No item, ―confiança nas instituições‖ (SPIRIT AND POWER, 2006, p. 47) como
governo, forças armadas e mídia os pentecostais repetem a tendência geral e apresentam
índices ainda mais baixos que os índices gerais, aproximadamente de 1%.
Na pergunta ―Em sua opinião, os grupos religiosos deveriam se manter fora de assuntos
políticos?‖ (SPIRIT AND POWER, 2006, p. 57) os pentecostais demonstraram estarem mais
envolvidos com os assuntos políticos, ou ao menos apoiam este posicionamento, pois 65%
deles se disseram favoráveis à combinação de igreja e política, contra 57% do índice geral. O
que demonstra a mudança que já vem se operando no meio pentecostal há algumas décadas,
na direção de promover maior envolvimento político das igrejas e de seus membros, apoiando
abertamente candidatos da igreja e recomendando o voto dos féis à estes candidatos
(FRESTON, 1993).
Algumas características inerentes ao pentecostalismo podem ter efeito contrário ao
esperado. Por exemplo, o intenso trânsito religioso também pode tornar-se um elemento
desagregador de uma comunidade maior do que uma denominação específica. Uma
denominação pode ser internamente forte e coesa, mas não conseguir reproduzir esta mesma
força e coesão ao tenta interagir com outras denominações.
Mas os exatos mecanismos pelos quais as religiões criam Capital Social são
disputados. A distinção que Putnam (1993) faz entre ‗bonding capital‘ e ‗bridging
capital‘ parece relevante, especialmente para muitas igrejas evangélicas cujo intenso
envolvimento em comunidade pode criar muito do primeiro mas uma carga negativa
do último. Há uma considerável evidência de um efeito de ‗transbordamento‘ da
militância religiosa para a militância política. Além disso, ‗minorias‘ tendem a ser
bem representadas no evangelicalismo do Terceiro Mundo, o que pode abrir novos
canais para a participação política. Uma recente pesquisa no Rio de Janeiro mostrou
que mulheres pentecostais eram mais interessadas em votar que as mulheres de
outras religiões ou sem religião (FRESTON, 2004, p. 21).77
77
But the exact mechanisms by which religions create social capital are disputed. Putnam‘s (1993) distinction
between ‗bonding capital‘ and ‗bridging capital‘ seems relevant, especially to many evangelical churches whose
intense community involvement may create much of the former but a negative charge of the latter. There is
considerable evidence of a ‗spillover‘ effect from religious militancy to political militancy. In addition,
‗minorities‘ tend to be well represented in Third World evangelicalism, which can open up new channels to
political participation. A recent poll in Rio de Janeiro showed that pentecostal women were more interested in
voting than were women of other religions or none (FRESTON, 2004, p. 21).
118
A periferia urbana de Belém acenava para os batistas, que além de proselitistas e por
isso mesmo buscavam espaços onde lançar o que denominavam de evangelização
direta. A orla urbana, habitada na época pela pobreza e não pela riqueza e
suntuosidade de moradias, era a disponibilidade ao alcance da igreja batista.
Disponibilidade significa aqui simplesmente espaço não ocupado pelo catolicismo
oficial e povoado por gente pobre trazendo de longa data nos sentimentos e na alma
a devoção aos santos.
Rolim (1994, p. 25) defende com certa veemência a ideia de que o pentecostalismo se
expande graças à situação de pobreza de boa parte da população, nas palavras dele ―os
segmentos empobrecidos da sociedade foram e continuam sendo o meio social em que as
igrejas pentecostais medraram e se expandiram‖. Certamente não dá para desprezar a relação
entre pobreza e pentecostalismo, mas seria reducionismo explicar a vertiginosa expansão
pentecostal dos últimos anos unicamente a partir da questão socioeconômica. Um dos sinais
de que este pensamento deve ser no mínimo revisto é o forte crescimento do pentecostalismo
nas duas últimas décadas registrado nas camadas médias urbanas, e mesmo o surgimento de
instituições pentecostais voltadas a homens de negócios, como a ADHONEP (Associação de
Homens de Negócios do Evangelho Pleno) (CAMPÁ, 1998.), além da literatura produzida
para empresários, conforme já mencionamos.
A relação entre riqueza/pobreza e pentecostalismo não está totalmente resolvida entre
seus adeptos. O trabalho de Mina (2004, p. 25) aponta que, ―no quesito da pluralidade social,
as identificações mais tradicionais da AD, principalmente as externas, estão sendo postas em
xeque por uma nova classe de membros que experimenta um processo de ascensão social,
causando certo mal-estar entre as alas mais conservadoras da igreja.‖ Essa questão encontra
solução na lógica interna do discurso da IURD, por ser adepta da Teologia da Prosperidade.
119
Como observa Freston (1994, p. 147) ―a TP ensina que a pobreza é resultado de falta de fé ou
de ignorância‖. Sendo assim, o discurso da IURD, a um só tempo, explica a pobreza, não
marginalizando o pobre. Dessa forma, atribui aos demônios o fracasso financeiro, eximindo o
crente da culpa por ser pobre (mas não compactuando com a pobreza). Nessa direção a IURD
vai apostar em projetos sociais.
Além do acima exposto, não podemos deixar de lembrar que, apesar das obras
assistenciais oferecidas, a IURD sempre prega que as bênçãos materiais e a salvação são
conquistas individuais. Portanto, apesar das possíveis boas intenções que possam estar por
trás destas obras mantidas pela igreja, percebe-se uma provável intenção da igreja e seu braço
midiático de demonstrar a sua capacidade de resolver problemas sociais do Brasil. Não por
coincidência que o Projeto Nordeste ajudou a alavancar as carreiras do bispo Marcelo Crivella
como cantor e político da igreja, com forte exposição na Rede Record de televisão e
distribuição de DVD‘s nos templos explicando o projeto. Além disso, a Rede Record e a
IURD têm de se mostrarem capazes de realizar grandes obras assistenciais semelhante à Rede
Globo (Criança Esperança) e à Igreja Católica com suas diversas pastorais.
De acordo com Machado (MACHADO, 2003, p. 303), ―a história da assistência social
no Brasil encontra-se fortemente imbricada nas iniciativas das instituições religiosas‖. A
autora (2003, p. 304) destaca como pioneiros os católicos e espíritas. Vale lembrar uma das
leis do espiritismo: ―fora da caridade não há salvação‖ (KARDEC, 2003, p. 5). Observa-se
também a importância da caridade nos ―trabalhos‖ da Umbanda. Para Ortiz (1978, p. 100): ―O
―trabalho‖ se realiza portanto em função do público; por outro lado, a assistência participa do
culto na medida em que os umbandistas ―trabalham‖ para ela. Desta forma, a prática religiosa
vincula-se à orientação doutrinária que concebe a ―caridade‖ como fator de mobilidade
espiritual‖.
Macedo (2001b, p. 81) percebe o reconhecimento alcançado pelo Espiritismo através da
caridade feita por seus praticantes e pelo fato dos espíritas manterem instituições de caridade.
Visando prevenir-se de qualquer contra-argumento, ele faz o seguinte alerta:
O recado de Macedo é muito claro: fazer caridade por meio de outra instituição religiosa
que não seja a IURD é ―abrir espaço para a atuação dos demônios‖. Embora o risco
120
mencionado seja em relação ao espiritismo, pode-se inferir através de outros trechos de sua
obra que, fazer caridade de forma desautorizada é uma desobediência, e a desobediência é
demoníaca.
Machado (2003, p. 303) observa que apesar de pequenas iniciativas anteriores em obras
sociais por parte da IURD, somente a partir da década de 1990 que esta instituição tomou a
assistência social como uma de suas principais bandeiras, seguindo o exemplo de outras
igrejas pentecostais (SILVA, 2004.). A autora (MACHADO, 2003, p. 303) historiciza as
iniciativas de assistência social da IURD da seguinte maneira:
Nos 25 anos de atuação da IURD, percebem-se pelo menos três momentos distintos
no que se refere à natureza das práticas sociais do grupo: o primeiro (1977/1993) é
caracterizado por iniciativas tímidas e de caráter mais tradicional, como visitas a
hospitais e a presídios para a distribuição de material de higiene e remédios, assim
como a implementação de cursos de alfabetização de adultos nos templos; o
segundo (1994/1998) é marcado pela criação da Associação Beneficente Cristã, que
diversifica e de certa forma coordena as atividades assistencialistas de maior
importância desenvolvidas pela denominação; e, finalmente, o período que se inicia
em 1999 com a elaboração e implementação do Projeto Nordeste e a extensão da
política de assistência da igreja para o meio rural nordestino.
78
COLUNA do encarcerado, 1996.
79
Liberalismo possessivo, ou seja, a ideia de que o indivíduo para ser plenamente livre deve ter posses.
(MACPHERSON, 1979).
121
A Associação Beneficente Cristã é uma instituição sem fins lucrativos que visa
ajudar os que se encontram em dificuldades. A instituição, que teve várias fases até
chegar a ser reconhecida como de utilidade pública federal, recentemente completou
nove anos entre muitas atividades, inclusive de ajuda aos moradores de rua. O apoio
da IURD tem sido fundamental para que o trabalho social pudesse se expandir pelos
estados brasileiros e países como Argentina, Chile, Venezuela, México, Japão,
Portugal e África do Sul (PROJETO NORDESTE, 2004a).
Ou seja, a igreja admite os benefícios da ajuda imediata, mas não abandona sua ideia de
transformação da sociedade.
123
Apesar dos possíveis ganhos em termos de propaganda institucional obtidos com a ABC,
qualquer deslize envolvendo uma entidade como esta pode ter efeitos devastadores, e foi o
que aconteceu após o estouro do ―escândalo das sanguessugas‖ no qual foram envolvidos
parlamentares e instituições ligadas a IURD, dentre elas a ABC, trazendo para si uma forte
cobertura negativa da mídia.
Como já foi mencionado, a IURD tentou minimizar os danos à sua imagem expulsando
imediatamente alguns envolvidos, mas a perda de capital político e de legitimidade pode ter
sido imensa.
O chamado ―Projeto Nordeste‖ foi certamente uma forma bem sucedida da IURD
demonstrar sua possibilidade de provocar inclusão social, evoluindo das campanhas para
arrecadação de víveres para uma obra de inclusão permanente:
A Associação Beneficente Cristã tem realizado, nos últimos anos, em parceria com a
Rede Record de Televisão, campanhas de assistência às vítimas da seca no sertão
nordestino. São programas chamados de S.O.S. Nordeste. Estas campanhas
consistem em uma ampla divulgação, na grade de programação da Rede Record de
Rádio e Televisão, de convites à população em geral para que doe alimentos não
perecíveis e roupas, levando-os aos templos da Igreja Universal espalhados em todo
o Brasil.(...) Esse programa, no entanto, é de caráter emergencial, com benefícios
apenas temporários: minora os efeitos da seca, mas não apresenta soluções para as
causas do problema. Em vista disso, surgiu a ideia de um projeto que não só
contemplasse os momentos de crise, mas que apresentasse soluções permanentes, a
fim de minorar a aflição das populações carentes do Nordeste. Nascia, assim, o
Projeto Nordeste (PROJETO NORDESTE, 2004b).
124
80
O termo Canaã foi adotado como uma clara referência à ―Terra Prometida‖ ao povo Hebreu, conforme o livro
do Êxodo 3:8, ―Portanto desci para livrá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra, a uma terra
boa e larga, a uma terra que mana leite e mel; ao lugar do cananeu, e do heteu, e do amorreu, e do ferezeu, e do
heveu, e do jebuseu.‖ (BÍBLIA SAGRADA, 1989).
81
O fato de Crivella ter sido eleito senador pelo Rio de Janeiro em 2002 já é um sintoma do ―ganho político‖
proporcionado pelas obras assistenciais da IURD. N/A.
82
Repórter Record. Rede Record de Televisão, 20/setembro/2004.
125
fato este que levou outros candidatos a entrarem com ação na justiça eleitoral para impedir a
transmissão do programa.
No início do programa a equipe de reportagem encontra abandonada na estrada uma
mulher grávida de nome Jucileide, com quatro filhos pequenos que fogem dos maus-tratos do
marido. A própria equipe de reportagem a leva para conhecer a Fazenda Canaã, após estas
imagens, é mostrado um testemunho do bispo Macedo falando sobre o orgulho da IURD em
ter construído a fazenda.
As imagens seguintes mostram os contrastes entre o modo de vida miserável das pessoas
da região e a fartura, conforto e até opulência que se tem na fazenda. O apresentador/narrador
se refere à fazenda como ―País das Maravilhas‖, e ao longo do programa são mostradas as
benfeitorias que a fazenda possui, tais como mini hospital, consultório odontológico,
moradias confortáveis para as famílias dos funcionários e principalmente a escola, o Centro
Educacional Betel (CEB).
É feito um interessante jogo de imagens, mostrando crianças em situação miserável,
sujas, famintas e seminuas, contrastando com as crianças matriculadas no CEB, limpas,
alimentadas e devidamente uniformizadas com as cores-símbolo da IURD (branco e
vermelho). São mostradas também 40 crianças com óculos e elas mesmas narrando as
dificuldades visuais antes de terem acesso a esse tipo de assistência, com um detalhe curioso,
numa demonstração de respeito à individualidade das crianças, são as próprias quem
escolhem individualmente o modelo dos óculos, contrastando com a massificação que é típica
da assistência governamental em situação semelhante. Toda a assistência realizada na fazenda
é gratuita.
No mesmo programa ainda é mostrada uma senhora católica sendo ajudada pelo projeto,
demonstrando ―não haver preconceitos‖, em seguida são mostradas imagens da moça que é
acolhida no início da reportagem, Jucileide, voltando para casa da sua mãe com seus quatro
filhos, onde é ressaltada a situação de miséria também na casa da mãe da moça. É então nesse
momento que será mostrado o poder de inclusão imediata da IURD, a equipe de reportagem
consegue uma vaga para um dos filhos de Jucileide no CEB, começa então uma ―verdadeira
transformação‖.
A entrada na escola representa um ―renascimento‖, nas palavras do narrador uma
―possibilidade de sonhar‖ – a criança toma banho, passa creme na pele, corta o cabelo, veste o
uniforme branco e vermelho. Mostram-se as crianças orando antes da refeição e o narrador
mais uma vez usa a expressão ―está no paraíso‖ e, segundo a narração, as crianças comem
quatro vezes por dia. Após um dia de estudos e brincadeiras totalizando oito horas de
126
atividades na fazenda, as crianças voltam para casa de ônibus com um saco de pães
(produzidos na fazenda) que ―ajudará a matar a fome do restante da família‖. São mostradas
também as atividades oferecidas às crianças maiores, basicamente atividades
profissionalizantes como marcenaria, bordado, cultivo de plantas e esportes, como natação e
judô. A reportagem sempre mostra os contrastes entre a vida fora e dentro da fazenda. Fora
são as imagens de penúria, mulheres carregando latas de água barrenta, adultos e crianças
sujas e famintas, crianças chorando, imagens representando a exclusão contrastando com as
imagens realizadas na fazenda, adultos e crianças limpas e uniformizadas, crianças se
divertindo, brincando, dormindo em ambiente limpo, recebendo educação e assistência plena.
O aspecto empreendedor do projeto também é bastante destacado, mostram-se os
equipamentos importados de Israel para purificar água do subsolo para ser usada no sistema
de irrigação, em seguida mostram-se as plantações e ao fundo o narrador diz ―no sertão tudo
que se planta dá‖. Mostra-se um açude cheio e curiosamente é citada a ―profecia‖ de Antônio
Conselheiro ―o sertão vai virar mar‖83. O uso de simbolismos bíblicos é recorrente, em dado
momento o narrador diz que a água conseguida pela alta tecnologia empregada vai
―transformar o chão seco em terra prometida‖.
O documentário em si é, além de tudo, uma demonstração da incrível capacidade de
adaptação do discurso às realidades diferentes onde é empregado. Os símbolos de inclusão da
IURD geralmente estão associados ao fato do convertido conseguir ascender socialmente a
ponto de conseguir posses, (casas, carros, empresas, etc.) ou mesmo ser um empregado, só
que muito bem colocado no mercado de trabalho. Entretanto, este tipo de discurso é
geralmente direcionado às pessoas do meio urbano. No caso do programa sobre a Fazenda
Canaã, o ápice da inclusão era representado pelos trabalhadores da fazenda, que
testemunhavam conseguir, a partir do momento em que se tornaram empregados da fazenda,
casa confortável sem pagar aluguel para morar, porém não própria, alimentação gratuita,
educação para os filhos, salário e principalmente a carteira de trabalho assinada. Ou seja,
conquistas importantes, porém modestas em relação às conquistas no discurso direcionado aos
trabalhadores do meio urbano das grandes cidades. Aliás, analisando fontes mais antigas,
percebemos que o discurso iurdiano para quem é pobre era muito mais duro. Por exemplo, na
83
Mais uma vez a IURD lança mão da estratégia da apropriação simbólica ao citar o ―beato‖ Antônio
Conselheiro, liderança religiosa na Guerra de Canudos (1893-1898), conflito ocorrido no mesmo estado onde se
localiza a Fazenda Canaã. Quando o narrador diz que ―o sertão vai virar mar‖, refere-se à profecia de
Conselheiro, que disse: ―há de rebanhos mil correr da praia para o sertão; então o sertão virará praia e a praia
virará sertão (CUNHA, 2000, p. 143)‖.
127
84
Repórter Record. Rede Record de Televisão, 20/setembro/2004.
128
Este capítulo trata da migração de brasileiros para a Holanda e dos problemas por eles
enfrentados, com uma ênfase especial nos migrantes indocumentados, principalmente na
cidade de Amsterdã. Esta parte da tese pretende estabelecer um perfil aproximado do tipo de
cidadão brasileiro que migra para os Países Baixos e suas formas de interação com o meio e
com os outros brasileiros na mesma situação. Pretende-se analisar também como a influência
cultural trazida do Brasil resiste e por vezes se impõe apesar do contexto diferente e adverso.
Este capítulo serve também de subsídio para o entendimento do capítulo seguinte, no qual
pretende-se analisar as transformações religiosas.
Já há algumas décadas o continente europeu tem sido um dos destinos preferidos para
migrantes provenientes de países com baixo desenvolvimento social e econômico
(DROOGERS, 2006, p. 161.). Por exemplo, no ano de 2000 as estimativas apontavam cerca
de 56,1 milhões de migrantes, sendo 5 milhões na condição de indocumentados. Estima-se
que chegam a cada ano na Europa 500 mil migrantes (VAN LAAR, 2006, p. 9). Na Holanda
em 2004 viviam 800.000 migrantes cristãos (VAN LAAR, 2006, p. 7). Deste, estima-se que
no mesmo ano o total de membros de igrejas pentecostais na Holanda era entre 100.00 e
115.000 (ZEGWAART, 2006, p. 62).
Quanto à presença brasileira na Holanda, as estimativas oficiais até 2008 apontavam para
um número entre 13.964 a 25.000 (BRASIL, 2008, p. 18). Apesar de pelo menos até os anos
90 a presença brasileira na Holanda não ser tão significativa, atualmente os brasileiros já estão
entre os 10 grupos de migrantes que mais fazem requisições para uma permissão de residência
temporária na Holanda (ABRANTES, 2008, p. 2), além disso, outras estimativas apontam
para uma presença brasileira de 17000 pessoas, sendo destas 4000 indocumentados (BIJL,
2008, p. 2). Os brasileiros são também a maior nacionalidade da América do Sul com maior
número de migrantes (MIRANDA, M., 2009, p. 5). As estimativas oficiais de 2009 indicam
um total de 17600 brasileiros (BRASIL, 2009, p. 19), só para termos uma noção, no Reino
Unido, um dos destinos preferidos dos brasileiros, este número sobe para 180000, Portugal
137600 e Espanha 125000, por outro lado na Dinamarca e Áustria é 3000. O que coloca a
Holanda em uma situação intermediária no quesito ―preferência dos brasileiros‖.
130
Para descrever a situação dos migrantes brasileiros na Holanda, poderia dar meu próprio
exemplo da minha ida pra este país como um migrante científico temporário. Especialmente
minha procura por moradia foi uma experiência bastante instrutiva. Comecei a me planejar e
me preparar para ir à Holanda no fim de 2007, mais ou menos no meio do doutorado em
Sociologia e desde o início do doutorado em 2006 eu estava pensando na possibilidade de
passar um tempo fazendo ―doutorado sanduíche‖ em uma universidade europeia. Eu e meu
orientador fizemos uma lista e a Universidade Livre de Amsterdã (VU Amsterdam) foi a
primeira opção.
Assim que fizemos a escolha, eu comecei a tomar as providências para a minha ida
(pedido formal ao orientador no exterior e a universidade, pedido de bolsa ao CNPq) e mesmo
sem saber se o pedido seria aprovado, iniciei todo o processo burocrático que foi longo e
dispendioso (passaportes, tradução de documentos) uma vez que pretendia ir com minha
esposa e filha. Após receber o resultado positivo da concessão da bolsa eu já estava nos
preparativos finais, o que incluía conseguir um lugar para morar lá – a maior das dificuldades.
Como não estava tão atento ao problema, embora tenha sido avisado pelo meu
orientador na Holanda e o escritório de relações internacionais da VU, acabei recusando um
apartamento por ter um aluguel muito caro (comprometeria cerca de metade do valor da bolsa,
que era de 1500€), e passei a procurar outro mais barato estando ainda no Brasil. Após fazer
dezenas de ligações telefônicas para imobiliárias na Holanda, tentando em outras cidades, a
melhor opção que consegui foi através do site de relacionamentos Orkut. Um quarto por 500€
onde eu, minha esposa e filha deveríamos ficar, em uma casa compartilhada com mais três
85
A predominância feminina também ficou evidente em meu trabalho de campo.
131
Desta forma, vivenciei uma experiência que foi dupla: a de um estudante ―legal‖ com
certa bagagem cultural, bom nível educacional e um conhecimento suficiente de inglês,
elementos que me permitiam uma interação maior com o lugar. Por outro lado estava
passando por muitas das mesmas dificuldades que os imigrantes indocumentados passavam e
vinha de um contexto social e financeiro não tão diferente de ao menos parte deles.
Em muitos aspectos, esta parte da pesquisa foi extremamente rica. Por vezes minha vida
diária tornou-se por força das circunstâncias uma etnografia, e devo admitir que fiquei
pessoalmente envolvido com o ―objeto‖ que então me propus a estudar. Sendo algumas vezes
ajudado por este ―objeto‖ e outras prejudicado.
Às vezes uma caminhada pela rua ou mesmo uma conversa casual foram as minhas fontes.
Ouvir de um indocumentado que ele frequentava determinada igreja evangélica e poucas
horas depois ouvir do mesmo suas aventuras na "Red Light District"86 também foi instrutivo.
A pesquisa empírica foi feita muitas vezes de uma forma não convencional, incluindo ai
minha própria experiência com os imigrantes. No total, contatei pelo menos 100 pessoas em
conversas informais, visitas nas casas durante minha longa procura por apartamento, festas,
porta de igreja, e assim pude conhecer partes de suas histórias de vida. Os testemunhos
ouvidos também foram bastante valiosos, uma vez que neles as pessoas contavam suas vidas
no Brasil e na Holanda e antes e após a conversão. Todos estes elementos ajudaram a
compensar as pouquíssimas entrevistas que consegui lá.
Outra forma valiosa de informação foi o site de relacionamentos Orkut. Neste site cada
usuário cria uma página pessoal que lhe permite enviar ou receber mensagens públicas ou
privadas para outros usuários. Permite também colocar um álbum de fotos e participar de
comunidades virtuais temáticas bastante variadas. Nestas comunidades é possível participar
de fóruns de discussão, onde as pessoas podem discutir sobre os mais diversos assuntos.
As comunidades que utilizei foram ―Brasileiros na Holanda‖, ―Amsterdam‖, e
―Evangélicos Brasileiros na Holanda‖. O objetivo foi acompanhar as discussões que
86
As ―Red Light District‖ são locais específicos onde a prostituição é permitida e legalizada. Nestes lugares
normalmente mulheres ou travestis ficam expostos em um pequeno quarto com uma vitrine com contornos em
luz vermelha. Os clientes passam em frente e elas convidam para um programa, então o cliente entra e elas
fecham a cortina até que termine. Muitas das mulheres são da América latina e congregam na Igreja católica.
Curiosamente a mais importante e maior ―Red Light‖ fica em torno de uma importante igreja/monumento em
Amsterdã, a Oude Kerk, há por exemplo uma rua em volta desta igreja repleta de vitrines.
133
aconteciam nos fóruns através de mensagens de texto e assim aprender um pouco mais sobre
o modo de vida dos brasileiros, suas dificuldades e opiniões. Foi uma fonte bastante válida,
porque foi permitido colher informações e opiniões de brasileiros de diferentes origens, sobre
as mais diversas situações. O site também é utilizado para fazer negócios, alugar quartos,
anunciar serviços e discutir e difundir informações sobre a cultura holandesa e serviços
públicos.
Obviamente o uso teve de ser cuidadoso, pois no Orkut existem os perfis falsos (fakes) em
que as pessoas assumem identidade falsa, normalmente com o objetivo de brincar ou ofender
pessoas livremente. Entretanto, creio que o valor deste tipo de fonte está justamente na
impessoalidade, ou seja, as pessoas se sentem mais livres para emitir opiniões polêmicas, por
exemplo.
As comunidades virtuais do Orkut com maior número de frequentadores que encontrei
relacionando brasileiros e a Holanda foram: ―Netherlands Nederland Holanda‖ com 6200
membros, ―Amsterdam – Brasil‖ com 5200 e ―Brasileiros na Holanda‖ com 2900 membros.
Destas, a ―Brasileiros na Holanda‖ é a mais movimentada e com o maior e mais variado
nível de discussões. A quantidade de informações e pontos de vista é imensa e às vezes
acontece das relações no mundo virtual chegarem ao mundo real, através de eventos
organizados via site ou de pessoas que se conheceram pessoalmente após se conhecerem
virtualmente e é desta comunidade que vou tratar principalmente.
Os temas são bastante diversificados e vão desde anúncios procurando ou oferecendo
trabalho, tratamento de beleza para mulheres (depilação, alongamento e alisamento de cabelo,
manicure, pedicure) até discussões a respeito do que acontece no Brasil, na Holanda e
comparações entre os dois países.
Tratar com este tipo de fonte requer certa paciência, sendo que às vezes as informações ou
pontos de vistas importantes a respeito da imigração de indocumentados aparecem em tópicos
aparentemente ―inocentes‖, pois há uma tendência muito grande em mudar de assunto dentro
dos tópicos de discussão muitas vezes terminando até em ameaças ou ofensas pessoais.
Os temas que costumam gerar debates mais longos são: trabalho (nos tópicos sobre busca
de trabalho); os problemas de viver legalizado na Holanda (dificuldade de integração, altos
impostos, burocracia); conquista de cidadania por meio de união matrimonial ou estável;
assuntos diversos sobre o Brasil; religiosidade dos brasileiros no Brasil ou na Holanda; e a
condição dos indocumentados.
134
5.3.1 Trabalho
5.3.2 Conquista da cidadania através das relações afetivas e as tensas relações de gênero
Este é um dos temas mais delicados e recorrentes nos debates virtuais, às vezes em tópicos
específicos ou disperso em outros tópicos.
Já se tornou lugar comum ouvir (ou ler) dos brasileiros, tanto homens como mulheres,
indocumentados ou não que ―as brasileiras só querem saber dos holandeses‖ ou ―são todas
interesseiras, só querem saber do passaporte‖. A maior parte delas relataram ter adotado o
sobrenome do marido e o exibem nas suas páginas do Orkut. Uma trajetória relativamente
comum entre parte delas são os casos de moças na faixa dos vinte e poucos anos de idade, de
classe média e instrução superior completa ou não que foram para a Holanda trabalhar como
au-pair e após alguns meses lá iniciaram um relacionamento com cidadão holandês que
resultou em casamento e consequentemente, após um processo burocrático que dura cerca de
quatro anos ou mais, elas conquistaram a cidadania holandesa.
Por outro lado, não são raros os casos de mulheres não tão jovens, na faixa dos trinta anos
ou mais, provenientes de extratos sócio econômicos mais baixos e que foram para a Holanda
seguindo o perfil básico do brasileiro, ou seja, ganhar a maior quantidade de dinheiro
possível. Mas, chegando lá, após algum tempo (às vezes anos) iniciaram um relacionamento
com holandês e após o mesmo longo processo mencionado anteriormente, que envolve
135
Espero que os tais ―machos‖ que surgem na comunidade dizendo asnices sintam-se
tão bem lendo isso quanto eu me senti nas tantas vezes que li a forma "respeitosa"
que eles gostam de falar das brasileiras em geral. Pelo menos já seriam um sinal de
um pouco de vergonha na cara.
(...) Me incomoda já ter visto aqui na comunidade comentários sobre "maria
passaporte" (lembrando o quanto é "fácil" conseguir um, especialmente na
Holanda) e vc não foi o único. E claro que a gente sabe que existe alguns casos
assim - independentemente da nacionalidade da pessoa, pois acredito que não
temos registrado o "golpe da barriga" como invenção brasileira, tampouco
recebemos royalties por isso. Mas a questão é essa, sempre escrito de forma
generalista e como se fosse exclusividade brasileira. E, no final das contas, se são
algumas poucas que fazem isso, pq sempre lembrar, como se fosse a regra e não a
exceção? (ORKUT, 2010b).
Por outro lado fica perceptível na fala (escrita ou oral) de muitas mulheres o orgulho de
terem se tornado cidadãs holandesas. O próprio fato de fazerem questão de exibirem o novo
sobrenome holandês e de usarem expressões como ―minhas holandesinhas‖, ―minha loirinha‖,
―meu loirinho‖ para se referirem aos filhos88 e filhas bem como ―meu loiro‖, ―meu blond‖ e
87
Só para se ter uma ideia, homem nesta situação eu conheci apenas dois, um era casado com uma surinamesa,
portanto não nativa e outro era homossexual que viveu uma relação estável com um holandês nativo, enquanto
que do lado feminino contatei cerca de 15 ou 20 mulheres.
88
Saindo do mundo virtual para o cara à cara do mundo real, uma delas contou-me bastante orgulhosa que seu
filho era ―todo loirinho‖ e ―bem branquinho‖ e que tinha ―puxado totalmente o pai‖.
136
―meu holandês‖ para se referirem aos maridos, são indícios de que dão valor à nova
identidade europeia.
No âmbito das relações de gênero as discussões são acaloradas e entram novos elementos
que tornam o debate mais complexo ainda. Um dos elementos que entram em cena são os
estereótipos a respeito da mulher brasileira do ponto de vista do homem brasileiro e do
estrangeiro. Os mais citados inclusive pelas próprias mulheres são: a suposta beleza ímpar e
multirracial da mulher brasileira; sua ―competência sexual‖; sua afetividade e capacidade de
ser carinhosa e sua maior capacidade de criar filhos e constituir família, por supostamente ter
uma base familiar mais sólida e vir de uma cultura (a brasileira), que no entendimento delas é
menos permissiva e dá mais importância a valores morais em contraposição a uma suposta
libertinagem holandesa.
Por outro lado, as brasileiras são quase unânimes em criticar os homens brasileiros ao
compará-los com os holandeses. O estereótipo básico do homem brasileiro propagado por elas
parece ter saído das músicas de Sidney Magal. As características são basicamente: pai
irresponsável que não assume os filhos (menos frequente); agressivo com as mulheres,
mulherengo e infiel no casamento, não divide as tarefas domésticas com a esposa e é
machista. Fazendo um contraponto, boa parte delas afirma que os holandeses são ótimos
maridos, por serem fiéis no casamento, serem liberais e curiosamente uma das qualidades
mais apreciadas é o fato dos holandeses ajudarem nos afazeres domésticos, sendo o ápice
cozinharem para suas esposas. Já o defeito mais criticado por elas nos holandesas é a avareza.
Não podemos deixar de mencionar uma situação delicada que acomete muitas brasileiras:
a separação e a guarda dos filhos.
Diferente do Brasil onde quase sempre a justiça cede a guarda dos filhos à mãe, inúmeras
brasileiras narraram no Orkut casos de amigas, conhecidas ou delas mesmas que perderam a
guarda dos filhos por que a justiça holandesa decidiu dar a guarda do filho ao pai holandês
nativo. Há casos dramáticos onde algumas ficam totalmente desamparadas e recorrem ao
Orkut pedindo ajuda à comunidade brasileira
Os brasileiros, especialmente os legalizados, parecem ter uma relação de amor e ódio com
a Holanda. As maiores reclamações são o clima frio, o temperamento do povo holandês e os
altos impostos.
137
Muitos brasileiros e brasileiras que lá estão vieram de regiões de clima mais quente no
Brasil e mesmo do litoral e não estavam acostumadas com o frio, o que acaba sendo um
choque e muitos relatam jamais se acostumarem. Com o passar dos anos, mostram-se ainda
mais entediados com o inverno holandês, mesmo que inicialmente a experiência de enfrentar
uma nevasca pela primeira vez possa ter causado algum deslumbre, com o passar do tempo
muitos passam a odiar. Fica então a pergunta aparentemente simples: Por que não voltam?
A resposta pode não ser tão simples, mas muitas das pessoas têm trajetórias de vida
semelhantes, especialmente as mulheres. Aliás o fator ―gênero‖ é um elemento determinante
na forma de inserção de homens brasileiros e brasileiras na Holanda.
década de 1960 e por conta disso, puderam conquistar facilmente a cidadania. Além disso até
recentemente conseguiam trazer legalmente, com relativa facilidade, parentes de Marrocos
por meio de um dispositivo legal de ―reunião de família‖ ou com casamentos arranjados. O
resultado atual: 349270 indivíduos nascidos no Marrocos ou descendentes destes vivem na
Holanda (CBS StatLine, 2010). Atualmente a legislação holandesa tem endurecido com eles e
com migrantes em geral. É importante notar que estes não se integram totalmente na
sociedade holandesa e parecem evitar adotar os costumes holandeses.
Logo no primeiro dia, ao chegar, já fui informado por um dos moradores da primeira casa
onde me hospedei de que deveria ter cuidado com eles. Muitos indocumentados os chamam
erroneamente de ―marrocanos‖ e este termo é amplamente usado e já faz parte do jargão
deles. Não consegui descobrir por que usam este termo, uma pista é a tradução em holandês,
―marokkaanse‖, possivelmente ouviram de seus patrões ou amigos holandeses o termo. O fato
é que os marroquinos formam o grupo mais temido e rejeitado pelos brasileiros.
Nos debates virtuais, os brasileiros relatam casos de violência cometidos por marroquinos
e muçulmanos em geral, especialmente os casos de castigo contra mulheres. Além disso, os
brasileiros evitam frequentar lugares frequentados por marroquinos e morar em bairros onde
eles moram. Um ótimo exemplo é o bairro Bijlmermeer em Amsterdã, mais conhecido como
Bijlmer. Embora seja o local onde se localiza o estádio de futebol do time Ajax, e não fica
muito longe do centro de Amsterdã e mesmo tendo um dos aluguéis mais baixos da região de
Amsterdã este bairro é a última opção dos brasileiros. O motivo é a forte ocupação de
imigrantes das antigas colônias, principalmente do Suriname e do Marrocos. Os brasileiros
narram diversos casos de roubo e assassinatos naquele lugar. O fato curioso é a rápida
adaptação dos brasileiros a certas características da nova realidade. Pessoas que viviam em
locais perigosos e afastados de grandes centros no Brasil, após alguns meses na Holanda
tornam-se mais exigentes. Por exemplo, uma moça que morou com minha família e que
estava em Amsterdã há menos de um ano, contou-me que vinha de um local bastante violento
em que os assassinatos eram frequentes. Era a cidade de Jacundá no estado do Pará que,
segundo ela, tinha o sugestivo apelido de ―Jacumbala‖. Mesmo vindo de uma cidade violenta
e que ficava a muitas horas da capital, se recusava em morar no Bijlmer que ficava 15
minutos89 do centro de Amsterdã.
89
Tempo de deslocamento entre as estações usando trem.
139
Os brasileiros que lá vivem não perdem o interesse pelo Brasil e estão sempre discutindo
algo a respeito do país, principalmente acontecimentos difundidos na mídia bem como a
política. A estabilidade financeira e a notoriedade alcançada pelo presidente Lula são sempre
temas de destaque e de polêmica entre aqueles que são pró ou contra a figura do presidente.
Curiosamente, percebe-se um posicionamento entre esquerda e direita, onde alguns que se
identificam como membros da classe média e marcam um posicionamento direitista,
chamando os políticos petistas de terroristas e apoiando abertamente a ditadura brasileira
ocorrida entre os anos 60 e 80. Este posicionamento é visto também entre os mais jovens.
5.3.6 Religião
O debate virtual sobre religião em geral é um dos mais acalorados. Geralmente giram em
torno da pertença a uma determinada igreja ou adoção de algum tipo de religiosidade. São
notórias as críticas à igreja católica e às igrejas pentecostais. Por outro lado há diversas
manifestações de defesa e declarações públicas de pertencimento.
Em um tópico que eu mesmo abri, pedindo ajuda de voluntários para a pesquisa,
rapidamente o assunto caiu na crítica e defesa dos evangélicos. As opiniões são similares às
que costumam ocorrer em outros fóruns de debates virtuais ou não, e como já era de se
esperar, as críticas vão primeiramente para Edir Macedo e a Igreja Universal, mas outros
líderes e suas igrejas também figuram, como R.R. Soares, Silas Malafaia e o casal Hernandes
da Igreja Renascer em Cristo.
Além disso, outro ponto recorrente é a suposta frieza religiosa dos holandeses em
contraste com a suposta vivacidade dos evangélicos brasileiros. Muitos dos participantes que
falam holandês preferem assistir cultos de pastores brasileiros não apenas pela facilidade
linguística, mas também pelo carisma do pastor em sentido amplo, ou seja, a ideia de que os
pastores de igrejas brasileiras são ―mais ungidos do que os outros‖.
Ainda dentro da temática religiosa, um assunto tem ganhado destaque e gerado debates
acalorados: os casos de pedofilia na igreja católica.
A maior parte das críticas vem da divulgação dos inúmeros casos e das reportagens que
assinalam a omissão da cúpula da Igreja Católica, dentro e fora do Brasil, em denunciar os
padres envolvidos. O foco do debate se concentra na Igreja Católica, mas também se expande
para as instituições religiosas em sentido amplo, onde, mesmo aqueles que afirmam possuir
140
algum tipo de crença criticam as atitudes das instituições e de seus líderes, incluindo aí os
evangélicos.
Qual o beneficio das religiões, o que fizeram até hoje? Mortes, guerras,
fragmentação da população...
Mas, enquanto o povo não acordar, as coisas vão continuar igual. Quantas pessoas
conseguiríamos alimentar com todo o ouro (roubado e conseguido a força) que tem
a igreja católica em suas sedes? Ou quantas crianças com doenças curaríamos com
toda a riqueza, mansões e carros de luxo de pastores? Não quero dizer que todo
pastor ou padre é corrupto ou violador, só que se os "grandes chefes" são assim, as
chances dos subordinados serem é enorme. (ORKUT, 2010c).
Quando você diz que todos os jovens recebem uma lavagem cerebral nas igrejas
evangélicas, isso não procede... Conheço muitos jovens que foram e estão lá de
livre e espontânea vontade e têm a luz de Cristo (a consciência) para fazer
distinções. Foi como já disse antes: Não se pode julgar o todo por uma parte. O que
você disse, acontece sim, mas não é uma regra com algumas exceções. (ORKUT,
2010d).
Grupos religiosos que no Brasil tem uma identificação maior com a classe média, como os
espíritas e os protestantes tradicionais normalmente são poupados.
A triste verdade é que a enorme maioria da população deixada órfã pelo Estado-
nação quando este renunciou, uma a uma, às funções geradoras de segurança e
confiança pertencente à categoria dos ―frágeis e débeis‖. Somos todos instados,
como notou Ulrich Beck, a ―procurar soluções biográficas para contradições
sistêmicas‖.
A principal motivação para a ida destas pessoas para a Holanda é sem sombra de dúvida a
possibilidade de conseguir ganhar uma boa quantidade de dinheiro para aplicar nas mais
diversas finalidades, no Brasil: comprar uma casa, abrir o próprio negócio ou sustentar
familiares. Há vários relatos de pessoas que conseguiram fazer um bom ―pé-de-meia‖ após
passar anos na Holanda, por outro lado ouvi várias pessoas que estavam há anos na Holanda e
tinham dificuldades de guardar dinheiro.
A preparação de suas vindas envolve um investimento alto para a compra de passagens e
dinheiro extra para passar as primeiras semanas, alguns usam o dinheiro conseguido com
acordos de demissão com seus empregadores ou vendem bens como carros ou motos para
conseguir o dinheiro, outros ainda tomam o dinheiro emprestado de parentes. A flutuação
cambial pode ser um problema a mais, na época em que fui, por exemplo, no final de
dezembro de 2008, 1,00€ equivalia a cerca de R$ 3,00, portanto, naquele momento um
investimento inicial de 2000,00€ equivalia a mais de R$ 6000,00, investimento considerado
alto para a realidade brasileira.
Chegando em Amsterdã os migrantes têm de encontrar moradia e trabalho, o que as vezes
já é conseguido de antemão por um amigo ou parente que já vive lá, mas que normalmente
não é o suficiente para se manter, para ampliar as possibilidades de ganho e opções de
moradia se faz necessário ampliar a rede de contatos e frequentar uma igreja pode ser
fundamental.
Outro ponto relevante são as diferenças sócio geográficas no Brasil que se refletem na
Holanda. Os imigrantes indocumentados brasileiros têm, em média, o seguinte perfil básico:
baixo nível de escolaridade (no máximo o ensino médio); são provenientes de regiões menos
desenvolvidas90 (cidades interioranas das regiões norte, nordeste e centro-oeste do Brasil);
quase absoluto desconhecimento do idioma inglês e holandês; e geralmente chegam à
90
Aliás, para se ter uma ideia, dentre as pessoas que contatei na condição de indocumentado apenas uma família
era de Santa Catarina e foram por acreditarem que fazia parte dos planos de Deus sua ida para lá e em poucos
meses voltaram, não conheci ninguém do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, poucos de São Paulo e do Paraná,
provenientes do interior. Por outro lado, no site de relacionamentos Orkut é mais fácil encontrar imigrantes
legalizados destes estados.
142
A situação acima descrita fica evidente quando, por exemplo, percebem-se práticas dos
brasileiros no contexto da diáspora que não são usuais no contexto de origem e que poderiam
mesmo serem consideradas reprováveis em tal contexto.
Uma das práticas que eu descobri é a de ―vender trabalhos‖. Funciona da seguinte
maneira: Alguém que está voltando pro Brasil e que trabalha como faxineiro, por exemplo
transfere seu trabalho antes de partir para um amigo ou conhecido, mas cobra por isso. Se ele
91
Os homens realizam os trabalhos ligados à construção enquanto que na área de limpeza, embora seja
dominado por mulheres, é possível encontrar muitos homens também, inclusive em limpeza de casas como
diaristas, atividade que raramente é feita por homens no Brasil.
92
Este perfil contrasta com um grande número de imigrantes brasileiros legalizados que são em sua maior parte
de classe média. Muitos deles têm curso superior e estão na Holanda para trabalhar ou estudar por algum tempo,
ou ainda para ter a experiência de viver fora do Brasil como au-pair, outros ainda levam a vantagem de ter
cidadania brasileira e européia, principalmente italiana ou portuguesa, o que lhes dá um enorme diferencial em
relação aos outros. Há também aqueles que se tornam legais através do casamento com cidadãos holandeses,
normalmente mulheres que vieram legalizadas ou não e começaram um relacionamento com um cidadão
holandês ou imigrante naturalizado, e assim elas conseguem o tão sonhado passaporte holandês, foi-me relatado
também o mesmo processo entre homens homossexuais, que muitas vezes começam o relacionamento com um
holandês quando este está de férias no Brasil.
93
―In order to survive in a new environment, these migrants create what Castells calls "resistance identities"
which are "generated by those actors that are in positions/conditions devalued and/or stigmatized by the logic of
domination, thus building trenches of resistance and survival on the basis of principles different from, or
opposed to, those permeating the institutions of society‖ (Tsuda, 2000:56)‖. (MIRANDA, M., 2009, p. 70).
143
ou ela ganhava € 300 por semana, cobrará este mesmo valor para transferir o trabalho. Há
ainda as pessoas que compram trabalho e revendem.
Outra prática que pesa contra a reputação do brasileiro são os alugueis de quartos ou
apartamentos. Além de alguns não honrarem o contrato ―de boca‖ que é feito (especialmente
os locadores), outros cobram uma alta comissão ao repassar um quarto ou apartamento.
Algumas pessoas alugam um apartamento pertencente a uma pessoa legalizada, sendo
frequentemente uma propriedade subsidiada pelo governo holandês. Eles alugam o
apartamento inteiro e cobram uma comissão no valor de um mês de aluguel (o mesmo
cobrado pelas imobiliárias legalizadas), além disso cobram um mês de depósito de segurança,
que costuma ser devolvido no final do contrato com a isenção de pagamento do último
aluguel.
Outra prática comum é alugar os quartos separadamente por preços que costumam variar
entre 250€ a 650€ por quarto (eu paguei em torno de 500) e, mesmo sob estas condições,
muitos ainda cobravam o depósito. Para tornar as coisas piores, numa das casas que vivi,
algumas pessoas perderam parte do aluguel e depósito por terem de deixar o apartamento às
pressas por medo de uma inspeção da prefeitura que poderia resultar em deportação.
Posteriormente, descobriu-se que a pessoa que intermediava a locação do imóvel, uma
brasileira evangélica indocumentada, inventou a estória para embolsar o dinheiro do depósito
pago pelos inquilinos.
Entretanto, a situação de indocumentado impõe aos sujeitos mudanças de atitude nas
relações sociais. Se o brasileiro pode eventualmente se tornar mais ganancioso, por outro lado
passa a dar mais valor às atitudes de austeridade financeira e de confiança, aliás, pode se dizer
que a reputação, ou seja a ―boa fama‖ é um dos maiores patrimônios que o brasileiro
indocumentado pode ter no estrangeiro.
Um sinal importante de como a boa reputação é levada a sério são os consórcios de
dinheiro. Nesta prática bastante comum entre os brasileiros em Amsterdã, um pequeno grupo
de pessoas, dez ou vinte, mensalmente dá uma contribuição de, por exemplo, 300€ e o
montante é sorteado para um dos participantes, que deverá continuar pagando até que todos
sejam contemplados. É uma forma, segundo os participantes, de cada um forçar-se a fazer
uma poupança. O fato curioso é que não há e nem poderia haver contrato escrito válido, ou
seja, a única garantia é de fato a palavra dos participantes que, além de indocumentados em
sua maioria, são de lugares diferentes no Brasil, o que dificultaria qualquer cobrança posterior
em solo brasileiro. Entretanto, não tomei conhecimento de nenhum caso de inadimplência.
144
Uma prática destas no Brasil seria altamente improvável, haja visto que mesmo em consórcios
oficiais ou compras parceladas o índice de inadimplência é considerável.
Ainda pensando na ideia da boa reputação, muitas pessoas usam o pertencimento a uma
igreja para construir esta imagem, e de acordo com o pastor Marcos Elísio, esta prática de fato
funciona. Contratadores holandeses já o procuraram diversas vezes para que ele recomendasse
membros da igreja para trabalhos. É visível também pessoas que fazem questão, de forma
intencional ou não, de destacar a sua pertença a uma igreja. Isto é percebido nas vestimentas,
mesmo que as próprias igrejas não façam um estrito controle disso, e nas conversas, sempre
mencionando Jesus ou a ajuda de Deus de uma forma bastante ostensiva94. Estas práticas são
visíveis também no ambiente virtual, onde algumas pessoas acrescentam aos seus
nomes/título das páginas referências ao seu pertencimento a uma igreja. Embora seja difícil
julgar ações individuais e esta nem mesmo é a minha intenção, pode haver nestes exemplos
uma dose de utilitarismo semelhante ao que foi citado por Weber (1996, p. 19) em sua Ética
Protestante ao citar os conselhos de Franklin.
As menores ações que possam afetar o crédito de um homem devem ser levadas em
conta. O som do teu martelo às cinco da manhã ou às oito da noite, ouvido por um
credor, te o tornará favorável por mais seis meses; mas se te vir à mesa de bilhar, ou
ouvir tua voz na taverna quando deverias estar no trabalho, cobrará o dinheiro dele
no dia seguinte, de uma vez, antes do tempo.
Isto mostra, entre outras coisas, que estás consciente daquilo que tens; fará com que
pareças um homem tão honesto como cuidadoso, e isso aumentará teu crédito.
O utilitarismo conforme descrito por Weber era calcado em um estilo de vida real, em
um Ethos e não num mero jogo de aparências. Em Amsterdã presenciei casos em que pessoas
apenas usavam o rótulo ―crente‖ para facilitar a vida profissional e social95, e isso era às vezes
assumido em conversas informais.
As relações sociais entre os indocumentados são muito delicadas e voláteis. A constante
mudança de endereço96 (poucos conseguem ficar mais de seis meses ou um ano no mesmo
local) faz com que sua rede social cresça, mas torna as relações entre eles mais superficial. Eu
lembro de que ao deixar o primeiro lugar onde moramos falei a um dos moradores para
mantermos contato e que estaria a disposição para ajudá-lo (às vezes ele me pedia para falar
94
Um pastor da IURD em um culto discorreu a respeito do exagero do uso do nome de Jesus.
95
Eu e outras pessoas sofremos um calote pela não devolução de depósito de segurança por uma senhora que era
membro ativo da IPDA e se dizia extremamente fervorosa, usando repetidas vezes o jargão pentecostal e
trajando vestes tradicionais que nem mesmo eram exigidas pelo pastor.
96
Entre os motivos da constante mudança de endereço posso citar: o medo da deportação por conta do risco de
inspeção, a procura por lugares melhores e mais baratos e um dos motivos fortes é o desgaste do relacionamento
entre os moradores da casa, que muitas vezes inicia cordialmente mas aos poucos vai se degradando por conta da
dificuldade em se dividir despesas e obrigações.
145
inglês com seus patrões ou traduzir mensagens de texto que ele recebia pelo celular). Mas ele
disse que na prática isso não acontecia e que as pessoas acabavam não se vendo mais por
conta da vida muito ocupada e que acabavam esquecendo uns dos outros, ―é assim que
funciona aqui‖ ele dizia. Por um acaso ficamos amigos e estivemos em contato até o final da
minha temporada lá.
O telefone celular torna-se uma ferramenta essencial na sobrevivência na Holanda. É
impensável para um indocumentado não ter um, e muitos deles compram modelos caros e
modernos, devido ao fato de que na proporção do que eles ganham fica bem mais barato do
que eles pagariam no Brasil. Alguns têm mais de um.97 Eles usam estes aparelhos para receber
chamadas e mensagens de texto de seus clientes e de amigos e também para conversar com
seus familiares no Brasil para ―matar a saudade‖.
A propósito, a saudade da família é um dos maiores dramas enfrentados pelos
imigrantes. Muitos deles deixam seus filhos com os avós para vir para a Holanda a ficam lá
por anos sem ir ao Brasil. Outros trazem seus filhos quando estes já são crescidos. Eu conheci
um casal que veio com dois filhos pequenos, um deles tinha cerca de 3 anos de idade e o outro
998. Conheci um outro casal que teve duas filhas na Holanda ilegalmente, com a ajuda de uma
parteira em casa, e ainda um outro que preferiu ter no hospital e nem por isso teve problemas
por estarem indocumentados.
Sobre as dificuldades com o idioma, a sociedade holandesa oferece um elemento
facilitador que é o fato de uma parcela considerável da população falar inglês como segunda
língua. Portanto os brasileiros que vivem lá têm a opção de se dedicar ao aprendizado do
holandês ou inglês, mas não é o que acontece. Mesmo havendo pessoas que aprendam uma
das línguas, às vezes até as duas por meio de cursos pagos ou professores particulares, dentre
os indocumentados já é mais raro encontrar alguém que fale, normalmente eles aprendem um
conjunto de frases básicas, números, perguntas e saudações para poder se locomover pela
cidade e ter um nível mínimo de comunicação com seus clientes.
Uma das soluções adotadas em relação à barreira do idioma é pedir ajuda a um colega
brasileiro que fale inglês ou holandês para atuar como intérprete em situações que demandem
uma comunicação um pouco mais complexa como nas entrevistas de trabalho99 ou quando o
97
Segundo me informaram ter dois aparelhos é necessário para diminuir o risco de seus clientes ou amigos não
conseguirem lhes contatar.
98
Este casal vive na Holanda há 9 anos e vão ao Brasil a cada 2 anos.
99
É prática comum entre os brasileiros, especialmente os que trabalham com faxina, colocar anúncios nas caixas
de correios das casas oferecendo seus serviços, quando o ofertante não fala inglês ou holandês coloca o nome e
telefone de um amigo que fale para fazer a intermediação, o que muitas vezes acaba gerando desconfiança e
desentendimentos posteriores.
146
cliente quer acertar novos detalhes a respeito de um trabalho que já vem sendo executado, e
também traduzindo mensagens recebidas por telefone celular. Normalmente este trabalho de
tradução é cobrado100, mesmo que dê pouquíssimo trabalho ao tradutor, é visto como normal.
A menos que a pessoa tenha algum laço de amizade, quase tudo é cobrado entre os brasileiros.
100
Eu mesmo fiz este trabalho para amigos diversas vezes, muitas vezes me ligavam e pediam para falar com
seus clientes que estavam no lado deles, em outra acompanhei um amigo para fazer a tradução dos detalhes de
limpeza de um restaurante no qual ele trabalhava.
147
médica para comprar remédios adequados, tudo isso por cerca de 20€, uma quantia
considerada irrisória. Isto acabou com o drama do rapaz que temia ter de voltar ao Brasil
precocemente por não poder trabalhar e ganhar dinheiro.
Enfim, ficar doente além de ser um drama pessoal pode ser também um problema que
pode destruir rapidamente anos de economia, e mesmo se a doença não for tão grave pode
acarretar menos dias de trabalho, perda de trabalhos por não comparecimento e
consequentemente menos ganhos e pode ainda representar um retorno antecipado para o
Brasil. Resultado: no contexto da migração, novamente a IURD e outras igrejas acabam
exercendo o papel de ―pronto socorro espiritual‖. Este fator esteve presente e com muita
importância em vários testemunhos que assisti.
Apesar dos atritos e discordâncias que possam haver na comunidade brasileira e no meio
evangélico, o pastor Marcos é indiscutivelmente uma liderança na comunidade. Segundo os
informantes; seu livro ―Batalha em Sodoma, Vitória em Gomorra‖ (ELÍSIO, 2006) e uma
entrevista que ele me concedeu, esta liderança foi construída e consolidada através de seu
101
Certamente há outras pessoas que prestam ajuda, mas estes três são bastante conhecidos e as circunstâncias
me permitiram conversar com eles.
148
trabalho religioso e social com os brasileiros além do fato dos cultos da igreja que ele lidera
ser frequentado por uma quantidade considerável de pessoas102.
Proveniente de uma igreja Batista do estado de Minas Gerais, o pastor Marcos já está na
Holanda há 13 anos vivendo legalmente, mas com um visto não permanente103. Ele classifica
sua igreja como uma igreja pentecostal independente, mas de influência Batista, e se mostrou
avesso às igrejas neopentecostais especialmente às que seguem o estilo da IURD.
Segundo o pastor, ele foi enviado a Amsterdã para substituir outro que já havia iniciado o
trabalho há alguns anos mas estava retornando ao Brasil. Ele conta que antes de partir, ouviu
de um pregador: ―Amigo, você está indo para Sodoma e Gomorra‖ (ELÍSIO, 2006, p. 21).
O pastor vê a cidade de Amsterdã como um local de absoluta decadência moral.
Ao longo do livro e da entrevista que ele me concedeu, fica claro que a intenção do pastor
é dar apoio aos imigrantes brasileiros e protegê-los dos perigos oferecidos pelas supostas
excessivas liberalidade e promiscuidade de Amsterdã104. Outro ponto importante que aparece
em seu livro é a ideia do fluxo reverso, ou seja, conforme a citação anterior, Amsterdã ou
102
Os cultos são frequentados por talvez umas duzentas ou trezentas pessoas, um número bastante elevado para
aquele contexto. Os cultos são ministrados em português, mas há tradução simultânea para o holandês sendo
transmitido por fones de ouvido.
103
Ele possui um visto especial para líderes religiosos mas que apesar de tanto tempo não se torna permanente,
este obstáculo a permanência acontece possivelmente para dificultar a entrada e permanência de líderes
muçulmanos.
104
Embora há que se respeitar a opinião do pastor e sua longa experiência, tenho que considerar que Amsterdã
não me causou impressão tão negativa. Pelo contrário, a segurança de se andar nas ruas a qualquer hora, o baixo
índice de crimes violentos ou contra a propriedade contrastam muito com a realidade que vivemos no Brasil,
além disso os problemas que a Holanda enfrenta com o uso de drogas legalizadas ou não são menores e menos
intensos que no Brasil.
149
mesmo a Holanda estão mergulhadas em um ambiente onde Deus está quase ausente105 e que
um dia foi um dos ―celeiros de missionários para o mundo‖ (ELÍSIO, 2006). Fica evidente em
seu livro a ideia da necessidade de se travar uma ―batalha espiritual‖ internacional, comum
aos missionários brasileiros no exterior (MARIZ, 2009, p. 176).
É inegável o trabalho feito pelo pastor, segundo foi relatado, ele fez uma tentativa de abrir
uma casa de recuperação para drogados que foi infrutífera pela falta de condições materiais,
mas ele continua ajudando os que lhe procuram. Além disso ele faz um trabalho de
acompanhamento de brasileiros que são presos na Holanda por cometer crimes graves como
assassinato ou tráfico de drogas ou mesmo casos menos graves como prisões de brasileiros
indocumentados.
Outro trabalho que o pastor faz é intermediar o contato entre o brasileiro que quer retornar
ao Brasil e uma instituição que paga pelas passagens de retorno, a IOM (International
Organization for Migration). Esta instituição atua em vários países do mundo e uma de suas
finalidades é repatriar pessoas, especialmente indocumentados (IOM, 2009). Muitos
brasileiros usam desta instituição, embora muitos deles acabe retornando na mesma condição
de indocumentado poucas sememas após ir para o Brasil.
O pastor contou em entrevista106 que a maior parte dos frequentadores de sua igreja são
indocumentados e uma das atividades que ele fazia antes era usar o carro da igreja para
auxiliar nas constantes mudanças que parte de seu rebanho fazia. Além disso, sua igreja é um
importante ponto de encontro e lazer da comunidade, há dentro da igreja um mural onde as
pessoas podem anunciar serviços ou quartos para alugar, e ouvi várias pessoas recomendando
que eu fosse até lá para procurar quarto ou mesmo pedir ajuda direto ao pastor.
Todas estas atividades do pastor lhe renderam algumas críticas por parte de alguns
brasileiros por considerarem que sua igreja às vezes se afasta de suas obrigações religiosas,
mas por outro lado lhe renderam também um grande prestígio perante a comunidade brasileira
e mesmo nos meios oficiais. Quando entrei em contato por e-mail com o cônsul brasileiro na
Holanda pedindo informações e ajuda na pesquisa, ele próprio recomendou que eu procurasse
o pastor Marcos, além disso, em entrevista o pastor me informou que foi oferecido a ele pelo
consulado um título de cônsul honorário, que não se concretizou por questões legais e
burocráticas.
105
Em conversas informais com pentecostais holandeses percebi que há um certo desconforto com a idéia da
vinda de missionários de fora para ―salvar‖ a Holanda.
106
Entrevista com Marcos Elísio cedida à Rangel de Oliveira Medeiros. Amsterdã, 13/07/2009.
150
Márcia Curvo é uma cidadã brasileira que possui também cidadania holandesa pelo fato
de ser casada com um holandês. Diferente de uma parte considerável das mulheres nesta
situação, ela antes de ser casada com um holandês já possuía uma carreira na área da
educação e possui formação superior no curso de língua inglesa. Além do inglês ela também
fala holandês.
Ela é proprietária do website ―Brasileiros na Holanda‖ (2010), que é possivelmente o mais
completo e mais importante direcionado a brasileiros, onde ela escreve a maior parte do
conteúdo e faz toda a organização e atualização sozinha. Em entrevista 107 ela me contou que
seu marido ajuda na interpretação e tradução das complexas leis holandesas, especialmente as
referentes à imigração. Seu site também traz notícias, uma espécie de guia ensinando os
meandros dos costumes e burocracia holandesas e uma série de serviços informativos.
Além do site ela ajuda pessoas que a procuram por e-mail atrás de informações sobre
parentes que vivem na Holanda e que não dão notícias, ou que pedem ajuda a parentes
brasileiros que estão enfrentando problemas com a justiça holandesa. Um tipo de problema
muito comum é o de mulheres brasileiras que se casaram com um holandês, tiveram filho e
após a separação lutam pela guarda da criança.
Além dos serviços em seu website, Márcia também participa ativamente da comunidade
do Orkut ―Brasileiros na Holanda‖ e lá também responde perguntas de outros membros e
participa das discussões.
5.5.3 Carlos
Ao chegar a Amsterdã me deparei com um problema sério para o qual não estava
preparado. De acordo com as normas do CNPq eu deveria imediatamente abrir uma conta
bancária em um banco holandês para que pudesse receber as parcelas da bolsa de estudos.
Após algumas informações desencontradas, descobri que para poder abrir a conta eu deveria
me registrar na prefeitura com a autorização do proprietário do local onde morava. O
problema era que o imóvel já era sublocado e eu não pude sequer fazer contato com o
verdadeiro proprietário. Ante a urgência do problema, já estava disposto a tentar achar alguém
que me pudesse registrar mediante pagamento, mas nem isso encontrei. Foi quando ao
107
Entrevista com Márcia Curvo cedida à Rangel de Oliveira Medeiros. Amsterdã, 13/07/2009.
151
conversar com a irmã de um dos moradores da casa ela disse que conhecia alguém que talvez
pudesse me ajudar. No dia seguinte entrei em contato com ele por telefone e combinamos de
conversar no domingo.
Chegamos eu, minha esposa e filha em sua casa, ele pediu para ver meus documentos com
as traduções juramentadas, perguntou o que eu fazia na Holanda, quanto tempo ficaria e
rapidamente concordou em nos registrar, sem cobrar nada. Detalhe importante, ele não era
brasileiro, era cabo-verdiano.
O fato me impressionou. Registrar um estrangeiro completamente desconhecido em sua
casa foi um ato inesperado, aos poucos nos tornamos amigos e conheci um pouco melhor sua
história.
Nascido em Cabo Verde, ele trabalhou em navios mercantes e vivia aposentado na
Holanda legalmente. Ele tem familiares vivendo em Cabo Verde, França e Brasil.
Atualmente, realiza o trabalho de entregar panfletos de propaganda junto a outras pessoas e
aluga um dos quartos de sua casa. Seus melhores amigos que conheci são um antigo colega de
trabalho e seu cão.
Quase todas as vezes que o visitei ele recebia várias ligações telefônicas, muitas vezes de
gente pedindo ajuda.
Por exemplo, no dia em que foi nos registrar na prefeitura, ele estava visitando uma amiga
brasileira no hospital com uma história de vida bastante singular e ilustrativa. Ela vive
indocumentada na Holanda há 16 anos e por conta de um problema de saúde bastante grave
teve de ir às pressas ao hospital, após muita relutância por estar correndo risco de vida, após a
internação de vários dias ela conseguiu sobreviver, mas teria de pagar uma quantia bem alta.
Carlos então negociou com o hospital o parcelamento das custas do tratamento e a senhora
pôde voltar para casa sem nenhum problema com a justiça holandesa, uma demonstração da
relativa facilidade de se viver indocumentado lá.
Carlos também ajuda indocumentados que são pegos pela polícia, em alguns casos
conseguiu reverter a deportação conversando com policiais na delegacia, mas estes casos são
mais raros. Ele também consegue trabalho para brasileiros recém-chegados como
entregadores de panfleto, geralmente eles fazem este tipo de trabalho temporariamente, pois
consideram um tanto arriscado devido à exposição na rua e o consequente risco de uma
abordagem policial. Além disso, ele acompanha brasileiros até o aeroporto ou os recebe
quando está chegando, aliás, um momento crucial na imigração, uma vez que apesar da
relativa tranquilidade em entrar, não são raros os casos de brasileiros que são barrados e têm
de voltar, portanto a presença de um conhecido torna-se fundamental.
152
108
A IOM (International Organization for Migration) é uma organização internacional com representação em
vários países, inclusive na Holanda, que visa, dentre outras coisas, repatriar migrantes indocumentados
gratuitamente, e muitos brasileiros fazem uso de seus serviços, mas acabam voltando para a Holanda em poucas
semanas.
153
A Holanda impressiona pela quantidade de templos que possui, belas e antigas igrejas,
muitas construídas muito próximas umas as outras revelando que ao menos no passado o povo
deste país deveria dar uma importância fundamental à vida religiosa, ou que ao menos as
instituições religiosas exerceram uma influencia muito forte na sociedade holandesa.
Entretanto nos tempos atuais a realidade é outra, muitos templos estão com as portas
fechadas ou viraram museus, centro de espetáculo ou mesmo lojas e apartamentos, como se as
previsões mais pessimistas das teorias ortodoxas da secularização estivessem se cumprindo lá.
Porém, a religiosidade holandesa tem outras manifestações que vão além do catolicismo
e da ainda bastante influente Igreja Protestante Nacional.
Existem lá, por exemplo, igrejas pentecostais holandesas e igrejas protestantes
pentecostalizadas além de uma intensa entrada e crescimento de igrejas pentecostais
migrantes109. Por outro lado, a aparente secularização e suposta liberalidade dos costumes
holandeses têm sido usadas como justificativa para a ideia de fluxo reverso pregada por
missionários do exterior.
De maneira interessante, uma inversão pode ser percebida sobre o orgulho e auto-
consciencia dos migrantes pentecostais. A idéia de ter preservado em seus países o
que os europeus ocidentais perderam, contribui para tais impressões. Além disso, a
idéia de missão reversa ajuda a alimentar esta atitude. Se as igrejas estabelecidas
falham ao criticar os lados negativos da sociedade secularizada, modernizada, os
cristãos de fora estão prontos para fazê-lo. O grupo supostamente fraco então se
apresenta como o grupo mais forte. Se elementos como hospitalidade, vida
comunitária e participação da igreja são adicionadas a equação, as igrejas migrantes
têm mais a oferecer do que as igrejas tradicionais – e talvez mais também que as
igrejas pentecostais ―autóctones‖, embora estas compartilharão em alguns aspectos
110
da inversão mencionada, especialmente a experiência do Espírito.
109
Pude colher algumas informações e impressões através de resultados parciais das teses de doutorado de
Miranda Klaver e Regien Smit, apresentados em seminários internos do departamento de Ciências Sociais da
Vrij Universiteit Amsterdam.
110
Interestingly, an inversion may be brought about by the pride and self-consciousness of Pentecostal migrants.
The idea of having preserved abroad what the native West European Christians have lost, contributes to these
154
O conceito de fluxo reverso se estrutura a partir da ideia de que os países que outrora
foram alvo da atividade missionária europeia, especialmente na era colonial, são desde as
últimas décadas a fonte para um novo fluxo missionário seguindo um caminho reverso, das
antigas colônias para as antigas metrópoles (KALU, 2007, p. 9). Ou em sentido mais amplo, a
ideia de que os países mais pobres provocariam a revitalização do cristianismo através do
pentecostalismo e espalhariam pelo mundo.
A religiosidade do migrante internacional segue uma lógica própria que pode ser
diferente da lógica que o mesmo seguiria se estivesse em seu país de origem, embora, como
afirma Droogers (2006, p. 161), ―Ao migrarem, as pessoas trazem sua religião com elas. O
processo de migração por si só vem com as dificuldades que podem reforçar a necessidade do
migrante por um lar religioso‖111. No caso dos migrantes indocumentados brasileiros, há uma
mudança substancial em muitos casos de escolha e vivência religiosa.
Igrejas migrantes, pentecostais ou não, oferecem este lar (religioso). Elas estão
direcionadas a situação nova e frequentemente precária do indivíduo, provendo não
só apoio espiritual mas também ajuda material. Elas servem como pontos de
referência moral na nova situação com todas as suas opções e oportunidades. Para
migrantes ilegais, elas podem oferecer (...) estratégias alternativas, tais como casar
sem o consentimento do estado mas com a bênção da igreja. Além do mais, elas
frequentemente trazem alguma forma de continuidade com a situação anterior a
migração, apesar das rupturas e mudanças que fazem parte da experiência do
migrante. Elas oferecem uma nova família estendida, uma forma de parentesco
artificial de novos irmãos e irmãs. O fato de elas cumprirem esta função só explica
em parte o seu sucesso. Em outras palavras: eles não só ajudam os migrantes a
encontrar o seu caminho através do novo jogo de poder com suas novas regras,
como é jogado no novo país. Eles também oferecem significado à nova realidade. -
Uma mensagem específica, que caracteriza uma igreja particular como única. Tal
igreja é mais que uma solucionadora instantânea de problemas, até por que as
pessoas permanecem nela depois que o problema é resolvido. Elas representam uma
feelings. Moreover, the idea of reversed mission may nourish this attitude. If the established churches fail to
criticize the negative sides of secularized, modernized society, the Christians from abroad are ready to do so. The
supposedly weak party thereby presents itself as the stronger party. If elements such as hospitality, community
life and church participation are added to the scale, the migrant churches have more to offer than the mainline
churches – and perhaps also more than the ‗autochthonous‘ Pentecostal churches, even though the latter will
share in some aspects of the inversion mentioned, especially the experience of the Spirit.‖ (DROOGERS, 2006,
p. 163).
111
In migrating, people bring their religion with them. The migration process itself comes with hardships that
may reinforce the migrant‘s need for a religious home.
155
visão de mundo. Cada igreja apesar de cumprir a mesma função terá seu próprio
112
nicho no mercado religioso (DROOGERS, 2006, p. 161).
112
Migrant churches, whether Pentecostal or not, offer such a home. They address the person‘s new and often
precarious situation, providing not only spiritual but also material help. They serve as moral points of reference
in the new situation with all its options and opportunities. To illegal migrants, they may offer an alternative,
accepting those who are refused by the officials of the host country and even offering alternative strategies, such
as to marry without the state‘s consent but with the blessing of church. In addition, they often bring some form
of continuity with the pre migration setting, despite the ruptures and changes that are part of the migrant‘s
experience. They offer a new extended family, a form of artificial kinship of new brothers and sisters. The fact
that they serve this function only partly explains their success. In other words: they not only help the migrant in
finding his or her way through the new power game with its new rules, as played out in the new country. They
also offer meaning to the new reality. – a specific message that characterizes a particular church as unique. Such
a church is more than an instant problem-solver, not least because people stay on after the problem is solved.
They represent a world-view. Each church despite serving the same function will therefore have its own niche in
the religious market.
156
A primeira questão levantada por Freston na citação anterior parece fazer bastante sentido
no contexto da imigração brasileira em Amsterdã. Afinal, é visível a adesão de brasileiros às
igrejas pentecostais em uma proporção maior113 a que é no Brasil. Além disso, percebe-se
também certo reavivamento individual da prática religiosa, uma vez que várias pessoas me
contaram que antes de ir para a Holanda eram católicos não praticantes e que começaram a
frequentar igrejas evangélicas pouco tempo depois levados por amigos ou familiares. Enfim,
há fortes indícios de que não há apenas uma simples transferência do campo religioso
brasileiro, há uma transformação. Eu acompanhei de perto cultos de igrejas pentecostais,
principalmente da IURD em Amsterdã e ficou evidente naquele contexto a preferência dos
brasileiros por igrejas evangélicas, semelhante à situação que Freston (2008, p. 192)
encontrou nos EUA.
Por outro lado, há várias razões para supor uma porcentagem mais alta de
protestantes do que no Brasil. Primeiro, porque as igrejas evangélicas são
geralmente percebidas como de grande utilidade na superação das dificuldades da
vida imigrante (como afirma, por exemplo, Levitt 2002b para o caso dos latinos).
Esta fama positiva vale tanto para o desafio psicológico de criar e manter uma
atitude positiva e uma ética de iniciativa e laboriosidade, essencial para o sucesso e
até para a sobrevivência, bem como para a questão prática de estabelecer redes de
apoio na busca de moradia e trabalho. Como um dos poucos contextos em que é
possível criar redes amplas de (pelo menos relativa) confiança, as igrejas facilitam a
vida dos imigrantes em uma série de maneiras práticas.
113
Não há estatísticas oficiais, estas informações foram obtidas a partir da minha experiência e vivência com os
imigrantes.
157
membresia. Basicamente uma membresia multicultural formada por muitos migrantes das ex-
colônias e brasileiros indocumentados vindos de diversas partes do Brasil, conforme
mencionado no capítulo anterior.
Outra questão levantada por Freston (2008, p. 190) é se ―A religião diaspórica permanece
contida dentro do grupo étnico? Ou se expande e influencia o campo religioso da sociedade
hospedeira‖?
A IURD mostra claramente sua intenção de adaptar-se a realidade holandesa ao tentar ser
uma ―igreja holandesa de origem brasileira‖. Isto fica evidente no fato de que a maioria das
reuniões são feitas em holandês. Por outro lado, a IURD e outras igrejas que visitei não
parecem estar sendo muito bem sucedidas entre os holandeses nativos. Estes raramente são
vistos e os poucos que aparecem são normalmente esposos de brasileiras ou surinamesas.
Além disso, nos meses que fiquei lá, percebi um gradativo aumento da oferta de elementos em
português nos cultos, especialmente folhetos e DVD‘s, normalmente havia nas versões em
holandês e em português.
No templo da IURD que visitei em Haia (sede nacional), a maioria dos frequentadores era
de surinameses e africanos, em Rotterdam era de africanos lusófonos e em Amsterdã a
maioria eram de surinameses (nos cultos em holandes) e brasileiros (nos cultos em
português). A Universal segue portanto uma tendência das igrejas migrantes, como lembrou
Van Der Laan (2006, p. 55):
Estas igrejas têm um forte zelo missionário para evangelizar também para além da
sua linguagem ou cultura. Embora elas tentem ser missionárias para os holandeses
nativos, estes não respondem aos esforços evangelísticos delas. Muitos dos
membros das igrejas são pessoas em busca de asilo político, refugiados sem um
status legal ou migrantes econômicos. Quando são empregados, eles têm os
114
chamados Trabalhos 3 D (ver sigla em inglês): Sujo, Difícil e Perigoso.
Igrejas pentecostais são as que têm o maior poder de atração entre os brasileiros
migrantes e também as que têm mais visibilidade. Ao menos metade dos informantes
disseram que frequentam, mesmo que ocasionalmente, cultos de alguma igreja pentecostal.
Uma das razões é provavelmente a facilidade de se encontrar uma destas igrejas oferecendo
cultos em língua portuguesa. Estas igrejas são normalmente de origem brasileira e lideradas
por brasileiros ou pastores provenientes de países lusófonos, principalmente Portugal e Cabo
Verde. Outro ponto importante é que se percebe uma concorrência entre as igrejas na busca
por fiéis. Nos cultos da IURD e nos encontros do grupo de jovens o pastor sempre deixava
claro a necessidade de cada frequentador convidar um amigo para comparecer aos cultos.
Além disso, não havia cultos aos sábados para que o pastor e obreiros pudessem fazer
trabalho de evangelização nas ruas, outro indício desta busca por membros foi o fato de eu
encontrar panfletos da IURD expostos em uma agência (Moneytrans)115 bastante usada por
brasileiros e outros estrangeiros para enviar dinheiro aos seus países.
É importante notar que estas igrejas, no contexto da diáspora, assumem funções
diferentes das que exercem no Brasil (VAN DER LAAN, 2006, p. 60). Dentre estas funções
está a de aumentar a rede de relações do frequentador facilitando as possibilidades de se
conseguir moradia e trabalho. Por exemplo, num dos momentos de dificuldade que enfrentei
para conseguir moradia, várias pessoas me recomendaram que fosse a um culto da ―igreja do
114
These churches have a strong missionary zeal to evangelize also outside their own language or culture.
Although they try to be missionaries to the native Dutch, the latter do not respond to their evangelistic efforts.
Many of the church members are asylum-seekers, refugees without a legal status or economic migrants. If they
are employed, they have the so-called Three D Jobs: Dirty, Difficult and Dangerous.
115
Um fato importante demonstrando que a presença de brasileiros em Amsterdã está longe de ser insignificante
é que duas funcionárias desta agência eram brasileiras, e numa agência concorrente, os atendentes eram de
provável origem marroquina ou turca (muçulmanos) mais um dos funcionários falava espanhol e conseguiu se
comunicar comigo muito bem nessa língua.
159
pastor Marcos‖116, ou para conseguir também trabalho extra para mim ou minha esposa.
Inclusive minha terceira moradia foi conseguida por meio de uma rede de contatos que formei
através de pessoas que moraram comigo e o fato de eu ter feito uma visita na Igreja
Pentecostal Deus é Amor foi um elemento facilitador para que eu e minha família fôssemos
aceitos posteriormente no apartamento.
Outra função assumida por estas igrejas é o amparo emocional. Obviamente este tipo de
amparo também é oferecido no seu contexto de origem e está longe de ser uma novidade. Mas
a forma que assume no contexto da migração é diferente. No Brasil, o amparo se dá na
tentativa de restauração de relacionamentos afetivos ou na busca da harmonia familiar
perdida, em ambos os casos geralmente os envolvidos vivem juntos sob o mesmo teto, como
nos casos de casamentos em crise e de problemas de relacionamento com os filhos. Para os
migrantes a situação pode ser muito mais dramática, pois o sofrimento pode ser proporcional
a distância, já que muitos deixam no Brasil o cônjuge e filhos nas mais diversas idades, é
comum que os relacionamentos afetivos se acabem. Enfim, as pregações da igreja levam em
consideração estes fatores. Embora nos vários cultos da IURD que acompanhei ainda se
destacasse muito o fator prosperidade, que é o maior motivo da vinda dos imigrantes, também
se mencionava várias vezes os problemas emocionais e os problemas deixados no Brasil.
Cheguei à cidade na estação central de Haia (Den Haag) após uma viagem tranquila de
trem de Amsterdã até lá. Em seguida tomei um Tram e me dirigi ao templo com minha esposa
e filha, que assistiram o culto comigo. Era o dia 12 de abril de 2009, domingo de Páscoa. O
tema era ―Culto do Espírito Santo e Oração pela família‖ (Dienst voor de Heilige Geest en
gebed voor de Familie).
Faltavam ainda 15 minutos para começar o culto, neste meio tempo pude conversar um
pouco com algumas pessoas. Apresentei-me dizendo que era brasileiro, então uma obreira me
explicou que o culto seria em holandês, mas que colocariam um intérprete a minha disposição
e a um pequeno grupo de lusófonos que falavam, assim como a intérprete, com o sotaque de
Portugal.
Neste meio tempo, uma obreira abordou minha esposa e levou nossa filha para um andar
superior onde ficava uma espécie de creche, nos moldes do Brasil, para que pudéssemos
116
A igreja chama-se Comunidade Cristã de Amsterdã, dentre as pessoas que me deram o conselho estava uma
mãe-de-santo.
160
assistir o culto sem distração. A creche era num salão não muito grande, com mesinhas,
cadeiras, brinquedos e algumas obreiras cuidando das crianças, para cada pai ou mãe que
deixasse a criança lá era dado um número e era anotado o nome.
O templo em si não era grande se comparado aos padrões das catedrais iurdianas
brasileiras. A parte onde era feito o culto era repartida em dois grupos de cadeiras cada um
com 14 fileiras de 13 cadeiras, totalizando 364 lugares, lembrando que esta é a sede nacional.
Todas as inscrições internas, inclusive a clássica frase ―Jesus Cristo é Senhor‖ estavam
escritas em holandês.
Alguns dos obreiros e obreiras sabiam falar português e se trajavam de forma semelhante
ao traje dos obreiros brasileiros.
O culto começou seguindo o padrão de um culto no Brasil. Começou com orações
seguidas pela pregação do pastor, tudo em holandês. Uma obreira pediu que sentássemos mais
à trás, nas últimas fileiras para que ela pudesse fazer a tradução, provavelmente para não
atrapalhar a pregação do pastor, e ela falava bem baixo. Éramos eu, minha esposa e outros
lusófonos (a maioria mulheres), aproximadamente dez pessoas.
Apesar de ser domingo de Páscoa, às 10h00min da manhã o templo não estava cheio.
Possivelmente nem metade das cadeiras estavam ocupadas, totalizando algo em torno de 150
pessoas. Outro fato a ser notado é que os frequentadores não seguiam o padrão de tipo físico
esperado dos ―típicos‖ holandeses. Em grande parte eram negros, possivelmente imigrantes
ou descendentes de imigrantes, uma das obreiras com quem conversei (em inglês), por
exemplo, era do Suriname, e ela me explicou que normalmente a maior parte da audiência era
de migrantes. Possivelmente provenientes das ex-colônias e, portanto, com a cidadania
facilitada e o conhecimento da língua.
O culto seguiu a temática da busca da bênção, da libertação e da ideia de fidelidade e
União com Deus. Entretanto, não se mencionou demônios e os pedidos de ofertas só
ocorreram no final, foram insistentes mas não tanto como no Brasil, e foram mais modestos,
falou-se em no máximo 100€, o que, para os padrões holandeses é um valor relativamente
baixo.
Próximo do fim do culto houve um momento em que uma senhora foi até o púlpito dar
seu testemunho, falou que conseguiu se libertar do vício do cigarro rapidamente após começar
a frequentar os cultos naquele mesmo templo. Após o testemunho, o culto se encaminhou para
as orações finais e os pedidos de ofertas já mencionados.
161
Figura 12 - Mapa de Amsterdã com a localização da IURD em relação a praça central e a estação central.
Fonte: Google Earth 2010.
Este templo da IURD pode ser considerado espaçoso para aquele contexto, mas seria
muito pequeno para o contexto brasileiro, a capacidade deve ser em torno de 200 pessoas.
Há cultos todos os dias, exceto aos sábados. Os cultos mais frequentados são aos
domingos às 09h30min pela manhã reunindo cerca de 40 pessoas, em sua maioria brasileiros e
eventualmente pessoas de fala espanhola e holandeses esposos de brasileiras. Este culto é em
português sendo seguido por outro em holandês atendendo principalmente surinameses. Após
117
Impressões e informações colhidas a partir da minha experiência de ter morado por 20 dias na região e por
diversas visitas posteriores.
162
o culto alguns brasileiros ficam e assistem o culto seguinte ou simplesmente para esperar a
reunião do grupo de jovens que normalmente começa as 13h00. Na espera de cerca de 2 horas
alguns ficam conversando na rua ou no hall de entrada, enquanto um obreiro e uma moça
vendem doces e salgados feitos da forma como se faz no Brasil.
A igreja é também um local de divertimento e descontração 118. O nome do grupo de
jovens da IURD em Amsterdã também é ―Força Jovem‖. As atividades geralmente são
competições a respeito de conhecimento bíblico e gincanas para arrecadar dinheiro para a
igreja, mas são feitas também atividades fora do templo com fim estritamente de
divertimento, como o aluguel de quadra para esportes ou locais de patinação. O grupo em
Amsterdã tem diferenças significativas em relação ao grupo no Brasil, mas especificamente
ao que acompanhei em Florianópolis.
As diferenças mais marcantes são o tamanho do grupo e a faixa etária dos participantes.
Enquanto em Florianópolis era formado basicamente por adolescentes e tinha centenas de
membros, em Amsterdã era formado na maioria por adultos, alguns acompanhados por filhos
pequenos. Às vezes reunia cerca de 15 ou 20 pessoas.
Em Florianópolis ficava claro também o papel que o grupo tem na formação e
recrutamento de lideranças. O grupo todo era dividido em quatro equipes e cada equipe era
liderada por um obreiro auxiliado por um dos membros, algo difícil de acontecer no contexto
de Amsterdã.
O tamanho da Igreja Universal na Holanda não se compara com a sua magnitude no
Brasil, nem em termos numéricos ou em sua influência na sociedade. Enquanto em nosso país
já é uma instituição de grande visibilidade e considerável influência social e política, na
Holanda a IURD é apenas mais uma das igrejas de imigrantes e não chega nem a ser uma das
maiores119 e mesmo as dimensões físicas são muito menores que no Brasil. A sede em Haia,
por exemplo, é menor que muitos templos periféricos no Brasil e nem se aproxima das
―Catedrais da Fé‖ localizadas nas capitais brasileiras.
Outra diferença visível é o número de frequentadores. Enquanto no Brasil costuma ser de
centenas ou milhares nos cultos principais, na Holanda costuma ser de algumas dezenas ou
menos. Já houve cultos em que estavam presentes duas pessoas contando comigo, enfim, um
118
Minha esposa frequentava um curso de inglês oferecido principalmente a indocumentados e numa das aulas
ao serem perguntados o que fizeram no final de semana muitos responderam que foram a igreja. Ainda há os que
participam de vigílias que duram a noite inteira, porém esta prática não aconteceu na IURD enquanto estive lá e
sim na IPDA.
119
A IURD possui 7 templos em toda a Holanda, dois em Amsterdã, dois em Rotterdam, e um em: Almere,
Eindhoven, e Haia (sede), sendo que só o templo que acompanhei em Amsterdã e um em Rotterdam tem cultos
em português.
163
120
IURD. O Reino de Deus. Disponível em: < http://www.conteudouniversal.com/2008/12/28/o-reino-de-deus-
iurd-2009/ > Acesso em: 02 mai. 2009.
164
Elas (igrejas) não estão apenas interessadas em ‗salvar almas da danação eterna‘,
mas querem que as pessoas vivam uma ‗vida em abundância‘. Sua relação com
Cristo resultará em milagres diários: O desempregado encontrará trabalho,
migrantes receberão sua permissão de morar no país; seus filhos trarão boas notas
da escola; salários serão aumentados; e o racismo no local de trabalho será
superado. É este tipo de milagres que os crentes contam durante o ‗testemunho‘ nos
121
cultos.
Já na IURD, enquanto a possessão por espíritos é deixada quase que totalmente de lado, os
temas da cura e prosperidade são sempre bastante repisados, bem como os temas do visto e da
condição de estar indocumentado e os problemas emocionais. As possíveis razões são várias.
Os brasileiros vêm com o objetivo de economizar a maior quantidade possível de dinheiro,
quanto mais trabalho houver menos meses ou anos terá de ficar na Holanda longe da família,
logo o fator prosperidade torna-se fundamental.
A cura, entretanto, tem um sentido mais amplo, especialmente no contexto dos migrantes,
de acordo com Droogers: (2006, p. 165).
Há uma música bastante ouvida, executada nos cultos e até cantada pelas pessoas mesmo
nas suas casas, que é emblemática a respeito desta ideia ampla de salvação e pertencimento a
uma igreja, ou melhor dizendo nos termos pentecostais, a aceitação de Jesus.
Entra Na Minha Casa - Regis Danese (2010)
Como Zaqueu
Eu quero subir
121
They are not just interested to ‗save souls from eternal damnation‘, but want people to live a ‗life in
abundance‘ (Jn 10.10). Their relationship to Christ will result in everyday miracles: The unemployed find work;
migrants receive their residence permit; their children bring home good marks from school; salaries are raised;
and racism in the workplace is overcome. It is such miracles that believers report during ‗testimony time‘ in their
worship services.
122
The term (healing) also often applies to the other aspects of human well-being, including strained personal
relationships, poverty, bad luck, difficulties in obtaining a residence permit and other afflictions that people have
to deal with. This wider view on healing is consistent with the holistic conviction that faith puts a claim on all
aspects and sectors of life, just as evil forces equally threaten these same aspects and sectors.
165
Os temas abordados na música são bastante adequados aos dramas vividos pelos
brasileiros, provavelmente por esta razão a música faça tanto sucesso na comunidade de
migrantes independentemente da denominação que frequentam. ―Eu preciso de ti, Senhor, eu
preciso de ti, oh Pai‖ remete, por exemplo, à necessidade de amparo na terra estranha e
mesmo de amparo familiar, ―entra na minha vida, mexe com minha estrutura‖ lembra das
mudanças necessárias aos novos obstáculos. Porém a frase ―sara todas as feridas‖ é talvez a
mais emblemática de todas. Todos os indocumentados que contatei invariavelmente
comentaram dos conflitos com colegas de moradia, rompimento de amizades e relações
amorosas e até mesmo afastamento de familiares que também estavam lá por conta da difícil
convivência sob o mesmo teto, o termo sara pode ser, portanto, pertinente às feridas do corpo
e da alma.
Os argumentos relacionados aos dízimos, ofertas e sacrifícios são dados sem mencionar
nenhuma relação com espíritos brasileiros. No Brasil mesmo as pregações relacionadas a vida
166
material tendem a enfatizar que as doações a Deus serve como uma arma para coibir as ações
dos demônios, especialmente o ―devorador‖, conforme mencionado no livro de Malaquias 3:
em um tom desafiador novamente se dirigiu a Deus e disse: ―se Deus está comigo isto vai ter
de mudar‖.
A propósito, a especificidade do tipo de frequentadores causa certa adaptação ao discurso,
enquanto no Brasil o discurso é voltado para pessoas que procuram emprego fixo regularizado
ou pessoas que queiram se tornar empresários, em Amsterdã as preces coordenadas pelo
pastor mencionam a realidade financeira local. Por exemplo, no culto que acompanhei em 24
de maio de 2009 foi feito um ―sacrifício especial para derramar o vinho sobre a água‖ 123. Esta
campanha visava principalmente a vida financeira. O pastor mencionou na oração durante o
sacrifício que talvez a pessoa que fez a oferta estivesse procurando por ―mais horas‖, uma
alusão às pessoas que fazem serviço de faxina e que trabalham por hora, demonstrando
sintonia com a realidade das pessoas. E também disse ―fechar um contrato, um negócio‖,
possivelmente se referindo àqueles que trabalham com construção e que trabalham com
contratos curtos, de dias ou semanas. Ele pediu que as pessoas que estavam fazendo o
sacrifício em prol da vida econômica estendessem a mão em direção ao local de trabalho124.
No mesmo culto o pastor mencionou como exemplo de consequência ruim da má situação
financeira o fato do migrante indocumentado ter de compartilhar uma casa com muitas
pessoas estranhas.
Dois testemunhos dados nesse dia são representativos por isso os reproduzo aqui na
íntegra a partir do diário de campo.
O primeiro foi de uma mulher cujo problema era com a filha, que estava muito mal de
saúde por causa do uso de cigarro e maconha, vejamos o diálogo.
Os dois testemunhos são diferentes e seus temas são mais reveladores a respeito de
algumas coisas que são desejadas pelos migrantes brasileiros: o bem-estar de seus familiares
que ficaram no Brasil ou estão na Holanda; segurança financeira; e a segurança de poder viver
na Holanda sem o risco de deportação.
É recorrente nos cultos a tentativa do pastor em mostrar a eficácia da IURD na consecução
de bênçãos, e no contexto dos migrantes, na vida financeira e na saúde. O trecho a seguir
extraído do diário de campo demonstra bem o tipo de estratégia e o discurso do pastor:
A fala do pastor revela sintonia com aquilo que os brasileiros que frequentam a IURD
também enfrentam no Brasil, por exemplo, a rejeição de quem está de fora sobre as práticas
da igreja especialmente no tocante ao pedido de dinheiro.
Outro fato marcante e que ocorreu outras vezes é o uso mais intenso de testemunhos
gravados do Brasil ou de migrantes não brasileiros, uma possível consequência da pouca
quantidade de brasileiros na Holanda em condições de dar ―bom testemunho‖, talvez sinal de
descompasso entre a noção de sucesso para a igreja: vida sentimental, saúde e riqueza
abundantes, e a possível noção de sucesso para os indocumentados: saúde, vida sentimental
suportável, não ser pego pela polícia e ganhar o suficiente para sobreviver lá e poder mandar
algum dinheiro para casa.
125
Diário de Campo. Observação na IURD em 07/06/2009.
171
dada ênfase especial nos temas: saúde; família e vida emocional; e vida financeira. O ápice
das pregações ocorreu no dia 14 de junho de 2009, o último dia da campanha da ―Fogueira
Santa de Israel‖, que, semelhante ao que acontece no Brasil, lá também ocorre duas vezes por
ano, na sua metade e no final. Por ser um momento que sintetiza muitas das pregações que
acompanhei, farei aqui um relato um pouco mais detalhado.
Este foi um dos dias mais esperados. Foi feita uma prece inicial e logo em seguida o
pastor pediu que as pessoas que participariam do sacrifício fizessem uma fila na direção do
altar com o envelope contendo a oferta nas mãos, enquanto três obreiras cantavam a música
―Vai Gideão‖ acompanhadas por um pastor que estava tocando teclados. A música foi
repetida algumas vezes, pois o pastor fazia uma prece individual para cada pessoa que fez o
sacrifício, que eram cerca de 30, um número expressivo para aquele contexto.
É importante lembrar que o tema e a música foi bastante repetido durante a campanha.
Terminadas as preces individuais, ele pediu que as pessoas viessem um a um até a frente
e quebrassem um pequeno cântaro que lhes foi dado nos cultos anteriores, e dissesem no
momento: ―que a minha velha vida seja quebrada e que o senhor me dê uma vida nova‖. E
assim um a um (os mesmos que fizeram o sacrifício) foram à frente e fizeram, alguns cântaros
não se quebrarm com a queda, mas o pastor disse que não havia problema, pois o cântaro era
apenas algo simbólico.
Após, ele fez a seguinte prece ―Senhor nosso Deus nosso pai, eis-nos aqui mais uma
vez, precisamente eu não sei quantas orações foram feitas nestes 21 dias de campanha, foram
mais de 100. Meu pai, estamos cansados, mas isso nos dá a certeza de que nosso sacríficio vai
dar certo, o sacrificio destas pessoas de anos de trabalho (voz mais forte e pessoas fazendo
suas preces emocionadas) Manifesta teu poder na vida das pessoas e na história dessa igreja.
Nós queremos ver as tuas maravilhas... não vamos desistir enquanto nosso sonho não se
realizar, são vários os pedidos: para familia, casamento, cura, vida sentimental. O senhor abre
portas que ninguém pode abrir ou fechar.‖ Em seguida entra a esposa do pastor falando
também, em tom emocionado, ―Senhor, sua igreja está crescendo no mundo inteiro, e isso vai
acontecer aqui também, porque o Senhor está conosco meu Pai. Esse Deus que transforma
lares e ajuda os necessitados, nós entregamos nossas vidas em tuas mãos. Nós já podemos ver
nos testemunhos, que esta seca já está acabando. (...) Este povo fez o sacrifício, foi valente,
não olhou as contas, as dificuldades, foi atrás. Assim como o senhor deu a vitória a Gideão dê
a Vitória a este povo meu pai‖.
Na sequência o pastor volta a pegar o microfone: ―Não aceitamos meu Deus que nossos
inimigos prevaleçam, nao aceitamos meu Pai que a doença continue entrando nesse corpo,
nessa carne, nesses ossos... que essa doença agora, nessa manhã, seja arrancada, não
aceitamos que a amante entre nessa casa e destrua o casamento dessa pessoa, o vício vai ter
que sair do corpo do filho dessa mulher, meu Deus manifesta teu poder, a miséria vai ter que
sair, as portas fechadas vão ter que sair, abra as portas meu Deus, hoje é o dia da batalha. Os
demônios são vencidos através do sacrificio, (...) os demônios que estão amarrando a vida
173
desta pessoa saiam da vida desta pessoa, essa pessoa quer ver seus filhos na igreja, seu
namorado na igreja‖. Várias pessoas pareciam estar em êxtase, fazendo cada um suas preces
em voz alta, com os braços erguidos, algumas chorando. O pastor seguiu dizendo: ―Digam
comigo: espada pelo senhor (todos repetem) espada pela Igreja Universal.‖
Então todos se acalmam. O pastor pede palmas a Jesus e pergunta ―Você crê na vitória?‖
E fez o pedido de ofertas com a frase que sempre usava para isso ―Vamos honrar a casa de
Deus?‖
Ele leu e comentou Eclesiastes 9:10 ―Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o
conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra nem projeto, nem
conhecimento, nem sabedoria alguma.‖
No domingo seguinte seria o dia dos pais e ele pediu que as pessoas trouxessem os
próprios pais ou os pais de alguém no culto.
Após foi entregue um panfleto a partir do qual ele discorreu a respeito da questão ―O
que fazer depois do sacríficio?‖ e disse: ―O sacrifício traz certeza, confiança, o crente deve
perseverar‖. Neste e em outros cultos sempre houve um tom motivacional em sua fala.
O que se destaca neste culto, principalmente na fala do pastor é a amplitude dos temas
abordados, ou, daquilo pelo qual vale a pena fazer um grande sacrifício. A vida do sacrficante
tem de ser plena, e mesmo neste contexto onde se esperaria uma disparidade nas vezes que
fosse feita menção à ideia de prosperidade, esta, embora às vezes aparentemente
predominante, acaba sendo contrabalançada com a pregação voltada para os outros campos da
vida do participante.
- Boa saúde – Muitos estão lá há anos (conheci pessoas morando por 9 anos lá e soube de
uma senhora que morava há 16 anos) e o fato de ter boa saúde e nunca ter precisado usar do
sistema de saúde ou voltar para o Brasil para se tratar também é um sinal da ação direta de
Deus.
suficiente para se manter e ainda sobrar uma quantia significativa para mandar para o Brasil.
O risco da falta de dinheiro para sobreviver é dramático especialmente nos primeiros meses.
Portanto, conseguir trabalhos em boa quantidade e remuneração é outro sinal.
O famoso ―jeitinho brasileiro‖ acaba operando duplamente na vida de parte dos brasileiros
que vivem na Holanda, como lembra DaMatta (1997, p. 172), ―O seu mundo, sendo
intersticial, é aquele universo onde a realidade pode ser lida e ordenada por meio de múltiplos
códigos e eixos‖. O tal ―jeitinho‖ funciona tanto nas suas relações sociais e de trabalho,
garantindo-lhe a permanência no país, o lucro e a sobrevivência, como também funciona em
sua religiosidade. Fazendo-os resignificar o discurso religioso recebido, que por sua vez já
sofreu adaptação à realidade do migrante.
Por fim, minha ida para a Holanda e convivência próxima com a comunidade brasileira
possibilitou perceber a amplitude do discurso religioso que se construiu e que, em seu
dinamismo, se reconstruiu para se adaptar à demanda. Mesmo possuindo dentro de si a
brasilidade e tudo que isso acarreta inclusive a religiosidade. O ―pacote‖ religioso
dinheiro/demônios que, segundo alguns analistas, é o principal ―produto‖ neopentecostal, deu
lugar às pregações e experiências mais fluidas, que sequer mencionavam os demônios e,
embora mencionando o dinheiro, isso se deu de forma não tão relevante, cedendo lugar a
elementos como a família, a saudade, a saúde e a aparentemente esquecida salvação, tema este
importante na suposta ―terra do pecado‖.
Um dos pontos mais interessantes da análise que foi feita é que, apesar da situação
enfrentada pelas igrejas na diáspora que em certos aspectos é muito diferente de seus
126
Algumas pessoas procuraram fazer amizade comigo e minha família e tentaram estreitar os laços rapidamente
e deixando transparecer a carência afetiva pela dificuldade de formar amizades sólidas e confiáveis.
176
contextos de origem (nem toda membresia era brasileira, por exemplo), mesmo assim, não
parece ter havido ruptura, apenas adaptação e reforço de certos aspectos do discurso.
177
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O argumento central desta tese de doutorado foi tentar mostrar que a experiência
religiosa vivenciada por um membro de uma igreja pentecostal vai além de simplesmente
buscar a igreja em momentos difíceis ou ir atrás de prosperidade e cura. Mesmo que muitas
vezes estes possam ser os motivos iniciais para a adesão. Tentei mostrar por meio da análise
das fontes que pertencer a uma igreja como a IURD ou a IIGD carrega em si o compromisso,
que obviamente pode ser duradouro ou não, mas enquanto dura é um compromisso pleno para
ao menos parte de seus participantes.
Embora a ideia da pura comercialização de produtos religiosos por parte das igrejas
neopentecostais ainda persista dentro e fora do meio acadêmico, usando novas roupagens,
como a expressão ―Mcdonaldização da fé (PAEGLE, 2008, p. 91)‖, sugerindo uma
religiosidade fast food. Penso que este tipo de abordagem fica um tanto empobrecida pela
negação das outras dimensões envolvidas além da simples ideia de mercado religioso.
Por outro lado, é inegável a presença de pessoas nas igrejas que as tratam como um
―supermercado da fé‖, mas parece difícil acreditar que as lideranças das igrejas queiram isso.
Sejam lá quais forem as intenções das lideranças, boas ou ruins, certamente preferem criar
meios duradouros de aumentar e manter sua membresia, e o modelo de ―supermercado da fé‖
não parece o mais adequado para isso.
Embora não tenha sido feita uma análise detalhada a respeito de cada autor que defende
o modelo explicativo da mercantilização da fé, fica perceptível a dificuldade de alguns autores
de afastar-se da ideia de que a sociedade brasileira é e sempre será fortemente influenciada
pelo catolicismo, e que o pentecostalismo, especialmente o da chamada terceira onda só
consegue congregar vítimas sociais. Imputando a ignorância e ingenuidade como condição
sine qua non para o pertencimento a uma dessas igrejas. Seguindo um antigo pensamento de
que cabe aos intelectuais proteger os menos favorecidos.
Outro fator importante, a tão prometida e esperada ascensão das classes menos
favorecidas no eterno ―país do futuro‖ ainda não se cumpriu, apesar dos avanços econômicos
e considerável redução da miséria no país. Para muitos pensadores é inadmissível que as
pessoas procurem esta ascensão justamente numa forma de religiosidade que foi de certa
maneira execrada pela academia e pelo senso comum como sendo a mais torpe forma de
exploração do povo. A ironia está no fato de que, o ―sujeito povo‖ ou ao menos parte deste, a
massa anônima que precisava ser guiada por uma classe superior rumo a alguma forma de
178
127
Domingão do Faustão recebeu Aline Barros e Fernanda Brum. In: Gospel Musica Café. Disponível em <
http://www.gospelmusiccafe.com.br/noticias.aspx?cod_noticia=1185> Acesso em: 10/07/2010.
180
igrejas pentecostais como a Assembléia de Deus, mas são bastante reticentes em relação às
neopentecostais. Difícil prever se com o tempo as neopentecostais alcançarão a
respeitabilidade que suas ―irmãs mais velhas‖ conseguiram a duras penas.
Outro ponto importante a destacar a respeito dos neopentecostais é a ideia que eles
pregam de felicidade em um conceito mais amplo.
Os críticos destas igrejas apontam, ou ao menos dão um destaque exagerado de que o
conceito de felicidade para os neopentecostais se resumiria ao que prega a Teologia da
Prosperidade, ou seja, basicamente saúde e riqueza.
As fontes, entretanto, apontaram para algo muito mais amplo que isso. Foi possível
perceber que pessoas por serem diferentes valorizam as coisas de modo diferente. Uma jovem
solteira pode dar muito mais valor em conseguir um bom namorado cristão do que abrir sua
microempresa, assim como um homem pode preferir ter seu filho afastado das drogas a fechar
um grande contrato para sua empresa. Claro que, sob o ponto de vista das doutrinas das
igrejas, é possível querer e receber tudo, mas as pessoas demonstram preferir travar sua luta
espiritual privilegiando um problema de cada vez, concentrado suas orações e sacrifícios
materiais para um momento e problema específico, e neste primeiro momento poucas vezes a
preocupação inicial era a vida financeira.
Aliás, a vida familiar sempre foi um dos pontos chaves da adesão e permanência das
pessoas nessas igrejas. Muitos dos informantes não demonstravam preocupação excessiva
com a vida financeira ou mesmo pretensões de vir a ser um megaempresário de sucesso, como
às vezes era reforçado nos testemunhos das igrejas, especialmente a IURD. Muitos
demonstraram até certo conformismo em relação à vida financeira, satisfeitos em conseguir
uma existência modesta, preocupando-se muito mais com o destino dos filhos ou maridos.
Certamente, nestes aspectos, as mulheres eram as mais ativas. O papel feminino que já era
visível nas igrejas mais antigas, no qual a mulher é o esteio de família e aquela que pode, por
meio de sua luta espiritual e sacrifício material, salvar os seus, permanece nas igrejas
neopentecostais. As mulheres continuam sendo maioria e extremamente influentes no
processo, embora ainda um tanto relegadas a um papel secundário no nível do discurso.
O tema do sacrifício material ainda segue polêmico nos meios externos ao mundo dos
neopentecostais. Os informantes relataram resistência e mesmo zombaria por parte de
familiares no tocante ao fato dos dízimos e vultosas quantias de dinheiro doadas às igrejas nas
ofertas e sacrifícios. Entretanto, os participantes do mundo neopentecostal seguem com seu
sistema de crenças e suas verdades sem aparentemente se deixarem abalar. O dinheiro faz
parte do sistema sagrado no qual eles também fazem parte. Diferente do que os críticos e
181
eventualmente até vozes internas das igrejas dizem em relação a ser ―sócio de Deus‖, o
dinheiro torna-se muito menos mundano no contexto da experiência religiosa e muito mais
sagrado no mundo fora da igreja. Conseguir trabalho e o próprio trabalho podem então
assumir caráter sagrado e colaborar para a luta pela sobrevivência e salvação da alma.
Paralelamente à proposta de transformação individual das pessoas, a IIGD e
especialmente a IURD entraram em um processo de pretensa transformação da sociedade,
através de projetos sociais e da ação política. Alavancados pelo uso dos meios de
comunicação da igreja e do capital político de seus pastores apresentou um sucesso bastante
expressivo que arrefeceu após o envolvimento de seus políticos em esquemas de corrupção,
mostrando que havia uma quantidade expressiva de ―joio‖ nos seus quadros. É notório
também o alinhamento da liderança da IURD com o governo Lula, refletindo inclusive no tipo
de cobertura jornalística dada aos sucessos de seu governo. As imagens de Lula apertando um
botão de mãos dadas com Edir Macedo inaugurando o canal Record News e as fotos de Edir
Macedo e o diretor do referido canal na posse de Dilma Rousseff causaram reações acaloradas
nos fóruns de discussão na internet. O simbolismo de duas forças que até certo tempo eram
marginais e agora ocupam um espaço antes ocupado por uma elite política e midiática que
dominou por décadas, foi, para o bem ou para o mal, uma mudança.
Uma parte desta tese foi dedicada às relações entre a migração brasileira de
indocumentados na Holanda e de sua escolha pelo pentecostalismo como opção religiosa
adotada ou reforçada no contexto da migração.
Boa parte dos brasileiros que vão para lá foram para tentar melhorar de vida
financeiramente, e como tradicionalmente acontece com este tipo de expatriado, sofrem por
terem feito esta escolha. As pessoas que foram objeto desta parte da pesquisa eram
basicamente indocumentados. Sofrimentos à parte, preferi não encará-los como vítimas, até
porque, a despeito do sofrimento, ir para a Holanda representou para a maioria deles melhora
nas condições de vida, ou mesmo uma mudança total como nos casos das muitas mulheres
que se casaram e construíram novas famílias.
Ficou mais claro que o conceito de solidariedade dentro da comunidade brasileira
expatriada muda consideravelmente em relação a outro tipo de laços mais fortes que poderiam
unir as pessoas caso estivessem em seu contexto de origem. Outro fator interessante e que
pesou na forma como se constroem os laços sociais é a peculiar situação que eles enfrentam
estando indocumentados em outro país. Por exemplo, o brasileiro indocumentado que tenha
sido de alguma forma prejudicado não pode recorrer às sanções que ele poderia usar se
estivesse no Brasil. Não pode fazer uma denúncia na polícia, procurar a justiça ou mesmo
182
resolver ―no braço‖, pois estaria sujeito a atrair a atenção da polícia e ser deportado. Portanto
é extrema a vulnerabilidade do expatriado em sofrer golpes dos locais, outros estrangeiros e
dos próprios conterrâneos, principalmente envolvendo dinheiro ou moradia, restando usar a
comunidade religiosa como elemento que possa lhe conferir credibilidade e segurança. As
igrejas cumprem funções diferentes das quais cumpriram no Brasil: viram agência de
emprego; instituição que confere credibilidade aos seus frequentadores; esteio moral
(precário) para os jovens longe da família; ponto de encontro e recreação e, claro, apoio
espiritual.
No contexto estrangeiro ficou perceptível que o conceito do que é certo ou errado torna-
se ainda mais fluido. Levar vantagem sobre a vulnerabilidade de seus conterrâneos ou
explorá-los economicamente de forma que poderia ser considerada no mínimo reprovável no
contexto de origem tornam-se corriqueiros, e aquele que está em desvantagem logo aprende
que este é um ―estágio necessário‖ pelo qual todos devem passar antes de alcançarem a
estabilidade precária: ter trabalho e moradia relativamente fixos.
A hierarquização típica da sociedade brasileira também se transforma lá. Há dois
grandes segmentos: documentados e indocumentados. E dentre os indocumentados também
há hierarquias, basicamente os que são mais ou menos integrados, os que têm mais ou menos
contatos de trabalho e o domínio ou não da língua holandesa são os grandes marcadores de
diferença, e a maior ascensão social possível consiste em tornar-se documentado, geralmente
por casamento.
As igrejas pentecostais funcionam também como um ponto de reconstrução de uma
nova referência para brasileiros indocumentados. Mesmo que estes planejem ficar apenas dois
ou três anos no país, este tempo relativamente curto pode ser uma eternidade para quem sofre
as adversidades da vida de indocumentado, muitos relataram uma situação de aflição
constante, e as igrejas brasileiras preenchem um vazio e cumprem funções que não estavam
acostumadas a cumprir no Brasil.
As igrejas dão demonstrações impressionantes de capacidade de adaptação. Como no
caso da Holanda, onde estão apenas há cerca de onze anos e com um relativo sucesso. Apesar
de números absolutos e percentuais serem inexpressivos, não deixa de ser uma vitória a
sobrevivência da IURD naquele contexto e sua capacidade de atrair não somente brasileiros
expatriados. Aliás, embora nos cultos em português em Amsterdã a predominância de
brasileiros, as visitas aos grandes eventos da igreja em Haia apontaram para uma
predominância de não brasileiros.
183
128
Diário de Campo. Ficha de Observação na IIGD. 21/09/2008.
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