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Universidade Federal de São Carlos Centro de Educação E Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Sociologia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

RANGEL DE OLIVEIRA MEDEIROS

ALÉM DO DINHEIRO E DOS DEMÔNIOS: O


NEOPENTECOSTALISMO NO BRASIL E NA HOLANDA

SÃO CARLOS
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

RANGEL DE OLIVEIRA MEDEIROS

ALÉM DO DINHEIRO E DOS DEMÔNIOS: O


NEOPENTECOSTALISMO NO BRASIL E NA HOLANDA

Tese apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Sociologia da Universidade
Federal de São Carlos, como requisito final
à obtenção do título de Doutor em
Sociologia

Orientação: Prof. Dr. Paul Charles Freston

SÃO CARLOS
2011
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária/UFSCar

Medeiros, Rangel de Oliveira.


M488ad Além do dinheiro e dos demônios : o neopentecostalismo
no Brasil e na Holanda / Rangel de Oliveira Medeiros. -- São
Carlos : UFSCar, 2012.
198 f.

Tese (Doutorado) -- Universidade Federal de São Carlos,


2011.

1. Sociologia. 2. Neopentecostais. 3. Pentecostalismo. 4.


Migrantes brasileiros. 5. Igreja Universal do Reino de Deus.
6. Igreja Internacional da Graça de Deus. I. Título.

CDD: 301 (20a)


AGRADECIMENTOS

A caminhada para chegar até aqui foi um pouco mais difícil e mais sofrida do que eu
esperava, mas não posso dizer que caminhei o tempo todo só. Algumas pessoas caminharam
comigo em vários momentos, e todas de alguma forma me ajudaram.
Ir para a Universidade Federal de São Carlos foi uma escolha difícil da qual não me
arrependo. Tive de pedir exoneração de um emprego público e escolher dentre três boas
opções: ingressar no doutorado em História da UFSC; no doutorado em Sociologia da mesma
instituição; ou ingressar no então programa de pós-graduação em Ciências Sociais da
UFSCar.
Optei pela UFSCar motivado pela vontade de ingressar num campo diferente das
Ciências Humanas já que eu vinha de uma graduação e mestrado em História. Tencionava
conhecer melhor o campo teórico das Ciências Sociais e buscar orientação de um orientador
que fosse expert no meu tema de pesquisa, apesar de ter tido excelente orientação na
graduação e no mestrado.
O Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e posteriormente o PPG em
Sociologia superaram as expectativas e mostraram que os sacrifícios valeram a pena.
Obviamente, sem o apoio financeiro do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico) através da Bolsa de Estudos de doutorado e posteriormente a bolsa
de Doutorado Sanduiche nada teria sido possível. Fica aqui minha gratidão à esta instituição e
aos seus funcionários. Sempre é bom lembrar que os recursos financeiros públicos vêm dos
impostos pagos pelo povo brasileiro, a quem agradeço profundamente.
Gostaria de agradecer o apoio de minha família e pelo bom exemplo ao longo dos anos
dado por meus pais.
Meus agradecimentos também ao meu orientador, Paul Freston, pela paciente e precisa
orientação, além da colaboração ao longo de todo processo de elaboração da tese. E agradecer
também aos professores e professoras que participaram na qualificação e na banca final com
suas valiosas críticas e sugestões: Cristina Castro, Jacob Lima, André Ricardo de Souza e
Cecília Loreto Mariz.
Na UFSCar, gostaria de agradecer às secretárias Ana Virgínia e Ana Suficiel Bertolo.
As ―Anas‖ tiveram conduta profissional exemplar e sempre foram bastante prestativas e, por
que não dizer, solidárias, ajudando a desembaraçar-me dos vários trâmites burocráticos,
muitas vezes indo além de suas funções. Agradeço também ao serviço de correção de
dissertações teses da biblioteca da UFSCar pela minuciosa correção das normas do trabalho,
em especial a funcionária Teresa Bessi Lopes.
Minha gratidão ao colega e amigo Áttila Barbosa, pelo apoio prestado e pela acolhida
em sua casa.
Aos professores do antigo PPGCSo, especialmente aqueles de quem fui aluno: Marco
Antônio Villa e Marina Denise Cardoso.
Um agradecimento especial aos professores do PPGS da UFSCar: Jacob Carlos Lima,
Valter Silvério e Cibele Saliba Rizek pelo apoio e ensino de excelente nível. Gostaria de
agradecer também à Edinalda Pires pela correção gramatical do texto final.
Parte de meu doutorado transcorreu na Holanda, durante o estágio ―doutorado
sanduíche‖ na Vrije Universiteit em Amsterdã, e gostaria de agradecer algumas pessoas que
foram de inestimável valia.
Ao professor André Droogers, que, mesmo aposentado, foi meu orientador lá e foi de
grande ajuda, inclusive contribuindo com correções e sugestões. À professora Birgit Meyer
pela excelente acolhida em seu grupo de trabalho bem como à professora Marjo de Theije por
toda ajuda, inclusive na interlocução com a VU.
Aos amigos brasileiros que conheci lá. André Bakker, Maria Paula Adinolfi e João
Rickli por todo apoio e amizade. Agradeço também a Cézar, o ―brasileiro de coração‖ que,
além da ajuda, deu uma verdadeira lição de generosidade.
Enfim, agradeço minha esposa, Anabelle, pelo companheirismo e paciência, e dedico
este trabalho à Sofia, meu bebê.
EPÍGRAFE

Do mesmo modo que temos pais, padrinhos e patrões, temos também


entidades sobrenaturais que nos protegem. E elas podem ser de duas
tradições religiosas aparentemente divergentes. Isso realmente não
importa. O que para um norte-americano calvinista, um inglês
puritano ou um francês católico seria sinal de superstição e até mesmo
de cinismo ou ignorância, para nós é modo de ampliar as nossas
possibilidades de proteção.
É também, penso, um modo de enfatizar essa enorme e comovente fé
que todos nós temos no
sentido e na eternidade da vida. Assim, essas experiências religiosas
são todas complementares entre si, nunca mutuamente excludentes. O
que uma delas fornece em excesso, a outra nega. E o que uma permite,
a outra pode proibir. O que uma intelectualiza, a outra traduz num
código de sensual devoção. Aqui também nós, brasileiros, buscamos o
ambíguo e a relação entre esse mundo e o outro.
Somos um povo que acredita profundamente num outro mundo. E o
outro mundo brasileiro é um plano onde tudo pode, finalmente, fazer
sentido. Lá, não haveria mais sofrimento, miséria, poder e
impessoalidades desumanas. Todos seriam reconhecidos como
pessoas e, ao mesmo tempo, leis universais — como a lei da
generosidade e a do eterno retorno: quem dá recebe e quem faz algum
mal recebe de volta esse mal — seriam válidas para todos.

Roberto DaMatta
RESUMO

O objetivo desta tese é analisar o discurso neopentecostal focando principalmente nos


diversos níveis de produção discursiva da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e Igreja
Internacional da Graça de Deus (IIGD) a fim de responder a seguinte questão: A estruturação
destas igrejas é predominantemente construída sobre a Teologia da Prosperidade ou sobre
uma gama de elementos discursivos mais variados? Partindo se da hipótese que estas igrejas
tentam oferecer uma experiência de vida e religiosa plenas, contrariando a ideia que vem
sendo difundida pelo senso comum e em outros trabalhos acadêmicos de que estas igrejas são
apenas ―supermercados da fé‖, onde o ―cliente‖ ―compra‖ o produto religioso que terá uso em
sua vida mundana e em pouco tempo vai embora, para eventualmente tornar-se ―freguês de
outro supermercado‖. Para tanto se analisou dois contextos nacionais diferentes. Foram
acompanhadas atividades no Brasil, principalmente em Florianópolis, e na Holanda,
principalmente em sua capital Amsterdã. Assim, este trabalho tem também as características
de estudo de caso e estudo comparativo. As informações obtidas no trabalho de campo fora do
Brasil trouxeram elementos para se analisar o comportamento da igreja e de seus
frequentadores em um contexto bem diferente, podendo se perceber o que permanece e o que
se modifica no discurso da igreja e das atitudes dos frequentadores diante da nova realidade.

Palavras-Chave: Neopentecostalismo. Campo religioso brasileiro. Pentecostalismo brasileiro


na Holanda. Migrantes brasileiros na Holanda. Igreja Universal do Reino de Deus. Igreja
Internacional da Graça de Deus.
ABSTRACT

The aim of this thesis is to analyze the Pentecostal discourse focusing primarily on various
levels of discourse production of the Universal Church of the Kingdom of God (UCKG) and
the International Church of the Grace of God (ICGG) in order to answer the following
question: Is the structuring of these churches predominantly built on the theology of
prosperity or on a more varied a range of discursive elements? Based on the hypothesis that
these churches try to offer a full experience of life and religion, in opposition to the idea that
has been spread by many non-academic commentators and academic works that these
churches are only ―supermarket of faith‖, where the ―customer‖ ―buys‖ religious products that
he will use in his worldly life and soon goes away, eventually to become ―customer of another
supermarket‖. To this end we analyzed two different national contexts. Church activities were
followed in Brazil, mainly in Florianopolis, and the Netherlands, especially in the capital
Amsterdam. This work also has the characteristics of case study and comparative
study. Information obtained during fieldwork in Brazil brought elements for analyzing the
behavior of the church and its parishioners in a very different national context, thus enabling
us to see what remains and what changes in the discourse of the church and the attitudes of
the followers in the new context.

Keywords: Neo-Pentecostalism. Brazilian religious field. Brazilian Pentecostalism in the


Netherlands. Brazilian migrants in the Netherlands. Universal Church of the Kingdom of
God. International Church of the Grace of God.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – População brasileira de acordo com a filiação religiosa ......................................... 29


Figura 2 – População brasileira de acordo com a filiação religiosa ......................................... 30
Figura 3 – População brasileira de acordo com a filiação religiosa ......................................... 30
Figura 4 – Fachada da IURD em Florianópolis.. ...................................................................... 37
Figura 5 – Parte interna da IURD em Florianópolis.. ............................................................... 38
Figura 6 – Tabela de classificação do pentecostalismo. ........................................................... 55
Figura 7 – Tabela Modelo. ....................................................................................................... 75
Figura 8 – Tabela em branco. ................................................................................................... 75
Figura 9 – Fazenda Canaã. ..................................................................................................... 127
Figura 10 – Panfleto em holandês anunciando campanha. ..................................................... 157
Figura 11 – Versão do mesmo panfleto em português.. ......................................................... 157
Figura 12 - Mapa de Amsterdã com a localização da IURD em relação a praça central e a
estação central......................................................................................................................... 161
LISTA DE ABREVIATURAS

ABC – Associação Beneficente Cristã


AD – Assembléia de Deus
ADHONEP - Associação de Homens de Negócios do Evangelho Pleno
CEB - Centro Educacional Betel
CC – Congregação Cristã
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
DEM – Democratas (Partido Político)
ES – Espírito Santo (entidade religiosa)
Ev. - Evangelho
EUA – Estados Unidos da América
IMPD - Igreja Mundial do Poder de Deus
IOM - International Organization for Migration
IEQ - Igreja do Evangelho Quadrangular
IIGD – Igreja Internacional da Graça de Deus
IPBC - Igreja Pentecostal o Brasil para Cristo
IPDA - Igreja Pentecostal Deus é Amor
ISER - Instituto de Estudos da Religião
IURD – Igreja Universal do Reino de Deus
MEC – Ministério da Educação
Pent. - Pentecostal
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
TP – Teologia da Prosperidade
Sumário
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 11
Alguns preconceitos sobre os pentecostais ........................................................................... 11
Objetivo geral e definição do problema ............................................................................... 12
Justificativas ......................................................................................................................... 20
Metodologia .......................................................................................................................... 33
O campo de pesquisa: as etnografias ................................................................................ 35
CAPÍTULO I – MERCADO RELIGIOSO: PLURALISMO E PENTECOSTALISMO ........ 39
1.1 A Questão da Secularização: Alguns aspectos teóricos ................................................. 39
1.2 Privatização e Desprivatização da Religião: o caso Brasileiro....................................... 41
1.3 Campo e Mercado religioso brasileiro............................................................................ 43
1.4 Os pentecostais no mercado religioso brasileiro e o que eles têm para oferecer............ 46
CAPÍTULO II – ORIGEM E EXPANSÃO DO PENTECOSTALISMO ............................... 51
2.1 O Início ........................................................................................................................... 51
2.2 O Pentecostalismo e seu Surgimento na América Latina ............................................... 52
2.3 O Pentecostalismo e seu Surgimento no Brasil .............................................................. 54
2.4 As Primeiras Igrejas Pentecostais no Brasil ................................................................... 57
2.4.1 A Congregação Cristã do Brasil .............................................................................. 57
2.4.2 A Assembléia de Deus ............................................................................................. 58
2.5 A Segunda Onda de Expansão Pentecostal .................................................................... 60
2.6 A IURD e a IIGD ........................................................................................................... 61
CAPÍTULO III – O DISCURSO DAS IGREJAS .................................................................... 65
3.1 A análise de discurso como ferramenta .......................................................................... 65
3.2 O Simbolismo do dinheiro nos dízimos e ofertas ........................................................... 69
3.3 A Argumentação em Torno do Dízimo .......................................................................... 71
3.4 Ofertas: ―O Perfeito Sacrifício‖ ...................................................................................... 76
3.5 Dinheiro, Trabalho, Teologia da Prosperidade e Confissão Positiva ............................. 78
3.6 Possessão e Libertação ................................................................................................... 83
3.7 A Saúde .......................................................................................................................... 91
CAPÍTULO IV – O PENTECOSTALISMO COMO AGENTE DE TRANSFORMAÇÃO 101
4.1 - Rearranjos familiares e sociais provocados pelo pentecostalismo ............................. 101
4.2 Ascese e Ética de trabalho árduo no neopentecostalismo e suas possíveis consequências
............................................................................................................................................ 104
4.3 Possibilidades de Transformação da Sociedade provocadas pelo neopentecostalismo 110
4.3.1 Algumas ressalvas quanto à geração de capital social pelo pentecostalismo ........ 115
4.4 Discurso e ação social da IURD como estratégia de legitimação ................................ 118
4.4.1 A Associação Beneficente Cristã (ABC)............................................................... 121
4.4.2 O Projeto Nordeste ................................................................................................ 123
CAPÍTULO V – BRASILEIROS NA HOLANDA ............................................................... 129
5.1 Migrações na Europa e Holanda – Um Panorama geral ............................................... 129
5.2 Minha abordagem ao campo ........................................................................................ 130
5.3 Orkut: mundo virtual x mundo real .............................................................................. 132
5.3.1 Trabalho ................................................................................................................. 134
5.3.2 Conquista da cidadania através das relações afetivas e as tensas relações de gênero
........................................................................................................................................ 134
5.3.3 A vida na Holanda ................................................................................................. 136
5.3.4 Preconceito: Duas faces ......................................................................................... 137
5.3.5 Acontecimentos no Brasil ...................................................................................... 139
5.3.6 Religião .................................................................................................................. 139
5.4 Migrantes brasileiros indocumentados e seus dramas: um perfil ................................. 140
5.4.1 Acesso ao atendimento médico para os indocumentados ...................................... 146
5.5 Três personagens Importantes na Integração dos Brasileiros ....................................... 147
5.5.1 Pastor Marcos Elísio .............................................................................................. 147
5.5.2 Márcia Curvo ......................................................................................................... 150
5.5.3 Carlos ..................................................................................................................... 150
5.6 O caso do afogamento e o porquê do brasileiro ser conhecido como um povo solidário
............................................................................................................................................ 152
CAPÍTULO VI – A ESCOLHA DO MIGRANTE BRASILEIRO PELO
PENTECOSTALISMO E A AÇÃO DA IURD ..................................................................... 153
6.1 Panorama religioso na Holanda .................................................................................... 153
6.2 A Escolha do migrante pelo Pentecostalismo............................................................... 154
6.3 Algumas observações importantes sobre a IURD na Holanda: Discurso e prática ...... 157
6.3.1 Visita à sede da IURD em Haia ............................................................................. 159
6.3.2 A IURD em Amsterdã ............................................................................................... 161
6.4 Teologia da Prosperidade, Dízimos e Ofertas no Contexto da Diáspora ..................... 165
6.4.1 A Fogueira Santa de Israel na IURD em Amsterdã .............................................. 170
6.5 Questões éticas sobre a imigração ilegal ...................................................................... 173
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 177
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 184
11

INTRODUÇÃO

Alguns preconceitos sobre os pentecostais

Nos últimos anos, têm crescido sobremaneira as pesquisas dentro e fora do Brasil (ORO
et al., 2003, p. 365)1 que se propõem a estudar o fenômeno do pentecostalismo brasileiro.
Entretanto, dada a própria dinâmica deste fenômeno, há ainda lacunas a serem preenchidas, e
por este motivo considero necessário muitos outros estudos, pois diversos aspectos ainda
precisam ser melhor explicados. Por exemplo, dentro destas lacunas está a abordagem que
toma o crente2 como vítima explorada, e é este um dos pontos aos quais esta tese tenta se
contrapor. Outra característica presente em parte das pesquisas que envolvem os pentecostais
é a estreita relação que é feita entre pobreza e subdesenvolvimento econômico, social e
cultural como fatores favorecedores que teriam verdadeiras afinidades eletivas com o
pentecostalismo, numa relação de causa e efeito. Não podemos esquecer também de outro
viés explicativo, que tentarei explorar adiante me contrapondo, que é a visão do utilitarismo
(COSTA, 2010) na conversão e vivência religiosa dos pentecostais, descaracterizando-os
como seres capazes de uma experiência religiosa genuína. Para estes pesquisadores, exemplos
deste utilitarismo é a difusão da Teologia da Prosperidade e das curas milagrosas,
identificando direta ou indiretamente o frequentador de uma igreja pentecostal como alguém
que busca quase que exclusivamente resolver um problema imediato, de saúde, financeiro, ou
ambos. No campo da atuação política, houve e ainda há inúmeros preconceitos e comentários
depreciativos a respeito da presença dos pentecostais, sendo taxados de direitistas,
conservadores, hipócritas dentre outros qualificativos, mesmo havendo matizes dentro da
atuação de políticos pentecostais (FRESTON, 1993).3 Além disso, os eleitores evangélicos
são por vezes desqualificados nas análises políticas, como se fizessem parte de uma mera
1
Na parte final da obra há uma extensa lista de teses e dissertações de mestrado a respeito do pentecostalismo
brasileiro, pincipalmente sobre a IURD, e de suas manifestações dentro e fora do Brasil. A lista engloba
pesquisas feitas por pesquisadores brasileiros e estrangeiros vinculados à programas de pós-graduação dentro e
fora do Brasil. A relação levantada pelos autores vai de 1995 a 2001.
Atualmente estão em andamento pesquisas sobre o pentecostalismo brasileiro em algumas universidades
europeias, como pude constatar ao participar de eventos internacionais sobre o tema, embora seja evidente
atualmente o maior interesse dos europeus sobre o pentecostalismo africano. Por exemplo, na Universidade de
Birmingham, e na Universidade Livre de Amsterdã (Vrije Universiteit Amsterdam), ambas afiliadas à rede
GloPent, um grupo de universidades e pesquisadores que pesquisam o tema. É importante mencionar que é
comum estes pesquisadores virem até o Brasil fazer pesquisa de campo.
2
A palavra ou categoria crente é usada aqui em sentido amplo para se referir aos adeptos do pentecostalismo e
não deixa de ser uma categoria nativa e em nenhum momento será usada em sentido pejorativo.
3
Em sua tese de doutorado Freston faz um estudo detalhado a respeito do tema no contexto da redemocratização
do Brasil pós-ditadura militar.
12

atualização do voto de cabresto, sendo que nem sempre o voto do fiel segue o voto do pastor,
em termos eleitorais, como lembra Freston, nem sempre os pentecostais conseguem sequer
formar um bloco coeso (FRESTON, 2001, p. 12). Um dos últimos grandes escândalos
envolvendo políticos evangélicos foi o da ―máfia das sanguessugas‖ (BAPTISTA, 2007, p.
225), no qual parlamentares, dentre eles vários evangélicos, desviavam dinheiro público
destinado à compra de ambulâncias.

Objetivo geral e definição do problema

Pretendeu-se com este estudo identificar nas pregações dos cultos da Igreja Universal do
Reino de Deus e da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) elementos que vão além da
Teologia da Prosperidade e da expulsão de demônios, partindo da hipótese que estas igrejas
oferecem um nível de discurso mais amplo e complexo, e que, embora os elementos
apontados por outros autores como a ideia de espetáculo e ―venda‖ do produto religioso
possam estar presentes, buscou-se identificar e analisar o conteúdo religioso e a vivência
religiosa, elencando-se temas principais, tais como:

a) Família;
b) Salvação;
c) Busca do Espírito Santo;
d) Cura relacionada ou não a exorcismos;
e) Vida Afetiva, principalmente na ―Terapia do Amor‖, onde comparece uma grande
quantidade de mulheres;
f) Resolução de problemas emocionais, especialmente depressão.

A questão central é: A estruturação destas igrejas é predominantemente construída sobre


a Teologia da Prosperidade ou sobre uma gama de elementos discursivos mais variados?
O estudo pôde ser feito sob alguns aspectos em dois contextos transnacionais. Foram
acompanhadas atividades no Brasil, principalmente em Florianópolis, e na Holanda,
principalmente em sua capital Amsterdã. Portanto, este trabalho teve também a característica
de estudo de caso e estudo comparativo. As informações obtidas no trabalho de campo fora do
Brasil trouxeram elementos para se analisar o comportamento da igreja e de seus
13

frequentadores em um contexto bem diferente, podendo se perceber o que permanece e o que


modifica no discurso da igreja e das atitudes dos frequentadores face à nova realidade.
O tempo que passei na Holanda permitiu ir um pouco mais além e verificar como uma
igreja neopentecostal brasileira, que carrega em si o ethos da religiosidade brasileira, tentou se
adaptar à realidade holandesa em uma situação que lhe demandava uma estratégia de ação
múltipla, pois buscava atender migrantes brasileiros de diversas regiões do país, migrantes de
outras nacionalidades provenientes de países mais pobres além de buscar atender também,
embora timidamente, holandeses nativos.
Portanto o trabalho de campo foi feito em duas partes. A primeira parte no Brasil com
observações desde 2003, embora neste trabalho sejam consideradas principalmente as
observações feitas a partir de 2005 em Florianópolis/SC. A segunda parte das observações
foram feitas na Holanda (ver capítulo específico adiante) durante o ano de 2009, concentradas
na sua maioria em um dos templos da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) em
Amsterdã e com visitas esporádicas nos templos de Haia e Rotterdam. Esta segunda parte da
pesquisa foi possível graças ao estágio ―Doutorado-Sanduíche‖ realizado na Vrije Universiteit
Amsterdam (Universidade Livre de Amsterdã) com bolsa de estudos fornecida pelo CNPq
(Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Minha experiência com o estudo do campo pentecostal brasileiro começou ainda no ano
de 2001 na graduação em História pela Universidade Federal de Santa Catarina, resultando no
trabalho de Conclusão de Curso intitulado ―Igreja Pentecostal Deus é Amor: Discurso
Religioso e Liderança Personalista‖ (MEDEIROS, 2002), apresentado no ano seguinte.
Embora um trabalho modesto, permitiu-me um contato mais intenso com o pentecostalismo e
algum embasamento teórico a respeito do assunto, além da experiência prática de pesquisa
por meio do contato com as fontes e visitas à cultos da Igreja Pentecostal Deus é Amor
(IPDA).
Entre os anos de 2003 e 2005 realizei pesquisa de mestrado no programa de pós-
graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina a qual resultou na
dissertação intitulada ―Igreja Universal do Reino de Deus: A construção discursiva da
inclusão e exclusão social‖. Nesta dissertação tentei analisar o discurso religioso da IURD,
detectando a construção discursiva da inclusão social e da marginalidade como ideias
antagônicas, característica do pertencimento ou afastamento da denominação. A pesquisa foi
feita através da análise das argumentações feitas pela Igreja a respeito dos pontos principais
de seu discurso, sobre problemas que possam atingir a vida das pessoas e para os quais a
igreja promete soluções rápidas e infalíveis. Dentre os problemas ―atacados‖ pela igreja
14

estavam: doenças, problemas financeiros, problemas sentimentais e até problemas sociais,


mostrando que o discurso da instituição visava não só o ―indivíduo‖, mas a ―coletividade‖. A
igreja, de acordo com minhas pesquisas colocava-se como instituição que promove o bem
comum, contanto que certos ―preceitos‖ sejam seguidos pelas pessoas, tais como a obediência
irrestrita à igreja e a colaboração em dinheiro através de dízimos e ofertas.
Em muitos aspectos, o trabalho de campo no Brasil foi mais longo, detalhado e talvez
melhor elaborado, devido o tempo destinado ter sido maior. Obviamente, a preocupação mais
específica com o objeto de estudo desta tese se deu a partir do final de 2005, quando soube da
minha aprovação para o doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São
Carlos (posteriormente migrando para o programa de Sociologia), sendo que uma boa parte
das observações se concentra nos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009.
Este trabalho se estrutura a partir de três pilares principais: a leitura de parte da
bibliografia sobre o tema; a interlocução entre a fundamentação teórica e o trabalho de campo
no Brasil e a interlocução entre a fundamentação teórica e o trabalho de campo na Holanda.
A experiência na Holanda me propiciou de uma forma ―forçada‖ uma real convivência
com os membros brasileiros de igrejas pentecostais brasileiras, especialmente a IURD que em
sua grande maioria viviam indocumentados em Amsterdã. Uma experiência para mim até
então única e que me propiciou um entendimento menos ingênuo do fenômeno que
pesquisava.
Pude perceber que a pesquisa de campo às vezes oferece mais perguntas do que
respostas.
Durante as conversas com o meu orientador e a correção que ele fazia dos meus textos
ouvi uma frase de conteúdo simples, mas muito importante no processo de escrita da
pesquisa: ―Às vezes o pesquisador acaba escrevendo mais sobre si e suas convicções e acaba
ofuscando aquilo que seu objeto de pesquisa quer lhe revelar‖. Então, fez-se necessária uma
leitura crítica da bibliografia disponível escrita por pesquisadores brasileiros e estrangeiros,
que, apesar de ser uma produção de qualidade, em alguns casos falhava pelo fato de às vezes
negligenciar outros aspectos relevantes do pentecostalismo.
Assim, tentei partir de pontos de vista e hipóteses diferentes daquelas que eu tinha lido
ou ouvido em congressos, ou mesmo em conversas informais com outros pesquisadores da
área.
Ao invés de partir da ideia de que o frequentador de uma igreja pentecostal é ingênuo,
ignorante, necessitado e vulnerável, preferi abandonar a ótica da vitimização do ―crente‖ e
tentar entender, entre outras coisas, os motivos da adesão e permanência ou não na igreja.
15

Algumas das melhores e relevantes análises feitas no Brasil trazem preconceitos muito fortes
principalmente ao tratar dos neopentecostais em seus vários aspectos. Por exemplo, ao tratar a
―massa‖ de frequentadores simplesmente como um imenso grupo de pessoas facilmente
manipuláveis por líderes religiosos espertos que tiram proveito das pessoas. O trabalho de
campo aponta em muitos sentidos na direção contrária. Por vezes é sugerido pelos
pesquisadores o simples ―toma-lá dá-cá‖ entre as igrejas e seus frequentadores sendo os
últimos sempre colocados numa situação desfavorável, porém, as situações que presenciei
mostram que pelo menos parte das pessoas recebem ―bens‖ que não podem ser
monetariamente mensurados, especialmente em termos de suporte emocional. A fala de um
pastor da IIGD é bastante ilustrativa disso, mesmo sob o aspecto monetário:

Pr: Não que eu esteja cobrando, se eu fosse um terapeuta eu cobraria


uns R$ 300. Você sabe quanto custa a sessão de um psicólogo? 100,
200, 500 até R$ 1000, e ele não faz nem um terço do que nós fizemos
aqui. Alguém poderia dizer: ―Pastor você não tem mais capacidade do
que ele...‖ Mas Ele (Jesus) tem.4

Outros exemplos de diferentes ganhos não monetários proporcionados pelo


pertencimento serão apresentados adiante ao tratarmos dos pentecostais brasileiros na
Holanda, onde se pôde perceber, por exemplo, o incremento das relações sociais e suas
consequências (facilidade em conseguir moradia e trabalho).
Durante o doutorado pude ter contato com uma literatura um pouco mais ampla sobre o
pentecostalismo embora ainda não exaustivamente. Há uma literatura significativa dentro e
fora do Brasil a respeito da expansão pentecostal em contexto transnacional e em contextos
locais, por exemplo, Droogers, ainda em 1991 no final do livro que ajudou a organizar
intitulado ―Algo más que opio‖ (DROOGERS, 1991), apresenta uma extensa lista5 com
centenas de títulos concentrados principalmente no pentecostalismo latino americano e
caribenho.
Existe também uma literatura considerável sobre o pentecostalismo brasileiro6. Cresceu
bastante nos últimos anos o número de teses e dissertações defendidas em universidades
brasileiras em todos os níveis a respeito do tema. Fora do Brasil o interesse também cresceu

4
Diário de Campo. Ficha de Observação na IIGD. 21/09/2008.
5
Esta lista foi divulgada, possivelmente com algumas atualizações, numa das antigas páginas de internet do
Hollenweger Center. In: HOLLENWEGER CENTER. Disponível em <
http://www.hollenwegercenter.net/page3.html > Acesso em 13 out. 2008.
6
Ver a relação no final do livro organizado por Ari Pedro Oro (ORO et al., 2003, p. 365) das teses e dissertações
defendidas até o ano de 2003 dentro e fora do Brasil principalmente sobre a IURD.
16

juntamente com a expansão e crescimento das igrejas brasileiras lá fora, fazendo


consequentemente com que os estudos se concentrem mais nas igrejas de maior destaque,
como a IURD, a AD e a IPDA, em estudos conduzidos por pesquisadores brasileiros ou não
que estão inseridos em programas de pós-graduação em universidades europeias. Há também
estudos enfocando a inserção brasileira em outros contextos transnacionais, como os EUA e o
continente africano, este último, aliás, têm recebido bastante atenção já há vários anos das
pesquisas internacionais.
Dentre os vários trabalhos, alguns merecem uma menção especial devido à influência
que exerceram ou ainda exercem sobre as pesquisas. Por exemplo, o artigo publicado ainda
em 1975, quando a IURD sequer existia, de autoria de Fry e Howe (1975, p. 79) ―Duas
respostas à aflição: umbanda e pentecostalismo‖, como o próprio título sugere, partem da
ideia de que o pentecostalismo pode ser uma forma de amparo assim como outras, como a
Umbanda, que são oferecidas principalmente para as classes sociais mais baixas, como forma,
por exemplo, de oferecer novas redes sociais aos migrantes nos contextos dos grandes centros
urbanos. Em uma linha em alguns aspectos semelhante estão os trabalhos de Rolim (1987),
―O Que é Pentecostalismo‖, na qual o autor traz uma noção do que vem a ser o fenômeno do
pentecostalismo, sem se aprofundar em nenhuma igreja específica, apenas levantando
algumas características gerais deste fenômeno, como o ―batismo no Espírito Santo‖ e a
glossolalia (falar em línguas estranhas). Do mesmo autor (ROLIM, 1994) a obra
―Pentecostalismo: Brasil e América Latina‖ faz uma análise do fenômeno pentecostal no
Brasil e na América Latina, dando ênfase principalmente à Igreja Assembléia de Deus (AD) e
à Congregação Cristã (CC) do Brasil. Partindo do estudo dessas igrejas, Rolim faz
comparações com outras denominações pentecostais, inclusive a IURD, especialmente no
tocante à sua posição política nas eleições presidenciais, o uso do rádio e da TV, às curas e
um breve histórico de seu principal líder, o bispo Edir Macedo.
A produção acadêmica seguiu bastante crítica em relação ao fenômeno neopentecostal,
por exemplo, no trabalho de Leonildo Silveira Campos (CAMPOS, 1997) ―Teatro, Templo e
Mercado‖, onde ele enfatiza o aspecto mercadológico e midiático da IURD em detrimento do
conteúdo religioso que esta instituição possa carregar. Nas suas palavras:

(...) a IURD é um empreendimento que combina bem dinheiro e religião, fé e


negócio, evangelização e marketing, oferecendo ao público a chance de
experimentar a religião de uma forma light, segura e confortável, como se fosse um
contrato jurídico ou um acordo burocrático, no qual a Igreja entra como fiadora
dessa aliança entre os seres humanos e a divindade (CAMPOS, 1998b, p. 1).
17

Empreendimento, dinheiro, marketing, religião light, contrato, enfim, não há


necessidade de se fazer análise de discurso ou de conteúdo profunda para perceber o ponto de
vista do autor e o viés adotado na sua obra, que foi e ainda é consideravelmente influente no
Brasil.
Em outro trabalho, Campos (1998ª, p. 26) dá pistas sobre seu entendimento da relação
pobreza versus neopentecostais. Ao analisar dados estatísticos sobre a audiência de programas
radiofônicos da IURD, ele dispara:

A tabulação desses dados mostra haver uma ligação entre o consumo da ―religião de
milagres‖ e os cinturões de pobreza existentes na grande São Paulo (...) A Rádio São
Paulo, por exemplo, atinge mais as mulheres, as classes C, D, e E, as pessoas com
mais de 30 anos de idade, com instrução até a oitava série incompleta ou analfabetos
e, proporcionalmente, mais os inativos e aposentados do que os trabalhadores ativos.

Fica clara a relação de causa e efeito que ou autor faz entre o neopentecostalismo, baixa
instrução e pobreza, deixando de mencionar outras possíveis explicações ao crescimento da
IURD e consequentemente de sua presença na mídia. Curiosamente, poucas páginas após, o
autor faz uma leitura e interpretação bem mais amistosa ao se referir à reação católica.

A Igreja Católica perdeu espaço na mídia, durante o regime militar (1964-1985) e


somente agora ela tenta recuperar o que perdeu ou deixou de fazer, por meio da
Rede Vida de Televisão. Dentro desse esforço ganha destaque a Renovação
Carismática Católica, cujo programa ―Anunciamos Jesus‖, que desde 1986, quando
foi observado por Hugo Assmann, até os dias de hoje, tem assumido cada vez mais
um nível profissional. Isto porque, rapidamente, esse programa se aproxima de um
padrão televisivo considerado de boa qualidade pela crítica especializada,
incorporando algumas técnicas de sucesso dos movimentos pentecostais de origem
protestante (CAMPOS, 1998a, p. 29).

Salta aos olhos as intenções e o entendimento do autor. Ou seja, a mídia que ele chama
de neopentecostal tem baixa qualidade por ter uma matriz religiosa inferior e a mídia católica
é melhor por ter mais qualidade técnica e por incorporar ―técnicas de sucesso dos movimentos
pentecostais de origem protestante‖. Portanto, o autor parece defender que a produção
neopentecostal é ruim e a católica é boa por beber indiretamente na fonte do protestantismo
tradicional. Ainda fica ―no ar‖ uma separação rígida entre o pentecostalismo e o
neopentecostalismo.
Voltando ao tema ―evangélicos e política‖ Campos demonstrou recentemente sua visão
a respeito do voto dos evangélicos.

Silas Malafaia é um conhecido "atirador para todos os lados em que o vento soprar"
alavancado pelo dinheiro. Malafaia e o pastor Caio Fábio sempre estiveram
18

digladiando em nome da "verdadeira fé evangélica". Agora que o Bispo Edir


Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), está ao lado do PT,
Malafaia entrou em rota de colisão com ele. Em outras épocas, segundo Caio Fábio,
a retórica de Malafaia, favorável à IURD e à "liberdade do povo de Deus" (durante a
campanha de Collor, de FHC e após o "chute na Santa"), foi estimulada por milhares
de reais para os cofres de seu movimento que está inclusive se tornando autônomo
em relação a Assembléia de Deus brasileira. Penso que o apoio de Malafaia a Serra
não ajuda tanto quanto um posicionamento de Edir Macedo ou de outros líderes
neopentecostais a Dilma e ao PT. Mesmo em relação a Assembléia de Deus (um
conglomerado de igrejas com cerca de 10 milhões de fiéis) o apoio de Silas Malafaia
não carrega tantos votos como ele imagina. A questão é quem detém um capital
religioso maior e um maior domínio das massas. Parece que, Macedo e outros
pentecostais favoráveis a Dilma, representam a maioria dos votos "de cabresto"
(ADITAL, 2010).

Ou seja, o dissenso em relação ao voto e a opção política por parte dos pentecostais pelo
não retorno da ala mais conservadora da elite política brasileira (PSDB/DEM), que
entendemos aqui como sendo políticos baseados principalmente no Sudeste, é vista por
Campos como ―voto de cabresto‖, numa clara desqualificação dos eleitores pentecostais como
manipuláveis, portanto, no mínimo ingênuos e ignorantes, dissociando-os do restante do
eleitorado brasileiro.
Outros trabalhos influentes foram os de Ricardo Mariano, especialmente o seu
―Neopentecostais‖ (MARIANO, 1999), que conseguiu uma rápida difusão entre os
pesquisadores interessados no tema por conta de ter sido publicado em livro, diferente de
outros trabalhos também muito relevantes, mas que foram publicados em periódicos. Este
autor se concentra nesta obra principalmente na IURD e na IIGD, sempre tecendo críticas
ácidas e às vezes usando certa ironia na linguagem, destacando sempre o caráter da troca que,
no seu entendimento, ocorre entre fiel e igreja.
Ainda dentro da literatura produzida no Brasil outro autor bastante influente é Paul
Freston, suas obras mais importantes em língua portuguesa são a sua tese de doutorado pela
UNICAMP ―Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao Impeachment‖,
possivelmente o primeiro trabalho a tratar com maior profundidade da importância dos
protestantes históricos e principalmente pentecostais na política, analisando suas estratégias,
seus embates internos e problematizando a suposta capacidade dos líderes arregimentarem os
votos de seus ―rebanhos‖. Porém, um dos escritos mais influentes deste autor, talvez pela
7
facilidade de acesso, foi um capítulo do livro ―Nem Anjos Nem Demônios‖ (FRESTON,
1994) onde ele traça um histórico do pentecostalismo brasileiro e propõe uma divisão
cronológica dividindo o pentecostalismo em três fases ou ondas, enquadrando a IURD e a
7
Outro texto bastante lido entre os pesquisadores é FRESTON, Paul. A Igreja Universal do Reino de Deus e o
Campo Protestante no Brasil. In: Estudos de Religião, nº 15: Estratégias Religiosas na Sociedade Brasileira.
São Bernardo do Campo: UMESP, 1998.
19

IIGD na terceira onda. Infelizmente, uma boa parte de sua produção está publicada em inglês,
o que dificulta um pouco o acesso de acadêmicos brasileiros que não leem nesse idioma.
Uma boa parte dos autores mencionados está presente na coletânea organizada por Ari
Pedro Oro (ORO et al., 2003) “Igreja Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores
da fé‖, obra que trata principalmente da expansão da IURD fora do Brasil
A produção estrangeira sobre o pentecostalismo como fenômeno global já está bastante
consolidada. Uma das obras mais antigas e de maior alcance e relevância é ―The
Pentecostals‖, de Walter Hollenweger (1988), baseada em sua tese de doutorado de dez
volumes onde ele faz um exaustivo estudo do pentecostalismo em seus aspectos doutrinários e
de seu desenvolvimento em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. O livro é até hoje
uma referência valiosa, e, mesmo sendo de autoria de um suíço e publicado em 1972, já
chamava a atenção para elementos que se mostrariam importantes no neopentecostalismo
brasileiro conforme veremos adiante.
Dentre os mais importantes e bastante usados por pesquisadores, figuram ainda os
trabalhos de David Martin e David Stoll.
Martin (1990) em seu ―Tongues of Fire‖ destaca principalmente os aspectos positivos
que a expansão do pentecostalismo na América Latina e a conversão dos socialmente
desfavorecidos podem provocar, especialmente por meio de formação de redes associativas
entre os crentes, além de conseguir promover prosperidade nas comunidades pentecostais.
Stoll (1990) em ―Is Latin America turning Protestant‖ problematiza a influência norte-
americana no pentecostalismo latino americano, reconhecendo a força desta influência que
vinha desde as ações missionárias, inclusive em comunidades indígenas, mas admitindo que
houve profundas transformações provocadas no processo de reapropriação nos contextos
locais.
Cabe ainda destacar o trabalho de Allan Anderson (2004a), ―An Introduction to
Pentecostalism‖, no qual ele procura fazer uma análise global do desenvolvimento do
pentecostalismo no mundo, sendo um dos pontos fortes de seu trabalho a argumentação
consistente sobre a relação local/global na qual ele reconhece a força das influências locais no
desenvolvimento do pentecostalismo, muito mais do que um fenômeno uniforme.
Enfim, dentre os trabalhos mais antigos está a coletânea já citada ―Algo Mas que Opio‖,
onde são apresentados vários estudos de caso sobre o Pentecostalismo na América Latina, que
apesar de ser uma obra de 1990, ainda apresenta visões bastante valiosas sobre o
pentecostalismo latino americano, já discutindo pontos importantes como a participação
política dos pentecostais e a diversificação social da membresia.
20

Cabe destacar que há uma série de estudos que não foram mencionados, mas não são
menos importantes. Por exemplo, trabalhos já consagrados que tratam do pentecostalismo em
contextos regionais como o africano.

Justificativas

a) Falta de estudos que busquem um conhecimento do campo religioso pentecostal além


de seus aspectos mais polêmicos e considerados chocantes, o que vem provocando um
entendimento distorcido do fenômeno, por darem excessivo destaque aos elementos
ligados ao dinheiro e exorcismos, omitindo outros aspectos importantes da vivência
religiosa destas igrejas.

Vários trabalhos oriundos do mundo acadêmico ainda insistem que estas igrejas são
apenas ―igrejas rodoviária‖. Cabe questionar este paradigma difundido, pois acredito que o
fenômeno pentecostal é mais complexo e merece uma análise mais cuidadosa.
Por exemplo, para Mariano (1999, p. 51), as bases do neopentecostalismo são: ―intenso
combate ao Diabo, valorização da prosperidade material mediante a contribuição financeira,
ausência de legalismo em matéria comportamental‖. O mesmo autor advoga o conteúdo anti-
intelectualista e mágico do discurso neopentecostal: ―Uma religião densamente sacral,
―mágica‖, antiintelectualista e cada vez menos ascética, como a pentecostal, seguramente
apresenta pouca afinidade com o chamado espírito do capitalismo.‖ (1999, p. 185), bem como
o caráter de negociação com Deus do discurso iurdiano, em suas palavras, ―Edir Macedo
prioriza a retribuição divina, o toma-lá-dá-cá‖ (1999, p. 248). Neste sentido escreve Macedo
(2000, p.54): ―Dar o dízimo é se candidatar a receber bênçãos sem medida‖.
Mariano por vezes deixa transparecer uma certa ironia e mesmo antipatia ao tratar
daqueles que ele chama de neopentecostais, especialmente da IURD. Por exemplo, ao analisar
as candidaturas do bispo da IURD Marcelo Crivella entre os anos de 2002 e 2008, chega as
seguintes conclusões.

Nas campanhas de 2002 a 2008, revelou-se ineficiente o marketing eleitoral de


Crivella para dissociar sua atividade política de sua atuação religiosa e, por meio
disso, defender-se de um sem-número de acusações. Seus insistentes esforços para
desvincular o político do religioso sucumbiram diante da forte aversão existente
contra sua igreja e da eficiente campanha de seus adversários políticos e midiáticos
para identificá-lo como bispo da Universal. Tal repulsa à igreja decorre, entre outros
fatores, da demonização que ela promove contra os cultos afro-brasileiros, de suas
manifestações homofóbicas, dos diversos escândalos que protagonizou, das
21

acusações de exploração financeira dos fiéis, das frequentes denúncias do Ministério


Público, da Receita e da Polícia Federal contra suas lideranças, de seus conflitos
com a Igreja Católica, da acirrada concorrência com as Organizações Globo. A forte
oposição que a Igreja Universal enfrenta não decorre, portanto, tão-somente de mero
preconceito, ou de opinião apriorística imponderada, como alega Crivella. O fato é
que a Universal formou, em parte por sua responsabilidade, múltiplos inimigos e
adversários ao longo do tempo. E, por essa e outras razões, goza de má reputação
junto à opinião pública. Por isso, tende a atrapalhar a performance eleitoral de seus
candidatos a eleições majoritárias disputadas em dois turnos, pela rejeição que tende
a transferir a eles, decorrente do diligente auxílio de seus adversários políticos e
midiáticos. Por certo, isso não constitui empecilho suficiente para impedi-los de
chegar ao segundo turno, mas diminui sua probabilidade de vencer o pleito final, já
que limita seu teto eleitoral. (MARIANO; OLIVEIRA, 2009, p. 105).

Mariano e Oliveira deixam claro que a repulsa sofrida pela igreja é fruto de sua própria
ação. Os autores negam, ou ao menos omitem que, por trás desta repulsa, pode estar, dentre
outros elementos, a reação de elites política e religiosa que lutam para manter sua hegemonia
ameaçada pelos pentecostais. Os elementos religiosos sempre foram fundamentais no jogo
político, os próprios autores reconheceram isso posteriormente no texto, mas, percebe-se neste
artigo e em outros uma falta de reconhecimento da legitimidade dos pentecostais em sua
demanda política. Por que eles não? Por que a ação de outros grupos religiosos no passado
não provocou uma reação tão forte como os pentecostais vêm provocando, mesmo no meio
acadêmico?
Obviamente não estou propondo que a ascensão dos pentecostais represente uma
revolução nas estruturas sociais e políticas do país, mas pode ser, ao menos, uma mudança
significativa no jogo de poder.
Assim como Mariano, Souza e Brepohl de Magalhães (2002, p. 99)8 também apontam na
mesma direção, de que o discurso iurdiano simplesmente prega uma ―troca com Deus‖.
Campos também defende a ideia de ―negociação com Deus‖, segundo Campos (1998b, p. 1):

A IURD é um empreendimento que combina bem dinheiro e religião, fé e negócio,


evangelização e marketing, oferecendo ao público a chance de experimentar a
religião de uma forma light, segura e confortável, como se fosse um contrato
jurídico ou um acordo burocrático, no qual a Igreja entra como fiadora dessa aliança
entre os seres humanos e a divindade. Aliança essa que ocorre dentro dos quadros,
fronteiras e horizontes de uma sociedade de massas, que por estar baseada no
consumo, encontra-se bem distante dos tipos ideais ―ética protestante‖ e ―espírito do
capitalismo‖, de Weber (1981), os quais previam a acumulação de bens resultante de
uma postura religiosa determinada.

8
―Neste discurso, a soberania de Deus é compartilhada pelo fiel na relação de troca. É incentivado que o fiel se
acomode ao mundo das novas tecnologias, acumule riquezas, more melhor, possua carro e não tenha sentimento
de culpa por não negar o mundo; pelo contrário, a conduta ascética tem diminuído entre os pentecostais desde a
década de 70.‖
22

As questões levantadas na citação anterior são relevantes e têm fundamentação empírica,


porém, embora estas ideias estejam subjacentes, o discurso iurdiano também passa a defender
uma ética de ―trabalho duro‖ e de ―perseverança‖9, conforme Freston, ―a mensagem da IURD,
então, pode representar um reforço para a ética do trabalho e para a iniciativa empresarial em
um contexto adverso‖ (FRESTON, 1994, p.150). Ou seja, a igreja parece buscar um meio
termo, conciliando as práticas ―mágicas‖ de ―bênçãos milagrosas‖ com o discurso de
disciplina e autoajuda para quem quer se ―reerguer na vida‖ ou tornar-se um empreendedor.
Defendo, portanto, que certas características que sempre foram caras ao pentecostalismo
tradicional, como por exemplo, o estudo da Bíblia e a busca pelo Espírito Santo e suas
manifestações não deixaram simplesmente de existir ou perderam a importância, mas foram
transformadas. Discordo da tríade proposta por Mariano ―diabo, prosperidade e ausência de
legalismo‖. O embate Deus x diabo sempre foi um forte elemento estruturante do discurso
pentecostal, principalmente no Brasil, e não algo novo ou utilizado pelos neopentecostais,
como se pode evidenciar na associação feita pela imprensa assembleiana na década de 1960
entre comunismo e as forças diabólicas (MARTELLI, 2007), além do constante emprego da
palavra ―mundo‖ como sinônimo de algo ruim e externo e estranho à igreja, além de sempre
ter uma conotação negativa.
Por outro lado, É importante mencionar que muitos elementos associados ao
neopentecostalismo brasileiro já estavam postos desde pelo menos os anos 60, Hollenweger,
por exemplo, citando Key Yuasa, fala sobre as características de algumas igrejas pentecostais
daquele momento, especialmente a Igreja Apostólica, em relação à expulsão de ―demônios
causadores de doenças‖ associados às religiosidades afro-brasileiras.

Considerando que os Protestantes rejeitam esta superstição em bases mais ou menos


racionalistas ou dogmáticas, os Pentecostais, por causa da sua crença na existência
de demônios, etc., parecem estar bem no centro da controvérsia com o mundo da
magia e a crença em espíritos. Mas eles combatem os espíritos com o Espírito
(Santo). Eu vi o melhor exemplo na Igreja Apostólica, onde uma importante parte
do culto consiste em orar pelos doentes, exorcismos (diretamente endereçado ao
demônio causador da doença); ela reivindica ser a única igreja que está efetivamente
lutando contra ‗Macumba, magia, feitiçaria e outras ações malignas‘
(HOLLENWEGER, 1998, p. 97).10

9
No culto que presenciamos em 5/01/2004 várias vezes o pastor disse que se a pessoa quiser obter sucesso, ela
vai ter de perseverar, esta ideia foi bastante reforçada em outros cultos.
10
―Whereas the Protestants reject this superstition on more or less rationalistic or dogmatic grounds, the
Pentecostals, because of their belief in the existence of demons, etc., seem to be right in the heart of the
controversy with the world of magic and belief in spirits. But they fight the spirits with the Spirit. I saw the best
example in the Igreja Apostolica, where an important part of the service consisted in prayer for the sick,
exorcisms (with direct address to the demon causing the sickness); it claims to be the only church that is
effectively fighting against ‗Macumba, magic, bewitchments and other evil deeds‘‖.
23

A descrição dada acima se enquadraria perfeitamente à IURD, que surgiu apenas em 1977
e ganhou de fato notoriedade com estas práticas nos anos 90, portanto as neopentecostais
apenas reforçaram alguns elementos já presentes na segunda onda11.
Quanto à suposta ausência de legalismo, as visitas ao campo de estudo têm revelado que,
na verdade, o controle sobre o comportamento da forma como era exercido pelas primeiras
igrejas pentecostais no Brasil realmente não é o mesmo adotado nas igrejas pentecostais que
estou estudando. Mas isso não quer dizer que simplesmente deixou de existir qualquer
controle ou ao menos diretrizes que devam ser seguidas pelos membros, apenas mudou a
forma como estas diretrizes são colocadas e de fato há uma maior permissividade em certos
aspectos, mas não um relaxamento total nas normas de conduta.
Por exemplo, algumas igrejas ainda mantêm controle efetivo sobre a vestimenta de seus
membros, especialmente das mulheres, como é bem visível em algumas AD, na CC como um
todo e na IPDA. Na IURD e na Igreja da Graça não há uma ordem expressa e escrita acerca
do assunto, como há na IPDA. Inclusive, o embelezamento feminino é abertamente
estimulado, como é evidente na revista feminina iurdiana ―Ester‖. Por outro lado, todas as
vezes que uma esposa de um pastor é convidada a participar de algum ritual (especialmente os
ligado à vida afetiva), percebe-se que ela sempre está trajada com roupas que cobrem a maior
parte do corpo, sem decotes ou outros detalhes que pudessem deixar o corpo à mostra. E se
percebe que a esmagadora maioria das frequentadoras, tanto da IURD quanto da IIGD,
preferem roupas mais comportadas e não chega a ser raro vê-las usando vestido longo e
cabelos bem compridos, mesmo entre as mais jovens.
Dentre os homens, ocorre fenômeno semelhante, percebe-se que os mais envolvidos com
a igreja usam roupas mais sóbrias, inclusive os mais jovens, e também não é raro ver alguns
compondo o visual estereotipado do crente tradicional: terno e gravata com a bíblia embaixo
do braço.
Quanto ao controle moral, se não há um controle de fato da vida pessoal dos membros, ao
menos o ensinamento persiste. Pude acompanhar em uma vigília organizada para os jovens o
pastor falando em linguagem clara e objetiva sobre os riscos do comportamento sexual
desregrado dentre os jovens e das implicações que isto poderia acarretar.

O primeiro pecado é o da prostituição. Você sabe que o ser humano


pensa em muita coisa. Senta em uma cadeira sozinho lá em sua casa e
começa a pensar, virão maus pensamentos relacionados a sexo. A
moça começa a namorar o rapaz, vem um monte de relações e ela fica

11
Por exemplo, na Igreja Pentecostal Deus é Amor, que foi fundada em 1962. in: (FRESTON, 1994, p.128).
24

grávida, depois a mãe briga, o rapaz que ficou pressionando por uma
prova de amor, ai depois que ele deu o problema ele assume? (todos: -
Não). Ter uma relação sexual antes do casamento é pecado. 12

A IURD bem como a IIGD não controlam ou punem seus membros publicamente por
transgressões nos ―padrões estabelecidos‖13 de comportamento, mas estes padrões existem e o
membro é ensinado a respeitá-los. Não há, por exemplo, proibição expressa quanto ao
consumo de cigarro, mas sendo o fumo considerado algo demoníaco e sinal de domínio de
maus espíritos sobre a pessoa. Portanto, este hábito pode ser interpretado como sinal de
fraqueza e de que o fumante não alcançou a libertação, colocando-o em um status inferior a
quem não fuma. Isso certamente cria um constrangimento ao fumante perante o grupo
podendo ter um efeito até mais coercitivo do que uma simples proibição em outras bases
doutrinárias, além de reforçar um mecanismo de auto coerção no fumante. Ou seja, se em uma
igreja tradicional ele poderia talvez fumar escondido, numa igreja que associa o vício à ação
demoníaca direta, mesmo sozinho o efeito coercitivo pode ser mais eficiente.
Além do já exposto sobre as várias formas de coerção, o pertencimento à alguma igreja
forma vínculos sociais úteis (como veremos adiante ao tratar dos brasileiros na Holanda) que
ficam enfraquecidos ou desmancham se o frequentador não demonstra aderir às regras e ao
modo de vida que é pregado. Isto, aliás, não é novo em se tratando igrejas e das comunidades
que elas geram em torno delas, como nos lembra Weber (1946, p. 317) ao tratar de pequenas
seitas protestantes nos EUA no início do século XX.

Em contraste aos princípios das igrejas protestantes oficiais, pessoas expulsas por
causa de ofensas morais eram frequentemente negadas a todo intercurso com os
membros da congregação. A seita assim evoca um absoluto boicote contra elas, o
que inclui os negócios. Ocasionalmente a seita evitava qualquer relação com não-
membros exceto em casos de absoluta necessidade. E a seita colocava o poder
disciplinar na mão de leigos. Nenhuma autoridade espiritual poderia assumir a
responsabilidade conjunta da comunidade perante Deus.14

12
Diário de campo. IURD. Vigília do Reencontro. 29/08/ 2008.
13
Embora não haja prescrição clara de tudo o que um membro pode ou não fazer, certas regras já estão
subentendidas, ou seja, a coerção é sutil, mas não deixa de existir. Norbert Elias discorre com mais profundidade
sobre a construção das coações e no seu entendimento, o que ele chama de autocoação é a mais eficiente ―A
pressão pode vir de outras pessoas, como um chefe, ou figuras imaginárias, como ancestrais, fantasmas ou
deidades.‖ (ELIAS, 1997, p. 43).
14
―In contrast to the principles of the official Protestant churches, persons expelled because of moral offenses
were often denied all intercourse with the members of the congregation. The sect thus invoked an absolute
boycott against them, which included business life. Occasionally the sect avoided any relation with non-brethren
except in cases of absolute necessity. And the sect placed disciplinary power predominantly into the hands of
laypersons. No spiritual authority could assume the community's joint responsibility before God.‖
25

Apesar de Weber estar se referindo a algo distante da realidade brasileira atual, ainda há
igrejas que punem seus membros, acarretando consequências parecidas ao acima exposto. A
IPDA, por exemplo, tem cláusulas bastante rígidas em seu regimento interno. Está claro que
igrejas como a IURD e a IIGD não seguem estritamente estes padrões, mas na observação
participante percebem-se diferenças no tratamento entre as pessoas de acordo com o suposto
grau de comprometimento, por exemplo, o fato de o pastor mencionar algumas pessoas cujos
nomes ele conhece não deixa de representar um status para essas pessoas, um sinal de que
participam ativamente da igreja.

É pentecostal ou não?

Já ouvi em congressos voltados à temática religiosa que chega a ser discutível chamar
igrejas como a IIGD e especialmente a IURD de pentecostais, pois estas estariam muito
afastadas das raízes do pentecostalismo. Dentre o meio protestante mais tradicional existem
sérias críticas. Por exemplo, Robinson Cavalcanti (2008), conhecido bispo anglicano, chega
ao ponto de não considerar a IURD como sendo pentecostal ou protestante:

Um grande equívoco cometido pelos sociólogos da religião é o de por sob a mesma


rubrica de ―pentecostalismo‖ dois fenômenos distintos. De um lado, o
pentecostalismo propriamente dito, tipificado, no Brasil, pelas Assembléias de Deus;
e do outro, o impropriamente denominado ―neopentecostalismo‖, melhor tipificado
pela Igreja Universal do Reino de Deus. Um estudioso propôs denominar essas
últimas de pós-pentecostais: um fenômeno que se seguiu a outro, mas que com ele
não se conecta, pois ―neo‖ se refere a uma manifestação nova de algo já existente.
Correntes de sociologia argentina já os denominaram de ―iso-pentecostalismo‖: algo
que parece, mas não é. Lucidez e coragem teve Washington Franco, em sua
dissertação de mestrado na Universidade Federal de Alagoas, quando classificou o
fenômeno representando pela IURD de ―pseudo-pentecostalismo‖: algo que não é.
Um estudo acurado dos tipos ideais, Assembléia de Deus e Igreja Universal do
Reino de Deus, sob uma ótica sociológica, ou uma ótica teológica, nos levará à
conclusão que se trata de duas manifestações religiosas diversas, que não podem --
nem devem -- ser colocadas sob uma mesma classificação (...) Equiparar ambos os
fenômenos não faz justiça à Igreja Universal e ofende a Assembléia de Deus. (...)
Chamar o bispo Macedo de protestante é de fazer tremer o Muro da Reforma, em
Genebra, e os ossos de Lutero e Calvino em seus túmulos. Muita gente tem incluído
a IURD, e assemelhadas, como pentecostais, evangélicas ou protestantes, para
inflar, de forma triunfalista, os números, ou por temor de retaliações legais, ou
extralegais, vindas daquelas instituições. Se sociólogos têm denominado
manifestações novas na cristandade, como as Testemunhas de Jeová, os Mórmons,
ou a Ciência Cristã, como ―seitas para-cristãs‖, podemos denominar a Igreja
Universal e congêneres de ―seitas para-protestantes‖.

O discurso anti-neopentecostais é forte e contundente. Infelizmente, o autor acima não


especifica melhor as razões teológicas ou sociológicas para não se classificar a Igreja
Universal como uma igreja pentecostal.
26

Voltemos então à conceituação de pentecostalismo. Hollenweger (1988, p. XXI), por


exemplo, classifica como pentecostal ―todos os grupos que professam ao menos duas
experiências de crise religiosa (1. Batismo ou renascimento; 2. O batismo do Espírito), o
segundo sendo subsequente ao primeiro e diferente deste, sendo o batismo no Espírito
usualmente, mas não sempre, sendo associado com falar em línguas‖15. Na classificação de
Hollenweger, a IURD e a IIGD se enquadram sim no pentecostalismo, pois o batismo, tanto o
batismo na água como resultado de um processo de conversão quanto o batismo no Espírito
Santo e o renascimento são elementos marcantes no discurso destas igrejas.

Batismo no Espírito Santo

É importante observar como nas igrejas pesquisadas, e em outras pentecostais e mesmo


na Renovação Carismática Católica há toda uma preparação por parte da igreja de forma a
facilitar que o membro consiga o tão esperado batismo no Espírito Santo. Por exemplo,
Hollenweger (1988, p. 334) nos relata um caso semelhante ao que encontramos nas visitações.

Inumeráveis escritos dão instruções de como se preparar para o batismo no Espírito,


e quais condições devam ser preenchidas para que este seja recebido. Nas
denominações pentecostais mais antigas, nas quais a maioria dos membros ainda
não tenham recebido o batismo do Espírito, estes escritos são de crescente
importância. A preparação usualmente recomendada é oração, fé (que é, a
expectativa do batismo do Espírito), e total arrependimento, com confissão e
reparação dos pecados. A Jesus Church ensina que jejum, oração e dízimo são
precondições para o batismo do Espírito. Na Swiss Pentecostal Mission o batismo
do Espírito tende a ser recebido durante as semanas bíblicas. Em uma dessas
ocasiões eu observei uma irrupção poderosa de emoção. Homens fortes rugiam
como leões famintos e batiam com vigorosos golpes de seus punhos contra os
acentos – pois no estilo dos pentecostais toda a assembleia (os presentes) estava
sentada com o rosto voltado para os acentos. Uma confusão de choro e riso vinha
das mulheres. O barulho era tão forte que um dos pastores que ainda não tinha
recebido o batismo do Espírito com fala em línguas decidiu ir para a cozinha
descascar batatas, até que o barulhento encontro de oração terminasse.16

15
―Thus this book includes as Pentecostals all the groups who profess at least two religious crisis experiences
(1. baptism or rebirth; 2. the baptism of the Spirit), the second being subsequent to and different from the first
one, and the second usually, but not always, being associated with speaking in tongues.‖
16
―Innumerable writings give instructions how to prepare for the baptism of the Spirit, and what conditions have
to be fulfilled for it to be received. In the older Pentecostal denominations, in which the majority of members
have not received the baptism of the Spirit, these writings are of increasing importance.86 The preparation
usually advised is prayer, faith (that is, the expectation of the baptism of the Spirit), and full repentance, with
confession and reparation for sins. The Jesus Church teaches that fasting, prayer and tithing are preconditions for
the baptism of the Spirit.87 In the Swiss Pentecostal Mission the baptism of the Spirit tends to be received during
Bible Weeks. On one such occasion I observed a mighty outburst of emotion. Strong men roared like hungry
lions and beat with powerful blows of their fists on the seats — for in Pentecostal fashion the whole assembly
was kneeling facing the seats. A confusion of weeping and laughter came from the women. The noise was so
great that one of the Pentecostal pastors who had not yet received the baptism of the Spirit with speaking in
tongues decided to withdraw into the kitchen and peel potatoes there, until the noisy prayer-meeting was over.‖
27

Em ambas as igrejas da pesquisa, este elemento aparece, embora não se fale nele o tempo
todo, há momentos específicos de ―busca do Espírito Santo‖ onde são feitas orações para se
conseguir o ―batismo no Espírito Santo‖. Nos casos que acompanhei, na Igreja da Graça há
um culto semanal com esta intenção que costuma ocorrer às quintas-feiras. Por exemplo, em
um dos cultos que presenciei, o pastor iniciou a pregação a partir de Jeremias 29:12;13 que
dizia: ―Então me invocareis, e ireis e orareis a mim, e eu vos ouvirei. Buscar-me-eis, e me
achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração.‖ Em seguida ele explicou que o
próprio Jesus não fez sua obra (expulsão de demônios, curas, etc.) sem antes ter recebido a
unção pelo ES no batismo feito por João Batista. No entendimento do pastor, unção é ―uma
capacitação que o homem recebe para fazer algo‖. Em seguida ele pede que todos o
acompanhe na leitura de Isaías 10:27 ―E acontecerá, naquele dia, que a sua carga será tirada
do teu ombro, e o seu jugo do teu pescoço; e o jugo será despedaçado por causa da unção‖. A
interpretação dada pelo pastor foi de que a carga a ser retirada poderia ser um problema
familiar, financeiro ou doença.
Um fato que chamou a atenção foi quando o pastor pediu para que todos se dirigissem a
frente e começassem a orar pedindo a presença do Espírito Santo, após dizer palavras pedindo
a descida do ES, o próprio pastor intercalava a prece com dizeres ininteligíveis, sílabas sem
sentido, em um modo bastante similar ao que é feito em outras igrejas pentecostais mais
antigas (por exemplo a IPDA) e nas concentrações dos católicos carismáticos.
Já na Igreja Universal a busca do Espírito Santo é mais visível e ritualizada no dia em que
as pessoas vão participar do batismo nas águas. Por exemplo, em uma vigília que observei na
madrugada de 29 de agosto de 200817, uma sexta-feira, houve uma longa sessão de exorcismo
nos moldes em que acontece nas ―Sessões do Descarrego‖ das terças-feiras. A vigília era
dedicada aos jovens e vários deles ―manifestaram demônios‖. Após o exorcismo, o pastor fez
uma pregação direcionada aos jovens, em seguida, ele deu orientações de como se buscar o
ES, pedindo que os presentes fizessem a prece de maneira silenciosa, sem gritar. Então, o
pastor pediu que a maior parte das luzes fosse apagada e cantaram uma música lenta que
falava da vinda do ES. Em seguida o pastor iniciou a prece em tom emocionado, falando de
dramas próprios dos jovens (brigas em família, problemas com namoro, relação conflituosa
pais/filhos, drogas). Estes momentos foram intercalados com músicas e preces e muitos
jovens fizeram suas preces com as mãos para cima, falando e alguns chorando. Possivelmente
alguns falaram em línguas, mas não foi possível entender o que era dito, pois o ambiente

17
Diário de Campo. Observação na IURD em 29/08/2008.
28

estava muito barulhento. Houve uma apresentação teatral e logo após foi feito um intervalo, e
neste intervalo é que foi feito o batismo nas águas, em um batistério atrás do púlpito, com
poucas pessoas em volta, ou seja, foi um momento em que não se deu tanta atenção. Os
jovens iam até o banheiro, colocavam uma túnica azul e depois voltavam para serem
mergulhados (corpo inteiro) por dois obreiros no tanque. Algumas dezenas devem ter se
batizado naquela madrugada, em sua maioria bem jovens.
Após, pude constatar que muitos dos que se batizaram naquela noite foram os que minutos
antes haviam manifestado demônios. Ou seja, o espaço de tempo entre libertação e batismo
foi de apenas pouco mais de uma hora, ou nem isso, fato que chama atenção, pois a
bibliografia levantada aponta que em outras igrejas pentecostais este processo pode ser bem
mais longo. Resumindo: libertação, batismo no ES e batismo nas águas ocorreu em pouco
mais de uma hora.

b) A relevância numérica dos pentecostais e o forte crescimento nos últimos anos.

De acordo com o Censo do ano 2000 realizado pelo IBGE os evangélicos no Brasil eram
15,4%, sendo que 10,4% da população brasileira eram pentecostais. Pode-se estimar que
atualmente, dez anos depois, os números podem ser bem maiores. Além disso, temos de
pensar no vertiginoso crescimento que os pentecostais vêm conseguindo nos últimos anos,
pois o censo de 1991 apontava 5,6% da população pertencendo às igrejas pentecostais, ou
seja, quase dobrou em termos percentuais em apenas nove anos.

Vejamos a tabela abaixo montada a partir do Censo 1991.


População Total 146.815.793
INSTITUIÇÃO Números de Percentual
Frequentadores Sobre a
ou membros População Total
Católica Apostólica Romana 121.812.761 82,97
Igreja Batista 1.532.676 1.04
Luterana 1.029.691 0.7
Metodista 138.888 0,09
Presbiteriana 498.204 0,34
Outra Evangélica Tradicional 107.811 0,07
Evangélica Trad. Não Determinada 374.659 0,25
Igreja Assembléia de Deus 2.439.763 1,66
29

Igreja Congregacional Cristã do Brasil 1.635.977 1,11


Igreja Pent. Deus é Amor 169.340 0,12
Sem Religião 6.946.236 4,73
Igreja Universal do Reino de Deus 268.954 0,18
Igreja do Ev. Quadrangular 303.268 0,21
Outra Evangélica Pentecostal 558.806 0,38
Evangélica Pentecostal não determinada 2.609.527 1,78
Espírita 1.644.344 1,12
Umbanda 541.519 0,37
Sem declaração 596.006 0,41
Candomblé 106.953 0,07
Figura 1 – População brasileira de acordo com a filiação religiosa – IBGE, Censo
demográfico 1991/2000.

Censo 2000

Total 169.872.856 100,00


Católica Apostólica Romana 124.980.132 73,57
Evangélicas 26.184.941 15,41
Evangélicas de missão 6.939.765 4,09
Evangélicas de origem pentecostal 17.617.307 10,37
Evangélicas de origem pentecostal - Igreja Assembléia de Deus 8.418.140 4,96
Evangélicas de origem pentecostal - Igreja Congregacional Cristã do
2.489.113 1,47
Brasil
Evangélicas de origem pentecostal - Igreja Brasil para Cristo 175.618 0,10
Evangélicas de origem pentecostal - Igreja Evangelho Quadrangular 1.318.805 0,78
Evangélicas de origem pentecostal - Igreja Universal do Reino de
2.101.887 1,24
Deus
Evangélicas de origem pentecostal - Igreja Casa da Benção 128.676 0,08
Evangélicas de origem pentecostal - Igreja Deus é Amor 774.830 0,46
Evangélicas de origem pentecostal - Igreja Maranata 277.342 0,16
Evangélicas de origem pentecostal - Igreja Nova Vida 92.315 0,05
Evangélicas de origem pentecostal - outras igrejas de origem pentecostal 1.840.581 1,08
Evangélicas sem vínculo institucional 1.046.487 0,62
Evangélicas sem vínculo institucional - Evangélicos 710.227 0,42
Evangélicas sem vínculo institucional - Evangélicos de Origem
336.259 0,20
Pentecostal
Evangélicas - outras religiões Evangélicas 581.383 0,34
Evangélicas de Missão 6.939.765 4,08
Espírita 2.262.401 1,33
30

Umbanda 397.431 0,23


Candomblé 127.582 0,08
Sem religião 12.492.403 7,35
Sem declaração 383.953 0,23

Figura 2 – População brasileira de acordo com a filiação religiosa – IBGE, Censo demográfico 1991/2000.

Analisando por alto os dados, percebe-se claramente que todas as igrejas pentecostais
cresceram bastante tanto em termos percentuais quanto em números absolutos, em contraste
com o número de católicos, que caiu em percentual e em números absolutos teve um aumento
que pode se considerar discreto dada a sua magnitude numérica. Conforme o gráfico a seguir
ilustra:

Figura 3 – População brasileira de acordo com a filiação religiosa – IBGE, Censo demográfico
1991/2000.

Chamam a atenção a AD que multiplicou seus membros em mais de três vezes e teve um
expressivo crescimento em números absolutos, e a IURD, que multiplicou por 10 a sua
membresia em menos de uma década. Outras igrejas tradicionais como a IPDA e a CC
também tiveram forte crescimento. Demonstrando que o crescimento pentecostal não se deu
exclusivamente entre igrejas mais ―liberais‖, como a IURD, ou mais ―conservadoras‖, como a
IPDA.
31

Além dos números oficiais, não podemos desprezar um fenômeno que escapa aos métodos
convencionais de estatísticas e que torna praticamente impossível quantificar a quantidade de
frequentadores de uma igreja pentecostal, especialmente a IURD, conforme podemos
observar em Sanchis (1994, p. 52) e em observações in loco. Referimo-nos ao fato de que há
uma quantidade significativa de pessoas que vão esporadicamente aos cultos, mas não
pertencem a uma instituição pentecostal. Podem ser espíritas, umbandistas, católicos entre
outros, enfim, pessoas que em pesquisas como o Censo do IBGE afirmam pertencer à
determinada religião, ou ainda dentre àquelas 12.492.403 de pessoas que no Censo do ano
2000 (IBGE, 2003) afirmam serem ―sem religião‖ e ainda aqueles que o censo identifica
como ―sem vínculo institucional‖, que são 1.046.487 de adeptos. São pessoas que participam
dos cultos, fazem ofertas em dinheiro, recebem ―bênçãos‖, ―revelações‖ ou ―curas‖, porém
não são membros efetivos.
Essas pessoas que aqui chamaremos de ―frequentadores em trânsito‖, são a forma mais
acabada de trânsito religioso. Entenda-se trânsito religioso como o fenômeno de transferência
de membros de uma igreja, ―seita‖ ou religião para outra, podendo acontecer diversas vezes
na vida de uma pessoa. Como me disse uma frequentadora: ―Jesus não diferencia igrejas, eu
estou aqui, mas se eu quiser ir na outra eu vou. Tem gente que não cresce na vida
financeiramente, pois fica apegada a igrejas, a pastores‖18.
De acordo com dados levantados pelo ISER em 1994, a Igreja Universal ficava ―com a
maior porcentagem de pessoas mais pobres, menos educadas e de cor negra‖ (FERNANDES
et al., 1998, p. 23). E de acordo com a mesma pesquisa, apenas 5% dos membros da IURD
tinham sido criados em uma igreja evangélica (1998, p. 27) (na ocasião a Igreja Universal
tinha apenas 17 anos de existência), e consequentemente, era também a IURD que
apresentava uma membresia convertida mais recentemente, 66% foram convertidos há menos
de 6 anos antes da pesquisa. A IURD demonstrava também nesse momento a maior
capacidade proporcional de conversão, tendo ela própria convertido 70% de seus membros ao
pentecostalismo, ou seja, 70% deles tiveram a sua primeira adesão à uma igreja pentecostal na
IURD (FERNANDES et al., 1998, p. 34) .

c) Visibilidade dos pentecostais devido a sua inserção no mundo externo à igreja,


conquistando espaços importantes na mídia e na política.

18
Diário de Campo. Observação na IIGD em 17/09/2008.
32

As duas igrejas que estou pesquisando, embora com intensidade diferente, alcançaram
forte visibilidade no espaço público, seja por meio de obras assistenciais e atuação política em
diversos níveis, mas principalmente pela inserção na grande mídia.
No campo da mídia a IURD alcançou grande destaque, ao ponto de conseguir com que
sua emissora alcançasse o status de segunda maior e mais importante do Brasil e a façanha de
ter dois canais abertos em rede nacional. Por sua vez, a IIGD tem ampliado sua presença na
mídia, através da compra de horários na TV aberta e na criação de canais na TV a cabo. Seus
programas sempre reforçando a crença na ação desastrosa dos espíritos.
Quanto à atuação parlamentar, a Igreja Universal levou grande vantagem sobre a Igreja
da Graça e muitas das demais concorrentes. A partir de uma estratégia direta e agressiva,
inclusive indicando abertamente à sua membresia os candidatos em quem deveriam votar e
permitindo que estes subissem ao púlpito e pedissem votos. Entretanto, parte dos políticos
eleitos com o apoio dessas igrejas acabaram demonstrando que são tão ―joio‖ quanto os
demais, e se envolveram em escândalos de desvios de dinheiro público no chamado escândalo
da ―máfia das ambulâncias‖ ou ―sanguessugas‖ no ano de 2006.
As informações divulgadas pela CPI revelam que 58% do valor total do dinheiro
desviado foram parar nas mãos de parlamentares evangélicos, que são num total de 25
deputados e um senador, sendo que do total de deputados, treze são ligados a Igreja Universal,
nove da Assembléia de Deus, e três às igrejas Internacional da Graça de Deus, Quadrangular e
Batista.
A forma de se desviar o dinheiro consistiu basicamente em o deputado conseguir aprovar
emendas que beneficiassem uma instituição de caridade ligada à sua igreja para a compra de
ambulâncias da empresa Planan. Estas ambulâncias eram vendidas com preços superfaturados
e parte do dinheiro era entregue ao deputado que propôs a emenda.
O envolvimento dos evangélicos em esquemas de corrupção como estes deixam suas
igrejas em situação bastante delicadas. No caso da Universal, por exemplo, imediatamente
começaram as cobranças dos membros por ações imediatas contra os parlamentares
envolvidos, levando a Universal a adotar, pelo menos aparentemente, uma postura de que não
compactua com as ações supostamente feitas por seus parlamentares.

O Reino de Deus é constituído de ordem e disciplina. A Igreja Universal faz parte


desse Reino Divino e, por isso, primamos pela moral e a ética. Entendemos que sem
a ordem e a disciplina, não há a mínima condição de haver progresso. (...) As
medidas disciplinares do tipo ―doa a quem doer‖ e de forma transparente, permitem
ao povo diferenciar os sérios dos que não o são. Nós temos adotado a postura de não
33

aceitarmos a permanência em nosso quadro de sacerdotes, sejam bispos ou pastores,


que tenham tido qualquer tipo de conduta indevida à moral e à nossa fé, (...),
inclusive os parlamentares que receberam o apoio da Igreja, se forem acusados por
má conduta, usamos para os tais o mesmo critério dispensado a pastores e bispos, ou
seja, os afastamos até que se prove o contrário (A QUEM recorrer?, 2006).

Percebe-se um esforço, por parte da IURD de tentar preservar uma imagem de uma
instituição que pode promover a moral e a ética na política, expulsando de seus quadros
políticos que comprovadamente se envolveram em escândalos de corrupção (o ex-bispo
Carlos Rodrigues, por exemplo) e impedindo os parlamentares citados como integrantes da
Máfia das Ambulâncias de renunciarem aos seus mandatos para escaparem do processo.
Mas algumas observações ainda devem ser feitas. O capital político dessas igrejas,
especialmente da Universal, foi bastante prejudicado com os escândalos, como se pôde
acompanhar, por exemplo, nas eleições municipais de 2008, quando o senador Marcelo
Crivella não conseguiu ir ao segundo turno da eleição para prefeito da cidade do Rio de
Janeiro. Em Florianópolis, caso que pude acompanhar mais de perto, um dos mais
importantes políticos da IURD no estado de SC, o ex-vereador e bispo Alceu Nieckarz não
conseguiu se reeleger como vereador, mesmo comparecendo ao final de vários cultos e dos
encontros do grupo de jovens para fazer a oração final.

Metodologia

A metodologia para este trabalho foi essencialmente utilizando métodos qualitativos,


principalmente uma extensa observação participante, algumas entrevistas e várias horas de
conversas informais com as pessoas envolvidas que me deram elementos que só conseguiria
com várias entrevistas formais, bastante difíceis de obter neste tipo de pesquisa por conta da
desconfiança dos informantes.
Outras fontes utilizadas foram fontes escritas como livros, jornais, textos para estudos
bíblicos que foram disponibilizados na internet, panfletos e flyers distribuídos nos cultos e
DVD‘s produzidos pela igreja, especialmente pela IURD.
A observação participante foi feita de duas formas diferentes, de acordo com o contexto
e as possibilidades. Na etapa feita no Brasil, basicamente assisti os cultos e eventos das
igrejas, eventualmente cantava junto, aplaudia e fazia alguns dos gestos que os frequentadores
faziam, sempre com a intenção de demonstrar respeito por aquilo que para eles era um
momento sagrado, jamais com a intenção de me passar por um deles. Por outro lado devo
confessar que às vezes me sentia um pouco desconfortável quando me perguntavam coisas
34

cuja resposta pudesse indicar a minha condição de pesquisador, embora em alguns momentos
revelasse isto, preferi sempre omitir ao invés de simplesmente mentir. Quando, por exemplo,
me perguntavam se eu queria ir para frente do púlpito para ―aceitar Jesus‖ geralmente eu dizia
que estava lá ―apenas conhecendo‖, o que não era mentira. É importante destacar que essa
omissão não visava apenas facilitar a minha pesquisa, mas também evitar constrangimento ao
pastor e aos demais presentes com a sensação de estar sendo observado, avaliado ou criticado.
Enfim, busquei interferir e atrapalhar o minimamente possível a atividade religiosa dos
observados.
No caso da parte da pesquisa feita na Holanda, as condições e o desenrolar da situação
permitiu uma abordagem diferente, se a parte feita no Brasil foi feita durante a decorrência de
meses e até anos, na Holanda foram poucos meses, mas foram compensados pela intensidade
da experiência.
A forma como conduzi, ou vivi a pesquisa remete um pouco à experiência de William F.
Whyte na década de 40 relatada por Vidich e Lyman (2006, p. 63).

A orientação etnográfica da Universidade de Chicago deu uma nova guinada nas


mãos de William Foote Whyte. Whyte tornou parte de sua experiência de vida o que
denominava-se pesquisa formal, chamando-a ―observação participante‖. O
departamento de sociologia de Chicago concedeu a Whyte uma oportunidade de
relatar, em Street corner society, suas descobertas sobre os ítalo-americanos
residentes no Extremo Norte de Boston. (...) Whyte residia no bairro italiano, e em
muitos aspectos, porém não em todos, transformou-se em um dos rapazes de
―Cornerville‖. (...) O livro revela uma qualidade enigmática, pois Whyte apresenta
seus dados a partir de suas relações com os sujeitos estudados; ou seja, ele tanto é
pesquisador como um sujeito de seu próprio livro; o outro passou a ser o irmão dos
moradores do gueto italiano.

Obviamente minha pesquisa não foi e nem teve a pretensão de ser tão profunda como a
mencionada anteriormente, até por que foram apenas alguns meses em que ainda tive de
dividir o tempo com as atividades acadêmicas.
A vantagem do uso da observação participante foi poder perceber e entender a vivência
do fenômeno religioso e a vida cotidiana do migrante indocumentado do ponto de vista de
seus atores.
Os problemas éticos mencionados anteriormente da observação participante no Brasil
também se refletiram na Holanda, embora lá as pessoas com quem eu conversasse
normalmente sabiam que eu era um estudante com permissão para morar lá, e alguns até
sabiam que eu tinha interesse em pesquisar os aspectos religiosos e cotidianos de migrantes
35

indocumentados. Creio que, se houve o ―efeito do observador‖ típico nas observações


participantes, foi mínimo, na maioria das vezes, inexistente.
Preservar as pessoas envolvidas foi sempre uma preocupação recorrente, por outro lado
foi um pouco mais difícil lidar com o outro lado da pesquisa, ou seja, o meu próprio
envolvimento.
Um dos sinais para mim de que a vivência com o grupo estudado (principalmente na
Holanda) foi proveitosa no sentido de tentar entender o ponto de vista deles, foi observar
autocriticamente a minha própria mudança de comportamento em face de problemas e
situações enfrentadas. Tem sido desde então um exercício da busca de honestidade
acadêmica. Muitos pesquisadores, embora omitindo nomes, não se furtam de expor detalhes
que os pesquisados talvez não gostassem de expor, mas poucos de fato expõem a si próprios.
Tentarei fazer isso neste trabalho quando for relevante, embora confesse que é algo
desconfortável. Além disso, tive de aprender a lidar com as armadilhas da observação
participante (DUBET, 1996, p. 532), por exemplo, evitar o preconceito por ter uma origem e
situação diferente dos pesquisados e evitar também me identificar demais com os mesmos e
distorcer os resultados da observação, como nos lembra Denzin e Lincoln (2006, p. 33),
―Qualquer olhar sempre será filtrado pelas lentes da linguagem, do gênero, da classe social, da
raça e da etnicidade. Não existem observações objetivas, apenas observações que se situam
socialmente nos mundos do observador e do observado – e entre esses mundos‖.

O campo de pesquisa: as etnografias

Os templos visitados no Brasil foram principalmente as sedes estaduais da IURD e da


IIGD em Florianópolis, localizadas praticamente na mesma avenida em Florianópolis. O
trabalho de campo também consistiu em assistir eventos como a ―Marcha para Jesus‖ e duas
apresentações do missionário R.R Soares em Florianópolis com o seu ―Show da Fé‖ que
ocorreram no principal centro de eventos da cidade.
A presença nos cultos possibilitou perceber melhor as diferenças entre as igrejas
pesquisadas, ao menos no contexto local. A diferença em termos de envergadura das igrejas
neste contexto é visível, a começar pela localização e pelas dimensões dos templos.
O templo da IIGD é relativamente pequeno, deve comportar umas 300 ou 400 pessoas
sentadas, fica numa boa localização no centro de Florianópolis, próximo a um terminal de
ônibus desativado, colégios e não tão longe da praça central da cidade e de outro terminal
36

ainda ativo. Tem uma fachada discreta com uma placa com o nome da igreja e seu logotipo e
possui bem poucas vagas de estacionamento.
Dentro do templo há um pequeno espaço que serve como livraria. Numa das primeiras
vezes que fui ao templo me dirigi a essa parte para me informar sobre livros e revistas da
igreja. Fui atendido por um obreiro de forma bastante solícita. Havia vários livros de
evangelistas americanos, como Keneth Hagin e T.L. Osborn.
O templo apresenta um pavimento superior que funciona como uma espécie de creche
durante os cultos.
Internamente possui fileiras de cadeiras azuis acolchoadas e confortáveis. Devido às
dimensões do templo ninguém fica muito longe do pastor, o que dá ao culto um tom muito
mais intimista. Por vezes o pastor desce do púlpito se aproxima e caminha entre as pessoas e
conhece várias pelos nomes. Outro detalhe interessante. A voz do pastor é bem grave e com
boa entonação, lembra a de um locutor de rádio, e canta bem (no tom). O tom calmo de sua
voz contrasta e muito com o tom enfático e por vezes ―agressivo‖ dos pastores da IURD. Há
ainda alguns obreiros e obreiras devidamente uniformizados e bastante receptivos.
Numa das visitas, encontrei uma funcionária do Centro de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal de Santa Catarina que me reconheceu dos tempos em que eu
estudava lá e que colaborou com a pesquisa, inclusive posteriormente me cedendo uma
entrevista. Conhecer um membro da igreja sempre é um elemento facilitador na pesquisa. Já
nos primeiros contatos, deixei claro minha condição de pesquisador e isto não foi um
empecilho, por outro lado, foi perceptível tanto nesta situação como em outras a esperança de
que eu pudesse me converter. Vários pentecostais seguem de fato, às vezes de forma discreta
e suave, o princípio do sacerdócio universal.
A sede da IURD, chamada Catedral da Fé, apresenta diferenças enormes em vários
aspectos, a começar pelo aspecto externo, majestoso, que segue o padrão nacional dos grandes
templos seguindo o formato que lembra um templo romano. Há uma longa escadaria até as
portas de entrada, um estacionamento bem amplo no subsolo, elevador e salas laterais para
outras atividades. Há na fachada vários detalhes em pedra.
A livraria é dentro do templo, mas com uma sala própria com paredes de vidro onde se
pode encontrar os livros produzidos pela igreja, de autores estrangeiros e souvenires com
temas religiosos.
As cadeiras também são acolchoadas e dobráveis para facilitar a eventual circulação de
pessoas entre elas nos momentos em que o pastor pede para as pessoas se dirigirem à frente.
O templo comporta milhares de pessoas. A sensação de distanciamento em relação ao pastor é
37

muito maior que na IIGD embora haja sempre obreiros e obreiras uniformizados circulando
pelos corredores para dar um atendimento individualizado.
A receptividade em ambas as igrejas é boa, tanto por parte dos frequentadores quanto da
equipe de pastores e obreiros. Neste aspecto, assemelha-se a uma empresa com um alto
padrão de atendimento aos clientes. Em ambas o clima costuma ser descontraído em boa parte
dos cultos, com música e palmas, no caso da IURD sempre tem um tecladista e cantor
profissional, na IIGD isto é mais raro.
Apesar de todo o clima que as igrejas tentam gerar pude perceber que se formam poucos
vínculos entre os frequentadores, com exceção dos grupos de jovens, aparentemente não se
formam muitas novas amizades entre os frequentadores, alguns relataram apenas amizades
superficiais ou nem isso. Geralmente o contato se dá entre familiares que vão em busca de
ajuda uns para os outros. Enfim, algo que está de acordo com a ideia pregada por ambas de
que, apesar dos benefícios da conversão eventualmente se estenderem à familiares e amigos, a
salvação é individual. Nas palavras de Macedo (2005, p. 16) ―as batalhas pela vida eterna são
individuais! Cada um tem que lutar suas próprias lutas e, assim, conquistar sua própria
salvação‖.

Figura 4 – Fachada da IURD em Florianópolis. Fonte: MOVIMENTO UNIVERSAL, 2010.


38

Figura 5 – Parte interna da IURD em Florianópolis. Fonte: MOVIMENTO UNIVERSAL, 2010.


39

CAPÍTULO I – MERCADO RELIGIOSO: PLURALISMO E PENTECOSTALISMO

Neste capítulo, pretendo retomar algumas questões básicas da sociologia da religião


clássica e discutir a sua relação com o cenário religioso brasileiro, com ênfase na atuação das
igrejas pentecostais. Dentre os pontos discutidos estão a ideia de secularização, as teses da
privatização e desprivatização da religião e o campo religioso brasileiro com suas
peculiaridades, bem como discutir o pensamento apresentado por outros autores de que a
suposta tendência secularizante do mercado religioso brasileira resulta em uma transformação
do pentecostalismo no sentido de torná-lo mais propenso a temas relacionados à vida material
e a usar de uma abordagem baseada no espetáculo.

1.1 A Questão da Secularização: Alguns aspectos teóricos

A forte difusão do pentecostalismo nos mais diversos contextos internacionais em países


com extremas diferenças culturais, sociais e econômicas e em países onde a religiosidade
parece enfraquecida, torna necessário pensar na ideia do processo de secularização,
especialmente ao querer comparar a inserção de brasileiros pentecostais na Holanda, país
onde a perda da força da religião é visível.
O conceito de secularização se baseia na ideia de que ―o pensamento, a prática e as
instituições religiosas perdem o seu significado social‖ (OUTHWAITE; BOTTOMORE,
1996, p. 679). Ou seja, se em outros tempos a religião foi a principal fonte de significados,19 o
processo de secularização teria transferido a função antes exercida pela religião para outras
esferas da sociedade. Ou ainda, segundo Berger (1985, p. 119) ―por secularização entendemos
o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das
instituições e símbolos religiosos‖. Dependendo do ponto de vista, o processo de
secularização envolveria o abandono, voluntário ou forçado, da influência da religião em
várias áreas da vida social.

19
Sabe-se há muito tempo que os primeiros sistemas de representação que o homem fez para si do mundo e de si
mesmo são de origem religiosa. Não que a religião não seja uma cosmologia, ao mesmo tempo que uma
especulação sobre o divino. Se a filosofia e as ciências nasceram da religião, é que a religião, por sua vez,
começou por ocupar o lugar das ciências e da filosofia (por pretender explicar o mundo). Mas o que tem sido
menos observado é que ela não se limitou a enriquecer de um certo número de idéias um espírito humano
previamente formado; ela contribuiu para formá-lo a ele próprio. Os homens não lhe devem apenas, por uma
parte notável, a matéria de seus conhecimentos, mas também a forma pela qual esses conhecimentos foram
elaborados (DURKHEIM, 1989, p. 37).
40

Começando por um dos clássicos a tratar do assunto, a ―Ética Protestante‖ de Weber nos
mostra o processo de secularização da ética de trabalho proveniente da religião, no caso o
protestantismo, que se solidifica na cultura mesmo após a suposta perda de importância da
religião, conforme ele mostra na alegoria da ―iron cage‖20

Um dos elementos componentes do espírito do capitalismo [moderno], e não só


deste, mas da própria cultura moderna: a conduta da vida racional fundada na ideia
de profissão como vocação, nasceu – como queria demonstrar esta exposição – do
espírito da ascese cristã (...). O puritano queria ser um profissional – nós devemos
sê-lo. Pois a ascese, ao se transferir das celas dos mosteiros para a vida profissional,
passou a dominar a moralidade intramundana e assim contribuiu [com sua parte]
para edificar esse poderoso cosmos da ordem econômica moderna ligado aos
pressupostos técnicos e econômicos da produção pela máquina. (...) Na opinião de
Baxter, o cuidado com os bens exteriores devia pesar sobre os ombros do seu santo
apenas ―qual leve manto de que se pudesse despir a qualquer momento‖. Quis o
destino, porém, que o manto virasse uma rija crosta de aço (WEBER, 2004, p. 164).

Weber apresenta o processo como algo irrefreável, aliás, indesejável para pelo menos
parte de seus agentes. Por exemplo, ao citar o teólogo protestante John Wesley, este mostra os
possíveis efeitos indesejados da ascese cristã.

(...) Religião, com efeito, deve necessariamente gerar, seja laboriosidade (industry),
seja frugalidade (frugality), e estas não podem originar senão riqueza. Mas se
aumenta a riqueza, aumenta também orgulho, ira, amor ao mundo em todas as
formas. (...) Assim, embora permaneça a forma da religião, o espírito vai
desvanecendo pouco a pouco (WEBER, 2004, p. 159).

Ou seja, a ascese cristã trazia em si uma forte contradição, a semente de seu próprio fim
ou ao menos do seu enfraquecimento enquanto elemento puramente religioso. Casanova
desenvolve esta linha de raciocínio, ao considerar o ―papel destrutivo‖ do protestantismo
dentro do processo de secularização.

Ao menos, a maior parte dos observadores concordarão que a Reforma Protestante


cumpriu um papel destrutivo (...), destruiu o sistema da cristandade ocidental e
assim abriu a possibilidade para a emergência de algo novo. Ao destruir o antigo
sistema orgânico, ajudou a liberar, talvez de forma não desejada, as esferas seculares
do controle religioso. Em um nível mais alto, Protestantismo pode ser visto não
somente como o solvente corrosivo que criou espaço para o novo, mas também
como superestrutura religiosa da nova ordem, como a religião da modernidade
burguesa.21

20
De acordo com Pierucci na sua edição comemorativa da Ética Protestante ―(...) a famosa metáfora stahlhartes
Gehause, que Parsons traduziu intrigantemente por iron cage ‗jaula de ferro‘ – (...) deixa de ser uma prisão de
ferro para ser, como no original, uma ―rija crosta de aço‖. (WEBER, 2004, p. 10).
21
―At the very least, most observers will agree that the Protestant Reformation played a destructive role (…), it
destroyed the system of Western Christendom and thus opened up the possibility for the emergence of something
new. By destroying the old organic system, it helped to liberate, perhaps unwittingly, the secular spheres from
religious control. At a higher level, Protestantism may be viewed not only as the corrosive solvent which made
room for the new but also as religious superstructure of the new order, as the religion of bourgeois modernity‖.
(CASANOVA, 1994, p. 21).
41

Embora no mundo atual haja sinais da vitalidade religiosa por toda parte que poderia em
princípio levar a uma negação total da teoria da secularização, há, por outro lado, sinais
empíricos do contrário, principalmente em países economicamente bem desenvolvidos, como
lembra Casanova.

O que permanece, portanto, como significante e irresistível evidência é o


progressivo e aparentemente contínuo declínio da religião na Europa ocidental. É
esta evidência que tem sempre servido como a base empírica para a maior parte das
teorias da secularização, e ninguém poderia descartar tal evidência facilmente.
Certamente, sociedades da Europa ocidental estão entre as mais modernas,
diferenciadas, industrializadas, e educadas no mundo. Não fosse pelo fato que a
religião não mostra sinais uniformes de declínio no Japão ou Estados Unidos, duas
sociedades igualmente modernas.22

Embora a tese do declínio da religião tem provado com o passar do tempo ser
problemática, é inegável uma tendência secularizante em certas sociedades, provocando
processos de diferenciação, privatização da religião e posterior desprivatização.
O processo de diferenciação seria o gradual afastamento da religião de outras esferas da
sociedade, como o estado, a economia e a ciência, estas passariam a pertencer exclusivamente
ao mundo secular enquanto a religião se encerraria em sua recém estabelecida esfera religiosa
(CASANOVA, 1994, p. 19), com fronteiras mais ou menos claras separando-a das outras
esferas.

1.2 Privatização e Desprivatização da Religião: o caso Brasileiro

Uma das consequências desta diferenciação seria a privatização da religião. Schluchter,


citado por Casanova (1994, p. 35), sintetiza em duas principais teses:

(1) (...) a secularização largamente cumprida significa que as crenças religiosas se


tornam subjetivas como um resultado do surgimento de interpretações
alternativas da vida, que em princípio não podem mais ser integradas numa
visão de mundo religiosa.
(2) Tão logo as instituições são afetadas, a secularização largamente cumprida
significa que a religião institucionalizada foi despolitizada como resultado de

22
―What remains, therefore, as significant and overwhelming evidence is the progressive and apparently still
continuing decline of religion in Western Europe. It is this evidence which has always served as the empirical
basis for most theories of secularization, and one should not discard it lightly. Indeed, Western European
societies are among the most modern, differentiated, industrialized, and educated societies in the world. Were it
not for the fact that religion shows no uniform sign of decline in Japan or the United States, two equally modern
societies‖.
42

uma diferenciação funcional da sociedade, que em princípio pode não ser mais
integrada através da religião institucionalizada.23

Seguindo neste raciocínio, as grandes instituições religiosas acabariam perdendo


importância levando os indivíduos a construir sua própria religião (CASANOVA, 1994, p.
36) a partir de elementos disponíveis no agora concorrido mercado religioso.
O caso brasileiro é sintomático desta tendência, onde não é raro pessoas públicas como
artistas, políticos e mesmo cidadãos comuns declararem ter um crença que em outras épocas
ou contextos seria considerada impossível. No mesmo indivíduo pode-se encontrar a adoração
por Nossa Senhora e a crença no espiritismo kardecista e o medo da ação de ―trabalhos de
feitiçaria‖. No Brasil, no nível da tradição, essa profusão de crenças não é excludente.
Casanova (1994, p. 5) traz à luz o processo inverso que ele chama de ―desprivatização‖
da religião.

Estamos testemunhando a ―desprivatização‖ da religião no mundo moderno.


Entendo por desprivatização o fato que tradições religiosas mundo afora estão se
recusando a aceitar o papel marginal e privatizado que as teorias da modernidade
bem como as teorias da secularização tinham reservado a elas. Movimentos sociais
têm surgido que são de natureza religiosa ou estão desafiando em nome da religião a
legitimidade e a autonomia das esferas seculares primárias, o estado e a economia de
mercado. Similarmente, instituições religiosas e organizações recusam-se a se
restringirem ao cuidado pastoral das almas individuais e continuam a trazer questões
sobre as interconexões da moralidade pública e privada e a desafiar as pretensões
dos subsistemas, particularmente estados e mercados, serem isentos de
considerações normativas estranhas. Um dos resultados desta contestação em curso
é um processo dual e inter-relacionado de repolitização das esferas privadas
religiosa e moral e renormativização das esferas da economia pública e da moral. 24

Por outro lado, talvez a privatização da religião nunca tenha acontecido com força no
Brasil, e seria temerário falar em repolitização da esfera religiosa no Brasil quando esta esteve
longe de ser despolitizada. Além disso, é inegável a revitalização da atuação política dos

23
(1) As far as the world views are concerned, largely completed secularization means that religious beliefs
have become subjective as a result of the rise of alternative interpretations of life, which in principle can no
longer be integrated into a religious world view. (2) As far as the institutions are concerned, largely completed
secularization means that institutionalized religion has been de-politicized as a result of a functional
differentiation of society, which in principle can no longer be integrated through institutionalized religion.
24
(…) we are witnessing the ―deprivatization‖ of religion in the modern world. By deprivatization I mean the
fact that religious traditions throughout the world are refusing to accept the marginal and privatized role which
theories of modernity as well as theories of secularization had reserved for them. Social movements have
appeared which either are religious in nature or are challenging in the name of religion the legitimacy and
autonomy of the primary secular spheres, the state and the market economy. Similarly, religious institutions and
organizations refuse to restrict themselves to the pastoral care of individual souls and continue to raise questions
about the interconnections of the private and public morality and to challenge the claims of the subsystems,
particularly states and markets, to be exempt from extraneous normative considerations. One of the results of this
ongoing contestation is a dual, interrelated process of repoliticization of the private religious and moral spheres
and renormativization of the public economic and political spheres.
43

grupos religiosos nas últimas décadas bem como o uso de valores religiosos nos debates
públicos sobre temas polêmicos.
O fenômeno da secularização não escapou à compreensão da IURD, que deu uma
interpretação própria aos problemas brasileiros e soube relaciona-los à suposta falta de
importância dada pela sociedade à religião bem como, ainda na década de 90, anuncia a
necessidade de envolver o sagrado nas outras esferas da sociedade brasileira.

O sistema econômico e social de nosso país piora a cada ano que passa. A
administração adotada pelos nossos governantes é elitista, contempla apenas uma
parte da sociedade, enquanto a imensa maioria do povo continua convivendo com as
mazelas de sempre, como a fome, o desemprego, o subemprego, a falta de cidadania
e a violência urbana, entre outras. Toda essa estrutura, se por um lado leva o homem
a refletir sobre Deus, a se preocupar com o seu lado espiritual, por outro favorece
também o fenômeno da secularização (CABRAL, 1996, p. 2A).

O texto de 1996 tenta demonstrar o perigo de uma sociedade secularizada e a


necessidade de ―devolver‖ esta sociedade para Deus. Ou seja, ao menos no nível do discurso,
a IURD não aponta apenas para a transformação do indivíduo, mas para a paulatina
transformação da sociedade através de sua ação religiosa e política. Por exemplo, em 28 de
junho de 2008 na ―Marcha para Jesus‖ em Florianópolis, o bispo e vereador iurdiano Alceu
Nieckarz estava em cima de um caminhão ―trio elétrico‖ com outras lideranças religiosas de
outras denominações e ao lhe ser dada a palavra ele bradou ―vamos conquistar esta cidade
para Jesus‖, logo à frente, a passeata passou em frente a uma das principais delegacias da
cidade, ele agradeceu a ajuda das autoridades e fizeram uma oração, todos ajoelhados,
pedindo o bem da cidade.

1.3 Campo e Mercado religioso brasileiro

Os estudos mais antigos sobre o pentecostalismo costumavam apontar como uma das
razões principais para a adesão ao pentecostalismo o desamparo social e espiritual. Hoje em
dia, o tema da felicidade plena está mais evidente especialmente dentre as igrejas pentecostais
mais recentes como a IURD, por exemplo. Esta igreja tem demonstrado um grande poder de
adaptação ao ―mercado religioso‖, conforme observa Berger (1985, p. 147), ―Durante a maior
parte da história humana, os estabelecimentos religiosos existiam como monopólios (...)
transformaram-se de monopólios em competitivas agências de mercado (...) Imediatamente a
questão de ―resultados‖ torna-se importante‖.
44

Em uma situação de mercado religioso, os ―resultados‖ aos quais Berger se refere são,
entre outras coisas, as possibilidades de haver alguma transformação concreta na vida dos
adeptos de determinado grupo religioso. Esta transformação pode ser uma melhora na vida
financeira, afetiva, ou mesmo uma possibilidade de cura que se apresenta ao adepto. Além
disso, a imensa concorrência no ―mercado‖ cristão, especialmente pentecostal, faz com que as
igrejas procurem adaptar-se a esse ―mercado‖, passando por um processo de secularização
juntamente com a sociedade na qual elas estão inseridas. Segundo Berger (1985, p. 157):

Na medida em que o mundo dos consumidores em questão é secularizado, suas


preferências (religiosas) refletirão isso. Isto é, eles preferirão produtos religiosos que
podem se coadunar com a consciência secularizada aos que não podem. (...) Mas na
medida em que a secularização é uma tendência global, os conteúdos religiosos
tendem de um modo geral a se modificar numa direção secularizante.

Esta tendência secularizante dos discursos religiosos como forma de sobrevivência no


―mercado‖ significa uma adaptação das doutrinas no sentido de torná-las mais permissivas,
quebrando antigas proibições, a IURD torna-se então uma igreja do tipo ―porta larga‖25, em
contraposição com igrejas do tipo ―porta estreita‖, como a Congregação Cristã e a Igreja Deus
é Amor.
A IURD e a IIGD apresentam algumas novidades dentro daquilo que Sanchis chama de
campo religioso brasileiro. Este autor mostra o campo religioso brasileiro como
essencialmente sincrético, no qual o indivíduo não se prende a uma única concepção religiosa:
―na sua procura de identidade, o sujeito é confrontado tanto com o pluralismo reinante na
sociedade quanto com o pluralismo interno às próprias organizações religiosas. Atravessadas
de correntes múltiplas, estas organizações não oferecem uma vitrine com um único produto.
Em consequência o indivíduo constrói a sua própria identidade religiosa‖ (SANCHIS, 1995,
p. 90). Sanchis (1995, p.96) lembra, então, do pluralismo religioso de uma maneira geral, mas
aponta também em uma direção fundamental para o estudo, o ―pluralismo interno às próprias
organizações religiosas‖, ou seja, a apropriação de elementos de outros grupos religiosos ―o
encontro de universos simbólicos diferentes, e que chamaremos de sincretismo: um processo
muito geral, que faz cada grupo se redefinir constantemente em função do encontro com o
Outro‖.

25
Usamos aqui o termo comum entre os pentecostais, entenda-se igreja ―porta estreita‖ como aquela cuja
doutrina é rígida e repleta de proibições, o termo é bíblico conforme aparece em Mateus 7:13 "Entrai pela porta
estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por
ela.", ou ainda em Lucas 13:24 "Porfiai por entrar pela porta estreita; porque eu vos digo que muitos procurarão
entrar, e não poderão.". Igreja do tipo ―porta larga‖ são as igrejas que não possuem normas tão rígidas, ou que
fazem ―vista grossa‖ para algumas transgressões de seus membros.
45

Voltando ao raciocínio de Berger (1985, p. 38), este autor considera a religião como um
dos elementos culturalmente criados pelo homem para dar plausibilidade ao ―mundo‖ que o
cerca, para dar sentido aos acontecimentos, sejam cotidianos ou históricos.
Berger (1985, p. 29) usa o termo ―mundo‖ não simplesmente no sentido físico, mas o
―mundo‖ sociologicamente criado como um empreendimento coletivo, e criado
individualmente por cada um. Em ambos os casos, Berger observa a necessidade desse
―mundo‖ ser plausível, entenda-se ―plausibilidade‖ como os elementos que dão sentido à vida
do indivíduo, ou seja, o meio social em que ele vive, seu emprego, familiares, amigos e sua
religião, sendo a religião normalmente o principal elemento a dar sentido ao seu ―mundo‖.
Berger entende que as mudanças bruscas ou tragédias podem abalar, no sujeito, a
plausibilidade desse ―mundo‖.
Na nossa análise, será extremamente necessário o entendimento do conceito de ―campo
religioso‖. Buscamos este conceito em Bourdieu.
Bourdieu (2003, p. 30) considera o campo religioso como um ―lócus‖ de disputa de
forças religiosas antagônicas operando ―por meio da lógica da inclusão e da exclusão‖. Outra
característica marcante do campo religioso segundo Bourdieu (2003, p. 59) é a presença de
um ―mercado de bens de salvação‖ onde as instituições disputam entre si o espaço do campo,
para tanto, a instituição ou grupo que concorre neste espaço tem de lançar mão de estratégias
de legitimação e perpetuação neste campo:

A gestão do depósito de capital religioso (ou sagrado), produto do trabalho religioso


acumulado, e o trabalho religioso necessário para garantir a perpetuação deste
capital garantindo a conservação ou a restauração do mercado simbólico em que o
primeiro se desenvolve, somente podem ser asseguradas por meio de um aparelho
de tipo burocrático que seja capaz, como por exemplo a Igreja, de exercer de modo
duradouro a ação contínua (ordinária) necessária para assegurar sua própria
reprodução ao reproduzir os produtores de bens de salvação e serviços religiosos, a
saber, o corpo de sacerdotes, e o mercado oferecido a estes bens, a saber, os leigos
(em oposição aos infiéis e aos heréticos) como consumidores dotados de um mínimo
de competência religiosa (habitus religioso) necessária para sentir a necessidade
específica de seus produtos.

Vendo pela ótica de um possível habitus religioso brasileiro, formado por elementos
fortemente presentes na cultura religiosa brasileira, como a existência de Deus; a ação de
espíritos, sejam eles de antepassados mortos ou de outra natureza; e a ação das forças do mal.
Todos estes elementos acabaram de alguma forma sendo combinados pela IURD e IIGD em
seus discursos. Embora elas não foram as primeiras, ao menos foram as que colocaram em
seus discursos com maior evidência, apresentando de certa forma uma novidade no campo
religioso brasileiro.
46

Bourdieu (2003, p. 58) também nos mostra elementos importantes que os grupos
religiosos devem fornecer para manter-se no mercado religioso:

O capital de autoridade propriamente religiosa de que dispõe uma instância religiosa


depende da força material e simbólica dos grupos ou classes que ela pode mobilizar
oferecendo-lhes bens e serviços capazes de satisfazer seus interesses religiosos,
sendo que a natureza destes bens e serviços depende, por sua vez, do capital de
autoridade religiosa de que dispõe levando-se em conta a mediação operada pela
posição da instância produtora na estrutura do campo religioso.

Estes ―bens e serviços‖ podem ser, no caso da IURD e da IIGD, a ―salvação‖, cura,
prosperidade e melhora na vida afetiva.
Chesnut (2003, p. 3) é mais incisivo em relação à ideia de mercado religioso, embora ele
próprio baseie-se em Berger, para ele, o processo de laicização dos estados latino-americanos
que ocorreu no final do século XIX e início do século XX e a gradual perda de influência do
catolicismo ao longo do século XX possibilitou um fortalecimento do pluralismo religioso e
da livre concorrência no mercado religioso.

No novo livre mercado da fé, os latino-americanos têm liberdade para escolher entre
as centenas de produtos religiosos que melhor se ajustam às suas necessidades
espirituais e materiais. Depois de quatro séculos de monopólio religioso no qual a
principal escolha para as classes populares era ou consumir o produto católico ou
não consumir religião alguma.26

Há algumas importantes ressalvas a fazer em relação à citação anterior. Primeiro, a


liberdade religiosa plena na América Latina ainda é algo relativamente recente; segundo, a
Igreja Católica ainda é bastante influente nas várias esferas da sociedade e não está inerte e na
defensiva.

1.4 Os pentecostais no mercado religioso brasileiro e o que eles têm para oferecer

Martin (1990, p. 52) nos aponta mudanças no sentido da ―autonomia e fragmentação‖,


graças à livre concorrência no mercado religioso, entretanto: ―a maior parte do mercado é
servida por cerca de uma dúzia de organizações maiores, em particular as Assembleias de

26
In the new free market of faith, Latin Americans are at liberty to choose among the hundreds of religious
products that best suit their spiritual and material needs. After four centuries of religious monopoly in which the
main choice for the popular classes was either to consume the Catholic product or not to consume any religion at
all.
47

Deus, mas o número de alternativas em oferta chegas às centenas‖ 27, vale lembrar que a obra
é de 1990 e a Igreja Universal, por exemplo, ainda não tinha alcançado a relevância atual.
Uma pesquisa de fôlego feita pelo Instituto de Estudos da Religião – ISER – também
aponta nesta direção. De acordo com a pesquisa feita em 1994 na região metropolitana da
cidade do Rio de Janeiro, de um total de 1332 pessoas pertencentes a igrejas protestantes;
históricas, renovadas e pentecostais, quase a metade estavam concentradas em duas
pentecostais; a Assembéia de Deus com 411 e a IURD com 218 (FERNANDES, 1998, p. 19).
Portanto, o campo religioso brasileiro é vasto, mas ao mesmo tempo algumas poucas
denominações se destacam, e o conjunto de elementos religiosos presentes nas instituições é
vasto e complexo, permitindo ao indivíduo construir a sua identidade religiosa.
Desenvolvendo um pouco mais esta ideia, percebemos que as instituições procuram muitas
vezes oferecer ―produtos‖ adaptados ao mercado, por exemplo, a IURD que reapropria-se de
crenças profundamente arraigadas na cultura brasileira ou a Bola de Neve, que adapta suas
pregações ao público mais jovem usando de linguagem adaptada a este público.
De acordo com Chesnut (2003, p. 5) uma das principais características das escolhas
religiosas que mais crescem na América Latina e Brasil (Renovação Carismática Católica,
Pentecostalismo e Religiões Afro) é o ―pneumacentrismo‖ (pneumacentrism), que na sua
definição:

Apesar de doutrinas e práticas distintas e que separam as três fés, o elemento


comum do pneumacentrismo as une em seus sucessos no livre mercado da fé.
Derivando da palavra grega para ―alma‖ ou ―espírito‖, pneumática é o ramo da
teologia Cristã que tem a ver com o Espírito Santo. Expandindo a definição além de
seus tradicionais limites cristãos, eu considero religião pneumática ser qualquer
organização baseada na fé que põe a comunicação direta com o Espírito (Santo) ou
espíritos no centro de seu sistema de crença. Assim tanto o pentecostalismo e a RCC
(Renovação Carismática Católica) são de ênfase pneumacêntrica.28

O mesmo autor defende a ideia de que o fim do monopólio religioso católico possibilitou
a expansão de outras igrejas e formas de religiosidade, muitas vezes absorvendo as ovelhas
―perdidas‖, ou até mesmo ―abandonadas‖. Este crescimento foi possível também, graças as
diversas transformações históricas pelas quais passou o Brasil ao longo do século XX, e neste

27
―(…) most of the 'market' is served by about a dozen major organizations, in particular the Assemblies of God,
but the number of alternatives on offer goes into hundreds‖ (MARTIN, 1990, p. 52).
28
Although distinct doctrines and practice separate the three faiths, the common element of pnuemacentrism
unites them in their success in the free market of faith. Deriving from the Greek word for "soul" or "spirit,"
pneumatics is the branch of Christian theology that is concerned with matters of the Holy Spirit Expanding the
definition beyond its traditional Christian boundaries, I consider pneumatic religion to be any faith-based
organization that puts direct communication with the Spirit or spirits at the center of its belief system. Thus both
Pentecostalism and the CCR are pneumacentric in that their emphasis.
48

ponto os autores mais ou menos concordam que o intenso crescimento urbano, as migrações e
o consequente êxodo rural, a marginalização e empobrecimento de boa parte da população e o
crescimento dos meios de comunicação de massa, facilitaram o crescimento pentecostal.
Sem querer reforçar antigos preconceitos em relação ao crescimento pentecostal dentro
das camadas mais empobrecidas da sociedade, não podemos desprezar o fato de que é
realmente neste substrato que algumas das igrejas pentecostais mais crescem (MACHADO,
1996, p. 44). Por exemplo, de acordo com a pesquisa do ISER, dentro do universo protestante
era a IURD que concentrava a maior porcentagem de membros da baixa renda
(FERNANDES, 1998, p. 24).
Portanto, em diversos momentos e diversos contextos no Brasil criaram-se situações que
provocaram mudanças bruscas nas vidas dos sujeitos envolvidos, ou seja, o que Berger (1985,
p. 29) chamaria de quebra na estrutura de plausibilidade:

A dificuldade de manter de pé um mundo se expressa psicologicamente na


dificuldade de manter esse mundo subjetivamente plausível. O mundo é construído
na consciência do indivíduo pela conversação com os que para ele são significativos
(como os pais, os mestres, os amigos). O mundo é mantido como realidade subjetiva
pela mesma espécie de conversação, seja com os mesmos interlocutores importantes
ou com outros novos (tais como cônjuges, amigos ou outras relações). Se essa
conversação é rompida (o cônjuge morre, os amigos desaparecem, ou a pessoa deixa
seu primeiro meio social) o mundo começa a vacilar, a perder sua plausibilidade
subjetiva.

O incrível crescimento pentecostal no Brasil e no mundo nas últimas décadas do século


XX indica que o pentecostalismo tem se mostrado uma alternativa religiosa que consegue se
adaptar bem ao processo de modernização que as sociedades vêm atravessando nos países
―em desenvolvimento‖ como o Brasil, e no nosso caso, ocorre um processo em que as igrejas
se adaptam à essas transformações da modernização e ao mesmo tempo manipulam o capital
simbólico religioso das crenças ancestrais brasileiras, conforme nos lembra Martin (1990, p.
122).

A razão básica para a expansão do Pentecostalismo, além de qualquer aura de


modernidade ou ajuda financeira externa, é sua capacidade de combinar um ―novo
homem‖ com uma antiga força de possessão e cura. É ao mesmo tempo a mais
recente expressão da Cristandade, e em contato com os cultos terapêuticos imersos
em uma religiosidade arcaica mundial.29

29
The basic reason for the expansion of Pentecostalism, quite apart from any aura of modernity or any external
financial help, is its capacity to combine a 'New Man' with an ancient strain of spirit possession and healing. It is
at once the most recent expression of Christianity, and in touch with the therapeutic cults embedded in a world-
wide 'archaic' religiosity.
49

O ―novo homem‖ (capacidade de transformação pessoal) da citação de Martin é aquele


que mudou sua ―estrutura de plausibilidade‖, mas não soltou totalmente as amarras que o
prendiam ao seu antigo mundo. Esse novo homem é inserido em um novo contexto moral e
social onde ele é cobrado pelas regras rígidas de algumas igrejas ou pelo grupo no qual ela
passa a se inserir. Mesmo em uma igreja mais liberal em seus usos e costumes, outras formas
de coerção ou ao menos persuasão acabam agindo. Por exemplo, ninguém proibirá de fato o
novo adepto de beber, mas o pastor persuadirá por meio de sua mensagem que beber é um
sinal de que a pessoa não está totalmente liberta, funcionando como uma forma de persuasão.
Estas mudanças representam de fato uma ruptura no antigo estilo de vida de um ex-católico
nominal, por exemplo, que não estava sujeito à forte persuasão ou controle eclesiástico, uma
vez que criou-se uma cultura de certa permissividade, além disso o comparecimento aos
cultos eram possivelmente escassos, como as estatísticas sugerem.
Apesar dos sinais de secularização, perda da influência do catolicismo e aparente
abandono ou perda de importância em pertencer a uma igreja, percebe-se no Brasil além da
religiosidade manifesta, uma forma latente. É possível enxergar estas formas de religiosidade
através de demonstrações públicas de artistas, de relatos individuais e da recorrente presença
do sagrado na mídia brasileira, bem como a boa recepção do público a esta presença. Por
exemplo, segundo os números oficiais do Censo IBGE de 2000 havia 2.262.401 pessoas que
se declararam espíritas. Em 2010, segundo a Folha de São Paulo, oito milhões de pessoas
assistiram os filmes de temática espírita ―Chico Xavier‖ e ―Nosso Lar‖ (SOUSA, 2010), um
número bastante expressivo para o cinema brasileiro. Sem falar que de tempos em tempos as
telenovelas fazem fortes referências ao Espiritismo e à Nossa Senhora dentre outros
elementos da religiosidade brasileira. Há casos emblemáticos como a novela ―A Padroeira‖ e
o estrondoso sucesso da novela ―A Viagem‖ transmitida em duas versões, uma pela extinta
Rede Tupi entre os anos de 1975 e 1977 e o remake pela Rede Globo em 1994 sendo
reprisada em 1997 e 2006. Como nos lembra Bruce (1990, p. 118):

Consequentemente, o principal impacto da TV é confirmatório. Se apresenta


imagens que se encaixam naquilo que as pessoas já acreditam, reforça tais pontos de
vista; se o que apresenta se choca, é ignorado ou explicado.
Em segundo, e em consequência do que foi dito, a mensagem da televisão somente
influencia o espectador simpatizante.30

30
Consequently, the main impact of television is confirmatory. If it presents which fit what people already
believe, it bolsters those views; if what it presents clashes, it is ignored or explained away. Second, and
following from that, television messages only influence the sympathetic viewer.
50

O que foi dito na situação anterior também se encaixa na programação da IURD, que
sempre reforça a crença na ação dos espíritos brasileiros.
Retomando a alegoria da ―crosta de aço‖ de Weber, no Brasil é como se tivéssemos um
processo inverso, uma ―crosta religiosa de aço‖, ou seja, apesar de todos os processos
históricos que houveram no Brasil e que poderiam ter enfraquecido a religiosidade das
pessoas, por exemplo a modernização e o crescimento econômico, ainda assim percebeu-se ao
longo do processo de produção da tese no contato com brasileiros de diversos estratos sociais
e de diferentes lugares uma forte religiosidade. Dentre os informantes brasileiros na Holanda,
por exemplo, ninguém se declarou ateu, mesmo os que há tempos não frequentavam cultos
ainda demonstravam respeito e simpatia por alguma denominação a qual tivessem pertencido.
A religiosidade torna-se um identificador do brasileiro inclusive na relação e em
contraposição à outras nacionalidades. Não era raro demonstrarem certo orgulho por se
considerarem mais religiosos que os holandeses nativos e mais civilizados que outros
imigrantes, especialmente os muçulmanos. A ―crosta religiosa de aço‖ do brasileiro parece
acompanhá-lo por toda vida e por todo lugar, mesmo fora do Brasil.
Portanto, as instituições mais bem sucedidas são as que conseguem melhor combinar os
elementos daquilo que Droogers (1987) chama de ―religiosidade mínima brasileira‖: um
conjunto de crenças que fazem parte da cultura brasileira e que são difundidas na mídia e na
cultura geral, como a crença na existência de Deus e na possibilidade de ação de espíritos.
51

CAPÍTULO II – ORIGEM E EXPANSÃO DO PENTECOSTALISMO

Neste capítulo pretende-se fazer uma breve retrospectiva histórica do surgimento do


pentecostalismo no mundo, na América Latina e no Brasil, colocando de forma breve alguns
elementos importantes de acordo com o contexto. Ao tratar do surgimento e desenvolvimento
do Pentecostalismo no Brasil, pretende-se mostrar alguns fatos e características relevantes
dentro de três períodos.

2.1 O Início

O termo pentecostalismo é uma alusão ao que é mencionado na Bíblia em Atos


capítulo 2, quando, no dia de pentecostes31 o Espírito Santo ―desceu sobre os discípulos‖ lhes
dando certos dons, como o de falar em línguas estranhas. Pentecostalismo costumava remeter
ao movimento religioso iniciado nos EUA no ano de 1906 na cidade de Los Angeles.
Muito se tem escrito a respeito da origem e dinâmica de expansão do pentecostalismo
mundo a fora. Parte da bibliografia brasileira (ROLIM, 1987, 1994; MARIANO, 1999) que
trata do assunto normalmente aponta o movimento surgido em 1906 na Rua Azusa32, em Los
Angeles nos EUA como o ponto inicial de surgimento e expansão do pentecostalismo.
Entretanto, outras leituras me levam a problematizar esta questão, e à luz destas leituras, o
evento ocorrido em Los Angeles, apesar de suma importância na história do pentecostalismo,
tem funcionado como uma espécie de mito fundador do mesmo, sendo que seu
desenvolvimento mundial é bem mais complexo do que uma simples irradiação daquilo que
ocorreu nos EUA. Além disso, Anderson (2004a) menciona que a primeira experiência
―recente‖ da glossolalia ocorreu em 1º de janeiro de 1901 após uma vigília, quando uma das
alunas da escola bíblica de Charles Parham falou em língua chinesa após este impor as mãos

31
―PENTECOSTES – (do grego he pentekoste [hemera], ―o 50º dia‖). Festa judeu-israelita da colheita. No
judaísmo a festa recebeu um motivo histórico, tornando-se o aniversário da outorga da lei a Moisés. (...) O
Pentecostes é mencionado mais freqüentemente no Novo Testamento do que no Antigo Testamento; recebe sua
importância na fé e na liturgia cristãs do evento relatado em At. 2, a descida do Espírito Santo sobre os
discípulos, o dom das línguas, o discurso de Pedro e a formação da primeira igreja cristã. Lc. faz de Pentecostes
―o nascimento da igreja universal‖ (Lohse). (...) Há, possivelmente, uma alusão à história da torre de Babel, na
qual a humanidade foi dividida pela diversidade de línguas. A unidade perdida é restaurada na Igreja, que fala
todas as línguas, mas é uma sociedade unificada‖ (MCKENZIE, 1983).
32
Na verdade, de acordo com Hollenweger (1988, p. 22), o ponto inicial foi em 9 de abril de 1906 na rua Bonnie
Brae nº 14, quando, num encontro de oração conduzido por William Seymour o ―fogo desceu‖ e o primeiro a
receber o batismo do Espírito Santo foi um garoto negro de oito anos de idade, aliás, o próprio Seymour e boa
parte da audiência eram negros.
52

sobre ela, sendo que outros vivenciaram a mesma experiência nos dias subsequentes (2004ª,
p. 34).
Porém, segundo Anderson (2004a, p.19; 2004b; 1997), há indícios das ―manifestações
do Espírito Santo‖ possivelmente pelo menos desde o século II da era Cristã, e estas
manifestações prosseguiram ao longo da história dentro da Igreja Católica ou das igrejas
protestantes, sendo normalmente suprimidas, inclusive durante a Idade Média, tendo tais
manifestações sido tratadas como bruxaria ou possessão demoníaca (2004a, p. 22).
As raízes do pentecostalismo moderno, de matriz norte-americana, ou seja, aquele que
se espalhou com mais influência pelo mundo teve origens no movimento revivalista ou de
santificação, tendo um de seus principais representantes, Charles Finney, relatando ―batismo
do Espírito Santo‖ ainda em 1821 em seu escritório de advocacia, em ―ondas e ondas de amor
líquido‖ 33.
Porém, é bastante comum, ao traçarem a genealogia de suas igrejas, os líderes ou
simples membros mencionarem que sua igreja, embora fundada no século XX, é a verdadeira
continuação da igreja primitiva, e por vezes a única verdadeira. Anderson ressalta uma
característica importante do pentecostalismo mundo afora em comparação com aquele que
vinha sendo considerado o clássico, segundo ele: ―‗o pentecostalismo‘ do tipo que existe nos
EUA é apenas uma parte do quadro total das muitas formas de ‗pentecostalismos‘, e os
tesouros escondidos destas histórias locais precisam ser descobertos‖ 34.
Não pretendo aqui mapear todo o desenvolvimento do pentecostalismo, o que
pretendemos destacar é que, a despeito da origem norte-americana, as manifestações do
pentecostalismo acabaram adquirindo vida própria dentro de cada contexto no qual se inseriu,
como pode ser percebido analisando-se a bibliografia que trata do pentecostalismo mundo
afora, embora permaneçam semelhanças, principalmente em certos aspectos doutrinais, são
bastante perceptíveis também as nuances de acordo com a realidade de cada país e de cada
momento histórico.

2.2 O Pentecostalismo e seu Surgimento na América Latina

33
―in waves and waves of liquid love.‖ (ANDERSON, 2004a, p. 28).
34
―‗Pentecostalism‘ that is made in the USA is only one part of the total picture of many forms
‗Pentecostalisms‘, and the hidden treasures of these local histories need to be discovered.‖ (ANDERSON, 2004a,
p. 170).
53

David Stoll (1990, p. 5) enquadra a chegada do pentecostalismo na América Latina


como a quarta onda de expansão do protestantismo pela América.
A expansão do pentecostalismo na América Latina se deu basicamente pela ação de
missionários norte-americanos ou estrangeiros treinados lá, como foi no caso das pioneiras
brasileiras, a Congregação Cristã e Assembléia de Deus.

A rápida expansão internacional do pentecostalismo se deu graças aos missionários


americanos em contato com o seu local de origem e à imigrantes nos EUA em
contato com seus países de origem e com compatriotas em outros lugares. Chile,
México e Brasil ilustram estas rotas. Em 1907, um missionário metodista no Chile,
informado da novidade por amigos nos EUA e em outros lugares começou a ensinar
a doutrina pentecostal. Seus seguidores foram expulsos da Igreja Metodista dois
anos depois e fundaram uma denominação que mais tarde tornou-se o maior grupo
protestante do Chile (FRESTON, 2003b, p. 1060).35

Processo semelhante aconteceu no Brasil, quando dois missionários de origem sueca


com passagem pelos EUA foram expulsos de uma Igreja Batista em Belém do Pará e
fundaram em 1911 a Assembléia de Deus, provavelmente ainda a maior igreja pentecostal do
Brasil
Apesar da origem e forte influência estrangeira no pentecostalismo latino-americano,
este têm se mostrado, principalmente nas últimas décadas, bastante adaptado às realidades
locais, ou seja, com a ―cara‖ do país onde se desenvolveu. Aliás, a respeito da influência
norte-americana, Stoll (1990, p. 11) chama a atenção para a ação missionária de grupos
evangélicos36 americanos direitistas, embora sem exagerar sobre a importância da influência
destes grupos na América Latina, além disso, ele lembra que fatores sociais e econômicos na
América Latina podem ter sido muito mais importantes na adesão da população à fé
evangélica.

Quando evangélicos dizem que o segredo da prosperidade norte-americana é a


herança protestante, muitos latino-americanos ficam dispostos a ouvir. As missões
estão bem conscientes da relação entre tensão social, os recursos à disposição deles
para aliviar esta tensão, e o interesse na religião. ―Não podemos falhar em
reconhecer o impacto deste sofrimento‖, um missionário observou – ―Nós oramos a
Deus para nos afastar deste tipo de estratégia de crescimento, mas quando a
tempestade se desenha no horizonte, devemos nos preparar para uma grande colheita
em tempos de sofrimento.‖ ―Uma possível conclusão,‖ um missionário resumiu
relutantemente, ao examinar os destroços da Nicarágua sandinista, ―se você quer

35
The rapid international expansion of pentecostalism was due to American missionaries in contact with home,
and immigrants in the US in contact with their homelands and with compatriots elsewhere. Chile, Mexico and
Brazil illustrate these routes. In 1907, a Methodist missionary in Chile, informed of the novelty by friends in the
States and elsewhere, began to teach pentecostal doctrine. His followers were expelled from the Methodist
Church two years later and founded a denomination which later became Chile's largest Protestant group.
36
Lembrando que o autor usa o termo evangélico em sentido mais amplo, e não apenas para se referir a
pentecostais.
54

crescimento da igreja, ore pela devastação política e econômica.‖ ―Quando há algum


tipo de trauma,‖ um outro missionário estrangeiro observou, ―é quando nós
precisamos nos apressar em oferecer ajuda‖.37

Sofrimento é sem dúvida uma palavra chave na expansão do fenômeno religioso na


América Latina. O Brasil pode ser um exemplo disto. Falar em crise no Brasil nas últimas
décadas, especialmente nas décadas de 80 e 90, é quase uma redundância. As diversas crises
financeiras e a hiperinflação dos anos 80 foram certamente alguns dos fatos mais marcantes
da história recente do Brasil, não deve ser coincidência que houve justamente nestas décadas
um ―boom‖ no crescimento da membresia e na visibilidade de algumas igrejas pentecostais.
As estatísticas e estimativas de crescimento do pentecostalismo na América Latina
costumam ser exageradas. Por exemplo, Barrett e Johnson (2004, p. 63) estimaram que em
2000 havia 141 milhões de ―pentecostais/carismáticos/neopentecostais‖ na América Latina,
sendo que a metade destes no Brasil, uma estimativa exagerada, mesmo para o ano de 2010.
Entretanto, é inegável a importância e o espaço que o pentecostalismo vem
adquirindo. Nem mesmo a forte herança católica na América Latina tem sido capaz de barrar
o avanço do movimento, como nos lembra Freston, ―a tradicional reivindicação católica de ser
uma parte essencial da identidade latino-americana tem perdido sua plausibilidade na medida
em que o pluralismo tem crescido e o protestantismo tem fincado raízes profundas‖
(FRESTON, 2001, p. 192).
Ainda, segundo Freston (2001, p. 194), as estimativas por volta do ano 2000 estariam
em torno de 10% da população da América Latina sendo protestante, cerca de 45 milhões de
pessoas, e dentro deste universo ele estimava entre 60% e 70% de pentecostais, em obra mais
recente (FRESTON, 2007b, p. 577), estimava para a América Latina um total de 12% (60
milhões) de protestantes, sendo 40 milhões de pentecostais.

2.3 O Pentecostalismo e seu Surgimento no Brasil

37
When evangelists say that the secret of North American prosperity is its Protestant heritage, many Latin
Americans are therefore willing to listen. The missions are well aware of the relation between social stress, the
resources at their disposal to alleviate it, and interest in their religion. "We cannot fail to recognize the impact of
this suffering," one missionary observed - "We pray that God will spare us from that kind of church growth
strategy, but as the clouds gather on the horizon, we must prepare ourselves for a great harvest in times of acute
suffering." "One possible conclusion," a Brethren in Christ missionary summed up reluctantly, surveying the
wreckage of Sandinista Nicaragua, "if you want church growth, pray for economic and political devastation."
"When there is any kind of trauma," an Overseas Crusades official stated, "that is when1 we need to rush
resources.
55

Da experiência inicial nos EUA no início do século XX é que surgem os primeiros


pregadores pentecostais que tornaram-se missionários pelo mundo, dando origem ao
pentecostalismo no Brasil, por meio das igrejas Congregação Cristã do Brasil (CCB ou CC) e
Assembléia de Deus (AD).
Esta fase inicial do surgimento e expansão do pentecostalismo no Brasil é geralmente
classificada como pentecostalismo clássico, porém, não há consenso entre os pesquisadores
brasileiros sobre a conceituação de possíveis diferentes fases do desenvolvimento do
pentecostalismo no Brasil depois das primeiras décadas. Freston (1999, p. 150) apresenta um
quadro de três possíveis tipologias do pentecostalismo de acordo com os autores Carlos
Rodrigues Brandão, Antônio Gouveia Mendonça e José Bittencourt Filho.

Bittencourt Mendonça Brandão


Classical Classical Mediating churches
versus versus versus
Autonomous Divine Healing Small local sects
Figura 6 – Tabela de classificação do pentecostalismo. Fonte: (FRESTON, 1999, p. 150).

Freston (1999, p. 150) considera tais distinções um tanto vagas por não reconhecerem
as nuances do campo pentecostal, ele próprio então propõe uma classificação baseada no que
considera três importantes momentos históricos na expansão do pentecostalismo que ele
chama de ―ondas‖ de expansão.

O pentecostalismo brasileiro pode ser compreendido como a história de três ondas


de implantação de igrejas. A primeira onda é a década de 1910, com a chegada
quase simultânea da Congregação Cristã (1910) e da Assembléia de Deus (1911).
Essas duas igrejas têm o campo para si durante 40 anos (...). A Congregação, após
grande êxito inicial, permanece mais acanhada, mas a Assembléia se expande
geograficamente nesse período como a Igreja protestante nacional por excelência
(FRESTON, 1994, p. 70).

O autor (FRESTON, 1994, p. 71) utiliza esta classificação levando em conta aspectos
geográficos e históricos da formação destas igrejas. Para ele, após a expansão inicial da
primeira onda, surge ainda uma segunda onda de expansão nos anos 50 e 60 com o
surgimento da Igreja Quadrangular em 1951, Brasil para Cristo em 1955 e Igreja Pentecostal
Deus é Amor em 1962, igrejas essencialmente paulistas. E por último, o que Freston classifica
de terceira onda, formada por igrejas essencialmente cariocas do final da década de 70 e início
da década de 80, com a Igreja Universal do Reino de Deus em 1977 e a Igreja internacional da
Graça de Deus em 1980. Para nosso estudo, trataremos o termo ―neopentecostal‖ como
56

sinônimo de ―terceira onda‖, embora em outros contextos o termo ―neopentecostal‖ carregue


sentidos diversos (FRESTON, 1999, p. 151).
Antes de tratarmos da IURD, trataremos brevemente da Congregação Cristã do Brasil
(CC), Assembléia de Deus (AD), Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ), O Brasil para
Cristo (BPC) e Igreja Pentecostal Deus é Amor (IPDA). A escolha destas igrejas se dá pelo
fato de as duas primeiras mencionadas serem a gênese do pentecostalismo no Brasil, tendo
forte influência na formação das seguintes, e as outras por terem uma influência mais direta
sobre a formação da IURD, além da relevância numérica delas dentro do pentecostalismo.
Conforme o censo do IBGE do ano 2000, estas igrejas juntas agremiam quase 87% do número
de pentecostais no Brasil38.
Tratando do campo religioso como o ―lócus‖ onde os seus componentes disputam,
concorrem e chegam sempre a um equilíbrio momentâneo, precário, observa Bourdieu (2003,
p. 57):

Em função de sua posição na estrutura da distribuição do capital de autoridade


propriamente religiosa, as diferentes instâncias religiosas, indivíduos ou instituições,
podem lançar mão do capital religioso na concorrência pelo monopólio da gestão de
bens de salvação e do exercício legítimo do poder religioso enquanto poder de
modificar em bases duradouras as representações e as práticas dos leigos (...). De
um lado este capital religioso depende do estado, em um dado momento do tempo,
da estrutura das relações objetivas entre a demanda religiosa (ou seja, os interesses
religiosos dos diferentes grupos ou classe de leigos) e a oferta religiosa (ou seja, os
serviços religiosos de tendência ortodoxa ou herética) que as diferentes instâncias
são compelidas a produzir e a oferecer em virtude de sua posição na estrutura das
relações de força religiosas(ou seja, em função de seu capital religioso) e, de outro
lado, este capital religioso determina tanto a natureza, a forma e a força das
estratégias que estas instâncias podem colocar a serviço da satisfação de seus
interesses religiosos.

Na primeira metade do século XX, a disputa pentecostal no interior do campo religioso


ainda não apresentava a intensidade da concorrência atual, uma vez que só havia duas igrejas
pentecostais atuando, a AD e a CC, e em regiões geográficas diferentes, e atendendo nichos
que não eram bem atendidos pelo catolicismo, portanto, no período inicial, embora já
houvessem perseguições religiosas à pentecostais, a disputa era mínima.

38
Segundo o Censo 2000, o número total de pessoas pertencentes a igrejas pentecostais é de 17.617.307, sendo
8.418.140 da Assembléia de Deus, 2.489.113 da Congregação Cristã, 1.318.805 da Igreja Quadrangular, 774.830
da Deus é Amor, 175.618 da Brasil para Cristo e finalmente 2.101.887 da IURD, totalizando 15.278.393
pessoas. (IBGE, 2003).
57

2.4 As Primeiras Igrejas Pentecostais no Brasil

2.4.1 A Congregação Cristã do Brasil

A Congregação Cristã do Brasil surgiu no contexto da cidade de São Paulo no ano de


1910, no bairro do Brás, bairro formado basicamente por imigrantes italianos. Fundada pelo
italiano Luís Francescon, que tinha um projeto: transmitir aos imigrantes italianos a
experiência pentecostal que ele adquiriu nos EUA (ROLIM, 1994, p. 48).
Após uma breve passagem pela Igreja Presbiteriana, Francescon com o auxílio de
outros dissidentes presbiterianos fundou a Congregação Cristã do Brasil e iniciou seu trabalho
de evangelização. Entretanto, o crescimento da Congregação Cristã do Brasil foi bastante
lento, ao menos em comparação com a sua contemporânea, a Assembléia de Deus. Para esta
lenta expansão da Congregação Cristã do Brasil em relação à Assembléia de Deus, Rolim
levanta algumas hipóteses.
Em primeiro lugar, o trabalho de evangelização era de certa forma bastante restrito,
feito de maneira direta, e não através de cultos em praça pública ou programas de rádio
(CAMPOS Jr., 1995, p. 20). Esta característica de proselitismo tímido não é tão eficaz quanto
o proselitismo de massa. Em segundo lugar, o discurso da Congregação Cristã não era
adequado ao meio e ao momento histórico no qual ela estava se instalando. O seu objetivo
principal eram os italianos empregados das fazendas de café e operários da região de São
Paulo. Ora, a classe de trabalhadores que a Congregação queria para formar seu ―rebanho‖ era
justamente a classe que mais resistia à evangelização. Segundo Rolim (1987, p. 51), foram os
imigrantes europeus foram que introduziram no Brasil as ideias de lutas sociais em prol da
melhora de condição de vida no contexto da industrialização. É nas primeiras décadas do
século XX que surgem, principalmente na zona urbana, as organizações dos trabalhadores tais
como sindicatos e até grupos anarquistas e comunistas. E de uma maneira geral, esses grupos
recomendavam aos seus adeptos o não envolvimento com religiões, inclusive a Católica, pois
as religiões, no ponto de vista das lideranças, levavam ao trabalhador aceitar a ordem
estabelecida que o desfavorecia, como uma vontade de Deus.
Essas informações são úteis para se entender a lógica de expansão do pentecostalismo
no Brasil pelo menos nas primeiras décadas do século XX, especialmente se fizermos uma
comparação com o próximo caso. A Igreja Assembléia de Deus.
58

2.4.2 A Assembléia de Deus

A Assembléia de Deus surgiu em Belém do Pará no ano de 1911, fundada pelos


missionários Gunnar Vingren e Daniel Berg, imigrantes suecos que tiveram sua evangelização
na Igreja Batista nos EUA e vieram como missionários dessa Igreja para o Brasil, ficando
hospedados em um templo Batista em Belém do Pará.
Esses missionários trouxeram novos hábitos para aqueles batistas. Agindo à margem
dos pastores locais, eles organizaram vigílias e cultos domésticos nas casas de alguns
membros em busca do ―batismo no Espírito Santo‖. Espalhou-se um boato em que em uma
dessas vigílias feitas pelos batistas, uma mulher ―falou em línguas estranhas‖, fato
considerado como a manifestação do batismo do Espírito Santo. Então o pastor que
coordenava os cultos na comunidade onde aconteceu o fato, travou um ―acalorado bate-boca‖,
durante um culto com os missionários suecos, resultando na expulsão destes.
O efeito da expulsão voltou-se de certa forma contra os próprios batistas, uma vez que
no momento da expulsão, vários membros da Igreja Batista seguiram os missionários
expulsos, formando o núcleo do que futuramente passou a se chamar Assembléia de Deus
(ROLIM, 1987, p. 35).
A expansão da Assembléia de Deus merece atenção especial, pois foi muito mais
rápida que a Congregação Cristã e teve uma dinâmica um pouco diferente. Geograficamente,
a Assembléia inicialmente se localizou nos bairros periféricos de Belém do Pará, e isto não foi
algo casual, há uma explicação lógica para isso. Para tanto devemos ter uma noção rápida de
como funcionava o catolicismo nessa época.
Primeiramente não podemos perder de vista que a maior parte daqueles que se
tornaram pentecostais, especialmente na Assembléia de Deus, não vieram das Igrejas
protestantes históricas, e sim da Igreja Católica (ROLIM, 1994, p. 19).
O catolicismo praticado pela população pobre da zona rural e da zona urbana de então,
era o catolicismo devocional, ou seja, não era o catolicismo de quem vai às missas todos os
domingos e conhece o padre. O catolicismo devocional é aquele de quem está, de certa forma,
marginalizado, longe dos centros urbanos, das Igrejas e dos padres, e para praticar a sua
religião prende-se a algo em que possa praticar sem ter que deslocar muito, ou depender de
um padre que raramente aparece, para fazer batizados e casamentos.
Portanto, o elemento principal ao qual o pobre se agarrava na sua prática de
catolicismo devocional era algo que fosse de certa forma palpável a ele e que lhe ajudasse a
resolver seus problemas imediatos: o Santo. Afinal, o homem pobre do campo ou da cidade
59

era esquecido por todos, inclusive pela Igreja. Então, este ser totalmente marginalizado pelo
poder público e pela Igreja, quando tinha um problema de qualquer ordem, rezava ao seu
santo de devoção, ia às procissões e novenas em homenagem a seu santo, pagava as
promessas, e quase tudo à margem do ―catolicismo oficial aburguesado‖ (ROLIM, 1994, p.
17). Entretanto, o distanciamento entre o catolicismo oficial e os pobres não é suficiente para
explicar a rápida adesão que a Assembléia de Deus teve no norte do Brasil, partindo da
periferia de Belém do Pará, outros elementos importantes devem ser assinalados. Um desses
elementos, por exemplo, segundo Rolim, é a ―frieza‖ da missa católica. Pode parecer um
detalhe insignificante, mas não é. Estamos falando de um tipo de missa do início do século
XX, em que os padres ainda a celebravam em latim, virados de costas para o público. Essa
frieza triste não estimulava alguém da zona rural ou mesmo da periferia urbana a caminhar
horas para assistir esse tipo de culto.
Além da frieza do culto em si, o distanciamento que acontecia entre as pessoas antes,
durante e depois da missa era desanimador. Havia dentro do espaço físico da Igreja uma
divisão de classes. Ao final do culto, o padre acabava dando atenção apenas às famílias
proeminentes, desprezando os pobres. Tudo isso reforçava a característica devocional
doméstica entre as classes mais pobres, que se tornou o terreno preferido para o crescimento
da Assembléia de Deus e das outras Igrejas pentecostais que se seguiram. Enfim, na Igreja
Católica o fiel não tinha a liberdade que ele posteriormente encontraria nas Igrejas
pentecostais. Ao chegar em um templo pentecostal, por exemplo, o membro ou mesmo um
visitante era cumprimentado calorosamente, inclusive por estranhos. O tipo de culto
pentecostal, onde cada um podia (e ainda pode em muitas igrejas) fazer a oração ao seu modo,
com o tom de voz e as palavras que quiser, inclusive gritando bem alto39, vai de encontro à
organização excessiva com uma hierarquia bem organizada dentro do culto, típico do
protestantismo histórico e da Igreja Católica, o frequentador não tinha participação tão
destacada como nas Igrejas pentecostais, onde ele podia desenvolver um papel mais relevante
no culto.
É claro que entrar para uma Igreja pentecostal nessas décadas inicias do século XX
não era algo realmente fácil. O preconceito era muito grande chegando ao ponto mesmo de
evangélicos terem dificuldades para conseguir emprego além de certos tipos de perseguições
por parte da Igreja Católica (ROLIM, 1994, p. 33). Entretanto para muitas pessoas
desamparadas, apesar dos reveses, uma Igreja do tipo da Assembléia de Deus era

39
Observamos isso pessoalmente nos cultos da Igreja Pentecostal Deus é Amor. N/A.
60

praticamente irresistível. Uma Igreja onde o membro, mesmo sendo ignorante e analfabeto,
poderia pregar e talvez até chegar a ser um pastor, ou ainda para aqueles que sabiam ler,
mesmo que precariamente, finalmente teriam contato direto com a palavra de Deus (Bíblia),
pois isso sempre foi bastante incentivado pelas Igrejas pentecostais.
Portanto, percebe-se que o sucesso da Assembléia de Deus sobre a grande massa de
devotos pobres católicos no norte e nordeste do Brasil se deve, principalmente, ao fato da
Assembléia procurar conquistar seus espaços dentro das lacunas e dos anseios não atendidos
pelo catolicismo, não fazendo, portanto, um confronto direto com a Igreja Católica.

2.5 A Segunda Onda de Expansão Pentecostal

Após as décadas iniciais do pentecostalismo no Brasil com um forte crescimento da


AD, começa então a segunda onda de expansão pentecostal nos anos 50 e 60. Destacando-se
em princípio a Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ)40, vinda dos EUA onde se chamava
International Church of The Four-Square Gospel. Iniciada nos anos 20 por uma mulher,
Aimee Semple McPherson, ela ―atravessou os Estados Unidos de carro, lotando auditórios
para sessões de cura divina‖ (FRESTON, 1994, p. 111). Estas características do início da
Igreja Quadrangular serão seu diferencial no pentecostalismo brasileiro, por trazer elementos
de proselitismo até então desconhecidos por aqui, tais como: a pregação em tendas itinerantes
com promoção de ―curas milagrosas‖, além do intenso uso do rádio.
Outra igreja importante da segunda onda foi a Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil
para Cristo (IBPC) por ter trazido algumas inovações que permanecerão na terceira onda, ―foi
a primeira a ter fundador brasileiro, a eleger políticos e a relacionar-se com entidades
ecumênicas‖ (FRESTON, 1994, p. 117). O fundador Manoel de Mello, ex-operário
nordestino, fez parte da Cruzada Nacional de Evangelização (futura Quadrangular) e pegou a
fase de pregação em tendas, antes de fundar a IBPC. Seu fundador tinha pretensões de tornar
a instituição mundial, em suas palavras: ―Roma deu ao mundo a idolatria; a Rússia, os
terrores do comunismo; os EUA, o demônio do capitalismo; nós brasileiros, nação pobre,
daremos ao mundo o Evangelho‖ (HOLLENWEGER, 1972, p. 101.).
A terceira igreja da segunda onda de expansão enumerada por Freston é a Igreja
Pentecostal Deus é amor (IPDA). Fundada em 1962 pelo missionário David Martins Miranda,

40
O nome se refere a quatro qualidades de Cristo: Salvador, Batizador no Espírito Santo, Médico e Rei que
voltará, ou seja: salvação, experiência carismática, cura divina e expectativa do advento (FRESTON, 1994, p.
110).
61

que até hoje controla a igreja com pulso firme dando a ela uma forte característica
personalista, mantendo o controle nacional e o controle dos principais estados nas próprias
mãos e de seus familiares (esposa, filhos, filhas e genros) (MEDEIROS, 2002). Pela
característica extremamente antiecumênica e isolacionista em relação a outras igrejas,
pentecostais ou não, e mesmo pelo seu forte personalismo, a IPDA não teve um crescimento
tão vertiginoso quanto outras pentecostais, mas sua relevância reside no fato dela se manter
com as características conservadoras dos primeiros tempos do pentecostalismo e ao mesmo
tempo difundiu inovações que foram muito absorvidas pelas igrejas da terceira onda, como a
IURD:

Vários elementos são antecipações da IURD: as obreiras uniformizadas, os


exorcismos na frente, as entrevistas com os demônios, o grito de ―queima‖ para
fazer o demônio sair de sua morada... Mas é uma versão amadora, pobre e
culturalmente ultrapassada. A IPDA antecipa a Universal no combate frontal à
Umbanda e na recuperação de elementos católicos como a prática de benzer e ungir
objetos. Outra inovação são as correntes, equivalentes às novenas: a pessoa vai na
igreja em jejum por sete sábados (ou terças, etc.) em favor de uma determinada
intenção (vencer um vício, conseguir emprego) (FRESTON, 1994, p. 128).

2.6 A IURD e a IIGD

O berço da IURD e IIGD foi a Igreja de Nova Vida, fundada pelo canadense Robert
McAlister. A Nova Vida foi fundamental para a formação da ―terceira onda‖ pentecostal, pois
foi ―pioneira de um carismatismo de classe média‖ (FRESTON, 1994, p. 132). e serviu como
uma espécie de estágio para os líderes da terceira onda, pois tanto Edir Macedo (líder da
IURD) e R. R. Soares (líder da IIGD) foram membros lá, e foi nessa igreja que buscaram um
modelo de igreja ―mais culturalmente solto‖ (FRESTON, 1994, p. 133).
A IURD foi fundada no ano de 1977 por Edir Macedo e pelo missionário Romildo
Ribeiro Soares e começo a se expandir de fato a partir de 1981 (FRESTON, 1998, p. 9), no
ano seguinte ao rompimento entre Macedo e Soares, quando o segundo sai e funda a IIGD. O
crescimento da IURD segue a tendência das religiões pentecostais nas últimas décadas,
conforme observa Freston (1998, p. 15):

O crescimento numérico da religião evangélica vem acompanhado de uma


penetração cada vez maior de espaços sociais, seja pelo proselitismo direcionado (a
atletas, artistas, empresários, presidiários etc.), seja pelo cacife corporativo que
passa a ser exercido (na política e na mídia) pelas grandes seitas populares cada vez
mais conscientes da sua força na sociedade.
62

A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) está inserida no fenômeno que Freston
(1994, p. 70) chama de ―terceira onda‖ pentecostal, o período final da década de 70 quando
surgem a IURD em 1977 e a Igreja Internacional da Graça de Deus e m 1980. A primeira
vista a IURD parece seguir a mesma lógica da maioria das igrejas pentecostais: surge como
uma pequena igreja em torno de um líder carismático e a partir deste pequeno núcleo
lentamente vai se expandindo. Entretanto a IURD possui algumas especificidades que
merecem nossa atenção. As diferenciações da Igreja Universal em relação às outras vão,
desde seus aspectos estruturais passando, por seus membros e frequentadores, sua liderança e
principalmente suas estratégias.
Comecemos pela liderança. O Bispo Edir Macedo Bezerra, conhecido como Bispo Edir
Macedo ou simplesmente Bispo Macedo. Nascido em 1945, era relativamente jovem quando
fundou a IURD (tinha 32 anos de idade) e, diferente de muitos outros fundadores de igrejas
pentecostais que até se orgulham da pouca instrução formal, Macedo faz questão de divulgar
diversos títulos acadêmicos (MACEDO, 2008) um tanto obscuros. De acordo com seu website
pessoal ele ―é graduado em Teologia, pela Faculdade Evangélica de Teologia "Seminário
Unido", e pela Faculdade de Educação Teológica no Estado de São Paulo (FATEBOM). Fez
doutorado em Teologia, Filosofia Cristã e Honoris Causa em Divindade. Na FATEBOM
(2008) pagam-se R$2000 na obtenção de cada um destes títulos, além disso, os cursos são a
distância e não são reconhecidos pelo MEC, além do mestrado em Ciências Teológicas na
Federación Evangélica Española de Entidades Religiosas "F.E.E.D.E.R"41 (Madri – Espanha)
(MACEDO, 2008). (bacharel em Teologia, doutor em Teologia Cristã, doutor em Filosofia
Cristã, etc.). Portanto, de acordo com as informações obtidas, e a ausência destas, a vida
acadêmica de Macedo parece principalmente baseada em títulos honoríficos de origem um
tanto nebulosa ao invés de uma sólida formação acadêmica. Ele também assina dezenas de
livros publicados pela instituição através das empresas Gráfica Universal e Universal
Produções. Todo esse suposto preparo contrasta com certa falta de preparo por parte de outras
lideranças, como é o caso do líder mundial da Igreja Pentecostal Deus é Amor, Missionário
David Miranda que publicou apenas um livro (MIRANDA, D., 1992) e em condições
precárias, inclusive com erros de ortografia.
Enquanto muitas lideranças pentecostais procuram manter suas igrejas extremamente
―presas‖ a si, dificultando o crescimento, Macedo conseguiu delegar poderes a outros bispos
da IURD tornando-a um poderoso conglomerado de empresas sem, entretanto, deixar de

41
Não foi possível encontrar referências na internet sobre esta instituição, as únicas menções estão relacionadas
ao nome de Edir Macedo.
63

figurar como o grande líder da igreja. Percebe-se, aliás, que o forte poder de organização da
instituição faz com que se chegue ao extremo dos pastores imitarem a forma de falar do bispo
Macedo42.
A segunda instituição objeto da nossa pesquisa, a Igreja Internacional da Graça de Deus
foi fundada em 1980 pelo missionário Romildo Ribeiro Soares, após um cisma na IURD, da
qual também foi um dos fundadores e se desligou após desentendimentos com Edir Macedo:

A partir daí, passaram a ter problemas de convivência. ―O Macedo achava que a


evangelização tinha de ser feita e maneira agressiva. Eu sou uma pessoa mais
branda‖, conta Soares. Houve então uma disputa pelo poder. Nos primeiros anos da
Igreja (Universal), o missionário era seu principal líder. Mas quando Macedo
ganhou um programa numa rádio, conquistou também a admiração de alguns
integrantes e enfraqueceu Soares. A saída para o embate foi a realização de uma
votação para escolher quem ficaria na Universal. Macedo venceu (COHEN;
CARDOSO, 2003, p.46).

Assim como Macedo é o grande líder da Universal, Soares é da Igreja da Graça, embora
haja uma diferença entre ambos na forma de conduzir as suas respectivas instituições, pois
Soares é considerado mais centralizador que Macedo (COHEN; CARDOSO, 2003, p.47) e
sua Igreja não tem a mesma envergadura que a IURD.
O crescimento de ambas as instituições está atrelado ao fato de sua forte inserção na
mídia eletrônica. R.R. Soares, por exemplo, relembra de seu passado e de uma espécie de
profecia para explicar sua ligação com a TV:

No primeiro dia de novembro de 1977, iniciou-se, pela rede Tupi de Televisão o


maior ministério de evangelismo pela televisão brasileira. Nesse dia, cumpriu-se um
desejo que há muitos anos, mais precisamente em 1958, surgiu no coração do garoto
Romildo, então com 11 anos. Romildo Ribeiro Soares foi criado na pequena cidade
de Muniz Freire, no Espírito Santo. Um dia, ele teve a oportunidade de conhecer
uma cidade vizinha, Cachoeiro do Itapemirim e, na praça Jerônimo Monteiro, viu
pela primeira vez em sua vida um aparelho de televisão, exposto numa loja.
Romildo notou que todos os que estavam ali ficaram fascinados com o que
acontecia na tela e, naquele momento, dentro do seu coração, pronunciou um voto
ao Senhor: ―Não tem ninguém falando do Senhor nesse aparelho. Ah, Senhor, se o
Senhor me der condições, um dia eu estarei aí, falando só do Senhor‖
(MINISTÉRIO R. R. SOARES, 2004).

A influência de tele evangelistas norte-americanos, alinhados com a Teologia da


Prosperidade, é evidente e assumida. Isto é facilmente observável pela grande quantidade de
livros destes evangelistas disponível nas livrarias da Igreja da Graça, destacando-se T. L.

42
Este fato pôde ser verificado in loco nas visitas feitas aos templos centrais em Florianópolis, São Paulo (sede
nacional), sede do Rio Grande do Norte em Natal e a sede do Rio Grande do Sul em Porto Alegre, mesmo os
timbres de voz dos tecladistas que acompanham os cultos nestes diversos lugares também eram bem
semelhantes.
64

Osborn e a família Hagin, Kenneth E. Hagin e Kenneth E. Hagin Jr. A importância destes
autores é reconhecida pela própria igreja, de acordo com seu site oficial:

Em abril de 1964, o jovem Romildo Ribeiro Soares chegou ao Rio de Janeiro e, em


1968, começou verdadeiramente o início da vida espiritual de R. R. Soares.
Após ler o livro de T. L. Osborn, intitulado ―Curai os enfermos, expulsai os
demônios‖, ele sentiu o impulso para o ministério (...) Em 02 de dezembro de 1984,
após ler o livro de Kenneth Hagin, O Nome de Jesus, a Igreja da Graça começou a
pôr em prática a Determinação, e a partir daí, foram bênçãos atrás de bênçãos. Mas
não era o suficiente, pois o sonho era levar Jesus para o Horário nobre
(MINISTÉRIO R. R. SOARES, 2004).

Apesar de toda esta importância dada aos cultos televisionados, a vivência cotidiana da
Igreja da Graça conserva uma das características mais caras às igrejas pentecostais que é o
exercício da leitura das sagradas escrituras. Certamente não é nenhuma novidade no meio
pentecostal, mas não deixa de ser uma característica interessante se compararmos com a
IURD. Em todos os cultos que presenciei na sede estadual em Florianópolis, a maioria das
pessoas, senão todas, estavam cada um com sua bíblia, a maioria eram bíblias com a capa
personalizada da Igreja. E normalmente em pelo menos em um momento do culto o pastor faz
uma leitura de um trecho curto acompanhado por todos, e explica este trecho dando sua
interpretação, semelhante ao que o missionário R.R. Soares faz no programa Show da Fé. Na
IURD, por outro lado, há cultos em que a bíblia não é aberta nenhuma vez (ao menos pelos
frequentadores), e nem todos trazem a bíblia.
65

CAPÍTULO III – O DISCURSO DAS IGREJAS

Nesta parte da tese discutiremos os principais aspectos do discurso das igrejas a partir de
alguns grandes temas que acabam se intercalando. A conversão à igreja, a salvação, a
conquista de bens materiais, a harmonia familiar e a saúde em seus vários aspectos.
Cruzaremos informações obtidas através da observação participante nos cultos, livros,
conversas com frequentadores dentre outras fontes produzidas pela igreja. Nos capítulos que
tratam da presença de brasileiros na Holanda alguns destes temas serão retomados e
relacionados com as especificidades que eles adquirem com a presença dos brasileiros no
exterior.

3.1 A análise de discurso como ferramenta

A análise do discurso é uma das nossas principais ferramentas para tentar compreender
as estratégias das igrejas, uma vez que a análise de discurso permite-nos ao menos ―uma
relação menos ingênua com a linguagem‖, para Orlandi (2001, p. 9):

A Análise de Discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata
da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a
palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de
correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de
linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando.

Estas igrejas, por serem instituições religiosas, veiculam o típico discurso religioso. Para
esta autora (1987a, p. 15), o discurso religioso é essencialmente autoritário, pois não faz
abertura para contestações e estabelece uma relação de dominação entre Deus e os sujeitos
que o seguem. Como em todo discurso autoritário, no discurso religioso, o referente ―está
ausente, oculto pelo dizer‖. Assim vamos partir da caracterização da assimetria entre locutor e
ouvinte no discurso religioso segundo Orlandi (1987a, p. 15):

(...) locutor e ouvinte pertencem a duas ordens de mundo totalmente diferentes e


afetadas por um valor hierárquico, por uma desigualdade em sua relação: o mundo
espiritual domina o temporal. O locutor é Deus, logo, de acordo com a crença,
imortal, eterno, infalível, infinito e todo poderoso; os ouvintes são humanos, logo,
mortais, efêmeros falíveis, finitos, dotados de poder relativo. Na desigualdade, Deus
domina os homens.

Se ―o locutor é Deus‖, ou seja, se o pastor fala a ―em nome de Deus‖, o que ele diz não
pode ser contestado.
66

Percebi aqui alguns detalhes importantes em relação ao discurso religioso: sua


interpretação, reelaboração e transmissão.
Foucault (1996, p. 24) nos chama a atenção para a possibilidade de um discurso poder
gerar inúmeros outros novos discursos, como no caso de nosso estudo, o discurso bíblico
poder gerar inúmeros outros a partir da exegese de cada igreja que emprega o texto bíblico
conforme lhe interessa.

Por ora, gostaria de me limitar a indicar que, no que se chama globalmente um


comentário, o desnível entre texto primeiro e texto segundo desempenha dois papéis
que são solidários. Por um lado permite construir (e indefinidamente) novos
discursos: o fato de o texto primeiro pairar acima, sua permanência, seu estatuto de
discurso sempre reatualizável, o sentido múltiplo ou oculto de que passa por ser
detentor, a reticência e a riqueza essenciais que lhe atribuímos, tudo isso funda uma
possibilidade aberta de falar.

Detecta-se nestas igrejas, como é comum nas igrejas cristãs, uma diferenciação no acesso
aos diferentes níveis do discurso, como observa Foucault (1996, p. 37) ―nem todas as regiões
do discurso são igualmente abertas e penetráveis; algumas são altamente proibidas
(diferenciadas e diferenciantes), enquanto outras parecem quase abertas a todos os ventos e
postas, sem restrição prévia, à disposição de cada sujeito que fala‖. Esta diferenciação começa
pela própria produção do discurso que cabe principalmente aos ―intelectuais‖ das igrejas, que
são consequentemente seus principais pastores. Há pouca literatura disponível de autores não
iurdianos, com exceção de autores estrangeiros que são muito valorizados pelas igrejas.43
Esta diferenciação no acesso ao discurso nem sempre é necessariamente imposta.
Percebe-se no discurso escrito um maior refinamento do que naquele falado nos cultos.
Embora não haja incoerência entre ambos, é possível saber que nem todos têm acesso ao
discurso escrito, isto é facilmente perceptível ao compararmos a tiragem das obras com os
números oficiais do Censo. Ou seja, não é por uma imposição da igreja que um certo tipo de
discurso não é tão acessível quanto outros, mas sim pelo veículo de difusão escolhido e pela
procura dos receptores deste discurso. É certo que nada é ingênuo nesta relação, nas
transmissões de cultos e programas televisivos, evita-se as argumentações polêmicas em
relação ao dinheiro, estas argumentações acontecem mais nos livros e nos cultos, locais mais
apropriados para estas argumentações.

43
Estas impressões foram colhidas por visitas do autor nas sedes estaduais de ambas instituições e visitas em
sites de Internet das mesmas. Na IURD predomina os livros escritos pelos seus pastores, principalmente o bispo
Macedo, enquanto na IIGD é muito forte a presença de obras de evangelistas americanos renomados, como
Kenneth E. Hagin.
67

Mas o ponto alto da difusão discursiva da IURD e da IIGD ainda é o culto, nas diversas
observações feitas nos cultos pela televisão ou in loco percebe-se uma forte coesão no
discurso dos pastores, e comentários que demonstram que ao menos eles tem um acesso maior
ao discurso produzido pela liderança e estão bem preparados. A eficácia do culto reside no
fato de a maior parte das pessoas presentes comungarem das mesmas crenças. É o culto, ou
ritual, o ápice da transmissão do discurso religioso.

(...) o ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam (e que,
no jogo do diálogo, da interrogação, da recitação, devem ocupar determinada
posição e formular determinado tipo de enunciados); define os gestos, os
comportamentos, as circunstâncias, e todo o conjunto de signos que devem
acompanhar o discurso; fixa, enfim, a eficácia suposta ou imposta das palavras, seu
efeito sobre aqueles aos quais se dirigem, os limites de seu valor de coerção. Os
discursos religiosos, judiciários, terapêuticos e, em parte também, políticos não
podem ser dissociados dessa prática de um ritual que determina para os sujeitos que
falam, ao mesmo tempo, propriedades singulares e papéis preestabelecidos
(FOUCAULT, 1996, p. 39)

Todas as características discursivas anteriormente mencionadas são subjacentes à


maioria das religiões, especialmente às cristãs pelo fato da ―palavra de Deus‖ estar presente
através da Bíblia, basta observarmos que a justificação principal das normas dentro das igrejas
pentecostais é sempre algum, ou vários versículos bíblicos.
Portanto, não há uma total submissão do homem perante o discurso divino, há espaço
para manobra e manipulação do discurso através da interpretação e da construção do discurso
religioso de cada instituição.

Essa é, então, uma questão relevante: como o homem fala no dizer que ele coloca na
voz de Deus? A religião, sendo vista enquanto discurso, leva a apreender um dos
lugares de sua constituição: o discurso religioso como a territorialização da
espiritualidade do homem. É onde ele a constrói (ORLANDI, 1987b, p. 8).

Para que esta construção aconteça tem de haver a intertextualidade, a qual segundo Dias
(1987, p. 49)é a ―relação de um discurso com outros discursos – referida à assimetria entre os
planos espiritual e temporal forma uma condição característica do discurso religioso‖. Além
disso, no processo de construção do discurso percebe-se a influência dos múltiplos sentidos
que uma mesma situação pode ter para os sujeitos (ORLANDI, 2007, p.21), cabendo aos
produtores do discurso dar o sentido mais conveniente, conforme veremos mais adiante no
capítulo que trata das questões éticas sobre a imigração ilegal. Não podemos desprezar,
portanto, o elemento ―concorrência‖ presente no mercado religioso como fator influente na
produção do discurso. O discurso tem de agradar, mas não só a curto e médio prazo.
68

Uma modalidade importantíssima de difusão do discurso das igrejas pentecostais em


geral que não pode ser jamais subestimada é o testemunho.
Os testemunhos, prática muito comum nas igrejas pentecostais, são momentos durante
um culto ou em um programa de rádio ou televisão em que um fiel faz um breve relato de sua
vida, uma espécie de autobiografia ressaltando a sua própria história de vida no ―antes‖ e
―depois‖ da conversão à alguma igreja. O testemunho pode ser considerado também a
―palavra de Deus‖, como nos lembra Corrêa (1989, p. 94).

O interdiscurso (bíblico), ao constituir o intradiscurso (testemunho), presentifica o


já-dito, dando a sensação de que é um sempre já-dito. Como uma das consequências
desse fato, temos a colocação do dizer do testemunho no escopo de um dizer eterno,
sem limite temporal, o que o desloca do cotidiano.

Portanto o testemunho é o momento em que o crente, seja ele uma personalidade


importante da igreja ou um membro desta, traz a tona uma prova viva e atualizada da eficácia
da palavra da de Deus e da competência de determinada igreja em tornar esta palavra
operante, ou seja, produzir resultados concretos. Segundo Corrêa (1989, p. 94), ―O
testemunho, do ponto de vista institucional, isto é, do ponto de vista da Igreja, é sempre a
afirmação pública da fé, mediante prova de eficiência divina, com a função de difundir a
crença no poder divino‖.

Na formação discursiva de certas religiões retoma-se a função da exemplaridade


presente no texto bíblico nos termos da evangelização atual. Sendo assim, a
exemplaridade a nível do sagrado – no texto bíblico – adquire um papel fundamental
nessas religiões, na medida em que funciona como um modelo que se reflete nos
exemplos atuais, vivificados nos fiéis (em seus testemunhos). Caracteriza-se, assim,
a exemplaridade a nível do profano em sua dupla função: (a) a de remeter o
benefício recebido imediatamente à divindade onipresente; (b) a de fazer intervir o
modelo bíblico, enquanto memória divina, certamente melhor ―guardado‖ pela
instituição religiosa a que pertence a testemunha (CORRÊA, 1987, p. 53).

Ou seja, é um momento em que o crente pode assumir um papel ativo de protagonista na


difusão do discurso, mas não na produção deste.
O testemunho durante o culto se dá normalmente com o pastor passando a palavra a um
membro da igreja que é chamado até o púlpito e se dirige à todos, geralmente segue um
dinâmica de perguntas e respostas, pelas quais o pastor conduz a entrevista fazendo perguntas
temáticas, sobre diversos aspectos da vida da pessoa. Normalmente encontramos na narrativa
dos testemunhos uma lógica do ―antes‖ e ―depois‖.
As características mostradas na fase ―antes‖ normalmente são: depressão, desemprego,
crise nos negócios, pobreza, perda de bens, doenças graves, desestruturação familiar. Em
69

contrapartida, após a conversão, são mostrados os opostos: ao invés da depressão as pessoas


afirmam tornarem-se alegres e esperançosas, aqueles que estavam desempregados conseguem
um bom emprego ou até tornam-se empresários. Os que enfrentavam problemas nos negócios
recuperam-se e seus negócios multiplicam-se, acaba-se a pobreza, recuperam-se os bens e
consegue-se ainda mais. As curas, que são características marcantes das igrejas pentecostais
também aparecem em abundância na IURD e na IIGD e são algumas das ―graças alcançadas‖
em consequência do pertencimento à igreja. As famílias se reestruturam ou se formam novas e
felizes famílias. A ―ordem‖ vence a ―desordem‖ após a pessoa optar por pertencer à igreja.
Outra forma muito comum de testemunho é a que é feita fora do culto, de pessoa para
pessoa.

A propósito, o agradecimento público pode ser no culto, diante de toda a irmandade,


ou no contato dialogal, em que o testemunho se dá mais livremente, sem as estritas
imposições do ritual. Mas pode, por outro lado, ser um pagamento íntimo, através da
glorificação pessoal feita em casa ou, então, em voz alta durante o culto, no
Momento da oração ou no Agradecimento final. Vemos claramente que há uma
convergência para as formas de agradecimento público. Mesmo o que chamamos de
pagamento íntimo, pode ser feito comunitariamente (CORRÊA, 1987, p. 110).

O testemunho dado de pessoa para pessoa também pode ser uma forma eficaz de
proselitismo ao tentar converter ou convencer outra pessoa, ou mesmo aumentar o próprio
prestígio ao dar um ―bom testemunho‖, o que é certamente um sinal de triunfo.

3.2 O Simbolismo do dinheiro nos dízimos e ofertas

Um dos pontos mais polêmicos dentro do pentecostalismo é a forma como este


movimento vem tratando do dinheiro, especialmente nos últimos anos. Mesmo quando igrejas
como a IURD e a IIGD ainda não existiam ou não eram relevantes no cenário nacional, já se
ouvia nas conversas a respeito dos ―crentes‖ aquilo que se considerava um ―absurdo‖ ou
―enrolação‖, o ato de dizimar. Com o rápido crescimento das igrejas da terceira onda e com os
programas exibidos na TV mostrando imagens do tipo ―Edir Macedo ensinando a roubar‖, e
pastores carregando sacos de dinheiro, o tema passou a ter ainda maior relevância, recebendo
um debate mais amplo e certa dose de incompreensão e por vezes desrespeito, embora possam
de fato haver excessos por parte de alguns pastores de algumas igrejas.
Algumas interpretações tendem a encarar a questão da doação de dinheiro nas igrejas da
terceira onda como uma espécie de pura e simples negociação com Deus. Atitude que às
70

vezes chega até ser assumida por suas lideranças, como foi por Edir Macedo em sua biografia,
mas a questão é um pouco mais complexa.
Segundo Roca (2007, p. 332), a elaboração que os fiéis fazem da relação entre Deus e o
dinheiro é mais ampla e não perde seu caráter sagrado:

Ao dar dinheiro à igreja, os crentes podem não estar só buscando um investimento e


um parceiro nos negócios, eles podem estar construindo sob um valor comum,
dando crédito a este projeto comum. Em outras palavras, isto não é uma religião do
dinheiro, ou ―fetichismo do dinheiro‖, uma religião que diz que o dinheiro é Deus;
ao contrário, diz que Deus pode ser encontrado no dinheiro – que o dinheiro em
última instância pertence a Deus, e não o oposto.44

Tentemos então analisar esta questão a partir das fontes. A IURD tem uma literatura
considerável para tratar do dízimo e das ofertas, bem como uma intensa divulgação na
Internet e uma menor divulgação em seus programas de TV, possivelmente para evitar os
tradicionais ataques contra a prática do dízimo e ofertas.
Dentre os livros destacamos: ―O Perfeito Sacrifício‖, do bispo Macedo; ―A Deus o que é
de Deus‖ do pastor José Cabral; ―Como ser um Dizimista Fiel‖, de Natal Furucho; e o tema
também aparece pontualmente na série ―Doutrinas da IURD, volumes 1, 2 e 3‖ de autoria de
Edir Macedo, além de breves referências em outras obras da instituição.
Apesar de serem livros de poucas páginas, é forçoso crer que estes livros tenham uma
grande difusão entre os fiéis da IURD, mas sua eficácia como transmissor do discurso da
igreja pode ser comprovada pela uniformidade de argumentação e pregações dos pastores nos
cultos e programas televisivos, bem como na mídia impressa da instituição.
Cabe destacar que muitas das argumentações repetem-se nos livros, para aquele que lê
dois ou mais desses livros torna-se portanto bastante repetitiva a leitura.
O dízimo também é difundido na Internet através do site da ―Corrente dos 318‖ (IURD,
2003), onde são exibidos trechos do livro ―Como ser um Dizimista Fiel‖, o qual trataremos
adiante.
Por hora, trataremos dos livros ―A Deus o que é de Deus‖ e ―Como ser um Dizimista
Fiel‖. Ambos tratam do dízimo e são livros pequenos, o que permite uma leitura rápida e
menos cansativa, além de possuírem uma linguagem clara e acessível. O primeiro trata-se de
um livro com 100 páginas e a argumentação é bastante minuciosa, tratando de explicar o que

44
By giving money to the church, the believers may not just be seeking a business investment and a partnership,
they may be building upon a common value, giving credit to this common project. In other words, this is not a
religion of money, or ‗money fetishism‘, a religion that says that money is God; to the contrary it says that God
can also be found in money – that money ultimately belongs to God, and not the other way around.
71

é o dízimo, sua história, sua significação bíblica e principalmente o ―porquê‖ do fiel ter de dar
o dízimo. Já o segundo é um livro menor, com apenas 41 páginas de texto e mais 10 paginas
com tabelas para o dizimista controlar o seu dízimo. Este livro sintetiza as ideias do primeiro
só que de uma forma ainda mais simples além de apresentar um conjunto de perguntas e
respostas sobre o dízimo, questões bem práticas e cotidianas do tipo ―Como o empresário
deve dar o dízimo?‖ ou ―Deve-se dar o dízimo do vale transporte?‖. É provável que este livro
tenha sido feito para chegar realmente ao grande público iurdiano, dada a sua objetividade.
Devemos deixar claras as diferenças entre dízimo e oferta para a IURD, apesar de ambas
serem em geral doações em dinheiro à igreja. Segundo o próprio bispo Macedo (1998, p. 97):

O dízimo caracteriza a fidelidade do servo de Deus, enquanto que a oferta indica o


seu amor e a sua consideração para com Deus. Enquanto o dízimo é uma obrigação
(Malaquias 3.7-12) por parte do servo para com o senhor Jesus (Mateus 23:23;
Lucas 11.42), a oferta deve ser algo espontâneo e dada com alegria (romanos 12.8; 2
Coríntios 9.7).

As referências ao dízimo e as ofertas são maciçamente reforçadas em vários livros da


IURD, nos cultos e em suas páginas oficiais. Embora em princípio as pregações iurdianas
enfatizem que o dízimo é uma obrigação devida a Deus e as ofertas são um sacrifício pessoal,
em seu discurso escrito, a IURD reitera várias vezes que não obriga ninguém a essas práticas,
que devem ser espontâneas: ―A contribuição para a obra de Deus deve ser dada com amor, por
gratidão, em espírito de louvor e como fruto de real consagração do ofertante a Deus
(CABRAL, 1997, p. 43). Não podemos negar, porém, que a persuasão durante os cultos é
bem forte.
Portanto, pretendo aqui buscar o entendimento de que o dinheiro e os bens materiais são
tratados pelas igrejas, ao menos no nível do discurso, de uma forma semelhante a qualquer
outro elemento que compõe suas crenças, mesmo os elementos imateriais. O uso do dinheiro,
por exemplo, tem a mesma função ou função complementar comparável à oração, ao jejum ou
a qualquer outra coisa que eles considerem manifestação da fé.

3.3 A Argumentação em Torno do Dízimo

Já é fato conhecido daqueles que estudam o campo religioso que a maior parte das
igrejas cristãs pede o dízimo e entre as pentecostais a prática desta contribuição é muito mais
institucionalizada do que em outras igrejas. A IURD, mantém essa característica das igrejas
pentecostais mais antigas e aperfeiçoa seus métodos construindo uma cadeia argumentativa
72

praticamente irrefutável, e é importante lembrar que toda argumentação é direta ou


indiretamente fundamentada no texto bíblico, a autoridade suprema entre os pentecostais.
A quantidade de versículos bíblicos que fundamentam a prática do dízimo é enorme (a
expressão aparece em pelo menos 58 versículos) tornando fácil para a IURD construir uma
argumentação a respeito, e na maioria dos casos, a IURD faz uma leitura literal dos
versículos, excetuando os casos em que lhe convém. Por exemplo, no livro de título sugestivo
―A Deus o que é de Deus‖, no capítulo intitulado ―Por que em Dinheiro‖ a interpretação
bíblica não é literal, pois uma interpretação literal dos versículos bíblicos pode afetar as
práticas e as argumentações da IURD.

E, depois que este dito se divulgou, os filhos de Israel trouxeram muitas primícias de
trigo, mosto, azeite, e mel, e de toda a novidade do campo: também os dízimos de
tudo trouxeram em abundância (2CR 31:5).
E os filhos de Israel e de Judá, que habitavam na cidade de Judá, também trouxeram
dízimos das vacas e das ovelhas, e dízimos das cousas sagradas que foram
consagradas ao Senhor seu Deus; e fizeram muitos montões (2CR 31:6) (BÍBLIA
SAGRADA, 1989)

Certamente a forma de dizimar acima exposta não faz sentido nos tempos de hoje,
especialmente no caso da IURD, uma igreja urbana. Para prevenir-se então de uma eventual
argumentação contra o dízimo baseada em uma interpretação também literal do texto bíblico,
o autor, desta vez, procura uma explicação histórica para adaptar os versículos bíblicos.

Já ouvi o argumento de que o dízimo era coisa dos povos antigos e consistia apenas
em gados, grãos ou frutos, e não em dinheiro, e que por isso não deveria ser
praticado em nossos tempos. Tal argumento mostra desconhecimento da bíblia.
A sociedade dos tempos bíblicos tinha sua economia elaborada basicamente no
sistema de troca, onde o valor estava no objeto, e não na moeda. Dessa forma,
animais e alimentos tinham mais valor na oferenda do que o dinheiro que valiam.
(...) Na sociedade em que vivemos, onde a moeda é a base da economia e as pessoas
vivem de salários, é claro que se torna muito mais fácil dizimar em dinheiro. Aliás,
nunca vi as pessoas que usam tais argumentos trazerem à igreja bois, ovelhas, grãos,
frutos, sacos de cimento, máquinas, etc., como sendo seus dízimos (CABRAL,
1997, p. 18).

A IURD utiliza um complexo jogo simbólico para tratar da questão dízimos/ofertas


como formas de sacrifício. Mesmo incentivando que estes sacrifícios devem ser na forma de
dinheiro, no culto que observamos na sede estadual em Florianópolis no dia 5 de janeiro de
2004. Em determinado momento do culto, o pastor convidou os presentes que estavam
dispostos a fazer o sacrifício em dinheiro que viessem até a frente e pusessem a mão em uma
73

bacia contendo suco de uva representando sangue45, elemento fundamental nos sacrifícios do
antigo testamento e em certos cultos afro-brasileiros (ORTIZ, 1978, p. 138). Ou seja, a IURD
consegue afetar pessoas de passados religiosos diversos com essa estratégia. Entretanto,
devemos ressaltar que estas práticas da IURD baseiam-se em práticas mencionadas no antigo
testamento.

A comunhão com a divindade pode ser concebida sob vários aspectos, e o


simbolismo dos vários tipos de sacrifício expressam essas diferenças. Os
historiadores das religiões propuseram numerosas teorias que tentam fixar a ideia
essencial na qual consistem o ritual e o simbolismo sacrificiais. Essas teorias
salientam os seguintes elementos do sacrifício: 1) O dom do homem à divindade; 2)
a homenagem do súdito ao senhor; 3) a expiação das ofensas; 4) a comunhão com a
divindade; 5) vida subtraída da vítima, oferecida a divindade e conferida aos
adoradores. (...) O elemento simbólico comum em todos os sacrifícios do Antigo
Testamento é a presença do sangue (MCKENZIE, 1983, p. 819).

Além do sangue, é usado muito também o simbolismo do fogo, conforme percebemos


nos cultos observados no final de dezembro de 2003 e início de janeiro de 2004, no auge dos
pedidos de ofertas para a ―Fogueira Santa de Israel‖.
Para a IURD, o dízimo é espontâneo, mas em suas publicações o fiel é alertado das
coisas que podem acontecer caso ele não entregue o dízimo e alerta. Não entregar o dízimo é
roubar de Deus.

De que somos chamados quando devemos alguma coisa a alguém e não pagamos? E
ainda, quando ficamos com o que não é nosso e gastamos?
Em Malaquias 3.8 o profeta pergunta: ―Roubará o homem a Deus?” e o Senhor
responde ao povo: “Todavia vós me roubais:” O povo pergunta: “Em que te
havemos roubado?” Ainda o Senhor responde: “Nos dízimos e ofertas”. Em não
entregar ao Senhor os dízimos e ofertas, o povo O estava roubando. Foi chamado de
ladrão.
(...) Deus os acusa de roubo e Jesus lhes diz: ―Daí a Deus o que é de Deus.‖ Se você
quer merecer bom conceito e ser tido como honesto, devolva a Deus o que Lhe deve
e todos o bendirão (CABRAL, 1997, p. 63).

Esta argumentação vem de outra bem simples, ―Para o povo de Deus, o caráter
obrigatório não surge de uma determinação legal ou religiosa, mas da firme convicção de que
Deus é dono de todas as coisas, e por isso mesmo merece os primeiros e melhores produtos de
seu trabalho‖ (CABRAL, 1997, p. 16), portanto o fiel está fazendo uma pequena ―devolução
exigida por Deus‖. Aos poucos vamos percebendo que as estratégias iurdianas cercam por
todos os flancos: a negociação com Deus do tipo ―Toma lá, dá cá‖, o terror no uso de
45
No programa televisivo transmitido localmente na grande Florianópolis pela Rede Record de Televisão no dia
06/01/2004 um pastor convida as pessoas a assistirem o culto da ―Sessão Espiritual do Descarrego‖ e receberem
o ―banho do descarrego‖, segundo o próprio pastor que apresentava o programa, uma garrafa contendo uma
solução de água, óleo, trigo e suco de uva representando sangue.
74

expressões ―roubar de Deus‖ e promessas de castigo e ainda a comoção no sentido de que o


fiel deve retribuir e ―dar-se‖ a Deus (CABRAL, 1997, p. 46).
É interessante perceber que a IURD faz um jogo discursivo ora negando, ora
confirmando o uso dessas estratégias. Vejamos por exemplo a ideia de ―negociação com
Deus‖.

Contribuir com a décima parte dos ganhos para a obra de Deus não é um negócio a
ser feito com ele, tampouco uma obrigação legal. Considerada assim, essa oferta
assume a características pagã ―dou para que me retribuas‖ ou transforma-se em um
mero ato de obediência legalista; conceitos alheios aos princípios evocados nas
escrituras (CABRAL, 1997, p. 41).

Perceba-se então a negação do caráter de ―negociação divina‖ que o dízimo pode


assumir, mas a contradição acontece ainda na mesma página, no parágrafo seguinte, onde é
dito: ―As promessas de recompensa para o ofertante têm a finalidade de incentivar e motivar a
fazer obras, revelando que Deus, o Pai, se agrada delas e também sabe manifestar o seu
agrado (CABRAL, 1997, p. 41)‖.
A IURD por ser uma instituição religiosa multinacional e com uma estrutura muito
grande para sustentar (grandes templos, pastores e obreiros, emissoras de rádio e TV e
horários comprados, organizações beneficentes) tem uma grande despesa e este fato pode ser
usado por seus pastores como justificativa para a cobrança de dízimo e pedido de ofertas. A
IURD portanto se encaixa no modelo que Oro (1996, p. 70) chama de ―pentecostalismo
empresarial‖.

As igrejas são estruturadas segundo o modelo empresarial: possuem uma


organização administrativa hierárquica, esperam aumentar sempre mais seu
patrimônio, mantém uma divisão social de trabalho religioso e administrativo,
colocam no mercado serviços e bens simbólicos que são adquiridos mediante
pagamento, e sustentam uma relação concorrencial com as outras ―empresas de
salvação‖ atuantes no mercado religioso nacional.

É importante mencionar que a IURD não nega a necessidade do dízimo para a sua
manutenção, ―(...) entendemos que as principais finalidades do dízimo são: a manutenção
dessa comunidade de fé que é a Igreja, o culto a Deus para o qual todas as pessoas devem ser
convidadas e, consequentemente, o suporte financeiro necessário para ganhar os que ainda
não foram salvos (CABRAL, 1997, p. 29)‖.
Há ainda uma forte preocupação da IURD para que o dízimo seja realmente entregue
para a igreja, e que o fiel não tente ele mesmo administrar e aplicar o dinheiro do dízimo em
outras coisas, por exemplo, em obras de caridade. Na obra ―Como ser um Dizimista Fiel‖, na
75

sessão ―Perguntas comuns sobre a utilização do dízimo‖, eis a resposta para a pergunta:
―Posso fazer doações aos pobres utilizando o dízimo?‖.

O dízimo não pode ser utilizado aleatoriamente, ainda que seja em benefício de
pessoas carentes e necessitadas. A Administração do dízimo cabe exclusivamente à
igreja, e, os sacerdotes responsáveis por ela é que devem definir onde e quando
utilizá-lo. Imagine se todos os cristãos utilizassem o dízimo para fazer doações ou
algo parecido, a igreja não teria condições de funcionar nem anunciar a salvação. O
cristão sincero conhece a necessidade de sua igreja e por isso jamais empregaria o
seu dízimo de maneira incorreta, mesmo que isso tivesse aparência de gesto piedoso
(FURUCHO, 2001, p. 38).

Esta obra tem dimensões físicas menores do que as outras obras citadas e a linguagem é
ainda mais clara, pois a maior parte dela constitui-se de perguntas e respostas que possam
fazer parte da vida cotidiana da maioria dos membros da IURD. É um manual completo do
dizimista, mostrando exemplos e traz ainda tabelas em branco para o dizimista controlar o seu
dízimo e uma tabela preenchida como exemplo.

Figura 7 – Tabela Modelo – Fonte: FURUCHO, Figura 8 – Tabela em branco –


2001, p. 41. Fonte: FURUCHO, 2001, p. 42.

Reparem que no exemplo dado pelo autor, além do dízimo de R$ 100 está prevista
também uma ―oferta especial‖ no mesmo valor, o que, neste exemplo, o total de doações à
igreja comprometeria 20% da renda do dizimista.
76

3.4 Ofertas: “O Perfeito Sacrifício”

Segundo a IURD, o sacrifício é uma forma do fiel aproximar-se de Deus, em retribuição


ao sacrifício de Jesus na cruz, os dízimos e as ofertas na concepção iurdiana são formas de
aproximar-se de Deus, pois são formas de sacrifício. Fazendo o dízimo e a oferta, o fiel está
se doando a Deus.

Os dízimos e ofertas são formas de sacrifício? Sim, por que o dinheiro que
entregamos à igreja é o resultado do nosso trabalho e representa parte do nosso
trabalho e representa parte do tempo no qual gastamos a nossa vida para obtê-lo.
Nesse aspecto o dinheiro é um pouco de nós mesmos que depositamos no altar do
senhor (MACEDO, 1999a, p. 35).

O uso proposital de certas citações bíblicas deixa claro que a doação deve ser espontânea
e sem limites, na mesma página da citação anterior é feita a seguinte citação bíblica: ―Cada
um contribua segundo tiver proposto no coração, não com tristeza ou por necessidade; por que
Deus ama a quem dá com alegria (2 Coríntios 9,7)‖ (MACEDO, 1999a, p. 35). Este trecho é
muito importante pois os pastores constantemente retomam esta argumentação durante os
cultos dizendo frases do tipo ―Dê aquilo que seu coração lhe manda‖, argumentando que a fé
é proporcional ao tamanho da oferta.
Deve ficar claro que, embora muitos autores enfatizem a prática do sacrifício por meio
de ofertas em dinheiro, na IURD, semelhante a outras igrejas pentecostais, o sacrifício
também pode ser de outras formas, como o jejum, por exemplo: ―Ficar com fome ou se privar
de algo que faz bem ao corpo ou à alma; passar pela necessidade ou pela dor causadas pela
abstinência voluntária, certamente são sacrifícios‖ (MACEDO, 1999a, p. 38).
Apesar de reconhecer que o jejum é um importante sacrifício, especialmente para quem
não pode fazer outras formas de sacrifício (MACEDO, 2001a, p. 24), a forma mais difundida
ainda é a oferta em dinheiro, além disso, em diversas oportunidades a IURD deixa claro que é
recomendável que a oferta seja grande, seja um verdadeiro ―sacrifício‖, pois ―O Senhor
deixou claro que nossa entrega deve ser total. Envolve sacrifício de tempo, dinheiro, parentes
e tudo o mais‖ (MACEDO, 2001a, p. 39).
Mariano (2003, p. 254), a partir da obra ―Os Mistérios da Fé‖, de Edir Macedo (1999b)
também observa o incentivo a uma ―entrega total‖ por parte do fiel.

―A fé‖, insiste Macedo, ―requer atitude‖. Atitude de ―sacrifício‖. Pois adverte, ―a fé


que dispensa o sacrifício é a fé farisaica e antibíblica‖. Ordenado por Deus, o
sacrifício ―é uma atitude corajosa‖. (...) Por demandar elevada coragem, o sacrifício
de maior destaque é chamado ―desafio‖, que consiste em doar uma quantia que,
77

segundo qualquer cálculo racional, compromete o orçamento doméstico do doador


ou está acima de suas possibilidades imediatas.

Outro argumento relevante para incentivar o fiel a fazer uma grande oferta é reforçar a
ideia da ―aproximação com Deus‖, buscando uma relação íntima e fraternal com Deus,
segundo Macedo (2001a, p. 11): ―Toda oferta que se oferece a Deus revela o que está no
coração do ofertante e mostra o seu relacionamento com Ele. Através da oferta a Deus, a
pessoa transmite amor, carinho, dedicação e consideração‖.
A ideia de que a oferta/sacrifício deve ser o máximo que a pessoa pode dar é
constantemente reforçado pela IURD, dentre as justificativas, está a que ―Deus ofertou o Seu
próprio Filho, Jesus Cristo (João 3.16). (...) Se Jesus é a oferta perfeita, isso significa que
todas as ofertas são representações d‘Ele. (...) Por isso, ela (a oferta) não pode ser imperfeita‖
(MACEDO, 2001a, p. 15). Além disso, por tratar-se da busca de uma relação mais próxima de
Deus, a oferta deve ser máxima, pois se destina ao todo poderoso, ainda segundo Macedo
(2001a, p. 9), ―Quando há um profundo laço de afeto, ternura e amor entre o que presenteia e
o que recebe, o presente nunca deve ser inferior ao melhor que a pessoa tem condições de
dar‖.
Dentre os aspectos mais relevantes da obra de Macedo e das pregações iurdianas e que
fortes críticas pela imprensa e até por pesquisadores, certamente, é o aspecto de ―negociação
com Deus‖ que revestem certos trechos das obras iurdianas e das suas pregações. E dentro das
obras que delimitamos para a nossa pesquisa, as argumentações do próprio Edir Macedo são
as mais incisivas.
Embora na obra ―A Deus o Que é de Deus‖ a ideia de negociação ou troca com Deus é
negada (CABRAL, 1997, p. 34), em ―O Perfeito Sacrifício‖, Macedo (2001a, p. 45) defende
que ―O sacrifício inclui o ato de renunciar voluntariamente a alguma coisa, em troca de outra
muito mais valiosa. É a menor distância entre o querer e o realizar e inclui a troca‖.
Os membros da IURD são constantemente conclamados a fazer um grande sacrifício,
dando o máximo que puderem e o que lhes fará falta, se for seguida a equação ―fé +
sacrifício‖, a ―benção será alcançada‖:

―Vindo, porém, uma viúva pobre, depositou duas pequenas moedas correspondentes
a um quadrante. E, chamando os seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo
que esta viúva pobre, depositou no gazofilácio mais do que o fizeram todos os
ofertantes. Porque todos eles ofertaram do que lhes sobrava; ela, porém, da sua
pobreza deu tudo quanto possuía, todo seu sustento (Marcos 12.42-44)‖. (...) Essa
oferta engloba o aspecto material (as moedas) e o espiritual (a fé). Em um primeiro
momento ela manifestou uma fé viva em Deus, pois acreditava que Ele lhe
devolveria multiplicado; em seguida, deu tudo o que possuía. (...) A qualidade da fé
78

de cada um é medida pela qualidade do sacrifício, e a qualidade do sacrifício


exprime a qualidade da fé (MACEDO, 2001a, p. 48).

Nos cultos observados, tanto na IURD quanto na IIGD, esta ideia do valor do sacrifício
não como valor monetário em si (alto ou baixo), mas como um valor que, mesmo sendo um
valor monetário relativamente pequeno representasse um impacto na vida da pessoa, algo que
realmente pudesse fazer falta, este sim era considerado um sacrifício valioso, e neste ponto
ambas as igrejas concordam.

3.5 Dinheiro, Trabalho, Teologia da Prosperidade e Confissão Positiva

Pelo menos três elementos são fundamentais na estruturação do discurso da IURD e da


IIGD: a Confissão Positiva, a Teologia da Prosperidade, e a Autoajuda.
Na verdade, estes três elementos estão invariavelmente entrelaçados e se baseiam num
elemento básico. Uma fé poderosa e inabalável.
A Confissão Positiva ou o movimento da ―Palavra de Fé‖ iniciou, segundo Anderson
(2004a, p. 220), nos ministérios pentecostais independentes nos EUA na segunda metade do
século XX a partir da década de 1950, baseada nas ideias de T.L. Osborne, Oral Roberts, A.
A. Allen e do pastor batista E. W. Kenyon.

E. W. Kenyon ensinava que ―a confissão positiva da Palavra de Deus‖ é uma ―lei de


fé‖ funcionando através de princípios divinos predeterminados. Ele ensinava que a
cura é um trabalho completo de Cristo a todos para ser recebido pela fé não
importando quais evidências ou circunstâncias; e que a medicina é inconsistente
com a fé. O desenvolvimento do movimento foi estimulado pelos ensinamentos dos
―evangelistas de cura‖ como William Branham e Oral Roberts, populares
telenvangelistas contemporâneos, e o Movimento Carismático. É agora um
proeminente ensinamento das igrejas pentecostais e carismáticas por todo o mundo.
46

William Branham esteve ativo de 1946 até 1965 e seu enfoque principal eram as curas
(HOLLENWEGER, 1972, p. 101.).
Um dos principais expoentes da confissão positiva até hoje, e amplamente difundido na
IIGD é Keneth Hagin, que afirma ter conseguido se curar de um problema cardíaco usando

46
E. W. Kenyon. Kenyon taught 'the positive confession of the Word of God‘ and a ‗law of faith‘ working by
predetermined divine principles. He taught that healing is a completed work of Christ for everybody to be
received by faith no matter what the evidence or circumstances; and that medicine is inconsistent with faith. The
development of the movement was stimulated by the teachings of healing evangelists like William Branham and
Oral Roberts, contemporary popular televangelists, and the Charismatic movement. It is now a prominent
teaching of Pentecostal and Charismatic churches all over the world (ANDERSON, 2004a, p. 220).
79

esta técnica ainda em 1934 (ANDERSON, 2004a, p. 221). De acordo com este evangelista
norte-americano, é fundamental para o crente o uso da palavra verbalizada propriamente dita,
e é dele que tomo aqui o conceito de confissão positiva:

Paulo disse em Romanos 10.9: Se com a tua boca, confessares ao senhor Jesus. Isso
não se refere a confissão de pecado, nem é uma confissão de fraqueza. Ao invés
disso, é uma confissão do senhorio de Jesus Cristo. E continua dizendo: E, em teu
coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo. Visto que com o
coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação.
Esta não é uma confissão negativa. É uma confissão positiva! De fato, o
cristianismo é chamado de grande confissão. Hebreus 3.1 revela que devemos
considerar o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão.
Nesse momento, seria para nós de grande ajuda definir o significado da palavra
confissão. Em primeiro lugar, é afirmar alguma coisa na qual cremos. Em segundo
lugar, é testificar algo que conhecemos. Em terceiro lugar, é testemunhar uma
verdade que abraçamos (HAGIN, 2000, p. 10).

Hagin (2000, p. 22) defende a ideia de que, por meio da confissão positiva, o Cristão
―liberto‖ e ―nascido novamente‖ pode simplesmente tomar posse das bênçãos, pois estas já
estão disponíveis à ele:

Pode-se sempre situar uma pessoa espiritualmente pelo que ela diz. A maioria dos
cristãos cita as Escrituras sobre nossa redenção e ora para que elas se tornem reais
para cada um, não entendo que, se são nascidos de novo em Cristo, a Palavra já é
uma verdade na vida deles. Tudo que têm a fazer é reivindicar essas promessas,
alcançando-as e tomando posse; apropriando-se delas por si mesmos.

Stoll (1990, p. 50) nos chama a atenção para a responsabilidade atribuída ao crente pelo
seu sucesso ou não, condicionado a sua fé, segundo este autor: ―eles (os autores) implicavam
que cristãos que sofriam aflição tinham que culpar somente eles mesmos, por falta de fé, e
que verdadeiros crentes poderiam transformar Deus em uma lâmpada mágica para satisfazer
seus desejos‖47.
Estas características são bastante visíveis tanto no discurso da IURD quanto no discurso
da IIGD. Vejamos o que diz o missionário R. R. Soares (2004) sobre a ―autovalorização‖:

Primeiro de tudo, é preciso que você tenha uma autovalorização da sua pessoa. É
ensinado em todas as partes que nós não valemos nada para Deus, que somos seres
sem a mínima expressão diante dEle, e que somente por misericórdia é que Ele nos
salva. Veja bem: todos creem que Jesus pagou um alto preço para nos resgatar, o
que é verdade. Mas, se o preço pago foi alto, é porque temos um alto valor para o
Senhor Deus. Não se paga tanto por aquilo que tem pouco valor.

47
They implied that Christians who suffered affliction had only themselves to blame, for a lack of faith, and that
true believers could turn God into a magic lantern to satisfy their desires.
80

Souza e Brepohl de Magalhães (2002, p. 100) também detectaram estas características no


discurso iurdiano:

Algumas das características do discurso iurdiano denotam a recomendação da


autoconfiança; o fiel deve crer nele mesmo, em sua capacidade individual. A
estratégia oferecida pela IURD, baseada na Teologia da Prosperidade, estimula o
membro da igreja a ser participativo nos cultos em relação a ofertas e dízimos e
reivindicar perante Deus aquilo que lhe pertence por direito. Se todo discurso sobre
espiritualidade vem atrelado à intervenção do Diabo, quando se trata de dinheiro, o
fiel tem de ir à luta e buscar a Deus com revolta, que neste caso assume um sentido
de inconformidade com a própria situação: doença, pouco dinheiro, ser empregado
assalariado.

Soares ecoa nos seus ensinamentos para a sua igreja os ensinamentos de Hagin, na sua
máxima de que o Cristão não deve confessar, crer ou pensar errado, pois, nas palavras de
Soares (2001, p. 5), ―Ao afirmar que não tem fé para conseguir uma benção, a pessoa dá ao
inimigo condições de continuar oprimindo-a; ela faz com que o diabo seja fortalecido e possa
consumar a obra de destruição em sua vida‖.
A Teologia da Prosperidade, doutrina originada nos EUA na década de 40, tornou-se um
movimento doutrinário só na década de 70 (MARIANO, 1999, p. 151). Quase sempre os
pregadores adeptos desta doutrina pregam também a ―cura divina‖, o que levou alguns
críticos a rotularem-na de Health and Wealth Gospel (Evangelho da saúde e riqueza)
(MARIANO, 1999, p. 151). As pregações enfatizando o pedido de dinheiro começam a
ganhar força, entretanto, já na década de 50 nos EUA, quando as igrejas começam a crescer e
a terem despesas com programas de rádio e TV. Um dos pontos chave desta doutrina é a cura
divina, que veremos adiante.
O movimento da Teologia da Prosperidade na verdade está entrelaçado ao da Confissão
Positiva, é difícil dissociar ambos. Há uma espécie de linhagem de pregadores destes
movimentos, e suas pregações ainda são extremamente influentes no Brasil.

Kenneth Hagin recebeu uma ‗revelação‘ em 1934 baseada em Marcos 2:24, que
resultou em sua cura de uma doença cardíaca. Seus ensinamentos são baseados nos
livros de Kenyon e enfatizam a importância da ‗palavra de fé‘, uma confissão
positiva de fé na cura, apesar das circunstâncias ou sintomas. Kenneth Copeland
desenvolveu o ensinamento de Hagin com uma ênfase maior na prosperidade
financeira e formulou as ‗leis da prosperidade‘ a serem observadas por aqueles que
procuram saúde e riqueza. A pobreza é vista como uma maldição a ser vencida
através da fé. Pela ‗força da fé‘ aqueles que acreditam recuperam sua divina
autoridade legítima sobre suas circunstâncias (ANDERSON, 2004a, p. 221). 48

48
Kenneth Hagin received a ‗revelation‘ in 1934 based Mark II:24, which resulted in his healing of a heart
ailment. His teachings are based on the books of Kenyon and emphasize the importance of the 'word of faith', a
positive confession one's faith in healing, despite the circumstances or symptoms. Kenneth Copeland developed
81

O que se percebe na prática é que as igrejas pesquisadas por vezes valorizam mais o uso
da palavra no estilo confissão positiva, principalmente na IIGD. Vejamos o que diz um pastor
desta igreja em Florianópolis.

Quando eu entro com a fé eu vou contrariar tudo de ruim. O Espírito


Santo coloca a palavra dentro de mim. E eu vejo meu casamento
arrumado, minha perna sarada, eu vejo o dinheiro na minha mão,
mesmo que ele não esteja ali, mas com a fé eu vejo (...) Jesus disse:
―bem aventurados aqueles que não viram e creram‖ (...) crer é uma
atitude que alguém toma baseado em Jesus (...) o Espírito Santo vai se
mover em sua direção. Diga: Já está se movendo.49

Poucos dias depois o mesmo pastor pediu que as pessoas o acompanhassem na seguinte
prece: ―Amanhã eu vou ser confrontado com uma situação. Pai me dá um milagre (...) esse
casal que diz, se isto não aconter, vamos ter que deixar a casa, dê o milagre, recebe a nossa
oração (...) concerta esse relacionamento‖ e em seguida pediu que agradecessem a Deus como
se o pedido já tivesse sido atendido, em outra clara demonstração do uso da confissão
positiva.50
É importante ilustrar que há certas diferenças e semelhanças entre a noção de
prosperidade para o protestantismo histórico e para o pentecostalismo. Grosso modo,
seguindo a leitura Weberiana do protestantismo histórico, a prosperidade vinha para o crente
através da ―vocação‖, segundo Lutero, ou como sinal da predestinação calvinista, levando o
crente a tentar ―forçar‖ este sinal através do trabalho árduo e racional. No pentecostalismo,
não há essa ideia de predestinação para ―alguns escolhidos‖, mas sim a ideia proveniente da
Teologia da Prosperidade, de que:

Na visão desses pregadores (da Teologia da Prosperidade) pelo sacrifício vicário de


Cristo, a humanidade foi libertada do pecado original e das maldições da lei de
Moisés: enfermidade, pobreza e morte espiritual. Deste modo as bênçãos destinadas
por Deus a Abraão e sua descendência – saúde física e riqueza material – tornaram-
se disponíveis a todos nesta vida (Barron, 1987). Nesse novo pacto estabelecido por
Cristo, a fé constitui o elemento fundamental para se alcançar tais bênçãos. (...) Para
obter tais bênçãos, o fiel deve possuir uma fé inabalável, confessar a posse da
benção, observar as leis da prosperidade, ou o que Mauss (1974), no ―ensaio sobre a
dádiva‖, nomeia de ―princípio da reciprocidade‖, popularmente conhecido no Brasil
pela expressão ―é dando que se recebe‖ (MARIANO, 1999, p. 153).

Hagin‘s teaching with a greater emphasis on financial prosperity and formulated ‗laws of prosperity‘ to be
observed by those seeking health and wealth. Poverty is seen as a curse to be overcome through faith. Through
‗faith force‘ believers regain their rightful divine authority over their circumstances.
49
Diário de Campo. Observação na IIGD em 17/09/2008.
50
Diário de Campo. Observação na IIGD em 21/09/2008.
82

Ou ainda, nas palavras do próprio bispo Macedo (2001b, p. 129), que sintetizam a
Teologia da Prosperidade:

A morte de Jesus Cristo providenciou não apenas substituição da penalidade que


cabia ao cristão pelo seu pecado, mas igualmente, regeneração para a nossa natureza
pecaminosa. Fomos crucificados com Cristo, e a nossa atitude não deve ser somente
a de quem morreu para o pecado, mas também a de quem ressuscitou dentre os
mortos para uma vida vitoriosa.

Portanto, na perspectiva da Teologia da prosperidade, as bênçãos já estariam disponíveis


a todos, contanto que seguissem certas regras para obter estas bênçãos. Para os pentecostais,
segue-se a equação; ―dinheiro (ou sacrifício material) + fé = Benção (prosperidade)‖,
diferente do que prega o senso comum, em que o crente simplesmente ―compra‖ a benção
com o dinheiro. Muitos pregadores ainda enfatizam que, se o crente fez o sacrifício material e
não alcançou a benção, é por que ―não teve fé suficiente‖.
Podemos perceber como a IURD está em sintonia com a Teologia da Prosperidade
através da mensagem abaixo extraída do site oficial da Igreja em 4 de setembro de 2002.

A IURD acredita que a prosperidade é um dom de Deus; por isso, ser cristão é ser
filho do Criador e co-herdeiro com Cristo. Dono, por herança, de todas as coisas que
existem na face da Terra e proprietário de todo o Universo. Isso não é arrogância, ao
contrário, é ocupar a posição que Deus destinou para os Seus filhos. Ter uma vida
abundante significa ser abençoado nos aspectos físicos, financeiro, sentimental e
espiritual. Para receber as bênçãos é preciso colocar em prática, além da fé, as obras,
que são as atitudes referentes a essa fé. Por isso, a IURD dedica dois dias da semana
de oração a esse propósito. Às segundas-feiras, acontece a Corrente dos Empresários
e aos sábados, a Corrente da Prosperidade. Com o intuito de estimular o exercício da
fé, nessas reuniões, os fiéis aprendem o segredo da prosperidade. Através de orações
e desafios, eles são estimulados a dependerem de Deus e a serem conquistadores. O
resultado desse trabalho tem sido surpreendente, já que pessoas que entram na
IURD na mais completa miséria, endividadas, desempregadas e até mesmo
mendigando, têm uma mudança radical em suas vidas. Elas obtêm a prosperidade na
certeza da promessa que fala de vida, vida com abundância. Aqueles que,
anteriormente, perambulavam pela sarjeta, hoje, são empresários bem-sucedidos,
microempresários ou autônomos, desfrutando de bênçãos que humanamente seriam
impossíveis de serem conquistadas, se não fosse o poder da fé (IURD, 2002).

Na IURD, as pregações enfatizam que o retorno será imediato, e muitas vezes procuram
criar está ideia já no culto, conforme presenciamos em culto no dia 23 de abril de 2003, na
sede estadual da IURD em Florianópolis/SC. Neste culto, no momento das ofertas, o pastor
estipula um valor inicial de R$ 1000 (o desafio mencionado na citação anterior), oferecendo
em retribuição um pequeno candelabro representando os sete dons do Espírito Santo, ou um
83

CD. Aos poucos os valores pedidos vão baixando, 500, 400, 10051 até chegar a 5, 2 e R$ 1.
Quando são pedidos esses valores mais baixos, os ―brindes‖ são trocados, ao invés de um
candelabro ou um CD são oferecidos uma revista ou jornal. O valor material desses brindes é
ínfimo em comparação com tamanha oferta, mas o que vale certamente, é o ―valor espiritual‖,
afinal, o momento e o sacrifício tornam esses objetos ―sagrados‖.

Não podemos desprezar o fato de que o dinheiro tem um significado especial no


discurso iurdiano, para a Igreja Universal, o dinheiro torna-se sagrado se for bem aplicado,
especialmente se for aplicado na ―obra de Deus‖.

Somente os seres humanos possuem caráter. As coisas adquirem o caráter que nós
lhes damos pelo uso que delas fazemos. Dessa maneira, é lícito falar sobre
espiritualidade da Igreja, da política, do dinheiro, etc. o templo de Jerusalém era
uma construção magnífica e foi feito para o culto a Deus. Entretanto os homens do
tempo de Jesus o haviam transformado, segundo as palavras do Mestre, em ―covil
de ladrões e salteadores‖.
Da mesma forma, o dinheiro não tem outro caráter senão aquele que lhe damos. Há
quem o considere coisa vil e suja, mas se for bem empregado, pode adquirir o
caráter de coisa sagrada. E é isso que o dinheiro deve significar para o cristão: um
dos muitos valores que Deus lhe confiou e do qual, como um bom mordomo, ele
deverá também prestar contas (CABRAL, 1997, p. 59).

O elemento ―fé‖ também não é desprezado na pregação iurdiana, ―a fé é o principal


ingrediente para que haja um autêntico sacrifício. Sem fé, ele não é completo; não passa de
mera oferenda‖ (MACEDO, 2001a, p. 45).
Resumindo, ao menos no contexto da pregação e no conjunto de crenças dos fiéis, o
dinheiro e os bens materiais são também manifestações do sagrado na ―vida de quem acredita
plenamente em Deus‖, portanto, indissociável das outras manifestações físicas ou não que
resultam da conversão e do pertencimento. Não ter uma vida material satisfatória seria uma
contradição para um verdadeiro filho de Deus, e não apenas o resultado de uma ―negociação
religiosa‖ fracassada.

3.6 Possessão e Libertação

De acordo com Campos (CAMPOS, 1998a, p. 26): ―Do ponto de vista sociológico, a
Igreja Universal é um formidável empreendimento sincrético, que juntou num mesmo espaço
e discurso tanto a lógica e a terminologia operantes no kardecismo, catolicismo e
protestantismo popular, assim como nas religiões afro-brasileiras‖.
51
Nenhum dos presentes neste culto pagou um valor tão alto pelos brindes.
84

Edir Macedo (2005, p. 56) tem uma explicação bastante interessante e plausível sob o
ponto de vista das crenças neopentecostais a respeito da origem, ação e diversidade de
manifestações dos demônios.

Quem são os demônios?


Os demônios são seres decaídos que procuram afligir a humanidade e colocar sobre
os homens todo tipo de doença, desgraça, infelicidade, etc.
(...) A Bíblia descreve satanás como o líder dos demônios. Ele foi um anjo expulso
do céu, criado por Deus para uma nobre missão, e foi ungido como ―querubim‖,
sendo o chefe dos demais anjos e tendo acesso à presença de Deus. Era tão formoso
que recebeu o nome de Lúcifer, que significa cheio de luz. Era coberto de pedras
preciosas. No brilho das pedras, deixava a sombra de seu resplendor: formosura e
sabedoria faziam-no perfeito. Um dia achou-se iniquidade nele. O orgulho subiu ao
seu coração e almejou ser igual a Deus; queria assumir a posição do Criador e tomar
o Seu lugar. Para isso, não teve dificuldades em arranjar um grupo de seguidores
entre os demais anjos. Assim, tendo os anjos rebelados e seguidos a Lúcifer, foram
banidos para sempre da presença de Deus. Todo o senso de bondade, amor, paz e
benignidade foram deixados de lado para dar lugar ao ódio, maldade e destruição.
Quando Lúcifer foi lançado fora do céu, levou consigo o grupo de anjos rebeldes.
(...) Usam os corpos como bem entendem. Fazem-se passar por guias de luz,
espíritos de familiares que já morreram, médicos, profetas, exus, caboclos, pretos-
velhos, etc. (...) Atuam no âmbito da religião, da ciência, causando a miséria e a dor;
têm prazer no sofrimento e na desventura; encaminham o homem a praticar tudo o
que causa repúdio à santidade de Deus. Os vícios, os jogos de azar, a prostituição, o
crime, o roubo e tudo mais que atenta contra o caráter de Deus são práticas comuns
aos demônios, que fazem questão de mantê-las entre os homens, desgraçando a
sociedade. (...) Em nossas igrejas, milhares de pessoas recebem a libertação e a cura
através da oração da fé. Pessoas que serviram aos demônios por longos anos são
hoje criaturas sadias, felizes e cheias de fé, graças ao poder do Senhor Jesus
operando em suas vidas.

A mensagem anterior, que foi extraída de uma compilação de mensagens de Edir


Macedo (algumas distribuídas em folhetos nos cultos) permite que o fiel faça pelo menos duas
interpretações: a interpretação literal a respeito da origem e ação dos demônios de acordo com
a interpretação da Bíblia feita por Macedo; e a ideia dos perigos de se separar dos planos de
Deus, ou seja, fundar uma igreja por exemplo, algo bastante comum entre os pentecostais. Por
exemplo, um pastor com forte carisma pode sair da igreja e fundar uma nova atraindo seu
antigo rebanho52. Portanto a mensagem anterior pode ser entendida também como um alerta
de que a cisão é obra demoníaca.
A IURD admite, portanto, a existência das entidades presentes nas religiões mediúnicas,
isso também pode ser evidenciado, por exemplo, na obra de Macedo (2001b, p. 129) ―Orixás
Caboclos e Guias‖. Nesta obra o autor faz um estudo baseado na doutrina iurdiana a respeito
do espiritismo e de entidades do Candomblé, Umbanda e Quimbanda. A intenção é
desqualificar essas crenças e atrair seus egressos. O autor, já no início da obra, tenta amenizar

52
Um exemplo atual é a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) fundada por um antigo líder da IURD e que
atrai antigos membros desta igreja.
85

o conflito com a dedicatória: ―A todos os pais-de-santo e mães-de-santo da nossa pátria‖


(2001b, p. 6). No ato de negar, Macedo (2001b, p. 16) reafirma a existência destas entidades.

Na realidade, orixás, caboclos e guias, sejam lá quem forem, tenham lá o nome mais
bonito, não são deuses.
Os exus, os preto-velhos, os espíritos de crianças, os caboclos ou os ―santos‖ são
espíritos malignos sem corpo, ansiando por achar um meio de se expressarem neste
mundo, não podendo fazê-lo antes de possuírem um corpo. Por isso, procuram o
corpo humano, dada a perfeição de funcionamento dos seus sentidos. Existem casos
em que, por força das circunstâncias, eles chegam a possuir animais para cumprir
seus intentos perversos.

O conflito de crenças é inevitável, mas Macedo (2001b, p. 16) procura amenizar o


discurso e evita ofender os praticantes de religiões mediúnicas, as ofensas vão para os
―demônios‖ ou para o ―diabo‖, pois para ele, esses seres ―vivem castigando seus seguidores e
não têm benção alguma para dar. Pessoas bem intencionadas e religiosas passam anos e anos
acreditando de todo o coração nos poderes dos orixás e dos pretos-velhos‖.
Macedo usa um artifício bastante inteligente. Ele faz uma apropriação de símbolos
presentes na religiosidade brasileira. No momento em que ele ataca seus oponentes religiosos,
especialmente as religiões mediúnicas e o candomblé, acaba por reconhecer entidades
presentes no imaginário popular, facilitando a adesão, pois não há uma ruptura total das
crenças anteriores. Segundo Baczko (1984, p. 298), a apropriação simbólica é uma das mais
eficazes estratégias de dominação.

Exercer um poder simbólico não consiste meramente em acrescentar a uma potência


―real‖, mas sim em duplicar e reforçar a dominação efectiva pela apropriação dos
símbolos e garantir a obediência pela conjugação das relações de sentido e poderio.
Os bens simbólicos, que qualquer sociedade fabrica, nada têm de irrisório e não
existem, efectivamente, em quantidade ilimitada. Alguns deles são particularmente
raros e preciosos. (...) Do mesmo modo, os guardiães do imaginário social são
simultaneamente, guardiães do sagrado.

A apropriação simbólica não é apenas uma estratégia, mas uma necessidade. Segundo
Baczko (1984, p. 325): ―Os símbolos só são eficazes quando assentam numa comunidade de
imaginação. Se esta não existe, eles têm tendência a desaparecer da vida coletiva ou, então, a
serem reduzidos a funções puramente decorativas‖.

Percebe-se claramente que a IURD lança mão de toda apropriação possível de símbolos
presentes na religiosidade brasileira, e não dizemos apenas religião, mas inclusive
superstições, contrariando a lógica racional simples de que o cristianismo não aceita e não
convive com esses símbolos e superstições. Por exemplo, em programa exibido pela Rede
Record de Televisão no dia 29 de julho de 2003 o programa ―Sessão do descarrego‖ mostra
uma série de tragédias ocorridas no mês de agosto de diversos anos para ressaltar que no mês
86

de agosto o ―mal‖, os ―encostos‖ agem com mais facilidade, ressaltando assim uma velha
superstição muito forte no Brasil, além de tudo, a pessoa entrevistada para confirmar os
perigos do mês de agosto é uma ―ex-bruxa‖ que se apresenta como conhecedora do assunto.

O sincretismo e a apropriação simbólica não é nenhuma novidade e a IURD não é a


única instituição a conviver com isso. A própria Igreja Católica já convive com isso há um
bom tempo53 embora hoje em dia este tipo de fenômeno não é desejado nem incentivado
dentro da instituição, mas as práticas dos fiéis são transgressoras. Como exemplifica Sanchis
(1994, p. 37), pesquisas revelam que porcentagens consideráveis de católicos praticantes do
Rio de Janeiro e Belo Horizonte acreditam na reencarnação. Se na igreja católica essas
práticas não são incentivadas, na IURD é uma das principais estratégias de busca de adesão.

Dentro desta lógica sincrética a estratégia iurdiana de atribuir a ―demônios‖ problemas


como crise financeira, desemprego e doenças, é de fato bastante eficaz. Entretanto a forma
como isto é feito é bem refinada, nomeiam-se esses ―demônios‖ e ―suas seitas‖ fazendo com
que muitas pessoas acabem se identificando de alguma forma.

Uma vez participante dessas falsas seitas, a hierarquia começa a ser seguida. Filha-
de-santo, mãe-pequena, mãe-de-santo, babá, e por aí vai. (...) Tanto no ―alto‖
espiritismo como no ―baixo‖, seja lá qual for o rótulo usado, a pessoa é
encaminhada sorrateiramente até envolver-se totalmente com o mundo dos espíritos.
Umbanda, quimbanda, candomblé, kardecismo, Bezerra de Menezes, esoterismo,
etc., são apenas nomes de seitas e filosofias usadas pelos demônios para se
apoderarem das pessoas que a eles recorrem, ora buscando ajuda, ora por mera
curiosidade (MACEDO, 2001b, p. 37).

Macedo (2001b, p. 39) vai além e no intuito de atingir mais pessoas, especialmente
aquelas que não praticam nenhuma dessas religiões ou seitas, estabelece novas formas de ação
dos ―demônios‖. Para ele ―O fato de nunca ter ido a uma reunião espírita e de professar uma
religião cristã não impede que os demônios se apoderem das pessoas. Em muitos casos, um
espírito foi o ―senhor‖ do corpo do pai ou da mãe que faleceu e procura agora se apossar do
filho ou da filha para continuar a sua obra maligna.‖ Portanto para Macedo a possessão é
hereditária, pode ser herdada independente da vontade do possuído.
Edir Macedo procura deixar bem claro que absolutamente ninguém está livre de ser
―possuído‖ por um demônio. Além de herdar, a pessoa pode vir a ser possuída devido a
―trabalhos e despachos‖ feitos por outra pessoa, ―Se um trabalho ou despacho é feito em
nome de uma pessoa que não tem o Espírito Santo na sua vida, fatalmente terá maléficos
53
A Igreja Católica desde a sua implantação no Brasil usou como uma de suas estratégias a apropriação de
símbolos da religiosidade nativa, através de tradução de orações para a linguagem indígena e tentar relacionar
personagens da mitologia indígena com equivalentes católicos. O momento marcante de maior vigilância
católica passa a ocorrer após o Concílio Vaticano II (1962-1965) (BOSI, 1994).
87

resultados (2001b, p. 40)‖. Podem ser ―possuídas‖ também por ―envolvimento com pessoas
que praticam o espiritismo (2001b, p. 41)‖, por ingerir ―comidas sacrificadas a ídolos (2001b,
p. 42)‖ e muitos ainda ―por rejeitarem a Cristo (2001b, p. 43)‖.

Um senhor chegou até nós afirmando sofrer de um problema no estômago há 10


anos. Disse que foi submetido a cinco operações cirúrgicas, mostrou a cicatrizes, e
nada, absolutamente nada o curava. Sentia dores fortíssimas e nem ao menos podia
tocar com os dedos na região do estômago. Os médicos não resolveram o problema
e sua situação era insuportável.
Ao receber a oração da fé, o demônio foi expelido de sua vida. Era um espírito
maligno que o fazia sofrer do estômago, simplesmente por causa de uma comida
―trabalhada‖ que aquele homem ingeriu (2001b, p. 42).

Em seu manual para tratar com ―demônios‖ o bispo Macedo estabelece ―Dez Passos para
a Libertação‖, ou seja, dez atitudes básicas que a pessoa que deseja ser ―liberta‖ deve adotar.
Os passos que transcrevemos abaixo são basicamente instruções de conversão, obediência e
principalmente fidelidade à IURD, procurando fazer que o recém ―liberto‖, normalmente
também um novo converso adote uma nova postura de vida, um pouco mais ascética e voltada
para as normas da IURD, afastando-se da vida ―mundana‖. É enfatizada também nos ―passos‖
a ideia de que o novo ―liberto‖ deve fazer-se presente e participativo na igreja, frequentando
os cultos e contribuindo financeiramente para demonstrar sua fidelidade a Deus e garantir,
entre outras coisas, que Deus ―repreenda o devorador‖ das finanças, conforme veremos
adiante. Vejamos os passos:

1° Passo: ―Aceitar, de fato, o Senhor Jesus como único Salvador‖ (MACEDO, 2001b, p.
133). Este item se propõe a inculcar obediência e perseverança:

Aceitar o Senhor Jesus, significa abandonar a vida antiga; virar as costas ao erro e
submeter-se a Ele através da Sua Palavra. Significa também negar-se a si mesmo,
tomar a sua cruz e ir após Ele. Se, assim for, a pessoa estará pronta para tudo. Se
tiver que enfrentar mil e uma barreiras, ela o fará; ainda que tenha de resistir ao
mundo inteiro, isso não será difícil.

2° Passo: ―Participar das reuniões de libertação‖ (MACEDO, 2001b, p. 134).


―Saiba que o diabo nunca se dará por satisfeito ao perder uma batalha. Ele procurará se
reabilitar, e essa é uma das principais razões pelas quais aquele que deseja uma libertação
completa não pode deixar de participar de reuniões desse tipo‖.

3° Passo: ―Ser Batizado‖ (MACEDO, 2001b, p. 129). Este item retoma um antigo
conceito pentecostal, a ideia de nascer novamente, ―renascer em Cristo‖, ou seja, nesta
88

concepção, o ―pecador‖ está morrendo, e junto com ele os seus pecados, e uma nova pessoa
está nascendo, sem os antigos pecados e, por esta razão, sem remorsos:

O batismo nas águas é a mortificação dos feitos da carne; é um sepultamento do


velho ―eu‖ e o ressurgimento de uma nova criatura limpa e lavada para uma
novidade de vida (...) Aquele gênio terrível, o orgulho, as vaidades, são produtos da
carne e precisam ser abandonados.

4° Passo: ―Buscar o Batismo com o Espírito Santo‖ (MACEDO, 2001b, p. 135). O


grande sinal da conversão entre os pentecostais desde os primeiros tempos do
pentecostalismo. Entretanto, Macedo (2001b, p. 147), mais adiante advertirá para que o crente
não confunda os ―dons do Espírito Santo‖ com os sinais de possessão:

Os dons espirituais concedidos ao cristão devem levá-lo a dar frutos do Espírito.


Satanás, como já dissemos, é falsificador e poderá levar o ingênuo a acreditar que
tem ou recebeu um dom espiritual, quando na realidade é ele quem está operando.
Visões esquisitas como de vultos, coisas sem nexo, pessoas que já morreram ou
espíritos, devem ser imediatamente repreendidas em nome de Jesus. Línguas
estranhas ou profecias que não se enquadram no padrão bíblico, devem ser
rejeitadas imediatamente.

5° Passo: ―Andar em Santidade‖ (MACEDO, 2001b, p. 136).


―Aquele que deseja servir a Deus tem que andar nos Seus caminhos. João diz que aquele
que está em Cristo deve andar também como Ele andou; há necessidade de uma conduta
santa, irrepreensível por parte daquele que deseja seguir a Jesus‖.

6° Passo: ―Ler a Bíblia Diariamente‖ (MACEDO, 2001b, p. 137).


7° Passo: ―Evitar as más companhias‖ (MACEDO, 2001b, p. 137).
8° Passo: ―Frequentar reuniões de membros‖ (MACEDO, 2001b, p. 138).
9° Passo: ―Ser fiel nos dízimos e nas ofertas‖.

A Bíblia diz em Malaquias 3.10 que há um espírito devorador, causador de toda


miséria, desgraça e caos na vida daqueles que roubam ao Senhor nos dízimos e nas
ofertas. Quando Deus criou o homem, o fez perfeito e o colocou sobre a Sua criação.
Deus concedeu ao homem o direito de administrar todos os bens da Terra, porém,
com a organização do culto, exigiu a décima parte de todo trabalho do homem (...)
Se formos fiéis ao Criador de todas as coisas, Ele certamente será fiel a nós e jamais
deixará faltar o nosso sustento, tampouco permitirá que os espíritos devoradores
atuem na nossa vida‖ (MACEDO, 2001b, p. 138)‖.

O trecho Bíblico usado por Macedo para justificar a entrega do dízimo como eficaz na
repreensão e imunização contra os ―demônios‖ é o seguinte:

(Malaquias 3:10) Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja
mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim, diz o Senhor dos exércitos,
89

se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós uma bênção tal, que
dela vos advenha a maior abastança. (Malaquias 3:11) E por causa de vós
repreenderei o devorador, para que não vos consuma o fruto da terra; e a vide no
campo vos não será estéril, diz o Senhor dos Exércitos (BÍBLIA SAGRADA, 1989).

10° Passo: ―Orar sem cessar, e vigiar‖ (MACEDO, 2001b, p. 139).


―A Bíblia declara que o diabo vive nos rodeando, rugindo como leão, procurando ceifar
aqueles que estão dormindo espiritualmente. Quando estamos orando e vigiando, o diabo não
somente se afasta de nós, como também se dobra diante de nossa oração‖ (MACEDO, 2001b,
p. 140).
A ideia da presença do diabo como ameaça é sempre retomada nos cultos da IURD,
especialmente na ―Sessão Espiritual do Descarrego‖ e mesmo em cultos com outros temas.
Vejamos por exemplo um trecho de uma das observações.
No intervalo entre a reunião do grupo de jovens e o culto do ―Vale do Sal‖ 54 no dia
14/09/2008 um grupo de obreiros colocou no chão defronte o altar uma lona estendida de
vários metros ocupando quase que a frente inteira, em seguida um grupo de obreiros e
obreiras rapidamente espalhou várias sacas de sal, formando um caminho por onde as pessoas
passariam.
Após as preces costumeiras, cantaram em coro:

Poderoso Ele é, e nada mudou


Nele está minha fé
Poderoso Ele é.

Em seguida o pastor pediu que as pessoas passassem sobre o vale do sal com os pedidos
na mão, no vale foi feita imposição das mãos, com o intuito de fazer manifestar forças
malignas.
O pastor dizia: ―pessoa escrava de problemas, de enfermidades, saia daí agora esta pessoa
não te pertence, pois no vale há fogo e há poder, começa agora a desalojar, a sair, vai saindo
do corpo dela, da família, da vida sentimental, dá teu grito de derrota‖.
Algumas pessoas gritavam, manifestavam demônios soltando gritos. Pr: ―senhor Jesus eu
quero agora o teu poder em minha mão e todo mal (...). As pessoas que ouvem vozes e veem
vultos venham aqui pra frente, você que tem depressão, desejo de suicídio‖ Enquanto ele
falava calmamente, uma pessoa possuída dava gritos horrendos. Em seguida o pastor mandou
que os espíritos se manifestassem, alguns riam e davam gritos histéricos, um espetáculo
realmente impressionante.
54
Diário de Campo. Observação na IURD em 14/09/2008.
90

Pr: ―Manifeste espíritos que atingem a vida financeira, o intelecto, ter desmaios... se você
sair daqui com esse mal pode ser tarde demais (...) a Legião de espíritos que faz essa pessoa
pensar em matar‖. Então começaram a cantar em ritmo bem animado, com palmas:

Poderoso Ele É (GOMES, 2008)


CORO
Poderoso Ele é, e nada mudou
Poderoso Ele é, autor da nossa fé
Poderoso Ele é, e nunca mudou
Poderoso Ele é, Jesus de Nazaré

Ele deu vista aos cegos e oprimidos libertou


Multiplicou pão e peixe e muitos alimentou
Operou lá na Judéia, Cafarnaum e Nazaré
Por isso que eu te afirmo que poderoso ele é

CORO
Na cidade de Naim estava uma mulher chorando
Seu filho estava morto e o povo ia carregando
Jesus parou o enterro, e o povo reclamou
Jesus chamou o morto, e ele ressusitou

CORO
No deserto faltou água Israel se entristeceu
E todos se revoltaram contra o servo de Deus
Moisés fez a oração, Jeová lhe respendeu:
E da rocha brotou água isto é poder de Deus

O pastor seguiu entrevistando o possuído e pediu para que as pessoas repetissem para si
mesmos ―pastor eu acredito que isso é encosto‖.
Pr: ―Vou descer, não vou demorar muito, só vou colocar a mão, se tem uma coisa que o
mal não gosta é de fogo‖. Em seguida o próprio pastor acompanhado de outros pastores ou
obreiros começaram a fazer a expulsão de forma tradicional (Mão na cabeça –
sssssaaaaaaaiiiiii) com gritos histéricos e gargalhadas dos possuídos.

Cantaram:
A nossa fé é poderosa pela graça de Jesus (2 vezes)
E o encosto vai saindo porque não resiste à luz
Sai, sai, sai em nome de Jesus (2 vezes)
91

Os possuídos gritavam muito enquanto o pastor dizia ―só um minutinho obreiro, fica
amarrado aí (dizendo ao demônio)‖ dando um tom de ser algo absolutamente corriqueiro.
Depois ele disse ―Você crê na sua vitória? (...). A bíblia diz: quem crê no profeta prospera. Se
você crê você vai pegar na sua mão o que eu vou pedir, você vai encostar sua cabeça na
minha, a unção de Deus que esta na minha vida vai passar pra tua (...) a bíblia diz que sobre a
cabeça do justo há benção. Lá fora a pessoa não tem medo nem vergonha de dar tudo pro
crack, pra maconha. Pastor quanto? Não sei, 20, 30 40, 1 real. Bote o envelope aqui‖.
Enquanto cantava a música as pessoas passavam pelo vale do sal.
O culto prosseguiu com testemunhos de pessoas dizendo que pararam de ter visões, que
tiveram filhos libertos do uso de drogas e melhoraram financeiramente, como é usual.
Percebe-se uma alternância de sentimentos em toda a seção, as vezes o cenário é
aterrorizante e no momento seguinte começam a cantar alegremente uma música com a
temática da expulsão para logo em seguida recomeçar a ―tortura do demônio‖.
Na IIGD assim como nas igrejas pentecostais de uma maneira geral a figura do demônio é
importante, mas nesta igreja e em suas práticas cotidianas embora apareçam várias menções
aos demônios durante a pregação, se recorre muito menos e de forma bem menos enfática que
na IURD. Nos cultos que acompanhei na Igreja da Graça em nenhum momento foi visto
algum ritual de exorcismo da forma como acontece na Universal. Aliás, em culto que
presenciei o pastor ressaltava que os pastores recebem instruções superiores para fazer o
estudo da palavra e criticou as igrejas que exageram nos cultos de expulsão. ―Se você quiser
ver demônio é só dar um pulo no inferno que tá assim (...) aqui você vê Deus‖55.
Enfim, apesar da presença e ação das forças diabólicas serem algo obviamente negativo,
perigoso, representam um risco constante, pois a ação destas entidades pode ser, do ponto de
vista destas igrejas, uma presença cotidiana, uma força tão poderosa que pode ameaçar até
mesmo a obra de Deus se o indivíduo não lutar e vigiar o tempo todo. É uma força maligna
sempre a espreita fazendo existir a necessidade da constante atualização do compromisso
estabelecido com Deus: a ―armadura protetiva‖. Essa atualização constante do compromisso e
busca de proteção é percebida através do maciço comparecimento aos cultos e nos sacrifícios
e ofertas.

3.7 A Saúde

55
Diário de Campo. Observação na IIGD em 17/09/2008.
92

Um dos elementos que sempre foi muito importante na religiosidade brasileira e


responsável por conversões é a saúde. Esta característica é importante em qualquer contexto e
no Brasil é potencializada por não termos e nunca termos tido um sistema de saúde pública
que funcione bem. Portanto, neste aspecto a religião cumpre para muitas pessoas uma função
além da salvação da alma ou qualquer outra coisa extra-mundo, a religião também passa a ser
um meio de se alcançar o alívio do sofrimento físico.
As curas milagrosas sempre estiveram presentes no pentecostalismo e foram ganhando
cada vez mais força com o passar dos anos principalmente com o advento da Teologia da
Prosperidade. Hollenweger (1988, p. 353) menciona uma conferência em Londres a respeito
do tema em 1885 reunindo pastores renomados. No final do século XIX John Alexander
Dowie estabeleceu-se nos EUA e estruturou em torno de si uma espécie de cidade – Zion – a
partir de suas pregações e de curas que teria realizado.
O Mesmo autor menciona certa retração no movimento de cura divina após o gradual
desaparecimento desta primeira geração de pregadores de cura divina, tomando novo fôlego
com o surgimento de Willian Branham.
Segundo Hollenweger (1988, p. 354), Branham recebeu a visita de um anjo em 1946 e o
anjo lhe teria dito:

Não tema. Fui mandado da presença de Deus Todo-poderoso para dizer-lhe que sua
vida peculiar e seus caminhos mal compreendidos foram para indicar que Deus lhe
enviou para tomar o dom da cura divina para os povos do mundo. Se você for
sincero e puder fazer com que as pessoas acreditem em você, nada resistirá à sua
oração, nem mesmo câncer.56

O próprio Hollenweger (1988, p. 354) conheceu Branham pessoalmente e testemunhou a


capacidade deste em identificar doenças e pecados nas pessoas com absoluta precisão.
Tornou-se então um pregador muito famoso, inclusive lotando estádios, fazendo curas,
profetizando e, segundo seus seguidores, até ressuscitando. Permaneceu ativo até o dia de sua
morte que ele próprio profetizou, no dia de natal de 1965. Seu corpo foi embalsamado e
refrigerado por seus seguidores, pois esperavam sua ressurreição.
O pentecostalismo brasileiro também tem seus pregadores de cura milagrosa já há muito
tempo, como foi mencionado na introdução. Por exemplo, temos o caso da Igreja Pentecostal

56
Fear not. I am sent from the presence of Almighty God to tell you that your peculiar life and your
misunderstood ways have been to indicate that God has sent you to take a gift of divine healing to the peoples of
the world. If you will be sincere, and can get the people to believe you, nothing shall stand before your prayer,
not even cancer.
93

o Brasil para Cristo (IPBC) e de seu líder Manoel de Mello e a IPDA com seu líder David
Miranda, bastante conhecido por suas curas milagrosas57.
Na IURD e na IIGD as curas também são fundamentais na prática e no discurso, tão ou
mais importante que o elemento prosperidade como elemento de atração58.
Na Universal o próprio líder construiu um conjunto de argumentos que combinam bem
as pregações tradicionais pentecostais (a doença como resultado de ação demoníaca) e as
crenças em espíritos. Cabe comparar, por exemplo, o que ele diz em relação a ―perturbações
mentais‖ provocadas por espíritos:

Os demônios atacam a mente das pessoas de duas maneiras: 1. No intelecto.


Provocam o ego, a inteligência. Apelam para a razão e procuram incutir uma
explicação científica, filosófica ou material, porém nunca espiritual. Sabem que os
seres humanos são vaidosos e orgulhosos. Começam despertando suas mentes para
fenômenos do espiritismo e do ocultismo, levando-os a pensar que a verdade se
esconde em experimentos, envolvimento com os espíritos, estudos esotéricos e
coisas desse tipo. O fim é o mesmo, de acordo com o que já temos comentado:
acabam em sanatório ou consultório de psiquiatria, tendo suas mentes danificadas ou
totalmente estragadas pela lavagem cerebral sofrida no espiritismo.
2. Ataque direto. Agem sem piedade, transtornando a mentalidade do ser humano;
se alojam no seu cérebro e convidam outros da mesma falange para tomarem parte
na destruição. Há casos em que uma verdadeira legião se aloja na mente de uma
pessoa para possuí-la e desgraçá-la (MACEDO, 2001b, p. 97).

Comparando com o que escreveu Allan Kardec a respeito do mesmo tema, percebemos
certas aproximações em ambos os discursos. Evidentemente Macedo apropriou-se do discurso
espírita e usou-o contra o próprio Espiritismo. Esta apropriação do discurso espírita facilita
sobremaneira a adesão de pessoas que foram espíritas ou simpatizaram de alguma forma pela
doutrina espírita, como a extensa gama de leitores de livros psicografados. Vejamos o que diz
Kardec (2003, p. 97) sobre perturbações mentais:

Todas as grandes preocupações do espírito podem ocasionar a loucura; as ciências,


as artes, e a própria religião fornecem seus contingentes. A loucura tem por
princípio um estado patológico do cérebro, instrumento do pensamento: estando o
instrumento danificado, o pensamento é alterado. (...) Havendo uma predisposição à
loucura, esta toma o caráter da preocupação principal, que se torna, então, uma ideia
fixa. Essa ideia fixa poderá ser a dos Espíritos, naqueles que deles se ocupam, como
poderá ser a de Deus, dos anjos, do diabo, da fortuna, do poder, de uma arte (...). É
preciso não confundir a loucura patológica com a obsessão Esta não se origina de
nenhuma lesão cerebral, mas da subjugação que Espíritos malfazejos exercem sobre
certos indivíduos, e tem por vezes as aparências da loucura propriamente dita.

57
Em 2001 durante uma entrevista para meu Trabalho de Conclusão um entrevistado mostrou-me uma fita
Cassete com a gravação de um culto onde David Miranda supostamente ressuscitava uma criança.
58
Esta importância pôde ser constada in loco nos cultos assistidos e na impressionante quantidade de vezes que
as curas são mencionadas em ambas as igrejas, praticamente em todos os cultos as curas são mencionadas nas
preces, pregações e testemunhos.
94

Podemos observar que de certa forma Macedo está referendando, ao menos em parte, as
afirmações de Kardec. O próprio Kardec reconhece que ―espíritos obsessores‖ podem
provocar perturbações semelhantes à loucura. Um crente da Universal com passagem pelo
Espiritismo pode perfeitamente passar a entender ―espírito obsessor‖ como ―demônio‖,
tornando a adaptação de crenças bem simples, sem haver, ao menos neste caso, grandes
disparidades entre os discursos. Mesmo em questões mais elementares, como a existência ou
não de ―demônios‖, Macedo mais uma vez apropria-se do discurso kardecista e reconhece a
existência destas entidades, nos moldes semelhantes ao do Kardecismo: comparemos os
discursos, começando pelo que diz Kardec (2003, p. 97) em relação aos ―demônios‖:

O Espiritismo não admite os demônios no sentido vulgar da palavra, mas admite os


maus espíritos que não valem melhor e que fazem igualmente o mal, suscitando
maus pensamentos: somente ele diz que esses não são seres à parte, criados para o
mal e perpetuamente devotados ao mal, espécie de parias da criação e carrascos do
gênero humano; são seres atrasados, ainda imperfeitos, mas aos quais Deus reserva
o futuro.

Macedo (2001b, p. 26) segue uma linha de pensamento semelhante, mas devemos
perceber que há diferenças conceituais importantes, enquanto Kardec afirma que os ―espíritos
maus‖ podem evoluir e melhorar, Macedo diz que os ―demônios‖ são essencialmente maus
por natureza e atuam há milênios, desde o princípio dos tempos. E por serem, nas palavras de
Macedo ―espíritos sem corpos (...) sempre, na história da humanidade satanás arranjou um
jeitinho para conseguir entrar no corpo do homem e usá-lo como lhe convém‖:

Os deuses famosos na Antiguidade, tanto no Egito, quanto na Mesopotâmia, bem


como os da mitologia africana, são na realidade demônios que nunca deixaram em
paz o homem, seu alvo principal. Os demônios, em sua maioria, personificam os
males, atuam como espíritos sem cor, sexo, dimensões, enfim, sem corpos.
Procuram seres vivos para através deles se exprimirem, e o homem é o seu principal
alvo. Como não possuem corpos, vivem se apossando daqueles que não tem
cobertura de Deus; são inimigos de Deus e do homem, por ser este a coroa da
criação divina (2001b, p. 20).

Cabe fazermos agora uma comparação entre o que diz Kardec a respeito de ―espíritos
inferiores‖ com o que acontece nas manifestações mediúnicas da Umbanda e como a IURD se
apropria destas características, inclusive no momento dos cultos. Para Kardec (2003, p. 123),
os espíritos têm níveis diferentes de acordo com sua aprendizagem em vida e o seu nível de
evolução:

Reconhece-se a qualidade dos Espíritos pela sua linguagem; a dos Espíritos


verdadeiramente bons e superiores é sempre digna, nobre, lógica, isenta de
95

contradições; nela transparecem a sabedoria, a benevolência, a modéstia e a moral


mais pura; ela é concisa e sem palavras inúteis. Nos espíritos inferiores, ignorantes
ou orgulhosos, o vazio das ideias é quase sempre compensado pela abundância de
palavras. Todo pensamento evidentemente falso, toda máxima contrária à moral
sadia, todo conselho ridículo, toda a expressão grosseira, trivial ou simplesmente
frívola, enfim toda marca de malevolência, presunção ou arrogância, são sinais
incontestáveis de inferioridade num Espírito.
Os Espíritos inferiores são mais ou menos ignorantes; seu horizonte moral é
limitado, sua perspicácia restrita. Eles não têm das coisas senão uma ideia
freqüentemente falsa e incompleta e estão, por outro lado, ainda sob a influência dos
preconceitos terrestres que tomam, algumas vezes, por verdades; por isso, eles são
incapazes de resolverem certas questões. Eles podem nos induzir ao erro voluntária
ou involuntariamente, sobre o que eles próprios não compreendem (...) encontram-se
no mundo dos Espíritos, como sobre a Terra, todos os gêneros de perversidades e
todos os graus de superioridade intelectual e moral.

A partir desta citação podemos inferir que o próprio Kardec admite a possibilidade dos
espíritos terem uma natureza má e fazerem mal aos vivos, além da possibilidade de induzir as
pessoas ao erro. Por conta desta adaptação do discurso kardecista feita por Macedo, o discurso
espírita acaba corroborando os ataques feitos por Macedo ao Espiritismo Kardecista e a outras
religiões mediúnicas. É importante destacar que Macedo associa os ―demônios‖ aos
―espíritos‖ mencionados por Kardec, a associação que Macedo (2001b, p. 34) faz é
perceptível, por exemplo, quando ele diz que os ―demônios‖ ―são somente espíritos que
andam à procura de corpos para se expressarem através deles‖.
Percebemos também a apropriação por parte de Macedo de elementos que são mais
comuns na Umbanda. No tocante à ―possessão‖, Birman (1985, p. 25) observa que ―os
umbandistas são, portanto, súditos de vários senhores e dividem o seu tempo, o seu corpo e a
sua pessoa trabalhando para todos, tentando conciliar essas vontades diversas entre si e
consigo mesmos.‖ Macedo (1999a, p. 61), por sua vez, diz que a possessão demoníaca ―é a
habitação de um ou mais demônios no corpo de uma pessoa, exercendo-lhe controle e
influência, com prejuízos para as funções mentais e físicas. Nesse caso, os demônios agem no
interior da pessoa, de dentro para fora‖. Portanto, mais uma vez a IURD não nega as crenças
de uma de suas ―inimigas‖, mas as reafirma resignificando-as e as utiliza para proveito
próprio, a fim de imputar a Umbanda a capacidade de causar males que só a IURD ―pode
resolver‖ com a expulsão dos demônios. Males físicos, como as doenças, questão que
trataremos adiante.
Não podemos deixar de mencionar que existe uma diferença fundamental entre os cultos
afro-brasileiros e as igrejas cristãs na forma de encarar a possessão. Enquanto nas igrejas
cristãs, como a IURD, por exemplo, as entidades que estão ―possuindo‖ um corpo devem ser
96

expulsas, nos cultos afro-brasileiros procura-se conviver com essas entidades (BIRMAN,
1985, p. 15).
O interesse de Macedo (2001b) em atacar o Espiritismo e outras religiões mediúnicas
está no fato de Macedo acreditar haver no Brasil um grande número de praticantes destas
religiões, Macedo acredita haver um número muito maior do que o mencionado no censo
oficial59:
E mais uma vez Macedo exime de culpa o praticante daquilo que ele considera um
―pecado‖, ao dizer ―espíritas que estão sendo enganados‖, ou seja, nas palavras de Macedo, a
culpa não é do indivíduo, mas dos ―demônios‖ que os enganam.
E esses ―demônios‖ têm nome. No momento do culto quando são feitos os ―exorcismos‖,
o pastor sempre pergunta ao ―possuído‖ o nome da entidade que ―está em seu corpo‖, quem
―responde‖ é a própria entidade, e o nome respondido é geralmente de uma entidade da
Umbanda, um dos inimigos preferenciais da IURD. A Universal utiliza os mesmos nomes
comuns na Umbanda para nomear seus cultos, só que de forma inversa, pois o ―bem‖ é o
―oposto‖ do mal. Por exemplo, na Umbanda e bastante conhecido o exu ―Tranca-ruas‖, a
Universal, em suas chamadas na TV para os cultos da ―Sessão Espiritual do Descarrego‖ se
refere a esta cerimônia como uma cerimônia de ―Abre-caminhos‖, aliás, o termo ―descarrego‖
também é proveniente da Umbanda (BIRMAN, 1985, p. 49). Além disso, na Umbanda é forte
a presença da Mãe-de-santo e do pai-de-santo como sacerdotes, e de outras entidades que
representam uma figura paternal, como os pretos-velhos. Seguindo essa linha, a IURD passa a
se referir a Deus por diversas vezes como ―Pai das Luzes‖.
Segundo Ortiz (1978, p. 65), é observado também na própria Umbanda o dualismo entre
―bem‖ e ―mal‖:

Em princípio existem quatro gêneros de espíritos que compõem o panteão


umbandista; podemos agrupá-los em duas categorias: a) espíritos de luz: caboclos,
pretos-velhos e crianças – eles formam o que certos umbandistas chamam de
―triângulo da Umbanda‖; b) espíritos das trevas – os exus. Esta divisão corresponde
à concepção cristã que estabelece uma dicotomia entre o bem e o mal; enquanto os
espíritos de luz trabalham unicamente para o bem, os exus, em sua ambivalência,
podem realizar tanto o bem quanto o mal, mas representam sobretudo a dimensão
das trevas.

59
Macedo menciona 40 milhões de espíritas sem especificar o tipo de espiritismo, no entanto o Censo 2000 do
IBGE menciona um total de 2262401 praticantes declarados do espiritismo, 397431 da Umbanda e 127582 do
Candomblé, perfazendo um total de 2787414, bem menos que os 40 milhões mencionados por Macedo.
97

É bastante visível a aceitação destas ―obras malignas‖ como trabalhos ―demoníacos‖


durante os testemunhos. A IURD tem uma cerimônia específica para tratar com a
―possessão‖. É a ―Sessão Espiritual do Descarrego‖.

O culto tem levado milhares de pessoas, todas as semanas, a exercitarem a fé no Pai


das Luzes, e grandes milagres ocorrem na vida daqueles que, verdadeiramente,
crêem em Jesus. O bispo Célio Lopes ministra esse encontro de fé com
determinação, clamando pela cura, pela libertação e transformação na vida das
pessoas. (...) Durante a Sessão, são feitas orações especiais, onde homens e mulheres
que serviam às trevas e hoje servem ao Pai das Luzes, em uma só fé, fazem uma
corrente de oração repreendendo todos os encostos que trazem maldições na vida
das pessoas. A população participa dessa reunião, e muitos pais e mães de encostos,
ao chegarem à IURD, ficam surpresos quando verificam que por um longo período
foram possuídos e enganados por esses espíritos malignos, chegando muitas vezes a
dar conselhos e consultas, sempre impondo uma falsa bondade. Muitos chegam com
desejo de suicídio, vícios, doenças que os médicos não descobrem a causa, visão de
vultos, audição de vozes, enfim cheios de problemas espirituais. Porém, ao
assistirem à Sessão Espiritual de Descarrego, ouvirem a Palavra de Deus, exercitam
a fé, e milagres acontecem. Elas recebem orações fortes e saem fortalecidas para
enfrentarem o mal e obterem a vitória em nome do Senhor Jesus (JORNAL FOLHA
UNIVERSAL, nº 586, 5 out. 2003.).

O discurso iurdiano normalmente mantém um tom respeitoso ao referir-se às outras


igrejas pentecostais60, entretanto deixa claro, ainda que com certa sutileza, a ―superioridade‖
da IURD em lidar com os problemas enfrentados pelas pessoas, especialmente a ―possessão‖,
negando, portanto, a eficácia das outras igrejas, mesmo as pentecostais, em ter tantos poderes
como a IURD para ―expulsar demônios‖:

Conheci uma senhora, membro de uma igreja evangélica por 18 anos consecutivos.
(...) tinha testemunho exemplar e exercia cargos na igreja. (...) Quando orei, aquela
senhora se entortou e se tornou bastante agressiva, falando palavras desconexas e
fazendo gestos estranhos. Percebi que ela estava completamente endemoninhada. Na
conversa que tivemos posteriormente, em meu escritório, ela declarou ter sido uma
crente fiel durante todos aqueles anos e não sabia explicar o acontecido. Foi um caso
muito sério, pois por três meses, aquela senhora manifestava em seu corpo os mais
estranhos demônios, até ser totalmente libertada, tornando-se, posteriormente, uma
fiel obreira da Igreja (JORNAL FOLHA UNIVERSAL, nº 586, 5 out. 2003.).

Além de oferecer ―libertação‖ às pessoas, na concepção de Macedo (MACEDO, 2001b,


p. 113), uma igreja tem de oferecer uma ―imunização‖ eficaz contra o mal, ou seja, nesta
concepção, só está realmente imune quem pertence a IURD e pratica seus preceitos, sendo
que as outras igrejas não podem oferecer está ―imunidade‖:

A Verdadeira Imunização

60
Ecumenismo. Plenitude, Rio de Janeiro, n.61, p. 31, maio/1997. ―Hoje, pode-se dizer que existe um certo
ecumenismo entre evangélicos, havendo um forte intercâmbio entre membros de diversas denominações‖.
98

Para alguém se tornar verdadeiramente imune contra toda macumba, olho grande,
inveja, etc., a única solução é seguir as pisadas do Mestre Jesus. Talvez o leitor
confabule: ―Mas eu freqüento uma boa igreja evangélica, já me batizei, participo de
todos os programas da igreja e ainda sou atingido!‖. Embora todas essas coisas
sejam boas, não bastam. Infelizmente, vemos pessoas que as praticam, mas vivem
vitimadas pelas hostes infernais.

Retribuindo os ataques que a IURD sofre das outras igrejas pentecostais sobre os abusos
cometidos nos cultos de exorcismo, Macedo (2001b, p. 116) adverte que, se uma igreja não
consegue oferecer os mesmos produtos oferecidos pela IURD, como, por exemplo, a
―libertação‖, esta igreja é ―fraca‖:

Podemos considerar uma igreja forte se ela estiver alistada para a luta contra todas
as potestades infernais. Uma pessoa endemoninhada não pode sair da igreja do jeito
que entrou. Se na igreja o poder de Deus sobre os demônios não for exercitado, ela
se transformará em um clube ou uma escola bíblica. Evangelho é poder, e poder tem
de ser exercido para a derrota de satanás e a glória de Deus!

E nem mesmo as igrejas protestantes históricas escapam dos ataques de Macedo (2001b,
p. 121), que também são chamadas de ―fracas‖ por não adotarem práticas semelhante à da
IURD:

As chamadas igrejas clássicas ou tradicionais que começaram fundamentadas no


poder de Deus, mas, com o passar dos anos, deram lugar à tradição dos homens, são
exemplos de igrejas que podemos chamar ―fracas‖. Muitas se transformaram em
verdadeiros clubes sociais e vivem da promoção de festinhas musicais,
apresentações artísticas, shows e coisas desse tipo.

Ainda segundo outra fonte da IURD, a Revista Plenitude (1996, p. 8), em artigo
publicado em 1996, ―como se não bastasse, o diabo está se infiltrando em igrejas evangélicas
(seu alvo predileto) com suas doutrinas diabólicas.‖
Outro aspecto relevante sobre o tema doença/cura é a associação que se faz entre o que
pode ser a pura ação demoníaca ou algo um pouco mais complexo, uma ―doença da alma‖ que
se manifestaria também na forma de doença física. Esta associação não é nenhuma novidade.
Sontag (2002, p. 71) nos remete a ideia de que, em outros tempos e culturas, doenças eram
associadas ao temperamento da pessoa, ao tipo de vida que levava e ao acúmulo de
experiências de vida negativas e uma atribuição exagerada a fatores psicológicos como
causadores de males físicos.

(...) há uma predileção particularmente moderna por explicações psicológicas da


doença, como de tudo mais. Colocar as coisas no terreno psicológico parece garantir
o controle sobre experiências e fatos (como uma doença grave), sobre os quais as
pessoas, na verdade, têm pouco ou nenhum controle (...). Basicamente, a doença é
99

interpretada como um acontecimento psicológico e as pessoas são estimuladas a


acreditar que elas adoecem porque (inconscientemente) querem adoecer, que podem
curar-se pela mobilização da vontade, e que podem escolher entre morrer e não
morrer na doença.

A crítica da autora (SONTAG, 2002, p. 73) está no que ela considera um meio de
―colocar a culpa no doente‖ e fazer com que estes achem que mereceram a doença.
Percebe-se que este tipo de pensamento já está bastante difundido no senso comum. É
visível mesmo em entrevistas de médicos sobre os efeitos benéficos do otimismo no combate
a doenças e principalmente o triunfalismo no discurso de celebridades que venceram doenças
graves, principalmente o câncer. Tomemos o exemplo da apresentadora Ana Maria Braga, que
nos últimos anos tornou-se também autora de livros de autoajuda. A apresentadora descobriu
no ano de 2001 que tinha câncer e a notícia rapidamente se espalhou. Seu processo de
recuperação tornou-se um espetáculo público e deu a ela uma projeção ainda maior.

Eu extrai os gânglios da virilha no dia 13 de julho de 2001, e na semana seguinte o


diagnóstico de que estava com câncer foi confirmado. Assim que soube que estava
com a doença fiquei muito triste, principalmente por não saber dizer se, em um ano,
estaria viva ou não. Mas logo depois tive muita fé de que ficaria boa, o que
aumentou minha força para vencer o tumor. A família e os amigos são fundamentais
nesta hora, e apesar de muita oração e fé, não conseguiria aguentar tudo o que passei
sem o apoio deles. Um dos momentos mais importantes durante o tratamento foi
quando retirei um cateter do meu peito, por onde os medicamentos da quimioterapia
eram aplicados. Quando acordei e ele não estava mais lá, vi que tinha vencido
aquela etapa do tratamento e que a cura estava próxima (O GLOBO, 2008).

Percebe-se que ela atribui a si mesma um papel importante na sua própria cura. As
expressões ―minha fé‖ ou ―minha força‖ são exemplos dessa ideia. Seguindo a crítica de
Sontag, pode-se ler nas entrelinhas, por exemplo, que pessoas que não conseguem a cura
eventualmente não tiveram força e fé suficientes.
Voltando ao tema da relação corpo/mente como causadora das doenças, ambas as igrejas
pesquisadas mostraram sintonia com esta explicação, acrescentando o elemento divino e
sobrenatural. Macedo por exemplo, em sua série de livros Doutrinas da Igreja Universal do
Reino de Deus e pela internet da uma interessante explicação para o valor do perdão.

Quem é que nunca teve que enfrentar a difícil situação de ter que decidir se perdoa
ou não alguém que o feriu, magoou ou o decepcionou de alguma forma? A tarefa é
árdua, difícil. Mas o ato de perdoar traz muito mais do que bem-estar e paz interior.
Segundo a ciência, o nobre gesto de se livrar do rancor e perdoar o próximo e a si
mesmo traz benefícios para a saúde, como melhorar os batimentos cardíacos e a
tensão muscular, além de evitar náuseas, dores de cabeça, no peito e no estômago. É
importante lembrar que o perdão só é válido quando genuíno e que, por mais que
haja boa vontade, para algumas pessoas, há coisas simplesmente imperdoáveis. ―A
raiva crônica, que é o rancor, está sempre acompanhada de ansiedade crônica e pode
100

fazer com que a pessoa libere mais cortisol, o hormônio do estresse, repetidamente,
o que pode prejudicar o funcionamento do sistema imunológico e, depois de meses
ou anos, provocar mais infecções, alergias, além de, por outros mecanismos,
gastrites crônicas, sintomas depressivos leves e insônia‖, acrescenta Geraldo
Possendoro, psiquiatra e professor de Medicina Comportamental da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp). Não é todo mundo, porém, que está apto a perdoar,
segundo José Atílio Bombana, psicanalista da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp) (MACEDO, 2010).

Macedo mais uma vez faz a combinação do discurso científico com o discurso religioso
dando maior eficácia e plausibilidade à sua pregação. O ato de perdoar ganha significado
combinado no âmbito social, religioso e na medicina.
Na IIGD também se faz essa combinação. Por exemplo, em culto que acompanhei, o
pastor pediu que todos fossem para frente. Falou que mágoas podem provocar doenças, até
cancer. ―Diga, Deus me ama (...) o que dizem pra você não presta pra nada, o que você diz
vale muito. Diga para a pessoa que está ao lado que você esta ao lado de uma pessoa muito
feliz, próspera, bendita, simpática (...) hoje meu Deus, eu quero tirar amarguras, injustiças, se
você tem algum problema, algum vício, peça, pois aquele que pede será atendido.‖61 A
amargura é uma doença que pode ser ao mesmo tempo de ordem psíqica, física e espiritual,
mas a cura é uma só, a força do Espírito Santo.
Portanto, podemos perceber que na produção do discurso a respeito do tema saúde e na
experiência religiosa das pessoas, ser saudável significa estar bem em todos os sentidos, que a
doença nunca é exclusivamente física ou mental, mas sempre é também espiritual. Logo, as
armas para combater as doenças têm de vir dos dois mundos, do mundo material (remédios,
médicos, comportamento saudável) e do mundo espiritual (a ação do Espírito Santo sobre as
forças malignas que criam as doenças). Do contrário, toda cura alcançada não será duradoura.
A plenitude da aliança com Deus tem que se mostrar também no corpo e mente do crente.

61
Diário de Campo. Observação na IIGD em 17/09/2008.
101

CAPÍTULO IV – O PENTECOSTALISMO COMO AGENTE DE


TRANSFORMAÇÃO

Este capítulo trata das possibilidades que o pertencimento a uma igreja pentecostal pode
trazer no sentido de provocar significativa mudança individual e coletiva, através de suas
pregações focando a transformação do indivíduo e a clara busca de inserção social e
legitimação destas igrejas.

4.1 - Rearranjos familiares e sociais provocados pelo pentecostalismo

As estatísticas apresentadas por vários autores são unânimes em relação ao fato de que a
maior parte do universo pentecostal é formado por mulheres, dentro e fora do Brasil
(ANDERSON, 2004a, p. 5). O levantamento feito pelo ISER no Rio de Janeiro menciona uma
média de 31,2% de homens e 68,8% de mulheres (FERNANDES, 1998, p. 85), ou seja, cerca
de duas mulheres para cada homem, sendo que na IURD chegava a impressionante proporção
de quatro mulheres para cada homem (FERNANDES, 1998, p. 90).
Embora se perceba que há dentro das igrejas pentecostais ainda uma clara divisão de
gênero que coloca a mulher sempre em segundo plano, é inegável que, ao menos em
comparação com o catolicismo e com a sociedade em geral, nas igrejas pentecostais as
mulheres encontram mais voz ativa. Machado (1996, p. 39) sintetiza a situação criada pelo
pentecostalismo da seguinte maneira:

É como se o pentecostalismo redefinisse os gêneros masculino e feminino, tornando


os ―pais maternais‖ e as ―mães paternais‖ e oferecendo um modelo alternativo ao já
desgastado patriarcalismo mediterrâneo, mas preserva-se o fundamental deste
sistema de gêneros: a desigualdade entre homens e mulheres.

Chesnut (2003, p. 130) segue por outra vertente e considera as mulheres Latinas mais
predispostas que os homens à possessão por espíritos, sejam espíritos das religiões afro ou o
Espírito Santo ―pelas mulheres costumarem serem possuídas por seus maridos ou parceiros, o
conceito de ser tomada pelo Espírito Santo é natural e lógico‖.62 Para ele isto explicaria, entre
outras coisas, o porque do pentecostalismo e das religiões mediúnicas em geral crescerem
mais dentre as mulheres do que dentre os homens. A afirmação do autor é um tanto
problemática, pois indiretamente estabelece uma predisposição às mulheres latinas de serem

62
For women used to being possessed by their husbands or partners, the concept of being taken by the Holy
Spirit is natural and logical.
102

mais submissas e passivas e consequentemente uma discutível afinidade eletiva entre


submissão, passividade e pentecostalismo.
As fontes mostram sim um discurso que coloca a mulher em uma condição de
―colaboradora essencial na obra de Deus‖.

Nunca entendi aquela palavra do Apóstolo Paulo: ―Eu não permito que a mulher fale
na igreja‖. Até que um dia descobri por que o apóstolo falou aquilo. A mulher é
aquela joia preciosa. Ela tem uma importância tremenda, fundamental na obra de
Deus. Foi ele mesmo quem criou a mulher, não foi o diabo. É bem verdade que o
diabo tem usado muitas mulheres. Quando, no entanto, a mulher é usada por Deus,
quando ela é de Deus, é a coisa mais gloriosa que existe, mais que o homem, no
sentido humano.
Quando a mulher é sábia, não somente é sábia para si, mas produz, já que é mulher,
homens de Deus, filhos dEle. Dá à luz criaturas que serão expoentes nas mãos de
Deus (MACEDO, 2005, p. 31).

Um dos elementos destacados pelo autor é o papel da mulher de geradora de novos


servos de Deus, em outras passagens e nos cultos a mulher é mostrada como uma espécie de
protagonista de bastidores.
A ideia da aparente passividade feminina no contexto do pentecostalismo se revela frágil
se analisarmos alguns elementos, por exemplo, a questão da possessão levantada por Chesnut
não é privilégio das mulheres, além disso, a adesão a uma igreja pode ser uma estratégia para
lidar com sérios problemas familiares pelos quais essas mulheres, por razões diversas, não
conseguem encontrar uma solução por outros meios. A declaração de uma das mulheres com
quem conversei nos dá algumas pistas.

Um dia pedi (a Deus) pelo meu filho. Não aguentava mais. Hoje ele
esta na igreja, se batizou. Está na Renascer. Eles são mais liberais,
mas aos poucos o Espírito Santo vai trabalhando. Eles tiram muita
gente da droga. (...) Aqui tem muita palavra, mas lá também. Eu fui
convertida, meu marido que batia em mim agora bate palminhas pra
Jesus.63

Outro elemento facilitador da adesão feminina em relação à adesão masculina estaria no


fato da mulher poder se adaptar melhor às exigências de moralização impostas ou estimuladas
pelas igrejas. Segundo Machado, ―tipos ideais diferenciados modelam as condutas feminina e
masculina, e fazem com que o comportamento da maioria das mulheres esteja sempre mais
próximo dos padrões da moral cristã do que a conduta masculina (MACHADO, 1996, p. 89).‖
Por exemplo, é costume bastante arraigado na América Latina e no Brasil o consumo abusivo

63
Diário de Campo. Ficha de Observação na IIGD. 17/09/2008.
103

de bebidas alcoólicas, e é maior entre os mais pobres (CHESNUT, 2003, p. 47). E a adesão
muitas vezes é procurada pela mulher para tentar reestruturar sua família destruída pelo abuso
do álcool normalmente por parte do marido.
Não podemos, entretanto, alimentar a ilusão de que essas igrejas são revolucionárias em
relação ao papel da mulher na comunidade religiosa. Embora haja avanços, o discurso ainda é
fortemente marcado pela ideia de submissão. Por exemplo, um dos trechos bíblicos usado
pelos pastores para reforçarem essa ideia, foi lido e comentado pelo pastor e líder estadual da
IIGD no culto que acompanhei em setembro de 2008.

Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor, porque


o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da
igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo. De sorte que, assim
como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam
em tudo sujeitas a seus maridos. Vós, maridos, amai vossas mulheres,
como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por
ela.64

Apesar de reconhecer a importância da mulher é perceptível a ambiguidade, ou mesmo o


reconhecimento de certa incapacidade feminina ao dizer que ―o marido é a cabeça da mulher‖,
este ponto, inclusive, bastante repisado na ocasião e em outros cultos. Aliás, fica implícito no
discurso tanto de uma igreja como da outra a impossibilidade da mulher ou do homem ter
uma vida plena sem estarem casados, e consequentemente, assumindo os papéis biblicamente
dados.
Na IURD os exemplos são mais numerosos devido a maior abundância de fontes. A
mensagem é direta. Submissão é a palavra chave:

A mulher de Deus pode estar no altar como pode estar no átrio. Se o marido dela está
no átrio, então ela tem que estar no átrio; se o marido está no altar, então ela tem que
estar no altar. Ela não tem o direito de escolher: se ela é casada, está submissa ao seu
marido. (...) Ela tem que seguir os passos do marido, porque ele é o cabeça dela. Não
é o que diz a Bíblia? A mulher que é submissa ao Senhor não discute: se submete,
simplesmente (MACEDO, 2005, p. 34).

A Passagem seguinte é representativa e revela outros posicionamentos do bispo Macedo


( 2005, p. 37) a respeito do papel da mulher e deixa escapar abertamente um forte preconceito.

A mulher sábia se mantém calada. Não é você que vai dirigir a igreja. Ela é conduzida
pelo próprio Deus. Se a mulher é sábia, temente a Deus, sabe se posicionar no seu
lugar. Ela cuida da casa, não o marido. Ela educa seus filhos; lhes ensina o que devem

64
Diário de Campo. Ficha de Observação na IIGD. 21/09/2008. O trecho lido citado é Efésios 5:22-25.
104

fazer; tem autoridade sobre eles, dentro de casa. Na igreja, todavia, a autoridade
pertence ao marido (...). A esposa de bispo, ou do pastor, se mantém numa posição
bem discreta, tal qual mulher sábia e sensata, falando o necessário. Vejam por
exemplo a minha esposa Ester. Ela nunca se envolveu na igreja. Não a vemos
pregando ou tomando decisões. É preciso tomar muito cuidado com a língua. A Bíblia
diz, no livro de Tiago, que todos tropeçamos em muitas coisas; se alguém não tropeça
no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o seu corpo. Com raras
exceções, a mulher fala demais. Muitas não ganham seus maridos para Jesus por
causa dessa insensatez. São egoístas, porque não querem ouvir; só falar. Graças a
Deus a minha esposa fala pouco.

Na passagem anterior o bispo se concentra principalmente nas esposas de pastores e


atribui às mulheres uma ideia presente no senso comum de que a mulher fala demais. Em
conversas, cultos e entrevistas apareceu diversas vezes uma expressão muito comum tanto na
IURD quanto na IIGD: murmurar. Esta palavra neste contexto remete as fofocas, conversas
no final do culto na porta da igreja e reclamações feitas eventualmente por parte de membros
contra pastores. Como a maioria dos frequentadores são mulheres, acaba-se reforçando a ideia
de que as mulheres falam demais.
Outro detalhe importante observado nos cultos de ambas as igrejas. É dado à mulher um
papel importante como causadora do adultério do próprio marido, as razões são variadas: não
ser carinhosa, não se embelezar65, não ser paciente e tolerante66, e por reclamar demais.

4.2 Ascese e Ética de trabalho árduo no neopentecostalismo e suas possíveis


consequências

Parte considerável de pessoas do meio acadêmico ou não, e até membros de igrejas


pentecostais mais tradicionais veem com bastante reservas as igrejas pentecostais mais
recentes, tachando-as de ―enganadoras‖ e as pessoas que as seguem de ―ignorantes‖ ou
―ingênuas‖, isso para usar os termos mais suaves.
Resta saber, entretanto, o que se pode ganhar ou perder mesmo em termos materiais ao
pertencer a uma igreja pentecostal.
Recorremos ao que diz Freston (2007a, p. 4). para pensarmos na possibilidade de
ascensão social individual e coletiva provocada pelo pentecostalismo:

A conversão tem frequentemente efeitos econômicos, especialmente quando ajuda


aqueles com vidas desorganizadas a ter maior controle. As pessoas aprendem a se
verem como agentes ao invés de vítimas, e seus benefícios são tanto mundanos

65
Uma clara diferença das igrejas pentecostais mais antigas, como a IPDA onde o embelezamento poderia ser
considerado pecado.
66
Diário de Campo. Ficha de Observação na IURD. 13/09/2008.
105

(melhora financeira, cura física e psicológica, reestruturação da vida familiar)


quanto extramundanos (salvação eterna). Combina uma intensa experiência
individual com o divino com um igual destaque na participação em uma
comunidade moral de fé. Oferece comunidades substitutas apoiadoras, afetivas e
igualitárias. Sua ênfase nas várias formas de cura tem forte apelo em contextos onde
faltam os serviços sociais. Mesmo que sua linguagem possa frequentemente parecer
patriarcal, sua efetiva reconciliação de valores de gênero serve aos interesses das
mulheres pobres, que são de fato numericamente preponderantes nas igrejas.67

Dentro do contexto atual, a IURD e a IIGD oferecem aos seus membros um ―retorno‖
em termos de melhora na vida material ancorado na ―Teologia da Prosperidade‖, cuja eficácia
é constantemente repisada através dos testemunhos de empresários que obtiveram grande
sucesso.
Entretanto a realidade certamente não é essa para a maioria dos membros, de qualquer
forma, para uma boa parte dos convertidos, o pertencimento pode representar uma melhora
radical em vários aspectos das suas vidas, materiais e emocionais, sem necessariamente
enriquecer. Conforme nos lembra Freston (1994, p. 153).

Para o membro comum, as doações muitas vezes substituem os antigos gastos com
remédios, bebida ou drogas. Mesmo quando a conversão não trouxe uma economia
direta, pode ter suscitado novas atitudes que resultam em vantagens financeiras.
Para muitos membros, a doação à igreja e a racionalização do comportamento
econômico são inseparáveis. Vieram juntas e fazem parte de um pacote de
transformações; um pacote precário constantemente ameaçado pelos padrões antigos
de comportamento. A doação encarna o compromisso com o padrão novo e, como
tal, não é necessariamente contraproducente da perspectiva da economia doméstica.

Machado (1996, p. 28) também nos lembra dos aspectos da vida do convertido que
podem mudar para melhor após a conversão.

No caso específico da ética pentecostal, a ênfase na sobriedade dos trajes e a severa


restrição às relações sexuais extraconjugais, aos vícios e até a participação nas
chamadas festas profanas faz com que a adesão à comunidade religiosa transcenda o
nível da experiência religiosa. Afinal o converso passa a ―agir de forma coerente
com sua religião na qual busca a constante orientação de conduta‖, provocando uma
redefinição dos seus papéis e relações na família, no trabalho e demais espaços da
vida pública.

67
Conversion often has economic effects, especially when it helps those with disorganized lives get greater
control. People learn to see themselves as agents rather than as victims, and its benefits are as much this-worldly
(economic betterment, physical and psychological healing, restored family life) as other-worldly (eternal
salvation). It combines an intensely individual and experience of the divine with an equal stress on participation
in a moral community of faith. It offers supportive, affective and egalitarian surrogate communities. Their
emphasis on various forms of healing appeals greatly in contexts bereft of social services. Even though their
language may often sound patriarchal, their effective reconciliation of gender values serves the interests of poor
women, who are in fact numerically preponderant in the churches.
106

Ou seja, o ―pacote de transformações‖ mencionado por Freston e que é ―comprado‖ pelo


crente, ―custa‖ em termos financeiros o valor de ofertas e dízimos, e esse valores
normalmente são menores do que muitos gastavam em suas ―vidas mundanas‖. Além do novo
comportamento incutir uma ética de progresso provocada pela ―constante orientação de
conduta‖ mencionada por Machado.
Martin, comentando a conversão entre um grupo indígena no México, lembra que a
conversão possibilitou aos membros da comunidade ter uma melhora visível na qualidade de
vida, por conta do rompimento com os antigos hábitos que incluíam gasto de dinheiro nas
―fiestas‖ e no consumo de bebidas alcoólicas, além de incutirem uma ética de trabalho duro68.
As fontes pesquisadas indicam que pode haver um discurso com caráter também ascético
dentro de uma igreja pentecostal, como no caso da IURD e da IIGD.
Podemos perceber até algumas aproximações entre o discurso iurdiano e o discurso do
protestantismo histórico. Por exemplo, na obra ―O perfeito Sacrifício‖, o recado é bem claro e
demonstra certa aproximação com o discurso ascético do protestantismo histórico e mesmo a
ideia de vocação ressurge:

Qualquer trabalho espiritual ou material e secular, não importa para quem o


executamos, tem de ser o melhor. Se por acaso o trabalho que o cristão realiza não é
recomendado pela palavra de Deus, então é melhor que ele o abandone e se engaje
em outro tipo de serviço, a fim de poder trabalhar com todas as suas forças, realizar
o melhor e, também dessa maneira, agradar ao Senhor. (...) Sabemos que é difícil
servir ao não-cristão como se fosse ao Senhor; entretanto, aí está o valor da oferta de
sacrifício que, como tal, somente pode ser realizada por aqueles que de fato
pertencem a Deus! (MACEDO, 2001a, p. 34).

No mesmo livro em que Macedo (2001a, p. 46) diz: ―o preço de uma conquista é
proporcional ao seu tamanho‖, ele também diz: ―Cumprir com suas obrigações e realizar
todas as tarefas como se Deus fosse o seu patrão ou empregado é o que se espera do cristão‖
(2001a, p. 36). Há ainda outras demonstrações de ascese cristã por parte de Macedo (2001a, p.
44), por exemplo, quando ele diz: ―as nossas regalias e privilégios celestiais dependem do tipo
de vida que temos ofertado a Deus‖. Mesmo a IURD não tendo um controle rígido sobre a
moral dos membros, ao menos em seu discurso a igreja prega a ―retidão‖.

68
Those Mayos who became Protestant, which effectively means Pentecostal, initiated a major change of life,
notably by gaining freedom from the fiesta system and from the obligation of fiesteros to give away huge
quantities of food. To reject the obligations of the fiesta helped them get together more money for consumer
goods and the education of their children. They also saved money by their rejection of all entertainment,
especially drinking. Yet the rejection of waste and indulgence was not a rejection of wealth. Pastors encouraged
their congregations to work hard, educate their children and improve their material conditions. (MARTIN, 1990,
p. 211).
107

A obra ―Como ser bem-sucedido na Vida Profissional‖, de autoria do bispo Natal


Furucho (2003)69 pode ser considerada um autêntico livro de autoajuda. Totalmente
direcionada ao ―empregado‖, pois, segundo o autor (2003, p. 7), ―O sonho de todo trabalhador
é galgar espaços significativos na empresa em que trabalha‖. Esta frase por si só já é bastante
reveladora da intenção da obra e é mais realista com o fato de que nem todos os membros da
IURD poderão vir a ser empresários. Caso contrário, possivelmente a frase seria: ―O sonho de
todo empregado é tornar-se patrão‖ ou algo semelhante, e não há absolutamente nada nesta
obra apontando neste sentido. Trata-se de uma obra de 127 páginas dividida em duas partes. A
primeira parte compõe-se de 17 capítulos que são conselhos de como deve ser a conduta de
um empregado cristão. A segunda parte é composta de 12 capítulos nos quais o autor
recomenda o que um empregado deve evitar em sua conduta profissional.
São capítulos pequenos que trazem sempre no final um versículo bíblico que justifique
ou tenha alguma relação com o conselho do autor. É importante ressaltar que quase todos os
conselhos são permeados por lições de obediência, respeito, esforço, trabalho árduo,
resignação e seriedade, lembrando em muito as características da ética de trabalho do
protestantismo histórico levantadas por Weber, ao citar os escritos de Benjamin Franklin.
Os títulos dos capítulos em si já são bastante reveladores. Na primeira parte do livro
intitulada ―Subindo os degraus do sucesso‖ os capítulos são os seguintes: A boa conduta; Seja
pró-ativo; Comprometa-se com a empresa; Seja responsável; Respeite as normas da empresa;
Conheça o seu local de trabalho; Zele pelo patrimônio da empresa; Aprenda o serviço; Evite o
retrabalho; Cumpra os horários; Trate bem a chefia; Qualifique-se; Esforce-se mais; Trabalhe
sem partidarismo; Seja educado; Seja humilde; Saiba ouvir; Seja simpático.
Na Segunda parte intitulada ―Descendo os degraus do sucesso‖ os conselhos são
direcionados ao que deve ser evitado pelo trabalhador. Os capítulos da segunda parte são os
seguintes: O que se deve evitar no trabalho; Não viva reclamando; Não seja desperdiçador;
Não fale sem necessidade; Não fique passeando no horário de serviço; Não brinque em
serviço; Não use o telefone inadequadamente; Não crie confusão; Não seja ardiloso; Não seja
obstinado; Não seja inconveniente; Corrigindo as falhas, e finalmente a conclusão, cujo título
é ―O propósito de Deus para um profissional cristão‖. A ideia central de cada capítulo já está
contida no próprio título. O que o autor faz é simplesmente discorrer a respeito de cada
conselho dado.

69
Natal Furucho é um dos principais líderes da IURD, foi ele quem pessoalmente fundou e organizou a IURD no
Japão e atualmente ele é presidente da Universal Produções e suplente do senador iurdiano Marcelo Crivella,
além de apresentar alguns programas televisivos da IURD, como o ―Fala que eu te escuto‖.
108

Não podemos negar que há fortes diferenças entre o neopentecostalismo e o


protestantismo histórico em relação à ideia de prosperidade, entretanto, também há algumas
aproximações. Enquanto no protestantismo histórico, segundo Weber, pregava-se uma
conduta ascética por parte do crente, no pentecostalismo, especialmente no
neopentecostalismo da Teologia da Prosperidade, apesar de ter-se percebido certa
liberalização dos costumes e um incentivo ao consumo, também apresenta a sua ascese laica.
Entretanto deve ficar claro que a ascese do pentecostalismo não é a mesma do protestantismo
histórico, apesar das aproximações, o que chamaremos aqui de ―ascese pentecostal‖ tem suas
especificidades.
Na fonte que citamos a seguir, do ano de 1992, um advogado que assina uma coluna no
jornal Folha Universal assume claramente que a IURD inspirou-se no protestantismo histórico
para elaborar seu discurso em relação à prosperidade.

Em nosso país, é fato indiscutível que ainda existe o predomínio aristocrático do


trabalho (...) Lá fora, o homem vale pelo que conquistou com seu trabalho, qualquer
que seja seu ramo de atividade. (...) Desenvolvemos uma ternura esquisita para com
os derrotados, a quem não ajudamos, e criticamos as pessoas bem-sucedidas, como
se elas fossem culpadas pelo seu êxito. (...) Max Weber ensinava que as
insuficiências espirituais ibéricas – por extensão, a portuguesa – face ao predomínio
da Igreja católica, tinham impedido ou dificultado a formação do espírito do
capitalismo. (...) Em nosso entendimento, a riqueza só deverá ser condenada na
medida em que venha a se constituir uma violentação aos princípios da ética ou uma
tentação para o ócio, desfrutando seus beneficiários de vantagens ilícitas ou de uma
forma parasitária do trabalho acumulado por outras pessoas. Entretanto, não vemos
por que deixar de imitar os que fizeram do seu labor um instrumento de realização
pessoal. (...) e não há que falar em milagres, porque o Criador só ajuda os que
trabalham, mas em esforço pertinaz, feito de garra, espírito de luta, honradez e amor
ao próximo (BENÍCIO, 1992, p. 7).

A citação anterior revela que ao menos os intelectuais da Igreja Universal beberam na


fonte weberiana para elaborar seu discurso, embora de forma vaga, discurso este que busca
vincular-se ao discurso do protestantismo histórico. Fica evidente também a celebração da
riqueza e a condenação da pobreza e do fracasso financeiro.

Muitos autores vêm observando há algum tempo que a IURD mantém uma pregação
maciça voltada aos empresários ou às pessoas que queiram enriquecer, por meio de cultos
direcionados ao interesse deste segmento (corrente dos empresários, corrente da prosperidade
e atualmente corrente dos 31870). Temos referência empírica deste fato no Jornal Folha

70
A ―Corrente dos 318‖ ou ―Vigília dos 318‖ é um culto semanal específico, que acontece nas segundas-feiras e
é direcionado para a prosperidade e o empreendedorismo, bem como para a busca de emprego. Em alguns dias
da corrente, na sede estadual em Florianópolis e em templos de maior porte, dezenas de pastores, obreiros e
obreiras participam do culto trajando coletes com os dizeres ―corrente dos 318‖ representando os ―318 homens
109

Universal, em 199271. É fato também que há um incentivo constante nas pregações da IURD e
em suas publicações de que o fiel torne-se empresário, conforme o editorial da revista
iurdiana Plenitude, de outubro de 1989, assinado por Edir Macedo (1990):

Por que os filhos do diabo mantém o controle das maiores indústrias, dos maiores
bancos, das maiores lojas comerciais, das maiores empresas de jornais, revistas,
rádio e televisão do mundo? Por que é que os filhos de Deus, normalmente, são os
empregados, e às vezes, até escravos dos filhos do diabo? Por que é que tudo que há
de melhor neste mundo pertence aos filhos do diabo ao invés dos filhos de Deus?
Por quê? Será que Deus é pobre e o diabo é rico? Ou será que Deus é tão egoísta ao
ponto de desejar que os seus filhos vivam uma vida mesquinha nesta terra? Não,
meu amigo leitor. Mil vezes não. Deus é o proprietário de tudo que existe neste
mundo, pois foi ele quem criou todas as coisas neste mundo para que os Seus filhos
pudessem viver abundantemente e assim manifestarem a Sua glória diante daqueles
que não o tem como Pai eterno.

Freston (1994, p. 150) observou em suas pesquisas que isto vinha causando certo
desconforto entre os que não eram empresários e não tinham aptidões, condições, nem
tampouco intenções de vir a ser:

Qual o efeito social da teologia pregada pela IURD: leva ao acionamento de


mecanismos sociológicos de ascensão social, ou cria uma dependência de
mecanismos não-racionais de enriquecimento? As recomendações são filtradas
criticamente pelos membros. Como afirma uma senhora recém convertida: ―Não
vou perder [meu emprego, para abrir um negócio], tenho que pegar a minha
aposentadoria. A gente tem que ter o capital também. O pastor diz que Deus é muito
rico, é dono do ouro e da prata. Mas eu acho que não é tanto assim‖.

Por exemplo, uma das entrevistadas em Florianópolis, frequentadora da IURD, relatou-


me um pouco de sua vida e sua ideia a respeito do que ela entende por prosperidade
abençoada por Deus. Ela tinha nível superior e era professora particular, e, no seu
entendimento, ser plenamente abençoada na vida financeira era ter todos os seus horários
disponíveis preenchidos por alunos obtendo assim um ganho suficiente para lhe dar certo
conforto. Bem diferente dos testemunhos de megaempresários.
Nos cultos que enfocam a prosperidade mantêm-se ainda a ênfase nos empresários, mas
fala-se também no empregado assalariado. Conforme presenciamos no culto em 5/01/2004, as
orações do pastor eram destinadas também ao trabalhador assalariado e àquele que procurava
emprego, e não somente aos que queriam formar um novo empreendimento, embora isto

de Deus‖ numa referência ao livro de Gênesis 14, e ficam ora distribuídos pelos corredores do templo, ora
concentrados na frente, nos momentos principais de orações.
71
―A corrente dos milionários é a reunião da prosperidade que vem sendo realizada todos os sábados na sede
nacional da Igreja universal na abolição. O pastor Laurindo Pinheiro Convida todos que desejarem ter
prosperidade a comparecer às 19:00 na Abolição‖. A CORRENTE dos Milionários, 1992.
110

também fosse enfocado no culto. Aliás, já se verifica uma preocupação da IURD em enfocar,
no seu discurso, trabalhadores empregados e desempregados desde pelo menos 1992.72 Só que
nessa época, a ênfase principal do discurso era que o assalariado ―mudasse de vida‖, ou seja,
passasse de assalariado a empregador73. A citação anterior de Freston e as fontes por nós
levantadas, entretanto, mostram claramente a mudança do discurso iurdiano nos últimos
tempos.

4.3 Possibilidades de Transformação da Sociedade provocadas pelo neopentecostalismo

Nos últimos anos ganhou força na academia e tem se espraiado para fora dela a ideia de
que a presença ou ausência de Capital Social (CS) tem influência direta sobre o
desenvolvimento dos povos, e que, portanto, dependendo da interpretação, alguns povos
estariam fadados a ter um desenvolvimento mais lento pela pouca presença de capital social, e
por outro lado, este estoque de capital social poderia ser criado mesmo entre populações que
não o tinham por tradição.
O conceito de CS tem sido elaborado há pelo menos algumas décadas, mas foi a partir
da obra de Robert Putnam que o conceito ganhou notoriedade mundial fora e dentro do
mundo acadêmico.
Antes de qualquer discussão, devemos buscar um conceito para aquilo que estamos
chamando de CS.

Capital social está definido aqui por três fatores inter-relacionados: confiança,
normas e cadeias de reciprocidade e sistemas de participação cívica – sistemas que
permitem às pessoas cooperar, ajudar-se mutuamente, zelar pelo bem público,
promover a prosperidade. Diferentemente de outros capitais, constitui um bem
público, não é apropriado privadamente nem produz resultados individuais
(D‘ARAUJO, 2003, p. 19).

A conceituação que a autora deu parece bem concisa, entretanto, parece um tanto
entusiasmada e otimista quando diz que o CS ―não é apropriado privadamente nem produz
resultados individuais‖. Embora várias pesquisas normalmente apontem melhoria no padrão
de vida das pessoas envolvidas em projetos de geração ou uso do capital social existente, não
se pode negar que certas pessoas ou empresas acabam tendo um benefício maior, seja com o

72
―A festa dos trabalhadores será comemorada hoje as 17h00 na Iurd de Jardim Primavera I, quando o pastor
Carlos Dutra estará orando pelo povo trabalhador e desempregados.‖ A FESTA dos Trabalhadores, 1992.
73
―Todos os sábados a IURD de Olavo Bilac realiza a Corrente dos Assalariados, às 6h:30min. O pastor
Djailton, que coordena a reunião, convida todos que estão insatisfeitos na vida financeira a participar dessa
reunião de mudança.‖ A FESTA dos Trabalhadores, 1992.
111

aumento da produtividade ou maior poder de inserção no mercado e eficiência. Todos podem


sair ganhando, mas alguns ainda mais que os outros.
Dentro da ideia de CS, utilizo aqui um conceito que considero relevante que é a ideia de
―capital espiritual‖, ou seja, uma subdivisão ou um elemento que ajuda a constituir o CS.

Em outras palavras, capital social refere-se à poder, influência, conhecimento e


disposições que um indivíduo adquire pelo fato de ser membro em uma rede ou
grupo. Capital espiritual pode ser pensado como uma subespécie do capital social,
referente à poder, influência, conhecimento e disposições criadas pela participação
em uma tradição religiosa particular. 74

Uma das questões-chave na conceituação de CS é a capacidade que uma determinada


comunidade tem de fazer com que seus membros cooperem mutuamente a fim de atingirem
um bem comum. Neste ponto reside uma polêmica entre Putnam e alguns de seus críticos a
respeito de um certo determinismo histórico (CREMONESE, 2006, p. 93) que estabeleceria
de antemão que certas comunidades não poderiam ter grandes avanços na criação de estoques
de capital social.
De acordo com Putnam (1996, p. 177) ―A cooperação voluntária é mais fácil numa
comunidade que tenha herdado um bom estoque de CS sob a forma de regras de reciprocidade
e sistemas de participação cívica.‖. Advindo daí a ideia de que em países como o Brasil, por
exemplo, ficaria bem mais difícil criar e usufruir do CS devido a nosso passado colonial
(PUTNAM, 1996, p. 189).
Aliás, já há uma discussão bem antiga a respeito das consequências do modelo colonial
aqui implantado (CREMONESE, 2006, p. 83). Freyre (2005, p. 32), por exemplo, discutindo
com Caio Prado Jr., nos dizia que ―Por menos inclinados que sejamos ao materialismo
histórico, (...) temos que admitir a influência considerável (...) da técnica da produção
econômica sobre a estrutura da sociedade na caracterização da sua fisionomia moral‖,
admitindo o efeito nefasto que o modelo escravista possa ter causado no processo de
formação da sociedade brasileira.
Em relação ao desenvolvimento econômico do Brasil, Caio Prado Jr. (2000, p. 11)
lembra do ―sentido da colonização portuguesa no Brasil‖. Sérgio Buarque de Holanda (2005,
p. 110) vai um pouco além na sua análise e lembra da característica principal da colonização
portuguesa, de obter lucros rápidos e fáceis, de preferir a feitoria à cidade, partindo da própria

74
In other words, social capital refers to the power, influence, knowledge, and dispositions an individual
acquires by virtue of membership in a network or group. Spiritual capital might be thought of as a sub-species of
social capital, referring to the power, influence, knowledge, and dispositions created by participation in a
particular religious tradition. (BERGER; HEFNER, 2008, p. 3).
112

língua portuguesa ele lembra: ― ―Desleixo‖ – palavra que o escritor Aubrey Bell considerou
tão tipicamente portuguesa como ―saudade‖ e que, no seu entender, implica menos falta de
energia do que uma íntima convicção de que ―não vale a pena‖, ou seja, a obra colonizadora
portuguesa no Brasil, segundo esses autores, foi totalmente imprevidente e quase nunca se
pensou no desenvolvimento da então colônia.
Seguindo nesta vertente, foram inevitáveis as comparações com os EUA ressaltando a
suposta superioridade daquela nação. Caio Prado (2000, p. 15), por exemplo, considerava o
modelo de colonização da América do Norte, em especial o dos EUA como um modelo
superior ao implantado no Brasil pelos portugueses: ―O que os colonos desta categoria
(ingleses na América do Norte) têm em vista é construir um novo mundo, (...) seja por
motivos econômicos ou religiosos‖. O tipo de colonização aqui implantada é criticado pelos
três autores, e os três apontam características que consideram marcantes no colono português,
especialmente o mais abastado. A Preguiça, o desleixo.
Sérgio Buarque de Holanda (2005, p. 43), por exemplo, explora o tema com
profundidade e chega a ser taxativo: ―Essa exploração dos trópicos não se processou, em
verdade, por um empreendimento metódico e racional, não emanou de uma vontade
construtora e enérgica: fez-se antes com certo desleixo e abandono. Dir-se-ia mesmo que se
fez apesar de seus autores.‖ O autor trabalha com esta questão usando a metáfora do
―aventureiro e do trabalhador‖. Segundo ele (2005, p. 44), ―existe uma ética do trabalho e
uma ética da aventura‖ e nas suas considerações o português foi acima de tudo um
aventureiro. Além disso, o autor considera o colonizador ibérico de uma maneira geral
preguiçoso, segundo ele (2005, p. 38): ―Uma digna ociosidade sempre pareceu mais
excelente, e até mais nobiliante, a um bom português, ou a um espanhol, do que a luta insana
pelo pão de cada dia‖.
Pensando nas bases do conceito de CS, retomo um dos clássicos que foi talvez um dos
primeiros a tratar do tema mesmo sem nunca ter usado o termo. Tocqueville (2005; 2004) no
seu ―A Democracia na América‖, obra de dois volumes publicados respectivamente em 1835
e 1840, após o autor passar algum tempo viajando pelos EUA. O autor tenta retratar da forma
mais precisa possível as leis, costumes e a história de uma nação que ele admirava. Nesta obra
ele traça um perfil de uma nação que considerava predestinada a tornar-se uma das mais
poderosas do mundo, por conta de suas características naturais, de sua história e de sua
sociedade (BORBA; SILVA, 2006, p. 113), baseada, segundo ele, na igualdade e na
liberdade, de seu povo.
113

Segundo o autor, o desenvolvimento das colônias da América do Norte se dará pela


força dos imigrantes europeus, que vinham com a esperança de ter liberdade de culto no novo
mundo e de poder constituir um modo de vida que estivesse mais de acordo com sua ética
religiosa75, tendo como ponto alto a liberdade de culto cristão, característica que o autor
considerou marcante na história dos EUA. De acordo ainda com ele (2005, p. 50), ―na
América, é a religião que leva às luzes; é a observância das leis divinas que conduz o homem
à liberdade‖, ou ainda, que o ―caráter da civilização anglo-americana (...) é o produto (...) do
espírito de religião e o espírito de liberdade (TOCQUEVILLE, 2005, p. 51)‖.
A característica mais marcante da sociedade dos Estados Unidos desde os tempos
coloniais, de acordo com Tocqueville (2004, p. 131), é a sua incrível capacidade de
associativismo:

Os americanos de todas as idades, de todas as condições, de todos os espíritos, se


unem sem cessar. Não apenas têm associações comerciais e industriais de que todos
participam, mas possuem além dessas mil outras: religiosas, morais, graves, fúteis,
muito gerais e muito particulares (...) os americanos se associam para dar festas,
fundar seminários, construir albergues, erguer igrejas, difundir livros.

A propósito, tomo emprestado de Max Weber o mesmo personagem que ele usou para
exemplificar a sua ―ética protestante‖; Benjamin Franklin, um dos personagens históricos
mais importantes dos EUA pela sua carreira de político (atuação na guerra de independência)
e inventor (do para-raios, por exemplo), mais que isso, Franklin se tornou um exemplo de
homem que ―se fez‖ apesar da origem humilde, e se tornou uma espécie de ideal do que era,
ou ao menos poderia ser um autêntico cidadão americano.
A Autobiografia de Franklin (2005, p. 28), escrita com o aparente propósito de servir
como uma espécie de guia para seu filho, narra as dificuldades que ele enfrentou para
sobreviver e prosperar em um país que estava em franco desenvolvimento e mostra alguns
aspectos importantes da história deste, como, por exemplo, ao narrar a dificuldade de seus
antepassados de cultivarem sua fé protestante ainda na Grã-Bretanha.
Certas características mostradas por Tocqueville em relação aos costumes americanos
também são mostrados por Franklin (2005, p. 83), quando dá exemplos de associativismo ao
fundar ainda na juventude uma associação de aprendizado mútuo e uma biblioteca em
associação inicialmente com 40 pessoas e que acabou servindo de modelo para todo o país
(2005, p. 95). Além disso, também em associação com os moradores, criou um corpo de

75
O autor destaca o conjunto de leis adotado ainda no século XVII por alguns estados, leis estas baseadas em
preceitos bíblicos (TOCQUEVILLE, 2005, p. 46).
114

bombeiros e polícia profissionalizados (2005, p. 130), e até mesmo um templo religioso para
uso de pregadores itinerantes (2005, p. 132), fundando posteriormente nestes mesmos moldes,
hospitais e universidades.
Por outro lado, já há uma longa discussão dentro da sociologia a respeito da influência
de elementos religiosos sobre o desenvolvimento econômico e vice-versa. Uma das obras
mais importantes e influentes sobre o tema foi ―A ética protestante e o espírito do
capitalismo‖ publicada inicialmente em 1904. As observações de Weber, por sua vez, também
foram em parte fundamentadas a partir da análise de certos costumes da sociedade americana,
que lhe rendeu também o ensaio ―As seitas protestantes e o espírito do capitalismo‖, uma
espécie de sequência da ―Ética‖.
Weber (2003, p. 37.) deixa clara a relação entre capitalismo e protestantismo a partir da
seguinte constatação: dentro de um país de composição religiosa mista ―os donos de negócios
e donos do capital, assim como os trabalhadores mais especializados e o pessoal mais
habilitado técnica e comercialmente das modernas empresas é predominantemente
protestante‖. Certamente, em nenhum momento Weber vai afirmar que foram os protestantes
os criadores do capitalismo moderno, ele só afirma que foi entre os protestantes que o
capitalismo melhor se desenvolveu. Para Weber, o praticante do protestantismo,
principalmente o de matriz calvinista, estaria mais predisposto a abandonar o tradicionalismo
econômico76 e, portanto, absorver novas ideias em relação à produção.
Mas de que forma se desenvolveu esta característica entre os protestantes históricos?
Weber (2003, p. 68) faz a sua análise partindo do conceito de vocação para Lutero e já mostra
como a própria ideia de vocação pode colaborar no desenvolvimento de uma forma racional e
metódica de trabalho.

(...) a valorização do cumprimento do dever nos afazeres seculares como a mais


elevada forma que a atividade ética do indivíduo pudesse assumir. E foi o que
trouxe inevitavelmente um significado religioso às atividades seculares do dia-a-dia
e fixou de início o significado de vocação como tal.

Além da ideia de vocação existente no luteranismo, malgrado o tradicionalismo


econômico de sua doutrina, Weber (2003, p. 83) percebe características do calvinismo que
favoreceram a difusão do capitalismo neste meio. A predestinação e a prosperidade como
sinais de eleição incentivavam o crente a prosperar. Apesar de que ―(...) não havia meios

76
Tradicionalismo econômico, para Weber, são as formas de trabalho tradicionais, visando normalmente a
subsistência do trabalhador e a simples manutenção de seu status, sem progresso. ―O homem não deseja
naturalmente ganhar mais e mais dinheiro, mas viver simplesmente como foi acostumado a viver e ganhar o
necessário para isso (WEBER, 2003, p. 54)‖.
115

mágicos de se obter a graça de Deus para aqueles a quem Ele negara, como não havia meio
algum.‖, o calvinista não se dava por vencido, e mesmo acreditando na predestinação ―(...) o
calvinista, como às vezes se diz, criava por si a própria salvação ou, como seria mais correto,
a convicção disso (WEBER, 2003, p. 90)‖ pelo trabalho, que lhe levaria à prosperidade.
Weber (2003, p. 85) vai mais longe e percebe aproximações entre luteranos e calvinistas em
torno da ética do trabalho:

Os cristãos eleitos estão no mundo apenas para aumentar a glória de Deus,


obedecendo a Seus mandamentos com o melhor de suas forças. Deus, porém, requer
realizações sociais dos cristãos, por que Ele quer que a vida social seja organizada
conforme Seus mandamentos, de acordo com tais propósitos. A atividade social dos
cristãos no mundo é apenas uma atividade in majorem gloria Dei. Esse caráter é
pois partilhado pelo trabalho dentro da vocação, que propicia a vida mundana dentro
da comunidade. Mesmo em Lutero encontramos o trabalho especializado no âmbito
da vocação justificado em termos de amor fraternal. O que porém para ele
permaneceu incerto, uma pura sugestão intelectual, tornou-se para os calvinistas um
elemento característico de seu sistema ético. O amor fraternal, uma vez que só
poderia ser praticado pela glória de Deus e não em benefício da carne, é expresso
em primeiro lugar pelo cumprimento das tarefas diárias, dadas pela Lex naturae; e
no processo, essa obediência assume um caráter peculiarmente objetivo e impessoal,
a serviço do interesse da organização racional do nosso meio social.

Além da transformação que a pertença à uma ―seita‖ poderia provocar no indivíduo,


Weber percebe também certas implicações sociais que o pertencimento poderia provocar. Por
exemplo, em sua obra ―As Seitas Protestantes e o Espírito do Capitalismo‖ nos relata a partir
de observações feitas em in loco nos EUA do início do século XX, de como o pertencimento a
uma ―seita‖ poderia servir como um forte elemento que propiciaria ao indivíduo crédito,
confiança e prestígio social, o que automaticamente lhe favoreceria, por exemplo, ao abrir e
manter um negócio próprio ou até mesmo ser socorrido por seus colegas da mesma
congregação em tempos difíceis, inclusive com empréstimo facilitado de dinheiro (WEBER,
s/d, p. 212).

4.3.1 Algumas ressalvas quanto à geração de capital social pelo pentecostalismo

O conjunto das igrejas pentecostais, em contextos globais e regionais, apresentam


grande potencial de geração de capital social, entretanto, alguns dados empíricos mais atuais
sinalizam que em muitos contextos, este fenômeno ainda precisa de amadurecimento.
Por exemplo, analisando o resultado da pesquisa Spirit and Power publicada em outubro
de 2006 pelo instituto The Pew Forum on Religion and Public Life, de Washington,
116

percebemos que certas atitudes são contraproducentes à criação de CS, enquanto outras
atitudes já revelam uma diferenciação dos pentecostais em relação à população em geral.
Por exemplo, a bibliografia a respeito do CS costuma apontar como uma das
características principais a existência de associações ou elementos que busquem participação
coletiva e frequente. Nesta direção, os pentecostais apresentam a taxa de 86% de frequência
ao menos semanal aos cultos de sua igreja (para muitas pessoas a frequencia é ainda maior),
enquanto que na população geral é de apenas 38% (Spirit and Power, 2006, p. 18).
O desenvolvimento de atividades religiosas que possam redundar em maior integração
ou até desenvolvimento de redes de relacionamento também é maior entre os pentecostais do
que entre os outros grupos religiosos. Sobre a pergunta ―Com que frequência você
compartilha sua fé com não crentes (faz proselitismo)? – 68% dos pentecostais disseram que
fazem ao menos uma vez por semana, contra 28% da população em geral (SPIRIT AND
POWER, 2006, p. 21).
Outros itens que envolvem participação em grupo também se destacam entre os
pentecostais. O estudo bíblico em grupo, uma prática que remonta às origens do
pentecostalismo no Brasil é praticado por 59% dos pentecostais, contra 20% das outras
denominações religiosas (SPIRIT AND POWER, 2006, p. 22).
Outra característica comum no meio pentecostal e que pode ser um elemento facilitador
de formação de redes é o trânsito religioso, ou seja, a mudança para outras igrejas ou
religiões que muitas pessoas fazem ao longo de sua vida, sendo um fenômeno muito
acentuado no meio pentecostal, sendo que 62% dos pentecostais abordados na pesquisa já
fizeram isso pelo menos uma vez na vida, contra 26% dos membros de outros tipos de igreja
(SPIRIT AND POWER, 2006, p. 32). É impotante destacar que essa prática costuma provocar
nas pessoas um maior conhecimento do ambiente religioso e da comunidade, além de muitas
vezes ampliar o círculo de amizades.
Por outro lado, a herança histórica da cultura brasileira que discutimos anteriormente
ainda se faz presente também no meio pentecostal. Por exemplo, o índice de ―confiança nos
outros, é técnicamente o mesmo, na população geral é de apenas 2% e entre os pentecostais é
de 3% (SPIRIT AND POWER, 2006, p. 44), em ambos os casos índices bem baixos.
No item ―confiança em outras pessoas‖ percebe-se que há confiança muito maior entre
os pentecostais da mesma igreja, 23% do que entre os de outras denominações, que possuem
índice de confiança interna de apenas 13% (SPIRIT AND POWER, 2006, p. 45).
117

No item, ―confiança nas instituições‖ (SPIRIT AND POWER, 2006, p. 47) como
governo, forças armadas e mídia os pentecostais repetem a tendência geral e apresentam
índices ainda mais baixos que os índices gerais, aproximadamente de 1%.
Na pergunta ―Em sua opinião, os grupos religiosos deveriam se manter fora de assuntos
políticos?‖ (SPIRIT AND POWER, 2006, p. 57) os pentecostais demonstraram estarem mais
envolvidos com os assuntos políticos, ou ao menos apoiam este posicionamento, pois 65%
deles se disseram favoráveis à combinação de igreja e política, contra 57% do índice geral. O
que demonstra a mudança que já vem se operando no meio pentecostal há algumas décadas,
na direção de promover maior envolvimento político das igrejas e de seus membros, apoiando
abertamente candidatos da igreja e recomendando o voto dos féis à estes candidatos
(FRESTON, 1993).
Algumas características inerentes ao pentecostalismo podem ter efeito contrário ao
esperado. Por exemplo, o intenso trânsito religioso também pode tornar-se um elemento
desagregador de uma comunidade maior do que uma denominação específica. Uma
denominação pode ser internamente forte e coesa, mas não conseguir reproduzir esta mesma
força e coesão ao tenta interagir com outras denominações.

Mas os exatos mecanismos pelos quais as religiões criam Capital Social são
disputados. A distinção que Putnam (1993) faz entre ‗bonding capital‘ e ‗bridging
capital‘ parece relevante, especialmente para muitas igrejas evangélicas cujo intenso
envolvimento em comunidade pode criar muito do primeiro mas uma carga negativa
do último. Há uma considerável evidência de um efeito de ‗transbordamento‘ da
militância religiosa para a militância política. Além disso, ‗minorias‘ tendem a ser
bem representadas no evangelicalismo do Terceiro Mundo, o que pode abrir novos
canais para a participação política. Uma recente pesquisa no Rio de Janeiro mostrou
que mulheres pentecostais eram mais interessadas em votar que as mulheres de
outras religiões ou sem religião (FRESTON, 2004, p. 21).77

Em síntese, acredito realmente na possibilidade do pentecostalismo apresentar-se como


um diferencial na geração de capital social e dos efeitos positivos que poderão acontecer a
partir disso. Entretanto não podemos ser tão otimistas, pois a dinâmica de desenvolvimento do
meio evangélico é altamente complexa e o meio é extremamente multifacetado. Não é
possível prever a atuação de um grupo que há poucas décadas era marginalizado e que aos
poucos vem conquistando espaços importantes no mundo secular como um todo.

77
But the exact mechanisms by which religions create social capital are disputed. Putnam‘s (1993) distinction
between ‗bonding capital‘ and ‗bridging capital‘ seems relevant, especially to many evangelical churches whose
intense community involvement may create much of the former but a negative charge of the latter. There is
considerable evidence of a ‗spillover‘ effect from religious militancy to political militancy. In addition,
‗minorities‘ tend to be well represented in Third World evangelicalism, which can open up new channels to
political participation. A recent poll in Rio de Janeiro showed that pentecostal women were more interested in
voting than were women of other religions or none (FRESTON, 2004, p. 21).
118

4.4 Discurso e ação social da IURD como estratégia de legitimação

Já é de longa data a discussão no meio acadêmico sobre a questão Pentecostalismo x


Pobreza, e diversos autores já defenderam a ideia de que a expansão pentecostal sempre
aconteceu com maior intensidade nas camadas sociais mais baixas da população brasileira.
Por exemplo, Rolim defende que o pentecostalismo sempre se desenvolveu melhor entre as
camadas mais pobres da população devido ao tipo de ―catolicismo devocional‖ que esta
população já praticava, e segundo este autor, o caminho já estava sendo aberto por algumas
igrejas protestantes. Vejamos o que diz Rolim (1994, p. 21) a respeito dos primórdios da
expansão da AD em Belém do Pará:

A periferia urbana de Belém acenava para os batistas, que além de proselitistas e por
isso mesmo buscavam espaços onde lançar o que denominavam de evangelização
direta. A orla urbana, habitada na época pela pobreza e não pela riqueza e
suntuosidade de moradias, era a disponibilidade ao alcance da igreja batista.
Disponibilidade significa aqui simplesmente espaço não ocupado pelo catolicismo
oficial e povoado por gente pobre trazendo de longa data nos sentimentos e na alma
a devoção aos santos.

Rolim (1994, p. 25) defende com certa veemência a ideia de que o pentecostalismo se
expande graças à situação de pobreza de boa parte da população, nas palavras dele ―os
segmentos empobrecidos da sociedade foram e continuam sendo o meio social em que as
igrejas pentecostais medraram e se expandiram‖. Certamente não dá para desprezar a relação
entre pobreza e pentecostalismo, mas seria reducionismo explicar a vertiginosa expansão
pentecostal dos últimos anos unicamente a partir da questão socioeconômica. Um dos sinais
de que este pensamento deve ser no mínimo revisto é o forte crescimento do pentecostalismo
nas duas últimas décadas registrado nas camadas médias urbanas, e mesmo o surgimento de
instituições pentecostais voltadas a homens de negócios, como a ADHONEP (Associação de
Homens de Negócios do Evangelho Pleno) (CAMPÁ, 1998.), além da literatura produzida
para empresários, conforme já mencionamos.
A relação entre riqueza/pobreza e pentecostalismo não está totalmente resolvida entre
seus adeptos. O trabalho de Mina (2004, p. 25) aponta que, ―no quesito da pluralidade social,
as identificações mais tradicionais da AD, principalmente as externas, estão sendo postas em
xeque por uma nova classe de membros que experimenta um processo de ascensão social,
causando certo mal-estar entre as alas mais conservadoras da igreja.‖ Essa questão encontra
solução na lógica interna do discurso da IURD, por ser adepta da Teologia da Prosperidade.
119

Como observa Freston (1994, p. 147) ―a TP ensina que a pobreza é resultado de falta de fé ou
de ignorância‖. Sendo assim, o discurso da IURD, a um só tempo, explica a pobreza, não
marginalizando o pobre. Dessa forma, atribui aos demônios o fracasso financeiro, eximindo o
crente da culpa por ser pobre (mas não compactuando com a pobreza). Nessa direção a IURD
vai apostar em projetos sociais.
Além do acima exposto, não podemos deixar de lembrar que, apesar das obras
assistenciais oferecidas, a IURD sempre prega que as bênçãos materiais e a salvação são
conquistas individuais. Portanto, apesar das possíveis boas intenções que possam estar por
trás destas obras mantidas pela igreja, percebe-se uma provável intenção da igreja e seu braço
midiático de demonstrar a sua capacidade de resolver problemas sociais do Brasil. Não por
coincidência que o Projeto Nordeste ajudou a alavancar as carreiras do bispo Marcelo Crivella
como cantor e político da igreja, com forte exposição na Rede Record de televisão e
distribuição de DVD‘s nos templos explicando o projeto. Além disso, a Rede Record e a
IURD têm de se mostrarem capazes de realizar grandes obras assistenciais semelhante à Rede
Globo (Criança Esperança) e à Igreja Católica com suas diversas pastorais.
De acordo com Machado (MACHADO, 2003, p. 303), ―a história da assistência social
no Brasil encontra-se fortemente imbricada nas iniciativas das instituições religiosas‖. A
autora (2003, p. 304) destaca como pioneiros os católicos e espíritas. Vale lembrar uma das
leis do espiritismo: ―fora da caridade não há salvação‖ (KARDEC, 2003, p. 5). Observa-se
também a importância da caridade nos ―trabalhos‖ da Umbanda. Para Ortiz (1978, p. 100): ―O
―trabalho‖ se realiza portanto em função do público; por outro lado, a assistência participa do
culto na medida em que os umbandistas ―trabalham‖ para ela. Desta forma, a prática religiosa
vincula-se à orientação doutrinária que concebe a ―caridade‖ como fator de mobilidade
espiritual‖.
Macedo (2001b, p. 81) percebe o reconhecimento alcançado pelo Espiritismo através da
caridade feita por seus praticantes e pelo fato dos espíritas manterem instituições de caridade.
Visando prevenir-se de qualquer contra-argumento, ele faz o seguinte alerta:

Caridade é ordem do dia em todos os centros e terreiros onde se pratica o


espiritismo ou demonismo. Com essa palavra ―mágica‖, nem sempre bem
compreendida pessoas sinceras e bondosas são atraídas e enveredam por caminhos
que a primeira vista parecem bons, mas que têm no seu desenrolar, engano, astúcia e
dolo. (...) Nos centros espíritas fala-se muito em caridade. Diz-se que deve ser
exercida na relação com as pessoas e com os espíritos, que sabemos serem
demônios. (...) Assim, qualquer contato com os demônios tem o espírito da caridade.

O recado de Macedo é muito claro: fazer caridade por meio de outra instituição religiosa
que não seja a IURD é ―abrir espaço para a atuação dos demônios‖. Embora o risco
120

mencionado seja em relação ao espiritismo, pode-se inferir através de outros trechos de sua
obra que, fazer caridade de forma desautorizada é uma desobediência, e a desobediência é
demoníaca.
Machado (2003, p. 303) observa que apesar de pequenas iniciativas anteriores em obras
sociais por parte da IURD, somente a partir da década de 1990 que esta instituição tomou a
assistência social como uma de suas principais bandeiras, seguindo o exemplo de outras
igrejas pentecostais (SILVA, 2004.). A autora (MACHADO, 2003, p. 303) historiciza as
iniciativas de assistência social da IURD da seguinte maneira:

Nos 25 anos de atuação da IURD, percebem-se pelo menos três momentos distintos
no que se refere à natureza das práticas sociais do grupo: o primeiro (1977/1993) é
caracterizado por iniciativas tímidas e de caráter mais tradicional, como visitas a
hospitais e a presídios para a distribuição de material de higiene e remédios, assim
como a implementação de cursos de alfabetização de adultos nos templos; o
segundo (1994/1998) é marcado pela criação da Associação Beneficente Cristã, que
diversifica e de certa forma coordena as atividades assistencialistas de maior
importância desenvolvidas pela denominação; e, finalmente, o período que se inicia
em 1999 com a elaboração e implementação do Projeto Nordeste e a extensão da
política de assistência da igreja para o meio rural nordestino.

Machado (2003, p. 304) cita ainda as campanhas de doação de alimentos na década de


1990. Encontramos em nossas fontes referência a estas campanhas com forte apelo de
propaganda institucional, no ano de 1992, conforme segue (NOTÍCIAS, 1992): ―O grupo de
evangelização Roupa Nova da Abolição realizará no dia 11 de julho a Ceia dos Mendigos,
ocasião em que serão distribuídos alimentos e roupas para os necessitados, convidados pelos
evangelizadores.‖
Da primeira fase de implementação de obras assistenciais por parte da IURD, Machado
(2003, p. 306) menciona o programa radiofônico ―A hora do presidiário‖ da Rádio Record,
como canal de comunicação entre os presidiários e suas famílias (RJ e SP). Encontramos
também em nossa pesquisa empírica uma pequena coluna no jornal Folha Universal intitulada
―Coluna do Encarcerado‖78, de abril de 1996, com o mesmo propósito.
A IURD, entretanto, não pode abandonar sua matriz no ―liberalismo possessivo‖79
conforme detectamos, mas também não pode ―dar as costas‖ ao fato de que há em sua
membresia uma grande quantidade de pessoas que não alcançou a prosperidade e nem mesmo
a cidadania. Além desta razão, enumerarei, ainda, outros motivos para o investimento da
IURD em obras assistenciais.

78
COLUNA do encarcerado, 1996.
79
Liberalismo possessivo, ou seja, a ideia de que o indivíduo para ser plenamente livre deve ter posses.
(MACPHERSON, 1979).
121

Em primeiro lugar, o investimento em obras assistenciais é uma das melhores


propagandas institucionais que a IURD pode ter, justificando, assim, não só a sua ―função
religiosa‖, mas também sua ―função social‖. As obras assistenciais são uma das melhores
formas da IURD mostrar às pessoas resultados concretos e sua capacidade de promover
benfeitorias e ―transformar a sociedade‖ de forma concreta, bem como de ―transformar a
vida‖ de várias pessoas.
Em segundo lugar, a oportunidade de se fazer proselitismo direto, no momento da
caridade. Isto pode ser facilmente feito no momento de distribuição de alimentos, nada
impede que os pastores ou obreiros convidem aqueles que estão recebendo donativos a irem
aos cultos ou mesmo façam pregações.
Em terceiro, a utilidade das obras assistenciais para a IURD como justificativa de seus
grandes gastos, as obras sociais funcionam como justificativa inconteste para os pedidos de
dinheiro. Uma obra de grandes proporções como o Projeto Nordeste, por exemplo, certamente
tem uma despesa mensal enorme, podendo, assim, justificar inúmeras campanhas de
arrecadação de dinheiro. A IURD deixa bem claro que o membro da igreja não deve desviar o
dinheiro que a ela deveria ser destinado, como o dízimo, por exemplo, nem mesmo para obras
de caridade. Nas palavras de Furucho (2001, p. 38) ―O dízimo não pode ser utilizado
aleatoriamente, ainda que seja em benefício de pessoas carentes e necessitadas. A
administração do dízimo cabe exclusivamente à igreja‖. Portanto, neste ponto de vista, se a
pessoa quer fazer caridade, que faça por meio da igreja.

4.4.1 A Associação Beneficente Cristã (ABC)

A criação da Associação Beneficente Cristã é classificada por Machado (2003) como o


segundo momento de inserção da IURD na prática de obras assistenciais. Segundo a fonte da
igreja, a ABC já atua desde 1989, ―por ocasião das graves inundações ocorridas em Alagoas,
enviou para aquele estado cerca de 400 toneladas de alimentos não perecíveis‖ (IURD, 2000,
p. 5). Criada oficialmente em SP, em 1994, toma caráter nacional em 1995 (MACHADO,
2003, p. 308) na esteira das campanhas contra a fome organizadas pelo sociólogo Herbert de
Souza, que tiveram ampla divulgação e aceitação pela sociedade. De acordo com Machado
(2003, p. 309):

(...) a cúpula da IURD lançou no segundo semestre de 1994 o movimento Brasil


2000 – futuro sem fome, e passou a organizar eventos para arrecadação de alimentos
122

em várias capitais do Brasil. As campanhas desencadeadas pela liderança da IURD


mobilizavam não só os fiéis, mas vários segmentos fora das fronteiras evangélicas,
pois o apelo em questão, a doação de alimentos, não demandava nenhuma forma de
obrigação e dever permanente para com a instituição. O caráter emergencial de suas
ações e a ênfase nos objetivos humanitários das campanhas favoreceram a
participação de diferentes setores sociais e deram uma certa legitimidade às
iniciativas da IURD junto à população.

A ABC torna-se mais um instrumento de legitimação da IURD e serviu para ordenar e


ampliar as obras assistenciais da igreja em âmbito nacional. A criação da ABC serviu também
como meio de dar legitimidade à igreja como ―instituição promotora do bem‖ e tornar mais
ágil e abrangente a ação assistencial da igreja, fazendo as mesmas coisas que a IURD já fazia
antes da criação da instituição (arrecadação e distribuição de alimentos, projetos de inclusão
para encarcerados, cursos profissionalizantes e de alfabetização), só que de forma mais visível
e profissional.
É importante salientar que nas notícias transmitidas pela rede Record sobre as ações da
ABC ao longo desses anos não costuma mencionar nem associar o nome Igreja Universal do
Reino de Deus diretamente. Porém, sempre foram mencionados os nomes dos organizadores
dos eventos precedidos de seus títulos eclesiásticos (bispo ou pastor) e de alguma forma o
logotipo da IURD acabava aparecendo ao fundo, como se fosse despropositadamente. Nos
sites do portal ―Arca Universal‖ a relação entre a ABC e a IURD é bem exposta, e atribui-se
ao apoio da igreja o sucesso da instituição, inclusive, segundo o site, em nível internacional.

A Associação Beneficente Cristã é uma instituição sem fins lucrativos que visa
ajudar os que se encontram em dificuldades. A instituição, que teve várias fases até
chegar a ser reconhecida como de utilidade pública federal, recentemente completou
nove anos entre muitas atividades, inclusive de ajuda aos moradores de rua. O apoio
da IURD tem sido fundamental para que o trabalho social pudesse se expandir pelos
estados brasileiros e países como Argentina, Chile, Venezuela, México, Japão,
Portugal e África do Sul (PROJETO NORDESTE, 2004a).

Mas apesar do caráter assistencialista da ABC, a IURD previne-se de possíveis críticas


mostrando-se consciente da necessidade de projetos de inclusão permanente:

A ABC teve a consciência de que a doação de alimentos é de caráter paliativo. No


sertão nordestino, por exemplo, somente um projeto que viabilize economicamente
as atividades poderá ajudar de maneira efetiva e permanente aquela população
sofrida. Para esse fim a ABC-Rural foi criada, desenvolvendo projetos
agroindustriais no sertão nordestino, com a finalidade de criar atividade econômica
viável aos sertanejos (IURD, 2000, p. 5).

Ou seja, a igreja admite os benefícios da ajuda imediata, mas não abandona sua ideia de
transformação da sociedade.
123

Apesar dos possíveis ganhos em termos de propaganda institucional obtidos com a ABC,
qualquer deslize envolvendo uma entidade como esta pode ter efeitos devastadores, e foi o
que aconteceu após o estouro do ―escândalo das sanguessugas‖ no qual foram envolvidos
parlamentares e instituições ligadas a IURD, dentre elas a ABC, trazendo para si uma forte
cobertura negativa da mídia.

O Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo denunciou 10 pessoas acusadas


de envolvimento em um esquema de fraude de licitações para a compra de
ambulâncias para a Associação Beneficente Cristã (ABC), ligada à Igreja Universal
do Reino de Deus (IURD). Segundo o MPF, a ABC elaborou procedimento
licitatório fraudulento visando à aquisição de sete unidades móveis de saúde,
apresentando informações falsas ao Ministério da Saúde, e direcionou as compras a
empresas ligadas à chamada "máfia dos sanguessugas".
As emendas orçamentárias que possibilitaram os recursos para os convênios visando
à compra das ambulâncias foram propostas por quatro ex-deputados federais da
bancada evangélica, todos ligados à Universal.
Segundo a denúncia entregue à 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, somente nos
quatro convênios, celebrados entre 2002 e 2005, o esquema criminoso teria causado
prejuízos aos cofres públicos que, em valores atuais, superam R$ 2,1 milhões
(NOTÍCIAS TERRA, 2010).

Como já foi mencionado, a IURD tentou minimizar os danos à sua imagem expulsando
imediatamente alguns envolvidos, mas a perda de capital político e de legitimidade pode ter
sido imensa.

4.4.2 O Projeto Nordeste

O chamado ―Projeto Nordeste‖ foi certamente uma forma bem sucedida da IURD
demonstrar sua possibilidade de provocar inclusão social, evoluindo das campanhas para
arrecadação de víveres para uma obra de inclusão permanente:

A Associação Beneficente Cristã tem realizado, nos últimos anos, em parceria com a
Rede Record de Televisão, campanhas de assistência às vítimas da seca no sertão
nordestino. São programas chamados de S.O.S. Nordeste. Estas campanhas
consistem em uma ampla divulgação, na grade de programação da Rede Record de
Rádio e Televisão, de convites à população em geral para que doe alimentos não
perecíveis e roupas, levando-os aos templos da Igreja Universal espalhados em todo
o Brasil.(...) Esse programa, no entanto, é de caráter emergencial, com benefícios
apenas temporários: minora os efeitos da seca, mas não apresenta soluções para as
causas do problema. Em vista disso, surgiu a ideia de um projeto que não só
contemplasse os momentos de crise, mas que apresentasse soluções permanentes, a
fim de minorar a aflição das populações carentes do Nordeste. Nascia, assim, o
Projeto Nordeste (PROJETO NORDESTE, 2004b).
124

O Projeto Nordeste começa a ganhar corpo a partir das campanhas de arrecadação


promovidas pela Rede Record de Televisão no ano de 1998 e a Associação Beneficente
Cristã.
De acordo com as fontes da igreja, a obra foi financiada pelas campanhas de doação e a
venda de CD‘s evangélicos, especialmente o CD ―O Mensageiro da Solidariedade‖, do bispo
Marcelo Crivella. Pela gravação do CD a Sony Music adiantou a quantia de R$850 mil que
foi investida no projeto (MACHADO, 2003, p. 315) com ―a compra da Fazenda Canaã80 e a
aquisição de seus primeiros equipamentos‖ (PROJETO NORDESTE, 2004c) no ano de 1999.
A fazenda Canaã localiza-se no município de Irecê, no Estado da Bahia e, de acordo com
o site oficial do Projeto Nordeste, foi inaugurado no ano 2000 o Centro Educacional Betel,
que oferece educação em período integral e refeições a 520 crianças, que são trazidas até a
fazenda e levadas de volta para casa em ônibus oferecidos pelo projeto.
Segundo as fontes da igreja (PROJETO NORDESTE, 2004d), a fazenda foi montada nos
moldes de fazendas israelenses (Kibutz), de onde se importou os sistemas de captação e
tratamento de água e irrigação. Quem assinou o projeto e foi sempre mencionado como seu
mentor é o bispo e posteriormente senador81 Marcelo Crivella (segundo o site do projeto ele é
engenheiro civil), e o restante da equipe que fez os estudos são profissionais brasileiros e
israelenses. É sempre salientado nos sites do Projeto Nordeste o emprego de alta tecnologia e
o empreendedorismo do projeto, com planos de torná-la uma grande empresa agrícola e um
modelo a ser seguido e implantado pela igreja em outros lugares:

Para os campos agrícolas, um cuidadoso estudo podológico foi realizado por


técnicos de Israel e do Brasil, bem como uma avaliação dos recursos hídricos do
subsolo. Assim, surgiu um programa plurianual de plantio e o estudo de viabilidade
técnica e econômica para a instalação de uma agroindústria, a qual se encontra em
plena fase de desenvolvimento (PROJETO NORDESTE, 2004c).

Foi exibido no dia 20 de setembro de 2004, segunda-feira, um programa da Rede Record


de Televisão sobre o Projeto Nordeste82, apresentado por Celso Freitas, ex-apresentador do
programa ―Fantástico‖ da Rede Globo de Televisão. Este programa foi emblemático pelo tipo
de mensagem que veiculou, e pelo fato de ter sido exibido na época da campanha para a
prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, na qual concorreu o então senador Marcelo Crivella,

80
O termo Canaã foi adotado como uma clara referência à ―Terra Prometida‖ ao povo Hebreu, conforme o livro
do Êxodo 3:8, ―Portanto desci para livrá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra, a uma terra
boa e larga, a uma terra que mana leite e mel; ao lugar do cananeu, e do heteu, e do amorreu, e do ferezeu, e do
heveu, e do jebuseu.‖ (BÍBLIA SAGRADA, 1989).
81
O fato de Crivella ter sido eleito senador pelo Rio de Janeiro em 2002 já é um sintoma do ―ganho político‖
proporcionado pelas obras assistenciais da IURD. N/A.
82
Repórter Record. Rede Record de Televisão, 20/setembro/2004.
125

fato este que levou outros candidatos a entrarem com ação na justiça eleitoral para impedir a
transmissão do programa.
No início do programa a equipe de reportagem encontra abandonada na estrada uma
mulher grávida de nome Jucileide, com quatro filhos pequenos que fogem dos maus-tratos do
marido. A própria equipe de reportagem a leva para conhecer a Fazenda Canaã, após estas
imagens, é mostrado um testemunho do bispo Macedo falando sobre o orgulho da IURD em
ter construído a fazenda.
As imagens seguintes mostram os contrastes entre o modo de vida miserável das pessoas
da região e a fartura, conforto e até opulência que se tem na fazenda. O apresentador/narrador
se refere à fazenda como ―País das Maravilhas‖, e ao longo do programa são mostradas as
benfeitorias que a fazenda possui, tais como mini hospital, consultório odontológico,
moradias confortáveis para as famílias dos funcionários e principalmente a escola, o Centro
Educacional Betel (CEB).
É feito um interessante jogo de imagens, mostrando crianças em situação miserável,
sujas, famintas e seminuas, contrastando com as crianças matriculadas no CEB, limpas,
alimentadas e devidamente uniformizadas com as cores-símbolo da IURD (branco e
vermelho). São mostradas também 40 crianças com óculos e elas mesmas narrando as
dificuldades visuais antes de terem acesso a esse tipo de assistência, com um detalhe curioso,
numa demonstração de respeito à individualidade das crianças, são as próprias quem
escolhem individualmente o modelo dos óculos, contrastando com a massificação que é típica
da assistência governamental em situação semelhante. Toda a assistência realizada na fazenda
é gratuita.
No mesmo programa ainda é mostrada uma senhora católica sendo ajudada pelo projeto,
demonstrando ―não haver preconceitos‖, em seguida são mostradas imagens da moça que é
acolhida no início da reportagem, Jucileide, voltando para casa da sua mãe com seus quatro
filhos, onde é ressaltada a situação de miséria também na casa da mãe da moça. É então nesse
momento que será mostrado o poder de inclusão imediata da IURD, a equipe de reportagem
consegue uma vaga para um dos filhos de Jucileide no CEB, começa então uma ―verdadeira
transformação‖.
A entrada na escola representa um ―renascimento‖, nas palavras do narrador uma
―possibilidade de sonhar‖ – a criança toma banho, passa creme na pele, corta o cabelo, veste o
uniforme branco e vermelho. Mostram-se as crianças orando antes da refeição e o narrador
mais uma vez usa a expressão ―está no paraíso‖ e, segundo a narração, as crianças comem
quatro vezes por dia. Após um dia de estudos e brincadeiras totalizando oito horas de
126

atividades na fazenda, as crianças voltam para casa de ônibus com um saco de pães
(produzidos na fazenda) que ―ajudará a matar a fome do restante da família‖. São mostradas
também as atividades oferecidas às crianças maiores, basicamente atividades
profissionalizantes como marcenaria, bordado, cultivo de plantas e esportes, como natação e
judô. A reportagem sempre mostra os contrastes entre a vida fora e dentro da fazenda. Fora
são as imagens de penúria, mulheres carregando latas de água barrenta, adultos e crianças
sujas e famintas, crianças chorando, imagens representando a exclusão contrastando com as
imagens realizadas na fazenda, adultos e crianças limpas e uniformizadas, crianças se
divertindo, brincando, dormindo em ambiente limpo, recebendo educação e assistência plena.
O aspecto empreendedor do projeto também é bastante destacado, mostram-se os
equipamentos importados de Israel para purificar água do subsolo para ser usada no sistema
de irrigação, em seguida mostram-se as plantações e ao fundo o narrador diz ―no sertão tudo
que se planta dá‖. Mostra-se um açude cheio e curiosamente é citada a ―profecia‖ de Antônio
Conselheiro ―o sertão vai virar mar‖83. O uso de simbolismos bíblicos é recorrente, em dado
momento o narrador diz que a água conseguida pela alta tecnologia empregada vai
―transformar o chão seco em terra prometida‖.
O documentário em si é, além de tudo, uma demonstração da incrível capacidade de
adaptação do discurso às realidades diferentes onde é empregado. Os símbolos de inclusão da
IURD geralmente estão associados ao fato do convertido conseguir ascender socialmente a
ponto de conseguir posses, (casas, carros, empresas, etc.) ou mesmo ser um empregado, só
que muito bem colocado no mercado de trabalho. Entretanto, este tipo de discurso é
geralmente direcionado às pessoas do meio urbano. No caso do programa sobre a Fazenda
Canaã, o ápice da inclusão era representado pelos trabalhadores da fazenda, que
testemunhavam conseguir, a partir do momento em que se tornaram empregados da fazenda,
casa confortável sem pagar aluguel para morar, porém não própria, alimentação gratuita,
educação para os filhos, salário e principalmente a carteira de trabalho assinada. Ou seja,
conquistas importantes, porém modestas em relação às conquistas no discurso direcionado aos
trabalhadores do meio urbano das grandes cidades. Aliás, analisando fontes mais antigas,
percebemos que o discurso iurdiano para quem é pobre era muito mais duro. Por exemplo, na

83
Mais uma vez a IURD lança mão da estratégia da apropriação simbólica ao citar o ―beato‖ Antônio
Conselheiro, liderança religiosa na Guerra de Canudos (1893-1898), conflito ocorrido no mesmo estado onde se
localiza a Fazenda Canaã. Quando o narrador diz que ―o sertão vai virar mar‖, refere-se à profecia de
Conselheiro, que disse: ―há de rebanhos mil correr da praia para o sertão; então o sertão virará praia e a praia
virará sertão (CUNHA, 2000, p. 143)‖.
127

Folha Universal de julho de 1992, o bispo Macedo (1992, p. 8) é implacável ao dizer:


―Considero o Cristão fracassado uma pessoa preguiçosa, indolente na obra de Deus‖.
Ficaram evidentes neste documentário a propaganda institucional e a intenção
proselitista. Em certo momento é mostrado um templo da IURD na fazenda, em formato de
um suntuoso templo romano com a inscrição ―Jesus Cristo é o Senhor‖ na fachada. Além
disso, foi mostrado também depoimentos de Edir Macedo alertando para a necessidade da
busca de inclusão, não só pelo aspecto humanitário, mas por uma questão de harmonia social.
Nas suas palavras: ―aqueles que têm um pouco mais devem se preocupar um pouquinho com
quem não tem, pois quem não tem um dia vai afetar quem tem‖. A afirmação de Macedo é de
certa forma ressonância do antigo pressuposto de que a massa da população deve ter um
mínimo de conforto provocado pela propriedade para que a ordem social se mantenha
(MACPHERSON, 1979, p. 40).
Macedo ainda alerta para a necessidade de parcerias com a iniciativa privada: ―nós
queríamos que esse trabalho servisse como referencial para aqueles que tem oportunidade (de
fazer algo)‖84. Para dar mais credibilidade à obra é mostrado no documentário o depoimento
de uma conhecida personalidade no nordeste, o músico Dominguinhos, que aparece
parabenizando ―quem fez um projeto desses‖.

Figura 9 – Fazenda Canaã – Fonte: PROJETO NORDESTE, 2010b.

84
Repórter Record. Rede Record de Televisão, 20/setembro/2004.
128

Em síntese, a IURD, que pretende ser um poder significativo dentro da sociedade


brasileira esforça-se em construir um discurso e dar demonstrações concretas desta
possibilidade. Porém, ainda não demonstrou que possui de fato um grande poder de
mobilização que pudesse trazer profundas transformações às estruturas sociais e políticas
brasileiras, talvez, até por não ser tão inovadora quanto aparentemente se propõe.
129

CAPÍTULO V – BRASILEIROS NA HOLANDA

Este capítulo trata da migração de brasileiros para a Holanda e dos problemas por eles
enfrentados, com uma ênfase especial nos migrantes indocumentados, principalmente na
cidade de Amsterdã. Esta parte da tese pretende estabelecer um perfil aproximado do tipo de
cidadão brasileiro que migra para os Países Baixos e suas formas de interação com o meio e
com os outros brasileiros na mesma situação. Pretende-se analisar também como a influência
cultural trazida do Brasil resiste e por vezes se impõe apesar do contexto diferente e adverso.
Este capítulo serve também de subsídio para o entendimento do capítulo seguinte, no qual
pretende-se analisar as transformações religiosas.

5.1 Migrações na Europa e Holanda – Um Panorama geral

Já há algumas décadas o continente europeu tem sido um dos destinos preferidos para
migrantes provenientes de países com baixo desenvolvimento social e econômico
(DROOGERS, 2006, p. 161.). Por exemplo, no ano de 2000 as estimativas apontavam cerca
de 56,1 milhões de migrantes, sendo 5 milhões na condição de indocumentados. Estima-se
que chegam a cada ano na Europa 500 mil migrantes (VAN LAAR, 2006, p. 9). Na Holanda
em 2004 viviam 800.000 migrantes cristãos (VAN LAAR, 2006, p. 7). Deste, estima-se que
no mesmo ano o total de membros de igrejas pentecostais na Holanda era entre 100.00 e
115.000 (ZEGWAART, 2006, p. 62).
Quanto à presença brasileira na Holanda, as estimativas oficiais até 2008 apontavam para
um número entre 13.964 a 25.000 (BRASIL, 2008, p. 18). Apesar de pelo menos até os anos
90 a presença brasileira na Holanda não ser tão significativa, atualmente os brasileiros já estão
entre os 10 grupos de migrantes que mais fazem requisições para uma permissão de residência
temporária na Holanda (ABRANTES, 2008, p. 2), além disso, outras estimativas apontam
para uma presença brasileira de 17000 pessoas, sendo destas 4000 indocumentados (BIJL,
2008, p. 2). Os brasileiros são também a maior nacionalidade da América do Sul com maior
número de migrantes (MIRANDA, M., 2009, p. 5). As estimativas oficiais de 2009 indicam
um total de 17600 brasileiros (BRASIL, 2009, p. 19), só para termos uma noção, no Reino
Unido, um dos destinos preferidos dos brasileiros, este número sobe para 180000, Portugal
137600 e Espanha 125000, por outro lado na Dinamarca e Áustria é 3000. O que coloca a
Holanda em uma situação intermediária no quesito ―preferência dos brasileiros‖.
130

Outro dado importante, a maior proporção é de mulheres, ao menos nas estatísticas


oficiais. Em 2005 elas eram 71% do total, além disso, permanecem mais tempo, enquanto
dentre os homens metade volta ao Brasil ainda no primeiro ano de permanência. Dentre as
mulheres esta proporção fica entre apenas 15 ou 20% (ABRANTES, 2008, p. 8). Há indícios
também de que a proporção de indocumentados seja maior entre as mulheres (PISCITELLI,
2008, p. 784)85, certamente um dos motivos é a maior facilidade das mulheres em conseguir
meios de subsistência, principalmente serviços de limpeza.

5.2 Minha abordagem ao campo

Para descrever a situação dos migrantes brasileiros na Holanda, poderia dar meu próprio
exemplo da minha ida pra este país como um migrante científico temporário. Especialmente
minha procura por moradia foi uma experiência bastante instrutiva. Comecei a me planejar e
me preparar para ir à Holanda no fim de 2007, mais ou menos no meio do doutorado em
Sociologia e desde o início do doutorado em 2006 eu estava pensando na possibilidade de
passar um tempo fazendo ―doutorado sanduíche‖ em uma universidade europeia. Eu e meu
orientador fizemos uma lista e a Universidade Livre de Amsterdã (VU Amsterdam) foi a
primeira opção.
Assim que fizemos a escolha, eu comecei a tomar as providências para a minha ida
(pedido formal ao orientador no exterior e a universidade, pedido de bolsa ao CNPq) e mesmo
sem saber se o pedido seria aprovado, iniciei todo o processo burocrático que foi longo e
dispendioso (passaportes, tradução de documentos) uma vez que pretendia ir com minha
esposa e filha. Após receber o resultado positivo da concessão da bolsa eu já estava nos
preparativos finais, o que incluía conseguir um lugar para morar lá – a maior das dificuldades.
Como não estava tão atento ao problema, embora tenha sido avisado pelo meu
orientador na Holanda e o escritório de relações internacionais da VU, acabei recusando um
apartamento por ter um aluguel muito caro (comprometeria cerca de metade do valor da bolsa,
que era de 1500€), e passei a procurar outro mais barato estando ainda no Brasil. Após fazer
dezenas de ligações telefônicas para imobiliárias na Holanda, tentando em outras cidades, a
melhor opção que consegui foi através do site de relacionamentos Orkut. Um quarto por 500€
onde eu, minha esposa e filha deveríamos ficar, em uma casa compartilhada com mais três

85
A predominância feminina também ficou evidente em meu trabalho de campo.
131

adultos, todos indocumentados; dois trabalhavam na construção e o terceiro fazia faxinas em


casas, restaurantes e escritórios.
Ao chegar a Amsterdã e ver o quarto a decepção foi imediata. Era um apartamento antigo,
com escadas estreitas, e povoado por ratos. Era inverno, mas percebi logo que quando
chegasse o verão as janelas seriam abertas e ofereceriam risco a minha filha. Decidi que
ficaria apenas aquele mês e mudaria para algo com melhores condições de higiene e
segurança.
O segundo que consegui também não deu certo, era um quarto muito pequeno de uma
senhora brasileira de idade avançada, porém alcoólatra e de comportamento bastante instável.
Fiquei apenas um mês e mudei para outro. Neste terceiro quando novos problemas
começaram a aparecer decidi ir pessoalmente quase desesperado ao escritório de relações
internacionais da universidade e quase implorei para que eles conseguissem outro.
Conseguiram um bem caro por apenas 45 dias, após este fui transferido mais duas vezes pela
imobiliária pelo fato dos apartamentos em que morei estarem reservados. Só em junho
consegui um definitivo em boas condições, ao total moramos em seis lugares diferentes.
Esta tremenda dor de cabeça na procura de apartamento nos três primeiros meses me
permitiu fazer contato maior com a comunidade brasileira que vivia na região de Amsterdã e
conhecer um pouco melhor o mundo deles, que tornou-se, em parte, meu mundo também.
Pois, apesar de não ter de conviver com constante medo de deportação e não vir exatamente
do mesmo contexto social da maioria deles, compartilhei com eles alguns de seus dramas, tais
como os problemas para conseguir lugar para morar e a dificuldade de encontrar pessoas
confiáveis para se conviver.
Apesar destes problemas, eu logo percebi que diante de mim estava um fato que merecia
ser estudado apesar do pouco tempo disponível, estava diante de mim uma situação em grande
parte ainda negligenciada pelas pesquisas acadêmicas. Meu infortúnio poderia então resultar
em algo útil, eu poderia ter acesso a informações e entendimento mais amplo do processo do
que eu teria se estivesse apenas ―visitando o campo‖. Outro fato que me motivou a fazer esta
pesquisa foi quando um dos rapazes que morou comigo na primeira casa, na época em que eu
ainda estava hesitando se faria esta pesquisa adicional ou não, após saber sobre meu interesse
sobre pentecostalismo, ele me perguntou: ―Por que você não faz uma pesquisa com os
brasileiros evangélicos que estão aqui em Amsterdã?‖. Ou seja, o ―informante‖ pôde dar
sugestão sobre a pesquisa. O fato de poder expor e analisar uma situação que os sujeitos
talvez gostassem que fosse exposta e estudada me deixou bastante contente.
132

Desta forma, vivenciei uma experiência que foi dupla: a de um estudante ―legal‖ com
certa bagagem cultural, bom nível educacional e um conhecimento suficiente de inglês,
elementos que me permitiam uma interação maior com o lugar. Por outro lado estava
passando por muitas das mesmas dificuldades que os imigrantes indocumentados passavam e
vinha de um contexto social e financeiro não tão diferente de ao menos parte deles.
Em muitos aspectos, esta parte da pesquisa foi extremamente rica. Por vezes minha vida
diária tornou-se por força das circunstâncias uma etnografia, e devo admitir que fiquei
pessoalmente envolvido com o ―objeto‖ que então me propus a estudar. Sendo algumas vezes
ajudado por este ―objeto‖ e outras prejudicado.
Às vezes uma caminhada pela rua ou mesmo uma conversa casual foram as minhas fontes.
Ouvir de um indocumentado que ele frequentava determinada igreja evangélica e poucas
horas depois ouvir do mesmo suas aventuras na "Red Light District"86 também foi instrutivo.
A pesquisa empírica foi feita muitas vezes de uma forma não convencional, incluindo ai
minha própria experiência com os imigrantes. No total, contatei pelo menos 100 pessoas em
conversas informais, visitas nas casas durante minha longa procura por apartamento, festas,
porta de igreja, e assim pude conhecer partes de suas histórias de vida. Os testemunhos
ouvidos também foram bastante valiosos, uma vez que neles as pessoas contavam suas vidas
no Brasil e na Holanda e antes e após a conversão. Todos estes elementos ajudaram a
compensar as pouquíssimas entrevistas que consegui lá.

5.3 Orkut: mundo virtual x mundo real

Outra forma valiosa de informação foi o site de relacionamentos Orkut. Neste site cada
usuário cria uma página pessoal que lhe permite enviar ou receber mensagens públicas ou
privadas para outros usuários. Permite também colocar um álbum de fotos e participar de
comunidades virtuais temáticas bastante variadas. Nestas comunidades é possível participar
de fóruns de discussão, onde as pessoas podem discutir sobre os mais diversos assuntos.
As comunidades que utilizei foram ―Brasileiros na Holanda‖, ―Amsterdam‖, e
―Evangélicos Brasileiros na Holanda‖. O objetivo foi acompanhar as discussões que

86
As ―Red Light District‖ são locais específicos onde a prostituição é permitida e legalizada. Nestes lugares
normalmente mulheres ou travestis ficam expostos em um pequeno quarto com uma vitrine com contornos em
luz vermelha. Os clientes passam em frente e elas convidam para um programa, então o cliente entra e elas
fecham a cortina até que termine. Muitas das mulheres são da América latina e congregam na Igreja católica.
Curiosamente a mais importante e maior ―Red Light‖ fica em torno de uma importante igreja/monumento em
Amsterdã, a Oude Kerk, há por exemplo uma rua em volta desta igreja repleta de vitrines.
133

aconteciam nos fóruns através de mensagens de texto e assim aprender um pouco mais sobre
o modo de vida dos brasileiros, suas dificuldades e opiniões. Foi uma fonte bastante válida,
porque foi permitido colher informações e opiniões de brasileiros de diferentes origens, sobre
as mais diversas situações. O site também é utilizado para fazer negócios, alugar quartos,
anunciar serviços e discutir e difundir informações sobre a cultura holandesa e serviços
públicos.
Obviamente o uso teve de ser cuidadoso, pois no Orkut existem os perfis falsos (fakes) em
que as pessoas assumem identidade falsa, normalmente com o objetivo de brincar ou ofender
pessoas livremente. Entretanto, creio que o valor deste tipo de fonte está justamente na
impessoalidade, ou seja, as pessoas se sentem mais livres para emitir opiniões polêmicas, por
exemplo.
As comunidades virtuais do Orkut com maior número de frequentadores que encontrei
relacionando brasileiros e a Holanda foram: ―Netherlands Nederland Holanda‖ com 6200
membros, ―Amsterdam – Brasil‖ com 5200 e ―Brasileiros na Holanda‖ com 2900 membros.
Destas, a ―Brasileiros na Holanda‖ é a mais movimentada e com o maior e mais variado
nível de discussões. A quantidade de informações e pontos de vista é imensa e às vezes
acontece das relações no mundo virtual chegarem ao mundo real, através de eventos
organizados via site ou de pessoas que se conheceram pessoalmente após se conhecerem
virtualmente e é desta comunidade que vou tratar principalmente.
Os temas são bastante diversificados e vão desde anúncios procurando ou oferecendo
trabalho, tratamento de beleza para mulheres (depilação, alongamento e alisamento de cabelo,
manicure, pedicure) até discussões a respeito do que acontece no Brasil, na Holanda e
comparações entre os dois países.
Tratar com este tipo de fonte requer certa paciência, sendo que às vezes as informações ou
pontos de vistas importantes a respeito da imigração de indocumentados aparecem em tópicos
aparentemente ―inocentes‖, pois há uma tendência muito grande em mudar de assunto dentro
dos tópicos de discussão muitas vezes terminando até em ameaças ou ofensas pessoais.
Os temas que costumam gerar debates mais longos são: trabalho (nos tópicos sobre busca
de trabalho); os problemas de viver legalizado na Holanda (dificuldade de integração, altos
impostos, burocracia); conquista de cidadania por meio de união matrimonial ou estável;
assuntos diversos sobre o Brasil; religiosidade dos brasileiros no Brasil ou na Holanda; e a
condição dos indocumentados.
134

5.3.1 Trabalho

Há um tópico fixo na comunidade para as pessoas postarem anúncios procurando ou


oferecendo trabalho. Os mais comuns são de pessoas chegadas há pouco tempo na Holanda se
oferecendo para trabalhar normalmente em qualquer tipo de serviço, principalmente limpeza e
cuidar de crianças, além de trabalhos relacionados à construção civil. Há também as pessoas
que oferecem serviços de reparos de roupas, serviços de estética e fabricação de docinhos e
salgadinhos para festas, além de aulas particulares de português para estrangeiros, holandês e
inglês.
Entretanto o mais relevante é como os participantes entendem certas práticas que são
comuns dentre os brasileiros na Holanda. Por exemplo, há por parte de alguns uma forte
reprovação à prática de vender trabalhos (explicado mais a frente), enquanto outros
consideram absolutamente normal.

5.3.2 Conquista da cidadania através das relações afetivas e as tensas relações de gênero

Este é um dos temas mais delicados e recorrentes nos debates virtuais, às vezes em tópicos
específicos ou disperso em outros tópicos.
Já se tornou lugar comum ouvir (ou ler) dos brasileiros, tanto homens como mulheres,
indocumentados ou não que ―as brasileiras só querem saber dos holandeses‖ ou ―são todas
interesseiras, só querem saber do passaporte‖. A maior parte delas relataram ter adotado o
sobrenome do marido e o exibem nas suas páginas do Orkut. Uma trajetória relativamente
comum entre parte delas são os casos de moças na faixa dos vinte e poucos anos de idade, de
classe média e instrução superior completa ou não que foram para a Holanda trabalhar como
au-pair e após alguns meses lá iniciaram um relacionamento com cidadão holandês que
resultou em casamento e consequentemente, após um processo burocrático que dura cerca de
quatro anos ou mais, elas conquistaram a cidadania holandesa.
Por outro lado, não são raros os casos de mulheres não tão jovens, na faixa dos trinta anos
ou mais, provenientes de extratos sócio econômicos mais baixos e que foram para a Holanda
seguindo o perfil básico do brasileiro, ou seja, ganhar a maior quantidade de dinheiro
possível. Mas, chegando lá, após algum tempo (às vezes anos) iniciaram um relacionamento
com holandês e após o mesmo longo processo mencionado anteriormente, que envolve
135

também idas e vindas ao Brasil e aprendizado obrigatório da língua holandesa, finalmente


conquistaram a cidadania.
Este processo é tão comum que já se criou entre os brasileiros um jargão próprio para se
referir a estas situações. Por exemplo, aquelas possivelmente menos instruídas quando se
referem ao conjunto de procedimentos burocráticos e à conquista da cidadania, geralmente
usam o termo ―passaporte‖ de forma genérica ou ―os papel‖, ambas com o mesmo sentido
amplo de cidadania holandesa. Estes termos também são usados pelos homens ao se referirem
às mulheres que passam por este procedimento.
O que pesa contra a reputação das mulheres brasileiras dentro da própria comunidade é o
fato destes arranjos serem bastante frequentes e a quantidade bastante desproporcional em
relação à quantidade de brasileiros homens que passam pela mesma situação.87 Numa
discussão do Orkut (2010a), certa vez um participante usou o termo ―Maria Passaporte‖ para
se referir às mulheres que ele entendia serem oportunistas: ―Que existem marias-passaporte
por aí que fazem filhos para garantir a aposentadoria precoce com dólares/yens/euros das
pensões dos incautos estrangeiros, ah, isso existe sim hehehe‖, houve várias reações de apoio
a ele, mas as reações em contrário também não tardaram a aparecer.

Espero que os tais ―machos‖ que surgem na comunidade dizendo asnices sintam-se
tão bem lendo isso quanto eu me senti nas tantas vezes que li a forma "respeitosa"
que eles gostam de falar das brasileiras em geral. Pelo menos já seriam um sinal de
um pouco de vergonha na cara.
(...) Me incomoda já ter visto aqui na comunidade comentários sobre "maria
passaporte" (lembrando o quanto é "fácil" conseguir um, especialmente na
Holanda) e vc não foi o único. E claro que a gente sabe que existe alguns casos
assim - independentemente da nacionalidade da pessoa, pois acredito que não
temos registrado o "golpe da barriga" como invenção brasileira, tampouco
recebemos royalties por isso. Mas a questão é essa, sempre escrito de forma
generalista e como se fosse exclusividade brasileira. E, no final das contas, se são
algumas poucas que fazem isso, pq sempre lembrar, como se fosse a regra e não a
exceção? (ORKUT, 2010b).

Por outro lado fica perceptível na fala (escrita ou oral) de muitas mulheres o orgulho de
terem se tornado cidadãs holandesas. O próprio fato de fazerem questão de exibirem o novo
sobrenome holandês e de usarem expressões como ―minhas holandesinhas‖, ―minha loirinha‖,
―meu loirinho‖ para se referirem aos filhos88 e filhas bem como ―meu loiro‖, ―meu blond‖ e

87
Só para se ter uma ideia, homem nesta situação eu conheci apenas dois, um era casado com uma surinamesa,
portanto não nativa e outro era homossexual que viveu uma relação estável com um holandês nativo, enquanto
que do lado feminino contatei cerca de 15 ou 20 mulheres.
88
Saindo do mundo virtual para o cara à cara do mundo real, uma delas contou-me bastante orgulhosa que seu
filho era ―todo loirinho‖ e ―bem branquinho‖ e que tinha ―puxado totalmente o pai‖.
136

―meu holandês‖ para se referirem aos maridos, são indícios de que dão valor à nova
identidade europeia.
No âmbito das relações de gênero as discussões são acaloradas e entram novos elementos
que tornam o debate mais complexo ainda. Um dos elementos que entram em cena são os
estereótipos a respeito da mulher brasileira do ponto de vista do homem brasileiro e do
estrangeiro. Os mais citados inclusive pelas próprias mulheres são: a suposta beleza ímpar e
multirracial da mulher brasileira; sua ―competência sexual‖; sua afetividade e capacidade de
ser carinhosa e sua maior capacidade de criar filhos e constituir família, por supostamente ter
uma base familiar mais sólida e vir de uma cultura (a brasileira), que no entendimento delas é
menos permissiva e dá mais importância a valores morais em contraposição a uma suposta
libertinagem holandesa.
Por outro lado, as brasileiras são quase unânimes em criticar os homens brasileiros ao
compará-los com os holandeses. O estereótipo básico do homem brasileiro propagado por elas
parece ter saído das músicas de Sidney Magal. As características são basicamente: pai
irresponsável que não assume os filhos (menos frequente); agressivo com as mulheres,
mulherengo e infiel no casamento, não divide as tarefas domésticas com a esposa e é
machista. Fazendo um contraponto, boa parte delas afirma que os holandeses são ótimos
maridos, por serem fiéis no casamento, serem liberais e curiosamente uma das qualidades
mais apreciadas é o fato dos holandeses ajudarem nos afazeres domésticos, sendo o ápice
cozinharem para suas esposas. Já o defeito mais criticado por elas nos holandesas é a avareza.
Não podemos deixar de mencionar uma situação delicada que acomete muitas brasileiras:
a separação e a guarda dos filhos.
Diferente do Brasil onde quase sempre a justiça cede a guarda dos filhos à mãe, inúmeras
brasileiras narraram no Orkut casos de amigas, conhecidas ou delas mesmas que perderam a
guarda dos filhos por que a justiça holandesa decidiu dar a guarda do filho ao pai holandês
nativo. Há casos dramáticos onde algumas ficam totalmente desamparadas e recorrem ao
Orkut pedindo ajuda à comunidade brasileira

5.3.3 A vida na Holanda

Os brasileiros, especialmente os legalizados, parecem ter uma relação de amor e ódio com
a Holanda. As maiores reclamações são o clima frio, o temperamento do povo holandês e os
altos impostos.
137

Muitos brasileiros e brasileiras que lá estão vieram de regiões de clima mais quente no
Brasil e mesmo do litoral e não estavam acostumadas com o frio, o que acaba sendo um
choque e muitos relatam jamais se acostumarem. Com o passar dos anos, mostram-se ainda
mais entediados com o inverno holandês, mesmo que inicialmente a experiência de enfrentar
uma nevasca pela primeira vez possa ter causado algum deslumbre, com o passar do tempo
muitos passam a odiar. Fica então a pergunta aparentemente simples: Por que não voltam?
A resposta pode não ser tão simples, mas muitas das pessoas têm trajetórias de vida
semelhantes, especialmente as mulheres. Aliás o fator ―gênero‖ é um elemento determinante
na forma de inserção de homens brasileiros e brasileiras na Holanda.

5.3.4 Preconceito: Duas faces

Um tipo de reclamação que se ouve dos brasileiros na Holanda é o preconceito sofrido. Há


vários relatos (MIRANDA, M., 2009) e eu mesmo pude ouvir alguns, mas, em geral, as
reclamações partem dos brasileiros que vivem legalmente. Os indocumentados, possivelmente
por serem menos integrados na sociedade holandesa, percebem menos o preconceito ou não
se importam com isso.
O preconceito relatado pelos documentados é sentido principalmente nos momentos de
sociabilidade com os holandeses e ao tentarem se inserir no mercado de trabalho regularizado,
ou ―no branco‖, como dizem informalmente, além das grandes dificuldades de
reconhecimento na Holanda de diplomas de nível superior obtidos no Brasil devido a certas
diferenças na estruturação dos currículos, esta dificuldade fica expressa, por exemplo, para
aqueles formados em medicina.
Por outro lado numa enquete feita na comunidade virtual com a seguinte pergunta: ―Você
sofreu algum tipo de discriminação por ser brasileiro ou estrangeiro‖, 55% dos 81
respondentes relataram nunca ter sofrido ou ao menos percebido, enquanto o restante relatou
ter sofrido em diversas situações, como lojas e repartições públicas.
Apesar das reclamações por sofrer preconceito, é visível e assumido o preconceito dos
brasileiros em relação aos marroquinos. E se há uma diferença clara entre documentados e
indocumentados em relação ao preconceito sofrido, ambos os grupos demonstram certa
afinidade em relação ao preconceito com os marroquinos.
Os marroquinos e seus descendentes nascidos na Holanda possuem cidadania holandesa,
pois vieram como ―trabalhadores convidados (COHEN, 1995, p. 308)‖ legalizados a partir da
138

década de 1960 e por conta disso, puderam conquistar facilmente a cidadania. Além disso até
recentemente conseguiam trazer legalmente, com relativa facilidade, parentes de Marrocos
por meio de um dispositivo legal de ―reunião de família‖ ou com casamentos arranjados. O
resultado atual: 349270 indivíduos nascidos no Marrocos ou descendentes destes vivem na
Holanda (CBS StatLine, 2010). Atualmente a legislação holandesa tem endurecido com eles e
com migrantes em geral. É importante notar que estes não se integram totalmente na
sociedade holandesa e parecem evitar adotar os costumes holandeses.
Logo no primeiro dia, ao chegar, já fui informado por um dos moradores da primeira casa
onde me hospedei de que deveria ter cuidado com eles. Muitos indocumentados os chamam
erroneamente de ―marrocanos‖ e este termo é amplamente usado e já faz parte do jargão
deles. Não consegui descobrir por que usam este termo, uma pista é a tradução em holandês,
―marokkaanse‖, possivelmente ouviram de seus patrões ou amigos holandeses o termo. O fato
é que os marroquinos formam o grupo mais temido e rejeitado pelos brasileiros.
Nos debates virtuais, os brasileiros relatam casos de violência cometidos por marroquinos
e muçulmanos em geral, especialmente os casos de castigo contra mulheres. Além disso, os
brasileiros evitam frequentar lugares frequentados por marroquinos e morar em bairros onde
eles moram. Um ótimo exemplo é o bairro Bijlmermeer em Amsterdã, mais conhecido como
Bijlmer. Embora seja o local onde se localiza o estádio de futebol do time Ajax, e não fica
muito longe do centro de Amsterdã e mesmo tendo um dos aluguéis mais baixos da região de
Amsterdã este bairro é a última opção dos brasileiros. O motivo é a forte ocupação de
imigrantes das antigas colônias, principalmente do Suriname e do Marrocos. Os brasileiros
narram diversos casos de roubo e assassinatos naquele lugar. O fato curioso é a rápida
adaptação dos brasileiros a certas características da nova realidade. Pessoas que viviam em
locais perigosos e afastados de grandes centros no Brasil, após alguns meses na Holanda
tornam-se mais exigentes. Por exemplo, uma moça que morou com minha família e que
estava em Amsterdã há menos de um ano, contou-me que vinha de um local bastante violento
em que os assassinatos eram frequentes. Era a cidade de Jacundá no estado do Pará que,
segundo ela, tinha o sugestivo apelido de ―Jacumbala‖. Mesmo vindo de uma cidade violenta
e que ficava a muitas horas da capital, se recusava em morar no Bijlmer que ficava 15
minutos89 do centro de Amsterdã.

89
Tempo de deslocamento entre as estações usando trem.
139

5.3.5 Acontecimentos no Brasil

Os brasileiros que lá vivem não perdem o interesse pelo Brasil e estão sempre discutindo
algo a respeito do país, principalmente acontecimentos difundidos na mídia bem como a
política. A estabilidade financeira e a notoriedade alcançada pelo presidente Lula são sempre
temas de destaque e de polêmica entre aqueles que são pró ou contra a figura do presidente.
Curiosamente, percebe-se um posicionamento entre esquerda e direita, onde alguns que se
identificam como membros da classe média e marcam um posicionamento direitista,
chamando os políticos petistas de terroristas e apoiando abertamente a ditadura brasileira
ocorrida entre os anos 60 e 80. Este posicionamento é visto também entre os mais jovens.

5.3.6 Religião

O debate virtual sobre religião em geral é um dos mais acalorados. Geralmente giram em
torno da pertença a uma determinada igreja ou adoção de algum tipo de religiosidade. São
notórias as críticas à igreja católica e às igrejas pentecostais. Por outro lado há diversas
manifestações de defesa e declarações públicas de pertencimento.
Em um tópico que eu mesmo abri, pedindo ajuda de voluntários para a pesquisa,
rapidamente o assunto caiu na crítica e defesa dos evangélicos. As opiniões são similares às
que costumam ocorrer em outros fóruns de debates virtuais ou não, e como já era de se
esperar, as críticas vão primeiramente para Edir Macedo e a Igreja Universal, mas outros
líderes e suas igrejas também figuram, como R.R. Soares, Silas Malafaia e o casal Hernandes
da Igreja Renascer em Cristo.
Além disso, outro ponto recorrente é a suposta frieza religiosa dos holandeses em
contraste com a suposta vivacidade dos evangélicos brasileiros. Muitos dos participantes que
falam holandês preferem assistir cultos de pastores brasileiros não apenas pela facilidade
linguística, mas também pelo carisma do pastor em sentido amplo, ou seja, a ideia de que os
pastores de igrejas brasileiras são ―mais ungidos do que os outros‖.
Ainda dentro da temática religiosa, um assunto tem ganhado destaque e gerado debates
acalorados: os casos de pedofilia na igreja católica.
A maior parte das críticas vem da divulgação dos inúmeros casos e das reportagens que
assinalam a omissão da cúpula da Igreja Católica, dentro e fora do Brasil, em denunciar os
padres envolvidos. O foco do debate se concentra na Igreja Católica, mas também se expande
para as instituições religiosas em sentido amplo, onde, mesmo aqueles que afirmam possuir
140

algum tipo de crença criticam as atitudes das instituições e de seus líderes, incluindo aí os
evangélicos.

Qual o beneficio das religiões, o que fizeram até hoje? Mortes, guerras,
fragmentação da população...
Mas, enquanto o povo não acordar, as coisas vão continuar igual. Quantas pessoas
conseguiríamos alimentar com todo o ouro (roubado e conseguido a força) que tem
a igreja católica em suas sedes? Ou quantas crianças com doenças curaríamos com
toda a riqueza, mansões e carros de luxo de pastores? Não quero dizer que todo
pastor ou padre é corrupto ou violador, só que se os "grandes chefes" são assim, as
chances dos subordinados serem é enorme. (ORKUT, 2010c).

Porém, as reações de apoio também aparecem, como o de uma moça defendendo os


evangélicos contra as críticas de outra moça, de que as pessoas sofrem ―lavagem cerebral‖.

Quando você diz que todos os jovens recebem uma lavagem cerebral nas igrejas
evangélicas, isso não procede... Conheço muitos jovens que foram e estão lá de
livre e espontânea vontade e têm a luz de Cristo (a consciência) para fazer
distinções. Foi como já disse antes: Não se pode julgar o todo por uma parte. O que
você disse, acontece sim, mas não é uma regra com algumas exceções. (ORKUT,
2010d).

Grupos religiosos que no Brasil tem uma identificação maior com a classe média, como os
espíritas e os protestantes tradicionais normalmente são poupados.

5.4 Migrantes brasileiros indocumentados e seus dramas: um perfil

A Holanda é um dos destinos favoritos para a imigração irregular de brasileiros, devido à


relativa facilidade de entrada no país (comparando com Reino Unido e EUA), além disso, é
considerada pelos brasileiros como um lugar onde se pode viver tranquilo na condição de
irregular, sem serem incomodados pelas autoridades.
A maior parte das pessoas foram para lá influenciadas por parentes ou amigos que já
viviam lá há algum tempo, alguns ficaram na Holanda após serem barrados ao tentarem entrar
em algum país e foram enviados de volta para Amsterdã por ter sido lá a escala anterior do
voo.
Os brasileiros que contatei durante esta pesquisa vinham basicamente de estratos
econômicos mais baixos, se encaixando naquilo que Bauman (2003, p. 92) considera uma
solução migratória para problemas econômicos dos indivíduos por conta de diversos fatores
oriundos da origem destas pessoas.
141

A triste verdade é que a enorme maioria da população deixada órfã pelo Estado-
nação quando este renunciou, uma a uma, às funções geradoras de segurança e
confiança pertencente à categoria dos ―frágeis e débeis‖. Somos todos instados,
como notou Ulrich Beck, a ―procurar soluções biográficas para contradições
sistêmicas‖.

A principal motivação para a ida destas pessoas para a Holanda é sem sombra de dúvida a
possibilidade de conseguir ganhar uma boa quantidade de dinheiro para aplicar nas mais
diversas finalidades, no Brasil: comprar uma casa, abrir o próprio negócio ou sustentar
familiares. Há vários relatos de pessoas que conseguiram fazer um bom ―pé-de-meia‖ após
passar anos na Holanda, por outro lado ouvi várias pessoas que estavam há anos na Holanda e
tinham dificuldades de guardar dinheiro.
A preparação de suas vindas envolve um investimento alto para a compra de passagens e
dinheiro extra para passar as primeiras semanas, alguns usam o dinheiro conseguido com
acordos de demissão com seus empregadores ou vendem bens como carros ou motos para
conseguir o dinheiro, outros ainda tomam o dinheiro emprestado de parentes. A flutuação
cambial pode ser um problema a mais, na época em que fui, por exemplo, no final de
dezembro de 2008, 1,00€ equivalia a cerca de R$ 3,00, portanto, naquele momento um
investimento inicial de 2000,00€ equivalia a mais de R$ 6000,00, investimento considerado
alto para a realidade brasileira.
Chegando em Amsterdã os migrantes têm de encontrar moradia e trabalho, o que as vezes
já é conseguido de antemão por um amigo ou parente que já vive lá, mas que normalmente
não é o suficiente para se manter, para ampliar as possibilidades de ganho e opções de
moradia se faz necessário ampliar a rede de contatos e frequentar uma igreja pode ser
fundamental.
Outro ponto relevante são as diferenças sócio geográficas no Brasil que se refletem na
Holanda. Os imigrantes indocumentados brasileiros têm, em média, o seguinte perfil básico:
baixo nível de escolaridade (no máximo o ensino médio); são provenientes de regiões menos
desenvolvidas90 (cidades interioranas das regiões norte, nordeste e centro-oeste do Brasil);
quase absoluto desconhecimento do idioma inglês e holandês; e geralmente chegam à

90
Aliás, para se ter uma ideia, dentre as pessoas que contatei na condição de indocumentado apenas uma família
era de Santa Catarina e foram por acreditarem que fazia parte dos planos de Deus sua ida para lá e em poucos
meses voltaram, não conheci ninguém do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, poucos de São Paulo e do Paraná,
provenientes do interior. Por outro lado, no site de relacionamentos Orkut é mais fácil encontrar imigrantes
legalizados destes estados.
142

Holanda procurando serviços braçais, principalmente na limpeza91 e construção. Muitos deles


são de origem humilde e exerciam profissões no Brasil com baixos salários. Vir para a
Holanda para viver e trabalhar ilegalmente representou uma melhora substancial em suas
vidas92. Por todas as condições enumeradas, estas pessoas acabam se conhecendo e
frequentando os mesmos locais de divertimento e as mesmas igrejas.
A experiência me ensinou que certos mitos e estereótipos relacionados ao povo
brasileiro são pelo menos discutíveis e não se sustentam na realidade vivenciada pelos
imigrantes na Holanda. A ideia bastante difundida de que o povo brasileiro é extremamente
solidário é questionável, ao menos no contexto da pesquisa. As pessoas que conheci foram
quase unânimes ao afirmar que os brasileiros que vivem lá são gananciosos e não confiáveis.
Por outro lado este comportamento negativo dos brasileiros pode ser uma estratégia para
sobreviver numa situação adversa na qual as adversidades são diferentes do que eles estavam
acostumados.

No intuito de sobreviver em um novo ambiente, estes migrantes criaram o que


Castells chama ―identidade de resistência‖ que são ―geradas por aqueles atores que
estão em posição/condições desvalorizadas e/ou estigmatizados pela lógica da
dominação, assim construindo trincheiras de resistência e sobrevivência com base
em princípios diferentes de, ou opostos, àqueles que permeiam as instituições da
sociedade‖ (TSUDA, 2000:56).93

A situação acima descrita fica evidente quando, por exemplo, percebem-se práticas dos
brasileiros no contexto da diáspora que não são usuais no contexto de origem e que poderiam
mesmo serem consideradas reprováveis em tal contexto.
Uma das práticas que eu descobri é a de ―vender trabalhos‖. Funciona da seguinte
maneira: Alguém que está voltando pro Brasil e que trabalha como faxineiro, por exemplo
transfere seu trabalho antes de partir para um amigo ou conhecido, mas cobra por isso. Se ele

91
Os homens realizam os trabalhos ligados à construção enquanto que na área de limpeza, embora seja
dominado por mulheres, é possível encontrar muitos homens também, inclusive em limpeza de casas como
diaristas, atividade que raramente é feita por homens no Brasil.
92
Este perfil contrasta com um grande número de imigrantes brasileiros legalizados que são em sua maior parte
de classe média. Muitos deles têm curso superior e estão na Holanda para trabalhar ou estudar por algum tempo,
ou ainda para ter a experiência de viver fora do Brasil como au-pair, outros ainda levam a vantagem de ter
cidadania brasileira e européia, principalmente italiana ou portuguesa, o que lhes dá um enorme diferencial em
relação aos outros. Há também aqueles que se tornam legais através do casamento com cidadãos holandeses,
normalmente mulheres que vieram legalizadas ou não e começaram um relacionamento com um cidadão
holandês ou imigrante naturalizado, e assim elas conseguem o tão sonhado passaporte holandês, foi-me relatado
também o mesmo processo entre homens homossexuais, que muitas vezes começam o relacionamento com um
holandês quando este está de férias no Brasil.
93
―In order to survive in a new environment, these migrants create what Castells calls "resistance identities"
which are "generated by those actors that are in positions/conditions devalued and/or stigmatized by the logic of
domination, thus building trenches of resistance and survival on the basis of principles different from, or
opposed to, those permeating the institutions of society‖ (Tsuda, 2000:56)‖. (MIRANDA, M., 2009, p. 70).
143

ou ela ganhava € 300 por semana, cobrará este mesmo valor para transferir o trabalho. Há
ainda as pessoas que compram trabalho e revendem.
Outra prática que pesa contra a reputação do brasileiro são os alugueis de quartos ou
apartamentos. Além de alguns não honrarem o contrato ―de boca‖ que é feito (especialmente
os locadores), outros cobram uma alta comissão ao repassar um quarto ou apartamento.
Algumas pessoas alugam um apartamento pertencente a uma pessoa legalizada, sendo
frequentemente uma propriedade subsidiada pelo governo holandês. Eles alugam o
apartamento inteiro e cobram uma comissão no valor de um mês de aluguel (o mesmo
cobrado pelas imobiliárias legalizadas), além disso cobram um mês de depósito de segurança,
que costuma ser devolvido no final do contrato com a isenção de pagamento do último
aluguel.
Outra prática comum é alugar os quartos separadamente por preços que costumam variar
entre 250€ a 650€ por quarto (eu paguei em torno de 500) e, mesmo sob estas condições,
muitos ainda cobravam o depósito. Para tornar as coisas piores, numa das casas que vivi,
algumas pessoas perderam parte do aluguel e depósito por terem de deixar o apartamento às
pressas por medo de uma inspeção da prefeitura que poderia resultar em deportação.
Posteriormente, descobriu-se que a pessoa que intermediava a locação do imóvel, uma
brasileira evangélica indocumentada, inventou a estória para embolsar o dinheiro do depósito
pago pelos inquilinos.
Entretanto, a situação de indocumentado impõe aos sujeitos mudanças de atitude nas
relações sociais. Se o brasileiro pode eventualmente se tornar mais ganancioso, por outro lado
passa a dar mais valor às atitudes de austeridade financeira e de confiança, aliás, pode se dizer
que a reputação, ou seja a ―boa fama‖ é um dos maiores patrimônios que o brasileiro
indocumentado pode ter no estrangeiro.
Um sinal importante de como a boa reputação é levada a sério são os consórcios de
dinheiro. Nesta prática bastante comum entre os brasileiros em Amsterdã, um pequeno grupo
de pessoas, dez ou vinte, mensalmente dá uma contribuição de, por exemplo, 300€ e o
montante é sorteado para um dos participantes, que deverá continuar pagando até que todos
sejam contemplados. É uma forma, segundo os participantes, de cada um forçar-se a fazer
uma poupança. O fato curioso é que não há e nem poderia haver contrato escrito válido, ou
seja, a única garantia é de fato a palavra dos participantes que, além de indocumentados em
sua maioria, são de lugares diferentes no Brasil, o que dificultaria qualquer cobrança posterior
em solo brasileiro. Entretanto, não tomei conhecimento de nenhum caso de inadimplência.
144

Uma prática destas no Brasil seria altamente improvável, haja visto que mesmo em consórcios
oficiais ou compras parceladas o índice de inadimplência é considerável.
Ainda pensando na ideia da boa reputação, muitas pessoas usam o pertencimento a uma
igreja para construir esta imagem, e de acordo com o pastor Marcos Elísio, esta prática de fato
funciona. Contratadores holandeses já o procuraram diversas vezes para que ele recomendasse
membros da igreja para trabalhos. É visível também pessoas que fazem questão, de forma
intencional ou não, de destacar a sua pertença a uma igreja. Isto é percebido nas vestimentas,
mesmo que as próprias igrejas não façam um estrito controle disso, e nas conversas, sempre
mencionando Jesus ou a ajuda de Deus de uma forma bastante ostensiva94. Estas práticas são
visíveis também no ambiente virtual, onde algumas pessoas acrescentam aos seus
nomes/título das páginas referências ao seu pertencimento a uma igreja. Embora seja difícil
julgar ações individuais e esta nem mesmo é a minha intenção, pode haver nestes exemplos
uma dose de utilitarismo semelhante ao que foi citado por Weber (1996, p. 19) em sua Ética
Protestante ao citar os conselhos de Franklin.

As menores ações que possam afetar o crédito de um homem devem ser levadas em
conta. O som do teu martelo às cinco da manhã ou às oito da noite, ouvido por um
credor, te o tornará favorável por mais seis meses; mas se te vir à mesa de bilhar, ou
ouvir tua voz na taverna quando deverias estar no trabalho, cobrará o dinheiro dele
no dia seguinte, de uma vez, antes do tempo.
Isto mostra, entre outras coisas, que estás consciente daquilo que tens; fará com que
pareças um homem tão honesto como cuidadoso, e isso aumentará teu crédito.

O utilitarismo conforme descrito por Weber era calcado em um estilo de vida real, em
um Ethos e não num mero jogo de aparências. Em Amsterdã presenciei casos em que pessoas
apenas usavam o rótulo ―crente‖ para facilitar a vida profissional e social95, e isso era às vezes
assumido em conversas informais.
As relações sociais entre os indocumentados são muito delicadas e voláteis. A constante
mudança de endereço96 (poucos conseguem ficar mais de seis meses ou um ano no mesmo
local) faz com que sua rede social cresça, mas torna as relações entre eles mais superficial. Eu
lembro de que ao deixar o primeiro lugar onde moramos falei a um dos moradores para
mantermos contato e que estaria a disposição para ajudá-lo (às vezes ele me pedia para falar

94
Um pastor da IURD em um culto discorreu a respeito do exagero do uso do nome de Jesus.
95
Eu e outras pessoas sofremos um calote pela não devolução de depósito de segurança por uma senhora que era
membro ativo da IPDA e se dizia extremamente fervorosa, usando repetidas vezes o jargão pentecostal e
trajando vestes tradicionais que nem mesmo eram exigidas pelo pastor.
96
Entre os motivos da constante mudança de endereço posso citar: o medo da deportação por conta do risco de
inspeção, a procura por lugares melhores e mais baratos e um dos motivos fortes é o desgaste do relacionamento
entre os moradores da casa, que muitas vezes inicia cordialmente mas aos poucos vai se degradando por conta da
dificuldade em se dividir despesas e obrigações.
145

inglês com seus patrões ou traduzir mensagens de texto que ele recebia pelo celular). Mas ele
disse que na prática isso não acontecia e que as pessoas acabavam não se vendo mais por
conta da vida muito ocupada e que acabavam esquecendo uns dos outros, ―é assim que
funciona aqui‖ ele dizia. Por um acaso ficamos amigos e estivemos em contato até o final da
minha temporada lá.
O telefone celular torna-se uma ferramenta essencial na sobrevivência na Holanda. É
impensável para um indocumentado não ter um, e muitos deles compram modelos caros e
modernos, devido ao fato de que na proporção do que eles ganham fica bem mais barato do
que eles pagariam no Brasil. Alguns têm mais de um.97 Eles usam estes aparelhos para receber
chamadas e mensagens de texto de seus clientes e de amigos e também para conversar com
seus familiares no Brasil para ―matar a saudade‖.
A propósito, a saudade da família é um dos maiores dramas enfrentados pelos
imigrantes. Muitos deles deixam seus filhos com os avós para vir para a Holanda a ficam lá
por anos sem ir ao Brasil. Outros trazem seus filhos quando estes já são crescidos. Eu conheci
um casal que veio com dois filhos pequenos, um deles tinha cerca de 3 anos de idade e o outro
998. Conheci um outro casal que teve duas filhas na Holanda ilegalmente, com a ajuda de uma
parteira em casa, e ainda um outro que preferiu ter no hospital e nem por isso teve problemas
por estarem indocumentados.
Sobre as dificuldades com o idioma, a sociedade holandesa oferece um elemento
facilitador que é o fato de uma parcela considerável da população falar inglês como segunda
língua. Portanto os brasileiros que vivem lá têm a opção de se dedicar ao aprendizado do
holandês ou inglês, mas não é o que acontece. Mesmo havendo pessoas que aprendam uma
das línguas, às vezes até as duas por meio de cursos pagos ou professores particulares, dentre
os indocumentados já é mais raro encontrar alguém que fale, normalmente eles aprendem um
conjunto de frases básicas, números, perguntas e saudações para poder se locomover pela
cidade e ter um nível mínimo de comunicação com seus clientes.
Uma das soluções adotadas em relação à barreira do idioma é pedir ajuda a um colega
brasileiro que fale inglês ou holandês para atuar como intérprete em situações que demandem
uma comunicação um pouco mais complexa como nas entrevistas de trabalho99 ou quando o

97
Segundo me informaram ter dois aparelhos é necessário para diminuir o risco de seus clientes ou amigos não
conseguirem lhes contatar.
98
Este casal vive na Holanda há 9 anos e vão ao Brasil a cada 2 anos.
99
É prática comum entre os brasileiros, especialmente os que trabalham com faxina, colocar anúncios nas caixas
de correios das casas oferecendo seus serviços, quando o ofertante não fala inglês ou holandês coloca o nome e
telefone de um amigo que fale para fazer a intermediação, o que muitas vezes acaba gerando desconfiança e
desentendimentos posteriores.
146

cliente quer acertar novos detalhes a respeito de um trabalho que já vem sendo executado, e
também traduzindo mensagens recebidas por telefone celular. Normalmente este trabalho de
tradução é cobrado100, mesmo que dê pouquíssimo trabalho ao tradutor, é visto como normal.
A menos que a pessoa tenha algum laço de amizade, quase tudo é cobrado entre os brasileiros.

5.4.1 Acesso ao atendimento médico para os indocumentados

O acesso ao tratamento de saúde e remédios para os indocumentados é bastante precário.


Apesar dos hospitais holandeses não negarem tratamento, os indocumentados evitam ao
máximo ir ao hospital pela barreira do idioma, pelos preços altos, por não possuírem seguro
saúde e por medo injustificado de serem entregues às autoridades no momento em que forem
procurar tratamento. Segundo pessoas com quem conversei, que viviam lá há anos, não há
risco de deportação, a não ser que o paciente se recuse a fazer o pagamento, que pode ser até
parcelado. Além disso, gestantes indocumentadas conseguem inclusive acompanhamento
médico com parteiras do serviço de saúde, podendo fazer o parto em casa, assistido por uma
parteira profissional, em caso de cesárea, basta pagar os custos do hospital.
Apesar de tudo isso, muitos por receio ou desinformação não procuram atendimento nos
hospitais, ao invés disso vão a uma instituição mantida por voluntários, um pequeno posto de
saúde, o Kruispost, localizada perto da zona de prostituição de Amsterdã, e fazem a consulta
pagando apenas taxa de 5€.
Além disso, pela barreira do idioma e pela condição de indocumentados, muitos ficam
prejudicados quando precisam comprar remédios, muitos medicamentos que no Brasil são
comprados facilmente, na Holanda só são vendidos com receita médica, mesmo
contraceptivos. O remédio para dor amplamente usado lá é o Paracetamol. Citando um
exemplo pessoal, minha esposa levou na bagagem uma ou duas cartelas do analgésico Dorflex
que se esgotou rapidamente por conta do pedido das pessoas que moravam com a gente e que
sentiam fortes dores nas costas por conta do trabalho com limpeza ou com construção.
Um dos rapazes que ajudou a consumir nosso ―precioso‖ estoque de Dorflex precisou do
remédio após sofrer queda em uma construção onde ele trabalhava, e que segundo ele poderia
ter resultado em algo bem pior, pois ele caiu sobre entulhos pontiagudos. Após vários dias
sentindo dor e não podendo mais trabalhar, o brasileiro que o contratou levou-o ao Kruispost
onde ele finalmente conseguiu fazer uma radiografia, enfaixar o dorso e ter uma receita

100
Eu mesmo fiz este trabalho para amigos diversas vezes, muitas vezes me ligavam e pediam para falar com
seus clientes que estavam no lado deles, em outra acompanhei um amigo para fazer a tradução dos detalhes de
limpeza de um restaurante no qual ele trabalhava.
147

médica para comprar remédios adequados, tudo isso por cerca de 20€, uma quantia
considerada irrisória. Isto acabou com o drama do rapaz que temia ter de voltar ao Brasil
precocemente por não poder trabalhar e ganhar dinheiro.
Enfim, ficar doente além de ser um drama pessoal pode ser também um problema que
pode destruir rapidamente anos de economia, e mesmo se a doença não for tão grave pode
acarretar menos dias de trabalho, perda de trabalhos por não comparecimento e
consequentemente menos ganhos e pode ainda representar um retorno antecipado para o
Brasil. Resultado: no contexto da migração, novamente a IURD e outras igrejas acabam
exercendo o papel de ―pronto socorro espiritual‖. Este fator esteve presente e com muita
importância em vários testemunhos que assisti.

5.5 Três personagens Importantes na Integração dos Brasileiros

Os brasileiros que chegam a Amsterdã têm de lidar com os problemas comuns da


imigração, especialmente no caso dos indocumentados, neste contexto é importante receber
ajuda para se conseguir trabalho, moradia, apoio e informações. Durante a pesquisa consegui
contatar três pessoas101 que foram e são fundamentais para a melhor inserção dos imigrantes.
São eles: o pastor Marcos Elísio, líder da igreja ―Comunidade Cristã de Amsterdam‖; Márcia
Curvo; brasileira que possui também cidadania holandesa e o terceiro não revelarei o nome
para não lhe causar problemas, ele próprio prefere ser chamado pelos amigos por um apelido.
Vou me referir a ele pelo nome fictício de Carlos.

5.5.1 Pastor Marcos Elísio

Apesar dos atritos e discordâncias que possam haver na comunidade brasileira e no meio
evangélico, o pastor Marcos é indiscutivelmente uma liderança na comunidade. Segundo os
informantes; seu livro ―Batalha em Sodoma, Vitória em Gomorra‖ (ELÍSIO, 2006) e uma
entrevista que ele me concedeu, esta liderança foi construída e consolidada através de seu

101
Certamente há outras pessoas que prestam ajuda, mas estes três são bastante conhecidos e as circunstâncias
me permitiram conversar com eles.
148

trabalho religioso e social com os brasileiros além do fato dos cultos da igreja que ele lidera
ser frequentado por uma quantidade considerável de pessoas102.
Proveniente de uma igreja Batista do estado de Minas Gerais, o pastor Marcos já está na
Holanda há 13 anos vivendo legalmente, mas com um visto não permanente103. Ele classifica
sua igreja como uma igreja pentecostal independente, mas de influência Batista, e se mostrou
avesso às igrejas neopentecostais especialmente às que seguem o estilo da IURD.
Segundo o pastor, ele foi enviado a Amsterdã para substituir outro que já havia iniciado o
trabalho há alguns anos mas estava retornando ao Brasil. Ele conta que antes de partir, ouviu
de um pregador: ―Amigo, você está indo para Sodoma e Gomorra‖ (ELÍSIO, 2006, p. 21).
O pastor vê a cidade de Amsterdã como um local de absoluta decadência moral.

Mas de fato, chegando a Amsterdam entendi as palavras daquele missionário inglês


nas ocasiões que se seguiram: vi as famosas vitrines que expõem os corpos seminus
de milhares de prostitutas do ―Red Light District‖ o distrito da luz vermelha;
conheci os chamados ―Coffee Shops‖ abertos para vender maconha como se
vendem balas e doces no meu país; percebi jovens com apenas dezesseis anos
deixando suas famílias, apoiados pelo governo, para irem morar sozinhos; observei
os viciados em heroína, cocaína, craque e um monte de outras drogas pesadas
andarem perambulando e roubando bicicletas pela cidade, exibindo seus corpos
magros, seus sorrisos sinistros e desdentados; visitei bares apinhados de jovens
bebendo e deixando o rastro do seu vômito no caminho de volta para suas casas,
sem seus pais para recebê-los; pude ver os bares e boates, para homossexuais,
rodeando uma praça inteira e fazendo daquele lugar um verdadeiro ponto de
promiscuidade (...) ali também havia templos vazios por toda a cidade e muitos
deles sendo utilizados como academias de dança, bares ou museus, conservando
nas suas portas os anúncios para os cultos de domingo apenas como parte do
patrimônio histórico; enfim, nestas e em muitas outras coisas confirmei que estava
sendo travada uma grande batalha em uma cidade decaída em sua moral (ELÍSIO,
2006, p. 22).

Ao longo do livro e da entrevista que ele me concedeu, fica claro que a intenção do pastor
é dar apoio aos imigrantes brasileiros e protegê-los dos perigos oferecidos pelas supostas
excessivas liberalidade e promiscuidade de Amsterdã104. Outro ponto importante que aparece
em seu livro é a ideia do fluxo reverso, ou seja, conforme a citação anterior, Amsterdã ou

102
Os cultos são frequentados por talvez umas duzentas ou trezentas pessoas, um número bastante elevado para
aquele contexto. Os cultos são ministrados em português, mas há tradução simultânea para o holandês sendo
transmitido por fones de ouvido.
103
Ele possui um visto especial para líderes religiosos mas que apesar de tanto tempo não se torna permanente,
este obstáculo a permanência acontece possivelmente para dificultar a entrada e permanência de líderes
muçulmanos.
104
Embora há que se respeitar a opinião do pastor e sua longa experiência, tenho que considerar que Amsterdã
não me causou impressão tão negativa. Pelo contrário, a segurança de se andar nas ruas a qualquer hora, o baixo
índice de crimes violentos ou contra a propriedade contrastam muito com a realidade que vivemos no Brasil,
além disso os problemas que a Holanda enfrenta com o uso de drogas legalizadas ou não são menores e menos
intensos que no Brasil.
149

mesmo a Holanda estão mergulhadas em um ambiente onde Deus está quase ausente105 e que
um dia foi um dos ―celeiros de missionários para o mundo‖ (ELÍSIO, 2006). Fica evidente em
seu livro a ideia da necessidade de se travar uma ―batalha espiritual‖ internacional, comum
aos missionários brasileiros no exterior (MARIZ, 2009, p. 176).
É inegável o trabalho feito pelo pastor, segundo foi relatado, ele fez uma tentativa de abrir
uma casa de recuperação para drogados que foi infrutífera pela falta de condições materiais,
mas ele continua ajudando os que lhe procuram. Além disso ele faz um trabalho de
acompanhamento de brasileiros que são presos na Holanda por cometer crimes graves como
assassinato ou tráfico de drogas ou mesmo casos menos graves como prisões de brasileiros
indocumentados.
Outro trabalho que o pastor faz é intermediar o contato entre o brasileiro que quer retornar
ao Brasil e uma instituição que paga pelas passagens de retorno, a IOM (International
Organization for Migration). Esta instituição atua em vários países do mundo e uma de suas
finalidades é repatriar pessoas, especialmente indocumentados (IOM, 2009). Muitos
brasileiros usam desta instituição, embora muitos deles acabe retornando na mesma condição
de indocumentado poucas sememas após ir para o Brasil.
O pastor contou em entrevista106 que a maior parte dos frequentadores de sua igreja são
indocumentados e uma das atividades que ele fazia antes era usar o carro da igreja para
auxiliar nas constantes mudanças que parte de seu rebanho fazia. Além disso, sua igreja é um
importante ponto de encontro e lazer da comunidade, há dentro da igreja um mural onde as
pessoas podem anunciar serviços ou quartos para alugar, e ouvi várias pessoas recomendando
que eu fosse até lá para procurar quarto ou mesmo pedir ajuda direto ao pastor.
Todas estas atividades do pastor lhe renderam algumas críticas por parte de alguns
brasileiros por considerarem que sua igreja às vezes se afasta de suas obrigações religiosas,
mas por outro lado lhe renderam também um grande prestígio perante a comunidade brasileira
e mesmo nos meios oficiais. Quando entrei em contato por e-mail com o cônsul brasileiro na
Holanda pedindo informações e ajuda na pesquisa, ele próprio recomendou que eu procurasse
o pastor Marcos, além disso, em entrevista o pastor me informou que foi oferecido a ele pelo
consulado um título de cônsul honorário, que não se concretizou por questões legais e
burocráticas.

105
Em conversas informais com pentecostais holandeses percebi que há um certo desconforto com a idéia da
vinda de missionários de fora para ―salvar‖ a Holanda.
106
Entrevista com Marcos Elísio cedida à Rangel de Oliveira Medeiros. Amsterdã, 13/07/2009.
150

5.5.2 Márcia Curvo

Márcia Curvo é uma cidadã brasileira que possui também cidadania holandesa pelo fato
de ser casada com um holandês. Diferente de uma parte considerável das mulheres nesta
situação, ela antes de ser casada com um holandês já possuía uma carreira na área da
educação e possui formação superior no curso de língua inglesa. Além do inglês ela também
fala holandês.
Ela é proprietária do website ―Brasileiros na Holanda‖ (2010), que é possivelmente o mais
completo e mais importante direcionado a brasileiros, onde ela escreve a maior parte do
conteúdo e faz toda a organização e atualização sozinha. Em entrevista 107 ela me contou que
seu marido ajuda na interpretação e tradução das complexas leis holandesas, especialmente as
referentes à imigração. Seu site também traz notícias, uma espécie de guia ensinando os
meandros dos costumes e burocracia holandesas e uma série de serviços informativos.
Além do site ela ajuda pessoas que a procuram por e-mail atrás de informações sobre
parentes que vivem na Holanda e que não dão notícias, ou que pedem ajuda a parentes
brasileiros que estão enfrentando problemas com a justiça holandesa. Um tipo de problema
muito comum é o de mulheres brasileiras que se casaram com um holandês, tiveram filho e
após a separação lutam pela guarda da criança.
Além dos serviços em seu website, Márcia também participa ativamente da comunidade
do Orkut ―Brasileiros na Holanda‖ e lá também responde perguntas de outros membros e
participa das discussões.

5.5.3 Carlos

Ao chegar a Amsterdã me deparei com um problema sério para o qual não estava
preparado. De acordo com as normas do CNPq eu deveria imediatamente abrir uma conta
bancária em um banco holandês para que pudesse receber as parcelas da bolsa de estudos.
Após algumas informações desencontradas, descobri que para poder abrir a conta eu deveria
me registrar na prefeitura com a autorização do proprietário do local onde morava. O
problema era que o imóvel já era sublocado e eu não pude sequer fazer contato com o
verdadeiro proprietário. Ante a urgência do problema, já estava disposto a tentar achar alguém
que me pudesse registrar mediante pagamento, mas nem isso encontrei. Foi quando ao

107
Entrevista com Márcia Curvo cedida à Rangel de Oliveira Medeiros. Amsterdã, 13/07/2009.
151

conversar com a irmã de um dos moradores da casa ela disse que conhecia alguém que talvez
pudesse me ajudar. No dia seguinte entrei em contato com ele por telefone e combinamos de
conversar no domingo.
Chegamos eu, minha esposa e filha em sua casa, ele pediu para ver meus documentos com
as traduções juramentadas, perguntou o que eu fazia na Holanda, quanto tempo ficaria e
rapidamente concordou em nos registrar, sem cobrar nada. Detalhe importante, ele não era
brasileiro, era cabo-verdiano.
O fato me impressionou. Registrar um estrangeiro completamente desconhecido em sua
casa foi um ato inesperado, aos poucos nos tornamos amigos e conheci um pouco melhor sua
história.
Nascido em Cabo Verde, ele trabalhou em navios mercantes e vivia aposentado na
Holanda legalmente. Ele tem familiares vivendo em Cabo Verde, França e Brasil.
Atualmente, realiza o trabalho de entregar panfletos de propaganda junto a outras pessoas e
aluga um dos quartos de sua casa. Seus melhores amigos que conheci são um antigo colega de
trabalho e seu cão.
Quase todas as vezes que o visitei ele recebia várias ligações telefônicas, muitas vezes de
gente pedindo ajuda.
Por exemplo, no dia em que foi nos registrar na prefeitura, ele estava visitando uma amiga
brasileira no hospital com uma história de vida bastante singular e ilustrativa. Ela vive
indocumentada na Holanda há 16 anos e por conta de um problema de saúde bastante grave
teve de ir às pressas ao hospital, após muita relutância por estar correndo risco de vida, após a
internação de vários dias ela conseguiu sobreviver, mas teria de pagar uma quantia bem alta.
Carlos então negociou com o hospital o parcelamento das custas do tratamento e a senhora
pôde voltar para casa sem nenhum problema com a justiça holandesa, uma demonstração da
relativa facilidade de se viver indocumentado lá.
Carlos também ajuda indocumentados que são pegos pela polícia, em alguns casos
conseguiu reverter a deportação conversando com policiais na delegacia, mas estes casos são
mais raros. Ele também consegue trabalho para brasileiros recém-chegados como
entregadores de panfleto, geralmente eles fazem este tipo de trabalho temporariamente, pois
consideram um tanto arriscado devido à exposição na rua e o consequente risco de uma
abordagem policial. Além disso, ele acompanha brasileiros até o aeroporto ou os recebe
quando está chegando, aliás, um momento crucial na imigração, uma vez que apesar da
relativa tranquilidade em entrar, não são raros os casos de brasileiros que são barrados e têm
de voltar, portanto a presença de um conhecido torna-se fundamental.
152

5.6 O caso do afogamento e o porquê do brasileiro ser conhecido como um povo


solidário

No dia 15 de outubro de 2009, um jornal holandês (DE TELEGRAAF, 2009) noticiou a


morte de um garoto de sete anos de idade em um parque aquático na cidade onde eu morava,
Amstelveen, cidade fronteira de Amsterdã, ficando a poucos minutos de seu centro. Foi um
caso ainda um tanto nebuloso em que o garoto, acompanhado de mais dois amigos e o pai de
um deles foi brincar em uma das piscinas aparentemente sem a supervisão de um adulto, e se
afogou, morrendo pouco depois no hospital.
A notícia era vaga e não mencionava dois detalhes importantes, tanto o menino quanto sua
mãe eram brasileiros e viviam indocumentados em Amsterdã.
A mãe nesta difícil situação pediu a uma amiga que a ajudasse a levar o corpo do menino
para seu estado de origem, Minas Gerais. Esta se prontificou e divulgou o problema no site de
relacionamento Orkut, na comunidade Brasileiros na Holanda.
Devido à condição de indocumentados, não houve ajuda do consulado brasileiro ou do
governo holandês para o transporte do corpo até o Brasil e compra da passagem da mãe. Uma
outra possibilidade seria recorrer a instituição IOM108 para arcar com as despesas, mas não foi
possível pois a mãe já havia usado o recurso antes. Então, rapidamente, a comunidade
brasileira se mobilizou através do Orkut divulgando números de conta para depósito e locais
para entregar pessoalmente a doação. A principal organizadora da coleta foi uma moça
chamada Eliana Arp, com quem conversei pessoalmente, mas de acordo com a imprensa local
houve colaboração também da igreja Comunidade Cristã de Amsterdam e da comunidade
cabo-verdiana (PAROOL, 2009), além de divulgação no site Brasileiros na Holanda. A
quantia necessária era alta, mais de 5000€, e foi alcançada em apenas uma semana, mostrando
a incrível capacidade de mobilização da comunidade brasileira. Mesmo o objetivo sendo
alcançado a coleta prosseguiu por mais alguns dias para ajudar a mãe. Apesar de algumas
divergências que surgiram nos fóruns de discussão no Orkut em relação aos méritos de quem
organizou, não houve nenhuma acusação de desvio do dinheiro e ninguém reivindicou para si
reconhecimento pelo ato.

108
A IOM (International Organization for Migration) é uma organização internacional com representação em
vários países, inclusive na Holanda, que visa, dentre outras coisas, repatriar migrantes indocumentados
gratuitamente, e muitos brasileiros fazem uso de seus serviços, mas acabam voltando para a Holanda em poucas
semanas.
153

CAPÍTULO VI – A ESCOLHA DO MIGRANTE BRASILEIRO PELO


PENTECOSTALISMO E A AÇÃO DA IURD

Neste capítulo pretende-se analisar os possíveis motivos de adesão do brasileiro à


igrejas pentecostais na Holanda, focando principalmente na IURD em Amsterdã. Pretende-se
também analisar alguns aspectos da pregação desta igreja e como esta tenta adaptar seu
discurso para atender este público específico.

6.1 Panorama religioso na Holanda

A Holanda impressiona pela quantidade de templos que possui, belas e antigas igrejas,
muitas construídas muito próximas umas as outras revelando que ao menos no passado o povo
deste país deveria dar uma importância fundamental à vida religiosa, ou que ao menos as
instituições religiosas exerceram uma influencia muito forte na sociedade holandesa.
Entretanto nos tempos atuais a realidade é outra, muitos templos estão com as portas
fechadas ou viraram museus, centro de espetáculo ou mesmo lojas e apartamentos, como se as
previsões mais pessimistas das teorias ortodoxas da secularização estivessem se cumprindo lá.
Porém, a religiosidade holandesa tem outras manifestações que vão além do catolicismo
e da ainda bastante influente Igreja Protestante Nacional.
Existem lá, por exemplo, igrejas pentecostais holandesas e igrejas protestantes
pentecostalizadas além de uma intensa entrada e crescimento de igrejas pentecostais
migrantes109. Por outro lado, a aparente secularização e suposta liberalidade dos costumes
holandeses têm sido usadas como justificativa para a ideia de fluxo reverso pregada por
missionários do exterior.

De maneira interessante, uma inversão pode ser percebida sobre o orgulho e auto-
consciencia dos migrantes pentecostais. A idéia de ter preservado em seus países o
que os europeus ocidentais perderam, contribui para tais impressões. Além disso, a
idéia de missão reversa ajuda a alimentar esta atitude. Se as igrejas estabelecidas
falham ao criticar os lados negativos da sociedade secularizada, modernizada, os
cristãos de fora estão prontos para fazê-lo. O grupo supostamente fraco então se
apresenta como o grupo mais forte. Se elementos como hospitalidade, vida
comunitária e participação da igreja são adicionadas a equação, as igrejas migrantes
têm mais a oferecer do que as igrejas tradicionais – e talvez mais também que as
igrejas pentecostais ―autóctones‖, embora estas compartilharão em alguns aspectos
110
da inversão mencionada, especialmente a experiência do Espírito.

109
Pude colher algumas informações e impressões através de resultados parciais das teses de doutorado de
Miranda Klaver e Regien Smit, apresentados em seminários internos do departamento de Ciências Sociais da
Vrij Universiteit Amsterdam.
110
Interestingly, an inversion may be brought about by the pride and self-consciousness of Pentecostal migrants.
The idea of having preserved abroad what the native West European Christians have lost, contributes to these
154

O conceito de fluxo reverso se estrutura a partir da ideia de que os países que outrora
foram alvo da atividade missionária europeia, especialmente na era colonial, são desde as
últimas décadas a fonte para um novo fluxo missionário seguindo um caminho reverso, das
antigas colônias para as antigas metrópoles (KALU, 2007, p. 9). Ou em sentido mais amplo, a
ideia de que os países mais pobres provocariam a revitalização do cristianismo através do
pentecostalismo e espalhariam pelo mundo.

6.2 A Escolha do migrante pelo Pentecostalismo

A religiosidade do migrante internacional segue uma lógica própria que pode ser
diferente da lógica que o mesmo seguiria se estivesse em seu país de origem, embora, como
afirma Droogers (2006, p. 161), ―Ao migrarem, as pessoas trazem sua religião com elas. O
processo de migração por si só vem com as dificuldades que podem reforçar a necessidade do
migrante por um lar religioso‖111. No caso dos migrantes indocumentados brasileiros, há uma
mudança substancial em muitos casos de escolha e vivência religiosa.

Igrejas migrantes, pentecostais ou não, oferecem este lar (religioso). Elas estão
direcionadas a situação nova e frequentemente precária do indivíduo, provendo não
só apoio espiritual mas também ajuda material. Elas servem como pontos de
referência moral na nova situação com todas as suas opções e oportunidades. Para
migrantes ilegais, elas podem oferecer (...) estratégias alternativas, tais como casar
sem o consentimento do estado mas com a bênção da igreja. Além do mais, elas
frequentemente trazem alguma forma de continuidade com a situação anterior a
migração, apesar das rupturas e mudanças que fazem parte da experiência do
migrante. Elas oferecem uma nova família estendida, uma forma de parentesco
artificial de novos irmãos e irmãs. O fato de elas cumprirem esta função só explica
em parte o seu sucesso. Em outras palavras: eles não só ajudam os migrantes a
encontrar o seu caminho através do novo jogo de poder com suas novas regras,
como é jogado no novo país. Eles também oferecem significado à nova realidade. -
Uma mensagem específica, que caracteriza uma igreja particular como única. Tal
igreja é mais que uma solucionadora instantânea de problemas, até por que as
pessoas permanecem nela depois que o problema é resolvido. Elas representam uma

feelings. Moreover, the idea of reversed mission may nourish this attitude. If the established churches fail to
criticize the negative sides of secularized, modernized society, the Christians from abroad are ready to do so. The
supposedly weak party thereby presents itself as the stronger party. If elements such as hospitality, community
life and church participation are added to the scale, the migrant churches have more to offer than the mainline
churches – and perhaps also more than the ‗autochthonous‘ Pentecostal churches, even though the latter will
share in some aspects of the inversion mentioned, especially the experience of the Spirit.‖ (DROOGERS, 2006,
p. 163).
111
In migrating, people bring their religion with them. The migration process itself comes with hardships that
may reinforce the migrant‘s need for a religious home.
155

visão de mundo. Cada igreja apesar de cumprir a mesma função terá seu próprio
112
nicho no mercado religioso (DROOGERS, 2006, p. 161).

As afirmações de Droogers estão em sintonia fina com a situação dos brasileiros


indocumentados com quem tive contato. A ênfase das pregações no tema da prosperidade e da
condição de indocumentado, especialmente a constante lembrança dos problemas comuns aos
brasileiros (moradia, trabalho, saudades) são possivelmente um dos pontos altos da atuação da
igreja e ao mesmo tempo um importante elemento de atração de fiéis. Por outro lado, deve-se
ter cuidado ao pensar que a igreja oferece uma ―nova família estendida‖. De acordo com as
muitas conversas e testemunhos e com as poucas entrevistas, os informantes davam
importância enorme às relações familiares que tinham no Brasil e que cultivavam à distância.
Além disso, a ideia de isolamento e dificuldade de se criar e manter amizades na Holanda com
os compatriotas foi praticamente unânime. Todos relataram terem pouquíssimos ou nenhum
amigo realmente próximo. Aliás, mesmo no Brasil muitos me contaram não ter muitas
amizades formadas na igreja (IURD e IIGD), com exceção dos mais jovens. Além das ideias
mencionadas por Droogers, as igrejas funcionam também como uma espécie de ―pedacinho
do Brasil‖, onde eles podem assistir cultos com pregações, testemunhos músicas em
português além da interação com outros brasileiros na saída do culto.
A origem social dos migrantes brasileiros é um dos fatores importantes para entender a
escolha religiosa deles, como Freston (2008, p. 189) observa:

O que é necessário olhar? Evidentemente, a composição da população diaspórica


pode afetar a maneira em que o campo religioso é transplantado. A composição
social em termos de classe, estrutura etária, gênero e cor – todos esses fatores
poderão alterar o grau em que o campo religioso do país de origem é transplantado
ou não para a diáspora. Uma tarefa, portanto, é comparar o campo religioso da
diáspora brasileira com o campo religioso no Brasil. Em segundo lugar, é possível
comparar o campo religioso diaspórico entre os vários países de destino (por
exemplo, entre os EUA, a Inglaterra, o Japão e o Paraguai), buscando explicar as
diferenças observadas. Outra questão é como a religião afeta os fluxos migratórios.
Será que determinadas religiões incentivam a migração porque oferecem novas

112
Migrant churches, whether Pentecostal or not, offer such a home. They address the person‘s new and often
precarious situation, providing not only spiritual but also material help. They serve as moral points of reference
in the new situation with all its options and opportunities. To illegal migrants, they may offer an alternative,
accepting those who are refused by the officials of the host country and even offering alternative strategies, such
as to marry without the state‘s consent but with the blessing of church. In addition, they often bring some form
of continuity with the pre migration setting, despite the ruptures and changes that are part of the migrant‘s
experience. They offer a new extended family, a form of artificial kinship of new brothers and sisters. The fact
that they serve this function only partly explains their success. In other words: they not only help the migrant in
finding his or her way through the new power game with its new rules, as played out in the new country. They
also offer meaning to the new reality. – a specific message that characterizes a particular church as unique. Such
a church is more than an instant problem-solver, not least because people stay on after the problem is solved.
They represent a world-view. Each church despite serving the same function will therefore have its own niche in
the religious market.
156

perspectivas, constróem redes de recrutamento, reduzem os custos econômicos e


psicológicos da emigração e influenciam a escolha do destino? E, por outro lado,
qual é o efeito da migração em si sobre a religiosidade? Boa parte da literatura
clássica sugeria que a condição migratória diminuía a religiosidade, sobretudo
quando o país de destino era mais secularizado do que o país de origem. O migrante
se perde no anonimato e na anomia e acaba secularizando-se. Ou, por outro lado,
será que a condição migratória acentua a religiosidade como forma de defesa
cultural? Ou apenas faz com que a religiosidade mude de expressão? Ou não muda
em nada a religiosidade do migrante?

A primeira questão levantada por Freston na citação anterior parece fazer bastante sentido
no contexto da imigração brasileira em Amsterdã. Afinal, é visível a adesão de brasileiros às
igrejas pentecostais em uma proporção maior113 a que é no Brasil. Além disso, percebe-se
também certo reavivamento individual da prática religiosa, uma vez que várias pessoas me
contaram que antes de ir para a Holanda eram católicos não praticantes e que começaram a
frequentar igrejas evangélicas pouco tempo depois levados por amigos ou familiares. Enfim,
há fortes indícios de que não há apenas uma simples transferência do campo religioso
brasileiro, há uma transformação. Eu acompanhei de perto cultos de igrejas pentecostais,
principalmente da IURD em Amsterdã e ficou evidente naquele contexto a preferência dos
brasileiros por igrejas evangélicas, semelhante à situação que Freston (2008, p. 192)
encontrou nos EUA.

Por outro lado, há várias razões para supor uma porcentagem mais alta de
protestantes do que no Brasil. Primeiro, porque as igrejas evangélicas são
geralmente percebidas como de grande utilidade na superação das dificuldades da
vida imigrante (como afirma, por exemplo, Levitt 2002b para o caso dos latinos).
Esta fama positiva vale tanto para o desafio psicológico de criar e manter uma
atitude positiva e uma ética de iniciativa e laboriosidade, essencial para o sucesso e
até para a sobrevivência, bem como para a questão prática de estabelecer redes de
apoio na busca de moradia e trabalho. Como um dos poucos contextos em que é
possível criar redes amplas de (pelo menos relativa) confiança, as igrejas facilitam a
vida dos imigrantes em uma série de maneiras práticas.

Assim como no contexto mencionado anteriormente, na Holanda as igrejas também


exercem a função de formar e ampliar redes de apoio para os migrantes. Outra característica
que fica evidente é a abundante oferta de igrejas evangélicas, principalmente pentecostais, aos
brasileiros com cultos em língua portuguesa.
O trabalho de campo revelou que a IURD na Holanda apresenta diferenças significativas
em relação às suas estratégias e pregações no Brasil, possivelmente consequência de uma
série de fatores tais como: o contexto onde a igreja está implantada e principalmente a

113
Não há estatísticas oficiais, estas informações foram obtidas a partir da minha experiência e vivência com os
imigrantes.
157

membresia. Basicamente uma membresia multicultural formada por muitos migrantes das ex-
colônias e brasileiros indocumentados vindos de diversas partes do Brasil, conforme
mencionado no capítulo anterior.

6.3 Algumas observações importantes sobre a IURD na Holanda: Discurso e prática

Outra questão levantada por Freston (2008, p. 190) é se ―A religião diaspórica permanece
contida dentro do grupo étnico? Ou se expande e influencia o campo religioso da sociedade
hospedeira‖?
A IURD mostra claramente sua intenção de adaptar-se a realidade holandesa ao tentar ser
uma ―igreja holandesa de origem brasileira‖. Isto fica evidente no fato de que a maioria das
reuniões são feitas em holandês. Por outro lado, a IURD e outras igrejas que visitei não
parecem estar sendo muito bem sucedidas entre os holandeses nativos. Estes raramente são
vistos e os poucos que aparecem são normalmente esposos de brasileiras ou surinamesas.
Além disso, nos meses que fiquei lá, percebi um gradativo aumento da oferta de elementos em
português nos cultos, especialmente folhetos e DVD‘s, normalmente havia nas versões em
holandês e em português.

Figura 10 – Panfleto em holandês anunciando campanha. Fonte: Arquivo do autor.

Figura 11 – Versão do mesmo panfleto em português. Fonte: Arquivo do autor.


158

No templo da IURD que visitei em Haia (sede nacional), a maioria dos frequentadores era
de surinameses e africanos, em Rotterdam era de africanos lusófonos e em Amsterdã a
maioria eram de surinameses (nos cultos em holandes) e brasileiros (nos cultos em
português). A Universal segue portanto uma tendência das igrejas migrantes, como lembrou
Van Der Laan (2006, p. 55):

Estas igrejas têm um forte zelo missionário para evangelizar também para além da
sua linguagem ou cultura. Embora elas tentem ser missionárias para os holandeses
nativos, estes não respondem aos esforços evangelísticos delas. Muitos dos
membros das igrejas são pessoas em busca de asilo político, refugiados sem um
status legal ou migrantes econômicos. Quando são empregados, eles têm os
114
chamados Trabalhos 3 D (ver sigla em inglês): Sujo, Difícil e Perigoso.

Igrejas pentecostais são as que têm o maior poder de atração entre os brasileiros
migrantes e também as que têm mais visibilidade. Ao menos metade dos informantes
disseram que frequentam, mesmo que ocasionalmente, cultos de alguma igreja pentecostal.
Uma das razões é provavelmente a facilidade de se encontrar uma destas igrejas oferecendo
cultos em língua portuguesa. Estas igrejas são normalmente de origem brasileira e lideradas
por brasileiros ou pastores provenientes de países lusófonos, principalmente Portugal e Cabo
Verde. Outro ponto importante é que se percebe uma concorrência entre as igrejas na busca
por fiéis. Nos cultos da IURD e nos encontros do grupo de jovens o pastor sempre deixava
claro a necessidade de cada frequentador convidar um amigo para comparecer aos cultos.
Além disso, não havia cultos aos sábados para que o pastor e obreiros pudessem fazer
trabalho de evangelização nas ruas, outro indício desta busca por membros foi o fato de eu
encontrar panfletos da IURD expostos em uma agência (Moneytrans)115 bastante usada por
brasileiros e outros estrangeiros para enviar dinheiro aos seus países.
É importante notar que estas igrejas, no contexto da diáspora, assumem funções
diferentes das que exercem no Brasil (VAN DER LAAN, 2006, p. 60). Dentre estas funções
está a de aumentar a rede de relações do frequentador facilitando as possibilidades de se
conseguir moradia e trabalho. Por exemplo, num dos momentos de dificuldade que enfrentei
para conseguir moradia, várias pessoas me recomendaram que fosse a um culto da ―igreja do

114
These churches have a strong missionary zeal to evangelize also outside their own language or culture.
Although they try to be missionaries to the native Dutch, the latter do not respond to their evangelistic efforts.
Many of the church members are asylum-seekers, refugees without a legal status or economic migrants. If they
are employed, they have the so-called Three D Jobs: Dirty, Difficult and Dangerous.
115
Um fato importante demonstrando que a presença de brasileiros em Amsterdã está longe de ser insignificante
é que duas funcionárias desta agência eram brasileiras, e numa agência concorrente, os atendentes eram de
provável origem marroquina ou turca (muçulmanos) mais um dos funcionários falava espanhol e conseguiu se
comunicar comigo muito bem nessa língua.
159

pastor Marcos‖116, ou para conseguir também trabalho extra para mim ou minha esposa.
Inclusive minha terceira moradia foi conseguida por meio de uma rede de contatos que formei
através de pessoas que moraram comigo e o fato de eu ter feito uma visita na Igreja
Pentecostal Deus é Amor foi um elemento facilitador para que eu e minha família fôssemos
aceitos posteriormente no apartamento.
Outra função assumida por estas igrejas é o amparo emocional. Obviamente este tipo de
amparo também é oferecido no seu contexto de origem e está longe de ser uma novidade. Mas
a forma que assume no contexto da migração é diferente. No Brasil, o amparo se dá na
tentativa de restauração de relacionamentos afetivos ou na busca da harmonia familiar
perdida, em ambos os casos geralmente os envolvidos vivem juntos sob o mesmo teto, como
nos casos de casamentos em crise e de problemas de relacionamento com os filhos. Para os
migrantes a situação pode ser muito mais dramática, pois o sofrimento pode ser proporcional
a distância, já que muitos deixam no Brasil o cônjuge e filhos nas mais diversas idades, é
comum que os relacionamentos afetivos se acabem. Enfim, as pregações da igreja levam em
consideração estes fatores. Embora nos vários cultos da IURD que acompanhei ainda se
destacasse muito o fator prosperidade, que é o maior motivo da vinda dos imigrantes, também
se mencionava várias vezes os problemas emocionais e os problemas deixados no Brasil.

6.3.1 Visita à sede da IURD em Haia

Cheguei à cidade na estação central de Haia (Den Haag) após uma viagem tranquila de
trem de Amsterdã até lá. Em seguida tomei um Tram e me dirigi ao templo com minha esposa
e filha, que assistiram o culto comigo. Era o dia 12 de abril de 2009, domingo de Páscoa. O
tema era ―Culto do Espírito Santo e Oração pela família‖ (Dienst voor de Heilige Geest en
gebed voor de Familie).
Faltavam ainda 15 minutos para começar o culto, neste meio tempo pude conversar um
pouco com algumas pessoas. Apresentei-me dizendo que era brasileiro, então uma obreira me
explicou que o culto seria em holandês, mas que colocariam um intérprete a minha disposição
e a um pequeno grupo de lusófonos que falavam, assim como a intérprete, com o sotaque de
Portugal.
Neste meio tempo, uma obreira abordou minha esposa e levou nossa filha para um andar
superior onde ficava uma espécie de creche, nos moldes do Brasil, para que pudéssemos

116
A igreja chama-se Comunidade Cristã de Amsterdã, dentre as pessoas que me deram o conselho estava uma
mãe-de-santo.
160

assistir o culto sem distração. A creche era num salão não muito grande, com mesinhas,
cadeiras, brinquedos e algumas obreiras cuidando das crianças, para cada pai ou mãe que
deixasse a criança lá era dado um número e era anotado o nome.
O templo em si não era grande se comparado aos padrões das catedrais iurdianas
brasileiras. A parte onde era feito o culto era repartida em dois grupos de cadeiras cada um
com 14 fileiras de 13 cadeiras, totalizando 364 lugares, lembrando que esta é a sede nacional.
Todas as inscrições internas, inclusive a clássica frase ―Jesus Cristo é Senhor‖ estavam
escritas em holandês.
Alguns dos obreiros e obreiras sabiam falar português e se trajavam de forma semelhante
ao traje dos obreiros brasileiros.
O culto começou seguindo o padrão de um culto no Brasil. Começou com orações
seguidas pela pregação do pastor, tudo em holandês. Uma obreira pediu que sentássemos mais
à trás, nas últimas fileiras para que ela pudesse fazer a tradução, provavelmente para não
atrapalhar a pregação do pastor, e ela falava bem baixo. Éramos eu, minha esposa e outros
lusófonos (a maioria mulheres), aproximadamente dez pessoas.
Apesar de ser domingo de Páscoa, às 10h00min da manhã o templo não estava cheio.
Possivelmente nem metade das cadeiras estavam ocupadas, totalizando algo em torno de 150
pessoas. Outro fato a ser notado é que os frequentadores não seguiam o padrão de tipo físico
esperado dos ―típicos‖ holandeses. Em grande parte eram negros, possivelmente imigrantes
ou descendentes de imigrantes, uma das obreiras com quem conversei (em inglês), por
exemplo, era do Suriname, e ela me explicou que normalmente a maior parte da audiência era
de migrantes. Possivelmente provenientes das ex-colônias e, portanto, com a cidadania
facilitada e o conhecimento da língua.
O culto seguiu a temática da busca da bênção, da libertação e da ideia de fidelidade e
União com Deus. Entretanto, não se mencionou demônios e os pedidos de ofertas só
ocorreram no final, foram insistentes mas não tanto como no Brasil, e foram mais modestos,
falou-se em no máximo 100€, o que, para os padrões holandeses é um valor relativamente
baixo.
Próximo do fim do culto houve um momento em que uma senhora foi até o púlpito dar
seu testemunho, falou que conseguiu se libertar do vício do cigarro rapidamente após começar
a frequentar os cultos naquele mesmo templo. Após o testemunho, o culto se encaminhou para
as orações finais e os pedidos de ofertas já mencionados.
161

6.3.2 A IURD em Amsterdã

O templo no qual concentrei meu trabalho de campo em Amsterdã era um templo da


IURD localizado na Rua Jan Evertsenstraat 18. É importante observar que não era um
endereço nobre da cidade, na verdade ficava em uma região com forte ocupação de imigrantes
ou descendentes de turcos e marroquinos, além de ser relativamente próximo de um local de
intenso comércio chamado Merkatorplein. A provável escolha deste local deve ter sido o
preço do aluguel, pois as áreas mais nobres da cidade são ocupadas por grandes lojas e
atividades ligadas ao entretenimento. Acredito que o valor mais baixo do aluguel e a relativa
facilidade de se chegar ao centro por transporte público façam com que esta região também
seja bastante procurada por brasileiros em busca de moradia117.

Figura 12 - Mapa de Amsterdã com a localização da IURD em relação a praça central e a estação central.
Fonte: Google Earth 2010.

Este templo da IURD pode ser considerado espaçoso para aquele contexto, mas seria
muito pequeno para o contexto brasileiro, a capacidade deve ser em torno de 200 pessoas.
Há cultos todos os dias, exceto aos sábados. Os cultos mais frequentados são aos
domingos às 09h30min pela manhã reunindo cerca de 40 pessoas, em sua maioria brasileiros e
eventualmente pessoas de fala espanhola e holandeses esposos de brasileiras. Este culto é em
português sendo seguido por outro em holandês atendendo principalmente surinameses. Após

117
Impressões e informações colhidas a partir da minha experiência de ter morado por 20 dias na região e por
diversas visitas posteriores.
162

o culto alguns brasileiros ficam e assistem o culto seguinte ou simplesmente para esperar a
reunião do grupo de jovens que normalmente começa as 13h00. Na espera de cerca de 2 horas
alguns ficam conversando na rua ou no hall de entrada, enquanto um obreiro e uma moça
vendem doces e salgados feitos da forma como se faz no Brasil.
A igreja é também um local de divertimento e descontração 118. O nome do grupo de
jovens da IURD em Amsterdã também é ―Força Jovem‖. As atividades geralmente são
competições a respeito de conhecimento bíblico e gincanas para arrecadar dinheiro para a
igreja, mas são feitas também atividades fora do templo com fim estritamente de
divertimento, como o aluguel de quadra para esportes ou locais de patinação. O grupo em
Amsterdã tem diferenças significativas em relação ao grupo no Brasil, mas especificamente
ao que acompanhei em Florianópolis.
As diferenças mais marcantes são o tamanho do grupo e a faixa etária dos participantes.
Enquanto em Florianópolis era formado basicamente por adolescentes e tinha centenas de
membros, em Amsterdã era formado na maioria por adultos, alguns acompanhados por filhos
pequenos. Às vezes reunia cerca de 15 ou 20 pessoas.
Em Florianópolis ficava claro também o papel que o grupo tem na formação e
recrutamento de lideranças. O grupo todo era dividido em quatro equipes e cada equipe era
liderada por um obreiro auxiliado por um dos membros, algo difícil de acontecer no contexto
de Amsterdã.
O tamanho da Igreja Universal na Holanda não se compara com a sua magnitude no
Brasil, nem em termos numéricos ou em sua influência na sociedade. Enquanto em nosso país
já é uma instituição de grande visibilidade e considerável influência social e política, na
Holanda a IURD é apenas mais uma das igrejas de imigrantes e não chega nem a ser uma das
maiores119 e mesmo as dimensões físicas são muito menores que no Brasil. A sede em Haia,
por exemplo, é menor que muitos templos periféricos no Brasil e nem se aproxima das
―Catedrais da Fé‖ localizadas nas capitais brasileiras.
Outra diferença visível é o número de frequentadores. Enquanto no Brasil costuma ser de
centenas ou milhares nos cultos principais, na Holanda costuma ser de algumas dezenas ou
menos. Já houve cultos em que estavam presentes duas pessoas contando comigo, enfim, um

118
Minha esposa frequentava um curso de inglês oferecido principalmente a indocumentados e numa das aulas
ao serem perguntados o que fizeram no final de semana muitos responderam que foram a igreja. Ainda há os que
participam de vigílias que duram a noite inteira, porém esta prática não aconteceu na IURD enquanto estive lá e
sim na IPDA.
119
A IURD possui 7 templos em toda a Holanda, dois em Amsterdã, dois em Rotterdam, e um em: Almere,
Eindhoven, e Haia (sede), sendo que só o templo que acompanhei em Amsterdã e um em Rotterdam tem cultos
em português.
163

grande contraste com o discurso triunfalista120 iurdiano e de outras pentecostais brasileiras a


respeito de sua expansão internacional, como é dito em nomes como ―Universal‖,
―Internacional‖, ―Mundial‖ etc. Aliás esta pequena frequência aos cultos parece ser uma
tendência das igrejas migrantes na Europa, não só dentre o público brasileiro e não só na
Holanda. Währisch-Oblau menciona que na Alemanha, por exemplo, a quantidade de
membros é em média entre 50 e 70 pessoas (WÄHRISCH-OBLAU, 2006, p. 35), um número
coerente com aquilo que vi em Amsterdã.
O trabalho de campo mostra que a Igreja Universal é uma igreja de migrantes que tenta se
inserir na comunidade holandesa nativa, embora esteja até o momento sendo melhor sucedida
entre os migrantes. Quase todo o material de divulgação (envelopes de dízimo, textos, e
material usado em correntes) e o website são escritos em holandês (UKGR, 2009). Além
disso, a maior parte dos cultos é em holandês. Estes elementos nos dão a clara evidência de
que a Universal pretende alcançar uma membresia mais diversificada e não só migrantes de
língua portuguesa ou espanhola. Entretanto, a maior parte dos frequentadores ainda é de
migrantes, indocumentados ou não.
No Brasil a Universal tem mostrado uma incrível habilidade para se adaptar à adversidade
e mudanças no contexto nacional. Sua doutrina tem sido estruturada sobre importantes
elementos da religiosidade brasileira, dentre eles a crença em espíritos de matriz africana,
indígena e kardecista que são interpretados como manifestações diabólicas. Quando a IURD
entra em outro país tem de se adaptar a nova realidade nacional (FRESTON, 2003a), a
pesquisa de campo mostrou que o mesmo processo tem ocorrido na Holanda.
Entretanto, Exus, Pomba-giras e outros elementos da religiosidade brasileira não foram
mencionados em nenhum momento, a não ser uma única vez e bem discretamente, como se os
espíritos brasileiros tivessem sido barrados no controle de fronteira do aeroporto. Era de se
esperar que nos cultos direcionados ao público brasileiro houvesse ao menos menções ao
suposto poder destes espíritos, mas nada foi mencionado, o que pode representar mais um
esforço da igreja em se adaptar à realidade local evitando práticas que na Holanda poderiam
ser consideradas chocantes. Em um dos cultos que assisti, presenciei um holandês se levantar
e se retirar visivelmente contrariado enquanto o pastor fazia uma veemente pregação a
respeito da importância de se ofertar na igreja. Mesmo com a insistência da esposa que
aparentemente não era holandesa o homem se retirou.

120
IURD. O Reino de Deus. Disponível em: < http://www.conteudouniversal.com/2008/12/28/o-reino-de-deus-
iurd-2009/ > Acesso em: 02 mai. 2009.
164

Uma igreja migrante tem de oferecer um ―pacote completo‖ de benefícios espirituais e


materiais que sejam adequados à realidade do imigrante, especialmente o indocumentados,
como nos lembra Währisch-Oblau (2006, p. 43):

Elas (igrejas) não estão apenas interessadas em ‗salvar almas da danação eterna‘,
mas querem que as pessoas vivam uma ‗vida em abundância‘. Sua relação com
Cristo resultará em milagres diários: O desempregado encontrará trabalho,
migrantes receberão sua permissão de morar no país; seus filhos trarão boas notas
da escola; salários serão aumentados; e o racismo no local de trabalho será
superado. É este tipo de milagres que os crentes contam durante o ‗testemunho‘ nos
121
cultos.

Já na IURD, enquanto a possessão por espíritos é deixada quase que totalmente de lado, os
temas da cura e prosperidade são sempre bastante repisados, bem como os temas do visto e da
condição de estar indocumentado e os problemas emocionais. As possíveis razões são várias.
Os brasileiros vêm com o objetivo de economizar a maior quantidade possível de dinheiro,
quanto mais trabalho houver menos meses ou anos terá de ficar na Holanda longe da família,
logo o fator prosperidade torna-se fundamental.
A cura, entretanto, tem um sentido mais amplo, especialmente no contexto dos migrantes,
de acordo com Droogers: (2006, p. 165).

O termo (cura) frequentemente também se aplica à outros aspectos do bem-estar


humano, incluindo relações pessoais problemáticas, pobreza, azar, dificuldades em
obter uma autorização de permanência e outras aflições com as quais as pessoas
têm de lidar. Esta visão ampla sobre a cura com a convicção holística que a fé têm
força sobre todos os aspectos e setores da vida, assim como as forças do mal
122
igualmente ameaçam estes mesmos aspectos e setores.

Há uma música bastante ouvida, executada nos cultos e até cantada pelas pessoas mesmo
nas suas casas, que é emblemática a respeito desta ideia ampla de salvação e pertencimento a
uma igreja, ou melhor dizendo nos termos pentecostais, a aceitação de Jesus.
Entra Na Minha Casa - Regis Danese (2010)

Como Zaqueu
Eu quero subir
121
They are not just interested to ‗save souls from eternal damnation‘, but want people to live a ‗life in
abundance‘ (Jn 10.10). Their relationship to Christ will result in everyday miracles: The unemployed find work;
migrants receive their residence permit; their children bring home good marks from school; salaries are raised;
and racism in the workplace is overcome. It is such miracles that believers report during ‗testimony time‘ in their
worship services.
122
The term (healing) also often applies to the other aspects of human well-being, including strained personal
relationships, poverty, bad luck, difficulties in obtaining a residence permit and other afflictions that people have
to deal with. This wider view on healing is consistent with the holistic conviction that faith puts a claim on all
aspects and sectors of life, just as evil forces equally threaten these same aspects and sectors.
165

O mais alto que eu puder


Só pra te ver
Olhar para ti
E chamar sua atenção para mim
Eu preciso de ti senhor
Eu preciso de ti, oh pai
Sou pequeno demais
Me dá a tua paz
Largo tudo pra ti seguir
Entra na minha casa,
Entra na minha vida
Mexe com minha estrutura
Sara todas as feridas
Me ensina a ter santidade
Quero amar somente a ti
Porque o senhor é o meu bem maior
Faz o milagre em mim...
Entra na minha casa,
Entra na minha vida
Mexe com minha estrutura
Sara todas as feridas
Me ensina a ter santidade
Quero amar somente a ti
Porque o senhor é o meu bem maior
Faz o milagre em mim...

Os temas abordados na música são bastante adequados aos dramas vividos pelos
brasileiros, provavelmente por esta razão a música faça tanto sucesso na comunidade de
migrantes independentemente da denominação que frequentam. ―Eu preciso de ti, Senhor, eu
preciso de ti, oh Pai‖ remete, por exemplo, à necessidade de amparo na terra estranha e
mesmo de amparo familiar, ―entra na minha vida, mexe com minha estrutura‖ lembra das
mudanças necessárias aos novos obstáculos. Porém a frase ―sara todas as feridas‖ é talvez a
mais emblemática de todas. Todos os indocumentados que contatei invariavelmente
comentaram dos conflitos com colegas de moradia, rompimento de amizades e relações
amorosas e até mesmo afastamento de familiares que também estavam lá por conta da difícil
convivência sob o mesmo teto, o termo sara pode ser, portanto, pertinente às feridas do corpo
e da alma.

6.4 Teologia da Prosperidade, Dízimos e Ofertas no Contexto da Diáspora

Os argumentos relacionados aos dízimos, ofertas e sacrifícios são dados sem mencionar
nenhuma relação com espíritos brasileiros. No Brasil mesmo as pregações relacionadas a vida
166

material tendem a enfatizar que as doações a Deus serve como uma arma para coibir as ações
dos demônios, especialmente o ―devorador‖, conforme mencionado no livro de Malaquias 3:

8 Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te


roubamos? Nos dízimos e nas ofertas. 9 Com maldição sois amaldiçoados, porque a
mim me roubais, sim, toda esta nação. 10 Trazei todos os dízimos à casa do tesouro,
para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim nisto, diz o
Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre
vós uma bênção tal até que não haja lugar suficiente para a recolherdes. 11 E por
causa de vós repreenderei o devorador, e ele não destruirá os frutos da vossa terra; e
a vossa vide no campo não será estéril, diz o SENHOR dos Exércitos.

Nos cultos no Brasil, o devorador é frequentemente interpretado como sendo um Exu


enquanto na Holanda é somente mencionado o diabo, omitindo a mediação de demônios.
Por outro lado, a ideia de fidelidade a Deus através de dízimos, ofertas e sacrifícios
materiais com a finalidade de alcançar bênçãos não desaparece, ao contrário, é sempre
destacada. Quase todo domingo havia ao menos um testemunho enfatizando que a
participação na campanha ―Fogueira Santa de Israel‖ tinha ajudado alguém a se curar de uma
doença ou se livrar de um vício ou ainda trazer prosperidade financeira.
No culto de 17/05/2009, um brasileiro, possivelmente migrante indocumentado, deu seu
testemunho falando sobre as dificuldades que enfrentou por conta da falta de trabalhos, o que
o levou, num ―ato de revolta‖, a pegar todas as suas economias, cerca de € 2600, e sacrificar
tudo na ―Fogueira Santa‖. Segundo ele, isto lhe fez alcançar em poucos meses um rendimento
mensal de cerca de € 3000, um valor bastante significativo para um trabalhador na Holanda,
mesmo que fosse legalizado. Normalmente tal valor só seria possível para alguém que
intermediasse aluguel ou contratos de trabalho.
No mesmo culto foi apresentado um vídeo numa TV de plasma orgulhosamente anunciada
pelo pastor como uma aquisição da igreja através das doações do grupo de jovens. No vídeo,
era mostrado um ataque de gafanhotos em uma plantação, com a intenção de traçar um
paralelo com o poder destrutivo do ―devorador‖ das finanças na vida das pessoas. A
mensagem do pastor foi direta. Na oração final, ele orou junto com os presentes e disse que
aqueles que estavam com Deus mereciam ter um bom carro e não uma bicicleta (na
contramão dos costumes holandeses), e comer em bons restaurantes. E reiterou a necessidade
de sacrificar e perseverar várias vezes, e disse: ―Uma nota de € 50 paga a roupa inteira de
muita gente aqui, inclusive os sapatos‖. E reiterou também que um membro da igreja não
pode ter o mesmo tipo de vida material que um incrédulo. E, falando com Deus como se fosse
um dos indocumentados disse: ―Deus, eu não vim a este país para viver esta vida miserável‖ e
167

em um tom desafiador novamente se dirigiu a Deus e disse: ―se Deus está comigo isto vai ter
de mudar‖.
A propósito, a especificidade do tipo de frequentadores causa certa adaptação ao discurso,
enquanto no Brasil o discurso é voltado para pessoas que procuram emprego fixo regularizado
ou pessoas que queiram se tornar empresários, em Amsterdã as preces coordenadas pelo
pastor mencionam a realidade financeira local. Por exemplo, no culto que acompanhei em 24
de maio de 2009 foi feito um ―sacrifício especial para derramar o vinho sobre a água‖ 123. Esta
campanha visava principalmente a vida financeira. O pastor mencionou na oração durante o
sacrifício que talvez a pessoa que fez a oferta estivesse procurando por ―mais horas‖, uma
alusão às pessoas que fazem serviço de faxina e que trabalham por hora, demonstrando
sintonia com a realidade das pessoas. E também disse ―fechar um contrato, um negócio‖,
possivelmente se referindo àqueles que trabalham com construção e que trabalham com
contratos curtos, de dias ou semanas. Ele pediu que as pessoas que estavam fazendo o
sacrifício em prol da vida econômica estendessem a mão em direção ao local de trabalho124.
No mesmo culto o pastor mencionou como exemplo de consequência ruim da má situação
financeira o fato do migrante indocumentado ter de compartilhar uma casa com muitas
pessoas estranhas.
Dois testemunhos dados nesse dia são representativos por isso os reproduzo aqui na
íntegra a partir do diário de campo.
O primeiro foi de uma mulher cujo problema era com a filha, que estava muito mal de
saúde por causa do uso de cigarro e maconha, vejamos o diálogo.

Pastor – E a senhora ouviu falar da fogueira santa, o que a senhora


fez? Trabalhou? Fez hora extra?
Mulher – Trabalhei...
Pr – E o que a senhora fez? O que foi que Deus lhe pediu?
M – Foi 350€.
Pr – Qual foi o resultado desse sacrifício?
M – A transformação da minha filha.
Pr – Onde está a sua filha hoje?
M – Ta na igreja.
Pr – Ela vai vir na reunião dos jovens hoje?
M – Sim.
Pr – Quem conhece ela? (alguns levantaram a mão) O que Deus fez
vale 350€? O dinheiro não paga. Foi o melhor dela. E vida de
imigrante às vezes não é fácil. O sacrifício não é o valor (alto), mas o
maior valor que nós temos.
123
Diário de Campo. Observação na IURD em 24/05/2009.
124
Esta prática se repetiu em outros cultos.
168

O segundo testemunho foi de uma jovem que é obreira na mesma igreja.

Pr – Qual era seu sonho?


Obreira – Ser legal aqui na Holanda.
Pr – O que você fez para tornar realidade?
Obreira – Cheguei aqui em final de 2001, comecei a ir na igreja, já ia
lá no Brasil. Eu tava numa situação terrível e assim foi por 5 anos, e
vindo na igreja...
Pr - Mas não saindo da caverna...
Obreira – Então na campanha de 2007 cujo tema era ―dar vida para
receber vida‖. Então eu falei, eu vou dar minha vida pra Deus e vou
querer vida de volta. Eu não tinha ideia do que Deus ia me dar. Na
época eu dava aula particular ganhando 5€ a hora. Eu ganhava no
máximo 100€ a 150€. Então eu dei aulas extras e vendi um celular e
sacrifiquei meu tudo, 650€, eu ganhava 300€. Depois disso surgiu
uma porta de eu ficar aqui legal estudando, voltei para o Brasil e fui
na embaixada...
Pr – Deus passou a ser com ela, nos cinco anos anteriores ela não era.
Obreira – Consegui o meu visto mas ainda não estava bem
(financeiramente), mas abrimos uma escola de línguas e tudo começou
a melhorar.
Pr – Qual seu vencimento atualmente?
Obreira – Em torno de 2000€.

Os dois testemunhos são diferentes e seus temas são mais reveladores a respeito de
algumas coisas que são desejadas pelos migrantes brasileiros: o bem-estar de seus familiares
que ficaram no Brasil ou estão na Holanda; segurança financeira; e a segurança de poder viver
na Holanda sem o risco de deportação.
É recorrente nos cultos a tentativa do pastor em mostrar a eficácia da IURD na consecução
de bênçãos, e no contexto dos migrantes, na vida financeira e na saúde. O trecho a seguir
extraído do diário de campo demonstra bem o tipo de estratégia e o discurso do pastor:

Num primeiro momento foi feita uma prece destacando a importância


da harmonia familiar e a conversão da família.
Um dos temas era consagração dos dizimistas. Foi feita uma prece
pelo pastor abordando a importância do dízimo como forma de
repreender o devorador das finanças, cerca de 20 ou 30 pessoas
subiram no altar com envelopes de dízimo para receber uma unção
com ―santo óleo‖ enquanto tocava no CD player uma música
instrumental. Em seguida, ele fez um pedido de ofertas ao dizer
―vamos honrar a casa de Deus?‖, cada um deveria ir até a frente e
fazer a doação. Na sequência pediu que todos estendessem a mão em
direção ao local de trabalho, então o pastor fez a prece lembrando dos
169

dízimos e pedindo benção a vida financeira das pessoas. Como


sempre, as pessoas faziam suas preces individuais com as mãos para
cima e de olhos fechados, algumas bastante emocionadas. O pastor
lembrou do ―aperto‖ que as pessoas poderiam estar passando para
juntar dinheiro para fazer o sacrifício da ―fogueira santa‖ e suplicou a
Deus por ajuda.
Depois, pediu para todos abrirem a bíblia no livro de Juízes 6, então
disse: ―Eu tenho uma pergunta e quero que vocês usem a inteligência?
Na bíblia em alguns momentos diz que Deus está sentado e em outras
levantado. Deus está olhando pra você sentado ou levantado? Você
tem que dizer: Deus esta olhando pra mim de pé, Muitas pessoas que
não tem Deus tem uma vida muito melhor que você, tem muita gente
que nem paz tem‖.
―E o que faz Deus se levantar? É o nosso sacrifício, é a melhor atitude
do cristão e a prova que ele confia em Deus (...) se você confia em
Deus 100% você faz o sacrifício. (...) Deus vai olhar pra você e vai
dizer: Olha, este sacrificou e este crê, este confia em mim e este que
não sacrificou também crê... Você acha que é assim que Ele vai ver?
Não! Vai ver diferença, porque enquanto muitos estão apertando os
cintos, estão aí se evitando disto e daquilo, às vezes até vindo a pé pra
igreja, orando mais e fazendo hora-extra e fazendo de tudo para
chamar a atenção de Deus, tem outros que estão comprando, fazendo
festa, vão no cinema, passeiam... será que Deus vai olhar pros dois da
mesma forma? Jamais! Por que ele é justo. (...) Você tem que botar no
seu coração – dia 14 eu vou fazer Deus se levantar na minha vida e
olhar para mim‖.
Propositalmente uma obreira estourou um saco ou balão na parte de
trás do templo e muito olharam pra trás. E o pastor perguntou: ―Por
que olharam pra trás?‖. E ele mesmo respondeu, ―por que aconteceu
algo diferente, assim que temos que fazer, chamar a atenção de Deus.
(...) Tem muita gente orando nessas igrejas e até na nossa, tem uma
multidão jejuando e vindo à igreja, mas são poucos os que fazem o
verdadeiro sacrifício. (...) Deus teve que fazer o sacrifício. Por que
tem gente que vem com essa conversa mole que Deus não precisa de
dinheiro, mas não se trata de dinheiro, trata-se de vida. Então não bote
na cabeça que Deus não precisa do sacrifício. Você está tendo a
oportunidade de fazer Deus se levantar na sua vida‖.
―A bíblia fala que Deus se manifesta de três maneiras. Deus com o
dedo expulsava demônios, curava... com a mão Dele Ele tirou os
filhos de Israel da escravidão. Com seu braço... Você só tem visto o
dedo. (...) você tem que se destacar no mundo‖.
Em seguida foram mostrados dois testemunhos na TV. Onde um
pastor entrevistava um homem e uma mulher demonstrando a eficácia
da fogueira santa. O grande sacrifício deles foi a esposa se demitir de
um emprego estável no Banco do Brasil e usar o dinheiro da
indenização para iniciar uma empresa. Investiram o dinheiro na
empresa e usaram o restante, R$ 10.000, no sacrifício, apesar de ter
R$ 300.000 de dívida. Três meses depois obtiveram um contrato de 1
milhão de reais e estão tendo crescimento constante dentro e fora do
Brasil, desde a última fogueira santa o número de empregados de 1000
170

para 1300 funcionários. Eles têm clientes grandes como o Carrefour e


segundo a esposa as empresas deles valeriam pelo menos 100 milhões
de reais. Esposa: ―A gente nunca duvidou ou murmurou‖ ―A gente
parte pra cima de Deus e fala - Deus, a gente nunca é pouco, a gente
quer ser o casal mais rico do mundo, por que não? A gente quer
honrar o nome de Deus então por isso a gente tem que ser violento na
fé.‖
O pastor então comenta e confirma a eficácia do sacrifício e a
importância e necessidade de por ―toda a sua força‖ no sacrifício: ―É
por isso que no Brasil nós temos grandes catedrais, por causa de gente
assim (que faz grandes sacrifícios em dinheiro). Sabe por que a
Holanda está assim no momento? Porque o povo é fraco. (...) Faça o
que este homem fez, se você fizer isso Deus vai se manifestar. (...) Se
eu perguntasse ao casal do testemunho se eles iam querer a vida de
vocês, vocês acham que eles iriam querer? Mas vocês iriam querer a
deles.‖
Em seguida ele iniciou uma prece que versou sobre o fato de pessoas
estarem há tempo na igreja mas não alcançarem grandes bênçãos.
―Prova de que você não quer ser mais um é que você saiu do seu país
pra vir pra cá. No fundo, no fundo você é revoltado, no fundo no
fundo você não aceita a situação. Mas de repente já se acomodou com
o que já conseguiu aqui, migalhas, o pão é o que esse homem esta
tendo (o do testemunho), a transformação da família e da vida
financeira.‖125

A fala do pastor revela sintonia com aquilo que os brasileiros que frequentam a IURD
também enfrentam no Brasil, por exemplo, a rejeição de quem está de fora sobre as práticas
da igreja especialmente no tocante ao pedido de dinheiro.
Outro fato marcante e que ocorreu outras vezes é o uso mais intenso de testemunhos
gravados do Brasil ou de migrantes não brasileiros, uma possível consequência da pouca
quantidade de brasileiros na Holanda em condições de dar ―bom testemunho‖, talvez sinal de
descompasso entre a noção de sucesso para a igreja: vida sentimental, saúde e riqueza
abundantes, e a possível noção de sucesso para os indocumentados: saúde, vida sentimental
suportável, não ser pego pela polícia e ganhar o suficiente para sobreviver lá e poder mandar
algum dinheiro para casa.

6.4.1 A Fogueira Santa de Israel na IURD em Amsterdã

Nos meses em que acompanhei os cultos da IURD dirigidos à comunidade brasileira


sempre foi repisado, em linhas gerais, a felicidade plena em todos os aspectos da vida, mas foi

125
Diário de Campo. Observação na IURD em 07/06/2009.
171

dada ênfase especial nos temas: saúde; família e vida emocional; e vida financeira. O ápice
das pregações ocorreu no dia 14 de junho de 2009, o último dia da campanha da ―Fogueira
Santa de Israel‖, que, semelhante ao que acontece no Brasil, lá também ocorre duas vezes por
ano, na sua metade e no final. Por ser um momento que sintetiza muitas das pregações que
acompanhei, farei aqui um relato um pouco mais detalhado.
Este foi um dos dias mais esperados. Foi feita uma prece inicial e logo em seguida o
pastor pediu que as pessoas que participariam do sacrifício fizessem uma fila na direção do
altar com o envelope contendo a oferta nas mãos, enquanto três obreiras cantavam a música
―Vai Gideão‖ acompanhadas por um pastor que estava tocando teclados. A música foi
repetida algumas vezes, pois o pastor fazia uma prece individual para cada pessoa que fez o
sacrifício, que eram cerca de 30, um número expressivo para aquele contexto.

Vai Gideão - Rogério Luiz (2010)

Gideão se revoltou contra a sua situação.


Pois não aceitava viver na humilhação.
No lagar o trigo ele foi malhar.
Pois no seu peito ardia o fogo da revolta

Deus olhou e viu a sua, indignação


E falou com Gideão, Eu Sou Contigo!
Vai nessa tua força!

Vai, vai Gideão


Vai nessa tua força, Eu sou contigo
Oferece no altar seu sacrifício
E a vitoria Eu entrego em tuas mãos

Vai nessa tua força


Não temas pois homem valente
Usa a tua fé inteligente
A vitória Eu entrego em tuas mãos

Deus olhou e viu a sua, indignação


E falou com Gideão, Eu Sou Contigo!
Vai nessa tua força!

Vai vai Gideão


Vai nessa tua força eu sou contigo
Oferece no altar seu sacrifício
A vitória Eu entrego em tuas mãos

Vai nessa tua força


Não temas pois homem valente
172

Usa a tua fé inteligente


A vitória Eu entrego em tuas mãos

Não temas pois homem valente


A vitória Eu entrego em tuas mãos

É importante lembrar que o tema e a música foi bastante repetido durante a campanha.
Terminadas as preces individuais, ele pediu que as pessoas viessem um a um até a frente
e quebrassem um pequeno cântaro que lhes foi dado nos cultos anteriores, e dissesem no
momento: ―que a minha velha vida seja quebrada e que o senhor me dê uma vida nova‖. E
assim um a um (os mesmos que fizeram o sacrifício) foram à frente e fizeram, alguns cântaros
não se quebrarm com a queda, mas o pastor disse que não havia problema, pois o cântaro era
apenas algo simbólico.
Após, ele fez a seguinte prece ―Senhor nosso Deus nosso pai, eis-nos aqui mais uma
vez, precisamente eu não sei quantas orações foram feitas nestes 21 dias de campanha, foram
mais de 100. Meu pai, estamos cansados, mas isso nos dá a certeza de que nosso sacríficio vai
dar certo, o sacrificio destas pessoas de anos de trabalho (voz mais forte e pessoas fazendo
suas preces emocionadas) Manifesta teu poder na vida das pessoas e na história dessa igreja.
Nós queremos ver as tuas maravilhas... não vamos desistir enquanto nosso sonho não se
realizar, são vários os pedidos: para familia, casamento, cura, vida sentimental. O senhor abre
portas que ninguém pode abrir ou fechar.‖ Em seguida entra a esposa do pastor falando
também, em tom emocionado, ―Senhor, sua igreja está crescendo no mundo inteiro, e isso vai
acontecer aqui também, porque o Senhor está conosco meu Pai. Esse Deus que transforma
lares e ajuda os necessitados, nós entregamos nossas vidas em tuas mãos. Nós já podemos ver
nos testemunhos, que esta seca já está acabando. (...) Este povo fez o sacrifício, foi valente,
não olhou as contas, as dificuldades, foi atrás. Assim como o senhor deu a vitória a Gideão dê
a Vitória a este povo meu pai‖.
Na sequência o pastor volta a pegar o microfone: ―Não aceitamos meu Deus que nossos
inimigos prevaleçam, nao aceitamos meu Pai que a doença continue entrando nesse corpo,
nessa carne, nesses ossos... que essa doença agora, nessa manhã, seja arrancada, não
aceitamos que a amante entre nessa casa e destrua o casamento dessa pessoa, o vício vai ter
que sair do corpo do filho dessa mulher, meu Deus manifesta teu poder, a miséria vai ter que
sair, as portas fechadas vão ter que sair, abra as portas meu Deus, hoje é o dia da batalha. Os
demônios são vencidos através do sacrificio, (...) os demônios que estão amarrando a vida
173

desta pessoa saiam da vida desta pessoa, essa pessoa quer ver seus filhos na igreja, seu
namorado na igreja‖. Várias pessoas pareciam estar em êxtase, fazendo cada um suas preces
em voz alta, com os braços erguidos, algumas chorando. O pastor seguiu dizendo: ―Digam
comigo: espada pelo senhor (todos repetem) espada pela Igreja Universal.‖
Então todos se acalmam. O pastor pede palmas a Jesus e pergunta ―Você crê na vitória?‖
E fez o pedido de ofertas com a frase que sempre usava para isso ―Vamos honrar a casa de
Deus?‖
Ele leu e comentou Eclesiastes 9:10 ―Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o
conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra nem projeto, nem
conhecimento, nem sabedoria alguma.‖
No domingo seguinte seria o dia dos pais e ele pediu que as pessoas trouxessem os
próprios pais ou os pais de alguém no culto.
Após foi entregue um panfleto a partir do qual ele discorreu a respeito da questão ―O
que fazer depois do sacríficio?‖ e disse: ―O sacrifício traz certeza, confiança, o crente deve
perseverar‖. Neste e em outros cultos sempre houve um tom motivacional em sua fala.
O que se destaca neste culto, principalmente na fala do pastor é a amplitude dos temas
abordados, ou, daquilo pelo qual vale a pena fazer um grande sacrifício. A vida do sacrficante
tem de ser plena, e mesmo neste contexto onde se esperaria uma disparidade nas vezes que
fosse feita menção à ideia de prosperidade, esta, embora às vezes aparentemente
predominante, acaba sendo contrabalançada com a pregação voltada para os outros campos da
vida do participante.

6.5 Questões éticas sobre a imigração ilegal

A condição de ilegalidade destes migrantes levanta uma questão importante. Como as


igrejas frequentadas por eles lidam com o fato de que parte considerável de sua membresia
estar agindo contra a lei, e por esta razão poderiam ser considerados pecadores?
Pela falta de estudos na Holanda neste sentido, tomo aqui como parâmetro de comparação
o estudo que Freston realizou nos EUA a respeito de migrantes brasileiros indocumentados ou
não naquele contexto.
De acordo com o autor não há um tratamento teológico dado sistematicamente pelas
igrejas para lidar com a situação do indocumentado, entretanto ele percebeu que havia uma
série de ideias dispersas que ele agrupa e chama de ―Teologia do Indocumentado‖.
174

Quase nunca ouve-se uma abordagem explícita e sistemática da questão em


ambientes evangélicos públicos, mas a partir de entrevistas e outras fontes é
possível montar uma rudimentar teologia do indocumentado. Esta é um misto de
argumentos bíblicos, históricos e pragmáticos (e não necessariamente peculiares
aos brasileiros). Os argumentos bíblicos enfatizam que Deus criou um mundo sem
fronteiras. Estas são invenções humanas e não devem ser absolutizadas, podendo
ser portanto ignoradas. Além disso, o menino Jesus foi refugiado no Egito, e o tema
da migração fez parte da história da salvação desde Abraão. No Antigo Testamento,
os judeus são instruídos por Deus a tratar o ‗estrangeiro residente‘ com respeito e
generosidade. (...) E, finalmente, os argumentos pragmáticos dizem algo como:
‗somos ilegais não porque queremos, mas porque somos obrigados. Não fazemos
atividades ilegais. Somos bons cidadãos, trabalhadores, fazendo o possível para
conseguir a legalização. Temos os empregos que os americanos não querem e
[alguns acrescentam] como os americanos exploram o mundo inteiro, por que não
temos o direito de ter esses sub-empregos? Afinal de contas, é tudo um jogo. O
governo faz leis que não quer realmente cumprir porque os efeitos econômicos
seriam drásticos. De forma que o governo é, na realidade, cúmplice num jogo
complexo de faz-de-conta. Se quiser realmente expulsar os imigrantes ilegais, sabe
onde eles estão.‘ (…) A grande maioria dos pastores trabalha pastoralmente a partir
da realidade. Em outras palavras, dizem: ‗Tenho que trabalhar com meu povo onde
eles estão, e não a partir de uma situação ideal‘ (FRESTON, 2008, p. 8).

Quanto à realidade em Amsterdã, o convívio e as pregações mostraram que o fato de estar


indocumentado e as consequências disso sofrem também uma interpretação religiosa para
explicar os sucessos e insucessos das pessoas. Ou seja, posso dizer tomando de empréstimo o
termo que lá também há uma teologia do indocumentado, mas com características diferentes.
Por exemplo, para os indocumentados estarem lá nesta condição não é encarado por eles
mesmos como algo ilegal, errado e muito menos pecaminoso, em nenhuma das muitas
conversas que tive e em nenhum testemunho que ouvi apareceu qualquer sinal disso. Por
outro lado outros elementos apareceram, dentre eles:

- A intercessão divina na forma de livramento da deportação - Ou seja, nunca ter sido


pego pela polícia, fiscalização municipal e fiscalização trabalhista muitas vezes é interpretado
como um claro sinal da proteção divina e de bênçãos sobre a vida da pessoa.

- Boa saúde – Muitos estão lá há anos (conheci pessoas morando por 9 anos lá e soube de
uma senhora que morava há 16 anos) e o fato de ter boa saúde e nunca ter precisado usar do
sistema de saúde ou voltar para o Brasil para se tratar também é um sinal da ação direta de
Deus.

- Prosperidade financeira – Entenda-se aqui prosperidade não no sentido de


enriquecimento rápido como é pregado no Brasil, mas sim o fato da pessoa ter trabalho
175

suficiente para se manter e ainda sobrar uma quantia significativa para mandar para o Brasil.
O risco da falta de dinheiro para sobreviver é dramático especialmente nos primeiros meses.
Portanto, conseguir trabalhos em boa quantidade e remuneração é outro sinal.

- Vida emocional equilibrada – Percebi, ou melhor, senti126 a carência de algumas pessoas


pela dificuldade em se fazer amigos. Ter uma vida afetiva harmoniosa é um desafio a mais
para as pessoas que vivem lá. Havia muitas reclamações de saudades de casa, falta de amigos
e de um companheiro ou companheira.

- Resolução de problemas à distância – Outra característica muito própria do contexto


pentecostal na diáspora, a crença de que a busca por Deus ajuda a resolver problemas de
vários tipos que ficaram para trás no Brasil, principalmente relacionados a solução de
problemas enfrentados por parentes (saúde, vida material, etc.).

O famoso ―jeitinho brasileiro‖ acaba operando duplamente na vida de parte dos brasileiros
que vivem na Holanda, como lembra DaMatta (1997, p. 172), ―O seu mundo, sendo
intersticial, é aquele universo onde a realidade pode ser lida e ordenada por meio de múltiplos
códigos e eixos‖. O tal ―jeitinho‖ funciona tanto nas suas relações sociais e de trabalho,
garantindo-lhe a permanência no país, o lucro e a sobrevivência, como também funciona em
sua religiosidade. Fazendo-os resignificar o discurso religioso recebido, que por sua vez já
sofreu adaptação à realidade do migrante.
Por fim, minha ida para a Holanda e convivência próxima com a comunidade brasileira
possibilitou perceber a amplitude do discurso religioso que se construiu e que, em seu
dinamismo, se reconstruiu para se adaptar à demanda. Mesmo possuindo dentro de si a
brasilidade e tudo que isso acarreta inclusive a religiosidade. O ―pacote‖ religioso
dinheiro/demônios que, segundo alguns analistas, é o principal ―produto‖ neopentecostal, deu
lugar às pregações e experiências mais fluidas, que sequer mencionavam os demônios e,
embora mencionando o dinheiro, isso se deu de forma não tão relevante, cedendo lugar a
elementos como a família, a saudade, a saúde e a aparentemente esquecida salvação, tema este
importante na suposta ―terra do pecado‖.
Um dos pontos mais interessantes da análise que foi feita é que, apesar da situação
enfrentada pelas igrejas na diáspora que em certos aspectos é muito diferente de seus

126
Algumas pessoas procuraram fazer amizade comigo e minha família e tentaram estreitar os laços rapidamente
e deixando transparecer a carência afetiva pela dificuldade de formar amizades sólidas e confiáveis.
176

contextos de origem (nem toda membresia era brasileira, por exemplo), mesmo assim, não
parece ter havido ruptura, apenas adaptação e reforço de certos aspectos do discurso.
177

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O argumento central desta tese de doutorado foi tentar mostrar que a experiência
religiosa vivenciada por um membro de uma igreja pentecostal vai além de simplesmente
buscar a igreja em momentos difíceis ou ir atrás de prosperidade e cura. Mesmo que muitas
vezes estes possam ser os motivos iniciais para a adesão. Tentei mostrar por meio da análise
das fontes que pertencer a uma igreja como a IURD ou a IIGD carrega em si o compromisso,
que obviamente pode ser duradouro ou não, mas enquanto dura é um compromisso pleno para
ao menos parte de seus participantes.
Embora a ideia da pura comercialização de produtos religiosos por parte das igrejas
neopentecostais ainda persista dentro e fora do meio acadêmico, usando novas roupagens,
como a expressão ―Mcdonaldização da fé (PAEGLE, 2008, p. 91)‖, sugerindo uma
religiosidade fast food. Penso que este tipo de abordagem fica um tanto empobrecida pela
negação das outras dimensões envolvidas além da simples ideia de mercado religioso.
Por outro lado, é inegável a presença de pessoas nas igrejas que as tratam como um
―supermercado da fé‖, mas parece difícil acreditar que as lideranças das igrejas queiram isso.
Sejam lá quais forem as intenções das lideranças, boas ou ruins, certamente preferem criar
meios duradouros de aumentar e manter sua membresia, e o modelo de ―supermercado da fé‖
não parece o mais adequado para isso.
Embora não tenha sido feita uma análise detalhada a respeito de cada autor que defende
o modelo explicativo da mercantilização da fé, fica perceptível a dificuldade de alguns autores
de afastar-se da ideia de que a sociedade brasileira é e sempre será fortemente influenciada
pelo catolicismo, e que o pentecostalismo, especialmente o da chamada terceira onda só
consegue congregar vítimas sociais. Imputando a ignorância e ingenuidade como condição
sine qua non para o pertencimento a uma dessas igrejas. Seguindo um antigo pensamento de
que cabe aos intelectuais proteger os menos favorecidos.
Outro fator importante, a tão prometida e esperada ascensão das classes menos
favorecidas no eterno ―país do futuro‖ ainda não se cumpriu, apesar dos avanços econômicos
e considerável redução da miséria no país. Para muitos pensadores é inadmissível que as
pessoas procurem esta ascensão justamente numa forma de religiosidade que foi de certa
maneira execrada pela academia e pelo senso comum como sendo a mais torpe forma de
exploração do povo. A ironia está no fato de que, o ―sujeito povo‖ ou ao menos parte deste, a
massa anônima que precisava ser guiada por uma classe superior rumo a alguma forma de
178

emancipação, preferiu justamente recorrer a ferramentas religiosas para tentar melhorar de


vida neste mundo. E escolheu para isso instituições consideradas ―marginais‖.
O mais interessante é que não houve necessariamente uma total ruptura com os padrões
estabelecidos, o que houve foi talvez a reinvenção destes. Os elementos que já estavam
presentes na religiosidade brasileira não foram sequer substituídos, foram de certa forma
sincretizados.
O fato é que, de acordo inclusive com o próprio relato dos participantes da pesquisa,
mostrava-se neles uma tendência de enfraquecimento das instituições religiosas mais
tradicionais no Brasil. Muitas das pessoas com quem conversei tanto no Brasil quanto na
Holanda revelavam que antes de começarem a frequentar uma igreja pentecostal eram apenas
católicos nominais ou nem isso, às vezes eram apenas portadores da ―religiosidade mínima
brasileira‖, um passado, uma lembrança religiosa longínqua que pouco se manifestava. Por
outro lado era uma religiosidade latente, esperando que algo despertasse tal religiosidade, e
este despertador foi o pentecostalismo. Não foram poucas as pessoas com quem conversei no
percurso da pesquisa que demonstraram respeito pela IURD por esta igreja tê-las colocado
dentro do ―sistema pentecostal‖, do qual puderam, a partir da IURD, transitar para outras
igrejas, como a IIGD.
Embora não se apliquem no Brasil os tradicionais modelos teóricos de secularização, foi
inegável uma transformação no campo religioso brasileiro enfraquecendo a importância do
catolicismo levando este campo numa direção pluralista, talvez impedindo o enfraquecimento
religioso em sentido amplo.
Outro fato importante. Penso que pode ser, ao menos em parte, creditado aos
neopentecostais um papel importante na revitalização das instituições religiosas no Brasil. A
concorrência e visibilidade das novas igrejas pentecostais provocaram reação por parte das
igrejas mais antiga como a Igreja Católica, as protestantes tradicionais e mesmo as
pentecostais mais antigas no sentido de rever suas estratégias de evangelização. Mesmo que já
existissem tais iniciativas por parte destas igrejas, estas tornaram-se mais agressivas e com
maior visibilidade. Os padres cantores e a ascensão do canal de televisão e ministério católico
Canção Nova são exemplos disso. Por outro lado, o avanço pentecostal foi tão significativo
que tem provocado de maneira surpreendente, embora tímida, abertura de espaço para
evangélicos em espaços antes inimagináveis. Por exemplo, a apresentação das cantoras
179

evangélicas Aline Barros e Fernanda Brum no programa dominical Domingão do Faustão da


Rede Globo em 27 de junho de 2010127.
Aliás, um fator marcante das igrejas neopentecostais é sua estratégia de conquistar
espaços. Diferente de igrejas pentecostais mais antigas como a Congregação Cristã e a Deus é
Amor, que ao menos aparentemente se contentavam com seu crescimento consistente porém
discreto, as neopentecostais demonstram que vieram para conquistar espaço em várias esferas
da sociedade: política, mídia, cultura e obviamente a religião. O rápido crescimento destas
igrejas nestas várias esferas parece ter surpreendido e desagradado os grupos que já estavam
estabelecidos.
A dicotomia Rede Globo/Igreja Católica versus Rede Record/Igreja Universal é um
exemplo da guerra midiática e do incômodo que pode causar uma pequena emissora falida
alçada em relativamente pouco tempo ao posto de segunda emissora mais importante,
administrada por um líder religioso polêmico.
Em menos de duas décadas a atenção da sociedade brasileira foi disputada por novos
elementos inesperados e considerados sob diversos aspectos como ameaçadores. Mas o que
estava sendo ameaçado?
Talvez o que vinha sendo ameaçado é a própria noção de identidade brasileira. De país
católico, país do futebol, país do carnaval, da Rede Globo, da malandragem e do jeitinho
brasileiro consentido. Por exemplo, em 1º de julho de 2006, dia da eliminação do Brasil na
Copa do Mundo de Futebol em 2006, um sábado, minutos depois do jogo o templo sede da
IURD na cidade de São Paulo estava cheio de pessoas esperando o culto da ―Terapia do
Amor‖. Tentar arrumar um namorado (a) ou melhorar a vida sentimental era algo mais
importante para os que estavam ali e para estes não valia a pena adiar este momento para a
semana seguinte por causa de um jogo da seleção na Copa do Mundo. Pessoas que
simplesmente se servem no fast food religioso, como dizem os críticos, não fazem este tipo de
coisa em um evento que costumava ser extremamente valorizado na cultura nacional.
As novas forças surgiram e mesmo não sendo revolucionárias provocaram insegurança
nas forças estabelecidas.
Apesar dos espaços conquistados, percebe-se que a rejeição sofrida pelos
neopentecostais parte não só de católicos. É visível, talvez até de forma mais contundente, a
rejeição que vem de parte de igrejas protestantes mais antigas, que, apesar de outrora terem
rejeitado os primeiros pentecostais, hoje têm uma maior tolerância em relação às antigas

127
Domingão do Faustão recebeu Aline Barros e Fernanda Brum. In: Gospel Musica Café. Disponível em <
http://www.gospelmusiccafe.com.br/noticias.aspx?cod_noticia=1185> Acesso em: 10/07/2010.
180

igrejas pentecostais como a Assembléia de Deus, mas são bastante reticentes em relação às
neopentecostais. Difícil prever se com o tempo as neopentecostais alcançarão a
respeitabilidade que suas ―irmãs mais velhas‖ conseguiram a duras penas.
Outro ponto importante a destacar a respeito dos neopentecostais é a ideia que eles
pregam de felicidade em um conceito mais amplo.
Os críticos destas igrejas apontam, ou ao menos dão um destaque exagerado de que o
conceito de felicidade para os neopentecostais se resumiria ao que prega a Teologia da
Prosperidade, ou seja, basicamente saúde e riqueza.
As fontes, entretanto, apontaram para algo muito mais amplo que isso. Foi possível
perceber que pessoas por serem diferentes valorizam as coisas de modo diferente. Uma jovem
solteira pode dar muito mais valor em conseguir um bom namorado cristão do que abrir sua
microempresa, assim como um homem pode preferir ter seu filho afastado das drogas a fechar
um grande contrato para sua empresa. Claro que, sob o ponto de vista das doutrinas das
igrejas, é possível querer e receber tudo, mas as pessoas demonstram preferir travar sua luta
espiritual privilegiando um problema de cada vez, concentrado suas orações e sacrifícios
materiais para um momento e problema específico, e neste primeiro momento poucas vezes a
preocupação inicial era a vida financeira.
Aliás, a vida familiar sempre foi um dos pontos chaves da adesão e permanência das
pessoas nessas igrejas. Muitos dos informantes não demonstravam preocupação excessiva
com a vida financeira ou mesmo pretensões de vir a ser um megaempresário de sucesso, como
às vezes era reforçado nos testemunhos das igrejas, especialmente a IURD. Muitos
demonstraram até certo conformismo em relação à vida financeira, satisfeitos em conseguir
uma existência modesta, preocupando-se muito mais com o destino dos filhos ou maridos.
Certamente, nestes aspectos, as mulheres eram as mais ativas. O papel feminino que já era
visível nas igrejas mais antigas, no qual a mulher é o esteio de família e aquela que pode, por
meio de sua luta espiritual e sacrifício material, salvar os seus, permanece nas igrejas
neopentecostais. As mulheres continuam sendo maioria e extremamente influentes no
processo, embora ainda um tanto relegadas a um papel secundário no nível do discurso.
O tema do sacrifício material ainda segue polêmico nos meios externos ao mundo dos
neopentecostais. Os informantes relataram resistência e mesmo zombaria por parte de
familiares no tocante ao fato dos dízimos e vultosas quantias de dinheiro doadas às igrejas nas
ofertas e sacrifícios. Entretanto, os participantes do mundo neopentecostal seguem com seu
sistema de crenças e suas verdades sem aparentemente se deixarem abalar. O dinheiro faz
parte do sistema sagrado no qual eles também fazem parte. Diferente do que os críticos e
181

eventualmente até vozes internas das igrejas dizem em relação a ser ―sócio de Deus‖, o
dinheiro torna-se muito menos mundano no contexto da experiência religiosa e muito mais
sagrado no mundo fora da igreja. Conseguir trabalho e o próprio trabalho podem então
assumir caráter sagrado e colaborar para a luta pela sobrevivência e salvação da alma.
Paralelamente à proposta de transformação individual das pessoas, a IIGD e
especialmente a IURD entraram em um processo de pretensa transformação da sociedade,
através de projetos sociais e da ação política. Alavancados pelo uso dos meios de
comunicação da igreja e do capital político de seus pastores apresentou um sucesso bastante
expressivo que arrefeceu após o envolvimento de seus políticos em esquemas de corrupção,
mostrando que havia uma quantidade expressiva de ―joio‖ nos seus quadros. É notório
também o alinhamento da liderança da IURD com o governo Lula, refletindo inclusive no tipo
de cobertura jornalística dada aos sucessos de seu governo. As imagens de Lula apertando um
botão de mãos dadas com Edir Macedo inaugurando o canal Record News e as fotos de Edir
Macedo e o diretor do referido canal na posse de Dilma Rousseff causaram reações acaloradas
nos fóruns de discussão na internet. O simbolismo de duas forças que até certo tempo eram
marginais e agora ocupam um espaço antes ocupado por uma elite política e midiática que
dominou por décadas, foi, para o bem ou para o mal, uma mudança.
Uma parte desta tese foi dedicada às relações entre a migração brasileira de
indocumentados na Holanda e de sua escolha pelo pentecostalismo como opção religiosa
adotada ou reforçada no contexto da migração.
Boa parte dos brasileiros que vão para lá foram para tentar melhorar de vida
financeiramente, e como tradicionalmente acontece com este tipo de expatriado, sofrem por
terem feito esta escolha. As pessoas que foram objeto desta parte da pesquisa eram
basicamente indocumentados. Sofrimentos à parte, preferi não encará-los como vítimas, até
porque, a despeito do sofrimento, ir para a Holanda representou para a maioria deles melhora
nas condições de vida, ou mesmo uma mudança total como nos casos das muitas mulheres
que se casaram e construíram novas famílias.
Ficou mais claro que o conceito de solidariedade dentro da comunidade brasileira
expatriada muda consideravelmente em relação a outro tipo de laços mais fortes que poderiam
unir as pessoas caso estivessem em seu contexto de origem. Outro fator interessante e que
pesou na forma como se constroem os laços sociais é a peculiar situação que eles enfrentam
estando indocumentados em outro país. Por exemplo, o brasileiro indocumentado que tenha
sido de alguma forma prejudicado não pode recorrer às sanções que ele poderia usar se
estivesse no Brasil. Não pode fazer uma denúncia na polícia, procurar a justiça ou mesmo
182

resolver ―no braço‖, pois estaria sujeito a atrair a atenção da polícia e ser deportado. Portanto
é extrema a vulnerabilidade do expatriado em sofrer golpes dos locais, outros estrangeiros e
dos próprios conterrâneos, principalmente envolvendo dinheiro ou moradia, restando usar a
comunidade religiosa como elemento que possa lhe conferir credibilidade e segurança. As
igrejas cumprem funções diferentes das quais cumpriram no Brasil: viram agência de
emprego; instituição que confere credibilidade aos seus frequentadores; esteio moral
(precário) para os jovens longe da família; ponto de encontro e recreação e, claro, apoio
espiritual.
No contexto estrangeiro ficou perceptível que o conceito do que é certo ou errado torna-
se ainda mais fluido. Levar vantagem sobre a vulnerabilidade de seus conterrâneos ou
explorá-los economicamente de forma que poderia ser considerada no mínimo reprovável no
contexto de origem tornam-se corriqueiros, e aquele que está em desvantagem logo aprende
que este é um ―estágio necessário‖ pelo qual todos devem passar antes de alcançarem a
estabilidade precária: ter trabalho e moradia relativamente fixos.
A hierarquização típica da sociedade brasileira também se transforma lá. Há dois
grandes segmentos: documentados e indocumentados. E dentre os indocumentados também
há hierarquias, basicamente os que são mais ou menos integrados, os que têm mais ou menos
contatos de trabalho e o domínio ou não da língua holandesa são os grandes marcadores de
diferença, e a maior ascensão social possível consiste em tornar-se documentado, geralmente
por casamento.
As igrejas pentecostais funcionam também como um ponto de reconstrução de uma
nova referência para brasileiros indocumentados. Mesmo que estes planejem ficar apenas dois
ou três anos no país, este tempo relativamente curto pode ser uma eternidade para quem sofre
as adversidades da vida de indocumentado, muitos relataram uma situação de aflição
constante, e as igrejas brasileiras preenchem um vazio e cumprem funções que não estavam
acostumadas a cumprir no Brasil.
As igrejas dão demonstrações impressionantes de capacidade de adaptação. Como no
caso da Holanda, onde estão apenas há cerca de onze anos e com um relativo sucesso. Apesar
de números absolutos e percentuais serem inexpressivos, não deixa de ser uma vitória a
sobrevivência da IURD naquele contexto e sua capacidade de atrair não somente brasileiros
expatriados. Aliás, embora nos cultos em português em Amsterdã a predominância de
brasileiros, as visitas aos grandes eventos da igreja em Haia apontaram para uma
predominância de não brasileiros.
183

A Igreja Universal teve de se adaptar ao contexto. Os demônios saíram de cena, as


possessões e exorcismos chocantes também. A temática das pregações era dominada por
temas particularmente tocante aos expatriados, especialmente os indocumentados. Todo este
dinamismo tornou as igrejas pentecostais as preferidas entre os brasileiros, mesmo quem nem
sequer tinha o hábito de frequentar igreja alguma no Brasil, lá, por conta das circunstâncias,
começava a frequentar.
As igrejas tiveram que lidar com a dubiedade da situação imposta pelos seus
frequentadores, que, mesmo fazendo algo ilegal ao morar no país sem autorização e
transgredindo diversas leis daquele país, porém sem serem criminosos de fato. Em sua
maioria apenas trabalhadores querendo receber mais pelo seu trabalho, que inclusive era
tolerado pela sociedade hospedeira. A ideia de crime ou pecado jamais era mencionada nas
conversas ou pregações. Se os espíritos brasileiros não entraram na Holanda, o ―jeitinho
brasileiro‖ entrou e subiu ao púlpito.
Enfim, muito difícil separar em partes aquilo que as pessoas vivenciam como um todo.
Entendo que a IURD e a IIGD buscam e oferecem sim uma experiência religiosa completa,
entretanto muitas vezes os frequentadores e analistas concentram-se muito em poucos
aspectos.
Finalizo com os dizeres de um pastor que ouvi no Brasil: ―Não devemos ir à igreja
apenas em busca de curas e milagres. É preciso que você creça em todas as partes. (...) Deus
instituiu a vida familiar, todos deveriam casar e ter uma família.‖128

128
Diário de Campo. Ficha de Observação na IIGD. 21/09/2008.
184

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