Política Cultural em tempos de crise:
Lei Aldir Blanc e o sistema
nacional de cultura
Clarissa Alexandra Guajardo Semensato
Alexandre Almeida Barbalho
RESUMO
Este artigo propõe investigar a
hipótese de possível retomada
do Sistema Nacional de Cultura
no âmbito municipal com a
promulgação da Lei Aldir Blanc.
Objetiva também investigar os
valores que atuaram no campo
cultural motivados por esse
processo. Para tanto, utiliza-se
do apoio teórico-metodológico
da Teoria do Discurso ao analisar
o corpus empírico de discursos
coletados na internet com as
palavras-chave “Sistema Nacional
de Cultura” e “Lei Aldir Blanc”.
PALAVRAS-CHAVE: Sistema
Nacional de Cultura. Lei Aldir Blanc.
Teoria do Discurso.
Cultural policy in times of crisis:
the Aldir Blanc law and the
national culture system
ABSTRACT
This article proposes to investigate the
hypothesis of a possible resumption
of the National Cultural System at the
Clarissa Alexandra Guajardo municipal level with the enactment
Semensato of the Aldir Blanc Law. It also aims to
Clarissa Semensato é Doutoranda em
investigate the values that acted in the
Políticas Públicas (UECE), Mestre em Políticas cultural field motivated by this process.
Sociais (UENF) e Licenciada em Geografia For that, it uses the theoretical-
(IFF-Campos). Pesquisa temáticas ligadas ao methodological support of Discourse
Sistema Nacional de Cultura e Gestão Pública
de Cultura. É membro da Cátedra Unesco de
Theory to analyzes an empirical corpus
Políticas Culturais e Gestão. of discourses collected on the internet
with the keywords “National Cultural
Alexandre Almeida Barbalho System” and “Aldir Blanc Law”.
Professor dos PPGs em Sociologia e em KEYWORDS: National Cultural System.
Políticas Públicas da UECE e em Comunicação Aldir Blanc Law. Discourse Theory.
da UFC. Líder do Grupo de Pesquisa em
Políticas de Cultura e de Comunicação. Autor, Recebido: 10/12/2020
entre outros livros, de “Sistema Nacional de
Cultura: campo, saber e poder”. Aprovado: 22/03/2021
Tensões Mundiais | 17
Clarissa Alexandra Guajardo Semensato
Alexandre Almeida Barbalho
1 Introdução
A partir de 2003, com o primeiro governo Lula e a chegada de
Gilberto Gil e sua equipe ao Ministério da Cultura (MinC), iniciou-se
o processo de definição, elaboração e implementação do Sistema
Nacional de Cultura (SNC) que permanece, mesmo após o fim do
ciclo dos governos petistas e na sequência dos governos Temer e
Bolsonaro com orientacão liberal.1
A proposta de um sistema público de cultura, nos moldes exis-
tentes em outras áreas e tendo o Sistema Único de Saúde como
referência principal, já estava previsto no documento “A imagina-
ção a serviço do país. Programa de Políticas Públicas de Cultura”
da coligação “Lula Presidente” (PARTIDO DOS TRABALHADORES,
2002). Na avaliação de Márcio Meira (2016), secretário de
Articulação Institucional (SAI) do Ministério durante o primeiro
governo Lula,2 o referido documento enfatiza a gestão pública e
democrática e o papel do Estado na cultura, elementos que se arti-
culam em torno de uma política que valoriza a noção de sistema.
Tanto é assim que são muitas as passagens que fazem referência
à lógica federativa e sistêmica.
O SNC se coloca com a função de implantar, em conjunto com
a sociedade, um sistema de políticas públicas específico para a
cultura, integrando as esferas federal, estadual e municipal, em um
país cujo regime é o republicano federativo, mas que tem, mesmo
após a Constituição de 1988, uma tradição de centralização e
concentração de poder no nível da União (CUNHA FILHO; RIBEIRO,
2013).3 O SNC, ao exigir a criação de mecanismos mínimos para o
1 No portal eletrônico da Secretaria Nacional da Economia Criativa e Diversidade
Cultural (SNECDC), vinculada ao Ministério do Turismo e responsável pela
política cultural após a extinção do MinC pelo governo Bolsonaro, encontra-se
ativo um link para a página do SNC. Nela é possível acessar todas as informações
sobre o Sistema, inclusive documentos produzidos nos governos Lula e Dilma.
A esse respeito ver: http://www.cultura.gov.br/ e http://portalsnc.cultura.gov.
br/. Acesso em 04.nov.2020.
2 A Secretaria de Articulação Institucional (SAI) foi criada na reestruturação do
MinC em 2003, visando promover a articulação das políticas culturais das esferas
federal, estadual e municipal, bem como do Distrito Federal e da sociedade civil.
A SAI tinha como objetivos principais a realização das conferências nacionais, a
elaboração do Plano Nacional de Cultura (PNC) e, por fim, a implantação do SNC.
3 Para uma análise do lugar da cultura nos pactos constitucionais e federativos
brasileiros desde 1824 ver Soares Filho; Ponte (2017).
18 | Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021
Política Cultural em tempos de crise:
Lei Aldir Blanc e o sistema nacional de cultura
seu funcionamento nos estados e municípios do país (órgão gestor
específico, conselho, plano e fundo de cultura), possibilita algum
grau de efetividade das políticas culturais independente do gover-
no vigente (BARBALHO; BARROS; CALABRE, 2013).
Pode-se observar aquele momento da gestão do MinC como
a chegada na área da cultura daquilo que Luis Klering e Melody
Porsse apontam como atuação do Estado em rede no Brasil, a
partir de novas práticas de gestão, envolvendo colaboradores (os
três níveis de governo, esferas de um mesmo nível e entre gover-
no, entidades e sociedade civil) e que demandam um enfoque
sistêmico. Na avaliação dos autores, o formato de gestão pública
por meio de sistema tem alcançado crescente apoio não só no
âmbito governamental, mas também entre setores da socieda-
de, pois essa forma de operar seria bem mais avançada do que o
modo burocrático ou gerencial, ao permitir “a atuação conjunta,
coordenada e integrada de diferentes níveis e esferas de governo,
organizações sociais e privadas, assim como diferentes atores e
segmentos da sociedade” (KLERING; PORSSE, 2014, p. 76).
Contudo, o Sistema não foi inicialmente aceito de forma
consensual no interior do MinC, onde os agentes político-culturais
disputavam o entendimento de qual seria o papel do governo na
cultura e por meio de quais programas e ações ele seria efetivado.
Isso é possível porque o Estado, como observa Bourdieu (2012),
é uma espécie de meta-campo que concentra capital político,
econômico, social e cultural e se torna um espaço de convergência
e embate entre os diversos campos.
Não sendo um bloco monolítico, o Estado “est un champ à
l’intérieur duquel les agentes luttent pour posséder un capital qui
donne pouvoir sur les autres champs” (BOURDIEU, 2012, p. 312). O
laço entre o campo do poder e o Estado se dá pelo fato dos agen-
tes do primeiro disputarem o controle sobre o segundo, sobre seu
meta-capital que permite conservar e reproduzir diferentes tipos
de capital. Assim, tal como os outros campos, o Estado se estrutu-
ra a partir de oposições e interesses diferentes associados, inclusi-
ve, a capitais distintos, para impor o ponto de vista dos pontos de
vista, que é o estatal.
Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021 | 19
Clarissa Alexandra Guajardo Semensato
Alexandre Almeida Barbalho
A relação do campo estatal com o campo cultural, inserido na
sociedade civil, dá-se por meio das políticas governamentais de
cultura, posto que, como defende Bourdieu, entre ambos, campo
estatal/campo cultural, ou dito de outra forma, Estado/socieda-
de civil (mais especificamente intelectuais e artistas, ou seja, os
agentes culturais), existe um continuum, “une distribution conti-
nue de l’accès aux ressources collectives, publiques, matérielles
ou symboliques, auxquelles on associe le nom d’État” (BOURDIEU,
2012, p. 66). O controle de tal distribuição, como toda aquela que
se dá no socius, fundamenta e ocasiona lutas permanentes no
interior dos campos estatal, político e cultural.
Para conquistar o reconhecimento interno junto ao MinC e ao
próprio governo, foi necessário construir um saber sobre o que
seria um “sistema de cultura”, que por sua vez implicou em um
poder disponibilizado aos seus defensores para a implantação do
SNC. Quer dizer, o SNC, a partir de determinadas condições histó-
ricas e discursivas, impôs-se dentro do Estado como um saber
e uma política. Por outro lado, a compreensão e a necessidade
do Sistema também tiveram que ser conquistadas no âmbito das
outras esferas governamentais (estados e municípios).
O agendamento público do SNC não constituiu uma tarefa fácil.
Para Roberto Peixe, responsável no MinC pelo Sistema nas gestões
dos ministros Juca Ferreira e Ana de Holanda, a sua implantação
foi uma “batalha” que “progressivamente se espalhou por todo o
país (...) tornando-se ao longo dos últimos anos o principal desa-
fio na área da cultura das administrações estaduais e municipais
brasileiras” (PEIXE, 2016, p. 222). Márcio Meira (apud ARAGÃO,
2013) recorda que sua equipe teve que fazer um trabalho inten-
so de publicização e convencimento junto aos gestores estaduais
e municipais da importância da proposta. A ação era vista como
uma “missão” pelo gestor.
Mas o trabalho “missioneiro” da SAI resultou efetivo. Em
pesquisas sobre o campo de discursividade estabelecido em torno
do SNC como forma de acessar as posições dos agentes, tanto do
campo político, quanto do campo cultural em todo o país, entre o
período que antecede a realização da III Conferência Nacional de
Cultura em novembro de 2013, e o fim do primeiro governo Dilma,
20 | Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021
Política Cultural em tempos de crise:
Lei Aldir Blanc e o sistema nacional de cultura
concluiu-se que se estabeleceu um processo de hegemonização
em torno de tal proposta (BARBALHO, 2019a). O mesmo procedi-
mento teórico-metodológico foi aplicado em relação ao segundo
governo Dilma até o momento de seu impedimento, e se chegou
às mesmas conclusões (BARBALHO, 2019b).
Na análise do corpus, o que sobressaiu foi o consenso em torno
da participação e, por consequência, da democracia, da institu-
cionalização e do financiamento, respaldando a defesa da políti-
ca em tela em âmbitos estadual e municipal motivado pelo esta-
belecimento do SNC. Não havia posição contrária a tais critérios
(participação e democracia) em qualquer um dos discursos anali-
sados, pois eram vistos como fundantes para o bom desempenho
das políticas culturais em todos os níveis da federação. Eles foram
mobilizados tanto por políticos em cargos executivos e gestores
públicos estaduais e municipais, quanto por aqueles que ocupam
cargos no legislativo (deputados e vereadores), inclusive perten-
centes a partidos de oposição ao arco de aliança do governo
Dilma. O mesmo se pode dizer em relação à sociedade, represen-
tada, basicamente, por agentes do campo cultural.
Pode-se afirmar, assim, que o SNC alcançou um nível relevante
de receptividade em todos os âmbitos da Federação, a despeito
de sua não regulamentação, prevista no Art. 2016A, e da falta de
recursos. A política parece ter respondido ao que Meira identifica-
va como sua força:
Eu acho que cabe à sociedade brasileira a
principal responsabilidade, sobretudo a co-
munidade cultural. Se essa sociedade, se
essa comunidade cultural tem consciência
efetiva de que é necessário ter um Sistema e
um Plano Nacional de Cultura, porque isso é
um direito constitucional, isso está previsto
na Constituição Brasileira, independente de
partidos ou independente de visões diferen-
ciadas dentro de um partido, dentro de um
governo, e ela cobrar, reclamar, exigir es-
se direito, acho que as coisas vão acontecer
(apud REIS, 2008, p. 123).
Contudo, a instabilidade e o progressivo enfraquecimento do
MinC no governo Temer até chegar à extinção do órgão na gestão
Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021 | 21
Clarissa Alexandra Guajardo Semensato
Alexandre Almeida Barbalho
Bolsonaro, tornando-se uma secretaria (inicialmente Secretaria
Especial da Cultura e atualmente Secretaria Nacional da Economia
Criativa e Diversidade Cultural - SNECDC), colocam em xeque o
que foi conquistado ao longo de mais de uma década de política
cultural, pois o que se observa no atual governo é a inanição ou
mesmo extinção de instituições, políticas, programas e ações no
setor da cultura.
Por outro lado, um fator externo e intempestivo, a pandemia
provocada pelo Covid-19, provocou alterações no campo das polí-
ticas públicas, incluindo as de cultura, acrescentando novos desa-
fios a dificuldades históricas (LIMA; PEREIRA; MACHADO, 2020).
Essa realidade torna-se ainda mais crítica no caso brasileiro por
conta da desresponsabilização do Estado e de desconstrução insti-
tucional em âmbito federal no que diz respeito às políticas públi-
cas. Frederico Barbosa da Silva e José Celso Cardoso Júnior (2020)
nomeiam o atual processo de “assédio institucional” como “estra-
tégia política e método de governo” “capaz de capturar e delimitar
os termos do debate, legitimando e deslegitimando atores, impe-
dindo sua ação coletiva ordenada”.
No caso da política cultural, por conta da fragilidade de diver-
sos ramos e setores da economia da cultura que contam com o
financiamento direto ou indireto por parte dos poderes públicos,
configura-se como uma situação de retroalimentação com efei-
tos trágicos para a produção cultural do país. Quando sistema-
tizam o assédio institucional como ação política, a partir de três
variáveis qualitativas – 1. “Liberalismo (mercado acima de tudo)”;
2. “Embaralhamento (desorganização institucional)”; e 3. “Guerra
cultural (assédio em sentido estrito)” –, Silva e Cardoso Júnior
apresentam a seguinte conjuntura para o setor cultural:
22 | Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021
Política Cultural em tempos de crise:
Lei Aldir Blanc e o sistema nacional de cultura
Quadro 1: Assédio Institucional como Ação Política – Setor Cultural
Liberalismo Embaralhamento Guerra cultural
(mercado acima (desorganização (assédio em sen-
de tudo) institucional) tido estrito)
Associação da cul- Desmembramento de Ataque aos artis-
tura com turismo. funções e redução de tas.
Cultura como mer- recursos. Ataque aos princí-
cado de bens. Administração por pios da diversida-
Uso de bens histó- parte de críticos, opo- de e intercultura-
ricos e ambientais nentes ou conflitos lidade aos quais o
para trazer recur- de interesses. Brasil já aderiu in-
sos por meio de Reformas infralegais ternacionalmente.
turismo colocando sem discussão públi- Ressignificação e
o valor cultural em ca para as simplifica- redução do esco-
risco. ções de normas re- po das políticas
lativas à proteção do públicas do setor
patrimônio natural, cultural.
histórico e cultural. Reprodução de
Setor Orientação crítica à discursos que
Cultural gestão institucional, afastam e discri-
incluindo no caso minam minorias
da Fundação Cultu- políticas e exaltam
ral Palmares (FCP), valores antidemo-
publicações com re- cráticos.
lativização de temas Publicação de tex-
como escravidão e tos contra Zumbi
racismo no Brasil. dos Palmares pela
Ainda na FCP houve instituição.
detratação pública
do movimento negro
em contradição com
as atribuições institu-
cionais.
Fonte: SILVA; CARDOSO JÚNIOR (2020)
Como resposta a esse estado de coisas ocorreu uma mobili-
zação por parte de agentes e gestores municipais e estaduais de
cultura que, pressionando o poder legislativo, conseguiu aprovar a
Lei N. 14.017/20, conhecida inicialmente como Lei de Emergência
Cultural e, em seguida, como Lei Aldir Blanc (LAB), em home-
nagem ao letrista e compositor que faleceu em decorrência do
coronavírus. Apesar das dificuldades colocadas pela sua regula-
mentação, a LAB viabilizou a distribuição descentralizada de três
Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021 | 23
Clarissa Alexandra Guajardo Semensato
Alexandre Almeida Barbalho
bilhões de reais, em parcela única, para estados, Distrito Federal
e municípios.
Na avaliação de Lia Calabre, diante do curto tempo de opera-
cionalização e da histórica dificuldade de execução do poder
executivo brasileiro em todos os níveis de governo, “os municípios
de maior porte e com um sistema municipal de cultura razoavel-
mente desenvolvidos” serão os que “provavelmente terão mais
chances de concessão dos recursos, cumprindo as regras deter-
minadas para sua utilização” (CALABRE, 2020, p. 17). Segundo a
pesquisadora, que atuou na equipe que colaborou com a SAI no
desenho do SNC, a LAB privilegia a lógica federativa, bem como
os instrumentos previstos para os entes que aderiram ao Sistema,
além dos cadastros, como o conselho, o plano e o fundo de cultu-
ra (o chamado “CPF da cultura”). É, inclusive, por meio do portal
do Sistema Nacional de Cultura (http://portalsnc.cultura.gov.br/)
que a SNECDC vem publicizando os repasses feitos aos estados e
municípios proporcionados pela LAB.
Diante dessa conjuntura, pode-se especular que a referida
Lei deu um novo impulso ao SNC junto aos agentes do campo
cultural e aos gestores culturais municipais. Dito de outro modo,
a LAB gerou uma externalidade positiva, qual seja, em um contex-
to pouco propício às políticas culturais, motivado pelas causas já
citadas; ocorreu o revigoramento de uma política complexa que
é o SNC ou, pelo menos, de seus congêneres municipais. Não se
trata aqui de referendar a viabilidade do atual formato do SNC e
nem da LAB, muito menos afirmar que a Lei foi pensada para fins
de fortalecimento do referido sistema, questões que certamente
merecem ser analisadas, como reivindica Humberto Cunha (2020).
A hipótese que se levanta é que a LAB efetivamente colocou de
novo na agenda político-cultural os instrumentos demandados
pela SNC aos municípios, em especial os conselhos, as conferên-
cias, os planos e os sistemas de indicadores.
Partindo desse pressuposto, quais os valores que guiam essa
retomada? Seriam os mesmos daqueles vigentes durantes os gover-
nos petistas (democracia, institucionalização e financiamento) ou
teriam surgidos novos valores, devidos, por exemplo, ao cresci-
mento do conservadorismo e das guerras culturais na sociedade e
24 | Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021
Política Cultural em tempos de crise:
Lei Aldir Blanc e o sistema nacional de cultura
na política brasileiras? Este artigo se propõe a: 1. testar a hipótese
de que houve uma retomada do Sistema no âmbito municipal e
2. investigar os valores que atuaram no campo cultural motiva-
dos por esse processo. Para tanto, se utiliza do apoio teórico-me-
todológico da Teoria do Discurso exposta na próxima seção. Na
sequência, são analisadas diversas posições de discurso coletadas
da internet por meio de um buscador utilizando as palavras-cha-
ves “Lei Aldir Blanc” e “Sistema Nacional de Cultura”
2 O aporte teórico-metodológico da Teoria do Discurso
Para dar conta das questões levantadas acima, recorreu-se à
Teoria do Discurso (TD) desenvolvida a partir do entendimento que
Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (2010) têm sobre a hegemonia,
uma vez que esta opera em um movimento estratégico e comple-
xo de negociação entre discursos contraditórios visando estabe-
lecer uma relação de ordem, de aglutinação social. Trata-se de
um conceito [hegemonia] dominado pela categoria de articulação
que pressupõe especificar a identidade dos elementos/momentos
articulados a partir de pontos nodais. A articulação contingencial
entre elementos, que nesse processo tornam-se momentos de
uma mesma formação discursiva, não elimina as diferenças entre
eles, mas apenas as deixa em suspenso, podendo, em qualquer
instante, desarticular-se e implementar relações antagônicas.
Referindo-se ao projeto de Laclau de elaborar uma “concepção
da política como ontologia do social”, Joanildo Burity esclarece
que o conceito de discurso se introduz “numa reflexão sobre a
política para dar conta, inicialmente, do lugar que a questão do
sentido precisa ter numa reflexão sobre a ação social” (BURITY,
2014, p. 61). Como observam Howarth e Stavrakakis, dentro da
perspectiva da TD, um projeto político para se tornar efetivo deve
construir uma trama de diferentes discursos “em um esforço para
dominar ou organizar um campo de significados, tanto quanto
fixar as identidades dos objetos e práticas de um modo particular”
(HOWARTH; STAVRAKAKIS, 2009, p. 03).
Para Laclau e Mouffe, a sociedade e seus agentes não possuem
qualquer essência e as regularidades são formas relativas e
Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021 | 25
Clarissa Alexandra Guajardo Semensato
Alexandre Almeida Barbalho
precárias de fixação que acompanham a instauração de certa
ordem e o caráter sobredeterminado das relações sociais. É no
âmbito desse debate que denominam de articulação a “toda práti-
ca que estabelece uma relação tal entre elementos, que a iden-
tidade destes resulta modificada como resultado desta prática”.
Por sua vez, discurso é entendido como “a totalidade estruturada
resultante da prática articulatória” (LACLAU; MOUFFE, 2010, p.
142-143). Vinculado a esse parti pris, temos a afirmação do cará-
ter material do discurso que se constitui nas diversas posições de
sujeito dispersas na formação discursiva.
Contudo, a totalidade discursiva e sua lógica não se impõem
sem qualquer limitação. O seu limite é a existência de outros
discursos. Todo discurso está sujeito a desestabilizações de seu
sistema de diferenças como resultado da atuação de outras arti-
culações discursivas que atuam fora dele. Assim, uma formação
discursiva não existe como uma positividade dada e delimitada
e sua lógica relacional é incompleta e afetada pela contingência.
Também não constitui uma identidade social protegida do exterior
discursivo que a deforma e impede sua plena sutura. É nesse jogo
que o social se constitui e as identidades que nunca estão fixadas
plenamente formam o campo da sobredeterminação.
O discurso, entendido como um sistema de identidades dife-
renciais, só é possível como limitação parcial de um excesso de
sentido que o subverte. Ora, esse excesso é o terreno de constitui-
ção da prática social e que os autores denominam de “campo da
discursividade”. Com essa compreensão, toda prática social é, em
alguma de suas dimensões, articulatória.
A categoria de sujeito encontra-se marcada, então, pela sobre-
determinação da identidade discursiva em sua polissemia, ambi-
guidade e incompletude. Dito de outra forma, a subjetividade do
agente conforma-se pela mesma ausência de sutura que sofre
qualquer outro ponto da totalidade discursiva da qual faz parte.
Por conta da ausência de uma sutura última e, ao mesmo tempo,
pelo fato das posições de sujeito não se consolidarem como posi-
ções separadas na dispersão é que ocorre o jogo da sobredeter-
minação e a articulação hegemônica na tentativa de alcançar a
totalidade impossível, pois sempre deferida.
26 | Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021
Política Cultural em tempos de crise:
Lei Aldir Blanc e o sistema nacional de cultura
O limite da objetividade na forma discursiva é o antagonismo.
No antagonismo, o Outro marca a existência do Eu de modo que
impede este de ser totalmente ele mesmo. O antagonismo é uma
relação que mostra os limites de toda objetividade e, nesse senti-
do, é também a “experiência” do limite do social.
A questão das práticas articulatórias remete direto à da hege-
monia, posto que é no campo daquelas que esta emerge, onde as
práticas são elementos não cristalizados em momentos. Em um
sistema de identidades fixas não há possibilidades para práticas
hegemônicas, nem onde as diferenças excluem qualquer significa-
do flutuante há espaço para articulações. A hegemonia e suas arti-
culações, para acontecerem, necessitam do social aberto e incom-
pleto. Nesse contexto, a reprodução social se defronta com condi-
ções em constante mudança o que repõe, a todo momento, novos
sistemas de diferenças e, por consequência, novas articulações.
A partir desse referencial teórico-metodológico, pergunta-se
que arranjos internos e externos se deram na formação discursi-
va “Sistema Nacional de Cultura” na confluência com a “Lei Aldir
Blanc”, levando em consideração o contexto do fim do ciclo de
governo petista e, de modo especial, a emergência de um projeto
antagônico, o do bolsonarismo. Para acessar esse jogo de poder
entre discursos que se articulam e, eventualmente, se antago-
nizam, analisaram-se dezenas de notificações na internet sobre
o SNC e a LAB no período entre 29 de junho, quando a LAB foi
promulgada, e 30 de novembro. A imensa maioria desse mate-
rial era de natureza meramente informativa e de cunho factual, de
modo que o critério de escolha das notificações a serem analisadas
foi o de proporcionar acesso às posições de sujeito dos discursos,
de agentes tanto do campo político, quanto do campo cultural, e
por indicarem como as práticas discursivas articularam, constituí-
ram e organizaram as relações sociais em torno da LAB e do SNC.
3 Análise e discussão
A análise do banco de notificações indica que, em todas as
regiões do país, houve um amplo esforço de cadastramento
dos agentes culturais dos municípios, bem como uma relevante
Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021 | 27
Clarissa Alexandra Guajardo Semensato
Alexandre Almeida Barbalho
reativação ou criação de novos de conselhos de cultura, com elei-
ção dos representantes da sociedade civil, ou mesmo conselhos.
Em menor grau de incidência, observaram-se adesões ao SNC, a
realização de conferências, a elaboração de planos e a criação de
fundos de cultura. No entanto, como estabelecido na seção ante-
rior, não interessa para os fins do artigo uma abordagem quanti-
tativa desse processo, e sim perceber as regularidades discursivas
que se articulam em torno das políticas.
No que diz respeito aos conselhos, o reforço de seu papel ocor-
reu não apenas dentro da lógica da fiscalização, em resposta à
exigência da LAB, mas por sua importância no sentido da demo-
cracia e da institucionalização. Em Aracaju (SE), apesar de ter sido
criado há sete anos, o Conselho de Cultura nunca tinha sido insta-
lado, o que ocorreu em julho. Para o gestor de cultura da cida-
de, Luciano Correia, o órgão não estaria ligado a eleições, pois
se tratava de um compromisso com a população e a cultura, um
“dever, para que a capital possa se desenvolver cada vez melhor
nesse aspecto, levando em consideração as transformações que
ocorrem e são comuns a todos os meios”.4
Em Cuiabá (MT), a Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer reali-
zou eleições para o Conselho Municipal de Política Cultural e
recebeu 425 inscrições para as oito cadeiras representativas, um
engajamento que causou surpresa ao secretário Francisco Vuolo:
“Estamos positivamente surpresos com o engajamento da classe
artística nesse processo eleitoral do novo biênio do Conselho. A
equipe da Secretaria tem trabalhando dia e noite na análise das
inscrições, de forma transparente para garantir a lisura no proces-
so eleitoral”.5 A prefeitura de João Pessoa convocou assembleias
para composição do Conselho Municipal de Política Cultural. O
diretor-executivo da fundação de cultural da cidade defendeu que
“o chamamento da sociedade civil é de extrema importância nesse
momento com vistas à implementação da Lei Aldir Blanc” e que
4 Disponível em https://www.blogprimeiramao.com.br/conselho-municipal-
de-politica-cultural-da-funcaju-e-reativado/. Acesso em 20.11.2020.
5 Disponível em https://odocumento.com.br/secretaria-recebe-425-inscricoes-
no-processo-eleitoral-do-conselho-municipal-de-politica-cultural-prazo-de-
regularizacao-documental-vai-ate-terca-as-12h/. Acesso em 20.11.2020
28 | Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021
Política Cultural em tempos de crise:
Lei Aldir Blanc e o sistema nacional de cultura
a “convocação nada mais é do que a participação dos movimen-
tos culturais para, junto com a Funjope, estabelecer como serão
investidos os recursos da Lei”.6
Em Arapiraca (AL), a Secretaria de Cultura, Lazer e Juventude
mobilizou o setor para “não deixar a Cultura morrer”, por meio de
reuniões e fóruns virtuais com todos os segmentos, e para debater
a LAB, além de organizar a eleição do novo Conselho Municipal de
Política Cultural. Para a secretária Rosângela Carvalho, foi neces-
sário “reinventar e encontrar meios para manter as atividades
culturais vivas e presentes na vida das pessoas, além de garantir
as políticas para dar visibilidade à produção artística-cultural do
município”.7
Em Alvorada, a Secretaria de Cultura, Esporte e Juventude reto-
mou o Conselho de Política Cultural da cidade. O presidente do
Conselho, Carlos Weiss, explicou que o órgão não servirá apenas
para acompanhar a LAB, mas “ir atrás de parcerias, leis de incen-
tivos e fundos que não estão sendo buscados” e “pretende ter um
diálogo com o governo e com a sociedade para elaborar leis onde
seja possível investir na cultura local”.8
O mesmo ocorreu com o cadastro e a geração de informações
sobre o setor: além da necessidade de se adequar à LAB, perce-
be-se a preocupação com a institucionalização da gestão cultural
de forma participativa. A prefeitura de Piracicaba (SP), por meio
da Secretaria da Ação Cultural e Turismo, divulgou os dados do
Cadastro Municipal de Cultura que foi feito de forma colaborati-
va e respondendo à meta 07 do Plano Municipal de Cultura. Na
avaliação da secretária Rosângela Camolese, “independentemente
se as pessoas vão ou não, pleitear o auxílio emergencial, o mapea-
mento promoverá a valorização e o reconhecimento dos nossos
6 Disponível em https://paraibaonline.com.br/2020/07/prefeitura-de-joao-
pessoa-publica-edital-para-composicao-do-conselho-municipal-de-politica-
cultural/. Acesso em 20.11.2020
7 Disponível em https://www.cadaminuto.com.br/noticia/2020/07/27/
prefeitura-de-arapiraca-adota-medidas-para-apoiar-e-incentivar-setor-
cultural-na-fase-da-pandemia. Acesso em 20.11.2020
8 Disponível em http://www.jornalasemana.net/noticias/cultura/
prefeitura_e_conselho_de_politica_cultural_se_regularizam_e_garantem_os_
recursos_da_lei_aldir_blanc/8911. Acesso em 21.11.2020
Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021 | 29
Clarissa Alexandra Guajardo Semensato
Alexandre Almeida Barbalho
profissionais das artes” e a sistematização dos dados, por sua
vez, “permitirá melhor implementação de políticas públicas por
parte da Secretaria e também do Conselho Municipal de Política
Cultural”. A Secretaria vinha se reunindo com a classe artística da
cidade para discutir a LAB do que resultou a criação de um grupo
de trabalho para acompanhar tudo o que se refere à implementa-
ção da Lei, inclusive discutir a distribuição dos recursos.9
Em Gurupi (TO), a secretária de Cultura e Turismo, Zenaide
Dias, ressaltou a importância do registro para gerar benefícios à
classe, e a lógica do sistema: “além da finalidade do repasse emer-
gencial, é importante que tenhamos o mapeamento de todos os
artistas, grupos e pontos de cultura existentes na nossa cidade,
porque fazem parte do Sistema Nacional de Cultura”.10 Na capi-
tal mineira, a prefeitura estabeleceu processos internos para
fazer o repasse dos benefícios da LAB por meio de reuniões da
Secretaria Municipal de Cultura com representantes do Conselho
e de setores culturais, e criou o Comitê de Acompanhamento da
Implementação da Lei. Na avaliação da Secretaria Municipal de
Cultura, “o comitê tem o objetivo de dar sequência aos debates
e avaliações sobre a melhor forma de implementação da Lei em
Belo Horizonte”. 11
Muitas vezes, trata-se de políticas mais amplas e estruturantes
do que a retomada ou criação de conselhos e cadastros dos agen-
tes culturais. Em Jales (SP), onde a Câmara Municipal aprovou por
unanimidade o projeto de lei que dispõe sobre a Política, regula o
Sistema e cria o Conselho e o Fundo Municipais de Cultura, Clayton
Campos, que dirige a Escola Livre de Teatro na cidade, ressalta
que o pedido de implantação do Sistema Municipal de Cultura
vinha desde 2009, quando ocorreu a Conferência Municipal de
Cultura, e que o movimento cultural nunca desistiu do pleito. Uma
9 Disponível em https://www.aprovincia.com.br/cultura-entretenimento/
cultura/piracicaba-divulga-dados-do-mapeamento-cultural-32222/. Acesso
em 20.11.2020.
10 Disponível em https://surgiu.com.br/2020/08/13/prazo-para-artistas-e-
espacos-culturais-se-cadastrarem-para-receber-repasse-emergencial-encerra-
neste-sabado-15/. Acesso em 20.11.2020.
11 Disponível em https://culturadoria.com.br/saiba-aqui-como-receber-o-
auxilio-da-lei-aldir-blanc-em-mg/ Acesso em 20.11.2020.
30 | Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021
Política Cultural em tempos de crise:
Lei Aldir Blanc e o sistema nacional de cultura
vez atendida essa “demanda antiga”, “o trabalho agora é regula-
mentar os respectivos órgãos e nos esforçarmos para podermos
integrar o Sistema Nacional de Cultura”.12
Em Frutal (MG), a prefeitura apresentou um PL para a cria-
ção do Sistema Municipal de Cultura. De acordo com o diretor do
Departamento Municipal de Cultura, Raphael Silva, com a criação
da Secretaria, do Plano, da Conferência do Conselho e do Fundo
Municipal de Cultura, “vamos conseguir propiciar políticas públi-
cas para o município na área cultural e também para a gente
conseguir atender a Lei Emergencial de Cultura”. Ainda segundo
o gestor, foram realizadas reuniões virtuais com os artistas para
discutir de forma democrática os interesses da classe.13
No caso de Mato Grosso, a Secretaria de Estado de Cultura,
Esporte e Lazer (Secel) mobilizou os municípios mato-grossenses
para prepararem conjuntamente as atividades a serem executadas
com repasse da LAB. Mas o processo serviu também para capaci-
tar os gestores municipais sobre a adesão ao SNC e a importância
do CPF da cultura (Conselho, Plano e Fundo). Segundo o supe-
rintendente de Políticas Culturais da Secel, Jan Moura, “organiza-
mos essas reuniões com gestores municipais pela necessidade de
alinharmos constantemente as informações sobre a lei Aldir Blanc
(...). Vamos continuar nos reunindo, fazendo um trabalho colabo-
rativo entre Estado e municípios, enquanto pudermos nos ajudar,
a atuação de todos vai ficar mais fácil”.14
Situação semelhante à do Ceará, onde a LAB é avaliada não
apenas como uma lei emergencial, mas, segundo o secretário de
Cultura do Estado, Fabiano Piúba, como “estratégica para o futuro
das políticas culturais do Brasil, na perspectiva de fortalecimen-
to do Sistema Nacional de Cultura e por consequência dos siste-
mas estaduais e municipais”. A Secretaria associou a Lei como
12 Disponível em http://www.jornaldejales.com.br/noticia/a-camara-
municipal-de-jales-aprovou-na-ultima-sessao-ordinaria-o-projeto-de-
lei-n---108-2020. Acesso em 20.11.2020
13 Disponível em https://www.frutal.mg.gov.br/projeto-de-lei-cria-o-sistema-
municipal-de-cultura-em-frutal/. Acesso em 20.11.2020
14 Disponível em https://odocumento.com.br/reunioes-entre-estado-e-
municipios-organizam-implementacao-da-lei-de-emergencia-cultural-em-
mato-grosso/. Acesso em 21.11.2020
Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021 | 31
Clarissa Alexandra Guajardo Semensato
Alexandre Almeida Barbalho
ação para o desenvolvimento da meta nº 1 do Plano Estadual
de Cultura, envolvendo os municípios para o fortalecimento dos
sistemas de cultura.15 Em outra ocasião, Piúba afirmou que a LAB
deixaria um legado de implementação do Sistema Nacional de
Cultura e de mapeamento dos agentes culturais do país. Na sua
avaliação, tratava-se de uma plataforma que poderia ser usada
tanto para o repasse mais ágil de recursos fundo a fundo, quanto
“para que tenhamos forças para recriar o Ministério da Cultura e
devolver ao cidadão o direito à cultura e às artes”.16
Em Minas Gerais, a Secretaria Estadual de Cultura se articulou
com os municípios para construir um plano de ação descentraliza-
do de modo a auxiliar os municípios na estruturação de suas polí-
ticas culturais. Para o diretor de Economia Criativa da Secretaria,
José Oliveira Junior, setor responsável pelas ações da Lei Aldir
Blanc, houve um “trabalho conjunto realizado pela Comissão de
Gestão, formada por integrantes de diversos setores da cultura e
de todas as regiões de Minas Gerais”.17
O Fórum Regional de Políticas Culturais da Região do Médio
Paraíba Fluminense organizou um conjunto de metas da cultura
para os próximos dez anos, o que se configurou como o primeiro
plano regional para o setor do país. Para Aline Ribeiro, presidenta
do Fórum e secretária de Cultura de Volta Redonda, o documen-
to responde ao desafio de colaboração entre municípios diante
da crise no país. Diante do pouco tempo que os municípios terão
para responder aos desafios da LAB, o objetivo é oferecer a míni-
ma estrutura necessária para a aplicação adequada de recursos,
pois, “sem dúvidas quando todos se reúnem, reconhecendo as
15 Disponível em https://www.secult.ce.gov.br/2020/07/21/lei-aldir-blanc-
ciclos-de-trabalho-regionais-tiveram-encerramento-nesta-terca-21-7/. Acesso
em 21.11.2020
16 Disponível em https://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/
arquivos/2020/09/24_seminario_desafios_implementacao_nos_municipios.
html. Acesso em 21.11.2020
17 Disponível em https://www.jornaldeuberaba.com.br/noticia/12792/
aprovado-plano-de-acao-para-aplicar-r-135-milhoes-da-lei-aldir-blanc-em-
minas. Acesso em 21.11.2020
32 | Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021
Política Cultural em tempos de crise:
Lei Aldir Blanc e o sistema nacional de cultura
características específicas de cada cidade, o processo é mais rápi-
do sem perder a legitimidade”.18
Por fim, é sintomática a percepção do secretário de Cultura e
Economia Criativa do Distrito Federal, Bartolomeu Rodrigues, de
que a LAB “voltou a unir o país em torno da cultura” e “reacen-
deu a importância do Sistema Nacional de Cultura. De repente,
de norte a sul, todos os municípios passaram a agir em prol dos
artistas”.19
É possível constatar no Quadro 2, que sistematiza os discursos
dispersos por todo país em torno das formações “Sistema Nacional
de Cultural” e “Lei Aldir Blanc”, os elementos que se articula-
ram com os pontos nodais “democracia” e “institucionalização”
culturais:
Quadro 2: Pontos nodais e elementos das formações discursivas
SNC e LAB
PONTOS NODAIS ELEMENTOS
Debate
Reunião
Engajamento
Participação
Movimentos culturais
DEMOCRACIA
Legitimidade
Diálogo
União
Colaboração
Direito à cultura
Investimento
Avaliação
Implementação
INSTITUCIONALIZACÃO Estratégia
Fortalecimento
Desenvolvimento
Regulamentação
Fonte: Sites eletrônicos. Elaboração dos autores.
18 Disponível em http://observatoriodadiversidade.org.br/site/noticias/
plano-regional-de-cultura/. Acesso em 21.11.2020
19 Disponível em https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2020/10/03/a-lei-
aldir-blanc-voltou-a-unir-o-pais-em-torno-da-cultura/. Acesso em 21.11.2020
Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021 | 33
Clarissa Alexandra Guajardo Semensato
Alexandre Almeida Barbalho
4 Conclusões
A partir das posições discursivas apresentadas acima se
pode afirmar, primeiro, que houve um incremento do SNC como
comprovam a reativação ou criação de conselhos e de fundos,
o cadastro dos agentes culturais e a realização de conferências
municipais mesmo no atual momento de crise das políticas cultu-
rais em âmbito federal.
Em segundo lugar, concluiu-se que o SNC permanece como
uma formação discursiva hegemônica e que articula em torno de
si pontos nodais (democracia e institucionalização), de modo que
o posicionamento antagônico do bolsonarismo e suas guerras
culturais não conseguiram se impor nesse campo de discursivida-
de. Esses valores, democracia e institucionalização, por sua vez,
não são excludentes entre si, nem exclusivos de cada discurso,
pois muitas vezes se observa a sua articulação em uma mesma
posição de sujeito.
Esses dois pontos nodais conseguem condensar a sobredeter-
minação de sentidos sobre o SNC e a LAB e orientaram os discur-
sos dos diversos agentes espalhados por todo o país. A despeito
das normativas do MinC, em especial do documento “Estruturação,
Institucionalização e Implementação do Sistema Nacional de
Cultura” (BRASIL, 2010), que buscam fixar o sentido do SNC, ele
se tornou polissêmico a tal ponto que virou um significante vazio,
pois universalizou tanto seu conteúdo que passou a ganhar signi-
ficados diversos do original e, pensando com Daniel de Mendonça,
“sua prática articulatória e a cadeia de equivalências expandiu a
agregação de elementos” (MENDONÇA, 2007, p. 252). Isso se reve-
la nos distintos lugares de fala, tanto no que se refere à situação
geográfica, pois oriundos de todas as regiões do país, quanto na
posição que os sujeitos dos discursos ocupam na hierarquia do
campo do poder, ao articular desde o gestor municipal aos artistas
e produtores culturais.
O que o momento atual indica, por fim, é uma construção
social e política que estabiliza as relações entre diferentes obje-
tos e práticas, propiciando posições discursivas com as quais
os agentes culturais podem se identificar. Por outro lado, como
observa Joanildo Burity, “a permanência ao longo do tempo de
34 | Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021
Política Cultural em tempos de crise:
Lei Aldir Blanc e o sistema nacional de cultura
uma mobilização surgida em determinadas circunstâncias não
é garantia de que se trate da mesma coisa, ou que produza os
mesmos efeitos” (BURITY, 2014, p. 71). Daí que o entendimento
do que significa um sistema nacional de cultura está ele próprio
em disputa, sujeito a posições antagônicas. Um indicativo próxi-
mo do possível antagonismo nessa formação discursiva é o fato
do Governo Federal ter apresentado o PL 4884/20, que estende
por mais 2 anos a validade do Plano Nacional de Cultura, com o
argumento de possibilitar mais prazo para a sociedade debater a
formulação de um novo plano nacional, preparar-se para a reali-
zação da IV Conferência Nacional de Cultura e alterar o funciona-
mento do Fundo Nacional de Cultura (BRASIL, 2020).
REFERÊNCIAS
ARAGÃO, Ana Lúcia. O direito de participação na vida cultural do
Brasil no governo Lula. 2013. Dissertação (Mestrado em Cultura e
Sociedade). Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e
Sociedade, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.
BARBALHO, Alexandre. Sistema nacional de Cultura: campo, saber e
poder. Fortaleza: UECE, 2019a.
_____. Apesar dos pesares: a adesão ao SNC no início do segundo governo
Dilma. In: X Seminário Internacional de Políticas Culturais, 2019, Rio de
Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2019b. v.
1. p. 64-75.
BARBALHO, Alexandre; BARROS, José Márcio; CALABRE, Lia (org.).
Federalismo e políticas culturais no Brasil. Salvador: UFBA, 2013
BOURDIEU, Pierre. Sur l’État. Paris: Seuil, 2012.
BRASIL. Presidência da República. Projeto de Lei “Altera a Lei nº 12.343,
de 2 de dezembro de 2010, para dispor sobre a ampliação do prazo
de vigência do Plano Nacional de Cultura”. Outubro de 2020. Disponível
em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?cod
teor=1935803&filename=PL+4884/2020. Acesso em 03.12.2020
_____. Estruturação, Institucionalização e Implementação do
Sistema Nacional de Cultura. Brasília: MinC, 2010.
Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021 | 35
Clarissa Alexandra Guajardo Semensato
Alexandre Almeida Barbalho
BURITY, Joanildo. Discurso, política e sujeito na teoria da hegemonia
de Ernesto Laclau. In: MENDONÇA, D. de; RODRIGUES, Léo (org). Pós-
estruturalismo e teoria do discurso. Em torno de Ernesto Laclau. Porto
Alegre: PUCRS, 2014, p. 59-74.
CALABRE, Lia. Arte e a cultura em tempos de pandemia: os vários vírus que
nos assolam. Extraprensa, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 7 – 21, jan./jun. 2020.
CUNHA FILHO, Humberto. Me engana que eu gosto. Diário do Nordeste,
Fortaleza, 18.jul.2020. Disponível em https://diariodonordeste.
verdesmares.com.br/opiniao/colaboradores/me-engana-que-eu-
gosto-1.2967758. Acesso em 01/12/2020.
_____; RIBEIRO, Sabrina. Federalismo brasileiro: significado para a cultura.
In: BARBALHO, A.; BARROS, J. M.; CALABRE, L. (org.). Federalismo e
políticas culturais no Brasil. Salvador: UFBA, 2013, p. 13-42.
HOWARTH, D.; STAVRAKASIS, Y. Introduction: discouse theory and
political analysis. In: HOWARTH, D.; NORVAL, A.; STAVRAKASIS, Y. (org).
Discourse, theory and political analysis: identities, hegemonies and
social change. Manchester: Manchester University, 2009.
KLERING, Luis; PORSSE, Melody. Em direção a uma administração pública
brasileira contemporânea com enfoque sistêmico. Desenvolvimento em
Questão, n. 25, 2014.
LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonía y estrategia socialista.
Hacia una radicalización de la democracia. Buenos Aires: Fondo de Cultura
Económica, 2010.
LIMA, Luciana Dias de; PEREIRA, Adelyne Maria Mendes; MACHADO,
Cristiani Vieira. Crise, condicionantes e desafios de coordenação do Estado
federativo brasileiro no contexto da COVID-19. Cad. Saúde Pública, n.
36, v, 7, 2020.
MEIRA, Márcio. Gestão cultural no Brasil: uma leitura do processo de
construção democrática. In: RUBIM, Albino (org). Política cultural e
gestão democrática no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2016. p. 17-36.
MENDONCA, Daniel de. A teoria da hegemonia de Ernesto Laclau e a
análise política brasileira. Ciências Sociais Unisinos, v. 43, n. 3, 2007.
PARTIDO DOS TRABALHADORES. A imaginação a serviço do Brasil:
Programa de políticas públicas de cultura. São Paulo: Partido dos
Trabalhadores, 2002.
PEIXE, João Roberto. Sistema Nacional de Cultura: um novo modelo de
gestão cultural para o Brasil. In: RUBIM, Albino (org). Política cultural e
gestão democrática no Brasil. São Paulo: Fund. Perseu Abramo, 2016,
p. 221-246.
36 | Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021
Política Cultural em tempos de crise:
Lei Aldir Blanc e o sistema nacional de cultura
REIS, Paula Félix dos. Políticas culturais do Governo Lula: análise do
Sistema e do Plano Nacional de Cultura. 2008. Dissertação (Mestrado
em em Cultura e Sociedade). Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação
em Cultura e Sociedade, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.
SILVA, Frederico A. Barbosa da; CARDOSO JÚNIOR, José Celso. Assédio
institucional no setor público e o processo de desconstrução da democracia
e do republicanismo no Brasil. Cadernos da Reforma Administrativa, v.
12. Brasília: Fonacate, 2020.
SOARES FILHO, Sidney; PONTES, Marcelo. Cultura e federalismo na
trajetória constitucional brasileira. Revista Eletrônica do Curso de
Direito da UFSM, v. 12, n. 2, p. 517-544, 2017.
Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 17, n. 35, p. 17-37, 2021 | 37