RBRH-Revista Brasileira de Recursos Hídricos Volume 7 n.4 Out/Dez 2002, 75-95 75 Potencial de Reuso de Água no Brasil Agricultura, Industria, Municípios, Recarga de Aqüíferos Ivanildo Hespanhol USP-São
Paulo-ivanhes@usp.br Artigo convidado. Aprovado em setembro. RESUMO Nas regiões áridas e semi-áridas, a água se tornou um fator limitante para o desenvolvimento urbano, industrial e agrícola. Mesmo áreas com recursos hídricos abundantes, mas insuficientes para atender à demandas elevadas, experimentam conflitos de uso e sofrem restrições de consumo que afetam o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida. Nessas condições, reuso e conservação passaram a ser as palavras chave em termos de gestão, em regiões com baixa disponibilidade ou insuficiência de recursos hídricos. O reuso de água encontra, no Brasil, uma gama significativa de aplicações potenciais. O uso de efluentes tratados na agricultura, nas áreas urbanas, particularmente, para fins não potáveis, no atendimento da demanda industrial e na recarga artificial de aqüíferos, se constitui em instrumento poderoso para restaurar o equilíbrio entre oferta e demanda de água em diversas regiões brasileiras. Cabe entretanto, institucionalizar, regulamentar e promover o reuso de água no Brasil, fazendo com que a prática se desenvolva de acordo com princípios técnicos adequados, seja economicamente viável, socialmente aceita, e segura, em termos de preservação ambiental e de proteção dos grupos de riscos envolvidos. Palavras-chave: reuso; Brasil; usos. INTRODUÇÃO A Agenda 21 (1994) dedicou importância especial ao reuso, recomendando aos países participantes da ECO, à implementação de políticas de gestão dirigidas para o uso e reciclagem de efluentes, integrando proteção da saúde públi-ca de grupos de risco, com práticas ambientais adequadas. No Capítulo 21-"Gestão ambientalmente adequada de resíduos líquidos e sólidos", Área Programática B-"Ma-ximizando o reuso e a reciclagem ambientalmente adequa-das", estabeleceu, como objetivos básicos: "vitalizar e ampli-ar os sistemas nacionais de reuso e reciclagem de resíduos", e "tornar disponível informações, tecnologia e instrumentos de gestão apropriados para encorajar e tornar operacional, sistemas de reciclagem e uso de águas residuárias". A prática de uso de águas residuárias também é asso-ciada, e suportiva, às seguintes áreas programáticas incluí-das no capítulo 14-"Promovendo a agricultura sustentada e o desenvolvimento rural", capítulo 18-"Proteção da qualidade das fontes de águas de abastecimento-Aplica-ção de métodos adequados para o desenvolvimento, gestão e uso dos recursos hídricos", visando a disponibilidade de água "para a produção sustentada de alimentos e desenvol-vimento rural sustentado" e "para a proteção dos recursos hídricos, qualidade da água e dos ecosistemas aquáticos", e no capítulo 30, "Fortalecimento do papel do comércio e da indústria". Embora não exista, no Brasil, nenhuma legislação re-lativa, e nenhuma menção tenha sido feita sobre o tema na nova Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei n o .9.433 de 8 de janeiro de 1997), já se dispõe de uma primeira demonstração de vontade política, direcionada para a insti-tucionalização do reuso. A "Conferência Interparlamentar sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente" realizada em Brasília, em dezembro de 1992, recomendou, sob o item Conservação e Gestão de Recursos para o Desenvolvimen-to (Paragrafo 64/B), que se envidasse esforços, em nível nacional, para "institucionalizar a reciclagem e reuso sem-pre que possível e promover o tratamento e a disposição de esgotos, de maneira a não poluir o meio ambiente". NECESSIDADE DE REUSO Nas regiões áridas e semi-áridas, a água se tornou um fator limitante para o desenvolvimento urbano, industrial e agrícola. Planejadores e entidades gestoras de recursos hídri-cos, procuram, continuadamente, novas fontes de recursos para complementar a pequena disponibilidade hídrica ainda disponível. No polígono das secas do nosso nordeste, a dimensão do problema é ressaltada por um anseio, que já existe há 75 anos, para a transposição do rio São Francisco, visando o atendimento da demanda dos Estados não ripari-anos, da região semi-árida, situados ao norte e a leste de sua bacia de drenagem. Diversos países do oriente médio, onde a precipitação média oscila entre 100 e 200 mm por ano, dependem de alguns poucos rios perenes e pequenos reser-vatórios de água subterrânea, geralmente localizados em regiões montanhosas, de dificil acesso. A água potável é proporcionada através de sistemas de desalinização da água do mar e, devido a impossibilidade de manter uma agricultu-ra irrigada, mais de 50% da demanda de alimentos é satisfei-ta através da importação de produtos alimentícios básicos.