[go: up one dir, main page]

Academia.eduAcademia.edu
Dawud, Quitzau, Silva O ESPORTE COMO MEDIADOR DAS REIVINDICAÇÕES POLÍTICAS PALESTINAS: APONTAMENTOS ACERCA DO DOCUMENTÁRIO “SOBRE FUTEBOL E BARREIRAS” Hanin Majdi Waleed Mustafa Kassem Dawud1 Evelise Amgarten Quitzau2 Marcelo Moraes e Silva3 Resumo: A presente resenha trata de expor as narrativas do filme documental “Sobre Futebol e Barreiras”, gravado durante a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul. Lançado em 2011, sob a direção de Arturo Hartmann, Lucas Justiniano, José Menezes e João Carlos Assumpção, o documentário transpõe importantes questões do cotidiano conflituoso, próprio da região Israel-Palestina, bem como as consequências da suposta neutralidade política do cenário da Copa do Mundo. A produção apresenta uma série de debates oriundos dos aspectos políticos relativos à “questão palestina”, relacionada às dinâmicas de enfrentamento do cenário esportivo, condição que repercutiu em organizações de torcidas a partir das demandas regionais de modo a provocar manifestações diplomáticas sobre a requisição de autodeterminação política. Palavras-chave: Esporte; Palestina; Política Sport as a mediator of Palestine political demands: notes on the documentary "Football and barriers" Abstract: This review exposes the narratives of the documentary “Sobre futebol e barreiras”, recorded during the 2010 FIFA World Cup and released in 2011. Directed by Arturo Hartmann, Lucas Justiniano, José Menezes and João Carlos Assumpção, the documentary transposes important questions regarding the conflicting day-to-day of the Israel-Palestine area, as well as the consequences of the alleged political neutrality of the FIFA World Cup scenario. The production presents a series of debates originated from political aspects related to the “Palestine question” and the specific dynamics of sportive confrontations, a condition that affected the organization of sports crowds, constituted based on regional demands, thus causing diplomatic expressions about the need for political selfdetermination. Keywords: Sport; Palestine; Politics Deporte como mediador de demandas políticas palestinas: notas sobre el documental “Sobre fútbol y barreras" Resumen: La presente reseña expone las narrativas del documental “Sobre futebol e barreiras”, grabado durante el Mundial de futbol de 2010, em Africa del Sur. Estrenado en 2011 bajo la dirección de Arturo Hartmann, Lucas Justiniano, José Menezes y João Carlos Assumpção, el documental transpone importantes cuestiones del conflictivo cotidiano propio de la región Israel-Palestina, así como las consecuencias de la supuesta neutralidad política del escenario del Mundial de futbol. La producción presenta una serie de debates originarios de los aspectos políticos relacionados a la “cuestión palestina”, a las dinámicas 1 Licenciada em Educação Física (UFPR); Mestre em Educação Física (UFPR). Email: hanindawud@hotmail.com. 2 Doutora em Educação pela Unicamp (2016). Docente do curso de Licenciatura em Educação Física e do Programa de Mestrado em Educação Física do Instituto Superior de Educación Física, da Universidad de la República, Uruguai. Email: eveliseaq@yahoo.com.br. 3 Doutor em Educação (UNICAMP). Professor do Departamento e dos Programas de PósGraduação em Educação Física e Educação da Universidade Federal do Paraná. Email: marcelomoraes@ufpr.br. Recorde, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 1-6, jul./dez. 2020. 1 Dawud, Quitzau, Silva de enfrentamiento del escenario deportivo, condición que repercutió en organizaciones de hinchadas a partir de las demandas regionales, provocando manifestaciones diplomáticas sobre la necesidad de autodeterminación política. Palabras Claves: Seporte; Palestina; Política Dirigido e produzido por Arturo Hartmann, Lucas Justiniano, José Menezes e João Carlos Assumpção e lançado pela empresa produtora “Olé Produções”, o filme documental intitulado “Sobre Futebol e Barreiras” é um longa-metragem gravado por cineastas brasileiros e ambientado entre os territórios de Israel e Palestina. Estreado em outubro de 2011 pela 35ª Mostra Internacional de Cinema, tornou-se referência para trabalhar a questão Israel-Palestina no programa “Cinema Vai à Escola” da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, onde foi disponibilizado em todas as escolas do ensino médio. O filme lançou um olhar sobre a ocupação da Palestina, tanto sob o ponto de vista israelita como palestino, em meio à Copa do Mundo ocorrida na África do Sul em 2010, momento retratado no filme. O documentário demonstra importantes questões do cotidiano palestino em meio a “potencial” neutralidade esportiva favorecida pela Copa do Mundo, circunstância que possibilita tecer reflexões sobre as relações entre palestinos e israelitas mediante o cenário de conflitos e reivindicações por soberania política. O filme mostra como ocasiões esportivas conduzem os indivíduos a uma releitura dos conflitos da sua sociedade, através da escolha da seleção que apoiarão durante os jogos. Observa-se que os conflitos foram sendo renegociados nos processos de conformação de torcidas, baseadas em qual seleção seria mais apropriada para suas demandas, uma dinâmica que expressa suas manifestações na apropriação intencional do diálogo próprio do futebol. As observações posteriores sobre o filme permitirão notar de um modo geral que a dinâmica das organizações das torcidas palestinas e israelitas da Copa do Mundo de 2010 integrou táticas propriamente políticas de enfrentamento diplomático. O enredo do documentário desenvolveu-se diante das circunstâncias implicadas por condições do colonialismo sionista, que, segundo Said (2008), configura uma proposta de identidade nacional judaica exercida na terra Recorde, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 1-6, jul./dez. 2020. 2 Dawud, Quitzau, Silva prometida. Como efeito, causa o domínio do povo palestino, por uma posição privilegiada. Com isso, apresenta restrições de fronteiras estabelecidas sob a ocupação militar israelense e revela tensões que são descritas logo ao início do documentário por um cidadão do Estado de Israel que constatou a censura à bandeira e ao hino nacional palestino. Vale ressaltar que em relação ao conflito, a violação da democracia se destaca também por outros meios como: narrativas apagadas, dispersão, exilio, expropriação e privação dos direitos civis (SAID, 2012). Progressivamente, os entrevistados descrevem uma nação palestina que, mesmo sob as circunstâncias de ocupação israelense, inclina-se de modo a atuar politicamente por sua independência e liberdade. Esse fato é observado pela forma como ambos os países retratam a comunidade palestina, reconhecendo que são subalternizadas em vilas sob o controle da força de segurança do governo israelense. Com isso, a organização das torcidas pela Copa do Mundo nesse ambiente considera as demandas próprias da rivalidade colonial em suas mobilizações, criando-se então um movimento no qual a formatação dessas torcidas absorve finalidades de um confronto diplomático, o que evidencia a emergência de um discurso palestino alheio à censura própria dos interesses colonialistas. Nota-se que, jogo a jogo, os torcedores vão moldando suas preferências com base em razões e/ou critérios de ordem política, como por exemplo, certo governo, time e/ou jogador de repercussão ter ou não apoiado a Palestina em instâncias multilaterais mundiais que resultassem em apoio às suas demandas e em oposição aos israelenses. O contrário também acontece sob o ponto de vista dos israelenses, criando um enfrentamento de critério político que se estabiliza em meio a instrumentalização do evento esportivo. Poderia-se dizer que, neste cenário de conflito e fragmentação política, as distintas figurações de torcidas que se constroem conforme as demandas das rivalidades e dos confrontos diplomáticos acabam desempenhando um papel significativo na construção de determinadas “comunidades imaginadas”, como propõe Anderson (2008), cujos elos são constituídos a partir não tanto (ou não somente) do pertencimento territorial e cultural, Recorde, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 1-6, jul./dez. 2020. 3 Dawud, Quitzau, Silva mas, principalmente, da aproximação destes grupos a determinadas preferências políticas demonstradas pelos jogadores de cada nação. Em seguida o documentário retrata a existência de uma disputa à parte da Copa do Mundo, isto é, que simultaneamente promove uma comoção que conecta as manifestações dos palestinos com o mundo externo, ficando enfatizada a consciência política palestina que possivelmente por conta do legado do colonialismo e da densidade dos seus dilemas, consequentes da alienação territorial e histórica, tendem a unificar sua comunidade. Nessa arena o futebol sustenta claramente as negociações das narrativas em espaços propriamente de censura, situação em que a unificação em formato de organização de torcidas posicionadas politicamente propiciou de forma assegurada por uma batalha de adversários meramente esportivos. A partir de razões ou critérios políticos foram narradas lógicas próprias para essas organizações, aspecto que se origina a partir de políticas definidas por consenso debatido entre as nações e suas demandas em jogo, notando-se que manifestações isto significa explícitas de que uma o diálogo unificação futebolístico nacional encoraja atuante pelo enfrentamento político. Amparados pelo benefício de uma espécie de trégua em jogo descrevem importantes conquistas originadas pelo meio esportivo, bem como ações diplomáticas e visibilidade favorável a medidas de coexistência. Por exemplo, Zahi Armali foi um famoso jogador de futebol palestinoisraelense, que ao ser entrevistado descreve a experiência de jogar por um dos clubes mais populares de Israel, o “Macabi Haifa. O ex-atleta também foi jogador da seleção nacional israelense. Ao integrar a primeira geração de árabes e não judeus que defenderam a seleção israelense em 1980, o artilheiro conquistou palestinos e judeus, acumulando fãs de ambos os locais, regiões não quais ainda é considerado um herói. Questionado por seus colegas por não cantar e se emocionar com o hino israelense nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1986, Zahi responde que aquele não era um hino e sim um cântico religioso, nas palavras dele: “Este hino é para os judeus, não para todas as pessoas de Israel”, indivíduos que o jogador aponta não compartilharem dos mesmos direitos. Recorde, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 1-6, jul./dez. 2020. 4 Dawud, Quitzau, Silva Em seguida, Zokhir Bakhloul, outro palestino-israelense e narrador de rádio esportivo, enriquece o documentário descrevendo a importância do jogador de futebol Zahi, que muito amado e bem sucedido trouxe mudanças no âmbito esportivo que se estenderam às demandas políticas palestinas. De forma agitada o narrador conta como Zahi frequentava salas e programas televisivos israelenses, mesmo sendo um homem árabe não judeu. Para o radialista a experiência de presenciar um processo de perseguição e diáspora demonstra a força de quem permaneceu buscando alternativas de sobrevivência em sua terra natal e a dificuldade de conviver em meio a um estado com o qual não se identificava. Aspectos voltados à consciência do processo de colonização da palestina, também ficam são expressos no filme a partir dos relatos de imigração de judeus ou descendentes de judeus, que mantém uma contínua ligação com as nações e times de origem. No documentário uma família imigrante e torcedora da seleção Argentina protagoniza esse debate explanando seu processo de conversão e mudança de identidade, incluso o nome de registro, condições possibilitadas unicamente pela ascendência religiosa. São retratados também judeus que apoiam o time da Alemanha, estes declaram que experimentam certa intolerância ainda permeada pelo advento do holocausto. Conforme seus argumentos, declaram a necessidade da existência de um Estado unicamente judeu para sua própria segurança em meio ao restante do mundo. Outros impasses retratados no filme através das narrativas esportivas, propriamente da Copa do Mundo, e que vão além das identificações nacionais são reivindicações palestinas de direitos humanos diante das abordagens violentas e restrições de deslocamento, prisões arbitrarias sem acusação ou julgamento além dos ataques militares a infraestrutura das suas habitações. Considera-se que o filme documental, traz à tona indicadores de diversas restrições estabelecidas por um regime de ocupações militares coloniais, onde é interessante notar como iniciativas esportivas podem tornar-se um recurso na implementação de um escopo de reivindicações por agenciamento popular. Recorde, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 1-6, jul./dez. 2020. 5 Dawud, Quitzau, Silva Por fim, considera-se que trazer o respectivo documentário aqui analisado para as discussões acadêmicas relativas ao esporte é de extrema relevância, pois o mesmo pode vir a ser um complemento para reflexões sobre esporte e sociedade, possibilitando assim dar um start a respeito das sinuosidades dos discursos voltados a temática esporte e Oriente Médio, objeto árido e de certa forma desconhecido no cenário brasileiro, além de evidenciar o quanto eventos esportivos podem ser utilizados como tapa buracos de diversos conflitos sociais, trazendo à tona toda uma série de interrogações das possíveis intencionalidades do cumprimento dos mesmos. Referencias ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. SAID, Edward. A questão da Palestina. São Paulo: Unesp, 2012. Recebido em 16 de abril de 2020 Aprovado em 17 de julho de 2020 Recorde, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 1-6, jul./dez. 2020. 6