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1 EDITORIAL N Capa | Jorge Raposo Registo da escavação no sítio de naufrágio da nau Nossa Senhora dos Mártires, em 1999. Embarcação utilizada pela Coroa portuguesa na Carreira da Índia, afundou-se ao largo de Cascais em 1606. Foto | © Guilherme Garcia / Filipe Castro 2.ª Série, N.º 25, Tomo 2, Julho 2022 Proprietário e editor | Centro de Arqueologia de Almada, Apartado 603 EC Pragal, 2801-601 Almada Portugal NIPC | 501 073 566 Sede do editor e da redacção | Travessa Luís Teotónio Pereira, Cova da Piedade, 2805-187 Almada Telefone | 212 766 975 E-mail | c.arqueo.alm@gmail.com um país que dispõe de extensa costa atlântica e territórios insulares, com um Passado fortemente ligado à navegação marítima e à interacção com comunidades de muitas e diferentes geografias, onde chegámos ou que até nós chegaram, os vestígios patrimoniais preservados nas águas sob gestão portuguesa são potencialmente muito elevados e seguramente relevantes para a interpretação cultural, técnica e económica de uma vasta região intercontinental até períodos históricos muito recuados. Descobrir, interpretar, preservar e gerir esse abundante e valioso Património Cultural subaquático é, portanto, um desafio à capacidade e competência de múltiplos agentes individuais e colectivos, públicos e privados. Contudo, esta agência interdependente é fortemente condicionada pelo enquadramento legislativo e pela estratégia e prática da entidade de tutela por este definida, hoje a Direcção Geral do Património Cultural (Dgpc). Por várias razões e com particular intensidade nos tempos mais recentes, a acção (ou inacção) desta tutela central tem sido contestada de forma veemente em várias circunstâncias e sob diferentes perspectivas do que deveria ser o exercício da sua missão e competências. A sistematização e gestão da informação relativa aos trabalhos arqueológicos realizados e ao Património arqueológico conhecido no território e nas águas portuguesas, traduzida em base de dados e suporte cartográfico de acesso público (ainda que controlado por razões de segurança e conservação patrimonial), é uma das áreas onde são apontadas claras insuficiências à Dgpc. Falta de meios (humanos, técnicos e financeiros) ou inaptidão funcional, incapacidade organizativa, inabilidade de gestão administrativa e técnica, são algumas das causas apontadas para esta situação. No que concerne ao Património Cultural subaquático, a conjuntura justifica o artigo de opinião que abre as páginas desta Al-Madan Online, logo a seguir ao habitual e sempre reflexivo espaço de crónica de actualidade. O destaque desse artigo vai para o apelo à criação urgente de melhores condições de registo e divulgação dos sítios e achados que pontuam a costa marítima, rios e outros meios húmidos. É um tema a merecer justa atenção, tal como vários outros também presentes neste tomo, nomeadamente estudos dedicados ao mundo romano e da Alta Idade Média, ou artigos de Arqueologia e de Património de natureza muito abrangente. Há ainda noticiário arqueológico e de eventos científicos, finalizando com recensões e novidades editoriais. São propostas para algumas boas horas de leitura, com votos de que esta se faça com prazer e saúde. Internet | www.almadan.publ.pt Jorge Raposo, 21 de Julho de 2022 ISSN | 2182-7265 Estatuto editorial | www.almadan.publ.pt Distribuição | http://issuu.com/almadan Periodicidade | Semestral Apoio | Câmara Municipal de Almada / / Associação dos Arqueólogos Portugueses / / Arqueohoje - Conservação e Restauro do Património Monumental, Ld.ª / / Dryas - Octopétala, Ld.ª / Câmara Municipal de Oeiras / Neoépica, Ld.ª Conselho científico | Amílcar Guerra, António Nabais, Luís Raposo, Carlos Marques da Silva e Carlos Tavares da Silva Resumos | Autores e Jorge Raposo (português), Luísa Pinho (inglês) e Maria Isabel dos Santos (francês) Director | Jorge Raposo (director.almadan@gmail.com) Modelo gráfico, tratamento de imagem e paginação electrónica | Jorge Raposo Publicidade | Centro de Arqueologia de Almada (c.arqueo.alm@gmail.com) Revisão | Autores e Fernanda Lourenço Colaboram neste tomo | Nelson J. Almeida, José Morais Arnaud, João Barreira, Alexandre Brazão, Patrícia Brum, Guilherme Cardoso, Filipe Castro, António Chéney, Joel Saraiva Correia, Luís Costa, Mariana Diniz, José d’Encarnação, Marco Freitas, João Pedro Barreto Gomes, Gerardo Vidal Gonçalves, Maria João Marques, Andrea Martins, Ana Mendonça, Keith Moore, Paula do Nascimento, César Neves, Carmen Pereira, Dina Borges Pereira, Franklin Pereira, João Reis, Rui Ribolhos, J. A. Severino Rodrigues, Pedro Silva Sena, Miguel Serra e Marco Valente Os conteúdos editoriais da Al-Madan Online não seguem o Acordo Ortográfico de 1990. No entanto, a revista respeita a vontade dos autores, incluindo nas suas páginas tanto artigos que partilham a opção do editor como aqueles que aplicam o dito Acordo. 3 ÍNDICE EDITORIAL... 3 CRÓNICA ARQUEOLOGIA Pelas competências nos vamos perdendo... | José d’Encarnação... 6 OPINIÃO Carta Arqueológica Subaquática de Portugal | Filipe Castro... 9 Abrigo dos Castelos (Baleizão, Beja): uma provável representação das Sete Irmãs - Plêiades | Marco Valente e Maria João Marques... 48 ESTUDOS Entre os dados históricos e arqueológicos: o percurso de Décimo Júnio Bruto | João Pedro Bernardo Gomes... 18 Espártaco no Monte Vesúvio | Pedro Silva Sena... 31 4 online 2.ª Série (25) Tomo 2 Julho 2022 A necrópole islâmica do Arneiro, Carcavelos | Guilherme Cardoso, José d’Encarnação, J. A. Severino Rodrigues e Carmen Pereira... 56 Pannonias na Alta Idade Média: o rio Douro, o Corgo e o Tua numa abordagem simplificada da Arqueologia da Paisagem | Gerardo Vidal Gonçalves e Dina Borges Pereira... 38 ARQUEOLOGIA S. Lourenço dos Francos (igreja e envolvência), Lourinhã: imagética de um arqueossítio complexo entre Olisipo, Scallabis e Eburobrittium | Gerardo Vidal Gonçalves e Dina Borges Pereira... 68 O papel do desenho arqueológico na Arqueologia: complementaridade entre o tradicional e o tecnológico | Paula do Nascimento... 82 PATRIMÓNIO Artes do couro no medievo peninsular. ar. Parte 5: selas, arreios, escudos | Franklin Pereira... 89 NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO Trabalhos arqueológicos no Mercado de Santarém | António Chéney... 117 Anta do Zambujal (Selmes, Vidigueira): trabalhos em curso e contributos para a história do monumento | Nelson J. Almeida, João Barreira, Luís Costa, João Reis e Miguel Serra... 119 O túmulo perdido do coronel luso-britânico Richard Collins (Gouveia) | Rui Ribolhos, Joel Saraiva Correia e Keith Moore... 107 EVENTOS Colóquio internacional Vila Nova de São Pedro (1971-2021): cinquenta anos de investigação sobre o Calcolítico, no Ocidente Peninsular | Mariana Diniz, Andrea Martins, César Neves e José Morais Arnaud... 121 LIVROS & REVISTAS As I Jornadas de Arqueologia em Contexto de Obra | Ana Mendonça, Marco Freitas e Alexandre Brazão... 123 Arquivar o futuro: o livro Cultural Heritage and the Future | Patrícia Brum... 129 Agenda... 126 Novidades editoriais... 131 Fontes epigráficas para o estudo do culto a Júpiter em Portugal | José d’Encarnação... 127 5 ARQUEOLOGIA RESUMO Trabalhos de prospecção arqueológica ocorridos na Herdade do Paço dos Esteios (Baleizão, Beja) permitiram relocalizar registos anteriores e identificar uma série de novos achados isolados e sítios arqueológicos. Entre estes últimos está o Abrigo dos Castelos, que preserva arte rupestre composta por vários núcleos de fossetes / covinhas executadas por abrasão. Os autores apresentam o resultado preliminar da sua investigação e defendem que um desses núcleos rupestres aparenta representar o aglomerado estelar das Plêiades, observável na constelação do Touro. Apontam também linhas de pesquisa para desenvolver o estudo arqueoastronómico deste interessante conjunto. Abrigo dos Castelos (Baleizão, Beja) uma provável representação das Sete Irmãs - Plêiades Marco Valente 1 e Maria João Marques 2 Palavras-chave: Arte rupestre; Arqueologia; Astronomia; Plêiades. ABSTRACT Archaeological survey works carried out at the Herdade do Paço dos Esteios (Baleizão, Beja) have uncovered previous registers and have identified a series of new isolated findings and archaeological sites. Among these is the Abrigo dos Castelos (Castles shelter), which preserves rock art consisting of several nuclei of fossetes / little holes made by abrasion. The authors present the preliminary results of their research, claiming that one of those nuclei seems to represent the star agglomerate of the Pleiades, that can be seen in the Taurus constellation. They also suggest further research lines that could develop the archaeo-astronomic study of this interesting set. Key words: Rock art; Archaeology; Astronomy; Pleiades. RÉSUMÉ Des travaux de prospection archéologique réalisés dans le Domaine du Paço dos Esteios (Baleizão, Beja) ont permis de resituer des relevés antérieurs et d’identifier une série de nouvelles trouvailles isolées et de nouveaux sites archéologiques. Parmi ces derniers, se trouve l’Abrigo dos Castelos qui préserve de l’art rupestre composé de différents groupes de fossettes / / petits creux réalisés par abrasion. Les auteurs présentent le résultat préliminaire de leur recherche et défendent qu’un de ces groupes rupestres semble représenter l’amas ouvert d’étoiles des Pléiades, observable dans la constellation du Taureau. Ils pointent également des pistes de recherche pour développer l’étude archéo-astronomique de cet intéressant ensemble. Mots Clés: Art rupestre; Archéologie; Astronomie; Pléiades. 1 Vice-Presidente da Iccira - International Cultural & Creative Industries Regulatory Authority, Arqueólogo e Consultor Patrimonial (marcopvalente@gmail.com). 2 Arqueóloga (marques.mjoao90@gmail.com). Por opção dos autores, o texto não segue as regras do Acordo Ortográfico de 1990. 48 online 2.ª Série (25) Tomo 2 Julho 2022 “Beside a grotto of their own, With boughs above them closing, The Seven are laid, and in the shade They lie like fawns reposing”. William Wordsworth A s antigas cosmovisões celtas apresentam geografias míticas que explicam a visão sobrenatural e sagrada que a paisagem assume desde a mais remota antiguidade (Almagro-Gorbea et al., 2019: 37). As fossetes / covinhas, são as representações rupestres mais figuradas ao nível da arte rupestre mundial. Pelo Alentejo surgem em centenas de sítios, múltiplos contextos e em milhares de disposições (Faria, 2021). Entre Outubro de 2007 e Maio de 2008, em trabalhos de prospecção e acompanhamento conduzidos pelo alto da Serra do Caldeirão, encontrámos alguns sítios com arte rupestre (fossetes). Nomeadamente, a “Pedra da Lua” (Valente, 2021; 2018; 2012; 2010) – revisitada em 2015 e alvo de trabalhos de fotogrametria e utilização do método Mrm - Modelo de Resíduo Morfológico pelo colega Hugo Pires – e em “Corte Figueira dos Coelhos” (Valente, 2021; 2012; 2010). O elemento pétreo com covinhas presente em Corte Figueira dos Coelhos apresentase-nos com um total de sete covinhas executadas por picotagem e abrasão, duas delas com ligação entre si. Uma hipótese, entre outras igualmente válidas, é a de que se possa tratar da representação das Plêiades 1. Associações entre arqueoastronomia e arte rupestre são incontáveis por todo o mundo e o território actualmente Português não seria assim excepção. Representações de possíveis altares lunares, como a 1 Em contextos funerários, “Pedra da Lua”, revelam o interesse que as comudesde há milénios a esta parte que nidades que nos precederam tinham pelo céu, o elementos soliformes, lúnulas e sol, a lua e as estrelas: fosse para ser utilizado como cometas são identificados. calendário agrícola ou qualquer outra finalidade, o Este poderia ser mais um desses casos. firmamento sempre fascinou as culturas humanas. Foto e Desenho: Marco Valente. FIG. 1 – Corte Figueira dos Coelhos (Serra do Mú, Almodôvar). Elemento pétreo com covinhas (presente numa sepultura, presumivelmente da Idade do Bronze – informação oral). Desenhos: Marco Valente. “De este modo, numerosas culturas antiguas y prehistóricas de todo el mundo controlaron empíricamente las fechas más destacadas del calendario, como pueden ser los solsticios o equinoccios, además de otras de carácter indudablemente cultural – como, por ejemplo, las festividades célticas de media estación, o cualquier otra festividad relevante de otras culturas – o también las de otros astros importantes además del Sol, como pueden ser los Lunasticios, es decir los máximos y mínimos alcanzados por la Luna en su ciclo de 18,61 años, de los que existe constancia que fueron monitorizados en la Europa Atlántica, al menos desde el Neolítico y la Edad del Bronce” (Almagro-Gorbea et al., 2019: 45). 0 Durante trabalhos de prospecção tidos na Herdade do Paço dos Esteios, em Baleizão, foram detectados alguns elementos patrimoniais inéditos e relocalizados outros. Relocalizámos um povoado da Idade do Bronze, sob o sugestivo topónimo “Castelos” (Cns 29935) 2 e que poderia ter abrangido uma área de aproximadamente 23 hectares – reconstituição hipotética efectuada com a conjugação da observação “in loco” de trechos do panejamento da muralha (que chegavam a ter cerca de 7 m de espessura em alguns pontos – Fig. 5) e do que era ainda visível através do Google Earth. 15 cm Fotogrametria: Paulo Lima. 0 Fossetes / Covinhas FIG. 2 – Pedra da Lua (Serra do Mú, Almodôvar). Afloramento com cerca de 25 covinhas, parecendo representar o crescente lunar no céu estrelado. Mrm: Hugo Pires. 1m FIG. 3 – Em baixo, reconstituição hipotética da extensão do Povoado “Castelos” e sua relação eventual com o Abrigo com Arte Rupestre. Povoado Castelos “[...] povoado fortificado de grande extensão, localizado entre o Cerro Furado e limitado a sul e sudoeste pelo barranco dos Castelos e a este pelo Guadiana. Possui duas linhas de muralha bem visíveis, assim como a porta de entrada a norte bem destacada. No interior da cintura defensiva destacam-se concentrações de estruturas e materiais” – Portal do Arqueólogo (https://bit.ly/3RreGHB, consultado a 2022-04-22). Abrigo de Arte Rupestre Reconstituição hipotética da muralha Troços preservados da muralha Desenho: Marco Valente. 2 49 ARQUEOLOGIA Abrigo Achados isolados Vestígios da muralha Desenho: Maria João Marques. Paço dos Esteios FIG. 4 – Distribuição espacial de achados isolados (fragmentos de dormentes, percutores, cerâmica manual, lascas). Notem-se as concentrações no interior do espaço tido como interno do povoado. paisagem e teve outrora uma posição dominante nesta zona. // Curiosamente no abrigo foram detectados vários pequenos núcleos com fossetes (ou covinhas) com a típica forma circular escavada na superfície rochosa, contabilizando um total de pelo menos 19. Seria imprudente e infundamentado atribuir uma cronologia concreta para o dito abrigo, mas fica em aberto a possibilidade de uma ocupação contemporânea com a do sítio arqueológico de Castelos” (Marques e Valente, 2022: 32-33). FIG. 5 – Troços preservados da muralha. Foto: Maria João Marques. Do povoado em si, era perfeitamente observável a existência do abrigo inédito detectado durante os trabalhos de prospecção arqueológica. “A Este do povoado fortificado, numa elevação entre duas linhas de água, foi detetado um pequeno abrigo com arte rupestre […]. Trata-se de um achado inédito que não havia sido identificado em anteriores trabalhos. Junto ao mesmo foi encontrado um percutor em quartzito e constatou-se o facto de a parte mais ampla do abrigo além de estar orientada para uma linha de água segue a orientação Este-Oeste, sendo que a ranhura mais pequena está, por isso, orientada para Oeste estando também virada para outra linha de água. Sem dúvida, assume um lugar de destaque na 50 online 2.ª Série (25) Tomo 2 Julho 2022 Foto: Maria João Marques. FIG. 6 – Em cima, enquadramento do Abrigo na paisagem envolvente. Foto: Maria João Marques. A entrada do abrigo encontra-se voltada sensivelmente a Sudoeste (Fig. 7), com uma pequena abertura orientada a Nordeste (Fig. 8). Encontra-se situada numa pequena elevação sobranceira a duas linhas de água que enquadram o abrigo a Norte e a Sul, respectivamente (Fig. 9). Foto: Maria João Marques. FIGS. 7 e 8 – Entrada do Abrigo (em cima) e abertura “olho” orientada a Nordeste (à esquerda). FOTO: Maria João Marques. FIG. 9 – À direita, relação do Abrigo com a linha de água localizada imediatamente a Sul. 51 ARQUEOLOGIA 52 FIGS. 11 e 12 – Representação das Plêiades (fotografia e desenho). online 2.ª Série (25) Tomo 2 Julho 2022 Pensamos que com um levantamento fotogramétrico possamos vir a identificar – caso lá estejam representadas – algumas das restantes “irmãs” em falta (Merope, Maia e Asterope). Os próximos passos consistirão no levantamento fotogramétrico do abrigo em si e dos múltiplos núcleos de covinhas identificados até ao momento e, eventualmente, num estudo arqueoastronómico de todo este interessantíssimo conjunto. Desenho: Marco Valente. Foto: Maria João Marques. Possui alguns núcleos de covinhas, tanto na superfície externa (Fig. 10) como no seu interior. Um dos núcleos de gravuras / covinhas presentes no interior deste abrigo motivou-nos uma maior curiosidade. Parece-nos constituir a representação de uma constelação disseminada no que será, porventura, o episódio mitológico e arqueoastronómico mais antigo, as Plêiades (ver caixa da página seguinte). Agricultura, pastorícia, navegação e pesca, todas eram guiadas pelo Setestrelo. Colegas colocam esta lenda como um dos “mitos gondwânianos”, com origens entre os 70 e os 50 mil anos a.n.e. (Witzel: 2013). Teremos assim representadas e visíveis a olho nú: Pleione, Atlas, Alcyone, Electra, Celaeno e Taygeta (Figs. 11 e 12). Foto: Maria João Marques. FIG. 10 – Núcleo de covinhas executadas por abrasão na superfície externa / topo do Abrigo. Lenda das Plêiades A s Plêiades são muitas vezes conotadas com episódios de hierofania cristã, como as Lendas das Sete Senhoras (Ladra, 2021; Losada, 2016). No Castro da Cola, em Ourique, escutámos atentamente, em Agosto de 2012, a Lenda das Sete Irmãs, que seriam Santas e para as quais existiria uma capela em Sete Colinas diversas, sendo que de cada uma dessas colinas se avistariam umas às outras. Características comuns às aparições das ditas Senhoras: – Manifestam-se perante uma criança ou um grupo pouco numeroso de crianças; – Revelam-se a pessoas simples com pouca escolaridade; – Acontecem num lugar afastado de povoações, maioritariamente de elevada altitude; – Sucedem frequentemente perto de grutas ou de cursos de água; – Os videntes costumam ver as “figuras marianas a flutuar no ar”; – As “senhoras” são frequentemente vistas acima da vegetação; – Não raramente, as imagens são nebulosas e acabam por converter-se em “entidades angelicais”, “senhoras de luz, maravilhosas”; – Uma luz muito intensa cria dificuldade aos videntes para visualizarem as aparições; – As imagens costumam fazer sinais aos videntes ou chamá-los para que delas se aproximem; – Frequentemente, é-lhes pedido que voltem nos dias seguintes ou em datas determinadas; – Referem, sem nenhuma parcimónia, o muito que os humanos lhes devem estar gratas, assumindo o papel de suas defensoras; – As “senhoras” pedem que lhes façam construir, nos locais da aparição, um santuário ou capela para que as muitas pessoas possam juntar-se nela para “orarem”; – Não raramente, as “senhoras” são responsáveis por “castigos” ou “curas”, ou as pessoas que acorrem aos lugares onde estas apareceram, desde que bebam de algum poço ou fonte próxima, recuperam a saúde. Estas múltiplas manifestações pagãs de uma endeusada Senhora, que vinha já das anteriores tradições célticas e mediterrânicas (Guerreiro, 2019), a partir dos séculos IV e V da nossa Era, em textos considerados heréticos, mas em voga posteriormente na tradição medieval, “constituíram os alicerces […] da sua assunção física, ou seja, a convicção de que o corpo de Maria subiu ao Céu” (IDEM, 2019). Fonte: Nasa / Esa / Aura / Caltech. Sete Senhoras Assim, tal como outras Deusas antes de si – casos de Ísis ou Ishtar –, Maria mãe de Jesus passou a ser a Rainha do céu. A sacralização cristã do Setestrelo. O ciclo de visibilidade das Plêiades durava seis meses, dividindo assim o ano em duas fases. “Na gruta francesa de Lascaux existem pinturas rupestres paleolíticas que mostram por separado vários grupos de sete pontos, interpretados por alguns autores como sendo uma representação das Plêiades” (Ladra, 2021; Rappenglueck, 1997). Para Leroi-Gourhan, esta repetição não será meramente casual. Plêiades provém do grego antigo (Πλειάδες), derivando possivelmente de plein (navegar), sendo Pleione, sua mãe mitológica, uma possível derivação deste. São mencionadas e conhecidas por povos e comunidades tais como celtas, havaianos, māori, aborígenes australianos, persas, árabes, chineses, quíchua, japoneses, maias, aztecas, sioux, kiowa, cherokee. Uma das suas representações mais conhecidas é o disco do céu de Nebra, artefacto da Idade do Bronze (1600 a.C.) encontrado na proximidade da cidade com esse nome, na Alemanha. 53 53 ARQUEOLOGIA Bibliografia Almagro-Gorbea, Martín; Ortega, Julio E.; Rubio, José A. e Sánchez, Óscar de S. M. (2021) – Berrocales Sagrados de Extremadura. Orígenes de la Religión Popular de la Hispania Céltica. Badajoz: Gabinete de Antigüedades de la Real Academia de la Historia / Departamento de Ciencias de la Antigüedad de la Universidad de Extremadura / Caja Rural de Extremadura. Almagro-Gorbea, Martín; Romero, Fernando A.; Sierra, Antón B. e Ladra, Lois (2019) – “Tradición y «paisage sacro» en la Virxe da Eirita (Santo Estevo de Anos, Cabana de Bergantiños, A Coruña)”. Anuario Brigantino. A Coruña: Concello de Betanzos. 42: 37-66. Disponível em https://bit.ly/3RduJsh. Alves, Lara Bacelar (2001) – “Rock art and the enchanted moors: the significance of rock carvings in the folklore of north-west Iberia”. In Wallis, Robert J. e Lymer, Kenneth (eds.). A Permeability of Boundaries? New Approaches to the Archaeology of Art, Religion and Folklore. Oxford: Archaeopress, pp. 71-78 (BAR - International Series, 936). Bhathal, Ragbir e Mason, Terry (2011) – “Aboriginal astronomical sites, landscapes and paintings”. Astronomy & Geophysics. London: Royal Astronomical Society. 52 (4): 4.12-4.16. Disponível em https://bit.ly/3utr1RA. Brady, Liam M. e Kearney, Amanda (2016) – “Sitting in the gap: ethnoarchaeology, rock art and methodological openness”. World Archaeology. 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