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Secas, Desertificação e Políticas Públicas No Semiárido Nordestino Brasileiro

2013, Okara Geografia Em Debate

Revista OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013. ISSN: 1982-3878 João Pessoa, PB, DGEOC/CCEN/UFPB – http://www.okara.ufpb.br SECAS, DESERTIFICAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS NO SEMIÁRIDO NORDESTINO BRASILEIRO Ibrahim Soares Travassos Universidade Federal da Paraíba Bartolomeu Israel de Souza Universidade Federal da Paraíba Anieres Barbosa da Silva Universidade Federal da Paraíba RESUMO O presente artigo é fruto de leituras sobre dois dos principais problemas do semiárido nordestino: as secas e a desertificação. O primeiro já é bastante conhecido e debatido, enquanto que o segundo ganhou notoriedade a partir da primeira metade da década de 1990. Procuramos assim analisar as políticas públicas de implementadas pelo o Estado nacional brasileiro no combate a seca e a desertificação. Os resultados mostram que as políticas de combate a seca, ainda não foram capazes de reproduzir os resultados esperados desde a sua implantação, acreditamos que o conflito de interesses e as formas de enxergar o fenômeno seja a principal causa do seu fracasso. Já as políticas de combate a desertificação, tem apresentado alguns avanços, porém tímidos, principalmente devido a demora por parte do governo federal em implantar ações teoricamente previstas, no plano nacional de combate aos efeitos da desertificação.. Palavras‐chave: Juazeiro do Norte, Centro, Centralidade. ABSTRACT This article is the result of readings on two of the main problems of the semiarid Northeast, drought and desertification. The first is already well known and discussed, while the latter gained notoriety from the first half of the 1990s. So look for analyzing public policies implemented by the Brazilian national state in combating drought and desertification. The results show that policies to combat drought, have not been able to reproduce the expected results since its implementation, we believe that the conflict of interests and ways of seeing the phenomenon is the main cause of failure. Since policies to combat desertification, has shown some progress, but shy, mainly due to delay by the federal government in implementing planned actions theoretically at the national level to combat the effects of desertification. OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 147 TRAVASSOS, I. S.; de SOUZA, B. I.; da SILVA, A. B. Keywords: Drought; Desertification; Public Policy; Semiarid Northeast. INTRODUÇÃO O presente artigo é fruto de leituras realizadas acerca de dois dos principais problemas do Nordeste semiárido: as secas e a desertificação. O primeiro é um velho conhecido de todos, enquanto o segundo ganhou notoriedade a partir da primeira metade da década de 1990. O semiárido nordestino1 se apresenta como uma região de quadros climáticos extremos, o conhecido binômio seca‐chuva, sendo os efeitos provocados pelas secas, um dos maiores passivos sociais do país. Associado à seca, um passivo de caráter ambiental tem despertado a atenção da comunidade científica e política brasileira nos últimos anos. Trata‐se da desertificação, um tipo de degradação que se processa em regiões de clima árido, semiárido e sub‐úmido seco e que, segundo a CCD (1994), está relacionada as mudanças climáticas e as atividades humanas. Diante do quadro exposto, o presente artigo tem por finalidade analisar as políticas públicas realizadas pelo Estado nacional brasileiro no combate a seca e a desertificação. Procuramos assim, demonstrar a diversidade de situações e as implicações políticas de acordo com os vários planos e políticas nacionais de combate a seca e a desertificação, bem como o uso político e desigual do erário público na mitigação desses problemas. O caminho metodológico percorrido na construção do artigo se deu por meio de pesquisa bibliográfica a literatura que verse sobre os temas: políticas públicas, semiárido, desertificação, história das secas, presentes em livros e artigos científicos e, nos documentos oficiais do governo brasileiro que tratam sobre a temática estudada. Como estamos propondo analisar a implantação de políticas públicas pelo Estado em uma determinada região, utilizaremos o território enquanto categoria de investigação geográfica, pois entendemos que as relações de poder estarão imbricadas na implantação dessas políticas. Sendo assim, para fundamentarmos 1 Este trabalho é parte integrante dos resultados parciais da pesquisa de mestrado do primeiro autor. Os autores agradecem o apoio financeiro por parte do CNPq, através do financiamento a pesquisa: Políticas públicas e tecnologias sociais para convivência com o semiárido paraibano: um olhar sobre as experiências de uso e manejo de água no Cariri Paraibano. OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 148 148 Secas, desertificação e políticas públicas no semiárido nordestino brasileiro as nossas análises, estaremos utilizando os teóricos como, Raffestin (1993), Santos (1994), Santos (2000) e Haesbaert (1997). Secas, territórios e poder As secas podem ocorrer sob a forma de uma drástica diminuição, concentração espacial e/ou temporal da precipitação pluviométrica anual. Quando ocorre uma grande seca, a produção agrícola fica comprometida, a pecuária é debilitada ou dizimada e as reservas de água da superfície se exaurem. Nessas condições, as camadas mais pobres da população rural tornam‐se inteiramente vulneráveis ao fenômeno climático. Historicamente, no Brasil, a sobrevivência de grande parte do contingente de pessoas afetadas pelas secas tem dependido das políticas oficiais de socorro, do recurso a emigração para outras regiões ou para as áreas urbanas do próprio Nordeste. As políticas públicas têm sido criadas como resposta do Estado às demandas que emergem da sociedade e do seu próprio interior, sendo a expressão do compromisso público de atuação numa determinada área em curto, médio ou longo prazo. Sua construção deve obedecer a um conjunto de prioridades, princípios, objetivos, normas e diretrizes bem definidas. Entretanto, numa sociedade de conflitos e interesses de classe, elas são o resultado do jogo de poder2 determinado por leis, normas, métodos e conteúdos que são produzidas pela interação de agentes de pressão que disputam o Estado. Estes agentes são os políticos, os partidos políticos, os empresários, os sindicatos, as organizações sociais e civis. No Brasil, as políticas públicas hegemonizadas pelas elites, levaram historicamente à exclusão social, pois sempre impuseram em cada período com matrizes próprias, as regras do jogo. Neste sentido, para analisar a estruturação dessas políticas, a utilização da categoria território é fundamental e imprescindível. 2 As análises aqui encaminhadas sobre poder estarão sendo interpretadas, a partir da seguinte concepção: “o ‘poder’ corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas de agir em uníssono, em comum acordo. O poder jamais é propriedade de um indivíduo; pertence a ele a um grupo e existe apenas enquanto o grupo se mantiver unido. Quando dizemos que alguém está ‘no poder’ estamos na realidade nos referindo ao fato de se encontrar‐se esta pessoa investida de poder, por um certo número de pessoas, para atuar em seu nome. No momento em que o grupo, de onde origina‐se o poder (potestas in populo, sem um povo ou um grupo não há poder), desaparece, ‘o seu poder’ também desaparece”. (ARENDT, 1985 apud SOUSA, 1995). OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 149 TRAVASSOS, I. S.; de SOUZA, B. I.; da SILVA, A. B. Raffestin (1993) destaca o caráter político do território, bem como a sua compreensão sobre o conceito de espaço geográfico, pois o entende como substrato, um palco, pré‐existente ao território. Nas palavras deste autor: É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...] o ator “territorializa” o espaço. (RAFFESTIN, 1993, p. 143). Baseado nessa concepção, enfatizada pelo autor, o território é tratado principalmente com uma ênfase político‐administrativa, isto é, como o território nacional, espaço físico onde se localiza uma nação, um espaço onde se delimita uma ordem jurídica e política, um espaço medido e marcado pela projeção do trabalho humano com suas linhas, limites e fronteiras. Sendo assim, ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente, o ator territorializa o espaço. Neste sentido, Raffestin (1993, p.144) entende o território como sendo: [...] um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. [...] o território se apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolve, se inscreve num campo de poder. Quanto ao poder, Raffestin (1993) ressalta que este pode ser exercido por pessoas ou grupos, sem o qual não se define o território. Poder e território, apesar da autonomia de cada um, vão ser enfocados conjuntamente para a consolidação do conceito de território. Assim, o poder é relacional, pois está intrínseco em todas as relações sociais. Haesbaert (1997), por sua vez, analisa o território com diferentes enfoques, elaborando uma classificação em que se verificam três vertentes básicas: 1) OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 150 150 Secas, desertificação e políticas públicas no semiárido nordestino brasileiro jurídico‐política, segundo a qual “o território é visto como um espaço delimitado e controlado sobre o qual se exerce um determinado poder, especialmente o de caráter estatal”; 2) cultural(ista), que “prioriza” dimensões simbólicas e mais subjetivas, o território visto fundamentalmente como produto da apropriação feita através do imaginário e/ou identidade social sobre o espaço”; 3) econômica, “que destaca a desterritorialização em sua perspectiva material, como produto espacial do embate entre classes sociais e da relação capital‐trabalho”. (HAESBAERT, 1997). Outra importante contribuição, mesmo o território não sendo a sua principal categoria de análise, foi a formulada por Milton Santos. Destacarmos a sua idéia do território usado (SANTOS, 1994) que aparece em suas obras como uma noção central na busca da compreensão do espaço geográfico atual em suas múltiplas dimensões, ou seja, na sua essência vai mirar todo o problema político do território (e do seu uso), valorizando assim a dimensão política da ação (indo muito além de um simplismo nas formas) e instigando‐nos, a pensar o futuro com todas as possibilidades de transformação nele contidas, uma vez que a idéia de território usado por este autor aparece justamente como o elo entre a teoria crítica do espaço e a ação política. O olhar crítico a uma série de situações que presentemente ocorrem no território brasileiro passa assim, a figurar como um dever do geógrafo que se volta a análise e a compreensão das mazelas que atingem o cotidiano nacional, exigindo‐nos esforços para a produção de um discurso forte, válido na busca das necessárias transformações das estruturas de tomada de decisão e de formulação das estratégias de combate no território. É assim que, mais uma vez, a idéia de território usado (SANTOS, 1994) aparece como instrumento sintético (e ao mesmo tempo político) valioso. Daí podermos fazer distinção analítica entre “uso do território” e “território usado”. O uso do território como recurso pode ser compreendido como resultado de projetos particulares, orientados por uma razão que tem vistas somente para finalidades específicas e previamente (para um fim de cunho racional) determinadas, aparecendo assim como um uso indiferente ao meio próximo, alheio as suas adjacências (SANTOS, 2000). O uso do território como recurso atesta no mais das vezes, o espaço econômico. Sendo assim, a idéia de território usado, impõe pensarmos o território na sua totalidade como espaço banal, espaço de todos, todo o espaço (SANTOS 2000). O território quando compreendido como território usado, espaço banal, surge como recurso pleno de um caráter político e humanista, devendo ser interpretado de maneira analítica, porque precisa necessariamente contemplar todos os interesses e todas as razões de ser (existir), de todos os agentes que nele se circunscrevem (SANTOS, 2000). OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 151 TRAVASSOS, I. S.; de SOUZA, B. I.; da SILVA, A. B. A área que corresponde ao semiárido nordestino teve, ao longo da história, vários tamanhos e diferentes denominações: Polígono das Secas; Região Semiárida do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) e também de atuação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Legalmente, a primeira delimitação foi estabelecida no ano de 1936, denominando a área como Polígono das Secas em alusão a sua característica física mais marcante. Juridicamente, a região semiárida é decorrente de uma norma da Constituição Brasileira de 1988, que através do seu Artigo 159, instituiu o Fundo Constitucional do Nordeste (FNE). Este apresenta como preceito básico a aplicação de 50% dos recursos desse fundo nessa área. Porém, foi com a Lei 7.827, de 27 de setembro de 1989, presente na Constituição Federal, que se define a região semiárida e a insere na área de atuação da SUDENE. O semiárido passou por nova delimitação, a partir da edição da Portaria Interministerial N° 6, de 29 de março de 2004, assinada pelos Ministérios da Integração Nacional e do Meio Ambiente. Essa nova delimitação deve servir como parâmetro para a adoção de políticas de apoio ao desenvolvimento da região. Para a nova delimitação do semiárido brasileiro, tomou‐se por base três critérios técnicos: a) Precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 milímetros; b) Índice de aridez3 de até 0,5 calculado pelo balanço hídrico que relaciona as precipitações e a evapotranspiração potencial, no período entre 1961 e 1990; c) Risco de seca maior que 60%, tomando‐se por base o período entre 1970 e 1990 (BRASIL, 2007). Esses três critérios foram aplicados consistentemente a todos os municípios que pertencem a área de atuação da SUDENE, inclusive os municípios do norte de Minas Gerais e oeste do Espírito Santo. Importante destacarmos aqui, que essa nova delimitação rebate igualmente nas áreas susceptíveis a desertificação no Brasil, fato esse que será debatido mais a frente. Atualmente, o semiárido abrange 1.113 municípios com uma área de 969.589 Km², correspondendo a quase 90% da região Nordeste (BRASIL, 2007), abrangendo os seguintes estados: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia e mais a porção setentrional de Minas Gerais. O território semiárido nordestino abriga uma população de 45,5 milhões, equivalentes a 29% do total nacional (BRASIL, 2007), apresentando diversas singularidades no cenário geoeconômico brasileiro, concentrando metade da população pobre do país, num quadro de elevada heterogeneidade físico‐ climática, a despeito do domínio da semiaridez. 3 Calculado a partir da metodologia elaborada por THORNTHWAITE (1949). OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 152 152 Secas, desertificação e políticas públicas no semiárido nordestino brasileiro Com base nas informações até o momento e as que virão a seguir, inferimos que o termo Polígono das Secas não reflete o que realmente vem ocorrendo historicamente nessa região, mas sim contribui para que não se perceba a verdadeira dinâmica existente no jogo de poder que a séculos lhe é característica, uma vez que, para além da questão físico‐climática que nos remete a essa denominação, foram as relações políticas, econômicas e sociais presentes nesse território desde a sua formação, que o levaram a condição a qual se encontra, sendo essa categoria o principal elemento de poder, visto a sua utilização pelos detentores do capital para a perpetuação do seu domínio. Ou seja, o flagelo da seca transforma‐se em um meio político‐econômico‐eleitoral no semiárido nordestino. Políticas públicas de combate a seca O relato dos períodos de secas no Nordeste do Brasil remonta ao século XVI, sendo abundante na literatura a abordagem sobre esse fenômeno histórico e as suas consequências para a população. Historicamente, o fenômeno da seca só ganhou notoriedade no Brasil com a chamada ‘grande seca’ ocorrida nos anos 1877‐1879, que abalou o semiárido brasileiro a época esquecido e vagamente designado como “norte” (VILLA, 2000). Esse flagelo ceifou cerca de 500 mil vidas, com 200 mil mortes somente no estado do Ceará, levando o Império a adotar alguns procedimentos, como a implantação de sistemas de irrigação e construções de açudes e barragens (GUERRA, 1981). A fome, a sede e as epidemias podem ter feito número ainda maior de vítimas, conforme avaliação do jornalista potiguar Eloy de Souza, que calcula em mais de 600 mil mortos (VILLA, 2000). Adotando uma estimativa mais conservadora, nesse período até os últimos anos do século XIX, pelo menos 4% da população brasileira morreu no flagelo, levando outros 250 mil nordestinos a migrarem para a Amazônia, em busca do ilusório eldorado da borracha (VILLA, 2000). Entretanto, as secas já eram conhecidas desde 1583, quando Fernão Cardim registrou a estiagem que assolava a Bahia, reduzindo a produção dos engenhos de açúcar e forçando muitos indígenas a se abrigarem no litoral. Em documentos oficiais, porém, os primeiros registros datam de 1729, quando vários escravos morreram de fome e os engenhos paralisaram suas atividades (VILLA, 2000). Na grande seca de 1877‐1879, providências foram solicitadas a El‐Rei de Portugal para amenizar a situação (ALVES, 2004). Esse, pelo visto, foi o marco inicial das políticas assistencialistas voltadas para a região semiárida nordestina. Mesmo assim, somente 180 anos depois é que o Estado deu início as políticas de combate aos efeitos da seca (tabela 01), culminando inicialmente com a criação, OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 153 TRAVASSOS, I. S.; de SOUZA, B. I.; da SILVA, A. B. em outubro de 1909, da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), inspirada no Bureau of Reclamation Service4, surgido nos Estados Unidos em 1902, (VILLA, 2000). Tabela 1. Cronologia das Políticas Públicas de Combate a Seca Ano Evento/Instituição Governo 1909 Criado o IOCS, construindo 16 açudes Nilo Peçanha 1918/22 Criado o IFOCS Epitácio Pessoa 1915/19 Concluídas as represas começadas no Século Venceslau Brás / XIX Delfim Moreira da Costa Ribeiro / Epitácio Pessoa 1920 Criada a Caixa de Socorro as Secas Epitácio Pessoa 1922 60% da Paraíba é oficializada como área de Epitácio Pessoa seca 1932/35 Campos de concentração / frentes de Getúlio Vargas trabalho 1936 Delimitado o Polígono das Secas Getúlio Vargas 1945 Criado o DNOCS (Departamento Nacional de Getúlio Vargas / Obras Contra a Seca) Eurico Gaspar Dutra 1946 Delimitado o Polígono das Secas / Criado o Eurico Gaspar Banco do Nordeste Dutra 1951 Redelimitação do Polígono das Secas Getúlio Vargas 1959 Criada a SUDENE (Superintendência de Juscelino Desenvolvimento do Nordeste) Kubitschek 1969 DNOCS constrói 8.299 poços Governo Militar 1990 Fechado o DNOCS Fernando Collor 2001 Fechamento da SUDENE e Criação da ADENE Fernando Henrique Cardoso 2008 Reabertura da SUDENE Luis Inácio Lula da Silva Fonte: Elaborado por Ibrahim Soares, a partir de Villa (2000). O IOCS, a propósito nasceu na chamada “Era de Ouro” da Primeira República, quando o país experimentava altas taxas de crescimento e grandes obras de infraestrutura estavam em curso, como portos e ferrovias. 4 Agência do Departamento do Interior dos Estados Unidos responsável pela a gestão dos recursos hídricos. OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 154 154 Secas, desertificação e políticas públicas no semiárido nordestino brasileiro A prosperidade do período, no entanto, não alcançou o IOCS, já que a execução orçamentária estava muito aquém do previsto, o que tornou ainda mais severos os efeitos da seca de 1915, novamente arrasadora para a região. O reconhecimento dos débeis esforços está na própria mensagem presidencial de Venceslau Brás, comunicando ao país que em 1914 somente 42 poços haviam sido escavados, sendo 33 privados e apenas 9 públicos (VILLA, 2000). Em 1918, Epitácio Pessoa, ascende à presidência da República e a seca passou a ter uma maior atenção. As soluções propostas, porém, não divergiam do que era executado em pequena escala nos anos anteriores: escavações de poços e construção de açudes e barragens, com o propósito de acumular a água dos períodos de grande precipitação pluviométrica. Não faltou interesse de Epitácio Pessoa em preparar a região para o enfrentamento do fenômeno. Em 1918, último ano da gestão Venceslau Brás, aplicou‐se em obras contra as secas 2.326 contos de réis. Quatro anos depois, o montante saltou para 145.947 contos de réis (VILLA, 2000). Conforme Guerra (1981), neste período houve um frenesi de importação de máquinas, equipamentos e até cimento (que o Brasil não produzia) para construção de açudes, estradas de ferro e rodovias que cortaram o interior do Nordeste. A política para a região, portanto, era a de construir imensos reservatórios artificiais de água, embora as obras não entusiasmassem os oligarcas locais, temerosos da modernização do sertão e da erradicação da miséria que constituía seu principal capital político. Por outro lado, havia os cafeicultores paulistas e a defesa intransigente de seus interesses, contrariados com a aplicação de recursos no Nordeste (VILLA, 2000). Assim, foi fácil para Artur Bernardes, sucessor de Epitácio Pessoa, abandonar os investimentos na região que encolheram a olhos vistos: em 1925, somente 3.827 contos de réis foram investidos (GUERRA, 1981), sob um discurso ambíguo de que as obras haviam alcançado êxito e que o fluxo de recursos podia ser reduzido (VILLA, 2000). Na ocasião, Arthur Bernardes promoveu um ajuste ortodoxo da economia, reduzindo despesas e promovendo uma valorização monetária que criou embaraços para seu sucessor, Washington Luís e para o sistema primário‐ exportador brasileiro. O longo governo Getúlio Vargas (1930‐1945) preservou a lógica vigente de construção de açudes como antídoto contra as secas. Como novidade, houve a intensificação da construção de rodovias cortando a região, principalmente os sertões, também sob o encargo do órgão (NEVES, 2001). Uma dessas rodovias foi a Transnordestina (posteriormente incorporada à BR 116), que visava ligar Fortaleza, no Ceará, ao Sudeste do país (GUERRA, 1981). OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 155 TRAVASSOS, I. S.; de SOUZA, B. I.; da SILVA, A. B. Depois de 1937, porém, os recursos minguaram e o número de funcionários se reduziu drasticamente, conforme assinala Guerra (1981). Em 1945, o então Instituto Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), que rebatizou o antigo IOCS em 1919, mudou de nome outra vez, tornando‐se finalmente Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Porém essa mudança fora apenas no nome, pois a essência permaneceu a mesma. Somente na década seguinte o fenômeno das secas e seus efeitos sobre a sociedade sertaneja passaram a ser avaliados sob uma ótica mais plural, sem o reducionismo das adversidades climáticas. Nesse contexto, temos a compreensão que a promiscuidade política produzira muitas obras com recursos públicos em propriedades particulares, o sistema social se estruturara de forma que a população sertaneja era mantida sob as amarras dos poderosos locais e a questão fundiária, uma das raízes do drama das secas, permanecia como um tabu, fato esse que perdura aos dias atuais. Mudanças, no entanto, começaram a ocorrer a partir de 1940. Uma delas é que as estradas que iam surgindo facilitavam a migração dos sertanejos em direção ao litoral e às metrópoles do Sudeste. Para tanto, colaborou o pensamento vigente a época, de que os fluxos populacionais tendiam a se adensar no litoral, fortalecendo o comércio pelo Atlântico. Esse raciocínio orientou o planejamento governamental daquela época. O fato mais relevante, porém, é que o Nordeste estagnara nas cinco primeiras décadas do século XX, em contraste com o extraordinário desenvolvimento urbano e industrial de outras regiões do Brasil. O problema tornou‐se mais visível somente na década seguinte. Como órgão operacional, sujeito as ingerências políticas dos poderosos que se digladiaram nos parlamentos pelas verbas públicas disponíveis, o DNOCS mostrava‐se incapaz de romper a lógica que o subordinava aos interesses dos latifundiários e coronéis regionais, uma vez que: As máquinas e equipamentos do DNOCS eram utilizados por fazendeiros ao seu bel‐prazer. Nas terras irrigadas com água dos açudes construídos e mantidos pelo governo federal, produzia‐se para o mercado do litoral úmido, e em benefício de alguns fazendeiros que pagavam salários de fome [...] Em síntese, a seca era um grande mercado para muita gente. (FURTADO, 1997, p, 86). OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 156 156 Secas, desertificação e políticas públicas no semiárido nordestino brasileiro Do período citado aos dias atuais, são inúmeras as grandes secas ocorridas, sempre com o viés desastroso principalmente para as camadas populacionais menos abastadas. Sua perpetuação tem sido assunto de outros tantos debates, fóruns, livros, campanhas políticas e etc. Ano após ano, governo a governo, atribuiu‐se a seca como o maior elemento limitante ao desenvolvimento da região nordestina. As ações costumeiramente elencadas como a distribuição de cestas básicas, no passado recente, e o uso ainda presente de carros‐pipas, em geral, são quase sempre insuficientes para sanar a demanda de água da população. Como consequência, a cada ano a dependência a essas medidas persiste, visto que são meramente paliativas. Essas ações apenas atenuam por curto tempo a falta de água, entretanto não modificam a situação de quem mais sofre com esse problema, a população rural, o que influencia também nas grandes aglomerações urbanas, devido ao aumento do êxodo rural e o conseqüente inchaço das periferias das grandes cidades. Ao invés de melhorar a situação da população, o que se percebe é uma estagnação quando o assunto é dar novas possibilidades ao sertanejo de conviver com seu entorno e suas peculiaridades. Juntando‐se tudo o que fora analisado até agora, e particularmente a concentração do poder político, de terras e água, fez surgir a famosa ‘indústria da seca’, levando assim os não detentores dos meios de produção a uma subordinação ao patronato rural, os quais pagavam salários miseráveis. Nas vezes em que as chuvas escasseavam ou mesmo não ocorriam, grande parte dessa população era ‘mantida’ no campo através de políticas assistencialistas, com a distribuição de cestas básicas e as frentes de trabalhos (FURTADO, 1997). Esse círculo vicioso era ainda alimentado e potencializado pelos repasses de recursos por parte do governo federal para a execução de obras emergenciais de combate a seca, porém tais obras iriam beneficiar os fazendeiros e coronéis além de sofrer com os desvios. É importante destacar que toda essa engrenagem vem sendo montada desde a República Velha, sendo que a soma desses fatores vai gerar o fenômeno, conhecido como ‘currais eleitorais’, onde a população permanece sob a égide de um pequeno grupo político e econômico (coronéis e latifundiários), impondo o chamado voto de cabresto, a partir dos mais variados tipos de ameaças. A partir de tudo o que fora apresentado, desde a formação histórica do território semiárido, das políticas de delimitação, das políticas de combate a seca e também todas as características sui generis que constituíram e constituem essa porção do território nacional, bem como trazendo a tona toda base teórica oportunamente exposta e aqui discutida, não compreendemos essa porção do território como OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 157 TRAVASSOS, I. S.; de SOUZA, B. I.; da SILVA, A. B. Polígono das Secas, mas sim entendemos que toda essa porção do espaço, deva ser denominada de Território das Secas, uma vez que é com ela e por ela, que ao longo dos anos as relações sociais e econômicas foram instituídas nessa região, sendo ela o principal elemento de poder, visto a sua utilização pelos detentores do capital para a perpetuação do/no poder, bem como forma de acumulação de riquezas. Outro importante momento de execução de políticas públicas no semiárido, ocorreu durante o governo de Juscelino Kubitschek, quando é criado o GTDN (Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste). Esse grupo nasceu com o objetivo de discutir, debater e apresentar, em no máximo dois anos, um diagnóstico completo, bem como um conjunto de propostas para o desenvolvimento do Nordeste. Merece registro o fato de que a criação do GTDN foi fruto de diversos conflitos, bem como de pressões por parte da sociedade civil organizada, com destaque para a pressão realizada pela a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que no ano de 1956 realizou a 1ª Conferência dos Bispos do Nordeste, sendo o tema central das discussões, a busca de soluções para o desenvolvimento e integração do Nordeste (COSTA, 2002). A partir desses debates e do documento final do GTDN, em 1959 foi criada a SUDENE, chamando para si a função de elaborar as políticas de desenvolvimento a serem implantadas em todo o Nordeste. Com a criação da SUDENE as políticas de combate a seca passaram a se fundamentar em um novo paradigma, não sendo mais a política de construção de estradas e açudes a condição sine qua non para o seu desenvolvimento e, por conseguinte, a solução dos problemas do semiárido nordestino. A SUDENE tornava‐se assim um marco para a leitura sobre o fenômeno das secas uma vez que, ao invés de creditar ao clima a condição social e econômica vigente, via esses problemas como resultados. Dessa forma o paradigma que gerou a SUDENE se opunha por completo a outros órgãos intervencionistas que a antecederam. Porém, a criação da SUDENE, bem como a implantação das novas políticas de combate a seca, passou a não ser bem vista por setores conservadores da região. Fazendeiros pecuaristas, oligarcas tradicionais e coronéis, temiam o desvio dos recursos obtidos com a desculpa das secas. Mas, sobretudo, resistiam a nova visão política e autônoma proposta pela SUDENE e, mais ainda, a figura do seu diretor Celso Furtado, tido por muitos setores como um comunista. A pressão para que Celso Furtado não assumisse a SUDENE foi muito forte, como o próprio relata, ao destacar o ambiente da época: OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 158 158 Secas, desertificação e políticas públicas no semiárido nordestino brasileiro Obtive apoio parcial no Nordeste. Mas o grupo contra mim era tão forte que eles conseguiram que Juscelino – segundo ele mesmo me contou depois – se comprometesse a não me nomear superintendente. Seria aprovada a lei, ele sancionaria, mas não se conservaria esse cavalheiro, porque ele está criando problema para todo mundo. Basicamente quem fez isso foi o pessoal da Paraíba, meu estado, e o pessoal do açúcar, de Pernambuco. Juscelino, com aquele risinho dele, concordou – para inglês ver. Quando a lei foi aprovada, ele me nomeou superintendente. Foi um choque ara muita gente e, ao mesmo tempo, um alívio muito grande. Eu imaginava que iria embora, já tinha deixado a SUDENE [...] (FURTADO, 1998, p. 67‐68). Porém, no meio da estrada idealizada por Celso Furtado, havia um incontornável caminho: o Golpe Militar de 1964, o qual minou as esperanças de um desenvolvimento equilibrado em termos socioespaciais e intrarregionais. O foco dos militares voltou‐se para a industrialização, beneficiando toda a faixa litorânea do Nordeste com uma melhor infraestrutura. Sob a égide dos militares, o foco do DNOCS volta‐se para os projetos de irrigação, que tinha por finalidade aproveitar o imenso potencial hídrico acumulado nos incontáveis açudes construídos ao longo dos anos. Um balanço apresentado pelo órgão no ano de 1980 afirmava e indicava bem a política adotada: 2.930 famílias beneficiadas e 32.703 hectares irrigados em 26 projetos, nos estados do Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará, Pernambuco e Bahia, com 257 açudes tendo a capacidade de acumular 11,734 bilhões de metros cúbicos de água (GUERRA, 1981). Através dessas intervenções, esperava‐ se superar a condição de atraso econômico, social e político vigente na região. Porém, a desejada melhora das condições dominantes no semiárido, ficou apenas na retórica dos militares (VILLA, 2000), como mostra a seca de 1969‐1970. Nesse período, tanto a SUDENE, quanto o DNOCS não foram eficazes no agir com a deficiência do flagelo. É sabido ainda que, na contramão de todo esse discurso oficial dos militares, estes órgãos permaneceram realizando obras em propriedades particulares, principalmente de quem detinha assento no Congresso Nacional. A partir de então, houve um enfraquecimento na SUDENE, na quantidade de recursos para a mitigação da seca e dos propósitos idealizados, levando a sua extinção no ano de 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso e, no seu lugar, foi criada a Agência de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE), com uma importância e atuação muito menor na região. A SUDENE foi reativada pelo governo Lula, sob a promessa de não ser um cabide de empregos, não ser paternalista nem apadrinhar pessoas ligadas ao poder. Apesar dessas promessas, a SUDENE ressuscitada ainda se encontra à espera de uma definição mais precisa das suas atribuições dentro do Nordeste semiárido. OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 159 TRAVASSOS, I. S.; de SOUZA, B. I.; da SILVA, A. B. Políticas públicas de combate a desertificação Além da seca, outro grande problema que o semiárido nordestino vem apresentando é a desertificação, termo difundido internacionalmente pelo francês Aubréville (1949) que passou a ter uma maior repercussão mundial a partir da segunda metade da década de 1970, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou, em Nairóbi/Quênia, no ano de 1977, uma conferência em que participaram mais de 100 países, entre eles o Brasil. Nessa conferência, buscou‐se a criação de uma agenda de enfrentamento e combate à desertificação, porém devido a falta de recursos, a idéia não teve continuidade. Apenas em 1992, por ocasião da Eco‐92 (Rio de Janeiro), com a elaboração da agenda 21, no seu capítulo 12, foi esboçada a criação de uma agenda mundial de combate a desertificação. Não obstante, apenas em 1994, esta foi elaborada, entrando em vigor em 1996 e sendo ratificada por mais de 100 países, tendo status de lei mundial. Tal como a criação de qualquer outra agenda em nível mundial, esta também foi coberta de dificuldades e atrasos devido a falta de consenso entre os países participantes. No Brasil, as políticas públicas de combate a desertificação foram implantada apenas em 2004, com a elaboração do Plano de Ação Nacional de Combate a Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN‐Brasil). A partir desse documento, o país definiu um conjunto de ações para o combate e enfrentamento dessa questão ambiental. As políticas de combate a desertificação propostas no PAN‐Brasil, estão divididas em quatro eixos temáticos: Redução da Pobreza e das Desigualdades; Ampliação Sustentável da Capacidade Produtiva; Preservação, Conservação e Manejo Sustentável dos Recursos Naturais; Gestão Democrática e Fortalecimento Institucional. As ações prioritárias do programa estão concentradas nas zonas de clima semiárido e subúmido seco da região Nordeste, nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Também está inserido o norte de Minas Gerais, por apresentar características climáticas e de uso do solo semelhantes às encontradas no restante da área considerada susceptível à desertificação. Mesmo com a concentração do programa nessas áreas, logo se adicionou outras partes do território localizado nas suas proximidades, sob a alegação de que essas áreas apresentam um quadro de degradação semelhante a área central de ação do programa. Segundo o PAN‐Brasil, tais áreas são denominadas de Áreas de Entorno das Áreas Semiáridas e das Áreas Sub‐Úmidas Secas, o que inclui o noroeste do Espírito OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 160 160 Secas, desertificação e políticas públicas no semiárido nordestino brasileiro Santo, oeste da Bahia e uma pequena faixa do seu litoral norte, além das fronteiras litorâneas de Sergipe e Alagoas, Maranhão e Piauí. Com a inclusão dessas novas áreas, temos assim uma área de 1.338.076 Km2, com uma população de 31.663.671 habitantes e 1.482 municípios (BRASIL, 2004). Figura 2. Áreas Susceptíveis a Desertificação no Brasil. Adaptado de Brasil (2004). Os critérios de inclusão dos municípios inseridos nas áreas susceptíveis a desertificação (tabela 02), se baseiam nas seguintes proposições: terem sido atingidos por secas; receberem assistência emergencial por parte da SUDENE; estarem contidos no Bioma Caatinga (SOUZA, 2008). OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 161 TRAVASSOS, I. S.; de SOUZA, B. I.; da SILVA, A. B. Tabela 2. Municípios das Áreas Susceptíveis a Desertificação no Brasil (ASD). Número de Municípios das Áreas Susceptíveis a Desertificação (ASD) ESTADO Áreas Áreas Sub‐ Áreas do Total das Semiáridas Úmidas Secas Entorno ASD Maranhão ‐ 01 26 25 Piauí 96 48 71 215 Ceará 105 41 38 184 Rio Grande do 143 12 03 158 Norte Paraíba 150 47 11 208 Pernambuco 90 39 06 135 Alagoas 33 12 07 53 Sergipe 06 28 14 48 Bahia 159 107 23 289 Minas Gerais 22 61 59 142 Espírito Santo ‐ ‐ 23 23 TOTAL 804 397 281 1.482 Fonte: Brasil (2004). Do mesmo modo que o semiárido sofreu diversas delimitações, nas áreas susceptíveis a desertificação isso também ocorreu, o que acabou contribuindo para a demora na elaboração/aplicação de projetos de combate ao processo. Essa delimitação já foi alvo de muitos interesses políticos, uma vez que o escopo do PAN‐Brasil sugeria a criação de um fundo governamental com recursos, os quais devem ser aplicados em obras e serviços de mitigação dos efeitos da desertificação. Entretanto, essa questão esbarrava no fato de que os gestores estaduais e municipais, deveriam agir conjuntamente na elaboração de um plano de combate e mitigação dos efeitos da desertificação. Nesse caso, devido a falta de vontade política, bem como de corpo técnico especializado, a esmagadora maioria dos municípios do semiárido nordestino não elaboraram os seus planos locais, enquanto em nível estadual, poucos governos elaboraram os seus documentos até o momento. Dessa forma, e por esses motivos, grande parte do pouco que tem sido feito para combater à desertificação no Brasil continua sob a égide do governo federal, ficando os governos estaduais em sua atuação dependendo quase exclusivamente do repasse dessas verbas e pressionando cada vez mais para que estas sejam OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 162 162 Secas, desertificação e políticas públicas no semiárido nordestino brasileiro maiores, em continuidade e quantidade, embora na prática isso não necessariamente significa que uma amenização dessa problemática ambiental. CONSIDERAÇÕES FINAIS As políticas de combate às secas desenvolvidas pelo Estado brasileiro, ainda não foram capazes de reproduzir os resultados esperados desde a sua implantação. Acreditamos que algumas das principais causas para isso, sejam os conflitos de interesses e as formas de enxergar o fenômeno das secas no semiárido nordestino. Sobretudo, o conjunto de relações sociais estabelecidas durante séculos, onde tem dominado o baixo dinamismo econômico e social, devido a presença de um modelo político anacrônico e excludente com forte relevância de conchavos políticos como forma de perpetuação do/no poder das oligarquias locais. O quadro anteriormente descrito, a despeito de vir sofrendo algumas modificações, ainda continua dominante. Já nas políticas de combate a desertificação, também enxergamos alguns avanços, mesmo com algumas ressalvas. Porém, a demora por parte do governo federal em implantar as ações teoricamente previstas, bem como as disputas políticas para a inclusão de municípios que, segundo o escopo da convenção, estariam fora, vem dificultando a implantação e o avanço da política nacional de combate à desertificação. Merece destaque o fato do PAN‐Brasil entender que o combate à desertificação no semiárido passa por um desenvolvimento homogêneo, econômico e ambiental para toda a região, bem como a sua conexão com as políticas de combate à seca. Para além da ligação física e ambiental entre as secas e a desertificação, os desdobramentos que as duas questões tiveram e vem tendo no semiárido brasileiro demonstram que, a questão do poder e da política nessa parte do espaço nacional que defendemos como Território das Secas, estão intrinsecamente ligadas. A utilização do termo Território das Secas em substituição a Polígono das Secas extrapola uma mera denominação. Implica, na verdade, em revelar o não‐ revelado, descortinando o que realmente se processou e ainda continua se processando nessa região, fato esse que julgamos de fundamental importância à medida que, torna mais esclarecedora a verdade que se esconde sobre a construção da seca enquanto causadora principal dos problemas que afetam o semiárido, agora associada a problemática da desertificação. OKARA: Geografia em debate, v.7, n.1, p. 147-164, 2013 163 TRAVASSOS, I. S.; de SOUZA, B. I.; da SILVA, A. B. Esperamos apenas que, diferentemente do que a história tem registrado, os acontecimentos futuros sejam reveladores de interesses reais, na busca de assim resolver esses problemas e os seus desdobramentos, sendo as políticas públicas e outras ações governamentais capazes de trazer para essa região um novo patamar de desenvolvimento social e econômico e uma relação menos degradadora com o ambiente. REFERÊNCIAS ALVES, J. Secas dos séculos XVII e XVIII. Revista Conviver Semi‐Árido. 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