Revista Desigualdade & Diversidade
MADURO, CHAVISMO E BOLIVARIANISMO:
CONTINUIDADE OU RUPTURA?
MADURO, CHAVISM, AND BOLIVARIANISM: CONTINUITY OR RUPTURE?
André Coelho
Professor da Escola de Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Doutor em Ciência Política pelo Instituto de
Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ). Coordenador do Grupo de pesquisa em Relações Internacionais
e Sul Global (GRISUL/UNIRIO).
Beatriz Rosa
Mestranda e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no Programa de Pós-Graduação em Economia Política
Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bacharela em Ciência Política pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
10.17771/ PUCRio.DDCI S.56317
(UNIRIO).
Edson Mendes
Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutorando em Ciência Política pela Universidade
Federal Fluminense (UFF). Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
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MADURO, CHAVISMO E BOLIVARIANISMO
RESUMO
O governo de Hugo Chávez representou mudanças intensas na política venezuelana, antes aprisionada no acordo de elites
consolidado desde o Pacto de Punto Fijo, de 1958. Sua morte e o início do governo de Nicolás Maduro instigaram os mais
variados debates sobre a continuidade ou não da Revolução Bolivariana e do próprio regime diante de uma série de mudanças
nas conjunturas doméstica e internacional. Desse modo, o presente artigo tem como objetivo refletir sobre as continuidades
e rupturas do bolivarianismo na presidência de Nicolás Maduro. Para tal, discute-se as diferenças entre o chavismo e o
bolivarianismo, buscando refletir sobre a atuação contemporânea de Maduro em relação ao legado deixado por seu
antecessor, inscrito em um contexto mais isolado internacionalmente e com uma oposição fortalecida que atua, muitas vezes,
para além da via institucional a fim de retirá-lo da presidência.
Palavras-chave: chavismo; Nicolás Maduro; Venezuela, bolivarianismo; petróleo.
ABSTRACT
Hugo Chávez's government represented intense changes in Venezuelan politics, previously armored among political forces
in a consolidated agreement since the Punto Fijo Pact of 1958. His death and the beginning of Nicolás Maduro's government
raised debates about the continuity of the Bolivarian Revolution and the regime itself in the face of the new domestic and
international situation. The article aims to raise a discussion about the continuity and ruptures of Bolivarianism after the
succession of Chávez's political heir. Thus we recover a reflection on the differences between chavismo and Bolivarianism,
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aiming at reflecting on Maduro's performance in the legacy left by his predecessor, in a more isolated context internationally
and with a strengthened opposition - often acting from outside the institutional path to remove him from the presidency.
Keywords: chavismo; Nicolás Maduro; Venezuela, bolivarianism; oil.
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MADURO, CHAVISMO E BOLIVARIANISMO
Introdução
A redemocratização na América Latina, iniciada na virada da década de 1970 para 1980, foi
acompanhada anos mais tarde pela implementação das reformas neoliberais na região. Contudo, ao
longo dos anos 1990, sucederam diversas crises políticas e econômicas, desencadeando uma grande
quantidade de mobilizações sociais em resposta ao avanço das políticas neoliberais. Finalmente, como
resultado das lutas sociais da década anterior, a virada para os anos 2000 representou a ascensão de
governos de orientação de esquerda e centro-esquerda, que conseguiram potencializar seus valores
democráticos e chegar ao poder pela via eleitoral. Na Venezuela, Hugo Chávez chegou à presidência
em 1998. Sua vitória representou um divisor do cenário político venezuelano e decretou o fim dos
quarenta anos do regime bipartidário de Punto Fijo. O mandatário, ao assumir o país após um período
de recessão econômica, declínio da participação popular e crise de representatividade, se propôs a
reconstituir instituições políticas e a refundar a república (COELHO, 2013; SILVA, 2014).
Por ser um país rico em matérias-primas e detentor de uma das maiores reservas de
hidrocarbonetos do mudo, com a elevação no preço internacional das commodities (2003-2008), o
regime chavista subsidiou diversos programas sociais e, ainda, promoveu uma agenda externa voltada
para a projeção internacional do governo e para a integração energética regional e extrarregional.
Contudo, no mesmo período do falecimento do então presidente e líder da Revolução Bolivariana, em
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2013, o país enfrentou uma significativa mudança no cenário político, econômico e social, com a queda
na produção do petróleo e no preço internacional das commodities. A redução de recursos provenientes
da extração do hidrocarboneto aconteceu paralelamente ao aumento da dependência nacional da
exportação desse insumo, que se intensificou após a sucessão de Nicolás Maduro. Tais mudanças
acabaram por inviabilizar o avanço das transformações sociais de outrora e reduziram o espaço de
manobra internacional do novo presidente.
Assim, o objetivo deste artigo é refletir sobre as continuidades e rupturas que Nicolás Maduro
representa em relação à Revolução Bolivariana conduzida inicialmente por Hugo Chávez. Para tanto,
deve-se compreender que a abordagem sobre as dificuldades políticas venezuelanas deve levar em
consideração a história política do país e as mudanças no contexto doméstico e internacional que
ocorreram nos últimos anos.
Chavismo como superação do puntofijismo
A IV República Venezuelana, iniciada na década de 1950, é marcada pelo chamado Pacto de Punto
Fijo. Com isso, o governo passou a ser compartilhado, principalmente, entre duas forças políticas, o
partido social-democrata Acción Democrática (AD) e o partido centrista Comité de Organización
Política Electoral Independiente (COPEI), contando também com a assinatura da Unión Republicana
Democrática (URD), que não disputava efetivamente o poder. O acordo tinha como objetivo
estabelecer um sistema que assegurasse, para os atores envolvidos, a estabilidade política após um
período de inúmeros conflitos envolvendo, por exemplo, tentativas de golpes de estado, guerrilhas de
esquerda e um governo militar (MYERS, 2004).
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Segundo Mayra Goulart (2013), o puntofijismo tem como uma de suas principais características o
anticomunismo, representando uma marca da Guerra Fria – visto que a orientação ideológica dos partidos
signatários alinhava-se, em geral, aos Estados Unidos. Como relata Leonardo Valente (2013), Richard
Nixon, vice-presidente norte-americano na época, visitou o país e afirmou que a Venezuela representaria
a disseminação dos valores estadunidenses e afastaria o comunismo. Assim, as elites dessas duas frentes
(AD e COPEI) estavam blindadas na disputa político-eleitoral, enquanto forças políticas de esquerda, como
o Partido Comunista Venezuelano, foram impedidas de participar das eleições.
Dentre os temas presentes no pacto, estavam: o respeito a instituições liberais e às regras do
sistema representativo, com destaque para a alternância de poder; o afastamento de militares – que,
em grande parte, tinham pouca afinidade com os princípios liberais – da vida política; e o
estabelecimento de um programa mínimo comum que permitisse uma ampla coalizão do governo,
independentemente de qual partido signatário fosse vencedor, dificultando a possibilidade de
ascensão de forças opositoras (GOULART, 2013).
Apesar de realizado mirando maior estabilidade política, o período em que o puntofijismo
vigorou foi marcado por diversos conflitos e tentativas de derrubar governos classificados como
oligárquicos. Dessas tentativas, destacam-se duas. A primeira, ocorrida em 1989, durante o segundo
governo de Carlos Andrés Pérez, foi uma revolta popular que ficou amplamente conhecida como
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Caracazo e resultou em um enorme número de vítimas, cujo total é desconhecido até hoje. Resultado
de um contexto de diversas revoltas e reivindicações que vinham acontecendo anteriormente, o
Caracazo teve como estopim o aumento nas tarifas de transportes, parte dos ajustes econômicos
neoliberais implementados pelo governo Pérez (GOULART, 2013; LÓPEZ MAYA, 2003).
O segundo momento que revela a dificuldade de manter a blindagem proporcionada pelo pacto
foi a tentativa de golpe em 1992, novamente contra a administração de Pérez, protagonizada, em
especial, pelo tenente-coronel Hugo Rafael Chávez Frias. Para Gilberto Maringoni (2009), esse
episódio foi responsável por apresentar nacionalmente Chávez – e o Movimento Bolivariano
Revolucionário-200 (MBR-200),1 do qual participava – como uma força política para além do
puntofijismo, ganhando uma popularidade cada vez maior desde então.
Em 1997, o MBR-200 resolveu tornar-se, para além de uma organização política, um movimento
com estrutura eleitoral. Mudando seu nome para Movimento V República,2 foi o partido político com
o qual Hugo Chávez disputou as eleições de 1998 e venceu (LÓPEZ MAYA, 2005). Sua vitória significou
a ruptura com o puntofijismo e a ascensão de novos paradigmas para a política venezuelana.
Assim, enquanto o primeiro momento, o Caracazo, significou o ápice das manifestações
contrárias ao sistema político estabelecido desde 1958 e ao receituário de reformas neoliberais que
1
O Movimento Bolivariano Revolucionário-200 iniciou-se como organização política durante o segundo governo do ex-presidente Rafael
Caldera, atuando assim entre 1992 e 1997, com alto número de militares e com princípios inspirados em Simón Bolívar. O próprio número 200
em seu nome fazia referência ao bicentenário do nascimento de Bolívar, comemorado em 1983 (LÓPEZ MAYA, 2005).
2
A ideia de uma V República, que superasse a IV República do puntofijismo, já era uma reivindicação do antigo MBR-200. Para seus membros e
militantes, o sistema político “oligárquico e partidocrático” vigente deveria ser substituído por uma democracia “participativa e protagônica”
(LÓPEZ MAYA, 2005).
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começava a ser implementado no país, o segundo evento deu visibilidade a um movimento e a um ator
político em especial que foi capaz de capitalizar, nas eleições de 1998, a vontade popular por mudanças
e a eleição de Chávez para a presidência.
As transformações políticas e sociais representadas por Chávez materializaram-se já em 1999,
com a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Feita não pela via legislativa, mas por
meio de um referendo popular, a votação resultou em uma importante vitória para o novo governo:
mais de 80% dos votos foram favoráveis a uma nova Constituição (GOULART, 2013).
A Constituição elaborada pela Assembleia Nacional Constituinte, em 1999, instituiu o projeto da
“democracia participativa e protagônica’’, e renomeou o país para República Bolivariana de
Venezuela. A Carta estabeleceu, ainda, que o Estado venezuelano fundamenta seus princípios morais
em valores como liberdade, igualdade, justiça e paz internacional com base na doutrina de Simón
Bolívar – apresentando-o como El Libertador (REPÚBLICA ..., 1999).
Recuperar a imagem de Bolívar significou uma releitura de um herói nacional – cuja imagem
também era utilizada por governos anteriores – visando a um projeto de emancipação social antiimperialista e promotor da integração regional, ainda que não tenha sido uma novidade exclusiva do
MBR-200. Bolívar foi um herói nacional relembrado até mesmo durante o puntofijismo, embora
estabelecido à época na forma conservadora de culto à sua imagem, baseada na admiração e exaltação
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da sua representação nacional (SEABRA, 2012).
A iniciativa de reexaminar e atualizar a história de Bolívar realizada por Chávez e seus
apoiadores ressignificou seu personagem, concedendo ao principal libertador da América um
conteúdo revolucionário que atualizava seus pensamentos e suas lutas. Para Fabrício Pereira da Silva
(2018), a tentativa de ressignificar Bolívar pelo chamado “bolivarianismo” constituiu um movimento
comum às esquerdas de periferia, que se apropriaram de conceitos e ideias do centro para nacionalizálos de acordo com sua realidade. Surgia, assim, a criação da identidade chavista, embasada em uma
atualização à esquerda de Bolívar, em que se fundariam novos paradigmas para o funcionamento
político e social da Venezuela.
Faz-se necessário, todavia, compreender as proximidades e diferenças entre o bolivarianismo e
o que passou a ser chamado de chavismo. O primeiro adquire um significado mais amplo nesse novo
contexto, inscrito em um projeto recente de libertação e transformação social. Já o segundo, para
muitos, poderia ser qualificado até mesmo como populista, por representar uma centralidade na
figura de Hugo Chávez. Mesclando ambos os argumentos anteriormente citados, Raphael Seabra
(2012) afirma que o chavismo se origina graças a centralidade que Chávez conquistou no processo de
transformação social e, dessa maneira, seria possível compreender os motivos pelo qual chavismo e
bolivarianismo confundem-se e se chocam – especialmente em discussões intrapartidárias.
De todo modo, o governo de Chávez “teve duas arenas onde o projeto revolucionário se mostrou
mais claramente e que se tornaram as bandeiras do bolivarianismo: as políticas sociais e a exportação
da Revolução Bolivariana pela via da política externa” (WEBER, 2020, p. 180). Em relação à primeira
arena, constata-se que durante os primeiros dez anos do regime chavista, “as contribuições
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financeiras da PDVSA para programas sociais aumentaram de US$ 34 milhões para US$ 39,6 bilhões
de dólares – um aumento astronômico de 1.165 por cento”,3 direcionados principalmente às áreas de
educação, saúde, alimentação, infraestrutura e agricultura, como modo de quitar a “dívida social”
deixada pela forte recessão econômica dos anos 1980 e 1990 (TO; ACUÑA, 2019, p. 7).
Ainda, visando reconstituir as instituições políticas do país após o fim do regime bipartidário,
Chávez propôs uma série de mudanças que ampliaram a participação da população nos processos
políticos e promoveram a organização social pelas quais o povo venezuelano conseguiria adquirir
protagonismo no exercício do poder (SEABRA, 2012). Por meio de um estudo sobre políticas e medidas
comuns nas constituições da Venezuela, da Bolívia e do Equador, Fidel Pérez Flores, André Luiz Coelho
e Clayton Cunha Filho (2009) apontam para novos mecanismos de democracia participativa previstos
nas cartas constitucionais dos referidos países andinos. Todas realizadas na ascensão de governos da
esquerda progressista – nos mandatos de Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, respectivamente
– buscavam, entre outros objetivos, superar os efeitos das seguidas “crises de representação política”
vivenciadas naqueles países e refundar as bases institucionais de cada Estado. A Tabela 1 mostra alguns
dos mecanismos de participação presentes na Constituição Venezuelana de 1999.
Tabela 1. Mecanismos de participação na Constituição Venezuelana de 1999.
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Mecanismos de participação
Constituição Venezuelana de 1999
Revogação/ratificação de leis
Iniciativa de lei
Cidadãos podem convocar referendo para revogar leis e decretos presidenciais (arts. 73 e 74).
Qualquer modificação constitucional precisa de referendo (arts. 341 e 344).
Cidadãos podem propor legislação, modificações constitucionais e convocar uma assembleia constituinte
(arts. 204, 341, 342 e 348).
Mecanismos de cogestão
Mecanismos
populares
de
controle e prestação de contas
Organizações comunitárias participam na execução, no controle e no planejamento de obras,
programas sociais e fornecimento de serviços públicos (arts. 70 e 184).
Trabalhadores participam da gestão de empresas públicas (art. 184).
Lei de 2006 sobre Conselhos Comunais regulamenta mecanismos de participação comunitária.
Exercido por mediação do Poder Cidadão (Ministério Público, Defensoria do Povo e Controladoria
Geral da República) (arts. 273 a 291).
Sociedade organizada propõe candidatos para dirigir o Poder Cidadão; Assembleia Nacional
nomeia (art. 279).
Membros do poder cidadão são designados por consulta popular apenas em ausência de maioria
suficiente na Assembleia Nacional (art. 279).
Fonte: Adaptado de Flores, Coelho e Cunha Filho (2009).
3
“PDVSA’s financial contributions to social programs increased from US$34 million to US$ 39.6 billion—an astronomical increase of 1,165
percent.”
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O “chavismo” foi responsável por implementar iniciativas como os conselhos comunais e as
comunas venezuelanas, iniciadas em suas administrações e que garantiram um maior poder decisório
e participativo – incluindo experiências de autogestão – em boa parte do território venezuelano. As
populações dos barrios,4 por meio dessas ferramentas, conseguiram definir prioridades e objetivos
para o espaço onde moram, como a construção de escolas ou melhorias em saneamento básico,
auxiliando na formulação de políticas públicas (RODRIGUES, 2012; SCHEIDT, 2017).
Este seria o motivo pelo qual, para Seabra (2012), a “insígnia populista” do chavismo não abarca
a totalidade do complexo de transformações históricas e políticas que o país atravessou, ampliando –
ainda que por meio da figura de Chávez e do Partido Socialista Unido da Venezuela – a força de setores
políticos e movimentos de classes subalternas.
Em outros momentos, Chávez também utilizou o voto da população como ferramenta
participativa para tomadas de decisão, como em um referendo de 2000, que permitiu a renovação de
lideranças sindicais, e no referendo revogatório de 2004. No entanto, ao mesmo tempo que
ferramentas de democracia direta avançavam, a abstenção da população nesses processos aumentou
(GOULART, 2013; LISSIDINI, 2008). Assim, Alicia Lissidini (2008) entende que a ideia de democracia
direta – ou semidireta – na Venezuela apresenta ambiguidades por ter seus mecanismos
implementados em favorecimento do maior poder ao Executivo em relação ao Legislativo; por
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oferecer mais plebiscitos relacionados à figura de Chávez do que a outros temas; por permitir que os
cidadãos decidam sobre a continuidade de Chávez no poder, ainda que a oposição não tenha aceitado
seus resultados; e, finalmente, por apresentar denúncias de irregularidades e falta de transparência.
Ainda que o poder das elites partidárias tenha se reduzido com as vitórias do governo nos
processos decisórios e o aumento da popularidade de Chávez com o passar dos anos, elas ainda tinham
certo poder para modificar os rumos da política venezuelana, como demonstra a tentativa
eminentemente extra institucional de retirá-lo do poder em 2002 (GOULART, 2013; MARINGONI,
2009). Os eventos que sucederam à referida tentativa de golpe foram precedidos por diversas ações
dos críticos do chavismo, ligados à antiga elite política do país, que buscaram ampliar o debate e
intensificar as críticas contra o governo, que respondeu fortalecendo seu discurso contra líderes e
entidades contrárias ao projeto bolivariano. A imprensa venezuelana ajudou a elevar a temperatura
política e estimular a polarização, como afirma Maringoni (2009, p. 123), iniciando “uma verdadeira
campanha” contra Hugo Chávez.
Em resposta, o presidente também elevou o tom e iniciou um “processo de depuração” das Forças
Armadas, de modo que “não apenas foram tomadas medidas contra os setores militares que apoiaram
o golpe, como também se buscou submeter a corporação a uma politização permanente, inserindo
controle interno e uma nova doutrina militar, explicitamente comprometida com o bolivarianismo”
(WEBER, 2020, p. 178).
4
Na Venezuela, barrios se referem a locais de periferia, geralmente com população pobre, equivalente às favelas brasileiras (RODRIGUES, 2012).
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Além disso, Chávez modificou o regulamento da empresa estatal petrolífera, concedendo maior
controle do Executivo sobre ela. No dia 7 de abril de 2002, no programa semanal da televisão estatal
Alô, Presidente, Chávez anunciou – de maneira bastante performática – a exoneração de sete gerentes,
e posteriormente, a demissão em massa de cerca de 17 mil empregados da empresa Petróleos de
Venezuela (PDVSA), comutados por funcionários considerados leais ao regime (DELGADO, 2017;
LÓPEZ MAYA, 2002; MARINGONI, 2009). Sendo resultado de um longo processo de disputa com
dirigentes da empresa, o próprio presidente reconheceu, mais à frente, que sua atitude foi exagerada,
inserindo-se em um contexto de fortalecimento da polarização e da disputa política que já não
conseguia ser canalizada pelas vias institucionais (HARNECKER, 2005).
De todo modo, o regime conseguiu atravessar os meses seguintes de instabilidade políticainstitucional, enfrentando a desorganização produtiva gerada pelo boicote petroleiro e pelas
demissões em massa, que limitaram significativamente a capacidade da indústria venezuelana de
petróleo. Ademais, o governo consentiu a realização de um referendo revogatório, convocado pela
oposição ao chavismo – previsto pelos instrumentos de democracia participativa da nova Constituição
–, para decidir se Hugo Chávez permaneceria na presidência da Venezuela. O referendo, no entanto,
deu vitória ao chavismo e fortaleceu o presidente, aprofundando inclusive sua legitimidade
(GOULART, 2013; MARINGONI, 2009; WEBER, 2020).
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Esse momento tem forte significado no que diz respeito ao fortalecimento de alianças regionais
para a administração chavista. O Brasil desempenhou um importante papel na mediação da crise,
coordenando negociações entre a ala governista e opositora ao longo de 2003, “por meio do Grupo de
Países Amigos da Venezuela, liderado pelo presidente brasileiro à época, Luiz Inácio Lula da Silva”
(WEBER, 2020, p. 178), possibilitando a realização do já citado referendo revogatório.
Graças à ratificação da legitimidade de Chávez nas urnas e o consequente auge da popularidade
experimentada pelo presidente pós-2004, houve uma fase de maior estabilidade política no cenário
doméstico. Nesse momento, Chávez não só instaura o “socialismo do século XXI”, como promove uma
agenda externa alicerçada na integração regional e no anti-imperialismo, baseada na integração
energética com parceiros não tradicionais do eixo Sul-Sul (BARROS; PINTO, 2012; WEBER, 2020).
Ademais, levando em consideração que a Venezuela estruturou historicamente sua economia
totalmente dependente da produção e exportação de petróleo, é possível observar como o boom dos
preços das commodities a partir de 2004 foi fundamental para a manutenção das principais arenas do
projeto revolucionário no governo Chávez, permitindo-o pôr em prática as diretrizes previamente
estabelecidas no Plan Nacional de Desarrollo Económico y Social (2001-2007).
Nesse período, o governo criou o Fundo de Desenvolvimento Nacional (Fonden), impulsionando
o financiamento dos programas sociais que amparavam grande parte das classes menos abastadas,
com base no repasse da renda da exportação de hidrocarbonetos. Outrossim, o ciclo de alta de preços
também subsidiou a exportação da Revolução Bolivariana por via de uma agenda internacional
fundamentada na construção de alianças estratégicas com seus vizinhos latino-americanos e demais
parceiros extrarregionais, utilizando o petróleo como moeda de troca, ao mesmo tempo que
assegurava a exportação da sua principal fonte de renda (VALENTE, 2014; WEBER, 2020).
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Ressalta-se que desde a tentativa frustrada de deposição do mandatário, em 2002, e os
decorrentes indícios da participação dos Estados Unidos do lado da oposição a Chávez, as relações
diplomáticas com a Casa Branca passaram pelo seu período de maior turbulência registrado ao longo
de toda a administração de Hugo Chávez (1999-2013). Nesse momento, a despeito da manutenção da
parceria econômico-comercial com os Estados Unidos e da radicalização da política externa
venezuelana, principalmente por meio da retórica presidencial, percebe-se também o aumento
gradual da participação chinesa nas exportações venezuelanas, e os subsequentes investimentos
realizados por esse país nas áreas de infraestrutura, mineração e energia – que acabaram se
constituindo como um dos elementos-chave da política externa venezuelana a partir desse momento,
fortalecendo os ideais e a execução da Revolução Bolivariana. Além do estreitamento das relações
bilaterais e da ampliação do acesso das empresas chinesas às reservas de petróleo, o país também foi
um importante aliado do governo, mantendo relações de apoio ao regime chavista (SILVA, 2019;
VALENTE, 2014).
Em 2006, Chávez foi reeleito presidente com 62,9% dos votos após derrotar o candidato da
oposição, Manuel Rosales. Logo após sua posse, o mandatário anunciou a criação do Partido Socialista
Unido da Venezuela (PSUV), em substituição ao Movimento V República, reunindo todos os membros
de sua coalizão de governo. Ainda, divulgou o lançamento do Proyecto Nacional Simón Bolívar:
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Primer Plan Socialista (2007-13), que “previa a socialização gradual dos meios de produção,
combinada com participação popular” (WEBER, 2017, p. 8).
Desfrutando ainda a bonança do petróleo, que viabilizou um conjunto de mudanças introduzidas
pelo governo, em 2008, Chávez convocou novamente um referendo para a aprovação de uma emenda
na Constituição que propunha a eliminação das barreiras para que o presidente e demais ocupantes
de cargos públicos na Venezuela se apresentassem como candidatos à reeleição. O “sim” à reeleição foi
vitorioso com 54,86% dos votos, permitindo ao presidente se candidatar para um terceiro mandato
consecutivo nas eleições de 2012 (COELHO, 2013).
Chavismo pós-Chávez
A morte de Hugo Chávez, uma figura que, como se sabe, divide opiniões e, além disso, expressa
forte apelo emocional para alguns setores da população, teve grande impacto para o projeto político
chavista e para o futuro da Venezuela como um todo. Seu sucessor, Nicolás Maduro, ex-maquinista,
membro do Movimiento V República, ex-presidente da Assembleia Nacional Venezuelana, entre 2005
e 2006, e Ministro das Relações Exteriores, entre 2006 e 2013, tomou para si a missão de continuar o
legado chavista na Venezuela. Nas próximas páginas serão demonstradas as semelhanças e diferenças
entre madurismo e chavismo.
O novo presidente venezuelano venceu as eleições no mesmo ano da morte de Chávez, em 2013.
O processo eleitoral, no entanto, foi controverso e teve um resultado apertado e bastante questionado.
Henrique Capriles, principal adversário, membro do partido Primero Justicia (PJ), ficou com 49,12%
dos votos. Já Nicolás Maduro, apresentado como sucessor do líder chavista, foi apoiado por 50,61% dos
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eleitores (ELLNER, 2013). O resultado do processo eleitoral expressou a perpetuação do legado
chavista em um país cada vez mais dividido, em que, apesar da vitória do chavismo, grupos opositores
acabaram ganhando mais força e legitimidade.
Ao mesmo tempo, percebe-se que a vitória de Maduro está inscrita no contexto da época. Naquele
momento, havia uma continuidade e uma reprodução da chamada Maré Rosa na região, com os
triunfos de Michelle Bachelet no Chile, em 2013; e Dilma Rousseff no Brasil e Tabaré Vázquez no
Uruguai, ambos em 2014. Essas vitórias eleitorais demonstraram que as oposições aos chamados
governos progressistas latino-americanos ainda não apresentavam força suficiente para derrotar a
esquerda nas urnas (COELHO; VALENTE, 2018).
Uma das figuras centrais e mais polêmicas da Maré Rosa, o legado de Chávez foi de fato
polarizador e capaz de gerar amor e ódio na Venezuela e em outros países da região. Dessa maneira,
segundo Julia Bastos e Marcelo Obregón (2018), apresentar-se como continuidade do chavismo e,
especialmente, aproximar-se da figura de Chávez, trouxe benefícios e problemas a Nicolás Maduro.
Por um lado, garantiu ampla densidade eleitoral devido ao apelo popular que Hugo Chávez
representava para setores da população venezuelana. Ademais, a base chavista – formada em grande
parte por pessoas de menor renda – também se tornou defensora do bolivarianismo nas ruas, atuando
para proteger os projetos de Maduro e sua permanência na presidência.
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Por outro lado, ainda que Maduro tenha construído sua imagem à sombra de Hugo Chávez, a
ausência de um poder carismático e o distanciamento de um tom conciliatório colocaram em pauta a
viabilidade da existência do “chavismo sem Chávez”. Ao mesmo tempo que a oposição conseguiu
reunir grandes marchas – incitando denúncias de fraude nas eleições de Maduro –, o mandatário
também radicalizou seu discurso. Na esfera internacional, países com governos progressistas
continuaram apoiando o governo venezuelano, enquanto os mais inclinados a políticas neoliberais
evitaram manifestar qualquer forma de apoio (BASTOS; OBREGÓN, 2018).
Ainda no ambiente internacional, conforme apontam os cientistas políticos Victor Mijares e
Carlos Romero (2016), Maduro não só dá continuidade como aprofunda um dos processos mais
notórios do chavismo: a politização da agenda da política externa venezuelana. Esse movimento não
pode ser compreendido apenas como um desejo unilateral do presidente, mas deve ser relacionado ao
novo contexto internacional enfrentado por Maduro: se antes Chávez buscava ampliar a presença e a
influência da Venezuela no plano externo, Maduro precisou reagir aos ataques e às pressões de outras
nações com relação a suas decisões políticas e seus conflitos internos (MIJARES, 2015).
Uma das razões da mudança do cenário internacional foi a queda do valor do barril de petróleo,
ocorrida a partir de 2014. Essa nova realidade colocou os países exportadores de hidrocarbonetos em
uma situação extremamente vulnerável. No caso venezuelano, associada à queda na produção da
PDVSA, o regime deparou com déficit na balança de pagamentos e dificuldade em manter altos índices
de exportação, resultando na escassez de medicamentos, alimentos e bens de necessidade básica
(LÓPEZ MAYA, 2016). Esse colapso na economia venezuelana intensificou ainda mais a dificuldade,
para Nicolás Maduro, em liderar uma política externa isolacionista e conflituosa (MIJARES;
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MADURO, CHAVISMO E BOLIVARIANISMO
ROMERO, 2016). Ou seja, a instabilidade política interna da Venezuela, manifestada pelas disputas
nas ruas e intensificada por crises econômicas, também foi percebida nos rumos da política externa.
Um exemplo da perda de popularidade de Nicolás Maduro – que carrega como bônus e ônus a
eterna comparação com seu antecessor, tanto no âmbito doméstico como, principalmente, no
internacional – está presente na análise de Margarita López Maya (2016, p. 169, tradução nossa):
A continuidade de um mercado petroleiro instável e deprimido, um presidente agora
sem carisma e politicamente fraco e uma orientação governamental errática,
polarizada e sem qualquer reconhecimento do crescente descontentamento da
população, marcam a gestão de Maduro. Nos últimos dois anos, a esse desempenho
governamental, se agregou a baixa dos preços do barril de petróleo no mercado
mundial, contribuindo para que o chavismo venha perdendo importantes respaldos
políticos expressados no enfraquecimento de seu apoio eleitoral, na diminuição da
popularidade do presidente e na aparição de dissidências políticas internas.5
A dependência da economia venezuelana em relação à exportação de petróleo nunca foi superada.
Muito pelo contrário. O país, inclusive, é chamado por alguns de nação petroleira (BASTOS;
OBREGÓN, 2018). Assim, o fortalecimento de políticas sociais e o avanço do projeto bolivariano se
enfraqueceu diante da instabilidade do preço do barril de petróleo. Por outro lado, nações estrangeiras
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– interessadas na matéria-prima –utilizaram mecanismos internacionais para pressionar a política
doméstica do país de acordo com seus interesses. A Tabela 2 mostra um panorama da instabilidade no
preço do petróleo ao longo dos anos.
Todavia, mantendo uma base popular fiel – ainda que minoritária –, Maduro conseguiu disputar
as urnas, bem como compreendeu a necessidade de garantir o domínio majoritário dentro do próprio
partido. Dessa maneira, buscou manter seu mandato com o apoio de outras figuras importantes do
chavismo, como o ex-vice-presidente do partido, Diosdado Cabello; o ministro de relações exteriores,
Elías Jaua; e o vice-presidente, Tareck el-Assaim (ELLNER, 2013). Em grande parte, a permanência de
Maduro no poder pode ser atribuída à politização herdada dos governos de Hugo Chávez, que ampliou
a participação e as discussões com a população, levando a grande parte da população menos abastada
uma consciência política acerca das conquistas proporcionadas durante o governo chavista em
comparação com o antigo regime do puntofijismo (HARNECKER, 2007).
Ainda, faz-se necessário analisar a participação dos Estados Unidos e da China no setor petrolífero
venezuelano, diante do contexto de dependência político-econômica desse insumo associada à alta
volatilidade do preço das commodities. A despeito das tensões políticas, os Estados Unidos ainda
ocupavam lugar de destaque nas exportações de óleo pesado, inserindo a Venezuela em uma posição de
vulnerabilidade comercial. Por essa razão, o crescimento vertiginoso das relações comerciais entre
5
“La continuación del mercado petrolero inestable y deprimido, un presidente ahora sin carisma y políticamente débil, y una orientación
gubernamental errática, polarizada y sorda a cualquier reconocimiento del creciente descontento de la población, han marcado la gestión de
Maduro. En los últimos dos años, a este desempeño gubernamental se agregó la baja sostenida de los precios del barril petrolero en el mercado
mundial, contribuyendo a que el chavismo venga perdiendo importantes respaldos políticos expresados en el debilitamiento de su caudal
electoral, la disminución de la popularidad del Presidente y en la aparición de disidencias políticas internas.”
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MADURO, CHAVISMO E BOLIVARIANISMO
China e Venezuela, firmadas após a ascensão de Hugo Chávez ao poder, tornou-se fundamental para a
legitimação internacional e sobrevivência do regime madurista (SILVA, 2019; TO; ACUÑA, 2019).
Tabela 2. Preço médio do barril de petróleo venezuelano entre 2010 e 2015.
Ano
Preço por barril ($)
2010
71,73
2011
101,00
2012
103,44
2013
99,79
2014
88,54
2015
49,70
Fonte: López Maya (2016, p. 177).
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Sobretudo a partir de 2015, quando Maduro e o chavismo sofreram sua primeira derrota eleitoral
em 17 anos, as eleições legislativas da Venezuela deram maior espaço – por volta de dois terços – no
parlamento para a coalizão de partidos políticos da oposição chamada Mesa da Unidade Democrática
(MUD). Até mesmo os três deputados eleitos obrigatoriamente por povos originários – conquista da
democracia participativa chavista – foram eleitos pela oposição (LÓPEZ MAYA, 2016).
Essa situação expressa o desgaste da Revolução Bolivariana diante das dificuldades econômicas,
sociais e políticas da Venezuela daquele momento. Ainda assim, o presidente conseguiu se manter no
poder com o apoio, em grande parte, da base eleitoral chavista, das Forças Armadas e de países que
ainda reconhecem internacionalmente a legitimidade democrática do seu regime.
Contudo, conforme analisa o sociólogo venezuelano Edgardo Lander (2017), Maduro, após a
vitória da oposição nas eleições parlamentares de 2015, iniciou uma série de medidas para sustentarse no poder. Dentre elas estavam, por exemplo, o adiamento das eleições para governadores em 2016;
a nomeação inconstitucional – segundo ele – de membros do Tribunal Supremo de Justicia e do
Consejo Nacional Electoral; e a declaração de que a Assembleia Nacional, de maioria opositora, estava
em desacato – pois, segundo o referido tribunal, três deputados do estado do Amazonas tiveram suas
candidaturas impugnadas por fraude e, mesmo assim, foram incorporados pela assembleia de maioria
opositora. O resultado de todos esses movimentos, da oposição e de Maduro, foi o aumento da
polarização no país. Em outras palavras, ao mesmo tempo que a oposição tomou o caminho da
radicalização e se apropriou novamente do histórico violento dos protestos nas ruas para retirar da
presidência Nicolás Maduro, o governo também reagiu com medidas polêmicas e vistas pelas forças
opositoras como centralizadoras e autoritárias.
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Em maio de 2017, percebendo o aumento de seu desgaste político e da tensão entre forças governistas
e opositoras, Nicolás Maduro decidiu apostar alto para resguardar sua sobrevivência política, e convocou
eleições para uma nova Constituinte. Após a realização do pleito, a correlação de forças havia se alterado
favoravelmente para Maduro, que utilizou a Constituinte para diminuir os poderes do Legislativo
venezuelano, controlado pela coalizão de oposição – Mesa da Unidade Democrática (MUD), desde 2015. A
iniciativa desencadeou mais uma grande polêmica e um extenso debate que acabou aprofundando ainda
mais a crise de legitimidade pela qual passava o governo, sendo criticada, inclusive, por chavistas
(LANDER, 2017). Se uma Constituição, segundo Marx (2011), em sua análise sobre os acontecimentos
revolucionários da França entre 1848 e 1851, é uma ferramenta que resulta do desenvolvimento da luta de
classes e da consolidação do Estado Moderno, refletindo interesses e ideias da classe dominante – ainda
que em um regime formalmente democrático –, a constituinte convocada por Nicolás Maduro pode ser
compreendida de maneira semelhante (salvo a distinção evidente da realidade concreta da França no
século XIX para a Venezuela contemporânea). Todavia, a correlação de forças da Venezuela e os desafios
encontrados pelo governo para garantir a Constituinte nesse momento – em conflito com grandes
empresários, com a oposição e os meios de comunicação privados – dificultam sustentar a afirmação de
que ela foi fruto dos interesses da classe dominante.
Por outro lado, o cientista político e economista Jorge Beinstein (2017), descrevendo a conjuntura
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venezuelana que levou à convocação da Assembleia Constituinte, entende que a iniciativa do governo
significou a busca pela disputa com setores mais moderados da oposição, pela via eleitoral e
institucional. Essa tentativa de “paz”, entretanto, estaria destinada ao fracasso por conta do caráter
absolutamente antagônico entre o projeto chavista e o objetivo de “recolonização” do país encarnado
pelos atores contrários ao governo.
Para o referido autor, os objetivos da oposição podem ser classificados como “recolonizadores”
por representarem, em grande parte, o interesse de nações estrangeiras – especialmente os Estados
Unidos – na política e na economia venezuelana, visando favorecer os próprios mercados. Assim,
enquanto, em 2003, as exportações de petróleo venezuelano foram 70% voltadas para os Estados
Unidos, esse número baixou para 20%, em 2016 (BEINSTEIN, 2017). Isso porque, em meio ao
agravamento das tensões entre os Estados Unidos e a Venezuela, intensificado desde a posse do
herdeiro político do chavismo em 2013, mas principalmente com a eleição de Donald Trump, em 2017,
o país passou a expandir suas negociações com a Índia e sobretudo com a China – principal fonte de
liquidez para os governos de Chávez e Maduro.
O retorno dos republicanos a Washington, em 2017, simbolizou a adoção de um tom de discurso
mais intransigente com a Venezuela, marcando a retomada de uma política mais dura e ostensiva
contra o mandatário, com vistas à implosão do regime madurista, principalmente após a convocação
da Assembleia Nacional Constituinte. A gestão de Trump também foi responsável pela aprovação de
novas sanções financeiras que não só restringiram a compra de petróleo da estatal PDVSA pelas
empresas estadunidenses, como conduziram ao expressivo isolamento da Venezuela dos fluxos de
capital internacional, sobretudo após o “posicionamento da China, do Irã e da Rússia, como
intermediários na venda do petróleo venezuelano pelo mundo” (SILVA, 2019, p. 2).
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Nesse contexto, apoiar a ação violenta da oposição nas ruas, a campanha midiática contra o
chavismo, o embargo econômico e o isolamento da Venezuela representavam as principais
ferramentas dos Estados Unidos para derrubar Nicolás Maduro. A opção pela ação militar, embora
muitas vezes ventilada por autoridades estadunidenses, teria sérias dificuldades tanto em razão do
apoio majoritário das Forças Armadas venezuelanas ao governo quanto pelas milícias populares que,
fundadas durante o período de Chávez no poder, estariam treinadas para defender a continuidade do
chavismo por meio da luta armada.
Acentuando o cenário de instabilidade política no país, os processos eleitorais municipais de 2017
e a reeleição de Maduro, em 2018, com ampla vantagem, foram contestados internamente por partidos
de oposição e externamente por organismos internacionais ou outros países, como o governo dos
Estados Unidos (SCHEIDT, 2019). As tensões foram acirradas ao ponto de, em 4 de agosto de 2018, dois
drones detonarem explosivos perto da Avenida Bolívar, em Caracas, onde o presidente Nicolás
Maduro estava presente para um discurso durante um evento militar – episódio que o governo
venezuelano apontou como um atentado para matar o presidente.6
Pode-se afirmar que, como apontam Ana Benatuil, Antonio González Plessmann e Martha Pineda
(2017), a refundação do Estado projetada por Maduro pela convocação da Constituinte pretendia
pacificar o país e cristalizar conquistas da democracia participativa e de políticas sociais universais. No
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entanto, essa hipótese mostra-se difícil de ser aceita na prática, uma vez que a tensão do madurismo com
a Assembleia Nacional já existia desde 2016, quando esta reconheceu a eleição de três legisladores que
tiveram suas candidaturas consideradas inválidas pelo Tribunal Supremo de Justicia.
Sem a iniciativa de convocar um referendo popular para, somente depois, formar a Constituinte,
Maduro gerou ainda mais desconfiança entre setores chavistas, que temiam perder os avanços da
democracia participativa conquistados pela Constituição de 1999 (BENATUIL; PLESSMANN; PINEDA,
2017). Esse fato, é claro, deu ainda mais forças a grupos contrários ao chavismo e às notícias que
repercutiam em conglomerados da mídia que incitavam protestos e represálias contra o regime
(BEINSTEIN, 2017).
Em 23 de janeiro de 2019, o então presidente da Assembleia “em desacato”, Juan Guaidó,
autoproclamou-se presidente interino do país, buscando forçar a renúncia de Nicolás Maduro. Aliado
à oposição, Guaidó se recusava a aceitar a legitimidade da reeleição de Maduro, em 2018. A declaração
do líder oposicionista foi prontamente apoiada pelos Estados Unidos, que reconheceram Guaidó como
chefe de Estado da Venezuela, bem como por diversos países que compunham a União Europeia e por
alguns governos latino-americanos pertencentes ao chamado Grupo de Lima7 (SCHEIDT, 2019).
Reconhecer Guaidó como presidente, ignorando o processo eleitoral que colocou Maduro no poder,
em 2018 – também alvo de polêmicas e questionamentos –, passou a servir como forma de pressão
internacional para provocar a derrubada de Maduro. Essa situação levou para além das fronteiras, de
6
Disponível em: <https://www.telesurtv.net/multimedia/Que-se-sabe-del-atentado-contra-el-presidente-Nicolas-Maduro-201808050035.html>. Acesso em: 10 jun. 2020.
7
O Grupo de Lima foi formado em 2017 com o objetivo de discutir sobre a situação venezuelana. Entre seus membros estão: Argentina, Bolívia,
Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia.
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maneira inusitada, as disputas políticas domésticas que acabaram transbordando os limites das
instituições políticas do país.
Ainda, em fevereiro de 2019, uma ação de suposta ajuda humanitária iniciou-se na fronteira com
a Colômbia. Como resultado do aumento da tensão existente entre Maduro e Guaidó (que contava com
o apoio externo dos Estados Unidos e da Colômbia), ocorreram conflitos no momento em que dois
caminhões com suprimentos médicos e alimentos tentaram atravessar a fronteira. Quando um dos
veículos que transportava esses mantimentos foi queimado, logo se iniciaram matérias na imprensa
internacional e tweets de conhecidos atores políticos estadunidenses – como John Bolton e Marco
Rubio – acusando os apoiadores de Maduro pelo fato. No entanto, dias depois, um vídeo divulgado
pelo The New York Times8 revelou que, na realidade, opositores do governo arremessaram um coquetel
molotov no caminhão, iniciando o incêndio.
O autoproclamado presidente também foi responsável pela fracassada tentativa de levante
armado, em 30 de abril de 2019, iniciada por uma rebelião na Base Aérea La Carlota, em Caracas
(SCHEIDT, 2019). Em maio de 2020, o governo Maduro anunciou a prisão de oito pessoas que estariam
envolvidas em uma investida golpista, supostamente realizada com a contratação de “mercenários”.
Essas iniciativas mais diretas ocorreram concomitantemente a sanções econômicas e à atuação de
ONGs e think tanks que continuamente tentam deslegitimar e desgastar o governo venezuelano.
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Assim, as mudanças de cenário no ambiente doméstico e internacional enfrentadas pelo
mandatário, evidenciaram a importância dos atores internos na manutenção do regime madurista e
que, associadas ao fortalecimento das relações diplomáticas e econômicas com a Rússia, sobretudo
com a China – principais credores bilaterais da Venezuela (ROSA; NUNES JÙNIOR, 2019) –
permitiram a manutenção de Maduro no poder.
Diferentemente do contexto anterior, marcado pela ascensão de governos de caráter progressista
e de alta no preço do petróleo venezuelano – que proporcionaram ao regime chavista autonomia para
conduzir uma maior integração energética regional e extrarregional, bem como subsidiar os
programas sociais e a Revolução Bolivariana – Nicolás Maduro chegou ao poder em meio ao declínio
do preço do petróleo, da perda de aliados regionais com a ascensão de governos conservadores e
também teve que lidar com as crescentes sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos. Além
disso, enfrentou ainda as pressões oriundas de cúpulas de organismos multilaterais e o fortalecimento
da oposição interna, acabando por dificultar a continuidade do projeto revolucionário do seu
antecessor. No mais, a própria conduta autoritária do presidente, ao optar pela extrema centralização
do poder Executivo, também o afasta do legado participativo do chavismo.
Em suma, se “sob o comando de Hugo Chávez, o país teve um papel protagonista no que tange à
integração político-econômica da América Latina nos primeiros 10 anos do século XXI” (SILVA, 2019,
p. 9), o fechamento do cerco político e financeiro no governo Maduro, sobretudo diante do
fortalecimento da ala opositora, o rompimento das relações diplomáticas com a Casa Branca e das
8
Disponível em: <https://www.nytimes.com/2019/03/10/world/americas/venezuela-aid-fire-video.html>. Acesso em: 07 dez. 2020.
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novas sanções unilaterais impostas pela administração Trump, pela restrição ao acesso à moeda de
referência e isolamento do sistema financeiro internacional, obstaculizam a manutenção do legado
chavista e o avanço da Revolução Bolivariana.
Conclusão
Ao analisar os princípios fundantes do projeto revolucionário de Chávez, tendo como base a
ampliação da participação popular nos processos políticos, a transformação social, a emancipação
social anti-imperialista e a integração regional – que vieram a se tornar os principais emblemas do
bolivarianismo –, foi possível constatar que as mudanças nas condições domésticas e internacionais
após a sucessão de Maduro impactaram diretamente na continuidade do modelo chavista de
distribuição de renda assentada na extração e na exportação do petróleo.
Assim, findada a era chavista e instaurada a era Maduro, o governo herdou não só um projeto, mas
também todas as dificuldades socioeconômicas, políticas e institucionais do regime chavista. Como foi
visto, dada a política externa depende da estabilidade política doméstica, os entraves impostos para que
o presidente se mantivesse no poder na atual conjuntura se refletem, também, na maneira pela qual
Maduro busca dar prosseguimento ao “projeto bolivariano” iniciado pelo seu antecessor.
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Enquanto o legado de Chávez está estreitamente ligado ao resgate da inclusão da população que
ficou totalmente marginalizada e excluída dos processos de tomada de decisão inscritos no
puntofijismo, as medidas adotadas por Nicolás Maduro com intuito de adquirir legitimidade diante
um cenário de alta instabilidade política e institucional se afastaram desses atributos e contêm um
caráter autoritário, sobretudo após a polêmica presidência interina de Guaidó. Da mesma maneira, as
forças opositoras ao presidente dão continuidade a investidas golpistas e violentas do passado recente
chavista, apoiadas por forças estrangeiras, com o objetivo de enfraquecer o domínio do poder
Executivo nas instituições venezuelanas. No mais, dada a retração da Maré Rosa, é possível observar
a descontinuidade das iniciativas regionais presentes na era chavista e a promoção de uma agenda
internacional baseada na acentuação da retórica anti-imperialista.
Por fim, compreende-se que os estudos acerca das disputas políticas venezuelanas devem rejeitar
análises que desconsideram a história política do país. Como visto, as atitudes e as ações tomadas tanto
pelo governo quanto pela oposição relacionam-se com os desafios enfrentados no século passado,
vinculados a suas dificuldades institucionais, ao anti-imperialismo de movimentos nacionais e, ainda,
na construção da liderança de Hugo Chávez após um longo período de blindagem democrática, na qual
forças populares eram impedidas de fazer parte das principais instâncias de discussão política do país.
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