Resultados da Pesquisa
SAÚDE DA POPULAÇÃO PRISIONAL E POLÍTICA DE ENCARCERAMENTO
EM CONTEXTO DE PANDEMIA: ENTRE A VIDA E A MORTE
Health of the prison inmates and incarceration policy in pandemic context: between life
and death
Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 176/2021 | p. 153 - 180 | Fev / 2021
DTR\2021\358
Alessandra R. Mascarenhas Prado
Doutora e Mestre em Direito das Relações Sociais, PUC/SP. Professora Adjunta da
Faculdade de Direito e do PPGD da UFBA. Líder do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos
sobre Sanção Penal (NESP), cadastrado no Diretório do CNPq. ORCID:
[https://orcid.org/0000-0001-9972-6634_]. Lattes:
[http://lattes.cnpq.br/2158993363327030_]. alessandra.prado@ufba.br
Elenice Ribeiro Nunes dos Santos
Doutoranda em Jurisdição Constitucional e Novos Direitos pelo PPGD da UFBA. Mestra
em Direito Público, PUC/SP. Professora Assistente da Faculdade de Direito da UFBA.
Membra do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos sobre Sanção Penal (NESP),
cadastrado no Diretório do CNPq. ORCID: [https://orcid.org/0000-0002-1504-3930_].
Lattes: [http://lattes.cnpq.br/9920435893871747_]. elenicerns@ufba.br Autoras
convidadas
Área do Direito: Penal; Direitos Humanos
Resumo: A pandemia de Covid-19 marcou o ano de 2020 por todas as restrições que
implicaram a liberdade de ir e vir, a atenção para as questões sanitárias e a necessidade
de redirecionamento das políticas públicas. Nesse contexto, considerando as
peculiaridades do sistema prisional, a construção do presente artigo partiu do seguinte
questionamento: as medidas adotadas pelo Estado brasileiro, considerando mais
especificamente a atuação dos Poderes Executivo e Judiciário, nos âmbitos estadual e
federal, para controle da pandemia no sistema carcerário, visam garantir o direito à
saúde da população prisional ou cumprem outra função? Para tanto, a pesquisa consistiu
no levantamento de dados referentes às normativas internacional e nacional produzidas
a partir do reconhecimento da pandemia pela Organização Mundial da Saúde em março
de 2020; aos julgados dos Tribunais Superiores brasileiros, no tocante à aplicação da
Recomendação n. 62 do Conselho Nacional de Justiça; a Relatórios de fiscalização do
sistema prisional no período anterior à pandemia e a Relatórios de acompanhamento das
medidas adotadas durante a pandemia. Além de pesquisa a matérias publicadas na
imprensa, em razão da novidade do tema, bem como dos poucos dados divulgados nos
sites das Secretarias de Administração Penitenciária dos estados.
Palavras-chave: Covid-19 – Sistema prisional – Direito à saúde – Sistema penal –
Judicialização
Abstract: The Covid-19 pandemic marked 2020 for all the restrictions it entailed on the
freedom to come and go, attention to health issues and the need to redirect public
policies. In this context, considering the peculiarities of the prison system, the
elaboration of this article started from the following question: do the measures adopted
by the Brazilian State, considering more specifically the performance of the Executive
and Judiciary Branches, at the state and federal levels, to control the pandemic in the
prison system, aim to guarantee the right to health of the prison population or do they
fulfill another function? To this purpose, the research consisted of the analysis of data
related to international and national regulations produced from the recognition of the
pandemic by the World Health Organization in March 2020; to the judgments of the
Brazilian Superior Courts, with regard to the Recommendation No. 62 of the National
Council of Justice enforcement; Prison systems inspections reports in the pre-pandemic
period and Monitoring reports of measures adopted during the pandemic; and articles
published in the press.
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Keywords: Covid-19 – Prison system – Right to health – Penal system – Judicialization
Para citar este artigo: Prado, Alessandra R. Mascarenhas; Santos, Elenice Ribeiro Nunes
dos. Saúde da população prisional e política de encarceramento em contexto de
pandemia: entre a vida e a morte. Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 176. ano
29.
p.
153-180.
São
Paulo:
Ed.
RT,
fevereiro/2021.
Disponível
em:
<http://revistadostribunais.com.br/maf/app/document?stid=st-rql&marg=DTR-2021-358>.
Acesso em: DD.MM.AAAA.
Sumário:
1. Introdução - 2. O cárcere como estado de coisas inconstitucional - 3. A saúde dos
custodiados em um ambiente pandêmico - 4. Medidas para contenção da disseminação
do coronavírus nas unidades prisionais brasileiras - 5. Considerações finais - 6.
Referências
1. Introdução
O mundo se surpreende, em 2020, com a rápida propagação de um novo vírus que afeta
o sistema respiratório, cuja forma de transmissão, efeitos e tratamento exigem dos
cientistas esforços extraordinários para seu combate. Enquanto a população do globo
terrestre aguarda pela vacina, os governos foram instados a tomar medidas drásticas
para contenção da pandemia.
A evitação de aglomeração de pessoas, o isolamento social, o estabelecimento de um
distanciamento mínimo, a imposição do uso de máscaras para proteção da boca e do
nariz, a proteção dos olhos, a higiene das mãos são as principais medidas e orientações
adotadas pelos governos que tentam controlar a disseminação da Covid-19. Em grande
parte dos países afetados, as atividades escolares foram suspensas e muitos serviços
passaram a ser executados, remotamente, de casa. Contudo, pouco se deu atenção à
população carcerária.
No Brasil, o governo federal menosprezou a pandemia, denominando a infecção
respiratória, que já causou mais de 210.000 mortes no país, de “gripezinha” (BRUM,
2020), bem como demonstrou, em vários momentos, o desprezo pela ciência e pelas
vidas dos brasileiros. Essa postura não seria diferente em relação à população privada de
liberdade, a terceira maior população encarcerada do mundo. Restaria às Secretarias de
Administração Penitenciária e ao Poder Judiciário adotar medidas para preservação da
saúde e da vida da população carcerária.
Surge, então, o questionamento que conduziu a pesquisa: as medidas adotadas pelo
Estado brasileiro, considerando mais especificamente a atuação dos Poderes Executivo e
Judiciário, nos âmbitos estadual e federal, para controle da pandemia no sistema
carcerário, visam garantir o direito à saúde da população prisional ou cumprem outra
função?
Dessa forma, o objetivo é refletir sobre a situação de saúde da população que habita as
unidades prisionais e sobre a luta travada, antes, mas principalmente, durante a
pandemia, para convencer as autoridades do óbvio: a necessidade do
desencarceramento.
Para alcançar esse objetivo, foi realizada pesquisa documental, que consistiu no
levantamento de dados referentes às normativas internacional e nacional produzidas a
partir do reconhecimento da pandemia pela Organização Mundial da Saúde em março de
2020, mais especificamente no que diz respeito ao sistema prisional; aos julgados dos
Tribunais Superiores brasileiros no tocante à aplicação da Recomendação n. 62 do
Conselho Nacional de Justiça; a Relatórios de fiscalização do sistema prisional no período
anterior à pandemia e Relatórios de acompanhamento das medidas adotadas durante a
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pandemia. Além de pesquisa a matérias publicadas na imprensa eletronicamente, em
razão da novidade do tema, bem como dos poucos dados divulgados nos sites das
Secretarias de Administração Penitenciária dos estados.
O trabalho, então, aborda o direito à saúde, a situação do sistema prisional e as
providências adotadas (ou não adotadas) pelos órgãos governamentais diante da
realidade pandêmica. No âmbito do Poder Judiciário, além da atuação do Conselho
Nacional de Justiça, serão discutidos o manejo e a proliferação dos instrumentos de
tutela coletiva para garantia da liberdade. Nesse ponto, trataremos de ações de controle
de constitucionalidade ajuizadas e da mudança em relação à forma de luta para defesa
dos direitos dos mais vulnerados.
2. O cárcere como estado de coisas inconstitucional
1
Ultimamente, no Brasil, as ações de controle de constitucionalidade são amplamente
utilizadas para tratar da garantia à saúde dos custodiados, essa população invisibilizada
que habita as carceragens do país. Pessoas que estão em ambientes fétidos e expostas a
doenças potencializadas pelo confinamento, como sarna, hepatite, tuberculose, HIV e
até hanseníase.
Em tempos de pandemia, ferramentas de controle de constitucionalidade tornam-se
ainda mais importantes. Apesar de ser necessário lutar pela efetividade dos julgados, é
preciso utilizar todas as possibilidades jurídicas que o sistema fornece para denunciar e
forçar a adoção de providências que minorem o sofrimento das pessoas em situação de
cárcere.
2.1.“O quadro é de horror”: antes e depois da ADPF 347
No ano de 2008, a Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Prisional, da Câmara
de Deputados Federais, apresentou relatório final e concluiu que: “a maioria dos
estabelecimentos penais não oferece aos presos condições mínimas para que vivam
adequadamente [...], uma realidade cruel, desumana, animalesca, ilegal, em que presos
são tratados como lixo humano” (BRASIL, 2009, p. 192-193).
O Relatório contém diversas referências à situação das unidades prisionais, a exemplo de
uma unidade prisional feminina no Pará:
“O quadro é de horror: mulheres dormindo no chão por falta de espaço, detentas com
doenças de pele e amareladas por falta do banho de sol, comida estragada na cozinha da
cadeia, esgoto a céu aberto, lixo acumulado, centenas de moscas rondando o ambiente.”
(BRASIL, 2009, p. 162)
No Mato Grosso do Sul, após inspeção à Colônia Penal, os Deputados registraram:
“[...] a água é escassa e não há energia elétrica. Os presos alojam-se em barracas
improvisadas, cobertas com lonas, instaladas em área aberta, ou se ajeitam, em redes,
embaixo de árvores. Dezenas de presos dormem na pocilga com porcos que pertencem a
agentes penitenciários. O esgoto escorre a céu aberto e há lixo jogado por todo lado.”
(BRASIL, 2009, p. 162)
Em relação à assistência à saúde, após discorrer sobre várias situações gravíssimas de
violação a esse direito, a Comissão conclui que
“Doença na prisão é facilmente transmitida em face do ambiente insalubre e
superlotado. A CPI considera essenciais, no processo de melhoria do ambiente
carcerário, assistência médica, farmacêutica, odontológica e psicológica, além de
instalações médico-sanitárias para os presos.” (BRASIL, 2009, p. 205)
Apesar de tudo que foi constatado, a situação deplorável das unidades prisionais
brasileiras, no geral, não mudou.
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Diante da continuidade da superlotação, da sujeira, da insalubridade, da “proliferação de
doenças infectocontagiosas, comida intragável, temperaturas extremas, falta de água
potável e de produtos higiênicos básicos” (BRASIL, 2020, p. 02), entre outros fatores,
em 27 de maio de 2015, o Partido Socialismo e Liberdade – PSOL –ajuizou Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental para que fosse reconhecido o estado de
coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro e determinada a adoção de
algumas providências para “sanar as gravíssimas lesões a preceitos fundamentais da
Constituição, decorrentes de condutas comissivas e omissivas dos poderes públicos da
União, dos Estados e do Distrito Federal, a seguir descritas, no tratamento da questão
prisional no país”.
Ainda naquele ano, o Relator Especial da Comissão de Direitos Humanos da ONU realizou
inspeção em unidades prisionais de quatro estados, para verificar a ocorrência de tortura
e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Uma das conclusões
do Relatório destaca que:
“[...] [as] condições de detenção muitas vezes equivalem a tratamento cruel, desumano
ou degradante. A superlotação severa leva a condições caóticas dentro das instalações, e
impacta muito as condições de vida dos detentos e seu acesso a alimentos, água,
assistência jurídica, assistência médica, apoio psicossocial, oportunidades de trabalho e
2
educação, além de sol, ar fresco e recreação.” [tradução das autoras] (ONU, 2016,
p. 19-20)
Em 09 de setembro de 2015, quando a população prisional brasileira somava
aproximadamente 698.000 presos (BRASIL, 2017, p. 9), foi reconhecido pelo Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, o estado de coisas inconstitucional (ECI),
considerando, principalmente, “a violação massiva e persistente de direitos
fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas” (ADPF
3
347 MC/DF).
4
Apesar do reconhecimento do estado de coisas inconstitucional e da determinação de
medidas a serem adotadas pelo Poder Executivo e pelo Poder Judiciário, essa grave
situação das unidades prisionais brasileiras não se modificou e pode ser constatada, por
exemplo, no índice da taxa de mortalidade por 100 mil habitantes nas prisões, três
vezes maior do que na população em geral – conforme Relatório de Gestão de
Supervisão do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e
do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ, 2017).
Uma decisão importante, porém simbólica, que surtiu pouco efeito, pois persistem as
violações e a tortura próprias de países que adotam a morte como medida de política
pública. Esse julgamento não alterou os critérios de seleção e de punição do Poder
Judiciário, em geral, e não desfez a associação justiça e prisão.
A mesma estrutura que declara o sistema prisional como Estado de Coisas
Inconstitucional perpétua e incentiva a violação de direitos. Sobre isso, as autoras Ana
Flauzina e Thula Pires (2020, p. 23) escreveram:
“A forma como se deu o reconhecimento do estado de coisas inconstitucionais pelo STF e
a maneira como se trata dos direitos das mães no contexto da prisão domiciliar são
ilustrativos da forma como o poder público no Brasil tem gerido o genocídio negro.”
Declarar o ECI no sistema carcerário e operar pela manutenção da situação atual, como
dizem as autoras (FLAUZINA; PIRES, 2020), retrata bem a ideologia que rege a política
criminal punitivista, pelo encarceramento. É a mesma que orientou a escravidão e a
violência sem tréguas à população que sempre foi levada às unidades prisionais: pessoas
negras e de baixa renda.
Controle penal impulsionado no Brasil, a partir da produção científica de Nina Rodrigues,
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que “potencializou e funcionalizou o paradigma racial-etiológico colocando-o em
consonância com a prática de um sistema punitivista alicerçado sobre o racismo,
reforçando ambos, a prática pela legitimação científica e o racismo pela prática
discriminante, um círculo racista perfeito” (GÓES, 2015, p. 190-191).
Segundo Vera Malaguti (2008, p. 20), essa estratégia de legitimação do racismo
cientificamente visava “manter a hierarquia sem a escravidão, manter essa hierarquia
social perversa brasileira, manter ‘os negros nos seus lugares’ sem a escravidão”. E o
sistema penal brasileiro, desde o seu surgimento, serviu como “uma estratégia
permanente” para manter essa hierarquia social bem rígida.
A permanência desse controle do sistema penal pode ser percebida, por exemplo, a
partir do confronto entre os dados do IBGE (2020) e do INFOPEN (2020) – enquanto a
população brasileira é formada por 42,7% pessoas brancas, 46,8% pessoas pardas,
9,4% pessoas pretas e 1,1% pessoas amarelas ou indígenas; a população prisional
brasileira é formada por 32,29% pessoas brancas, 49,88 pessoas pardas e 16, 81%
pessoas pretas e 1,01% pessoas amarelas ou indígenas. São corpos negros, portanto,
que em sua maioria são sujeitados a esse estado de coisas inconstitucional,
reproduzindo-se a lógica da escravidão dos corpos açoitados e amontoados nas senzalas.
3. A saúde dos custodiados em um ambiente pandêmico
O conceito de saúde há muito deixou de ser, simplesmente, a ausência de doença.
Atualmente, o direito à saúde relaciona-se com o bem-estar geral do indivíduo e está
previsto nas Constituições e em vários documentos internacionais. Tratados
internacionais também reconhecem o direito à saúde das pessoas privadas de liberdade,
a exemplo das Regras Mínimas para Tratamento do Preso, em sua primeira versão e na
atual (Regras de Mandela), e das Regras das Nações Unidas para o tratamento de
mulheres presas, e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras
(Regras de Bangkok).
No que concerne à legislação brasileira infraconstitucional, a Lei de Execução Penal (Lei
7.210/84 (LGL\1984\14)) e a Portaria Interministerial 01/2014, que institui a Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema
Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), preveem normas que
visam assegurar o direito à saúde à população privada de liberdade.
Entretanto, o descompasso entre a legislação e a efetivação do direito à saúde
permanece grande. A legislação avançou, mas os meios para sua concretização não
foram garantidos, como observou o Relator Especial da CIDH, em 2015:
“131. O Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário e a Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde para pessoas privadas de liberdade na prisão estabelecem o
princípio de que, em tese, o sistema público de saúde abrange todos os presos. No
entanto, não é o caso na prática. Devido à severa superlotação, os serviços de saúde nos
presídios estão criticamente sem capacidade de cumprir efetivamente sua missão de
5
prestar atenção médica básica aos detentos.”
Foram detectados o deficit de profissionais de saúde e medicamentos; a precariedade
das instalações para o atendimento médico; a demora do atendimento (itens 133 a
135). Assim como foi registrado que, diante da insuficiência, em geral, do atendimento
pelo sistema público de saúde, “há que se responder às necessidades específicas dos
detentos decorrentes das condições de prisões superlotadas, e prevenir e tratar doenças
6
prevalentes” [tradução das autoras] (ONU, 2016, p. 20).
Dados do INFOPEN (2019) revelam que de um total de 31.723 ocorrências na área de
saúde, registradas no sistema prisional brasileiro no período de julho a dezembro de
2019, 26,86% dos casos correspondem à HIB, 28,72% à tuberculose, 21,81% à sífilis e
9,51% à hepatite; mas há que se considerar que as equipes de saúde não conseguem
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atender a todas as pessoas e, dessa forma, pode haver subnotificação de casos. Dados
do CNMP (BRASIL, 2018) apontam que 30,2% das unidades prisionais do país não
oferecem nenhuma assistência médica.
Percebe-se que, a despeito de avanços que ocorreram no campo normativo e das
diretrizes da política nacional de atenção à saúde da população prisional, a prestação do
serviço fica muito aquém das suas necessidades. A carência de profissionais, a
inadequação e a improvisação dos locais de atendimento, a falta de medicamentos e
vacinas, a dificuldade de marcação e de transporte para realização de exames e cirurgias
são alguns dos problemas que se apresentam no particular. Somam-se a isso as
instalações insalubres, a falta de material de higiene pessoal e de limpeza das celas e
áreas comuns, a umidade de alguns locais, que favorecem o agravamento e a
propagação das mais variadas doenças, a maior parte, doenças que afetam de forma
grave a imunidade dos presos e das presas.
Se a negligência existe em relação à população geral, a situação é muito pior quando se
trata das pessoas custodiadas O próprio confinamento é um fator que potencializa e
facilita a disseminação de uma série de doenças físicas e mentais.
A população encarcerada é, essencialmente, uma população doente. Uma população
acometida por uma série de enfermidades, muitas delas com tratamento eficaz já
existente, mas que, por falta de higiene, de acesso a tratamento médico e,
principalmente, de interesse político, não alcança os custodiados. O Estado, que tem a
obrigação de guarda dessas pessoas, tem demonstrado incapacidade para garantir o
cumprimento da pena em condições mínimas de dignidade.
Resta cada vez mais evidente, como disse Lola Anyar de Castro, que estamos diante do
que denominou de sistema penal subterrâneo, ou seja, aquele que não condiz com as
prescrições normativas, a partir da Constituição:
“ainda que proibidos pelo sistema penal aparente, há procedimentos diferenciais para as
classes subalternas no terreno fático: […] execução penal à margem dos Direitos
Humanos: carência de condições dignas de vida, de acesso à informação, à
comunicação, a prestações culturais ou desportivas, etc., e sofrimentos físicos e morais
excedentes aos prescritos por lei.” (ANYAR DE CASTRO, 1984, p. 246)
Nesse sentido, Vera Regina Pereira de Andrade (2003, p. 293) explica que, ao não
cumprir suas promessas e implicar “excessivas desigualdades, injustiças e mortes não
prometidas”, o sistema penal, mais do que ineficácia, revela uma eficácia invertida, “na
qual se inscreve não apenas o fracasso do projeto penal declarado mas, por dentro dele,
o êxito do não-projetado; do projeto penal latente da modernidade”.
Verifica-se que a privação da liberdade não cumpre as funções declaradas (de
ressocializar, por exemplo) e ainda desconstitui as pessoas encarceradas – pessoas
negras e pobres – da condição de sujeitos de direitos, a exemplo do que ocorre com o
direito à saúde.
3.1.A pandemia e o sistema prisional: potencialização dos riscos à saúde
Desde dezembro de 2019 o mundo assiste ao alastramento da doença respiratória aguda
causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2). Em
março de 2020, a OMS declarou o surto como pandemia. Destaca-se que a doença se
manifesta em diversos graus (BMJ, 2020, p. 4):
“A apresentação clínica é geralmente a de uma infecção respiratória com uma gravidade
do sintoma que vai de uma doença leve comum semelhante a um resfriado, a uma
pneumonia viral grave levando a síndrome do desconforto respiratório agudo que é
potencialmente fatal. Os sintomas característicos incluem febre, tosse e dispneia,
embora alguns pacientes possam ser assintomáticos. Complicações de doenças graves
incluem, mas não se limitam, à falência de vários órgãos, choque séptico e coágulos
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sanguíneos.” [tradução das autoras]
Estudos apontam que o contágio do vírus ocorre por meio das vias aéreas superiores
(nariz e boca, principalmente), havendo necessidade de distanciamento de um metro e
meio entre as pessoas, utilização de máscaras quando em contato com terceiras
pessoas, lavagem das mãos com sabão ou higienização com álcool a 70%, não havendo
ainda medicamento eficaz para controlar a doença, nem vacina para evitar a
contaminação.
Diante disso, e considerando as peculiaridades do ambiente prisional, a Organização
Mundial da Saúde lista os motivos em razão dos quais o desafio para prevenir e tratar a
Covid-19 nas prisões é muito maior:
“1. A transmissão generalizada de um patógeno infeccioso que afeta a comunidade em
geral representa uma ameaça de introdução do agente infeccioso em prisões e outros
locais de detenção; o risco de aumentar rapidamente a transmissão da doença dentro de
prisões ou outros locais de detenção provavelmente terá um efeito amplificador sobre a
epidemia, multiplicando rapidamente o número de pessoas afetadas.
2. Os esforços para controlar a Covid-19 na comunidade provavelmente falharão se
medidas fortes de prevenção e controle de infecções (IPC), testes adequados,
tratamento e cuidados não forem realizados em prisões e outros locais de detenção
também.
3. Em muitos países, a responsabilidade pela prestação de cuidados de saúde em
presídios e outros locais de detenção é do Ministério da Justiça/Assuntos Internos.
Mesmo que essa responsabilidade seja mantida pelo Ministério da Saúde, a coordenação
e a colaboração entre os setores de saúde e justiça são primordiais para que a saúde das
pessoas nos presídios e em outros locais de detenção e da comunidade em geral seja
protegida.
4. As pessoas nas prisões e em outros locais de detenção já estão privadas de sua
liberdade e podem reagir de forma diferente a outras medidas restritivas impostas a
8
elas.” [tradução das autoras]
Além disso, a OMS destaca que há maior vulnerabilidade dessa população para o
contágio da Covid-19, pois, além da proximidade umas com as outras,
“[...] as pessoas nas prisões normalmente têm uma maior carga subjacente da doença e
piores condições de saúde do que a população em geral, e frequentemente enfrentam
maior exposição a riscos como tabagismo, má higiene e defesa imunológica baixa devido
ao estresse, má nutrição ou prevalência de coexistência de doenças, como vírus
9
transmitidos pelo sangue, tuberculose e distúrbios do uso de drogas.” [tradução das
autoras]
Carvalho et alii (2020, p. 3496), a partir de revisão de artigos da área da saúde,
informam que “o risco para uma pessoa privada de liberdade desenvolver tuberculose no
Brasil é 30 vezes maior do que a população geral brasileira. As doenças infecciosas são
responsáveis por cerca de 17,5% das mortes nas prisões”.
Mesmo antes da pandemia de Covid-19, o Relator Especial da CIDH chamava a atenção
para a maior exposição da população prisional à contaminação pelas mais variadas
doenças:
“130. A extrema falta de saneamento encontrada na maioria dos locais visitados,
combinada com a presença de doenças altamente contagiosas – tuberculose, hanseníase
e hepatite – e a superlotação, transformaram as prisões, especialmente as dos presos do
sexo masculino, em locais onde a prevenção de doenças é um desafio permanente e não
10
atendido.” [tradução das autoras]
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Pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo
Cruz, afirmam que
“na população livre estima-se que cada infectado contamine 2 a 3 pessoas. Dadas as
condições de encarceramento nas prisões brasileiras, pode-se estimar que um caso
contamine até 10 pessoas. Assim, em uma cela com 150 PPL, 67% deles estarão
infectados ao final de 14 dias, e a totalidade, em 21 dias.” (SÁNCHEZ et alii, 2020)
Nota técnica elaborada por um Professor Associado de Doenças Infecciosas da Faculdade
de Medicina e por um Professor Titular de imunologia e parasitologia, do Instituto de
Ciências Biológicas da UNB, solicitada pela Coordenação do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais no Distrito Federal, conclui que é elevadíssima “a probabilidade de
transmissão efetiva e rápida da doença nos ambientes de confinamento. A aglomeração
deve ser fortemente evitada” (UNB, 2020).
Em dezembro de 2019, o INFOPEN registrava um total de 755.274 pessoas privadas de
liberdade, com um deficit de 312.925 vagas (BRASIL, 2019). É nesse cenário de
unidades superlotadas, de estado de coisas inconstitucional declarado pelo STF, em
razão das péssimas condições estruturais e das insuficientes assistências material e de
saúde prestadas no sistema prisional, que a pandemia chega a esse local.
Embora os presos não saiam das unidades, eles estão em contato permanente com
profissionais que ali prestam serviços administrativos, de saúde, de segurança, de
alimentação, entre outros, e que transitam pela cidade, que trabalham em outros locais
e que, em contato com pessoas contaminadas, acabam também se contaminando.
Os primeiros casos de coronavírus no Brasil foram detectados em fevereiro de 2020,
enquanto os primeiros casos de infecção pelo novo coronavírus no sistema prisional
foram noticiados em abril, na região Norte do país (STABILE, 2020; SEAP, 2020).
Em 20 de julho de 2020, dados coletados pelos Grupos de Monitoramento e Fiscalização
do Sistema Carcerário (GMFs) de 20 estados revelavam a existência de 13.778 pessoas
infectadas no sistema prisional brasileiro (8665 internos; 5113 agentes). Observa-se
que, em 30 dias, houve um aumento de 99,3% casos, enquanto o número de óbitos
aumentou 33,3%, em 30 dias, somando um total de 136 mortes em razão do
coronavírus.
Porém, há que se chamar a atenção para o fato de esses números não informarem
exatamente a situação dos contaminados no sistema prisional. Algumas circunstâncias
precisam ser consideradas na análise deles: 1) o fato de ser possível que nem todas as
unidades prisionais tenham fornecido dados às respectivas secretarias de administração
penitenciária; 2) dos 27 estados, apenas 20 apresentaram dados ao CNJ; 3) a testagem
no sistema prisional ainda é muito baixa: dados de 22.07.2020 informam que apenas
18.607 pessoas privadas de liberdade e 19.132 servidores foram testados (BRASIL,
2020). Há que se considerar também que o “número de óbitos em decorrência de SRAG
(Síndrome Respiratória Aguda Grave) no Brasil cresceu 20 vezes em relação ao ano
passado, de acordo com as declarações de óbito registradas nos cartórios do país”.
(LOPES, 2020). Dessa forma, diante de um aumento de 1.904% desse registro,
epidemiologistas afirmam que, como as mortes por SRAG podem ter como causa
diferentes vírus respiratórios, parte dessas mortes pode ter sido em razão do
coronavírus.
Também chama a atenção o fato de que escolas, com estrutura e condições de higiene
muito melhores, tiveram suas aulas suspensas em razão do risco de contaminação pela
aglomeração de pessoas, e há forte pressão da população em geral para que as aulas
não sejam retomadas antes da vacina começar a ser aplicada. Dessa forma, não é
possível desconsiderar o que aponta a OMS sobre constituírem-se as prisões em
ambientes propícios à propagação da Covid-19.
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A pandemia que assola o país apresenta com mais nitidez a crueldade do sistema
prisional. Existem pessoas encarceradas, a maioria delas com comorbidades, com risco
real de serem acometidas por um vírus mortal, que estão sendo privadas do direito de
manter o seu ciclo vital. O percentual de internos e servidores mortos aumenta a cada
semana, e não param de chegar mais pessoas nos presídios.
4. Medidas para contenção da disseminação do coronavírus nas unidades prisionais
brasileiras
Países que enfrentaram a pandemia antes do Brasil adotaram medidas diversas para a
contenção da propagação do coronavírus entre a população em geral – em regra, o
isolamento social e a utilização de máscaras – e algumas medidas específicas para a
população prisional, a exemplo da concessão de indulto pelo Poder Executivo ou da
liberdade condicional pelo Poder Judiciário (ILANUD, 2020).
Considerando a orientação dos organismos internacionais para o desencarceramento
como principal medida a ser adotada para proteção da vida e da saúde da população
encarcerada, é preciso refletir sobre a política dos órgãos do sistema penal para conter o
avanço da Covid-19 no sistema prisional brasileiro (WHO, 2020; OEA, 2020; ILANUD,
2020).
4.1. Mais restrições, menos direitos: as ações do Poder Executivo
No Brasil, as autoridades sanitárias, ainda que avisadas com antecedência, não
adotaram providências para evitar a chegada da doença ao país. Existem pesquisas que
apontam que o vírus circulava no país antes do primeiro diagnóstico oficial, datado de
26.02.2020. O governo federal, ciente do avanço da doença em diversas partes do
mundo, não foi diligente para com a preservação da saúde da população. Pelo contrário,
o governo adotou medidas para impedir o controle da Covid-19, a exemplo da oposição
da ANVISA à medição de temperatura nos aeroportos e da disputa do Presidente com os
governadores sobre a imposição de restrições de circulação (ALVIM, 2020).
No que se refere ao sistema prisional, uma das primeiras atitudes do Executivo foi a
publicação das Portarias Interministeriais 05 e 07/2020, no âmbito do Ministério da
Justiça e da Saúde, em 17 e 18.03.2020, respectivamente.
A Portaria 05 prescreve o caráter compulsório das medidas de combate à pandemia,
chegando ao ponto de indicar a criminalização de condutas, fazendo remissão aos
artigos 268 e 330 do Código Penal.
A Portaria 07, por seu turno, estabelece que deverá ser feita a identificação dos
“custodiados que apresentem sinais e sintomas gripais, inclusive por meio do incentivo à
informação voluntária dos próprios custodiados”, mas nada estabelece sobre a testagem
(art. 2º e §§) – medida que se reputa de extrema relevância para a contenção da
11
pandemia.
A despeito disso, está previsto o isolamento das pessoas infectadas. Porém, diante da
reconhecida falta de espaço nas unidades prisionais, o artigo 3º, § 1º, da referida
Portaria, dispõe que:
“Caso não seja possível o isolamento em cela individual dos casos suspeitos ou
confirmados, recomenda-se à Administração Penitenciária adotar o isolamento por coorte
12
e o uso de cortinas ou marcações no chão para a delimitação de distância mínima de
dois metros entre os custodiados.”
As medidas previstas nesse documento restaram inócuas, vez que não consideraram a
situação das unidades prisionais no que diz respeito à lotação, às condições de higiene e
à baixa testagem da referida população e dos funcionários. A Portaria não trata sobre a
redução da população carcerária, apenas indica, entre outras coisas, o monitoramento
em relação às mulheres grávidas, às crianças e aos internos em grupo de risco.
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Resultados da Pesquisa
O Ministério da Justiça, na pessoa do então ministro Sérgio Moro, opôs-se à soltura de
custodiados em razão da pandemia e propôs que detentos idosos e com sintomas
fossem colocados em instalações provisórias como contêineres e barracas de campanha.
13
Em seguida, por meio da Portaria 135/2020, o Ministério da Justiça propôs outras
medidas relativas ao sistema prisional, com destaque para suspensão das visitas,
separação dos indivíduos com sintomas de gripe e quarentena para os que ingressam no
sistema.
Carvalho et alii (2020, p. 3494) referem-se aos riscos à saúde psíquica do que chamam
de superisolamento – além da privação da liberdade, o isolamento em razão do Covid-19
e a suspensão das visitas – e atentam que:
“o confinamento dentro de uma unidade prisional é distinto de outros tipos, como
cruzeiros, escolas, quarentena, que são isolamentos voluntários, ao passo que na prisão
a liberdade está cerceada involuntariamente. Nesse sentido, quando aplicada ao
contexto prisional, a medida de isolamento resulta em uma superposição de
confinamentos [...].”
No final do mês de março, o então Ministro Sérgio Moro afirmou: “Há um ambiente de
relativa segurança para o sistema prisional em relação ao coronavírus pela própria
condição do preso de estar isolado da sociedade”. Desconsiderou, entretanto, a
existência de um fluxo permanente de pessoas composto de agentes penitenciários,
servidores e prestadores de serviço que circulam todos os dias entre o exterior e o
interior das unidades prisionais, tornando os muros dos presídios permeáveis.
O ministro falava em tranquilidade quando já possuía informações científicas sobre o
avanço da doença no mundo e as possíveis consequências no sistema, sem que tivessem
sido adotadas medidas efetivas para contenção da pandemia no cárcere. Atuou de forma
negligente e sem as preocupações devidas até pedir demissão do cargo em 24.04.2020.
A mudança de ministro não significou uma mudança de atitude. O novo ocupante do
cargo, André Mendonça, mantém o descaso em relação às vidas das pessoas em
situação de cárcere.
O Poder Executivo também atuou para vetar dispositivos da Lei 14.019/2020
(LGL\2020\8626), os quais obrigavam o uso de máscaras em diversos locais, inclusive
em unidades prisionais. Diante de um vírus causador de uma doença (ainda) incurável, a
máscara é um dos equipamentos essenciais para evitar a transmissão, e essa estratégia
de combate, tão simples, seria facultativa às pessoas privadas de liberdade,
desonerando o poder público do dever de fornecer as máscaras. O Poder Executivo
considera que os custodiados podem ser convocados para produzir máscaras e álcool
70%, mas não exige o fornecimento de tais equipamentos, flexibilizando a proteção
dessas pessoas.
O desencarceramento poderia ser promovido em grande escala como medida de saúde
pública. O Presidente do Brasil poderia, dentro da sua competência, como medida de
preservação da saúde pública, da vida, com base em pareceres de epidemiologistas,
indicações da OMS, Fiocruz, entre outras entidades, perdoar parcela da população
carcerária do cumprimento da pena, concedendo indulto (art. 84, XII, CF (LGL\1988\3)),
como fizeram os governantes de Portugal, Peru, Gana, Nigéria e Paquistão (BRASIL,
2020). Porém, preferiu seguir sua política criminal punitivista; e em momento algum foi
discutida a possibilidade de concessão desse ato de clemência.
4.2. A Recomendação CNJ 62/2020 e sua repercussão
Em 17 de março de 2020, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Recomendação 62,
14
com orientações a todo sistema penal sobre medidas para garantir a saúde, reduzir os
fatores de propagação do vírus e garantir a continuidade da prestação jurisdicional. O
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Resultados da Pesquisa
documento tem como destinatários os Tribunais e os magistrados, portanto, esses
deveriam ajustar as suas atuações ao referido documento. Todavia, os magistrados não
se sentiram vinculados às prescrições do documento, por se tratar de uma
recomendação.
O CNJ, na referida Recomendação, tratou também do sistema socioeducativo e da
necessidade de se garantir a saúde dos adolescentes. No texto, sugere a adoção de
providências para reduzir os riscos epidemiológicos, aplicação preferencial de medidas
socioeducativas em meio aberto e revisão das decisões que determinaram internação
provisória, por tais medidas resguardarem, principalmente em um momento de crise
sanitária, o interesse do adolescente e da sociedade.
Em relação ao sistema prisional, a Recomendação sugere aos magistrados medidas que
promovam a redução da superlotação nas unidades prisionais, como: reavaliação das
prisões provisórias, substituição de penas privativas de liberdade por medidas
alternativas, excepcionalidade na aplicação das prisões preventivas, concessão de saída
antecipada do regime fechado e semiaberto e a concessão de regime domiciliar a todas
as pessoas presas em regime aberto ou semiaberto.
Pontos controversos da Recomendação CNJ 62 são os artigos 7º e 8º. Esses dispositivos
preveem redesignação de audiência para réu solto, sugerem a sua realização por meio
de videoconferência para o réu preso e abrem possibilidade (excepcional) para que a
pandemia de Covid-19 seja considerada motivo idôneo para a não realização das
audiências de custódia.
Por meio da Resolução 329/2020 (10.07), o Conselho Nacional de Justiça reafirma a
necessidade de presença dos acusados nas audiências de custódia e veda a ocorrência
desses atos pelas videoconferências. E, sem alterar o referido artigo 8º da
Recomendação, acabou por manter a possibilidade de suspensão das audiências de
custódia, afetando o direito da pessoa presa de ser apresentada e ouvida, em até 24
horas da comunicação do flagrante, pela autoridade judicial competente.
A restrição de visitas também está elencada entre as medidas propostas. Entretanto,
ciente da importância dos produtos trazidos pelos parentes para a alimentação e a
higiene dos custodiados, o documento ressalva que, em caso de restrição ou limitação
de visitas, não poderá ser restringido o acesso dos alimentos e de produtos
encaminhados pelos familiares.
Entretanto, familiares protestam em frente às unidades prisionais em várias partes
Brasil, em razão da ausência de comunicação e pela impossibilidade de entrega
gêneros alimentícios (EM PROTESTO, 2020; PASTORAL CARCERÁRIA, 2020). Pesquisa
FGV-SP, por exemplo, indica que a comunicação entre a família e a pessoa privada
liberdade não acontece para 70% dos entrevistados (MELLO, 2020).
do
de
da
de
Portanto, sob o argumento da crise sanitária, os direitos dos custodiados e,
principalmente, das custodiadas foram, mais uma vez, desrespeitados. E o confinamento
sem direito a visitas contribui para o aprofundamento das violências perpetradas no
cárcere.
4.2.1. A inobservância da Recomendação
Apesar de alguns problemas, a Recomendação CNJ 62/2020 (LGL\2020\2459) foi
elogiada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pela ONU (CONJUR, 2020).
Contudo, os efeitos atribuídos a esse documento pelo Sistema de Justiça criminal são
vergonhosos. As orientações previstas no documento só foram cumpridas fielmente em
relação à proteção dos magistrados e dos agentes públicos. As pessoas privadas de
liberdade não tiveram a proteção prevista na Recomendação. Os próprios magistrados,
que a consideraram justa para garantir a sua própria vida, não tiveram o mesmo
pensamento quando foram chamados a concretizar as sugestões para diminuir a
superlotação nas unidades prisionais e preservar o direito à vida dos custodiados. O
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Resultados da Pesquisa
Ministro Luiz Fux, atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, ao tratar sobre a
Recomendação, argumentou:
“Os juízes criminais devem ter em mente que o Conselho Nacional de Justiça
‘recomendou’ e não ‘determinou’ a liberação dos presos em regime semiaberto, sob pena
de a dose dos remédios recomendados matar a sociedade doente e gerar uma crise sem
precedentes na segurança pública nacional.” (CARNEIRO; SETO, 2020)
Essa manifestação representa o posicionamento de boa parte da magistratura brasileira,
que resiste em promover medidas de desencarceramento racional das pessoas de grupo
15
de risco, mulheres grávidas,
crianças e adolescentes. O acesso às providências
previstas na Recomendação é seletivo e parece ocorrer ao sabor da conveniência dos
julgadores. Utilizam como pretexto a segurança sanitária da população quando, em
verdade, com essa postura, expõem toda a sociedade à contaminação.
Enquanto muitos países preocuparam-se em reduzir a superlotação, por aqui, a
magistratura descumpre não só a Recomendação, mas também decisões judiciais, o
Estatuto da Criança e do Adolescente e a própria Constituição Federal, que em seu texto
prescreve que o direito à saúde é um direito de todos.
Como foi dito anteriormente, segundo o Conselho Nacional de Justiça, casos de
coronavírus ultrapassaram 13.000 no sistema prisional em um mês. O aumento foi de
99,33%. Observa-se, portanto, a implantação de mais um tipo de pena de morte
informal no Brasil. Dessa vez, matando por meio de um vírus pessoas em situação de
cárcere, totalmente subjugadas.
Chama a atenção o fato de a primeira morte por Covid-19 no sistema prisional do Rio de
Janeiro, dia 15 de abril, ter sido de um senhor de 73 anos, que se encontrava cumprindo
pena no Instituto Penal Cândido Mendes. A unidade abrigava 305 presos, sendo a
capacidade para 246 pessoas. A Defensoria havia impetrado HC coletivo, porém, quando
o óbito ocorreu, o STJ ainda não havia se manifestado (HERINGER, 2020; STABILE,
2020).
Há notícia de que 32.000 pessoas teriam sido postas em liberdade desde o início da
pandemia (PERON, 2020), porém, não há especificação dos motivos, se em razão de
relaxamento de prisão, término de cumprimento da pena, progressão de regime,
livramento condicional ou com base na Recomendação 62 do CNJ.
Em razão de um grande número de pessoas em situação de vulnerabilidade continuar
nas unidades prisionais, contrariando a orientação da Recomendação CNJ 62, o Instituto
de Defesa do Direito de Defesa requereu, nos autos da ADPF 347, Tutela Provisória
Incidental (TPI), para que o STF determinasse aos juízes da execução que analisassem a
possibilidade de deferimento de
“[...] concessão do livramento condicional a presos com 60 anos ou mais e a autorização
para que detentos com HIV, tuberculose, câncer, diabetes e doenças respiratórias,
cardíacas e imunodepressoras cumpram regime domiciliar, visando a prevenção da
propagação do novo coronavírus no sistema de justiça penal e socioeducativo do país.”
O Relator, Ministro Marco Aurélio (j. 17.03.2020), apesar de entender não existir
legitimidade do amicus curiae para o ajuizamento, manifestou a necessidade de o
Plenário pronunciar-se e conclamou os membros do Poder Judiciário a adotar uma série
de providências, para evitar a proliferação da doença dentro das unidades prisionais, tais
como concessão de regime domiciliar, livramento condicional, substituição de prisão
provisória por medida alternativa, nos termos do pedido do IDDD.
O Pleno negou seguimento ao pedido sob o argumento da falta de legitimidade, mas
também porque, apesar do declarado Estado de Coisas Inconstitucional, a maioria dos
membros do Supremo Tribunal Federal considerou que o Ministro Marco Aurélio não
poderia conclamar a magistratura a adotar providências. O Ministro Alexandre de Moraes
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Resultados da Pesquisa
abriu divergência e destacou que, para evitar a disseminação do novo coronavírus nas
prisões, o CNJ recomendou a análise de situações de risco caso a caso. A divergência foi
seguida pelos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen
Lúcia, e Dias Toffoli. Apenas o ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator na
concessão de ofício das sugestões.
Com a perpetuação da situação de risco para a vida de servidores e de pessoas privadas
de liberdade, o PSOL, autor da ADPF 347, também ingressou com um pedido de Tutela
Provisória Incidental com o mesmo teor da solicitação do IDDD. Todavia, apesar de
existir legitimidade ativa, o Relator negou seguimento porque a questão de fundo já
havia sido recusada pelo Pleno.
Também considerando a situação de risco de contágio, o aumento dos casos de Covid-19
nas unidades prisionais e a negativa de aplicação da Recomendação CNJ 62, além do
pedido de liminar dos amici curiae no HC 143.641 (Habeas Corpus Coletivo, impetrado
perante o STF, em benefício de todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no
sistema penitenciário nacional, que ostentem a condição de gestantes, puérperas ou de
mães com crianças com até 12 anos de idade sob sua responsabilidade), foram
16
interpostos novos Habeas Corpus coletivos.
A tutela coletiva da liberdade tem sido utilizada para proteção dos direitos das pessoas
privadas de liberdade durante a pandemia. Esse movimento é importante porque
permite a ampliação das decisões e o alcance de resultados para um número maior de
pessoas vulnerabilizadas. Todavia, em alguns processos, os Tribunais Superiores têm se
manifestado contrariamente à concessão de HC coletivo, considerando que a verificação
da adequação às hipóteses previstas na referida Recomendação 62 deve ser feita caso a
caso.
Vários fatores dificultam a provocação, caso a caso, do Poder Judiciário, para que
reconheça o direito daquelas pessoas que cumprem requisitos objetivos, como o estado
de gravidez, o critério cronológico ou a afetação por uma das comorbidades indicadas na
Recomendação em comento, a exemplo da ausência da Defensoria em algumas
Comarcas ou a sobrecarga de trabalho dos Defensores, que, em regra, são aqueles que
prestam assistência jurídica à população encarcerada. Dessa forma, ainda há
mulheres – mães com filhos menores, gestantes, idosos e pessoas acometidas de
doenças graves – encarceradas nesse viveiro de vírus (BRUM, 2020) que são as unidades
prisionais.
Por outro lado, quando os pedidos são formulados individualmente, os mais variados
argumentos são construídos para afastar a aplicação da Recomendação – desde sua
natureza não vinculativa a argumentos sem qualquer lastro técnico ou, mais,
argumentos desrespeitosos, a exemplo da decisão de um Desembargador do Tribunal de
Justiça de São Paulo:
“Dos cerca de 7.780.000.000 de habitantes do Planeta Terra, apenas 3 (três): Andrew
Morgan, Oleg Skripocka e Jessica Meier, ocupantes da estação espacial internacional, o
primeiro há 256 dias e os outros dois há 189 dias, portanto há mais de 6 meses, por ora
não estão sujeitos à contaminação pelo famigerado coronavírus.
Importante lembrar que os que estão há menos tempo fora do planeta, dele saíram em
25 de setembro de 2019, cerca de dois meses antes das notícias acerca da pandemia
que se iniciou na China.
Portanto, à exceção de três pessoas, todas demais estão sujeitas a risco de
contaminação, inclusive os que estavam na Estação Espacial Internacional e retornaram
à terra no princípio de setembro de 2019.
Portanto, o argumento do risco de contaminação pelo Covid-19 é de todo improcedente
e irrelevante.
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Resultados da Pesquisa
[...]
Assim, todos, à exceção dos três acima mencionados, estão em efetivo risco, daí porque
a liminar, por esta razão fica indeferida.” [grifos do original]
Em razão da resistência do Poder Judiciário em aplicar a Recomendação do CNJ, o PSOL,
subsidiado por estudos realizados pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
(IBCCRIM), interpôs a ADPF perante o STF, requerendo que “os Poderes Executivo e
Judiciário tomem providências para garantir os direitos fundamentais das pessoas
privadas de liberdade” e exigindo “transparência da gestão de presídios e garantia de
atendimento à saúde, fornecimento de água e insumos básicos de higiene para os presos
e agentes penitenciários”. A ADPF 684, entretanto, ainda não foi julgada.
No âmbito do STJ, o Ministro João Otávio Noronha denegou a grande maioria dos
17
pedidos de habeas corpus distribuídos para ele, impetrados a favor de presos idosos e
portadores de comorbidade, com o argumento de que essas condições, por si só, não
justificavam a concessão da liberdade. Porém, substituiu a prisão preventiva decretada
contra Fabrício Queiroz, amigo do Presidente Jair Bolsonaro, por prisão domiciliar, com a
justificativa de ele pertencer a grupo de risco. Mas não só. Concedeu a Márcia de Oliveira
Aguiar, que estava foragida, habeas corpus (uma raridade) por entender que Fabrício
Queiroz precisaria dos cuidados da esposa. Conseguiu em uma mesma decisão reunir a
imunidade (revelando também a seletividade nos outros casos) e o reforço de
estereótipos de gênero.
Verifica-se, ainda, em inúmeras decisões do STJ, a imposição de requisitos que não são
exigidos pela Recomendação CNJ 62. A maioria dessas decisões, inclusive, tem como
fundamento para a negativa da ordem um texto padrão, afirmando que é necessário
que:
“[...] o eventual beneficiário do instituto demonstre: a) sua inequívoca adequação no
chamado grupo de vulneráveis da Covid-19; b) a impossibilidade de receber tratamento
no estabelecimento prisional em que se encontra; e c) risco real de que o
estabelecimento em que se encontra, e que o segrega do convívio social, cause mais
risco do que o ambiente em que a sociedade está inserida, inocorrente na espécie.”
Em um dos casos julgados pelo STJ, o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca dizia não
haver “notícia de contaminação no presídio em que a Paciente cumpre pena” nem “prova
de que sua condição não possa continuar a ser tratada no estabelecimento prisional”
(AgRg no HC 580.959/SC, j. 09.06.2020, DJe 17.06.2020).
O que se repetiu, em outros termos, no âmbito do STJ, no julgamento do Habeas Corpus
582.232/SC, quando alegado pelo Relator, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que “a
penitenciária em que está internada a paciente vem tomando as precauções necessárias
em relação à possível contaminação pelo coronavírus”; que “a unidade prisional possui
recursos para proporcionar o devido tratamento das enfermidades de que sofre a
interna”, isto é, hipertensão e HIV; bem como que o “baixo nível de contaminação
existente nos presídios de Santa Catarina no momento, afasta, em princípio, a
necessidade de concessão da medida pleiteada, tanto mais que a paciente não apresenta
quadro atual de debilidade grave que não possa ser tratado no presídio” (HC
582.232/SC, j. 25.05.2020, DJe 27.05.2020).
Verifica-se, nessas decisões, uma política criminal que ainda se legitima na ideia de
defesa social, invertendo a perspectiva que a dogmática penal afirma ser própria de um
Estado Democrático de Direito, isto é, a garantia da liberdade do indivíduo contra o
arbítrio estatal, da proporcionalidade das sanções, da individualização da pena e da
dignidade do ser humano.
A contradição dos discursos revela a fragilidade da racionalidade da interpretação da lei
e da utilização da dogmática penal como contenção para o arbítrio judicial. Nesse
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sentido, cumpre destacar, no julgamento do Pedido de Tutela Provisória Incidental na
ADPF 347, a declaração do ministro Roberto Barroso em seu voto:
“A verdade é que para bem e para mal, a contaminação no Brasil ainda está no topo da
cadeia alimentar. Estamos falando ainda de gente que se socorre na rede privada,
estamos falando de gente que se socorre na rede D’Or, que vai pro Einstein. A liberação
em massa de pessoas não testadas, ainda mais se já tiver ocorrido no sistema
penitenciário, oferecerá um imenso risco sanitário.”
Dessa exposição que motiva a negação do pedido do IDDD para aplicação imediata da
Recomendação CNJ 62, é possível inferir o quanto é equivocada a ideia da magistratura
sobre saúde pública. Além disso, percebe-se que a negligência com a testagem na
população geral se aprofunda no sistema prisional. Dados do CNJ (BRASIL,
2020) indicam que a testagem nas unidades ou não acontece ou é irrisória. Em 15 de
junho de 2020, por exemplo, havia o registro de 5.754 casos confirmados e 95 óbitos
18
(considerando servidores e pessoas privadas de liberdade) no sistema prisional, sem
indicação do número de testes aplicados. Nesse mesmo mês, foram distribuídos pelo
Governo Federal, entre unidades prisionais estaduais e federais, 87 mil testes rápidos de
diagnóstico da Covid-19. Em 20 de julho, dados do Programa Justiça Presente (BRASIL,
2020), registravam 13.778 pessoas infectadas (8665 presos) e 136 mortes (71 presos).
Enquanto, em 14 de setembro, aparecem dados relativos à testagem: 51.221 pessoas
privadas de liberdade e 40.128 servidores haviam sido testados; e o registro de 34.961
pessoas infectadas (25.617 pessoas presas) e 192 mortes (110 pessoas presas).
A imprecisão dos dados (nem todos os estados fornecem adequadamente as
informações) e a baixa testagem impedem que se saiba exatamente qual a situação do
contágio nas unidades prisionais. Há que se considerar também que se trata de um vírus
o qual seu portador pode se apresentar assintomático, e que se essas pessoas
19
representam risco ao sair é porque o risco já existe nas próprias unidades prisionais.
Assim, não se sustenta a imposição do ônus da prova à defesa do risco de contágio para
que a ordem de liberdade seja concedida em relação às hipóteses previstas da
Recomendação CNJ 62/2020 (LGL\2020\2459).
Há que se considerar, entretanto, como advertem Carvalho et al. (2020, p. 3496), que o
desencarceramento precisa estar acompanhado de
“políticas públicas de mitigação da desigualdade, [...] uma vez que muitos egressos do
sistema prisional não possuem suporte familiar e social. [...] libertar indivíduos presos
deve ser uma ação intersetorial, em que participem poder público, assistência social,
ONGs, serviços de saúde e o judiciário.”
De toda forma, há que se considerar que se os riscos em uma unidade prisional são
muito maiores do que para a população em geral, o desencarceramento racional é
urgente.
5. Considerações finais
Por um breve momento, decisões do Supremo Tribunal Federal, a exemplo da ADPF 347
e do HC 143641, parecem ter o poder de alterar a realidade do sistema prisional. Porém,
não passam de medidas que são produzidas para aplacar as críticas a esse sistema, pois
acabam por relegitimá-lo com a justificativa de sua humanização e possibilidade de
garantia de direitos.
O contexto de pandemia poderia favorecer a reflexão sobre os males da prisão e do
encarceramento em massa e acarretar uma mudança nos rumos da política criminal
brasileira. Porém, a Recomendação 62 do CNJ e o número crescente de mortos foram
insuficientes para conter a sanha encarceradora do sistema penal.
Verifica-se o descaso que o governo dispensa ao direito à saúde e, consequentemente,
ao direito à vida dos brasileiros e brasileiras, principalmente daqueles homens e
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Resultados da Pesquisa
mulheres privados de liberdade.
O país passa por um momento de acirramento da violência institucional e do racismo
estrutural, o que impacta inclusive as pessoas privadas de liberdade. O punitivismo
agora é acrescido de mais um argumento falacioso: o combate à crise sanitária.
Assim, da Recomendação CNJ 62, a medida mais acolhida foi a da proibição de visitas.
As unidades prisionais suspenderam as visitas e, em muitos casos, também o acesso dos
advogados. Isso piorou a saúde dos internos não só porque aumentou o isolamento, mas
também porque deixaram de receber os produtos alimentícios e de higiene trazidos por
seus familiares, muitas vezes essenciais para prover as suas necessidades básicas.
Há que se considerar a existência de um equívoco em relação aos muros da prisão. Eles
não evitam surtos. Eles não evitam que as doenças circulem. Existe um fluxo composto
por pessoas privadas de liberdade, servidores, advogados, familiares e fornecedores que
promovem a relação entre os dois ambientes, permitindo a disseminação de doenças.
Está provado que a forma mais eficiente de evitar a contaminação é o distanciamento e
a higiene. Os custodiados não têm nenhuma dessas coisas. Então, neste momento,
deixar essa população confinada é condená-la à morte. E mais: é condenar toda
sociedade à convivência com surtos da doença que não poderá ser contida nas unidades
prisionais.
A prisão, em si, já é algo que não cumpre a função declarada. O próprio Supremo já
reconheceu. A pandemia apenas tornou essa situação mais evidente. Qual o sentido em
manter pessoas encarceradas, principalmente se o Estado não garante condições
mínimas de existência?
O vírus se alastra pelas unidades prisionais sob o olhar complacente daqueles que teriam
obrigação de proteger a saúde dos indivíduos custodiados. Verbalizam raciocínios
enviesados e apostam contra toda experiência internacional em relação à disseminação
da Covid-19 entre pessoas confinadas.
É certo que o desencarceramento, entre as medidas propostas para conter o surto nos
presídios, é a mais eficiente. Ainda que o Estado garantisse saneamento básico e
produtos de higiene, o que não acontece, com um ambiente superpopuloso, sem o
distanciamento, é difícil conter a pandemia nas unidades prisionais. Contudo, a política
criminal baseada na ideia de defesa social, de combate à criminalidade a qualquer custo,
implica tratamento das pessoas privadas de liberdade como menos sujeitos de direito,
ao lhes negar o direito à saúde e o direito à vida, sendo possível afirmar que se traduz,
assim, em um poder de morte.
Nessas circunstâncias, muitos apelam para a utilização de ações de controle de
constitucionalidade esperando que o Poder Judiciário assuma o papel de defensor da
Constituição. No entanto, a cada sentença, a cada acórdão, percebemos a contribuição
do Poder Judiciário para a manutenção do direito penal subterrâneo.
6. Referências
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disputa entre Estados e governo federal. BBC News, 27.03.2020. Disponível em:
[www.bbc.com/portuguese/brasil-52059042]. Acesso em: 13.08.2020.
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[https://bestpractice.bmj.com/topics/en-gb/3000168].
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WHO-World Health Organization. Preparedness, prevention and control of COVID-19 in
prisons and other places of detention. Interim Guidance, 2020.
1 .O controle de constitucionalidade surge a partir do desenvolvimento do princípio da
supremacia da Constituição. Isso porque o nascimento da primeira Constituição escrita
não coincide com o aparecimento do controle de constitucionalidade. Em verdade, a
necessidade de ferramentas de controle só fica evidente após violações ao texto. As
ações de controle de constitucionalidade se prestam à proteção dos valores previstos no
ordenamento. No Brasil, boa parte do controle de constitucionalidade ficou nas mãos do
Poder Judiciário, o que se constitui em um problema, vez que a decisão sobre a
constitucionalidade deveria ser compartida entre os três poderes e o povo. Sim, o povo.
Em um Estado democrático não há justificativa para excluir os cidadãos de decisões tão
importantes para a sociedade. A Constituição precisa ser protegida e reafirmada todos os
dias. Reiterada nas peças, nos discursos, nas práticas. A existência de um texto não
garante a sua eficácia. Os instrumentos do controle de constitucionalidade são
manejados todos os dias para garantir a supremacia da Constituição. Por vezes, em
coisas que até parecem – ou deviam parecer – óbvias, como o direito à vida.
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Resultados da Pesquisa
2 .“Conditions of detention often amount to cruel, inhuman or degrading
treatment. Severe overcrowding leads to chaotic conditions inside facilities, and greatly
impacts the living conditions of inmates and their access to food, water, legal defence,
health care, psychosocial support, work and education opportunities, as well as sun,
fresh air and recreation” (ONU, 2016, p. 17).
3 .BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tutela Provisória Incidental na ADPF 347. Relator:
ministro Marco Aurélio. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em:
[http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4783560]. Acesso em:
13.08.2020.
4 .Técnica desenvolvida pela Corte Constitucional da Colômbia, que visa combater
inconstitucionalidades geradas a partir da ineficiência de políticas públicas, que envolvam
muitas pessoas e que dependam da atuação de autoridades e poderes estatais para sua
resolução.
5 .“131. The national health plan for the penitentiary system and the national policy on
comprehensive health care for people deprived of liberty in prison set out the principle
that, in theory, the public health system covers all inmates. This is not the case in
practice, however. Due to severe overcrowding, health services in prisons are critically
lacking capacity to effectively accomplish their mission of providing basic medical
attention to inmates” (ONU, 2016, p. 18).
6 .“137. The inclusion of inmates in the general public health system is insufficient; there
is a need to respond to the particular needs of inmates that stem from overcrowded
detention conditions, and to prevent and treat prevalent diseases” (ONU, 2016, p. 19).
7 .“The clinical presentation is generally that of a respiratory infection with a symptom
severity ranging from a mild common cold-like illness, to a severe viral pneumonia
leading to acute respiratory distress syndrome that is potentially fatal. Characteristic
symptoms include fever, cough, and dyspnoea, although some patients may be
asymptomatic. Complications of severe disease include, but are not limited to,
multi-organ failure, septic shock, and blood clots” (BMJ Best Practice, p. 4).
8 .“1. Widespread transmission of an infectious pathogen affecting the community at
large poses a threat of introduction of the infectious agent into prisons and other places
of detention; the risk of rapidly increasing transmission of the disease within prisons or
other places of detention is likely to have an amplifying effect on the epidemic, swiftly
multiplying the number of people affected.
2. Efforts to control Covid-19 in the community are likely to fail if strong infection
prevention and control (IPC) measures, adequate testing, treatment and care are not
carried out in prisons and other places of detention as well.
3. In many countries, responsibility for health-care provision in prisons and other places
of detention lies with the Ministry of Justice/Internal Affairs. Even if this responsibility is
held by the Ministry of Health, coordination and collaboration between health and justice
sectors are paramount if the health of people in prisons and other places of detention
and the wider community is to be protected.
4. People in prisons and other places of detention are already deprived of their liberty
and may react differently to further restrictive measures imposed upon them” (WHO,
2020, p. 2).
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Resultados da Pesquisa
9 .“The very fact of being deprived of liberty generally implies that people in prisons and
other places of detention live in close proximity with one another, which is likely to result
in a heightened risk of person-to-person and droplet transmission of pathogens like
Covid-19. In addition to demographic characteristics, people in prisons typically have a
greater underlying burden of disease and worse health conditions than the general
population, and frequently face greater exposure to risks such as smoking, poor hygiene
and weak immune defence due to stress, poor nutrition, or prevalence of coexisting
diseases, such as bloodborne viruses, tuberculosis and drug use disorders” (WHO, 2020,
p. 2).
10 .“130. The extreme lack of sanitation found in most places visited, combined with the
presence of highly contagious diseases – tuberculosis, leprosy and hepatitis – and
overcrowding, have turned prisons, especially those for male inmates, into places where
prevention of disease is a permanent and unmet challenge” (ONU, 2016).
11 .Carvalho et alii (2020, 3497) chamam a atenção para o fato de que “algo que
poderia ser efetivo foi informado apenas 5 dos 145 países revisados: testagem em
massa dos indivíduos presos”.
12 .Isolamento por coorte é o isolamento de pessoas infectadas por coronavírus em um
mesmo local, separando-as das demais pessoas.
13 .Entre 2006 e 2010, o estado do Espírito Santo fez uso de contêineres para a custódia
de presos, o que acarretou a impetração de um HC perante o Superior Tribunal de
Justiça, HC 142513/ES, que, finalmente, determinou a colocação em prisão domiciliar de
todas as pessoas presas em celas-contêiner no estado, considerando que tal prática
caracterizava ilegalidade da prisão, a evidente violação ao fundamento da dignidade
humana e considerando-a como tratamento cruel e desumano (STJ, HC 142513/ES, rel.
Min. Nilson Naves, j. 23.03.2010, Sexta Turma, DJe 10.05.2010. Disponível em:
[https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=200901410634&dt_publicacao=
Acesso em: 25/08/2020).
14 .A Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça, ao ser editada no dia
17.03.2020, tinha validade de 90 dias. Após uma primeira prorrogação em 12.06, no dia
17.09 foi prorrogada até o dia 12.03.2021.
15 .Sobre as mulheres grávidas e lactantes é importante frisar que os dados do Relatório
do CNJ, datado de setembro de 2020, indicam a existência de 183 grávidas e 65
lactantes dentro das unidades prisionais (CNJ – Cadastro Nacional de presas grávidas e
lactantes).
16 .Por exemplo, STJ – HC 570.440/DF, rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe
09.06.2020; HC 568.752/RJ, Min. rel. Nefi Cordeiro, j. 26.03.2020, DJe 30.03.2020; HC
568.021/CE, Min. Raul Araujo, j. 23.04.2020, DJe 30.04.2020; HC Coletivo 568.693/ES,
rel. Sebastião Reis Júnior, 16.09.2020, DJe 17.09.2020; STF – HC 182.729/DF, rel.
Min. Luiz Fux, j. 25.03.2020, DJe n. 74, 27.03.2020; HC 183481/DF, rel. Min. Luiz Fux, j.
02.04.2020, DJe n. 83, 06.04.2020; HC 186185/DF, rel. Min. Luiz Fux, j. 31.08.2020.
17 .“O ministro João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça
(STJ), que concedeu prisão domiciliar a Fabricio Queiroz, ex-assessor do senador Flávio
Bolsonaro (Republicanos-RJ), rejeitou 96,5% (700) de 725 pedidos que chegaram à
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Resultados da Pesquisa
Corte em razão da pandemia do coronavírus. [...] Levantamento efetuado pelo Superior
Tribunal de Justiça a pedido do G1 demonstra que, até o último dia 20, o presidente do
STJ, responsável pelas decisões no tribunal durante o recesso de meio de ano do
Judiciário, atendeu a 18 dos 725 pedidos de presos formulados no contexto da
pandemia, um dos quais o de Queiroz. Segundo a assessoria do STJ, as decisões ainda
não foram publicadas. Os outros sete pedidos são de pessoas que desistiram da
solicitação” (D’AGOSTINO, 2020).
Em pesquisa realizada pelas autoras desse artigo no site do STJ, utilizando-se os termos
e operadores: “covid e recomendacao adj 62 e habeas adj corpus”, e restringindo a
busca ao referido Ministro, na aba decisões monocráticas, foram encontrados 63
acórdãos (entre HC e RHC). Em apenas um foi concedido o regime domiciliar; em 49
casos, a ordem foi denegada. Entre os argumentos, repetiram-se o fato de que não
havia notícia de contaminação nas unidades prisionais ou que a Secretaria de
Administração Penitenciária havia tomado as medidas adequadas para evitar a
contaminação, ou não se demonstrava a ausência de equipe médica no local. Em grande
parte dos casos, os pacientes eram idosos ou mulheres com filhos menores de 12 anos
ou pessoas com comorbidades (hipertensão, diabetes, lúpus, asma, por exemplo). Em
13 casos, o regime domiciliar foi negado sob o argumento de não caber HC contra
indeferimento de pedido liminar. Esse material, por si só, enseja uma análise mais
detida.
18 .Desse total, 2.605 pessoas privadas de liberdade infectadas e 54 óbitos.
19 .Há que se atentar também para o fato de que o próprio Poder Judiciário, em
condições de trabalho muito melhores do que aquelas dos agentes penitenciários e
demais funcionários do sistema prisional, bem como de custódia dos presos, resolveu
suspender as audiências presenciais, adotando o sistema de videoconferências em
muitos casos, a exemplo das audiências de instrução e julgamento, nas Varas Criminais
(Resoluções CNJ 313, 314 e 318/2020).
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