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Resultados da Pesquisa SAÚDE DA POPULAÇÃO PRISIONAL E POLÍTICA DE ENCARCERAMENTO EM CONTEXTO DE PANDEMIA: ENTRE A VIDA E A MORTE Health of the prison inmates and incarceration policy in pandemic context: between life and death Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 176/2021 | p. 153 - 180 | Fev / 2021 DTR\2021\358 Alessandra R. Mascarenhas Prado Doutora e Mestre em Direito das Relações Sociais, PUC/SP. Professora Adjunta da Faculdade de Direito e do PPGD da UFBA. Líder do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos sobre Sanção Penal (NESP), cadastrado no Diretório do CNPq. ORCID: [https://orcid.org/0000-0001-9972-6634_]. Lattes: [http://lattes.cnpq.br/2158993363327030_]. alessandra.prado@ufba.br Elenice Ribeiro Nunes dos Santos Doutoranda em Jurisdição Constitucional e Novos Direitos pelo PPGD da UFBA. Mestra em Direito Público, PUC/SP. Professora Assistente da Faculdade de Direito da UFBA. Membra do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos sobre Sanção Penal (NESP), cadastrado no Diretório do CNPq. ORCID: [https://orcid.org/0000-0002-1504-3930_]. Lattes: [http://lattes.cnpq.br/9920435893871747_]. elenicerns@ufba.br Autoras convidadas Área do Direito: Penal; Direitos Humanos Resumo: A pandemia de Covid-19 marcou o ano de 2020 por todas as restrições que implicaram a liberdade de ir e vir, a atenção para as questões sanitárias e a necessidade de redirecionamento das políticas públicas. Nesse contexto, considerando as peculiaridades do sistema prisional, a construção do presente artigo partiu do seguinte questionamento: as medidas adotadas pelo Estado brasileiro, considerando mais especificamente a atuação dos Poderes Executivo e Judiciário, nos âmbitos estadual e federal, para controle da pandemia no sistema carcerário, visam garantir o direito à saúde da população prisional ou cumprem outra função? Para tanto, a pesquisa consistiu no levantamento de dados referentes às normativas internacional e nacional produzidas a partir do reconhecimento da pandemia pela Organização Mundial da Saúde em março de 2020; aos julgados dos Tribunais Superiores brasileiros, no tocante à aplicação da Recomendação n. 62 do Conselho Nacional de Justiça; a Relatórios de fiscalização do sistema prisional no período anterior à pandemia e a Relatórios de acompanhamento das medidas adotadas durante a pandemia. Além de pesquisa a matérias publicadas na imprensa, em razão da novidade do tema, bem como dos poucos dados divulgados nos sites das Secretarias de Administração Penitenciária dos estados. Palavras-chave: Covid-19 – Sistema prisional – Direito à saúde – Sistema penal – Judicialização Abstract: The Covid-19 pandemic marked 2020 for all the restrictions it entailed on the freedom to come and go, attention to health issues and the need to redirect public policies. In this context, considering the peculiarities of the prison system, the elaboration of this article started from the following question: do the measures adopted by the Brazilian State, considering more specifically the performance of the Executive and Judiciary Branches, at the state and federal levels, to control the pandemic in the prison system, aim to guarantee the right to health of the prison population or do they fulfill another function? To this purpose, the research consisted of the analysis of data related to international and national regulations produced from the recognition of the pandemic by the World Health Organization in March 2020; to the judgments of the Brazilian Superior Courts, with regard to the Recommendation No. 62 of the National Council of Justice enforcement; Prison systems inspections reports in the pre-pandemic period and Monitoring reports of measures adopted during the pandemic; and articles published in the press. Página 111 Resultados da Pesquisa Keywords: Covid-19 – Prison system – Right to health – Penal system – Judicialization Para citar este artigo: Prado, Alessandra R. Mascarenhas; Santos, Elenice Ribeiro Nunes dos. Saúde da população prisional e política de encarceramento em contexto de pandemia: entre a vida e a morte. Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 176. ano 29. p. 153-180. São Paulo: Ed. RT, fevereiro/2021. Disponível em: <http://revistadostribunais.com.br/maf/app/document?stid=st-rql&marg=DTR-2021-358>. Acesso em: DD.MM.AAAA. Sumário: 1. Introdução - 2. O cárcere como estado de coisas inconstitucional - 3. A saúde dos custodiados em um ambiente pandêmico - 4. Medidas para contenção da disseminação do coronavírus nas unidades prisionais brasileiras - 5. Considerações finais - 6. Referências 1. Introdução O mundo se surpreende, em 2020, com a rápida propagação de um novo vírus que afeta o sistema respiratório, cuja forma de transmissão, efeitos e tratamento exigem dos cientistas esforços extraordinários para seu combate. Enquanto a população do globo terrestre aguarda pela vacina, os governos foram instados a tomar medidas drásticas para contenção da pandemia. A evitação de aglomeração de pessoas, o isolamento social, o estabelecimento de um distanciamento mínimo, a imposição do uso de máscaras para proteção da boca e do nariz, a proteção dos olhos, a higiene das mãos são as principais medidas e orientações adotadas pelos governos que tentam controlar a disseminação da Covid-19. Em grande parte dos países afetados, as atividades escolares foram suspensas e muitos serviços passaram a ser executados, remotamente, de casa. Contudo, pouco se deu atenção à população carcerária. No Brasil, o governo federal menosprezou a pandemia, denominando a infecção respiratória, que já causou mais de 210.000 mortes no país, de “gripezinha” (BRUM, 2020), bem como demonstrou, em vários momentos, o desprezo pela ciência e pelas vidas dos brasileiros. Essa postura não seria diferente em relação à população privada de liberdade, a terceira maior população encarcerada do mundo. Restaria às Secretarias de Administração Penitenciária e ao Poder Judiciário adotar medidas para preservação da saúde e da vida da população carcerária. Surge, então, o questionamento que conduziu a pesquisa: as medidas adotadas pelo Estado brasileiro, considerando mais especificamente a atuação dos Poderes Executivo e Judiciário, nos âmbitos estadual e federal, para controle da pandemia no sistema carcerário, visam garantir o direito à saúde da população prisional ou cumprem outra função? Dessa forma, o objetivo é refletir sobre a situação de saúde da população que habita as unidades prisionais e sobre a luta travada, antes, mas principalmente, durante a pandemia, para convencer as autoridades do óbvio: a necessidade do desencarceramento. Para alcançar esse objetivo, foi realizada pesquisa documental, que consistiu no levantamento de dados referentes às normativas internacional e nacional produzidas a partir do reconhecimento da pandemia pela Organização Mundial da Saúde em março de 2020, mais especificamente no que diz respeito ao sistema prisional; aos julgados dos Tribunais Superiores brasileiros no tocante à aplicação da Recomendação n. 62 do Conselho Nacional de Justiça; a Relatórios de fiscalização do sistema prisional no período anterior à pandemia e Relatórios de acompanhamento das medidas adotadas durante a Página 112 Resultados da Pesquisa pandemia. Além de pesquisa a matérias publicadas na imprensa eletronicamente, em razão da novidade do tema, bem como dos poucos dados divulgados nos sites das Secretarias de Administração Penitenciária dos estados. O trabalho, então, aborda o direito à saúde, a situação do sistema prisional e as providências adotadas (ou não adotadas) pelos órgãos governamentais diante da realidade pandêmica. No âmbito do Poder Judiciário, além da atuação do Conselho Nacional de Justiça, serão discutidos o manejo e a proliferação dos instrumentos de tutela coletiva para garantia da liberdade. Nesse ponto, trataremos de ações de controle de constitucionalidade ajuizadas e da mudança em relação à forma de luta para defesa dos direitos dos mais vulnerados. 2. O cárcere como estado de coisas inconstitucional 1 Ultimamente, no Brasil, as ações de controle de constitucionalidade são amplamente utilizadas para tratar da garantia à saúde dos custodiados, essa população invisibilizada que habita as carceragens do país. Pessoas que estão em ambientes fétidos e expostas a doenças potencializadas pelo confinamento, como sarna, hepatite, tuberculose, HIV e até hanseníase. Em tempos de pandemia, ferramentas de controle de constitucionalidade tornam-se ainda mais importantes. Apesar de ser necessário lutar pela efetividade dos julgados, é preciso utilizar todas as possibilidades jurídicas que o sistema fornece para denunciar e forçar a adoção de providências que minorem o sofrimento das pessoas em situação de cárcere. 2.1.“O quadro é de horror”: antes e depois da ADPF 347 No ano de 2008, a Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Prisional, da Câmara de Deputados Federais, apresentou relatório final e concluiu que: “a maioria dos estabelecimentos penais não oferece aos presos condições mínimas para que vivam adequadamente [...], uma realidade cruel, desumana, animalesca, ilegal, em que presos são tratados como lixo humano” (BRASIL, 2009, p. 192-193). O Relatório contém diversas referências à situação das unidades prisionais, a exemplo de uma unidade prisional feminina no Pará: “O quadro é de horror: mulheres dormindo no chão por falta de espaço, detentas com doenças de pele e amareladas por falta do banho de sol, comida estragada na cozinha da cadeia, esgoto a céu aberto, lixo acumulado, centenas de moscas rondando o ambiente.” (BRASIL, 2009, p. 162) No Mato Grosso do Sul, após inspeção à Colônia Penal, os Deputados registraram: “[...] a água é escassa e não há energia elétrica. Os presos alojam-se em barracas improvisadas, cobertas com lonas, instaladas em área aberta, ou se ajeitam, em redes, embaixo de árvores. Dezenas de presos dormem na pocilga com porcos que pertencem a agentes penitenciários. O esgoto escorre a céu aberto e há lixo jogado por todo lado.” (BRASIL, 2009, p. 162) Em relação à assistência à saúde, após discorrer sobre várias situações gravíssimas de violação a esse direito, a Comissão conclui que “Doença na prisão é facilmente transmitida em face do ambiente insalubre e superlotado. A CPI considera essenciais, no processo de melhoria do ambiente carcerário, assistência médica, farmacêutica, odontológica e psicológica, além de instalações médico-sanitárias para os presos.” (BRASIL, 2009, p. 205) Apesar de tudo que foi constatado, a situação deplorável das unidades prisionais brasileiras, no geral, não mudou. Página 113 Resultados da Pesquisa Diante da continuidade da superlotação, da sujeira, da insalubridade, da “proliferação de doenças infectocontagiosas, comida intragável, temperaturas extremas, falta de água potável e de produtos higiênicos básicos” (BRASIL, 2020, p. 02), entre outros fatores, em 27 de maio de 2015, o Partido Socialismo e Liberdade – PSOL –ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental para que fosse reconhecido o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro e determinada a adoção de algumas providências para “sanar as gravíssimas lesões a preceitos fundamentais da Constituição, decorrentes de condutas comissivas e omissivas dos poderes públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal, a seguir descritas, no tratamento da questão prisional no país”. Ainda naquele ano, o Relator Especial da Comissão de Direitos Humanos da ONU realizou inspeção em unidades prisionais de quatro estados, para verificar a ocorrência de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Uma das conclusões do Relatório destaca que: “[...] [as] condições de detenção muitas vezes equivalem a tratamento cruel, desumano ou degradante. A superlotação severa leva a condições caóticas dentro das instalações, e impacta muito as condições de vida dos detentos e seu acesso a alimentos, água, assistência jurídica, assistência médica, apoio psicossocial, oportunidades de trabalho e 2 educação, além de sol, ar fresco e recreação.” [tradução das autoras] (ONU, 2016, p. 19-20) Em 09 de setembro de 2015, quando a população prisional brasileira somava aproximadamente 698.000 presos (BRASIL, 2017, p. 9), foi reconhecido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, o estado de coisas inconstitucional (ECI), considerando, principalmente, “a violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas” (ADPF 3 347 MC/DF). 4 Apesar do reconhecimento do estado de coisas inconstitucional e da determinação de medidas a serem adotadas pelo Poder Executivo e pelo Poder Judiciário, essa grave situação das unidades prisionais brasileiras não se modificou e pode ser constatada, por exemplo, no índice da taxa de mortalidade por 100 mil habitantes nas prisões, três vezes maior do que na população em geral – conforme Relatório de Gestão de Supervisão do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2017). Uma decisão importante, porém simbólica, que surtiu pouco efeito, pois persistem as violações e a tortura próprias de países que adotam a morte como medida de política pública. Esse julgamento não alterou os critérios de seleção e de punição do Poder Judiciário, em geral, e não desfez a associação justiça e prisão. A mesma estrutura que declara o sistema prisional como Estado de Coisas Inconstitucional perpétua e incentiva a violação de direitos. Sobre isso, as autoras Ana Flauzina e Thula Pires (2020, p. 23) escreveram: “A forma como se deu o reconhecimento do estado de coisas inconstitucionais pelo STF e a maneira como se trata dos direitos das mães no contexto da prisão domiciliar são ilustrativos da forma como o poder público no Brasil tem gerido o genocídio negro.” Declarar o ECI no sistema carcerário e operar pela manutenção da situação atual, como dizem as autoras (FLAUZINA; PIRES, 2020), retrata bem a ideologia que rege a política criminal punitivista, pelo encarceramento. É a mesma que orientou a escravidão e a violência sem tréguas à população que sempre foi levada às unidades prisionais: pessoas negras e de baixa renda. Controle penal impulsionado no Brasil, a partir da produção científica de Nina Rodrigues, Página 114 Resultados da Pesquisa que “potencializou e funcionalizou o paradigma racial-etiológico colocando-o em consonância com a prática de um sistema punitivista alicerçado sobre o racismo, reforçando ambos, a prática pela legitimação científica e o racismo pela prática discriminante, um círculo racista perfeito” (GÓES, 2015, p. 190-191). Segundo Vera Malaguti (2008, p. 20), essa estratégia de legitimação do racismo cientificamente visava “manter a hierarquia sem a escravidão, manter essa hierarquia social perversa brasileira, manter ‘os negros nos seus lugares’ sem a escravidão”. E o sistema penal brasileiro, desde o seu surgimento, serviu como “uma estratégia permanente” para manter essa hierarquia social bem rígida. A permanência desse controle do sistema penal pode ser percebida, por exemplo, a partir do confronto entre os dados do IBGE (2020) e do INFOPEN (2020) – enquanto a população brasileira é formada por 42,7% pessoas brancas, 46,8% pessoas pardas, 9,4% pessoas pretas e 1,1% pessoas amarelas ou indígenas; a população prisional brasileira é formada por 32,29% pessoas brancas, 49,88 pessoas pardas e 16, 81% pessoas pretas e 1,01% pessoas amarelas ou indígenas. São corpos negros, portanto, que em sua maioria são sujeitados a esse estado de coisas inconstitucional, reproduzindo-se a lógica da escravidão dos corpos açoitados e amontoados nas senzalas. 3. A saúde dos custodiados em um ambiente pandêmico O conceito de saúde há muito deixou de ser, simplesmente, a ausência de doença. Atualmente, o direito à saúde relaciona-se com o bem-estar geral do indivíduo e está previsto nas Constituições e em vários documentos internacionais. Tratados internacionais também reconhecem o direito à saúde das pessoas privadas de liberdade, a exemplo das Regras Mínimas para Tratamento do Preso, em sua primeira versão e na atual (Regras de Mandela), e das Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas, e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok). No que concerne à legislação brasileira infraconstitucional, a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84 (LGL\1984\14)) e a Portaria Interministerial 01/2014, que institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), preveem normas que visam assegurar o direito à saúde à população privada de liberdade. Entretanto, o descompasso entre a legislação e a efetivação do direito à saúde permanece grande. A legislação avançou, mas os meios para sua concretização não foram garantidos, como observou o Relator Especial da CIDH, em 2015: “131. O Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde para pessoas privadas de liberdade na prisão estabelecem o princípio de que, em tese, o sistema público de saúde abrange todos os presos. No entanto, não é o caso na prática. Devido à severa superlotação, os serviços de saúde nos presídios estão criticamente sem capacidade de cumprir efetivamente sua missão de 5 prestar atenção médica básica aos detentos.” Foram detectados o deficit de profissionais de saúde e medicamentos; a precariedade das instalações para o atendimento médico; a demora do atendimento (itens 133 a 135). Assim como foi registrado que, diante da insuficiência, em geral, do atendimento pelo sistema público de saúde, “há que se responder às necessidades específicas dos detentos decorrentes das condições de prisões superlotadas, e prevenir e tratar doenças 6 prevalentes” [tradução das autoras] (ONU, 2016, p. 20). Dados do INFOPEN (2019) revelam que de um total de 31.723 ocorrências na área de saúde, registradas no sistema prisional brasileiro no período de julho a dezembro de 2019, 26,86% dos casos correspondem à HIB, 28,72% à tuberculose, 21,81% à sífilis e 9,51% à hepatite; mas há que se considerar que as equipes de saúde não conseguem Página 115 Resultados da Pesquisa atender a todas as pessoas e, dessa forma, pode haver subnotificação de casos. Dados do CNMP (BRASIL, 2018) apontam que 30,2% das unidades prisionais do país não oferecem nenhuma assistência médica. Percebe-se que, a despeito de avanços que ocorreram no campo normativo e das diretrizes da política nacional de atenção à saúde da população prisional, a prestação do serviço fica muito aquém das suas necessidades. A carência de profissionais, a inadequação e a improvisação dos locais de atendimento, a falta de medicamentos e vacinas, a dificuldade de marcação e de transporte para realização de exames e cirurgias são alguns dos problemas que se apresentam no particular. Somam-se a isso as instalações insalubres, a falta de material de higiene pessoal e de limpeza das celas e áreas comuns, a umidade de alguns locais, que favorecem o agravamento e a propagação das mais variadas doenças, a maior parte, doenças que afetam de forma grave a imunidade dos presos e das presas. Se a negligência existe em relação à população geral, a situação é muito pior quando se trata das pessoas custodiadas O próprio confinamento é um fator que potencializa e facilita a disseminação de uma série de doenças físicas e mentais. A população encarcerada é, essencialmente, uma população doente. Uma população acometida por uma série de enfermidades, muitas delas com tratamento eficaz já existente, mas que, por falta de higiene, de acesso a tratamento médico e, principalmente, de interesse político, não alcança os custodiados. O Estado, que tem a obrigação de guarda dessas pessoas, tem demonstrado incapacidade para garantir o cumprimento da pena em condições mínimas de dignidade. Resta cada vez mais evidente, como disse Lola Anyar de Castro, que estamos diante do que denominou de sistema penal subterrâneo, ou seja, aquele que não condiz com as prescrições normativas, a partir da Constituição: “ainda que proibidos pelo sistema penal aparente, há procedimentos diferenciais para as classes subalternas no terreno fático: […] execução penal à margem dos Direitos Humanos: carência de condições dignas de vida, de acesso à informação, à comunicação, a prestações culturais ou desportivas, etc., e sofrimentos físicos e morais excedentes aos prescritos por lei.” (ANYAR DE CASTRO, 1984, p. 246) Nesse sentido, Vera Regina Pereira de Andrade (2003, p. 293) explica que, ao não cumprir suas promessas e implicar “excessivas desigualdades, injustiças e mortes não prometidas”, o sistema penal, mais do que ineficácia, revela uma eficácia invertida, “na qual se inscreve não apenas o fracasso do projeto penal declarado mas, por dentro dele, o êxito do não-projetado; do projeto penal latente da modernidade”. Verifica-se que a privação da liberdade não cumpre as funções declaradas (de ressocializar, por exemplo) e ainda desconstitui as pessoas encarceradas – pessoas negras e pobres – da condição de sujeitos de direitos, a exemplo do que ocorre com o direito à saúde. 3.1.A pandemia e o sistema prisional: potencialização dos riscos à saúde Desde dezembro de 2019 o mundo assiste ao alastramento da doença respiratória aguda causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2). Em março de 2020, a OMS declarou o surto como pandemia. Destaca-se que a doença se manifesta em diversos graus (BMJ, 2020, p. 4): “A apresentação clínica é geralmente a de uma infecção respiratória com uma gravidade do sintoma que vai de uma doença leve comum semelhante a um resfriado, a uma pneumonia viral grave levando a síndrome do desconforto respiratório agudo que é potencialmente fatal. Os sintomas característicos incluem febre, tosse e dispneia, embora alguns pacientes possam ser assintomáticos. Complicações de doenças graves incluem, mas não se limitam, à falência de vários órgãos, choque séptico e coágulos Página 116 Resultados da Pesquisa 7 sanguíneos.” [tradução das autoras] Estudos apontam que o contágio do vírus ocorre por meio das vias aéreas superiores (nariz e boca, principalmente), havendo necessidade de distanciamento de um metro e meio entre as pessoas, utilização de máscaras quando em contato com terceiras pessoas, lavagem das mãos com sabão ou higienização com álcool a 70%, não havendo ainda medicamento eficaz para controlar a doença, nem vacina para evitar a contaminação. Diante disso, e considerando as peculiaridades do ambiente prisional, a Organização Mundial da Saúde lista os motivos em razão dos quais o desafio para prevenir e tratar a Covid-19 nas prisões é muito maior: “1. A transmissão generalizada de um patógeno infeccioso que afeta a comunidade em geral representa uma ameaça de introdução do agente infeccioso em prisões e outros locais de detenção; o risco de aumentar rapidamente a transmissão da doença dentro de prisões ou outros locais de detenção provavelmente terá um efeito amplificador sobre a epidemia, multiplicando rapidamente o número de pessoas afetadas. 2. Os esforços para controlar a Covid-19 na comunidade provavelmente falharão se medidas fortes de prevenção e controle de infecções (IPC), testes adequados, tratamento e cuidados não forem realizados em prisões e outros locais de detenção também. 3. Em muitos países, a responsabilidade pela prestação de cuidados de saúde em presídios e outros locais de detenção é do Ministério da Justiça/Assuntos Internos. Mesmo que essa responsabilidade seja mantida pelo Ministério da Saúde, a coordenação e a colaboração entre os setores de saúde e justiça são primordiais para que a saúde das pessoas nos presídios e em outros locais de detenção e da comunidade em geral seja protegida. 4. As pessoas nas prisões e em outros locais de detenção já estão privadas de sua liberdade e podem reagir de forma diferente a outras medidas restritivas impostas a 8 elas.” [tradução das autoras] Além disso, a OMS destaca que há maior vulnerabilidade dessa população para o contágio da Covid-19, pois, além da proximidade umas com as outras, “[...] as pessoas nas prisões normalmente têm uma maior carga subjacente da doença e piores condições de saúde do que a população em geral, e frequentemente enfrentam maior exposição a riscos como tabagismo, má higiene e defesa imunológica baixa devido ao estresse, má nutrição ou prevalência de coexistência de doenças, como vírus 9 transmitidos pelo sangue, tuberculose e distúrbios do uso de drogas.” [tradução das autoras] Carvalho et alii (2020, p. 3496), a partir de revisão de artigos da área da saúde, informam que “o risco para uma pessoa privada de liberdade desenvolver tuberculose no Brasil é 30 vezes maior do que a população geral brasileira. As doenças infecciosas são responsáveis por cerca de 17,5% das mortes nas prisões”. Mesmo antes da pandemia de Covid-19, o Relator Especial da CIDH chamava a atenção para a maior exposição da população prisional à contaminação pelas mais variadas doenças: “130. A extrema falta de saneamento encontrada na maioria dos locais visitados, combinada com a presença de doenças altamente contagiosas – tuberculose, hanseníase e hepatite – e a superlotação, transformaram as prisões, especialmente as dos presos do sexo masculino, em locais onde a prevenção de doenças é um desafio permanente e não 10 atendido.” [tradução das autoras] Página 117 Resultados da Pesquisa Pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, afirmam que “na população livre estima-se que cada infectado contamine 2 a 3 pessoas. Dadas as condições de encarceramento nas prisões brasileiras, pode-se estimar que um caso contamine até 10 pessoas. Assim, em uma cela com 150 PPL, 67% deles estarão infectados ao final de 14 dias, e a totalidade, em 21 dias.” (SÁNCHEZ et alii, 2020) Nota técnica elaborada por um Professor Associado de Doenças Infecciosas da Faculdade de Medicina e por um Professor Titular de imunologia e parasitologia, do Instituto de Ciências Biológicas da UNB, solicitada pela Coordenação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais no Distrito Federal, conclui que é elevadíssima “a probabilidade de transmissão efetiva e rápida da doença nos ambientes de confinamento. A aglomeração deve ser fortemente evitada” (UNB, 2020). Em dezembro de 2019, o INFOPEN registrava um total de 755.274 pessoas privadas de liberdade, com um deficit de 312.925 vagas (BRASIL, 2019). É nesse cenário de unidades superlotadas, de estado de coisas inconstitucional declarado pelo STF, em razão das péssimas condições estruturais e das insuficientes assistências material e de saúde prestadas no sistema prisional, que a pandemia chega a esse local. Embora os presos não saiam das unidades, eles estão em contato permanente com profissionais que ali prestam serviços administrativos, de saúde, de segurança, de alimentação, entre outros, e que transitam pela cidade, que trabalham em outros locais e que, em contato com pessoas contaminadas, acabam também se contaminando. Os primeiros casos de coronavírus no Brasil foram detectados em fevereiro de 2020, enquanto os primeiros casos de infecção pelo novo coronavírus no sistema prisional foram noticiados em abril, na região Norte do país (STABILE, 2020; SEAP, 2020). Em 20 de julho de 2020, dados coletados pelos Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMFs) de 20 estados revelavam a existência de 13.778 pessoas infectadas no sistema prisional brasileiro (8665 internos; 5113 agentes). Observa-se que, em 30 dias, houve um aumento de 99,3% casos, enquanto o número de óbitos aumentou 33,3%, em 30 dias, somando um total de 136 mortes em razão do coronavírus. Porém, há que se chamar a atenção para o fato de esses números não informarem exatamente a situação dos contaminados no sistema prisional. Algumas circunstâncias precisam ser consideradas na análise deles: 1) o fato de ser possível que nem todas as unidades prisionais tenham fornecido dados às respectivas secretarias de administração penitenciária; 2) dos 27 estados, apenas 20 apresentaram dados ao CNJ; 3) a testagem no sistema prisional ainda é muito baixa: dados de 22.07.2020 informam que apenas 18.607 pessoas privadas de liberdade e 19.132 servidores foram testados (BRASIL, 2020). Há que se considerar também que o “número de óbitos em decorrência de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) no Brasil cresceu 20 vezes em relação ao ano passado, de acordo com as declarações de óbito registradas nos cartórios do país”. (LOPES, 2020). Dessa forma, diante de um aumento de 1.904% desse registro, epidemiologistas afirmam que, como as mortes por SRAG podem ter como causa diferentes vírus respiratórios, parte dessas mortes pode ter sido em razão do coronavírus. Também chama a atenção o fato de que escolas, com estrutura e condições de higiene muito melhores, tiveram suas aulas suspensas em razão do risco de contaminação pela aglomeração de pessoas, e há forte pressão da população em geral para que as aulas não sejam retomadas antes da vacina começar a ser aplicada. Dessa forma, não é possível desconsiderar o que aponta a OMS sobre constituírem-se as prisões em ambientes propícios à propagação da Covid-19. Página 118 Resultados da Pesquisa A pandemia que assola o país apresenta com mais nitidez a crueldade do sistema prisional. Existem pessoas encarceradas, a maioria delas com comorbidades, com risco real de serem acometidas por um vírus mortal, que estão sendo privadas do direito de manter o seu ciclo vital. O percentual de internos e servidores mortos aumenta a cada semana, e não param de chegar mais pessoas nos presídios. 4. Medidas para contenção da disseminação do coronavírus nas unidades prisionais brasileiras Países que enfrentaram a pandemia antes do Brasil adotaram medidas diversas para a contenção da propagação do coronavírus entre a população em geral – em regra, o isolamento social e a utilização de máscaras – e algumas medidas específicas para a população prisional, a exemplo da concessão de indulto pelo Poder Executivo ou da liberdade condicional pelo Poder Judiciário (ILANUD, 2020). Considerando a orientação dos organismos internacionais para o desencarceramento como principal medida a ser adotada para proteção da vida e da saúde da população encarcerada, é preciso refletir sobre a política dos órgãos do sistema penal para conter o avanço da Covid-19 no sistema prisional brasileiro (WHO, 2020; OEA, 2020; ILANUD, 2020). 4.1. Mais restrições, menos direitos: as ações do Poder Executivo No Brasil, as autoridades sanitárias, ainda que avisadas com antecedência, não adotaram providências para evitar a chegada da doença ao país. Existem pesquisas que apontam que o vírus circulava no país antes do primeiro diagnóstico oficial, datado de 26.02.2020. O governo federal, ciente do avanço da doença em diversas partes do mundo, não foi diligente para com a preservação da saúde da população. Pelo contrário, o governo adotou medidas para impedir o controle da Covid-19, a exemplo da oposição da ANVISA à medição de temperatura nos aeroportos e da disputa do Presidente com os governadores sobre a imposição de restrições de circulação (ALVIM, 2020). No que se refere ao sistema prisional, uma das primeiras atitudes do Executivo foi a publicação das Portarias Interministeriais 05 e 07/2020, no âmbito do Ministério da Justiça e da Saúde, em 17 e 18.03.2020, respectivamente. A Portaria 05 prescreve o caráter compulsório das medidas de combate à pandemia, chegando ao ponto de indicar a criminalização de condutas, fazendo remissão aos artigos 268 e 330 do Código Penal. A Portaria 07, por seu turno, estabelece que deverá ser feita a identificação dos “custodiados que apresentem sinais e sintomas gripais, inclusive por meio do incentivo à informação voluntária dos próprios custodiados”, mas nada estabelece sobre a testagem (art. 2º e §§) – medida que se reputa de extrema relevância para a contenção da 11 pandemia. A despeito disso, está previsto o isolamento das pessoas infectadas. Porém, diante da reconhecida falta de espaço nas unidades prisionais, o artigo 3º, § 1º, da referida Portaria, dispõe que: “Caso não seja possível o isolamento em cela individual dos casos suspeitos ou confirmados, recomenda-se à Administração Penitenciária adotar o isolamento por coorte 12 e o uso de cortinas ou marcações no chão para a delimitação de distância mínima de dois metros entre os custodiados.” As medidas previstas nesse documento restaram inócuas, vez que não consideraram a situação das unidades prisionais no que diz respeito à lotação, às condições de higiene e à baixa testagem da referida população e dos funcionários. A Portaria não trata sobre a redução da população carcerária, apenas indica, entre outras coisas, o monitoramento em relação às mulheres grávidas, às crianças e aos internos em grupo de risco. Página 119 Resultados da Pesquisa O Ministério da Justiça, na pessoa do então ministro Sérgio Moro, opôs-se à soltura de custodiados em razão da pandemia e propôs que detentos idosos e com sintomas fossem colocados em instalações provisórias como contêineres e barracas de campanha. 13 Em seguida, por meio da Portaria 135/2020, o Ministério da Justiça propôs outras medidas relativas ao sistema prisional, com destaque para suspensão das visitas, separação dos indivíduos com sintomas de gripe e quarentena para os que ingressam no sistema. Carvalho et alii (2020, p. 3494) referem-se aos riscos à saúde psíquica do que chamam de superisolamento – além da privação da liberdade, o isolamento em razão do Covid-19 e a suspensão das visitas – e atentam que: “o confinamento dentro de uma unidade prisional é distinto de outros tipos, como cruzeiros, escolas, quarentena, que são isolamentos voluntários, ao passo que na prisão a liberdade está cerceada involuntariamente. Nesse sentido, quando aplicada ao contexto prisional, a medida de isolamento resulta em uma superposição de confinamentos [...].” No final do mês de março, o então Ministro Sérgio Moro afirmou: “Há um ambiente de relativa segurança para o sistema prisional em relação ao coronavírus pela própria condição do preso de estar isolado da sociedade”. Desconsiderou, entretanto, a existência de um fluxo permanente de pessoas composto de agentes penitenciários, servidores e prestadores de serviço que circulam todos os dias entre o exterior e o interior das unidades prisionais, tornando os muros dos presídios permeáveis. O ministro falava em tranquilidade quando já possuía informações científicas sobre o avanço da doença no mundo e as possíveis consequências no sistema, sem que tivessem sido adotadas medidas efetivas para contenção da pandemia no cárcere. Atuou de forma negligente e sem as preocupações devidas até pedir demissão do cargo em 24.04.2020. A mudança de ministro não significou uma mudança de atitude. O novo ocupante do cargo, André Mendonça, mantém o descaso em relação às vidas das pessoas em situação de cárcere. O Poder Executivo também atuou para vetar dispositivos da Lei 14.019/2020 (LGL\2020\8626), os quais obrigavam o uso de máscaras em diversos locais, inclusive em unidades prisionais. Diante de um vírus causador de uma doença (ainda) incurável, a máscara é um dos equipamentos essenciais para evitar a transmissão, e essa estratégia de combate, tão simples, seria facultativa às pessoas privadas de liberdade, desonerando o poder público do dever de fornecer as máscaras. O Poder Executivo considera que os custodiados podem ser convocados para produzir máscaras e álcool 70%, mas não exige o fornecimento de tais equipamentos, flexibilizando a proteção dessas pessoas. O desencarceramento poderia ser promovido em grande escala como medida de saúde pública. O Presidente do Brasil poderia, dentro da sua competência, como medida de preservação da saúde pública, da vida, com base em pareceres de epidemiologistas, indicações da OMS, Fiocruz, entre outras entidades, perdoar parcela da população carcerária do cumprimento da pena, concedendo indulto (art. 84, XII, CF (LGL\1988\3)), como fizeram os governantes de Portugal, Peru, Gana, Nigéria e Paquistão (BRASIL, 2020). Porém, preferiu seguir sua política criminal punitivista; e em momento algum foi discutida a possibilidade de concessão desse ato de clemência. 4.2. A Recomendação CNJ 62/2020 e sua repercussão Em 17 de março de 2020, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Recomendação 62, 14 com orientações a todo sistema penal sobre medidas para garantir a saúde, reduzir os fatores de propagação do vírus e garantir a continuidade da prestação jurisdicional. O Página 120 Resultados da Pesquisa documento tem como destinatários os Tribunais e os magistrados, portanto, esses deveriam ajustar as suas atuações ao referido documento. Todavia, os magistrados não se sentiram vinculados às prescrições do documento, por se tratar de uma recomendação. O CNJ, na referida Recomendação, tratou também do sistema socioeducativo e da necessidade de se garantir a saúde dos adolescentes. No texto, sugere a adoção de providências para reduzir os riscos epidemiológicos, aplicação preferencial de medidas socioeducativas em meio aberto e revisão das decisões que determinaram internação provisória, por tais medidas resguardarem, principalmente em um momento de crise sanitária, o interesse do adolescente e da sociedade. Em relação ao sistema prisional, a Recomendação sugere aos magistrados medidas que promovam a redução da superlotação nas unidades prisionais, como: reavaliação das prisões provisórias, substituição de penas privativas de liberdade por medidas alternativas, excepcionalidade na aplicação das prisões preventivas, concessão de saída antecipada do regime fechado e semiaberto e a concessão de regime domiciliar a todas as pessoas presas em regime aberto ou semiaberto. Pontos controversos da Recomendação CNJ 62 são os artigos 7º e 8º. Esses dispositivos preveem redesignação de audiência para réu solto, sugerem a sua realização por meio de videoconferência para o réu preso e abrem possibilidade (excepcional) para que a pandemia de Covid-19 seja considerada motivo idôneo para a não realização das audiências de custódia. Por meio da Resolução 329/2020 (10.07), o Conselho Nacional de Justiça reafirma a necessidade de presença dos acusados nas audiências de custódia e veda a ocorrência desses atos pelas videoconferências. E, sem alterar o referido artigo 8º da Recomendação, acabou por manter a possibilidade de suspensão das audiências de custódia, afetando o direito da pessoa presa de ser apresentada e ouvida, em até 24 horas da comunicação do flagrante, pela autoridade judicial competente. A restrição de visitas também está elencada entre as medidas propostas. Entretanto, ciente da importância dos produtos trazidos pelos parentes para a alimentação e a higiene dos custodiados, o documento ressalva que, em caso de restrição ou limitação de visitas, não poderá ser restringido o acesso dos alimentos e de produtos encaminhados pelos familiares. Entretanto, familiares protestam em frente às unidades prisionais em várias partes Brasil, em razão da ausência de comunicação e pela impossibilidade de entrega gêneros alimentícios (EM PROTESTO, 2020; PASTORAL CARCERÁRIA, 2020). Pesquisa FGV-SP, por exemplo, indica que a comunicação entre a família e a pessoa privada liberdade não acontece para 70% dos entrevistados (MELLO, 2020). do de da de Portanto, sob o argumento da crise sanitária, os direitos dos custodiados e, principalmente, das custodiadas foram, mais uma vez, desrespeitados. E o confinamento sem direito a visitas contribui para o aprofundamento das violências perpetradas no cárcere. 4.2.1. A inobservância da Recomendação Apesar de alguns problemas, a Recomendação CNJ 62/2020 (LGL\2020\2459) foi elogiada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pela ONU (CONJUR, 2020). Contudo, os efeitos atribuídos a esse documento pelo Sistema de Justiça criminal são vergonhosos. As orientações previstas no documento só foram cumpridas fielmente em relação à proteção dos magistrados e dos agentes públicos. As pessoas privadas de liberdade não tiveram a proteção prevista na Recomendação. Os próprios magistrados, que a consideraram justa para garantir a sua própria vida, não tiveram o mesmo pensamento quando foram chamados a concretizar as sugestões para diminuir a superlotação nas unidades prisionais e preservar o direito à vida dos custodiados. O Página 121 Resultados da Pesquisa Ministro Luiz Fux, atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, ao tratar sobre a Recomendação, argumentou: “Os juízes criminais devem ter em mente que o Conselho Nacional de Justiça ‘recomendou’ e não ‘determinou’ a liberação dos presos em regime semiaberto, sob pena de a dose dos remédios recomendados matar a sociedade doente e gerar uma crise sem precedentes na segurança pública nacional.” (CARNEIRO; SETO, 2020) Essa manifestação representa o posicionamento de boa parte da magistratura brasileira, que resiste em promover medidas de desencarceramento racional das pessoas de grupo 15 de risco, mulheres grávidas, crianças e adolescentes. O acesso às providências previstas na Recomendação é seletivo e parece ocorrer ao sabor da conveniência dos julgadores. Utilizam como pretexto a segurança sanitária da população quando, em verdade, com essa postura, expõem toda a sociedade à contaminação. Enquanto muitos países preocuparam-se em reduzir a superlotação, por aqui, a magistratura descumpre não só a Recomendação, mas também decisões judiciais, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a própria Constituição Federal, que em seu texto prescreve que o direito à saúde é um direito de todos. Como foi dito anteriormente, segundo o Conselho Nacional de Justiça, casos de coronavírus ultrapassaram 13.000 no sistema prisional em um mês. O aumento foi de 99,33%. Observa-se, portanto, a implantação de mais um tipo de pena de morte informal no Brasil. Dessa vez, matando por meio de um vírus pessoas em situação de cárcere, totalmente subjugadas. Chama a atenção o fato de a primeira morte por Covid-19 no sistema prisional do Rio de Janeiro, dia 15 de abril, ter sido de um senhor de 73 anos, que se encontrava cumprindo pena no Instituto Penal Cândido Mendes. A unidade abrigava 305 presos, sendo a capacidade para 246 pessoas. A Defensoria havia impetrado HC coletivo, porém, quando o óbito ocorreu, o STJ ainda não havia se manifestado (HERINGER, 2020; STABILE, 2020). Há notícia de que 32.000 pessoas teriam sido postas em liberdade desde o início da pandemia (PERON, 2020), porém, não há especificação dos motivos, se em razão de relaxamento de prisão, término de cumprimento da pena, progressão de regime, livramento condicional ou com base na Recomendação 62 do CNJ. Em razão de um grande número de pessoas em situação de vulnerabilidade continuar nas unidades prisionais, contrariando a orientação da Recomendação CNJ 62, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa requereu, nos autos da ADPF 347, Tutela Provisória Incidental (TPI), para que o STF determinasse aos juízes da execução que analisassem a possibilidade de deferimento de “[...] concessão do livramento condicional a presos com 60 anos ou mais e a autorização para que detentos com HIV, tuberculose, câncer, diabetes e doenças respiratórias, cardíacas e imunodepressoras cumpram regime domiciliar, visando a prevenção da propagação do novo coronavírus no sistema de justiça penal e socioeducativo do país.” O Relator, Ministro Marco Aurélio (j. 17.03.2020), apesar de entender não existir legitimidade do amicus curiae para o ajuizamento, manifestou a necessidade de o Plenário pronunciar-se e conclamou os membros do Poder Judiciário a adotar uma série de providências, para evitar a proliferação da doença dentro das unidades prisionais, tais como concessão de regime domiciliar, livramento condicional, substituição de prisão provisória por medida alternativa, nos termos do pedido do IDDD. O Pleno negou seguimento ao pedido sob o argumento da falta de legitimidade, mas também porque, apesar do declarado Estado de Coisas Inconstitucional, a maioria dos membros do Supremo Tribunal Federal considerou que o Ministro Marco Aurélio não poderia conclamar a magistratura a adotar providências. O Ministro Alexandre de Moraes Página 122 Resultados da Pesquisa abriu divergência e destacou que, para evitar a disseminação do novo coronavírus nas prisões, o CNJ recomendou a análise de situações de risco caso a caso. A divergência foi seguida pelos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, e Dias Toffoli. Apenas o ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator na concessão de ofício das sugestões. Com a perpetuação da situação de risco para a vida de servidores e de pessoas privadas de liberdade, o PSOL, autor da ADPF 347, também ingressou com um pedido de Tutela Provisória Incidental com o mesmo teor da solicitação do IDDD. Todavia, apesar de existir legitimidade ativa, o Relator negou seguimento porque a questão de fundo já havia sido recusada pelo Pleno. Também considerando a situação de risco de contágio, o aumento dos casos de Covid-19 nas unidades prisionais e a negativa de aplicação da Recomendação CNJ 62, além do pedido de liminar dos amici curiae no HC 143.641 (Habeas Corpus Coletivo, impetrado perante o STF, em benefício de todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no sistema penitenciário nacional, que ostentem a condição de gestantes, puérperas ou de mães com crianças com até 12 anos de idade sob sua responsabilidade), foram 16 interpostos novos Habeas Corpus coletivos. A tutela coletiva da liberdade tem sido utilizada para proteção dos direitos das pessoas privadas de liberdade durante a pandemia. Esse movimento é importante porque permite a ampliação das decisões e o alcance de resultados para um número maior de pessoas vulnerabilizadas. Todavia, em alguns processos, os Tribunais Superiores têm se manifestado contrariamente à concessão de HC coletivo, considerando que a verificação da adequação às hipóteses previstas na referida Recomendação 62 deve ser feita caso a caso. Vários fatores dificultam a provocação, caso a caso, do Poder Judiciário, para que reconheça o direito daquelas pessoas que cumprem requisitos objetivos, como o estado de gravidez, o critério cronológico ou a afetação por uma das comorbidades indicadas na Recomendação em comento, a exemplo da ausência da Defensoria em algumas Comarcas ou a sobrecarga de trabalho dos Defensores, que, em regra, são aqueles que prestam assistência jurídica à população encarcerada. Dessa forma, ainda há mulheres – mães com filhos menores, gestantes, idosos e pessoas acometidas de doenças graves – encarceradas nesse viveiro de vírus (BRUM, 2020) que são as unidades prisionais. Por outro lado, quando os pedidos são formulados individualmente, os mais variados argumentos são construídos para afastar a aplicação da Recomendação – desde sua natureza não vinculativa a argumentos sem qualquer lastro técnico ou, mais, argumentos desrespeitosos, a exemplo da decisão de um Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Dos cerca de 7.780.000.000 de habitantes do Planeta Terra, apenas 3 (três): Andrew Morgan, Oleg Skripocka e Jessica Meier, ocupantes da estação espacial internacional, o primeiro há 256 dias e os outros dois há 189 dias, portanto há mais de 6 meses, por ora não estão sujeitos à contaminação pelo famigerado coronavírus. Importante lembrar que os que estão há menos tempo fora do planeta, dele saíram em 25 de setembro de 2019, cerca de dois meses antes das notícias acerca da pandemia que se iniciou na China. Portanto, à exceção de três pessoas, todas demais estão sujeitas a risco de contaminação, inclusive os que estavam na Estação Espacial Internacional e retornaram à terra no princípio de setembro de 2019. Portanto, o argumento do risco de contaminação pelo Covid-19 é de todo improcedente e irrelevante. Página 123 Resultados da Pesquisa [...] Assim, todos, à exceção dos três acima mencionados, estão em efetivo risco, daí porque a liminar, por esta razão fica indeferida.” [grifos do original] Em razão da resistência do Poder Judiciário em aplicar a Recomendação do CNJ, o PSOL, subsidiado por estudos realizados pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), interpôs a ADPF perante o STF, requerendo que “os Poderes Executivo e Judiciário tomem providências para garantir os direitos fundamentais das pessoas privadas de liberdade” e exigindo “transparência da gestão de presídios e garantia de atendimento à saúde, fornecimento de água e insumos básicos de higiene para os presos e agentes penitenciários”. A ADPF 684, entretanto, ainda não foi julgada. No âmbito do STJ, o Ministro João Otávio Noronha denegou a grande maioria dos 17 pedidos de habeas corpus distribuídos para ele, impetrados a favor de presos idosos e portadores de comorbidade, com o argumento de que essas condições, por si só, não justificavam a concessão da liberdade. Porém, substituiu a prisão preventiva decretada contra Fabrício Queiroz, amigo do Presidente Jair Bolsonaro, por prisão domiciliar, com a justificativa de ele pertencer a grupo de risco. Mas não só. Concedeu a Márcia de Oliveira Aguiar, que estava foragida, habeas corpus (uma raridade) por entender que Fabrício Queiroz precisaria dos cuidados da esposa. Conseguiu em uma mesma decisão reunir a imunidade (revelando também a seletividade nos outros casos) e o reforço de estereótipos de gênero. Verifica-se, ainda, em inúmeras decisões do STJ, a imposição de requisitos que não são exigidos pela Recomendação CNJ 62. A maioria dessas decisões, inclusive, tem como fundamento para a negativa da ordem um texto padrão, afirmando que é necessário que: “[...] o eventual beneficiário do instituto demonstre: a) sua inequívoca adequação no chamado grupo de vulneráveis da Covid-19; b) a impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se encontra; e c) risco real de que o estabelecimento em que se encontra, e que o segrega do convívio social, cause mais risco do que o ambiente em que a sociedade está inserida, inocorrente na espécie.” Em um dos casos julgados pelo STJ, o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca dizia não haver “notícia de contaminação no presídio em que a Paciente cumpre pena” nem “prova de que sua condição não possa continuar a ser tratada no estabelecimento prisional” (AgRg no HC 580.959/SC, j. 09.06.2020, DJe 17.06.2020). O que se repetiu, em outros termos, no âmbito do STJ, no julgamento do Habeas Corpus 582.232/SC, quando alegado pelo Relator, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que “a penitenciária em que está internada a paciente vem tomando as precauções necessárias em relação à possível contaminação pelo coronavírus”; que “a unidade prisional possui recursos para proporcionar o devido tratamento das enfermidades de que sofre a interna”, isto é, hipertensão e HIV; bem como que o “baixo nível de contaminação existente nos presídios de Santa Catarina no momento, afasta, em princípio, a necessidade de concessão da medida pleiteada, tanto mais que a paciente não apresenta quadro atual de debilidade grave que não possa ser tratado no presídio” (HC 582.232/SC, j. 25.05.2020, DJe 27.05.2020). Verifica-se, nessas decisões, uma política criminal que ainda se legitima na ideia de defesa social, invertendo a perspectiva que a dogmática penal afirma ser própria de um Estado Democrático de Direito, isto é, a garantia da liberdade do indivíduo contra o arbítrio estatal, da proporcionalidade das sanções, da individualização da pena e da dignidade do ser humano. A contradição dos discursos revela a fragilidade da racionalidade da interpretação da lei e da utilização da dogmática penal como contenção para o arbítrio judicial. Nesse Página 124 Resultados da Pesquisa sentido, cumpre destacar, no julgamento do Pedido de Tutela Provisória Incidental na ADPF 347, a declaração do ministro Roberto Barroso em seu voto: “A verdade é que para bem e para mal, a contaminação no Brasil ainda está no topo da cadeia alimentar. Estamos falando ainda de gente que se socorre na rede privada, estamos falando de gente que se socorre na rede D’Or, que vai pro Einstein. A liberação em massa de pessoas não testadas, ainda mais se já tiver ocorrido no sistema penitenciário, oferecerá um imenso risco sanitário.” Dessa exposição que motiva a negação do pedido do IDDD para aplicação imediata da Recomendação CNJ 62, é possível inferir o quanto é equivocada a ideia da magistratura sobre saúde pública. Além disso, percebe-se que a negligência com a testagem na população geral se aprofunda no sistema prisional. Dados do CNJ (BRASIL, 2020) indicam que a testagem nas unidades ou não acontece ou é irrisória. Em 15 de junho de 2020, por exemplo, havia o registro de 5.754 casos confirmados e 95 óbitos 18 (considerando servidores e pessoas privadas de liberdade) no sistema prisional, sem indicação do número de testes aplicados. Nesse mesmo mês, foram distribuídos pelo Governo Federal, entre unidades prisionais estaduais e federais, 87 mil testes rápidos de diagnóstico da Covid-19. Em 20 de julho, dados do Programa Justiça Presente (BRASIL, 2020), registravam 13.778 pessoas infectadas (8665 presos) e 136 mortes (71 presos). Enquanto, em 14 de setembro, aparecem dados relativos à testagem: 51.221 pessoas privadas de liberdade e 40.128 servidores haviam sido testados; e o registro de 34.961 pessoas infectadas (25.617 pessoas presas) e 192 mortes (110 pessoas presas). A imprecisão dos dados (nem todos os estados fornecem adequadamente as informações) e a baixa testagem impedem que se saiba exatamente qual a situação do contágio nas unidades prisionais. Há que se considerar também que se trata de um vírus o qual seu portador pode se apresentar assintomático, e que se essas pessoas 19 representam risco ao sair é porque o risco já existe nas próprias unidades prisionais. Assim, não se sustenta a imposição do ônus da prova à defesa do risco de contágio para que a ordem de liberdade seja concedida em relação às hipóteses previstas da Recomendação CNJ 62/2020 (LGL\2020\2459). Há que se considerar, entretanto, como advertem Carvalho et al. (2020, p. 3496), que o desencarceramento precisa estar acompanhado de “políticas públicas de mitigação da desigualdade, [...] uma vez que muitos egressos do sistema prisional não possuem suporte familiar e social. [...] libertar indivíduos presos deve ser uma ação intersetorial, em que participem poder público, assistência social, ONGs, serviços de saúde e o judiciário.” De toda forma, há que se considerar que se os riscos em uma unidade prisional são muito maiores do que para a população em geral, o desencarceramento racional é urgente. 5. Considerações finais Por um breve momento, decisões do Supremo Tribunal Federal, a exemplo da ADPF 347 e do HC 143641, parecem ter o poder de alterar a realidade do sistema prisional. Porém, não passam de medidas que são produzidas para aplacar as críticas a esse sistema, pois acabam por relegitimá-lo com a justificativa de sua humanização e possibilidade de garantia de direitos. O contexto de pandemia poderia favorecer a reflexão sobre os males da prisão e do encarceramento em massa e acarretar uma mudança nos rumos da política criminal brasileira. Porém, a Recomendação 62 do CNJ e o número crescente de mortos foram insuficientes para conter a sanha encarceradora do sistema penal. Verifica-se o descaso que o governo dispensa ao direito à saúde e, consequentemente, ao direito à vida dos brasileiros e brasileiras, principalmente daqueles homens e Página 125 Resultados da Pesquisa mulheres privados de liberdade. O país passa por um momento de acirramento da violência institucional e do racismo estrutural, o que impacta inclusive as pessoas privadas de liberdade. O punitivismo agora é acrescido de mais um argumento falacioso: o combate à crise sanitária. Assim, da Recomendação CNJ 62, a medida mais acolhida foi a da proibição de visitas. As unidades prisionais suspenderam as visitas e, em muitos casos, também o acesso dos advogados. Isso piorou a saúde dos internos não só porque aumentou o isolamento, mas também porque deixaram de receber os produtos alimentícios e de higiene trazidos por seus familiares, muitas vezes essenciais para prover as suas necessidades básicas. Há que se considerar a existência de um equívoco em relação aos muros da prisão. Eles não evitam surtos. Eles não evitam que as doenças circulem. Existe um fluxo composto por pessoas privadas de liberdade, servidores, advogados, familiares e fornecedores que promovem a relação entre os dois ambientes, permitindo a disseminação de doenças. Está provado que a forma mais eficiente de evitar a contaminação é o distanciamento e a higiene. Os custodiados não têm nenhuma dessas coisas. Então, neste momento, deixar essa população confinada é condená-la à morte. E mais: é condenar toda sociedade à convivência com surtos da doença que não poderá ser contida nas unidades prisionais. A prisão, em si, já é algo que não cumpre a função declarada. O próprio Supremo já reconheceu. A pandemia apenas tornou essa situação mais evidente. Qual o sentido em manter pessoas encarceradas, principalmente se o Estado não garante condições mínimas de existência? O vírus se alastra pelas unidades prisionais sob o olhar complacente daqueles que teriam obrigação de proteger a saúde dos indivíduos custodiados. Verbalizam raciocínios enviesados e apostam contra toda experiência internacional em relação à disseminação da Covid-19 entre pessoas confinadas. É certo que o desencarceramento, entre as medidas propostas para conter o surto nos presídios, é a mais eficiente. Ainda que o Estado garantisse saneamento básico e produtos de higiene, o que não acontece, com um ambiente superpopuloso, sem o distanciamento, é difícil conter a pandemia nas unidades prisionais. Contudo, a política criminal baseada na ideia de defesa social, de combate à criminalidade a qualquer custo, implica tratamento das pessoas privadas de liberdade como menos sujeitos de direito, ao lhes negar o direito à saúde e o direito à vida, sendo possível afirmar que se traduz, assim, em um poder de morte. Nessas circunstâncias, muitos apelam para a utilização de ações de controle de constitucionalidade esperando que o Poder Judiciário assuma o papel de defensor da Constituição. No entanto, a cada sentença, a cada acórdão, percebemos a contribuição do Poder Judiciário para a manutenção do direito penal subterrâneo. 6. Referências ALVIM, Mariana. Coronavírus: medição de temperatura em aeroportos é novo capítulo da disputa entre Estados e governo federal. BBC News, 27.03.2020. Disponível em: [www.bbc.com/portuguese/brasil-52059042]. Acesso em: 13.08.2020. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. ANYAR DE CASTRO, Lola. Derechos humanos modelo integral de la ciencia penal y sistema penal subterráneo. In: Zaffaroni, Eugenio Raúl. Sistemas penales y derechos humanos en América Latina. Primer Informe. Buenos Aires: Depalma, 1984. Página 126 Resultados da Pesquisa BATISTA, Vera Malaguti. A criminalização da juventude popular no Brasil: histórias e memórias de luta na cidade do Rio de Janeiro. 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No Brasil, boa parte do controle de constitucionalidade ficou nas mãos do Poder Judiciário, o que se constitui em um problema, vez que a decisão sobre a constitucionalidade deveria ser compartida entre os três poderes e o povo. Sim, o povo. Em um Estado democrático não há justificativa para excluir os cidadãos de decisões tão importantes para a sociedade. A Constituição precisa ser protegida e reafirmada todos os dias. Reiterada nas peças, nos discursos, nas práticas. A existência de um texto não garante a sua eficácia. Os instrumentos do controle de constitucionalidade são manejados todos os dias para garantir a supremacia da Constituição. Por vezes, em coisas que até parecem – ou deviam parecer – óbvias, como o direito à vida. Página 129 Resultados da Pesquisa 2 .“Conditions of detention often amount to cruel, inhuman or degrading treatment. Severe overcrowding leads to chaotic conditions inside facilities, and greatly impacts the living conditions of inmates and their access to food, water, legal defence, health care, psychosocial support, work and education opportunities, as well as sun, fresh air and recreation” (ONU, 2016, p. 17). 3 .BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tutela Provisória Incidental na ADPF 347. Relator: ministro Marco Aurélio. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: [http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4783560]. Acesso em: 13.08.2020. 4 .Técnica desenvolvida pela Corte Constitucional da Colômbia, que visa combater inconstitucionalidades geradas a partir da ineficiência de políticas públicas, que envolvam muitas pessoas e que dependam da atuação de autoridades e poderes estatais para sua resolução. 5 .“131. The national health plan for the penitentiary system and the national policy on comprehensive health care for people deprived of liberty in prison set out the principle that, in theory, the public health system covers all inmates. This is not the case in practice, however. Due to severe overcrowding, health services in prisons are critically lacking capacity to effectively accomplish their mission of providing basic medical attention to inmates” (ONU, 2016, p. 18). 6 .“137. The inclusion of inmates in the general public health system is insufficient; there is a need to respond to the particular needs of inmates that stem from overcrowded detention conditions, and to prevent and treat prevalent diseases” (ONU, 2016, p. 19). 7 .“The clinical presentation is generally that of a respiratory infection with a symptom severity ranging from a mild common cold-like illness, to a severe viral pneumonia leading to acute respiratory distress syndrome that is potentially fatal. Characteristic symptoms include fever, cough, and dyspnoea, although some patients may be asymptomatic. Complications of severe disease include, but are not limited to, multi-organ failure, septic shock, and blood clots” (BMJ Best Practice, p. 4). 8 .“1. Widespread transmission of an infectious pathogen affecting the community at large poses a threat of introduction of the infectious agent into prisons and other places of detention; the risk of rapidly increasing transmission of the disease within prisons or other places of detention is likely to have an amplifying effect on the epidemic, swiftly multiplying the number of people affected. 2. Efforts to control Covid-19 in the community are likely to fail if strong infection prevention and control (IPC) measures, adequate testing, treatment and care are not carried out in prisons and other places of detention as well. 3. In many countries, responsibility for health-care provision in prisons and other places of detention lies with the Ministry of Justice/Internal Affairs. Even if this responsibility is held by the Ministry of Health, coordination and collaboration between health and justice sectors are paramount if the health of people in prisons and other places of detention and the wider community is to be protected. 4. People in prisons and other places of detention are already deprived of their liberty and may react differently to further restrictive measures imposed upon them” (WHO, 2020, p. 2). Página 130 Resultados da Pesquisa 9 .“The very fact of being deprived of liberty generally implies that people in prisons and other places of detention live in close proximity with one another, which is likely to result in a heightened risk of person-to-person and droplet transmission of pathogens like Covid-19. In addition to demographic characteristics, people in prisons typically have a greater underlying burden of disease and worse health conditions than the general population, and frequently face greater exposure to risks such as smoking, poor hygiene and weak immune defence due to stress, poor nutrition, or prevalence of coexisting diseases, such as bloodborne viruses, tuberculosis and drug use disorders” (WHO, 2020, p. 2). 10 .“130. The extreme lack of sanitation found in most places visited, combined with the presence of highly contagious diseases – tuberculosis, leprosy and hepatitis – and overcrowding, have turned prisons, especially those for male inmates, into places where prevention of disease is a permanent and unmet challenge” (ONU, 2016). 11 .Carvalho et alii (2020, 3497) chamam a atenção para o fato de que “algo que poderia ser efetivo foi informado apenas 5 dos 145 países revisados: testagem em massa dos indivíduos presos”. 12 .Isolamento por coorte é o isolamento de pessoas infectadas por coronavírus em um mesmo local, separando-as das demais pessoas. 13 .Entre 2006 e 2010, o estado do Espírito Santo fez uso de contêineres para a custódia de presos, o que acarretou a impetração de um HC perante o Superior Tribunal de Justiça, HC 142513/ES, que, finalmente, determinou a colocação em prisão domiciliar de todas as pessoas presas em celas-contêiner no estado, considerando que tal prática caracterizava ilegalidade da prisão, a evidente violação ao fundamento da dignidade humana e considerando-a como tratamento cruel e desumano (STJ, HC 142513/ES, rel. Min. Nilson Naves, j. 23.03.2010, Sexta Turma, DJe 10.05.2010. Disponível em: [https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=200901410634&dt_publicacao= Acesso em: 25/08/2020). 14 .A Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça, ao ser editada no dia 17.03.2020, tinha validade de 90 dias. Após uma primeira prorrogação em 12.06, no dia 17.09 foi prorrogada até o dia 12.03.2021. 15 .Sobre as mulheres grávidas e lactantes é importante frisar que os dados do Relatório do CNJ, datado de setembro de 2020, indicam a existência de 183 grávidas e 65 lactantes dentro das unidades prisionais (CNJ – Cadastro Nacional de presas grávidas e lactantes). 16 .Por exemplo, STJ – HC 570.440/DF, rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe 09.06.2020; HC 568.752/RJ, Min. rel. Nefi Cordeiro, j. 26.03.2020, DJe 30.03.2020; HC 568.021/CE, Min. Raul Araujo, j. 23.04.2020, DJe 30.04.2020; HC Coletivo 568.693/ES, rel. Sebastião Reis Júnior, 16.09.2020, DJe 17.09.2020; STF – HC 182.729/DF, rel. Min. Luiz Fux, j. 25.03.2020, DJe n. 74, 27.03.2020; HC 183481/DF, rel. Min. Luiz Fux, j. 02.04.2020, DJe n. 83, 06.04.2020; HC 186185/DF, rel. Min. Luiz Fux, j. 31.08.2020. 17 .“O ministro João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que concedeu prisão domiciliar a Fabricio Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), rejeitou 96,5% (700) de 725 pedidos que chegaram à Página 131 Resultados da Pesquisa Corte em razão da pandemia do coronavírus. [...] Levantamento efetuado pelo Superior Tribunal de Justiça a pedido do G1 demonstra que, até o último dia 20, o presidente do STJ, responsável pelas decisões no tribunal durante o recesso de meio de ano do Judiciário, atendeu a 18 dos 725 pedidos de presos formulados no contexto da pandemia, um dos quais o de Queiroz. Segundo a assessoria do STJ, as decisões ainda não foram publicadas. Os outros sete pedidos são de pessoas que desistiram da solicitação” (D’AGOSTINO, 2020). Em pesquisa realizada pelas autoras desse artigo no site do STJ, utilizando-se os termos e operadores: “covid e recomendacao adj 62 e habeas adj corpus”, e restringindo a busca ao referido Ministro, na aba decisões monocráticas, foram encontrados 63 acórdãos (entre HC e RHC). Em apenas um foi concedido o regime domiciliar; em 49 casos, a ordem foi denegada. Entre os argumentos, repetiram-se o fato de que não havia notícia de contaminação nas unidades prisionais ou que a Secretaria de Administração Penitenciária havia tomado as medidas adequadas para evitar a contaminação, ou não se demonstrava a ausência de equipe médica no local. Em grande parte dos casos, os pacientes eram idosos ou mulheres com filhos menores de 12 anos ou pessoas com comorbidades (hipertensão, diabetes, lúpus, asma, por exemplo). Em 13 casos, o regime domiciliar foi negado sob o argumento de não caber HC contra indeferimento de pedido liminar. Esse material, por si só, enseja uma análise mais detida. 18 .Desse total, 2.605 pessoas privadas de liberdade infectadas e 54 óbitos. 19 .Há que se atentar também para o fato de que o próprio Poder Judiciário, em condições de trabalho muito melhores do que aquelas dos agentes penitenciários e demais funcionários do sistema prisional, bem como de custódia dos presos, resolveu suspender as audiências presenciais, adotando o sistema de videoconferências em muitos casos, a exemplo das audiências de instrução e julgamento, nas Varas Criminais (Resoluções CNJ 313, 314 e 318/2020). Página 132