Leituras do
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Ano 03 Volume 02
Número 06
Julho-Dezembro de 2016–
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COM A PORTA DE SAÍDA ABERTA: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DA
REVISTA VEJA EM TORNO DE DILMA ROUSSEFF
Camilla Rodrigues Netto da Costa Rocha1
RESUMO: A atual conjuntura política e social do Brasil nos convoca ao exame das
articulações midiáticas em torno daqueles que têm protagonizado esse contexto. Para o
presente artigo selecionamos a figura da presidente em afastamento, Dilma Rousseff,
objetivando entender, a partir da análise de três capas da Revista Veja, veiculadas ao
longo dos anos de 2015 e 2016, quais os sentidos articulados em torno da figura da
primeira presidente mulher do Brasil, no período que antecedeu o seu afastamento do
cargo. Assim, tanto nos valemos metodologicamente como também propomos uma
reflexão teórica acerca da Análise de Discurso de Linha Francesa (ADF), a partir de
Orlandi, Baccega, Gregolin, entre outros. E ainda, para corroborar nossa investigação,
trazemos reflexões pertinentes aos enunciados midiáticos a partir de Baccega,
Escosteguy, Canclini, Kellner e Gregolin.
PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Mídia; Análise de Discurso de Linha Francesa;
Dilma Rousseff.
ABSTRACT: The current political and social conditions in Brazil calls us to examine the
media joints around those who have played this context. For this article we select the
figure of the president in clearance, Dilma Rousseff, aiming to understand, from the
analysis of three covers of Veja magazine, aired over the years 2015 and 2016, which
senses are articulated around the figure of the first female Brazil's president, in the
period before her removal from office. Thus, we not only apply methodologically but
also propose a theoretical reflection on the French Discourse Analysis (ADF), from
authors like Orlandi, Baccega, Gregolin, among others. Also, to support our research,
we bring relevant considerations set out to media from Baccega, Escosteguy, Canclini,
Kellner and Gregolin.
KEYWORDS: Communication; Media; French Discourse Analysis; Dilma Rousseff.
1
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo (PPGCOM) da
Escola Superior de Propaganda e Marketing (2015/2017). Graduação em Comunicação Social com ênfase
em Publicidade e Propaganda pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (2011/2014). Graduação
em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001/2005).
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INTRODUÇÃO
No recente contexto brasileiro em suas searas tanto social quanto política,
ganhou visibilidade a presença da mídia, destacando-se sua força enquanto uma agência
de socialização das mais importantes. Deste modo, ao se pretender compreender
quaisquer dos acontecimentos que têm lugar na sociedade, torna-se relevante examinar
os discursos midiáticos.
Interessa-nos perceber de que forma a mídia tem trabalhado nos tempos recentes
– ao longo do ano de 2015 e início de 2016 –, no que diz respeito à veiculação da
imagem da presidente em afastamento, Dilma Rousseff. Portanto, nossa investigação
não se finca especificamente em uma análise política nem tampouco tem por finalidade
examinar o contexto social como um todo.
A despeito de tanto um elemento quanto o outro perpassarem nosso objeto de
estudo sobreleva observar, em nosso entender, o que pode ser considerada como uma
consequência dentro do cenário político e social: as articulações realizadas pela mídia
em torno de Dilma Rousseff no período que antecedeu o seu afastamento do cargo.
Para tanto, selecionamos como corpus de pesquisa três capas da Revista Veja
veiculadas ao longo dos anos de 2015 e 2016 (edição 2474 de 20.4.16; edição 2447 de
21.10.15 e a edição 2407 de 14.1.15), sendo que todas tiveram como temática a
presidente em afastamento, Dilma Rousseff.
Uma vez que a mídia é uma
prática discursiva, produto de linguagem e processo histórico, para poder
apreender o seu funcionamento é necessário analisar a circulação dos
enunciados, as posições de sujeito aí assinaladas, as materialidades que dão
corpo aos sentidos e as articulações que esses enunciados estabelecem com a
história e a memória (GREGOLIN, 2007, p. 13).
Ou seja, a interação entre os estudos da mídia e os de análise de discurso
perfazem o objetivo quanto a compreensão dos sentidos sociais que são produzidos. Os
textos midiáticos colocam em circulação esses sentidos e o seu exame se coaduna com a
análise de discurso (AD) na medida em que essa se consagra como um “campo de
estudo que oferece ferramentas conceituais para a análise desses acontecimentos
discursivos” (GREGOLIN, 2007, p. 3).
Assim, nos valemos dos aportes teóricos e metodológicos da análise de discurso,
em específico da análise de discurso de linha francesa (ADF), buscando entender, a
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partir de uma análise das capas selecionadas, quais os sentidos que a Revista Veja
articulou em torno da figura da primeira presidente mulher eleita no Brasil, no período
que antecedeu o seu afastamento do cargo.
ANÁLISE DE DISCURSO DE LINHA FRANCESA
Aprendemos com Baccega (1995) que o sujeito se constitui na interação social
através da linguagem. Nesse mesmo sentido trazemos Foucault (apud GREGOLIN,
2007) quando o autor afirma que o sujeito, ao falar, já se insere na ordem do discurso. E
com Orlandi (2013, p. 15) temos que a “Análise de Discurso concebe a linguagem como
mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social”.
Ou seja, a partir dessas três proposições vislumbramos que não é possível a
existência humana sem a linguagem e, consequentemente, sem o discurso. Isso porque
“as relações de linguagem são relações de sujeitos e de sentidos e seus efeitos são
múltiplos e variados. Daí a definição de discurso: o discurso é efeito de sentidos entre
locutores” (ORLANDI, 2013, p. 21).
Consideramos importante iniciar a conceitualização da Análise de Discurso
diferenciando-a da Linguística e da Análise de Conteúdo. Quanto à primeira, o objeto
que a Análise de Discurso toma para si não é a língua fechada em si – tal como a
Linguística o faz – mas o discurso “que é um objeto sócio-histórico em que o linguístico
intervém como pressuposto” (ORLANDI, 2013, p. 16).
E ainda, em contraposição aos analistas de conteúdo que buscam encontrar um
sentido no texto, aos estudiosos do discurso interessa perceber o modo de significação
do mesmo. Nas palavras de Orlandi (2013, p. 17), a Análise de Discurso, considerando
a opacidade da linguagem, coloca a questão de “como este texto significa?”.
É a partir dos anos 60 que o texto é alçado com qualidade própria de
materialidade e significação. Na confluência entre três campos do saber – Linguística,
Marxismo e Psicanálise –, a AD toma o discurso como seu objeto próprio de estudo.
Dessa forma, incorpora a língua em sua autonomia relativa pois considera sujeito e
contexto e, ainda, passa a levar em conta a história e a ideologia.
E se assim o faz não é isentando-se de arguir os três campos com os quais
dialoga, ao contrário,
Interroga a Linguística pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o
materialismo perguntando pelo simbólico e se demarca da Psicanálise pelo
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modo como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia como
materialmente relacionada ao inconsciente sem ser absorvido por ele
(ORLANDI, 2013, p. 20)
Quanto às origens do que se constitui como Análise de Discurso elencamos duas
linhas distintas: a americana e a europeia. Para a primeira, a AD é uma extensão da
linguística, ou seja, o que se analisa são os elementos constitutivos do texto. Já para a
segunda, ao se analisar um discurso o analista deve necessariamente passar pelo
contexto externo, incorporando-o.
Adotamos no presente artigo a corrente europeia, que podemos considerar como
sendo de linha francesa. A Análise de Discurso de Linha Francesa (ADF) aprofunda e
define o discurso, como visto, para além da linguística, considerando sujeito, contexto,
história e ideologia.
Portanto, temos que para a ADF a linguagem não é transparente e reside aí um
de seus movimentos importantes: a busca por identificar como cada texto significa. E
então, o “que temos, como produto da análise, é a compreensão dos processos de
produção de sentido e de constituição dos sujeitos em suas posições” (ORLANDI, 2013,
p. 72).
Ou seja, a composição entre a linguagem, o social, o histórico e a ideologia,
garantem um lugar de fala ao sujeito, a ser desvelado pela Análise de Discurso, tanto
nos sentidos produzidos, quanto nos lugares ocupados, como nos faz perceber Orlandi
(2013).
É importante destacarmos que no Brasil a introdução da ADF sobrevém no final
da década de 70 com a pesquisadora Eni Orlandi (FERREIRA, 2007). Ao longo desses
quase cinquenta anos os autores brasileiros já consolidaram os instrumentais teóricos
necessários para a realização da análise de um discurso (FERREIRA, 2007; ORLANDI,
2013).
Porém, ainda que existam dispositivos teóricos à mão, a ADF torna inconteste
para o analista o seu papel: apreender o que advém do texto, a partir dos filtros que a
cada um, e de maneiras diferentes, perpassam. Ou seja, consiste em deixar o texto
contar o modo como a análise será realizada.
OS ENUNCIADOS MIDIÁTICOS
Sabemos que na contemporaneidade os meios de comunicação desempenham
um papel relevante. Tanto é que ao atuarem muitas vezes como substitutos dos velhos
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agentes (partidos, igrejas, sindicatos), se constituem como agências socializadoras e
passam a reestruturar o público e o privado (CANCLINI, 2008). Inclusive podemos
afirmar que o papel preponderante que desempenham é ressaltado ainda mais na medida
em que propõem novos modos de ser, pensar e agir.
E é através das narrativas – chamadas de midiáticas –, que os meios de
comunicação propõem seus significados. Ou seja, a produção de sentidos se dá através
do domínio discursivo mediante a articulação de elementos sociais e simbólicos.
Uma vez que “a inclinação dos media é reproduzir o campo ideológico da
sociedade em tal forma que reproduz, também, sua estrutura de dominação”
(ESCOSTEGUY, 2001, p. 71), é nosso dever constatar que a proposição de sentidos
pelos meios de comunicação não se dá de maneira isenta. Ao contrário, resgatamos
Kellner que traz a necessidade de lermos o que ele denomina como cultura da mídia:
Isso significa não só ler essa cultura no seu contexto sociopolítico e
econômico, mas também ver de que modo os componentes internos de seus
textos codificam relações de poder e dominação, servindo para promover os
interesses dos grupos dominantes à custa de outros, para opor-se às
ideologias, instituições e práticas hegemônicas, ou para conter uma mistura
contraditória de formas que promovem dominação e resistência (KELLNER,
2001, p. 76).
Para Baccega (2003) a realidade que apreendemos a partir dos meios de
comunicação é editada e somente destrinchando o funcionamento dos mesmos é que
podemos conhecer o mundo desvelado – tal como ele é – de modo a então agirmos
sobre ele. No mesmo sentido nos aponta Gregolin:
A criação dessa ilusão de ‘unidade’ do sentido é um recurso discursivo que
fica evidente nos textos da mídia. Como o próprio nome parece indicar, as
mídias desempenham o papel de mediação entre seus leitores e a realidade. O
que os textos da mídia oferecem não é a realidade, mas uma construção que
permite ao leitor produzir formas simbólicas de representação da sua relação
com a realidade concreta (GREGOLIN, 2007, p. 16).
Portanto, quando falamos em criticidade, estamos a tratar de um processo
indissociável entre uma imperiosa contextualização de determinado texto midiático e a
apreensão de seus sentidos na contramão da intenção que possa vir subjacente, no
sentido de preservar o status quo dominante. Nesse sentido torna-se relevante examinar
as capas da Revista Veja à luz de alguns conceitos que compõem a ADF tais como
sujeito, formação discursiva, ideologia e o próprio discurso.
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ANÁLISE: A DEPENDÊNCIA QUE ATESTA A COMPETÊNCIA
A primeira capa que selecionamos para análise traz Dilma Rousseff com a faixa
presidencial, olhando para os olhos de Joaquim Levy, que está de costas para o leitor.
Temos a meia face de Dilma e a sobreposição, compondo seu retrato inteiro, com a
cabeça de Levy.
Na margem esquerda, por sobre o ombro de Dilma o enunciado: Dilma Rousseff
com Joaquim Levy, seu ministro da Fazenda, na cerimônia de posse, em Brasília. Nas
costas de Levy a chamada principal: O PODER E O SABER. Com eles juntos, temos
uma chance de atravessar o tempestuoso 2015. Se duelarem, o Brasil perde.
Figura 1: Capa Revista Veja de 14.1.2015
Fonte: Revista Veja
Lembramos que “os textos, para nós, não são documentos que ilustram ideias
pré-concebidas, mas monumentos nos quais se inscrevem as múltiplas possibilidades de
leituras” (ORLANDI, 2013, p. 64). E que o texto, enquanto discurso, é incompleto pois
está em constante relação com outros textos, com as condições de sua produção
(sujeitos e contexto) e com o interdiscurso (memória).
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A partir daí acreditamos ser necessário retomar o contexto que permeia essa
capa. Referida produção midiática se deu no início do segundo ano de um novo
mandato da presidente Dilma Rousseff, reeleita em 26 de outubro de 2014 para
permanecer mais quatro anos no comando do país. É nesse momento que a Revista Veja
estampa em sua capa o que considera como a receita para um exercício do poder
executivo bem sucedido, qual seja, a união entre Dilma e Joaquim Levy, seu ministro da
Fazenda.
A Revista assevera de maneira explícita que só credita um futuro para o Brasil a
partir dessa união e, como não-dito, deixa entrever um rebaixamento quanto à figura de
Dilma: ela detém o poder, mas se desacompanhada do saber de Levy levará o país à
derrota.
Imputando uma adjetivação negativa ao ano de 2015, tido como tempestuoso,
esse veículo evidencia de modo enviesado o que extrai da produção de sentidos do
campo social e a ele retorna – da mesma maneira – ao levar a concepção de que Dilma
não governa bem: seu poder é exercido de maneira tempestuosa, ou seja, destruidora, ao
sabor de uma instabilidade e de uma força descontrolada, tal como se fossem fenômenos
da natureza.
A partir de Barbosa (2003, p. 113) temos que “no discurso jornalístico, o lugar
midiático articula-se também com o saber e o poder”. Esse autor vai nos dizer que a
mídia cria “mocinhos e bandidos, heróis e derrotados”. Ao explicitar, imageticamente,
uma meia face de Dilma, recortando-a de sua inteireza, a Revista Veja está a designá-la
como insuficiente. Está a trazê-la como bandida enquanto alça Levy a qualidade de
mocinho. A imagem faz jus a circulação dos sentidos provindos também dos signos
verbais: sem Levy, o fracasso.
Importante considerar, sobre o contexto, que o Partido dos Trabalhadores (PT),
ao qual Dilma é filiada, teve a consolidação de seu quarto mandato seguido e a
nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda não se coadunou com boa
parte daqueles que eleitores que vêem no PT uma alternativa para as políticas
econômicas neoliberais, voltadas prioritariamente para atender os interesses do
mercado.
Sabemos que toda realidade material é ideológica. Temos, nesse sentido, a partir
de Bakhtin que
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toda imagem artístico-simbólica ocasionada por um objeto físico particular já
é um produto ideológico. Converte-se, assim, em signo o objeto físico, o
qual, sem deixar de fazer parte da realidade material, passa a refletir e a
refratar, numa certa medida, uma outra realidade (BAKHTIN, 2014, p. 36).
E, tendo que a mídia é “um dos lugares em que a ideologia e o poder estão
marcados culturalmente” (LONARDONI, 2006, p. 109), podemos dizer que o fato de a
mídia veicular Dilma Rousseff atrelada à capacidade de um outro – homem – é refletir
uma cultura machista ao mesmo tempo em que a refrata, ou seja, lança novos sentidos
para reafirmar a dominação masculina.
ANÁLISE: ANTECIPAÇÃO DA SAÍDA ATRAVÉS DE UM
MANUAL PARA A DEMOCRACIA
A segunda capa que elegemos para análise foi introduzida no dia 21.10.2015
sendo que a primeira manifestação a favor da abertura do processo de impeachment
contra Dilma Rousseff aconteceu no dia 13 de dezembro daquele ano, ou seja, pouco
mais de um mês depois da referida veiculação midiática.
A capa traz a imagem da presidente afastada Dilma Rousseff de perfil, com a
cabeça abaixada e uma expressão no rosto que demonstra preocupação e aflição. A
pouca luz que se coloca na imagem faz dela uma sombra realçada pelas letras brancas
tracejadas por cima da figura. Seus ombros aparecem curvados parecendo carregar um
peso invisível. E sobre sua cabeça está cravada a letra V do logotipo da Revista Veja.
Figura 2: Capa Revista Veja de 21.10.2015
Fonte: Revista Veja
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Em decorrência desses fatores podemos apontar os sentidos que estão sendo
colocados em circulação: peso, sobrecarga, ausência de luz, aflição. Os ombros
curvados de Dilma recebem todas essas cargas. Aos signos imagéticos somam-se as
chamadas verbais que apontam três itens designados pela Revista Veja como
necessários para explicar os motivos da queda de um presidente, quais sejam,
impopularidade, perdem apoio no congresso e arruínam a economia do país.
A chamada principal – título da edição – destacado em letras grandes, convoca o
leitor a entender por que caem os presidentes, ou seja, traz implícita a finalidade
pedagógica em explicar uma futura queda de Dilma que, percebemos, é tida pelo
veículo como certa. Podemos perceber, deste modo, que é a mídia colocando em
circulação um discurso que considera Dilma como uma presidente a ser afastada – para
o bem da democracia.
Ademais, observamos que a Veja faz circular os sentidos necessários para a
construção de uma pessoa que, em seu entender, reúne as três condições que, à luz da
história, são comuns aos governantes de democracias destituídos de seus cargos.
Evidentemente que por analisarmos somente a capa despossuímos a competência de
trazer o modo como essa construção foi desenvolvida na matéria veiculada.
Todavia, podemos extrair a partir da capa analisada que a esse veículo midiático
articula um manual do que define como correto na seara política e, assim, demonstra sua
posição ideológica: coloca-se a favor da manutenção de um status quo que implica
diretamente na saída de Dilma Rousseff da Presidência da República.
Trazemos Orlandi (2013, p. 43) para quem “a formação discursiva se define
como aquilo que numa formação ideológica dada – ou seja, a partir de uma posição
dada em uma conjuntura sócio-histórico dada – determina o que pode e deve ser dito”.
Percebemos que a capa difundida não deixa espaço para outra interpretação. Nada pode
ser dito em favor de Dilma: o título Veja está manchado de sangue, marcado de
vermelho. A lista de checagem foi preenchida e o circuito lógico se fecha. Ditando uma
verdade que traz como absoluta, a Revista Veja deixa claro aos leitores que Dilma não
pode contra o poder da História. Inclusive é a luz dessa ciência que está iluminando a
porta de saída. Para a sobrevivência da democracia.
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ANÁLISE: A OBJETIFICAÇÃO E A DESCARTABILIDADE
A terceira e última capa foi veiculada no dia 20 de abril desse ano, ou seja,
exatos vinte e dois dias antes da aprovação, pelo Senado Federal, do afastamento de
Dilma Rousseff do cargo da Presidência da República para julgamento do processo de
impeachment.
O título da edição, escrito em caixa alta, na cor amarela, destaca o que a Revista
Veja considera como sendo a descrição apropriada para Dilma: FORA DO BARALHO.
Como subtítulo, a Revista traz que com ou sem vitória na batalha do impeachment,
Dilma já perdeu a batalha do poder. Seu governo esfacelou-se e a presidente,
abandonada pelos aliados, não comanda mais o Brasil.
A imagem de Dilma está estampada de modo a deixar transparecer um outdoor
ou até mesmo um panfleto – desses que se colam no poste – ambos desgastados,
envelhecidos: a ação do tempo teria prejudicado o material e podemos ver apenas parte
do rosto da presidente afastada.
Figura 3: Capa Revista Veja de 20.04.2016
Fonte: Revista Veja
Sabemos, a partir de Schaff que os signos linguísticos perfazem a condição
necessária para que tenhamos o pensamento. Nesse sentido o autor nos diz que:
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Quando pensamos em algo, pensamos sempre com a ajuda de signos que
representam esse ‘algo’ (...) Os signos linguísticos têm, pois, algumas
qualidades especiais; e não somente na medida em que se configuram
adequadas para o processo da comunicação de nossos pensamentos a outras
pessoas, como também – e isso é especialmente importante – na medida em
que servem para dar uma visão geral da realidade (SCHAFF, 1973, p. 130,
tradução nossa).
A capa veiculada, a partir de sua imagem, já seria capaz de evidenciar qual a
postura da Revista Veja em relação à figura de Dilma Rousseff. Isso porque acreditamos
que tal imagem cumpre com a função de fazer valer a intenção do veículo midiático,
qual seja, a de perpetrar um apagamento da figura de Dilma, retirando de circulação do
cenário político, a sua face.
No entanto, ainda que possamos verificar ser a imagem um texto cultural que
esteja falando por si, constatamos, nesse caso, a força e a imprescindibilidade das
palavras que compõem a chamada da Revista: FORA DO BARALHO. Por isso trazemos
Schaff, pois a partir desse autor chamamos a atenção para o intuito da Veja de reforçar,
com o título da edição, a sua posição quanto ao afastamento de Dilma: não basta exibila meia face, como se fosse um cartaz puído pelo tempo, rasgado e velho, é preciso
mais, é preciso afirmar que ela é (carta) fora do baralho.
E ao fazer isso, a Revista Veja utiliza-se de uma metáfora, ou seja, desliza o
sentido de Dilma para colocá-la no lugar de um objeto, retirando mais do que o seu
lugar na Presidência, o seu lugar enquanto ser humano.
E, ainda mais abaixo, no subtítulo, a Revista decreta que a batalha está perdida.
Portanto, se em 14 de janeiro de 2015 tudo o que a Veja conferia à Dilma era o poder –
e nunca a competência –, em 20 de abril do ano seguinte o decreto é um só: agora até de
poder carece a presidente.
CONCLUSÕES
Temos com Baccega (1995, p. 31) que cada discurso refrata “a realidade a partir
de suas normas, visto que cada um deles tem uma função social específica na totalidade
da sociedade”. Como estamos inseridos na prática jornalística, cumpre-nos examinar –
ainda que brevemente – algumas dessas normas.
Barbosa (2003, p. 113) vai dizer que aos profissionais do jornalismo cabe
“apurar os fatos, checar as fontes, considerar as versões conflitantes e contrapor
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opiniões divergentes; tomar uma distância tal que possa ter uma visão geral e, ao
mesmo tempo, aprofunda dos fatos”.
Tais indicativos de uma boa conduta profissional, direcionados para a prática
jornalística, não condizem com o que constatamos nas capas analisadas. E nem
precisamos ir muito longe, o próprio autor complementa, para encerrar o parágrafo: “no
entanto, sabemos que a prática jornalística se caracteriza pelo emprego de estratégias
que promovem uma construção da realidade no e pelo discurso” (BARBOSA, 2003, p.
113).
O que pudemos observar nas construções discursivas das três capas analisadas
tem o nome de relação de sentidos, para a ADF. Ou seja, os sentidos veiculados pela
Revista Veja resultaram de relações estabelecidas entre as três edições possibilitando
que vislumbrássemos a construção de um discurso apontando para o outro, conferindo
sustentação tanto nesse momento como para posicionamentos futuros da Revista
(ORLANDI, 2013).
As três capas reverberaram de modo contundente o posicionamento da Veja
contra a permanência de Dilma Rousseff no cargo para o qual foi eleita. E como os
discursos nascem da enunciação e esta está imbrincada nas formações ideológicas,
temos que nos atentar para qual “poder” os sentidos veiculados pela Veja se direcionam
(BACCEGA, 1995).
Com Baccega (1995, p. 53) sabemos que “há uma ideologia dominante que
perpassa todas as formações ideológicas e, portanto, todas as formações discursivas”.
Podemos afirmar, a partir das formações discursivas analisadas, que a Revista Veja
opera em favor da ideologia dominante.
Isso porque, ao desempenhar o papel de veículo jornalístico extrapola a sua
função de apurar os fatos e apresentar as opções ao leitor, informando-o das polaridades
existentes. Ao contrário, percebemos que a Revista Veja coloca em circulação sentidos
que reverberam para a manutenção do status quo, qual seja, o de encaminhar a
sociedade brasileira para um projeto político que não confere lugar a presidência de
Dilma Rousseff.
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