Artigo Original
Confiabilidade e reprodutibilidade do Questionário de Hábitos
do Sono em pacientes depressivos ambulatoriais
Reability and reproducibility of the Sleep Habits Questionnaire in depressed outpatients
SARAH LAXHMI CHELLAPPA1, JOHN FONTENELE ARAÚJO2
1
Médica e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
2
Médico e professor adjunto do Departamento de Fisiologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da UFRN.
Recebido: 02/07/2006 – Aceito: 18/10/2006
Resumo
Contexto: Estudos recentes sugerem que, em concomitância com a avaliação clínica, a utilização de questionários
do sono permite melhor caracterizar as queixas de sono alterado em pacientes depressivos. Objetivo: Determinar a
confiabilidade e a reprodutibilidade do Questionário de Hábitos do Sono na identificação das queixas de transtornos
do sono, como a insônia e a sonolência excessiva, em pacientes ambulatoriais com transtorno depressivo. Métodos:
Realizou-se um estudo transversal com uma amostra de 70 pacientes depressivos no ambulatório de psiquiatria de um
hospital geral. Os pacientes foram entrevistados e avaliados por meio do Questionário de Hábitos do Sono em dois
momentos, sendo utilizado um desenho de estudo de confiabilidade teste-reteste das respostas que foram analisadas
e estimadas pelo coeficiente Kappa. Resultados: Na análise de confiabilidade e de reprodutibilidade, o coeficiente
Kappa obteve um nível de concordância forte (0,73 a 0,80) em grande parte das questões, com a maioria dos coeficientes acima de 0,75. Conclusões: O Questionário de Hábitos do Sono mostrou ser confiável na avaliação das queixas
de insônia e de sonolência excessiva em pacientes depressivos ambulatoriais.
Chellappa, S.L.; Araújo, J.F. / Rev. Psiq. Clín 34 (5); 210-214, 2007
Palavras-chave: Transtornos do sono, distúrbio do início e da manutenção do sono, transtornos do sono por sonolência excessiva, transtorno depressivo, questionários.
Abstract
Background: Recent studies suggest that, together with clinical assessment, sleep questionnaires can adequately
characterize sleep complaints in depressed patients. Objective: To determine reability and reproducibility of the Sleep
Habits Questionnaire in the identification of sleep disorder complaints, such as insomnia and excessive sleepiness, in
depressed outpatients. Methods: A cross-sectional study with a study sample of 70 depressed patients was conducted
in the psychiatry outpatient unit of a general hospital. Patients were interviewed and evaluated by the Sleep Habits in
two moments and the study design included a test-retest reliability of the answers, which were analyzed and estimated
by means of Kappa coefficient. Results: In the reliability and reproducibility analysis, the Kappa coefficient showed
high levels of concordance (0.73 a 0.80) for most questions, and in most of the items coefficients were above 0.75.
Conclusions: The Sleep Habits Questionnaire proved to be reliable for the evaluation of insomnia and excessive
sleepiness complaints in depressed outpatients.
Chellappa, S.L.; Araújo, J.F. / Rev. Psiq. Clín 34 (5); 210-214, 2007
Key-words: Sleep disorders, sleep initiation and maintenance disorder, disorders of excessive somnolence, depressive
disorder, questionnaires.
Endereço para correspondência: Sarah Laxhmi Chellappa. Avenida Campos Sales, 414 – CEP 59012-300 – Natal, RN. E-mail: sarahlc@ig.com.br
Chellappa, S.L.; Araújo, J.F. / Rev. Psiq. Clín 34 (5); 210-214, 2007
Introdução
Estudos recentes têm indicado que a insônia é comórbida a diversos transtornos psiquiátricos, principalmente
ao transtorno depressivo (Breslau et al., 1996; Ford e
Cooper-Patrick L, 2001; NIH-SSC, 2005). Em torno de
70% a 80% dos pacientes depressivos apresentam insônia,
que é definida como a dificuldade em iniciar o sono, em
manter o sono e/ou o despertar precoce nas primeiras
horas da manhã (SBS, 2003; Sateia e Nowell, 2004; ICSD,
2005). Em 10% a 20% dos casos de depressão, há queixas
de sonolência excessiva, principalmente em episódios
depressivos graves ou na depressão atípica (Ohayon,
2000). A sonolência excessiva é definida como sono
noturno prolongado e sonolência diurna, com prejuízo
no desempenho das atividades sociais e ocupacionais
(Fava, 2004).
Atualmente, a insônia é considerada um dos principais problemas de saúde pública. Em 2005, relatou-se
que aproximadamente 25% da população adulta apresenta depressão, notadamente o transtorno depressivo
unipolar, com a quase totalidade desses indivíduos referindo queixas de insônia (Tylee et al., 1999; NIH-SSC,
2005). Conseqüentemente, há necessidade de identificar
de modo adequado as queixas de transtornos do sono
apresentadas por pacientes depressivos.
Essas queixas, como a insônia e a sonolência excessiva, são essencialmente avaliadas na entrevista
clínica. Contudo, diversos estudos sugerem que apenas
a avaliação clínica, sem a utilização de questionários ou
diários do sono, pode ser inadequada para caracterizar
as queixas de sono alterado (Meyers et al., 2003; Sateia
e Nowell, 2004; Lucchesi et al., 2005). Isso decorre da
marcante imprecisão na definição das queixas subjetivas de insônia em pacientes depressivos. A anamnese
e o exame físico, portanto, devem ser complementados
com a avaliação das queixas de transtornos do sono, por
meio de questionários padronizados e validados para
populações clínicas.
O Questionário de Hábitos do Sono desenvolvido
por Andrade et al. (1993) consiste em um instrumento
auto-aplicável com 32 questões que permite acessar as
condições do sono. Nesse instrumento são investigados
os horários de dormir e de acordar, a ocorrência de despertares à noite, a presença de cochilos e os transtornos
do sono presentes no indivíduo, que incluem pesadelos,
sonolência excessiva, entre outros.
O Questionário de Hábitos do Sono é utilizado na avaliação das queixas de transtornos do sono em populações
não-clínicas (Andrade et al., 1992; Vinha et al., 2002).
Todavia, esse instrumento não tem sua confiabilidade
e reprodutibilidade avaliada em populações clínicas,
como em pacientes depressivos, e pode ser de grande
valia na avaliação das queixas de insônia e de sonolência
excessiva nesses pacientes.
O objetivo deste estudo foi determinar a confiabilidade e a reprodutibilidade do Questionário de Hábitos
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do Sono na identificação das queixas de transtornos do
sono, como insônia e sonolência excessiva, em pacientes ambulatoriais com transtorno depressivo de um
hospital geral.
Métodos
Tipo de estudo e casuística
Realizou-se um estudo transversal no Ambulatório de
Psiquiatria do Hospital Universitário Onofre Lopes da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A população do estudo foi constituída por uma amostra de
conveniência da população-fonte, captada em função da
capacidade diária de absorção de demanda pela equipe
do referido ambulatório. Essa amostra incluiu pacientes
depressivos, com idade igual ou superior a 18 anos, que
procuravam atendimento no ambulatório de psiquiatria,
durante o período de abril a agosto de 2005. A amostra
desse estudo incluiu 70 pacientes depressivos.
Os critérios de inclusão foram idade entre 18 e 65
anos e diagnóstico de transtorno depressivo unipolar
dado por meio de entrevista clínica com aplicação dos
critérios da DSM-IV-R (1994). Todos os pacientes consecutivamente admitidos que preencheram os critérios
de inclusão foram entrevistados. Nessa pesquisa, os
critérios de exclusão foram os seguintes: pacientes
com transtorno bipolar, abuso de substâncias ilícitas e
de álcool, dificuldades cognitivas, de audição e doenças
mentais que impedissem a compreensão dos itens do
questionário do sono utilizado. Todavia, deve-se ressaltar
que os critérios de exclusão da amostra não abrangeram
o uso de anti-histamínicos nem de medicamentos antidepressivos e/ou hipnóticos indutores do sono.
Instrumentos
Os instrumentos de avaliação utilizada foram uma ficha
de identificação e de avaliação médica, para o registro
dos dados referentes à idade, ao nível educacional e ao
estado civil, e o Questionário de Hábitos do Sono.
O Questionário de Hábitos do Sono é um instrumento proposto por Andrade et al. (1993), com 32 itens relacionados aos hábitos de sono e à saúde. Nesse estudo,
utilizou-se uma versão adaptada desse instrumento, com
22 itens referentes apenas às queixas de alterações do
sono. Os itens 1 a 10 do questionário original, referentes
à casa e à família dos pacientes, não foram incluídos.
As questões 1, 2, 4, 6, 10 e 15 relacionam-se às queixas
de insônia, tendo como possíveis respostas ”nunca”,
“às vezes” e “sempre”. “Nunca” corresponde a não
apresentar queixas de sono alterado nos últimos 30 dias,
enquanto “às vezes” e “sempre” equivalem, respectivamente, à presença de queixas de transtornos do sono
pelo menos duas vezes por semana e mais de uma vez
por semana. Essas instruções constam no cabeçalho do
questionário e foram explicadas aos pacientes antes de
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este ser preenchido. Os itens 3, 16, 19 e 20 são referentes
às queixas de sonolência excessiva e apresentam como
respostas “nunca”, “às vezes” e “sempre”.
Neste estudo, o Questionário de Hábitos do Sono foi
utilizado para identificar a presença de queixas de insônia e de sonolência excessiva. Definiu-se insônia como
a dificuldade em iniciar o sono (resposta “às vezes” ou
“sempre” aos itens 1 e 2), a presença de sono fragmentado (resposta “às vezes” ou “sempre” aos itens 4 e 6) e
o despertar precoce pela manhã (resposta “às vezes” ou
“sempre” aos itens 10 e 15), por um período de 30 dias.
Por sua vez, considerou-se sonolência excessiva como o
sono noturno prolongado (resposta “às vezes” ou ”sempre” ao item 3) e a sonolência diurna (resposta “às vezes
ou “sempre” aos itens 16, 19 e 20), por um período de 30
dias. Os itens 5, 6 e 7 são relacionados, respectivamente, à
presença de queixas de pesadelos, de sensação de sufoco
e de outras alterações do sono (bruxismo, movimentos
corporais excessivos, fala ou grito, roncos, sonambulismo, movimento dos membros inferiores durante o sono
e bater a cabeça). Esses itens seguem o mesmo padrão
de possíveis respostas (“nunca”, “às vezes” e “sempre”).
Os itens 8, 9, 12 e 13 correspondem à caracterização dos
horários de dormir e de despertar nos dias da semana e
nos finais de semana, permitindo determinar a duração
total do sono nos pacientes.
Procedimentos
Inicialmente, realizou-se um pré-teste (com 10 pacientes
depressivos) para avaliar possíveis dificuldades na compreensão das questões do questionário pelos pacientes
e para realizar a calibração do pesquisador responsável
pelas entrevistas.
Realizou-se a coleta de dados em duas etapas. Primeiramente, efetuou-se a entrevista clínica, por cinco
médicos psiquiatras do ambulatório de psiquiatria,
responsáveis pelo acompanhamento dos pacientes.
Os cinco psiquiatras apresentavam pelo menos dez anos
de treinamento em psiquiatria e estavam capacitados e
treinados para detectar e classificar o transtorno depressivo unipolar segundo os critérios da DSM-IV-R (2000).
Os critérios diagnósticos do transtorno depressivo
incluíram ocorrência de humor depressivo, anedonia,
concentração e atenção reduzidas, alterações no apetite,
irritabilidade, sentimento de fracasso, ideação suicida
e transtornos do sono, com presença de insônia ou de
sonolência excessiva.
Posteriormente, as entrevistas foram realizadas por
um dos pesquisadores deste estudo. O Questionário
de Hábitos do Sono foi aplicado individualmente com o
apoio do pesquisador treinado, com tempo de duração
em torno de 15 a 20 minutos. Aplicou-se o instrumento
de forma coordenada, ou seja, após a leitura e a explicação do aplicador sobre o que tratava cada questão
e como deveria ser efetuada a resposta. Caso alguma
questão não fosse compreendida, o entrevistador repetia
a pergunta. Caso o entrevistado não compreendesse a
pergunta, esta era novamente repetida. Caso não houvesse resposta, o entrevistador passava para a pergunta
seguinte. Antes de iniciar a aplicação do questionário do
sono, caso o paciente estivesse acompanhado, solicitavase ao acompanhante que deixasse o paciente sozinho e
retornasse após a aplicação do instrumento de avaliação.
Esse procedimento visou a impedir a interferência do
acompanhante nas respostas aos itens do questionário
do sono.
Avaliação da reprodutibilidade
Realizou-se o teste-reteste das respostas dos pacientes,
para confirmar a reprodutibilidade e a confiabilidade do
Questionário de Hábitos do Sono (Landis e Koch, 1977).
A primeira e a segunda entrevista foram realizadas pelo
mesmo entrevistador e nos mesmos horários. O intervalo de tempo decorrido entre o teste e o reteste dos
questionários foi 7 a 40 dias.
Iniciou-se a pesquisa após a aprovação pelo Comitê
de Ética de Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (n.111/04). Após a
explicação sobre os propósitos da pesquisa, os pacientes
foram convidados a participar desse estudo. Todos os
participantes assinaram o termo de consentimento livre
e esclarecido, antes de participarem da pesquisa, tendo
sua privacidade respeitada.
Análise estatística
Utilizou-se a estatística descritiva (freqüências absoluta e relativa, médias e desvios-padrão) para avaliar
as características sociodemográficas da amostra. Para
a comparação das proporções, usou-se o Teste Quiquadrado (χ2), adotando um nível de significância de 5%.
Para a medida de confiabilidade, avaliou-se a consistência interna, para a qual se utilizou o coeficiente Kappa
ponderado, por meio de teste-reteste das questões.
O valor estatístico Kappa (K) é utilizado como medida de concordância entre duas aferições, segundo os
critérios de Landis e Kock (1977) descritos da seguinte
forma: a) quase perfeita: 0,80 a 1,00; b) forte: 0,60 a 0,80;
c) moderada: 0,40 a 0,60; d) regular: 0,20 a 0,40; d) discreta: 0 a 0,20; e) pobre: -1,00 a 0. Todas as informações
foram codificadas e armazenadas em um banco de dados
criado para esse fim. As análises foram realizadas por
meio do software EPIINFO, versão 6.0.
Resultados
Neste estudo, a idade dos pacientes da amostra variou
de 18 a 65 anos, com média de 40,48 e desvio-padrão
de + 12,54. As características sociodemográficas dos
pacientes, como a faixa etária, o sexo, a escolaridade e
a situação conjugal, estão descritas na tabela 1. Nenhum
dos pacientes se recusou a responder ao questionário
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ou interrompeu sua participação no estudo. Apesar de
80% dos pacientes apresentarem ensino fundamental
incompleto, apenas 20% dos pacientes da amostra necessitaram do auxílio do entrevistador para responder
ao Questionário de Hábitos do Sono.
Tabela 1. Características sociodemográficas da amostra
(n = 70)
Freqüência
%
Idade
de concordância para os itens individuais relacionados
às queixas de insônia e de sonolência excessiva foi
alto, com variações de 0,73 a 0,80, com a maioria dos
coeficientes acima de 0,75. O período médio de testereteste para o QHS foi 15,31 dias (intervalo de 7 a 40
dias). Não houve diferença entre os tempos de resposta
aos questionários no teste-reteste e o tempo médio de
respostas foi 15 minutos. Os itens 5, 6 e 7 relacionados,
respectivamente, à presença de queixas de transtornos
do sono como pesadelos, sensação de sufoco e outros
tipos de alterações do sono, apresentaram coeficientes
Kappa de 0,46, 0,45 e 0,40, respectivamente.
18-28
3
4,3
29-39
10
14,3
40-50
41
58,6
51-61
14
20
> 62
2
2,8
Itens referentes às
queixas de insônia
26
36,6
63,4
Tabela 2. Estudo de confiabilidade: coeficientes Kappa obtidos
pelo teste-reteste do Questionário de Hábitos do Sono
Teste-reteste
Kappa
Intervalo de
confiança (95%)
Item 1
0,80
0,67-0,83*
Item 2
0,73
0,62-0,81*
Estado civil
Item 4
0,76
0,63-0,82*
Solteiro
15
21,4
Item 6
0,78
0,67-0,84*
Casado/união consensual
44
62,9
Item 10
0,77
0,66-0,82*
0,75
0,65-0,83*
Sexo
Masculino
Feminino
44
Separado/divorciado
2
2,8
Item 15
Viúvo
9
12,9
Ensino Fundamental
58
82,9
Itens referentes
às queixas de
sonolência
excessiva
Ensino Médio
10
14,3
Item 2
0,76
0,68–0,83*
Ensino Universitário
2
2,8
Item 16
0,75
0,67-0,82*
Item 19
0,75
0,66-0,81*
Item 20
0,77
0,68-0,84*
Nível educacional
O estudo das associações entre os itens relacionados às queixas de insônia do Questionário de Hábitos
do Sono e as categorias das variáveis sociodemográficas evidenciou diferenças significativas em relação à
escolaridade (χ2 = 3,52; p < 0,0001), ao sexo (χ2 = 6,83;
p < 0,0001), à faixa etária (χ2 = 4,25; p < 0,0001) e ao estado
civil (χ2 = 5,84; p < 0,0001). Observaram-se diferenças
significativas entre os itens correspondentes às queixas de sonolência excessiva do questionário utilizado
e as categorias das variáveis escolaridade (χ2 = 5,54;
p < 0,0001), sexo (χ2 = 3,87; p < 0,0001) e estado civil
(χ2 = 5,22; p < 0,0001). Não se observou diferença significativa entre a variável faixa etária e os itens sobre as
queixas de sonolência excessiva.
Em relação ao uso de medicações, 27 (38%) pacientes
utilizaram antidepressivos e/ou hipnóticos indutores
do sono. Desses pacientes, 9 (13,4%) relataram uso de
benzodiazepínicos, 3 (5%), de amitriptilina, 3 (5%), de
nortiptilina, 3 (5%), de sertralina, 2 (3%), de fluoxetina
e 4 (6,6%) desconheciam a medicação utilizada.
A tabela 2 descreve os coeficientes Kappa para
cada um dos itens do Questionário de Hábitos do Sono
relacionados às queixas de insônia e de sonolência
excessiva. Os coeficientes Kappa indicam que o nível
*p < 0,001.
Discussão
O Questionário de Hábitos do Sono é utilizado na identificação de queixas de transtornos do sono, como insônia e
sonolência excessiva, em populações não-clínicas, como
adolescentes, estudantes e trabalhadores em turno
(Andrade et al., 1992; 1993; Vinha et al., 2002). Todavia,
esse instrumento não havia sido utilizado em populações
clínicas, como em pacientes depressivos. Neste estudo,
observou-se que esse questionário pode ser de grande
valia na avaliação das queixas de transtornos do sono
para o rastreamento da insônia e da sonolência excessiva, em pacientes depressivos ambulatoriais.
As características da amostra estudada são semelhantes à de estudos prévios com pacientes depressivos com
queixas de insônia ou de sonolência excessiva. Nesses
estudos, evidenciou-se maior freqüência de mulheres
depressivas de meia-idade em relação a homens, bem
como indivíduos com baixo nível de escolaridade e a
maioria dos pacientes era casada ou em união consensual (Hara et al., 2004; Lucchesi et al., 2005).
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A confiabilidade e a reprodutibilidade, medidas pela
consistência interna, foram avaliadas utilizando o coeficiente Kappa ponderado de todos os itens referentes às
queixas de transtornos do sono do Questionário de Hábitos do Sono, por meio do teste-reteste. Observaram-se
variações de 0,71 a 0,80, com a maioria dos coeficientes
acima de 0,75, o que é considerado satisfatório (Shrout
e Fleiss, 1979). Apenas três itens relacionados às queixas de pesadelos, de sensação de sufoco e de outras
queixas de sono alterado apresentaram coeficientes
Kappa moderados.
A maior implicação clínica deste instrumento é que o
Questionário de Hábitos do Sono pode avaliar de forma
confiável e válida as queixas de insônia e de sonolência
excessiva e, portanto, ser utilizado na avaliação clínica de
pacientes depressivos com essas queixas de transtornos
do sono.
O questionário apresentou boa aceitação pelos pacientes e a metodologia utilizada neste estudo, desde
o desenho epidemiológico aos instrumentos utilizados,
foi eficiente e de baixo custo, o que permite sua replicação em outros ser viços de atendimento clínico e
em hospitais.
Em relação às limitações do estudo, deve-se salientar
o número restrito de pacientes que constituiu a amostra
(n = 70) e a ausência de determinação da confiabilidade
interexaminador em relação ao diagnóstico de transtorno depressivo, o que impede a avaliação do grau de
concordância entre esses examinadores (Medronho e
Perez, 2002).
Igualmente, deve-se enfatizar o uso de medicações
antidepressivas e benzodiazepínicos por parte da amostra, haja vista que este fato em parte limita a extensão dos
resultados obtidos. Entre algumas alterações desencadeadas pelo uso dessas medicações, podem ser citadas
desde pior percepção do sono a sonolência excessiva
subjetiva (Lucchesi et al., 2005).
Paralelamente, deve-se salientar que os pacientes
depressivos não foram acompanhados de forma mais
prolongada, o que impede a exclusão de uma possível
hipótese diagnóstica de transtorno bipolar. Em estudos
futuros, sugere-se a caracterização dos seguintes aspectos: utilização de escalas quantitativas nos pacientes
com depressão, a fim de determinar se a gravidade
da depressão é um fator determinante da presença de
transtornos do sono; inclusão de amostras maiores e
livres de medicações com efeitos sobre o sono, como
anti-histamínicos, antidepressivos e benzodiazepínicos;
avaliação da performance nos pacientes depressivos, por
meio do questionário de sono utilizado.
Neste estudo, o Questionário de Hábitos do Sono
mostrou ser um instrumento confiável na avaliação
das queixas de insônia e de sonolência excessiva em
pacientes depressivos ambulatoriais. A alta prevalência
e o baixo nível de reconhecimento clínico das queixas
de transtornos do sono, principalmente a insônia, em pacientes deprimidos realçam a importância deste estudo.
O Questionário de Hábitos do Sono pode, desta forma,
auxiliar na identificação e avaliação dessas queixas do
sono alterado em ambulatórios e em hospitais.
Agradecimentos
Os autores agradecem a colaboração proporcionada pelo
Departamento de Psiquiatria do Hospital Universitário
Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte.
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