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ÍNDICE PLATÔ V.3 N.6 2016 Pede-se permuta On demande l’echange We ask for exchange Se pide intercambio Contato: Instituto internacional da Língua Portuguesa (IILP) Av Andrade Corvo, nº 8 Plateau, Cidade da Praia - Cabo Verde Telefone: (238) 261 95 04 www.iilp.org.cv www.riilp.org e-mail: revistariilp@gmail.com Políticas Linguísticas na Guiné Equatorial Rosângela Morello Susana Castillo-Rodriguez (organizadoras) Revista do Instituto Internacional da Língua Portuguesa - PLATÔ Editores Gilvan Müller de Oliveira Rosângela Morello Secretaria Executiva Denise Fonseca Comitê editorial Ana Isabel Soares (Instituto Camões, Portugual) António Branco (Universidade de Lisboa, Potugal) Clémence Jouët-Pastré (Universidade de Havard, Estados Unidos da América) Emir José Suaiden (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia/IBICT, Brasil) Gregório Firmino (Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique) Guadelupe Teresinha Bertusse (Universidade Pedagógica do México, México) Manuel Monteiro da Veiga (Universidade de Cabo Verde, Cabo Verde) Maria José Grosso (Universidade de Macau, Macau) Equipe Técnica Rosângela Morello: supervisão técnica Rosângela Morello e Denise Fonseca: revisão Ana Paula Seiffert: divulgação Felipe de Almeida: design gráfico Vanessa de Luca Bortolato: design gráfico Ficha catalográfica (em tramitação) Revista do Instituto Internacional da Língua Portuguesa - PLATÔ - Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) - V.3, N.6 (2016), Cidade da Praia, Cabo Verde: Editora do IILP, 2016. Semestral ISSN 2311-6625 on line Arte da capa: Felipe Almeida e Vanessa de Luca 1. Língua Portuguesa - Periódicos. 1. Instituto Internacional da Língua Portuguesa Todos os direitos autorais estão reservados a PLATÔ/IILP ÍNDICE 04 Apresentação - Políticas Linguísticas na Guiné Equatorial Rosângela Morello 06 La colonización lingüística de España en Guinea Ecuatorial Susana Castillo Rodríguez 20 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo 42 La situación lingüística de Guinea Ecuatorial: obstáculos para la implantación de una política lingüística exitosa. Mikel Larre Muñoz 60 La lengua bubi: ¿desaparición o rehabilitación? Justo Bolekia Boleka 74 Os primeiros passos do português no mais novo país lusófono da CPLP. Susana Castillo Rodríguez 82 Políticas linguísticas e multilinguismo:usos e circulação do fá d´ambô nas redes das línguas da Guiné Equatorial Rosângela Morello PLATÔ V.3 N.6 2016 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo Sobre o autor Koi Yakpo Universidade de Hong Kong. Contato: koi@hku.hk Resumo Este artigo1 explora a relação entre as políticas e as ideologias linguísticas relacionadas ao pichi, o crioulo de base lexical inglesa da Guiné Equatorial e a segunda língua nacional mais amplamente falada do país. Forneço explicações para a ausência de compromisso do Estado com o pichi, assim como a omissão do mesmo nos discursos públicos. Sugiro que as ideologias linguísticas que circundam o pichi estabelecem, em grande medida, valores negativos sobre a língua e têm contribuído para inibir as oportunidades de elevação de seu status e expansão de seu uso na Guiné Equatorial. Concluo que o pichi continuará, portanto, a ampliar suas funções sociais informalmente, pela conquista gradual de domínios adicionais de uso. Palavras-chaves Crioulo. Espanhol. Discurso. Ideologia linguística. Política linguística. 1 20 Texto traduzido do inglês por Cintia Vilanova e Rosângela Morello. PLATÔ V.3 N.6 2016 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo 1. Introdução As duas línguas crioulas da Guiné Equatorial, pichi e fa d’ambô, têm importantes representações em comunidades nativas. O fato destas duas línguas terem suas raízes no colonialismo e na escravização dos africanos por europeus as expõem, mais que a outras línguas africanas, às contradições que estes eventos cataclísmicos deixaram na África atual. Os obstáculos políticos e ideológicos para dar às línguas africanas seu lugar de direito nos assuntos das nações africanas são imensos. Mas a respeito da língua pichi, estes obstáculos parecem intransponíveis. Nos discursos escritos e falados, desde a colonização até o presente, há profundas raízes nas continuidades da representação negativa do pichi. E estas coincidem com uma ausência geral de vontade política para promover uma expansão das funções de todas as outras línguas africanas da Guiné Equatorial. Neste artigo, exploro as ideologias linguísticas sobre o pichi e, ao fazê-lo, tento prover uma explicação para a falta de qualquer compromisso do Estado, assim como sua omissão em todo e qualquer discurso público formal no que diz respeito à promoção dessa língua. Concluo que as ideologias linguísticas existentes relacionadas ao pichi tornam improváveis mudanças em abordagens oiciais. Paralelamente, uma constelação de fatores internos e externos à Guiné Equatorial provavelmente contribuirão para a expansão das funções sociais do pichi no futuro. Na seção 2 deste artigo, forneço uma visão geral do papel de pichi na Guiné Equatorial, sua relação com outras línguas na África Ocidental e arredores e as características da família linguística a que pertence. Abordo, na seção 3, as políticas linguísticas na Guiné Equatorial e o lugar do pichi neste contexto. Na seção 4, parte principal deste artigo, focalizo as ideologias linguísticas tais como elas se manifestam no discurso escrito e falado sobre o pichi. A seção 5 conclui este artigo. 2. O pichi no contexto nacional e internacional O pichi é uma ramiicação direta da língua krio de Serra Leoa. O ancestral do pichi chegou em Bioko, então conhecida pela sua designação colonial de Fernando Pó (cf. Mapa 1), com colonos africanos de Freetown, Serra Leoa, em 18272. A ilha de Bioko é uma das três entidades geográicas que compõem a nação da Guiné Equatorial, a segunda é a Ilha de Annobón, e a terceira é Río Muni, no continente Africano. Para o pichi são também encontradas, na literatura linguística, as seguintes denominações: Fernando Po Krio (e.g. Berry, 1970), Fernandino Creole English (e.g. Holm, 1988), Pidgin (English) (e.g. Morgades Bessari, 2004), Broken English (Zarco, 1938) e Pichinglis (e.g. Lipski ,v1992). No entanto, todas as denominações acima, exceto a última, são atribuídas desde fora e não têm valor mais amplo na própria Guiné Equatorial. A maioria dos atuais falantes referem-se à língua como Pichinglis, Pichin (pit[ĩ] pronunciado com a vogal inal anasalada) ou mais comumente, Pichi. Os falantes mais antigos, às vezes também se referem à língua como Krio. O pichi é falado principalmente em Malabo, capital da Guiné Equatorial localizada na ilha de Bioko, e é usada como língua franca em toda a ilha. Não há dados de censo linguístico especíico na Guiné Equatorial. De acordo com minhas estimativas, pode-se assumir que ao 2 FYFE, 1962:165. PLATÔ V.3 N.6 2016 21 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo menos 70% da população da ilha de Bioko, portanto mais de 150.000 habitantes, usam o pichi regularmente como língua principal ou secundária. Dentro da Guiné Equatorial, esse é um bom motivo para assumir que o pichi é a segunda língua africana mais falada do país, icando atrás do fang, com suas variações dialéticas distintas3 e na frente do bubi, a qual também é dialeticamente muito diferenciada4. Em termos de número de falantes, o pichi é a menor língua da família de crioulos e pidgins afrocaribenhos de base lexical inglesa (abreviada daqui para frente como AECs, derivado do termo “Afro-Caribbean English-lexiier Creoles”) depois do aku (falada na Gambia). O pichi pertence a uma imensa família linguística que se estende da costa da América Central no Caribe, passa pela bacia do Atlântico e segue até a África ocidental. Há evidências convincentes de que estas línguas devem suas similaridades à ancestralidade comum em uma proto-língua falada no Caribe oriental e possivelmente ao longo de toda a costa da África Ocidental, no início do século XVII5. A partir de minha experiência, posso airmar que a intercompreensão mútua no ramo africano dessa família (compreendendo o Nigerian Pidgin (pidgin nigeriano), Cameroon Pidgin (pidgin camaronês), Ghanaian Pidgin English (inglês pidgin ganês), o krio, o pichi e o aku) é muito alta. Igualmente alta é a intercompreensão mútua no ramo caribenho da família, com exceção notável dos AECs do Suriname, que em muitos aspectos, parecem estar mais próximos dos AECs da África Ocidental (Hancock,1987). A família de crioulos de base lexical inglesa alcança seu maior número de falantes na África Ocidental. A tabela a seguir fornece o número estimado de falantes das seis principais variedades dos AECs na África Ocidental e no Caribe, respectivamente. As fontes para a estimativa do número de falantes são apresentadas na última coluna da direita. Tabela 1. Número de falantes de crioulos afrocaribenhos de base lexical inglesa selecionados. O número estimado de falantes das maiores línguas da família, acima listadas, mostra que, juntas, as diferentes variedades de AECs formam um dos maiores grupos linguísticos do hemisfério ocidental. Note que a lista não contém as numerosas variedades de AECs faladas 22 3 HOMBERT, 1991. 4 BOLEKIA BOLEKÁ, 2008: 21ff. 5 SMITH, 1987; HANCOCK, 1986; 1987. PLATÔ V.3 N.6 2016 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo nas ilhas e costa caribenhas. Considerando igualmente que, em estatísticas demolinguísticas, diversos dialetos são agrupados sob o nome de um único idioma (por exemplo, variedades mutuamente não compreensíveis como o árabe marroquino e o árabe iemenita são contados como “árabe”, ou então conta-se como “alemão” os dialetos suíços e saxões, incompreensíveis entre si), há justiicativa suiciente para fazer o mesmo com as variedades agrupadas sob o título de “crioulos afro-caribenhos de base lexical inglesa”. Uma constelação de fatores ideológicos, que tem conduzido a uma falta de consenso sobre a classiicação genealógica dessas línguas – fatores que se reletem parcialmente nas ideologias dominantes sobre o pichi (cf. seção 4) – faz com que os AECs, no entanto, não igurem como uma variedade ou grupo de variedade(s) coerente(s) nas estatísticas demolinguísticas. Apesar disso, as estimativas sobre o número de falantes de AECs nos vários países e territórios colocariam este continuum de línguas entre as dez primeiras posições das línguas mais faladas no mundo, atrás do chinês mandarim (~840 milhões), inglês (~330 milhões), espanhol (~460 milhões) e árabe (~220 milhões), mas à frente do alemão (~84 milhões) e do francês (~69 milhões) (Lewis, Simons & Fennig 2013, fonte para estatística linguística). Portanto, o pichi pode ser visto como uma autêntica variedade equatoguineana de uma das maiores continuidades linguísticas do mundo, que permite a comunicação em um imenso espaço geográico abrangendo dois continentes, a África e a América. Estes fatos sobre os AECs são importantes quando avaliamos a atual situação do pichi na Guiné Equatorial e os discursos que o envolvem. Veremos, na próxima seção, que a política e prática do Estado na Guiné Equatorial não aproveitam as oportunidades oferecidas pelo fato do pichi ser parte do “capital” linguístico do país. 3. Política e realidade linguística na Guiné Equatorial Nesta seção, comparo as políticas linguísticas oiciais com as realidades do uso das línguas na Guiné Equatorial. Concluo que há uma discrepância signiicante entre as abordagens oiciais e a signiicação real das línguas particulares para a comunicação nacional e internacional e para a vida econômica. A Guiné Equatorial não tem um enquadramento legislativo ou quadro político que deina os detalhes da relação entre as várias línguas faladas no país. No entanto, a Constituição do país contém uma airmação explicita sobre a condição e funções de línguas particulares. O artigo 4 da Constituição declara o espanhol, o francês e o português como idiomas oiciais, enquanto que os idiomas indígenas são reconhecidos como uma parte integral da cultural nacional (Constituição da Guiné Equatorial, 2011). A Constituição, portanto, cria uma relação hierárquica entre três línguas europeias de um lado, e as línguas africanas faladas pela maioria dos equatoguineanos, de outro. Tais combinações de fortalecimento constitucional dos idiomas dos antigos colonizadores e airmações declaratórias relativas aos idiomas africanos sem desdobramentos legais concretos são comuns nas constituições africanas pós-independência6. Paralelamente, a Guiné Equatorial dispõe de formulações “difusas” sobre as políticas linguísticas (Skutnabb-Kangas, Phillipson & Rannut 1994). Por exemplo, no sistema educacional, 6 Outro exemplo é a Constituição do Gabão (2003), artigo 2, que airma que “a República do Gabão adota o francês como sua língua oicial em funcionamento, enquanto que “trabalha pela proteção e promoção das línguas nacionais” (“La République gabonaise adopte le français comme langue oficielle de travail. En outre elle oeuvre pour la protection et la promotion des langues nationales”). O artigo 2 da Constituição da República Democrática do Congo (2006) declara o francês como língua oicial enquanto que“assegura a promoção” (“assure la promotion”) das quatro línguas mais amplamente faladas do país, Kikongo, Lingala, Swahili e Tshiluba. PLATÔ V.3 N.6 2016 23 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo do primeiro até o terceiro nível, a educação é feita unicamente por meio do espanhol e não há ainda nenhum papel adequadamente deinido para a instrução nas línguas maternas africanas da maioria das crianças (Yakpo 2011). No entanto, o projeto revisado da educação nacional (República de Guinea Ecuatorial 2007) oferece o uso “facultativo” dos idiomas indígenas na educação, embora sem mais especiicações (Olo Fernandes 2012: 4). O contexto político e jurídico difere marcadamente das realidades do uso da língua na Guiné Equatorial. Três aspectos devem ser destacados nesse contexto. Por uma parte, o francês e o português, línguas cooiciais, não desempenham um papel signiicante na comunicação entre os equatoguineanos, nem deles com os cidadãos de países vizinhos. Em segundo lugar, a única língua não-indígena a registrar crescimento signiicativo de usuários dentro da Guiné Equatorial e importância para as relações regionais e internacionais é o inglês, que não é uma língua cooicial. Em terceiro lugar, as línguas internacionais mais amplamente faladas da Guiné Equatorial são o pichi e o fang, ambas indígenas e sem reconhecimento legal. As observações a seguir são a respeito das línguas cooiciais, o francês e o português. Politicamente, a Guiné Equatorial é fortemente integrada na Comunidade Econômica dos Estados da África Central (acrônimo francês CEAAC “Communauté Économique des États d’Afrique Centrale”). A maioria dos estados membros do CEAAC tem o francês como língua oicial e não há dúvida que esta se tornou uma língua importante na diplomacia regional para funcionários do Estado da Guiné Equatorial. No entanto, é difícil determinar o quanto o francês se enraizou nas práticas linguísticas cotidianas dos equatoguineanos7. Minhas observações indicam que há exposição esporádica de partes da população ao francês, em particular os habitantes da fronteira de Río Muni, e os dos centros urbanos de Malabo e Bata. Há também certo grau de exposição da população ao francês através da mídia e da música popular de Camarões e do Gabão. No entanto, a impressão geral é que o francês está longe de ser (ou se tornar) a língua de maior ocorrência no país. Um desempenho na língua, para além da comunicação rudimentar, parece estar limitado a membros da elite universitária do país, a grupos especializados tais como pessoas de negócios e comerciantes que lidam com Camarões e Gabão, e a indivíduos que vivem e trabalham em países francófonos, vizinhos da Guiné Equatorial. Além desse quadro, parece não haver um multilinguismo social envolvendo o português, língua cujo conhecimento está limitado a indivíduos que, em virtude de suas histórias pessoais, conseguem adquiri-la em algum momento de suas vidas. Dada a ausência de números oiciais sobre o uso das línguas na Guiné Equatorial, a natureza e a intensidade das relações econômicas entre a Guiné Equatorial e outros países parecem orientar tais usos. Na economia formal, dados referentes ao comércio mostram uma preponderância de parceiros comerciais não-africanos, com a Espanha liderando a lista com 15% da exportação. Mas a França (5%) está muito aquém de outras nações, enquanto que os números para Portugal e outros países de língua portuguesa da África são muito baixos para aparecer separadamente nas estatísticas (United States, Central Intelligence Agency, 2012). Em áreas de economia tradicional classiicadas como “informais”, torna-se importante o 7 Um relatório de 2010 da OIF (Organização Internacional da Francofonia) lista 7% de equatoguineanos como “francófonos” (o que inclui a capacidade de falar, ler e escrever em francês) e 22% como “parcialmente francófono” (o que signiica ser capaz de falar francês). A OIF admite que estes números foram fornecidos pelo governo da Guiné Equatorial em resposta a um questionário apresentado pela OIF. De acordo com o que temos conhecimento, nenhuma pesquisa linguística nacional sistemática até agora tem sido conduzida na Guiné Equatorial, nem mesmo para as línguas individuais. Os números oiciais, sejam os fornecidos pelo governo da Guiné Equatorial ou pela OIF devem, portanto, serem tomados com extrema cautela. A página da Guiné Equatorial no site da OIF (http://www. francophonie.org/Guinee-Equatoriale.html) vai tão longe a ponto de declarar 200.000 equatoguineanos falantes de francês, portanto, um terço da população oicial. Tais números inlacionados devem ser considerados em relação a propósitos políticos. 24 PLATÔ V.3 N.6 2016 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo comércio de alimentos básicos como o peixe, tubérculos, vegetais e frutas para consumo local, na fronteira com Nigéria, Camarões e Gabão8. Por sua vez, comerciantes e artesãos da China, Mali, Senegal, Nigéria, Gana e Camarões possuem e trabalham em muitas pequenas lojas e oicinas em Bioko e Río Muni, fornecendo serviços aos equatoguineanos. Os contatos comerciais desta natureza são dominados por produtores locais e pequenos comerciantes, frequentemente com nível básico de instrução, os quais negociam em fang, pichi e espanhol, além do francês. O inglês parece ter ultrapassado o espanhol como língua na condução dos negócios no setor de petróleo e gás, o mais importante da economia. Em resposta, o ensino de inglês tem aumentado fortemente na Guiné Equatorial a im de atender a crescente demanda desse setor petroleiro. O crescimento do prestigio e dos usos práticos do inglês está também reletido na emergência de Gana como um destino regional para equatoguineanos em busca de educação média terciária e de formação em inglês. Fora da África, os Estados Unidos da América parecem ultrapassar a Espanha e a França como o principal país para onde as parcelas mais ricas da elite equatoquineana enviam seus ilhos para uma educação terciária. Em seu conjunto, estes fatores colocam em marcha dinâmicas através das quais podemos esperar, em futuro próximo, a consolidação e expansão do inglês na Guiné Equatorial. Finalmente, o crescimento exponencial da interação econômica entre a Guiné Equatorial e a China, bem como a presença de cidadãos chineses na Guiné Equatorial tem proporcionalmente aumentado o contato dos equatoguineanos com a cultura e a língua chinesas. O terceiro e último aspecto relacionado ao uso de línguas na Guiné Equatorial é o fato de somente duas línguas faladas por comunidades nativas serem qualiicadas como verdadeiras línguas internacionais na ampla área geográica de que a Guiné Equatorial faz parte. Essas duas línguas são o fang e o pichi, portanto, duas línguas indígenas9. Defendi o alcance internacional de pichi na seção 2. O conjunto de variedades comumente designadas como língua fang (que inclui dialetos como ntumu, mvaï, okak, mekè, nzaman, betsi), por sua vez, pertence ao grande contínuo dialetal que se estende por grande parte do Sul de Camarões, toda a Guiné Equatorial, grande parte do Gabão e a fronteira da República do Congo (Perrois 1972: 102ff.). Não há censos recentes, mas pela estimativa dos números da população, o número de falantes de fang e suas variedades próximas, abarcando as variedades do beti e bulu, compreensíveis entre si, facilmente atinge a cifra de quatro milhões de falantes nesses países (cf. as estimativas de falantes em Lewis, Simons & Fennig, 2013). Para um observador neutro, é, portanto, surpreendente que nem o pichi nem o fang apresentem um reconhecimento legal adequado, enquanto que duas línguas legalmente reconhecidas (francês e português) não se representam em comunidades indígenas falantes, e a outra (espanhol) não seja de uso prático na comunicação internacional na região leste e central da África, à qual a Guiné Equatorial pertence. Na Guiné Equatorial, assim como em outros países africanos, um complexo conjunto de fatores ligados à dependência sociocultural do colonizador, ao elitismo, a uma ausência de visão política das elites dirigentes, a instituições públicas fracas e à falta de conhecimento técnico e administrativo, é responsável pela negligência oicial das línguas africanas e a concomitante continuidade das políticas linguísticas coloniais (cf. Muthwii & Kioko 2004; Baldauf & Kaplan 2007; Bamgbose 2000). No entanto, no caso do pichi, parece ser particularmente gritante a discrepância entre sua importância como língua nacional e internacional, e sua ausência nas mais pragmáticas funções oiciais (cf. also Lipski 2002: 79). Mais que outras línguas africanas da Guiné Equato8 cf. NKENDAH et al., 2011. 9 Fui informado por falantes nativos do fa d’ambô e iungwa santomé, a maior língua do vizinho da Guiné Equatorial, República de São Tomé, que a compreensão entre essas duas línguas é mínima. Portanto, o fa d’ambô não pode ser contabilizado como uma língua internacional. PLATÔ V.3 N.6 2016 25 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo rial, o pichi é invisível na esfera pública. Enquanto que outras línguas são frequentes e espontaneamente produzidas nos discursos públicos, possuem espaço na Rádio Nacional da Guiné Equatorial e são fortemente ouvidas no contexto semiformal, o pichi está altamente ausente da mídia audiovisual digital e impressa. O pichi também não é comumente empregado na igreja, em grandes encontros sociais particulares (como casamentos) ou em qualquer outra situação semiformal. O pichi está largamente ausente da música popular da Guiné Equatorial, o que é surpreendente em vista da proeminência da música cantada em Nigerian Pidgin (pidgin nigeriano) e Ghanian Pidgin English (pidgin inglês de Gana), no cenário musical de Malabo10. Interações em pichi são, portanto, totalmente relegadas ao domínio interpessoal. O silêncio sobre o pichi se estende à academia. Além do trabalho de Morgades Bessari (2004, 2011) e Lipski (1992, 2002) sobre os aspectos sociohistóricos da língua, e meu trabalho sobre a gramática e léxico do pichi11 não há, até o momento, esforços para documentar a literatura oral da língua, que está rapidamente caindo no esquecimento12, e não há tentativas de explorar mais aprofundadamente os aspectos estruturais do pichi, seus diferentes registros e variedades regionais, ou características sociolinguísticas tais como a relação triangular entre o pichi, o bubi e o espanhol em Bioko. Uma razão para esse paradoxo pode ser encontrada nas ideologias linguísticas prevalecentes e nas atitudes sobre o pichi. Exploro algumas delas na próxima seção. 4. Ideologias linguísticas em relação ao pichi A seguir, apresentarei e analisarei ideologias e atitudes diretamente ligadas ao pichi, considerando como elas se manifestam no discurso escrito e falado. Para o presente propósito, deino ideologias linguísticas como o sistema de ideias (sentimentos, valores, crenças) sobre as relações entre a língua e a estrutura social13. As ideologias linguísticas englobam pontos de vista sobre o valor relativo de uma língua ou variedades em uma sociedade, ideias sobre como determinadas línguas funcionam e como elas são estruturadas, crenças sobre a adequação de línguas particulares, variedades e registros a situações especíicas ou a grupos sociais particulares14. Uma função social importante das ideologias linguísticas é, portanto, criar e representar identidades e entidades sociais tais como etnia, classe, nacionalidade ou gênero15. As ideologias linguísticas envolvendo o pichi, em grande parte, criam valores negativos sobre essa língua e assim, contribuem para inibir as possibilidades de elevação do seu status e de expansão de seus usos na Guiné Equatorial. Os discursos sobre o pichi e as representações ideológicas deles resultantes podem ser agrupados em três temas gerais. Um primeiro se refere ao estado do pichi como uma língua de pleno direito. Um segundo tema trata da questão do hibridismo do pichi. Um terceiro envolve a questão de propriedade: o pichi possui falantes nativos e é um veículo para transmissão de sua cultura e para constituição da identidade do grupo, ou é somente uma ferramenta para 10 A exceção mais notável desta tendência, de que eu estou ciente, é música “mi tierra”, um rap sobre a situação dos emigrantes na Espanha feita por Meko – compositor guinequatoriano pioneiro de hip hop. Embora o refrão seja cantado em espanhol, os versos são falados inteiramente em pichi. “Mi tierra” foi oicialmente lançado no álbum do Meko “Lo que dan los años (2009)”, mas ele me deu uma cópia de pré-lançamento do álbumem 2007. 26 11 YAKPO 2009a, 2009b, 2010, 2012a, 2012b, 2013a, 2013b. 12 MORGADES BESSARI, p.c. 13 cf. IRVINE 1989. 14 MIGGE & LÉGLISE 2012: 116–117. 15 KROSKRITY 2004. PLATÔ V.3 N.6 2016 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo comunicação? O domínio colonial espanhol, como o de outros colonizadores europeus, se apoiou no fundamento ideológico do racismo. A crença de que as línguas europeias, assim como seus cidadãos e culturas, eram intrinsecamente superiores àqueles da África permeou o pensamento cientíico e o imaginário popular da Europa na era colonial16. No entanto, as visões existentes sobre a inferioridade das línguas africanas foram ampliadas em relação ao pichi devido a sua similaridade léxica com o inglês e a suposta simpliicação da estrutura desta língua, que observadores europeus acreditaram reconhecer em uma língua que eles não dominavam. O pichi foi considerado uma forma empobrecida do inglês pelos administradores, missionários e acadêmicos coloniais espanhóis, um idioma que não merecia o status de língua real. O “ Dialecto inglês-africano” de De Zarco (1938), até recentemente a única visão geral da gramática e do léxico do pichi, traz um aviso ao leitor no primeiro parágrafo da seção do dicionário do livro (com minha ênfase em sublinhado e negrito nos trechos a seguir): Trecho 1. “Siendo tan reducido el caudal de términos del inglés africano por tratarse de una lengua tan imperfecta en comparación con las nuestras, no se puede hablar propiamente de Diccionario, sino de un simple Vocabulario (…)”(ZARCO 1938: 107)17. Como todas as línguas da África, e as crioulas em particular, o pichi ainda tem que lutar contra o legado ideológico do colonialismo e do racismo sobre os seus aspectos linguísticos. Até hoje, visões sobre a suposta inferioridade do pichi perduram e são explícita e implicitamente manifestadas em fontes escritas e faladas nos discursos sobre essa língua. Estas visões podem ser reagrupadas sob três temas discursivos gerais, que invariavelmente constroem a imagem de inferioridade do pichi: o pichi é considerado uma variedade subpadrão e não uma língua; o pichi é excessivamente misturado e tem pouca ou nenhuma norma gramatical; o pichi é “língua de ninguém”, ou seja, não tem verdadeira comunidade nativa falante. A seguir, irei aos detalhes nesses três topoi ou argumentos do discurso. Um aspecto que discursivamente subjuga o pichi é sua classiicação como um “dialeto” em vez de uma língua. A próxima citação de um espanhol que colabora em um fórum digital de discussões na Guiné Equatorial caracteriza esta visão. Ele mostra que o “dialeto” oposto à “língua” não é somente usado como uma forma de opor o pichi e o espanhol. É também aplicado para outras línguas africanas faladas na Guiné Equatorial. Enquanto que o espanhol é referido como uma lingua (“idioma”), o pichi e outras línguas indígenas são reagrupadas sob o título de dialetos (“dialectos”), portanto, variedades subpadrões, sem as características de línguas de grande escala: Trecho 2. 16 Uma exposição contundente desse clima ideológico no campo da linguística pode ser encontrado na seguinte airmação na “Gramática da língua bubi” de Juanola (1898:6) “Es tan simple esta lengua en sus reglas, que no se guía por terminaciones en los variados accidentes que en el discurso sufren las diferentes partes de la oración, como sucede en nuestra lengua española y en tantas otras europeas, que por su cultura con razón se las llama sabias.” [“Esta língua [ou seja Bubi] é tão simples em suas regras que não é dotada de terminações em várias inlecções que as diferentes partes sofrem no discurso, como ocorre em nossa língua espanhola e em tantas outras línguas europeias que são, com razão, chamadas de eruditas ”]. “Sendo tão reduzida a lista de termos do inglês africano, por tratar-se uma língua imperfeita, se comparada à nossa (i. e. o espanhol), não se pode falar propriamente de um dicionário e sim de um simples vocabulário.” 17 “Sendo tão reduzida a lista de termos do inglês africano, por tratar-se uma língua imperfeita, se comparada à nossa (i. e. o espanhol), não se pode falar propriamente de um dicionário e sim de um simples vocabulário.” PLATÔ V.3 N.6 2016 27 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo “El idioma oicial de Guinea es el español, Guinea fue colonia española, y además del español lo que suelen hablar es en su dialecto “Pidgin” pero además creo que se hablan como 5 ó 6 dialectos más…”18 (http://www.spaniards.es/foros/2009/11/16/trabajar-en-guinea) Exageros sobre a característica híbrida do pichi também são muito difundidos em fontes escritas sobre esta língua. O trecho a seguir, retirado de um blog particular de um professor de espanhol de uma escola, em uma postagem em Malabo, é representativa desse topos discursivo. Ali, o excesso de hibridismo é assinalado pela referência ao pichi como misturança (“mezcolanza”), com suas conotações de desordem e estranheza, em oposição a mistura (“mezcla”): Trecho 3. “En Malabo (llevo ya semana y media en la escuela El Buen Pastor) el ritmo es otro, en una ciudad de ritmo africano (en todos los sentidos) y mezcla de bubis, fang, kombes, criollos y con el pidgin (esa mezcolanza de inglés con español y lenguas locales) como lengua tan común como el castellano.”19 (http://cronicasguineanas.blogspot.hk/2012_09_01_archive.html) Observadores europeus parecem achar o hibridismo do pichi particularmente desconcertante, uma vez que este aspecto do caráter construído do pichi vai profundamente contra as preferências ideológicas pela homogeneidade étnica e linguística herdada do Estado-Nação europeu a partir do século XIX . Na realidade, o léxico do pichi é esmagadoramente derivado do inglês e, provavelmente, não é mais misturado do que o espanhol com seu substancial léxico derivado do árabe (cerca de 8% do léxico atual, de acordo com Quintana & Mora 2003). O que parece ser problemático, no entanto, é a combinação desconhecida de um léxico familiar (isto é, palavras em inglês) com uma estrutura gramatical desconhecida. A desmontagem e a autoiniciativa de reconstrução de uma língua europeia por “súditos coloniais” são ameaçadores, pois o agenciamento e a evidente autodeterminação linguística deste processo implicitamente retiram línguas como o pichi do controle normativo hegemônico europeu. O discurso do hibridismo também engloba noções sobre a suposta ausência de estrutura sistemática, com entendimento explicito ou implícito de que o pichi tem pouca ou nenhuma norma gramatical. Esta visão é apropriadamente resumida pelo próximo trecho de um grupo de notícias em espanhol frequentado por falantes de espanhol ibérico e latino-americano: Trecho 4. “El pichinglis es una jerga dialectal guineana del inglés que incorpora palabras de las lenguas locales. Es una lengua franca de gramática muy rudimentaria y escaso vocabulario, que se parece a la manera de hablar de los jefes indios en las películas del Oeste.”20 (http://soc.culture.argentina.narkive.com/sNNPCFib/el-nuevo-reino-de-leon.4) Trechos como o acima citado mostram que os discursos sobre a inferioridade das línguas 18 “A língua oficial da Guiné [Equatorial] é o espanhol, a Guiné [Equatorial] foi uma colônia espanhola, e eles também falam seu dialeto “pidgin” além do espanhol, mas também 5 ou 6 outros dialetos.” 19 “Em Malabo (Estive na escola El Buen Pastor por uma semana e meia) o ritmo é diferente, em uma cidade de ritmo africano (em todos os sentidos) e uma mistura de Bubis, Fangs, Kombes, Crioulos e com Pidgin (aquela misturança de inglês, espanhol e línguas locais) sendo tão comum quanto o castelhano.” 20 “O Pichinglis é um dialeto do inglês que incorpora palavras de línguas locais. É uma língua com uma gramática muito rudimentar e vocabulário escasso que se assemelha ao jeito de falar de chefes indígenas de ilmes de faroeste.” 28 PLATÔ V.3 N.6 2016 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo crioulas (e outras línguas e variedades que surgiram no contexto da colonização europeia) estão frequentemente ancorados em discursos racistas e elitistas sobre a aplicação e imposição das normas linguísticas deinidas unicamente por essas mesmas elites21. Um último topos do discurso sobre o Pichi é a visão de que a língua não tem uma comunidade substancial de falantes nativos, e, portanto só ou predominantemente serve como uma língua franca. Consequentemente, seus usos são vistos como sendo principalmente pragmático, isto é, facilitando a comunicação entre equatoguineanos sem outra língua comum, ou como um xenolect, uma variedade de fala para comunicação com “estrangeiros” do oeste africano (que são implícita e erradamente assumidos como incapazes de se comunicar em espanhol ou em línguas africanas da Guiné Equatorial). Neste sentido, a descrição, a seguir, da situação linguística na Guiné Equatorial se refere ao uso do pichi somente no contexto dos negócios. Ainda assim, há uma forte redução discursiva, uma vez que esta função do pichi aparece limitada ao “pequeno comércio” e, por implicação, não inclui os grandes negócios propriamente ditos. Trecho 5. “Much petty commerce is conducted in pidgin English (Pichinglis)”22. (http://www.encyclopedia.com/topic/Equatorial_Guinea.aspx) O discurso sobre o uso exclusivamente prático do pichi contesta a legitimidade do pichi como uma língua de uma comunidade, um povo, uma sociedade, uma língua de uma cultura na qual normas e valores sociais são transmitidos. O trecho a seguir vai além disso, e constrói a ideia que o pichi não é uma língua indígena de Bioko, pois teria tido como função primordial servir como um xenolect ao invés de servir como uma língua comunitária dos próprios guinequatorianos: Trecho 6. “Además, se utiliza el “pidgin English” o inglés africanizado en Bioko, que era utilizado activamente cuando la isla contrataba trabajadores nigerianos.“23 (http://www.afrol.com/es/especiales/13276) Parte do discurso sobre o pichi como uma “língua de ninguém” gira em torno da suposta ameaça que dele emana para a manutenção dos “próprios padrões” do espanhol (ibérico) no país. O imaginário por detrás desse argumento é o de uma “inluência corruptora” do pichi, devido exatamente àquelas visões delineadas acima, ou seja, de uma língua percebida como anárquica, sem forma e de caráter puramente pragmático: Trecho 7. “Asimismo, el español ha encontrado en el pidgin-english un enemigo como lengua interétnica. Ante este panorama, en principio, tan desolador, la labor de instituciones tales 21 O mesmo autor do trecho acima continua: “Es en efecto una lengua pueril o gaga, que no permite la ina arista del razonamiento. Es una lengua sin luz ni temperatura, sin evidencia y sin calor de alma, una lengua triste que avanza a tientas. Es un insulso pidgin de esclavos, al que quereis exportar al mundo hispano como si fuera el no va más del vanguardismo.” [“Essa é, na verdade, uma lingua jovem que não permite bom raciocínio. É uma língua sem luz ou temperatura, sem certeza e sem o calor da alma, uma língua que avança por tentativa e erro. É um pidgin de escravos, que vocês querem exportar para o mundo espanhol como se fosse uma vanguarda.”] 22 Muito do pequeno comércio é realizado em inglês pidgin (pichinglis). 23 “Além disso, o “inglês pidgin”, ou inglês africanizado é usado em Bioko, o qual foi usado ativamente quando a ilha contratou trabalhadores nigerianos.” PLATÔ V.3 N.6 2016 29 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo como la UNED, la UNGE (Universidad Nacional de Guinea Ecuatorial) o el Centro Cultural Español es vital, a la espera de la implantación del Instituto Cervantes en el territorio”24. (http://www.divagacionesbabelicas.eu/2010/12/guinea-ecuatorial-en-el-contexto.html) Uma tese de doutorado sobre o espanhol equatoguineano realizada por um estudioso também equatoguineano reitera a visão de que o pichi representa uma ameaça à “pureza” do espanhol na Guiné Equatorial, mesmo admitindo que o pichi possa ser a fonte de neologismos espanhóis. Trecho 8. “El pichinglis especialmente representa una potente amenaza para la pureza de la lengua española, al mismo tiempo que es un gran suministrador de neologismos, lo cual contribuye al enriquecimiento del léxico español local y global”25 (DJO TIOGANG 2007: 337). Estas visões com seus paternalismos e persistente perspectiva colonial tendem a ser reproduzidas mais frequentemente pelos observadores com uma posição externa, que empregam uma linguagem depreciativa ligada a tradições discursivas colonialmente inspiradas sobre a África26. As atitudes e ideologias dos próprios falantes do pichi sobre a situação, função e características linguísticas de sua língua falam por si mesmas, embora tendam a ser mais modalizadas que as apresentadas acima. Se atitudes internas sobre o pichi frequentemente reletem avaliações mais positivas sobre o seu papel, elas não estão livres da perspectiva colonial herdada e frequentemente mostram uma combinação entre autodepreciação e airmação positiva, fato típico da qualiicação pós-colonial das línguas na África27. A ambivalência resultante sobre o valor das línguas africanas é evidente na citação a seguir, recorte da avaliação de uma de minhas consultoras sobre o pichi. Primeiro, ela expressa a opinião de que as crianças do continente (Río Muni), diferente daquelas em sua comunidade bubi, são criadas primeiramente em sua língua materna, o fang (em vez do espanhol). Ela então continua explicando a vantagem percebida em criar uma criança em espanhol durante seus primeiros anos, em vez de usar sua língua mãe, como praticado pelas famílias Bubi em Malabo28. Trecho 9. “Bàtà pìkin, yù no it si dis ech we è no dè tɔk yu Bàta. Dɛ̀n dè lan dɛ̀n langwèch fɔs. So we yù dɔn lan yù langwèch ɛ̀n, è dɔn had fɔ̀ mek yù lan Pànya. Dì langwech, è de importante, pero lan dì pìkin we dì pìkin dɔn sàbi dì Pànya” 29(Mulher de 50 anos). 24 Além disso, o espanhol encontrou no inglês pidgin um inimigo como uma língua interetnica. Perante esta situação, a qual é tão angustiante, é vital o forte trabalho de instituições como UNED [Universidade Nacional de Educação a Distância da Espanha] e UNGE (Universidade Nacional da Guiné Equatorial) ou o Centro Cultural Espanhol, enquanto o Instituto Cervantes ainda não estiver estabelecido no território [ou seja, na Guiné Equatorial].” 25 O pichinglis em particular, representa uma séria ameaça à pureza da língua espanhola, enquanto que ao mesmo tempo é um importante provedor de neologismos e assim contribui ao enriquecimento do léxico espanhol local e globalmente.” 26 Cf. e.g. MUDIMBE 1988, para uma análise desta questão. 27 Cf. ZELEZA, 2006, para uma visão recente desta questão. 28 O pichi é uma língua tonal e os tons se representam como segue na ortograia: sílabas com um tom baixo têm um acento grave. Sílabas não encaixadas nessa regra de notação sempre têm um tom alto e permanecem sem marcação (por exemplo, yù [jù] ‘tu/você’, luk [lúk] ‘olhar’; mòto [mòtó] ‘carro’). 29 “Como para as crianças do Río Muni, você não encontrará um desta idade [como seu ilho de 6 anos], que não fale Fang. Eles aprendem sua língua materna primeiro. Então quando você tiver aprendido sua língua direito, será difícil para você aprender o espanhol. A língua materna é importante, mas ensiná-la à criança quando já sabe 30 PLATÔ V.3 N.6 2016 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo Na Guiné Equatorial, onde a educação é exclusivamente feita em espanhol, e onde o prestigio social e o sucesso econômico na vida de uma pessoa está intimamente ligado ao domínio do espanhol falado e escrito, a visão expressa por essa falante é essencialmente racional. Ao mesmo tempo, a preferência pelo espanhol, expressa no trecho, aponta para o potencial de alienação que os equatoguineanos podem viver pela (auto) imposição da língua colonial cujas normas são reproduzidas externamente e permanecem fora de seu controle. Esse fato levanta a questão de como a perspectiva interna em relação ao pichi difere da perspectiva externa representada pelos trechos 5 – 7. Para uma, eu poderia salientar que o pichi tem funcionado como uma língua de civilização urbana e cultural por aproximadamente dois séculos, ou seja, servindo como língua comunitária para os fernandinos, a população crioula de Malabo30. Esta circunstância frequentemente é negligenciada, talvez porque a comunidade fernandina tenha numericamente declinado em função de casamentos com outras comunidades, do exílio e da migração rural-urbana para Malabo. O trecho 9 também aponta, indiretamente, para outro aspecto da função do pichi na sociedade da Guine Equatorial. Ele mostra a predisposição dos malabenhos de origem bubi em optar por outras línguas além do bubi para se comunicar com seus ilhos. Esse é um indicativo de um crescente deslocamento da língua bubi. Na verdade, o pichi parece ter se tornado a língua mais amplamente falada dentro da comunidade bubi nas aglomerações urbanas de Malabo e Luba. Como resultado, “nuevos criollos”31 extraídos do bubi agora constituem a maioria de falantes nativos do pichi. Na citação a seguir, um colaborador guinequatoriano em um fórum virtual, que se identiica como fang, aponta esta realidade amplamente negligenciada sobre o pichi, fato que coincide com minhas observações em Bioko:32 Trecho 10. Todos los bubis no hablan el mismo dialecto. La lengua que une a la mayoría de los bubis es el pichinglis y si me equivoco que me demuestren lo contrario. Tengo amigos bubis con los que he compartido muchas cosas pero ellos hablan o el español o el pichinglis. 33 (http://es.groups.yahoo.com/group/guinea/message/53882) Apesar do importante e crescente papel do pichi como língua materna para as pessoas em Bioko, ainda permanece a ambivalência sobre seu valor. O baixo apreço em que o pichi é tido por alguns pode ser traduzido em padrões especíicos de uso, como mostrado no trecho a seguir: Trecho 11. “Bɔ̀t yù no, fɔ̀ wì ya so nà Malabo, bɔ̀ku fambul dè tɔk se mek pìkin no tok Pichi nà hos mɔ, bìkɔ̀s Pichi nɔtò bɛtà tɔk. So màma no want hia Pichì nà hos mɔ. Onlì dɛ̀n want hià Pànya”34 o espanhol.” 30 MORGADES BESSARI, 2011. 31 “Novos crioulos”, cf. MORGADES BESSARI, 2004. 32 Por exemplo, ao ser perguntado se ele falava o bubi, um de meus interlocutores, que se identiicou como bubi, respondeu secamente: mi no dè tok dan tin ‘Quanto a mim, eu não falo isso [ou seja, essa língua]’; note o distanciamento metafórico da língua bubi na expressão “isso”. 33 Nem todos os bubi falam o mesmo dialeto. A língua que une a maioria dos bubi é o pichi, prova o contrário se eu estiver enganado. “Eu tenho amigos bubi com os quais eu compartilhei muitas experiências, e eles falam tanto espanhol quanto pichi.” 34 “Mas você sabe, conosco aqui em Malabo, muitos membros de famílias dizem que as crianças não deveriam mais falar pichi, por que o pichi não é bom linguajar. Então, a mãe não quer mais ouvir o pichi em casa. Eles [os pais] somente querem ouvir o espanhol.” PLATÔ V.3 N.6 2016 31 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo (Homem, com aproximadamente 30 anos). As interdições do uso do pichi em casa pelos pais são, em minha experiência, uma característica de famílias de classe média. O trecho acima também é produzido por uma pessoa que se identiica como fang. Os dois grupos – classe média e membros de comunidades linguísticas, exceto bubi e fernandino - têm interesse relativamente baixo pelo pichi, e podem produzir atitudes majoritariamente negativas sobre esta língua. Não obstante, até para estes falantes, quando crescem em Malabo, a atração do pichi como um veículo de autoidentiicação, airmação positiva e comunhão fora de casa e da sala de aula parece ser irresistível. Uma inversão decisiva sobre essa apreciação negativa do pichi parece ser construída através de intervenção institucional: Trecho 12. Naw à dè tɛl yù se we wì bìn dè ple bɔl we wì smɔl, nà soso Pichì we wì dè tɔk. Soso Pichì naw we wì dè tɔk. Wì gɛt sɔn kɔmpìn dɛ̀n bìn blant nà Pànya naw, lɛ̀k haw dɛ̀n kɔ̀mɔt vacacion, we dɛ̀n dè kan so, wì dè ple bɔl, nà soso Pichì wì dè tɔk. Bɔ̀t we yù dɔn dè gro, go skul bɔ̀ku tal, se no, Pichì no fayn”35 (Homem, com aproximadamente 30 anos). Dessa maneira, o pichi não somente se constitui em um veículo importante de autoidentiicação para os malabenses. Muitos outros falantes também têm um senso apurado sobre o seu valor como uma língua internacional. Este ponto de vista não poderia ser melhor resumido do que nas palavras de um falante, reproduzidas no trecho a seguir, que contrariam visões negativas sobre o pichi (incluindo sua classiicação como “dialeto” em vez de língua) manifestadas por seus parentes em Río Muni, chamando atenção para o alcance global dessa língua: Trecho 13. “Mi gɛt dan problɛma wit bɔy dɛ̀n we dɛ̀n kɔ̀mɔt Bàta nɔ, se ‘no Pichì es un dialecto’. À kìn tɛl dɛ̀n se Pichì it bad, à se bàt dì tin we dè mek mek tu zpipùl dɛ̀n kɔ̀mɔt difrɛ̀n say, dɛ̀n dè ɔ̀ndàstan è no it bi bad tin. À tɛl dɛ̀n se fɔ̀ go naw naw nà Camerún, à rich, à gò blant, à gò tɔk mebì Frɛnch, à gò tɔk Pichì. À go Nigeria, tɔk Pichì, dɛ̀n gò hia, à go Ghana, à go Sierra Leone, Pichì. Yù dè go, yù dè mek àn ples bày ples dɛ̀n de tɔk àn. Nà Trinidad sɛf no? Trinidad àn Tobago, dɛ̀n dè tɔk Pichì sɛf”36 (Homem, em seus 20 anos). Outra falante salienta o caráter igualitário do pichi. Para ela, existe uma ligação direta entre o conhecimento de espanhol e a educação escolar formal. Em contraste, o pichi pode ser dominado sem a educação formal, inclusive por trabalhadores que vivem no bairro de classe operária Nyumbili (Campo Yaoundé), em Malabo: Trecho 14. “Yù no se bɔ̀ku pipùl dɛ̀n no go skul. Dɛ̀n no kan gɛt wan formación. Dì onlì langwèch we dɛ̀n dè tɔk fayn fayn nà Pichi, bìkɔ̀s fɔ̀ tɔk Pànya, nà fɔ̀ go skul. Bɔ̀t we yù no go skul yù fɔ̀ tɔk sɔ̀n tin. Fɔ̀ tɔk Pichì yù no nid fɔ̀ go skul. Nà kwatà yù dè tɔk Pichì. So bɔ̀ku pipùl fɔ̀ Nyumbili, Nyumbili nà dì kwatà we po pipùl dɛ̀n blant fɔ̀ fɛn layf. Wan smɔl rum wit chapa dan 35 “Agora eu vou contar a vocês, quando nós jogávamos futebol quando éramos pequenos, nós falávamos somente em pichi. Somente o pichi que nós falávamos. Nós tivemos alguns amigos que moraram na Espanha, assim que eles voltaram de férias, nós jogávamos futebol, e era somente em pichi. Mas quando você está no processo de crescimento, vai para escola e tudo aquilo, é como se o pichi não é bom.” 36 “Eu tenho aquele problema com gente do Río Muni, que vem com ‘o ‘pichi é um dialeto’. Normalmente, eu conto a eles que o pichi pode ser ruim, mas algo que faz duas pessoas que vêm de locais diferentes se entenderem não pode ser algo ruim. Eu digo a eles que se eu tivesse que ir para Camarões agora, eu chego, ico, eu poderia talvez falar francês, ou eu poderia falar pichi. Se eu vou para Nigeria, e falar pichi, eles entenderão, se vou para Gana, se vou para Serra Leoa, é o pichi. Se você vai de lugar a lugar, ele é falado lá. Até em Trinidad, certo? Trinidad and Tobago, eles também falam pichi lá.” 32 PLATÔ V.3 N.6 2016 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo tin”37(Mulher, com seus 40 anos). Além disso, a visão de que o pichi não possui gramática ixa e é um idioma “quebrado” não é compartilhada pela maioria dos falantes da língua. Pelo contrário, os falantes do pichi apontam para a existência de normas estáveis que constituem o discurso correto. Igualmente, falantes competentes estão cientes do que itens ou expressões lexicais particulares pertencem a diferentes registros ou variedades do pichi, mesmo se as normas que governam a variação tendem a ser mais lexíveis do que aquelas impostas aos falantes de uma língua normalizada e ortografada como o espanhol. Meus entrevistados apontaram a diferença entre um registro mais e outro menos tradicional, o primeiro sendo normalmente usado por pessoas mais velhas. Por exemplo, uma saudação, bastante formal, dirigida a pessoas envolvidas em trabalho físico, envolve a expressão kusɛ́. O jovem falante, no primeiro excerto a seguir, tem diiculdade em lembrar da expressão, uma vez que ela pertence a um uso bastante tradicional: Trecho 15. A: “Wetin yù gò tɔk ɛ̀f yù wɔnt sàlut wòkman dɛ̀n, se yù dè pas nià dɛn?” B: “È gɛt wan trɔn stayl fɔ̀ tɔk àn. À fɔ̀gɛ́t àn. À kìn hiɛ̀ mì pàpa we è kìn tɔk dan tɔk. Àha, dɛ̀n dè tɔk se ‘kusɛ o’, ‘ùna kusɛ o’ 38 (Homem, em seus 20 anos). Em contraste, um registro mais informal é largamente usado entre jovens. O próximo falante explica a existência de gírias em pichi, umas dessas é reme. O termo reme, “mãe” em última análise, tem sua origem na linguagem jovem francesa “verlan”, e presumidamente entrou no pichi via pidgin camaronês ou camfranglais (o linguajar da juventude urbana camaronesa que mistura o francês e Cameroon Pidgin). O falante tem conhecimento disto, como notamos por sua referência ao ícone musical de Camarões, Lapiro de Mbanga: Trecho 16. “Reme’ nà dan stayl fɔ̀ Pichì we à bìn tɛl yù se dan stayl fɔ̀ Nyumbili. Sɔ̀n Pichì de fɔ̀ sɔ̀n man we dè sing, dɛ̀n dè kɔl àn Lapiro. Yù hia dan man ìn Pichi, nà wan stayl fɔ̀ Pichì fɔ̀ wan barrio fɔ̀ Camerún.”39 (Falante do sexo masculino em seus 20 anos passados) Da mesma forma, uma clara distinção entre o pichi e o inglês é feita pelos falantes. O termo “inglês” frequentemente é usado em sentidos amplos por falantes do pichi, como também pode caracterizar traços do inglês encontrados no Nigerian Pidgin (pidgin nigeriano), Cameroon Pidgin (pidgin camaronês) ou Ghanaian Pidgin English (inglês pidgin ganês). Assim é porque o pichi é mais independente em sua gramática, fonologia e léxico que outros crioulos de base lexical inglesa da África Ocidental40. Segue um exemplo dessa diferença feita entre pichi, inglês e outras variedades de AEC. O trecho a seguir cria um breve confronto entre os falantes 37 “Você sabe que muitas pessoas não frequentaram a escola. Eles não receberam nenhum ensino proissional. A única língua que eles realmente falam bem é o pichi, porque para falar espanhol, é necessário ir à escola. Mas quando você não esteve na escola, você tem que falar alguma coisa. E querendo falar pichi, você não precisa ir à escola. Em seu bairro, você fala pichi. Então, muitas pessoas em Nyumbili [falam pichi]. Nyumbili é o bairro onde pessoas pobres vivem tentando ganhar a vida. Um pequeno cômodo com telhado de zinco, esse tipo de coisa.” 38 A: “O que você diz quando você quer cumprimentar trabalhadores, como quando você está passando por eles [na rua]?” B: “Existe uma forma especial de fazer isso. Eu a esqueci. Normalmente, eu ouço meu pai se servir dessa expressão. Aha, uma que diz kusɛ́ o, kusɛ́ para você”. 39 “Reme’ está naquele tipo de pichi que eu te disse, aquele tipo do [o bairro chamado] Nyumbili. Tem o pichi dum homem que canta, ele é chamado de Lapiro. Se você ouvir o pichi deste homem, é um estilo particular de pichi de uma área em Camarões.” 40 Cf. YAKPO, 2013b, para detalhes. PLATÔ V.3 N.6 2016 33 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo A e B sobre o uso da palavra àn “e” como um coordenador de oração durante uma entrevista que iz com eles. Enquanto o A insisti que àn é uma palavra do pichi, o B dá sua alternativa de expressão de coordenação de oração por meio do elemento multifuncional we. Este é um exemplo ilustrativo para os múltiplos registros que existem no pichi. De fato, ambos àn e we são encontrados em meu corpus de pichi, no entanto, àn apenas raramente é usado por jovens falantes de pichi, os quais constituem a maior parte da população falante atual. Igualmente o uso de àn é mais característico do discurso de falantes de Nigerian Pidgin (pidgin nigeriano): Trecho 17. A: “È nak dì tebùl àn dì stayl we è nak dì tebùl strɔn, è kan syek dì plet, àn dì plet kan brok.” B: “No tɔk Inglìs, no tɔk Inglìs!” A: “À dè tɔk Pichì nɔ?” B: “No. “àn”, dan “àn” nà inglés.” A: “We yù dè tɔk Pichì nà Malabo, yù no dè se ‘àn’?” B: “No, we è nak dì plet we è nak ɔ̀ntɔp dì tebùl, dì plet, è heks, sɔ̀n pat fɔ̀ dì plet brok.”41 (A: falante do sexo masculine com seus 30 anos passados; B: falante do sexo feminino em seus 20 anos passados) Temos visto que o pichi existe em um espaço contestado. De um lado, assistimos a continuação de discursos coloniais e paternalistas sobre o pichi, que conspiram para criar, de várias formas, uma imagem de deiciência da língua. Estes discursos são mais característicos de observadores não-equatoguineanos. Uma possível razão para isso pode ser a quantidade ainda relativamente pequena de escritos sobre a Guiné Equatorial produzidos pelos próprios equatoguineanos. No entanto, é também claro que este discurso, com suas construções paternalistas explícitas ou implícitas, e às vezes, racistas, segue modos ocidentais estabelecidos de falar e escrever sobre os africanos. O discurso negativamente carregado sobre o pichi, produzido pelos próprios equatoguineanos, geralmente é atenuado e relete um equilíbrio entre a visão colonial recebida sobre a língua, a desvalorização do pichi implícita em sua total ausência no domínio institucional, e sua vivacidade como língua materna, uma língua de transmissão cultural e autoidentiicação da população de Malabo e Bioko. A tensão ideológica deste estado de ações é compartilhada, em muitos aspectos, com outras sociedades caracterizadas pela existência de línguas crioulas com raízes no colonialismo europeu e na escravidão42. O próximo trecho, retirado do maior jornal diário jamaicano, “The Gleaner”, mostra que os topoi discursivos identiicados anteriormente para o pichi, guardam muitas similaridades com o status e papel do crioulo jamaicano (referido como “patois” por muito de seus falantes), uma das línguas irmãs do pichi, na Jamaica, Caribe: Trecho 18. “We need to declare once and for all that the Patois is one of our languages. Now, don’t 41 A: “Ela bateu na mesa e do jeito que ele bateu na mesa de uma forma forte, ela acabou balançando o prato, e o prato quebrou.” B: “Não fale inglês, não fale inglês!” A: “Eu não estou falando pichi?” B: “Não ‘àn’, este ‘àn’ é inglês.” A: “Quando você fala pichi em Malabo, não diz ‘àn’?” B: Não, quando ela bateu no prato e bateu na superfície da mesa, o prato voltou e uma parte quebrou.” 42 34 Cf. DEVONISH, 2010. PLATÔ V.3 N.6 2016 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo get me wrong, I am in total support of what he minister of education said, every Jamaican ought to be able to speak the English language. My problem is that there is still ingrained in many of our people the fact that when you speak Patois , it makes you an inferior human being”43 (Lloyd B. Smith, Deputy Speaker of the Parliament of Jamaica). (http://jamaica-gleaner.com/gleaner/20120727/news/news4.html) Não obstante haja similaridades entre a Jamaica e a Guiné Equatorial sobre essa questão, há também diferenças fundamentais. Uma é que o crioulo jamaicano pode contar com o apoio e a lealdade de uma importante parcela da elite jamaicana, como se mostra na fonte do trecho 18. Essa língua tem também desfrutado de uma contínua elevação de seu status devido ao forte impacto, na cultura global, da música popular jamaicana, cujos protagonistas usam quase exclusivamente o crioulo jamaicano em sua arte. Outra diferença entre as situações jamaicana e equatoguineana é o relativo isolamento intelectual da Guiné Equatorial decorrente de sua dependência intelectual e linguística da Espanha e da língua espanhola. Discussões públicas sobre ideologias e políticas linguísticas em países como a Jamaica e a Nigéria podem recorrer a um grande e crescente número de africanos e afrodescendentes que, na cultura popular e no discurso acadêmico, contesta a hegemonia euroamericana. Essas discusões são canalizadas predominantemente em inglês para uma audiência global, e contornam desse modo, a Guiné Equatorial. 5. Conclusões e perspectivas A análise sobre as ideologias linguísticas relacionadas ao pichi revela uma tensão entre representações negativas e positivas da língua. Alguns dos discursos sobre o pichi seguem os passos das tradições coloniais e explicitamente representam a língua como intrinsecamente inferior e indigna do status de uma língua verdadeira. Outros discursos são mais sutis em suas representações negativas do pichi. Eles giram em torno de crenças de que o pichi não está ligado a uma comunidade de falantes nativos e, portanto, não pode ser classiicado totalmente como uma entidade cultural. Nesse sentido, o discurso sobre a inferioridade é transferido da estrutura linguística em si para as funções sociais do pichi. Outro tema no discurso sobre o pichi é o hibridismo. A natureza misturada do pichi, com seu léxico derivado do inglês, e portanto familiar ao lado de sua gramática não familiar, é desconcertante com seu potencial para subverter a dominância social das línguas coloniais europeias. Os falantes nativos de pichi tendem a expressar visões mais equilibradas sobre a necessidade de conciliar suas funções como língua comunitária e veículo de autoexpressão, com a persistência de avaliações negativas da sociedade equatoguineana. Nesse contexto, estabeleci que os falantes do pichi expressam claras ideias sobre as normas gramaticais e uma consciência sobre os diferentes estilos e registros que a língua possui. Contudo, concluo que as ideologias linguísticas acerca do pichi, em grande parte, produzem valorizações negativas da língua e contribuem para negligenciar as oportunidades de elevar o status e ampliar o uso do Pichi na Guiné Equatorial. A valorização negativa do pichi também contribui para sua ausência em funções que se encontram fora do alcance imediato da regulação pública, por exemplo, na música popular ou nas práticas religiosas. Argumentei que em todos os aspectos, a realidade linguística do pichi diverge das representações ideológicas. Não é demais salientar que o pichi é, claramente, um sistema linguístico 43 Nós precisamos declarar uma vez por todas que o patois é uma das nossas línguas. Agora, não me levem a mal, eu estou em total acordo com o que o ministro da educação disse, que cada jamaicano deveria falar o inglês. Meu problema é que ainda existe enraizado em muitas pessoas do nosso povo o fato que quando você fala patois, isso o torna um ser humano inferior”. PLATÔ V.3 N.6 2016 35 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo igualmente rico e complexo como qualquer outro44. Igualmente procurei mostrar que o pichi pertence a uma grande família linguística, a dos crioulos de base lexical inglesa (Afro-Caribbean English-lexiier Creoles), que se extende da África Ocidental até as Américas. O pichi não somente está irmemente implantado na Guiné Equatorial por cerca de dois séculos, como o está por mais tempo que o espanhol. Ele tem continuamente se tornado a língua materna de muitos, aparecendo, depois da língua fang, como a segunda língua local mais amplamente falada da Guiné Equatorial. Considerando esse quadro, há duas possibilidades de evolução para o pichi. Um cenário possível é que uma ampla gama de atores sociais e o governo equatoguineano tomem consciência de que o fato de não incluir as línguas africanas no currículo educacional e não lhes proporcionar um papel na esfera pública contribuirá para o fracasso dos programas de educação em massa, tal como tem sido extensivamente documentado por outros países africanos que adotam uma política de uso exclusivo das línguas coloniais. Em tal cenário, as duas línguas nacionais e internacionais mais faladas da Guiné Equatorial, o pichi e o fang, poderiam receber atenção particular através de um planejamento linguístico. Ao mesmo tempo, uma abordagem pragmática também poderia prever uma ampliação do status e das funções do inglês, substituindo o francês e o português com seus valores práticos reduzidos no “mercado” linguístico da Guiné Equatorial.45 Uma política linguística pragmática poderia também incluir a promoção do chinês na Guiné Equatorial em resposta ao importante crescimento das relações econômicas com a China, um país cuja presença na Guiné Equatorial e região tende a um crescimento exponencial num futuro próximo46. Um segundo cenário, no entanto, se mostra mais realista. As experiências de outras nações africanas sugerem que é mais provável que a Guiné Equatorial continue em sua trajetória de privilegiar línguas europeias nas funções públicas e institucionais. Na maioria dos países africanos, a perspectiva de uma mudança nas políticas linguísticas existentes se confrontou com irme oposição da elite intelectual e política do país. Portanto, é mais provável que o pichi continue expandindo sua função social informalmente, conquistando gradualmente novos domínios de uso, como no caso dos outros crioulos e pidgins nos vizinhos países Camarões, Nigéria e Gana. 44 Cf. YAKPO, 2009. Para uma description extensiva do pichi, cf. também YAKPO, 2010. 45 Uma tal abordagem se alinharia com as tendências internacionais. Por exemplo, os estados membros do CEAAC Moçambique e Ruanda se acomodaram com a ascensão do inglês declarando-o como língua cooicial depois do francês e do português, respectivamente (para Rwanda, cf. Stelja 2012). A recente declaração pela presidência do Gabão sobre considerar se o Gabão poderia introduzir o inglês “comme langue de travail dans un premier temps, puis plus tard, voir comment l’anglais peut devenir une seconde langue” [como uma língua de trabalho primeiramente, e posteriomente, avaliar como o inglês poderia se tornar uma segunda língua (oicial)]. Declarações como essa parecem apontar para um aumento da disposição pela elite política africana, mesmo em redutos francófonos como o Gabão, para reconhecer o incontrolável crescimento do inglês e correspondente declínio do francês como uma língua internacional (http://www.ri.fr/afrique/20121002-gabon-veut-mettre-anglais-ali-bongo-ondimba-commonwealth-francophonie-rwanda-rdc). 46 36 JACQUES, 2012: 413 ff.. PLATÔ V.3 N.6 2016 O estatuto do pichi na Guiné Equatorial Koi Yakpo Referências Bibliográicas BALDAUF, Richard B & Robert B. KAPLAN. 2007. Language planning and policy in Africa, Vol. 2. Clevedon: Multilingual Matters. BAMGBOSE, Ayo. 2000. Language and exclusion: the consequences of language policies in Africa. Münster: Lit Verlag Global. BERRY, Jack. 1970. A Note on the Prosodic Structure of Krio. International Journal of American Linguistics 36(4). 266–267. BOLEKIA Boleká, Justo. 2008. Lingüistica bantú a través del bubi. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca. 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