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Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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EXPEDIENTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE INHUMAS – CESIN
FACULDADE DE INHUMAS – FACMAIS
Diretor-Presidente da FacMais: Celmar Laurindo de Freitas
Diretora da Mantenedora: Prof.ª Dr.ª Celma Laurinda Freitas Costa
Diretora Acadêmica: Prof.ª Dr.ª Celma Laurinda Freitas Costa
Vice-Diretora Acadêmica: Prof.ª Ms. Lianna Marya Peixoto Gusmão
Diretora Administrativa e Financeira: Esp. Cilma Laurinda Freitas e Silva
Secretária Acadêmica: Thalita Meneses da Silva
Coordenador de Sistemas de Informações: Guimair Furtado Ferreira
Coordenadores do Núcleo de Pesquisa e Extensão (NUPE): Prof. Ms. Yves Mauro
Fernandes Ternes e Prof.ª Ms. Cecília Santiago do Carmo Araújo.
Coordenador do Núcleo de Apoio ao Aluno (NUAL): Prof. Ms. Osvaldo José Sobral
Coordenadores do Núcleo de Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem
(NUMAC): Prof.ª Ms. Maria Marciária Martins Bezerra e Prof. Ms. Luiz Antonio Ferreira
Pacheco da Costa.
COORDENAÇÕES DE CURSOS:
Administração: Esp. Cilma Laurinda Freitas e Silva e Prof. Esp. Eilon Lopes da Silva
Ciências Contábeis: Esp. Eunice Carvalho Mattos de Araújo
Enfermagem: Prof.ª Ms. Lianna Marya Peixoto Gusmão
Direito: Prof.ª Dr.ª Celma Laurinda Freitas Costa e Prof.ª Dr.ª Maria Marciária Martins
Bezerra
Coordenadora de Estágio: Esp. Tarsila Figueredo Ferreira Roriz dos Santos
Coordenadora da Empresa Júnior: Prof.ª Esp. Eunice Carvalho Matto de Araújo
Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica: Prof.ª Ms. Regina Maria Albuquerque
Franco Ramos
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REVISTA CIENTÍFICA FACMAIS
EDITORES
Prof. Dr. Daniel Sotelo Martins
Prof. Ms. Dirceu Marchini Neto
REVISÃO
Prof.ª Ms. Cleide Pereira Coutinho
CONSELHO EDITORIAL
Dr.ª Celma Laurinda Freitas Costa
Dr. Edson José de Souza Júnior
Dr. Daniel Sotelo Martins
Ms. Dirceu Marchini Neto
Ms. Lianna Marya Peixoto Gusmão
Ms. Yves Mauro Fernandes Ternes
Ms. Cecília Santiago do Carmo Araújo
Ms. Daniele Ventura Bandeira de Lima
Ms. Maria Marciária Martins Bezerra
Ms. Cleide Pereira Coutinho
Ms. Paulo Teixeira de Souza
Ms. Lúcia Ramos de Souza
ENDEREÇO
Faculdade de Inhumas (FacMais). Avenida Monte Alegre, 100, Residencial Monte
Alegre, Inhumas-Goiás-Brasil. Código Postal: 75.400-000.
E-MAIL
revistacientifica@facmais.com.br.
ISSN
PUBLICAÇÂO SEMESTRAL
Ano 2012/1º Semestre, Volume I, Número I.
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
01
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
03
A PRÁTICA EM BOURDIEU
05
A DESAPROPRI AÇÃO AGRÁRI A
22
A CENTRALI DADE DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO
PROPRIEDADE NO DIREITO AGRÁRIO BRASILEIRO
SOCIAL DA
43
MAQUIAVEL, A RELIGIÃO E A GRANDE EMPRESA
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APRESENTAÇÃO
REVISTA CIENTÍFICA FACMAIS
A Revista Científica FacMais é uma publicação semestral de caráter científico
da Faculdade de Inhumas (FacMais). Idealizada desde a implantação da faculdade,
em 2006, a Revista Científica FacMais tornou-se realidade em 2012, com sua primeira
edição em abril. Portanto este é o seu primeiro número.
Em seu nascimento, a revista tem o formato eletrônico, porém futuramente será
também impressa. Nos dois formatos, ela tem em vista as normas de editoração das
revistas científicas indexadas, em acatamento a norma técnica da International
Standards Organization (ISO 3297) e com registro no International Standard Serial
Number (ISSN) – Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas –, o
identificador internacional para controle mundial de publicações seriadas, que usa um
número para cada periódico, tornando-o identificável e exclusivo no universo das
publicações científicas, representado no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Informação
em Ciência e Tecnologia (IBICT). Neste primeiro número, a revista receberá o ISSN
para publicações periódicas on-line. E a intenção é que, posteriormente, seja
publicada, ao mesmo tempo, nos dois formatos, on-line e impresso, com dois ISSN
diferentes.
A meta do periódico da FacMais é articular pesquisa, extensão e ensino,
publicando trabalhos de docentes e discentes, abrangendo produção de iniciação
científica, monografias, artigos científicos, artigos de revisão, resenhas, anais e outras
modalidades de trabalhos acadêmicos que reflitam os tipos de cientificidade praticados
e pretendidos pela instituição. Dessa forma, a revista, além de publicar textos de
diversos teores, é também portadora da proposta acadêmica da FacMais.
Realizando a interface entre pesquisa, ensino e extensão, a revista, com
preferência científica, visa também à intervenção social, com vistas à produção de
conhecimento e sua aplicação nas esferas relacionadas. Assim, procura fazer uma
interligação da epistemologia e da prática entre os campos diversos do conhecimento
relativos aos cursos atualmente existentes – Administração, Ciências Contábeis,
Enfermagem e Direito –, com abertura para novos cursos de graduação, tecnológicos
e de pós-graduação que a FacMais pretende implantar. Dessa forma, a revista quer
inovar e dar oportunidades de inovação no campo da pesquisa e do conhecimento,
como também da prática, buscando o desenvolvimento da interdisciplinaridade,
multidisciplinaridade e transdisciplinaridade e seus múltiplos diálogos e verticalidades,
fazendo uma trama entre saberes e sabores científicos e as implicações das práticas.
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A revista está aberta a ideias e abordagens emergentes, criando laços entre o
conhecimento e a sociedade.
A FacMais tem o compromisso de incentivar a produção acadêmica e divulgar
o produto de suas atividades, colocando o saber produzido por docentes e discentes à
disposição de toda a comunidade acadêmica. Ela busca realizar a formação de
profissionais e especialistas de nível superior comprometidos com o processo de
desenvolvimento social
e acadêmico do país, do Centro-Oeste, de Inhumas e
municípios circunvizinhos. O objetivo é criar na instituição o espírito da pesquisa
científica e estimular o desenvolvimento intelectual, a criatividade e a imaginação
cultural, contribuindo para o desenvolvimento da ciência, da cultura, das artes e da
tecnologia.
Respaldando e oficializando a nascente ação científica, o Núcleo de Pesquisa
e Extensão da FacMais (NUPE) é o órgão acadêmico institucional que coordena as
atividades de pesquisa e extensão e gerencia a atividade científica, propondo e
acolhendo projetos de pesquisa, viabilizando a efetividade de pesquisas diversas e
possíveis. A Revista Científica FacMais e o NUPE trabalham de forma integrada,
estando interligados às coordenações de cursos, de forma a incentivar e promover o
estudo e a investigação acadêmica, tendo em vista o avanço da ciência, o
aprimoramento didático-pedagógico e o desenvovimento sociocultural da cidade e
região.
Com a Revista Científica FacMais, a Faculdade de Inhumas pretende divulgar
a si e a seus docentes e discentes, que têm assim uma oportunidade de apresentação
de seus trabalhos, o que contribui para sua realização profissional, a ampliação do seu
currículo e seu reconhecimento na comunidade científica. A FacMais agradece aos
colaboradores,
desejando-lhes
inspiração
e
aprofundamento
nas
pesquisas,
esperando o crescimento de todos, o reconhecimento da qualidade de suas produções
pela própria comunidade acadêmica e a inserção de novos saberes no âmbito da
ciência e na sociedade.
Os Editores.
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NORMAS DE PUBLICAÇÃO
1) Os trabalhos para a publicação na Revista Científica FacMais deverão ser inéditos e
a sua publicação não deve estar pendente em outra revista. Uma vez publicados na
revista da FacMais, consideram-se licenciados com exclusividade para veículo
impresso ou digital. Os trabalhos são patrimônios do autor e da revista. Os textos
poderão ser publicados em outras revistas com autorização por escrito do editorial da
revista da FacMais.
2) Os trabalhos devem ser enviados para o editor no endereço eletrônico
revistacientifica@facmais.com.br, com o endereço completo e telefones do autor para
a comunicação devida, curriculum vitae resumido, autorização por escrito do autor
para a publicação e declaração de que o artigo é inédito.
3) Os artigos devem ter entre 15 e 30 laudas e podem ser escritos em português,
espanhol ou inglês. As resenhas devem ter no máximo 10 laudas. A fonte deve ser
Arial ou Times New Roman, corpo 12; o espaço entrelinhas de 1,5 cm; as margens
superior e inferior de 2,5 cm; as margens laterais de 3,0 cm.
4) O autor deve encaminhar um resumo do artigo no vernáculo e uma versão para o
inglês com o máximo de 250 palavras.
5) O autor deverá usar no mínimo três e no máximo cinco palavras-chave (palavras ou
expressões), que deverão acompanhar o resumo em língua vernácula e o resumo em
inglês.
6) As referências bibliográficas, nos textos escritos em língua portuguesa-padrão
brasileiro, deverão ser feitas ao final do trabalho de acordo com as normas da
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Nos textos escritos em espanhol,
inglês e português-padrão europeu, as referências deverão estar no final do trabalho e
conter, em regra, o sobrenome do autor em letras maiúsculas; vírgula; nome do autor
em minúsculas, ou as suas iniciais; ponto; título da obra em itálico ou negrito; ponto;
cidade; dois-pontos; editora; vírgula; ano de publicação. Exemplo: BOURDIEU, Pierre.
A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp, 1996.
7) As citações diretas ou indiretas deverão ser incluídas no próprio texto, sendo
usadas notas de rodapé apenas para comentários do autor (ou citações com
comentários). As citações diretas até três linhas devem vir no texto, entre aspas
duplas e sem itálico. Quando apresentarem mais de três linhas, devem ser destacadas
com recuo de 4 cm da margem esquerda, com tamanho menor do que o utilizado no
texto e sem aspas. A citação deve conter: sobrenome do autor em letras maiúsculas;
vírgula; o ano a publicação; vírgula; número da página (com ou sem a letra “p.”) ou
intervalo de páginas; tudo isso deve estar entre parênteses, como, por exemplo:
(SOTELO, 2011, p. 12).
8) Todo destaque no texto deve ser feito com itálico e não com negrito ou sublinha.
9) Os artigos e resenhas escritos em língua portuguesa-padrão brasileiro devem estar
de acordo com as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
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10) A seleção de trabalhos para publicação é de competência do Conselho Editorial da
Revista. Os trabalhos serão analisados por dois ou mais membros desse conselho.
11) Os trabalhos que não forem aceitos para publicação serão devolvidos a seus
autores para adequação ou serão acompanhados de um ofício, redigido pelos
editores, explicando os motivos da não-publicação.
12) Será enviada correspondência aos colaboradores em agradecimento a sua
contribuição autoral gratuita e licença de publicação dos seus trabalhos.
O conteúdo de cada trabalho (veracidade de dados e informações, de citações, fontes,
estatísticas, etc.) é responsabilidade do autor.
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A PRÁTICA EM BOURDIEU
Theory of Practice of Bourdieu
Celma Freitas
1
Resumo: Este artigo apresenta uma leitura do capítulo “Esboço de uma teoria
da prática 2”, de Pierre Bourdieu. De início, aborda-se a questão do valor da
conotação da sua linguagem científica. Coloca-se a praxiologia de Bourdieu
como uma dialética entre o objetivismo e a fenomenologia, modos de
conhecimento do mundo social. Demonstra-se a complexa conceituação de
habitus, chegando-se à noção de prática. A categoria “prática” ou “práticas” é o
sustentáculo de outros conceitos do pensador, porque através das práticas
observáveis e observadas empiricamente pode-se apreender todo o jogo
simbólico e de poder, seja individual, seja intra ou intergrupos e classes sociais.
Palavras-chave: praxiologia; habitus; prática.
Abstract: This article presents a reading of the text "Outline of a Theory of
Practice" of Pierre Bourdieu. Initially, we broach the question of the value of its
connotation of scientific language. Place the praxeology of Bourdieu as a
dialectic between objectivism and phenomenology, ways of knowing the social
world. Describes the concept of habitus until the notion of practice. The
category "practice" is the support of other concepts of the thinker, because
through the empirically observed practice can comprehend all the symbolic
power relation, individual, within or between groups and social classes.
Keywords: praxiology; habitus; practice.
INTRODUÇÃO
Para a construção do “Esboço de uma teoria da prática”, Pierre
Bourdieu, retendo certos aspectos do objetivismo, integra outros modos de
conhecimento e cria o método praxiológico, para fazer a leitura da
complexidade do mundo social, usando como ferramenta científica a “prática”
ou as “práticas” das ações humanas. Sua reflexão central baseia-se no
conceito de habitus, elemento gerador de práticas, tendo como ponto de
partida a dicotomia agente social (indivíduo) e sociedade (estruturas
1
Doutora em Direito Privado pela Universidad del Museo Social Argentino, Argentina. Professora da
Faculdade de Inhumas (FacMais).
2
BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma Teoria da Prática. In: ORTIZ, Renato (Org.). A sociologia de Pierre
Bourdieu, São Paulo: Editora Ática, 1994, n. 39, p. 46-86. Coleção Grandes Cientistas Sociais.
* Texto produzido como requisito de avaliação discente da disciplina Educação e Cultura, no curso de
Mestrado em Educação, 2008.
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estruturadas e estruturas estruturantes), numa relação dialética entre
interioridade e exterioridade. Recuperando e retrabalhando o conceito de
habitus de Aristóteles, Bourdieu constrói a Sociologia Crítica e Reflexiva,
inovando na conceitualização de vários estatutos epistemológicos, como
“condições sociais”, “campo”, “violência simbólica”, “capital” (econômico,
cultural, social e simbólico), etc., apreensíveis de modo relacional e de acordo
com o lugar do agente em situações singulares e singularizantes. Para elaborar
o conceito de habitus, o pensador francês parte de várias configurações da
“prática” ou das “práticas” – habitus como gerador de estratégias; princípio de
encadeamento das ações; percepção e apreciação de experiência posterior;
produto de diferentes modos de engendramento; sistema de disposições
duráveis e transponíveis; produto da história; homogeneidade relativa; lexinsita;
mediação universalizante; inculcação e apropriação. Assim, partindo da
filosofia, desenvolvendo uma linguagem altamente conotativa, e propondo uma
reflexão que vai do opus operatum para o modus operandi (que representa a
interiorização da exterioridade e a exteriorização da interioridade, numa relação
dialética que busca evidenciar a passagem do produto para o princípio de
produção da prática), Bourdieu propõe uma universalização da abordagem
social por meio de um código comum que seriam as ações e atividades
humanas (práticas), empírica e experimentalmente observáveis, e produzidas
pelos agentes em seus diversos lugares e situações sociais.
1 O VALOR DA CONOTAÇÃO NA TEORIA CIENTÍFICA BOURDIEUSIANA
Bourdieu, embora ovacionado em quase todo o mundo ocidental como
um dos mais vigorosos pensadores na área das ciências sociais, encontra
também opositores, devido principalmente à dificuldade de compreensão
(leitura e interpretação) percebida em suas produções científicas, situação da
qual ele mesmo se ressentia, conforme atestam alguns de seus leitores, como
Telmo Humberto Lapa Caria, que diz: “Sabemos do desagrado de Bourdieu por
não ser devidamente lido e compreendido. Várias são as polêmicas sobre qual
a leitura “certa” para a sua obra” 3.
3
Ensaio: O conceito de prática em Bourdieu e a pesquisa em educação. Telmo Humberto Lapa Caria é
professor no Departamento de Economia e Sociologia da Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro,
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Em busca da linguagem autorizada no campo da sociologia, Bourdieu
cunhou conceitos próprios, retrabalhando termos comuns da antropologia, da
sociologia e da filosofia (e mesmo de outras áreas, como a linguística), em
constante passagem da denotação para a conotação. Ou seja, o discurso
sociológico de Bourdieu é altamente conotado. E, mais, trata-se de uma
reconotação, dado que, no seu arcabouço conceitual, ele executa uma
transfiguração,
uma
reconstituição
simbólico-semântica
de
termos
já
anteriormente conotados por outras esferas do pensamento epistemológicocientífico.
Ao expor como se constrói a linguagem filosófica (tomando Heidegger
como exemplo), Bourdieu anuncia indiretamente como ele mesmo erigiu uma
linguagem de expressiva conotação, desenvolvida em seus estudos, cujo
alcance real de compreensão está adstrito ao campo limitado dos seus pares,
isto é, aos sociólogos iniciados em textos de Bourdieu. Portanto trata-se de
uma linguagem eminentemente científica, porém hermética e restrita aos
estudiosos bourdieusianos – uma neolinguagem do campo sociológico.
Conforme Bachelard:
A linguagem científica é, por princípio, uma neolinguagem. Para ser
ouvido na comunidade científica, é preciso falar de modo científico,
traduzindo os termos da linguagem comum em linguagem científica.
Se prestássemos atenção a essa atividade de tradução
frequentemente camuflada, perceberíamos que há desse modo na
linguagem da ciência grande número de termos entre aspas [...]. O
termo entre aspas eleva o tom. Ele assume, acima da linguagem
vulgar, o tom científico. (Bachelard, Le Matérialisme Rationnel, p. 2164
217, apud Ternes , s/d, p. 15).
Para Bachelard, as aspas usadas na linguagem científica salientam que
houve uma redefinição de palavras da língua comum ou da linguagem científica
anterior, configurando-se novos traços semântico-conotativos. Já Bourdieu
assinala alguns dos neologismos que emprega em seus textos com formas
latinas colocadas em letra itálica.
sendo também pesquisador no Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Faculdade de
Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. E-mail: tcaria@utad.pt
4
Professor da Universidade Católica de Goiás (UCG), Brasil.
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Na continuidade da sua exposição, ele passa a demonstrar como é
constituída a língua especial da filosofia, que representa uma ruptura simulada
(produzida pelo próprio filósofo) entre a linguagem comum e a linguagem
filosófica. Esse processo requer a denegação do sentido primeiro, ou seja, do
sentido vulgar, do senso comum, meramente denotativo, de que se revestem
as palavras. Denegar não significa exatamente negar, porque alguns semas
(sentidos e significados) primeiros continuam subjacentes às palavras
renovadas, transfiguradas, que ganham vida conceitual própria nas áreas
específicas de cada ciência.
Para Bourdieu, um discurso, na sua essência, é formado por palavras
“cardeais” – “aquelas que orientam e organizam o pensamento em
profundidade” (1996, p. 143). Em busca dessas palavras, estabelece-se, no
discurso filosófico (e também em outros discursos), a diferenciação entre o
ontológico (filosófico) e o ôntico (antropológico). Estendendo-se o raio
semântico de “ontológico” e de “ôntico”, chega-se à distinção entre o sentido
vulgar e comum (portanto denotativo) do segundo termo, contra o sentido
renovado, transfigurado (portanto conotativo) do primeiro (ontológico).
Pode-se considerar que Bourdieu, ao construir uma nova ciência
sociológica, hauriu, na sua formação acadêmica em filosofia, a habilidade de
proceder a jogos de palavras, com o intuito de extrair destas o máximo de
significação original, mas extrapolando os seus sentidos primeiros, para
compor a maturidade de seu pensamento científico pela exploração dos
recursos linguísticos formais – o que se depreende pela multiplicidade de
termos da mesma raiz etimológica, como estrutura, estruturado, estruturante,
reestruturante; classe, classificado, classificante; classificam, desclassificam e
reclassificam; interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade;
objetivo e objetivante; etc.
O trabalho linguístico-formal empreendido por Bourdieu em seu
construto teórico sobre o campo da sociologia, com o fim de lhe imprimir maior
cientificidade, renovando as linhas sociológicas anteriores, confere-lhe tanto
riqueza epistemológica quanto o hermetismo de suas produções, muitas vezes
incompreensíveis (ou de compreensão equivocada), seja a leigos, seja a
alguns de seus estudiosos.
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2
PRAXIOLOGIA:
FENOMENOLOGIA?
UMA
DIALÉTICA
ENTRE
OBJETIVISMO
E
Segundo Bourdieu, o mundo social pode ser conhecido teoricamente
sob três modos: pelo conhecimento fenomenológico, pelo conhecimento
objetivista e pelo conhecimento praxiológico. Sua análise epistemológica parte
de uma releitura dos critérios do objetivismo e da fenomenologia para a
elaboração do seu próprio método de análise da sociedade – a praxiologia.
Sua crítica central ao modo fenomenológico recai sobre a limitação
desse método, que se baseia na “experiência primeira do mundo social” (meio
familiar, apreensão do mundo natural e evidente, conhecimento prático e
tácito), “e que exclui a questão de suas próprias condições de possibilidade”
(Bourdieu, 1994, p. 46). Já no objetivismo (particularmente na hermenêutica
estruturalista), o pensador francês rejeita o fato de que esse método não
considera a experiência dóxica, realizando uma ruptura com o conhecimento
primeiro (fenomenológico e subjetivista), ao construir as relações objetivas “que
estruturam as práticas e as representações das práticas” (Bourdieu, 1994, p.
46).
Por sua vez, o conhecimento praxiológico proposto por Bourdieu busca
uma relação dialética entre os dois primeiros modos de conhecimento, na
construção da “teoria da prática ou modos de engendramento das práticas”
(1994, p. 60). Para ele, “o conhecimento praxiológico não anula as aquisições
do conhecimento objetivista, mas conserva-as e as ultrapassa, integrando o
que esse conhecimento teve que excluir para obtê-las” (Bourdieu, 1994, p. 48) – em outras palavras, o que o objetivismo exclui são os conhecimentos
primeiros
do
mundo
social,
antevisto
pelo
modo
de
conhecimento
fenomenológico. Na teoria bourdieusiana, o método praxiológico é:
O conhecimento que podemos chamar de praxiológico tem como
objeto não somente o sistema das relações objetivas que o modo de
conhecimento objetivista constrói, mas também as relações dialéticas
entre essas estruturas e as disposições estruturadas nas quais elas
se atualizam e que tendem a reproduzi-las, isto é, o duplo processo
de interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade:
este conhecimento supõe uma ruptura com o modo de conhecimento
objetivista, quer dizer um questionamento das questões de
possibilidade e, por aí, dos limites do ponto de vista objetivo e
objetivante que apreende as práticas de fora, enquanto fato acabado,
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em lugar de construir seu princípio gerador, situando-se no próprio
movimento de sua efetivação (Bourdieu, 1994, p. 47).
Assim é que Bourdieu lança a praxiologia como um método (um modo
de conhecimento teórico do mundo social), erguido sobre o conceito de prática,
que ele coloca como o fundamento fundante do habitus – conceito central de
sua teoria sociológica –, com a intenção de que a praxiologia forneça
explicações mais amplas e profundas, e portanto mais científicas, sobre os
complexos processos sociais. Em última instância, na teoria bourdieusiana, a
praxiologia significa passagem da mera análise do opus operatum (produto) ao
mergulho perscrutativo no modus operandi (processo), da regularidade
estatística (ou da estrutura algébrica) ao princípio de produção da ordem
observada (Bourdieu, 1994, p. 60).
3 O CONCEITO DE HABITUS
Em todo o universo teórico erigido por Bourdieu, destaca-se o conceito
de habitus, que ele recuperou, retrabalhando-o, da teoria aristotélico-tomista,
com o fim de demonstrar a mola propulsora que leva os agentes sociais a
agirem dentro dos diversos campos que constituem a esfera social.
“Hábito” (do lat. habitu), como substantivo masculino abstrato, significa,
denotativamente, pelo Dicionário Aurélio:
Disposição duradoura adquirida pela repetição freqüente de um ato,
uso, costume: Só a educação pode criar os bons hábitos. 2. Maneira
usual de ser: Mulher pedir em casamento é contra os hábitos sociais
[...].6. Fig. Aparência exterior: “O hábito não faz monge” (prov.).
Do sentido primeiro, geral e de senso comum, Bourdieu, passando pela
releitura filosófica do termo, constrói talvez o principal conceito teórico de sua
doutrina sociológica – habitus.
Bourdieu define habitus como:
Habitus, sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas
predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como
princípio gerador e estruturador das práticas e das representações
que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares” sem ser o
produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu fim
sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das
operações necessárias para atingi-los e coletivamente orquestradas,
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sem ser o produto da ação organizadora de um regente (Bourdieu,
1994, p. 60-61).
Com isso, Bourdieu aponta o potencial gerador do habitus, como
elemento invisível, sub-reptício, tácito, mas constituído de dinamicidade e
elasticidade inerentes, a ponto de engendrar as práticas de modo latente e
imperceptível – a não ser pela evidência das estratégias na produção e
reprodução das estruturas objetivas, pois são as estratégias que dão
materialidade às práticas como produto.
Assim, o habitus encadeia ações, objetivamente organizadas e com
probabilidade de ocorrência compatível ao contexto, porém sujeitas a
permanentes modificações e renovações nas condições materiais de
experiência. Portanto o habitus é um sistema de disposições abertas diante de
experiências novas, sendo ao mesmo tempo afetado por elas.
O habitus, como estrutura estruturante e estruturadora das práticas, se
vale da percepção e da apreciação das experiências primeiras, num dialético
processo de sanções negativas e aprovações, no meio e nas relações de
família, grupos e classes sociais.
Com diferentes modos de engendramento, diante das dicotômicas
estruturas da realidade (traduzidas pelos jogos de interesses entre as classes e
grupos sociais), o habitus não é uma reação mecânica, mas um produto de
condicionamentos, introduzindo nestes uma ação transformadora, por ser ele
um sistema de disposições duráveis e transponíveis de uma relação de
experiência passada a uma matriz de percepções, de apreciações e ações,
com fim estruturante, reestruturante e reestruturador.
O habitus é historicamente construído ao longo do tempo no seio das
diferentes comunidades humanas, tornando-se um elemento natural na
vivência. Nas palavras de Bourdieu, “enquanto produto da história, o habitus
produz práticas, individuais e coletivas, produz história, portanto, em
conformidade com os esquemas engendrados pela história” (1994, p. 76).
O habitus [...] é história feita natureza, isto é, negada enquanto tal
porque realizada numa segunda natureza. Com efeito, o
“inconsciente” não é mais que o esquecimento da história que a
própria história produz ao incorporar as estruturas objetivas que ela
produz nessas quase naturezas que são os habitus (Bourdieu, 1994,
p. 65).
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No entanto, a homogeneidade natural do habitus é relativa, no sentido
de que não é válida para toda a sociedade, mas para os grupos e classes
considerados em si. No interior dos grupos e classes, a regularidade e
objetividade das ações decorrem da harmonização, evidente e necessária, das
condições objetivas idênticas, de efeito universalizante. Portanto, o habitus,
embora de caráter genérico, particulariza os grupos e classes, diferenciando-os
entre si. Entre os agentes de um mesmo grupo, o habitus é lexinsita, em razão
da concordância de um código comum, depositada na experiência primeira e
que se exprime no modus operandi da dinâmica da realidade social como
produto de determinado grupo que concorda e mobiliza as condições de
existência de um sentido objetivo, ultrapassando intenções conscientes.
De caráter duplo, o habitus é constituído basicamente de dois
elementos: ethos (estruturas mentais e morais) e hexis (aspectos corporais e
fisiológicos), dominando as estruturas objetivas que perpassam as relações, as
condições e as posições dos agentes sociais na produção de ações individuais
e coletivas. O habitus é necessariamente harmônico – o que pode haver é uma
desarmonia entre os agentes no sentido de praticar ou não o mesmo habitus.
Pelo exposto na teoria de Bourdieu, deduz-se que o habitus é produto do
trabalho de inculcação e de apropriação. Produtos da história coletiva, as
estruturas coletivas, reproduzindo as disposições duráveis nos indivíduos
(quando condicionados às mesmas condições materiais de existência),
produzem o habitus e permanecem depois de estruturadas, mas também se
tornam estruturantes, num processo de interioridade da exterioridade e de
exterioridade da interioridade.
O habitus é o produto do trabalho de inculcação e de apropriação
necessário para que esses produtos da história coletiva, que são as
estruturas objetivas (por exemplo, da língua, da economia, etc.),
consigam reproduzir-se, sob a forma de disposições duráveis, em
todos os organismos (que podemos, se quisermos, chamar
indivíduos) duravelmente submetidos aos mesmos condicionamentos,
colocados, portanto, nas mesmas condições materiais de existência
(Bourdieu, 1994, p. 74-75).
Embora seja o produto da interiorização das mesmas estruturas
objetivas fundamentais (dentro de cada grupo ou classe), baseando-se no
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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princípio da homologia e da inculcação, o habitus apresenta diversidade
“subjetiva” na sua homogeneidade, em razão da lógica de diferenciação
inerente entre os indivíduos, produzindo-se práticas muitas vezes opostas na
aparência, porém internas de um tipo de grupo ou classe social. Isso significa
que a formação do habitus acontece de modo muito mais natural e espontâneo
do que se possa imaginar, ou seja, no próprio processo da vivência dos
agentes do grupo ou da classe social em que estão inseridos.
Subjacente à complexa sistematização teórica que Bourdieu elabora do
conceito de habitus, tornando este um termo cardeal e básico em sua análise
da sociedade, encontra-se o sentido primeiro da palavra “hábito”, do senso
comum, que, nem por ser meramente denotativo e usual, é renegado – mesmo
porque não é essa a intenção do pensador francês ao renovar a sociologia com
base em princípios mais científicos e amplos, a fim de explicar melhor o mundo
social em todos os aspectos possíveis.
4 O QUE É PRÁTICA EM BOURDIEU?
“Prática” (palavra derivada de “praticar”), substantivo feminino abstrato,
significa denotativamente (Dicionário Aurélio):
Ato ou efeito de praticar. 2. Uso, experiência, exercício. 3. Rotina;
hábito. 4. Saber provindo da experiência; técnica. 5. Aplicação da
teoria.
Ampliando o sentido do dicionário, tem-se, na linguagem rotineira, que
prática ou práticas são atividades, atos, ações, ocupações, diligências, tarefas,
atuações, obras, feitos, manifestações, atitudes, comportamentos, reações,
condicionamentos, enfim, são realizações humanas ocorridas na vivência e na
experiência, em todas as instâncias e segmentos da sociedade (família, escola,
religião, trabalho, instituições, política, meios de produção da infraestrutura,
comércio, lazer, arte, etc.).
Para Bourdieu (como para outros estudiosos da sociologia tradicional), a
sociedade é dividida em classes. E dentro destas, o sociólogo francês destaca
a importância dos grupos, sendo que cada grupo possui as suas práticas
típicas,
definidas,
características,
singulares,
diferenciadas,
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que
14
homogeneízam o grupo, distinguindo-o dos demais – as práticas são presididas
pela lógica da distinção.
Em linguagem comum, as práticas sociais podem ser expressas por
meio de substantivos concretos e abstratos e de verbos, indicando obras,
produtos,
ações,
atividades,
experiências,
realizações,
atos,
rituais,
festividades, comportamentos, atitudes, feitos, façanhas, reuniões, trabalhos,
ofícios, lazeres, construções, comunicações, diálogos, discursos, rezas,
orações, danças, comércios, políticas, negócios, roubos, crimes, viagens,
diplomacias, educação, jornalismo, ciências, operações, cerimônias, condutas,
religiões, execuções, artes, tecnologias, arquiteturas, linguagens, guerras,
julgamentos, etc. Dessa lista aparentemente caótica, pode-se constatar que há
gêneros e espécies, ou seja, noções mais abrangentes e abstratas de que
outras são exemplos. E, denotativamente, pelo senso comum, todos esses
termos (e centenas de outros) designam tipos de práticas antropológico-sociais
realizadas pelas pessoas na vida em sociedade, em um complexo jogo de
interesses e de poderes (lícitos ou ilícitos, morais ou imorais, éticos ou nãoéticos) entre indivíduos, grupos e classes.
Embora tenha elaborado o “Esboço de uma teoria da prática” (e teorias
impliquem necessariamente definições), Bourdieu não apresenta uma definição
direta e expressa para o conceito de prática. Portanto, a noção de prática é
constituída e depreendida, em Bourdieu, por meio da longa e complexa
exposição que ele faz de habitus. Segundo Bourdieu é o habitus que produz a
prática (as práticas).
O habitus produz práticas, que, na medida em que tendem a
reproduzir as regularidades imanentes às condições objetivas da
produção de seu princípio gerador, mas ajustando-se às exigências
inscritas a título de potencialidades objetivas na situação diretamente
afrontada, não se deixam deduzir diretamente nem das condições
objetivas, pontualmente definidas como soma de estímulos que
podem aparecer como tendo-as desencadeado diretamente, nem das
condições objetivas que produziram o princípio durável de sua
produção (Bourdieu, 1994, p. 65).
Na
teoria
bourdieusiana,
por
processo
epistemológico
de
desdobramento e dedução, chega-se a compreender a prática ou as práticas
pela digressão crítico-reflexiva sobre o objetivismo e a fenomenologia,
destacando-se os aspectos da experiência humana no sistema de relações
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
15
objetivas. As práticas englobam tanto a hexis corporal quanto o ethos,
abrangendo todos os espaços e ocorrências antropológico-culturais e
discursivos, gestuais, de estilo de vida, de pensamento e mesmo o modo de
falar – a distinguir grupos e classes:
Não é por acaso que a distinção burguesa acaba investindo em sua
relação com a linguagem a mesma intenção que ela mobiliza em sua
relação com o corpo. O sentido da aceitabilidade que orienta as
práticas lingüísticas está inscrito no registro mais profundo das
disposições corporais: é o corpo inteiro que responde à tensão do
mercado por sua postura, mas também por suas reações internas [...],
o esquema corporal característico de uma classe determina o sistema
dos traços fonológicos que caracterizam uma pronúncia de classe: a
posição articulatória mais freqüente é um elemento de um estilo
global dos usos da boca (no falar, mas também nas práticas de
comer, beber, rir etc.), portanto de toda a hexis corporal, implicando
uma informação sistemática de todo o aspecto fonológico do discurso
(Bourdieu, 1996, p. 74).
Do trecho acima, há que se evidenciar as noções de “estilo global”,
“estilo de vida” e “informação sistemática”, para se chegar mais facilmente a
uma definição de prática. Engendradas pelo habitus (e engendrando-o), as
práticas representam estilos gerais de vida, de atitudes, de posturas, de
condicionamentos, dentro de informações sistemáticas válidas e reconhecidas,
aceitas ou rejeitadas pelos indivíduos, grupos e classes. Nesse arcabouço de
ideias que definiriam as práticas, a linguagem é de suma importância, como
reconhece Bourdieu:
Inúmeros “debates de idéias” tornam-se menos irrealistas do que
parecem quando se sabe o grau com que se pode modificar a
realidade social ao modificar a representação dos agentes a esse
respeito. Pode-se constatar o quanto se modifica a realidade social
de uma prática como o alcoolismo (podendo-se estender tal raciocínio
ao aborto, ao consumo de drogas ou à eutanásia), conforme ela seja
percebida e pensada, como tara hereditária, decadência moral,
tradição cultural, ou então, como uma conduta compensatória. [...]. A
exemplo do que se passa com as relações hierárquicas organizadas
segundo o modelo das relações encantadas cujo lugar por excelência
é o grupo doméstico, todas as outras formas de capital simbólico
(prestígio, carisma, sedução), bem como as relações de troca através
das quais esse capital se acumula (troca de serviços, de dádivas, de
atenções, de cuidados, de afeição) são particularmente vulneráveis à
ação destruidora das palavras que desvendam e desencantam
(Bourdieu, 1996, p. 118-119).
Subjaz ao conceito de prática, na praxiologia de Bourdieu, a noção de
que o termo, já fincado na antropologia e na sociologia, é o corpo constitutivo
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de todas as ações humanas realizadas no convívio social, por todos os
segmentos sociais, em todos os âmbitos e setores da sociedade, nos grupos e
nas classes. No entanto, dentro do estilo altamente conotativo de Bourdieu, o
termo “prática” ultrapassa os limites significativos da antropologia e da
sociologia
tradicionais,
revestindo-se
de
significados
próprios
e
caracterizadores, como acontece com todos os conceitos teóricos trabalhados
pelo sociólogo.
Afirma Bourdieu:
Para escapar ao realismo da estrutura, que hipostasia os sistemas de
relações objetivas, convertendo-os em totalidades já constituídas fora
da história do indivíduo e da história do grupo, é necessário e
suficiente ir do opus operatum ao modus operandi, da regularidade
estatística ou da estrutura algébrica ao princípio de produção dessa
ordem observada e construir a teoria da prática ou, mais exatamente,
do modo de engendramento das práticas, condição da construção de
uma ciência experimental da dialética da interioridade e da
exterioridade, isto é, da interiorização da exterioridade e da
exteriorização da interioridade. As estruturas constitutivas de um tipo
particular de meio (as condições materiais de existência
características de uma condição de classe), que podem ser
apreendidas empiricamente sob a forma de regularidades associadas
a um meio socialmente estruturado, produzem habitus. (Bourdieu,
1994, p. 60).
Assim, superando uma lacuna do objetivismo, que considera as práticas
como um fato social dado – “as práticas são apreendidas de fora, enquanto fato
acabado, em lugar de construir seu princípio gerador situando-se no próprio
movimento de sua efetivação” (BOURDIEU, 1994, p. 47) –, o pensador francês
considera que as práticas são as motivações para agir, bem como o próprio
produto das ações e sua reprodução. Somente através das práticas é que se
capta o habitus, que se delineiam os jogos de interesses e capitais simbólicos e
que se definem grupos e classes sociais. Portanto, com a instituição da
praxiologia, Bourdieu eleva o status da prática ao elemento objetivamente (e
mesmo
subjetiva
e
fenomenologicamente)
considerado,
observável,
mensurável e passível de críticas, capaz de configurar todas as categorias
analisadas em sua sociologia: habitus, grupos e classes sociais, capital
(econômico, cultural, social, simbólico), campo científico, violência simbólica,
etc. Pelas práticas analisa-se e observa-se o homem, a sociedade, a vida.
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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4.1 A prática linguística
A linguagem é um dos campos mais explorados na teoria de Bourdieu,
em relação às classes sociais. Tomando a distinção elaborada por Bertil
Bernstein entre “código elaborado” e “código restrito”, para caracterizar a
linguagem das classes dominantes e das classes dominadas, respectivamente,
com a fetichização da língua considerada legítima das primeiras – e também
aquela valorizada na escola (dentro da noção de capital cultural) –, Bourdieu
constrói toda uma teoria sobre a economia das trocas linguísticas, erguendo o
conceito de capital linguístico, que funciona dentro do mercado linguístico, com
trocas desiguais (como em qualquer mercado), favorecendo os agentes
possuidores de maior capital, deixando em desvantagem os carentes do capital
exigido em mercados específicos, como, por exemplo, o da escola, no qual as
crianças das elites, por trazerem uma linguagem mais elaborada (considerada
correta) auferem maiores lucros perante o sistema escolar, tanto na
modalidade oral quanto na escrita.
Como apresenta Magda Soares5, tratando da linguagem e da escola
numa perspectiva social, e de acordo com as teorias de Bourdieu, Bernstein
realizou estudos linguísticos nas diversas classes sociais, abrangendo
aspectos léxicos, morfossintáticos e semânticos, diferenciando a linguagem
utilizada pelas crianças das elites e das classes populares, demonstrando a
suposta riqueza das primeiras em oposição à limitação expressiva das
segundas. A razão dessa diferença encontra-se no próprio processo de
socialização das crianças, cujos pais e comunidades circunvizinhas não
dispõem dos meios de letramento com que contam as classes altas e médias,
em termos de experiências com a linguagem escrita e com todo o capital
simbólico (econômico, cultural e social) disponível na sociedade.
O aspecto diferenciador que divide as crianças das distintas classes
sociais, e que tem reflexos diretos na sua vida escolar, facilitando ou
dificultando sua aprendizagem, rendimento e sucesso, tem raízes diretas na
sua socialização, que por sua vez é resultante das suas condições
socioeconômicas
concretas
(estruturas
estruturadas
e
estruturantes,
formadoras de habitus).
5
Professora na área de Letras e Linguística da UFMG, Brasil.
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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Para Bourdieu, a distinção entre esses dois modos básicos de valorizar
e de se relacionar com o saber, a cultura e a linguagem produz uma violência
simbólica, representada na imposição dissimulada de um arbitrário cultural e
linguístico como valor universal. Assim, por um ato de violência simbólica, a
cultura e a linguagem das classes sociais dominantes passam a ser as únicas
reconhecidas pela escola, que transforma, arbitrariamente, os bens simbólicos
das elites na cultura legítima e universal, que deve ser reproduzida e adotada
em todos os contextos sociais.
Para lidar com as diferenças culturais e dos saberes simbólicos que há
entre os alunos, devido às diferenças socioeconômicas, a escola produz todo
um discurso calcado em explicações ideológicas capazes de responder aos
anseios e insatisfações das classes populares, e, ao mesmo tempo, a sua
estrutura e matrizes pedagógico-curriculares. Um dos argumentos mais fortes
da escola é a “ideologia do dom”, que, explicando como naturais as distinções
de saberes e níveis culturais, tenta apaziguar os possíveis conflitos que surgem
em sua prática cotidiana, alegando não poder se eximir de repassar o
conhecimento universal a todos os alunos. Dentro desse princípio, surgiu a
“educação compensatória”, com o objetivo de nivelar o conhecimento,
buscando uma igualdade na prática educativa, sob o argumento de que todos
deveriam possuir um mesmo padrão de capital cultural – que está
“naturalizado” (subsidiado economicamente) nas elites.
Segundo Bourdieu,
A aceitabilidade social não se reduz apenas à gramaticalidade. Os
locutores desprovidos de competência legítima se encontram de fato
excluídos dos universos sociais onde ela é exigida, ou então, se
vêem condenados ao silêncio. Por conseguinte, o que é raro não é a
capacidade de falar, inscrita no patrimônio biológico, universal e,
6
portanto, essencialmente não distintiva , mas sim a competência
necessária para falar a língua legítima, que, por depender do
patrimônio social, retraduz distinções sociais na lógica propriamente
simbólica dos desvios diferenciais ou, numa palavra, da distinção
(1996, p. 42).
Os mercados oficiais são ajustados às normas da língua legítima, na
qual sobressaem os dominantes, os detentores da competência legítima, que
possuem o poder de falar com autoridade. Assim, os discursos, segundo
6
Nesse trecho, Bourdieu refere-se a Pierre Encrevé.
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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Bourdieu, são eufemizados (burilados, cuidados, elaborados, polidos),
“inspirados pela preocupação de ‘dizer bem’, de ‘falar direito’, de produzir
produtos ajustados às exigências de um determinado mercado” (1996, p. 66), o
que representa formações de compromisso e a censura, num ato de
reconhecimento que legitima a autoridade e o poder de certos grupos e classes
sociais.
Tratando ainda da prática linguística, Bourdieu reconhece, no jogo de
poder entre os campos sociais, a utilização da linguagem na produção de
discursos gramaticalmente corretos, porém destituídos de sentido verdadeiro
para os grupos sociais de que são alvo, ou seja, discursos falaciosos,
enganadores, ideológicos, que, muitas vezes, têm o mero objetivo de inculcar
valores e signos no processo de preponderância de um grupo social sobre
outro, dentro do mosaico de jogo simbólico que é a sociedade.
Não há nada que não se possa dizer, e pode-se dizer o nada. Podese enunciar tudo na língua, isto é, nos limites da gramaticalidade.
Sabe-se, desde Frege, que as palavras podem ter sentido sem
remeter a coisa alguma, ou seja, o rigor formal pode mascarar a
decolagem semântica. Todas as teologias religiosas e todas as
teodicéias políticas tiraram partido do fato de que as capacidades
geradoras da língua podem exceder os limites da intuição ou da
verificação empírica, para produzir discursos formalmente corretos,
mas semanticamente vazios (BOURDIEU, 1996, p. 28).
CONCLUSÃO
Um dos mais proeminentes intelectuais modernos, na área das ciências
humanas, especificamente na sociologia, Pierre Bourdieu deu um grande
impulso inovador nos estudos sociológicos, porém é considerado um autor de
leitura difícil, hermética e até incompreensível. Isso não devido somente ao
caráter polêmico de sua produção, mas principalmente pelo seu estilo de
escrita e pela sistematização científica que pretendeu conferir às suas
exposições.
De formação filosófica, ele carreou para a sociologia alguns termos
(retrabalhados), dando-lhes uma carga conotativa específica, adequada às
teorias sociológicas, no seu intento de romper com as tradições incrustadas
nos modos de conhecimento aplicados ao mundo social (o objetivismo e a
fenomenologia), superando-as, com vistas a inaugurar um método dialético de
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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abordagem dos fatos sociais, que ele denominou de praxiologia.
Bourdieu
compreendeu a praxiologia como uma terceira opção para a análise
sociológica, capaz de trazer autonomia científica e universalização das
reflexões que pudessem ser feitas sobre diferentes sociedades, pois a vida real
e as condições objetivas de existência são, em qualquer parte do mundo,
concretizadas por meio de ações e atividades humanas – ou seja, de práticas
exercidas pelos agentes nas diferentes situações e relações da existência
material.
Embora não defina diretamente (por meio de um verbo copulativo – “é” –
, como é de praxe científica desde Aristóteles para a criação de juízos), o
conceito de prática (ou práticas), essa noção é facilmente depreendida a partir
da exposição conceitual sobre o habitus, que engendra as práticas. Com a
construção da teoria da prática, Bourdieu buscou erguer uma ciência
experimental, fundada numa relação dialética entre o interior (interioridade) e o
exterior (exterioridade), mostrando que as práticas não podem ser vistas como
produtos acabados, mas como um processo relacional em constante mutação
(mesmo considerando-se as suas regularidades), tendo em vista a história dos
indivíduos, dos grupos e das classes sociais. Em outras palavras, isso significa,
para ele, ir do produto ao processo, princípio de produção e reprodução, ou
seja, do opus operatum ao modus operandi – tal é o sustento epistemológico
da teoria da prática e dos seus modos de engendramento.
As práticas sociais, exteriorizadas em linguagem verbal (oral e escrita),
mas também expressas por outros tipos de linguagem, como gestos, olhares,
atitudes, estilos de vida, objetos usados no cotidiano, vestimentas, etc.,
reproduzem o universo cultural dos indivíduos, grupos e classes sociais,
expressando ideologias, sensações, preconceitos, representando instituições e
lugares sociais dos agentes, que se reconhecem mutuamente por um código
comum no jogo de interesses e dos tipos de capital (econômico, cultural, social
e simbólico). Com a instituição da praxiologia, Bourdieu coloca as práticas
como centro dos seus estudos sociológicos, dando-lhes uma essencialidade
teórica através do conceito de habitus.
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REFERÊNCIAS
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_______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Tradução Mariza Corrêa.
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Tradução
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15.03.2008.
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MARTINS, Carlos Benedito. Notas sobre a noção de prática em Pierre
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SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo:
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TERNES, JOSÉ. Bachelard e o pensamento moderno. Goiânia, artigo
datilografado, s/d.
WACQUANT, Loïq J. D. O legado sociológico de Pierre Bourdieu: duas
dimensões e uma nota pessoal. Artigo publicado na Revista Sociológica e
Política, Curitiba, n. 19, p. 95-110, nov. 2002.
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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A DESAPROPRIAÇÃO AGRÁRIA
The Agrarian Expropriation
Edson José de Souza Júnior 7
Resumo: O presente artigo aborda o regime jurídico das desapropriações,
verticalizando na análise da ação de desapropriação por interesse social para
fins de reforma agrária, também conhecida como desapropriação agrária.
Palavras-chave: desapropriação agrária; interesse social; reforma agrária;
função social.
Abstract: This article discusses the legal regime of expropriations, heading the
analysis of the action of expropriation by social interest for purposes of agrarian
reform, also known as agrarian expropriation.
Keywords: agrarian expropriation; social interest; agrarian reform; social
function.
INTRODUÇÃO
No
presente
artigo
pretende-se
analisar o
regime
jurídico
da
desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, também
conhecida como desapropriação agrária.
Assim, inicialmente será realizada uma contextualização, incluindo a
desapropriação agrária no cenário da intervenção do Estado na propriedade,
para se ter o verdadeiro alcance do instituto a ser estudado, bem como se
realizará sua distinção das demais espécies de desapropriação.
Aqui serão analisados, ainda que perfunctoriamente, alguns conceitos
doutrinários (gênero), pressupostos e fundamentos, bem como a questão das
competências para legislar, declarar e promover as desapropriações em geral,
e ainda o fundamento constitucional e infraconstitucional das diversas espécies
de desapropriação e algumas classificações doutrinárias.
Posteriormente, será realizado um estudo verticalizado no tema da
desapropriação agrária, indicando-se a contextualização histórica do instituto,
7
Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Mestre em Direito Agrário e
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Professor da Faculdade de Inhumas (FacMais).
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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conceitos doutrinários (espécie), histórico da desapropriação agrária no Brasil,
caracterização do caráter sancionatório (desapropriação-sanção), além de se
tecerem considerações sobre o procedimento (fase declaratória e executória
versus fase administrativa e judicial).
Espera-se com este estudo, a despeito das limitações próprias dos
textos dessa natureza, contribuir para a disseminação de informações
pertinentes sobre o tema. Pretende-se atingir os objetivos, ainda que
minimamente, com a demonstração clara da existência de três espécies
distintas de desapropriação (utilidade pública, necessidade pública e interesse
social, sendo que esta última apresenta três subespécies: a geral, a urbana e a
rural).
Assim, o objetivo maior é demonstrar em grandes linhas as nuances da
desapropriação agrária, permitindo a visualização de um panorama geral sobre
a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.
1 CONTEXTUALIZAÇÃO: A DESAPROPRIAÇÃO
INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE
COMO
MODO
DE
Várias são as possibilidades de o Estado intervir na propriedade,
inclusive através da tributação. Hodiernamente, sabe-se que o direito de
propriedade, antes encarado a partir das prerrogativas de usar, gozar, dispor e
reaver de forma absoluta, exclusiva e perpétua, cedeu lugar à perspectiva que
privilegia o cumprimento da função social da propriedade, havendo quem
defenda que hoje o que há de absoluto no direito de propriedade é o
cumprimento da função social.
Por outro lado, para além da observância do princípio da função social,
no âmbito do direito público é comum encontrar o princípio da supremacia do
interesse público sobre o privado como princípio fundante da atuação estatal,
mormente quando se está diante de uma restrição de direitos, que deverá
incidir desde que respeitados os direitos e garantias constitucionais e
considerando a proporcionalidade da atuação estatal, num ambiente do devido
processo legal (due processo law).
Assim, o ordenamento jurídico pátrio prevê várias formas de intervenção
do Estado na propriedade, algumas restritivas (limitação administrativa,
servidão pública, tombamento, ocupação temporária, requisição, entre outras),
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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outras mais severas, consideradas supressivas do próprio direito de
propriedade. Aqui se encontra a desapropriação.
Com efeito, além do ordenamento legal, constitucionalmente deverão ser
observados os incisos XXII, XXIII e XXIV do art. 5º, inciso III, do §4º do art. 182
e art. 184, todos da Constituição da República Federativa do Brasil, consoante
será esclarecido mais adiante.
2 DESAPROPRIAÇÃO EM GERAL
2.1 Conceitos doutrinários (gênero)
Conforme já foi mencionado, existem três espécies de desapropriação.
Assim, sem adentrar na especificidade de cada uma das espécies, bem como
de suas subespécies, houve um esforço hercúleo da doutrina para sintetizar e
proporcionar a formulação de um conceito que se consubstanciasse de forma
válida para todas elas.
Segue a transcrição de algumas com notas entendidas como
importantes, extraídas de leituras dos referidos conceitos de desapropriação.
Desapropriação é o procedimento de direito público pelo qual o Poder
Público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de
utilidade pública ou de interesse social, normalmente mediante
pagamento de indenização. (CARVALHO FILHO, 2007, p. 626)
Com base no nosso ordenamento – art. 5º, XXIV, 182, III, e 184,
todos da CF, pode-se conceituar desapropriação como sendo o
procedimento administrativo pelo qual o Estado, compulsoriamente,
retira de alguém certo bem, por necessidade ou utilidade pública ou
interesse social e o adquire, originalmente, para si ou para outrem,
mediante prévia e justa indenização, paga em dinheiro, salvo os
casos que a própria Constituição enumera, em que o pagamento é
feito com títulos da dívida pública (art. 182, §4º, III) ou da dívida
agrária (art. 184). (GASPARINI, 2007, p. 757)
Desapropriação é ato estatal unilateral que produz a extinção da
propriedade sobre um bem ou direito e a aquisição do domínio sobre
ele pela entidade expropriante, mediante indenização justa. (JUSTEN
FILHO, 2005, p. 422)
Segundo as normas jurídicas positivas brasileiras pertinentes, podese entender a desapropriação como de procedimento administrativo
por via do qual o Poder Público constrange o proprietário a transferir
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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ao Estado bens móveis ou imóveis declarados de interesse público,
mediante justa e prévia indenização em dinheiro ou
excepcionalmente em títulos da dívida pública ou títulos da dívida
agrária, nos termos da lei, por acordo ou por força de decisão judicial.
(FARIA, 2004, p. 376)
Desapropriação é o procedimento administrativo pelo qual o Poder
Público ou seus delegados, mediante prévia declaração de
necessidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a
perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa causa.
(DI PIETRO, 2007, p. 153)
Desapropriação é a figura jurídica pela qual o poder público,
necessitando de um bem para fins de interesse público, retira-o do
patrimônio do proprietário, mediante prévia e justa indenização. A
desapropriação atinge o caráter perpétuo do direito de propriedade,
pois extingue o vínculo entre proprietário e bem, substituindo-o por
uma indenização. (MEDAUAR, 2007, p. 348-349)
Desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória de
propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior para a
superior) para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade ou
necessidade pública ou, ainda, por interesse social, mediante prévia e
justa indenização em dinheiro (art. 5º, XXIV), salvo as exceções
constitucionais de pagamento em título da dívida pública de emissão
previamente aprovada pelo Senado Federal, no caso de área urbana
não edificada, subutilizada ou não utilizada (CF, art. 182, §4º, III) e de
pagamento em título da dívida agrária, no caso de reforma agrária,
por interesse social (CF, art. 184). (MEIRELLES, 2007, p. 608-609).
Segundo os parâmetros classificatórios adotados, podemos
conceituá-la como o grau máximo de intervenção ordinária e concreta
do Estado na propriedade privada, que opera a transferência
compulsória de um bem para o domínio público, de forma onerosa,
permanente, não executória e de execução delegável, imposta
discricionariamente pela declaração de existência de um motivo de
interesse público legalmente suficiente. (MOREIRA NETO, 2005, p.
379)
Desapropriação é o procedimento administrativo, preparatório do
judicial, por meio do qual o Poder Público, compulsoriamente,
pretende despojar alguém de seu direito de propriedade a fim de o
adquirir, mediante indenização, prévia, justa, em geral, em dinheiro,
ou, excepcionalmente, em títulos da dívida pública, fundada em
interesse público, necessidade pública, interesse social, como pena
pela não utilização do bem nos termos de sua função social, ou,
ainda, em decorrência de ilícito criminal. (FIGUEIREDO, 2001, p.
303)
Primeiramente, poder-se-ia perguntar: desapropriação é processo ou
procedimento?
A
despeito
de
todos
os
doutrinadores
optarem
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
por
26
procedimento, entendo que o mais adequado seria processo, porquanto um
dos traços de distinção e de detecção do processo é a presença de
litigiosidade. Então retornaria a pergunta: haveria alguma seriação de atos da
Administração Pública que teria maior litigiosidade? Parece-me que não!
Assim, a desapropriação indubitavelmente é processo que poderá ter diversos
procedimentos, a depender da sua espécie e subespécie adotada.
Carvalho Filho (2007) entende que a desapropriação se submete
normalmente ao pagamento da indenização. Penso, todavia, que a
desapropriação sempre se submete ao princípio da justa e prévia indenização.
Contudo, o respeitável e brilhante doutrinador entende que o confisco seria
uma quarta espécie de desapropriação.
Por outro lado, o traço da compulsoriedade denota que a vontade do
particular em perder ou não a sua propriedade não é decisiva para a
concretização da perda, já que, enquanto para o direito civil (art. 1228 do CC) a
desapropriação é vista como forma de perda da propriedade, para o direito
administrativo, urbanístico e agrário é vista como forma de aquisição originária 8
da propriedade. Essa originalidade decorre da não-participação da vontade do
transmitente da propriedade, pelo fato de que é feita a aquisição da
propriedade sem a possibilidade de se alegarem os vícios decorrentes da
evicção, bem como todos e quaisquer direitos sub-rogados no valor da
indenização.
8
Vide o trecho da obra abaixo indicada:
A aquisição se diz derivada quando é indireta. Seu exercício depende, pois, da atuação
ou participação de outra pessoa. Há um ato de transmissão, ou transferência, pelo qual se inicia
o trespasse do domínio do antigo para o novo proprietário. Figuram, consequentemente, um
transmitente e um adquirente nessa operação. A propriedade deriva de um para outro. Nessa
modalidade de aquisição da propriedade podem-se discutir problemas concernentes aos vícios
de vontade (coação) e de domínio (evicção). A aquisição da propriedade pela transcrição do
título aquisitivo de compra e venda ou de permuta, a exemplo de outras espécies, tem essa
natureza.
A aquisição diz-se originária quando é direta; independe de interposta pessoa. O
adquirente, sem que alguém lhe transfira a propriedade, torna seu determinado bem. Não há, por
conseguinte, qualquer ato de transmissão ou transferência da propriedade para o adquirente;
este alcança o domínio como se a propriedade nunca tivesse pertencido a alguém e como se
fosse a primeira aquisição. Não há, pois, derivação do domínio. Há adquirente, mas não há
transmitente, não se podendo, portanto, discutir os possíveis vícios de vontade (coação) e
domínio (evicção). Mesmo na desapropriação amigável, não cabe o direito à evicção, conforme
já decidiu o TRF da 3ª Região (RT, 760:434).
A aquisição da propriedade pela desapropriação é originária. Com efeito, não há na
desapropriação quem transmita a propriedade, sendo, por conseguinte, bastante em si mesma
para assegurar, em prol do Estado, o domínio de certo bem, independentemente de qualquer
vinculação com título jurídico do então proprietário. (GASPARINI, 2006, 762-763)
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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A despeito de Faria (2004) inserir no seu conceito a possibilidade de o
particular ser constrangido a alienar seu bem, penso que, quando não há
concordância (desapropriação administrativa, quando admitida), também não
haverá constrangimento, porquanto através da jurisdição é que obterá a
transferência compulsória.
Interessante notar que o direito de desapropriação da Administração
Pública é um poder-dever discricionário, dependendo de prévia declaração por
parte da autoridade competente, após a verificação dos pressupostos (utilidade
pública, necessidade pública e interesse social), não sendo preciso dizer que
sempre será uma pena pelo não-cumprimento da Função Social, porquanto à
desapropriação
por
utilidade
e
necessidade
pública
é
irrelevante
o
cumprimento ou não da função social, mas esta é pertinente nas
desapropriações por interesse social para fins de reforma agrária e urbana
(desapropriação-sanção).
2.2 Pressupostos
É pressuposto da desapropriação a utilidade pública, nesta incluindo-se
a necessidade pública e o interesse social (CARVALHO FILHO, 2007, p. 627).
Medauar (2007, p. 351-352) indica que
A necessidade pública aparece quando a Administração se
encontra diante de um problema inadiável e premente, isto é, que não
pode ser removido nem procrastinado e para cuja solução é
indispensável incorporar no domínio do Estado o bem particular. A
utilidade pública aparece quando a utilização da propriedade é
conveniente e vantajosa ao interesse coletivo, mas não constitui
imperativo irremovível. Haverá motivo de interesse social quando a
expropriação se destine a solucionar os chamados problemas sociais,
isto é, aqueles diretamente atinentes às classes mais pobres, aos
trabalhadores, à massa do povo em geral pela melhoria nas
condições de vida, pela mais equitativa distribuição de riqueza, enfim,
pela atenuação das desigualdades sociais. (Da desapropriação no
direito constitucional brasileiro, RDA 14, p. 3-4, 1948) (grifo nosso)
Destarte, apenas se houver a verificação prévia da necessidade, da
utilidade e do interesse social é que se poderá desapropriar o referido bem.
Não havendo a presença desses pressupostos, a desapropriação será ilegal e
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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poderá ser obstada, ou, se já em curso, caracterizará a desapropriação
indireta, consoante será verificado posteriormente.
2.3 Fundamentos
Segundo Gasparini (2007, p. 759-760), existem fundamentos políticos,
constitucional e legal.
O fundamento político seria a supremacia do interesse público sobre o
privado, os quais, para ele, seriam sempre inconciliáveis entre si.
Já o fundamento constitucional divide-se em genérico e específico. O
primeiro é decorrente do princípio do cumprimento da função social da
propriedade (inciso XXIII, do art. 5º, c/c art. 170 da Constituição Federal de
1988), e o segundo seria a necessidade pública, utilidade pública ou interesse
social.
Por fim, tem-se o fundamento legal, disposto na dispersa legislação
infraconstitucional.
2.4 Disposições legais
Na Constituição da República Federativa do Brasil encontram-se várias
disposições aplicáveis à matéria. Dentre elas citam-se os incisos XXII, XXIII,
XXIV, LIV, LV e LXXVIII do art. 5º; o art. 22, inciso II, c/c, parágrafo único; o art.
182, §3º; o art. 184, ss; bem como o art. 243 (regulamentado pela Lei n. 8.257,
de 1991 – expropriações de glebas nas quais se localizem culturas ilegais de
plantas psicotrópicas).
Já no âmbito infraconstitucional tem-se entre outras as seguintes leis 9:
Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941 - Lei Geral de DesapropriaçõesUtilidade pública; Lei n. 4.132, de 10 de setembro de 1962 - Interesse social;
Decreto-Lei n. 1.075, de 22 de janeiro de 1970 - Imissão de posse, initio litis,
em imóveis residenciais urbanos; Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 Interesse social, para fins de Reforma Agrária; Lei Complementar n. 76, de 6
9
Existem várias outras hipóteses pulverizadas no ordenamento jurídico, tais como: Decreto n. 24.643/34;
Lei n. 3.833/60; Lei n. 3.924/61; Lei Delegada n. 4/62; Decreto n. 51.664/62; Lei n. 4.519/64; Lei n.
4.504/64; Lei 4.591/64; Lei n. 4.593/64; Decreto n. 57.418/65; Lei n. 4.947/66; Decreto n. 53.700/69;
Decreto-Lei n. 512/69; Lei n. 5.772/71; e Lei n. 6.766/79; entre outros dispositivos.
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de julho de 1993 - Procedimento contraditório especial, de rito sumário da
desapropriação por interesse social, para fins de Reforma Agrária; Lei n.
10.257, de 10 de julho de 2001 - Estatuto da Cidade – desapropriação-sanção.
2.5 Competência
Para que se efetive a desapropriação, há de incidir a confluência de três
espécies de competência ou atribuição administrativa, quais sejam, a
competência/atribuição para legislar, vez que não há possibilidade de
incidência do instituto sem a colaboração do legislador infraconstitucional; a
competência/atribuição para declarar o bem de utilidade, necessidade ou
interesse social no caso concreto; e a competência/atribuição para promover os
atos materiais para se realizar a desapropriação.
Sinteticamente tem-se que a competência para legislar é privativa da
União, consoante inciso II, do art. 22 da Constituição Federal de 1988, mas
poderá ser delegada aos estados-membros se editada a lei complementar
indicada no parágrafo único do mesmo artigo.
Já competência/atribuição para declarar o bem expropriado de utilidade
pública, necessidade pública e interesse social é concorrente, estando
estampada no art. 8º do Decreto-Lei n. 3.365, de 1941, sendo do chefe do
poder
executivo
e
do
legislativo,
como
regra
geral 10.
Todavia,
na
desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, caberá ao
Presidente da República, e por interesse social urbana caberá ao executivo
local.
Por fim, a competência/atribuição para promover, que é a de executar
atos materiais para realização da desapropriação, será das Pessoas Políticas e
Pessoas Administrativas, consoante as determinações das leis e contratos
administrativos. No caso da desapropriação, a autorização veio estabelecida no
art. 2º da Lei 8.629, de 1993, consoante indicação de Alvarenga (1995, p. 39),
e geralmente vem estampada no art. 3º do Decreto Presidencial 11.
10
Salvo melhor juízo, lei que cria entidades da administração indireta (art. 37, XIX da CF/88) também
pode autorizar outros agentes públicos a referida missão.
11
Exemplificando, cita-se:
Art. 3º-O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA fica autorizado a
promover as desapropriações dos imóveis rurais de que trata este Decreto (...).
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2.6 Classificação
Para os fins do presente trabalho, serão mencionadas apenas duas
catalogações, levando-se em consideração o critério indenizatório e a
regularidade dos atos alusivos ao processamento da desapropriação.
A primeira, as desapropriações ordinária e extraordinária 12, que levam
em conta a forma de indenização, sendo a primeira exclusivamente em
dinheiro e a segunda decorrente de pagamento em títulos emitidos pela
entidade política correspondente.
A segunda, a desapropriação direta e indireta 13, correspondendo a
verdadeiro apossamento administrativo, ou seja, esbulho praticado pelo Poder
Público, porquanto não se observa o princípio do devido processo legal.
3. DESAPROPRIAÇÃO AGRÁRIA
Certamente que a reforma agrária é um tema de extrema importância
para o direito agrário, mas vislumbra-se nas últimas décadas uma ampliação
de seu conteúdo material, notadamente em vista de suas interseções com
outros ramos do direito público interno, notadamente com o direito ambiental.
Assim, parece-me curial o acerto de Marques (2007, p. 127) ao referir-se
que
12
Vários são os autores que adotam esta conhecida classificação, entre eles, além do autor abaixo
indicado, cita-se Gasparini (2007, p. 758):
A desapropriação ordinária concretiza-se, então, por necessidade ou utilidade pública,
ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro.
Há, porém, desapropriações extraordinárias, que se consumam sem que haja justa e
prévia indenização em dinheiro. São extraordinárias as desapropriações decorrentes do
inadequado aproveitamento do solo urbano (CF/88, art. 182) e da improdutividade de imóvel rural
(CF/88, art. 184) (CUNHA, 2008, p. 270).
13
Vide o trecho da obra abaixo indicada:
Desapropriação indireta é o fato administrativo pelo qual o Estado se apropria de bem
particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia.
Trata-se de situação que causa tamanho repúdio que, como regra, os estudiosos a têm
considerado verdadeiro esbulho possessório. Com efeito, esse mecanismo, a despeito de ser
reconhecido na doutrina e jurisprudência, e mais recentemente até por ato legislativo, não guarda
qualquer relação com os termos em que a Constituição e a lei permitiram o processo de
desapropriação. Primeiramente porque a indenização não é prévia, como o exige a Lei Maior.
Depois, porque o poder público não emite, como deveria, a necessária declaração
indicativa de seu interesse. Limita-se a apropriar-se do bem e fato consumado!
(CARVALHO FILHO, 2007, p. 758-759).
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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Sem dúvida, o tema Reforma Agrária se situa entre os mais
importantes estudos do Direito Agrário. Com certo exagero, há quem
chegue mesmo a confundi-la com o próprio Direito Agrário, sugerindo
que a disciplina seja denominada ‘Direito da Reforma Agrária’.
A Constituição da República Federativa do Brasil não conceitua reforma
agrária, porém no direito positivo pátrio consta conceituação demasiadamente
feliz quando a especificou, no Estatuto da Terra (Lei n. 4.504, de 1964), ao
delimitar a sua matéria e trazer o conceito legal de Reforma Agrária, consoante o
§1º do art. 1º que segue
Artigo 1° - Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos
bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e
promoção da Política Agrícola.
§ 1° - Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem
a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no
regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça
social e ao aumento de produtividade.
§ 2º - Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de
amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no
interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no
sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las
com o processo de industrialização do país.
Esclareça-se que a mesma ideia é reproduzida no artigo 16 do Estatuto
da Terra (Lei n. 4.504, de 1964).
Interessante notar que reforma agrária não se realiza apenas por
intermédio da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária,
mas por diversos instrumentos entendidos eficazes para promover uma melhor
distribuição de terras, tais como a aquisição pelo governo federal (Decreto n.
433, de 1992), Banco da Terra (Lei Complementar n. 93, de 1998),
financiamentos outros que facilitem a aquisição de terras, comodato coletivo,
arrendamento rural e outros meios.
Assim, vislumbra-se, pela dicção do art. 1º do Estatuto da Terra
(Lei n. 4.504, de 1964), que o espectro do direito agrário é muito mais amplo
que a reforma agrária em si.
Aliás, desapropriação agrária tem regulamentação específica,
qual seja, a Constituição Federal a partir do art. 184 e em nível legal, a Lei n.
8.629 e a Lei Complementar n. 76, ambas de 1993.
3.1 Conceitos doutrinários (espécie)
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O jus agrarista geralmente explora pouco o conceito particularizado de
desapropriação agrária, pedindo achegas a outros ramos do direito para tratar
do assunto (especialmente o direito administrativo), o que denota, ao meu
sentir, uma insuficiente compreensão da imprescindibilidade de se cunhar com
agudez os institutos especificamente agrários, para realçar ainda mais a sua
autonomia frente aos outros ramos do direito.
Por exemplo, Borges (1992, p. 67-75), famoso e competente jus
agrarista, dá todos os contornos da desapropriação agrária, mas deixa de
trazer um conceito específico, o que reforça a constatação acima.
Penso que a desapropriação por interesse social para fins de reforma
agrária, ou mais simplesmente desapropriação agrária, é aquela introduzida a
partir da Emenda Constitucional n. 10, de 09 de novembro de 1964, que deu
nova redação ao art. 147, da Constituição Federal de 1946, hodiernamente
prevista entre os artigos art. 184 a 191 da Constituição Federal vigente, tendo
sido regulamentada pela Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, e pela Lei
Complementar n. 76, de 6 de julho de 1993.
Portanto, desapropriação agrária é aquela decorrente da retirada
compulsória e judicial do imóvel rural que não cumpre a função social,
mediante pagamento das benfeitorias úteis e necessárias em dinheiro e em
TDAs para o pagamento da Terra Nua, segundo critérios fixados em legislação
específica, observando-se, por óbvio, os parâmetros constitucionalmente
fixados.
Aliás, decorre daí a importância de se falar em regime jurídicoadministrativo da desapropriação agrária, porquanto há a extrema necessidade
de se observarem as prerrogativas da administração em confronto com as
garantias dos proprietários rurais, sempre observando a centralidade do
princípio da função social da terra, motivo pelo vem a calhar a citação de Prado
(2007, p.18-19), que aduz
Neste contexto não se pode perder de vista a noção de regime jurídico
administrativo, que, segundo Juan Carlos Casagne, tem uma
característica atribuída pela doutrina clássica, que é “la existencia de
un sistema de prerrogativas de poder publico que influyen también
correlativamente e nun aumento de las garantias del administrado, a
efectos de mantener um justo equilíbrio entre ambas”.
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O confronto das partes, portanto, dá-se no contexto do regime
administrativo, em que o Estado tem prerrogativas e o expropriado, garantias.
Portanto, é nesse contexto que se deve estudar o assunto em comento,
sem perder de vista que o Estado, no caso, a União, através de uma autarquia
fundiária, promove a desapropriação agrária, no exercício de suas funções e à
luz de um interesse geral, um interesse público, que consubstancia o princípio
da Supremacia do Interesse Público sobre o individual, sempre levando em
consideração o importante princípio da função social da propriedade, pedra
angular do direito agrário pátrio.
3.2 Histórico da desapropriação agrária no Brasil
Desde a Constituição Imperial de 1824 14, o direito de propriedade é
garantido constitucionalmente, ressalvada a possibilidade de desapropriação.
Por
outro
lado,
todas
as
outras
constituições
republicanas15
estabeleceram que a desapropriação, a partir do atendimento de procedimento
previsto em lei, é feita mediante o pagamento de justa e prévia indenização.
Foi na Constituição de 1934 que apareceu pela primeira vez a expressão
“interesse social ou coletivo” e foi nesta Constituição que se estabeleceu a
necessidade de indenização justa. Já na Constituição de 1937, o direito à
propriedade foi garantido, sendo eliminada a expressão “interesse social ou
coletivo”, permanecendo a indicação da exceção apenas aos casos de
necessidade e utilidade pública.
Sob sua égide, foi editado o Decreto-Lei n. 3.365, de 1941, ainda
vigente, por meio do qual se enumeraram as hipóteses de necessidade e
utilidade públicas aptas a justificar a retirada da propriedade.
14
15
V. Constituição Imperial de 1824, art. 179, XXII;
V. Constituições Republicanas:
CF/1891, art. 72, §17;
CF/1934, art. 113, n. 17;
CF/1937, art. 122, n. 14;
CF/1946, art. 141, §16;
CF/1967, art. 150, §22;
EC n.º 01/1969, art. 153,§22;
CF/88, art. 5º XXIV.
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Na Constituição de 1946, foi indicado o retorno da expressão “interesse
social”, passando-se a exigir que a indenização, além de prévia e justa, fosse
feita em dinheiro.
Com lastro constitucional (art. 147), foi promulgada a Lei n. 4.132, de
1962, ainda vigente, para disciplinar as hipóteses de desapropriação por
interesse social.
Foi apenas com a Emenda Constitucional n. 10, de 1964, que se
estabeleceu a possibilidade de indenização da desapropriação da propriedade
rural por interesse social, mediante pagamento de prévia e justa indenização
em títulos especiais da dívida pública. O Estatuto da Terra (Lei n. 4.504, de 30
de novembro de 1964) estabeleceu a desapropriação agrária.
A Constituição de 1967 (24 de janeiro de 1967) nada alterou,
permanecendo os casos de “necessidade ou utilidade pública ou interesse
social”.
Demétrio (1979, p. 34) esclarece que
Sobrevindo o Ato Constitucional n.º 09, de 25 de abril de 1969, o
Governo do Presidente Costa e Silva modificou, ainda, outra vez, os
dispositivos constitucionais fundamentais e reguladores do instituto
da desapropriação para os fins de Reforma Agrária. O fato primacial
da nova Constituição consiste em eliminar do texto da Constituição de
1967 a palavra “prévia”, relativa à parte do pagamento das
indenizações das terras desapropriadas. Este mesmo Ato Institucional
n.º 09 liberava, também, o Poder Executivo, de decretar a aprovação
dos planos expropriatórios de terras, possibilitando a delegação
dessas atribuições e, mantendo privativa do Executivo apenas a
declaração de áreas prioritárias.
Por outro lado, baixou-se o Decreto-Lei n. 554, de 25/04/1969, que
estabeleceu
a
ação
de
rito
sumário
para
o
processamento
das
desapropriações. A Emenda Constitucional n. 01, de 17 de outubro de 1969,
em nada inovou quanto à reforma agrária.
Mas a Constituição de 1988 previu um capítulo especial, “DA POLÍTICA
AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA E DA REFORMA AGRÁRIA” (art. 184 a 191). Foi
ainda editada a Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que regulamentou a
desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, sendo
promulgada também a Lei Complementar n. 76, de 06 de julho de 1993, que
estabeleceu o procedimento contraditório especial, de rito sumário, da
desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária.
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3.3 Desapropriação agrária como desapropriação-sanção
É de conhecimento geral que nossa atual Constituição Federal assegura
o direito de propriedade (inciso XXII, do art. 5.º), porém, ao mesmo tempo,
relativiza-o,
fazendo
recair
sobre
ele
uma
séria
hipoteca
social
consubstanciada no atendimento da função social que lhe é inerente (inciso
XXIII, do art. 5º). E o descumprimento dessa função social legitima a
intervenção estatal na esfera dominial privada.
A desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária é
verdadeiramente uma sanção ao produtor rural incauto. Cumpre-nos evidenciar
a necessidade premente de disseminar os princípios fundamentais do direito
agrário, trazendo a lume uma consciência agrarista, para os assuntos próprios
desse novo ramo do direito.
Portanto é necessário levar em conta que os critérios utilizados para a
aferição da justa indenização são diversos, na medida em que também são
diferentes os pressupostos de cada espécie de desapropriação, principalmente
quanto à indenização e condenação ao pagamento dos juros compensatórios e
moratórios.
Veja-se o entendimento de Almeida (1990, p. 72).
21. CARÁTER PUNITIVO DA REFORMA AGRÁRIA
O descumprimento da função social do imóvel rural foi tido pelo
constituinte corno tão grave, que sua ocorrência enseja uma sanção
severa.
De fato, é característica da reforma agrária que seu
instrumento, a desapropriação por interesse social, assuma caráter
punitivo para o expropriado, com a agravante representada pela
forma de se pagar a indenização correspondente.
Isto não ocorre, em princípio, nas demais espécies de
desapropriação, que se realizam não com conotação de sanção pelo
mau uso da propriedade, mas sim em consideração a interesses
públicos que sobrelevam o interesse individual do proprietário,
havendo, pelo menos teoricamente, a recomposição do patrimônio
pela indenização paga em dinheiro.
O pagamento em títulos representa, como já se afirmou, uma punição
ao proprietário que abusou de seu direito.
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Nesse sentido, percebe-se que essa forma de indenização é uma
sanção por uma exploração não adequada, ou seja, aquela que não atende ao
princípio da função social.
3.4 Procedimento
3.4.1 Fase declaratória
A regra geral nas desapropriações por utilidade e necessidade pública é
a possibilidade de declaração do imóvel tanto pelo Poder Executivo, quanto
pelo Poder Legislativo. Todavia, na desapropriação agrária, a competência é
apenas do Chefe do Poder Executivo Federal.
Pode-se dizer que a culminância da fase administrativa dos processos
de desapropriação agrária é a edição do decreto, que se segue à avaliação do
imóvel rural e medidas decorrentes, tais como a respectiva emissão dos TDAs
e descentralização dos recursos referentes às benfeitorias, para o depósito
prévio.
De maneira supletiva, pode-se dizer que os efeitos da declaração do
imóvel são:
a) submete o bem à força expropriatória do Estado; b) fixa o estado do bem, isto é,
sua condição, melhoramentos, benfeitorias existentes; c) conferir ao Poder Público
o direito de penetrar no bem a fim de fazer verificações e medições, desde que as
autoridades administrativas atuem com moderação e sem excesso de poder; d) dar
início ao prazo de caducidade da declaração (MELLO, 2008, p.866).
Interessante observar o disposto no §1º do art. 26 do Decreto-Lei n.
3.365, de 1941, que pode ser aplicado subsidiariamente ao processo de
desapropriação agrária, no que as benfeitorias erigidas após o ato declaratório
só serão indenizadas se autorizadas pelo poder expropriante.
Resta indicar também que o prazo decadencial do decreto é de cinco
anos no caso de utilidade pública, consoante art. 10 Decreto-Lei n. 3.365, de
1941, mas é de dois anos no caso de interesse social, conforme o artigo 3º da
Lei n. 4.132, de 1962, e a Lei Complementar n. 76, de 1993.
3.4.2 Fase executória
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37
A fase executória subdivide-se em dois momentos distintos, a fase
administrativa e a judicial. Nas desapropriações agrárias não há possibilidade
de que eventual acordo na fase administrativa obste o ajuizamento da ação,
porquanto se trata de ação de curso judicial forçado, ou seja, obrigatório.
Desta
feita,
na
desapropriação
agrária
a
fase
executória
obrigatoriamente terá uma face administrativa e outra judicial.
3.4. Procedimento
O item procedimental do processo de desapropriação por interesse
social para fins de reforma agrária segue esquematicamente e de forma
resumida e esquematicamente o seguinte rito:
FASE DECLARATÓRIA (Lei n. 8.629, de 1993)
SUBFASE ADMINISTRATIVA
1º)Pré-seleção de área (grande parte por indicações dos movimentos sociais);
2º) Comunicação prévia (v. art. 2º, §2º, da Lei n. 8.629, de 1993) 16;
3º) Levantamento preliminar (vistoria);
4º) Confecção de Relatório Técnico;
5º) Comunicação do resultado ao proprietário, para eventual impugnação no
prazo de 15 (quinze) dias (efeito suspensivo);
6º)Parecer Jurídico;
7º) Decreto Presidencial.
FASE EXECUTÓRIA
SUB-FASE ADMINISTRATIVA (continuação)
8º) Avaliação
9º) Emissão dos TDAs e descentralização de recursos para pagamento das
benfeitorias e sobras de TDAs
SUB-FASE JUDICIAL (Lei Complementar n. 76, de 1993)
10º) Ajuizamento da inicial com o depósito prévio (requisitos da inicial, art. 5º
da Lei Complementar n. 76, de 1993);
16
Deve-se consignar que o artigo 2º, §4º, da Lei n. 8.629, de 1993 (com a redação dada pela MP n.
2.183-56/2001) previu uma hipótese de ineficácia de negócio jurídico ao desconsiderar quaisquer
modificações operadas no imóvel nos seis meses subsequentes à comunicação prévia à vistoria. Assim é
imponível à Administração Pública o desmembramento promovido nesse “período crítico”, assim
denominado pelo Ministro Marco Aurélio (MS n. 24933).
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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11º) Despacho inicial em 48 horas, preferencialmente com o deferimento da
imissão provisória na posse, citação, intimações, etc.;
12º) Contestação em 15 (quinze) dias;
13º) Designação de Audiência Conciliatória;
14º) Deferimento de prova pericial e audiência de instrução e julgamento;
15º) Sentença;
16º) Recurso.
Por óbvio, pelas limitações próprias deste trabalho, não serão abordadas
cada uma das etapas acima, havendo necessidade de realçar que outros
incidentes poderão ocorrer no iter procedimental, portanto o esquema acima
representa uma redução da realidade, para sistematização do conhecimento de
forma didática e inteligível 17.
17
Guedes (2005, p. 88-90) sintetiza o procedimento judicial da seguinte maneira:
Sem a pretensão de esgotar-se o assunto e sem perder de vista o objetivo central deste
trabalho, pode-se resumir o procedimento judicial da ação de desapropriação nas seguintes
etapas:
Petição inicial – deverá conter os requisitos do artigo 282 do CPC, bem como deverá ser
instruída com os seguintes documentos: o texto da declaração de interesse social; as certidões
imobiliárias; o documento cadastral do imóvel; o laudo de vistoria e avaliação do imóvel
expropriando; o comprovante de lançamento dos TDAs correspondente ao preço oferecido para
pagamento da terra nua e o comprovante de depósito do valor ofertado para pagamento das
benfeitorias úteis e necessárias;
Despacho inaugural – ao despachar a petição inicial, o juiz, de plano ou no prazo
máximo de 48 horas, mandará imitir o autor na posse do imóvel, técnico, se quiser, e expedirá o
mandado de averbação da ação no Registro de Imóveis competente (artigo 6º, I, II e III, da LC
76/93).
Levantamento da oferta – inexistindo dúvida sobre o domínio, nem pesando ônus reais
sobre o imóvel e inexistindo divisão, poderá o expropriado requerer o levantamento de 80% da
oferta depositada, precedida de apresentação da negativa de tributos e da publicação de edital
para conhecimento de terceiros (art. 6º, §1º, da LC 76/93).
Citação – a lei determina a citação do proprietário ou de seu representante legal,
obedecido ao disposto no artigo 12 do CPC. Serão, ainda, intimados os titulares de direitos reais,
bem como citados os confrontantes que tenham contestadas as divisas na fase administrativa.
Tentativa de conciliação – é facultada ao juiz a designação de audiência de conciliação,
a realizar-se nos 10 primeiros dias a contar da citação, com o objetivo de fixar a prévia e justa
indenização, estando presentes o representante do Ministério Público e as partes.
Contestação – o expropriando tem o prazo de 15 dias para apresentar contestação,
“versando matéria de interesse da defesa”, vedada a apreciação quanto ao interesse social
declarado (art. 9º LC 76/93).
Prova pericial e audiência de instrução e julgamento – sobrevindo contestação, o juiz
determinará a produção da prova pericial, adstrita a pontos impugnados do laudo de vistoria
administrativa, como prazo máximo de 60 dias para a sua conclusão. Havendo acordo sobre o
preço, este será imediatamente homologado por sentença. Caso contrário, será designada
audiência de instrução e julgamento, dentro do lapso temporal de 15 dias, contados da conclusão
da perícia, proferindo sentença no ato ou nos 30 dias subsequentes.
Apelação – a apelação do expropriado terá efeito meramente devolutivo e a do
expropriante terá duplo efeito. A sentença que condenar o expropriante em quantia superior a
50% do valor ofertado fica sujeita ao duplo grau de jurisdição. Não haverá revisor no julgamento
do apelo (art. 13 da LC 76/93).
Levantamento do preço da indenização – prescreve o artigo 16 da LC 76/93 que, após o
trânsito em julgado da sentença, a pedido do expropriado, será levantada a indenização ou
depósito judicial, deduzidos os valores dos tributos e as multas incidentes sobre o imóvel,
exigíveis até a data da imissão na posse.
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo que foi exposto, entende-se que a doutrina e a jurisprudência
têm uma grande tarefa, qual seja, a de conceder máxima efetividade ao
princípio constitucional da função social, para que esta seja considerada como
elemento interno do próprio direito de propriedade e fundamentador da
desapropriação agrária.
Portanto, a função social caracteriza-se como encargo ínsito e
imprescindível para verificação do próprio direito, sendo afastadas as garantias
e as proteções concedidas pelo ordenamento jurídico em muitos casos, pois
as mesmas são concedidas apenas às propriedades que observam a função
social. Muitas propriedades se tornam, portanto, objeto da ação de
desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária. A
desapropriação agrária tem regulamentação específica, qual seja, a Lei n.
8.629 e a Lei Complementar n. 76, ambas de 1993.
Desta feita, a proeminência do princípio da função social da propriedade
rural é evidente, e a “centralidade” alcançada por esse princípio frente aos
demais princípios constitucionais agrários decorre da circunstância de que,
além de conformador do próprio direito de propriedade, o mesmo constitui em
balizamento interpretativo para as demais normas agrárias, sendo que o
INCRA deveria viabilizar ampliação da causa de pedir, para os aspectos
ambientais e sociais, para além dos aspectos econômicos (produtividade =
aproveitamento racional e adequado = GUT e GEE), para verdadeiramente dar
cumprimento e concretude ao referido princípio.
Desta feita, após a contextualização da desapropriação agrária no
cenário da intervenção do Estado na propriedade, espera-se que tenha sido
esclarecida a distinção das demais espécies de desapropriação, ficando
igualmente claro o seu conceito, o histórico da desapropriação agrária no
Brasil, a caracterização do caráter sancionatório (desapropriação-sanção),
Ônus da sucumbência – as despesas judiciais e os honorários de advogado e do perito
constituem encargos do sucumbente, assim entendido o expropriado, se o valor da indenização
for igual ou inferior ao preço oferecido, ou o expropriante, na hipótese de valor superior ao
ofertado.
Ressalta-se, por derradeiro, que a ação de desapropriação tem caráter preferencial e
prejudicial em relação a outras ações referentes ao imóvel desapropriando, sendo obrigatória a
intervenção do Ministério Público em qualquer instância (art. 18, LC 76/93).
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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além das considerações sobre o procedimento (fase declaratória e executória
versus fase administrativa e judicial).
Esperamos com este estudo, a despeito das limitações próprias dos
textos dessa natureza, contribuir para a disseminação de informações
pertinentes sobre o tema, e desejamos ter atingido minimamente os objetivos
traçados.
Enfim, esperamos que essas reflexões venham contribuir para uma
melhor intelecção do instituto da desapropriação agrária no contexto atual do
direito agrário brasileiro, contribuindo para futuras discussões, com o objetivo
de aproximação de uma ordem jurídica justa, com a consequente construção
de uma sociedade mais livre, justa e solidária.
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desapropriações por utilidade pública.
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procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de
desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma
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BRASIL. Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da
Terra e dá outras providências.
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BRASIL. Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a
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43
A CENTRALIDADE DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA
PROPRIEDADE NO DIREITO AGRÁRIO BRASILEIRO
The Centrality of the Principle of Social Function of Property in the
Brazilian Agrarian Law
Edson José de Souza Júnior 18
Resumo: O presente artigo aborda o princípio da função social sob o ponto de
vista da relevância e centralidade para o direito constitucional e o direito agrário
brasileiros, concluindo pela impossibilidade de deferimento das proteções
jurídicas concedidas pelo sistema, caso o imóvel rural descumpra a função
social.
Palavras-chave: princípios constitucionais agrários; princípio da função social;
propriedade; posse; proteção; garantia.
Abstract: This article discusses the principle of social function based on the
relevance and centrality to the constitutional law and brazilian agrarian law,
concluding the impossibility of granting legal protections conditioned by the
systems, if the rural property does not comply the social function.
Keywords: agrarian constitutional principles; social function principle; property;
possession; protection; guarantee.
INTRODUÇÃO
Indubitavelmente, o princípio da função social da propriedade, após a
promulgação da atual Constituição da República Federativa do Brasil ganhou
centralidade no direito constitucional pátrio, sendo também de enorme
importância para o direito agrário brasileiro, porquanto pode ser considerada a
ideia motriz de toda a construção jurídica que permeia o estudo dos institutos,
das regras e os demais princípios agrários.
Anteriormente, os princípios jurídicos,
inclusive
os de
estatura
constitucional, eram tratados como meros aconselhamentos do legislador e
evoluíram para apresentar uma função de integração do ordenamento jurídico
18
Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Mestre em Direito Agrário e
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Professor da Faculdade de Inhumas (FacMais).
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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até alcançar o status normativo, regulando as relações sociais, quando a
extração de seu conteúdo material e sua extensão se tornaram missão
imprescindível ao jurista para conceder a exata efetividade às normas
constitucionais.
Os princípios constitucionais agrários também foram incluídos nessa
trajetória, tanto que hodiernamente se faz necessário realizar uma leitura
baseada em princípios dos diversos ramos das ciências jurídicas, em que pese
haver a discussão de que o “direito é uno, indivisível e decomponível” (LENZA,
2008, p. 01). Assim, concede-se especial atenção aos princípios jurídicos que
fundam cada um destes, para realizar uma interpretação consentânea com o
atual estágio de evolução da sociedade.
Enalteça-se, por oportuno, a necessidade de se verificar a precedência
interpretativa dos princípios jurídicos, notadamente em vista do escalão a que
pertencem, porquanto os princípios constitucionais ostentam uma saliência, já
que são valorizados pelo legislador constituinte e espraiam sua normatividade
em todo do sistema jurídico. 19
Assim, torna-se imprescindível apreciar a centralidade alcançada pelo
princípio da função social da propriedade rural frente aos outros princípios para
o direito agrário pátrio. Inferem-se, a partir daí, as consequências e as devidas
intersecções em relação à propriedade rural, notadamente quanto às garantias
concedidas ao direito de propriedade, bem como aos instrumentos jurídicos de
proteção da posse, por exemplo.
O estudo do tema é de enorme importância, tendo em vista o surgimento
de novos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais pátrios que estão
concedendo maior alcance ao princípio da função social, num movimento de
expansão do seu espectro e conteúdo normativo, avançando frente ao que
comumente era propalado pela doutrina nacional e por nosso Poder Judiciário,
demasiadamente conservador.
19
Em nota de rodapé (n. 10), Temer (2001, p. 23) destaca que José Alfredo de Oliveira Baracho ensina
que: “Os problemas da interpretação constitucional são mais amplos do que aqueles da lei comum, pois
repercutem em todo o ordenamento jurídico”. E, invocando Héctor Fix-Zamudio, lembra que “a
interpretação dos dispositivos constitucionais requer, por parte do intérprete ou aplicador, particular
sensibilidade que permite captar a essência, penetrar na profundidade e compreender a orientação das
disposições fundamentais, tendo em conta as condições sociais, econômicas e políticas existentes no
momento em que se pretende chegar ao sentido dos preceitos supremos. Os diversos conceitos de
Constituição, a natureza específica das disposições fundamentais que estabelecem regras de conduta de
caráter supremo e que servem de fundamento e base para as outras normas do ordenamento jurídico
contribuem para as diferenças entre a interpretação jurídica ordinária e a constitucional” (Teoria da
Constituição, p. 54).
Revista Científica FacMais, Volume. I, Número 1. Ano 2012/1º Semestre. ISSN
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Desta feita, proponho efetivar uma análise inicial sobre os princípios
jurídicos para, num segundo momento, indicar qual seria o conteúdo material
do
princípio da função
social da
propriedade e
seus fundamentos
constitucionais e legais, bem como sua precedência frente aos demais
princípios constitucionais agrários, destacando, posteriormente, a nova
perspectiva para o direito de propriedade, notadamente a propriedade rural no
Brasil.
A partir desse ponto, pretende-se justificar a impossibilidade de se
concederem as garantias previstas no sistema jurídico ao suposto titular do
direito e da propriedade, porquanto o reconhecimento da existência do próprio
direito está condicionado à observância do conteúdo normativo do princípio da
função social.
Assim, visa-se descortinar, ainda que em breves considerações, se
estamos ou não em uma mudança de paradigma quanto à efetividade do
referido princípio, notadamente em vista da apresentação de situações
específicas que podem elucidar sua aplicação para, num esforço interpretativo,
verificar quais as verdadeiras facetas para observância desse princípio
constitucional agrário, a partir do “novo” marco constitucional inaugurado com a
atual Constituição Federal.
Com efeito, a análise partirá da premissa de que é extremamente
relevante ter a completa compreensão dos princípios do ordenamento jurídico,
notadamente do princípio da função social da propriedade rural para o direito
agrário pátrio, que está num momento de inflexão. O mundo enfrenta diversos
problemas econômicos, sociais e ambientais, e o Brasil se insere nesse
contexto como um país de vocação eminentemente agrária.
1 OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS
Inicialmente, para uma exposição didática do assunto que se pretende
desenvolver, deve-se dedicar parte do esforço à delimitação e à construção de
um conceito de princípios jurídicos que seja aceito pela maioria dos
estudiosos. 20
20
Vejamos três conceitos muito divulgados na doutrina pátria: Princípio – já averbamos alhures – é, por
definição: 1. Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que
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Como se vê, os princípios jurídicos são proposições fundamentais do
ordenamento jurídico, mandamento nuclear desse sistema, com força
normativa, função fundamentadora, interpretativa e supletiva, concedendo-lhe
coerência, lógica e racionalidade.
Mas, os princípios jurídicos nem sempre tiveram esse conteúdo.
Conforme enaltece Bonavides (apud Pereira, 2001, p. 128-129), os princípios
jurídicos passaram por três concepções distintas acerca de sua natureza:
a
Jusnaturalismo: é a primeira e mais antiga teoria acerca da
natureza dos princípios. A presença marcante das ideias filosóficas
e políticas que firmaram o Estado Liberal fez com que os princípios
fossem considerados a expressão desses novos valores,
possuindo, pois, um peso fortemente ético e não jurídico. Os
princípios estavam, então, impregnados de um ideal próprio de
Justiça, sendo verdadeiros axiomas jurídicos, normas que tinham
valores deduzidos pela “reta razão” e, por isso, pairavam em um
nível abstrato, valorativo, meramente informador e carente por
completo de juridicidade – mero extrato de valor informador da
ordem jurídica.
b
Positivismo: representa uma etapa intermediária na afirmação da
juridicidade dos princípios ao lado das demais normas e, por isso,
não podem ser considerados, como antes, instância supra-legal.
Decorrem, outrossim, do próprio Direito Positivo na medida em que
são considerados generalizações das regras jurídicas e não de um
fictício Direito Natural descoberto pela razão. Entretanto, são
denominados princípios gerais do direito e integram o ordenamento
jurídico no mais baixo grau de hierarquia, eis que sua função se
reserva a impedir o vazio normativo na ausência de regra estrita:
são fontes normativas secundárias, verdadeiras “válvulas de
segurança” do sistema, com funcionalidade meramente supletiva.
c
Pós-positivismo: princípios passam a ter força normativa plena, ou
seja, são consideradas normas dotadas de juridicidade idêntica à
das regras jurídicas. Não são mais tratados como valores
abstratos, nem como fonte supletiva, e sim como Direito, em toda a
latitude do termo, na medida em que integram cada vez mais as
Constituições criadas após as grandes guerras mundiais.
se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere
a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das
diferentes partes componentes do todo unitário que tem por nome “sistema jurídico positivo”; 2. Violar um
princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica
ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a
mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido,
porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais,
contumélia irremissível a seu arcabouço lógico, corrosão de sua estrutura mestra (MELLO, 2008, p.
942/943). Denomina-se princípio toda proposição, pressuposto de um sistema, que lhe garante a
validade, legitimando-o. O princípio é ponto de referência de uma série de proposições, corolários da
premissa primeira do sistema. Toda ciência implica a existência de princípios, uns universais ou
univalentes; outros regionais ou plurivalentes; outros monovalentes; outros, enfim, setoriais (CRETELLA,
2000, p. 06); 3. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com
pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação demanda uma avaliação da
correlação entre o esta de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como
necessária à sua promoção (ÁVILA, 2005, p. 129).
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Reconfigurando todo o sistema jurídico, alçam foro de norma
constitucional em duas fases distintas: a) fase programática: em
que possuem aplicabilidade diferida e, portanto, normatividade
mínima, eis que são vistos como programas normativos a serem
concretizados aos poucos pelos operadores jurídicos, e b) fase não
programática: em que há a reversão do conceito, pelo que os
princípios passam a ser considerados em sua dimensão objetiva e
concretizadora, tendo, pois, aplicação direta e imediata.
Assim, certamente é o “aspecto normativo” alcançado pelo atual estágio
de evolução da ciência do direito que se destaca. Ora, utilizando-se da
classificação proposta por Dworkin (apud Canotilho, 1998, p. 1086), constatase que os princípios jurídicos, juntamente com as regras, normatizam
comportamentos, no que o desvelar dos conteúdos materiais dos princípios é
de importância transcendental, posto que tanto as regras quanto os princípios
são espécies normativas. 21
Desta feita, segundo Bomfim (2008, p. 66-67), na função “interpretativa”,
os princípios cumprem o papel de orientar as soluções jurídicas a serem
definidas em face aos casos submetidos à apreciação do intérprete,
21
Enalteça-se, por oportuno, que existe um mar de doutrina que se lança a delinear a distinção entre
princípios e regras. Adotamos a distinção de Canotilho (1998, p. 1.086-1.087) por se adequar
perfeitamente à nossa realidade ocidental e de origem lusitana. Vejamos o seguinte trecho: Saber como
distinguir, no âmbito do superconceito norma, entre “regras e princípios”, é uma tarefa particularmente
complexa. Vários são os critérios sugeridos: a) Grau de abstração: os princípios são normas com um grau
de abstracção relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstracção relativamente
reduzida; b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e
indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador? do juiz?), enquanto as regras são
susceptíveis de aplicação direta; c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os
princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua
posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância
estruturante dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito); d) <<Proximidade>> da ideia
de direito: os princípios são <<Standards>> juridicamente vinculantes radicados nas exigências de
<<justiça>> (Dworkin) ou na <<ideia de direito>> (Larenz); as regras podem ser norma vinculativas com
um conteúdo meramente funcional; e) (sic) Natureza normogenética: os princípios são fundamentos de
regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando,
por isso, uma função normogenética fundamentante.(...) Os princípios interessar-nos-ão, aqui, sobretudo
na sua qualidade de verdadeiras normas qualitativamente distintas das outras categorias de normas ou
seja, das regras jurídicas. As diferenças qualitativas traduzir-se-ão, fundamentalmente, nos seguintes
aspectos. Em primeiro lugar os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização,
compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as
regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que
é ou não é cumprida (nos termos de Dworkin: applicable in all-or-nothing fashion); a convivência dos
princípios é conflitual (Zagrebelsky), a convivência de regras é antinômica; os princípios coexistem, as
regras antinómicas excluem-se. Consequentemente, os princípios, ao constituírem, permitem o
balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à <<lógica do tudo ou nada>>),
consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes; as regras não
deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na
exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos. Como se verá mais adiante, em caso de
conflito entre princípios estes podem ser objecto de ponderação, de harmonização pois eles contêm
apenas <<exigências>> ou <<standards>> que, em <<primeira linha>> (prima facie), devem ser
realizados; as regras contêm <<fixações normativas>>definitivas, sendo insustentável a validade
simultânea de regras contraditórias. Realça-se também que os princípios suscitam problemas de validade
e peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são
correctas devem ser alteradas) (CANOTILHO, 1998, p. 1086-1088).
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concedendo a partir da harmonização das diversas normas existentes no
sistema (regras e princípios), ordenando e reafirmando a ideia de sistema.
A função supletiva decorre da integração do sistema jurídico,
suplementando os eventuais vazios normativos da ordem jurídica ou a
ausência de sentido regulador, constatáveis em regras ou em princípios de
maior grau de densidade normativa, evidenciando a completude do sistema
jurídico. Já pela função fundamentadora, os princípios ostentam uma eficácia
derrogatória e diretiva, transcendendo a obviedade do conteúdo dos demais
princípios, bem como a literalidade de disposições escritas das regras,
apresentando força capaz de afastar a incidência de outras normas deles
divergentes.
Por fim, cabe-nos destacar que alguns princípios, como os ora
estudados, recebem atenção especial do legislador, motivo pelo qual seus
contornos recebem concretização a partir do direito positivo. Exemplo disso são
os aspectos sociais, econômicos e ambientais indicados como elementos do
cumprimento da função social da propriedade rural, conforme previsto no art.
186 e regulamentado minudentemente pela Lei n. 8.629, de 1993
(especificamente no art. 9º).
2 O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E SEUS
FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS
O princípio da função social da propriedade está previsto genericamente
no texto constitucional nos incisos XXIII e III, do art. 5.º e 170, respectivamente,
da Constituição da República Federativa do Brasil.
Em ambos os casos a previsão está precedida de dispositivo que
garante o direito de propriedade de bens móveis e imóveis (v. incisos XXII e II
dos artigos acima citados). Assim, a construção recente da teoria pátria sobre o
princípio da função social da propriedade tem como fundamento constitucional
próximo esses dois dispositivos, que correspondem à síntese de todos os
fluxos e refluxos históricos. Estes indicam, em parte, o atual conteúdo material
desse princípio, que impõem, genericamente, a utilização da propriedade e da
posse, de modo que favoreça o próprio titular do direito, como também a
sociedade.
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Neste momento, é bom que se mencione os arts. 2.º e 13 do Estatuto da
Terra (Lei n. 4.504, de 1964), que demonstram haver um movimento de
continuidade e expansão do conteúdo e da imposição ao próprio Estado em
promover a extinção das formas de ocupação e exploração da terra que
contrariem a função social do imóvel, ou seja, o uso nocivo do imóvel rural.
Registra-se que o atual Código Civil (Lei n. 10.406, de 2002), no artigo
1.228, §1.º, reafirma a função social da propriedade acolhida no inciso XXIII, do
art. 5.º, e do inciso III, do artigo 170 da atual Constituição, mas em nossa lei
maior ainda constam outras pistas específicas quanto à indicação do que vem
a ser de fato essa utilização socialmente responsável. Assim, para os imóveis
rurais foram delineados três conjuntos de aspectos a serem observados, quais
sejam, os aspectos econômicos, sociais e ambientais, consoante disposição do
art. 186. Determinou-se que o plano diretor de cada município indicará os
aspectos a serem observados para o imóvel urbano cumprir a função social,
tudo de acordo com o § 2.º do art. 182 (regulamentado pela Lei n. 10.257, de
2001).
Quanto aos imóveis rurais – que é o objeto de nosso estudo – dispõe o
art. 186 da Constituição da República Federativa do Brasil:
Art. 186 - A função social é cumprida quando a propriedade rural
atende simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência
estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e
preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
Já o art. 9º da Lei n. 8.629, de 1993, dispõe:
Art. 9.º - A função social é cumprida quando a propriedade rural atende
simultaneamente, segundo graus e critérios estabelecidos nesta lei, os
seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e
preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
§1.º - Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja os
graus de utilização da terra e de eficiência na exploração especificados
nos §§ 1º a 7º do Art. 6.º desta Lei.
§ 2.º - Considera-se adequada a utilização dos recursos naturais
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disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural
da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade.
§ 3.º - Considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das
características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos
ambientais na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico
da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades
vizinhas.
§ 4.º - A observância das disposições que regulam as relações de
trabalho implica tanto o respeito às leis trabalhistas e aos contratos
coletivos de trabalho, como as disposições que disciplinam os
contratos de arrendamento e parceria rurais.
§ 5.º - A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e
trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades
básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança
do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel.
Assim, pode-se dizer que o próprio legislador constituinte, bem como o
legislador ordinário, indicou os contornos “básicos” da tríplice função da imóvel
rural, ousando destacar que o conteúdo material do referido princípio é muito
mais amplo do que o indicado na literalidade dos dispositivos legais acima
mencionados.
Ora, o princípio da função social da propriedade, como princípio
fundamental que é, tem por fim último a realização do bem comum, e deve se
atrelar especificamente à observância do princípio da dignidade da pessoa
humana em sua acepção mais ampla, posto que a concretização deste é o
fundamento de existência do próprio Estado.
Reforçando a tese acima, ressalvo a importância da previsão
constitucional do princípio da função social de forma genérica (inciso XXIII, do
art. 5º, e do inciso III, do artigo 170 da atual Constituição) e, de forma
específica (art. 186), o princípio de que toda construção jurídica deverá levar
em conta a máxima efetividade das normas constitucionais. Dessa forma,
conceder-se-á um novo parâmetro jurídico para a construção de soluções, em
vista dos fatos concretos sob análise, não se olvidando que o princípio em
questão também possui uma noção mais fluida e em constante construção.
Isso permitiu o novo Código Civil (Lei n. 10.460, de 2002), no § 1º do art.
1.228, ir além, prevendo que o direito de propriedade deve ser exercido em
consonância com as finalidades econômicas e sociais, de modo que sejam
preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a
fauna, as belezas naturais e o equilíbrio ecológico, protegidos a diversidade
ecológica e o patrimônio cultural e artístico, bem como evitada a poluição do ar
e das águas, não se podendo olvidar do disposto no art. 225 da Constituição e
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legislação infraconstitucional, editada após a Constituição e decorrente da
recepção das outras leis esparsas com ela compatíveis. 22
Nessa esteira de raciocínio, Amaral (apud BARROSO, 2007, p. 124-125)
estabelece que
Emprestar ao direito uma função social significa considerar que os
interesses da sociedade se sobrepõem aos do indivíduo, sem que isso
implique, necessariamente, a anulação da pessoa humana,
justificando-se a ação do Estado pela necessidade de acabar com as
injustiças sociais. Função social significa não-individual, sendo critério
de valorização de situações jurídicas conexas ao desenvolvimento das
atividades da ordem econômica. Seu objetivo é o bem comum, o bemestar econômico coletivo. A ideia de função social deve entender-se,
portanto, em relação ao quadro ideológico e sistemático em que se
desenvolve, abrindo a discussão em torno da possibilidade de se
realizarem os interesses sociais, sem desconsiderar ou eliminar os do
indivíduo. [...] E ainda, historicamente, o recurso à função social
demonstra a consciência político-jurídica de se realizarem os interesses
públicos de modo diverso do até então proposto pela ciência tradicional
do direito privado, liberal e capitalista. [...] A função social é, por tudo
isso, um princípio geral, um verdadeiro standard jurídico, uma diretiva
mais ou menos flexível, uma indicação programática que não colide
nem torna ineficazes os direitos subjetivos, orientando-lhes o
respectivo exercício na direção mais consentânea com o bem comum e
a justiça social.
Com efeito, a função social da propriedade, em decorrência do princípio
da solidariedade social, deverá impor uma releitura de todos os institutos
clássicos, não escapando a posse e a propriedade dos imóveis rurais, no que
não se admitirá um distanciamento da realidade social, 23sob pena de se incidir
em iniquidades e a resultados impróprios e inadequados.
3 O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL FRENTE AOS DEMAIS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS AGRÁRIOS
Vários são os autores pátrios e estrangeiros que se dedicaram à
catalogação dos princípios constitucionais agrários. Entre nós, destaca-se o
trabalho de Oliveira (2008), que indicou, entre os princípios de direito agrário na
22
Cita-se, por exemplo, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938, de 1981); Código
Florestal (Lei n. 4.771, de 1965); Código de Caça (Lei n. 5.197, de 1967); dentre outras.
23
Rios (apud PAULSEN, 1998, p. 48) enaltece que o distanciamento dessa realidade é verdadeiro risco
para a própria função do Direito na vida em sociedade. Afinal, como afirmou Franz Wieachker, ao concluir
sua célebre “História do Direito Privado” (1980, p. 716 e segs.), a solidaridade social, valor fundamental no
Estado de Direito Contemporâneo, é fator que redimensiona todos os direitos clássicos privados, exigindo
de juízes e juristas uma nova consciência geral do direito, uma percepção do conjunto da realidade social
e uma metodologia segura que acerte o passo com o pensamento de sua época.
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Constituição vigente, os seguintes: princípio da função social da propriedade
rural; princípio da preservação do meio ambiente; princípio da desapropriação
para fins de reforma agrária como aspecto positivo da intervenção do Estado;
princípio da vedação da desapropriação do imóvel produtivo e da pequena e da
média propriedade rural; princípios da impenhorabilidade da pequena
propriedade rural; princípio da privatização das terras públicas; princípio da
segurança da atividade agrária; princípio do aumento da produtividade;
princípio do estímulo ao cooperativismo; princípio da melhoria da qualidade de
vida no campo; e princípio da primazia da atividade agrária frente ao direito de
propriedade.
A despeito de alguns princípios acima indicados, data máxima vênia,
serem mais bem identificados como regras do que propriamente como
princípios, 24 e da ausência de outros não indicados, tais como o princípio da
proteção ao hipossuficiente, 25 penso que o princípio da função social da
propriedade rural ostenta certa centralidade em relação aos demais, porquanto
é um princípio constitucional estruturante (CANOTILHO, 1998, p. 1100-1101).
A
conformação
e
interpretação
do
conteúdo
dos
demais
princípios
constitucionais agrários passam pelo crivo e pela compatibilização com a idéia
motriz da função social da propriedade rural.
Não se está indicando que tal princípio seja o mais importante, até
mesmo porque tal indicação sofreria severas críticas, posto que a relevância
dos princípios é extraída diante do caso concreto, mas reconheço a evidente
precedência desse princípio, ainda que de forma abstrata, em termos
interpretativos.
A discussão da relevância desse princípio, bem como da sua localização
como elemento ínsito ou externo ao direito de propriedade e de posse, por
exemplo, ainda não é pacífica na doutrina e na jurisprudência pátria, mas há
um indicativo para situá-lo de forma a conformar a própria existência do direito
de propriedade, chegando-se a indicar que o direito de propriedade só se
configuraria com o atendimento da função social.
24
Apenas para exemplificar, refiro-me aos princípios da vedação da desapropriação da pequena e da
média propriedade rurais; princípios da impenhorabilidade da pequena propriedade rural; princípio da
privatização das terras públicas, por exemplo.
25
Esse princípio tem aplicabilidade imensa também no âmbito do Direito Agrário, impondo inclusive uma
releitura das diversas regras positivas que priorizam a proteção do arrendatário em detrimento do
arrendante. Ora, hoje com os diversos contratos de arrendamento decorrentes do plantio de cana-deaçúcar, o hipossuficiente é o arrendante (o proprietário rural) e não o arrendatário (a empresa – usina).
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Portanto, a centralidade do princípio da função social frente aos demais
princípios constitucionais agrários é evidente, ainda para aqueles que
entendem que a função social seria apenas um elemento externo ao direito de
propriedade.
Com efeito, evidenciar-se-á, nas próximas linhas, a nova perspectiva do
direito de propriedade frente ao princípio da função social, podendo-se inferir
tais consequências para além do próprio instituto da propriedade, como por
exemplo, a posse agrária.
4 O DIREITO DE PROPRIEDADE EM NOVA PERSPECTIVA
Até pouco tempo, a idéia de propriedade estava ligada ao direito de usar
ou utilizar (jus utendi), ao direito de gozar ou fruir (jus fruendi), ao direito de
dispor ou alienar (jus abutendi ou jus disponendi) e ao direito de reivindicar ou
reaver (rei vindicatio), pesando calorosos debates quanto à forma e limitação
desse direito. Normalmente, defende-se a ideia de que o Código Napoleônico
marcava o caráter absoluto do direito de propriedade. 26
Ora, o próprio Supremo Tribunal Federal27 já entendeu que o
O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que,
sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a
função social que lhe é inerente (CF, art. 5.º, XXIII), legitimar-se-á a
intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo,
para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na
própria Constituição da República. O acesso à terra, a solução dos
conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural
(...) A desapropriação, neste contexto – enquanto sanção
constitucional imponível ao descumprimento da função social da
propriedade – reflete importante instrumento destinado a dar
consequências aos compromissos assumidos pelo Estado na
ordem econômica e social. Incumbe, ao proprietário da terra, o dever
jurídico-social de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena
de incidir nas disposições constitucionais e legais que sancionam os
senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos (...) (Grifei).
Entrementes, conforme já mencionado, sabe-se que a limitação
indicativa da função social não é um elemento extrínseco ao direito de
26
A despeito das vozes uníssonas a indicar o caráter absoluto, penso que o art. 544 do então Código Civil
Francês já possibilitava a existência de limitações, porquanto, em que pese indicar que a propriedade
seria o direito de gozar e dispor das coisas de maneira mais absoluta, a hipótese era excepcionada pelo
uso proibido pelas leis ou pelos regulamentos, no que se conclui a abertura de possibilidade de vedação
de utilização nociva da propriedade, afastando-se, de certo modo, o caráter absoluto extremado.
27
ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso Mello, julgamento em 4-4-02, DJ de 23-4-04.
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propriedade ou mesmo o da posse juridicamente protegida, mas sim um
elemento intrínseco, interno e ínsito ao próprio direito de propriedade ou
deposse. Advêm, daí, as garantias concedidas pelo ordenamento jurídico, já
que é inconcebível que o Estado proteja a propriedade ou a posse do indivíduo,
caso este não faça cumprir sua função social, especialmente com a utilização
do objeto de direito de forma nociva à sociedade.
Nesse sentido, é bom destacar que o direito de propriedade é inclusive
conformado a partir do conteúdo material do princípio da função social, sendo a
função social algo interno, e não externo, ao contorno do direito de
propriedade. Paulsen (1998, p. 131-133) indica que
O despertar de certos valores, as novas realidades sociais e a
necessidade de proteção do meio ambiente, principalmente, deram
origem a princípios e impuseram o surgimento de normas que,
contrastando e regulando o exercício do direito de propriedade,
acabaram por lhe dar novos contornos, influindo no seu próprio
conteúdo.
De fato, o direito de propriedade, que é direito de primeira geração,
teve de ser compatibilizado com outros direitos fundamentais e sociais
que vieram a ser reconhecidos e com interesses maiores que
extrapolam a esfera individual. Isso tudo na crença de que a
propriedade não se justifica pela simples satisfação da vontade e das
necessidades do seu titular, mas pelo seu exercício edificante e útil
para a sociedade como um todo.
Assim, Rios (apud PAULSEN, 1997, p. 19-20) faz o seguinte comentário:
Advirta-se, nesse momento, que o dever intrínseco, consubstanciado
na função social da propriedade, não se confunde, de modo algum,
com técnicas jurídicas limitativas do exercício dos direitos. Estamos
diante, isto sim, de elemento essencial definidor do próprio direito
subjetivo. As limitações implicam mera abstenção do titular do direito:
os deveres, diversamente, caracterizam-se como encargos ínsitos ao
próprio direito, orientando e determinando seu exercício, de modo
positivo.
Realidade conjugada que é, por ser direito subjetivo, a propriedade só
se compreende de forma adequada na presença de sua função social.
Configura-se, nesse passo, como poder-dever (no caso, poder-função),
sendo seu titular verdadeiro devedor para com a sociedade de
comportamentos positivos, sintonizados com os ditames da ordem
jurídica como um todo. Suas obrigações, sublinhe-se derradeiramente,
não se confundem com limitações ao direito (hipótese, verbi gratia, dos
direitos de vizinhança).
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Enquanto essas são circunstâncias externas limitadoras do exercício
do direito, a função social é elemento estrutural do conteúdo do
instituto da propriedade.
Dessa forma, fica claro que a melhor construção intelectual é aquela que
indica que a função social é elemento constitutivo do próprio direito de
propriedade. Deve, portanto, ser estendida a outros institutos, tal como a
posse, posto que somente a propriedade e a posse que atendam à função
social merecerão a proteção jurídica concedida pelo ordenamento jurídico.
É por isso que Silveira (1998, p. 13) indica que tal circunstância implica
(...) dizer que a função social não é um elemento externo, um adereço
do direito de propriedade, mas elemento interno sem o qual não se
perfectibiliza o suporte fático do direito de propriedade.
Em obra clássica, afirma Stefano Rodotá que a função social não pode
se identificar com a banda externa da propriedade, mas que se
identifica com o próprio conteúdo da propriedade.
Por derradeiro, insta destacar que a constitucionalização da função
social da propriedade não fragiliza ou reduz a importância do instituto, posto
que, ao revés, fortalece a propriedade privada à medida que reconhece seu
caráter de solidariedade. Isso nos permite dizer que a única coisa de absoluto
no atual direito de propriedade é justamente a observância de sua função
social.
5 PROTEÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE CONDICIONADA À
OBSERVÂNCIA DO CONTEÚDO NORMATIVO DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO
SOCIAL
Conforme já fora mencionado alhures a despeito de divergências, a
função social é elemento interno do próprio direito de propriedade e atua como
seu fundamento de legitimidade.
Essa interpretação decorre justamente do texto constitucional, que
resguardou o direito de propriedade privada (inciso XXII, do art. 5º), mas
condicionou esse direito apenas no caso de que ele atenda a sua função social
(inciso XXIII, art. 5º). Assim, a função social foi alçada ao nível de garantia
fundamental de todo cidadão e pelo princípio da máxima efetividade das
normas constitucionais, que deve ser observado de forma imperativa.
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Ademais, o descumprimento da função social abre apenas a
consequente possibilidade de desapropriação rural de propriedades passíveis
de desapropriação para fins de reforma agrária. Mais do que isso, seu perfil
constitucional o inseriu no âmbito interno do próprio direito de propriedade,
condicionando todo o ordenamento jurídico referente à propriedade e a sua
tutela, inclusive a legislação processual.
Assim, o descumprimento da função social, por representar tamanha
ofensa à sociedade e à ordem constitucional, retira do proprietário algumas
faculdades jurídicas, decorrentes das garantias e proteções concedidas pelo
ordenamento.
Penso que o suposto titular da posse ou da propriedade de um imóvel
rural que descumpra com sua função social “não” poderá, exitosamente, por
exemplo, manejar ações possessórias, defender-se eficazmente nas ações que
aleguem a prescrição aquisitiva, além de não poder utilizar-se da faculdade de
obstar a vistoria, a avaliação e a desapropriação agrária dos imóveis rurais,
objetos de esbulho coletivo, notadamente em vista do que dispõe o § 6º, do art.
2º, da Lei n. 8.629, de 1993.
Então, para se conceder a tutela possessória, não basta demonstrar os
requisitos do art. 927 do Código de Processo Civil, mas é necessária a
demonstração do cumprimento de sua condicionante social. Diga-se, ainda,
que tal situação não está fulcrada na distinção entre a posse agrária e a posse
civilista, como sustentam alguns, já que em ambas há a condicionante da
observância do princípio da função social.
Nesse sentido, é o entendimento de importantes juristas brasileiros,
como demonstra Grau (2000, p. 195-201) em louvável construção intelectual:
“a propriedade que não cumpra sua função social não goza da proteção
possessória assegurada pelo Código Civil, visto ter ela como pressuposto o
cumprimento da função social da propriedade”.
Por sua vez, Comparato (2000, p. 145-146) esmiúça esse raciocínio da
seguinte forma:
Com relação aos demais sujeitos privados, o descumprimento do dever
social de proprietário significa uma lesão ao direito fundamental de
acesso à propriedade, reconhecido doravante pelo sistema
constitucional. Nessa hipótese as garantias ligadas normalmente à
propriedade, notadamente a de exclusão de pretensões
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possessórias de outrem, devem ser afastadas. [...] Quem não
cumpre a função social da propriedade perde as garantias, judiciais
e extrajudiciais, de proteção da posse, inerentes à propriedade,
como o desforço privado imediato e as ações possessórias. A
aplicação das normas do Código Civil, nunca é demais repetir, há de ser
feita à luz dos mandamentos constitucionais, e não de modo cego e
mecânico, sem atenção às circunstâncias de cada caso [...]
Daí reiterar que a função social da propriedade é a causa justificadora
da própria existência do direito de propriedade. Portanto, a propriedade deve
impositivamente atender à sua função social, sendo que o seu descumprimento
motiva a inexistência do direito.
Em outras palavras, o direito de propriedade imobiliária agrária como
também a posse somente podem ser protegidos e tutelados pelo Estado se
cumprirem sua função social.
Nesse sentido, Souza Filho (2000, p.116) afirma que
É tão insistente a Constituição que se pode dizer, fazendo eco ao
professor colombiano Guillermo Benavides Melo, que no Brasil, pós
1988, a propriedade que não cumpre sua função social não está
protegida, ou, simplesmente, propriedade não é. Na realidade quem
cumpre uma função social não é a propriedade, que é um conceito,
uma abstração, mas a terra, mesmo quando não alterada
antropicamente, e a ação humana ao intervir na terra,
independentemente do título de propriedade que o Direito ou o Estado
lhe outorguem. Por isso a função social é relativa ao bem e ao seu uso,
e não ao direito.
A disfunção ou violação se dá quando há um uso humano, seja pelo
proprietário legitimado pelo sistema, seja por ocupante não legitimado.
Embora esta concepção esteja clara por todo o texto constitucional, a
leitura que tem feito a oligarquia omite o conjunto para reafirmar o
antigo e ultrapassado conceito de propriedade privada absoluta. A
interpretação, assim, tem sido contra a lei.
Igualmente, um dos maiores constitucionalistas do Brasil, Silva (2002, p.
269), enaltece que
O regime jurídico da propriedade tem seu fundamento na Constituição
Federal. Esta garante o direito de propriedade, desde que esta atenda
a sua função social. Diz-se: é garantido o direito de propriedade (art. 5º,
XXII), e a propriedade atenderá a sua função social (art. 5º, XXIII), não
há como escapar ao sentido de que só se garante o direito da
propriedade que atenda a sua função social.
Em recente e primoroso trabalho, Carvalho (2008, p. 953) diz que
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De fato, a função social é um elemento constitutivo do direito de
propriedade. Na medida em que o ordenamento só protege o bem cuja
função social é concretizada e, ainda, impõe a perda coercitiva da
propriedade quando tal princípio é descumprido, conclui-se que a
função social da propriedade deixou de ser condição para o exercício e
passou a se constituir elemento integrante do direito. Em outras
palavras, só existe direito de propriedade (ou seja, só existe
propriedade juridicamente protegida) na hipótese de a função social ser
cumprida pelo titular do bem, o que se evidencia até mesmo pelas
sanções dispostas na ordem jurídica para os casos em que for
inobservada. A função social é, assim, parte da estrutura do direito,
compatibilizando interesses individuais e coletivos, bem como a função
repressiva e promocional do direito.
Por fim, vale citar importantíssima ementa do acórdão exarado pelo
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no Agravo de Instrumento n.
598.360.402, 28 na qual denegou-se a tutela possessória ao possuidor, que, a
despeito de fazer a propriedade produzir, observando a função no aspecto
econômico, deixa de cumprir a função social genericamente, no que ficou
assim consignado:
Recurso conhecido, mesmo que descumprindo o disposto no artigo 526
CPC, face dissídio jurisprudencial a respeito e porque a demanda versa
sobre direitos fundamentais. Garantia a bens fundamentais como
mínimo social. Prevalência dos direitos fundamentais das 600 famílias
acampadas em detrimento do direito puramente patrimonial de uma
empresa. Propriedade: garantia de agasalho, casa e refúgio do
cidadão.
Inobstante ser produtiva a área, não cumpre ela sua função social,
circunstância esta demonstrada pelos débitos fiscais que a empresa
proprietária tem perante a União. Imóvel penhorado ao INSS.
Considerações sobre os conflitos sociais e o Judiciário. Doutrina local e
estrangeira.
Conhecido, por maioria; rejeitada a preliminar de incompetência, à
unanimidade; proveram o agravo, por maioria.
Com efeito, observa-se que nem é necessária a incidência em
disposição específica, tal como os quatro incisos do artigo 186 da Constituição
da República Federativa do Brasil, nem das eventuais disposições constantes
dos planos diretores para que o imóvel deixe de cumprir a função social. A
própria Constituição, ao estabelecer o referido princípio, o fez de forma
genérica e de forma específica.
28
TJRS – 19ª Câmara Cível. Agravo de Instrumento n. 598.360.402 – São Luiz Gonzaga. Rel. Des. Elba
Aparecida Nicolli Bastos. Redator para acórdão: Desembargador Guinther Spode. Julgado em 06.10.1998
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Assim, fica patente que a decisão judicial retro mencionada concedeu
efetividade ao princípio da função social, reconhecendo sua força normativa e
alçando-o ao seu lugar de destaque no ordenamento jurídico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo que foi dito, penso com muita convicção que a doutrina e
jurisprudência têm uma grande tarefa, qual seja a de conceder máxima
efetividade ao princípio constitucional da função social, para que esta seja
considerada como elemento interno do próprio direito de propriedade, bem
como da fundamentação e justificação do instituto da posse, sem o qual ambos
não atingem sua perfectibilidade.
Portanto, a função social caracteriza-se como encargo ínsito e
imprescindível para a verificação do próprio direito, no que são abrigadas as
garantias e as proteções concedidas pelo ordenamento jurídico apenas às
propriedades e posses que cumpram a função social.
Dessa maneira, não há possibilidade de deferir a tutela jurisdicional em
favor daquele que detenha a posse ou a propriedade de um imóvel rural que
descumpra com sua função social, podendo-se estender esse raciocínio às
outras situações vinculadas às tutelas previstas no sistema jurídico, tais como a
faculdade de obstar a vistoria, a avaliação e a desapropriação agrária dos
imóveis rurais, objetos de esbulho coletivo, notadamente em vista do que
dispõe o § 6º, do art. 2º, da Lei n. 8.629, de 1993.
A proeminência do princípio da função social da propriedade rural é
evidente, e a “centralidade” alcançada por esse princípio frente aos demais
princípios constitucionais agrários decorre da circunstância de que, além de
conformador do próprio direito de propriedade, o mesmo constitui em
balizamento interpretativo para as demais normas agrárias.
Enfim, espera-se que essas reflexões venham contribuir para uma
melhor intelecção do conteúdo material do princípio constitucional agrário da
função social, para a evidenciação de sua normatividade e as consequências
de sua inobservância, contribuindo para uma aproximação de uma ordem
jurídica mais justa, com a consequente construção de uma sociedade mais
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livre, justa e solidária. E, ao mesmo tempo, garantindo o desenvolvimento
nacional, erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as
desigualdades sociais, sempre visando à concretização do princípio da
dignidade da pessoa humana, fim último que justifica a existência do próprio
Estado.
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MAQUIAVEL, A RELIGIÃO E A GRANDE EMPRESA
Machiavelli, Religion and the Great Company
Daniel Sotelo 29
Resumo: Este artigo analisa, de forma crítica e em paralelo com a religião, a
crença das pessoas nas empresas e na possível satisfação que essa “igreja
industrial/comercial” proporciona (e deixa de proporcionar). Também é
abordada a relação entre pessoas e empresas contemporâneas sob o foco de
pensamentos do filósofo Nicolau Maquiavel.
Palavras-chave: empresa; religião; comportamento.
Abstract: This article examines, critically and in parallel with religion, the belief
of people in companies and the possible satisfaction that this
“industrial/commercial church” provides (and fails to provide). It is too broach
the relationship between people and companies, according to the thoughts of
the philosopher Niccolo Machiavelli.
Keywords: company; religion; behavior.
Não me coloco ao lado dos que consideram
presunção que um homem de condição humilde
ouse discutir e resolver o que é preocupação dos
príncipes. Assim como aqueles que se dedicaram a
pintar paisagens procuram a planície para dali
contemplar as montanhas e procuram as
montanhas para contemplarem as planícies, assim
também, para compreender a natureza do povo, é
necessário ser um príncipe, e para compreender a
natureza dos príncipes é necessário ser do povo.
(Maquiavel, O Príncipe, Dedicatória)
As diferentes espécies de altos negócios
assemelham-se, como os picos das montanhas,
muito mais umas às outras do que às estruturas
que as sustêm: os princípios fundamentais são
aproximadamente os mesmos. Os contrastes só se
manifestam na rica variedade de pormenores das
estruturas inferiores. Mas é preciso ascender às
29 Doutor em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, mestre em Teologia
pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção e graduado em Teologia e Filosofia. Professor
da Faculdade de Inhumas (FacMais).
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diversas montanhas para saber que os picos são
iguais. Os que vivem em uma só montanha
acreditam que essa montanha difere de todas as
demais.
(Walter Bagehot. Constituição Inglesa)
INTRODUÇÃO
As empresas funcionam como religião e como instituição religiosa.
Assim como as religiões precisam de fé, as empresas também. As empresas, a
economia, a administração pública e privada oferecem alegria, prazer, o sentir
bem, a satisfação garantida – e também tornam o mundo melhor. A ideia é de
que as empresas estão servindo a um ideal nobre. A empresa faz com que
seus empregados sintam que podem ou que têm muito poder. Os empregados
são como os soldados de outrora, que lutavam com grande empenho em
causas do cristianismo, da liberdade e da democracia; porém eles lutavam com
vontade de buscar a proteção, a segurança, a paz de espírito, a satisfação. É
como se os trabalhadores acreditassem que são pagos para aumentar o lucro
da empresa e os dividendos anuais dos acionistas se reverteriam também para
eles.
O pregador e a empresa
Nenhum
pregador/orador
conseguiria
impressionar ou
influenciar
pessoas cujas necessidades fisiológicas não fossem satisfatórias. Estes
conseguiram influenciar as pessoas sobre glória, poder, nação. Muitas pessoas
sacrificaram as suas esperanças, posses, e a si mesmas, em defesa dessas
ideias. As empresas conseguem muito mais do que isso. Elas endossam a fé
de cada um. Cada empregado tem a sua fé particular, mas há uma fé e
crenças básicas para todos: fazer algo útil em prol de muitos/poucos. A
empresa faz os trabalhadores acreditarem que ela está melhorando o bemestar, a felicidade, a riqueza de seus semelhantes. A empresa representa uma
força voltada para o bem – sendo que há uma força orientada para a corrupção
da sociedade. As empresas exploram os sentimentos e constroem uma religião
nas próprias empresas.
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A empresa e a religião
As empresas são essencialmente e extremamente religiosas. Organizam
sessões para revitalizar a fé na empresa. Todos têm que acreditar que ela
existe e ajuda a todos. Ela tem hinos cantados solenemente para a glória da
companhia e de seus produtos. Os vendedores são encorajados a prestar
apaixonados testemunhos pessoais dos motivos de sua fé. Há um sermão do
pregador/chefe/funcionário mais antigo ou que teve um grande sucesso de
vendas e cujo nome está estampado como o melhor funcionário. Há também
um ataque ao demônio: o competidor mais forte, a ameaça do concorrente. Na
empresa observam-se preceitos religiosos como questão pessoal e privada do
mais próximo. Há segredos que não podem ser contados no confessionário da
empresa. É uma heresia contar os segredos de vendedor, funcionário, etc.
Espionagem nem pensar – isso é um crime. Há uma variedade de práticas
religiosas, com obediência religiosa: o batismo – há uma festa religiosa
oferecida para um empregado; funerais – jantares de despedida, discurso,
sermões oferecidos aos que se aposentam ou vão para uma empresa melhor;
rituais de exorcismos – aos que são demitidos para que não aconteça com os
demais; missas/cultos – reuniões dos departamentos ou de regionais.
Tudo isso sempre acompanhado com sermões do gerente, afirmando e
repetindo os pontos centrais de fé da empresa, ou de doutrinas para quem se
desleixa. Existem as comunhões – reuniões e confidências; sessões
ecumênicas – em que se reúnem os departamentos de vendas, de produção,
de compra. Cantam hinos, invocam-se testemunhos pessoais com emoção. Os
sentimentos religiosos e a observância de regras estão no cotidiano de cada
empresa. A empresa tem uma religião do lucro. Se não obtiver lucro, alguém
está em pecado. Deve-se exorcizar algo/alguém que esteja atrapalhando o
lucro. A empresa monta uma verdadeira caça às bruxas. A empresa tem que
combater as heresias. As companhias operam com base em certas crenças ou
artigos de fé. A mídia ajuda a alimentar a fé; as crenças são medidas pela
lealdade. Nas religiões das grandes empresas, como em qualquer religião, o
herege deve ser eliminado – não porque é provável que esteja errado, mas
porque é possível que esteja com a razão. É por isso e por outras coisas mais
que a fé deve ser afirmada e também reafirmada na empresa.
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A religião e a grande empresa
A doutrina pode ser discutida. Ela é usada para alcançar os objetivos da
fé. A empresa mantém intacta a fé, deixa sem alterações os padrões de
qualidade. A Igreja Cristã através dos séculos variou a sua mensagem: passou
do temor do inferno para o temor ao Deus do amor; sem alterar o credo e sem
reescrever a Bíblia. Uma religião necessita mais do que fé, doutrina e culto em
comum. Precisa de um ser supremo. O líder criador foi talhado para esse
papel. Se o seu êxito se mantém por longo tempo, a aura da divindade passa a
cobri-lo. As empresas têm os seus líderes, têm atribuições místicas, pessoas
que são admiradas por colegas e subordinados. Esse carisma é inato no líder.
Ele é preparado para isso em virtude da necessidade que sua equipe deve ter
em relação a ele; ele se torna objeto de adoração e reverência; associado ao
desejo de adoração e reverência, precisa ser adorado para ser protegido contra
o mal. O líder é divinizado, mas tem alguns inconvenientes, vantagens e
desvantagens. O povo só entende chefes tribais. Sentimentos nacionais,
objetos de adulação e reverência. Acredita nos mitos. E essa é uma
perspectiva do crente moderno. Há a figura de um líder que criamos, e ficamos
presos a ele. Os sacerdotes de Apolo não negam a divindade de Zeus. Quem
são os sacerdotes? Os sacerdotes das empresas têm muito que aprender. Os
vendedores são como missionários que saem para enfrentar os incrédulos e
agnósticos para vender o seu produto. São como missionários que têm de
converter pagãos que usam certas mercadorias dos outros e precisam usar a
suas, que precisam comprar os seus produtos, convertê-los ao seu produto.
Converter o pagão e convencer o incrédulo de que seu produto melhor é a
mesma coisa – são produtos melhores do que os produtos de outros. O
vendedor está numa situação altamente delicada. Ele deve ser leal para com a
firma que o sustenta e pode ocorrer que seu eventual comprador, a quem deve
impingir o novo produto, se tenha transformado em um grande amigo. A
concepção da religião é a promessa, é recompensar e punir. Essas ideias são
usadas para inculcar o medo, a esperança, a boa conduta e a necessidade de
salvação.
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CONCLUSÃO
A religião industrial/comercial tem o seu além, o seu céu e o seu inferno.
A diferença está que aqui, neste plano, o além surge com a aposentadoria aos
60 ou 65 anos de idade e não depois da morte. A promessa é de uma boa
aposentadoria, confortável e rica. A ameaça é o asilo, o hospício e o salário
mínimo. O plano de aposentadoria é o meio pelo qual se expressam as
esperanças, promessas e os temores da velhice. As esperanças e os sonhos
desaparecem, e o empregado entende que não será promovido e a
aposentaria é um pesadelo. A demissão ou perda de emprego pouco antes da
aposentadoria é o inferno aqui e agora. A morte passa a ser a melhor
alternativa. Essa é a promessa da economia, da administração, das empresas,
bancos, indústrias. Na religião das grandes empresas os “não conformistas”
são os membros dos sindicatos. Os empregadores e sacerdotes são os chefes
e representantes dos sindicatos. Os bispos são os que congregam
trabalhadores em torno de si. A religião da empresa consagra a competição
individual e a hierarquia. A religião da grande empresa suprime as facilidades
para a recreação e o atendimento aos necessitados. A religião da empresa
mostra que os dividendos aumentarão – mas na realidade os empregos
diminuem e os salários são de fome.
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