Rev Dor. São Paulo, 2011 out-dez;12(4):301-7
ARTIGO ORIGINAL
Análise da relação entre parâmetros da onda M e a dor*
Analysis of the relationship between M wave parameters and pain
Alessandro Ribeiro de Pádua Machado1, Iraides Moraes de Oliveira1, Adriano Pereira Alves2, Adriano
Oliveira Andrade2
* Recebido do Laboratório de Engenharia Biomédica (BIOLAB) da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, MG.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor é uma sensação subjetiva e individual que causa muitos desconfortos para quem a sente. Dessa forma, é necessário
por em prática métodos que a quantiiquem objetivamente. Vários estudos indicam que os potenciais evocados (PE) produzem respostas que podem reletir os
processos dolorosos. Este estudo utilizou características extraídas da onda M, sendo esta um tipo de PE relacionado à resposta neuromuscular, como possíveis
marcadores da sensação de dor.
MÉTODO: Treze voluntários, sendo 6 do sexo masculino e 7 do sexo feminino, foram incluídos no estudo. Foram realizadas cinco sessões de um protocolo
experimental. Em cada sessão o voluntário recebeu
estímulos elétricos no músculo abdutor do hálux. Inicialmente foi aplicada uma corrente de 1 mA com 20
pulsos de 2 Hz. Depois a corrente elétrica foi incrementada de 1 mA em 1 mA até que o voluntário relatasse a dor máxima. Nos voluntários do sexo feminino foi registrado também o dia do ciclo menstrual em
cada sessão do experimento. Foram avaliadas várias
características das ondas M.
RESULTADOS: O mínimo global da onda M é correlacionado com o aumento da amplitude da corrente elé-
1. Aluno de Doutorado de Programa de Pós-Graduação em
Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Uberlândia.
Uberlândia, MG, Brasil.
2. Docente da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, MG, Brasil.
Endereço para correspondência:
Alessandro Ribeiro de Pádua Machado
Avenida João Naves de Ávila, 2121, Campus Santa Mônica
Bloco 1E, Sala 8
38408-100 Uberlândia, MG.
Fone: (34) 3239-4771
E-mail: alessandrorpmachado@yahoo.com.br
c Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
trica do estímulo, consequentemente com o aumento da
dor sentida pelo sujeito. Os participantes do sexo feminino relataram limiar e tolerância à dor com intensidades
de corrente elétrica menor quando comparados aos voluntários do sexo masculino.
CONCLUSÃO: O mínimo global da onda M mostrou relação com o aumento da sensação dolorosa
sendo que no sexo masculino o limiar e a tolerância
à dor foram maiores que no sexo feminino, e as diferentes fases do ciclo menstrual não interferiram nas
avaliações.
Descritores: Dor, Estimulação elétrica, Limiar sensorial, Potenciais evocados.
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Pain is a subjective and individual sensation causing major discomfort.
So, it is necessary to put into practice methods to objectively quantify it. Several studies indicate that evoked potentials (EP) generate responses which may relect painful processes. Our study has used characteristics extracted
from the M wave, which is a type of EP related to neuromuscular response, as possible pain sensation markers.
METHOD: Participated in this study 13 volunteers,
being 6 males and 7 females. Five sessions of an experimental protocol were held. In each session, volunteers received electrical stimulations on the abductor
hallucis muscle. Initially, 1 mA current with 20 pulses
of 2 Hz was applied. Then, the electric current was incremented in 1 mA until volunteer reported maximum
pain. For female volunteers, menstrual cycle day in
each session was also recorded. Several M wave characteristics were evaluated.
RESULTS: Global minimum of the M wave is correlated to increased electric current amplitude of stimulation, and consequently to more pain felt by the individu-
301
Rev Dor. São Paulo, 2011 out-dez;12(4):301-7
Machado, Oliveira, Alves e col.
al. Female participants have reported pain threshold and
tolerance with lower electric current intensity as compared to male volunteers.
CONCLUSION: Global minimum of the M wave was related to increased pain and in males pain threshold and tolerance were higher as compared to females. Different menstrual cycle phases have not interfered with evaluations.
Keywords: Electric stimulation, Evoked potentials,
Pain, Sensory threshold.
INTRODUÇÃO
A dor é sensação subjetiva e individual, atualmente
mensurada com escalas subjetivas, com potencial de
suscetibilidade à contaminação por múltiplos fatores
externos à imediata sensação dolorosa, como a ansiedade, expectativas, experiências passadas, entre outros,
que podem contribuir para erros e confundir as variações subjetivas da dor1.
Por causar tantos transtornos e de não poder ser objetivamente mensurada2, é necessário que se busquem alternativas para quantiicá-la de forma objetiva, para utilizar
o tratamento mais adequado de acordo com a sua real
intensidade, ou seja, detectar a dor por um mecanismo
que não sofra inluência de fatores emocionais. A avaliação da intensidade da dor normalmente é realizada com
o auxílio da escala analógica visual (EAV)3, porém esta
também é subjetiva.
Vários estudos relatam a importância de identiicar a
intensidade da dor dos pacientes, porém usam métodos
subjetivos e nem sempre idedignos para tais mensurações, pois a maioria desses métodos necessita de que o
paciente emita alguma resposta voluntária e muitos estão em condições que os impossibilitam de reagirem ou
de compreenderem o que deve ser feito4-6.
A avaliação da dor pode ser feita com ferramentas
como a eletromiograia (EMG), a análise de potenciais evocados e a eletroestimulação7. A estimulação
elétrica é vastamente utilizada em terapias físicas8.
Estudo realizado com o objetivo de veriicar o nível
de desconforto sensorial causado por correntes de
baixa e média frequências na estimulação elétrica dos
músculos que constituem o quadríceps femoral em
mulheres saudáveis deixa clara a existência de dor
durante sessões de eletroestimulação9.
O objetivo deste estudo foi utilizar a estimulação elétrica
como meio de estimulação dolorosa, e veriicar a possível correlação entre parâmetros extraídos das ondas M
com as sensações de dor relatadas pelos voluntários e
avaliadas pela EAV.
302
MÉTODO
Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), protocolo nº 036/09, realizou-se este estudo com 13 indivíduos saudáveis, sendo 6 do sexo masculino e 7 do
sexo feminino, com faixa etária entre 18 e 30 anos,
acadêmicos dos cursos da UFU. A coleta de dados foi
realizada no Laboratório de Engenharia Biomédica
(Biolab) da universidade.
Os critérios de inclusão foram não apresentar histórico
de cirurgia, dor ou lesão no membro inferior dominante.
Os critérios de exclusão foram existência de desordens
neurológicas centrais ou periféricas e acometimentos
reumáticos; uso de marcapasso ou problema cardíaco;
obesidade; uso de medicamentos que provoquem alterações do controle motor e da sensibilidade periférica
como os benzodiazepínicos, opioides, anti-histamínicos,
anticonvulsivantes e antidepressivos; amputação de
membro inferior e diabetes mellitus.
Cada um dos voluntários participou de cinco sessões
experimentais. Todas as sessões foram executadas no
mesmo período do dia devido a possíveis inluências do
ritmo circadiano.
Durante os experimentos os voluntários icaram confortavelmente em decúbito dorsal, em uma poltrona
reclinável, com lexão plantar do tornozelo e inversão
do pé. O pé utilizado foi o dominante do voluntário.
Antes do posicionamento dos eletrodos, a pele foi
limpa com álcool e, quando necessário, foi tricotomizada. O eletrodo de referência da eletroestimulação
foi ixado na margem lateral do pé e o eletrodo de eletroestimulação foi colocado na margem medial do pé,
no ponto motor do músculo abdutor do hálux.
Para a detecção do ponto motor do músculo abdutor
hálux foi utilizado um eletrodo em forma de caneta,
o qual era deslizado sobre a margem medial do pé do
sujeito concomitantemente com a emissão de pulsos
elétricos. O ponto que teve a máxima resposta mecânica com o mínimo de corrente foi considerado como
o ponto motor do músculo abdutor do hálux do indivíduo (Figura 1).
Os eletrodos de EMG foram ixados entre o ponto motor
e o tendão distal do músculo, com o eletrodo de referência posicionado no maléolo medial do mesmo membro.
Os eletrodos de captação do sinal eletromiográico e o
eletrodo de referência foram ixados com itas adesivas
especíicas para essa inalidade e uma pasta eletrocondutora foi utilizada entre estes eletrodos e a pele dos indivíduos (Figura 2).
Análise da relação entre parâmetros da onda M e a dor
Figura 1 - Detecção do ponto motor do músculo abdutor do hálux
(margem medial).
Figura 2 - Posicionamento dos eletrodos na margem medial do pé.
(1) eletrodos de EMG, (2) eletrodo de eletroestimulação, (3) eletrodo
de referência da EMG.
Rev Dor. São Paulo, 2011 out-dez;12(4):301-7
do aumentando gradualmente a intensidade do estímulo
até o máximo limite suportável, utilizando a EAV, sendo
que o voluntário indicou verbalmente a sua percepção da
dor de zero a 10, sendo que zero indica ausência de dor
e 10 dor máxima tolerável.
O voluntário recebeu estímulos de 20 pulsos de 2
Hz e 0,3 ms a partir de 1 mA. Após cada série de
20 pulsos o voluntário relatou a intensidade da dor
percebida de acordo com a EAV e fez as observações
que julgou necessárias para o pesquisador. Depois do
relato do voluntário outros 20 pulsos foram emitidos
com incremento de 1 mA e assim sucessivamente até
que o voluntário reportasse que a dor atingiu intensidade 10.
Em cada sessão de 20 pulsos, o pesquisador registrou a
dor percebida pelo voluntário em uma tabela de acordo
com a EAV e as observações relatadas, na qual também
foram anotados a data de nascimento; período do dia em
que foi realizado o experimento; dia em que foi realizado o experimento; gênero e período do ciclo menstrual,
no caso das mulheres.
A eletroestimulação e o registro eletromiográico foram
realizados com o equipamento Neuropack S1 MEB9400, Nihon Kohden, Japão.
Os dados das ondas M gerados pelo equipamento
Neuropack foram armazenados em formato texto
(.txt) e foram analisados por meio de programas customizados desenvolvidos no MatLab (MathWorks).
A partir destes programas foi possível estimar os
seguintes parâmetros das ondas M: pico mínimo e
máximo e o tempo de ocorrência de cada um deles.
Cada um destes parâmetros foi correlacionado com
a sensação dolorosa reportada na EAV. Avaliações
preliminares mostraram que somente o pico mínimo,
isto é mínimo global da onda M, foi correlacionado
com a sensação de dor, sendo assim, somente os resultados que apresentaram correlação com a sensação dolorosa foram considerados.
RESULTADOS
Para garantir que os eletrodos de EMG e de eletroestimulação fossem posicionados no mesmo local
nos cinco dias de teste, foi aplicado ao redor de cada
eletrodo uma camada de corante que se fixa na pele
por cerca de uma semana, popularmente conhecido
como henna. Para o posicionamento do eletrodo de
referência de EMG não foi necessária a marcação da
pele com a henna, pois o maléolo medial é bastante
protuberante.
O nível de tolerância do sujeito de pesquisa foi veriica-
O gráico 1 mostra a relação entre o valor da corrente
aplicada (em mA) no eixo das abscissas e o valor do
pico mínimo da onda M (em µV) no eixo das ordenadas.
As tabelas 1 e 2 mostram os valores da corrente aplicada
em mA em que cada um dos sujeitos relatou a presença
da sensação dolorosa. Na coluna da extremidade esquerda está descrito a média geral de todos os voluntários
descritos em cada uma das tabelas, juntamente com o
respectivo desvio-padrão.
303
Rev Dor. São Paulo, 2011 out-dez;12(4):301-7
Machado, Oliveira, Alves e col.
As tabelas 3 e 4 mostram os valores em que cada um dos
sujeitos relatou a tolerância à dor em cada uma das sessões e a tabela 5 mostra o dia do ciclo menstrual em que
as voluntárias se submeteram aos testes, sendo considerado
como primeiro dia, o dia em que a voluntária menstruou e
que todas as voluntárias tem um ciclo menstrual de 28 dias.
DISCUSSÃO
Gráico 1 – Relação entre o pico mínimo da onda M e a corrente aplicada.
Existe uma correlação muito grande entre a diminuição
do pico mínimo da onda M com o aumento da intensidade da corrente aplicada nos indivíduos, tanto nos homens
como nas mulheres. Os resultados foram de acordo com
o que foi hipotetizado, mostrando que existe uma forte
correlação entre o parâmetro das ondas M analisado, o
pico mínimo, e o aumento da corrente, consequentemente com o aumento da dor.
Tabela 1 - Representação dos valores da corrente de estimulação em mA em que os voluntários atingiram o limiar de dor e a média com o
desvio-padrão dos sujeitos do gênero masculino em cada um dos testes.
Sujeitos
1
2
3
4
5
6
Sessão 1
15
17
27
9
13
17
Sessão 2
17
19
19
9
12
13
Sessão 3
19
19
26
11
14
13
Sessão 4
20
18
30
10
13
14
Sessão 5
22
21
30
12
13
14
Média ± DP
18,6 ± 2,7
18,8 ± 1,4
26,4 ± 4,5
10,2 ± 1,3
13 ± 0,7
14,2 ± 1,6
Média Geral ± DP
16,8 ± 5,7
Tabela 2 - Representação dos valores da corrente de estimulação em mA em que os voluntários atingiram o limiar de dor e a média com o
desvio-padrão dos sujeitos do gênero feminino em cada um dos testes.
Sujeitos
7
8
9
10
11
12
13
Sessão 1
14
11
15
11
15
15
17
Sessão 2
14
11
16
14
11
18
18
Sessão 3
14
15
13
10
11
17
19
Sessão 4
16
16
22
10
11
15
19
Sessão 5
17
14
22
12
10
21
18
Média ± DP
15 ± 1,4
13,4 ± 2,3
17,6 ± 4,1
11,4 ± 1,6
11,6 ± 1,9
17,2 ± 2,4
18,2 ± 0,8
Média Geral ± DP
14,9 ± 2,8
Tabela 3 - Representação do valor de corrente de estímulo em mA em que os voluntários atingiram a tolerância à dor
relatado por cada um dos sujeitos do gênero masculino, com média e desvios-padrão individual e geral.
Sujeitos
1
2
3
4
5
6
304
Sessão 1
30
39
21
44
35
Sessão 2
30
44
29
41
39
Sessão 3
33
43
26
47
35
Sessão 4
33
43
24
45
35
Sessão 5
38
49
31
42
38
Média ± DP
32,8 ± 3,2
43,6 ± 3,5
26,2 ± 3,9
43,8 ± 2,3
36,4 ± 1,9
Média Geral ± DP
36,5 ± 7,4
Análise da relação entre parâmetros da onda M e a dor
Rev Dor. São Paulo, 2011 out-dez;12(4):301-7
Tabela 4 - Representação do valor de corrente de estímulo em mA em que os voluntários atingiram a tolerância à dor
relatado por cada um dos sujeitos do gênero feminino, com média e desvios-padrão individual e geral.
Sujeitos
7
8
9
10
11
12
13
Sessão 1
27
48
32
27
23
27
26
Sessão 2
30
35
28
24
33
43
Sessão 3
30
33
27
24
34
38
Sessão 4
33
39
29
22
30
42
Sessão 5
33
41
31
23
34
40
Média ± DP
30,6 ± 2,5
48 ± 0
36 ± 3,8
28,4 ± 1,6
23,2 ± 0,8
31,6 ± 3
37,8 ± 6,8
Média Geral ± DP
31,2±5,2
Tabela 5 – Dia do ciclo menstrual em que as voluntárias se submeteram aos testes.
Sujeitos
Sessão 1
Sessão 2
Sessão 3
Sessão 4
Sessão 5
7
8
9
10
11
12
7º dia
20º dia
2º dia
14º dia
2º dia
10º dia
21º dia
3º dia
15º dia
3º dia
11º dia
22º dia
6º dia
17º dia
4º dia
12º dia
23º dia
9º dia
18º dia
5º dia
14º dia
24º dia
10º dia
24º dia
7º dia
13
18º dia
19º dia
25º dia
26º dia
28º dia
Estudo que usou como estímulo doloroso a injeção de
solução salina hipertônica não observou alterações nas
ondas M com relação à velocidade de condução, amplitude e conteúdo espectral10, levando a concluir que
a injeção de solução salina não alterou as propriedades
da membrana das ibras musculares e que a diminuição
da atividade muscular durante as contrações voluntárias
foram provavelmente devidas a um fenômeno central,
espinhal ou supraespinhal.
Com o protocolo de indução dolorosa do presente estudo
foi observado que as ondas M tiveram suas amplitudes
alteradas. Alguns autores entendem que uma mudança
na amplitude da onda M está relacionada a mudanças
no pH, na temperatura e no diâmetro das ibras musculares10,11. O vale da onda M é justamente o ponto onde
existe uma grande alteração na permeabilidade da membrana e a contração das ibras se dá por um rápido inluxo dos íons resultante desta alteração de permeabilidade.
Esta contração está intimamente ligada com a percepção
dolorosa, que é o foco do estudo. Tal fator expõe claramente a alta correlação entre o pico mínimo desta onda
e a corrente elétrica estimulante.
A representação dos valores do limiar de dor e suas
médias, dos sujeitos do gênero masculino em cada um
dos testes (Tabela 1) permite observar que nos sujeitos
2, 4, 5 e 6 os valores se mantiveram próximos em todos os testes, com um desvio-padrão máximo de 1,6,
não havendo grandes variações. Tal fato proporciona
maior coniabilidade no método utilizado, pois mostra
que mesmo em dias diferentes os sujeitos demonstraram
ter a mesma percepção do estímulo recebido e relataram
sentir a dor com níveis muito próximos de corrente, senão os mesmos. A tabela 1 ainda mostra que, na maioria
dos sujeitos do gênero masculino, o relato do limiar de
dor ocorreu com uma corrente de estímulo menor na primeira sessão com relação às subsequentes. Isto pode ser
explicado pela expectativa da dor esperada pelo sujeito,
pois todos eles relataram no inal da primeira sessão que
a dor percebida foi menor que a dor esperada antes do
experimento.
Com relação às mulheres sujeitos 8, 9 e 12 (Tabela 2),
apresentaram desvio-padrão com relação à média do limiar de dor maior que 2. Como ocorreu com os sujeitos
do gênero masculino, o relato do limiar de dor na primeira sessão foi com baixas correntes comparado com as
outras sessões. Apenas o sujeito 11 relatou a percepção
dolorosa em 15 mA na primeira sessão, em 11 mA na
segunda, terceira e quarta sessões e em 10 mA na última
sessão.
Ao se comparar os homens com as mulheres percebeu-se que o valor médio do limiar de dor foi maior nos
homens, 16,8 e 14,9, respectivamente. Estes resultados
concordam com estudo que teve como objetivo examinar mensurações isiológicas e psicológicas relacionadas
305
Rev Dor. São Paulo, 2011 out-dez;12(4):301-7
Machado, Oliveira, Alves e col.
ao gênero, em relatórios de dor experimental12, estudo
em que as mulheres relataram menores limiares de dor e
tolerância à dor. O presente estudo dá suporte à revisão
da literatura13,18, que conclui que mais estudos são necessários para a diferenciação da sensação dolorosa entre
homens e mulheres.
A análise dos valores da tolerância à dor entre homens
e mulheres (Tabelas 3 e 4) permite veriicar que, como
no limiar de dor, na primeira sessão os sujeitos, com exceção do sujeito 5, relataram tal limiar com um valor de
corrente mais baixo que em todos as outras sessões. O
sujeito 3 não pôde ser analisado, pois em todas as sessões ele chegou aos 50 mA de estímulo relatando valores na EAV menores que 10. Com relação às mulheres o
valor de corrente necessário para cada uma atingir a dor
máxima na primeira sessão não foi maior na primeira
sessão que nas demais.
Ao se comparar homens e mulheres percebeu-se que o
valor de corrente necessário para se atingir o valor máximo de dor foi maior nos homens (36,5) com relação
às mulheres (31,2). Estes dados também estão de acordo
com estudo que mostra signiicativa diferença com relação à tolerância da dor entre homens e mulheres12.
A tabela 5 mostra a fase do ciclo menstrual em que se
encontravam cada uma das voluntárias durante cada um
dos testes. Foi tido como o primeiro dia do ciclo menstrual o dia em que houve a menstruação. Com exceção
da voluntária 3 todas as voluntárias relataram a fase do
ciclo em que se encontravam. Quando a mulher se encontra no período pré-menstrual ela sente dores abdominais e musculares, devido a isso foi hipotetizado que as
voluntárias poderiam estar mais suscetíveis à sensação
dolorosa durante este período, porém isso não foi conirmado14,15. O instrumento mais rigorosamente elaborado
sobre parâmetros pré-menstruais, o Daily Symptom Report (DSR), airma que a pré-menstruação mostra sintomas 6 dias antes da menstruação ocorrer14. Portanto
tem-se que os sujeitos 9 (testes 4 e 5), 11 (teste 5) e 13
(testes 3, 4 e 5) estavam no período de pré-menstruação
durante os testes. Não foi observada nenhuma diferença
ao se comparar os testes realizados durante o período
pré-menstrual com relação aos outros períodos do ciclo
menstrual das mulheres voluntárias nesta pesquisa.
Muitos estudos vêm ao longo do tempo tentando correlacionar diferentes fatores com a dor, com a inalidade
de encontrarem um meio de se quantiicar esta sensação.
A utilização de biopotenciais pode auxiliar em muito
esta tarefa, pois são processos que não são sensíveis a
alterações pessoais, como experiências passadas, estado
de humor do dia, etc. Tais alterações podem comprome-
306
ter estudos que avaliam a dor apenas por meio de escalas
subjetivas.
Neste estudo a onda M foi selecionada, pois é um potencial evocado que está livre destas alterações pessoais,
podendo assim utilizar parâmetros isiológicos para se
mensurar a dor. Com o protocolo utilizado foi veriicado
que o parâmetro da onda M que possui maior correlação com o estímulo utilizado é seu pico inferior, ou vale.
Portanto o presente estudo correlacionou o vale da onda
M com o estímulo elétrico indutor da dor. Em todos os
voluntários tal correlação se mostrou muito coerente, indicando que o caminho seguido foi correto.
O estudo também observou que as mulheres mostraram
um limiar de dor menor com relação aos homens e a
tolerância à dor das mulheres também foi menor, evidenciando maior sensibilidade à dor por parte dos sujeitos
do gênero feminino.
Uma das principais contribuições do presente estudo foi
a criação e a validação de um novo protocolo para a indução dolorosa. Outra grande contribuição foi encontrar
um importante parâmetro da onda M que pode ser relacionado com a dor. Mostrar as diferenças com relação
à percepção dolorosa entre homens e mulheres também
foi um aspecto muito importante deste estudo que deve
ser levado em consideração.
Estudos futuros devem ser realizados com o objetivo de
ampliar a validade dos resultados obtidos nesta pesquisa: utilização do mesmo protocolo com maior número de
sujeitos, para uma validação ainda mais airmativa dos
dados obtidos; veriicação de outras características das
ondas M como possíveis marcadores da sensação dolorosa; análise estatística para a veriicação da relevância
das diferenças nos valores do limiar e da tolerância à dor
entre homens e mulheres; utilização deste protocolo com
a comparação entre sujeitos saudáveis e portadores de
dores crônicas para ins de comparação.
CONCLUSÃO
O mínimo global da onda M mostrou relação com o aumento da sensação dolorosa sendo que no sexo masculino o limiar e a tolerância à dor foram maiores que no
sexo feminino, e as diferentes fases do ciclo menstrual
não interferiram nas avaliações.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à equipe do Laboratório de Engenharia
Biomédica (Biolab - http://www.biolab.eletrica.ufu.br/)
da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade
Análise da relação entre parâmetros da onda M e a dor
Federal de Uberlândia (Uberlândia, MG), e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) pelo suporte inanceiro durante a execução da
pesquisa (Projeto PE 030/2008).
REFERÊNCIAS
1. Chan CW, Dallaire M. Subjective pain sensation is
linearly correlated with the lexion relex in man. Brain
Res 1989;479(1):145-50.
2. Sousa FA. Pain: the ifth vital sign. Rev Lat Am Enfermagem 2002;10(3):446-7.
3. Averbuch M, Katzper M. Baseline pain and response
to analgesic medications in the post surgery dental pain
model. J Clin Pharmacol 2000;40(2):133-7.
4. Hlers SJ, van Gulik L, van der Veen AM, et al. Comparison of different pain scoring systems in critically ill
patients in a general ICU. Crit Care 2008;12(1)R15.
5. Bottega FH, Fontana RT. A dor como o quinto sinal
vital: utilização da escala de avaliação por enfermeiros
de um hospital geral. Texto & Contexto Enfermagem
2010;19(2):283-90.
6. Lee JS. Pain measurement: understanding existing tools and their application in the emergency department.
Emerg Med 2001;13(3):279-87.
7. Minetto MA, Botter A, Ravenni R, et al. Reliability
of a novel neurostimulation method to study involuntary
muscle phenomena. Muscle Nerve 2008;37(1):90-100.
8. Avila MA, Brasileiro JS. Electrical stimulation and
isokinetic training: effects on strength and neuromuscu-
Rev Dor. São Paulo, 2011 out-dez;12(4):301-7
lar properties of healthy young adults. Rev Bras Fisioter
2009;12(6):435-40.
9. Liebano RE, Alves LM. Comparação do índice de
desconforto sensorial durante a estimulação elétrica
neuromuscular com correntes excitomotoras de baixa e
média frequência em mulheres saudáveis. Rev Bras Med
Esporte 2009;15(1):50-3.
10. Farina D, Arendt-Nielsen L, Graven-Nielsen T. Experimental muscle pain decreases voluntary EMG activity but does not affect the muscle potential evoked by
transcutaneous electrical stimulation. Clin Neurophysiol
2005;116(7):1558-65.
11. Merletti R, Knalitz M, Deluca CJ. Electrically
evoked myoelectric signals. Crit Rev Biomed Eng
1992;19(4):293-340.
12. Myers CD, Robinson ME, Riley JL 3rd, et al. Sex,
gender, and blood pressure: contributions to experimental pain report. Psychosom Med 2001;63(4):545-50.
13. Hurley RW, Adams MC. Sex, gender, and pain:
an overview of a complex ield. Anesth Analg
2008;107(1):309-17.
14. Vieira Filho AHG, Teng CT, Artes R. Escalas de avaliação de transtorno pré-menstrual. Rev Psiquiatr Clín
1998;25(5):273-8.
15. Allen SS, McBride CM, Pirie PL. The shortened premenstrual assessment form. J Reprod Med
1991;36(11):769-72.
Apresentado em 08 de agosto de 2011.
Aceito para publicação em 01 de dezembro de 2011.
307