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INSTITUTO DE ESTUDOS SUPERIORES MILITARES
CURSO DE PROMOÇÃO A OFICIAL GENERAL
2011/2012
TII
SOBERANIA E CIDADANIA: QUE MODELO EDUCACIONAL?
DOCUMENTO DE TRABALHO
O TEXTO CORRESPONDE A TRABALHO FEITO DURANTE A
FREQUÊNCIA DO CURSO NO IESM SENDO DA RESPONSABILIDADE
DOS SEUS AUTORES, NÃO CONSTITUINDO ASSIM DOUTRINA
OFICIAL DA MARINHA PORTUGUESA / DO EXÉRCITO PORTUGUÊS /
DA FORÇA AÉREA PORTUGUESA
Domingos Luís Dias Pascoal
Coronel de Infantaria
INSTITUTO DE ESTUDOS SUPERIORES MILITARES
SOBERANIA E CIDADANIA: QUE MODELO
EDUCACIONAL?
Domingos Luís Dias Pascoal
Coronel de Infantaria
Trabalho de Investigação Individual do CPOG 2011/12
Lisboa 2012
INSTITUTO DE ESTUDOS SUPERIORES MILITARES
SOBERANIA E CIDADANIA: QUE MODELO
EDUCACIONAL?
Domingos Luís Dias Pascoal
Coronel de Infantaria
Trabalho de Investigação Individual do CPOG 2011/12
Orientador: COR TIR ART Maurício Simão Tendeiro Raleiras
IESM 2012
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Índice
Resumo ……………………………………………………..…….………………………..iv
Abstract ………………………………………………………………………………………………vi
Palavras-chave ………………………………………………………….……..…………………..viii
Lista de abreviaturas, siglas e acrónimos …..………………………..…………………………..ix
Introdução …………………………………………….…………………………..……….1
Tema e definição de contexto ………………………………………………………….1
Justificação do estudo ………………………………………………………………….1
Objeto de estudo e sua delimitação …………………………………………..………..2
Objetivos da investigação ……………………………………………….……………..2
Procedimento metodológico ………………………………………………………...…3
Organização …………………………………………………………………………....4
1. Soberania versus cidadania …………………………………………..………………6
a.
Soberania ………………………………………………………………………...6
(1).
Soberania e o poder ……………………………………………………….6
(2).
Primórdios do conceito ……………………………………………………7
(3).
Período medieval ………………………………………………………….7
(4).
Idade contemporânea ……………………………………………………...8
(5).
Estado social ……………………………………………………………..10
(6).
Globalização e impacto na soberania ……………………………………11
(7).
Identidade nacional ………………………………………………………12
b. Cidadania ……………………………………………………………………….14
c.
(1).
Evolução do conceito de cidadania ……………………………………...14
(2).
A cidadania como conjunto de direitos e de obrigações ………………...16
(3).
Cidadania, identidade e moralidade ……………………………………..17
(4).
Cidadania como manifestação da identidade nacional ………….……….18
(5).
Cidadania como capacidade de juízo político …………………………...18
(6).
Educação, cidadania e globalização ……………………………………..19
Análise …………………………………………………………………………..20
(1).
Da soberania ……………………………………………………………..20
(2).
Da cidadania ……………………………………………………………..21
(3).
Relação soberania versus cidadania ……………………………………..21
d. Síntese parcelar ………….…………………………………...……………...…22
CPOG 2011/12
i
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
2. Educação e aprendizagem da cidadania em prol da soberania …………………. 24
a.
Educação e Formação Profissional ……………………………………………24
b. Conceito de competência – Quadro Nacional de Qualificações ……………. 25
c.
Processo de aprendizagem ……………………………………………………. 28
(1).
Perspetiva construtivista da aprendizagem ………………………………29
(2).
Papel das representações ………………………………………………...31
(3).
Assimilação e acomodação ……………………………………………...31
(4).
Importância da assimilação …………………………………………….. 32
(5).
A categorização como mecanismo de assimilação ……………………... 33
(6).
Funções exercidas pelas estruturas de conhecimentos …………………. 35
d. Aprendizagem da moralidade …………………………………………………36
(1).
Aprendizagem da moralidade segundo Piaget …………………………. 37
(2).
Aprendizagem da moralidade segundo Lawrence Kohlberg …………... 38
(3).
Domínio cognitivo e moral ………………………………………………39
(4).
Domínio afetivo e moral ………………………………………………... 40
e.
O currículo …………………………………………………………………….. 41
f.
Análise …………………………………………………………………………. 42
g.
Síntese parcelar ………………………………………………………………...43
Conclusões e recomendações ……………………………………………………………45
- Conclusões …………………………………………………………………………...45
- Recomendações ……………………………...……………………………………….46
Bibliografia ……………………………………………………………………………….48
Índice de Anexos
Anexo A – Modelo IEA …………………………………………………………... Anx A-1
Anexo B – Modelo competências cívicas EUA …………………………………... Anx B-1
Anexo C – Grelha de Avaliação do Técnico de Eletrónica de Telecomunicações... Anx C-1
Anexo D – Taxonomia de Bloom ……………………………………...……..…... Anx D-1
Anexo E – Domínio afetivo ……………………………...……………………….. Anx E-1
Índice de Apêndices
Apêndice 1 – Referencial de investigação/Modelo de Análise ……………….….…Apd 1-1
Apêndice 2 – Análise de currículos escolares ………………………………….….. Apd 2-1
Apêndice 3 – Análise de currículo militar ……………………………………….... Apd 3-1
CPOG 2011/12
ii
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Índice de Figuras
Figura 1 - Modelo cognitivista/construtivista da aprendizagem …………...……………30
Índice de Tabelas
Tabela 1 – QD e Hip …………………………………………….………………………… 3
Tabela 2 – Matriz comparativa Soberania versus Cidadania …………………..……...… 22
Tabela 3 – Níveis cognitivos da moral ……………………………………………..……. 40
Tabela 4 – Níveis afetivos da moral ……………………………………………...……… 41
CPOG 2011/12
iii
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
RESUMO
Este estudo teve por objetivo analisar de que forma, as competências de cidadania
que potenciam a soberania nacional, estão contempladas nos currículos de educação e de
formação profissional nacionais, até ao nível secundário, e nos de formação inicial das
Forças Armadas Portuguesas (FFAAP).
A investigação efetuada assentou num modelo de análise (MA) que nos permitiu
articular as evidências da amostra com a sua explicação científica. Na sua construção
utilizamos a metodologia preconizada por Quivy e Campenhoudt (Quivy & Campenhoudt,
Manual de investigação em ciências sociais, 2005), 1998), articulado com o método da
referencialização preconizado por Figari (Figari, 1994).
A pesquisa bibliográfica efetuada visou determinar, num primeiro momento, as
competências de cidadania que concorrem para a soberania, pelo que incidiu na relação
entre os dois conceitos ao longo da história. Um segundo momento de pesquisa recaiu nas
questões da educação muito particularmente nas áreas do currículo, do qual destacamos a
análise taxionómica das competências, e nos processos de aprendizagem nos domínios
cognitivo e comportamental. O MA traduz a relação entre as competências para a
cidadania e a sua caracterização taxonómica em termos de domínio e de nível.
Da análise efetuada permitiu constatar que grande parte das competências de
cidadania está contemplada nos currículos oficiais de ensino e em menor grau nos das
FFAAP. As maiores lacunas encontradas situam-se nas competências relativas aos direitos
e deveres políticos e sociais, valores morais democráticos e da identidade nacional. Outra
lacuna detetada prende-se com a progressão nas aprendizagens, dado que não parece
assentar numa lógica de complexidade crescente, tal como é preconizado pelas
taxionomias. Neste aspeto em particular não é claro o domínio dos conceitos chave,
subjacentes à compreensão dos fenómenos e interiorização dos princípios, numa lógica de
assimilação/acomodação preconizada por J. Piaget.
As conclusões sublinham a importância do reforço das competências de cidadania,
particularmente as não contempladas, pela relevância que têm para a emergência de
cidadãos com superiores comportamentos éticos e responsáveis, mais solidários e
orgulhosos da sua pátria, mais participativos e exigentes na prática da democracia e mais
bem preparados para os desafios da globalização.
A formação em cidadania deve pois ser vista numa perspetiva holística e
interdisciplinar, explorando ao máximo os momentos dos currículos reais (escolares,
profissionais e das FFAAP) em que essas competências se manifestem, de forma a reavivaCPOG 2011/12
iv
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
las para que adquiram um caráter transversal e permanente e possam constituir
orientadores das condutas cívicas, sociais e políticas dos cidadãos.
Para além do Dia da Defesa Nacional (DDN), as FFAAP podem ter um papel mais
ativo no desenvolvimento das competências de cidadania inerentes aos direitos e deveres
cívicos e ao reforço da identidade nacional.
CPOG 2011/12
v
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
ABSTRACT
The main goal of this study was to analyze how citizenship competencies
underlying national sovereignty are templated both in the national educational and
professional training syllabuses, up to secondary level,
and in the initial training
development syllabuses administered by the Portuguese Armed Forces (PRT AF).
The research conducted was founded in an Analysis Model (AM), which has
allowed us to articulate the sample evidence with the correspondent scientific explanation.
In its construct we have used the methodology proposed by Quivy and Campenhoudt
(Quivy & Campenhoudt, Investigation Manual on Social Science, 2005), 1998), coupled
with the reference method as advocated by Figari (Figari, 1994).
The bibliographic research conducted aimed at determining, in the very first
instance, the citizenship competencies that concur to sovereignty, thus focusing in the
interrelationship between the two concepts throughout history. A second research vector
focused on the educational questions particularly in the ones that are syllabus-related, of
which we highlight the taxonomic analysis of competencies and the learning processes at
cognitive and behavioral level. The MA reflects the relationship between the competencies
for citizenship and its taxonomic characterization in terms of domain and level.
From the analysis conducted it was possible to conclude that most citizenship
competencies are templated in the official national educational syllabuses and to a lesser
extent in those syllabuses administered by the PRT AF. The major gaps found are
connected with the competencies relating to political and social rights and duties,
democratic moral values and national identity. Yet another gap detected relates to the
learning progression since it seems that it is not founded in an increased complexity logic,
as otherwise advocated by the taxonomies. Particularly in this respect the mastering of the
key concepts underlying the understanding of phenomena and the acquisition of principles
in an assimilation/accommodation logic as advocated by Piaget is not clear.
The conclusions underline the importance of reinforcing citizenship competencies,
in particular those not contemplated, due to their relevance for the emergence of citizens
with an ethical and responsible superior behavior, who show more solidarity and pride
towards their homeland, who are more participative and demanding in the practice of
democracy and better prepared for the globalization challenges.
The education (training/teaching) in the citizenship field must therefore be seen
under a holistic and interdisciplinary perspective, maximizing the phases of the real
syllabuses (academic, professional and PRT AF) in which such competencies come to
CPOG 2011/12
vi
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
surface in order to re-energize them in a such way that they acquire a transversal and
permanent character and thus constitute positive normative vectors for civic, social and
political conduct on the part of the citizens.
Apart from the National Defense Day (NDD), the PRT AF may have a more active
role in the development of the citizenship competencies which are inherent to the civic
rights and duties and to the strengthening of national identity.
CPOG 2011/12
vii
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Palavras-chave
Aprendizagem
Cidadania
Competências
Educação
Formação
Identidade nacional
Moral
Soberania
CPOG 2011/12
viii
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Lista de abreviaturas, siglas e acrónimos
CIVED
Civic Education Study
CFGCPE
Curso de Formação Geral Comum de Praças do Exército
CNQ
Catálogo Nacional de Qualificações
DDN
Dia da Defesa Nacional
FFAAP
Forças Armadas Portuguesas
Hip
Hipótese
IEA
International Association for the Evaluation of Educational Achievement
ME
Ministério da Educação
ME
Ministério da Educação
OMC
Organização Mundial do Comércio
ONU
Organização das Nações Unidas
QC
Questão Central
QD
Questão Derivada
SMO
Serviço Militar Obrigatório
TII
Trabalho de Investigação Individual
UC
Unidades de Competência
UE
União Europeia
ZE
Zona Euro
CPOG 2011/12
ix
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Introdução
Tema e definição de contexto
A defesa da soberania, para além de fatores de natureza política, económica ou
militar, assenta fundamentalmente na vontade de um povo que, unido por um conjunto
de elementos identitários comuns, quer continuar a construir o seu futuro em comum. A
coesão e orgulho nacionais, a par com o sentimento pátrio e respeito pelos seus
símbolos, são manifestações individuais dessa identidade coletiva, cimentada nos
costumes, nas tradições, nos modos de vida, na língua, nos valores, na história e nos
interesses comuns.
As FFAAP, para além do seu papel e missões institucionais, constituem uma
instituição representativa desta identidade. Com o fim do Serviço Militar Obrigatório
(SMO), a passagem pelas fileiras deixou de ser um dever de cidadania, constituindo-se
como um ato voluntário de alguns cidadãos.
Concomitantemente, decorrente de outros fatores tais como a globalização, a
inserção na União Europeia (UE), o aumento do consumismo, da violência, da
indisciplina e da indiferença, cada vez mais e em particular nas camadas mais jovens,
pontificam os interesses pessoais e o individualismo em detrimento dos interesses e dos
valores coletivos, enfraquecendo por essa via os laços e a identidade nacionais com
naturais reflexos na soberania nacional.
Justificação do estudo
O tema proposto, “Soberania e Cidadania: que modelo educacional?”, Constitui
um tema premente na sociedade, porquanto tem subjacente no imaginário coletivo a
ideia que de o seu futuro assenta na criação e desenvolvimento de «bons cidadãos»,
respeitadores, cumpridores dos seus deveres, solidários, participativos e, porque não,
exigentes. Esta necessidade presume-se que tenha maior incidência nas camadas mais
jovens, pois perpassa a ideia de que são mais individualistas, egoístas e desrespeitadores
que as gerações anteriores.
O tema proposto articula dois conceitos, soberania e cidadania e questiona-nos,
num primeiro momento, acerca da sua relação e, num segundo momento, sob a forma
como eles podem e devem ser aprendidos e praticados.
O papel dos pais, da escola e quiçá das FFAAP, como instituições que
diretamente interagem com os jovens na construção da sua identidade individual e
coletiva, constitui também um elemento importante que deverá merecer a nossa
reflexão. No que respeita às FFAAP o fim do SMO constituiu um rude golpe na
1
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
formação dos jovens, muito particularmente no que respeita ao desenvolvimento do
sentimento pátrio, do conhecimento mútuo, do espírito de defesa e da camaradagem e
solidariedade. O papel das FFAAP, atualmente circunscrito ao DDN para os jovens em
geral, deve também merecer a nossa reflexão à luz deste tema.
No que respeita à soberania, traduzida na autonomia da decisão suprema num
determinado território, e que deverá proporcionar a preservação da paz, o bem-estar e a
harmonia sociais bem como da segurança face a quaisquer ameaças externas, de que
forma é que pode ficar comprometida pelo mau exercício da cidadania, entendida
enquanto conjunto de direitos e obrigações de que os cidadãos são detentores, constitui
também objeto de questionamento.
Por fim, há que enquadrar Portugal no seu contexto, muito particularmente como
membro da UE, e à existência de uma cidadania europeia consignada nos tratados
europeus de Maastricht e de Lisboa.
Objeto de investigação e a sua delimitação
No âmbito do tema desta investigação houve que delimitar o seu âmbito e
alcance, inerente a qualquer processo de investigação científica.
Qualquer processo de educação ou de formação visa proporcionar a
aprendizagem de conhecimentos, aptidões, atitudes e também de valores, bem como
proporcionar experiências que concorram de forma articulada para a emergência de
competências, no conceito atualmente em vigor em Portugal e na Europa.
São pois as competências de cidadania que potenciam a soberania nacional
que constituem o objeto desta investigação.
Sabendo que as competências se desenvolvem de forma diferenciada nos
indivíduos e nas mais variadas modalidades de aprendizagem, houve que delimitar o seu
contexto às aprendizagens formais, pelo que circunscrevemos o nosso estudo aos
currículos “oficiais” ou declarados.
Escolhemos dois contextos para a investigação: um internacional, onde
procuramos validar o nosso MA e o nacional onde o fomos aplicar. O contexto nacional
foi subdividido em escolar, sob a égide do Ministério da Educação (ME) e de defesa,
enquadrando a formação inicial dos militares das FFAAP e o DDN.
Objetivos da investigação
Com esta investigação pretende-se aquilatar de que forma é que as competências
de cidadania que potenciam a soberania nacional estão consignadas nos currículos
2
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
“oficiais” escolares, bem como nos da área da defesa, particularmente nos da formação
inicial dos militares das FFAAP.
Deste estudo espera-se poder objetivamente contribuir com propostas de
melhoria dos currículos em apreço no sentido de, por essa via, fortalecer o
desenvolvimento das competências de cidadania na perspetiva do reforço da soberania
nacional.
Procedimento metodológico
Definimos como Questão Central (QC), orientadora do nosso estudo a seguinte:
“De que forma é que os currículos, ao nível nacional e ao nível interno das FFAAP,
desenvolvem competências de cidadania que potenciam a soberania nacional?”
Desta QC decorrem Questões Derivadas (QD) e Hipóteses (Hip) que servirão de
elementos estruturadores da nossa pesquisa. Para cada QD levantámos duas Hip que
iremos confirmar ou infirmar no nosso estudo. As QD e Hip são as que se descrevem:
Tabela 1 – QD e Hip
Questões Derivadas
Hipóteses
Hip1 - Existem atributos caraterizadores da
QD1 - Quais são os atributos da cidadania que
potenciam a soberania nacional?
cidadania e da soberania.
Hip2 - Existem atributos da cidadania que
contribuem para a soberania.
QD2 - De que forma os currículos “oficiais”
Hip3 - Os currículos “oficiais” escolares
equacionam as competências de cidadania
contemplam competências de cidadania que
em prol da soberania nacional?
potenciam a soberania nacional.
Hip4 - Os currículos “oficiais” de formação inicial
dos militares das FFAAP contemplam
competências de cidadania que potenciam a
soberania nacional.
O percurso metodológico seguirá as etapas do método científico descrito por
Quivy e Campenhoudt (Quivy & Campenhoudt, Manual de investigação em ciências
sociais, 2005), 1998), articulado com o método da referencialização preconizado por
Figari (Figari, 1994).
Na construção do Modelo de Análise (MA) baseamo-nos no método de
referencialização preconizado por Figari (Figari, 1994) que, pelo seu caráter operatório,
constitui uma forma de concretizar o MA preconizado por Quivy e Campenhoudt
(2005). (Apêndice 1 – Modelo de Análise).
3
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
O nosso MA, ou referencial de investigação, consubstancia as QD e suas Hip e,
por essa via, permitir-nos-á responder à QC. Da relação entre a evolução da cidadania e
da soberania ressaltaram as competências relativas quer quanto ao exercício de uma
cidadania ativa em democracia, quer as concorrentes para o reforço da coesão e da
identidade nacional. A análise dos processos de aprendizagem e dos domínios e níveis
das competências permitiu estabelecer uma hierarquização das mesmas de par com a
possibilidade da sua integração e avaliação.
O MA apresenta-se assim sob a forma de matriz, em que num eixo são elencadas
as competências de cidadania que potenciam a soberania e no outro o domínio em que
essas competências se inscrevem (conhecimentos, aptidões ou atitudes) e respetivo nível
taxonómico. Por fim confrontamos e complementamos o nosso MA, tomando como
referências o modelo da International Association for the Evaluation of Educational
Achievement (IEA), mais particularmente o modelo do Civic Education Study (CIVED
(Sibberns, 2004, pp. 163-169) (Anexo A), e o modelo de desenvolvimento de
competências cívicas dos EUA até ao nível Secundário (K12) (Judith Torney-Purta,
2006, pp. 18-26) (Anexo B).
Dada a sua natureza documental as fontes de informação privilegiadas são de
natureza documental, em formato impresso ou digital.
A natureza do objeto de investigação ditou que privilegiássemos um método
predominantemente de natureza qualitativa.
Organização
O presente Trabalho de Investigação Individual (TII), para além da introdução e
conclusões foi organizado em duas partes. Cada uma das partes do TII está diretamente
relacionada com uma QD e suas Hip.
Cada uma das partes decompõe-se em três parágrafos: o primeiro centra-se na
fundamentação teórica relativa à QD em apreço, o segundo parágrafo remete-nos para a
análise dos dados recolhidos tendo em vista confirmar ou infirmar as Hip levantadas e
num terceiro parágrafo será efetuada uma breve síntese parcelar.
Na primeira parte procuramos responder à QD1 através da avaliação das Hip 1 e
2. Para o efeito, efetuámos uma pesquisa bibliográfica acerca dos conceitos de soberania
e de cidadania, no sentido de compreender as diferentes perspetivas e significados em
vários
momentos
históricos.
Desse
levantamento
extraímos
os
elementos
caraterizadores dos dois conceitos que nos permitiram efetuar a sua correlação e dessa
forma dar resposta à QD1 e suas Hip.
4
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Na segunda parte, e de forma a dar resposta à QD2 e suas Hip procuramos
definir e articular os domínios da educação e da formação profissional, tendo por base
os conceitos de competência e competências definidos legalmente a nível nacional e
europeu, quer no domínio cognitivo (com enfoque especial nos saberes declarativos),
quer no domínio afetivo e dos valores.
Aprofundamos também o processo de aprendizagem tendo por base o modelo
cognitivista/construtivista. Na análise, e tendo como base o MA que serviu de suporte à
nossa investigação, fomos analisar alguns currículos na área da cidadania nos âmbitos
dos ministérios da educação e da defesa. Dessa análise faremos uma breve síntese
parcelar.
Finalmente apresentaremos as conclusões e algumas recomendações orientadas
para a melhoria dos currículos no âmbito da cidadania que potenciem a soberania
nacional.
5
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
1. Soberania versus Cidadania
a. Soberania
(1) Soberania e o poder
O conceito de soberania contempla duas ordens de análise: a ordem interna e a
externa. No que respeita à ordem interna, o conceito de soberania de um Estado remetenos para o conjunto de poderes de que este se dota para permitir a governação da
sociedade, entendida como “comunidade definida pelo seu território geográfico e
dentro do qual a população compartilha de uma cultura comum (que pode
compreender e celebrar múltiplas e diversas comunidades étnicas, ou outras) e uma
forma de vida em condições de relativa autonomia, independência e auto-suficiência”
(IEA, 2008, p. 15). A soberania traduz o poder máximo existente na sociedade e é
necessária ao seu regular funcionamento e desenvolvimento. Ao Estado moderno, que
para H. Lasky “é uma comunidade territorial, em cujo nome certo agente (ou agentes)
exerce soberania, ou seja, a competência legal para ditar ordens sem necessidade de
submissão a autoridade mais alta” (Monteiro, 2003, p. 53) incumbe organizar,
controlar e proporcionar direção na prossecução de objetivos comuns da sociedade e,
como referiu Max Weber citado por Monteiro (p. 63), tem subjacente “uma relação de
domínio de homens sobre homens”.
Pese embora o facto de a existência de Estado não ser uma inevitabilidade, dado
que nas sociedades primitivas não existia, é hoje, dada a complexidade e a dimensão das
sociedades modernas, incontornável. A problemática da soberania, diretamente
associada ao exercício do poder político, não é tanto um problema de génese mas mais,
como referiu Duguit citado por Monteiro (p. 79): “(…) o problema que se põe não
consiste , na verdade, no da origem do Estado, mas na legitimidade do poder político”.
A este respeito é relevante a perceção que os cidadãos têm do Estado. Marcel
Prelot, citado por Monteiro (p.73) e referindo-se à forma como em França é
percecionado, refere “a noção de estado é absolutamente clara aos nossos olhos, e o
estado é para nós algo que existe fora de nós próprios (…) para um inglês o Estado é a
expressão da comunidade, para nós o Estado é exterior a nós (…) para os franceses, o
Estado é um organismo perigoso que os envolve numa série de coerções, que obriga a
múltiplas prestações, sempre onerosas e desagradáveis, que lhes exige dinheiro através
dos impostos, tempo e até a própria vida com o serviço militar”. Daí que “o povo não
diz o Estado somos nós, mas sim, o Estado são eles”. E em Portugal? Qual é o nosso
entendimento do Estado? A julgar pelo sentimento comum, parece ser lícito afirmar que
6
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
nos aproximamos bem mais do posicionamento dos franceses que do dos ingleses. E
esta é uma questão chave no âmbito do nosso estudo, porquanto a forma como a
instituição Estado é percecionada, prende-se com a forma como a soberania é aplicada e
a cidadania exercida.
Se no plano interno a soberania se traduz na autonomia da decisão, no plano
externo releva a inviolabilidade das suas fronteiras bem como a não ingerência nos seus
assuntos internos por parte dos outros Estados.
(2) Primórdios do conceito
Não se sabe ao certo a origem do termo. Ao certo o que sabemos é que já
Aristóteles se referia a ele, pese embora o facto de o termo não surgir claramente
referido, relacionando-o com o governo da cidade na sua obra “Política” onde ele diz
que “o governo é o elemento supremo em toda a cidade” (Lima J. S., 2010, p. 139).
Antes de efetuarmos uma breve retrospetiva da evolução do conceito de
soberania, suas aceções e desafios, importa, no caso português percecionar a sua
evolução. O reino de Portugal é antes do mais uma construção política, uma construção
baseada no poder e na vontade de um nobre que se tornou rei, D. Afonso Henriques.
“Portugal não teve origem, portanto, numa formação étnica, mas numa realidade
político-administrativa. Portugal começou por ser uma formação de tipo estatal; só
muito lentamente acabou por se tornar uma Nação.” (Mattoso, 2008, p. 39). Esta
perspetiva de criação do Estado-nação português, como emanação do poder político,
está em linha com o preconizado por Ernest Gellner (1993), citado por Cabral, (Cabral,
2003, p. 514), numa expressão quiçá provocatória “Dêem-me um Estado e eu vos darei
uma Nação” conferindo “ao Estado uma espécie de primado empírico sobre a Nação e
a correlativa identidade, que surgiria como o resultado.” Em contraponto, Anthony
Smith (1986), também citado por Cabral (ibidem), defende que “nenhuma elite
guerreira, cultural, e/ou económica seria suscetível de fundar um Estado se as
“massas” que essa elite pretende representar e dirigir não possuírem, à partida, uma
qualquer identidade coletiva referida ao território objeto desse Estado”.
(3) Período medieval
Na época medieval, a que remonta a fundação do país, não podemos falar
propriamente de soberania tal como a concebemos hoje, dado que imperavam as
fidelidades feudais. O próprio conceito de “(…) «naturalidade» é também um conceito
medieval. Pressupõe, pelo menos a partir do século XIII, a obrigação de fidelidade
para com um determinado soberano pelo facto de se ter nascido dentro dos seus
7
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
domínios. (…) Enquanto prevaleceram as instituições feudais, a fidelidade ao senhor
sobrelevava a fidelidade para com o rei.” (Mattoso, 2008, p. 16). A soberania era
entendida numa perspetiva de património e de posse, de fidelidades, numa lógica que
hoje poderíamos equiparar a uma lógica empresarial, em que de um lado temos os
proprietários e do outro os assalariados, sendo que a essência do poder residia na posse
da propriedade.
Acompanhando o que ocorreu por toda a Europa, o poder real foi-se
sucessivamente afirmando, não tanto pela governação de todo o território diretamente,
mas mais pelo poder que foi ganhando sobre os vassalos. No caso português a
afirmação do poder régio recorreu a mitos, designadamente o do milagre da batalha de
Ourique, para afirmar a origem divina do poder do soberano e daí a sua inviolabilidade.
Na dimensão factual esta afirmação do poder régio materializou-se na criação de “um
emblema - o escudo das armas nacionais – e uma moeda - que ostenta justamente a
efígie do rei e as armas nacionais. (…) e que procura por todos os meios apresentar os
símbolos do seu poder como sinais da identificação do chefe com o conjunto dos seus
súbditos.” (idem p. 8).
Atente-se que neste período medieval apenas a nobreza e o clero eram detentoras
de direitos e de regalias políticas. Ao povo, no qual se inscrevia a burguesia emergente,
estava reservado o estatuto de servidor. Com o desenvolvimento económico, e do
comércio em particular, a burguesia foi ganhando cada vez maior preponderância
económica sem que isso se refletisse em maior peso político. As classes sociais
assentavam numa base familiar hereditária que se perpetuava no tempo (Novais, 2001,
p. 52). E é exatamente a burguesia que, sequiosa de poder político, se mobiliza e
mobiliza o povo nesta luta, proclamando dois princípios base contrários aos alicerces da
ordem vigente, os da igualdade e da liberdade.
(4) Idade contemporânea
É com base na crescente centralização do poder na figura do rei, de par com os
conflitos religiosos e civis que assolaram a Europa, que Jean Bodin (1529/39-1596),
autor jusnaturalista e um dos principais idealizadores do absolutismo, quem
primeiramente sistematiza o conceito de soberania na sua obra Os seis livros da
República, de 1576. Para ele, “a soberania é o poder absoluto perpétuo de uma
República (…). A soberania não está limitada, nem em poder, nem em
responsabilidade, nem no tempo (…) é necessário que quem é soberano não esteja de
modo nenhum submetido ao império de outro e possa ditar as leis aos seus súbditos e
8
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
emendar as leis inúteis.” (Paula, 2009, p. 5). É graças ao conceito de soberania de
Bodin que pela primeira vez emerge o Estado como sujeito público da política moderna.
Outro autor marcante da época, Thomas Hobbes (1588-1679), preconiza o
Contrato Social através do qual se opera a transferência dos direitos individuais de cada
cidadão, como fonte legítima da soberania, para uma entidade superior o Leviatã (1651)
que de todos cuidaria. Preconiza a plena estatização do Direito, com base no princípio
“rex facit legem”. “É o rei que faz as leis, pois estas, para serem vivas, precisam de
estar armadas do monopólio da coerção organizada” (Lafer, 1994). De par com a
centralização do poder consubstancia-se o conceito de nação, enquanto constructo de
identidade coletiva com valores, cultura, língua, tradições e história comuns.
Esta aceção de soberania constitui um corte radical com o conceito vigente até aí
e defendido pela Igreja, o que não quer dizer que o rei saísse enfraquecido na sua
autoridade, mas tão-somente que o seu poder emanava do povo que lho transmitia
através de um pacto imutável. “É esta alienação de parte das liberdades naturais de
cada um, em proveito do interesse comum e depositadas na figura do rei que constitui a
origem da soberania.” (Derathé, 1951, p. 387).
O cidadão enquanto detentor dos direitos e liberdades naturais concentra em si
próprio o livre arbítrio sobre as suas decisões, que o mesmo é dizer uma soberania
individual. A antevisão de uma sociedade liberal e individualista utópica pressuporia, no
limite, a não ingerência de quaisquer entidades externas no exercício desta autoridade e
autonomia individuais. Esta aceção utópica transporta-nos por o fim das sociedades tal
como as conhecemos. A prevalência do interesse comum, de par com os limites às
liberdades de cada um, constituem o elemento regulador essencial da vivência em
sociedade e o Contrato Social e mais tarde as constituições nacionais são os garantes do
primado do interesse coletivo.
A Revolução Francesa (1879) constituiu um momento histórico marcante na
afirmação da soberania, sofrendo influências de duas conceções distintas, a da soberania
popular sustentada por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e a da soberania nacional
defendida por Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836). Para Rousseau a soberania
começa por ser um atributo individual, que de livre e espontânea vontade os cidadãos
delegam no Estado para a boa governação em prol do bem comum, efetuada através de
um Pacto Social. Para Sieyès a soberania assenta no primado da nação como fonte de
soberania. É nesta aceção que a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de
Agosto de 1789 estabelece no seu artigo 3.º “O princípio de toda a soberania reside,
9
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer
autoridade que dela não emane expressamente”. (ESEL, s.d., p. 1).
A soberania associada ao Estado-nação foi formalmente definida no Tratado de
Vestefália (1648), que adotou como princípio orientador das relações externas entre
Estados a não interferência externa nos assuntos internos de cada um deles, em linha
com o conceito defendido por Bodin. A fase que se lhe seguiu foi a afirmação dos
Estados-nação e a criação e fortalecimento das identidades nacionais.
(5) Estado-social
O papel do Estado enquanto instituição aglutinadora da vontade coletiva e por
isso detentor da soberania foi sucessivamente crescendo em funções. Para além do
enorme poder que foi ganhando, foi também adquirindo crescentes responsabilidades
tais como a “garantia da segurança física dos cidadãos, a salvaguarda dos seus
direitos constitucionais, o levar em consideração os seus interesses no processo
político, e ainda, cuidar do seu bem-estar social.” (Achim Hurrelmann, 2007, p. 3).1
Segundo este autor o Estado como instituição deve salvaguardar: “(1) a paz e a
segurança física, (2) a liberdade e a segurança jurídica, (3) a autodeterminação
democráticas e (4) o crescimento económico e o bem-estar social.” (ibidem). Desta
forma o Estado-nação na sua época áurea, que ocorreu nas décadas de 1960 e 1970,
“era um Estado territorial no controlo dos meios e dos recursos essenciais à efetiva
governação e preservação da paz quer a nível interno quer a nível externo; era um
Estado constitucional com um elaborado sistema legal que institucionalizou as
liberdades pessoais o primado das regras com base nas leis; era um Estado
democrático porquanto a sua legitimidade estava baseada na livre escolha por parte
dos seus cidadãos e era um Estado intervencionista que utilizava os seus numerosos
recursos para promover o crescimento económico e assegurar as bases materiais da
estabilidade social” (idem p. 4).
Esta conceção do Estado moderno foi sendo construída por fases, sendo que
podemos identificar uma primeira fase, a territorial, nos séculos XVI e XVII em que, na
linha vestefaliana, o Estado era a suprema autoridade dentro das suas fronteiras. Nesta
fase as funções mais importantes do Estado eram “a administração dos meios de coação
(segurança e militares) o funcionamento do aparelho burocrático e a capacidade de
cobrar impostos”(ibidem).
1
Tradução pelo autor
10
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
A segunda fase, séculos XVII e XVIII, traduziu-se na delimitação dos poderes
dos governantes, através da introdução de constituições nacionais.
A terceira fase ocorreu nos séculos XIX e XX, na qual se afirmou a democracia
representativa como forma privilegiada de modelo político.
Por fim, a quarta fase, que se iniciou em finais do século XIX e atingiu o seu
auge nas décadas de 60 e 70 do século XX, na qual o Estado interveio nas esferas
económica e social assumindo responsabilidades e intervindo nas áreas da educação,
saúde, proteção social, mercado de trabalho, infraestruturas públicas, regulação das
atividades económicas e serviços púbicos.
Este Estado-nação idílico, está atualmente no centro do debate político nacional
e europeu e fortemente ameaçado dadas as alterações económicas, financeiras,
tecnológicas e culturais que atravessam o planeta e que se inscrevem numa dinâmica
que dá pelo nome de globalização.
(6) Globalização e impacto na soberania
Atualmente os Estados soberanos estão, cada vez mais, sujeitos a pressões
internacionais decorrentes do fenómeno da globalização e das normas de direitos
humanos que justificam o direito de ingerência, em prol de um bem comum da
humanidade de natureza superior e que ficou consignada na Declaração Universal dos
Direitos do Homem de 1948. Cada vez mais o quadro internacional impulsiona uma
soberania partilhada, sob pena de os Estados ficarem marginalizados.
A acrescer à globalização económica outras fontes de pressão recaem sobre os
Estados-nação, designadamente “a imigração, problemas ambientais, mudanças
demográficas, a disseminação de novos valores e a crescente importância das
organizações internacionais” (idem, p. 7). A crescente globalização coloca novos
problemas aos Estados nação porquanto as “cadeias de produção e de prestação de
serviços são cada vez mais transversais às fronteiras estaduais, bem como o comércio e
o próprio financiamento dos Estados.” (ibidem). Uma primeira ameaça ao status-quo
provém de novos atores, designadamente as empresas multinacionais, que com a maior
das facilidades deslocalizam a sua produção, sempre que daí advenham mais-valias,
dado que apenas têm de responder perante os seus acionistas. De igual modo, as
crescentes necessidades de financiamento dos Estados-nação obriga-os a recorrerem ao
designado mercado financeiro, onde pontificam grandes investidores, na sua grande
maioria privados, sem que o Estado tenha alguma capacidade reguladora destas
atividades, colocando em risco a sua capacidade de sustentação e até mesmo de
11
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
autodeterminação democrática, na exata medida em que fica sujeito a orientações ou
exigências externas.
Uma segunda ameaça provém da imigração, que sendo uma necessidade
particularmente na Europa, traz consigo os problemas inerentes à dificuldade de
integração dessas populações e o potenciamento de conflitos sociais com os autóctones.
Uma terceira ameaça é de natureza ideológica e prende-se com a proeminência
de
valores
pós-materialistas
nas
sociedades
ocidentais,
onde
pontifica
a
“autodeterminação individual, a inclusão social, a participação, a igualdade de direitos
e o direito à diferença desafiando tanto o respeito pelas autoridades como o primado
das políticas económicas (…) Isto significa que os pilares fundamentais do Estado,
designadamente o monopólio da força, o sistema jurídico, os procedimentos da
democracia representativa e as prestações sociais estão cada vez mais em causa” (idem
p. 8).
Por fim, temos a gradual transferência de poderes dos Estados-nação para as
organizações internacionais, como é o caso da Organização das Nações Unidas (ONU),
Organização Mundial do Comércio (OMC), entre outras. No caso europeu o processo
de transferência de soberania é muito mais acentuado, designadamente na UE e dentro
desta na Zona Euro (ZE), onde a soberania económica dos Estados está francamente
reduzida, mas não as suas responsabilidades sociais.
(7) Identidade nacional
A afirmação do Estado-nação trouxe consigo o reforço, senão mesmo o
surgimento da nação. A nação emerge como constructo identitário coletivo, inerente ao
sentimento de pertença a uma comunidade que partilha um passado comum, de que a
história, o sistema de valores, as práticas culturais, a língua, as tradições, os símbolos,
os heróis são o repositório e um presente fugaz rumo a um futuro que assenta, como
dizia o historiador francês Ernest Rena, citado por Duarte, numa “vontade deliberada
conjunta de conservar a identidade comum e … um projeto comum consensualizado”
(Duarte, 2012, p. 4).
Para a afirmação da identidade nacional contribuíram sobremaneira os conflitos
que marcaram a nossa história, na exata medida em que salientaram as diferenças com
os “estrangeiros”, fossem eles inimigos ou aliados. Nesses conflitos com potências
estrangeiras para a manutenção ou recuperação da sua independência, o relevante para a
construção do imaginário coletivo não foi tanto a mobilização nacional, que porventura
não existiu “todas elas foram desencadeadas por uma minoria ou mesmo por um
12
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
pequeno grupo (como a de 1640)” (Mattoso, 2008, p. 25), mas sim “a interpretação
que deles foi dada em função da identidade nacional. Ao atribuírem-se ao conjunto da
Nação passam a significar, por um lado, que ela é sujeito de ação autónoma, e por
outro, que é capaz de se regenerar a si mesma por meio de atos coletivos que
funcionam como atos fundadores de novos períodos (…) (ibidem).
Mas, se “(…) esta consciência (…) é sem dúvida evidente para a maioria dos
cidadãos que já fizeram a escolaridade obrigatória e cumpriram o serviço militar, ou
seja para aqueles que possuem instrução suficiente para saberem o que distingue os
portugueses dos estrangeiros” (Mattoso, 2008, p. 9), já não o terá sido para a grande
maioria dos portugueses iletrados. Para demonstrar o papel da comunicação e da
educação como vetores chave de construção da identidade coletiva Mattoso refere “(…)
é perfeitamente verosímil a anedota que se conta o rei D. Luís quando, já ia bem
adiantado o século XIX, perguntava do seu iate a uns pescadores com quem se cruzou,
se eram portugueses. A resposta foi bem clara: «Nós outros? Não, meu Senhor! Nós
somos da Póvoa do Varzim!». (…) O «nós» por contraponto aos «outros», os
estrangeiros, constitui um elemento central na “consciência de pertença a uma
determinada país” (ibidem). A consciência da diferença constitui a “fronteira” e a
“cola” da identidade coletiva. A “fronteira” porque permite claramente distinguir os
elementos que nos identificam e nos distinguem dos outros povos; a “cola” porque
permite a congregação de vontades em prol do bem comum e da solidariedade que deve
existir.
A fazer perigar estes dois ingredientes temos do lado interno a emergência de
individualismo de matriz liberal, centrado na satisfação do ego e dos interesses pessoais
“naquilo que constitui o endeusamento do «eu» e a consequente marginalização e
esquecimento do «outro» e do «nós»” (Barrento, 2006, p. 151), que levado ao extremo
quebra os vínculos e as obrigações sociais. Do lado externo os desafios da globalização
e muito particularmente os novos meios de comunicação social, de que se destacam a
INTERNET e as redes sociais, que tendem a diluir o «nós» nos «outros», levando ao
questionamento e diluição dos valores e instituições nas quais assenta o devir coletivo.
O papel da educação, enquanto processo de aquisição de referências de
raciocínio e de ação constituiu e constitui um elemento central na aquisição e
desenvolvimento da identidade individual e coletiva, “(…) a consciência da identidade
nacional só se generaliza de facto depois da difusão da escrita e da participação de
toda a população na vida pública. (Mattoso, 2008, p. 18). Acresce que “O «valor»
13
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
atribuído à identidade nacional é tanto mais positivo quanto mais importante se
considera a sua defesa como meio de beneficiar os indivíduos que dela participam. Na
medida em que se consideram os interesses da coletividade superiores aos dos seus
membros, pode até tornar-se um valor supremo. Sendo assim, faz parte integrante de
um código de conduta que convida a todos os sacrifícios, mesmo o da vida, para
garantir o bem comum. Estas noções tornaram-se inerentes à ideia de «pátria», como
valor fundamental, sagrado, indiscutível.” (idem, p. 19).
Por fim e para sinalizar um evento cultural de primeira ordem na construção da
identidade coletiva portuguesa não podíamos de referir o impacto do poema «Os
Lusíadas». “O impacto d’Os Lusíadas sobre o imaginário nacional é de tal ordem, que
se torna difícil exagerá-lo (…). O imaginário que o poema representa e fortalece,
porém, adquire uma tal potência, que não deixará mais de alimentar os sonhos mais
utópicos acerca do destino nacional, até aos dias de hoje.” (idem, p. 23).
b. Cidadania
(1) Evolução do conceito de cidadania
O conceito de cidadania “Civitas” deve a sua génese à Grécia clássica, mais
particularmente à governação da cidade, muito em particular de Atenas. Mas nem todos
os habitantes da cidade reuniam os atributos para serem cidadãos. Desde logo estavam
excluídas as mulheres, os escravos, todos os estrangeiros e mesmo os autóctones que
não fossem possuidores de terras. “(…) eram considerados cidadãos todos aqueles que
estivessem em condições de opinar sobre os rumos da sociedade. Entre tais condições,
estava a de que fosse um homem totalmente livre, isto é, não tivesse a necessidade de
trabalhar para sobreviver, uma vez que o envolvimento nos negócios públicos exigia
dedicação integral” (Santana, s.d., p. 1).
Aristóteles, que dedicou a este tema uma importante reflexão expressa na
publicação A Política, “sustentava, que «o homem é por natureza sociável» e que, sendo
embora «movido pela sua utilidade particular» desejava «irreversivelmente a vida
social» (…)” (Monteiro, 2003, p. 394). Ao homem e antes do mais ao homem da
cidade, dado que para Aristóteles a cidade era mais que tudo uma comunidade que
punha em comum entre os seus cidadãos não só recursos económicos, mas
principalmente os valores éticos e políticos, atribuía um conjunto de virtudes de que se
destacam a “ prudência que encontra o seu campo de aplicação no exercício da
atividade política; a coragem que se revela nos perigos da guerra; a liberalidade e a
magnificência que comprometem o cidadão nobre no domínio das pequenas despesas
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Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
em relação aos seus concidadãos e as despesas maiores em benefício da Cidade; a
honra que é sobretudo uma virtude do cidadão que exerce uma magistratura; por fim,
se a temperança e a doçura se manifestam no ócio do cidadão, elas valem igualmente
para a discussão dos assuntos de Estado nas reuniões e nas assembleias. (…) Enquanto
cidadão, o indivíduo exerce uma capacidade política, seja como magistrado na ordem
judiciária, seja como membro das diversas assembleias deliberativas. A estas funções
adiciona-se, em tempo de guerra, a do soldado para defender a cidade. É, pois, em
termos de participação que se define a cidadania e é por esse meio que ela torna
efetiva a comunidade política” (UMinho, s.d., p. 21).
Importa relacionar a génese da cidadania com o papel desempenhado pela
educação. “O ofício de cidadão na polis democrática implicava uma atividade intensa.
A educação antiga, voltada para o domínio do desporto e da vida elegante, cede lugar,
sob a ação dos sofistas, ao objetivo de (…) equipar o espírito para uma carreira de
homem de Estado, formar a personalidade do futuro líder da cidade (...). O conteúdo
deste ensino dirigia-se no sentido de dotar o cidadão de uma forte personalidade para
a luta política tendo em vista a possível futura chefia da cidade” (idem, p. 22).
Se o conceito de cidadania no império romano teve um percurso algo similar ao
grego, a idade média representou um retrocesso significativo. O período medieval
caracterizou-se por uma estratificação social vincada (clero, nobreza e povo). Neste
período a Igreja constituiu-se com a instituição base e as relações cidadão-Estado
passaram a ser reguladas pelos ditames da Igreja cristã. A estruturação piramidal da
sociedade e as relações de dependência pessoal (vassalagem) adquiriram uma dimensão
sacralizada: “o vassalo, em troca de proteção e segurança, inclusive económica,
oferecia fidelidade, trabalho e auxílio ao suserano, que, reciprocamente, investia o
vassalo no benefício, elemento real e económico dessa relação feudal (…). O homem
medieval, ou era vassalo, ou servo, ou suserano; jamais foi cidadão” (Santana, s.d., p.
1).
Os princípios subjacentes à cidadania só viriam a ser retomados com o início do
Renascimento e fortemente impulsionados por uma burguesia cada vez mais poderosa
que se via coartada nas suas liberdades e direitos. O questionamento dos privilégios da
nobreza e do povo ocorre nos finais da Idade Moderna e intensifica-se no decorrer do
século XVIII, chamado século das luzes, com o surgimento dos direitos civis, sob a
forma de direitos de liberdade de circulação, de pensamento, de religião, de reunião
entre outros, rompendo definitivamente o vínculo feudal.
15
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Para T. Hobbes, o contrato social estabelecido entre os homens da sociedade e o
seu monarca, como forma de evitar o estado de guerra permanente inerente à natureza
humana, instaura como direitos naturais “a paz, a liberdade, a propriedade, e a
segurança” (Paim, 2011, p. 4).
O conceito de cidadania surge, de par com os direitos, associado à figura da
aquisição da nacionalidade, não numa perspetiva feudal de fidelidade para com o seu
senhor, mas assente no conceito de soberania popular e na pertença à nação.
Com a Revolução Francesa, e mais precisamente a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789, documento de forte influência burguesa, são
formalmente proclamados os direitos e deveres do homem e do cidadão. Estabelece o
princípio geral de que todos são livres e iguais e os direitos naturais e imprescritíveis do
homem são “a liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência à opressão.”
(ESEL, s.d., p. 1). Nos artigos seguintes especificam a natureza dos direitos
anteriormente referidos. Refira-se ainda que o último artigo estabelece o direito à
propriedade como um “direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a
não ser quando a necessidade pública, legalmente comprovada, o exigir e sob condição
de justa e prévia indeminização” (ibidem).
(2) A cidadania como conjunto de direitos e de obrigações
A evolução do conceito de cidadania até aqui analisado incide num conjunto de
direitos de natureza eminentemente jusnaturalista como sejam a liberdade, a igualdade,
a justiça e a propriedade. Numa tentativa de sistematização da evolução da cidadania,
Thomas Humphrey Marshall (1893-1981), classifica os direitos da cidadania em três
tipos: direitos civis, políticos e sociais.
A evolução destes direitos caracterizadores da cidadania moderna, no seu
entender ocorreu em três etapas:
- Etapa 1: (século XVII/XVIII) – período em que, a legitimidade do poder
passou a assentar na soberania popular e se assiste à construção dos Estados liberais,
com a aquisição dos direitos civis – “liberdade de expressão, de pensamento e de
religião, igualdade perante a lei e direitos de propriedade” (UMinho, s.d., p. 25);
- Etapa 2: (século XIX) – período da instituição das democracias representativas,
com a aquisição dos direitos políticos – “direito de votar e de ser eleito, de participar
na governação, eliminação progressiva da distinção entre cidadãos ativos e cidadãos
passivos e a extensão do direito de voto a estratos cada vez mais amplos da população”
(ibidem);
16
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
- Etapa 3 – (século XX) – institucionalização dos direitos sociais, em que o
Estado assume o papel de Estado-providência – “direito às condições mínimas de
instrução, de saúde, de bem-estar económico e social” (ibidem).
O complemento natural dos direitos dos cidadãos são as suas obrigações ou
deveres cívicos. Um primeiro dever, que é simultaneamente um direito, é o “dever de
exercício de voto” (idem, p. 26). Este dever constitui a manifestação mais pertinente da
participação política dos cidadãos e do seu comprometimento para com os destinos da
comunidade. Um segundo dever prende-se com o contributo para a defesa da pátria face
a quaisquer agressões externas. Este dever de “prestação do serviço militar” (ibidem)
está firmemente ancorada ao conceito de soberania vigente que assenta na
inviolabilidade das fronteiras. Este é um dever que a profissionalização das Forças
Armadas, particularmente nos países mais desenvolvidos, limita fortemente.
Finalmente o dever de “pagamento de impostos” (ibidem), dado que constituem
a forma de garantir a sustentabilidade da instituição Estado e de todos os compromissos
a que se encontra obrigado.
(3) Cidadania, identidade e moralidade
A existência de virtudes, que Aristóteles preconizava como necessárias ao
exercício da boa cidadania contínua pertinente e atual. Particularmente na cultura
ocidental contemporânea, o anseio individual de auto-realização constitui um fim em si
mesmo e um meio de atingir a felicidade desejada.
Esta auto-realização passa pela afirmação da autonomia e identidade individuais,
o que implica que “o sujeito saiba reconhecer e determinar o que é verdadeiramente
significativo para ele. (…) É que não há identidade fora de um plano valorativo, ou
seja, independentemente da articulação de valores morais que distingam cada pessoa.
Sem uma clara orientação para o bem não podemos definir quem somos, não podemos
realmente e criativamente entrar em relação com os outros” (Raguzo, 2005, p. 113).
Esta ética da autenticidade implica uma fidelidade a si próprio e aos seus princípios. “É
esta voz interior que nos diz o que é justo e o que não é justo, e portanto para agir
justamente devemos permanecer em relação à nossa interioridade, com os nossos
sentimentos morais” (idem, p. 118).
Nesta aceção, o homem como “cidadão de si próprio” (UMinho, s.d., p. 27),
está condicionado à partida pela própria natureza dos vínculos sociais e pelo respeito da
liberdade dos outros. Esta aceitação da liberdade dos outros pressupõe a capacidade de
perceber as razões das pessoas que manifestam opiniões contrárias à sua bem como a
17
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
capacidade de formular de forma autónoma as sua opiniões independentemente dos
outros.
O princípio da responsabilidade moral está intimamente ligada ao livre-arbítrio,
à escolha consciente que o indivíduo faz em cada situação em função do que para si é
éticamente correto à luz da moral social, já que a responsabilidade civil advém do
cumprimento escrupuloso das leis e das regras estabelecidas pela ordem jurídica.
(4) A cidadania como manifestação da identidade nacional
Segundo Fred Constant citado por UMinho “a cidadania definiu-se, com efeito,
sempre por referência a uma comunidade política, e o seu atributo essencial é o direito
de participar, direta ou indiretamente, no exercício do poder político” (idem, p. 28).
Nesta comunidade política, que por extensão corresponde ao Estado-nação, definido
como “um espaço geográfico de fronteiras definidas, dotado de unidade política,
organizado ao redor de instituições de poder legitimas – a Constituição, os órgãos de
poder e a ordem jurídica” (idem, p. 29) só são cidadãos aqueles a quem o Estado
conferir esse estatuto.
A forma como o Estado solicita a participação dos seus cidadãos, quer na
definição das políticas quer nos mecanismos de controlo da sua atuação, estimula uma
postura mais ou menos ativa ou passiva. Esta atuação do Estado tende a prosseguir um
fio condutor característico que materializa a sua cultura e induz uma determinada
cultura política dos seus cidadãos, mais ativos, exigentes e intervenientes ou mais
passivos e acomodados, “sendo certo que não existe verdadeira cidadania sem
verdadeira participação nos assuntos políticos e na sua decisão.” (ibidem).
(5) Cidadania como capacidade de juízo político
“O exercício de uma cidadania consciente, entendida esta como capacidade de
avaliar criticamente, compreende a capacidade de juízo político.” (ibidem).
A atitude vigilante e informada relativamente à atuação do governo, a
capacidade de julgar por si próprio as diferentes opções políticas que lhe são
apresentadas, a capacidade de argumentar e persuadir e ser persuadido pelos outros, a
capacidade de discernir entre o que é verdadeiro e o que é falso, o que é coerente e o
que o não é, traduzem a capacidade de juízo politico sem o qual não podemos com rigor
afirmar estar perante um cidadão ciente e consciente e que afirma a sua identidade.
A capacidade de juízo político por parte dos cidadãos constitui um elemento
central da convivência e participação democráticas, e a forma de os cidadãos exigirem
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Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
dos seus governantes os códigos de conduta e éticos inerentes à confiança que neles
depositaram no momento do sufrágio.
(6) A Educação, cidadania e globalização
A globalização representa um novo contexto económico e social, que coloca
novos desafios à cidadania e para o qual os atuais sistemas de educação e de formação
não estão especialmente vocacionados. A globalização está a originar movimentos de
reequilíbrio entre os países mais ricos e desenvolvidos e os menos desenvolvidos e tem
vindo a permitir a efetiva comparação entre países nas suas forças e fraquezas,
aumentando ferozmente a concorrência entre Estados.
Vai sendo voz corrente que foram os portugueses com os descobrimentos que
deram início a esta nova era. Desses tempos importa retirar alguns atributos coletivos e
individuais que, quiçá, são pertinentes na atualidade. A começar pelos seus promotores
e pela importância que atribuíram ao conhecimento técnico e científico, ao planeamento
estratégico e à organização cuidada das expedições, complementadas com o saber-fazer
técnico e cientifico dos artesãos e dos navegantes de par com outros atributos tais como
a robustez física e mental, a coragem, a intrepidez, necessárias para tão difíceis e
penosas viagens, em que o desconhecido e o incerto eram a norma, numa época
povoada de medos e de mitos de que a lenda do “Adamastor” é elucidativa. E que
relevância têm estes traços para a problemática da cidadania de hoje na era da
globalização? No fundo estamos a falar das capacidades das pessoas em se adaptarem a
novos contextos, a novas culturas, a novas realidades análogas aos desafios que a atual
globalização coloca:
- “A globalização requer que as pessoas compreendam o processo e a forma
como influencia as suas vidas;
- A globalização recompensa economicamente quem possua competências
globais;
- A globalização redefine a cidadania. As fronteiras entre os assuntos internos e
externos são cada vez mais fluidas” (Reimers, 2009, p. 33)2.
A globalização trouxe uma muito maior interdependência e, consequentemente
uma muito maior complexidade, imprevisibilidade e celeridade dos eventos e suas
consequências. O pleno exercício da democracia requer que os cidadãos compreendam
o funcionamento da comunidade global e suas relações, dado que essas dinâmicas
2
Tradução pelo autor
19
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
impactam no nosso quotidiano e na nossa economia e no bem-estar que ela deve
proporcionar. Exige-se uma tomada de consciência da nossa realidade no contexto
global, pois só dessa forma os cidadãos podem tomar decisões esclarecidas e
responsáveis, particularmente quando fazem as suas escolhas políticas.
A resposta a esta questão é importante porquanto ela baliza a atuação dos
sistemas de educação e de formação aos diferentes níveis e requer: “aptidões “soft” e
atitudes que reflitam uma abertura, interesse e predisposição para as diferentes
expressões culturais. Na sua expressão mais básica estas aptidões compreendem
tolerância às diferenças culturais. Mais avançadas são as aptidões necessárias para
reconhecer e negociar as diferenças em contextos interculturais, a flexibilidade cultural
e a adaptabilidade necessárias para desenvolver empatia e confiança e interagir
efetivamente em diferentes contextos culturais. O valor destas competências é
facilmente observável quanto estamos perante a sua ausência. (idem, p. 40)
Estas competências poderão ser desenvolvidas quer através dos currículos
formais, quer através de projetos extraescolares.
c. Análise
(1) Da soberania
O conceito de soberania foi evoluindo ao longo do processo histórico, alargando
paulatinamente o seu âmbito e surge intimamente relacionado com a legitimação do uso
do poder político e as funções do Estado.
Para sintetizar a evolução do conceito de soberania vamos utilizar a estruturação
proposta por Hurrelmann combinando-a com a sua evolução histórica, no sentido de
inventariar alguns dos seus principais atributos.
- Idade Medieval - nobreza e clero com direitos; povo com fidelidade ao senhor
feudal; justiça subjetiva; nacionalidade (perspetiva local).
- Estado territorial/vestefaliano – emergência do conceito de soberania popular
como base legítima do poder do Estado; absolutismo; inviolabilidade de fronteiras;
Estado garante da paz e segurança; liberdade; igualdade; primado do direito como fonte
de justiça; direito à propriedade; nacionalidade (cidadão).
- Estado constitucional - liberalismo; primado das regras com base nas leis;
limitação dos poderes reais.
Estado democrático – parlamentarismo; voto popular; Estado regulador e
intervencionista para promover o desenvolvimento.
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Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Estado social – com responsabilidades nas áreas da educação, saúde, proteção
social, mercado de trabalho, infraestruturas públicas; regulação das atividades
económicas e serviços públicos.
Globalização – direito internacional; pressões internacionais; atores não estatais;
importância das organizações internacionais; livre circulação mercadorias e capitais;
deslocalização; novos meios de comunicação social.
(2) Da cidadania
Iremos agora sintetizar a evolução do conceito de cidadania, seguindo a
abordagem de Marshall, que nos parece a mais conseguida e integradora a que lhe
aditamos a cidadania europeia.
Direitos cívicos – liberdades (expressão, pensamento, associação, religião, etc.);
igualdade perante as leis; direito de propriedade.
Direitos políticos – votar e ser eleito; participar na governação; alargamento do
direito de voto.
Direitos sociais – educação; saúde, proteção social.
Cidadania Europeia – voto para parlamento europeu e eleições regionais; acesso
ao provedor europeu; proteção diplomática.
(3) Relação soberania versus cidadania
De forma a relacionar os dois conceitos e sua evolução vamos utilizar uma
matriz de relação. Na construção da matriz, de natureza qualitativa, tomamos por base
os atributos da cidadania e fomos ver em que momento do desenvolvimento da
soberania é que eles se verificaram. A relação encontrada é a que se expressa na tabela
2:
21
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Tabela 2 – Matriz comparativa Soberania versus Cidadania
Cidadania
Fase I
Fase II
Fase III
Direitos Cívicos
Direitos Políticos
Direitos Sociais
Idade medieval
-
-
-
Estado territorial
X
-
-
Estado constitucional
X
-
-
Estado democrático
X
X
-
Estado social
X
X
X
Globalização
X3
-
-
Soberania
Cidadania europeia
X
4
X
-
Desta análise podemos constatar que existe uma relação direta entre a evolução
do âmbito da soberania e do âmbito da cidadania.
Em complemento ao estudo da soberania e da cidadania caraterizamos a questão
da identidade nacional em termos do seu surgimento e evolução. A razão do seu estudo
prende-se com a sua dimensão mais afetiva e cultural. Verificámos que, no caso
português, o poder político teve um papel central no seu surgimento e desenvolvimento.
A constante afirmação dos símbolos nacionais, da língua falada e escrita e
particularmente a generalização da informação através da imprensa e muito
particularmente do ensino constituíram elementos centrais para o seu desenvolvimento.
d. Síntese parcelar
Da análise efetuada podemos concluir que:
A Hip 1 se encontra validada, dado que nos foi possível inventariar um conjunto
de atributos caraterizadores quer da soberania quer da cidadania;
Verificamos também que, quer num caso quer no outro, os atributos foram
evoluindo no tempo e numa tendência crescente de incremento do seu âmbito.
A Hip 2 se encontra validada dado que existe uma relação direta entre a
evolução do âmbito da soberania com o da cidadania. Ao aumento de âmbito e
3
Os direitos consignados são os estabelecidos nos tratados internacionais (direitos do homem, da criança,
etc.)
4
Os direitos políticos europeus ainda apresentam algumas restrições, designadamente o não poder votar
em eleições legislativas ou presidenciais nacionais do outro país onde resida.
22
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
responsabilidades do Estado correspondeu a um aumento do âmbito dos direitos da
cidadania.
O surgimento da identidade nacional está intimamente ligado com o da
soberania e o seu aprofundamento com o da evolução da cidadania. A generalização da
comunicação, particularmente através da imprensa, e a obrigatoriedade da escolarização
foram elementos decisivos na sua construção.
Deste modo respondemos à QD1 tendo identificado um conjunto de atributos da
cidadania que estão diretamente relacionados e potenciam a soberania nacional.
23
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
2. Educação e Aprendizagem
Antes de entrarmos na construção do modelo de educação para a cidadania, que é
o objeto deste capítulo, há primeiro que estabelecer qual o conceito de educação de que
nos vamos socorrer. Iremos também debruçar-nos mais atentamente sobre o processo de
aprendizagem, dada a centralidade que adquire em todo o modelo e naturalmente sobre
os atores envolvidos e a natureza dos conteúdos da aprendizagem pretendida.
a. Educação e Formação profissional
Numa perspetiva teleológica podemos distinguir a Educação de Formação
profissional. A educação visa “o desenvolvimento do conhecimento dos valores e do
raciocínio, como formação geral, em vez de proporcionar conhecimentos e capacidades
práticas relacionadas com uma área específica da atividade humana” (ENTWG/TTPUB 1, 1987, p. 14), enquanto que a formação profissional, que para os anglo-saxónicos
se traduz no training, visa “conferir perícias/capacidades ou conhecimentos específicos
e /ou inculcar atitudes apropriadas.” (ibidem)
Nestas duas conceções procuramos distinguir os campos de intervenção das
atividades de educação e formação, que se distinguem não pela sua natureza cognitiva,
gestual ou comportamental, mas antes pelas finalidades visadas. Esta mesma aceção é
defendida por Landsheere, V, quando afirma que “por oposição à generalidade dos
efeitos que a educação se esforça de ter sobre a pessoa no seu todo, a formação tem
preferencialmente como objetivo a aquisição de saberes, de capacidades e de
qualidades pessoais exigidas por uma atividade ou uma função particular.”
(Landsheere, 1994, p. 10), referindo-se naturalmente às finalidades que a formação
profissional enquanto ferramenta capacitadora para o mercado de trabalho.
Esta diferenciação surge plasmada na legislação portuguesa quando refere no Anexo à
Lei n.º 49/2005 de 30 de Agosto, Lei de Bases do Sistema Educativo no n.º 4 do art.º
2.º: “O sistema educativo responde às necessidades resultantes da realidade social,
contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos
indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e
solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho.”, e no n.º 5 do art.º 2.º: “A
educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador
dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando
cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se
integram e de se empenharem na sua transformação progressiva”. (ARP, 2005). No
Anexo à Lei 49/2005 são ainda referidos, no seu art.º 3.º, os princípios organizativos do
24
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
sistema educativo: na alínea a) “Contribuir para a defesa da identidade nacional e para
o reforço da fidelidade à matriz histórica de Portugal, através da consciencialização
relativamente ao património cultural do povo português, no quadro da tradição
universalista europeia e da crescente interdependência e necessária solidariedade entre
todos os povos do mundo”; na alínea c) “Assegurar a formação cívica e moral dos
jovens”; e na alínea l) “Contribuir para desenvolver o espírito e a prática democrática,
através da adoção de estruturas e processos participativos na definição da política
educativa, na administração e gestão do sistema escolar e na experiência pedagógica
quotidiana, em que se integram todos os intervenientes no processo educativo, em
especial os alunos, os docentes e as famílias.”
b. Conceito de competência – Quadro Nacional de Qualificações
Esta dicotomia educação/formação está contudo em profunda mutação. As novas
formas de organização do trabalho e da produção (grupos autónomos, mini empresas,
círculos de qualidade, atelieres de integração da produção) assentam no esforço da
participação direta de todos os assalariados nos processos de produção nos quais
participam. A característica destas novas formas de trabalho é o de solicitar aos que
produzem, a participação na condução dos processos de trabalho em que estão
envolvidos tornando-os, individual e coletivamente, mais responsáveis.
As capacidades cognitivas e o potencial de implicação do conjunto dos
assalariados torna-se primordial na gestão dos recursos humanos. As capacidades de
implicação e as capacidades cognitivas adquirem uma dimensão estratégica,“constatase cada vez mais que a formação tende a estar presente ao longo da vida profissional
do indivíduo, e que o seu objetivo será mais dirigido para o desenvolvimento de
atitudes de autonomia, adaptabilidade, de "aprender a aprender" do que simplesmente
um elevar de conhecimentos técnicos” (Tanguy, 1991, p. 58).
Atualmente a fronteira entre educação e formação torna-se consequentemente
cada vez mais imprecisa porquanto um “crescente número de atividades profissionais
ou outras, se complexificam, mudam rapidamente e decorrem em situações de
incerteza. Por essa razão elas interpelam o homem no seu todo. Assim se explica a
crescente importância atribuída à cultura geral” (Landsheere, 1994, p. 11). A educação
para Hirst, citado por Forquin (1989) enquanto atividade que “visa desenvolver em cada
indivíduo os poderes do pensamento conceptual, ou seja o domínio de esquemas de
simbolização intersubjectivamente elaborados durante um processo civilizacional, e na
qual a experiência humana tomou a forma de se tornar comunicável, visando no fundo
25
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
o desenvolvimento da razão” (Forquin, 1989, p. 42), vê cada mais os seus “terrenos”
serem partilhados com os da formação profissional.
Esta cada vez mais intrincada relação entre os saberes ou competências5,
escolares e profissionais, apresenta hoje uma configuração própria, baseada no conceito
de competência e que permitiu articular de forma coerente duas dinâmicas tão próximas
quanto distintas, como são as da educação e as da formação profissional, num único
quadro de referência, o Quadro Nacional de Qualificações (QNQ) que é a tradução e
adoção do “European Qualifications Framework”.
O conceito de competência, pela centralidade que tem nos sistemas educativos e
formativos, impõe que sobre ele incidamos a nossa análise para, a partir dele, construir
o nosso MA. Propomos utilizar o conceito subjacente ao QNQ e que está estabelecido
no Decreto-Lei n.º 396/2007 de 31 de Dezembro, que na alínea b) do art.º 3.º do Cap. I
define: “ «Competência» a capacidade reconhecida para mobilizar os conhecimentos,
as aptidões e as atitudes em contextos de trabalho, de desenvolvimento profissional, de
educação e de desenvolvimento pessoal.”
Importa proceder a uma análise detalhada desta definição para percecionar o seu
âmbito. Vamos começar pela expressão «competência» redigido no singular, dado que o
termo competências se refere aos conhecimentos, às aptidões e às atitudes consideradas
de forma individualizada, em linha com a dicotomia “competency”/”competencies” da
abordagem anglo-saxónica. De seguida surge-nos a expressão “capacidade reconhecida
para mobilizar”. Para descortinar o alcance desta expressão socorremo-nos da
abordagem de competências de Le Boterf (1995), citado por Fleury que “situa a
competência numa encruzilhada, com três eixos formados pela pessoa (sua biografia,
socialização), pela sua formação educacional e pela sua experiência profissional”.
Ainda segundo ainda este autor: “competência é um saber agir responsável e que é
5
Os saberes ou competências decompõem-se em três componentes conforme estabelecido na Portaria nº
782/2009 de 23 de Julho de 2009:
“a) «Conhecimento» o acervo de factos, princípios, teorias e práticas relacionados com um domínio
de estudos ou de atividade profissional;
b) «Aptidão» a capacidade de aplicar o conhecimento e utilizar os recursos adquiridos para concluir
tarefas e solucionar problemas. Pode ser cognitiva (utilização de pensamento lógico, intuitivo e
criativo) e prática (implicando destreza manual e o recurso a métodos, materiais, ferramentas e
instrumentos);
c) «Atitude» a capacidade para desenvolver tarefas e resolver problemas de maior ou menor grau de
complexidade e com diferentes graus de autonomia e responsabilidade.”
26
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
reconhecido pelos outros. Implica saber como mobilizar, integrar e transferir os
conhecimentos, recursos e habilidades, num contexto profissional determinado.”
(Fleury, 2001, p. 187).
Nesta aceção, a “mobilização” referida por Le Boterf pressupõe que o sujeito,
perante uma determinada situação problema, independentemente da sua natureza
(pessoal,
profissional,
social,
educacional,
etc.),
necessita
de
mobilizar
os
conhecimentos que possui, sejam eles “declarativos, procedimentais ou de contexto”6
(Marzano, 1985, p. 3). De seguida deverá proceder à sua “combinação” de forma
adequada, através de processos que podem ser de “categorização, (…) analogias, (…)
extrapolação, (…) avaliação de evidência, (…) avaliação de valor” (Marzano, 1985, p.
6) e por fim à sua “transferência” para a situação problema em causa de forma a
resolvê-la adequadamente.
O “reconhecimento” desta capacidade tem subjacente um juízo de valor que
alguém formula mediante um processo avaliativo, no qual confronta a atuação em causa
com um determinado padrão pré-existente, esteja ele ou não formalmente estabelecido.
A competência não existe de per si, ela é “um constructo, e não algo que possa ser
observado diretamente. Se formos avaliar ou formar alguém explicitamente em termos
de competências (…) temos sempre que desenvolver descritores observáveis e coletar
evidências que permitam inferir sobre a atuação competente. (…) caso não tenhamos
ideias claras sobre esse constructo, dificilmente podemos criar bons indicadores de
avaliação” (Burke, 1989, p. 40).
É no padrão de avaliação que são expressos os critérios e indicadores, sejam eles
de processo ou de produto, que deverão expressar não só as competências envolvidas
como a qualidade do resultado esperado (outcome). Esta conceção da competência,
também tecnicamente designada de “unidade de competência” (UC), constitui um
conjunto pertinente de competências inscritas num padrão de avaliação e que, de entre
6
Robert J. Marzano (p. 4) define:
“«Conhecimentos declarativos» - Os conhecimentos que contêm informação acerca do mundo que
nos rodeia. Constituem a substância do que conhecemos. Segundo Sywlester (…) sem conhecimentos
factuais os aprendentes terão muita dificuldade em adotarem os procedimentos adequados numa
qualquer área de atividade. (…) os conhecimentos declarativos são necessários para podermos pensar,
compreender e raciocinar;
«Conhecimentos procedimentais» - A nossa memória procedimental contém o nosso conhecimento do
como fazemos as coisas. (…) Os conhecimentos procedimentais estão integralmente ligados aos
conhecimentos declarativos. (…) As etapas de realização de uma operação (que materializam o
conhecimento procedimental) normalmente estão circunscritas àquele tipo de situações e não são
facilmente generalizáveis para outras situações.
«Conhecimentos contextuais» - traduzem o conhecimento que devemos possuir para interpretar as
condições do contexto de forma a adaptar os seus procedimentos.
27
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
os vários atributos que deve possuir, releva-se o do valor que deve possuir relativamente
à área de intervenção e das situações problema a que se reporta (profissionais, sociais,
pessoais, etc.).
Este conceito de competência levanta variadíssimos desafios, a começar pela
conceção das UC e do valor que as mesmas devem possuir, passando pela construção
dos padrões de avaliação, que no limite, constituem um repositório da ciência e da
tecnologia existentes. Em complemento, a aquisição das UC requer uma reforma
profunda na pedagogia e na didática, dado que não só articula diferentes competências
como coloca o aprendente no centro do modelo como “construtor” do seu
conhecimento.
Esta abordagem por unidades de competência surge com um caráter holístico em
duas perspetivas: uma prende-se com o alargamento do âmbito funcional e das
responsabilidades do ator (aluno, colaborador, etc.), de que são exemplo as grelhas de
avaliação dos referenciais de qualificação de competências profissionais do Catálogo
Nacional de Qualificações (CNQ) (Anexo C) (CNQ, 2010, p. 1). A outra perspetiva
prende-se com a articulação entre os conhecimentos declarativos, os procedimentais e
os contextuais fazendo uso do “conhecimento metacognitivo” (Krathwohl, 2002, p.
219)7 e, dessa forma, tornar úteis e aplicáveis os conhecimentos científicos, permitindo
uma análise de situações e a resolução de problemas de forma bem mais consciente e
competente, pela antevisão dos efeitos que a sua ação pode provocar.
c. Processo de aprendizagem
Falar de formação em sentido lato, englobando neste conceito quer a educação
quer a formação profissional, significa "uma intervenção que visa contribuir para a
emergência de uma resposta comportamental nova." (Berbaum, 1993, p. 13). Este
conceito está diretamente relacionado com as designadas aprendizagens formais ou
programadas e pressupõe sempre a existência de mecanismos de monitorização, ou seja,
a existência de dispositivos de avaliação das aprendizagens ocorridas. Falar de formação
em sentido lato implica falar de aprendizagem, já que havendo formação, em princípio
haverá aprendizagem, mas esta não se esgota na formação.
Quanto à aprendizagem, esta adquire contornos exclusivamente internos aos
indivíduos e podemos defini-la como o "processo de construção e assimilação de uma
7
“O conhecimento metacognitivo envolve o conhecimento das cognições em geral, a tomada de
consciência desses processos, bem como o auto-conhecimento da sua própria cognição. Decompõe-se
em conhecimento de estratégias de aprendizagem, de realização das tarefas e das variáveis pessoais.”
28
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
nova resposta, isto é um processo de adequação do comportamento, seja ao meio em
que se insere, seja ao projeto individual que cada indivíduo persegue (…) a
aprendizagem apresenta-se pois como efeito das situações que a vida propõe. Todas as
informações recebidas contribuem para modelar a nossa maneira de ser" (idem, p. 14).
Desta forma a aprendizagem apresenta-se como um processo omnipresente e
multiforme de consequências não necessariamente previstas. “Uma mesma situação
pode modificar o Saber, o Saber-Fazer e até mesmo o Saber-Ser. A sensibilidade dos
indivíduos aos aspetos da situação varia em função: 1/ das suas Preocupações, 2/ dos
seus Projetos, 3/ do seu Sistema de Valores e 4/ do seu Grau de Maturidade” (Étienne
Bourgeois, 1997, p. 13).
Da aprendizagem, que naturalmente é diferente de indivíduo para indivíduo,
mesmo tendo sido objeto de uma mesma formação, resulta o quadro de
“representações”8 mentais de cada sujeito, com o qual cada um vai atribuir significados
àquilo que o rodeia (situações, problemas, informação, sentimentos, valores), bem como
agir e decidir. A aprendizagem é pois uma constante ao longo da vida.
Este conceito de aprendizagem apresenta outros contornos bem mais ricos em
conteúdo e desafios do que o expresso na alínea a) do n.º 3 do Cap. I da Portaria
782/2009 que define aprendizagem como “o processo mediante o qual se adquirem
conhecimentos, aptidões e atitudes, no âmbito do sistema educativo, de formação e da
vida profissional e pessoal”. Entender a natureza do fenómeno da aprendizagem
enquanto elemento central dos processos de ensino afigura-se central, pelo que a iremos
explanar seguindo o modelo construtivista preconizado por J. Piaget, sem que esta
abordagem nos iniba de outras explorações dentro do mesmo quadro de raciocínio.
(1) Perspetiva construtivista da aprendizagem
O paradigma cognitivista/construtivista postula uma mediação cognitiva das
interações sujeito-ambiente. A resposta do sujeito (R), não pode ser considerada como
simples função do estímulo (S), com o qual o sujeito é confrontado, mas como uma
8
Representações: As representações podem ser definidas como “uma organização psicológica, uma
modalidade de conhecimento particular” citando Moscovici, ou como, citando Leplat, J. “A
representação é constituída pelo conjunto das propriedades do ambiente construídos e organizados
pelo sujeito num determinado momento. Esta representação que resulta das ações do sujeito está
estreitamente ligada ás suas tarefas, que se podem exprimir dizendo que são operatórias” citados por
Ledru (Michel) e Michel (Sandra), Capital competence, ESF éditeur, 1993, p.38
29
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
função da atividade mental do sujeito (O) sobre esse estímulo, como o indica o célebre
esquema "S-O-R".
Confrontado com uma situação dada, um problema por resolver, um discurso ou
um comportamento a interpretar, um fenómeno a explicar, uma decisão a tomar, uma
tarefa a realizar, o sujeito vai acionar uma estrutura de conhecimentos preexistente,
guardada na memória de longa duração9, a partir da qual vai tratar a informação.
Podemos esquematizar este paradigma da seguinte forma:
Figura 1 – Modelo cognitivista/construtivista
Desta confrontação pode não surgir obrigatoriamente uma aprendizagem mesmo
que esta seja obrigatória. “Na abordagem cognitivista só há verdadeiramente
aprendizagem quando há transformação efetiva da estrutura dos conhecimentos
anteriores.” (Étienne Bourgeois, 1997, p. 32).
Para os construtivistas o sujeito aborda as situações novas com as estruturas e os
conhecimentos pré-existentes (as suas representações), que o vão orientar no tratamento
cognitivo desses dados e na condução desse processo. Não pode haver aprendizagem
nesta perspetiva caso não se estabeleça relação entre as novas informações e as
estruturas de conhecimentos pré-existentes. Para o construtivismo “aprender não é
substituir conhecimentos pré-existentes por conhecimentos novos, mas transformar os
conhecimentos pré-existentes em conhecimentos novos, pelo que não podemos aprender
que não seja a partir dos conhecimentos pré-existentes” (idem, p. 34).
9
Memória de Longa Duração - “que armazena de forma codificada e permanente as ideias e as construções mentais
derivadas da experiência passada da pessoa e dirige as operações de todo o sistema de tratamento da informação.
Esta base de dados é o coração do sistema cognitivo” - citação de Landsheere, op cit, p.48
30
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
(2) Papel das representações
O papel das “representações” na aprendizagem tem vindo a conhecer
significativas evoluções. Já na década de 80 do século passado, a abordagem de Giordan
e Vecchi sublinha bem esta evolução. "Um elemento novo não se inscreve na linha dos
conhecimentos anteriores; estes representam muitas vezes obstáculos à sua integração
e é necessária uma transformação intelectual para satisfazer esta diferença" (idem, p.
29). Para estes autores, o acesso ao conhecimento científico aparenta-se mais a um salto,
a uma verdadeira mutação, do que a uma simples continuação das representações
iniciais. Consideram também que os alunos não estão dispostos, à partida, a dispensar as
suas representações por várias razões: "não é evidente a refutação de um conhecimento
pré-existente. Este resiste mesmo a argumentações muito elaboradas, porque está em
ligação com uma estrutura coerente mais vasta, a do pensamento do aluno, que tem a
sua lógica e os seus sistemas de significação próprios" (idem, p. 30).
Nesta perspetiva não pode haver aprendizagem que não seja em simultâneo com
e contra os conhecimentos pré-existentes dos sujeitos, cujas implicações para a
aprendizagem, resultam na necessidade de haver “uma assimilação da informação nova
por uma estrutura de acolhimento pré-existente e um conflito entre esta informação e
essa estrutura de acolhimento.” (ibidem). Esta dimensão da aprendizagem remete-nos
de imediato para as lógicas subjacentes à estruturação das aprendizagens, se da teoria
para a prática, se da prática (do conhecido) para a teoria. Marzano preconiza na primeira
etapa para a aquisição dos conhecimentos declarativos: “proporcionar experiências
iniciais que proporcionem imagens dos conceitos, ex. visuais, táteis, auditivas,
emocionais” (Marzano, 1985, p. 18). Também refere que normalmente é uma etapa
esquecida pelos professores e formadores na forma como conduzem as suas aulas.
(3) Assimilação e acomodação
A teoria de J. Piaget da equilibração, que continua em desenvolvimento pela
escola neo-piagetiana de Genebra, apoia-se nos dois postulados fundamentais da
assimilação e da acomodação:
"Primeiro: Todo o esquema de assimilação tende a alimentar-se, isto é, a
incorporar os elementos exteriores a ele e compatíveis com a sua natureza. Este
postulado considera necessária uma atividade do sujeito, mas não implica a construção
de novidades, dado que um esquema suficientemente largo poderia assimilar todo o
universo, sem se modificar, nem aumentar o seu grau de compreensão;
31
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Segundo: Todo o esquema de assimilação é obrigado a acomodar-se aos
elementos que assimila, isto é a modificar-se em função das suas particularidades, mas
sem perder por isso a sua continuidade, (…) nem as suas capacidades anteriores de
assimilação". (Piaget, 1975, p. 13).
A acomodação não é pois possível sem que previamente haja assimilação. Um
elemento novo não pode conduzir à transformação de uma estrutura que não seja através
de uma prévia incorporação nessa mesma estrutura. A estrutura não pode adaptar-se a
um elemento que não tenha assimilado. A teoria piagetiana supõe também que uma
estrutura cognitiva pode encontrar provisoriamente um ponto de equilíbrio, permitindo
durante um certo período a assimilação de elementos novos com os quais é confrontada.
Para conhecer novas acomodações é necessário que um novo desequilíbrio se instale
entre a estrutura e os novos elementos a assimilar, ou seja que os novos elementos
venham entrar em conflito com a estrutura de acolhimento. Este novo desequilíbrio vai
originar uma procura de um novo ponto de equilíbrio.
"É claro que numa perspetiva de equilibração, uma das fontes do progresso de
desenvolvimento dos conhecimentos está em procurar de entre os desequilíbrios,
aqueles que obrigam um sujeito a ultrapassar o seu estado atual e a procurar o que
quer que seja em novas direções" (idem, p. 17). A acomodação ocorre quando há
regulação “homéorhésique” (Étienne Bourgeois, 1997, p. 56) do conflito, ou seja, uma
regulação que se opera por uma procura de um equilíbrio novo e melhor que o
precedente - no sentido que permite ultrapassar o conflito - e não pelo retorno ao antigo
equilíbrio (regulação homeostática). É neste sentido que Piaget fala de "reequilibração
majorante".
(4) Importância da assimilação
Há que reter que não pode haver aprendizagem - ou seja construção de novas
estruturas de conhecimento - se não houver assimilação dos novos dados pela estrutura
preexistente. Tal implica que a estrutura em questão, e que se quer ver modificada, deve
existir e ser previamente ativada como estrutura de assimilação. “Não há aprendizagem
a não ser quando, a partir de informação nova fornecida ao sujeito, esta é ligada por
ele mesmo a uma estrutura de acolhimento. Daqui resultam três consequências maiores
para a aprendizagem:
- Uma estrutura de acolhimento pertinente deve estar disponível para a
assimilação dos dados novos. Mesmo numa criança, ela não poderá adquirir um novo
32
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
esquema sem que certos esquemas pré-existentes sejam acionados. (…) Encontramos
aqui certamente refletido o famoso problema dos pré-requisitos em didática.
- Mesmo que o sujeito disponha potencialmente de uma estrutura de acolhimento
pertinente à assimilação de dados novos, é necessário que essa estrutura seja
efetivamente ativada no momento da confrontação para existir assimilação por esta dos
novos dados. Esta ativação para uns passa pela motivação, ligada designadamente ao
projeto de formação do aprendente, para outros passa pelo papel motivador do
formador. Importante neste aspeto é a "evocação das representações" no início de uma
sessão de aprendizagem.
- Corolário do antecedente, a informação fornecida ao aprendente deve ser
assimilável por ele, tendo em conta as estruturas de apoio que este é capaz de acionar.
Este aspeto remete-nos para a didática ou seja, o trabalho exercido pelo professor ou
formador sobre o saber para o tornar assimilável” (idem, p. 57).
Estes aspetos da assimilação interessam sobremaneira à questão tratada neste
estudo na exata medida em que relevam a importância que os conhecimentos acerca dos
valores, dos direitos e dos deveres têm na formação dos cidadãos. Sem estes
conhecimentos declarativos “que contêm a informação acerca do mundo; e que em
sentido lato constituem a substância de tudo o que sabemos” (Marzano, 1985, p. 4),
será muito difícil aos aprendentes adquirirem os procedimentos e os comportamentos
desejados.
Noutra perspetiva, mais pedagógica, obriga-nos a questionar as práticas de
muitos dos professores e dos formadores, para quem é suficiente dar informação nova
ao aprendente sem se preocuparem com a ativação efetiva das estruturas de acolhimento
pré-existentes. De igual modo tem implicações na postura dos aprendentes, seja por
excesso de convicção nos seus saberes originando um sistemático enviesamento de
perspetiva, seja pela desmotivação que pode provocar e, por essa via, ser impeditiva de
qualquer nova aprendizagem.
(5) A categorização como mecanismo de assimilação
Como é que as estruturas declarativas - ou seja, as representações mentais que
fazemos do mundo físico, biológico e social que nos rodeia - podem funcionar como
estruturas de assimilação?
Vamos primeiro clarificar o fenómeno da categorização, que podemos definir
como o processo pelo qual um indivíduo organiza mentalmente o seu ambiente físico ou
social, correlacionando os objetos encontrados com categorias: "Ordenar o ambiente em
33
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
termos de categorias: grupos de pessoas, de objetos, de acontecimentos (ou grupos de
alguns dos seus atributos) conquanto sejam semelhantes, equivalentes uns dos outros
para as ações, as atitudes e as intenções de um indivíduo" (Tajfel, 1972, p. 272).
No ato de categorização dois processos entram em campo, “a inferência indutiva
- o aspeto indutivo (do ato de categorização) consiste em consignar um item a uma
categoria a partir de certas características deste item, embora possam existir para
outras características verificadas certas divergências" (idem, p. 275). Na vida
quotidiana, contráriamente à prática científica, raramente temos ocasião de verificar se o
objeto em questão possui efetivamente o conjunto de atributos típicos que normalmente
associamos a uma categoria. Por outro lado, uma vez categorizado, o objeto em questão
vê-se atribuído de um conjunto de características típicas associadas pelo sujeito a essa
categoria, é a designada inferência dedutiva - "o aspeto dedutivo da categorização é
baseado pela utilização de pertença de um item a uma categoria a fim de associar a
este item as características dessa categoria, com pouca verificação. O carácter
inferencial da categorização está estreitamente ligado à função de simplificação do
ambiente por parte do sujeito e que é vital para a sua sobrevivência” (ibidem).
Por estes diferentes mecanismos o indivíduo transforma a informação para a
adaptar às suas estruturas de assimilação, ampliando as semelhanças ou as diferenças
entre os objetos que encontra, fazendo com que eles sejam mais parecidos ou diferentes
do que efetivamente são na realidade. De certa maneira os sujeitos podem assim
assegurar uma certa estabilidade nas suas estruturas de assimilação, resistindo melhor às
mudanças externas a que são expostos.
Os indivíduos, para categorizarem os objetos que encontram, utilizam certas
“estratégias heurísticas” (Étienne Bourgeois, 1997, p. 74) que podem conduzir a erros
do ponto de vista lógico-dedutivo, mas que são muito mais curtas e económicas do
ponto de vista cognitivo, permanecendo contudo aceitáveis socialmente. A heurística da
representatividade consiste em “classificar um objeto numa determinada categoria de
pertença em função de atributos congruentes, a partir dos mais imediatamente
percetíveis nos objetos” (idem, p. 78). Exemplo deste fenómeno é o que leva a
classificar as baleias como peixes e não como mamíferos. Uma outra heurística, a dita
da “acessibilidade” (ou da disponibilidade) consiste em “ativar para categorizar o
objeto, a categoria mais acessível no reportório de categorias do sujeito, num
determinado momento” (ibidem).
34
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Para a problemática do nosso estudo é relevante reconhecer que existe um
estreito entrosamento entre o sistema de categorias do indivíduo com o seu sistema de
valores de um lado e a sua identidade e práticas sociais do outro. É importante refletir
que grande parte das categorias utilizadas pelo indivíduo são amplamente determinadas
culturalmente. Tal como Bruner (1975), Bruner e Potter (1964) e Tajfel (1972)
demonstraram, a consignação de um item (objeto físico ou social) a uma categoria é
seguida de uma suspensão da atividade exploratória por parte do sujeito. “A partir do
momento em que classifico um aluno como fraco, tenderei a não procurar informação
complementar que me permita validar ou invalidar esta hipótese” (ibidem).
De igual modo, após feita a categorização, os indivíduos tendem a focalizar-se
preferencialmente sobre as informações que confirmam as suas hipóteses de
classificação e a negligenciar as informações que contrariam a sua classificação. “A
categorização no pensamento naïf funciona de modo a maximizar as chances de
confirmar á priori e de manter estável o sistema de crenças do indivíduo ou do grupo”
(idem, p. 79).
(6) Funções exercidas pelas estruturas de conhecimentos
Os estudos de casos puseram em evidência três tipos de funções exercidas pelas
estruturas de conhecimentos:
“1. Como grelha de referência para análise de acontecimentos vividos ou
observados. A acomodação das estruturas pré-existentes após a assimilação das noções
ensinadas, durante uma formação, conduz o formando a releituras dos acontecimentos
ou experiências anteriores.
2. Como guia de orientação de estruturas. A acomodação de uma estrutura
pode conduzir à intensificação de anteriores comportamentos dando-lhes um sentido
novo, ou mesmo à produção de novos comportamentos.
3. Como função de etiquetagem. A adoção de uma nova noção num primeiro
tempo tem por função dar novos nomes a comportamentos ou características dos
atores, do antecedente nomeados de outra forma.” (idem, p. 112 -113).
Alguns aspetos desta função de etiquetagem que importa realçar:
- “Efeito de saliência” - o facto de poder nomear de outra forma
comportamentos antigos, conduz o sujeito à “tomada de consciência deles, a
referenciá-los a identificá-los retrospetivamente. As experiências anteriores ganham
sentido e passam a constituir uma nova fonte de informação que poderá entrar em linha
de conta no ciclo assimilação-acomodação.
35
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
- Induz os sujeitos a fazerem novas observações e novas análises que
provavelmente não fariam sem esta ferramenta, não teórica mas mais conceptual.”
(ibidem).
Em educação e em formação profissional “chamar coisas comuns com outros
nomes, adotar um novo significado para uma dada significação pode desencadear
disparadores insuspeitados na dinâmica de assimilação-acomodação” (ibidem).
Colocar à disposição dos alunos novos conceitos, novos significados, pode
conduzir mais ou menos bruscamente à identificação de novos significados que estavam
já potencialmente à sua disposição, mas dos quais não podia tirar proveito, por falta de
os poder identificar com um nome. Neste aspeto, os saberes fundamentais, adquirem
uma relevância determinante não só em educação como em formação profissional.
Igualmente podemos levantar a hipótese de que a conotação científica de uma noção,
que o sujeito adota para substituir uma noção de senso comum, confere uma
legitimidade ao significado que este lhe atribui e contribui assim verdadeiramente para
que o sujeito daí em diante o utilize e lhe dê importância.
Há também que sublinhar os efeitos de reforço derivados de uma nova estrutura.
“A acomodação de uma estrutura permite aos sujeitos renomear as coisas e inspira
novas leituras da realidade e novos comportamentos” (ibidem). Por exemplo um
sujeito que experimentou um novo comportamento derivado de uma nova leitura do real
(decorrente da aprendizagem de noções) e constata a sua utilidade prática em relação
aos objetivos por ele perseguidos, certamente que daí retirará uma elevada satisfação, o
que naturalmente tenderá a exercer um efeito de reforço sobre a acomodação que acaba
de se produzir.
A importância desta dimensão concetual será objeto da avaliação que iremos
efetuar a alguns dos currículos relativos às questões da cidadania.
d. Aprendizagem da moralidade
Na nossa problemática de estudo, uma “questão crucial é a de saber quais são
os fatores que condicionam a focalização preferencial do sujeito sobre certos esquemas
mentais ou certas características dos objetos. O que é que faz com que certos atributos
do objeto ou certas categorias se salientem num determinado contexto?” (idem, p. 76).
Parece existir uma predisposição natural para que as pessoas tendam a usar certos
conceitos, que se encontrem mais acessíveis. Investigadores tais como Tajfel,
Deschamps, Forgas, etc. têm vindo a estudar esta prevalência e “puseram em evidência
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Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
a estreita imbricação entre, por um lado o sistema de categorias do indivíduo e o seu
sistema de valores, e por outro lado a sua identidade e práticas sociais” (idem, p. 77).
Assim sendo, coloca-se-nos a questão de saber como é que ocorre a
aprendizagem dos valores. A problemática dos valores está diretamente associada à
moral e à ética. A moral, segundo Vasquez (1998, p.84) citado por Mehanna, pode ser
definida como: “sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são reguladas
as relações mútuas entre indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que
estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livre e
conscientemente, por convicção íntima, e não de uma maneira mecânica, externa e
impessoal” (Mehanna, s.d., p. 3).
A Ética por sua vez significa, segundo Motta (1984) citado por Mehanna: “um
conjunto de valores que orientam o comportamento do homem em relação aos outros
homens na sociedade em que vive, garantindo, outrossim, o bem-estar social, ou seja,
Ética é a forma como o homem se deve comportar no seu meio social” (idem, p. 2).
Esta Ética está subjacente à interpretação das situações por parte dos cidadãos e
apoia-se na moral de que é portador. Para além de ser influenciada pelas tradições, pelos
hábitos e pela educação, é antes do mais determinada pela convicção e pela inteligência.
(1) A aprendizagem da moralidade segundo Piaget
Tal como vimos na perspetiva construtivista o saber, ou seja a representação
mental, é construído pelo sujeito e não é imposto de fora. Assim sendo, o
desenvolvimento moral dos sujeitos deverá ser análogo ao dos conhecimentos.
Piaget identifica dois tipos de relações importantes na construção da moralidade:
as de coação e as de cooperação. Entende que a coação é fundamental ao
desenvolvimento inicial dado que é necessário “que a criança conheça as regras e
tenha noções sobre o bem e o mal, o certo e o errado” (idem, p. 4). Piaget descobriu
que a construção da moralidade infantil se desenvolve entre duas tendências antagónicas
da moral: “«a moral do dever», ou heteronomia, onde a criança segue as regras
fixadas pelas autoridades que a rodeiam (pais, irmãos mais velhos, etc.) e lhes obedece
por ter medo à perda de afeto ou ao castigo” (ibidem). Trata-se de uma moral em que
predomina um respeito unilateral, ou seja uma relação de coação. Já na “«moral do
bem» ou autonomia” (ibidem), a criança é capaz de construir, fruto da aprendizagem, as
suas normas de conduta para se comportar entre iguais e construir a sua identidade livre
de quaisquer autoridades. Para Piaget “é necessário e inevitável que a criança passe
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Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
pela heteronomia, de obediência à autoridade, para que, depois, o espírito de
cooperação possa ser construído, através do respeito mútuo e da reciprocidade. O
objetivo da educação moral é, portanto, o de auxiliar a criança a construir a sua
autonomia”(ibidem).
E como fazê-lo? Através de aulas formais clássicas? Para Piaget o método a
privilegiar deverá ser o experimental, fazendo as crianças “vivenciar a moralidade em
todos os aspetos e ambientes presentes na escola” (ibidem). Torna-se necessário que as
crianças partilhem as suas ideias, trabalhem em grupo, discutam, questionem as suas
convicções, enfim, “exercer a democracia. (…) educar moralmente é proporcionar à
criança situações onde ela possa vivenciar a cooperação, a reciprocidade e o respeito
mútuo e assim, construir a sua moralidade” (ibidem).
(2) Aprendizagem da moralidade por Lawrence Kohlberg
Kohlberg, um pouco na linha de Piaget, apresenta-nos a teoria dos estados
morais e assenta a sua teoria num crescendo de complexidade de esquemas mentais em
três níveis: o primeiro é o pré-convencional, o segundo é o convencional e o terceiro o
pós-convencional.
O nível pré-convencional carateriza-se por uma moralidade heterónoma onde
“as regras morais derivam da autoridade, são aceites de forma incondicional e a
criança obedece a fim de evitar o castigo ou para merecer recompensa” (idem, p. 5).
Neste estado impera a justiça baseada nas diferenças de poder e de estatuto, sendo os
sujeitos incapazes de formular juízos de moral quanto ao seu conteúdo. Existe um
segundo estado neste nível, que Kohlberg designou de “moralidade de intercâmbio”
(ibidem) que se carateriza pelo facto de os indivíduos serem já capazes de perceber que
as outras pessoas também têm os seus próprios interesses. Contudo, a moral
prevalecente é individualista em que os acordos e as trocas são os mecanismos
privilegiados de interação social.
No segundo nível, designado convencional, valoriza-se o reconhecimento do
outro. Este nível apresenta dois estados: “o da «moralidade normativa interpessoal» e o
da «moralidade do sistema social» (ibidem). No primeiro estado o indivíduo começa a
seguir as regras estabelecidas na perspetiva de que o seu bom desempenho seja
reconhecido, manifestando preocupação e atenção aos sentimentos e interesse que
suscita nos outros. Num segundo estado o indivíduo “adota a perspetiva de um membro
da sociedade” (ibidem), ou seja, incorpora os códigos e procedimentos do grupo, na sua
atuação, comportando-se conforme a moral do grupo.
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Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Por fim o terceiro nível e mais elevado da moralidade, designado pósconvencional. Neste nível o indivíduo salta do patamar da aplicação das regras para o
seu questionamento à luz dos princípios e valores universais. Neste nível o indivíduo
rege-se por princípios que são independentes dos grupos de pertença, dado serem
universais tais como refere Aranha e Martins (2003, p.312) citado por Mehanna:
“igualdade dos direitos humanos, respeito pela dignidade das pessoas, reconhecimento
que elas são fins para si mesmas e precisam de ser tratadas como tal. Não se trata de
recusar leis ou contratos, mas de reconhecer que eles são válidos porque se apoiam em
princípios” (idem, p. 6).
Este patamar de julgamento moral necessita que estes princípios sejam
devidamente explicados em termos do seu significado, aplicação e efeitos. Nesta
aceção, segundo Kohlberg todos os indivíduos podem transcender o patamar da cultura
onde foram socializados desde que devidamente ensinados. Esta possibilidade abre um
campo muito vasto ao papel da educação em cidadania.
(3) Domínio cognitivo e moral
É lugar-comum que estamos a atravessar uma crise de moralidade. Constamos
que o progresso material e o bem-estar que proporciona não trazem por si sós a
felicidade humana. Como se desenvolve de facto a moral numa pessoa? Vamos agora
trazer aqui um modelo holístico de desenvolvimento da mente humana assente em três
pilares: cognitivo, afetivo e volitivo.
“Necessitamos de conhecimento, desejo, força de vontade e capacidade
fisiológica. O conhecimento do que é certo ou errado, bom ou mau, por si só não é
suficiente para modificar os nossos sentimentos, aptidões ou vontade de fazer. (…)
Quando falamos de educação da moral, os domínios afetivo, psicomotor e conativo
devem ser considerados juntamente com o cognitivo” (Clarken, 2007, p. 2).
Por sua vez, o nível de desenvolvimento em que cada uma destas componentes
se encontra também dita o nível de desenvolvimento moral dos indivíduos. “(…) uma
boa estratégia educacional é aquela que permite transitar de um nível para outro”
(ibidem).
Para o domínio cognitivo, e utilizando a taxonomia (Anexo D) preconizada por
Bloom (1956), de complexidade crescente e em cada nível pressupõe o domínio do
anterior, os níveis da moral apresentam-se-nos conforme a tabela que se mostra:
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Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Tabela 3 – Níveis cognitivos da moral (Clarken, 2007, p. 3)
Nível
1. Conhecer
2. Compreender
Nível Moral
-
O que é certo e o que é errado.
-
Entende porquê e como é que as pessoas se devem
comportar moralmente.
3. Aplicar
-
Aplica princípios morais na sua atuação
4. Analisar
-
Analisa os valores morais das pessoas e da sociedade
-
Sintetiza os vários princípios que se aplicam à resolução de
5. Sintetizar
6. Avaliar
problemas morais.
-
Avalia as soluções morais em problemas reais.
Segundo Clarken “o grande desafio da moral é «conhecer-se a si mesmo».
Aprender sobre as nossas forças e as nossas fraquezas pra podermos lidar com elas de
forma efetiva, é um encargo fundamental para todos os indivíduos. Aprender com as
nossas experiências bem como com as dos outros, sejam elas do passado ou do
presente, ajuda-nos a criar o nosso quadro de referência. Ser capaz de pensar de forma
crítica e construtiva e de criar soluções para os problemas que a vida nos coloca
requer necessariamente que conheçamos a moral” (ibidem).
(4) Domínio afetivo e moral
O domínio afetivo tende a confundir-se com o moral, na exata medida em que
faz apelo aos sentimentos, emoções, valores e predisposições para a ação. Mas serão a
mesma coisa? Pensamos que não totalmente, dado que, como vimos, a moral pressupõe
também uma dimensão cognitiva.
Trazemos aqui taxonomia do domínio afetivo ou das atitudes (Anexo E) de
(Krathwool, Bloom e Maisa de 1964):
40
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Tabela 4 – Níveis afetivos da moral (Clarken, 2007, p. 3)
Nível
Nível Moral
1. Recetividade
-
2. Resposta
-
Evidência consciência de um princípio moral ou de uma
situação
Reage a uma situação em que valores morais estejam em
presença
3. Valorização
-
Assume compromissos morais nas suas atuações
4. Organização
-
Opera dentro de um sistema de valores que lhe permite
5. Internalização
-
de Valores
relacionar-se com os outros e aceitar os seus valores
Evidencia um padrão de comportamento ético e moral
consistente e persistente.
e. O currículo
A noção de currículo apresenta várias perspetivas. Numa perspetiva de outputs o
currículo pode ser entendido como “plano de estudos” ou “programa de estudos”
(Forquin, 1989) (p.22). Para John Kerr (1968), citado por Forquin (1989) o currículo é:
“toda a aprendizagem organizada e guiada pela escola, quer seja efetuada no quadro
de um grupo ou de forma individual, no interior ou no exterior da escola; esta ideia de
organização deliberada inscreve-se numa perspetiva “tecnológica” da educação, a
qual privilegia a procura de objetivos operacionais avaliáveis e o pôr em ação dos
meios que os permitam atingir” (idem, p. 23).
Outros autores fixam-se mais sobre os resultados efetivos do que naquilo que é
posto em prática, outros ainda na perspetiva de “currículo escondido” ou “currículo
latente”, para bem realçar as diferenças entre o que é explicitamente perseguido pela
escola e o que é efetivamente atingido pela escolarização. “O currículo escondido
designará as coisas adquiridas na escola (saberes, competências, representações,
papéis, valores) que jamais figuraram no programa oficial ou explícito” (Landsheere,
1994, p. 74).
O currículo segundo C. Richards (1979) está no coração das atividades de
educação e de formação na medida em que constitui o “meio através do qual o ensino
se efetiva. Sem currículo o ensino não terá veículo, nada através do qual seja possível a
transmissão das mensagens, adquirir significações e transmitir valores” (Forquin,
1989, p. 25), por isso o autor sugere a equivalência possível entre o conceito de
currículo e a noção de conteúdos de ensino.
41
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Numa breve síntese, e sem quaisquer pretensões de sermos exaustivos, nas
várias digressões pelos conceitos de currículo constatamos duas dimensões
prevalecentes: “1/ o currículo como algo que se visa, como intenção ou objetivo; 2/ o
currículo como algo que se experiencia, como interação e processo em curso” (Ribeiro,
1993, p. 16). Destas duas dimensões emergem como relevantes os objetivos a atingir e
os conteúdos a alcançar ou as experiências ou processos de aprendizagem. Na nossa
investigação iremos privilegiar a primeira dimensão.
f. Análise
Aplicámos o MA aos currículos do ensino básico e secundário (Apêndice 2) em
vigor e à proposta de revisão curricular de Junho de 2011.
Da análise efetuada podemos concluir que os currículos nacionais de formação
cívica contemplam competências de cidadania em prol da soberania, entendida no seu
sentido amplo, pese embora o facto de, relativamente à componente democracia, termos
verificado que descuram os deveres e direitos políticos e sociais, bem como os valores
morais e democráticos.
Constatamos que os direitos e deveres políticos e sociais não parecem ser
convenientemente tratados. Ao relevar os direitos civis e humanos o currículo remetenos para os primórdios do conceito de cidadania e inibe a plena capacitação dos jovens
para uma intervenção política e social consciente, ativa, responsável e exigente.
De par com esta lacuna surge uma outra relacionada com a adequada
apropriação dos valores morais e democráticos. Pese o facto de à Escola não incumbir a
total responsabilidade pela aprendizagem dos valores, papel esse que reparte com a
família e demais grupos sociais de influência, transparece um fraco envolvimento da
Escola nesta dimensão das aprendizagens inerentes à cidadania. Este aspeto é tão ou
mais relevante quanto sabemos que são os valores que presidem à ação. Quanto mais os
jovens internalizarem os valores morais e democráticos, maiores são as probabilidades
do desenvolvimento de uma sociedade mais coesa, solidária e democrática.
Relativamente ao desenvolvimento da identidade nacional descuram-se aspetos
que têm a ver com identidade coletiva, orgulho no país, símbolos nacionais, heróis
nacionais, serviço militar, comportamentos respeitosos e coesão social. A incipiente
aprendizagem dos valores surge novamente em evidência no desenvolvimento da
identidade nacional. Constituindo a identidade nacional um elemento fulcral para a
preservação da soberania bem como para a mobilização coletiva para levar de vencida
os desafios do presente, não se compreende a pouca relevância atribuída a esta
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Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
dimensão da cidadania, e com ela a pouca relevância atribuída aos nossos antepassados,
que conseguiram fazer de um pequeno povo uma grande nação espalhada pelos quatro
cantos do mundo.
A aplicação do MA ao CFGPE e ao DDN (Apêndice 3) permitiu constatar a
existência de competências de cidadania em prol da soberania, embora com um âmbito
muito reduzido. O período dedicado à formação cívica é escasso pelo que as
competências abordadas são dos níveis mais baixos do domínio cognitivo. Não são
objeto de ensino direitos políticos e sociais, Constituição e controlo democrático, o
poder dos meios de comunicação social, heróis e orgulho nacional, cultura e património
e coesão social.
Sob o ponto de vista taxonómico verificamos a falta de coerência e de
progressão nas aprendizagens preconizadas quer ao longo dos ciclos quer no mesmo
ciclo de estudos. Da análise efetuada transparece a não utilização ou um uso indevido
das ferramentas taxonómicas. Considerando que o bom uso das taxonomias é
fundamental à adequação dos métodos pedagógicos e da avaliação das aprendizagens
aos objetivos e metas estabelecidas, consideramos que há que identificar as causas para
estas discrepências que constituem fatores inibidores das aprendizagens preconizadas.
g. Síntese parcelar
Da aplicação do MA aos currículos de Formação Cívica dos níveis Básico e
Secundário constatamos que globalmente capacitam para as competências de cidadania,
pelo que podemos afirmar que a Hip3 se encontra validada. Contudo, descuram algumas
áreas de competências que nos parecem pertinentes, designadamente as relativas à
capacitação política, moralidade e reforço da identidade nacional. Dada a importância
que a participação política tem na vitalidade de uma democracia, a requerer cidadãos
esclarecidos, empenhados, exigentes e responsáveis, esta lacuna parece não concorrer
eficazmente para esse desígnio.
Igualmente transparece que os níveis taxonómicos não são adequadamente
empregues na progressão das aprendizagens, o que levanta dúvidas quanto à
apropriação dos conceitos base subjacentes à vivência democrática e cívica. Este
especto é fulcral no modelo de educação para a cidadania, dada a sua extrema
importância para a construção das representações mentais dos sujeitos e, em
consequência, a tomada de consciência e a prática de uma cidadania eticamente
responsável.
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Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Relativamente à formação militar analisada, constatamos que contempla
competências de cidadania, pelo que podemos afirmar que a Hip4 se encontra validada.
As competências constantes dos currículos colocam um enfoque especial nos aspetos
relativos à identidade nacional, mas fazem-no a um nível taxonómico muito baixo.
Pudemos ainda verificar que existe alguma complementaridade entre os dois
currículos, os quais equacionam as competências de cidadania em prol da soberania,
respondendo à QD2.
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Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Conclusões e Recomendações
Conclusões
A cidadania e a soberania estão intimamente interligadas e foram evoluindo de
forma concorrente. A cidadania foi evoluindo em termos de âmbito e de profundidade.
Aos iniciais direitos civis, foram aditados os direitos políticos e os sociais, à medida que
o Estado foi alargando o âmbito da sua intervenção soberana. O Estado começou por ser
territorial, a que se seguiu de forma cumulativa o constitucional, o democrático e por
fim o atual Estado social. A globalização que atualmente estamos a vivenciar parece
estar a pôr em causa os atributos do Estado social. A articulação dos dois conceitos
permitiu inventariar um conjunto de competências nos domínios cognitivo e afetivo que
constituem o elemento nuclear do modelo de educação vertido na MA.
O conceito de competência/unidade de competência põe em causa a distinção
clássica entre educação e formação profissional e obriga à articulação coerente dos
conhecimentos, das aptidões e das atitudes para que a atuação numa dada situação seja
competente, dado que só é competente quem é consciente.
Quer os conhecimentos, quer a moralidade interferem diretamente na atuação
dos sujeitos. Quanto mais elevado for o domínio taxonómico em que o sujeito se
encontra, tanto mais elevado tenderá a ser o seu desempenho como cidadão. No
pressuposto que a subida na escala de complexidade de cada uma das taxonomias
pressupõe o domínio das anteriores, é pertinente o papel dos conhecimentos
declarativos na construção da representação mental, com a qual cada indivíduo
perceciona a realidade, raciocina e age. A abordagem construtivista da aprendizagem
releva o papel estruturante dos saberes declarativos não só como estruturas de
assimilação, mas também com elementos centrais no processo de acomodação e de
reequilibração majorante inerente à aprendizagem efetiva.
A aprendizagem da moralidade, se numa primeira fase pressupõe sempre a
existência de regras e de normas de conduta, mesmo que não compreendidas, papel que
compete predominantemente aos pais, requer, para a sua evolução, que se dê o salto
para a tomada de consciência do significado e pertinência dos valores, para que os
cidadãos orientem as suas condutas por princípios éticos. Mais uma vez os saberes
declarativos se afiguram essenciais neste processo de internalização de valores.
A aprendizagem, como processo contínuo, faz apelo a vários atores, que não
somente a escola, como sejam os pais e familiares, a rede de amigos e as instituições
sociais e políticas.
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Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
No processo de aprendizagem, a relevância da assimilação para proporcionar a
acomodação desejada implica, numa primeira fase, a ativação das estruturas cognitivas
pré-existentes o que, na maior parte dos casos, obriga ao recurso a experiências
concretas ou a fazer apelo a conhecimentos prévios já existentes. O papel das vivências,
das atividades, dos exercícios, para a partir do concreto chegar aos conceitos abstratos,
naquilo que se costuma designar de “pedagogia experiencial”, constitui um elemento
geralmente negligenciado, mas comprometedor da aprendizagem.
O MA concebido para a investigação, centrado nas competências de cidadania
para a soberania extraídas dos descritores resultantes da QD1 e nos domínios das
competências e respetivos níveis taxonómicos, pôde ser complementado e validado com
dois modelos internacionais, da IEA (IEA, 2008) e dos EUA (Judith Torney-Purta,
2006).
A análise dos currículos civis e militares permitiu concluir que contemplam
competências de cidadania em prol da soberania pelo que podemos afirmar que as Hip1,
2, 3 e 4 se encontram validadas. Ainda assim, verificamos que há dimensões da
cidadania pouco desenvolvidas, particularmente no que respeita a direitos políticos e
sociais, valores morais e democráticos, coesão social e a aspetos relevantes da
identidade nacional como sejam os seus símbolos, os seus heróis e a necessidade de
defesa da pátria. Transparece também dessa análise a pouca relevância que é dada ao
aprofundamento dos conceitos subjacentes à democracia, à moral e à identidade
nacional, o que pode ter implicações sérias na aquisição de competências de níveis
superiores, dado que não proporcionam a efetiva aquisição dos conceitos. Esta efetiva
apropriação dos princípios afigura-se fundamental para o desenvolvimento de uma
moral “pós-convencional”, necessária para a existência de uma cidadania ativa,
responsável e solidária.
Recomendações
A abordagem efetuada, muito centrada na apropriação dos conceitos em termos
de profundidade e alcance e utilizando de forma instrumental as taxonomias, constitui
uma mais-valia a explorar em futuros desenhos curriculares. O uso das taxonomias
permite pôr a teoria na prática, auxilia a busca de coerência entre métodos de ensino,
conteúdos, e avaliação das competências e encoraja efetivas progressões na
aprendizagem. A criação de padrões de avaliação das UC constitui um outro desafio
central, dado que expressam os outcomes pretendidos e orientam as aprendizagens a
efetuar.
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Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
Dada a importância e a abrangência que a formação para a cidadania tem na
vitalidade do funcionamento das instituições democráticas e no reforço da identidade e
coesão nacionais, levantamos algumas recomendações:
- Propor que os currículos oficiais contemplem todas as dimensões da cidadania
em prol da soberania;
- Dar maior ênfase à apropriação dos conceitos base subjacentes à democracia, à
moralidade e à identidade nacional;
- Utilizar predominantemente métodos ativos de aprendizagem, tendo como
ponto de partida as experiências e situações concretas, como fatores essenciais de
assimilação;
- Fazer subir os alunos na escala crescente de complexidade dos conhecimentos
e das atitudes, tirando proveito de situações e de competências tratadas noutras áreas
disciplinares. A formação em cidadania dever socorrer-se do currículo com um todo;
- Proporcionar experiências e vivências mobilizadoras das competências. Neste
âmbito, e tendo em vista o reforço da identidade nacional, muito particularmente no que
respeita ao patriotismo, sentido de “identidade coletiva”, dever de serviço militar, as
FFAAP deverão participar neste esforço;
- Rever a formação cívica da formação inicial de praças no sentido de aumentar
o seu âmbito no que respeita a incrementar o sentido de “identidade coletiva”, o orgulho
no país, na sua história e nos seus heróis.
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Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
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Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional?
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52
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional
Anexo A - Civic Education Study (CIVED) (Sibberns, 2004, pp. 163-169)
DEMOCRACIA
A.1 - Quais são as CARACTERÍSTICAS da democracia como forma social e política de
organização?
A.1.1 - Reconhece as características que definem a democracia.
A.1.2 - Identifica e reconhece as características e exemplos de governos com limites e
de governos ilimitados.
A.1.3 - Entende ou avalia os pontos fortes significativos dos sistemas democráticos.
A.1.4 - Aplica critérios para a analisar a democracia para casos específicos,
problemas e cenários.
A.1.5 - Identifica situações em que há incentivos à participação na vida política.
A.1.6 - Identifica o significado de pluralismo político e o papel do indivíduo e
indivíduos que participam em grupos cívicos ou não-governamentais e
organizações que detêm influência ou poder na democracia.
A.1.7 - Identifica ou reconhece problemas nas transições entre os tipos de governo,
especialmente durante a rápida democratização ou evoluções da vida pública.
A.2 - Quais são as INSTITUIÇÕES e as PRÁTICAS importantes da democracia?
A.2.1 - Identifica ou reconhece características definidoras, funções e conseqüências
de eleições democráticas como modo de seleção de líderes.
A.2.2 - Identifica as qualificações dos candidatos para os cargos governamentais.
A.2.3 - Identifica as formas como os funcionários eleitos são vistos no seu papel como
autoridades políticas.
A.2.4 - Identifica ou reconhece as características básicas do parlamento, da lei e do
sistema judicial.
A.2.5 - Identifica a função da Constituição e os tipos de disposições normalmente
nelas incluídas.
A.2.6 – Carateriza os órãos de Soberania (identificação e funções)
(PR, AR, Governo, Justiça, Corpos de Segurança, Forças Armadas)
A.2.7 - Entende o que significa o equilibrio de poderes e a sua distribuição entre
setores do governo e quais as funções que servem.
A.2.8 – Organizações e instituições da sociedade civil (quem são e funções)
(partidos políticos; associações e organizações não governamentais; Grupos
de Pressão; Instituições religiosas; Midia; Organismos Culturais; Escolas)
A.2.9 – Conhece as instituições europeias e suas funções
A.2.10 – Compreende questões básicas de economia e suas implicações políticas;
Reconhece a relação entre o governo e o mercado.
A.3 - Quais são so direitos e deveres dos cidadãos em democracia?
A.3.1 - Identifica em geral os direitos e as qualificações dos cidadãos "comuns e
essenciais" para viver em democracia.
A.3.2 - Identifica os direitos geralmente garantidos nacionalmente
A.3.3 - Identifica as obrigações, responsabilidades, ou "deveres cívicos" dos cidadãos
comuns nas democracias.
A.3.4 - Compreende o papel dos mídia (imprensa).
A.3.5 - Identifica a rede de associações privadas, de assessoramento e voluntárias
(inclusive nas escolas) dentro dos quais as obrigações e direitos dos cidadãos
podem ser incentivados e promulgados.
A.3.6 - Identifica a relação entre "direitos humanos", conforme definido em
documentos internacionais, incluindo documentos da ONU.
Anx A-1
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional
A.3.7 - Identifica os direitos na esfera econômica.
A.3.8 - Demonstra consciência de trade-offs entre os direitos individuais, os direitos
dos outros e do bem da comunidade.
A.3.9 – Reconhece os atributos da Cidadania Europeia
IDENTIDADE NACIONAL E RELAÇÕES REGIONAIS E INTERNACIONAIS
B.1 - Quais são os atributos de um membro de uma comunidade nacional (cidadão)?
B.1.1 - Reconhece a diferença entre o estatuto de cidadania atribuída versus
cidadania como um status adquirido.
B.1.2 - Reconhece uma série de disposições comuns frequentemente associados com
esse estatuto.
B.1.3 - Reconhece a importância da solidariedade, unidade, ou um sentimento de
identidade coletiva para com o país de origem.
Demonstra sentido de "Identidade coletiva" para com o seu país de origem.
Tem orgulho no seu país (belezas naturais, cultura, ciência, educação, etc.).
Respeita os símbolos nacionais: Bandeira; Hino; Heróis; Documentos; Tradições.
Conhece narrativas nacionais sobre "patriotas, heróis nacionais ou pessoas da cultura".
Reconhece os eventos marcantes da história do país, designadamente guerras travadas para a
manutenção da independência e particularmente as referentes à sua fundação.
Identificando-se com a Constituição democrática.
Revê-se em certos "valores e pensamentos" exemplificados na literatura comum ou na cultura.
Está disponível para prestar Serviço Militar.
Defende o seu país contra críticas injustas.
Manifesta comportamentos respeitosos para com os líderes do governo / confia no governo.
Revê-se na memória coletiva.
Reconhece a importância do patriotismo e os problemas associados com excessos da identidade
nacional (por exemplo, "o nacionalismo chauvinista").
B.1.4 - Reconhece que cada nação tem alguns eventos de sua história de que são
justificadamente motivo de orgulhoso.
B.1.5 - Reconhece os problemas associados com a identidade nacional em diferente
períodos históricos, incluindo períodos de transição.
B.2 - O que é que Identidade ou Lealdade nacional significa em relação às relações
estabelecidas com organizações extra-nacionais e supranacionais
B.2.1 - Reconhece a natureza do papel que o país desempenhou e continua a jogar em
esferas de influência globais e regionais.
B.2.2 - Reconhece países ou grupos de países que no passado, presente ou futuro têm
sido aliados ou inimigos.
B.2.3 - Reconhece as principais estruturas regionais e supranacionais (na maioria
dos casos dentro da Europa) ou organizações internacionais.
B.2.4 - Reconhece determinados sub-grupos nacionais.
COESÃO SOCIAL E DIVERSIDADE
C.1 - Que grupos dentro da nação são vistos como marginalizados e de que forma?
C.1.1 - Reconhece grupos vistos como alvo de discriminação na sociedade
contemporânea.
C.1.2 - Reconhece casos de opressão no passado e no presente ou discriminação de
certos grupos em muitas sociedades.
C.1.3 - Reconhece tensões na sua sociedade e em muitas outras entre a percepção da
necessidade de coesão social e a necessidade do reconhecimento do valor das
contribuições culturais, sociais e políticas de alguns grupos.
C.1.4 - Entende a "valores fundamentais da vida da comunidade" e a importância das
atitudes e comportamentos de respeito e tolerância entre os grupos por parte
dos seus elementos.
Anx A-2
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional
Anexo B - Modelo de desenvolvimento de competências cívicas dos EUA até ao
nível Secundário (K12). (Judith Torney-Purta, 2006)
I.
CONHECIMENTOS DE CIDADANIA EM DEMOCRACIA
1.
-
Conceito/princípios sobre a essência da democracia.
Soberania popular (governo eleito por consenso);
Representação e responsabilidade em um governo do, por e para o povo;
Eleições livres e democráticas dos representantes do povo;
Elegibilidade abrangente de participar livremente, de votar e fazer campanha nas
eleições;
- Acesso inclusivo e livre no que respeita à participação na promoção dos interesses
pessoais e coletivos;
- Regra da maioria do povo para o bem comum.
2. Questões perenes sobre o significado e os usos das ideias centrais.
- Direitos (liberalismo):
- Direitos civis, direitos humanos;
- Direitos políticos ou públicos;
- Direitos pessoais ou privados;
- Direitos sociais, económicos, culturais e ambientais;
- Direitos individuais e coletivos.
- Economia de mercado
- Liberdade de escolha dos bens económicos e de transação;
- Liberdade de defender os seus interesses pessoais;
- Regulação económica para o bem comum.
3. Problemas recorrentes e marcos decisivos sobre a política pública e a
interpretação constitucional.
- Liberdade de associação em organismos civis e não-governamentais;
- Liberdade de associação e de escolha;
- Pluralismo múltiplo, sobreposição das regras gerais do grupo e preservação da
identidade;
- Regulação social para o bem comum (leis, tradições, moral, virtudes).
4.
-
Constituição e instituições representativas da democracia.
Papel das leis na governação, sociedade e economia;
Poderes e limitações do governo para garantirem os direitos dos cidadãos;
Separação e partilha de poderes como forma de limitar a ação discricionária do governo;
Independência do poder judicial de forma a garantir o primado da lei e o estabelecido na
constituição.
5. Práticas da cidadania na democracia e os papéis dos cidadãos.
- Perspetiva legal da cidadania;
- Direitos, responsabilidades e papéis dos cidadãos;
- Identidade cívica.
6.
História da democracia no país e no mundo.
Anx B-1
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional
II.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Identificar e descrever informação acerca da vida política e social.
Analisar e expor informação acerca da vida política e social.
Sintetizar e explicar informação acerca da vida política e social.
Avaliar, tomar posição e defender as suas ideias sobre assuntos políticos e sociais.
Pensar de forma crítica sobre as condições de exercício da vida política e social.
Pensar de forma construtiva sobre a forma como pode ser melhorada a vida
política e social.
III.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
2.
3.
4.
5.
6.
APTIDÕES DE PARTICIPAÇÃO NA VIDA PÚBLICA E POLÍTICA
Interage com os outros cidadãos na defesa dos seus interesses e dos interesses
comuns.
Acompanha e monitoriza eventos e questões de natureza pública.
Participa na discussão e na decisão sobre assuntos de interesse público.
Influencia as decisões políticas em assuntos de interesse público.
Implementa as decisões políticas nos assuntos públicos.
Toma medidas para melhorar a vida política e social.
IV.
1.
APTIDÕES COGNITIVAS DE CIDADANIA EM DEMOCRACIA
DISPOSIÇÃO CÍVICA
Defende a igualdade e a dignidade de cada pessoa, independentemente da s suas
origens ou situação.
Respeita, defende e exerce os seus direitos numa perspetiva de igualdade perante
os seus concidadãos.
Participa de forma responsável na vida política e na vida social da sua
comunidade.
Exerce o seu autogoverno e apoia a governação dado deter o consenso dos
governados.
É exemplar na aplicação da moral democrática
Promove o bem comum
Anx B-2
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional
Anexo C - Referencial de Avaliação Profissional de Técnico/a de Eletrónica e Telecomunicações
REFERENCIAL DE RVCC PROFISSIONAL (523077 - Técnico/a de Eletrónica e Telecomunicações)
N.º
Tarefas
Estado da tarefa
Fonte: (CNQ, 2010)
Anx C-1
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional
Anexo D – Taxonomia de Bloom (Krathwohl, 2002, p. 213)
1.0 – Conhecimento
1.1 – Conhecimento de especificidades
1.1.1
Conhecimento de terminologia
1.1.2
Conhecimento de factos específicos
1.2 – Conhecimento das formas e meios de lidar com as especificidades
1.2.1
Conhecimento das convenções
1.2.2
Conhecimento de desafios e de sequências
1.2.3
Conhecimento de classificações e categorias
1.2.4
Conhecimento de critérios
1.2.5
Conhecimento de metodologia
1.3 - Conhecimento de saberes universais e abstratos de uma determina área
1.3.1
Conhecimentos de princípios e generalizações
1.3.2
Conhecimento de teorias e estruturas
2.0 – Compreensão
2.1 – Translação
2.2 – Interpretação
2.3 – Extrapolação
3.0 – Aplicação
4.0 – Análise
4.1 – Análise de elementos
4.2 – Análise de relações
4.3 – Análise de princípios organizacionais
5.0 – Síntese
5.1 – Produção de uma comunicação distinta
5.2 – Produção de um plano, ou de um conjunto estruturado de operações
5.3 – Criação de um conjunto estruturado de relações abstratas
6.0 – Avaliação
6.1 – Avaliação por referência a evidências internas
6.2 – Avaliação por referência a evidências externas
Anx D-1
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional
Anexo E - Domínio afetivo (Krathwool, Bloom e Maisa de 1964) (s.n., 1999, p. 1)
O domínio afetivo (Krathwohl, Bloom, Masia, 1973) incide sobre a maneira
com que lidamos com as coisas emocionalmente, tais como sentimentos, valores,
apreciações, entusiasmo, motivações e atitudes. As cinco categorias principais estão
listadas desde o comportamento mais simples para o mais complexo
Recetividade (aos fenómenos):
Exemplos: ouvir os outros com respeito. Prestar
Consciência, vontade de ouvir, atenção
atenção e lembrar-se do nome de pessoas e assuntos
seletiva.
recém-introduzidos.
Palavras-chave: pergunta, escolhe, descreve, segue,
dá, detém, identifica, localiza, nomeia, aponta para,
seleciona, situa, ergue, responde, usa.
Resposta (aos fenómenos):
Exemplos: Participa nas discussões em aula. Faz
Participação ativa por parte dos alunos;
uma apresentação do assunto. Questiona novos
Atento e reage a um fenómeno particular;
ideais, conceitos, modelos, etc., a fim de os
Os resultados da aprendizagem devem
entender completamente. Conheça as regras de
evidenciar que responde ao que lhe é
segurança e pratica-as.
solicitado, demonstra boa vontade na
Palavras-chave: resposta, assistência, ajuda,
resposta, ou satisfação ao responder
(motivação)
cumpre, em conformidade, discute,
cumprimenta, ajuda, etiqueta, realiza, pratica,
apresenta, lê, recita, relata, seleciona, diz,
escreve.
Valorização:
Exemplos: Demonstra crença no processo
A relevância ou o valor que uma
democrático. É sensível às diferenças individuais
pessoa atribui a um objeto particular,
e culturais (valorização da diversidade). Mostra a
um fenómeno, ou um comportamento.
capacidade de resolver problemas. Propõe um
Varia desde a simples aceitação para o plano de melhoria social e segue até com o seu
estado mais complexo do
compromisso. Informa a direção em assuntos em
compromisso. A Valorização baseia-
que se sente particularmente à vontade.
se na internalização de um conjunto
Palavras-chave: completa, demonstra,
de valores específicos, que se
diferencia, explica, segue, constitui, tem
manifestam nos raciocínios e atuações
iniciativa, convida, junta-se, justifica, propõe,
dos alunos e que podem ser facilmente relata, seleciona, partilha, faz, estuda, realiza.
observados e identificados.
Anx E-1
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional
Organização:
Exemplos: Reconhece a necessidade de equilíbrio
Organiza valores por prioridades
entre a liberdade e um comportamento responsável.
confrontando-os entre si, resolve
Aceita a responsabilidade pelo seu comportamento.
conflitos entre diferentes valores, e cria
Explica o papel do planeamento sistemático na
um sistema único e coerente de valores. A resolução de problemas. Aceita padrões éticos
ênfase está em comparar, relacionar,
profissionais. Cria um plano de vida em harmonia
sintetizar valores.
com as suas habilidades, interesses e crenças.
Prioriza o tempo de forma eficaz para atender às
necessidades da organização, família e de si próprio.
Palavras-chave: adere, altera, organiza, reúne,
compara, completa, defende, explica, formula,
generaliza, identifica, integra, modifica, ordena,
organiza, prepara, relaciona, sintetiza.
Internalização de valores
Exemplos: Mostra auto-suficiência quando
(caracterização):
trabalha de forma independente. Colabora em
Tem um sistema de valores que
atividades de grupo (trabalha em equipa). Usa
controla o seu comportamento. O seu
uma abordagem objetiva na resolução de
padrão de comportamento é
problemas. Exibe sistematicamente uma atuação
generalizado, consistente, previsível e, baseada na ética profissional. Revê julgamentos
mais importante, característico do
e muda os seus comportamentos à luz de novas
aluno. Os objetivos de aprendizagem
evidências. Valoriza as pessoas pelo que elas são
levam em linha de conta a necessidade e não pelo que aparentam.
de se ajustarem aos padrões gerais do
Palavras-chave: age, discrimina, mostra, presta
aluno (níveis pessoal, social e
atenção, escuta, modifica, realiza, põe em
emocional).
prática, propõe, qualifica, pergunta, corrige,
resolve, verifica.
Anx E-2
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional
Apêndice 1 – Referencial de investigação / Modelo de Análise
Internaliza
Organiza
Valoriza
Responde
Recetivo
Melhora
Implementa
Influencia
Participa
Acompanha
Interage
Avaliação
Síntese
Análise
Aplicação
Compreensão
Temáticas
Conhecimento
QD2: De que forma os currículos “oficiais” equacionam as competências de cidadania em prol da soberania nacional?
Hip 3: Os currículos “oficiais”escolares contemplam competências de cidadania que potenciam a soberania nacional.
Hip 4: Os currículos “oficiais” de formação inicial dos militares das Forças Armadas contemplam competências de cidadania que potenciam a
soberania nacional, de forma articulada com as proporcionadas pela escola.
Domínios
Conhecimentos
Aptidões
Atitudes
DEMOCRACIA
Conceitos/princípios da democracia
Instituições e práticas democráticas
Constituição e controlo democrático
Direitos civis e direitos humanos
Direitos e deveres políticos
Direitos e deveres sociais
Valores morais e democráticos
O quarto poder – papel dos média
União Europeia e Org Internacionais
Apd 1 - 1
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional
IDENTIDADE NACIONAL
Atributos da nacionalidade
Solidariedade e identidade coletiva
- Sentido de “identidade coletiva”
- Orgulho no seu país
- Símbolos nacionais
- Heróis nacionais
- Cultura e património nacionais
- Serviço militar
- Comportamentos respeitosos
- Patriotismo
O país no contexto internacional
Coesão social
Diversidade e discriminação
Apd 1 - 2
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional
Apêndice 2 – Análise de currículos nacionais: Proposta para o 1.º, 2.º e 3.º ciclos e Secundário (S) (Santos, 2011, pp. 8 - 18)
Internaliza
Organiza
Valoriza
Responde
Recetivo
Melhora
Atitudes
Implementa
Influencia
Participa
Acompanha
Interage
Aptidões
Avaliação
Síntese
Análise
Aplicação
Compreensão
Temáticas
Conhecimentos
Conhecimento
Domínios
DEMOCRACIA
Conceitos/princípios da democracia
1-2
3
Instituições e práticas democráticas
2-3
3
Constituição e controlo democrático
3-S
S
S
2
3
3
Direitos civis e direitos humanos
1
S
2
2
1
1
1-2
2
3-S
3 -S
S
S
3
1-2
1-2
1
S
S
S
Direitos e deveres políticos
Direitos e deveres sociais
Valores morais e democráticos
O quarto poder – papel dos média
Soberania e economia
União Europeia e Org Internacionais
3
2
2
3-S
Apd 3 - 1
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional
IDENTIDADE NACIONAL
Atributos da nacionalidade
Solidariedade e identidade coletiva
- Sentido de “identidade coletiva”
- Orgulho no seu país
- Símbolos nacionais
1
- Heróis nacionais
- Cultura e património nacionais
1
2
3
S
2-3
- Serviço militar
- Comportamentos respeitosos
- Patriotismo
O país no contexto internacional
1
S
S
1
Coesão social
Diversidade e discriminação
1-2
1
S
3
2
2 -3
-S
Legenda:
1.º Ciclo do Ensino Básico – 1
2.º Ciclo do Ensino Básico – 2
3.º Ciclo do Ensino Básico – 3
Ensino Secundário – S
Apd 3 - 2
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional
Apêndice 3 – Análise de currículos da área de defesa: CFGCPE e DDN
Internaliza
Organiza
Valoriza
Responde
Recetivo
Melhora
Atitudes
Implementa
Influencia
Participa
Acompanha
Interage
Aptidões
Avaliação
Síntese
Análise
Aplicação
Compreensão
Temáticas
Conhecimentos
Conhecimento
Domínios
DEMOCRACIA
Conceitos/princípios da democracia
1
Instituições e práticas democráticas
1 -2
Constituição e controlo democrático
Direitos civis e direitos humanos
1
Direitos e deveres políticos
Direitos e deveres sociais
Valores morais e democráticos
1
O quarto poder – papel dos média
Cidadania europeia
1
IDENTIDADE NACIONAL
Apd 3 - 3
Soberania e Cidadania: que Modelo Educacional
Atributos da nacionalidade
Solidariedade e identidade coletiva
- Sentido de “identidade coletiva”
- Orgulho no seu país
- Símbolos nacionais
1-2
- Heróis nacionais
- Cultura e património nacionais
- Serviço militar
1-2
- Comportamentos respeitosos
1
- Patriotismo
1
O país no contexto internacional
Coesão social
Diversidade e discriminação
Legenda:
CFGCPE – 1
DDN - 2
Apd 3 - 4