ORGANIZADORES
ICARO ROSSIGNOLI
MARCIO LAURIA MONTEIRO
MORGANA M. ROMÃO
RENATO FERNANDES
II ENCONTRO
INTERNACIONAL
LEON TRÓTSKI
ANAIS DO EVENTO REALIZADO
NO BRASIL EM AGOSTO DE 2023
1ª edição
PRÁXIS EDITORIAL
São José do Rio Preto - 2024
Creative Commons: Atribuição + NãoComercial + CompartilhaIgual 4.0
Internacional (CC BY-NC-SA 4.0) by ORGANIZADORES
1ª edição
Revisão: organizadores
Diagramação: Marcio Lauria Monteiro
Arte da capa: Morgana Romão
Desenho na capa: Morgana Romão
International Standard Book Number: Câmara Brasileira do Livro
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Encontro Internacional Leon Trótski (2. : 2023 :
São José do Rio Preto, SP)
II Encontro Internacional Leon Trótski
[livro eletrônico] : anais do evento realizado no
Brasil em agosto de 2023 / organização Icaro
Rossignoli...[et al.]. -- São José do Rio Preto, SP :
Práxis Editorial, 2024.
PDF
Vários autores.
Outros organizadores: Icaro Rossignoli, Marcio
Lauria Monteiro, Morgana M. Romão, Renato Fernandes.
Bibliografia.
ISBN 978-65-01-04766-9
1. Comunismo 2. Marxismo - História 3. Trotski,
Leão, 1879-1940 I. Rossignoli, Icaro. II. Monteiro,
Marcio Lauria. III. Romão, Morgana M. IV. Fernandes,
Renato.
24-210316
CDD-320.532
Índices para catálogo sistemático:
1. Comunismo : Ciência política
320.532
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
“Encarar a realidade de frente; não
buscar a linha de menor resistência;
chamar as coisas pelo seu nome; dizer
a verdade às massas, por mais amarga
que seja; não temer obstáculos; ser
verdadeiro nas pequenas como nas
grandes coisas; basear o programa na
lógica da luta de classes; ousar quando
chegar a hora da ação – tais são as
regras da Quarta Internacional.”
— Leon Trótski,
O Programa de Transição, 1938.
SUMÁRIO
PREFÁCIO ........................................................................... 14
COMITÊ ORGANIZADOR “Mário Pedrosa” ......... 18
LINKS DE INTERESSE .................................................... 20
PARTE I – UM PANORAMA
INTERNACIONAL DO TROTSKISMO
A Europa e a Grécia como uma “zona de tempestades”: crise,
guerra, rebeliões, fracasso da esquerda, ascensão da extremadireita - O desafio para o trotskismo ..................................... 22
Savvas Michael-Matsas
Notas sobre o trotskismo nos Estados Unidos ..................... 45
Paul LeBlanc
Somos imprescindíveis na construção de uma nova utopia
revolucionária ........................................................................ 54
Ana Cristina Carvalhaes
Trotsky, Cuarta Internacional y la guerra imperialista ........ 66
Jorge Altamira
PARTE II – DEBATES SOBRE LUTA
DE CLASSES CONTEMPORÂNEA
Os imperialismos ................................................................... 89
João Batista Aragão Neto
Dos años de guerra en Ucrania ............................................ 94
Pablo Heller
Cuba hoje: os riscos de uma contrarrevolução burguesa e as
tarefas do trotskismo ............................................................. 102
Marcio Lauria Monteiro
Trotsky e o enfrentamento ao fascismo: um quadro de referência
para pensar o neofascismo no Brasil..................................... 115
Áquilas Mendes e Leonardo Carnut
Dominação burguesa, capitalismo periférico e autoritarismo
no Brasil ................................................................................. 135
Mario Miranda Antonio Junior
PARTE III – ASPECTOS DA VIDA
E PENSAMENTO DE TRÓTSKI
Trotsky e o Marxismo: explorando suas contribuições
teóricas ................................................................................... 156
Michelangelo Marques Torres
Trotsky em Nova York: Um City tour virtual ........................ 189
Alex Steiner
Questões sobre cultura em Leon Trotski: contribuições para
a educação.............................................................................. 216
Vinícius Azevedo
Trotsky e a Organização Revolucionária............................... 236
Paul Le Blanc
A questão da “espontaneidade” revolucionária na "História da
Revolução Russa" de Trotsky (T.1, Caps VII a IX) ............... 252
Carlos Eduardo Rebello de Mendonça
Trotsky como teórico marxista: as provas nos Cadernos ..... 278
Alex Steiner
PARTE IV – DEBATES SOBRE
DESENVOLVIMENTO DESIGUAL E
COMBINADO E REVOLUÇÃO PERMANENTE
As
particularidades
no
desenvolvimento
desigual
e combinado........................................................................... 293
Renato Fernandes
A teoria da Revolução Permanente contra o “Socialismo
em um só país”: breves considerações acerca do debate dos
anos 1920 na URSS................................................................ 3 1 6
Breno Ventura
PARTE V – RELAÇÕES POSSÍVEIS ENTRE
TRÓTSKI E OUTROS MARXISTAS
León Trotsky, Rosa Luxemburg y Antonio Gramsci. Confluencias
y divergencias en las hipótesis estratégicas .......................... 352
Guillermo Iturbide
El trotskismo y Louis Althusser ............................................366
Marcelo Novello
Em defesa da revolução chinesa: Trotsky, China e a
Revolução Permanente .......................................................... 400
Luis Guilherme Nobrega Amorim
PARTE VI – TRÓTSKI E A REVOLUÇÃO ALEMÃ
La revolución alemana de 1923 y la formación
del trotskismo ........................................................................ 415
Luis Brunetto
Trotsky e a Revolução Alemã ................................................ 435
Osvaldo Coggiola
Trotsky, a ascensão do nazismo e o papel de Stalin ............. 456
Osvaldo Coggiola
PARTE VII – ASPECTOS DA HISTÓRIA DA URSS
A atualidade do "Novo Curso" de Leon Trotsky ................... 485
Renato Fernandes
A Nova Política Econômica (NEP): debates sobre a lei do valor e
a transição ao socialismo ....................................................... 499
Seiji Seron Miyakawa
El caso Shostakovich a la luz de la crítica trotskista de la
estructura social soviética ..................................................... 517
Simón Rodríguez Porras
Leon Trotsky e a questão georgiana: o problema nacional e a
burocracia soviética ............................................................... 529
Wanderson Fabio e Melo
PARTE VIII – URSS, STALINISMO
E A TEORIA DO ESTADO
OPERÁRIO BUROCRATIZADO
Relação entre o colapso do bloco soviético e o stalinismo ... 576
Marcio Lauria Monteiro
El pronóstico de Trotsky sobre la restauración capitalista, a la
luz de esta crisis mundial ...................................................... 588
Rafael Santos
Apuntes críticos sobre el balance del estalinismo. Los problemas
del objetivismo en el análisis de la ex-URSS ........................ 597
Víctor Artavia Quirós
PARTE IX – HISTÓRIA DA QUARTA
INTERNACIONAL E DO
TROTSKISMO NA AMÉRICA LATINA
Três debates da Quarta Internacional ao fim da II Guerra
Mundial.................................................................................. 644
Ícaro Rossignoli
Un pasaje por tres intentos de construir la IV Internacional
(CORCI, TCI y CRCI) - una mirada desde Venezuela ........... 656
José Capitán
Entre revueltas y agrupamientos: aproximación crítica a la
historia del trotskismo en relación a la lucha de clases en
Colombia ................................................................................ 664
Arturo Bravo
La experiencia de la Brigada de Combatientes "Simón Bolívar"
en Nicaragua y la revolución traicionada de 1979 - El rol
del trotskismo. ....................................................................... 686
Miguel Sorans
PARTE X – HISTÓRIA DO TROTSKISMO
NO BRASIL
A Liga Comunista Internacionalista (LCI) e a luta nos sindicatos
oficiais (1933-1935) ............................................................... 694
Carlos Prado
A ruptura Trotsky-Pedrosa e seus reflexos no marxismo
no Brasil ................................................................................. 724
Flo Menezes
A Convergência Socialista em Fortaleza ............................... 760
Andreyson Silva Mariano
14
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
PREFÁCIO
Icaro Rossignoli, Marcio Lauria Monteiro,
Morgana M. Romão e Renato Fernandes 1
No ano em que se completaram oitenta anos da morte de
Leon Trótski e oitenta e dois da fundação da Quarta Internacional,
uma pandemia com dramáticos desdobramentos ao redor mundo
impossibilitou a realização do que seria o II Encontro Internacional
Leon Trótski, originalmente previsto para ocorrer em São Paulo, em
agosto de 2020.
A primeira edição do evento, ocorrida em Cuba, em maio de
2019, por iniciativa de Frank Hernandez García, registrou um feito
histórico ao congregar militantes, trabalhadores formais e informais,
sindicalistas e estudantes, adeptos ou não do trotskismo, em um país
no qual ainda sobrevivem importantes conquistas da única revolução
social anticapitalista vitoriosa da América Latina, mas que ainda
assenta no poder uma burocracia equivalente àquela que Trótski
empenhou tantas energias em combater em prol do socialismo e da
revolução internacional. Independentemente de qualquer avaliação
1 Membros do Comitê Organizador “Mário Pedrosa”, que realizaram a organização
deste livro em nome do Comitê. Icaro Rossignoli é mestre em História Social pelo
PPGH UFF e professor de História nas redes municipais de Maricá (RJ) e Rio de
Janeiro (RJ). Marcio Lauria Monteiro é Doutor em História Social pelo PPGH
UFF e professor e pesquisador no IFBA de Porto Seguro. Morgana M. Romão é
mestranda em História Social pelo PPGH UFF. Os três são membros do Grupo de
Estudos e Pesquisas sobre Trótski / Trotskismo e a Historiografia (GEPTH), uma
das instituições apoiadoras do II Encontro. Renato Fernandes é Doutor em Ciência
Política pela Unicamp e professor de Ciências Políticas e Econômicas na FATEC
Sumaré (SP), e membro do Laboratório de Pensamento Político da Unicamp. Além
de pesquisadores e parte da organização do evento, todos são militantes trotskistas.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
15
sobre Cuba, se ela é socialista, capitalista de Estado ou um Estado
Operário Degenerado, a importância desse feito é inestimável na
história do trotskismo internacional, e digna de continuidade.
Durante o evento em Cuba, foi formado o Comitê Organizador
“Mário Pedrosa” com a tarefa de organizar o II Encontro, composto
pelos brasileiros que estavam no evento e batizado em homenagem a
um dos pioneiros do trotskismo no Brasil. Com a suspensão do evento
devido à pandemia, o Comitê organizou dois eventos online, em agosto
de 2020 e de 2021, com o título Trótski em Permanência, ambos com
caráter internacional. Enquanto o evento de 2020 foi mais modesto, o
de 2021 contou com Mesas Redondas de convidados e dezenas de
comunicações apresentadas em Simpósios Temáticos, o que culminou
na publicação de um livro homônimo com seus trabalhos. Ao longo
desse tempo, o Comitê mudou de composição, com saída e entrada
de membros, mas sempre manteve um caráter politicamente diverso,
com militantes de diferentes organizações e também intelectuais
independentes.
Hoje estamos cinco anos adiante de nosso primeiro encontro,
mas celebrando com este livro a realização do II Encontro
Internacional Leon Trótski, ocorrido presencialmente em São Paulo
(na PUC-SP e USP) e online (via YouTube e Facebook) entre 21 e
26 de agosto de 2023. A união de forças situadas em localidades tão
diversas e distantes fizeram acontecer esse evento internacional de
forma híbrida, superando as dificuldades da escassez de recursos por
meio de muito empenho e solidariedade que o Comitê Organizador
“Mário Pedrosa” depositou nesse projeto coletivo.
O evento contou com 5 Mesas Redondas presenciais,
totalizando 21 falas, e com 13 Simpósios Temáticos online, totalizando
16
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
57 falas, ao longo de 5 dias de evento. As Mesas Redondas foram
compostas por militantes e intelectuais convidados e abordaram os
temas “A situação de Cuba hoje e o legado do trotskismo cubano”
(Abertura), “A Revolução Alemã de 1923 e seu papel na formação
do trotskismo”, “As tarefas do trotskismo no Brasil de hoje”, “Um
panorama do trotskismo ao redor do mundo”, “Uma homenagem a
Mário Pedrosa e aos primeiros trotskistas brasileiros” e, compondo
o encerramento, houve a apresentação de livros recém-publicados.
Por sua vez, os vários Simpósios Temáticos foram compostos de
comunicações enviadas por pessoas de vários países e organizações.
Tudo isso resultou em várias horas de transmissão ao vivo
(disponíveis no canal de YouTube do evento) e nos 36 textos deste
livro, no qual todos os participantes do encontro foram convidados
a publicar.2 Fizeram-se presentes dezenas de organizações políticas,
dispostas sem predileções pessoais de nenhum de nós, e discutiram-se
os temas mais candentes da luta de classes no Brasil e no mundo, bem
como aspectos diversos da história e legado do trotskismo e da União
Soviética. Essas discussões levantaram diversos questionamentos à
atuação das organizações de esquerda mundo afora e contribuíram
para revelar o sentido atual das controvérsias teóricas e práticas que
sempre marcaram a agitada história do trotskismo.
Frente a um mundo que é palco de catástrofes climáticas,
de ascensões cada vez mais meteóricas da extrema direita e de uma
ampliação sem precedentes da miséria e da opressão, a (re)construção
de uma alternativa revolucionária pelas mãos da classe trabalhadora é
uma tarefa de primeira ordem, e o legado de Trótski nos proporciona
2 Como nem todos os participantes enviaram os textos de suas apresentações, nós
agrupamos os textos recebidos sem necessariamente seguirmos a composição das
Mesas Redondas e Simpósios Temáticos aos montarmos as seções deste livro.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
17
um valioso instrumental teórico e programático na construção dessa
alternativa. Se o capitalismo não for destruído em proveito de uma
democracia de fato socializada, a humanidade agonizará até finalmente
perecer. A tônica “socialismo ou barbárie” jamais se mostrou tão atual.
Na trilha desse percurso, conhecer organizações, confrontar
programas políticos, discutir formas de atuação e analisar a história
do movimento comunista internacional, com uma especial atenção
aos seus erros, acertos e contradições, são passos imprescindíveis.
Acreditamos que o II Encontro Leon Trótski foi capaz de contribuir
em todos esses aspectos.
Tendo encerrado nossas atividades após cinco anos de muitas
reuniões, três eventos e dois livros, o Comitê Organizador “Mário
Pedrosa” encara ter realizado não só aquilo que havia se proposto
originalmente em Cuba, em 2019, mas muito mais. E é com grande
alegria que saudamos a organização de um III Encontro Internacional
para outubro de 2024, em Buenos Aires, na Argentina. Que venham
muitos outros!
Viva Leon Trótski!
Viva o socialismo revolucionário!
N.B.: Ao longo deste livro o nome de Trótski aparece grafado de diferentes formas
(Trótski, Trotsky, Trotski etc.). Optamos por preservar a grafia escolhida por cada
autor, ao invés de impor uma padronização, pois as múltiplas formas de grafia
não atrapalham a compreensão e não há, de fato, um padrão reconhecido e bem
estabelecido, por mais que haja normas de transliteração (as quais, diga-se de
passagem, se forem seguidas, levam a uma grafia bastante incomum para o leitor
brasileiro).
18
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
COMITÊ ORGANIZADOR “Mário Pedrosa”
O Comitê Organizador “Mário Pedrosa” surgiu em 2019,
formado por brasileiros(as) que estiveram presentes no I Encontro
Internacional Leon Trótski, em Havana, Cuba, e que assumiram
a tarefa de organizar o II Encontro no Brasil para 2020. Ele foi
composto por militantes e intelectuais de diferentes organizações
que reivindicam o trotskismo, bem como independentes e, devido ao
prolongamento de suas atividades, mudou de composição algumas
vezes. No período da pandemia, devido à impossibilidade de realizar
o II Encontro na data prevista, o Comitê organizou os Eventos Online
Trótski em Permanência, em 2020 e 2021. Em 21-25 de agosto de
2023 finalmente foi possível realizar o II Encontro Internacional
Leon Trótski no Brasil.
Para conduzir o evento, o Comitê contou com uma Comissão
Organizadora e também um Comitê Científico (que avaliou as propostas
de comunicação), além de ter recebido alguns apoios institucionais.
Essa foi sua composição à altura do II Encontro:
Comissão Organizadora
Antonio Rago Filho (PUC-SP)
Carlos Prado (UFMS, GEPTH*)
Flo Menezes (Unesp, Estúdio Panorama)
Frank García Hernández (Pesquisador, redator de “Comunistas” –
Cuba)
Icaro Rossignoli (UFF, GEPTH*)
Israel Dutra (Direção Nacional do PSOL)
João Batista Aragão Neto (Advogado)
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
19
Marcio Lauria Monteiro (IFBA, GEPTH*, NIEP-MARX UFF)
Morgana Romão (UFF, GEPTH*)
Renato Fernandes (FATEC Sumaré, PEPOL Unicamp)
Urbano Nojosa (PUC-SP, TVACOMUNA, Revista Pasquinagem)
Vinicius Souza (SME Rio das Ostras)
Comitê Científico
Fernando Araújo (GEPTH*)
Frank García Hernández (Pesquisador, redator de “Comunistas” –
Cuba)
Icaro Rossignoli (UFF, GEPTH*)
Marcio Laura Monteiro (FME Niterói, GEPTH*, NIEP-MARX)
Mário Costa de Paiva Guimarães Júnior (UFU, GEPTH*)
Morgana Romão (UFF, GEPTH*)
Renato Fernandes (FATEC Sumaré, PEPOL Unicamp)
Vinicius Souza (SME Rio das Ostras)
Apoios
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Universidade de São Paulo (USP)
* GEPTH – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trótski e a
Historiografia
Studio PANaroma de Música Eletroacústica (Unesp)
TVAComuna
GEPTH
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
LINKS DE INTERESSE
Site do “Encontro Internacional Leon Trotsky” e dos eventos
online “Trótski em Permanência”
https://encontrotrotski.noblogs.org/
Livro do I Encontro Internacional Leon Trotsky (Cuba, 2019)
https://encontrotrotski.noblogs.org/post/2021/08/05/livro-do-iencuentro-internacional-leon-trotski-2019/
Livro do Evento Online Trótski em Permanência 2021
https://encontrotrotski.noblogs.org/post/2023/03/02/livro-do-eventoonline-trotski-em-permanencia-2023/
Canal dos eventos no YouTube (“Encontro Trotsky”)
https://www.youtube.com/@EncontroTrotsky/featured
Playlist com os vídeos do II Encontro Internacional (2023)
h t t p s : / / w w w . y o u t u b e . c o m /
playlist?list=PLeSj43ndMtRS75Qbib8234C6OjrO4FFBz
Playlist com os vídeos do Evento Online 2021
h t t p s : / / w w w . y o u t u b e . c o m /
playlist?list=PLeSj43ndMtRRAFxNpF6R7vOTtdcHcbzWC
Playlist com os vídeos do Evento Online 2020
https://www.youtube.com/playlist?list=PLeSj43ndMtRSMWuY41e8e-m-uasizwBz
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
PARTE I
UM PANORAMA INTERNACIONAL
DO TROTSKISMO
21
22
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
A Europa e a Grécia como uma “zona de tempestades”:
crise, guerra, rebeliões, fracasso da esquerda, ascensão
da extrema-direita - O desafio para o trotskismo
Savvas Michael-Matsas1
A Europa num mundo em turbulência
As mudanças tectônicas estão a alterar dramaticamente toda a
paisagem histórica mundial, a um ritmo e profundidade nunca antes
vistos desde o final da Segunda Guerra Mundial. Nos últimos quinze
anos, a crise capitalista mundial pós-2008 transformou o continente
europeu numa “Zona de Tempestades”. Este último termo foi utilizado
no passado para designar o chamado “Terceiro Mundo”, atualmente o
“Sul Global”. Mas quarenta anos de globalização do capital financeiro
e a sua implosão no crash financeiro global de 2008 não afetaram
apenas o destino da maioria da humanidade super explorada e super
oprimida que vive no Sul Global. Criou também um novo tipo de Sul
Global dentro do Norte Global, uma periferia e semiperiferia dentro
do centro, novas áreas vastas de desastre social.
A Europa capitalista avançada é a metrópole mais fraca do
Norte Global. De berço do capitalismo global e do colonialismo
moderno, transformou-se num capitalismo imperialista em decadência,
subordinado aos EUA, um foco de turbulência constante de forças
contraditórias, abalado por convulsões sociais, econômicas, políticas
e geopolíticas. Tornou-se uma verdadeira Zona de Tempestades:
• A crise da zona euro, que começou há uma década, nunca
1 Dirigente do EEK (Grécia). Contato: savvasmatsas@gmail.com
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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terminou verdadeiramente. Agora está regressando com força.
A economia estagnada da União Europeia é a mais vulnerável
a uma combinação explosiva de fragilidade financeira, crise
da dívida, aumento da inflação e subida das taxas de juro que
a conduzirá à recessão, afetando até a Alemanha, a potência
industrial da economia da UE.
A polarização e a radicalização conduzem a ziguezagues
políticos febris para a esquerda e para a direita; a fracassos
da esquerda parlamentar dominante, quer no governo,
quer na oposição; há um aumento ameaçador de forças de
extrema-direita, xenófobas e fascistas que chegam agora a
posições de governo, não só na Europa Central e Oriental,
mas também na Europa Ocidental e Meridional, como num
membro fundador da UE como a Itália, bem como no Norte
escandinavo, anteriormente social-democrata.
Surgem mobilizações sociais de massas, greves de
trabalhadores e rebeliões populares de massas empobrecidas
e de jovens (a França é um exemplo forte), produzindo crises
agudas de regime.
Não param de surgir gigantescas ondas migratórias de vítimas
do Ocidente em África e na Ásia para uma “Europa fortaleza”
que trava uma bárbara “guerra contra os pobres”, com
“empurrões” assassinos e uma política de “não salvamento”
que transformou o Mediterrâneo num cemitério marítimo para
dezenas de milhares de migrantes desesperados. É instaurado
um regime de detenção em campos de concentração em
condições desumanas em solo europeu e no Norte de África.
Acima de tudo, o continente europeu e o mundo inteiro estão
24
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
à beira do abismo de uma Terceira Guerra Mundial devido
à atual guerra por procuração da OTAN liderada pelos
EUA no coração da Europa, na Ucrânia, contra a Rússia
e, indiretamente, também contra a China. Uma guerra que
foi corretamente reconhecida pelo Chanceler alemão Olaf
Scholz como uma Zeitenwende, um ponto de inflexão da
história mundial.
A Grécia na encruzilhada
A Grécia é o epítome de todos os problemas da Europa.
Esmagada pelo peso da dívida externa e privada, continua
subjugada às ordens draconianas de “austeridade” da UE e do Banco
Central Europeu, fielmente aplicadas por todos os governos gregos.
Segundo país da UE em termos de pobreza, apenas atrás da
Bulgária, com um terço da população a viver abaixo do limiar da
pobreza, em condições de elevado desemprego, trabalho precário,
baixos salários e aumento do custo de vida, a Grécia está reduzida
a um campo lucrativo voltado para fundos estrangeiros vorazes e
especuladores do setor imobiliário e do turismo, tornando-se uma
espécie de Tailândia para ricos.
O Estado grego é conhecido pela sua burocracia e corrupção.
Funciona como cobertura e bastião para a extrema-direita, uma
máquina de repressão do “inimigo interno”, bem como um feroz
gendarme e guardião de prisões contra os migrantes nas fronteiras
do Sudeste da Fortaleza Europa. Como membro fiel da OTAN, está
envolvido em todos os planos e ações de guerra dos imperialistas dos
EUA e da OTAN na Ucrânia, nos Balcãs, no Mediterrâneo Oriental e
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
25
no Oriente Médio.
Não há dúvida de que a Grécia continua a ser o elo mais fraco,
ou melhor, o elo já quebrado (pela anterior crise da zona euro) da cadeia
europeia. Ao mesmo tempo, está situada na encruzilhada de todas as
contradições socioeconómicas e conflitos geopolíticos internacionais.
É neste contexto geral, e de um ponto de vista internacional,
que se deve compreender a luta de classes e a vida política na Grécia,
incluindo as recentes eleições parlamentares gregas de maio e junho
de 2023 e o inglório "triunfo" da direita.
As eleições gregas de 2023: Crónica de uma derrota anunciada
Os resultados das duas eleições provocaram um verdadeiro
choque, devido à enorme diferença entre os 40% obtidos pela “Nova
Democracia”, de direita, apesar do seu historial lamentável como
governo cessante, e os menos de 20% recebidos pela “oposição
oficial”, o Syriza, de esquerda reformista. Uma diferença tão grande era
inesperada para a maioria das pessoas. Para piorar a situação, a vitória
esmagadora da direita conservadora foi acompanhada pelo regresso ao
Parlamento dos herdeiros do grupo criminoso nazi “Aurora Dourada”,
mascarados desta vez com a ridícula alcunha de “Os espartanos”. No
conjunto, os nazistas e mais três grupos marginais de extrema-direita
que entraram no Parlamento, obtiveram um aumento de votos de 13%.
A vitória da direita baseou-se principalmente na ausência de
qualquer rival crível capaz de formar um governo alternativo. A vitória
da Nova Democracia foi construída principalmente sobre as ruínas
políticas de um Syriza desacreditado. Após a sua capitulação perante
o ultimato da troika UE-BCE-FMI em julho de 2015, traindo não só
26
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
as suas promessas, mas também o mandato do referendo que rejeitou
o ultimato da troika por uns tremendos 61%, o Syriza continuou o seu
desastroso curso à direita, perdendo a sua própria identidade reformista
de esquerda e desacreditando a esquerda como um todo na consciência
social das massas.
Como governo em 2015-19, o Syriza implementou fielmente o
pior terceiro “Memorando de Entendimento” de medidas draconianas
de “austeridade”. Em 2019-23, como oposição oficial de “centroesquerda”, votou metade dos projetos de lei antipopulares introduzidos
pelo governo de direita de Mitsotakis. Declarou continuamente a sua
lealdade à UE e à OTAN. Por último, mas não menos importante,
nas eleições de maio de 2023, o Syriza não tinha outra alternativa
de governo a propor que não fosse a formação de uma coligação
de “centro-esquerda” / “governo progressista” com o social-liberal
PASOK – uma proposta que o próprio PASOK rejeitou repetidamente
como absurda.
A derrota esmagadora do Syriza é uma condenação severa
a uma esquerda que antes tinha atraído – e traído – as esperanças e
o apoio de uma parte significativa do povo grego, nos tumultuosos
anos de 2012-15. Graças a esse apoio popular, conseguiu formar,
pela primeira vez na Grécia do pós-guerra (e da pós-guerra civil), um
chamado “governo de esquerda”.
A ascensão meteórica do Syriza atraiu esperanças exageradas e
apoio acrítico para além da Grécia, entre uma vasta maioria da esquerda
europeia e internacional, incluindo a chamada esquerda anticapitalista.
Mesmo a maioria das correntes trotskistas internacionais adotou este
consenso impressionista sobre o Syriza e exerceu, à distância, grandes
pressões sobre as suas secções gregas – sem sucesso.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
27
Internacionalmente, o Syriza apareceu como um “novo
paradigma de uma esquerda radical vitoriosa”. Para outros sectores
da esquerda internacional, a ascensão do Syriza era um sinal de uma
oportunidade de ganhar influência através da nova virada das massas
para a política radical. A “nova” orientação oportunista (ou melhor,
desorientação) foi realizada meramente em termos eleitoreiros,
através de políticas de apoio, voto ou mesmo de adesão como fação
de esquerda às fileiras do Syriza. Agora, o colapso inglório do Syriza
espalha uma grande confusão política, desilusão e desorientação tanto
na Grécia como a nível internacional.
De outro lado, aparentemente oposto, combinando sectarismo
e oportunismo, o Partido Comunista estalinista da Grécia, o KKE,
durante o surto inicial das massas, opôs-se veementemente e denunciou
o “movimento das praças” populares, boicotando até mesmo o
referendo anti-troika de 2015. Agora, após as eleições de 2023, o KKE
celebra como uma vitória os seus modestos ganhos eleitorais de 7%
dos votos, subestimando o impacto negativo da vitória da direita e o
aumento ameaçador dos votos para os nazis e a extrema-direita.
Em todo o espectro político, da direita à esquerda, na maioria
dos casos, não há reconsideração crítica das políticas passadas, mas
apenas autojustificação, repetição das mesmas políticas e projeção
cega das mesmas no presente e no futuro.
O fim da primeira onda
É notável que, na sua miopia nacional-provincial, tanto as
declarações triunfalistas de uma arrogante "Nova Democracia" como
as lamentações de um Syriza derrotado e em desordem concordem
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
apenas num ponto: nomeadamente que "todo um ciclo histórico para
o Syriza, desde 2012, foi encerrado”.
A verdade é que se fechou um ciclo internacional muito mais
amplo: a primeira onda internacional de lutas desencadeada após a
eclosão, em 2008, da crise capitalista mundial.
Sob diversas formas e dimensões, num desenvolvimento
desigual e combinado, estas lutas de massas engolfaram um vasto
espaço, envolvendo a primavera Árabe revolucionária que derrubou
as ditaduras de Ben Ali e Mubarak, o inédito “Movimento das Praças”
dos Indignados na Puerta del Sol em Espanha e das massas rebeldes
na Praça Syntagma na Grécia, a ocupação do Parque Gezi na Turquia
e, mais tarde, as convulsões e mobilizações no Líbano, no Iraque, na
Argélia, no Sudão, no Chile e até nos Estados Unidos, onde, com os
movimentos Occupy, como observou David Graeber, “a sombra do
poder do povo chegou a Wall Street”.
Dentro ou ao lado destes movimentos e lutas de massas,
ou “surfando” sobre eles, surgiram formações políticas novas ou
renovadas, por vezes de forma espetacular, como o Podemos em
Espanha ou um Syriza radicalizado na Grécia. Formaram-se “Frentes
Amplas” de partidos e movimentos de esquerda e extrema-esquerda,
como o Bloque de Esquerda em Portugal, a frente anticapitalista
Antarsya na Grécia, ou a FIT na Argentina, atuando principalmente
como blocos eleitorais para captar o apoio da viragem à esquerda
de grandes setores da população. Da mesma forma, foram feitas
tentativas para fundar “partidos amplos”, unificando um vasto espetro
de organizações, facções e tendências da “esquerda radical”, como no
caso da anteriormente trotskista Ligue Communiste Révolutionnaire
em França, que se liquidou no pós-trotskista Nouveau Parti
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
29
Anticapitaliste-NPA.
A maioria destas experiências, de uma forma ou de outra,
fracassou politicamente, conduzindo a crises internas, a múltiplas
cisões ou ao colapso. Em condições de impasse político e de
agudização da crise capitalista, a direita conservadora e, em especial, a
extrema-direita racista, xenófoba, “alt-right” ou abertamente fascista,
começaram a erguer-se novamente em toda a Europa e não só.
Mas, ao mesmo tempo, um novo e poderoso movimento
grevista, impulsionado pela inflação e pelo aumento do custo de
vida de uma população empobrecida numa sociedade capitalista em
decadência com crescentes desigualdades monstruosas, espalhou-se
em 2022-23 da Grã-Bretanha pós-Brexit para todos os países da UE
na Europa continental.
O início de uma nova onda internacional de lutas sociais
manifesta-se, nos primeiros cinco meses de 2023, pelas gigantescas
mobilizações em França contra a contrarreforma das pensões imposta
por decreto do regime bonapartista enfraquecido de Macron.
Macron não teve tempo de festejar a sua “vitória” de Pirro
e foi confrontado, após o assassinato de um rapaz em Nanterre pela
polícia, com uma rebelião maciça, à escala nacional, de uma juventude
proletária e paupérrima, vivendo em condições sociais desastrosas e
enfrentando dia e noite a brutalidade racista da repressão do Estado.
É óbvio que nem a guerra de classes nem a crise capitalista
terminaram com os fracassos da esquerda na anterior e primeira onda
internacional de lutas. Os regimes e governos capitalistas na Europa e
a nível internacional, incluindo o recém reeleito governo de Mitsotakis
na Grécia, entram num novo período de turbulência.
É muito importante agora para o movimento operário e para
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
a sua vanguarda tirar as lições estratégicas do ciclo histórico anterior
para superar as razões dos fracassos e elaborar uma estratégia para a
vitória.
Experiências estratégicas
A importante primeira sequência de lutas de massas pós-2008,
incluindo os fracassos e derrotas da esquerda durante esse período,
tem de ser estudada como experiências estratégicas, no sentido dado
a estes termos por Leon Trotsky: como experiências historicamente
importantes que colocam no centro a questão mais crucial da
estratégia: a questão do poder político do Estado:
Por tática em política entendemos, utilizando a analogia da
ciência militar, a arte de conduzir operações isoladas. Por estratégia,
entendemos a arte da conquista, ou seja, a tomada do poder. [...]
A grande época da estratégia revolucionária começou em 1917,
primeiro para a Rússia e depois para o resto da Europa. A estratégia,
evidentemente, não dispensa a tática. As questões do movimento
sindical, da atividade parlamentar, etc., não desaparecem, mas
adquirem agora um novo significado como métodos subordinados
de uma luta combinada pelo poder. A tática está subordinada à
estratégia. (L Trotsky, Lições de outubro, 1924)
Esta questão central de uma estratégia revolucionária, a luta
pelo poder, foi precisamente o que foi deliberadamente evitado e/
ou abertamente rejeitado, durante todo este período, por aqueles que
estavam na liderança do movimento de massas, as forças da esquerda,
incluindo as da esquerda radical e anticapitalista. Muito brevemente,
alguns exemplos:
A questão do poder foi colocada de forma mais evidente com
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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o derrube das ditaduras pelas revoluções na Tunísia e no Egito, onde a
classe operária desempenhou um papel importante à frente das massas
populares empobrecidas nas cidades e nos campos. Mas o caminho
para o poder dos trabalhadores e dos pobres foi bloqueado não só
pelo terrorismo de Estado e pelo controle burocrático, mas também
por uma desorientação desastrosa, mesmo entre a esquerda radical que
procurava uma solução numa aliança com vários setores da burguesia
dominante dividida e as suas forças políticas tradicionais, nacionalistas
ou islamistas, como a Irmandade Muçulmana ou os militares de
ascendência nacionalista nasserista. Finalmente, a subordinação
às forças burguesas, a falta de independência política da classe
trabalhadora e de uma liderança revolucionária com uma estratégia
de luta pelo poder dos trabalhadores apoiada pelos pobres levou a um
retrocesso contrarrevolucionário: o golpe militar que estabeleceu a
ditadura militar de al Sisi no Egito ou o golpe presidencial na Tunísia,
ambos a serviço das elites dominantes locais e do imperialismo
ocidental.
Na Espanha, o Podemos passou do movimento “sem partido”
para o eleitoralismo partidário e, através de uma série de cisões
internas, para a posição de parceiro subordinado de segunda categoria
no governo do PSOE social-democrata de Pedro Sanchez, para
finalmente se extinguir noutro bloco eleitoral de esquerda, o Sumar.
O resultado político é a ascensão do franquista Partido Popular e do
abertamente fascista Vox nas eleições regionais e municipais de maio
de 2023 e, depois, as eleições legislativas antecipadas de julho, que
terminam num impasse. A crise não resolvida do poder político é
exacerbada em condições de polarização, deixando a Espanha num
limbo político.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Na Grécia, o Syriza sempre, mesmo durante o período “radical”
de 2012-15, declarou repetidamente o seu apoio à “continuidade do
Estado”, às suas bases capitalistas e aos seus acordos com a UE e o
imperialismo dos EUA/OTAN. Quando esteve no governo, governou
em coligação com os nacionalistas de direita “Gregos Independentes”.
Todos os aparelhos repressivos do Estado capitalista, o Exército, a
Polícia (um refúgio seguro para a extrema-direita e os simpatizantes
nazistas), os serviços secretos, o sistema judicial, etc., permaneceram
intactos.
As forças que se posicionam à esquerda do Syriza, o KKE
e as organizações ou blocos da esquerda anticapitalista têm como
única ambição ser uma oposição “militante” ao governo e ao poder
burgueses. Apesar de algumas referências retóricas, mas vagas, ao
poder dos trabalhadores e ao socialismo como objetivos finais num
futuro indefinido e longínquo, evitaram a questão colocada por uma
crise dramática do poder político. Insistiam que o “equilíbrio negativo
das forças políticas e de classe” tornava a luta por tais objetivos
estratégicos “prematura e não realista”, se não mesmo “uma perigosa
aventura e provocação”.
A sua “realpolitik” era, e continua a ser, atuar, quer nas eleições,
quer nas lutas sociais, como grupos de oposição à pressão da esquerda,
esperando obter vitórias tácticas parciais e uma acumulação de forças
e de posições nos sindicatos e no poder local. A tática e o programa
foram separados de uma orientação estratégica para a luta pelo poder.
Os apelos a uma Frente Unida por parte de setores da esquerda
anticapitalista transformaram-na de tática em estratégia, reduzindo-a
na maioria das vezes a um bloco eleitoral.
O KKE estalinista rejeitou abertamente qualquer questão ou
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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necessidade de um programa de transição, separando os objetivos
programáticos a curto e a longo prazo, esperando que “as condições
amadureçam”. Entretanto, mantém-se dentro dos limites das exigências
imediatas e do puro economicismo sindical.
Por outro lado, entre as forças da Antarsya, houve uma má
interpretação e uma deformação gradualista de um verdadeiro programa
de exigências transitórias, tal como foi delineado pela primeira vez
no período revolucionário inicial da Terceira Internacional e, numa
forma mais desenvolvida, por Trotsky como o programa da Quarta
Internacional.
O subtítulo do documento programático fundador da Quarta
Internacional deixou claro que o seu método e o seu objetivo são
intervir em todas as lutas através da apresentação de reivindicações,
para “a mobilização sistemática das massas no caminho da luta pelo
poder dos trabalhadores”. NÃO se trata de uma lista de reivindicações
“não mais reformista, mas ainda não revolucionária”, “anticapitalista,
mas não totalmente(?) socialista revolucionária”, que conduz, passo a
passo, gradualmente, à revolução e ao socialismo...
Esta “realpolitik” ilusória, superficial e desastrosa é um eco
tardio do “marxismo” reformista pré-1914 da Segunda Internacional
misturado com o dogma estalinista. Na prática, pode funcionar, em
certa medida, como um fator de estabilização temporária num sistema
burguês desestabilizado, intensificando a frustração perante um impasse
histórico, o sentimento de uma espécie sentimento thatcheriano de que
“Não há alternativa”. “Se alguma vez existiu um movimento histórico
para o qual a Realpolitik apresenta uma ameaça terrível e sinistra, é o
Socialismo”, escreveu Lucáks em Tática e Ética durante a Revolução
Húngara de 1919.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
O EEK e o Estado
O nosso Partido, o EEK, celebra em 2023 os seus 60 anos de
existência revolucionária em luta, muitas vezes sob as condições mais
difíceis, como sob a ditadura militar. Apesar de todos os altos e baixos,
dos saltos em frente, bem como dos fracassos e cisões sempre ligados
à história tumultuosa da Quarta Internacional depois de Trotsky, o
nosso princípio orientador constante foi a luta pelo internacionalismo
e pela Internacional, por um poder operário do tipo da Comuna, pela
transição para além do capital e para além do Estado-Leviatã, para o
comunismo mundial, o reino marxiano da liberdade.
Nesta linha, no período recente, levantamos a questão central
do poder do Estado em crise em todos os seus avatares, desde a revolta
revolucionária de dezembro de 2008 até agora. Por esta razão, o EEK
tornou-se alvo de ataques contínuos por parte do Estado capitalista.
Em 2009, um ataque assassino da polícia de choque motorizada
a um contingente do EEK numa manifestação quase matou uma
conhecida combatente dos tempos da ditadura, a camarada Angeliki
Koutsoumbou. Em 2013, o secretário-geral do EEK foi levado a
julgamento pelo governo de direita, na sequência de uma ação judicial
intentada pelo partido nazi “Aurora Dourada”, com a absurda acusação
anticomunista e antissemita de “fomentar uma guerra civil para impor
um regime judaico-bolchevique na Grécia”!!! Graças a uma campanha
internacional de solidariedade, ganhámos o processo.
Dez anos depois, após as eleições de 2023, o EEK volta a ser
alvo de uma caça às bruxas orquestrada pelo Estado, pela imprensa
burguesa e pelo governo reeleito da Nova Democracia. O nosso
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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“crime” foi denunciar um verdadeiro crime de Estado: em 18 de julho
de 2023, a Rede Solidária de Clínicas Livres, animada pelo EEK e por
ativistas independentes, organizou um poderoso evento em Atenas,
com quase um milhar de pessoas, denunciando o naufrágio criminoso
do “Adriana” perto de Pylos, em junho passado, quando sete centenas
de migrantes, principalmente mulheres e crianças, morreram afogados
e indefesos.
Não há dúvida de que no período que temos pela frente haverá
uma escalada no confronto entre as massas, a classe trabalhadora
e as suas seções mais militantes de um lado, e do outro lado, o
Estado capitalista, o governo de direita e as suas tropas paraestatais,
fascistóides. Não se pode dar ao luxo de repetir a mesma “realpolitik”
do reformismo “radical” que fracassou miseravelmente.
Raízes de um fracasso
Nos últimos trinta anos, após o colapso da União Soviética
e os dias altos da ofensiva neoliberal e da globalização do capital
financeiro, prevalece uma “desorientação do mundo” geral, para usar
o conceito elaborado por Alain Badiou. Se a ridícula reivindicação
inicial de Fukuyama de um “fim da História” foi abandonada até
pelo seu iniciador, qualquer sentido de história, ou de orientação na
história, é geralmente abandonado, substituído por um “consenso
democrático” para um Eterno Retorno do Mesmo num mundo onde
tudo muda continuamente para permanecer inalterado.
A desorientação nas fileiras da esquerda é exacerbada pelo
fato de todas as vias de ação política anteriormente conhecidas ou
utilizadas, quer a via das reformas quer a via da revolução, parecerem
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
bloqueadas.
O reformismo no período pós-Segunda Guerra Mundial esteve
ligado ao “Estado-Providência” durante os “Trinta Anos Gloriosos”
no quadro keynesiano do acordo de Bretton Woods, que o desmoronou
na década de 1970. A social-democracia transformou-se na infame
“Terceira Via” neoliberal de Tony Blair e dos eurocratas em Bruxelas,
impondo não reformas, mas contrarreformas cruéis que destruíram
todos os direitos dos trabalhadores e as conquistas de lutas anteriores.
Por outro lado, a desintegração da União Soviética e a queda do
chamado “socialismo realmente existente” afetaram profundamente
não só o campo dos seus antigos apoiantes, mas também os seus críticos,
mesmo aqueles que lutavam por uma alternativa revolucionária. Os
principais pontos constantes da orientação política do século XX
perderam-se. O Zeitgeist dominante afirma que a época das revoluções
sociais chegou ao fim.
A declaração de Enrico Berlinguer, o líder do PCI, o arquiteto
do “compromisso histórico” com a direita e papa do eurocomunismo,
de que “o círculo histórico aberto pela Revolução de outubro em 1917
foi definitivamente fechado” tornou-se o mantra da maioria da esquerda
e da extrema-esquerda durante todo um período, especialmente desde
1991 até aos nossos dias. Recentemente, em dezembro de 2022, numa
entrevista após a desastrosa cisão do NPA, François Sabado, dirigente
histórico da LCR, mais tarde do NPA e, durante um longo período,
do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), repetiu
com aprovação e textualmente as palavras de Berlinguer sobre o
“encerramento” do ciclo aberto pela Revolução de outubro...
Quando uma nova maré de lutas radicais surgiu, impulsionada
pela crise capitalista mundial, o duplo impasse tanto do “velho”
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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reformismo social-democrata como do “comunismo” tal como “o
conhecíamos no século XX”, alimentou as tentativas de encontrar
outro tipo de “terceira via” radical para além da reforma e da revolução.
Esta ilusão pode explicar o grande entusiasmo inicial da
esquerda na Europa e a nível internacional pelo Syriza e por Tsipras,
bem como, mais tarde, a profunda desilusão com a capitulação em
julho de 2015, os esforços para encontrar desculpas e justificações e,
finalmente, o choque mortal do Waterloo eleitoral do Syriza em 2023.
Foi um golpe esmagador nas ilusões que floresceram durante
todo um período histórico. Isto não significa que tenham desaparecido
automaticamente. As causas históricas mundiais da desorientação
permanecem. Muito provavelmente, com o fracasso da antiga esquerda
“radical” institucionalizada, a confusão prevalecente será agravada,
pelo menos temporariamente.
Todo um círculo de ascensão meteórica e queda precipitada de
uma série de formações radicais de esquerda terminou de fato. Mas
uma adaptação prolongada ao quadro capitalista, a fuga sistemática
às questões estratégicas do poder político e da dominação de classe,
a recusa em desafiar a “continuidade do Estado” permanecem. Os
perigos desta longa adaptação da esquerda, mesmo dos seus sectores
mais radicais, ao “consenso democrático”, ao quadro capitalista, ao
próprio Estado, crescem imensamente a cada volta histórica da crise
mundial em espiral
Desorientação, guerra e internacionalismo em ação
O dramático ponto de inflexão da história, a Zeitenwende
da conflagração militar internacional no coração da Europa pelo
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
imperialismo da OTAN liderado pelos EUA contra a Rússia, foi
um teste de colisão para todas as seções da esquerda internacional,
incluindo todas as organizações e correntes que se dizem trotskistas
ou que têm as suas origens no trotskismo e na Quarta Internacional. A
grande maioria falhou o teste da história.
O resultado político deste teste de colisão pode encontrar
analogias com o que aconteceu durante as guerras mundiais do
século XX: o colapso social-chauvinista da Segunda Internacional na
Primeira Guerra Mundial, ou a capitulação perante o imperialismo
“democrático” e a dissolução do Comintern por Stalin na Segunda
Guerra Mundial.
Agora, perante a guerra por procuração provocada pela
OTAN na Ucrânia, a grande maioria da esquerda e da extremaesquerda colocou-se do lado da OTAN. O pretexto foi “a defesa da
autodeterminação nacional do povo ucraniano”, enquanto o povo
ucraniano é reduzido a carne para canhão do imperialismo ocidental e
o seu país a um campo militar e protetorado da OTAN onde nenhuma
decisão independente pode ser tomada sem as ordens de Washington.
O pretexto ridículo de Biden de que a guerra é travada “para a defesa
da democracia contra a autocracia de Putin [e Xi]” só poderia ser
persuasivo para aqueles que estão totalmente subordinados a uma
democracia burguesa moribunda - um termo facilmente adotado agora
até pelos nazistas na Suécia ou pelos fascistas Fratelli d’Itália.
Mas infelizmente entre aqueles que apoiam como “legítima”
essa guerra por procuração estão a maioria do NPA, do SU-QI e a
maioria das organizações que vêm da tradição de Nahuel Moreno,
desacreditando o trotskismo no Ocidente e no Oriente. Opõem-se a uma
resposta internacionalista revolucionária genuína ao desafio de uma
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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guerra imperialista que, abertamente, particularmente após as cúpulas
da OTAN em Madrid e recentemente em Vilnius, está aumentando em
todos os continentes do mundo.
Outro grupo de partidos e organizações de esquerda finge
manter uma posição “equidistante”, condenando tanto a OTAN
como a Rússia. Apresentam a guerra como uma “guerra entre dois
campos imperialistas” ou entre um imperialismo mais avançado dos
EUA/OTAN e um “sub-imperialismo” russo, ou um “imperialismo
periférico”, ou um “imperialismo em formação” ou apenas como “a
autocracia do capitalismo oligárquico de Putin”.
Na maior parte das vezes, o “imperialismo” é identificado
com a política de expansionismo militar. Ou, as características do
imperialismo resumidas por Lenine no seu famoso panfleto são
retiradas do contexto como uma lista normativa, uma forma supra
histórica sem conteúdo histórico específico. A sua análise marxista do
imperialismo, que revela a sua determinação essencial, em primeiro
lugar, como uma época, a última fase do desenvolvimento histórico
do capitalismo mundial, a época do declínio capitalista, é ignorada.
Algumas correntes apelam a uma insurreição simultânea contra
a OTAN e o regime russo, reavivando uma velha fórmula levantada
por uma oposição no Socialist Workers Party dos EUA em 1939 para
uma “Insurreição em Duas Frentes”, justamente e duramente criticada
por Trotsky (ver Em Defesa do Marxismo).
Na Grécia, o KKE estalinista, que anteriormente seguiu
cegamente durante décadas as diretivas de Moscou (incluindo as
ordens do Kremlin que conduziram a revolução grega na década de
1940 à traição e à derrota), agora não só condena os “imperialistas
americanos e russos” como também organiza manifestações que
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
começam primeiro em frente à embaixada russa em Atenas e depois se
dirigem à embaixada dos EUA...
Os centristas de Antarsya também veem na Ucrânia uma
“rivalidade inter-imperialista”, condenando fortemente ambos os lados
do conflito. Esta racionalização sem fundamento de “manter a mesma
distância contra a OTAN e a Rússia capitalista de Putin” não tem
consequências “neutras”. Reforça o impulso de guerra imperialista
da OTAN, a propaganda de guerra e os planos de guerra, através de
uma política que tenta neutralizar qualquer resistência popular antiimperialista e a mobilização revolucionária internacionalista da classe
trabalhadora para derrotar a OTAN.
Defendendo a sua posição “equidistante”, a direção da
Antarsya sabotou e rejeitou, na véspera das eleições parlamentares
de 2023 na Grécia, uma proposta (anteriormente bem recebida pela
maioria dos delegados da Conferência da Antarsya em janeiro de
2023) para formar um bloco eleitoral contra a direita, todos os partidos
burgueses e o Syriza, de Antarsya com o EEK, A proposta foi uma
atualização nas novas condições do bloco Antarsya-EEK-lutadores
independentes formado nas eleições de setembro de 2015, um bloco
baseado em um programa eleitoral comum e plano de ação de classe,
com total respeito à independência política e programas de todos os
participantes. Mas em 2023, a guerra na Ucrânia tornou-se um casus
belli para os líderes de Antarsya contra o EEK falsamente acusado de
ser “pró-Putin” porque condena a OTAN e o imperialismo dos EUA
como os instigadores da guerra e apela à derrota da OTAN.
O EEK analisou cuidadosamente a guerra na Ucrânia antes do
conflito e ao longo de todas as fases do seu desenvolvimento até à
atualidade. Partilha a mesma linha com os seus camaradas internacionais
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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do Centro Socialista Internacional “Christian Rakovski”.
O Centro Rakovski organizou com êxito, nos dias 25 e 26
de junho de 2022, uma Conferência Internacional Anti-imperialista
Antiguerra, na qual participaram militantes de dezenas de partidos,
organizações e tendências de esquerda de todos os continentes e onde
se expressou democraticamente todo o espetro de pontos de vista
sobre a guerra na Ucrânia, tendo a linha votada pela grande maioria
sido definida no Manifesto da Conferência, que sublinha claramente:
No contexto do impasse histórico em que se
encontra o imperialismo, com a espiral sempre
crescente da sua crise sistêmica mundial, após a
implosão da globalização do capital financeiro,
este acelera a sua ofensiva bélica para reabsorver
totalmente os dois países onde a revolução
socialista mundial tinha quebrado no passado os
seus elos mais fracos, mas onde a revolução se
voltou mais tarde para o caminho da restauração
capitalista: Rússia e China.
A derrota da guerra imperialista liderada pelos
EUA/OTAN é a tarefa primária, necessária e
urgente para todas as forças que lutam pela
emancipação da escravidão capitalista e da
servidão imperialista, em primeiro lugar a classe
trabalhadora internacional e a sua vanguarda
revolucionária. Nenhum comunista, nenhum
socialista, nenhum combatente da luta antiimperialista, pode ser “neutro” ou “equidistante”
na conflagração militar em curso que começou
na Ucrânia [...]
A nossa linha anti-imperialista não significa
que abandonemos a nossa firme oposição aos
restauracionistas capitalistas, aos oligarcas russos
e ao bonapartismo de Putin. Foi o colapso da União
Soviética e a viragem para a restauração capitalista
que abriram as portas à ofensiva do imperialismo
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
e a uma guerra de fragmentação e colonização do
antigo espaço soviético, bem como da China. [...]
A única maneira de sair deste beco sem saída,
para um desenvolvimento social renovado e
vigoroso, tem de quebrar estes obstáculos internos
e externos. É necessária uma mudança radical
de orientação com a independência política, a
iniciativa e a participação ativa das próprias massas
trabalhadoras: uma nova viragem revolucionária
da restauração capitalista para o caminho do
socialismo. [...]
Sem qualquer apoio a regimes restauracionistas,
oligarcas ou bonapartistas, a classe trabalhadora
internacional e a sua vanguarda não devem
permanecer neutras face à agressão imperialista,
mas lutar para derrota-la. Uma vitória militar do
imperialismo liderado pelos EUA/OTAN contra
a Rússia hoje (e a China amanhã) será uma
catástrofe não só para os povos da Rússia, da
Ucrânia e de toda a região euroasiática reduzida
a semicolônias fragmentadas, mas para toda a
humanidade. Uma derrota estratégica decisiva do
imperialismo mundial, pelo contrário, não só fará
avançar a luta mundial contra o capitalismo e o
imperialismo, como criará as melhores condições
para derrotar também a restauração capitalista.
O internacionalismo em ação: o desafio do trotskismo
A guerra imperialista liderada pelos EUA e pela OTAN
na Ucrânia, com todas as suas causas, dimensões e implicações
internacionais para o futuro da humanidade, traçou uma linha divisória
mais profunda entre as forças da esquerda internacional, do movimento
operário e de todos os movimentos de libertação e emancipação. A
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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necessidade de um internacionalismo socialista organizado e em ação é
urgente. É necessário preparar uma Conferência do tipo Zimmerwarld
para reagrupar uma vanguarda revolucionária de forças proletárias
e anti-imperialistas para travar a guerra contra a guerra imperialista.
Acima de tudo, o que é mais urgente é a Internacional revolucionária
que está a faltar.
Esta necessidade é cada vez mais reconhecida, embora em
termos vagos, por muitos lutadores dedicados em todo o mundo.
Continua a ser o maior desafio para o trotskismo mundial.
O EEK numa resolução internacional votada no seu 17º
Congresso em junho de 2021 e reconfirmada pelo seu 18º Congresso
de dezembro de 2022 sublinha:
Não pode haver política revolucionária e partido
revolucionário dentro dos limites de um único
país, tal como é impossível o “socialismo num
único país”. O Partido Revolucionário constróise como uma parte da construção da Internacional
revolucionária, de um Partido Mundial da
revolução socialista permanente. (...)
A Quarta Internacional foi fundada por Trotsky
e seus camaradas no meio das derrotas mais
colossais
do
movimento
revolucionário
internacional, quando era “a meia-noite do
século”, sob as condições mais difíceis jamais
enfrentadas pela vanguarda revolucionária que
perseguia fielmente a Revolução de outubro.
Era historicamente necessária, historicamente
justificada e historicamente incompleta. O seu
objetivo não era apenas lutar contra o stalinismo,
mas completar, à escala mundial, o trabalho de
transformação social iniciado em outubro de 1917.
[...]
A luta pela 4ª Internacional não pertence ao
44
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
passado, mas ao presente e ao futuro imediato. Ela
permanece viva e atual. A sua atualidade assenta
na base material da época imperialista do próprio
declínio capitalista.
... apesar da fragmentação das forças da Quarta
Internacional, o núcleo central que mantém vivo
e torna vital o projeto da Quarta Internacional é
precisamente a base histórico-material da teoria e
da prática da Revolução Permanente.
Continuamos nesta via revolucionária. Sem ultimatos sectários
e isolamento nacional ou autoglorificação, sem adaptação oportunista
à linha de menor resistência, continuamos a luta pela Internacional
com confiança na vitória da revolução socialista mundial que começou
em outubro de 1917!
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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Notas sobre o trotskismo nos Estados Unidos
Paul LeBlanc1
Antes de iniciar esta breve análise do trotskismo nos Estados
Unidos, vou oferecer três elementos de contexto. O estudo vai
centrar-se nas deficiências que prejudicam a capacidade do trotskismo
estadunidense de estar à altura do seu potencial como força política
eficaz. Concluirei com possíveis soluções.
Elemento Contextual #1: Parece que estamos num período
de transição. Tal como há três décadas passamos da Era da Guerra
Fria para a Era da Globalização, agora parece que entramos numa era
de crise, de caos e de revelação. A estrutura e a dinâmica da economia
global geram desigualdades, instabilidades e destruição crescentes
que põem em jogo o futuro da civilização humana. Esta situação tem
sido acompanhada por uma acentuada inclinação para a direita por
parte de uma parte significativa da classe dominante, mas também no
seio da população em geral - embora seja ferozmente combatida por
muitos outros elementos dessa população. O extremismo de direita de
Donald Trump é apenas uma manifestação de uma tendência maior e
mais profunda. A erosão da qualidade de vida para uma parcela cada
vez maior das maiorias trabalhadoras do mundo é acompanhada por
um crescente autoritarismo, irracionalidade e violência.
O mais grave de tudo, porém, é uma ameaça iminente à
sobrevivência da humanidade: uma economia de mercado voraz,
concebida para enriquecer ainda mais às elites incrivelmente ricas,
1 Professor Emérito de História; autor de livros sobre o movimento operário, Lenin,
Luxemburgo e Trotsky; militante de longa data e um dos fundadores da extinta ISO.
Contato: Paul.LeBlanc@laroche.edu
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está intimamente ligada à imensa destruição ambiental que envolve o
nosso mundo. A catástrofe ambiental em cascata - que já começou deve ser um foco central para os revolucionários sérios, um assunto ao
qual voltaremos na conclusão destas observações.
Elemento Contextual # 2: Tem havido uma erosão profunda
e um colapso parcial do movimento operário organizado. O
movimento operário dos Estados Unidos persiste, em grande medida,
como uma casca burocrática e em grande parte ineficaz comparado ao
que já foi. Relacionado com isto está uma desintegração generalizada
e o derretimento da esquerda organizada tradicional nos Estados
Unidos. Isto leva a uma erosão dramática da fonte organizada de
perspectivas políticas práticas, acúmulo de experiência, e quadros e
organizadores experientes.
No final do século XX, as duas grandes correntes da esquerda
eram essencialmente reformistas, enredadas no Partido Democrata,
liberal capitalista. Uma era a cena socialdemocrata, no centro do qual
se encontrava o Partido Socialista. A outra era a cena stalinista, cujo
núcleo era o Partido Comunista.
Além disso, havia uma série de marxistas independentes,
pacifistas de esquerda, trotskistas e aspirantes a trotskistas, uma outrora
forte maré de maoístas e ondas sucessivas de uma “nova esquerda”
muito ampla, algo nebulosa, mas vibrantemente ativa. Penso que
este conjunto multifacetado ganhou coerência e peso em grande parte
devido à sua complexa inter-relação com o movimento mais vasto da
classe trabalhadora.
Com a transição da Era da Guerra Fria para a Era da Globalização,
com o desvanecimento e a erosão da subcultura de esquerda, com base
em experiências passadas, e com o envelhecimento e o abandono
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de quadros e organizadores, as organizações da esquerda tradicional
revelaram-se incapazes de se renovar e reconstituir. Elas continuam a
existir, na melhor das hipóteses, como remanescentes fragmentários.
Elemento Contextual #3: A atual era de crise, caos e
desagregação teve inevitavelmente um impacto radicalizador em
novas camadas de jovens que fazem essencialmente parte de uma
classe trabalhadora precária, mas em expansão. Isto se refletiu
na insurgência do Occupy Wall Street, na insurgência do Black Lives
Matter, numa insurgência multifacetada de libertação das mulheres
e em novas manifestações de organização sindical e ações de greve.
Refletiu-se nas campanhas de Bernie Sanders e noutros esforços
eleitorais substanciais para trazer a ideia socialista para o mainstream
da política dos EUA, geralmente no contexto do Partido Democrata.
Também se refletiu no crescimento substancial dos Socialistas
Democráticos da América (DSA) - com um número de membros
de 100.000. Embora profundamente influenciado pelo reformismo
socialdemocrata, o DSA tem sido um ímã para uma variedade de
correntes radicais. Uma dimensão importante dessa radicalização é,
no entanto, a relativa ausência de experiência, competências e quadros
associados à subcultura de esquerda de épocas anteriores. Esse fato
limita por vezes a eficácia e a durabilidade dos esforços atuais.
Chegou o momento de admitir as limitações da minha própria
experiência. Nos anos 1960, eu fazia parte da nova esquerda. No
início da década de 1970, passei a fazer parte do movimento trotskista.
Durante dez anos estive ativo na seção estadunidense da Quarta
Internacional, o Socialist Workers’ Party [Partido dos Trabalhadores
Socialistas] (SWP) – a essa altura (com 2.000 membros) a maior e
mais eficaz organização trotskista, cuja continuidade remontava aos
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anos 1930, 1920 e antes. Havia outros rompimentos e fragmentos que
se identificavam como trotskistas - alguns eram seitas relativamente
estéreis, outros eram melhores do que isso, mas tenho menos
informações sobre eles. Nos anos 1980, a minha filiação terminou
quando se deu uma onda de expulsões no SWP, uma vez que a sua
nova direção abandonou o trotskismo numa adaptação extrema ao
castrismo. Atualmente, existe como uma pequena seita não trotskista,
bastante irrelevante. Após a minha expulsão, adquiri experiência
em vários rachas do SWP - brevemente na Socialist Action [Ação
Socialista] (hoje apenas um punhado de pessoas); depois, durante
vários anos frutíferos e enriquecedores, na modesta Tendência QuartaInternacionalista (nunca superior a 80 camaradas, que se dissolveu
formalmente em 1992); e, finalmente, durante dezesseis anos de
experiência bastante problemática, no grupo Solidarity [Solidariedade],
que nunca chegou a ter mais de 200 membros. Em 2009, decidi juntarme àquela que era, na altura, a maior e mais vibrante organização
trotskista dos Estados Unidos, a Organização Socialista Internacional
(ISO), com mil membros. Permaneci até ao seu colapso em 2019, em
grande parte sob o peso das suas próprias contradições. Atualmente,
sou um membro relativamente inativo de um dos fragmentos pósISO, o Tempest Collective, e também do DSA (para o qual alguns
desses fragmentos gravitaram). Continuo a identificar-me com a
Quarta Internacional e mantenho laços com o Instituto Internacional
de Investigação e Educação (com sede em Amsterdã).
Relembrando: as organizações ainda existentes que mencionei
incluem: o ex-trotskista Socialist Workers Party (não mais de 100
membros); Socialist Action (não mais de 50 membros); Solidarity
(não mais de 200 membros); e o Tempest Collective (não mais de 100
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membros).
Dois outros grupos trotskistas parecem dignos de consideração.
Um, com talvez 1000 membros, chama-se Socialist Alternative e é
mais conhecido por eleger e reeleger Kshama Sawant para o conselho
municipal da cidade de Seattle. Outra parece ser menor, reunida
em torno da publicação online Left Voice, identificando-se com uma
entidade chamada “Fração Trotskista - Quarta Internacional”, que tem
organizações-membros significativas na América Latina. Não tenho
conhecimentos suficientes sobre nenhum destes grupos.
Há pelo menos mais dez grupos que se consideram trotskistas,
com membros que variam entre 10 e 100. É possível argumentar que
alguns deles são mais ponderados e sérios do que outros - mas nenhum
deles pode gabar-se de ter qualquer impacto político substancial.
Estas incluem: a Tendência Bolchevique, a Liga Comunista dos
Trabalhadores Revolucionários (associada à publicação Spark), o
Partido Socialista da Liberdade, o Comitê Trotskista Internacional, a
Liga pelo Partido Revolucionário, o Organizador Socialista, o grupo
Revolução Socialista e a Organização Socialista dos Trabalhadores.
Duas entidades que se identificam como “trotskistas” - também
com quantidade de membros minúscula - distinguiram-se por um
sectarismo particularmente tóxico. Uma é a Liga Espartaquista, que
fez um valioso trabalho de arquivo, mas parece ter em grande medida
se desintegrado ao fim de seis décadas. O Partido Socialista para a
Igualdade [Socialist Equality Party] (outrora conhecido como Liga dos
Trabalhadores) está associado a um site interessante (o World Socialist
Website [WSWS]) e publicou alguns livros valiosos - especialmente
do falecido historiador dissidente soviético Vadim Rogovin - mas
também tem pouco para mostrar após sessenta anos de existência.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Uma caraterística debilitante da maior parte destes grupos
(partilhada com muitos pretensos grupos “leninistas” de orientação
maoísta ou estalinista) é a inclinação de cada um deles de ver a si
próprios como a vanguarda revolucionária, ou como o núcleo de uma
futura vanguarda revolucionária - como o guardião da verdadeira
tradição marxista revolucionária, da política verdadeiramente correta,
em torno da qual o futuro partido revolucionário tem de ser construído,
se for, de fato, um partido revolucionário.
Isto gera dois resultados problemáticos. Um resultado
problemático é que a liderança da organização, e a sua cultura política
interna, funcionam para preservar - por todos os meios necessários
- o que é considerado a política verdadeiramente correta. Isto, com
demasiada frequência, afasta o espírito crítico, a abertura, a criatividade
e até a democracia interna que são essenciais para um partido
verdadeiramente revolucionário. Outro resultado problemático é que,
demasiadas vezes - em nome da pureza revolucionária e para assegurar
um partido revolucionário incorrupto no futuro - a “vanguarda”
autodeclarada cria barreiras entre si e as organizações que são vistas
como politicamente defeituosas, ao mesmo tempo em que se abstém
de construir lutas de massas reais e efetivas dos trabalhadores e dos
oprimidos.
Para alguns grupos que se consideram trotskistas - nos Estados
Unidos, mas também noutros lugares - o foco dos camaradas tem sido,
basicamente, desenvolver pensamentos revolucionários e articular
“posições” revolucionárias. Isto pode ser feito argumentando (para
aqueles que querem ouvir) contra a classe dominante capitalista, ou
contra grupos não-revolucionários, ou contra outros grupos que se
pretendem revolucionários que têm pensamentos e posições um pouco
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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diferentes. Os camaradas discutem estes assuntos nas reuniões de
membros, distribuem o jornal da organização, trabalham em mesas
de literatura, organizam fóruns e grupos de estudo. Se for necessário
organizar comícios ou manifestações, isso é frequentemente feito
através de formações auxiliares controladas pela própria organização
revolucionária. Tudo isto se traduz na criação de um pequeno universo
sectário próprio.
Há vários anos, o falecido John Molyneux descreveu uma
orientação muito mais saudável, preferida pela Socialist Workers
Network [Rede dos Trabalhadores Socialistas] da Irlanda: “o
envolvimento real com as lutas cotidianas dos trabalhadores nos
locais de trabalho, nos sindicatos, nas comunidades e nas campanhas”.
Molyneux explicou que “este envolvimento não pode ser apenas ao
nível das palavras, através do programa de transição correto, etc.
Tem de ser real, cara a cara, no dia a dia”. Ele utilizou uma expressão
irlandesa para explicar que “essa interação ‘coloca em ordem’...
tanto os dirigentes como os membros. Cria uma pressão contrária à
exercida pelo capitalismo e pelos partidos reformistas que se baseiam
na passividade da classe trabalhadora”. Mais do que isso, “inibe a
mentalidade de seita, dissuade uma liderança arrogante (porque os
camaradas de base sentem-se muitas vezes com mais poder para
defender a sua posição em questões concretas e imediatas) e ajuda
os membros do partido a aprenderem a falar com as pessoas da
classe trabalhadora, e não apenas uns com os outros. Dá vida ao lago
estagnado da vida da seita”. Esta abordagem parece-me tão aplicável
aos Estados Unidos como à Irlanda, mas tal abordagem não tem sido a
norma entre as organizações trotskistas estadunidenses no século XXI.
A possibilidade de um movimento de avanço para o socialismo
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
(ou de um deslize para a barbárie), no meu país e em muitos outros, está
sendo criada pelo início de uma catástrofe climática em cascata. Para
evitar o pior desta calamidade, de acordo com o Painel Internacional
das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (IPCC), as emissões
globais de carbono devem ser reduzidas para metade até 2030 e para
zero até 2050. O capitalismo global gerou esta crise. Alguns dos seus
representantes negaram a crise e outros demonstraram uma capacidade
de retórica brilhante acompanhada de compromissos falsos incapazes
de atingir os objetivos necessários.
Há vários anos, o marxista britânico Alan Thornett enfatizou
o que deveria ser senso comum para qualquer marxista sério: “O
ambiente é uma questão tão importante para a classe trabalhadora
como os salários, as condições de trabalho ou a saúde e segurança.
Não se trata de um complemento, de um extra opcional. A realidade
inevitável é que, no final, não podemos defender nada, nem ganhar
nada, nem construir uma sociedade socialista, num planeta morto.”
Os impactos das crescentes catástrofes ambientais trarão sofrimento
e morte a milhões de pessoas nas próximas décadas. Este fato tem o
potencial de fazer com que massas de pessoas saiam da passividade,
da apatia e da complacência.
O fraco movimento trotskista nos Estados Unidos não provou
ainda ser capaz de fornecer liderança frente a essa realidade. Não há
qualquer esforço para elaborar um programa de transição que aborde
a atual catástrofe de uma forma que defenda os interesses da maioria
da classe trabalhadora.
Analistas fora do movimento trotskista, como Naomi Klein,
apelam a um New Deal Verde que vá nesta direção. “Ao enfrentar a
crise climática”, argumenta Klein, “podemos criar centenas de milhões
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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de bons empregos em todo o mundo, investir nas comunidades e
nações mais sistematicamente excluídas, garantir cuidados de saúde
e infância, e muito mais. O resultado destas transformações seriam
economias construídas para proteger e regenerar os sistemas de
suporte de vida do planeta e para respeitar e sustentar as pessoas que
deles dependem”. Esta abordagem de transição combina múltiplos
objetivos: as pessoas antes do lucro, casas e comunidades boas para
todos, cuidados de saúde para todos, educação para todos, sistemas
de trânsito e de comunicação para todos, alimentos nutritivos para
todos, acesso a cultura e recreação para todos, meios de expressão
cultural para todos, liberdade genuína e justiça real para todos. Estas
reivindicações, que partem das condições atuais e da consciência
de camadas cada vez maiores da juventude mundial, conduzem
inevitavelmente a uma contestação fundamental do sistema de poder
existente. Resta saber se os trotskistas dos Estados Unidos e de outros
países serão capazes de responder a esse desafio.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Somos imprescindíveis na construção de uma nova utopia revolucionária
Ana Cristina Carvalhaes1
Começo saudando calorosamente aos que estão assistindo aqui
e online a este seminário. Meus parabéns ao Comitê Mario Pedrosa pela
organização deste encontro tão interessante. Esta iniciativa tem pelo
menos dois grandes méritos. O primeiro é de relembrar Leon Trotsky
e seu legado, à luz de uma reflexão contemporânea, porque, afinal
de contas, esse legado é centenário e o mundo, que já havia mudado
bastante desde os anos 20 a 40 do século passado, passa novamente
por enormes e traumáticas transformações. Em outras palavras, é
uma oportunidade valiosa de refletir e trocar ideias sobre o que esse
legado programático pode significar 85 anos depois da fundação da IV
Internacional e a 100 anos exatos da Oposição de Esquerda na então
União Soviética.
O segundo mérito, talvez maior do que o primeiro, é a ocasião
de nos reunirmos entre vários grupos trotskistas, organizações de vários
países, para nos ouvirmos. É um exercício de escuta e compreensão
essencial em tempos de contínua fragmentação e reorganização
da esquerda socialista. Os trotskistas temos grande tradição de
fragmentação, fomos assim “pioneiros” de uma tendência que se
aprofundou e acelerou enormemente nos movimentos de explorados e
oprimidas e nos partidos de esquerda depois das quedas dos regimes do
Leste e da URSS – devido às crises programáticas e políticas trazidas
1 Membra da direção internacional da Quarta Internacional (“Secretariado Unificado”). Contato: anaccarvalhaes@gmail.com
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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pelo fim da Guerra Fria. Assim, a possibilidade de dialogarmos, pelo
menos entre os dispostos a isso, pode ser uma grande contribuição
ao combate à fragmentação, na busca por reaproximações, diálogos
permanentes, unidades pontuais e unificações.
Sobre o objetivo desta mesa, de panorama do trotskismo no
mundo: se bem é ilustrativo sabermos onde essa ou aquela corrente
atua, o fundamental é compreendermos que somados todos os
trotskistas – e mesmo somados com setores da esquerda radical que
aderem às bandeiras programáticas que defendemos – ainda somos
extremamente pequenos e frágeis diante dos desafios do nosso tempo.
Somados todas e todos, estamos muito aquém da dimensão dos
desafios e das tarefas que nos colocam a presente crise do capitalismo,
o novo momento histórico e a crise das alternativas revolucionárias.
Represento aqui a IV Internacional herdeira da reunificação
de 1963, que apesar do nome não se considera a única. Represento
a tradição de Pierre Frank, Ernest Mandel, Livio Maitan, dos velhos
Cannon e Hansen, do grande SWP estadunidense dos anos 50 a 70, de
Daniel Bensaid, Alan Krivine e Michael Löwy. Representamos hoje
o marxismo aberto, da incerteza, e disposto a sínteses e aglutinações,
imprescindíveis num período histórico em que se encurtam os tempos
para revoluções e sobrevivência da humanidade. A meu ver e de
muitos camaradas, o trotskismo internacional está dividido entre dois
grandes campos. O primeiro é daqueles que de alguma maneira, no
que seria um cacoete das atuações no século XX, se autoproclamam
como os únicos revolucionários em seus países ou no mundo todo.
E que, por uma concepção de direção revolucionária autossuficiente,
desligada dos processos reais, consideram-se detentores do programa
pronto para a revolução, com grandes dificuldades para a disputa de
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
setores de massa e de unidades táticas com outras forças de esquerda
em prol dessa unidade.
Há felizmente também o campo, no qual se situa a IV
Internacional atual – e que cresce apesar das dificuldades do período
e das conjunturas –, que detém uma concepção de revolução mais
complexa, de baixo para cima, resultante da radicalização das lutas
e da auto-organização independente dos explorados e oprimidas; um
campo que vê a necessidade imperiosa de superarmos a fragmentação,
seja entre nós, seja como novos agrupamentos produzidos pelo
movimentos sociais mais radicais, para conseguir a capacidade de
falar com setores de massas, disputar orientações dos conflitos e influir
nos rumos dos processos revolucionários reais. Um campo que não
considera que somos os únicos revolucionários e que nosso programa,
nossas propostas, não são acabadas e intocáveis.
A partir da certeza de que os grandes dilemas se resolvem ou
se acirram com as provas da práxis, vejamos traços fundamentais da
situação internacional. Definimos a situação atual como de uma crise
multidimensional do capitalismo, inédita na história do sistema. Já
houve crises graves como aquela dos anos 20 a 40 do século passado,
período que Hobsbawn chamou de “Era da Catástrofe”. A atual parece
ser uma nova “era da catástrofe”, um novo período histórico, para
nós aberto a partir do crash e da recessão de 2008 e acirrado com a
pandemia a partir de 2020. Nesse período, várias crises coincidem e se
articulam, potencializando umas às outras:
Em primeiro lugar, destaca-se a ameaçadora crise ambiental (e
nisso a situação é bem diferente da de 100 anos atrás), crise climática
e ecológica. Estamos chegando perto de um momento em que se
reduzem imensamente os limites para a sobrevivência sobre a terra
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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da espécie humana, por responsabilidade de um sistema econômico
e social que acredita na possibilidade do crescimento infinito e que é
baseado nos combustíveis fósseis – o que tem trazido já consequências
brutais em todos os cantos do planeta. Grandes inundações, grandes
enchentes, incêndios florestais, frios e calores extremos: os últimos
dois anos de estudo atento dos sistemas climáticos indicam que a
velocidade do aquecimento global e seus desastres é o dobro do que
se previa para esta década. É uma crise produzida pelo capital, com
impactos potencializadores sobre as desigualdades – sociais, raciais,
de gênero – com migrações maciças, epidemias e pandemias. Nós
acreditamos que é também tarefa da esquerda e dos revolucionários
em particular dar resposta a ela na articulação evidente com as outras
esferas da crise.
A segunda esfera é a da crise econômica. A partir dos debates
entre os mais destacados economistas marxistas do mundo sobre o
que vem acontecendo desde 2008, nos parece que se abriu ali um novo
momento de crise aguda que se reflete agora numa dificuldade imensa
para a recuperação das taxas de acumulação em níveis pré-crash, ou
seja, há tremendas barreiras endógenas ao próprio sistema para manter
e recuperar ritmo de crescimento capaz de voltar a garantir taxas de
lucro crescentes. O que se expressa em estagflação ou crescimento
baixo e desigual de continente para continente. Ademais, a recessão
de 2008-2010 trouxe consigo uma consciência geral nas burguesias
globais, particularmente no capital financeiro internacional, de que
uma nova crise daquele tipo não poderá contar mais com o remédio
dos grandes resgates estatais utilizados há 15 anos para salvar sistemas
bancários, empresas industriais e de serviços relevantes. Assim, o
capitalismo “foge para a frente”, insistindo no receituário neoliberal:
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
a continuidade dos planos de ajuste fiscal brutais, da destruição dos
sistemas de proteção social, privatizações generalizadas, espoliação
de territórios, da natureza, dos bens comuns e de direitos dos
explorados, com perspectiva somente de agravamento da pobreza e
das desigualdades de todo tipo.
As grandes incertezas sobre o futuro do sistema abertas
com 2008 estão na raiz também da crise política, a crise evidente
dos regimes democrático-burgueses, em particular ocidentais. O
fenômeno a que me refiro vem se expressando em particular a partir
de 2016, com a vitória do Brexit e de Trump. Há um avanço de uma
constelação de novas forças de extrema direita no mundo, que talvez
ainda não tenham atingido seu auge. Na Europa, elas governam na
Itália, cogovernam na Holanda e na Suécia, estão ganhando força na
Alemanha e podem assumir o governo da França. Na Europa Central
e Oriental, além da crescente fascistização da Federação Russa desde
a invasão da Ucrânia, o partido de extrema direita Fidesz governa a
Hungria desde 2010, e o partido PiS, que incorpora a extrema direita
polonesa, esteve no poder por oito anos; enquanto isso, na Bulgária, o
partido conservador populista (Smer-SD) venceu as últimas eleições
legislativas e uniu forças com a extrema direita (SNS) para governar. O
autoritário Erdogan continua no poder na Turquia. Na América Latina,
após o desastre de Bolsonaro e o golpe de Dilma Boluarte no Peru há
dois anos, o outsider Milei conquistou a Casa Rosada na Argentina,
declarando guerra à morte contra um dos movimentos populares e
de trabalhadores mais combativos e organizados. Eles ameaçam os
Estados Unidos e o mundo, com a possibilidade de Trump retomar
a Casa Branca. Essas são ameaças reais na Ásia, onde Bongbong
Marcos, filho do ditador Ferdinand Marcos, governa as Filipinas, e
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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o xenófobo e antimuçulmano hindu Narendra Modi controla a Índia.
O avanço dessa constelação de extremas direitas é o
resultado de décadas de crise das democracias (neoliberais) e de suas
instituições, devido ao aumento das desigualdades e à incapacidade
desses regimes de dar respostas satisfatórias às aspirações dos povos
e dos trabalhadores. As raízes profundas da nova extrema direita são
o desespero dos setores sociais empobrecidos diante do agravamento
da crise, a desintegração do tecido social imposta pelo neoliberalismo,
combinada com os fracassos das “alternativas” representadas pelo
social-liberalismo e pelo “progressismo”. Como resultado, frações
da burguesia em todo o mundo passaram a apoiar esses neofacismos
como uma solução político-ideológica capaz de “fechar” regimes,
controlar movimentos de massa com mão de ferro, impor ajustes
brutais e desapropriações, a fim de restaurar as taxas de acumulação
capitalista. O exemplo mais notável dessa divisão é a polarização entre
o Trumpismo (que tomou de assalto o Partido Republicano) e, por
outro lado, o Partido Democrata nos Estados Unidos.
É questão de vida ou morte que os trotskismos estejam na
vanguarda da luta contra os fascismos contemporâneos, com todas as
políticas unitárias necessárias para derrotar as extremas direitas, mas
sem comprometer com isso nosso combate histórico pela independência
organizativa e política dos explorados e oprimidos.
O quarto elemento desse quadro é a resistência dos povos e
trabalhadoras, em luta constante pela preservação e avanço de suas
condições de vida. Após a crise de 2008, houve um ressurgimento das
mobilizações de massa em todo o mundo. Primavera Árabe, Occupy
Wall Street, Plaza del Sol em Madri, Taksim em Istambul, junho de 2013
no Brasil, Nuit Debout e coletes amarelos na França, mobilizações em
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Buenos Aires, Hong Kong, Santiago e Bangkok. Essa primeira onda
foi seguida por uma segunda onda de revoltas e explosões entre 2018 e
2019, interrompida pela pandemia: a rebelião antirracista nos EUA e no
Reino Unido após a morte de George Floyd, mobilizações de mulheres
em muitas partes do mundo, incluindo a luta heroica das mulheres no
Irã, revoltas contra regimes autocráticos, como na Bielorrússia (2020),
uma mobilização em massa de camponeses indianos que triunfou em
2021.
Após a pandemia, destacam-se os três meses de resistência na
França contra a reforma previdenciária de Macron e o levante popular,
estudantil e dos trabalhadores na China que ajudou a derrotar a política
Covid Zero do PCC. Nos EUA, o processo de sindicalização e luta
continua nos novos ramos de produção (Starbuck’s, Amazon, UPS),
com o surgimento de novos processos antiburocráticos.
Finalmente, mas não menos importante, há um aprofundamento
da desordem no sistema interestatal capitalista, ou uma reconfiguração
da ordem mundial em andamento. Essa nova situação já traz consigo
mais conflitos interimperialistas, guerras colonialistas (como a de
Israel contra Gaza) e a retomada da corrida nuclear, o que torna o
mundo mais conflituoso e perigoso. A instabilidade geopolítica está
se agravando, ao mesmo tempo em que expõe o enfraquecimento
relativo dos Estados Unidos, o poder hegemônico – e não há nada mais
perigoso do que um hegemon encurralado. Isso é combinado com a
afirmação do imperialismo russo, e de um imperialismo emergente,
como a China. É uma reconfiguração em andamento em um contexto
global de imensa instabilidade, sem nada consolidado. De qualquer
forma, a unipolaridade do bloco sob a liderança dos EUA (após o
colapso da URSS) não existe mais.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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Estamos testemunhando a proliferação de situações de guerra
em todo o mundo, como as da Ucrânia, da Palestina, da Síria, Líbano,
Iêmen, Sudão e o conflito no leste da República Democrática do Congo.
Além disso, observamos guerras civis abertas ou encobertas, como
o caso de Mianmar, como exemplo da primeira, e a luta constante
dos Estados latino-americanos contra organizações criminosas e, por
sua vez, destas contra as populações, como é evidente no México, no
Brasil e no Equador. Essa situação conflituosa avança na geoeconomia
e na geopolítica da África, onde a Rússia compete econômica e
militarmente com a França e os Estados Unidos, especialmente nas
antigas colônias de língua francesa da África Ocidental. Por sua vez, a
China continua a tentar aumentar sua influência econômica em todas
as partes do continente africano e na América Latina e Caribe.
Estamos assistindo, na última década, a uma disputa hegemônica
baseada na rivalidade entre o velho sistema imperial – o bloco dos
EUA, com os imperialismos europeu, da província canadense, do
Japão, da Coreia do Sul, da Austrália – e o bloco emergente que está
sendo construído em torno da China. O bloco chinês em expansão
inclui a Rússia (apesar de seus interesses particulares e contradições
com Pequim), a Coreia do Norte, muitas repúblicas da Ásia Central,
novos amigos entre os califados do Oriente Médio (Arábia Saudita,
Catar, Bahrein, Irã).
A natureza do “grande salto” chinês dos últimos 30 anos foi
capitalista. Herdeiro de uma grande revolução social e de uma virada
para a restauração a partir da década de 1980, essencial para o redesenho
neoliberal do mundo (realizado em parceria com os EUA e seus aliados),
o emergente imperialismo chinês tem características peculiares, como
todos os imperialismos. Ele se baseia em um capitalismo estatista
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
planejado, centralizado no PCC e nas Forças Armadas (PLA, People’s
Liberation Army): um capitalismo desenvolvimentista no qual a
maioria das grandes corporações são joint ventures entre empresas
estatais ou controladas pelo Estado e empresas privadas.
Nos últimos 10 anos, a China deu um salto na exportação
de capital: adquiriu grandes participações em empresas de energia,
mineração e infraestrutura em países neocoloniais (Sudeste e Ásia
Central, África e América Latina) e se tornou o maior depositante e
registrador de patentes do mundo. A partir de 2022, a China é uma
exportadora líquida de capital (exporta mais capital do que importa).
Ela vem investindo cada vez mais em armamentos e alertando com
veemência crescente que há uma linha (ou linhas) – Taiwan e o Mar
do Sul – que os rivais e os Estados mais fracos não devem cruzar.
Ela ainda não invadiu nem colonizou “outro país” segundo o modelo
europeu ou norte-americano, embora sua política em relação ao Tibete
e a Xijiang (e aos pequenos territórios historicamente em disputa com
a Índia e o Butão) seja essencialmente colonialista.
A Rússia de hoje é o estado resultante da destruição maciça das
fundações da antiga União Soviética e da restauração caótica e não
centralizada que ocorreu no país, com base na aquisição de empresas
antigas e novas por burocratas que se tornaram oligarcas. Na virada do
século, Putin e seu grupo, oriundos dos antigos setores de espionagem
e serviços repressivos, elaboraram o projeto de recentralização do
capitalismo russo, usando relações bonapartistas entre oligarcas e uma
versão do século XXI da antiga ideologia nacional-imperialista da
Grande Rússia. Isso se tornou o principal instrumento para reafirmar
o capitalismo russo na competição com outros imperialismos e para
aumentar qualitativamente a repressão aos povos da Federação,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
63
incluindo o povo russo.
Uma derivação muito preocupante desse novo panorama
internacional, no terreno da esquerda, em particular do Sul Global,
de indivíduos e correntes que tomam partido automático em favor de
Rússia e China, como se estas fossem alternativas ao imperialismo
estadunidense e aliados. O raciocínio subjacente desse maniqueísmo é
a interpretação de que essa nova “multipolaridade” seria melhor que a
anterior “unipolaridade” sob jugo dos EUA, e de que se justifica estar
no “campo” da Rússia e da China contra o campo do “imperialismo
principal”. Um dos reflexos mais desastrosos dessa leitura equivocada
da realidade é a ficção de que a China ainda seria um país socialista.
Outra expressão desse “campismo” é o posicionamento a favor de
Putin – que nada tem a ver com a esquerda e perpetra uma guerra
imperialista contra Ucrânia, ademais de chefiar um regime cada vez
mais bonapartista.
Depois de tantos anos de derrota do que havia de socialismo
real, as novas gerações perdem a noção do que foram aquelas sociedades
e estados, ficam sem parâmetro. Assim, muitos jovens ativistas são
presas ideológicas dos que defendem a China como “alternativa”
desenvolvimentista, ou diretamente socialista, ou dos que defendem
Putin contra a Ucrânia porque Putin é inimigo do imperialismo
estadunidense. Essa deturpação teórico-política também tem raízes no
retrocesso ideológico brutal provocado por 40 anos de neoliberalismo.
Neste mundo em crise multifacetada, qual é o papel dos
trotskistas? Por que ainda somos imprescindíveis? Creio na necessidade
do trotskismo, em primeiro lugar, pelo instrumental teórico-político
marxista original, dialético, aberto, capaz de dar base à compreensão
da atual complexa situação do sistema e dos desafios que nos coloca
64
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
esta crise. Em segundo lugar por nossa tradição comunista de crescer
colados às lutas dos explorados e de todos os setores oprimidos, para
nelas estarmos na vanguarda da defesa da independência política e
organizativa dos explorados frente às forças dos exploradores e seus
estados.
Não somos os únicos revolucionários. Encaramos nossa
construção como um processo complexo que supõe inserção nas
lutas dos explorados e oprimidas, nas quais nos aproximamos de
outras correntes igualmente revolucionárias e de setores radicalizados
dos mesmos movimentos operário, popular, feminista, antirracista,
camponês e de povos originários. A IV Internacional defende e põe
em prática a possibilidade (às vezes necessidade, devido às legislações
restritivas) de fazer parte de partidos de esquerda mais amplos, em
aliança com setores reformistas – que nos dão a possibilidade de
dialogar com setores de massa. Seja em alianças com outros setores
da esquerda,
influência que nos tire dos guetos e nos permita debater
publicamente nossas propostas contra a extrema direita, contra o
neoliberalismo, contra o desastre climático, em favor de uma nova e
imprescindível utopia.
O socialismo que queremos e pelo qual dialogamos com
outras forças não se baseio nem no suposto modelo chinês, nem no
norte-coreanos, nem mesmo exatamente no que foi a União Soviética
(muitíssimo menos a Rússia restaurada e imperialista do Bonaparte
Vladimir Putin). A ameaça do colapso climático nos exige rechaçar
os paradigmas consumistas, produtivistas, “desenvolvimentistas” e de
desperdício. Estou convencida que temos o papel imprescindível de
contribuir com a construção coletiva dessa nova utopia: um socialismo
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
65
de baixo para cima, em que os ricos decreçam para que os pobres
possam crescer, um socialismo em que a natureza e toda forma de vida
valham mais que os lucros de bilionário, um ecossocialismo assentado
na auto-organização democrática dos explorados e oprimidas.
66
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Trotsky, Cuarta Internacional y la guerra imperialista
Jorge Altamira1
Es incuestionable que el tema excluyente para internacionalistas
y partidarios de reconstruir la IV Internacional – el legado fundamental
de León Trotsky – es, en la situación histórica presente, la guerra
imperialista mundial. La cuestión de la guerra, la expresión más alta
de la explosión de las contradicciones capitalistas, ha sido siempre
decisiva en la historia del movimiento obrero internacional. Ha sido
el impulso fundamental para el surgimiento de la I° Internacional
(Riazanov) y de la Internacional Comunista, y de la proclamación de
la IV° Internacional. Ha sido el centro del debate en los congresos
de la II° Internacional entre las tres corrientes que partieron hacia
rumbos estratégicos diferentes en la primera guerra mundial - el socialimperialismo, el centrismo y el bolchevismo
La guerra mundial que se desarrolla en el presente entre la Otan
y Rusia se inscribe en la agenda histórica del pasaje del capitalismo de
libre competencia al imperialismo. No es por lo tanto una cuestión de raíz
‘geopolítica’ ni siquiera para los Estados Mayores. Es la culminación
necesaria de las contradicciones explosivas del capitalismo agonizante
o en transición. La guerra no es la expresión de una tendencia a la
extensión territorial de una o varias potencias imperialistas, porque
su base histórica es el capital financiero. El período de agregación y
desagregación territorial que caracterizó a la formación de los estados
nacionales, ha concluido hace largo tiempo. Las guerras imperialistas
son la expresión de la contradicción entre la internacionalización
1
Dirigente de Politica Obrera (Argentina). Contato: jorgaltamira@yahoo.com.ar
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
67
alcanzada por las fuerzas productivas, de un lado, y el marco histórico
agotado de los estados nacionales. La formación del imperialismo y
las guerras imperialistas constituyen recursos históricos del capital
para contrarrestar la tendencia descendiente de la tasa de ganancia,
el bloqueo a la acumulación capitalista y la tendencia a la disolución
del capitalismo mismo como modo de producción social. La guerra de
la Otan y Rusia, y la preparación sistemática de la Otan de la guerra
contra China, debe ser colocada en una perspectiva histórica más
amplia que la que ofrecen la combinación de peculiaridades de este
conflicto.
La guerra que se desarrolla en Europa e incluso más allá de
ella es la expresión de este fenómeno de conjunto. Marca, asimismo,
un giro estratégico en la crisis mundial abierta por la disolución de
la Unión Soviética o, en palabras de Kissinger y del alemán Scholz,
“un cambio de época” (la expresión fundamental de Lenin para
caracterizar la primera guerra mundial). La autonomía nacional de
Ucrania, que no consiguió pisar terreno firme desde su separación de
la URSS, ha quedado definitivamente comprometida – lo contrario de
lo que sostienen quienes apoyan a la Otan. Ucrania se ha convertido
en una colonia económica, política y militar de la Otan – muy lejos de
una autonomía nacional. El fondo BlackRock se ha convertido en la
caja financiera de una dudosa reconstrucción de Ucrania, siempre y
cuando logre confiscar en su beneficio las reservas internacionales de
Rusia congeladas por la Reserva Federal y el Banco de Inglaterra. Se
trata de la misma corporación financiera a la que la Reserva Federal
ha entregado el manejo del mercado de la deuda pública de Estados
Unidos. Entre la dependencia de la Otan, por un lado, o la partición
de su territorio por parte de Rusia, del otro, Ucrania sólo encontrará
68
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
la ruta de la autonomía nacional por medio de la derrota de ambos
bandos en esta guerra, o sea por medio de una revolución socialista
internacional.
Guerra y crisis mundial
La curva de la declinación del capitalismo desde finales de la
década de los 60, luego de haber concluido largamente la reconstrucción
de la última posguerra, ha sido documentada sólidamente. Ese período
de ‘reconstrucción’, no obstante, fue logrado a expensas de la agonía
final de cuatro de las potencias imperialistas precedentes – el Reino
Unido, Francia, Japón y, por cierto, la segunda debacle de Alemania. La
larga recesión de 1973/77 inauguró una nueva etapa. El derrumbe de la
Bolsa de Nueva York, en 1987; la larga crisis que arrancó en el Sudeste
de Asia y se extendió a Rusia, Brasil, Estados Unidos y Argentina;
y finalmente la bancarrota mundial provocada por el hundimiento de
las ‘subprime’, en 2017/8; han sido otros tantos capítulos de nuevos
estallidos financieros de mayor envergadura. En esencia, ha dejado al
desnudo los límites del capital ficticio para contrarrestar la tendencia
a la caída de la tasa de ganancia industrial. La deuda mundial es cinco
o seis veces el equivalente del PBI mundial, cuando en la década
de los ‘50 del siglo pasado ese PBI constituía el doble de la deuda
internacional. Una reversión de esa magnitud ha puesto en crisis la
capacidad de los bancos centrales de amortiguar las crisis recurrentes,
como lo demuestra la elevación desproporcionada del aumento de
las tasas de interés de referencia, que tiene un impacto demoledor en
empresas y estados altamente endeudados.
La bancarrota de 2017/8 significó un punto de inflexión en
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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la cadena de crisis internacionales. Los niveles extraordinarios de
endeudamiento público, por un lado, y del privado, del otro, comienzan
a producir una cascada de insolvencias, como las que han afectado a los
bancos regionales norteamericanos y al Credit Suisse. La tendencia al
default de más de una decena de estados emergentes es irreversible, lo
mismo ocurre con la quiebra de las empresas ‘zombies’. El derrumbe
del sudeste asiático ha profundizado las tendencias deflacionarias.
Este desarrollo ha marchado en paralelo a la penetración
capitalista en el conjunto del ex bloque soviético y en especial en
China. La apertura al mercado mundial de las economías estatizadas
debía representar, en tesis, una válvula de salida a la tendencia a la
caída de la tasa de beneficio del capital. En la biografía escrita por
el periodista Bob Woodward, Alan Greenspan, el ex presidente de
la Reserva Federal, afirma que la disolución de la URSS había sido
el factor fundamental del alza continua de la Bolsa de Nueva York.
El ingreso de Rusia y especialmente de China aceleró, sin embargo,
la crisis mundial. China se convirtió de proveedor de bienes baratos
de consumo en competidor internacional en la industria y la alta
tecnología, y en una máquina de sobreproducción mundial, por ejemplo
en el acero. Reforzó las tendencias deflacionarias en la industria y la
depreciación de la fuerza de trabajo a nivel internacional. La creación
de capital excedente desató, asimismo, una tendencia a la exportación
de capitales y financiamiento bancario de parte de China – en parte
a través de la conocida ‘ruta de la seda’. Reprodujo un movimiento
parecido a la larga depresión de 1873/90, cuando el capital europeo
invadió la periferia de la economía mundial para contrarrestar la
caída de la tasa de beneficio en las metrópolis (un factor eficaz en el
ingreso a una etapa imperialista). El protagonismo de las inversiones
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
en infraestructura en el programa de la Ruta, funciona como salida a
la crisis residencial, industrial y bancaria que se desarrolla en China.
Los capitales excedentes de la mayor parte del mundo emigran a
Estados Unidos. Incrementan el déficit del comercio exterior y de la
cuenta corriente norteamericana y generan una tendencia a la guerra
comercial y financiera. Bajo la superficie de una rivalidad ‘geopolítica’
se desarrolla un estallido de todas las contradicciones acumuladas
desde la restauración del capitalismo en Rusia y China. Las bases
económicas de una guerra mundial imperialista están firmemente
asentadas. En este choque de conjunto, la guerra ‘en Ucrania’ asume
un carácter esencialmente mundial.
Declinación de los Estados Unidos
La refutación de la “geo-política” es la premisa ineludible para
caracterizar la presente guerra en desarrollo en Europa y potencialmente
en Asia. Este ha sido el método fundamental de León Trotsky en la
primera y segunda guerra. Desmitificó el carácter ‘regional’ de la guerra
de los Balcanes, a la que presentó como el prólogo de la guerra mundial
inminente. Cuando Stalin defendió el reparto de Polonia con Hitler y
Stalin con el argumento de que era una barrera defensiva territorial de
la URSS (es lo que repite Putin cuando anexa las regiones ‘rusófilas’
de Ucrania), Trotsky señaló que era lo contrario – el establecimiento de
una frontera directa con Alemania. Las consideraciones de orden geopolítico sirven para justificar nuevas guerras. Para Trotsky, la defensa
incondicional de la URSS, en la segunda guerra, no tuvo un carácter
patriótico sino internacionalista: pasaba por la lucha contra la guerra
imperialista y por asegurar la defensa de la Unión Soviética mediante
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
71
una revolución política. Este contencioso fue el principal debate en las
filas de la IV Internacional en aquella guerra.
La guerra imperialista es, fundamentalmente, un método
del capital para sumir al proletariado en la barbarie y someter a la
fuerza de trabajo a una explotación sin límites. Está ligada doblemente
con el fascismo, aunque se libre con las banderas de la democracia:
es preparada, por un lado, por la demagogia y la movilización
nacionalista y, por el otro, refuerza el estado policial ligado a la guerra.
Es lo que ocurre, en la actualidad, en Ucrania, en Rusia y en otros
países. Zelensky ha derogado el derecho laboral con el pretexto de
la defensa nacional (una militarización del trabajo, eventualmente
bajo un ropaje constitucional), mientras la oligarquía se enriquece en
forma bochornosa, como lo informa la prensa internacional. Putin, por
su lado, arresta opositores e incluso disidentes de su propio campo
y adopta medidas de excepción para asegurar la posibilidad de una
movilización bélica nacional. El caso de Trump es muy instructivo,
porque se vale de la crítica a la guerra de la Otan contra Rusia para
desprestigiar y desbancar a las elites democráticas, mientras propugna
una guerra a ultranza contra China.
La fuerza motriz de la presente guerra es la declinación
económica y política de Estados Unidos. El equilibrio interior de
Estados Unidos depende de la conservación de su hegemonía mundial.
La decadencia económica y social de Estados Unidos arrastra, a
su vez, al conjunto de la economía mundial. El retroceso social en
Estados Unidos es manifiesto. Es lo que puso en evidencia el ascenso
de Trump a la Presidencia y el golpe del 6 de enero de 2021. Trump,
sin embargo, atribuye el retroceso norteamericano a las guerras; se
presenta como un pacifista de ultraderecha, al igual que lo hacen
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
algunos fascistas en Europa, y se emparenta con Putin y XI. Pero para
Trump, la precondición de una guerra ‘victoriosa’ es una regresión
nacional de las fuerzas productivas y una reorganización fascista del
estado.
En el estadio histórico alcanzado por el capitalismo, la
declinación del imperialismo norteamericano constituye una estación
final. No abre paso a la hegemonía de otro imperialismo ni tampoco
a un mundo “multipolar”; conduce a la extensión de la guerra y a
la barbarie. La China ‘postcomunista’ se saltó varios estadios de
desarrollo: nació directamente como un régimen económico de
monopolios estatales y privados tardío, cuyo Estado se confunde
con las estructuras de la burocracia del régimen precedente. Es otra
gran manifestación del desarrollo combinado, o sea de la forma más
explosiva de la contradicción en los términos de la dialéctica. El estado
legitima una ’ideología comunista’, mientras preside un régimen de
explotación despiadado. El proletariado de China, por su lado, el de
mayor crecimiento en el mundo, ha perdido la protección social del
régimen anterior, sin ganar la que tiene el de los países capitalistas,
Antes de convertirse en imperialista, deberá lidiar con contradicciones
explosivas en una economía mundial históricamente en decadencia.
China es exportadora de capitales, pero reglamentada por el Estado, y
la mayor receptora de capitales en el último medio siglo. Su influencia
económica no tiene todavía una dominación política equivalente, como
ocurrió con el desarrollo histórico del imperialismo. Podríamos decir
que se encuentra en un estadio similar al de Alemania en las décadas
subsiguientes a su unificación estatal, pero cuando la economía mundial
ya ha sido repartida y vuelta a repartir entre las distintas potencias.
Exporta capitales pero aún se financia en Nueva York y la importación
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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de capital alimenta la Bolsa de Shanghai. Forma parte del FMI y del
sistema Swift de clearing financiero.
La guerra entre la Otan y Rusia no se circunscribe al cuadro
europeo – es esencialmente un ensayo general de una guerra contra
China – su eje no es la democracia en general ni la independencia
de Ucrania en particular. En cualquier arreglo entre la Otan y Putin,
la principal víctima será Ucrania, o sea los trabajadores ucranianos.
La bandera de un mundo “multipolar”, como la exhiben Putin y
especialmente XI, equivaldría a restablecer una economía mundial de
libre competencia en la época imperialista. El planteo reúne todas las
características de una utopía reaccionaria. Proyecta una revigorización
de los estados nacionales cuando la internacionalización de las fuerzas
productivas los ha remitido a la condición de agentes político-militares
del capital financiero. Un concierto entre estados nacionales es, con
toda evidencia, una fantasía. Mientras pregonan un pacifismo de
contramano, los estados que profesan la “multipolaridad” aumentan
groseramente los presupuestos de guerra. El intento “multipolar” ha
sido anticipado por la Unión Europea, que es lo contrario de eso.
La UE es una pseudo Confederación entre estados desiguales - unos
dominantes y opresores (Francia, Alemania, Italia, Holanda) y otros
dependientes y oprimidos (España, Portugal, Grecia, el resto de los
Balcanes y el conjunto de Europa central). La corriente tradicional de
la IV Internacional lo ha convertido en el estado de transición hacia
una Europa socialista, sin el paso simultáneo del derecho a romper
con la UE y del derecho mismo a la autodeterminación nacional.
Esa confederación “multipolar” no ha podido amortiguar la crisis
económica mundial ni ha evitado el retiro de Gran Bretaña, mientras
le niega el derecho a la “multipolaridad” a Escocia, Gales, Cataluña y
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
el País Vasco, o la unidad de Irlanda. La gigantesca asfixia impuesta
a Grecia ha dejado en claro su condición de federación colonial.
La guerra actual ha convertido a la UE en un peón “multipolar” de
Estados Unidos y una rueda auxiliar de la Otan. Ha mostrado sus
contradicciones insalvables.
Disolución de la URSS
El otro elemento dinámico de la guerra actual es la disolución
social y política de la Unión Soviética. Rusia va a la guerra desde la
debilidad, no de la fuerza. La decadencia de Rusia es fenomenal, una
sombre chinesca de la URSS, incluso en el plano militar. El curso de
la guerra ha mostrado que carece de un verdadero estado mayor y
de un ejército preparado de combate; las compañías de mercenarios
han jugado un papel más relevante que la de sus equivalentes
norteamericanos en Irak, Libia o Afganistán. De ahí el recurso a los
misiles ultrasónicos y a las amenazas nucleares.
Las partes constitutivas de la ex URSS se han transformado, con
Rusia incluida, en agencias del imperialismo mundial y en eslabones
de la cadena imperialista. Además, en estados macartistas y policiales.
La contrarrevolución ‘democrática’ que disolvió la Unión Soviética
ha creado un vacío histórico a nivel mundial. La Revolución de
Octubre no ha sido sustituida por ninguna otra construcción histórica;
el ‘capitalismo’ ruso tiene por base una oligarquía advenediza, sin
los atributos que otorga un largo desarrollo nacional; es un remedo
de Estado que no ha atravesado ninguna experiencia histórica. Está
dirigido por una burocracia ‘sui generis’, constituida esencialmente
por los servicios de seguridad, que ha pasado de la protección de
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
75
un Estado con supervivencias obreras o socialistas, a regentear el
patrimonio público como cosa privada. Las Fuerzas Armadas, son un
reflejo de esta realidad a-histórica.
Este vacío histórico ha abierto la masa continental euroasiática
a las ambiciones del imperialismo. Presentadas como apetitos
territoriales o geo-políticos, son objetivos económicos y sociales, que
son irrealizables sin una guerra mundial. Con mucho apresuramiento
y mayor ingenuidad, numerosos teóricos y políticos han saludado
en el pasado el tránsito ‘pacífico’ de Rusia al capitalismo. Vieron en
este tránsito a un régimen deformado sin raíces, una manifestación
del carácter histórico artificial de la Unión Soviética y por lo tanto
de la Revolución de Octubre. Pero la Revolución de Octubre hunde
sus raíces en una historia de revoluciones y en la crisis mortal del
capitalismo. Putin busca los fundamentos del adefesio de Rusia nada
menos que en el zarismo. La auto-disolución ‘pacífica’ de la URSS fue
presentada como la prueba definitiva del error del pronóstico alternativo
de León Trotsly acerca del destino del estado obrero degenerado:
revolución política o guerra civil y una guerra internacional. La guerra
de la Otan, un paquete de cuarenta estados de Europa y América, y
Rusia, preparatoria de una guerra contra China, no es la primera sino
la última prueba del acierto de la caracterización histórica de la URSS
y la Revolución de Octubre, por parte de quien ha sido, en definitiva,
el más grande de los bolcheviques. La contrarrevolución capitalista
hace un trabajo de Sísifo, porque el capitalismo es el partero de la
revolución mundial.
El epicentro de la disolución de la URSS, contra lo que indican
las versiones interesadas, no ha estado en su periferia sino en su
centro. La “independencia” de la propia Rusia fue el slogan político
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
fundamental de la contrarrevolución “democrática”. La oligarquía rusa
había encontrado su representante independientista en Boris Yeltsin.
Cuando está en boga, como ocurre en estos momentos, la denuncia del
imperialismo ruso, es instructivo recordar que este imperialismo surgió
de un acto de ‘descolonización’ impulsado desde el centro imperial.
Tuvo la forma de un golpe de estado ‘democrático’ (con bombardeo del
parlamento incluido) para ‘emancipar’ a Rusia de la URSS, y poner el
pie en el acelerador de la restauración capitalista. El remate instantáneo
de la mayor parte de los activos industriales del país a precios viles
fue amparado por esta ‘democracia’ contrarrevolucionaria, intervenida
políticamente por los asesores norteamericanos de Clinton. Para
decirlo en forma inequívoca, el modelo del Maidan ucraniano y de las
“revoluciones de colores” en el ex glacis soviético fue inventado en
Moscú con el apoyo de Washington.
Que las consignas de la democracia sirvan para la
contrarrevolución se vio ya en las revoluciones inglesa y francesa de
los siglos XVII y XVIII (para acabar con la dictadura de Cromwell,
por un lado, y la jacobina, por el otro), y fue firmemente aplicada
en París, en 1871, cuando los jefes políticos de la masacre contra la
Comuna convocaron al primer régimen parlamentario durable de la
historia de Francia. La Revolución de Octubre del 17 terminó con la
contrarrevolución democrática de Kerensky y compañía (mencheviques
y sociarevolucionarios), en tanto que la victoria de la ‘democracia’
en Alemania terminó con la vida de Luxemburg y Liebknecht, y la
disipación de la primera ola revolucionaria. Enseguida después de
la segunda guerra, una serie de contrarrevoluciones ‘democráticas’,
apoyadas por el stalinismo, acabaron con la ola revolucionaria en
Europa occidental. Las dictaduras militares de América Latina
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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fueron reemplazadas por democracias contrarrevolucionarias que
mantuvieron la legislación comercial y acentuaron el sometimiento
político al FMI y a los acreedores internacionales. Diversas corrientes
trotskistas caracterizan a las ‘revoluciones coloridas’ como un
‘revival’ de las revoluciones democráticas europeas de 1848, que
amenazaban también al mismo zarismo. Confunden la época de
ascenso del capitalismo con su decadencia; el esfuerzo de liberar las
fuerzas productivas de la carcaza feudal con la destrucción de fuerzas
productivas por parte del imperialismo. En este caso, “el peso muerto
del pasado” hace mucho más que “oprimir el cerebro de los seres
vivos” – simplemente, lo vacía. En aquellos años, la Inglaterra liberal
era una aliada firme del zarismo, en tanto que en la actualidad la
oligarquía rusa sigue acumulando riquezas en la Bolsa de Londres,
bajo la protección de la Justicia británica.
Una de las contrarrevoluciones ‘democráticas’ más instructivas,
si no la mayor, fue la que terminó con el régimen stalinista en Polonia.
El golpe de estado conjunto de las Fuerzas Armadas de Polonia,
encabezadas por el general Jaruzelski, con el Vaticano, convirtió a la
mayor insurgencia obrera internacional en décadas, en su contrario. Por
medio de la represión, el reflujo, la burocratización del movimiento y
el copamiento de su plantel dirigente, se aupó al poder una corriente
contrarrevolucionaria. La restauración capitalista tuvo lugar mediante
la derrota de una enorme tentativa de revolución política de la clase
obrera.
La transición de los restos del estado obrero degenerado a la
gobernanza capitalista, no fue para nada pacífica, y lo será menos de
aquí en más, incluida una guerra mundial. El régimen de Yeltsin y de
los asesores de Cliinton, llevó a Rusia al borde de la disolución nacional
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
– no solamente porque las principales ciudades se convirtieron en
territorios de bandas armadas de oligarcas. En 1997, la crisis mundial
convirtió a Rusia en una economía de trueque; el tejido multinacional
quedó roto; fue un anticipó de futuras catástrofes. Dejó al desnudo el
objetivo estratégico del imperialismo norteamericano – la conquista
económica y política del hinterland euroasiático y de la industria
de tecnología de Rusia. Se trata, por supuesto, de un hinterland en
disputa, no solamente con Alemania y Japón, sino también con China.
Un colapso del régimen de Putin desataría una guerra interimperialista
entre potencias tanto occidentales como orientales. La oligarquía
rusa, en la crisis de 1997, comenzó a vender los activos malhabidos al
capital norteamericano, en particular en cuanto al gas y el petróleo (el
intento de venta más importante, el del principal activo petrolero ruso
acaparado por el oligarca Khodorovsky a Exxon).
Este proceso ocurrió en paralelo con una guerra verdadera, la
de la Otan, para disolver la Federación Yugoslava. Devolvió la cuestión
balcánica al impasse de principios del siglo pasado, cuando detonó
la primera guerra mundial. La guerra contra la Federación Yugoslava
dejó abiertas de par en par las puertas de la colonización económica de
Europa del Este, en especial Polonia y Alemania. El cerco financiero
y geo-político del imperialismo mundial a Rusia ha sido reconocido
por los “think tanks” de la Otan – tanto conservadores como liberales.
Los compromisos de no extender la Otan fuera de los límites
preexistentes quedaron en saco roto -en particular la ilusión de Putin
de que Rusia fuera integrada al directorio imperialista internacional,
en el G-20, el G-8 y la propia Otan. Es de nuevo muy instructivo que
el derrocamiento del gobierno de Yanukovich en Ucrania, en 2014,
no obedeciera a la controversia entre dictadura o democracia, sino al
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
79
recule del gobierno pro-ruso del compromiso de integrar Ucrania a
la Unión Europea, o sea redefinir su dependencia extranjera a favor
del capital occidental y el FMI. El golpe de estado de febrero de 2014
constituyó un giro político de la oligarquía ucraniana de Moscú a
Bruselas y a Washington. Un oligarca, Poroshenko, y luego, Zelensjy,
el delegado del oligarca Igor Koloimiski, de la región de Dnipro,
asumieron los gobiernos de esta ‘revolución democrática’. La cuestión
de la independencia real y efectiva de Ucrania no estuvo nunca
sobre la mesa. Lo que se puso en cuestión fue el re-alineamiento de
Ucrania con uno de los bandos imperialistas, como ocurría también en
Georgia. El detonante de la invasión rusa a Ucrania fue la capitulación
de Alemania ante el ultimátum norteamericano contra la activación del
gasoducto NordStream 2. Fue una exigencia imperiosa tanto del antieuropeo Trump como del europeísta Biden. Lo dice con todas las letras
Daniel Yergin, el mayor especialista norteamericano en energía fósil.
Rusia era separada de un solo cuajo de la economía internacional. Uno
de los propósitos de este boicot era obligar a Putin a renovar el paso
del combustible por Ucrania – futura socia devaluada de la UE y la
Otan. El abastecimiento de gas a Europa ha pasado a las compañías
norteamericanas, que lo transportan y regasifican en los puertos de
España. El precio del gas licuado de Estados Unidos ha llegado a
alcanzar un nivel seis veces al gas natural ruso, que deberá pagar la
industria europea, en especial la alemana. Esto es lo que realmente
ocurre en la guerra entre la democracia y el autoritarismo.
El régimen de Rusia ha sido caracterizado como imperialista
– y lo es, efectivamente. Pero no lo es en el sentido de la dominación
política del capital financiero sobre naciones atrasadas o subordinadas.
La ley del desarrollo combinado se aplica en este caso con plenitud. El
80
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
mismo imperio zarista fue un régimen semicolonial y al mismo tiempo
imperialista. La autocracia zarista se formó mediante agregaciones
militares de pueblos y nacionalidades, para resistir la presión asiática y
también europea – la guerra contra Suecia en el siglo XVII. Desenvolvió
de este modo, como lo han investigado varios historiadores, un
imperialismo territorial; Lenin caracterizó al Zarismo como un
imperialismo feudal. De otro modo no se hubiera podido referir nunca
al derecho de “autodeterminación nacional”. La burguesía rusa, nacida
muy tardíamente, se enancó en este imperialismo para aprovechar los
privilegios que representaban las zonas protegidas por el imperio,
que compartió, en forma desigual, con el capital anglo-francés. Una
anexión de Ucrania, por parte de Putin, representaría la creación de
una nueva frontera estatal y un área de explotación económica. Pero la
guerra en desarrollo no es el producto de enfrentamientos particulares
u ocasionales, sino una explosión, incluso si fue metódicamente
preparada, del conjunto de las contradicciones del capitalismo.
Guerra imperialista, guerra mundial
La guerra actual es, por lo tanto, una guerra imperialista, de
uno y otro lado, incluso con la salvedad, que no es menor, de que, de
un lado, se encuentra el imperialismo histórico mundial y, del otro,
Rusia, una potencia menor. Rusia, o más correctamente Putin, cuenta
con una base militar de apoyo a su aventura reaccionaria, sólo hasta
cierto punto, porque esa base militar está condicionada a la evolución
política de la guerra. Intenta agrupar detrás de ella a un conjunto de
potencias, como China o India, pero que tiene un carácter ambivalente
y oportunista. Rusia es el principal proveedor de armamento a India, la
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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cual integra, al mismo tiempo, alianzas militares con Estados Unidos
en las fronteras de China. No tiene sentido, como se ve, de hablar
de una guerra “ofensiva”, de un lado, y “defensiva”, en el otro - lo
que importa, como siempre en una guerra, son los intereses sociales
reaccionarios en disputa.
La Otan ha ‘provocado’ a Rusia como, a su modo, Rusia a la
Otan. Rusia reclama un lugar en el directorio del imperialismo y la
preservación del “espacio exterior vecino” – la Otan reclama la ‘libertad’
para imponer su superioridad económica, financiera y militar. Putin no
es el custodio del “ex espacio soviético”, como lo etiqueta un sector de
la izquierda de Rusia y de los Balcanes; es, por el contrario, quien lo
ha desmantelado y quien quiere usufructuarlo para la oligarquía local.
Tampoco está en juego en esta guerra la ‘memoria’ de la Revolución
de Octubre – que ambos bandos pretenden destruir. El legado de
Octubre sólo podría estar representado por un partido obrero que
combata esta guerra imperialista, convoque a utilizarla para preparar
la revolución socialista y propugne una República Internacional de
Consejos Obreros (Soviets) . Las memorias se recrean y superan por
medio de una lucha de clases, que para eso debe ser independiente de
todo imperialismo. Putin es el sepulturero del “ex espacio soviético”.
Teme, como lo ha declarado en varias oportunidades, que la guerra
desencadene una crisis revolucionaria como la que se desarrolló en el
‘17.
Para algunos, la guerra presente no es de ningún modo
imperialista, salvo en lo que corresponde a Rusia. La Otan estaría
apoyando una guerra de liberación nacional. Desde el Tratado
de Versalles y del Presidente Wilson, Estados Unidos ha hecho
campaña por la autodeterminación nacional, allí donde dominan
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
imperialismos rivales. Nunca en América Latina y el Caribe. La Otan
apoya la liberación de Ucrania de Rusia, para convertir a Ucrania
en su semi-colonia. La oligarquía de Ucrania apoya una guerra de
autodeterminación dirigida a todos los fines prácticos por la Otan,
cuyo propósito último es la sujeción nacional de Rusia. El carácter
imperialista de la guerra se reparte, no entre dos, la Otan y Rusia, sino
también Ucrania, e incluso entre cuatro, porque el gobierno fascista
polaco, ya ha dado a entender su intención de adoptar a Ucrania como
hermana menor en una Confederación. De modo que el cacareo acerca
de la democracia y la autodeterminación en esta guerra, está fuera de
lugar – están atrapados por el imperialismo.
Algunos asimilan la intervención militar de la Otan con la
ayuda de “las democracias” a la revolución española. La inexistente
ayuda militar de las democracias fue absolutamente secundaria en
aquella guerra civil – la preocupación fundamental de Occidente y del
stalinismo fue que la República no se convirtiera en una dictadura del
proletariado, En Ucrania, por el contrario, la intervención de la Otan
es central y estratégica. Ucrania es hoy, a cualquier fin práctico, un
país de facto de la Otan, una filial de la banca extranjera y del FMI,
y su ejército es una división de las fuerzas armadas del imperialismo.
Las masas revolucionarias de España eran los contingentes históricos
de los explotados de ese país; en Ucrania guardan relación con los
agrupamientos nacionalistas pro-nazis que, en la segunda guerra, eran
una vanguardia criminal contra la URSS y cabezas de las masacres de
judíos. Esta guerra no es sólo contra el opresor ruso, porque la Otan ha
declarado a China, en el marco de esta guerra, “adversario estratégico”
y aún “enemigo existencial”. Ucrania es, lamentablemente para los
obreros socialistas de todos los países, un peón de la Otan en una
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
83
guerra imperialista.
¿Hasta qué punto estamos en una “guerra mundial” y no
en una guerra que podría convertirse en mundial, pero los bandos
internacionales en pugna quieren evitar?
La Otan se ha guardado de enviar tropas en el terreno, pero
no desmiente que operen asesores militares de todos los socios de
la Otan y que haya un entrenamiento militar intenso en la misma
frontera. La guerra ha venido acompañada de sanciones económicas
sin precedentes, que en el pasado hubieran sido consideradas causales
de guerra. La guerra ha incursionado al interior de Rusia continental,
como en la península de Crimea. La reversión de alianzas y la
inestabilidad creada por la guerra amenazan reactivar la guerra entre
Azerbaidjan y Armenia, y en Siria. Rusia ha bloqueado la salida de
cereales de Ucrania por el Mar Negro, y eventualmente por el Danubio.
La posibilidad de una guerra generalizada en África tiene una fecha
tentativa – la segunda semana de agosto, cuando debe efectivizarse
la invasión de Niger, por parte de la Comunidad de África occidental,
y la réplica de Mali y Burkina Faso – todos con algún vínculo con la
Compañía Wagner y con Rusia. Polonia ha manifestado la intención
de defender militarmente a Lituania y de cortar el nexo entre Rusia y
Kalinigrado. Los ejercicios militares frente a China, Australia y Taiwan
no dan señales de disminuir. Incluso en Argentina, el financiamiento
del FMI se encuentra condicionado a una compra de aviones de guerra
norteamericanos en lugar de chinos.
El punto crucial es si existe la posibilidad de un retorno al “status
quo ante”. Kissinger, Musk, Lula, Xi, Modi, Ben Salman y el Papa
reclaman un cese del fuego, que debería ir acompañado ulteriormente de
referendos de autodeterminación en los territorios ocupados y Crimea.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Confían en que un empantanamiento prolongado de la “contraofensiva”
de Ucrania fuerce una negociación internacional. El éxito improbable
de esta propuesta, de todos modos, no sería ninguna vuelta al estadio
anterior a la guerra, ni se acerca ni un poco a las grandes cuestiones
bloqueadas por la guerra, como sanciones, represalias, salidas a otros
conflictos, guerra comercial y financiera. Muy importante, si cabe aún,
es el desarrollo de la crisis política en Rusia, que puso en evidencia el
levantamiento de Prigozhin y la destitución de jefes del alto mando.
La inestabilidad política de los gobiernos en guerra es un factor quizás
más importante que las armas mismas. El juicio a Trump en Estados
Unidos por el intento de golpe de enero de 2021, podría engendrar
un conflicto de poderes y una nueva tentativa de golpe. En Alemania,
la coalición gobernante se encuentra en un impasse excepcional por
el avance electoral neo-nazi y por el recrudecimiento de las huelgas.
Desde las manifestaciones contra la reforma previsional, el gobierno
de Macron está en la cuerda floja – que se podría cortar en caso de una
invasión a Niger.
La partición de Ucrania, sin reconocer formalmente la soberanía
de Rusia en los territorios ocupados, es esgrimida favorablemente por
quienes la comparan con Corea, donde rige un armisticio desde hace
70 años. Frente a un Norte empobrecido, el Sur ha emergido como una
plaza fuerte de los grandes capitales y de la Otan. Lo mismo podría
ocurrir, dicen los abogados de este planteo, en Ucrania, mediante una
asistencia económica masiva. Operaría, frente a la zona rusa, como
un ‘ejemplo’ y hasta podría servir de cuña para confrontar en el plano
económico con Rusia misma y como un factor de disolución nacional.
Todo esto, sin embargo, supone el ostracismo de Rusia de la economía
mundial – y a una guerra de alcance mayor.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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La guerra de Corea, a principios de la década del ‘50 del siglo
pasado, fue caracterizada en su momento, en la IV Internacional, como
el prólogo de una guerra mundial entre el imperialismo y la Unión
Soviética. Es hora de un balance. En lugar de un pronóstico tentativo, la
corriente de Michel Pablo derivó de esa guerra conclusiones definitivas.
Revisó la caracterización de la burocracia stalinista como una casta
contrarrevolucionaria y le adjudicó, bajo la presión de una guerra
mundial, un carácter revolucionario. Disolvió la categoría de la lucha
de clases por el enfrentamiento entre “dos sistemas”. La conclusión
práctica de estas tesis condujo a una política de entrismo incondicional
en los partidos comunistas, y, maniobras mediantes, inició un proceso
de fraccionamiento y disolución de la IV Internacional.
El pseudo pronóstico pablista fue desmentido por la realidad:
la confrontación de “dos sistemas” se tradujo en una “guerra fría”,
primero, y en la “coexistencia pacífica” después. Retrospectivamente,
se entiende que esta era la variante más probable. En primer lugar,
porque la burocracia stalinista era una agencia de la burguesía mundial
dentro de un Estado históricamente obrero. Entre el imperialismo y
la burocracia rusa seguían vigentes los tratados que delimitaban las
llamadas zonas de influencia de uno y la otra. De otro lado, el inicio
de una guerra, por parte del imperialismo, luego de las victorias del
Ejército Rojo y de la Revolución China, hubieran sido un poderoso
acicate a la revolución mundial. Asimismo, tampoco había concluido la
etapa del desmoronamiento del colonialismo japonés y, ulteriormente,
del francés y el británico – un enorme flanco revolucionario en el
tejido imperialista. Estados Unidos, que había emergido de la guerra
como una superpotencia en todos los sentidos de la palabra, adoptó,
en estas condiciones, la política de “contención” – en resumen, el
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
reordenamiento del imperialismo mundial y la presión económica
y militar sobre el nuevo bloque soviético. Paralelo a la guerra de
Corea, comenzaron los levantamientos obreros en Europa del este
– Berlín 1953; bajo crisis sucesivas y revoluciones, se ahondó la
tendencia a la disolución del régimen burocrático y la dependencia
del capital financiero internacional. Fueron las bases de la crisis final.
La situación histórica presente es harto diferente: uno, la declinación
implacable de Estados Unidos refuerza las tendencias a la guerra de
parte del imperialismo; dos, la disolución de la Unión Soviética abre
una ventana de oportunidad para esas mismas tendencias. La guerra
actual escala sin respiro y se extiende social y geográficamente. Es un
punto de inflexión, porque culmina todo un período preparatorio de
crisis económicas y políticas mundiales.
Donde no se advierte todavía ese punto de inflexión es en
el proletariado internacional, que retoma las luchas e incluso los
levantamientos, pero no ha obtenido victorias políticas fundamentales.
Este salto se producirá inexorablemente, pero debe ser impulsado y
orientado mediante la lucha contra la guerra imperialista de la Otan
y Rusia y de la guerra imperialista en su conjunto. Como método, de
todos modos, todo pronóstico debe tener un carácter tentativo, porque
depende de la calidad de la dirección de la lucha, de los avances y
reveses que acompañan a toda lucha, de los balances y evaluaciones
de las propias masas. Pero la marcha hacia ese punto de inflexión es,
en las condiciones creadas, indudable.
Volviendo a la crítica a la geopolítica, las guerras no se ganan,
necesariamente, con las armas. Lo decisivo es el estadio histórico en
que se encuentran las clases en pugna. Es cierto que la guerra de la
Otan no ha encontrado apoyo popular en los países que participan de
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
87
la guerra – mucho menos en el resto. Tampoco existe, sin embargo,
una movilización contra la guerra, luego de dos años, lo cual es todavía
más importante. Esto contrasta con las grandes manifestaciones que
ocurrieron contra la invasión a Irak. Entre tanto, otras luchas de la
clase obrera han crecido en magnitud en Europa y Estados Unidos.
Ellas guardan relación con la guerra, porque la guerra ha agravado
las condiciones sociales, aumentado muchísimo los presupuestos
en armamentos y colocado a la humanidad ante la amenaza de un
enfrentamiento nuclear. En el caso de Rusia, se añade la quiebra de
una parte de la oligarquía con el gobierno, incluso de algunos sectores
militares. Hay manifiestamente una crisis política en desarrollo. La
guerra ejercerá una tendencia disolvente creciente en los regímenes
políticos en guerra.
De lo que se trata es de convertir a la guerra imperialista contra
las masas, en una guerra civil contra el imperialismo. Es necesaria una
campaña de propaganda y agitación para movilizar a los trabajadores
por el fin incondicional de la guerra, una movilización contra cada uno
de los gobiernos imperialistas en presencia. Las consignas nacionalistas
que pretenden un apoyo a la autodeterminación de Ucrania tienen
un carácter reaccionario y paralizante. Las movilizaciones contra la
guerra en los países de la Otan repercutirían poderosamente en Rusia,
incluso en China, y también en Ucrania. Ucrania tiene previstas
elecciones en poco tiempo, con el arco político anti-guerra o pro-ruso
proscripto. La movilización internacional daría fuerza a la oposición
política contra el bloque pro-imperialista de Zelensky. De una u otra
manera, la inquietud popular no dejará de manifestarse, en especial si
prosigue la escalada militar. El mundo ‘multipolar’ fue enterrado sin
ceremonias en la primera guerra mundial – es una vía muerta. Es la
hora del internacionalismo militante y revolucionario.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
PARTE II
DEBATES SOBRE LUTA DE CLASSES
CONTEMPORÂNEA
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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Os imperialismos
João Batista Aragão Neto1
A nossa Comunicação é relativa aos imperialismos e vai
abordar a questão da guerra na Ucrânia.
Com relação a essa guerra entendemos que ela é uma guerra
imperialista, tanto do lado da OTAN, que apoia Zelensky, presidente da
Ucrânia, como do lado da Rússia, pois temos o entendimento que esta é
um país imperialista, ainda mais depois da experiência soviética, com a
liberação das forças produtivas, tendo um desenvolvimento econômico
vertiginoso, conforme os ensinamentos de Eugênio Preobrajensky,
o maior economista soviético, que demonstrou o conflito da Lei do
valor capitalista com a Lei da economia planificada, na sociedade de
transição ao socialismo, em sua obra notável “A Nova Econômica”.
Com a restauração capitalista a partir de 1991, a Rússia obteve
apoio financeiro dos países imperialistas que aportaram capitais e foi se
fortalecendo, pois se num primeiro momento houve essa participação
dos capitais estrangeiros, aos poucos os capitais russos, que fugiram
do país em razão do regime soviético e foram aplicados e exportados
ao estrangeiro, voltaram foram repatriados e passaram a preponderar.
Embora a Rússia, não tenha o poderio dos países imperialistas
mais tradicionais (até 1917 ela era um país imperialista, ou seja, era o
elo mais fraco da cadeia imperialista), como Estados Unidos, Inglaterra
e França, aos poucos ela vai se constituindo novamente em um país
imperialista, mesmo ainda permanecendo algumas conquistas da
1 Advogado trabalhista e militante trotskista, nascido em Cuiabá - Mato Grosso,
em 1957.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Revolução Socialista e vai adotando medidas contrarrevolucionárias,
como essa invasão da Ucrânia.
Entendemos que Putin, em nenhum momento, dever ser
apoiado, uma vez que ele é um líder de um país imperialista.
A nossa posição com relação a guerra da Ucrânia é pelo
derrotismo revolucionário de ambos os imperialismos, tanto do
ocidental como do russo.
Nós seguimos a lição ignorada da entrevista de Trotsky para
Mateo Fossa, de que a classe operária deve lutar por sua independência.
Trotsky sublinha ao final dessa entrevista que a classe operária sempre
deve lutar por uma política independente.
Então, a nossa posição é pela derrota de ambos os imperialismos,
tanto o da OTAN como do imperialismo russo.
Outra coisa: os capitais russos voltaram via Holanda e outros
países, embora a Rússia não tenha a força das potências imperialistas
ocidentais, ela vai se desenvolvendo junto com a própria China (1).
Entendemos que além da questões que caracterizam o
imperialismo, como a exportação de capitais, monopólios, concorrência,
reação em toda linha, época de guerras e revoluções, etc., temos de
ter claro também o poderio bélico, no caso da Rússia, que é uma
potência que tem até mais ogivas nucleares do que os Estados Unidos.
Entendemos que esse tipo de posicionamento no que tange à Rússia
deve diferente porque ela é um país imperialista, ou seja, pelo derrotismo
revolucionário da mesma, jamais igual aos casos de Saddam, Assad
e Kadafi, porque nesses casos tratam-se de países semicoloniais e
não imperialistas. Fomos contra a invasão do Iraque e da Líbia e aos
ataques à Síria, sem dar apoio à Saddam Hussein, Assad ou Kadafi;
esse é que deve ser o posicionamento marxista.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
91
O desenvolvimento do imperialismo russo demonstrou o acerto
da teoria de Lênin em relação ao imperialismo, ou seja, a reação em toda
linha, época de guerras e revoluções, ao contrário do posicionamento
de Kautsky que tinha aquela visão do super-imperialismo. Somente
a concepção leninista dá para a gente entender a superação de um
imperialismo por outro, porque na história já foi provada essa hipótes
com a superação do imperialismo britânico pelos Estados Unidos.
As pessoas podem pensar que o imperialismo norte-americano
vai preponderar eternamente, um super-imperialismo, a posição de
Kautsky. Todavia a gente já viu que os Estados Unidos ultrapassaram
a Inglaterra, demonstrando que a posição de Lênin é a que está mais
de acordo com o marxismo.
Esses são os posicionamentos que a gente vem defendendo.
Entendemos que o fundamental nessa guerra imperialista é que os
imperialismos russo e ocidental sejam derrotados e que a gente lute
pela confraternização dos operários russos e ucranianos, bem como seja
garantido direito à autodeterminação da Ucrânia. Essa é a nossa diretriz.
Mas prosseguindo, achamos que a questão central é não defender
nenhum dos lados, seja a OTAN, seja o imperialismo russo. O que a
classe operária tem que defender é a derrubada de Zelensky e de Putin,
e para isso ela precisa construir o partido operário revolucionário,
tanto na Ucrânia, como na Rússia, essa é a única alternativa, construir
sovietes (conselhos operários) para poder ter uma política independente.
Fora isso, a gente vai estar apoiando um ou outro imperialismo e vai
estar fazendo que toda essa guerra continue.
É interessante notar que esse posicionamento tem de ser de
forma ativa, tem de defender um partido operário revolucionário na
Ucrânia e na Rússia; não tem outro caminho; tem de defender essa
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
bandeira; colocar a necessidade da construção de sovietes, porque só
assim a gente vai poder, como aconteceu em 1917, superar a burguesia
e colocar a classe operária no poder.
Sem uma política independente não vai adiantar. Não adianta
sermos impressionistas e entender que a classe operária, na Ucrânia, no
momento, manifesta uma certa posição, que ela está correta. A classe
operária em muitos momentos da história, infelizmente, abandonou as
suas bandeiras, como aconteceu na época de Hitler, como aconteceu
quando foi derrubado o regime comunista na Rússia em 1991, não
conseguindo manter as suas conquistas.
Aclasse operária está sem liderança, sem direção (revolucionária).
Isso vem comprovar mais uma vez que o programa da IV Internacional
continua em vigor, continua vivo, mais do que nunca. A gente lembra
da frase do Trotsky de que o problema da humanidade, é o problema
que se reduz à crise de direção revolucionária. É isso que a gente vive.
Se a gente não construir o partido revolucionário, se a gente
não construir a Internacional, nós vamos continuar sendo impotentes
perante as contendas internacionais, ora apoiando um imperialismo,
ora apoiando outro e ora capitulando. O que precisamos ter é um partido
operário revolucionário na Rússia e na Ucrânia e uma Internacional
operária e revolucionária.
Nota 1. Como fruto desse II Encontro, estamos estudando
a questão da China e estamos tendendo a mudar a nossa posição,
adotando o posicionamento do grupo Reagrupamento Revolucionário,
que considera o Estado chinês, um Estado operário burocratizado,
onde a contrarrevolução, apesar de estar num estágio avançado, ainda
não saiu vitoriosa. Os camaradas do Reagrupamento Revolucionário
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
93
elencam “importantes elementos de transição ao socialismo que
permanecem na economia chinesa e têm impactos na sociedade e na
política. A vitória de uma contrarrevolução jogaria quase a totalidade
da economia estatal nas mãos da burguesia nativa ou imperialista,
piorando drasticamente as condições de vida das centenas de
milhões de trabalhadores empregados no setor público, que são
largamente superiores às condições dos empregados do setor privado.”
Ícaro Kaleb, abril de 2020, “Uma análise do caráter de classe do Estado,
da economia e das lutas dos trabalhadores”, “Desmistificando a China”.
“O que é e para onde vai a China, Reagrupamento Revolucionário –
Livreto – Segundo semestre de 2021”).
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Dos años de guerra en Ucrania
Pablo Heller1
Al cumplirse dos años de guerra en Ucrania, no hay un final a la
vista. Aunque no hay coincidencia sobre el número de muertos, el total
de víctimas supera holgadamente las 500.000 bajas, a las que se unen
varios centenares de miles de heridos. En pleno continente europeo se
reproducen las escenas propias de la segunda guerra mundial. Lejos
de lo que prometían los apologistas del capitalismo, que con la caída
del comunismo se abriría paso una era de paz y cooperación entre las
naciones, asistimos a un agravamiento del choque entre los Estados y
a una multiplicación de los conflictos bélicos de carácter regionales
pero que tienen un alcance internacional. Del mundo de posguerra
dominado por la guerra fría hemos pasado al mundo actual atravesado
por guerras calientes, que pavimentan la tendencia a una conflagración
mundial.
En el marco de un empantanamiento general y una guerra
de trincheras desgastante, uno de los datos relevantes es que Moscú
estaría sacando una ventaja que de todos modos no es suficiente para
provocar un vuelco decisivo de las hostilidades. Las tropas rusas han
logrado reconquistar la ciudad de Avdiivka, que es el logro militar
más importante del Kremlin desde la toma de Bajmut en mayo. El
alto mando occidental ha debido reconsiderar la capacidad militar del
régimen de Putin. Rusia fabricó 4 millones de proyectiles de artillería
y varios centenares de tanques durante el año pasado, a una velocidad
1 Miembro del Comité Nacional del Partido Obrero (Argentina). Economista, autor de “Capitalismo zombi” (2016)
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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que muchos occidentales habían considerado imposible. Este año
reclutará otros 400.000 hombres sin recurrir a una movilización
masiva, según prevén las autoridades ucranianas.
Por otro lado, las sanciones económicas no han logrado hacer
la mella que se esperaba. Rusia ha logrado sortear las represalias y
condicionamientos a través de un intercambio comercial con China
e India. Y hay un consenso en Occidente de que no hay demasiadas
balas más en el ámbito económico a las que se pueda apelar.
La contracara es el fracaso de la contraofensiva ucraniana y la
caída de las expectativas que abrigaban un giro favorable de la guerra
a favor de Kiev. Desde el verano de 2023, Ucrania se enfrenta con unas
tropas rusas a la ofensiva, escasez de hombres, armas y municiones.
Esto ha ido de la mano con un desinfle de la adhesión a la causa
ucraniana tanto en el plano internacional como interno. Las potencias
occidentales han empezado a retacear su apoyo, en primer lugar el
propio Estados Unidos, donde sigue trabado el envío de una nueva
partida de 60.000 millones de dólares. En las actuales condiciones,
el suspenso en la continuación de la ayuda estadounidense podría
precipitar un derrumbe. El instituto de investigación alemán Kiel
Institute afirmó que la Unión Europea deberá “al menos duplicar
su ayuda militar” a Ucrania para compensar la inacción de Estados
Unidos. “Es altamente incierto que Estados Unidos envíe ayuda militar
adicional en 2024″, indicó el instituto, que recopila informaciones
sobre la ayuda militar, financiera y humanitaria prometida y entregada
a Ucrania desde la invasión rusa de 2022. Es muy dudoso, sin embargo,
que Europa esté en condiciones de cubrir ese vacío, atravesada por
choques y contradicciones internas y con sus propias economías entre
las cuerdas.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Fracaso militar y salidas en danza
Este panorama está dejando sus huellas en Ucrania. El
triunfalismo inicial ha ido cediendo su lugar a un malestar ascendente
a medida que la guerra y sus penurias se prolongan en el tiempo.
El gobierno de Zelensky tiene cada vez más dificultades en reclutar
tropas y lo que impera es la deserción, en especial en la juventud.
La conflagración está también extenuando a Ucrania en el frente
económico. La deuda pública se habrá duplicado para fin de este año
con respecto a la invasión, según datos del FMI.
No nos debe sorprender que esto haya desencadenado una
severa crisis política, como lo revela la decisión del presidente
ucraniano de reemplazar al comandante en jefe de las fuerzas armadas,
Valeri Zaluzhny, quien no sólo cuenta con un predicamento entre los
militares y en la propia población sino un fuerte reconocimiento en
políticos opositores de corte nacionalista. El jefe del ejército destituido
se perfilaba como el principal rival de Zelensky en las elecciones
presidenciales que estaban previstas próximamente. Un síntoma de
que la crisis está lejos de haberse cerrado es la decisión de Zelensky
de suspender los comicios. No hay que olvidar que este cuadro se ve
amplificado por los escándalos de corrupción dentro de las fuerzas
armadas, donde se descubrieron casos de sobornos a cambio de no
cumplir con el servicio; también se conoció en enero la compra ficticia
de armas por hasta 40 millones de dólares.
Pero más allá del desgaste que provoca la guerra, lo que está
en juego detrás del relevo de Zaluzhny es un replanteo de la estrategia
política y militar en el conflicto. El jefe destituido estaría en la misma
sintonía que el jefe del ejército estadounidense, Mark Milley, para
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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quien no es viable una derrota de Rusia. Lo cierto es que en los círculos
imperialistas está levantando cabeza la idea de bucear un acuerdo
haciendo concesiones territoriales, cediendo las regiones del este
ucraniano ocupadas por Rusia, y el establecimiento de algún tipo de
salvaguardas a Moscú en cuanto a la presencia de la Otan en Ucrania
a cambio del ingreso de Ucrania a la Unión Europea. Recordemos
que este era el planteo que sostuviera el extinto Henry Kissinger y
que recibió en su momento un rechazo mayoritario de las potencias
occidentales. En esta línea, se ubican también la propuesta delineada
por China quien ofreció sus buenos oficios como mediador y que fue
desechada por la Otan.
De todos modos, es muy poco probable que este acuerdo
cuente con el visto bueno de Moscú quien, a partir de los avances
militares estaría más inclinado en endurecer sus exigencias. Pero
además, porque especula con una vuelta de Trump, quien estaría más
predispuesto a un arreglo. Por lo pronto, la respuesta inmediata de
Putin ha sido una intensificación de sus bombardeos sobre Kiev y en
todo el territorio ucraniano. Se espera que Rusia lance una intensa
serie de ataques contra las infraestructuras ucranianas con la esperanza
de paralizar el suministro eléctrico y la calefacción invernal del país.
Desestabilización del orden imperialista mundial
Hasta el propio futuro de la Otan se ha puesto en duda ante
la perspectiva de un triunfo de Trump a la Casa Blanca. Hace unas
semanas, Trump dijo que “animaría” a Rusia a atacar a cualquier
miembro de la Otan que no alcanzara el objetivo de gasto en defensa
de la alianza de 2% del PBI.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Lo que está como telón de fondo es la propia crisis política de
Estados Unidos y la desestabilización del orden mundial. La división
política y la agitación interna socavan el liderazgo estadounidense en
el exterior. “Financial Times” (5/12/23) se interroga sobre la capacidad
de lidiar con tantos frentes de tormenta internacionales al mismo
tiempo “¿Cuántos conflictos internacionales puede manejar una
superpotencia al mismo tiempo? Actualmente, la administración Biden
está intentando lidiar con guerras en Medio Oriente y Europa, mientras
se prepara para un aumento de las tensiones entre China y Taiwán”.
A lo que se agrega, según el diario inglés, la creciente sombra de
Donald Trump. Su posible regreso a la Casa Blanca plantea profundos
interrogantes sobre el futuro de la democracia estadounidense y el
papel del país en el mundo”.
Esto viene horadando la figura de Joe Biden, que encima carga
con el cuestionamiento sobre su lucidez mental para postularse para
un segundo mandato. La administración demócrata está pagando un
alto precio político, dentro y fuera de su país, por su apoyo a Israel.
Ahora Estados Unidos está presionando públicamente a Israel para
que cambie sus tácticas militares en Gaza. Pero la preocupación de
EE.UU. va mucho más allá de Gaza. Existe la amenaza de una guerra
en Medio Oriente más amplia que arrastraría a EE.UU.
Existe un cauto optimismo en que la respuesta inicial de Beijing
luego del triunfo de Lai Ching-te en Taiwán, a quien el gobierno
chino considera un peligroso separatista, se concentrará en la presión
económica y política. Pero, en el transcurso del año, China podría
llevar una respuesta a nuevos niveles, sobre todo si EE.UU. parece
debilitado por los acontecimientos en Ucrania y el Medio Oriente.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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Guerra y objetivos estratégicos
Cualesquiera sean las vicisitudes, las elecciones estadounidenses
contribuirán poderosamente a la debilidad y declive de EE.UU.
Trazado este panorama de conjunto, la mesa de negociaciones es
una perspectiva por ahora que no está a la vista. Por lo tanto, va a
continuar el baño de sangre y, en un marco tan explosivo, el riesgo de
una extensión de la guerra es una amenaza latente. Incluso si se llegara
a acuerdo, eso no augura una paz duradera. Eso ya ocurrió con los
acuerdos de Minsk, que fueron la antesala de nuevas hostilidades. El
imperialismo no ha renunciado a su propósito estratégico de colonizar
el ex espacio soviético y eso incluye a la propia Rusia. El objetivo
es apuntar a un cambio del régimen político de Rusia o un eventual
desmembramiento como en el pasado se consumó en Yugoslavia.
Los países europeos de la Otan han aumentado su gasto en defensa
en torno a un tercio en la última década, y algunos de ellos de forma
significativa desde la invasión de Ucrania por parte de Rusia en febrero
de 2022. El rearme está en función de este objetico estratégico, aunque
las potencias europeas no se privan de presentarlo al revés, a saber,
como un recurso defensivo frente a la amenaza rusa.
Los funcionarios de defensa occidentales han lanzado en las
últimas semanas un número sin precedentes de advertencias públicas
sobre la posibilidad de un conflicto más amplio en Europa con una
Rusia más confiada y rearmada. El ministro de Defensa danés, Troels
Lund Poulsen, dijo hace dos semanas que Rusia podría poner a prueba
la cláusula de defensa mutua de la Otan “en un plazo de tres a cinco
años”. Esta declaración sigue a las advertencias similares realizadas
por funcionarios de Suecia, Reino Unido, Rumania, Alemania y altos
100
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
cargos de la propia Otan desde principios de año.
Los funcionarios dijeron que una de las razones de las
advertencias funestas era preparar a las sociedades para el peligro
potencial y garantizar que la infraestructura civil estuviera preparada
para las posibles consecuencias. Un centro de mando de la alianza
con sede en la ciudad de Ulm, al sur de Alemania, está elaborando
planes sobre cómo se desplegarían las fuerzas militares de la Otan por
Europa y cómo se sostendrían y reforzarían en caso de conflicto, según
informaron fuentes oficiales.
Esta histeria antirrusa, sin embargo, tiene poco asidero hasta
el punto que otros funcionarios de la alianza militar salieron a pinchar
el globo que se estaba creando, planteado que Rusia no tiene ningún
interés en entrar en guerra con la Otan, partiendo del artículo 5 de esta
alianza militar que establece que un ataque a un miembro representa
un ataque a todos los países de la organización.
Reforcemos la movilización internacional
Llegando al segundo aniversario, está claro y más visible
que nunca la atrocidad que representa para los pueblos la guerra de
Ucrania, que tiene a Zelensky, como peón de la Otan, y a Putin, como
responsables. Se trata de una guerra reaccionaria. Pasada la euforia
inicial está a la vista que no hay ningún interés popular en juego
sino el interés de rapiña de sus promotores. A la atrocidad ucraniana
ahora se suma el genocidio palestino. Ambos conflictos tienen un
hilo conductor pues son eslabones de una misma escalada destinada a
defender el orden imperialista mundial.
No se puede disociar una cosa de la otra como ha terminado
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
101
haciendo una parte de la izquierda mundial que condena al imperialismo
y a la Otan (y al sionismo) en Palestina pero se ha alineado con
ambos en la guerra de Ucrania. En otros casos, algunas corrientes de
izquierda levantan una postura neutral entre el sionismo y la resistencia
palestina, argumentando que se trataría de dos bandos capitalistas, lo
que desconoce la opresión y colonización del pueblo palestino que
está en la base de la formación del Estado israelí.
Aquel lineamiento es lo que explica la pobre movilización
que ha tenido lugar en Europa y mundialmente contra la guerra de
Ucrania. La reacción internacional contra la masacre al pueblo
palestino ha hecho que resoplen nuevos vientos y dio un envión para
que se reactive una movilización internacional contra la guerra. En
este contexto, es necesario valorar la jornada internacionalista que
tuvo lugar este 24 de febrero, segundo aniversario de la guerra de
Ucrania en la que hubo movilizaciones en varios países, incluyendo
Argentina, en rechazo de la guerra imperialista y de los gobiernos
que la generaron y la promueven. Guerra a la guerra. El enemigo está
dentro de nuestras propias fronteras. Abajo los gobiernos capitalistas y
el Estado genocida de Israel. Todo el apoyo al pueblo palestino. Por la
unidad internacional de los trabajadores. Por gobiernos de trabajadores
y el socialismo.
102
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Cuba hoje: os riscos de uma contrarrevolução burguesa
e as tarefas do trotskismo1
Marcio Lauria Monteiro2
O que é Cuba hoje? O conceito de Estado proletário burocratizado
A revolução social iniciada em 1959 levou à destruição do
Estado burguês e à expropriação econômica da burguesia nativa e
do imperialismo em Cuba. Esse processo não teve um programa
originalmente socialista. Sob a liderança do Movimento 26 de Julho
(M26J) e de outros grupos, como o partido stalinista cubano (Partido
Socialista Popular, PSP), o foco estava na realização de
tarefas nacional-democráticas: assegurar soberania nacional frente à
ingerência dos EUA, conquistar uma reforma agrária em benefício dos
camponeses pobres e retomar a experiência de república democrática
que havia antes da ditadura de Fulgencio Batista (uma das demandas
do M26J era reestabelecer a Constituição de 1940) (MONTEIRO,
2017).
1 Texto da fala apresentada em nome do Reagrupamento Revolucionário (www.
rr4i.org) na Mesa de Abertura do evento. Também disponível em espanhol (https://rr4i.
noblogs.org/2023/09/21/cuba-hoy-los-riesgos-de-una-contrarevolucion-burguesay-las-tareas-del-trotskismo/). Para assistir à apresentação no Youtube: https://www.
youtube.com/watch?v=P2uy4peicqU. Para ouvir em áudio no Spotify: https://open.
spotify.com/episode/3MgIC9FcFWfyJM55SZDQg8?si=54497bc6590f4b71&nd=1.
2 Doutor em História Social pelo PPGH UFF, professor e pesquisador no Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFBA) campus Porto Seguro. Coordena o
Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trótski / Trotskismo e a Historiografia (GEPTH),
é pesquisador associado ao Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre
Marx e o Marxismo (NIEP-MARX UFF) e é membro do Comitê Mário Pedrosa,
que organizou o II Encontro Internacional Leon Trótski (2023) os Eventos Online
Trótski em Permanência (2020 e 2021). Contato: marciolmonteiro@gmail.com
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
103
Porém, a realização plena dessas tarefas, sobretudo a reforma
agrária, só podia se dar contra a burguesia e o imperialismo, pois estas
classes estavam completamente entrelaçadas entre si e também com
as oligarquias fundiárias. As massas de trabalhadores rurais e de
camponeses pobres empurraram nesse sentido, ao expropriarem terras
de grandes latifundiários nativos e estrangeiros, inclusive tomando
grandes empresas rurais, como refinarias de açúcar. Nas cidades,
muitos trabalhadores também empurraram o processo para uma via
anticapitalista, ao exigirem a expropriação sob controle operário de
algumas empresas, declarando-se em greve permanente ou mesmo
ocupando as instalações, especialmente de empresas que pertenciam
a pessoas ligadas a ditadura ou que a apoiaram. (MONTEIRO, 2017;
MONTEIRO e ROMÃO, 2021)
Ao mesmo tempo em que as massas exploradas se mobilizaram
para além do programa limitado do M26J e do PSP, a contrarrevolução
não deixou escolha a essas lideranças, quando o governo dos EUA
se recusou em reconhecer o novo governo e, em aliança a setores da
burguesia nativa, realizou operações para derrubá-lo. Ao M26J/PSP
não restou alternativa que não fosse a expropriação dos capitalistas,
com apoio das massas: era isso ou serem destruídos por uma
contrarrevolução sangrenta.
A expropriação dos meios de produção e a socialização do
sobreproduto na forma de investimentos em salários, moradia, saúde,
educação etc. permitiu enormes ganhos sociais para o proletariado
cubano. Como disse certa vez um jornalista brasileiro reacionário,
“nada funciona em Cuba, exceto a educação, a saúde e a segurança”!
Porém, o alinhamento do governo cubano à burocracia soviética, a
sabotagem de oportunidades revolucionárias pelos PCs a ela alinhados,
104
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
junto com o fracasso da via guerrilheira da OLAS (que setores do
M26J impulsionaram nos primeiros anos da revolução), deixaram
Cuba isolada nacionalmente (PÉREZ-STABLE, 1999; WINOCUR,
1989). Ademais, o autoritarismo militarista do M26J, combinado
ao regime interno stalinista do PSP – que se fundiram para formar
o PC cubano – levaram à construção de um regime de ditadura
burocrática (stalinismo) (MONTEIRO, 2017).
Isso é o que nós trotskistas chamamos de Estado proletário
burocratizado: uma sociedade de transição entre o capitalismo e
o socialismo, cuja transição se encontra bloqueada pelo isolamento
internacional e pelo regime de ditadura da burocracia do PC (stalinismo).
Essa sociedade combina elementos do antigo (capitalismo) e do
novo (socialismo) de formas contraditórias e tem a possibilidade de
avançar para o socialismo ou de retroceder ao capitalismo. (ROMÃO
e MONTEIRO, 2020; TROTSKY, 2005)
Cuba ainda hoje é um Estado proletário: a burguesia não
retomou o controle do aparato estatal; as áreas chave da economia
(sistema financeiro, principais indústrias) seguem sob controle estatal;
a maior parte dos recursos é alocada através de um planejamento (ainda
que burocrático) e não do mercado; a maior parte do sobreproduto é
destinado às condições de vida do proletariado e não à apropriação
privada via lucro. Porém um Estado proletário burocratizado: o
PC segue exercendo o monopólio do poder político; não há outros
partidos permitidos; legalizar organizações de cunho político-social é
altamente burocrático; há formas diversas de censura; e o PC controla
os candidatos a eleições através de filtros, tendo a palavra final sobre
quem entra ou não nas listas eleitorais. (GOTT, 2006)
Sem dúvidas, muitos dos problemas de Cuba advém do
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
105
isolamento nacional, que tem sua pior face no bloqueio imposto pelos
EUA, que visa estrangular a revolução impondo escassez de recursos e
por isso tem que ser denunciado e combatido por todos os progressistas
e socialistas. Sem uma revolução nos centros imperialistas que ponha
fim ao bloqueio e venha ao auxílio de Cuba, as conquistas de revolução
não sobreviverão e não será possível a transição ao socialismo.
Mas o isolamento também é perpetuado pelo conservadorismo
da burocracia, que sabotou oportunidades que poderiam ter tirado
Cuba do isolamento e, assim, amenizado suas consequências sobre
as condições de vida e a economia da ilha. Diante de oportunidades
como no Chile, Nicarágua e Angola, a burocracia cubana fez o que
estava ao seu alcance para que esses processos revolucionários não
levassem à expropriação da burguesia. Dessa forma, a burocracia
cubana agiu tal qual a burocracia soviética: sabotando oportunidades
revolucionárias, por medo de um possível envolvimento em novos
triunfos atraísse ainda mais a ira do imperialismo e também por medo
de que esses triunfos pudessem mostrar exemplos de democracia
proletária que levassem a derrubada dessa burocracia pelos “seus”
trabalhadores.3 Basta vermos que a burocracia cubana sempre esteve
mais preocupada em apoiar governos burgueses ditos “progressistas”
(Venezuela, Brasil) em troca de acordos comerciais do que com o
triunfo de outras revoluções. Seu foco nunca foi o socialismo, mas sim
manter seus privilégios e poder.
O regime de ditadura da burocracia também é fonte
constante de problemas, pois, conforme enfatizou Trótski, a
3 Sobre isso, recomendamos a leitura destes textos (em espanhol) escritos à
época pela então revolucionária Spartacist League dos EUA: https://rr4i.noblogs.
org/2011/02/20/cuba-exporta-la-traicion-estalinista/
e
https://rr4i.noblogs.
org/2011/06/20/nicaragua-una-nueva-cuba/.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
propriedade socializada só pode ser gerida de forma eficaz através
de um planejamento democrático, que envolva a autogestão dos
meios de produção. O planejamento burocratizado (sem participação
ativa dos trabalhadores) não contempla as reais necessidades sociais
e gera constantes desperdícios e desequilíbrios, em prol de manter
o privilégio material de uma casta de altos funcionários. (TROTSKY,
2005) Por isso, remover a burocracia através de uma revolução
política que estabeleça uma democracia proletária como aquela
dos soviets de 1917 também é uma tarefa fundamental para proteger
os ganhos da revolução e garantir que Cuba rume ao socialismo.
Ambas tarefas, a revolução mundial e a revolução política dentro
de Cuba demandam a recriação de um partido revolucionário
internacional da classe trabalhadora para levar tais processos à
vitória. Não é possível contar com uma autorreforma democrática da
burocracia, nem com coexistência pacífica com o imperialismo, como
a experiência do século XX demonstrou amargamente (MONTEIRO,
2021). Revolução ou contrarrevolução são os dois únicos caminhos
possíveis.
Isso deveria ser o “ABC” do trotskismo. Contudo, há décadas
as correntes “morenistas” alegam que o capitalismo foi restaurado
em Cuba, abrindo mão de defenderem os ganhos ainda existentes da
revolução e adotando posições de apoio a forças contrarrevolucionárias
travestidas de defensoras da democracia, que usam a insatisfação
da classe trabalhadora para tentar destruir o Estado proletário
burocratizado e reconstruir em seu lugar um Estado sob controle da
burguesia. É o caso, por exemplo, do PSTU e da LIT-QI e de quase
todas suas cisões das últimas décadas. Fora do “morenismo” há alguns
outros grupos trotskistas que adotam postura semelhante, em especial
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
107
os adeptos da pseudoteoria do “Capitalismo de Estado”, como os
“cliffistas” do SWP inglês e seus grupos aliados. (MONTEIRO, 2016)
Por outro lado, os grupos ligados ao Secretariado Unificado em
geral adotam uma postura acrítica em relação ao regime de ditadura
da burocracia, confundindo a defesa dos ganhos da revolução com
a defesa política da própria burocracia – e fazem isso desde o início
da revolução cubana, quando não se solidarizaram com os trotskistas
cubanos que estavam sendo presos pela burocracia no começo dos
anos 1960. Vários outros grupos seguem caminho semelhante, como
os stalinistas. (MONTEIRO, 2016)
Essas duas posturas, comuns a outros grupos dentro e fora
do trotskismo, não contribuem para as tarefas que realmente podem
salvaguardar a Revolução Cubana.
Tarea Ordenamineto: as mudanças em curso em Cuba e seus riscos
contrarrevolucionários
A pandemia de COVID-19 causou enormes problemas
econômicos para Cuba, pois afetou a principal fonte de recursos do
país desde os anos 1990, o turismo internacional: seu PIB caiu cerca de
13% entre o início das medidas de restrição de circulação de pessoas,
no começo de 2020, e seu relaxamento em fins de 2021. Trata-se do
pior momento do país desde o colapso da URSS, com a qual Cuba
tinha diversos acordos econômicos fundamentais para obter recursos
como petróleo e maquinário industrial. Nesse contexto ganhou força a
cúpula do PC cubano setores que já vinham há muito tempo defendendo
a adoção de uma suposta “terceira via”, o chamado socialismo de
mercado. É isso que está por trás da Tarea Ordenamiento, pacote de
108
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
reformas econômicas em curso desde janeiro de 2021.
Em essência, os burocratas buscam na expansão da propriedade
privada e das relações de mercado (inclusive a nível internacional)
uma fuga para a escassez causada pelo bloqueio / isolamento nacional
e para a ineficiência causada pela gestão burocrática da propriedade
socializada. Mas, diferentemente do que alguns dizem, não se trata
de algo como a NEP soviética, que foi um esforço de reconstrução
da economia soviética que recorreu ao reestabelecimento parcial da
propriedade privada e das relações de mercado, após a devastação
da guerra civil de 1918-21. Não tem faltado declarações tipicamente
liberais da parte de Diaz-Canel e dos órgãos oficiais de imprensa do
regime, enaltecendo a “meritocracia” e condenando o “igualitarismo”.
O objetivo da Tarea Ordanamiente é melhorar as condições da
economia cubana (e também da própria burocracia), às custas de
aumentar a desigualdade social e deseducar ainda mais a classe
trabalhadora.
As reformas econômicas estão retirando os subsídios
estatais de vários setores da economia e permitindo a exploração da
mão de obra assalariada em quantidades crescentes através da criação
de pequenas e médias empresas, que se tornam “competitivas”
graças ao desmonte de partes do setor público. Por exemplo, enquanto
os restaurantes populares tiveram cortes drásticos no fornecimento dos
alimentos que usavam para preparar as refeições vendidas a preços
simbólicos, os estoques dos mercados atacadistas de ondem compram
os restaurantes privados aumentaram enormemente.
Para completar o quadro, um setor da burguesia dos EUA e da
Europa vê com alegria tais mudanças, pois elas também abrem as portas
para mais investimentos estrangeiros e, assim, maior reintegração de
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
109
Cuba ao mercado mundial na condição de uma semicolônia. Desde
os anos 1990, grandes hotéis e resorts já haviam passado para a
propriedade de empresas estrangeiras, sobretudo espanholas. Agora,
além da expansão das propriedades estrangeiras em Cuba, as novas
empresas privadas cubanas estão recebendo incentivos do governo
para negociarem insumos diretamente com fornecedores estrangeiros.
Pode até ser que a economia sofra uma leva melhoria com as
medidas de privatização e competição de mercado que vem sendo
adotadas, mas milhares de trabalhadores já estão sofrendo com escassez
de alimentos e perda do poder de compra de seus salários. Isso joga
água no moinho das forças contrarrevolucionárias, que aproveitam
a crescente insatisfação para convencer os trabalhadores de que o que
fracassou em Cuba foi o socialismo, quando na verdade o que fracassou
foi o stalinismo. Uma coisa é tolerar a escassez quando os governantes
falam (ainda que hipocritamente) em igualdade e quando se vivenciou
a revolução, como na crise dos anos 1990. Outra muito diferente é
passar fome quando um setor da sociedade visivelmente melhora de
vida às custas do seu sofrimento e você não tem ideia de como era
pior para o trabalhador antes da revolução. Assim, com o aumento
da desigualdade e o fortalecimento dos contrarrevolucionários,
a instabilidade política se fará cada vez mais presente na ilha.
Nesse cenário, setores cada vez maiores da própria burocracia,
com toda certeza, verão mais vantagem em se tornar proprietários dos
meios de produção, ao invés de seguir sendo meros gestores, cujos
privilégios dependem da passividade do proletariado e de acordos
políticos delicados entre a cúpula governante. Muitos nesse exato
momento com certeza já estão se fundindo à camada de novos
proprietários que as mudanças da Tarea Ordenamiento estão gerando,
110
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
pois são os grandes burocratas os que mais tem recursos para investir
no nascente setor privado, a partir da acumulação de riquezas que
obtiveram ao longo dos anos através de privilégios e currupção. Assim,
não serão poucos os burocratas que buscarão a restauração plena do
capitalismo e a construção de um novo Estado, burguês.
Não estamos falando aqui de hipóteses distantes. Tudo isso
já está acontecendo em Cuba. A Tarea Ordenamiento e a desigualdade
que ela vem causando está na base dos protestos semi-espontâneos
de 11 de julho de 2021, que em parte tinham teor progressista ainda
quem sem liderança e programa claros. É também o que está na base
das tentativas da direita contrarrevolucionária em surfarem na onda
de insatisfação realizando protestos abertamente reacionários, como
os de 15 de novembro do mesmo ano. A contrarrevolução espreita
Cuba!4
Os desafios e as tarefas colocadas para a sobrevivência da
Revolução Cubana
Diante desse cenário, vemos o risco de se repetir a tragédia
que marcou o Leste Europeu nos anos 1980 e precisamos lembrar:
o triunfo da contrarrevolução burguesa na União Soviética e no
Leste Europeu gerou uma catástrofe social, com enormes índices de
desemprego, rebaixamento brutal do poder de compra dos salários,
generalização da fome, queda da expectativa de vida, aumento dos
suicídios etc. Tragédia essa que foi fruto de uma contrarrevolução
capitaneada por setores da própria burocracia, que desejavam se
4 Recomendamos a leitura do texto As manifestações em Cuba e os diversos riscos de
uma restauração capitalista, de julho de 2021 (https://rr4i.noblogs.org/2021/07/15/
as-manifestacoes-em-cuba-e-os-diversos-riscos-de-uma-restauracao-capitalista/).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
111
tornar burgueses, com apoio não só das potências imperialistas, mas
também de forças contrarrevolucionárias neoliberais com certo
apoio de massas, massas essas convencidas de que socialismo só
poderia significar stalinismo. (MONTEIRO, 2021)
Durante os eventos convulsivos no Leste Europeu
nos anos 1980, os principais grupos que reivindicavam o
trotskismo falharam miseravelmente. Quase todos se alinharam aos
protestos de massa que tinham lideranças e programa neoliberais, os
quais usavam a bandeira da “democracia” e a experiência negativa do
stalinismo para jogar os trabalhadores no lado da contrarrevolução.
“Mandelistas” (Secretariado Unificado), “morenistas” (LIT-QI) e
“lambertistas” (CIR-QI), dentre outros, acreditavam que estava em
curso uma revolução política e chegaram a comemorar a destruição
dos Estados proletários burocratizados no Leste Europeu como um
triunfo do socialismo. “Mandelistas”, ademais, ainda passaram todo
um período encantados com as promessas de reformas desde cima
feitas por Gorbachev e seus aliados, acreditando ser possível a própria
burocracia dissolver sua ditadura e criar uma democracia proletária
“sob pressão das massas”. (MONTEIRO, 2021; MONTEIRO, 2023).
Sem terem feito o devido balanço dessas posições vergonhosas,
os herdeiros de tais tradições revisionistas hoje cometem erros parecidos
frente a Cuba, ao saudarem protestos cuja liderança é abertamente
contrarrevolucionária, como aqueles de 15 de novembro – seja
porque acreditam que Cuba é uma “ditadura capitalista”, como os
“morenistas”, seja porque já faz muito tempo que adotaram como
método se alinhar a toda e qualquer mobilização “popular”, acreditando
que o caráter de suas bases falará mais alto do que o caráter de suas
lideranças e programa e que terão inevitavelmente teor progressista,
112
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
como os grupos associados à diáspora do “mandelismo” e outros
agrupamentos.
Acreditamos que a única saída para Cuba é a reconstrução de
um partido internacional revolucionário da classe trabalhadora,
que em Cuba dirija a insatisfação popular contra o regime da burocracia
rumo a uma luta pelo verdadeiro socialismo, apoiado em uma luta
internacional contra o bloqueio imperialista e pela revolução mundial.
É necessário rechaçar com clareza todo e qualquer movimento
contrarrevolucionário em Cuba, inclusive apoiando a repressão a
tentativas subversivas por parte dos inimigos da classe trabalhadora.
Mas também é fundamental, para impedir um desastre capitaneado
pela própria burocracia, impulsionar as tarefas associadas à revolução
política antiburocrática: lutar pela legalidade aos partidos e grupos
que defendem o socialismo; pelo retorno imediato dos subsídios que
garantam condições de vida minimamente decentes aos trabalhadores;
pelo fim dos privilégios dos burocratas; pela suspensão da Tarea
Ordenamiento e seu perigoso incentivo ao setor privado. Por fim, é
fundamental lutar para que seja o proletariado que tenha o controle da
economia e da política, através de órgãos de democracia proletária,
removendo a burocracia do poder e salvando a Revolução Cubana de
ter o mesmo destino que a URSS.
Vida longa à revolução cubana! Abaixo à Tarea Ordenamiento!
Por uma revolução mundial contra o imperialismo e uma revolução
política contra a burocracia cubana! Viva o (verdadeiro) socialismo!
Referências bibliográficas
TROTSKY, Leon. A Revolução Traída. O que é e aonde vai a URSS.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
113
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GOTT, Richard. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
ROMÃO, Morgana Moura; MONTEIRO, Marcio Lauria. O Stalinismo
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- revista de arte, mídia e política, v. 13, n. 38, 2020. Disponível em:
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MONTEIRO, Marcio Lauria. As revoluções sociais do pós-guerra:
algumas reflexões sobre suas dinâmicas, sujeitos políticos e sociais.
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Maringá, Programa de Pós-graduação em História. Maringá, 2017.
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08/02/2021. Disponível em: https://aterraeredonda.com.br/o-papelda-classe-trabalhadora-na-revolucao-cubana/.
MONTEIRO, Marcio Lauria. O movimento trotskista internacional e
as revoluções do pós-guerra: uma análise de suas (re)leituras teóricas
e programáticas (1944-63). Dissertação (Mestrado). Universidade
Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação em História Social,
Niterói, 2016.
MONTEIRO, Marcio Antonio Lauria de Moraes. Stalinismo, revolução
política e contrarrevolução: o movimento trotskista internacional e a teoria
do Estado operário burocratizado aplicada ao bloco soviético (1953-91).
Tese (Doutorado). Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-
114
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Graduação em História, Niterói, 2021.
MONTEIRO, Marcio Lauria. “Stalinismo, revolução política e
contrarrevolução: o movimento trotskista internacional e a teoria do
Estado operário burocratizado aplicada ao bloco soviético (1953-91)”.
In: MONTEIRO, Marcio Lauria. Trótski em Permanência. Anais do
evento online de 2021. São José do Rio Preto: Práxis Editorial, 2023.
Versão online disponível em: https://rr4i.noblogs.org/2023/09/21/
stalinismo-revolucao-politica-e-contrarrevolucao-o-movimento-trotskistainternacional-e-a-teoria-do-estado-operario-burocratizado-aplicada-ao-bloco-sovietico-1953-91/.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
115
Trotsky e o enfrentamento ao fascismo: um quadro de
referência para pensar o neofascismo no Brasil
Áquilas Mendes
Leonardo Carnut
A contribuição de Trotsky sobre o bonapartismo no poder e o
fascismo à espreita
Para ampliar a reflexão do regime de legitimidade restrita que
se implantou no país e que ganhou contornos cada vez mais intensos
a partir do Golpe de 2016, com a ascensão do neofascismo com o
governo Bolsonaro (2019-2022), nós entendemos que é fundamental
compreender o caráter clássico de um regime bonapartista que tem em
sua espreita, conforme as evidências históricas, o fascismo. Para essa
incursão intelectual, convocamos as reflexões de Trotsky ao elaborar
aproximações acerca do fenômeno do bonapartismo. Para esse autor,
podemos sintetizar a compreensão desse regime ditatorial como:
[...] o regime no qual a classe economicamente
dominante, ainda que conte com os meios necessários
para governar com métodos democráticos, se vê
obrigada a tolerar – para preservar sua propriedade
– a dominação incontrolada do governo por um
aparato militar e policial, por um “salvador”
coroado. Esse tipo de situação se cria quando as
contradições de classe se tornam particularmente
agudas; o objetivo do bonapartismo é prevenir
as explosões. [...] A decadência atual do
capitalismo não somente retirou definitivamente
toda base de apoio à democracia, como também
revelou que o velho bonapartismo se mostra
totalmente inadequado: o fascismo o substituiu
116
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
(TROTSKY, 1935, tradução e grifo nosso).
O interessante para a nossa atenção, na reflexão sobre o
bonapartismo de Trotsky, é a sua associação entre o capitalismo em
crise, o bonapartismo e o fascismo que se coloca à espreita. O que se
pode extrair dos escritos de Trotsky é que bonapartismo e fascismo são
definidos como regimes políticos correspondentes ao declínio histórico
do sistema capitalista (fase que, em certa medida, vivenciamos no
tempo histórico do capitalismo contemporâneo). Para tanto, Trotsky
adverte:
É exatamente com a guerra que se torna clara a
decadência do capitalismo e, sobretudo, de suas
formas de dominação democráticas. [...] O domínio
político da burguesia cai, assim, em contradição
não só com as instituições da democracia
proletária (sindicatos e partidos políticos), como
também com a democracia parlamentar, em cujos
quadros se formaram as organizações operárias.
Daí a campanha contra o “marxismo”, de um lado,
e contra o parlamentarismo democrático, de outro
(TROTSKY, 1932, p. 01, tradução nossa).
Trotsky insiste em nos alertar que “[…] a decadência da
sociedade capitalista põe na ordem do dia o bonapartismo, ao lado do
fascismo e em ligação com este (TROTSKY, 1932a, p. 01, tradução
nossa).
Nas elaborações de Trotsky, as classes dominantes ao optarem,
por um ou por outro desses dois regimes de crise dependeria, do caráter
de ameaça da revolução proletária, considerando a capacidade de
organização, de iniciativa e de direção dessa classe. Neste sentido, sob
o comando do grande capital, o fascismo constituiria a forte expressão
de uma guerra civil contra o proletariado (DEMIER, 2017; 2018). O
projeto fascista adotado pelo capital seria a última tentativa para barrar
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
117
qualquer possibilidade de vitória da classe trabalhadora. Trotsky nos
apresenta claramente essa ideia: “A burguesia em declínio é incapaz
de se manter no poder pelos meios e métodos do Estado parlamentar
que criou. Recorre ao fascismo como arma de autodefesa, pelo menos
nos momentos mais críticos (TROTSKY, 1932, p. 03, tradução nossa).
Ainda, nesta perspectiva, Trotsky assevera:
A grande burguesia gosta tanto do fascismo quanto
um homem com o maxilar dolorido pode gostar de
arrancar um dente […] E é quando a crise começa
a adquirir uma intensidade insuportável que entra
em cena um partido especial, cujo objetivo é trazer
a pequena burguesia a um ponto candente e dirigir
o seu ódio e o seu desespero contra o proletariado.
Esta função histórica desempenha hoje na
Alemanha o nacional-socialismo [...] (TROTSKY,
1932, p. 03, tradução nossa).
Trotsky chama atenção que, de forma diferenciada do
fascismo, um “regime de guerra civil aberta contra o proletariado”,
o bonapartismo se constituiria essencialmente em um “regime da paz
civil” assentado “sobre uma ditadura policial-militar” (TROTSKY,
1932). Tendo como objetivo proteger a propriedade capitalista diante
da ameaça dos trabalhadores (e de forma mais geral se equivale
tanto ao fascismo como a democracia burguesa), seu procedimento
político seria o de, por meio de um forte aparelho de Estado, impedir
a emergência da guerra civil defendida pelo fascismo, assegurando à
sociedade burguesa distância das possíveis convulsões internas.
Trotsky, simultaneamente à sua tentativa de apresentar
teoricamente as diferenças entre fascismo e bonapartismo, procurou
também evitar uma perspectiva que concebesse os dois regimes de um
modo antagônico. Lembrando as semelhanças e pontos em comum
entre estes regimes de crise, Trotsky destacou ainda a possibilidade de
118
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
que o fascismo, muitas vezes decorrente de um regime bonapartista,
venha a se transformar numa modalidade mais estável deste último.
Desse modo, Trotsky é assertivo na sua contribuição:
O que temos dito demonstra suficientemente
a importância de distinguir entre a forma
bonapartista e a forma fascista de poder. Não
obstante, seria imperdoável cair no extremo
oposto, convertendo o bonapartismo e o fascismo
em duas categorias logicamente incompatíveis.
Assim como o bonapartismo começa combinando
o regime parlamentar com o fascismo, o fascismo
triunfante se vê obrigado a constituir um bloco
com os bonapartistas e, o que é mais importante, a
aproximar-se cada vez mais, por suas características
internas, de um regime bonapartista (TROTSKY,
1932, tradução nossa).
As palavras de Trotsky, situadas historicamente, devem
servir de reflexão para a o quadro que se instalou no capitalismo
contemporâneo, sobretudo no contexto brasileiro de Bolsonaro.
Por sua vez, Demier (2018) nos lembra que, após a vitória
eleitoral de Hitler e a consequente instauração do regime nazista na
Alemanha, a direção da Internacional Comunista (IC) buscou rever a
política estratégica que até então adotava diante do avanço do fascismo.
A nova linha política orientava os Partidos Comunistas a realizarem
“frentes antifascistas” juntamente com os partidos socialdemocratas de
seus países e os setores “democráticos” de suas burguesias, formando
assim “frentes populares” (DEMIER, 2018a).
Em consonância com a estratégia da IC, mas de forma
muito mais dura e efusiva, Trotsky também conclamava uma Frente
Única para lutar contra o fascismo. Para ele, seria importante ter a
compreensão do significado temeroso desse regime. Trotsky assinalava
que: “O fascismo não é apenas um sistema de repressão, violência
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
119
e terror policial. O fascismo é um sistema estatal particular baseado
na extirpação de todos os elementos da democracia proletária na
sociedade burguesa” (TROTSKY, 1932, tradução nossa).
Para Trotsky, era fundamental dispor de uma missão histórica
urgente: a constituição de uma Frente Única Operária, acirrando a luta
de classes. Contudo, a luta contra o fascismo não significa subordinarse politicamente aos reformistas. Trotsky argumenta que não deveria
existir nenhuma plataforma comum com a socialdemocracia ou com
os líderes dos sindicatos alemães, nenhuma publicação, nenhuma
bandeira, nenhum sinal comum! Marchar separados, golpear juntos, ou
seja, se porem de acordo apenas em como golpear, em quem golpear e
quando golpear! (TROTSKY, 1933, tradução nossa).
Assim, os ensinamentos históricos trazidos por Trotsky
podem iluminar a esquerda revolucionária para refletir a ação táticoestratégica do presente. Em que pese as diferenças dos contextos sócio
históricos, o neofascismo vivente na conjuntura brasileira apresenta as
reminiscências de sua expressão do passado, contudo deve ser relida
com suas atualizações. A Frente Única dos trabalhadores, proposta
por Trotsky, deve ser uma ação necessária da classe trabalhadora atual
para enfrentar o quadro de escalada neofascista no Brasil que, mesmo
com a saída do governo Bolsonaro, permanece no âmbito das relações
sociais nesse país.
Por fim, é importante lembrar que a luta da classe trabalhadora
não deve seguir por uma Frente no âmbito da institucionalidade, isto
é, por meio de disputas no interior do Estado, evitando a ilusão da
qual menciona Pachukanis (2017) ao se pensar que todos os cidadãos
são “sujeitos de direitos”, principalmente, no seio da dinâmica atual
do Estado social capitalista. Uma referência crítica para essa ilusão
120
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
diz respeito à contribuição de Edelman (2016). Para esse autor é
necessário se contrapor a ideia de se contentar com as “conquistas”
da classe operária – jornada de trabalho, férias remuneradas, etc – e
sim concebê-las como “derrotas políticas”. Não se tem dúvida que
as condições de trabalho haviam melhorado com essas “conquistas”,
entretanto, a sua simples aceitação, acaba por abandonar qualquer
ambição revolucionária de destruir o capitalismo, tomando os meios
de produção. Não se deveria confundir a oposição capital/trabalho
renovando-se numa aliança capital/trabalho. E, para esse autor, o
instrumento principal desse último comprometimento havia sido o
direito em sua forma (forma-jurídica). Neste sentido, a Frente Única
dos Trabalhadores a que se refere Trotsky, inspirando a luta atual no
contexto do capitalismo contemporâneo em crise, com expropriações
sociais intensas na vida do trabalhador, deve ser forjada no âmbito da
luta antifascista contra o capital e não na defesa exclusiva de apenas
‘um conjunto de direitos’.
A crise capitalista e neofascismo
É no contexto de dificuldade do capital para enfrentar a crise
de longa duração, a “policrise” (ROBERTS, 2023), que o neofascismo
de Bolsonaro encontra terreno fértil para germinar. Contudo, não se
pode compreender o neofascismo como a causa da crise capitalista.
Trata-se de um produto dela, emergindo como uma resposta da classe
dominante para mitigar os malefícios produzidos pelo capitalismo
neoliberal sob a dominância do capital fictício.
Robinson (2019) vai, ainda, mais além, ao dizer que o
neofascismo do século 21 pode ser compreendido na triangulação entre
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
121
o capital transnacional, o poder político repressivo do Estado e as forças
neofascistas na sociedade civil. Neste sentido, seus projetos referemse a uma resposta mais contundente à crise capitalista, exacerbando
o poder monopólico da violência física do Estado e vinculando-o à
operação de medidas de contratendências à queda da lucratividade do
setor produtivo, por exemplo, por meio da adoção de austeros ajustes
fiscais em sintonia com o poder do império do capital.
Voltemos ao entendimento da crise contemporânea do
capital. Vivemos tempos de grande convulsão com o capitalismo
contemporâneo, em que assistimos a uma longa crise ou longa
depressão (ROBERTS, 2016), o que nos faz refletir sobre sua essência
e a permanência dos problemas. Nesse caso, a forma política estatal
vem convivendo com o crescimento do neofascismo no mundo,
particularmente na América Latina (CARNUT, 2023a; CARNUT,
2023b; CARNUT, 2023c). Essa crise pode ser considerada uma
“policrise” (ROBERTS, 2023; ROBINSON, 2023). Essa categoria,
tratada recorrentemente na literatura crítica mais atual, expressa a
confluência e imbricação de várias dimensões, quando se analisa toda
a crise capitalista: econômica (inflação e depressão), ecológica (clima
e pandemia) e geopolítica (guerra e divisões internacionais).
Em vez de sair de uma recessão, as economias capitalistas
permanecem deprimidas com menor produção, investimento e
crescimento do emprego do que há muito tempo (ROBERTS, 2022).
Esse longo período de depressão tornou-se mais incisivo após o
colapso financeiro global de 2007-8 e continuou até 2019, quando
parecia que as principais economias não apenas cresciam muito mais
lentamente do que antes de 2007, mas caminhavam para um declínio.
Segundo Roberts (2023a), quando se analisa a taxa de crescimento
122
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
do PIB em termos globais, é possível verificar que esta taxa diminuiu
de 4%, entre 2003 e 2007, para 3%, entre 2015 e 2019 (ROBERTS,
2023a).
Isso já se arrastava desde a segunda década dos anos 1970,
com a queda da taxa de lucro do capital produtivo, com base na lei
tendencial da queda da taxa de lucro em Marx (2017). A taxa de
lucro do setor empresarial das empresas industriais e financeiras nos
Estados Unidos caiu para menos de 7% nos anos posteriores à crise
de 2007-2008 (KLIMAN, 2012). Kliman aponta que a tendência de
queda da taxa de lucro, ao desacelerar a economia capitalista norteamericana, estimula a superprodução e a especulação, levando a uma
crise financeira como causa imediata desse processo.
Nesse cenário, a segunda tendência da acumulação capitalista
se expressou nos últimos 40 anos, explicitando sua crise através do
crescimento vertiginoso do capital fictício, na forma de títulos públicos,
ações negociadas no mercado secundário ou como derivativos de todo
tipo (CHESNAIS, 2019). O aumento dos ativos financeiros globais
ocorreu de forma intensa na década de 1990. Em 2000, seu estoque
era cerca de 112% superior ao de 1990. Em 2010, o crescimento foi
de 91,7% em relação a 2000 e, em 2014, atingiu um aumento de 42%
em relação a 2010, correspondendo a um expressivo valor de US$ 294
bilhões (NAKATANI; MARQUES, 2020).
Como se não bastasse, ocorreu em seguida o crash da pandemia
de COVID e a economia mundial sofreu uma forte contração. Com base
em dados da UNCTAD, ela identifica essa situação de queda do PIB,
do período de 2015 a 2019 até o período pandêmico de 2020 a 2022
(ROBERTS, 2023a). Em termos globais, caiu de um período para outro
de 3% para 1,9 % respectivamente, nos países em desenvolvimento
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
123
diminuiu de 2,9% para 1,9% e, na China, de 6,7% para 4,5%. Com
a crise pandêmica, é importante considerar o argumento central de
Izquierdo et al (2021) de que há grande incerteza sobre a devastação
humana causada pela pandemia em nível planetário, principalmente em
termos de sua duração. No momento em que as principais economias
estavam se recuperando da pandemia, o mundo foi novamente atingido
pelo conflito Rússia-Ucrânia e suas ramificações para o crescimento
econômico, comércio, inflação e meio ambiente.
Soma-se a essas dimensões da crise a destruição ecológica
causada pelo capitalismo. Wallace (2016) comenta que o agronegócio,
em larga escala, atua na criação e disseminação de novas doenças. Isso
porque as monoculturas de animais domésticos, criados em grande
número e em pequenos espaços, implicam altas taxas de transmissão
em ambientes com respostas imunológicas enfraquecidas. Ou seja,
o aumento do aparecimento de vírus está intimamente associado à
produção de alimentos e à lucratividade de empresas multinacionais.
Por outro lado, é importante levar em consideração o iminente pesadelo
do aquecimento global, conhecido como crise climática (ROBERTS,
2021).
Mas a pergunta é: o que o neofascismo tem de importante
para entender essa situação? Ora, ele aparece como uma mobilização
política, difusa, mas forte o suficiente para alçar postos de comando no
Estado. Desde aí, é que se justifica a necessidade da destruição da vida
e do ambiente no sentindo de reafirmar a lógica – agora especulativa
– do padrão de acumulação já ultraneoliberalizado. Beinstein
(2018) demonstra ser própria do neofascismo o desprezo às pautas
relacionadas à conservação do planeta, à matriz energética e outras
pautas relacionadas ao meio ambiente. O neofascismo aposta que o
124
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
ritmo imposto pela financeirização do capitalismo contemporâneo
possa ser replicado em especial a exploração econômica da natureza.
Tudo isto como se esta destruição a passos largos fosse o suficiente
para ‘salvar’ o capitalismo da depressão de longa duração.
Por isso, em 2023, no Fórum Econômico Mundial (WEF)
em Davos, através da classe capitalista transnacional, como coloca
Robinson (2023), eles discutiram as várias dimensões da “policrise”,
mas pareciam à deriva sobre como restaurar o capitalismo. rejeitar a
ameaça de revolta em massa vinda de baixo, como a da ultradireita e
do neofascismo à globalização capitalista (ROBINSON, 2023).
A dimensão do neofascismo no Brasil
Antes de mais nada é importante reconhecer, sob uma análise
referencial mais ampla, que o papel do neofascismo se apresenta
intrinsicamente relacionado ao movimento geral do capital e sua crise
de lucratividade dos setores produtivos e de um aumento vertiginoso
do capital fictício, buscando enfrentar essa situação. Como já dito, Para
Robinson (2020), o fascismo do século 21 pode ser compreendido na
triangulação entre o capital transnacional, o poder político repressivo
do Estado e as forças neofascistas na sociedade civil. Seus projetos
referem-se a uma resposta mais contundente à crise capitalista,
refundando a legitimidade do Estado e tornando-a mais restrita.
Isto não quer dizer que os neofascistas, diferente do fascismo
dos anos 30 e 40, que criticavam os “ritos institucionais” e a “política
parlamentar” (PACHUKANIS, 2020) rejeitem as instituições
burguesas. Ao contrário, utilizam-se dos procedimentos democráticos
formais – como os processos eleitorais – para garantirem suas ações
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
125
políticas no âmbito do Estado (CARNUT, 2020). Contudo, quando
alcançam do poder estatal acabam governando, com muita frequência,
por meio de mecanismos autoritários, que juridicamente dependem da
conjuntura doméstica. No caso do Brasil, os Decretos – largamente
adotados, por exemplo, pelo governo Bolsonaro, rememoram os
Decretos-Lei dos tempos da ditadura militar.
Após os terríveis anos governo do ex-presidente Jair Bolsonaro
(2019-2022), a imprensa internacional e parte da esquerda brasileira,
ainda titubeiam em classificá-lo como neofascista. Mattos (2020) usa
um conjunto de argumentos nos quais sintetiza a particularidade do
neofascismo de Bolsonaro, avançando numa caracterização em que
decompõe as distintas dimensões de sua ideologia, dos movimentos
coletivos que o apoiam e de sua organização política, bem como das
práticas no governo e da configuração particular do regime político
atual. Para efeito deste ensaio, restringimo-nos a comentar brevemente
algumas ações relacionadas aos setores sociais e a saúde em função do
enfrentamento institucional requerido pela pandemia de COVID-19
durante o governo neofascista de Bolsonaro.
O exemplo mais direto para descrever as práticas políticas
do governo Bolsonaro relaciona-se à pauta econômica de retirada
de direitos dos trabalhadores, intensificando a superexploração da
força de trabalho e a utilização do fundo público prioritariamente
pelo controle da acumulação privada. Neste sentido, constata-se a
enxurrada de reformas ultraneoliberais encaminhadas ao Congresso
no primeiro ano do governo (a tributária, a administrativa, a sindical e
a previdenciária) sendo esta última aprovada logo nesse período.
Destaca-se a PEC 186/2019 aprovada, em que condiciona a
concessão de novo auxílio financeiro à população durante o segundo
126
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
ano da pandemia, promovendo ataques diretos aos direitos dos
servidores públicos. Ainda, merece destaque a PEC 196/2019 que
atinge duramente a organização sindical, eliminando a sua unicidade,
reprimindo suas mobilizações, rejeitando o limitado “direito de greve”
estabelecido em lei, perseguindo lideranças sindicais e terminando
com a contribuição sindical. Além disso, cabe mencionar as medidas
de cortes drásticos de recursos às instituições de ensino superior e às
agências de apoio à produção científica e programas de pós-graduação
que não param de cessar por meio da atitude obscurantista de Bolsonaro.
E, também, do ponto de vista da coerência entre o discurso ideológico
do neofascismo e as políticas efetivas implementadas, não se pode
atribuir a Bolsonaro o fato dele ter escondido o que vem realizando
na crítica ao ambientalismo, em parceria com grandes construtoras
para destruir áreas de proteção e sustentar um avanço violento do
agronegócio na Amazônia.
Essa combinação da ideologia neofascista com políticas
concretas de restrição e enfrentamentos a direitos sociais se articula,
como não poderia deixar de ser, à investida ultraneoliberal à saúde
pública, por meio da diminuição de recursos orçamentários ao
Ministério da Saúde em pleno vigor da pandemia do coronavírus,
decretos presidenciais de restrição da atenção primária à saúde ao setor
privado e ao novo modelo de financiamento desse nível de atenção. De
forma sintética e profícua para nossa análise do regime político no
governo Bolsonaro, Mattos (2020) é preciso: “o regime político é, por
enquanto, dominantemente democrático-burguês – “deteriorado, em
crise” e “blindado” às demandas dos subalternos. No entanto, ele já
contém elementos da face autoritária (militarizada) e fascista a que ser
referia Florestan quando examinava a ditadura” (p. 236).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
127
A articulação dos grupos empresariais por meio de uma trama
complexa de relações tem sua expressão condensada na chamada
“Coalizão Saúde”, grupo de associações e empresas que convergem no
intuito de mercantilização dos serviços de saúde em relações públicoprivadas embricadas com ações governamentais, partidos políticos e,
claro, na execução da política de saúde no Sistema Único de Saúde
(SUS) em todos os níveis de atenção. Em que pese que o mix públicoprivado seja preconizado pelo SUS desde o seu nascedouro e encontre
diversas expressões na organização do sistema, o tema relacionado
ao momento histórico vivenciado com o neofascismo encontra nessa
coalização sua expressão mais fascistizada (BRAVO, PELAEZ,
MENEZES, 2020).
Em março de 2020, com a decretação de emergência sanitária
em função da pandemia do novo coronavírus, Bolsonaro e seu núcleo
neofascista identificaram na covid-19 a oportunidade de manter um
estado de ‘crise permanente’ que justificasse o peso da “mão militar”
na condução do Estado, especialmente como forma de iludir o público
mais despolitizado. Aliado à sensação concreta de perda de capacidade
de compra e ao desemprego em alta na classe trabalhadora mais
precarizada, juntamente com a herança de um ranço neoescravocrata
da classe média, forjou a possibilidade de manipular politicamente a
pandemia em uma retórica genocida (como “apenas uma gripezinha”),
contando com uma burguesia associada ao seu projeto de maneira
contundente.
Neste contexto, parte do empresariado bilionário, a exemplo
de Jorge Neval Moll Filho (da Rede D’Or, com US$ 11,3 bilhões);
Dulce Pugliese de Godoy Bueno (Amil, com US$ 6 bilhões); Pedro de
Godoy Bueno (Dasa, com US$ 3 bilhões); Maurizio Billi (Eurofarma,
128
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
com US$ 1,4 bilhão), aproveitou-se da situação de terra arrasada no
SUS para lucrar com a demanda que foi drenada para o seu setor
(LAPORTA, 2021). O caso mais expoente desse avanço dos negócios
da saúde com a crise sanitária foi do Grupo Hapvida, que teve um
crescimento de 62,7% da receita líquida, chegando a R$ 2,1 bilhões
durante a pandemia de coronavírus. A Hapvida fez, ainda, uma série de
empreendimentos recentes, como a compra do grupo São Francisco,
maior operadora de saúde do Brasil. Candido Pinheiro Koren de Lima,
do Hapvida (US$ 3,7 bilhões); Jorge Pinheiro Koren de Lima, do
Hapvida (US$ 1,8 bilhão) e Candido Pinheiro Koren de Lima Junior
(US$ 1,8 bilhão) são seus sócios (MAGNO, 2020), alguns deles
ligados ao grupo Coalizão Saúde.
É importante lembrar que os fascistas não chegam ao poder
sozinhos, logo, o apoio de uma burguesia associada, aqui, no caso, o
setor saúde, que encampe seu projeto, é essencial na sustentabilidade
política do espectro neofascista no governo. Em troca do apoio da
máquina estatal para avançar com seus negócios no mercado sanitário,
aumentando sua rentabilidade, essa burguesia é omissa e mantém-se
como cúmplice do projeto de genocídio do governo carreado por um
“núcleo duro”,
Considerações Finais
Em que pese que o tempo histórico é outro, ao pensar o fascismo
tendo como referência o quadro teórico e de ação política proposto por
Trotsky em seu tempo é possível tirar conclusões importantes para
pensar o neofascismo no período atual.
Não é porque o governo Bolsonaro acabou que o processo
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
129
de fascistização na sociedade civil não precisa ser enfrentado. Pelo
contrário, assim como Trotsky em seu tempo direcionou a luta política
para o enfretamento ao fascismo, mesmo quando não institucionalizado
o mesmo devemos fazer em nossa conjuntura de maneira convergente
e constante.
A aliança por uma Frente Única é essencial e se coloca como
tarefa nos dias hoje assim como ocorreu nos fascismos dos anos 1930.
Contudo, a diferença reside na compreensão do processo vivenciado
nos dias de hoje que, apresenta na esquerda, uma incapacidade de
leitura do movimento do real em termos de neofascismos, e ao negar,
desconsidera ações coordenadas por subestimar o problema. Além
disso, as alianças políticas no Brasil especialmente que se configuraram
para enfrentar – apenas eleitoralmente – o fascismo no Brasil, foi
guiada pelo requentado receituário da esquerda liberal travestida de
‘socialdemocracia’ que, mais uma vez, não apresenta projeto novo.
A tendência que está a se avizinhar demonstra que o avanço da
extrema-direita fascista está forte no Brasil, e que a possibilidade de
eles assumirem o poder em um novo pleito eleitoral é muito grande
já que a sociedade civil, rachada e ressentida, ainda crê nas saídas
políticas da crise de longa duração apresentadas pelo bolsonarismo.
Sem compreender o quadro de referência sobre o fascismo, a esquerda
está à deriva, vendo, desinformada, a força do irracionalismo fascista
crescer diante dos seus olhos.
Entre a ‘ignorância desnorteada’ ou a ‘perplexidade informada’,
não há espaços para titubeios ao topar com o fascismo. Assim, mais
uma vez a fortaleza da análise marxista coerente e acertada de Trotsky
ainda pode ser considerada válida para sabermos como enfrentar o
neofascismo no Brasil de 2024.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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134
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Dominação burguesa, capitalismo periférico e autoritarismo no Brasil
Mario Miranda Antonio Junior1
Esta reflexão resulta de estudos acumulados em nível de pósgraduação, sobretudo, nas Ciências Sociais, dialogando com alguns
dos principais intérpretes do Brasil no âmbito do pensamento político
e social brasileiro. Com a ascensão da extrema-direita ao poder em
2018, catalisada pelo ex-capitão do Exército e deputado federal Jair
Bolsonaro, contumaz defensor da Ditadura Militar de 1964, se impõe
a necessidade de analisar o autoritarismo brasileiro; ora latente, ora
manifesto, suas características e formas de permanência, reprodução,
restauração e/ou renovação.
O processo histórico brasileiro, as particularidades do
desenvolvimento do nosso capitalismo e de nossa formação social,
radicalmente distintas do padrão europeu, ianque e mesmo dos nossos
vizinhos latinoamericanos, caracteriza-se pela “via colonial” e “herança
ibérica”, derivando em um tipo de capitalismo tardio, dependente e
periférico estabelecido nas bases de uma sociedade agrária, senhorial,
escravista e estamental. Esse tipo de capitalismo, tem raízes históricas
na colonização portuguesa, na ordem do mercantilismo europeu em
expansão desde o século 15.
Dito isto, trata-se de analisar o desenvolvimento do Estado
nacional, do capitalismo, da burguesia e do proletariado brasileiros,
1 Sociólogo (FESPSP), mestre em Serviço Social (Unifesp), doutorando em Economia Política Mundial (UFABC), estuda o “autoritarismo” brasileiro há duas décadas e é militante de movimentos populares de luta por moradia desde 2008. Contato:
mmajr1975@gmail.com.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
135
considerando as particularidades da nossa formação social e modo de
produção típico que estrutura e organiza a sociedade, no interior da
ordem capitalista global, considerando o lugar do capitalismo brasileiro
nessa hierarquia. Por fim, como lócus do processo de reprodução do
capitalismo e espaço privilegiado da luta de classes, destaca-se a
“questão social” e a luta de classes, tensionada pelo desenvolvimento
do capitalismo brasileiro e as relações sociais de produção nas bases
da “via colonial” e “herança ibérica”.
Do ponto de vista de nossa formação social e modo de produção,
temos como interlocutores alguns dos principais intelectuais do
pensamento político e social brasileiro, enquanto que para analisarmos
o capitalismo que aqui se estabeleceu em fins do século 19, no esteio
do estágio de desenvolvimento do capitalismo global, o pensamento
de Trotsky, Lukács e Marx deverão balizar esta reflexão.
Refletir sobre o capitalismo brasileiro, consiste em analisar o
processo histórico a partir da consolidação do Estado nacional, isto
é, a Independência do Brasil em 1822. Caio Prado Júnior (1933),
Sérgio Buarque de Holanda (1936) e Florestan Fernandes (1975),
contudo, consideram a transferência da corte portuguesa em 18082
o marco fundamental da transformação da colônia em nação, ainda
que submissa à metrópole lusitana. Ao lado da “abertura dos portos”
para as “nações amigas” - leia-se, Inglaterra -, D. João VI de Portugal
franqueava o mercado interno brasileiro ao comércio inglês, ao mesmo
2 Decorrente das guerras napoleônicas na Europa, conforme a invasão de Portugal
em novembro de 1807, D. João VI resolve transferir a corte para o Brasil. A Revolução Haitiana, ocorrida entre 1791 e 1804, também despertava imenso terror em
Portugal e nas elites escravocratas brasileiras, conforme o Brasil detivesse a maior
população de cativos africanos do continente. Após se alastrar pelo continente os
movimentos de independência na América Espanhola a partir de 1808, em 1815 o
Brasil seria elevado à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves.
136
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
tempo em que transforma “profundamente a sociedade, na medida em
que se estabelece o Estado brasileiro com todas as suas instituições
políticas, jurídicas, burocráticas, culturais, econômicas, militares,
científicas, dentre outras que tal empreendimento exige” (ANTONIO
JUNIOR, 2020, p. 43).
A despeito da autonomia política consagrada com a
Independência, assegurando o poder político, conferindo alguma
liberdade econômica para as elites locais, o embrionário capitalismo
brasileiro se inseria na ordem global de forma tardia, dependente e
periférica. A industrialização viria apenas no Segundo Reinado,
não sem atritos e resistências, após a Guerra da Tríplice Aliança.
A formação da classe trabalhadora brasileira, é enredada pelo
Abolicionismo de um lado, a substituição do trabalho escravo pelo
imigrante. Assim, a partir da década de 1870, com a ascensão do
movimento Republicano, a expansão do café no Oeste paulista, o
recrudescimento do Abolicionismo e a intensificação da imigração,
estão dadas as bases para a industrialização no país, conforme a
transferência e a acumulação de capitais decorrentes desse processo.
Considerando a influência dos trabalhadores estrangeiros, sobretudo,
italianos, espanhóis e portugueses, teremos nos primórdios da
organização da classe operária brasileira, o predomínio do anarcosindicalismo, anarco-socialismo e do socialismo reformista, de acordo
com a influência do positivismo vigente no país e das teses da II
Internacional (BATALHA, 2000, KOVAL, 1982).
Com efeito, segundo Prado Júnior (1962) e Fernandes (2006),
em Evolução Política do Brasil (obra de 1933) e A Revolução
Burguesa no Brasil (obra de 1975), a independência política de
1822 estabelece as condições fundamentais para a consolidação do
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
137
liberalismo econômico e político no país. Todavia, o desenvolvimento
do capitalismo brasileiro foi moroso, marcado por contradições e
resistências, conforme as condições essenciais para a expansão do
trabalho livre viessem apenas em 1850, após a promulgação da Lei
Eusébio de Queirós, inaugurando “o paulatino processo que culminará
com o movimento Abolicionista e as leis subsequentes que contribuirão
para o fim da escravidão”. Promulgada apenas duas semanas depois,
a Lei de Terras (1850) viria a assegurar “as bases jurídicas para a
propriedade privada – latifúndio - no país” e a capitalização da terra,
garantindo a manutenção de extensas propriedades nas mãos das
oligarquias locais, restringindo o seu acesso aos pequenos agricultores,
posseiros, ex-escravos e estrangeiros (ANTONIO JUNIOR, 2020, p.
42).
Para Caio Prado (1962), conforme Portugal fosse um reino de
agricultores, comerciantes e população reduzida, somente dividindo o
ônus da exploração com a incipiente burguesia lusitana, repartindo o
território das colônias em Capitanias Hereditárias - processo adotado
antes nos Açores e na Madeira -, oferecendo concessões para a
exploração do Pau-Brasil, o empreendimento da ocupação e exploração
ultramarina seria viável. Tal como nos Açores e na Madeira, a mão de
obra negra escravizada também seria utilizada em larga escala. Em
Evolução Política do Brasil (1933), evidencia-se tanto a primazia do
modo de produção e a subordinação ao capitalismo exterior, quanto
a luta de classes na abordagem do processo histórico brasileiro,
destacando os movimentos populares nas diversas revoltas que
atravessaram o período compreendido entre as luta pela independência
e o segundo Reinado.
Em Formação do Brasil Contemporâneo (1942), constrói
138
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
a tese sobre a “via colonial” ou o “sentido da colonização”, tendo
como corolário o caráter “dependente” e “periférico” do capitalismo
tardio brasileiro, associado e subordinado aos interesses do capital
estrangeiro, assim, destaca:
No seu conjunto, e vista no plano mundial e
internacional, a colonização dos trópicos toma o
aspecto de uma vasta empresa comercial, mais
completa que a antiga feitoria, mas sempre com
o mesmo caráter que ela, destinada a explorar
os recursos naturais de um território virgem em
proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro
sentido da colonização tropical, de que o Brasil é
uma das resultantes; e ele explicará os elementos
fundamentais, tanto no econômico como no social,
da formação e evolução históricas dos trópicos
americanos. (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 31)
Florestan Fernandes (1981), por sua vez, considerando o
incipiente estágio de desenvolvimento das forças produtivas de Portugal
e Espanha no século XVI, destaca que não eram suficientemente
robustas para prover as “atividades mercantis” decorrentes da
“descoberta, exploração e o crescimento das colônias”. Por essa
razão, associam-se ao capital mercantil abundante nos Países Baixos
e Veneza, atrás da tecnologia, capital, equipamentos e do mercado
internacional, assumindo o papel de intermediários ou sócios menores
no negócio.
Assim, Florestan Fernandes em 1975, aponta a heteronomia
do capitalismo brasileiro, de acordo com o seu lugar subalterno
na divisão internacional do trabalho. Trata-se de uma espécie de
capitalismo articulado com o modo de produção escravista, ao lado
de um liberalismo limitado pela ordem senhorial-estamental. Deste
modo, convivendo com tais forças estanques, acomoda-se a elas,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
139
conforme houvesse mais interesses convergentes que antagônicos.
Gorender (1981, p. 11) explica que a “burguesia mercantil prospera
nas formações sociais anteriores ao capitalismo, enquanto o agente
organizador do modo de produção capitalista é somente a burguesia
industrial”. Deste modo, em formações de capitalismo tardio e
periférico, a burguesia industrial “pode engendrar-se, em grande
parte, na própria burguesia mercantil, como sucedeu no Brasil e outros
países, na medida em que certo número de comerciantes investe na
indústria e organiza a produção de artigos, que antes se limitava a
comprar e vender”. Portanto, considerando que o “capital industrial
dirige a produção”, isto é, o movimento econômico interno, inclusive
a agricultura, “a produção fabrica não apenas os artigos de uso, mas
também o seu valor, sua mola propulsora é, no entanto, o ganho de
mais valor, cujo berço é a esfera da produção, não da circulação”
(MARX, 1989).
De acordo com Florestan Fernandes (2006), a associação
subordinada de capitais agrários e comerciais, incrementa-se com a
ampliação do sistema de crédito bancário e financeiro, considerando
a expansão da mão de obra e dos negócios estrangeiros relacionados
à infraestrutura urbana, transportes, comunicações, enfim, os meios
necessários ao escoamento da produção e ampliação do comércio
interno e externo. Tal será a burguesia ascendente brasileira que,
com a abolição da escravatura e o excedente de capitais, se tornará
a nova força política aliada às velhas oligarquias agrárias, investindo
na industrialização do país, conforme avance a escalada do capital
imperialista global. Considerando que a elite senhorial-estamentalescravocrata era impermeável ao capitalismo, essencialmente
antiliberal e antiburguesa, foi a pequena burguesia mercantil
140
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
- comerciantes ligados ou associados ao capital externo que
prosperavam - que associada a essa elite, conforme a convergência de
interesses econômicos e as exigências do capital transnacional, logrou
incrementar a economia e alcançar status econômico e social.
Destacando a “modernização conservadora” e a “autocracia
burguesa” como o padrão da dominação burguesa no Brasil, Florestan
Fernandes (2006) explica que perante a “emergência e expansão
do capitalismo como uma realidade histórica interna”, deu-se uma
“acomodação” de modelos econômicos distintos e até opostos. Diante
dessa constatação, desenvolve a ideia central da sua tese, contornando
os elementos fundamentais do capitalismo brasileiro:
Dessa acomodação resultou uma economia
“nacional” híbrida, que promovia a coexistência
e a interinfluência de formas econômicas
variavelmente “arcaicas” e “modernas”, graças à
qual o sistema econômico adaptou-se às estruturas
e às funções de uma economia capitalista
diferenciada, mas periférica e dependente
(pois só o capitalismo dependente permite e
requer tal combinação do “moderno” com o
“arcaico”, uma descolonização mínima, com
uma modernização máxima). Sob esse aspecto, a
mencionada acomodação tanto pode ser encarada
como “historicamente necessária” quanto como
“economicamente útil”. (FERNANDES, 2006, p.
209)
Se tratava de engendrar meios modernos de “acumulação
de capital” – como acontecera desde as transições do período
colonial ao neocolonial e imperial -, articulando arranjos produtivos
arcaicos apropriados para intensificar a “acumulação ampliada”. Na
transição do “mundo pré-capitalista” para a consolidação do “mundo
capitalista” e industrial, desde a Abolição e a República, a “oligarquia
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
141
não dispunha de base material e política para manter o padrão de
hegemonia elaborado no decorrer do Império” (FERNANDES, 2006,
p. 245), após o sistemático e perene processo que se segue desde as
leis Eusébio de Queiróz e Terras de 1850. Assim, cumpria renovarse, recompondo as bases a partir da “ordem social emergente em
expansão”, ou seja, a ascendente e próspera burguesia comercial
associada ao capital externo.
Através de sucessivas acomodações entre “conflitos de
interesses da mesma natureza ou convergentes”, sem grandes rupturas,
assegura-se a transformação “dentro da ordem”, estabelecendo a
“consolidação conservadora da dominação burguesa no Brasil”,
consagrando um tipo de dominação burguesa de caráter autocrático
e inclinação à adesão a procedimentos explícitos e sistemáticos de
“ditadura de classe”, subordinada às necessidades e interesses do capital
externo. Deste modo, “para modernizar as formas de socialização, de
cooptação, de opressão ou de repressão”, estabelece politicamente
as pressões e/ou conflitos “dentro da ordem”, restringindo o espaço
político através da “ordem legal”, assegurando o controle social por
meio da tutela ou repressão (FERNANDES, 2006, p. 345). A propensão
irresistível e deliberada para “empregar a violência” escancarada e
“institucionalizada na defesa de interesses materiais privados” ou de
objetivos “políticos particularistas”, consagra padrões autocráticos de
“autodefesa e autoprivilegiamento”, consolidando o “nacionalismo
burguês”, chauvinista e recalcitrante, que aproxima a “república
parlamentar com o fascismo”.
Isso nos coloca, certamente, diante do poder
burguês em sua manifestação histórica mais
extrema, brutal e reveladora, a qual se tornou
possível e necessária graças ao seu estado de
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
paroxismo político. Um poder que se impõe sem
rebuços de cima para baixo, recorrendo a quaisquer
meios para prevalecer, erigindo-se a si mesmo em
fonte de sua própria legitimidade e convertendo,
por fim, o Estado nacional e democrático em
instrumento puro e simples de uma ditadura de
classe preventiva. (FERNANDES, 2006, pp. 345346).
Florestan Fernandes (2006) explica que as “pressões dentro
da ordem”, impulsionadas pelas classes exploradas – proletariado,
camponeses, trabalhadores pobres -, associadas ou não a setores
médios mais progressistas, quando aspiram transformar-se em
um movimento revolucionário “contra a ordem”, as reações do
“consenso burguês” ultraconservador, intransigente as reivindicações
minimamente democráticas, diante da desigual “distribuição da
riqueza e do poder” em uma sociedade de classes “dependente e
subdesenvolvida”, via de regra, são sempre extremamente hostis e
violentas. A República Oligárquica constitui o regime que consolida
o triunfo da ordem burguesa e capitalista sobre a ordem senhorial e
escravocrata. Conforme uma se transfigure na outra, expressando o
momento histórico em que a velha ordem em ruínas entra em choque
com a nova ordem social, predominando um “contínuo processo de
formação e de dissolução”, de cima para baixo, estabelecendo aquilo
que Gramsci consagrou como “revolução passiva”.
O que se verifica, é que aquilo que a burguesia se mostra
incapaz de realizar no plano privado, busca alcançar usando como
“base de ação estratégica” a infraestrutura, “recursos e o poder do
Estado”. Por essa razão - “autocrática”, conforme Sartoretto3 (2023)
3 Segundo Leonardo Sartoretto (2023, p. 37), a grosso modo, o projeto político-ideológico conservador, conforme a interpretação sociohistórica da realidade brasileira desenvolvida por intelectuais como Alberto Torres, Oliveira Vianna e Azevedo
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
143
-, dirigiu o Estado para o centro das ações capitalistas, estabelecendo
uma espécie de “democracia autoritária” consagrada pelo triunfo do
projeto político-ideológico de Vargas de condução do desenvolvimento
econômico nacional. Por outro lado, a atração das elites dominantes
pela associação com setores militares, verifica-se pela tendência à
“militarização do Estado e das estruturas político-administrativas”,
consolidando esse padrão em “uma constante das nossas “crises”
desde a proclamação da República”, passando pela repressão jurídicopolicial aos anarcossindicalistas nas décadas de 1910 e 20, até o
“Estado Novo” e a ditadura de 1964. (FERNANDES, 2006, p. 357).
A inexpressiva presença de estratos desfavorecidos “dentro da
ordem” e a imensa massa de excluídos à margem ou “fora da ordem”,
suscita o temor da radicalização em situações de instabilidade e crise
da ordem burguesa de classes. Diante da possibilidade de alteração
do “padrão de hegemonia burguesa”, manipulada por “setores
intermediários” ou até mesmo pela “alta burguesia”, amplia-se o terror,
tornando “a inquietação social algo temível”, diante do “obscurantismo
intelectual e político” e do “padrão de reação” inflexível e intolerante
que caracteriza a dominação burguesa brasileira, conforme os meios
de “opressão e repressão” que dispõe, usa e abusa despudoradamente.
Ao mesmo tempo, reitera uma narrativa recalcitrante,
chauvinista, reacionária e agressiva de defesa da ordem, estabelecendo
e naturalizando o terror, o arbítrio, a repressão e o extermínio como
formas de enfrentamento das contradições, dissensos e antagonismos.
Amaral, nas bases do positivismo e do cientificismo, balizaram o projeto modernizador autocrático de Getúlio Vargas desde 1930, intensificando-se a partir do “Estado
Novo”. No âmbito da industrialização tardia brasileira, a “razão autocrática” afirma
que “o país encontrou a si próprio, que a “razão” do povo brasileiro, sua forma
brasileiramente de existir e de sentir, fora encontrada e sua evolução finalmente retomada”.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
O Estado não tem por função essencial proteger a articulação política de
classes desiguais, senão proteger o status quo. A sua função primordial
consiste em suprimir qualquer necessidade de articulação política
espontânea nas relações entre as classes, tornando-a desnecessária,
uma vez que ele próprio prescreve sem apelação a ordem interna que
deve prevalecer e ser obedecida (FERNANDES, 2006, p. 400).
Nesse processo, o que se evidencia é que o “consenso burguês
concilia a “tradição brasileira” de democracia restrita – a democracia
entre iguais, isto é, entre os poderosos, que dominam e representam a
sociedade civil – com a “orientação modernizadora” de governo forte”
- leia-se, autoritário. Subordinado ao setor privado, o Estado “adquire
estruturas e funções capitalistas, avançando, através delas, pelo
terreno do despotismo político, não para servir aos interesses “gerais”
ou “reais” da nação, mas, tão somente para “satisfazer o consenso
burguês, do qual se tornou instrumental, e para dar viabilidade histórica
ao desenvolvimentismo extremista, a verdadeira moléstia infantil do
capitalismo monopolista na periferia” (FERNANDES, 2006, p. 406).
Considerando o processo histórico brasileiro, de acordo
com as particularidades que caracterizam a nossa formação e modo
de produção social, nas bases do capitalismo tardio, dependente e
periférico, Trotsky e Lukács nos ajudam a entender como esse tipo
de formação enseja modelos de dominação autoritários (fascismo e
nazismo), estabelecidos pelo irracionalismo filosófico de um lado e o
desenvolvimento desigual e combinado de outro. Trotsky desenvolve a
teoria do desenvolvimento desigual e combinado, segundo Löwy (1995,
p. 75), por volta de 1905, destacando os “diferentes estágios”, arcaicos
e modernos que organizam a produção e “não estão simplesmente
um ao lado do outro, numa espécie de coexistência congelada, mas
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
145
se articulam, se combinam, “se amalgamam”. Portanto, o “processo
do desenvolvimento capitalista”, demandado pela combinação de
“condições locais (atrasadas) com as condições gerais (avançadas)”,
sedimenta “um amálgama social cuja natureza não pode ser definida
pela busca de lugares comuns históricos, mas somente por meio de
uma análise com base materialista”. Em tal combinação, as relações
engendradas pelo capitalismo tardio e periférico condicionam a luta
de classes, determinando o modus operandi da dominação burguesa,
estabelecendo a democracia nos marcos autoritários que pavimentam
as vias da acumulação e exploração ampliadas, tal como na perspectiva
“reformista” dada pela “via prussiana” e/ou “revolução passiva”
indicadas por Francisco de Oliveira (2003, p. 126), por exemplo, em
Crítica à razão dualista; O ornitorrinco.
De acordo com Lukács (2020), o capitalismo tardio se
caracteriza por engendrar as consequências e contradições da periferia
e da dependência ao imperialismo. Löwy (1998, p. 74) destaca que
Trotsky afirma que o capitalismo, “ligando todos os países entre si
pelo seu modo de produção e seu comércio, fez do mundo inteiro um só
organismo econômico e político”. O que se evidencia, é que consolidase a divisão global do trabalho de acordo com os distintos estágios
de desenvolvimento do capitalismo, segundo a lei estabelecida por
Marx (2008) na Contribuição à crítica da economia política (1857),
em que afirma que “em todas as formas de sociedade, é uma produção
específica que determina todas as outras, são as relações engendradas
por ela que atribuem à todas as outras o seu lugar e a sua importância”
(LÖWY, 1998, p. 73).
Michael Löwy (1998, p. 75) destaca que se trata de uma análise
que não é “apenas econômica, mas também social e cultural”. Assim,
146
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
relata que Trotsky observa que na Rússia do início do século 20, por
exemplo, “a indústria mais concentrada da Europa”, a russa neste caso,
assentava-se “sobre a base da agricultura mais primitiva”. Evidenciase que distintos “estágios de desenvolvimento” que, muitas vezes, não
se situam apenas mecanicamente “um ao lado do outro”, em um dado
tipo de “coexistência congelada”, mas, ao contrário, “se articulam,
se combinam, se amalgamam”, isto é, se trata de uma relação de
interdependência no processo de desenvolvimento capitalista.
A decadência do capitalismo - e da filosofia burguesa -, tanto
quanto o seu desenvolvimento, se dão igualmente de formas e em ritmos
diversos (relação centro x periferia do capitalismo mundial) Portanto,
a convivência perene com a democracia é insustentável, dada as crises
inerentes ao sistema, e em especial, aquelas do capitalismo tardio.
Aqui o fascismo cumpre o seu papel histórico, conforme a tensão e
o acirramento da luta de classes decorrente das crises, no sentido de
arruinar a classe trabalhadora, destruir as suas organizações, sufocar
as liberdades políticas, quando os capitalistas se sentem incapazes
de conduzir e dominar em bases democráticas (TROTSKY, 1975).
Nesse sentido, cumpre estabelecer as bases sobre as quais assenta-se
o fascismo:
El fascismo encuentra su material humano sobre
todo en el seno de la pequeña burguesía. Esta es
totalemente arruinada por el gran capital. Con
la actual estructura social, no tiene salvácion.
Pero no conoce otra salida. Su descontento, su
indignación, su desesperación, son desviados por
los fascistas del gran capital y dirigidos contra
los obreros. Del fascismo puede decirse que es
una operación de dislocación de los cerebros de
la pequeña burguesía en interés de sus peores
enemigos. Así, el gran capital arruina primero a
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
147
las clases medias y enseguida, con ayuda de sus
agentes mercenarios, los demagogos fascistas,
dirige contra el proletariado a la pequeña-burgesía
sumida en la desesperación (TROTSKY, 1975, p.
13).
De acordo com Trotsky (1975, p. 19), a pequena burguesia se
distingue por sua dependência econômica e heterogeneidade social,
oscilando sempre entre os capitalistas e os trabalhadores. Muitas vezes,
porém, se inclui nas hordas do lumpen-proletariado. Estas relações
contraditórias entre os distintos estratos das classes médias, conforme
sua situação econômica, faz com que seja incapaz de estabelecer
uma política independente. Assim, suas estratégias políticas são
sempre confusas, contraditórias, inconsistentes, vacilantes na luta
de classes, conforme os interesses das bases proletárias de um
lado, e a burguesia reacionária de outro para salvar os capitalistas.
Portanto, é precisamente esta “desilusión de la pequeña burguesía,
su impaciencia, su desesperación, lo que explota el fascismo”. Deste
modo, a demagogia fascista mina as bases, “estigmatizan y maldicen
a la democracia parlamentaria”. Nesse sentido, Trotsky é categórico:
La victoria del fascismo conduce al acaparamiento
directo e inmediato, por el capital financiero, de
todos los órganos e instituciones de dominación, de
dirección y de educación: el aparato del Estado y
el ejército, las municipalidades, las Universidades,
las escuelas, la Prensa, los Sindicatos, las
Cooperativas. La fascización del Estado significa
no sólo mussolinizar formas y procedimientos de
direción - en este campo los cambios representan
en fin de cuentas un papel secundario - sino, ante
todo e sobre todo, destruir las organizaciones
obreras, reducir al proletariado a un estado amorfo,
crear un sistema de organismos que penetren
profundamente en las masas y destinados a impedir
148
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
la cristalización independiente del proletariado.
Precisamente en esto consiste la esencia del rel
régimen fascista. (TROTSKY, 1973, p. 27)
Considerando que o fascismo nasce “de la unión de la
desesperación de las clases medias y de la política terrorista del gran
capital”, trata-se de uma reação do capital imperialista, posto que “el
fascismo es un producto del imperialismo, del capitalismo monopolista”
(TROTSKY, 1973, p. 258). Assim, ao passo que aniquila a democracia
nas “velhas metrópoles”, o imperialismo sufoca, ao mesmo tempo,
a ascensão democrática nas colônias e nos países atrasados e/ou
periféricos.
Lukács (2020) destaca como nas formações de capitalismo
tardio e estados nacionais igualmente atrasados, como no caso alemão
e italiano, prosperam formações que ensejam modos arcaicos e
modernos, prevalecendo padrões autoritários de desenvolvimento do
tipo consagrado como “via prussiana”. O Brasil se enquadra nesse tipo
de formação de capitalismo tardio, em que padrões arcaicos e modernos
se articulam, demandando superestruturas políticas autoritárias que
asseguram a “acumulação ampliada”.
Este cenário impõe questionamentos, suscitando reflexões
e interpretações sobre esta realidade sombria. A restauração ou
renovação do fascismo no Brasil e no mundo, ampliou a crise que
grassava sobre diversos segmentos democráticos e no campo da
esquerda desde a ruína do Bloco Soviético. Esse “novo” tipo de
fascismo, até mesmo com inclinação nazista, embora antinacional,
conforme seja ultraneoliberal, fez surgir neologismos como
“neofascismo” e “protofascismo”, de acordo com as interpretações
de intelectuais brasileiros como os professores Armando Boito Jr.
(2018, 2019, 2020) e Virgínia Fontes (2019, 2021), dentre outros.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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Não há consenso sobre o assunto, há muita controvérsia e estudos.
Todavia, não se ignora que haja um apelo social, midiático e político
contundente em torno do termo “fascismo”, movimento de massas
conservador, autoritário, nacionalista e imperialista, como forma
de estigmatizar o “bolsonarismo”, movimento ultraconservador,
neoliberal e antidemocrático brasileiro.
O processo histórico brasileiro é absolutamente distinto
do europeu e até mesmo dos demais países sulamericanos. A nossa
formação e modo de produção em tudo diferem dos nossos vizinhos –
em comum compartilhamos apenas o fato de termos sido colonizados
por ibéricos a partir do século 16. A burguesia e o capitalismo
brasileiro têm lugar em outra época e respondem a outros processos.
A propósito, o segundo não surgiu da primeira no Brasil, conforme
o padrão clássico europeu. Deu-se o contrário aqui, o capitalismo
é que fez surgir uma próspera burguesia liberal que intensificou os
negócios nas cidades, ampliando o mercado interno, de acordo com as
exigências do mercado externo nos marcos da dependência periférica.
Ao lado da grande lavoura escravocrata exportadora, surge uma rica
classe de comerciantes, muitos deles estrangeiros, capazes de articular
a produção rural com o sistema financeiro e de crédito, dinamizando a
economia e ampliando as oportunidades de negócios.
Conforme Florestan Fernandes (1981), o “moderno
imperialismo”, nas bases das grandes “empresas corporativas”,
ampliado sistematicamente no contexto da Globalização, sufoca os
esforços para o “crescimento econômico autônomo e a integração
nacional da economia” na América Latina, colocando-o à serviço dos
interesses privados transnacionais. Enquanto nas nações capitalistas
desenvolvidas a hegemonia ianque é compensada pelo Estado, a
150
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
indústria e a burguesia nacional, em função da carência de recursos
materiais, tecnológicos e humanos, na periferia dá-se o seguinte:
Em consequência, o processo de modernização,
iniciado sob a influência e o controle dos Estados
Unidos, aparece como uma rendição total e
incondicional, propagando-se por todos os níveis
da economia, da segurança e da política nacionais,
da educação e da cultura, da comunicação em
massa e da opinião pública, e das aspirações ideais
com relação ao futuro e ao estilo de vida desejável.
(FERNANDES, 1981, p. 23).
Dito isto, conforme os interesses político-econômicos dos
EUA, desde o final da II Guerra é que as economias e sociedades
latinoamericanas vêm sendo reorganizadas nas bases do imperialismo
ianque, com tendências fascistas mais ou menos dissimuladas, a
despeito das características, potencialidades, vocações e aspirações
nacionais ao sul do continente. Por essas razões, é importante enfatizar
o processo histórico latino-americano e, sobretudo, o brasileiro, nas
bases da crítica materialista-dialética, destacando as particularidades
que caracterizam e condicionam a nossa formação social e o modo de
produção, mediados pela reprodução do capitalismo e a luta de classes,
considerando o seu estágio de desenvolvimento e lugar na ordem do
capitalismo mundial. Deste modo, cumpre ampliarmos o debate com
interlocutores latino-americanos, promovendo o intercâmbio de teses,
alternativas e estratégias de resistência e enfrentamento à ofensiva
neoliberal e autoritária que paira e se avulta sobre o continente
latinoamericano.
Embora o capital imperialista ainda ameace o continente. em sua
versão ultraneoliberal e antidemocrática, flertando abertamente com
elementos do fascismo, no esteio da crise econômica mundial desde
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
151
2008, não se ignora o processo histórico brasileiro, as particularidades
de nossa formação e do capitalismo tardio, dependente e periférico que
conformam a sociedade de classes, dinamizando a “questão social” e a
luta de classes. Assim, tendemos a concordar com a tese de Sartoretto
(2023, p. 29), concluindo que as bases teóricas - político-ideológicas
- “acerca de nossa formação sócio-histórica”, produzidas pelos
intelectuais conservadores, como “Alberto Torres, Oliveira Vianna e
Azevedo Amaral”, designados genericamente como “autoritários”,
“acabaram por definir o conceito de realidade brasileira, o qual, pela
ampla disseminação ideológica, alcançou toda a sociedade daquele
tempo”, acabando por se tornar “dominante”, encontrando a sua forma
pura na ditadura Vargas do Estado Novo - resposta genuinamente
nacional a ascensão do nazifascismo alemão e italiano, bem como
do Salazarismo lusitano e do Franquismo espanhol, como alternativa
para contenção à expansão do proletariado brasileiro desde a década
de 1910, no esteio da Revolução Bolchevique e da Greve Geral de
1917, conforme os referidos intelectuais conservadores registravam
não sem receio e temor. As particularidades desse tipo de pensamento
autoritário brasileiro não cabe neste artigo, recomendo o livro de
Leonardo Sartoretto (2023) para tanto, ou mesmo as obras dos referidos
intelectuais - sim, no Brasil temos lastro teórico a respeito de projetos
políticos e ideológicos “autoritários”, de modo que não precisamos
transplantar os modelos europeus e os sobrepor aqui.
Finalmente, concordamos com a assertiva de Trotsky, que
afirma que o caráter específico do fascismo, só se pode entender no
âmbito do capitalismo monopolista imperialista, sendo um absurdo
chamar a um movimento autoritário de qualquer tipo, que tem lugar
nos países semicoloniais, “fascista”, simplesmente porque declara sua
152
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
adesão a um líder e “uniformiza” - inclusive, em sentido literal - seus
partidários. Em um país em que a parte mais importante do capital está
submetida ao controle estrangeiro e o destino da nação é determinado
pela dominação imperialista externa, ainda que compartilhe muitas
características superficiais com o fascismo, só pode ser considerado
fascista desde o ponto de vista das duas classes decisivas do
capitalismo: o grande capital (burguesia) e a classe operária. Nesse
sentido, ainda que haja arroubos com traços fascistas, e se intensifique
a acumulação de poder político e econômico nas mãos dos grandes
capitalistas, a classe trabalhadora e suas organizações estão longe
de desaparecer, embora enfraquecidas e na defensiva, seguem se
reinventando e renovando as formas de resistência, conforme novas
crises criem novas demandas, promovendo novos atores políticos
entre os explorados. Trata-se, sentencia Trotsky (1973, p. 293), de
“evitar la confusión entre la tendencia moderna cada vez más clara
hacia el “Estado fuerte” con una tendencia hacia la “acechanza del
fascismo” o incluso “la abierta fascistización”.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
PARTE III
ASPECTOS DA VIDA E
PENSAMENTO DE TRÓTSKI
155
156
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Trotsky e o Marxismo: explorando suas contribuições
teóricas
Michelangelo Marques Torres1
Em situações revolucionárias2 alguns indivíduos elevamse acima de si mesmos, cumprem papeis decisivos na história. Lev
Davidovich Bronstein, ou León Trotsky3 (pseudônimo que tomaria
de seu carcereiro em 1902), viveu intensamente aquilo que podemos
chamar de uma vida revolucionária. Sua obra confunde-se com o curso
da sua própria trajetória política, dadas as perspectivas historicamente
condicionadas. Além de um dos principais líderes estrategistas do
século XX, foi um intelectual insubmisso que nos legou vastíssima
obra teórica. Era um exímio orador (um dos maiores tribunos de
todos os tempos, nas palavras de Hermínio Sachetta), portador de um
irretocável discurso apaixonado e dirigido ao apelo à ação, dotado de
grande estilo literário, um erudito revolucionário.
Líder notável da Revolução Russa de 1905 e um dos principais
estrategistas da Revolução de Outubro de 1917 (teórico e protagonista),
organizador do Exército Vermelho em defesa do Estado soviético na
Guerra Civil4, ocupou as mais altas hierarquias do partido bolchevique,
1
Professor do IFRJ, doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP. Email:
michelangelo.torres@ifrj.edu.br
2 Em períodos revolucionários “o extraordinário se torna cotidiano”, já observara
Lenin.
3 Optamos pela adoção da grafia Trotsky (utilizando o y ao final) em função do
próprio uso do autor, que publicou parte considerável de suas obras no exílio e em
idiomas distintos do russo.
4 Em entrevista de Maximo Gorki com Lenin, o líder bolchevique afirma a
respeito de Trotsky: “Então citem um homem que seja capaz de construir em um ano
um exército-modelo e que, além disso, tenha conseguido conquistar o respeito de
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
157
o Comitê Central e o Birô Político. Divergindo da linha política
adotada por Josef Stálin, organizou a Oposição de Esquerda em 1923
e a Oposição Unificada em 1926, encarando inúmeras represálias.
Expulso, em 1927, do Partido Comunista da URSS pelo seu Comitê
Central e pela Comissão de Controle, foi deportado no ano seguinte
para o Cazaquistão e, em seguida, expulso da URSS (em 1929).
Organizou a Oposição de Esquerda Internacional contra a burocracia
estalinista e a degeneração da III Internacional5. Tornou-se, já no
exílio, o principal dirigente e elaborador teórico da IV Internacional.
Foi assassinado em 1940 pela GPU6, em Coyoacan, bairro da cidade
do México, onde recebera asilo político três anos antes.
Além de dirigente político e homem de ação, Trotsky foi um
intelectual marxista. O desenvolvimento intelectual e político de
Trotsky sempre foi determinado pelas circunstâncias de sua vida,
dada a intensidade com que vivenciou os acontecimentos políticos
de sua época, marcada por uma vida revolucionária dedicada à causa
do marxismo. Tivemos a oportunidade de sistematizar de modo
mais detido o legado político e teórico de León Trotsky em Torres
(2022). Além de apresentar uma contribuição extraordinária ao arsenal
teórico do marxismo, a concepção anti-determinista da história e a
rejeição a qualquer automatismo economicista encontra em Trotsky
uma referência. Afastando as leituras reducionistas predominantes no
especialistas militares! Nós temos esse homem”. O exército vermelho, organizado
em pouco tempo, sob direção do marxista ucraniano, chegou a possuir cinco milhões
de membros.
5 Muitas das teses de Trotsky foram incorporadas ao arsenal teórico do Partido
Bolchevique e serviram de base para as resoluções dos quatro primeiros congressos
da III Internacional, fundada em março de 1919, em Moscou.
6 A GPU, cuja sigla em russo remete a Diretório Político do Estado, era um órgão
de segurança da Rússia soviética, agindo como serviço de inteligência a serviço da
polícia política secreta.
158
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
marxismo da II Internacional, seu classismo e internacionalismo lhe
conferem radicalidade.
Dada a complexidade de sua obra teórica, iremos nos restringir,
neste artigo, ao resumo de quatro de suas contribuições teóricas
centrais para o marxismo, o que constitui sua originalidade. Conforme
observou um analista: “É em seu estudo da Revolução Russa e na teoria
da revolução permanente, é em sua crítica da burocracia soviética,
é em sua análise do fascismo e da frente popular que é possível
encontrar a originalidade do pensamento de Trotsky” (BIANCHI,
2007, p.59). Poderíamos acrescentar outras contribuições, a saber, o
Programa de Transição e o sistema de reivindicações transitórias, mas
dados os limites deste paper nos restringiremos às quatro referidas
contribuições.
A Teoria da Revolução Permanente
Um dos clássicos debates polêmicos do marxismo consiste na
dualidade: revolução por etapas ou revolução permanente? Eduard
Bernstein foi o primeiro grande influente autor revisionista do
marxismo, teórico da social-democracia alemã e da II Internacional.
Seu revisionismo reformista previa a possibilidade de colaboração
de classes no novo estágio do capitalismo, conforme admite em As
premissas do socialismo. Na esteira do abandono das perspectivas
clássicas do socialismo, como a tomada do poder pela via revolucionária,
a corrente reformista alemã, ala direita do PSDA, propunha uma
transformação pacífica do capitalismo ao socialismo, por meio de
reformas graduais, no marco da legalidade burguesa e de adaptação
do movimento operário. Bernstein formulou teoricamente aquilo que
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
159
muitos dos quadros dirigentes e líderes expressavam instintivamente.
Tratava-se de “uma prática reformista indefinidamente prolongada,
com avanços reais e continuados – poderia ser aceita pela maioria dos
trabalhadores como o melhor, menos arriscado e mais prático meio
de modificar o sistema social” (MANDEL, 1980, p.8). Bernstein
considerava inconcebível a destruição do Estado e de toda burocracia.
Não titubeou em buscar estratégia de reconciliação de classes por meio
de alianças com partidos burgueses e liberais. No plano discursivo, o
socialismo seria construído processualmente, a longo prazo e de forma
gradual. Por isso seu foco estava no parlamento burguês.
Se Bernstein operou o “revisionismo internacional”, Kautsky,
no contexto da II Internacional, pode ser identificado com a origem
do centrismo na esquerda. Para este autor, considerado então como
o maior marxista da época, apesar de identificar o papel singular
do partido (e sua atuação em âmbito parlamentar), admitia como
transição ao socialismo a possibilidade de reformas graduais serem
processadas nos limites da sociedade burguesa – estava em defesa da
acumulação de forças lenta e gradual por dentro do regime capitalista,
o que poderíamos denominar por “quietismo político”. Sua tese era a
de que o partido não faz revolução, apenas acumula forças no interior
da ordem burguesa, ao procurar conciliar a perspectiva do reformismo
com a ideia de socialismo. Divergia de Bernstein quanto ao aspecto de
abandono do socialismo, mas o advogava abstratamente por meio de
reformas, jamais pela via revolucionária. Seu crescente distanciamento
da perspectiva revolucionária pode ser conferido em sua afirmativa:
“Por isso, não nos passa sequer pela mente querer provocar ou preparar
uma revolução” (KAUTSKY apud Antunes, 1982, p.26). Esse debate
influenciou profundamente os teóricos do socialismo entre a II e a III
160
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Internacional.
Contrapondo-se às perspectivas reformistas e centristas de
revolução por etapas, Trotsky é um dos principais expoentes em
defesa da luta revolucionária pelo socialismo (junto com Lenin e Rosa
Luxemburgo). Defensor de uma revolução permanente e mundial,
notabilizou-se pela formulação original da teoria da revolução
permanente. Combatente das perspectivas reformistas e centristas, o
marxismo revolucionário deste autor traz uma enorme contribuição.
Se a origem da expressão é de Marx, é com Trotsky, a partir de 19056, que a expressão revolução permanente ganha estatuto de uma teoria
política. León Trotsky avança na compreensão intuitiva de Marx à
luz da luta de classes segundo a qual a revolução deveria adquirir um
caráter ininterrupto, conferindo-lhe o status de teoria.
Contrapondo-se a linha campista de Berstein e do reformismo da
II Internacional – e neste ponto León Trotsky foi pioneiro -, compara os
processos revolucionários ocorridos na Revolução Francesa de 17891799, com o cenário revolucionário na Alemanha de 1848 e a Revolução
Russa de 1905. Trotsky identificou que o processo revolucionário
francês iniciado em 1789, com a queda da bastilha, fora interrompido
pelo campo da moderação burguesa (tendo em vista a preocupação
de preservar a estabilidade da sociedade burguesa diante do perigo
da radicalização da república democrática jacobina). Já o cenário da
primavera dos povos na Alemanha de 1848 revelou a insuficiência
de um papel revolucionário na burguesia, a qual procurou frear, por
meio da reação, qualquer processo revolucionário e radicalização
popular, apoiando, inclusive, as forças conservadoras. Ao passo que
a Revolução Russa de 1905, fracassada, também havia demonstrado
ensinamentos decisivos quanto ao caráter contrarrevolucionário da
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
161
burguesia e sua incapacidade de levar a cabo uma revolução às últimas
consequências.
No caso particular da Rússia, tratava-se de um país com
tarefas históricas inconclusas. Trotsky vislumbrou a necessidade
de independência nacional e ruptura com a burguesia em condições
históricas em que esta não era capaz de realizar essa tarefa dado
seu caráter de força subordinada ao imperialismo. Portanto, em
condições históricas específicas (dado o grau de desenvolvimento
desigual e combinado, conforme veremos adiante), em função do
grau de desenvolvimento da crise revolucionária, a disposição de luta
ininterrupta dos sujeitos sociais envolvidos em um dado processo
político pode empurrar a empreitada revolucionária até o limite. Uma
vez impossibilitados de adiar as tarefas democráticas emergentes,
os sujeitos sociais não-burgueses (e para Trotsky a aposta estava
no proletariado a frente, enquanto sujeito social revolucionário, e o
partido marxista na direção, enquanto sujeito político) substituem
a burguesia nessa tarefa histórica e, em aliança com os setores
oprimidos, radicalizam o processo para se atingir as demandas de
uma revolução de transição ao socialismo. Nessas condições o
sujeito social revolucionário é substituído em relação ao modelo das
revoluções burguesas clássicas, abrindo caminho para uma revolução
social de novo tipo. Dito de outro modo, o processo revolucionário
em países periféricos apenas triunfaria sob a liderança proletáriasocialista. Do contrário a contrarrevolução triunfaria. Ou seja, a vitória
representada pela derrubada dos resquícios do atraso seria a antessala
de uma revolução ininterrupta de transição ao socialismo, não havendo
qualquer abertura para etapas de reformas burguesas ou conciliação
com o capital.
162
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Trotsky desenvolveu tal teoria após o fracasso do Ensaio Geral
de 1905, quase que antecipando o que justamente viria a ocorrer na
Rússia em 19177, e em certa medida, salvo as devidas proporções, as
revoluções do pós-Segunda Guerra (China, Vietnã, Cuba, Coréia etc.)
– embora, nestes casos, não tenham sido repetidas duas características
determinantes do processo russo, a saber, o proletariado como classe
social dirigente e partidos marxistas internacionalistas que estivessem
a frente do processo revolucionário8.
Em Balanço e Perspectivas (1906) há elementos que, de
certa forma (ainda que sem a pretensão de cometermos qualquer
anacronismo), parecem antecipar a revolução de outubro, destacando
a centralidade de uma revolução urbana associada à guerra camponesa
em um país periférico no sistema mundial de estados, sem entrega
do poder à burguesia. Conforme dito, tratava-se de uma revolução de
novo tipo, inédita na história, capaz de fundir tarefas democráticas
e socialistas. Essa foi a primeira grande contribuição de Trotsky ao
marxismo. Vejamos com maior atenção no que consiste, uma vez que
tenha sido melhor desenvolvida em sua formulação posterior, em fins
dos anos 1920. Em seus termos, “A revolução democrática, no decurso
do seu desenvolvimento transforma-se diretamente em revolução
socialista e torna-se, assim, uma revolução permanente” (TROTSKY,
2007a, p.208).
Diante dessa ideia de uma revolução ininterrupta e
7 Para os mencheviques o governo provisório teria que ser formado em coalizão
com a burguesia e os social-democratas conciliadores, ao passo que para a
tese bolchevique que se consagrou, sob a direção de Lenin e Trotsky, o governo
revolucionário de outubro deveria ser a ditadura do proletariado.
8 Apesar da confirmação histórica de sua teoria, essas duas premissas para o
triunfo de revoluções anticapitalistas não se confirmaram nas revoluções do pósSegunda Guerra.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
163
permanente, abriu-se uma evidente polêmica com o marxismo russo
da II Internacional que, dentre outros expoentes podemos mencionar
Plekhanov, orientava-se sob uma leitura mecanicista e determinista
da interpretação de Marx para a teoria da revolução, cujas análises
apontavam para o fato de que primeiro, em países que não haviam
passado por uma revolução burguesa, era preciso garantir as tarefas
democrático-burguesas para depois lutar pelo socialismo.
Além da necessidade do caráter internacional da revolução,
a teoria da revolução permanente “em países de desenvolvimento
burguês retardatário e, em particular, para os países coloniais
e semicoloniais” pressupunha o substitucionismo da burguesia
enquanto classe revolucionária e a passagem das tarefas democráticas
para as demandas de uma revolução proletária. A teoria da revolução
permanente considera, assim, que as tarefas democráticas e nacionallibertadoras apenas poderiam ser concebíveis por meio da ditadura do
proletariado9. Apenas uma aliança entre proletariado e campesinato
(sob a direção política da vanguarda proletária organizada como
partido comunista) contra a influência da burguesia, isto é, por meio
da ditadura democrática do proletariado, as tarefas democráticas
poderiam ser plenamente resolvidas.
9 Cabe observar que o termo “ditadura”, aqui, não remete, em hipótese alguma,
às experiências históricas de regimes políticos autoritários e ditatoriais. A expressão
“ditadura do proletariado” remete à conquista e exercício do poder político pelo
proletariado pela via revolucionária, em contraste com a perspectiva de compromisso
pela via parlamentar e pacífica para se construir o socialismo. É antagônico, portanto,
às concepções segundo as quais é possível mudar o mundo sem tomar o poder. O
termo é proveniente da terminologia de Karl Marx, ao enfatizar que a conquista do
poder estatal e seu controle democrático pelo proletariado é o centro da mudança
radical, ainda que o Estado seja uma forma política transitória, porém indispensável,
para se construir as bases socio-econômicas do comunismo. Afinal, todo Estado
é uma ditadura de classe, e por isso necessita igualmente ser superado, portanto
abolido.
164
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Conforme aponta Michael Löwy (2015), a teoria da revolução
permanente em Trotsky define um campo teórico a partir de três
considerações articuladas: a) a possibilidade da revolução ocorrer ou se
iniciar em países não-centrais do capitalismo; b) um desenvolvimento
ininterrupto do processo revolucionário em direção ao socialismo,
isto é, transição ininterrupta das tarefas democráticas com as tarefas
socialistas em um mesmo processo revolucionário; c) a extensão
internacional do processo revolucionário e sua dependência da escala
mundial.
Para uma compreensão mais detida na formulação de Trotsky
a respeito da teoria da revolução permanente, sugerimos a leitura de
Balanço e Perspectivas (1906) e A revolução permanente (1928), os
quais devem ser lidos de modo complementar e tendo-se em vista os
períodos históricos de fundo – o primeiro texto logo após o Ensaio Geral
de 1905; o segundo, já sob o auge do aparato contrarrevolucionário
estalinista.
A Teoria do Desenvolvimento Desigual e Combinado
Apesar do silêncio acadêmico nas ciências sociais (DEMIER,
2007), Trotsky fornece uma matriz interpretativa de novo tipo, cuja
formulação antecede inúmeros referenciais teóricos que se opuseram
as leituras “etapistas” pautadas em realidades esquemáticas acerca do
desenvolvimento desigual em países não centrais, os quais analisam
a dinâmica histórica de países subordinados ou de capitalismo
tardio. Trata-se, no campo do marxismo, de um nítido rompimento
com o mecanicismo e evolucionismo predominantes na Segunda
Internacional.
Recusando a teoria evolucionista das etapas históricas, conforme
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
165
vimos, a teoria da revolução permanente deve ser compreendida à luz
da perspectiva do desenvolvimento desigual e combinado. A teoria do
desenvolvimento desigual e combinado10 é uma ferramenta analítica
extremamente útil para se compreender a formação social dos estados
nacionais sob a época do imperialismo. Trotsky identifica que as
soluções que as potências capitalistas encontram para as contradições
da época imperialista seriam as contrarrevoluções e as guerras.
A teoria do desenvolvimento desigual e combinado contempla
dois processos que consideram tanto a expressão particular da
formação social de um estado nacional quanto do caráter universal
e externo que lhe condiciona: desigualdade e combinação. Em
processos transformativos, ocorre a combinação de características que
combinam diferentes etapas da vida social com a fusão de diferentes
fatores históricos de progresso social. Não há, portanto, formas rígidas
e pré-determinadas de como cada etapa de progresso social se realiza
em cada formação social específica. Sob tal prisma, o desenvolvimento
de nações pré-capitalistas leva a se produzir diferentes etapas de
desenvolvimento histórico, saltos progressivos não acompanhados
pelo mesmo ritmo e etapas pelas quais passaram países centrais do
capitalismo.
A teoria da revolução permanente, sob a luz da perspectiva
do desenvolvimento desigual e combinado, questiona a hipótese
atribuída ao marxismo clássico11, segundo o qual a possiblidade
10 Designaremos por teoria o que Trotsky chama por Lei do desenvolvimento
desigual e combinado por acharmos mais apropriado, conforme esclarece Bianchi
(2007).
11 A rigor, esta hipótese não é de Marx (que inclusive questionou a capacidade da
burguesia alemã liderar uma revolução burguesa autêntica em 1848, mas de marxistas
posteriores (ainda que encontramos apoio desta ideia em alguns dos textos de Marx e
Engels). Inclusive a partir de 1877, Marx passa a considerar a hipótese revolucionária
166
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de ocorrência de revoluções socialistas está nos países centrais do
capitalismo (“adiantados”), uma vez que quando as revoluções
democráticas ocorressem em países periféricos (“atrasados”), estas
não seriam repetições do esquema clássico das revoluções burguesas
tradicionais, teriam a função de desenvolver as forças produtivas
do capitalismo nesses países e a classe proletária, então, acumularia
forças. Nesse esquema clássico, as tarefas das revoluções nesses
países seriam as mesmas dos países que passaram por revoluções
burguesas clássicas, a saber, derrubada do absolutismo, instauração
das liberdades democráticas e do sufrágio universal, desenvolvimento
nacional e modernização do país nos marcos do regime burguês. O
caráter democrático-burguês do processo impossibilitaria substituir
a burguesia e seus partidos representativos na direção do processo
revolucionário.
Uma vez realizada a revolução bolchevique, Trotsky observa
que o socialismo na Rússia era dependente da revolução alemã para
se expandir na Europa. No entendimento de Trotsky, era necessário
se ampliar a teoria da revolução permanente para países periféricos,
tendo-se em vista sua perspectiva do desenvolvimento desigual e
combinado. “A construção socialista só é concebível quando baseada
na luta de classes em escala nacional e internacional. (...) A revolução
socialista não pode se realizar nos quadros nacionais” (TROTSKY,
na periferia do sistema, como era o caso russo, não atrelada à dinâmica das forças
produtivas dos países centrais, observando as condições concretas da Rússia do
século XIX, conforme se pode notar em correspondência com a revolucionária Vera
Ivanovna Zasulitch e Marx, em 1881 (MARX e ENGELS, 2013), descobertos por
David Riazanov, em 1911. Na Rússia, conforme já mencionado, um importante
expoente da mencionada perspectiva etapista e eurocêntrica foi Plekhanov. Contudo,
o esquema rígido e mecanicista permaneceu tradicionalmente atribuído à Marx.
Nesse sentido, Trotsky apresenta um arcabouço interpretativo que rompe com o
etapismo economicista e eurocêntrico.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
167
2007, p.208).
A teoria em si foi mobilizada, ainda, em textos em que Trotsky
estudou o desenvolvimento da Espanha ou da China. Mas é em sua
História da Revolução Russa que Trotsky formula de modo preciso
sua compreensão sobre o desenvolvimento desigual e combinado em
países periféricos, conforme destaca a passagem a seguir:
“As leis da História não têm nada em comum com
o esquematismo pedantesco. O desenvolvimento
desigual, que é a lei mais geral do processo
histórico, não se revela, em nenhuma parte, com
maior evidência e complexidade do que no destino
dos países atrasados. Açoitados pelo chicote
das necessidades materiais, os países atrasados
se vêem obrigados a avançar aos saltos. Desta
lei universal do desenvolvimento desigual da
cultura decorre outra que, por falta de nome mais
adequado, chamaremos de lei do desenvolvimento
combinado, aludindo à aproximação das distintas
etapas do caminho e à confusão de distintas fases,
ao amálgama de formas arcaicas e modernas.”
(TROTSKY, 2007b, p.21).
Trotsky dá um salto em relação a noção de desenvolvimento
desigual, a qual considerava as particularidades de cada desenvolvimento
social diferenciado em países periféricos e sua dinâmica de não
reprodução da história e do desenvolvimento econômico dos países
centrais. O próprio Lenin já havia destacado tal noção em Imperialismo,
Fase Superior do Capitalismo, como sendo uma dinâmica própria do
capitalismo. Curioso notar que, posteriormente, Stálin transformou a
“lei do desenvolvimento desigual” para justificar, em um malabarismo
teórico, a “teoria do socialismo em um só país”12 a fim de justificar a
12 Apesar de Stálin ter duramente defendido a teoria do socialismo em um só
país para justificar a burocracia de seu regime, até o final do ano de 1924, antes de
168
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
burocratização do regime.
Trotsky identificou que a particularidade do atraso Russo
dialeticamente associada a elementos de modernização estava
combinada, isto é, em conexão com o desenvolvimento do capitalismo
da Europa central, ou seja, as relações sociais pré-capitalistas se
combinariam com pressões exteriores do mundo capitalista às quais
estariam subordinadas, fundindo diferentes fatores históricos mediante
uma dialética da combinação (NOVACK, 1988).
O desenvolvimento da Rússia se caracterizaria pelo seu atraso
histórico, o que não queria dizer que teria que seguir uma linha
evolutiva até atingir o desenvolvimento dos países centrais, mas
constituiria uma formação social de novo tipo.
Se foi em 1906 que Trotsky formulou a teoria, na década
de 1930 ele a retoma levando em conta as perspectivas dos rumos
políticos que havia tomado o estado soviético, analisando sua natureza
social. Agora, a análise de Trotsky, não mais jovem, seria em torno
da defesa do marxismo e do internacionalismo, isto é, a necessidade
de uma revolução política que derrubasse o estalinismo e preservasse
os avanços revolucionários bolchevique. Como frisou e tem texto
que ficou conhecido pelo título Em Defesa do Marxismo, a crítica à
burocracia soviética estaria subordinada à preservação da propriedade
ascender ao poder, na esteira de Lenin parecia questionar essa perspectiva: “Mas a
derrocada do poder da burguesia e o estabelecimento de um poder do proletariado
em um país não significa ainda que a vitória completa do socialismo tenha sido
atingida. Depois de consolidar seu poder e atrair os camponeses para seu caminho o
proletariado do vitorioso país pode e deve construir uma sociedade socialista. Mas
isso significa que ele possa atingir a vitória final e completa do socialismo, isto é,
que possa com as forças de apenas um único país finalmente consolidar o socialismo
e proteger completamente o país contra intervenções e, conseqüentemente também
contra a restauração? Não, isso não. Para tal é necessária a vitória da revolução ao
menos em vários países.” (STALIN, 1954, p. 111.)
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
169
estatal sobre os meios de produção e à revolução proletária mundial.
Caso estes elementos não se desenvolvessem haveria um único
desdobramento para o futuro soviético: a restauração capitalista.
Curioso notar o pioneirismo de Trotsky com essa perspectiva
teórica, a qual identifica no sistema mundial um dinamismo econômico
que não exclui, mas articula elementos arcaicos de organização da
sociedade e as formas persistentes de desigualdade, relacionando
centro-periferia. Essa contribuição teórico-metodológica antecedeu
em muito a leitura que importantes referências do pensamento político
iriam interpretar, por exemplo, o desenvolvimento das particularidades
do capitalismo brasileiro, como Caio Prado Jr e Florestan Fernandes.
Teoria do Estado Operário Burocratizado e a Degeneração do
Partido
“Marx falou sobre a ditadura do proletariado e sua
progressiva desaparição. Porém, não disse nada
sobre a degeneração burocrática da ditadura. Pela
primeira vez, na prática, analisamos e observamos
uma degeneração semelhante” (TROTSKY,
2011b, p.55).
Apesar de defender as conquistas do processo revolucionário,
Trotsky foi um feroz crítico à forma política assumida pelo Estado
operário burocraticamente degenerado, em um processo gradual que se
inicia em 1922 e vai ganhando contornos mais nítidos ao longo daquela
década. Nosso autor dedicou-se à luta contra o estalinismo e a burocracia
na URSS, tendo em vista sua direção burocratizada (contrarrevolução
burocrática) e a cristalização de seus privilégios (privilégios sociais
ligados ao monopólio do poder político). Distintamente de qualquer
projeção autoritária, a base da defesa de emancipação em Trotsky
170
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
está na auto-organização da classe trabalhadora enquanto princípio de
qualquer sociedade revolucionária. A defesa dos soviets democráticos
e com ampla participação popular é um dos pilares da democracia
socialista e da sustentação de um Estado operário por ele defendida.
Em sua perspectiva, não há socialismo sem democracia, e vice-versa.
Conforme notou, o acoplamento entre os órgãos do partido e do Estado,
sob direção de cúpula do Secretariado Geral, gerou “um certo prejuízo
à liberdade e à elasticidade do regime interno do partido” (TROTSKY,
1980, p. 69)
É preciso resgatar historicamente a posição que Trotsky
defendeu acerca da natureza social das sociedades que compunham o
chamado Leste Europeu sob influência soviética. Entre 1923 e 1927,
a Oposição organizou a crítica ao estalinismo, mas é em 1928 que
Trotsky intensifica sua crítica à burocracia estalinista, na ocasião do VI
Congresso da Internacional, caracterizado pelo giro utlraesquerdista
do “terceiro período”13. É deste período o esforço de Trotsky em
demonstrar a ruptura programática da direção da III Internacional,
em particular o programa de Bukharin e da fração estalinista, com o
bolchevismo. É também a partir deste Congresso a adoção da política
consagrada como “teoria do socialismo em um só país”, objeto de
crítica de nosso autor.
Não obstante, a crítica de Trotsky atinge o ápice de uma crítica
mais madura e contundente em 1933, a partir da vitória de Hitler na
Alemanha14. Até então, Trotsky definia a burocracia como centrista,
13 Para entender as críticas de Trotsky ao referido congresso, ver “E agora? Carta
ao VI Congresso da Internacional Comunista”, disponível em Trotsky (2010).
14 Já em 1929 Trotsky afirmava que a chave da situação internacional estaria na
Alemanha, cujo desfecho se daria anos seguintes, com a derrota do proletariado (e os
vacilos políticos para se derrotar o nazismo) e consolidação do regime nazi-fascista
que, transcorrido uma década, desencadearia a II Guerra Mundial.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
171
denunciando seus zigue-zagues na política, desvinculada da estratégia
da revolução mundial e da construção de partidos comunistas
revolucionários. A partir da leitura da burocracia estalinista não mais
considerada como centrista e das derrotas das experiências dirigidas
pelo estalinismo no plano internacional, Trotsky e a Oposição de
Esquerda Internacional afirmam a necessidade da construção de uma
nova Internacional, projeto que se empreenderia a partir de 1938.
Após a doença de Lenin, Trotsky envolveu-se em duras polêmicas
e disputas fracionais no interior da URSS e do partido bolchevique. O
número de funcionários das instituições estatais saltaram, em quatro
anos, de 115 mil para cerca de 6 milhões (totalizando 11 milhões se
somados os 5 milhões do Exército Vermelho), ao passo que a classe
operária havia se reduzido para quase a metade no mesmo período
entre 1917 e 1921. Em A Revolução Traída (1937), Trotsky analisa
os motivos que levaram a degeneração do estado operário soviético
e defende a necessidade de uma revolução política que preservasse
as bases sociais das conquistas revolucionárias bolchevique como
urgência, do contrário o caminho que restaria a URSS seria a
restauração capitalista, provavelmente conduzida, inclusive, pela
própria burocracia. Impressiona o prognóstivo que havia feito, se
observarmos os rumos da URSS nos anos 1980.
Já nos anos 1920 Trotsky reconhecia na URSS a existência de
uma economia em transição, e não de uma economia socialista. Notou
a existência de uma burocracia enquanto nova força social (uma casta)
que se orientava por privilégios sociais associados ao monopólio do
poder político, o que se agravaria com o chamado Termidor Soviético
enquanto contrarrevolução burocrática. A repressão interna do regime
se acirra. Em 1929 entra em vigor o emprego generalizado de campos
172
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de trabalho para os detidos condenados a mais de três anos de prisão e a
coletivização forçada. Entre 1936-1938 ocorrem os Grandes expurgos.
Nesse contexto:
“mais da metade dos delegados do Congresso
de 1934 foi eliminada. Mais de 30.000 quadros
do exército, entre 178.000, foram presos. (...)
Segundo as estatísticas analisadas pelo historiador
Moshe Lewin, o pessoal administrativo passou de
1.450.000 membros em 1928, para 7.500.000 em
1939. O número de “colarinhos branco” cresceu
de 4 milhões para cerca de 14 milhões. O aparelho
de Estado devorava o partido que acreditava poder
controla-lo.” (BENSAID, 2019, p.30).
Em A natureza de classe do Estado Soviético (1933) as
caracterizações do estalinismo como aparato contrarrevolucionário
mundial e da URSS como Estado operário degenerado passam a ser
evidentes. Trotsky passa a identificar na URSS a existência de um
Estado operário burocraticamente degenerado, um híbrido histórico
que estaria fadado a transitoriedade e à restauração capitalista.
Por isso a tarefa central seria a derrubada política da burocracia
termidoriana na URSS sob a defesa do regime bolchevique que fora
desfigurado. Com efeito, a defesa das bases da revolução social de
outubro caminhava pari passo com a necessidade de uma revolução
política que destituísse o estalinismo15 e a burocracia do comando
15 Em linhas gerais, o estalinismo, como aparato contrarrevolucionário mundial,
caracteriza o processo que tem início em 1928 (para alguns, já em 1923) na URSS,
de caráter totalitário, burocrático e contrarrevolucionário. A tese que defende a
construção do socialismo em um só país significou, historicamente, a destruição
do internacionalismo como uma corrente influente no movimento operário
internacional, dissolvendo, inclusive, a III Internacional. O regime estalinista
expressou a degeneração burocrática do Estado proletário soviético - URSS - e do
próprio partido bolchevique num contexto de conversão dos PCs, auto-denominados
“marxista-leninistas”, em satélites de Moscou, com regimes internos burocráticos não
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
173
do partido e da URSS, acompanhado de uma série de reivindicações
democráticas. Tal perspectiva encontra em Trotsky o principal
elemento teórico e militante. Em oposição à tese de “socialismo em
um só país”16, estratégia estalinista17 de transição ao “socialismo”
dentro das fronteiras nacionais e de coexistência pacífica com o
capitalismo e seu sistema internacional de Estados, Trotsky resgata a
teoria da revolução permanente enquanto estratégia fundamental para
transição ao socialismo. Em síntese, Trotsky destaca que o ritmo do
desenvolvimento histórico e de situações revolucionárias se realiza
por meio de um “desenvolvimento desigual e combinado” e que as
lutas revolucionárias devem estar em permanente conexão com o
internacionalismo (escala global, nunca restrita a escala nacional). Tal
perspectiva defende a transição ininterrupta das tarefas democráticas
nacionais com as tarefas socialistas, isto é, um desenvolvimento
ininterrupto do processo revolucionário em direção ao socialismo em
mais centrados na herança organizativa da experiência revolucionária bolchevique,
de centralismo democrático. Ao nosso ver, tratou-se de uma derrota histórica do
movimento operário internacional, abalando profundamente a agenda política da
esquerda mundial, em dimensões teóricas, organizativas e programáticas. Para uma
boa caracterização a respeito, consultar Trotsky (2005).
16
Vale lembrar que, conforme registra Broué, Josef Stálin dissolveu
unilateralmente a Internacional Comunista (III Internacional) em acordo com a
orientação de Winston Churchill e Franklin D. Roosevelt em negociação de Ialta,
em 1945, a qual selou a ordem internacional do pós-Guerra. Tratou-se de um acordo
contrarrevolucionário.
17 A tradição estalinista foi amplamente divulgada nos manuais soviéticos,
impactando os PCs (Partidos Comunistas) satélites de Moscou, que destacavam
questões fechadas e deterministas, correspondendo, portanto a um nível de análise
representativo do reducionismo economicista e mecânico. Como aponta Mattos
(2005, p.40) “Embora as referências a Stálin já não estivessem mais tão presentes
nas atualizações dos manuais soviéticos posteriores ao fim dos anos 1950, (...) é
inegável nesse tipo de concepção a força das teses stalinianas”. Mesmo antes de
Stálin, vale lembrar, as leituras reducionistas do marxismo já haviam sido expressas
no final do século XIX, durante a II Internacional, a exemplo de Plekhanov (1980).
174
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
escala internacional. Em oposição ao estalinismo, nesse sentido, há
uma “ruptura seminal de Trotsky com esse modelo mecanicista de
transição socialista” (LÖWY, 2015, p.15).
Trotsky passa a caracterizar a URSS como um Estado operário
burocraticamente degenerado. Em 1936, em A revolução traída,
expõe a degeneração do partido bolchevique sob o estalinismo, um
aparato contrarrevolucionário mundial que, apesar de ser o oposto,
apoiava-se na reivindicação das tradições da Revolução de Outubro
e na autoridade de Lenin. Em Stalinismo e bolchevismo, de 1937,
afirma a incompatibilidade entre bolchevismo e estalinismo após a
degeneração do partido, os expurgos e a aniquilação da velha geração
bolchevique e da juventude que reivindicava sua tradição.
No exílio da URSS, Trotsky caracterizou-a como um estado
operário (que mantinha os fundamentos econômicos da revolução,
como a nacionalização da terra e dos meios de produção e o monopólio
do comércio exterior), porem degenerado em função da expropriação
do poder político em uma camada parasitária e burocratizada. Em
carta a James Cannon, dirigente trotskista da seção norte-americana,
Trotsky afirma que o regime totalitário na URSS “é uma deformação
de um Estado operário em um país atrasado e isolado”18. Tratavase, em sua caracterização, de uma sociedade intermediária entre o
capitalismo e o socialismo. Por isso o programa de transição reforça no
Leste Europeu (como era o caso da Polônia) a luta contra a burocracia
a partir da mobilização contra a opressão política e as desigualdades
sociais (direito de ter sindicatos independentes, greves por salários,
liberdade contra censura etc) e, paulatinamente, se questionar toda a
base do poder político burocrático.
18
Carta a James P. Cannon, 12 de setembro de 1939.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
175
Em um de seus últimos trabalhos, A URSS na Guerra, de
1939, publicado no livro Em Defesa do Marxismo, Trotsky defende
a propriedade estatal e a economia planificada na URSS ao mesmo
tempo em que expõe sua luta implacável com a burocracia parasitária
soviética em defesa da revolução mundial. Trata-se do “direito ao
otimismo revolucionário”19. Em síntese, sem dúvidas sua elaboração
sobre a degeneração do Estado soviético é uma seminal contribuição
ao marxismo no século XX. Se, por um lado, a URSS representava
uma pioneira experiência de uma formação social pós-capitalista em
transição, apoiada na propriedade social e no planejamento econômico,
por outro, constituiu uma superestrturura política burocrática e
ditatorial. Apenas nesse sentido – e em defesa da revolução, nunca
da restauração capitalista – a defesa de uma luta organizada pela
derrubada da burocracia soviética estaria subordinada à manutenção
da propriedade social dos meios de produção e à extensão do processo
revolucionário no marco mundial:
“Não devemos perder de vista, por um só momento,
o fato de que, para nós, a questão da derrubada da
burocracia soviética está subordinada à questão
da preservação da propriedade estatal sobre os
meios de produção na URSS; que a questão da
manutenção da propriedade estatal sobre os meios
de produção na URSS está subordinada, para
nós, à questão da revolução proletária mundial.”
(TROTSKY 2011b p.43).
Em síntese, ao menos três momentos há clivagens na luta
contra o estalinismo e o fenômeno da burocratização. No início
dos anos 1920 o centro da crítica se dá em relação ao fenômeno do
19 “Novamente, e uma vez mais, sobre a natureza da URSS”, de 18 de outubro de
1939, Trotsky (2011a).
176
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
burocratismo. Ainda no Novo Curso de 1923, de acordo com as últimas
elaborações de Lenin, a URSS e sua administração são identificadas
pela crescente burocratização interna e problemas de regime interno
do próprio partido bolchevique e sua degeneração (cuja burocratização
é identificada como um câncer crescente). Diferenciando-se da leitura
de Lenin, tal fenômeno não seria apenas resquícios do regime anterior,
mas algo novo. Sob a direção de Stálin, Trotsky passa a caracterizar a
burocracia soviética como centrista e vacilante, conforme vimos. Em um
terceiro momento, passada a experiência das perseguições à Oposição
Unificada e da formação da Oposição de Esquerda Internacional,
sobretudo a partir de 1933, a análise sobre a burocratização da URSS
e da estalinização do PCUS e da III Internacional ganham qualidade à
medida em que Trotsky identifica o fenômeno como irreversível caso
se mantivesse o regime estalinista, daí a imperiosa necessidade de sua
substituição por meio de uma revolução política.
A política de Frente Única e a luta contra o Fascismo
De acordo com a tese Sobre as Táticas do Cominter do 4.º
Congresso Mundial da Internacional Comunista: “A tática da frente
única é simplesmente uma iniciativa em que os comunistas propõem
juntar-se a todos os trabalhadores pertencentes a outros partidos e
grupos e a todos os trabalhadores não alinhados em uma luta comum
para defender os interesses fundamentais e imediatos da classe
trabalhadora contra a burguesia”. É a tática de luta para situações
desfavoráveis, em que revolucionários lutam em unidade comum com
não-revolucionários, visando incidir nestes e aumentar a influência
comunista no interior do proletariado, agarrando-se aos movimentos
espontâneos e imprimindo-lhes caráter classista.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
177
Para León Trotsky, a tática da frente única tinha um caráter
circunstancial, adaptada à situação desfavorável em que a influência
dos revolucionários entre o proletariado fosse minoritária, restandolhes um período de acúmulo de forças, um momento preparatório
decisivo a fim de lhes tirar do isolamento político e incidir seu programa
entre as massas, diferenciando-se entre as organizações centristas.
É uma tática que dialoga com estágio de consciência imediato em
conjunturas em que a ofensiva reacionária contra os interesses dos
trabalhadores incide contra algo que estes já possuem, e não no sentido
de despertar-lhes consciência a respeito de novas conquistas a serem
reivindicadas no plano imediato, como a tomada do poder. Conforme
observa Trotsky:
“É preciso não esquecer que a política de frente
única é, em geral, muito mais eficaz na defensiva
do que na ofensiva. [Isso porque] as camadas
conservado-ras ou atrasadas do proletariado são
mais facilmente arrastadas à luta pela defesa
daquilo que já possuem, do que pela conquista de
novas aquisições.” (TROTSKY, 1968, p.263).
Uma caracterização oposta é a perspectiva da teoria ofensiva
(ofensiva permanente), segundo a qual há uma correlação de forças
mecânica entre crises e reação proletária que possibilita uma ofensiva
das forças revolucionárias, contexto de precipitação de uma situação
revolucionária. Segundo a teoria ofensiva, os comunistas devem
estabelecer delimitações permanentes dos partidos reformistas a fim
de incidir em sua base e produzir deslocamentos a esquerda entre os
trabalhadores, rechaçando-se, portanto, qualquer tática vacilante ou
que não aponte a possibilidade de tomada do poder imediato. No VI
Congresso da Internacional, em 1928, Bukharin foi um adepto da tese
da ofensiva. Para Trotsky, defensor de mediações táticas adequadas
178
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
para cada situação política específica, a teoria da ofensiva jamais
poderia ser um mantra, um princípio tático para qualquer conjuntura.
Alertava que em situações desfavoráveis, tomar a ofensiva permanente
seria um desvio ultraesquerdista aventureiro: “A burguesia não
poderia pedir algo melhor! (…) Nestas condições, a teoria de que
sempre deve-se tomar a ofensiva e travar batalhas parciais com os
métodos da insurreição armada é o mesmo que jogar água no moinho
da contrarrevolução” (TROTSKY, 2016 p. 353-354).
Em linhas gerais, entre o III e o IV Congresso da III
Internacional (1921-1922) Trotsky formulou a tática da Frente Única
Operária que consistia basicamente que, numa condição defensiva
dos trabalhadores frente a uma ofensiva reacionária, requer-se a
unidade para lutar, uma luta comum em torno de pautas mínimas,
um programa preciso de ações comuns, e não lançar um ultimato
unilateral para os trabalhadores, conforme reafirmou posteriormente,
em 1932, em E agora? Problemas vitais do proletariado alemão.
Não se trata de atividades de propaganda, mas de busca efetiva por
mobilização unitária. A ação unitária em frente única serve, inclusive,
para desmascarar os conciliadores e traidores da revolução, que na
prática se negam a unidade contra o perigo comum, mesmo na defesa
das pautas imediatas em torno dos pontos comuns mais urgentes. A
unidade com outras organizações requer independência política. Tanto
Trotsky quanto Lenin defenderam a Frente Única como possibilidade
tática20. Na tese sobre tática aprovada no III Congresso (1977, p.146),
20 É o historiador Perry Anderson quem destaca Trotsky como o principal arquiteto
da Frente Única: “(...) foi Trotsky, naturalmente, quem dirigiu junto com Lênin o
ataque contra a teoria geral da ‘ofensiva revolucionária’ no terceiro Congresso do
Komintern. Foi Trotsky, novamente com Lênin, o principal arquiteto da frente única
(...). Por último, foi Trotsky (...) quem escreveu o documento que foi a teorização
clássica da frente única nos anos vinte” (ANDERSON 2017 p.54).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
179
lê-se que a tática tinha por objetivo conquistar:
“círculos bastante grandes de empregados do
comércio e da indústria, de funcionários inferiores
e médios, além dos intelectuais, [o que provocará]
a desordem nas fileiras do inimigo e [acabará] com
o isolamento do proletariado diante da opinião
pública.”
Em fevereiro de 1922 Trotsky apresentou a tese em defesa da
Frente Única ao Pleno Ampliado do Comitê Executivo da Internacional
Comunista e, em seu IV Congresso, a Internacional aprovou sua
tática de Frente Única proposta conjuntaente com Lenin. Porém, no
final daquela década, a direção estalinista cometeria um novo giro.
Diante disso, Trotsky voltou a defender a política de frente única com
os operários social-democratas em oposição a política do “terceiro
período” do Komintern21, denominação cunhada em 1928, cuja linha
estalinista identificava na social-democracia elementos do fascismo.
A caracterização é que havia um período de ofensiva permanente em
favor das massas proletárias e que o capitalismo se aproximava de
21 O Primeiro Período teria sido, nessa caracterização, a erupção revolucionária de
1917 a 1924, com a crise do capitalismo; o Segundo Período abarcaria a estabilização
capitalista entre 1925 e 1928, ao passo que o Terceiro Período refere-se ao que o
estalinismo denominou, equivocadamente, a partir de 1928 como sendo o período
de agonia do capitalismo e a antessala para a revolução proletária, caracterização
segundo a qual as massas estariam em um ascenso e que, portanto, os partidos
comunistas deveriam dirigi-las a tomada do poder. Coerente com essa caracterização,
a política de Frente Única deveria ser descartada por todos os partidos comunistas
da Internacional. Por isso a social-democracia foi identificada como inimigo interno,
igualando-se reformismo com fascismo. Tal linha estava em completa oposição e já
havia sido descartada pelo III Congresso da Internacional Comunista de 1921. Sendo
assim, a linha política ultraesquerdista do Terceiro Período, sob as ordens de Stálin,
correspondeu a um giro político de 180º. Essa política perdurou até 1934, quando
a orientação estalinista passa a ser a constituição de alianças com as burguesias e
apoio aos governos de colaboração de classes, a chamada política de Frente Popular
(1935-39).
180
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
seu “período de agonia final”, por isso a política de frentes deveria
ser descartada por enfraquecer o ascenso das massas, uma vez que
a orientação possível para os comunistas seria: “marchar sozinhos”,
igualando a caracterização entre fascismo e social-democracia (ou
considerando este como sua “ala moderada”). A orientação estalinista22
era, mesmo diante do perigo do nazismo, isolar a social democracia, e
jamais aliar-se a ela em unidade de ação.
Esse esquerdismo senil e burocrático adotava orientação de
“classe contra classe”, orientando a luta contra os “inimigos internos”
do movimento operário e identificando a social-democracia como
o inimigo principal foi demasiadamente denunciado por Trotsky na
brochura O terceiro período de erro da Internacional Comunista. Na
correta caracterização de Trotsky, a política estalinista do “terceiro
período”, a qual foi aplicada a fundo na Alemanha e recusava unidade
entre SPD e KPD contra o nazismo, representava um giro sectário e
ultraesquerdista que abriu caminho para a ascensão e consolidação do
nazi-fascismo.
Contra as acusações de que a frente única seria uma capitulação
ao reformismo, Trotsky destacou que essa tática teria que preservar
a independência política dos revolucionários, a não se diluírem
na frente, com liberdade de propaganda independência e crítica às
correntes social-democratas e as organizações operárias com quem
se estabelecera acordo, conforme se reafirmou no IV Congresso da
Internacional Comunista. A tática da frente única era voltada para a
ação, e não para a diluição da crítica ou da firmeza estratégica. Apesar
desta clara orientação, após a morte de Lenin, a Internacional Comunista
22
Esta orientação de Stálin está fartamente documentada em História da
Internacional Comunista, de Broué (2007).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
181
abandonou tais formulações a respeito da política de independência
de classe dos partidos comunistas, recomendando, por exemplo, que
o PC Chinês se submetesse ao Koumintang em 1927, ou ainda a
orientação política dada na Alemanha em 1929, um giro dado com o já
mencionado o Terceiro Período, o qual considerou equivocadamente a
Social Democracia como associada ao fascismo e sua “ala moderada”23,
isolando o Partido Comunista Alemão e recusando-se a construção de
uma frente antifascista, cujo erro político entregou a peque-burguesia
e as massas à influência do Partido Nazista, abrindo-se caminho para
a ascensão do nazismo naquele país. O proletariado alemão e sua
direção seriam esmagados nos anos seguintes.
Em crítica ao KPD (Partido Comunista Alemão)24, satélite
de Moscou, Trotsky defendia que este não poderia se recusar a
construção da frente única na Alemanha com o SPD (Partido Social
Democrata) uma vez que tal vacilação levaria o nazismo a crescer.
Importante observar que o SPD (Partido Social Democrata Alemão)25
e o KPD, juntos, abarcavam a maioria da classe operária alemã – a
maior do mundo, vale dizer. Ambas poderiam, enquanto possibilidade,
ter barrado a ascensão do nazismo como força social e política,
representada pelo NSDAP26. E o intuito do regime de extrema direita
23 Stálin não aceitava uma frente comum com a social-democracia alemã justamente
por considera-la a ala moderada do fascismo, isto é, segundo essa caracterização,
um inimigo de classe. Nos anos 1930, a Internacional Comunista sob o comando
de Stálin adotou a linha oposta a Frente Única, com anulação da independência de
classe dos partidos comunistas ao se submeterem a política de Frente Popular aos
partidos pequeno-burgueses. O mesmo equívoco da linha estalinista foi aplicado em
1936 na França e na Espanha. A Internacional Comunista, desde então, romperia
definitivamente com os quatro primeiros congressos e o legado marxista até aquele
momento, conforme alertava Trotsky.
24 KPD (Kommunistische Partei Deutschland).
25 SPD (Sozialdemokratische Partei Deuschland).
26 NSDAP (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei).
182
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
nazi-fascista não era outro senão a destruição de todas as formas de
organização partidária, sindical e social independente, notadamente as
classistas, impedindo o seu restabelecimento.
No início dos anos 1930, Trotsky identificava na Alemanha a
chave da situação mundial, mesmo após a derrota da classe operária
em 1919 e 1923 e antes da consolidação do nazismo. Não foi à toa
que o destino da humanidade se decidiu naquele país. A Frente Única
antifascista era uma urgência, afinal, conforme alertou em Revolução
e Contrarrevolução na Alemanha:
“A fascistização do Estado significa (...), antes
de tudo e sobretudo, destruir as organizações
operárias, reduzir o proletariado a um estado
amorfo, criar um sistema de organismos que
penetre profundamente nas massas e esteja
destinado a impedir a cristalização independente
do proletariado. É precisamente nisto que consiste
a essência do regime fascista.”
A história foi implacável, o nazismo foi destruidor. Prevendo
tal ascenso, e compreendendo a natureza social e política do fascismo,
a política defendida por Trotsky para a Alemanha era a mais ampla
unidade das forças políticas do proletariado (incluindo as forças
reformistas, centristas ou burocráticas), em oposição a qualquer
perspectiva sectária e ultraesquerdista. A resistência diante de situações
reacionárias deveria vir pela ampla unidade, uma vez que houve um
refluxo da onda revolucionária aberta entre 1917 e 1921, abrindo-se
o ascenso da contrarrevolução seguinte. A aplicação da política da
frente única (unidade entre todas as forças do proletariado) deveria
ser transitória, isto é, até o memento em que a situação mudasse de
caráter, notadamente quando a massa proletária se deslocasse da
direção reformista e a influência revolucionária já tivesse acumulado
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
183
forças suficientes para uma ofensiva, não mais em uma situação
desfavorável. Uma vez ganhado a confiança das massas, sobretudo de
sua vanguarda operária, este seria o momento de romper a aliança com
as direções reformistas. Uma vez mudada a correlação de forças em
favor do proletariado, estaria aberto o momento para a construção de
uma direção revolucionária no movimento.
Em Revolução e Contrarrevolução na Alemanha, estão reunidos
artigos de Trotsky da década de 1930 no esforço de se reverter o curso
sectário do Partido Comunista Alemão diante do ascenso nazista. Qual
a lição que Trotsky extrai da Alemanha? Dado o ascenso do nazifascismo e a incapacidade da Internacional Comunista em conter os
agentes do capital financeiro e construir uma política séria antifascista,
a tática da Frente Única com a social-democracia, rebaixando-se, antes
disso, a evidente política de traição estalinista, seria urgente a batalha
pela construção de uma nova internacional revolucionária, a Quarta
Internacional. É um notável marxista brasileiro, inicialmente fundador
do PCB (e posterior fundador do trotskismo brasileiro), dirigente da
Liga Comunista fundada em 1931, ligada a Oposição de Esquerda
Internacional, que observa:
“Debruçado febrilmente sobre os acontecimentos
que se desenrolam na Alemanha, lá do seu exílio de
Prínkipo, na vigilância incansável pelos destinos
do heroico proletariado alemão, Trotsky escreveu
nessas páginas um tratado completo de estratégia
e tática revolucionárias marxistas, digno de
emparelhar-se ao lado das grandes obras políticas
clássicas de Marx e de Engels.” (PEDROSA,
2019, p.19)
Em síntese, ao analisar a crise social e a contrarrevolução
oriunda do ascenso fascista, Trotsky destaca o perigo das organizações
184
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
políticas dos trabalhadores em subestimá-lo e não organizarem a
resistência para combate-lo, uma vez que seu propósito seria destruir o
movimento operário independente. Não obstante, a direção estalinista
da III Internacional e do partido comunista alemão, embriagada pelo
giro esquerdista do terceiro período visualizava o que não existia:
uma ofensiva revolucionária em escala mundial, levando a paralisia a
classe operária.
Para além de criticar a recusa do estalinismo e da Internacional
Comunista em construir uma Frente Única dos partidos socialista
e comunista contra o nazismo, Trotsky reconheceu como poucos o
significado da ofensiva fascista antes mesmo da consolidação nazista
alemã. Em seu entendimento, independente do terror policial e da
prática repressiva, o fascismo representava uma reação política,
mas uma contrarrevolução, a erradicação de toda possibilidade de
democracia proletária dentro da sociedade burguesa, apoiando-se no
capital financeiro. Seus escritos sobre o fenômeno do nazi-fascismo
foram tão originais que o historiador Perry Anderson assim o qualifica:
“Isolado numa ilha turca, ele escreveu, a certa
distância dos acontecimentos, uma sequência de
textos sobre a ascensão do nazismo na Alemanha
que, como estudos concretos de uma conjuntura
política, são de uma qualidade sem par no
conjunto do materialismo histórico. Neste campo,
o próprio Lênin nunca produziu qualquer trabalho
de profundidade e complexidade comparáveis.
Com efeito, os escritos de Trotsky sobre o
fascismo alemão constituem a primeira análise
marxista real de um Estado capitalista do século
XX - o estabelecimento da ditadura nazista.”
(ANDERSON, 1978, p.127)
As armas teóricas da luta contra o fascismo encontram em
Trotsky pioneirismo. Conforme vimos, a perspectiva da revolução
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
185
permanente e da política de Frente Única estão em oposição à tática
da ofensiva em permanência (Bukharin/Bela Kun) e do esquerdismo
baseado em entusiasmo revolucionário. Antes disso, Trotsky ensina
que uma organização marxista deva ter flexibilidade tática e rigidez
nos princípios estratégicos, contra a política sectarista e ultimatista.
Considerações Finais
Trotsky orienta entre 1933 e 1938 a construção de uma nova
Internacional, dada a degeneração da III Internacional e a falência da
II. Seu documento fundacional, de 1938, é o Programa de Transição,
a agonia mortal do capitalismo e as tarefas da IV Internacional.
Constitui um guia programático para o proletariado revolucionário na
época do imperialismo, embasando-se nos quatro primeiros congressos
da III Internacional e afirma a estratégia da revolução política contra
o domínio da burocracia estalinista do Estado operário russo. Sua
ambição era unificar os revolucionários de diversas origens do mundo
inteiro e a corrente que surgiu da Oposição de Esquerda Internacional
em torno de um programa revolucionário, em defesa de uma revolução
política na URSS (mantendo sua base econômica) que substituísse a
burocracia estalinista e reestabelecesse a democracia operária com
uma direção de Estado submetida aos órgãos de representação direta
dos trabalhadores. Portanto, no Programa de Transição, o papel das
direções (e sua crise)27 e da consciência de classe (fator subjetivo,
contendo limites e potencialidades) é fundamental.
Ao caracterizar que a crise histórica da humanidade seria a
27 “A situação política mundial no seu conjunto caracteriza-se, antes de tudo, pela
crise histórica da direção do proletariado. (...) A crise histórica da humanidade reduzse à crise da direção revolucionária”, argumenta Trotsky no Programa de Transição.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
crise da direção revolucionária e que a dinâmica das forças produtivas
já não mais cumpriria qualquer aspecto funcional – ao contrário,
levaria a humanidade a uma catástrofe -, a situação pré-revolucionária
careceria ainda de um proletariado coeso e deslocado de suas
direções reformistas ou burocráticas, desprovido de uma vanguarda
revolucionária. Os últimos apelos do imperialismo eram, por um lado,
condenar a classe trabalhadora às Frentes Populares e, por outro, ao
fascismo. Trotsky apostava na necessidade de derrubada da burguesia
como saída histórica e no fortalecimento da IV Internacional.
No século passado, floresceram muitos mitos acerca da
primeira experiência de um Estado operário na história e do processo
da revolução socialista iniciado na Revolução Russa de 1917 e seus
desdobramentos. A adaptação do regime político da URSS pós-anos
1920 a um aparato político partidário reformulado, dirigido por
uma fração burocratizada e ancorada em um setor de funcionários
privilegiados, operou um verdadeiro contorcionismo e revisionismo
teórico do marxismo e prático-organizativo do bolchevismo. O
impacto dessa experiência para além dos satélites de Moscou influiu de
modo significativo no ideário das esquerdas num plano internacional.
Expressão em alguma medida de nosso tempo histórico, a experiência
estalinista foi além de Stálin e da Rússia, o que contribuiu para a
deformação teórico-política do marxismo e da defesa do socialismo.
Ao fim e ao cabo, encontramos em Trotsky um pensamento
radical e inovador para interpretação dos novos fenômenos sociais,
políticos e econômicos abertos na primeira metade do século XX, em
profunda conexão e atualização do marxismo revolucionário. Está
mais do que na hora de estudarmos a fundo o seu pensamento, sem a
vulgata estalinista.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
187
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“Los cuatro primeros congresos de la Internacional Comunista”.
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XXI, 2ª ed., 1977, p.146.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
189
Trotsky em Nova York: Um City tour virtual
Alex Steiner1
Este artigo baseia-se em minha palestra na Terceira Conferência
Internacional sobre Trotsky, em agosto de 2023. A palestra, por sua
vez, foi baseada em um passeio a pé em Nova York que realizei com
meu falecido colega Jim Creegan em 2018. Grande parte do material
para o passeio a pé foi extraído de um ensaio anterior que escrevi e que
foi publicado na revista International Socialist Review, edição 104,
primavera de 2017. Estou em dívida com Kenneth D. Ackerman, cujo
livro, Trotsky in New York 1917: A Radical on the Eve of Revolution,
forneceu a maior parte do material factual deste ensaio. Para facilitar
a leitura, evitei fazer citações do livro de Ackerman, exceto nos casos
em que ele faz uma citação de uma fonte que pesquisou. A análise da
importância histórica dos eventos discutidos e o layout visual deste
1 Alex Steiner é um acadêmico independente que lecionou e publicou sobre tópicos que vão desde a Filosofia da História de Hegel, Fenomenologia de Hegel, Ciência da Lógica de Hegel, Heidegger e Nazismo, Marxismo e Humanismo, Dialética
da Natureza de Engels, Nietzscheanos de Direita e Esquerda, A Crise da Física e
Filosofia Dialética. Obteve seu mestrado na New School for Social Research, em
Nova York. É autor de um ensaio sobre os Cadernos Filosóficos de Trotsky, publicado pelo periódico britânico Critique, e do ensaio Engels, Trotsky e as Ciências
Naturais: um estudo de caso em cosmologia, publicado no periódico brasileiro Aurora. Ele é editor e autor de vários ensaios no livro Greece at the Crossroads, uma
análise da crise política e econômica grega de 2015. Alex é instrutor na instituição
educacional independente, Marxist Education Project. Ministrou aulas em sua organização predecessora, o Brecht Forum, e no New Space for Anti-Capitalist Education. Foi também palestrante na Socialist Scholars Conference, no Left Forum,
no Historical Materialism e na Primeira Conferência Internacional sobre Trotsky
(Havana, Cuba, 2019) e na Terceira Conferência Internacional sobre Trotsky (São
Paulo, Brasil, 2023). Contato: revolutioninpermanence@gmail.com e http://permanent-revolution.org (Este texto foi traduzido ao português por Icaro Rossignoli)
190
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
ensaio são estritamente meus.
O livro de Kenneth D. Ackerman, Trotsky in New York 1917: A
Radical on the Eve of Revolution, é o primeiro relato completo de um
período breve, porém crucial, na vida de Trotsky, suas dez semanas
em Nova York antes de seu retorno do exílio político à Rússia em
1917, onde desempenharia, junto com Lenin, um papel decisivo
na Revolução de Outubro. Os relatos anteriores sobre a estadia de
Trotsky em Nova York estavam espalhados em memórias pessoais,
relatos de jornais contemporâneos e alguns artigos de revistas com
um foco muito específico e restrito. (Um desses artigos se esforçou
muito para descobrir a identidade de um rico morador do Bronx que
fez amizade com a família de Trotsky). O relato do próprio Trotsky
sobre sua estadia em Nova York consistiu em algumas páginas de sua
autobiografia, Minha Vida. Essas poucas páginas contêm algumas
percepções e anedotas preciosas, mas fornecem poucos detalhes e não
fazem nenhuma avaliação do impacto de sua intervenção na política
do movimento socialista em Nova York.
A pesquisa de Ackerman preenche muitas das lacunas dos
detalhes biográficos desse período da vida política de Trotsky.
Mais importante ainda, a restauração de uma narrativa histórica
anteriormente fragmentada nos permite avaliar a importância política
do impacto de Trotsky na história do marxismo nos Estados Unidos.
Como resultado dessa nova pesquisa, podemos agora dizer com algum
grau de confiança que a intervenção de Trotsky nas lutas fracionais
que aconteciam no Partido Socialista sobre a entrada dos Estados
Unidos na Primeira Guerra Mundial teria um papel fundamental na
criação do núcleo de uma oposição de esquerda no Partido Socialista
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
191
que mais tarde fundaria o Partido Comunista Americano. Isso exige
uma revisão radical na compreensão histórica do nascimento do
comunismo americano, que os historiadores do futuro não poderão
ignorar.
Trotsky chegou a Nova York em 14 de janeiro de 1917,
desembarcando do navio a vapor Montserrat com sua esposa Natalya
e seus dois filhos, Sergei e Lyova. Naquele dia, Trotsky recebeu uma
recepção de herói. Tanto o New York Times quanto o New York
Tribune enviaram repórteres e publicaram uma história sobre Trotsky
na primeira página no dia seguinte. Embora ele ainda fosse pouco
conhecido pelos leitores de língua inglesa, para os imigrantes do Leste
Europeu ele era uma espécie de celebridade. Eles o conheciam desde
seus dias na liderança da revolução russa de 1905, quando, ainda um
jovem de 20 anos, tornou-se líder do Soviete de São Petersburgo. Seu
julgamento e prisão posteriores aumentaram sua fama.
Amigos do movimento revolucionário russo o ajudaram a
encontrar um apartamento modesto no Bronx. Mas seu principal lar
era o escritório do Novy Mir, um jornal revolucionário de língua russa
onde ele trabalha com outros exilados revolucionários russos, como o
bolchevique Nikolai Bukharin. Uma amiga íntima de Lenin, Alexandra
Kollontai, também estava presente em Nova York nessa época.
Quando Trotsky terminava seu trabalho diário no escritório de Novy
Mir, ele costumava fazer uma pequena caminhada até o Monopole
Café. Naquela época, o café era um ponto de encontro dos intelectuais
e artistas da comunidade judaica do Lower East Side. Trotsky, sempre
atraído pela vida cultural de uma comunidade, gostava de conversar
em russo com seus frequentadores.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Número 1522 da Avenida Vyse, no Bronx, onde Trotsky morou por dez
semanas em 1917, como está hoje.
Escritórios do Novy Mir, por volta de 1917
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
193
Número 144 da Second Avenue, local que foi o Monopole Café, como é hoje.
Trotsky foi destaque na capa do jornal iídiche de grande
circulação, o Jewish Daily Forward, no dia seguinte à sua chegada.
Os jornais de língua alemã e russa também publicaram histórias sobre
a chegada desse herói da Revolução Russa aos Estados Unidos.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Trotsky na capa do jornal em iídiche The Forward, em sua chegada a Nova
York.
Trotsky ficou em Nova York por um total de dez semanas até
partir para desempenhar o papel que lhe cumpria na Revolução de
Outubro. Com o passar dos anos, surgiram muitas lendas sobre as
atividades de Trotsky enquanto ele estava em Nova York, incluindo a
história fantasiosa de que ele era ator em produções de filmes mudos.
Nenhuma dessas lendas é verdadeira. Trotsky abordou esse tópico em
Minha Vida, onde escreveu:
“Se todas as aventuras que os jornais atribuíram a
mim fossem reunidas em um livro, elas formariam
uma biografia muito mais divertida do que a que
estou escrevendo aqui.
“Mas tenho que desapontar meus leitores
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
195
americanos. Minha única profissão em Nova York
era a de socialista revolucionário. Isso foi antes
da guerra pela ‘liberdade’ e pela ‘democracia’
e, naquela época, minha profissão não era mais
repreensível do que a de um contrabandista. Eu
escrevia artigos, editava um jornal e discursava
em reuniões operárias. Eu estava trabalhando até o
pescoço e, portanto, não me sentia nem um pouco
como um estranho.” (TROTSKY, 1984, p. 274)
Um dos relatos mais escabrosos sobre o período de Trotsky
em Nova York foi a lenda antissemita de que Trotsky estava sendo
financiado por judeus ricos como parte de um plano para dominar o
mundo. Essas lendas, alimentadas pelos Guardiões Brancos e outros
reacionários, cresceram rapidamente após a Revolução Russa.
A história real é muito mais interessante do que as lendas
fantasiosas. Agora está claro que a realização mais duradoura de
Trotsky durante seu período em Nova York foi seu conflito com a
liderança conservadora do Partido Socialista de Nova York. Em 1917,
o Partido Socialista dos Estados Unidos estava prestes a se tornar
uma grande força política, desafiando o controle férreo dos dois
partidos capitalistas, os Republicanos e os Democratas, que haviam
definido a fisionomia política do país desde a Guerra Civil. Na eleição
presidencial de 1912, o candidato do Partido Socialista, Eugene V.
Debs, obteve mais de 900.000 votos. Os socialistas foram eleitos para
o Congresso e conquistaram cargos locais e estaduais em dezenas de
cidades em todo o país.
O Partido Socialista era particularmente forte em Nova York,
onde desempenhou um papel influente entre as vastas comunidades de
imigrantes que vieram da Europa Central e Oriental nas duas décadas
anteriores. As comunidades de imigrantes que apoiavam o Partido
Socialista superavam em muito o número de socialistas nativos, uma
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
situação muito diferente da do resto do país. Os estrangeiros nascidos
em Nova York representavam 30% da população branca. (LIPSET
e MARKS, 2001) O maior desses grupos era o dos judeus do Leste
Europeu que falavam iídiche. Na época, Nova York tinha nada menos
que seis jornais diários em iídiche, sendo o maior e mais influente o
Jewish Daily Forward, que tinha uma circulação de mais de 200.000
exemplares, rivalizando com a circulação do New York Times. Além
dos jornais iídiche, havia quatro jornais diários em russo, três em
alemão e vários outros diários em língua estrangeira. Muitos desses
jornais tinham uma orientação socialista e de esquerda. Além do
Forward, pró-socialista, o New Yorker Volkszeitung, de língua alemã,
tinha como editor-chefe Hermann Schluter, amigo pessoal de Marx e
Engels.
O líder oficial do Partido Socialista em Nova York era Morris
Hillquit, um imigrante da Letônia que se integrou à sociedade
americana e se tornou um advogado bem-sucedido com um apartamento
luxuoso na Riverside Drive, em Manhattan. Para seu crédito, Hillquit
frequentemente aceitava casos com pouca ou nenhuma indenização
para defender as vítimas da classe trabalhadora de empregadores
impiedosos e contra o Estado. Ele também era o advogado oficial do
Amalgamated Clothing Workers Union (Sindicato dos Trabalhadores
de Vestuário Unificados). Quando o governo iniciou seus ataques
à imprensa socialista após a entrada dos Estados Unidos na guerra,
Hillquit defendeu periódicos como Novy Mir e The Call da censura
e supressão em tempos de guerra. Hillquit também tinha ambições
políticas e, na eleição de 1917 para prefeito de Nova York, recebeu
145.000 votos, 21,7% do total de votos em uma disputa tripla. Mas,
embora Hillquit tivesse convicções socialistas genuínas, ele não era um
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
197
revolucionário. Hillquit era um político “pragmático”, um socialista
reformista do tipo que podia ser encontrado na ala direita do Partido
Social Democrata Alemão antes de 1914.
A grande questão enfrentada pelos socialistas americanos
naquela época era a oposição aos preparativos do governo Wilson para
entrar na Guerra Europeia ao lado da Grã-Bretanha, França e Rússia,
uma ameaça que estava se tornando cada vez mais concreta nos
primeiros dias de 1917. As comunidades de imigrantes de Nova York,
que constituíam a maior parte dos apoiadores do Partido Socialista,
opunham-se fervorosamente à entrada dos Estados Unidos na guerra,
não apenas por convicções socialistas profundas, mas também por seu
ódio ao regime czarista da Rússia, de cujos pogroms muitos haviam
fugido. Hillquit e os líderes do Partido Socialista de Nova York
também se opunham à entrada dos Estados Unidos na guerra, mas
sua oposição ia apenas até certo ponto. Eles se recusaram a defender
a ação em massa contra a guerra caso os EUA entrassem na guerra.
Eles deixaram claro em seus pronunciamentos políticos que, embora
se opusessem à entrada dos Estados Unidos na guerra, seriam patriotas
leais caso fosse necessário.
Embora nunca tivesse se encontrado com Hillquit antes de
chegar a Nova York, Trotsky conhecia muito bem o tipo que ele
representava. Ele era a encarnação nos Estados Unidos dos socialpatriotas que havia conhecido em Viena e Paris, homens que faziam
discursos brilhantes contra a guerra, mas que eram tomados pela febre
da guerra e do patriotismo quando a guerra começava. Trotsky sempre
considerou os social-patriotas desprezíveis e, em 1917, aproximouse muito da posição de Lenin de que, em caso de guerra entre países
imperialistas, era dever dos socialistas transformar essa guerra em uma
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
guerra civil contra sua própria burguesia. Portanto, era inevitável que
a chegada de Trotsky a Nova York sinalizasse um confronto entre ele
e os social-patriotas no Partido Socialista, representados por Hillquit.
A batalha pelo Partido Socialista foi travada em uma série de
reuniões e comícios em Nova York e arredores. Os preparativos para
essa batalha começaram em uma reunião no apartamento de Ludwig
Lore, no Brooklyn, na época editor do jornal socialista de língua
alemã New Yorker Volkszeitung. Foi nessa reunião, organizada no
dia seguinte à chegada de Trotsky a Nova York, que Trotsky encontrou
pela primeira vez os líderes do que viria a ser a oposição de esquerda
dentro do Partido Socialista. Além de Lore, Trotsky encontrou pela
primeira vez o jovem Louis Fraina. Também estava presente nessa
reunião outra pessoa que viria a desempenhar um papel fundamental
na oposição de esquerda do Partido Socialista, o advogado Louis
Boudin. Entre os russos presentes, além de Trotsky, estavam os futuros
líderes bolcheviques Nikolai Bukharin, Alexandra Kollontai, Grigorii
Chudnovsky e V. Volodarsky.
Aos convidados reunidos, Trotsky logo expôs sua posição:
a de que a esquerda do Partido Socialista deveria se organizar
independentemente de sua liderança conservadora em Nova York e
estar preparada para desafiá-la na importantíssima questão da guerra.
Bukharin e Trotsky, embora concordassem com os fundamentos,
discordavam quanto às táticas, com Bukharin defendendo uma cisão
imediata, enquanto Trotsky insistia que a oposição de esquerda seria
mais eficaz trabalhando dentro do Partido Socialista. Por fim, eles
concordaram em não defender uma cisão formal, mas em lançar um
periódico independente que falasse em nome da esquerda. Fraina foi
imediatamente inspirado pelas ideias de Trotsky e viria a se tornar seu
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
199
principal defensor e protegido nos Estados Unidos. Trotsky e Fraina
estabeleceram uma amizade pessoal e começaram a colaborar a partir
daquele dia.
Louis Fraina, que foi eleito Secretário Internacional do Partido Comunista
em 1919.
A primeira apresentação oficial de Trotsky ao movimento
socialista de Nova York ocorreu pouco tempo depois, quando ele foi o
orador principal em um comício no histórico Great Hall (Grande Salão)
da Cooper Union, apenas duas semanas após sua chegada. O Cooper
Union Hall, que ainda está de pé, tinha um significado histórico, pois
foi lá que Abraham Lincoln fez um famoso discurso que o colocou no
caminho para ganhar a presidência em 1859.
200
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
O Grande Salão da Cooper Union hoje
O discurso de Trotsky, reimpresso no jornal socialista de língua
inglesa The Call, bem como no Novy Mir, de língua russa, no qual ele
e Bukharin eram colaboradores, foi um desafio mais ou menos aberto
a Hillquit e sua oposição conservadora à guerra. Trotsky disse:
“A Revolução Socialista está chegando à Europa, e
a América deve estar pronta quando ela chegar. Os
socialistas foram pegos de surpresa quando a guerra
começou, mas não devem estar cochilando quando
a revolução chegar. Na França, os soldados que
saem das trincheiras dizem: ‘Nós os pegaremos’.
Os franceses acham que os soldados querem dizer
que vão pegar os alemães, que querem matar os
trabalhadores da outra trincheira. Mas o que eles
realmente querem dizer é que vão ‘pegar’ os
capitalistas”. (ACKERMAN, 2016, p. 82).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
201
Primeira página do Novy Mir
No dia 5 de fevereiro, houve um grande evento no Carnegie
Hall, no qual o Partido Socialista deveria apresentar sua posição oficial
sobre a guerra. Hillquit foi o orador principal. Trotsky estava presente,
juntamente com outras 4.000 pessoas que estavam na plateia, que só
podia ficar em pé. [Nota 1: O mundialmente famoso Carnegie Hall
era o auditório mais importante de Nova York, onde eram realizados
concertos de música clássica].
202
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Carnegie Hall lotado na virada do século passado.
A reação de Trotsky ao discurso foi publicada no Novy Mir no
dia seguinte. Trotsky não tinha nenhuma crítica específica a fazer ao
discurso em si, mas criticou muito a companhia que Hillquit escolheu
para se cercar no palco. Eram pacifistas, como o reverendo Frederick
J. Lynch, da New York Church Peace Union, e a sufragista Elizabeth
Freeman, do Women’s Peace Party. Trotsky escreveu um artigo no
Novy Mir no dia seguinte caracterizando a classe média que gritava
sobre a paz, mas que:
“...quando ouvirem o primeiro tiro, alegremente
se chamarão de bons patriotas [e] começarão a
apoiar a máquina governamental de assassinatos
em massa, persuadindo as multidões de que, para
alcançar a ‘paz justa’ e a ‘paz eterna’, é necessário
lutar na guerra até o fim.” (ACKERMAN, 2016,
p. 124).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
203
Ele continuou perguntando: por que o Partido Socialista
concordou em dividir o palco com esses “pacifistas burgueses
semelhantes a padres?”. Embora Trotsky tenha se abstido de atribuir
a responsabilidade por esse fato a Hillquit, o alvo de sua ira era
inconfundível. Assim começou um conflito cujo ponto culminante só
viria em agosto de 1919, muito depois de Trotsky ter deixado Nova
York, quando a ala esquerda do Partido Socialista formalizou sua
cisão e formou o Partido Comunista Operário em uma convenção em
Chicago.
Trotsky finalmente confrontou Hillquit pessoalmente quando
ele e Louis Fraina foram convidados a participar do Comitê de
Resoluções do Partido Socialista para elaborar uma declaração oficial
sobre a política em relação à guerra. O Comitê se reuniu nos escritórios
do Partido Socialista em uma casa na East 15 Street, em Manhattan.
Casa geminada na East 15 St. que já abrigou os escritórios do Partido
204
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Socialista. Mais tarde, ela se tornou a Rand School, um centro educacional
e cultural de esquerda.
Hillquit logo percebeu que não haveria acordo com Trotsky e
Fraina. Ficou claro que Hillquit e seus partidários não poderiam aceitar
uma resolução que denunciava qualquer apoio à “defesa nacional” e,
no caso de mobilização para a guerra, pedia uma “ação em massa”
contra a guerra. Hillquit tinha a maioria e sua versão da resolução
- uma declaração branda contra a guerra, mas que também deixava
espaço para o apoio ao esforço de guerra, caso fosse obrigatório - foi
aprovada. Trotsky e Fraina foram autorizados a apresentar um relatório
minoritário.
A batalha entre essas duas frações continuou a ser travada em
outros locais. Entre as salas de reunião em que Trotsky participou
do debate dentro do Partido Socialista estava o Beethoven Hall, em
Manhattan, um centro cultural da classe trabalhadora de língua alemã
do Lower East Side.
Beethoven Hall há 100 anos, à esquerda. Hoje é um prédio de apartamentos
de luxo (à direita).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
205
Outro local onde esse conflito se desenrolou foi o Lyceum, no
Brooklyn, um ponto de encontro para a classe trabalhadora daquele
bairro.
O Lyceum, no Brooklyn, como era há 100 anos.
O ponto culminante do debate no Partido Socialista viu
as duas resoluções conflitantes serem levadas à votação de todos
os membros no início de março, no Lenox Casino, um edifício no
Harlem frequentemente alugado pelo Partido Socialista para grandes
reuniões. Nessa reunião, Fraina defendeu a resolução da minoria
entre os cerca de 200 delegados que conseguiram chegar ao local em
meio a uma nevasca. A votação final foi de 101 a 79. Essa votação
apertada, mostrando que o controle de Hillquit sobre o partido era
tênue, encorajou a oposição. Escrevendo anos depois em Minha Vida,
Trotsky reservou a avaliação mais dura dos líderes do socialismo
americano para Morris Hillquit, de quem ele disse:
“Um Babbitt dos Babbitts é Hillquit, o líder
socialista ideal para dentistas bem-sucedidos.”
(TROTSKY, 1984, p. 284). [Nota 2: Babbitt
(1922), de Sinclair Lewis, foi um romance satírico
206
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
sobre a cultura e a sociedade americanas que
criticava a venalidade da vida de classe média e a
pressão social para a conformidade.]
Naquele mês de março, houve outra reunião na Cooper Union
com a presença do socialista mais proeminente dos Estados Unidos,
Eugene V. Debs. Debs tinha ouvido falar de Trotsky e o convidou
especificamente para se juntar a ele no palco da reunião. Essa foi a
única vez que Trotsky se encontrou com Debs. Não se sabe o que eles
discutiram, se é que discutiram algo substancial, mas Trotsky conta
que, quando Debs o viu, ele “me abraçou e me beijou”. (TROTSKY,
1984, p. 285). Em seu discurso, Debs deixou claro - sem mencionar
nomes - que, quando se tratava do conflito entre Hillquit e a oposição
de esquerda, ele estava firmemente ao lado de Trotsky e Fraina.
Talvez o confronto mais dramático que Trotsky teve durante
sua estadia em Nova York tenha sido com o editor do Daily Forward.
Naquela época, o prédio de 14 andares do Forward era o centro de toda
a atividade política e cultural do proletariado de língua iídiche no bairro
Lower East Side de Manhattan. Quando um colunista do Forward
publicou um editorial apoiando os esforços de Woodrow Wilson para
levar os Estados Unidos à guerra, Trotsky, que havia contribuído com
o Forward, ficou furioso com essa traição aos princípios socialistas.
De acordo com um relato, Trotsky foi de seu escritório no minúsculo
porão ocupado pelo Novy Mir, em St. Marks Place, para a fortaleza,
como era conhecido o Edifício Forward, na East Broadway, para um
encontro cara a cara. Uma vez lá, ele confrontou o editor do Forward,
Abraham Cahan, e houve uma discussão com gritos sem fim. Daquele
dia em diante, Trotsky passou a ter apenas desprezo pelo Forward, que
mais tarde ele caracterizaria como um jornal:
“... com seu palácio de quatorze andares... com
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
207
o odor rançoso do socialismo sentimentalmente
filisteu, sempre pronto para as traições mais
pérfidas”. (TROTSKY, 1984, p. 284) [Nota 3: A
referência a um “palácio” é uma caracterização
sarcástica da reputação do Edifício Forward como
um “palácio do proletariado iídiche”. Trotsky
também pode ter se lembrado da história da
contaminação do Templo Sagrado em Jerusalém
por um sacerdócio corrupto, um lembrete da
traição de Abraham Cahan aos seus leitores de
língua iídiche].
O edifício Forward como era quando foi inaugurado.
208
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Fachada do prédio do Forward hoje
Deve-se observar que o relato de Ackerman sobre o período de
Trotsky em Nova York, embora fiel aos fatos do registro histórico, às
vezes introduz suas próprias reflexões sobre assuntos que Trotsky teria
considerado abomináveis. Embora não seja necessário que o autor de
uma biografia concorde com seu objeto de estudo, é obrigatório que um
relato histórico de Trotsky leve suas ideias a sério e as apresente com
algum grau de integridade. Em vez disso, Ackerman, ao apresentar
os pensamentos de Trotsky sobre a guerra e o patriotismo, parece
descartá-los sem considerá-los seriamente. Por exemplo, ao sugerir
que a posição de Trotsky, evidenciada em uma de suas primeiras
entrevistas em Nova York, era irreal. Ele escreve:
“Igualmente curioso foi seu desempenho [de
Trotsky] com o New York Call... A conversa de
Trotsky girou em torno de política e Trotsky optou
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
209
por ir direto ao ponto com uma crítica ao seu novo
país.” (ACKERMAN, 2016, p.47)
Ackerman faz pouco para esconder seu desdém pela posição
radical de Trotsky contra a guerra, ao mesmo tempo em que expressa
simpatia pela sua coragem moral. Mas as ideias são importantes. Para
Ackerman, é evidente que políticos práticos como Hillquit tinham
melhor abordagem. O fato de que essas mesmas questões foram
debatidas amargamente no movimento socialista internacional por
décadas e foram objeto de muito trabalho teórico de Lenin, Trotsky
e outros nunca entra na narrativa de Ackerman. Embora Ackerman,
para seu crédito, tente apresentar as ideias de outras pessoas das quais
discorda, sua abordagem desdenhosa trivializa essas mesmas ideias.
A primeira vez que Trotsky ouviu os rumores da revolução na
Rússia foi nos escritórios do Novy Mir, em 15 de março. Os telefones
tocaram e mensageiros trouxeram telegramas com as notícias de São
Petersburgo. Quando a notícia chegou à comunidade de imigrantes
do Lower East Side, do Harlem e do Bronx, houve comemorações
espontâneas por toda parte. A situação em São Petersburgo havia
evoluído de revoltas por comida lideradas por mulheres da classe
trabalhadora para tiroteios nas ruas entre dezenas de milhares de
manifestantes e a polícia. Quando a guarnição de Petrogrado se
amotinou e ficou do lado dos manifestantes, a monarquia czarista que
existia há séculos caiu sem quase nenhuma resistência, dando lugar a
um Governo Provisório e a uma república.
Os revolucionários russos em Nova York, Trotsky, Bukharin
e outros que trabalhavam nos escritórios da Novy Mir começaram
imediatamente a fazer planos para retornar à Rússia e participar desses
eventos importantes. A eles se juntariam milhares de emigrantes russos.
210
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Naquela noite, 15 mil pessoas lotaram o Madison Square
Garden para uma comemoração patrocinada pelo Partido Socialista,
com a presença de Morris Hillquit e do editor do Forward, Abraham
Cahan, além de muitas outras personalidades locais. Um dos presentes
foi o futuro líder do trotskismo americano, James P. Cannon. Ele já
era um apoiador da oposição de esquerda no Partido Socialista, como
se pode deduzir do discurso que fez, conforme relatado no New York
Times:
“Se não conseguirmos obter a liberdade com nossos
votos, usaremos as baionetas que colocarem em
nossas mãos... A casa de Rockefeller e a casa de
Morgan cairão, assim como a casa de Romanoff na
Rússia.” (Ackerman, 2016, p. 233)
Naquela mesma noite, um comício foi organizado pela oposição
de esquerda do Partido Socialista no Lenox Casino, no Harlem. O
comício atraiu cerca de duas mil pessoas, apesar de competir com o
comício principal no Madison Square Garden. [Nota 4: O Madison
Square Garden era uma arena esportiva e o maior salão de reuniões
coberto de Nova York. Ele continua assim até hoje, embora em um
local diferente].
Essa foi uma poderosa confirmação da amplitude do apoio aos
socialistas revolucionários que haviam se reunido pela primeira vez no
apartamento de Ludwig Lore, no Brooklyn, no dia seguinte à chegada
de Trotsky a Nova York. Os principais oradores do comício foram
Trotsky, que falou em russo, Ludwig Lore, que falou em alemão,
Louis Boudin, que falou em inglês, e Santeri Nourteva, que falou
em finlandês. A mensagem de Trotsky nesse e em outros comícios
era sempre a mesma: que a Revolução de Fevereiro foi apenas o tiro
inicial da Revolução Russa. Ela precisava ser concluída com a tomada
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
211
do poder pela classe trabalhadora e o estabelecimento de um regime
socialista baseado nos sovietes. [Nota 5: A revolução ocorreu em
fevereiro, de acordo com o antigo calendário que ainda estava em uso
na Rússia].
Após várias reuniões conflituosas com burocratas do consulado
russo, Trotsky conseguiu obter um visto e comprou uma passagem
para zarpar de um píer no Brooklyn na manhã de 27 de março. Na
noite anterior à sua partida, seus amigos organizaram uma festa de
gala de despedida no cavernoso Harlem River Casino. Oitocentas
pessoas compareceram, uma medida da influência que Trotsky
havia desenvolvido durante sua breve residência em Nova York.
Entre os participantes estavam os anarquistas Emma Goldman e seu
companheiro Alexander Berkman.
Quando Trotsky e sua família chegaram de metrô do Bronx
ao píer do South Brooklyn, onde ele deveria zarpar, foi recebido por
uma multidão de trezentos simpatizantes que compareceram apesar
da chuva. Ele tinha motivos para estar satisfeito, não apenas com a
expectativa de sua participação na revolução histórica na Rússia, mas
também com o sucesso que teve ao consolidar um sólido bloco de
esquerda no Partido Socialista em Nova York. Ele escreveria mais
tarde que:
“Eu estava partindo para a Europa, com o
sentimento de um homem que teve apenas uma
visão da fundição na qual o destino do homem
seria forjado”, escreveu ele. “Meu único consolo
era a ideia de que eu poderia voltar.” (TROTSKY,
1984, p. 278)
212
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Local do Cassino Lenox no Harlem. Hoje é uma mesquita, que já foi casa
de Malcolm X.
O Harlem River Cassino como era em 1904.
O que Trotsky não sabia na época em que o navio Kristianiafjord
deixou o porto de Nova York era que agentes de inteligência britânicos
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
213
em Nova York, que vinham monitorando de perto sua atividade, haviam
arranjado sua detenção em Halifax, onde o Kristianiafjord faria uma
parada, adiando assim seu retorno à Rússia por várias semanas. Mas
isso é outro capítulo na vida de Trotsky.
Em uma nota final, o edifício histórico que outrora abrigava
o Daily Forward em iídiche foi vendido pelos editores do Forward
há alguns anos. Agora é um prédio de apartamentos de luxo, onde
o apartamento menos caro custa milhões de dólares. Ironicamente,
porém, os baixos-relevos com retratos de Marx, Engels, Ferdinand
LaSalle e Friedrich Adler ainda adornam sua imponente entrada.
Manhattan mudou muito desde 1917, assim como o clima político dos
Estados Unidos. Outro exemplo é a situação atual do número 77 da
St. Marks Place, cujo porão abrigava os escritórios da Novy Mir, onde
Trotsky e Bukharin trabalhavam. Hoje em dia, você pode alugar um
apartamento lá por uma quantia exorbitante, fora do alcance de todos,
exceto dos um por cento mais ricos.
214
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Número 77 de St. Marks Place hoje, onde Novy Mir tinha seus escritórios
em 1917.
Isso diz muito sobre as circunstâncias diferentes que
enfrentamos hoje. A cultura que nutriu um movimento socialista
animado nos Estados Unidos há 100 anos desapareceu juntamente
com a onda de imigrantes radicalizados e trabalhadores americanos
que o apoiavam. Essa cultura precisa ser reconstruída em um ambiente
muito diferente hoje, quando mais uma vez a ameaça de guerra está se
aproximando.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
215
Imagem de Marx na fachada do prédio do Forward.
REFERÊNCIAS:
ACKERMAN, Kenneth, Trotsky in New York 1917: A Radical on the
Eve of Revolution, Counterpoint Press, Berkeley, 2016.
LIPSET, Seymour Martin, MARKS, Gary. It didn’t happen here: Why
socialism failed in the United States, W.W. Norton & Company, 2001.
TROTSKY, Leon, My Life: An Attempt at an Autobiography, Penguin
Books, 1984.
216
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Questões sobre cultura em Leon Trotski: contribuições
para a educação
Vinícius Azevedo1
O novo Estado, a nova sociedade baseada
nas leis da Revolução de Outubro, apodera-se
triunfalmente, perante os olhos do mundo inteiro,
do patrimônio cultural do passado2. (Trotsky,
1973 [1925], p. 207).
Introdução
A Revolução Russa de outubro de 1917 é um acontecimento
sem precedentes. Um marco do século XX e a concretização de um
movimento histórico que conseguiu finalmente unir a teoria e a prática.
Esse ponto de encontro reúne de um lado a experiência de lutas dos
trabalhadores desde o primeiro registro na greve em Deir El-Medina
no Egito Antigo, as greves plebeias e a revolta de Spartacus na Roma
Antiga, as revoltas camponesas na Inglaterra e na Alemanha na Idade
Média e na Rússia czarista, as inúmeras insurreições proletárias na
época da industrialização europeia, como a Comuna de Paris, e as lutas
pela independência travadas no século XVIII. De outro lado, herda o
desenvolvimento das tradições materialistas que surgiram por primeiro
1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar, Faculdade de
Ciências e Letras de Araraquara da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Graduado em Ciências Sociais pela mesma instituição. Bolsista CAPES-DS. Contato: vinicius.azevedo@unesp.br
2 “The new state, a new society based on the laws of the October Revolution,
takes possession triumphantly before the eyes of the whole world – of the cultural
heritage of the past”.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
217
na Grécia Antiga com os filósofos da natureza e os primeiro dialéticos,
e ganha força e significado histórico com Hegel na forma moderna
da dialética. O marxismo é resultado direto dessas experiências e
tradições de pensamento justamente porque liga a teoria com a prática
e a prática à teoria; a vitória da Revolução Russa provou a potência
dessa junção.
A construção do socialismo na época do cerco imperialista
apresentava dificuldades jamais vistas, afinal de contas, pela primeira
vez na história uma nova formação social-econômica estava sendo
construída sobre os escombros de uma Guerra Mundial e uma Guerra
Civil que ceifaram vida de milhões de russos e destruiu a incipiente
indústria. A construção do modo de vida socialista estava em ligação
direta com a reconstrução da indústria russa, e por isso demandava
dos revolucionários diligência. Assim, dominar a ciência e a cultura
era essencial para as tarefas imediatas dos soviéticos. Trotski3, como
um destacado revolucionário, contribuiu diretamente no debate sobre
cultura e ciência. No biênio 1923-1924 formulou duas definições
sobre cultura: a primeira e mais breve, de 1923, assinala que a “cultura
representa a soma orgânica de conhecimentos e informações que
caracteriza toda sociedade ou, ao menos, sua classe dirigente. Ela
abarca e penetra todos os domínios da criação humana e unifica-os
num sistema” (Trotski, 1969 [1923], p. 173). Na segunda definição,
proferida em discurso em 10 de julho de 1924, passados quase seis
meses da morte de Lenin4, o revolucionário ucraniano diz que “a
3 Na direção dos propósitos deste trabalho, optamos pelo uso de Trotski como
transliteração para Троцкий. Contudo, nas referências bibliográficas, foi preservado
a grafia original dos nomes utilizados nas fontes examinadas e estudadas.
4 Lenin morreu em 21 de janeiro de 1924 acometido por desdobramentos de seus
três acidentes vasculares.
218
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
cultura é a soma de todos os conhecimentos e capacidades acumulados
pela humanidade ao longo de toda a sua história. Conhecimentos
para capacidades! Conhecimento de tudo o que nos rodeia, para
que possamos mudar tudo o que nos rodeia – mudá-lo no interesse
da humanidade”. Trotski (1973 [1924], p. 143) certifica que essa é a
definição concreta, histórica e materialista de cultura do marxismoleninismo, cuja atividade das nações e classes é igualmente histórico,
posto que “o conhecimento nasce das atividades humanas, da sua luta
com as forças da natureza; o conhecimento serve para melhorar essas
atividades, para difundir os métodos de luta contra cada obstáculo e
para aumentar o poder humano”5. Adiante, Trotski (1973 [1924], p.
144) incorpora o leninismo como produto e consumação da cultura
humana anterior porque “o leninismo é o conhecimento e a habilidade
de transformar a cultura, ou seja, todos os conhecimentos e capacidades
acumulados nos séculos anteriores, para os interesses das massas
trabalhadoras”, e assim o leninismo “ensina a classe operária a retirar
do gigantesco acervo da cultura o que é mais necessário atualmente
para a sua libertação social e para a reconstrução da sociedade segundo
novas diretrizes”6.
5 “Culture is the sum total of all knowledge and skills amassed by mankind throughout all its preceding history. Knowledge for skills! Knowledge of everything that
surrounds us, that we may change everything that surrounds us – change it in the
interests of mankind. [...] We accept the concrete, historical, materialistic definition
of culture that Marxism-Leninism teaches us. Culture is the conjunction of the skills
and knowledge of historical mankind, the mankind of nations and classes. Knowledge grows out of the activities of man, out of his struggle with the forces of nature;
knowledge serves to improve these activities, to spread the methods of combating
each obstacle, and to increase the power of man”. (1973, p. 143).
6 “Leninism represents the product and consummation of all of man’s previous
culture. Leninism is the knowledge and ability to turn culture, i.e., all the knowledge
and skills amassed in previous centuries, to the interests of the working masses. Therein lies the essence of Leninism. [...] it teaches the working class to pick out from
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
219
Partindo desse entendimento de Trotski e assumindo o legado
de Lenin, o presente trabalho aborda algumas das contribuições
teóricas de Leon Trotski no que diz respeito à cultura, notadamente
em textos e discursos entre 1922-1925, para assim localizar as
contribuições teóricas do referido autor para a área da educação. As
três seções percorridas por este trabalho tratam dos seguintes temas:
a) posição de Trotski no debate sobre cultura proletária, b) a elevação
cultural e c) a relação entre ciência e sociedade. O objetivo mais geral
ao apresentar esses tópicos é contribuir para o melhor entendimento
e posicionamento dos marxistas frente a esses debates que ainda
atravessam nosso tempo histórico.
Cultura “burguesa” e cultura “proletária”
O debate sobre cultura que atravessou os anos iniciais da Rússia
soviética foi distinguido, grosso modo, por duas posições em conflito:
entre aqueles dispostos em torno do movimento Proletkult (Cultura
Proletária) de um lado, e Lenin e Trotski, destacados membros do
Partido Comunista, de outro. O ponto de vista proletkultista não era
de todo homogêneo: Pavel Bessalko, um dos ideólogos do Proletkult,
afirmava que “parece estranho que os ʽgrandes irmãos’ da literatura
digam aos ʽescritores do povo’ para aprenderem a escrever copiando
estereótipos de Tchekhov, Leskov ou Korolenko. Ouça, ʽgrande
irmão’, os escritores proletários devem criar, não estudar. Eles devem
se expressar, expressar a sua originalidade e a sua essência de classe”7
the gigantic store of culture what is most necessary today for its social liberation and
for the reconstruction of society along new lines”.
7 “It seems odd that the ‘big brothers’ of literature tell ‘writers of the people’ to
learn to write by copying stereotypes from Chekhov, Leskov, or Korolenko. Listen,
220
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
([1918] citado por Garzoni e Zalambani, 2011, p. 9); Bogdanov (1977
[1918], p. 251; 1923, s/p) defendia que as ciências sociais (tais como a
economia política e a história) são ciências burguesas e necessitariam
ser reestruturadas do ponto de vista proletário, que precisaria também
desenvolver sua própria poesia; Paouchkine (1977, p. 257-258) defendia
que o proletariado deveria forjar por si próprio as riquezas sociais de
sua classe e criar sua ideologia coletivista, edificando sua cultura, uma
vez que os princípios da ciência burguesa não relacionam-se com o
trabalho material; Lunatcharski (2018 [1919], p. 58; p. 63), por sua vez,
entendia que o proletariado deveria ter plena propriedade da cultura
universal, e via como um absurdo o menosprezo pela ciência e arte do
passado sob o argumento de que eram “burguesas”, mas concordava
com a tese proletkultista de que era necessário o proletariado criar
sua própria cultura. A despeito das eventuais divergências entre si, os
proponentes do Proletkult partilhavam da noção que previa a criação
de uma cultura, arte e ciências próprias da classe operária de maneira
autônoma e, para justificar essa autonomia, o Partido não deveria
intervir nessas questões8.
Trotski opõe-se ao movimento proletkultista e sua falsa
distinção entre cultura “burguesa” e cultura “proletária”, e afirma
que a revolução proletária inaugura uma nova era, a da cultura da
humanidade, em que os conteúdos culturais são despidos de seu caráter
de classe e sua riqueza é colocada à disposição dos trabalhadores.
A revolução proletária abre caminho para transformações sem
‘big brother,’ worker-writers should create, not study. They must express themselves, their originality, and their class essence”.
8 Lenin era terminalmente contrário a essa “autonomia” das questões culturais e
de instrução sobre o Estado soviético. Ver Sobre a cultura proletária (1920), disponível em: <https://bit.ly/3DMKsJg>. Acesso em 9 ago. 2023.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
221
precedentes na história humana, e sua classe dirigente, ao emanciparse, emancipa também toda a humanidade. Essa ideia é ampliada
por Trotski no campo da cultura, sendo esta não mais uma cultura
pertencente às classes dominantes das antigas formações sociaiseconômicas nas quais os interesses da manutenção de seu domínio
encontram-se ligadas às produções culturais e científicas de sua época.
Para Trotski, o triunfo revolucionário iniciado pelo período de ditadura
do proletariado supera as dicotomias de classe na cultura:
É fundamentalmente falso opor a cultura e a arte
burguesas à cultura e à arte proletárias. Estas
últimas, de fato, não existirão jamais, porque
o regime proletário é temporário e transitório.
A significação histórica e a grandeza moral da
revolução proletária residem no fato de que esta
planta os alicerces de uma cultura que não será
de classe, mas pela primeira vez verdadeiramente
humana. (Trotsky, 1969 [1923], p. 25, ênfase
inserida).
Não se trata, em outras palavras, da edificação de
uma nova cultura, isto é, da edificação na mais
longa escala da história, durante o período da
ditadura. A edificação cultural, por outro lado,
não terá precedente na história quando não mais
houver necessidade da mão de ferro da ditadura.
Aí, porém, não mais apresentará um caráter de
classe. Pode-se concluir, portanto, que não haverá
cultura proletária. E, para dizer a verdade, não
existe motivo para lamentar isso. O proletariado
tomou o poder precisamente para acabar com a
cultura de classe e abrir o caminho a uma cultura
da humanidade. Esquecemos isso, ao que parece,
com muita frequência. (Trotsky, 1969 [1923], p.
162, ênfase inserida).
O caminho para essa conquista passa pela apropriação da
222
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
herança cultural humana. Em outubro de 1920 Lenin profere o famoso
discurso no Terceiro Congresso das Juventudes Comunistas da Rússia
em que defende que, na verdade, a assim chamada “cultura proletária”
seria o resultado da apropriação e assimilação de toda a cultura e técnica
existentes. Isso porque Lenin entendia que a tarefa de reconstrução
econômica da Rússia arrasada por anos de guerra mundial e civil
só seria possível por meio da eletrificação e alfabetização, ambas
necessárias para a construção da sociedade sob bases socialistas. Para
tanto, o domínio da técnica e da cultura era imprescindível.
Jamais poderemos resolver esse problema [o da
cultura proletária] se não compreendermos com
clareza que somente o perfeito conhecimento da
cultura criada pela humanidade no curso de seu
desenvolvimento e sua transformação permitirão
criar uma cultura proletária. A cultura proletária
não surge de fonte desconhecida, não é uma
invenção dos que proclamam especialistas nesta
matéria. Seria um absurdo crer nisso. A cultura
proletária tem de ser o desenvolvimento lógico
do acervo de conhecimentos conquistados pela
humanidade sob o jugo da sociedade capitalista,
da sociedade latifundiária, da sociedade
burocrática. (Lenin, 2015 [1920], p. 19, ênfase e
colchetes inseridos).
A defesa da apropriação do tesouro do conhecimento humano
é feita por Trotski (1969 [1923], p. 27) por meio de sua lavra poética
característica: “o rouxinol da poesia, como o pássaro do saber, a
coruja, só canta depois que o sol se põe. Atua-se durante o dia, mas no
crepúsculo o sentimento e a razão fazem o balanço do que se realizou”.
Mais adiante, temos que “os combates decisivos estão ainda à nossa
frente e, sem dúvida, muito mais distantes. Os dias que vivemos
ainda não representam a época de uma nova cultura, mas no máximo
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
223
o seu limiar”, Trotski (1969 [1923], p. 166) prossegue, “devemos,
em primeiro lugar, apossar-nos, oficialmente, dos elementos mais
importantes da velha cultura, a fim de podermos, ao menos, abrir
caminho à construção de uma nova”. Assim, na imagem apresentada
pelo revolucionário ucraniano, concluímos que a revolução proletária
é a preparação para uma nova época, como o canto do rouxinol e da
coruja, enquanto a construção do socialismo é a apuração das épocas
passadas: é precisamente nesta última que reside a importância de
apoderar-se dos conteúdos essenciais das velhas culturas.
Diferente da burguesia em sua fase revolucionária que já
possuía, ao menos entre seus membros mais destacados, uma cultura,
pensamento político e filosófico e educação estética desenvolvidos por
meio de séculos de produção e difusão de seus valores, o proletariado
não detinha para si toda a riqueza cultural humana produzida em
consonância com a exploração de seu trabalho. Em outras palavras,
na época das revoluções burguesas, a intelligentsia de sua classe
dirigente já havia sido forjada cultural e politicamente e se apossado
das realizações passadas para estabelecer sua própria visão de mundo
capaz de transformá-lo; o incipiente proletariado russo, que poucas
décadas antes de realizar sua primeira revolução arava a terra com
paus e vivia em sua típica isbá de madeira, estava atirado à exploração
material de sua força de trabalho, à fome sazonal e a completa pobreza
espiritual. Se a revolução proletária havia conseguido botar fim a
séculos de autocracia tsarista e na exploração dos proprietários sobre
os trabalhadores, a construção da nova sociedade demandaria dos
revolucionários uma tarefa mais difícil, anunciada por Lenin (1968
[1919], p. 58): superar a barreira da ignorância e conquistar a cultura
e a instrução.
224
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
É nessa direção que Trotski (1969 [1923], p. 193) reconhece
que “o proletariado, embora seja espiritualmente e, por conseguinte,
artisticamente sensível, não recebeu educação estética. É pouco
provável que o seu caminho comece no ponto onde a intelligentsia
burguesa se deteve, antes da catástrofe”, pois
Assim como o indivíduo, a partir do embrião, repete,
biológica e psicologicamente, a história da espécie
e, numa certa medida, de todo o mundo animal, a
nova classe, cuja imensa maioria emerge de uma
existência quase pré-histórica, deve refazer, por si
mesma, tôda a história da cultura artística. Ela não
pode edificar uma nova cultura antes de absorver
e assimilar os elementos das antigas culturas. Isso
não significa que vá atravessar passo a passo, lenta
e sistematicamente, toda a história passada da arte.
O processo de absorção e assimilação tem sempre
um caráter mais livre e consciente, quando se trata
de uma classe social e não do indivíduo biológico.
A nova classe, porém, não pode prosseguir sem
considerar os mais importantes marcos do passado.
O oportuno paralelo entre o desenvolvimento biológico e
a apropriação da cultura permite colocar em evidência que para os
revolucionários a herança cultural do passado pré-proletário não
deve ser desprezada, menos ainda negada, mas sim assimilada. A
posição defendida por Lenin e Trotski reflete, da mesma forma,
a conduta destes revolucionários naquilo que é defendido por eles:
ambos nutriam interesse pelos mais variados ramos da ciência e da
cultura, o que possibilitou enriquecer suas posições e visões de mundo
revolucionárias expressas tanto na prática quanto nos escritos legados
por eles. Quão diferentes são os revolucionários destes ativistas da
pseudoesquerda pós-moderna de nossos tempos! Há, no entanto,
aqueles que não compactuam com as noções pós-modernistas em
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
225
educação e atuam na direção oposta, na defesa dos postulados
marxistas. A exemplo disso, a Pedagogia Histórico-Crítica é uma
teoria pedagógica brasileira que tem em suas linhas mestras a defesa
do saber científico sistematizado e ensino dos conhecimentos clássicos
como critério de seleção para os conteúdos escolares, por entender
que fortalecer a escola pública, mesmo nos marcos do capitalismo,
é uma forma de elevar culturalmente os filhos da classe trabalhadora
e armá-los para a atuação na luta de classes. Isso significa formar a
intelligentsia proletária por meio da socialização dos conteúdos mais
ricos produzidos pela humanidade.
Elevação cultural
A elevação cultural engendra outras tarefas da construção do
modo de vida socialista, como a elevação da personalidade e a conquista
da cultura e da técnica. A primeira delas, de caráter autoconsciente, fora
assinalada na primeira lei educacional soviética sistematizada em 18 de
outubro de 1918, onde se lê que “a personalidade continuará a ser o valor
mais elevado da cultura socialista”9 (Hans; Hessen, 1930, p. 18). Anos
depois, é possível localizar ecos desse ato em Trotski (1923, s/p) quando
afirma que “a revolução é acima de tudo o despertar da personalidade
humana em camadas que outrora nenhuma personalidade possuíam”.
Para o revolucionário ucraniano, o caminho para o desenvolvimento
da personalidade consiste na passagem dialética da quantidade para
qualidade, ou seja, se naquele momento, pela primeira vez na história
e graças a uma revolução social, milhões de pessoas aprendem a ler,
escrever e fazer operações matemáticas, a tomada dos clássicos da
9
“The personality shall remain as the highest value in the socialist culture”.
226
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
literatura significa um salto qualitativo na personalidade proletária
com representações e sentimentos mais complexos. Dessa forma, “a
conquista mais valiosa do progresso cultural [...] consistirá na elevação
das qualidades objetivas e da consciência subjetiva da personalidade”,
sustenta Trotski (1969 [1923], p. 192), “o que Shakespeare, Goethe,
Pushkin e Dostoievsky darão ao operário será, antes de tudo, a imagem
mais complexa da personalidade, de suas paixões e sentimentos, uma
percepção mais nítida de seu subconsciente, etc. O operário, afinal de
contas, se enriquecerá”.
Trotski estabelecia a conquista da cultura e da técnica em relação
direta com a elevação material e cultural das massas russas, realização
de maior importância para a construção do socialismo, cujo grande
problema a ser resolvido é visto nas palavras do autor: “no nosso Estado,
onde a classe operária está no poder, apoiada por elementos conscientes
e pensantes entre os nossos milhões de camponeses, o problema
fundamental é como utilizar todas as aquisições culturais para elevar o
nível material e cultural das massas”10 (Trotsky, 1973 [1924], p. 145).
O proletariado russo, deserdado da cultura, ao tomar o céu de assalto,
não possuía nenhum poder material, e estava trajado apenas com a
“necessidade aguda de conquistar a cultura”, o que significava que “a
sua primeira tarefa, após apossar-se do poder, consiste em dominar o
aparelho de cultura – indústrias, escolas, editôras, imprensa, teatro,
etc. – e abrir o seu próprio caminho” (Trotski, 1969 [1923], p. 167).
Se o problema a ser resolvido consistia em apoderar-se do aparelho da
cultura, o papel da intelligentsia proletária era o de “ajudar, de forma
10 “In our state, where the working class is in power, supported by those conscious and thinking elements among our millions of peasants, the fundamental problem is how to use all cultural acquisitions to raise the material and cultural level of
the masses”.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
227
sistemática, planificada e, certamente, crítica, as massas atrasadas a
assimilar os elementos indispensáveis da cultura já existentes” (1969
[1923], p. 168-169). Temos, mais uma vez, o coro de Trotski aos
apontamentos de Lenin (2015, p. 17) feitos anos antes no congresso da
juventude sobre a necessidade de distinguir o que fora necessário para
o capitalismo e o que é indispensável para o comunismo: o comunista
deve assimilar os conhecimentos acumulados pela humanidade e
não apenas repetir jargões e palavras de ordem. De igual modo, os
construtores do socialismo deveriam apropriar-se indispensavelmente
da técnica, como expõe Trotski (1969 [1923], p. 176-177):
O estudo da técnica literária representa uma etapa
indispensável e exige tempo. A técnica manifestase, de modo mais acentuado, precisamente entre
aquêles que não a dominam. Pode-se dizer, com
justiça, que muitos jovens escritores proletários não
dominam a técnica. Mas, ao contrário, é a técnica
que os domina. Para alguns, os mais talentosos,
isso constitui apenas uma crise de crescimento.
Mas aquêles que não poderão dominar a técnica
parecerão sempre artificiais, imitadores e mesmo
afetados. Seria absurdo concluir que os operários
não necessitam da técnica da arte burguesa.
Muitos caem nesse êrro. “Dai-nos” – dizem eles
– “alguma coisa que seja nossa, mesmo malfeita,
mas que seja nossa”. Isso é falso e enganoso.
Arte malfeita não é arte e, em conseqüência, os
trabalhadores não precisam dela. O conformista
da arte malfeita guarda, no fundo, boa parte de
desprêzo pelas massas e se torna muito importante
para certos tipos de politiqueiros, que nutrem
desconfiança orgânica na força da classe operária,
mas a elogiam quando tudo vai bem. Os inocentes,
atrás dos demagogos, repetem essa fórmula de
simplificação pseudoproletária. Não se trata de
marxismo, e sim de populismo reacionário, apenas
228
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
pintado de ideologia proletária. A arte que se
destina ao proletariado não pode ser de baixa
qualidade.
A passagem acima arremata uma série de posições
equivocadas daqueles que no tempo de Trotski defendiam uma
espécie de espontaneísmo político e cultural, e o total desprezo pelos
conhecimentos adquiridos pela humanidade. É digno de nota que esses
pontos de vista vacilantes ainda encontram terreno fértil no seio da
esquerda de nossos tempos. Aquilo que Trotski chama de arte malfeita é
a arte sem o domínio da técnica que a enriquece, acresce valor histórico
– e, portanto, resulta do acúmulo da experiência humana –, seu fruto
é artificial e não é transgressor, menos ainda revolucionário. Trotski
demonstra assertivamente que o discurso demagógico que prega a
simplificação da arte, na verdade, esconde a desconfiança na força e
intelecto da classe trabalhadora. Ainda hoje na esquerda observamos
a reprodução cínica dessa “simplificação” trajada de apelo popular
pretensamente revolucionário. A negação da teoria e supervalorização
da prática espontânea, desprovida de reflexão e mais preocupada com
fatores subjetivistas típicos do ideário pós-modernista demonstra,
infelizmente, que até agora não conseguimos avançar na superação
dos desvios pseudoproletários aos quais Trotski se refere.
Ciência e sociedade
Em 1925, após deixar o comissariado da guerra, Trotski tornase presidente do Conselho de Desenvolvimento Eletrotécnico do
Comitê de Indústria e Tecnologia. Naquele momento, a eletrificação
era o caminho para a reconstrução da indústria devastada pelos anos
de guerra mundial e civil. O revolucionário bolchevique não tinha de
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
229
lidar com soldados ou jovens poetas, mas com cientistas e especialistas
que outrora serviam o tsar. Ainda que a própria atividade dos cientistas
já os afastava de qualquer tipo de misticismo e os aproximava do
materialismo, havia a recusa ideológica ao marxismo; dessa forma,
o esforço de Trotski direcionava-se em aproximar o materialismo
constante na atividade científica com o marxismo e as tarefas colocadas
pela revolução proletária. Esse caminho já havia sido pavimentado por
ele em outras ocasiões na sua trajetória revolucionária: em 1898, na
primeira prisão em Odessa quando lera pela primeira vez O Capital de
Marx e A origem das espécies e a seleção natural de Darwin e atribui
a leitura do biólogo evolucionista o despertar para o ateísmo (Trotsky,
1973 [1923], p. 112); em discurso como comissário da guerra11 em
1922, quando reafirma a importância do materialismo para todos os
domínios do pensamento e declara ser o marxismo e o darwinismo
escolas superiores do pensamento humano, partindo para a defesa de
que ambos possuem a capacidade de alargar os horizontes daqueles
que os estudam; por fim, em dezembro de 1939, oito meses antes de ser
assassinado, apreende o movimento dialético presente na evolução das
espécies como “conversão de mudanças quantitativas em qualitativas”
e assinala o darwinismo como o “maior triunfo da dialética no campo
da matéria orgânica” (Trotski, 2017, s/p).
É possível captar o entendimento de Trotski sobre a ciência
em dois momentos: em 1923, inserido nos debates contra os
proletkultistas, associa a ciência com a cultura, sendo esta a alavanca
daquela, reforçando o argumento pela assimilação de ambas,
contrariando as aspirações daqueles que propagavam a existência de
11 Ver Saber militar e marxismo (1922), disponível em: <https://bit.ly/3qq8jeX>.
Acesso em 15 ago. 2023.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
uma cultura e ciência proletárias, tal como se lê em “pode dizer-se que
o Estado dos trabalhadores – pelo menos na medida em que é deixado
em paz – é uma luta organizada pela civilização e pela cultura e,
consequentemente, pela ciência como a alavanca mais importante da
cultura”12 (Trotsky, 1973 [1923], p. 200). No segundo momento, em
1925, já na qualidade de presidente do Conselho, profere discurso no IV
Congresso Mendeleiev de Química Geral e Aplicada, posteriormente
publicado na revista Ekonomicheskaya Zhizn (Vida Econômica), em
que se lê: “a evolução social da ciência, a sua evolução histórica, é
determinada pela sua capacidade de aumentar o poder do ser humano
e de o armar com o poder de prever e dominar a natureza. A ciência
é um conhecimento que nos dota de poder”13. (1973 [1925], p. 210,
ênfase inserida).
A partir do excerto de 1925 o objetivo de Trotski em vincular
a construção do modo de vida socialista com o pensamento científico
se torna mais claro: é necessário conhecer cientificamente a realidade,
as leis da evolução e as propriedades da matéria que nos cerca para
ter maestria sobre esses campos (1973 [1925], p. 208). E mais do que
isso, afirma que o “significado da ciência reside precisamente nisto:
conhecer para antever”14 (Trotsky, 1973 [1925], p. 209) –, ou seja,
deter o conhecimento científico da realidade permite agir sobre ela,
transformando-a, como anunciou Marx em sua décima primeira tese
12 “It may be said that the workers’ state – at least to the extent that it is left in
peace – is an organized struggle for civilization and culture, and consequently for
science as the most important lever of culture”.
13 “The social evaluation of science, its historical evaluation, is determined by its
capacity to increase man’s power and arm him with the power to foresee and master
nature. Science is knowledge that endows us with power”.
14 “Yet the significance of science lies precisely in this: to know in order to foresee”.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
231
sobre Feuerbach15. Concatenando a dialética materialista e a ciência,
Trotski retoma à citação de Dmitri Mendeleiev, químico e físico russo,
para defender a ideia de que é possível conhecer a realidade e seu
núcleo essencial: “ao acumular progressivamente o seu conhecimento
da matéria, o ser humano domina-a e, à medida que o faz, faz
prognósticos cada vez mais precisos, verificáveis factualmente, e não
há forma de ver como pode haver um limite para o conhecimento e
o domínio da matéria pelo ser humano”, e com suporte na citação do
criador da tabela periódica, Trotski (1973 [1925], p. 219) conclui: “é
evidente que, se não há limites para o conhecimento e o domínio da
matéria, então não existe uma ʽessência’ incognoscível”16.
Fato é que se essa última inferência de Trotski se torna
ainda mais potente se disposta ao lado das concepções do universo
ideológico neoliberal e pós-moderno: se para o marxismo a ciência
aliada à dialética materialista reconhece que a realidade, como
totalidade, é cognoscível, e, portanto, possível de ser entendida e
transformada, os neoliberais e seus afiliados pós-modernos a todo
momento afirmam o conhecimento como produto da percepção tácita
e imediata dos indivíduos. Com precisão demonstra Duarte (2006) que
a teoria do conhecimento neoliberal e pós-modernista são fenômenos
do cotidiano, em que o indivíduo tem como referência seus interesses
e necessidades particulares, e por isso a crença de que a totalidade não
consegue ser assimilada pela racionalidade científica. Os neoliberais
15 Ver Teses sobre Feuerbach (1845), disponível em: <https://bit.ly/3sadwrE>.
Acesso em 15 ago. 2023.
16 “ʽBy accumulating gradually their knowledge of matter, men gain mastery
over it, and to the degree in which they do so they make ever more precise predictions, verifiable factually, and there is no way of seeing how there can be a limit
to man’s knowledge and mastery of matter’. It is self-evident that if there are no
limits to knowledge and mastery of matter, then there is no unknowable ʽessence’”.
232
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
têm que o conhecimento é falho e solipsista, já para os pós-modernos,
a ciência é falha porque não considera os valores subjetivistas e
relativistas em sua produção. Em ambos, a totalidade e universalidade
é constantemente negada. Os marxistas, ao contrário, reverberam a
justa noção hegeliana de que o verdadeiro é o todo.
Considerações finais
Leon Trotski ocupou posições decisivas na história da Revolução
Russa: em 1905 e 1917, foi presidente do Soviet de Petrogrado, onde
também foi membro do Comitê Militar Revolucionário responsável
pela insurreição no Palácio de Inverno, selando o triunfo bolchevique
em outubro; organizou o Exército Vermelho para defender a
Revolução frente aos exércitos contrarrevolucionários e seus aliados
imperialistas; fez parte da delegação que firmou a saída da Rússia na
Primeira Guerra Mundial em Brest-Litovski; foi Comissário de Guerra
nos anos de Guerra Civil, conduzindo a vitória dos Vermelhos sobre os
Brancos; e por fim, ocupou presidência no conselho técnico e científico
no momento de reconstrução da indústria russa. É impossível apagar
o legado desse revolucionário dos registros da primeira vitória da
revolução proletária da história.
A produção teórica de Trotski também guarda uma história
à parte. Suas obras completas deixaram de ser publicadas na União
Soviética depois da escalada da camarilha de Stalin ao aparato partidário
e mesmo com esforços posteriores sua obra completa e sistematizada
jamais se materializou. Ainda sim, estudiosos de diversos campos
trouxeram de volta à ribalta a lavra deste ilustre revolucionário.
Em tempos de negação da força revolucionária da classe operária
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
233
manifesto também na desconfiança geral na sua vanguarda, o Partido
Comunista, no rebaixamento ideológico a etapas já superadas, Trotski
(1937) nos adverte que é nesse momento de fluxo regressivo que temos
que nadar contra a corrente, mantendo firmemente as nossas posições
ideológicas conquistadas como espólio das custosas experiências
passadas. É somente assim que poderemos preparar e produzir o novo
para a ascensão da próxima maré histórica.
No campo da educação, o rebaixamento ideológico se
apresenta sob a defesa das ideias que negam a centralidade da luta
classista e o conhecimento objetivo da realidade em prol da pregação
de uma visão de mundo dos saberes e realidades fragmentadas,
individualistas e particularistas, tal como defendem os neoliberais e os
pós-modernos. Estes, que abjetamente advogam contra o acesso das
classes subalternizadas ao saber sistematizado, clássico e desenvolvido
por temerem a formação de uma visão de mundo materialista e,
portanto, revolucionária. Escondem o pavor reacionário que têm dos
trabalhadores conscientes e o que podem fazer se dotados de uma
visão de mundo revolucionária, que só pode ser concebida pelo acesso
ao que de mais rico produziu a humanidade. E não é para menos:
entender que a realidade é fruto de nossa própria ação na história
abala o domínio das visões de mundo mistificadoras e entorpecentes
da realidade. O mesmo é válido para as ideias pseudoproletárias, cujo
sermão demagógico pela “simplificação” da teoria e da cultura, na
verdade, esconde o ceticismo pelo intelecto dos trabalhadores. Com
posição diametralmente oposta, os revolucionários entendem ser arquinecessário defender a elevação do nível cultural, não seu rebaixamento
ao nível que as classes dominantes reduziram os trabalhadores, ou
seja, é preciso apropriar do conhecimento científico, da cultura e da
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
técnicas passadas e assimilá-las criticamente, se temos como intenção
dirigirmos nossos esforços rumo à revolução proletária e emancipação
humana.
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236
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Trotsky e a Organização Revolucionária
Paul Le Blanc1
Há quarenta anos, Dianne Feeley, Tom Twiss e eu compusemos
um estudo abrangente, com citações e documentação substanciais,
intitulado Leon Trotsky e os Princípios Organizacionais do Partido
Revolucionário. Aqui quero sugerir como o que documentamos nesse
estudo pode estar relacionado com a pessoa que Trotsky foi [1].
Cada um de nós parece esforçar-se - com diferentes graus
de competência - para fazer de sua vida uma obra de arte. Para
Lev Davidovich Bronstein, essa obra de arte parece ter sido o herói
prometeico conhecido pelo mundo como Leon Trotsky. Gostaria
de começar por me centrar numa limitação pessoal enredada nesta
autoconstrução heroica.
“O ego de Bronstein dominava todo o seu comportamento”,
escreveu um antigo camarada da juventude de Trotsky, Grigori Ziv,
mas “a revolução dominava o seu ego”. Alexandra Sokolovskaya,
uma camarada que foi a primeira esposa de Trotsky, comentou mais
tarde que “em toda a minha experiência, nunca conheci uma pessoa
tão completamente consagrada” à causa revolucionária. Um camarada
posterior, Anatoly Lunacharsky, insistiu: “Não há uma gota de vaidade
nele, ele é totalmente indiferente a qualquer título ou às armadilhas do
poder; ele é, no entanto, ilimitadamente ciumento de seu próprio papel
na história, e nesse sentido ele é ambicioso”.
Uma das primeiras funcionárias da Internacional Comunista,
1 Professor Emérito de História; autor de livros sobre o movimento operário, Lenin,
Luxemburgo e Trotsky; militante de longa data. Contato: Paul.LeBlanc@laroche.
edu. (Este texto foi traduzido para o português por Icaro Rossignoli)
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
237
Angelica Balabanoff, enfatizou que “mais do que qualquer outra figura
na Revolução Russa, Trotsky provou ser capaz de despertar as massas
pela força de seu temperamento revolucionário e seus brilhantes dons
intelectuais”. Olhando por outro lado, ela comentou: “A sua arrogância
iguala os seus dons e capacidades e cria muitas vezes uma distância
entre ele e os que o rodeiam que exclui tanto o calor pessoal como
qualquer sentimento de igualdade e reciprocidade” [2].
Talvez essas qualidades problemáticas tenham origem nas
inseguranças da infância. O contexto era a vida rural “dura e inexorável”
(de acordo com a primeira grande biografia de Victor Serge e Natalia
Sedova), no seio de uma família agrícola judaico-russa-ucraniana
cada vez mais próspera - os Bronstein - chefiada por pais conhecidos
pela sua “força de carácter e senso comum prático”. Segundo Serge
e Sedova, Trotsky cresceu no seio de “uma família carinhosa e
trabalhadora”, embora o biógrafo Isaac Deutscher coloque a questão
de forma diferente - observando que os pais estavam “demasiado
absorvidos no seu trabalho” para dar ao jovem Lev Bronstein “muita
ternura”. Deutscher nos diz que ele “cresceu e tornou-se um rapaz
saudável e animado, encantando os seus pais e irmãs e os criados e
trabalhadores da fazenda com o seu brilho e bom feitio” [3]. No
entanto, foi mandado para a escola aos 7 anos, depois foi trazido de
volta por alguns meses, apenas para ser novamente enviado para viver
com parentes na cosmopolita cidade de Odessa.
A autobiografia de Trotsky sugere uma ligação afetiva com o
pai e - mais tarde - com o primo mais velho e a esposa, com quem viveu,
em Odessa, desde os nove anos de idade e que o estimularam cultural
e intelectualmente. Mas, mais do que isso, há um forte contraste.
Por um lado, há uma estreita ligação emocional com um trabalhador
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
qualificado empregado pelo pai comerciante - como nota a académica
Kirsty McClusky, ele surge como “um educador, companheiro de
brincadeiras e modelo a seguir”. Por outro lado, na autobiografia de
Trotsky, a sua mãe, como refere McClusky, é “uma figura apagada”.
Há também um relativo silêncio em relação aos seus irmãos: o irmão
mais velho Alexander, a irmã mais velha Elizabeth e a irmã mais
nova Olga. (*Olga se tornou uma revolucionária e casou-se com o
proeminente bolchevique Lev Kamenev, fatos que estão ausentes da
autobiografia de Trotsky). Parte disto pode estar relacionado ao fato de
“Trotsky nunca ter vivido muito com a sua família”, como observa Max
Eastman. “Foi para a escola aos nove anos e, pouco depois, começou a
viver na prisão. A primeira prisão de Trotsky ocorreu quando ele tinha
dezenove anos - mas o fato de os pais o terem mandado embora teve
certamente um impacto emocional e psicológico. Além disso, embora
tivesse sido próximo da mãe quando era criança, após a sua detenção,
o encontro irritado dela com ele transformou-se numa discussão
furiosa que culminou numa ruptura de relações, que o jovem Trotsky
confessou ter “acabado com meus nervos”. [4]
Deutscher observa que, durante o seu crescimento, certas
qualidades se tornaram evidentes. “Como muitos jovens dotados”,
diz-nos, ele era “fortemente egocêntrico e desejoso de se destacar”.
Além disso, tinha um “forte e precoce instinto de rivalidade”. [5] Esta
mistura de traços de personalidade foi fundamental para o caráter deste
revolucionário em evolução.
Escrevendo a Alexandra Sokolovskaya (que viria a ser a sua
primeira mulher), o jovem revolucionário confessou que “podemos
ser mais francos com a mulher que amamos do que com nós
mesmos”, mas acrescentou que “essa franqueza só é possível numa
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
239
conversa pessoal, mas nem sempre, apenas em momentos especiais e
excepcionais”. Trotsky podia ser muito terno e simpático, comentou
Sokolovskaya mais tarde, mas ela também tinha plena consciência
das suas limitações. Nos anos 30, escreveu a Trotsky a propósito da
incapacidade dele para ajudar a filha problemática Zinaida (que se
suicidou), que “muito se explica pelo teu carácter, pela dificuldade
que tens em exprimir os teus sentimentos”. Lunacharsky refletiu que
Trotsky estava “condenado a certa solidão” porque lhe faltava “o
encanto que sempre rodeou Lenin”. [6]
A segunda mulher de Trotsky, Natalia Sedova, reconhece que
“o seu círculo de amigos era pequeno” de 1917 a 1929, mencionando
meia dúzia de nomes de íntimos, acrescentando que ele também tinha
“relações cordiais” com talvez uma dúzia de outros. [7] No entanto,
as limitações que temos focado foram transcendidas pela profunda
identificação de Trotsky com os explorados e oprimidos e pela sua
absoluta dedicação à causa revolucionária.
A graça salvadora da dedicação revolucionária proporcionou
canais para o brilhantismo oratório e literário, mas esse brilhantismo
estava ligado a uma capacidade de perspicácia e de análise aguda
que se baseava numa humildade notável, num desejo de aprender
com os chamados “miseráveis da terra”. Observando que “muitos
intelectuais e semi-intelectuais aterrorizam os trabalhadores com
algumas generalidades abstratas e paralisam a vontade de agir”, ele
insistia que um ativista revolucionário “deve ter, em primeiro lugar,
um bom ouvido, e só em segundo lugar uma boa língua”. [8]
Desde os seus primeiros dias como jovem ativista socialista
na Ucrânia, passando pelos tempos das convulsões revolucionárias na
Rússia em 1905 e 1917, pelos tumultuosos anos de guerra civil no início
240
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
da República Soviética, pelos cinco anos de oposição à burocratização
autoritária dessa república, até aos seus onze anos de exílio na Turquia,
França, Noruega e México, encontramos relatos do envolvimento
intensivo e respeitoso de Trotsky com - e aprendendo com - militantes
operários que eram explorados e oprimidos. Isto alimentou as suas
notáveis capacidades oratórias, a sua escrita eloquente e incisiva, para
não falar das suas impressionantes capacidades de organização.
Durante quase década e meia no Partido Operário
Socialdemocrata Russo, Trotsky tinha sido um opositor muito
articulado ao centralismo revolucionário que caracterizava a
fração bolchevique de Lenin. Este fato tornou a sua conversão ao
bolchevismo, em 1917, ainda mais marcante. “A minha posição sobre o
conflito intrapartidário”, explicou mais tarde, “resumia-se ao seguinte:
enquanto os intelectuais revolucionários fossem dominantes entre os
bolcheviques e entre os mencheviques, e enquanto ambas as facções
não se aventurassem para além da revolução democrático-burguesa,
não havia justificação para uma cisão entre elas”. Ele acreditava
que “na nova revolução, sob a pressão das massas trabalhadoras,
ambas as facções seriam, em qualquer caso, obrigadas a assumir
uma posição revolucionária idêntica, como fizeram em 1905”. Mas
a experiência posterior obrigou-o a repensar tudo isto. “A simples
conciliação das frações só é possível ao longo de uma espécie de linha
‘intermédia’“, refletiu. “Mas onde está a garantia de que esta linha
diagonal artificialmente traçada coincidirá com as necessidades do
desenvolvimento objetivo?” Concluiu que Lenin tinha tido sempre
razão. Como ele disse: “A tarefa da política científica é deduzir um
programa e uma tática a partir de uma análise da luta de classes, não a
partir do paralelogramo [em constante mudança] de forças secundárias
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
241
e transitórias como as frações políticas”. [9]
A história de Trotsky é a de um brilhante outsider atraído, depois
repelido e, finalmente, comprometido com o coletivo revolucionário
em evolução que estava associado a Lenin. De acordo com Lenin, a
partir do momento dessa decisão, “não houve melhor bolchevique” - e
é certamente verdade que, durante o resto da sua vida, Trotsky procurou
manter-se fiel ao melhor que Lenin representava e às qualidades do
bolchevismo que tinham tornado possível 1917. [10]
No entanto, a viúva de Lenin, Nadezhda Krupskaya - ao
defender Trotsky na controvérsia dos anos 20 em torno do seu ensaio
“Lições de outubro” - sugeriu criticamente que ele ainda não tinha
assimilado completamente a orientação organizacional de Lenin. Ao
centrar-se em Lenin e noutras personalidades importantes, observou,
“Trotsky não reconhece o papel desempenhado pelo partido como
um todo, como uma organização unificada”. Embora concorde que
“a personalidade dos dirigentes é um ponto da maior importância”,
insistiu que “não se trata apenas de uma questão das suas capacidades
pessoais, mas de saber se o pessoal [da direção do partido] está
intimamente ligado a toda a organização”. [11]
Kunal Chattopadhyay, no seu estudo de 2006, The Marxism
of Trotsky, sublinha que Trotsky, de fato, não se limitou a fazer uma
“assimilação teórica” total do pensamento de Lenin. A forja do
“bolchevismo de Trotsky” manteve “traços distintivos onde foram
incorporados os seus pontos de vista anteriores” [12]. No entanto,
os “traços distintivos” do bolchevismo de Trotsky continham uma
mistura - ideias válidas que poderiam ser úteis no desenvolvimento
de um partido revolucionário, misturadas com uma competitividade e
impaciência nociva que prejudicavam esse desenvolvimento. A crítica
242
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de Krupskaya visava este aspecto nocivo.
É possível sugerir que Trotsky levou a peito o ponto de vista
de Krupskaya, integrando-o na abertura da sua magistral História da
Revolução Russa, numa afirmação clássica da interação dinâmica
e necessária entre a luta de massas espontânea e a organização
revolucionária:
Só com base num estudo dos processos políticos nas próprias
massas é que podemos compreender o papel dos partidos e dos
líderes, que nós de forma alguma estamos inclinados a ignorar. Eles
não constituem um elemento independente, mas, apesar disso, muito
importante, no processo. Sem uma organização orientadora, a energia
das massas dissipar-se-ia como o vapor não encerrado numa caixa de
pistões. No entanto, o que move as coisas não é o pistão ou a caixa,
mas o vapor. [13]
O aprofundamento da adesão de Trotsky ao tipo de coletivo
revolucionário que se tinha revelado capaz de liderar a Revolução de
1917, pode-se argumentar, proporcionou o equilíbrio que Krupskaya
tinha exigido. Isto facilitou a sua capacidade de lutar contra a
corrupção burocrática que estava a envolver a República Soviética e a
Internacional Comunista. Na sua oposição ao “leninismo” autoritário
do regime de Stálin, Trotsky tornou-se um dos mais eloquentes
defensores dos princípios organizacionais revolucionários de Lenin.
Como sugere Kunal Chattopadhyay, a capacidade de fazer isso foi
facilitada pelos elementos “parcialmente corretos” da orientação de
Trotsky anterior a 1917, que ajudaram a moldar a sua concepção de
leninismo. [14]
A forma como Trotsky procurou formar quadros mais jovens
revela a sua determinação em ser fiel ao equilíbrio revolucionário que
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
243
Krupskaya (e Lenin) representavam. Natalia Sedova recorda que no
período da revolução, da guerra civil e da oposição inicial à burocracia
estalinista, Trotsky “estabeleceu as relações mais calorosas” com
camaradas “que eram mais novos do que ele e que quase nunca via,
exceto no trabalho”. [15] Isso continuou com os jovens ajudantes,
secretários e guardas de todo o mundo que se juntaram a ele após
a sua expulsão da União Soviética. É possível traçar um padrão: a
determinação de Trotsky em ajudar a desenvolver o que ele via como
novos quadros bolcheviques-leninistas transcendia cada vez mais a sua
arrogância profundamente enraizada e a sua impaciência persistente.
Uma das secretárias de Trotsky durante os seus anos de exílio,
Sara Weber, corrobora: “A juventude, os jovens camaradas, eram
muito preciosos para LD. Ele respondia com entusiasmo às suas
perguntas e, muitas vezes, conversava pessoalmente com eles sobre
os pontos que eram levantados”. Acrescenta que “em LD nunca
houve qualquer ‘superioridade’ - éramos camaradas, iguais; havia
simplicidade e paciência, e mesmo os menos informados não se sentiam
menosprezados”. Descrevendo o seu envolvimento com militantes da
classe trabalhadora que vinham falar com ele, Weber escreve: “Vi a
atitude de LD para com os trabalhadores; ele conhecia e sentia a sua
sorte. E para aqueles que eram atraídos por ideias revolucionárias,
nunca lhe faltava tempo; para eles, tinha toda a paciência, tolerância e
compreensão.” Ao mesmo tempo, Weber não podia deixar de ver um
outro lado de Trotsky quando surgiram divergências agudas no seio
da Oposição de Esquerda na França. “Senti a fúria arrebatadora da
ira de LD... as suas palavras cortantes, os seus olhos a brilharem com
faíscas azuis de fogo - vi diante de mim a figura de Moisés, quebrando
as tábuas com os Dez Mandamentos... e senti-me abalada.” [16]
244
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
A tendência de Trotsky para explodir como um Moisés
enfurecido (que se tinha virado com fúria contra o seu irmão Aarão
por este ter comprometido a palavra de Deus) pode ter decorrido
- pelo menos em parte - de impulsos profundamente enraizados
relacionados com a “irritabilidade” e com explosões de arrogância.
Isto certamente atravessou a dinâmica do coletivo revolucionário que
tinha sido parte integrante do melhor do leninismo de Lenin. Tais
explosões foram explicadas pelo seu filho Leon Sedov como estando
relacionadas com “a influência do seu isolamento, muito difícil, sem
precedentes” nos seus últimos anos de exílio. No entanto, Sedov, ele
próprio um organizador revolucionário experiente, era muito crítico
em relação àquilo a que chamava a tendência recorrente do pai para a
“falta de tolerância, temperamento explosivo, incoerência, até mesmo
grosseria” e, por vezes, pior. Jean van Heijenoort, um dos mais
confiáveis auxiliares de Trotsky durante todo o seu exílio, também via
essas qualidades negativas. [17]
Mas Trotsky esforçou-se por ser melhor do que isso,
particularmente sob o impacto devastador da morte de Leon Sedov
em 1938. Van Heijenoort nota que “a sua impaciência perdeu o seu
carácter cortante” e que “as relações de Trotsky com os seus guardas
americanos [no subúrbio da Cidade do México, Coyoacán] eram de
alguma forma mais simples, talvez mais reservadas, mas também
menos variáveis”. Este fato está patente nas recordações de outros
secretários e guardas de Trotsky, como Bernard Wolfe, que recorda
“o seu estilo de delegar [que] não lhe permitia qualquer tom de
repreensão ou de sermão”. Rae Spiegel (mais tarde conhecida como
Raya Dunayevskaya) relatou: “É a sua simplicidade, a devoção a uma
causa durante toda a sua vida, a sua crença fervorosa de que a revolução
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
245
que começou na Rússia é apenas um elo na ‘revolução permanente’,
a revolução socialista mundial, que faz dele não um exilado solitário,
mas uma potência”. [18]
Outro secretário, Joe Hansen, comentou: “Trotsky compreendeu
na perfeição que um partido se constrói através da acumulação e
educação de quadros.” Foi assim que ele entendeu a decisão de
construir a Quarta Internacional - a reunião e o desenvolvimento
de quadros que seriam os bolcheviques-leninistas do futuro, que
poderiam construir partidos revolucionários capazes de forjar lutas
efetivas pela revolução socialista. Ele foi “absorvido” por este
objetivo e dedicou-lhe “a sua mais viva atenção”. Hansen acrescenta:
“Para os guardas e os secretários, Coyoacán era uma escola da Quarta
Internacional. Todos nós seguíamos estudos pessoais que Trotsky,
como sabíamos, registrava sem intervir”, mas a formação - na verdade,
o desenvolvimento dos quadros - ia mais além. “De uma forma mais
abrangente”, diz-nos Hansen, “Trotsky utilizava toda a situação,
incluindo a organização da nossa defesa, as relações diplomáticas
com o exterior, a tomada de decisões políticas, a resposta à volumosa
correspondência, até os artigos que escrevia, para nos transmitir o
máximo que podia da tradição do passado”. E conclui: “Não parecia
haver uma pedagogia deliberada nisto; era apenas o padrão em que
tudo era discutido, decidido e levado a cabo”. [19]
Nesse processo, Trotsky não estava interessado no
desenvolvimento de homens e mulheres que concordassem com
tudo, mas sim de revolucionários capazes de pensar por si mesmos.
Quando Harold Robins, um camarada da classe trabalhadora dos
EUA, comentou que ele não escrevia artigos, deixando isso para
“os intelectuais”, Trotsky admoestou: “Como é que pode dizer isso,
246
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
camarada Robins? Você pensa que toda essa luta se trata do que?” [20]
Especialmente quando os membros do movimento da Quarta
Internacional de vários países se reuniam, havia “discussões, por
vezes debates muito animados - para Trotsky, nenhum dos seus
seguidores, nenhum dos que tinham absorvido o seu espírito, hesitava
em expressar diferenças. Se não expressassem diferenças, podiam
esperar ser pressionados pelas suas opiniões da mesma forma”. Mais
uma vez estabelecendo a ligação entre a escrita e o trabalho prático
de construção do movimento revolucionário, Hansen enfatizou: “Nas
semanas seguintes, uma visita deste gênero ainda ecoava na casa, sendo
um dos indícios um aumento da produção na ampla escrivaninha de
Trotsky.” [21]
Isso lembra o comentário de Trotsky durante debates acirrados
entre bolcheviques no início dos anos 1920 - citado com aprovação
por Lenin - de que “a luta ideológica dentro do partido não significa
ostracismo mútuo, mas influência mútua” [22]. Pouco tempo depois,
Trotsky enfatizou a importância da discussão crítica e da expressão de
desacordos desta forma:
Um bolchevique não é apenas uma pessoa disciplinada; é uma
pessoa que, em cada caso e em cada questão, forja uma opinião própria
firme e a defende corajosa e independentemente, não apenas contra os
seus inimigos, mas dentro do seu próprio partido. Hoje, talvez, ele
esteja em minoria na sua organização. Submeter-se-á, porque é o seu
partido. Mas isso nem sempre significa que ele esteja errado. Talvez
tenha visto ou compreendido, antes dos outros, uma nova tarefa ou a
necessidade de uma viragem. Levantará persistentemente a questão
uma segunda, uma terceira, uma décima vez, se for necessário. Desse
modo, prestará um serviço ao seu partido, ajudando-o a enfrentar a
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
247
nova tarefa totalmente armado ou a efetuar a viragem necessária sem
convulsões orgânicas, sem convulsões fracionais. [23]
Os temas que Trotsky reuniu correspondem àqueles enfatizados
por Lenin: a necessidade de a organização ter um alcance exterior
e estar empenhada na ação - mas uma ação firmemente baseada no
marxismo revolucionário. [24] Isto está interligado com a ênfase
numa abordagem aberta e de espírito crítico, tanto da teoria marxista
como das realidades que se desenrolam. Relacionado com isto está
a ênfase na necessidade absoluta da democracia partidária, fundida
com um sentido vibrante de coletividade, o que Lenin viu como
“um corpo próximo e compacto de camaradas em que prevalece a
confiança mútua e completa”, tendo cada um “um sentido vivo da sua
responsabilidade”. [25]
Vale a pena prestar atenção à elaboração de Trotsky, no final
da década de 1930, sobre o significado e a necessidade da democracia
partidária:
O que é a democracia partidária?
a. A mais estrita observância dos estatutos do
partido pelos organismos dirigentes (convenções
regulares, período necessário de discussão, direito
da minoria a exprimir as suas opiniões nas reuniões
do partido e na imprensa).
b. Uma atitude paciente, amigável e até certo
ponto pedagógica por parte do comitê central e
dos seus membros em relação às bases, incluindo
os críticos e os descontentes, porque não é um
grande mérito estar satisfeito “com qualquer
um que esteja satisfeito comigo”.
Quando
Lenin pediu a expulsão de Ordzhonikidze do
partido (1923), disse muito corretamente que o
membro descontente do partido tem o direito de
ser turbulento, mas não um membro do comitê
248
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
central. Métodos de “terrorismo” psicológico,
incluindo uma forma arrogante ou sarcástica de
responder ou tratar qualquer objeção, crítica ou
dúvida - é, nomeadamente, essa forma jornalística
ou “intelectualista” que é insuportável para os
trabalhadores e os condena ao silêncio.
c. O tema apenas formal das regras democráticas,
tal como indicado em (a), e as medidas apenas
negativas - não aterrorizar, não ridicularizar - em
(b) não são suficientes. O comitê central, bem
como cada comitê local, deve estar em contato
permanente, ativo e informal com as bases,
especialmente quando se prepara uma nova
palavra de ordem ou uma nova campanha, ou
quando é necessário verificar os resultados de uma
campanha já realizada. Nem todos os membros
do comitê central são capazes desse contato
informal, e nem todos os membros têm tempo para
isso ou para a ocasião, o que depende não só da
boa vontade e de uma psicologia particular, mas
também da profissão e do meio correspondente.
Na composição do comitê central, é necessário
ter não só bons organizadores e bons oradores,
escritores, administradores, mas também pessoas
estreitamente ligadas às bases, organicamente
representativas delas. [26]
Vimos que Trotsky nem sempre foi capaz de viver de acordo
com estes ideais - e, com certeza, o mesmo pode ser dito de Lenin e dos
camaradas bolcheviques em geral. No entanto, estas são perspectivas
organizacionais com as quais Trotsky estava comprometido e que
ele acreditava que deveriam guiar os revolucionários do seu próprio
tempo e do futuro.
Referências bibliográficas
[1] Dianne Feeley, Paul Le Blanc, Thomas Twiss. Leon Trotsky and
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
249
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Haymarket Books, 2014). In relating this to Trotsky’s personal
dynamics, I draw partly from Paul Le Blanc, Leon Trotsky (London:
Reaktion Books, 2015).
[2] Anatoly Lunacharsky, Revolutionary Silhouettes (New York: Hill
and Wang,1968), p. 67; Angelica Balabanoff, My Life as a Rebel
(Bloomington, IN, 1973), p. 156; Ziv quoted in Isaac Deutscher, The
Prophet Armed, Trotsky: 1879-1921 (New York, 1954), p. 35. For more
on Ziv and his account of Trotsky, see: Kirsty McClusky, “Reading
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1, June 2006, pp. 10, 11, 12, 16, and Kenneth D. Ackerman, Trotsky in
New York, 1917: A Radical on the Eve of Revolution (Berkeley, CA:
Counterpoint, 2016), pp. 80, 82-83, 86-87, 129-137.
[3] Victor Serge and Natalia Sedova Trotsky, The Life and Death of
Leon Trotsky (Chicago: Haymarket Books, 2015), 9, 10; Deutscher,
The Prophet Armed, p. 8.
[4] Serge and Sedova Trotsky, p. 10; Max Eastman, Leon Trotsky: The
Portrait of a Youth (New York: Greenberg, 1925), 7; McClusky, pp. 6,
7, 11.
[5] Deutscher, The Prophet Armed, p. 15.
[6] Robert Service, Trotsky, A Biography (Cambridge: Harvard
University Press, 2009), p. 52; Eastman, p. 87; Isaac Deutscher, The
Prophet Outcast, Trotsky: 1929-1940 (New York: Oxford University
Press, 1963), p. 197; Bertrand M. Patenaude, Trotsky, Downfall of a
Revolutionary (New York: HarperCollins, 2009), p. 106; Lunacharsky,
p. 62.
[7] Serge and Sedova Trotsky, pp. 121-123.
[8] Quoted in Leon Trotsky and the Organizational Principles of the
Revolutionary Party, p. 80; “The Social Composition of the Party,”
Writings of Leon Trotsky, 1936-37 (New York: Pathfinder Press,
1978), 489, 490.
250
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
[9] Leon Trotsky, Stalin, An Appraisal of the Man and His Influence
(New York: Stein and Day, 1967), p. 112.
[10] On the partial convergence of Trotsky’s thought with Lenin’s,
see Kunal Chattopadhyay, The Marxism of Leon Trotsky (Kolkata:
Progressive Publishers, 2006), pp. 233-236.
[11] Paul LeBlanc, “Trotsky, Krupskaya, and the Bolshevik Tradition,”
Links: International Journal of Socialist Renewal (August 1, 2021)
https://links.org.au/trotsky-krupskaya-and-bolshevik-tradition.
Prepared in conjunction with a presentation for an online conference
in Brazil, “Trotsky em Permanência” (Trotsky in Permanence) from
August 2-6, 2021 (https://www.youtube.com/watch?v=WD4l_
KYDPVQ).
[12] Chattopadhyay, p. 236. He later stresses that Trotsky “put
forward his own conception of Leninism” (p. 249). At the same time,
Chattopadhyay acknowledges that Trotsky’s Lessons of October, in
arguing that “so many Old Bolsheviks had failed to measure up to
the requirements of revolution,” antagonized comrades rather than
persuaded them.
[13] Leon Trotsky, The History of the Russian Revolution, Three
Volumes in One (New York: Simon and Schuster, 1936), p. xix.
[14] Chattopadhyay, p. 263.
[15] Serge and Sedova Trotsky, 120-121.
[16] Sara Weber, “Recollections of Trotsky,” Modern Occasions,
Spring 1972, pp. 185, 186.
[17] LeBlanc, Leon Trotsky, pp. 145-146; Jean van Heijenoort, With
Trotsky in Exile, From Prinkipo to Coyoacán (Cambridge: Harvard
University Press, 1978), pp. 26-27.
[18] Van Heijenoort, p. 27; Bernard Wolfe, Memoirs of a Not
Altogether Shy Pornographer (Garden City, NY: Doubleday, 1972), p.
35; Rae Spiegel/Raya Dunayevskaya, “The Man Trotsky,” unpublished
manuscript (approximately 1938, shared by Peter Hudis), p. 20.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
251
[19] Hansen, “With Trotsky in Coyoacán,” in Leon Trotsky, My Life
(New York: Pathfinder Press, 1970), pp. xii, xiii, xvii.
[20] David North, A Tribute to Harold Robins, Captain of Trotsky’s
Guard (Detroit, MI, 1987), pp. 7-8.
[21] Hansen, “With Trotsky in Coyoacán,” p. xiii.
[22] Quoted in Paul LeBlanc, Lenin and the Revolutionary Party
(Chicago: Haymarket Books, 2015), p. 275; Lenin, “Once Again
on the Trade Unions,” Collected Works, Vol. 32 (Moscow: Progress
Publishers, 1973), pp. 105-106.
[23] Quoted in Leon Trotsky and the Organizational Principles of the
Revolutionary Party, pp. 15-16; Leon Trotsky, “The New Course: A
Letter to Party Meetings,” in The Challenge of the Left Opposition,
1923-25 (New York: Pathfinder Press, 1975), p. 127.
[24] In addition to Le Blanc, Lenin and the Revolutionary Party,
see Paul Le Blanc, From Marx to Gramsci (Chicago: Haymarket
Books, 2016), pp. 60-72, and Paul Le Blanc, Lenin: Responding to
Catastrophe, Forging Revolution (London: Pluto Press, 2023), pp. 11,
15, 19-38, 51-53, 58-65, 79, 114-116, 181-186.
[25] V.I. Lenin, “What Is To Be Done,” in Collected Works, Volume 5
(Moscow: Progress Publishers, 1960), p. 480.
[26] Quoted in Leon Trotsky and the Organizational Principles of the
Revolutionary Party, p. 78; Leon Trotsky, “More Thoughts on the Party
Regime,” in Writings of Leon Trotsky, 1936-37 (New York: Pathfinder
Press, 1978), pp. 476-477.
252
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
A questão da “espontaneidade” revolucionária na História da Revolução Russa de Trotsky (T.1, Caps VII a IX)1
Carlos Eduardo Rebello de Mendonça2
I. Introdução
A questão da legitimidade do poder revolucionário é,
historicamente, uma vexata quaestio para o marxismo, na medida em
que parece nunca ter sido devidamente considerada quanto aos seus
micro-fundamentos. No Marx do Manifesto, ela surge sob a simples
forma de uma vontade da Maioria, expressa através de uma manifestação
massiva das vontades individuais por via da sua ação objetiva: “a
primeira fase da revolução operária é a elevação do proletariado a
classe dominante, a conquista da democracia” (MARX & ENGELS,
1998, p.58). Algo que não parece, no texto de Marx, ultrapassar a ideia
do simples sufrágio – na urna ou, indiretamente, na manifestação de
rua. Para o Marx de 1848, a Ditadura do Proletariado surgia como uma
consequência das lutas pelo sufrágio universal que então eram travadas
um pouco por toda parte da Europa Ocidental; tal ditadura era apenas
uma apreciação de sinal trocado do que Tocqueville, Macaulay e Mill
viam como “tirania” (ou “despotismo”) das maiorias (DRAPER, 1987,
p.22). Ao elevar-se como maioria acima dos restos de uma pequeno-
1 Este trabalho foi redigido como uma súmula parcial das leituras orientadas e
comentadas de História da Revolução Russa realizadas no âmbito dos seminários
do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trótski / Trotskismo e a Historiografia (GEPHT), coordeando pelo professor Marcio Lauria Monteiro (IFBA).
2 Professor Titular, ICS/UERJ. Autor de Trotski e a Revolução Permanente, dentre
outros livros. Contato: carloseduardorebellodemendonca@gmail.com
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
253
burguesia em decomposição, o Proletariado assumiria a posição de
maioria inequívoca do eleitorado. Engels, já em 1888, escrevia que a
Democracia parlamentar chegara “tarde demais” à Burguesia alemã
da época de Bismarck; ela se desembaraçara dos rabos de peruca do
Feudalismo apenas para defrontar um Proletariado que “sabe o que
quer” (ENGELS, s.d.). No marxismo da II Internacional, a Ditadura do
Proletariado continua a confundir-se com uma concepção “sufragista”
da Democracia Liberal-Burguesa; toda a preparação revolucionária
consistiria em saber aguardar a obtenção da maioria, evitando as
tentações do ministerialismo e do millerandismo (KAUTSKY, s.d.).
A sobrevivência e recomposição da pequeno-burguesia como
base eleitoral das Direitas dentro de uma Democracia Burguesa
entrementes transformada em uma competição entre lideranças
partidárias profissionais frustrou estas esperanças; já em 1900 - apenas
doze anos depois de Engels e sua concepção da revolução como
possível dentro da legalidade burguesa - Bernstein considerava que
o Socialismo só poderia existir e subsistir como uma ideia ética, não
como expressão objetiva da Vontade Geral.
Conhece-se a solução encontrada por Lenin para esta questão:
a de, no lugar da busca da maioria dos sufrágios a Kautsky, ou de
uma Vontade Geral neokantiana a Bernstein, colocar uma Vontade
abertamente particular – a do Partido de Vanguarda. E, em pleno
século XXI, Žižek verá nesta posição a única saída ao relativismo
pós-moderno: “a verdade é, por definição, unilateral [...] a única
universalidade real é a universalidade política [...] a universalidade
[...] pode se afirmar apenas sob a aparência de um corte radical no
próprio seio do corpo social” (ŽIŽEK, 2005, ps.185/186) – algo a ser
imposto a fogo e ferro, se necessário.
254
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Nas condições concretas dos primeiros anos do regime
soviético, diante do incerto caráter de classe “dual” do novo Estado
e das tarefas da Guerra Civil e do Comunismo de Guerra, Trotsky
não hesitaria em aceitar, na prática, a concepção leninista. Apenas no
período subsequente à morte de Lenin, durante a sua luta faccionária
contra o stalinismo emergente - e sua mistura de oportunismo cínico
com voluntarismo extremo - é que ele começou a indagar-se sobre a
legitimidade do partido de vanguarda, e a explorar retrospectivamente
as lições da revolução de 1917- e as da Revolução de 1905, que havia
sido ao mesmo tempo o fracasso épico da “espontaneidade”, e o marco
inicial do soviete como forma própria da revolução socialista.
Como qualquer grande obra histórica, a de Trotsky é ao mesmo
tempo uma descrição do passado e uma polêmica contemporânea;
o revolucionário russo “recorta” o passado em função das suas
preocupações presentes - atribui-lhe um sentido ad hoc, como dirá um
autor não-marxista (WEBER, p.21). E quais eram estas preocupações?
Em primeiro lugar, uma questão rigorosamente clássicacomo os bolchevistas chegaram ao poder? – questão para a qual ele
considerava que o stalinismo oferecia uma resposta insuficiente. O
stalinismo, na medida em que se pretende uma vanguarda, atribuise o direito de dirigir e governar “pela graça da História”, da qual o
aparato é ao mesmo tempo a expressão e o demiurgo (DEUTSCHER,
1982, p.593) – e daí o fato dos líderes e suas decisões serem sempre
“geniais”. A História de Trotsky é uma tentativa de esvaziar tal
protagonismo ex post; as massas estão no centro, não os dirigentes.
Mas Trotsky, ao aproximar-se de 1917 a partir da sua experiência
própria de 1905, não ousava confiar nas massas em e por si mesmas;
ele percebia que curvar-se diante da espontaneidade enquanto tal seria
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
255
cortejar o fracasso – como demonstrado posteriormente pela tragédia
da Revolução Alemã de 1918. Ele sentia a necessidade de encontrar
um “termo médio” – ou, mais exatamente, uma síntese dialética. Ele
pensava menos em como o Partido pôde “tomar” o poder do que no
mecanismo pelo qual ele conseguiu fazer-se impulsionar ao poder.
II. Liderar a Revolução e servir-se dela
Se a leitura que Trotsky faz do processo revolucionário de
1917 é sobredeterminada pelas suas preocupações políticas, este
elemento subjetivo será melhor entendido usando-se, quando possível,
o conhecimento dos seus recursos estilísticos e lexicográficos – para
o que o conhecimento do original russo poderá ter alguma serventia.
КТО РУКОВОДИЛ ФЕВРАЛЬСКИМ ВОССТАНИЕМ? Tal o
título original (TROTSKY, s.d.) que Trotsky dá ao sétimo capítulo da
sua História da Revolução Russa. Façamos uma análise deste título.
A oração tem por verbo РУКОВОДИЛ, que é o pretérito singular do
verbo imperfectivo руководи́ть, que é “dirigir” no sentido consciente
de “conduzir”, “liderar”, “dirigir”, “reger” – no sentido em que um
maestro “rege” a orquestra. Dirigir a quem, ou a que?
O verbo dirigir, aqui, tem um sujeito, КТО – um banal “quem”.
E um objeto – que é, no caso, ФЕВРАЛЬСКИМ ВОССТАНИЕМ, a
“sublevação de fevereiro”. Só que o objeto está no caso instrumental –
que é o caso que indica um complemento - aquilo com o que a ação foi
realizada – o que não corresponde exatamente ao “quem” do início da
frase – a interrogação deveria ser feita através de кем (“com quem”).
É como se Trotsky começasse o capítulo com uma pergunta de
thriller: quem fez? “Alguém” o fez – кто; e este sujeito indeterminado
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
realiza uma ação – a qual se encontra em processo no momento em que
o autor escreve, já que se trata de verbo imperfectivo – e ao mesmo
tempo lança mão dela, serve-se dela para a realização de um fim.
Assim, como numa investigação criminal, determinar “quem” realizou
a Revolução de Fevereiro é ao mesmo tempo determinar quem serviuse dela – cui bono. Ou, mais exatamente: a quem a revolução serviu - e
ainda serve.
Como lembra Trotsky, a historiografia convencional de
fevereiro, desde muito cedo, considerou que o que ali teria ocorrido –
teria sido simplesmente uma “rebelião feminil” (бабий бунт) que teria
se superposto a um motim de soldados. Ou seja: uma irrupção de um
acúmulo de descontentamentos irracionais – a histeria se superpondo
à violência cega – no interior do processo histórico; uma explosão dos
descontentamentos imprecisos dos elementos “sem rei nem roque”,
do saco de gatos loucos, que teria tirado da direção aos elementos
racionais e responsáveis.
Trotsky aproveita o ensejo para contestar a idealização
libertária: a exaltação da “espontaneidade” da Revolução de
Fevereiro, da sua “vitalidade democrática”, por mais que se revestisse
de aparências libertárias, é de fato implicitamente reacionária; a
exaltação do ex ante espontâneo de fevereiro é um recurso retórico que
serve apenas para melhor deplorar o ex post “golpista” de outubro – o
“sequestro” da espontaneidade pelos bolcheviques. Inclusive porque
a ênfase na mesma “espontaneidade” sublinha o caráter irracional do
processo revolucionário em geral, numa figura de retórica reciclada da
representação conservadora da Revolução Francesa. Quando mulheres
histéricas e homens violentos descem à rua ao mesmo tempo, daí pode
sair apenas o tumulto (смута) ou os motins “da canalha” (черни;
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
257
traduzido literalmente, um motim “negro”). O motim, por ser motim
– uma descarga de ressentimentos diante de agravos reais, sentidos
emocionalmente – dissolver-se-á necessariamente em “impulsos
primitivos, infantilismos e inclinações criminosas” (SCHUMPETER,
2008, p.257); é algo que só pode terminar “bem” pela reversão do
poder a uma liderança “responsável”.
Sublinhe-se a ousadia destes parágrafos. Há um senso
comum, conservador e pós-freudiano (inclusive porque se apoia
nas considerações infelizes do psicólogo vienense sobre Socialismo
em Mal-estar na Cultura- as lutas de classe como um dos suportes
da agressividade humana (DEUTSCHER, 1991,p.334), que vê na
Revolução uma descarga pulsional, um fim em si mesmo; algo
como a passage a l’acte de que fala Žižek, o triunfo da “histeria”
sobre a “neurose obsessiva”; “temos de nos precipitar a agir, mesmo
prematuramente [...] ser ludibriados pelo nosso desejo, embora [...]
impossível, para que algo [sic] de real advenha” (ŽIŽEK, 1991, p.117).
O problema, diz Trotsky, é que esta maneira de ver o
problema, mesmo na sua simpatia aparente pelo ato revolucionário,
se esgota num wishful thinking de tonalidade mística: há um potencial
libertador “oculto” que a descarga irá revelar (ŽIŽEK, 2005: p.242).
É sintomático, aliás, que o exemplo histórico-literário dado por Žižek
– o Cássio de Shakespeare, que diz para as suas mãos “falarem por
ele” ao atacar César – contradiz as suas conclusões; o assassinato de
César produziu o oposto do desejado por seus assassinos: a morte da
República.
Não que Trotsky negue esta possibilidade de irrupção do
irracional na História, como veremos; o que ele diz, no entanto, é que
a passage a l’acte não é (ainda) a Revolução, que esta se caracterizaria
258
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
por já possuir, in statu nascendi, se não uma liderança em senso estrito,
uma intenção e objetivos conscientes; wo Es war, soll Ich werden.
III. Nascimento do sujeito de classe
Como desenvolve Trotsky, as ações revolucionárias de fevereiro
estiveram, para todos os fins, concentradas em Petrogrado – isto é,
envolveram, no sentido mais genérico, 1/75 da população do Império
Russo. Logo, se o que ocorreu no restante do país teve um caráter
reflexo, de mera aceitação do fato consumado (em lugar algum houve
resistência em nome da autoridade constituída de Nicolau II), tira-se
daí a conclusão de que a Revolução de Fevereiro se constituiu em mais
um de vários golpes (удары) aplicados pela realidade histórica a uma
concepção fetichista da “vontade popular”. O sujeito revolucionário
não é uma mera “maioria”.
Trotsky adota, como ponto de partida, a posição do
economista e “marxista legal” Tugan-Baranovsky, que considerava
que a Revolução de Fevereiro havia sido realizada por operários e
camponeses “enquanto” soldados (в лице солдат). Restava saber
quem havia liderado tais operários e camponeses uniformizados. Fazer
da “espontaneidade” (стихийности; na tradução francesa, “forças
elementares”) o sujeito do processo, seria criar uma noite retórica
onde as responsabilidades dos agentes se dissolviam.
No período imediatamente posterior a fevereiro, convinha à
contrarrevolução caracterizar o que havia se produzido como “tumulto”
– tal como o general Branco Denikin, que chamaria sua história da
revolução de “História das Desordens na Rússia”. Mas convinha
igualmente aos liberais – que desejavam confinar a Revolução Russa
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
259
nos limites das relações de produção burguesas – sustentar o mesmo.
Não só para justificar a sua inação ex ante, ao pensar que não eram
diferentes dos demais, como também para reclamarem o direito a serem
tidos como agentes políticos ao mesmo título que os revolucionários
-e, finalmente, o direito de substituírem-se aos mesmos revolucionários
como seus representantes, supostamente mais “responsáveis” que os
representados.
Nos seus começos históricos, ao reivindicar o seu direito de
dirigir a sociedade nos seus próprios termos, o Liberalismo burguês
principiou assumindo o ponto de vista da Totalidade, da Vontade Geral,
em oposição às velhas rotinas, tradições e hierarquias da sociedade
feudal-absolutista. Na Filosofia do Direito de Hegel, a Liberdade
individual se expressa necessariamente através do Estado: “A vontade
objetiva é, por sua própria concepção, racional em si, saibam-no ou
não os indivíduos que pensam exercê-la como um objeto de capricho”
(apud MARCUSE, 2004, p.191). Tudo mudará no século XIX, quando
a Burguesia já estiver constituída como classe dominante; a partir
daí, o sujeito de toda atividade política será precisamente o indivíduo
burguês, como indivíduo isolado e movido por interesses meramente
particulares: “a revolução política decompõe a vida burguesa em seus
componentes sem revolucionar estes mesmos componentes nem os
submeter à crítica” (MARX, 2010, p.53). Os indivíduos burgueses e
suas robinsonadas são postos no mesmo plano e saco das reivindicações
dos “de baixo”, como merecedores da mesma consideração. Diante da
urna e da cédula eleitoral, o indivíduo apático e apolítico e o pequenoburguês ressentido valem o mesmo que aqueles que desceram à rua em
primeiro lugar. O culto ao espontaneísmo como “valor em si”, assim,
nada tem de progressista; ele conserva as fantasias pequeno-burguesas
260
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de proeminência individual e antissocial, o sonho de alçar-se às fileiras
da classe dominante pelo exercício de um carisma ou talento.
Num livro coletivo lançado no calor dos acontecimentos
das Jornadas de Junho, no Brasil de 2013, um dos colaboradores,
articulista progressista da imprensa burguesa, viu-se em palpos de
aranha diante da necessidade de explicar a intrusão da horda pequenoburguesa alucinada que tomava as ruas, na esteira dos protestos e das
reivindicações econômicas e políticas originais. Ele reconhece que se
tratava de uma massa violenta e de formação política ultrarreacionária,
mas não ousava desautorizá-los: “sinto [sic] que eles querem sentir que
poderão ser protagonistas do seu país e da sua vida” (SAKAMOTO,
2013, p.98). Apenas, ele esquecia convenientemente que o desejo de
protagonismo deste tipo de pequeno-burguês enfurecido - formado pela
mídia burguesa, os fakes, a família conservadora, a igreja evangélica
etc. – já fora descrito por Trotsky em 1933: gosto pelo comando,
mediocridade intelectual presunçosa, hostilidade invejosa aos “de
cima” associada ao ódio e medo animal da igualdade (TROTSKY,
1977, os.400/401 e 405) – e é nisto que consistia a liberdade e o
protagonismo deste tipo de sujeitos.
A História não se faz por encomenda, e o Eu não é senhor
em sua casa – mas todo processo civilizatório exige que as pulsões
sejam coarctadas quanto a um fim definido – o processo político, diz
Deutscher, é um mecanismo de sublimação (DEUTSCHER, 1991,
p.334). E quando se escolhe um fim, a partir de um interesse de classe,
é necessário que os demais sejam ex ante descartados. O protesto
verdadeiramente revolucionário é a conclusão de um longo processo
prévio de formação política contra hegemônica – e é nestes termos,
precisamente, que Trotsky considera que os protestos de fevereiro
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
261
triunfaram: porque foram instrumentalizados de forma eficiente
por um grupo definido. Caso instrumental, e não acusativo – a ação
revolucionária, mais do que estar dirigida para um objeto, de fato
utilizava-se dele.
Como o próprio Žižek admite: “os carnavais saem barato, mas
a verdadeira prova do seu valor é o que permanece no dia seguinte”
(ŽIŽEK, 2013, p.107). Inversamente, quando são as redes sociais que
espontaneamente “saem” às ruas, o que sai com elas é a consciência
reacionária – não fossem elas oligopólios burgueses.
IV. Três momentos da luta revolucionária
Lembra Trotsky que, na Petrogrado do fevereiro juliano de
1917, todos os partidos foram pegos de surpresa pela agitação nas
ruas. Até mesmo os bolcheviques, cuja organização em Petrogrado
se encontrava no momento tendo de lidar com uma direção reduzida
apenas a três pessoas, nenhuma delas particularmente proeminente:
Shliapinikov, Zalutsky, Molotov -o primeiro sendo próximo a Lenin,
mas encontrando-se incapaz de agir eficazmente sobre a orientação
dos acontecimentos. Portanto, fevereiro não poderia ser explicado em
termos de uma direção intencional. Ainda assim, a tese de Trotsky é a
de que a revolução foi, se não planejada, ao menos preparada.
Trotsky sempre é apresentado como voluntarista, como
um partidário de uma estratégia de assalto ao poder, de “guerra
manobrada”, na expressão de Gramsci. Onde não é mera propaganda
acusatória stalinista, tal concepção se deve ao fato de que, nos escritos
de Trotsky, a teoria jamais surge enquanto tal, como afirmação
abstrata: ela está implícita no interior da narrativa histórico-política,
262
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
onde o revolucionário russo busca fazer não apenas historiografia,
mas principalmente política, reconstruir o passado para “construir a
história presente e futura” (GRAMSCI, 2002, p.38).
Como lembra o marxista sardo, uma luta revolucionária começa,
em primeiro lugar, de uma solidariedade corporativa elementar no
interior de um grupo subalternizado: o operário “sente” a necessidade
objetiva de ser solidário ao seu confrade; é neste momento – e apenas
nele – que a “espontaneidade” tem lugar. Num segundo momento,
tal consciência espontânea - se não reprimida - evolui para uma
solidariedade propriamente de classe, uma reivindicação de igualdade
jurídica – um desejo de ser levado em conta na formulação da Vontade
Geral. Um terceiro momento, propriamente político, é quando um
grupo subalterno sente em si a possibilidade de ditar a lei para todos
os demais grupos subalternos; e esta , como fase estritamente política,
é que
“assinala a passagem nítida [...] para a esfera das
superestruturas complexas; é a fase em que as
ideologias geradas anteriormente se transformam
em ‘partido’ [...] até que uma delas ou uma
combinação [....] tenda a se impor por toda a área
social [...] pondo todas as questões [...] num plano
‘universal’”(GRAMSCI, 2002, p.41).
No texto de Trotsky, esta argumentação abstrata fica “oculta”
numa narrativa histórica contínua, sob a aparência de caso concreto que
exprime a situação geral: ele narra a história de um “jurista liberal” que
lamentava na rua a perda dos registros cartoriais de propriedade num
incêndio- intencionalmente ateado (LINCOLN, 1999, p.335)- da corte
distrital de Petrogrado, quando foi contestado por um interlocutor:
“saberemos dividir nós mesmos as casas e as terras – e sem os teus
[sic] arquivos” (Дома и землю сумеем сами разделить и без твоего
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
263
архива). Tal narrativa, tomada das reminiscências escritas do senador
(juiz superior) Zavadsky, poderia, como Trotsky admite, ter sido
literariamente arranjada pelo seu autor; mas o fato deste diz-quediz haver aberto caminho até as memórias de um aristocrata liberal
correspondia a uma questão que estava “no ar”: a das superestruturas,
dos instrumentos essenciais de exercício do poder político. O fato é que
já existia uma força contra hegemônica “permanentemente organizada
e há muito tempo preparada” (GRAMSCI, 2002, p.46). Quando um
operário tuteia um senador no meio da rua, é que a concepção de
mundo das massas – e com ela, a legitimidade do poder - mudou de
mãos.
Não basta que meramente exista uma mera estrutura burocrática
que possa objetivamente explorar as oportunidades históricas, e sim
que as forças organizadas estejam dotadas ex ante de um propósito, e
da convicção sobre sua viabilidade; pois, se as oportunidades existiam,
é porque “havia a possibilidade concreta de inserir-se eficazmente
nelas” (GRAMSCI, 2002, p.46).
Num outro texto sobre os acontecimentos do Brasil de 2013,
Lincoln Secco chama a atenção para essa incapacidade da Esquerda
de “inserir-se eficazmente” nas oportunidades políticas, já que teria de
defrontar-se com a inexistência prévia de uma cultura da representação:
“a democracia liberal [no Brasil] foi sempre um interregno numa
persistência ditatorial” (SECCO, 2013, p.74). Daí o fato de que,
quando a oportunidade surge, abra-se, por isso mesmo, o caminho para
que ela seja apropriada pela Extrema Direita: ao descerem à rua sem
uma noção clara do que desejam realizar, as Esquerdas justificam a sua
própria criminalização pela cobertura televisiva, que suscita a descida
às ruas, por sua vez, dos pequeno-burgueses enfurecidos – e, “depurada
264
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
dos ‘vândalos’, a passeata torna-se aceitável” (SECCO, 2013, p.72).
Durante 2013, foi questão de semanas- mesmo dias - para que a pauta
dos protestos saltasse do “pós-comunismo” ao protolavajatismo e ao
protobolsonarismo.
Como Secco o diz, este ‘salto” foi mediado pela violência
física: “grupos neonazistas serviam para expulsar uma esquerda
desprevenida, enquanto inocentes ‘cidadãos de bem’ de verde-amarelo
aplaudiam” (SECCO, 2013, p.74). Mas o surgimento das centúrias
auriverdes, revestidas da camiseta da CBF, foi aparentemente tão
repentino, que pareceria justificar a narrativa ex post de que todo
o processo não haveria sido senão a obra de agentes provocadores
industriados ad hoc pelo Departamento de Estado estadunidense...
quando de fato a navalha de Occam nos sugere que a Extrema Direita
apenas insinuou-se no vácuo deixado pela Esquerda.
Voltando ao 1917 russo: quando Trotsky fala contra “a mística
da espontaneidade”, ele quer demarcar-se em oposição à Rosa
Luxemburgo que, em Greve de Massa, Partido e Sindicato, falava da
necessidade de lançar mão da ação de massa “selvagem”, espontânea,
como um “aprender fazendo”, um salto qualitativo na passagem
do Proletariado de uma ação política meramente corporativa (e, na
Alemanha, estritamente vigiada pelos “bonzos” da Socialdemocracia),
centrada em reivindicações econômicas, para reivindicações
propriamente políticas (LUXEMBURGO, 1986, p.172) - algo como
uma passagem acelerada do “segundo” ao “terceiro” momento de
Gramsci. Secco, aliás, identifica este elemento de salto em 2013,
como uma tentativa de ruptura com a lógica corporativa do PT de,
pretendendo mobilizar a Sociedade Civil, apenas disputar posições
no aparato burocrático estatal (SECCO, 2013, p.74). E Ruy Braga,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
265
na coletânea que vimos citando, vai mais além: ele trata 2013 como
um momento de atualização histórica, de busca de reconhecimento
como sujeitos de direitos pelas camadas menos organizadas do
proletariado – “a massa formada por trabalhadores desqualificados
e semiqualificados que entram e saem rapidamente do mercado
de trabalho” (BRAGA, 2013,P.82)– no que seria uma passagem da
“primeira” para a “segunda” etapa gramsciana.
O problema é que as “transições” entre as três etapas gramscianas
são apenas possíveis, nunca necessárias; os sujeitos, ao surgirem
espontaneamente na primeira etapa – a das reivindicações imediatas e
elementares – dependerão da sua capacidade de ação consciente para
elevarem-se às etapas seguintes; se não houver desenvolvimento pari
passu de uma consciência política, sempre haverá o risco de que estas
reivindicações sejam reprimidas e/ou reacionariamente absorvidas
pelos sujeitos dominantes e seus aliados.
Mais ainda: Em termos lógicos, é de se acreditar que Trotsky
– e Lenin – concordassem com uma tal análise, já que ambos, em
vida, sempre tiveram muito presente o fato de que as agitações
revolucionárias no Império Russo, na virada entre o século XIX e
XX, envolviam toda espécie de reivindicações de classe e identitárias
avant la lettre: liberdade acadêmica, abolição da censura, luta contra
o antissemitismo, liberdade religiosa, política de nacionalidades,
feminismo – o que exigia que os revolucionários adotassem o papel de
tribunos populares generalistas (LENIN, s.d.). Precisamente, por isso,
eles seriam os primeiros a advertir que uma sequência lógica, por si
só, não esgota a compreensão de uma situação política. A lógica causal
não tem o mesmo metro do processo histórico, cuja característica é
exatamente a de ser geralmente uma extensão no tempo de um processo
266
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de causa e efeito que sofre ainda com o seu caráter internamente
contraditório. Não existe uma sucessão linear de etapas a intervalos
fixos de tempo num processo político-histórico. E um marxista deve
ser capaz de lidar com esse caráter dialético das situações reais.
V. Ver, compreender e concluir
Quando Trotsky postula o caráter permanente do processo
revolucionário, ele pensa sobretudo na sua irregularidade: ora uma
concentração extrema, com compressão das etapas históricas, ora um
largo intervalo composto de partidas falsas, recomeços e retrocessos –
onde as precondições objetivas do processo histórico não se confundem
com a sua realização consciente.
Precisamente por isso, é que, para que o processo revolucionário
propriamente dito de 1917 começasse, era objetivamente necessário
(нужна) que a massa operária de Petrogrado e da Rússia passasse
através (через)de toda uma sequência de acontecimentos históricos :
a Revolução de 1905, a confrontação em Moscou com o Regimento da
Guarda Semyonovsky – tudo para que, dentro desta massa, houvesse
quem pudesse lançar mão destas experiências como objeto de reflexão
– mais exatamente, no texto de Trotsky, como um experimento (опыт)
mental – no qual os sucessos objetivos serviam como base para “o
trabalho molecular da contemplação revolucionária” (молекулярная
работа революционной мысли – o verbo мыслить significando
“pensar” em sentido poético, como numa contemplação subjetiva,
profundamente sentida).
O que faz do processo revolucionário algo que poderia quase
ser descrito em termos de uma boutade lacaniana: há o momento de
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
267
ver (ou mais exatamente, de participar, de “sofrer” a experiência) – do
qual se segue o tempo para compreender; e, finalmente, o momento de
concluir.
Ou, mais exatamente: “o momento de concluir é o momento
de concluir o tempo para compreender quando passado o tempo para
compreender o momento de concluir” (LACAN, 1989, T.1, p.196) - a
situação de ótimo só sendo alcançada pela compreensão prévia das
posições relativas de todos.
O próprio Trotsky faz uma digressão, ao final do mesmo
capítulo VII, que caminha exatamente neste sentido: para os políticos
do Liberalismo e do Socialismo “domesticado” (прирученного), as
massas sofrem a História, não a fazem; reagem ao que lhes acontece
como se fossem formigas ou abelhas; não pensam na sua própria
atividade – e, portanto, não poderiam ser objeto de uma análise
marxista (Trotsky está parafraseando, aliás, um trecho bem conhecido
d’O Capital). No entanto, se – e tal é o que Trotsky acredita firmemente
- as massas “veem” – se são capazes de pensar sua própria experiência
– são capazes de “compreender” – na medida em que “o pensamento
científico reside na sua correspondência aos processos objetivos, e nas
suas capacidades (способности) de influenciar estes processos e sua
direção (направлять)”. E quem é capaz de compreender, é capaz de
“concluir”. Hic Rhodus, hic salta!
O que se “vê” aqui, são as contradições de classe objetivas; o
que se compreende, são as tentativas de resolução destas contradições
– num primeiro momento, pela classe dominante e seus aliados;
quando as possibilidades de resolução se esgotam – e as massas o
compreendem – surge a oportunidade de uma conclusão: o bloco
contra hegemônico apresta-se a intervir de acordo com os seus próprios
268
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
interesses e objetivos.
De fato, conclui Trotsky, em fevereiro de 1917, eram as
“massas”, os operários e camponeses, que raciocinavam; a Corte
inspirava-se – enquanto pôde - no Apocalipse e nos sonhos de Rasputin;
os liberais contavam com a vitória da Rússia e com uma democracia
parlamentar – ambas em direta contradição com a situação real do país.
Aqui sim, diz Trotsky, nos encontraríamos no reino das “superstições
e ficções” – do processo histórico convertido num sintoma neurótico,
na esperança farsesca de uma nova Restauração ou de um novo 18
Brumário.
VI. “O paradoxo da Revolução de Fevereiro”
No capítulo VIII da História, Trotsky trabalha a noção do
caráter “dual”, “paradoxal”, da Revolução de Fevereiro: se no
capítulo anterior a revolução havia sido descrita, do ponto de vista dos
insurretos que tomaram a rua, como “sublevação”, quando ele, Trotsky,
vier a analisar a situação do ponto de vista da Duma burguesa que
constituiria o Governo Provisório, ele falará de “golpe” (переворо́т) –
no caso, um golpe passivo, onde a deposição de Nicolau II fez com que
o poder “caísse nas mãos” (оказалась в руках) da Burguesia liberal.
Оказа́ться é um verbo reflexivo e perfectivo; e o uso da voz média
passa a ideia de que o poder político, longe de haver sido capturado
pela Burguesia, deslocou-se num vácuo na sua direção – processo este
no qual a Burguesia não teve papel ativo; apenas, encontrou-se diante
de um fato consumado.
A Duma havia sido previamente dissolvida por decreto
imperial; apenas, diante da sublevação de fevereiro, e sob a névoa dos
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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acontecimentos, os parlamentares poderiam haver decidido, como os
Estados Gerais franceses em 1789, declarar-se em sessão permanente
como expressão da representação nacional, ou, nas palavras do
memorialista Sukhanov, “não se dispersarem”, Не расходиться – isto
é, tomarem nas próprias mãos o exercício do poder. Os deputados
decidiram, ao contrário, apenas “não partirem” - Не разъезжаться ao encontro das suas bases, permanecerem em Petrogrado aguardando
os acontecimentos. Que, não obstante, o próprio Sukhanov tivesse
acreditado no mito da sessão permanente, era, diz Trotsky, uma
expressão do desejo dos intelectuais radicais em contar apoiaremse sobre a Burguesia “censitária” e não nas massas, em insistirem
em atribuir as classes proprietárias o papel de sujeito putativo dos
acontecimentos. Desejo, e não realidade.
O mecanismo que Trotsky descreve é aquele que seria apontado
por Gramsci, quando escrever que “a unidade histórica das classes
dirigentes acontece no Estado” (GRAMSCI, 2002A, p.139). O lugar de
eleição da atividade política da intelligentsia russa do século XIX era,
principalmente, a administração pública local. Era, assim, perfeitamente
compreensível que a irrupção da Revolução determinasse que estes
intelectuais “radicais”, temerosos da irrupção das massas populares na
Esfera Pública, apoiassem-se, assim, sobre a Burguesia; mas a própria
Burguesia, em função do caráter retardatário da modernização russa,
sentia-se a si mesmo como um satélite da Autocracia, e não pensava
senão em restabelecê-la – ainda que sob uma forma “moderada” e
“constitucional”. Refratado pelo interesse da Burguesia, o episódio
histórico de fevereiro de 1917 tenderia gradualmente a converter-se,
de sublevação popular, em mero rearranjo de camadas no interior do
grupo dominante – isto é, em simples golpe de Estado.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
É interessante que Trotsky, ao referir-se aos eventos políticos de
fevereiro de 1917, longe de denominá-los, tout court, de “revolução”,
esgote o léxico e fale ora de revolução, ora de sublevação, ou golpe. É
como se ele dissesse: a Revolução não é uma essência, nem tampouco
algo ontológico; por mais que a Revolução tenha por “matéria prima”
a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as
relações de produção, esta contradição não é jamais unívoca, não se
resolve, no mais das vezes, por uma vitória (ou derrota inequívoca)
da mesma Revolução – e sim por um rearranjo no interior do grupo
dominante. Gramsci, falando do Risorgimento, fala do da incapacidade
da Burguesia italiana de unificar o povo em torno de si, do “egoísmo
estreito” que fez com que a revolução burguesa na Itália avançasse
sempre aos tropicões, de maneira incompleta e sem uma direção clara
(GRAMSCI, 2002A, p.141). Do mesmo modo, a Revolução Mexicana
de 1910, ainda que realizada a quente, concluir-se-ia de maneira tão
nebulosa (principalmente pela exclusão de tudo que possuía de mais
radical) que colocaria em questão, para a posteridade, o seu caráter
revolucionário mesmo.
De fato, a Revolução de Fevereiro, a partir do momento em
que o Governo Provisório aceitasse constituir-se a partir da Duma
- ao mesmo tempo que as classes populares reconstituíam, a partir
da experiência de 1905, o Soviete de Petrogrado – teria como sua
marca distintiva o seu caráter, mais do que contraditório, dual. Haverá
dois centros de poder, com uma composição de classe diversa, e
poderes de limites jamais claramente definidos. E Trotsky percebe,
nesta dualidade, não uma polifonia democrática, mas, muito ao
contrário, uma fonte de amargura (ожесточе́ние) – no sentido de
facciosismo zeloso e potencialmente letal; um choque frontal entre
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
271
dois protagonistas potenciais.
Como Trotsky o descreve, fevereiro foi, em primeiro lugar, um
surge dos “de baixo”, um ímpeto ascendente de auto-organização das
classes populares que, num segundo momento, viu-se em trajetória
de choque com uma coalizão ad hoc de interesses reacionários – a
qual cristalizou-se no vácuo criado pelo fracasso das tentativas de dar
uma solução dinástica à queda de Nicolau II. Na descrição de Trotsky,
o demiurgo do Governo Provisório foi precisamente o Presidente da
Duma Rodzianko – que havia sido, sob Nicolau II, o corifeu sempre
frustrado da constitucionalização de fachada da autocracia e do governo
de gabinete (“ministério responsável”) - e ao qual, em fevereiro, caberia
a incumbência de anunciar a uma delegação do Soviete: “tomamos [ou
“estamos tomando” - Брать é um verbo imperfectivo.] o poder” (мы
берём власть). O veterano político cadete anunciava, assim, aos de
baixo, que estava retirando o poder do seu alcance.
Como escreveria Gramsci: a história política de uma classe
dominante é a história do “seu” Estado, cujo ordenamento institucional
contém a sua natureza de classe (GRAMSCI, 2002A, p.139). Não
para menos, Rodzianko havia decidido “tomar o poder” por instigação
de um deputado monarquista que lhe propunha fazerem tal coisa
(Берите, imperativo plural) na condição de “leais vassalos” (как
верноподданный).
Seria como se o Governo Provisório aspirasse a ser algo como
a futura ditadura anticomunista do Almirante Horthy na Hungria, que
exerceria o poder ditatorial por um quarto de século como “Regente”
de um monarca titular inexistente da (deposta) Casa de Habsburgo
– ou, mais exatamente, como Regente da Coroa e tutor do princípio
monárquico. Assim, o Governo Provisório, como descrito por Trotsky,
272
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
não era a expressão da Democracia Liberal russa, e sim uma tentativa
de preservação em última instância, dos princípios de classe sob os
quais a Burguesia já exercia o poder sob a (e associada à) Autocracia.
Apenas, diz Trotsky, estava-se, aqui, numa situação, para o
tempo e o lugar, sui generis: se o poder não se aprestava a cair nas
mãos de uma sólida burguesia que contemplara as barricadas pela
janela, era porque aqui o nível político (политическим уровнем) da
classe revolucionária era muito mais elevado do que em processos
revolucionários anteriores. Como descrição, está certamente correto:
o Governo Provisório não foi consensualmente reconhecido como
centro único de atividade política; a disputa entre ele e o Soviete se
deu desde o primeiro momento. Mas qual a causa deste processo de
capacitação política?
VII. Conclusão: o Novo Poder
É nas qualidades próprias dos de baixo que deve-se procurar
a causa do desenvolvimento da Revolução de Fevereiro na direção
de Outubro, já que, se a Burguesia russa - como diz Trotsky no início
do Capítulo IX da História – voltava as costas a seu povo e ligavase mais ao Capital Financeiro internacional do que a seu país, ela
nada mais fazia, delegando a um monarquista como Rodzianko - que,
numa cerimônia militar puxava vivas à Santa Rússia (святая Русь, a
Autocracia em lugar da Nação) - a formação de um governo, do que
tentar reproduzir a coalizão de interesses dominantes que vinha sendo
suficiente para governar o Império Russo desde o reinado de Pedro o
Grande. Qual seja: a afinidade eletiva entre a Autocracia e o espírito
da modernização capitalista. Coalizão esta, que não diferia muito das
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
273
existentes em qualquer sociedade burguesa atrasada. Que a Revolução
Russa não tenha, assim, se encaminhado para uma resolução como
Revolução Passiva, à maneira do PRI mexicano, deve-se antes de mais
nada à intervenção autônoma das massas, desde cedo, no desenrolar
dos acontecimentos; explicar o desfecho pela intervenção da direção
bolchevique tão-somente – quando esta direção estava ausente em
fevereiro – não é suficiente; os bolcheviques seriam, eles também,
oportunamente impulsionados pelas massas, e Trotsky o sabe;
especialmente por estar fazendo uma história a contrapelo da exaltação
aos “chefes geniais”.
Digamos que Trotsky mais coloca problemas do que os resolve;
problemas estes que são descritos, mais uma vez, a nível abstrato
pelo seu camarada sardo, quando este escreve que, já que as classes
subalternas vivem uma existência política desagregada e descontínua
– pois mergulhada, o mais das vezes, na esfera do privado – não existe
tarefa mais complexa do que traçar a história política dos grupos
subalternos, e muito especialmente o processo pelo qual estes grupos
adquiriram “a autonomia em relação aos inimigos a abater e a adesão
dos grupos que [os] ajudaram ativa ou passivamente”; razão pela qual
traçar a história política dos grupos subalternos – e da sua transição a
grupos dominantes – seria uma tarefa difícil ao extremo (GRAMSCI,
2002A , ps.139/141).
O texto de Trotsky fornece, no entanto, algumas pistas. Ele
começa por dizer que, na transição ao Capitalismo, burguesias
“pioneiras”, como a inglesa e francesa, jamais se preocuparam
muito em oferecer-se uma justificativa ex ante para reconstruírem a
sociedade à sua própria imagem (como diz Marx, ambos pensaram
nesta renovação como simples restauração – do Mundo Clássico e/
274
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
ou do Israel bíblico-MARX, s.d.). Seriam os alemães, ao chegarem
tardiamente ao caminho do desenvolvimento capitalista, que cunhariam
o termo Weltsanschauung – que Trotsky traduz para o russo como
contemplação do Mundo (миросозерцание). Contemplação esta
que viria, ex post, a justificar a Revolução Passiva. A Burguesia russa,
chegada ainda mais tardiamente, enfeudada à Autocracia e ao Capital
Financeiro, não pôde senão pagar “direitos aduaneiros” pelo seu uso
de uma Weltsanschauung importada.... Daí a necessidade em que
se viu de, em finais do século XIX, revestir-se de tinturas socialistas
(o marxismo legal) – porém sem sucesso; tratava-se de uma classe
que “chegara” a tempo de ter milhões nas mãos – mas tarde demais
para pôr-se à testa da Nação. Os compromissos assumidos “acima”
impediam as concessões “abaixo”.
Restava fazer desta mazela uma força – e este foi o papel
desempenhado por Milukov, o Ministro das Relações Exteriores em
que Trotsky vê a face última de um Liberalismo russo que tratava de
virar as costas às classes populares, de recordar “o reacionarismo
epilético de Dostoievski” para afirmar que “é simplesmente impossível
a fusão com o povo”. E é neste hiato entre o Liberalismo burguês e as
massas que estas últimas encontraram a oportunidade de ascender ao
Poder.
Ora, como Gramsci o descreve (com uma ponta não
negligenciável de eurocentrismo), o processo de modernização
autoritária baseava-se exatamente no fato do papel da intelligentsia
burguesa ser o de obrigar “o povo a um despertar forçado, a uma
marcha acelerada para a frente”, marcha esta que, no entanto, retinha
um caráter nacional-popular, de reação do povo russo à própria inércia
histórica (GRAMSCI, 2001, p.27). Quando esta mesma intelligentsia,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
275
no início de 1917, esgota suas possibilidades progressistas e abandona
o povo, este se vê – raciocinando a partir da experiência histórica já
acumulada – na obrigação de salvar-se a si mesmo; como no apólogo
de Lacan, seus membros concluem que a única alternativa de que
dispõem, para saírem da “prisão” histórica em que estão encerrados,
está em o fazerem juntos e agindo por conta própria.
É importante lembrar que, quando a maior parte dos dirigentes
socialistas, bolcheviques e futuros bolcheviques, acorrerem a
Petrogrado vindos do exílio interno ou do Exterior (como Lenin
e Trotsky) após fevereiro de 1917, eles já se encontrarão diante do
fato consumado da entrada das massas em cena; não se tratava de
testemunhas oculares do processo. As Teses de Abril serão assim, o
marco da conclusão deste processo de ascensão política dos de baixo
– e o primeiro lance na preparação da tomada do poder. O processo
molecular de formação política das massas já se encontrava, no
essencial, terminado.
Trotsky estava, assim, muito consciente de que a historiografia
revolucionária da Revolução Russa trabalhava sobre uma lacuna
– a qual ainda não foi fechada depois de mais de um século: a de
saber como as massas, a partir da sua experiência concreta, mas
orientadas pela teoria - ainda que de maneira informal e descontínua
- são capazes de formularem uma práxis política própria, que as
oriente na seleção de uma liderança. Para tal, necessitaremos de uma
historiografia capaz de combinar a questão do interesse de classe em
si, com a da sua representação – para que saiamos da explicação trivial
da “espontaneidade”.
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278
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Trotsky como teórico marxista: as provas nos Cadernos
Alex Steiner1
Os Cadernos Filosóficos de Trotsky são uma das descobertas
mais importantes a emergir da riqueza de material incluído nos
arquivos de Trotsky em Harvard. Foram descobertos acidentalmente
por Philip Pomper, que estava pesquisando material nos arquivos de
Harvard sobre um tema completamente diferente.2
Inevitavelmente, serão feitas comparações dos Cadernos de
Trotsky com os mais extensos Cadernos Filosóficos de Lenin, bem
como com os recentemente descobertos Cadernos Filosóficos do
principal teórico dos bolcheviques, Nicolai Bukharin.3 Não tentaremos
aqui fazer tais comparações. Basta notar que, enquanto todas estas obras
são dignas de estudo, os Cadernos de Trotsky têm sido largamente
negligenciados desde a sua primeira publicação em 1986.
A importância destes Cadernos reside no fato de mostrarem
o interesse de Trotsky por um vasto leque de questões teóricas que
tinham atormentado o movimento marxista quase desde o seu início.
No interior dos Cadernos encontram-se algumas notas intrigantes
1 Texto apresentado no I Encontro Internacional Leon Trotsky, em Havana, Cuba,
2019. Não pôde ser incluído no livro deste evento, motivo pelo qual está sendo publicado no volume do II Encontro Internacional. Sua tradução para o português foi
realizada por Icaro Rossignoli.
2 Os Cadernos foram traduzidos para o inglês e finalmente publicados pela Columbia University Press em 1986, com uma longa introdução de Pomper e anotações em russo de Yuri Felshtinsky. O volume é intitulado Trotsky’s Notebooks, 19331935: Writings on Lenin, Dialectics, and Evolutionism.
3 Os Cadernos Filosóficos de Lenin estão incluídos no Volume 38 das suas Obras
Completas
http://www.marxists.org/archive/lenin/works/1914/cons-logic/index.
htm. Os Cadernos Filosóficos de Bukharin foram publicados com o título, Philosophical Arabesques, Monthly Review Press, 2005.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
279
sobre a Ciência da Lógica de Hegel e a dialética, Darwin e a teoria
evolucionista, particularmente no que se refere à filosofia dialética, e
uma série de notas brilhantes, embora demasiado breves, sobre Freud
e a relação do inconsciente com a filosofia dialética.
Os Cadernos são apenas isso - notas que Trotsky fez para o
seu próprio estudo – em alguns casos como ajuda para uma futura
publicação, em outros casos apenas para clarificar os seus próprios
pensamentos. Não devem certamente ser tomados como a opinião
final de Trotsky sobre qualquer assunto. Os Cadernos são, de certa
forma, uma espreitadela ao laboratório mental de um dos maiores
gênios do século passado. Uma análise cuidadosa do material contido
nestes cadernos revelar-se-á imensamente gratificante para qualquer
estudante sério do marxismo.
Notas sobre Hegel e a dialética
Enquanto uma discussão explícita de Hegel e da sua Ciência
da Lógica é muito breve, os Cadernos estão repletos de considerações
sobre a dialética em todas as páginas, independentemente de o tema
ser Lenin, a evolução darwiniana, Freud e a psicanálise ou as últimas
descobertas da Física. Trotsky defendeu durante toda a sua vida
a noção de que a atenção cuidadosa à dialética é uma componente
fundamental no desenvolvimento de um líder revolucionário. Assim,
nas suas notas sobre Lenin, Trotsky sublinha que a dialética de Lenin
tinha um caráter “maciço”, capaz de abarcar grandes transformações
sociais, enquanto a dialética do líder menchevique Martov tinha um
alcance muito limitado. Trotsky via Martov como um apaixonado
pelas voltas e reviravoltas das manobras políticas, sem perceber
280
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
as mudanças fundamentais que ocorriam sob a superfície dos
acontecimentos políticos e ignorando completamente o seu próprio
papel como possível catalisador desses acontecimentos. Nos Cadernos,
Trotsky escreve que “A sua dialética [de Martov] era uma dialética de
processos derivados e de mudanças episódicas e de escala limitada.
Para além destes limites, não se aventurava.”
Se Lenin encarnava a dialética de um líder revolucionário,
então Martov encarnava a dialética de um jornalista inteligente. (Sem
ofensa para os jornalistas que estão presentes).
Trotsky e Eastman
Trotsky foi motivado a iniciar os estudos sobre Hegel como
resultado de uma série de discussões acrimoniosas com o marxista
americano Max Eastman. Eastman tinha-se correspondido com Trotsky
e visitou-o durante o seu exílio na ilha turca de Prinkipo, em 1932.
Embora fosse um dos primeiros apoiadores de Trotsky e o tradutor do seu
clássico História da Revolução Russa, era também um pragmático ao
estilo de John Dewey e um opositor ferrenho da dialética. Considerava
a dialética uma relíquia do “animismo” na filosofia. Trotsky, por outro
lado, disse a Eastman já em 1929 (como parafraseado por Pomper
na sua Introdução) que, “...ele [Trotsky] não conhecia nenhum caso
em trinta anos em que um opositor do materialismo dialético tivesse
sustentado um compromisso revolucionário.”
Tal como John Dewey, Eastman queria exorcizar o anátema,
o “bacilo hegeliano”, do marxismo. Para Eastman e outros críticos da
esquerda, a filosofia marxista se reduzia de um estatuto científico para
o de uma “ideologia”, e a única forma de salvá-la e refunda-la numa
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
281
base mais científica era uma ação policial filosófica contra a dialética
“mística”.
Traços da reação visceral de Trotsky às ideias de Eastman
são evidentes na ênfase que Trotsky dá à dialética quando trabalhou
nos seus Cadernos vários anos mais tarde. No entanto, mesmo que as
disputas com Eastman possam ter precipitado inicialmente as notas
sobre dialética, havia uma motivação mais fundamental que estava
levando Trotsky de volta ao estudo de Hegel.
Tal como Lenin antes dele, que se voltou para o estudo de Hegel
após a traição da social-democracia na Primeira Guerra Mundial,
Trotsky estava tentando rearmar-se teoricamente, em primeiro lugar
ele próprio e, em segundo lugar, o movimento revolucionário, para
uma luta contra o rebaixamento sofrido pelo marxismo às mãos da
burocracia stalinista, bem como às mãos dos positivistas e pragmatistas
de esquerda representados por Eastman.
A psicanálise e a dialética
Uma seção significativa dos Cadernos de Trotsky é dedicada a
uma discussão sobre Freud e a psicanálise, à qual Trotsky mostrou uma
grande simpatia, ainda que crítica, ao longo da sua vida. A discussão
da psicanálise emerge diretamente de uma consideração da dialética
da seguinte forma: Trotsky sempre considerou que um dos aspectoschave da dialética é a sua capacidade de explicar uma unidade sem
reduzir os diferentes níveis de uma estrutura hierárquica, diferenciada
e unificada, uns aos outros. Assim, embora reconhecendo a unidade
última entre o Ser e o Pensamento, como um materialista deveria fazer,
Trotsky compreendeu melhor do que numerosos contemporâneos que
282
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
foram influenciados pela versão vulgarizada e de inspiração stalinista
do “marxismo” que emanava de Moscou nos anos 1930 (ou as visões
igualmente vulgares dos intelectuais de esquerda de mentalidade
positivista no Ocidente), que não se pode reduzir o Pensamento ao Ser.
Como ele diz nos seus Cadernos: “A inter-relação entre a consciência
(cognição) e a natureza é um domínio independente com as suas
próprias regulações.”
A partir deste e de outros fragmentos, podemos inferir que o
tema central que une as notas sobre dialética, psicanálise e evolução
é o antirreducionismo de Trotsky. Este tema é evidente na seguinte
observação:
“A dialética da consciência não é... um reflexo
da dialética da natureza, mas é um resultado da
interação viva entre a consciência e a natureza e além disso - um método de cognição, proveniente
desta interação.”
Trotsky também considera uma objeção familiar à ideia da
autonomia relativa da consciência:
“O cérebro é o substrato material da consciência.
Isto significa que a consciência é simplesmente
uma forma de ‘manifestação’ dos processos
fisiológicos no cérebro?”
O ponto de vista de Trotsky é que, como existe essa “ruptura”
qualitativa entre psicologia e fisiologia, todos os dados fisiológicos do
mundo não podem nos dizer nada sobre sentimentos ou pensamentos.
Ao aprofundar a questão, ele se volta para a psicanálise, que, segundo
ele: “na prática, afasta-se completamente da fisiologia, baseando-se no
determinismo interno dos fenómenos psíquicos”.
Por causa disso, Freud foi muitas vezes acusado de idealismo,
e é verdade que os psicanalistas são frequentemente inclinados
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
283
à mistificação. No entanto, essa não é a posição de Trotsky. Ele
prossegue dizendo:
“Mas por si só o método da psicanálise, tomando
como ponto de partida a ‘autonomia’ dos
fenómenos psicológicos, não contradiz de modo
algum o materialismo. Muito pelo contrário, é
precisamente o materialismo dialético que nos
leva à ideia de que a psique não poderia sequer
ser formada se não desempenhasse um papel
autônomo, isto é, dentro de certos limites, um papel
independente na vida do indivíduo e da espécie.”
Esta afirmação notável encerra o argumento de Trotsky: de fato,
o que diz é que, se a psicanálise não existisse, os marxistas teriam de
inventar algo muito parecido com ela. E enquanto muitos freudianos
teriam negado veementemente qualquer ligação da sua doutrina com a
visão do mundo do marxismo, havia um grupo importante de analistas,
isto é, os freudo-marxistas, que teriam prontamente concordado com a
análise de Trotsky: o carácter materialista e dialético da psicanálise era
um tema importante dos seus escritos e Otto Fenichel resumiu a sua
posição comum no título de um dos seus ensaios: “A psicanálise como
núcleo de uma futura psicologia dialético-materialista”.
A evolução e a dialética
Trotsky enfatiza e repete em várias seções das suas notas a
importância que atribui àquilo a que Engels chamou a primeira lei da
dialética, a transformação da quantidade em qualidade.
A ênfase de Trotsky no conflito e nos saltos qualitativos
aparece muito claramente nas suas observações sobre o darwinismo
e a evolução nestes Cadernos. De fato, pode dizer-se que Trotsky
284
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
está a levar a cabo uma polêmica não muito escondida contra dois
tipos de intérpretes do darwinismo. Por um lado, há aqueles que,
seguindo o modelo reformista de Kautsky e da Segunda Internacional,
tendem a ver apenas mudanças e progressos quantitativos, negando
transformações qualitativas e catástrofes ocasionais.
“Toda a evolução é uma passagem da quantidade à
qualidade. O próprio conceito de desenvolvimento
gradual e lento significa a realização de mudanças
qualitativas, produzindo como resultado novas
qualidades.”
Por outro lado, a tendência antirreducionista de Trotsky
permitiu-lhe enfrentar os intérpretes vulgares do darwinismo que
confundiam o conflito na natureza - a luta de cada espécie pela
sobrevivência - com a sociedade e deduziam assim uma sociedade
hierarquicamente organizada e dividida em classes com o carácter de
uma lei da natureza.
Trotsky sabia que os métodos de Darwin eram em parte
dialéticos e materialistas, mas estavam ao mesmo tempo impregnados
de preconceitos ideológicos, particularmente quando ele estabelecia
analogias entre a natureza e a sociedade. A teoria de Darwin permaneceu,
sem a dialética, menos concreta do que poderia ter sido. Trotsky
generalizou esta avaliação de Darwin ao trabalho espontâneo dos
cientistas em geral e observou que, embora os cientistas sejam muitas
vezes “dialéticos inconscientes”, eles prejudicam-se gravemente ao
abjurar um estudo consciente da filosofia e da dialética.
Os Cadernos fornecem-nos apenas um vislumbre dos
pensamentos de Trotsky sobre a evolução, mas um vislumbre muito
intrigante. Há, por exemplo, a seguinte descrição das catástrofes, um
tema que foi durante muito tempo descartado como charlatanismo e
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
285
um regresso às teorias pré-darwinistas da evolução, até que a recente
teoria evolutiva reavivou a teoria das catástrofes, como uma vingança.4
Escreve ele:
“Conflito. Catástrofe. Ou a forma antiga conquista
(apenas parcialmente), necessitando de auto
adaptação do processo conquistado (parcialmente),
ou o processo de movimento explode a forma
antiga e cria uma nova, através das suas novas
cristalizações a partir dos seus ventres e da
assimilação de elementos da forma antiga.”
Se considerarmos este e outros escritos de Trotsky sobre o
tema da evolução, podemos argumentar que o pensamento de Trotsky
sobre este assunto foi uma antecipação notável da teoria do equilíbrio
pontuado de Stephen Jay Gould e Niles Eldridge, que mudou
paradigmas? Esta teoria rompeu com a teoria darwiniana ortodoxa
que via a evolução como uma série de mudanças graduais ao longo do
tempo. Gould e Eldridge viam a evolução como passando por longos
períodos em que quase nenhuma mudança dramática ocorre, mas é
periodicamente “pontuada” pelo que parecem ser saltos repentinos em
que espécies novas inteiras evoluem quase num piscar de olhos na
escala do tempo geológico.
A discussão de Trotsky sobre os longos períodos de estabilidade
de uma espécie, quando a evolução parece estar parada, que são então
4 Até pouco tempo, era dogma aceito que as principais características geológicas
do planeta surgiram através de mudanças graduais e acumuladas ao longo de um
vasto período de tempo. Esta era, em poucas palavras, a teoria do uniformitarismo,
criada por Charles Lyell e mais tarde adotada por Darwin. Supostamente, a teoria
uniformitarista teria posto de lado as teorias catastróficas anteriores, desenvolvidas
pelo antecessor de Lyell, Georges Cuvier. Descobertas recentes, como o impacto do
cometa K-T, há 65 milhões de anos, que causou a extinção em massa dos dinossauros e da maioria dos mamíferos da Terra, reavivaram as teorias catastróficas, bem
como a reputação do muito difamado antecessor de Lyell, Georges Cuvier.
286
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
“pontuados” pelo que parecem ser transformações súbitas que dão
origem a uma nova espécie, é um ponto chave da teoria do equilíbrio
pontuado - uma teoria que irritou muitos darwinistas tradicionais. A
abordagem gradualista dos darwinistas fundamentalistas não deixava
espaço nem para as transformações súbitas, nem para os longos períodos
de estabilidade. O equilíbrio pontuado também foi contra a corrente da
geologia tradicional que, desde o tempo de Lyell, negava o papel das
mudanças catastróficas. Sabemos hoje que as alterações ambientais
catastróficas podem conduzir a extinções em massa e ao aparecimento,
num curto espaço de tempo, de novas espécies, ou mesmo de todo um
complexo de novas espécies. Para transformar o insight de Trotsky num
projeto de investigação científica, é necessário mais uma coisa: ver a
ligação entre estes longos períodos de estabilidade interrompidos por
curtos períodos de eventos de especiação dramáticos no registro fóssil.
Quando examinado, é exatamente isto que o registro fóssil mostra. Para
conciliar as evidências do registro fóssil com a sua teoria de mudanças
constantes, mas graduais, Darwin e os darwinistas tradicionais sempre
assumiram que havia “lacunas” no registro fóssil. Só quando Eldridge
e Gould começaram a levar a sério a ideia de que talvez o registro
fóssil mostrasse de fato a história real dos eventos de especiação é que
criaram a teoria do equilíbrio pontuado. Provavelmente não é acidental
que Gould tenha sido um proponente consciente do valor heurístico da
dialética para informar o trabalho das ciências naturais. Ele escreveu
uma vez:
“Quando apresentadas como diretrizes para
uma filosofia da mudança, e não como preceitos
dogmáticos verdadeiros por decreto, as três leis
clássicas da dialética [formuladas por Engels]
incorporam uma visão holística que vê a mudança
como interação entre componentes de sistemas
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
287
completos, e vê os próprios componentes... como
produtos e contributos para o sistema.” [Stephen
Jay Gould, An Urchin in the Storm, “Nurturing
Nature” (Norton, 1987, p 153-154)].
A questão, claro, não é que a dialética por si só seja um
substituto para o trabalho árduo da ciência, um ponto que o próprio
Trotsky reconhece em outro ponto dos Cadernos onde diz “A dialética
não liberta o investigador do estudo meticuloso dos fatos, muito pelo
contrário: exige-o”, mas que o poder conceitual da dialética, nas
mãos de um gênio como Trotsky, “...dá elasticidade ao pensamento
investigativo, ajuda-o a lidar com preconceitos ossificados, arma-o
com analogias inestimáveis e educa-o num espírito de ousadia, baseado
na circunspeção”.
A Dialética e a Flexibilidade dos Conceitos
Outro aspecto da compreensão de Trotsky da dialética que é
notável é a sua ênfase na fluidez dos conceitos. Por exemplo, a seguinte
passagem onde ele discute como a forma e o conteúdo “mudam de
lugar” fornece uma visão do poder do pensamento dialético e do seu
forte contraste com o método de conceber a oposição em termos de
antinomias rígidas.
“A teoria das revoluções. A antimonia lógica do
conteúdo e da forma perde assim o seu carácter
absoluto. O conteúdo e a forma mudam de lugar. O
conteúdo cria novas formas a partir de si próprio.
Por outras palavras, a correlação entre o conteúdo
e a forma conduz, em última análise, à conversão
da quantidade em qualidade.”
Aqui Trotsky aborda um tema - a flexibilidade dos conceitos em que a íntima ligação entre dialética e prática revolucionária entra
288
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
em cena. É um tema que está no centro de um dos últimos escritos
de Lenin, redigido durante a sua última doença. Tendo em mente os
teóricos da Segunda Internacional, sobretudo Kautsky, Lenin escreveu:
Todos eles se dizem marxistas, mas a sua conceção
do marxismo é impossivelmente pedante. Eles
falharam completamente em compreender o
que é decisivo no marxismo, nomeadamente,
a sua dialética revolucionária. Eles falharam
mesmo absolutamente em compreender as
afirmações claras de Marx de que em tempos de
revolução é exigida a máxima flexibilidade...
(“Our Revolution”, Lenin’s Collected Works, 2nd
English Edition, Progress Publishers, Moscow,
1965, Volume 33 (p. 476-80). http://www.marxists.
org/archive/lenin/works/1923/jan/16.htm)
Podemos acrescentar a notável afirmação de Lenin que a teoria
da revolução permanente de Trotsky foi um exemplo supremo da
dialética revolucionária. Trotsky viu que as velhas fronteiras traçadas
por teóricos como Kautsky entre a revolução burguesa e a revolução
socialista já não funcionavam numa simples progressão linear. Os
elementos da revolução burguesa já não podiam ser realizados pela
burguesia e, por sua vez, tornavam-se responsabilidade da classe
operária e da revolução socialista. Reconhecendo que a revolução
russa teria este carácter combinado como resultado direto do
desenvolvimento desigual do capitalismo mundial, Trotsky redefiniu
decisivamente a relação entre a revolução burguesa e a revolução
proletária. Uma fluía necessariamente para a outra ou não poderia ser
realizada de todo.
Esta flexibilidade de conceitos no pensamento dialético é,
ironicamente, a única qualidade que obteve a aprovação de Max
Eastman. Enquanto Eastman considerava a dialética completamente
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
289
anticientífica, defendia que podia, no entanto, desempenhar um papel
positivo nas mãos de alguém como Lenin, porque não o sobrecarregava
com os dogmas do passado.
Eastman tentou encaixar a oposição a antinomias rígidas
caraterística da dialética no leito procrusteano do instrumentalismo de
Dewey e da ênfase no processo.5
A flexibilidade dos conceitos, quando entendida a partir do
contexto de uma filosofia dialética, não nos dá licença para abraçar
qualquer ideia a torto e a direito, dependendo da disposição subjetiva
de cada um. Pelo contrário, contém a percepção de que os fenômenos
sob investigação, a partir da sua própria dinâmica interna, através
de uma negação determinada, se transformam nos seus opostos.
Identificar qualquer processo como passando por tais transformações
requer, no entanto, um estudo cuidadoso do seu movimento real,
sem ser condicionado pelos “preconceitos ossificados” a que Trotsky
aludia.
Trotsky como um importante pensador dialético
Poder-se-ia pensar que a publicação dos Cadernos de Trotsky,
5 Sidney Hook foi o melhor representante dos pragmatistas que tentaram conciliar
o instrumentalismo de Dewey com a dialética. Envolveu Max Eastman numa série
de debates públicos sobre a dialética na década de 1920. Numa resenha do livro
de Eastman, Hook escreveu: “A fluidez da coisa e do fato e o contexto mutável do
julgamento representam o coração da dialética, e não os termos antiquados com que
Hegel vestiu a ideia. O Sr. Eastman pode ficar surpreendido ao saber que a dialética - modificada, é certo - aparece na lógica instrumentalista [de Dewey].” (Sidney
Hook, “Marxism, Metaphysics and Modern Science”, Resenha de “Marx, Lenin,
and the Science of Revolution” de Max Eastman, Modern Quarterly 4 (maio-agosto de 1928), p. 388-394. Citado por Christopher Phelps na sua biografia de Hook,
Young Sidney Hook (Cornell University Press, 1997, p. 43).
290
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
há mais de trinta anos, teria suscitado um interesse renovado pelo lado
teórico da obra de Trotsky. No entanto, não foi esse o caso.6 Até hoje,
Trotsky tem sido erradamente acusado de ser um marxista ortodoxo
mecânico, não fundamentalmente diferente de Karl Kautsky, por,
entre outros, o intelectual de esquerda Slavoj Žižek. No seu livro sobre
Trotsky, que é geralmente simpático, Žižek destaca o que considera
serem as “limitações teóricas” de Trotsky:
“Outra limitação teórica mais específica é que
Trotsky, não muito diferente de Lenin, continua a
opor o ‘bom’ (marxista ortodoxo) Kautsky inicial
ao ‘mau’ renegado tardio, não vendo como as
sementes da sua regressão já estão todas lá na sua
‘ortodoxia’ anterior.” (Slavoj Žižek. Introdução a
“Trotsky: Terrorismo e Comunismo” (Verso, 2007,
p. 179).
Trotsky obviamente pensava que o seu estudo de Hegel
e da dialética era de importância permanente no seu trabalho de
reconstrução do movimento revolucionário após as traições do
stalinismo. Portanto, não é de surpreender que muito do que aparece
aqui como notas fragmentadas seja mais tarde trabalhado em ensaios
completos e acabados quando Trotsky enfrentou a fração ShachtmanBurnham no Socialist Workers’ Party em 1939-1940. Pois Trotsky viu
a evolução deste grupo de intelectuais que começou por menosprezar
a importância da dialética, tal como Eastman, como uma confirmação
da sua crença de que não havia nenhum caso em que um opositor
do materialismo dialético tivesse sustentado um compromisso
revolucionário. Os Cadernos poderiam, sob essa luz, serem vistos
como um prenúncio da polêmica com Shachtman e Burnham que mais
6 Entre essas contribuições notáveis, podemos apontar Hillel Ticktin e Michael
Cox, The Ideas of Leon Trotsky (1995) e The Marxism of Leon Trotsky, de Kunal
Chattopadhyay (2006).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
291
tarde foi publicada como Em Defesa do Marxismo. Nessa polêmica,
Trotsky apresentou uma exposição mais sistemática, se bem que
simplificada, da dialética, mas desta vez com a intenção pedagógica
de formar militantes da classe trabalhadora no pensamento dialético.
É uma confirmação, se é que é preciso alguma, de que ao longo da sua
carreira como revolucionário marxista, Trotsky acreditava firmemente
que sem teoria revolucionária não há prática revolucionária.
292
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
PARTE IV
DEBATES SOBRE
DESENVOLVIMENTO DESIGUAL
E COMBINADO
E REVOLUÇÃO PERMANENTE
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
293
As particularidades no desenvolvimento desigual e combinado
Renato Fernandes1
Uma das críticas mais comuns ao marxismo é atribuir um
caráter “eurocêntrico” as suas teses: a teoria serviria para explicar
o desenvolvimento da Europa e, principalmente, de seus países
ocidentais (Inglaterra, França e Alemanha, p.ex.), porém não poderia
explicar o desenvolvimento dos países de outros continentes, pois
não compreenderia suas particularidades. Nesse sentido, o marxismo
seria limitado a explicar o desenvolvimento capitalista clássico: da
passagem do feudalismo a pequenas cidades com manufaturas; das
manufaturas à indústria; e assim por diante.
Essa crítica se acentua quando falamos das compreensões
do revolucionário russo Leon Trosky. Por muito tempo, parte dos
comunistas como Bukharin acusaram Trotsky de “europeísmo” ou
de ignorar as “especificidades russas”, principalmente a questão
dos camponeses e a questão colonial (BUKHARIN, 1990, p. 106).
O comunista italiano Antonio Gramsci, em seus escritos carcerários,
teve uma visão semelhante ao considerar Trotsky um “cosmopolita”:
debatendo se a teoria da revolução permanente não era um reflexo
político da ideia de guerra de manobra, Gramsci afirmou que “seria
possível dizer Bronstein, que aparece como um “ocidentalista”,
era, ao contrário, um cosmopolita, isto é, superficialmente nacional
e superficialmente ocidentalista ou europeu. Em disso, Ilitch era
1
Professor de Ciências Políticas e Econômicas na FATEC Sumaré. Membro do
Laboratório de Pensamento Político da Unicamp.
294
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
profundamente nacional e profundamente europeu.” (GRAMSCI,
2001, p. 261).
Contrariamente essas visões, queremos demonstrar aqui que
a elaboração do desenvolvimento desigual e combinado como uma
teoria da história é profundamente aberta à questão nacional e às
particularidades históricas. O desenvolvimento desigual e combinado
foi formulado teoricamente por Trotsky em conjunto com sua teoria
da revolução permanente, e sua orientação é para a compreensão
da natureza do processo histórico múltiplos e diferenciados que
ocorreram na Rússia. Segundo o revolucionário russo, em sua História
da Revolução Russa,
O desenvolvimento desigual, que é a lei mais geral
do processo histórico, não se revela, em nenhuma
parte, com maior evidência e complexidade do
que no destino dos países atrasados. Açoitados
pelo chicote das necessidades materiais, os países
atrasados se veem obrigados a avançar aos saltos.
Desta lei universal do desenvolvimento desigual da
cultura decorre outra que, por falta de nome mais
adequado, chamaremos de lei do desenvolvimento
combinado, aludindo à aproximação das distintas
etapas do caminho e à confusão de distintas fases,
ao amálgama de formas arcaicas e modernas.
(TROTSKY, 2007, p. 21. Grifos do autor)
Uma consideração importante sobre o termo “lei” escrito
por Trotsky: como o próprio autor afirmou, no mesmo parágrafo
citado, as leis do processo histórico não têm nada em comum com
“o esquematismo pedante”, no sentido de uma aplicação linear
(Ibidem). A ideia de lei é a ideia de uma regularidade, mas não de
uma exclusividade, de um sentido único. Dessa forma, para Trotsky,
ao conceber o desenvolvimento desigual e combinado na Rússia,
ele concebe que o capitalismo, apesar de ser um processo mundial e
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
295
universalizante, não repete sua história em nenhum país: “O marxismo
parte do conceito da economia mundial, não como uma amalgama
de partículas nacionais, mas como uma potente realidade com vida
própria, criada pela divisão internacional do trabalho e o mercado
mundial, que impera nos tempos que corremos sobre os mercados
nacionais.” (TROTSKY, 2005a, p. 402).
Uma das características essenciais desse conceito é a
necessidade de diferenciar entre os diferentes níveis de desenvolvimento
presentes em uma determinada sociedade. Por exemplo, ao considerar
as Américas antes da invasão portuguesa, é possível observar a
coexistência de culturas e níveis de desenvolvimento tecnológico
distintos, que se combinaram de maneira complexa: os níveis de
desenvolvimento tecnológico das sociedades ameríndias eram
completamente diferentes, assim como suas culturas e sua relação com
outras sociedades2.
Apesar de Trotsky propor o conceito para a interpretar a
sociedade russa, o próprio intelectual russo ampliou sua compreensão
para compreender outras sociedades como a espanhola e a América
Latina. No caminho aberto por Trotsky, diversos intelectuais utilizaram
o desenvolvimento desigual e combinado para interpretar suas
sociedades ou para ampliar o escopo histórico das leis, como George
Novack (2008), Nahuel Moreno (1957) e Milcíades Peña (2012).
A compreensão de Trotsky sobre a formação social russa
foi se desenvolvendo ao longo do processo. Para entender como
2
Quando fazemos essas comparações, sempre existe uma questão problemática do
evolucionismo, isto é, a consideração de que uma sociedade é “mais avançada”
e outra sociedade “mais atrasada”. Não debateremos a fundo essa questão,
bastante criticada por teorias antropológicas, porém, queremos assinalar o
problema.
296
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
esse desenvolvimento e a compreensão das particularidades no
desenvolvimento desigual e combinado, vamos interpretar três
análises diferentes: o processo de compreensão sobre a Rússia
nos livros Balanços e Perspectivas, de 1906, 1905 de 1909 e na já
mencionada História da Revolução Russa de 1930; a segunda é em
seus escritos sobre a Espanha ao longo dos anos 1930; e a última são
seus escritos sobre a América Latina, elaborados entre 1936-1940. Essa
interpretação está mais para uma introdução que possa compreender
como o tema está desenvolvido em cada uma dessas análises, do que
uma análise aprofundada propriamente nessas obras.
Partindo dessa compreensão e considerando como uma
leitura introdutória, pensamos que é importante reconhecer que o
desenvolvimento desigual e combinado na história teve influência
em diversos contextos, pois ele não apenas oferece uma interpretação
para entendermos as particularidades nacionais, mas também lança
luz sobre os processos de mudança social e econômica ao longo do
tempo. Assim, ao examinar o desenvolvimento desigual e combinado,
é possível obter uma compreensão mais profunda da complexidade do
desenvolvimento histórico das sociedades.
O desenvolvimento desigual e combinado na interpretação da
formação da Rússia
Em 1905, o poder absolutista czarista tremeu: após o domingo
sangrento, milhares de operários e camponeses se lançaram nas
ruas contra o czarismo, organizando os conselhos conhecidos como
“sovietes” e, apesar de terem sido derrotados, alteraram as condições
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
297
de luta política e social na Rússia3.
Leon Trotsky foi um dos principais dirigentes desse processo
encabeçando o Soviete de São Petesburgo. Com a derrota da revolução,
ele foi preso em 1906 e exilado na Sibéria, de onde fugiu para o
Ocidente (TROTSKY, 2017, p. 211–239). Nesse momento, Trotsky já
era conhecido nos círculos social-democratas, porém ainda não tinha
uma grande contribuição política e teórica.
No exílio, decidiu reorganizar seus escritos e lançar um livro
que tinha sido parte escrita em 1904, Balanços e Perspectivas mas
que teve sua primeira edição em 1906 – uma segunda em 1915 e
uma terceira pós-Revolução Russa, 1922 – incorporando a análise do
processo revolucionário. O ensaio é uma análise sócio-histórica do
desenvolvimento do capitalismo russo, principalmente da dinâmica
política e de classes sociais, assim como a proposição de um programa
para a revolução russa.
Para compreendermos a questão da particularidade histórica,
vamos analisar, principalmente, o primeiro capítulo do livro: “As
particularidades do desenvolvimento histórico”. Neste, Trotsky já
começa fazendo uma comparação entre o desenvolvimento social da
Rússia em relação aos Estados europeus e vaticina: “a característica
essencial do desenvolvimento social russo é seu primitivismo e sua
lentidão” (TROTSKY, 2005b, p. 65. Tradução nossa) e acrescenta que
“a sociedade russa nasceu sobre uma base econômica mais simples e
mais pobre” (Ibidem). Essa lentidão e atraso fez com que na Rússia
o processo de formação das classes sociais estive “bloqueado” e
tivesse um caráter mais primitivo, não conformando as classes sociais
3
Sobre essa primeira revolução, Trotsky escreveu diversos artigos e brochuras,
como 1905 (1971).
298
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
modernas da mesma forma que no Ocidente (Ibidem, p. 66).
A segunda característica é que o desenvolvimento histórico
russo não foi influenciado somente por suas tendências internas
próprias, como um desenvolvimento autóctone, mas sofreu uma
forte pressão do “meio sócio-histórico exterior” a ele (Ibidem). O
Estado absolutista russo desenvolveu-se por meio das guerras contra
os tártaros e também contra outras nações como a Lituânia, Polônia
e Suécia. Essa pressão fez com que o Estado devorasse o excedente
e a mais-valia que abastecia as classes dominantes russas, além de
apropriar-se sobre o “produto necessário” dos camponeses, privando
de seus meios de existência (Ibidem, p. 67). Todas essas medidas,
segundo Trotsky, atrapalharam o crescimento da população e frearam
o desenvolvimento das forças produtivas.
Essa característica, que Trotsky aproximou da qualificação
de despotismo asiático, é fundamental para entendermos as
particularidades da Rússia. O Estado, para defender-se dos inimigos
externos, teve que se apropriar dos recursos das classes sociais como
forma de garantir sua sobrevivência. Dessa forma, ele enfraqueceu
e atrasou o desenvolvimento das classes dominantes e também
das classes subalternas. Por outro lado, ele também enfraqueceu o
desenvolvimento da intelectualidade russa que “se desenvolveu, como
a economia russa, sob a pressão direta do pensamento e da economia
-mais avançada – do Ocidente” (Ibidem, p. 69). Podemos afirmar que
houve uma hipertrofia do Estado, isto é, o Estado se caracterizou por
ocupar o papel das classes sociais, ao mesmo tempo, bloqueando o
desenvolvimento ao assumir o desenvolvimento das mesmas.
Nessa situação, na Rússia, de forma muito diferente de outros
Estados europeus, o capitalismo foi um filho direto do Estado, isto é,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
299
foi o Estado absolutista que introduziu máquinas e indústrias, trouxe
o capital ocidental, criou o sistema monetário e de crédito (inclusive
endividando-se) no país. Dessa forma, a indústria russa era dependente
tanto do Estado como do capital estrangeiro (Ibidem, p. 69-70).
Esse desenvolvimento via Estado tinha características bastante
peculiares em relação as classes sociais e também no desenvolvimento
das cidades. Por exemplo, apesar de já ter uma industrialização
acelerada nas grandes cidades russas, Trotsky relata que o censo
de 1897 contabilizou apenas 13% da população russa nas cidades
(incluindo a Sibéria e Finlândia) (Ibidem, p. 72). Essa era uma
característica do atraso russo que não havia desenvolvido cidades
artesanais e comerciais como no Ocidente Europeu, mas sim cidades
com atividades puramente de consumo.
Todas essas questões, levam Trotsky a uma conclusão
fundamental que é base da revolução permanente: pela questão do
atraso, do peso do Estado russo na economia e no desenvolvimento das
classes sociais, pelo lento desenvolvimento da intelectualidade, entre
outros elementos, a classe burguesa russa, formada na combinação
entre o Estado e o capital estrangeiro, é uma classe que não tem
disposição de lutar contra o absolutismo, isto é, que não vai fazer a
revolução democrática no país. 1905 era a prova da suas conclusões
teóricas (Ibidem, p. 85).
Já no exílio, Trotsky procurou escrever mais detidamente
sobre o processo revolucionário russo em sua obra 1905. Essa obra
é um estudo mais aprofundado das questões levantadas em Balanço
e perspectiva, mas acaba seguindo o mesmo rastro teórico. Já na
abertura da obra, Trotsky afirmou:
Nossa revolução acabou com nosso particularismo,
mostrando que a história não havia criado para nós
300
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
leis de excepção. E, ao mesmo tempo, a revolução
russa tem precisamente um caráter particular
que é a soma dos traços distintivos de nosso
desenvolvimento social e histórico e que abre, por
sua vez, perspectivas históricas totalmente novas.
(TROTSKY, 1971, p. 21 Tradução nossa. Grifos
do autor).
Essa é uma das partes mais interessantes para compreender o
desenvolvimento desigual e combinado de Trotsky: a Rússia estava
inserida na história mundial, isto é, no desenvolvimento mundial da
economia capitalista, ao mesmo tempo em que era uma economia
atrasada, com baixo desenvolvimento das forças produtivas nacionais,
com um Estado hipertrofiado, isto é, que tinha suas particularidades
nacionais. Nesse sentido, podemos enunciar aqui uma das principais
características para compreender as particularidades nacionais no
desenvolvimento desigual e combinado: as particularidades não são
elementos isolados do desenvolvimento da economia mundial, mas
parte integrante, isto é, parte da combinação de suas singularidades
com a universalidade do desenvolvimento do capitalismo. É por isso
que, em polêmica com Stalin sobre as particularidades nacionais e o
internacionalismo dos partidos comunistas, Trotsky afirmou:
As peculiaridades econômicas dos diversos países
não tem um caráter secundária, nem muito mesmo:
bastará comparar a Inglaterra e a Índia, os Estados
Unidos e o Brasil. Porém, as características
específicas da economia nacional, por maiores que
sejam, forma parte integrante, e em proporção cada
dia maior, de uma realidade superior que se chama
economia mundial, na qual tem seu fundamento,
em última instância, o internacionalismo dos
partidos comunistas. (…) [Stalin] não se dá
conta de que aquelas peculiaridades nacionais
são precisamente o produto mais geral, e aquele
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
301
em que, por assim dizer, se resume tudo do
desenvolvimento histórico desigual. (TROTSKY,
2005a, p. 403–404. Tradução nossa. Grifos do
autor)
Entre a revolução de 1905 e a revolução de 1917, diversas
questões se passaram na Rússia: o difícil período de reação, no qual
o czarismo retomou a ofensiva; a reorganização do partido que se
separou em duas alas definitivas em 1912; a primeira guerra mundial
(1914) e a traição da II Internacional; entre outros elementos. Porém,
quando explode a revolução russa de 1917, que não era “nada além da
continuação e do desenvolvimento da obra interrompida” do ensaio
geral de 1905 (TROTSKY, 2017, p. 222), Trotsky volta a linha de
frente do processo revolucionário.
A sua análise da revolução russa de 1917 está contida em
diversos discursos, artigos e brochuras. Entre eles, podemos destacar
As lições de outubro, escrito em 1924, no início da luta contra a
burocratização e ascensão do stalinismo no Partido Bolchevique.
Porém, será no exílio que Trotsky vai analisar com mais precisão o
desenvolvimento da revolução russa em sua História da Revolução
Russa.
Já de início, Trotsky parte do problema das particularidades do
desenvolvimento russo, retomando uma boa parte da elaboração que
tinha realizado em Balanços e Perspectivas: “O traço fundamental
e mais constante da história da Rússia é o caráter lento de seu
desenvolvimento, com o atraso econômico, o primitivismo das formas
sociais e o baixo nível de cultura constituindo sua consequência
obrigatória.” (TROTSKY, 2007, p. 19).
Uma questão importante, que já fazia parte das elaborações
anteriores, mas que não estava desenvolvido de forma consiste,
302
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
é o processo de mundialização inaugurado com o capitalismo,
principalmente em sua fase imperialista. Nesse sentido, Trotsky afirmou
que o “capitalismo prepara e, até certo ponto, realiza a universalidade
e permanência na evolução da humanidade”, porém, esse processo não
é uma repetição das etapas dos países avançados, ao contrário, existe
um privilégio do atraso: “O privilégio dos países historicamente
atrasados – o que de fato é – está em poder assimilar as coisas ou, dito
melhor, em se obrigar a assimilá-las antes do prazo previsto, saltando
por toda uma série de etapas intermediárias.” (Ibidem, p. 20. Grifo do
autor). Dessa forma, nas nações atrasadas, confundam-se as distintas
fases do processo histórico, realizando o que o revolucionário russo
teorizou como desenvolvimento desigual e combinado.
Esse desenvolvimento desigual e combinado gerou uma série
de particularidades na formação social russa. Uma delas era em relação
ao tamanho do Estado absolutista:
Sob a pressão da Europa mais rica, o Estado russo
absorvia uma parte proporcional muito maior da
riqueza nacional que os Estados ocidentais, com
o que não só condenava as massas do povo a uma
dupla miséria, mas também enfraquecia as bases
das classes possuidoras. (…) O resultado disso
era que as classes privilegiadas, que haviam se
burocratizado, não puderam nunca chegar a se
desenvolver em toda a sua pujança, razão pela
qual o Estado ia se aproximando cada vez mais do
despotismo asiático. (TROTSKY, 2007, p. 21–22)
Duas características particulares da formação social russa
são destacadas por Trotsky. A necessidade de um Estado forte
fez com que não houvesse espaço para o desenvolvimento de uma
Igreja e de um Clero com maior autonomia e poder como foi no
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
303
Ocidente. Nesse sentido, o Clero sempre esteve subordinado ao
poder absolutista do Czar. Por outro lado, retomando a temática já
abordada em Balanço e Perspectivas, as cidades russas “eram centros
comerciais, administrativos, militares e da nobreza; centros, portanto,
consumidores e não produtores.” (Ibidem, p. 22). Na Rússia medieval
não se desenvolveram as comunas e a burguesia como classe produtora,
tal qual no Ocidente. E, por conta dessa condição, não se desenvolveu
uma logística do transporte de mercadorias com vias de comércio:
as principais vias de comunicação do comércio
russo conduziam ao estrangeiro, assegurando,
assim, ao capital externo, desde os tempos mais
remotos, o posto dirigente e dando um caráter
semicolonial a todas as operações, em que o
comerciante russo ficava reduzido ao papel de
intermediário entre as cidades ocidentais e a aldeia
russa. (TROTSKY, 2007, p. 23)
Uma questão interessante levantada por Trotsky é justamente
sobre a impossibilidade de movimentos reformistas e revolucionários
na Rússia no período pré-capitalista. Por um lado, a ausência de cidades
russas, com um comércio ativo, gerou a impossibilidade de uma
reforma protestante no sentido ocidental; da mesma forma, a ausência
dessas cidades representava a ausência do que o revolucionário russo
considerava o “corpo principal” do terceiro Estado, a burguesia e
os trabalhadores livres que pudessem dar um sentido as revoltas
camponesas recorrentes na Rússia (Ibidem, p. 23).
Porém, como Trotsky demonstra, uma das particularidades e
privilégios do atraso foi justamente o salto na indústria russa. Segundo
ele, “entre a revolução de 1905 e a guerra, a Rússia aproximadamente
dobrou sua produção industrial” (ibidem, p. 24). Isso pode ser percebido
na comparação entre a indústria e a agricultura russa no período pré-
304
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
revolucionário: “Enquanto que até o momento do estalar da revolução
a agricultura se mantinha, com pequenas exceções, quase que ao
mesmo nível do século 17, a indústria, no que se refere à sua técnica e
estrutura capitalista, estava ao nível dos países mais avançados e, em
alguns aspectos, os ultrapassava.” (ibidem, p. 25).
Por outro lado, essa indústria, que era resultado do salto
histórico no desenvolvimento da Rússia, não havia se desenvolvido
dos artesanatos e manufaturas presentes nas pequenas cidades do país.
Ela era o fruto da fusão do capital industrial com o bancário, do capital
imperialista diretamente investido no país e com uma concentração
muito superior ao ocidente. Por isso, Trotsky afirmou que “podese dizer, sem exagero, que o centro de controle das ações emitidas
pelos bancos, empresas e fábricas da Rússia estavam em mãos de
estrangeiros, devendo se notar que a participação dos capitais da
Inglaterra, França e Bélgia representava quase o dobro da Alemanha.”
(ibidem, p. 25).
Todas essas condições estruturais e peculiares formaram as
classes sociais russas. O proletariado se formou no campo e não nas
cidades. A burguesia nacional se formou como subalterna ao capital
estrangeiro e à nobreza absolutista. Em polêmica com historiador
Pokrovsky, o dirigente revolucionário afirmou sobre a dinâmica das
classes: “O resultado de nosso desenvolvimento histórico atrasado,
nas condições do cerco imperialista, foi que nossa burguesia não teve
tempo de expulsar o tsarismo antes do proletariado se tornar uma força
revolucionária independente.” (ibidem, p. 433).
É por essas condições particulares que Trotsky afirmou que
as tarefas democráticas na Rússia não poderiam ser cumpridas pela
burguesia nacional. Ela era muito débil. Apesar disso, era necessário
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
305
lutar pelas tarefas democráticas, que foram efetivamente o “ponto
de partida da revolução” de 1917. Porém, “a revolução começa
derrubando toda a podridão medieval e, no curso de poucos meses,
leva ao poder o proletariado e o partido comunista” (ibidem, p. 28)
que iniciam o o processo de transição da revolução democrática para
a revolução socialista.
As particularidades no desenvolvimento espanhol
O desenvolvimento desigual e combinado como método de
interpretação histórico é ampliado por Trotsky nos seus escritos sobre
países ou regiões. Vamos tentar demonstrar aqui como ele aplica no
caso da Espanha.
Os Escritos sobre a Espanha são um conjunto de cartas e
artigos publicados por Trotsky sobre o país nos anos 1930. Muitos
deles são bastante conjunturais e contextuais, referindo-se muitas vezes
a luta política do momento. Porém, outros artigos contém elementos
importantes para a interpretação histórica do país, das suas classes e
conflitos. Um dos principais textos foi A revolução espanhola e as
tarefas dos comunistas de 1931, publicado como brochura e que foi
fundamental para a organização trotskista do país.
Nesse texto, Trotsky começa afirmando a questão do “atraso”
espanhol, porém enfatiza que “seu atraso tem caráter particular,
determinado pelo grande passado histórico do país” (2014, p. 49).
Trotsky trabalha a ideia de que a Espanha passou entre os séculos XVXVI por um momento de grandeza seguido por uma decadência:
O descobrimento da América, que em princípio
fortaleceu e enriqueceu a Espanha, se voltou mais
tarde contra ela. As grandes rotas comerciais
306
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
se afastaram da Península Ibérica. A Holanda
enriquecida se descolou da Espanha. Depois da
Holanda, foi a Inglaterra que conquistou, por
muito tempo, uma posição de superioridade sobre
a Europa. Já a partir da segunda metade do século
XVI, a Espanha caminhava para seu declínio.
Depois da destruição da Armada Invencível
(1588), esse declínio toma, por sua vez, um caráter
oficial. Marx qualifica como uma “putrefação
lenta e inglória” o início dessa Espanha feudalburguesa. (TROTSKY, 2014, p. 49)
O principal elemento que explica essa decadência é justamente
a ausência de centralização nacional do Estado, predominando
na Espanha o particularismo – Trotsky opõe esse particularismo,
justamente com a grande centralização que conseguiu a França no
pós-1789. Além disso, é importante compreender que “a monarquia
espanhola se formou graças à decadência do país e a putrefação das
classes dominantes” o que era diferente do resto da Europa Ocidental
(que se formou nas lutas entre as velhas cidades e a nobreza) e da
Rússia que teve uma formação permanentemente lenta e atrasada das
suas classes sociais, como vimos anteriormente.
Uma característica particular da Espanha é o peso do Exército
no país. Em determinado sentido, Trotsky afirma que, na ausência da
centralização nacional pela monarquia, a instituição assumiu a força
dessa centralização e da unidade nacional. Nesse sentido, o Exército
aparecia como a principal força e representação das classes dominantes
como demonstra história de pronunciamientos4 que se sucederam entre
os séculos XIX e XX no país.
A burguesia espanhola, assim como a russa, chegou atrasada
4
Formas de golpe militar ou de Estado característica no países ibéricos.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
307
no cenário de desenvolvimento histórico. A Espanha, assim como
a Rússia, não teve uma indústria que se desenvolveu do artesanato
para as manufaturas. A indústria espanhola, nos anos 1930, era muito
mais o resultado dos investimentos estrangeiros acontecidos no
período da Primeira Guerra Mundial e durante os anos 20. Era uma
indústria extrativa e leve com setores como carvão, têxtil, construção,
etc. Porém, seu atraso histórico, sua subordinação ao Exército, sua
dependência do capital estrangeiro e seu medo do proletariado, faz
com que essa burguesia se tornasse um “dos grupos mais reacionários”
do país (ibidem, p. 54). São nessas condições que Trotsky afirmou
que o proletariado, cerca de 8% da população na época, empregado
em setores como indústria, comércio, transporte e agricultura, tornouse o principal sujeito histórico para retirar o país do atraso e fazer a
revolução nacional, repetindo a dinâmica do processo russo, porém,
com suas próprias especificidades (ibidem, p. 54-55).
Uma outra questão levantada por Trotsky, porém na parte do
programa dos comunistas espanhóis, é a questão das nacionalidades.
Esse é um debate longo no marxismo internacional com posições
divergente, como aquelas defendidas no início do século por Lenin e
por Rosa. A ausência da centralização nacional e as características de
formação da nação espanhola fizeram com que coexistissem no mesmo
país nacionalidades diferentes, como a catalã e a basca. Para Trotsky,
era necessário que os comunistas adotassem um programa de “unidade
econômica do país, com uma ampla autonomia das nacionalidades”,
isto é, garantia de direito às nacionalidades como língua, cultura,
educação, etc., sem que o país fosse dividido (TROTSKY, 2014, p.
57).
308
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
As particularidades da América Latina
Após ser expulso da URSS em 1929, perseguido por sua
atividade política, Trotsky passou pela Turquia, França e Noruega.
Quando a situação ficou insustentável para ele no país nórdico, com
a decretação de prisão domiciliar em agosto de 1936, Trotsky decidiu
partir ao México, após o presidente Lázaro Cárdenas conceder o visto
ao revolucionário russo (GALL, 2012, p. 3–5).
Trotsky chegou ao México em janeiro de 1937. Seus escritos
sobre os países latino-americanos eram bem poucos naquele momento:
algumas referências, citações, debates na Internacional ou conversas
com militantes, mas nada tão aprofundado. Nos últimos anos de vida
que passou no país, Trotsky teve diversas tarefas como defenderse das acusações contidas nos “Processos de Moscou”5 por meio
da Comissão Dewey (TROTSKY, 2010), além de gerir a direção e
a fundação da IV Internacional que terá seu primeiro Congresso
na França em 1938 (MARGARIDO, 2008). Mas uma das grandes
questões será investigar, debater e escrever sobre os EUA e a América
Latina, principalmente o México: “Lugar de desembarque ainda não
definido (…) Estou lendo avidamente alguns textos sobre México.
Nosso planeta é tão pequeno e, no entanto, sabem tampouco sobre
ele. Passei assim estes primeiros oito dias, trabalhando intensamente
e especulando sobre este misterioso México.” (TROTSKY apud
GALL, 2012, p. 5). Apesar disso, ao chegar no México, Trotsky faz
uma declaração na qual afirma aceitar as condições do governo do
país de “não intervenção na política mexicana e total abstenção de
5
BROUÉ, Pierre. Communistes contre Staline – Massacre d’une génération.
Paris: Fayard, 2003.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
309
todo ato que possa prejudicar as relações entre o México e outros
países.” (2009a, p. 62). Apesar dessa advertência, Trotsky não deixou
de escrever, debater e polemizar sobre a política mexicana e também
latino-americana.
Em relação ao nosso tema, vamos debater duas contribuições
de Trotsky para pensar os países do continente: a questão da debilidade
das burguesias na região e a formação dos regimes denominados
bonapartismo sui generis. Essas não são as únicas contribuições.
Os escritos de Trotsky sobre a América Latina, apesar de não serem
muito aprofundados sobre o tema, contém um conjunto de insights
que poderiam ser apontados como pontos de apoio para compreender
as particularidades do desenvolvimento histórico da região, como em
relação ao fascismo, ao papel das disputas imperialistas, entre outros
temas.
Em relação as burguesias nacionais, Trotsky vai traduzir a
tese da debilidade da burguesia russa para a debilidade das burguesias
latino-americanas. Há uma identidade estrutural entre elas, pelo atraso
que ambas chegaram no desenvolvimento histórico, ainda que as
burguesias latino-americana chegaram ainda mais atrasadas e tiveram
o seu desenvolvimento somente no fim do século XIX e o início do
século XX, quando o processo de cambio de metrópole, isto é, de
passagem do domínio inglês para o domínio estadunidense, já estava
em fase de conclusão.
Nesse sentido, Trotsky afirmou:
Em muitos dos países latino-americanos, a
ascendente burguesia nacional, buscando uma
maior participação no butim, e ainda se esforçando
para aumentar o tamanho de sua independência,
- quer dizer, para conquistar a posição dominante
na exploração de seu próprio país -, certamente
310
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
trata de utilizar as rivalidades e conflitos dos
imperialistas estrangeiros com este fim. Porém,
sua debilidade geral e seu surgimento atrasado lhes
impedem de atingir um nível de desenvolvimento
mais alto que o de servir a um amo imperialista
contra outro. Não podem lançar uma luta séria
contra toda dominação imperialista e por uma
autêntica independência nacional por temerem
desencadear um movimento de massas dos
trabalhadores do país, que por sua vez ameaçariam
sua própria existência social. O exemplo recente
de Vargas vem ao caso, que trata de utilizar a
rivalidade entre os Estados Unidos e Alemanha,
mas o mesmo tempo mantém uma brutal ditadura
sobre as massas populares. (2009a, p. 102–103.
Grifos do autor)
Nessa caracterização se destacam três pontos importantes. A
primeira é sobre a debilidade e a autonomia relativa das burguesias:
Trotsky considera que elas estão em fase de ascenso, fortalecimento,
buscando ganhar uma maior parte na exploração da mais-valia do
país. É uma etapa histórica que se abriu entre as duas guerras. Nessa
situação, o que é a segunda característica, elas utilizam os conflitos
entre os imperialismo, principalmente o inglês (ou europeu) e o
estadunidense na região da América Latina, para alcançar uma melhor
posição – o caso de Vargas, que acabou entrando na Guerra ao lado
dos EUA, é uma demonstração dessa segunda característica. A terceira
característica importante, que nos parece a mais fundamental, é
justamente a condição estrutural das burguesias dos países atrasados:
a impossibilidade de lutar contra toda a dominação imperialista, pela
independência nacional frente ao imperialismo, por causa da existência
ou da possibilidade de desencadear um movimento de massas dos
trabalhadores que ameaçaria sua própria existência. É nesse sentido
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
311
que podemos afirmar que Trotsky considerava que as burguesias dos
países atrasados, dependentes, estava numa condição de debilidade
estrutural em relação as tarefas da revolução democrático burguesa –
se era uma tese estabelecida para compreender a Rússia, aos poucos, ela
foi generalizada para o conjunto dos países coloniais e semicoloniais.
A combinação entre essa debilidade estrutural da burguesias
dependentes e a disputa imperialista pela região levou a formulação
de um conceito para interpretar esse países conhecidos como
bonapartismo sui generis. Trotsky não faz uma análise específica
sobre o fenômeno, mas escreve diversos fragmentos que compõem
uma teoria por ser construída6. A formulação mais completa aparece
em um texto de 1938-1939, publicado apenas em 1946, discutindo a
política de nacionalização do petróleo levada a cabo pelo presidente
nacionalista mexicano Lázaro Cárdenas:
Nos países industrialmente atrasados o capital
estrangeiro desempenha um papel decisivo.
Daí a relativa debilidade da burguesia nacional
em relação ao proletariado nacional. Isso cria
condições especiais de poder estatal. O governo
oscila entre o capital estrangeiro e o nacional,
entre a relativamente débil burguesia nacional
e o relativamente poderoso proletariado. Isto dá
ao governo um caráter bonapartista sui generis,
de índole particular. Eleva-se, por assim dizer,
por cima das classes. Na verdade, pode governar
convertendo-se em instrumento do capital
estrangeiro e submetendo o proletariado às
amarras de uma ditadura policial, ou manobrando
com o proletariado, chegando inclusive a fazer-lhe
concessões, ganhando deste modo a possibilidade
6
Para uma análise mais completa da formulação de Trotsky sobre o tema com
uma teorização ampla, ver Felipe Demier (2021).
312
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de dispor de certa liberdade em relação aos
capitalistas estrangeiros. (2009b, p. 139. Grifos do
autor)
A possibilidade de oscilar entre os imperialismos, como fez
o governo Vargas, ou o governo Peron (PEÑA, 2012), acentuava
esse caráter sui generis. Nesse sentido, podemos afirmar que Trotsky
operou com uma conceituação inovadora em dois sentidos: a primeira
era a da inovação entre o conceito clássico de bonapartismo de Marx e
os bonapartismo sui generis; a segunda era dos tipos de bonapartismos
sui generis propostos.
Em relação ao conceito clássico, podemos dizer que Trotsky
inclui o bonapartismo sui generis como um fenômeno particular e
específico dos países industriais atrasados. Se há diversas semelhanças
entre os dois, como a questão de um governo com determinada
autonomia relativa das classes sociais, com lideranças fortes, há uma
grande diferença: a existência da burguesia imperialista como um
sujeito relevante na formação desses regimes políticos. Na França,
analisada por Marx (1974), essa não era uma questão importante.
E isso faz toda a diferença na definição da debilidade estrutural da
burguesia que afirmamos acima.
A segunda questão era das possibilidades de aparecimento
dos tipos de bonapartismo sui generis que ele apresenta no próprio
parágrafo. Podemos afirmar que isso aparece na forma de caracterização
de “semi-bonapartismo democrático” quando se inclina à esquerda –
como o governo Vargas em seus períodos democráticos; ou quando se
inclina à direita – como o governo Vargas em seus períodos ditatoriais
(DEMIER, 2013). Para qual lado vai essa dominação não tem a ver
com questões estruturais, mas como explica Trotsky, depende da
situação da luta de classes: “ É uma dominação semi-bonapartista,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
313
que se inclina hoje à esquerda, amanhã à direita, em função da etapa
histórica concreta em cada país.” (2009c, p. 128).
Como dissemos acima, há outras questões que poderiam
ser consideradas como contribuições de Trotsky e sua teoria do
desenvolvimento desigual e combinado para compreender as
particularidades do desenvolvimento histórico da América Latina.
Porém, essas nos parecem ser as duas questões mais importantes e na
qual se apoiam as outras questões como a da ausência da revolução
burguesa, a do processo de industrialização, a das especificidades do
fascismo e da frente popular na região, entre outras.
Considerações finais
No presente texto procuramos demonstrar que a teoria do
desenvolvimento desigual e combinado como interpretação da
história incluiu a compreensão das particularidades nacionais. Essa
compreensão não é apenas acessória, mas fundamental para a própria
teoria.
Isso pode ser percebido mais profundamente na compreensão
de Trotsky sobre a história da Rússia. A revolução permanente, o salto
de etapas, características fundamentais da teoria-estratégia de Trotsky,
só pode ser compreendida pela particularidade da formação estatal, das
classes sociais, da urbanização, do campo e da inserção da economia
russa no desenvolvimento mundial capitalista.
As mesmas questões pode ser pensada na questão da Espanha
e da América Latina: as particularidades que existem em cada um
dos países é um resultado da combinação entre as especificidades do
desenvolvimento de cada país somada a forma como o desenvolvimento
314
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
mundial capitalista se inseriu.
Nesse debate, acreditamos que a conceitualização sobre a
debilidade estrutural das burguesias dos países atrasados, a hipertrofia
do Estado desses países, assim como a possibilidade de regimes
bonapartistas sui generis são contribuições de fundamentais para o
marxismo e para a interpretação histórica dos países dependentes.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
315
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316
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
A teoria da Revolução Permanente contra o “Socialismo
em um só país”: breves considerações acerca do debate
dos anos 1920 na URSS
Breno Ventura1
A teoria da revolução2 permanente, retomada por Leon Trotski
dos escritos de Karl Marx e Friederich Engels, foi vítima de falsificações
e deturpações durante o chamado “debate literário”, que ocorreu entre
1924 e 1925. O episódio envolve a publicação de um prefácio de
Trotski intitulado Lições de Outubro, forma de expressão do autor que
se deve tanto às derrotas sucessivas que este vinha sofrendo no interior
do partido, quanto ao seu isolamento no Politburo.
Nos interessa aqui, particularmente, o descrédito atribuído à
teoria revolucionária de Trotski em detrimento da perspectiva staliniana
de socialismo em um só país. Para tal finalidade, selecionamos trechos
de ambos os militantes a fim de entender quais argumentos foram
mobilizados para desacreditar a teoria da revolução de Leon Trotsky.
Na primeira parte do texto nos ocupamos de caracterizar o cenário
que permeou o debate, bem como fazer uma breve síntese acerca da
teoria da revolução permanente. Posteriormente, iremos contrapor os
argumentos dos autores analisando-os sob o olhar da historiografia
mobilizada durante o percurso de nossa pesquisa.
1 Graduando em Historia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Monitor da
disciplina de História Contemporânea, militante da Democracia Socialista (DS) e
participante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trótski / Trotskismo e a Historiografia (GEPTH). Contato: breno.v.b@hotmail.com.
2 O presente texto é fruto dos estudos que envolveram a conclusão de uma monografia no curso de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trata-se de
um dos subtópicos do segundo capítulo da pesquisa.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
317
O partido e a burocracia
Em primeiro lugar, devemos situar-nos acerca do contexto no
qual as situações acima se desenrolaram: Lenin havia falecido em
21 de janeiro de 1924. No mesmo mês, Trotski, junto de outros 46
militantes, antigos bolcheviques, havia sido repreendido por ousar
criticar os rumos que a direção tomava. Antes da morte de Lênin,
aquele tomou consciência do que estaria ocorrendo: a burocracia, uma
estrutura herdada dos longos anos de dominação tsarista, ainda se
fazia sentir. Além disso, o cenário da Rússia era estarrecedor: acabara
de sair de uma Guerra-Civil, sua economia encontrava-se devastada e
grande parte do partido havia sido dizimada. A respeito da burocracia,
em particular, Lênin teria dito:
Se tomarmos Moscou com os seus 4.700 comunistas
em posições responsáveis, e se tomarmos essa enorme
burocracia máquina, aquele monte gigantesco, devemos
perguntar: quem está dirigindo quem? Duvido muito
que se possa dizer com sinceridade que os comunistas
estão dirigindo esse monte. Para dizer a verdade eles
não estão dirigindo, eles estão sendo direcionados
(LENIN, 1965, p.288 tradução nossa).
Antes de sua morte, alguns documentos que viriam mais tarde
a ser chamados de seu “testamento político” foram ditados às suas
secretárias, e neles estavam contidos um balanço acerca dos principais
membros do Partido. Chama atenção o alerta que o revolucionário
russo fez aos seus pares:
Penso que o fundamental na questão da estabilidade,
deste ponto de vista, são membros do CC como Stáline
e Trótski. As relações entre eles, em minha opinião,
constituem mais de metade do perigo dessa cisão que se
poderia evitar, e para evitar a qual, em minha opinião,
318
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
deve servir, entre outras coisas, o aumento do número
de membros do CC de 50 para 100 pessoas (LENIN,
2012, p.50-51,).
Devemos ressaltar que a disputa entre as perspectivas
revolucionárias que aqui declaramos não foram maquinações de Stálin
sozinho, mas sim de um fenômeno social específico, analisado por
Trotski em sua obra “A revolução Traída”. Segundo o autor, o estado
flagrante de destruição que atravessava a Rússia que passou pela
Primeira Guerra Mundial, donde não havia mais o que enviar além
de soldados para morrer, seguida de uma revolução e uma GuerraCivil, junto do novo sistema de nomeações pelo alto, formaram-se
os elementos necessários à expansão da máquina burocrática. Nesse
sentido, abriu-se espaço para que se acumulasse poder nas mãos do
Secretário Geral e sua corja. Trotski assim resume:
Os representantes mais proeminentes da classe
operária morreram na guerra civil ou, ao subir
alguns graus, separaram-se das massas. Assim
veio, após uma prodigiosa tensão de forças,
de esperanças e de ilusões, um longo período
de cansaço, depressão e desilusão devido aos
resultados da Revolução. O refluxo do “orgulho
plebeu” resultou em um fluxo de arrivismo e
carreirismo. Essa onda levou ao poder uma nova
casta dominante (TROTSKI, 2023, p. 109).
Quanto à figura de Stálin em particular, Trotski é totalmente
avesso a maniqueísmos, acrescentando que a sua chegada ao poder não
foi fruto de um plano bem arquitetado, mas sim um desencadeamento
de um fenômeno político de maior proporção, em relação direta com as
condições materiais e de classe da sociedade russa daquele momento.
Assim, reitera que
Seria ingênuo acreditar que Stálin, desconhecido das
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
319
massas, de repente emergiu dos bastidores armado
com um plano estratégico totalmente elaborado.
Não. Antes que ele tivesse previsto seu caminho, a
burocracia o havia adivinhado. Stálin apresentavalhe todas as garantias desejáveis: o prestígio de um
velho bolchevique, o caráter firme, uma visão estreita,
vínculos indissolúveis com a máquina política como
única fonte de sua influência pessoal (TROTSKI, 2023,
p. 112).
As discordâncias que envolveram Trotski e Stálin têm
raízes em um episódio específico, ainda na Guerra Civil, quando o
primeiro, na posição de comandante do Exército Vermelho, sugeriu
a aglutinação de antigos militares, remanescentes do tsarismo,
ao quadro de combatentes para que houvesse a partilha de seus
conhecimentos táticos e experiência de comando. Trotski chamavaos de “especialistas burgueses”. Stálin discordava de tal questão. Em
1918, ele será enviado para Tsaritsyn e questionará a lealdade desses
oficiais, em favor de oficiais com um “histórico proletário”, causando
certo burburinho logo nos primeiros momentos de guerra.
A teoria da revolução permanente
A teoria da revolução permanente foi originalmente elaborada
em 1906, através do texto Balanços e Perspectivas. Escrevendo no
cárcere, Trotski se atenta aos traços específicos da sociedade russa,
tal qual sua formação histórica e conjuntura econômica perante o
capitalismo mundial. Recuperando as considerações de Karl Marx,
o autor se debruça sob o entendimento da particularidade dos
países atrasados e sua consequente natureza singular quando dos
desdobramentos revolucionários.
320
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Em países industrialmente fracos e pouco desenvolvidos, em
comparação ao restante da Europa, percebeu-se a necessidade de um
triunfo revolucionário que também se garanta no campo internacional.
Tal perspectiva recebia pouca simpatia na época em que veio à tona,
visto que grande parte dos intelectuais que se debruçaram sobre o tema
acreditavam que o sobrepujar de uma classe sobre a outra tinha de
dar-se na porção mais economicamente avançada e desenvolvida do
globo. Aparece aqui também, pela primeira vez, uma possibilidade
de que determinado levante executasse “tarefas socialistas”, sem
necessariamente passar por uma experiência de dominação burguesa
de classe.
Com o auxílio da teoria do Desenvolvimento Desigual e
Combinado, a teoria da Revolução Permanente elaborada por Trotsky
em 1905, quando ainda preso, acusado de comandar uma insurreição
operária no Soviete de Petrogrado, que o tinha como presidente à
época, temos a gênese de uma nova teoria da revolução. A partir de seu
texto, Balanços e Perspectivas (1906), foi possível a obtenção de um
prognóstico sofisticado da revolução, até então incipiente, no território
russo. Acreditamos que, através da compreensão da União Soviética
enquanto um Estado Operário Burocratizado, esquematizada pelo
mesmo autor, temos as chaves para identificar os principais elementos
que envolveram a rejeição de suas ideias no interior do Partido
Bolchevique, que passava então por um processo de burocratização,
que seria a última batalha travada por Vladimir Lenin, nos seus
últimos anos de vida, como nos mostra Moshe Lewin, em sua obra
Lenin´s last struggle (2005). Trotsky percebe diferentes dinâmicas de
movimentações políticas da burguesia e do proletariado em cada qual
dos casos, sendo a primeira presente como força transformadora na
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
321
França. Na revolução alemã, por outro lado, essa classe se faz frágil
no tocante à conquistas de ordem estrutural no campo social, sendo
ineficaz quando posta em comparação com a experiência francesa;
A burguesia alemã, desde o princípio, bem
longe de fazer a revolução, dissociou-se dela.
A sua consciência dirigia-se contra as condições
objetivas da sua própria dominação. A revolução
não podia ser feita por ela, mas só contra ela. As
instituições democráticas representavam, no seu
espírito, não um objetivo pelo qual combatesse,
mas uma ameaça para o seu bem-estar (TROTSKY,
On-line).
No quadro da Rússia de 1905, ano em que a história estendeu
o tapete para que os homens pudessem trilhar o caminho da uma
emancipação social de um diferente natureza, nos defrontamos com
um cenário completamente diferente; a burguesia russa se faz inapta,
inerte e pouco capaz de transformar o quadro político desta nação. Tal
classe não seria capaz de cumprir a sua tarefa elementar, a qual Marx
considerou como essencial para o desenvolvimento do capitalismo,
diga-se: uma revolução burguesa. Afinal, o capitalismo russo era
tardio, deficitário, e “gigante dos pés de barro” seria a alcunha pela
qual a Rússia ficaria conhecida durante o século XIX e início do XX,
dada sua vastidão territorial que mesclava-se com o seu atraso em
termos sociais e políticos. A combinação desses diferentes elementos,
arcaicos e modernos, será a chave para se entender a concepção
de revolução em Trotsky, bem como o paradigma que permeou o
debate entre etapismo, designação do cumprimento de tarefas por
determinadas classes, internacionalismo e afins.
E foi percebendo essa dimensão contraditória que Leon
Trotsky teceu os prognósticos que confirmaram-se nas mais
322
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
variadas vezes, a começar pelo triunfo da revolução e a sua agenda
de tarefas a serem cumpridas, até a leitura que fez sobre do regime
soviético comandado por Stalin, à luz das leituras marxianas.
Segundo Trotski, o cumprimento das tarefas sociais mais elementares
na Rússia só seria possível a partir da coletivização, o que o levou a
crer que não se podia conceber uma revolução aos moldes da francesa,
dada a inoperância da burguesia russa, logo os revolucionários teriam
o desafio de jogar-se em uma revolução de novo tipo, na qual o
proletariado estaria destinado a cumprir essa tarefa. Nesse sentido,
aqui é projetado um novo tipo de revolução, inédita na história e que
necessitava de um refinamento das formulações do filósofo prussiano
para a sua melhor compreensão. Uma das principais contribuições
da teoria da revolução permanente para o marxismo foi a noção de
Desenvolvimento Desigual e Combinado. Ideia em que se percebe na
sociedade capitalista a constituição de um todo no qual são integradas
todas as sociedades do capital, as quais transformam-se e moldam-se
cada qual a sua velocidade, combinando-se de maneira desigual. Tal
noção foi o que levou Trotsky a dizer, logo no primeiro parágrafo de
Balanços e Perspectivas que,
Se compararmos o desenvolvimento social da
Rússia com o dos outros países da Europa agrupando estes últimos num mesmo capítulo,
do ponto de vista do que há de comum na sua
história, e que o distingue da história da Rússia -,
poderemos dizer que as principais características
do desenvolvimento social da Rússia são a lentidão
e o seu caráter primitivo (TROTSKY, On-line).
Dessa forma, percebe-se a formação, em cada sociedade
capitalista, de diferentes trajetórias de proletarização, ritmo e forma
de desenvolvimento do capital, com suas devidas especificidades e
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
323
particularidades. Podendo-se combinar em seu interior elementos
antigos e modernos em simultâneo. Para além disso, tem-se também
a ideia de que o capitalismo por si só é internacional e transnacional,
uma vez que não se restringe a fronteiras, podendo fazer reproduzir
sua força de trabalho em outros países, por exemplo. Portanto, a
desigualdade, tal qual uma lei que rege todas as sociedades, se amplia
em diferentes níveis, criando temporalidades e combinações sociais
diferenciadas.
À luz do ano de 1905, Trotsky tecia um novo entendimento
das dinâmicas de classe e seu papel na revolução. As determinações
históricas e suas diferentes formações nos países atrasados é que iriam
apontar a natureza das próximas revoluções, e a Rússia, dada a sua
condição de capitalismo incipiente, com traços feudais e reminiscências
arcaicas, não estaria destinada a uma revolução burguesa, visto a
condição amorfa desta classe.
Caberia ao proletariado executar as conquistas de uma
revolução burguesa, seguindo-as das conquistas de uma sociedade
socialista. Vê-se, nesse sentido, o caráter de permanência dessa
revolução, que necessitava também da vitória em países de capitalismo
mais avançado, a fim de assegurar as conquistas revolucionárias frente
à reação do capital. Isaac Deutscher, o mais renomado biógrafo do
comunista russo, ao comentar sobre tal passagem da vida de Trotsky,
sintetiza a análise do revolucionário da seguinte forma:
Por que estava a Rússia destinada a tornar-se
pioneira do socialismo? Por que não podiam
as classes médias russas levar a sua revolução
a uma consumação, tal como fizeram os
franceses no século XVIII? A resposta está nas
peculiaridades da história russa. O Estado russo,
meio asiático, meio europeu, tinha por base uma
324
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
sociedade primitiva que evoluía lentamente, sem
diferenciações. A pressão militar das potências
europeias superiores, não os impulsos vindos da
sociedade russa, modelam aquele Estado. Desde
seus primeiros dias, quando lutava contra o
domínio tártaro e depois contra as invasões polacolituanas e suecas, o Estado arrancou do povo russo
os tributos mais intensos, absorveu uma parcela
desproporcionalmente elevada da riqueza social
produzida. Com isso dificultou a já lenta formação
de classes privilegiadas e o crescimento, ainda mais
lento, dos recursos produtivos (DEUTSCHER,
2005, p. 195).
Lenin já havia ocupado-se de esclarecer em que estado
encontrava-se o capitalismo na Rússia em sua obra O desenvolvimento
do capitalismo na Rússia (1899). Em meio a uma polêmica com
os Narodniks, o autor teceu uma sofisticada análise do emergente
capitalismo russo, seus avanços, crescimento de uma burguesia
nacional e maior divisão de classes entre camponês e proletariado.
Trotsky, por sua vez, fazia uma análise igualmente nuançada
que não perdia de vista os desdobramentos que envolviam a economia
russa. Entretanto, trazia uma concepção totalmente nova ao marxismo
da época; a possibilidade de não limitar-se ao cumprimento de etapas,
tal como uma trajetória evolucionista, bem como não concebendo mais
a revolução de maneira esquemática e fechada, não tendo de passar
necessariamente por uma fase de revolução burguesa para só então,
posteriormente, emergir a revolução proletária.
Nessa linha, a revolução não terminaria enquanto não houvesse
a deterioração total da sociedade de classes. Tal concepção inclui
a passagem da revolução burguesa para a socialista, e quando do
triunfo da última, que tem tempo indeterminado, as relações sociais
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
325
tomariam diferentes formas durante o andamento e uma luta interior
comum. Aqui, o autor elenca a pujança da metamorfose social, que
engloba transformações econômicas, técnicas, de ordem científica
e de costumes, que complementariam com relações complexas,
impossibilitando o equilíbrio social. Nessa perspectiva que se tem o
caráter permanente da própria revolução socialista.
A teoria do socialismo num só país
A teoria do socialismo num só país surgiu como um mero
tópico do debate literário. Em sua biografia política sobre Stálin,
Deutscher pontua que durante muitos meses e até o verão de 1925,
nem Stálin nem seus aliados tocaram no assunto. Ele próprio não tinha
uma perspectiva muito clara do que era. A formulação original de
1924 de sua obra Fundamentos do Leninismo indicava justamente a
impossibilidade do triunfo completo do socialismo em um único país.
Como resolver tal contradição? Ora, retirando a primeira edição de
circulação e desvinculando-se dela por apócrifa. “A princípio, não
se deu conta do peso que as circunstâncias logo iriam conferir ao
“socialismo num só país”. Chegou à fórmula às cegas, descobrindo
novo continente, por assim dizer, enquanto acreditava navegar por
outros mares bem distantes” (Deutscher, 2006, p. 305).
Logicamente, o objetivo aqui era desacreditar Trotsky. Uma
teoria exatamente antagônica à sua caiu como uma luva para o contexto
do debate. Assim como no processo de burocratização intestina do
partido bolchevique, Stálin não atuou sozinho, Bukharin contribuiu
em muito para desacreditar a perspectiva de Trotsky. Isso pode ser
visto na publicação de um texto datado de 1924 mas escrito em 1925,
326
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
que ostenta em seu título “A Teoria da revolução permanente”. Nesta
brochura, Bukharin se ocupa de dirigir críticas aos escritos de 1905
e ao Novo Curso, acusando-o de desacreditar a história da revolução
russa.
Nota-se um tom sacralizante na história da revolução, repetese o procedimento padrão dos ataques a Trotsky; afastamento de
sua perspectiva da de Lênin, colocando-o como um impostor que se
vende como leninista mas não o é. Além disso, reforça sua perspectiva
etapista, defendendo que em 1917 a Rússia passou por uma revolução
burguesa, para posteriormente dar-se uma revolução socialista,
desacreditando a ideia trotskista da possibilidade da realização das
tarefas burguesas por parte do proletariado. Dessa forma, a revolução
avança do estágio burguês liberal para o estágio
pequeno-burguês, e daí avança para o estágio
da revolução proletária. Este é o significado da
teoria marxista (e não trotskiana) da revolução
permanente.
Podemos ter qualquer objeção a uma tal teoria? Não,
pois é o correto. Neste sentido, a nossa revolução
provou ser ‘ininterrupta’. Na Rússia, a revolução
passou por uma série de etapas. Em fevereiro
de 1917, tivemos uma substituição do regime
do senhorio pelo governo liberal da burguesia
imperialista acompanhado pelo estabelecimento
de uma autoridade paralela dos trabalhadores e
camponeses (os soviéticos) (Bukharin, 1925, Online).
Nesse mesmo texto aparecem novamente as acusações de
descrédito do campesinato, de forma que Trotsky o teria desacreditado,
escanteado e colocado-o em posição menor em relação ao proletariado.
Além disso, dá a entender que a revolução permanente envolve a luta
direta entre duas classes constituidoras da sociedade Russa. A velha
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
327
concepção de revolução “por etapas” é aqui trabalhada por Bukharin,
afinal, os trechos supracitados revelam uma avaliação que perpassa
por essas lentes, acreditando que a burguesia cumpriu seu papel para
que finalmente o socialismo pudesse triunfar.
No entanto, o real antagonismo aparece na forma de teoria sob
as mãos de Stálin: reunido sob os escritos de Em torno dos Problemas
do Leninismo, a questão é um mero tópico; “o problema da vitória
do socialismo em um só país”. O texto se desenrola como um viés
de confirmação de um parágrafo e correção de outro. Retomava a sua
passagem de Fundamento do Leninismo:
Antes, considerava-se impossível a vitória da revolução
num só país. Tal conceito significava que, para alcançar o
triunfo sobre a burguesia, era necessária a ação conjunta
dos proletários de todos os países adiantados ou, pelo
menos, da maioria deles. Hoje, este ponto de vista já
não corresponde à realidade. Hoje, é preciso partir da
possibilidade deste triunfo, pois o desenvolvimento
desigual, aos saltos, dos diferentes países capitalistas,
sob as condições do imperialismo, o desenvolvimento
dentro do imperialismo de contradições catastróficas
que conduzem a guerras inevitáveis, o incremento do
movimento revolucionário todos os países do mundo,
tudo isso conduz não só à possibilidade, inclusive à
necessidade da vitória do proletariado em diversos
países tomados em separado (Stálin, 1954).
O autor reforça o peso dessa afirmação, apontando-a
como verdadeira e que reside na necessidade de demonstrar aos
socialdemocratas a possibilidade de vitória do proletariado num só
país, mesmo que não acompanhada do restante do mundo. Contudo,
Stálin conduz a atenção do leitor para uma outra passagem, a qual
segundo ele “dirigia-se aos críticos do leninismo e contra os trotskistas
que declaravam não poder haver uma revolução em um só país”. Em
328
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
seguida, cita a passagem de Trotsky acerca do restante da Europa como
baluarte da revolução, bem como a resistência de um país socialista
diante do conservadorismo europeu.
Desviando da admissão de uma eventual falha ou remanejo
das questões, o autor também diz que essa segunda citação carrega
problemas, pois ela ansiava responder tanto a questão do socialismo
em um só país quanto a hipótese de um país sob ditadura do
proletariado resistir ou não a intervenções estrangeiras. Nesse aspecto,
discretamente, se corrige. Alega que a passagem abria margem para se
pensar a impossibilidade que de
país sob a ditadura do proletariado possa
considerar-se completamente garantido contra a
intervenção e, portanto, contra a restauração da
velha ordem, sem uma revolução vitoriosa numa
outra série de países, problema ao qual se deve
dar resposta negativa. Isso, sem falar que essa
formulação pode dar motivo para se acreditar ser
impossível organizar a sociedade socialista com as
forças de um só país, o que, naturalmente, é falso.
(...) a possibilidade do proletariado tomar o poder
e o utilizar para edificar a sociedade socialista
completa em nosso país, contando com a simpatia
e o apoio dos proletários dos demais países, mas
sem que previamente triunfe, nesses países, a
revolução proletária. Sem essa possibilidade, a
construção do socialismo é uma construção sem
perspectivas, uma construção sem a segurança de
estruturar completamente o socialismo. Não se
pode dar forma ao socialismo sem ter a segurança
de poder construí-lo até o seu ponto final, sem ter
a segurança de que o atraso técnico de nosso país
não é um obstáculo insuperável para a construção
da sociedade socialista completa. Negar esta
possibilidade é não ter fé na causa da construção
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
329
do socialismo, é separar-se do leninismo. (Stálin,
1945. Grifo nosso).
Assim, temos que o elemento preponderante em seu
pensamento é a intervenção estrangeira abrindo a possibilidade da
restauração capitalista. Nesse sentido, aponta-se que o fortalecimento
do socialismo dentro das fronteiras russas garantiria não somente
a vitória revolucionária, bem como a segurança e estabilidade da
revolução iniciada em outubro. No entanto, afasta-se de qualquer
acusação de isolacionismo, dizendo que a construção do socialismo
em território russo não é antagônica à vitória da revolução em outros
países.
A questão internacional é aqui reduzida à mera “simpatia”
do proletariado mundial, a qual é atribuída grande importância para
a estruturação completa do socialismo. A partir disso, podemos
considerar que a concepção internacionalista passava a não mais residir
na ordem do dia, apesar dos esforços de Stálin para fazer parecer o
contrário. Tamanho esforço não era à toa; ele conhecia a velha tradição
dos marxistas que considerava que a revolução mundial era uma
necessidade sine qua non. É não menos notável sua consideração de
que desacreditar a possibilidade socialismo em um único país é desviar
do marxismo-leninismo, que aparece aqui quase como um artigo de fé.
Nesse mesmo folheto, no qual, diga-se de passagem, Stálin
responde às críticas de Zinoviev, o qual agora compunha as fileiras
da oposição ao antigo aliado, considera-se que as forças internas do
país seriam capazes de resolver as contradições entre camponeses e
proletariado. A questão do espelho da União Soviética para o resto
do mundo nos parece clara em seu horizonte de perspectivas, uma
vez que o autor considera a simpatia do proletariado internacional
com a União Soviética como um elemento contrabalanceador. Este
330
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
seria o papel da URSS na revolução internacional; servir de inspiração
para revoluções futuras ao invés de uma real articulação e leitura das
conjunturas de classes específicas de outros países.
Chama a atenção a preocupação com a chamada “interferência
internacional”, um fator relevante, principalmente em vista dos
beligerantes últimos anos. Contudo, esse fator converte-se aqui em
uma retórica de peso quase inerente ao isolacionismo; era necessário
um Estado pouco penetrante no cenário revolucionário mundial a fim
de fortalecer o estado soviético. Caso não fortalecido, esse mesmo
estado poderia cair diante da intervenção estrangeira. Tal perspectiva
será constantemente alimentada também sob as formas dos expurgos
que eliminaria os “contra revolucionários”. Novamente, os germes da
trama que permeia os expurgos dos anos 1930 podem ser vistos aqui.
Isso é significativo se olharmos em especial para o fato
da internacional comunista passar pelo que a direção chamou
“bolchevização” dos partidos internacionais. Defendia-se uma
pretensa padronização dos partidos em acordo com o bolchevique;
na prática, o que ocorreu foi a direta submissão daqueles à corrente
oficial, incontestável e única capaz de conduzir a vitória do proletariado
internacional. Daí em diante, a atuação das internacionais socialistas
será cada vez menos decisiva no âmbito da orientação dos quadros
para a discussão das diferentes conjunturas dos partidos comunistas de
outros países, até que seja finalmente dissolvida em 1943.
Nota-se nesse pensamento a nítida confusão entre a vitória do
proletariado e a vitória do socialismo. Se tal confusão é proposital
ou não pouco podemos dizer, restando-nos apenas alegar que ela
propicia uma generalização das lutas que não cabem na real dimensão
do que Marx originalmente concebeu, particularmente, no prefácio de
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
331
Contribuição à crítica da economia política 3. Ademais, de acordo com
Lênin, o proletariado é perfeitamente capaz de liderar levantes que
prestigiam objetivos de ordem burguesa, algo também ressaltado por
Trotsky. Em nosso juízo, acreditamos que a confusão dos termos parte
do pouco esclarecimento acerca da teoria do desenvolvimento desigual
e combinado, um aspecto essencial do pensamento de Trotsky que
contempla a questão em relação à natureza econômica da sociedade
russa. Nesse balaio, Stálin assim justifica sua posição;
Em primeiro lugar, o fato de que a ditadura do
proletariado nasceu em nosso país como uma
potência que surgiu com base em uma aliança
entre o proletariado e as massas trabalhadoras
do campesinato, sendo este último liderado pelo
proletariado. Em segundo lugar, o fato de que a
ditadura do proletariado se estabeleceu em nosso
país como resultado da vitória do socialismo
em um país - um país em que o capitalismo era
pouco desenvolvido - enquanto o capitalismo foi
preservado em outros países onde o capitalismo foi
mais altamente desenvolvido. Isso não significa, é
claro, que a Revolução de Outubro não tenha outras
características específicas. Mas são precisamente
essas duas características específicas que são
importantes para nós no momento presente, não
apenas porque expressam distintamente a essência
da Revolução de Outubro,mas também porque
revelam brilhantemente a natureza oportunista da
teoria da “revolução permanente.” (Stálin, 1997,
p. 121).
3
Uma sociedade jamais desaparece antes que estejam desenvolvidas todas as
forças produtivas que possa conter, e as relações de produção novas e superiores
não tomam jamais seu lugar antes que as condições materiais de existência dessas
relações tenham sido incubadas no próprio seio da velha sociedade (Marx, Karl.
Contribuição à crítica da economia política, 2008, pg. 48. Expressão Popular).
332
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Isso segue da citação de um folheto de sua própria autoria,
A Revolução de Outubro e a Tática dos Comunistas Russos, escrito
em dezembro de 1924, no contexto do debate literário, que por sua
vez apresenta um tópico específico sobre a revolução permanente,
denominado: Duas características específicas do mês de outubro
e Teoria de Trotsky “permanente” de revolução, já rotulada de
oportunista em sua primeira aparição no escrito:
Em primeiro lugar, o fato de que a ditadura do
proletariado nasceu em nosso país como uma
potência que surgiu com base em uma aliança
entre o proletariado e as massas trabalhadoras
do campesinato, sendo este último liderado pelo
proletariado. Em segundo lugar, o fato de que a
ditadura do proletariado se estabeleceu em nosso
país como resultado da vitória do socialismo
em um país - um país em que o capitalismo era
pouco desenvolvido - enquanto o capitalismo foi
preservado em outros países onde o capitalismo foi
mais altamente desenvolvido. Isso não significa, é
claro, que a Revolução de Outubro não tenha outras
características específicas. Mas são precisamente
essas duas características específicas que são
importantes para nós no momento presente, não
apenas porque expressam distintamente a essência
da Revolução de Outubro,mas também porque
revelam brilhantemente a natureza oportunista da
teoria da “revolução permanente.” (Stálin, 1997,
p. 121).
Aqui aparece a crítica da perspectiva acerca dos camponeses.
Como já vimos, Trotsky acreditava que a revolução deveria ser feita a
partir da aliança entre esses e o proletariado, contudo, sob direção do
último. Posto assim, parece que ele os ignorava totalmente. Ao que se
segue do argumento,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
333
A ditadura do proletariado não é simplesmente
um estrato superior governamental “habilmente”
“selecionado” pela mão cuidadosa de um
“estrategista
experiente”,
e
“confiante
judiciosamente” sobre o apoio de uma seção ou
outra da população. A ditadura do proletariado
é a aliança de classe entre o proletariado e as
massas trabalhadoras do campesinato com o
propósito de derrubar o capital, para alcançar a
vitória final do socialismo, e para a luta contra
o capitalismo, sob a condição de que a força
orientadora desta aliança seja o proletariado.
Assim, não se trata de “ligeiramente” subestimar
ou “ligeiramente” superestimar as potencialidades
revolucionárias do movimento camponês, como
certos defensores diplomáticos da “revolução
permanente” agora gostam de expressá-lo. É uma
questão da natureza do novo Estado proletário que
surgiu como resultado da Revolução de Outubro.
Trata-se do caráter do poder proletário, dos
fundamentos da ditadura do próprio proletariado
(Stálin, 1997, p. 121).
Nas páginas seguintes são citados dois trechos da obra de
Lênin, trata-se dos eixos definidores, por assim dizer, da ditadura
do proletariado que, nas palavras do Homem de Ferro, teve como
aprendizado histórico uma forma de representação da implementação
deste arquétipo na prática. Contudo, faz uma advertência para aqueles
que acreditam que há alguma semelhança entre esse pensamento e
o de Trotsky. Ao citar o texto de Lênin “um modelo de tática para
todos” (grifos do autor) pontua, certamente, que este modelo não é
exclusivamente russo, um dos traços marcantes da revolução de
outubro. Dessa forma, ao mesmo tempo em que afastava a concepção
de Trotsky da de Lênin, o autor aproximava o pensamento de Lenin da
legitimação de suas formulações acerca das nacionalidades;
334
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Não nos deteremos longamente sobre a posição
de Trotsky em 1905, quando ele “simplesmente”
esqueceu tudo sobre o campesinato como uma
força revolucionária e avançou o slogan de
“Nenhum czar, mas um governo operário”, isto
é, o slogan da revolução sem o campesinato (...)
Vamos levar o “Prefácio” de Trotsky ao seu livro
O Ano 1905, escrito em 1922 (...) Basta comparar
esta citação com as citações acima das obras
de Lenin sobre a ditadura do proletariado para
perceber o grande abismo que separa a teoria
da ditadura do proletariado de Lenin A teoria de
Trotsky da “revolução permanente. Lenin fala
do aliança entre o proletariado e as camadas
operárias do campesinato como base da ditadura do
proletariado. Trotsky vê um “colisão hostil “ entre
“a vanguarda proletária” e “as amplas massas do
campesinato.”Lenin fala do liderança das massas
trabalhadoras e exploradas pelo proletariado.
Trotsky vê “contradições na posição de um
governo operário em um país atrasado com uma
população esmagadoramente camponesa.”(Stálin,
1997, p. 121).
O trecho a que Stálin se refere diz respeito principalmente
ao fato de, quando da exposição de Trotsky acerca da revolução ele
afirma que, para garantir a sua vitória,
a vanguarda proletária seria forçada nos estágios
iniciais de seu governo a fazer incursões profundas
não apenas na propriedade feudal, mas também na
propriedade burguesa. Nisso entraria colisão hostil
não só com todos os agrupamentos burgueses que
apoiaram o proletariado durante as primeiras etapas
de sua luta revolucionária, mas também com todos
os grupos burgueses que com as grandes massas
do campesinato com cuja ajuda ele chegou ao
poder (Trotsky apud Stálin, 1997, p. 126).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
335
Em seguida, trata de dissociar esse pensamento do de Lênin,
alegando que a chamada “colisão hostil” é não somente um “descrédito
da revolução”, como algo extremamente distante do leninismo,
principalmente ao examinar o trecho em Trotsky versa sobre a
revolução mundial resolvendo as contradições internas. Segundo
Stálin, seria a maior das heresias acreditar que “As contradições
na posição de um governo operário em um país atrasado com uma
população esmagadoramente camponesa só poderiam ser resolvidas
em escala internacional, na arena da revolução proletária mundial”
(Trotsky apud Stálin, 1997, p. 126).
Nesse ínterim, a questão da complexidade das relações
capitalistas e suas conexões, adaptações e longevidade são pouco
consideradas. Assim, o autor qualifica os escritos de Trotsky como
“antileninistas” ou “semi-menchevistas”. É interessante notar que os
argumentos do autor não são necessariamente uma refutação teórica,
ele parece mais interessado em enquadrar seu adversário como o
“desviador”, como se estivesse se esquivando de um dogma de forma
quase que mortal. Os argumentos de Trotski sequer são considerados,
convertem-se em apenas trechos soltos e sem contexto algum, não se
vê, por exemplo, a perspectiva de adesão das nacionalidades, logo, o
adversário também acredita que não se poderia erguer uma revolução
em uma realidade tão contraditória, mesmo Trotsky não tendo dito
isso.
De acordo com Lenin, a revolução tira sua força
principalmente entre os trabalhadores e camponeses
da própria Rússia. De acordo com Trotsky, a força
necessária pode ser encontrada apenas “na arena
da revolução proletária mundial.” Mas e se a
revolução mundial estiver destinada a chegar com
algum atraso? Existe algum raio de esperança
336
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
para a nossa revolução? Trotsky não oferece
nenhum raio de esperança; pois “as contradições
na posição de um governo dos trabalhadores . . .
poderiam ser resolvidas apenas . . . na arena da
revolução proletária mundial.” De acordo com este
plano, resta apenas uma perspectiva para a nossa
revolução: vegetar em suas próprias contradições e
apodrecer enquanto espera pela revolução mundial
(Stálin, 1979, p. 126-127).
Ao assinalar o quanto a teoria de Trotsky é uma “variedade
menchevique”, fala do “desenvolvimento desigual” de Lênin, em sua
teoria acerca do imperialismo, mas ignora a teoria do desenvolvimento
desigual e combinado de Trotsky que, diga-se de passagem, é parte
integrante do raciocínio que ele julga como “desacreditado em uma
Rússia contraditória”. Na verdade, Trotsky dizia que era exatamente por
conta dessas contradições que a Rússia poderia realizar sua revolução
a partir do proletariado cumprindo as tarefas historicamente destinadas
à burguesia. Contudo, sinalizava a necessidade da revolução mundial
em outros países, e considerava em muito o internacionalismo, algo já
de comum acordo em muitos círculos bolcheviques. No momento em
questão, Broué assim define o estado político de Trotsky:
… rechaçando como “antileninistà’ a afirmação
segundo a qual o estado atrasado da sociedade
russa poderia ser um obstáculo intransponível para
a construção do socialismo somente na URSS,
Stalin termina por reduzir todas as dificuldades
apenas uma: a ameaça do mundo capitalista que
pesa sobre o país. Desta forma, em 1926, baseandose no isolamento da Rússia revolucionário como
consequência do fracasso da revolução mundial,
surge, na forma de teoria, justificação do que
será durante anos a Rússia de Stalin. Entretanto,
neste período ainda militavam no partido todos os
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
337
bolcheviques de direita e de esquerda, que deveriam
ser convencidos de que o regime instituído era de
fato o “socialismo’’ e “ditadura do proletariado’:
como todos eles haviam desejado, como Lenin os
havia explicado e pelo qual todos eles haviam feito
a revolução. (Broué, 2014, p. 220).
Segundo Deutscher, Zinoviev e Kamenev admitiram
posteriormente que deram início a campanha de deslegitimação de
Trotski sem ter nenhuma divergência com os princípios básicos da
teoria da revolução permanente. A questão com Stálin é que tomou
uma nova proporção,
ele percebeu qual argumento suscitava a resposta
mais forte na massa dos operários e nos quadros do
partido, esta ampla caixa de ressonância humana
que constituía sua vox dei. A caixa de ressonância
se revelou inesperadamente sensível ao socialismo
num só país (Deutscher, 2006, p. 315).
O não tratamento da teoria do desenvolvimento desigual e
combinado deságua no consequente não entendimento e deturpação,
proposital ou não, da própria teoria da revolução permanente uma vez
que, para Trotsky, a própria revolução de outubro teria sido resultado
das contradições que envolvem as relações técnicas e de propriedade
do capitalismo, propiciando a vitória da revolução em um país como a
Rússia.
O colapso da burguesia na Rússia provocou a
ditadura do proletariado, ou seja, que um país
atrasado desse um salto adiante em relação aos
países avançados. No entanto, o estabelecimento
de formas socialistas de propriedade em um
país atrasado se chocou com forças produtivas
mundiais altamente desenvolvidas e a propriedade
capitalista, a Revolução de Outubro gerou, por sua
vez, uma contradição entre as forças produtivas
338
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
nacionais, muito insuficientes, e a propriedade
socialista (Trotsky, 2023, p. 253).
À guisa da conclusão
O burocratismo soviético, igualmente, seria produto dessas
mesmas contradições, desdobrando-se em um estado que, apesar
de operário, era dirigido por uma casta burocrática que vislumbrou
a manutenção do poder e eliminação das vozes contestadoras-ainda
que vindas de um arcabouço teórico bem estruturado a esquerdaem detrimento da manutenção de sua posição política. Daí a nossa
insistência em examinar o contexto no qual a teoria da revolução
permanente foi tão vilipendiada e facilmente desacreditada; um cargo
na alta hierarquia do governo soviético era um privilégio do qual
poucos podiam desfrutar.
Soma-se a isso a frágil composição social de revolucionários
da época da guerra e da revolução, o carreirismo crescente e as
nomeações pelo alto. Se olharmos para os desdobramentos dos anos
1930, com os expurgos, autoconfissões sobre critérios questionáveis,
práticas de tortura e até mesmo a existência de inúmeros agentes da
GPU mais interessados em combater os trotskistas no exterior do que
nas conquistas da revolução internacional, temos que a estabilidade era
a maior pretenção da casta burocrática. Pode-se alegar que esses feitos
se deram sob a crença convicta na emancipação proletária mundial.
Ainda assim, nos parece que a preocupação da vitória da revolução
mundial foi suplantada pelo carreirismo, e tudo indica que aqueles
dirigentes assim fizeram. Podiam até não saber, mas assim agiram.
Daí que se vê os esforços pelas aparências, que irão obter
materialidade nas artes do realismo socialista, na intromissão
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
339
do Secretário Geral em assuntos da ciência (tal era a questão do
lysenkoismo4) e a restrição de qualquer alternativa questionadora.
Vendo tal processo desenrolar-se não é de se surpreender que seus
contemporâneos caíssem na tentação de reduzir as complexidades
da sociedade soviética comparando-as ao governo nazista. No
entanto, as diferentes trajetórias do processo, bem como a própria
natureza do regime, nos direciona a uma resposta mais complexa e
sofisticada: apesar de ambas as experiências carregarem similaridades,
são equivalências e não particularidades únicas e exclusivas de tais
regimes.
Essa questão nos leva a olhar novamente para a realidade
material soviética, que não tinha uma classe econômica dirigente
nem atendia a uma. Era parasitada por uma casta burocrática que,
em sua maioria, manteve-se no poder até a velhice e foi assegurada
justamente pelas bases sociais da revolução. No entanto, essa
mesma revolução foi traída, uma vez que seu internacionalismo
foi abandonado em detrimento da manutenção desses quadros e do
abandono da perspectiva da construção internacional. Tal usurpação
“só poderia ser realizada e mantida porque o conteúdo social da
ditadura da burocracia é determinado pelas relações produtivas criadas
pela revolução proletária” (Trotsky, 2023, p. 331).
Eis um aspecto essencial para o descrédito de Trotsky: em uma
conjuntura de vulnerabilidade econômica e social gritante, em um país
4 Nas questões pertinentes à ciência da época, conferir: Kojenikov, Alexei. A
grande ciência de Stálin: tempos e aventuras de físicos soviéticos no exemplo da
biografia política de Lev Landau. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio
de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 6-15, jan | jun 2011. Para uma perspectiva a partir da
produção filmica temos: Franciscon, Moisés. A disseminação da pseudociência na
URSS no filme de Michurin/Life in bloom (1948). Outros Tempos, vol. 19, n. 34,
2022, p. 29-62. ISSN: 1808-8031.
340
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
já exaurido da Guerra Civil e da revolução; uma perspectiva teórica
que pregava uma revolução “em permanência” é muito menos atraente
que as exaltações que implicavam a teoria do socialismo num só país.
Exaltações essas que converteram-se em descrédito de Trotsky, que,
segundo Stálin, não acreditava na construção da revolução pelas mãos
do proletariado russo, nem do campesinato.
Nesse caso, o historiador Felipe Demier (2022) chama
corretamente a atenção para a natureza dialética na relação entre o
isolamento da sociedade russa e a recepção da teoria do socialismo
num só país. A interpretação aponta para o fato dessa perspectiva ser
produto do próprio isolamento. Nenhum bolchevique propunha o
isolamento até 1924, contudo, as condições sociais concretas que o
produziram são determinantes para a sua adesão no interior do partido,
em um processo que perpassa os anos subsequentes.
Outrossim, a nova ideologia era produto do isolacionismo,
fruto de uma burocracia que a gestou, mas ela também contribuiu
para o próprio isolamento. Eis a dimensão dialética do processo: a
continuidade de revoluções e guerras era algo não estável aos postos
da burocracia, o que significa também os fins do seu privilégio.
Assim, o socialismo num só país passa a ser uma bandeira adequada
à conjuntura, e nesse processo enquadra-se a transformação da
internacional comunista e as retóricas no tocante à nacionalidade que
Stálin tanto evocava. Essa soma de elementos se deu de forma a erguer
uma bandeira que converteu-se em verdadeira prova de fidelidade do
partido bolchevique.
O fracasso da revolução alemã, vista com pouca atenção pela
direção da União Soviética, que à época encontrava-se imersa em suas
problemáticas internas, foi de grande peso para os anos subsequentes
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
341
na Rússia socialista. Representava, também, a derrota da revolução na
Europa e a desmoralização do partido alemão, ao mesmo tempo em
que os partidos comunistas da Polônia e Bulgária passavam por recuos
semelhantes.
Tais fatores contribuíram para o isolamento do comunismo
russo, bem como a descrença na capacidade revolucionária no restante
do mundo. Em síntese, as turbulências internas, as fragmentações e
desmantelamentos pelo qual o Partido Bolchevique passou desde 1917
até 1923 foram elementares para o isolamento da revolução, de forma
que a chamada teoria do socialismo em um só país não pareceu um
elemento estranho, mas sim uma possibilidade tática. Em um posfácio
escrito em 1947, Victor Serge realiza um rápido balanço acerca dessa
conjuntura, entre outras considerações , assinala que com a derrota
alemã os bolcheviques
perderam o contato com as massas do Ocidente. A
Internacional Comunista tornou-se um apêndice do
partido soviético. A doutrina do “socialismo num
só país” nasceu finalmente dessa decepção. Por
sua vez, as táticas estúpidas e até mesmo perversas
da Internacional stalinizada facilitaram a vitória do
nazismo na Alemanha (Serge, 2007, p. 495).
A questão aqui é que a natureza da ideia de socialismo num
só país tinha dupla função, diga-se a de legitimação teórica, em
detrimento de seu oponente, a teoria da revolução permanente, e a
sagaz assimilação por parte da burocracia, que deu atenção à nova
composição do partido pós-guerra civil. Com grande parte dos
revolucionários de outubro já não mais presentes5, com a deflagração
do quadro de total miséria e vulnerabilidade econômica pela qual
5 Em 1924 os que pertenciam ao Partido bolchevique desde os primeiros dias de
1917 eram menos de 1% do partido (DEUTSCHER, 1968, p. 165).
342
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
passavam as massas proletárias e camponesas, a exaltação de uma
perspectiva que envolve necessariamente a continuidade de conquistas
revolucionárias, o que naturalmente envolve o conflito armado, é
muito menos atraente do que aquela que opta por “crescer para depois
conquistar”. E é justamente deste “estado espírito que desenvolveuse, aos poucos, uma atitude de auto-suficiência revolucionária e auto
centralismo que encontrariam sua expressão na doutrina do Socialismo
num Único País” (Deutscher, 1968, p. 157).
Ao tomar conhecimento do estado em que chegava os debates
nas páginas do Pravda, no dia 16 de dezembro Krupskaia afirma que
Trotsky
não veio ao mundo ontem e sabe que um artigo no
tom de “As lições de Outubro” é obrigado a evocar o
mesmo tom na controvérsia que se seguiu. Mas esta
não é a questão. A questão é que o Camarada Trotsky
nos convida a estudar as “Lições de Outubro,”, mas
não estabelece as linhas certas para este estudo. Ele
propõe que estudemos o papel desempenhado por esta
ou aquela pessoa em outubro, o papel desempenhado
por esta ou aquela tendência no Comitê Central, etc
(Krupskaia, 2007- tradução nossa).6
É nesse aspecto que se assentará a principal crítica à concepção
de Trotsky: nessa leitura a partir das páginas de Lições de outubro,
ele havia subestimado o papel do partido em detrimento do papel dos
dirigentes que foi colocado em foco nas páginas de seu prefácio. O
Secretariado também articula-se através de centenas de colunas de
jornais, organismos, escolas, propagandistas e oradores: o conceito de
“trotskismo” é aqui vilipendiado e assimilado a aquele que era “porta-
6 Original em inglês disponível em: https://www.marxists.org/archive/krupskaya/
works/october.htm
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
343
voz das influências pequeno-burguesas” e que sempre subestimou os
camponeses, ansiando o rompimento da aliança dos últimos com o
proletariado.
Partindo de tais concepções, recomenda a
planificação, procedimento digno da autocracia
e a industrialização à custa dos camponeses,
esforçando-se por eliminar, a qualquer custo, a
direção que conseguiu desmascará-lo. Exposto
assim, o “leninismo” se reduz a uma justificativa
da política atual, ao uso da mão de ferro do partido
e às concessões feitas aos camponeses (Broué,
2014, p. 202).
Em 1925, mais precisamente no dia 17 de janeiro, uma
resolução do Comitê Central indica a permanência das investidas
que visavam “desmascarar” o “antibolchevismo do trotskismo”.
Dessa forma, propõe a introdução de programas de ensino público
que ressaltam as “deformações pequeno-burguesas do trotskismo”.
O resultado é a exigência da expulsão de Trotsky do partido por
Zinoviev e Kamenev. Stálin opõe-se, mostrando-se mais articulado,
no quesito das aparências, que seus aliados. Assim, contentam-se com
o seu afastamento do cargo de Comissariado de Guerra e no Comitê
Revolucionário de Guerra. Acerca desse momento, Carlos Prado
observa que:
No início de 1925 ficou claro que o debate
promovido por Trotski em As lições de outubro
havia lhe proporcionado uma nova derrota.38
Ele lançou a discussão, mas acabou sofrendo
uma avalanche de novas acusações, das quais
não teve sequer a possibilidade de se defender,
afinal, já não havia qualquer debate verdadeiro,
mas apenas o controle da burocracia sobre a
imprensa partidária (...)O Triunvirato utilizou
do aparelho partidário para reescrever a história
344
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
da insurreição de outubro e para ressuscitar
velhas polêmicas e apresentar Trotski como
antibolchevique e contrarrevolucionário. No
debate entre a “revolução nacional” e a “revolução
internacional”, distorceram os textos de Lenin para
desqualificar a teoria da “revolução permanente”,
apresentou-a como contrária aos camponeses e
antinacionalista. Nos anos que se seguiram, o
revisionismo e a falsificação se tornaram ainda
mais presentes, chegando a apagar personagens
não apenas dos livros de história, mas até mesmo
das fotografias (Prado, 2017, p. 13-14).
A questão que Prado pontua acerca do “antinacionalismo”
é significativa, principalmente diante das acusações de que a teoria
da revolução permanente, ao pontuar a necessidade da revolução
internacional, desacreditava dos camponeses, do proletariado russo
e, acima de tudo, da nação russa. Esses apelos eram amalgamados à
defesa do socialismo em um só país, fazendo a ponte necessária com
o histórico e milenar nacionalismo russo. Em momentos posteriores,
tal qual a Segunda Guerra Mundial, Stálin irá usufruir dele em larga
escala a favor da defesa do território nacional. Não à toa, o evento é
chamado na Rússia de “ Grande Guerra Patriótica” até os dias de hoje.
Ao examinar certa nostalgia do passado soviético na Rússia
contemporânea, Henrique Canary percebe uma manobra parecida
ainda nos dias de hoje. Contudo, o autor alerta que esse olhar louvável
para o passado não se assenta em uma perspectiva de reavivamento
do socialismo, mas justamente ao contrário; trata-se de uma notável
transformação no campo da verdade histórica no qual se confluem
reavivamentos espontâneos e o usufruto do Estado em benefício de
uma história única, assim como moldagem de uma memória nacional
vitoriosa e de grandes feitos. Assim,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
345
dizer que a nostalgia soviética é um fenômeno
espontâneo não significa minimizar a importância
da intervenção do Estado em todo o processo.
Isso é assim porque essa nova visão de mundo,
de Rússia e do destino do povo russo se manifesta
hoje também em uma política de Estado, que se
apoia na nostalgia soviética para promover o
patriotismo, o militarismo e uma compreensão
muito particular de “unidade nacional” (Canary,
2017, p.).
Crane Brinton, em Anatomia das Revoluções, ao traçar
paralelos entre as revoluções inglesa, francesa e russa sugere que os
acontecimentos revolucionários passam por uma febre que é seguida
de uma convalescença. No caso dos bolcheviques, o momento dos
debates internos dos anos 1920 representaria um tempo de aguda crise,
que chegaria a chamada convalescença através do primeiro plano
quinquenal, e o maior assentamento da burocracia nos anos 1930.
Nessa linha, o autor argumenta que em 1917 o nacionalismo havia
sido abandonado, contudo, defende que ele passou por uma certa
morfologia, adaptando-se a realidade do modelo federalista russo:
Nos primeiros dias da Revolução Russa, o
nacionalismo, no seu sentido agressivo, foi
virtualmente abandonado de acordo com as
melhores doutrinas de Marx; Num sentido
puramente cultural, o nacionalismo tornou-se a
base querida do federalismo soviético. Para muitos
admiradores da Revolução Russa, não será claro
que a Rússia também se ajustou ao nosso modelo,
que se revestiu das uniformidades com que o
proselitismo revolucionário messiânico noutros
países transforma o nacionalismo agressivo
naquilo que nos era familiar (Brinton, 1962, p.
259).
346
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Para além das evocações nacionais, a teoria do socialismo em
um só país foi o braço teórico da legitimação da emergente burocracia,
obtendo um papel elementar na rejeição da concepção da revolução
permanente, bem como as distorções argumentativas e o esforço
posterior para o afastamento entre as concepções de Lênin e Trotsky,
indubitavelmente presentes no discurso oficial. Um bode expiatório
fora criado em simultâneo ao encaminhamento da legitimação dos
quadros políticos da burocracia, com destaque especial para a figura
de Stálin.
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Disponível:https://www.marxists.org/archive/bukharin/works/1924/
permanent-revolution/index.htm
Anexos:
Trotsky
papers:
soviethistoryarchives/trotsky
https://guides.library.harvard.edu/
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
351
PARTE V
RELAÇÕES
POSSÍVEIS
ENTRE
TRÓTSKI E OUTROS MARXISTAS
352
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
León Trotsky, Rosa Luxemburg y Antonio Gramsci.
Confluencias y divergencias en las hipótesis estratégicas1
Guillermo Iturbide2
Mi ponencia tiene que ver con la relación entre estos tres
marxistas. Desde el comienzo hay un hilo bastante cercano entre
Trotsky y Rosa Luxemburg, quienes parten de una crítica a Lenin
bastante similar, en el momento de la división de la socialdemocracia
rusa en 1903.
Hay algo en el joven Trotsky que Alain Brossat (BROSSAT,
1976) llama “concepción sociologista” de la hegemonía, que luego
Juan Dal Maso toma, en el sentido de marcar mucho el ímpetu del
movimiento de masas como la clave del proceso revolucionario, que
ponía en el centro a las clases y al movimiento de masas y su énfasis
estaba puesto en el proceso y subestimaba la organización partidaria
centralizada. Rosa Luxemburg tiene una posición algo parecida en
esas primeras críticas. En la polémica con Lenin esta última tenía una
idea de que la organización partidaria y el movimiento obrero en su
1 Ponencia expuesta en el simposio temático virtual número 3, “Relaciones posibles entre Trotsky y otros marxistas” en el II° Encuentro Internacional León Trotsky
de San Pablo, Brasil, 22 de agosto de 2023.
2 Guillermo Iturbide (La Plata, Argentina, 1976): Licenciado en Comunicación
Social (FPyCS-UNLP). Forma parte del comité editorial del semanario Ideas de
Izquierda. Compiló, tradujo y prologó Rosa Luxemburg, Socialismo o barbarie
(2021) y AA.VV., Marxistas en la Primera Guerra Mundial (2014), entre otros libros. Participa en la traducción y edición de las Obras Escogidas de León Trotsky
de Ediciones IPS y actualmente también en la traducción de los Cuadernos de los
trotskistas de la prisión de Verjneuralsk (1932-33). Milita en el Partido de los Trabajadores Socialistas de Argentina (PTS), parte de la Fracción Trotskista – Cuarta
Internacional (FT-CI).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
353
conjunto son una suerte de equivalentes, retomando de alguna manera
cierta idea del “partido político en sentido amplio” como la clase en
su conjunto, que estaba en algunas formulaciones tempranas de Marx,
que restringía a los comunistas a ser solo la parte más decidida de ese
partido, pero, en estas nuevas condiciones. En Rosa Luxemburg es algo
más acotado y el “partido histórico” pasa a ser el movimiento obrero,
que es una parte relativamente más avanzada de la clase obrera en su
conjunto, es decir, su parte organizada aunque sea económicamente
pero conducida y puesta en acción por sindicatos que se consideran
socialistas. En tanto, Lenin planteaba la no identidad entre movimiento
obrero y partido, digamos, retomando el otro polo de la idea de
Marx, la de que los comunistas, al ser la parte más decidida de la
clase obrera de alguna manera tienen una suerte de agrupamiento y un
programa propio como el que expresaba la Liga de los Comunistas y
su Manifiesto.
El rechazo de Trotsky y Luxemburg a las ideas de Lenin en
cuanto a la organización partidaria se ligaba a una valoración negativa
de una suerte de jacobinismo residual, una concepción autoritaria de
la revolución como una suerte de sustitucionismo de las masas por los
líderes, que emparentaban también con la tradición de los populistas
rusos. Hace poco traduje desde el ruso dos trabajos de Trotsky que
estaban inéditos en castellano, “Antes del 9 de enero” y “Tras el
levantamiento de San Petersburgo”, ambos de entre fines de 1904 y
comienzos de 1905, donde se describe la idea de la autoactividad de
las masas con pinceladas similares. En esos textos, Trotsky introduce
los primeros elementos de su teoría de la revolución permanente. Por
ejemplo, en “Tras el levantamiento de San Petersburgo”, Trotsky
plantea: “Pues lo que se necesita ahora no son ardientes ilusiones sino
354
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
una clara conciencia revolucionaria, un plan de acción definido, una
organización revolucionaria flexible” (TROTSKY, 2023). Cuando se
refiere a las “ilusiones ardientes” se refiere a la aparición de figuras
“milagrosas” como el cura Gapón que lideró el movimiento del 9 de
enero de 1905. Trotsky, en 1906, hace una suerte de prólogo a este
texto donde aclara que finalmente se encontró ese tipo de organización,
y que se trataba del soviet de diputados obreros surgido a mediados del
año anterior y de cuyo consejo de San Petersburgo él fue el presidente.
Ahí también hay un elemento interesante tanto en Trotsky como en
Rosa Luxemburg sobre la insurrección:
“Marchar hacia la revolución no significa, necesariamente,
equiparse para un levantamiento armado en un día determinado
con anterioridad. No se puede designar un día y una hora para una
revolución como para una manifestación. El pueblo nunca ha hecho
revoluciones siguiendo una orden. Pero lo que puede hacerse es, en
vista de la catástrofe inevitable que se viene, elegir las posiciones
más convenientes, armar e inspirar a las masas con una consigna
revolucionaria, llevar en simultáneo a todas las reservas al campo de
acción, ejercitarlas en el arte de la guerra, mantenerlas en armas todo
el tiempo y, en el momento oportuno, hacer sonar la alarma en toda la
línea” (TROTSKY, 2023, pp. 76-77).
Más adelante volveremos sobre este tema cuando veamos
cómo recapituló el Trotsky post-revolución de Octubre en 1923 sobre
este tema, pero por ahora digamos que se emparenta con los reparos
hacia los elementos conspirativos que la propia Rosa Luxemburg ponía
previamente a la revolución de 1917 al respecto sobre los preparativos
insurreccionales, a los que tendía a identificar con un deslice hacia el
sustitucionismo. A veces hay alguna “vulgata” que suele afirmar que
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
355
Rosa Luxemburg estaba en contra de la idea de insurrección, pero la
realidad es, como suele ocurrir, más compleja:
“Esta vez, por el desarrollo lógico interno de los acontecimientos
sucesivos, la huelga de masas se transformó en insurrección abierta,
en barricadas armadas y, en Moscú, en lucha callejera. Las jornadas
de diciembre de Moscú cerraron el primer año de la revolución,
que tuvo una gran riqueza en experiencias, y constituyeron el
punto culminante de la línea ascendente de la acción política y del
movimiento de la huelga de masas. Los acontecimientos de Moscú
muestran igualmente, como una pequeña muestra, el desarrollo lógico
y el futuro del movimiento revolucionario de conjunto: la culminación
inevitable en una insurrección general abierta, que no puede darse de
otra forma que a través de la escuela de una serie de insurrecciones
parciales preparatorias, las cuales terminan en ‘derrotas’ parciales
que, consideradas aisladamente, pueden parecer ‘prematuras’”
(LUXEMBURG, 2021, pp. 183-184).
Entonces, encontramos en esta etapa una coincidencia entre
Trotsky y Luxemburg en cuanto al énfasis en la autoactividad de las
masas y la crítica al “jacobinismo” conspirativo. En el texto de donde
sacamos la cita anterior, Huelga de masas, partido y sindicatos proviene
su idea de que la conciencia política se desarrolla entre un estado
latente y teórico y otro práctico y activo. Así desarrolla una visión no
gradual ni evolutiva del desarrollo de la conciencia, en contraposición
a la socialdemocracia alemana que planteaba que era necesario un
enorme nivel de organización para recién después organizar a la clase
en general y las reservas estratégicas de la clase trabajadora. Pero sin
contar Rusia con la posibilidad de una organización sindical que no
fuera totalmente clandestina y limitada era imposible plantearse una
356
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
organización según ese esquema clásico.
A su vez, Trotsky mismo reconoce que su primera hipótesis
revolucionaria está muy ligada a la idea de la huelga de masas, muy
parecida al modelo de Rosa Luxemburg. Esta lógica va formando un
armazón de pensamiento sobre cómo construir una fuerza social, en
el caso de Trotsky para habilitar la hegemonía de clase trabajadora
sobre los campesinos, que está muy enlazada con los debates muy
posteriores sobre el programa transicional. Trotsky no piensa en un
programa solamente en el sentido de cómo sería un programa de la
clase obrera como clase en el poder, sino también con la idea de cómo,
mediante el desarrollo de la autoactividad de las masas, tender ese
puente que va construyendo esa fuerza social. Se podría decir que
hay muchos ecos de una idea luxemburguiana ahí. La paradoja es que
lo que Luxemburg considera en su modelo de 1905-06 que tiende a
organizar esa fuerza social construida es la huelga de masas misma,
mientras que Trotsky hace hincapié en la cristalización organizativa
en los soviets. La casi “ausencia” de los soviets en esa obra de Rosa
Luxemburg podría deberse a que se trataba de un trabajo pensado para
ser leído en Alemania y en Occidente, espacios con una saturación de
mediaciones organizativas y de sindicatos, mientras que en Rusia la
ausencia de todas ellas haría de los soviets instituciones demasiado
“rusas”. Si el marxismo hubiera generalizado la idea de los organismos
de autogobierno de las masas antes de la experiencia de 1917 y sobre
todo de la Historia de la Revolución Rusa de Trotsky, tal vez la obra de
Rosa Luxemburg debería haberse llamado “Huelga de masas, partido y
soviets”, o “estrategia insurreccional, partido y soviets”. No obstante,
Rosa Luxemburg, algunos años más tarde, le asignará a los soviets
más importancia como instancias de organización. La idea de reservas
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
357
estratégicas implica la necesidad de poner en acción en los momentos
decisivos de la revolución al conjunto de la clase trabajadora y no
solamente a sus elementos más activos y conscientes. Luxemburg,
muy tempranamente, es consciente de esta tarea y de que tanto los
sindicatos (y mucho menos el partido) son incapaces de organizar el
conjunto de la clase, es decir, de ser el partido obrero en sentido amplio
e histórico en el sentido de Marx, por lo cual hay un vacío teórico allí,
hasta que los soviets también para Luxemburg pasen a ser ese tipo de
organización del conjunto de la clase trabajadora.
Un programa de transición entre la reforma social y la revolución
En la construcción de la fuerza social hegemónica de la
revolución, el germen de la idea de programa transicional ya se
encuentra en ¿Reforma social o revolución? de Rosa Luxemburg.
Porque la pelea por las reformas tiene que darse de manera tal que
construya un tipo de subjetividad que haga de ella punto de apoyo
para la conquista del poder político (y, según Rosa Luxemburg, el
partido socialista únicamente puede ser partido de gobierno “sobre las
ruinas del capitalismo”, no manteniendo el Estado tal cual es). Es una
lógica adelantadísima a su tiempo y que la Internacional Comunista
va a empezar a sistematizar como forma de intervención política en
sus primeros congresos y que luego la Cuarta Internacional daría una
forma acabada como su programa fundacional en 1938.
Esta forma de construir una fuerza social revolucionaria
como un pasaje de la conciencia teórica y latente de las tácticas, a
la conciencia práctica y activa del despliegue del contenido del
programa revolucionario en la realidad, que está en el corazón de
358
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
la lógica del programa de transición, es la que vuelve a aparecer
en la polémica entre Luxemburg y Kautsky sobre cómo luchar por
la conquista del sufragio universal en Prusia en 1910, sobre cómo
forjar la subjetividad revolucionaria a partir de la autoactividad de las
masas, en que su experiencia cotidiana, que en el momento de pasar al
momento insurreccional esa subjetividad esté previamente forjada en
esa experiencia.
En su experiencia en la revolución alemana de 1918, se podría
decir que Rosa Luxemburg se adelanta un poco a Trotsky en “sacar de
Rusia” la estrategia de la construcción de soviets. Para una gran parte
de las interpretaciones de lo que sería la estrategia luxemburguista, los
consejos obreros alemanes habrían sido formas auxiliares de un gobierno
revolucionario, una suerte de “cámara social” para contrarrestar las
tendencias contrarrevolucionarias pero de ninguna manera determinar
el gobierno de la revolución. Pero para la revolucionaria polaca los
consejos solo valían la pena como organizaciones revolucionarias
en tanto existieran como un poder alternativo al del “gobierno de la
revolución” que representaba el llamado Consejo de Comisarios del
Pueblo (que adoptó ese nombre conscientemente copiado del gobierno
revolucionario ruso surgido en Octubre de 1917 como una manera
de sembrar confusión en los trabajadores y sembrar ilusiones en sus
promesas de “socialización”) encabezado por Friedrich Ebert. Los
consejos obreros alemanes entonces eran vistos por Luxemburg como
la exclusiva organización de un futuro gobierno revolucionario.
En 1923, Trotsky publica un artículo sobre la revolución
alemana que se estaba desarrollando en ese momento, llamado “¿Es
posible hacer una revolución o una contrarrevolución en una fecha
fija?”. En ese trabajo parece como si ajustara cuentas con algunos
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
359
puntos de su más temprana conciencia teórica, la de la época de
“Antes del 9 de enero” y “Tras el levantamiento de San Petersburgo”,
los textos que mencionábamos más arriba. En ellos tendía a aminorar
los preparativos insurreccionales como una especie de rezago de la
época populista. Ahora, tras la experiencia de Octubre, esto aparecía
enfocado de otra manera:
“El Partido Comunista no puede tener una actitud de espera
ante el creciente movimiento revolucionario del proletariado. (…) El
Partido Comunista no puede utilizar la ley liberal según la cual las
revoluciones ocurren pero jamás se hacen y, por lo tanto, no se pueden
fijar para una fecha específica. (…) Si el país está atravesando una
profunda crisis social, si las contradicciones se agravan al extremo
y las masas trabajadoras están en constante fermento; si el partido
evidentemente se apoya en la indiscutible mayoría de los trabajadores
y, en consecuencia, en todos los elementos más activos, con más
consciencia de clase, los más sacrificados; entonces la tarea a la que
se enfrenta el partido (la única posible bajo esas circunstancias) es
fijar el momento preciso en el futuro inmediato, momento en el que
la situación revolucionaria favorable no pueda volverse abruptamente
en nuestra contra, y entonces concentrar todos nuestros esfuerzos en
la preparación del golpe, subordinar toda la política y la organización
al objetivo militar, para asestar ese golpe con la máxima potencia”
(TROTSKY, 2016, pp. 662-663).
Lo mismo puede decirse de la actitud de Rosa Luxemburg
frente a la insurrección en la revolución alemana de 1918-19. Por un
lado, en un comienzo se opone a la tentativa de insurrección de los
primeros días de enero de 1919 organizada por el comité de acción
compuesto en su mayoría por militantes del USPD y de los Delegados
360
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Revolucionarios y una minoría de dos comunistas, por considerarla
extremadamente prematura y destinada a la derrota, y contando con
la perspectiva de una insurrección futura mejor organizada donde uno
de los indicadores de la factibilidad de la toma del poder fuera que el
PC alemán hubiera derrotado políticamente y liquidado al centrista
y vacilante Partido Socialdemócrata Independiente (USPD), del cual
los espartaquistas habían formado parte durante casi dos años. Sin
embargo, Luxemburg, una vez que la tentativa insurreccional se puso en
marcha y era imposible detenerla, se plegó a ella y buscó que triunfara
por todos los medios posibles (ver centralmente “El fracaso de los
dirigentes”, en LUXEMBURG, 2021, pp. 545-548). Aquí claramente
en Trotsky y Luxemburg la ruptura con su conciencia anterior se debe
a la experiencia de la organización de la insurrección de Octubre.
Y en eso llegó Gramsci
Y aquí llegamos a la asociación que hace Gramsci en
los Cuadernos de la cárcel entre Luxemburg y Trotsky. Es muy
conocida su crítica en ellos a la teoría de la revolución permanente,
que en varios pasajes tiende a asociar con la llamada “teoría de la
ofensiva” de los llamados comunistas de izquierda, una fracción de
la Tercera Internacional que sacaba la conclusión de que las lecciones
de la Revolución de Octubre se podían sintetizar en terminar con
la separación entre un programa mínimo reformista y un programa
máximo socialista dando las batallas “mínimas” y “parciales”
con métodos insurreccionales y maximalistas, la pura “guerra de
movimiento” como una “revolución ininterrumpida”, enfoque
fuertemente combatido por el propio Trotsky y por Lenin:
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
361
“La teoría de Bronstein [Trotsky] puede compararse con la
de ciertos sindicalistas franceses sobre la huelga general, o con la
teoría de Rosa [Luxemburg] en el folleto traducido por Alessandri. El
folleto de Rosa y las teorías de Rosa han influido, por lo demás, en los
sindicalistas franceses (…) también depende[n] en parte, de la teoría
de la espontaneidad. (…) A propósito de los conceptos de guerra de
movimiento y guerra de posición en el arte militar y los conceptos
relativos en el arte político, hay que recordar el librito de Rosa [Huelga
de masas, partido y sindicatos] (…) En el librito se teorizan un poco
precipitada y hasta superficialmente las experiencias histórica de 1905:
pues Rosa descuidó los elementos “voluntarios” y organizativos que
en aquellos acontecimientos fueron mucho más numerosos y eficaces
que lo que ella tendía a creer, por cierto prejuicio suyo “economicista”
y espontaneísta. De todos modos, ese librito (y otros ensayos de la
misma autora) es uno de los documentos más significativos de la
teorización de la guerra de movimiento aplicada al arte político”
(GRAMSCI, 1999, pp. 284-285 y 419).
No hay espacio aquí para entrar en una discusión extensa
sobre Gramsci y estas discusiones sobre Trotsky, para lo cual remito
al libro de Juan Dal Maso (DAL MASO, 2018), pero me parece que
lo que Gramsci consideraba como “guerra de posiciones” va muy en
el sentido de lo que Rosa Luxemburg consideraba como realpolitik
revolucionaria y la idea de programa transicional en Trotsky. Para
esto hay que dejar de lado cierta “vulgata” que aún existe dentro
de una parte del movimiento trotskista que lleva a un rechazo hacia
la figura de Gramsci por sus críticas a Trotsky y algunos de sus
posicionamientos en los comienzos de la lucha al interior del Partido
Bolchevique, o por ejemplo a la manera en que un poco burdamente
362
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
se tiende a relacionar la contraposición entre guerra de maniobra y
guerra de posición a la estrategia kautskiana, algo que en parte es
un efecto indeseado de cierta lectura de Las antinomias de Antonio
Gramsci de Perry Anderson. Que, de vuelta, es un tema que ha sido
resuelto por las diversas críticas a esas interpretaciones y que pueden
consultarse en la obra de Juan Dal Maso. Me parece que es productivo
e interesante analizar los motivos de esta inclusión y esta discusión,
donde la lectura de Gramsci creo que está un poco determinada por su
polémica al interior del comunismo italiano contra Amadeo Bordiga,
que efectivamente forma parte de la tendencia internacional de los
“comunistas de izquierda” asociados a la teoría de la ofensiva (donde
tenían mucho peso el KAPD alemán, el comunismo austríaco, figuras
como György Lukács y los comunistas húngaros en sus comienzos)
y quien, además, durante un breve tiempo mantuvo cierta relación
política con Trotsky a partir del origen de la Oposición de Izquierda en
el Partido Bolchevique. Bordiga, por caso, incluso solo aceptaba a los
soviets para organizar el gobierno de la clase trabajadora únicamente
luego de la toma del poder pero consideraba que no cumplían ningún
rol en la pelea previa por ese poder.
La asociación de Luxemburg con una posición similar a la
de los sindicalistas revolucionarios italianos, franceses o alemanes
y transformarla en una “comunista de izquierda” es muy difícil de
sostener. Por poner un ejemplo, concepciones de Luxemburg muy
opuestas a la panacea de la teoría de la ofensiva se pueden leer en un
texto suyo muy importante como “Lecciones de las tres Dumas”, de
mayo de 1908:
“La profunda decepción por la larga pausa en la lucha
revolucionaria es, por supuesto, solo el reverso de la suposición
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
363
de que la revolución puede y debe ser impulsada en una línea
progresiva ininterrumpida de enfrentamientos y victorias. La base
de tal expectativa es la opinión de que la revolución es un trastorno
puramente político, para el que la sociedad está supuestamente
preparada internamente y perfectamente madura desde el principio.
Por el contrario, toda revolución es una revolución social, es decir, un
período de maduración interna extremadamente tensa de la sociedad,
un período de rápida formación, diferenciación y autoesclarecimiento
de las clases. El curso inmediato de la agitación política se vuelve
confuso y complicado por este proceso de maduración de la clase;
periódicamente inhibe la acción revolucionaria en su apariencia
externa para procesar sus resultados y reunir material para la acción
posterior. Para entender si la revolución solo está pasando por una
pausa temporal más o menos larga, o si realmente ha llegado a su
fin, es necesario tomar conciencia de las tareas que se presentan ante
ella como una necesidad histórica y de las condiciones concretas para
el cumplimiento de estas tareas después de que la lucha de clases se
haya desarrollado en el curso de la revolución y bajo su influencia”
(LUXEMBURG, 2015, p. 249).
La opinión de Gramsci sobre Luxemburg como “economicista”
creo que se deriva de cierta impresión que da la autora polaca en Huelga
de masas, partido y sindicatos cuando caracteriza a la fase más radical
de la revolución de 1905 como su etapa de “lucha económica”. Allí,
por la forma en que parece ignorar el rol organizativo de los soviets (a
los que solo menciona una vez y al pasar) y en cambio la idea de que el
movimiento de la huelga de masas en sí es la organizadora, pareciera
abonar cierta visión de una conexión bastante inmediata entre la lucha
sindical y la insurrección, aunque posiblemente más bien le ponga
364
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
el nombre de “etapa económica” a lo que en realidad significa la
etapa en que las clases sociales se diferencian netamente y hay una
lucha de “clase contra clase”, podríamos decir, donde los elementos
anticapitalistas se despliegan totalmente, diferente a la primera etapa de
la revolución de 1905 que ella llama “fase política” en la que burguesía
y proletariado parecían ir de la mano en una revolución puramente
política, sin cuestionar el régimen económico y social. Dicho sea de
paso, el PC alemán, en los primeros meses de 1919, tras el asesinato de
Rosa Luxemburg y bajo la conducción de Paul Levi (también parte de
la vieja guardia de la Liga Espartaco) parece tener una visión parecida
que pone un signo igual entre las huelgas y las insurrecciones en la
revolución, ver, por ejemplo, la carta de Paul Levi a Lenin (citada en
FOWKES, 1984, p. 31). Pero si tomamos la idea de Gramsci de que
la lógica de la guerra de posiciones es la traducción del bolchevismo
a Occidente de la etapa de la preparación subjetiva de la revolución
mediante la movilización, y si dejamos a un lado las interpretaciones
reformistas ya largamente desacreditadas y rebatidas que la entienden
literalmente como la conquista de posiciones parlamentarias de
manera pacífica, es posible ligarlo a la forma en que Rosa Luxemburg
concebía cómo había que hacer política en el día a día, haciendo un
puente entre la lucha por reformas reales y la preparación subjetiva
para la revolución (realpolitik revolucionaria) y la lógica del programa
de transición de Trotsky.
Referencias bibliograficas
BROSSAT, Alain. En los orígenes de la revolución permanente. El
pensamiento político del joven Trotski. Madrid: Siglo XXI, 1976.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
365
DAL MASO, Juan. Hegemonía y lucha de clases. Tres ensayos sobre
Trotsky, Gramsci y el marxismo. Buenos Aires: Ediciones IPS-CEIP,
2018.
FOWKES, Ben. Communism in Germany under the Weimar Republic.
Londres: Macmillan Press, 1984.
GRAMSCI, Antonio. Antología. México DF/Madrid: Siglo XXI,
1999.
LUXEMBURG, Rosa. Arbeiterrevolution 1905/06. Polnische Texte.
Berlín: Karl Dietz Verlag, 2015.
LUXEMBURG, Rosa. Socialismo o barbarie (compilación). Buenos
Aires: Ediciones IPS-CEIP, 2021.
TROTSKY, León. La teoría de la revolución permanente. Buenos
Aires: Ediciones IPS-CEIP, 2023.
TROTSKY, León. Los primeros 5 años de la Internacional Comunista.
Buenos Aires: Ediciones IPS-CEIP, 2016.
TROTSKY, León. Tras el levantamiento de San Petersburgo (enero
de 1905). Armas de la Crítica, Buenos Aires, n. 48, 2023, https://www.
laizquierdadiario.com/Tras-el-levantamiento-de-San-Petersburgoenero-de-1905
366
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
El trotskismo y Louis Althusser
Marcelo Novello1
1. Introducción
Para comenzar, quisiera enviar un gran saludo militante a los
todos los participantes de este II Encontro Internacional Léon Trótski;
y obviamente también un sincero agradecimiento a los organizadores
del Evento. Comencemos diciendo que el filósofo francés Louis
Althusser generó, desde 1964 y hasta su muerte en octubre del ‘90,
animadversión e inspiración por partes iguales. Sus textos adquirieron
difusión mundial, pueden hallarse sin dificultad en los syllabus
universitarios de los cinco continentes, e incluso algunos textos de
divulgación escritos por sus discípulos se han vendido por cientos
de miles (HARNECKER, 1969). Es decir: Althusser no es ningún
“tapado” que debiera ser rescatado de la “enorme condescendencia de
la posteridad”, para tomar prestada la elegante frase de un historiador
socialista británico. En Brasil, algunos intelectuales históricos con
militancia en el PCB (Partido Comunista Brasileiro) como Caio
Prado Jr. y Carlos Nelson Coutinho, fueron muy críticos de la obra de
Althusser; mientras que actualmente hay jóvenes intelectuales del PCB
(por ejemplo, Jones Manoel y Gabriel Landi) que, por el contrario,
reivindican abiertamente la obra del filósofo francés. En Argentina,
nos resulta muy interesante (y polémico) un libro reciente con el
título “Althusser y Sacristán. Itinerarios de dos comunistas críticos”
1 Investigador independiente; participante también del evento virtual Trótski
en Permanência (2021), cuando presentó una Ponencia sobre “El trotskismo en la
Revolución Portuguesa 1974-75”. Contacto: marcelonovello@hotmail.com
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
367
escrito por Juan Dal Maso y Ariel Petruccelli (ambos militantes del
Frente de Izquierda y los Trabajadores) y publicado a fines del año
2020 por la casa editorial del PTS - Partido de los Trabajadores
Socialistas (organización hermana del MRT en Brasil), que parece
venir a querer reescribir la historia. El libro comienza preguntando
ingenuamente “qué relevancia podría tener hoy su pensamiento para
la cultura revolucionaria” (DAL MASO & PETRUCCELLI,2020,
p.7). Pero en el caso de Louis Althusser, y sin ir muy lejos en la cultura
revolucionaria (¿?) en la cual el Frente de Izquierda y los Trabajadores
argentino se supondría que debiera abrevar –tratándose de un frente
político de 4 organizaciones que se reclaman trotskistas– ese asunto
de la “relevancia” ya debiera estar bastante claro después de los
ríos de tinta escritos sobre el tema desde los años ‘60. Por ejemplo,
las publicaciones del Secretariado Unificado de la IV Internacional
(de inveterado seguidismo a las corrientes políticas y tendencias
intelectuales más diversas que pudieran ser identificadas como “nueva
vanguardia”) fueron siempre extremadamente críticas hacia Althusser.
Señalemos, por ejemplo: un artículo polémico en la revista Quatriéme
Internationale (MANDEL, N° 41, 1970), también el libro colectivo
“Contre Althusser” de 1974 que reunía las contribuciones de insignes
intelectuales ligados al SU mandelista (Jean-Marie Vincent, Daniel
Bensaïd, Denise Avenas, Alain Brossat, etc) y el dossier de Daniel
Bensaid “Les intellectueles du PCF, dos au stalinisme” publicado
en 1973 por el semanario Rouge. Mientras que algo similar ocurrió
con Nahuel Moreno (MORENO, 1973), y en anteriores polémicas
desde las filas del mismo PTS argentino (CASTILLO, 1999). En una
abrumadora coincidencia teórica que no mereciera dejar de resaltarse,
digamos que también se opusieron a las implicancias althusserianas
368
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
las publicaciones del lambertismo (THIVEL,1972) y del healyismo
(SLAUGHTER,1979), sectores por décadas enfrentados al oficialismo
mandelista.
2. Una rehabilitación política de Althusser
Siendo conscientes del riesgo de spoilear a la audiencia las
conclusiones del libro de Dal Maso y Petruccelli, diremos no obstante
que los autores celebran a Althusser como un comunista crítico por
“los innumerables aportes a la reflexión teórica … con aciertos y
errores… [que] muestran que su potencia crítica podía ir más lejos”
(DAL MASO & PETRUCCELLI, p.279). El problema no está ni en
nuestra supuesta falta de voluntad para sostener un “diálogo crítico
con diversos cuerpos teóricos”, ni en el objeto de análisis del libro
(NOVELLO, 1997) si no, exclusivamente, en su abordaje: mayormente
expositivo (¡¡como si en 2020 hiciera falta otro libro más sobre
teoría althusseriana!!), con escasas críticas y plagado de omisiones.
¿Exageramos? Lamentablemente, no. Recordemos, especialmente
para los camaradas más jóvenes, algunas de las posiciones políticas
de Althusser. En 1974, en su libro Para una crítica de la práctica
teórica – Respuesta a John Lewis puede leerse, por ejemplo, que
“Stalin no puede ser reducido a la desviación que nosotros vinculamos
a su nombre. Tuvo otros méritos ante la historia. Comprendió que
era necesario renunciar al milagro inminente de la ‘revolución
mundial’ y emprender la ‘construcción del socialismo’ en un solo
país” (ALTHUSSER, 1974, p.100). Para Althusser la desviación
estaliniana surgió recién en los años ‘30 y “guardando bien todas las
proporciones … pero más allá de los fenómenos más visibles, que
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
369
son, a pesar de su extremada gravedad, históricamente secundarios
… la desviación estaliniana puede ser considerada… una forma de
la revancha póstuma de la II Internacional, como un resurgimiento
de su tendencia principal [que] era en el fondo, como sabemos,
economicista” (ALTHUSSER, 1974, p.98-9). Entonces vemos que la
fórmula althusseriana para explicar el estalinismo era de una pobreza
conceptual (e histórica) espantosa, e indigna de un “comunista
crítico”, podio al cual Dal Maso/Petruccelli quisieran subir al filósofo
francés. Se trataba de una ecuación = metafísica (“revancha póstuma”)
+ teoricismo (la misma naturaleza de la “desviación”) + idealismo
(el dúo economicismo/humanismo como verdadero generador de
hechos históricos, sin interrogar las fuerzas materiales actuando
detrás de esas ideas). Realmente tenía razón el mandelista Daniel
Bensaïd cuando decía que la explicación althusseriana borraba de un
plumazo 40 años de historia del movimiento obrero (BENSAÏD, 1973,
p.12). Unas páginas más atrás en este mismo libro, en una amalgama
digna de Vyshinsky, dirá Althusser que el trotskismo representó
sólo una crítica de derecha al estalinismo, exactamente en el mismo
plano que el anti-comunismo burgués, que “se aferra y se limita a
ciertos aspectos de la superestructura jurídica y, claro está, puede
entonces invocar al Hombre y sus Derechos, y oponer el Hombre a
la violación de sus Derechos (o los simples ‘consejos obreros’ a la
‘burocracia’)” (ALTHUSSER, 1974, p.90). Para Althusser la denuncia
de Khrushchev de los crímenes de Stalin en el XX Congreso del PCUS
(1956) le dio al trotskismo “un argumento histórico inesperado:
una justificación, un nuevo aliento y una segunda vida… Es lo que
explica… el refortalecimiento de organizaciones que subsisten desde
hace cuarenta años sin haber logrado ninguna victoria histórica”
370
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
(ALTHUSSER, 1974, p.91).
Pero ¿¡cómo es eso de lamentarse
acerca de una “segunda vida” para el trotskismo!? Acá tenemos o bien
una sospechosamente pésima sintaxis por parte de Althusser, o la idea
de que éste realmente confiaba en el carácter eterno de la faena asignada
a Ramón Mercader en México. Increíblemente sobre todo esto no hay
nada en el libro de Dal Maso y Petruccelli publicado y promocionado
por el PTS. E incluso señalan que “en distintas ocasiones, Althusser
... manifestó respeto e incluso cierto interés por Trotsky... De allí
que sin hacerse trotskista, se asumió como comunista cada vez más
distanciado del estalinismo” (DAL MASO & PETRUCCELLI, p.2789) pero en un libro escrupulosamente dotado de 370 notas a pie de
página distribuidas en 279 páginas de texto, los autores no citan
siquiera un par de ejemplos concretos de ese “respeto e interés” de
Althusser (un escritor prolífico si los hubo!!) hacia Trotsky –un hecho
que además le habría pasado totalmente desapercibido durante 60
largos años a diversos autores como Mandel, Fougeyrollas, Bensaïd,
Slaughter, Geras, Gerratana y un larguísimo etcétera.
3. Cuestiones biográficas – y no sólo
Analizando algunos aspectos biográficos de Althusser (y
Sacristán, claro) sostienen los autores que ellos “vivieron, escribieron
y lucharon en Europa, en un momento en el que –con excepción
del ’68– el empuje revolucionario se hallaba sobre todo en otras
geografías: Asia, África y América Latina” (DAL MASO &
PETRUCCELLI, p.7). La primera omisión es que parecen excluir del
“empuje revolucionario”, por ejemplo, a los heroicos levantamientos
obreros en Berlín oriental (1953) y en Hungría (1956). Pero si la
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
371
intención era no manchar los pergaminos de supuestos “comunistas
críticos” de Althusser y Sacristán, entonces al menos se entiende el
motivo. La segunda omisión se refiere proceso revolucionario en
Portugal, entre 1974/75, que Althusser y Sacristán sí pudieron vivir en
Europa, y que además tuvo cierta influencia en la situación política de
España, que iba camino al post-franquismo y durante el cual el Partido
Comunista Español (PCE) liderado por Santiago Carrillo se desmarcó
enfática y públicamente de la línea seguida por el Partido Comunista
Portugués (PCP) liderado por Álvaro Cunhal –por lo que hubiera
sido interesante que los autores analizasen la posición de Sacristán
(militante del PCE) durante esa etapa. Pero, además, del lado de
Althusser la llamada Revolução dos Cravos portuguesa también tuvo
gran impacto tras los Pirineos, donde la alianza PS-PCF en la llamada
“Union de la Gauche” (tan tenazmente defendida por Althusser) crujía
sonoramente a medida que subía en Portugal la intensidad del choque
entre socialistas y comunistas lusitanos (MACLEOD, 1984). Althusser
incluso visitó Portugal a mediados del ‘75, igual que otros intelectuales
de izquierda como Jean Paul Sartre, Paul Sweezy, Michel Foucault y
tantos otros. La correspondencia epistolar de Althusser con el abogado
y dramaturgo Luis Francisco Rebello, a la sazón miembro renunciante
del Partido Socialista portugués, fue publicada con avidez por el Diário
de Noticias lisboeta (donde el escritor José Saramago, militante del
PCP, oficiaba de Director Adjunto) y en revistas locales de gran tiraje,
como Vida Mundial y Vértice, para ser luego impresas también en la
forma de un pequeño librito (ALTHUSSER & REBELLO, 1976). En
ese intercambio de cartas con Rebello sorprende el dilettantismo del
análisis althusseriano:
•
contra la tradicional caracterización de la Comintern
372
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
del período estalinista (que alguien como Althusser no
podía desconocer) del fascismo como “la dictadura
terrorista declarada de los elementos más reaccionarios,
más nacionalistas, más imperialistas del capital financiero”
(DIMITROV, 1984, p.154), por el contrario Althusser
descartaba la caracterización del fascismo como algo
“anormal” del dominio burgués (ALTHUSSER & REBELLO,
1976, p.17) pero si el uso de métodos de guerra civil contra la
clase obrera fuera lo “normal” del dominio burgués, entonces
¿por qué tanta alharaca sobre la centralidad de los Aparatos
Ideológicos de Estado?
•
sostenía que en el 25 de Abril portugués el imperialismo
había sido tomado por sorpresa por el MFA (ALTHUSSER &
REBELLO, 1976, p.18-9) como si general Spínola no contase
previamente con la venia del Departamento de Estado, algo
preanunciado con la publicación, a inicios de 1974, de su libro
best-seller Portugal e o Futuro, un hecho visto por el propio
dictador Marcelo Caetano como señal inequívoca de que las
cartas estaban echadas
•
se mofaba, después del golpe de Eanes en Noviembre
del ’75, de la ingenuidad de los “centristas” del MFA (el Grupo
dos Nove liderado por Melo Antunes) por no haber visto el
“peligro de la derecha”, cuando anteriormente el mismo
Althusser jamás mencionó siquiera la existencia de una dura
lucha faccional en el seno del MFA, durante la etapa de la
alianza Povo/MFA –es decir, del fracasado intento bonapartista
liderado por Vasco Gonçalves
•
apoyaba decididamente la política de “frente amplio
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
373
antifascista” propugnada por Álvaro Cunhal del PCP, incluso
después del golpe de Eanes (ALTHUSSER & REBELLO,
1976, p.42)
Para un filósofo obsesionado con teorizar “la coyuntura”
realmente fue muy poquito lo que Althusser consiguió aprehender de
la situación política portuguesa, porque en un trabajo de 1976 (que
sólo será publicado póstumamente) llegó a decir que “en Portugal…
hay un movimiento bastante fuerte de tendencia maoísta y, en cierta
medida, las relaciones entre el PC local y esos maoístas no son tan
conflictivas como las que mantienen el Partido francés y el escaso
número de maoístas franceses” (ALTHUSSER, 2019, p.61). Esto
parece más una broma, una boutade, que un análisis político serio:
todos en Portugal durante 1974/75 sabían que primero el PCP y sus
contactos en la ‘izquierda militar’ (el coronel Varela Gomes y la
llamada 5° Divisão) empujaban al primer ministro Vasco Gonçalves
hacia la represión abierta contra los maoístas del MRPP y AOC
(CRUZEIRO, 2002, p.123-56), y que luego estos grupos maoístas
participarían, junto a fanáticos de la Iglesia Católica y a los fascistas
del MDLP, del asalto y quema de locales partidarios del PCP en el
Norte y Centro del país, durante el llamado Verão Quente de 1975.
La izquierda maoísta en Francia, personificada por ejemplo en Judith
Balso, escribió un famoso libro que incluía una breve Introducción del
filósofo Alain Badiou (muy cercano a Althusser) y de Sylvain Lazarus,
que enmarcaba positivamente la política del MRPP (BALSO, 1976,
p.110-47).
4. Fuego a discreción
Aunque el economista belga Ernest Mandel ya había
374
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
polemizado tempranamente con algunas ideas de Althusser, por
ejemplo: la ‘madurez’ del pensamiento económico de Marx al momento
de los Manuscritos de 1844, la supuesta centralidad del concepto de
‘trabajo alienado’ en el Marx de la Introducción a la crítica de la
Economía Política, la desaparición del concepto de ‘alienación’ en el
Marx maduro, etc., desde las páginas de su libro “La formación del
pensamiento económico de Marx” (MANDEL, 1967), quizás el primer
debate desde la prensa partidaria trotskista contra las posiciones de
Althusser haya sido un artículo (MANDEL, 1970, p.39-47) donde
reaccionaba a la curiosa “Advertencia” del filósofo francés con la que
comenzaba la edición “de bolsillo” del Libro I de El Capital, publicado
por Flammarion en 1969. Mandel polemizaba allí con algunas
afirmaciones, previsibles por estar básicamente en línea con lo ya
expuesto en Pour Marx y Lire Le Capital, en las que Althusser
arremetía contra las “insuficiencias” del Libro I (o sea, distinción entre
valor y forma-valor; composición orgánica del capital; el fetichismo
de la mercancía; etc.) y contra el orden de exposición de la Sección I,
donde al comenzar por el tópico de la “Mercancía” el pobre Marx
habría pagado muy cara su adhesión a la concepción hegeliana de la
ciencia. Mandel también salió en defensa del Marx de la “Contribución
a la crítica de la Economía Política” (1859), bajo feroz ataque
althusseriano por estar supuestamente impregnado de un hegelianismo
y evolucionismo fatal, del cual Lenin jamás habría cedido a dejarse
influenciar (MANDEL, 1970, p.44). Finalmente, Mandel se indignaba
duramente contra la distinción ontológica, infranqueable, que Althusser
establecía entre “huelgas generales” puramente económicas (y
defensivas) por un lado, y “huelgas generales” políticas (y ofensivas)
por el otro. Mandel estaba seguro de ver, con razón a nuestro juicio,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
375
una burda escolástica “metafisica” que serviría de justificación
althusseriana para la política del PCF durante los recientes
acontecimientos del Mayo Francés (MANDEL, 1970, p.47).
Posteriormente en 1974 la LCR mandelista publicará en Francia un
libro elocuentemente titulado “Contra Althusser”, donde además del
artículo de Mandel anteriormente citado, se incluyen otras
contribuciones donde se destacan, a nuestro criterio, las de D. Avenas
& A. Brossat (“Las malsanas ‘lecturas’ de Althusser”), J.M. Vincent
(“El teoricismo y su rectificación”) y C. Colliot-Théléne (“Releer El
Capital”). El texto de Avenas y Brossat critica el auto-confinamiento
de Althusser en la “ciencia” pretendidamente marxista, pero
manteniendo a distancia la “historia”, en su contenido concreto y
político. Apuntan a la “interpretación cientificista y formalista del
marxismo que constituye la quintaesencia del marxismo universitario
actual” (AVENAS & BROSSAT, 1974, p.140) y señalan los problemas
causados por dos reducciones básicas althusserianas: en el tiempo
(jamás capta un sistema en relación con su génesis, en su devenir
histórico), y en el espacio (considera cada formación social en sí
misma, antes de referirla a su contexto internacional). El texto de J.M.
Vincent criticaba el teoricismo de Althusser, que transformaba la
filosofía en teoría de la producción de conocimientos, por lo que su
utilización como basamento de las ciencias bastaba para
–sin
referencia directa a las prácticas sociales surgidas del movimiento
obrero– dar un impulso decisivo al pensamiento revolucionario.
Respecto del nuevo estatuto dado por Althusser a la filosofía marxista
(“lucha de clases en la teoría”) Vincent señalaba el evidente offside en
el que caía la nueva posición althusseriana: lo lógico-teórico no
permitía que sus categorías se sometieran a un punto de vista de clase
376
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
pero, simultáneamente, se proponía relacionar íntimamente el trabajo
científico con el movimiento proletario (VINCENT, 1974, p.256).
Finalmente, el texto de Colliot-Théléne es bastante más salomónico:
reconoce un punto a favor de Althusser en lo referente a la crítica a
Engels por haber sincronizado el punto de partida de la exposición
científica con el comienzo histórico, y por este zafarrancho Engels
declara que la “ley del valor” rige para el período de la producción
simple de mercancías (¿tuvo una existencia histórica concreta?) y
hasta el siglo XV, curiosamente dejando afuera al periodo del modo de
producción capitalista!! (THÉLÉNE, 1974, p.97-100). De cualquier
manera, el propio Marx ya había sostenido que sería un error situar las
categorías económicas en el orden en que han sido históricamente
determinantes; sino que su orden está determinado por las relaciones
existentes entre ellas en el seno de la formación social capitalista. Pero
mientras que Marx solamente se refería al método de la Economía
Política, en cambio Althusser creía ver en ello un estructuralismo
avant-la-lettre mientras él mismo elaboraba una teoría de la praxis
científica en general (THÉLÉNE, 1974, p.101-2). Rechazando “in
limine” cualquier disyuntiva ciencia burguesa versus ciencia
proletaria, Althusser no podrá identificar el punto exacto que separa a
Marx de la ciencia burguesa. Pero para Colliot-Théléne no considerar
el carácter histórico y transitorio del modo de producción capitalista
tiene incidencia directa en la inteligibilidad de su funcionamiento,
porque no permite determinar la especificidad de la forma de
explotación capitalista, es decir: de “producir” los conceptos de fuerza
de trabajo y plusvalía. Por lo que entonces, pace Althusser, la crítica
de la ciencia económica burguesa está subordinada a un punto de vista
de clase que le permita trascender el punto de vista burgués y los
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
377
límites que le son propios. La adopción de un punto de vista de clase
no es una elección individual arbitraria, apoyada en el rigor y genialidad
de un determinado economista, sino una consecuencia del desarrollo
de la lucha de clases. Así la “crítica de la economía política” y la
“economía política proletaria” son sinónimos (THÉLÉNE, 1974,
p.124-31). Con una distancia de 25 años en las que, digámoslo
sucintamente, varias cosas sucedieron políticamente (incluyendo la
transformación de la propia LCR en “otra cosa”) habrá en 1999 una
reedición de este libro, intitulado ahora “Contre Althusser, Pour Marx”
y con ciertos cambios que ameritan ser resaltados. En primer lugar, el
artículo original de Daniel Bensaïd (“Los intelectuales del PCF ante el
estalinismo”) fue reemplazado por otro de producción más reciente
llamado “Un universo de pensamiento abolido”, que a pesar de
mantener las distancias políticas con Althusser, sin embargo era mucho
más conciliador al nivel de la teoría, especialmente en lo referido al
modelo de “temporalidad plural” althusseriano, en combate contra el
llamado ‘historicismo absoluto’ asignado a Gramsci, Lukács y Korsch
(BENSAÏD, 1999, p.229-64). En segundo lugar, el texto inédito de
Jean-Marie Brohm (“La recepción de Althusser: historia política de
una impostura”) era un amargo ajuste de cuentas con sus viejos excamaradas, que habían desertado de la LCR en el transcurso de esos
largos 25 años, entre 1974 y 1999. Y se los podía encontrar ahora en la
socialdemocracia (Jean-François Godchau, Henri Weber, Gérard
Filoche); en la academia ecléctica ecuménica (Jean-Marie Vincent);
en el nihilismo escéptico “anti-dogmático” (Alain Brossat); o en la
derecha “republicana” anti-inmigrantes (Sami Naïr). De esa ‘lista
negra’ del oprobio hecha por Brohm sólo se salvaban Ernest Mandel y
Daniel Bensaïd. Por el lado del lambertismo, será el filósofo Pierre
378
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Fougeyrollas que bajo el pseudónimo de ‘Antoine Thivel’ escribirá dos
artículos desde las páginas de La Vérité, el primero atacando de manera
general a la corriente estructuralista (THIVEL, 1972a) y el segundo
delimitándose tajantemente de las posiciones de Louis Althusser
(THIVEL, 1972b). Está claro que estos dos artículos posteriormente
constituirán la piedra angular de su libro “Contre Lévi-Strauss, Lacan
et Althusser” (FOUGEYROLLAS, 1976). En su artículo Fougeyrollas
se enfocará en analizar el famoso Prefacio de Althusser al libro “Pour
Marx”, donde el mismo Althusser enumeraba sus numerosos traumas
político-teóricos: las revelaciones sobre los crímenes de Stalin en el
famoso XX Congreso del PCUS; el llamado “culto a la personalidad”
como explicación oficial soviética; la política cultural de Zhdanov
(¡¡asociada por Althusser con el Proletkult!!); el famoso affaire
Lyssenko; la “acertada” incursión del propio Stalin en lingüística en la
polémica contra Marr; la ausencia de teóricos marxistas en Francia; el
temible fantasma del “izquierdismo teórico” (Lukács, Korsch).
Fougeyrollas atacará como un “regreso completo al idealismo
tradicional” (THIVEL, 1972b, p.100) el aforismo althusseriano por lo
cual el concepto de historia no puede ser empírico, histórico, de la
misma manera que el concepto “perro” no ladra (Spinoza dixit), en el
mismo sentido en que Althusser citaba elogiosamente a Stalin por
haber llamado a evitar cualquier posible confusión entre “economía
política” (teoría) y “política económica” (su aplicación técnica). La
Vérité se ocupará nuevamente de Althusser después de 4 años
(COLLIN, 1976) en un artículo donde se verá en el dúo Althusser/Jean
Ellenstein una verdadera división del trabajo: mientras el filósofo
Althusser proporcionaba la “teoría” anti-trotskista (tal como enunciada
en el miserable libro “Para una crítica de la práctica teórica –
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
379
Respuesta a John Lewis”) el historiador Jean Ellenstein proporcionaba
los “argumentos” histórico-políticos para proseguir la lucha contra el
trotskismo. A pesar de tratar otros tópicos del pensamiento
althusseriano, distintos a los desarrollados por Fougeyrollas en la
misma revista cuatro años atrás, el artículo de Collin curiosamente
omitirá cualquier referencia a la nueva situación política creada por el
22° Congreso del PCF en febrero de 1976, en el cual había decidido
(¡¡luego de 50 años de práctica contrarrevolucionaria!!) el “abandono”
formal del concepto de dictadura del proletariado –y la posición
adoptada por Althusser en esa coyuntura. Del lado del healyismo, y
básicamente interviniendo con motivo del revuelo causado en el
mundo intelectual británico por el iracundo libro de E.P. Thompson
contra Althusser (THOMPSON, 1978) será el sociólogo Cliff Slaughter
quien publicará un brevísimo artículo en la prensa partidaria
(SLAUGHTER, 1979). Claramente Slaughter se sitúa más bien del
lado thompsoniano de la trinchera, y gana un punto fácil citando a
Hirst y Hindess, dos discípulos británicos de Althusser, para quienes
“el marxismo, como práctica teórica y política, no gana nada mediante
su asociación con la escritura e investigación histórica. El estudio de
la historia es no sólo científica, sino también políticamente inútil”
(SLAUGHTER, 1979, p.6). Slaughter señala la ruta que Hirst y
Hindess siguieron en los 2 volúmenes de “Marx’s Capital and
Capitalism Today” (es decir: rechazo de la teoría del valor marxista y
de las leyes del desarrollo del capitalismo) diciendo que Althusser, al
menos hasta ese momento, había evitado transitar ese sendero. En
realidad, Slaughter no lo sabía, pero en Althusser “la procesión iba por
dentro” y ya había hecho declaraciones polémicas en ese mismo
sentido (véase su conversación privada con Perry Anderson en 1977, y
380
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
su ponencia en el Coloquio de Venecia). El healyismo, en apariencia,
daba enorme importancia a la discusión filosófica y sobre la dialéctica
–hasta fundamentó su ruptura con la OCI (BLOCH,1972) en el llamado
Comité Internacional en 1971 sobre estas dudosas bases– por lo que
era muy previsible que Slaughter encontrase huellas de “metafísica
kantiana” en Althusser por enfatizar la diferencia entre los “objetos
reales” de un lado y los “objetos del pensamiento” del otro; y criticará
a E.P. Thompson por no resaltar debidamente esa tara althusseriana,
mientras que simultáneamente Slaughter encontrará muy problemática
la noción de “experiencia” thompsoniana, que éste contraponía a la
abstracción marxista de “relaciones sociales de producción”
(SLAUGHTER, 1979, p.8-12). Finalmente, digamos que Mandel
volverá a polemizar con Althusser en dos ocasiones, a raíz del
sorpresivo –en ese momento– aporte althusseriano a la toda la
parafernalia de la época sobre la “crisis del marxismo” en un Coloquio
organizado por la revista italiana Il Manifesto (MANDEL, 1977) y
también a raíz de las críticas de Althusser contra la dirección partidaria
de Georges Marchais (MANDEL, 1979) y la ‘carta abierta’ dirigida al
Comité Central del PCF que seis intelectuales comunistas (el propio
Althusser, Étienne Balibar, Georges Labica, Guy Bois, J.P. Lefebvre y
Maurice Moissonier), harán publicar en abril de 1978 en el diario Le
Monde (ALTHUSSER, 1978).
5. La excepción que confirma la regla
Exponiendo acerca del clásico tópico althusseriano de la
contradicción sobredeterminada Dal Maso y Petruccelli sostienen
en al menos dos oportunidades que Alex Callinicos, filósofo y
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
381
dirigente del Socialist Workers Party (SWP) británico, en su libro
Althusser’s Marxism señala “la afinidad de esta conceptualización
con las reflexiones teóricas de Trotsky en torno al desarrollo desigual
y combinado” indicando que en los archivos de Althusser estaban
anotados con especial interés (sic) pasajes de la Historia de la Revolución
Rusa que hacían referencia al desarrollo desigual y combinado, con lo
cual concluyen “no se puede afirmar que los planteos de Althusser
acerca de la contradicción sobredeterminada puedan atribuirse
directamente a esa lectura de Trotsky, pero sí se puede considerar
que en algún momento el propio Althusser se interesó por aquellos
análisis de Trotsky que Callinicos consideró afines con la elaboración
de Althusser” (DAL MASO & PETRUCCELLI, p.22). Conocida es la
innegable simpatía de Callinicos por algunos temas del althusserismo,
que lo llevaron a criticar duramente la posición anti-Althusser de
las organizaciones del SU mandelista, a las que llegó a calificar de
“muy decepcionantes” y como un claro ejemplo de “polémica flácida,
argumentación chapucera y reafirmación dogmática de las más grises
ortodoxias trotskistas” (CALLINICOS, 1976, p.47) y que, por otra
parte, también le generaron fuertes polémicas al interior del mismo
SWP británico (véase BINNS, 1982 y también HARMAN, 1983),
pero la verdad es que la cita exacta en aquel libro de Callinicos dice
únicamente lo siguiente “thus Althusser takes the example of Lenin’s
writings in 1917; these writings reveal that it was the unevenness of
Russia’s development –the combination of a highly advanced heavy
industry with a semifeudal monarchy and agrarian system confronted
with the demands of a modern interimperialist war– that rendered
a socialist revolution possible in Russia before it came to the West.
A similar analysis can be found in Trotsky’s writings (for example:
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
1905, and The History of the Russian Revolution), although no doubt
this addition to the pedigree of the concepts of over-determination and
conjuncture would be an unwelcome one for Althusser” (CALLINICOS,
1976, p.125) con lo cual la insistencia de Dal Maso/Petruccelli nos
parece en verdad un poco forzada. Más aun, realmente en ninguno de los
siguientes libros en la extensa producción de Callinicos (desde Is there
a future for Marxism? de1982, seguido de Marxism and Philosophy en
1983, su famoso Against Postmodernism: a Marxist critique de 1990,
y especialmente su ponencia What Is Living and What Is Dead in the
Philosophy of Althusser en un libro recopilatorio de 1993) está siquiera
señalada esta similitud y/o posible relación entre la contradicción
sobredeterminada por un lado, y el concepto de “desarrollo desigual y
combinado” por el otro. Inclusive, algunos años más tarde el mismo
Callinicos escribirá este breve reproche “Althusserians have tended
to neglect a peculiar property of the capitalist mode of production,
its tendency to establish a world system of which individual social
formations are component parts, and which is subject to processes
of uneven and combined development: see especially L. Trotsky,
The Third International after Lenin” (CALLINICOS, 2004, p. 41).
Redondeando finalmente este punto: más que “afinidad” a nosotros
nos parece que aquí hay “diferencia” en cambio, porque Althusser, en
su artículo sobre “La dialéctica materialista” publicado originalmente
en agosto de 1963 en la revista La Pensée (sostenida por el PCF),
cuando discuta la “ley del desarrollo desigual”, pontificará que toda
interpretación que remite los fenómenos de desigualdad interna a
la desigualdad externa (por ejemplo: Rusia 1917, como el eslabón
más débil de la cadena imperialista) cae o en el mecanicismo, o en
la teoría de la acción recíproca entre “lo de afuera y lo de adentro”
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
383
(ALTHUSSER, 1967, p.176) con lo que Althusser, pese a la jerga
estructuralista, se mostraba más bien como un tributario (inconsciente)
de lo sostenido por el bloque Stalin/Bukharin en el VI Congreso de la
Comintern.
6. China significa “reino del miedo”
A partir del cisma de 1961 en el llamado “movimiento comunista
internacional” Althusser siempre se consideró a sí mismo como un
maoísta convencido. La mejor exposición sobre el maoísmo de
Althusser es el cuarto capítulo “The time of Theory, the time of Politics”
del ya clásico libro de Gregory Elliot (ELLIOT, 2006), al tiempo que
evidenciaba un miedo paralizante de enfrentarse a la dirección del
PCF, que se había alineado incondicionalmente con Moscú en esa
disputa. Podemos suponer que Althusser de algún modo compartía la
famosa apreciación de Mao: “Stalin? 70% de aciertos y 30% de
errores. Gran dirigente del proletariado mundial” y toda la cuestión
quedaba zanjada ahí nomás. A fines de 1966 Althusser escribió un
breve artículo, muy apologético, llamado “Sobre la Gran Revolución
Cultural Proletaria”, que fuera publicado (con seudónimo) en la
revista Cahiers marxistes-leninistes, que era el órgano de la juventud
maoísta enrolada en la UJC (ML). Pero el artículo tenía una visión
totalmente idealizada de lo que en realidad estaba sucediendo en
China. Es que Mao, con su liderazgo personal duramente cuestionado
desde el fracaso del “Gran Salto Adelante”, lanzó a la juventud obreraestudiantil organizada en los Guardias Rojos contra las facciones
rivales del PC chino y luego en 1967, tras la formación (¡¡completamente
inesperada por Mao!!) de la Comuna Popular de Shanghai y los graves
384
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
incidentes de Wuhan, el mismo Mao movilizó al Ejército Popular de
Liberación para que reprimiese a los Guardias Rojos. Obviamente
existen innumerables análisis marxistas sobre la verdadera dinámica
de la Revolución Cultural, pero hoy aquí queremos señalar
especialmente los dos artículos publicados por Pierre Broué en la
revista “La Vérité” de la OCI, aparecidos en los números # 551
(BROUÉ, 1971a) y # 553 (BROUÉ, 1971). Por esa auténtica
infatuación con la Revolución Cultural es que tampoco sea casualidad
que Althusser haya sostenido que el maoísmo representó “la única
‘critica’ histórica (de izquierda) de lo esencial de la ‘desviación
estaliniana’ que podemos encontrar y que, por añadidura, sea también
contemporánea de la misma desviación… una crítica concreta, en los
hechos, en la lucha, la línea, las prácticas, sus principios y sus formas:
la crítica silenciosa, pero en actos, realizada por la Revolución china
en los combates políticos e ideológicos de su historia, de la Larga
Marcha a la Revolución cultural y sus resultados. Crítica de lejos.
Crítica “entre bastidores”. Que debe mirarse de cerca, que debe
descifrarse. También crítica contradictoria –aunque fuera sólo por
la desproporción entre los actos y los textos” (ALTHUSSER, 1974,
p.102). Pero este elogio no impedirá que los grupos maoístas franceses
rompan ya sin retorno con Althusser (véase por ejemplo LISBONNE,
1978) cansados de esperar por años que el filósofo de la École Normale
Supérieure finalmente rompa orgánicamente con el PCF “revisionista”.
Pero así fue que se terminará sabiendo que, ni en el primer instante ni
en el último, para Althusser jamás suena la hora solitaria del “maoísmo”.
En marzo de 1976, en una conferencia en la Universidad de Granada,
Althusser sostendrá que “sería absurdo considerar que las posiciones
filosóficas de Stalin estuvieron en el origen de su línea política y de sus
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
385
prácticas terroristas, aunque no es difícil mostrar que esas posiciones
filosóficas de Stalin, no sólo no eran extrañas a la línea política del
estalinismo, sino que, mejor aún, le fueron perfectamente útiles”
(ALTHUSSER, 1984, p.37). Pero luego, 8 años después, el Althusser
tardío dirá en entrevista a Fernanda Navarro que “pienso que la URSS
ha pagado caro esta impostura filosófica [el materialismo dialéctico].
No creo exagerar al decir que la estrategia política de Stalin y toda la
tragedia del estalinismo estuvo, en parte, fundada en el materialismo
dialéctico, monstruosidad filosófica dirigida a justificar, y servir
teóricamente de garantía, al poder por encima de la inteligencia”
(ALTHUSSER, 1988, p.61-2). Entre ambas declaraciones mediaba no
solamente la tragedia familiar acaecida en 1980 sino, fundamentalmente,
la quiebra estrepitosa en la fe maoísta de Althusser, que hasta fines de
los años ‘70 todavía reivindicaba la Revolución Cultural china
sosteniendo que “la exterioridad política del partido en relación con
el estado es un principio fundamental que puede encontrarse en los
pocos escritos de Marx y Lenin al respecto. Arrancar el Partido al
Estado para entregarlo a las masas fue el intento desesperado de Mao
en la revolución cultural” (ALTHUSSER, 1983, p.17). En el arco de
unos poquísimos años el charme político del maoísmo se devaluó
totalmente, y eso tuvo un duro impacto en el ánimo político de
Althusser. La extraña muerte de Lin Piao (1971); el giro diplomático
tras la entrevista Nixon-Mao (1972); el regreso de Deng Xiaoping a
las altas esferas del poder luego de ser rehabilitado por gracia de su
‘protector’ Chou En-Lai (1973); la llamada “teoría de los tres mundos”
y la identificación del “social-imperialismo ruso” como el enemigo
principal, que implicó que allí donde sus fuerzas lo hicieran posible
(Portugal, Angola, Argentina, Chile, etc.) eso diera lugar a políticas
386
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
que excedían largamente el sectarismo hacia otras corrientes de
izquierda para convertirse en simple colaboración contrarevolucionaria. Y finalmente el repentino “giro a la derecha” en China,
producido entre la muerte de Mao (9 de septiembre del ‘76) y la
defenestración y arresto de la “Banda de los Cuatro” maoísta (11 de
octubre del ‘76) que significaba no solamente el súbito final, sino
básicamente el repudio por parte del nuevo gobierno chino de todo el
período de la Revolución Cultural. Last but not least, el régimen del
Khmer Rouge en Camboya: si Althusser tenía problemas para
caracterizar a la URSS bajo Stalin, menos aún iba a poder comprender
la naturaleza del régimen de Pol Pot en 1975/79 (y el apoyo dado por
Mao y el gobierno chino) que fue derribado tras la invasión de Vietnam
a Camboya, lo que a su vez generó la “represalia” militar de China
contra Vietnam. Game over entonces para un Althusser cada vez más
aislado políticamente en su propio milieu intelectual, con numerosas
deserciones del maoísmo (Sollers, Kristeva, Glucksmann, Lardreau,
Jambet y un larguísimo etcétera) hacia la derecha más rancia.
Precisamente de esta coyuntura política dirá Perry Anderson que “hoy
día Paris es la capital de la reacción intelectual europea”
(ANDERSON, 1983, p.32). Así cuando en noviembre de 1977
Althusser participa del coloquio “Poder y oposición en las sociedades
postrevolucionarias” organizado en Venecia por la revista Il Manifesto
(Rossana Rossanda, Lucio Magri, etc.) estamos ya ante un militante en
honda crisis. En ese coloquio se mostrará desmoralizado por “la
extrema dificultad…y tal vez, en el estado actual de nuestros
conocimientos teóricos, la casi imposibilidad de dar una explicación
marxista de verdad satisfactoria de una historia que, sin embargo, se
ha hecho en nombre del marxismo” (ALTHUSSER, 1980, p.221). Lo
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387
mínimo que puede decirse es que Althusser, apenas unos años después
de caracterizar torpemente al estalinismo como mera “desviación” (y
“revancha póstuma” de la II Internacional, además) pretendía ahora
poner en cuestión a todo el marxismo. Althusser iría todavía más a
fondo, sosteniendo que “hay algo patético [en] la conferencia
pronunciada por Lenin sobre el Estado, el 11 de julio de 1919, en la
universidad Sverdlovsk. Lenin insiste: es un problema muy intrincado,
muy difícil, muy embarullado por los ideólogos burgueses … Veinte
veces Lenin insiste: el Estado es un aparato especial, una máquina
especial… Lo patético de Lenin y de Gramsci es intentar superar la
definición negativa clásica, pero como tanteando y sin llegar de
verdad” (ALTHUSSER, 1980, p.229). Por fuera del formalismo antidiacrónico “estructuralista” el pensamiento de Althusser se ahogaba
como pez en el asfalto. Porque en realidad no había nada de “patético”
en el esfuerzo de Lenin por entender, no el “concepto” general de
Estado, si no las batallas políticas por venir, deducibles a partir del
carácter concreto del Estado soviético en cada etapa del periodo
transicional: estado obrero, estado obrero deformado, estado burgués
sin burguesía, etc. Althusser, en ese mismo Coloquio del ‘77 organizado
por Il Manifesto, creyó detectar claramente dos “lagunas”, dos “puntos
débiles” de la teoría marxista:
1.“no existe verdaderamente una ‘teoría marxista’ del Estado…
lo que se encuentra en nuestros autores es, bajo las formas de relación
del Estado con la lucha de clases y la dominación de clase… una
advertencia repetida de apartarse de las concepciones burguesas
del Estado: por lo tanto una definición esencialmente negativas”
(ALTHUSSER, 1980, p.228-9)
2.“no encontramos una verdadera teoría de las organizaciones
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de la lucha de clases, y antes que nada del partido político y del
sindicalismo… ningún análisis que permita comprender de verdad su
funcionamiento efectivo, es decir, las condiciones y las variaciones de
ese funcionamiento, y … las formas de su posible disfuncionamiento”
(ALTHUSSER, 1980, p.229)
Esta clara ignorancia sobre la enorme riqueza conceptual de
los debates políticos al interior del marxismo (desde sus orígenes e
incluyendo a la IV Internacional), también era un rasgo distintivo de
Althusser, y lamentablemente esta fase de la deriva althusseriana está
completamente ausente en el libro de Dal Maso y Petruccelli. También
la banal constatación fáctica de que “el Estado burgués no deja de
intentar integrar, a menudo con éxito, las organizaciones de lucha de
la clase obrera a su propio funcionamiento” (ALTHUSSER, 1980,
p.230) era transformado, y no podía ser de otra manera tratándose
de Althusser, en un problema teórico. Es que para un Althusser
desmoralizado, simultáneamente “la ideología no tiene historia” pero
el fetichismo de la mercancía sería un torpe resabio humanista del
joven Marx, mientras que el Estado Burgués cooptaría organizaciones
políticas y sindicales por vías misteriosamente insondables. Ante el
mismo auditorio Althusser preguntará cándidamente “¿cómo modificar
la idea que el Partido Comunista se hace tradicionalmente de sí mismo,
tanto como ‘partido de la clase obrera’ o ‘partido dirigente’ … cómo
modificar pues su ideología para que en la práctica, la existencia de
otros partidos, de otros movimientos, sea reconocida?” (ALTHUSSER,
1980, p.230). Por un lado, ya fue dicho hace mucho tiempo atrás que el
“partido único” de la clase obrera no era más que una ficción policiaca
(TROTSKY, 1991, p.198). Y por otro lado también se advirtió que
la burocracia en cuanto tal no podía “modificar su idea”, y la de su
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
389
regeneración parcial (la expectativa de Isaac Deutscher, entre otros)
era una perspectiva política liquidacionista. Por eso el pronóstico
fundamental de la IV Internacional.
7. El Althusser senil (… y póstumo)
Reiteradamente Dal Maso y Petruccelli actúan de abogados del
filósofo francés y así argumentan, por ejemplo, que “podemos
considerar la autocrítica althusseriana como un presupuesto necesario
para comprender su modo de pensar e intervenir en el debate marxista,
más que como una suerte de trampa destinada a salir indemne de la
crítica de terceros” (DAL MASO & PETRUCCELLI, p.12). Acaso la
misma existencia de una “teoría de Althusser” pudiera ser puesta en
duda por lo narrado por su amigo y colaborador, el filósofo Étienne
Balibar, en un texto en Les Temps Modernes de diciembre de 1988 (es
decir, antes de la muerte de Althusser) donde recordará amargamente
la manera en que “Althusser, como impulsado por una fuerza
implacable, destruía, deconstruía o deshacía lo que había hecho”
(BALIBAR,2004, p.51). Aunque Althusser le confesase abiertamente
a Balibar únicamente en agosto de 1980: “No me suicidaré. Será peor.
Destruiré lo que hecho, lo que soy para los demás y para mí mismo”
en realidad su amigo Étienne Balibar cree poder remontar a 1976 la
raíz de esa tendencia autodestructiva en Althusser, citando cuatro
casos emblemáticos: la ponencia “El descubrimiento del doctor
Freud”; la entrada “Le marxisme aujourd’hui” escrito para la
Enciclopedia Garzanti; la intervención “¡Por fin la crisis del
marxismo!” escrita para un Coloquio organizado por la revista italiana
Il Manifesto en Venecia; y el texto “El marxismo como teoría finita”
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
donde el atribulado filósofo francés volvía sobre viejos textos con
“pasajes argumentativos enteros… con formulaciones idénticas. Pero
las conclusiones que extraía eran diametralmente opuestas”
(BALIBAR, 2004, p.52-5). En otro párrafo Dal Maso y Petruccelli
nos dicen que “en 1970, Althusser se preguntaba cómo se podía
cambiar algo sustancial en el partido y pensaba que internamente era
imposible. Afirmaba que el partido podía cambiar solo a partir de
algún acontecimiento externo muy grave. No jugaron ese papel los
acontecimientos del ’68 pero Althusser consideró propicia la crisis
abierta por las elecciones de marzo de 1978, ocasión en la que hizo
una denuncia pública de los métodos burocráticos y de los zigzags
políticos de la dirección” (DAL MASO & PETRUCCELLI, p.272).
En primer lugar, aunque Dal Maso y Petrucelli lo omiten en su libro,
el caso es que Althusser sí menciona explícitamente cuáles serían esos
“acontecimientos externos muy graves” que pudieran producir cambios
sustanciales [recontra sic] en el PCF: cambios en la línea política y/o
en la existencia de la URSS. Reconociendo se trataba de algo difícil de
imaginar y predecir, Althusser daba tres ejemplos puntuales: una crisis
muy seria en la URSS; una crisis irremediable en la política
internacional o internacionalista de la URSS (conflictos con EE.UU. o
China); una grave crisis política-económica en la URSS que llevase a
una desintegración nacionalista (ALTHUSSER, 2020, p.38-9). La
restauración del capitalismo en la URSS por parte de la burocracia
aparecía entonces como un verdadero “punto ciego” indecible para
Althusser, quien podía aceptar que algo anduviese muy mal bajo la
dirección de Waldeck-Rochet (o de Georges Marchais) pero nunca
siquiera imaginó una restauración capitalista en la URSS de la mano
de Brezhnev y sucesores. Una notable ceguera althusseriana,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
391
comparada incluso con la más pequeña e insignificante de las “sectas”
trotskistas. Ceguera más llamativa aun cuando su viejo colega y amigo
Étienne Balibar colaboraba por esos años con el economista Charles
Bettelheim que, desde posiciones teóricas maoístas muy similares a
las de Althusser, caracterizaba una restauración como ya habiendo
sido consumada en la URSS desde 1956. En segundo lugar, y aunque
Dal Maso/Petruccelli lo celebren en su libro, quizás habría que analizar
más detenidamente esa súbita perdida de “mesura política” por parte
de Althusser en marzo de 1978. El filósofo hasta ahí incapaz de levantar
su voz y criticar al PCF en innumerables ocasiones anteriores porque
“partido de la clase obrera” y arriesgarse a ser expulsado era
condenarse a vegetar en el desierto, finalmente explota porque se
pierden unas elecciones parlamentarias. Realmente la situación política
no daba para “volverse loco”, especialmente considerando que apenas
tres años tarde, exactamente en mayo de 1981, finalmente François
Mitterrand llegaría al gobierno francés, y desde allí mostraría
ampliamente los límites insalvables de una política frente-populista,
timorata y pro-imperialista. En definitiva, Althusser, que no se animó
a criticar al PCF cuando el partido calumniaba de “colaboracionista
nazi” a su esposa Héléne Rytmann, ni cuando el partido promovía la
defensa de “los intereses de Francia” en la política colonial hacia
Vietnam y Argelia (MONETA, 1971) ni durante o después del Mayo
del ‘68, ni con la invasión soviética a Praga, etc., ahora sí parecía
perder todo miedo y salía a criticar el rumbo del PCF tras perder unas
elecciones parlamentarias. Si el “acontecimiento” en sí mismo no lo
valía, entonces debió haber sido ésta la gota que rebalsó el vaso. Un
bello ejemplo ilustrativo del “salto de la cantidad en calidad” según la
dialéctica hegeliana, además de toda una ironía tratándose de Althusser.
392
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
También es cierto que en la intervención crítica, recopilada en su libro
Lo que no puede durar en el Partido Comunista, además de algunas
ideas básicas y sensatas, no había en Althusser ninguna propuesta a
favor del derecho de tendencias en el PCF, tal como existieron en el
Partido Bolchevique hasta su 10° Congreso cuando fueron prohibidas
(temporariamente, en la intención de Lenin) en medio de condiciones
excepcionales y la guerra civil, pero luego jamás re-instauradas por la
burocracia estalinista. Sin embargo, apenas dos años antes, Althusser
se manifestaba absolutamente a favor del derecho de tendencia. Véase
este clarísimo contraste en su libro póstumo (ALTHUSSER, 2019).
Llama la atención que Dal Maso/Petruccelli no mencionen ni siquiera
brevemente el tema del “derecho a tendencia”, apuntando hacia esa
notable omisión althusseriana: sin ir más lejos, Ernest Mandel no dudó
en señalar esa notable contradicción histórica-política (MANDEL,
1979). Una posible explicación es que para el PTS el “derecho a
tendencia” pareciera ser un principio muy selectivo: aplica ciertamente
en Francia cuando la dirección del NPA (Nouveau Parti Anticapitaliste)
se lo niega a su organización hermana Révolution Permanente; pero
lamentablemente no aplica en absoluto en Argentina, cuando en 2019
el Partido Obrero (integrante del mismo Frente de Izquierda y los
Trabajadores donde militan Dal Maso/Petruccelli) procedió a negarlo
y así terminó expulsando a un millar de militantes. Volviendo a
Althusser, los libros que fueron publicados póstumamente en los
últimos años muestran una absoluta falta de rigor histórico, demostrando
que el filósofo francés teorizaba sin rigor alguno, a partir de su propia
ignorancia o inventiva. Así es que, por ejemplo, se encuentran frases
delatoras como “when Czarism was overthrown in 1917 and Kerensky’s
Mensheviks took power” (ALTHUSSER, 2020, p.111) o se incurre, en
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
393
varias ocasiones, en claro revisionismo histórico y teórico. Por
ejemplo: Palmiro Togliatti, uno de los pocos “enviados de Moscú” que
no fue purgado tras la derrota de la República Española, es elogiado
por la “genialidad” (sic) de llevar al PCI a trabajar dentro de los
sindicatos fascistas, lo cual explicaría, según Althusser, que el PCI se
convirtiese en partido de masas en la posguerra del ’45 (ALTHUSSER,
2020, p.140-1). Trabajar clandestinamente en los sindicatos bajo
condiciones durísimas era una obligación para todo grupo
revolucionario que quisiera reconstruir el partido de la clase obrera.
León Trotsky también promovió esa orientación política de intervención
en los sindicatos fascistas, al redactar el Programa de Transición. El
problema político con el PCI de Togliatti es que pronto terminó
degenerando en una política de “reconciliación nacional” tras la guerra
en Abisinia (1935) y en el llamado al “frente único” con los fascistas
(GRIECO, 2004) llamamiento que fuera redactado, por una ironía de
la historia, apenas dos días antes del levantamiento militar de Franco
en España. Volviendo al tema del origen del PCI como “partido de
masas”, la mayoría de los análisis más reputados, por ejemplo, por
parte de Paolo Spriano, historiador oficial del partido por décadas
(SPRIANO, 1975), Giorgio Bocca (BOCCA, 2014) o Donald Sassoon
(SASSOON, 2014) están lejísimos de dar asidero a la afirmación de
Althusser. En definitiva, también en sus escritos póstumos Althusser
teorizaba a partir de su propia fantasía o ignorancia de la historia del
movimiento obrero y comunista. Lo mismo ocurre con su
caracterización del peronismo como mero “estado fascista” en un
texto ausente en la versión original publicada en 1970 de Ideología y
Aparatos Ideológicos del Estado. A los intelectuales kirchneristas (del
tipo Artemio López) aún encandilados por el “rigor” conceptual
394
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
althusseriano, acaso pudiera interesarles comparar el texto sobre los
AIE incluido en “La filosofía como arma de la revolución” de 1974
con la versión completa ahora finalmente disponible (ALTHUSSER,
2014, p.97). Quizás fuera cierto que el PCF no promoviese mucho la
lectura de Althusser, pero también parece que éste tampoco leía
L’Humanité con atención, o al menos la sección de Noticias
Internacionales, porque el PCA de Codovilla ya no sólo no caracterizaba
de “fascista” a Perón como en 1945, sino que incluso había creído
detectar un “giro a la izquierda” del peronismo en 1962, y apenas unos
años después del texto althusseriano sobre Ideología y Aparatos
Ideológicos del Estado el PCA ya estaría apoyando al gobierno de
Perón del ‘73. Otra curiosidad de los escritos póstumos de Althusser es
su caracterización, supuestamente basada en el Tomo III de El Capital,
de la competencia capitalista como una mera “ilusión”. Una lectura
unilateral y mono-causal de la tendencia a la caída de la tasa de
ganancia (o sea, el cambio en la proporción C/V como mero efecto de
la lucha de clases) llevaba a Althusser a caracterizar a la competencia
como un “efecto subordinado” de la lucha de clases (ALTHUSSER,
2020, p.101-10). Quizás no sea tan imprescindible recurrir, por
ejemplo, a aquél gran libro de Roman Rosdolsky para recordar que el
Tomo III de El Capital trata ya no sobre el “capital en general” (tal
como conceptualizado en el Tomo I) sino como “pluralidad de
capitales” (ROSDOLSKY, 1978). O sea, para Marx la ley del valortrabajo se impone por vía de la competencia, y esta competencia actúa
fundamentalmente mediante la “guerra de precios”. A fines de los años
‘70 Althusser terminará sosteniendo que toda la teoría del valor de
Marx estaba errada, y que debía ser abandonada. Más aún, todo El
Capital de Marx, sostenía Althusser, estaba completamente mal escrito
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
395
por haber comenzado con el tema de la “Mercadería” en el Capítulo I
del primer Tomo, según le confió a Perry Anderson en una súbita visita
a las oficinas en Londres de la New Left Review en #6 Meard Street,
una tarde del verano europeo de 1977 (ANDERSON, 2018, p. 59-66).
Habiéndonos enterado de esto recién ahora en estos últimos años, nos
llama bastante la atención que el propio Perry Anderson siguiera
defendiendo estoicamente a Althusser en su libro polémico contra E.P.
Thompson (ANDERSON, 1980) sabiendo incluso que el pensamiento
althusseriano estaba ya en pleno naufragio.
8. L’avenir dure longtemps
Sea como fuere, a quienes deseen ahondar en la temática
de esta humilde Ponencia pero desde una mirada menos iracunda,
permítanme indicarles un texto llamado “Philosophical tendencies
of bureaucratism” que León Trotsky, seguramente abrumado por
urgencias políticas más apremiantes, probablemente haya dejado –tal
como sucediera a Marx y Engels con las páginas de “La ideología
alemana”– librado a la crítica roedora de los ratones. En un pasaje
que guarda una fortísima semejanza con la clásica problemática
althusseriana, Trotsky se pregunta cómo es posible separar a la
“dialéctica” del “idealismo” de Hegel de una manera tan mecánica
como la explicada por medio de la “inversión”, la separación de la
“corteza mística”, y otros eufemismos (TROTSKY, 1981, p.500). A
pesar del estado absolutamente inacabado de ese texto, quizás otros
militantes e intelectuales logren dar a la posible relación filosófica
entre Trotsky y Althusser un nuevo desarrollo conceptual.
396
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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400
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Em defesa da revolução chinesa: Trotsky, China e a Revolução Permanente
Luis Guilherme Nobrega Amorim1
Introdução
Nessa breve exposição, busco estabelecer pontos de diálogo
entre a teoria da Revolução Permanente, desenvolvida por Leon
Trotsky (1879-1940), e a história política dos primeiros anos do
Partido Comunista da China (PCCh). Acredito que seja possível
encontrar acordos entre as teorias desenvolvidas por ambos, ao que
pese a rejeição de Mao Zedong (1893-1976) ao pensamento trotskista,
fruto de uma filiação formal ao marxismo-leninismo soviético. Esses
acordos se tornam mais evidentes nos momentos de atrito entre a linha
política defendida pela direção do PCCh em contraposição à defendida
por Josef Stalin (1879-1953) e a maioria da direção do Comintern.
Para isso, utilizarei como base a introdução de Peng Suzhi (18961983), importante trotskista chinês, ao livro Leon Trotsky on China
(1976) e o livro Revolução Permanente (1930), de Leon Trotsky.
Trotsky e a Revolução Permanente
A Teoria da Revolução Permanente (TRP) não é uma ideia
original de Trotsky, pois já havia sido esboçada por Karl Marx
1 Mestrando em Antropologia Social na FFLCH-USP. Pesquiso sobre a relação do
marxismo e nacionalismo na China e no Peru. Militante do PSOL.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
401
(1818-1883) e Friederich Engels (1820-1895), a partir dos estudos
das revoluções de 1789 e 1848. Nos estudos desses casos, a pequena
burguesia deveria assumir a direção da revolução, apesar da tendência
a se tornar por si própria uma nova burguesia. Após a revolução de
1848, Marx se convence de que a traição da pequena burguesia era
inevitável, sendo necessário que o proletariado, apoiado por outras
frações da classe trabalhadora, assumisse a direção da revolução, para
levar a cabo todas as tarefas que a revolução pretendia resolver.
A
revolução não ficaria apenas nos marcos democráticos, mas transborda
para as tarefas socialistas e só se encerra com a liquidação da sociedade
de classes. Já no Manifesto do Comitê Central da Liga Comunista
surge a primeira menção ao conceito de Revolução Permanente.
(SACCHETTA, 1946, pp. 7-13)
A Teoria da Revolução Permanente pôde ser mais elaborada
a partir do estudo da revolução de 1905, na Rússia. Nela, Trotsky
e Vladimir Lenin (1970-1924) divergiram acerca da possibilidade
e o grau de independência do campesinato na revolução. Após os
acontecimentos da Revolução de Outubro de 1917, Lenin aderiu à
posição de Trotsky sobre o campesinato. Mas somente com a morte
do primeiro que começou a perseguição e estigmatização em relação à
TRP e sua suposta polêmica com o leninismo.
Todos os velhos bolcheviques, com exceção de Lênin, tiveram
uma linha recuada na Revolução de Fevereiro, não colocando a
questão do poder em suas palavras de ordem. A TRP surge no contexto
da Revolução de 1905, como parte do debate de que, apesar de ser
uma revolução democrática, não havia clareza de que classe lideraria
a revolução. A posição dos mencheviques era de que, se a revolução
era de caráter burguês, cabia à burguesia liberal liderá-la.
402
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Já para Lênin, dado o caráter íntimo da relação entre burguesia
e os latifundiários e a contradição dos interesses desta com os
interesses do proletariado, caberia a uma aliança entre operários e
camponeses a tomada do poder (Ditadura democrática dos proletários
e camponeses [uma hipótese estratégica]). Trotsky defendia a mesma
posição de Lênin, com a exceção de que Trotsky não pensava ser
possível o campesinato assumir o poder, acabando por ficar nas mãos
do proletariado. O conteúdo dessa ditadura seria dois: realização da
revolução agrária e reconstrução democrática do Estado. Ou seja, a
ditadura do proletariado cumpriria as tarefas democráticas da revolução
burguesa, mas não pararia aí. Mesmo o capitalismo russo não estando
maduro por si para uma revolução socialista, há de se considerar que o
capitalismo é uma totalidade e, como tal, este já estava maduro para o
socialismo. (TROTSKY, 1930, pp. 55-60)
Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), diversos
erros do Comintern contribuíram para o fracasso das situações pré
revolucionárias em diversos países, como Alemanha, Inglaterra,
Bulgária, China, Estônia, França e Espanha. Essa situação de isolamento
internacional combinada com a fadiga do proletariado soviético pósGuerra Civíl e intervenção imperialista no país, serviram de base para
a teoria de construção do socialismo em um só país, preparando o
terreno para a ascensão do stalinismo. (SACCHETTA, 1946, pp. 2025)
Stalin formula a Teoria do Socialismo em Um País em 1924,
sendo esta uma teoria de caráter nacionalista. Essa teoria foi um reflexo
da consolidação do poder da burocracia à frente de um estado nacional
(URSS). Para isso, houveram diversas distorções acerca das posições
de Trotsky, com o objetivo de desmoralizar a TRP. A caricatura
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
403
stalinista da TRP tem dois eixos: a subestimação do campesinato por
Trotsky e a necessidade de etapas nas revoluções em países coloniais.
A industrialização é o motor da civilização capitalista moderna.
Industrialização e coletivização da terra andam juntas, como o visto pela
realização da reforma agrária nos primeiros países que desenvolveram
o capitalismo. O melhor ritmo de desenvolvimento socialista
seria aquele que, além de desenvolver a indústria e coletivizasse a
agricultura, também garantisse a estabilidade do regime, reforçando a
união entre proletários e camponeses. Só existem dois rumos possíveis
para isso: a construção de um socialismo nacional isolado ou a busca
pela expansão do socialismo para países vizinhos.
Stalin apresenta um pensamento mecânico ao separar traços
gerais do capitalismo dos traços específicos, frutos das realidades
nacionais próprias. São as particularidades nacionais que dão forma ao
capitalismo como totalidade. O capitalismo como totalidade se expressa
de maneira particular em cada país, pois não existe um capitalismo
modelo abstrato. O internacionalismo proletário é baseado no papel
de cada particularidade na totalidade capitalista. A interpretação
stalinista está em contradição com a lei do desenvolvimento desigual
do capitalismo, pois o desenvolvimento desigual que fundamenta
historicamente as particularidades nacionais.
A Teoria do Socialismo em Um País parte de uma interpretação
de um particularismo russo que permitiria a construção do socialismo
em um só país, em decorrência de seu caráter altamente original. O
nacionalismo pungente e um internacionalismo frio andam juntos,
associada a uma ideia da URSS como pátria do socialismo. O
capitalismo já é uma totalidade global maior que a soma das partes, o
socialismo deve ser uma elevação disso, não um recuo provincial para
404
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
mercados nacionais. (TROTSKY, 1930, pp. 40-45)
A interdependência das economias capitalistas e a divisão
internacional do trabalho torna irreal a possibilidade de um socialismo
nacional, pois todos os países capitalistas dependem um do outro, em
alguma medida, por mais desigual que seja. Nikolai Bukharin (18881938), em aliança com Stalin, formulou a teoria de construção lenta
do socialismo em um só país. Contudo, não deve ser tarefa dos estados
operários atingir a independência em relação ao mercado mundial ou
construir uma sociedade socialista nacional o mais rápido possível.
O internacionalismo é um dos aspectos centrais no coração da
TRP. É impossível construir um socialismo nacional em um mundo
capitalista internacional, pois o imperialismo juntou organicamente
diversas partes do planeta em sua ação predatória. A conclusão da TRP
é que a revolução deve se expandir mundialmente e não é possível
construir socialismo em um só país, pois o socialismo apenas pode
se concretizar internacionalmente. O raciocínio é simples: o que não
avança, retrocede.
Uma análise acurada só pode ser feita em escala global, não
limitada pelas fronteiras nacionais. A revolução não tem freio, ela
transborda suas tarefas e suas fronteiras para ir se realizando, até a
vitória internacional do socialismo. A burguesia nacional teme mais
seu proletariado do que a ação do imperialismo, pois em última
instância se aliar a ele sempre é uma alternativa mais segura. A tomada
do poder pelo proletariado se define em meio à luta política, não como
uma profecia à espera do dia de se realizar. É um processo dinâmico
que está em constante disputa. (SACCHETTA, 1946, pp. 30-34)
A Revolução Permanente é a transformação de toda a nação
sob a direção do proletariado (em aliança com o campesinato) com
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
405
sua chegada ao poder. O objetivo da TRP não é saltar etapas, porém
o salto sobre elas acontece a depender da dinâmica da revolução,
não havendo etapas indispensáveis, pois não há meio termo entre a
ditadura burguesa e a ditadura do proletariado.
Três ideias se fundem na TRP: a primeira é que em países
atrasados, não é a democracia que é a antessala da revolução, mas o
contrário é verdade, isto é, a democracia só pode ser realizada através
da revolução socialista; a segunda é que não é possível chegar em
uma espécie de equilíbrio após a revolução, sendo os confrontos e
dinâmicas parte da realização desta, daí seu caráter permanente que
só se encerra com o fim da sociedade de classes; a terceira é o aspecto
internacional da revolução, reflexo do capitalismo internacional, sendo
impossível manter a revolução dentro de limites nacionais por muito
tempo, sendo o resultado ou a derrota da revolução, ou a vitória desta.
O caso da China é o mais emblemático dos problemas da linha
do Comintern. Stalin forçou o PCCh a se submeter ao Guomindang
(GMD), partido nacionalista burguês, reconhecendo este como partido
dirigente. Ao fim, no auge da revolução chinesa, o PCCh foi aniquilado
pelo GMD. Quando o GMD rachou, foi declarado apoio a sua ala “à
esquerda”, que terminou de entregar o PCCh a Chiang Kai-shek. Após
o esmagamento do PCCh, os remanescentes deste foram orientados a
construção de insurreições armadas contra o GMD, o que terminou de
destruir o partido. (TROTSKY, 1930, pp. 70-78)
A Revolução Permanente e a China
Durante a Segunda Revolução Chinesa (1925-1927), duas
406
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
linhas distintas foram debatidas no Comintern: a de Trotsky e a de
Stalin. A primeira menção de Trotsky à revolução chinesa foi em
1926, citando sua posição contrária à união com o GMD em 1923.
Os dois primeiros grupos comunistas na China foram fundados em
1920: o Grupo Comunista de Shanghai e sua juventude socialista,
com críticas aos anarquistas e sociais democratas em sua gênese. Sua
primeira grande definição política foi a linha da revolução nacional
democrática (1922), um ano após a fundação do PCCh, baseada numa
aliança do proletariado com camponeses pobres e a pequena burguesia,
organizada em sete objetivos. (PENG, 1976, p. 37-38)
Em 1922, há um giro de 180° da política do Comintern em
relação à China. Mahring exige a dissolução do PCCh no GMD, o que
é oposto por toda a direção do PCCh. Grigori Zinoviev (1883-1936)
levanta a discussão sobre a China no Politburo em 1923, aprovando
com o acordo de todos, menos Trotsky, a aliança GMD-PCCh. Isso
leva ao acordo entre a União Soviética e os nacionalistas de Sun Yatsen em torno da reunificação nacional chinesa e da não aplicabilidade
do socialismo em território chinês.
Isso prepara o terreno para o giro de 180° no PCCh realizado
em seu terceiro congresso, em 1923, apoiado na debilidade física de
Lenin e na formação do “Triunvirato” (Stalin, Kamenev e Zinoviev).
Esse congresso aprovou a entrada do PCCh no GMD. Na mesma
época, é lançado o artigo de Mao “The Peking Coup d’État and the
Merchants”, colocando esperanças na liderança da burguesia nacional
contra o militarismo. Chen Duxiu (1879-1942), originalmente contra a
aliança com GMD, escreve dois artigos de conteúdo muito semelhantes
ao de Mao. Isso foi corroborado por um artigo escrito por Qu Qiubai
(1899-1935) , em 1923. (PENG, 1976, p. 48-50)
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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Os quadros do PCCh ficaram profundamente engajados com
tarefas do GMD, sendo parte central de sua reconstrução, levando a
um negligenciamento das tarefas referentes ao PCCh. Isso chegou ao
auge em 1924, com a reorganização do GMD nas linhas de um partido
bolchevique e a entrada de quadros do PCCh em seu comitê central.
Para apaziguar a crescente oposição à cooperação com os comunistas,
Sun deliberou a revisão de todas as resoluções e ordens do Comintern
em relação ao PCCh. Isso foi fortemente rechaçado por Peng Shuzhi.
Peng, em debate com Chen, foi apontado editor do jornal teórico
do PCCh e organizou uma edição só sobre “Revolução Nacional”, em
que expõe nos artigos em debate sua posição acerca da importância da
direção proletária. Nesse debate, Chen revê novamente sua posição, se
aproximando de Peng. O quarto congresso do PCCh, em 1925, revê
sua posição acerca da classe que dirigirá a revolução, voltando a sua
confiança para o proletariado, contrariamente a sua posição no último
congresso de apoio a uma direção burguesa (PENG, 1976, pp. 55-56)
Mais ou menos ao mesmo tempo, estourou uma greve dos
trabalhadores dos moinhos de algodão, fortemente reprimida. A
escalada de confrontos ao longo das semanas seguintes culminou no
incidente de 30 de maio, que iniciou um maciço levante nacionalista
anti imperialista em toda China. Frente às greves nacionais que
se sucederam em Cantão e Hong Kong, o imperialismo britânico
apostou nas divisões de classe e no medo da burguesia em relação ao
proletariado para cindir o sentimento nacionalista policlassista e minar
o movimento dos trabalhadores, pressionando o GMD a reprimir o
PCCh.
As lutas frutos de 30 de maio levaram a um giro à esquerda
do PCCh, buscando ampliar seus recrutamentos, e seu confronto em
408
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
artigos com o principal teórico do GMD, limitados em razão da política
de cooperação entre os dois partidos. Em agosto de 1925, Chen propôs
a saída do PCCh do GMD, que foi rejeitada internamente, com o apoio
do agente local do Comintern. A perspectiva apontada foi a de intervir
no segundo congresso do GMD (1926), buscando levar o partido mais
à esquerda. (PENG, 1976, pp. 60-61)
Apesar de ampliarem sua presença na direção do GMD ao
fim do congresso, os comunistas, junto à ala esquerda do GMD,
foram duramente golpeados ainda em 1926, com o golpe de Cantão,
arquitetado por Chiang Kai-shek. Mesmo após o golpe, a política
do Comintern de cooperação com o GMD foi mantida a todo custo.
Apesar dos crescentes atritos, o PCCh conseguiu organizar camponeses
e trabalhadores num esforço de minar a autoridade dos senhores da
guerra de Beijing, garantindo um avanço surpreendentemente rápido
das tropas nacionalistas, ao longo da Expedição do Norte.
As vitórias da Expedição elevaram a moral da classe
trabalhadora e contribuíram para o início de um ascenso, com o
surgimento de diversos sindicatos e associações camponesas. O
ascenso levou a diversas dessas entidades sindicais a se confrontar com
o próprio capitalismo. Ameaçadas pelo crescimento do movimento dos
trabalhadores, as burguesias nacional e imperialista se organizaram
em torno de Chiang Kai-shek, lhe garantindo apoio político em troca
da repressão aos sindicatos e ao PCCh, o que foi aceito de pronto.
(PENG, 1976, pp. 68-69)
Concomitantemente, o Comintern continuava a apoiar o
governo de Cantão e o GMD. Ilusões, graves ilusões permeiam as
resoluções de Stalin quanto ao governo de Chiang Kai-shek. Apesar
de ter tomado Shanghai, em 1927, o PCCh teve que esperar as tropas
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
409
nacionalistas chegarem à cidade, sob o risco de qualquer avanço
comunista a mais significar o rompimento da frente GMD-PCCh,
baseado no conceito de “bloco de quatro classes”. Já era claro a todos
o golpe planejado por Chiang, mas seria impensável ir contra as
resoluções do Comintern, levando o partido a um impasse
Após o massacre de Shanghai, o PCCh realizou seu quinto
congresso. Nele, quase não foi comentado o golpe que ocorreu a
menos de duas semanas e a política adotada foi de fortalecimento de
laços com a ala à esquerda do GMD. Junto a isso, foi declarado que
a linha adotada era a “única linha correta”, impedindo a realização
de qualquer balanço. Com a diretiva de apoiar o governo do GMD
de esquerda, o PCCh assumiu dois ministérios do governo de Wuhan
com o objetivo de segurar os piores excessos dos trabalhadores e
camponeses, além de parar quaisquer indícios de reforma agrária.
A ausência de uma organização independente dos trabalhadores,
assim como a proibição expressa de organizar sovietes, levou a um
refluxo contrarrevolucionário. Isso se concretizou no desmantelamento
das associações camponesas e nos seguidos golpes militares nas
províncias.
O Comintern, de novo, centralizou o PCCh a continuar
no GMD a qualquer custo. Desconfiados das intenções dos comunistas,
o governo de Wuhan se reúne com Chiang Kai-shek em busca de um
terreno comum para a unificação de forças. A resposta do PCCh foi de
depositar mais fé no governo de Wuhan e depor armas e piquetes, além
de entregar seus ministérios. (PENG, 1976, pp. 88-89)
Stalin se recusou a reconhecer a situação que deteriorava e
deu um giro para o aventureirismo. Isso culminou na insurreição de
Nanchang. Em uma conferência extraordinária, jogaram toda a culpa
do fracasso da “frente única” chinesa em Chen Duxiu. Após o episódio
410
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de Nanchang, os próximos passos foram as insurreições de Hubei e
Hunan e o movimento pela formação do soviete de Hailufeng, também
de caráter insurrecional, culminando na insurreição de Cantão, todas
em 1927. (PENG, 1976, pp. 92-95)
O debate sobre as posições stalinistas e trotskistas nas principais
polêmicas na China podem ser sistematizados em seis pontos:
Primeiro, a atitude de cada classe em relação à revolução anti
imperialista. Stalin defendeu a formação de um bloco de 4 classes
(burguesia, pequena burguesia, campesinato e proletariado), pois
todos sentiriam o peso do imperialismo de maneira semelhante.
Trotsky discorda e defende que o imperialismo na verdade amplifica
as divisões de classe, em vez de amortece-las, pois a burguesia sempre
vai trair o bloco em favor do imperialismo.
Segundo, a questão da independência do partido comunista.
Stalin defende que o Guomindang é a melhor expressão do bloco
de quatro classes, e portanto o PCCh deveria ser parte dele. Trotsky
defende um PCCh independente, sob o risco de ser aniquilado pela
burguesia, o que efetivamente ocorreu em 1927. (PENG, 1976, pp.
95-99)
Terceiro, o problema dos sovietes. Stalin foi contra a criação
de sovietes e apostou na organização por dentro do GMD. Trotsky
defendeu a criação de sovietes (unindo soldados, trabalhadores e
camponeses), para a organização da tomada do poder e unificação da
classe.
Quarto, o problema da estratégia após a derrota da revolução.
Após a derrota do PCCh com o golpe de Chiang, Stalin deu um
giro que veio a ser conhecido como “Terceiro Período”, ordenando
a organização de insurreições armadas a partir dos restos do PCCh.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
411
Trotsky defendeu a adoção de uma política defensiva (programa
transitório de reivindicações democráticas) por parte do PCCh, para
preservar o que restava do partido. A linha de Stalin desembocou
na Longa Marcha. Com a mudança de política em 1935, no sétimo
congresso do Comintern, e o lançamento das Frentes Populares, o
PCCh mudou sua orientação de derrubar o GMD para construir uma
nova “frente única” com este partido. Após o incidente de Xian, o
PCCh depôs armas e se integrou ao governo do GMD, através da
garantia que este lideraria a luta contra o Japão. (PENG, 1976, pp.
100-108)
Quinto, a questão da natureza da revolução chinesa. Stalin
defendia a ideia de revolução por etapas, com um primeiro estágio
democrático-burguês e um outro momento socialista. Trotsky já
defendia as linhas principais do que depois ele organizou na Teoria da
Revolução Permanente. Após a vitória da terceira revolução chinesa
em 1949, o PCCh não imediatamente começou a implementação de
seu programa, defendendo a noção de revolução por estágios. Contudo,
a ameaça do imperialismo americano e da contrarrevolução interna
empurraram o PCCh a adotar medidas de cunho socialista. Em 1956,
a China foi declarada uma ditadura do proletariado.
Sexto, a política em relação à guerra sino-japonesa. Devido
a caráter contraditório da guerra (agressão reacionária do Japão e
resistência justa liderada pelo reacionário Chiang Kai-shek), diversas
posições se desenvolveram. A adotada pelo PCCh foi ultra oportunista,
abrindo mão de tudo por um apoio acrítico a Chiang. A posição
ultraesquerdista sectária era a de que ambos os lados são reacionários,
logo indignos de apoio, culminando em uma posição derrotista. Essa
última posição foi adotada pela maioria dos trotskistas chineses.
412
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Trotsky defendeu uma linha de participação na luta, mas mantendo a
independência e programa próprios.
Dessa forma, é possível dividir a história do PCCh em sete
períodos: primeiros anos, entrada no GMD, crescimento no movimento
operário, discordâncias entre PCCh e o Comintern, derrota do PCCh,
giro ao Terceiro Período, giro para a frente popular. (PENG, 1976, pp.
118-120)
Conclusão
Apesar da afiliação do PCCh, e de Mao Zedong, seu dirigente
mais importante, ao marxismo-leninismo soviético, não foram poucas
as vezes que as linhas políticas impostas exteriormente pelo Comintern
levaram o partido à beira da extinção. O esforço de cooperação e respeito
mútuo entre as direções partidárias foi constantemente atropelado por
uma tentativa de reproduzir na China um suposto modelo universal de
revolução à partir da experiência russa. Essa relação só deixou de ser
assimétrica com a vitória da revolução chinesa em 1949, a contragosto
de Stalin, que tentou negociar a possibilidade de duas chinas divididas
ao longo do Yangtzé.
Os trotskistas chineses cometeram erros sectários ao longo
de sua trajetória, o que foi decisivo para o insucesso na sua tentativa
de ganhar relevância como corrente política. Contudo, as linhas
defendidas por Trotsky se mostraram mais corretas quando comparadas
com as linhas do Comintern. A defesa do PCCh de linhas próximas
às preconizadas por Trotsky foram essenciais para sua sobrevivência
e a sua consequente vitória. Mesmo quando não adotou as posições
de Trotsky, o PCCh acabou sendo empurrado para posições muito
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
413
semelhantes para preservar suas conquistas, como o que ocorreu
na quarta e na quinta polêmica citadas acima. Em um ambiente de
debate democrático no movimento comunista internacional, seria
possível uma o desenvolvimento de posições que não precisam prestar
homenagem a uma ideologia oficial e que, quando não fizessem isso,
não fossem associadas a uma inerente posição herética, como foram
as posições trotskistas.
Referências bibliográficas:
TROTSKY, Leon. A Revolução Permanente. São Paulo: Expressão
Popular, 2007.
TROTSKY, Leon. Leon Trotsky on China. New York: Pathfinder
Press, 1976.
414
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
PARTE VI
TRÓTSKI E A REVOLUÇÃO ALEMÃ
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
415
La revolución alemana de 1923 y la formación del trotskismo
Luis Brunetto1
La revolución alemana de 1923, el Octubre alemán, es un hecho
decisivo en el proceso de constitución del trotskismo como corriente
política, porque marca el final del ciclo revolucionario que abrió la
revolución de Octubre de 1917. En numerosas oportunidades Trotsky
mismo se refirió a ese período como un ciclo revolucionario que va
desde el triunfo bolchevique en Rusia hasta el fallido levantamiento
de octubre de 1923 en Alemania.
Es absolutamente sensato y lógico que Trotsky estableciera estas
fechas como límites de inicio y de finalización de este período porque
justamente en la perspectiva revolucionaria de los bolcheviques el
triunfo en Alemania implicaba el cumplimiento de uno de los requisitos
fundamentales de la extensión mundial del proceso revolucionario.
Me permito para ilustrar este punto citar el muy conocido
discurso de Lenin en la Estación Finlandia de Petersburgo, el día
de su retorno desde el exilio en abril de 1917: “De pie en medio del
salón parecía como si todo lo que estaba ocurriendo allí no tuviera
nada que ver con él. Miraba a derecha e izquierda, se fijaba en los
1
Historiador y periodista, Director de Estación Finlandia, Codirección con
Daniel López del documental Catorcedoscincuenta, autor de los libros ¡14250
o Paro nacional!: bases obreras, direcciones sindicales y peronismo en la crisis
del rodrigazo, Junio y julio de 1975 (Estación Finlandia, Buenos Aires, 2007);
Imperialismo, burguesía nacional y revolución permanente. Un análisis de los
escritos latinoamericanos de León Trotsky (EAE, Barcelona, 2012); El camino
hacia Oktubre (Sudestada, Buenos Aires, 2017); Fui, soy, seré: Rosa Luxemburgo y
la revolución alemana (Sudestada, Buenos Aires, 2018).
416
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
que le rodeaban, clavaba los ojos en el techo, arreglaba su ramo de
flores que armonizaba muy mal con su figura, y después, volviendo
completamente la espalda a la delegación del Comité ejecutivo,
«contestó» del modo siguiente:
“Queridos camaradas, soldados, marineros y
obreros: Me siento feliz al saludar en vosotros a la
revolución rusa triunfante, al saludaros como a la
vanguardia del ejército proletario internacional…
No está lejos ya el día en que, respondiendo
al llamamiento de nuestro camarada Carlos
Liebknecht, los pueblos volverán las armas contra
sus explotadores capitalistas… La revolución
rusa, hecha por vosotros, ha iniciado una nueva
era. ¡Viva la revolución socialista mundial!…”
(TROTSKY, 1985, p. 240)2
Cómo se ve, y por supuesto no estoy diciendo nada nuevo ni
que la audiencia de esta mesa no sepa de sobra, la perspectiva del
triunfo de la revolución alemana era no solamente clave en la estrategia
revolucionaria del bolchevismo, sino que, como que además tenía para
Lenin tenía una importancia incalculable por múltiples razones. Era
su primer discurso al retorno del exilio y su primer mensaje a la clase
obrera revolucionaria rusa. Contenía, además, un clarísimo mensaje
en el sentido de que la revolución no podía detenerse hasta darle el
poder al proletariado, dirigido tanto a los demás “partidos soviéticos”
como al ala derecha de su partido encabezada entonces por Kámenev
y Stalin, que desde la Pravda promovían la política de un bolchevismo
“ala izquierda” del soviet reformista y oposición leal al gobierno
provisional. En ese discurso, que es como él mismo dice, la primera
proclama de “una nueva era”, Lenin ubica a la revolución rusa como
2 Trotsky cita las memorias del menchevique internacionalista Nikolái Sujánov.
Contato: brunettoluis@yahoo.com
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
417
prolegómeno de la revolución alemana: “En la estación de Finlandia,
al volver la espalda a Cheidse para volverse de cara a los marineros
y los obreros, al abandonar la defensa de la patria para apelar a la
revolución mundial y trocar el gobierno provisional por Liebknecht,
Lenin anticipaba como un pequeño ensayo la que había de ser toda su
política ulterior” dice Trotsky (TROTSKY, 1985, p. 240)3.
Ahora bien: esta perspectiva revolucionaria mundial del
bolchevismo no estaba implícita ni se desprendía automáticamente
de la trayectoria anterior del partido. Los bolcheviques habían sido
educados en la fórmula de la dictadura revolucionaria del proletariado
y los campesinos, y ya desde el discurso en la Estación Finlandia, y
mucho más desde la conferencia del partido en la que la intervención
de Lenin ha quedado registrada en sus conocidas Tesis de Abril,
intervención de la que el propio Sujánov, que militaba en el grupo
menchevique internacionalista de Martov y que había sido invitado
por Kámenev, fue testigo y a la que describió como “un martillazo en
la cabeza”.
El “martillazo en la cabeza” no sólo aturdía a los extraños como
Sujánov, sino a los propios, a quienes estaba dirigido en primer lugar.
Es que esas tesis de Lenin se apoyan en el concepto de “revolución
permanente”, al que Lenin había llegado según Trotsky, en forma
“infinitesimal”. Esa reorientación que Lenin promovió en su partido
no sin lucha, es evidente que fue la base de la reconciliación con
Trotsky y su ingreso al bolchevismo que, creo yo, es algo que Lenin
3 Cheidse era el presidente menchevique del Sóviet de Petrogrado. En su discurso
de bienvenida se dirigió a Lenin del siguiente modo “...entendemos que en la
actualidad la principal misión de la democracia revolucionaria consiste en defender
nuestra revolución contra todo ataque, tanto de dentro como de fuera... Confiamos en
que usted abrazará con nosotros estos mismos fines.” Trotsky (1985, p. 240).
418
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
siempre esperó y promovió activamente desde la mismísima ruptura
de 1903, independientemente de los cruces más o menos virulentos
que los separaron hasta 1917. Vale la pena recordar que fue Lenin
quien “descubrió” a La Pluma, el joven que todavía no era Trotsky, y
cuya presencia en Londres y su integración a la redacción de la vieja
Iskra fue el primero en propiciar.
Sobre la base de esa colaboración, basada en la admisión
de facto por Lenin de la teoría de la revolución permanente, y de la
admisión explícita por parte de Trotsky de la teoría bolchevique de
partido, que había rechazado en 1903 pero ahora aceptaba haciendo
suyo el concepto del centralismo democrático, se construyó la
hegemonía de estos dos jefes revolucionarios sobre un partido que, sin
ellos, no hubiese tomado el poder en Octubre del ‘17. La revolución
de Octubre es muchas cosas, pero a escala del partido bolchevique,
es la primera gran consecuencia política de la hegemonía de Lenin
y Trotsky sobre el partido. Un Lenin clandestino tras las jornadas de
julio, obligado a sublevar a la base de obreros y soldados bolcheviques
contra un aparato partidario que resiste la necesidad de la insurrección,
es el que pone al servicio de Trotsky el partido con el que el presidente
del Soviet de Petrogrado organiza en forma meticulosamente brillante
el asalto al poder.
Podría parecer una exageración, pero es un hecho que la
revolución de Octubre exigió primero, o al unísono, una lucha
encabezada por Lenin por enderezar el rumbo del partido hacia la
insurreción, una lucha apoyada en la voluntad de las bases de obreros
y soldados del partido contra la pasividad o, como en el caso de
Zinoviev y Kámenev, directamente la resistencia de la vieja guardia
y del aparato, de la que podría decirse que tuvo en Trotsky al único
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
419
apoyo incondicional de principio al fin. En su Historia… Trotsky
lleva este razonamiento al extremo de considerar que la revolución
de Octubre no podría haber triunfado si Lenin hubiese sido asesinado
durante las Jornadas de Julio. Él, un recién llegado, sostiene, no habría
podido convencer al partido de la necesidad imperiosa de pasar a la
acción insurreccional.
Y, en la vigencia de esta hegemonía dirigente en el partido,
la revolución alemana representaba un aspecto decisivo. Durante la
crisis alrededor de la paz de Brest- Litovsk, en la que la escisión fue
una posibilidad práctica, el anatema lanzado contra Lenin y Trotsky
por los comunistas de izquierda encabezados entonces por Bujarin y
Preobrazhensky es justamente el de “abandonar a Liebcknecht y a la
revolución alemana”. La novemberrevolutionen del ‘18 y la sublevación
espartaquista de enero del ‘19, lanzada a pesar de la oposición tanto de
los bolcheviques como de Rosa Luxemburgo, contaron con el apoyo
político y material de los bolcheviques. La propia decisión de poner en
práctica la tarea de organizar la nueva Internacional fue consecuencia
directa de la revolución del ‘18- 19, y repetidas veces Lenin propuso
trasladar su sede a Alemania para contrarrestar la tendencia a que se
convirtiera en un apéndice del partido ruso.
En definitiva, la hegemonía Lenin- Trotsky era la hegemonía
de un programa, el programa de la revolución permanente, aunque
como señalara Trotsky al respecto, no se volviera a hablar de ella
hasta que la troika Zinóviev- Kámenev- Stalin la devolviera al centro
de la discusión cuando desató la lucha contra el “trotskismo”. Y el
objetivo práctico fundamental en el contexto de ese programa era la
victoria de la revolución alemana. Ningún otro triunfo revolucionario
podría haber cumplido el papel de la victoria alemana. Alemania era
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
entonces la principal potencia industrial de Europa y había disputado
la supremacía económica mundial con la decadente Gran Bretaña y
los EEUU en ascenso, y era un objetivo de las potencias capitalistas
vencedoras en la primera Guerra convertirla y reducirla de potencia
imperialista a semicolonia.
El triunfo de la revolución alemana, entonces, era concebido
como el siguiente mojón en el proceso abierto por la revolución de
Octubre. En la perspectiva de Lenin y Trotsky, la reconstrucción
socialista en Alemania hubiera abierto el camino a choques decisivos con
la burguesía mundial. Resulta lógico imaginar que una reconstrucción
socialista alemana hubiera dado como resultado un poderío económico
superior al que produjo la reconstrucción burguesa bajo Hitler, además
de que hubiera facilitado la victoria del partido Comunista, en principio,
en las extremadamente importantes Austria y Hungría, cuyos procesos
revolucionarios se desarrollaron prácticamente al unísono con la
novemberrevolutionen alemana al compás del desmoronamiento de
los imperios alemán y austrohúngaro, en un proceso cuyos cauces y
ritmos tendían a unificarse. Y, por supuesto, hubiese sido un golpe
decisivo a las perspectivas del desarrollo del fascismo.
Pero el costado débil de esta hegemonía era justamente
Trotsky. Su condición de recién llegado al bolchevismo habilitaba
los celos y las intrigas contra el número 2 de Lenin. Cualquiera que
conozca mínimamente la historia de la revolución rusa sabe que los
mensajes, saludos, discursos en cualquier instancia partidaria que
fuera, iban dirigidos a Lenin y Trotsky, y la prensa extranjera y el
público en general usaba frecuentemente la expresión “el partido de
Lenin y Trotsky, para referirse al partido bolchevique. Por eso, durante
su colaboración activa, Lenin ofreció incluso en exceso, con ese celo
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
421
que lo caracterizaba para remarcar aquello que le parecía fundamental,
señales políticas de confianza. Desde aquella frase de “desde que
ingresó al partido no hay mejor bolchevique que Trotsky” a la hoja en
blanco con membrete del Sovnarkom en la que estampó su firma ante
la mirada atónita de los quejosos dirigentes de la vieja guardia, celosos
del poder y la popularidad del organizador del ejército rojo.
Esa endeblez de Trotsky dentro del partido, a pesar de su
condición de número 2 de la revolución y de su popularidad entre la
clase obrera ganada con sus propios méritos como dirigente práctico
de Octubre y luego como Comisario de Guerra y jefe del Ejército
Rojo, quedó expuesta en el proceso político que se desató a partir
del primer ataque de Lenin. La lucha por la sucesión sacó a la luz la
profundidad del proceso de burocratización que se había desarrollado
a partir aislamiento de la Rusia Soviética y de la instauración del la
NEP que debió adoptarse como respuesta a la emergencia económica
y social posterior a la guerra civil. La primera expresión política de esa
burocratización que Lenin empezó a contemplar con horror luego de
su provisoria recuperación, era la Troika Zinoviev-Kámenev- Stalin,
en la que el georgiano jugaba un papel la astutamente auxiliar, un
discreto segundo plano, desde su cargo de secretario general.
Fue la troika justamente, la que introdujo por iniciativa de
Zinoviev y Kámenev el uso del término “trotskismo” como un rótulo
negativo para conjurar el peligro que significaba para la burocracia
la continuidad de la perspectiva revolucionaria permanente, es decir
mundial. Su consecuencia directa fue, por tanto, la creación de las
condiciones para que, a la teoría de la revolución permanente se
opusiera el engendro de la posibilidad del “socialismo en un sólo país.”
En ese contexto de controversias decisivas acerca de la orientación de
422
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
la Internacional Comunista, no hay que perderlo de vista, es que se
produjo la derrota, o la capitulación sin lucha mejor dicho, del Octubre
alemán.
La revolución alemana
Pero hagamos un breve raconto sobre el proceso revolucionario
alemán abierto por la novemberrevolutionen de 1918. Ese proceso
tuvo como hitos la sublevación espartaquista de enero de 1919 en la
que fueron asesinados Liebcknecht y Rosa Luxemburgo; la huelga
general contra el putsch de Kapp, con la formación del Ejército Rojo
del Ruhr, con cifras que distintos autores ubican entre 30 y 100 mil
obreros armados; la ultraizquierdista Acción de Marzo del 21; y por
último, el Octubre alemán del ‘23.
En los albores de ese proceso, en diciembre de 1918, durante
los acontecimientos revolucionarios de 1918, nace alrededor de la
corriente espartaquista que habían organizado Liebcknecht y Rosa
Luxemburgo, el Partido Comunista Alemán (KPD). Ya de entrada su
base “ultraizquierdista” impone sus deseos políticos a la dirección. En
el Congreso fundacional, y contra la posición de Rosa y Leo Jogiches,
de Paul Levi, del representante de los bolcheviques Karl Rádek,
y de la mayoría de la Zentrale (el Comité Central) se aprueba por
abrumadora mayoría el boicot a la participación en las elecciones para
la Asamblea Nacional convocada por el gobierno socialdemócrata,
de la que participaría el 19 de enero nada menos que el 83% de la
población alemana. Durante la sublevación espartaquista de enero
del ‘19, la Zentrale resolvió el 10 de enero retirarse del Comité
Revolucionario que dirigía la acción, pero el propio Liebcknecht
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
423
desobedeció. El resultado fue el aplastamiento de un levantamiento
que se había iniciado con una huelga general armada de la clase obrera
berlinesa y el asesinato por los freikorps de Rosa y Liebcknecht. Es
decir: el descabezamiento del partido recién nacido. Uno se pregunta
por las conclusiones que una cabeza tan formidable como la de Rosa,
de haber sobrevivido, pudiera haber sacado de la rebelión derrotada
de enero…
Esa tendencia ultraizquierdista se volvió a manifestar durante
el putsch de Kapp en 1920, cuando el partido se declaró neutral frente
al asalto al poder por parte de las freikorps y ante el que la clase obrera
alemana había reaccionado con una huelga general total, que atravesó
al país de una punta a la otra, y con la conformación del ejército Rojo
del Ruhr, del que los estudiosos más conservadores sostienen que
contaba con unos 30 mil obreros armados.
Paul Levi, que había asumido la dirección del partido alemán
después del asesinato en marzo del 19 de Jogiches, promovió
una política que pretendió revertir la orientación ultraizquierdista
predominante, y que contenía los elementos fundamentales de lo que
después sería la táctica del frente único adoptada por el III Congreso
de la IC. En el segundo congreso del partido, en Heildelberg a fines
de 1919, y en toda una serie de escritos suyos, denostó las tácticas
que luego Lenin bautizaría como “izquierdistas” en El izquierdismo,
enfermedad infantil del comunismo. Frente a la agitación ultrasectaria
que el KPD emprendió frente al putsch de Kapp, envió desde la cárcel
de Moabit una carta fuertemente crítica y, finalmente, promovió en el
Ejecutivo la declaración de “Oposición leal” en la que, como salida
al vacío de poder abierto por la derrota de Kapp a manos de la clase
obrera, promovía la aceptación por el KPD bajo ciertas condiciones de
424
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
la propuesta de formación de un gobierno obrero que había realizado
el socialdemócrata Legien.
Respecto a esta declaración, Lenin decía en El izquierdismo…
lo siguiente:
“Esta declaración es absolutamente justa tanto en
la premisa fundamental como en su conclusión
práctica. La premisa fundamental es que, en el
momento actual, no existe ‘base objetiva’ para la
dictadura del proletariado, por cuanto la ‘mayoría
de los obreros urbanos’ apoya a los independientes.
Conclusión: promesa de constituir una ‘oposición
leal’[es decir, renuncia a preparar ‘un derrocamiento
violento’] a un ‘gobierno socialista si éste excluye
a los partidos burgueses-capitalistas’. Pero después
dice: ‘jamás se deben escribir cosas como las
que contiene el párrafo cuarto de la declaración,
que dice: Un estado de cosas en el que se goce
sin restricciones de libertad política y en el que
la democracia burguesa no pueda actuar como la
dictadura del capital, es de la mayor importancia,
desde el punto de vista del desarrollo de la dictadura
del proletariado, para seguir ganando a las masas
proletarias para el comunismo…’ Semejante
estado de cosas es imposible. (…) Habría bastado
decir (si se quería dar muestras de cortesía
parlamentaria): mientras la mayoría de los obreros
urbanos siga a los independientes, nosotros, los
comunistas, no debemos hacer nada por impedir
que esos obreros se desembaracen de sus últimas
ilusiones democrático-pequeñoburguesas (es
decir ‘burguesas-capitalistas’) haciendo la
experiencia de tener un gobierno ´propio’. Esto
es motivo suficiente para un compromiso, que es
verdaderamente necesario y que debe consistir en
renunciar durante cierto tiempo a todo intento de
derrocamiento violento de un gobierno que cuenta
con la confianza de la mayoría de los obreros
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
425
urbanos.” (LENIN, 1973, p. 210).
Cito este comentario de Lenin porque separa perfectamente a
las dos mitades de la posición de Levi: la mitad correcta y la mitad
incorrecta. Levi, según interpreto yo, creía que el ciclo revolucionario
se hallaba ya liquidado y su promoción de la táctica del frente único
tenía que ver más con la idea de la conquista de las masas que con
la conquista del poder. Pero hay que admitir que fue resultado de la
política que Levi promovió que el KPD se convirtiera en un partido
de masas, explotando la división del partido de los socialdemócratas
independietntes en el Congreso de Halle, un congreso en el que el tema
crucial fue la adhesión o no a la IC y del que participó como orador el
propio Zinoviev, presidente de la IC. El resultado fue un partido que
pasó a contar con alrededor de 400 mil miembros.
Pero en el contexto de las discusiones acerca de la organización
de la IC, Levi resistía la idea de una IC “sucursal del partido ruso”. Se
trata de una cuestión con la que Lenin y Trotsky tenían un acuerdo
absoluto, pero que precipitó su expulsión de la IC y del KPD luego de
haber hecho pública su posición opuesta a la expulsión de los centristas
italianos dirigidos por Serrati en el Congreso de Livorno, oponiéndose
a la creación del PCI promovida por Gramsci. Se trataba de una
violación de la disciplina que fue aprovechada por Zinoviev y Rakosi,
enviado de la IC, y los “ultraizquierdistas” alemanes promotores
de la llamada teoría de la ofensiva (los posteriomente stalinistas
Ruh Fischer y Arkadi Maslow, dirigentes del KPD de Berlín), para
atacarlo. Levi renunció entonces a la Zentrale, algo que Lenin, que
compartía en general sus puntos de vista, consideró inexplicable. La
nueva dirección, con Heinrich Brandler a la cabeza, y bajo la presión
directa de Bela Kun, el fracasado dirigente de la revolución húngara
426
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
del ‘19, patrocinado por Zinoviev y Bujarin desde la dirección de la
IC, abandonaría la política de “frente único” que patrocinó Levi y
retomaría la línea ultraizquierdista defendida por el partido berlinés.
El resultado sería la completamente putchista Acción de Marzo del
‘21, un absoluto fracaso político y militar del KPD. que Levi criticará
furiosamente en Nuestro camino: contra el putschismo (LEVI, 2021).
Pero la crítica de Levi no se detendrá en las fronteras de Alemania,
y apuntará contra el funcionamiento de la IC, la imposición por los
dirigentes rusos de líneas y cursos de acción políticos y la idea de una
IC apéndice del partido ruso. La respuesta de Zinoviev y la IC fue su
expulsión el 29 de abril, luego de la previa expulsión por parte de la
Zentrale del KPD.
Trotsky dice en la Pravda del 6 de enero de 1922 en “Paul
Levi y algunos izquierdistas”: “Levi se opuso no sólo a los errores de
marzo, sino también al partido alemán y a los trabajadores que habían
cometido estos errores. En su temor de que el tren del partido sufriera un
descarrilamiento tomando una curva peligrosa, Levi, a causa del miedo
y el rencor, cayó en tal frenesí que diseñó una ‘táctica’ de salvación
que lo envió abajo por el terraplén.” (TROTSKY, MIA) Y Lenin diría
en su “Carta a los Comunistas alemanes” del 17 de diciembre de 1921:
“Defendí y tuve que defender a Levi por cuanto sus adversarios se
limitaban a vociferar acerca del menchevismo y del centrismo y se
negaban a ver los errores de la acción de marzo y la necesidad de
explicarlos y corregirlos. […] Levi tuvo que ser expulsado por violar
la disciplina.” (LENIN, 1973)
Aun así, Lenin le envió una carta a través de Clara Zetkin
ofreciendóle la readmisión en el partido bajo ciertas condiciones, que
Levi rechazó. A mi juicio, Levi era un hombre muy inteligente, al que
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
427
Lenin valoraba mucho, pero que nunca dejó de ser un socialdemócrata.
Su planteo del frente único se detenía por así decir en el problema de la
conquista de las masas, sin plantearse el problema de que esa conquista
tenía como fin la conquista del poder. No pudiendo llevar a la IC por
ese camino, terminó violando la disciplina partidaria creyendo que
podría emprender un curso intermedio absolutamente fallido entre la
perspectiva bolchevique y la de la socialdemocracia tradicional.
Es, entonces, en el contexto de estos vaivenes alemanes y de los
choques que empezaban a desarrollarse en la Rusia Soviética alrededor
de la sucesión de Lenin y de las perspectivas de la revolución, es que
la nueva dirección del centrista Brandler debió afrontar la tarea de
acometer el asalto al poder.
El Octubre alemán
En el Informe de diciembre del ‘22 al IV Congreso de la IC,
dice Trotsky: “En el Cuarto Congreso nos enfrentamos concretamente
a la cuestión de un gobierno obrero con respecto a Sajonia. Allí los
socialdemócratas, junto con los comunistas, comprenden una mayoría
ante la burguesía en el landtag sajón. Creo que hay 40 diputados
socialdemócratas y 10 diputados comunistas, mientras que el
bloque burgués totaliza menos de 50. Y así, los socialdemócratas les
propusieron a los comunistas la formación conjunta de un gobierno
obrero en Sajonia. En nuestro partido alemán hubo algunas dudas
y vacilaciones sobre este tema. La cuestión se examinó aquí en
Moscú y se decidió rechazar la propuesta. ¿Qué quieren realmente
los socialdemócratas alemanes? ¿Qué pretendían con esta propuesta?
Todos ustedes saben que la república alemana está encabezada por
428
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
un socialdemócrata, Ebert. Bajo Ebert hay un gobierno burgués,
llamado al poder por Ebert. Pero en Sajonia, uno de los sectores
más proletarizados de Alemania, se propone instituir un gobierno
del trabajo, de la coalición entre socialdemócratas y comunistas. El
resultado sería: un verdadero gobierno burgués en Alemania, sobre el
país en su conjunto, mientras que en el landtag de una de las regiones
de Alemania estaría actuando como un pararrayos una coalición
gubernamental socialdemócrata y comunista. En el Comintern damos
la siguiente respuesta: si ustedes, nuestros camaradas comunistas
alemanes, opinan que es posible en Alemania una revolución en los
próximos meses, entonces les aconsejamos que participen en Sajonia
en un gobierno de coalición y utilicen sus puestos ministeriales en
Sajonia para el fomento de las tareas políticas y de organización y
para transformar a Sajonia, en cierto sentido, en un campo de batalla
comunista para tener un baluarte revolucionario ya reforzado en un
período de preparación para el estallido próximo de la revolución.
Pero esto sólo sería posible si la presión de la revolución ya se hiciera
sentir, sólo si ya estaba al alcance de la mano.” (TROTSKY, MIA)
Esta situación que Trotsky había descripto y la IC había
discutido, es lo que se materializaría casi a la perfección en el Octubre
del´23 (BROUÉ, 2020).4 Por empezar, la ocupación del Ruhr por las
tropas franco- belgas produjo un estado de agitación general. El KPD
comenzó a crecer en toda Alemania disputando exitosamente con la
ultraderecha y los nazis, especialmente en la zona del Ruhr, la lucha por
la conquista del sentimiento nacional contra la ocupación. Eso exigió
una política audaz, empezando por la reorganización de las Centurias
4 De aquí en adelante el texto se apoya en las investigaciones y conclusiones de
Broué.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
429
Proletarias, grupos de choque que el partido usaba para la autodefensa
y para disolver demostraciones nazis o ultraderechistas. Especialmente
en Sajonia y Turingia, donde gobernaban los socialdemócratas de
izquierda con voto de confianza de los comunistas, las Centurias
actuaban abiertamente. Según Pierre Broué el KPD contaba con
mayoría en 2 mil de los 20 mil consejos de fábrica del país, que habían
puesto en pié comités de control de precios, de abastecimiento y de
alquileres impulsados por los consejos de fábrica. Die Rothe Fane
duplicaba la tirada del Vorkwarts, el órgano de la socialdemocracia
oficial.
En junio se da una primera oleada de huelgas contra el
gobierno de Willheim Cuno, que representaba el interés directo de
los grandes industriales. Para el 29 de julio las Centurias Proletarias
llaman a una manifestación armada en las principales ciudades, que es
prohibida salvo en Sajonia y Turingia. El partido acepta la prohibición
y se realizan actos en locales cerrados para evitar provocaciones que
en Berlín reunieron a 200 mil personas. En Chemnitz, la ciudad de
Brandler, en Sajonia, 60 mil centurias desfilan armados abiertamente,
en Dresde 20 mil y 30 mil en Leipzig, todo en Sajonia. En Gotha, en
Turingia, 25 mil (BROUÉ).
A principios de agosto la ola de huelgas rebasa a las direcciones
socialdemócratas y es impulsada desde el Congreso de los Consejos
de Fábrica. La huelga de la imprenta nacional de billetes a iniciativa
de la célula comunista juega un papel simbólico en las condiciones
de un país que atraviesa una hiperinflación inaudíta. Las Centurias
Proletarias confiscan ganado en Halle y Leipzig y lo distribuyen entre
la población trabajadora. La ola de huelgas y disturbios se extienden
por toda Alemania. El 12 los tiroteos dejan 30 muertos, el 13 más
430
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de 100. Cae Cuno y se forma un nuevo gobierno del gran capital
ahora dirigido por Gustav Stresseman, al que el Reischtag confiere
“plenos poderes”, con participación del PSD de derecha, con Rudolf
Hilferding, el mismo que influyó en la teoría del imperialismo de
Lenin, en Finanzas…
En estas condiciones se realiza en Rusia la reunión decisiva
entre la dirección de la IC y la dirección del partido alemán. Brandler.
Zinoviev, Trotsky y Radek promueven el levantamiento. Stalin no
cree que haya condiciones, según deja constancia en una carta a
Bujarin. Brandler pide que Trotsky vaya a dirigir la insurrección, pero
Stalin y Zinoviev se oponen: ¡un Trotsky victorioso no sólo en Rusia
sino también en Alemania era algo imposible de permitir! El plan
insurreccional está, sin embargo, casi calcado del informe de Trotsky
al IV Congreso de la IC.
Mientras el gobierno prohíbe a las Centurias en todo el país,
los gobiernos SDI de Sajonia y Turingia resisten la prohibición. El
gobierno amenaza con entrar a esos estados y liquidar a las Centurias,
del mismo modo que amenaza al gobierno ultraderechista de Baviera,
aunque su verdadero objetivo es liquidar las Sajonia y Turingia rojas.
El KPD acepta unirse al gobierno de Zeigner en Sajonia el 10 de
octubre, y al de Turingia de August Frölich el 13. El fin es usar el
aparato estatal para armar al proletariado.
En el Congreso de los Consejos de Fábrica de toda Alemania,
reunido el 21 de Octubre en la Chemnitz que es el bastión político
del propio Brandler, el jefe del KPD propone la huelga general para
defender a los gobiernos obreros de Sajonia y Turingia, defensa sobre
cuya base se apoyaba la estrategia del plan insurreccional. El ministro
de trabajo de Sajonia se opone y Brandler, en nombre de la unidad, retira
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
431
la propuesta. El KPD entrega así, sin combate, todas las posiciones.
En Hamburgo, cuyos dirigentes no fueron informados a tiempo de
la capitulación en Chemnitz, hay combates que dejan un saldo de 21
comunistas y 17 policías muertos. Un mes después, en la ex república
soviética y ahora ultraderechista Baviera, Hitler es derrotado en el
putsch de la cervecería, pero en una Alemania en la que el poder está a
las manos de quien esté dispuesto a afrontar una prueba de fuerza, los
nazis conquistan una posición que el KPD alemán pierde…
Para no extenderme demasiado más, veamos brevemente cuáles
son las consecuencias políticas de la frustración alemana en el partido
bolchevique. Sin dudas, representa una derrota decisiva de Trotsky
en un momento además en que Lenin ha estado, por su enfermedad,
completamente ausente de las discusiones y las decisiones tomadas.
El espíritu internacionalista y de reavivamiento del sentimiento
revolucionario que según numerosos observadores y testigos de todo
tipo se había apoderado de la sociedad soviética en los meses previos
detrás de la perspectiva del triunfo alemán, se estrelló contra lo que
parecía ser la prueba de que la revolución mundial, al menos en lo
inmediato, ya no era posible. Decenas de miles de soldados el ejército
rojo, de Komsomols, de estudiantes, se habían preparado para una
conflagración decisiva, para un nuevo Octubre cuyo triunfo hubiera
representado la estabilización del proceso revolucionario mundial, que
hubiera conquistado en Alemania su punto de apoyo más decisivo.
En las altas esferas de la IC y del partido bolchevique la troika,
que con Zinoviev a la cabeza se había convertido en la campeona del
triunfo alemán, se reorientó oportunistamente poniendo como chivo
expiatoria a Brandler, descabezando por enésima vez en menos de un
lustro al KPD. La oposición de Trotsky a usar a Brandler como chivo
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
expiatorio, que era la posición que correspondía, no podía más que
representar un escombro más de la derrota que caía sobre sus espaldas.
La troika presentó a Trotsky como el patrocinador de Brandler y el
promotor de una aventura para la que, descubría ahora contra lo que
había sostenido antes, no había condiciones. El fracaso alemán fue
presentado como un intento de Trotsky de colgarse una nueva medalla
en su ego.
Fue Stalin quien, invocando su “advertencia” a Bujarin,
capitalizaría a fondo la situación. El no se había equivocado y no se
había dejado embrujar por los cantos de sirena de la revolución alemana
y mundial. Ahora la troika quedaba en su bolsillo, y aprovechando
el relato ya construido por Zinoviev y Kámenev, ya podía empezar
a librar la lucha contra el trotskismo, sólo que ahora en nombre de
su omnímodo poder personal como representante de la burocracia. El
stalinismo fundaba así al trotskismo. La muerte de Lenin en enero de
1924 barrería el último obstáculo a la consolidación definitiva de su
poder personal sobre el partido y sobre el estado obrero.
Epílogo: un breve balance de Trotsky sobre el Octubre alemán
En la siguiente entrevista de CLR James a Trotsky creo que está
contenido el mejor “balance breve” posible sobre el Octubre alemán:
“James.- Brandler llegó a Moscú convencido del éxito
de la revolución ¿Qué le hizo cambiar de parecer?
Trotsky.- mantuve numerosas entrevistas con
Brandler. Me decía que lo que le atormentaba no
era la toma del poder sino qué hacer después. Yo
le decía: “Veamos, Brandler, dice usted que las
perspectivas son buenas pero la burguesía está en
el poder, controla el estado, la policía, el ejército,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
433
etc. La cuestión es romper ese poder.” Brandler
tomó muchas notas durante muchas discusiones
conmigo. Pero ese arrojo no era, por su parte,
más que la cobertura de sus temores secretos. Fue
a Chemnitz y allí se encontró con los jefes de la
socialdemocracia, una colección de pequeños
Brandler. Y en su discurso les comunicó sus
temores secretos gracias a la misma manera en que
les habló. Naturalmente ellos retrocedieron y este
estado de ánimo derrotista afectó a los obreros.
Durante la revolución rusa de 1905, se desarrolló
una discusión en el soviet para saber si íbamos a
desafiar al poder zarista con una manifestación
en el aniversario del domingo sangriento. Hoy en
día todavía no sé lo que habría que haber hecho o
no haber hecho en aquel momento. El comité no
pudo zanjar la discusión por lo que consultamos
al soviet. Yo presenté el informe, exponiendo la
alternativa de forma objetiva, y el soviet decidió
no manifestarse por una aplastante mayoría. Pero
estoy seguro de que si yo hubiese dicho que era
necesario manifestarse, y si hubiese hablado
en consecuencia, habríamos tenido una amplia
mayoría a favor de la manifestación. Ocurre algo
parecido con Brandler. Lo que faltaba en Alemania
en 1923 era un partido revolucionario…” (CLR
James- Trotsky, MIA)
La conclusión de Trotsky no sólo es válida para el Octubre
alemán. Todos los procesos rebeldes posteriores a la caída de la URSS
carecieron de la dirección de un partido revolucionario. Por eso
fracasaron. En Latinoamérica, una rebelión de la potencia de la chilena
de 2019, la más profunda de la serie de rebeliones que se produjeron en
el subcontinente en los últimos años, asiste al descenlace reaccionario
que representa el gobierno de Boric, que no se ha privado siquiera de
hacer la apología del asesino Sebastián Piñera. Las futuras rebeliones
434
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
que se producirán, sin dudas, como resultado de furiosos choques de
clase como los que ya se desarrollan en mi país, la Argentina, exigirán
el concurso dirigente de un partido revolucionario.
En ese punto ya no hay nada que inventar: sin partido no hay
conquista del poder por las masas trabajadoras, sino se conquista el
poder triunfa la reacción, y sin conquistar el poder no se puede cambiar
el mundo.
Referências bibliográficas
BROUÉ, Pierre: La revolución alemana 1917- 1923, T II, Buenos
Aires, IPS, 2020
JAMES, CLR: “Sobre la historia de la Oposición de Izquierda”
Marxits Internet Archive https://www.marxists.org/espanol///trotsky/
ceip/escritos/libro6/T10V213.htm
LENIN, V.I.: Obras Completas, T XXXIII, Madrid, Akal, 1978
LEVI, Paul: Nuestro camino; contra el putchismo, Jacobin, abril 2021.
TROTSKY, León: Historia de la revolución rusa, Buenos Aires,
Sarpe, 1985.
“Informe sobre el Cuarto Congreso Mundial de la Internacional
Comunista” Marxits Internet Archive https://www.marxists.org/
espanol/trotsky/1922/diciembre/28.htm
“Paul Levi y algunos ‘izquierdistas’” Marxits Internet Archive https://
www.marxists.org/espanol/trotsky/eis/1922.01.06.LeviIzquierdistas.
pdf
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
435
Trotsky e a Revolução Alemã
Osvaldo Coggiola1
Depois da revolução de outubro de 1917 na Rússia, as
expectativas do movimento operário internacional ficaram postas na
revolução proletária alemã, que poderia tirara a Rússia soviética de
seu isolamento e realizar um passo gigantesco na direção da revolução
socialista mundial. Novembro 1918, a “revolução dos marinheiros”,
foi seu primeiro ato, seguido pela queda do regime monárquico e a
criação do Partido Comunista da Alemanha (KPD). O assassinato
de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, seus principais dirigentes,
no entanto, privou o partido de suas principais cabeças e figuras. A
desastrada ação putschista de março de 1921, impulsionada pelo KPD,
foi, em boa parte consequência disso. Os eventos do março alemão de
1921 foram debatidos no III Congresso da Internacional Comunista, em
junho e julho, em Moscou. Trotsky mais tarde descreveu o Congresso
como um “marco”:
“Ele apontou o fato de que os recursos dos
partidos comunistas, tanto politicamente quanto
organizativamente, não foram suficientes para a
conquista do poder. Ele promoveu o slogan ‘Às
massas,’ isto é, a conquista do poder através de
uma conquista anterior das massas, realizada
com base na vida cotidiana e nas lutas. As massas
continuam vivendo sua vida cotidiana em uma
época revolucionaria, mesmo que de uma maneira
diferente”.
O Congresso desenvolveu a tática das reivindicações
1 Professor de História da USP. Contato: coggiola@usp.br
436
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
transitórias, da Frente Única Operária, e a palavra de ordem de
“governo operário”, para ganhar a confiança dos trabalhadores que
ainda apoiavam os social-democratas. Insistiu-se na necessidade de
trabalhar nos sindicatos.
Isso foi de encontro com a resistência das tendências de
esquerda e ultraesquerda dentro do KPD, que promoviam a chamada
“teoria da ofensiva”, rejeitando qualquer forma de compromisso
político, assim como o trabalho no parlamento e nos sindicatos. Eles
eram apoiados por Nikolai Bukhárin, dirigente bolchevique russo, que
defendia uma “ofensiva revolucionaria ininterrupta”. Foi em resposta a
essas tendências que Lênin escreveu seu folheto contra o esquerdismo.
Lênin, assim como Trotsky, tentou uma aproximação paciente das
diferentes facções no KPD, prevenindo rachas prematuros. Contiveram
os esquerdistas e também a direita do partido, que queriam expulsar
seus oponentes. Intransigentes em relação à “esquerda infantil”,
também perceberam certo conservadorismo na liderança do partido.
O KPD (partido comunista alemão) passou de 360 mil membros em
finais de 1920, depois da sua fusão com a maioria do USPD, para
metade desse efetivo em finais de 1921...
Depois de uma precária estabilização econômica e política
em 1922, com a hiperinflação de 1923 uma situação revolucionária
desenvolveu-se na Alemanha. O clima de polarização e violência
política vinha se acentuando desde 1922, quando, a 24 de junho, fora
assassinado, por bandos de direita, o ex ministro e banqueiro Walther
Rathenau, provocando uma passeata de 200 mil pessoas. O controle
do Estado sobre as organizações paramilitares (de direita ou esquerda)
continuava quase nulo. Em 1923, o Partido Comunista Alemão (KPD),
em estreita colaboração com a Internacional Comunista, preparou uma
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
437
insurreição e cancelou-a no último minuto. Trotsky, depois, referiuse ao fato como “um clássico exemplo de como é possível perder
uma situação revolucionária excepcional de importância histórica e
mundial”.
A ocupação pelas tropas francesas e belgas do Rühr reacendera
a crise social e política. O governo francês justificou a ocupação
militar do centro da indústria alemã de aço e carvão declarando que
a Alemanha não havia cumprido com suas obrigações de pagar as
reparações de guerra. O governo alemão — um regime de direita
liderado por Wilhelm Cuno e tolerado pelo SPD— reagiu chamando a
“resistência pacífica”. Na prática, isso significou o boicote das forças
de ocupação pelas as autoridades locais e as companhias do Rühr. O
governo continuou a pagar os salários da administração local e ofereceu
subsídios aos barões do carvão e do aço para compensar suas perdas.
O resultado desses enormes gastos e da ausência de carvão e aço do
Rühr, produtos de extrema necessidade, foi o colapso completo da
moeda alemã. O marco, já altamente inflado, era negociado a 21.000
por dólar no início do ano. Ao final do ano, quando a inflação alcançou
seu ápice, a taxa de câmbio chegou a quase 6 trilhões de marcos por
dólar — um número com 12 casas decimais.
O impacto social e político da hiperinflação foi explosivo.
A sociedade alemã foi polarizada de forma jamais vista. Para os
trabalhadores, a inflação era uma ameaça à vida. Quando recebiam
seus salários ao final da semana, estes mal cobriam o valor do
papel sobre o qual as enormes somas eram impressas. As esposas
aguardavam nos portões das fábricas para correrem ao mercado mais
próximo e comprarem algo antes que o dinheiro perdesse seu valor
no dia seguinte. Em 1923, após as greves contra o governo Cuno,
438
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
o KPD e a Internacional Comunista perceberam a oportunidade
revolucionária que havia se desenvolvido na Alemanha. Em 21 de
agosto, o Bureau Político do Partido Comunista da URSS (PCUS)
decidiu preparar-se para uma revolução na Alemanha. Formou
uma “Comissão de Obrigações Internacionais” para supervisionar
o trabalho na Alemanha, composta por Zinoviev, Kamenev, Radek,
Stalin, Trotsky e Chicherin — e, depois, Dzerzhinsky, Piatakov e
Sokolnikov. Nos dias e semanas que se seguiram, houve numerosas
discussões e contínua correspondência com os líderes do KPD, que
freqüentemente viajavam a Moscou. Suporte financeiro, logístico e
militar foi organizado para armar centenas de operários, preparados
nos meses anteriores. Em outubro, Radek, Piatakov e Sokolnikov
foram mandados para a Alemanha, para preparar o levante.
Trotsky, acima de tudo, lutou para superar o fatalismo e a
complacência existentes na seção alemã e no Partido Comunista russo.
Enquanto isso, Stalin escreveu a Zinoviev: “Na minha opinião, os
alemães precisam ser contidos e não encorajados”, e “para nós, seria
uma vantagem os fascistas entrarem em greve antes”. Trotsky insistiu
que e insurreição devia ser preparada em um período de semanas, ao
invés de meses, e a data definitiva devia ser escolhida. O que parecia
só uma proposta organizativa — a escolha de uma data — era, na
realidade, uma proposta política. De acordo com a preocupação de
Trotsky, a principal tarefa no momento era concentrar todas as energias
e atenções do partido no preparo da revolução. De uma preparação
propagandística geral, tinha de passar à preparação prática da
insurreição. Durante o encontro do Bureau Político, em 21 de agosto,
Trotsky disse: “Quão longe vai o ânimo das massas revolucionárias
alemãs? A sensação de que estão no caminho da revolução — tal
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
439
sentimento existe. O problema posto é o problema da preparação. O
caos revolucionário não pode ser selado com borracha. A questão é:
ou começamos a revolução, ou a organizamos”. Trotsky alertou sobre
o perigo de que fascistas bem organizados poderiam esmagar ações
descoordenadas de trabalhadores, e exigiu: “O KPD precisa escolher
um tempo limite para a preparação, para a preparação militar e —
em tempo correspondente — para agitação política”. Trotsky sofreu
oposição por parte de Stalin, que argumentava contra um prazo
marcado, alegando que “os trabalhadores continuam acreditando na
social-democracia” e que o governo poderia durar por outros oito
meses.
Brandler, principal dirigente do KPD, em uma carta para
o Comitê Executivo da Internacional Comunista de 28 de agosto,
também sustentava um longo período: “Eu não acredito que o governo
Stresemann vai viver muito mais”, escreveu.
“Entretanto, não acredito que a próxima onda, que
já se aproxima, vai decidir a questão do poder.
Nós devemos tentar concentrar nossas forças para
que possamos, se for inevitável, assumir a luta
em seis semanas. Mas, ao mesmo tempo, fazer os
preparativos para estarmos prontos com o trabalho
mais sólido em cinco meses”.
Além disso, acrescentou que acreditava que um período de seis
a oito meses seria o mais provável. Em discussões entre a comissão
russa e a liderança alemã, um mês depois, Trotsky voltou ao assunto
do cronograma. Interrompeu a discussão a respeito do problema do
Rühr, e disse: “Eu não compreendo por que tanta relevância é dada
para o caso Rühr. O problema, agora, é tomar o poder na Alemanha.
Essa é a tarefa, o restante decorrerá disso”.
Trotsky respondeu, então, às preocupações de que os
440
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
trabalhadores alemães lutariam por reivindicações econômicas, mas
não tão facilmente por objetivos políticos:
“A inibição política é nada mais que certa dúvida,
por conta das marcas que as derrotas anteriores
deixaram no cérebro das massas... o partido só
pode ganhar a classe trabalhadora alemã para a
luta revolucionária decisiva — e a situação está
aqui, agora — se convencer um largo segmento da
classe trabalhadora, sua direção, de que também
é organizativamente capaz de liderar a vitória no
sentido mais concreto da palavra... A expressão
de tendências fatalistas pelo partido, aí é que está
o grande perigo”. Trotsky explicou, em seguida,
que o fatalismo podia assumir diferentes formas:
primeiro, se diz que a situação é revolucionária, o
que é repetido todos os dias. Isso se torna usual e a
política passa a ser esperar pela revolução. Então,
se dá armas aos trabalhadores e se diz que isso
levará ao conflito armado. Mas, ainda assim, seria
apenas o “fatalismo armado”.
Através da informação repassada pelos comunistas alemães,
Trotsky concluiu que eles concebiam a tarefa como fácil demais: “Se
a revolução é para ser mais do que uma perspectiva confusa”, disse
ele, “se é para ser a tarefa principal, deve ser tomada por uma tarefa
prática, organizativa... É preciso estabelecer uma data, preparar e
lutar”. Em 23 de setembro, Trotsky publicou, inclusive, um artigo no
Pravda: “Pode uma contrarrevolução ou revolução ser feita com tempo
marcado?” Trotsky discutia a questão em termos gerais, sem mencionar
a Alemanha, já que o pedido público de definição de uma data para a
revolução alemã por um representante-chave da direção, como ele,
poderia provocar uma crise internacional ou mesmo uma guerra. Sete
dias depois, o mesmo Trotsky (com Lênin seriamente doente, ele era
a principal figura pública da URSS) concedeu entrevista ao senador
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
441
norte-americano King, preocupado com o risco de uma nova guerra no
coração da Europa, devida aos acontecimentos alemães. À pergunta:
“É possível que a URSS intervenha em caso de uma revolução na
Alemanha?”, Trotsky respondeu:
“Antes do mais, nós queremos a paz. Não
enviaremos nenhum soldado do Exército Vermelho
além das fronteiras da Rússia soviética, se não
formos forçados. Nossos operários e camponeses
não permitiriam ao governo que tomasse a
iniciativa de uma ação militar, inclusive se o
governo enlouquecesse ao ponto de optar por uma
política de agressão. Se os monarquistas alemães
fossem vitoriosos e chegassem a um acordo com
a Entente, recebendo dos aliados um mandato
para intervir militarmente na Rússia (o que já
foi proposto por Luddendorf e Hoffman) nós
lutaríamos e seriamos, creio, vencedores. Mas não
acho que isso acontecerá. Em qualquer caso, não
interviríamos numa guerra civil. Não poderíamos
fazê-lo se não fazendo a guerra à Polônia. E não
queremos a guerra”. 2
O plano da Internacional Comunista (e do KPD) parta da
defesa dos governos da Saxônia e Turíngia contra a intervenção da
Reichswehr, para deflagrara a greve geral e a insurreição. Esta estava
planejada nos mínimos detalhes, política, técnica e militarmente,
com um plano financeiro, um projeto de constituição do Exército
Vermelho da Alemanha, a clandestinidade dos dirigentes do KPD
2 Alguns trotskistas, como o célebre escritor negro C. L. R. James, viram nesta
entrevista uma tentativa de freio de Trotsky à revolução alemã. Anos depois,
Trotsky teve que esclarecer o caráter diplomático da mesma, do qual eram cientes os
comunistas alemães, e que, nesse mesmo momento, o chefe do Exército Vermelho
tinha um regimento, comandado por Dybenko, prestes a entrar em combate na
fronteira polonesa.
442
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
enquanto durasse a ação, com todas as medidas de proteção cabíveis.
A “provocação” seria a constituição de “governos operários” e
“milícias operárias” pelos governos de esquerda (KPD + esquerda do
SPD) dos dois Länder. Na URSS, em fábricas e centros de ensino, se
produzia uma mobilização de massas à espera do “Outubro alemão”.
Ameaçado pela Baviera, que faz fronteira com a Saxônia e a Turíngia
no Sul, e pelo governo central em Berlim, situado ao norte, o KPD
teve de adiantar seus planos para a revolução. Chamou um congresso
de conselhos de fábrica em Chemnitz, Saxônia, no dia 21 de outubro.
O congresso deveria convocar uma greve geral e dar o sinal para a
insurreição em toda a Alemanha. Quando o Exército deu o ultimato
e preparou a entrada no Länd, os social-democratas de esquerda,
no entanto, negaram-se a fazer o chamamento à greve geral. Como
eles não concordavam, Brandler cancelou os planos e interrompeu o
levante armado, já acertado com a Internacional Comunista.
O KPD vacilou e sem um plano de recâmbio, anulou a ordem
de insurreição. A decisão de cancelar a revolução não chegou em
Hamburgo a tempo: uma insurreição foi organizada e deflagrada
na cidade, mas permaneceu isolada e foi derrotada em três dias.
Os militantes comunistas lutaram nas ruas enquanto as fábricas
trabalhavam em ritmo lento e a população, ainda que simpatizando
com os insurretos, olhava passiva. Embora o congresso de Chemnitz
ainda estivesse reunido, o Reichswehr começou a ocupar a Saxônia.
Conflitos armados causaram a morte de vários trabalhadores. Em 28
de outubro, o presidente social-democrata Friedrich Ebert deu ordens
ao Reichsexekution contra a Saxônia. Ordenou a remoção forçada
do governo da Saxônia — encabeçado por Erich Zeigner, socialdemocrata de esquerda — pela Reichswehr. A indignação pública
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
443
obrigou o SPD a retirar-se do governo Stresemann em Berlim. Alguns
dias depois, a Reichswehr entrou na Turíngia e removeu também o
governo local. A deposição desses dois governos de esquerda por
Ebert e Seeckt encorajou a extrema-direita da Baviera.
Em poucos dias, portanto, a história balançou: a conferência
operária de Chemnitz, dominada pelos socialistas saxões,
deveria lançar a greve geral. Não o fez, e os comunistas adiaram
então a insurreição. Em 1924, Trotsky escreveu: “O PC não foi
suficientemente firme, clarividente, resoluto e combativo para garantir
a intervenção no momento necessário, e a vitória”. Só os comunistas
de Hamburgo (dirigidos pela ala esquerda do KPD) cumpriram a
ordem insurrecional, enquanto, na Rússia, a “troika” (Stalin-ZinovievKamenev), empenhada no combate contra Trotsky, prestava pouca
atenção aos acontecimentos alemães. Em finais de 1923, quando a
situação exigia uma mudança brusca de orientação, o KPD a tomou
sem convicção, com um considerável atraso e quando já era muito
tarde. A vacilação e, finalmente, a claudicação de Heinrich Brandler
(principal dirigente do KPD) foi o capítulo final de uma longa série
de vacilações, confusões e recuos. A revolução fora adiada (sine die).
Ela não voltaria a se apresentar nas próximas décadas. A maioria dos
delegados de Chemnitz teria apoiado a convocação da greve geral,
como Brandler escreveu em uma carta a Clara Zetkin. Mas, mesmo
assim, ele não quis agir sem o apoio dos social-democratas de esquerda:
“Durante a conferência de Chemnitz eu percebi que não poderíamos,
sob quaisquer circunstâncias, partir para a luta decisiva, uma vez que
não havíamos conseguido convencer a esquerda do SPD a assinar a
decisão de greve geral”, escreveu Brandler.
E acrescentou:
444
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
“Com a massiva resistência [social-democrata
de esquerda], eu mudei o curso e evitei que nós,
comunistas, fossemos ao combate sozinhos. É
claro que poderíamos ter recebido uma maioria
de dois terços em favor de uma greve geral na
conferência de Chemnitz. Mas, o SPD teria deixado
a conferência, e seus slogans confusos, sobre como
a intervenção do Reich contra a Saxônia tinha
simplesmente o propósito de ocultar a intervenção
do Reich contra a Baviera, teriam quebrado nosso
espírito de luta. Então, eu conscientemente lutei
por um compromisso desagradável”.
E desastroso. É impossível ler essas (e outras) ponderações de
Brandler, sem sentir um frio na espinha, sabendo que da sua decisão
(ou, melhor, da falta dela) dependia a sorte da revolução alemã e,
por extensão da revolução europeia e mundial. Na verdade, porém,
a decisão da direção do KPD foi endossada pela “comissão alemã”
da Internacional Comunista – Radek, Piatakov, Ounschlicht – que se
encontrava, no mesmo momento, em território alemão.
O ano de 1923 mudou o rumo da Internacional Comunista.
Com Lênin doente, o choque de Trotsky e a Oposição de Esquerda
(que foi lançada publicamente em outubro desse ano na URSS, com a
“Plataforma dos 46”) contra a direção do PCUS estourou abertamente,
no mesmo momento em que o KPD fracassava na sua tentativa de
tomar o poder na Alemanha. Trotsky refletiu: “Zinoviev definia nestes
termos a significação do que acontecera na Alemanha: «Esperávamos
a revolução alemã, mas não veio (Pravda, 22 de junho de 1924)». Em
realidade, a revolução estava no seu direito de contestar: «Eu viera,
mas vocês, senhores, chegaram tarde a cita»”.
O KPD e a Internacional Comunista haviam deixado
escapar uma situação revolucionária excepcional, de importância
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
445
histórica mundial. O PC alemão (KPD) fez depender a insurreição
revolucionária da ala esquerda da socialdemocracia, que desertou o
campo revolucionário no último momento, quanto até a preparação
técnica da insurreição operária estava pronta, e com data marcada. O
KPD perdeu a principal batalha, e sua maior oportunidade histórica,
praticamente sem dar batalha.
A burguesia alemã encontrou, então, um novo eixo de
estabilidade: o abandono da “resistência passiva” (à França), a prisão
dos comunistas e também dos nazistas (Adolf Hitler, preso pelo
Reichswehr, aproveitaria o tempo passado na prisão para redigir, ou
ditar, seu libelo esquizofrênico-paranóico Mein Kampf). O capital
norte-americano colaborou com o novo governo Stresemann através
do Plano Dawes (com um empréstimo inicial de 800 milhões de
dólares): até 1930, a Alemanha tomou emprestados 30 bilhões de
marcos, 70% dos bancos americanos. O Doktor Hjalmar Schacht,
ministro de Finanças (que, depois, seria o “mágico financeiro” de
Hitler) pôde criar então o marco forte. Quatro meses depois do fracasso
da insurreição comunista, Trotsky se perguntava: “Porque não houve
vitória na Alemanha?”. E respondia: “Porque não havia ali um partido
bolchevique, nem um dirigente como nós [na URSS] tivemos em
Outubro [de 1917]”. Teriam sido Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo
os “Lênin e Trotsky” alemães?
Dois meses mais tarde, Trotsky precisou ainda mais:
“O KPD não apreciou em tempo o surgimento de
uma crise revolucionária com a ocupação do Rühr
e o fim da resistência passiva (janeiro-junho de
1923). Falhou no momento crucial. É difícil para
um partido revolucionário passar de um período de
agitação e propaganda prolongado para uma luta
direta pelo poder através de uma insurreição. Isso
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
provoca inevitavelmente uma crise no partido...
De um lado, o partido esperava uma revolução, de
outro, havida conta que se tinha queimado os dedos
nos acontecimentos de março [de 1921] evitou
até o final de 1923 a própria idéia de organizar
uma revolução, ou seja, preparar a insurreição. A
atividade política do partido continuava em ritmo
de tempos de paz quando o desfecho se aproximava.
O momento da insurreição foi fixado quando,
essencialmente, o inimigo já havia usado o tempo
perdido pelo partido e reforçado suas posições. A
preparação militar e técnica do partido começou
de modo febril, mas cortada da atividade política
do partido, que continuava em ritmo de tempos de
paz. As massas não compreendiam o partido e não
o acompanhavam. O partido sentiu essa ruptura
com as massas, e ficou paralisado. Daí aconteceu a
retirada sem combate das posições – sem combate,
a mais amarga das derrotas” (grifo nosso).
A derrota operária alemã de 1923 teve consequências de longo
alcance. Graças a ela, a burguesia alemã consolidou seu domínio e
estabilizou a situação por seis anos. Quando a grande crise mundial
irrompeu, em 1929, a classe trabalhadora não estava reposta das
derrotas de 1919-1923. Mundialmente, a derrota do “Outubro Alemão”
aprofundou o isolamento da URSS, e constituiu um importante para
a ascensão da burocracia stalinista. A 23 de novembro o KPD foi
proibido em todo o território do Reich (essa proibição seria levantada
em março de 1924), do mesmo modo que o partido nazista, por obra
de Von Seeckt, quem recebera poderes excepcionais no dia do putsch
nazista de Munique. Uma nova etapa se abriu nesse momento na
Europa, caracterizada pelo isolamento da URSS, o “neorreformismo”
governamental e a “prosperidade” econômica, comandada pelos
EUA. A Europa, dólar-dependente, tendia também a se subordinar
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
447
politicamente ao novo imperialismo emergente. A derrota da revolução
alemã, condenou à Revolução Russa a um período indefinido de
isolamento: a oposição de Trotsky na Rússia soviética, já organizada,
seria, no entanto, condenada na XII Conferência do PC da URSS, em
janeiro de 1924. Trotsky, atento aos novos desenvolvimentos, escreveu
em 1924:
“O programa americano de tutela do mundo
inteiro não é um programa pacifista, mas grávido
de guerras e crises. Os EUA afirmam poder
fabricar barcos de guerra como pãezinhos: eis a
perspectiva da próxima guerra mundial, que terá
por teatro o Atlântico tanto quanto o Pacífico, se
é que a burguesia pode continuar governando até
lá... Os conflitos militares são inevitáveis. A ‘era
americana’ que parecia abrir-se não é mais do que
a preparação de novas guerras monstruosas”.
Trotsky já era, no entanto, na URSS e no mundo, uma voz
crescentemente isolada...
Qual era o balanço da revolução alemã? A primeira fase da
revolução (novembro 1918 – janeiro 1919) fracassou, segundo Rosa
Luxemburgo, pela sua imaturidade, mas sem deixar de apontar o que
seria a questão chave da fase sucessiva (a direção política das massas
trabalhadoras):
“A nossa crise tem um duplo rosto, o da contradição
entre uma enorme decisão ofensiva por parte
das massas e a falta de convicção por parte dos
chefes berlinenses. Falhou a direção. Mas este é
o defeito menor, porque a direção pode e deve ser
criada pelas massas. As massas são com efeito o
fator decisivo, porque são a rocha sobre a que será
edificada a vitória final da revolução. As massas
cumpriram com a sua missão, porque fizeram desta
nova “derrota” o elo que nos une legitimamente
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
à cadeia histórica de “derrotas” que constituem
o orgulho e a força do socialismo internacional.
Podemos ter a certeza de que desta “derrota”
também há de florescer a vitória definitiva. A ordem
reina em Berlim!... Ah! Estúpidos e insensatos
carrascos! Não reparastes em que a vossa “ordem”
está a alçar-se sobre a areia. A revolução alçar-se-á
amanhã com a sua vitória e o terror pintar-se-á nos
vossos rostos ao ouvir-lhe anunciar com todas as
suas trombetas: era, sou e serei!”.
A ocupação francesa do Rühr, principal região mineira da
Alemanha, de janeiro de 1923, e a inflação enorme, colocaram
novamente na ordem do dia a revolução proletária. Os operários
desertavam em massa dos sindicatos e a social-democracia que os
dirigia através destes perdeu o controle. No entanto, também a direção
do Partido Comunista alemão (KPD) fracassou na prova da revolução.
Sua debilidade, assim como a dos outros PCs, tornara-se visível em
1921, quando atuou de modo ultra esquerdista. Até agosto de 1923,
houve uma política prudente do KPD e da Internacional Comunista
(depois do fracasso de 1921, ambos chamaram a “conquistar as
massas”), mas uma greve geral espontânea derrubou o governo Cuno.
Os dirigentes do KPD, em Moscou, marcaram a insurreição para
novembro, no sexto aniversário da revolução russa. As “centúrias
proletárias” se armaram, a insurreição foi planejada para partir dos
governos social-comunistas de Saxônia e Turingia. Para Trotsky, “a
história nunca criou e dificilmente criará condições mais favoráveis
para a revolução proletária e a tomada de poder. Se se pedisse aos
pesquisadores marxistas imaginar uma situação mais favorável
à tomada do poder pelo proletariado, não conseguiriam”. Mas a
insurreição não aconteceu, cancelada pela direção do KPD, sob o
olhar passivo da direção da Internacional Comunista.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
449
O balanço da direção do KPD e da Internacional Comunista
em seu V Congresso (1924), conduzido pela fração de Stálin e do
presidente da IC, Zinoviev, considerou a revolução alemã como um
simples episódio perdido e não a derrota mais importante do processo
revolucionário europeu iniciado em 1917. Desta maneira, afirmavam
que haveria outros “Outubros”, ou mesmo diziam ter exagerado as
condições que estavam colocadas para a revolução, o que impediu
que a IC extraísse as conclusões necessárias para o futuro da luta de
classes. Trotsky, pelo contrário, considerou que a derrota da revolução
alemã foi o ponto de virada para a formação de frações na URSS (no
PCUS) e na Internacional Comunista, dada a escala gigantesca da
luta de classes de onde se expressavam as diferenças. Respondia de
forma categórica, seguindo as definições que formulou conjuntamente
com Lênin sobre o desenvolvimento da revolução mundial: “Estavam
dadas todas as condições para o triunfo da revolução na Alemanha?
Penso que teríamos que responder com absoluta claridade e firmeza,
sim, todas exceto uma. A Alemanha não tinha um partido bolchevique,
não tinha uma direção tal como tivemos em Outubro [de 1917, na
Rússia]”. Escrevendo retrospectivamente, para Fernando Claudín, ao
contrário, as condições revolucionárias não estavam ainda maduras
naquela ocasião, e 1923 não deveria ser considerado “o ano da derrota”
do KPD, uma vez que, no ano seguinte, obteria quase 4 milhões de
votos (compare-se com os 600 mil de 1920): adiando a insurreição,
a direção do KPD teria salvo o partido de ser novamente esmagado,
como acontecera em março de 1921.3
3 O argumento de Claudín contra Trotsky é fraco: os votos do KPD tiveram uma
trajetória, em geral, ascendente até 1933, o que não lhe poupou ser derrotado, e
esmagado da pior maneira imaginável, pelo nazismo.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Trotsky afirmou também que o erro fundamental do KPD foi
não ter compreendido “a tempo” a necessidade de uma virada tática
abrupta:
“O que é mais difícil para uma direção
revolucionária é saber no momento oportuno
tomar em suas mãos a situação política, perceber
sua inflexão brusca e mudar firmemente o rumo.
Semelhantes qualidades de direção revolucionária
não se obtém simplesmente pelo fato de prestar
juramento de fidelidade a última circular da
Internacional Comunista; se conquistam, se as
premissas teóricas indispensáveis existem, pela
experiência adquirida por si mesma e praticando
uma auto-crítica verdadeira”:
“Duas grandes lições marcam a história do KPD: março de
1921 e novembro de 1923. No primeiro caso, o partido confundiu a
sua própria impaciência com uma situação revolucionária madura;
no segundo, foi incapaz de reconhecer uma situação revolucionária
madura e a deixou escapar. Estes são os perigos extremos da “esquerda”
e da “direita”; estes são os limites entre os quais passa, geralmente, a
política do partido proletário em nossa época”.
A conclusão de Trotsky era aberta, indicando os perigos, mas
sem propor uma solução única e fechada. Trotsky escrevia como
político, no calor dos acontecimentos. Com recuo histórico, cabe
perguntar se era possível que uma direção revolucionária surgisse da
Armata Brancaleone de massas que era o KPD entre 1919 e 1924,
não só, nem principalmente, pelas suas inúmeras viragens políticas,
mas também pelas suas divisões internas e pelo fato de ter mudado
por completo sua liderança uma dezena de vezes durante esse curto
período, pondo essa responsabilidade, a cada virada, em equipes que
careciam de qualquer experiência na direção de um partido político.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
451
Para o próprio Trotsky, este fora o problema central da revolução
europeia a partir do final da guerra mundial: “Em escala mundial,
houve três ocasiões em que a revolução proletária chegou ao ponto
em que era necessário um bisturi. Foi em outubro de 1917 na Rússia,
em setembro de 1919 na Itália, e na segunda metade do ano passado
(julho-novembro), na Alemanha”, disse, em discurso de abril de 1924
em Tiflis (já embrenhado na luta de frações dentro do PCUS) – como
se sabe, somente na primeira dessas ocasiões o bisturi funcionou (ou,
simplesmente, existia).
Em meados da década de 1930, o revolucionário russo seria
ainda mais contundente acerca do alcance histórico da derrota alemã:
“Se, em 1918, a social-democracia alemã tivesse
aproveitado o poder que os operários lhe confiavam
para consumar a revolução socialista e não para
salvar o capitalismo, não seria difícil conceber,
apoiando-nos no exemplo russo, o invencível
poder econômico que seria hoje o do maciço
socialista da Europa central e oriental e de uma
parte considerável da Ásia. Os povos do mundo
terão ainda que pagar, com novas guerras e novas
revoluções, os crimes históricos do reformismo”.
Para Pierre Broué, referindo-se ao “fiasco alemão”, “jamais
na história contemporânea houve preparativos tão cuidadosos,
sérios e sistemáticos para uma insurreição, em nenhum país. Nunca
uma revolução em um país foi tão esperada, com seus fundamentos
edificados como os de uma catedral pelos braços de dezenas de
milhares de pessoas humildes. Jamais, portanto, uma decepção foi tão
forte para os crentes e os combatentes”. A “incapacidade” do KPD
para levar a cabo a revolução, por outro lado, foi endossada, como
vimos, pela direção da Internacional Comunista. Por isso, embora
“nacional” pela sua forma, a derrota alemã foi internacional no pleno
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
sentido do termo, isto é, remete a uma limitação decisiva do processo
revolucionário europeu (e mundial) iniciado em outubro de 1917, ou
seja, da própria Revolução de Outubro e de seu instrumento mundial,
a Internacional Comunista.
Nos anos sucessivos à crise alemã, os problemas da direção
política revolucionária se poriam, em toda a Europa, em condições
muito piores, devido à consolidação da burocracia stalinista e a
ascensão do nazismo. A bisonha tentativa insurrecional nazista de 1923
ensinou ao (até então pitoresco) futuro Führer que, para obter uma
audiência de massas, o uso das margens de legalidade da República
era indispensável. Nascido nas margens do exército, o NSDAP era
timidamente financiado, no início, por setores empresariais menores:
o editor Bruckham, o fabricante de pianos Bechstein.4
A partir de 1924, o NSDAP começou a participar de atividades
políticas legais e eleitorais, centrando-se nelas. Às classes médias
desesperadas, destruídas pela hiperinflação, os nazistas propunham
remédios contra a angústia: xenofobia, racismo, nacionalismo
exacerbado, acompanhados de uma demagogia anticapitalista que
apontava os judeus (desde o século XIX designados popularmente
como “encarnação do capital”: o fundador do Partido SocialDemocrata, August Bebel, já chamava o antissemitismo de “socialismo
dos imbecis”). Também eram denunciados o “imperialismo” (o
diktat de Versalhes), os bonzos (os dirigentes operários, acusados de
colaboração com os judeus): os nazistas chegaram a apoiar as “greves
selvagens”. E, sobretudo, o NSDAP não deixou de usar a violência
4 Com a crise de 1929, e já transformado em partido de massas, o caixa nazista
recebeu o apoio dos konzern (Kirdorf, do carvão; Vorgler e Thyssen, do aço; IG
Farben; o banqueiro Schroeder), preparando a sua conquista do poder na década de
1930.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
453
e o terror contra seus “inimigos”, para demonstrar ao seu “público”
sua determinação em atingir seus objetivos. Derrota bélica, inflação
galopante, decomposição das relações econômicas capitalistas,
frustração revolucionária, adaptação definitiva da social-democracia
ao capital, emergência do stalinismo na URSS, maduração e início da
ascensão do nazismo na Alemanha: a conjuntura econômica e política
alemã entre 1918 e 1924, e sua irradiação internacional, foi a matriz a
partir da qual desenvolver-se-ia a história mundial do século XX.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Trotsky, a ascensão do nazismo e o papel de Stalin
Osvaldo Coggiola1
Entre 1930 e 1933, a evolução política da Alemanha foi o eixo
do debate político na Europa e na Internacional Comunista (IC). Nas
vésperas do levantamento nazi de Hitler, Trotsky criticou a recusa da
IC em propor uma frente única de trabalhadores dos partidos socialista
e comunista contra o nazismo. Em 1920, o nazismo ainda era referido
como “fascismo alemão” pelos meios de comunicação de esquerda
de todo o mundo. No meio das condições sociais criadas pela crise
econômica mundial nascida em 1929, que determinou um novo papel
do Estado para a estabilidade da ordem capitalista, o nazismo assumiu,
no entanto, características únicas e inquestionáveis, incluindo um
movimento de reação política extrema, ainda que originalmente
inspirado pelo “Estado corporativo” de Mussolini.
Houve, sem dúvida, uma ligação entre a crise econômica
mundial e a ascensão do fascismo na Europa. Se, entre 1918 e 1933,
a Alemanha foi o ponto crítico da estabilidade política e econômica
na Europa, também se tornou, sem dúvida, o centro da tendência
contrarrevolucionária antibolchevique da Segunda Guerra Mundial a
partir do último ano mencionado. O mundo político foi realinhado de
acordo com o nazismo.
O NSDAP (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei,
Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, ou
simplesmente Partido Nazi) foi fundado em Munique em janeiro
de 1919. O seu sétimo membro, Adolf Hitler, um pintor de origem
1
Professor de História da USP. Contato: coggiola@usp.br
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
457
austríaca, estava imbuído de um nacionalismo antissemita e racista
e de um ódio ao comunismo. O NSDAP adquiriu rapidamente uma
fisionomia peculiar no seio das facções nacionalistas, devido à sua
insistência em temas “sociais” e à personalidade dos seus líderes,
obviamente Hitler, mas sobretudo Goebbels, mestres da propaganda.
Rapidamente recebeu o apoio do mundo dos negócios e do exército,
através de Ludendorff, para ganhar estatura nacional após os
acontecimentos de 1923 (tentativa de golpe militar na Baviera).
A doutrina era simples e tinha o seu eixo na oposição entre a
Alemanha e os seus “inimigos internos e externos”. Era essa:
1) O povo alemão era ariano, trabalhador e generoso, mas foi
“traído” durante a guerra;
2) O povo judeu, que inspirou as ideologias marxistas e as
relações democráticas e universais, destruiu o Estado a partir do seu
interior;
3) É necessário restaurar a Alemanha eterna, o Lebensraum
(espaço vital), regenerar o seu povo para torna-lo “a raça superior” do
mundo;
4) Concentrar-se em questões como a “comunidade nacional”,
o “sangue puro”, a “pureza da raça”, a “ordem”, as virtudes dos
guerreiros, o esmagamento dos inimigos, a expansão territorial à custa
da URSS bolchevique e da França decadente.
O NSDAP foi impulsionado por ex-soldados e oficiais medíocres
do exército alemão, que se sentiram “traídos” pela derrota nacional de
1918, e por pequeno-burgueses espantados com a “igualdade social”.
Eram eles: Ernest Röhm, o instigador que tinha laços com o exército
e ajudou a formar uma milícia privada dos nazis, conhecida como
“camisas marrons”; Hermann Goering, herói da aviação, brutal e
458
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
ambicioso, chefe das SA (Sturmableitungen, tropas de assalto); Rudolf
Hess (secretário de Hitler); Heinrich Himmler e Martin Bormann;
homens sem escrúpulos; o alemão báltico Alfred Rosenberg, filósofo
amador, teatrólogo da “raça”, ignorante e pretensioso; demagogos
antissemitas como Julius Streicher e Gregor Strasser. Controlados
pelo Führer, formaram um verdadeiro bando.
Depois de uma “prosperidade” de curta duração, a crise
alemã de 1929 acentuou os efeitos da hiperinflação de 1923. No seio
da burguesia, só os grandes industriais e banqueiros sobreviveram.
A pequena-burguesia foi arruinada pela alternância entre inflação
e deflação e transformaram-se em subproletários. Os agricultores,
menos afetados pela crise, eram uma minoria no país industrializado.
Os trabalhadores industriais sofreram uma enorme miséria com
o desemprego em massa. Encontrar um emprego naquele cenário
parecia uma busca interminável. Os jovens não tinham qualquer
perspectiva de trabalho ou de vida “normal”. Milhões de jovens
tornaram-se “nómades”, muitos inundaram o “trabalho no campo”.
Os fenômenos de decomposição social desenvolveram-se em grande
escala (drogas, alcoolismo, prostituição). O desespero e a ira voltaramse contra o governo, muitas vezes ocupado pelos socialistas (SPD).
Todas as esperanças, todos os “bodes-expiatórios” eram aceitos. Tanto
o nazismo como o fascismo italiano, em maior escala, conseguiram
mobilizar a pequena-burguesia desesperada (explorando o seu medo
da “proletarização”), esse grupo social que o eloquente Gramsci
apelidou de “povo macaco”.
Nascido à margem do exército, o NSDAP foi financiado, no
início, por setores burgueses: O editor Bruckham, o fabricante de
pianos Bechstein. Com a crise de 1929, a tesouraria nazi recebeu
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
459
o apoio dos “Konzern” (Kirdorf, carvão; Vorgler e Thyssen, aço;
IG Farben; o banqueiro Schroeder, etc.). As possibilidades da sua
agitação e propaganda, a sua autoconfiança e, sobretudo, a sua
capacidade de subornar os funcionários públicos (polícias, juízes,
militares) cresceram então em proporções geométricas. As classes
médias estavam desesperadas e os nazistas propunham remédios
contra a angústia: xenofobia, racismo, nacionalismo exacerbado,
acompanhados de uma demagogia anticapitalista que apontava para os
judeus (que desde o século XIX eram conhecidos como a “encarnação
do capital” e August Bebel, o fundador do Partido Social-Democrata,
já tinha designado o antissemitismo como “socialismo dos imbecis”).
O “imperialismo” (os ditames de Versalhes) e os bonzos (os dirigentes
sociais-democratas dos sindicatos operários, acusados de colaborar
com os judeus) são igualmente denunciados. Os nazis passaram a
apoiar as “greves selvagens”, levadas a cabo independentemente dos
sindicatos. Acima de tudo, o NSDAP utilizou a violência e o terror
contra os seus “inimigos” para demonstrar ao seu “povo” a sua
determinação em atingir os seus objetivos.
Os símbolos nazis (a cruz suástica, retirada dos povos germânicos
da Idade Média, e também as enormes paradas militares) exprimiam
os seus princípios como uma unidade. A extorsão (chantagem da
“proteção”) foi amplamente utilizada para encher os cofres do NSDAP.
Acima de tudo, o nazismo oferecia uma oportunidade imediata aos
jovens desempregados: o emprego nas fileiras do exército, como
oficiais fardados, na milícia armada das SA (tropas de assalto), depois
nas SS (Schutzstafel, destacamento da guarda, também como guardas
privados de elite de Hitler, chamados “camisas negras”). O emprego,
o salário e o uniforme devolveram aos jovens o que eles acreditavam
460
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
ser uma existência que a sociedade lhes negava.
A militância nazi aumenta, de 176.000 no final de 1928 para
800.000 no final de 1931 (e ultrapassa um milhão de membros no
ano seguinte). Mas o número de comunistas e socialistas também
aumentou: nas eleições gerais de 1928, os dois partidos de esquerda
obtiveram, em conjunto, 12.418.000 votos. Em 1930, 13.160.000 (os
nazis apenas 6,4 milhões). Em julho de 1932, os partidos operários
obtiveram 13.300.000 votos (mas os nazis já tinham chegado a
13.779.000). Em novembro desse ano, o SPD (Socialistas) e o KPD
(Partido Comunista da Alemanha) obtiveram em conjunto 13.230.000
votos, o NSDAP, 11.737.000. Quando as forças nazis entraram em
declínio no cenário político, o Presidente Hindenburg (eleito em 1925
com o apoio do Partido Socialista, SPD) chamou (em janeiro de 1933)
o líder nazi Hitler para ocupar a chancelaria do Reich.
No entanto, o fator decisivo foi a recusa dos partidos de
esquerda em formar uma frente única contra os nazis. O SPD contava
com um milhão de membros, 5 milhões de sindicalizados, centenas
de milhares de membros organizados no Reichsbanner (milícia
socialdemocrata). Em setembro de 1930, tinha também obtido 8,5
milhões de votos (143 parlamentares) contra 6,4 milhões do NSDAP
(107 parlamentares). Mas o SPD procurava um “meio-termo” entre o
nazismo e o “bolchevismo”: a sua política era “a defesa da República
(de Weimar)”, a introdução de leis repressivas contra o nazismo, a ação
da polícia e dos tribunais. Por fim, apoiava a política pró-deflação do
chanceler Brüning (que causava miséria), a suspensão do Reichstag,
o governo por decreto-lei. Defendeu o voto no Marechal Hindenburg
(que depois elevou Hitler) para a Presidência da República. Os votos
do SPD baixaram para 7,96 milhões em julho de 1932 e para 7,25
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
461
milhões em novembro do mesmo ano. Os defensores da “Frente
Unida dos Trabalhadores” no SPD tinham sido excluídos: eram o SAP
(Partido Socialista dos Trabalhadores), com dezenas de milhares de
membros. Foi este partido que, em 1933 (após a ascensão de Hitler),
assinou, juntamente com os apoiadores de Trotsky (Liga Comunista
Internacional) e dois partidos da esquerda holandesa, o RSP e o PSO,
a “Declaração dos Quatro” por uma Quarta Internacional.
O KPD (Partido Comunista) também avançou: 3,27 milhões
de votos em 1928, 4,59 milhões em 1930, 5,37 milhões em julho de
1932, 5,98 milhões em novembro do mesmo ano. Tal como o SPD,
tinha todas as possibilidades de deter a propagação do nazismo, mas
a sua política de divisão (denúncia do SPD como “social-fascista”)
levou o historiador R. T. Clark a refletir: “É impossível ler a literatura
comunista da época sem sentir arrepios perante o desastre que levou
um grupo de homens inteligentes a recusar usar a sua inteligência de
forma independente”. O KPD insistia em procurar temas comuns com
os nazis (contra Versalhes, pela independência nacional) para utilizar
uma terminologia semelhante (“revolução popular”). Afirmava que,
antes de lutar contra o “fascismo”, era necessário combater o “socialfascismo” (o SPD), para depois propor uma “frente única a partir de
baixo” aos trabalhadores socialdemocratas. Globalmente, a política
foi definida pelo dirigente da Internacional Comunista, Manuilski: “O
nazismo será a última etapa do capitalismo antes de uma revolução
social”.
Ainda assim, há quem insista, como Heinz Brahm, que “Trotsky
se distanciou dos chefes do KPD, que, mesmo durante os tempos do
governo de Hermann Müller (SPD, 1928-1930), declaravam que o
fascismo reinava na Alemanha. Trotsky descobriu, como ninguém,
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
os perigos do nacional-socialismo. Previu que o NSDAP professava
a Constituição apenas para chegar ao poder. Parece ter avisado que
Hitler, que preparou o golpe de Estado no quadro da Constituição,
não agiu de forma muito diferente dele quando, em 1917, utilizou a
legalidade soviética em proveito da revolução de Petrogrado. Desde
setembro de 1930, convidou incansavelmente o SPD e o KPD a
formarem uma frente única, mas, após a tomada do poder por Hitler,
rejeitou mesmo um pacto de não agressão entre os dois partidos. O
facto de Trotsky ter previsto a catástrofe da ditadura de Hitler fala em
sua honra. No entanto, não é correto responsabilizar exclusivamente
Stalin e o Komintern pelo triunfo de Hitler”.
Em abril de 1931, o KPD lançou um apelo conjunto com o
NSDAP para que se votasse contra o SPD para derrubar o governo
socialdemocrata da Prússia, o “referendo vermelho” (a que os nazis
chamaram “referendo negro”). Em novembro de 1932, os nazis
formaram uma aliança contra os socialdemocratas bonzos numa
greve dos transportes em Berlim. Estas situações provocaram crises
políticas que derrubaram o governo centrista de Brüning, o gabinete
de Von Papen, em novembro de 1932, e depois o governo do general
von Schleicher, até que Hitler foi finalmente convocado para se tornar
chanceler em 30 de janeiro de 1933.
Hitler chegou ao poder sem qualquer resistência da classe
operária e com o apoio da burguesia, mediado pelo antigo ministro
das finanças do governo centrista de Stressemann, Hjalmar Schacht.
Este chegou a um acordo com o NSDAP com a mediação do
banqueiro Schroeder (SCHACHT, 1953). Os novos detentores do
poder começaram rapidamente a organizar um novo regime, não sem
antes lançar um desafio contra o KPD, incendiando o Reichstag do
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
463
parlamento alemão (27 de fevereiro de 1933) (WILLARD, 1968).
Com 3.000.000 de marcos alemães fornecidos pelo grande capital e
com mais terror das SA, os nazis obtiveram mais votos nas eleições de
1933, passando de 33% para 44%. A 23 de março, o Reichstag elegeu
Hitler para os poderes plenos, contra os votos da bancada do SPD,
mas com o apoio do Zentrum católico. A 2 de maio, os sindicatos são
dissolvidos e os seus bens confiscados. A 14 de julho (aniversário da
Revolução Francesa), os partidos políticos são dissolvidos e o NSDAP
é proclamado “partido único” (KLEIN, 1970).
Com a morte do Presidente Hindenburg, Hitler começou a
reforçar estes poderes, bem como as funções da chancelaria. Os poderes
plenos, que permitiam a violação da Constituição, foram renovados
em 1934 e 1937: o juramento de fidelidade ao Führer tornou-se
obrigatório para todos os funcionários públicos, incluindo os ministros.
Em seguida, o Landstag (assembleias) e o Reichrat (conselhos do
Reich) foram suprimidos: a lei Gleichhaltung combinou as leis dos
estados com as do Reich. Os Staatshalter substituíram os governos
dos Länder (estados), os presidentes de câmara foram nomeados pelo
poder executivo, aplicando-se a mesma regra ao presidente da câmara
municipal. O NSDAP, como partido, também tinha uma organização
centralizada: 32 Gaulen (distritos), chefiados por um Gauleiter,
divididos em círculos, grupos, células e blocos. Desenvolveram-se
organizações paralelas, como a Hitlerjugend (juventude pró-Hitler),
as corporações de estudantes, professores e advogados. As SA foram
praticamente destruídas após a “noite dos longos punhais” (junho de
1934), quando Hitler assassinou os seus próprios líderes, incluindo
Ernst Röhm. Em troca, concedeu privilégios às SS, chefiadas por
Himmler, inicialmente apenas um guarda-costas de Hitler: 200.000
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
homens em 1936, com unidades “de missão interna” (em campos de
concentração) e unidades militares de elite das Waffen SS. As SS eram
um corpo especial de polícia, chefiado por Heydrich, que se ocupava
da própria polícia do Reich (KERSHAW, 1985[2000]).
A polícia foi reorganizada: a contraespionagem (Abwehr) com
Canari, a segurança, a polícia criminal, a polícia secreta do Estado (a
Gestapo). Os campos de concentração nascem e crescem rapidamente:
eram “apenas” 50 sob o controle das SA, mas aumentam para 100
nas mãos das SS em 1939, célebres por seus três campos desde essa
época: Dachau, Buchenwald e Sachsenhausen. Tinham um milhão
de prisioneiros (inicialmente opositores políticos, mas rapidamente
também judeus, ciganos, homossexuais...) sob as ordens dos Kapos.
Fato gritante: os campos forneciam uma enorme mão de obra gratuita
a grande indústria privada (Krupp, Mercedes Benz, Volkswagen,
Thyssen). O trabalho de um homem custava 70 centavos por dia
e produzia o equivalente a 6 marcos (a taxa média de lucro e de
acumulação de capital aumentava então geometricamente).
A Justiça perdeu toda a autonomia, sendo parcialmente
substituída pelos “tribunais populares”. O ministro da propaganda
(Goebbels) controlava os meios de comunicação, a edição de livros,
a rádio, o cinema, os setores que tratavam da “limpeza” das massas.
Os “criadores” e os jornalistas recebiam instruções precisas: as
bibliotecas sofriam razias (só a 10 de maio de 1933, foram queimados
20.000 volumes). Também na educação se assiste a uma “purga”
dantesca: racismo, revisão dos textos e manuais escolares, orientações
para alunos e professores nas corporações. As organizações juvenis
começaram a incluir crianças a partir dos oito anos, e em breve a lei
começou a autorizar a esterilização de certos indivíduos ou grupos.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
465
Os bens dos sindicatos passaram para a “Frente do Trabalho”,
dirigida por Robert Ley. A filiação na “Frente” era obrigatória para os
sindicatos. Em janeiro de 1934, foi publicada a “lei sobre a organização
nacional do trabalho”. A “Frente” estava dividida em 22 grupos. Os
sindicatos deviam ser os instrumentos da política social do regime.
Os locais de trabalho deviam eleger “delegados” a partir de uma lista
apresentada pelo diretor. As greves são proibidas: os “tribunais de
trabalho” começam a aplicar sanções e introduzem o “serviço laboral”
durante um ano, para ambos os sexos. Os tempos livres são igualmente
organizados pelo KDF (“Força pela Alegria”) (FREI, 1993).
Hjalmar Schacht, o homem do grande capital, foi novamente
nomeado ministro das Finanças (1934-37). Uma década antes tinha
tido a responsabilidade econômica na República de Weimar, depois foi
ministro sem pasta até 1943. Apoiou a retomada da produção com o
bloqueio dos capitais estrangeiros, “a substituição das importações”, e
uma política de crédito a curto prazo. Desenvolveu também uma política
de grandes obras públicas, que absorveu uma enorme quantidade
de desempregados. Os salários, no entanto, foram congelados. A
concentração de capitais revelou um favoritismo maciço, com o
Estado a assumir os sectores não rentáveis da base, nomeadamente
para a indústria de armamento: aço, metal (as Hermann Goering
Werke). Verificou-se também um êxodo rural devido aos incentivos à
produção agrícola, bem como à restauração das multas e dos castigos
corporais nos campos, aos salários em gêneros e ao fornecimento de
mão de obra (Serviço Laboral).
A produção aumentou rapidamente de um índice de 100 em
1932 para 225 em 1939 (duplicando em menos de 7 anos) com uma
“inflação controlada”. Para a controlar, foi satisfeita a procura crescente
466
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de produção de armas (prelúdio, de fato, da guerra de conquista). Os
monopólios foram então reforçados: os lucros cresceram 250%, mas
os preços só aumentaram 25%. Os salários reais tiveram de baixar:
a juventude, que já não estava desempregada foi forçada a trabalhar
obrigatoriamente. O programa “anticapitalista” original limitouse à expropriação dos capitalistas... judeus (para encorajar outros
capitalistas, “arianos”) e à nacionalização das indústrias deficitárias,
essenciais para o rearmamento da Alemanha (BETTELHEIM, 1971).
Os contemporâneos de Trotsky admiravam a sua análise da
ascensão do nazismo, que foi amplamente difundida devido à sua
extraordinária lucidez, mas poucos se apercebem de que ela se inseria
num corpus teórico geral sobre a época histórica em questão, a “época
da revolução permanente”. Qualquer teoria da revolução é também
uma teoria da contrarrevolução. Trotsky descreveu precisamente as
consequências, para a sociedade humana e para a civilização, da nova
etapa imperialista do capitalismo, definida por Lenin em 1916, quando
a Primeira Guerra Mundial estava em pleno desenvolvimento, como
uma “época de guerras e revoluções”, uma “época de reação em toda
a linha”. Síntese de Trotsky:
“A guerra eclodiu com uma série de convulsões,
crises, catástrofes, epidemias e bestialidades. A
vida econômica da humanidade caiu num impasse.
Os antagonismos de classe tornaram-se agudos
e nus. As válvulas de segurança da democracia
começaram a explodir umas atrás das outras. Os
preceitos morais elementares pareciam ainda mais
frágeis do que as instituições democráticas e as
ilusões reformistas. A mendacidade, a calúnia,
o suborno, a venalidade, a coação, o assassínio
atingiram dimensões sem precedentes. Para um
simplório atónito, todos estes dissabores parecem
um resultado temporário da guerra. Na verdade,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
467
são manifestações do declínio imperialista. A
decadência do capitalismo denota a decadência da
sociedade contemporânea com o seu direito e a sua
moral.” (TROTSKY, 1973).
A transformação do “regime relativamente reacionário” de
concorrência aberta num “regime absolutamente reacionário” de
monopólio, privou a expansão global do capital de qualquer vestígio
histórico progressivo, com consequências desastrosas para os países
mais atrasados:
“Ao mesmo tempo que destrói a democracia nos
velhos países-mãe do capital, o imperialismo
impede a ascensão da democracia nos países
atrasados. O fato de, na nova época, nem uma
única colônia ou semicolônia ter consumado a sua
revolução democrática - sobretudo no domínio
das relações agrárias - deve-se inteiramente ao
imperialismo, que se tornou a principal trava
do progresso econômico e político. Pilhando as
riquezas naturais dos países atrasados e impedindo
deliberadamente o seu desenvolvimento industrial
autônomo, os magnatas monopolistas e os seus
governos apoiam simultaneamente financeira,
política e militarmente os grupos de exploradores
nativos mais reacionários, parasitários e
semifeudais. A barbárie agrária artificialmente
preservada é hoje a praga mais sinistra da economia
mundial contemporânea. A luta dos povos coloniais
pela sua libertação, ultrapassando as etapas
intermediárias, transforma-se necessariamente
numa luta contra o imperialismo, e alinha-se
assim com a luta do proletariado nos paísesmães. As revoltas e guerras coloniais, por sua vez,
abalam mais do que nunca os alicerces do mundo
capitalista e tornam menos do que nunca possível o
milagre da sua regeneração.” (TROTSKY, 1939).
468
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Para analisar as consequências políticas da nova era, marcada
pela guerra mundial e pela crise geral do capitalismo em 1929,
Trotsky teve de desenvolver ainda mais a teoria do desenvolvimento
desigual do capitalismo e, tal como da primeira vez que elaborou a
“revolução permanente”, confrontou-se novamente com Marx que,
segundo Trotsky, “retratou de forma demasiado unilateral o processo
de liquidação das classes intermédias, como uma proletarização em
massa do artesanato, dos pequenos ofícios e do campesinato”. A crise
capitalista, a era dos monopólios, teve, no entanto, consequências
imprevistas: “O capitalismo arruinou a pequena burguesia a um ritmo
muito mais rápido do que a proletarizou. Além disso, o Estado burguês
há muito que orienta a sua política consciente para a manutenção
artificial dos estratos pequeno-burgueses”. As consequências políticas
deste processo de contrarrevolução contemporânea eram enormes:
“Se o proletariado, por uma razão ou por outra,
se revela incapaz de derrubar com um golpe
audacioso a ordem burguesa ultrapassada, então
o capital financeiro, na luta para manter o seu
domínio instável, não pode fazer mais do que
transformar a pequena burguesia arruinada e
desmoralizada por ele no exército de pogrom
do fascismo. A degeneração burguesa da socialdemocracia e a degeneração fascista da pequena
burguesia estão interligadas como causa e efeito.”
(TROTSKY, 1938).
No entanto, “causa e efeito” não significam que a socialdemocracia e o nazismo fossem “gêmeos”, uma ideia que serviu à
Internacional Comunista como base para a teoria do “social-fascismo”,
negando qualquer possibilidade de unidade proletária e de vitória
contra o nazifascismo. Enquanto os partidos comunistas “stalinizados”
consideravam a vitória nazi como um “mal menor”, Trotsky já tinha
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
469
alertado para a terrível originalidade do novo tipo de contrarrevolução
em 1932: O fascismo:
“põe de pé as classes que estão imediatamente
acima do proletariado e que temem ser forçadas a
descer às suas fileiras; organiza-as e militariza-as
à custa do capital financeiro, sob a cobertura do
governo oficial (...). O fascismo não é apenas um
sistema de represálias, de força brutal e de terror
policial. O fascismo é um sistema governamental
particular baseado no desenraizamento de todos
os elementos da democracia proletária dentro da
sociedade burguesa.” (TROTSKY, 1932).
A sua natureza revolucionária de base teria levado Trotsky, em
todo o caso, a opor-se à política estalinista antes do levantamento nazi,
mas não se limitou a isso, graças à sua compreensão teórica centrada
no fenómeno. Isto levou Perry Anderson a dizer com admiração:
“Isolado numa ilha turca, escreveu, a uma certa
distância dos acontecimentos, uma sequência de
textos sobre a ascensão do nazismo na Alemanha,
como estudos de uma política específica. Eles
têm uma qualidade inigualável em toda a gama
do materialismo histórico. O próprio Lenin nunca
produziu qualquer trabalho de profundidade e
complexidade comparáveis neste domínio. De fato,
os escritos de Trotsky sobre o fascismo alemão são
as primeiras verdadeiras análises marxistas de um
Estado capitalista do século XX - o estabelecimento
da ditadura nazi”. (ANDERSON, 1976)
Trotsky não tinha qualquer confusão, e muito menos qualquer
fascínio pela máquina de símbolos e cerimônias que rodeava o mito
do Führer:
“No início da sua carreira política, Hitler destacavase apenas pelo seu grande temperamento, uma voz
muito mais alta do que as outras e uma mediocridade
470
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
intelectual muito mais segura de si. Não trouxe para
o movimento nenhum programa já pronto, se não
se tiver em conta a sede de vingança do soldado
insultado. (...) Havia no país muita gente arruinada
e afogada, com cicatrizes e nódoas negras recentes.
Todos eles queriam bater com os punhos na mesa.
Isso Hitler sabia fazer melhor do que os outros. É
verdade que ele não sabia como curar o mal. Mas
os seus discursos ressoavam, ora como ordens, ora
como preces dirigidas ao destino inexorável. As
classes condenadas, como as fatalmente doentes,
nunca se cansam de fazer variações das suas
queixas nem de ouvir consolações. Os discursos de
Hitler estavam todos sintonizados com este tom.
A falta de forma sentimental, a ausência de um
pensamento disciplinado, a ignorância e a erudição
espalhafatosa - todos estes pontos negativos
se transformaram em pontos positivos. (...) O
fascismo abriu as profundezas da sociedade para
a política. Hoje, não só nas casas dos camponeses,
mas também nos arranha-céus das cidades, vive ao
lado do século XX o século X ou o século XIII.”
(TROTSKY, 1933).
Em última análise, a contrarrevolução capitalista e a
contrarrevolução do “Estado Operário” (a URSS stalinista)
responderam ao mesmo padrão totalitário típico das necessidades de
defesa do capital global no seu período de decadência:
“A ‘síntese’ da torpeza imperialista é o fascismo,
diretamente gerado pela falência da democracia
burguesa perante os problemas da época
imperialista. Restos de democracia continuam a
existir apenas nas aristocracias capitalistas ricas:
por cada ‘democrata’ em Inglaterra, França,
Holanda, Bélgica há um certo número de escravos
coloniais; as ‘60 Famílias’ dominam a democracia
dos Estados Unidos, e assim por diante. Além disso,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
471
os rebentos do fascismo crescem rapidamente em
todas as democracias. O stalinismo, por sua vez, é
o produto da pressão imperialista sobre um Estado
operário atrasado e isolado, um complemento
simétrico, no seu próprio gênero, do fascismo.”
(TROTSKY, 1938).
Muito antes do nascimento da “semiologia”, Trotsky advertia:
“Se o caminho para o céu é pavimentado com boas intenções, então as
avenidas do Terceiro Reich são pavimentadas com símbolos”, porque
“nem todo pequeno-burguês exasperado poderia ter se tornado Hitler,
mas uma partícula de Hitler está alojada em todo pequeno-burguês
exasperado” (TROTSKY, 1933). Trotsky não só previu o nazismo, nos
seus traços essenciais e nas suas piores consequências, mas também o
desmistificou na mesma análise. Ao fazê-lo, Trotsky não só ajudou a
salvar a falência completa da teoria marxista nos “tempos sombrios”,
como refere Perry Anderson, mas talvez também a salvar simplesmente
o processo de pensamento social, face à barbárie consumada nos
berços da civilização ocidental.
A evolução da URSS na década de 1930, por sua vez, parecia
complementar simetricamente a tendência para o Estado totalitário que
caracterizava o mundo capitalista imerso na crise econômica mundial,
tendo como principal consequência o crescente intervencionismo
estatal “keynesiano”. Diz-se que teria sido possível imaginar outra
história da URSS nos anos 30, se o mundo capitalista não estivesse
em crise. Nessa altura, poderiam dedicar tempo a hostilizar o
regime soviético, mas isso não foi possível devido aos seus próprios
problemas nesse período. Do mesmo modo, não é difícil imaginar o
destino do capitalismo em crise, com as suas massas desempregadas
e esfomeadas, se a URSS tivesse sido uma força revolucionária e um
472
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
exemplo internacional, não pela propaganda, mas pela realidade do seu
desenvolvimento econômico e social. De fato, nos anos 30, a URSS e
o mundo capitalista estavam em equilíbrio devido às suas dificuldades
internas: mais uma prova da unidade orgânica e da interdependência
de todos os setores do mundo contemporâneo, bem como da tendência
real para a unificação do seu ritmo histórico.
É precisamente por estas razões, e tendo como pano de fundo
a vitória internacional do fascismo (ou seja, a derrota da revolução
proletária na Europa), que Trotsky apreciou a atitude dos trabalhadores
perante a burocracia soviética durante este período:
“Não é preciso duvidar que a esmagadora maioria
dos trabalhadores soviéticos está insatisfeita
com a burocracia e que uma parte considerável,
de modo algum a pior, a odeia. No entanto, não
é simplesmente devido à repressão que esta
insatisfação não assume formas violentas de massa;
os trabalhadores temem que eles vão limpar o
campo para o inimigo de classe se eles derrubarem
a burocracia. As inter-relações entre a burocracia
e a classe operária são, na realidade, muito mais
complexas do que parecem aos ‘democratas’
espumosos. Os operários soviéticos teriam
acertado contas com o despotismo do aparelho se
outras perspectivas se tivessem aberto diante deles,
se o horizonte ocidental não tivesse ardido com a
cor castanha do fascismo, mas com o vermelho
da revolução. Enquanto isso não acontecer, o
proletariado suporta (‘tolera’) a burocracia e,
nesse sentido, reconhece-a como portadora da
ditadura proletária. Numa conversa de coração
para coração, nenhum trabalhador soviético se
pouparia a palavras fortes dirigidas à burocracia
stalinista. Mas nem um só deles admitiria que a
contrarrevolução já teve lugar.” (TROTSKY, 1980).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
473
A URSS de Stalin tornou-se um país industrial, não só com
indústrias pesadas, mas também onde a indústria de bens de consumo
começou a ser negligenciada. As principais consequências seriam:
ritmo acelerado de urbanização, crescimento da burocracia, salários
diferenciados em nome da “emulação socialista”, severidade da
disciplina no trabalho. Estes fatores enfraqueceram completamente
o sistema “socialista”, pelo menos no significado histórico que este
termo já tinha adquirido.
A nível internacional, a política ultraesquerdista do stalinismo
começou com uma revolta falhada em Guangzhou, na China, em
1927. Em seguida, a política do KPD alemão (denúncia do “socialfascismo”, oposição a uma frente única dos partidos operários contra
o fascismo) é levada a cabo em todos os países: cria “sindicatos
vermelhos” que organizam setores diretamente influenciados pelos
partidos comunistas, proclama o “colapso iminente do capitalismo” e
acelera as aventuras sob todas as formas. O resultado foi dramático:
as organizações populares controladas pelos partidos comunistas
afundaram-se: a CGTU na França, a Trade Union Unity League
(TUUL) nos Estados Unidos, o National Minority Movement (NMM)
em Inglaterra. Nos Balcãs, as alas juvenis dos partidos comunistas
foram quase exterminadas. Na Europa Ocidental, tornaram-se uma
espécie de seita: foi o que aconteceu na Bélgica, na Inglaterra, na
Espanha (onde várias outras organizações comunistas eram mais
fortes do que o PC), na França (onde o PCF tinha 25.000 membros em
1933, um quarto da sua força na segunda metade da década de 1920).
Nos países “periféricos”, o nacionalismo e os movimentos pródemocracia (por exemplo, o APRA peruano ou a UCR argentina) foram
classificados como “fascistas”, o que isolou e enfraqueceu os partidos
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
comunistas “coloniais”. A Internacional Comunista foi reduzida a
600.000 membros, excluindo o PCUS: os seus partidos tornaram-se
“monolíticos”, como Stalin queria, com dirigentes “incondicionais”
que aceitavam tudo o que vinha “de cima”, incluindo as explicações
para as derrotas mais incríveis. “Monolíticos”, mas incapazes de
articular uma resposta revolucionária, no seu conjunto, à crise do
capitalismo dos anos 30. Era evidente que os dirigentes da URSS
temiam os movimentos revolucionários no estrangeiro, que poderiam
desestabilizá-los. Por isso, a “esquerda” contemporânea que emergia na
socialdemocracia ocidental e no nacionalismo da “periferia” foi pouco
influenciada pelos partidos comunistas (apesar dos congressos “antiimperialistas” mundiais, como o celebrado em Frankfurt e presidido
por William Münzenberg, ou os congressos “contra o fascismo”).
Em contrapartida, o capitalismo mundial parecia ter renunciado
momentaneamente à sua intervenção direta na URSS (intervenção
iniciada após a ruptura diplomática anglo-russa de 1927), pelo menos
até à consolidação da Alemanha nazista. Desde 1933, Trotsky descrevia
Hitler como o “super-Wrangel” (nome do general russo, chefe do
campo “branco” da guerra civil de 1918-1921) e como “ponta de lança
do imperialismo mundial”. Os dirigentes stalinistas descreveram então
Trotsky como “social-fascista”, “belicista”, visivelmente ansioso por
conseguir um status quo com o “novo regime” alemão.
Simultaneamente, uma série de “revoluções palacianas” na
URSS fracassam, indicando, no entanto, a fragilidade crescente
da posição de Stalin na URSS: em 1931, os “casos” de Syrtsov e
Lominadzé, acusados de formarem um “bloco antipartido” (os dois
dirigentes acusavam os líderes do partido de “tratarem os operários
e os camponeses como os Barins”) são expulsos do CC. Em 1932,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
475
ocorreu o “caso Ryutin”, que se refere ao dirigente que apelou à
descoletivização, à reintegração dos membros expulsos do partido
e à destituição de Stalin (quando isto foi descoberto, Ryutin foi
expulso do partido, tal como Zinoviev e Kamenev). Muitas pessoas
também foram presas, mas o Bureau Político recusou-se a executá-las,
conforme o desejo de Stalin). Em 1933, ocorreu o menos conhecido
“caso Smirnov”. Os intelectuais foram massivamente expurgados e a
mulher de Stalin suicidou-se.
A “resistência” à brutalidade de Stalin no próprio Comité Central
do PCUS tinha elevado o estatuto de Sergei Kirov. Ele desempenhava
o papel de “conciliador”. Estas reações no partido e no aparelho de
Estado mostram que a própria burocracia estava consciente e temia o
“espírito opositor” que prevalecia em vastas camadas da população.
Isso era particularmente evidente na juventude, que rejeitava o
stakhanovismo, que se traduzia numa espécie de sistema de trabalho
para alguns, ou numa produção mínima, em nome da “emulação”. No
entanto, os burocratas que se opunham a Stalin também tinham medo
de o destruir: alguns deles tinham certamente pensado que isso iria
encorajar a direita e conduzir a uma contrarrevolução.
No início de 1934, o XXVII Congresso do PCUS estabeleceu
o espírito da maioria: foi aceita uma autocrítica de antigos opositores
relativamente “dignos” (Zinoviev, Bukharin, Lominadzé), foi
concedido um estatuto legal aos kolkhozianos, os Kulaks perseguidos
foram perdoados, a GPU foi reorganizada (transformou-se em NKVD)
sob o controle de um “Comissariado (Ministério) dos Assuntos
Internos”. No entanto, foi uma calmaria antes da tempestade, ou seja,
do grande conflito que se estava a formar no próprio Congresso. Os
secretários regionais pediram a Kirov que se candidatasse ao lugar de
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
secretário-geral (Kirov recusou). 270 delegados votaram contra Stalin,
que foi eleito para o CC na última posição, segundo Roy Medvedev. Os
delegados cercaram Kirov, que considerou que era necessário aplicar
o desejo de Lenin (de destituir Stalin do cargo de Secretário-Geral e
da sua posição de liderança). Roy Medvedev também confirma que,
durante o Congresso, teve lugar uma reunião de secretários regionais
do PCUS, dedicada à causa da substituição de Stalin. Alguns deles
- incluindo Anastas Mikoyan, o georgiano Ordjonikidzé, Petrovsky,
Orachenlanchvili - receberam instruções para pressionar Kirov a
candidatar-se ao cargo de Secretário-Geral. Pela primeira e única vez
na “era estalinista”, formou-se um semi-consenso sobre a readmissão
dos opositores de Stalin no partido, com exceção de Trotsky, ou dos
trotskistas, bem como de Ivar Smirnov e dos seus amigos do “bloco
da oposição”.
O assassinato de Kirov, em dezembro de 1934, deve ser avaliado
à luz desta situação, bem como os julgamentos de Moscovo, em que
Trotsky era o principal acusado. Stalin, no meio de todas as dificuldades
do Congresso do PCUS de 1934, ainda não tinha nomeado os seus
“homens” (Kaganovitch, Ekhov e o jovem Malenkov) para posiçõeschave. Kirov foi claramente designado como “número 2”, promovido
ao cargo de “Secretário do Partido”: este foi o “compromisso” de 1934.
Onze meses depois, em 1 de dezembro de 1934, Kirov foi assassinado
por um jovem comunista, Nikolaiev. Foi desencadeada uma rápida
e espetacular repressão em massa, com leis partidárias. Milhares de
pessoas foram deportadas para a Sibéria (transportadas nos chamados
“comboios Kirov”), todas “suspeitas” de conspiração para assassinar...
Kirov. Nikolaiev, julgado à porta fechada, foi executado. A repressão
em massa terminou com a “sociedade dos velhos bolcheviques”. Os
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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trotskistas passaram a ser chamados de “assassinos” (KNIGHT, 2000).
Nessa altura, Trotsky indicou que o assassinato de Kirov
foi “facilitado”, se não mesmo organizado, pelo NKVD. Ele foi o
pretexto para os “Julgamentos” que acabaram com toda a velha guarda
bolchevique. No entanto, para além dos julgamentos públicos (que
eram apenas a ponta do iceberg), havia os processos “à porta fechada”,
que se deviam, sem dúvida, à incapacidade de extrair confissões dos
acusados. Em junho de 1937, teve lugar a condenação e execução dos
chefes do Exército Vermelho, como veremos mais adiante, matando
os seus chefes, o marechal Tukhachevski e o general Piotr Iakir, em
julho de 1937; o julgamento, condenação e execução dos dirigentes
do Partido Comunista da Geórgia (Mdivani e Okudjava) em dezembro
de 1937, a continuação do mesmo, com a condenação e execução
de Enukidzé. Em 1938, com as execuções em massa de opositores
de esquerda em pelotões de fuzilamento na Sibéria, a Ekhovtchina
stalinista (nome do chefe do NKVD, Ekhov) ficou completa. Com
os massacres da década de 1930, Stalin superou a crise política
imediatamente anterior (MEDVEDEV, 1971): 270 delegados votaram
contra Stalin no XVII Congresso do PCUS (eleito para o CC na última
posição entre os eleitos) tentando substituí-lo, o que constituiu o
motivo político imediato para os Julgamentos de Moscou. Na grande
purga, para além da velha guarda bolchevique remanescente, foram
executados 98 dos 117 membros do Comité Central eleitos em 1934,
1108 delegados dos 1966 delegados ao 17º Congresso, 4 membros do
Bureau Político e 3 dos 5 membros do Bureau de Organização.
O massacre incluiu todos os antigos opositores e as suas
famílias, 90% dos oficiais superiores do Exército Vermelho, todos
os dirigentes da polícia política que precedeu Ekhov, a maioria dos
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
refugiados comunistas estrangeiros na URSS (no total, houve 4 a 5
milhões de prisões, um soviético foi preso por cada 17 detidos e um
foi executado por 85) (SORLIN, 1964). Paralelamente, a tendência
burocrática para destruir as conquistas de outubro, antecipada por
Trotsky, era visível em medidas como a eliminação do direito ao aborto
e ao ensino superior gratuito. A “decapitação” do Exército Vermelho
teve uma importância imediata para o destino da URSS: em junho
de 1937, o Marechal Tukhachevsky, Vice-Ministro da Defesa, foi
enviado para um julgamento secreto, condenado à morte e executado
quarenta e oito horas depois, com outros sete generais que formavam
a nata do Exército Vermelho. Havia alguns dias, o General Gamalrik,
Comissário Geral do Exército, tinha-se “suicidado”. Os generais foram
acusados de espionagem a favor da Alemanha nazista e de conspirar
com Hitler para promover uma derrota soviética. Os acusados eram
todos heróis da guerra civil: Iakir, comandante de Leningrado;
Uborevich, comandante da frente ocidental; Kork, comandante da
Academia Militar; e Primakov, chefe da cavalaria. Poucos dias depois,
Voroshilov, marechal stalinista e ministro da Defesa, acusou-os de
conluio com Trotsky. “O Exército Vermelho foi decapitado”, disse
Trotsky, comentando as execuções. Os soldados foram treinados
com ele durante a guerra civil e, sem ter qualquer afinidade política
particular com eles, considerou-os os melhores exemplos do Exército
Vermelho e, de longe, os mais populares e capazes.
O julgamento dos generais foi, no entanto, apenas a parte visível
de uma espantosa purga que desintegrou as Forças Armadas soviéticas.
Em agosto de 1937, segundo Leopold Trepper (criador da rede de
informação soviética durante a Segunda Guerra Mundial, conhecida
como Orquestra Vermelha), “Stalin reuniu-se com os líderes políticos
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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do Exército para preparar a purga dos ‘inimigos do povo’ que pudessem
existir nas forças armadas. Foi o sinal para o início dos massacres:
13 dos 19 comandantes do Exército, 110 dos 130 comandantes de
divisão e de brigada, os chefes de metade dos regimentos e a maioria
dos comissários políticos foram executados. Assim desintegrado, o
Exército Vermelho esteve fora da cena de combate durante alguns
anos”. Calcula-se que mais de 35.000 oficiais tenham sido mortos. Os
quatro marechais que subscreveram as acusações contra Tukhachevsky
também foram rapidamente liquidados. A “purga” também se infiltrou
na Internacional Comunista: os dirigentes de vários partidos comunistas
foram eliminados. Trepper (de origem polonesa) afirma que, quando
era estudante na Universidade para Estrangeiros em Moscou, 90% dos
militantes comunistas de origem estrangeira que viviam em Moscou
morreram.
O confronto entre Stalin, a GPU (NKVD) e o Exército Vermelho
era inevitável na situação criada pelos “julgamentos”. Em 1937, os
comandantes do Exército Vermelho eram formados por oficiais que
tinham combatido na guerra civil, a maior parte deles sob o comando
de Trotsky, fundador do Exército Vermelho. Mesmo que não fosse uma
oposição, a crise permanecia latente. Os chefes do exército dispunham
de uma autonomia relativa e não estavam sob a alçada de Stalin. A
sua popularidade era enorme, nomeadamente a de Tukhachevsky,
reconhecido mundialmente como aquele que modernizou o Exército
Vermelho e o colocou num nível técnico e estratégico muito elevado
(mecanização, esquadrões, etc.). Tukhachevsky e outros comandantes
do Exército Vermelho observavam ansiosamente os desenvolvimentos
na Alemanha nazista e pressentiam um conflito militar inevitável
com esta. Embora Tukhachevsky e Kirov não fossem exatamente
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
comparáveis a Trotsky e Zinoviev como líderes políticos, o primeiro
tinha poder sobre o Exército e o segundo sobre a burocracia. Isto
tornava-os rivais potencialmente perigosos para Stalin.
Por ironia do destino, os chefes do Exército Vermelho, aqueles
que criticaram Stalin por preparar insuficientemente a URSS para
uma guerra inevitável com a Alemanha nazista, foram condenados
como espiões alemães, através de documentos falsos preparados pelos
próprios nazistas. As falsificações foram reveladas por Trepper, que foi
preso pela Gestapo durante a guerra como chefe da rede da Orquestra
Vermelha. O seu captor, Hermann Goering, disse-lhe que tinha forjado
documentos para acusar falsamente Heydrich, o comandante das SS.
Para o efeito, contou com o apoio de um antigo general do Exército
da Rússia Branca, Skoblin (que, na altura, trabalhava para o GPUNKVD), que se queixou de que Tukhachevsky estava a tramar uma
conspiração. Foram rapidamente reunidas provas falsas e o material foi
levado a Stalin através do governo da Frente Popular Checa, chefiado
por Benès. Após este “caso”, Hitler proclamou: “Neutralizamos a
Rússia durante dez anos”. A partir daí, podia preparar-se a conquista
da Checoslováquia e a guerra na sua frente ocidental.
As execuções enfraqueceram decisivamente o Exército
Vermelho e criaram as condições para o pacto entre Hitler e Stalin de
1939. Quando Hitler finalmente invadiu a Rússia em 1941, o Exército
Vermelho sofreu inicialmente terríveis derrotas e levou muitos meses
para se recuperar, à custa de milhões de mortos e prisioneiros. Os
novos comandantes, promovidos após a purga, eram visivelmente
subservientes ao grande líder (então chamado generalíssimo). O
massacre dos chefes do Exército Vermelho foi um fator não só de
enfraquecimento, mas também que pôs em questão a própria existência
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
481
de um Estado saído de uma revolução.
Em 1939, após o fracasso das negociações entre a URSS e
França-Inglaterra, Stalin assinou um pacto com Hitler, declarando o
seu apoio a um regime contrarrevolucionário alemão: “Não se tratava
apenas de um pacto de não agressão, mas de uma delimitação de
esferas de influência, de um acordo para dividir a Europa de Leste.
Stalin reconheceu que a guerra entre a Alemanha e o Ocidente era
inevitável” (NETTL, 1976). Além disso, o Pacto Hitler-Stalin (ou,
Pacto Molotov-Ribbentrop, nos nomes dos ministros dos Negócios
Estrangeiros que o assinaram) não era apenas político: as importações
soviéticas na Alemanha aumentaram (em termos de dois anos de pacto,
1939-1940) de 56,4 para 419,1 (milhões de rublos), e as exportações
de 61,6 para 736,5 (NOVE, 1990).
Ao mesmo tempo, Trotsky denunciou a ilusão stalinista de uma
neutralização duradoura da Alemanha através do pacto, estabelecendo
a inevitabilidade de uma invasão da URSS pelo nazismo de Hitler. Isto
foi reafirmado no seu último grande documento publicado em vida,
o Manifesto da Conferência de Emergência da Quarta Internacional
(maio de 1940, que antecipava a inevitabilidade e a iminência da
invasão alemã). Enquanto os analistas anunciavam a convergência
bem sucedida dos “totalitarismos fascista e comunista”, Trotsky
não perdia de vista a natureza diversa da base de classe de ambos os
Estados, as contradições sociais e as políticas nacionais envolvidas.
Aqueles que descrevem a vitória de Stalin sobre Trotsky como um
produto da sua superioridade em termos de realpolitik esquecem-se,
sem dúvida, do seguinte: a agressão nazista de julho de 1941 apanhou
de surpresa o “realista” Stalin. Não acreditava na sua iminência, apesar
dos relatórios da rede de espionagem soviética (TREPPER, 1975).
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Para resumir o período, quase todos os “revolucionários
profissionais” da era pré-revolucionária e da guerra civil, na sua
maioria compatriotas de Lenin, foram assassinados. Quanto ao partido,
foi usurpado por homens que tinham aderido no período stalinista. Isto
desencadeou as “carreiras” de Brejnev, Kossyguin, Gromyko, que se
juntaram aos “homens de Stalin” (Beria, Malenkov, Postrebychev).
Uma grande parte das conquistas sociais da revolução foi destruída
e registou-se um reforço sem precedentes da disciplina do trabalho.
Neste contexto, desenvolveu-se o “culto da personalidade” de
Stalin. Trotsky concluiu que, embora baseados em sistemas sociais
diferentes e opostos, o nazismo e o stalinismo são simetricamente
complementares, uma vez que ambos se desenvolveram no terreno
histórico da contrarrevolução global, na segunda metade dos anos
1920 e nos anos 1930.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
PARTE VII
ASPECTOS DA HISTÓRIA DA URSS
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
485
A atualidade do Novo Curso de Leon Trotsky1
Renato Fernandes2
O Novo Curso de Leon Trotsky é um conjunto de textos
publicados pelo autor na luta contra o burocratismo e os problemas que
se acumulavam no Partido Bolchevique após o período da revolução.
Os textos são do ano de 1923, porém refletem sobre as contradições
acumuladas após a vitória da Revolução, sendo uma parte em
relação aos problemas carregados do antigo aparelho czaristas, mas
principalmente pelas novas dificuldades encontradas na construção do
novo aparelho de Estado soviético.
Em suas lembranças, Trotsky afirmou que o “ano de 1923 foi
o primeiro de uma luta feroz, mas ainda desprovida de ruído, pelo
sufocamento e destruição do partido bolchevique” e essa luta, sobre a
capa da “luta contra o trotskismo”, era, na verdade, uma “luta contra a
herança ideológica de Lenin” que, por seus problemas de saúde, estava
sem condições de participar ativamente3 da luta contra os problemas
em que se encontrava o partido (TROTSKY, 2017, p. 551). Os textos
reunidos no Novo Curso podem ser considerados a primeira batalha
aberta de Trotsky para defender a herança ideológica de Lenin e lutar
contra a decomposição política do partido bolchevique e do que mais
tarde foi nomeado como stalinismo.
1 Esse texto é uma adaptação da apresentação realizada II Encontro Internacional
Leon Trotsky. A apresentação pode ser encontrada no YouTube do evento.
2 Professor de Ciências Políticas e Econômicas na FATEC Sumaré. Doutor em
Ciência Política e membro do Laboratório de Pensamento Político da Unicamp.
Contato: renatoferreirafernandes@gmail.com
3 Mesmo nessas condições, Lenin tentou contribuir com a luta contra a burocratização do partido durante os primeiros meses de 1923 (LEWIN, 2005).
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Apesar da importância do texto de Trotsky, a primeira edição
impressa dele em português só saiu em 2023, com cem anos de atraso4.
Essa é uma edição bastante completa contando com três seções:
a) uma primeira seção com os setes textos principais de Trotsky
no debate do Novo Curso que falam sobre o problema das gerações,
os problemas da burocracia, da economia, da questão camponesa,
entre outros – a maioria das edições, incluindo estrangeiras, considera
apenas estes textos com parte integrante do livro;
b) uma segunda seção com documentos internos do partido
bolchevique publicados no calor da luta, como a Declaração dos 46,
as duas cartas ao Comitê Central, entre outras, que demonstram como
a luta externa foi traduzida na luta interna pela direção do partido;
c) uma terceira seção de contextualização com textos de
Valentina Vilkova, Euclides Agrela e Max Shachtman que ajudam o
leitor a entender os processos sociais e políticos que envolviam a luta
pelo Novo Curso.
Nessa apresentação, mais do que debater o texto, quero propor
uma reflexão sobre a atualidade da obra: por que é importante, para
militantes, historiadores e cientistas sociais, lerem o Novo Curso
100 anos após a sua publicação? Vou tentar responder essa questão,
demonstrando dois pontos fortes e atuais da obra de Trotsky.
O Novo Curso é uma obra fundamental para entender a
degeneração do Partido Bolchevique
4 No mesmo ano foram lançadas duas edições: uma online pela FCM editora
com o título Curso Novo (disponível para download: https://acomunarevista.org/
wp-content/uploads/2023/03/livro_curso_novo_pdf_capas.pdf) e a edição da Usina
Editorial e Contrabando.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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Uma das questões mais clássicas frente a revolução russa é
entender como o processo de transformação revolucionária que tinha
o objetivo da emancipação da classe trabalhadora se transformou em
um processo de ditadura sobre a classe trabalhadora, isto é, como o
programa inicial do socialismo se transformou, principalmente após
os anos 1930, no stalinismo como regime de terror?
O Novo Curso é a primeira tentativa de resposta de Leon
Trotsky a esse problema – importante afirmar que ela não é a única
e que o revolucionário escreveu uma obra, em 1936, fundamental
para entender essa degeneração – A revolução traída (2005). Porém,
podemos dizer que O Novo Curso inaugura a reflexão de Trotsky sobre
o processo de degeneração da revolução. As principais preocupações
dele no livro foram sobre a criação do novo aparelho estatal e o problema
do burocratismo da velha guarda de militantes nesse aparelho.
A expressão “novo curso” é retirada por Trotsky das resoluções
adotadas pelo Comitê Central do Partido Bolchevique em dezembro
de 1923. Nessas se reconheceu os diversos problemas que existiam
no funcionamento do partido e que estes deveriam ser combatidos
pela direção – o debate já havia sido iniciado nas páginas do Pravda
com intervenções de Zinoviev, Bukharin, Preobrazhenski, entre outros
(BROUÉ, 2014, p. 179–184). Ao mesmo tempo que está ocorrendo
esse debate público no partido, há um combate no interior do partido
pela direção do mesmo, isto é, para onde deve caminhar o partido na
solução dos problemas.
Um dos pontos centrais da luta de Trotsky e da sua contribuição
nesse debate foi entender o processo de formação do fenômeno
burocrático no partido. Trotsky, em seu primeiro texto público na
polêmica, reconhece o importante papel que a velha guarda teve
488
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
para a revolução, afirmando que o partido só preservou seu caráter
revolucionário em razão dela (2023, p. 18). Porém, após a vitória na
Guerra Civil, é necessário compreender que “o partido como um todo
está para entrar em uma etapa histórica mais elevada” (ibidem, p. 19.
Grifos do autor) e que para isso, é fundamental reconhecer os problemas
e dificuldades para combatê-los. Dentro disso, o burocratismo aparece
como um elemento central que não pode ser reduzido a um pequeno
desvio ou uma questão secundária das províncias, mas que atravessa
toda a organização:
O burocratismo não é um traço fortuito de certas
organizações provinciais, mas um fenômeno
geral. Ele não passa da organização de distrito
para a central por meio da organização regional,
mas antes da organização central para a de
distrito por meio da organização regional. Não
é uma “sobrevivência” do período de guerra; é
o resultado da transferência para o partido dos
métodos e maneiras administrativas acumulados
nesses últimos anos. (TROTSKY, 2023, p. 21)
A intervenção de Trotsky busca compreender que a culpa pelos
métodos administrativos e militares não era dos indivíduos, mas era
parte de um processo social mais amplo e que tinha, na velha guarda,
uma materialização dessas práticas. Não era um resquício secundário
do período de guerra civil, mas uma permanência na prática das
relações sociais partidárias que atravessaram aquele período e que se
mantiveram após a vitória na Guerra Civil (1918-1921).
Compreender que a burocratização é um processo mais amplo,
mas que se materializa nas relações de funcionamento do partido é
importante para Trotsky. Segundo ele, os problemas principais que o
partido e a revolução enfrentavam eram: “Em última análise, a questão
será resolvida por dois grandes fatores de importância internacional:
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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o curso da revolução na Europa e a rapidez de nosso desenvolvimento
econômico” (ibidem, p. 29). Porém, isso não quer dizer que os
bolcheviques devem esperar que esses problemas se resolvam para
combater as questões internas do aparelho estatal e do partido, ao
contrário, é necessário rejeitar o fatalismo objetivista e subjetivista,
pois “nas mesmas condições internacionais, o partido irá resistir mais
ou menos às tendências de desorganização na medida em que está
mais ou menos consciente dos perigos e que combata esses perigos
com mais ou menos vigor” (ibidem).
O chamado a juventude do partido faz parte da necessidade de
ampliar a resistência do partido ao burocratismo: por mais que a base
social do partido esteja nas fábricas, na classe operária, é necessária
trazer a juventude, “sua mocidade e sensibilidade” para combater de
forma ativa os velhos hábitos enraizados no aparato, pois a “juventude
é nosso meio de corrigir a nós mesmos, nossos substitutos; o futuro
pertence a eles” (ibidem, p. 31).
Um terceiro debate importante em relação ao combate aos
problemas do partido é a questão dos agrupamentos temporários
como grupos e frações no interior da organização. A primeira questão
levantada por Trotsky é que esses tipos de agrupamentos não devem
ser vistos como problema em um partido centralizado, ao contrário,
qualquer partido que pretende envolver os militantes na elaboração
e debate das resoluções acabará por promover agrupamentos
temporários (ibidem, p. 36). Faz parte do próprio mecanismo do
centralismo democrático assumir esses agrupamentos como parte do
seu funcionamento. O problema aparece quando esses agrupamentos
temporários se transformam em agrupamentos permanentes. A
formação de agrupamentos permanentes, pela própria luta interna
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e externa, acabaria por ceder às pressões de classe que existem na
sociedade, inclusive materializando interesses contrários aos do
proletariado.
Porém, o que nos parece interessante no argumento de
Trotsky, é justamente a ideia de que a formação dos agrupamentos
temporários não reflete necessariamente as pressões de classe, isto
é, não existe uma correlação imediata. Pode existir, porém, não é de
uma forma essencialista e nem de maneira direta: “não deve haver
uma supersimplificação e vulgarização na compreensão da ideia de
que as diferenças do partido, e isso é ainda mais verdadeiro para os
agrupamentos, não são nada exceto uma luta pela influência de classes
antagônicas” (ibidem, p. 44) e acrescenta:
Frequentemente ocorre que o partido é capaz de
resolver o mesmo problema por meios diferentes,
e diferenças a respeito de quais desses meios são
os melhores, os mais úteis, os mais econômicos.
Essa diferenças podem, dependendo da questão,
abarcar consideráveis setores do partido, mas isso
não significa necessariamente que se têm duas
tendências de classe. (2023, p. 45)
Essa me parece uma questão bastante importante quando
pensamos nas polêmicas no interior das organizações de esquerda,
principalmente nas organizações trotskistas. Durante as polêmicas
internas nas organizações, muitas vezes, a caracterização de classe é
antecipada as próprias divergências (AGUENA, 2023, p. 121-132),
ignorando a pluralidade que o próprio Trotsky defendeu na questão
dos “meios diferentes” que podem existir para resolver um mesmo
problema.
Todas essas contribuições de Trotsky ajudam a explicar
o processo de degeneração por meio do burocratismo do partido
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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bolchevique e do Estado soviético. Logo após as revelações dos crimes
cometidos por stalinistas, diversos militantes e intelectuais comunistas
tentaram explicar os problemas ocorridos na URSS a partir do conceito
de culto à personalidade. O filósofo francês Louis Althusser fez um
ataque bastante forte a esse conceito como não marxista (o que temos
pleno acordo), porém, ao fazê-lo atacou a teoria trotskista igualando-a
às teorias burguesas anticomunistas no sentido que elas explicam por
redução aos indivíduos, os “desvios” políticos e teóricos ocorridos no
partido e no Estado (ALTHUSSER, 1978, p. 54–55). Nada mais longe
da explicação de Trotsky que via nos processos sociais à chave de
interpretação do fenômeno burocrático:
É indigno de um marxista considerar que o
burocratismo é apenas o agregado dos maus
hábitos detentores de cargos. O burocratismo é
um fenômeno social, isto é, um sistema definido
de homens e coisas. Sua causa profunda está na
heterogeneidade da sociedade, a diferença entre
os interesses cotidianos e fundamentais de vários
grupos da população. O burocratismo é complicado
pela falta de cultura das amplas massas. Conosco,
a fonte essencial do burocratismo reside na
necessidade de criar e sustentar um aparato
estatal que una os interesses do proletariado e do
campesinato em uma perfeita harmonia econômica,
da qual ainda estamos longe. A necessidade de
manter um exército permanente é igualmente outra
fonte importante do burocratismo. (TROTSKY,
2023, p. 54–55)
Dessa forma, nos parece que a contribuição de Trotsky, que
foi desenvolvida posteriormente em textos e livros, desenvolve um
bom caminho para compreender a burocratização e degeneração
da revolução russa, assim como seu combate. Por um lado, ela é o
492
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
resultado do isolamento da revolução combinada ao baixo nível de
desenvolvimento social e cultural das classes russas; por outro lado,
ela é fruto da adaptação das velhas guardas a práticas administrativas
mantidas do período de guerra, de forma a criar barreiras para a
participação dos mais jovens e a sufocar a democracia necessária para
o desenvolvimento do partido e do Estado soviético.
Tradição, dialética e contradição na construção do partido
bolchevique
É muito comum, entre militantes e historiadores, conceber a
história do partido bolchevique como um processo de luta entre as
correntes, desde os combates no interior da social-democracia, entre
bolcheviques e mencheviques, mas também a luta entre as diversas
frações no interior do bolchevismo, incluindo as diferentes polêmicas
na própria dinâmica da tomada do poder: o momento da tomada do
poder, a paz de Brest-Litovsk, a questão da militarização dos sindicatos,
a questão da NEP, da oposição operária, etc.
Porém, também é muito comum entre liberais e socialistas
(incluindo anarquistas) contrários à revolução russa, uma acusação de
que o partido bolchevique sempre foi um partido monolítico, que era
um partido com regras e normas burocráticas, de que o centralismo
era da direção sobre os militantes, que a base não tinha qualquer
peso ou participação nas decisões do partido, etc. Essa interpretação
inclusive se utiliza, muitas vezes, das críticas de Rosa Luxemburgo e
do jovem Trotsky. Essa caracterização, sem dúvida, ficou reforçada
após a vivência do partido quando o burocratismo enfim venceu a
batalha na URSS (BROUÉ, 2014, p. 285–300), isto é, na era stalinista.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
493
Apesar disso, essa não foi a realidade do partido ao longo de toda sua
trajetória.
Na batalha pelo novo curso, uma das questões que apareceu
em relação a história do partido foi a questão da tradição bolchevique.
Em determinado sentido, a reivindicação de uma tradição foi uma
manobra da burocracia, materializada na troika Stalin, Kamenev
e Zinoviev, para excluir Trotsky da “linhagem” bolchevique. E é,
com essa concepção, que o revolucionário vai polemizar ao falar da
tradição.
O primeiro questionamento de Trotsky é justamente se existe
uma tradição e o papel dessa na construção da organização. Para ele,
a defesa da tradição em geral se caracteriza como uma tendência
conservadora, no sentido, de que “a pressão automática de ontem
sobre hoje, a tradição representa uma força extremamente importante
a serviço dos partidos conservadores e profundamente hostil ao partido
revolucionário” (TROTSKY, 2023, p. 63). Essa parte é interessante, pois
poderíamos assimilar aqui uma ideia presente na teoria sociológica dos
partidos políticos de Robert Michels que é a de “quem diz organização,
diz tendência para oligarquia” (MICHELS, 2001, p. 54), isto é, de que
a própria organização pressiona ao conservadorismo e burocratismo.
Dessa forma, para essa teoria, a própria organização é conduzida
por suas leis internas a um processo de burocratização e adaptação à
ordem, inclusive os partidos revolucionários (FERNANDES, 2023). A
tradição, nesse sentido, nada mais é do que a pressão para a manutenção
do status quo da direção do partido.
Segundo o trotskista Nahuel Moreno, o problema da organização
é sempre complexo e encerra em si mesmo uma contradição aguda:
“Toda organização ou estrutura é conservadora, precisamente porque
494
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
tende a evitar que o que existe desapareça, destrua-se” (MORENO,
2021, p. 4. Tradução nossa). Essa estrutura conservadora que pressiona
a organização materializa, muitas vezes, na reivindicação de uma
tradição partidária. Porém, um partido que quer ser revolucionário,
quer transformar a sociedade, deve por si próprio, romper essas amarras
conservadoras da própria tradição. É por isso que a tradição de um
partido revolucionário deve ser inteiramente diferente da dos partidos
conservadores. Segundo Trotsky, a tradição do partido bolchevique
não está em um conjunto de fórmulas ou regras burocráticas de
funcionamento, mas sim na aplicação do método marxista a própria
realidade
Se tomarmos agora o partido bolchevique em
seu passado revolucionário e no período após
Outubro, reconheceremos que sua qualidade tática
fundamental mais preciosa foi sua capacidade
única de se orientar rapidamente, mudar de
táticas rapidamente, renovar seu arsenal e aplicar
novos métodos, em uma palavra, realizar giros
abruptos. (...) Não significa, naturalmente, que
nosso partido é completamente livre de certo
tradicionalismo conservador: um partido de
massas não pode ser idealmente livre. Mas sua
força e potência se manifestam no fato de que a
inércia, o tradicionalismo e a rotina se reduzam
a um mínimo por uma iniciativa tática perspicaz,
profundamente revolucionária, ao mesmo tempo
audaciosa e realista. (TROTSKY, 2023, p. 63)
A virada tática aparece para Trotsky como o ponto principal
da tradição histórica do bolchevismo. Não uma virada para qualquer
tática, logicamente, mas saber analisar a realidade para, a partir dela,
mudar a ação dos partidos para construir a melhor forma de atingir
as transformações revolucionárias. Se olharmos para a história do
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
495
bolchevismo, podemos pensar que essas viradas se materializaram
diversas vezes, como no boicote às eleições até acordos eleitorais com
setores burgueses democratas ou liberais, de lutar contra o imperialismo
a fazer acordos parciais com eles (como foi Brest-Litovsk), entre
outros. Nesse sentido, Trotsky está trabalhando com uma definição
de marxismo aberta, longe de qualquer esquematismo: “O marxismo
é um método de análise histórica, de orientação política, e não uma
massa de decisões preparadas de antemão.” (ibidem, p. 64). Sendo o
leninismo uma “aplicação desse método em condições de uma época
histórica excepcional” que é a época da revolução socialista (ibidem).
Essa compreensão de Trotsky vai muito além do debate
histórico contingente, e nos revela questões fundamentais da teoria
marxista. O que o revolucionário russo defende é que frente às
situações da luta de classes, os revolucionários não devem “buscar
na tradição e descobrir lá uma proposta inexistente, mas aproveitar
toda a experiência do partido e descobrir por si uma nova solução
adequada à situação e, fazendo isso, enriquecer a tradição” (ibidem, p.
65). Frente à tradição não buscar fórmulas, mas conhecimentos para
melhor enfrentar a situação concreta.
Essa tese de Trotsky sobre a tradição bolchevique tem
implicações práticas e gnosiológicas. A questão prática é que frente
a situação da luta de classes, os revolucionários devem se engajar,
mergulhar na realidade e procurar as forças e o caminho necessário
para a vitória, isto é, o caminho para levar as massas para a vitória.
Essa era a aposta política de Lenin e foi assim que ele chegou na
formulação das táticas vitoriosas de Outubro.
Por outro lado, está a questão da verdade, tema tão discutido
no marxismo. Se não existem fórmulas gerais, se a explicação não
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
pode ser feita por uma “referência formal ou uma citação acidental”,
isso significa que o método marxista ou a verdade do seu método é
“sempre concreta” (ibidem, p. 67). É por isso que Trotsky chama o
leninismo de “realismo”, isto é, “a mais elevada apreciação qualitativa
e quantitativa da realidade, do ponto de vista da ação revolucionária”
(ibidem). É um realismo da práxis que busca na determinação efetiva
das relações sociais, o caminho para a transformação revolucionária
da sociedade – a verdade é imanente ao desenvolvimento das relações
e não podem ser encaixotada na cor cinza da teoria.
Essas teses sobre a tradição revolucionária do bolchevismo,
transformando-a numa tradição anti-conservadora (o que podemos
afirmar que é uma contradição em termos) está unida diretamente a
luta de Trotsky pela democracia no partido: se a verdade é sempre
concreta, é necessária a discussão dos pontos de vistas diferentes,
não para a inação e inércia, mas para a melhor tomada de decisão
coletiva que permita que transforme o conjunto de ideias em ação no
movimento de massas. A tradição bolchevique é a da práxis no sentido
de assegurar a unidade entre prática e teoria, democracia e ação que é
a própria tradução do regime partidário do centralismo democrático.
Considerações finais
O livro O Novo Curso é um documento histórico importante
da luta pela transformação revolucionária socialista. Por um lado,
ele demonstra como, no processo de construção da URSS, Trotsky e
outros bolcheviques lutaram contra o burocratismo e a degeneração da
revolução. Por outro lado, ele apresenta teses novas para o marxismo
sobre a burocratização, o partido e considerações preciosas sobre o
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
497
próprio método marxista. São essas contribuições que buscamos
recuperar e que consideramos que tem validade ainda hoje.
É importante ressaltar que as duas contribuições que trouxe aqui
sobre o livro não são as únicas de Trotsky na obra. Existem importantes
discussões sobre a questão econômica, a questão camponesa, entre
outras. Acredito que algumas dessas compreensões são fundamentais
para entendermos os debates e problemas históricos, porém, há outras
que são importantes para refletirmos sobre a estratégia política atual
também. Porém, precisamos ler toda essa contribuição de Trotsky
utilizando a sua própria metodologia de compreensão da tradição:
devemos conhecer como foi a experiência e luta dos bolcheviques em
um momento chave da sua própria história, mas conhecer não para
repetir as fórmulas e o que está expresso na obra, e sim para ampliar o
nosso próprio repertório para atuar sobre a nossa atual situação da luta
de classes, aprendendo com a experiência do passado, mas orientandose para construção de um novo futuro, de um novo curso da história
das classes subalternas.
Referências bibliograficas
AGUENA, P et al. Coragem, confiança e esperança: Catatau,
presente!. São Paulo: Usina, 2023.
ALTHUSSER, L. Posições I. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
BROUÉ, P. O Partido Bolchevique. São Paulo: Sundermann, 2014.
FERNANDES, R. Gramsci crítico de Michels: intelectuais,
partidos, oligarquização. Curitiba: Appris, 2023.
LEWIN, M. Lenin’s Last Struggle. Michigan: University Press,
2005.
498
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
MICHELS, R. Por uma sociologia dos partidos políticos. Lisboa:
Antígona, 2001.
MORENO, N. Problemas de organización. Buenos Aires: Cehus,
2021.
TROTSKY, L. A revolução traída. São Paulo: Sundermann, 2005.
TROTSKY, L. Minha Vida. São Paulo: Usina, 2017.
TROTSKY, L. O Novo Curso. São Paulo: Usina / Contrabando, 2023.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
499
A Nova Política Econômica (NEP): debates sobre a lei do
valor e a transição ao socialismo
Seiji Seron Miyakawa1
O presente capítulo é uma transcrição ligeiramente adensada
da comunicação oral feita pelo autor destas linhas no Simpósio Temático 09 do II Encontro Internacional Leon Trótski.2 Tal comunicação baseou-se fundamentalmente na magistral tese de doutorado
de Jesus de Blas Ortega (1994), A formação do mecanismo econômico stalinista na antiga URSS e sua imposição na Europa oriental:
o caso da Hungria, lida e debatida com grande afinco, entre 2018 e
2019, no Grupo de Estudos de Planificação Econômica e Coletivismo
(GPPEC), do Laboratório de Economia Política e História Econômica
da Universidade de São Paulo (LEPHE-USP), Grupo este coordenado
pelo prof. Dr. Everaldo de Oliveira Andrade. O objeto de interesse de
Blas Ortega, evidente no título da tese, é a economia do Estado operário húngaro, instaurado após a Segunda Guerra Mundial. Todavia,
a necessidade de teoria e metodologia apropriadas para a intelecção
do funcionamento de uma economia não-capitalista, de transição ao
socialismo, fez com que Blas Ortega dedicasse toda a primeira metade
da sua tese, cuja extensão total se aproxima das 700 páginas, a uma
revisão minuciosa da experiência soviética, em especial, do período
da Nova Política Econômica (NEP, na sigla em russo) e dos debates
que esta suscitou nas fileiras do Partido Comunista da URSS nos anos
1 Mestrando em Desenvolvimento Econômico – Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). ORCID: 0009-0006-4384-7668. e-mail: seijism@outlook.com.
2 <https://www.youtube.com/watch?v=dMh_yL7QapQ>.
500
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
1920.
A comunicação dividiu-se em duas partes. A primeira apresenta, de maneira muito resumida, a diferença entre as orientações de política econômica propostas pela Oposição de Esquerda e pela direção
stalinizada do Partido no período de 1923 a 1927. Já a segunda concerne ao desenvolvimento de uma teoria da transição ao socialismo
como resultado destas disputas de orientação e, particularmente, sobre
o controverso destino da lei do valor em tal transição. O conteúdo do
capítulo também se beneficiou da leitura de A revolução traída (Trótski, 2023), referência incontornável de qualquer estudo sério acerca
da URSS, e que embasa a própria tese de Blas Ortega.
O debate sobre a NEP
Como se sabe, o fim da guerra civil russa, em 1921, é seguido
da substituição do “comunismo de guerra” – caracterizado, em grande
medida, pela requisição forçada da produção camponesa – pela NEP,
que reestabelece as relações de mercado entre a cidade e o campo,
a fim de garantir, por meio de incentivos comerciais-pecuniários, o
abastecimento de gêneros agrícolas da Rússia Soviética e, assim, permitir a recuperação dos níveis de produção do pré-Primeira Guerra
Mundial e o prosseguimento da industrialização do país. Em 1923,
aparecem as primeiras diferenças no Partido a respeito da condução
da NEP, no contexto do adoecimento de Lênin, do avanço do processo
de burocratização do Estado operário e da formação da Oposição de
Esquerda, no intuito de se contrapor a este processo. O deflagrador da
disputa, no âmbito econômico, foi a “crise das tesouras”, ou seja, o
encarecimento dos bens industriais em relação aos bens agrícolas de
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
501
tal modo que a trajetória de afastamento entre os preços dos dois tipos de bens descrevia graficamente uma tesoura cada vez mais aberta.
O diagnóstico das causas da crise feito pela Oposição e pela direção
stalinizada do Partido foram diametralmente opostos, assim como o
foram, portanto, as políticas prescritas para enfrentar a crise.
A “oposição” caracterizava a crise de 1923 como
um fenômeno provocado pela desproporção entre
a recuperação agrária e a industrial, o que gerava
uma escassez crônica de produtos industriais
e uma pressão para o seu encarecimento nas
redes comerciais varejistas, majoritariamente em
mãos privadas. A maior capacidade aquisitiva
(potencial) do campo não podia ser satisfeita pela
indústria. Por outro lado, os baixos preços de
compra dos produtos agrícolas por parte do Estado
[...] demoviam o campesinato de colocar seus
excedentes nos circuitos estatais, o que gerava
uma situação de escassez de produtos agrícolas,
ao mesmo tempo que, paradoxalmente, obtinhase uma boa colheita (Blas Ortega, 1994; p. 90-1
– tradução nossa).
Para a Oposição, a solução da crise exigia o aumento dos investimentos estatais na indústria, sobretudo, na indústria pesada, de
bens de capital, etc., aumento este que deveria ser financiado por meio
de uma tributação progressiva, que transferisse recursos do setor privado para o setor estatal-socialista da economia soviética. A direção
stalinizada, contudo, rejeitava qualquer medida que pudesse reduzir a
renda do campesinato, por atribuir as tesouras não à desproporcionalidade intersetorial, ou à baixa produtividade da indústria soviética, e
sim à superprodução, ou seja, a um excesso de oferta de bens industriais em relação à capacidade de absorção de tais bens pela demanda
camponesa. Este diagnóstico é, no mínimo, estranho, já que as típicas
502
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
crises de superprodução capitalistas ocasionam quedas, não aumentos,
de preços. Mas, como ressalta Bosch (s.d.), tal direção argumentava
que a superprodução da indústria soviética não se manifestava desta
forma típica porque a indústria estatal-socialista praticava preços de
monopólio. Contra a Oposição, a direção stalinizada defendia, portanto, a redução destes preços industriais de atacado3 e a contração
da oferta de crédito de modo a contribuir para a redução dos preços
também no varejo, obrigando as empresas a escoarem seus estoques
para se manterem líquidas; além de outras medidas visando a proteção do poder de compra dos camponeses contra possíveis pressões
inflacionárias, como a redução dos gastos públicos e a priorização de
importações de bens de consumo e de insumos para a indústria leve,
em detrimento das importações de bens de capital e de insumos para
a indústria pesada.
Blas Ortega classifica como “agrário-monetarista” ou “agro-monetarista” esta orientação econômica de subordinação do processo
de industrialização soviético ao ritmo de crescimento da acumulação
camponesa privada, que incluía ainda a liberalização do arrendamento
de terras e do emprego de mão de obra assalariada no campo. Duas
palavras de ordem conhecidas do período eram “camponeses, enriquecei-vos!” e “construir o socialismo a passo de tartaruga”, ambas
provenientes dos textos de Nikolai Bukhárin, à época, o principal teorizador da política econômica agrarista. Sob a prevalência desta política, duas outras crises de abastecimento resultantes desse desequilíbrio
3 Para a Oposição, esta forma de proceder era exatamente o contrário do que
ditava a racionalidade econômica: a redução dos preços deveria resultar de, e não
preceder, o ganho de produtividade. Ao invés de reduzir os preços no varejo, a redução administrativa dos preços de atacado apenas aumentaria as margens de lucro do
varejo privado em prejuízo da indústria estatal-socialista.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
503
da relação entre campo e cidade se seguirão à de 1923, em 1925 e
1927. A forma paliativa como as crises de 1923 e 1925 foram encaradas, sustentando o poder de compra camponês às custas da industrialização, resultou apenas na reprodução da crise, em 1925 e 1927,
em escala ampliada, por causa da crescente diferenciação socioeconômica do campesinato promovida pelas políticas agro-monetaristas.
Assim, o peso social adquirido pelos camponeses ricos, os cúlaques
(ou kulaks), era tão grande que o boicote à comercialização de grãos,
após uma colheita recorde, transformou-se em uma ameaça à própria
continuidade da URSS como um Estado operário, motivando a cisão
do bloco agro-monetarista e o giro para a industrialização acelerada
e a coletivização rural forçada, pouco tempo depois da expulsão da
Oposição de Esquerda do Partido – expulsão esta à qual a unidade do
bloco agro-monetarista, até então, encabeçado por Stálin e Bukhárin,
não resistirá. À essa ameaça interna, somavam-se as ameaças externas
representadas pelo triunfo contrarrevolucionário de Chiang Kai-Shek,
na China, e a ruptura das relações diplomáticas entre a Grã-Bretanha e
a URSS, sempre segundo Blas Ortega.
Na comunicação, abstivemo-nos de maiores considerações a
respeito desse giro. No entanto, é mister problematizar o entendimento de que, ao romper com os agraristas, encabeçados por Bukhárin,
Stálin estava, na prática, “adotando o programa econômico da Oposição”. Tal entendimento foi tido, inclusive, pelo principal economista
da Oposição de Esquerda, Ievguêni Preobrajenski, que, junto a outros
oposicionistas, irá capitular ao stalinismo, renunciando à Oposição no
intuito de ser readmitido no Partido.
Há ao menos três razões pelas quais esse entendimento é errôneo. Em primeiro lugar, o giro à coletivização e à industrialização foi
504
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
uma reação desesperada e improvisada às consequências desastrosas
da política agro-monetarista que o stalinismo havia levado adiante no
período anterior. Insistindo na industrialização, a Oposição pretendia
criar as condições técnico-materiais para um avanço gradual, progressivo, da coletivização. Na ausência destas condições e de uma preparação prévia ao giro, o colapso da produção agropecuária e a fome
foram as primeiras consequências, por demais conhecidas, da coletivização forçada. Em outras palavras, a premeditação e o gradualismo
distinguem a política da Oposição da que se implementou, a partir de
1928-9, sob Stálin. Em segundo lugar, a Oposição não preconizava a
completa abolição dos mecanismos de mercado nas circunstâncias da
URSS de então, caracterizada pelo parco desenvolvimento das forças
produtivas e pela dependência do mercado mundial. Como observa
Blas Ortega, a palavra de ordem da Oposição, neste sentido, era: superar a NEP pelos métodos da própria NEP. Em terceiro lugar, a democracia operária não era uma reivindicação secundária, acessória, muito
menos alheia ao programa econômico, da Oposição. Em uma economia planificada, a democracia desempenha um papel fundamental na
consecução e, sobretudo, na verificação e retificação do plano a partir
dos resultados aferidos. A inovação e a qualidade dos produtos, mais
do que o aumento extensivo da produção ou o cumprimento de metas
quantitativas, são problemas nos quais, “quanto mais longe for, mais
a economia tropeçará”, problemas estes que, ademais, “escapam das
mãos da burocracia como uma sombra”, e cuja resolução, portanto,
“supõe a democracia dos produtores e consumidores, a liberdade de
crítica e de iniciativa, coisas incompatíveis com o regime totalitário do
medo, da mentira e da bajulação” (Trótski, 2023; p. 235).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
505
Socialismo e lei do valor
A introdução aos Grundrisse4 (Marx, 2011) não admite nenhuma dúvida acerca do fato de que Marx se recusava a conceber a economia política como uma ciência das relações de produção humanas em
geral, em qualquer época, em qualquer sociedade, ou seja, como uma
ciência social e historicamente indeterminada, que só poderia, então,
reduzir-se a trivialidades banais ou naturalizar as relações capitalistas
de produção, transformando o “homem das cavernas” no primeiro capitalista, e a machadinha ou a lança de pedra deste ser humano primitivo, no primeiro capital. Para Marx, o objeto da economia política era,
e só poderia ser, as relações de produção de uma sociedade ou época
histórica específica, qual seja, a capitalista. Assim, tanto Bukhárin
quanto Preobrajenski comungavam do entendimento metodológico de
que uma “economia política do socialismo” seria um disparate, um
contradictio in adjecto, pois as leis econômicas do socialismo são de
natureza absolutamente distintas das do capitalismo, estas últimas,
descritas em O capital e nos demais escritos da crítica da economia
política de Marx.
[S]e, no campo da realidade econômica, o produto
se opõe, na economia planificada, à mercadoria
do modo de produção capitalista, se a medida
pelo tempo de trabalho se opõe ao valor, se a
contabilidade da economia planificada se opõe ao
mercado na qualidade de esfera de manifestação
da lei do valor, se o produto excedente se opõe à
mais-valia, do mesmo modo, no campo da ciência,
4 Tal introdução havia sido publicada pela primeira vez por Kautsky, na revista
Die Neue Zeit, em 1903, muito antes de, e de maneira avulsa a, os Grundrisse, e anexada à edição de 1907 da Contribuição à crítica da economia política, tornando-se
conhecida desde então como “Introdução à Contribuição...” (Marx, 2008).
506
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
a economia política cede o cargo à tecnologia
social, isto é, à ciência da produção socialmente
organizada (Preobrajenski apud Blas Ortega,
1994; p. 23 – tradução nossa).
Nesta ocasião, convém nos determos neste ponto um pouco
mais do que era possível na comunicação, em razão da confusão recorrente entre tempo de trabalho e valor. Uma leitura atenta do célebre capítulo 1 do Livro I de O capital (Marx, 1983), sobre a mercadoria, em
conjunto com o pertinente comentário de Rubin (1980), esclarece que,
em todas as sociedades humanas, o trabalho produz valores de uso.
Porém, é apenas em uma sociedade de produtores privados individualizados, atomizados, na qual a produção é mediada pelo mercado, que
os valores de uso se tornam também valores, ou mercadorias, isto é,
valores de uso que também são portadores de valor, suportes materiais
do valor. Em outras palavras, os produtos do trabalho, os valores de
uso, só assumem a forma social de valor sob as relações mercantis
e capitalistas-mercantis de produção. Ainda que o tempo de trabalho
socialmente necessário para a produção de uma mercadoria determine
a magnitude do valor desta mercadoria, a mensuração e distribuição
do produto social, dos valores de uso, por meio da contabilização do
tempo de trabalho não é sinônimo de produção e troca de mercadorias.
Uma economia regida pela lei do valor caracteriza-se justamente por ser uma economia de mercado, não-planificada. Nesta
economia, os trabalhos privados só adquirem caráter social, ou socialmente necessário, quando o produto do trabalho, a mercadoria, é
vendida. Primeiro, dispende-se trabalho na produção de mercadorias,
e apenas a posteriori, após as mercadorias já terem sido produzidas
e ofertadas no mercado, é que o comportamento da demanda e dos
preços revela se o trabalho contido em tais mercadorias é socialmente
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
507
necessário ou não. Se menos trabalho que o socialmente necessário
for empregue na produção de determinado artigo, a oferta deste artigo será inferior à demanda, e os preços de tal artigo subirão, assim
como subirá, por conseguinte, a taxa de lucro do ramo produtor do
artigo. Se, pelo contrário, mais trabalho que o socialmente necessário
for empregue, a oferta será superior à demanda, e a queda dos preços
e o acúmulo de estoques invendáveis reduzirá a taxa de lucro. Estas
variações dos preços e das taxas de lucro – detalhadas no Livro III de
O capital (Marx, 1984), em especial, nos capítulos 9 e 10 – irão, então, redistribuir o capital e, por conseguinte, o trabalho entre os vários
ramos e setores econômicos, adequando a oferta à demanda, sempre
de maneira aproximada, por meio de oscilações ininterruptas e desvios
sucessivos, para mais e para menos.5
Na Crítica ao programa de Gotha, Marx (2001) assinalava a
sobrevivência do “direito burguês” sob o socialismo, isto é, o estágio
inferior do comunismo, no qual a sociedade ainda não pode inscrever
em sua bandeira: de cada um, segundo suas capacidades; a cada um,
segundo suas necessidades.
O produtor individual recebe, nessa medida,
uma vez feitas as deduções, o equivalente exato
do que dá a sociedade. O que ele lhe deu é sua
quota individual de trabalho. Por exemplo, a
jornada social de trabalho compõe-se da soma das
horas de trabalho individual. O tempo de trabalho
5 Para simplificar o raciocínio, estamos enfocando apenas a maneira como a lei do
valor adequa a produção às necessidades sociais, satisfeitas por produtos de distintos
ramos e setores econômicos, e abstraindo as diferenças de produtividade entre as
várias empresas que competem no mesmo ramo, isto é, produzem o mesmo tipo de
artigo. A leitores menos familiarizados com as categorias da (crítica da) economia
política, recomendamos enfaticamente a leitura dos dois primeiros capítulos do breve e didático Mandel (1973).
508
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
individual de cada produtor é a parte da jornada de
trabalho social que ele forneceu, a parte que nela
tomou. Ele recebe da sociedade um bônus [um
título, cédula ou voucher – S.S.M.], certificando
que forneceu determinada quantidade de trabalho
(deduzido o trabalho efetuado para os fundos das
cooperativas) [para a reposição e acréscimo dos
meios de produção e para o custeio de serviços
públicos como educação, saúde, aposentadoria,
etc., etc. – S.S.M.] e, com esse bônus, retira da
reserva social uma quantidade de objetos de
consumo equivalentes ao custo de uma quantidade
igual de seu trabalho. A mesma quota de trabalho
que ele deu à sociedade sob uma forma, esta
devolve-lhe sob outra (Marx, 2001; p. 104-5).
Na medida em que a distribuição ainda é mediada pelo tempo
de trabalho, “[...] reina o mesmo princípio que para a troca de mercadorias: uma quantidade de trabalho sob uma forma é trocada pela
mesma quantidade de trabalho sob outra forma” (Marx, 2001; p. 105).
Mas, imediatamente acima desse trecho em que Marx explica como o
tempo de trabalho media a distribuição, lê-se que...
No interior da sociedade coletiva fundada na propriedade
comum dos meios de produção, os produtores não trocam
seus produtos; da mesma forma, o trabalho incorporado
em seus produtos já não aparece como valor desses
produtos, como uma qualidade material inerente a eles,
pois agora, ao contrário do que acontece na sociedade
capitalista, já não é por um desvio, mas sim diretamente,
que os trabalhos individuais se tornam parte integrante
do trabalho comum [...].
Trata-se aqui de uma sociedade comunista, não tal
como se desenvolveu em suas próprias bases, mas,
ao contrário, tal como acaba de surgir da sociedade
capitalista. Portanto, ela apresenta, em todos os seus
aspectos – econômico, moral e intelectual – os estigmas
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
509
da antiga sociedade que a engendrou. (Marx, 2001; p.
104 – itálicos no original).
Portanto, Marx é inequívoco: a economia socialista não é regida pela lei do valor. Nesta economia, todo trabalho é direta e imediatamente social e produz apenas valores de uso, não valores (de troca).
Apesar de o tempo de trabalho ser contabilizado, o produto social não
mais assume a forma de mercadoria e, por conseguinte, tampouco os
certificados de trabalho por meio dos quais os meios de subsistência
são distribuídos assumem a forma de dinheiro. A circulação de tais
certificados não retroage sobre a produção socialista do mesmo modo
automático, espontâneo, como a circulação do dinheiro retroage sobre
a produção – determinando o que, quanto e como será produzido – nas
economias mercantis e capitalistas-mercantis, nas quais os trabalhos
privados precisam da chancela do mercado para se tornarem trabalho
social.6
A teoria da transição
Como esclarece Blas Ortega, foi o stalinismo que consagrou
a vulgar concepção da “economia política do socialismo”, e a consequente extensão teórica do funcionamento da lei do valor ao socialismo, a fim de conferir maior legitimidade aos desmandos econômicos
da burocracia, vinculando-os falsamente ao próprio Marx. Neste sentido, um importante marco foi a publicação do artigo Problemas econômicos do socialismo na URSS, de Stálin, em 1952, como parte das
discussões de preparação do Manual de economia política da Acade-
6 Outras evidências textuais de que era essa a posição de Marx (e Engels) são
expostas e comentadas por Rosdolsky (2001).
510
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
mia de Ciências da URSS, lançado dois anos mais tarde. Este foi o primeiro livro-texto de economia editado no país desde 1928. A operação
ideológica é dúplice, pois não só a planificação se opõe à lei do valor,
conforme vimos, como também a URSS nunca foi socialista. Mesmo
depois do giro stalinista para a industrialização e a coletivização, a
URSS não adentrou o estágio inferior do comunismo a que a Crítica
ao programa de Gotha se refere, mantendo-se em transição ao socialismo. Este caráter transicional da economia soviética decorria não só
da existência de 25 milhões de propriedades camponesas e de outras
formas, inclusive, urbanas, de economia privada, abolidas com o fim
da NEP; mas, sobretudo, do fato de a URSS subsistir no interior do
mercado mundial, regido pela lei do valor e dominado, ademais, pelo
imperialismo, “ao qual nos encontramos subordinados, com o qual nos
encontramos ligados e do qual não podemos nos desprender” (Lênin
apud Blas Ortega, 1994; p. 176 – tradução nossa).
Por conseguinte, Preobrajenski havia concluído que a teoria da
transição teria de se situar a meio caminho entre a economia política e
a tecnologia social, “na medida em que ambas analisam formas puras
de economia mercantil e capitalista-mercantil, no primeiro caso, e de
economia organizada e planificada, no segundo caso” (Blas Ortega,
1994; p. 25 – tradução nossa). Afinal, a economia de transição caracteriza-se pela coexistência, não pacífica, harmônica e complementar,
mas contraditória, antagônica, note-se, entre duas leis reguladoras: a
lei do valor e a lei da acumulação socialista primitiva, ou originária,
definida como
[...] a soma de todas as tendências conscientes e
semi-espontâneas da economia estatal que estão
orientadas à ampliação e ao fortalecimento da
organização coletiva do trabalho na economia
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
511
soviética e que ditam ao Estado, sobre a base
da necessidade: 1) proporções determinadas na
distribuição das forças produtivas, proporções que
se estabelecem sobre a base da luta contra a lei do
valor no interior e fora dos limites do país, e que
têm como tarefa objetiva alcançar o nível ótimo
da reprodução socialista ampliada em condições
dadas, e o máximo do potencial defensivo de todo
o sistema em luta com a produção capitalistamercantil; 2) proporções determinadas de
acumulação dos recursos materiais com vistas à
reprodução ampliada, principalmente às expensas
da economia privada, na medida em que um volume
determinado desta acumulação é ditado com uma
força coercitiva ao Estado soviético, sob a ameaça:
a) de desproporção econômica, b) de crescimento
do capital privado, c) de debilitamento dos laços
da economia estatal com a produção camponesa,
d) da ruptura, no curso dos anos futuros, das
proporções necessárias da reprodução socialista
ampliada, e do debilitamento de todo o sistema em
sua luta com a produção capitalista-mercantil no
interior e fora dos limites do país (Preobrajenski
apud Blas Ortega, 1994; p. 74 – tradução nossa).
A influência do contexto específico da NEP russo-soviética sobre esta formulação é explícita, pois a teoria da transição como um
todo, que tem em Preobrajenski um de seus maiores mestres, é um
subproduto dos problemas concretos postos aos bolcheviques pela
NEP e, mesmo antes, pelo comunismo de guerra, na sequência da primeira revolução proletária da história a triunfar na escala de um país
inteiro, embora este fosse um país economicamente atrasado e predominantemente rural, no qual o próprio proletariado era, como se sabe,
uma ínfima minoria da população. Porém, essa teoria não pretendia
informar apenas o processo de transição da Rússia ao socialismo, até
porque, até 1924, todos os bolcheviques, inclusive Stálin, sabiam que
512
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
o socialismo jamais poderia existir encerrado em fronteiras nacionais.
A universalização teórica das conclusões da experiência soviética era,
ao contrário, ensejada pela perspectiva do triunfo da revolução em
outras localidades, em especial, na Alemanha, como nota Blas Ortega.
Portanto, a percepção de Preobrajenski de que a pressão da lei
do valor contra o setor estatal-socialista é exercida não só pelo setor
privado doméstico, mas também pelo mercado mundial, é de suma importância. Segundo Preobrajenski, tal pressão se faz sentir, ainda que
de maneira indireta, até nas transações restritas ao setor estatal-socialista. Por exemplo, é possível que um maquinário industrial vendido
por uma empresa estatal, do ramo de bens de produção, a outra empresa estatal, do ramo de bens de consumo, possa ser importado a um
custo inferior ao do maquinário de fabricação nacional. Entende-se,
assim, por que, como salienta Trótski, o predomínio da propriedade
estatal dos meios de produção, como na URSS a partir do fim da NEP,
é condição necessária, mas não suficiente, para a vitória definitiva
do socialismo, isto é, para o ingresso da sociedade no estágio inferior
do comunismo, que pressupõe superar a produtividade das economias
capitalistas mais desenvolvidas e escapar, assim, do “campo gravitacional” da lei do valor.
Parafraseando Trótski, tão ou mais perigosa que a artilharia
bélica do imperialismo, para a construção do socialismo, é a artilharia
das mercadorias baratas do exterior. Por isso, a Oposição de Esquerda
defendia com unhas e dentes o monopólio estatal do comércio exterior, a fim de administrar os riscos inerentes à integração da URSS ao
mercado mundial, reduzindo parcialmente a pressão da lei do valor
exercida por este mercado contra a débil indústria soviética. Ao mesmo tempo, a Oposição rechaçava o engodo burocrático de que a URSS
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
513
poderia construir o socialismo de maneira autárquica, prescindindo
do mercado mundial como meio de obtenção, seja de tecnologia, seja
até de financiamento. Ademais, este rechaço da Oposição às implicações econômicas da tese antimarxista e antileninista do “socialismo
em um só país”, apregoada por Stálin e Bukhárin, era indissociável do
rechaço às implicações políticas desta mesma tese, ou seja, da luta da
Oposição por orientar a Internacional Comunista para o aproveitamento das oportunidades de extensão internacional da revolução, contra a
subordinação burocrática dos partidos comunistas de todo o mundo
à diplomacia soviética, luta esta que encontrou expressão teórica em
obras como Stálin: o grande organizador de derrotas (Trótski, 2020)
e A revolução permanente (Trotsky, 2011).
Considerações finais
Nos anos 1920, a crise das tesouras dividiu os bolcheviques em
relação à condução da economia soviética e o sentido e os rumos da
NEP. A Oposição de Esquerda preconizou uma política para fortalecer
progressivamente, pelos métodos da própria NEP, o setor estatal-socialista, em detrimento do setor privado. Apesar de alguns vaivéns, a
política agro-monetarista, de concessões aos cúlaques, prevaleceu naqueles anos, até a estratificação e polarização socioeconômica do campesinato pôr em risco a sobrevivência da URSS, obrigando a burocracia stalinista a girar 180º, da “assimilação do cúlaque ao socialismo”
para a “liquidação do cúlaque como classe” por meio da coletivização
forçada e da industrialização acelerada. No decorrer das disputas entre
a Oposição e a direção stalinizada do Partido Comunista da URSS,
os problemas candentes da economia soviética forneceram o material
514
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
para o desenvolvimento de uma teoria da transição ao socialismo, que
aspirava, contudo, a uma validez universal, a fim de que outras tentativas de transição ao socialismo, no futuro, pudessem se beneficiar
dos ensinamentos legados por essa experiência pioneira. A despeito de
sua posterior capitulação ao stalinismo, Preobrajenski desempenhou
um papel crucial em tal desenvolvimento,7 ao situar no centro desta
teoria o embate entre os dois reguladores econômicos da transição:
a lei do valor e a da acumulação primitiva socialista. A “transição” a
qual a teoria diz respeito significa, portanto, a desaparição da lei do
valor, junto com todas as categorias da velha economia política, e o
fim desta ciência, que, no futuro socialista, cederá lugar a uma nova: a
tecnologia social, “a ciência da previsão da necessidade econômica organizada, a ciência que aponta – em matéria de produção ou em outra
– a obter o que é necessário da maneira mais racional” (Preobrajenski
apud Blas Ortega, 1994; p. 23 – tradução nossa).
Revisitar o debate econômico soviético da década de 1920
hoje, à luz da história do século XX como um todo, e do desfecho deste
século, em particular, traz à tona uma importante lição: a expropriação
econômica e política da burguesia e a instauração de Estados operários,
em um único país ou em um conjunto de países, como ocorreu após
a Segunda Guerra Mundial, não significa que estes países se desprenderam do mercado mundial e conformaram outro sistema econômico,
que coexiste e compete com o sistema capitalista. Ao contrário do que
sustentavam as vulgatas da “economia política do socialismo”, tais
países continuam subsumidos ao mercado mundial, regido pela lei do
7 Em que pesem os seus extraordinários méritos, a tese de Blas Ortega parece
ignorar a existência de algumas sutis diferenças e matizes de opinião entre Trótski e
Preobrajenski que, no entanto, são sugestivos para a elucidação da capitulação deste
último ao stalinismo. cf. Day (1977).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
515
valor e dominado pelo imperialismo, e podem apenas iniciar um processo de transição ao socialismo, cujo desenlace – obstaculizado pela
pressão da lei do valor oriunda do mercado mundial – só é possível à
nível internacional e, em última instância, mundial. Este corolário da
teoria da transição foi comprovado de maneira trágica pelo fracasso da
transição ao socialismo, e a consequente restauração do capitalismo,
não só na URSS e nos demais Estados operários burocratizados da
Europa Oriental, mas também em países como, por exemplo, a China,
onde a restauração capitalista assumiu formas inusitadas, sendo encoberta por outro contradictio in adjecto: o “socialismo de mercado”,
fórmula ideológica tão incompatível com o marxismo quanto a “economia política do socialismo” que lhe deu origem.
Referências bibliográficas
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estalinista” (M.E.E.) en la antigua U.R.S.S. y su imposición en la
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DAY, Richard B. “Trotsky and Preobrazhensky: The Troubled
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
517
El caso Shostakovich a la luz de la crítica trotskista de la
estructura social soviética
Simón Rodríguez Porras1
La recepción de la música sinfónica de Shostakovich está
profundamente marcada fuera de Rusia por un mito propio del período
tardío de la Guerra Fría, construido mediante la falsificación de las
memorias del compositor por parte de Solomon Volkov, en el libro
“Testimonio”. Según este texto apócrifo, Shostakovich habría sido un
disidente político que utilizó sus obras sinfónicas para transmitir al
público soviético críticas al régimen en forma de mensajes encriptados
musicalmente. Aunque el escrito de Volkov ha sido definitivamente
descalificado en el ámbito académico, gracias al trabajo de Laurel Fay
(2004) y otros, el mito que construyó sigue profundamente arraigado
en intérpretes y audiencias.
Hay muchos indicios de la inconformidad de Shostakovich con
el régimen en su correspondencia privada y el testimonio de amigos
y familiares, pero no fue un disidente político, como lo fueron por
ejemplo miles de opositores de izquierda. Tampoco fue un disidente
artístico, pues su período de mayor experimentación vanguardista se
corresponde con un momento previo al control partidario conservador
sobre la música soviética. Shostakovich se caracterizó por acompañar
la marea político-estética, buscando generalmente un terreno medio
entre la vanguardia y la retaguardia conservadora.
La crítica de Trotsky (2001) de la estructura social soviética,
1 Músico e investigador venezolano, integrante de la Unidad Internacional de
Trabajadoras y Trabajadores-Cuarta Internacional.
518
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
particularmente su elaboración de la categoría de la burocracia como
capa social privilegiada con un rol dirigente en una sociedad en la que
se había frustrado la transición al socialismo, pero que había abolido
la propiedad capitalista, nos permite comprender la ubicación social
de Shostakovich en la altamente jerarquizada sociedad soviética
entre las décadas del 30 y el 50 del siglo XX, y acercarnos a las
controversias en torno a la estética musical como expresiones de
disputas interburocráticas.
En su libro “La revolución traicionada”, de 1936 Trotsky (2001)
alude al “artículo-consigna” del Pravda contra la ópera Lady McBeth
de Shostakovich, como ejemplo de la arbitrariedad estalinista en este
campo de la regulación y dirección estatal del arte bajo los preceptos
difusos y reaccionarios del “realismo socialista”. No es casual.
Shostakovich fue el más importante de los compositores soviéticos
que se formaron en el período posterior a 1917 y por esa razón estuvo
en el centro de las dos grandes campañas de regimentación en el
ámbito de la música, las llamadas campañas antiformalistas de 1936 y
1948 (NELSON, 2000).
Trotksy era un ácido crítico de esta regimentación del arte.
Decía en “La Revolución traicionada” que:
“La doctrina oficial de la cultura cambia con
los zigzags económicos y las consideraciones
administrativas; pero en todas sus variaciones
conserva un carácter absolutamente categórico.
Al mismo tiempo que la teoría del socialismo en
un solo país, la de la cultura proletaria, que hasta
entonces había permanecido en segundo plano,
recibió la investidura oficial.” (TROTSKY, 2001,
p. 139)
Y continua: “la impresión que una ópera produce a los altos
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
519
dignatarios se transforma en una directiva para los compositores”
(TROTSKY, 2001, p. 143).
Luego de las revoluciones de 1905 y 1917 había una intensa
exploración musical vanguardista. En 1909, el pintor Kulbin, quien
había sido el primero en invitar a Schoenberg a Rusia en 1912,
proponía una estética musical que incorporara sonidos de la naturaleza
como los producidos por el viento, el mar, el trueno o los cantos
de los pájaros, los cuartos y octavos de tono. Mosolov, Meytuss y
Prokofiev incorporaron a sus obras sonoridades alusivas a los procesos
industriales. Avraamov, quien consideraba al timbre como “el alma
del sonido musical”, escribió y dirigió el macroconcierto Sinfonía de
Sirenas, inspirado en los trabajos literarios de Gastev y Maiakovsky
para conmemorar la Revolución de Octubre en los años 1919 y 192123 en distintas ciudades soviéticas. En la presentación de Bakú, miles
de personas eran al mismo tiempo espectadores y participantes de
un espectáculo sonoro que incluía varios regimientos de infantería,
dos baterías de artillería, las cornetas para la niebla de toda la flota
del mar Caspio, 25 locomotoras, todas las sirenas de fábricas de la
ciudad, trenes e hidroplanos. Las autoridades soviéticas publicaron
las instrucciones para la ejecución un día antes en los tres periódicos
de la ciudad, el 6 de noviembre de 1922, y pusieron en movimiento
los recursos materiales y humanos necesarios (SMIRNOV, 2013). La
obra de Avraamov tuvo presentaciones exitosas y reflejaba tanto la
valoración de las sonoridades de la vida social para la construcción
musical como, en un sentido complementario, el potencial de la
música para la organización y movilización de los trabajadores, y el
apoyo soviético al arte innovador.
La música académica era considerada una expresión artística y
520
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
cultural muy importante por las autoridades soviéticas, Lunacharsky
en persona presentaba los conciertos dominicales de la Orquesta del
Teatro Bolshoi (FROLOVA-WALKER & WALKER, 2012). Los
miembros de la propia comunidad musical tomaban la mayoría de las
decisiones relacionadas con su propia actividad desde Narkompros, el
ministerio de Educación, sobre la base de lineamientos muy generales.
Esa política reflejaba una actitud análoga a la adoptada ante el trabajo
de los científicos, que tenían autonomía para definir sus planes de
investigación (NELSON, 2004).
El contraste no podría ser mayor entre estas experiencias y la
posterior regimentación musical por parte del estalinismo. La noción
misma de que una revolución social entrañaba cambios revolucionarios
en la técnica compositiva, defendida por músicos como Roslavets,
pasaría a ser considerada una expresión paradigmática de formalismo
e izquierdismo (FROLOVA-WALKER & WALKER, 2012).
Tan pronto como en 1924 hubo la primera purga en el
Conservatorio de Moscú, con el despido de 36 profesores y la tercera
parte de los estudiantes, incluyendo al compositor vanguardista
Mosolov, por presuntos vínculos con Trotsky (NELSON, 2004;
FROLOVA-WALKER & WALKER, 2012).
Dentro de la lucha de tendencias en el ámbito musical de
los años 20 en Rusia, se distinguían tres grandes corrientes: 1) los
tradicionalistas, defensores del legado musical del siglo XIX, en líneas
generales liberales y partidarios de la educación musical de masas;
2) los partidarios de la cultura proletaria, herederos ideológicos del
Proletkult como la Asociación Rusa de Músicos Proletarios (RAPM),
la Organización de Compositores Revolucionarios (ORK), la Facción
de Profesores Rojos y el colectivo de estudiantes Prokoll; y por último
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
521
3) los promotores de la música contemporánea agrupados en la ASM.
Participaban en la ASM desde un marxista militante como Roslavets
hasta apolíticos acérrimos como Mysakovsky y Lamm (NELSON,
2000).
A medida que se fue consolidando el proceso
contrarrevolucionario estalinista, hacia fines de la década del 20,
la política estatal dejó de reflejar la correlación de fuerzas en el
propio ámbito académico musical, dominado por los modernistas y
tradicionalistas, y pasó gradualmente a promover a las organizaciones
proletarias, con escasa formación profesional musical.
Los grandes objetivos de las tres tendencias político-musicales,
la masificación de la educación musical, promoción de la música
contemporánea y promoción de la creación de música agitativa, no
eran en sí mismos incompatibles. Pero hay que entender que no se
trataba de un mero debate de prioridades sino al mismo tiempo una
disputa por los puestos administrativos dirigentes. El estalinismo,
al abandonar la política de Lenin y Trotsky de no interferencia en
la competencia entre corrientes artísticas, distorsionó los debates al
apoyarse en los grupos proletarios en su ataque a la autonomía de los
artistas.
Hacia fines de 1929 la RAPM había empezado a usar contra la
ASM el epíteto de socialfascistas empleado por los estalinistas contra
los socialdemócratas en Europa (FROLOVA-WALKER & WALKER,
2003). En el punto más alto de su influencia, la RAPM logró imponer
una prohibición total de la transmisión de música popular urbana
llamada ligera en la radio en 1930. Entre 1929 y 1932 se prohibió el
ingreso de grupos de jazz de occidente (FAIRCLOUGH, 2006). En
febrero de 1930 se realizó una purga de la Administración General
522
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de la Literatura y el Arte (Glaviskusstvo) en la que se expulsó a
quienes se consideraba cómplices de la promoción de la música ligera
popular urbana, equiparándolos con saboteadores industriales, como
el compositor Roslavets, y se dejó la institución en manos de la RAPM
(NELSON, 2000; FROLOVA-WALKER & WALKER, 2012).
Así como se pretendía sustituir a los ingenieros y técnicos
industriales con cuadros políticos formados en poco tiempo, la RAPM
también reflejaba el mismo método y aspiración de sustituir a un sector
de músicos profesionales (NELSON, 2000). El fracaso de la RAPM
fue no poder suplantar a los especialistas y académicos con partidarios
de una música proletaria que fueran mínimamente competentes en
el terreno teórico y práctico. Pero elementos clave del discurso de la
RAPM se asimilarían a la doctrina oficial (FROLOVA-WALKER &
WALKER, 2012).
La crítica musical proletaria incorporaría a la doctrina
estalinista los siguientes elementos de juicio extramusicales: a.- la
filiación política del compositor, b.- la influencia de compositores no
revolucionarios, c.- las connotaciones políticas de las letras, títulos
o programa; así como los siguientes elementos musicales: a.- el
uso de temas provenientes de la música popular urbana y rural, que
podría motivar elogios o condena, b.- el uso condenado de elementos
modernistas alejados de la estética del siglo XIX como la politonalidad,
dodecafonismo, ritmos sincopados o no convencionales.
En 1932 fueron disueltas las organizaciones artísticas y
asimiladas a los sindicatos corporativos (FROLOVA-WALKER
& WALKER, 2012). Entre 1932 y 1935 también se redactó una
nueva constitución que teóricamente garantizaba ciertos derechos
democráticos, y en el ámbito musical también hubo una cierta
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
523
apertura, si se compara con los años anteriores de apogeo de la
facción autodenominada proletaria. Pero en 1936 se intensificaría la
represión totalitaria y esto se reflejó también en el ámbito musical
(FAIRCLOUGH, 2006).
Varios familiares y allegados de Shostakovich sufrieron la
represión por los vínculos sociales que habían creado durante su pasado
revolucionario. Un cuñado de Shostakovich fue detenido, su hermana
mayor María fue exiliada a Asia Central y su suegra fue enviada a
un campo de trabajos forzados. En mayo el mariscal Tujachevsky,
amigo personal de Shostakovich, fue arrestado y ejecutado luego
de un juicio sumario. Su tío Kostrikin fue fusilado. El compositor
y musicólogo Zhilyayev, amigo de Tujachevsky y de Sostakovich,
también fue ejecutado. Shostakovich fue interrogado por la NKVD
por sus conexiones con Tujachevsky pero se salvó cuando su propio
interrogador fue detenido. El director de teatro Meyerhold, de quien
Shostakovich era amigo, también fue detenido y ejecutado (FAY, 2000;
FAIRCLOUGH, 2019).
Así como las campañas de la RAPM contra la música
considerada reaccionaria, prácticamente toda a excepción del género
agitativo cultivado por los miembros de esa corriente, tenían como
trasfondo el arribismo y el intento de copar las instancias administrativas
culturales, las purgas posteriores también tuvieron la connotación de
disputas faccionales, pero ya sin posibilidades de debate público.
Por lo tanto fueron procesos mucho más violentos propiciados por la
dirección política estalinista en su desesperación por cerrar la crisis
generada por sus propias directrices desastrosas durante la guerra civil
contra el campesinado y los planes de industrialización acelerada.
Es preciso entender entonces que los extraordinarios
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
privilegios sociales y económicos que el estalinismo otorgaba a sus
artistas emblemáticos como Shostakovich, los colocaban al mismo
tiempo en el foco de una feroz competencia interburocrática por
la asignación de recursos. En mayo de 1932 Shostakovich se pudo
comprar un apartamento en Leningrado con los honorarios de la ópera
Lady Macbeth de Mtsensk (FAY, 2000). Poco después se le asignó otro
apartamento, dejando el primero a su madre y mudándose con su esposa
al nuevo (FAIRCLOUGH, 2019). Esto representaba indudablemente
un privilegio muy grande en el contexto de la enorme crisis de
vivienda que se inicia con la migración interna masiva del campo
a las ciudades, como consecuencia de la desastrosa colectivización
forzosa y las hambrunas en el campo. Entre fines de la década de
1920 y fines de la década de 1930 la población urbana se duplicó.
En las ciudades las viviendas típicas eran apartamentos hacinados
con una familia por habitación, llamadas kommunalkas. En Moscú la
superficie habitable per cápita era 5,5 m2 en 1930 y siguió cayendo a
lo largo de la década. Los pocos apartamentos nuevos construidos a
comienzos de los 30 se adjudicaron a sectores como el Comité Central,
la OGPU, el Ejército Rojo, el Ministerio de Relaciones Exteriores, la
Unión de Escritores, a los compositores, ingenieros y otros sectores
privilegiados (FITZPATRICK, 2019).
Eso explica que, paralelamente a su consolidación en la
nomenklatura artística, Shostakovich se incorporó a los cargos
oficiales. En 1934 Shostakovich fue electo al concejo municipal de
Leningrado y de ahí en adelante estuvo de manera permanente en
cargos públicos, aunque con una función más bien simbólica; en 1947
fue electo diputado del Soviet Supremo de la República Federada
Socialista Soviética de Rusia (RFSSF) por el distrito Dzerzhinsky, y
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
525
fue reelecto para el cargo hasta su elección al Soviet Supremo de la
URSS en 1962, cargo que ejerció hasta su muerte (MAXIMENKOV,
2004).
Las redes clientelares, un sistema no oficial de privilegios
en base a favores llamado blat, eran un elemento permanente del
funcionamiento del régimen estalinista. En la década de los 30
Shostakovich se benefició de relaciones de patronazgo con altos
burócratas, entre ellos Beria, jefe de la NKVD, gracias a cuya
intercesión se le asignaron en 1947 dos apartamentos en Moscú, así
como una casa de campo y un vehículo nuevo (MIKKONEN, 2007).
Luego de aceptar que se presentara su Quinta Sinfonía como
una autocrítica en 1937, el estatus de Shostakovich dentro de la
burocracia mejoraría aún más. En 1941 recibió el Premio Stalin en su
primera clase, 100 mil rublos en metálico, por su Quinteto para piano
y cuarteto de cuerdas del año anterior. En 1946 fue electo Secretario
General del capítulo de Leningrado del Sindicato de Compositores,
recibió su tercer Premio Stalin y la Orden de Lenin, y fue nombrado en
1947 Artista del Pueblo de las Repúblicas Soviéticas de la Federación
Rusia (FAY, 2000; FAIRCLOUGH, 2019).
Para la década del 40 era una práctica consolidada del
estalinismo el asignar ingresos, cantidad de premios y privilegios
materiales, de acuerdo con una valoración de la importancia que tenía
cada funcionario del frente ideológico y cultural, y en consecuencia
su ubicación dentro de la nomenklatura. Un ejemplo de ello es la
recompensa obtenida por Shostakovich en 1943 al participar en el
concurso para la composición del himno nacional. Obtuvo 32 mil
rublos, mientras que el ganador del concurso, Aleksandrov, solo
obtuvo 12 mil rublos (MAKSIMENKOV, 2004).
526
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
En febrero de 1948, la resolución impulsada por Zhdanov
contra la ópera La gran amistad de Muradeli, se convirtió en un
ataque sistemático contra supuestas perversiones formalistas y
tendencias antidemocráticas, se señaló a Shostakovich como uno
de sus principales exponentes (SCHWARZ, 1983). El trasfondo del
escándalo era la disputa por el control del aparato económico del
Sindicato de Compositores Soviéticos, que administraba cuantiosos
ingresos privados bajo la forma de las regalías. Mientas que el salario
oficial de Stalin era de diez mil rublos y el salario promedio era de
entre 400 y 500 rublos, entre 1946 y 1947 Shostakovich había recibido
del sindicato pagos por 230.200 rublos y Prokofiev 309.900 rublos;
este último además acumulaba una deuda con el sindicato de 182.000
rublos. En vez de denunciar los manejos financieros y los altos gastos
en la producción de óperas por parte del sindicato, Agitprop acusó a los
compositores soviéticos más emblemáticos de hacer música extraña
al pueblo ruso (MAXIMENKOV, 2004). Desde 1939 el Orgkomitet
del sindicato estaba integrado por compositores como Shostakovich,
Gliére, Shaporin, Kabalevsky, Kachaturian y Belyi (FERENC, 2004).
En 1954 Shostakovich fue condecorado como Artista del
Pueblo de la URSS. Fue electo miembro del secretariado del Sindicato
de Compositores de la URSS en 1956 y Primer Secretario del Sindicato
de Compositores de la Federación Rusa de Repúblicas Soviéticas en
1960. A pesar de todo, su ingreso al PCUS en 1960 lo hizo de manera
renuente, bajo presión (FAIRCLOUGH, 2019).
El compositor tenía un agudo sentido de la ironía y lo dirigió
contra sí mismo en la canción titulada Prefacio a la Edición Completa
de mis obras y una breve reflexión acerca de este Prefacio, estrenada
en 1966, cuyo texto, escrito por él mismo, hace una lista de sus
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
527
títulos, cargos y honores. Además de satirizar los rituales burocráticos,
Shostakovich ridiculiza su propia absorción a la capa social dirigente
de la URSS. Para Fairclough (2019), Shostakovich ingresa a la élite
burocrática al cabo de su ingreso al PCUS. Pero como hemos podido
constatar, desde la década de 1930 el compositor era objetivamente
un integrante del sector materialmente privilegiado y socialmente
dirigente de la URSS, la burocracia.
No resulta entonces extraño que Shostakovich se sintiera
atraído por la figura trágica de Galileo, a la que está dedicado el
texto del último movimiento de su Treceava Sinfonía (BOTSTEIN,
2004). El régimen estalinista reconocía dos clases en la URSS, el
campesinado y los trabajadores, y un estrato, la intelectualidad, dentro
del cual se ubicaba a la élite del partido y el Estado, pretendiendo
otorgarle una connotación de superioridad cultural (FITZPATRICK,
2019). Empleando la categorización de Trotsky, que no se refiere a una
mera división social del trabajo sino que constata una estratificación
económica asociada al rol de la burocracia en la dirección del Estado
soviético, es evidente que Shostakovich forma parte de este sector. Esta
ubicación contextualiza históricamente tanto las persecuciones como
las recompensas y privilegios que rodearon la trayectoria artística de
Shostakovich.
Referências bibliográficas
FAIRCLOUGH, P. A soviet Credo. Aldershot: Ashgate Publishing
Limited, 2006.
FAIRCLOUGH, P. Dmitry Shostakovich. Londres: Reaktion Books,
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528
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
529
Leon Trotsky e a questão georgiana: o problema nacional e a burocracia soviética
Wanderson Fabio e Melo1
Apresentando as reflexões
O tema da comunicação é sobre Leon Trotsky e a questão
nacional georgiana no início da década de 1920. O objetivo do presente
trabalho é situar a obra de Trotsky no tocante à questão nacional e
discutir as possibilidades de compreendê-la enquanto continuadora
das posições de Vladimir Ilitch Lênin, tendo como referência a questão
georgiana, no momento formativo da União Soviética.
O que entrou para a história como “a crise da questão
georgiana” remete às sequências problemáticas da instauração do
socialismo na região do Cáucaso e, em particular, na Geórgia. Vários
fatores compuseram a situação: as intervenções da divisão do XI
Exército Vermelho para a “sovietização” do país, que desconsideraram
até mesmo os próprios comunistas georgianos, em fevereiro de 1922;
a ausência da democracia interna no Partido Comunista da Geórgia
após a sovietização; as perseguições aos dirigentes que discordavam
do projeto da Transcaucásia soviética; e os indícios de burocratização
no partido e no Estado. Esse conjunto de episódios evidenciava o
predomínio grão-russo na URSS.
As posições de Trotsky no assunto do problema nacional
georgiano no começo da União Soviética tem sido matéria
recorrente em estudos de autores diversos e com diferentes posições
1 Doutor em História Social pela PUC-SP, professor na UFF, Campus de Rio das
Ostras, Curso de Serviço Social. E-mail: wfabiomelo@yahoo.com.br
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
políticas. Adversários de Trotsky, estudiosos acadêmicos, biógrafos,
simpatizantes e, até mesmo, partidários do revolucionário ucraniano
trataram do que teriam sido as “suas inconsistências”, ou os seus “erros
políticos” naquele caso. Segundo vários autores, Leon Trotsky não
lutou pelo direito à autodeterminação do povo georgiano. Inúmeros e
distintos motivos foram elencados na construção dos argumentos.
Dos vários itens da controvérsia georgiana, o ponto
relevante talvez esteja nas preparações, no desenvolvimento e nos
encaminhamentos do XII Congresso do Partido Comunista de Rússia
(bolchevique), em abril de 1923. Desde o final do ano anterior,
intensificou-se os contatos entre Lênin, já bastante doente, e Trotsky,
por meio de cartas, com mediações das duas secretárias de Vladimir
Ilitch, Lydia Fotieva e Mariya Gliasser. Apesar do problema de saúde,
Lênin acompanhava os preparativos do evento. Ele estava indignado
com as ações do Secretário Geral do PC russo e Comissário para
as Nacionalidades, o georgiano de nascimento Josef Stálin. Vários
pontos essenciais estiveram em discussão naquele momento: o tema
do aparato burocrático expresso nas deficiências da Comissão Estatal
de Planejamento (Gosplan) e da Inspeção Operária e Camponesa
(Rabkin), as relações das instituições soviéticas e o partido; a matéria
da sucessão partidária, que foi tratada por Wladimir Ilitch na sua Carta
ao Congresso (1979, pp: 49-53), texto que ficou conhecido como o
“Testamento de Lênin”; e o incidente ocorrido entre Stálin e Nadejda
Krupskaya, que fez com que Lênin enviasse uma mensagem rompendo
relações com Stálin (LÊNIN, 1979, p. 62). A despeito dos numerosos
assuntos do XII Congresso e a sua importância histórica, neste artigo
será tratado apenas a “questão georgiana”.
Lênin também escreveu para o Congresso “O problema das
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
531
nacionalidades ou da ‘autonomia’” (1979, pp: 57-61), e enviou a Trotsky
previamente. Trotsky sugeriu a Fotieva mostrar a mensagem a Lev
Kamenev, dirigente bolchevique de longa data. Após consultar Lênin,
a secretária veio com a comunicação: “‘Absolutamente não. Vladimir
Ilitch diz que Kamenev mostrará a carta a Stálin, o qual procurará
um compromisso podre, para depois nos trair’” (TROTSKY, 2012, p.
681). Além disso, Fotieva avisou a Trotsky “‘Vladimir Ilitch prepara
uma bomba contra Stálin, para o próximo Congresso’” (TROTSKY,
1978, p. 402). Os efeitos explosivos da “bomba” leniniana implicariam
no afastamento de Stálin do cargo de Secretário Geral do Partido,
na mudança da política soviética na Geórgia, criticava a posição
de Stálin sobre a questão nacional, condenava as ações de Grigory
“Sergo” Ordjonikidze – georgiano próximo a Stálin e dirigente da
divisão do XI Exército Vermelho posicionado no Cáucaso –, defendia
o afastamento de Felix Dzerjinsky das suas funções e o desligamento
de Ordjonikidze do Partido.
Sabendo da pretensão leniniana, Kamenev que, naquele
momento, articulava a formação de um novo núcleo dirigente partidário
junto a J. Stálin e G. Zinoviev, movimentou-se em conversar com
Trotsky, que disse a ele:
Tenha isso em mente e diga aos outros que
não tenho absolutamente a intenção de iniciar
no Congresso luta pelas modificações na
organização. Sou pela manutenção do status quo.
Se, antes do Congresso, Lênin puder levantar-se,
o que infelizmente é pouco provável, discutirei
novamente com ele o problema. Sou contra
a destituição de Stálin, contra a exclusão de
Ordjonikidze, contra o afastamento de Dzerjinsky
/.../. Mas, no essencial, estou de acordo com
Lênin. Desejo uma mudança radical da política
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
nacional, que cessem as perseguições contra os
adversários de Stálin na Geórgia, assim, como a
pressão do partido sobre a administração; uma
orientação mais segura quanto à industrialização e
uma colaboração mais honesta entre os dirigentes.
O projeto de Stálin sobre a questão nacional não
vale nada: coloca no mesmo plano a opressão
brutal por parte dos representantes de uma grande
potência e os protestos e a resistência dos povos
pequenos, fracos e atrasados. Dei à minha proposta
a forma de emenda à de Stálin para lhe facilitar a
indispensável mudança de direção. /.../ É preciso
que ele não se furte a isso, que não intrigue mais.
É preciso colaborar honestamente. E você, - disse
a Kamenev – é preciso que consiga na conferência
de Tíflis uma mudança radical de rota em relação
aos adeptos da política de Lênin na Geórgia (1978,
p. 404).
De fato, Trotsky não declarou guerra a Stálin, como Lênin
queria. Mas, exigiu do Comissário das Nacionalidades o compromisso
por mudanças na condução dos processos na Geórgia. Stálin fingiu
concordar. Contudo, antes do evento congressual houve a piora na
saúde de Lênin que, daquele momento em diante, não falava nem
escrevia. Na conferência dos comunistas georgianos no mês de
março, Kamenev defendeu a política de Stálin contra a de Lênin. No
XII Congresso, Stálin aprovou o seu projeto. A direção executiva do
Comitê Central “decidiu não encaminhar ao Congresso as notas de
Lênin sobre a questão georgiana, alegando não estar claro o uso que
dela pretendera Lênin”. (DEUTSCHER, 1970, p. 228). O resultado
do encontro celebrou o triunvirato na direção executiva do Comitê
Central do PC russo, formado por J. Stálin, G. Zinoviev e L. Kamenev.
Para Isaac Deutscher, intelectual marxista polonês, importante
biógrafo de Trotsky e participante da Oposição de Esquerda
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
533
Internacional, o revolucionário desconsiderou a advertência de Lênin,
e aceitou o “acordo podre” com Stálin (1968, p. 104). Deutscher
interpretou que Trotsky pactuou com o Secretário Geral porque não
enxergava nele uma alternativa à sucessão de Lênin no Partido. O
biógrafo anotou:
Lênin não esperava que Trotsky agisse assim e
insistiu com ele para que fosse inflexível, falasse
ao Congresso com toda franqueza e não aceitasse
nenhum acordo para solução de diferenças. Mas
todas essas advertências não foram ouvidas por
Trotsky que, com a sua magnanimidade, ajudou os
triúnviros a esconder do mundo a confissão feita
por Lênin em seu leito de morte, de vergonha e
culpa pelo renascimento do espírito czarista no
Estado bolchevique (DEUTSCHER, 1968, p.105).
Trotsky, então, ao invés de seguir os apontamentos de Lênin,
na visão de Deutscher, absteve-se na questão georgiana, assim, teria
assumido um “compromisso incrivelmente tolo” (1968, p. 105), uma
vez que, “não fez ao Congresso a menor insinuação de discordância
entre ele e os triúnviros e manteve-se no segundo plano” (1968, p. 107),
por consequência, a política soviética na Geórgia não foi modificada.
Estudioso da história da União Soviética, Moshe Lewin
defendeu que Trotsky “não compreendera as recomendações
essenciais” (2021, p. 106) de Lênin. No tema da questão nacional
no XII Congresso, o revolucionário “sucumbiu a uma fetichização
do Partido, a um legalismo e uns escrúpulos que o paralisaram e o
impediam de responder sem vacilações ao que os seus inimigos faziam
contra ele” (LEWIN, 2021, p. 107), explicando, assim, a derrota da
composição Lênin-Trotsky naquele combate.
No entendimento do biógrafo Ian Thatcher, Trotsky não quis
enfrentar Stálin na questão georgiana em razão de seu “preconceito
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
contra a Geórgia”, por ser historicamente uma área de influência
menchevique (2002, p. 122).
Durante o XII Congresso, segundo Eduardo Mancuso, Trotsky
teria recuado, ao não assumir “a direção do combate partidário.
Outros dirigentes bolcheviques entram em cena. Rakovsky e Bukhárin
assumem a frente do debate sobre a questão das nacionalidades”
(2017). A “inação” de Trotsky naquele momento teria sido o seu maior
“erro”, legitimando o triunvirato na direção do PC, tornando a situação
no aparato estatal muito mais difícil para aqueles que lutavam pela
democracia socialista.
Em síntese, os críticos de Trotsky sinalizam que o tratamento
da questão georgiana teria despontado certa ingenuidade do
revolucionário, em razão da sua autoconfiança, além da displicência e
a avaliação equivocada acerca da fase do poder soviético e os lances
posteriores. Contudo, emergem as dúvidas: Leon Trotsky conciliou
com a burocracia, “rifando o problema nacional da Geórgia”? O
revolucionário não teria dado prosseguimento ao bloco político com
Lênin? O dirigente elaborou uma errônea avaliação das circunstâncias?
Para a compreensão das questões, devemos tomar o que Lênin
e Trotsky escreveram naquele contexto. Lênin deixou registradas as
suas preocupações acerca dos acontecimentos na Geórgia em cartas
e mensagens (1979, pp: 28-36; 57-63), (1986). Trotsky registrou a
sua posição em vários dos seus escritos (1973), (1978, pp: 399-406),
(1989), (1981, pp: 69-77) e (2012, pp: 552-555; 675-684). O intento
de nossa reflexão será evidenciar os argumentos de Trotsky e situá-los
à luz dos acontecimentos e das diferentes visões sobre aquela crise,
elucidando o seu processo conjuntural e histórico-social.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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Complexidades sócio-históricas georgianas e do Cáucaso
A Geórgia é um dos países que se encontra na região caucasiana.
O Cáucaso está situado no extremo Sudoeste da Europa, abarcando
o local entre o Mar Negro e o Mar Cáspio. O território comporta a
Cordilheira do Cáucaso que ocupa boa parte do território, uma cadeia
de montanhas longa de 1200 km, iniciando nas margens do Mar
Negro e seguindo até a costa do Mar Cáspio, de um lado a outro, daí
a derivação do nome do lugar. A área serve de fronteira natural entre a
Europa Oriental e a Ásia Ocidental. A cordilheira forma duas cadeias
de montanhas distintas. O Grande Cáucaso estende-se da cidade russa
de Sóchi, nas margens noroeste do Mar Negro, até alcançar o Mar
Cáspio, perto de Baku, no Azerbaijão. Ao Norte do Grande Cáucaso
estão a Rússia, a Chechênia e o Daguestão. O Pequeno Cáucaso
estende-se paralelamente ao Grande Cáucaso, a uma distância média
de 100 km ao Sul. As fronteiras da Geórgia, Armênia e do Azerbaijão
correm através dessa cadeia, apesar das cristas das montanhas não
definirem os limites de modo geral. O total do território caucasiano
é de 158.000 km². A área entre as montanhas do Grande e Pequeno
Cáucaso é separada por um vale com três rios principais: o Rio Rioni,
que corre em direção ao Mar Negro. O Rio Arax, que nasce no planalto
armênio, teve o seu curso servindo de linha fronteiriça entre o Império
Russo e a Pérsia, as suas águas descem a montanha em direção à parte
baixa e desaguam no Rio Kura. Este último, nasce na região oriental
da Turquia e aflui em direção à Geórgia, banha a capital Tbilisi, é o
maior rio que cursa o vale, e chega ao Azerbaijão, percorrendo ao todo
1515 km, até despejar no Mar Cáspio.
A população da Geórgia é composta por inúmeros povos
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
e etnias. Uma característica do Cáucaso é que em relativo pouco
espaço geográfico, por conta das dificuldades de vencer as montanhas,
ocorreu a preservação de tribos que originaram vários povos. Até
meados do século XIX, não se falava em georgiano, mas em povos
da Geórgia, isto é, em cartavelianos, suanos, mingrelianos, ossetianos,
adjarianos, abecásios, armênios, tártaros, lesgos, inguches e judeus. O
idioma georgiano foi estabelecido a partir da hegemonia cartaveliana,
na língua falada e nos caracteres escritos. Nas regiões da Geórgia
observa-se, durante o Império Russo, com mais nitidez, ao Norte os
ossetianos, a Oeste os abecásios, a Leste os adjarianos e ao Sul os
armênios.
O Cáucaso foi palco de inúmeras disputas violentas ao longo
da história. A Geórgia, em particular, foi marcada por dramáticos
infortúnios. Por achar-se no cruzamento de rotas e vias comerciais do
Mar Negro ao Cáspio, e da Rússia à Ásia, a sua história foi marcada
por invasões e sofreu dominações incessantes. Na antiguidade
foi conquistada pelos romanos, depois cristianizada pelo Império
Bizantino, no século IV. Desde o século V, a Geórgia sofreu ataques
do Império Persa, a seguir, no século VII, padeceu às invasões dos
árabes ansiosos por converter a população ao islamismo. As incursões
ocorreram com pilhagens e massacres sobre o território. No século
XII, durante o reinado da rainha Tamara, a Geórgia conheceu a sua “era
dourada”, após sucessos militares, estabilidade política e conquistas
culturais. No entanto, logo o progresso foi varrido por mongóis da
horda de Gengis Khan e, depois, das legiões de Tarmelão, do Império
Timúrida. Do século XIII ao XV, invasores roubaram, deportaram,
mataram e incendiaram na região. Em seguida, os turcos e os persas
partilharam o território, dominando a população até o século XVIII.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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Os persas ocupando o Leste, enquanto os turcos a Oeste. Tíflis (antigo
nome de Tbilisi), a principal cidade da Geórgia, no espaço temporal de
quinze séculos, foi saqueada e destruída dezoito vezes.
Com vistas a proteção das incursões militares inimigas, a
Geórgia buscou alianças com a Rússia. Em 1783, o rei georgiano
Irakli assinou um tratado com Catarina da Rússia, tornando a Geórgia
um protetorado russo. O Império czarista buscava abrir caminho
no Cáucaso e aumentar as suas forças contra a Turquia e a Pérsia.
Embora o acordo não tenha sido capaz de evitar a invasão persa e,
por consequência, a destruição de Tíflis no final do século XVIII. No
entanto, em 1801, com o czar Paulo I, a Geórgia transformou-se numa
província do Império Russo, aprofundando ainda mais a subordinação
aos Romanov. A incorporação barrou as invasões. Entretanto, a Igreja
Ortodoxa georgiana é forçada a se submeter ao Sínodo da Igreja
Ortodoxa Russa, interrompendo a autonomia existente desde o século
IV.
De acordo com Pokrovsky (1944), a nobreza georgiana compôs
o aparelho da administração da dominação russa, tendo alguns de
seus membros cooptados ao generalato do exército Imperial, outros
foram vice-governadores e a nobreza local manteve o controle sobre
as terras. A dominação czarista no Cáucaso durante o século XIX,
segundo Richard Pipes (1997, p. 15), continha a seguinte composição
administrativa: seis províncias (Baku, Tíflis, Erevã, Elisavetpol,
Kutaisi e Chenomore); cinco regiões (Batumi, Dagestão, Kars, Kuban
e Terek); e um distrito (Zakataly).
A abolição da servidão na Geórgia aconteceu em 1865, quatro
anos após ao ocorrido na Rússia. A medida de Alexandre II se fez em
acordo com os nobres georgianos. A pobreza e o atraso persistiram,
538
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
porque não foi viabilizado o acesso dos camponeses às terras,
continuando o controle senhorial e a agricultura arcaica. Aconteceram
revoltas camponesas contra a nobreza rural por meio do que, entre o
povo, chamava-se “galo vermelho”, isto é, o incêndio ateado pelos
camponeses aos bens dos fazendeiros, como o gado, as plantações e
os bosques (PROKOVSKY, 1944). De acordo com Isaac Deutscher
(1970), levantes camponeses eclodiram na Geórgia em 1804, 1811,
1812, 1820, 1830, 1837, 1841, 1857 e 1866.
Os russos levaram a ferrovia ao Cáucaso na segunda metade
do século XIX, durante o czarado de Alexandre II, empreendimento
construído com o dinheiro emprestado ao capital financeiro
internacional, sobretudo francês. Nessa fase, o Cáucaso conheceu
o avanço e a consolidação do controle russo. As preocupações
ferroviárias eram muito mais aos objetivos militares, isto é, na
rapidez quanto ao deslocamento de tropas, do que propriamente na
dinamização do aparato econômico-cultural das localidades. Por outro
lado, permitiu certa unificação do território, e a hegemonia de alguns
povos sobre etnias menores, mas todos subordinados aos russos. A
chegada do trem favoreceu o vínculo econômico interno, que é um
componente fundamental para que se tenha a comunidade nacional.
Serviu ao transporte de mercadorias que chegavam ao porto de Batumi,
do manganês georgiano extraído na região de Tchiaturi e, depois, do
petróleo extraído em Baku, no Azerbaijão.
As cidades caucasianas permaneceram centros burocráticos,
militares, comerciais e de manufaturas simples, pouco complexas,
sem conhecer a transformação do artesanato em indústria. De
imediato, os caminhos de ferro não foram suficientes para alavancar a
agricultura entre o Mar Negro e o Mar Cáspio. Tampouco deslanchou
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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o desenvolvimento da produção burguesa. Longe disso, no Cáucaso
continuou o domínio rural cada vez mais decadente. A modernização
do transporte não garantiu a transformação do capital mercantil em
capital industrial. Por conseguinte, a ausência da burguesia nacional
inviabilizou a existência de movimentos massivos por soberania. No
sentido geral, a região caucasiana continuou pobre e com a produção
rudimentar. A Geórgia, em particular, permaneceu com a agricultura,
sobretudo vinícola, habitual desde os tempos medievais, instrumentada
por apetrechos tecnologicamente defasados.
Em seu texto de 1913 sobre a questão nacional, J. Stálin
ressaltou que existia na Geórgia um ressentimento nacionalista antiarmênio, uma vez que a maioria dos comerciantes enriquecidos eram
armênios, vistos por muitos como exploradores do conjunto dos
povos georgianos (1979, p. 15). A ausência de senhores rurais russos
por aquelas terras explicaria a inexistência do nacionalismo contra a
nação dominante do Império. Entretanto, os acontecimentos permitem
problematizar a afirmação de Stálin, em razão dos eventos importantes
que afloraram nos seminários e escolas de Tíflis, nas últimas duas
décadas do século XIX. O domínio da Igreja Ortodoxa Russa sobre
a localidade impôs o idioma russo nas aulas, além do tratamento
pejorativo à língua vernácula. Pode-se aferir que essa russificação
nos estudos foi reforçada com a ascensão do czar Alexandre III, que
exercia uma política reacionária, com a preocupação de manter a
fidelidade do Império Russo à Igreja Ortodoxa e o predomínio dos
czares às nações subalternizadas. Em 1884, no Seminário Teológico
de Tíflis, o estudante Silvestre Djibladze esbofeteou o reitor russo
que teria qualificado o idioma georgiano “bom para cães”. No ano
seguinte, o seminarista Josef Lagiachivili apunhalou um reitor em
540
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
razão da forma depreciativa como se referia aos georgianos; preso e
condenado à morte, transformou-se em herói nacional. Até mesmo
meninos de treze e quatorze anos organizaram greves escolares e outras
manifestações em defesa do idioma nativo (MARIE, 2011, p. 40).
Vários desses estudantes, nos anos posteriores, aderiram aos círculos
socialistas. Djibladze foi um dos fundadores da socialdemocracia em
solo georgiano. O desprezo do componente cultural antirrusso na parte
dedicada à Geórgia do artigo pode ser explicado pelo fato de Stálin
estar em posição adversária ao grupo que pertencia Djibladze, quando
ele escreveu o texto. De fato, houve o sentimento anti-armênio entre os
georgianos. Contudo, existiu também o ressentimento em relação aos
russos. A desconsideração de Stálin, sem dúvidas, favorecia ao trabalho
de apagamento da importância histórica e política do oponente, por um
lado, por outro, obscurecia o conhecimento profundo da especificidade
da rebeldia georgiana entre os estudantes.
A Geórgia formou-se no Cáucaso, uma região multiétnica
subordinada ao Império Russo, que potencializou a composição
nacional por meio da ferrovia, embora realçando, muito mais, as
inquietações militares em respostas aos turcos e persas, do que aos
aspectos produtivos. Entretanto, o efeito na média duração foi o
dinamismo no comércio.
Nos anos 70 do século XIX, segundo o estudioso Jean-Jacques
Marie, os elementos do quadro social georgiano eram os seguintes:
Quatro quintos da população são formados por
camponeses miseráveis, supersticiosos, iletrados e
devotos, e de fidalguetes que se parecem com eles.
Os pequenos agricultores com as suas churras de
madeira explorações minúsculas entaladas entre
latifúndios principescos ou clericais, nos quais
eles têm, além disso, de trabalhar gratuitamente.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
541
Os rendeiros à meia entregam ao proprietário até
metade dos seus lucros; os direitos de pastagem
para o gado são exorbitantes; a usura floresce,
com taxas de juros de 40 a 50%. A viticultura, e
um pequeno artesanato que repara ferramentas
agrícolas primitivas ocupam também essa
população mal saída da Idade Média. (2011, p. 22)
Cerca de dez anos depois do período comentado, a capital
georgiana apresentava tal configuração:
Perto de 40% dos 150.000 habitantes de Tíflis
são armênios que controlam o seu comércio
e indústria; um quarto são russos, núcleo de
administração, da polícia e do exército; os
georgianos, artesãos, pequenos comerciantes
ou empregados da administração civil e militar,
formam o outro quarto. O proletariado nascente
é constituído ao mesmo tempo por russos
(essencialmente os ferroviários) e camponeses
georgianos desenraizados. A cidade alberga ainda
judeus e alemães, e um subproletariado de persas e
tártaros. (MARIE, 2011, p. 39)
Em síntese, os elementos que compuseram o quadro da
especificidade georgiana foram a sua formação multiétnica, o seu
lugar geográfico e social no Império Russo, a sua estrutura produtiva
agrária primitiva, a ausência de uma burguesia nacional, mas com a
produção mineral em larga escala potencializada pelo capital financeiro
internacional. Inexistiu na Geórgia movimentos políticos expressivos
por um estado nacional moderno independente dos Romanov, focado
na soberania nacional. No início do século XX, de modo geral no
Cáucaso, os círculos operários passam a preponderarem-se na
constituição dos movimentos políticos. Na Geórgia, em particular,
sobretudo nas cidades de Tíflis, Batumi e na região mineira ocorreram
agitações por melhorias sociais e contra o czarismo.
542
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Uma vez que a Geórgia era parte do Império dos Romanov,
os socialistas locais passaram a organizar o Partido Operário SocialDemocrata Russo, fundado clandestinamente em março de 1898.
Na virada do século XIX para o XX já havia o Partido atuante na
região, com os militantes, entre outros, Vitor Kurnatovsky, Silvestre
Djibladze, Nikolay Chkheidze, Noe Jordânia, Felipp Mikharadze e
Koba (Josef Djugachvili, que a partir de 1912 passou a usar o nome
J. Stálin). O II Congresso do POSDR, ocorrido em 1903, foi marcado
pela divisão política em bolchevique (maioria), regida por Vladimir
Lênin, e mencheviques (minoria), conduzida por Julius Martov. A
cisão repercutiu na Geórgia. Felipp Mikharadze e Polikarp “Budu”
Mdivani dirigiram os bolcheviques georgianos, enquanto S. Djibladze,
Nikolay Chkheidze e Noe Jordânia lideravam os mencheviques. Koba
aderiu aos bolcheviques no ano seguinte, após o retorno do exílio.
Posteriormente, os bolcheviques constituíram um pequeno grupo
militante em Batumi e entre os mineiros de Tchiature, enquanto os
mencheviques tiveram relativo sucesso na organização dos ferroviários
e de camponeses, sobretudo na repercussão revolucionária do 1905
russo nas terras georgianas. O menchevismo passou a ter maior
expressão social, o que pode ser atestado no fato da Geórgia ter sido
representada por mencheviques nas quatro Dumas convocadas na
Rússia. O principal trabalho dos bolcheviques no Cáucaso será entre os
petroleiros de Baku, no Azerbaijão, mas com as dificuldades impostas
pela ilegalidade durante o domínio czarista.
Dimensões do processo georgiano
Com a eclosão da Revolução Russa de Fevereiro de 1917, que
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
543
derrubou a dinastia Romanov, ocorreu o despertar político das nações
oprimidas e do campesinato. Entretanto, o Governo Provisório que se
formou recusava-se encaminhar a retirada do país da guerra imperialista,
assim como realizar a reforma agrária, ou conceder autodeterminação
nacional aos povos não-russos. Na segunda composição do Governo
Provisório, após a jornadas de abril, os mencheviques ampliaram
a participação nos assuntos estatais. Mencheviques georgianos
tiveram destaques nessa fase. Nicolay Tcheidze presidia o soviete de
Petrogrado desde fevereiro, foi um importante apoiador do governo;
outro socialista de origem georgiana, o eloquente Irakli Tsereteli
chegou a ser o Ministro do Interior. Em oposição às nações oprimidas,
o ministro menchevique georgiano defendeu a consigna da “República
russa, una e indivisível”. Leon Trotsky referiu-se à Geórgia como sendo
a Gironda da Revolução Russa (2017, p. 250), visto que, os girondinos
na Revolução Francesa de 1789 exerceram o papel de ideólogos da
república burguesa, por sua vez, os socialistas moderados georgianos
em 1917, portanto em um contexto diferente, tentaram cumprir essa
função. Os girondinos franceses bateram por garantir e consolidar a
revolução burguesa; enquanto os mencheviques georgianos lutavam
para conservar a dominação burguesa contra a revolução soviética.
No I Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, em junho de
1917, a aprovação da matéria “direito de autodeterminação dos povos”
ocorreu por unanimidade, o que demonstrou o apoio dos trabalhadores
à essa pauta democrática. Movimentos intensos eclodiram entre os
finlandeses, ucranianos e polacos. No II Congresso soviético, a decisão
da autodeterminação dos povos foi mais uma vez ratificada. Ademais,
a consigna bolchevique de “paz, pão e terra”, abraçada pelos sovietes,
impactou decisivamente os camponeses, segmento social que sofreu
544
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
terrivelmente com o conflito imperialista, pois o campesinato foi o
principal fornecedor de soldados à carnificina. A autodeterminação
nacional e a reforma agrária trouxeram os camponeses para o lado
revolucionário, sendo possível a Revolução de Outubro de 1917. O
poder soviético instituiu o Comissariado do Povo, no qual contava
com a pasta das Nacionalidades, que foi atribuída à direção de J.
Stálin. Contudo, os contrarrevolucionários e imperialistas lançaram a
guerra à Rússia soviética.
Uma vez realizada a Revolução de Outubro, I. Tsereteli
tornou-se a voz antissoviética na Constituinte. Outros mencheviques
georgianos de expressão no Governo Provisório, mas desgastados
politicamente em Petrogrado, retornaram à terra natal, como N.
Tcheidze. Em Tíflis, a ascensão revolucionária de Fevereiro de 1917
possibilitou a emergência do Soviete, que contou com a presidência
do menchevique Noe Jordânia, apoiado amplamente nos trabalhadores
ferroviários e camponeses pobres, o que permitiu travar o impacto
imediato do Outubro russo na Geórgia. No entanto, assim como
na Rússia do Governo Provisório, os mencheviques locais não
viabilizaram a reforma agrária.
No momento da guerra civil, os mencheviques intentaram
acordos para concretizar a independência georgiana. Eles recusaram
a Revolução de Outubro e a direção bolchevique. De início, os
mencheviques na Geórgia contaram com a proteção alemã. Ou
seja, esses socialistas moderados traíram as deliberações soviéticas,
promoveram a divisão do país – fazendo o contrário de que pregavam
–, e recorreram à proteção da Alemanha, isto é, apelaram ajuda ao
país que meses antes eles propunham a ofensiva russa. Entendiam
que o combate prioritário, em 1918, seria contra os bolcheviques.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
545
Com a assinatura do Tratado de Paz em Brest-Litovsk, os alemães
abandonaram o apoio político militar à Geórgia. Entretanto, a
Inglaterra passou a incentivar o “nacionalismo georgiano” contra os
soviéticos, no sentido de levar a contrarrevolução ao solo russo, e
depor os bolcheviques. Campeões na defesa da “República russa una
e indivisível” no Governo Provisório, os mencheviques georgianos
passaram a fanáticos do separatismo após Outubro.
Nessa direção, os mencheviques apoiaram a proclamação da
República Democrática Federativa da Transcaucásia, em abril de
1918. Mas, em cinco semanas a nova República foi liquida por suas
próprias contradições, desdobrando nos três países: Armênia, Geórgia
e Azerbaijão, enquanto na capital azerbaijana ocorria a “Comuna
de Baku”, um levante socialista. A classe dominante do Azerbaijão
buscou a aliança com a Turquia. A Armênia temia os turcos em razão
do histórico de violência. A Geórgia se refugiava na proteção alemã,
depois inglesa, contra os turcos.
No entanto, o impacto revolucionário foi se fazendo sentir.
Segundo Trotsky, “A notícia sobre a proposição de paz feita pelo
governo soviético e a reforma agrária comoveram não só as massas
de soldados, como a população trabalhadora transcaucasiana” (1973,
p. 31). Mas, a Comuna de Baku foi derrotada pela intervenção turca.
As forças dos paxás puderam contar com a colaboração da Geórgia
menchevique, uma vez que as vias férreas foram colocadas à disposição
para os turcos chegarem até a capital do Azerbaijão.
De 1918 a 1920, durante o governo dos mencheviques na
Geórgia, o Partido Comunista estivera condenado à clandestinidade.
A imprensa comunista estava proibida. Em abril de 1918, vários
comunistas foram presos, insultados, torturados e enviados aos
546
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
territórios controlados pelo Exército Branco (TROTSKY, 1973, p. 71).
A Geórgia menchevique colaborou com as hostes
contrarrevolucionárias, facilitando o recrutamento de soldados ao
Exército Voluntário, as forças armadas brancas em guerra contra o
Exército Vermelho dos soviéticos. Ao Norte do Cáucaso, o Exército
Branco impôs derrotas aos soviéticos na República dos Gortsi
(povos das montanhas do Cáucaso) e Daguestão, no início de 1919.
Entretanto, um ano depois, o Exército Vermelho deflagrou a ofensiva,
chegando à Baku em abril de 1920. A desconsideração da reforma
agrária pelos brancos na guerra civil afastou o campesinato da
contrarrevolução. As disputas locais, como a guerra entre Azerbaijão e
Armênia, naquele contexto, facilitaram as intervenções do XI Exército
Vermelho posicionado no Cáucaso, dirigido por Sergo Ordjonikidze.
A independência da Geórgia foi reconhecida em 7 de maio de 1920
pelos soviéticos.
A partir de 1920, com a vitória do Exército Vermelho sobre
Wrangel e Denikin, ampliaram-se as forças dos comunistas na
região caucasiana. No Azerbaijão, em abril, é instaurada a República
Socialista Federativa Soviética com a derrubada do governo aliado
das tropas britânicas iniciado em janeiro, consolidando uma nova
conjuntura favorável aos comunistas no Cáucaso. O impacto imediato
foi sobre a Armênia. Em razão de disputas com a Turquia, a Armênia
aproxima-se dos soviéticos, processo que desaguou na sovietização
daquele país em dezembro, formando a Armênia soviética.
Após evidenciar o refluxo das revoluções socialistas no
Ocidente, a Internacional Comunista organizou o Congresso dos
Povos do Oriente, no mês de setembro de 1920, em Baku. A partir
do Azerbaijão, os comunistas atuavam para impactar o campesinato
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
547
caucasiano e oriental. Segundo Pierre Broué:
podemos reconhecer que foi lá o começo de um
longo desenvolvimento, de uma guinada na história
do Oriente, em particular, e de um movimento de
nacionalidade que se apoiava historicamente na
revolução russa” (2007, p. 228).
Naquela conferência foi lançada a consigna “Trabalhadores e
povos oprimidos do mundo, uni-vos!”
Os mencheviques georgianos, no período em que ocorria
o encontro da Comintern na capital azerbaijana, receberam uma
delegação com ilustres dirigentes da socialdemocracia, incluindo Karl
Kautsky, Emile Vandervelde e Ramsay MacDonald, que elogiaram
a experiência liderada por Jordânia. Karl Kautsky escreveu alguns
artigos sobre a Geórgia, que depois foram compilados em livro (1923).
Louvou a “democracia” dos mencheviques; localizou desafios, tal
como: “O governo socialista de Geórgia encontra-se na situação
paradoxal de ser obrigado a criar condições que atraiam capital – isto
é, prometendo lucro e dando a garantia necessária de que um belo dia
não será expropriado sem compensação” (Capítulo VII); e denunciou
o que entendeu por “bonapartismo de Moscou” (Capítulo XIII).
Por outro lado, no encontro da III Internacional era denunciada
a pretensão expansiva georgiana em relação à Armênia, e os massacres
sobre os camponeses ossetianos e da Abecásia promovidos no governo
menchevique. Evidenciou-se que os acordos dos socialistas moderados
com as classes dominantes locais e o imperialismo impediam o
encaminhamento do problema da terra. Para Trotsky:
os camponeses transcaucasianos se rebelavam
não contra a revolução democrática, senão contra
a sua lentidão, contra a sua indecisão e contra a
sua pusilanimidade, sobretudo na questão agrária.
548
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
[...] As massas camponesas, que formam a imensa
maioria da população, atuavam como bolcheviques
contra a “democracia” dos mencheviques (1973, p.
64).
A sovietização
A relativa facilidade das ações do XI Exército Vermelho no
Azerbaijão e na Armênia, encorajou Stálin e Ordjonikidze a lançarem
os preparativos para a sovietização da Geórgia. Vale dizer que o segundo
manifestara, em vários momentos no ano de 1920, o desejo de intervir
na Geórgia menchevique. Contudo, sempre recebeu forte oposição de
Lênin, a tal ponto do chefe do Exército Vermelho no Cáucaso enviar
uma carta se queijando da desconfiança do líder bolchevique. Em
resposta, Lênin escreveu em 3 de abril: “Você se engana em encarar
minha indagação que é meu dever, como falta de confiança. Espero
que, antes de um encontro pessoal entre nós, você já tenha abandonado
este tom impróprio de injúria” (apud TROTSKY, 2012, p. 552-553).
Em 5 de maio, uma nova missiva de Lênin a Ordjonikidze com os
dizeres: “O Comitê Central ordena que você remova todas as unidades
do território da Geórgia para a fronteira, e abstenha-se de incursões
nesse país” (apud TROTSKY, 2012, p. 553), visto que Lênin sinalizava
a necessidade de se reconhecer a independência georgiana. No entanto,
mesmo após a assinatura do Tratado de Moscou dois dias depois, a
meta da invasão não foi abandonada. Ao contrário, Stálin passou a
defender mais intensamente a intervenção. Segundo Jean-Jacques
Marie, “Em 17 de novembro, Stálin propõe a Lênin por telegrama
que concentre forças num ponto e ‘utilize um pretexto adequado para
organizar um movimento envolvente sobre Tíflis’. Lênin se faz surdo”
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
549
(2011, p. 198).
Torna-se importante considerar que Lênin não queria a repetição
dos erros cometidos na Polônia, em que a intervenção soviética foi
considerada como invasão pela população local, o que favoreceu a
contrarrevolução polaca. O líder dos bolcheviques agia cauteloso
para não gerar desconfianças nos povos oprimidos do Oriente, que ele
entendia como os protagonistas na luta contra o imperialismo no curto
prazo. Além disso, Lênin, naquele momento, queria evitar maiores
indisponibilidades com a Turquia.
A despeito das posições de Stálin-Ordjonikidze, os comunistas
estavam em dúvidas sobre a forma de agir na Geórgia. Como lembrou
Trotsky:
não havia unanimidade quanto ao movimento e
os métodos da sovietização. Eu opinava por um
certo período preparatório de trabalho, dentro das
fronteiras do país, a fim de desenvolver-se o levante
e, mais tarde, ajudá-lo. Sentia que, após a paz com
a Polônia, e a derrota de Wrangel, não havia perigo
direto da parte da Geórgia e o desenlace poderia
ser adiado. Ordjonikidze insistiu, apoiado por
Stálin, em que o Exército Vermelho a invadisse,
imediatamente, na presunção de que o levante já
estivesse maduro. Lênin propendia a prestigiar
os dois membros georgianos do Comitê Central.
A questão foi decidida no Politburo, a 14 de
fevereiro de 1921, quando eu me encontrava nos
Urais (2012, p. 555).
Assim, foi deflagrada a “revolução” na Geórgia. Ao relatar
acerca de sua efetivação, Trotsky reconheceu a importância do
Exército Vermelho:
Não temos a menor intenção de dissimular ou
menosprezar a importância do papel do exército
550
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
soviético nas vitórias dos sovietes no Cáucaso. Em
fevereiro de 1921, este exército prestou um apoio
eficaz à revolução, ainda que muito menor que havia
prestado, durante três anos, aos mencheviques os
exércitos turcos, alemães, ingleses, sem esquecer
os guardas brancos russos (1973, p. 102).
Em meio à guerra, todos os lados no conflito se dispuseram à
utilização das armas. Os movimentos das guerras nas montanhas do
Cáucaso estavam indefinidos no começo da década de 20. As tropas
ocidentais, o exército turco, a contrarrevolução, mesmo derrotada,
ainda oferecia algum perigo de recomposição. Havia a ameaça iminente
de invasão das República Soviética do Azerbaijão e da Armênia.
Assim sendo, como estratégia de defesa na guerra civil, realizouse a “sovietização” da Geórgia, por meio do XI Exército Vermelho.
Entretanto, tal intervenção não foi suficientemente precedida pela
articulação dos comunistas com os movimentos operários, camponeses
e da juventude.
A ação unilateral do XI Exército gerou sequelas. Torna-se
importante ressaltar o que disse V. Lominadze, Secretário Geral do
Partido Comunista georgiano à época,
Nossa revolução no começo de 1921, foi a
conquista da Geórgia por meio das baionetas do
Exército Vermelho... A sovietização da Geórgia
representou-se na forma de ocupação de tropas
russas. Os mencheviques, durante quase dois anos,
tiraram a sua principal força de um sentimento
nacional humilhado não só dos possuidores, mas
também das amplas massas trabalhadoras da
Geórgia. (apud SOUVARINE, 1985, p. 318).
Deve-se ponderar que na Geórgia, a intervenção do Exército
Vermelho será muito mais militar do que de apoio político. O PC local
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
551
estava buscando a sua estruturação junto ao proletariado urbano, que
tinha a principal categoria profissional nos ferroviários, quanto ao peso
político, e estes compunham a base consolidada dos mencheviques. De
acordo com Boris Souvarine (1985, p. 318), o menchevismo georgiano
contava com cerca de 80.000 membros. O PC da Geórgia ainda não
havia se consolidado, o que condicionou que a ação dos Vermelhos
aparecesse um golpe de força aos olhos da população.
Lênin celebrou a vitória dos soviéticos na Geórgia em 02
de março de 1921. No entanto, após transmitir fortes saudações ao
Comitê Revolucionário Georgiano, na figura de Sergo Ordjonikidze,
logo passou às instruções:
Primeiro: Deve-se armar imediatamente os
operários e os camponeses pobres, criando-se um
forte Exército Vermelho Georgiano. Segundo:
é imprescindível adotar uma política especial
de concessões aos intelectuais e pequenos
comerciantes georgianos. Terceiro: é de suma
importância buscar um compromisso aceitável
para um bloco com Jordânia ou com mencheviques
georgianos semelhantes a ele, que antes da
insurreição não se opunham de modo absoluto
à ideia de regime soviético na Geórgia, segundo
certas condições (1986, p. 383).
Nota-se que Lênin compreendia a edificação do socialismo
considerando a especificidade local. A formação do Exército Vermelho
georgiano aliviaria o sentimento nacional humilhado. Ele almejou
uma política na Geórgia que não repetisse o “comunismo de guerra”
que foi vivido na Rússia. Ademais, exigiu o reconhecimento dos
mencheviques no regime soviético em Tíflis, e sinalizou, inclusive,
a possibilidade de composição política com eles. Por fim, terminou a
carta afirmando que os comunistas georgianos não deveriam seguir a
552
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
aplicação do esquema russo, mas criar de modo hábil e flexível uma
tática peculiar condicente com a própria situação.
Pouco mais de um mês depois, em uma mensagem aos povos
do Cáucaso, o líder dos bolcheviques referiu-se a importância de se
levar em conta a “peculiaridade e as condições concretas” nas táticas
e estratégias de construção do socialismo naquela região, indicando o
potencial de ajuda da Rússia soviética, o refluxo da contrarrevolução
e o predomínio do campesinato. Aos comunistas caucasianos, ele
sugeriu:
Mais
suavidade,
mais
cuidado,
mais
condescendência com respeito à pequena
burguesia, a intelectualidade, particularmente, aos
camponeses. /.../ Desenvolver as forças produtivas
da rica região. /.../ Não deveis copiar nossa tática,
mas analisar por conta própria as causas de sua
peculiaridade, as condições e os resultados dessa
tática aplicando nas condições locais não a letra,
senão o espírito, o sentido, as lições que brinda a
experiência do período de 1917-1921. /.../ Deveis
tratar imediatamente de melhorar a situação
dos camponeses e começar o grande trabalho de
eletrificação e irrigação”. (LÊNIN, 1978, p. 415-6)
Desse modo, a suavidade na condução do poder e as realizações
concretas aplainariam a aliança dos comunistas com a pequena
burguesia e o campesinato.
Em novembro de 1922, em razão do “atraso” na organização
das forças armadas da Geórgia, Lênin foi enfático com Ordjonikidze: “é
preciso desenvolver e fortalecer o Exército Vermelho georgiano custe
o que custar, de forma prática e imediata” (1979, p. 30). Entretanto,
a habilidade e a flexibilidade indicadas pelo líder dos bolcheviques
não foram seguidas, os encaminhamentos de Sergo Ordjonikidze
articulado a Stálin rumaram noutra direção. Os comunistas georgianos
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
553
externaram insatisfações e protestos com o modo da condução
“revolucionária”. A ocupação não partiu dos anseios da maioria dos
dirigentes do PC local. Os comunistas da Geórgia, assim como Lênin,
defendiam a tolerância com a oposição menchevique, a democracia no
interior do PC, a formação de um Exército Vermelho próprio, o respeito
às sensibilidades nacionais e à soberania da Geórgia. Entretanto, a
operação policial sucedeu a ação militar do XI Exército na Geórgia
sovietizada. Dirigentes mencheviques foram presos e exilados.
Embora não estivesse diretamente envolvido na sovietização
da Geórgia, Trotsky redigiu o livro Entre o imperialismo e a revolução,
publicado em 1922, foi o mergulho na polêmica e traçou a firme
justificativa da invasão. Em uma intervenção no Pravda de 1º de maio
de 1923, refletindo sobre a questão nacional após o XII Congresso
do PCR, Trotsky reiterou a sovietização enquanto “autodefesa
revolucionária”, mas explicou:
Na questão nacional, como em todas as outras
questões, o que importa para nós não são as
abstrações jurídicas, mas os interesses e relações
reais. Nossa invasão militar da Transcaucásia
pode ser justificada, e tem sido, aos olhos dos
trabalhadores, na medida em que desferiu um
golpe no imperialismo e criou as condições para a
autodeterminação das nacionalidades caucasianas.
Se, por nossa culpa, as massas populares
transcaucasianas tivessem sentido a nossa
intervenção militar como um ato de conquista,
então esta intervenção teria se tornado o maior
dos crimes, não em razão do “princípio” abstrato
da nacionalidade, mas em razão dos interesses da
revolução (1989, p. 4).
Implicitamente, Trotsky atacou a política vitoriosa de Stálin
no XII Congresso, ocorrido a uma semana antes, ainda que sem
554
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
mencioná-lo. No caso de permanecer o predomínio do interesse grãorusso no Cáucaso, a ação militar teria sido “o maior dos crimes” contra
a revolução. Na biografia que escreveu de Stálin, entre 1938-40,
Trotsky registrou: “Na Geórgia, a sovietização prematura fortaleceu
os mencheviques durante um certo período e levou à larga insurreição
de massas de 1924. Então, segundo o próprio Stálin, a Geórgia teve
de ser ‘lavrada de novo’.” (2012, p. 555). Neste último juízo expresso
pelo revolucionário, a sovietização prematura está na base dos
acontecimentos que levaram ao movimento de 1924 georgiano, que
foi duramente reprimido.
A composição das nações soviéticas
Com vistas a celebrar a sovietização, Stálin se dirigiu ao país,
em maio de 1922. O discurso do Comissário das Nacionalidades em
sua terra natal delineou a política soviética para o Cáucaso. Uma das
“tarefas imediatas”, segundo ele, consistia em
liquidar as supervivências nacionalistas, destruílas com ferro incandescente, e criar uma atmosfera
sã de mútua confiança entre os trabalhadores das
nacionalidades da Transcaucásia, para facilitar
e acelerar a união dos esforços econômicos das
Repúblicas soviéticas transcaucasianas. (STÁLIN,
1953a, p. 35).
Na conclusão de sua exposição, o Comissário foi peremptório:
“aplastar a hidra do nacionalismo” (Stálin, 1953a p. 35).
Como se constata, além da defesa da formação da República
Socialista Federativa Soviética da Transcaucásia, isto é, a junção de
Armênia, Azerbaijão e Geórgia numa mesma República, Stálin bradou
contra o nacionalismo georgiano. Desse modo, ele não diferenciou o
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
555
nacionalismo oprimido ao nacionalismo opressor, não fez a distinção
categorial tão cara a Lênin. O Comissário das Nacionalidades delineava
uma política centralizadora, que, inevitavelmente, favoreceria a
direção da nação russa, a dominante na composição soviética.
No ofício de Comissário das Nacionalidades, Stálin
desempenhou o trabalho de redigir o projeto tratando da composição
das diferentes Repúblicas Socialistas, que ficou conhecido como
Autonomização. Nas suas linhas originais no item 1º, está posto:
1. Considerar a utilidade da conclusão de um
acordo entre as Repúblicas Soviéticas da Ucrânia,
Bielorrússia, Azerbaijão, Geórgia e Armênia e
a RSFSR com respeito a adesão formal destas
Repúblicas à RSFSR. (STÁLIN, 2021, p. 111).
Como se constata, Stálin defendeu que as nações menores
simplesmente integrassem na República Socialista Federativa
Soviética da Rússia (RSFSR). A proposta previa certa autonomia
das nações não-russas no interior da Federação russa. Sendo assim,
Stálin não levou em conta toda a desconfiança das nações que foram
oprimidas durante o Império czarista com sede na Rússia, identificado
pelos bolcheviques como a “prisão dos povos”. Nesse passo, concebeu
a questão nacional como algo meramente administrativo e burocrático,
despojado de todo o seu conteúdo histórico, social e político. O projeto
de autonomização seria matéria de uma Comissão do PCR. Em
resposta às teses de Stálin, o CC do PC georgiano produziu, em 15 de
setembro, a seguinte moção:
A unificação proposta na base das teses do
camarada Stálin sob a forma de uma autonomização
das Repúblicas independentes deve considerarse prematura. A unificação dos esforços
econômicos e da política comum deve considerarse indispensável, mas salvaguardando todos os
556
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
atributos da independência (apud LEWIN, 2011,
p. 44)
A Comissão se reuniu em 23 e 24 de setembro. Segundo Lewin
(2021, p. 43), ela contou com a seguinte formação, representantes
centrais: Stálin, Kuybychev, Ordjonikidze, Rakovsky, Sokolnikov,
Molotov, e pelas Repúblicas: Agmali-Ogly (Azeirbaijão), Mjasnikov
(Armênia), Midvani (Geórgia), Petrosky (Ucrânia) e Tcherviakov
(Bielorrússia). É possível perceber que maioria dos integrantes eram
ligados ao Secretário Geral. Presidida por Molotov, a Comissão
rechaçou os protestos, e aprovou o projeto de Stálin, com o voto
contra de Midvani. De fato, o resultado foi bem favorável Stálin.
No entanto, dois dias após, em carta a Kamenev e aos membros do
Comitê Executivo do PC russo, Lênin considerou preocupante o viés
administrativista do texto aprovado, uma vez que afirmou: “Stálin tem
certa tendência a andar depressa” (1979, p. 34), visto que inviabilizava
as discussões de temas sensíveis às nações menores. Continuando, ele
ressaltou: “A unificação formal, junto com a RSFSR, na União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas da Europa e Ásia” (1979, p. 35).
Como se observa, o projeto de incorporação das nações
oprimidas à nação russa foi recusado. O líder dos bolcheviques
sinalizou a necessidade de uma composição avançada, não a mera
integração das nações menores à nação maior, mas a formação de
uma união nova, qualitativamente superior. Lênin batalhava por uma
“Federação de Repúblicas com igualdade de direitos entre as nações”
(1979, p. 35). Sabendo que não teria a maioria do CC do PCR, Stálin
abandonou o primeiro parágrafo, e aderiu ao projeto de união, nos
termos colocado por Lênin. Contudo, o restante do escrito servirá de
texto base para a discussão.
Mesmo doente, Vladimir Ilitch seguiu atento ao desenrolar da
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
557
questão georgiana. Em 29 de setembro, recebeu Ordjonikidze, e no
dia seguinte reuniu-se com os representantes comunistas da Geórgia.
Em outubro, preocupado com o predomínio russo nas decisões
soviéticas, Lênin escreveu: “Declaro uma guerra de vida ou morte
ao chauvinismo de grande nação. /.../ É indispensável insistir em que
presidam por turno o Comitê Executivo Central da Federação: um
ucraniano, um russo, um georgiano, etc. Indispensável!” (1979, p. 31).
A solução leniniana previa o rodízio na presidência da União,
enquanto antídoto ao predomínio da nação mais forte sobre as menores.
O bolchevique entendia que o revezamento no espaço do comando
principal da composição poderia ser um instrumento importante com
vistas a garantir a igualdade de direitos entre os povos soviéticos.
O reavivamento do nacionalismo grande-russo ocorria
relacionado aos efeitos da NEP (Nova Política Econômica), aplicada
pelos soviéticos com vistas à reconstrução do país após os ataques
imperialistas e a guerra civil, no contexto de refluxo da revolução
internacional. Tratou-se de um recuo na construção do socialismo,
porque reestabelecia a pequena propriedade privada, o comércio, os
aluguéis e o assalariamento ao capital privado. Mas foi uma alternativa
à penúria terrível do comunismo de guerra. Editou-se um capitalismo
sob o dispositivo de controle estatal. Embora tenha sido importante
no enfrentamento à miséria, a NEP proporcionou a base material sob
a qual se reergueu o nacionalismo grão-russo. Na Rússia, os Kulaks
(camponeses que enriqueciam), nepmans (pequenos empresários
urbanos) e funcionários estatais alimentaram o nacionalismo opressivo
contra o internacionalismo proletário.
Uma vez superada a propositura de integração das Repúblicas
à Federação russa, tratou-se do tema da Transcaucásia soviética. Vale
558
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
destacar que essa era a proposta bolchevique, com vistas a favorecer
a junção de recursos e viabilizar a existência material do poder no
Cáucaso, sendo aprovada no Comitê Executivo do PCR com os
votos de Lênin, Trotsky, Kamenev, Molotov e Stálin. Vladimir Ilitch
declarou em 28/11/1921:
1) Reconhecer que, em princípio, a Federação
das Repúblicas da Transcaucásia é absolutamente
justa e que tem de constituir-se sem discussão,
porém que é prematura no sentido de uma imediata
realização soviética, de baixo para cima. 2)
Propor aos comitês centrais da Geórgia, Armênia
e Azerbaijão que o problema da federação seja
colocado com maior amplitude, para que o partido
e as massas operárias e camponesas o discutam:
que se faça uma intensa propaganda em favor da
federação e que esta seja aprovada nos congressos
dos sovietes de cada república; em caso de ser
encontrada grande oposição deve-se informar de
maneira precisa e oportuna ao Politburo do C. C.
do PCR. (LÊNIN, 1979, p. 30)
Diante do exposto, para Lênin, o projeto da união transcaucasiana
não prescindia da aprovação nas instâncias representativas soviéticas
das três nações, desde à base, com vistas à sua legitimação e edificação.
Contudo, os comunistas georgianos, liderados por Budu
Midvani, passaram a reivindicar a existência de sua própria República
Soviética, sem a mediação da Transcaucásia. Demandavam um status
à Geórgia que permitisse ser representada diretamente na União, a
exemplo da Ucrânia e da Bielorrússia. Mas, a propositura formulada
pelo Comissariado das Nacionalidades previa a integração dos países
do Cáucaso: Armênia, Azerbaijão e Geórgia na República Socialista
Federativa Soviética da Transcaucásia, que se somaria às Repúblicas
Socialistas Federativas Soviéticas da Rússia, da Ucrânia e da
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
559
Bielorrússia. Nesse passo, a nova administração reservava à Geórgia
a autonomia no interior da Transcaucásia, o que, para os comunistas
georgianos, limitava as possibilidades políticas, econômicas e sociais.
Segundo Moshe Lewin, “surgiu uma onda de protestos mais violentos
sob a forma de reuniões clandestinas e inclusive públicas, no curso
das quais os georgianos não cessaram de proclamar e reafirmar
a sua independência” (2011, p. 49). Stálin acusava a posição dos
comunistas georgianos de “desvio nacionalistas”, enquanto os
georgianos responderam a posição do Secretário Geral do PCR como
“chauvinismo grão-russo”.
Stálin e Ordjonikidze passaram a utilizar o recurso da hierarquia
partidária. Eles puniram e afastaram membros do PC de Geórgia. Em
resposta, Fillip Makharadze e Budu Midvani intensificaram as ações.
Exasperado pelas intervenções de Stálin-Ordjonikidze, em 22 de
outubro, o CC do Partido Comunista da Geórgia apresentou uma carta
de demissão coletiva. Imediatamente, a demissão é aceita, e escolhe-se
uma nova direção mais “flexível”, que acata docilmente as indicações
de Moscou.
Stálin promoveu a centralização por meio da violência contra
a direção do Partido Comunista da Geórgia. Em novembro, ele enviou
Ordjonikidze ao país, que aplicou severas medidas disciplinares,
demitiu, destituiu, afastou e transferiu opositores. Um desses,
Kobakhidze, chamou Ordjonikidze de “burro de carga de Stálin”, e foi
espancado (MARIE, 2011, p. 233). Lênin soube do caso por meio de
uma carta do georgiano Okudjava, e ficou horrorizado. Buscou mais
informações em outras fontes para se posicionar.
O Comitê Central do PC russo, em dezembro de 1922,
destacou Félix Dzerjinsky, chefe da GPU (a polícia política soviética)
560
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
para investigar o assunto. Contudo, Dzerjinsky simpatizava com as
posições de Stálin e Ordjonikidze, sendo assim, tentou passar a Lênin
uma imagem favorável do Comissário das Nacionalidades/Secretário
Geral.
A pressa na condução do assunto, o conteúdo da decisão e a
forma violenta na implementação fizeram com que Lênin percebesse
que não se tratava de um simples desequilíbrio, inabilidade ou má
gestão de conflitos. Stálin expressava a execução de uma política
favorável ao domínio grão-russo no conjunto de nações soviéticas.
A despeito das preocupações de Lênin, em 30 de dezembro de
1922, Stálin encaminhou e aprovou a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas, com Rússia, Bielorússia, Ucrânia e Transcaucásia.
Na reunião do Plenum do PCR de fevereiro de 1923, a proposta
redigida por Stálin de “autonomização” foi aprovada como texto base
para a discussão no XII Congresso, com o parágrafo inicial modificado
pela intervenção de Lênin. Para a defesa dos georgianos contra Stálin,
Lênin reportou ao “Querido camarada Trotsky”, em 05/03/1923:
Muito lhe peço que assuma a defesa da questão
georgiana no C.C. do partido. A coisa encontra-se
agora sob a “inquisição” de Stálin e de Dzerjinsky,
e não posso fiar-me na imparcialidade deles. Pelo
contrário. Se você aceitasse assumir a defesa,
poderei estar tranquilo. Se por qualquer motivo
não aceitar devolva-me a pasta com os papeis.
Considerarei isto como sua recusa. (1979, p. 32)
Documento divulgado nos anos 80 do século passado, atesta
que Trotsky aceitou a solicitação de Vladimir Ilitch. Ele respondeu:
“se eu tinha dúvidas sobre a correção da política de Ordjonikidze e
da decisão do Politburo, agora essas dúvidas foram reforçadas cem
vezes” (apud JOURAVLEV; NENAKOROV, 1990, p. 107).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
561
No dia seguinte, Lênin enviou um memorando a P. Midvani e F.
Makharadze com cópia a Trotsky e Kamenev, “Sigo com todo coração
seu problema. Estou indignado com a brutalidade de Ordjonikidze e
com a conivência de Stálin e Dzerjinsky. Preparei para vocês umas notas
e um discurso. Com estimas” (1979, p. 33). Solicitava aos dois últimos
que assumissem a defesa dos camaradas georgianos. O modo da escrita
tão enfática raramente se encontra nas cartas de Lênin, que preferia um
estilo comedido. De certa forma, o tom da mensagem expressava o seu
compromisso ardoroso com os comunistas georgianos. Logo depois,
ele enviou a Trotsky um dossiê com documentos e o texto de sua
autoria O problema das nacionalidades ou da “autonomia” (LÊNIN,
1979, pp: 56-61), artigo que pretendia discutir no evento partidário.
A questão nacional no XII Congresso
Esperava-se que Lênin se recuperasse em tempo de participar
no XII Congresso do PCR. Os médicos alimentavam alguma esperança.
Mas, em 9 de março o seu quadro de saúde se agravou com o terceiro
derrame. Contudo, ele havia redigido textos desde o final do ano
anterior sobre alguns temas, como o monopólio do comércio exterior,
o planejamento, o regime interno do partido, as nacionalidades, a
comissão da inspeção operária e camponeses e a comissão de controle.
No texto sobre a questão nacional, Lênin externou posição teórica,
indignação, preocupação e indicou encaminhamentos:
Se as coisas chegaram ao ponto em que
Ordjonikidze pode exorbitar até aplicar a violência
física, conforme me disse o camarada Dzerjinsky,
é fácil imaginar em que lodaçal caímos. Ao
que parece essa empresa da “autonomia” foi
fundamentalmente errônea e inoportuna. /.../
562
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Acredito que nenhuma inovação, nem ao menos
um ultraje, justificam estas vias de fato russas, e
que o camarada Dzerjinsky cometeu uma falta
irreparável ao considera-las como demasiadamente
ligeiras. /.../ Ordjonikidze representa o poder para
todos os demais cidadãos do Cáucaso. Não tinha
direito a essa irritabilidade que invocam ele e
Dzerjinsky. (1979, p. 57-58)
O relatório de Dzerjinsky reconheceu a violência física
aplicada por Ordjinikidze a um opositor. No entanto, o chefe da
GPU minimizou o acontecimento. Lênin não concordou. Enxergou
na ação do responsável pelo XI Exército Vermelho no Cáucaso um
crime “social-chauvinista”, “uma infinidade de abusos autenticamente
russos” (1979, p. 61), um feito de Derszhimorda (personagem literário
de Nicolai Gogol, sinônimo de abuso e brutalidade, representado por
um policial russo).
No texto, Lênin fez a digressão sobre suas contribuições ao
tema das nacionalidades:
Escrevi, em minhas obras sobre o problema
nacional, que é em todo sentido debalde formular
em abstrato o problema do nacionalismo em geral.
É indispensável distinguir entre o nacionalismo
da nação opressora e o da nação oprimida, entre o
nacionalismo da grande nação e o de uma pequena.
/.../Portanto, o internacionalismo por parte da
nação opressora, ou assim chamada “grande” /.../
deve consistir, não apenas com relação à igualdade
formal das nações, mas também numa desigualdade
que compense, por parte da nação opressora, da
grande nação, a desigualdade que se manifesta
praticamente na vida. Quem não entendeu isto
não entendeu tampouco a atitude verdadeiramente
proletária com respeito ao problema nacional
(1979, p. 59).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
563
Nota-se que Lênin postulou encaminhamentos acerca do
problema das nacionalidades para além da igualdade formal. Ele
indicou a necessidade de medidas compensatórias, embora entendendo
que somente com a revolução proletária, superadora da propriedade
privada, do colonialismo e do imperialismo, poderia realiza-las
efetivamente.
O entendimento dos bolcheviques sobre a questão nacional
foi determinante para embasar a política que levou ao estouro
revolucionário de Fevereiro de 1917 à Revolução de Outubro, a
conquista do apoio dos operários nos Sovietes e dos camponeses das
nações oprimidas, bem como na articulação da defesa militar da Rússia
soviética durante a guerra civil e contra os ataques imperialistas.
Após defender um “castigo exemplar a Ordjonikidze”, Lênin
anotou “Entende-se que Stálin e Dzerjisky é que devem ser feitos
politicamente responsáveis por essa campanha nacionalista, de
autêntica característica grão-russa” (1979, p. 61). Assim, Vladimir
Ilitch indicou a responsabilização do secretário Geral do Partido
russo e Comissário das Nacionalidades, juntamente com o chefe da
polícia política, por desenvolver o domínio grande-russo na União,
identificando a permanência da sobreposição russa nos temas nacionais,
perpetuando a preponderância russa como se fazia no antigo Império
Romanov.
O XII Congresso do PCR ocorreu entre os dias 17 e 25 de abril
de 1923. O assunto do Cáucaso e a Geórgia dominaram as intervenções
de Stálin no encontro. No Informe do Comitê Central em 17 de abril,
falou do enfraquecimento do menchevismo na Geórgia (1953a, p.
83). Na discussão de 19 de abril, deteve-se bastante sobre a Geórgia
e o Cáucaso. Aproveitou a ausência de Lênin e da não publicação da
564
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
carta acerca da nacional para desferir contra o líder dos bolcheviques,
respondendo a nota de 28/11/1921, Stálin revelou: “O problema é que
não se pode ‘realizar’ a Federação na Geórgia ‘desde abaixo’ segundo o
método soviético em ‘várias semanas’, pois na Geórgia está iniciando
a organizar-se os Sovietes, mas não se há terminado a organização”
(1953, p. 85).
Passado mais de dois anos da “sovietização”, os conselhos
georgianos não haviam sido formados. Esta informação, por si
só, demonstra a permanência do caráter da intervenção militar
do XI Exército que assolou aquele país. Os conselhos não foram
implementados; e por não estarem constituídos, o poder soviético
não conseguiu as condições de existir. Restando, então, a condução
burocrática dos processos sociais, impedindo os trabalhadores e o
povo georgiano da participar nas discussões e deliberações. Ao invés
do “de baixo para cima” de Lênin, houve o de cima para baixo de
Stálin. Eis a prática do Comissário das Nacionalidades na Geórgia.
Na intervenção de 23 de abril, Stálin tematizou longamente a
Geórgia, acusou o nacionalismo georgiano de “chauvinismo local”.
Equalizou o nacionalismo dos georgianos ao “chauvinismo grão-russo”.
Sinalizou que os dois indicavam perigos à edificação do socialismo.
Acerca das relações entre as nações, o Comissário postulou:
O problema do estabelecimento de relações
apropriadas entre o proletariado da antiga
nação dominante, que representa a capa mais
culta do proletariado de toda nossa federação,
e o campesinato, fundamentalmente o das
nacionalidades antes oprimidas. Nisto reside a
essência de classe da questão nacional (1953c, p.
88)
Stálin justificou o predomínio russo na União devido a maior
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
565
composição e a sua “capa mais culta” proletária, em meio ao grande
contingente de camponeses. Conjugou o predomínio russo com a
dominância do proletário especializado sobre as nações atrasadas e os
seus povos. Uma ditadura do proletariado russo sobre os camponeses
das nações oprimidas. Assim, é possível identificar o preconceito
grão-russo em relação aos povos agrários, em consequência, o
desdobramento em uma forma de permanência do caráter colonial
russo sobre as nações menores. O privilégio russo é justificado com
base no número de operários sempre superiores às outras nações da
composição. A russificação por conta do número de operários explicita
a concepção da questão nacional que reforça o poder da nação que
possui a maior vantagem material. Ao invés dos operários encaminhar
as tarefas democráticas que a burguesia e o imperialismo não foram
capazes de realizar, o fragmento acima sugere a solução autocrática
pelo proletariado da nação mais forte sobre as outras.
Após justificar a dominância russa “proletária” em detrimento
das nações camponesas, Stálin passa a “desvendar” as raízes do
nacionalismo georgiano
Ocorre que os vínculos da Federação
Transcaucasiana privam a Geórgia da situação
privilegiada que poderia ocupar por sua posição
geográfica. /.../ Geórgia possui seu próprio porto,
Batumi, onde afluem as mercadorias procedentes
do Ocidente; Geórgia possui um entroncamento
ferroviário tão importante como Tíflis, usado
por armênios e azerbaijaneses, que recebem suas
mercadorias de Batumi. Caso Geórgia fosse uma
República aparte, se não entrasse na Federação
Trascaucasiana, poderia apresentar um ultimatum,
tanto a Armênia, a qual não pode prescindir de
Tiflis, como ao Azerbaijão, que não pode prescindir
de Batumi (1953d, p. 92)
566
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Na visão do Secretário Geral do PCR, a recusa da Transcaucásia
pelo nacionalismo georgiano decorreria dos componentes materiais
que privilegiaria a sua nação nas relações com as outras do Cáucaso. O
nacionalismo é compreendido não como artefato de defesa em relação
à opressão de um país dominado pelo Império Russo, ou porque
foi usado por alemães e ingleses interessados na riqueza natural; ao
contrário, representaria a vontade de se beneficiar nas relações com os
outros países do Cáucaso.
Os comunistas georgianos preocupados com a soberania
nacional do próprio país, foram denunciados por Stálin como sendo
“Os desviacionistas georgianos que lutam contra a Federação, violando
todas as leis do Partido, [eles] querem sair da Federação para conservar
os seus privilégios” (1953d, p. 93).
Os “desviacionistas” do bolchevismo, contaminados com o
veneno nacionalismo, recusaram a conformação da Transcaucásia
para manter as vantagens que a ferrovia e a localização geográfica
proporcionavam à Geórgia.
Presente no Congresso, o líder da Ucrânia soviética, o
revolucionário internacionalista Christian Rakovsky enfrentou Stálin.
Em sua fala, ele evidenciou o predomínio russo na nova composição,
considerou que “a existência de um sentimento de chauvinismo de
grande nação que emerge no povo russo, que nunca sofreu a opressão
nacional” (1982, p. 2), mas que ao contrário, os russos protagonizaram
essa opressão a outras nações durante séculos. Acerca do centralismo
do projeto de Stálin, ele notou: “É uma mistura de administração
czarista e administração burguesa, reforçada com um verniz soviético
e comunista, mas apenas superficialmente e nada mais”. (1982, p. 2)
Nicolai Bukhárin, importante dirigente bolchevique e membro do
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
567
CC do PCR, também denunciou a sobreposição da Rússia, diante dos
encaminhamentos da União que se formara.
Em resposta a Rakovsky e Bukhárin, Stálin reafirmou a
equalização do nacionalismo oprimido ao nacionalismo opressor,
conjugando “chauvinismo grão-russo” e “chauvinismo da nação
oprimida”, esforçando-se por transparecer imparcialidade na sua
posição. No último dia do Congresso, o Comissário das Nacionalidades
enfatizou a primazia da questão operária (russa) em relação à questão
nacional, visto que
Não se deve ofender os elementos da nacionalidade
não-russa. É completamente justo e estou de
acordo. /.../ Mas fazer disso uma nova teoria, de
que é preciso colocar o proletariado grão-russo na
situação de desigualdade de direitos, em relação
às nações antes oprimidas, é um absurdo (1953e,
p. 96).
A práxis colonizadora pró-Rússia na União Soviética reduziu
o problema da nacional à consideração cultural, o reconhecimento
da existência, mas não o enfretamento real das desigualdades, a
realização da tarefa democrática. A Rússia “operária e culta” dirigiria
as nacionalidades respeitando adequadamente os costumes das nações
menores. Defensor do domínio russo, o Secretário Geral não prevê
nenhum recurso para corrigir as desigualdades entre a nação forte e a
oprimida na estruturação do seu ordenamento. Fez uso da igualdade
formal, desprezando a desigualdade real cotidiana, sem estabelecer
instrumentos de correção efetiva. Levantou o reconhecimento do
elemento cultural separado do material. Nota-se, então, quantas
diferenças em relação à política de Lênin para as nacionalidades.
Em suas considerações sobre o assunto, Vladimir Ilitch previa as
necessárias compensações e, inclusive, o revezamento no comando da
568
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
União, com o uso do critério nacional. Mas, durante o período de Stálin
na Secretaria Geral, primou a direção “proletária” russa sobre os povos
camponeses. O russo Mikhail Kalinin permaneceu na Presidência do
Comitê Executivo Central da URSS de 1922 até a sua aposentadoria,
após a II Guerra Mundial, sem haver qualquer alternância no cargo.
A maior parte das biografias de Leon Trotsky abordaram
inadequadamente as intervenções do revolucionário no XII Congresso
do PCR. Isaac Deutscher erroneamente fala da abstenção de Trotsky no
evento. Jean-Jacques Marie afirmou que Trotsky não se opôs a reeleição
do Secretário Geral e saiu da sala quando Rakovsky e Bukhárin faziam
a defesa dos georgianos (2009, p. 288), teria sido a consequência do
“compromisso viciado” que Lênin avisou para se evitar. Pierre Broué
trouxe informações sobre as batalhas naquele fórum, mas pouco da
intervenção de Trotsky sobre os georgianos, embora tenha indicado
que os comunistas georgianos perseguidos aderiram à Oposição de
Esquerda, o que atesta a improcedência do argumento de Ian Thatcher
de que Trotsky teria preconceito em relação aos georgianos.
Com base na documentação que forma o Acervo de Leon
Trotsky guardado no Arquivo da Universidade Stanford, nos Estados
Unidos, Robert Service recuperou a atuação do revolucionário
no XII Congresso. Embora seja um biógrafo adversário e crítico
do revolucionário ucraniano, os documentos consultados por ele
comprovam que Trotsky defendeu os comunistas georgianos da
acusação de “desviacionismo”. Além disso, repreendeu o “centralismo
exagerado” da Federação Transcaucasiana, e exigiu o afastamento de
Ordjonikidze. No entanto, ele perdeu em todas as propostas. Para
Service, “Em anos posteriores, viria a ser criticado por não haver
apoiado a campanha sobre a questão nacional. Isso foi injusto. Ele
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
569
lutou desde cedo, e lutou com empenho, mas foi derrotado pela maioria
do Politburo” (2017, p. 394).
Na reflexão sobre o XII Congresso, Trotsky escreveu em suas
memórias:
A ideia de um “bloco Lênin-Trotsky” contra a
burocracia era conhecida somente de Lênin e
de mim; os outros membros do bureau político
tinham disso apenas vagas suspeitas. Ninguém
sabia das cartas de Lênin sobre a questão nacional
e do Testamento. Se eu me tivesse adiantado,
poderia dizer que eu iniciava a luta pessoal pelo
lugar de Lênin no Partido e no Estado. Não podia
pensar em tal sem desgosto. Parecia-me que as
consequências disso levariam às nossas fileiras
uma desmoralização que teríamos que pagar caro
mesmo em caso de vitória. Em todos os cálculos
entrava o elemento de incerteza: o próprio Lênin
mesmo e as suas condições de saúde. Poderá
ele manifestar a tempo a sua opinião? O Partido
compreenderá que Lênin e Trotsky lutam pelo
futuro da revolução e não Trotsky pelo lugar de
Lênin enfermo? A situação de Lênin no Partido
fazia com que a incerteza a respeito do seu
restabelecimento se refletisse sobre as condições
mesmas de todo o Partido. A situação continuou
provisória, o que favorecia os epígonos. Stálin,
Secretário Geral, tornou-se naturalmente o maioral
do aparelho em todo o período do “interregno”
(1978, p. 401-402).
Uma avaliação da derrota do “bloco Lenin-Trotsky” no XII
Congresso não pode dispensar a consideração do que ocorria no PCR,
sobretudo a partir de 1922. Segundo o historiador A. Podtchekoldin
(1994), desenvolveu-se a ampliação dos dispositivos de controle das
direções centrais sobre as secretarias regionais e distritais. Houve
também a ampliação expressiva no quadro de profissionais do
570
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
partido, selecionados por instâncias superiores. Existiu o aumento
nas remunerações dos funcionários, além da viabilização do acesso
à privilégios materiais e sociais. O pesquisador fala em partidocracia
consolidada naquele ano. O Congresso de 1923 representou o assalto
dos funcionários do aparato partidário ao Estado, uma vez que “No
final de 1922, o poder real no partido já estava, em grande medida, nas
mãos da partidocracia – ‘hierarquia dos secretários’ – em cujo topo se
encontrava o Secretário do Comitê Central e, pessoalmente, Stálin”
(1994, p. 127).
Torna-se importante dizer que a derrota da revolução mundial,
sobretudo da revolução alemã em 1923, pavimentou o caminho para
que os funcionários formassem a casta privilegiada na União Soviética,
com o domínio desde a Rússia.
Considerações Finais: burocracia soviética e russificação
A República Soviética russa era a maior e a mais populosa, a
Rússia foi a nação dominante no Império dos Czares. A despeito da
situação de penúria resultante do conflito da guerra civil e do cerco
imperialista, o território russo usufruía de condições que as outras
nações soviéticas não possuíam, visto que o centro administrativo da
nova União se encontrava em Moscou, possibilitando certas vantagens
em continuar a desenvolver a hegemonia russa sobre as outras nações
menores, o que possibilitaria a permanência de aspectos do antigo
regime czarista na configuração social soviética, isto é, a sobreposição
da Rússia diante das outras nações. O Estado soviético foi tido
enquanto extensão natural da nação russa.
O processo de centralização administrativa com base na
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
571
estrutura de partido único inevitavelmente fundiu a construção do
socialismo soviético com a difusão do russo como língua predominante
na administração, no acesso às escolas, às universidades e ao aparato
do partido e do Estado, assim como tornou-se referência de cultura e de
mobilidade social para todas as outras nacionalidades que compunham
a URSS.
O episódio da crise da questão georgiana evidenciou a
construção do domínio grão-russo na URSS desde o seu início. Vale
destacar que o principal representante da edificação do controle grãorusso no sistema soviético foi um georgiano de nascimento, mas ligado
à burocracia do partido russo, setor privilegiado devido à expropriação
política do proletariado.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
PARTE VIII
URSS, STALINISMO E
A TEORIA DO ESTADO
OPERÁRIO BUROCRATIZADO
575
576
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
A relação entre o colapso do bloco soviético e o stalinismo
Marcio Lauria Monteiro1
A teoria do Estado operário burocraticamente degenerado
Leon Trótski desenvolveu um importante arsenal teóricoconceitual e também programático para lidar com a contradição que
se desenvolveu entre o projeto original da Revolução Soviética e o
regime político que se consolidou na União Soviética na década de
1930. Em suas análises “maduras”, Trótski utilizou o conceito de
“Estado operário burocraticamente degenerado” para caracterizar e
explicar o que era a URSS.2
O primeiro elemento desse conceito (Estado operário) designa
uma formação social de transição entre o capitalismo e o socialismo,
onde o Estado tem caráter de classe proletário, tendo sido construído
por uma revolução proletária vitoriosa, e cujas relações de propriedade
e produção mesclam elementos de sobrevivência do modo de produção
capitalista com elementos de um nascente modo de produção socialista.
Um Estado operário, portanto, pode tanto avançar para o socialismo
quanto retroceder para o capitalismo, a depender da correlação de
forças entre classes a nível nacional e internacional e dos processos
1 Doutor em História Social pelo PPGH UFF, professor e pesquisador no Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFBA) campus Porto Seguro. Coordena
o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trótski / Trotskismo e a Historiografia (GEPTH), é pesquisador associado ao Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Marx e o Marxismo (NIEP-MARX UFF) e é membro do Comitê Mário Pedrosa,
que organizou o II Encontro Internacional Leon Trótski (2023) os Eventos Online
Trótski em Permanência (2020 e 2021). Contato: marciolmonteiro@gmail.com
2 Para uma síntese mais detalhada, ver ROMÃO e MONTEIRO, 2020.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
577
concretos de desenvolvimento histórico.
Contudo, no caso específico do Estado operário soviético,
ocorreu um processo de expropriação política da classe trabalhadora por
parte de uma burocracia estatal-partidária, que passou a monopolizar o
poder político na forma de uma ditadura burocrática. Esse é o segundo
elemento do conceito (“burocraticamente degenerado”), que designa
um desvio em relação ao projeto socialista, de autogestão da política
e economia pela classe trabalhadora (a socialização dos meios de
produção acompanhada da socialização de sua gestão).
A degeneração burocrática do Estado operário soviético ocorreu
em decorrência do isolamento internacional em que se viu a revolução
em seus primeiros anos e das consequências desse isolamento, tais
como a escassez de recursos e a necessidade de militarização, ao que
ainda se somou uma enorme devastação humana e material decorrente
da “Guerra Civil” de 1918-1921. Nesse contexto, um setor conservador
do partido e da burocracia estatal se fortaleceu e buscou se manter no
poder em prol de ter privilégios materiais, através da repressão e de
um sistema de nomeações e cargos (nomenklatura). Esse processo de
degeneração burocrática Trótski nomeou de “reação termidoriana”,
em chave comparativa com a Revolução Francesa e seu período de
moderação e reversão das conquistas mais radicais: o poder seguiu
com a burguesia, mas assumiu outra forma, tal qual na URSS o poder
seguiu com o proletariado, mas sob novas formas.
O regime político ditatorial dessa burocracia “termidoriana”
em uma sociedade de transição ao socialismo Trótski nomeou de
“stalinismo” e o comparou ao bonapartismo, pois manobrava entre o
proletariado e o imperialismo e possuía uma autonomia relativa em
relação à classe na qual estava assentado (o proletariado).
578
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Essa base teórico-conceitual foi desenvolvida mais a fundo na
obra “A Revolução Traída” (TROTSKY, 2005) e na série de artigos e
cartas compilados em “Em Defesa do Marxismo” (TROTSKY, 2011),
onde Trotsky também expõe o programa de ação da Quarta Internacional
para enfrentar o stalinismo: desenvolver a revolução internacional ao
mesmo tempo em que luta por uma “revolução política” na URSS,
através da qual a classe trabalhadora removeria a burocracia do poder
e reestabeleceria o regime de democracia proletária dos soviets.
Ademais, em suas várias análises sobre a situação da URSS
escritas nos anos 1930, Trótski alertou que essa burocracia, ao
mesmo tempo em que defendia (com seus próprios métodos brutais)
a propriedade socializada para dela poder parasitar, não obstante
colocava em risco a sobrevivência dessa propriedade. Esse risco vinha
de várias fontes diferentes, porém interconectadas. Primeiro, Trótski
apontou que a burocracia sabotava a internacionalização da revolução
soviética para garantir a estabilidade de seu regime, de forma que
acabava por prologar o isolamento da URSS e aumentar os problemas
dele decorrentes.
Segundo, enfatizou que o regime stalinista inevitavelmente se
tornaria um freio ao desenvolvimento das forças produtivas soviéticas,
pois a propriedade socializada demandava uma gestão igualmente
socializada para ser eficaz, através de um planejamento econômico
baseado na democracia soviética. A gestão burocrática poderia
até produzir grandes saltos iniciais no período de importação de
tecnologias e expansão da infraestrutura industrial e agrícola, mas não
daria conta de passar de um modelo de desenvolvimento extensivo
para um de desenvolvimento intensivo, que demandaria não só uma
gestão eficaz da propriedade socializada, como também um clima de
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
579
iniciativa e liberdade intelectual para o desenvolvimento científico.
Terceiro, alertou que setores dessa burocracia inevitavelmente
almejariam tornar-se proprietários, convertendo-se em burguesia, uma
vez que não tinham relação de posse legalizada com a propriedade
socializada da qual suas condições de vida privilegiadas dependiam. A
vida de um burocrata dependia de toda uma delicada rede de alianças
políticas para manter o acesso aos privilégios atrelados a seu cargo,
e esses privilégios não poderiam ser passados adiante na forma de
herança, de forma que bastava um desacordo ou desafeto para um
burocrata ir da cúpula do regime de volta para o chão da fábrica e,
com isso, ver seu padrão de vida despencar vertiginosamente (isso se
não fosse preso ou morto).
Sobre as possibilidades de uma contrarrevolução que fizesse
a URSS retroceder ao capitalismo e a um Estado burguês, em suas
análises dos anos 1930, Trótski estava mais preocupado com a
possibilidade de uma contrarrevolução na forma de guerra imperialista
– sobretudo uma invasão alemã, que dominasse o território soviético
colonizando-o. Não obstante, ele também levantou a possibilidade de
uma contrarrevolução interna, impulsionada por esse desejo de setores
da burocracia em se tornarem burgueses. Para nós, esse é um elementochave para entender o que houve na URSS e no Leste Europeu ao final
do século XX: uma contrarrevolução interna impulsionada por setores
da burocracia que desejavam ir além da posição instável de gestores
parasitários da propriedade socializada e se tornarem proprietários
privados dos meios de produção.
É verdade que Trótski enfatizou que a URSS não sobreviveria
à 2ª Guerra Mundial se não ocorresse uma revolução política que
removesse o stalinismo do poder e assegurasse uma gestão eficiente e
580
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
democrática da economia, capaz de fazer frente às ameaças imperialistas.
Para ele, o regime stalinista era altamente instável e ineficaz, de forma
que ou seria derrubado pelo proletariado soviético na forma de uma
revolução política, ou derrubado por forças imperialistas na forma
de uma contrarrevolução externa. Contudo, ele não acompanhou em
detalhes a implementação do sistema de planejamento burocrático da
economia, que permitiu um salto muito grande como parte do esforço
de guerra. Tampouco viveu para ver a redução parcial do isolamento
nacional da URSS ao final da guerra, com sua expansão burocráticomilitar que transformou grande parte do Leste Europeu em Estados
operários burocratizados e com o triunfo de novas revoluções, ainda
que também burocraticamente deformadas, na Iugoslávia, Albânia,
China, Coreia do Norte, Vietnã, Laos e Cuba. Isso explica em parte a
sobrevivência da URSS à 2ª Guerra Mundial mesmo na ausência de
uma revolução política.
Não obstante, os elementos de contradição que Trótski
já apontava nos anos 1930 se tornaram ainda mais agudos pela
sobrevivência prolongada do stalinismo, como os desequilíbrios na
economia que forçaram a própria burocracia a buscar reformar o
sistema de planejamento hipercentralizado e hiperverticalizado e o
desgaste político do regime junto ao proletariado, que levou à eclosão
de revoltas de massas em prol de um “socialismo democrático” nos
anos 1950-60 e, de forma mais pontual, também nos anos 1970.
O conceito de stalinismo como chave explicativa da restauração
burguesa
Para nós, a URSS e formações sociais equivalentes a ela
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
581
que surgiram no Leste Europeu no pós-Segunda Guerra (o “Bloco
Soviético”) permaneceram sendo Estados operários burocratizados
até as contrarrevoluções que restauraram o Estado burguês ao final
do século e asseguraram a plena restauração da propriedade privada e
das relações de mercado naquelas formações sociais. Diferentemente
do que supunha Trótski, essa contrarrevolução não se deu na forma de
uma guerra imperialista, mas a partir do protagonismo de setores da
própria burocracia, com a apoio de setores de massas decepcionadas
com décadas de convencimento de que o stalinismo era sinônimo de
socialismo e iludidas com as promessas de democracia e prosperidade
econômica feita por grupos neoliberais.
A tese de que o regime stalinista se tornaria um freio ao
desenvolvimento das forças produtivas não tardou a ser comprovada.
Já em meados dos anos 1950, a própria burocracia da URSS percebeu
uma desaceleração nas taxas de crescimento da economia e se viu
forçada a buscar reformas no sistema de gestão hipercentralizada e
verticalizada. Ao longo dos anos 1960, 70 e 80 várias outras reformas
de flexibilização da gestão foram tentadas, mas todas se chocavam com
a resistência de setores da tecnocracia estatal e dos administradores de
empresas, que perderiam poder e privilégios materiais se as mudanças
fossem adiante.
Nos anos 1980, com a crescente deterioração da economia,
um setor da burocracia começou a apostar cada vez mais no chamado
“socialismo de mercado”, na tentativa de dinamizar a economia, ainda
que às custas de gerar desigualdade social. Esse era o significado
da Perestroika de Gorbachev. Para romper a resistência de setores
da própria burocracia, a ala reformadora se viu forçada a realizar
mudanças políticas para enfraquecer os que resistiam, a Glasnost.
582
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Com isso, acabou liberando forças muito poderosas, que rapidamente
se organizaram e apresentaram suas demandas, em especial setores
contrarrevolucionários neoliberais, que capturaram a crescente
insatisfação de setores de massas diante das dificuldades econômicas e
falta de democracia e passaram a exigir privatizações em larga escala,
economia de mercado e democracia eleitoral-representativa. Seu
principal porta-voz era Boris Ieltsin e possuía amplo apoio das forças
imperialistas, que chantegeavam o governo da URSS com promessas
de empréstimos e fornecimento de alimentos e matéria-prima em troca
da aceleração de reformas de mercado.
Ieltsin conseguiu unificar setores da burocracia que tinham
mais a ganhar com uma conversão em burguesia do que na manutenção
da sua instável situação de grupo social gestor parasitário. Com
apoio das forças imperialistas e também dos setores de massas que
conseguiram iludir com promessas de democracia e prosperidade, esse
setor restauracionista conseguiu tomar o controle do aparato de Estado
após o fracasso do golpe de agosto de 1991 e realizou um sistemático
desmonte desse aparato para erguer em seu lugar um Estado burguês,
à serviço da nova classe proprietária que surgia do seio da própria
burocracia. Algo similar ocorreu em boa parte do Leste Europeu, com
uma ou outra característica secundária diferente.3
Para nós, esses eventos comprovam a teoria do Estado operário
burocratizado de Trótski em seus elementos centrais: a ditadura da
burocracia e o isolamento nacional bloqueavam a transição ao
socialismo daquelas formações sociais onde a burguesia havia sido
expropriada; apesar de importantes avanços, o stalinismo se tornou
3 Para uma análise pormenorizada desses processos e também da resposta dos
trotskistas da época a eles, ver MONTEIRO, 2021.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
583
um freio cada vez maior ao desenvolvimento das forças produtivas,
causando desequilíbrios e ineficiência na gestão da economia; diante
da impossibilidade de se autorreformar e das pressões internas e
externas, setores da burocracia optaram por se converterem em
burguesia operando uma contrarrevolução restauracionista.
Vejamos alguns dados que sustentam essa interpretação. Sobre
a conversão da burocracia em burguesia, uma pesquisa do início dos
anos 1990 apontou que a origem dos 62% dos principais empresários
russos de 1992-93 estava na burocracia (“elite estatal-partidária”), dos
quais 23% eram advindos da burocracia dos ministérios industriais
e comitês estatais, bem como diretores de empresas industriais, 17%
haviam passado recentemente pela organização de juventude do PC
(Komsomol, local de gestação de muitos empresários, já que todo
jovem subindo na hierarquia pessoal passava por ele, onde fazia
contatos importantes e podia ficar até o início dos 40 anos), e 14%
veio dos bancos, privatizando bancos estatais ou criando os seus
próprios. Apesar do aumento progressivo de participação de capitais
imperialistas na economia russa, em 1995, outros dados apontam que
61% da burguesia nativa ainda era originária de setores da antiga
burocracia.4
Outros dados importantes sustentam a noção de que, a despeito
do stalinismo, a URSS era uma formação social em muito superior ao
capitalismo. É o caso da brutal queda de diversos índices econômicos:
durante quase toda a década de 1990, o crescimento do PNB russo e
da economia em geral foi negativo (com exceção de 1997 e 1999);
em 1998, mais de 80% das fazendas e cerca de 70 mil empresas havia
falido; ocorreu um desmonte das indústrias, na casa de 50% de redução
4
Dados compilados de diferentes fontes, em MONTEIRO, 2021, p. 435.
584
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
entre 1990 e 1991; os investimentos caíram, em 1995, a apenas 8% do
PNB; a concentração de renda disparou. É o caso também da brutal
queda de índices relacionados ao bem-estar do proletariado: a taxa de
desemprego cresceu constantemente entre 1991, quando já era 5,15%,
até em 1998, quando atingiu o pico de 13,26% e começou a cair, tendo
sido mais acentuada entre os jovens (13,03% em 1991, e 27,14% em
1998); a população considerada pobre (ganhando até 4 dólares por
dia) foi de 2 milhões, em 1989, para 74 milhões em 1998; a taxa de
mortalidade disparou entre 1988 e 2003 e a de suicídio quase dobrou
de 1986 para 1994; os crimes violentos quadriplicaram nesse ano; o
consumo abusivo de álcool e também de entorpecentes mais pesados,
como heroína, explodiu ao final dos anos 1990; a expectativa de vida
despencou continuamente entre 1988, quando era de 69,13 anos,
e 2003, quando atingiu 64,95 anos e somente então voltou a subir,
recuperando e ultrapassando o índice de 1988 apenas em 2012.5
É verdade que Trótski encarava que uma contrarrevolução,
para triunfar, precisaria engendrar uma “guerra civil sangrenta”,
pois, em suas palavras, a revolução ainda vivia não só nas formas de
propriedade, mas também “na consciência das massas” (TROTSKY,
2005). Para nós, a surpresa de uma contrarrevolução apoiada por
setores de massa se explica pelo efeito negativo que décadas de
stalinismo produziu sobre a consciência dessas massas. Se, nos anos
1960, setores lutaram em todo o Leste Europeu contra o stalinismo
e em prol de um “verdadeiro socialismo”, nos anos 1980 uma nova
geração estava convencida de que não havia alternativa ao stalinismo
que não fosse o liberalismo capitalista, donde não ter ocorrido uma
resistência de massas à contrarrevolução.
5
Dados compilados de diferentes fontes, em MONTEIRO, 2021, p. 438-439.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
585
Conclusão
A maior parte do movimento trotskista internacional
falhou miseravelmente diante desses eventos. Convencidos de
que seria impossível as massas apoiarem até o fim forças políticas
contrarrevolucionárias, pois isto iria “contra seus interesses objetivos”,
correntes como os mandelistas, morenistas e lambertistas apoiaram os
movimentos políticos que possuíam lideranças comprometidas com
a contrarrevolução. Os mandelistas, ademais, acreditavam que seria
possível ainda uma autorreforma da burocracia e, por isso, apoiavam os
setores reformadores acreditando que eles levariam a uma democracia
proletária “sob pressão das massas”. O objetivismo e o oportunismo
desses grupos os levaram a apoiar e até comemorar a vitória da
contrarrevolução burocrático-burguesa e a passar boa parte dos anos
1990 e 2000 sem entenderem que Estados burgueses haviam tomado
o lugar dos Estados operários burocratizados do Leste Europeu. Viram
na contrarrevolução que teve forma de reação democrática o triunfo da
sonhada revolução política anti-stalinista.6
Naquele momento, o correto teria sido se opor de forma
intransigente às lideranças neoliberais e contrarrevolucionárias à frente
de movimentos de massa pró-democráticos, tentando rachar esses
movimentos para tirar da influência dessas lideranças os trabalhadores
insatisfeitos com o stalinismo e direcionar sua insatisfação para uma
defesa do socialismo. Era necessário defender e apoiar a repressão
aos líderes e grupos contrarrevolucionários, inclusive quando ela fosse
feita pela “linha dura” da burocracia. E combinar a crítica ao stalinismo
6 Para uma análise pormenorizada, ver MONTEIRO, 2021. Para uma síntese, ver
MONTEIRO, 2023.
586
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
à defesa da democracia proletária socialista, e não da democracia em
abstrato, que serviu naquele contexto à contrarrevolução burguesa.
Para isso, era imprescindível a construção de partidos verdadeiramente
trotskistas no interior dos Estados operários burocratizados, em
oposição às burocracias stalinistas e às forças neoliberais.
Por fim, esse não é um debate acadêmico. Um cenário semelhante
está presente hoje nos Estados operários burocratizados remanescentes:
Cuba7, China, Coreia do Norte e Vietnã. É obrigação dos socialistas
lutarem contra as forças pró-capitalistas dentro desses países, sem
capitular às burocracias que os governam, bem como lutarem pela
democracia proletária sem capitular às forças contrarrevolucionárias,
ao mesmo tempo em que lutam pela reconstrução de um partido
mundial da revolução socialista para destruir o capitalismo a nível
internacional.
Referências bibliográficas
MONTEIRO, Marcio Antonio Lauria de Moraes. Stalinismo, revolução
política e contrarrevolução: o movimento trotskista internacional e a
teoria do Estado operário burocratizado aplicada ao bloco soviético
(1953-91). Tese (Doutorado). Universidade Federal Fluminense,
Programa de Pós-Graduação em História, Niterói, 2021. Disponível
em https://www.historia.uff.br/academico/media/aluno/2273/projeto/
TESE_VERS%C3%83O_FINAL_-_Marcio_Antonio_Lauria_de_
Moraes_UJLRnfA.pdf
MONTEIRO, Marcio Lauria. “Stalinismo, revolução política e
contrarrevolução: o movimento trotskista internacional e a teoria do
7
Ver nosso texto sobre a situação em Cuba presente neste livro.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
587
Estado operário burocratizado aplicada ao bloco soviético (1953-91)”.
In: MONTEIRO, Marcio Lauria (Org.). Trótski em Permanência.
Anais do evento online de 2021. São José do Rio Preto: Práxis
Editorial, 2023. Versão online disponível em: https://rr4i.noblogs.
org/2023/09/21/stalinismo-revolucao-politica-e-contrarrevolucao-omovimento-trotskista-internacional-e-a-teoria-do-estado-operarioburocratizado-aplicada-ao-bloco-sovietico-1953-91/.
ROMÃO, Morgana Moura; MONTEIRO, Marcio Lauria. O Stalinismo
e a União Soviética segundo a interpretação de Leon Trotsky. Aurora
- revista de arte, mídia e política, v. 13, n. 38, 2020. Disponível em:
https://revistas.pucsp.br/index.php/aurora/article/view/48667.
TROTSKY, Leon. A Revolução Traída. O que é e aonde vai a URSS.
São Paulo: Sundermann, 2005.
TROTSKY, Leon. Em Defesa do Marxismo. São Paulo: Sundermann,
2011.
588
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
El pronóstico de Trotsky sobre la restauración capitalista, a la luz de esta crisis mundial
Rafael Santos 1
No podemos dejar de resaltar el rol revolucionario de León
Trotsky en la elaboración político-programática. En su artículo “A 90
años del Manifiesto Comunista”, de 1937, reivindica la plena vigencia
del primer programa comunista elaborado por Marx y Engels. Lo
que “no significa” –dice- que después de 90 tumultuosos años “el
Manifiesto no precise de correcciones y adiciones”. Para Trotsky, “el
pensamiento revolucionario no tiene nada en común con la idolatría.
Los programas y las predicciones se verifican y corrigen a la luz de la
experiencia, que es el criterio supremo de la razón humana”.
La tendencia restauracionista de la burocracia stalinista
Uno de los mayores aportes de Trotsky a la teoría marxista fue
el análisis de la burocratización del Estado Obrero soviético, el carácter
transitorio del mismo y la amenaza de la restauración capitalista.
Procesos que ni Marx y Engels, y parcialmente Lenin, habían podido
prever, porque fueron fenómenos nuevos en la historia de la lucha de
clases.
Un proceso contrarrevolucionario, dirigido por Stalin se montó
sobre el retroceso de la revolución mundial -producto de la derrota
de la revolución alemana y otros estallidos revolucionarios europeos
1 Miembro del Comité Nacional del Partido Obrero (Argentina). Editor de la revista “En Defensa del Marxismo”.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
589
y en China- que colocaron en una situación de aislamiento al Estado
Obrero surgido de la Revolución Rusa de 1917. La constitución de
una casta burocrática que usufructuó el dominio del aparato estatal en
su favor, con privilegios materiales, fue acompañada por una fuerte
represión al ala revolucionaria bolchevique. Es sabido que en 1940
solo dos de los miembros del Comité Central que dirigió la revolución
quedaban vivos: Stalin y Trotsky. Los demás fueron, en su gran
mayoría, ejecutados por el terror stalinista. Y el 20 de agosto de 1940
caía asesinado también León Trotsky.
Trotsky hizo un análisis de la nueva situación del Estado Obrero
en uno de sus textos más celebres: “La Revolución Traicionada”, de
1936. Al triunfar la revolución proletaria en un país de los más atrasados
de Europa y no lograr la extensión revolucionaria en las metrópolis
capitalistas se creó una nueva contradicción. La expropiación de los
capitalistas y latifundistas, el monopolio estatal del comercio exterior
y una planificación centralizada de la economía por parte del Estado,
planteó un impulso al desarrollo de las fuerzas productivas. Pero estas
partían de un gran retraso. Las normas de distribución de lo producido
se tenían que atener –dada la baja productividad y una escasa
producción de bienes de consumo- a un reparto burgués, insuficiente y
desigual. La burocracia contrarrevolucionaria a través del terror logró
imponerse como una casta social usufructuando en forma privilegiada
ese reparto.
Pero esta situación -la contradicción entre normas burguesas
de reparto y las formas socialistas de propiedad, en condiciones
de expropiación política del proletariado por una burocracia
contrarrevolucionaria- no podía mantenerse indefinidamente. Se
creaba una fuerte tendencia de la burocracia stalinista a modificar
590
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
las relaciones de propiedad, a la restauración capitalista. Al llevar
hasta el extremo -con complacencia de Stalin- las normas burguesas
de reparto, prepara una restauración capitalista. Esto, en su época
y aún hoy, fue una genial caracterización revolucionaria. De la
cual Trotsky deducía el carácter transitorio del Estado Obrero, la
posibilidad de volver a retroceder al capitalismo y la formulación de
un pronóstico alternativo (en el “Programa de Transición” de 1938)
que iba a depender en definitiva de la lucha de clases internacional:
“o bien la burocracia, convirtiéndose cada vez más en el órgano de la
burguesía mundial en el Estado Obrero derrocará las nuevas formas de
propiedad y volverá a hundir al país en el capitalismo, o bien la clase
obrera aplastará a la burocracia y abrirá el camino al socialismo”. Era
la época en que el llamado ‘movimiento comunista internacional’,
consideraba irreversible la constitución del Estado Obrero y, más aún,
que se entraba abiertamente en la construcción del socialismo… en
un solo país. En contra de la teoría marxista revolucionaria de que el
socialismo es un sistema internacional, que recién podrá considerarse
irreversible cuando el desarrollo de las fuerzas productivas supere al de
las naciones imperialistas desarrolladas. Y que eso era imposible para
una sola nación, dado el dominio imperialista del mercado mundial.
Trotsky formuló un programa para enfrentar esta tendencia
contrarrevolucionaria en la URSS: la necesidad de una revolución
política que derroque a la burocracia pro restauracionista y lleve
nuevamente al poder al proletariado. Revolución política, porque
–a diferencia de las naciones capitalistas- en la URSS ya se había
ejecutado la parte de la revolución social que planteaba la expropiación
de los capitalistas.
La restauración capitalista no iba a respetar el nivel de
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
591
desarrollo alcanzado por la URSS. El imperialismo iba a avanzar
decididamente hacia la colonización capitalista de toda Rusia. Hitler
(y antes otros imperialismos) intentarían imponer la restauración
capitalista, a través de la guerra, destruyendo el Estado, incluso a
la mayoría de la burocracia stalinista que se apoyaba en él. Trotsky
analizó –en “La Revolución Traicionada”- que “sin Ejército Rojo,
la URSS ya habría sido derrotada y desmembrada como China”. Y,
también caracterizó que un sector de la burocracia stalinista quería
transformarse en “compradora”, intermediaria con el imperialismo,
considerando –en “El Programa de Transición”- que “la nueva capa
gobernante sólo puede asegurar sus posiciones privilegiadas mediante
el rechazo de la nacionalización, la colectivización y el monopolio
del comercio exterior, en nombre de la asimilación de la ‘civilización
occidental’, es decir, el capitalismo”.
Después de la segunda guerra mundial, el creciente desarrollo
de levantamientos obreros en toda Europa Oriental –Berlín, Hungría,
Checoslovaquia, Polonia, etc.- con grandes movilizaciones obreras
revolucionarias contra las burocracias stalinistas, fue brutalmente
reprimido. Pero indicaba a las burocracias que estaba en desarrollo
el proceso de las revoluciones políticas por parte de la clase obrera
para tomar el poder político en los países que había sido expropiado el
capital. Espantada por esta tendencia revolucionaria, las burocracias
se fueron echando en brazos directos de la restauración capitalista.
La burocracia se transformó en el principal campo de desarrollo de
una nueva clase burguesa oligárquica a través de privatizacionesliquidaciones masivas de amplios sectores productivos.
592
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
La experiencia china
En 1949 Mao Tse-tung y el PC chino (PCCh) culminaron una
larga guerra civil tomando el poder en Pekín. El acuerdo de Stalin
con las potencias occidentales planteaba que la derrota japonesa
debía dar lugar a que China fuera nuevamente dirigida por el corrupto
Chiang Kai-shek, y su partido nacionalista burgués, el Kuomintang
(que incluso había pactado con el imperio japonés para atacar
conjuntamente al Ejército revolucionario dirigido por Mao Tse-tung).
Pero esta indicación fue desoída por el PCCh que empujado por un
fuerte ascenso revolucionario tomó el poder. Fue un gran avance
revolucionario que consumó la unidad nacional de China, profundas
transformaciones agrarias y –a través de un proceso- la expropiación
de los capitalistas.
Programáticamente, a diferencia de la Revolución Rusa, el PC
chino no pretendía instaurar una República o Federación socialista
soviética, es decir un Estado Obrero (como se hizo en la URSS), sino
que proclamó la República Popular China. Pretendía llevar adelante
una revolución democrática, con la integración del llamado “Bloque
de las 4 clases”, que incluía a la raquítica, casi inexistente, burguesía
nacional. La contrarrevolución imperialista, manifestada con la guerra
de Corea y la recolonización de Vietnam impulsó la radicalización de
la revolución. Una vez estabilizada –débilmente- la situación militar, la
creciente burocracia china al frente del Partido y del Estado, se propuso
construir un “socialismo con características chinas”: una nueva versión
del ‘socialismo en un solo país’. Buscando consolidar sus privilegios
de casta y buscando mantener un status quo con el imperialismo.
Ahogando, para ello, la extensión de la revolución mundial. En primer
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
593
lugar en Asia (masacre de la revolución en Indonesia por una política
frentepopuista como la que impuso Stalin en la década del 20 en China,
de subordinación al nacionalismo burgués del Kuomintang). Al igual
que Stalin, Mao y el PC chino emprendieron, en forma burocrática,
una serie de aventuras económicas, violentando la realidad social,
que provocaron fenomenales crisis, hambrunas y muertes masivas (el
‘gran salto’ de fabricar más acero que Gran Bretaña creando hornos
siderúrgicos en cada aldea, colectivizaciones agrarias forzosas,
etc.). Las terribles contradicciones y crisis que produjo esta política
aventurera y el desarrollo de una burocracia gubernamental, fomentó
las condiciones para el desarrollo de un proceso de restauración
capitalista. Proceso que se abrió no sin crisis y resistencias tanto dentro
del aparato del PCCh, como en las masas (la Revolución Cultural
impulsada por Mao, etc.). La sangrienta represión a la ocupación de la
Plaza de Tiananmén (más de 1.500 muertos, más de 30 mil detenidos)
en 1989, permitió que se impusieran decididamente los sectores
abiertamente restauracionistas de la burocracia. El proceso se había
abierto antes, con el giro de Mao al acuerdo con el presidente yanqui,
Nixon, y su Jefe del Departamento de Estado, Kissinger. A la muerte
del ‘gran timonel’, el ala restauracionista se hizo cargo del aparato
del PCCh y del Estado y dio pasos gigantes en este camino. Lo hizo
poniendo el mismo bajo ‘control’ de un gobierno bonapartista de mano
dura.
Límites del proceso restauracionista
En pocas décadas China tuvo un fenomenal salto económicoproductivo. Considerada la segunda economía mundial, después de la
594
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de los EEUU, por su Producto Bruto, muchos sectores, incluso de la
izquierda, han llegado a considerar que China se habría transformado
en un país imperialista. De ser así, China no solo habría consumado su
‘revolución democrática’ sino avanzado hasta salir a competir con el
imperialismo yanqui dominante (de la misma manera que este empezó
a desarrollarse hace dos siglos luego de su revolución-independencia
contra Gran Bretaña). Barrería con las tesis marxistas de que el
capitalismo, en su actual etapa imperialista, es “la reacción en toda la
línea” y ya no permite un real desarrollo autónomo de nuevas naciones
y menos que surjan nuevos imperialismos.
China es un país con un desarrollo combinado, sigue teniendo
la base de un país atrasado, con inserciones importantes del capital
financiero internacional en sus ramas base. El PBI por habitante está
lejos de las potencias imperialistas (está en el 69° lugar, por debajo del
de Chile, por ejemplo). Aunque ha logrado un lugar en la exportación
de sistemas de primer nivel, su dependencia tecnológica, incluso en
este campo, es fenomenal.
Trotsky caracterizó la existencia de este tipo de estructuras,
como expresiones de la ley del desarrollo desigual y combinado, que no
responden a un desarrollo armónico de las fuerzas productivas, sino que
inserta modernas técnicas, introducidas por el capital imperialista, en
un contexto en el que se mantiene el atraso económico. El núcleo central
de desarrollo chino provino de la instalación de empresas imperialistas
que usan la mano de obra superbarata y ‘disciplinada’ por el régimen
burocrático, como plataforma de exportación, fundamentalmente
hacia los propios centros imperialistas. Esto asegura superganancias al
capital e introduce incluso una competencia a la baja con los salarios
de los obreros de las metrópolis. La burguesía china autóctona que está
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
595
surgiendo de este proceso de restauración es una clase relativamente
débil, asociada a la burocracia del PCCh, aprisionada entre dos
colosos: la fuerte penetración del capital imperialista por un lado –con
todo su poderío, no solo económico, sino político y militar- y por un
gigantesco proletariado de más de 400 millones de asalariados chinos
creado por las inversiones extranjeras y las de ‘capital nacional’. La
nueva clase burguesa china, una protoburguesía, está sostenida por
el régimen bonapartista que la defiende frente a estos dos monstruos
creados por el desarrollo restauracionista. La burocracia restauradora
del capital arbitra medidas en defensa de bancos y empresas que
debieran ir a la quiebra, pero que son sostenidas ‘artificialmente’ por
los fondos estatales, son parte del llamado “capitalismo zombie”.
¿Una restauración pacífica?
Hay corrientes de la izquierda que caracterizan que la
restauración capitalista en China se ha impuesto de un modo pacífico.
No solo no consideran como esencial el violento aplastamiento
burocrático de los movimientos de lucha hacia un proceso de
revolución política contra la burocracia represora y restauracionista
y el establecimiento de un régimen de regimentación totalitaria, sino
que no comprenden la naturaleza del proceso restauracionista. Se
trata de una restauración incompleta, no acabada. El imperialismo,
por su naturaleza monopólica, no puede permitir una China fuerte,
en términos capitalistas. Necesita hacer retroceder las conquistas de
la revolución de 1949 y avanzar en un proceso de colonización a
fondo. Incluso, no se debe descartar como un objetivo estratégico el
hacer retroceder la unidad nacional china, hacerla volver al período
596
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
prerrevolucionario. A fines del siglo XIX, distintos imperialismos
tenían ‘concesiones’ y áreas exclusivas de dominio. China era un
campo de disputa interimperialista. Japón constituyó gran parte de su
imperio colonial sobre territorio chino (Manchuria, etc.).
La restauración capitalista, llevada a su culminación, planteará
la división de China para mejor colonizarla, incluso entregando sectores
al control directo del capital financiero imperialista yanqui y otros.
Esa fue la experiencia de la restauración capitalista en Yugoslavia,
que llevó a sangrientas guerras que destrozaron su unidad nacional,
recreando pequeños Estados-protectorados bajo influencia de diversos
imperialismos. (Lo mismo ha sucedido en Libia, dividida en dos, bajo
distintos protectorados capitalistas). La restauración capitalista no
aleja la guerra, sino que la promociona, incentivada por la agudización
de la crisis capitalista en desarrollo. Un peligro de rigurosa actualidad:
la guerra de EE. UU.-Otan contra Rusia, la preparación militarista
y las provocaciones de Trump-Biden contra China, es una política
de Estado que abarca a Demócratas y Republicanos por igual. Una
eventual culminación del proceso restauracionista no será posible
sin grandes guerras y revoluciones en China y en el mundo, como
pronosticara Trotsky.
La lucha contra la catástrofe de la guerra imperialista es una
tarea central de la vanguardia obrera y socialista.
Referencias bibliográficas
TROTSKY, León. “A noventa años del Manifiesto Comunista”, 1937.
TROTSKY, León. “La revolución traicionada”, 1936.
TROTSKY, León. “Programa de Transición”, 1938.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
597
Apuntes críticos sobre el balance del estalinismo. Los
problemas del objetivismo en el análisis de la ex-URSS
Víctor Artavia Quirós1
I. Introducción
El ascenso y consolidación del estalinismo en los años veinte
y treinta del siglo pasado, generó un intenso debate en la izquierda
internacional sobre el carácter de la URSS, debido a las profundas
transformaciones –económicas, sociales y políticas- que experimentó
el Estado soviético en poco más de una década.
Las filas de la Oposición de Izquierda Internacional – y
posteriormente la IV Internacional2 – no fueron la excepción, pues, en
su interior, hubo tensiones y rupturas sobre la postura a seguir ante el
fenómeno de la burocratización estalinista. Por ejemplo, a finales de
los años veinte, cuando Stalin operó un giro ultraizquierdista con la
1 Dirigente de la corriente internacional Socialismo o Barbarie. Historiador formado en la Universidad de Costa Rica. Contacto: vic.artq@gmail.com
2 Durante gran parte de la batalla contra la burocracia estalinista, el movimiento
articulado alrededor de Trotsky se consideró como una fracción dentro del Partido
Comunista y de la III Internacional, por lo cual adoptaron el nombre de Oposición de
Izquierda para el caso de la URSS y Oposición de Izquierda Internacional en tanto
centro coordinador de las agrupaciones en otros países, cuyo objetivo era reformar
el régimen político impuesto por la burocracia. Esto varió cuando se produjo el ascenso al poder de Hitler en 1933 sin ningún tipo de resistencia desde el PC alemán
-por la política ultraizquierdista del estalinismo-; ante esa derrota histórica, Trotsky
concluyó que era necesario impulsar una nueva internacional y, en consecuencia,
formalizar la ruptura con los partidos comunistas en cada país, lo cual daría paso
a la conformación de la Liga Comunista Internacional y, posteriormente, de la IV
Internacional en 1938, con la tarea explícita de luchar por la revolución política en la
URSS –destruir el régimen burocrático y mantener las bases sociales creadas por la
revolución de Octubre- y la revolución socialista en los países capitalistas.
598
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
colectivización forzosa del campo y la industrialización acelerada –el
llamado “tercer período”-, un sector capituló alegando que la burocracia
soviética implementaba el programa económico de la Oposición de
Izquierda, sin reparar en la forma autoritaria como se llevaron a cabo
esas medidas. Posteriormente, a finales de los años treinta, una minoría
dentro del Socialist Workers Party (SWP) de los Estados Unidos –
principal sección de la IV Internacional en ese momento-, asumió una
política anti-defensista con relación a la URSS, es decir, rehusaron
defender a la URSS en caso de un eventual enfrentamiento militar con
otras potencias imperialistas.
Trotsky analizó al estalinismo en diferentes artículos y libros
a lo largo de casi dos décadas, por medio de los cuales dio cuenta
del proceso de burocratización y sus repercusiones sobre la URSS;
un fenómeno novedoso e imprevisto para las corrientes socialistas
revolucionarias previo a la revolución de 1917. A causa de eso, sus
textos presentan ángulos y acentos diferentes, los cuales responden al
momento cuando se escribieron y, también, a los debates dentro de las
filas del joven movimiento trotskista. Así, cuando polemizó con los
sectores que capitularon al giro ultraizquierdista de Stalin, enfatizó en
la relación entre las tareas, la forma en que se realizaron y los sujetos
sociales que ejecutaron las medidas (el qué, el cómo y el quién);
en cambio, cuando se enfrentó con los anti-defensistas, reafirmó la
defensa incondicional de la URSS en caso de una agresión militar
imperialista (una posición totalmente correcta), pero, al calor del
debate, “torció mucho la vara” y se deslizó hacia posicionamientos
objetivistas sobre la teoría del Estado.
Con este trabajo nos proponemos tres objetivos. En primer
lugar, destacar los puntos fuertes del análisis de Trotsky sobre el
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
599
fenómeno de la burocratización, particularmente en lo que concierne a
las innovaciones teóricas y la riqueza metodológica que desarrolló
en La revolución traicionada. Seguidamente, dar cuenta de sus puntos
débiles a la hora de sopesar los efectos de la burocratización en la
URSS; en concreto, abordaremos críticamente su caracterización
de Estado obrero degenerado, la cual, a nuestro modo de ver, fue
correcta en tanto trató de reflejar la involución del Estado obrero
soviético, pero fue rápidamente superada por la experiencia histórica
con el salto cualitativo de la contrarrevolución estalinista (lo cual
Trotsky no pudo procesar debido a su asesinato). Por último, retomar
su legado teórico para repensar el balance de la burocratización, lo
cual implica apoyarse en los aspectos más avanzados de su análisis
para ahondar en la comprensión de la contrarrevolución estalinista
y sus consecuencias duraderas en la ex URSS -y colateralmente
en los países del Este europeo- y, de esta manera, extraer lecciones
estratégicas para relanzar el socialismo revolucionario en el siglo XXI.
Antes de continuar, es importante resaltar que, el análisis
expuesto en este trabajo, es fruto de una elaboración colectiva de
la corriente internacional Socialismo o Barbarie (SoB) en torno al
balance estratégico del siglo XX y de la experiencia estalinista3.
II. La Revolución Traicionada: Innovaciones Teóricas y Puntos
Débiles
Sin duda alguna, entre la vasta obra teórica de Trotsky sobre
el estalinismo, La Revolución Traicionada (1937) constituye su
3 Para conocer más a fondo las elaboraciones de SoB sobre este tema, sugerimos
visitar el sitio www.izquierdaweb.com
600
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
trabajo más balanceado y desarrollado, en el cual realizó un estudio
a profundidad de la URSS, la cual asumió como una formación
social sin precedentes históricos y, a partir de ese criterio, planteó
una serie de definiciones abiertas y sin negar las contradicciones que
marcaban su carácter social. A lo largo de esta obra desplegó lo mejor
de su razonamiento dialéctico y aplicó las herramientas teóricas del
marxismo revolucionario para comprender un fenómeno concreto,
cuyo desenlace estaba sujeto a los avatares de la lucha de clases en la
URSS y a nivel internacional.
Un análisis innovador, dinámico y concreto
La revolución rusa cosechó una enorme simpatía entre la clase
trabajadora y sectores de izquierda a nivel mundial. Debido a esto,
en los años subsiguientes a la insurrección de Octubre, proliferó la
literatura de los llamados “amigos” de la URSS (particularmente en
la década del treinta), en su mayoría compuesta por obras descriptivas
y aduladoras del “milagro” ruso bajo la conducción “infalible” de
Stalin. Trotsky se refirió a estos libros como la escuela internacional
del “bolchevismo para uso ilustrado de la burguesía” o “socialismo
para turistas radicales” (TROTSKY, 2001, p. 40).
En este contexto, la aparición de La Revolución Traicionada
-escrito en 1936 y publicado un año más tarde- fue un punto de
quiebre, pues constituyó la primera investigación marxista seria sobre
el desarrollo de la URSS hasta ese momento, cuyo objetivo era apreciar
críticamente la realidad social del país tras veinte años de revolución.
Para llevar a cabo esta tarea, Trotsky movilizó al conjunto de
categorías heredadas por el marxismo para comprender un fenómeno
profundamente novedoso, que, además, estaba ausente del horizonte
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
601
teórico de los clásicos: una revolución obrera que reconstruyó un
Estado y, más complejo aún, degeneró a manos de una burocracia,
la cual, al cabo de unos años, expropió el poder a la clase obrera
(ARTOUS, 2017).
Vale recordar que, antes de la revolución rusa, el proletariado
tuvo en la Comuna de París (1871) su más elevada experiencia
histórica, pues, por un lapso de tres meses, erigió un gobierno obrero
revolucionario. Su prematuro aplastamiento militar a manos de la
tropas francesas y prusianas impidió profundizar esta experiencia,
pero, aun así, sirvió como una primera referencia concreta sobre los
contornos del poder bajo el control de la clase obrera, los cuales Marx
sintetizó en su folleto La Guerra Civil en Francia, en el cual concluyó
que la Comuna hizo realidad la aspiración de un gobierno barato y, más
importante, la describió como “la forma política al fin descubierta para
llevar a cabo dentro de ella la emancipación económica del trabajo”
(MARX, 1976, p. 233-236). Junto con esto, legó enormes enseñanzas
a las futuras generaciones revolucionarias sobre las dificultades de
instaurar un poder obrero; en particular, aleccionó sobre la ferocidad
de la contrarrevolución burguesa y la necesidad de oponer una
resistencia tenaz para derrotarla (LENIN, 1908).
Pero la corta existencia de la Comuna no preparó sobre los
“peligros profesionales del poder” (término acuñado por Rakovsky al
respecto de la burocratización de la URSS), lo cual explica la ausencia
de herramientas teóricas –y de alertas políticas- sobre el tema a lo largo
del siglo XIX. Sería hasta inicios del siglo XX cuando la generación
de Rosa, Lenin y Trotsky, afrontó el fenómeno de la burocratización
dentro del movimiento obrero y socialista en diferentes escalas. En el
caso de Rosa, lo hizo como parte de sus combates contra el aparato
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
conservador y reformista del PSD alemán -por ejemplo en Huelga
masas, partido y sindicatos de 1906-; mientras que, a Lenin y Trotsky,
les correspondió enfrentar la burocratización en un plano muchísimo
más complejo, a saber, la progresiva degeneración de la revolución
rusa con el Partido Bolchevique en el poder.4
Todo lo anterior, permite apreciar la magnitud de la tarea
que asumió Trotsky con La Revolución Traicionada: interpretar en
tiempo real el proceso de burocratización liderado por la camarilla
estalinista, estableciendo sus efectos sobre la estructura social de
la URSS. Esto requirió apoyarse en la elaboración marxista sobre
teoría del Estado, pero dada la complejidad del caso en cuestión, tuvo
que innovar muchísimo en su enfoque.
Trotsky analizó a la URSS como una formación social
concreta, con la particularidad de que no se asentaba sobre un modo
de producción estabilizado. A raíz de eso, su abordaje se alejó de
esquematismos históricos o categorías lógicas abstractas; desarrolló
un método que, como destaca Artous, es una muestra de “dialéctica en
acción”, pues contrastó todo el andamiaje teórico del marxismo con la
experiencia de la primera revolución que se planteó la transición del
capitalismo al socialismo (ARTOUS, 2017).
A partir de este ángulo, destacó que, el desarrollo de la URSS,
no era lineal y, por el contrario, lo describió como muy contradictorio y
no armonioso. Para explicar eso, Trotsky retomó un criterio clásico del
marxismo y lo contrapuso con la realidad soviética de ese momento, lo
cual podemos sintetizar en dos puntos:
a) La dictadura proletaria es un puente entre la sociedad
4 En el caso de Lenin, percibió el problema en sus etapas iniciales y se dispuso
a enfrentarlo, pero murió prematuramente en enero de 1924. Por su parte, Trotsky
pudo apreciar el desarrollo del estalinismo hasta 1940.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
603
burguesa y el socialismo, en la cual el Estado tenderá a extinguirse con
la progresiva supresión de las diferencias de clase (postulado teórico
de Marx y Engels).
b) En la URSS cristalizó un “Estado burocrático”, el cual no
tiene la menor intención de agonizar y, además, persiste la desigualdad
social entre las clases sociales, incluso a lo interno del mismo
proletariado (experiencia histórica concreta).
¿Cómo explicar, desde el marxismo revolucionario, que se
produjera esa situación tan compleja e inesperada para los fundadores
del comunismo? Para responder esta pregunta, Trotsky postuló el
“doble carácter” del Estado soviético y, retomando los señalamientos
de Lenin a inicios de los años veinte, señaló que la URSS era un “Estado
burgués sin burguesía”, pues, aunque se expropió a los capitalistas, en
su seno prevalecían las normas de reparto burgués -particularmente
con las diferencias salariales-, pero, al mismo tiempo, era socialista
porque defendía la propiedad colectiva de los medios de producción.
Así, concluyó, la fisonomía final de la URSS resultaría de la relación/
tensión dinámica entre las tendencias burguesas y socialistas, lo cual
se dirimiría en el terreno de la lucha de clases.
Asimismo, para Trotsky ese “doble carácter” de la URSS
explicaba la contradicción entre el carácter estatizado de la propiedad
que, aunque representaba una medida anticapitalista progresiva
y era un punto de apoyo determinante para realizar la transición al
socialismo, al mismo tiempo estaba bajo posesión de la burocracia
estalinista a partir de su control del Estado:
“La propiedad del Estado no es la de ´todo el
pueblo` más que en la medida en que desaparecen
los privilegios y las distinciones sociales y en
que, en consecuencia, el Estado pierde su razón
604
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de ser. Dicho de otra manera: la propiedad del
Estado se hace socialista a medida que deja de ser
propiedad del Estado. Por el contrario, mientras
el Estado soviético se eleva más sobre el pueblo,
más duramente se opone, como el guardián
de la propiedad, al pueblo dilapidador, y más
claramente se declara contra el carácter socialista
de la propiedad estatalizada” (TROTSKY, 2001, p.
203).
Este señalamiento de Trotsky es de suma importancia, pues
deja en claro que no existe una relación mecánica –u objetiva- entre
la expropiación capitalista con la transición al socialismo, dado que,
entre ambos puntos del camino, median las relaciones políticas dentro
de la esfera estatal. En otras palabras, no hay automatismo en la
transición, pues, como el mismo Trotsky señaló, cuando se trata
de una sociedad no capitalista “el carácter de la economía depende
completamente del poder” (TROTSKY, 2001, p. 202).
En el caso soviético, este criterio remitía directamente a evaluar
el peso de la burocracia y sus repercusiones socio-políticas en una
formación social inédita y en desarrollo. Para Trotsky, el estalinismo
era algo más que una simple burocracia, pues se transformó en
la única capa social privilegiada y dominante en la URSS (es decir,
expropió el poder a la clase obrera), a partir de lo cual estableció
relaciones enteramente nuevas entre ella y las riquezas estatizadas de
la nación.
Lo anterior, devino en una forma muy particular de
diferenciación social, pues, aunque desde el punto de vista de la
propiedad de los medios de producción no existía ninguna diferencia
entre “el mariscal y la criada” o “el director del trust y el peón”, en
los hechos la minoría privilegiada de la burocracia se apropiaba del
trabajo ajeno, lo cual iba en detrimento de las condiciones de vida de
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
605
las masas obreras y campesinas soviéticas.
Por todo lo anterior, para Trotsky el carácter social de la
URSS aún no estaba resuelto por la historia y, antes que brindar
una definición cerrada de su estructura social, la caracterizó como
una sociedad intermedia entre el capitalismo y el socialismo, la
cual estaba atravesada por enormes contradicciones por la gestión
burocrática del poder. Esto lo sintetizó bajo la categoría de “Estado
obrero degenerado”, con la cual pretendió reflejar el “doble carácter”
de la URSS y los peligros que acechaban a la revolución, pues el
estalinismo sentaba condiciones para el retorno del capitalismo, ya
fuera directamente por una contrarrevolución burguesa –de la mano
de la guerra imperialista que se avecinaba-, o por la necesidad de la
burocracia de estabilizar sus privilegios sociales con la restauración de
las relaciones de propiedad burguesas.
Desde nuestra perspectiva, esta categoría fue superada por la
experiencia histórica (sobre eso profundizaremos más adelante), pero
ilustra la riqueza metodológica de Trotsky por adecuar la teoría marxista
a la realidad concreta para fundamentar la acción revolucionaria, lejos
de las formas del pensamiento dogmático, tal como lo expuso en la
parte final de La Revolución Traicionada:
“En nuestro análisis tememos, ante todo,
violentar el dinamismo de una formación social
sin precedentes y que no tiene analogía. El fin
científico y político que perseguimos no es dar
una definición acabada de un proceso inacabado,
sino observar todas las fases del fenómeno y
desprender de ellas las tendencias progresistas y
las reaccionarias, revelar su interacción, prever
las diversas variantes del desarrollo ulterior y
encontrar en esta previsión un punto de apoyo para
la acción” (TROTSKY, 2001, p. 215).
606
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
¿Dónde está la burocracia?
Dar cuenta de la burocratización fue un primer paso para
comprender el fenómeno. Pero explicarlo a fondo –e insistimos, en
tiempo real- fue una tarea mucho más compleja, en la cual Trotsky
hizo importantes avances, pero también adoleció de puntos débiles, tal
como señala Artous.
De acuerdo a este autor, el revolucionario ruso tenía claro
que la burocracia estructuró su poder desde el control mismo de la
producción, pero, contradictoriamente, lo ignoró a la hora de medir
sus consecuencias sobre el tipo de Estado que erigió el estalinismo.
Por el contrario, situó la burocracia exclusivamente en la esfera de la
distribución, asumiéndola como un factor externo a la organización
de la producción y del trabajo. Para mayor claridad, veamos esta cita
de Trotsky de un artículo de 1937, donde expuso esa caracterización:
“Por el contrario, si la burocracia se vuelve más
poderosa, autoritaria, privilegiada y conservadora,
esto significa que en el estado de los trabajadores
las tendencias burguesas crecen a expensas de las
socialistas; en otras palabras, esa contradicción
interior que hasta cierto punto se alberga en el
estado de los trabajadores desde los primeros
días de su aparición no disminuye como lo exige
la ´norma`, sino que aumenta. Sin embargo,
mientras esta contradicción no pase de la esfera
de la distribución a la de la producción y no
destruya la propiedad nacionalizada y la economía
planificada, el estado continúa siendo un estado
obrero” (TROTSKY, 1937).
Trotsky definió a la burocracia como un “órgano burgués”
dentro de la URSS, cuyo objetivo era defender el “derecho burgués”
para resguardar los privilegios de una minoría. Esto era consecuencia
del bajo desarrollo de la producción soviética, la cual no permitía
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
607
satisfacer las necesidades de consumo de toda la población, pero sí
alcanzaba para garantizar la existencia de una burocracia privilegiada.
A causa de esto, se produjo una contradicción en la economía soviética,
pues el crecimiento de la producción reforzó “los rasgos burgueses y
no los socialistas del Estado”, lo cual, a su modo de ver, constituyó el
punto de partida de la burocracia estalinista:
“La autoridad burocrática tiene como base la
pobreza de artículos de consumo y la lucha de
todos contra todos que de allí resulta. Cuando
hay bastantes mercancías en el almacén, los
parroquianos pueden llegar en cualquier momento;
cuando hay pocas mercancías, tienen que hacer
cola en la puerta. Tan pronto como la cola es
demasiado larga se impone la presencia de un
agente de policía que mantenga el orden. Tal es el
punto de partida de la burocracia soviética. ´Sabe`
a quién hay que dar y quién debe esperar” (Trotsky,
2001, p. 118).
Entonces, en la visión de Trotsky, la burocracia es un gendarme
que surge en el mismo momento que se forman las colas, donde se
posiciona como la autoridad del Estado que se encarga de “administrar”
la desigualdad en provecho de una minoría; no presenta ningún
vínculo directo con el control de los medios de producción y, en
consecuencia, es un factor externo a la planificación económica.
Aunque en varios pasajes del libro detalla los efectos nocivos de la
burocracia dentro del mundo del trabajo, nunca establece una relación
directa entre la burocratización y la organización de la producción,
limitándose a denunciar las medidas autoritarias en la industria y
señalar los límites de la “planificación administrativa” (TROTSKY,
2001, 88).
En consecuencia, abordó el fenómeno de la burocratización
608
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
desde los problemas de escasez y penurias materiales de la población;
un enfoque muy reducido para explicar los desarrollos de una
formación social tan específica como la URSS, donde se expropió al
capitalismo y se proyectó una transición al socialismo (bloqueada por
el estalinismo).
A raíz de esto, otros aspectos quedaron por fuera de su campo
de visión, en particular uno muy importante a la hora de caracterizar las
contradicciones de la sociedad soviética: la estatización no suprimió
automáticamente la separación entre la clase obrera y los medios
de producción (ARTOUS, 2018).
Según Artous, esto impidió que Trotsky extrajera todas las
conclusiones de su análisis; por ejemplo, ignoró la instauración del
“despotismo de fábrica” en la URSS. Esta categoría fue planteada por
Marx con relación al surgimiento del trabajo colectivo en el capitalismo,
que, acompañado de la pérdida de propiedad en el sentido jurídico,
devino en la separación entre las tareas de concepción y organización
del trabajo con respecto a las de ejecución, dando como resultado una
jerarquización del proceso laboral.
Algo similar sucedió en la URSS, donde la burocracia se erigió
como la “inteligencia universal” de un Estado que controlaba todos
los medios de producción y, por consecuencia, de la organización del
trabajo, el cual reglamentó bajo formas burguesas de explotación. La
estatización no generó automáticamente el control obrero sobre las
industrias y, por el contrario, sí reprodujo variantes de poder similares
al despotismo de fábrica.
Trotsky expuso muchos de esos aspectos en su investigación;
denunció que la burocracia aguijoneaba a los obreros en las fábricas, a
pesar de lo cual el rendimiento del trabajo era sumamente bajo, por lo
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
609
cual reintrodujo el trabajo a destajo (llamado movimiento Stajanov),
al cual calificó como un “sistema de superexplotación sin coerción
visible” creado por los capitalistas y adoptado por el Kremlin. A pesar
de eso, al momento de generalizar la situación de la clase obrera dentro
de la URSS, calificó la apropiación del plustrabajo social por parte de
la burocracia como una forma de expoliación, es decir, una extracción
parasitaria y no sistemática:
“Si traducimos, para expresarnos mejor, las
relaciones socialistas en términos de Bolsa, los
ciudadanos serían los accionistas de una empresa
que poseyera las riquezas del país (…) Los
ciudadanos, sin embargo, participan en la empresa
como accionistas y como productores (…) Los
ingresos teóricos de un ciudadano se forman,
pues, de dos partes: a + b, el dividendo más el
salario (…) Mientras que el peón no recibe más
que b, el salario mínimo que recibiría en idénticas
condiciones en una empresa capitalista, el
estajanovista y el funcionario reciben 2a + b, o 3a
+ b, y así sucesivamente (…) En otras palabras, la
diferencia de los ingresos no sólo está determinada
por la simple diferencia del rendimiento individual,
sino por la apropiación enmascarada del trabajo
de otros. La minoría privilegiada de los accionistas
vive a costa de la mayoría expoliada” (Trotsky,
2001, p. 205).
¿Por qué Trotsky designó la “apropiación enmascarada del
trabajo de otros” como una forma de expoliación y no de explotación?
La respuesta más explícita la encontramos en un texto posterior, donde
expuso que, si fuese explotación en el “sentido científico del término”,
eso implicaría que la burocracia tendría un “futuro histórico como
clase dirigente indispensable de un sistema dado de economía”; por
ese motivo, insistió en calificarlo como un “parasitismo merodeador”
610
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
(TROTSKY, 1976, p. 5-6).
Opinamos diferente a Trotsky en este aspecto, para lo
cual contamos con la ventaja de la distancia histórica, gracias a la
cual podemos valorar el desarrollo de la URSS bajo el control del
estalinismo hasta finales del siglo XX. En una sociedad en transición
al socialismo persiste el “principio de explotación”, pues el trabajo
aun es una mercancía que se intercambia por un salario; el desarrollo
de las fuerzas productivas no puede garantizar que, a cada persona, se
le asigne una porción de la riqueza social según sus necesidades, por
lo cual la distribución se rige bajo los criterios del derecho burgués.
Pero, a diferencia de lo que acontece bajo el sistema capitalista,
la extracción del plusvalor es un tributo colectivo y consciente,
el cual está en función del progreso general de la clase obrera y al
servicio de consumar la transición, por lo cual se transforma en una
autoexplotación o explotación mutua (SÁENZ, 2011, p. 144-146).
Ahora bien, esto varió en la URSS tras el ascenso y consolidación
del estalinismo, lo cual dio paso a la instauración de una nueva forma
de explotación –no orgánica y sumamente inestable- al servicio de la
acumulación burocrática, la cual se extendió por más de medio siglo
tras el asesinato de Trotsky, indicador de que fue un fenómeno mucho
más profundo y sistemático que un “parasitismo merodeador”.
III. Estado Obrero Degenerado: una categoría superada por la
experiencia histórica
Con la definición de Estado obrero degenerado, Trotsky
trató de restituir la dinámica particular de la URSS en el plano de
la teoría marxista. Retomó la formulación que Lenin planteó en los
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
611
años veinte cuando definió al Estado soviético como obrero, pero con
deformaciones burocráticas debido al atraso heredado por el zarismo
y el capitalismo ruso. A criterio de Trotsky, esas deformaciones que,
en tiempos de Lenin eran una “reliquia” del pasado, entrados los años
treinta mutaron a partir de nuevas condiciones históricas desfavorables
para la revolución (como la extenuante guerra civil o la derrota de
las revoluciones europeas), transformándose en un “tremendo factor
histórico” que provocó la degeneración del Estado obrero (TROTSKY,
1937).
En razón de lo anterior, actualizó la definición de Lenin con
la formulación de Estado obrero degenerado, dando cuenta de la
profundización de la burocratización en la URSS. Esto lo hizo sin
dejar de lado que era una categoría abierta y dinámica debido a
la inestabilidad del régimen estalinista, pues nunca consideró que la
burocracia fuese una capa social “portadora de historia” con posibilidad
de consolidar un modo de producción, un atributo que relacionaba
directamente con una clase social estructurada económicamente y con
capacidad de construir hegemonía, como la burguesía o el proletariado
(BERGER, 1978, p. 95-97).
Aunado a esa concepción teórica, recordemos que, desde
mediados de los años treinta, Trotsky pronosticó que se aproximaba
una nueva guerra mundial; un evento que desencadenaría una
situación mundial de crisis y revoluciones, donde apostaba a la caída
del estalinismo producto de una revolución política (o la restauración
burguesa por la vía de una contrarrevolución fascista).
En este marco, la definición de Estado obrero degenerado
cumplía una funcionalidad política determinante en ese momento,
pues, a la vez que daba cuenta de la “monstruosa degeneración”
612
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
acaecida bajo el estalinismo, también reconocía la vitalidad de una
revolución social colosal y de dimensiones históricas, cuyo Estado
–a pesar de la degeneración estalinista- aún era un instrumento de
la clase obrera, lo cual preparaba las condiciones para luchar por una
“genuina emancipación de los trabajadores” y liquidar a la burocracia
y la desigualdad social (TROTSKY, 1935).
Por ello, Trotsky fue muy cauteloso a la hora de abordar las
implicaciones de la burocratización sobre el carácter del Estado
soviético; no podía aventurarse a brindar definiciones cerradas,
las cuales enterraran una revolución que aún podía estar viva y, de
esta manera, desubicar políticamente a la Oposición de Izquierda (y
posteriormente a la IV Internacional). Recalcó que no era fetichista con
respecto a la teoría y, por el contrario, sostuvo que debía actualizarse si
así lo exigieran los hechos históricos, pero -recordando la “experiencia
lamentable de los viejos revisionistas” de la II Internacional- insistió
en que era necesario “sopesar en nuestras mentes diez veces más la
antigua teoría y los nuevos hechos antes de atrevernos a formular una
nueva doctrina” (TROTSKY, 1937).5
Dicho lo anterior, ¿qué balance se puede hacer de la definición
de Trotsky de la URSS como un Estado obrero degenerado? Fue
correcta en tanto procuró caracterizar la involución del Estado obrero
soviético a manos de la burocracia, pero fue rápidamente superada por
la experiencia histórica con el salto cualitativo de la contrarrevolución
estalinista a finales de los años treinta y durante la segunda guerra
mundial, lo cual provocó un cambio en el carácter social de la URSS,
5 Lastimosamente, la mayoría de corrientes trotskistas se tornó fetichista con relación a las definiciones abiertas de Trotsky sobre el carácter social de la URSS, las
cuales asumieron de forma dogmática y, por tanto, rehusaron contrastarlas ante los
hechos desde la segunda posguerra hasta la actualidad.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
613
la cual se transformó en un Estado burocrático. Si bien desde una
perspectiva de larga duración atinó en que el estalinismo no podría
garantizar un modo de producción estable, también es cierto que, tras
el asesinato de Trotsky en 1940, la burocracia continuó al frente de
la URSS por otros cincuenta años.
Lo anterior, invita a revisar los análisis y pronósticos de Trotsky
en torno al estalinismo, pues no fue un fenómeno tan efímero como
lo visualizó en los años treinta; su inviabilidad histórica en la larga
duración no anuló su desarrollo político a lo largo del siglo XX.6
La segunda guerra mundial y el fortalecimiento del estalinismo
Empecemos señalando un aspecto histórico: la segunda guerra
mundial (1939-1945) fue muy diferente a lo previsto por Trotsky,
que, seguramente, tenía en mente un conflicto similar a la primera
guerra mundial (1914-1918). Ambas guerras estallaron por la pugna
entre las potencias imperialistas para redefinir la hegemonía mundial;
pero las similitudes llegan hasta ahí, pues la segunda fue en extremo
compleja, debido a la confluencia de varios tipos de conflictos a escala
nacional o regional. Por eso, al mismo tiempo que fue una contienda
inter-imperialista (definición principal), también contuvo guerras de
liberación nacional -o movimientos de resistencia- contra la ocupación
6 Al respecto, es útil recordar el debate de Lenin con el izquierdismo sobre la vigencia de la democracia burguesa, en el cual señaló que, si bien desde la perspectiva
histórica ésta había sido superada por la experiencia de la democracia obrera en los
Soviets, no sucedía lo mismo con respecto al tiempo de la política, pues aún era
vigente para la enorme mayoría de la clase obrera mundial y, por tanto, era necesario que las organizaciones revolucionarias no asumieran una posición anti-electoral
sectaria e infantil. Esta dualidad o desincronización entre la temporalidad histórica y
la política, nos parece útil para comprender la persistencia del estalinismo por siete
décadas (si datamos su origen a mediados de los años veinte del siglo XX), un desarrollo contradictorio para un fenómeno sin viabilidad en la larga duración.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
nazi, que, en algunos casos, dieron paso a revoluciones sociales
anticapitalistas (como sucedió en Yugoeslavia).
Con respecto a la URSS sucedió algo muy particular, pues la
Alemania nazi desató una guerra de exterminio a partir de 1941,
librando un genocidio contra los pueblos que encontraron en su avance
en el Este europeo y el territorio soviético. Esta masacre industrializada,
sustentada en la idea nazi de conquistar el Lebensraum -el “espacio
vital” del pueblo alemán-, jugó a favor del estalinismo, pues bloqueó
la posibilidad de que las tropas nazis concertaran acuerdos con sectores
opositores a la burocracia en las repúblicas soviéticas, lo cual restó
puntos de apoyo a la guerra anticomunista de Hitler (SÁENZ, 2013,
p. 226-238).
Producto de lo anterior, el “Ejército Rojo” estalinista se
transformó en la única opción de resistencia ante la barbarie nazi y su
guerra de exterminio para cientos de millones de personas en el Este
europeo y las repúblicas soviéticas, lo cual potenció la contraofensiva
militar de la URSS y la victoria en Stalingrado, batalla que marcó el
inicio del retroceso militar del ejército nazi y dio paso a un ascenso
revolucionario internacional. Fue una conquista histórica para la
humanidad, pero, contradictoriamente, librada en clave nacionalista
y no socialista por la burocracia soviética que, en adelante, consolidó
su poder al frente de la URSS e, incluso, extendió las relaciones
de producción burocráticas a los países del Este europeo, donde
inicialmente fueron recibidos como libertadores, aunque a la postre
expoliaron a los países del Glacis e instauraron regímenes autoritarios
a su imagen y semejanza (ARTAVIA, 2021).
En suma, Trotsky atinó en su pronóstico del advenimiento de
una nueva guerra mundial desde mediados de los años treinta, pero
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
615
la misma presentó una dinámica muy compleja e inesperada, dando
como resultado un fortalecimiento del estalinismo como dirección
política de la URSS y del “movimiento comunista” internacional.
Su asesinato en agosto de 1940, impidió que pudiera actualizar su
análisis de la guerra y dar cuenta de las tendencias contradictorias que
surgieron durante su desarrollo, las cuales depararon una situación
muy diferente a la prevista inicialmente, pues el estalinismo consolidó
su poder y conquistó un prestigio enorme entre el movimiento de
masas internacional. Ambos factores posibilitaron la persistencia de
la burocracia por varias décadas más, aunque fuese sobre la base de
un sistema de explotación inestable y no orgánico de la clase obrera.
Complejidades en la caracterización social de la URSS
En términos generales, los análisis de Trotsky sobre la
estructura social de la URSS se caracterizaron por ser dinámicos y
profundamente dialécticos. Es el caso de La revolución traicionada,
en la cual rehusó dar definiciones cerradas y, por el contrario, remarcó
que, el carácter social de la URSS, estaba sujeto a los desarrollos de
la lucha de clases a nivel nacional e internacional. Eso dota al libro
de una enorme riqueza teórica y metodológica, amén de que contenga
algunos puntos débiles, tal como expusimos anteriormente.
A pesar de eso, en varios de sus artículos presenta ángulos
contradictorios –algo comprensible en una obra en constante
desarrollo-, principalmente a la hora de sopesar la compleja relación
entre el fundamento económico y la superestructura políticorevolucionaria.
Por un lado, Trotsky fue categórico al señalar que no existía
ningún automatismo en la transición al socialismo y, con mucha
616
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
agudeza, mantuvo que, para avanzar en esa ruta, era preciso la
interrelación de tres elementos: la planificación estatal, el mercado
y la democracia soviética (TROTSKY, 1932). Con esta formulación,
dejó en claro que, mientras la burocracia estalinista estuviera en
el poder, era imposible que la economía de la URSS tuviera una
orientación correcta, pues el “subjetivismo burocrático” –es decir, el
repudio de las causas objetivas y la imposición de metas voluntaristas
en los planes quinquenales- socavaba la relación armónica de esos
tres elementos, lo cual generaba desproporciones entre las ramas
económicas (TROTSKY, 1933).
Es un enfoque donde estructura y superestructura sostienen un
vínculo estrecho en la fase de transición.
Por otra parte, Trotsky fue muy cauteloso a la hora de precisar los
efectos inmediatos de la contrarrevolución estalinista sobre el Estado
soviético, pues no quiso aventurar caracterizaciones que dieran por
muerta la revolución y, con ello, desubicar a la Oposición de Izquierda
(un razonamiento que nos parece sensato y políticamente correcto
para el momento). Por tal motivo, hasta el momento de su muerte
sostuvo que la URSS era un Estado obrero degenerado, producto de
la imposición del régimen burocrático sobre una estructura social
fundada en las conquistas anticapitalistas de la revolución, tal como
expuso en un artículo de 1935:
“En el lapso que se extiende desde la conquista
del poder hasta la disolución del estado obrero
en la sociedad socialista las formas y métodos
del gobierno proletario pueden sufrir marcados
cambios, determinados por el curso interno y
externo de la lucha de clases (…) es correcto
hablar de la dictadura personal de Stalin. Pero
esta usurpación pudo realizarse y mantenerse sólo
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
617
porque el contenido social de la dictadura de la
burocracia está determinado por las relaciones
productivas creadas por la revolución proletaria.
En este plano podemos decir muy justificadamente
que la dictadura del proletariado encontró su
expresión distorsionada pero indudable en la
dictadura de la burocracia” (TROTSKY, 1935).
Esta cita evidencia el “punto débil” en el análisis de Trotsky,
que, al considerar a la burocracia como un factor externo a la producción
y circunscrita a la esfera de la distribución, no se percató de la
transformación radical que experimentaron las “relaciones productivas
creadas por la revolución proletaria” bajo el estalinismo. A raíz de
eso, por momentos disoció en extremo la base económica del régimen
político y, peor aún, estableció una relación distorsionada entre la
dictadura de la burocracia y la del proletariado. Eso constituye un error
grosero en su análisis, pues ignoró un factor decisivo para un Estado
que se reclama obrero: la imposición del absolutismo burocrático se
hizo a costa de la expropiación política del proletariado, el cual en
los hechos perdió el poder sobre “su” Estado y quedó sometido a
los mandatos de una casta que controló el aparato estatal como si
fuera su propiedad privada.
Más allá de ese error, Trotsky nunca perdió el abordaje
dialéctico del fenómeno de la burocratización, lo cual reflejó en la
forma dinámica en que asumió sus caracterizaciones. En ese mismo
artículo que acabamos de citar dio muestra de eso, pues, a la vez
que definió a la URSS como un Estado obrero a pesar del régimen
estalinista, fue categórico al señalar que eso configuraba una situación
profundamente inestable, ya que era imposible construir el socialismo
sin la unidad de la base económica con el poder socialista. Además,
insistió que esa contradicción se resolvería en el corto plazo, dado que
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
preveía la inminente caída del estalinismo:
“El inevitable colapso del bonapartismo stalinista
cuestionará inmediatamente el carácter de estado
obrero de la URSS. Una economía socialista no se
pude construir sin un poder socialista. El destino
de la URSS como estado socialista dependerá
del régimen político que surja para remplazar al
bonapartismo stalinista” (TROTSKY, 1935).7
Con esta formulación Trotsky restableció la unidad entre
la economía y el poder político, aunque la proyectó para un futuro
cercano, concretamente ante las perspectivas revolucionarias que
contraería la nueva guerra mundial (lo cual explicamos en el acápite
anterior). Desde esa postura articuló su análisis del estalinismo que,
aunque dinámico e innovador, también tuvo contradicciones, siendo
que, en unas ocasiones priorizó las relaciones de propiedad para
determinar el carácter social de la URSS, pero, al mismo tiempo,
señaló que las contradicciones generadas por el régimen burocrático
eran incompatibles con el mismo Estado obrero como tal.
Este brevísimo recorrido expone la complejidad que representó
caracterizar un proceso de tales dimensiones históricas en tiempo
real, ante lo cual Trotsky siempre fue muy precavido y adecuó sus
caracterizaciones a los cambios en la situación concreta; una tarea
compleja por encontrarse en el exilio, la escasez de información veraz
7 Este texto es de 1935, por lo que Trotsky todavía se refiere a la URSS como un
Estado obrero; el calificativo “degenerado” lo incorporó en La revolución traicionada en 1937. Tiene una enorme riqueza metodológica, pues su eje es actualizar la
caracterización del estalinismo como fenómeno contrarrevolucionario y dar cuenta
de un error en la caracterización previa, lo cual Trotsky explica a partir de la constante evolución del proceso de degeneración estalinista, ante lo cual la actitud marxista es estudiar, corroborar hipótesis a la luz de la experiencia y rectificar cuando
sea necesario. Desde nuestra corriente asumimos este “consejo” de Trotsky y, por
eso, no repetimos doctrinariamente sus caracterizaciones sobre un fenómeno que se
extendió por medio siglo luego de su asesinato.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
619
por la manipulación de las estadísticas por parte del estalinismo y,
también, por el virtual exterminio de la militancia de Oposición de
Izquierda en la URSS. En todo caso, desde nuestro punto de vista hay
un elemento que se desprende al estudiar sus textos sin anclarse en
ningún dogmatismo: en su análisis la categoría de Estado obrero
degenerado es altamente inestable y, por tanto, transitoria, pues
nunca previó que pudiera consolidarse como una forma de régimen
para una sociedad en transición al socialismo.
La pelea contra los anti-defensistas condicionó la discusión sobre
la URSS
A lo anterior, se sumaron las peleas que Trotsky libró contra
sectores anti-defensistas, lo cual condicionó algunos de sus textos
sobre la naturaleza social de la URSS, pues, en el marco del debate,
jerarquizó excesivamente las relaciones de propiedad como criterio de
caracterización.
Este énfasis es recurrente en los años treinta, lo cual coincide
con el salto en calidad que experimentó el proceso de burocratización
y, en consecuencia, cuando se hizo más patente la barbarie que contrajo
la contrarrevolución estalinista. Por ejemplo, durante esa década
se produjo la hambruna (1932-1933) derivada de la colectivización
forzosa en el campo, la cual se cobró la vida millones de personas (las
estimaciones varían entre cuatro y seis millones de muertes); también,
tuvo lugar el “Gran Terror” (1936-1938), una campaña de purgas
donde la burocracia exterminó a toda la “vieja guardia” bolchevique,
los sectores de oposición y a un gran número de obreros y campesinos
en razón de su nacionalidad o procedencia étnica (SCHÖGEL, 2014,
620
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
p. 120-140 y 725-778).8 A todo eso, se sumaron las traiciones del
estalinismo en el extranjero, como sucedió en la guerra civil española
(1936-1939), la cual fue precedida por la orientación ultraizquierdista
en Alemania que, al bloquear el frente único con la socialdemocracia,
dividió a la clase obrera y allanó el camino para el ascenso al poder
del nazismo en 1933.
En ese contexto, en los años treinta surgieron muchos grupos
“comunistas disidentes” en Europa, los cuales rechazaron la tutela
de Moscú, pues consideraron que el estalinismo traicionó los ideales
de la revolución bolchevique (DURGAN, 2015, p. 16-19). Pero el
anti-estalinismo no fue sinónimo de claridad política y estratégica;
por lo general, esos grupos disidentes formularon especulaciones
desequilibradas y peligrosas. Fue el caso de sectores izquierdistas
que, a partir de los exacerbados rasgos autoritarios y sanguinarios del
estalinismo, caracterizaron que la URSS mutó hacia una variante de
capitalismo de Estado similar al fascismo; en función de ese análisis
asumieron una postura anti-defensista, es decir, rechazaron defender
a la Unión Soviética en caso de que se produjera una agresión militar
por parte del imperialismo, escenario altamente probable ante la
inminencia de la segunda guerra mundial.9
8 De acuerdo a este autor, entre 1937 y 1938 murieron dos millones de personas
a consecuencia del “Gran terror”: unas 700 mil por fusilamientos y el resto por las
pésimas condiciones en los campos de concentración y las prisiones. Porcentualmente, eso significó que, el 1,66% de la población soviética entre los 16 y 69 años
fue arrestada, mientras que, un 0,72%, resultó asesinada; una verdadera masacre
para un país que no estaba en guerra.
9 El izquierdismo –también denominado ultraizquierdismo- fue una tendencia
dentro del movimiento revolucionario europeo –particularmente en Alemania- que
tomó fuerza tras el triunfo de la revolución rusa en 1917. Broué la definió como una
corriente que pretendía forzar el curso de los acontecimientos, rechazaba cualquier
tipo de compromiso, pregonaba un maximalismo simplista y un utopismo impaciente. Lenin y Trotsky confrontaron las tendencias izquierdistas en el seno de la
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
621
Trotsky se opuso rotundamente a los anti-defensistas (una
posición totalmente correcta), pero, al calor del debate, tendió en
exceso hacia los criterios objetivos para caracterizar la formación
social soviética bajo el estalinismo.33 Esto resultó evidente en el
proyecto de tesis sobre la cuestión rusa de 1931, donde planteó como
un “deber elemental e indiscutible de todo obrero revolucionario”
la defensa de la URSS ante eventuales ataques imperialistas y de la
contrarrevolución a lo interno del país (una orientación totalmente
correcta), a la vez que cerró toda posibilidad para que las tendencias
izquierdistas adhirieran a la Oposición de Izquierda Internacional.
Además, para rebatir la caracterización de la URSS como una variante
de capitalismo de Estado con rasgos fascistas, enfatizó en las relaciones
de propiedad para dar cuenta de las especificidades del régimen social
soviético:
“El carácter social de un régimen social está
determinado, sobre todo, por las relaciones de
propiedad. La nacionalización de la tierra, de los
medios de producción industrial y de intercambio,
con el monopolio del comercio exterior en manos
del estado, constituyen los fundamentos del orden
social de la URSS” (TROTSKY, 1931).
Es un enfoque unilateral, con el cual Trotsky soslayó la
centralidad del factor político en la transición, es decir, la democracia
soviética como mecanismo primordial para garantizar el ejercicio
real del poder por parte de la clase obrera. Si bien esta definición no se
corresponde con el conjunto de su elaboración teórica -principalmente
con sus posiciones más acabadas en La revolución traicionada-, en
III Internacional, las cuales impulsaron la estrategia de la ofensiva permanente que
condujo a fuertes derrotas a los jóvenes partidos comunistas (BROUÉ, 2020, p. 293313).
622
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
ese momento le resultó útil para diferenciarse de los izquierdistas y,
de esta forma, darle un fundamento más sólido a su política defensista
de la URSS. Junto con eso, para el momento en que Trotsky publicó
ese documento (abril de 1931), todavía faltaba recorrido para que la
contrarrevolución estalinista modificara el carácter social del Estado
soviético, lo cual consideramos cristalizó para finales de esa década.
Posteriormente, este debate se replicó en una escala mayor
en las filas de la IV Internacional, pues una minoría dentro del
Socialist Workers Party (SWP) de los Estados Unidos, se declaró
anti-defensista y, aunque su postura partía de una denuncia correcta
del carácter contrarrevolucionario de la firma del pacto RibbentropMólotov y la invasión a Polonia, erróneamente concluyeron que no
había que defender a la URSS en caso de un eventual enfrentamiento
militar con otras potencias imperialistas.10
Junto con esto, los anti-defensistas del SWP caracterizaron que
la URSS dejó de ser un Estado obrero y se transformó en una variante
de colectivismo burocrático. Esta tesis fue formulada originalmente
por Bruno Rizzi, para quien el socialismo resultó un proyecto fallido
–una especie de utopía emancipadora- porque la clase obrera fue
incapaz de erigirse como clase dirigente y establecer un nuevo orden
social, por lo cual el capitalismo sería sucedido por una nueva forma
de dominación clasista y no por una sociedad sin explotación. Eso dio
10 El izquierdismo –también denominado ultraizquierdismo- fue una tendencia
dentro del movimiento revolucionario europeo –particularmente en Alemania- que
tomó fuerza tras el triunfo de la revolución rusa en 1917. Broué la definió como una
corriente que pretendía forzar el curso de los acontecimientos, rechazaba cualquier
tipo de compromiso, pregonaba un maximalismo simplista y un utopismo impaciente. Lenin y Trotsky confrontaron las tendencias izquierdistas en el seno de la
III Internacional, las cuales impulsaron la estrategia de la ofensiva permanente que
condujo a fuertes derrotas a los jóvenes partidos comunistas (BROUÉ, 2020, p. 293313).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
623
como resultado una perspectiva histórica profundamente escéptica,
en la cual se combinaba la desmoralización ante la contrarrevolución
estalinista con un fatalismo histórico donde era imposible y absurdo
luchar por construir el socialismo.
En el fondo, los anti-defensistas reflejaban la presión de la
opinión pública burguesa imperialista en los Estados Unidos contra la
revolución rusa, ante la cual capitularon y eso dio paso a una progresiva
ruptura con el marxismo revolucionario.
Lo anterior, desató un fuerte intercambio de Trotsky con los
dirigentes de la fracción anti-defensista (Burham, Abern y Shachtman),
a los cuales recriminó que relegaban a un segundo plano un hecho
objetivo determinante: la URSS era una formación social no capitalista
producto de una revolución social colosal y, aunque para ese entonces
eran notables los efectos de la contrarrevolución estalinista, era un
proceso en pleno desarrollo que aún no estaba consumado. Esos
textos posteriormente se publicaron bajo el título de En defensa del
marxismo, con el problema de que, en algunos pasajes de la obra,
Trotsky nuevamente abordó el carácter social de la URSS a partir de
las relaciones de propiedad y, por ende, desvinculó mucho la economía
de la política:
¿Qué significa ´Estado obrero degenerado` en
nuestro programa? (…) el sistema de la economía
planeada, sobre los fundamentos de la propiedad
estatal de los medios de producción, se ha
conservado, y continúa siendo una conquista
colosal de la humanidad (…) Por eso, basamos
nuestra política primero y por encima de todo,
sobre nuestro análisis de las formas de propiedad
y de las relaciones de clase. Un análisis más
detallado y concreto de los factores de la ´super
estructura`, sólo es posible para nosotros sobre esa
624
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
base teórica (TROTSKY,1972, p. 104-106).11
Al darle primacía a la nacionalización de los medios de
producción para caracterizar socialmente a la URSS, Trotsky dio la
impresión de confundir estatización con Estado obrero a contramano
de su abordaje en La revolución traicionada y en otros textos de
los años treinta, donde reiteró que la expropiación del capitalismo
- una medida anticapitalista progresiva y necesaria no daba paso a
una transición automática hacia el socialismo. De hecho, en algunos
pasajes relegó el análisis crítico de la planificación estalinista, la cual
se limitó a calificar como “un sistema de economía planeada” y, más
adelante, reiteró que, “en último análisis, a través de los intereses de la
burocracia, en una forma retorcida, se reflejan los intereses del Estado
obrero” (TROTSKY,1972, p. 110).
Diferimos totalmente de esta afirmación, pues soslaya que
la planificación de la URSS estuvo al servicio de la acumulación
burocrática y, por tanto, se hizo sobre las espaldas de la clase obrera,
bloqueando la transición al socialismo (un hecho que contradice el
supuesto carácter “obrero” de dicho Estado). Por lo demás, en este
punto Trotsky se contradijo con lo que planteó en otros artículos sobre
la economía soviética, por ejemplo, cuando señaló que, el elemento
central de verificación del plan, se realizaba a partir de los músculos
y los nervios de los obreros y el estado de ánimo político de los
campesinos (TROTSKY, 1931).
Asimismo, en ciertos tramos Trotsky disoció en extremo
11 Los artículos compilados en esta obra fueron escritos entre setiembre de 1939
y agosto de 1940. Aunque el libro tiene elementos valiosos (como el análisis de la
expropiación burocrática en Polonia), Trotsky se tornó muy esquemático en lo referente a la teoría del Estado, lo cual, a nuestro modo de ver, se comprende como parte
de la fuerte polémica. El libro se publicó en 1942, por lo que Trotsky no pudo editar
los textos previamente (recordemos que fue asesinado en agosto de 1940).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
625
la relación entre política y economía en el marco de un Estado
obrero en transición al socialismo, relativizando el tipo de régimen
correspondiente a la dictadura del proletariado, como si fuera un
Estado burgués donde la economía se reproduce de forma automática
y, por tanto, las formas del régimen político son más dúctiles.
Como apuntamos previamente, en este punto Trotsky tuvo idas
y venidas, aunque siempre fue muy balanceado a la hora de utilizar
la noción de Estado obrero degenerado como un fenómeno altamente
inestable y transitorio; pero, bajo la presión de la polémica con los antidefensistas del SWP, en varias cartas se inclinó excesivamente hacia
los factores objetivos para defender el carácter obrero de la URSS,
con el inconveniente de que fue asesinado poco después de escribirlas
y, por tanto, no tuvo tiempo de corregir algunas extrapolaciones en
sus afirmaciones antes de que fueran publicadas. Lastimosamente,
los textos de En defensa del marxismo fueron muy difundidos dentro
del movimiento trotskista –facilitado por su exposición esquemática y
breve-, lo cual marcó mucho la visión del proceso de burocratización
y del estalinismo en particular.
IV. La contrarrevolución estalinista y el surgimiento del Estado
Burocrático
La categoría de Estado obrero degenerado fue superada por
la experiencia histórica; la contrarrevolución estalinista experimentó
un salto en calidad a finales de los años treinta, con lo cual socavó las
bases sociales de la URSS y, por ende, las relaciones de propiedad
creadas por la revolución fueron vaciadas de su contenido real, pues la
clase obrera perdió el poder en el Estado. En contraposición, surgió un
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Estado burocrático que, aunque mantuvo formalmente la “propiedad
socialista” y se apropió del prestigio de la revolución de Octubre,
en realidad bloqueó la transición al socialismo e instauró una forma
-altamente inestable y sin viabilidad histórica- de apropiación del
plustrabajo social.
En esta sección abordaremos los fundamentos teóricos e
históricos de nuestra caracterización del estalinismo como una
contrarrevolución político-social, para lo cual remitiremos a los
brillantes análisis de Rakovsky y finalizaremos con una somera
explicación de la instauración de un régimen de explotación del trabajo
en la URSS. Es un tema sumamente complejo y con muchas aristas,
por lo cual recomendamos el estudio de las diferentes elaboraciones
de nuestra corriente al respecto.
Rakovsky y la especificidad histórica de las sociedades de transición
Por su dinámica transformadora, las fases de transición
combinan elementos del viejo mundo en desintegración con
la emergencia de una nueva formación social, la cual todavía
no cristaliza en un modo de producción estable. En este paréntesis
histórico es factible el surgimiento de híbridos político-sociales que,
como tales, no calzan en los patrones de categorías homogéneas o
acabadas, y, por eso mismo, no se deben abordar desde concepciones
teóricas esquemáticas o suprahistóricas (Paredes, 2007, p. 187).
En el caso de la transición al socialismo hay una inversión en
el orden de los factores que altera el producto; lo político condiciona
significativamente lo económico, por lo cual el Estado desempeña un
papel protagónico en la configuración de la sociedad en ciernes.
Esa fue la vía de análisis que, agudamente, planteó Rakovsky
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
627
para interpretar la burocratización en la URSS, estableciendo que,
el factor decisivo para definir el carácter del Estado en la transición,
era la clase que efectivamente ejercía el poder; un criterio donde
las supuestas bases económico-sociales -es decir, la estatización de
los medios de producción- ocupan un lugar subordinado a ese factor
político, pues el énfasis se traslada al elemento consciente de la clase
obrera en la conducción de los asuntos del Estado y la transición hacia
el socialismo (Paredes, 2007, p. 188). En otras palabras: las relaciones
formales de propiedad en un Estado obrero se sustancian en el
ejercicio efectivo del poder por parte de la clase obrera, pues, de lo
contrario, la “propiedad socialista” se transforma en una ficción
jurídica, tal como sucedió con el estalinismo.
Rakovsky tuvo la “ventaja” de no ser exiliado de la URSS
-aunque estuvo en el destierro en pésimas condiciones por muchos
años-; por eso mismo, pudo apreciar más de cerca que Trotsky el
proceso de burocratización y sus implicaciones sobre el Estado
(aunque tuvo menos visión en el tema internacional), formulando lo
que denominó los “peligros profesionales del poder”:
“No me refiero a las dificultades objetivas que
emergen del conjunto de la situación histórica
(el cerco capitalista exterior y la presión pequeño
burguesa en el interior del país), sino a las que son
propias de toda clase dirigente, a consecuencia
de la toma y el ejercicio del poder mismo, de la
capacidad o incapacidad de usarlo.
“Usted comprende que estas dificultades
continuarían existiendo, hasta cierto punto,
aún si el país se compusiese exclusivamente
de masas proletarias, y sólo hubiera Estados
Obreros en el exterior. Estas dificultades podrían
ser denominadas ´los peligros profesionales` del
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
poder. (…) Cuando una clase toma el poder, un
sector de ella se convierte en el agente de este
poder. Así surge la burocracia. En un Estado
socialista, a cuyos miembros del partido dirigente
les está prohibida la acumulación capitalista, esta
diferenciación comienza por ser funcional y a poco
andar se hace social.
“(…) La unidad y la cohesión, que antes eran
la consecuencia natural de la lucha de clases
revolucionaria, no pueden conservarse ahora sino
por una serie de medidas destinadas a preservar
el equilibrio entre los diferentes grupos de dicha
clase y del partido, subordinando esos grupos al fin
fundamental” (RAKOVSKI, 1928).
Nos disculpamos por la extensión de la cita, pero debido a su
riqueza teórica-metodológica nos pareció necesario reproducirla lo más
íntegramente posible. Si Trotsky hizo una acotación profunda cuando
calificó al estalinismo como “algo más que una simple burocracia”,
Rakovsky fue más allá al indagar sobre los peligros del poder en
las filas de la clase victoriosa, particularmente en un momento de
retroceso de la lucha de clases. Eso configuraba un escenario insólito
en la historia; nunca la clase obrera retuvo el poder por tanto tiempo y,
debido a eso, no era factible “evaluar en base a hechos los cambios de
su estado de espíritu” cuando hay un retroceso de la acción política al
mismo tiempo que es la clase dirigente de un Estado.
Este enfoque novedoso sobre la sociedad soviética, le facilitó
percibir la profunda transformación “en la anatomía y en la fisiología
de la clase obrera”; señaló que, un militante de 1917, “habría tenido
dificultad para reconocerse en la persona del militante de 1928”.
Esto se explicaba en función de algo muy concreto: la diferenciación
funcional entre un burócrata y un obrero ordinario, combinado con la
ausencia de medidas de control democrático por las amplias masas
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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trabajadoras, potencialmente puede cristalizar en “diferenciaciones
sociales semejantes a las que separan a las diversas capas de la
sociedad”.
“Pienso aquí, en la posición social de un comunista
que tiene a su disposición un automóvil, un buen
departamento, vacaciones regulares y recibe el
salario máximo autorizado por el Partido; posición
que difiere de la del comunista que trabaja en las
minas de carbón y recibe un salario de 50 ó 60
rublos por mes. En lo que concierne a los obreros
y a los empleados, usted sabe que ellos están
divididos en dieciocho categorías diferentes”
(RAKOVSKI, 1928).
Para Rakovsky, la burocracia de los Soviets y del Partido
constituyeron un nuevo orden y, por tanto, los escándalos de corrupción
o excesos de algunos dirigentes no podían asumirse como casos
aislados, sino como los rasgos de una nueva categoría social, la cual
ameritaba un estudio específico.
Asimismo, puntualizó que ninguna clase vino al mundo “en
posesión del arte de gobernar”, pues era una destreza que se adquiría
únicamente por la experiencia, lo cual representaba un enorme desafío
para la clase obrera -sobre todo por su bajo nivel cultural con relación
a la burguesía u otras clases que se tornaron dominantes-, pues podía
dar paso a un desacople entre el ejercicio real del poder y las relaciones
de propiedad instituidas legalmente:
“Ninguna constitución soviética, aunque sea
ideal, puede asegurar a la clase obrera el ejercicio
sin obstáculos de su dictadura y de su control
gubernamental, si el proletariado no sabe utilizar
los derechos que le acuerda esa Constitución.
La falta de armonía entre la capacidad política y
la destreza administrativa de determinada clase y
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
la forma jurídica-constitucional que ella establece
para su uso después de conquistado el poder, es
un hecho histórico comprobable en la evolución de
todas las clases” (RAKOVSKI, 1928).
Esas líneas sintetizan un abordaje muy concreto y dialéctico de
la URSS; dan cuenta en el plano teórico de una formación social tan
particular en el desarrollo histórico universal, la cual no se asemejaba
a ninguna otra y, en consecuencia, no calzaba en los patrones clásicos
de las sociedades asentadas sobre un modo de producción estable.
Rakovsky tuvo una mirada más profunda del proceso
de burocratización en la URSS; rápidamente comprendió las
implicaciones sociales del giro ultraizquierdista de Stalin a finales
de los años veinte, caracterizando que, la colectivización forzosa del
campo y la industrialización acelerada, eran medidas que fortalecían
el “ejército de burócratas” y no la transición al socialismo. En razón
de eso, años más tarde concluyó que la URSS pasó de ser un “Estado
proletario con deformaciones burocráticas” –como lo calificó Lenin- a
un “Estado burocrático con supervivencias proletarias comunistas”,
dentro del cual se formó “una gran clase de gobernantes”, cuyo
punto de unión era controlar el Estado como una propiedad privada
(KOWALEWSKI, 2020).
A la postre, el abordaje planteando por Rakovsky resultó más
apropiado para comprender la especificidad de la contrarrevolución
estalinista y sus consecuencias sobre la estructura social de la URSS.
Su análisis se caracterizó por visualizar la política y la economía como
un todo en el marco de un Estado obrero en transición al socialismo.
Una contrarrevolución político-social
Para Trotsky, la burocracia era una casta socialmente
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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privilegiada, la cual asemejó a un “parásito merodeador” en la esfera
de la distribución. Al ubicarla como un factor externo a la producción
y la planificación económica, restringió su ámbito de acción al plano
súper-estructural y, en consecuencia, concluyó que no modificaba
las bases sociales de la URSS en tanto Estado obrero, pues, a pesar
de las deformaciones introducidas por el estalinismo, persistían las
relaciones de propiedad surgidas tras la revolución.
De esta forma, disoció la infraestructura económica de la
súper-estructura política, por lo cual asumió al estalinismo como un
régimen burocrático al frente de un Estado obrero y, a partir de esa
definición, planteó que, en la URSS, se requeriría de una revolución
política para sacar del poder a la burocracia, pero manteniendo las
relaciones de propiedad ya establecidas. Es decir, consideró que el
estalinismo encarnó una contrarrevolución política, que, aunque
contrajo implicaciones negativas en las condiciones de vida de las
masas trabajadoras y campesinas, no modificó la estructura social del
Estado.
Desde nuestro punto de vista este enfoque es errado, pues
asimila una formación social donde se expropió al capitalismo con
el funcionamiento de una sociedad capitalista. En la última opera
una reproducción automática de la economía y, debido a esto, es
factible que el Estado burgués asuma formas políticas muy variadas
-monarquía constitucional, democracia burguesa, dictadura militar,
fascismo, bonapartismo, etc.- sin perder su carácter de clase, incluso
cuando no está al frente del gobierno una facción burguesa.
Por el contrario, en una sociedad donde se expropió a la
burguesía con el fin de transitar hacia el socialismo, no tiene cabida
la independencia relativa entre la base económica y las formas del
632
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Estado -al menos como se expresa en el capitalismo-, pues este último
es determinante para estructurar las nuevas relaciones de producción
y, a causa de eso, es indispensable que la clase obrera ejerza el poder
de forma efectiva para garantizar una planificación al servicio de la
transición socialista. Por tanto, la democracia obrera no es una simple
variante de régimen dentro de un Estado obrero, sino que, por el
contrario, es un pilar fundamental para dotarlo de ese contenido social.
En vista de lo anterior, sostenemos que el estalinismo
representó una contrarrevolución político-social, cuyo resultado
fue la expropiación del poder de la clase obrera en la URSS, de lo cual
resultó un Estado burocrático que manejó como su propiedad privada,
tal como puntualizó Rakovsky.
Eso explica el culto al estatismo por parte de la burocracia
soviética, que, a criterio de Robert Tucker –connotado biógrafo de
Stalin-, fue uno de sus principales rasgos contrarrevolucionarios, pues
daba cuentas de la importancia del aparato represivo para imponer
su “revolución desde arriba”. Asimismo, Moshe Lewin –el gran
historiador social de la URSS- caracterizó al estatismo estalinista como
una ruptura con el leninismo, pues implicó renunciar a la transición
hacia el socialismo -y la disolución del Estado- como la comprendían
Marx, Engels y Lenin; en adelante, el objetivo fue en sentido contrario:
instaurar un Estado dictatorial para preservar las divisiones sociales
y privilegios creados durante la fase de industrialización forzosa
(KOWALEWSKI, 2020).
Basta con revisar algunos datos económicos de la época para
constatar eso que señalamos. Por ejemplo, la tasa de acumulación se
hizo a expensas de las condiciones de vida de la clase obrera, pues
el plusvalor social se obtuvo a partir de la extensión cuantitativa de
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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la fuerza de trabajo y la reducción abrupta de los salarios reales. Así,
mientras en 1925 el salario medio real era de 48,25 rublos, para 1937
apenas era de 28,25 rublos (un 63,6% del salario medio anterior a
la Primera Guerra Mundial). En consecuencia, las condiciones de
vida de las familias obreras decayeron significativamente, dado que
destinaban el grueso de sus ingresos en comida: el gasto en alimentos
básicos de una familia de cuatro personas, pasó de representar el 51%
del salario en 1929, al 87% en 1937 (KOWALEWSKI, 2020).
Lo anterior, también explica el pleno empleo en la URSS –y
los países del bloque soviético-, lo cual no fue consecuencia de ningún
“principio socialista”; por el contrario, se originó en la necesidad
de maximizar el plusvalor social, que, a su vez, estaba bajo control
directo de la burocracia y era la fuente de sus privilegios, por lo cual
un trabajador o trabajadora desempleada era un desperdicio para los
intereses de la burocracia.
¿Cómo se explica eso? La gestión burocrática de la economía
se sustentó en la explotación absoluta del trabajo, cuya finalidad
fue acumular el excedente del trabajo a partir de métodos coercitivos
como el despotismo de fábrica, estajanovismo, aumento de la jornada
de trabajo, entre otros. Eso bastó para que la producción colectiva
generara un producto superior al total de la masa salarial necesaria
para la reproducción de los trabajadores y trabajadoras, pero bloqueó
el desarrollo de la innovación técnica para potenciar la explotación
relativa elevando la productividad del trabajo, algo imposible de
alcanzar en ausencia de un control democrático de la clase obrera
sobre la gestión económica (KOWALEWSKI, 2020).12
12 A la postre, eso conllevó al estancamiento económico de la URSS, cuya estructura productiva se tornó conservadora, carente de innovaciones y plagada de irracionalidades. Kowalewski detalla que, el verdadero “talón de Aquiles” de la economía
634
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Aunado a esto, la burocracia soviética “planificó” la economía
acorde a sus intereses como capa social privilegiada y, en consecuencia,
a costa del nivel de vida de la clase obrera, priorizando de forma
exagerada la industria pesada (sector I) en detrimento de la producción
de bienes de consumo y la agricultura (sector II), indispensables para
elevar las condiciones materiales de existencia de las masas obreras
y campesinas. Este fue un rasgo constante, lo cual se verifica con la
creciente desproporción entre los sectores I y II a través de los años:
en 1928, el sector I representaba el 39,5% de la producción y el II
el 60,5%; en 1940, el I, 61,2% y el II, 38,8%; en 1965, el I, 74,1%
y el II 25,9%, y en 1973, el I, 73,7% y el II, 26,3% (SÁENZ, 2011).
Así, la burocracia estalinista orientó una planificación cuyo eje fue
acumular en tanto que Estado, fortaleciendo la industria pesada, los
medios de producción y el ejército, pero lo hizo a costa de sacrificar la
producción – en cantidad y calidad – de alimentos y bienes de consumo
básicos. Por ese motivo, la escasez de productos de consumo básico
en la URSS, no fue solamente una consecuencia del bajo desarrollo de
las fuerzas productivas; también fue una derivación de la planificación
de tipo soviética, fue la incapacidad de garantizar los suministros para el funcionamiento de las empresas en el marco del plan. Eso devino en una “arritmia” del proceso laboral; en algunos meses se producía menos –entre un 15% o 25%-, mientras
que en otros se intensificaba el ritmo de trabajo de forma brutal –suprimiendo vacaciones o días libres, extendiendo la jornada de trabajo- con tal de cumplir con las
metas establecidas por el gobierno desde arriba y sin conexión con las capacidades
reales de producción de las empresas. Por este motivo, gran parte de los productos
elaborados en los meses de trabajo intenso eran defectuosos por la falta de control de
calidad, algo muy sensible cuando se trataba de herramientas y otros insumos para
otras industrias. Ante esta situación, la dirección de cada empresa procuraba tener
más trabajadores en su planilla, aunque una gran parte no tuviera tareas asignadas
por varios meses, pero que eran útiles cuando tocaba apresurarse para cumplir con
las metas, o bien, para destinar a un taller interno para reparar las piezas defectuosas
enviadas por otras empresas: para 1977, en Alemania Oriental, el 17% de los trabajadores industriales se dedicaban a las reparaciones de piezas defectuosas.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
635
burocrática de espaldas a los intereses reales de la clase obrera.
En suma, el estalinismo no fue una contrarrevolución
circunscrita al régimen político, tal como la apreció Trotsky en su
momento (aunque insistiera en su carácter regresivo y el peligro que
representaba para las conquistas revolucionarias). La “revolución
desde arriba” de Stalin fue una contrarrevolución político-social hacia
abajo; representó una disminución en las raciones de alimentos y un
aumento en la explotación absoluta de la clase obrera, dando como
resultado una dramática precarización en sus condiciones de vida. Esto
se combinó con otras formas de explotación, como la que experimentó
el campesinado en los Koljoses o los prisioneros en los campos de
trabajo forzado.
Fue un proceso paulatino que, además, se revistió con la
formalidad institucional creada por la revolución, haciendo sumamente
complejo percibir sus profundas implicaciones en tiempo real; por eso,
era imposible que Trotsky arribara a una definición diferente a la de
Estado obrero deformado en su momento. La distancia histórica nos
permite una mejor panorámica, de lo cual concluimos que, el proceso
de burocratización, liquidó el carácter obrero de la URSS y, en su
lugar, instauró un Estado en función de la acumulación burocrática,
con el consecuente bloqueo de la transición al socialismo proyectada
originalmente por los bolcheviques en la revolución.
La contrarrevolución estalinista no devino inmediatamente en
la restauración capitalista –aunque a la postre allanó el camino para esoy, si bien mantuvo formalmente las relaciones de propiedad surgidas
en la revolución, en realidad las vació de contenido al expropiar a la
clase obrera del poder efectivo sobre el Estado, con lo cual controló la
riqueza nacional como si fuera su propiedad privada.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
¿Se puede calificar al estalinismo como una contrarrevolución
político-social si no produjo inmediatamente la restauración del
capitalismo? Por supuesto que sí. La esencia de la contrarrevolución
es instaurar un orden contrario al surgido con la revolución, lo cual,
generalmente, da paso a algo nuevo e inédito. No son procesos
simétricos, es decir, una contrarrevolución no es una revolución en
sentido contrario (BENSAID, 1997). Por eso, es equivocado restringir
la consumación de la contrarrevolución a la restauración burguesa;
su punto central consistió en destruir la acción colectiva de la clase
obrera soviética y despojarla de sus atributos de poder.
Para lograr eso, el estalinismo libró una guerra civil
contrarrevolucionaria contra los sectores explotados y oprimidos,
por medio de la cual impuso la colectivización forzosa en el campo
con un elevadísimo costo en vidas humanas –tanto por la represión
directa, así como por la consecuente hambruna que desató esa
medida burocrática-, masacró a dos millones de personas en el “Gran
Terror” –incluida la vanguardia de la Oposición de Izquierda y la vieja
guardia bolchevique-, precarizó las condiciones de vida de la clase
obrera con la súper explotación para imponer la industrialización
acelerada e instauró un clima de persecución policial en la sociedad
soviética (SÁENZ, 2020). Al mismo tiempo, la burocracia soviética
se transformó en una “organizadora de derrotas” para la clase obrera
a nivel internacional, lo cual facilitó su estabilización como capa
dirigente en la URSS, pues profundizó el aislamiento del proletariado
soviético.
Así, la contrarrevolución burocrática se asentó sobre una doble
derrota de la clase obrera: por un lado, atomizó al proletariado soviético
por varias vías, como la represión física, su reconfiguración interna
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
637
con la incorporación masiva de campesinos sin tradiciones de lucha
colectiva, debilitó su cohesión interna por medio del estajanovismo y
el trabajo de choque, etc.; por otro lado, se fortaleció con los fracasos
del movimiento obrero internacional, en particular con la derrota
histórica del proletariado alemán –el más importante del mundo en ese
momento- tras el ascenso de Hitler al poder en 1933, en gran medida
por la desastrosa orientación de sabotear el frente único antifascista
entre las bases obreras comunistas y socialdemócratas.
V. Conclusión
A lo largo de La revolución traicionada, Trotsky analizó a la
URSS como una formación social sin precedentes y, debido a esto,
rehusó hacer definiciones sociológicas cerradas; por el contrario,
insistió en que su naturaleza social estaba sujeta a los desarrollos de
la lucha de clases. Las conclusiones que presenta son tentativas, algo
comprensible tratándose de un fenómeno en extremo complejo como
fue la burocratización del primer Estado obrero de la historia, ante lo
cual el andamiaje teórico del marxismo revolucionario no contaba con
herramientas de interpretación hasta ese momento.
Por eso mismo, el principal valor de esta obra reside en su
riqueza teórico-metodológica, donde Trotsky expuso lo mejor de su
razonamiento dialéctico para interpretar al estalinismo por fuera de
todo esquematismo teórico.
A pesar de eso, incurrió en un error cuando ubicó a la burocracia
únicamente en la esfera de la distribución, asumiéndola como un factor
externo a la producción y planificación económica. Esto devino en
un “punto ciego” a la hora de sopesar las transformaciones sociales
638
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
en la URSS y, en consecuencia, tendió a priorizar las relaciones de
propiedad creadas por la revolución a la hora de caracterizarla como
un Estado obrero deformado. Dicho enfoque se profundizó en el
debate contra los anti-defensistas, particularmente a lo interno de la
IV Internacional, lo cual tensó la pelea aún más y, en ese contexto,
Trotsky “dobló el palo” hacia los criterios objetivos.
Pero, insistimos, en su caso fue un error relativo, considerando
que se trató de una definición abierta y en tiempo real de un fenómeno
inédito, por lo cual fue muy precavido para no dar por muerta
una revolución social de dimensiones históricas; además, dicha
caracterización la supeditó a lo que aconteciera en la segunda guerra
mundial y el inevitable colapso del estalinismo. Lastimosamente,
su asesinato a manos de un agente estalinista en 1940, impidió que
revisara sus pronósticos y análisis sobre el proceso de burocratización
y sus repercusiones en la naturaleza social de la URSS.
Muy diferente fue el accionar de la mayoría de las corrientes
trotskistas que, tras la muerte de Trotsky, replicaron doctrinariamente
sus definiciones, caracterizando a la URSS como un “Estado obrero
degenerado” hasta que se produjo su desplome en 1991, y, peor aún,
extendieron abusivamente esa caracterización a los Estados del Glacis
surgidos en la segunda posguerra tras la ocupación estalinista. Así,
la formulación dialéctica desarrollada por Trotsky para comprender
la especificidad de la URSS, se convirtió en una categoría lógica
para etiquetar todos los casos donde se expropió al capitalismo en la
segunda mitad del siglo XX, aunque la clase obrera estuviera ausente
como sujeto social de esos procesos.
A causa de esto, dentro del movimiento trotskista arraigó con
fuerza el objetivismo; se dejó de lado la centralidad de la clase obrera
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
639
a la hora de interpretar el carácter social de las revoluciones y, en
consecuencia, la estatización de los medios de producción pasó a ser
la condición determinante para definir a un Estado como “obrero”,
aunque la clase trabajadora careciera por completo del poder efectivo.
Desde nuestra corriente nos decantamos en un sentido contrario,
y, aunque reivindicamos el legado teórico-político de Trotsky,
no por eso renunciamos a pensar el mundo por nuestros propios
medios (apoyándonos en la enorme riqueza teórica del marxismo
revolucionario). La longevidad y extensión del modelo estalinista a
otros países del orbe, evidenció la necesidad de revisar y actualizar los
análisis de Trotsky sobre la burocratización de la URSS, en particular
su categoría de “Estado obrero degenerado”, la cual fue superada por
la experiencia histórica.
Producto de esa revisión redescubrimos los brillantes escritos
de Rakovsky, el cual esbozó una caracterización más atinada sobre
las repercusiones de la burocratización en la estructura socio política
de la URSS, pues capturó con precisión la especificidad del período
de transición en 1917 tras la expropiación de la burguesía, donde, a
diferencia de lo que acontecía en las sociedades capitalistas, el Estado
desempeñaba un papel determinante para estructurar las nuevas
relaciones de producción.
Por este motivo, caracterizamos que el estalinismo expropió
a la clase obrera del poder efectivo en la URSS y, en contraposición,
erigió un Estado burocrático, el cual se asentó sobre relaciones de
producción inestables y sin viabilidad histórica en la larga duración,
donde la clase trabajadora fue sometida a nuevas formas de explotación
en función de la acumulación burocrática y no en la perspectiva de la
transición al socialismo. Finalmente, la URSS colapsó –y con ella los
640
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Estados del Glacis-, dando paso a la restauración capitalista.
El balance global del estalinismo no es un ejercicio
“académico” o abstracto; por el contrario, es una tarea fundamental
para el relanzamiento del socialismo revolucionario en el siglo XXI.
Desde una perspectiva estratégica, es necesario en aras de preparar
teórica y políticamente a las nuevas generaciones militantes de
cara a las revoluciones del futuro, las cuales no estarán exentas de
presiones hacia la burocratización (o de los “peligros profesionales
del poder” en palabras de Rakovsky). También, es vital para superar
las terribles deformaciones que contrajo la práctica estalinista dentro
de la izquierda y el movimiento obrero, las cuales no desaparecieron
del todo tras la caída del muro de Berlín. Por último, es indispensable
para comprender el daño duradero que contrajo la contrarrevolución
estalinista en la ex URSS y los países del Este europeo, sin lo cual es
difícil ubicarse políticamente en esa región del mundo, una de las más
importantes desde el punto de vista geopolítico, pues constituye una
zona de encuentro entre Europa y Asia.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
643
PARTE IX
HISTÓRIA DA QUARTA
INTERNACIONAL E DO
TROTSKISMO NA AMÉRICA LATINA
644
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Três debates da Quarta Internacional ao fim da II Guerra Mundial
Ícaro Rossignoli1
A Quarta Internacional lançou suas fichas na Segunda Guerra
Mundial. Tinha esperança de que sairia do conflito como liderança de
revoluções vitoriosas, na Europa ou na periferia capitalista e no mundo
colonial. O Manifesto de 1940 dizia: “A nova geração de operários
que a guerra empurrará para o caminho da revolução tomará o nosso
estandarte.” Esse otimismo revolucionário proclamado enquanto
Hitler triunfava na Europa não resistiu à prova da realidade. Os
militantes e líderes da Internacional foram vítimas de atentados e
execuções que se contaram em centenas, tanto pelas mãos dos nazistas
e imperialistas, quanto das forças de repressão dos stalinistas.
Muitos dos seus dirigentes estiveram entre tais vítimas: o francês
Marcel Hic e o italiano Pietro Tresso foram presos e assassinados pela
Gestapo na França; Leon Lesoil e Abraham Leon tiveram o mesmo fim
na Bélgica; o alemão Walter Held foi capturado pela polícia soviética
na fronteira russa quando buscava escapar da ocupação nazista da
Noruega; o grego Pandelis Pouliopoulos foi morto pelas forças de
ocupação italianas em 1943; Tạ Thu Thâu, líder dos trotskistas na
Indochina (no atual Vietnã), foi morto durante um enfrentamento
entre as forças do Viet Minh e as tropas francesas em 1945. Por fim
e não menos importante, Leon Trotski foi assassinado por golpes de
uma picareta em seu exílio no México por um agente stalinista que se
1 Historiador, professor e militante do Reagrupamento Revolucionário (RR4i.
org). Email para contato: icarorossignoli@gmail.com
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
645
infiltrara como simpatizante do movimento, em agosto de 1940.
Para tornar a situação mais difícil, várias das previsões de
Trotski não se concretizaram. O stalinismo não apenas sobreviveu,
como também expandiu seus domínios sem que houvesse uma
revolução política dos trabalhadores contra a burocracia. Os partidos
stalinistas saíram da guerra com uma influência ampliada, tornando-se,
em muitos países, a principal corrente da classe trabalhadora. Trotski
também acreditava numa decadência mais ou menos rápida de todos
os regimes democrático-burgueses em regimes totalitários. A Quarta
Internacional não previra uma reação democrática capitaneada pelos
EUA ao fim da guerra, nem a relativa estabilidade das democracias
burguesas nos centros imperialistas. Todas essas questões viriam
a desorientar o movimento trotskista após a guerra, desprovido de
lideranças experientes.
A maior seção da Quarta Internacional era o SWP nos EUA,
única entre as seções principais que não foi severamente vitimada.
O SWP manteve a direção internacional funcionando, chefiada pelo
ex-secretário pessoal de Trotski, o francês Jean van Heijenoort, mas
sua atividade foi prejudicada pela falta de contato com as demais
seções. A Quarta Internacional, na prática, deixou de existir como
efetivo organismo internacional durante a Segunda Guerra, havendo
uma reconstrução entre os anos 1944 a 1948, com um novo corpo
dirigente. Quero aqui falar muito brevemente de 3 debates ocorridos
nesse momento de reconstrução e que foram fundamentais para o
organismo que se consolidou na primeira década do pós-guerra, e que
levou ao rompimento e posterior destruição da Quarta Internacional
nos anos 1950.
646
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
1) O debate sobre a ocupação nazista e a Resistência
A ocupação nazista de grande parte da Europa causou confusão
e divisão entre grupos trotskistas. Um exemplo foi a seção alemã
(IKD), emigrados nos EUA, que em 1941 tiraram conclusões que
revisavam as posições trotskistas e proclamavam a necessidade de
uma nova época de revoluções democrático-burguesas, para libertar
os povos europeus do exército alemão, antes de qualquer perspectiva
socialista. Essas posições foram combatidas pelos partidos e líderes da
Quarta Internacional.
Já a seção francesa se dividiu diante da ocupação nazista: o
Partido Operário Internacionalista (POI) de Marcel Hic defendia a
derrota da ocupação pelas forças da Resistência, por vezes apregoando
a necessidade de uma “revolução nacional”, com muitas demandas
democráticas em primeiro plano. Alguns grupos romperam com tal
perspectiva do POI, especialmente o que viria a formar o Comitê
Comunista Internacionalista (CCI), liderado por Rodolphe Prager e
Jacques Privas. O CCI priorizou as atividades sindicais no período
da ocupação, e criticava a orientação do POI como “traição socialpatriótica”, ao afirmar que ele falhava em se diferenciar da ala da
burguesia francesa de De Gaulle, que dirigia a Resistência.
Após um encontro clandestino entre o POI e a seção belga em
janeiro de 1942, formou-se o Secretariado Europeu Provisório. A crítica
de “social-patriotismo” ao POI/Secretariado de Marcel Hic não deve ser
absolutizada, apesar de seus desvios. O Secretariado Europeu manteve
a defesa da URSS durante a invasão alemã, e tinha uma perspectiva
internacionalista de solidariedade com os soldados e trabalhadores
alemães. O Secretariado chegou a construir uma célula clandestina
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
647
no exército alemão, e publicou um órgão em alemão, “Trabalhador
e Soldado” com a linha de unidade de classe e confraternização
revolucionária. Tal operação heroica acabou tragicamente levando
à prisão e fuzilamento de 65 membros e simpatizantes da Quarta
Internacional em Brest e Paris. O próprio Marcel Hic foi capturado,
torturado e morreria num campo de concentração nazista em dezembro
de 1944.
O militante de origem grega radicado na França, Michel Raptis
(Pablo) tornou-se o secretário europeu. Ele articulou a entrada dos
outros grupos franceses separados do POI nesse órgão. Isso serviu
como trampolim para a efetiva reunificação da seção francesa da Quarta
Internacional numa conferência no ano seguinte, 1944. A conferência
fez um duro balanço da atuação dos dois grupos franceses, que
reconhecia terem sofrido poderosas pressões e dificuldades, mas nem
por isso desculpava seus desvios. Criticava o POI de um desvio socialpatriota, e o CCI era criticado por sectarismo com relação à questão
da Resistência. Essa autocrítica dupla foi a base da reunificação, ao
formarem o Partido Comunista Internacionalista (PCI).
Acredito que era imprescindível aos trotskistas terem
participado ativamente dos movimentos de Resistência antifascistas,
buscando polarizar no seu interior uma ala anticapitalista,
antinacionalista e revolucionária. Se o POI e o Secretariado de Marcel
Hic tiveram desvios políticos, foi ainda mais problemática a orientação
estritamente sindical do CCI. Na França e na Itália, os movimentos de
guerrilhas (partisans) foram traídos e desarmados por suas direções
stalinistas, que pregavam a confiança nos governos provisórios
capitalistas (“democráticos”) vitoriosos. Na Grécia, onde o movimento
guerrilheiro apresentou significativa resistência a isso e à formação de
648
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
um governo que incluía antigos colaboradores nazistas, ocorreu uma
guerra civil, na qual os guerrilheiros foram inteiramente abandonados
pela URSS dirigida por Stálin, sob um silêncio vergonhoso, enquanto
eram massacrados pelas Forças Armadas britânicas. A consolidação
prévia de uma firme direção proletária marxista (trotskista) no interior
desses movimentos poderia ter impedido tais traições quando elas se
manifestaram.
2) O debate sobre a situação do capitalismo no pós-guerra
A Quarta Internacional, com algumas exceções importantes,
apostou na continuidade da crise do capital após a II Guerra. Via uma
nova crise capitalista no horizonte, novas guerras imperialistas em curto
prazo, e não um período de relativo crescimento econômico e relativa
estabilidade nos centros do mundo capitalista. A convenção de 1946
do SWP, por exemplo, aprovou uma resolução chamada “A Iminente
Revolução Americana”. Acreditavam que na Europa, o imperialismo
americano agiria de forma tão predatória e ditatorial quanto fora a
ocupação nazista: não haveria reconstrução. O mundo caminharia de
forma inabalada para o fascismo caso isso não fosse impedido pela
revolução, em questão de poucos anos, se não de meses. Regimes de
aparência democrática só poderiam ter caráter episódico.
Isso mostrou da Quarta Internacional certa incapacidade de
analisar a nova realidade e se reorientar, sem com isso lançar fora
uma perspectiva revolucionária. O SWP tinha medo de abandonar
sua ortodoxia. Era preciso preparar-se para um período de força do
stalinismo e da socialdemocracia no mundo capitalista desenvolvido.
O trotskismo seguia marginal. E isso explica as tendências principais
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
649
que emergiram do trotskismo no período seguinte – ortodoxia/
sectarismo de um lado, negando elementos da realidade; do outro, a
tendência a adaptar-se de forma pouco crítica a novos fenômenos da
luta de classes.
Em 1944, surgiu uma oposição à perspectiva ortodoxa no SWP,
liderada por Félix Morrow e Albert Goldman, importantes figuras do
Comitê Nacional do partido. Essa tendência fez críticas muito corretas
sobre a realidade pós-guerra na Europa, prevendo muito melhor que
a maioria da Quarta Internacional a relativa estabilização e a natureza
dos regimes democrático-burgueses do pós-guerra, apoiados pela
socialdemocracia e o stalinismo. Porém, é bom que se diga, GoldmanMorrow enfatizavam fortemente a adoção de um programa democrático
(Assembleia Constituinte, república), embora afirmando que esse
programa era “democrático e transitório”. Além disso, convergiram
com Max Shachtman sobre a caracterização de que a URSS não era
mais um Estado operário, chegando a afirmar maior acordo com
aquele do que com o próprio partido. A “tendência Goldman-Morrow”
contou com o apoio do secretário da Quarta Internacional, Jean van
Heijenoort. Quando a tendência foi expulsa, acusada de colaboração
com o Workers’ Party de Shachtman, van Heijenoort abdicou do cargo
de secretário.
Apesar dos problemas, as posições da Quarta Internacional
desse período afirmavam o papel crucial do partido marxista
revolucionário para os trotskistas. A imprecisão e a falta de realismo de
suas formulações, que exageravam o otimismo, diminuíam o peso do
stalinismo e mergulhavam na crença da crise revolucionária iminente
não os levavam a nenhum tipo de “substitucionismo” do partido
marxista ou do proletariado por outras forças, algo que se tornaria
650
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
depois uma marca da Quarta Internacional a partir dos anos 1950.
Cabe destacar a oposição dos delegados da maioria da seção
britânica (RCP) de Jock Haston e Ted Grant, a essas conclusões
catastrofistas errôneas. Eles alertavam que estava havendo uma
recuperação econômica na Europa, financiada pelos EUA e com
perspectivas de um crescimento, ainda que isso não resolvesse as crises
cíclicas do capital. Afirmavam que a onda revolucionária do fim da
guerra havia passado, traída pela socialdemocracia e pelo stalinismo,
e que a reconstrução se encaminhava por uma contrarrevolução
democrático-burguesa. Nisso, seguiam a mesma noção de GoldmanMorrow, embora não tivessem as mesmas conclusões que estes nem
sobre demandas democráticas e nem sobre a URSS. Criticavam
também a ideia de iminência de uma III Guerra Mundial, pois
afirmavam que o imperialismo ainda estava fragilizado e precisaria se
recuperar antes de disparar o primeiro tiro. O RCP inglês apresentou
tais posições na conferência de 1946 e no Congresso de 1948, mas elas
foram rejeitadas pela maioria.
Nessa questão, a orientação do RCP inglês foi a mais acertada,
ao combinar uma estimativa mais realista da situação da luta de classes
internacional e uma firme intervenção no movimento operário com a
manutenção de uma perspectiva revolucionária. Ou seja, apresentou
uma compreensão da realidade melhor que a da maioria da Quarta
Internacional (o SI de Pablo e o SWP) sem com isso rejeitar o programa
transitório, e sem apoiar a aprovação de Constituições democráticas na
Europa e um programa com esse foco (como fez a tendência GoldmanMorrow).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
651
3) O debate sobre o Leste Europeu em 1946-48
Uma das grandes questões no pós-guerra foi a dos países
ocupados pela URSS no Leste europeu, na chamada buffer zone,
que traduzimos como “zona tampão”, constituído por Bulgária,
Tchecoslováquia, Alemanha Oriental, Hungria, Polônia, Romênia,
Iugoslávia e Albânia. O principal responsável pelas formulações da
Quarta Internacional sobre esse tema foi o belga Ernest Mandel.
Essas formulações tinham falta de clareza e muitos vaivéns.
Embora Mandel retome o precedente da questão em Trotski -- a
ocupação da Polônia, dos países bálticos e parte da Finlândia em 1940
--, o cenário de expropriação da burguesia e transformações sociais
conduzidas pelo alto, de forma burocrática, é largamente desprezado.
Havia a denúncia do caráter predatório da URSS nesses países. Mas,
apesar de serem reconhecidas algumas reformas, a ocupação era
caracterizada simplesmente como “reacionária”. Mandel afirmava que
a assimilação estrutural à URSS não ocorrera na zona tampão, e que
somente assim poderia haver mudança das relações de propriedade.
Como isso não ocorrera e tampouco houvera uma autêntica revolução,
Mandel afirmava (em 1946-48) o caráter capitalista da economia
desses países.
A Quarta Internacional não foi capaz de identificar nesse
período o que depois reconheceria como novos Estados operários
burocraticamente deformados. A confusão dos trotskistas era não
perceber que o poder real estava nas mãos das tropas soviéticas e de
seus partidos locais de apoio. Prova disso foi que na virada de 1947
para 1948, conforme o clima da guerra fria aumentava, o que restava da
burguesia foi expropriado, e os partidos políticos capitalistas retirados
652
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de cena e proibidos. Um marco em tal transformação foi o “golpe de
Praga”, em fevereiro de 1948, que removeu o governo de frente-ampla
mantido pelos soviéticos, e instalou um novo com oito comissários,
todos pertencentes ao PC da Tchecoslováquia.
Trotski afirmava que, apesar de desempenhar, em última
instância, um papel contrarrevolucionário no cenário mundial, o
stalinismo tinha um caráter dual ao também sustentar-se nas bases de
uma economia coletivizada, fator que levava às transformações que
pudera realizar nos primeiros momentos da guerra na Polônia e nos
países bálticos. Trotski tinha previsto uma expropriação da burguesia
nesses países sem, contudo, apoiar as práticas dos stalinistas como
caminho revolucionário a ser seguido, e mantendo a crítica à sua
natureza burocrática.
O II Congresso de 1948 da Quarta Internacional, por
outro lado, afirmou que o stalinismo só poderia cumprir um papel
contrarrevolucionário. Quanto ao Leste Europeu, os países seguiam
sendo considerados burgueses e suas economias, capitalistas. Os
documentos afirmavam que só uma revolução de massas autêntica
poderia mudar isso, negando a possibilidade reconhecida por
Trotski, e mesmo por Mandel (ainda que de passagem), de uma via
burocrático-militar. Sobre a URSS, mantiveram a posição de que
era um Estado operário burocraticamente degenerado, criticando as
teses do “coletivismo burocrático” (defendida por Shachtman) e do
“capitalismo de Estado” (defendida por Tony Cliff e outros). O Leste
europeu, porém, foi tratado de outra forma.
Nessa questão esteve outra divergência do RCP inglês. Ao
contrário da maioria da Quarta Internacional, os ingleses reconheciam
que havia ocorrido ali uma transformação que tornara os países da zona
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
653
tampão equivalentes à URSS. O RCP via que as relações capitalistas
haviam sido eliminadas como resultado da dominação russa e da
natureza de Estado operário soviético. Consequentemente, as tarefas
dos trotskistas para esses países passavam a ser similares às para a
URSS, especialmente às nas nacionalidades não russas, que sofriam
com uma opressão burocrática e nacional.
A maioria do RCP reivindicava, portanto, a defesa desses
Estados em caso de guerra contra países capitalistas. Porém,
delimitavam claramente que a forma como se dera a transição não era
um modelo de derrubada do capitalismo ao qual se deveria esperar
repetir, pois fora um fruto da extrema debilidade das burguesias
naqueles países após a derrota do nazifascismo. Além disso, incluíam
a distinção fundamental da burocratização, pois tais Estados haviam
sido gestados à imagem e semelhança da URSS stalinista, de forma que
para abrir caminho para o desenvolvimento socialista era necessário
lutar pela derrubada revolucionária da burocracia (revolução política);
e para isso eram necessários partidos revolucionários trotskistas.
Mais uma vez, as emendas da maioria do RCP (Ted Grant,
Jock Haston, Bill Hunter) foram rechaçadas. A mudança da posição
da direção da Quarta Internacional sobre a questão do Leste europeu
só se deu em 1950 e só foi consolidada no III Congresso Mundial
de 1951. Mas as condições nas quais ocorreu foram diferentes
do contexto de ortodoxia sobre o papel do partido, típica dos anos
1946-48. No início dos anos 1950, a Quarta Internacional aceitou
finalmente os vários elementos da realidade circundante. Mas fez isso
adotando um impressionismo e um revisionismo sobre as suas tarefas,
secundarizando o papel do partido revolucionário em resolver a crise
de direção, ao crer que o stalinismo poderia passar a desempenhar
654
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
papel revolucionário. Esse revisionismo (pablismo) teve os primeiros
sintomas ainda no ano de 1948, quando a Quarta Internacional teve
seu flerte com o regime burocrático de Tito, na Iugoslávia, após o
rompimento deste com a União Soviética. Mas esse é outro capítulo
da história do trotskismo. Deixo aqui, por fim, algumas indicações de
leitura.
Referências bibliográficas
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International: A History of the British Trotskyist Movement, 19371949.
BROUÉ, Pierre. How Trotsky and the Trotskyists Confronted the
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GAIDO, Daniel. Los Orígenes del Pablismo: La Cuarta Internacional
en la posguerra y la escisión de 1953, 2020.
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to Pabloism. 1944-1953, 1973.
JENKINS, Peter. Where Trotskyism got lost: The restoration of
European democracy after the Second World War, 1977.
MONTEIRO, Marcio Lauria. O movimento trotskista internacional e
as revoluções do pós-guerra: uma análise de suas (re)leituras teóricas
e programáticas (1944-63).
NORDEN, Jan. Yugoslavia, East Europe and the Fourth International.
The Evolution of Pabloite Liquidationism, 1993.
PRAGER, Rodolphe. The Fourth International during the Second
World War, Revolutionary History No.3, 1988.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
655
TROTSKI, Leon. Em defesa do marxismo [compilação]. São Paulo:
Editora Sundermann, 2011. Especialmente os textos “A URSS na
Guerra” e “Novamente e uma vez mais a defesa da URSS”.
656
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Un pasaje por tres intentos de construir la IV Internacional (CORCI, TCI y CRCI) - una mirada desde Venezuela
José Capitán1
1) Esta exposición tiene como motivo realzar la importancia de
la organización internacional de los trabajadores, la IV Internacional,
fundada hace 85 años y con una vida muy corta, fueron asesinados
y destruidos sus miembros principales y organizaciones durante la
Segunda Guerra Mundial, luego muchos y muy variados intentos por
restituirla, algunos falsos porque abandonaron programáticamente la
lucha por la dictadura proletaria, le llaman también proclamatorios, pero
lo cierto, todos infructuosos, entre ellos están el CORCI, 1971-2 hasta
78, la TCI desde 1979 y unos pocos años más, y luego la CRCI 20042019 (¿?)
No es suficiente reclamar su importancia, sino ser más preciso,
la internacional aparte de ser necesaria es algo indispensable, Hoy, no
para mañana. Muchos escriben muy bonito en la fecha aniversaria de
su fundación, inclusive dicen que la labor más importante de Trotsky
fue la creación de la IV I, sustentada en las tesis de la revolución
permanente y el programa de transición, pero no pasan de ahí.
2) Hay que ratificar el internacionalismo, lo cual no basta con
meras declaraciones y escritos descriptivos sino con una actividad
militante y organizativa en aras de concretarla con hechos, para irla
construyendo.
Por ejemplo, Venezuela en el 1989 tras una rebelión popular
logró hacer retroceder la receta del FMI, costó cientos de muertos,
1
Militante de Opción Obrera.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
657
o quizás unos cuantos miles y los perpetradores de estos asesinatos
quedaron impunes, inclusive luego de la llegada al gobierno de Chávez.
Luego a Venezuela se le enfrentó una entente a través de la
OEA, el grupo de Lima y el grupo internacional de Contacto en 2017.
Antes, en el 2015 se realizó un decreto emitido por Obama (13692)
declarando a Venezuela como una amenaza a la seguridad de los
EEUU, el cual sigue vigente y ausente el internacionalismo militante.
3) En 1972 nace el CORCI, tras esa iniciativa, la OCI (Francia)
proyecta impulsar una organización en Venezuela y se funda La
Chispa, a partir de la iniciativa de tres venezolanos que regresaron
al país luego de una mediana estadía en Europa, dos de ellos desde
Francia, y uno desde Italia.
Mediante la táctica del Entrismo La Chispa se organiza dentro
del MIR, que recién se reincorporaba a la actividad legal, luego de la
derrota del ultrismo aventurero de los años sesenta, esta táctica fue
propuesta por Trotsky en la década de los 30 para ingresar en partidos
ya constituidos debido a la premura de intervenir ante la crisis que se
expresaba por el avance del fascismo y la guerra, caso principal, el
Entrismo en el partido socialista francés.
4) Para poner en el contexto la labor de La Chispa, nos ubicamos
en Valencia, ciudad de mayor desarrollo industrial manufacturero del
país, ubicada al norte del país, centrada en el ensamblaje automotriz
y cercana a una refinería, una petroquímica, el puerto de carga más
importante del país y un astillero de reparación de barcos, aquí se
inició, en el medio estudiantil universitario y luego en las fábricas,
la intervención el activismo militante y la construcción de una
organización política, a través del MIR, se avanzó en toda la región
central del país, más tarde se extendió a otras ciudades industriales, en
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
la industria pesada en Guayana y en la industria petrolera de occidente.
Se comenzó a distinguir, dentro del conjunto del partido dos MIR,
llamados MIR-MIR y el MIR proletario.
5) Esta actividad dirigió una fuerte lucha sin cuartel contra la
burocracia sindical de bandas armadas comandada por AD y Copei.
Antes, esto tenían un terreno a sus anchas para realizar todo tipo de
atropellos a los trabajadores, esta lucha se amplió por todo el país y en
nuestra opinión ese impulso y su desarrollo, a pesar del “trotskismo”
chavista, que resultó en los primeros años del chavismo, la liquidación
de la burocracia sindical tradicional vendida y matona. Caso inédito en
toda la América. Hoy, tener el desastre económico con el salario más
bajo del mundo, no es debido a eso.
Junto a esto, como segundo logro, es analizar la historia de
la lucha de clases en el país, a la luz de una visión marxista, sobre
todo ir desmontando la historia stalinista siempre conciliadora, sobre
todo en los sucesos más significativos, como el apoyo al gobierno
en la época de la segunda guerra mundial, luego a otro militar como
candidato luego de la caída de la dictadura de Pérez Jiménez en
1958, el aislamiento del ultrismo aventurero de la década del 60 y sus
resultados desastrosos, más tarde el apoyo a Caldera (cofundador del
pacto de punto fijo y de su reemplazo), luego a Chávez y por último a
Maduro, hasta que este los desechó.
6) A la par de las diferencias de las más importantes secciones
latinoamericanas con la OCI, en Venezuela también se agudizaban
las diferencias debido a las componendas entre la mayor parte de la
dirección trosca y el MIR, nos expulsan a un grupo, mientras en el
resto del CORCI se vuelven incompatibles entre la mayor parte de
los latinoamericanos y los franceses, conduciendo a escisiones que
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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explotan al CORCI.
A la par de la unión fugaz y oportunista, de la OCI, lo que
quedaba del CORCI y el morenismo, tras un llamado Comité Paritario
que no dura un año, se funda en Lima con el resto de los ex CORCI, la
Tendencia Cuartainternacionalista (1979) soportada fundamentalmente
en el POR de Bolivia y el PO de Argentina.
7) En Venezuela, cuando explotó la alianza fugaz del Comité
Paritario, La Chispa proveniente del CORCI, dio una voltereta
olímpica, pasando al morenismo. Un crimen contra la clase obrera
venezolana.
Mientras, nosotros los expulsados armamos, la organización
Política Proletaria, seguimos dentro del MIR y tras el contacto con
camaradas argentinos de PO exiliados, luego de unas reuniones fuimos
reconocidos tras nuestro balance, e invitados a la fundación de la TCI,
en Lima.
En la TCI, funcionábamos como organización venezolana
con nuestra propia dirección y no subordinados como estábamos a
la dirección en la antigua organización, reuniéndonos regularmente
en Lima y en La Paz. La TCI no terminó la década de los 80, no
tenemos balance, pero el POR boliviano entra en crisis, expulsa
antidemocráticamente a unos camaradas, dirigidos por Juan Pablo
Bacherer, que no se sometieron a la dirección que condujo a dicha
crisis.
8) Luego, a partir de una iniciativa realizada en Génova en
1997, se funda la CRCI en Buenos Aires en 2004 hasta, con altos y
bajos, aproximadamente 2019 y no del todo extinguida hasta hoy, para
mi, sigue latente expresada por los camaradas del Centro Socialista
Internacional “Christian Rakovski” y la página web redmed.org.
660
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Estas 3 tentativas, en un lapso de 51 años, estuvieron delimitadas
claramente de las corrientes Mandelistas, las morenistas y de la del
Militante.
9) El EEK de Grecia plantea que se debe hacer un balance
integral, abarcando desde el asesinato de Trotsky, la guerra, la debacle
temprana de la organización internacional, hasta el intento de la CRCI y
su ocaso, con la implosión del PO argentino. Tras una 1ra Internacional
que cumplió su cometido, con una asociación internacional de
trabajadores, la 2da con la creación de sus partidos y sus sindicatos,
la 3ra tras dirigir la 1ra revolución proletaria victoriosa y la 4ta, ya
con 85 años de fundada y cerrada, pero con una labor inconclusa y
vigente, la defensa de continuidad, iniciada de la revolución en 1917
y su culminación mundial, sustentada con las tesis de la Revolución
permanente y del programa de transición. En el 2004 se aprobó un
programa en la fundación de la CRCI, pero no hubo evaluación
permanente, sus avances, inconvenientes, retrocesos, inclusive no
hubo coordinación efectiva entre todos los participantes, me atrevo
a decir que solo entre los partidos nacionales más importantes y no
recurrente sino esporádico y al margen de las demás organizaciones.
10) El problema es el alcance nacional de dichos partidos, la
dialéctica materialista no está debidamente presente, los problemas
mundiales deben debatirse y concluir con su acción (agitación y
propaganda) correspondiente con su consigna de lucha, independiente
de no tener organización en el lugar y la situación en cuestión, pero
como una bandera o faro de referencia.
Por ejemplo, la ausencia de participación o pronunciamiento
sobre la rebelión tras el golpe de Perú, debido a los acuerdos de
explotación minera o la secuencia de sanciones contra Venezuela y
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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la caracterización de ser una amenaza a la seguridad de los EEUU,
a partir de un decreto de Obama todavía con ratificación de Trump y
luego Biden.
El papel de Venezuela en el contexto mundial, luego de la
producción de Cacao primero y después el café, es desde hace 100
años proveedor fundamental de petróleo como recurso de energía
primaria a los países capitalistas avanzados y con una de las mayores
reservas de combustible fósil líquido y gaseoso del mundo, por esto
es codiciada, no por tener gobernando a un Chávez o un Maduro, o
además de eso.
11) El nacionalismo no es un problema nacional, por lo
tanto tampoco debe tener como respuesta partidos nacionales. El
nacionalismo tras el chavismo, trasciende sus fronteras, está más allá
de sus límites regionales
El chavismo, como expresión nacionalista contemporánea, no
se puede comparar con hechos pasados como el peronismo, aunque
ambos no están superados como nacionalismos, y trasciende al
terreno internacional, no solo americano sino más allá, basta saber que
tildar a los camaradas de Turquía, de Grecia y del Centro Rakovski
de chavistas, no por falso, implica reconocer su trascendencia de lo
nacional.
12) La insurgencia popular en 1989 en Venezuela, que
obligó a desobedecer al FMI, sigue sin resolver las causas que la
originó, y que dio pie al chavismo, muchos llamados trotskistas se
beneficiaron plenamente, más tarde cuando el chavismo entró en
picada, lo abandonaron y ahora son funcionales a la derecha golpista
y proimperialista, nosotros que nunca apoyamos al chavismo, ni en
su época de vacas gordas, pero ahora cuando defendemos al gobierno
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
contra la agresión imperialista, para muchos que nos ven desde lejos,
también nos tildan de chavistas.
Venezuela está desarticulada capitalistamente, no hay derechos
laborales, el trabajo perdió su valor, y aun cuando todavía no está en
recuperación capitalista, es probable que no se pueda hacer sin originar
un levantamiento de trabajadores, o popular y hasta de los sectores de
los pueblos originarios. Es el petróleo y su clase obrera la que queda
latente y… no tanto, sigue en actividad.
13) Colombia además de su tradicional intercambio comercial
con EEUU, el siguiente y más directo es con Venezuela. El gas natural
es indispensable para ambos países y para el mundo, la guerra en Europa
se inició por el suministro de gas, que aquí se quema. Por otra parte,
Venezuela le suministra gasolina a Cuba, como pago por su asesoría,
¿Qué planteamos sobre esos intercambios?, ¿Qué deben plantear los
camaradas cubanos sobre el suministro, de gasolina? He ahí el debate
internacionalista que debemos plantear para toda América Latina.
No se puede ver el problema solamente nacional y mucho
menos por ejemplo desde Argentina, para el público argentino.
14) El apoyo a Rusia de un gobierno como el de Venezuela, no
antiimperialista, en los hechos son objetivamente progresistas, frente
a los discursos declamativos de la izquierda y en contra de Rusia y
la guerra, que son más dañinos cuando son encubiertos con tantas
galimatías que no permiten, a muchos, vislumbrar la posición correcta
por la derrota de la OTAN, determinar lo contrario, la derrota de Rusia
por parte de la OTAN sería el avance de la contrarrevolución mundial.
15) El papel de Rusia, no puede ir más allá de su destino como
semicolonia del imperialismo, a partir de su restauración capitalista,
no puede ser de otra manera, inclusive peor aún, como una etapa
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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previa a la estrategia de dominar a China. El absurdo de etiquetar
de “preimperialistas” a ambos países, de tener todas las ganas de
expandirse a través de Inversiones Extranjeras Directas, requeriría
de imponerse en el mercado mundial, de derrotar a los imperialistas
para situarse ellos como hegemones, ir contra todas las bases militares
diseminadas en el mundo, contra todos los organismos con esos fines
como el FMI, el Banco Mundial, los acuerdos de comercio, bolsas de
valores, sistemas de pago y cientos más. Quien no vea esto, concluye
funcional al imperialismo y a su aparato de guerra la OTAN.
16) Expresamos anteriormente, tras la CRCI, 2004 hasta 201819, se sigue prácticamente a la deriva hasta el día de hoy. Sin embargo,
recién escribimos sobre la Historia del Trotskismo en Venezuela, y
estamos por editar digitalmente un análisis sobre la renta del suelo,
del petróleo, crucial en el caso nuestro y otro sobre el desarrollo
industrial del país. Ahí dejamos eso y seguimos dispuestos a la lucha
por la construcción de una internacional, con el tema de la guerra en
Ucrania, tomamos posiciones concretas y no mirando desde lejos sin
empaparse.
Saludamos al Encuentro Internacional León Trotsky, con la
mira al avance por la construcción de la IV Internacional.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Entre revueltas y agrupamientos: aproximación crítica a
la historia del trotskismo en relación a la lucha de clases
en Colombia
Arturo Bravo1
“Los trotskistas: fueron como la estirpe de los
Buendía en Cien años de soledad, literalmente
borrados de la faz de la tierra.”
-Juan Guillermo Gómez en (García, Martha
Cecilia, 2008, p.1)
La historia de las organizaciones políticas revolucionarias en
el mundo también es la historia de la lucha de clases y las condiciones
materiales existentes, las cuales han dado lugar tanto a la exacerbación
de las contradicciones presentes en las relaciones sociales del
capitalismo, como al agrupamiento de sectores revolucionarios. La
estructura económica de la sociedad, en relación con la dinámica de la
lucha del proletariado, ha sido motivo de discusión y análisis por parte
del marxismo revolucionario en la amplia historia de su tradición.
Es preciso, cuanto menos hacer mención de los diversos
conflictos que han surgido a partir de las dinámicas de acumulación,
en relación a aspectos generales de la economía colombiana, para
hablar brevemente de la historia del trotskismo en el país, a modo
de una aproximación crítica, dando cuenta de la narrativa general
que existen entorno al desarrollo de esta corriente y dando cuenta de
algunos vacíos que aún hay, los cuales significan un reto para los y las
1 Sociólogo y militante de la Liga Internacional Socialista. Contacto: dbravop@
unal.edu.co
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
665
trotskistas de Colombia, que tienen como tarea recuperar la memoria
del socialismo de la cuarta internacional en su expresión criolla.
Así pues, se parte de la idea de que América Latina (y por
tanto Colombia) no representa una realidad inconmensurable. Pues,
así como las ciencias sociales han llegado a la conclusión de que
no se puede particularizar exageradamente la realidad de la región,
tampoco el marxismo en sus análisis puede tender a separar al sur
de las dinámicas que se viven en los demás países del panorama
global, en un proceso donde el capitalismo de forma diferenciada se
ha instaurado en las distintas latitudes del mundo, eso sí, con algunas
expresiones particulares (Puga, Ismael, 2015).
En ese sentido, este texto no pretende brindar una mirada
extensa y exacta de la temática que pretende abordar, al contrario,
resulta ser más bien un acercamiento que puede nutrir, en un minúsculo
esfuerzo, la difusión de la historia del trotskismo en nuestros países y
servir cómo un pequeño punto de referencia para los y las camaradas
que puedan acceder a este.
La formación social colombiana y el surgimiento del PSR y las
luchas obreras.
Es muy común abordar a un viejo militante de la izquierda
colombiana y que este en medio de sus anécdotas narre como el debate
en torno al modo de producción colombiano reflejaba unas amplias
polémicas entre diversos sectores, a lo cual en épocas más recientes,
se ha llegado a la conclusión de que sistemáticamente el país ha
reunido características mixtas, so peso de que el modo de producción
predominante, así como en todo el mundo ha sido el capitalismo, que
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
algunos sectores caracterizan como dependiente o periférico.
Así pues, pese a que las relaciones sociales en el campo
tuviesen algunas formas de trabajo no remunerado, casi que
esclavista o feudales, producto de la herencia colonial y la hacienda
como centro de la producción agraria hasta finales del siglo XIX,
Colombia siempre ha sido parte de la economía mundial y por tanto
se ha venido acoplando a la dinámica del capital internacional, como
bien lo plantearía Sergio Bagú, llegando a la conclusión de que en
toda América Latina ha habido un capitalismo realmente existente
(inclusive desde la colonia) con características que en el trotskismo
hemos abordado cómo semicoloniales, pero que en la región se ha
teorizado de distintas maneras (Bagú, Sergio, 1949).
De esa forma, podría decirse sobre estas características, que
primeramente la burguesía nacional disputó durante todo el siglo
XIX la forma de organizar el naciente Estado y sus embrionarias
instituciones del régimen, basado este en los principios programáticos
de los dos mitológicos partidos que dominarían el país por casi dos
siglos: Liberal y Conservador. Esto llevo a que la clase trabajadora,
campesinos pobres y personas miembros de alguno de los distintos
grupos étnicos que hay en el país, lucharan en cruentas guerras en
las cuales siempre se vio en disputa el “modelo del país” pensado
por las clases dominantes. Ya fuera la liberalización de la cultura, el
federalismo y la apertura económica, o el sostenimiento del poder
eclesiástico, la centralización y el mantenimiento de los valores
tradicionales (Mejía, Álvaro Tirado, 1978).
Para los años 20’s del siglo XX, mientras aún se daban estas
disputas, digámosles “interburguesas”, con el pueblo como carne de
cañón, se acentuó en Colombia el desarrollo capitalista, no solo por
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
667
cuenta de la extracción de materias primas por parte de la naciente
industria nacional y el inicio de la producción fabril, sino sobre todo
por cuenta de los grandes capitales transnacionales que empezaron a
tener un papel importante a la hora de usurpar las comodities y bienes
de consumo nacionales, con el caso destacado de la “American Oil
Company” y la “United Fruit Company”, enclaves capitalistas que al
generar cierta proletarización en diversas zonas del país, dieron lugar
también a importantes procesos de resistencia por parte de la naciente
clase obrera, lo cual, se puede decir que fue parte de los primeros
embates en huelgas contra poderes nacionales e internacionales que se
fueron configurando en el país, con efectos en la demografía territorial
y la cultura política (Vega Cantor, Renan, 2002).
Es en este contexto surge en 1926 el Partido Socialista
Revolucionario, como el primer punto de referencia para agrupar
a la intelectualidad marxista del momento, en un primer ensayo de
organización proletaria que también agrupo a los distintos sectores
oprimidos por el capital, teniendo una participación mayoritariamente
de obreros e intelectuales, entre los cuales destacaron María Cano,
Ignacio Torres Giraldo y Tomás Uribe Márquez. Por nombrar algunos
de sus más grandes cuadros, recordados por su intervención en los
conflictos que sucedieron a la conformación del partido y teniendo
presencia en las principales ciudades que se configuraron como parte
del proceso de acumulación de capital cómo Cali, Medellín y Bogotá
(Guadrón, Cesar, 2023).
Podría decirse que, el PSR es el antepasado común del cual
se reclaman la mayor parte de organizaciones marxistas existentes en
Colombia, tanto estalinistas, maoístas cómo socialistas revolucionarias,
puede intuirse inclusive que, en un pasado próximo el naciente
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
trotskismo tuvo inspiración en algunos de los aportes que hizo este
organismo. Y no es para menos, pues por ejemplo el mismo Ignacio
Torres Giraldo escribió “Los inconformes: Historia de la rebeldía de
las masas en Colombia” obra que da cuenta de la historia de la lucha
de clases en el país narrada hasta ese momento en un primer plano, así
como la propia conformación de la clase trabajadora (Giraldo, Ignacio
Torres, 2023).
Sin embargo, el Partido Socialista Revolucionario como
miembro pleno de la tercera internacional, al igual que otras secciones
nacionales, sufrió un proceso de estalinización fruto de la propia
transformación del komintern, lo cual condujo a que en 1930 diera
lugar al Partido Comunista de Colombia, proceso que se asemeja
a aquellos que vivieron diversos partidos a lo largo del mundo
en los nefastos 30’s como retroceso contrarrevolucionario que ya
venía en marcha. Esto llevo a que varios cuadros que, en un primer
momento habían conformado el PSR, fueran expulsados e inclusive
calumniados por parte de las nuevas direcciones del naciente partido,
cosa que resulta irónico cuanto menos, dado que al día de hoy el PCC
(Partido Comunista Colombiano actualmente) reivindica la memoria
de un partido del cual “liquidaron su pasado”, como bien habría
dicho Ignacio Torres Giraldo en un documento homónimo en el cual
renegó de sus “antiguas tendencias”, que no eran otra cosa que un
auténtico ímpetu revolucionario socavado por la burocracia de Moscú
(Meschkat, Klaus; Rojas, María, 2009).
Esta primera experiencia, da cuenta de cómo los procesos
internacionales en la superestructura (política) tienen un efecto
particular en los procesos nacionales, este elemento de influencia
externa va a ser muy relevante más adelante en la historia cuando se
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
669
configuren otras fuerzas políticas vinculadas al maoísmo, el camilismo
y el trotskismo, este último teniendo una estrecha relación con los
debates de la cuarta internacional. Sin embargo, puede decirse que
el Partido Comunista de Colombia (Partido Comunista Colombiano
a posteriori) tuvo relativa hegemonía con respecto al movimiento de
masas, liderando varios sindicatos, asociaciones campesinas, juntas
barriales, etc. llegando inclusive a estar vinculado a las guerrillas en la
época de la Violencia en 1948 y la conformación de las FARC en 1964
(Medina, Medófilo, 1980).
El agrupamiento en “El campo socialista” de los 70’s y la influencia
de la IV Internacional.
Para los años 70’s con prácticamente medio siglo de historia,
Colombia había pasado por diversos procesos que hicieron parte
de la dinámica de la lucha de clases, pues a mediados de siglo,
después de una época de violencia fratricida y una dictadura militar
anticomunista, se dio la creación del frente nacional en 1958, el cual
fue un acuerdo entre las burguesías nacionales, representadas en los
partidos tradicionales, para manejar el país por la segunda mitad del
siglo XX. Del mismo modo, con este acuerdo intentaron apaciguar
las contradicciones exacerbadas profundamente hasta ese momento,
sin éxito alguno, pues los recuperados sindicatos, el movimiento
estudiantil y campesino, mostraron a lo largo de este periodo una
incomparable combatividad, dando lugar a numerosas luchas que
fueron apoyadas por las organizaciones políticas de carácter partidario
que en ese momento ya confluían en los espacios unitarios, desde el
maoísmo hasta el camilismo, este último en auge por la participación
670
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
directa de Camilo Torres Restrepo y su táctica del Frente Unido en los
60’s (Archila, Mauricio, 2005).
De la misma manera, el movimiento estudiantil se posicionó
como un actor más que relevante, dado que en los 60’s dio lugar a
importantes procesos de movilización y organización, contexto en el
cual fue fundada la Federación Universitaria Nacional (FUN). Este
periodo de fortalecimiento y consolidación se terminó de dar en los
70’s, década en la que se dio lugar a una de las mayores huelgas
estudiantiles de toda la historia colombiana en 1971, lo cual motivo la
aparición de distintas agrupaciones políticas, las cuales se nutrieron de
los debates en el ámbito internacional y el contexto político nacional
de la época, en la que por otra parte, la guerrilla también estaba
empezando a tener cierto reconocimiento con las FARC y el ELN
conformadas en el 64, siendo estas las principales organizaciones de
este corte en el país (Archila, Mauricio, 2005).
Ahora bien, podríamos decir que las primeras organizaciones
trotskistas en Colombia surgen tanto por el aire combativo que se
respiraba en esa época producto del contexto social, cultural y político
nacional e internacional, y la inspiración en la tradición de la cuarta
internacional y algunas organizaciones políticas partidarias, como el
PSR, que precedieron la conformación de organizaciones de izquierda
alternas a las ya existentes.
Así pues, hechos internacionales como el mayo del 68, la masacre
de Tlatelolco, la resistencia a la guerra de Vietnam, el feminismo y la
nueva cultura contestataria, tuvieron un efecto respecto al nacimiento
de los primeros núcleos trotskistas en Colombia, en la misma medida,
estos también se vieron influenciados por la huelga estudiantil del 71,
el fraude electoral del 70, la injerencia del imperialismo en el modelo
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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educativo del país y las ideas del internacionalismo cosmopolita. Así
pues, puede decirse que el antepasado próximo de estas organizaciones
fue el Partido de la Revolución Socialista, el cual convocó a grandes
intelectuales como Estanislao Zuleta y Mario Arrubla; esta organización
se caracterizó por ir en contra de la táctica “etapista” del tradicional
partido comunista y plantear una salida directa a las necesidades del
proletariado por medio de la revolución social (Acevedo Tarazona,
Álvaro; Lagos Cortes, Emilio, 2022).
Cabe resaltar, que, para este momento en la cuarta internacional
se estaban disputando la dirección dos tendencias, las cuales se verían
reflejadas en la construcción orgánica y programática de las nacientes
organizaciones. En ese sentido, la tendencia mayoritaria era encarnada
por Ernst Mandel, quien se había apropiado de la “Resolución sobre
Latinoamérica”, la cual fue aprobada en el IX Congreso de la Cuarta
Internacional y consideraba que en el continente se debían construir
guerrillas rurales por un largo periodo, cosa con lo cual polemizaba
fuertemente cierta tendencia leninista (minoritaria) liderada por
Nahuel Moreno (quien después conduciría la fracción bolchevique),
el cual consideraba que la construcción partidaria era fundamental por
encima de cualquier otra táctica, para estar en contacto con las masas
y dirigir un proceso revolucionario, considerando el foco guerrillero
pequeñoburgués o elitista, al no encajar en la concepción de la lucha
armada presente en Trotsky y Lenin (García, Martha Cecilia, 2008).
Es en este momento, que en 1970 nace el grupo Espartaco,
como resultado de focos de estudiosos de las tesis de la IV internacional
en Cali, Popayán y Bogotá, puede decirse que sobre todo que en Cali
siempre hubo una tendencia a esta tradición, pues se documenta que
desde antes ya había organizaciones de este corte, así pues, Espartaco
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
se apropió de la teoría de la revolución permanente y empezó a
publicar Prensa Obrera como órgano propagandístico, alineándose
con las posturas de Ernst Mandel. Por otra parte, el Grupo Marxista
Internacionalista, se fundó en Bogotá, como una organización más
bien vinculada a la tendencia minoritaria de la internacional. Así
pues, en 1974 Espartaco fue reconocida como sección oficial de la
internacional y el GMI como simpatizante (García, Martha Cecilia,
2008).
Del mismo modo, en medio de los fuertes procesos de
movilización estudiantil y la álgida dinámica de luchas sociales en
el país, se creó en 1972 el Bloque Socialista, celebrando su primer
congreso, denominado “Reunión Socialista” el 26 de agosto, en este
espacio confluyeron diversas organizaciones de la llamada “nueva
izquierda” caracterizada por figurar como alternativa al estalinismo
y el maoísmo del momento, haciendo fuertes críticas programáticas a
dichas corrientes y proponiendo una política diferenciada vinculada a
tendencias propias del campo socialista internacional, pese a que en un
principio no se autodenominase propiamente trotskista. En principio
el GMI y Espartaco no confluyeron directamente junto a las demás
organizaciones que conformaron este proceso, y más bien dieron lugar
al periódico “Revolución Socialista” que estaba presente ya desde
1971, este medio después fue adoptado como el órgano partidista del
Bloque en 1974 (García, Martha Cecilia, 2008).
Por otra parte, meses después de su fundación, del Bloque
Socialista se escindió una de las primeras organizaciones resultado de
una polémica con los sectores mayoritarios de este, la cual fue la Unión
Socialista Revolucionaria, esta manifestó divergencias con el leninismo
del bloque, y creo su propio órgano publicado periódicamente,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
673
denominado “El Manifiesto”. Esta organización, pese a alejarse del
trotskismo, tuvo ires y venires, en los cuales llegó a simpatizar con
las organizaciones trotskistas, pero también a polemizar fuertemente
con las mismas, apelando como una de sus principales apuestas, a la
construcción de una única central de trabajadores en el país. Puede
decirse por otra parte, que mantener la unidad del bloque en ultimas,
fue una tarea casi imposible, pues los roces entre las tendencias de la
internacional llevaron a fuertes divisiones que se fueron expresando
en las transformaciones orgánicas de los agrupamientos que en un
momento habían conformado este proceso de unidad (Acevedo
Tarazona, Álvaro; Lagos Cortes, Emilio, 2022).
Así pues, en 1974 también se dio la creación de la Liga Obrera
Comunista como escisión del bloque que en 1977 se unificó con los
Comandos Camilistas y el grupo Espartaco en un congreso celebrado
en la ciudad de Barranquilla, dando origen a la Liga Comunista
Revolucionaria (LCR), la cual fue reconocida como sección oficial de la
cuarta internacional y se presentó a elecciones con candidatos propios,
pues para este momento, las organizaciones del campo socialista, en
su mayoría, ya habían abandonado toda tesis ultraizquierdista para
plantearse la participación en la democracia burgués con candidatos
de la clase trabajadora. Por otra parte, el Bloque Socialista se había
adherido a la tendencia bolchevique de la cuarta internacional, lo cual
junto a la influencia de los exiliados del PST argentino en Bogotá,
provocó que también en el 77 se fundara el Partido Socialista de los
Trabajadores, organización que marcó un hito como el primer gran
partido trotskista de Colombia, el cual se mantiene hasta el día de hoy.
(Acevedo Tarazona, Álvaro; Lagos Cortes, Emilio, 2022)
Pese a estos procesos de continuas escisiones, el PST, la Liga
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Comunista Revolucionaria, la Unión Socialista Revolucionaria y el
Grupo la Organización Comunista Ruptura, este último siendo un
nicho de intelectuales, se presentaron a elecciones bajo una plataforma
común llamada “Uníos” en 1978. Esta plataforma se dio después de
un fuerte proceso de debate en el campo socialista, lo cual dio lugar
a la candidatura de Socorro Ramírez, única para ese momento al ser
una mujer joven, sindicalista y socialista quien pertenecía al PST
antes de que fuera expulsada por conformar la Tendencia Democracia
Proletaria junto a Ricardo Sánchez, uno de los primeros dirigentes
del Bloque Socialista. Esto llevó a que inexorablemente el PST se
retirara de “Uníos” por diferencias con las demás organizaciones,
pese a continuar apoyando la candidatura de Socorro Ramírez; cómo
resultado de este proceso, La Liga Comunista Revolucionaria y la
Tendencia Democracia Proletaria, esta última ya expulsada del PST, se
unificaron en lo que sería el Partido Socialista Revolucionario (PSR)
impulsado por el secretariado unificado de la cuarta internacional.
(Acevedo Tarazona, Álvaro; Lagos Cortes, Emilio, 2022)
En este orden de ideas, podría decirse que la división PSTPSR, fue el punto culmen de las tensiones entre el Mandelismo y el
Morenismo, sin embargo, podría afirmarse que lo que verdaderamente
condujo a que las tensiones estallaran, fue la cuestión de la revolución
nicaragüense, dado que el PST colombiano y el mismísimo Nahuel
Moreno, organizaron la brigada Simón Bolívar, la cual, siguiendo
fielmente los principios del internacionalismo proletario, fue a luchar
en Nicaragua en el 79. Tras la victoria del FSLN, esta brigada fue
expulsada de Nicaragua por tener diferencias con la dirección del
sandinismo, la cual les denunció como “agitadores trotskistas” y les
deportó a Panamá, donde fueron víctimas de tortura. La respuesta del
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
675
mandelismo fue respaldar la decisión del sandinismo, lo cual produjo
un rechazo absoluto de la fracción bolchevique y su consecuente
escisión del Secretariado Unificado de la Cuarta Internacional, lo
cual les conduciría a conformar en 1982 la Liga Internacional de los
Trabajadores- Cuarta Internacional (LIT-CI). (García, Martha Cecilia,
2008)
Esta historia, difícil de contar para quienes siempre hemos
apelado a la unidad de las corrientes trotskistas, no representa
únicamente debates programáticos, sectarismos y diferencias entre
revolucionarios y revolucionarias, pues tanto el Bloque Socialista,
como sus organizaciones participantes y escisiones tuvieron una fuerte
participación en la lucha de clases, y lograron que el trotskismo se
posicionara como un sector capaz de impactar en la cultura política
del país que hasta ese momento solo había conocido el marxismoleninismo en su versión rusa y china. Así pues, el campo socialista en
Colombia se decantó por aproximarse a los debates internacionales,
agitar consignas clasistas, construir con los distintos sectores oprimidos
de la sociedad colombiana, poner sobre su agenda debates vinculados
a la participación electoral, la lucha armada, etc. teniendo sobre todo
una amplia presencia en las universidades y el magisterio, elevando
también reflexiones en torno a el arte, la vida y la intelectualidad de la
época. (García, Martha Cecilia, 2008)
A pesar de este antecedente, las organizaciones trotskistas
volvieron a coincidir en ¡A Luchar!, una plataforma de lucha común
(movimiento) en la que coincidían diferentes sectores sindicales,
políticos, estudiantiles y campesinos. El PSR tomo la decisión de
disolverse en este movimiento, sin embargo, el PST se mantuvo como
partido, por su parte la URS se disolvió en la agrupación “Firmes”,
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
y del Grupo Comunista Ruptura se desconoce su devenir (Acevedo
Tarazona, Álvaro; Lagos Cortes, Emilio, 2022)
Por otra parte, al interior del PST hubo una fuerte polémica en
torno a lo que se debía hacer respecto a ¡A Luchar! puesto que un sector
del partido consideraba que este se debía fundir en la organización
para conformar un Frente Único Revolucionario, sin embargo Nahuel
Moreno, junto a la dirección de la LIT, consideraban que no se podía
tomar tal orientación, pues al interior de este proceso también confluían
sectores afines a la guerrilla, con los cuales ya había planteado
diferencias fundamentales a partir de su “Tesis del Guerrillerismo”,
por otra parte, este planteaba hacer parte de la plataforma común como
un frente sindical revolucionario. Fruto de del debate algunos de los
cuadros del PST se quedaron en ¡A Luchar! mientras el partido tomo
la determinación de abandonar el movimiento, esta polémica se dio
entre 1985 y 1986. (Moreno, Nahuel, 1994)
Para el año 81, también se sabe que hubo una organización
posadista, perteneciente a la internacional de esta misma corriente
llamada “Partido Obrero Trotskista” el cual tuvo como órgano de
agitación el periódico “Lucha Comunista”, en el cual introdujo
las posturas de J. Posadas, aquel enigmático dirigente de la cuarta
internacional, conocido por sus posturas entorno a los ovnis y las
guerras nucleares. Sin embargo, el periódico intentó posicionar ciertos
debates entorno a las candidaturas de izquierda en elecciones, el
panorama internacional, las luchas del momento en relación con las
centrales obreras, el sentido revolucionario del arte, entre otras cosas.
(Lucha Socialista, 1981)
En ultimas, sigue vigente la tare de hacer una revisión más
precisa a la hora de caracterizar estas corrientes, sus debates, encuentros
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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y desencuentros, cómo se menciono al inicio, esta aproximación mas
bien pretende brindar los elementos esenciales que puedan servir a
que camaradas de otras partes del mundo se hagan a una idea muy
general de lo que ha sido el proceso en nuestro país, sin dejar de lado
que para la academia, los investigadores, investigadoras y militantes
de izquierda, aún quedan algunos periodos inconclusos, con diversos
vacíos, que hacen parte de lo que sigue con respecto a esta narrativa.
La burguesía colombiana y los métodos de guerra civil, la debacle
del 91 y el uribismo
El final del siglo XX e inicios del XXI resulta ser un contexto
más cercano para generaciones más recientes de militantes, este
periodo cuanto menos representa una de las etapas más complejas para
el movimiento social y popular colombiano, pues, por un lado, hubo
una fuerte profundización de la lucha de clases y una permanencia
de importantes procesos de lucha por parte de los distintos sectores
que, junto a la clase trabajadora, han combatido al reaccionario Estado
colombiano. Y, por otra parte, también se dio una de las épocas en las
que hubo una mayor profundización de la represión contra luchadores
sociales, no sólo por cuante de los gendarmes y el ejercito oficial, sino
también por parte de grupos paramilitares creados como hijos putativos
de la ideología del enemigo interno, la cual penetró fuertemente en el
régimen y en el tratamiento que por mucho tiempo se le ha venido
dando a la protesta social en el país.
En la tradición socialista, a la desproporcionada represión
contra el movimiento de masas le hemos llamado “métodos de guerra
civil” entendiendo que, es en el marco de estos conflictos que los
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
ejércitos del mundo han recorrido a las ejecuciones de prisioneros, los
asesinatos selectivos, entre otras cosas. En Colombia particularmente,
los ejercicios de memoria han resaltado la desaparición forzada como
un hecho atroz, producto del recrudecimiento de la guerra entre el
Estado y las guerrillas, pero más que eso, ha sido el resultado de la
criminalización del Estado contra la juventud y contra la lucha social.
En este periodo a inicios del siglo XXI, se puede destacar el
ascenso a la presidencia de Álvaro Uribe Vélez, quien pese a presentarse
como candidato independiente respecto a los partidos tradicionales,
terminó llevando a cabo uno de los gobiernos más reaccionarios y
sanguinarios de la historia del país, de la mano de la burguesía lumpen
narcotraficante que en años cercanos había tenido una fuerte influencia
en las principales esferas del poder. Fue precisamente con su política
de “seguridad democrática” que aumentó el gasto militar y profundizó
las tácticas anticomunistas para combatir a sangre y fuego a las
guerrillas, recuperar el poder del Estado en los territorios del país,
facilitar los negocios de los capitalistas irrumpidos por las milicias
y llevar adelante una dura represión contra la clase trabajadora y los
sectores populares. Esto, mientras aumentaban considerablemente las
“ejecuciones extrajudiciales”, es decir, las desapariciones forzadas a
manos de agentes del Estado contra jóvenes, trabajadores y campesinos.
(Cárdenas, Ernesto; Villa, Edgar, 2013)
Así pues, este periodo ha suscitado un fuerte debate entre la
izquierda colombiana, dada la caracterización que diversos sectores
han realizado sistemáticamente de este gobierno, por su parte el
morenismo (sector más visible del trotskismo hasta el momento)
coincidió en que se trató pues de un gobierno bonapartista,
confrontando directamente la tesis que lo consideraba (y considera)
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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fascista, dado que si bien usó métodos de guerra civil y tuvo una
fuerte fijación en el poder presidencial, este no terminó por aplastar
al movimiento obrero y popular y sus organismos democráticos, ni
tampoco destruyó las instituciones de la democracia burguesa para
instaurar un régimen totalitario. Por tanto, esto llevó a la conclusión
de que no había habido una derrota, pese a que este periodo, así como
décadas anteriores, se caracterizó por una fuerte persecución a los
liderazgos de organizaciones de izquierda, sindicatos, asociaciones
campesinas y organizaciones estudiantiles.
Puede decirse que entre finales del siglo XX e inicios del XXI
hay una gran incógnita ¿Qué pasó con las organizaciones trotskistas?
Si bien se puede hacer un pequeño rastreo de algunas, aun falta
construir el panorama completo, sin embargo, hay varios elementos
que se pueden mencionar. Por un lado, la debacle del 91 jugó un papel
desmoralizante en el movimiento obrero a nivel internacional, pues la
URSS desapareció como punto de referencia, además, el trotskismo ya
había mostrado una dificultad para que sus proyectos se mantuviesen
de forma unitaria, lo cual se reflejó una tendencia al fraccionamiento.
A pesar de que se sabe que el mandelismo técnicamente
se disolvió, la historia del morenismo, quien se mantuvo, estuvo
fuertemente marcado por elementos mencionados anteriormente,
pues a finales de los 80’s no solo empezó a darse el desmantelamiento
del proyecto soviético, sino que además en 1987, se dio la muerte
de Nahuel Moreno, quien por muchos años había dirigido la LIT-CI,
por lo que las fracciones no se hicieron esperar, pues el vacío que
dejó el dirigente argentino representó una enorme dificultad que la
internacional no pudo solventar fácilmente, por lo cual después
apareció la Unión Internacional de los Trabajadores como fracción de
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
la LIT. Esto no solo tuvo una repercusión internacional, sino también
hizo que por consecuencia varias secciones nacionales se dividieran,
dando lugar, a multiplicidad de partidos como los que hay hoy en
Argentina, producto de la división del Movimiento Al Socialismo
(MAS), algunos de los cuales hoy confluyen en el FIT-U. (Movimiento
Socialista de los Trabajadores, 1997)
Eminentemente, el PST colombiano quedó en medio de este
revuelo, teniendo fuertes polémicas con la internacional, de lo cual
no hay certeza o documento hallado en este momento que de cuenta
de una ruptura, aunque si se puede dar atisbar hoy en la realidad
colombiana, que hubo diversas rupturas y por ende escisiones de esta
organización, las cuales han ocurrido paulatinamente en este reciente
periodo, las cuales han dado lugar a agrupaciones cómo Colectivos
Unidos, Democracia Directa, Perspectiva Marxista Internacional,
Ruptura, y más recientemente al Grupo de Trabajadores Socialistas
(GTS).
Estos procesos han llevado a que los grupos, en vez de
tener amplia influencia en el movimiento de masas, por medio de
una estructura partidaria, tengan una minúscula participación en
algunos sectores clave de los cuales sus militantes hacen parte, tales
cómo el magisterio, el movimiento estudiantil, algunos sindicatos
pequeños, entre otros. Podría decirse que, ante tal devenir, la tarea es,
parafraseando a Daniel Bensaïd, agrupar aquellas “tribus dispersas”
que hoy actúan individualmente en diversos espacios para construir
una izquierda revolucionaria acotada a la dinámica actual de la lucha
de clases. (Bensaid, Daniel, 2002)
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
681
Los estallidos recientes y el papel de las direcciones reformistas
En ese contexto, tras la “diáspora socialista” nos aproximamos
a los tiempos recientes, en los cuales tras más de una década de uribismo
(tendencia reaccionaria expresada en los últimos gobiernos), la clase
trabajadora en su conjunto ha demostrado un hartazgo con respecto al
neoliberalismo expresado en sus políticas económicas, la precariedad
de su política social sin ningún atisbo de garantías de salud y educación
y la alta represión expresada en sus prácticas antidemocráticas y
militaristas. Esta situación, condujo a que entre el año 2019 y 2021
hubiese estallidos sociales que se dirigieron en contra de las políticas
neoliberales (impuestas por los organismos imperialistas) de Iván
Duque, presidente perteneciente a esta corriente.
Si bien, en estas jornadas, el elemento unificador fue la
derrota política del uribismo por medio de la movilización de masas,
las organizaciones reformistas y las principales centrales sindicales
agrupadas en el Comité Nacional de Paro, decidieron canalizarlo todo
por medio de una vía institucional, direccionando al movimiento para
convertir sus aspiraciones programáticas en proyectos de ley, cerrar
filas y trasladar la disputa al campo electoral, impulsando la candidatura
de Gustavo Petro, por medio del Pacto Histórico, coalición de centro
izquierda.
Este contexto llevó a que nuevamente las organizaciones
socialistas, llegásemos a la conclusión de que, cómo bien lo había
planteado en algún momento León Trotsky, se trataba de una crisis
de dirección revolucionaria, pues el reformismo hizo todo para
dirigir el proceso y contener la gran fuerza movilizatoria del pueblo
colombiano por medio de una salida electoral concertada con las
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
clases dominantes. Sin embargo, esta conclusión también condujo a
entender las debilidades que las organizaciones anticapitalistas tienen
actuando sin una unidad de acción que les permitiese influir de mejor
forma en estos procesos de lucha.
Por este motivo, en 2021 hubo un acercamiento entre el recién
escindido Grupo de Trabajadores Socialistas e Impulso Socialista,
sección colombiana de la Liga Internacional Socialista, organización
que curiosamente al igual que las primeras organizaciones trotskistas,
surgió como un núcleo de estudiantes y algunos profesores en
universidades públicas en el marco del paro estudiantil del 2018.
Este acercamiento recién se concretó en 2023, cuando el GTS e IS
decidieron unificarse en la Unidad Obrera y Socialista ¡UNIOS!, en
la perspectiva de continuar reuniendo esfuerzos para intervenir en la
lucha de clases.
En búsqueda de una salida por la izquierda
Así pues, se puede concluir en que la historia del trotskismo en
Colombia esta marcada fuertemente por los debates y el desarrollo de las
corrientes en el ámbito internacional, al tiempo que está constantemente
influenciada por las condiciones materiales propiamente nacionales y
la dinámica de la lucha de clases alrededor de estas. Por este motivo, el
campo socialista estuvo permanentemente respondiendo a las luchas
de la clase trabajadora, y desarrollándose orgánicamente alrededor de
estas, vinculando sus lecturas de la realidad nacional e internacional
con sus debates programáticos.
Si bien puede decirse que la historia del trotskismo, al igual que
la historia del marxismo en general, es una historia de escisiones, lo
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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que la realidad nos exige es cumplir con la tarea histórica de construir
partido revolucionario y dialogar con el movimiento de masas en
nuestros países para luchar por sus reivindicaciones, allanando el
camino a la revolución socialista mundial. Así, es menester de las
nuevas generaciones de socialistas revolucionarios, revolucionarias
y revolucionaries, luchar por nuestras consignas históricas sin dejar
nunca de dar lugar al debate, la autocrítica y la constante reflexión, por
la cual podamos superar los errores del pasado, y tener la posibilidad
de disputar la conciencia de nuestra clase contra direcciones
pequeñoburguesas y reformistas.
La historia del “campo socialista” todavía se está escribiendo,
es una corriente que, ante las circunstancias actuales de la humanidad,
resulta más vigente que nunca, y, por tanto, es preciso que saquemos
las conclusiones políticas correctas para poder nutrirnos de los difíciles
tiempos a los cuales debemos hacerle frente, y cómo dijo Martha
Cecilia García “El presente es de lucha, el futuro socialista” (García,
Martha Cecilia, 2008)
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
La experiencia de la Brigada de Combatientes "Simón
Bolívar" en Nicaragua y la revolución traicionada de
1979 - El rol del trotskismo.
Miguel Sorans1
El triunfo de la revolución nicaragüense de 1979 fue un gran
impacto y abrió grandes expectativas. Tal fue el impacto en las masas
latinoamericanas que fue el comienzo de las caídas y retrocesos de las
dictaduras en Brasil, Argentina, Bolivia y de Pinochet en Chile.
Pero 44 años después quien encabezó esa revolución, Daniel
Ortega, es un sanguinario dictador repudiado por su pueblo.
La revolución fue inmensa. La familia Somoza dominaba
Nicaragua desde 1936, con una dictadura totalmente pro yanqui. En
1979 prácticamente todo el pueblo nica se fue levantando, encabezados
por el Frente Sandinista de Liberación Nacional (FSLN).
Finalmente, el 19 de julio, Managua quedó en manos del
pueblo. La dictadura había caído.
La Brigada Simón Bolívar fue a Nicaragua a sumarse a la
1 Miguel Sorans es dirigente de Izquierda Socialista, de Argentina, y de la Unidad
Internacional de Trabajadoras y Trabajadores – Cuarta Internacional (UIT-CI). Nació
el 17 de marzo de 1947, en Buenos Aires. Inició en 1966 su militancia en el PRT,
en la corriente trotskista fundada por Nahuel Moreno. Fue integrante de la Comisión
Interna (Smata) de la empresa Chrysler y dirigente de la huelga de 1971. Luego fue
dirigente del Partido Socialista de los Trabajadores (PST) en la clandestinidad. En
1979, viajó a Nicaragua para integrar la Brigada Simón Bolívar, que combatió junto
a los sandinistas contra la dictadura de Somoza. Encabezó la toma de la ciudadpuerto de Bluefields en la Costa Atlántica. En 1980 militó en Brasil. En 1981 militó
en el Perú, cuando Hugo Blanco era legislador junto a una bancada de luchadores
trotskistas integrada por Enrique Fernández Chacón y Ricardo Napurí. Escribe en
El Socialista (www.izquierdasocialista.org.ar) y en Correspondencia Internacional
(www.uit-ci.org).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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lucha armada popular contra Somoza y los yanquis. Fue impulsada
desde Colombia por Nahuel Moreno2 y nuestra corriente trotskista
internacional. Retomando así la tradición de las brigadas internacionales
de la Guerra Civil española de 1936.
Nuestra política era la misma que había aconsejado Trotsky en
la revolución española. Unidad de acción militar con los republicanos
contra el fascista Franco. Sin dar apoyo político a los republicanos.
En el caso de Nicaragua unidad acción para derrotar a Somoza pero
sin avalar la política del Frente Sandinista. El FSLN preparaba un
futuro gobierno con sectores burgueses. Íbamos a buscar crear un polo
revolucionario obrero y campesino alternativo.
En Colombia se alistaron más de mil voluntarios3. Se hicieron
colectas para el viaje. Tal fue el impacto que el diario burgués El
Tiempo, como si fuera en Brasil la Rede O Globo, sacó una editorial
apoyando. Se titulaba “Necesitase gente”. La inscripción era abierta
no solo para trotskistas. Hasta un torero se alistó. Finalmente entraron
en Nicaragua más de 200 combatientes de la Brigada. Los brigadistas
eran colombianos, panameños, mexicanos, argentinos, costarricenses,
con distintas formaciones políticas. Los trotskistas éramos minoría.
Había varias combatientes mujeres.
La brigada estuvo en dos frentes de combate. En el Frente Sur
y en la Costa Atlántica.
En el Frente Sur, que controlaba Daniel Ortega, hubo un
2 Nahuel Moreno (1924-1987) comenzó su militancia en el trotskismo y en el
movimiento obrero a comienzos de la década del 40. Desde 1948 se sumó a las
actividades de la Cuarta Internacional. En su dilatada experiencia con el objetivo
de desarrollar un partido revolucionario obrero e internacionalista incluyó una
permanente elaboración política y teórica.
3
Partido Socialista de los Trabajadores (PST) de Colombia, encabezaba y
organizaba el reclutamiento de los voluntarios.
688
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problema. La dirección sandinista reconoció a la Brigada pero no
aceptó que combatiera como brigada independiente, como si había
sucedió en la Guerra Civil española. Solo aceptó que nos sumáramos
como combatientes individuales en sus unidades. Pese a no coincidir
se aceptó por la unidad en la lucha. Se integraron en el Frente Sur más
de 120 miembros de la brigada.
Hubo combates muy duros por la toma de la ciudad de Rivas.
La Brigada tuvo tres caídos en combates y decenas de heridos. La
brigada entró el 19 de Julio en Managua con las columnas del Frente
Sandinista que venían del Frente Sur.
El otro lugar de actuación de la Brigada fue la toma de la
ciudad-puerto de Bluefields en la Costa Atlántica.
Este operativo se hizo con una columna de unos ochenta
combatientes internacionalistas. Yo era uno de los coordinadores de
esa columna. El objetivo era actuar como brigada independiente en
el proceso revolucionario. Salimos de Puerto Limón, de Costa Rica.
Donde tomamos un barco pesquero que le pusimos la bandera de la
Brigada. El 18 de julio de 1979 se toma Bluefields.
La Brigada funda los primeros sindicatos en Bluefields y
formamos milicias populares, dábamos cursos básicos de socialismo.
Concretamos la expropiación, decretada por el nuevo gobierno,
de la pesquera Booths, que pertenecía a la familia Somoza, y en una
asamblea obrera, de la cual participé, que nombró a una dirección
obrera de la empresa.
Mientras tanto en Managua la Brigada se había instalado en
una gran casona abandona por sus dueños somocistas, muy cerca de
la Plaza de la Revolución y del Palacio Nacional. La brigada fundó
en Managua unos ochenta sindicatos. La mayor parte sindicatos
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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por empresa (textiles, Coca Cola, Pepsi, la popular cerveza Toña)
y apoyaba las milicias populares de 7 u 8 barrios. Desde ese local
convocaba a plenario sindicales. La Brigada formó la primera central
sindical “sandinista”. Los sindicatos pidieron que se les diera la
ciudadanía a los miembros de la Brigada.
Pero desde el principio chocaron dos políticas: la de Daniel
Ortega y Frente Sandinista y la de la Brigada:
1) Ortega por el desarme popular para hacer una policía y un
ejército regular apoyado por el gobierno burgués de Panamá.
La brigada defendiendo que se mantuviera el armamento
popular y las Milicias Populares.
2) Ortega no entregando las tierras de la burguesía conservadora
de los Chamorro, a los campesinos. La Brigada por su reparto.
3) Ortega por no expropiar a la gran burguesía y a las
multinacionales y la brigada por expropiar.
4) Ortega por gobernar con la burguesía y no avanzar al
Socialismo. La brigada proponiendo un gobierno sandinista
sin ministros burgueses y avanzar al socialismo.
Gobernar con la burguesía era el consejo de la dirección cubana
y de Fidel Castro. El 26 de julio viajan a Cuba, Ortega y el empresario
Robelo, miembro del gobierno. Fidel hace un discurso donde les dice
“No hagan una nueva Cuba, hagan una nueva Nicaragua”4. Fidel y el
PC cubano daban la línea de gobernar con la burguesía y no repetir
el ejemplo de Cuba de los tiempos del Che, cuando se expropió a la
burguesía y a las multinacionales y se proclamó a Cuba Socialista.
A mediados de agosto de 1979 el gobierno encarcela a la
Brigada y la expulsa de Nicaragua.
4
Discurso Fidel Castro, reproducido en Juventud Rebelde, La Habana, 29/7/1979
690
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Con el apoyo del gobierno y la policía de Panamá, nos envían
en avión y encierran en la cárcel Modelo de la ciudad de Panamá.
Finalmente, la Brigada fue liberada luego de una gran campaña
internacional impulsada por nuestra corriente trotskista desde
Colombia5.
La represión a la brigada fue una acción preventiva, del gobierno
Ortega-Chamorro, para evitar la posibilidad de que surgiera una
alternativa de dirección revolucionaria. Fue el anticipo de la represión
que vendría después sobre las luchas y la oposición de izquierda.
Se estableció una “economía mixta”. Se siguió pagando la
deuda. En 1988 la inflación llegaría al 33.000%. Las masas caen
brutalmente en su nivel de vida. Nicaragua va a quedar al nivel de
pobreza solo atrás de Haití, cuestión aún vigente. Tal fue la debacle
social qué en las elecciones de 1990, Ortega y el Frente Sandinista
pierden el gobierno a manos de la proyanqui Violeta Chamorro.
En el 2006 Frente sandinista con Daniel Ortega a la cabeza,
retomó el gobierno aliado a sectores derechistas. Su vice fue Morales
Carazo un ex somocista. Siguió la miseria popular. Luego derogó el
derecho al aborto.
Esto fue parte de los acuerdos con la Iglesia Católica y el
reaccionario cardenal Obando y Bravo, amigo personal de la esposa
de Ortega, Rosario Murillo. Quien es una fanática católica, conocida
como “La Bruja” por sus prácticas religiosas y esotéricas.
Es muy importante sacar las conclusiones de lo sucedido:
La revolución de 1979 fue una gran revolución que terminó
derrotada por la política nefasta de la dirección del Frente sandinista
y del castrismo.
5
Mas sobre la Brigada Simón Bolívar ver en: www.uit-ci.org.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
691
Mantuvieron a Nicaragua en los marcos del capitalismo. Se
negaron a avanzar al Socialismo.
En 1979 se abrió una enorme oportunidad para avanzar en
las expropiaciones a la gran burguesía y el imperialismo, desconocer
la deuda externa de la dictadura, comenzar una planificación de la
economía para satisfacer las urgentes necesidades del castigado pueblo
nica. O sea, iniciar el camino del socialismo. No siguieron el camino
de la Cuba revolucionaria de los 60 con el Che Guevara.
Otra vez la utopía reformista de que se podría superar la
miseria de las masas gobernando con la burguesía y sin expropiar a
los capitalistas y a las multinacionales.
No es un debate de historia sino de total actualidad. El nuevo
fracaso del actual gobierno de Daniel Ortega es parte de los fracasos
de los supuestos gobiernos progresistas o de “centroizquierda”.
Gobiernos de medias tintas y reformistas, que no tienen nada que ver
con el socialismo ni la izquierda. Ejemplos de ello son la falsa teoría
del “Socialismo del Siglo XXI” de Chávez y el gobierno de Nicolas
Maduro en Venezuela, el del peronismo kirchnerista en Argentina,
los de Lula y el PT en Brasil gobernando con Alckmin, del MAS en
Bolivia, de Boris en Chile o Petro en Colombia. Gobiernos que siguen
siendo capitalistas, pero con un doble discurso seudo popular o de
izquierda, mediante el cual pretenden engañar y presentarse como
antiimperialistas, con el objetivo de intentar embaucar a sectores
importantes de la juventud, de la clase trabajadora y de los pueblos.
Como hoy Daniel Ortega que es un gobierno burgués, una dictadura,
que aplica las recetas del FMI contra su pueblo. Que utiliza las banderas
y símbolos del sandinismo y la revolución de 1979, como un recurso
propagandístico para mantenerse en el poder mediante la represión,
692
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
con presos políticos y la realización de elecciones fraudulentas.
En abril de 2018 se desató una rebelión popular contra la
decisión del gobierno de Ortega de imponer una reforma previsional
dictada por el FMI. El pueblo nicaraguense gritaba en las calles
“Ortega, Somoza son la misma cosa”.
Llegó a encarcelar a cientos, entre ellos a Dora Téllez, una
heroína de la revolución acusándola insólitamente de “Traición a
la patria”. Al ex comandante Hugo Torres que murió en la cárcel.
Finalmente, Dora Téllez, Yader Parajón y otros y otras luchadoras
fueron liberadas por la solidaridad internacional.
Nadie que se diga de izquierda puede defender ni justificar a
esta dictadura asesina y hambreadora. Daniel Ortega ha ensuciado el
nombre del socialismo. En Nicaragua no hay otro camino que retomar
la lucha las reivindicaciones democráticas y sociales, para terminar
con la dictadura de Ortega-Murillo y recuperar las banderas por las
cuales se hizo la revolución de 1979 en la perspectiva de una salida
obrera, popular y socialista.
La experiencia de la Brigada Simón Bolívar ha quedado
como testimonio de una lección que debemos estudiar y debatir todas
y todos los que luchamos por un cambio de fondo en Nicaragua,
Latinoamérica y en el mundo al servicio de la clase trabajadora y los
sectores explotados.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
PARTE X
HISTÓRIA DO
TROTSKISMO NO BRASIL
693
694
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
A Liga Comunista Internacionalista (LCI) e a luta nos
sindicatos oficiais (1933-1935)
Carlos Prado1
Se até 1930 predominava no Brasil o dogmatismo liberal de
que o Estado não poderia intervir, influenciar ou regular as relações
entre patrões e empregados, o governo de Getúlio Vargas caminhou
em direção oposta. Os contratos de trabalho deixaram de ser objeto
de relações pessoais e particulares e foram adquirindo cada vez
mais um caráter impessoal. A relação capital-trabalho deixou de ser
tratada como uma questão privada e foi incorporada ao âmbito das
preocupações do Estado. Assim, logo no primeiro mês de governo, em
26 de novembro de 1930, o Decreto no 19.433, instituiu o Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), também conhecido como
“Ministério da Revolução”, como foi denominado por seu primeiro
ministro, Lindolfo Collor.
A regulação das relações de trabalho foi uma das principais
preocupações do Estado intervencionista e centralizador que emergiu
após outubro de 1930. A criação de um departamento governamental
para tratar da “questão social” foi a primeira medida no sentido de
institucionalizar as relações de trabalho. O objetivo do novo ministério
era não apenas regular, mas também mediar e disciplinar, para
contornar e evitar distúrbios e conflitos que pudessem comprometer a
1 Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (PPGH-UFF). Professor e pesquisador do curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul (UFMS). Desenvolve pesquisa na área de História do marxismo e do movimento socialista e é autor do livro “História do trotskismo no Brasil (1928-1936)”.
E-mail: carlosprado1985@hotmail.com
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
695
produção e a ordem social.
A absorção da chamada “questão social” pelo Estado aparece
como resultado das transformações econômicas e políticas do período
pós-guerra, dentre as quais, destaca-se a Revolução Russa. Com efeito,
desde o Tratado de Versalhes em 1919, a legislação trabalhista passou
a ser discutida e implementada nos países de capitalismo avançado e
retardatários. No Brasil, surgiram leis no início da década de 1920,
mas foi com Vargas que esse movimento se concretizou. A regulação
dos conflitos entre capital e trabalho se apresentava como medida
necessária para o desenvolvimento e ampliação das forças produtivas
capitalistas.
Ao buscar harmonizar as relações de classes, um dos principais
alvos do Estado foram as organizações sindicais dos trabalhadores.
O objetivo era transformar os sindicatos em órgãos de cooperação.
Nesse sentido, em 19 de março de 1931, o decreto no 19.770, revogou a
legislação sindical vigente de 1907 e apresentou nova regulamentação
sobre as organizações das classes operárias e patronais. Segundo o
discurso oficial, os sindicatos deveriam atuar buscando o vínculo de
solidariedade e o entendimento entre as classes. O artigo 5º destaca
que as organizações sindicais passavam a ter um caráter consultivo e
técnico no estudo e solução, pelo Governo Federal, dos problemas que
econômico e social: “O sindicato, de acordo com a teoria corporativista,
passa a assumir um caráter público, como uma agência do Estado”
(MUNAKATA, 1981, p. 84).
Destaca-se o interesse explícito em limitar a atuação política
dos sindicatos e expurgar uma parcela significativa das suas lideranças.
A legislação determinou que os sindicatos não poderiam desenvolver
propaganda de ideologias que fossem “sectárias” ou estranhas à
696
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
natureza e finalidade da associação sindical. No mesmo sentido,
também proibiram qualquer vínculo com entidades internacionais.
Ainda se estabeleceu que o reconhecimento só seria obtido se os
sindicatos enviassem ao MTIC a relação dos filiados e a cópia dos
estatutos, o que garantia ao Estado controle sobre seus membros e
sobre o funcionamento das associações.
Além disso, admitia-se a presença de representantes
governamentais que poderiam assistir às assembleias gerais e
examinar a situação financeira dos sindicatos, comunicando ao
Ministério quaisquer irregularidades ou infrações e, se houvesse
alguma ilegalidade, a legislação previa diferentes penalidades, desde a
imposição de multas, fechamento temporário, destituição da diretoria
ou dissolução definitiva. Tal prática impedia que as organizações
dos trabalhadores se manifestassem de forma independente. Como
observou Bernardo (1982, p. 90):
“Deixava praticamente de existir a autonomia
sindical. O Estado, através da “Lei de
Sindicalização”, procurava não apenas controlar o
sindicato, mas retirar do mesmo toda e qualquer
possibilidade de desenvolver, junto aos seus
associados, uma ação mais coerente com os
interesses definidos pelo operariado enquanto
classe.”
A estrutura corporativista limitava a ação sindical operária,
cerceava sua liberdade e incorporava ao âmbito do Estado a defesa
dos interesses dos trabalhadores. O enquadramento jurídico era
o pressuposto para a submissão e instrumentalização política dos
sindicatos, que se transformavam em órgãos consultivos e de
cooperação, organizados de acordo com os interesses governamentais.
Como aponta Vianna (1978, p. 147), “Desmobilização, despolitização
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
697
e desprivatização, eis o tripé que informava a nova sistemática
sindical”.
O papel do Estado, enquanto árbitro, se revelou de forma clara
por meio da instituição das “Juntas de Conciliação e Julgamento”,
criadas pelo decreto no 22.132 de novembro de 1932. Por meio dessas
juntas se estabelecia as condições jurídicas para o MTIC atuar nos
litígios entre operários e patrões, ou seja, os conflitos trabalhistas
passavam a ser controlados, disciplinados e julgados pelas esferas
governamentais. Para barrar a autonomia dos trabalhadores, a
normatização apontava que apenas operários membros de sindicatos
oficiais tinham direito à Junta de Conciliação. A sindicalização não era
obrigatória, mas a fim de ampliar a adesão à estrutura corporativista,
a partir de 1932, a legislação começou a abranger apenas aqueles
trabalhadores que fossem membros de sindicatos reconhecidos.
Ao mesmo tempo em que enquadrava as organizações
sindicais, o Estado ampliou a legislação trabalhista. Antes mesmo da
Constituição de 1934, o governo provisório publicou uma série de
decretos que regulamentaram: jornada de trabalho para o comércio e
indústria; estabilidade no emprego, pensão e aposentadoria; trabalho
da mulher; trabalho do menor e férias para empregados no comércio
e na indústria. Não obstante, uma das principais reivindicações dos
trabalhadores foi deixada de lado em benefício dos empregadores.
Até a década de 1940, não houve qualquer regulação sobre o salário
mínimo.
Nesse ínterim, o movimento sindical brasileiro passava por um
momento de reorganização. Havia quatro tendências principais que
divergiam entre si e buscavam orientar e dirigir a luta dos trabalhadores.
Os reformistas que colaboravam com a política governamental,
698
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
atuavam nos sindicatos oficiais e dirigiam a União dos Operários em
Fábricas de Tecidos (UOFT) e o Sindicato dos Ferroviários do Estado
de São Paulo (SFSP). As demais correntes – do campo revolucionário
– denunciavam e recusavam atuar nos sindicatos tutelados. Nesse
terreno, destacam-se os anarcossindicalista que dirigiam a Federação
Operária de São Paulo (FOSP) e outros treze importantes sindicatos.
Havia ainda os comunistas que comandavam a Confederação Geral
dos Trabalhadores (CGT), uma central sindical que não tinha qualquer
existência real, contando apenas com a simpatia de seus militantes e
de alguns operários isolados. E, por fim, o grupo trotskista, que tinha
influência apenas junto aos gráficos de São Paulo.
O trotskismo surgiu no Brasil a partir de uma série de conflitos
internos no Partido Comunista do Brasil (PCB). As divergências
sobre a política de alianças, a luta sindical e a organização partidária
deram origem a um grupo de opositores. Tais polêmicas não foram
solucionadas e culminaram na expulsão de dezenas de militantes. Esta
cisão não foi resultado direto dos debates soviéticos ou da tomada
de posição dos militantes brasileiros em favor de Trotsky, mas,
como apontaram Marques Neto (1993) e Castro (1993), há sim uma
relação direta que aproximaram os dissidentes brasileiros das teses
oposicionistas-trotskistas.
Dulles (1977) e Marques Neto (1993) destacam que esses
militantes, após romperem com o PCB, não formaram uma organização
de imediato. Foi apenas a partir da iniciativa de Mario Pedrosa que, em
maio de 1930, surgiu, na cidade do Rio de Janeiro, o Grupo Comunista
Lenine (GCL). De imediato, a nova organização estabeleceu contato
com o Secretariado Provisório da Oposição de Esquerda Internacional
(OEI) e se apresentou como “fração externa” do PCB. A atuação
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
699
do GCL foi breve e, em dezembro de 1930, o grupo já encerrava
suas atividades. No entanto, em janeiro de 1931, os trotskistas já se
reorganizaram em uma nova organização, a Liga Comunista (LC),
posteriormente, renomeada de Liga Comunista Internacionalista (LCI).
Estas organizações mantiveram, nos anos seguintes, uma importante
atuação no movimento operário e sindical.
Por conseguinte, o presente artigo aborda a luta sindical dos
trotskistas no período entre 1933 e 1935. O objetivo é apresentar, a
partir dos documentos de conferências e reuniões da organização e de
suas publicações jornalísticas, as discussões internas e a tática sindical
diante dos sindicatos oficiais. Evidencia-se a opção por integrar essas
organizações tuteladas pelo Estado e como os oposicionistas buscaram
mobilizar a classe operária. Por fim, aborda-se, a partir de 1935, o
recrudescimento da repressão estatal por meio da Lei de Segurança
Nacional e a inviabilidade da lutar no interior dos sindicatos oficiais,
bem como a consolidação destes órgãos por meio da força estatal.
***
Em maio de 1933, os trotskistas da LC se reuniram para realizar
a sua I Conferência Nacional.2 Felizmente, a documentação produzida
pela conferência foi preservada e se encontra disponível no Arquivo
da Unesp CEDEM, para historiadores e outros pesquisadores que
desejam investigar a questão. O corpo documental reúne não apenas o
relatório final da conferência, mas também todas as atas das reuniões,
2 A conferência da Oposição brasileira contou com 15 militantes e 1 simpatizante.
Os membros presentes foram: Leônidas (Aristides Lobo); Camilo (Lívio Xavier);
Miguel (Mário Pedrosa); Francisco (Victor de Azevedo Pinheiro); Sérgio (Salvador
Pintaúde); José (João Matheus); Djalma (Gofredo Rosini); John; Max; Luga; Klassenkampf; Paulo; Lopes; Ruivo; Neif. Os oito últimos não conseguimos identificar.
(PRIMEIRA..., 1933, p. 1).
700
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
registrando os comentários de todos os militantes, o que nos permite
ter uma visão ampla sobre os debates e posicionamentos.
A conferência foi chefiada por Aristides Lobo, Secretário Geral
da LC e contou com a seguinte ordem do dia: 1) Situação Internacional;
2) Questão Nacional; a) Questão agrária. 3) Oposição e Partido; 4)
Questão Sindical; 5) Questão da URSS; 6) Imperialismo; 7) Tarefas
práticas: a) jornal; b) campanha eleitoral; 8) Questões de organização:
a) Relatório geral da atividade da LC. b) Estatutos; c) Eleição da CE.;
d) Escolha do delegado a Conferência Internacional (PRIMEIRA...,
1933, p. 1).
A questão sindical foi o quarto ponto da ordem do dia e “Neif”
foi o relator da tese. Ele apresentou um breve histórico sobre o trabalho
sindical realizado pelos oposicionistas, discutiu as perspectivas e
apresentou algumas medidas necessárias para a reorganização do
movimento operário. A tese gerou uma ampla discussão, contando
com a participação de quase todos os delegados presentes. Este debate
revela as diversas táticas e possibilidades que cada militante enxergava
no movimento sindical, em especial, a posição diante dos sindicatos
oficiais.
Iniciando a discussão entre os delegados da LC, “Neif” destacou
que as tentativas de unidade sindical não lograram qualquer êxito. O
proletariado estava dividido: a FOSP sob direção anacossindicalistas,
a FSR com o PCB e, nos sindicatos oficiais os reformistas. Apontou
ainda que diversas “manobras” impediram que os oposicionistas
retomassem o trabalho junto à Federação Operária e que a política da
direção comunista era “aventurista”. O relator também afirmou que o
isolamento no qual os oposicionistas se encontravam dificultava até
mesmo o trabalho de agitação e propaganda. Uma vez que era bastante
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
701
improvável a formação de uma frente única com os anarcossindicalistas
ou com os comunistas, “Neif” afirmou que havia a possibilidade de
iniciar um trabalho junto aos sindicatos oficiais:
“Nos sindicatos reformistas, a meu ver, é possível
desenvolver a propaganda. Ali se encontram
muitos elementos não presos a nenhuma influência
sectária. Eles estão sindicados ali pelo objetivo
de obter melhorias econômicas e a garantia de
existência para os sindicatos oficializados faz
congregar em torno deles grande número de
operários.” (PRIMEIRA..., 1933, p. 18).
A tese apontou para a possibilidade de atuação nos sindicatos
reconhecidos. Tratava-se de uma virada tática. Os oposicionistas
deveriam deixar de criticar e de lutar pela revogação da Lei de
Sindicalização e passar a penetrar nas organizações oficiais: “Em
teoria e na prática, não precisa destruir esses sindicatos: precisa
conquistá-los” (PRIMEIRA..., 1933, p. 19). A proposta era confusa
e em alguns aspectos contraditória. “Neif” defendeu a concepção
de que os sindicatos legais estariam mais abertos a atuação dos
oposicionistas do que os sindicatos livres que estavam sob a direção
dos anarcossindicalistas e dos comunistas. A proposta subestimava o
controle que os agentes do MTIC e as direções reformistas tinham no
interior destas organizações. Dessa forma, concluiu de maneira bastante
simplista: “Como conquistá-los? Levando as massas congregadas
nesses sindicatos à luta cada vez mais corajosa, e evidenciar qual a ação
e quais as intenções que os governos burgueses têm ao sindicalizá-las”
(PRIMEIRA..., 1933, p. 19).
Após a exposição da tese, “Lopes” foi o primeiro a tomar a
palavra. Ele apresentou divergências e ressaltou as barreiras que a
sindicalização corporativista apresentava, além da dificuldade em se
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
desvencilhar da orientação governamental. Por conseguinte, afirmou
que era preciso manter a mesma orientação tática, ou seja, a LC deveria
insistir na luta junto aos sindicatos livres e trabalhar pela frente única
com os comunistas e anarcossindicalistas:
“A tarefa de reorganização é árdua, mas deve ser
feita pacientemente, a política a se empregar é a
de frente única, tendo como tarefa primordial a
sindicalização livre. (...) devemos ir trabalhando
(indecifrável), propondo a frente única não só pela
base, como faz o Partido, mas de direção a direção,
porque, na verdade, a classe ainda não compreende
a política de frente única. Proponho que a frase
empregada: pelos direitos e etc, seja acrescentada
“e pela sindicalização livre.”.” (PRIMEIRA...,
1933, p. 19).
Para “Lopes” não era possível desenvolver um trabalho
revolucionário nas organizações que estavam cooptadas e controladas
pelos agentes do MTIC. Ao reafirmar a tática da frente única nos
sindicatos livres, ele estava reforçando que era necessário, buscar mais
uma vez, uma aproximação junto aos anarcossindicalistas e comunistas.
Para tanto, apontou a necessidade de desenvolver um trabalho sem
sectarismo, junto às direções sindicais, tendo como principal objetivo
combater o avanço do Estado sob as organizações operárias. Por isso,
reforçou que a luta deveria ser pelos sindicatos livres.
Gofredo Rosini foi o segundo delegado a se posicionar sobre a
questão sindical. Sobre a tática de penetrar nos sindicatos oficiais, ele
não recusou a proposta e assinalou que era possível, em determinadas
circunstâncias, realizar esse tipo de atuação política, especialmente
na capital federal, onde o movimento operário autônomo estava
paralisado: “Pode a situação levar-nos ao ponto de, por exemplo, no
Rio, deixar nosso sindicato aberto pro forma e entrar no sindicato
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
703
ministerialista, a fim de conquistá-lo por dentro” (PRIMEIRA..., 1933,
p. 19). Todavia, afirmou que não era correto abandonar a palavra de
ordem pela frente única junto aos sindicatos independentes: “Acho que
devemos terminar com a política de isolamento. Os sindicatos livres
devem penetrar na Federação Operária para fazer possível a política de
frente única, obtendo adesões lá dentro” (PRIMEIRA..., 1933, p. 20).
Posteriormente, Lívio Xavier tomou a palavra. Ele combateu
a ideia de abandonar os sindicatos livres diante de um insucesso e
de tentar avançar em sindicatos corporativistas: “Se o DET organizar
um sindicato oficial qualquer um que não consiga ter sucesso num
sindicato livre, ou de outra ideologia qualquer, não deve ir para o
sindicato oficializado” (PRIMEIRA..., 1933, p. 20). Mas acrescentou
que a ação junto aos órgãos oficiais só deveria ser colocada em prática
no caso de não haver mais sindicatos autônomos: “Se pelo contrário,
os sindicatos paralelos minguarem e morrerem, então, pode-se mantêlos formalmente e ir par os oficiais” (PRIMEIRA..., 1933, p. 20).
Mário Pedrosa também apresentou críticas e reflexões
importantes. Sobre o problema em torno da atuação nos sindicatos
oficiais, destacou que a questão não poderia ser simplificada e a
conferência deveria deixar a questão em aberto, para ser avaliada de
acordo com as possibilidades reais de organização do movimento
sindical, sem traçar uma linha fixa. Mas acrescentou que era preciso
ingressar e tentar desenvolver um trabalho de conscientização no
interior dos sindicatos legais:
“Acho que a luta contra os sindicatos
ministerialistas deve ser levada adiante, mas não
deve ser exagerada. O que devemos fazer, agora,
que tudo está ministerializado, é entrar para os
sindicatos oficiais e criar núcleos comunistas que
trabalhem ativamente no sentido de mostrar as
704
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
massas o embuste em que caíram preferindo os
sindicatos oficializados aos sindicatos livres. Essa
é uma tarefa prática no caso de nosso sindicato A,
do Rio de Janeiro.” (PRIMEIRA..., 1933, p. 21).
Para Pedrosa, no caso dos sindicatos do Rio de Janeiro, a
tarefa de atuar no interior de associações oficiais já se colocava como
imediata. Não obstante, em São Paulo, afirmou que a tarefa era a de
permanecer atuando nos sindicatos livres.
Por fim, Aristides Lobo, Secretário Geral da LC, argumentou
que a política de atuação nos sindicatos oficiais era de conciliação e
não poderia ser aceita: “Creio que a questão não pode ser posta assim,
porque isso seria uma capitulação do proletariado diante da burguesia.
Nossa política não tem capitulação, é uma política de luta até o fim”
(PRIMEIRA..., 1933, p. 21). Para ele, o ingresso nos sindicatos
legalizados significava uma rendição à política corporativista. Por
conseguinte, pontuou que a Liga deveria recomeçar sua luta nos
sindicatos livres, reconquistando suas posições perdidas.
Depois de todo o debate, a conferência resolveu que a tese
deveria ser aprovada, mas apenas parcialmente. As conclusões foram
suprimidas e se nomeou uma comissão com três membros (Lobo,
Pedrosa e Lopes) para redigir um substitutivo da parte suprimida,
para posteriormente ser reapresentada e posta em votação pelos
delegados (PRIMEIRA..., 1933, p. 24). Todavia, não consta nas atas
da conferência nenhuma anotação sobre o trabalho dessa comissão.
Dessa forma, a I Conferência Nacional da LC se encerrou sem
apresentar uma resolução definitiva acerca do trabalho da Oposição
nos sindicatos.
A discussão voltou a pauta apenas em 18 de fevereiro de
1934, numa reunião ampliada da Comissão Executiva. A ata registra
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
705
a presença de Frederico (João Matheus), Waldo (Fúlvio Abramo),
Novela (Lívio Xavier), Gustavo (Aristides Lobo), Abaetê (José
Neves), “Red”, “Rumich”, “Serrano” e “Spártaco”. A reunião teve
início com a leitura de uma proposta de resolução sobre a questão
sindical, elaborada por João Matheus e Mário Pedrosa, que não estava
presente. Infelizmente, a proposta não foi registrada em ata. Portanto,
não temos acesso ao seu conteúdo integral, apenas à discussão, a partir
da qual podemos deduzir a orientação e conhecer o posicionamento de
cada um dos membros sobre a problemática em discussão.
Ao comentar a resolução, Fúlvio Abramo destacou as suas
linhas gerais: “A proposta se baseia em dois pontos: a impossibilidade
do Estado burguês criar uma burocracia forte e a possibilidade de com
as novas leis sociais se organizar toda a massa operária” (LIGA..,
1934c, p. 1). Essa consideração já esclarece que a resolução via com
boas perspectivas a luta no interior dos sindicatos oficias. Destacava a
ausência de uma burocracia consolidada e apontava para a ampliação
destas organizações, uma vez que apenas os seus filiados teriam acesso
à legislação social. No entanto, Abramo levantou suspeitas quanto
a ausência de burocratas atuando nos sindicatos tutelados. Afirmou
que o governo Vargas poderia avançar para formas mais autoritárias:
“Quanto ao 1º ponto, há probabilidade do governo burguês empregar
métodos fascistas” (LIGA.., 1934c, p. 1).
Abramo (LIGA.., 1934c, p. 1) ainda argumentou que: “Não
devemos exagerar as possibilidades organizatórias da massa”. E
reafirmou que “os sindicatos livres poderão subsistir, e há tradições
de luta que não se deve subestimar”. Por fim, destacou que era preciso
manter o trabalho nos sindicatos livres: “Não devemos nos iludir, o
proletariado não irá tão em massa assim para a sindicalização oficial”.
706
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
A partir das posições de Abramo, é possível verificar que a resolução
previa o ingresso em massa dos operários nos sindicatos tutelados
e que a classe operária estaria reunida nestas organizações e, diante
da ausência de comunistas e anarcossindicalistas, os oposicionistas
poderiam conquistar a direção.
“Serrano” também apresentou questionamentos à proposta. Ele
argumentou que os sindicatos livres não deveriam ser abandonados
antes de uma análise mais minuciosa sobre as condições de luta:
“Continuamos a defender a sindicalização livre. É preciso examinar
bem as condições da sindicalização oficial e o grau de existência dos
sindicatos livres” (LIGA.., 1934c, p. 1). Embora tenha levantado essas
precauções, “Serrano” não desconsiderou totalmente o ingresso nos
sindicatos oficiais, mas isto só deveria acontecer depois de se confirmar
que a luta nos sindicatos autônomos estava perdida: “Queimadas todas
as etapas então iremos à oficialização” (LIGA.., 1934c, p. 1).
Por sua vez, “Spártaco”, diferente dos demais, apontou que a
luta nos sindicatos oficiais era a melhor opção para os oposicionistas:
“Acho que a proposta corresponde a necessidade do momento. Não
há atualmente possibilidade de se lutar pela sindicalização livre
eficazmente”. Para ele, a luta nos sindicatos revolucionários já não
era possível, pois estavam se esvaziando, enquanto que os oficiais
conquistavam cada vez mais filiados: “os sindicatos livres são simples
esqueletos, e não tem crescido. Devemos trabalhar na massa” (LIGA..,
1934c, p. 1).
Aristides Lobo reafirmou a concepção que havia defendido
durante a I Conferência Nacional. Considerou que por princípio
deveriam defender a sindicalização livre, mas reconheceu que esta
luta estava cada vez mais difícil de ser sustentada. (LIGA.., 1934c,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
707
p. 1-2). Ele também levantou algumas dúvidas quanto a perspectiva
otimista apresentada pela resolução. Afirmou que a burocracia era um
risco que não poderia ser subestimado: “Não devemos pensar que não
há possibilidades de o governo criar uma burocracia nos sindicatos
oficiais. Acho que esta burocracia tem muita probabilidade de se
formar” (LIGA.., 1934c, p. 2).
A discussão seguiu com a intervenção de José Neves que
corroborou com a resolução. Segundo Neves, o objetivo de Vargas era
submeter o proletariado por meio de uma burocracia sindical. Mas, ao
contrário do que esperava o governo, a direção dos sindicatos oficiais
não estava dominada por uma burocracia e sua direção se mostrava
combativa: “Os conflitos surgidos nos sindicatos provocaram a
formação de uma vanguarda e não de uma burocracia” (LIGA..,
1934c, p. 2). Nesta perspectiva, apontou que o que faltava às direções
reformistas era organizar o proletariado para lutar contra o MTIC.
Concluiu que os oposicionistas já deveriam ter ocupado este espaço:
“Se desde o começo tivéssemos entrado lá dentro, hoje a situação
seria outra: haveria movimento e a massa talvez estivesse organizada”
(LIGA.., 1934c, p. 2).
Encerrando a discussão, Lobo propôs que se aprovasse a
proposta, alterando algumas partes da redação acentuando o caráter
tático da resolução e fazendo proceder uma afirmação de princípio
pela sindicalização livre. Assim, a reunião ampliada da LCI aprovou
um giro na tática sindical, orientando seus militantes a atuarem no
interior dos sindicatos oficiais, mas, sem abandonar o trabalho nos
sindicatos livres, especialmente na União dos Trabalhadores Gráficos
(UTG), onde não se faria campanha pela oficialização do sindicato.
Dessa forma, a partir dos primeiros meses de 1934, a LCI iniciou um
708
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
trabalho ilegal no interior dos sindicatos controlados pelo MTIC.
Em A Luta de Classe, órgão oficial da LCI, publicado em maio
de 1934, constam três artigos que abordam a questão sindical. Nesta
edição apresentaram análises sobre o avanço da estrutura corporativista
sobre as organizações operárias e, confirmando a resolução aprovada
em fevereiro, apontaram as perspectivas de luta no interior dos
sindicatos oficiais.
O artigo intitulado “O movimento sindical no Brasil e suas
perspectivas revolucionárias”, buscou traçar um panorama sobre as
motivações da Lei de Sindicalização e suas consequências para o
movimento operário. De acordo com a publicação, o sindicalismo
oficial não passava de uma tentativa de harmonizar e atenuar os
conflitos de classe por meio da subordinação das organizações do
proletariado ao aparelho burocrático do Estado. Assinalaram ainda que
este se colocava como árbitro dos conflitos entre operários e burgueses,
descaracterizando e despolitizando os sindicatos, invalidando o seu
caráter de defensor dos interesses imediatos dos trabalhadores.
Todavia, de acordo com a interpretação da LCI, os sindicatos
legais não estavam sendo capazes de cercear e limitar a ação da classe
operária, pois a luta persistia e se acentuava: “Os conflitos de classe
não se atenuaram, mas ao contrário, tornaram-se mais extensos e
mais profundos. A ação “mediadora” do Ministério do Trabalho não
tardou a mostrar a uma camada bastante ponderável da classe operária
o seu sentido mistificador” (LIGA..., 1934d, p. 4). Os oposicionistas
afirmaram que as massas operárias tomavam consciência do caráter
negativo que a Lei de Sindicalização apresentava e utilizavam da
estrutura sindical corporativista para garantirem sua organização e
levarem adiante suas lutas:
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
709
“Sindicatos que nunca haviam existido, sequer
antes da lei de sindicalização, em lugar de serem
os instrumentos servis da vontade da burguesia
dirigente, começaram a voltar-se contra ela. Não
foram raros os casos em que, em vários pontos do
país, as organizações operárias ministerializadas
se insurgiram contra o “seu” Ministério, chegando
mesmo, algumas, a devolver-lhes a carta de
oficialização. Assim, o tiro saiu pela culatra. A
lei de sindicalização foi se tornando aos poucos
bem contra a vontade dos seus idealizadores, bem
contra os seus planos e seus objetivos finais, em
poderoso canalizador de descontentamento de
classe.” (LIGA..., 1934d, p. 4).
De acordo com a LCI, os sindicatos legalizados não se
tornaram instrumentos de submissão dos trabalhadores. Pelo
contrário, afirmaram que estes sindicatos estavam se transformando
no novo centro da luta operária. Percebiam com demasiado otimismo
as possibilidades de luta no interior destes órgãos e subestimavam a
força da estrutura corporativista, a ação dos agentes governamentais e
das direções colaboracionistas.
Ao voltar sua tática sindical para o interior dos sindicatos
oficiais, a LCI ainda lançou críticas ao sindicalismo independente,
apontando que estes estavam condenados ao desaparecimento: “A
sindicalização livre ia ficando cada vez mais, condenada a não passar
de um fantasma. Em São Paulo, principal centro industrial do país, só
tinham verdadeira consistência os sindicatos formados sob a égide da
lei” (LIGA..., 1934d, p. 4). Nesse sentido, combateram comunistas
e anarcossindicalistas, afirmando que estes não desempenhavam
qualquer papel relevante para o movimento operário. A manutenção
destes sindicatos era criticada como uma teimosia das direções que
se recusavam em reconhecer o seu fracasso. O giro tático da LCI
710
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
em direção à luta no interior dos sindicatos oficiais estava completo.
Todavia, é preciso destacar que eles não apoiavam a estrutura
corporativista, apenas afirmavam que a luta contra a tutela sindical
teria que ser travada por dentro e não por fora.
Já atuando nos sindicatos legalizados, os oposicionistas
trabalharam para reorganizar os operários e levar a classe às ruas
durante o 1º de maio de 1934. A iniciativa partiu da Frente Única
Antifascista, que por meio de uma circular, encaminhada em 6 de
abril para todas as organizações sindicais de São Paulo, as convidaram
para uma reunião para tratar da organização de um comício em praça
pública e de uma marcha pelas ruas da cidade. O objetivo era duplo,
promover uma grande manifestação no dia dos trabalhadores e afirmar
o repúdio do proletariado ao fascismo, uma vez que os integralistas
haviam convocado uma manifestação para a mesma data (LIGA...,
1934b, p. 12).
Quase todas as organizações convidadas responderam
afirmativamente a circular encaminhada, exceto os sindicatos
vinculados à FOSP e a FSR e o Sindicato dos Alfaiates, que não
apresentou qualquer justificativa. O Sindicato dos Ferroviários da
Sorocabana que havia confirmado presença não enviou representante
à reunião. Segundo os oposicionistas, Armando Laydner, que era
presidente do sindicato e deputado de classe na constituinte atuou
sabotando a manifestação do 1º de maio.3 Mas esta foi a única deserção
e não prejudicou que o trabalho organizativo seguisse normalmente.
3 “O Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana não enviou representantes a esta
reunião, pois afirmando Laydner, deputado de classe e presidente daquele sindicato,
veio imediatamente do Rio, a mando da interventoria de São Paulo, para desviar da
manifestação do 1º de maio a massa ferroviária de São Paulo, (...) enfraquecendo
assim esta frente única contra burguesia, os anarquistas e os stalinistas” (LIGA...,
1934b, p. 12).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
711
Assim, formou-se um Comitê Central de Organização, eleito nos
sindicatos aderentes e da FUA.
O comício se realizou no Pátio do Palácio das Indústrias, pois
o pedido feito à polícia de São Paulo para a mobilização em praça
pública foi rejeitado. Posteriormente, devido à pressão realizada pela
imprensa operária, houve a liberação, mas para um local fechado e sem
marcha pelas ruas. O ato começou às 14h e, segundo o relato, ocorreu
com ampla participação dos trabalhadores. O comício teve início
com a fala de representantes de vários sindicatos. Estes destacaram a
importância da manifestação, denunciaram a situação de miséria e de
exploração dos operários e enfatizaram a luta contra o fascismo.
Para os membros da LCI, a manifestação do 1º de maio foi
muito significativa. Em A Luta de Classe apontaram que:
“A sua importância se encontra, principalmente,
no seu caráter, nos resultados positivos obtidos no
sentido da unificação do movimento operário, na
forma por que foi realizado e na qualidade e no
número das organizações aderentes. Considerados
em conjunto todos esses elementos, o comício de
1º de maio constitui uma nova etapa no movimento
operário de São Paulo e ousamos afirma-lo, de
todo o Brasil.” (LIGA..., 1934b, p. 12).
A última manifestação operária no dia do trabalhador havia
ocorrido em 1930. Após a ascensão de Vargas era a primeira vez
que as direções operárias conseguiam mobilizar a classe em um ato
comemorativo e reivindicatório. Assim, mesmo diante de alguns
limites, o seu significado não poderia ser menosprezado.
A LCI argumentou que o proletariado começava a reconhecer
que a FUA e a LCI representavam a sua direção consciente. Mas além
destas duas organizações políticas, acrescentaram que as organizações
712
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
sindicais surgidas sob a égide do MTIC também compunham
a vanguarda proletária: “Parece, à primeira vista, contraditório
ou duvidoso considerar como de vanguarda, os elementos dos
sindicatos oficializados” (LIGA..., 1934b, p. 12). Mesmo diante da
eminente contradição, os oposicionistas destacaram que os sindicatos
legalizados responderam ao chamado e apoiaram o ato, contribuindo
para a mobilização da classe operária. A LCI aproveitou o sucesso
da manifestação do dia do trabalhador para legitimar o ingresso nos
sindicatos oficiais.
Nesse ínterim, Vargas reformulou a legislação sobre a
sindicalização. O Decreto no 24.694, de 12 de julho de 1934, que
dispôs “Sobre os sindicatos profissionais” reafirmou a estrutura
tutelar que integrava as associações operárias ao aparelho do Estado.
Retomando os princípios da Lei de Sindicalização de 1931, para serem
reconhecidos, os sindicatos deveriam cumprir uma série os requisitos.4
Permanecia a proibição de conteúdo político em suas reivindicações,
o cerceamento de atividade aos estrangeiros, a regulamentação
do estatuto e o controle sobre os membros que exerceriam funções
4 De acordo como artigo 5º, os sindicatos deveriam: a) Representar no mínimo um
terço dos empregados que exerçam a profissão na respectiva localidade; b) Estabelecer mandato trienal nos cargos de administração, sem reeleição e com a renovação
anual do presidente; c) Que apenas brasileiros natos ou naturalizados com mais de
10 anos de residência no Brasil possam exercer cargos de administração. O artigo 8º
completava a lista de exigências estabelecendo que o pedido de reconhecimento de
qualquer sindicato deveria ser acompanhado de cópia da ata da instalação, do livro
de registro de associados e dos respectivos estatutos, autenticados pela mesa que
houver presidido a sessão. Apontava que os estatutos só entrariam em vigor depois
que fossem aprovados pelo MTIC. Por fim, no capítulo III que versava sobre o funcionamento dos sindicatos, reafirmou-se a proibição de toda e qualquer propaganda
de ideologias sectárias e de caráter político ou religiosos, bem como de candidaturas a cargos eletivos estranhos à natureza e aos fins dos sindicatos. (CÂMARA...,
1934b).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
713
administrativas e sobre as finanças dos sindicatos. Ao impedir a
atuação política dos sindicatos, o Estado limitava qualquer liberdade
de ação sindical. Com a exclusão prévia dos interesses políticos, as
associações legalizadas estavam limitadas à luta por reivindicações
econômicas. Separados dos interesses políticos, os operários perdiam
a liberdade de ação e de contestação.
Cada vez mais, os sindicatos deixavam de ser um instrumento
de ação política para se transformarem em órgãos de conciliação.
A luta de classe dava lugar a uma suposta harmonização entre
operários e burguesia, sempre mediada pela legislação corporativa.5
Mesmo diante do aperfeiçoamento da legislação, para os membros
da LCI, os sindicatos legalizados ainda poderiam ser conquistados.
Eles acreditavam que havia brechas que poderiam e deveriam
ser aproveitadas para se politizar estes órgãos e transformá-los
em associações combativas. Interpretaram que a atuação de uma
vanguarda consciente no interior desses sindicatos poderia superar
os limites e avançar sobre todas as barreiras do aparelho corporativo.
Esta tática, aprovada em fevereiro de 1934, foi reafirmada durante a III
Conferência Nacional da LCI, que ocorreu logo após a promulgação
da nova Constituição e do decreto no 24.694.
Em julho de 1934, a LCI realizou a sua III Conferência6 e
5 “A “harmonia entre o capital e o trabalho”, tema que será, como veremos exaustivamente utilizado durante o período ditatorial, seria conseguida com a legislação
social, cujo verdadeiro sentido era o de organizar e controlar a força de trabalho
concentrada nos núcleos urbanos, para que o Estado pudesse promover as demais
condições que, relacionadas ao capital, passavam a ser necessárias à implantação da
economia industrial capitalista no país.” (BERNARDO, 1982, p. 118).
6 Ao contrário das conferências anteriores, a documentação da III Conferência
não foi preservada. Por conseguinte, não temos acesso ao número de participantes, à
ordem do dia ou aos debates que foram travados durante a reunião. As informações
disponíveis constam em breves artigos que foram publicados em A Luta de Classe,
714
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
o debate sobre a questão sindical esteve, mais uma vez, em pauta.
Conforme foi publicado, posteriormente, em A Luta de Classes,
durante a reunião foram discutidas e aprovadas novas teses sobre a luta
sindical que, de maneira geral, reafirmavam as resoluções anteriores.
As teses reconheciam que a Lei de Sindicalização tinha
o intuito autoritário de atrelar os sindicatos operários ao Estado
centralizador. Apontou ainda que havia inspiração fascista no projeto,
pois o modelo italiano era o espelho para se moldar as relações entre
capital e trabalho no Brasil. A tese reafirmou que o controle do MTIC
sobre as organizações operárias era precário:
“Sem possibilidade de formar uma burocracia
sindical considerável, por intermédio da qual
controlasse todo o movimento e a vida das
organizações econômicas da classe operária,
porque um aparelho dessa ordem não se
improvisa, a “lei de sindicalização” deu na prática
um resultado inteiramente oposto ao visado pelos
seus elaboradores e aplicadores. Num país em que
a organização sindical independente era precária,
o decreto governamental favoreceu e incrementou
a formação de novos sindicatos, que atingiam
corporações importantes e numerosas, até então
não organizadas.” (LIGA..., 1934f, p. 6).
As teses da LCI reafirmavam que admitiam a sindicalização
oficial não como um princípio, mas como um recurso necessário de
ligação com as massas. Argumentavam que diante do esvaziamento dos
sindicatos livres era importante se dirigir até a classe e buscar orientála. A tarefa que se colocava era de lutar pela unidade sindical, mas
no 21, de agosto de 1934. De acordo com o periódico a conferência teve o objetivo
de traçar novas tarefas e diretrizes para a organização, reformar os estatutos e eleger
nova Comissão Central (LIGA..., 1934e, p. 6).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
715
acrescentavam que se tratava de uma “unidade sindical revolucionária,
isto é, por cima da lei, independente do controle oficial” (LIGA...,
1934f, p. 6). A LCI adotou a tática de adentrar nos sindicatos tutelados,
mas isso não significava que aceitavam atuar de forma dependente e
conciliadora.
Além dos oposicionistas, outras tendências reformistas também
buscavam se posicionar de forma autônoma e insubmissa. Apesar
dos limites institucionais estabelecidos pela legislação, algumas
organizações e partidos de base operária que atuavam nos sindicatos
legalizados não adotavam postura de subordinação. Mesmo diante das
proibições, tentavam encaminhar propostas políticas e promover atos,
paralisações e greves: “o enquadramento não traduziu uma postura
de derrota e subordinação das correntes independentes do movimento
operário” (GOMES, 2005, p. 168).
Alguns desses líderes sindicais insubordinados conseguiram
ser eleitos como deputados classistas na Assembleia Constituinte.
Vasco Toledo, João Vitaca, Waldemar Reicktal e Acir Medeiros foram
quatro deputados reformistas que atuaram na defesa dos interesses do
proletariado, combatendo a tendência corporativista do Estado. Esta
bancada que ficou conhecida como “minoria proletária” defendeu o
direito à greve, a unidade e a autonomia sindical.7
Em São Paulo, no segundo semestre de 1934, a luta da LCI no
interior dos sindicatos oficiais abriu espaço para que participassem da
Coligação dos Sindicatos Proletários (CSP). De acordo com Del Roio
7 “(...) as lideranças independentes de esquerda queriam garantir a liberdade política dos sindicalizados e o princípio da não intervenção governamental na vida interna das associações e o princípio da não intervenção governamental na vida interna
das associações. Este era o sentido preciso do termo “autonomia sindical”, que devia
coadunar-se com a unidade, sem a qual a organização dos trabalhadores se desagregaria” (GOMES, 2005, p. 168).
716
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
(1990, p. 245-246) a frente foi uma iniciativa do recém-criado Partido
Socialista Proletário do Brasil (PSPB) e reuniu, além da LCI, o PSB,
o Partido Trabalhista do Brasil (PTB) e o PCB. A LCI foi uma das
principais apoiadoras da coligação que aglutinou diversos sindicatos
oficiais, entre os quais o dos Contadores, Bancários, Comerciários,
Têxteis, Gráficos, Metalúrgicos, Ferroviários, Alfaiates e Barbeiros.
Todavia, de acordo com Alzira Campos (1998, p. 248), a frente foi
marcada pelas disputas entre trotskistas e stalinistas. Quando o PCB
aderiu à coligação, se instaurou um cenário de conflitos. Assim, a
frente teve uma vida efêmera e perdurou apenas até as eleições de
outubro de 1934.
Não obstante, o esfacelamento da Coligação Sindical
impulsionou uma frente eleitoral. Intitulada Coligação Proletária,
essa aliança surgiu devido a iniciativa da LCI que convidou os
socialistas e os comunistas para lançarem candidatos operários às
eleições para a Constituinte Paulista de 14 de outubro.8 Em editorial,
os trotskistas argumentaram que o objetivo era reunir todos os partidos
ou organizações que se definissem como de tendência socialista ou
proletária: “O acordo deverá ter um nítido e inequívoco caráter de
classe” (COMISSÃO..., 1934, p. 1).
A LCI reconhecia que apresentava divergências com os
partidos socialistas, mas que mesmo assim, era preciso deixar de lado
o sectarismo e buscar juntar as forças e dialogar com essas tendências
de base proletária, a fim de se contrapor aos partidos burgueses
8 “A LCI propõe ao Partido Socialista, ao Partido Comunista, ao Partido Socialista
Proletário e aos elementos proletários, com programa definido, um acordo técnico-eleitoral no intuito de evitar que os votos em segundo turno se dispersem inutilmente, com proveito para os partidos burgueses. É preciso disciplinar o eleitorado proletário. (...) Devemos canalizar os votos para uma legenda comum, formada pelos candidatos dos partidos proletários ideologicamente afins.” (COMISSÃO..., 1934, p. 1).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
717
(COMISSÃO..., 1934, p. 2). A frente eleitoral elegeu apenas um
deputado, mas conseguiu um total de votos superior aos candidatos
da Ação Integralista Brasileira (AIB) e do PCB, que não aderiu à
Coligação (COGGIOLA, 2003, p. 268).
Apesar dos limites impostos pela legislação corporativista,
os trotskistas buscaram atuar no interior dos sindicatos oficiais,
apresentando reivindicações econômicas e políticas, organizando
alianças e mobilizações. Não obstante, a tática de e ação no interior dos
sindicatos oficiais foi revista e abandonada pela LCI no início de 1935.
O fator determinante para a revisão tática foi a publicação da Lei de
Segurança Nacional (LSN), também conhecida como “Lei Monstro”,
que entrou em vigor em abril de 1935. Elaborada pelo Ministro da
Justiça, Vicente Rao e pelo deputado federal Raul Fernandes, a lei foi
aprovada na câmara dos deputados e sancionada por Vargas em 4 de
abril. A LSN era uma resposta ao crescimento da Aliança Nacional
Libertadora (ANL) e um ataque decisivo às liberdades democráticas
garantidas pelo Constituição de 1934.
A “Lei Monstro” estabeleceu os crimes contra a ordem política
e social. A legislação vetou a organização de associações ou partidos
políticos que apresentassem caráter subversivo. Impediu a impressão
e circulação de livros, panfletos e quaisquer outras publicações que se
manifestassem contrárias à ordem. Pelo mesmo motivo, determinou
que sindicatos e associações profissionais poderiam ser fechados,
estrangeiros naturalizados poderiam ser expulsos e funcionários
públicos poderiam ser demitidos. A nova legislação legitimava
a ampliação da perseguição e repressão aos militantes de todas
as organizações operárias. Diante da repressão, os oposicionistas
perceberam que todos os caminhos para atuar no interior dos sindicatos
718
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
legais estavam fechados.
Já em abril, em A Luta de Classe, no 20, a LCI observou que
com a “Lei Monstro” a independência sindical estava totalmente
comprometida: “O governo armou-se para cortar o caminho a
qualquer ação do proletariado mesmo legal” (LIGA..., 1935a, p. 3).
A publicação afirmou que a LSN era uma Lei de Exceção com o
objetivo de barrar qualquer atividade independente da classe operária
e resultaria na destruição das suas organizações e na perseguição da
vanguarda da classe. A LCI argumentava até então que, apesar das
barreiras impostas pelo MTIC, ainda era possível lutar no interior
das associações operárias legais, mas a LSN alterou o cenário, ela
significava a impossibilidade completa de um trabalho político nesses
sindicatos:
“No terreno sindical o mesmo perigo pesa sobre
a classe operária. Freados em todos os seus
movimentos dentro dos sindicatos – freado o
próprio sindicato – os militantes revolucionários
terão dificuldades enormes em impedir que os
agentes da burguesia no movimento operário
transformem o sindicato em simples repartições
do Estado, de organizações de luta em agências da
polícia. Nas atuais condições, para o combate ao
amarelismo e ao desvirtuamento dos sindicatos é
preciso transportar o eixo da luta para as fábricas
oficinas e locais de trabalho; é preciso constituir
os comitês de fábricas e oficina; preciso ainda
levantar as bases ilegais da ação sindical.” (LIGA...,
1935a, p. 3).
Ao sancionar a repressão a todo discurso dissonante, o governo
barrava qualquer ação independente e política da vanguarda operária
e consolidava os sindicatos como órgãos instrumentalizados para
conciliação entre capital e trabalho. Nesse cenário, a LCI abandonou a
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
719
tática de lutar no interior dos sindicatos oficiais e reorientou a militância
para realizar um trabalho ilegal no interior das fábricas. Essa mudança
tática significou reorganizar o trabalho sindical sob bases ilegais, ou
seja, era preciso sair dos sindicatos e retornar à luta clandestina para a
organização de comitês operários.
Em outro artigo, publicado em A Luta de Classe, no 23, de maio
de 1935, os oposicionistas reafirmaram a posição de que a vanguarda
da classe estava submetida a mais profunda ilegalidade e que os
sindicatos estavam amordaçados:
“Ao lado dos métodos de violência e terror, a cargo
da polícia, o governo burguês emprega os meios de
corrupção e da venalidade, a cargo do Ministério
do Trabalho. Uma burocracia trabalhista amarela
vai se formando, sob o patrocínio do governo,
destinada a substituir na direção das organizações
de classe, sindicatos, caixas de aposentadorias, etc,
os elementos conscientes da vanguarda operária. O
maior resultado de tais “leis sociais” promulgadas
pelo governo, tem sido até hoje o de favorecer
a criação desta casta infecta de bonzos sindicais
traidores.” (LIGA, 1935b, p. 1).
O principal argumento da LCI, ao lançarem a tática de
penetração nos sindicatos oficiais, era o de que estas organizações
reuniam uma ampla massa e não havia uma burocracia estatal capaz de
dominar a classe trabalhadora. Aqui, eles já destacaram que esta casta
burocrática estava se constituindo. A direção dos sindicatos oficiais
ia sendo dominada por agentes “amarelos” controlados, financiados,
corrompidos. Nesse sentido, ainda consideravam que a legislação
social favorecia e possibilitava a ascensão de direções que se tornavam
dóceis instrumentos no controle das associações operárias.
A greve dos gráficos em agosto de 1935 ilustra a fragilidade
720
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
e a desorganização do movimento operário após a “Lei Monstro” ser
sancionada. Depois que a ANL foi fechada em julho, os comunistas
lançaram manifestos pela convocação de uma greve geral e a vanguarda
dos trabalhadores gráficos começou a trabalhar pela realização de um
movimento paredista em protesto a ação arbitrária.
A greve conseguiu aglutinar várias oficinas. Mas logo após o
seu início a polícia interveio, perseguiu e prendeu operários e diretores
sindicais. Diante da ação policial a paralisação perdeu força e os
trabalhadores voltaram ao trabalho. Estes acontecimentos servem para
iluminar as condições em que se encontrava o movimento operário
brasileiro naquele período. Com sindicatos cooptados, atrelados ao
MTIC e com a repressão policial legitimada pela LSN, a mobilização
se tornava ainda mais difícil.
Em novembro de 1935, após o fracasso dos levantes em Natal,
Pernambuco e no Rio de Janeiro, o governo Vargas trilhou caminhos
ainda mais autoritários e decretou Estado de sítio e Estado de guerra. A
intervenção nos sindicatos foi devastadora. Somente então, por meio
de ampla repressão, o número de trabalhadores filiados aos sindicatos
oficiais se ampliou e estas organizações se consolidaram. Nesse
sentido, não é possível negligenciar e relativiza o autoritarismo com que
Vargas exerceu o controle sobre os sindicatos. Ora, a consolidação do
sindicalismo corporativista não foi resultado de um “pacto” entre dois
sujeitos, resultado de uma escolha consciente da classe trabalhadora.
Ao contrário, é preciso destacar que a repressão foi fundamental para
a consolidação dos sindicatos oficiais.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
723
A ruptura Trotsky-Pedrosa e seus reflexos no marxismo
no Brasil
Flo Menezes1
Lebrun e sua verve crítica
Concluído em 9 de novembro de 1939, o texto “A defesa
da URSS na guerra atual” (PEDROSA, 2005) constitui um dos
mais preciosos documentos do marxismo brasileiro. Seu contexto,
internacional, decorre da notável atuação política dentro e fora do
Brasil de seu autor: Mário Pedrosa, o primeiro trotskista, ao lado de
seu amigo Lívio Xavier, entre nós.
O texto, brilhante, aparece sob o pseudônimo de Lebrun em
fevereiro de 1940, originalmente em inglês, no Internal Bulletin do
SWP, o Socialist Workers Party, partido trotskista dos Estados Unidos,
e sua redação como que precede os acontecimentos sombrios da
Finlândia, em que o regime bonapartista de Stalin, ao invadir aquele
país, evidenciava cada vez mais sua tática expansionista de cunho
imperialista, sufocando o movimento autônomo dos trabalhadores nos
países invadidos e impondo o “socialismo” já fortemente burocratizado
“na ponta das baionetas”.
A discussão encampada por Pedrosa decorria de intensa
discussão entre os militantes do SWP e da iminente IV Internacional,
envolvendo ativamente Trotsky, acerca da natureza do Estado
Soviético: em que medida se tratava ainda, sob as botas de Stalin, de um
1 Compositor, defensor do Maximalismo na Música e na Política e Professor Titular da Unesp. Email: flo@flomenezes.mus.br
724
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Estado Operário, ou se já tínhamos uma tal degeneração da Revolução
que o caráter operário do Estado Soviético já não mais poderia ser
sustentado. Nos poucos meses que antecederam e sucederam o texto
do brasileiro, Trotsky empunhava uma série de cartas dirigidas
àqueles militantes e redigia importantes textos sobre a questão, depois
coletados sob o título de Em defesa do marxismo (TROTSKY, 1984),
um dos documentos mais contundentes do marxismo do século XX
e, ao lado de A Revolução traída, de 1936, talvez o mais importante
escrito do último Trotsky. É ali mesmo que lemos:
Certa vez Robespierre disse que o povo não
gosta de missionários com baionetas. Com isso,
queria dizer que é impossível impor ideias e
instituições revolucionárias sobre outros povos
mediante a violência militar. Logicamente, esta
ideia, correta, não significa que seja inadmissível
a intervenção militar em outros países com o
objetivo de cooperar com uma revolução. Mas
tal intervenção – como parte de uma política
internacional revolucionária – deve ser entendida
pelo proletariado internacional, deve corresponder
aos desejos das massas revolucionárias em cujo
território as tropas revolucionárias vão entrar.
(TROTSKY, 1984, p. 43)
Ao redigir o documento, as ideias de Pedrosa pareciam,
portanto, ir ao encontro das de Trotsky, pois acordava-se sobre o
problema de fundo: condenar as invasões stalinistas se as intervenções
do Exército Vermelho não encontrassem respaldo nos movimentos
revolucionários locais, e Pedrosa manifestava o desejo de promover,
assim, uma discussão arejada no seio da IV Internacional: “O regime
da Internacional, e – assim espero – também de nosso partido norteamericano, é suficientemente sadio para permitir tal discussão”
(PEDROSA, 2005, p. 290-291).
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
725
Trazer à tona tal discussão parecia salutar a Pedrosa, e seu
desejo de debate encontrava, aparentemente, respaldo no próprio
Trotsky que, dois meses antes do texto de Pedrosa (mais precisamente
em 24 de setembro de 1939), afirmaria que “seria um monstruoso
absurdo romper com os camaradas que possuem uma opinião diferente
da nossa sobre o problema da natureza social da URSS, na medida em
que se solidarizam conosco no que diz respeito às tarefas políticas”
(TROTSKY, 1984, p. 19).
Mas em que pareciam divergir Pedrosa e alguns militantes do
SWP das ideias basilares de Trotsky, e quais foram as consequências
práticas dessa discussão? Quanto ao primeiro aspecto da questão,
não resta dúvidas: no fato de que, diante de tais invasões, a tese de
uma defesa incondicional da URSS devesse ser questionada. A tese
de uma insustentabilidade de uma tal defesa incondicional emergia
já em muitos dos aguerridos militantes trotskistas mundo afora, a
ponto de, por vezes, ser confundida com a própria defesa da URSS,
independentemente desta ser condicionada ou não pelos acontecimentos
concretos de cada caso em particular, e encontrava eco inclusive no
campo da intelectualidade artística, à qual, como sabemos, se sentiria
ligado visceralmente Pedrosa, que viria a ter atuação marcante como
crítico de arte e defensor intransigente das vanguardas artísticas. O
próprio movimento surrealista, que pelo menos desde 1934 apoiava,
diante das atrocidades stalinistas, Trotsky e saía fervorosamente em
sua defesa, e que tinha em André Breton seu expoente máximo – o
mesmo escritor que, como sabemos, iria ao encontro de Trotsky em
Coyoacán em 1938 para a redação, com Trotsky e Diego Rivera, do
revolucionário Manifesto da F.I.A.R.I (a Federação Internacional dos
Artistas Revolucionários Independentes) –, já havia se pronunciado,
726
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
numa Déclaration intitulada “La vérité sur le Procès de Moscou”,
assinada por 12 artistas surrealistas e lida por Breton em 3 de setembro
de 1936, com certo ceticismo em relação à tese trotskista, chegando
a questionar, como dissemos acima, a própria defesa da URSS após
o desmascaramento dos Processos de Moscou: “Fazemos, sob essas
condições, todas as reservas sobre a manutenção da palavra de ordem:
‘Defesa da URSS’”, concluindo de modo sintomático sua adesão à
liderança de Trotsky sem deixar de pontuar que, mesmo ao lado de
suas ideias, elas não lhes pareciam sempre infalíveis: “Saudamos este
homem que foi para nós, abstração feita de ocasionais opiniões não
infalíveis que foi levado a formular, um guia intelectual e moral de
primeira grandeza e cuja vida, na medida em que se vê ameaçada, nos
é tão preciosa quanto à nossa” (s.a., 2016, p. 96; grifos originais).
Não questionando a defesa da URSS tout court, mas antes sua
incondicionalidade, a pena aguda de Lebrun iria no mesmo caminho.
A argumentação de Pedrosa
Para almejarmos uma visão crítica e atual deste acontecimento
histórico, é necessário passarmos nosso olhar sobre as ideias
fundamentais elencadas por Pedrosa em seu documento, que ele
mesmo organiza em doze pontos:
1. O primeiro aspecto é a premissa de base da qual parte sua
argumentação: “Para todos nós a defesa da URSS significa a defesa
da nacionalização dos meios de produção e da economia planificada”
(PEDROSA, 2005, p. 291). Mesmo admitindo, no decurso da guerra, a
possibilidade de uma reintrodução de modos de produção capitalistas
por parte da burocracia stalinista – o que, no entanto, viria a se
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
727
concretizar, como profetizado por Trotsky em A Revolução traída,
com o retrocesso ao capitalismo na Rússia somente nos anos 1990
–, não se trata, portanto, de abdicar da defesa propriamente dita da
URSS, mas antes de sua incondicionalidade. Em tal formulação –
frise-se –, admite-se a caracterização da URSS como Estado Operário
Degenerado: “A URSS é ou não é um Estado operário degenerado?
Ao ultimatismo poderíamos responder: Sim, mas é precisamente sua
profunda degenerescência que torna a sua defesa condicional” (idem,
p. 292).
2. Diante dos recentes acontecimentos que antecipariam o fato
finlandês – mais precisamente, a invasão por Stalin da Polônia em
17 de setembro de 1939 –, Pedrosa esclarecia que se opunham, no
seio do trotskismo, duas visões antagônicas: uma defensivista; outra
derrotista. Assim as resumia, tomando partido, mesmo que aqui ainda
não explicitamente, pelo derrotismo revolucionário:
Quando da invasão da Polônia pelo Exército
Vermelho, em aliança com as tropas nazistas, a
vanguarda revolucionária de todo o mundo, e
principalmente nossos companheiros poloneses,
encontram-se em face de uma situação nova, não
prevista pela fórmula defensivista: que atitude
tomar ante o Exército Vermelho invasor? Defendêlo, combater a seu lado contra o exército burguês,
ser os melhores soldados da Rússia Soviética, ou
assumir uma atitude derrotista e apelar para os
soldados dos dois campos para se revoltarem contra
seus patrões, confraternizando-se com o povo por
uma revolução soviética na Polônia burguesa
derrotada? (Idem, p. 293; grifos originais)
Pedrosa antevia, pois, que, em tais situações concretas,
enfileirar-se ao lado do Exército Vermelho, que em tais circunstâncias
procuraria – como comprovado pelos fatos históricos – abafar o
728
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
movimento revolucionário dos trabalhadores nos países invadidos,
representaria um salvo conduto ao fortalecimento da burocracia
stalinista, na contramão da revolução internacional. O revolucionário
deveria, assim, procurar tirar vantagem da instabilidade instaurada
pelas invasões stalinistas, que logicamente enfraqueceriam as
burguesias locais, para organizar as forças revolucionárias quer seja
contra a burguesia do país invadido, quer seja contra as baionetas da
própria burocracia stalinista.
3. A aliança Hitler-Stalin recolocava a questão da
incondicionalidade de uma defesa da URSS, pois se esta se calcava
no risco de destruição do Estado Soviético em decorrência de seu
isolamento e das pressões que sofria pelas potências imperialistas,
as atuais conjunturas internacionais escancaravam as estratégias
stalinistas de colaborações francamente contrarrevolucionárias,
mesmo que temporárias, e que visavam tão somente o fortalecimento da
burocracia stalinista. Tornava-se patente o fato de que se Stalin defendia
o Estado Soviético, o fazia não pelo que nele havia de revolucionário,
e muito menos de internacionalista, mas exclusivamente como meio
de preservação de sua casta bonapartista e de seu próprio poder:
Até esse momento sempre consideramos a
tarefa da defesa como sendo independente da
conjuntura política internacional. Ainda que
denunciando a política reacionária de Stalin,
sempre diferenciamos a política externa soviética
da política das potências imperialistas. Sempre
reconhecemos ao governo soviético o direito de
manobrar entre os blocos imperialistas, pois essa
necessidade de manobras era ditada não para um
objetivo de conquistas, mas pela necessidade de
defesa do Estado operário isolado num círculo
hostil. (Idem, p. 294)
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
729
É nesse sentido que Pedrosa afirma que “para manter o bloco
‘antifascista’ Stalin cometeu contra o proletariado mundial todos os
crimes imagináveis” (idem, p. 295), resumindo de modo perspicaz
a questão: “Toda a política de IV Internacional em relação à defesa
da URSS stalinizada fundava-se no papel progressista e no caráter
forçadamente defensivo da guerra do Estado soviético. [...] Tratavase de defender seu sistema social de propriedade ameaçado pelos
imperialismos” (idem, ibidem), mas as invasões stalinistas apontavam
para um novo contexto, e Pedrosa tira daí aguda conclusão: “A
pequena guerra levada por Stalin até agora, na Polônia e nos países
bálticos, é de um caráter completamente novo. O papel da URSS está
inteiramente modificado. Esta guerra não estava prevista em nosso
esquema anterior” (idem, p. 296; grifos originais).
4. Ainda que a estratégia de Stalin, ao compactuar-se com
Hitler, movia apenas um lance de uma peça em meio a um intrincado
jogo de xadrez, visando ganhar tempo e almejando uma vitória
da Rússia soviética (e de sua burocracia) na guerra – o que acabou
por se dar e o que fez com que milhares de militantes comunistas,
incluindo os brasileiros enfileirados no PCB e PCdoB, defendessem
Stalin como um “grande estrategista” –, era evidente o caráter novo (e
o grifo é do próprio Pedrosa – cf. idem, p. 296) da guerra levada por
Stalin. Era necessário desmascarar, portanto, a estratégia stalinista, o
que levaria a um questionamento da incondicionalidade da defesa da
URSS. A postura pedrosiana não poderia, pois, omitir a perspectiva
internacionalista da Revolução, em visão tão premonitória quanto
visionária, condizente com o cérebro e o entendimento do próprio
Trotsky: “Sentindo a ponta da baioneta de Hitler se aproximar cada vez
mais do coração da Rússia, Stalin acabou por capitular, desviando-a
730
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
para outra direção. [...] Qual foi o preço de uma reviravolta tão brusca?
Quem pagará o custo dos entendimentos?” (idem, p. 297). Subtendiase que a conta seria paga pelo movimento revolucionário internacional.
5. “As mais grandiosas perspectivas históricas podem
transformar-se nas mais sombrias conseqüências históricas” (idem, p.
298-299). Com esta frase lapidar, consubstancia-se o quinto argumento
de Pedrosa, decorrente da argumentação anterior. A defesa da URSS
não poderia, assim, significar a defesa de suas invasões:
Toda guerra staliniana ao lado de Hitler, sob a
bandeira da luta contra o imperialismo anglofrancês, será apenas uma empresa sinistra
destinada a paralisar a revolta das massas e a
esmagar a revolução no nascedouro. [...] Apoiar a
Rússia nessa empresa, sob o pretexto de defender
a economia soviética contra os canhões ingleses e
franceses, será sacrificar os interesses da revolução
colonial aos interesses das camadas superiores
da burocracia, aliadas aos magnatas do 3o Reich.
(Idem, p. 299)
O argumento de Pedrosa é de uma lucidez inconteste, ainda
que, na formulação que mais agudamente expõe seu pensamento,
tenha omitido a “incondicionalidade” na defesa da URSS, algo que, no
entanto, está claramente subentendido quando assevera:
Ante a necessidade de escolher a defesa da URSS
e sustentar e aprofundar a revolta dos povos
coloniais, nós optamos sem hesitação por esta,
porque a vitória da revolução colonial tornará
nulos os efeitos de uma derrota militar eventual
numa frente qualquer do Exército Vermelho,
mesmo nas fronteiras ou no próprio território da
URSS. (Idem, ibidem; grifos nossos)
Por “defesa da URSS” na afirmação acima, leia-se, obviamente,
“defesa incondicional da URSS”, defesa de suas invasões sob o jugo
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
731
de Stalin, pontuando que o sucesso de uma revolução local anularia as
consequências contrarrevolucionárias que poderiam advir com uma
derrota do Exército Vermelho em uma de suas frentes, e até mesmo
dentro do próprio Estado Soviético (Degenerado). Há de se convir que
a suposição de Pedrosa, quanto a este aspecto, tendia a sobrevalorizar
os efeitos advindos de uma eventual revolução colonial, como se
qualquer revolução tivesse por consequência necessariamente uma
avalanche da revolução mundial... A formulação, utópica, não oculta,
entretanto, sua estratégia revolucionária de fundo: a da luta pelo apoio
às revoltas populares coloniais, opondo-se à sua opressão quer seja
pelas burguesias locais, que seja pelo seu potencial esmagamento por
parte do Exército stalinista invasor.
6. O sexto argumento versa sobre as invasões stalinistas da
Polônia e da Finlândia e sua caracterização – o que faz supor que, para
sua publicação já em 1940, o texto fora submetido a uma atualização,
levando em conta a invasão finlandesa ao final de 1939. Sobre a
Finlândia, escreve: “Que nome se daria a essa guerra? Ninguém,
acredito, ousará afirmar que Stalin está prestes a libertar a Finlândia
ou está indo lá para apoiar a montante revolução proletária” (idem, p.
300). Já sobre a Polônia, lemos a afirmação categórica de que “Stalin
esmagou na casca do ovo uma situação revolucionária clássica cujas
possibilidades de vitória não eram negligenciáveis” (idem, p. 301). E
a conclusão é taxativa, denunciando o papel do Exército Vermelho na
Polônia como francamente contrarrevolucionário:
O Exército Vermelho chegou tão-somente para
canalizar a expropriação, a revolução, nos modelos
burocráticos, retomando-a das mãos do povo,
expulsando-o, fuzilando seus representantes mais
corajosos e independentes. Aqueles que na Polônia
haviam depositado suas esperanças na Rússia
732
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de Stalin tiveram de pagar um preço muito alto.
(Idem, ibidem)
7. A sétima argumentação é das mais complexas. A questão
que se colocava era, pois, condicionada pela guerra em curso, a
Segunda Grande Guerra Mundial, que acabava de eclodir, e a maneira
como esta era conduzida pelo Estado Soviético. Sua defesa não podia
equivaler-se à defesa de todas as suas ações, em especial – é o que se
desprende das colocações de Pedrosa – àquelas que diziam respeito
ao comportamento militar das frentes stalinistas fora das fronteiras da
própria Rússia. Pois haveria de se admitir que, mesmo ainda sendo
um Estado “Operário”, na URSS o proletariado já não exercia poder
algum e a casta stalinista já se colocava quase que como uma “classe”
à parte em sua estrutura social:
De sua definição como “estado operário” não se
pode deduzir a necessidade absoluta de sua defesa,
seja qual for a condição em que a guerra foi
conduzida. [...] Apesar de teoricamente ser classe
dominante, [a classe operária] não exerce nenhum
controle nem assume qualquer responsabilidade
pela política de seu Estado. (Idem, p. 302)
Naquelas circunstâncias históricas, o Estado Operário,
Degenerado, caracterizava-se sobretudo por certo dualismo: ainda
que a estrutura distributiva da economia já apresentasse nítidos traços
burgueses, uma vez que era regulado e ditado por uma casta burocrática,
os meios de produção ainda não estavam nas mãos de corporações (neo)
capitalistas, de modo a se preservar o caráter propriamente “operário”
do Estado Soviético, mas era preciso diagnosticar a tendência que,
com todas as evidências, parecia irreversível no caso da manutenção
da casta stalinista no poder, qual seja, a de o caráter burguês prevalecer
sobre o caráter operário e a degeneração do Estado Soviético acabar
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
733
desembocando – como previsto pelo próprio Trotsky em 1936 – na
reinstauração do sistema capitalista. É nesse sentido que Pedrosa
evoca o próprio Trotsky em meio às suas colocações:
Segundo Trotsky, o traço dominante desse estado é
seu caráter dual: ele insiste sobre o fato de que essa
dualidade em lugar de tender ao desaparecimento,
cresce dia a dia. A lei burguesa do Estado que, no
começo, só dominava no campo da distribuição,
tende a invadir cada vez mais o campo decisivo da
produção. (Idem, ibidem)
Assim é que, “nas condições atuais da Rússia”, afirma Pedrosa,
“ninguém pode afirmar que a saída mais fácil seja a da manutenção
integral da propriedade coletiva e da economia estatizada” (idem, p.
303), pois se a burguesia fora de fato suprimida, não necessariamente
ela havia desaparecido – o que, num certo sentido, aproxima a
caracterização da casta stalinista como uma espécie particular de
“burguesia”..., tese reforçada pelo retrocesso histórico que a casta
stalinista empreendeu rumo à restauração capitalista na Rússia e nos
Estados anexados ao ex-Estado Soviético –, algo que entrevemos
com a sintética asserção pedrosiana: “A supressão das classes não é
o mesmo que o seu desaparecimento” (idem, ibidem). A consequência
de tal estado de coisas era a atomização do próprio proletariado:
O proletariado vitorioso organizou seu estado para
derrotar o inimigo hereditário, a burguesia. Uma
vez exterminada esta, o proletariado, entretanto,
não gozou dos frutos de sua vitória. Seu Estado
voltou-se contra ele, expropriando-o, por sua vez,
dos benefícios da vitória contra a burguesia. Perdeu
seus meios específicos de defesa (os sindicatos),
perdeu os meios de expressão consciente (o
partido). Tornou-se atomizado como as outras
classes, camponesas e burguesas. (Idem, ibidem)
734
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
E será, segundo Pedrosa, diante desta atomização que se
justificará então a postura por um derrotismo a partir do proletariado
de dentro da própria URSS, como meio de derrocar a burocracia. Aqui,
a posição de Pedrosa se evidencia com todas as letras:
A via do proletariado, sendo a única progressista,
pode ser, ainda neste caso, a mais difícil e radical.
[...] A via da restauração política do proletariado
não é a frio; é revolucionária. [...] A guerra, sem
revolução vitoriosa, será fatal ao proletariado
russo, mesmo com a vitória militar da clique
bonapartista dirigente. O canal mais importante da
contra-revolução é a própria burocracia. Por que
então esse proletariado, ainda que considerado
classe dominante, não pode ser derrotista em seu
Estado? [...] Pode-se conceber uma sólida coesão
nacional em uma sociedade atomizada, totalitária?
(Idem, p. 303-304; grifos nossos)
8. Este ponto desdobra-se no oitavo argumento, pontuando que
a incondicionalidade de uma defesa da URSS poderia desacelerar ainda
mais os processos revolucionários, na medida em que fortaleceria, de
alguma forma, a casta burocrática dirigente:
Qual é a melhor tática, nas atuais condições, a
defensivista ou a derrotista? [...] Na URSS o
perigo emana do fato de que o processo da contrarevolução pode vencer, em velocidade, o da
revolução. A política da defesa incondicional pode
desacelerar ainda mais este, que já está atrasado.
[...] A vanguarda revolucionária não deve amarrar
as próprias mãos antecipadamente, a priori, por
uma tática defensivista, isto é, de lealdade para
com a burocracia. (Idem, p. 304)
O derrotismo consistiria, assim, essencialmente em ação
dirigida do proletariado revolucionário contra a burocracia stalinista,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
735
pois aliar-se a ela, mesmo em situação de guerra contra a burguesia,
seria o mesmo que assinar sua própria sentença de morte. A luta contra
a burguesia encontraria seu pendant na luta contra o stalinismo na
forma do derrotismo revolucionário, e se o que se defende é o caráter
operário do Estado Soviético, esta sua defesa estaria condicionada
pelas condições concretas dadas pelas ações empreendidas pela
burocracia stalinista. O proletariado revolucionário não deve, pois,
ficar a reboque da burocracia stalinista, mas necessita antes de sua
autonomia de classe diante da casta bonapartista, analisando e
assumindo sua postura estratégica diante de cada situação concreta:
Se, pois, para conferir à propriedade estatizada
todas as possibilidades de um desenvolvimento
socialista, o proletariado deve defendê-la contra a
burocracia, arrancá-la de suas mãos, não se pode
excluir, por uma afirmação de princípio (a saber:
a Rússia é um estado operário degenerado), a
necessidade, em certos casos concretos, segundo o
caráter ou o papel histórico da guerra, para a qual
a burocracia deseja arrastar todo o país, de uma
tática derrotista da parte da classe operária. (Idem,
p. 305)
9. Se a incondicionalidade de uma defesa do Estado Operário
passa por sua própria definição, Pedrosa coloca-a em xeque e é nela
que se concentra o nono argumento, no qual evoca Engels, Marx,
Lênin e o próprio Trotsky. Ao fazê-lo, enaltece a necessidade de se ater
à dinâmica dos acontecimentos quanto à própria definição do Estado
Soviético. À noção de Estado Operário, Pedrosa abre espaço para a de
um Estado livre burocratizado, definição já presente em Engels:
Nenhuma análise teórica esgota a questão da natureza
do Estado soviético. A análise de ontem não é mais
suficiente para a situação tal como ela se apresenta
hoje. Engels falou de “um Estado livre frente a seus
736
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
concidadãos”; Marx, a propósito da burocracia de Luís
Bonaparte, falou de uma ”classe artificial”; Lenin,
a propósito do próprio Estado soviético criticou a
expressão “Estado operário” como inexata, porque,
em sua opinião, o Estado russo era “operário... e
camponês”, ou, antes, detalhava, um Estado burocrático
dominado pelo proletariado. E, finalmente, Trotsky,
ao caracterizar a burocracia staliniana, reconheceu
que ela era “algo mais que uma simples burocracia”.
E, ainda recentemente, afirmava [em “Les défaitistes
totalitaires”, La Quatrième Internationale, Paris, n.
14/15, novembro/dezembro de 1938]: “A burocracia
soviética reuniu em torno de si, presentemente, em certo
sentido, os traços de todas as classes derrubadas, mas
sem possuir as suas raízes sociais nem suas tradições”.
(Idem, p. 307)
10. Com grande perspicácia, Pedrosa procura então distinguir
o que se deve e não se deve defender com relação ao Estado Soviético,
independentemente de sua exata definição enquanto Estado, pois
é naquilo que ele possui de socialista que sua defesa poderia ser
sustentada. As ações de cunho imperialista empreendidas pela
casta stalinista nada tem que ver, porém, com a defesa do aspecto
progressista e mesmo socialista que adquire aquele Estado cujo poder
é usurpado por essa mesma burocracia: “A política externa da URSS
não decorre necessariamente do que nos resta para ser defendido na
Rússia: a propriedade estatizada e a economia planificada. É mesmo
tudo ao contrário” (idem, p. 308). A estratégia stalinista é, portanto,
coerente com seu potencial despótico e usurpador, tanto em sentido,
digamos, “centrífugo”, para fora do Estado Soviético (na forma de
suas ações militares e invasivas), quanto em sentido “centrípeto”, no
que diz respeito ao próprio Estado Soviético internamente, dentro de
suas fronteiras. Tanto lá quanto cá as intenções são claras: fortalecer
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
737
a hegemonia da casta dominante, que se vale, ainda, da economia
planificada e centralizada para perpetuar seu poder, mas que, pouco
a pouco, antepõe-se a esta mesma estrutura coletivista da economia.
Ora, se no interior do próprio Estado Soviético há ainda, do ponto de
vista revolucionário, o que se defender – ou seja, o caráter coletivo de
sua estrutura econômica –, o mesmo não pode ser dito com relação
às ações empreendidas pelo Exército Vermelho, agora nas mãos de
Stalin, em sua política externa: ali, não há o que se defender. Assim é
que lemos em Pedrosa:
Do mesmo modo como a política externa toma um
caráter cada vez mais conscientemente hostil aos
interesses da revolução mundial, a política interna
da fração burocrática no poder toma o caráter cada
vez mais antagônico com a estrutura econômica
coletivizada. (Idem, ibidem)
Em tais ações do militarismo stalinista, Pedrosa vê um caráter
inquestionavelmente imperialista e, nesse contexto, evoca o próprio
Trotsky: “Foi o camarada Crux [pseudônimo utilizado por Trotsky]
em pessoa o primeiro a crer a burocracia capaz ‘de todos os crimes
imagináveis’, incluindo o de ‘empreender uma política imperialista’”
(idem, p. 310). Nesse mesmo contexto, Pedrosa chega a tecer
comentários sobre o processo que, com razão, via em curso de uma
nova acumulação primitiva ou capitalista por parte da casta stalinista:
[A burocracia stalinista,] ao assegurar o
desenvolvimento das forças produtivas da
economia soviética, salvou, durante algum tempo,
as bases econômicas da Revolução de Outubro.
Mas nós estamos agora diante de um novo ciclo
de reprodução. As notas promissórias da primeira
industrialização acabam de vencer. Todo o capital
então acumulado precisa ser renovado. No fundo,
trata-se de achar as bases de uma nova acumulação.
738
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
[...] Ela conseguiu, na ocasião, “salvar” os
fundamentos econômicos do Estado operário,
mas ao preço de destronar definitivamente o
proletariado. Com a planificação econômica, ela
fez dos meios de produção e da renda nacional seu
monopólio exclusivo. Desde então, ela mantém,
no conjunto do processo econômico, a mesma
posição que os grandes magnatas imperialistas
nos grandes setores monopolizados do capitalismo
[...]. (Idem, p. 311)
Este último aspecto, vale dizer, não contraria, mas antes vai
ao encontro das profecias de Trotsky em A Revolução traída, mas,
no presente contexto, procura consubstanciar o porquê de uma
defesa condicional à própria constituição do Estado Soviético no que
preservava, ainda, de eminentemente “operário”, distando-se de uma
sua defesa tout court, sob qualquer condição. Em meio ao processo
de tal acumulação capitalista, paralela a seu próprio fortalecimento, a
burocracia stalinista oscila como numa gangorra, valendo-se do que
melhor lhe parecia, se guerra, ou se paz, decorrendo daí tanto momentos
de agressão quanto de pacto diante das potências imperialistas: “Para
superar a crise e consolidar suas posições de modo definitivo a
burocracia hesita entre dois métodos, o da paz e o da guerra” (idem, p.
312). Tais oscilações, cuidadosamente articuladas por Stalin, mas que,
utilizando-se das direções dos Partidos Comunistas mundo afora como
seus fantoches, tinham e tiveram historicamente por consequência
hesitações comprometedoras nas políticas internas e externas desses
partidos, faziam que as ações militares stalinistas adquirissem um
aspecto deliberadamente aventureiro, aparentemente contraditório
com sua elaboração franca e meticulosamente contrarrevolucionária:
“[A burocracia stalinista] quer encontrar uma base econômica e social
própria, estável, sobre a qual possa desabrochar à vontade e assegurar-
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
739
se, na história, um lugar permanente como uma verdadeira classe
social: é exatamente o que ela procura na sua política de aventura no
exterior” (idem, p. 313). O aspecto “aventureiro” transparece quando,
em um momento, compactua com o imperialismo, mas, em outro, o
agride, bem conforme sua conveniência, e a grande vitória de Stalin
sobre Hitler, após ter com este selado pacto inescrupuloso – vitória
esta que iludiu a tantos militantes comunistas –, serviu à preservação
não do Estado Operário em si, mas deste Estado já assumidamente
Degenerado, a ponto de termos vivenciado seu crasso retrocesso
ao capitalismo, tão bem previsto – salientemos mais uma vez – por
Trotsky.
11. Daí resulta um dos pronunciamentos mais lúcidos de
Mário Pedrosa em seu documento histórico: a de ter se posicionado
radicalmente contra as guerras imperialistas, algo que ecoava –
frisemos – a posição irretocável de Rosa Luxemburgo já diante da
Primeira Grande Guerra Mundial. Nisso consiste sua penúltima
argumentação:
A continuidade de Stalin, na guerra ou na paz, é
a colonização e o desmembramento da URSS ou
o fascismo. Sua vitória na guerra é o fascismo na
Rússia como no mundo. A bandeira da suástica
também é “vermelha”. A vitória de Stalin aliado
a Hitler transformaria a burocracia em uma nova
classe depois de um processo de nacionalização
de que a própria burocracia seria o objeto. (Idem,
p. 314; grifos originais)
Segue-se imediatamente a esta asserção uma outra, taxativa,
que muito serviria ao contexto atual da Guerra na Ucrânia, promovida
pelo governo imperialista e neo-tzarista de Putin contra a política
igualmente imperialista da OTAN, infiltrada no governo-fantoche
740
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de direita da Ucrânia, guerra à qual todo e qualquer revolucionário
deveria se opor e na qual os trabalhadores só têm a perder, mas cuja
posição, revolucionária, é tendenciosamente confundida como sendo
a de um oco “pacifismo”:
Nós não temos motivo algum para ajudar direta ou
indiretamente a vitória de um campo imperialista
qualquer. A vitória de qualquer um dos bandidos
seria o triunfo da contrarrevolução fascista, se
pudermos imaginar que esta guerra terminasse
sem a intervenção revolucionária das massas.
(Idem, ibidem; grifos nossos)
12. Na argumentação derradeira, Pedrosa conclui fazendo uma
síntese das anteriores, em claríssima formulação:
Em vista de tudo o que precede, acreditamos ser a
fórmula da “defesa incondicional da URSS contra
um ataque imperialista” insuficiente, pois ela pode
arrastar a Internacional a um impasse (Polônia!).
Numa guerra isolada entre a URSS e uma
potência imperialista qualquer, nós defenderemos
a primeira, do mesmo modo como defendemos a
China contra o Japão ou Porto Rico ou El Salvador
contra os Estados Unidos. Seria também o caso
para defesa na eventualidade de um ataque de
Hitler contra as novas fronteiras da URSS, pois se
trataria, então, de uma guerra de caráter diferente
daquele da guerra atual. (Idem, p. 315)
E, emendando, evoca a necessidade de uma análise de cada
situação concreta, algo tão presente na conduta leninista:
No caso de uma guerra mista, a tática defensivista
deve depender do caráter da guerra, de seu papel
histórico, das perspectivas de revolução que dela
decorrem, ou do grau de ameaça que pesa contra
a estrutura econômica da URSS. É preciso, pois,
evitar traçar adiantadamente a tática a seguir de
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
741
uma vez por todas: é preferível fazê-la em cada
caso concreto. (Idem, p. 315)
Pedrosa não fecha, pois, a questão. Ao contrário do que poderia
se supor, não assume qualquer posição intransigente, e seu texto
estimula e incita o... debate! “Não há, pois, nada de extravagante, nem
teórica nem politicamente, em sustentar, por analogia, que no decurso
da mesma guerra nos é permitido retornar de uma tática derrotista para
uma tática defensivista” (idem, p. 317). Ao que ele se opõe, isto sim, é
ao dogma! É nesse sentido que enuncia uma frase poética, ao mesmo
tempo que sintomática de sua postura crítica e aberta, prenunciando,
contudo, certa resistência ou reserva, por parte do grande líder, diante
de suas colocações: “A vida é por demais rica em surpresas para ser
encapsulada em quaisquer hipóteses elaboradas pelo espírito” (idem,
ibidem).
A frase conclusiva deste documento de gênio, se por um lado
evoca Lênin em sua defesa em prol de uma análise que sempre se
paute por situações concretas, não deixa de nos fazer pensar em Bertolt
Brecht – um dos muitos criadores que paradoxalmente aderiram, com
uma ilusão que contradiz a clarividência e a inovação de suas ideias,
ao stalinismo... Escreve Pedrosa, cerrando sua redação: “Em cada
dia sua própria tarefa” (idem, p. 318), frase que nos remete à genial
frase brechtiana em Aquele que diz não (Der Neinsager): “In jeder
neuen Lage neu nachzudenken” (BRECHT, 1987, p. 254) – que prefiro
transcriar assim: “A cada nova situação, pensar nova_mente”.
As diferenças são assim tão... diferentes?
Em face das ideias de Pedrosa, faz-se necessário o exame das
concepções de Trotsky que seriam, em princípio, a elas opostas. Para
742
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
tanto, apoiamo-nos naquela publicação que, especificamente, trata da
polêmica em questão: o já mencionado livro Em defesa do marxismo
(TROTSKY, 1984), que traz textos e cartas concebidos entre 1939 e
1940, ou seja, até pouco antes do assassinato de Trotsky.
E o que de cara nos surpreende é o porquê do tom polêmico
em torno da questão da incondicionalidade da defesa da URSS, pois,
a partir das colocações de Pedrosa, o que lemos em Trotsky não é
absolutamente divergente, mas antes em grande parte convergente
com o texto pedrosiano.
Deste ponto de vista, tudo leva a crer que o grupo em torno do
qual as ideias aparentemente divergentes se aglutinavam pudesse, no
bojo de uma discussão que tinha por motivo de fundo a natureza do
Estado Soviético sob o jugo de Stalin, aspirar a instituir certa divisão
de poder no seio da emergente IV Internacional e, de certo modo,
relativizar o papel de liderança de Trotsky, o que teria motivado o grande
líder a manter-se precavido diante dessas iniciativas e, em um segundo
momento, promover o enfraquecimento deste grupo, destituindo seus
membros do Comitê Executivo Internacional (C.E.I.) do qual faziam
parte. Mencionamos essa conjuntura, que aqui deliberadamente não
detalhamos e que meramente supomos, sobretudo para pontuar que,
para além das ideias propriamente ditas, provavelmente pairava certa
desconfiança por parte de Trotsky. Pedrosa, pelo teor elaborado de seus
textos, e ainda que se visse envolvido e solidário com aqueles que, de
dentro do SWP, alimentavam a crítica à incondicionalidade da defesa
da URSS, evidentemente travava a discussão no plano das ideias,
sem qualquer pretensão em “destronar” a liderança de Trotsky, mas a
reação deste último, em relação ao documento pedrosiano, leva-nos a
conjecturar que Trotsky dirigiu sua atenção menos ao que o documento
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
743
teoricamente expunha do que com relação à disputa política interna
que eventualmente visasse minimizar seu papel de liderança na nova
organização.
Em um primeiro momento, contudo, Trotsky não se furtou
ao debate e ao esclarecimento de suas ideais. No texto fundamental
intitulado “A URSS na guerra”, constante do livro mencionado e
concluído em 25 de setembro de 1939, Trotsky afirma:
O que defendemos na URSS? Não são aquelas
coisas nas quais a URSS se parece com os países
capitalistas, mas precisamente aquilo em que ela
se diferencia destes. [...] Na URSS a derrota da
burocracia é indispensável para a preservação da
propriedade estatal. Estamos pela defesa da URSS
somente neste sentido. (Idem, p. 30; grifos nossos)
A razão principal da polêmica dizia respeito, contudo, às
ações militares externas à URSS levadas a cabo pela burocracia
stalinista, e aí Trotsky discute um antagonismo presente nessas
ações e diante do qual deve se posicionar o revolucionário, tendo por
consequência, constatemos, a compreensão em si mesma ambígua do
caráter incondicional da defesa do Estado Soviético nas fileiras da IV
Internacional. O antagonismo – aquele aspecto dual a que, citando
Trotsky, se referia Pedrosa – se dava pelo fato de que a burocracia
stalinista, formada a partir da própria estruturação socialista da
sociedade como sua excrecência degenerativa, tinha por necessidade
a manutenção de parte do programa socialista para que continuasse
existindo, de modo que, nos países por ela invadidos, o stalinismo
procuraria, com certa probabilidade, instituir modos de produção
socialistas para, ao mesmo tempo que se antepondo às burguesias
locais, manter-se no poder. É nesse sentido que lemos em Trotsky:
É mais provável que nos territórios que forem
744
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
incorporados à URSS, o governo de Moscou
atue expropriando os grandes proprietários e
estatizando os meios de produção. Esta variante é
a mais provável, não porque a burocracia continue
sendo fiel ao programa socialista, mas porque
não deseja e nem é capaz de tomar o poder e os
privilégios que comparte com a velha classe
dirigente nos territórios ocupados. [...] À medida
que a ditadura bonapartista de Stalin se baseia na
propriedade estatal, e não na privada, a invasão da
Polônia pelo Exército Vermelho levará, por si só,
à abolição da propriedade privada capitalista para
que o regime dos territórios ocupados esteja de
acordo com o regime da URSS. (Idem, p. 33)
Por si só, tais medidas em si progressistas – Trotsky reconhece:
“[...] Nossa análise geral sobre o Kremlin e a Comintern não modifica
o fato particular de que a estatização da propriedade nos territórios
ocupados é, em si mesmo, uma medida progressiva. Reconhecemos
isso abertamente” (idem, p. 33-34; grifos originais) – bastariam para
justificar a “incondicionalidade” do apoio à URSS, mesmo porque,
para além do critério “meramente” econômico, sobrepõe-se um
critério eminentemente político, sem o qual a alavanca revolucionária
não pode ser acionada e aquele caráter progressista tenderá – como de
fato tendeu – a seu retrocesso a formas capitalistas de produção. É por
isso que Trotsky afirmará que
o critério político prioritário não é, para nós, a
transformação das relações de propriedade neste
ou naquele território, por mais importantes que
sejam por si só, mas sim a mudança na consciência
e organização do proletariado mundial, a elevação
de sua capacidade de defender as conquistas obtidas
e conquistar outras novas. A partir deste único
e decisivo ponto de vista, a política de Moscou,
tomada em seu conjunto, conserva completamente
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
745
o seu caráter reacionário e é o principal obstáculo
no caminho da revolução mundial. (Idem, p. 33;
grifos nossos)
Nesse ponto reside, entretanto, o matiz discordante que motivara
a polêmica, pois, como entrevemos nas colocações de Trotsky, defender
incondicionalmente a URSS estaria ligado ao fato de que a burocracia
stalinista provavelmente se veria obrigada a “expropriar” a burguesia
e implementar um modelo socialista e estatizante, mesmo que para
defender seus próprios privilégios. Mas o questionamento advindo da
argumentação de Pedrosa dizia respeito justamente a este ponto: seria
isso suficiente ou mesmo verdadeiro? Esta implantação “na ponta
das baionetas”, a burocracia já não o fazia alijando o proletariado de
qualquer poder e subjugando-o de modo exploratório, como já era o
caso no interior da própria URSS?
Por certo que a argumentação de Pedrosa e outros que
contrariavam a tese da “incondicionalidade” amparava-se neste fato e
procurava demonstrar (ao menos no que dizia respeito especificamente
a Mário Pedrosa) sua oposição irreconciliável à burocracia stalinista.
Mas Trotsky, em seu texto “Novamente, e uma vez mais, sobre a
natureza da URSS”, de 18 de outubro de 1939, insistia e não pestanejava
ao precisar: “O que significa dizer defesa ‘incondicional’ da URSS?
Quer dizer que não impomos nenhuma condição à burocracia. Quer
dizer que, independentemente do motivo e das causas da guerra,
defendemos as bases sociais da URSS se esta for ameaçada pelo
imperialismo” (idem, p. 44). E completa, de modo cabal:
Jamais prometemos apoiar todas as ações do Exército
Vermelho, que é um instrumento nas mãos da
burocracia bonapartista. Prometemos unicamente
defender a URSS como Estado operário e somente
aquilo que nela exista de Estado operário. [...] A
746
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
derrota de um movimento revolucionário na Índia,
com a cooperação do Exército Vermelho, significa
um perigo incomparavelmente maior para as bases
socialistas da URSS do que uma derrota episódica
dos destacamentos contrarrevolucionários do
Exército Vermelho na Índia. Em cada caso, a
Quarta Internacional saberá distinguir onde e como
o Exército Vermelho está atuando exclusivamente
como instrumento da reação bonapartista e onde
defende as bases sociais da URSS. (Idem, p. 45;
grifo original)
Ou seja, desta distinção quanto ao verdadeiro caráter da
invasão de cunho imperialista da burocracia stalinista dependeria o
posicionamento concreto, em cada caso, da nova Internacional. E, em
resposta a Max Shachtman (um dos adeptos da posição de Pedrosa, ao
lado de Burnham, Eastman e Abern), em carta de 6 de novembro de
1939, ainda formula com precisão:
[...] Separamos decisivamente nossa defesa da
URSS como Estado operário da defesa burocrática
da URSS. [...] Defesa incondicional da URSS
significa, literalmente, que nossa política não está
determinada pela ação, manobras ou crimes da
burocracia do Kremlin, mas somente pela nossa
concepção dos interesses do Estado soviético e da
revolução mundial. (Idem, p. 45; grifo original)
Ora, a “incondicionalidade” não significaria, evidentemente,
deixar de reconhecer o caráter contrarrevolucionário da burocracia
stalinista, mas antes defender a constituição social do Estado Soviético
independentemente das ações levadas a cabo pela casta burocrática
stalinista, levando em conta os matizes e antagonismos das ações
militarescas da trupe de Stalin.
Entretanto, em meio à polêmica, como dissemos acima,
constituía-se um grupo – do qual fazia parte Mário Pedrosa – que,
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
747
promovendo o debate em torno da pertinência ou não de se posicionar
por uma incondicionalidade da defesa da URSS, acabou por se
configurar como oposição no interior do SWP à tese basilar do grande
líder, o que certamente não deixou de provocar certa instabilidade no
seio daquele partido que constituía, em meio ao exílio mexicano de
Trotsky, as bases mais sólidas para o próprio lançamento e fundação
da IV Internacional. Tal fato, se não provocara propriamente a ira em
Trotsky, ao menos o perturbou consideravelmente, e o fator psicológico
não deve ser aqui menosprezado.
A posição de Trotsky era claramente debilitada. Após anos
de tentativas frustradas, foi, como se sabe, somente no México que
conseguira salvaguarda governamental, depois de muitas recusas
às suas solicitações de asilo político por partes de vários países.
Procurando preservar, em ato de quase desespero, as bases da fundação
da nova Internacional, Trotsky chega a reconhecer que “a proposta do
camarada [James] Cannon, de manter a discussão livre de toda ameaça
de separação, expulsões etc., era adequada e absolutamente correta”
(idem, p. 82), ansiando por uma coesão e uma unidade no seio do
SWP, mas no título deste mesmo texto de 15 de dezembro de 1939,
foi o próprio Trotsky quem não poupava o grupo “opositor” e, em tom
nada conciliador, intitulava-o: “Uma oposição pequeno-burguesa no
Socialist Workers Party”. É neste texto que, ainda mais numa vez,
precisa sua visão acerca do problema:
A oposição descobriu que nossa fórmula de
“defesa incondicional da URSS”, a fórmula
de nosso programa, é “vaga, abstrata e fora de
moda (?!)”. [...] A oposição tenta apresentar as
coisas como se até agora tivéssemos defendido
“incondicionalmente” a política internacional do
governo do Kremlin com seu Exército Vermelho
748
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
e sua GPU. Tudo colocado ao contrário! Na
verdade, há muito tempo não defendemos a
política internacional do Kremlin, mesmo de
forma condicional, e particularmente desde o dia
em que proclamamos abertamente a necessidade
de aniquilar, abertamente, a oligarquia do Kremlin
mediante uma insurreição. (Idem, p. 75; grifo
original)
Com relação à burocracia stalinista, evidentemente não havia,
pois, qualquer sombra de ato defensivista: nem condicional, nem
incondicional. Mas pontuar este fato não lhe foi suficiente. Em 24
janeiro de 1940, em seu importantíssimo texto “De um arranhão,
ao perigo de gangrena” (parte do mesmo Em defesa do marxismo),
Trotsky relança suas farpas, com sua verve felina: “Os oportunistas,
como é bem sabido, tendem ao maior radicalismo quanto mais longe
estão dos acontecimentos” (idem, p. 131).
Se a crítica aguda, em relação a alguns dos militantes desta
“oposição”, podia fazer sentido – fato sobre o qual aqui não nos
deteremos –, teria tido razão Trotsky ao dirigi-la contra... Lebrun?
Ainda que muito longe de ser ele mesmo um oportunista, não estaria
Trotsky, com toda a sua inquestionável integridade, moral e intelectual,
igualmente “longe dos acontecimentos”, em meio ao isolamento de
seu exílio em Coyoacán?
Lebrun, um “tipo curioso”...
Naquele mesmo texto que leva em seu título a agressão ao
grupo opositor, tachando-o de “pequeno-burguês”, Trotsky elabora
uma de suas passagens mais magníficas, verdadeira definição da
dialética marxista:
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
749
O axioma “A” é igual a “A” é, por um lado, ponto
de partida de todos os nossos conhecimentos e, por
outro, é também o ponto de partida de todos os erros
do nosso conhecimento. [...] Para os conceitos,
também existe uma “tolerância” que não está
fixada pela lógica formal baseada no axioma “A”
é igual a “A”, mas pela lógica dialética baseada no
axioma de que tudo se modifica constantemente.
(Idem, p. 70)
Essas palavras, em meio ao trecho do texto citado que leva
como designação “O ABC da dialética materialista”, ecoa uma frase
como que perdida em meio ao paradigmático A Revolução traída,
verdadeiro substrato de sua teoria da revolução permanente: “Tudo
é relativo nesse mundo onde nada mais que a mudança existe de
permanente” (TROTSKY, 1980, p. 75). Entre o reconhecimento de
uma permanente mutabilidade e, mesmo que após franca e intensa
discussão, a resistência a qualquer mudança ou, no mínimo, a aceitação
da diferença, há, porém, um oceano, e de tolerância é que não era
mesmo o caso...
Não que Trotsky não tivesse suas razões – e a própria razão
em meio à polêmica aqui descrita, diante dos argumentos que aqui
abordamos –, mas categorizar como “pequeno-burguês” a dissensão
certamente contribuiu para que a pretendida unidade se frustrasse e
para que certo vício tomasse conta das vertentes trotskistas logo após
sua inesperada morte, que passaram a chamar de “pequeno-burguês”
tudo o que não cabia nos dogmas estipulados por aquilo que, apesar de
Trotsky, designou-se a partir de então por “trotskista”. Por mais que
as revoluções tenham que absorver as experiências anteriores no que
foram bem-sucedidas e também no que fracassaram, e por mais que, em
meio a esse processo, delineia-se uma ética revolucionária, histórica,
pela qual as condutas devam se nortear sem nunca deixar de avaliar
750
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
as condições específicas de cada caso concreto, as revoluções também
precisam ser inventadas. E como diria o próprio Pedrosa – repetimolo –, “a vida é por demais rica em surpresas para ser encapsulada em
quaisquer hipóteses elaboradas pelo espírito”. E mesmo assim, em que
pesem todas as críticas a posturas mais que questionáveis – inclusive
e sobretudo do ponto de vista eminentemente trotskista – que podem
e devem ser tecidas a líderes revolucionários como um Fidel ou um
Mao, a Revolução Cubana teria sido, para a maioria dos trotskistas
pós-Trotsky, “pequeno-burguesa”, assim como teria sido “pequenoburguesa” a Revolução Chinesa... Assim foram tachadas porque não
seguiram a cartilha dos militantes trotskistas, e nem mesmo o modelo
de centralismo democrático que tanto caracterizou o bolchevismo.
Esses militantes passaram então a adotar para si próprios – sem,
porém, nem a autoridade do mestre, nem sua envergadura intelectual
– a mesma intransigência que, reconheçamos, governava o espírito de
Trotsky. Mas classificações desse tipo – admitamos – certamente em
NADA contribuem para a Revolução mundial!
Ainda que não tenha se furtado, em esforço quase sobrehumano, a contra-argumentar a favor de suas teses, opondo-se ao
que julgava – e com razão! – como uma incompreensão por parte de
alguns militantes, em especial daqueles que compunham o Comitê
Executivo Internacional da nova organização, Trotsky, diante dessas
divergências, acabaria por destituir tais membros desse comitê, fato
que levou Pedrosa (sob o mesmo pseudônimo de Lebrun) a dirigir-lhe
uma contundente carta, datada de 23 de março de 1940 (PEDROSA
em MARQUES NETO, 2001, p. 119-125), na qual classifica a medida
tomada por Trotsky como um “pequeno golpe de Estado” (PEDROSA,
idem, p. 125), expressão corajosa e até petulante para se endereçar
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
751
ao grande líder, que, obviamente, sequer respondeu à missiva! Afinal,
como admitir ter cometido um golpe de Estado sobre um “Estado”
que julga ser seu, a sua própria IV Internacional? No dia 4 de abril
seguinte, Trotsky escreve não a Pedrosa, mas a F. Dobbs, referindo-se
ao brasileiro em termos nada amigáveis:
Recebi uma carta de Lebrun sobre o C.E.I. Um
tipo curioso! Essa gente crê que hoje, na época da
agonia do capitalismo, nas condições da guerra
e da clandestinidade que se aproxima, seria
preciso abandonar o centralismo bolchevique em
benefício de uma democracia ilimitada. [...] Esses
“democratas” agiram inteiramente como boêmios
franco-atiradores. (TROTSKY apud MARQUES
NETO, idem, p. 126-127)
E conclui, no mesmo lugar: “Se tivéssemos a possibilidade de
convocar um congresso internacional, eles certamente seriam expulsos
com a mais severa das censuras.”
Todos esses preciosos documentos, bem como os meandros
de toda a grave dissensão que levou a malnascida IV Internacional
já a uma primeira e profunda cisão, praticamente levando-a ao
aborto, encontram-se no extraordinário texto “Mario Pedrosa e a IV
Internacional (1938-1940)”, do grande historiador Dainis Karepovs
(KAREPOVS, 2001), e não será mesmo o caso, aqui, de esmiuçar
a questão. O leitor deve se reportar ao indispensável texto de Dainis
para inteirar-se das particularidades da grave desavença. Mas, à guisa
de conclusão, as suas consequências, bastante significativas, devem
ser aqui abordadas.
752
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
O rompimento e suas consequências
Ao que Pedrosa almejava era um arejamento das ideias em meio
à efervescência da criação da IV Internacional, para a qual lhe havia
sido destinado o papel de único delegado de toda a América Latina em
seu Congresso de fundação, em 3 de setembro de 1938 em Périgny,
na França (cf. KAREPOVS, 2017, p. 29), além de ter assumido coresponsabilidade organizativa, ao lado do grego Georges Vitsoris,
como Secretário Administrativo do Movimento pela IV Internacional,
em substituição ao alemão Rudolf Klement, ex-secretário de Trotsky
que havia sido sequestrado, assassinado e esquartejado por agentes
stalinistas em 12 de julho de 1938 (cf. KAREPOVS, 2001, p. 106107). Sua posição e seu papel eram, pois, de suma relevância, e suas
referências pessoais, as mais enaltecidas, tal como se pode atestar pelas
linhas a seu respeito que Pierre Naville dirige a um dos secretários
de Trotsky, Jean van Heijenoort, dando conhecimento ao líder russoucraniano, em 12 de fevereiro de 1938, da chegada de Pedrosa às
fileiras da IV Internacional (cf. KAREPOVS, idem, p. 105).
Mais que isso, como único representante das dez seções latinoamericanas presentes no congresso fundador da IV Internacional, e
estando, pois, à frente de países como a Argentina, Bolívia, Chile,
Cuba, o próprio México (país hospedeiro do próprio Trotsky), Porto
Rico, São Domingos, Uruguai e Venezuela, além do Brasil, esse
nosso país de dimensões continentais, Mário significava o elo mais
vivo do trotskismo com toda a América Latina. Desconsiderar esse
fato para simplesmente classificá-lo como “tipo curioso” e, junto
com os demais “opositores”, como um “boêmio franco-atirador”, e,
ainda pior, merecedor de expulsão e censura – algo que nos remete
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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à expulsão do grande líder comunista luxemburguista Paul Levi das
fileiras da Internacional em 1921... –, nada mais fez que contribuir
para o enfraquecimento do movimento trotskista no Brasil e no cone
Sul do planeta, incutindo naqueles que sobraram em suas fileiras um
tipo de comportamento sectário – Pedrosa diria, de um “sectarismo
esterilizante” (PEDROSA apud KAREPOVS, 2017, p. 92) – que
teve por consequência mais direta não uma revolução permanente,
mas antes uma permanente divisão em tendências minúsculas do que
deveria constituir uma grande unidade em prol de uma IV Internacional
– ou quiçá, como já desejara um Maiakovski em seu poema inacabado,
de uma Quinta Internacional (cf. JAKOBSON, 1977, p. 26, 27 e 35),
dado o eterno nascimento de uma IV que nunca de fato viu a luz do
dia! Facções de três ou quatro membros já fundam uma tendência, e
por vezes as dissensões beiram o absurdo, como por exemplo quando
eu, jovem, militava no movimento estudantil como membro, ainda
que por muito pouco tempo, da emergente Causa Operária (que viria a
se tornar o PCO do presente, já então liderado pelo bravo militante Rui
Costa Pimenta), e, chegando na ECA/USP, me deparei com uma nova
cisão entre duas das tendências que formavam a corrente estudantil da
Libelu (ligada à IV Internacional), e, indagando a um dos membros
de uma delas, meu amigo, ouvi, com a maior naturalidade, a seguinte
explicação: “Rachamos por causa de nossa divergência quanto à
questão da Geórgia em 1923”. Ora, rachar um agrupamento que já era
pequeno em dois, em mais ou menos 1980, por causa de uma diferença
de opinião com relação a uma questão da... Geórgia de 1923???
De fato, era como se qualquer realidade ou mínimo de
pragmatismo político passassem a anos-luz da consciência daqueles
militantes... Por certo que questões históricas como a que envolveu
754
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
a autonomia das “pequenas nações russas”, como a Geórgia ou a
Ucrânia, ou, nas palavras mais precisas de Isaac Deutscher, a “forma
pela qual Moscou controlava as repúblicas não-russas e as províncias
da Federação Soviética” (DEUTSCHER, 1968, p. 60), problema que na
verdade surge já no verão europeu de 1922 e que se alastra durante todo
o início do ano seguinte, são das mais pertinentes de serem estudadas
e discutidas. Particularmente quanto à questão da Geórgia, tinha-se
ali o embrião da ferrenha oposição entre Stalin, então Comissário das
Nacionalidades, e Trotsky, naquele episódio travestida de diferença
irreconciliável quanto aos chamados “divisionistas” georgianos:
contra estes, Stalin tenderia a esmagar qualquer ameaça de autonomia,
antepondo-se ao princípio da autodeterminação das nações e, já com
poderes consideráveis no Partido Bolchevique, “preparando uma nova
Constituição que seria muito mais centralista do que sua antecessora
de 1918 e reduziria e revogaria os direitos das nacionalidades nãorussas, transformando a Federação Soviética de Repúblicas na União
Soviética” (DEUTSCHER, idem, p. 61), contra a qual protestariam
georgianos, ucranianos e outros, enquanto que Trotsky e o próprio
Lênin – em princípio solidário à posição de Stalin por atribuir a
oposição de Trotsky mais à sua “animosidade pessoal” ou a seu
“individualismo”, porém logo depois crítico das ações autoritárias e
excessivamente centralizadores de Stalin (cf. DEUTSCHER, idem, p.
62 e 80-81) – sairiam em defesa dos “divisionistas”. Mas a própria
questão poderia ser vista de um ângulo oposto, pelo qual – em sintonia
com a visão radicalmente internacionalista e revolucionária de Rosa
Luxemburgo – o próprio princípio de autodeterminação dos povos
poderia ser questionado, uma vez que, nele, subjaz um sentimento
nacionalista de cunho profundamente conservador, condizente com o
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
755
espírito burguês tão assentado na glorificação dos valores “nacionais”.
Portanto, posições antagônicas como as de Rosa Luxemburgo e de
Stalin, em si mesmas irreconciliáveis, podem ser entoadas e partir,
como verdadeiros oposicantos, de ângulos completamente opostos,
de um mesmo pressuposto para atingirem finalidades absolutamente
distintas: a primeira – de uma Rosa –, visando uma democracia
expandida e assegurada mesmo pelo internacionalismo revolucionário;
a segunda – de um Stalin –, visando o autoritarismo que se vale do
centralismo excessivo para perpetuar-se; e, em meio às duas posturas
antagônicas, ainda uma terceira – de Lênin e Trotsky –, obviamente
mais propensa à primeira que à segunda na medida em que, defendendo,
naquele episódio, a dignidade das nacionalidades não-russas contra a
mão opressiva e o “excesso perigoso” do centralismo partidário nas
mãos de Stalin (cf. DEUTSCHER, idem, p. 62), tinha por meta a
mesma revolução internacional almejada por Rosa. Tudo isso é bem
conhecido, e não à toa o próprio Deutscher, nesta sua trilogia sobre
Trotsky, que é um verdadeiro monumento sobre a história política
do século XX, reconhece: “Do ‘centralismo democrático’, princípio
básico da organização bolchevique, só sobreviveu o centralismo”
(DEUTSCHER, idem, p. 27).
Destarte, os fatos históricos obviamente precisam ser
discutidos, refletidos, polemizados, da Geórgia à pedra no sapato de
Trotsky – o levante de Kronstadt de 1921 (vejo agora quantos militantes
rasgando meu texto após esta provocação...– e o faço em homenagem
póstuma a um dos grande amigos que meu pai tinha: o grande
anarquista Maurício Tragtenberg...) –, mas daí a cindir agrupamentos
por causa de nuances completamente distantes de nossa realidade...?
Não falta apenas arejamento, falta maturidade à esquerda marxista...
756
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
As diferenças, teóricas e práticas, devem pautar a construção de
uma unidade quando bem se sabe de que lado estamos! E enquanto
isso, a direita integralista, bastante unida, retoma seu ímpeto e toma
as ruas que deveriam estar nas mãos e sob os pés dos militantes
revolucionários. Nos dias de hoje, até as torcidas organizadas (n)os
superam. Seria preciso, isto sim, revigorar aquela união que trouxe
para uma mesma causa trotskistas, socialistas e anarquistas, como uma
nova Frente Única Anti-Fascista, pondo para correr as novas-velhas
galinhas verdes como no outubro de 1934, acontecimento histórico,
este sim, relevante e liderado por ninguém menos que... nosso Mário
Pedrosa!
Como não reconhecer a qualidade do documento pedrosiano a
ponto de caracterizá-lo como um curioso tipo digno de expulsão das
fileiras da Internacional? Havia de fato motivos para uma cisão no
interior do SWP a partir de uma desavença sobre o caráter condicional
ou incondicional de uma defesa do Estado Soviético? Em que medida
um posicionamento dos militantes trotskistas e do próprio Trotsky,
na conjuntura de fim dos anos 1930, teria qualquer influência nos
acontecimentos que transcorriam com a eclosão da II Guerra Mundial,
a ponto de ocasionar uma tal cisão?
As origens desse tipo de absurdo, de alienação mesmo, tal como
posso definir a tendência fragmentária dos movimentos trotskistas,
deitam raízes na postura desesperada, mas sobretudo intransigente do
próprio Trotsky, em fim de vida e vendo sua IV Internacional nascer
já quase moribunda, e é necessário que se reconheça esse fato, se se
almeja qualquer amadurecimento político e se quer, em respeito às
ideias de Trotsky, perseguir pelas vias da Revolução.
Mas há mesmo males que vêm para bem. Em decorrência de toda
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
757
aquela situação, Pedrosa relata: “Foi nesse momento que abandonei
a ortodoxia trotskista e quando voltei pro Brasil estava querendo
experimentar uma série de ideias novas” (PEDROSA, 1979, p. 14).
Desse triste acontecimento o Brasil veria florescer as ideias de Rosa
Luxemburgo, à qual Pedrosa, a partir de então, passa, decepcionado
com a postura de Trotsky, a dirigir uma atenção especial. Pedrosa –
como grande intelectual que foi, de imensa integridade de caráter –, e
sem perder o grande respeito por Trotsky e por suas concepções, passa
então a divulgar as ideias de Rosa, ainda hoje tão atuais quanto as do
próprio Trotsky.
Afinal, um revolucionário sabe verter em coisa positiva mesmo
uma situação adversa e extremamente negativa, e nisso residem a
Utopia e o otimismo que governam seu espírito.
Referências bibliográficas
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Frankfurt am Main: Suhkamp Verlag, 1987.
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MARQUES NETO, José Castilho. Solidão revolucionária – Mário
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
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São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001.
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2016.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
759
A Convergência Socialista em Fortaleza
Andreyson Silva Mariano1
Introdução
A Convergência Socialista teve seu embrião de existência a
partir de um grupo de militantes Ponto de Partida, que fugiram do Chile,
na ditadura de Augusto Pinochet. A partir do grupo Ponto de Partida,
surge a Liga Operária que atua até o ano de 1978, com seus militantes
sofrendo forte repressão da ditadura civil-militar brasileira. Ainda em
1978, é fundado o PST (Partido Socialista dos Trabalhadores), que
publica o jornal Versus.
Foi com o jornal Versus que se fez o chamado a construção
de um partido socialista com a ideia do Movimento Convergência
Socialista. Foi desse processo que surgiu a Convergência Socialista
no ano de 1978. Os militantes da Convergência atuaram também no
combate à ditadura civil-militar, estando presentes e combativos em
várias cidades brasileiras, incluindo Fortaleza.
Realizamos quatro entrevistas com ex-integrantes da
Convergência Socialista em Fortaleza: 1) Jânio Vidal, entrevistado na
Faculdade de Educação da UFC (FACED), no dia 14 de março de
2019; 2) Fábio José Queiroz, entrevistado na sede do grupo político
Resistência-CE (Av. Imperador, 1443), no dia 17 de maio de 2019;
3) Nericilda Rocha, entrevistada na Faculdade de Educação da UFC
(FACED), no dia 23 de setembro de 2019; e 4) Euclides de Agrela,
1 Andreyson Silva Mariano, militante da Resistência PSOL/Ceará, Doutor em
Sociologia (UFC), Professor da Rede Básica de Ensino do Ceará, andreyson_sm@
hotmail.com.
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II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
na Faculdade de Educação da UFC (FACED), no dia 02 de outubro de
2019. Também utilizamos informações de Monteiro (2010).
As origens da C.S. em Fortaleza
Na pesquisa de Monteiro (2010), encontramos um dado inicial
importante sobre o surgimento da Convergência Socialista no Ceará.
O ex-militante Percival Palmeira, citado por Monteiro (2010, p. 57),
destaca que
“A C.S. era um grupo de quatro pessoas, na
verdade, dois que vinham de São Paulo e que
não tinham nenhuma inserção em movimentos
e dois que vinham daqui. Então, nosso primeiro
passo para a construção da C.S. aqui no Ceará foi
através do movimento estudantil. Localizados em
dois núcleos, um na UNIFOR e outro na UECE.
Posteriormente, veio a resolução que o trabalho
prioritário deveria se dar sobre o movimento
secundarista, através do Alicerce da Juventude. Ou
seja, era completamente inexistente o trabalho no
movimento operário e sindical.”
O agrupamento da C.S. surge no seio do movimento estudantil
universitário de Fortaleza, que recebe a orientação de trabalhar através
do Jornal Alicerce da Juventude Socialista, que representa “um
braço” da C.S. junto ao movimento estudantil. Como uma tática de
construção partidária, com o objetivo de ganhar para suas ideias novos
militantes entre os jovens estudantes, tinha como centro o jornal,
divulgador das ideias como aproximador de sua política. Organizaramse politicamente na juventude da C.S., como podemos compreender,
apostaram no movimento secundarista. Talvez, por perceber nesse
setor a possibilidade de proletarização.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
761
Tínhamos como hipótese que o surgimento da C.S. havia se
dado com a vinda do PT para Fortaleza. Conforme vimos acima, essa
hipótese não se comprovou. Foi a formação autônoma em relação ao
PT que se comprovou. Porém, dificilmente, a C.S. teria crescido e se
consolidado sem realizar o entrismo no PT. Sempre marcado por uma
profunda tensão. Cabe ressaltar também que a C.S. era mais coesa e
maior e número de militantes na região do Juazeiro do Norte do que
em Fortaleza. Ao menos no início dos anos de 1980. Segundo Fábio
José Queiroz (2019),
“Em 1983, eu era mais inorgânico do que orgânico.
Eu ficava oscilando entre o mundo da resistência
cultural e a resistência política mais aberta. Nós,
em Juazeiro, tínhamos um grupo que fazia teatro,
pintura, literatura. E eu consegui a façanha de
dividir o grupo. Eu fiz uma proposta que o grupo
assumisse uma faceta marxista. E olha que eu
não conhecia quase nada do marxismo. Era uma
coisa quase intuitiva do que científica, vamos dizer
assim! E o grupo rachou. Sendo que uma parte do
grupo tinha feito a campanha do PT em 1982.”
Apesar da tensão do racha, a outra parte citada por Fábio
José Queiroz passou a compor a C.S. Os dois mundos em que vivia
o depoente, na verdade, eram a expressão de duas ações políticas
presentes como opção nesse grupo. Segundo Fábio José Queiroz
(2019),
“E uma parte desse pessoal vai se somar comigo,
já no final de 1983 e 1984, para organizar a
Convergência Socialista no Juazeiro do Norte.
Em 1984, nós montamos a primeira sede da
Convergência Socialista que depois foi investigada,
pela arapongagem do CENIMAR (Centro de
Inteligência da Marinha).”
762
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
Assim, a C.S. tem dois centros de atuação em Juazeiro do
Norte e Fortaleza em que se deslocam militantes tanto do interior para
a capital quanto no movimento contrário. Esse movimento ocorre de
acordo com a dinâmica da luta de classes e também de acordo com o
grau de inserção da C.S. no movimento operário e sindical. Porém, o
que chama a atenção é a espionagem do Regime militar sobre a C.S. no
Juazeiro do Norte. Fábio José Queiroz (2019) relata a respeito disso:
“Engraçado que nós não sabíamos absolutamente
de nada do que estava acontecendo. Muitos anos
depois nós vamos ter acesso a uma documentação
e estava lá! A nossa sede, tudo minunciosamente
detalhado sobre nossa sede e tudo. Que era numa
rua estreita, ao lado da Igreja Matriz, que era uma
garagem. Aparentemente, não despertava nenhuma
desconfiança, suspeita. E, de repente, aquilo tudo
estava vigiado. E olha que isso era no começo de
1984. E aí, é no final de 1983, começo de 1984,
que a campanha das Diretas Já! vai acontecer.”
Mas ao que parece, nos anos de 1980, a C.S. já é uma seção,
agrupamento ou corrente interna do PT, sendo nossa hipótese
realimentada. A origem, ou o surgimento do PT está intimamente
ligado ao surgimento da C.S. em Juazeiro do Norte. Lembrando que
anteriormente mostramos que a C.S. surge antes do PT no Sudeste do
país e que a C.S. é o primeiro agrupamento a chamar pela construção
do PT. Ou seja, em Juazeiro, a origem da C.S. está colada ao PT.
Segundo Fábio José Queiroz (2019),
“Eu comecei a simpatizar mais um pouco com
as ideias da esquerda aos 15 anos, quando houve
uma greve no ABC, em 1978. E, depois, fui
conhecendo de uma maneira meio atravessada
rudimentos do marxismo. Mas tudo era solto. Até
que, em 1980-81, comecei a olhar um pouco o que
estava acontecendo à minha volta. O surgimento
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
763
do PT, o processo de recomposição dos PC’s.
Até que [...] eu estava um pouco hesitante. Em
1982, eu tive dúvidas de qual a melhor tática
para a eleição. Havia um discurso muito forte
dos partidos comunistas de apoiar candidatos da
oposição que tinham chance de ganhar, que era no
caso o PMDB. Já era PMDB, já tinha passado a
reforma partidária. Até que eu conheci um jornal
do Alicerce da Juventude Socialista, que na capa
tinha: “Nosso voto útil é esse!”, com Lula na capa.
E explicando o porquê o trabalhador tinha que
votar no Partido dos Trabalhadores. Isso causou
um impacto muito grande. Eu decidi que iria me
engajar na campanha dos candidatos do PT, com
essa orientação da Convergência Socialista e do
jornal Alicerce da Juventude Socialista. E, logo
depois, aconteceu aquele massacre de Sabra e
Chatila contra os palestinos. E isso causou um
impacto muito grande. Foi aí, que eu juntei o que
estava acontecendo no Brasil e no mundo e disse:
“É por aí que eu vou!”.”
O papel do jornal Alicerce da Juventude Socialista, bem como
a atuação política da C.S. na campanha classista e a aposta em Lula,
reconhecido desde as greves do ABC, demonstraram a complexa
relação da C.S. com o PT, com a captação de quadros, conforme
relata Fábio José Queiroz. Outra característica marcante da C.S. no
Brasil, e mesmo em Fortaleza, é o seu internacionalismo e o debate
político sobre questões internacionais. Pauta do nosso próximo tópico:
Internacionalismo.
O Internacionalismo
Ao longo dos anos, a C.S. foi desenvolvendo sua atuação
764
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
em alguns setores sociais de Fortaleza. Segundo os depoimentos, no
movimento estudantil secundarista e da UECE, com boa coluna de
quadros, também nos bancários com Percival Palmeira e, nos anos
1990, com a inserção de militantes rompidos com o PLP (Partido da
Libertação Proletária) que dirigiam o sindicato da Construção Civil.
Dessa forma, a C.S. concretizava um de seus objetivos, estar inserida
nos setores proletarizados da classe trabalhadora, sendo realizado,
inclusive, um giro, ou a vinda, de quadros nacionais para Fortaleza,
como o caso de Romildo Raposo, experiente militante da C.S. em
São Paulo e sua esposa Eliane. No entanto, a captação de quadros da
C.S. em Fortaleza passava pelo debate político internacional e a forma
como a C.S. interpretava tais acontecimentos. Essa característica
marcante do trotiskismo e da C.S. se expressava na forma como a C.S.
se organizava e, consequentemente, no seu internacionalismo.
A C.S. passou no ano de 1982 a ser uma seção brasileira de
um partido mundial, ou pelo menos do embrião, que era a LIT (Liga
Internacional dos Trabalhadores). Anteriormente, a fundação da LIT,
a C.S. era “um partido irmão” do agrupamento de Nahuel Moreno,
que dirigia a FBT (Fração Bolchevique Trotiskista). Com a fundação
da LIT, sob a direção de Nahuel Moreno, a C.S. passa a ser a seção
brasileira da LIT.
No entanto, além de ter expresso as posições da LIT no
Brasil, através dos seus jornais Convergência Socialista e Alicerce da
Juventude Socialista, as ideias da LIT se expressavam, também em
Fortaleza, através da revista Correio Internacional – LIT.
Esse perfil internacionalista marcou os militantes da C.S. em
Fortaleza, no Juazeiro do Norte, bem como no Brasil. Fazia parte de
um processo educativo e de formação política. Expressava-se numa
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
765
visão mais ampla das lutas políticas, não se restringindo apenas às
lutas locais ou nacionais. Talvez, esteja presente nesse aspecto uma
contribuição importante deixada pela C.S. como um legado para a
esquerda marxista brasileira. Segundo Nericilda Rocha (2019),
“Eu penso que a grande contribuição e importância
da C.S. era o internacionalismo. Então, ainda que
fosse uma corrente minoritária no PT, era uma
corrente com vínculos a uma Internacional, com
o internacionalismo como algo muito forte no
processo educativo da militância. O dirigente
tentar captar uma militante com uma revista
como o Correio Internacional, que discutia o
Leste Europeu, naquela época, que era tudo
muito complexo, onde havia todo um debate,
era o colapso da modernização do Robert Kurz.
Era toda uma crise na esquerda, a partir de tudo
que havia acontecido. E a Convergência tinha
um processo muito firme de procurar debater,
politizar a sua militância no internacionalismo.
Então, o internacionalismo era algo muito forte na
Convergência.”
O convencimento para se organizar politicamente na C.S.
passava por todo um debate em torno de questões locais, nacionais
e internacionais principalmente. Havia muitas dúvidas sobre os
acontecimentos do Leste Europeu. Daí também uma curiosidade sobre
o tema. Mas desde a entrada dos militantes na C.S. já se pode observar
o destaque que era dado a queda dos “regimes stalinistas no Leste
Europeu”. Euclides de Agrela (2019) afirma que sua vinda para a C.S.
gira em torno de lutas locais e do internacionalismo:
“Eu entrei na Convergência Socialista ainda
no Ensino Médio. Eu era estudante do Colégio
Rui Barbosa, escola particular, no Centro de
Fortaleza, que ficava na Avenida do Imperador.
766
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
E, às vésperas do Congresso da União Brasileira
dos Estudantes Secundaristas de 1988. Há trinta
e um anos atrás. Eu conhecia a Convergência
Socialista por intermédio de um outro estudante
secundarista que já era militante da Convergência.
Fábio Tavares, do Juazeiro do Norte. E, na
época, ele estava morando em Fortaleza. E ele me
apresentou as teses da C.S. para o Congresso da
União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. E
o que mais me chamou a atenção nessa discussão
era o balanço que a Convergência Socialista fazia
das experiências socialistas do Leste Europeu,
União Soviética, China e Cuba, porque fazia todo
um balanço do que representava o stalinismo, a
burocratização dos Estados Operários, a negação
do internacionalismo e da perspectiva da revolução
mundial, a negação da democracia operária, a falta
de liberdades políticas e sindicais dos trabalhadores
desses Estados Operários burocratizados.”
Nericilda Rocha descreve a atmosfera do movimento estudantil
na época, de como conheceu Euclides de Agrela, como representante
da Convergência Socialista e de como o internacionalismo estava
presente na C.S.
“Na UECE, quando eu ingressei, o Centro de
Humanidades, que tinha o curso de Filosofia, era
um centro de efervescência política, de debates
e discussões. Eu não era de nenhum movimento.
Sequer havia sido do Centro Acadêmico. Mas
no curso de Ciências Sociais, logo eu comecei
a participar de algumas atividades que tinham
no intervalo. E juntava estudantes de Filosofia,
Ciências Sociais e Letras também da época. E
eram debates sempre muito acalorados. Eu lembro
de um debate que tinha um estudante de Filosofia
que me chamou muito a atenção, pela forma como
ele falava e discursava sobre a situação do país,
que os estudantes tinham que se organizar para
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
767
participar da mobilização. E esse estudante de
Filosofia era o Euclides de Agrela, ele era dirigente
da Convergência Socialista. Eu me aproximei e
ele ficou de me trazer um material para estudar e
discutir. Esse material era uma revista, eu era uma
menina e estava ingressando nas leituras sobre
o marxismo. A revista de capa amarela com a
cabeça de Lênin sendo decapitada. E era sobre as
mobilizações no Leste Europeu e sobre a Queda
do Muro de Berlim, que era tudo muito recente,
1989-1992, que era o ano que nós estávamos. E
eu ingressei na organização com o debate sobre
o Leste Europeu. Me aproximei pelo movimento
estudantil, mas o debate era mais geral. E isso me
despertou a curiosidade.”
A C.S. chegou a promover um curso de formação sobre
os processos de derrocada dos Estados Operários burocratizados,
apresentando aspectos desse processo. Segundo Euclides de Agrela
(2019),
“Na época, havia toda uma discussão sobre a
queda das burocracias no Leste Europeu, o fim
da União Soviética, a Queda do Muro de Berlim.
Todo o processo de crise das burocracias stalinistas
e o problema da restauração capitalista no Leste
Europeu. Havia na verdade um curso, um grande
curso que foi preparado na época que tinha o
objetivo de entender esses processos. Mas foi um
curso muito problemático, porque valorizou muito
os aspectos positivos de luta contra a burocracia,
da revolta dos trabalhadores, das massas, contra
a ditadura stalinista, mas não dava a devida
importância ao tema da restauração capitalista.
Obviamente, a restauração vem como uma
política da própria burocracia. A Convergência,
já desde 1986, ainda com Nahuel Moreno vivo,
irá fazer uma crítica a Perestróika e a Glasnost
768
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
do Gorbachov. Nahuel Moreno morre em 1987,
quando se inicia os processos de massas. Já em
1988-89, havia um processo bastante avançado de
restauração capitalista, na China e URSS, que essas
grandes manifestações de massas e a derrubada das
burocracias stalinistas não conseguem interromper.
E os governos que sucederam levaram adiante a
restauração capitalista. Na época, essa foi uma
grande debilidade da discussão.”
Isso mostra que haviam divergências internas sobre o Leste
Europeu, tema na época elaborado no calor dos acontecimentos e sem
a presença do principal dirigente e teórico da LIT, Nahuel Moreno. É
um pouco do que revela Euclides de Agrela (2019):
“Houve uma crise na LIT por conta desse debate
que exatamente a queda da burocracia stalinista
não mudou imediatamente o triunfo da perspectiva
do socialismo ou da democracia operária. Apesar
da força das mobilizações das massas. Teve
muitas discussões ideológicas, muitas ilusões no
capitalismo. Exatamente por isso, os setores da
burocracia stalinista conseguiram permanecer no
poder.”
Esse processo de restauração capitalista no Leste Europeu,
significou a abertura de novos mercados e consumidores, amortecendo
as crises de superprodução capitalista, mas não evitando-as. Significou
também a perda de um referencial socialista ou comunista, ainda
que como Estados Operários burocratizados, desestabilizou os
PCs e conferiu uma ofensiva ideológica de supremacia e vitória do
capitalismo através das teses dos Secretário de defesa americano
Francis Fukuyama, bem como as teorias conhecidas como pósmodernas que negam abordagens sistêmicas, revoluções na macro
estrutura e principalmente a luta de classes e o socialismo.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
769
A posição de análise da C.S. apesar dos equívocos apontados
mantém toda tradição de afirmação do marxismo revolucionário. Para
Fábio José Queiroz (2019),
“A radicalidade socialista, a obsessão pela
democracia operária, a obsessão pelo trabalho
junto à classe operária são patrimônios que
precisam ser mais que estudados, mas continuadas
e enriquecidas, nesses anos difíceis nos quais
estamos vivendo. A questão do internacionalismo,
como nós erámos internacionalistas! Eu lembro
que falava de El Salvador, da Revolução na
Nicarágua como se estivesse falando de coisas
do Brasil. Veja como as coisas mudaram! Como
a consciência internacionalista retrocedeu. Eu
penso que o stalinismo contribuiu para isso. Mas a
derrubada dos Estados Operários contribuiu para o
retrocesso no internacionalismo.”
A C.S. não conseguiu à sua época mensurar o impacto na
consciência das massas do efeito da restauração capitalista. Não foi
a hora e a vez do trotiskismo. Mesmo com seu esforço de análise
política, a própria C.S. passou a sofrer com o retrocesso na consciência
das massas e ao vendaval oportunista do capitalismo com a quase
dissolução da LIT (Liga Internacional dos Trabalhadores) em anos
posteriores.
No entanto, é muito importante mencionar a radicalidade
socialista, a defesa da democracia operária, o internacionalismo
proletário e o trabalho sobre a classe operária como um legado da C.S.
às esquerdas brasileiras.
A forma organizativa
A Convergência Socialista tinha como forma organizativa
770
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
o modelo do partido Bolchevique, ou o modelo Leninista. Com as
seguintes características: os militantes pertenciam a células, ou núcleos
com 9 ou 10 integrantes atuando num setor: bancários, estudantes ou
construção civil. Esses núcleos se reuniam semanalmente. As reuniões
tinham uma pauta e eram organizadas por um dirigente político. As
pautas poderiam ter temas internacionais, nacionais, locais ou setoriais.
As células ou núcleos são espaços de discussão política para a ação.
O regime organizativo da C.S. era o centralismo democrático, onde
se discutia, votava-se a ação e se centralizava as ações dos militantes.
O jornal da C.S. ajudava a propagandear as ideias e o apoio às lutas
sociais e políticas. Cada militante também cotizava ou contribuía
financeiramente com a organização. Isso auxiliava na independência
política e financeira.
Mas precisamos destacar que, como uma corrente interna do
PT, a C.S. mantinha jornal próprio, sede própria, financiamento e
política independentes do PT. O que estava de acordo com a tática de
entrada no PT e tensionamento de seus erros para ganhar a militância
e forçar a sua saída (tática do entrismo). Isso custou a acusação de que
a C.S. era um partido dentro de outro partido. Segundo Jânio Vidal,
“O PT já questionava a C.S. ter jornal e sede própria”. Continua: “A
minha entrada na C.S. já é no processo de expulsão do PT, pela direção
majoritária. Já vinha uma discussão que a C.S. atrapalhava
o
projeto político do PT”.
A entrada da C.S. no PT e sua atuação no PT sempre esteve
marcada por um forte tensionamento, mesmo nas grandes campanhas.
Mas o fato revelador é o de que a própria decisão de entrada no PT não
era uma unanimidade na C.S. Conforme Fábio José Queiroz (2019),
“Na época, eu conversava com umas pessoas que
entraram antes que eu na C.S. E elas diziam que
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
771
a entrada no PT não foi um processo tranquilo.
Existem duas versões, interpretações. Havia um
grupo que era o da Zezé, que tinha resistência para
entrar no PT. E o grupo do qual Valério Arcary era
parte, que defendia que se somasse a construção
de um partido dos trabalhadores. Moreno cumpriu
um papel importante. Ele reuniu os dois grupos
na Colômbia, salvo engano, e disse que seria
importante a construção e experiência desse
partido. Bom, foi aí que coesionou o grupo para
entrar no PT. Mas isso não se deu sem rupturas,
não! Um setor, até onde eu sei, rompeu com a C.S.
Há uma ruptura muito grande na C.S. Acho que
em 1980, por aí. Em 78-80, ruptura de centenas de
pessoas. Mas tem outra versão que até o Nahuel
Moreno era contra a entrada no PT. E que, depois,
é que ele se convence que essa tática era correta.
É uma versão menos conhecida. Mas essas são as
duas interpretações mais conhecidas.”
Isso demonstra que dentro da C.S. havia um rico debate sobre
as táticas e essa característica pode dar uma dinâmica viva para a
organização. As organizações trotiskistas não se caracterizam apenas
por rupturas, que ocorrem no calor de ricos e efervescentes debates,
mas pelo binômio ruptura e fusão. Ou seja, ocorrem rupturas, mas
também fusões, aglutinação com outros agrupamentos, como no caso
da C.S. e o PLP em Fortaleza, no setor do Sindicato da Construção
Civil. De acordo com Jânio Vidal (2019),
“A C.S. aproximou os membros do C.G.B. num
comitê de enlace. Não era um mero comitê, mas,
segundo Valério Arcary, era para uma entrada num
polo aglutinador do partido. A entrada na C.S. com
um grupo de 7 ou 8 dirigentes do Sindicato da
Construção Civil que também entraram. Passamos
a nos reunir com a pauta de construção do partido:
a frente revolucionária como tática de aglutinação
772
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
para a fundação do partido. E, assim, a C.S., que
era marginal no Ceará, passou a dirigir o maior
sindicato operário do Estado.”
Algumas questões políticas foram decisivas para essa
aglutinação dos membros do PLP e Coletivo Gregório Bezerra (C.G.B.)
e a C.S. A caracterização sobre o PT, a questão do Leste Europeu e a
própria crise do prestismo. De acordo com Jânio Vidal (2019),
“Eu venho do rompimento com Prestes. Eu
venho de um grupo que ficou conhecido como os
prestistas. A leitura do Prestes era de que o P.T.
não era um partido socialista. Daí fundou o PLP
(Partido da Libertação Operária). Rompemos com
os prestistas. Aglutinamos no Coletivo Gregório
Bezerra (C.G.B.), que deságua na construção
do PLP, contra Prestes. Em janeiro de 1989. E,
depois, a questão do “Muro” pegou boa parte
da esquerda. Nós já tínhamos uma leitura muita
crítica da URSS. A queda do Muro também afetou
o PLP. Daí nós atuarmos na construção civil com o
PLP. E, em 1992, passamos a discutir com a C.S.,
devido a nossa crise e a crise do PT. A C.S. já fazia
uma crítica consistente e tinha uma militância
aguerrida. Que ía pra cima! Na construção civil,
nós já tínhamos uma parceria. Eu sou de uma
tradição de muita discussão, de muito quebra-pau,
com grandes quadros. E o mais “besta” era eu, que
dirigia a construção civil (risos).”
A atuação em conjunto e a convergência de ideias, bem como
o olhar sobre o PT, tanto do PLP como da C.S., permitiram essa
aglutinação de um importante agrupamento do PLP de Fortaleza à
C.S. Nas lembranças de Jânio Vidal (2019),
“Um militante histórico da C.S. foi deslocado para
construir esse trabalho na construção civil. Foi
Romildo Raposo86. Um dos primeiros vereadores
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
773
da década de 80. Romildo cumpria uma pena em
regime aberto. Ele veio em 1992 e ficou até 1996.
Veio junto com a esposa Eliane, que foi contratada
pelo sindicato. Nesse tempo, entraram junto
comigo Valdir, Aguiar, Manoel Farias. Depois do
Romildo, veio o companheiro Altemir.”
Jânio Vidal narra sobre os elementos que solidificaram a
aglutinação entre os membros do PLP e da C.S. em Fortaleza. Mas
percebia que nessa aglutinação a C.S. agregava teoricamente e
politicamente novos elementos. De acordo com ele,
“É inegável que a C.S. nos reorganiza nessa
trajetória petista. Por exemplo, Moreno ajustou a
caracterização do PT, como um partido burocrático
e não como um partido anticapitalista. Com o
instrumental de Moreno, nós afinamos na análise,
caracterização e política. E ainda a C.S. teve uma
leitura correta da restauração dos processos de
burocratização e fim da União Soviética. Essa
leitura era de Moreno, como algo progressivo.
Enquanto, toda esquerda de base stalinista, dos
PCs foi um baque medonho! Rapaz, o mundo se
acabou. Acho que isso tem a ver com a fundação
do PT sem querer falar de socialismo.”
A incorporação dos membros do PLP que atuavam no Sindicato
dos Trabalhadores da Construção Civil trouxe quadros experientes,
deu uma identidade operária a C.S. e a colocou sob a direção de um
dos sindicatos mais combativos sob a direção do PLP aglutinado à C.S.
Essa característica de classismo e inserção no operariado é uma marca
e princípio do marxismo. Foi um salto qualitativo, descrito assim por
Euclides de Agrela (2019),
“Muito marcante na minha trajetória, na minha
juventude, nos primeiros anos da minha militância,
foi a vinda dos operários da construção civil para a
774
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
C.S. A partir daí a C.S. deixa de ser uma organização
marginal, pequena, sem influência como direção
de uma categoria. Quando ganhamos os operários
da construção civil, passamos a ter influência num
dos setores mais explorados e oprimidos da classe
trabalhadora. E com os operários do PLP que
dirigiam os sindicatos.”
Em suas lembranças, Nericilda Rocha (2019) fornece
informações sobre como a C.S. se estruturava para manter sua
independência política em relação ao PT e também sobre a forma
organizativa:
“A C.S. tinha uma sede, apesar de ser uma corrente
interna do PT. Eu não recordo de ter ido à sede do
PT., entre 92 e 93. A sede da C.S. era uma casinha
pequenina na Jacarecanga, perto do cemitério, mas
bem antes. Nós entrávamos e tinha três cômodos. E
toda semana tinha reunião da C.S. E as discussões
sobre a contribuição, cotização financeira de cada
um por mês. A depender das possibilidades de
cada um. Os núcleos eram de mais ou menos nove
ou onze pessoas, de cursos variados. Eu lembro
do Euclides, Reinald da História, Franzé e Cleide
da Pedagogia, que eram pessoas com expressão
política em seus cursos.”
Ainda sobre o tema da questão organizativa da C.S. e sua
relação com o PT, Euclides de Agrela (2019) traz a seguinte opinião:
“Para a época, para o que era a militância do
PT, e a própria estrutura das categorias da classe
trabalhadora, organizada também na CUT, que
era muito forte na época, as estruturas do PT e
da CUT eram duas grandes estruturas da classe
trabalhadora no país. Tinham um peso grande no
movimento popular, bairros da periferia. Então,
essa organização tradicional de núcleos por
categoria de trabalhadores que a C.S. tinha, setores
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
775
sociais, movimento estudantil.”
Para uma organização que atuava na CUT e no PT, a C.S. buscou
a melhor forma de não acabar se diluindo nesses espaços, buscando se
organizar com autonomia e crítica ao PT e à CUT. Inseriu-se nos setores
de bancários, construção civil e no movimento estudantil de Fortaleza.
Aqueles que faziam parte de suas fileiras reuniam semanalmente em
seus núcleos, com centralismo democrático, cotizando com a C.S.
e propagandeando seu jornal. Suas reuniões eram em sede própria,
que garantia mais independência em relação ao PT. Para Euclides de
Agrela, falando sobre a composição dos núcleos da C.S. e os setores,
“Nós chegamos a ter um trabalho importante
nos têxteis de Maracanaú. Tivemos dois ou três
militantes de lá. Mas os dois setores principais
eram bancários e o setor estudantil, que tinham
núcleos mais dinâmicos, que tinham intervenção
nos seus setores. Em particular na UECE, com um
pequeno trabalho em secundaristas. Tivemos um
companheiro na Escola Técnica, em secundaristas
dois, às vezes três militantes.”
Evidentemente, com a chegada dos militantes do PLP e da
construção civil o núcleo mais dinâmico e prioritário passa a ser este.
A forma organizativa da C.S. e seus setores sociais foram o resultado
da tentativa de manter vivo o modelo bolchevique de organização,
adaptado à realidade brasileira e as especificidades alencarinas.
As Memoráveis Campanhas da C.S. em Fortaleza e em Juazeiro
do Norte
Os anos de 1980 foram anos de muita combatividade para a
esquerda no Ceará. Para a C.S. também. Esteve ativamente envolvida
776
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
nas lutas, porém não abdicou de participar de importantes campanhas
democráticas e eleitorais, vendo isso como uma tática de construção e
propaganda, mas também como um espaço de tensionamento ao PT.
Segundo Jânio Vidal (2019),
“A década de 80 foi interessantíssima para militar.
Nós fazíamos greve geral, fundou-se a CUT-Ceará
em 1986, e teve muito ascenso do movimento. O
PLP apoiou a candidatura do Lula em 1989. E, no
Ceará, tem a história do grupo CGB, que entra na
C.S. e já tinha a intenção de romper com o PT, já
fazendo as críticas a um partido de base operária,
mas que não tinha estratégia socialista. Eu tinha
uma expectativa: estou entrando na C.S. para
romper com o PT. E nesse contexto que entramos
na C.S.”
Mesmo atuando no PT e apoiando criticamente as candidaturas,
como a de Lula, não deixava de existir o tensionamento da C.S. Mas a
atuação da C.S. em campanhas eleitorais não esteve restrita à Fortaleza.
De acordo com Fábio José Queiroz (2019),
“Me engajei na campanha de candidatos do PT
no Ceará. Teve uma votação ínfima em Juazeiro.
Eu militava em Juazeiro, em 1982. Chegamos a
fazer campanha, pichações, panfletagens, pelos
candidatos do PT. Ali, foi meu batismo de sangue.
Segundo semestre de 1982.”
A campanha das Diretas Já! também entrou na tática da
C.S. Depois de 1984, a C.S. propõe o chamado a uma Assembleia
Constituinte no ano de 1986. Defendia-se a construção de um governo
operário, apostando na crise do governo Sarney e a possibilidade de
um governo operário como alternativa. Mas voltando ao tema da
campanha das Diretas Já!, Fabio José Queiroz (2019) lembra:
“Acho que foi a principal campanha que a
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
777
Convergência naquele momento abrigou e na qual
eu me envolvi de uma maneira mais direta. Ali, eu
diria que é o meu segundo “batismo de sangue”. A
campanha das Diretas Já! Participei dos comitês
que organizavam atos, várias vezes deixei de ir
trabalhar para ir aos atos. Eu me incorporei na
campanha de uma maneira mais protagonista e
comecei a estar no meio daquela juventude toda
que estava nas ruas, as pessoas que estavam
comigo no fortalecimento da C.S. e os que não
estavam na C.S. no Juazeiro do Norte.”
O jornal Alicerce da Juventude Socialista fez uma campanha
emblemática em torno das Diretas Já! Houve um Congresso em 1983
da C.S. O marco desse Congresso Nacional foi a unificação com o
grupo estudantil Alicerce da Juventude Socialista. Essa organização,
junto com a C.S., tinha um expressivo trabalho na juventude
estudantil, setor dinâmico nessa conjuntura e de muita importância
nessa campanha. Mas o fato revelador sobre isso é apontado por Fábio
José Queiroz (2019):
“Não havia acordo sequer sobre a tática do
Alicerce. Não é que todos tinham acordo com
essa tática. Até recentemente eu conversei com
alguns militantes da época, e eles ainda tem um
balanço crítico dessa tática, dizendo que a tática
do Alicerce atrasou a entrada da organização na
classe operária.”
Ao nosso ver, a tática do Alicerce introduziu a C.S. ou a
relocalizou num setor social (a juventude estudantil secundarista) que
tinha uma dinâmica expressiva. Quanto ao atraso na classe operária,
nos parece que a C.S. em sua existência não deixou de ter inserção.
Talvez, a questão girasse em torno de se ter apenas trabalho na classe
operária? Ou ter a possibilidade de manter esse trabalho e se inserir em
778
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
outro setor dinâmico? Para Nericilda Rocha (2019),
“A vanguarda no Brasil, nos anos 1980, ela tem o
classismo muito forte, ela tem o internacionalismo
presente, mas não é que fosse um processo
impulsionado pela direção de todas as correntes
no interior do PT. Eu penso que a C.S. tem esse
legado. Outra importância da C.S. é a de que ela foi
uma das poucas organizações no interior do PT que
conseguiu sair de um giro do movimento estudantil
no final dos anos 1970 para um giro sindical,
localizado em algumas categorias importantes do
proletariado nacional, que faz com que a C.S. tenha
uma corrente sindical no interior da CUT, que era
expressiva. Ou seja, o pé no movimento operário.
O que tinha a ver com a concepção da C.S. sobre
organização revolucionária. O pé na classe estava
relacionado com ter um partido inserido na classe
trabalhadora, porque a concepção era de revolução
socialista. A classe que dirigiaria o processo.”
Mesmo nos momentos de grandes campanhas, como as Diretas
Já!, que tiveram um protagonismo bem acentuado da juventude, a
C.S. não perdia de vista sua concepção e estratégia, ainda que com
divergências, ela não deixa de estar presente nessa campanha. Vai se
inserindo na juventude por meio do Alicerce, mas tendo seu objetivo
estratégico delineado.
Durante o ano de 1989, teve espaço a candidatura de Lula
para a Presidência da República. A C.S. participou dessa campanha
apresentando um programa de suspensão do pagamento das dívidas,
com auditoria da mesma, tributação, ou taxação da burguesia, e
prefeituras eleitas pelo PT à serviço dos trabalhadores. Euclides de
Agrela (2019) lembra sobre a campanha de 1989:
“Outra experiência marcante foi a própria
campanha de 1989. Por que essa campanha do
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
779
Lula foi muito marcante? Ela foi classista, foi
uma campanha com problemas no programa
reformistas, mas tinha elementos anticapitalistas,
onde havia um espaço à esquerda para as posições
da C.S. dentro da candidatura e da campanha.
Se fazia críticas ao PT como parte da campanha.
E eu, um menino de 17 anos, estava à frente de
um comitê pró- Lula, que reunia centenas de
pessoas. Foi uma experiência esse comitê, que
era no José Walter. Nós na campanha fazíamos
exigências e denúncias. Fazíamos campanha na
hora do almoço, nas escolas, nos bairros. Era uma
discussão política-programática com medidas
anticapitalistas. Inimaginável para os dias de hoje.
A C.S. se destaca na campanha do Lula como uma
corrente dinâmica da esquerda do PT e depois todo
esse processo de enfrentamento.”
A relação de tensão entre a C.S e o PT parecia aflorar e se
acalorar ainda mais nos momentos de grandes mobilizações ou
campanhas eleitorais. No setor do movimento estudantil, a polêmica
também girava em torno das táticas prioritárias. Como lembra Nericilda
Rocha (2019),
“Havia um debate que reverberava no interior do
M.E. que era sobre o PT. Qual era a antiga discussão
ou ainda atual discussão: sobre o que deveria ser
priorizado, se seria a mobilização, a ação direta das
lutas ou se seria a aposta nos processos eleitorais.
Em 1992, eram eleições municipais; em 1994, era
eleição nacional. Desde a derrota do Lula, o PT
já se preparava para feliz 1994. Então, em 1992,
você já tinha adesivos: Feliz 94! E essa discussão
reverberava no M.E. em Fortaleza.”
O abandono da estratégia socialista permaneceu nos marcos
da C.S. utilizando para tal fim tanto a tática eleitoral quanto a aposta
nas mobilizações. Para a C.S., as eleições não constituíam um fim
780
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
em si mesmo, mas uma tática para construção política, para propagar
suas ideias e buscar mobilizar a classe trabalhadora em torno de
um programa classista e socialista. O conflito e tensão com o PT se
dá pelo choque dessa estratégia socialista e o projeto do PT de ter
as eleições como estratégia, levando a uma gradativa adaptação ao
regime democrático burguês e a acordos e concessões à burguesia. A
crítica a esse processo é descrita nos seguintes termos por Euclides de
Agrela (2019):
“Eu me filiei ao PT, pois a C.S. era uma corrente
interna do PT. Em 1988, nós ainda estávamos
vivendo o início de um processo. A dimensão
estratégica do PT pela adaptação completa a
nascente democracia, sem perfil de independência
de classe. Mas o PT já caminhava a passos largos,
com o objetivo de ganhar as eleições, fazendo
grandes concessões ao capital financeiro e a
burguesia para chegar à Presidência da República.”
Para a C.S., essa primeira candidatura de Lula tinha elementos
progressistas. No ano de 1989, os elementos eram o classismo e o
anticapitalismo. Em Fortaleza, segundo as memórias de Euclides de
Agrela (2019), a C.S.,
“[...] em 1989, entra nessa campanha. Nós fizemos
um grande comitê no José Walter, que reuniu
dezenas de pessoas. Uma campanha grande, com
bastante agitação. Na universidade também! E
a C.S. cumpriu um papel bastante importante
em nível nacional. Obviamente, com bastante
independência, fazendo crítica as limitações do
programa. Mas reconhecendo que a candidatura
de Lula, apesar de uma série de concessões,
ainda representava uma candidatura classista. E
o Lula, por exemplo, vai para a TV falar contra
as privatizações, defende ocupações de terras.
Tinha um forte caráter, um conteúdo classista. E
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
781
até mesmo anticapitalista, com muitas limitações e
que não propunha nenhuma revolução socialista no
país. Mas essa campanha de 89 é completamente
diferente da de 2002.”
Apesar de pequena numericamente, a C.S. se engajou nas
grandes campanhas do PT, mantendo sua estratégia, como uma fração
pública, como uma corrente interna que tensionava o PT. No Brasil,
a C.S. elegeu ou apoiou candidaturas eleitas nos seguintes locais:
Belém, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São José dos Campos, Contagem,
Diadema e Timóteo, neste último com Geraldo Nascimento, expulso
da C.S por reprimir uma manifestação dos trabalhadores. Em 1989,
assumiu como suplente a deputado federal Ernesto Gradella da C.S.
No ano de 1990, a C.S. conseguiu eleger Ernesto Gradella como
deputado estadual em São Paulo e, em Belém, no Pará, elegeu Babá,
como deputado estadual. Em Fortaleza, a C.S. não conseguiu eleger
parlamentares, mas sempre esteve apresentando candidaturas que
defendiam o classismo e a revolução socialista. Deixamos para falar da
campanha Fora Collor no tópico seguinte, por ser o elemento central
para a expulsão da C.S. do PT.
O balanço e a importância da C.S. pelos depoimentos dos militantes
de Fortaleza
Conforme mencionamos, os principais setores de atuação
da C.S. em Fortaleza foram: bancários, movimento estudantil,
principalmente, na UECE, e, nos anos de 1990, com o ingresso dos
ex-militantes do PLP, no Sindicato dos Trabalhadores da Construção
Civil. Segundo Euclides Agrela (2019),
“A C.S. aqui na época era uma organização muito
782
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
pequena. No auge da C.S. aqui, nós chegamos a
reunir, chegamos a organizar de 89 até 92, não
mais do que 30 militantes. Entre esses tínhamos:
estudantes, dois funcionários públicos, um núcleo
pequeno de professores, um eletricitário, um
ferroviário. E depois os membros da construção
civil.”
Mas é importante lembrar que um grupo pequeno e coeso
de militantes, centralizados e bem localizados num setor social
pode chegar a se tornar um partido de massas. Não foi esse o caso
da Convergência Socialista, que teve como mérito em Fortaleza, se
enraizar junto ao sindicato da construção civil. Porém, seguindo um
raciocínio comparativo e histórico da C.S. em relação as outras correntes
trotiskistas do PT, poderemos ter um balanço mais equilibrado. É o
que aponta Euclides de Agrela (2019):
“Na história do trotiskismo brasileiro nessa última
etapa, do fim da ditadura militar, passando pela
redemocratização do país, nós tivemos três grandes
correntes: O Trabalho, a Democracia Socialista
e a Convergência Socialista. Dessas três grandes
correntes, a única corrente que conseguiu ter um
projeto alternativo e que se afirmou em relação
ao PT, que teve uma boa localização política
como uma corrente trotiskista, fazendo oposição
à direção majoritária do PT até a sua expulsão, e
mesmo depois de sua expulsão construir um partido
legal e independente do PT e que sobreviveu a isso
foi a Convergência Socialista. As outras correntes
que ficaram no interior do PT se dissolveram no
seu interior. A corrente O Trabalho depois de
sucessivas crises e rupturas é praticamente nada em
relação ao que foi. A D.S. também se dissolveu no
interior do PT. Não tem uma postura independente.
A C.S. passou pela prova dos fatos, conseguiu
fazer um entrismo vitorioso, perigoso e difícil de
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
783
12 anos no interior do PT. Mas você viver como
uma organização independente, trotiskista, de tipo
leninista no interior do PT por 12 anos, não é uma
tarefa fácil e sair desse processo sendo expulsa e
ter condições de juntar mais de mil militantes e
conseguir legalizar um partido socialista no Brasil.
E conseguiu legalizar esse partido de esquerda
antes mesmo do PSOL. Foi um processo bastante
vitorioso. Dentre essas três correntes trotiskistas
no Brasil, a mais vitoriosa e que passou pela prova
dos fatos foi a C.S.”
Apesar do entrismo da C.S. ter durado 12 anos, que é um
tempo longo. Leon Trotsky, ao destacar a forma do entrismo que
deveria ser em organizações operárias, por curto espaço de tempo e
com independência política e financeira. No entanto, para Nericilda
Rocha (2019), a importância da C.S. reside nos seguintes aspectos:
“E isso é um marco, pois a C.S. mantém uma coluna
de quadros para além do PT. Então, você está
numa organização que vai para além das fronteiras
do PT. Então se discutia o que se passava no Leste,
em Angola, na Nicarágua. A C.S. era uma corrente
interna de um partido político que ía para além
das fronteiras e limites desse partido político, pelo
projeto que tinha: construção de uma organização
revolucionária no Brasil.”
A manutenção desse projeto de construir essa organização
revolucionária no Brasil talvez seja um dos elementos que expliquem
o prosseguimento desse objetivo nos 12 anos de entrismo no PT e
depois com a expulsão. Nas lembranças de Fábio José Queiroz
(2019), ele afirma o papel da imprensa operária e socialista, firmada
no internacionalismo e classismo.
“Eu talvez seja a pessoa mais suspeita para falar. Se
não fosse o jornal operário, socialista, eu não teria
784
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
entrado na C.S. Foram dois jornais do Alicerce
da Juventude Socialista que me ganharam para o
projeto. Um trazia o princípio da independência
de classe com o slogan: trabalhador vota em
trabalhador! Isso me comoveu profundamente! Para
você ver: um jornal que expressa concretamente
um princípio como o da independência de classe,
condensado naquela palavra de ordem tão simples:
trabalhador vota em trabalhador! Dizia que nós não
podemos ficar votando nos candidatos dos patrões,
por mais simpáticos que eles se apresentem. E um
outro jornal que me ensinou um outro princípio,
do internacionalismo. A solidariedade com outros
povos, com pessoas que eu nunca vi na minha
vida, que eu talvez nunca verei na minha vida.
Eram pessoas que estavam sofrendo uma repressão
brutal de um Estado. O Estado de Israel.”
Muitos anos depois, Fábio José Queiroz será processado
pela burguesia de apoio sionista do Brasil, por escrever um artigo
denunciando outro caso de massacre do povo palestino pelo Estado de
Israel. O princípio do internacionalismo que se encontrava no jornal
contagiou o militante para futuramente se manter na defesa do mesmo
princípio. Mesmo sob ameaças. Para Fábio José Queiroz (2019), “O
jornal teve muito peso e importância para mim. Até porque eu acho
que as novas mídias e as antigas se completam”.
Em tempos de avanço do conservadorismo e de notícias falsas,
qual impacto teria uma imprensa classista, internacionalista e socialista
para os setores explorados? É uma pergunta difícil de responder. Mas
seria mais um instrumento de disputa ideológica para nós hoje. Eis
mais uma contribuição da C.S. para as esquerdas hoje.
Para Fábio José Queiroz (2019), essa experiência e história da
C.S. precisa ser contada, pois
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
785
“A experiência da Liga Operária, o jornal Versus,
o Movimento Convergência Socialista (MCS),
o jornal Convergência Socialista, Alicerce da
Juventude Socialista, o giro para o movimento
operário, a questão das opressões. Tudo isso é um
debate muito único que a C.S. nos permitiu. Essa
história precisa ser contada ainda. Eu tive dois
alunos que depois foram participar de um grupo de
pesquisa que eu tenho na universidade que estuda
marxismo e pesquisa marxismo. E eles escreveram
alguma coisa sobre a C.S. e a campanha das
Diretas! E no transcorrer da pesquisa, eu percebi
que ainda tem muita coisa, tem muito material
para ser estudado, para ser examinado, para ser
reconstruído.”
Esperamos ter contribuído para que uma parte dessa lacuna de
estudo sobre a C.S., em meio a tamanhas dificuldades e análise de
diversas fontes de pesquisa, reconstruímos parte da história e trajetória
de uma esquerda radical e outsider que foi reconhecida pelo Estado
brasileiro como um grupo perseguido pela ditadura civil- militar. E
que tem seu reconhecimento e importância nesse trabalho.
Um último balanço importante sobre a entrada e saída da C.S.
do PT foi apontado por Hernandez (1994, p.42),
“O artigo sobre os doze anos de militância da
C.S. no PT diz que essa organização cresceu
numericamente, passando de menos de 400
militantes, em 1980, a mais de mil, com influência
sobre milhares de ativistas no momento de sua
expulsão. [...] os militantes e dirigentes da C.S.
participaram de 94 sindicatos, 39 eram dirigentes
de grêmios estudantis e secundários e 41 de centros
universitários. A C.S. publicava um periódico
semanal da esquerda brasileira. Na última
conferência Nacional da C.S., em outubro de 93, a
Comissão de Credenciais comprovou a existência
786
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
de cerca de 1400 membros, entre militantes e
aspirantes.”
Segundo o mesmo autor, podemos ver não apenas o aumento
numérico, mas de referência que os militantes da C.S. passaram a ser.
Além de dirigirem importantes setores, do acúmulo de experiência nas
lutas.
A C.S. em Fortaleza, no movimento estudantil secundarista
e da UECE, defendeu a política de proporcionalidade nas eleições
de direções de DCEs e CAs, seguindo a democracia operária como
princípio. Segundo Euclides de Agrela (2019), essa discussão e defesa
da proporcionalidade no movimento secundarista o ajudou a entrar na
C.S.
“E, por outro lado, a C.S. numa discussão interna
do movimento secundarista da época, defendia
a proporcionalidade para a diretoria da União
Brasileira dos Estudantes Secundaristas. Essa
proposta democratizava a diretoria da entidade
(UBES) e permitia que as chapas minoritárias
pudessem compor as direções.”
Segundo Nericilda Rocha (2019), sobre a defesa da
proporcionalidade pela C.S. no movimento estudantil da UECE, a
questão ocorreu da seguinte forma: “Teve um Congresso Estudantil
da UECE e me chamou a atenção o debate sobre a questão da
proporcionalidade que era muito forte na época. A C.S. defendia essa
proposta, que era mais representativa”.
A proporcionalidade expressa o princípio da democracia
operária no movimento estudantil por garantir que não apenas os
grupos vitoriosos nas eleições majoritárias expressem sua política,
mas democratiza os espaços para que amplas posições possam se
expressar nas entidades.
II ENCONTRO INTERNACIONAL LEÓN TRÓTSKI (2023)
787
Considerações Finais
A Convergência Socialista, apesar de ser um pequeno grupo
militante, teve uma importante atuação em Fortaleza, mobilizando
setores operários e estudantis no combate ao regime militar e
politizando o debate local ao nível do internacionalismo. Manteve
a tradição trotiskista viva, atuante e ao lado da classe trabalhadora,
apontando o horizonte da Revolução Socialista como alternativa
essencial de combate ao capital e suas formas de exploração e de
opressão sobre a classe trabalhadora.
Referências bibliográficas
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militância do PT.” 1994. In: A política dos revolucionários frente à
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REVISTA CONVERGÊNCIA SOCIALISTA – 51 anos da Ditadura
Militar. Uma história a ser contada. São Paulo: Gráfica Forma Certa,
2015.